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Comitê Cientíco Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
HISTÓRIA GERAL
DA ÁFRICA
VII
África sob dominação
colonial,1880-1935
UNESCO Representação no BRASIL
Ministério da Educação do BRASIL
Universidade Federal de São Carlos
EDITOR ALBERT ADU BOAHEN
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HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA
VII
África sob dominação colonial,
1880-1935
Comitê Cientíco Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
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Coleção História Geral da África da UNESCO
Volume I Metodologia e pré-história da África
(Editor J. Ki-Zerbo)
Volume II África antiga
(Editor G. Mokhtar)
Volume III África do século VII ao XI
(Editor M. El Fasi)
(Editor Assistente I. Hrbek)
Volume IV África do século XII ao XVI
(Editor D. T. Niane)
Volume V África do século XVI ao XVIII
(Editor B. A. Ogot)
Volume VI África do século XIX à década de 1880
(Editor J. F. A. Ajayi)
Volume VII África sob dominação colonial, 1880-1935
(Editor A. A. Boahen)
Volume VIII África desde 1935
(Editor A. A. Mazrui)
(Editor Assistente C. Wondji)
Os autores o responveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro,
bem como pelas opiniões nele expressas, que não o necessariamente as da UNESCO,
nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e apresentação do
material ao longo deste livro não implicam a manifestão de qualquer opinião por parte
da UNESCO a respeito da condão jurídica de qualquer país, território, cidade, rego
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
Comitê Cientíco Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
HISTÓRIA GERAL
DA ÁFRICA
VII
África sob dominação
colonial, 1880-1935
EDITOR ALBERT ADU BOAHEN
Organização
das Nações Unidas
para a Educação,
a Ciência e a Cultura
História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 / editado por
Albert Adu Boahen. – 2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010.
1040 p.
ISBN: 978-85-7652-129-7
1. História 2. História contemporânea 3. História africana 4. Culturas africanas
5. Colonialismo 6. Resistência à opressão 7. Nacionalismo 8. África I. Adu Boahen, Albert
II. UNESCO III. Brasil. Ministério da Educação IV. Universidade Federal de São Carlos
Esta versão em português é fruto de uma parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil, a
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação do
Brasil (Secad/MEC) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Título original: General History of Africa, VII: Africa under colonial domination, 1880-1935. Paris:
UNESCO; Berkley, CA: University of California Press; London: Heinemann Educational
Publishers Ltd., 1985. (Primeira edição publicada em inglês).
© UNESCO 2010 (versão em português com revisão ortográca e revisão técnica)
Coordenação geral da edição e atualização: Valter Roberto Silvério
Revisão técnica: Kabengele Munanga
Preparação de texto: Eduardo Roque dos Reis Falcão
Revisão e atualização ortográca: M. Corina Rocha
Projeto gráco e diagramação: Marcia Marques / Casa de Ideias; Edson Fogaça e Paulo Selveira /
UNESCO no Brasil
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
Representação no Brasil
SAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, andar
70070-912 – Brasília DF – Brasil
Tel.: (55 61) 2106-3500
Fax: (55 61) 3322-4261
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Fax: (55 16) 3361-2081
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Impresso no Brasil
SUMÁRIO
Apresentação ...............................................................................................VII
Nota dos Tradutores .....................................................................................IX
Cronologia ....................................................................................................XI
Lista de Figuras ......................................................................................... XIII
Prefácio ...................................................................................................... XIX
Apresentação do Projeto .......................................................................... XXV
Capítulo 1 A África diante do desafio colonial ........................................... 1
Capítulo 2 Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral ......... 21
Capítulo 3 Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da
conquista ..................................................................................51
Capítulo 4 Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África .......... 73
Capítulo 5 Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no
Saara ........................................................................................ 99
Capítulo 6 Iniciativas e resistência africanas na África ocidental,
1880 -1914 ............................................................................. 129
Capítulo 7 Iniciativas e resistência africanas na África oriental,
1880 -1914 ............................................................................. 167
Capítulo 8 Iniciativas e resistência africanas na África central,
1880 -1914 ............................................................................. 191
VI
África sob dominação colonial, 1880-1935
Capítulo 9 Iniciativas e resistência africanas na África meridional .......... 219
Capítulo 10 Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas
à conquista e à dominação coloniais .................................... 251
Capítulo 11 Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois
Estados africanos .................................................................281
Capítulo 12 A Primeira Guerra Mundial e suas consequências .............. 319
Capítulo 13 A dominação europeia: métodos e instituições .................... 353
Capítulo 14 A economia colonial ............................................................377
Capítulo 15 A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas
e portuguesas (1914 -1935) .................................................. 401
Capítulo 16 A economia colonial: as antigas zonas britânicas .................437
Capítulo 17 Economia colonial: a África do norte .................................. 485
Capítulo 18 As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos
demográficos ........................................................................ 529
Capítulo 19 Repercussões sociais da dominação colonial: novas
estruturas sociais ..................................................................567
Capítulo 20 A religião na África durante a época colonial ......................591
Capítulo 21 As artes na África durante a dominação colonial ................625
Capítulo 22 A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935 ............... 657
Capítulo 23 Política e nacionalismo no nordeste da África,
1919 -1935 ............................................................................ 675
Capítulo 24 Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara,
1919 -1935 ............................................................................ 703
Capítulo 25 Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935 ...... 727
Capítulo 26 Política e o nacionalismo na África oriental,
1919 -1935 ............................................................................ 757
Capítulo 27 Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional,
1919 -1935 ............................................................................ 787
Capítulo 28 A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos
independentes na era colonial .............................................. 833
Capítulo 29 A África e o Novo Mundo .................................................. 875
Capítulo 30 O colonialismo na África: impacto e significação ............... 919
Membros do Comitê Científico Internacional para a Redação
de uma História Geral da África ...............................................................951
Dados biográficos dos autores do volume VII .......................................... 953
Abreviações e lista de periódicos ............................................................... 957
Referências bibliográficas .......................................................................... 961
Índice remissivo ....................................................................................... 1009
VII
APRESENTÃO
“Outra exigência imperativa é de que a história (e a cultura) da África devem pelo menos ser
vistas de dentro, não sendo medidas por réguas de valores estranhos... Mas essas conexões
têm que ser analisadas nos termos de trocas mútuas, e influências multilaterais em que algo
seja ouvido da contribuição africana para o desenvolvimento da espécie humana”. J. Ki-Zerbo,
História Geral da África, vol. I, p. LII.
A Representação da UNESCO no Brasil e o Ministério da Educação têm a satis-
fação de disponibilizar em português a Coleção da História Geral da África. Em seus
oito volumes, que cobrem desde a pré-história do continente africano até sua história
recente, a Coleção apresenta um amplo panorama das civilizações africanas. Com sua
publicação em língua portuguesa, cumpre-se o objetivo inicial da obra de colaborar para
uma nova leitura e melhor compreensão das sociedades e culturas africanas, e demons-
trar a importância das contribuições da África para a história do mundo. Cumpre-se,
também, o intuito de contribuir para uma disseminação, de forma ampla, e para uma
visão equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da África para a humanidade,
assim como para o estreitamento dos laços históricos existentes entre o Brasil e a África.
O acesso aos registros sobre a história e cultura africanas contidos nesta Coleção se
reveste de significativa importância. Apesar de passados mais de 26 anos após o lança-
mento do seu primeiro volume, ainda hoje sua relevância e singularidade são mundial-
mente reconhecidas, especialmente por ser uma história escrita ao longo de trinta anos
por mais de 350 especialistas, sob a coordenação de um comitê científico internacional
constituído por 39 intelectuais, dos quais dois terços africanos.
A imensa riqueza cultural, simbólica e tecnológica subtraída da África para o conti-
nente americano criou condições para o desenvolvimento de sociedades onde elementos
europeus, africanos, das populações originárias e, posteriormente, de outras regiões do
mundo se combinassem de formas distintas e complexas. Apenas recentemente, tem-
se considerado o papel civilizatório que os negros vindos da África desempenharam
na formação da sociedade brasileira. Essa compreensão, no entanto, ainda está restrita
aos altos estudos acadêmicos e são poucas as fontes de acesso público para avaliar este
complexo processo, considerando inclusive o ponto de vista do continente africano.
APRESENTAÇÃO
VIII
África sob dominação colonial, 1880-1935
A publicação da Coleção da História Geral da África em português é também resul-
tado do compromisso de ambas as instituições em combater todas as formas de desigual-
dades, conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),
especialmente no sentido de contribuir para a prevenção e eliminação de todas as formas
de manifestação de discriminação étnica e racial, conforme estabelecido na Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1965.
Para o Brasil, que vem fortalecendo as relações diplomáticas, a cooperação econô-
mica e o intercâmbio cultural com aquele continente, essa iniciativa é mais um passo
importante para a consolidação da nova agenda política. A crescente aproximação com
os países da África se reflete internamente na crescente valorização do papel do negro
na sociedade brasileira e na denúncia das diversas formas de racismo. O enfrentamento
da desigualdade entre brancos e negros no país e a educação para as relações étnicas
e raciais ganhou maior relevância com a Constituição de 1988. O reconhecimento da
prática do racismo como crime é uma das expressões da decisão da sociedade brasileira
de superar a herança persistente da escravidão. Recentemente, o sistema educacional
recebeu a responsabilidade de promover a valorização da contribuição africana quando,
por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e
com a aprovação da Lei 10.639 de 2003, tornou-se obrigatório o ensino da história e
da cultura africana e afro-brasileira no currículo da educação básica.
Essa Lei é um marco histórico para a educação e a sociedade brasileira por criar, via
currículo escolar, um espaço de diálogo e de aprendizagem visando estimular o conheci-
mento sobre a história e cultura da África e dos africanos, a história e cultura dos negros
no Brasil e as contribuições na formação da sociedade brasileira nas suas diferentes
áreas: social, econômica e política. Colabora, nessa direção, para dar acesso a negros e
não negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenças socioculturais
presentes na formação do país. Mais ainda, contribui para o processo de conhecimento,
reconhecimento e valorização da diversidade étnica e racial brasileira.
Nessa perspectiva, a UNESCO e o Ministério da Educação acreditam que esta publica-
ção estimulará o necessário avanço e aprofundamento de estudos, debates e pesquisas sobre
a temática, bem como a elaboração de materiais pedagógicos que subsidiem a formação
inicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos. Objetivam assim com
esta edição em português da História Geral da África contribuir para uma efetiva educação
das relações étnicas e raciais no país, conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relões Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-
brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educação.
Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano.
Vincent Defourny Fernando Haddad
Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educação do Brasil
IX
NOTA DOS TRADUTORES
NOTA DOS TRADUTORES
A Conferência de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial dife-
rente daquele que motivou as duas primeiras conferências organizadas pela
ONU sobre o tema da discriminação racial e do racismo: em 1978 e 1983 em
Genebra, na Suíça, o alvo da condenação era o apartheid.
A conferência de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de temas, entre
os quais vale destacar a avaliação dos avanços na luta contra o racismo, na luta
contra a discriminação racial e as formas correlatas de discriminação; a avaliação
dos obstáculos que impedem esse avanço em seus diversos contextos; bem como
a sugestão de medidas de combate às expressões de racismo e intolerâncias.
Após Durban, no caso brasileiro, um dos aspectos para o equacionamento
da questão social na agenda do governo federal é a implementação de políticas
públicas para a eliminação das desvantagens raciais, de que o grupo afrodescen-
dente padece, e, ao mesmo tempo, a possibilidade de cumprir parte importante
das recomendações da conferência para os Estados Nacionais e organismos
internacionais.
No que se refere à educação, o diagnóstico realizado em novembro de 2007,
a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/
MEC), constatou que existia um amplo consenso entre os diferentes participan-
tes, que concordavam, no tocante a Lei 10.639-2003, em relação ao seu baixo
grau de institucionalização e sua desigual aplicação no território nacional. Entre
X
África sob dominação colonial, 1880-1935
os fatores assinalados para a explicação da pouca institucionalização da lei estava
a falta de materiais de referência e didáticos voltados à História de África.
Por outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos disponíveis sobre
a História da África, havia um certo consenso em afirmar que durante muito
tempo, e ainda hoje, a maior parte deles apresenta uma imagem racializada e
eurocêntrica do continente africano, desfigurando e desumanizando especial-
mente sua história, uma história quase inexistente para muitos até a chegada
dos europeus e do colonialismo no século XIX.
Rompendo com essa visão, a História Geral da África publicada pela UNESCO
é uma obra coletiva cujo objetivo é a melhor compreensão das sociedades e cul-
turas africanas e demonstrar a importância das contribuições da África para a
história do mundo. Ela nasceu da demanda feita à UNESCO pelas novas nações
africanas recém-independentes, que viam a importância de contar com uma his-
tória da África que oferecesse uma visão abrangente e completa do continente,
para além das leituras e compreensões convencionais. Em 1964, a UNESCO
assumiu o compromisso da preparação e publicação da História Geral da África.
Uma das suas características mais relevantes é que ela permite compreender
a evolução histórica dos povos africanos em sua relação com os outros povos.
Contudo, até os dias de hoje, o uso da História Geral da África tem se limitado
sobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas e tem sido menos
usada pelos professores/as e estudantes. No caso brasileiro, um dos motivos
desta limitação era a ausência de uma tradução do conjunto dos volumes que
compõem a obra em língua portuguesa.
A Universidade Federal de São Carlos, por meio do Núcleo de Estudos
Afrobrasileiros (NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir o trabalho de
tradução e atualização ortográfica do conjunto dos volumes, agradece o apoio
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD),
do Ministério da Educação (MEC) e da UNESCO por terem propiciado as
condições para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa conhecer e
ter orgulho de compartilhar com outros povos do continente americano o legado
do continente africano para nossa formação social e cultural.
Na apresentação das datas da pré-história convencionou-se adotar dois tipos
de notação, com base nos seguintes critérios:
• Tomando como ponto de partida a época atual, isto é, datas B.P. (before
present), tendo como referência o ano de + 1950; nesse caso, as datas são
todas negativas em relação a + 1950.
• Usando como referencial o início da Era Cristã; nesse caso, as datas
são simplesmente precedidas dos sinais - ou +. No que diz respeito aos
séculos, as menções antes de Cristo e “depois de Cristo” são substituídas
por “antes da Era Cristã”,da Era Cristã”.
Exemplos:
(i) 2300 B.P. = -350
(ii) 2900 a.C. = -2900
1800 d.C. = +1800
(iii) século V a.C. = século V antes da Era Cristã
século III d.C. = século III da Era Cristã
CRONOLOGIA
XIII
Lista de Figuras
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 A África em 1880, em vésperas da partilha e da conquista .................................... 2
Figura 1.2 A guerra dos Ashanti, em 1896 (Costa do Ouro) ..................................................9
Figura 2.1 A Conferência de Berlim sobre a África Ocidental (1884-1885) ........................34
Figuras 2.2a a 2.2f Armas de guerra utilizadas por europeus e africanos entre 1880 e
1935 ........................................................................................................47
Figura 2.3 A África de 1914 .................................................................................................50
Figura 4.1 O Coronel Ahmad Urabi .....................................................................................75
Figura 4.2 Política e nacionalismo no nordeste da África ..................................................... 76
Figura 4.3 Alexandria após o bombardeamento de julho de 1882 pela frota britânica .........78
Figura 4.4 Abbas Hilmi (Abbas II, 1892 -1914), quediva do Egito ......................................81
Figura 4.5 Muhammad Ahmad ibn Abdallah, o Mahdi (1844 -1885) .................................. 84
Figura 4.6 Mamud Ahmad, um dos comandantes dos Ansar (exército mahdista) ................ 90
Figura 5.1 As grandes regiões do Maghreb e do Saara ....................................................... 100
Figura 5.2 As campanhas europeias no Maghreb. ............................................................... 104
Figura 5.3 A Tripolitânia otomana, Sirte e a Cirenaica ....................................................... 109
Figura 5.4 Sayyid Ahmad al -Sharif al -Sanusi, chefe espiritual dos Sanusiyya .................... 110
Figura 5.5 Umar al -Mukhtar, um dos chefes da resistência Sanusi à colonização italiana .....115
Figura 5.6 Amghar Hassu u Basallam, dos Ilemchan (Ait Atta do Saara), chefe dos
combatentes da resistência de Bu Ghafir (Saghru), na Argélia, em 1933 ..............117
Figura 5.7 Guerra do Rif no Marrocos ...............................................................................124
Figura 6.1 Estados e povos da África ocidental nas vésperas da partilha europeia..............131
Figura 6.2 Samori Touré (c. 1830 -1900), após a sua captura pelo capitão Gouraud ........... 139
XIV
África sob dominação colonial, 1880-1935
Figura 6.3 Nana Prempeh I (c. 1873-1931) no exílio nas Seychelles, cerca de 1908 ..........150
Figura 6.4 Jaja (c. 1821 -1891), soberano do Estado de Opobo, no delta do Níger ............. 154
Figura 6.5 Bai Bureh (c. 1845 -1908), chefe da rebelião provocada pelo imposto de
palhota, em 1898 ................................................................................................160
Figura 6.6a Levante na Costa do Marfim no início da década de 1900 .............................163
Figura 6.6b Costa do Marfim: o tenente Boudet aceita a rendição dos chefes
tradicionais ............................................................................................163
Figura 7.1 Povos e divisão política da África oriental ......................................................... 169
Figura 7.2 Equipe volante de assentadores de dormentes na construção da estrada de
ferro de Uganda .................................................................................................. 172
Figura 7.3 O chefe Abushiri (c. 1845 -1889), líder da resistência costeira à colonização
alemã e britânica na África oriental, 1888 -1889.................................................178
Figura 7.4 Mwanga (c. 1866 -1903), ex -rei de Buganda, e Kabarega (c. 1850 -1923),
ex -rei de Bunyoro ............................................................................................... 181
Figura 8.1 Povos e divisão política da África central, c. 1900. ............................................. 193
Figura 8.2 Chefe bemba no meio do seu povo, recebendo um europeu, 1883 .................... 197
Figura 8.3 Gungunhana e seus guerreiros ........................................................................... 199
Figura 8.4 Mapondera, chefe rebelde da Rodésia do Sul (atual Zimbábue) .......................207
Figura 9.1 Povos e divisão política do sul da África ............................................................221
Figura 9.2 Campo de batalha de Isandhlwana, 1879 ..........................................................228
Figura 9.3 Lobengula (c. 1836 -1894), rei dos Ndebele, 1870 -1894 .................................... 230
Figura 9.4 Moshoeshoe I, rei dos Basuto (c. 1785 -1870) .................................................... 236
Figura 10.1 Madagáscar em fins do século XIX .................................................................. 252
Figura 10.2 Rainilaiarivony, primeiro -ministro de Madagáscar (1864 -1895), marido
de Ranavalona II e III .....................................................................................253
Figura 10.3 A rainha Ranavalona III (1883 -1897) em traje de gala ................................... 253
Figura 10.4 Principais zonas das rebeliões Menalamba....................................................... 265
Figura 10.5 Madagáscar: trabalhadores empregados na contrução da estrada de ferro de
Tananarive – Tamatave..................................................................................... 273
Figura 10.6 Resistência, insurreição e nacionalismo em Madagáscar, 1896 -1935 ............... 275
Figura 11.1 Libéria: território anexado pelos américo-liberianos, 1822-1874 ..................... 283
Figura 11.2 Expansão do território etíope no reinado do imperador Menelik II ................ 287
Figura 11.3 Menelik, rei de Shoa (1865 -1889); imperador da Etpia (1889 -1913) ...................288
Figura 11.4 E. J. Barclay, secretário de Estado da Libéria ................................................... 293
Figura 11.5 Arthur Barclay, presidente da Libéria (1904 -1911) .........................................294
Figura 11.6 Usurpações britânicas e francesas no território reivindicado pela Libéria,
1882-1914 ........................................................................................................ 296
Figura 11.7 A Etiópia e a corrida para a África .................................................................. 300
Figura 11.8 A batalha de Adua ........................................................................................... 306
Figura 11.9 Professores e alunos do colégio da Libéria, 1900 ............................................. 312
Figura 12.1(A) (E) A guerra em solo africano .................................................................320
XV
Lista de Figuras
Figura 12.2 General P. E. Von Lettow-Vorbeck .................................................................. 326
Figura 12.3 A campanha na África Oriental Alemã ........................................................... 329
Figura 12.4 Voluntários forçados” do Egito embarcando para o estrangeiro ..................... 331
Figura 12.5 África Oriental Alemã: feridos esperam para serem removidos de Nyangao,
depois da batalha de Mahiwa (15 a 19 de outubro de 1917) ........................... 331
Figura 12.6 A campanha na África Oriental Alemã: tropas autóctones do exército belga
voltam para a costa depois de os alemães terem cruzado o rio Rovuma ........... 331
Figura 12.7 O desenho da África depois da Primeira Guerra Mundial ..............................348
Figura 13.1 Sir Frederick Lugard (1858 -1945) ...................................................................... 354
Figura 13.2
Louis -Gabriel Angoulvant, governador da Costa do Marfim, 1908 -1916 ........ 354
Figura 13.3 General Joseph Simon Gallieni (1849 -1916), comandante superior do
Sudão francês, 1886 -1888; governador -geral de Madagáscar, 1896 -1905 ....... 354
Figura 13.4 Albert Heinrich Schnee (1871 -1949), governador da África Oriental
Alemã, 1912 -1918 ............................................................................................354
Figura 13.5 Louis -Hubert Lyautey (1859 -1935), residente -geral francês no Marrocos,
1912 -1925 ........................................................................................................ 363
Figura 13.6 A administração indireta em ação: o príncipe de Gales recebe chefes em
Acra .................................................................................................................. 365
Figura 13.7 A campanha na África Oriental Alemã: askaris da África oriental enviados
como agentes recrutadores pela administração civil .......................................... 372
Figura 15.1 Os recursos das colônias francesas, belgas e portuguesas ................................. 402
Figura 15.2 Comércio exterior colonial das antigas zonas francesas, belgas e
portuguesas ....................................................................................................... 405
Figura 15.3 Avaliação aproximada das possibilidades monetárias africanas na Guiné
Francesa (1928 -1938) .......................................................................................421
Figura 16.1 África oriental: desenvolvimento econômico das antigas zonas britânicas ....... 442
Figura 16.2 África ocidental: desenvolvimento econômico das antigas zonas
britânicas ..........................................................................................................447
Figura 16.3 Colheita de chá na Niassalândia .........................................................................450
Figura 16.4 Abrindo cacau na Costa do Ouro .................................................................... 453
Figura 16.5 África oriental: desenvolvimento econômico das antigas zonas britânicas ....... 459
Figura 16.6 Operários negros em uma mina na África do Sul ............................................ 476
Figura 16.7 Extensão da rede ferroviária da República da África do Sul, entre 1900 e
1953 ..................................................................................................................478
Figura 17.1 Desenvolvimento econômico durante o período colonial no noroeste
da África ........................................................................................................... 486
Figura 17.2 Vinhedos europeus na Argélia, por volta de 1930 ............................................ 490
Figura 17.3 A implantação da colonização agrícola na Tunísia, em 1921 ........................... 491
Figura 17.4 Déficit da balança comercial marroquina, de 1912 a 1938 ............................... 499
Figura 17.5 Comércio global da Argélia, de 1915 a 1938 ................................................... 500
Figura 17.6 Parcela referente à França no comércio global da Argélia, de 1920 a 1938 ..... 500
Figura 17.7 Produção e exportação de azeite de oliveira tunisiano de 1931 a 1939 ............ 505
XVI
África sob dominação colonial, 1880-1935
Figura 17.8 Líbia, Egito e Sudão: desenvolvimento econômico na época colonial ............. 511
Figura 17.9 Assuã: as águas do Nilo na saída da barragem (1937) ..................................... 518
Figura 17.10 Cultura do algodão de Djazīra, região situada ao sul da confluência do
Nilo Azul com o Nilo Branco ........................................................................ 526
Figura 18.1 Leprosário móvel numa pequena aldeia ao norte de Bangui ........................... 558
Figura 19.1 Vista geral de Lagos, Nigéria, um dos principais portos da África
ocidental na época colonial ..............................................................................571
Figura 19.2 Escola secundária CMS de Mengo, Uganda: em busca do saber ..................... 578
Figura 19.3 Jogo de críquete na colônia: a formação da nova elite...................................... 580
Figura 19.4 Festa na casa do governador de Lagos: a nova elite e os administradores
coloniais ...........................................................................................................582
Figura 20.1 Personagens Makishie durante uma cerimônia de iniciação, em Zâmbia ........ 594
Figura 20.2 Membros de uma sociedade secreta em Serra Leoa ......................................... 599
Figura 20.3 Fachada de uma mesquita no norte de Gana. .................................................. 605
Figura 20.4 William Wade Harris, o evangelista liberiano da África ocidental .................. 614
Figura 20.5 O reverendo John Chilembwe (1860/1870-1915), chefe da revolta de 1915
na Niassalândia, e sua família ........................................................................... 617
Figura 20.6 O profeta Simon Kimbangu (.  -), fundador da Église-de-Jésus-
-Christ-sur-la-terre (Igreja de Jesus Cristo sobre a Terra), no Congo Belga ...619
Figura 20.7 O profeta M. Jehu -Appiah, Akaboha III, neto e sucessor do fundador da
Igreja Musama Disco Christo (Costa do Ouro, Gana) .................................... 622
Figura 21.1 Estátuas de madeira provenientes de um santuário Yoruba dedicado a
Shango. ............................................................................................................. 627
Figura 21.2 Kuduo akan em cobre, de Gana ....................................................................... 630
Figura 21.3 O bispo Samuel Ajayi Crowther (1808-1891) .................................................640
Figura 23.1 Nacionalismo no Egito: Zaghlūl Pacha (c. 1857-1927) ......................................678
Figura 23.2
O movimento nacionalista no Egito ( 1918-1923) .........................................682
Figura 23.3 O University College de Khartum, em 1953 ................................................... 686
Figura 24.1 Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919-1935 ........................... 704
Figura 24.2 Abdel Karīm (1882 -1963), cádi de Melilla, chefe da resistência
marroquina ao imperialismo espanhol, durante a guerra do Rīf , 1921 -1926 ..712
Figura 24.3 Guerra do Rīf: soldados espanhóis exibem as cabeças decepadas de
soldados de Abdel Karīm ................................................................................. 712
Figura 24.4 Habib Bourguiba (nascido em 1903), líder do Partido Neo -Destour
(Tunísia) ...........................................................................................................722
Figura 25.1 Política e nacionalismo na África ocidental, 1919-1935 ..................................728
Figura 25.2 I. T. A. Wallace Jonhson (1894-1965), jornalista de Serra Leoa,
sindicalista, pan-africanista e político nacionalista ...........................................735
Figura 25.3 A delegação do National Congress of British West Africa que visitou
Londres em 1921 .............................................................................................737
Figura 25.4 Blaise Diagne (1872-1934), primeiro deputado africano eleito para a
Assembleia Nacional da França ....................................................................... 751
XVII
Lista de Figuras
Figura 26.1 Política e nacionalismo na África oriental, 1919-1935. .................................... 758
Figura 26.2 O reverendo Alfayo Odongo Mango Ka Konya, fundador da Joroho
Church entre os Luo em 1932 .........................................................................765
Figura 26.3 Jomo Kenyatta (1890 -1978), nacionalista queniano e primeiro presidente
do Quênia independente, 1963 -1978 ............................................................... 773
Figura 26.4 Harry Thuku (1895 -1970), um dos fundadores e dirigente da East
African Association .......................................................................................... 774
Figura 27.1 Isaiah Shembe (1870 -1931), fundador dos nazaritas da África do Sul
(Igreja Sionista Africana) ......................................................................................795
Figura 27.2 Política e nacionalismo na África do Sul, 1919-1935 ...................................... 797
Figura 27.3 Política e nacionalismo na África central, 1919-1935 ......................................800
Figura 28.1 Didwo Twe, senador Kru da Libéria, um dos raros autóctones a ascender
a uma função pública de primeiro plano ..........................................................837
Figura 28.2 Charles Dunbar B. King, presidente da Libéria ...............................................841
Figura 28.3 Hailé Selassié I, imperador da Etiópia (1930 -1974) ........................................ 845
Figura 28.4 A Libéria e a borracha. Trabalhadores de uma grande plantação prontos
para a colheita .................................................................................................. 850
Figura 28.5 Distribuição da malha rodoviária na Libéria em 1925. .................................... 852
Figura 28.6 Invasão da Etiópia pela Itália fascista ..............................................................868
Figura 29.1 Marcus Garvey (1887 -1940), fundador e chefe da Universal Negro
Improvement Association ................................................................................ 880
Figura 29.2 Os afro-brasileiros na África ocidental, nos séculos XVIII e XIX ................... 884
Figura 29.3 J. E. K. Aggrey (1875 -1921), educador da Costa do Ouro ..............................895
Figura 29.4 Nnamdi Azikiwe (nascido em 1904), jornalista nigeriano, pan -africanista
e político........................................................................................................... 898
Figura 29.5 Influência religiosa dos Yoruba na Bahia, Brasil ..............................................913
Figura 29.6 Mesquita central de Lagos, um exemplo da influência brasileira na
arquitetura da Nigéria ......................................................................................917
XIX
Prefácio
PREFÁCIO
por M. Amadou - Mahtar M’Bow,
Diretor Geral da UNESCO (1974-1987)
Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espécie esconderam do
mundo a real história da África. As sociedades africanas passavam por socie-
dades que não podiam ter história. Apesar de importantes trabalhos efetuados
desde as primeiras décadas deste século por pioneiros como Leo Frobenius,
Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande número de especialistas não-
africanos, ligados a certos postulados, sustentavam que essas sociedades não
podiam ser objeto de um estudo científico, notadamente por falta de fontes e
documentos escritos.
Se a Ilíada e a Odisséia podiam ser devidamente consideradas como fontes
essenciais da história da Grécia antiga, em contrapartida, negava-se todo valor
à tradição oral africana, essa memória dos povos que fornece, em suas vidas, a
trama de tantos acontecimentos marcantes. Ao escrever a história de grande
parte da África, recorria-se somente a fontes externas à África, oferecendo
uma visão não do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo
que se pensava que ele deveria ser. Tomando freqüentemente a Idade Média
européia como ponto de referência, os modos de produção, as relações sociais
tanto quanto as instituições políticas não eram percebidos senão em referência
ao passado da Europa.
Com efeito, havia uma recusa a considerar o povo africano como o criador
de culturas originais que floresceram e se perpetuaram, através dos séculos, por
XX
África sob dominação colonial, 1880-1935
vias que lhes são próprias e que o historiador só pode apreender renunciando a
certos preconceitos e renovando seu método.
Da mesma forma, o continente africano quase nunca era considerado como
uma entidade histórica. Em contrário, enfatizava-se tudo o que pudesse refor-
çar a idéia de uma cisão que teria existido, desde sempre, entre uma África
branca” e uma “África negra que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-se
frequentemente o Saara como um espaço impenetrável que tornaria impossíveis
misturas entre etnias e povos, bem como trocas de bens, crenças, hábitos e idéias
entre as sociedades constituídas de um lado e de outro do deserto. Traçavam-se
fronteiras intransponíveis entre as civilizações do antigo Egito e da Núbia e
aquelas dos povos subsaarianos.
Certamente, a história da África norte-saariana esteve antes ligada àquela da
bacia mediterrânea, muito mais que a história da África subsaariana mas, nos
dias atuais, é amplamente reconhecido que as civilizações do continente africano,
pela sua variedade lingüística e cultural, formam em graus variados as vertentes
históricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laços seculares.
Um outro fenômeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passado
africano foi o aparecimento, com o tráfico negreiro e a colonização, de estereótipos
raciais criadores de desprezo e incompreensão, tão profundamente consolidados
que corromperam inclusive os próprios conceitos da historiografia. Desde que
foram empregadas as noções de brancos” e negros”, para nomear genericamente
os colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os africanos foram
levados a lutar contra uma dupla servidão, econômica e psicológica. Marcado
pela pigmentação de sua pele, transformado em uma mercadoria, entre outras, e
condenado ao trabalho forçado, o africano passou a simbolizar, na consciência de
seus dominadores, uma essência racial imaginária e ilusoriamente inferior àquela
do negro. Este processo de falsa identificação depreciou a história dos povos afri-
canos, no espírito de muitos, rebaixando-a a uma etno-história em cuja apreciação
das realidades históricas e culturais não podia ser senão falseada.
A situação evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em
particular, desde que os países da África, tendo alcançado sua independência,
começaram a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dos
intercâmbios a ela inerentes. Historiadores, em número crescente, esforçaram-
se em abordar o estudo da África com mais rigor, objetividade e abertura de
espírito, empregando obviamente com as devidas precauções fontes africanas
originais. No exercício de seu direito à iniciativa histórica, os próprios africanos
sentiram profundamente a necessidade de restabelecer, em bases sólidas, a his-
toricidade de suas sociedades.
XXI
Prefácio
É nesse contexto que emerge a importância da História Geral da África, em
oito volumes, cuja publicação a Unesco começou.
Os especialistas de numerosos países que se empenharam nessa obra, pre-
ocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os fundamentos teóricos e
metodológicos. Eles tiveram o cuidado em questionar as simplificações abusivas
criadas por uma concepção linear e limitativa da história universal, bem como
em restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessário e possível. Eles esfor-
çaram-se para extrair os dados históricos que permitissem melhor acompanhar
a evolução dos diferentes povos africanos em sua especificidade sociocultural.
Nessa tarefa imensa, complexa e árdua em vista da diversidade de fontes e
da dispersão dos documentos, a UNESCO procedeu por etapas. A primeira
fase (1965-1969) consistiu em trabalhos de documentação e de planificação da
obra. Atividades operacionais foram conduzidas in loco, através de pesquisas de
campo: campanhas de coleta da tradição oral, criação de centros regionais de
documentação para a tradição oral, coleta de manuscritos inéditos em árabe e
ajami (línguas africanas escritas em caracteres árabes), compilação de inventários
de arquivos e preparação de um Guia das fontes da história da África, publicado
posteriormente, em nove volumes, a partir dos arquivos e bibliotecas dos países
da Europa. Por outro lado, foram organizados encontros, entre especialistas
africanos e de outros continentes, durante os quais discutiu-se questões meto-
dológicas e traçou-se as grandes linhas do projeto, após atencioso exame das
fontes disponíveis.
Uma segunda etapa (1969 a 1971) foi consagrada ao detalhamento e à articu-
lação do conjunto da obra. Durante esse período, realizaram-se reuniões interna-
cionais de especialistas em Paris (1969) e Addis-Abeba (1970), com o propósito
de examinar e detalhar os problemas relativos à redação e à publicação da obra:
apresentação em oito volumes, edição principal em inglês, francês e árabe, assim
como traduções para línguas africanas, tais como o kiswahili, o hawsa, o peul, o
yoruba ou o lingala. Igualmente estão previstas traduções para o alemão, russo,
português, espanhol e chinês
1
, além de edições resumidas, destinadas a um
público mais amplo, tanto africano quanto internacional.
A terceira e última fase constituiu-se na redação e na publicação do trabalho.
Ela começou pela nomeação de um Comitê Científico Internacional de trinta e
1 O volume I foi publicado em inglês, árabe, chinês, coreano, espanhol, francês, hawsa, italiano, kiswahili,
peul e português; o volume II em inglês, árabe, chinês, coreano, espanhol, francês, hawsa, italiano, kiswahili,
peul e português; o volume III em inglês, árabe, espanhol e francês; o volume IV em inglês, árabe, chinês,
espanhol, francês e português; o volume V em inglês e árabe; o volume VI em inglês, árabe e francês; o
volume VII em inglês, árabe, chinês, espanhol, francês e português; o VIII em inglês e francês.
XXII
África sob dominação colonial, 1880-1935
nove membros, composto por africanos e não-africanos, na respectiva proporção
de dois terços e um terço, a quem incumbiu-se a responsabilidade intelectual
pela obra.
Interdisciplinar, o método seguido caracterizou-se tanto pela pluralidade
de abordagens teóricas quanto de fontes. Dentre essas últimas, é preciso citar
primeiramente a arqueologia, detentora de grande parte das chaves da história
das culturas e das civilizações africanas. Graças a ela, admite-se, nos dias atuais,
reconhecer que a África foi, com toda probabilidade, o berço da humanidade,
palco de uma das primeiras revoluções tecnológicas da história, ocorrida no
período Neolítico. A arqueologia igualmente mostrou que, na África, especifi-
camente no Egito, desenvolveu-se uma das antigas civilizações mais brilhantes
do mundo. Outra fonte digna de nota é a tradição oral que, até recentemente
desconhecida, aparece hoje como uma preciosa fonte para a reconstituição da
história da África, permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no
tempo e no espaço, compreender, a partir de seu interior, a visão africana do
mundo, e apreender os traços originais dos valores que fundam as culturas e as
instituições do continente.
Saber-se-á reconhecer o mérito do Comitê Científico Internacional encarre-
gado dessa História geral da África, de seu relator, bem como de seus coordena-
dores e autores dos diferentes volumes e capítulos, por terem lançado uma luz
original sobre o passado da África, abraçado em sua totalidade, evitando todo
dogmatismo no estudo de questões essenciais, tais como: o tráfico negreiro, essa
sangria sem fim”, responsável por umas das deportações mais cruéis da história
dos povos e que despojou o continente de uma parte de suas forças vivas, no
momento em que esse último desempenhava um papel determinante no pro-
gresso econômico e comercial da Europa; a colonização, com todas suas conse-
qüências nos âmbitos demográfico, econômico, psicológico e cultural; as relações
entre a África ao sul do Saara e o mundo árabe; o processo de descolonização e
de construção nacional, mobilizador da razão e da paixão de pessoas ainda vivas
e muitas vezes em plena atividade. Todas essas questões foram abordadas com
grande preocupação quanto à honestidade e ao rigor científico, o que constitui
um rito o desprezível da presente obra. Ao fazer o balanço de nossos
conhecimentos sobre a África, propondo diversas perspectivas sobre as culturas
africanas e oferecendo uma nova leitura da história, a História geral da África
tem a indiscutível vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras, sem
dissimular as divergências de opinião entre os estudiosos.
Ao demonstrar a insuficiência dos enfoques metodológicas amiúde utiliza-
dos na pesquisa sobre a África, essa nova publicação convida à renovação e ao
XXIII
Prefácio
aprofundamento de uma dupla problemática, da historiografia e da identidade
cultural, unidas por laços de reciprocidade. Ela inaugura a via, como todo tra-
balho histórico de valor, a múltiplas novas pesquisas.
É assim que, em estreita colaboração com a UNESCO, o Comitê Cientí-
fico Internacional decidiu empreender estudos complementares com o intuito
de aprofundar algumas questões que permitirão uma visão mais clara sobre
certos aspectos do passado da África. Esses trabalhos publicados na coleção
da UNESCO, História geral da África: estudos e documentos, virão a cons-
tituir, de modo útil, um suplemento à presente obra
2
. Igualmente, tal esforço
desdobrar-se-á na elaboração de publicações versando sobre a história nacional
ou sub-regional.
Essa História geral da África coloca simultaneamente em foco a unidade his-
tórica da África e suas relações com os outros continentes, especialmente com as
Américas e o Caribe. Por muito tempo, as expressões da criatividade dos afro-
descendentes nas Américas haviam sido isoladas por certos historiadores em um
agregado heteróclito de africanismos; essa visão, obviamente, não corresponde
àquela dos autores da presente obra. Aqui, a resistência dos escravos deportados
para a América, o fato tocante ao marronage [fuga ou clandestinidade] político
e cultural, a participação constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas da
primeira independência americana, bem como nos movimentos nacionais de
libertação, esses fatos são justamente apreciados pelo que eles realmente foram:
vigorosas afirmações de identidade que contribuíram para forjar o conceito
universal de humanidade. É hoje evidente que a herança africana marcou, mais
ou menos segundo as regiões, as maneiras de sentir, pensar, sonhar e agir de
certas nações do hemisfério ocidental. Do sul dos Estados-Unidos ao norte do
Brasil, passando pelo Caribe e pela costa do Pacífico, as contribuições culturais
herdadas da África são visíveis por toda parte; em certos casos, inclusive, elas
constituem os fundamentos essenciais da identidade cultural de alguns dos
elementos mais importantes da população.
2 Doze meros dessa série foram publicados; eles tratam respectivamente sobre: no 1 O povoamento
do Egito antigo e a decodicação da escrita meroítica; no 2 O tráco negreiro do século XV ao século
XIX; no 3 – Relações históricas através do Oceano Índico; no 4 – A historiograa da África Meridional;
no 5 A descolonização da África: África Meridional e Chifre da África [Nordeste da África]; no 6
Etnonímias e toponímias; no 7 – As relações históricas e socioculturais entre a África e o mundo árabe; no
8 – A metodologia da história da África contemporânea; no 9 – O processo de educação e a historiograa
na África; no 10 – A África e a Segunda Guerra Mundial; no 11 – Líbya Antiqua; no 12 – O papel dos
movimentos estudantis africanos na evolução política e social da África de 1900 a 1975.
XXIV
África sob dominação colonial, 1880-1935
Igualmente, essa obra faz aparecerem nitidamente as relações da África com
o sul da Ásia através do Oceano Índico, além de evidenciar as contribuições
africanas junto a outras civilizações em seu jogo de trocas mútuas.
Estou convencido que os esforços dos povos da África para conquistar ou
reforçar sua independência, assegurar seu desenvolvimento e consolidar suas
especificidades culturais devem enraizar-se em uma consciência histórica reno-
vada, intensamente vivida e assumida de geração em geração.
Minha formação pessoal, a experiência adquirida como professor e, desde
os primórdios da independência, como presidente da primeira comissão criada
com vistas à reforma dos programas de ensino de história e de geografia de
certos países da África Ocidental e Central, ensinaram-me o quanto era neces-
sário, para a educação da juventude e para a informação do público, uma obra
de história elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior
os problemas e as esperanças da África, pensadores capazes de considerar o
continente em sua totalidade.
Por todas essas razões, a UNESCO zelará para que essa História Geral da
África seja amplamente difundida, em numerosos idiomas, e constitua base
da elaboração de livros infantis, manuais escolares e emissões televisivas ou
radiofônicas. Dessa forma, jovens, escolares, estudantes e adultos, da África
e de outras partes, poderão ter uma melhor visão do passado do continente
africano e dos fatores que o explicam, além de lhes oferecer uma compreensão
mais precisa acerca de seu patrimônio cultural e de sua contribuição ao pro-
gresso geral da humanidade. Essa obra deveria então contribuir para favorecer
a cooperação internacional e reforçar a solidariedade entre os povos em suas
aspirações por justiça, progresso e paz. Pelo menos, esse é o voto que manifesto
muito sinceramente.
Resta-me ainda expressar minha profunda gratidão aos membros do Comitê
Científico Internacional, ao redator, aos coordenadores dos diferentes volu-
mes, aos autores e a todos aqueles que colaboraram para a realização desta
prodigiosa empreitada. O trabalho por eles efetuado e a contribuição por eles
trazida mostram com clareza o quanto homens vindos de diversos horizontes,
conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a serviço da
verdade de todos os homens, podem fazer, no quadro internacional oferecido
pela UNESCO, para lograr êxito em um projeto de tamanho valor científico
e cultural. Meu reconhecimento igualmente estende-se às organizações e aos
governos que, graças a suas generosas doações, permitiram à UNESCO publi-
car essa obra em diferentes línguas e assegurar-lhe a difusão universal que ela
merece, em prol da comunidade internacional em sua totalidade.
APRESENTAÇÃO DO PROJETO
pelo Professor Bethwell Allan Ogot
Presidente do Comitê Cientíco Internacional
para a redação de uma História Geral da África
A Conferência Geral da UNESCO, em sua décima sexta sessão, solicitou
ao Diretor-geral que empreendesse a redação de uma História Geral da África.
Esse considerável trabalho foi confiado a um Comitê Científico Internacional
criado pelo Conselho Executivo em 1970.
Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo da
UNESCO, em 1971, esse Comitê compõe-se de trinta e nove membros res-
ponsáveis (dentre os quais dois terços africanos e um terço de não-africanos),
nomeados pelo Diretor-geral da UNESCO por um período correspondente à
duração do mandato do Comitê.
A primeira tarefa do Comitê consistiu em definir as principais características
da obra. Ele definiu-as em sua primeira sessão, nos seguintes termos:
• Em que pese visar a maior qualidade científica possível, a História Geral
da África não busca a exaustão e se pretende uma obra de síntese que
evitará o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma exposição
dos problemas indicadores do atual estádio dos conhecimentos e das
grandes correntes de pensamento e pesquisa, não hesitando em assinalar,
em tais circunstâncias, as divergências de opinião. Ela assim preparará o
caminho para posteriores publicações.
• A África é aqui considerada como um todo. O objetivo é mostrar as
relações históricas entre as diferentes partes do continente, muito amiúde
XXVI
África sob dominação colonial, 1880-1935
subdividido, nas obras publicadas até o momento. Os laços históricos
da África com os outros continentes recebem a atenção merecida e são
analisados sob o ângulo dos intercâmbios mútuos e das influências mul-
tilaterais, de forma a fazer ressurgir, oportunamente, a contribuição da
África para o desenvolvimento da humanidade.
• A História Geral da África consiste, antes de tudo, em uma história das
idéias e das civilizações, das sociedades e das instituições. Ela funda-
menta-se sobre uma grande diversidade de fontes, aqui compreendidas
a tradição oral e a expressão artística.
• A História Geral da África é aqui essencialmente examinada de seu inte-
rior. Obra erudita, ela também é, em larga medida, o fiel reflexo da
maneira através da qual os autores africanos vêem sua própria civilização.
Embora elaborada em âmbito internacional e recorrendo a todos os
dados científicos atuais, a História será igualmente um elemento capital
para o reconhecimento do patrimônio cultural africano, evidenciando
os fatores que contribuem à unidade do continente. Essa vontade em
examinar os fatos de seu interior constitui o ineditismo da obra e poderá,
além de suas qualidades científicas, conferir-lhe um grande valor de
atualidade. Ao evidenciar a verdadeira face da África, a História poderia,
em uma época dominada por rivalidades econômicas e técnicas, propor
uma concepção particular dos valores humanos.
O Comitê decidiu apresentar a obra, dedicada ao estudo sobre mais de 3
milhões de anos de história da África, em oito volumes, cada qual compreen-
dendo aproximadamente oitocentas ginas de texto com ilustrações (fotos,
mapas e desenhos tracejados).
Para cada volume designou-se um coordenador principal, assistido, quando
necessário, por um ou dois codiretores assistentes.
Os coordenadores dos volumes são escolhidos, tanto entre os membros do
Comitê quanto fora dele, em meio a especialistas externos ao organismo, todos
eleitos por esse último, pela maioria de dois terços. Eles encarregam-se da ela-
boração dos volumes, em conformidade com as decisões e segundo os planos
decididos pelo Comitê. São eles os responsáveis, no plano científico, perante
o Comitê ou, entre duas sessões do Comitê, perante o Conselho Executivo,
pelo conteúdo dos volumes, pela redação final dos textos ou ilustrações e, de
uma maneira geral, por todos os aspectos científicos e técnicos da História. É
o Conselho Executivo quem aprova, em última instância, o original definitivo.
Uma vez considerado pronto para a edição, o texto é remetido ao Diretor-Geral
XXVII
Apresentação do Projeto
da UNESCO. A direção da obra cabe, dessa forma, ao Comitê ou ao Conselho
Executivo, nesse caso responsável no ínterim entre duas sessões do Comitê.
Cada volume compreende por volta de 30 capítulos. Cada qual redigido por
um autor principal, assistido por um ou dois colaboradores, caso necessário.
Os autores são escolhidos pelo Comitê em função de seu curriculum vitae.
A preferência é concedida aos autores africanos, sob reserva de sua adequação
aos títulos requeridos. Além disso, o Comitê zela, tanto quanto possível, para
que todas as regiões da África, bem como outras regiões que tenham mantido
relações históricas ou culturais com o continente, estejam de forma equitativa
representadas no quadro dos autores.
Após aprovação pelo coordenador do volume, os textos dos diferentes capítu-
los são enviados a todos os membros do Comitê para submissão à sua crítica.
Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume é submetido ao
exame de um comitê de leitura, designado no seio do Comitê Científico Inter-
nacional, em função de suas competências; cabe a esse comitê realizar uma
profunda análise tanto do conteúdo quanto da forma dos capítulos.
Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em última instância, os originais.
Tal procedimento, aparentemente longo e complexo, revelou-se necessário,
pois permite assegurar o máximo de rigor científico à História Geral da África.
Com efeito, houve ocasiões nas quais o Conselho Executivo rejeitou origi-
nais, solicitou reestruturações importantes ou, inclusive, confiou a redação de
um capítulo a um novo autor. Eventualmente, especialistas de uma questão ou
período específicos da história foram consultados para a finalização definitiva
de um volume.
Primeiramente, uma edição principal da obra em inglês, francês e árabe será
publicada, posteriormente haverá uma edição em forma de brochura, nesses
mesmos idiomas.
Uma versão resumida em inglês e francês servirá como base para a tradução
em línguas africanas. O Comitê Científico Internacional determinou quais
os idiomas africanos para os quais serão realizadas as primeiras traduções: o
kiswahili e o haussa.
Tanto quanto possível, pretende-se igualmente assegurar a publicação da
História Geral da África em vários idiomas de grande difusão internacional
(dentre os quais, entre outros: alemão, chinês, italiano, japonês, português, russo,
etc.).
Trata-se, portanto, como se pode constatar, de uma empreitada gigantesca
que constitui um ingente desafio para os historiadores da África e para a comu-
nidade científica em geral, bem como para a UNESCO que lhe oferece sua
XXVIII
África sob dominação colonial, 1880-1935
chancela. Com efeito, pode-se facilmente imaginar a complexidade de uma
tarefa tal qual a redação de uma história da África que cobre no espaço, todo
um continente e, no tempo, os quatro últimos milhões de anos, respeitando,
todavia, as mais elevadas normas científicas e convocando, como é necessário,
estudiosos pertencentes a todo um leque de países, culturas, ideologias e tra-
dições históricas. Trata-se de um empreendimento continental, internacional e
interdisciplinar, de grande envergadura.
Em conclusão, obrigo-me a sublinhar a importância dessa obra para a África
e para todo o mundo. No momento em que os povos da África lutam para se unir
e para, em conjunto, melhor forjar seus respectivos destinos, um conhecimento
adequado sobre o passado da África, uma tomada de consciência no tocante aos
elos que unem os Africanos entre si e a África aos demais continentes, tudo
isso deveria facilitar, em grande medida, a compreensão mútua entre os povos
da Terra e, além disso, propiciar sobretudo o conhecimento de um patrimônio
cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a Humanidade.
Bethwell Allan Ogot
Em 8 de agosto de 1979
Presidente do Comitê Científico Internacional
para a redação de uma História Geral da África
C A P Í T U L O 1
1
A África diante do desao colonial
A África diante do desao colonial
Albert Adu Boahen
Na história da África jamais se sucederam tantas e tão rápidas mudanças
como durante o período entre 1880 e 1935. Na verdade, as mudanças mais
importantes, mais espetaculares e também mais trágicas –, ocorreram num lapso
de tempo bem mais curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupão de
quase todo o continente africano pelas poncias imperialistas e, depois, pela instau-
ração do sistema colonial. A fase posterior a 1910 caracterizou -se essencialmente
pela consolidação e exploração do sistema.
O desenvolvimento desse drama foi verdadeiramente espantoso, pois até
1880 apenas algumas áreas bastante restritas da África estavam sob a dominação
direta de europeus. Em toda a África ocidental, essa dominação limitava -se às
zonas costeiras e ilhas do Senegal, à cidade de Freetown e seus arredores (que
hoje fazem parte de Serra Leoa), às regiões meridionais da Costa do Ouro (atual
Gana), ao litoral de Abidjan, na Costa do Marfim, e de Porto Novo, no Daomé
(atual Benin), e à ilha de Lagos (no que consiste atualmente a Nigéria). Na
África setentrional, em 1880, os franceses tinham colonizado apenas a Argélia.
Da África oriental, nem um palmo de terra havia tombado em mãos de
qualquer potência europeia, enquanto, na África central, o poder exercido pelos
portugueses restringia -se a algumas faixas costeiras de Moçambique e Angola.
na África meridional é que a dominação estrangeira se achava firmemente
implantada, estendendo -se largamente pelo interior da região (ver figura 1.1).
2
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . A África em 1880, em vésperas da partilha e da conquista.
3
A África diante do desao colonial
Até 1880, em cerca de 80% do seu território, a África era governada por
seus próprios reis, rainhas, chefes de clãs e de linhagens, em impérios, reinos,
comunidades e unidades políticas de porte e natureza variados.
No entanto, nos trinta anos seguintes, assiste -se a uma transmutação extra-
ordinária, para não dizer radical, dessa situação. Em 1914, com a única exce-
ção da Etiópia e da Libéria, a África inteira -se submetida à dominação de
potências europeias e dividida em colônias de dimensões diversas, mas de modo
geral, muito mais extensas do que as formações políticas preexistentes e, muitas
vezes, com pouca ou nenhuma relação com elas. Nessa época, aliás, a África não
é assaltada apenas na sua soberania e na sua independência, mas também em
seus valores culturais.
Como Ferhat Abbas salientava em 1930, a propósito da colonização da
Argélia pelos franceses, para a França
a colonização constitui apenas uma empreitada militar e econômica, posteriormente
defendida por um regime administrativo apropriado; para os argelinos, contudo, é
uma verdadeira revolução, que vem transtornar todo um antigo mundo de crenças
e ideias, um modo secular de existência. Coloca todo um povo diante de súbita
mudança. Uma nação inteira, sem estar preparada para isso, -se obrigada a se
adaptar ou, se não, sucumbir. Tal situação conduz necessariamente a um desequilí-
brio moral e material, cuja esterilidade não está longe da desintegração completa
1
.
Essas observações sobre a natureza do colonialismo valem não para a
colonização francesa da Argélia mas para toda a colonização europeia da África,
sendo as diferenças de grau e não de gênero, de forma e não de fundo. Em outras
palavras, durante o período entre 1880 e 1935, a África teve de enfrentar um
desafio particularmente ameaçador: o desafio do colonialismo.
Grau de preparação dos africanos
Qual foi a atitude dos africanos perante a irrupção do colonialismo, que traz
consigo tão fundamental mutação na natureza das relações existentes entre eles
e os europeus nos três últimos séculos? Eis uma questão ainda não estudada
em profundidade pelos historiadores, tanto africanos como europeus, que, no
entanto, precisa ser respondida. E a resposta é clara e inequívoca: na sua esma-
gadora maioria, autoridades e dirigentes africanos foram profundamente hostis
1 ABBAS, 1931, p. 9, apud BERQUE, capítulo 24 deste volume.
4
África sob dominação colonial, 1880-1935
a essa mudança e declararam -se decididos a manter o status quo e, sobretudo, a
assegurar sua soberania e independência, pelas quais praticamente nenhum deles
estava disposto a transigir, por menos que fosse. Tal resposta pode ser encontrada
nas declarações dos dirigentes africanos da época.
Em 1891, quando os britânicos ofereceram proteção a Prempeh I, rei dos
Ashanti, na Costa do Ouro (atual Gana), ele replicou:
A proposta para o país Ashanti, na presente situação, colocar -se sob a proteção de
Sua Majestade, a Rainha e Imperatriz da Índia, foi objeto de exame aprofundado,
mas me permitam dizer que chegamos à seguinte concluo: meu reino, o Ashanti,
jamais aderirá a uma tal política. O país Ashanti deve continuar a manter, como até
agora, laços de amizade com todos os brancos. Não é por ufanismo que escrevo isto,
mas tendo clareza do significado das palavras [...]. A causa dos Ashanti progride, e
nenhum Ashanti tem a menor razão para se preocupar com o futuro ou para acreditar,
por um só instante, que as hostilidades passadas tenham prejudicado a nossa causa
2
.
Em 1895, Wogobo, o Moro Naba, ou rei dos Mossi (na atual República do
Alto Volta), declarou ao oficial francês, capitão Destenave:
Sei que os brancos querem me matar para tomar o meu país, e, ainda assim, você
insiste em que eles me ajudarão a organizá -lo. Por mim, acho que meu país está
muito bem como está. Não preciso deles. Sei o que me falta e o que desejo: tenho
meus próprios mercadores; considere -se feliz por não mandar cortar -lhe a cabeça.
Parta agora mesmo e, principalmente, não volte nunca mais
3
.
Em 1883, Lat -Dior, o damel de Cayor (no atual Senegal), de quem se voltará a
falar no capítulo 6, em 1890, Machemba, chefe dos Yao de Tanganica (atual Tan-
zânia), citado mais adiante, no capítulo 3, e Hendrik Wittboi, um dos soberanos
da região que hoje constitui a Namíbia, também referido no capítulo 3, tiveram
a mesma atitude em face do colonizador. Mas um dos últimos e mais fascinantes
testemunhos que gostaríamos de citar aqui é o emocionante apelo lançado em
abril de 1891 por Menelik, imperador da Etiópia, à rainha Victoria, da Inglaterra.
A mesma mensagem foi enviada aos dirigentes da França, Alemanha, Itália e
Rússia. Neste apelo Menelik definia primeiramente as fronteiras que eram então
as da Etiópia e expressando ambições expansionistas pessoais declarava a
intenção de restabelecer as antigas fronteiras da Etiópia até Khartum e o lago
Niza, aí incluídos todos os territórios de Galla, acrescentando:
2 Apud FYNN, 1971, p. 43 -4.
3 Apud CROWDER, 1968, p. 97.
5
A África diante do desao colonial
Não tenho a menor intenção de ser um espectador indiferente, caso ocorra a potên-
cias distantes dividir a África, pois a Etiópia há quatorze séculos tem sido uma ilha
cristã num mar de pagãos. Dado que o Todo -Poderoso até agora tem protegido a
Etiópia, tenho a esperança de que continuará a protegê -la e a engrandecê -la e não
penso sequer um instante que Ele permita que a Etiópia seja dividida entre outros
Estados. Antigamente, as fronteiras da Etiópia eram o mar. Não tendo recorrido à
força nem recebido ajuda dos cristãos, nossas fronteiras marítimas caíram em mãos
dos muçulmanos. Não abrigamos hoje a pretensão de recuperá -las pela força, mas
esperamos que as potências cristãs, inspiradas por nosso Salvador, Jesus Cristo, as
devolvam a nós ou nos concedam pelo menos alguns pontos de acesso ao mar
4
.
Quando, apesar deste apelo, os italianos lançaram sua campanha contra a
Etiópia, com a conivência do Reino Unido e da França, Menelik proclamou de
novo, em 17 de setembro de 1895, uma ordem de mobilização na qual declarava:
Os inimigos vêm agora se apoderar de nosso país e mudar nossa religião [...]. Nossos
inimigos começaram a avançar abrindo caminho na terra como toupeiras. Com a
ajuda de Deus, não lhes entregarei meu país [...]. Hoje, que os fortes me emprestem
sua força e os fracos me ajudem com suas orações
5
.
Essas o as respostas textuais dos homens que tiveram de fazer frente ao colonia-
lismo: elas mostram, incontestavelmente, sua determinação em opor -se aos europeus
e em defender sua soberania, sua religião e seu modo de vida tradicional.
Também deixam claro que esses dirigentes tinham a certeza de estar prepa-
rados para enfrentar os invasores europeus, aliás, com razão. Não tinham eles
plena confiança em sua magia, nos antepassados e, certamente, em seus deuses
(ou deus), que não deixariam de vir em sua ajuda? Muitos deles, em vésperas
dos confrontos físicos reais, recorreram às orações, aos sacrifícios ou às poções
e feitiços. Como registrou Elliot P. Skinner:
Os Mossi de modo geral acreditam que, quando os franceses atacaram Uagadugu, o
Moro Naba Wogobo, deposto, ofereceu sacrifícios às divindades da terra. Conforme
a tradição, sacrificou um galo preto, um carneiro preto, um burro preto e um escravo
negro numa elevada colina, perto do Volta Branco, implorando à deusa da terra que
4 ASMAI, Arquivos do Ministerio degli Aari Esteri (Roma), Ethiopia Poso 36/13 -109 Menelik to
Queen Victoria, Adis Abeba, 14 Miazia, 1883, documento acrescentado a Tarnielli to MAE, Londres, 6
de agosto de 1891.
5 Apud MARCUS, 1975, p. 160.
6
África sob dominação colonial, 1880-1935
repelisse os franceses e aniquilasse o traidor Mazi, que eles tinham colocado no
trono
6
.
Como se verá em muitos dos capítulos seguintes, a religião foi efetivamente
uma das armas empregadas contra o colonialismo. Além disso, vários dirigentes
africanos tinham conseguido edificar seus impérios, de proporções variáveis,
poucos decênios antes, e alguns estavam ainda em vias de alargar ou de restaurar
seu reino. Muitos poderiam ter defendido sua soberania, apoiados pelos súditos,
utilizando as armas e as táticas tradicionais. Alguns, como Samori Touré, chefe
do império Manden, da África ocidental, ou Menelik, da Etiópia, tinham até
mesmo conseguido modernizar seus exércitos. Nessas condições, não viam por
que não estariam aptos a preservar sua soberania e pensavam poder desfazer
os planos dos invasores usando a diplomacia. Conforme veremos, em 1889, no
momento em que Cecil Rhodes se aprestava para ocupar o país dos Ndebele,
o rei destes, Lobengula, enviou uma delegação a Londres para se avistar com a
rainha Victoria; em 1896, quando o exército dos invasores britânicos avançava
em direção a Kumasi para prender Prempeh, que, cinco anos antes, rejeitara a
oferta de proteção do Reino Unido, este manda uma missão diplomática dotada
de amplos poderes junto à rainha Victoria; como vimos, Menelik tinha feito
apelo análogo a esta mesma soberana, assim como a outros chefes de Estado
europeus.
Fica tamm evidente, com a leitura de algumas citões aqui feitas, que nume-
rosos dirigentes africanos, de fato, acolheram muito favoravelmente as inovões que
com regularidade foram sendo introduzidas depois do primeiro terço do século XIX,
pois até então elas não tinham feito pesar nenhuma ameaça sobre sua soberania e
indepenncia. Na África ocidental, por exemplo, os missionários fundaram, em
Serra Leoa,em 1826, o Fourah Bay College, assim como escolas primárias e
duas escolas secundárias, uma na Costa do Ouro e a outra na Nigéria, nos anos
de 1870. O pan -africanista antilhano Edward Wilmot Blyden chegara mesmo
a lançar um apelo a favor da criação de uma universidade na África ocidental.
Africanos ricos, em 1887, começavam a enviar os filhos para a Europa para
prosseguir os estudos e receber uma formação profissional. Podemos citar, a
propósito, o caso de John Mensah Sarbah, que voltou para a Costa do Ouro
com todos os seus diplomas de jurista.
Mais ainda, após a abolição do hediondo tráfico de escravos, os africanos
tinham se mostrado capazes de se adaptar a um sistema econômico baseado
6 SKINNER, E. P., 1964, p. 133. Ver tb. ISICHEI, 1977, p. 181.
7
A África diante do desao colonial
na exportação de produtos agrícolas: óleo de palma na Nigéria, amendoim no
Senegal e na Gâmbia, antes de 1880; na Costa do Ouro, o cacau foi reintrodu-
zido em 1879 por Tetteh Quashie, vindo de Fernando Pó. Todas essas trans-
formações se produziram sem controle europeu direto, salvo em alguns bolsões
costeiros. Quanto aos africanos ocidentais que, em número bem reduzido, se
tinham beneficiado de uma educação à europeia, gozavam de situação bastante
invejável no início dos anos de 1880. Dominavam a administração, onde ocu-
pavam os raros postos existentes oferecidos pelas administrações europeias; na
costa, alguns deles dirigiam as próprias empresas de importação e exportação e
exerciam o monopólio sobre a distribuição dos produtos importados. Na África
oriental é que a influência europeia era ainda mínima, embora, após as viagens
memoráveis de Livingstone e de Stanley, bem como a subsequente propaganda
das sociedades missionárias, a chegada das igrejas, das escolas e, depois, das
estradas e das ferrovias fosse simples questão de tempo.
Os africanos não viam, portanto, nenhuma necessidade de modificar radical-
mente suas relações seculares com a Europa, certos de que, se os europeus qui-
sessem lhes impor mudanças pela força e avançar em suas terras, conseguiriam
barrar -lhes o caminho, tal como vinham fazendo dois ou três séculos. Daí
esse tom de confiança, se não de desafio, perceptível nas palavras citadas.
No entanto um fato escapava aos africanos: em 1880, graças ao desenvol-
vimento da revolução industrial na Europa e ao progresso tecnológico que
ela acarretara invenção do navio a vapor, das estradas de ferro, do telégrafo
e sobretudo da primeira metralhadora, a Maxim –, os europeus que eles iam
enfrentar tinham novas ambições políticas, novas necessidades econômicas e
tecnologia relativamente avançada. Por outras palavras, os africanos não sabiam
que o tempo do livre -cambismo e do controle político oficioso cedera lugar,
conforme diz Basil Davidson, à era do novo imperialismo e dos monopólios
capitalistas rivais”
7
.
Os europeus não queriam apenas trocar bens, mas exercer controle político
direto sobre a África. Além disso, os dirigentes africanos não sabiam que as
espingardas que eles usavam e armazenavam até então, de carregar pela boca (os
franceses tomaram 21365 espingardas dos Baule da Costa do Marfim, depois
de esmagada a sua última revolta, em 1911)
8
, estavam inteiramente fora de
moda, não podendo ser comparadas aos novos fuzis dos europeus, de carregar
pela culatra, com cadência de tiro quase dez vezes superior e carga seis vezes
7 DAVIDSON, B., 1978a, p. 19.
8 WEISKEL, 1980, p. 203.
8
África sob dominação colonial, 1880-1935
mais forte, nem às novas metralhadoras Maxim, ultra rrápidas (ver figura 1.2).
O poeta inglês Hilaire Belloc resume bem a situação:
Aconteça o que acontecer, nós temos a metralhadora, e eles não
9
.
Foi que os dirigentes africanos cometeram um erro de cálculo, que, em
numerosos casos, teve consequências trágicas. Como veremos, todos os chefes
citados, com exceção de apenas um, foram vencidos e perderam a soberania.
Além disso, Lat -Dior foi morto; Prempeh, Behanzin e Cetshwayo, rei dos
Zulus, foram exilados; Lobengula, chefe dos Ndebele, morreu em fuga. Apenas
Menelik, como veremos em capítulo posterior, conseguiu vencer os invasores
italianos, preservando assim sua soberania e independência.
Estrutura do volume VII
É evidente, portanto, que as relações entre africanos e europeus se modi-
ficaram radicalmente e que a África teve de enfrentar, entre 1880 e 1935, o
grande desafio do colonialismo. Quais foram as origens desse fantástico desafio,
o colonialismo? Em outras palavras, por que e como as relações existentes havia
três séculos entre a África e a Europa sofreram uma reviravolta tão drástica e
tão fundamental durante esse período? Como é que se instalou o sistema colonial
na África e que medidas poticas e econômicas, psicológicas e ideológicas foram
adotadas para sustentar esse sistema? Até que ponto a África estava preparada
para enfrentar tal desafio, como é que o enfrentou e com que resultado? Entre as
inovações, quais as que foram aceitas e quais as rejeitadas? Que é que subsistiu do
antigo sistema e que elementos foram destruídos? Que adaptações, que arranjos
foram feitos? Quantas instituições foram abaladas e quantas se desintegraram?
Quais os efeitos de todos esses fenômenos sobre a África, seus povos, suas estru-
turas e instituições políticas, sociais e econômicas? Enfim, qual foi o significado
do colonialismo para a África e sua história? É a tais questões que este volume
procurará responder.
Com esse fim em vista, bem como com o propósito de explicar as iniciativas
e reações africanas em face do desafio colonial, dividimos este volume, à parte
os dois primeiros capítulos, em três grandes seções. Cada uma é precedida por
um capítulo (3, 13, 22), onde apresentamos um apanhado geral do tema da
seção, visto de uma perspectiva africana global; depois, nos capítulos seguintes,
9 Apud PERHAN, 1961, p. 32.
9
A África diante do desao colonial
F . A guerra dos Ashanti, em 1896 (Costa do Ouro): o invasor britânico equipado com metralhadora Maxim. (Fonte: Musée de l’Homme).
10
África sob dominação colonial, 1880-1935
abordamos o mesmo tema do ponto de vista regional. A seção introdutória, que
compreende o presente capítulo e o que se segue, estuda as atitudes dos africanos
e seu grau de preparação em vésperas da transmutação fundamental que se
nas relações entre a África e os europeus, bem como os motivos da partilha,
da conquista e da ocupação da África pelas potências imperialistas europeias.
Convém realçar, pois frequentemente se ignora, que a fase da conquista efetiva
foi precedida por anos de negociações entre essas potências e os dirigentes
africanos e por colóquios que redundaram em tratados. Cumpre insistir nessa
fase de negociações, pois ela mostra que as potências europeias originalmente
aceitavam a contraparte africana como igual e reconheciam a soberania e a
independência das sociedades e dos Estados africanos.
A segunda seção trata das iniciativas e reações africanas diante da conquista
e da ocupação do continente, tema grosseiramente deturpado ou inteiramente
ignorado, até os anos de 1960, pela escola colonial da historiografia africana.
Para os membros dessa escola, tais como H. H. Johnston, sir Alan Burns e, mais
recentemente, Margery Perham, Lewis H. Gann e Peter Duignan
10
, os africanos
teriam de fato acolhido favoravelmente a dominação colonial, já que ela não
os preservava da anarquia e das guerras civis mas também lhes trazia algumas
vantagens concretas. Citemos, a esse respeito, Margery Perham:
A maioria das tribos aceitou rapidamente a dominação europeia, considerando que
ela fazia parte de uma ordem irresistível, da qual podiam extrair numerosas vanta-
gens, essencialmente a paz, e inovações apaixonantes: ferrovias e estradas, lâmpadas,
bicicletas, arados, culturas e alimentos novos e tudo o que podia ser adquirido ou
provado nas cidades. Essa dominação trouxe às classes dirigentes tradicionais ou
recém -criadas maior autoridade e segurança, bem como novas formas de riqueza
e de poder. Por muito tempo, apesar da extrema perplexidade que estas provocaram,
as revoltas foram bastante raras, e não parece que a dominação tenha sido sentida
como uma indignidade
11
.
Semelhantes ideias também se refletem no uso de termos eurocêntricos, tais
como pacificação”, Pax Britannica e Pax Gallica, que descrevem a conquista e
a ocupação da África entre 1880 e 1914. Os historiadores que dedicaram certo
interesse ao assunto o mencionaram, por assim dizer, de passagem. Na obra A
short history of Africa, publicada em 1962, uma das primeiras análises modernas
realmente sérias da história da África, os historiadores ingleses Roland Oliver e
10 JOHNSTON, H. H., 1899, 1913; BURNS, 1957; PERHAM, 1960a; GANN & DUIGNAN, 1967.
11 PERHAM, 1960a, p. 28.
11
A África diante do desao colonial
J. D. Fage consagram apenas um parágrafo ao que eles chamam de “resistência
tenaz” dos africanos, num capítulo de quatorze páginas dedicado ao que depois
se conheceu como “corrida europeia às colônias africanas. É para corrigir essa
falsa interpretação da escola colonial, para restabelecer os fatos e dar relevo à
perspectiva africana que resolvemos destinar sete capítulos ao tema das inicia-
tivas e reações africanas.
Ver -se neles que não nenhuma evidência em apoio à tese segundo a qual
os africanos teriam acolhido com entusiasmo os soldados invasores e rapida-
mente aceitado a dominação colonial. Na realidade, as reações africanas foram
exatamente o inverso. Está bem claro que os africanos tinham duas opções:
ou renunciar sem resistência à soberania e à independência, ou defendê -las a
qualquer custo. É muito significativo que a maioria dos dirigentes africanos,
como será amplamente demonstrado neste volume, tenha optado sem hesitar
pela defesa da sua soberania e independência, a despeito das estruturas políticas
e socioeconômicas de seus Estados e das múltiplas desvantagens que sofriam.
De um lado, a superioridade do adversário, de outro, a bravia determinação de
resistir a todo preço estão traduzidas no baixo -relevo reproduzido na sobrecapa
desta obra. Esse baixo -relevo, pintado numa das paredes do palácio dos reis do
Daomé, em Abomey, mostra um africano armado de arco e flecha, barrando
desafiadoramente o caminho a um europeu armado com uma pistola.
John D. Hargreaves coloca esta interessante questão em artigo recente:
Dadas as diversas atitudes possíveis da parte dos invasores europeus, os dirigentes
africanos podiam escolher entre várias opções. No número das vantagens de curto
prazo que lhes ofereciam os tratados ou a colaboração com os europeus, estava não
o acesso às armas de fogo e aos bens de consumo, mas ainda a possibilidade de
conquistar para a sua causa aliados poderosos, que os ajudariam em suas disputas
externas ou internas. Então, por que motivo tantos Estados africanos rejeitaram essas
oportunidades, preferindo resistir aos europeus nos campos de batalha?
12
.
A resposta pode parecer enigmática, mas somente para os que encaram o
problema do ponto de vista eurocêntrico. Para o africano, o que estava em jogo,
na verdade, não era esta ou aquela vantagem a curto ou a longo prazo, mas
sua terra e sua soberania. É precisamente por essa razão que quase todas as
sociedades africanas – centralizadas ou não – optaram mais cedo ou mais tarde
por manter, defender ou recuperar sua soberania; não podiam aceitar nenhum
compromisso que a pusesse em risco, e, de fato, foram numerosos os chefes que
12 HARGREAVES, 1969, p. 205 -6.
12
África sob dominação colonial, 1880-1935
preferiram morrer no campo de batalha, exilar -se voluntariamente ou ser des-
terrados pela força a renunciar sem combate à soberania de seu país.
Assim, os dirigentes africanos, na sua maioria, optaram pela defesa de sua
soberania e independência, diferindo nas estratégias e nas táticas adotadas para
alcançar esse objetivo comum. A maior parte deles escolheu a estratégia do
confronto, recorrendo às armas diplomáticas ou às militares, quando não empre-
gando as duas, como foi o caso de Samori Touré e Kabarega (de Bunyoro),
que veremos mais adiante; Prempeh e Mwanga (de Buganda) recorreram
exclusivamente à diplomacia. Outros, como Tofa, de Porto Novo (no atual
Benin), adotaram a estratégia da aliança ou da cooperação, mas não a colabo-
ração. Cumpre insistir nesta questão da estratégia, pois ela foi grosseiramente
desfigurada até o presente, de forma que se classificaram alguns soberanos
africanos como “colaboradores”, qualificando sua atividade como “colaboração”.
Somos contrários ao emprego do termo “colaboração”, pois, além de inexato, é
pejorativo e eurocêntrico. Conforme vimos, a soberania era o problema fun-
damental em jogo entre os anos de 1880 e 1900 para os dirigentes africanos e,
quanto a isso, está bem claro que nenhum deles se prestava a fazer acordos. Os
dirigentes africanos qualificados erroneamente como colaboradores eram aque-
les que estimavam que a melhor maneira de preservar sua soberania ou mesmo
de recuperar a soberania acaso perdida em proveito de alguma potência africana,
antes da chegada dos europeus, não consistia em colaborar, mas antes em se aliar
aos invasores europeus. Por colaborador entende -se seguramente aquele que trai
a causa nacional unindo -se ao inimigo para defender os alvos e objetivos deste
último ao invés dos interesses de seu próprio país. Ora, como vimos, todos
os africanos se viam confrontados com o problema de abandonar, conservar ou
recuperar sua soberania. Tal era o objetivo daqueles que ligaram sua sorte à dos
europeus, sendo inteiramente falso qualificá -los de colaboradores.
Seja como for, depois da Segunda Guerra Mundial, o termo “colaborador”
ganhou sentido pejorativo, e é interessante notar que certos historiadores que o
empregam têm consciência disso. R. Robinson, por exemplo, declara: “Convém
sublinhar que o termo [colaborador] não é utilizado em sentido pejorativo”
13
.
Se o risco de o termo assumir tal sentido, por que empregá -lo então, em
especial no caso da África, em que é particularmente inexato? Por que não usar
a palavra aliado”, bem mais conveniente? Assim, Tofa, rei dos Gun de Porto
Novo, é sempre citado como um exemplo típico de colaborador. Mas sê-lo -ia
13 ROBINSON, R., 1972, p. 120.
13
A África diante do desao colonial
na verdade? Como Hargreaves claramente mostrou
14
, Tofa tinha de enfrentar
três diferentes inimigos no momento da chegada dos franceses: os Yoruba, a
nordeste, os reis Fon do Daomé, ao norte, e os britânicos, na costa, de modo
que, com certeza, considerou a chegada dos franceses um presente dos céus, uma
oportunidade não para preservar sua soberania, mas até para obter algumas
vantagens à custa de seus inimigos. Era, pois, natural que Tofa quisesse aliar -se
aos franceses, e não colaborar com eles. historiadores sem consciência dos
problemas que Tofa tinha de enfrentar naquela época ou que negam ao afri-
cano toda iniciativa ou o conhecimento de seus próprios interesses, ou ainda
aqueles que encaram a matéria de uma perspectiva eurocêntrica, é que o classi-
ficam como colaborador. Além do mais, o fato de esses pretensos colaboradores,
amiúde prontos a se aliar aos europeus, muitas vezes, mais tarde, oporem -lhes
resistência lutando contra eles é outra prova da inexatidão do termo: Wogobo,
rei dos Mossi, Lat -Dior, o damel de Cayor, e o próprio grande Samori Touré
são exemplos do absurdo total do qualificativo.
Afinal de contas, historiadores realmente ignorantes da situação política
e etnocultural da África em vésperas da conquista e da partilha europeias ou
que tenham a respeito opiniões simplistas usam esse termo. Partem da hipótese
de que, a exemplo de muitos países europeus, os países africanos são habitados
pelo mesmo grupo etnocultural ou pela mesma nação e, portanto, todo segmento
da população que se alie a um invasor justifica a denominação de colaborador;
mas, na África, nenhum país, nenhuma colônia, nenhum império era povoado
por um grupo étnico. Todos os países e impérios contavam numerosas nações
ou grupos etnoculturais tão diferentes uns dos outros como os italianos o são,
por exemplo, dos alemães ou dos franceses. Além disso, antes da chegada dos
invasores europeus, as relações entre esses diferentes grupos eram muito fre-
quentemente hostis, sendo, aliás, possível que alguns estivessem sob o domínio
de outros. Chamar de colaboradores esses grupos subjugados ou hostis porque
optaram por se juntar aos invasores europeus para lutar contra seus inimigos ou
senhores estranhos é não compreender nada da questão. Na verdade, como se
poderá constatar em certos capítulos deste volume, a natureza das reações afri-
canas à colonização foi determinada não só pela situação política e etnocultural
com que se defrontavam os povos africanos, mas também pela própria natureza
das forças socioeconômicas presentes em cada sociedade à época do confronto,
bem como da sua organização política.
14 HARGREAVES, 1969, p. 214 -6.
14
África sob dominação colonial, 1880-1935
Muitos historiadores europeus têm condenado os opositores por roman-
tismo e falta de perspicácia, louvando, ao contrário, o progressismo e a cla-
rividência dos colaboradores. Segundo os termos empregados por Oliver e
Fage em 1962:
Se [os dirigentes africanos] fossem perspicazes e bem -informados, mais particular-
mente, se tivessem acesso a conselheiros estrangeiros, como missionários ou comer-
ciantes, poderiam compreender muito bem que nada teriam a ganhar resistindo,
mas, pelo contrário, muito ganhariam negociando. Se fossem menos clarividentes,
tivessem menos sorte ou fossem menos bem aconselhados, perceberiam que seus
inimigos tradicionais estavam do lado do invasor e adotariam então uma atitude
de resistência que facilmente podia terminar numa derrota militar, na deposição do
chefe, na perda de territórios em proveito dos aliados autóctones da potência ocu-
pante, talvez pela fragmentação política da sociedade ou do Estado [...] Tal como
no tempo do tráfico de escravos, havia ganhadores e perdedores e encontravam -se
representantes de ambos nos confins de cada território colonial
15
.
Ronald E. Robinson e John Gallagher também descreveram a oposição ou
a resistência como lutas românticas de reação contra a realidade, protestos
apaixonados de sociedades traumatizadas pela nova era de mudanças e que não
se aquietavam
16
.
Mas essas opiniões são muito discutíveis. A dicotomia entre resistência e o
que se pretende por colaboração não é apenas mecânica, mas pouco convincente.
Certamente que houve ganhadores e perdedores durante o tráfico de escravos,
mas, desta vez, não havia ganhadores. Os assim chamados colaboradores, tal
qual os que resistiram, acabaram por perder, e é interessante notar que são os
dirigentes classificados como românticos e intratáveis que ainda são lembrados,
tendo se tornado fonte de inspiração para os nacionalistas de hoje
17
. Concordo
inteiramente com a conclusão de Robert I. Rotberg e Ali A. Mazrui, segundo
a qual
não se pode dizer que a introdução das normas e do poder dos ocidentais, bem como
dos controles e coerções de que vinham acompanhados, foi questionada em todas as
partes da África pelos povos afetados
18
.
15 OLIVER & FAGE, 1962, 1970, p. 203.
16 ROBINSON, R. E. & GALLAGHER, J., 1962, p. 639 -40.
17 Para um estudo mais detalhado do problema, ver BOAHEN, Towards a new cathegorization and perio-
dization of Africa responses and reactions to colonialism, em que se baseiam partes deste capítulo.
18 ROTBERG & MAZRUI, eds., 1970, p. XVIII.
15
A África diante do desao colonial
No entanto, qualquer que tenha sido a estratégia dos países africanos, nenhum
deles, com exceção da Libéria e da Etiópia, conseguiu preservar sua soberania,
por motivos que examinaremos em seguida: no início da Primeira Guerra Mun-
dial, que marca o fim da primeira seção deste volume, a África havia tombado
sob o jugo colonial. No capítulo 11, veremos como e por que os liberianos e os
etíopes fizeram frente ao colonialismo.
Qual foi a ação política, social e econômica das potências coloniais em suas
novas possessões, após o interlúdio da Primeira Guerra Mundial? Essa questão
será respondida na segunda seção do volume. Os diversos mecanismos políticos
criados para administrar as colônias e as ideologias que os embasam foram satis-
fatoriamente estudados em numerosas obras sobre o colonialismo na África
19
,
de modo que consagramos a esse tema apenas um capítulo. Em compensação,
estudaremos com bastante atenção para contrabalançar as teorias da escola
colonial os aspectos socioeconômicos do sistema colonial e sua incidência sobre
a África. Ver -se -á, nesses capítulos, que o período que vai do fim da Primeira
Guerra Mundial a 1935 – qualificado por certos historiadores contemporâneos
como de apogeu do colonialismo – foi marcado pela instalação de uma infraes-
trutura rodoviária e ferroviária, assim como pelo engodo de uma certa evolução
social, por causa da abertura de escolas primárias e secundárias. No entanto, o
objetivo essencial das autoridades coloniais continuava a ser a exploração dos
recursos africanos, fossem animais, vegetais ou minerais, em benefício exclu-
sivo das potências metropolitanas, principalmente de suas empresas comerciais,
mineiras e financeiras. Um capítulo dessa seção para o qual gostaríamos de pedir
atenção especial é o que trata dos aspectos demográficos da dominação colonial,
tema em geral ausente das pesquisas consagradas ao colonialismo na África.
Quais foram as iniciativas e as reações dos africanos em face da consoli-
dação do colonialismo e da exploração do seu continente? Essa questão será
respondida na terceira seção deste volume, aliás objeto de reflexão cuidadosa,
em consonância com o princípio que norteia esta obra: considerar a história
da África de um ponto de vista africano e dar ênfase às iniciativas e reações
africanas. Durante esse período, os africanos não tiveram absolutamente uma
atitude de indiferença, de passividade ou de resignação. Se é apontado como a
era clássica do colonialismo, nem por isso deixa de ser, igualmente, a era clássica
da estratégia da resistência ou do protesto dos africanos. Conforme mostraremos
tanto no estudo geral como nos estudos regionais subsequentes, os africanos
19 Ver ROBERTS, S. H., 1929; HAILEY, 1938, 1957; EASTON, 1964; GANN & DUIGNAN, eds.,
1969, 1970; GIFFORD & LOUIS, eds., 1967, 1971; SURET -CANALE, 1971.
16
África sob dominação colonial, 1880-1935
recorreram a certos métodos e procedimentos sua multiplicidade comprova
amplamente a fecundidade dos povos do continente nesse domínio para resis-
tir ao colonialismo.
Cumpre sublinhar que nessa época os africanos com exceção dos dirigentes
do norte do continente não tinham como objetivo a derrubada do sistema
colonial, mas antes conseguir melhorias e ajustes no interior do sistema. Seu
grande propósito era tor-lo menos opressivo, menos desumano, de modo
a beneficiar tanto os africanos quanto os europeus. Os dirigentes africanos
esforçaram -se para corrigir medidas e abusos específicos, como o trabalho for-
çado, a tributação elevada, as culturas agrícolas obrigatórias, a alienação de
terras, as leis relativas à circulação, os baixos preços dos produtos agrícolas e
o alto custo dos bens importados, a discriminação racial e a segregação, e para
desenvolver melhoramentos como hospitais, água encanada e escolas. Deve -se
frisar que membros de todas as classes sociais – tanto intelectuais como analfa-
betos, citadinos como rurais partilhavam esses ressentimentos contra o sistema
colonial, o que fez nascer uma consciência comum de sua condição de africanos
e negros, em oposição a seus opressores, dirigentes coloniais e brancos. Foi
durante esse período que assistimos ao revigoramento do nacionalismo político
africano, cujas primeiras manifestações remontam aos anos de 1910, logo após
a instauração do sistema colonial.
Cabia agora às novas elites intelectuais ou à nova burguesia articular tal
sentimento à direção do movimento, papel até então exercido, no quadro das
estruturas políticas pré -coloniais, pelas autoridades tradicionais. Esses novos
dirigentes, paradoxalmente, eram produto do próprio sistema colonial, saídos de
estruturas escolares, administrativas, industriais, financeiras e comerciais criadas
por ele próprio.
Estando a direção das atividades nacionalistas e anticolonialistas concentrada
nas mãos dos intelectuais africanos, que na sua maior parte viviam nos novos
centros urbanos, passou -se a identificar, incorretamente, o nacionalismo africano
do entreguerras exclusivamente com esta camada social, caracterizando -o como
um fenômeno inicialmente urbano.
Como se mostrará nos capítulos desta seção, as associações e agrupamen-
tos formados pela articulação das aspirações nacionalistas foram efetivamente
numerosos, e bastante variadas as estratégias e táticas elaboradas no decurso do
período para concretizá -las. B. O. Oloruntimehin e E. S. Atieno -Odhiambo,
nos capítulos 22 e 26, adiante, apontam entre esses grupos clubes de jovens,
associações étnicas, sociedades de antigos alunos, partidos políticos, movimen-
tos políticos abrangendo um ou vários territórios com atividades tanto internas
17
A África diante do desao colonial
quanto externas ao continente, sindicatos, clubes literários, clubes de funcio-
nários, associações de socorros mútuos, e ainda várias seitas ou movimentos
religiosos. Alguns desses grupos tinham se constituído nos anos precedentes à
Primeira Guerra Mundial, mas não dúvida de que proliferaram durante o
período considerado, como se verá nos capítulos consagrados a esse tema.
O envio de petições e delegações às autoridades metropolitanas e locais, as
greves, os boicotes, sobretudo a imprensa e os congressos internacionais, foram as
armas ou táticas eno adotadas, ao contrário do que ocorrera no período anterior à
Primeira Guerra Mundial, em que as rebeliões e os tumultos predominaram como
formas de resistência. O período do entreguerras foi, incontestavelmente, a idade
de ouro do jornalismo na África, de modo geral, e, em particular, na África ociden-
tal, enquanto a organização de congressos pan -africanos tornava -se igualmente
arma característica do movimento anticolonial. O objetivo de tais congressos
era conferir caráter internacional aos movimentos nacionalistas e anticoloniais
africanos, mas também importava chamar a atenção das potências metropoli-
tanas para o que se passava em suas colônias. Foi essa a rao de os congressos
pan -africanos organizados pelo dr. W. E. B. Du Bois, negro norte -americano, terem
se realizado em Paris, Londres, Bruxelas e até Lisboa. Este tema é retomado com
mais pormenores no capítulo 29 do presente volume, consagrado às interações, ao
longo de todo o período estudado, entre os negros da África e os negros da diáspora
nas Américas.
Não obstante a diversidade das associações e a complexidade das ticas
desenvolvidas, não houve um verdadeiro impacto sobre o sistema colonial em
começos da década de 1930, a não ser no caso único do Egito. Mesmo em 1935,
quando as forças imperialistas do regime fascista italiano de Mussolini invadi-
ram e ocuparam a Etiópia, um dos dois últimos bastiões da esperança da África,
o grande símbolo do seu desabrochar, do seu despertar, o continente parecia
condenado a ficar para sempre sob o jugo do colonialismo. Mas isso não ocorreu.
A capacidade de resistência do povo africano, a própria ocupação da Etiópia, a
intensificação do movimento nacionalista africano e dos sentimentos antico-
lonialistas após a Segunda Guerra Mundial, ligadas ao aparecimento de novos
partidos políticos de massa e de dirigentes mais engajados, que não procuravam
melhorar o sistema colonial, mas, pelo contrário, suprimi -lo em bloco, foram
outros tantos fatores que se conjugaram, como será visto no volume VIII desta
obra, e levaram à liquidação do domínio colonial sobre o continente africano
tão rapidamente quanto sua instalação, ou seja, num período de cerca de duas
décadas. No entanto o sistema colonial, entre 1880 e 1935, parecia firmemente
18
África sob dominação colonial, 1880-1935
implantado na África. Que marcas deixou ele, de fato, no continente? O último
capítulo deste volume procurará responder a essa questão.
Fontes do volume VII
Falta abordar dois pontos neste capítulo introdutório: as fontes da história
do colonialismo na África e a sua periodização.
No que respeita às fontes, os autores que trabalharam na redão do presente
volume tiveram ao mesmo tempo vantagens e desvantagens em relão aos dos outros
volumes. Isso tamm vale para todos os que vierem a trabalhar com esse período.
Falando primeiro das desvantagens, tanto este volume como o seguinte tra-
tam de épocas em que, ao contrário do que ocorreu com os outros volumes, parte
dos documentos de arquivos continua inacessível aos especialistas. Realmente,
em várias metrópoles, como a França para o período que vai até 1930, certos
documentos arquivados não foram postos à disposição dos pesquisadores senão
depois de terminados alguns capítulos. Além disso, com a partilha da África e
a penetração de tantas potências europeias no continente, os pesquisadores se
veem diante de difíceis problemas linguísticos.
Em contrapartida, no decurso do mesmo período, aumentou de modo geral
o número de revistas e periódicos publicados, bem como de documentos parla-
mentares, debates, relatórios de comissões, exposições anuais, atas de sociedades
e de associações particulares, textos que podem ser todos consultados. Mais
importante ainda, alguns protagonistas do drama colonial ainda estão vivos,
de modo que se recolheram os depoimentos de muitos deles. Outros, tanto
africanos como europeus, também deram início à publicação de memórias e
autobiografias, ou evocaram sua vivência em romances, peças e ensaios. Neste
particular, os autores do presente volume se beneficiaram de certas vantagens
em relação à maior parte dos autores dos outros volumes.
Finalmente, parece que o colonialismo foi e continua a ser objeto de pesqui-
sas e de publicações bem mais numerosas que qualquer outro tema da história
africana. Nesses dez últimos anos, a Universidade de Cambridge, por exemplo,
publicou uma história do colonialismo na África, em cinco volumes, sob a dire-
ção de L. H. Gann e Peter Duignan. Também nos países da Europa do Leste
o tema suscita, provavelmente, bem mais interesse do que qualquer outro. Estas
vantagens tornam naturalmente mais fácil o trabalho de síntese dos autores no
que diz respeito ao problema das fontes, mas a massa de documentos que são
obrigados a assimilar tende a dar um caráter mais árduo à sua tarefa.
19
A África diante do desao colonial
Periodização do colonialismo na África
Convém examinar aqui brevemente o problema da periodização da história
do colonialismo na África, ignorado por numerosos historiadores, mas levantado
por A. B. Davidson e Michael Crowder na década de 1960.
Certos autores propuseram 1870 como data do início da corrida” euro-
peia para a África e da imposição do domínio colonial. Essa data, no entanto,
parece um pouco recuada. No capítulo 2, G. N. Uzoigwe mostra que foram as
atividades dos franceses na região da Senegâmbia, do rei Leopoldo da Bélgica,
representado por H. M. Stanley, dos franceses, por Pierre Savorgnan de Brazza
na região do Congo, e dos portugueses na África central que desencadearam a
corrida. Ora, está claro que nenhuma dessas atividades começou antes do final
da década de 1870 e do início da de 1880. Parece, portanto, que 1880 é um ponto
de partida mais apropriado do que 1870
20
. De 1880 até a derrocada do colonia-
lismo, nas décadas de 1960 e 1970, o estudo da dominação colonial, das reações
e das iniciativas africanas deveria ser dividido em três períodos. O primeiro iria
de 1880 a 1919 (com duas subdivisões: 1880 -1900 e 1900 -1919, correspondendo
respectivamente à conquista e à ocupação). É aquilo que chamaríamos de período
da defesa da soberania e da independência africanas mediante o recurso à estraté-
gia do confronto, da aliança ou da submissão temporária. O segundo iria de 1919
a 1935: é o período da adaptação, sendo a estratégia empregada a do protesto ou
a da resistência. O terceiro, com início em 1935, é o período dos movimentos
de independência, sendo de ação concreta a estratégia
21
.
Nossa tese é a seguinte: o período que vai de 1880 até cerca de 1919 dito
de pacificação, segundo certos historiadores assistiu, sob a perspectiva europeia,
à realização da partilha em cima de mapas, da distribuição das tropas destinadas
a concretizá -la em campo, depois à ocupação efetiva das regiões conquistadas,
representada pela introdução de diversas medidas administrativas e de uma
infra -estrutura rodoviária, ferroviária e telegráfica, voltada para a exploração dos
recursos coloniais. Da perspectiva africana, como vimos, durante esse perí-
odo, os reis, rainhas, chefes de linhagens e de clãs acham -se todos dominados
por uma única e imperiosa consideração: manter ou recuperar a soberania, seu
patrimônio e sua cultura, qualquer que seja a estratégia adotada confronto,
aliança ou submissão. Em 1919, em quase toda a África, com a exceção notória
da Líbia, de algumas regiões do Saara, da Libéria e da Etiópia, os confrontos
20 Ver CROWDER, 1968, p. 17 -9.
21 Para diferentes periodizações, ver DAVIDSON, A. B., 1968, p. 177 -88, e CROWDER, 1968, p. 17 -9.
20
África sob dominação colonial, 1880-1935
terminaram a favor dos europeus, e todos os africanos perderam a soberania,
tanto aqueles que na consideração de certos historiados resistiram como aqueles
que no seu entender colaboraram.
Na segunda fase, entre 1919 e 1935, é correto incluir as reações dos africanos
na categoria das manifestações de resistência ou, como preferimos, de protestos.
Escolhemos 1919 não só porque essa data sucede a acontecimentos marcantes,
como o fim da Primeira Guerra Mundial, a revolução de outubro na Rússia
tzarista e a reunião do primeiro congresso pan -africano por Du Bois que
tiveram um impacto revolucionário no curso da história mundial –, mas tam-
bém porque naquele momento a oposição à ocupação europeia da África havia
cessado praticamente em todo o continente.
Como data de encerramento do período estudado neste volume também
preferimos 1935 a 1945, pois 1935 é o ano da invasão e da ocupação da Etiópia
pelas forças fascistas de Mussolini. Essa situação crítica transtorna e indigna
profundamente os africanos, particularmente os intelectuais e, de modo geral,
os negros do mundo inteiro. Ela lhes faz tomar consciência, igualmente de
modo ainda mais dramático e bem mais que a Segunda Guerra Mundial –, da
natureza desumana, racista e opressiva do colonialismo. Kwame Nkrumah, que
mais tarde viria a ser presidente de Gana, assim descreve como reagiu ao saber
da invasão:Tive quase a impressão, naquele momento, de que Londres inteira
me havia declarado pessoalmente guerra
22
. E confessa que a crise lhe aumentou
o ódio ao colonialismo. Na verdade, a luta pela libertação da África do jugo
colonialista sobreviria muito provavelmente no final dos anos 1930, não fosse a
irrupção da Segunda Guerra Mundial.
O último período, que vai de 1935 ao desencadeamento das lutas revolucio-
nárias pela independência, diz respeito mais propriamente ao último volume
da série, motivo por que nos abstivemos de estudá -lo aqui.
22 NKRUMAH, 1957, p. 27.
C A P Í T U L O 2
21
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
Introdução: um período de guerras e de
transformações revolucionárias
A geração de 1880 -1914 assistiu a uma das mutações históricas mais signi-
ficativas dos tempos modernos. Com efeito, foi no decorrer desse período que a
África, um continente com cerca de trinta milhões de quilômetros quadrados, se
viu retalhada, subjugada e efetivamente ocupada pelas nações industrializadas da
Europa. Os historiadores até agora não têm a dimensão real das consequências
desastrosas, quer para o colonizado quer para o colonizador, desse período de
guerras contínuas, embora em geral sublinhem que se tratou de uma época de
transformações revolucionárias fundamentais.
A importância dessa fase histórica, no entanto, vai muito além da guerra e
das transformações que a caracterizaram. No passado, impérios ergueram -se e
desmoronaram, conquistas e usurpações também são tão antigas como a própria
história, e, desde muito, diversos modelos de administração e de integração
coloniais têm sido experimentados. A África foi o último continente subjugado
pela Europa. O que de notável nesse período é, do ponto de vista europeu,
a rapidez e a facilidade relativa com que, mediante um esforço coordenado, as
nações ocidentais ocuparam e submeteram um continente assim tão vasto. É
um fato sem precedentes na história.
Partilha europeia e conquista da África:
apanhado geral
Godfrey N. Uzoigwe
22
África sob dominação colonial, 1880-1935
Como explicar tal fenômeno? Ou, antes, por que a África foi repartida poli-
ticamente e sistematicamente ocupada naquele exato momento? Por que é que
os africanos foram incapazes de pôr cerco a seus adversários? Tais questões têm
suscitado, entre os historiadores da partilha da África e do novo imperialismo,
explicações bastante engenhosas desde os anos de 1880, mas nenhuma delas se
mostrou totalmente aceitável, tanto assim que a história da partilha tornou -se
um dos temas mais controversos e apaixonantes do nosso tempo. O especialista
-se assim perante uma tarefa imensa: encontrar o fio da meada no fantástico
emaranhado de interpretações tão contraditórias.
A partilha da África e o novo imperialismo:
exame das diferentes teorias
O bom -senso faz -se necessário, portanto, para que se possa introduzir um
pouco de ordem na confusão de teorias a que essa mutação capital da história
africana deu origem. Essas teorias podem ser classificadas em: teoria econômica,
teorias psicológicas, teorias diplomáticas e teoria da dimensão africana.
A teoria econômica
Essa teoria conheceu vicissitudes de toda sorte. Quando o comunismo
ainda não constituía amea ao sistema capitalista ocidental, ninguém punha
realmente em dúvida a base econômica da expansão imperialista.o é, pois,
casual o sucesso da crítica de Schumpeter à noção de imperialismo capitalista
1
entre especialistas não marxistas. Os repetidos ataques a essa teoria apresentam
hoje resultados cada vez menos concludentes. Em consequência, a teoria do
imperialismo econômico, sob forma modificada, volta a encontrar aceitação.
Que se deve entender por imperialismo econômico? As origens teóricas
da noção remontam a 1900, quando os social -democratas alemães colocaram
na ordem do dia do congresso anual do seu partido, realizado naquele ano em
Mainz, a Weltpolitik, ou seja, a política de expansão imperialista em escala mun-
dial. Foi que, pela primeira vez, Rosa Luxemburgo apresentou o imperialismo
como o último estágio do capitalismo. Foi também que George Ledebour
fez observar que
1 SCHUMPETER, 1955.
23
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
a essência da Weltpolitik era o impulso profundo que conduz todos os capitalismos
a uma política de pilhagem, a qual leva o capitalismo europeu e o americano a
instalarem -se no mundo inteiro
2
.
A formulação clássica dessa teoria, no entanto aliás, a mais clara –, é a de
John Atkinson Hobson. Afirma ele que
a superprodução, os excedentes de capital e o subconsumo dos países industrializados
levaram -nos a colocar uma parte crescente de seus recursos econômicos fora de sua
esfera política atual e a aplicar ativamente uma estratégia de expansão política com
vistas a se apossar de novos territórios.
Para ele, estava a raiz econômica do imperialismo”. Embora admitindo
que forças de caráter não econômico desempenharam certo papel na expansão
imperialista, Hobson estava convicto de que,
mesmo que um estadista ambicioso, um negociante empreendedor pudessem sugerir
ou até iniciar uma nova etapa da expansão imperialista, ou contribuir para sensi-
bilizar a opinião pública de sua pátria no sentido da urgente necessidade de novas
conquistas, a decisão final ficaria com o poder financeiro
3
.
Adotando livremente as teses centrais dos social -democratas alemães, assim
como as de Hobson, V. I. Lênin salientava que o novo imperialismo caracterizava-
-se pela transição de um capitalismo de orientação “pré -monopolista”, no qual
predomina a livre concorrência”, para o estágio do capitalismo monopolista
intimamente ligado à intensificação da luta pela partilha do mundo
4
.
Assim como o capitalismo de livre concorrência prosperava exportando mer-
cadorias, o capitalismo monopolista prosperava exportando capitais, derivados
dos superlucros acumulados pelo cartel dos bancos e da indústria. Segundo
Lênin, é esse o estágio final do capitalismo. Concordando com Rosa Luxem-
burgo, e em contradição com Hobson, Lênin acreditava estar o capitalismo
destinado à autodestruição, pois, tendo finalmente partilhado o mundo entre
si, os capitalistas, convertidos em pessoas que vivem de rendas, parasitas, sus-
tentados pelos lucros de seus investimentos, estariam ameaçados pelas nações
jovens, que exigiriam uma nova partilha do mundo. Os capitalistas, sempre
ávidos, recusariam. O conflito, portanto, não poderia ser atalhado senão por
uma guerra, no fim da qual os capitalistas seriam obrigatoriamente vencidos.
2 Apud BASSO, 1972, p. 114.
3 HOBSON, 1902, p. 59, 80 -1.
4 NIN, 1916, p. 92 (com destaque no original).
24
África sob dominação colonial, 1880-1935
A guerra, portanto, é a consequência inevitável do imperialismo e trará consigo
a morte violenta do capitalismo.
o surpreende que esta propaganda entusiástica tenha sido aceita por nume-
rosos especialistas marxistas. Nacionalistas e revoluciorios do Terceiro Mundo
também adotaram, sem sombra de hesitação, as doutrinas de Hobson e de Lênin.
Aliando -se aos intelectuais de esquerda do Ocidente, descreviam o imperialismo
e o colonialismo como resultado de uma exploração econômica descarada
5
.
Não obstante nem Hobson nem Lênin terem se preocupado diretamente
com a África, está claro que suas análises têm implicações fundamentais no
estudo da partilha do continente. Ainda assim, um enorme exército de especia-
listas não marxistas demoliu mais ou menos a teoria marxista do imperialismo
econômico aplicada à África
6
.
Uma reação típica dos especialistas marxistas a essa aparente vitória consiste
em dizer que, ainda que as críticas a Hobson e a Lênin sejam basicamente
justas, estão mal direcionadas. “O alvo”, escreve Bob Sutcliffe, “é muitas vezes
uma miragem, e as armas utilizadas não são adequadas”, pois o imperialismo,
concebido como fenômeno global, considera o valor do império como um todo
e, portanto,um balanço de nível nacional não faz o menor sentido”
7
.
Um argumento mais convincente, no entanto, é o de que, embora a teoria clássica
do imperialismo ecomico seja aniquilada, isso o permite necessariamente refu-
tar sua conclusão de que o imperialismo, novel mais profundo, é essencialmente
econômico. Denegrir as outras teorias ecomicas do imperialismo e depois correr
a condenar seus partirios em fuão da simpatia deles pelas opiniões de Hobson
e de Lênin nada tem de científico. À luz de pesquisas mais aprofundadas sobre a
história africana desse período, parece claro que aqueles que persistem em reduzir a
imporncia da dimensão ecomica da partilha o fazem por sua conta e risco
8
.
As teorias psicológicas
Preferimos analisar aqui em termos psicológicos as teorias que comumente
se classificam como darwinismo social, cristianismo evangélico e atavismo social,
porque seus adeptos acreditam na supremacia da “raça branca”.
5 RODNEY, 1972; CHINWEIZU, 1975, mais particularmente o capítulo 3.
6 Tais cticas devem -se notadamente a FIELDHOUSE, 1961; BLAUG, 1961; SUTCLIFFE, 1972,
p. 316 -20.
7 SUTCLIFFE, 1972, p. 318; cf. ibid., p. 312 -23.
8 Ver, por exemplo, HOPKINS, A. G., 1968, 1973; NEWBURY & KANYA -FORSTNER, 1969;
STENGERS, 1962.
25
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
O darwinismo social
A obra de Darwin
9
, A origem das espécies por meio da seleção natural, ou a con-
servão das raças favorecidas na luta pela vida publicada em ings em novem-
bro de 1859, parecia fornecer caução científica aos partidários da supremacia
da raça branca, tema que, depois do século XVII, jamais deixou de estar pre-
sente, sob diversas formas, na tradão literária europeia. Os pós -darwinianos
ficaram, portanto, encantados: iam justificar a conquista do que eles chamavam
de raças sujeitas” , ou “raças não evoluídas”, pela raça superior , invocando
o processo inelutável da “seleção natural”, em que o forte domina o fraco na
luta pela existência. Pregando que a força prima sobre o direito”, eles achavam
que a partilha da África punha em relevo esse processo natural e inevitável. O
que nos interessa neste caso de flagrante chauvinismo racista qualificado,
e com muita razão, de albinismo” é que ele afirma a responsabilidade das
nações imperialistas
10
.
Resta concluir que o darwinismo social, aplicado à conquista da África, é
mais uma racionalização tardia que o móvel profundo do fenômeno.
Cristianismo evangélico
O cristianismo evangélico, para o qual A origem das espécies era uma heresia
diabólica, não tinha, por sua vez, o menor escrúpulo em aceitar as implicações
racistas da obra. As conotações raciais do cristianismo evangélico eram mode-
radas, todavia, por uma boa dose de zelo humanitário e filantrópico sentimento
muito disseminado entre os estadistas europeus durante a conquista da África.
Sustentava -se, assim, que a partilha da África se devia, em parte não desprezí-
vel, a um impulso “missionário”, em sentido lato, e humanitário, com o objetivo
de “regenerar os povos africanos
11
. se afirmou, além disso, que foram os
missionários que prepararam o terreno para a conquista imperialista na África
oriental e central, assim como em Madagáscar
12
. No entanto, se é verdade que
os missionários não se opuseram à conquista da África e que, em certas regiões,
dela participaram ativamente, esse fator, por si só, não se sustenta como uma
teoria geral do imperialismo, em razão de seu caráter limitado.
9 DARWIN, 1859.
10 Para maiores detalhes sobre estas teorias, ver MAUNIER, 1949; HIMMELFARB, 1960.
11 GALBRAITH, 1961, p. 34 -48; BENNETT, ed., 1953; GROVES, 1969, para o fator missionário na
expansão imperialista.
12 OUVER, 1965; ROTBERG, 1965; MUTIBWA, 1974.
26
África sob dominação colonial, 1880-1935
Atavismo social
Foi Joseph Schumpeter o primeiro a explicar o novo imperialismo em termos
sociológicos. Para ele, o imperialismo seria a consequência de certos elemen-
tos psicológicos imponderáveis e não de pressões econômicas. Seu raciocínio,
exposto em termos antes humanistas do que da preponderância racial europeia,
funda -se no que ele considera ser um desejo natural do homem: dominar o
próximo pelo prazer de dominá -lo. Essa pulsão agressiva inata seria coman-
dada pelo desejo de apropriação, próprio do ser humano. O imperialismo seria,
portanto, um egoísmo nacional coletivo: “a disposição, desprovida de objetivos,
que um Estado manifesta de expandir -se ilimitadamente pela força
13
. O novo
imperialismo, por conseguinte, seria de caráter atávico
14
, quer dizer, manifestaria
uma regressão aos instintos políticos e sociais primitivos do homem, que talvez
se justificassem em tempos antigos, mas certamente não no mundo moderno.
Schumpeter demonstra então como, pela sua própria natureza, o capitalismo
seria “anti-imperialista” e benevolente. Dirigido por empresários inovadores,
seria totalmente oposto às motivações agressivas e imperialistas das antigas
monarquias e classes de guerreiros, cujas ambições não teriam objetivos precisos.
Ao contrário destas, o capitalista teria objetivos claramente definidos e por isso
seria inteiramente hostil aos comportamentos atávicos próprios de antigos regi-
mes. Assim, conclui Schumpeter, a explicação econômica do novo imperialismo,
baseada no desenvolvimento lógico do capitalismo, é falsa.
Por mais sedutora que seja, essa tese apresenta um defeito grave: é nebulosa
e a -histórica.
As teorias psicológicas, embora possam conter algumas verdades que aju-
dam a compreender a partilha da África, não conseguem explicar por que essa
partilha se deu num determinado momento histórico. No entanto, fornecem
elementos para explicar por que a partilha foi possível e considerada desejável.
Teorias diplomáticas
Essas teorias oferecem a explicação puramente política da partilha, e talvez a
mais comumente aceita. Mas é interessantíssimo fornecem suporte especí-
fico e concreto às teorias psicológicas. Permitem ver os egoísmos nacionais dos
Estados europeus, seja em conflito uns com os outros, seja agindo em acordo
para se defenderem, seja ainda reagindo de maneira decisiva contra as forças
13 SCHUMPETER, 1955, p. 6.
14 Ibid., p. 65.
27
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
dos nacionalistas africanos radicais. Propomos, assim, tratar essas teorias abor-
dando sucessivamente o prestígio nacional, o equilíbrio de forças e a estratégia
global.
Prestígio nacional
O principal defensor desta teoria é Carlton Hayes, que, num texto de grande
lucidez, sustenta:
A França procurava uma compensação para as perdas na Europa com ganhos no
ultramar. O Reino Unido aspirava compensar seu isolamento na Europa engrande-
cendo e exaltando o império britânico. A Rússia, bloqueada nos Bálcãs, voltava -se
de novo para a Ásia. Quanto à Alemanha e à Itália, queriam mostrar ao mundo
que tinham o direito de realçar seu prestígio, obtido à força na Europa por faça-
nhas imperiais em outros continentes. As potências de menor importância, que
não tinham prestígio a defender, lá conseguiram viver sem se lançarem na aventura
imperialista, a não ser Portugal e Holanda, que demonstraram renovado interesse
pelos impérios que possuíam, esta última principalmente, administrando o seu
com redobrado vigor
15
.
Hayes conclui dizendo que, fundamentalmente, o novo imperialismo era um
fenômeno nacionalista” e que seus defensores tinham sede ardente de prestígio
nacional. Em suma, tendo consolidado e redistribuído as cartas diplomáticas no
seu continente, os dirigentes europeus eram propelidos por uma força obscura,
atávica, que se exprimia por uma “reação psicológica, um desejo ardente de
manter ou de restaurar o prestígio nacional”.
Conclui Carlton Hayes, portanto, que a partilha da África não foi um fenô-
meno econômico
16
.
Equilíbrio de forças
F. H. Hinsley
17
sublinha, por sua vez, que o desejo de paz e de estabilidade dos
Estados europeus foi a causa principal da partilha da África. Segundo diz, a data
decisiva, de verdadeira passagem para a era extraeuropeia – a era do imperialismo
–, foi 1878. A partir daí, no congresso de Berlim, a rivalidade russo -britânica nos
Bálcãs e no Império Otomano quase levou as nações europeias a um conflito
15 HAYES, 1941, p. 220.
16 Ibid.
17 HINSLEY, 1959a, 1959b.
28
África sob dominação colonial, 1880-1935
generalizado. Mas os estadistas, voltando atrás, souberam evitar essa crise na
política de poder. Daí em diante, até a crise da Bósnia, em 1908, tal política,
banida da Europa, correu livremente na África e na Ásia. Quando os conflitos
de interesses na África ameaçaram a paz na Europa, as potências europeias não
tiveram outra escolha senão retalhar a África. Era o preço para se salvaguardar
o equibrio diplomático europeu, estabilizado nos anos de 1880.
Estratégia global
Uma terceira escola sustenta que o interesse da Europa pela África – o qual
provocou a invasão e a partilha era de fato ditado por uma estratégia global
e não pela economia. Os grandes defensores dessa teoria, Ronald Robinson e
John Gallagher, que acentuam a importância estratégica, para o Reino Unido,
do eixo África -Índia, atribuem a responsabilidade da partilha à influência dos
movimentos atávicos protonacionalistas” na África, que ameaçavam os interes-
ses estratégicos globais das nações europeias. Essas lutas românticas e reacioná-
rias” galantes anacronismos, na opinião deles teriam compelido os relutantes
estadistas europeus, até então contentes com o exercício de uma discreta hege-
monia e o recurso à persuasão, a partilhar e conquistar a África contra a vontade.
Portanto a África teria sido ocupada, não porque tivesse riquezas materiais a
oferecer aos europeus pois então não tinham valor do ponto de vista econô-
mico –, mas porque ameaçava os interesses dos europeus alhures
18
.
Um objetivo básico tanto das teorias psicológicas como das diplomáticas,
a elas aparentadas, é acabar com a ideia de que a partilha da África se deve a
motivos econômicos. Mas a tese do prestígio nacional mostra -se pouco con-
vincente precisamente quando os fatores econômicos a ele concomitantes são
eliminados ou minimizados demais. Carlton Hayes, por exemplo, documentou
pormenorizadamente a guerra tarifária a que se lançaram as nações europeias
durante o período crucial da partilha
19
. Admite mesmo que
o que desencadeou, de fato, a corrida econômica para o ‘Continente Negro e para as
ensolaradas ilhas do Pacífico não foi tanto a superprodução de bens manufaturados
na Europa como uma escassez de matérias -primas”
20
, e que, em consequência,para
impedir que uma parte demasiadamente grande do mundo fosse [...] monopolizada
18 Ver GALLAGHER & ROBINSON, 1953; ROBINSON & GALLAGHER, 1962, 1961.
19 HAYES, 1941, p. 205 -8.
20 Ibid., p. 218.
29
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
pela França, Alemanha, Itália ou outra potência protecionista, a Grã Bretanha inter-
veio vigorosamente para juntar a parte do leão a seu império livrecambista.
Por outras palavras, uma vez estabelecido, o neomercantilismo teve importan-
tes consequências para a emergência das rivalidades imperialistas
21
. No entanto,
na página seguinte, ele contesta com bastante segurança, como vimos, as bases
econômicas do novo imperialismo!
H. Brunschwig, propondo uma interpretação não econômica do imperia-
lismo francês, também se viu obrigado, diante da inegável dimensão econômica
do imperialismo, a reconhecer -lhe afinal um papel. Ao mesmo tempo que qua-
lificava o imperialismo anglo -saxão como econômico e filantrópico, o da França
lhe parecia motivado pelo prestígio nacional
22
.
Já a tese da estratégia global suscitou entre os especialistas reações bastante
negativas, mas atraiu irresistivelmente historiadores não africanistas e o grande
público. Sabemos, no entanto, que essa tese, elaborada a partir das hipóteses
de Langer
23
, mais ecléticas, e de Hinsley, mais ponderadas, é demasiado cate-
górica e circunstancial para ser admissível. Na África ocidental, central, austral
e oriental demonstrou -se falha
24
. No tocante ao Egito e à África do norte,
mostrou -se que havia fortes razões para a presença britânica naquela área
sem ligação com a estratégia imperialista do Reino Unido relativa à Índia
25
.
É gratificante notar que, por sua vez, Robinson começa a atribuir menos
imporncia às exageradas repercuses do bâton égyptien nas lutas coloniais
em toda a África
26
.
Teoria da dimensão africana
As teorias sobre a partilha expostas até agora tratam da África no quadro
ampliado da história europeia. É claro que isso é um grave erro. Mesmo a abor-
dagem protonacionalista do atavismo feita por Robinson ou Gallagher não foi
totalmente desenvolvida, exatamente por terem eles seu interesse voltado para
a Europa e a Ásia.
21 Ibid., p. 219.
22 BRUNSCHWIG, 1966, p. 4 -13.
23 LANGER, 1935.
24 Ver STENGERS, 1962; NEWBURY & KANYA -FORSTNER, 1969; G. N. UZOIGWE, 1974, 1977;
LOUIS, ed., 1976.
25 UZOIGWE, 1974.
26 ROBINSON, 1972.
30
África sob dominação colonial, 1880-1935
É, portanto, necessário, fundamental mesmo, examinar a partilha da África
da perspectiva histórica africana. Ao contrário do que comumente se acredita,
esta forma de abordar o tema não é uma inovação engenhosa da nova” historio-
grafia africana. Em obra notável, The partition of Africa
27
, publicada em 1893, J.
S. Keltie assinalava com muita argúcia que a corrida dos anos de 1880 foi con-
sequência lógica da roedura progressiva do continente, iniciada trezentos anos
antes. Admitia, de passagem, os motivos econômicos da partilha eles não eram
centrais na sua tese. Nos anos de 1930, George Hardy, o prolífico especialista
da história colonial francesa, também demonstrou a importância dos fatores
africanos locais da partilha, tratando a África como uma unidade histórica. A
exemplo de Keltie, afirmava que, embora a causa imediata da partilha fossem as
rivalidades econômicas entre os países industrializados da Europa, ela constituía
ao mesmo tempo uma fase determinante nas relações de longa data entre a
Europa e a África. Hardy julgava que a resistência africana à crescente influência
europeia precipitou a conquista efetiva, tal como as rivalidades comerciais cada
vez mais exacerbadas das nações industrializadas levaram à partilha
28
.
Durante muito tempo, essas análises não tiveram eco. Mas, com a publicação,
em 1956, da obra clássica de K. Onwuka Dike, Trade and politics in the Niger
Delta
29
, a dimensão africana da partilha foi retomada. Embora a obra de Dike
trate de um período e de uma área geográfica limitados, ela encorajou toda
uma geração de historiadores a abordar o estudo da partilha no contexto de um
longo período de contatos entre raças e culturas diferentes. Lamentavelmente,
embora R. Oliver e J. D. Fage demonstrem a antiguidade de tais relações em
sua conhecida obra A short history of Africa
30
, mantêm -se presos demasiadamente
ainda ao contexto europeu da partilha, em detrimento da dimensão africana. É
encorajador, se bem que trate apenas de uma zona geográfica limitada, o impor-
tante estudo de A. G. Hopkins
31
, na medida em que este autor se esforça por
apresentar uma reinterpretação africana do imperialismo na África ocidental.
Sua conclusão merece ser citada:
Por um lado, é posvel conceber reges onde o abandono do comércio de escravos se deu
sem choques nem perda de rendimentos e onde as tensões internas foram contro-
27 KELTIE, 1893.
28 HARDY, 1930, p. 124 -37.
29 DIKE, 1956.
30 OLIVER & FAGE, 1962, 1970
31 HOPKINS, A. G., 1973.
31
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
ladas. Em casos tais, a explicação do retalhamento colonial deverá salientar os fatores
externos, como as considerações mercantis e as rivalidades anglo -francesas. No outro
extremo, é possível imaginar casos em que os chefes indígenas adotaram atitudes de
reação, não hesitando em recorrer a métodos predatórios, na tentativa de manter os
rendimentos, e em que os conflitos internos eram pronunciados. Nesses casos peso
maior deve ser dado, na análise do imperialismo, às forças de desintegração ativas no
seio das sociedades africanas, sem negligenciar, todavia, os fatores externos
32
.
O autor do presente capítulo concorda com a maior parte dos historiadores
desta escola
33
. Como eles, explica a partilha levando em consideração tanto os
fatores europeus como os africanos e, assim procedendo, acredita que se com-
pletam dessa forma as teorias eurocêntricas examinadas anteriormente com a da
dimensão africana. Rejeita a ideia de que a partilha e a conquista eram inevitáveis
para a África, como dado inscrito na sua história. Pelo contrário, considera -as a
consequência lógica de um processo de devoração da África pela Europa, iniciado
bem antes do século XIX. Admite que foram motivos de ordem essencialmente
econômica que animaram os europeus e que a resistência africana à invasão cres-
cente da Europa precipitou a conquista militar efetiva. Parece, de fato, que a teoria
da dimensão africana oferece um quadro global e histórico que explana melhor a
partilha do que todas as teorias puramente eurocêntricas.
O início da corrida
Malgrado a considerável influência que, no final do terceiro quartel do século
XIX, exerciam as potências francesa, inglesa, portuguesa e alemã, bem como os
interesses comerciais que detinham em diferentes regiões da África, seu controle
político direto era muito reduzido. A Alemanha e sobretudo o Reino Unido
exerciam sua influência como queriam, e nenhum estadista em consciência
optaria espontaneamente por incorrer em gastos e se expor aos riscos impre-
vistos de uma anexação formal, podendo extrair as mesmas vantagens de um
controle indireto. “Recusar -se a anexações não significa relutar ao exercício do
domínio”,se disse com boa razão
34
. Isso explica tanto a conduta de Salisbury
e Bismarck como a da maior parte dos protagonistas da partilha.
32 Ibid., p. 165 -6.
33 A teoria da dimensão africana vem desenvolvida mais extensamente em HOPKINS, A. G., 1973, bem
como em UZOIGWE, 1973.
34 GALLAGHER & ROBINSON, 1953, p. 3.
32
África sob dominação colonial, 1880-1935
Essa conduta, porém, começa a mudar depois de três importantes aconteci-
mentos verificados entre 1876 e 1880.
O primeiro foi o novo interesse que o duque de Brabante, coroado rei dos
belgas em 1865 (sob o nome de Leopoldo I), demonstrava pela África, o que se
expressou na chamada Conferência Geográfica de Bruxelas, por ele convocada
em 1876, a qual redundou na criação da Associação Internacional Africana e
no recrutamento de Henry Morton Stanley, em 1879, para explorar os Congos
em nome da Associação. Essas medidas culminaram na criação do Estado Livre
do Congo, cujo reconhecimento por todas as nações europeias Leopoldo obteve
antes do término das deliberações da Conferência de Berlim sobre a África
ocidental
35
.
As atividades de Portugal, a partir de 1876, constituíram a segunda série
de acontecimentos importantes. Melindrado por só ter sido convidado para a
conferência de Bruxelas no último minuto, Portugal deu início a uma série de
expedições que levaram a coroa portuguesa a anexar, em 1880, as propriedades
rurais afro -portuguesas de Moçambique, até então quase independentes.
Assim, para os portugueses e para o rei Leopoldo, a Corrida começou
em 1876. O terceiro e último acontecimento a rematar a partilha foi, sem
dúvida alguma, o caráter expansionista da política francesa entre 1879 e
1880, manifestado pela participação da França junto com o Reino Unido
no controle do Egito (1879), pelo envio de Savorgnan de Brazza ao Congo,
pela ratificão de tratados com Makoko, chefe dos Bateke, bem como pelo
restabelecimento da iniciativa colonial francesa tanto na Tunísia como em
Madagáscar
36
.
A ação de Portugal e Fraa entre 1876 e 1880 indicava claramente que
estavam comprometidos na explorão colonial e na instauração de um con-
trole formal na África. Isto obrigou finalmente o Reino Unido e a Alemanha
a abandonar sua preferência pelo controle informal em favor de um domínio
efetivo, o que os levou a anexar terririos na África oriental, ocidental e
meridional a partir do final de 1883
37
. A Alemanha, por exemplo, anexou
o Sudoeste Africano, o Togo, Camarões e a África Oriental Alemã, contri-
buindo com isso para acelerar o processo da partilha.
35 PRO FO 403/192, “Memorando de sir E. Hertslet sobre as importantes mudanças políticas e territoriais
ocorridas na África central e oriental desde de 1883” (com notas adicionais de sir P. Anderson), fevereiro
de 1893. (Condencial).
36 MUTIBWA, 1974, capítulos 6 e 7.
37 Ver CECIL, 1932, p. 225 -6; LUGARD, 1929, p. 13.
33
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
No início da década de 1880, no auge da partilha dos territórios, Portugal,
receando ser alijado da África, propôs a convocação de uma conferência inter-
nacional com o fito de resolver os litígios territoriais na África central. Parece
evidente, à luz do que acabamos de dizer, que não foi a ocupação inglesa do
Egito em 1882 que desencadeou a corrida, como afirmaram Robinson e Galla-
gher
38
, mas os acontecimentos que se desenrolaram em diferentes partes da
África entre 1876 e 1880.
A Conferência de Berlim sobre a
África ocidental (1884 ‑1885)
A ideia de uma conferência internacional que permitisse resolver os conflitos
territoriais engendrados pelas atividades dos países europeus na região do Congo
foi lançada por iniciativa de Portugal, mas retomada mais tarde por Bismarck,
que, depois de ter consultado outras potências, foi encorajado a concretizá -la.
A conferência realizou -se em Berlim, de 15 de novembro de 1884 a 26 de
novembro de 1885 (fig. 2.1). À notícia de que seria realizada, a corrida à África
intensificou -se. A conferência o discutiu a sério o tráfico de escravos nem os
grandes ideais humanitários que se supunha terem -na inspirado. Adotaram -se
resoluções vazias de sentido, relativas à abolição do tráfico escravo e ao bem -estar
dos africanos.
A conferência, que, inicialmente,o tinha por objetivo a partilha da África,
terminou por distribuir territórios e aprovar resoluções sobre a livre navegação
no Níger, no Benue e seus afluentes, e ainda por estabelecer as “regras a serem
observadas no futuro em matéria de ocupação de territórios nas costas africa-
nas
39
. Por força do artigo 34 do Ato de Berlim, documento assinado pelos par-
ticipantes da conferência, toda nação europeia que, daí em diante, tomasse posse
de um território nas costas africanas ou assumisse um “protetorado”, deveria
informá -lo aos membros signatários do Ato, para que suas pretensões fossem
ratificadas. Era a chamada doutrina das esferas de influência, à qual está ligado o
absurdo conceito de hinterland. A doutrina foi interpretada da seguinte forma:
a posse de uma parte do litoral acarretava a do hinterland sem limite territorial.
O artigo 35 estipulava que o ocupante de qualquer território costeiro devia estar
igualmente em condições de provar que exercia autoridade suficiente para
38 ROBINSON & GALLAGHER, 1961.
39 PRO FO 403/192, “Memorando de sir E. Hertslet...” , fevereiro de 1893, p. 1
34
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . A Conferência de Berlim sobre a África Ocidental (1884-1885). (Fonte: Mary Evans Picture Library.)
35
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
fazer respeitar os direitos adquiridos e, conforme o caso, a liberdade de comércio
e de trânsito nas condições estabelecidas”. Era a doutrina dita de ocupação efetiva,
que transformaria a conquista da África na aventura criminosa que se verá.
De fato, reconhecendo o Estado Livre do Congo, permitindo o desenrolar de
negociações territoriais, estabelecendo as regras e modalidades de apropriação
legal” do território africano, as potências europeias se arrogavam o direito de
sancionar o princípio da partilha e da conquista de um outro continente. Seme-
lhante situação não tem precedentes na história: jamais um grupo de Estados de
um continente proclamou, com tal arrogância, o direito de negociar a partilha
e a ocupação de outro continente. Para a história da África, esse foi o principal
resultado da conferência. Dizer, ao contrário da opinião geral, que ela não reta-
lhou a África
40
só é verdade no sentido mais puramente técnico. As apropriações
de territórios deram -se praticamente no quadro da conferência, e a questão das
futuras apropriações foi claramente levantada na sua resolução final. De fato, em
1885, estavam traçadas as linhas da partilha definitiva da África.
Os tratados de 1885 a 1902
Antes da conferência de Berlim, as potências europeias tinham suas esferas
de influência na África por várias formas: mediante a instalação de colônias, a
exploração, a criação de entrepostos comerciais, de estabelecimentos missioná-
rios, a ocupação de zonas estratégicas e os tratados com dirigentes africanos
41
.
Após a conferência, os tratados tornaram -se os instrumentos essenciais da par-
tilha da África no papel. Eram de dois tipos esses tratados: os celebrados entre
africanos e europeus, e os bilaterais, celebrados entre os próprios europeus.
Os tratados afro -europeus dividiam -se em duas categorias. Primeiramente
houve aqueles sobre o tráfico de escravos e o comércio, que foram fonte de
conflitos e provocaram a intervenção política europeia nos assuntos africanos.
Depois, vieram os tratados políticos, mediante os quais os dirigentes africanos
ou eram levados a renunciar a sua soberania em troca de proteção, ou se com-
prometiam a não assinar nenhum tratado com outras nações europeias.
Esses tratados políticos estiveram muito em voga no período considerado.
Eram feitos por representantes de governos europeus ou por certas organiza-
ções privadas, que, mais tarde, os cediam a seus respectivos governos. Logo que
40 CROWE, 1942, p. 152 -75.
41 UZOIGWE, 1976a, p. 189 -93.
36
África sob dominação colonial, 1880-1935
um governo metropolitano os aceitava, os territórios em apro eram em geral
anexados ou tidos por protetorados; por outro lado, se um governo duvidasse da
autenticidade dos tratados ou tivesse de agir com prudência por causa das vicissi-
tudes da Weltpolitik, utilizava então esses tratados para obter vantagens no quadro
das negociações bilaterais europeias. Aliás, os africanos celebravam esses tratados
por diversas razões, mas principalmente em nome do interesse de seu povo. Em
certos casos, aspiravam a estabelecer relações com os europeus na esperança de
tirar daí vantagens políticas relativamente a seus vizinhos. Às vezes, um Estado
africano em posição de fraqueza assinava um tratado com uma potência europeia
esperando poder assim libertar -se da vassalagem a outro Estado africano que lhe
impunha sua soberania. Este último também podia desejar um tratado, contando
utilizá -la para manter em obediência os súditos recalcitrantes. Por fim, certos
Estados africanos imaginavam que, celebrando um tratado com um país europeu,
salvaguardariam a independência ameaçada por outras nações europeias
42
. Fosse
qual fosse o caso, os tratados políticos afro -europeus desempenharam importante
papel na fase final da partilha da África.
Os tratados assinados entre a Imperial British East Africa Company (IBEAC)
e Buganda mostram -nos um soberano africano solicitando a ajuda do representante
de uma companhia europeia em virtude dos conflitos que o opunham aos ditos. O
kabaka Mwanga II escrevera à empresa que fosse suficientemente boa para vir e me
restaurar no meu trono”; em troca, prometeu pagar à empresa com bastante marfim,
e podeis fazer todo o comércio em Uganda e tudo o que desejais no ps sob minha
autoridade”
43
. o tendo recebido resposta, enviou a Zanzibar dois embaixadores,
Samual Mwemba e Victor Senkezi, para solicitar a ajuda dos nsules inglês, frans
e alemão. Mwanga II recomendou aos embaixadores que inquirissem o seguinte:
Se eles querem ajudar -nos, que recompensa devemos dar -lhes em troca? Porque,
com efeito, não pretendo dar -lhes (ou dar -lhe) o meu país. Desejo que os europeus
de todas as nações venham para Uganda construir e comerciar à vontade
44
.
É evidente que, com esse tratado, Mwanga II não pretendia renunciar a sua
soberania, mas descobriria mais tarde, à própria custa, que os europeus intentavam
o contrário. Os tratados celebrados pelo capitão Lugard com Mwanga em dezem-
bro de 1890 e março de 1892, que lhe ofereciam “proteção”, foram -lhe impostos
e não negociados com ele. É certo que a IBEAC o ajudou a retomar o trono, mas
42 TOUVAL, 1966, p. 286.
43 PRO FO 84/2061, Mwanga a Jackson, 15 de junho de 1889 (grifo nosso).
44 PRO FO 84/2064, Mwanga a Euam -Smith, 25 de abril de 1890.
37
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
a vitória dos protestantes de Buganda (graças à metralhadora Maxim de Lugard)
sobre os católicos na batalha de Mengo (24 de janeiro de 1892) enfraqueceu a
posição do kabaka. Quando a companhia encerrou as atividades em Buganda (31
de março de 1893), cedeu esses tratados ao governo britânico. O último tratado
do coronel H. E. Colvile com Mwanga (27 de agosto de 1894) confirmava todos
os tratados anteriores, e ia mais longe: Colvile exigia e obteve para seu país o
controle dos negócios estrangeiros, do tesouro público e dos impostos”, que, das
mãos de Mwanga, passavam às do “governo de Sua Majestade, cujo representante
também fazia as vezes de supremo tribunal de recursos para todas as questões civis”
45
.
No mesmo ano, o Reino Unido declarava Buganda um protetorado. É reve-
lador que Lugard tenha escrito, anos mais tarde, em seu diário, a propósito dos
tratados que ofereciam a proteção da companhia:
Nenhuma pessoa sensata o assinaria, e pretender que se tenha convencido um chefe
selvagem a ceder todos os seus direitos à companhia em troca de nada é de uma deso-
nestidade óbvia. Se lhe disseram que a companhia o protegeria contra os inimigos
e a ele se aliaria nas guerras, mentiram. A companhia jamais teve essas intenções e,
mesmo que as tivesse, não dispunha de meios para concretizá -las
46
.
Lugard estava dizendo, em suma, que seus próprios tratados foram obtidos
fraudulentamente! Não cabe aqui discutir os numerosos outros tratados afro-
-europeus, mas mencionemos, de passagem, as solicitações apresentadas pelo
emir de Nupe (na atual Nigéria) ao lugar -tenente L. A. A. Mizon para fazer uma
aliança com ele contra a Royal Niger Company, com a qual se tinha desavindo
47
,
como exemplo do desejo de um soberano africano de pedir a ajuda de uma potên-
cia europeia contra outra potência europeia que ameaçava sua independência.
Os tratados bilaterais europeus de partilha
Definir uma esfera de influência por um tratado era, em geral, a etapa pre-
liminar da ocupação de um Estado africano por uma potência europeia. Se o
tratado não fosse contestado por nenhuma potência, a nação beneficiária trans-
formava pouco a pouco os direitos que ele lhe reconhecia em direitos de sobe-
rania. Uma zona de influência, portanto, nascia de uma declaração unilateral,
45 PRO FO 2/72. Colvile a Hardingue, 28 de ago de 1894; contém o texto deste tratado.
46 PERHAM & BULL, eds., 1963. p. 318.
47 Para maiores detalhes, ver ADELEYE, 1971. p. 136 -9.
38
África sob dominação colonial, 1880-1935
mas ela se tornava realidade uma vez aceita, ou pelo menos não contestada
por outras potências europeias. Frequentemente as esferas de influência eram
contestadas, mas os problemas de ordem territorial e as disputas de fronteiras
acabavam por se resolver através de acordos entre as duas ou mais potências
imperialistas presentes na mesma região. Os limites de tais acertos territoriais
eram determinados, com o máximo de exatidão possível, por uma fronteira natu-
ral, ou, na sua ausência, por referência às longitudes e latitudes. Ocasionalmente
levavam -se em conta as fronteiras políticas do país.
Considera -se que o tratado anglo -alemão de 29 de abril (e de 7 de maio)
de 1885, que definia as “zonas de intervenção da Inglaterra e da Alemanha em
certas regiões da África, talvez seja a primeira aplicação a sério da teoria das
esferas de influência nos tempos modernos
48
. Mediante uma série de tratados,
acordos e convenções análogos, a partilha da África nos mapas estava pratica-
mente terminada em fins do século XIX. Vamos examinar aqui, brevemente, os
mais importantes.
O tratado de delimitação anglo -alemão de 1de novembro de 1886, por
exemplo, é particularmente importante. Por ele, Zanzibar e a maior parte de
suas dependências caíam na esfera de influência britânica; por outro lado, nele
se reconhecia à Alemanha influência política na África oriental, o que s
fim, oficialmente, ao monopólio do Reino Unido na região
49
. Dessa forma, o
tratado dividia o império Omani. Nos termos do acordo posterior, de 1887,
destinado a precisar esse primeiro tratado, o Reino Unido comprometia -se
a “desencorajar as anexações brinicas na retaguarda da esfera de inflncia
da Alemanha, entendendo que o governo alemão também desencorajaas
anexações alemãs no interior da esfera britânica”. O acordo previa igualmente
que, se um dos dois países ocupasse o litoral, o outro não poderia, sem con-
sentimento da outra parte, ocupar as regiões não reivindicadas do interior
50
.
Esses acordos sobre a ocupação do hinterland na parte oeste das “esferas de
influência” dos dois países eram muito vagos e acabaram por tornar necessária
a conclusão do célebre tratado de Heligoland, de 1890, que remata a divisão
da África oriental. É muito importante observar que esse tratado reservava
Uganda ao Reino Unido, mas acabava com a grande esperaa britânica de
uma rota Cidade do Cabo Cairo. Restituía a Heligoland à Alemanha e punha
fim à independência de Zanzibar.
48 TOUVAL, 1966. p. 286.
49 PRO FO 403/192, “Memorando de sir E. Hertslet... fevereiro de 1893.
50 PRO FO 403/142, Salisbury a Malet, 14 de junho de 1890.
39
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
Os tratados anglo -alemães de 1890 e de 1893 e o tratado anglo -italiano de
1891 terminaram por colocar oficialmente o alto Nilo na esfera de influência
britânica. Ao sul, o tratado franco -português de 1886, o tratado germano -português
de 1886 e o tratado anglo -portugs de 1891 reconheciam a influência portuguesa
em Angola e Moçambique, assim como delimitavam a esfera de inflncia brinica
na África central. O tratado de 1894 entre o Reino Unido e o Estado Livre do
Congo também é muito importante, pois fixava os limites do Estado Livre do
Congo de forma a que servisse de tampão entre os territórios franceses e o vale
do Nilo, deixando aos britânicos um corredor no eixo CaboCairo, ligando
Uganda ao lago Tanganica (cláusula suprimida em junho, devido aos protestos
da Alemanha). Na África ocidental, os mais importantes acordos foram a acei-
tação da linha SayBarruwa (1890) e a Convenção do Níger (1898)
51
, com o
que o Reino Unido e a França encerraram a partilha dessa região. Finalmente,
a Convenção Anglo -Francesa de 21 de março de 1899 regulamentava a questão
egípcia, enquanto a Paz de Vereiniging (1902) que punha fim à guerra com
os bôeres confirmava, ao menos por algum tempo, a supremacia britânica na
África do Sul.
Em que medida eram válidos os tratados políticos celebrados com as auto-
ridades africanas e os acordos bilaterais entre nações europeias, base da partilha
e da conquista da África? Seu estudo leva à conclusão de que alguns deles são
juridicamente indefensáveis, outros moralmente condenáveis, enquanto outros
ainda foram obtidos de forma legal. No entanto, trata -se de atos essencial-
mente políticos, defensáveis somente no contexto do direito positivo europeu,
segundo o qual a força é a fonte de todo o direito. Mesmo quando os africa-
nos procuravam abertamente celebrar tratados com os europeus, a decisão era
sempre ditada pela força que eles sentiam no lado europeu. Em certos casos,
os africanos, por suspeitarem das razões apresentadas pelos europeus para a
conclusão desses tratados, recusavam -se a participar deles, mas, submetidos a
pressões intoleráveis, acabavam por aceitá -las. Muitas vezes, africanos e euro-
peus divergiam sobre o verdadeiro sentido do acordo a que haviam chegado.
Fosse como fosse, os governantes africanos consideravam, por sua parte, que
esses tratados políticos não os despojavam de sua soberania. Viam neles, antes,
acordos de cooperação, impostos ou não, que deveriam ser vantajosos para as
partes interessadas. As opiniões dos europeus quanto à validade dos tratados
variavam. Alguns os achavam letimos, outros, como Lugard, estavam convenci-
51 A análise mais detalhada da Convenção do Níger gura em UZOIGWE, 1974, capítulos 5 e 6; ver
OBICHERE, 1971, capítulo 8.
40
África sob dominação colonial, 1880-1935
dos de que quase todos tinham sido obtidos de maneira fraudulenta, sendo uns
inteiramente falsos, outros sem a menor existência legal e a maior parte deles
aplicada ilegalmente
52
. Na maioria dos casos, entretanto, esses tratados absurdos
foram avalizados pelo jogo diplomático europeu, como, por exemplo, os falsos
tratados de Karl Peters, na África oriental, e os da Imperial British East Africa
Company (IBEAC), que o próprio Lugard chamou de fraude pura e simples”
53
.
Raros eram os que resistiam a um exame sem que os diplomatas os declarassem
inaceitáveis, como foi o caso dos tratados celebrados por Lugard com Nikki.
A própria ideia de que se pudessem considerar legítimos tratados bilaterais
entre nações europeias que decidiam a sorte de territórios africanos em uma
capital da Europa, longe da presença e sem o acordo daqueles com cujo futuro
se jogava, somente se admitia à luz do direito positivo europeu. Os estadistas
europeus estavam perfeitamente cônscios de que a definição de uma esfera
de influência em um tratado subscrito por duas nações europeias não podia
legitimamente atingir os direitos dos soberanos africanos da região afetada. Na
medida em que a influência constituía mais um conceito político do que jurídico,
determinada potência amiga podia optar por respeitar esse conceito, enquanto
outra, inimiga, não o levaria a sério. O mesmo se pode dizer da doutrina do
hinterland, que não hesitava em invocar o princípio do destino manifesto e
que permanecerá tristemente célebre pelas abusivas reivindicações apresentadas
em seu nome. De fato, as duas doutrinas não tinham qualquer legitimidade em
direito internacional
54
. Salisbury declarava em 1896:
A moderna doutrina do hinterland e suas inevitáveis contradições provam a ignorân-
cia e a instabilidade do direito internacional quando ele é aplicado a reivindicações
territoriais fundadas na ocupação ou no controle implícito”
55
. Em outras palavras,
“uma reivindicação territorial na África pode estar apoiada na real ocupação do
território reivindicado
56
.
E, como a noção de ocupação efetiva princípio muito pouco seguido na
maioria dos Estados africanos – e a ideia que os africanos tinham do verdadeiro
significado dos tratados com os europeus eram essencialmente contraditórias,
a situação de conflito tendia a se agravar. Estavam reunidas todas as condi-
52 Ver LUGARD, 1893, v. 2, p. 580; PERHAM & BULL, eds., 1963, p. 318; GRAY, 1948.
53 PERHAM & BULL, eds., 1963, p. 318.
54 LINDLEY, 1926, p. 234 -5.
55 Apud UZOIGWE, 1976, p. 196 -7.
56 Apud LUGARD, 1929, p. 13.
41
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
ções, portanto, para a ocupação militar sistemática do hinterland pelas potências
europeias.
A conquista militar (1885 ‑1902)
Por diversas razões, foram os franceses os mais ativos na consecão da
política de ocupação militar. Avançando do alto para o baixo Níger, não tar-
daram a vencer o damel de Cayor, Lat -Dior, que lutou até a morte, em 1886.
Derrotaram Mamadou Lamine na batalha de Touba -Kouta, em 1887, pondo
fim dessa forma ao império Soninke, por ele fundado na Senegâmbia. Conse-
guiram também romper a célebre obstinada resistência do grande Samori Touré,
capturado (1898) e exilado no Gabão (1900). Uma série de vitórias – Koundian
(1889), Segu (1890) e Youri (1891) – do major Louis Archinard fez desaparecer
o império Tukulor de Segu, embora seu chefe, Ahmadu, persistisse em encar-
niçada resistência até sua morte, em Sokoto, em 1898. Na África ocidental os
franceses conquistaram ainda a Costa do Marfim e a futura Guiné Francesa,
onde instalaram colônias em 1893. Iniciadas em 1890, a conquista e a ocupação
do reino do Daomé estavam concluídas em 1894. No final dos anos de 1890,
os franceses tinham conquistado todo o Gabão, consolidado suas posições na
África do norte, completado a conquista de Madagáscar (exilando a rainha
Ranavalona III em Argel, em 1897) e, na fronteira oriental, entre o Saara e o
Sahel, posto fim à obstinada resistência de Rabah de Sennar, morto em combate
em 1900.
A conquista britânica também foi espetaculosa e sangrenta e como vere-
mos mais adiante encontrou a resistência decidida e frequentemente difícil
de vencer dos africanos. Utilizando as possessões litorâneas na Costa do Ouro
(atual Gana) e na Nigéria como base de operações, o Reino Unido bloqueou a
expansão francesa em direção ao baixo Níger e no interior do reino Ashanti. À
última expedição saída de Kumasi (em 1900) seguiu -se a anexação do Ashanti
em 1901 com o exílio de Nana Prempeh nas Seychelles. Os territórios ao norte
do Ashanti foram oficialmente anexados em 1901, depois de terem sido ocu-
pados entre 1896 e 1898. A partir de Lagos, uma de suas colônias, os britâni-
cos lançaram -se à conquista da Nigéria. Em 1893, a maior parte do território
yoruba tinha sido proclamada protetorado. Em 1894, era conquistado o reino
de Itsekiri e exilado em Acra o hábil Nana Olomu, seu príncipe mercador”.
Aparentemente incapaz de enfrentar o rei Jaja, de Opobo, em campo de batalha,
Harry Johnston, o cônsul britânico, resolveu armar -lhe uma cilada. Convidado a
42
África sob dominação colonial, 1880-1935
encontrar -se com ele a bordo de um navio de guerra britânico, o rei foi feito pri-
sioneiro e remetido para as Antilhas, em 1887. Brass e Benin foram conquistadas
no final do século. Em 1900, a dominação britânica no sul da Nigéria estava
praticamente garantida. A ocupação do Igbo e de certas regiões do interior
oriental se tornou efetiva, entretanto, nas duas primeiras décadas do século
XX. Ao norte, a conquista britânica partiu de Nupe, onde, em 1895, a Royal
Niger Company, de George Goldie, exercia sua influência de Lokoja à costa.
Ilorin foi ocupado em 1897, e, após a criação da West African Frontier Force,
em 1898, o sultanato de Sokoto foi conquistado por Frederick Lugard em 1902.
No norte da África, o Reino Unido, em posição de força no Egito, esperou
até 1896 para autorizar a reconquista do Sudão, a qual deu lugar, em 1898, a um
verdadeiro banho de sangue, inútil e cruel. Mais de 20 mil sudaneses, inclusive
seu chefe, o califa Abdallah, morreram em combate. A ocupação de Fachoda
pela França no sul do Sudão – em 1898, claro, não podia ser tolerada por lorde
Salisbury, sendo a França obrigada a recuar.
O Zanzibar foi colocado oficialmente sob protetorado britânico em novem-
bro de 1890. Essa medida, bem como as tentativas de abolição da escravatura daí
derivadas, provocaram rebeliões facilmente esmagadas. Zanzibar serviu de base
para a conquista do resto da África Oriental Britânica. O país mais cobiçado
pelo Reino Unido nessa região era Uganda. A batalha de Mengo (1892) em
Buganda, centro das operações – acarretou a proclamação do protetorado sobre
Uganda (1894). Estava livre agora a via para a conquista do resto de Uganda,
concretizada quando da captura e exílio nas Seychelles, em 1899, dos reis Kaba-
rega e Mwanga. Todavia, no Quênia, foram precisos quase dez anos para que os
britânicos impusessem efetivamente sua dominação sobre os Nandi.
Na África central e austral, a British South Africa Company (BSAC), de
Cecil Rhodes, empreendeu a ocupação da Mashonalândia sem a concordância
de Lobengula. Em 1893, o rei foi obrigado a fugir da capital, morrendo no ano
seguinte. No entanto, seu reino não foi totalmente subjugado antes da sangrenta
repressão da revolta dos Ndebele e dos Mashona, em 1896 -1897. A conquista
da atual Zâmbia, menos acidentada, terminou em 1901. A derradeira guerra
britânica, no quadro da partilha da África, foi travada contra os bôeres, na África
do Sul. Essa guerra apresenta a interessante particularidade de envolver brancos
contra brancos. Começou em 1899 e terminou em 1902.
A ocupação efetiva se revelou difícil para as outras potências europeias. Os
alemães, por exemplo, conseguiram estabelecer efetivamente sua dominação
no sudoeste da África no final do século XIX, essencialmente em função
da hostilidade de mais de um século que impedia a união dos Nama e dos
43
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
Maherero. No Togo, os alemães aliaram -se aos pequenos reinos dos Kotokoli
e dos Chakossi para mais facilmente esmagar a resistência dos Konkomba
(1897 -1898), dispersos, e dos Kabre (1890). Em Camarões, foi ao norte que
o comandante alemão major Hans Dominik encontrou mais dificuldades. Em
1902, porém, tinha logrado submeter os principados Peul. Em compensação,
a conquista da África Oriental Ale foi a mais feroz e a mais demorada
de todas as guerras de ocupão efetiva, prolongando -se de 1888 a 1907. As
expedições mais importantes foram as enviadas contra o célebre Abushiri, o
Indomável (1888 -1889), os Wahehe (1889 -1898) e os chefes da revolta Maji
Maji (1905 -1907).
A ocupação militar portuguesa, iniciada na década de 1880, foi comple-
tada no decorrer do século XX. Embora um empreendimento bastante árduo
para os portugueses, estes conseguiram afinal consolidar sua dominação em
Moçambique, Angola e Guiné (atual Guiné -Bissau). O Estado Livre do Congo
também se viu diante de graves problemas com Portugal antes de a Bélgica levar
a cabo a ocupação militar da sua esfera de influência. Leopoldo II começou por
se aliar aos árabes do Congo, que na realidade lhe eram particularmente hostis.
Quando a inutilidade da colaboração tornou -se evidente, Leopoldo mandou
uma expedição contra eles. Levou quase três anos (1892 -1895) para submetê-
-los. Mas a conquista de Katanga, iniciada em 1891, foi concluída no início
do século XX.
A Itália é que encontrou as maiores dificuldades nas guerras de ocupação
efetiva. Em 1883 teve êxito em ocupar uma parte da Eritreia. Também já obti-
vera a costa oriental da Somália, depois da primeira partilha do império Omani,
em 1886. Mais tarde, o tratado de Wuchale (ou Uccialli), de 1889, celebrado
com o imperador Menelik II, definiu a fronteira entre a Etiópia e a Eritreia.
Depois de estranho contencioso sobre a interpretação das cláusulas do tratado,
a Itália informou às outras potências europeias que a Etiópia era um proteto-
rado italiano. Mas, ao tentar a ocupação desse protetorado fictício, sofreu uma
derrota ignominiosa em Adowa, em 1896. Conseguiu, no entanto, conservar
seus territórios na Somália e na Eritreia. Na África do norte, somente em 1911
é que a Itália logrou ocupar as zonas costeiras da Cirenaica e da Tripolitânia
(atual Líbia). O Marrocos foi bem -sucedido e manteve sua independência até
1912, data em que a perdeu em favor da França e da Espanha. Assim, em
1914, somente a Libéria e a Etiópia ainda eram, pelo menos nominalmente,
independentes.
44
África sob dominação colonial, 1880-1935
Por que as potências europeias conseguiram conquistar a África?
As potências europeias puderam conquistar a África com relativa facilidade
porque a balança pendia a seu favor, sob todos os aspectos.
Em primeiro lugar, graças às atividades dos missionários e dos exploradores,
os europeus sabiam mais a respeito da África e do interior do continente
aspecto físico, terreno, economia e recursos, força e debilidade de seus Estados
e de suas sociedades do que os africanos a respeito da Europa.
Em segundo lugar, em função das transformações revolucionárias verificadas
no domínio da tecnologia médica e, em particular, devido à descoberta do uso
profilático do quinino contra a malária, os europeus temiam menos a África do
que antes de meados do século XIX
57
.
Em terceiro lugar, em consequência da natureza desigual do comércio entre
a Europa e a África até os anos de 1870 e mesmo mais tarde, bem como do
rit mo crescente da revolução industrial, os recursos materiais e financeiros da
Europa eram muitíssimo superiores aos da África. Por isso, se as potências
europeias podiam gastar milhões de libras nas campanhas ultramarinas, os
Estados africanos o tinham condições de sustentar um conflito armado
com elas.
Em quarto lugar, enquanto o período posterior à guerra russo -turca de
1877 -1878 era assinalado, segundo J. H. Rose, por um estado de equilíbrio
político que contribuiu para a paz e o imobilismo na Europa”
58
, o mesmo
período, na África, foi marcado por conflitos e rivalidades interestatais e
intra estatais: Mandinga contra Tukulor, Ashanti contra Fanti, Baganda contra
Banyoro, Batoro contra Banyoro, Mashona contra Ndebele etc. Assim, a Europa
podia concentrar -se militarmente de maneira quase exclusiva nas atividades
imperiais ultramarinas, mas os países e os Estados africanos tinham suas forças
paralisadas pelas lutas intestinas. Além disso, as potências europeias conviviam
pacificamente, conseguindo resolver os problemas coloniais que as dividiam no
decorrer da era da partilha e até 1914 sem recurso à guerra. Não obstante uma
intensa rivalidade e numerosas crises na África, as potências europeias envol-
vidas na partilha demonstraram notável espírito de solidariedade, que não
preveniu qualquer guerra entre elas, como também impediu os dirigentes e as
comunidades da África de jogarem, de modo eficaz, os países da Europa uns
contra os outros. No decurso do período que aqui nos interessa, esses países
57 CURTIN, FEIERMAN, THOMPSOM, VANSINA, 1978, p. 445; ROSE, 1905, p. 508 -72.
58 ROSE, 1905.
45
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
agrediram de forma combinada os Estados africanos, e nenhum país da África
jamais foi ajudado por uma potência europeia contra outra.
Ao contrário, a conduta dos países africanos foi assinalada não pela falta
de solidariedade, de unidade e de cooperação, mas também pelo fato de alguns
deles não hesitarem em se aliar aos invasores europeus contra seus vizinhos
apenas para se verem vencidos um pouco depois. Os Baganda aliaram-se aos
ingleses contra os Banyoro, os Barotse aos ingleses contra os Ndebele, e os
Bambara aos franceses contra os Tukulor
59
. Em consequência, as lutas heroicas e
memoráveis travadas pelos africanos contra os invasores europeus foram como
veremos nos capítulos seguintes
60
quase sempre ações isoladas e descoorde-
nadas, mesmo no plano regional. O fator mais decisivo foi, evidentemente, a
esmagadora superioridade logística e militar da Europa. Enquanto esta empre-
gava exércitos profissionais bem treinados, poucos Estados africanos possuíam
exércitos permanentes e menos ainda dispunham de tropas profissionais. Na
sua maior parte, faziam recrutamentos e mobilizações ad hoc para as necessi-
dades de ataque e defesa. Ademais, as potências europeias como sustentam
A. Isaacman e J. Vansina –, independentemente dos exércitos próprios, podiam
engajar mercenários e recrutas africanos, o que lhes dava, quando necessário,
superioridade numérica
61
.
Na verdade, como observa A. Laroui, a maior parte desses exércitos recrutava
tropas entre os africanos, sendo europeus apenas os oficiais. Antes de mais nada,
nos termos da Convenção de Bruxelas (1890), as potências imperiais tinham
se comprometido a não vender armas aos africanos, o que significa que estes
dispunham de equipamentos militares obsoletos e muitas vezes fora de uso
principalmente, espingardas de pederneira e de carregar pela boca e não
possuíam artilharia pesada nem forças navais. Em contraposição, os exércitos
europeus dispunham de armas modernas: artilharia pesada, carabinas de repe-
tição e sobretudo metralhadoras Gatling e Maxim, além de contarem com a
artilharia pesada das forças navais. Como Laroui assinala, os europeus chegaram
a empregar, no decorrer das últimas campanhas, veículos motorizados e aviões
62
(fig. 2.2). É significativo que os dois chefes africanos que chegaram a infligir
derrotas aos europeus Samori Touré e Menelik conseguiram ter acesso a
algumas dessas armas modernas. Mas, por fim, até Samori Touré foi vencido
59 CROWDER, 1968, p. 81, 85; OLIVER & MATHEW, eds., 1971; HARLOW & CHILVER, eds., 1965.
60 Ver cap. 3 a 9 seguintes.
61 Ver cap. 8 seguinte.
62 Ver capítulo 5 seguinte.
46
África sob dominação colonial, 1880-1935
pelos franceses. A esmagadora superioridade de que gozava a Europa sobre a
África foi resumida de forma sucinta pelo famoso dístico de Hilaire Belloc,
citado no capítulo 1.
Em vista das vantagens econômicas, políticas e sobretudo militares e tecno-
lógicas das potências europeias em relação às sociedades africanas, fica evidente
que a luta foi desigual, e não surpreende que tenham podido vencer a África
com relativa facilidade. De fato, para a Europa, a conquista não podia sobrevir
em melhor momento; para a África, o momento não podia ser pior.
O mapa da África após a partilha e a ocupação
O novo mapa geopolítico da África, depois de três décadas de fracionamento
sistemático e de ocupação militar, é muito diferente do que era em 1879 (fig.
1.1). As potências europeias dividiram o continente em cerca de quarenta uni-
dades políticas. Certos especialistas consideram inaceitáveis as novas fronteiras,
que julgam arbitrárias, apressadas, artificiais e aleatórias, pois distorcem a ordem
política nacional pré -europeia. Outros, como Joseph Anene e Saadia Touval,
acham -nas mais razoáveis que as de 1879
63
. uma parte de verdade nos dois
pontos de vista. Cerca de 30% da extensão total das fronteiras são formadas
por linhas retas, e tanto estas como outras cortam arbitrariamente as fronteiras
étnicas e linguísticas. Por outro lado, os limites que foram mantidos seguiam
traçados nacionais e, portanto, não podem ser considerados tão arbitrários ou tão
inapropriados como certos críticos querem fazer crer. Além disso, as unidades
políticas africanas criadas como resultado, por exemplo, do conflito entre Oyo e
Daomé, das djihads (guerras santas) dos Peul, dos Mfecane na África meridional
ou das lutas internas pelo poder na Etiópia e em Uganda, durante a segunda
metade do século XIX, mostram bem o caráter móvel das fronteiras, limites e
encraves africanos anteriores à partilha. O que muitas vezes não se compreende é
como a partilha fixou essas fronteiras móveis, ou que esforços fizeram as comis-
sões de delimitação para retificar, quando politicamente possível, certas anoma-
lias durante os numerosos trabalhos de fixação das fronteiras. Tudo sopesado,
embora o mapa da África em 1914 (fig. 2.3), comparado ao que era em 1879,
pudesse parecer muito impreciso, a delimitação não deixou de ser um trabalho
de notável eficiência, devido aos novos avanços da cartografia. E, ainda que a
partilha tenha de ser condenada do ponto de vista moral e jurídico e há que se
reconhecer que certas fronteiras são efetivamente artificiais e arbitrárias –, seria
63 ANENE, 1970.
47
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
 .a Guerra dos Ashanti de 1896
(Costa do Ouro): hachas e facas de arremesso.
Fonte: National Army Museum, Londres.)
 .b Guerreiros Kavirondo (Quênia) armados com
lanças e escudos. (Fonte: Royal Commonwealth Society,
Londres.)
 .c Oba yoruba (Nigéria) entre dois generais do século passado, armados com velhas espingardas
dinamarquesas. (Fonte: Longman.)
F .a. a .f. Armas de guerra utilizadas por europeus e africanos entre 1880 e 1935.
48
África sob dominação colonial, 1880-1935
 .d Soldados dos Kings African Ries com uma metralhadora Maxim. (Foto: Imperial War
Museum, Londres.)
 .e Metralhadora Gatling. (Foto: BBC Hulton Picture Library.)
49
Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral
indesejável e até perigoso continuar advogando o retorno às fronteiras móveis
do período pré -europeu – salvo após estudo bem aprofundado – pretextando a
confusão que a partilha teria criado.
Em 1902 a conquista estava quase concluída. Foi uma história particular-
mente sangrenta. O devastador poder de fogo da metralhadora Maxim e a rela-
tiva sofisticação da tecnologia europeia devem ter significado uma experiência
amarga para os africanos. Mas, embora a conquista da África pela Europa tenha
sido relativamente fácil, o mesmo não se pode dizer da ocupação e instalação da
administração europeia, conforme veremos nos capítulos posteriores.
.f Aeroplanos utilizados nas guerras coloniais dos anos 1920. (Foto: Harlingue -Viollet.)
50
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . A África de 1914. (Fonte: OLIVER & FAGE, 1962.)
C A P Í T U L O 3
51
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
Entre 1880 e 1900, a África tropical apresentava um estranho e brutal para-
doxo. Se o processo da conquista e da ocupação pelos europeus era claramente
irreversível, também era altamente resistível. Irreversível por causa da revolução
tecnológica pela primeira vez, os brancos tinham uma vantagem decisiva nas
armas, e, também pela primeira vez, as ferrovias, a telegrafia e o navio a vapor
permitiam -lhes oferecer resposta ao problema das comunicações no interior
da África e entre a África e a Europa. Resistível devido à força das popula-
ções africanas e porque na ocasião a Europa não empregou na batalha recursos
muito abundantes nem em homens nem em tecnologia. De fato, os brancos
compensavam a escassez de homens recrutando auxiliares africanos. Mas eles
não eram manipuladores diabolicamente inteligentes de negros divididos e atra-
sados. Os europeus estavam apenas retomando o repertório das estratégias dos
antigos impérios. Quanto a detalhes, muitas vezes sabiam menos das coisas
que os dirigentes africanos. A implementação da estratégia de penetração foi
muito desordenada e inábil. Os europeus enfrentaram uma enormidade de
movimentos de resistência que provocaram e até inventaram por ignorância e
medo. Tinham de “obter a vitória final”, e, uma vez obtida, trataram de pôr em
ordem o conturbado processo. Escreveram -se livros sobre a chamada pacificação”;
tinha -se a impressão de que, na sua maior parte, os africanos haviam aceito a Pax
Colonica com reconhecimento e fez -se caso omisso de todos os fatos da resisncia
Iniciativas e resistência africanas em face
da partilha e da conquista
Terence O. Ranger
52
África sob dominação colonial, 1880-1935
africana. Mas a vitória dos europeus não significa que a resistência africana não
tenha tido importância no seu tempo ou que não mereça ser estudada agora. E,
efetivamente, tem sido objeto de muitos estudos nos últimos vinte anos.
Em seu conjunto, as pesquisas dessas duas décadas são sérias, detalhadas e
eruditas, não evitando as ambiguidades características de grande número dos
movimentos de resistência. Mas, na maior parte, apoiam -se ou servem para
demonstrar três postulados doutrinários, que, a meu ver, continuam verdadeiros
em essência, embora recentes trabalhos de pesquisa e análise os tenham corri-
gido. Em primeiro lugar, afirmou -se que a resistência africana era importante,
que provava que os africanos nunca se haviam resignado à pacificação europeia.
Em segundo lugar, sugeriu -se que, longe de ser desesperada ou ilógica, essa resis-
tência era muitas vezes movida por ideologias racionais e inovadoras. Por fim,
em terceiro, argumentou -se que os movimentos de resistência não eram insig-
nificantes; pelo contrário, tiveram consequências importantes em seu tempo, e
têm, ainda hoje, notável ressonância. É interessante rever esses três postulados,
com as correções que lhes foram propostas.
Generalização da resistência
Em 1965, o historiador soviético A. B. Davidson fez um apelo aos estudiosos
do assunto para que refutassem as concepções da historiografia europeia tradi-
cional”, segundo as quais os povos africanos viram na chegada dos colonialistas
um feliz acaso, que os libertava das guerras fratricidas, da tirania das tribos
vizinhas, das epidemias e das fomes periódicas”. De acordo com essa tradição,
os povos que não ofereceram resistência foram considerados “pacíficos”, e os
que resistiram, sedentos de sangue”. Davidson observa que “os defensores da
dominação colonial recusavam -se a considerar as rebeliões fenômenos organi-
zados”. Referiam -nas como reações “primitivas e irracionais”, ou atribuíam-nas
à agitação da minoria “sedenta de sangue”. “Recusavam -se a admitir a única
interpretação correta que se tratava de guerras justas de libertação, motivo
pelo qual recebiam o apoio da imensa maioria dos africanos
1
.”
Davidson sublinhava em 1965: “Muitas rebeliões ainda são desconhecidas [...].
Frequentemente faltam informações precisas sobre essas rebeliões, consideradas
fatos estabelecidos”. Desde então, o trabalho de descoberta das resistências cami-
nhou a passo largo. Os historiadores trataram de classificar as revoltas com maior
1 DAVIDSON, A. B., 1968, p. 181 -3.
53
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
rigor, distinguindo o “banditismo social” da “rebelião camponesa, e a guerrilha do
choque entre exércitos. Em certos casos, demonstrou-se que episódios descritos
como rebeliões pelos colonizadores haviam sido impostos à populão por
ignorância e medo da parte dos brancos
2
. Em casos ainda mais numerosos,
foram resgatados movimentos de resistência de grande envergadura e de grande
alcance, antes ignorados. Hoje dispomos de estudos detalhados sobre a maior
parte dos levantes importantes”; em alguns casos, desenvolveu -se uma lida
argumentação sobre a melhor explicação e a melhor interpretação a dar a esses
levantes. Tudo isso vem mostrar que Davidson tinha razão ao pensar que a resis-
ncia foi umfemeno organizado”.
Fica claro também que as velhas tentativas de distinguir, entre as sociedades
africanas, as naturalmente belicosas e as naturalmente pacíficas são fora de
propósito. No meu entender, como vinha sustentando em diversos artigos, na
medida em que se trata de amplos sistemas políticos africanos, não há razão em
distinguir entre Estados ditos belicosos e saqueadores e outros ditos pacíficos,
comerciantes e agricultores, que praticamente todos os Estados africanos se
esforçaram para encontrar uma base de colaboração com os europeus; de modo
geral, todos tinham interesses ou valores fundamentais a defender, se necessário
até com recurso às armas
3
. Mas me equivoquei ao pretender que as sociedades
mais avançadas entre as que haviam preferido a resistência ou a colaboração
tinham mais coisas em comum entre si do que com as sociedades mais fechadas,
que não podiam resistir nem explorar a dominação colonial”. Shula Marks, entre
outros, demonstrou, em seu estudo sobre a resistência dos Khoisan na África
do Sul, que os povos politicamente não centralizados eram tão capazes como
os politicamente centralizados de travar combate com determinação contra o
avanço dos brancos
4
. John Thornton contrastou o potencial de resistência das
sociedades com e sem Estado e concluiu que a vantagem era destas últimas:
É comum louvar os Estados por seu papel na resistência à invasão europeia [...] Na
realidade [...] esse papel foi ambíguo. Se é verdade que alguns resistiram muito bem
[...] muitas outras sociedades constituídas em Estados, em compensação, entraram
em colapso no contato com os europeus [...] Por outro lado, a resistência das socie-
2 MARKS, 1970.
3 RANGER, 1969, p. 293 -304.
4 MARKS, 1972, p. 55 -80.
54
África sob dominação colonial, 1880-1935
dades sem Estado foi muitas vezes duradoura e heroica [...] Foram elas – Igbo, Baule,
Agni etc. – que fizeram a guerra de guerrilha
5
.
Em resumo, praticamente todos os tipos de sociedade africana resistiram, e
a resistência manifestou -se em quase todas as regiões de penetração europeia.
Podemos aceitar isso como um fato que não mais precisa de demonstração.
Cumpre -nos agora passar da classificação para a interpretação; em vez de nos
restringirmos à tarefa de provar que houve resistência, cabe -nos determinar e
explicar os diversos graus de intensidade em que ela ocorreu. Historiadores de
certos territórios nacionais têm -se preocupado em comprovar a existência de
movimentos de resistência nessas áreas, relacionando -os à tradição de oposição
local. Ora, isso é sempre possível, que houve resistência em praticamente
todo lugar. Essa visão parcial, contudo, pode ocultar o fato de que a resistência
apresenta gritantes diferenças de intensidade de uma região para outra. Na
Rodésia do Norte (atual República de Zâmbia), houve movimentos de resistên-
cia armada, mas em nada comparáveis, em amplitude e duração, aos organizados
na Rodésia do Sul (atual República do Zimbábue), os quais, por sua vez, não se
podem comparar, do ponto de vista da “organização”, aos movimentos de resis-
tência contra os portugueses no vale do Zambeze. Faltam -nos, é certo, estudos
regionais comparativos mais precisos. Os capítulos seguintes trazem outros tipos
de contraste com respectivas consequências e explicações.
A ideologia da resistência
Os apologistas do colonialismo enfatizaram o caráter irracional e desesperado
da resistência armada, apresentando -o como resultado frequente da superstição”,
e sustentando que as populações, aliás satisfeitas com aceitar a dominação colonial,
teriam sido trabalhadas por “feiticeiros -curandeiros”. Vários críticos europeus do
colonialismo, favoráveis à oposição africana, também admitiam, no entanto, que
os africanos o tinham muita coisa no seu modo de pensar “tradicional” que
pudesse ajudá -los a reagir efetiva ou concretamente às agressões ao seu modo de
vida. As ideologias da revolta foram consideradas magia do desespero”, votadas ao
malogro, sem perspectivas de futuro. Dessa óptica, os movimentos de resistência,
por mais heroicos que fossem, constituíam impasses fatais
6
.
5 THORNTON, 1973, p. 119 -20.
6 GLUCKMAN, 1963, p. 137 -45.
55
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
Na última década, os historiadores da resistência empenharam -se em com-
bater esse tipo de argumentação. Para tanto, adotaram uma tática dupla: por um
lado, atribuíram à revolta ideologias estritamente profanas; por outro, “sanearam
as ideologias religiosas.
A principal ideologia profana proposta é o princípio de “soberania”. Jacob
Ajayi escreveu que
o aspecto mais importante do impacto europeu foi a alienação da soberania [...]
Quando um povo perde sua soberania, ficando submetido a outra cultura, perde pelo
menos um pouco de sua autoconfiança e dignidade; perde o direito de se autogo-
vernar, a liberdade de escolher o que mudar em sua própria cultura ou o que adotar
ou rejeitar da outra cultura
7
.
Walter Rodney sublinha com maior ênfase um fenômeno análogo:
O caráter determinante do breve período colonial [...] resulta principalmente do fato
de a África ter sido despojada de seu poder [...] Durante os séculos que precederam
esse período, a África mantinha ainda em suas trocas comerciais certo controle da
vida econômica, política e social, embora com desvantagens no comércio com os
europeus. Até mesmo esse pequeno controle dos negócios internos se perdeu sob o
colonialismo [...] O poder de agir com toda a independência é a garantia de uma
participação ativa e consciente na história. Ser colonizado é ser excluído da história
[...] De um dia para outro, os Estados políticos africanos perderam o poder, a inde-
pendência e a razão de ser
8
.
Que Ajayi e Rodney tenham percebido a importância decisiva da alienação
da soberania está longe de demonstrar, evidentemente, que os resistentes afri-
canos concebessem a soberania da mesma forma. O próprio Rodney deplora
a parcial e inadequada visão do mundo que impedia os dirigentes africanos
de compreender perfeitamente os motivos do choque com a Europa. Todavia
Ajayi diz que os dirigentes dos Estados africanos, enquanto guardiães da sobe-
rania do povo”, eram hostis a todos os poderes que desafiassem tal soberania
9
.
Os historiadores recuperaram algumas declarações explícitas de soberania bem
surpreendentes.
Há declarações de autonomia pura e simples, como a réplica de Machemba,
chefe dos Yao, ao comandante alemão Hermann von Wissmann em 1880:
7 AJAYI, 1968, p. 196 -7.
8 RODNEY, 1972, p. 245 -6.
9 AJAYI, 1969, p. 506.
56
África sob dominação colonial, 1880-1935
Prestei atenção à vossa mensagem sem encontrar razão para vos obedecer. Preferiria
morrer. Não caio a vossos pés, pois sois uma criatura de Deus como eu [...] Sou sul-
tão aqui na minha terra. Vós sois sultão lá na vossa. No entanto, vede, não vos digo
que me deveis obedecer, pois sei que sois um homem livre. Quanto a mim, não irei
à vossa presença; se sois bastante forte, vinde vós me procurar
10
.
Outras declarações exprimem o desejo de modernização, mas não ao custo
da soberania, como a de Hanga, chefe makombe dos Barué, no Moçambique
central, que em 1895 disse a um visitante branco:
Estou vendo como os brancos penetram cada vez mais na África; em todas as partes
do meu país as companhias estão em ação [...] É preciso que meu país também adote
estas reformas, e estou plenamente disposto a propiciá -las [...] Também gostaria de
ver boas estradas e boas ferrovias [...] Mas meus antepassados eram makombe e
makombe quero continuar a ser
11
.
E também expressões surpreendentes de uma filosofia mais profunda da
soberania. Algumas das mais dignas de nota vêm do Sudoeste Africano. O chefe
nama, Hendrik Wittboi, registrou no seu diário:
Pela cor e pelo modo de vida fazemos parte do mesmo todo, e esta África é, de
maneira geral, a terra dos capitães vermelhos [quer dizer, dos africanos]. O fato de
formarmos diferentes reinos e regiões traduz apenas uma subdivisão banal da África.
Em 1894, Wittboi dizia ao administrador alemão Theodor Leutwein:
O Senhor estabeleceu diversos reinos na terra. Por isso sei e creio que não é pecado
nem crime que eu deseje continuar a ser o chefe independente da minha terra e do
meu povo
12
.
Em todo caso, sejam quais forem os problemas que as pessoas tenham encon-
trado para compreender o choque inicial do avanço europeu, o a mínima dúvida
quanto às conseqncias da alienação da soberania consecutiva ao estabelecimento
da dominação europeia. O chefe Maherero, promotor do levante herero, velho
inimigo de Wittboi, escrevia a este, em 1904, convidando -o a uma ação comum:
10 Apud DAVIDSON, B., 1964a, p. 357 -8.
11 Apud ISAACMAN A., 1976, p. 128 -9.
12 A resistência no sudoeste Africano foi tema de dois estudos, entre outros: DRESCHLER, 1966; BLEY,
1968 e 1971. A citação é extraída de ILIFFE, 1968.
57
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
Meu desejo é que nós, nações fracas, nos levantemos contra os alemães [...] Que a
África inteira combata os alemães, e antes morrer juntos que em consequência de
sevícias, de prisões ou de qualquer outra maneira
13
.
Os anciões de Matumbi, que não tinha governo central e que braviamente
conquistou sua independência da Tanganica oriental (atual República Unida da
Tanzânia), onde estala em 1905 a revolta Maji Maji, diziam do regime alemão:
“Já se tornou um poder absoluto. Destruamo -lo
14
.
A ideia de soberania proporcionou evidentemente a base da ideologia da
resistência. Não obstante convém fazermos algumas correções. Os dirigentes
nem sempre foram, de forma patente, “guardiães da soberania do povo”. Na
África do século XIX – a oeste, a leste e no sul – haviam surgido novos Estados
baseados na tecnologia militar europeia”
15
. Esses Estados resistiram amiúde à
extensão direta da potência invasora, mas a resistência era sabotada pela desafei-
ção de boa parte dos súditos. Thornton fala -nos de Estados da África ocidental,
como os de Samori Touré e do seku Ahmadu, que
se viam oprimidos por constantes revoltas, causadas principalmente por sua estrutura
estatal arbitrária e exploradora [...] De modo geral, os dirigentes desses Estados,
exploradores e tirânicos como eram, não detinham a necessária legitimidade para
exortar o país a continuar as guerras
16
.
Allen Isaacman diz a respeito dos Estados secundários” do vale do Zambeze
que
a imposição da dominação estrangeira dos mestiços gerou a oposição africana, bem
como a mobilização forçada de mão de obra”; sua história “foi marcada por nume-
rosas revoltas [...] resistência a essa forma de dominação estrangeira assim como às
operações de captura em massa de escravos. Evidentemente semelhante situação, por
si mesma, não se prestava a um esforço permanente e unificado” contra os brancos
17
.
A esses Estados podemos opor as formações políticas estabelecidas há mais
tempo, cujos dirigentes haviam adquirido legitimidade”. Mas, ainda assim,
seria excesso de romantismo supor que todas as aristocracias antigas gozavam
da confiança e do apoio populares. Entre certos povos mais remotamente
13 ILIFFE, 1968.
14 MZEE NDUNDULE MANGAYA, apud GWASSA & ILIFFE, eds., 1968, p. 5.
15 BOHANNAN & CURTIN, 1971, p. 271.
16 THORNTON, 1973, p. 120 -1.
17 ISAACMAN, A., 1976, p. 103 -4.
58
África sob dominação colonial, 1880-1935
estabelecidos, os grupos no poder aproveitaram -se da situão oferecida pelas
armas e pelo comércio do culo XIX para instaurar regimes arbitrários, pelo
que já não podiam contar com o apoio popular no confronto com os brancos.
Isso explica em parte o res da resisncia na Rodésia do Norte, onde os
chefes bemba se depararam com o que Henry S. Meebelo chamou de “rea-
ção popular contra a classe dirigente” e onde a aristocracia do país Barotse
receava um levante de escravos caso tentasse opor -se à extensão da influência
britânica
18
.
De fato, muitos historiadores têm salientado a importância de distinguir
entre movimentos de resistência provocados pelo desejo de um grupo dirigente
de conservar seu poder de exploração e movimentos de muito maior escala, fre-
quentemente dirigidos contra o autoritarismo dos dirigentes africanos e contra
a opressão colonial. Edward Steinhart insiste que
a oposição e a resistência podem ser dirigidas – e o são de fato – [...] contra formas
internas de opressão [...] Há que se ver na oposição alguma coisa além da expressão
de aspirações nacionais [...] Ao enfocar as lideranças, temos de aceitar a interpretação
do anticolonialismo como ‘nacionalismo africano’, um movimento para expulsar os
estrangeiros e restaurar a independência nacional’. Se, em vez disso, examinarmos
mais de perto os movimentos de oposição [...] verificaremos que os movimentos que
os líderes organizam e representam têm antes caráter profundamente antiautoritário
e revolucionário que xenófobo e ‘nacionalista’.
19
Mesmo no caso de formações políticas estabelecidas longa data com
dirigentes cuja legitimidade fosse reconhecida, e capazes de mobilizar a maio-
ria da população na resistência, os novos historiadores tendem mais a criticar
a concepção estreita da lealdade primordial” e o espírito de campanário, que
nada mais faziam além de enfocar a soberania tal como era entendida antes. Em
vez disso, esses historiadores emprestam ênfase aos movimentos de resistência
em que o conceito de soberania foi redefinido. Isaacman sustenta que a revolta
desencadeada em 1917 no vale do Zambeze era diferente dos movimentos de
resistência que ali tinham irrompido anteriormente, com o fim de reconquis-
tar a independência de uma formação política histórica ou de um grupo de
povos aparentados”. A revolta de 1917 destinava -se a libertar todos os povos
do Zambeze da opressão colonial”, apelando especialmente aos camponeses
oprimidos, independente de sua filiação étnica. A evolução da lealdade original
18 MEEBELO, 1971, p. 68.
19 STEINHART, (?).
59
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
representava um novo nível de consciência política, no qual os portugueses eram
percebidos pela primeira vez como o opressor comum.”
20
O papel das ideias religiosas
Entrementes os historiadores procederam a um novo estudo do papel das
ideias religiosas nos movimentos de resistência. Suas conclusões pouco têm em
comum com os “fanáticos feiticeiros -curandeiros” dos relatórios coloniais ou com
a “magia do desespero”. Descobriram que as doutrinas e os símbolos religiosos,
regra geral, apoiavam -se diretamente nas questões da soberania e da legitimi-
dade. A legitimidade dos dirigentes era consagrada por uma investidura ritual e,
quando um dirigente e seu povo decidiam defender sua soberania, apoiavam -se
muito naturalmente nos símbolos e conceitos religiosos. Em um artigo sobre a
resistência dos Ovimbundu em Angola, Walter Rodney observa que
se dedicou muita atenção à resistência espiritual num estágio mais avançado da luta
africana, notadamente em casos como as guerras Maji Maji”. Mas, “para os movi-
mentos de resistência primários’, uma tendência a subestimar o fato de que os
povos africanos resistiram espontaneamente em toda parte, não em termos físicos,
mas empregando igualmente suas próprias armas religiosas e metafísicas
21
.
Em outro artigo, dessa vez sobre a resistência oposta pelo Estado de Gaza aos
portugueses, no sul de Moçambique, Rodney escreve as possíveis consequências
traumáticas da mobilização de recursos espirituais na luta: “Os Ngoni de Gaza
sofreram não só a destruição de sua capital política, mas também a profanação
de seu principal santuário.” Após a derrota militar de 1895, os objetos rituais
reais desapareceram; os adivinhos jogaram fora os ossos divinatórios depois da
incompreensível derrota; a “grande sacerdotisa foi destituída e executada, e “se
tornou bastante generalizado o sentimento de uma profunda crise espiritual
22
.
Foi amiúde dessas crises de legitimidade que nasceram os grandes movimen-
tos para tentar redefinir a soberania. De modo quase invariável, tais movimentos
tinham, a seu favor, chefes espirituais para exprimir a mensagem de uma unidade
mais ampla. Esse fenômeno ora se verificava no contexto do Islã – as ideologias
islâmicas do milenarismo e da resistência espalharam -se pelo cinturão sudanês
20 ISAACMAN, A., 1976, p. 343, 345, 370.
21 RODNEY, 1971b.
22 RODNEY, 1971a.
60
África sob dominação colonial, 1880-1935
de leste a oeste –, ora derivava da influência das ideias cristãs Hendrik Wittboi
inspirou -se no cristianismo protestante para elaborar sua doutrina da soberania,
enquanto um profeta africano cristão independente intervinha ativamente entre
os Nama no momento do seu levante contra os alemães. Muitas e muitas vezes,
o fenômeno se dava no contexto da religião africana.
Minha tese é que o fenômeno se verificou na Rodésia do Sul e que as insur-
reições de 1896 foram inspiradas e coordenadas por chefes religiosos. Isaacman
afirma que o levante de 1917 do vale do Zambeze hauria forças morais dos
ensinamentos da médium Mbuya, que, no entanto, não pregava a restauração
do Estado Barué, que era o dela, mas o evangelho da fraternidade de todos os
africanos oprimidos, lembrando o interesse do grande deus Mwari pela salvação
deles e remissão de seus pecados
23
. No caso do levante Maji Maji de 1905, a
ideologia da revolta encontrava base num entusiasmo milenar, ao mesmo tempo
islâmico e africano. Os grandes movimentos de resistência ocorridos de 1888 a
1891 na costa do Tanganica tinham à sua frente membros da elite comerciante
e urbana swahili. Nenhuma ideologia religiosa de protesto islâmica ou “tra-
dicional” – havia sido elaborada; a resistência baseava -se no princípio da defesa
das soberanias estabelecidas
24
. Mas, após a derrota dessa oposição costeira e da
cooptação, para serviço dos alemães, de numerosos membros da elite swahili, a
base da oposição se modificou e se ampliou. Maji Maji inspirava -se numa nova
mensagem profética, vinda ao mesmo tempo dos centros de culto africanos do
interior do continente e de um Islã entusiástico e populista
25
.
A doutrina profética que estava na base de alguns dos grandes movimentos
de independência vem sendo pouco a pouco resgatada dos relatos deturpados
de seus adversários. A forma como Gilbert Gwassa descreve a evolução e o
caráter da ideologia Maji Maji de Kinjikitile é o exemplo clássico de um esforço
de recuperação dos fatos. Mongameli Mabona procedeu a outra reconstituição
surpreendente, ainda inédita, dos ensinamentos do grande profeta militante
xhosa Makana, cuja mensagem, enunciada em começos do culo XIX, “só
perdeu o vigor em 1890, quando a resistência nacional xhosa entrou finalmente
em colapso”. Conforme salienta Mabona, seu ensinamento é habitualmente
descrito como uma miscelânea de conceitos religiosos incompatíveis ou incoe-
rentes”. Mabona demonstra que, pelo contrário, era um conjunto de elementos
23 RANGER, 1967; ISAACMAN, A., 1976, p. 304 -5, 307, 310, 313, 316, 326.
24 JACKSON, R. O., 1970.
25 GWASSA, 1972.
61
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
khoisan, xhosa e cristãos habilmente estruturados”, reunidos com imaginação
bastante criadora.
Makana cunhou termos brilhantes para expressar seus conceitos de divin-
dade o conceito de espaço e de difusão da luz. “Seu poderoso espírito e seu
gênio religioso [...] elaboraram um corpo de doutrina que iria servir de base
ideológica à nação xhosa.” De certa maneira, o ensinamento de Makana era uma
versão africana da ideologia cristã protestante de soberania, que, mais tarde, deu
a Wittboi a no direito divino dos “capitães vermelhos”. Makana explorou as
diferenças fundamentais entre brancos e negros diferença de costumes, de
divindades, de destinos. O criador era Dalidephu, grande ancestral dos Xhosa,
que tinha feito Uthixo para ser o deus dos homens brancos. Uthixo era inferior a
Dali’dephu, e os brancos eram moralmente inferiores aos Xhosa continuamente
atormentados pela ideia do pecado. Mas essas diferenças não tinham importân-
cia até o momento em que os dois universos morais entraram em contato e em
conflito; então, Dali’dephu impôs -se para garantir que seus filhos, os Xhosa, e seu
modo particular e superior de vida triunfassem sobre os poderes superficiais dos
brancos. Makana apelava à unidade pan -xhosa, à confiança em seu universo
moral. Dali’dephu iria varrer os brancos; os Xhosa defuntos regressariam. “Uma
nova era se anunciava.”
26
Inovões como a de Makana em matéria de conceitos e de símbolos
sobreviveram por muito tempo ao respectivo movimento de resistência a que
estavam associadas na origem. Longe de serem extravagâncias do desespero,
esse nero de mensagens proféticas constituía um esforço sistemático para
ampliar e redefinir a ideia de deidade e sua relação com a ordem moral, impli-
cando grandes alterações nos conceitos e nas relações internas dos Xhosa e
oferecendo, ao mesmo tempo, alicerce à ideologia da resistência”. Peter Rigby
combateu vigorosamente a tese segundo a qual o profetismo africano seria um
mero produto de forças exógenas de destruão durante o período colonial”
ou consequência da “derrocada das religiões africanas”. Na sua opinião, o pro-
fetismo era muito mais uma questão de protesto e havia desempenhado um
papel preponderante na maior parte dos movimentos de oposão africanos”,
embora o profeta não surgisse “simplesmente como uma reação às forças
exógenas, mas por razões de viabilidade e de adaptabilidade das religiões
africanas
27
. Com esta concepção dos sistemas religiosos africanos, capazes, a
partir de suas próprias tensões e potencialidades, de secretar periodicamente
26 MABONA, 1974.
27 RIGBY, 1974.
62
África sob dominação colonial, 1880-1935
uma inspiração profética, bem como chefes proticos capazes de criar novas
sínteses que revalidavam o antigo ao mesmo tempo que abriam caminho ao
novo, já nos afastamos bastante da ideia das ideologias proféticas de resistência
como amagia do desespero”.
Apesar de todo o valor desse trabalho, a importância dada à ideologia reli-
giosa na resistência foi atacada por dois lados. Certos especialistas julgavam que
o papel da religião na resistência foi superestimado; em contraposição, outros
afirmavam que se exagerou o papel da resistência na religião.
Assim, os escritores coloniais dizem que era uma “feiticeira que estava à
frente do levante dos Giriama, no interior da costa do Quênia; historiadores
mais recentes querem -na “profetisa”. Cynthia Brantley Smith, em seu admirável
e exaustivo estudo dos Giriama, demonstra, no entanto, que essa mulher nada
tinha de chefe religioso; era simplesmente uma mulher respeitada e impositiva
28
.
Eis um caso em que uma nova tradução dos vocábulos colonialistas, como fei-
ticeiro e feiticeiro -curandeiro”, não basta para corrigir as distorções dos relatos
oficiais. Dois novos especialistas da história ndebele e shona sugeriram recen-
temente que o mesmo se pode dizer da minha própria versão dos levantes de
1896 da Rodésia do Sul. Segundo a British South Africa Company, os levantes
teriam sido insuflados por feiticeiros -curandeiros”; argumentei que os movia
uma profunda ideologia profética; Julian Cobbin e David Beach retrucaram
dizendo que os médiuns exerciam influência bem menor do que eu pensava e
que os sacerdotes de Mwari não tomaram parte nos levantes
29
. Talvez não cause
surpresa eu não me dispor a fazer tão drásticas revisões, mas é verdade que pes-
quisas recentes sobre a religião africana na Rodésia do Sul mostram que seus
laços com a resistência não podem ter sido assim tão diretos como eu supunha.
É evidente que nem o culto mwari nem o sistema dos médiuns eram capazes
de se consagrar totalmente à resistência ou a qualquer outra coisa; ambos se
baseavam numa constante e intensa competição entre santuários e dentro de
cada santuário; a surpreendente sobrevivência dos cultos devia -se ao fato de os
sacerdotes ou médiuns que houvessem sustentado uma causa errada ou perdida
poderem ser rapidamente substituídos por rivais que ficavam na espreita, e de
certos centros importantes de culto adotarem sempre uma posição diferente da
dos outros. Alguns santuários mwari estavam a favor do levante, outros não,
e, nos primeiros, as famílias responsáveis por eles foram substituídas depois
da repressão. Estava enganado ao supor que todos os dirigentes religiosos dos
28 SMITH, C. B., 1973.
29 COBBING, 1974, 1977; BEACH, 1971, 1979.
63
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
Shona se comprometeram sem reservas nos levantes; estes eram certamente
importantíssimos, mas não a ponto de poder ou dever destruir o caráter
tradicional de permanência e de eficácia dos cultos
30
.
Tudo isso conta a favor da tese segundo a qual a oposição estava no centro
dos movimentos proféticos. Um profeta emerge quando a opinião pública sente
necessidade de uma ão radical e inovadora, mas não são apenas as ameaças
externas que despertam esse sentimento popular. Um profeta pode surgir em
razão de profundas angústias causadas por tensões ou transformações internas,
ou pelo desejo geral de acelerar o ritmo da mudança e de aproveitar novas opor-
tunidades. Assim, um líder profético frequentemente orienta seu ensinamento
para a moral das sociedades africanas, encabeçando por vezes movimentos de
oposição ao autoritarismo interno, outras vezes protestando” mais contra os
fatos da natureza humana. Fica evidente pelos trabalhos em curso sobre a mul-
tidão de líderes proféticos da África do século XIX que muitos deles não se
preocupavam com a resistência aos brancos e até que os brancos não os preo-
cupavam de maneira alguma.
Mesmo aqueles líderes proféticos que ansiavam por encontrar uma nova fór-
mula que definisse as relações de seus seguidores com os europeus não eram de
forma alguma unânimes para recomendar a rejeição ou resistência. Como nota
Mabona, o profetismo xhosa elaborou ao mesmo tempo uma “ideologia para a
resistência e uma ideologia para um processo de acomodação controlada”. O
profeta da resistência era Makana, e Ntsikana, o da acomodação controlada”.
Este último era um gênio religioso criador, do mesmo estofo que Makana. As
discussões que travaram sobre a natureza da divindade tiveram consequências
práticas muito imediatas e dividiram os Xhosa em resistentes e colaboradores,
mas se mantiveram num nível teológico elevado. E, de fato, não era a preocu-
pação principal de Ntsikana a “colaboração”; sua intenção era antes reformar a
sociedade xhosa, aceitando certas dinâmicas do pensamento cristão e rejeitando,
ao mesmo tempo, grande número dos axiomas culturais dos brancos. Como nos
diz O. P. Raum, para muitos Xhosa “a implantação do cristianismo não deve
ser creditada aos missionários, mas antes a um precursor cristão na pessoa de
Nitsikana
31
.
Embora não haja outro exemplo de choque tão espetaculoso e direto entre
profetas quanto a polêmica estabelecida entre Makana e Ntsikana, a mesma
gama de possibilidades proféticas se observa nitidamente, mesmo nas zonas
30 SCHOFFELEERS, (?).
31 RAUM, 1965, p. 47 -70.
64
África sob dominação colonial, 1880-1935
de resistência encarniçada, como as dos Maji Maji ou dos Shona na Rodésia.
Após a derrota dos Maji Maji, o conjunto dos símbolos e pretensões ao poder
espiritual de que se havia servido Kinjikitile foi retomado por uma série de
figuras proféticas, ligadas à purificação interna das sociedades africanas, que
encabeçaram a chamada “caça aos feiticeiros”.
No que se refere aos Shona, Elleck Mashingaidze publicou um artigo fas-
cinante sobre a série de exortações proféticas dirigidas aos Shona da região
do vale do Mazoe. Os médiuns mais influentes, no início, aconselharam seus
adeptos a prestar bastante atenção aos ensinamentos dos missionários; depois,
aconselharam -nos a participar dos levantes para expulsar os brancos, e de novo
os exortaram a enviar os filhos às escolas das missões para que adquirissem tudo
quanto pudessem da sabedoria dos brancos. Para Mashingaidze não se trata de
uma sequência de desordem e traição. Diz ele:
A derrota militar de 1897 [...] não provocou a renúncia ao mundo tradicional, ao
contrário do que ingenuamente previam os brancos [...] Os Shona procuravam
compreender os brancos [...] A religião tradicional, representada por Nehanda e
outros médiuns, não se opunha à cristã como tal. Seu papel, desde o início do
encontro dos dois sistemas, consistia em moderar as mudanças [...] Fazia recordar
às pessoas que, apesar dos resultados militares [...] elas não deviam abdicar de sua
identidade cultural. De fato, a religião tradicional continuou a inspirar aos Shona o
comportamento construtivo e criador que tiveram frente ao cristianismo e à cultura
ocidental como um todo. Lembrava à população que ainda havia lugar para aceitar
ou rejeitar certos aspectos da nova ordem
32
.
Poder -se -ia dizer que os profetas shona procuravam atenuar os efeitos da
alienão da soberania política preservando certa autonomia espiritual. No
entanto as potencialidades do profetismo shona de elaborar uma ideologia de
resistência o se esgotaram, e nos anos de 1970 certos médiuns estiveram
profundamente envolvidos na luta nacionalista e de guerrilhas. Na perspectiva
da história da resistência, as formas interiores de que se reveste em grande
parte o profetismo, segundo o qual o mal tem fonte no pecado interior, mais
do que na opressão externa, poderiam dar a impressão de “falsa consciência”.
Na perspectiva da história da religião africana, esses movimentos apresentam
interesse justamente na medida em que oferecem resposta às angústias íntimas
das sociedades africanas. Assim, o professor Bethwell Ogot segue um caminho
diametralmente oposto ao daqueles que interpretam os movimentos proféticos
32 MASHINGAIDZE, 1974.
65
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
como essencialmente anticoloniais. Ele diz de um dos profetas, Simeo Ondeto,
que era verdadeiramente “revolucionário”, mas que a sua revolução não se situ-
ava de forma alguma na esfera política, e sim na esfera moral, e que ocorreria
dentro do indivíduo. A essência dos movimentos proticos, escreve Ogot, consiste
em que eles são “agentes de mudaa espiritual e social, criadores de comunidades
novas capazes de enfrentar os desafios do mundo moderno
33
. As grandes ideologias
proféticas na resistência inscrevem -se assim numa tentativa mais vasta de definição
de uma nova base moral para a sociedade.
Consequências e relevância da resistência africana
mais de vinte anos, os movimentos de resistência eram tidos simplesmente
como impasses que a nada levaram. Na última década, porém, tem -se vigorosa-
mente defendido que, por todos os ângulos, esses movimentos se voltavam para
o futuro. Do ponto de vista da soberania, pode -se afirmar que eles anteciparam
sua reconquista e o triunfo do nacionalismo africano. Na medida em que são
depositários de ideologias proféticas, pode -se considerar que tenham contribuído
para novos grupamentos em torno de ideias. Alguns trouxeram consigo a melhora
da situação dos povos revoltados. Outros instituíram lideranças alternativas às
oficialmente reconhecidas. Eu próprio já afirmei que esses movimentos estavam
ligados” ao nacionalismo das massas por terem sido movimentos de mobiliza-
ção de massas, levando em conta a continuidade da atmosfera e dos símbolos
veiculados por outros movimentos de massa do período intermediário e, enfim,
porque os movimentos nacionalistas manifestamente se inspiraram nas lem-
branças de um passado heroico
34
.
Estes argumentos foram desenvolvidos por outros historiadores e, hoje em
dia, o caráter precursor dos movimentos de resistência tornou -se um axioma
para os teóricos dos movimentos nacionalistas e das guerrilhas. Assim, na con-
clusão de seu estudo sobre a resistência ovimbundu aos portugueses, escreve
Walter Rodney:
A resistência armada no planalto de Benguela reapareceu nos últimos anos. As
circunstâncias em que se verificou este fenômeno e suas relações com épocas ante-
riores são questões tão fundamentais que não procuraremos dar -lhes resposta, pois
33 OGOT, 1974a.
34 RANGER, 1968a.
66
África sob dominação colonial, 1880-1935
esta seria forçosamente incompleta. Basta notar que os angolanos que lutam pela
liberdade afirmam haver conexão entre suas guerras de libertação nacional e os
movimentos de resistência anteriores e que [com sua autoridade] as massas popu-
lares relembram distintamente o espírito de tais acontecimentos, como a guerra dos
Bailundu. Acadêmicos estéreis não se encontram à vontade para refutar isto
35
.
Acadêmicos, estéreis ou não, contestaram, no entanto, a postulada conexão
entre os movimentos de resistência e a subsequente luta em prol da liberdade.
As refutações provêm tanto da “direita como da “esquerda”.
Alinhando -se à direita”, Henri Brunschwig nega qualquer filiação evidente
entre os movimentos de resistência e os movimentos nacionalistas modernos.
Segundo ele, houve durante séculos na África um conflito entre adaptão e resisn-
cia às ideias transmitidas do exterior. Os partirios da adaptão criaram os grandes
impérios sudaneses, e os da resistência procuraram repudiá -los. Os primeiros apli-
cavam os princípios liberais do Islã e do cristianismo, os segundos apoiavam -se
no que Brunschwig chama de animismo” e “etnicidade”. Bem antes do período
colonial, houve “inumeráveis revoltas” contra os inovadores africanos; a resis-
tência ao colonialismo brotou em grande parte das mesmas fontes animistas e
étnicas. Por outro lado, o nacionalismo africano moderno e o pan-africanismo
são manifestações da tendência ao centralismo da inovação e à adoção de gran-
des projetos, o que significa que pertencem a uma tradição diametralmente
oposta à da resistência
36
.
Certos historiadores situados à esquerda contestam que seja possível estabe-
lecer uma conexão entre a resistência e o nacionalismo, argumentando tratar -se
de um artifício intelectual que permitia às minorias dirigentes dos novos Esta-
dos, por vezes interesseiras, reivindicar legitimidade revolucionária. Steinhart
foi categórico nessa contestação:
Em vez de examinar a resistência ao colonialismo pelo prisma deformante da mitolo-
gia nacionalista, devemos criar um mito melhor, que explique melhor a realidade da
oposição africana [...] O ‘mito da insurreição revolucionária pode nos proporcionar
um conhecimento mais vasto e mais profundo dos movimentos de oposição e de
libertação do século XX do que o depauperante ‘mito do nacionalismo’.
35 RODNEY, 1971b, p. 9.
36 BRUNSCHWIG, 1974, p. 63 -4.
67
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
Desta maneira, Steinhart procura reivindicar a herança das resistências para
a oposição radical ao autoritarismo nos novos Estados nacionais da África
37
.
Um extenso e mais recente estudo da resistência – a obra de Isaacman sobre
a revolta africana no vale do Zambeze procura atacar, de maneira implícita,
tanto as objeções de Brunschwig como as de Steinhart. Isaacman responde a
Brunschwig dando ênfase não ao “espírito de campanário das revoltas étnicas,
mas às novas definições de soberania que, segundo ele, caracterizaram a revolta
de 1917. Responde a Steinhart ligando esse tipo de resistência generalizada
não a um nacionalismo de elite, mas ao movimento radical de libertação de
Moçambique, a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). A existência
de conexão entre a resistência anterior e os movimentos contemporâneos em
prol da liberdade é assim formulada por Isaacman:
A natureza do apelo, que foi feito em termos anticoloniais vagos, e o alcance da
aliança que o apelo tornou possível dão a entender que a rebelião de 1917 ocupa um
lugar intermediário entre as formas de resistência africana do passado e as guerras
de libertação de meados do século xx [...] A rebelião de 1917 é ao mesmo tempo
o ponto culminante da longa tradição de resistência zambeziana e a precursora do
combate de libertação em curso.
Em 1917, como na luta travada pela Frelimo,era a opressão que estava em
causa e não a raça”. Mais ainda, as conexões com a Frelimo superam o enga-
jamento ideológico comum”, pois a tradição de resistência serviu ao mesmo
tempo de motivo de orgulho e de modelo para a ação futura
38
.
A cronologia da resistência: interpretação econômica
Iniciei este capítulo com uma descrição da situação que caracterizava os vinte
últimos anos do século XIX. De fato, tem -se mostrado muito difícil analisar a
resistência dentro desses limites cronológicos. Num extremo, comentei Makana,
o profeta xhosa de começos do século XIX; no outro, comentei o levante zam-
bezano de 1917 e suas conexões com a Frelimo. Mas, pelo menos, limitei o
comentário à resistência contra a invasão dos brancos ou aos levantes armados
contra a dominação colonial quando ela começou a morder”; as extensões
cronológicas devem -se ao fato de a penetração dos brancos na África ter sido
37 STEINHART, (?).
38 ISAACMAN, 1976, p. 344, 345, 375.
68
África sob dominação colonial, 1880-1935
irregular e ainda mais irregular a efetiva dominação colonial. Se se adotar esta
definição essencialmente política, o período 1880 -1900 emerge como um período
capital para a resistência, embora muitos dos grandes esfoos de redefinição da
soberania pela oposição se tenham manifestado mais tarde.
Concluindo, se considerarmos a importância crescente atribuída à resistência
econômica, os limites cronológicos ficam ainda menos definidos. A reinterpre-
tação mais radical talvez seja a de Samir Amin. Para ele, foi no final do século
XVII e durante o XVIII que se desencadearam, na África ocidental, os movi-
mentos de resistência verdadeiramente cruciais contra a Europa; Amin sumaria-
mente trata as resistências do período da corrida propriamente dito como ações
sem entusiasmo, de retaguarda de uma classe dirigente comprometida. Aos
olhos dele, o que estava essencialmente em jogo na confrontação entre a África
e a Europa não era a dominação política oficial, mas as tentativas europeias de
manipulação econômica. A resistência africana verdadeiramente significativa era
dirigida contra essa manipulação econômica.
Amin afirma que o comércio através do Saara tinha “reforçado a centraliza-
ção estatal e favorecido o progresso”. Por outro lado, o tráfico atlântico, que os
europeus dominavam,
o deu origem a forças produtivas; pelo contrário, provocou a desintegração da sociedade
[...] Sociedades africanas evidentemente se opuseram a essa degradão da sua situão,
e o islamismo servia -lhes de base para a resistência [...] Os sacerdotes muçulmanos ten-
taram organizar um movimento de resistência, visandor fim ao tráfico de escravos, ou
seja, à exportação de o de obra, mas não à escravidão interna [...] O islamismo mudou
de cater: religião de um grupo minoritário de comerciantes, tornou -se um movimento
popular de resisncia.
Amin distingue três importantes movimentos de resistência no gênero: as
guerras de 1673 a 1677; a revolução dos Torodo de 1776, que “derrubou a aris-
tocracia militar e pôs fim ao tráfico de escravos”; o movimento de 1830, dirigido
pelo profeta Diile, no reino de Waalo, que fracassou “diante da intervenção
militar francesa”. Amin aqui descreve movimentos de resistência que, voltados
contra uma aristocracia africana, também constituíam resposta à agressão eco-
nômica francesa.
À medida que se avança pelo século XIX, continua Amin, a demanda fran-
cesa de escravos é substituída pela demanda de matérias -primas e produtos
agrícolas. Em Waalo os franceses tentaram fazer experiências de plantação
agrícola, mas não conseguiram, devido à resistência das comunidades de aldeãos.
Tamm o lograram vencer a resistência à proletarização enquanto o ocupa-
69
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
ram toda a região, tendo de recorrer à força permanente. A conquista colonial,
porém, progrediu tão lentamente que a resistência a ela não foi muito eficaz.
Por essa época, o islamismo tinha deixado de ser uma ideologia da resistência
para se tornar o consolo espiritual da aristocracia vencida, que o empregava para
disciplinar os aldeãos agricultores e conseguir que produzissem tudo o que os
franceses deles exigiam
39
.
Se Amin afirma que os movimentos de resistência verdadeiramente impor-
tantes são anteriores à corrida, outros historiadores, adeptos da perspectiva eco-
nômica, parecem alegar que os movimentos verdadeiramente importantes de
resistência à dominação econômica oficial datam apenas do século XX. Certa-
mente houve, na época da corrida, vários movimentos de resistência econômica.
Mais precisamente, os europeus, rompendo a velha aliança com os mercadores e
intermediários africanos, recorreram à força para instaurar o monopólio comer-
cial. O resultado foi uma resistência feroz da parte dos mercadores africanos,
conduzida pelo chefe Nana Olomu, de Itsekiri, no delta do Níger (Nigéria), que
Anthony G. Hopkins descreve como o protótipo do homo economicus, ou pelos
chefes swahili, que dominavam o comércio de escravos no norte de Moçambi-
que, ou ainda pelo grande mercador Rumaliza, que lutou na África oriental ao
mesmo tempo contra os belgas e contra os alemães.
Immanuel Wallerstein via nessa guerra dos mercadores um dos acontecimen-
tos decisivos do começo do colonialismo:
Muitas regiões da África ao sul do Saara tinham [...] entrado num processo de
desenvolvimento relativamente autônomo, ligadas ao mundo europeu de forma
limitada mas importante, por intermédio de mercadores ou de agentes estatais de
comércio de um e de outro lado [...] No entanto, em 1879 toda essa estrutura entrou
em desagregação e em 1900 tinha deixado de existir.
Com a dominação colonial,
as relações entre africanos e europeus deixaram de ser relações de parceiros comerciais.
O efeito mais imediato da dominação colonial foi seu impacto sobre os mercadores
africanos [...] Ao fim da Primeira Guerra Mundial, o declínio radical da importância
relativa da classe de mercadores africanos e árabes era já um fato consumado
40
.
No conjunto, porém, a nova geração de historiadores é indiferente à resistên-
cia dos mercadores. Hopkins adverte -nos contra a ideia de que mercadores do
39 AMIN, 1972.
40 WALLERSTEIN, 1970b, p. 402 -7.
70
África sob dominação colonial, 1880-1935
delta do Níger, como Nana Olomu, pudessem ser precursores do nacionalismo
ou porta -vozes dos descontentamentos populares, salientando que “a visão que
eles tinham de justiça social não comportava a emancipação de seus próprios
escravos”. Nancy Hafkin destaca os interesses puramente egoístas dos chefes
da resistência do norte de Moçambique: “De forma alguma”, conclui ela, a
resistência deles era popular ou progressista
41
.
A capacidade de resistência dos grandes mercadores, tal como a dos dirigen-
tes dos Estados secundários, foi minada pelo fato de terem suscitado demasiados
agravos entre os africanos. Pretendendo quebrar o poderio dos mercadores
árabes, swahili e africanos, a Imperial British East Africa Company conseguiu
estabelecer uma nova rota comercial de Malindi para o interior, reforçada por
estacadas construídas por comunidades de escravos fugidos das plantations cos-
teiras de seus senhores árabes”
42
.
Os importantes empresários” do hinterland de Lagos tiveram dificuldades
em oferecer resistência à penetração dos britânicos, devido à agitação de sua
abundante mão de obra, constituída principalmente de escravos e de servos”
43
.
A situação do comércio internacional, que favorecera a ascensão de poderosos
mercadores africanos, fizera também com que o êxito deles fosse obtido ao preço
de grandes tensões e ressentimentos internos. Havia exceções a essa situação de
tensão entre os poderosos mercadores e as massas populares. Por exemplo, no
reino Bailundu, em Angola, “todo mundo comerciava”; na década de 1870, “os
empresários umbundu descobriram e exploraram um novo tipo de seringueira”
e, nos dez anos seguintes, um número sem precedentes de Bailundu dedicava -se
ao comércio privado”. A queda do preço da borracha, entre 1899 e 1902, pôs
fim a essa prosperidade comercial generalizada.
O problema agravou -se depois de 1899 no reino Bailundu, devido à intrusão de
comerciantes europeus [...] Com a queda do preço da borracha comerciantes por-
tugueses e uma nova vaga de brancos pobres [...] chegaram para se estabelecer no
comércio.
Segundo o último estudo da guerra dos Bailundu, de 1902, o ressentimento
contra essa agressão comercial dos europeus contribuiu muito para o levante
popular em massa que irrompeu contra os portugueses
44
.
41 HOPKINS, A. G., 1973, p. 147; HAFKIN, 1971.
42 SMITH, C. B., 1973, p. 112 -3.
43 HOPKINS, A. G., 1966a, p. 141.
44 WHEELER & CHRISTENSEN, 1973, p. 54 -92.
71
Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista
Em compensação, os historiadores da resisncia que se colocam na perspectiva
econômica associam habitualmente a revolta popular não ao ressentimento contra
a agressão comercial dos europeus, mas ao fato de as populações africanas irem
compreendendo, pouco a pouco, que os brancos estavam decididos a conseguir
o de obra a baixo preço. A princípio, muitos africanos talvez tenham acolhido
os europeus como protetores contra chefes demasiado exigentes, ou mercadores
swahili rapaces ou ainda proprietários de escravos; mas não tardaram a perceber
que as exigências dos europeus eram igualmente ou mais intoleráveis. No começo,
o comportamento de boa parte dos proprietários de escravos, de chefes e de
mercadores africanos relativamente aos europeus talvez fosse ditado pelo medo
e pelo ódio, mas muitos deles descobriram que, a longo prazo, os interesses dos
detentores do poder, negros e brancos, frequentemente coincidiam. Dessa forma,
o caráter da resistência passou por uma profunda transformação.
Donald Denoon coloca o problema com clareza:
Quando falamos da corrida para a África, geralmente pensamos na divisão do ter-
ritório e da soberania africana entre europeus. O fenômeno comporta um terceiro
aspecto, o da corrida aos recursos africanos. Os diamantes e o ouro figuram entre tais
recursos, é certo, mas talvez o mais precioso, aquele para o qual as autoridades colo-
niais se lançaram com paixão, fosse a mão de obra africana. Assim como outrora os
comerciantes europeus e árabes compravam escravos em toda parte da África, agora
novas agências de recrutamento se abriam para obter mão de obra não especializada
para trabalhar nas minas [...] Em Angola, no Zambeze e em Katanga, na virada do
século, os agentes de recrutamento para as minas do sul concorriam com os agentes
das plantações portuguesas de trabalho forçado no golfo do Benin
45
.
Tal como a primeira corrida ao território e à soberania, a segunda corrida
à mão de obra também encontrou resistência. Foi uma resistência armada, e o
apoio dado às grandes revoltas que no começo do século XX tentaram redefinir
a soberania veio, em grande parte, de homens que execravam o trabalho forçado.
A resistência tomou, portanto, a forma de deserções e de greves, de recusa ao
trabalho debaixo da terra, de múltiplos tumultos. Os trabalhos de pesquisa-
dores como Charles van Onselen abrem novas perspectivas para o estudo da
resistência, que não é apenas a perspectiva da “resistência do Zambeze” ou
da “resistência de Bemba”, mas a perspectiva da resistência ao longo de toda a
rede interterritorial de migração de mão de obra do início da época colonial
46
.
45 DENOON, 1972, p. 74.
46 VAN ONSELEN, 1973.
72
África sob dominação colonial, 1880-1935
Conclusão
Como se vê, a historiografia da resistência é dinâmica e crítica. Todavia as
modificações e as novas perspectivas ampliam, ao invés de contradizer, os três
postulados básicos por mim analisados. A organização” e a “generalização da
resistência aparecem ainda mais nítidas se acrescentamos à lista de oposições
e revoltas armadas, durante a corrida, os movimentos de resistência indireta
anteriores à agressão econômica europeia. A pesquisa sobre a base ideológica
da resistência se enriquece se juntamos um elemento novo, as primeiras mani-
festações de consciência nos operários e camponeses, à ideia de soberania e à
busca de uma nova ordem moral. E a pesquisa das conexões entre a resistência
e a atual situação da África ganha nova ressonância com a ideia de resistência
econômica. A última palavra talvez caiba não a um historiador, mas a um espe-
cialista em ciências políticas, Colin Leys, que preconiza uma teoria do “subde-
senvolvimento mais dinâmica e historicamente fundamentada:
Num aspecto crítico, a teoria do subdesenvolvimento tende a assemelhar -se à do
desenvolvimento ela se concentra no que acontece aos países subdesenvolvidos
nas mãos do imperialismo e do colonialismo e não no processo histórico correspon-
dente, incluindo as diversas formas de luta contra o imperialismo e o colonialismo
nascidas das condições do subdesenvolvimento [...] O que falta não é uma teoria do
subdesenvolvimento, mas do subdesenvolvimento e da sua liquidação [...] Semelhante
teoria implica nada menos que uma teoria da história mundial vista pelos países sub-
desenvolvidos, uma teoria da opressão e da libertação desses países, a qual ainda se
acha em estágio bastante rudimentar, embora se sinta vivamente a necessidade dela
47
.
O estudo dos movimentos de resistência não é uma exaltação fútil das glórias
do passado, mas algo que pode contribuir para a elaboração de uma teoria da
opressão e da libertação.
47 LEYS, 1975, p. 20 -1.
C A P Í T U L O 4
73
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
Em nenhuma parte da África as iniciativas e a resistência dos africanos à partilha
e à ocupação europeia foram tão determinadas e contínuas quanto nos modernos
Estados do Egito, do Sudão e da Somália. As reações começaram em 1881 com
o levante militar no Egito e continuaram em algumas partes da região até os
anos de 1920. Jamais, na história da África, um povo lutou tão aguerridamente
para defender sua liberdade, soberania, e sobretudo religião e cultura. Veremos
neste capítulo quais foram essas iniciativas e reações, a começar pelo Egito, em
seguida o Sudão e por m a Somália.
Egito
A revolução urabista
A má administração financeira do quediva Ismail (1863 -1879) e os enormes
empréstimos que ele contraiu na Europa colocaram o Egito à beira da falência.
Enquanto a metade da receita do país era estritamente consagrada ao serviço da
dívida, pesados impostos eram exigidos do povo, e os fellahin, que na sua maioria
não podiam pagá -los, eram impiedosamente castigados. Esta situação de penúria
e de humilhação provocou vivo descontentamento e acerba oposição ao quediva
Tawfik (1879 -1892) e seu governo corrupto. Tawfik também era desprezado
Iniciativas e resistência africanas
no nordeste da África
Hassan Ahmed Ibrahim
(Com base numa contribuição de Abbas Ibrahim Ali)
74
África sob dominação colonial, 1880-1935
por sua total subserviência às potências europeias, que se aproveitavam de sua
fraqueza e do endividamento do Egito para controlar as finanças e o governo
do país. Logo se tornaria impossível às autoridades egípcias proceder a reformas
administrativas ou econômicas sem a prévia e unânime autorização de catorze
paises europeus. Enquanto os egípcios sofriam toda esta miséria, os residentes
estrangeiros viviam confortavelmente. Estes sequer estavam sujeitos à lei egípcia,
pois tinham leis e tribunais próprios. Aproveitando -se desta posição privilegiada,
enriqueciam à custa das massas autóctones, muitas vezes por meios corruptos e
imorais. O desejo de erradicar essa humilhante e odiosa dominação estrangeira
viria a ser o principal motivo da irrupção da revolução urabista, movimento de
resistência dirigido pelo coronel Ahmad Urabi
1
.
Um outro motivo seria o amadurecimento de ideias políticas liberais entre os
egípcios como consequência do desenvolvimento da educação e da imprensa no
século XIX. Esse amadurecimento político foi responsável, em grande parte, pelo
movimento constitucional que irrompeu no país nos anos de 1860, sobretudo
entre os egípcios de educação ocidental, que se opunham à dominação estran-
geira e ao despotismo do quediva. Esse movimento encontrou importantíssimo
apoio nas ideias revolucionárias dos reformadores muçulmanos Djamal al -Din
al -Afghani e Muhammad Abduh. Dirigidos por Muhammad Sharif Pasha,
cognominado Abu al -Dastur (o pai da constituição), aqueles nacionalistas cons-
titucionais exigiam a promulgação de uma constituição liberal e a formação de
um governo parlamentar
2
. Alguns deles talvez até ansiassem pela derrubada da
dinastia de Muhammad Ali, que reinava no país desde o começo do século.
A principal causa direta do desencadeamento da revolução, todavia, foi o
descontentamento e o sentimento de frustração experimentados pelos mili-
tares egípcios. o as tropas recebiam um soldo muito baixo (20 piastras
por mês)
3
, como os oficiais egípcios não podiam aceder a patentes elevadas, na
realidade monopolizadas pelos oficiais turco -circassianos, que menosprezavam
e maltratavam os subordinados egípcios. Para pôr fim a essa posição de inferio-
ridade e responder às exigências da população, os militares egípcios interferiram
ativamente na arena política pela primeira vez na história contemporânea do
país, desencadeando em começos de fevereiro de 1881 uma revolução contra o
colonialismo europeu e o quediva Tawfik.
1 AL -RAFI, 1966, p. 82 -5
2 VATIKIOTIS, 1969, p. 126 -30.
3 PRO (Public Record Oce), Kew, FO 141/168, Relatório de Duerin, p. 4.
75
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
 . O Coronel Ahmad Urabi (“Arabi Paxa”, 1839-1911). (Fonte: Mary Evans Picture Library.)
76
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Política e nacionalismo no nordeste da África.
77
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
O líder dessa revolução, coronel Ahmad Urabi (1839 -1911), era uma perso-
nalidade sedutora, de origem fellah (ver fig. 4.1). Embora simples, desprovido,
de sutileza e de refinamento político
4
”, Urabi era homem corajoso e um orador
eloquente que muitas vezes intercalava em seus discursos passagens do Alco-
rão,o que o tornava popular junto às massas”. Essas qualidades de líder logo o
tornaram o dirigente inconteste da revolução, tendo desempenhado importante
papel na formação do al -Hizb al -Watani, o Partido Nacionalista, cujos membros
eram um misto de homens de origem fellah e alguns notáveis turcos, unidos
todos na oposição à autocracia quediva.
No começo, a revolução obteve grande sucesso. Uthman Rifki, o famoso minis-
tro da Guerra, circassiano inspirador da política de discriminação praticada no
exército, foi demitido e substituído por um político revolucionário e distinto poeta,
Mahmud Sami al -Barudi. Formou -se um gabinete inteiramente urabista, e o
próprio Urabi veio a tornar -se ministro da Guerra
5
. Tawfik ficou o assustado
que ordenou a formação de uma assembleia popular e promulgou a 7 de fevereiro
de 1882 uma constituição relativamente liberal. Sabendo que esse passo em dire-
ção ao constitucionalismo nada tinha de sincero, os urabistas estavam dispostos
a derrubar Tawfik e até pensavam em declarar o Egito uma república. Como
esta situação ameaçasse os privilégios e interesses estrangeiros, a revolução viu -se
diretamente confrontada com as potências europeias (ver fig. 4.2).
Entretanto, o quediva conspirava em segredo para esmagar a revolução. A fim
de provocar uma intervenção estrangeira, afirmam certos historiadores egípcios,
o quediva e os ingleses organizaram o massacre de Alexandria de 12 de junho
de 1882, em que numerosos estrangeiros foram mortos, e muitas propriedades
danificadas
6
. Verdadeira ou não, a acusação não importa: de fato, o quediva tinha
solicitado a intervenção dos ingleses, e estes responderam com grande rapidez
e entusiasmo. O gabinete egípcio, por unanimidade, decidiu repelir a invasão
e rejeitou o ultimato inglês para desistir da fortificação das defesas costeiras e
desmantelar as posições de artilharia em torno de Alexandria. Isso deu à esqua-
dra inglesa o pretexto para bombardear a cidade em 11 de julho de 1882 (ver
fig. 4.3). O exército e o povo do Egito, embora oferecessem corajosa resistência
aos invasores, foram vencidos por forças superiores. Cerca de 2 mil egípcios
encontraram a morte nessa batalha.
4 AL -SAYYID, 1968, p. 9.
5 SHIBAYKA, 1965, p. 604.
6 AL -MURSHIDI, 1958, p. 58.
78
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Alexandria após o bombardeamento de julho de 1882 pela frota britânica. (Fonte: Royal Commonwealth Society.)
79
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
Após a queda de Alexandria, o exército egípcio recuou para Kafr al -Dawar,
a alguns quilômetros da cidade. Urabi declarou a djihad contra os ingleses,
numa proclamação que foi distribuída ao povo. Vários combates se travaram
perto de Kafr al -Dawar em agosto de 1882. A firme resistência do exército e
da população tornava muito difícil aos invasores a ocupação do Cairo a partir
de lá. Os ingleses decidiram então ocupar o canal de Suez e lançar em seguida
uma grande ofensiva contra a capital.
As massas egípcias prestaram apoio financeiro ao exército, e milhares de
jovens ofereceram -se como voluntários. Mas todas as probabilidades estavam
contra a causa nacionalista. Urabi dispunha de 16 mil soldados treinados
e mesmo esse pequeno efetivo estava disperso em torno de Kafr al -Dawar,
Dimyat (Damietta) e a zona do canal. Além disso, faltavam ao exército egípcio
treinamento, armas modernas, munições e meios eficientes de transporte. Com
um exército de 20 mil homens, comandados por sir Garnet Wolseley, os ingleses
transpuseram rapidamente o canal, ocuparam Ismailia, esmagaram o grosso das
forças revolucionárias na batalha de Tell al -Kebir em 13 de setembro de 1882
7
e ocuparam o país. Embora os britânicos tivessem prometido rápida evacuação,
na verdade ocuparam o Egito por 72 anos.
O malogro da revolução urbanista, que não conseguiu libertar o país da
influência europeia e da dominação dos turcos, tem explicação fácil. Muito
embora a revolução tivesse recebido o apoio da massa do povo, não teve tempo
suficiente para mobilizá -lo. Ademais, uma grave cisão verificou -se na frente
nacionalista, devido ao crescente conflito que opunha os militares e os civis cons-
titucionalistas. Estes últimos recusavam por princípio a intervenção do exército
no domínio político, enquanto os militares afirmavam que a revolução estaria
melhor salvaguardada se eles controlassem o governo. O movimento sofria com
as intrigas do quediva e de seus adeptos circassianos, que traíram a revolução e
facilitaram a ocupação britânica.
O próprio Urabi cometeu vários erros. Não quis depor o quediva desde o
início da revolução, pois receava que a medida provocasse a intervenção estran-
geira e mergulhasse o país no caos – o que deu tempo ao quediva para conspirar
contra a revolução. Urabi cometeu outro erro fatal: apesar dos avisos de alguns
de seus conselheiros militares, recusou -se a bloquear o canal, na esperança – que
se mostraria de que a França não permitisse que a Inglaterra o utilizasse
7 AL -RAFI, 1966, p. 487 -96.
80
África sob dominação colonial, 1880-1935
para invadir o Egito. Em última análise, porém, a derrota da revolução urabista
deveu -se à superioridade militar britânica.
Reação e formas de resistência do Egito à
ocupação inglesa, 1882 ‑1914
A derrota militar da revolução urabista quebrou o moral do país, criando
uma atmosfera de desespero e desilusão, durante o primeiro decênio da ocupação
(1882 -1892).o houve resistência real dentro do pprio país, e as únicas vozes
nacionalistas que se ergueram durante esse período foram as de personalidades
no exílio. Djamal al -Din al -Afghani e Muhammad Abduh começaram em 1883
a publicar uma revista pan -islâmica, Al -Urwa al -Wuthqa (“O Elo Indissolúvel”),
cujo objetivo era libertar o Egito da ocupação inglesa agitando a opinião pública
egípcia. A revista foi proibida no número 18, mas exerceu profunda influência
no pequeno grupo de egípcios que sabiam ler – estudantes, ulama (sábios muçul-
manos) e intelectuais. Al -Urwa encorajou a oposição aos britânicos e manteve
vivo o espírito de autodeterminação
8
. Sua mensagem antibritânica foi retomada
na década de 1890 por um grupo de escritores pan -islamistas, dos quais o mais
importante era o xeque Ali Yusuf, que publicou em 1900 um jornal, Al -Mu ayyad,
e formou em 1907 a Hizb al -lslah al -Dusturi (Os Reformadores Constitucionais),
organização que atacava vigorosamente a presença inglesa no Egito.
O movimento nacionalista egípcio começou a sair dessa fase de torpor em
1893, quando algumas personalidades egípcias começaram a se opor à ocupação
britânica. Das primeiras entre elas, merece citação o novo e ambicioso quediva
Abbas Hilmi (Abbas II, 1892 -1914), que encorajou o desenvolvimento de um
movimento nacionalista exigindo a imediata evacuação do país pelos ingleses. A
ajuda financeira à imprensa, que permitiu que o movimento se articulasse, foi de
particular importância. Durante os três primeiros anos do seu reinado, o próprio
Abbas se pôs à frente do movimento, desafiando abertamente a autoridade de
lorde Cromer, agente britânico e cônsul -geral, e obrigou o primeiro-ministro
pró -britânico a demitir -se em 15 de janeiro de 1893. Na impossibilidade de
continuar agindo de forma tão aberta, devido à pressão dos britânicos, Abbas
encontrou, no entanto, adeptos desejosos de conduzir a luta contra a ocupação
do país. Tratava -se de um grupo de jovens intelectuais familiarizados com as
ideias da Revolução Francesa e as teorias sociais e políticas modernas
9
. A velha
8 AL -SAYYID, 1968, p. 87 -90 .
9 Ibid., p. 99 -136.
81
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
 . Abbas Hilmi (Abbas II, 1892 -1914), quediva do Egito. (Fonte: BBC Hulton Picture Library.)
82
África sob dominação colonial, 1880-1935
sociedade egípcia, com seu código rígido e suas restrições religiosas, dissolvia -se
gradativamente, processo que despertava considerável instabilidade. Os egípcios
instruídos estavam particularmente preocupados com o controle britânico sobre
a administração pública, único domínio aberto a eles onde podiam esperar
algum progresso. Em 1905, 42% dos cargos mais elevados eram ocupados por
ingleses, 30% por armênios e sírios e somente 28% por egípcios
10
.
Mas os adversários mais encarniçados da presença inglesa eram nessa época
Mustapha Kamil, chefe carismático e orador eloquente, e seu Partido Naciona-
lista. Kamil procurou de início conquistar a Europa para a causa da indepen-
dência do Egito. Pensava que outros países europeus, que viam com maus olhos
a ocupação de seu país pelos britânicos, apoiariam ativamente toda tentativa
para expulsá -los do Egito. Graças aos fundos generosamente fornecidos pelo
quediva, Kamil visitou diversas capitais europeias entre 1895 e 1898, mantendo
reuniões, dando entrevistas aos jornais, escrevendo artigos e panfletos
11
. Tais ati-
vidades despertaram bastante interesse na Europa, mas nada mais. O otimismo
de Kamil em esperar que a Europa e particularmente a França apoiassem a
causa do Egito não se justificava. Possuindo, ela própria, colônias no norte da
África, não admira que a França não se deixasse convencer pelos argumentos
de Kamil a favor da autodeterminação do Egito. Tampouco estava interessada
em travar guerra contra a Inglaterra pelo Egito, como o incidente de Fachoda
o demonstrara em 1898.
A tarefa mais urgente dos jovens nacionalistas era refutar a afirmação de
Cromer de que os egípcios eram incapazes de se governar de acordo com prin-
cípios civilizados, assim como convencer o povo de que formava uma nação
capaz e merecedora de autonomia. Kamil se entregou ativamente a essa tarefa
desde 1898. Até 1906, difundiu suas opiniões em numerosos discursos e artigos
nos jornais da época, especialmente al -Liwa (“A Bandeira”), que ele fundou em
1900. Destacava o passado do Egito para combater o derrotismo e mostrar que
os egípcios eram capazes de grandes feitos. Cunhou lemas deste gênero: “Se eu
não fosse egípcio, queria sê -lo e “a vida não faz sentido quando ela se casa com
o desespero e o desespero não faz sentido enquanto há vida”
12
. Seus discursos e
artigos visavam eliminar as rivalidades locais e reunir toda a população em uma
frente nacionalista, assim como desenvolver a educação nacional para reforçar os
sentimentos patrióticos. Os esforços políticos desenvolvidos por Kamil começa-
10 MILNER, lorde, 1921, p. 30.
11 P. M. HOLT, ed., 1968, p. 308 -19.
12 AL -SAYYID, 1968, p. 161.
83
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
ram a dar frutos quando lhe foi possível organizar uma greve de estudantes de
Direito, em fevereiro de 1906.
A campanha do líder intensificou -se profundamente depois do incidente de
Dinshaway, ocorrido em maio de 1906. Um grupo de oficiais ingleses foi à aldeia
de Dinshaway para uma caçada aos pombos, mas os aldeãos se opuseram,que
os pombos eram um de seus meios de subsistência. Houve um choque e um dos
oficiais foi ferido de morte. As autoridades britânicas reagiram com violência
e os aldeãos foram condenados a severíssimas penas. Quatro foram enforcados
e outros sentenciados a longos anos de cadeia. Embora as execuções públicas
tivessem sido suprimidas dois anos antes, a sentença foi realizada em público
e toda a aldeia de Dinshaway teve de assistir aos enforcamentos
13
. Na opinião
de Kamil, essa conduta bárbara fez mais para despertar os sentimentos antibri-
tânicos do povo do que dez anos de ocupação
14
. E o incidente de Dinshaway
provocou a irrupção do nacionalismo egípcio: pela primeira vez desde 1882 os
ingleses tomaram consciência da insegurança de sua posição no Egito e tiveram
de reconsiderar a sua política de dominação. Na verdade, anunciaram a intenção
de preparar o país para a autonomia. Cromer deixou o Egito em 1907 e novo
cônsul -geral, Eldon Gorst, foi nomeado para implementar a nova política. A
nova situação constituía uma grande vitória para Kamil e seu Partido Naciona-
lista, que adquiriu existência legal em 1907.
Depois da morte prematura de Kamil, em fevereiro de 1908, Muhammad
Farid tornou -se o chefe do Partido Nacionalista. Farid não tinha as qualidades de
liderança de Kamil, mas continuou todavia a escrever e a participar de reuniões
blicas, reclamando a evacuação das tropas britânicas. Suas atividades nacionalis-
tas lhe valeram seis meses de prisão em 1911, após o que partiu para o exílio
15
.
Em 1907, certas personalidades intelectuais egípcias chegaram à conclusão
de que o Reino Unido era poderoso demais para ser expulso do país por via
revolucionária. Além disso, julgavam que havia indícios reais de mudança na
política britânica após o incidente de Dinshaway. Em consequência, considera-
vam possível a cooperação com o ocupante a fim de obter dele o máximo até o
momento da independência total. Em outubro de 1907 esse grupo formou um
novo partido político, chamado Partido Umma (“do Povo”), que tinha jornal
próprio, al -Djarida. Dirigido por um jornalista e educador de renome, Ahmad
Lutfi al -Sayyid, a quem os egípcios cultos se referiam como Faylasuf al -Djil (“o
13 AL -MASADA, 1974, p. 84 -91.
14 HAYKAL, s.d., p. 148.
15 SABRI, 1969, p. 81 -109.
84
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Muhammad Ahmad ibn Abdallah, o Mahdi (1844 -1885). (Fonte: BBC Hulton Picture Library.)
85
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
filósofo da geração”), o grupo Djarida -Umma instava com os egípcios para que
modernizassem a tradição islâmica, adotando as ideias e as instituições euro-
peias, que julgava necessárias ao progresso do país
16
. O programa do Partido
Umma preconizava a criação de uma identidade nacional egípcia, sem a qual
imaginava o Egito não poderia conseguir a verdadeira independência. Mas o
Umma não era muito popular junto aos nacionalistas egípcios, pelo fato de cola-
borar com o ocupante. Por outro lado, o seu liberalismo laico o impedia de lançar
raízes nas massas populares, instintivamente ligadas à tradição islâmica
17
.
Antes da Primeira Guerra Mundial, o movimento nacionalista egípcio estava
assim desunido e era essencialmente elitista, sem apoio popular. Era, portanto,
muito fraco para obter concessões importantes das autoridades britânicas e
pouco fez o país avançar no caminho da autonomia. Os nacionalistas tiveram
de esperar por 1913 para que estourasse uma revolta aberta contra a ocupação
britânica.
Sudão
A revolução mahdista
O Sudão era desde 1821 administrado pelo governo turco do Egito. Por volta
de 1880, os povos egípcio e sudanês lutavam para se libertar da tutela de uma
aristocracia estrangeira. A ideia da djihad e da resistência islâmica à dominação
estrangeira, propagada no Egito por Urabi, encontrou igualmente um poderoso
eco junto ao movimento revolucionário militante dirigido por Muhammad
Ahmad al -Mahdi no Sudão (fig. 4.5). Seu movimento, o Mahdiyya, era essen-
cialmente uma djihad uma guerra santa e, como tal, reclamava o apoio de
todos os muçulmanos. Seu objetivo fundamental, como atestam repetidamente
as cartas e proclamações do Mahdi
18
, era reviver a pura e primitiva do Islã,
expurgada das heresias e das excrescências”
19
, e propagá -la no mundo inteiro, se
necessário pela força. O autêntico fervor espiritual da revolução mahdista estava
expresso no bay’a (juramento de obediência) que os adeptos do Mahdi (a quem
ele próprio chamava os Ansar
20
, seguindo assim o exemplo do Profeta) deviam
16 VATIKIOTIS, 1969, p. 229 -30.
17 Ibid., p. 234.
18 Para uma boa compilação dessas cartas e proclamações, ver ABU SALIM, 1969.
19 HOLT, 1970, p. 19.
20 ANSAR (“ajudantes”) era o nome originariamente dado aos adeptos do Profeta Maomé em Medina.
86
África sob dominação colonial, 1880-1935
fazer ao chefe ou a seu representante, antes de serem admitidos no Mahdiyya.
No bay’a, os Ansar juravam fidelidade ao Mahdi “renunciando a este mundo
e abandonando -o, contentando -se com o que está com Deus, desejando o que
está com Deus e o mundo futuro”. E acrescentavam: “Nós não fugiremos à
djihad
21
.
Afirmar que a revolução mahdista era religiosa não significa que a religião
tenha sido a única causa da sua origem. Havia outros fatores, secundários, todos
derivados das faltas cometidas pela administração turco -egípcia, totalmente
corrupta, faltas que tinham provocado o descontentamento geral no Sudão. As
violências consequentes à ocupação do país, em 1820 -1821, tinham criado um
forte desejo de vingança, e os elevados impostos que os turcos arrancavam pela
força só faziam agravar a situação. Além disso, as tentativas feitas pelo governo
para eliminar o comércio de escravos tinham descontentado certos sudaneses
do norte, pois ameaçavam uma importante fonte de riqueza e até a base da
economia agrícola interna do país. Por fim, os favores que os turcos concediam
ao povo Shaykiyya e à seita Khatmiyya parecem ter suscitado a inveja dos outros
grupos locais e religiosos, estimulando -os a apoiar o Mahdi
22
.
O chefe da revolução, Muhammad Ahmad ibn Abdallah, era um homem pio,
cujo ideal era o Profeta Maomé [Muhammad] em pessoa. Como este último,
Muhammad assumiu o papel de Mahdi aos 40 anos de idade, comunicou isso
em segredo a um grupo de adeptos fiéis e depois fez o anúncio público e oficial.
Com isso, entrou em confronto militar direto com o governo anglo -egípcio
durante quatro anos (1881 -1885). Este o subestimou no início, considerando -o
um simples darwish (mendigo), conforme o prova a fraca e desorganizada expe-
dição que foi enviada contra ele à ilha de Aba. Seguiu -se breve escaramuça, na
qual os Ansar obtiveram uma vitória fácil e rápida, ficando a administração
numa confusão completa. O Mahdi e seus adeptos consideraram a vitória mira-
culosa
23
. A clarividência política e o gênio militar do Mahdi se refletem na sua
decisão de “emigrar”, depois do combate de Aba, para Djabal Kadir, nas mon-
tanhas da Núbia. Independentemente do fato de apresentar um paralelo com a
vida do Profeta, esta hidjra (hégira) marcou de fato uma reviravolta na história
do Mahdiyya. Ao afastar a revolução da região do Nilo, estabelecendo -a no oeste
do Sudão, os sudaneses desta área tornaram -se a coluna vertebral militar e
21 HOLT, 1970, p. 117.
22 SHOUQAIR, 1967, p. 631 -6.
23 SHIBAYKA, 1978, p. 39 -44.
87
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
civil da revolução, enquanto declinava o papel das populações que viviam às
margens do Nilo
24
.
A batalha de Shaykan, travada a 5 de novembro de 1883, marcou outra
reviravolta da revolução mahdista. Nessa época, o quediva Tawfik e seu governo
estavam dispostos a esmagar o Mahdi, que controlava então as principais cida-
des da província de Kordofan. Os egípcios enviaram um corpo expedicionário,
formado pelos remanescentes do exército de Urabi e comandado por um oficial
inglês, Hicks Pasha. Os Ansar aniquilaram totalmente o adversário na floresta
de Shaykan, perto de al -‘Obeid
25
. A vitória encheu de orgulho o Mahdi e seu
movimento. Enquanto numerosos sudaneses aderiam à revolução, delegados de
vários países muçulmanos vieram felicitar o Mahdi por sua vitória contra os
“infiéis”. A consequência imediata de Shaykan foi o colapso total da adminis-
tração turco -egípcia no oeste do Sudão. Os mahdistas assumiram o controle das
províncias de Kordofan, Darfur e Bahr al -Ghazal. O Mahdi estava, entretanto,
prestes a passar à segunda fase das operações: tomar Khartum e pôr fim à domi-
nação turco -egípcia sobre o Sudão
26
.
Os mahdistas atacaram em seguida a região oriental do Sudão, sob o hábil
comando de Osman Digna. Digna obteve numerosas vitórias sobre as forças
governamentais e não tardou a ameaçar os portos do Mar Vermelho, defendidos
pelos britânicos, do que resultou uma intervenção militar destes, de resto pouco
eficaz. Com a exceção de Souakin, os Ansar controlavam a totalidade do Sudão
oriental e impediam o transporte de reforços e de munições para Khartum pela
estrada Souakin -Berbere.
Após a batalha de Shaykan, a política britânica relativamente ao Sudão
sofreu importante mudança. Antes, o Reino Unido dizia tratar -se de um pro-
blema puramente egípcio, mas, depois da batalha, concluiu que seus interesses
imperiais exigiam que o Egito se retirasse imediatamente do Sudão
27
. Ordenou
então que o governo egípcio evacuasse o país e encarregou o general Charles
Gordon de fazer cumprir a ordem. Entrementes, o Mahdi avançava sobre a capi-
tal, colocando o general Gordon numa situação muito perigosa. Após demorado
cerco, as forças mahdistas atacaram a cidade, mataram Gordon a 26 de janeiro
de 1885 e puseram fim à dominação turco -egípcia no Sudão
28
.
24 ABU SALIM, 1970, p. 21 -2.
25 ZULFU, 1976, p. 203 -29.
26 AL -HASAN, 1964, p. 4.
27 SHIBEIKA, 1952, p. 107 -9.
28 HAMZA, 1972, p. 159 -83.
88
África sob dominação colonial, 1880-1935
No espaço de quatro anos (1881 -1885), o movimento Mahdiyya de revolta reli-
giosa transformara -se em poderoso Estado militante, que iria dominar o Sudão por
catorze anos. Suas instituições administrativas, financeiras e judicas, assim como
a legislação, estavam estritamente baseadas no Corão e na Sunna, muito embora o
Mahdi ocasionalmente promulgasse novas formas de legislação acerca de problemas
prementes, como a situação das mulheres e da propriedade de terras
29
.
As relações do Estado mahdista com o mundo exterior eram rigorosamente
governadas pela djihad. O Mahdi e seu califa, Abdullah ibn al -Sayyid Muham-
mad, escreveram cartas de advertência (indharat) virtualmente, ultimatos a
certos dirigentes, como o quediva do Egito, o imperador da Turquia e o da
Abissínia, para que aceitassem a missão do Mahdi, ameaçando -os com uma
djihad imediata se não respondessem afirmativamente
30
.
O Mahdi não viveu tempo bastante para dar prosseguimento a sua política
(morreu em junho de 1885), mas a djihad tornou -se o alvo de toda a política
externa do califa Abdullah, sucessor dele. Não obstante os pesados problemas
administrativos e financeiros que tinha de enfrentar, Abdullah prosseguiu com
a djihad em duas frentes: contra o Egito e a Etiópia. Sob o comando de Abd
al -Rahman al -Nudjumi, as forças mahdistas invadiram o Egito, mas foram bati-
das em Tushki no ano de 1889. O avanço mahdista na frente oriental também
foi detido, e os Ansar perderam Tokar em 1891 e Kassala em 1894. O engaja-
mento ideológico do califa na djihad havia arruinado os esforços do imperador
da Etiópia para concluir uma aliança africana entre o Sudão e a Etiópia contra
o imperialismo europeu. De fato, para concluir a aliança, o califa exigia que o
imperador aderisse ao mahdismo e ao Islão. O resultado dessa atitude dogmática
foi uma série de embates armados, que enfraqueceram os dois Estados, fazendo
deles presas fáceis para o imperialismo europeu
31
.
Em março de 1896, o governo imperial britânico decidiu invadir o Sudão e
constituiu -se para tanto um exército, comandado pelo general H. H. Kitchener.
Durante a primeira fase da invasão, de março a setembro de 1896, as forças
inimigas ocuparam toda a província de Dongola, sem encontrar resistência séria
da parte dos sudaneses. Isso se devia a sua superioridade técnica e ao fato de o
califa ter sido surpreendido pela ofensiva.
Como o califa tinha suposto, a ocupação de Dongola não era senão o prelúdio
para um ataque generalizado ao Estado mahdista. Enquanto Kitchener avan-
29 HOLT, 1970, p. 128.
30 SHOUQAIR, 1967, p. 921 -9.
31 AL -KADDAL, 1973, p. 105 -7.
89
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
çava para o sul, o califa mobilizava as suas tropas, decidido a resistir ao invasor.
Comandados pelo emir Mahmud Ahmad (ver fig. 4.6), os Ansar tentaram
rechaçar, sem êxito, o inimigo perto do rio Atbara, em 8 de abril de 1898
32
. Três
mil sudaneses foram mortos e mais de quatro mil feridos. O próprio Mahmud
foi capturado e encarcerado em Roseta, no Egito, onde morreu alguns anos
depois. Após a derrota de Atbara, o califa decidiu enfrentar o inimigo perto
da capital, Omdurman, pois era evidente que os problemas de suprimento e
de transporte lhe proibiam qualquer deslocamento importante de tropas. Os
sudaneses combateram o inimigo com admirável coragem na batalha de Karari,
a 2 de setembro de 1898
33
. Mais uma vez o armamento superior do adversário
os derrotou. Quase 11 mil sudaneses foram mortos e perto de 16 mil feridos.
Ao compreender que a batalha estava perdida, o califa retirou -se para leste da
província de Kordofan, onde esperava reunir seus partidários e atacar o ini-
migo na capital. Sua resistência foi um problema para a nova administração
durante um ano, mas foi finalmente vencido na batalha de Umm Diwaykrat, a
24 de novembro de 1899. Após a batalha, o califa foi encontrado morto sobre
o seu tapete de orações de pele de carneiro
34
; todos os demais chefes e generais
mahdistas tinham sido mortos ou capturados. O Estado mahdista desmoronou
mas, enquanto realidade religiosa e política, o Mahdiyya sobreviveu.
Os levantes mahdistas
Embora as autoridades britânicas tivessem proibido a seita mahdista, impor-
tante parte da população ficou -lhe fiel. A maioria dos sudaneses traduzia sua
hostilidade continuando a ler o ratib (livro de orações mahdista) e a praticar
diversos rituais mahdistas. Somente um punhado de adeptos do Mahdi tentou
várias vezes repelir pela força os “infiéis”. Não houve ano, entre 1900 e 1914,
sem levantes mahdistas no norte do Sudão. A principal fonte de inspiração de
tais revoltas era a doutrina muçulmana do nabi ‘Isa (Profeta Jesus). Os muçul-
manos em geral acreditavam que o Mahdi voltaria para restaurar a justiça na
Terra depois que ela tivesse conhecido o reino da injustiça. Sua missão seria
temporariamente freada pelo al -masih al -dadjdjal (o Anti -Cristo). O nabi ‘Isa,
no entanto, logo viria para garantir a permanência do glorioso Mahdiyya. Os
32 IBRAHIM, 1969, p. 196 -237.
33 Para maiores informações sobre os emires mahdistas feitos prisioneiros, ver IBRAHIM, 1974, p. 33 -45.
34 HOLT, 1970, p. 243.
90
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Mamud Ahmad, um dos comandantes dos Ansar (exército mahdista), após sua captura pelas forças anglo-egípcias. (Fonte: Royal Commonwealth
Society.)
91
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
Ansar consideravam os ingleses como a encarnação do al -dadjdjal e muitos deles
pensavam que ‘Isa os expulsaria do país
35
.
Houve levantes mahdistas em fevereiro de 1900, em 1902 -1903 e em 1904. O
mais importante foi organizado e dirigido em 1908 por um renomado mahdista,
Abd al -Kadir Muhammad Imam, geralmente chamado Wad Habuba.
Wad Habuba pregava o mahdismo em Djazira e desafiou o governo na aldeia
de Tukur, perto de Kamlin. Foram despachadas tropas para capturá -lo, mas ele
resistiu e dois funcionários foram mortos. Enquanto as autoridades ainda se
sentiam confusas com o incidente, Wad Habuba lançava em maio um ataque de
surpresa contra o inimigo na aldeia de Katfiya. Os mahdistas combateram bra-
vamente, mas dentro de alguns dias estava quebrada a espinha dorsal da revolta.
Exatamente à imagem do Mahdi, Wad Habuba “emigrou”, provavelmente em
busca de asilo em Omdurman, onde esperava continuar na clandestinidade a
propagação da causa mahdista. Mas foi detido no caminho e publicamente
executado em 17 de maio de 1908, enquanto grande quantidade de partidários
seus eram condenados à morte ou a longas penas de cárcere
36
. Submetido a um
julgamento pouco equitativo, Wad Habuba desafiou os imperialistas britânicos
declarando ao tribunal:
“Minha aspiração é que o Sudão seja governado por muçulmanos, conforme a lei de
Maomé, as doutrinas e os preceitos do Mahdi. Conheço melhor o povo sudanês do
que o governo. Não hesito em dizer que a amabilidade e as lisonjas dele não passam
de hipocrisia e de mentira. Estou pronto a jurar que o povo prefere o mahdismo ao
atual governo”
37
.
Apesar da falta de coordenação e da incapacidade de levantar as massas, essas
numerosas revoltas messiânicas instauraram uma continuidade com o período
do governo mahdista e mostraram que o mahdismo persistia como força reli-
giosa e política vital no Sudão. Por outro lado, elas provavam que a resistência à
dominação colonial era bastante viva entre muitos sudaneses do norte.
Movimentos de oposição nas montanhas da Núbia e no sul do Sudão
A oposição manifestada pelas populações nas montanhas da Núbia e no sul
do Sudão constituía o desafio mais sério que os colonialistas ingleses tiveram
35 IBRAHIM, 1979, p. 440.
36 Ibid., p. 448.
37 “Sudan Intelligence Report’”, maio de 1908.
92
África sob dominação colonial, 1880-1935
de enfrentar antes da Primeira Guerra Mundial. Os numerosos levantes ocor-
ridos nessas regiões do país, no entanto, tinham caráter essencialmente local.
Tratava -se de reações diretas às transformações introduzidas pelo colonialismo
na estrutura de diversas comunidades – transformações caracterizadas como um
atentado às instituições sociais e políticas destas últimas, substituídas por outras
implantadas pelos britânicos.
Apesar da crueldade do domínio colonial, diversas comunidades núbias mani-
festaram ativamente a sua oposição. Enquanto Ahmad al -Numan, mek de Kitra,
declarava sua aberta hostilidade, a população de Talodi se revoltava, em 1906, com
a morte de alguns funcionários e de soldados. A rebelo dirigida pelo mek Faki Ali
na região de Miri foi ainda mais séria. Ali molestou durante dois anos as forças
governamentais, mas foi detido em 1916 e encarcerado em Wadi Halfa
38
.
No sul do Sudão, a resistência foi conduzida e mantida pelo povo Nuer, que
vivia nas terras adjacentes ao rio Sobat e ao Nilo Branco. Habituados a governar
seus próprios assuntos nas administrações anteriores, que não exerciam sobre
eles nenhum controle efetivo, os Nuer recusaram -se a reconhecer a autoridade
do novo governo e continuaram a hostilizá -lo. Dois de seus chefes, Dengkur e
Diu, se mostraram particularmente ativos a tal respeito. Apesar da morte deles,
respectivamente em 1906 e 1907, os Nuer não cessaram suas operações e, em
1914, outro chefe Nuer, Dowl Diu, atacou um posto governamental. Não obs-
tante as medidas punitivas indiscriminadas, a resistência dos Nuer continuou se
fortalecendo, até a grande revolta popular de 1927.
Comandados por seu chefe Yambio, os Azande estavam decididos a interditar
o acesso de seu território a qualquer tropa estrangeira. Eles estavam ameaçados de
invao tanto pelos belgas como pelo governo do Condomínio. Os belgas se mos-
travam particularmente ativos na fronteira meridional do território azande. Parece
que Yambio receava mais uma invao belga do que brinica e, portanto, imaginou
neutralizar os brinicos com sinais de amizade, o que lhe deixaria as mãos livres
para fazer frente ao perigo belga, mais iminente. Convidou então os ingleses a esta-
belecer um entreposto comercial no seu reino, esperando que eles não conseguissem
vir – mas, se viessem, iria combatê -los. No fundo, parece que ele procurava jogar os
britânicos contra os belgas, aparentemente convencido de que os interesses ingleses
no seu país levariam os belgas a pensar duas vezes antes de o atacar
39
.
Os britânicos, pom, aceitaram o convite e, em janeiro de 1903, uma patrulha
saiu de Wau para o país de Yambio. Ainda em marcha, foi atacada pelos Azande e
38 CUDSI, 1969, p. 112 -6.
39 Ibid., p. 220.
93
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
se refugiou em Rumbek. Em janeiro de 1904, o governo de Khartum enviou outra
patrulha, que foi igualmente atacada pelos Azande e teve de se retirar para Tonj.
Então os belgas se prepararam para atacar e Yambio mobilizou uma força
de 10 mil homens, que lançou, em audacioso ataque, contra o posto belga
de Mayawa. Apesar da coragem, os Azande, armados apenas de lanças, nada
podiam contra as carabinas dos belgas. A derrota minou o moral e o poderio
militar dos Azande. Não obstante o enfraquecimento de suas forças, Yambio
teve de fazer frente a uma expedição governamental em janeiro de 1905. Foi
finalmente vencido e preso, mas morreu pouco depois, em 10 de fevereiro de
1905. Seu povo, no entanto, continuou a luta. Em 1908, alguns guerreiros de
Yambio tentaram organizar um levante e outros molestaram os ingleses durante
a Primeira Guerra Mundial
40
.
Somália
Reação dos somalis à partilha, 1884 ‑1897
Na segunda metade do século XIX, a Somália foi teatro das rivalidades
coloniais entre a Itália, o Reino Unido e a França. Com os olhos voltados para
a Índia e outras regiões da Ásia, o Reino Unido e a França trataram, no início
da década de 1880, de se implantar na costa da Somália, tendo em vista sua
importância estratégica e comercial. Com a entrada em cena da Itália, as três
potências estenderam finalmente sua influência pelo interior e cada uma delas
estabeleceu um protetorado no país somali. Em 1885, os franceses o tinham
instaurado, mas o governo britânico só fez a mesma coisa dois anos mais tarde,
na costa dos somalis, a leste de Djibouti, incluindo aí o Bender Ziadeh. Graças
à intermediação da East Africa Company e do governo inglês, a Itália também
conseguiu adquirir o controle das cidades de Brava, Merca, Mogadíscio e War-
sheik, em novembro de 1888. O governo italiano declarou protetorado as partes
do litoral que ligavam as cidades; Obbia e o Midjurtayn somali, ao norte, foram
posteriormente incluídos nessa zona (ver fig. 4.2).
Também a Etiópia se expandiu nos territórios somalis nas zonas habita-
das e procurava controlar Ogaden e Houd. Uma das várias interpretações da
história desta região sugere que, enquanto a invasão europeia era motivada por
considerações imperialistas e capitalistas, a expansão da Etiópia era essencial-
40 Ibid., p. 238 -54.
94
África sob dominação colonial, 1880-1935
mente “uma reação defensiva, devida ao estabelecimento de colônias europeias
nas vizinhaas do país”. Segundo a mesma interpretação, como a Itália, o
Reino Unido e a França avançavam para o interior a partir de suas respectivas
posições no litoral, o imperador etíope, Menelik, tentava mantê -los o mais
longe possível do centro do seu império, no planalto, ampliando as suas próprias
fronteiras
41
. Cumpre todavia notar que a expansão para Shoan sob o reino de
Menelik começara antes da chegada dos europeus à área, primeiro contra os
Oromo, depois contra os somalis.
A partilha do país somali, praticamente terminada em 1897, desprezou os
interesses legítimos das populações e as privou da liberdade e da independência.
Tinha, pois, de despertar extrema desconfiança nos somalis, estimulando -os a
resistir à aventura estrangeira. Os chefes e os sultões somalis estavam particu-
larmente inquietos com tantas usurpações, que tinham efeito desastroso sobre
seu poder político. Eles jamais cederam de boa graça a sua soberania e, de fato,
encabeçaram numerosos levantes contra as forças europeias e etíopes durante
o período da partilha.
Conscientes das rivalidades existentes entre as potências europeias, os che-
fes somalis tentaram jogar umas contra as outras. Assinaram tratados com
esta e aquela potência colonial, na esperaa de que a prática diplomática
lhes resguardasse a independência. Por exemplo, assinaram numerosos trata-
dos com os ingleses, nos quais lhes concediam pouca coisa. O preâmbulo de
cada tratado explicava que, do ponto de vista somali, tratava -se de “proteger
a independência, manter a ordem e outras boas e suficientes razões”. Os clãs
não se comprometiam a ceder os seus territórios, mas prometiam explicita-
mente “jamais ceder, vender, hipotecar ou dar a não ser por ocupão, salvo ao
governo britânico, todo ou parte do território atualmente ocupado por eles ou
que se ache sob o seu controle
42
. Mas os tratados não preencheram o objetivo,
pois as potências europeias e a Etiópia acabaram por acertar pacificamente o
seu ligio na região.
Além desse esforço diplomático, certos clãs somalis pegaram em armas para
salvaguardar a soberania. Os ingleses tiveram de enviar quatro expedições: em
1886 e 1890, contra os Issa; em 1893, contra os Habar Guerhajis; e em 1895,
contra os Habar Awal
43
. Os italianos também sofreram pesadas perdas: em 1887,
um destacamento de soldados italianos foi massacrado em Harar e, em 1896, uma
41 TOUVAL, 1963, p. 74.
42 LEWIS, I. M., 1965, p. 46 -7.
43 HAMILTON, 1911, p. 47.
95
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
coluna de 14 homens foi aniquilada pelos Bimal. Os frequentes choques entre
os etíopes e os clãs somalis não permitiram que aqueles ocupassem totalmente
Ogaden nem estendessem a sua autoridade além dos postos militares estabele-
cidos de longe em longe na região
44
.
Cumpre todavia lembrar que os somalis, não obstante a sua unidade cultural,
não constituíam uma entidade política única. A agressão estrangeira, portanto,
não encontrou pela frente uma nação unida, mas um mosaico de clãs isolados e,
muitas vezes, inimigos
45
. Por outro lado, os somalis estavam armados apenas de
lanças, arcos e flechas e, na época, não tinham condições de importar armas de
fogo e munições. No entanto, a resistência deles durante o período da partilha
manteve vivo o espírito nacionalista e, posteriormente, estimulou a djihad de
Sayyid Muhammad Abdille Hasan contra a ocupação europeia e etíope, que
vamos examinar agora.
A luta dos somalis pela liberdade, 1897 ‑1914
Sayyid Muhammad nasceu em 1864. Aos sete anos conhecia a fundo o
Alcorão. Aos 19, deixou a casa paterna para ir estudar nos principais centros de
cultura islâmica da África oriental, Harar e Mogadíscio. Também se acredita
que ele se aventurou até as praças -fortes mahdistas de Kordofan, no Sudão
46
.
Em 1895, Sayyid partiu em peregrinação a Meca e passou um ano na Arábia,
visitando igualmente o Hedjaz e a Palestina. Em Meca estudou com o xeque
Muhammad Salih e entrou para a sua seita, a Ordem de Salihiyya. É provável
que essas diferentes estadas no mundo muçulmano o tenham posto em con-
tato com as ideias preconizadas pelo renascimento islâmico
47
. No seu regresso,
instalou -se por algum tempo em Berbera, onde lecionou e pregou, estimulando
seus compatriotas a seguir o caminho da estrita muçulmana.
Sayyid Muhammad estava cônscio de que as incursões cristãs (europeia e
etíope) tinham ameaçado os fundamentos sociais e econômicos da sociedade
somali. em julho de 1899 ele escrevia a um clã somali para lhe lançar esta
advertência: “Não vêem que os infiéis destruíram a nossa religião e tratam nos-
sos filhos como se lhes pertencessem?”. Estava fazendo referência ao estabe-
lecimento de escolas cristãs na Somália, que lhe pareciam ameaçar as escolas
44 TOUVAL, 1963, p. 74.
45 LEWIS, I. M., 1965, p. 43.
46 SHEIKH -ABDI, 1978, p. 61 -2.
47 ABD AL -HALIM, 1975, p. 339.
96
África sob dominação colonial, 1880-1935
corânicas. Sayyid achava que a eficácia do proselitismo cristão podia ser medida
pelo fato de a população estar adotando nomes cristãos, como “João Abdallah”.
Tudo isto lhe fazia crer que a colonização cristã procurava destruir a religião
islâmica.
O movimento mahdista sudanês teve fortes repercussões no país somali.
Sayyid, bem como outros chefes religiosos, inspirava -se na brilhante carreira
do Mahdi. Os somalis sabiam do que se passava no Sudão e simpatizavam
com seus correligionários, o que facilitou a empresa de Sayyid Muhammad
48
.
Em um de seus discursos, Sayyid acusou as autoridades militares britânicas de
exportar animais para a guerra contra o Mahdi – o santo homem do Sudão –, a
quem Deus tinha dado a vitória
49
. Resta ver, porém, em que medida ele situava
sua djihad no quadro geral do renascimento islâmico e até que ponto ele era
inspirado e influenciado pela revolução mahdista do Sudão. se disse que ele
se encontrou com o emir mahdista do Sudão oriental, Digna, quando visitou
aquele país. O fato não está contudo provado, embora certas tradições orais dos
somalis digam que a tática de guerrilha deles no curso da djihad era copiada da
tática dos mahdistas do Sudão oriental
50
.
Um dos fatores mais sérios a impedir a unificação dos somalis nômades era
o sistema de linhagem tradicional com suas vassalagens “tribais”. Graças ao
seu carisma pessoal e às suas qualidades de chefe, Sayyid chegou a assumir o
comando de uma tropa heterogênea, recrutada em vários clãs somalis, e a criar
um exército regular de cerca de 12 mil homens
51
. Para mobilizar os diferentes
grupos contra a administração colonial, apelou para os sentimentos religiosos
deles, fosse qual fosse o clã. Compôs, além disso, grande número de poemas,
dos quais muitos ainda conhecidos na Somália, e assim “uniu uma multidão de
clãs inimigos sob a dupla bandeira do Islã e da pátria
52
.
Sayyid lançou a djihad em Berbera, onde tentou, de 1895 a 1897, sublevar
a população contra os imperialistas. Mas seu primeiro ato revolucionário foi a
ocupação de Burao, no centro da Somália britânica, em agosto de 1899. Os bri-
tânicos, inquietos com isso, enviaram quatro expedições entre 1900 e 1904 para
repelir os ataques de Sayyid. Muito embora os ingleses fossem apoiados pelos
italianos, a excepcional capacidade militar do líder e o êxito com que empregou
48 LEWIS, I. M., 1965, p. 69.
49 SILBERMAN, s.d., p. 47.
50 ABD AL -HALIM, 1975, p. 369 -70.
51 JARDINE, 1923, p. 69.
52 SHEIKH -ABDI, 1978, p. 62.
97
Iniciativas e resistência africanas no nordeste da África
a cavalaria e a tática de guerrilhas valeram a seus guerreiros um certo número
de vitórias. Uma delas foi conquistada na colina de Gumburu, em abril de 1903,
onde nove oficiais britânicos foram mortos.
No final de 1904, no entanto, as forças de Sayyid se encontravam muito
debilitadas. Retirou -se então para o protetorado italiano de Midjurtayn, onde a
5 de março de 1905 assinou o tratado de Illing, no qual impôs suas condições
aos italianos. Em 1908, Sayyid mobilizou suas tropas para um novo ataque,
que obrigou os ingleses a desocupar o interior do país em novembro de 1909,
concentrando -se no litoral. Mas Sayyid ameaçava igualmente atacar as cidades
litorâneas. Em agosto de 1913 obteve importante vitória, ao aniquilar a força
policial montada em camelos que havia sido recentemente criada. O desastre
obrigou os ingleses a se aliarem com o governador etíope de Harar e a montar
com ele expedições contra Sayyid até a morte dele em Imi, na Etiópia, em
novembro de 1920.
Sob o comando de Sayyid Muhammad, o povo somali havia conseguido fus-
tigar os imperialistas europeus e os etíopes durante vinte anos, obtendo vitórias
militares, políticas e mesmo diplomáticas. Evidentemente, a djihad somali não
logrou expulsar os estrangeiros, mas estimulou um forte sentimento nacionalista.
Os somalis sentiram -se unidos na luta contra a invasão europeia. Por outro
lado, o combate de Sayyid Muhammad deixou na consciência nacional somali
um ideal de patriotismo que jamais se apagou e que viria a inspirar as gerações
seguintes
53
.
Conclusão
Talvez nenhuma região da África tenha resistido tão valentemente à con-
quista e ocupação europeias nos anos de 1880 a 1914 como os países do nordeste
do continente. A prova disso está nos milhares de egípcios, sudaneses e somalis
que perderam a vida em batalhas e escaramuças com as tropas coloniais. A força
dessa resistência se devia ao fato de o sentimento patriótico que a inspirava se
fortalecer com um sentimento religioso ainda mais profundo. As populações do
Egito, do Sudão e da Somália não lutavam apenas por seus territórios, mas tam-
bém por sua fé. Os muçulmanos desses países, tal como os do resto do mundo
islâmico, estavam conscientes dos problemas sociais e religiosos acarretados pela
invasão estrangeira. Por outro lado, era inadmissível à doutrina islâmica que
53 LEWIS, I. M., 1965, p. 91.
98
África sob dominação colonial, 1880-1935
uma população muçulmana aceitasse a submissão política a uma potência cristã.
Os movimentos revolucionários de Urabi, do Mahdi e de Sayyid Muhammad
devem, pois, ser interpretados no contexto dos numerosos movimentos refor-
mistas que se disseminaram pelo mundo muçulmano nos séculos XVIII e XIX
e que tão profundamente o marcaram.
C A P Í T U L O 5
99
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
O tema deste capítulo é altamente complexo, não tanto por causa dos fatos,
que no conjunto são bem conhecidos, mas pelo que se refere à sua interpretação.
Cabe -nos estudar as iniciativas tomadas pelos habitantes do Maghreb e do Saara
para se contraporem à investida colonial, bem como as reações deles à conquista
em andamento. Para dar uma primeira ideia da complexidade da situação que
nos ocupa, vejamos o panorama em 1907 (ver figura 5.1).
A oeste, o Marrocos estava passando por uma revolução que destronou o
sultão Abd al -Aziz (1894 -1908), em vista de ele ter ratificado a conquista da
província de Tuat pelos franceses e aceito as reformas impostas pelas potências
europeias após a Conferência de Algeciras, de abril de 1906. Os protagonistas
dessa revolução são membros do Makhzen
1
, ligados aos zawaya (singular zãwiyai,
centros locais das confrarias religiosas Sufi (tariqa), e às chefias locais.
A leste, a Tunísia via nascer um movimento nacionalista no verdadeiro sentido
da palavra. As associações de primeiros diplomados do ensino moderno estavam
sendo criadas, ao mesmo tempo que surge uma imprensa reivindicativa, escrita na
língua do colonizador. Uma nova elite se distingue pelas iniciativas inéditas.
Ao sul, as zonas ocidentais do Saara servem de teatro a uma operação fran-
cesa de envergadura, cujo objetivo era cercar antes de estrangular o Marrocos
1 Governo do Marrocos e, em sentido lato, elite político -religiosa do país.
Iniciativas e resistência africanas no
norte da África e no Saara
Abdallah Laroui
100
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . As grandes regiões do Maghreb e do Saara.
101
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
independente. O exemplo não tardará a ser seguido pela Espanha no próprio
Marrocos, bem como pela Itália na Tripolitânia, mas, desta vez, à custa do sultão
de Constantinopla.
Assim, durante o período que nos interessa e na região que nos ocupa,
que distinguir três níveis:
• o nível do Estado constituído
2
, marroquino a oeste e otomano a leste da
África do norte. É lá que temos de procurar a iniciativa na verdadeira acep-
ção da palavra;
• o nível das confrarias Sufi, cuja inspiração é sem dúvida religiosa, mas cuja
função é inegavelmente política. Elas sempre foram, no Maghreb e no Saara,
uma organização defensiva contra a ameaça externa. Quando o Estado é
forte, as confrarias são uma parte do seu mecanismo; quando enfraquece
ou se dissolve, elas se autonomizam e tomam a iniciativa. Assim, logo que
Constantinopla renuncia à sua suserania, a confraria dos sanusi torna -se a
alma da resistência contra os italianos na Cirenaica, e logo que o Estado
marroquino torna -se incapaz de agir, a confraria dos Kettanis junta as forças
antifrancesas em Shinkit e na Shawiya;
• o nível da djema’a
3
, que aparece à luz do dia quando os níveis preceden-
tes foram postos fora de ão pela força das armas. A djema’a começa por
recusar todo contato com as autoridades coloniais, apesar de suas aliciantes
ofertas. Quando ela cede, enfim, fica com uma iniciativa muito limitada:
não pode senão reagir à política colonial, que em certo sentido a instituía
como força autônoma.
A historiografia colonial deforma conscientemente os fatos, ao negligenciar o
nível do Estado organizado, ao reduzir a confraria a uma espécie de supertribo
e ao ver na sociedade maghrebiana apenas o nível tribal, que aliás interpreta
segundo modelos antropológicos de preeminência mais teórica do que real.
Com este viés, a resistência dissolve -se em uma série descontínua de reações
desordenadas diante de uma política de conquista que, por contraste, parece
eminentemente racional.
Quando nos colocarmos ao nível do Estado ou da confraria, falaremos de
“iniciativas”; quando ficarmos ao nível local, falaremos de “reações”. Embora as
duas nões coexistam na hisria maghrebiana, cada uma delas pode não obstante
2 Não se deve interpretar a estrutura deste Estado a partir da do Estado liberal europeu, pois seria cair na
armadilha da ideologia colonialista.
3 Assembleia representativa de um dos vários níveis da divisão tribal.
102
África sob dominação colonial, 1880-1935
servir para caracterizar uma época determinada antes e depois de 1912, no
Marrocos, e depois de 1922, na Líbia.
A documentação que nos permite conhecer as iniciativas maghrebianas para
contrariar as ambições coloniais é de natureza política e diplomática. É uma
documentação bem conhecida e o problema dos historiadores atuais reside em
reuni -la e conser-la.
Qual é a que trata das reações ao nível local? Essencialmente, são teste-
munhos escritos e narrativas orais. É necessário registrar, bem entendido, as
narrativas e reunir os testemunhos escritos, antes que se percam, mas o grave
problema que sobrevém é o da sua avaliação, isto é, o de saber o que legitima-
mente podemos esperar deles.
Duas observações se impõem nesta altura.
Quanto aos testemunhos escritos por gente urbana letrada, que ter em
mente que a conquista militar foi precedida por uma longa preparação psico-
lógica e política. A elite urbana, entrementes, havia perdido todo o ardor opo-
sicionista. Os seus membros que deixaram memórias não eram resistentes na
época, diga -se o que se disser deles hoje em dia.
Quanto às narrativas orais, não se deve esquecer que os testemunhos sofre-
ram necessariamente dois tipos de influências. Acima de tudo, europeias. Efe-
tivamente, a narrativa dos combates, feita do ponto de vista colonial, recebia
publicação quase instantânea na imprensa especializada
4
; por outro lado, a polí-
tica colonial consistia em mandar os filhos dos chefes submetidos para as escolas
francesas, na esperança de fazer deles aliados fiéis. Pouco mais de dez anos após
o fato, por exemplo, o filho era capaz de dar, a respeito dos combates do pai,
detalhes que este desconhecia e que ele passava a integrar de boa -fé à sua nar-
rativa. Ora, a versão colonial, embora contemporânea dos fatos, não é inocente:
traz a marca da hostilidade que opunha, no exército das potências europeias,
regimentos metropolitanos e colonizadores. Os oficiais destes regimentos não
hesitavam em comparar suas campanhas na África às batalhas que aqueles
haviam travado na Europa
5
.
Depois, influências nacionalistas. As operações de conquista eram conco-
mitantes com a ação reformista ou nacionalista das cidades. Mesmo que elas
4 A crônica da pacicação era feita mensalmente, desde 1898, na revista Afrique française, boletim do
Comitê da África Francesa.
5 O general Guillaume escreveu, a propósito da conquista do Atlas Central: “Sua originalidade, no entanto,
não chegava ao ponto de escapar aos grandes princípios da arte da guerra”; GUILLAUME, 1946, p.
457.
103
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
se desenrolassem longe das zonas urbanas, os habitantes citadinos seguiam avi-
damente as peripécias, para usá -las imediatamente com objetivos ideológicos.
Muitas vezes, é o militante citadino que incita o velho guerreiro das montanhas
a contar suas memórias.
Pelas duas razões indicadas, os testemunhos que atualmente possuímos não
podem revolucionar a narrativa colonial ou a versão nacionalista. Em compensa-
ção, podem esclarecê -las de maneira diferente, desde que ultrapassem o quadro
estritamente local.
Os Estados do Maghreb e os europeus
O surto colonialista do século XIX no Maghreb apresenta a particularidade
de ser uma continuação das cruzadas anteriores (ver figura 5.2).
Havia quatro séculos que o governo marroquino se opunha aos espanhóis
instalados em Ceuta e Melilla. Sempre proibiu à população o menor contato
com eles. Foi para romper esse bloqueio que a Espanha desencadeou a guerra
de 1859 -1860, tão desastrosa para o Marrocos. Com efeito, este foi obrigado a
pagar forte indenização, a concordar com a ampliação do entorno de Melilla,
a ceder na costa atlântica um porto que serviria de abrigo aos pescadores das
Canárias
6
. Com a aquisição da baía de Rio de Ouro, cuja ocupação foi notificada
em 26 de dezembro de 1884 às potências signatárias do Ato de Berlim sobre a
partilha da África em zonas de influência, a Espanha possui no final do século
três pontos de apoio no litoral do norte da África.
Em 1880 e 1881, quando se reúne em duas sessões a conferência de Madri
sobre a proteção individual ao Marrocos, o Makhzen fez uma última tentativa para
impor no plano internacional a sua independência e soberania sobre um terririo
claramente delimitado. Apesar do apoio da Inglaterra, a tentativa malogrou, em face
da coalizão interessada da França, da Espanha e da Ilia. A França, que por um
momento acreditou ter perdido tudo no Marrocos, colocou imediatamente após o
final daquela conferência o problema de Tuat. Com efeito, falava -se em Paris, por
essa época, do projeto de uma estrada de ferro trans saariana, que abriria ao comércio
francês o centro da África. Mas o projeto encontrou um grave obstáculo: os sis do
Saara central dependiam politicamente do Marrocos. A França tentou conquistar
6 O acordo foi feito após anos de discussão sobre o porto de Sidi Ifni, que entretanto somente será ocupado
em 1934.
104
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . As campanhas europeias no Maghreb.
105
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
a simpatia do sulo. Este, fortalecido com o apoio inglês, rejeitou o pedido dos
franceses, enquanto reforçava a sua presença administrativa e política no Tuat.
A leste do Maghreb, os tunisianos vinham combatendo séculos os ita-
lianos como os marroquinos combatiam os espanhóis. A Itália unificada tinha
evidentes intenções sobre a regência de Túnis: mandava para lá imigrantes,
investia capitais e difundia a sua cultura. Mas o verdadeiro perigo que rondava
a Tunísia vinha da França, instalada na Argélia havia já meio século.
O sultão de Constantinopla tinha aproveitado as suas desventuras na Argélia
para colocar a Tripolitânia e a Cirenaica sob a sua administração direta e para
reconquistar a influência política na Tunísia
7
. Não a menor dúvida de que
havia um importante sentimento pró -otomano entre a elite da regência de Túnis.
O bei, que via nisso um perigo para suas prerrogativas, julgou do seu interesse
apoiar -se alternadamente na Itália e na França. Essa linha de conduta, mais
ou menos voluntária, foi -lhe fatal. Logo que o governo francês encontrou uma
situação diplomática favorável para atacar o país, o bei se viu isolado tanto no
plano interno como no externo e foi coagido a subscrever, a 12 de maio de 1881,
um tratado que o punha sob o protetorado da França. Entretanto, as popula-
ções do Sahel e da capital religiosa, Kairuan, revoltaram -se imediatamente, na
esperança de pronta intervenção otomana. Foi então organizada uma segunda
expedição francesa, que encontraria forte oposição nas regiões montanhosas do
noroeste, do centro e do sul. Sfax e Gabes foram bombardeadas por unidades da
Marinha; Kairuan sustentou demorado cerco no outono de 1881; os territórios
do sul, próximos da Tripolitânia, conservaram -se por muito tempo como zona
de insegurança.
A Itália mantinha suas pretensões sobre o país, mas os tunisianos não esta-
vam em condições de jogar essa cartada. Em compensação, permaneceram fiéis
à soberania islâmica, pois os laços com Constantinopla nunca foram totalmente
rompidos, o que constituiria um dos fundamentos do precoce nacionalismo
tunisiano.
Não cabe falar aqui da intensa atividade diplomática que permitiu aos dife-
rentes Estados europeus determinar suas respectivas esferas de influência. Esse
período preparatório chegou ao fim com o acordo geral de abril de 1904 entre
a França e a Inglaterra. Até essa data, cada potência interessada no Maghreb
contentava -se com a apresentação de suas reivindicações e, quando a ocasião se
oferecia, tomava cauções territoriais.
7 Ver KURAN, 1970.
106
África sob dominação colonial, 1880-1935
Foi assim que o Marrocos sofreu, no final do reinado de Hasan I, a derrota
na guerra de 1893, que permitiu à Espanha consolidar suas conquistas de 1860
nas vizinhanças de Melilla. Sete anos depois, no final da regência do vizir Ba
Ahmad, a França julgou ser o momento favorável para acertar definitivamente
em seu benefício o problema de Tuat. A pretexto de uma exploração científica,
forte expedição aproximou -se pouco a pouco dos cobiçados oásis e, em dezem-
bro de 1899, ela aparece diante de In Salah, exigindo a rendição imediata. O
alcaide do lugar, nomeado pelo sultão do Marrocos, cercado de soldados do
Makhzen e ajudado pelos xerifes locais, opôs tenaz resistência. Após sangrentas
batalhas, como a de In Ghar, a 27 de dezembro de 1899, em que o desfecho não
deixava margem a dúvidas dada a desproporção das forças em conflito, toda a
região dos oásis foi conquistada, travando -se o último combate em Talmine, no
mês de março de 1901. A Inglaterra e a Alemanha, alertadas pelo jovem sultão
Abd al -Aziz, aconselharam -no a aceitar o fato como consumado, o que ele fez
assinando, coagido, o protocolo de 20 de abril de 1902. o obstante, ele pro-
curou, em troca dessa grande concessão, determinar a linha de demarcação a sul
e a leste, entre o Marrocos, de um lado, e as possessões francesas, do outro; mas
sem resultado, pois à França convinha a imprecisão, que lhe abria a perspectiva
de outras conquistas.
A perda de Tuat foi uma das principais razões da desagregação da autoridade
do sultão, que foi aumentando até 1911. Os membros do Makhzen sabiam que a
França visava cercar o Marrocos para isolá -lo e submetê -lo; também sabiam que
a Inglaterra não se opunha mais aos desígnios da França. As reformas internas
que o Makhzen havia introduzido, para reforçar o exército e a administração,
não tinham surtido os resultados desejados. não contava senão com a ajuda
diplomática da Alemanha, que efetivamente sustentou a independência marro-
quina até novembro de 1911, data em que assinou com a França um acordo pelo
qual deixava os franceses de mãos livres no Marrocos, em troca de compensações
na África equatorial.
De 1905 em diante, a França decidiu precipitar as coisas e ocupar o que se
chamava o bilad al -siba
8
. Tratava -se de regiões desérticas, pobres e subpovoadas,
que o sultão, por esse motivo, fazia administrar pelos chefes locais, sem abandonar,
contudo, o direito de soberania. Ele era regularmente informado das tramoias
colonialistas e, quando a ameaça francesa se concretizou, enviou um represen-
8 A ideologia colonialista apresentava os bilad al -siba como territórios autônomos, onde a soberania do
sultão era puramente nominal, não passando de uma inuência religiosa.
107
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
tante oficialmente encarregado de dirigir a resistência. Foi o que se passou na
região de Kenadza e em Shinkit.
Tendo -se recusado sempre a delimitar a fronteira com o Marrocos além de
Figuig, a França perseguia uma política de abocanhar lentamente os territórios.
Remontando o vale do Saura, suas forças ocuparam pouco a pouco o território
entre os cursos de água Gir e Zusfana, a pretexto de pôr fim à desordem e à
insegurança e de permitir a expansão do comércio fronteiriço. O governo francês
propôs aliás ao Makhzen dividir com ele a renda da alfândega e obteve satisfação
disso em março de 1910.
Mais ao sul, a França tinha imposto o seu protetorado aos emires de Trarza
e Brakna. Depois, em 1905, um especialista em assuntos muçulmanos, Xavier
Coppolani, veio de Argel para inaugurar a sua política de “penetração pacífica”,
que consistia em entrar em contato direto com os chefes de “tribo e de confraria
religiosa a fim de conquistá -los para a influência francesa. Encontrou pela frente
um adversário à altura, o xeque Ma al -Aynayn, que por mais de trinta anos figu-
rou como representante do sultão do Marrocos. Alertado, Mulay Abd al -Aziz
enviou para seu tio Mulay Idris, que deu nova vida às forças de resistência.
Entretanto, o acampamento de Coppolani, instalado em Tidjikdja, é atacado
em abril de 1905, morrendo ali o apóstolo da penetração pacífica. A França,
aproveitando a crise interna que sacode o Marrocos, exige a retirada de Mulay
Idris e a obtém em janeiro de 1907, mas nem por isso cessa a resistência. Uma
forte expedição comandada pelo coronel Gouraud dirige -se para o norte, mas
sofre grave revés em al -Muynam, a 16 de junho de 1908; no entanto, consegue
apoderar -se de Atar a 9 de janeiro de 1909. O xeque Ma al -Aynayn retira -se
com seus adeptos para al -Hamra, de onde as suas forças continuaram a perseguir
franceses e espanhóis até 1933.
Na mesma época, a Espanha avança à sombra da França. Quando os fran-
ceses ocuparam Shinkit, os espanhóis partiram da sua colônia de Rio de Ouro,
organizando em 1906 as tropas de intervenção saarianas que penetraram trinta
quilômetros terra adentro. Ao norte, os espanhóis esperam que os franceses
entrem em Wadjda, em 1907, para montar uma expedição de 45 mil homens,
a qual parte em setembro de 1909 à conquista do Rif. Mas a população local,
reanimada pelo chamado do xeque Ameriyan à djihad, oferece tenaz resistência,
que só se extinguiu em 1926.
Na outra extremidade do norte da África, a Tripolitânia otomana sofreu um
ataque da Itália em 1911 (ver figura 5.3). A revolução dos Jovens Turcos tinha
enfraquecido muito o Estado otomano; a Itália, entrementes, recebera sinal livre
da Inglaterra e da França e, em 28 de setembro de 1911, apresenta um ultimato
108
África sob dominação colonial, 1880-1935
a Constantinopla, levantando a questão da incúria otomana e da anarquia que
reina no país; depois, sem prestar atenção à resposta conciliadora do governo
turco, desembarca tropas no mês de outubro em Trípoli, Benghazi, Homs e
Tobruk. As cidades são facilmente tomadas. Mas, logo que os italianos saem
delas, enfrentam encarniçada resistência. Várias batalhas foram travadas nas
imediações das cidades, sobretudo no dia 23 de outubro de 1911, em al -Hani,
perto de Trípoli. Os italianos sofreram lá uma derrota humilhante, que os levou
a cometer atrocidades contra a populão de Trípoli
9
. Diante de Benghazi,
viram -se em dificuldades em Djuliana, al -Kuwayfiya e al -Hawwari, no dia 28
de novembro de 1911. Batidos, tiveram de recuar para a cidade. Em al -Khums,
para garantir o controle da posição estratégica de al -Markib, as forças italianas
e turco -árabes combateram cruentamente desde 23 de outubro de 1911 até 2
de maio de 1912, data em que os italianos conseguiram expulsar os defensores
10
.
Em Derna, a pequena guarnição turca retirou -se para as montanhas que
dominam a cidade, de onde passou a fustigar os italianos com a ajuda da popula-
ção autóctone. A resistência de Derna viria a ser reforçada com a chegada de um
grupo de oficiais turcos, comandado por Anwar Paxá (Enver) e Mustafa Kamal
(o futuro Kamal Ataturk). Com a ajuda de Ahmad al -Sharif, chefe espiritual
dos Sanusiyya (ver figura 5.4), Anwar e suas tropas conseguiram mobilizar os
árabes do interior e reunir um exército considerável.
Anwar lançou este exército por duas vezes contra os italianos, em al -Karkaf
e em Sidi Abdallah, nos dias 8 de outubro de 1912 e 3 de março de 1912
11
. Em
Tobruk, árabes e italianos se enfrentaram por duas vezes, a 3 de março de 1912,
em al -Nadura, e a 17 de julho do mesmo ano, em al -Mudawwar, onde o general
Salsa, comandante das tropas italianas, encontrou a morte
12
. É difícil enumerar
em resumo tão sucinto todas as batalhas disputadas na Líbia contra os italianos;
basta indicar que houve confrontos em todas as cidades e aglomerações, nas
periferias urbanas e em todos os vales. Essa brava resistência explica o fato de
os italianos pouco terem progredido fora das cinco cidades que tomaram nos
seis primeiros meses da guerra.
Desde o final de 1911, verificava -se entre numerosos italianos uma certa
decepção com o prolongamento da guerra na Líbia. Para obrigar a Turquia a
9 MALTESE, 1968, p. 210 -24.
10 AL -TILLISI, 1973, p. 463 -7. As passagens deste capítulo relativas à atual Jamahiriya Árabe -Líbia Popu-
lar e Socialista estão inspiradas nos trabalhos de I. El -Hareir e Jan Vansina (N. do coord. do vol.).
11 Ibid., p. 27.
12 Ibid., p. 344 -6.
109
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
 . A Tripolitânia otomana, Sirte e a Cirenaica. (Fonte: Wright, 1969, p. 180.)
110
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Sayyid Ahmad al -Sharif al -Sanusi, chefe espiritual dos Sanusiyya. (Fonte: Biblioteca Central da
Universidade de Kar Yunis, Benghazi Jamahiriya Árabe -Líbia Popular e Socialista.)
111
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
sair da Líbia, o governo italiano atacou os Estreitos, as ilhas do Dodecaneso e os
Dardanelos. A nova ofensiva italiana dentro do coração do Império Turco acar-
retava uma ameaça para a paz mundial e o despertar da “questão do Oriente”,
coisa que nenhuma potência desejava em razão das complicações previsíveis.
As principais potências europeias fizeram então pressão sobre a Turquia e a
Itália para que ambas chegassem a uma solução pacífica, incitando para não
dizer forçando a Turquia a assinar com a Itália o acordo de Lausanne, de 18
de outubro de 1912. Nos termos desse tratado, a Turquia declarava conceder
a independência ao povo líbio, o que lhe permitia salvar a face aos olhos do
mundo islâmico, e a Itália se comprometia por sua vez a desocupar as águas
territoriais turcas
13
.
As reações dos líbios à notícia do tratado, sobre o qual não tinham sido con-
sultados, foram brandas. Houve quem quisesse negociar com a Itália, enquanto
outros queriam combater até o fim. A população da Cirenaica, arrastada por seu
chefe espiritual Ahmad al -Sharif, pendia mais para a negociação.
Aproveitando a evacuação da Líbia pelos turcos, os italianos lançaram um
ataque contra as forças de Ahmad al -Sharif ao sul de Derna, mas sofreram uma
derrota estrondosa em Yawn al -Djuma no dia 16 de maio de 1913
14
. Esta data
é importante, pois foi o primeiro embate de envergadura entre os árabes e os
italianos após a remoção das tropas turcas. Apoiado no decreto do sultão turco
que deferia a independência aos líbios, Ahmad al -Sharif proclamou a forma-
ção de um governo denominado Al -Hukuma al -Sanusiyya”, ou seja, governo
Sanusi
15
.
Na Tripolitânia, os italianos lançaram uma ofensiva análoga contra as prin-
cipais forças das montanhas orientais e bateram os líbios em Djanduba a 23 de
março de 1913, abrindo desse modo o acesso a Fezzan. Um corpo expedicioná-
rio italiano, comandado pelo coronel Miani, conseguiu bater os líbios em três
ocasiões sucessivas e ocupar Sabha em fevereiro de 1936
16
.
Até as speras da Primeira Guerra Mundial, a resistência no norte da
África
17
é obra de um Estado organizado. Fazendo frente às forças invasoras,
levantam -se contingentes de soldados regulares, ainda que em número inferior
13 AL -ZAWI, 1973, p. 140 -56.
14 AL -TILLISI, 1973, p. 321 -2.
15 Documentos de Ahmad al -Sharif, da Universidade de Kar Yunis, Benghazi, Jamahiriya Árabe -Líbia
Popular e Socialista.
16 AL -TILLISI, 1973, p. 46 -7.
17 Sobre a resistência dos líbios durante a Primeira Guerra Mundial, ver o capítulo 12.
112
África sob dominação colonial, 1880-1935
ao dos combatentes das tribos. Quando o Estado se obrigado a curvar -se
ante o fato consumado”, em vista da desigualdade das forças, delega implici-
tamente a obrigação da resistência a um chefe de confraria, que jamais rompe
relações com o chefe político da comunidade muçulmana
18
. Nesta primeira fase,
portanto, trata -se de uma guerra política travada explicitamente em nome da
soberania islâmica.
Em 1914, a resistência organizada por uma autoridade política autóctone cen-
tralizada chegara ao fim, salvo na Líbia; mas a situação originada pela Primeira
Guerra Mundial impediu as potências coloniais de passar à fase de ocupação
efetiva. Franceses, espanhóis e italianos queriam apenas manter as conquistas.
Não obstante, sofreram graves reveses, o que levou o general Lyautey, residente
da França no Marrocos, a afirmar: “quem não avançar, recua”. Alemães e turcos
apelavam aos habitantes do Maghreb para que sacudissem o jugo colonial; líde-
res pan -islamistas, como o tunisiano Bach Hamba e o marroquino al-Attabi,
foram recebidos em Berlim e participaram de viagens de propaganda aos países
neutros; emissários foram enviados ao Rif e à região do Uadi Nun; pelo porto
de Misurata, armas foram encaminhadas aos resistentes tripolitanos. Não
dúvida alguma de que parte da população achava que os colonizadores podiam
ser lançados ao mar. A fragilidade da ocupação nos territórios conquistados logo
antes da guerra está demonstrada pelo extremo nervosismo dos procônsules da
época e pelo “liberalismo” que se viram obrigados a ostentar. Lyautey chegou a
se comportar como um simples ministro das Relações Exteriores do sultão do
Marrocos.
Este período de expectativa terminou em 1921. Na Tripolitânia, o novo
cônsul, Volpi, arrastado pela vaga nacionalista que levaria Mussolini à marcha
sobre Roma, pôs fim a uma política pretensamente liberal, denunciando todos os
acordos anteriores, concluídos durante e depois da Primeira Guerra Mundial. A
esta iniciativa seguiram -se várias incursões com vistas a uma reconquista”. Um
exército importante, comandado pelo general Graziani, marchou sobre Gharyan,
capital da Tripolitânia, que caiu a 7 de novembro de 1922. Outro exército ata-
cou Misurata, que foi tomada em 20 de fevereiro de 1923
19
. O Comitê Central
da República Unida, criado em janeiro de 1922
20
, dilacerado pelas dissensões
18 Note -se que a situação dos dois sultões, marroquino e otomano,é comparável até 1919, data em que o
sultão de Constantinopla renuncia à soberania sobre vários territórios árabes. Aliás, o califado otomano
foi abolido em 1925.
19 AL -TILLISI, 1973, p. 63 -76; ver igualmente GRAZIANI, p. 98 -104, 161 -71 e 339 -67.
20 Ver o capítulo 12.
113
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
internas e pela guerra civil entre Misurata e Warfallah, de um lado, e os árabes
e berberes das montanhas ocidentais, de outro, não chegou a mobilizar forças
suficientes para deter os italianos. Acabou por se dissolver e seus membros
fugiram do país para o Egito, o Sudão e a Tunísia.
Para agravar mais a situação, em 21 de dezembro de 1922 Amir Idris
al -Sanusi, chefe espiritual e comandante supremo da União, partiu para um
exílio voluntário no Egito. Esta brusca e inexplicável decisão, que ainda hoje
divide os historiadores, desmoralizou completamente a população e levou mui-
tos combatentes a abandonar o país ou a se entregar aos italianos. Antes da
partida, contudo, al -Sanusi havia designado seu irmão al -Rida para represen-lo
e confiado a Umar al -Mukhtar o comando das forças nacionais das Montanhas
Verdes. Foi sob a direção deste e graças à eficácia da sua guerrilha que a resis-
tência pôde prosseguir até 1931. Umar al -Mukhtar, tendo dividido suas forças
em três colunas móveis (adwar), instalou -se na região montanhosa ao sul de
al -Mardj, em Jardas. Todos os ataques lançados contra ele no verão de 1923
foram repelidos, e o exército enviado contra o seu acampamento, no mês de
março, acabou destroçado.
A Tripolitânia foi a primeira a cair. Desde junho de 1924, todas as terras
de cultura estavam ocupadas. Mas os italianos, cônscios de que a posição deles
continuaria precária enquanto não dominassem o deserto, lançaram -se a uma
longa campanha, decididos a obter o controle do deserto e, afinal, de Fezzan.
A campanha não teve sucesso, apesar do emprego de aviões bombardeiros e de
gases venenosos. Vários ataques italianos foram detidos. Em 1928, os líbios ainda
bloqueavam o grosso das forças italianas em Faqhrift, ao sul de Surt. Mas, entre
o fim de 1929 e começos de 1930, Fezzan foi finalmente ocupada e a resistência
líbia entrou em colapso a oeste e no sul.
Entrementes, a resistência continuava ativa na Cirenaica, infligindo sérios
reveses aos italianos. Quando os fascistas se mostraram incapazes de pôr termo
à ação revolucionária de Umar al -Mukhtar (ver figura 5.5) na Cirenaica, com
ofensivas militares diretas, recorreram a certas medidas sem precedentes na
história das guerras coloniais africanas. Começaram por construir uma cerca
de arame com 300 quilômetros de comprimento ao longo da fronteira entre
Trípoli e o Egito, para impedir qualquer ajuda proveniente do território egíp-
cio. Em seguida, recebendo cada vez mais reforços, ocuparam os oásis de Djalo,
Djaghabub e Kufra, a fim de cercar e isolar os combatentes da Cirenaica. Por
fim, evacuaram todas as populações rurais da Cirenaica e as deportaram para o
deserto de Sirt, onde foram encerradas em campos de concentração. Esta última
medida visava privar as forças de al -Mukhtar de toda ajuda da população local.
114
África sob dominação colonial, 1880-1935
Outras prisões de massa e outros campos de concentração foram instalados em
al -Makrun, Suluk, al -Aghayla e al -Barayka. As condições da reclusão eram tão
más que se calcula em mais de 100 mil o número de pessoas que morreram
de fome e doenças, sem falar dos rebanhos confiscados. Somente no campo
de al -Barayka teria havido, segundo estatísticas dos próprios italianos, 30 mil
mortos entre 1930 e 1932, para um total de 80 mil prisioneiros
21
.
Essas medidas repressivas não conseguiram abafar a revolta e os combatentes
adotaram a tática da flagelação. Mais uma vez os italianos propuseram negocia-
ções com al -Mukhtar. Decorreu então uma série de encontros, principalmente
nas imediações de al -Mardj, a 19 de julho de 1929, na presença do governador
Badoglio. Nessa ocasião, os italianos tentaram em vão subornar al -Mukhtar, que
reafirmou a intenção de libertar o seu país
22
. Mais tarde, quando al-Mukhtar
percebeu que os italianos estavam procurando suscitar a divisão entre os seus
seguidores para chegar aonde queriam, rompeu as negociações e retomou as
atividades de guerrilha, multiplicando obstáculos, ataques de surpresa, embos-
cadas e incursões em todo o território. Nos 21 meses que precederam a sua
captura, houve 277 entrechoques com os italianos, como o próprio Graziani
reconheceu
23
. Mas, em setembro de 1931, al -Mukhtar foi capturado e remetido
para Benghazi. Julgado por um tribunal militar, foi executado na presença de
milhares de líbios, em Suluq, a 16 de setembro de 1931.
Depois da prisão de al -Mukhtar, seus fiéis elegeram chefe o adjunto dele,
Yusuf Abu Rahil, que prosseguiu a luta por mais seis meses, decidindo então
depor as armas e refugiar -se no Egito. Morreu, porém, ao tentar a travessia da
fronteira. Em 24 de janeiro de 1932, Badoglio anuncia que a Líbia estava con-
quistada e ocupada, chegando, pois, a uma conclusão mais ou menos inevitável
a mais prolongada guerra de resistência ao imperialismo europeu. Relembremos
somente que, no mesmo momento, o norte do Marrocos era teatro de uma
guerra também feroz e de uma resistência igualmente heroica
24
.
Até 1931, vastas regiões do Atlas e do Saara, consideradas desinteressantes
do ponto de vista econômico, viviam livres de todo controle colonial. se
refugiava quem não queria se entregar ao exército francês ou espanhol. Nem
por isso os habitantes viviam totalmente isolados, pois mantinham contato com
as áreas subjugadas, cujos mercados e dispensários frequentavam. Era a época
21 AL -ASHHAB, 1947, p. 482.
22 EL -HAREIR, 1981.
23 GRAZIANI, 1980, p. 296.
24 A guerra do Rif é tratada no capítulo 24 deste volume.
115
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
 . Umar al -Mukhtar, um dos chefes da resistência Sanusi à colonização italiana, até a sua execução
em 1931. (Fonte: Biblioteca Central da Universidade de Kar Yunis, Benghazi, Jamahiriya Árabe -Líbia Popular
e Socialista.)
116
África sob dominação colonial, 1880-1935
da penetração pacífica, da política de contatos, época ambígua da qual devemos
abster -nos de extrair conclusões gerais.
Em 1931 ocorreu uma alteração na política colonial francesa. Preocupado
ao ver a Alemanha reconstituir as suas forças, o ministro francês da Guerra,
Messimy, impôs o ano de 1935 como data -limite para terminar as operações de
conquista e ocupação. O exército da África recebe todos os meios necessários
e tomam -se todas as medidas para coordenar as operações com os espanhóis,
coisa facilitada com a instauração da república em Madri. E, assim, todos os
anos, na primavera, montava -se uma expedição para subjugar um dos pontos
de dissidência .
Para melhor compreender o que se ia passar, cumpre ter presente que: a con-
quista se realiza em nome do sultão
25
, o exército de pacificação é na sua maioria
autóctone, o contrabando acabou muito tempo, a política de contatos permi-
tiu às autoridades coloniais conhecer as contradições das comunidades cercadas
desde muito, cada comunidade compreendia indígenas e refugiados, vindos às
vezes de muito longe; e, sobretudo, que indagar: em nome de quem se deve
lutar até a morte? Em nome de costumes que o colonizador estava manifesta-
mente disposto a manter e a consolidar?
Apesar disso, no entanto, a conquista não foi fácil em parte alguma
26
. O
Médio Atlas foi submetido em duas campanhas, em 1931 e 1932; de 12 de
julho a 16 de setembro deste último ano, desenrola -se a sangrenta batalha de
Tazikzaut. O exército francês logrou cercar 3 mil famílias que fugiam do invasor
desde 1922. A batalha durou de 22 de agosto a 11 de setembro. Nem os inten-
sos bombardeios nem o bloqueio conseguiram extinguir a resistência animada
por al -Wakki Amhouch e irmãos. Era preciso limpar os abrigos com granadas.
Depois da batalha, foram contadas 500 vítimas entre os marroquinos. Essa
batalha tornou evidentes os limites da política de contatos com as tribos. Em
1933, outra batalha sangrenta se travou em torno de Djabal Saghru: a de Bu
Ghafir, que durou de 13 de fevereiro a 25 de março (ver figura 5.6). Em 1934,
os últimos resistentes foram cercados no Anti -Atlas. Depois disso, os franceses
entraram finalmente em Tinduf, no mês de março. Uma semana mais tarde, a 6
de abril de 1934, os espanhóis tomaram enfim posse de Sidi Ifni.
Nos anos de 1930 e 1931, quando as potências colonialistas podiam razoavel-
mente pensar que a conquista chegava ao fim, os chefes italianos falavam de Pax
25 “Foram assim necessários 22 anos de esforços contínuos para penetrar no coração da montanha berbere,
submeter à obediência do soberano marroquino os últimos rebeldes”; GUILLAUME, 1946, p. 456.
26 “Nenhuma tribo veio até nós sem ter sido antes vencida”; ibid., p. 9.
117
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
 . Amghar Hassu u Basallam, dos Ilemchan (Ait Atta do Saara), chefe dos combatentes da resistência
de Bu Ghar (Saghru), na Argélia, em 1933. (Fonte: SPILLMAN, 1968.)
118
África sob dominação colonial, 1880-1935
Romana e os franceses celebravam com pompa o centenário da tomada de Argel
e o cinquentenário do protetorado sobre a Tunísia. As ideologias da colonização
viam no fato a vingança de Roma sobre o Islã, do Ocidente sobre o Oriente.
Mas, nessa data, o nacionalismo, implantado nas cidades, preparava -se para
alcançar as zonas rurais. Para os interessados, as últimas batalhas marcavam menos
o fim de uma época do que o sinal da rejeição de toda submissão voluntária
27
.
Etapas da resistência
Desta forma, é possível distinguir duas fases dentro da resistência maghrebiana
ao avanço colonial: a primeira de 1880 a cerca de 1912, a segunda de 1921 a 1935
o período intermediário correspondendo à situação amgua da Primeira Guerra
Mundial. Consideremos agora, além da crônica militar e dos testemunhos sub-
jetivos, algumas questões capazes de abrir caminho à reflexão e à pesquisa.
No decurso da primeira fase, as campanhas seguiam sempre um cenário
que a França desenvolveu na conquista da Argélia e que a Espanha e a Itália
retomaram. Antes da invasão do território cobiçado, a potência colonialista
procurava cuidadosamente obter a concordância dos concorrentes, quer por uma
convenção bilateral, quer à margem de uma conferência internacional
28
. Obtida
a concordância, a conquista obedecia às seguintes etapas:
1. Cria -se um incidente que justifique a intervenção: d o tema clássico das razias
e dos grupos de pilhagem (o caso dos Krumirs na fronteira tusio -argelina ficou
famoso). Assim o Tidikelt foi anexado, a pretexto de que servia de refúgio a
Bu Chucha, que combateu os franceses de 1869 a 1874; o Gurara porque
Kaddur b. Hamza encontrou ajuda e assistência durante a sua luta, de
1872 a 1879; e Shinkit porque os mouros atravessavam muitas vezes o rio
Senegal
29
.
2. As objeções das potências e do sultão, soberano do território cobiçado, eram
anuladas sublinhando a incúria administrativa e a insegurança reinantes no
território em questão.
27 É um ponto fundamental do Islã modernista. A submissão total a Deus, que é o signicado da palavra
islã em árabe, implica a não submissão a qualquer outro exceto a Deus.
28 A França recebeu carta branca na Tunísia nos corredores do Congresso de Berlim, em 1878, e no Marrocos
depois da Conferência de Algeciras, em 1906.
29 No sudoeste do Marrocos, os franceses se queixavam incesssantemente das depredações dos Ulad Dzarir
e Dawi Maniya. Foi o pretexto para a tomada de Bechar, a que foi dado o nome, para enganar a própria
opinião pública francesa, de Colomb.
119
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
3. Na primeira oportunidade, tomam -se como garantia certos territórios; por
exemplo, durante um período de tensão internacional ou de mudança de
reinado [...] Foi assim que a França ocupou de maneira imprevista In Salah,
em janeiro de 1900. A população pede ajuda, o sultão do Marrocos protesta,
a França se recusa a discutir, argumentando que a incapacidade de manter
a ordem e a segurança equivale à perda da soberania
30
. Quando a sobera-
nia é incontestável, como em Wudjida e Casablanca, ocupadas respectiva-
mente em março e agosto de 1907, os franceses subordinam a evacuação
de suas forças à restauração da ordem, que a sua própria presença tornava
impossível.
4. Através de uma série de pressões e de promessas, obtém -se uma delegação
de soberania (tafwid), a qual legaliza a ocupação. Tal é o sentido dos tratados
de protetorado.
5. A etapa seguinte era a verdadeira conquista, conhecida de maneira tipica-
mente eurocentrista como pacificação. O seu ritmo dependia somente da
ordem de prioridades estabelecida pelo Estado colonialista.
Conforme salientamos, a primeira fase se caracteriza por uma atividade
política e diplomática que a torna parte integrante da história internacional, pelo
que não coloca ao historiador problemas inéditos.
Não é esse o caso da segunda etapa, a da conquista total ou da pretensa
pacificação. A resistência das cidades e das planícies, por razões evidentes, era
sempre breve. As montanhas, julgadas de começo improdutivas
31
, são cercadas
por um cinturão de segurança destinado a ser apertado cada vez mais com o
passar dos anos; as zonas desérticas são vigiadas a partir de pontos de apoio na
costa atlântica
32
. É uma política imposta à autoridade colonialista pela força das
coisas, que exprime uma realidade ecológica e sociopolítica
33
. É importante
abarcar a realidade desta situação, que até agora foi ocultada pelas deformações
ideológicas da historiografia colonialista. No atual estado da pesquisa, tudo o que
podemos fazer é levantar algumas questões que nos parecem pertinentes:
30 A França, entretanto, insistia em que o sultão reconhecesse o fato como consumado.
31 Antes que aí se descobrissem os indícios de uma riqueza mineral, como no Rif. Foi essa a razão que levou
os espanhóis a apressar as operações de conquista.
32 Daí o papel delegado ao Rakibat pelos franceses e pelos espanhóis, porque a vida nômade deles os levava
de Adrar ao Anti -Atlas e a Hammada Dar‘a.
33 Os chefes coloniais estavam conscientes do fato e faziam questão de parecer que eram os continuadores
de quem os tinha antecedido. O general Guillaume, depois de ter descrito as operações de pacicação
no Médio Atlas Central, em anexo a narrativa das batalhas do grande soberano marroquino Mulay
Ismail (1672 -1727) na mesma região.
120
África sob dominação colonial, 1880-1935
1. Por que motivo era necessário obter um tratado formal do sultão do Marrocos
ou de Constantinopla para legalizar a conquista e transformá-la em simples
pacificação”?
2. Por que as populões foram tomadas de surpresa a cada ataque
colonialista?
3. Por que estava o exército magherebinizado a tal ponto que se pode dizer
que era europeu de comando e indígena de recrutamento?
4. Por que havia divisão no movimento de resistência, impossível de superar
mesmo nos momentos de maior perigo?
Essas questões, além de outras, ajudam a compreender a reação das popula-
ções durante a fase dita de pacificação.
Malogro das iniciativas e da resistência africanas
Em 1935, todo o Maghreb havia portanto caído sob o poder do imperialismo
francês, do espanhol e do italiano, apesar da firme vontade que a população
tinha de defender seu território e sua maneira de viver e apesar da encarniçada
resistência. Resta saber por que malogrou essa resistência.
Ao contrário do que seria de acreditar, as condições demográficas, ecológicas e
econômicas foram quase sempre desfavoráveis aos resistentes do norte da África.
Sabe -se hoje que no século XIX se superestimava a população do norte da
África. Os homens com idade de pegar em armas eram poucos e estavam
disponíveis por breves períodos, devido às exigências da agricultura e da criação
de gado o que deixava as iniciativas em mãos do adversário. O Tidikelt foi
conquistado por uma coluna de mil homens e a sua população não passava de
20 mil. No entrechoque de Tit, a 7 de maio de 1902, que consagrou a derrota
dos Tawarik do Ahaggar, estes eram 300 contra 130, mas era o máximo que
podiam reunir e a morte de 93 deles foi uma sangria da qual não se recuperaram
com facilidade. As regiões montanhosas, que se diziam superpovoadas, estavam
em pouco melhores condições: em todos os recontros decisivos, o número dos
assaltantes sobrepujava o de assaltados. Os rifenhos foram atacados por 300
mil soldados franceses sem contar os espanhóis –, quantidade equivalente
à população total do norte do Marrocos; os resistentes do Médio Atlas, cujo
número nunca foi além de 10 mil, mulheres e crianças incluídas, fizeram frente
a um exército de 80 mil homens; no Djabal Saghuru, 7 mil combatentes sofrem
o assalto de 34 mil homens apetrechados com o mais moderno armamento
34
.
34 GAUTIER, 1910, p. 12 e 129; GUILLAUME, 1946, p. 114 e 414; AYACHE, 1956, p. 332.
121
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
As tropas colonialistas, claro, não são todas combatentes, mas é inegável que a
vantagem, no simples plano quantitativo, está sempre do lado do exército colo-
nial, que quer infundir “nos indígenas terror e desencorajamento”
35
.
Fala -se muito da mobilidade dos combatentes autóctones e do seu conheci-
mento do terreno, mas isso eram vantagens táticas, que valiam cada vez menos
à medida que a guerra prosseguia. A façanha de Tidjikdja, em junho de 1905
– em que o apóstolo da penetração pacífica, Xavier Coppolani, foi morto –, que
retardou a conquista de Adrar até 1909; a batalha de Kasiba, que durou de 8
a 10 de junho de 1913, em que as tropas francesas tiveram 100 mortos e 140
feridos; aquela ainda mais sangrenta, de al -Hari, travada em 13 de novembro
de 1914, em que elas deixam no terreno 510 mortos e 176 feridos; a de Anual,
que decorreu de 22 a 26 de julho de 1921, em que os espanhóis contaram 15
mil mortos e 700 prisioneiros, perdendo 20 mil carabinas, 400 metralhadoras e
150 canhões – todos esses heroicos feitos de armas, que demonstram um admi-
rável conhecimento do terreno e em que a mobilidade e a rudeza do combate
jogaram papel decisivo, detiveram o avanço colonial durante alguns anos, mas
não conseguiram reconquistar os territórios perdidos. De fato, nem saarianos
nem montanheses têm possibilidade de abandonar por muito tempo o trabalho
de agricultura e de pecuária, permitindo ao invasor lançar contra eles uma ver-
dadeira guerra econômica. Durante a campanha de Adrar, em 1909, os soldados
franceses ocuparam o oásis na época da colheita das tâmaras e esperaram que
a fome obrigasse os homens a vir submeter -se, embora momentaneamente.
Nas áreas de transumância, fecharam o acesso às pastagens de inverno e con-
taram com o frio e a fome para obrigar os habitantes a um acordo. Quando
começam as operações, é imposto um bloqueio geral, como foi o caso contra
os Zayyan em 1917 -1918 e contra os rifenhos em 1925 -1926; em 1928 -1929,
como ficou demonstrado antes, os italianos deportaram para o norte a população
da Cirenaica, concentrando -a em campos cercados de arame farpado. Uma das
consequências da fome lancinante provocada por esta política, mais difícil de
suportar para o gado do que para os homens, foi o fato de o exército colonialista
ter encontrado voluntários imediatamente após o fim das operações.
O grande trunfo dos combatentes – a mobilidade – logo se torna coisa muito
relativa. A partir de 1901, o exército francês começou a usar camelos de corrida,
a tal ponto que se disse que a conquista do Saara foi obra dos cameleiros
Sha’amba
36
. Por outro lado, a estrada de ferro precede a conquista quase por toda
35 BERNARD e LACROIX, 1921, p. 332.
36 Os Sha’amba são nômades do Tell argelino.
122
África sob dominação colonial, 1880-1935
parte: atinge Ayn Sifra em 1887, Bechar em 1905, Ziz em 1930. Em 1915, come-
çam a circular os primeiros veículos automotores, e os caminhões Epinat
37
rasgam
as estradas do Atlas antecipando as campanhas de 1931 -1933. Finalmente, o avião
passou a ser empregado desde 1920 para fotografias aéreas, durante a preparação
das campanhas e as operações, para desmoralizar os habitantes
38
(ver figura 5.7).
Chegamos assim ao problema do armamento que, o sendo fabricado no
local, tinha de ser capturado ao inimigo. A França sempre fez do contrabando de
armas no Maghreb um problema internacional, acusando a Alemanha e a Turquia
de alimentar bem como a Espanha e a Inglaterra de tolerar – o tráfico de armas
nas costas do Rif e do Saara atlântico, no que se refere ao Marrocos, e, através dos
oásis da Líbia, na Tunísia e no Saara central. É certo que o tráfico sempre existiu,
mas também o resta a menor dúvida de que as próprias autoridades francesas
reconheciam não ter praticamente encontrado armas alemãs no Médio Atlas
nem no Anti -Atlas. Cada “tribo importante obrigada a submeter -se entregava
seus fuzis aos vizinhos ainda livres, de tal maneira que só no final das operações,
em março de 1934, os franceses recuperaram grande quantidade de fuzis 25
mil. Convém lembrar que estas armas se tornam inúteis com a falta de munições
e, sobretudo, que elas são de duvidosa eficácia contra aviões, artilharia pesada de
longo alcance e blindados, que os exércitos invasores possuem desde a Primeira
Guerra Mundialo que leva os generais franceses a comentar que as campanhas
de pacificação de 1931 -1934 são “manobras reais em que o inimigo está vivo
39
.
Outro elemento desfavorável é de ordem política e ideológica. Os habitantes
do Maghreb e do Saarao todos muçulmanos e o Isdita regras estritas para as
guerras populares. Ao contrário da ideia que corre no Ocidente, a djihad, tal como
é entendida nos últimos séculos, é defensiva, isto é, o serviço militar e as contribui-
ções daí decorrentes só são obrigatórios para todos se o país é vítima de agressão;
se se trata de uma guerra ofensiva, coisa que séculos não ocorre na África do
norte, as contribuições e o serviço são apenas voluntários. Nas condições do século
XIX, isso deixa a iniciativa militar ao invasor. A defesa do território fazia tradicio-
nalmente parte das cláusulas da bay’a (contrato de investidura do soberano). Em
caso de ataque, os muçulmanos devem tratar de se organizar imediatamente ou
esperar as instruções do sultão? A questão foi longamente debatida pelos doutores
37 Nome de uma autoridade francesa estabelecida em Marrakech e interessado nas minas.
38 De fato, a Itália foi a primeira a empregar a aviação em uma guerra colonial, em 1911. Nas campanhas
de 1921 -1926, a aviação, sob o comando do futuro marechal Badoglio, desempenhou papel decisivo nas
derrotas dos resistentes na Tripolitânia e no Fezzan.
39 GUILLAUME, 1946, p. 398.
123
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
da lei e a opinião prevalecente foi a de deixar a responsabilidade ao soberano, para
impedir a demagogia e a corrupção política. Foi por isso que, quando os soldados
franceses ou espanhóis apareciam numa área, como em Tuat em 1864 e 1890, ou
em Tarfaya em 1885, os habitantes enviavam uma delegação ao sultão e depois
aguardavam suas ordens. A responsabilidade era, portanto, deixada ao soberano,
que se encontrava num dilema: se se desinteressasse pelo caso, punha em risco
a legitimidade de sua autoridade e, se respondesse favoravelmente ao memorial,
as potências o considerariam responsável por todos os incidentes que sobrevies-
sem. Regra geral, aconselhava calma, delegava um alcaide para a manutenção da
ordem e fazia os interessados esperarem, alegando que o problema estava em vias
de solução diplomática, no que muitos do local queriam justamente acreditar
40
.
Tocamos aqui o nó do problema. Quando o sultão falhava
41
e um chefe religioso
ou profano achava que lhe cabia hastear a bandeira da djihad em seu lugar, mas
sem a sua bênção, era certo não conseguir unanimidade à sua volta. Nesse caso, a
potência colonial podia jogar com todo o tipo de rivalidades e de oposições.
No contexto de uma sociedade que efetivamente se tornara acéfala, o exér-
cito colonialista facilmente tirava proveito das “oposições segmentares”. Para
compreender bem o mecanismo, deve -se lembrar que a administração do sultão
era normalmente indireta, confiada aos chefes locais teólogos muçulmanos,
xeques. Quando o sultão era incapaz de comandar ele mesmo a resistência, cada
qual pensava em resguardar seus privilégios, em pegar o trem”, como diz um
especialista dos assuntos indígenas
42
. A França encontrou facilmente ajuda para
conquistar Tuat junto do xerife de Wazzan, que podia fazer ziyara (coletas)
entre os seus adeptos da Argélia com a autorização do governador francês; em
Shinkit junto dos xeques Sidiya e Sa’d Buh; em Tafilalet junto do chefe da
zawiya nasiriyya; enfim, no Rif junto do chefe dos Darkawa. Na Tripolitânia, os
italianos ganharam para a sua causa os Ibaditas do Djabal Nafusa, que se opu-
nham à maioria sunita do país. Onde quer que um grande alcaide tenha consti-
tuído um principado, as autoridades coloniais esperam que haja concorrência na
sucessão e então propõem apoio alternativamente a cada pretendente. Foi o que
se passou com os Trarza entre 1901 e 1904 e com os Zayyan entre 1917 e 1919.
Não se deve exagerar, porém, o impacto dessa “política indígena”. Cada vez que
um chefe se inclina para o lado dos franceses, perde imediatamente o prestígio
40 A situação do sultão de Constantinopla no século XIX era pouco diferente.
41 Por vezes conseguiu retardar a conquista, como em Tuat em 1890, ou recuperar uma área como Tarfaya,
que os ingleses abandonaram em 1898.
42 ]USTINARD, 1951, p. 105.
124
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Guerra do Rif no Marrocos: avião de observação deixa instruções para ajustes de artilharia. (Fonte: Harlingue-Viollet.)
125
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
e não tem a menor utilidade, de tal forma que, com o tempo, as autoridades
não procuravam as submissões públicas.
A tendência dos chefes de zawiya e dos grandes alcaides para o acordo e o
jogo duplo, portanto, não decorria tanto das divisões e oposições tribais como do
desaparecimento do poder político supremo, cujas sucessivas derrotas puseram
a nu a fraqueza militar.
A crônica nos guardou os nomes de umas três dezenas de chefes que dirigiram
a resistência contra franceses, espanhóis e italianos durante o período 1900 -1935.
Deixamos de lado Muhammad Ibn Abd al -Karim e Abd al -Malik
43
. Quanto aos
outros, a análise os divide em dois grupos bem distintos, independentemente do
seu êxito ou do seu malogro.
Uns estão em contato constante com o sultão, servindo -o e apelando para ele
quando o perigo colonial se delineia; os outros agem sob a influência da djema’a
local. Os primeiros têm um horizonte mais largo, mas são prejudicados pela
fraqueza militar do sultão; os segundos mostram mais tenacidade na ão, mas
a influência deles não passa dos estreitos limites do seu comando.
O xeque Ma al -Aynayn e seus filhos Hassana e al -Akda, que dirigiam a resis-
tência em Shinkit; seus outros filhos, al -Hiba, Murabbih Rabbuh e al -Ni mat,
que recuaram perante o avanço francês de Marrakech em 1912, em Tiznit em
1917, depois em Kerdus e Widjdjan em 1934; os grandes chefes Azaghar Muha
U Said e Muha U Hammu, que bloquearam a passagem dos franceses para o
Atlas até 1922, foram os principais apoios de Mulay Abd al -Hafiz quando este
se sublevou contra seu irmão Mulay Abd al -Aziz, tentando restaurar a soberania
do Marrocos em todo o território que lhe era reconhecido no final do século XIX.
Quando a tentativa fracassou, por motivos que têm a ver essencialmente com o
seu isolamento geográfico, eles não se submeteram como outros chefes do sul de
longo contato com os franceses. Privados contudo do apoio do sultão, não podiam
agir com eficácia. Al -Hiba se proclamou sultão em 1912 sem encontrar eco nas
cidades nem entre os grandes alcaides; os outros se fecharam nos seus comandos,
defendendo -se de tudo e de todos, na esperança de morrer sem ter visto “a cara
dos franceses”, como tão bem o disse o alcaide al -Madani, dos Akhsas
44
.
Em face destes encontramos os chefes locais, quer improvisados como
Muhammad al -Hadjdjami, nas redondezas de Fez, em 1911, ou Nafrutan
43 Não falamos de Abd al -Karim porque a sua epopeia será tratada em outra parte. Quanto a Abd al -Malik,
neto do emir Abd al -Kader, da Argélia, e ocial do exército otomano, parece ter sido um aventureiro
que servia alternadamente aos interesses da Turquia, da Espanha e da França.
44 AL -SUSI, 1961, t. 20, p. 202.
126
África sob dominação colonial, 1880-1935
al -Samladi e seu discípulo al -Nakkadi no Tafilalet de 1919 a 1934 –, quer
tradicionalmente reconhecidos, como Ali Amhaush, seus filhos al -Makki e
al -Murtada, seus discípulos Ibn al -Tayyibi e Muhand U al -Hadjdj, que diri-
giram sucessivamente a luta no Médio Atlas de 1919 a 1934, ou ainda Hassu
U Basallam, chefe da resistência em Bu Ghafir em fevereiro e março de 1933.
Estes recusam acordos; derrotados, vão para outro lugar, até que sejam cercados
nos redutos das montanhas ou do deserto e sujeitos a um dilúvio de fogo. Como
dar conta de tanta tenacidade em plena solidão?
Devemos ter presente que ao longo do século XIX se desenha um movi-
mento popular pregando a guerra radical, movimento que foi desacreditado
pelos ulama e pelos membros do Makhzen, porque vinha acompanhado de um
apelo ao sobrenatural e de uma milenarista. uma descrição de al -Hiba e
seu irmão Murabbih Rabbuh clamando aos anjos para ajudar os combatentes
em vésperas da batalha de Bu Uthman, em 6 de setembro de 1912. Quando da
batalha de 26 de junho de 1922, foi citado o kerkur de Tafesaset, rocha ao pé da
qual devia parar o avanço colonial, sob pena de um cataclisrna cósmico
45
. Esta
era a crença natural dos xerifes e dos teólogos que encabeçavam populações
em grande parte incultas, mas também uma atitude que a elite das cidades
podia julgar perigosa, por ser arcaica e irrealista. Abu Shu ayb al -Dukkali, um
dos pioneiros do movimento reformista, exprime bem essa atitude negativa em
face daquela espécie de resistência dizendo, a propósito da ação de al -Hiba: “Sou
contra os resistentes, que dão pretexto aos europeus para ocupar os territórios
dos muçulmanos, como Bu Amama, os chefes da Shawiya, dos Bani Matir e
muitos outros ainda, cujo número é incontável tanto a leste como a oeste”
46
.
Às duas fases da política colonial e aos dois tipos de resistência, correspon-
dem dois grupos bem distintos de chefes resistentes. Concentrando a atenção na
fase de conquista e de ocupação, bem como na de resistência obstinada e esparsa,
conduzida por alcaides e teólogos muçulmanos de espírito milenarista, pouco
apreciado pela elite urbana, podemos descobrir aí as seguintes características: a)
ruptura com a elite histórica, que compreendia a relação real de forças entre o
exército colonialista e os combatentes autóctones; b) espera de um milagre para
45 GUILLAUME, 1946, p. 219 -20. Sobre al -Hiba, ver IBN IBRAHIM, Al -Hamla al -Faransiyya ‘ala
Marrakush, manuscrito k. 320, Arquivos de Rabat, p. 16.
46 IBN IBRAHIM, Al -Hamla, p. 13 e 30 -5. Bu Amama combateu os franceses nos arredores de Figuig entre
1880 e 1885; Bu Himara sublevou -se contra o sultão Mulay Abd al -Aziz, acusado de ser pró-europeu, e
dirigiu uma revolta que durou de 1902 até 1909; em Shawiya, Muhammad Bu Azzawi era quem estava
à frente dos resistentes entre 1907 e 1909, e, entre os Bani Matir, foi Akka Bu Bidmani quem se lançou
contra o exército invasor de 1911 a 1913.
127
Iniciativas e resistência africanas no norte da África e no Saara
conjurar a conquista; c) divisão e dispersão devido ao exílio, à fome e à descon-
fiança; d) recusa a aceitar o que a posteriori parecerá inevitável.
Estas caractesticas distinguem fundamentalmente esta fase da resisncia daquela
primeira, isto é, da guerra potica travada por um Estado constituído, cuja lógica se
retomada pelos nacionalistas. De onde o difícil problema de saber se se pode con-
siderar esta resistência esparsa e localizada como um protonacionalismo.
De fato, julgada arcaica e ineficaz, foi deixada à sua sorte pelos chefes his-
tóricos. Todavia, imediatamente após o seu malogro definitivo, ela foi retomada
a bem da causa de maneira seletiva. Com efeito, os nacionalistas comemoram
os ataques bem -sucedidos, guardam o nome dos chefes que morreram sem se
render e, em compensação, esquecem os que sobreviveram para se tornar alcai-
des controlados por oficiais europeus, mesmo que também tenham oposto uma
resistência feroz antes de se entregarem.
Esta resistência servia, ao menos em parte, de mito mobilizador. As batalhas
de Tazikzaut, de Bu Ghafir, os personagens de Muha U Hammu, de al-Nakkadi
etc., permitiram aos nacionalistas levantar esta embaraçosa questão: uma ren-
dição obtida por força esmagadora será uma verdadeira rendição? Os generais
colonialistas, que falavam de penetração pacífica quando a conquista prosseguia
com facilidade, retomaram de 1926 em diante às teses de Bugeaud, que pregava
a destruição do adversário e afirmava que no Maghreb eram necessários tantos
soldados para mantê -lo como para conquistá -lo
47
. Isto significa dizer que jamais
se deu a “conquista das almas”.
47 G. Spillman conta que Lyautey dizia em ns de 1924: Alguns até ousam sustentar, parece, que uma
tribo só está submetida na medida em que for batida de maneira sangrenta”. SPILLMAN, 1968, p. 60.
A atitude espanhola, por sua vez, sempre teve um ressaibo de cruzada, mistura de ódio e de medo. Na
Tripolitânia, Volpi falava em 1921 de uma política de sangue.
C A P Í T U L O 6
129
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
De 1880 a 1914, toda a África ocidental se acha colonizada, com exceção
da Libéria (ver capítulo 2). Esse fenômeno, que para os africanos se traduziu
essencialmente na perda da sua soberania, de sua independência e de suas ter-
ras, desenrolou -se em duas fases. A primeira vai de 1880 aos primeiros anos do
século XX, a segunda até a irrupção da Primeira Guerra Mundial, em 1914.
A natureza das atividades dos europeus variava segundo essas etapas, susci-
tando paralelamente nos africanos várias iniciativas e reações. Convém salientar
que estas ocorreram largamente em função de certas condições locais, como a
natureza da sociedade (centralizada ou não, gozando de autonomia ou com a
autonomia perdida para outro poder africano, em expansão, estagnada ou em
declínio)
1
, a natureza da autoridade que a encabeça, o grau de penetração da
influência política, religiosa e econômica dos europeus na década de 1870 e as
lições que ela daí retirou. Outro fator igualmente importante é o método que
os imperialismos europeus adotaram para a expansão do seu domínio sobre a
área, entre 1880 e 1914.
No decorrer da primeira etapa, os europeus recorreram ora à diplomacia ora
à invasão militar, senão às duas. Em toda a África ocidental, praticamente, é o
grande período da corrida aos tratados, seguidos, na maior parte dos casos, de
1 KANYA FORSTNER, 1971, p. 75.
Iniciativas e resistência africanas
na África ocidental, 1880 -1914
M’Baye Gueye e Albert Adu Boahen
130
África sob dominação colonial, 1880-1935
invasões, conquistas e ocupação por exércitos mais ou menos importantes e dis-
ciplinados. A conquista e a ocupação europeias na África ocidental alcançaram
o apogeu no período 1880 -1900. Jamais o Continente havia conhecido tantas
intervenções militares, tantas invasões e campanhas organizadas contra Estados
e sociedades da África. Memoráveis, entre outras, foram as campanhas francesas
no Sudão ocidental, na Costa do Marfim e no Daomé (atual Benin), entre 1880
e 1898, bem como as dos britânicos no Ashanti (atual Gana), na região do delta
do Níger (Nigéria) e no norte da Nigéria, entre 1895 e 1903 (ver fig. 6.1).
Durante essa primeira fase, praticamente todos os africanos visavam o
mesmo objetivo: salvaguardar a independência e seu estilo tradicional de vida.
Para conseguir isso, tinham de optar entre três soluções: o confronto, a aliança
ou a aceitação e a submissão. A estratégia do confronto implicava a guerra
aberta, cercos, operações de guerrilha e a política de terra queimada, assim como
o recurso à diplomacia. Como se verá, as três soluções foram adotadas. Embora
a conquista e a ocupação da África ocidental tenham sido obra de três grandes
potências europeias, vamos limitar -nos aqui a examinar o comportamento das
duas principais, o Reino Unido e a França.
Conquista e reação na África Ocidental
Francesa, 1880 ‑1900
Os documentos disponíveis demonstram claramente que, a partir de 1880,
os franceses adotaram uma política de amplião de sua zona de influência
sobre toda a região, do Senegal ao Níger e daí ao Chade, unindo os territórios
conquistados gras aos postos avaados do golfo da Guiné, na Costa do
Marfim e no Daomé. A aplicão dessa potica foi confiada aos oficiais da
marinha que, de 1881 em diante, tornaram -se responsáveis pela administra-
ção da área do Senegal. Não surpreeende, portanto, que para estender o seu
domínio sobre a região os franceses tenham escolhido quase exclusivamente
a conquista militar, em vez de concluir tratados de protetorado, como fizeram
os britânicos. No tocante às reações dos africanos, eles não negligenciaram
nenhuma das possibilidades que se lhes ofereciam: a submissão, a aliança e
o confronto. Todavia, como veremos mais adiante, na sua grande maioria os
dirigentes preferiram a estratégia da resisncia ativa à submissão e à aliança.
Resistência que se revelou bem mais violenta do que nas outras regiões da
África ocidental, por duas razões principais. A primeira, já mencionada, é que
os franceses optaram no mais das vezes por ampliar o seu domínio pela força,
131
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
 . Estados e povos da África ocidental nas vésperas da partilha europeia. (Fonte: Fage, 1978.)
132
África sob dominação colonial, 1880-1935
o que só podia suscitar reações violentas. A segunda razão é que a islamizão
era muito mais forte do que no resto da África ocidental e, conforme salien-
tou Michael Crowder,para as sociedades muçulmanas da África ocidental, a
imposição de um domínio branco significava a submissão ao infiel, situação
intolevel para todo bom muçulmano
2
, pelo que os habitantes da região ten-
diam a se opor aos europeus com ardor e tenacidade pouco comuns aos não
muçulmanos. Para ilustrar estas considerações de ordem geral, vamos estudar
os acontecimentos na Senegâmbia, nos impérios Tukulor e Mandinga, no país
Baule da Costa do Marfim e, finalmente, no Daomé.
Senegâmbia
No Senegal, onde a conquista teve início em 1854, a França dispunha em
1880 de sólidos pontos de apoio, com a anexação de Walo, da parte setentrional
de Cayor e de Jander. O protetorado francês tinha sido imposto aos Estados do
Alto Senegal desde 1860. Por magros que fossem, estes resultados não haviam
sido alcançados sem dificuldades. Embora expulso em 1864 pela França, o damel
de Cayor, Lat -Dior, nem por isso deixou de optar pela estratégia do confronto,
prosseguindo na luta contra os franceses. Em 1871, com a derrota deles pela
Prússia, o governador do Senegal renunciou à anexação de Cayor e reconheceu
novamente Lat -Dior como damel. Desde então, estabeleceram -se entre Lat -Dior
e a administração francesa do Senegal relações cordiais.
Em 1879, o governador Briere de lIsle obteve do damel autorizão para
construir uma estrada ligando Dakar a Saint -Louis. Mas, em 1881, ao saber
que de fato se tratava de uma estrada de ferro, Lat -Dior declarou -se contrário
ao projeto. Não desconhecia que a estrada de ferro punha fim à indepen-
ncia de Cayor. Nesse mesmo ano, informado de que a obra ia começar
imediatamente, tomou providências para impedir isso. Foram dadas ordens
a todos os chefes para punir severamente todos os ditos de Cayor que for-
necessem fosse o que fosse aos trabalhadores franceses
3
. Em seguida, foram
enviados emissários a Ely, emir de Trarza, a Abdul Bokar Kan, de Futa Toro,
e a Albury Ndiaye, de Jolof. Lat -Dior os convidava a organizar uma santa
aliaa e a sincronizar a luta para facilitar a expulsão dos franceses da terra
dos ancestrais
4
.
2 CROWDER, 1968, p. 72; ver igualmente KANYA-FORSTNER, 1971, p. 53 -4.
3 Ansom, Governador Lanneau ao ministro. Senegal I, 46b, 24 maio 1881.
4 Ansom, Governador Vallon ao ministro. Senegal I, 67b, 23 jul. 1882.
133
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
A 17 de novembro de 1882, enviou uma carta ao governador Servatius
proibindo -lhe o início da obra, mesmo nos subúrbios do território que era parte
integrante de Cayor. Dizia ele:
Enquanto eu for vivo, fica certo, vou me opor com todas as minhas forças à constru-
ção da estrada de ferro [...] A vista das espadas e das lanças é agradável aos nossos
olhos. É por isso que, cada vez que eu receba de ti uma carta relativa à estrada de
ferro, responderei sempre não, não, e jamais te darei outra resposta. Mesmo quando
eu for dormir o último sono, meu cavalo Malaw te dará a mesma resposta
5
.
Nada melhor para refutar aqueles que julgam a posição de Lat -Dior neste
caso como o simples capricho de um chefete feudal sem nenhum interesse pelo
bem -estar do seu povo. Seja como for, notando a persistência do governador na
realização do projeto, Lat -Dior proibiu que seus súditos cultivassem o amen-
doim. Estava convencido de que, sem o amendoim, os franceses voltariam para
casa. Obrigou ainda as populações que viviam perto dos postos franceses a
mudar para o interior de Cayor. As aldeias dos recalcitrantes foram incendiadas
e seus bens confiscados.
Em dezembro de 1882, o coronel Wendling penetrou em Cayor, à frente
de uma coluna expedicionária composta principalmente de atiradores africa-
nos e de auxiliares dos territórios anexados. tendo combatido os franceses
desde 1861, Lat -Dior sabia que tinha poucas possibilidades de vencê -los em
combate clássico. Recuou à chegada de Wendling e foi se instalar em Jolof. Em
Cayor, Wendling entregou o poder a Samba Yaba Fall, primo de Lat -Dior. Em
agosto de 1883, foi destituído e substituído por Samba Laobe Fall, sobrinho de
Lat-Dior. O governador estava persuadido de que Lat -Dior jamais faria guerra
contra o sobrinho. Não se enganou. Lat -Dior fez um acordo com o sobrinho, que
o autorizou a voltar para Cayor, em 1885.
Em outubro de 1886, Samba Laobe Fall foi morto em Tivaouane por um
destacamento de spahis. Então, o governador Genouille decidiu suprimir o título
de damel e dividiu Cayor em seis províncias, confiadas a ex -cativos da Coroa
6
.
Foi também promulgado um decreto expulsando Lat -Dior de Cayor. Logo
que lhe comunicaram tal medida, Lat -Dior ficou furioso. Mobilizou 300 adep-
tos que lhe tinham permanecido fiéis, apesar das vicissitudes da fortuna, mas
libertou do juramento quem não estivesse decidido a morrer com ele. Entrou
então em campanha contra os franceses e seus aliados, súditos dele pouco antes.
5 Ansom, Lat -Dior ao governador. Senegal I, 68b, 8 jan. 1883.
6 Ansom, Genouille ao ministro. Senegal I, 86a, l3 nov. 1886.
134
África sob dominação colonial, 1880-1935
Lat-Dior tinha a firme intenção de vender caro a vida. Para tanto, fingiu que
se conformava com a medida de expulsão, tomando o caminho para Jolof. Com
uma das suas audaciosas contramarchas, conseguiu colocar -se, sem ninguém
perceber, entre os inimigos e a via férrea. No dia 27 de outubro de 1886, por
volta das 11 horas, surpreendeu os franceses e seus aliados no poço de Dekle,
causando -lhes pesadas perdas. Mas também morreu aí, juntamente com seus
dois filhos e 80 de seus partidários
7
. A morte de Lat -Dior pôs naturalmente
fim à independência de Cayor e viria facilitar o domínio dos franceses sobre o
resto do país.
O império Tukulor
Tal como a maior parte dos chefes africanos, Ahmadu, filho e sucessor de
Al Hadj Umar, fundador do império Tukulor (ver fig. 6.1), estava decidido a
defender o seu império e a preservar a sua independência e soberania. Para atin-
gir esses objetivos, optou por uma estratégia de aliança e de confronto militar.
No entanto, ao contrário da maior parte dos chefes da região, apoiava -se mais
na aliança do que na resistência. De fato, veremos que, desde a sua ascensão ao
poder até 1890, persistiu em procurar a aliança e a cooperação com os franceses
e só nos dois anos subsequentes é que se decidiu ao confronto armado.
Dito isto, não surpreende que Ahmadu tenha adotado esta estratégia em
particular, pois as realidades políticas e econômicas com que se defrontava
poucas alternativas lhe deixavam. Desde o início do seu reinado, Ahmadu
teve de se bater em três frentes políticas: contra seus irmãos, que lhe contes-
tavam a autoridade, contra os súditos (Bambara, Mandingas, Peul e outros),
que detestavam profundamente seu novo senhor tukulor e queriam recuperar
a independência pela força, e contra os franceses. Para agravar as coisas, seu
exército era numericamente mais fraco do que o exército que permitira a seu
pai a criação do imrio, pois não contava mais de 4 mil talibes (estudantes de
religião que formavam a ossatura do exército de Umar) e 11 mil sofas (infan-
taria) em 1866
8
e, ademais, não exercia sobre a tropa a mesma autoridade que
o pai nem era capaz de motivá -la com a mesma força. Como era de esperar,
Ahmadu deu portanto prioridade ao reforço de sua própria posão, fazendo
um acordo com os irmãos na verdade, alguns tentaram derrubá -lo em 1872
e, depois, para garantir a sobrevivência do seu império, pondo fim às ativas
7 Ibid.
8 KANYA -FORSTNER, 1971, p. 61.
135
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
rebeliões dos diversos grupos avassalados, particularmente os Bambara. Para
tanto, precisava de armas e munições, assim como dos recursos financeiros que
lhe proporcionava o comércio, o que o obrigava a manter relações amistosas com
os franceses. Além disso, a maior parte dos talibes se recrutava no Futa Toro,
pátria de seu pai, e, como essa região estava sob a dominação francesa, tinha de
obter a colaboração deles. Em face destes problemas de política interna, ainda
surpreende que ele tenha aceito, pouco após a sua elevação ao poder, negociar
com os franceses? Essas negociações decorreram entre Ahmadu e o tenente
Mage, representante da França. Convencionou -se que, em troca do forneci-
mento de canhões e do reconhecimento da sua autoridade, Ahmadu autorizaria
os comerciantes franceses a operar no seu império
9
.
Embora este tratado não tenha sido ratificado pelo governo francês, Ahma du
o tenha recebido nenhum canhão e os franceses não tenham cessado de ajudar
os rebeldes (chegando até a atacar Sabusire, fortaleza tukulor de Kuasso, em 1878),
Ahmadu não deixou de manter uma atitude amistosa com os franceses. Isso lhe
foi muito útil, pois assim conseguiu sufocar as tentativas de rebelião dos irmãos
em 1874, bem como as dos territórios de Segu e Kaarta no final da década de
1870. Por isso, concordou prontamente quando os franceses, que precisavam da
sua cooperação para preparar a conquista da região situada entre o Senegal e
o Níger, solicitaram a reabertura de negociações, em 1880. Essas negociações,
conduzidas pelo capitão Galliéni, redundaram no tratado de Mango, pelo qual
Ahmadu se comprometia a autorizar os franceses a construir e a manter vias
comerciais no seu império e lhes deferia o privilégio de construir e fazer circular
embarcações a vapor no Níger. Em troca, os franceses reconheciam a existência
do seu império como Estado soberano, concediam -lhe liberdade de acesso a
Futa, comprometiam -se a não invadir o seu território nem a levantar qualquer
fortificação. Acima de tudo, os franceses concordavam em pagar um tributo de
quatro peças de artilharia de campanha e de mil fuzis, mais uma renda anual de
200 fuzis, 200 barris de pólvora, 200 obuses de artilharia e 50 mil espoletas
10
.
O tratado era, manifestamente, uma grande viria diplomática para
Ahmadu; se os franceses o tivessem ratificado e respeitado com sinceridade,
não há dúvida de que o império de Ahmadu teria sobrevivido. Mas, é claro, nem
o próprio Galliéni tinha a intenção de cumpri -lo; aliás, o governo francês não
o ratificou. Com o novo comandante militar do Alto Senegal, tenente -coronel
Borgnis -Desbordes, os franceses começaram desde 1881 a invadir o império.
9 Ibid., p. 63 -4.
10 Ibid., p. 65.
136
África sob dominação colonial, 1880-1935
Em fevereiro de 1883, ocuparam Bamako sem oposição, para em 1884 lançarem
canhoneiras no rio Níger, sem que os Tukulor oferecessem resistência. A única
reação de Ahmadu foi proibir todo comércio com os franceses
11
. Em 1884,
Ahmadu tentou remontar o Níger em direção a Bamako, à frente de imponente
exército. Mas, ao contrário de tudo o que se podia prever, ele não quis atacar nem
ameaçar as frágeis linhas de comunicação dos franceses para ir cercar Nioro,
capital de Kaarta, a fim de depor o rei Muntaga, seu irmão, que ele achava muito
independente em relação à autoridade central
12
.
Que Ahmadu tenha preferido atacar o irmão em vez dos franceses demons-
tra bem que ele ainda não dominava plenamente a situação dentro do seu impé-
rio e precisava do apoio dos franceses, sobretudo se levarmos em conta que os
Bambara do distrito de Beledugu, próximo de Bamako, também estavam em
dissidência. É isso, com certeza, que explica a reação de Ahmadu às invasões
francesas entre 1881 e 1883. A cooperação francesa era tanto mais necessária
quanto é certo que o cerco de Nioro enfraquecera ainda mais o seu potencial
militar. Por sua parte, os franceses também tinham necessidade urgente de se aliar
a Ahmadu. Entre 1885 e 1888, combateram a rebelião do chefe Soninke Mama-
dou Lamine e estavam preocupados em evitar que ele se aliasse a Ahmadu. Dessa
forma, embora ciente de que os franceses continuavam a ajudar os rebeldes
Bambara, Ahmadu aceitou celebrar com eles o tratado de Gori, a 12 de maio de
1887. Nos termos do tratado, Ahmadu concordava em colocar seu império sob
a proteção nominal dos franceses, que em troca se comprometiam a não invadir
seus territórios e a revogar a proibição da venda de armas a Ahmadu.
Em 1888, porém, os franceses, sufocada a rebelião de Lamine e celebrado
outro tratado com Samori Touré, como veremos adiante, não precisavam da
aliança com Ahmadu. Esta evolução do quadro e a agressividade do comando
militar francês explicam a irrupção de novas hostilidades contra Ahmadu, cujo
sinal foi o ataque, em fevereiro de 1889, contra a fortaleza tukulor de Kundian,
esse molesto obstáculo na estrada de Siguiri e de Dinguiray
13
. A operação não
correu tão depressa como se esperava. O tata estava solidamente construído,
com paredes duplas de pedra, e a guarnição tinha retirado o telhado de colmo,
a fim de impedir a rápida propagação de um incêndio. Para abrir uma brecha,
Archinard foi obrigado a fazer um bombardeio intensivo de oito horas contra a
muralha, com suas peças de artilharia de montanha de 80 mm. Os Tukulor, que
11 SAINT -MARTIN, 1972, p. 301.
12 Ibid., p. 316.
13 Ibid., p. 379.
137
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
tinham aguentado esse dilúvio de ferro e fogo, opuseram tenaz resistência aos
franceses, ripostando aos bombardeios com salvas ininterruptas de mosquetão
e defendendo o terreno casa por casa. Muitos defensores morreram de armas
na mão
14
.
Ahmadu, às voltas com as dificuldades internas, transpôs então o conflito
para o plano religioso, convidando todos os muçulmanos do império a pegar em
armas para a defesa da lei. Remeteram -se cartas para Jolof, na Mauritânia, bem
como para Futa, pedindo socorro
15
. Tais diligências não deram resultado satis-
fatório e Archinard, depois de preparativos minuciosos e de obter armamento
adequado – que compreendia “duas peças de artilharia de campanha de 95 mm
com 100 granadas de melinita, recentemente inventada
16
–, tomou a capital
do império em abril de 1890. De lá, marchou contra a fortaleza de Wesebugu,
defendida por Bambaras fiéis a Ahmadu, que se deixaram todos matar, não sem
ter infligido pesadas perdas aos assaltantes. Dos 27 europeus, dois foram mortos
e oito ficaram feridos; dos soldados africanos, 13 foram mortos e 876 ficaram
feridos. Prosseguindo na ofensiva, Archinard tomou Koniakary, após ter esma-
gado a resistência dos Tukulor. Diante da obstinada resistência das guarnições
tukulor, Archinard parou por algum tempo e incitou Ahmadu a capitular e a
fixar residência numa aldeia de Dinguiray como simples indivíduo.
Foi então que Ahmadu decidiu renunciar à diplomacia para recorrer aos
meios militares. Em junho de 1890, seus soldados atacaram a via férrea em
Talaari e se envolveram com os franceses em diversas escaramuças entre Kayes
e Bafulabe. Em uma delas, os franceses sofreram 43 baixas, entre mortos e feri-
dos, numa força de 125 homens. Em setembro, aproveitando o isolamento de
Koniakary pela cheia, procuraram conquistá -la, mas não conseguiram
17
.
Entretanto, Ahmadu também se preparava para defender Nioro. Dividiu as
suas tropas em quatro grupos. O grosso delas estava concentrado em volta de
Nioro, sob o comando do general Bambara Bafi e do ex -rei de Jolof, Albury
Ndiay
18
. A 23 de dezembro de 1890, o exército de Bassiru foi disperso pelos
franceses, equipados com canhões de 80 e 95 mm, e, em 1 de janeiro de 1891,
Archinard entrava em Nioro. A tentativa que Albury fez de retomar Nioro, em
3 de janeiro, resultou em fracasso e na derrota do exército Tukulor. O sultão
14 Ibid., p. 38l.
15 Ibid., p. 390.
16 KANYA -FORSTNER, 1971, p. 69.
17 Ibid., p. 70.
18 Ibid., p. 73.
138
África sob dominação colonial, 1880-1935
teve mais de 3 mil homens mortos ou capturados. Retirou -se para Macina,
que deixou após o rude combate de Kori -Kori. Mesmo no exílio, no territó-
rio dos Haussa, mantinha em relação aos franceses uma independência sem
compromisso
19
.
Samori Touré e os franceses
Ao contrário de Ahmadu, Samori Touré optou por uma estratégia de con-
fronto e não de aliança. Embora recorresse igualmente à diplomacia, deu acima
de tudo destaque à resistência armada. Em 1881 tinha feito da parte meri-
dional das savanas sudanesas, ao longo de toda a grande floresta do oeste da
África”, entre o norte da atual Serra Leoa e o rio Sassandra, na Costa do Mar-
fim, um império unificado sob a sua incontestada autoridade
20
(ver fig. 6.3).
Ao contrário do império Tukulor, o império Mandinga estava ainda numa fase
ascendente em 1882, quando se deu o primeiro embate entre Samori Touré e
os franceses. A conquista desta região também havia permitido a Touré criar
um poderoso exército, relativamente bem equipado à europeia. Estava dividido
em dois corpos: infantaria (ou sofa), que em 1887 contava com 30 mil a 35 mil
homens, e cavalaria, que na mesma época não tinha mais que 3 mil homens.
A infantaria estava dividida em unidades permanentes de 10 a 20 homens,
conhecidas como (pés) ou kulu (turmas), comandadas por um kuntigi (chefe).
Dez formavam um bolo (braço), colocado sob o comando de um bolokuntigi
21
.
A cavalaria estava dividida em colunas de 50 homens, chamadas sere. Os bolo,
principal força ofensiva, deslocavam -se escoltados pelos sere. Como se tratava
de unidades permanentes, estabeleciam -se laços de amizade entre os soldados e
de lealdade para com o chefe local e Samori Touré. Este exército, portanto, não
demorou a assumir um caráter quase nacional, em vista da sua notabilíssima
homogeneidade
22
. Mas o que sobretudo distinguia o exército de Samori era seu
armamento e seu treinamento. Ao contrário da maior parte dos exércitos da
África ocidental, o de Samori era praticamente constituído por profissionais
armados à custa de seu chefe. Até 1876, as tropas de Samori Touré estavam equi-
padas com velhas espingardas, que os ferreiros locais eram capazes de consertar.
Mas, a partir de 1876, Samori Touré tratou de procurar armas europeias mais
19 SAINT -MARTIN, 1972, p. 427.
20 Para um estudo detalhado da vida e das atividades de Samori Touré, ver PERSON, 1968-1975.
21 PERSON, 1971, p. 121 -6.
22 Ibid., p. 121 -2.
139
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
 . Samori Touré (c. 1830 -1900), após a sua captura pelo capitão Gouraud (à direita), em setembro
de 1898. (Foto: Harlingue-Viollet.)
140
África sob dominação colonial, 1880-1935
modernas, essencialmente por intermédio de Serra Leoa, para examiná -las com
atenção e decidir quais as que se adaptavam melhor às suas necessidades. Foi
assim que, a partir de 1885, ele resolveu substituir as espingardas, cujos cartu-
chos, por demais volumosos, estragavam depressa com a umidade da região, por
fuzis Gras, mais bem adaptados ao clima local, com seus cartuchos mais leves,
e por Kropatscheks (fuzis Gras de repetição). Ficaria fiel a esses dois modelos
durante toda a década de 1880, de tal forma que acabou dispondo de turmas
de ferreiros capazes de copiá -los nos menores detalhes. De 1888 em diante,
também adquiriu alguns fuzis de tiro rápido e, em 1893, dispunha de cerca de
6 mil dessas armas, que empregou até a sua derrota, em 1898. Em compensação,
nunca dispôs de peças de artilharia, o que constituía grave desvantagem nas suas
campanhas contra os franceses. Essas armas foram adquiridas graças à venda de
marfim e de ouro extraído dos velhos campos auríferos de Bure, ao sul do país,
já explorados na época medieval, bem como à troca de escravos e de cavalos na
região do Sahel e do Mosi. Bem equipado, o exército de Samori Touré estava
igualmente bem treinado e disciplinado e caracterizava -se pelo esprit de corps e
pela homogeneidade.
É evidente, então, que Samori Touré estava no ápice do seu poderio quando
pela primeira vez entrou em contato com os franceses, em 1882. Em fevereiro
desse ano, recebeu a visita do tenente Alakamesa, que lhe comunicou a ordem
do comando supremo do Alto Senegal -Níger para que se retirasse de Kenyeran,
importante mercado que barrava a Samori Touré o caminho das áreas mandinga.
Como era de esperar, Samori Touré recusou. Isso provocou um ataque de sur-
presa de Borghis -Desbordes, que teve de bater precipitadamente em retirada.
O irmão de Samori, Keme Brema, atacou os franceses em Wenyarko, perto de
Bamako, em abril. Embora vencedor a 2 de abril, Keme Brema foi batido dez
dias mais tarde por tropas francesas bem menos importantes. Desde então,
Samori Touré evitou o confronto com os franceses e dirigiu a sua ação para
Kenedugu.
Em 1885, quando Combes ocupa Bure, cujas minas de ouro eram importan-
tes para a economia do seu império, Samori Touré compreendeu a amplitude da
ameaça e resolveu desalojar os franceses pela força. Três exércitos, o de Keme
Brema, o de Masara Mamadi e o dele próprio, foram encarregados da execu-
ção da tarefa. Graças a um vasto movimento de tenazes, Bure foi facilmente
retomado e os franceses tiveram de sair precipitadamente para não se verem
cercados. Samori Touré decidiu então cultivar relações com os britânicos de
Serra Leoa. Depois de ocupar Falaba em 1884, enviou emissários a Freetown,
propondo ao governador colocar todo o país sob a proteção do governo britânico.
141
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
Tal oferta era apenas uma manobra de Samori Touré, que não pensava de forma
alguma em alienar a sua soberania, mas em obrigar os franceses a respeitá -la,
aliando -se a um governo poderoso
23
.
Falhando a manobra, Samori Touré assinou com os franceses, em 28 de
março de 1886, um tratado em virtude do qual aceitava recuar as suas tropas
para a margem direita do Níger, embora mantendo seus direitos sobre Bure e
os Mandingas de Kangaba
24
. Em outro tratado com os franceses, assinado em
25 de março de 1887, que alterava o do ano anterior, Samori cedia a margem
esquerda do rio e até aceitava colocar seu país sob o protetorado francês.
Samori Touré talvez tenha assinado este novo documento pensando que os
franceses o ajudariam contra Tieba, o faama (rei) de Sikasso, que atacou em abril
de 1887, com um exército de 12 mil homens. Ora, os franceses imaginavam
apenas impedir qualquer aliança entre Samori Touré e Mainadou Lamine, seu
adversário na ocasião. Quando Samori percebeu que, em vez de se comportarem
como aliados e ajudá -lo, os franceses encorajavam a dissidência e a rebelião nas
regiões recentemente subjugadas, procurando ainda impedir que ele se reabaste-
cesse de armas em Serra Leoa, levantou o cerco em agosto de 1888 e preparou -se
para o combate contra o invasor
25
. Reorganizou o exército, concluiu em maio de
1890 com os britânicos, em Serra Leoa, um tratado que o autorizava a comprar
armas modernas em quantidades cada vez maiores durante os três anos seguin-
tes, e treinou suas tropas à moda europeia. Foram criadas seções e companhias.
No plano da tática militar resolveu optar pela defensiva. Claro, não se tratava de
se pôr ao abrigo das muralhas dos tatas, pois a artilharia não lhe daria a menor
possibilidade de êxito. A estratégia dele consistia em imprimir grande mobili-
dade às suas tropas, para melhor surpreender o inimigo, infligindo -lhe pesadas
perdas antes de desaparecer
26
.
Archinard, que tomara Segu em março de 1890, atacou Samori em março de
1891, na esperaa de o derrotar antes de entregar o comando do Alto Senegal -Níger
a Humbert. Achava que, ao primeiro choque, o império de Samori Tou viria abaixo.
Mas, embora a sua ofensiva resultasse na tomada de Kankan em 7 de abril e no
incêndio de Bisandugu, teve efeito contrário, pois constituiu para Samori Touré
um aviso salutar que o incitou a prosseguir nas ofensivas contra os franceses
23 HARGREAVES, 1969, p. 207 -8.
24 Ibid., p. 208.
25 Ibid., p. 209.
26 PERSON, 1971, p. 134.
142
África sob dominação colonial, 1880-1935
em Kankan, o que lhe permitiu derrotá -los na batalha de Dabadugu, em 3 de
setembro de 1891.
O principal confronto entre os franceses e Samori Touré se deu em 1892.
No desejo de pôr fim à questão, Humbert invadiu a parte central do império
em janeiro de 1892, à frente de um exército de 1300 atiradores de elite e 3
mil carregadores. Samori Touré comandava em pessoa um exército de 2500
homens escolhidos para enfrentar o invasor. Embora seus homens “se bates-
sem como diabos, defendendo a cada milímetro do terreno com feroz
energia”, para repetir as palavras de Person
27
, Samori foi batido e Humbert
tomou Bisandugu, Sanankoro e Kerwane. Salientemos, porém, que o próprio
Humbert devia achar o resultado bem magro, em vista das pesadas perdas que
sofreu. Além disso, Samori ordenara à população civil que abandonasse o local
à chegada dos franceses.
No entanto, Samori Touré já não alimentava ilusões. Os violentos combates
travados contra a coluna do coronel Humbert, que lhe haviam custado um
milhar de combatentes de elite, enquanto os franceses não perderam mais que
cem homens, tinham -no convencido do absurdo de outro confronto. Portanto,
não lhe restava senão render -se ou retirar -se. Recusando capitular, decidiu aban-
donar a pátria e refugiar -se a leste, para criar um novo império, fora do alcance
dos europeus. Prosseguindo na política de terra queimada, iniciou a marcha para
leste em direção aos rios Bandama e Comoe. Se bem tivesse perdido em 1894,
com a estrada de Monróvia, a última via de acesso ao fornecimento de armas
modernas, nem por isso abandonou o combate. No começo de 1895, encontrou
e rechaçou uma coluna francesa vinda do país Baule, sob o comando de Monteil,
e, entre julho de 1895 e janeiro de 1896, ocupou o país Abron (Gyaman) e a
parte ocidental de Gondja. Por essa época, lograra formar um novo império
no hinterland da Costa do Marfim e do Ashanti (ver fig. 6.2)
28
. Em março de
1897, seu filho Sarankenyi -Mori encontrou e bateu, perto de Wa, uma coluna
britânica comandada por Henderson, enquanto o próprio Samori Touré atacava
e destruía Kong em maio de 1897 e prosseguia avançando até Bobo, onde se
deparou com uma coluna francesa comandada por Caudrelier.
Entalado entre os britânicos e os franceses, depois de tentar em vão mal-
quistar uns com os outros, cedendo a estes o território de Bouna, cobiçado por
aqueles, Samori Touré resolver regressar à Libéria, para junto de seus aliados
Toma. a caminho, foi atacado de surpresa por Gouraud em Gelemu, no dia
27 Ibid., p. 135.
28 Ibid., p. 138.
143
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
28 de setembro de 1898. Capturado, foi deportado para o Gabão, onde morreu
em 1900. Sua captura pôs termo àquilo que um historiador moderno chamou de
a mais longa série de campanhas contra o mesmo adversário em toda a história
da conquista do Sudão pelos franceses”
29
.
Daomé
Behanzin, o rei do Daomé (Abomey), tal qual Samori, decidiu recorrer a
uma estratégia de confronto para defender a soberania e a independência do seu
reino
30
. Na última década do século XIX, o Daomé entrou em conflito aberto
com a França, que havia imposto seu protetorado a Porto Novo, vassalo de Abo-
mey (ver fig. 6.1). Era um sério golpe nos interesses econômicos de Abomey. Em
1889, o herdeiro do trono, príncipe Kondo, informou ao governador das Rivieras
do Sul, Bayol, que o povo Fon jamais aceitaria semelhante situação. Em fevereiro
de 1890, Bayol ordenou a ocupação de Cotonou e a detenção dos Fon notáveis
que se encontrassem. O príncipe Kondo, que tomara o poder em 1889 com
o nome de Behanzin, reagiu mobilizando as suas tropas. Abomey possuía então
um exército permanente de 4 mil homens e mulheres, em tempo de paz. Em
tempo de guerra, todos os homens tinham de cumprir o serviço militar, apoiados
pelas Amazonas, guerreiras muito temidas.
A guarnição francesa foi atacada ao crepúsculo, ao mesmo tempo que uma
parte do exército fora destacada para a região de Porto Novo, para destruir as
palmeiras. Segundo Behanzin, estas represálias econômicas levariam os fran-
ceses a pedir logo a paz. Em 3 de outubro, o padre Dorgere apresentava -se
em Abomey com propostas de paz. Os franceses comprometiam -se a pagar
a Behanzin uma renda anual de 20 mil francos, em troca do reconhecimento
de seus direitos sobre Cotonou, onde poderiam arrecadar impostos e estabe-
lecer uma guarnição. O rei aceitou as condições e o tratado foi assinado em 3
de outubro de 1890. No entanto, preocupado com a defesa do restante de seu
reino, tratou de modernizar o exército, adquirindo de empresas alemãs de Lomé,
entre janeiro de 1891 e agosto de 1892, “1700 fuzis de tiro rápido, seis canhões
Krupp de diversos calibres, cinco metralhadoras, 400 mil cartuchos sortidos e
uma grande quantidade de granadas”
31
.
29 WEISKEL, 1980, p. 99 -102.
30 Ross, 1971, p. 144.
31 Ibid., p. 158.
144
África sob dominação colonial, 1880-1935
Mas os franceses, decididos a conquistar o Daomé, aproveitaram o pretexto
de um incidente ocorrido em 27 de março de 1892; nesse dia, com efeito, sol-
dados Fon abriram fogo contra a canhoneira Topaz, que descia o Weme com o
residente francês de Porto Novo a bordo. A missão da conquista foi confiada a
um mulato senegalês, o coronel Dodds, que chegou a Cotonou em maio de 1892.
Porto Novo, onde os franceses concentravam 2 mil homens, tornou-se o centro
dos preparativos. Dodds fez os seus homens remontarem o rio Weme e, a 4 de
outubro, tratou de marchar contra Abomey. Reunindo as três divisões do seu
exército, com um efetivo de 12 mil homens, os Fon cuidaram de cortar o cami-
nho ao invasor entre o rio e Abomey. Não pouparam esfoos, lançando mão de
seus recursos tradicionais (ataques de surpresa ao amanhecer, emboscadas, defesa
em linha, tica de fustigamento e outras formas de guerrilha); mas, apesar das
grossas perdas, não conseguiram deter os franceses e muito menos fazê -los recuar.
Calcula -se que os Fon tiveram 2 mil mortos (entre eles quase todas as Amazonas)
e 3 mil feridos, enquanto os franceses perderam 10 oficiais e 67 homens
32
. Mas
o que mais prejudicou o plano militar dos Fon foi a destruição das colheitas pelos
escravos Ioruba, libertados pelo exército de Dodds. Abomey teve de enfrentar um
agudo problema de provisões. Alguns soldados, para não morrer de fome, tiveram
de correr para seus lares em busca de alimento e em defesa de suas aldeias, que
estavam sendo pilhadas pelos escravos Ioruba libertados.
Com a desintegração do exército Fon, a única solução, claro está, era a paz.
Dodds, que se achava acampado em Cana, aceitou as propostas de Behanzin,
mas exigiu o pagamento de pesada indenização de guerra e a entrega de todo
armamento. As condições de Dodds eram evidentemente inaceitáveis para a
própria dignidade do povo Fon. Em novembro de 1892, Dodds, que prosseguia
na sua marcha inexorável, fazia entrada em Abomey, que Behanzin mandara
incendiar antes de seguir para a parte setentrional do seu reino, onde se fixou.
Em vez de submeter -se ou de ser deposto por seu povo, como os franceses
esperavam, ele cuidou imediatamente de reorganizar o exército, com irrestrito
apoio popular. Em março de 1893, conseguira reagrupar 2 mil homens, que
realizaram vários ataques de surpresa contra as zonas mantidas pelos franceses.
Em abril de 1893, os notáveis fizeram novas propostas de paz. Estavam prontos
a ceder à França a parte meridional do reino, mas não aceitavam a deposição
de Behanzin, encarnação dos valores de seu povo e símbolo da existência de
seu Estado independente. Os franceses lançaram então, em setembro, outro
32 Ibid., p. 160.
145
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
corpo expedicionário, sempre sob o comando de Dodds, promovido a general;
a expedição acabou por conquistar o norte do Daomé. Goutchilli foi nomeado
e coroado rei em 15 de janeiro de 1894 e, quanto a Behanzin, foi preso em
consequência de uma traição no dia 29 de janeiro de 1894
33
.
Os Baule e os franceses
Era costume pensar que a oposição aos franceses, nas regiões florestais da
Guiné e da Costa do Marfim, se manifestou depois de 1900
34
. Pesquisas
recentes, no entanto, realizadas em particular entre os povos da Laguna e os
Baule da Costa do Marfim, demonstram que essa concepção estava errada: a
penetração francesa a partir do litoral provocou desde o início reações hostis
entre os povos do interior
35
. As primeiras missões francesas no país Baule foram
lançadas por duas expedições: uma, militar, comandada pelos tenentes Armand
e Tavernost, em fevereiro de 1881; a outra, comercial, dirigida por Voituret e
Papillon, em março de 1891. Decidido a deter a penetração, Etien Komenan,
chefe dos Baule de Tiassalé, recusou -se a fornecer a Armand e a Tavernost
um intérprete para acompanhá -los ao norte. Tiveram de regressar pelo litoral,
enquanto Komenan mandava matar Voituret e Papillon, antes mesmo que eles
tivessem alcançado Tiassalé
36
(ver fig. 6.2). Para castigar os Baule, os franceses
enviaram uma expedição militar comandada pelo tenente Staup. A expedição foi
atacada pelas forças de Etien Komenan em 11 de maio de 1891 e teve de bater
em retirada, ignominiosamente, para a costa. Malogrando pela força, os france-
ses recorreram à diplomacia e conseguiram celebrar um tratado com os Baule de
Tiassalé e de Niamwé em 29 de dezembro de 1892, nos termos do qual aceita-
vam pagar um tributo de 100 onças de ouro em troca da liberdade de comércio
com os africanos e os europeus do litoral. Graças à conclusão do tratado, os
franceses puderam enviar uma segunda missão exploradora ao país Baule em
março de 1893, comandada por Jean -Baptiste Marchand, bem conhecido pelas
suas aventuras militares no Sudão ocidental. A meio caminho de Tiassalé, junto
do Bandama, Marchand se defrontou com Etien Komenan, que resolvera que
nenhum branco entraria em Tiassalé
37
. Marchand, portanto, retornou a Grand
33 Ibid., p. 166.
34 CROWDER, 1968, p. 95; BONY, 1980, 14 -5.
35 WEISKEL, 1980, p. 33 -141; KOFFI, 1976, p. 120 -189.
36 WEISKEL, 1980, p. 38 -9.
37 Ibid., p. 44.
146
África sob dominação colonial, 1880-1935
Lahou e, depois, reunindo cerca de 120 homens, embarcou no dia 18 de maio
de 1893 para invadir Tiassalé, que ele ocupou uma semana depois da fuga de
Etien Komenan. De , retomou a marcha para o norte e, em novembro de 1893,
penetrou em Gbuekékro, que os franceses rebatizaram mais tarde com o nome de
Bouaké. Teve aí de fazer frente ao chefe da povoão, Kouassi Gbueké, então aliado
a Samori Touré. Marchand se viu obrigado a marchar às pressas para Kong, de
onde remeteu um apelo premente a Paris, para que se enviasse uma expedição
destinada a ocupar esta cidade, ultrapassar Samori Touré e os ingleses e assinar
um tratado com os jula de Kong. Em resposta ao apelo, os franceses organizaram
uma expedição em setembro de 1894, a qual, comandada por Monteil, penetrou
em Tiassalé em dezembro do mesmo ano.
A expedição de Monteil encontrou uma oposição ainda mais viva dos Baule,
que se revoltaram e atacaram em Ouossou, a norte de Tiassalé, bem como em
Ahuakro e em Moronou, entre 25 e 28 de dezembro. Essa obstinada resistência
obrigou Monteil a recuar para a costa em fevereiro de 1895.
Entre 1895 e 1898, o país Baule viveu em paz. Mas, depois de ter batido e
capturado Samori Touré em setembro de 1898, os franceses decidiram ocupar
a rego e instalar um posto militar permanente em Bouaké, sem consultar os
Baule. Também começaram a libertar os escravos, capturando e executando depois
Katia Sofi, chefe de Katiakofikro, por ter fomentado sentimentos antifranceses
na região. Em grande parte por causa dessas provocações, os grupos Baule desta
zona sublevaram -se de novo e, em 22 de dezembro de 1898, lançaram um ataque
generalizado contra as guarnições francesas. Eram comandados por Kuadio Oku,
chefe de Lomo, Yao Gie, chefe Ngban, Kaso, irmão do chefe de Katiakofikro
assassinado, Akafu Bulare, outro chefe Ngban, bem como Kwame Die, o grande
chefe dos Baule Warebo. Em resposta, os franceses, depois de declarar o país Baule
território militar, lançaram uma série de campanhas que redundaram na tomada
de Kokumbo, centro onde os Baule exploravam ouro, defendido por 1500 a 2
mil homens, em junho de 1901; em fevereiro de 1902, capturaram e fuzilaram o
grande Kwame Die; em seguida, capturaram Akafu Bulare (Akafu: o homem de
ferro), que morreu de sevícias no cárcere, em julho de 1902. Todavia, empregando
uma tática de guerrilha, os Baule continuaram a fustigar as forças francesas, e a paz
somente foi restaurada quando François -Joseph Clozel, que se tornou governador
interino da colônia em novembro de 1902, compreendeu que o emprego da força
era inútil e ordenou a paralisação das operações militares
38
.
38 Para maiores detalhes sobre todas estas campanhas, a guerrilha e outros métodos empregados pelos Baule,
ver WEISKEL, 1980, p. 98 -141.
147
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
Conquista e reação na África ocidental inglesa, 1880 ‑1900
Ao contrário dos franceses, cuja ocupação na África ocidental, entre 1880
e 1900, foi resultado principalmente da força, os britânicos não hesitaram em
recorrer igualmente à negociação pacífica, concluindo tratados de proteção com
os Estados africanos, por exemplo, no norte de Serra Leoa e da Costa do Ouro
(atual Gana), bem como em diversos pontos do país Ioruba. Em outras áreas,
como no país Ashanti, no território dos Ijebu na Iorubalândia, no delta do Níger
e, particularmente, no norte da Nigéria, empregaram sobretudo a força. Tal
como na África Ocidental Francesa, os povos da região reagiram das maneiras
mais diversas à ocupação, optando por uma política de confronto, de aliança, de
submissão ou pela combinação das diferentes opções. Vamos examinar mais de
perto o que se passou no país Ashanti no sul e norte da Nigéria.
O país Ashanti (Costa do Ouro)
Em nenhuma outra parte da África ocidental houve tão longa tradição de
luta entre os africanos e os europeus como entre os Ashanti e os britânicos na
Costa do Ouro. Os conflitos surgiram por volta de 1760 e culminaram com um
choque militar em 1824: os Ashanti bateram as forças britânicas e seus alia-
dos, matando -lhes o comandante, sir Charles MacCarthy, então governador da
Costa do Ouro
39
. Dois anos mais tarde, os ingleses foram à desforra na batalha
de Dodowa. Em 1850 e 1863, a guerra foi evitada por pouco, mas entre 1869
e 1872 os Ashanti lançaram um ataque triplo que redundou na ocupação de
praticamente todos os Estados costeiros e meridionais da Costa do Ouro. Para
rechaçar os Ashanti, o governo britânico lançou por sua vez uma das campa-
nhas mais bem organizadas da época, sob o comando de um dos mais célebres
oficiais ingleses do seu tempo, o general Garnet Wolseley. Equipados com as
armas mais modernas, seus soldados conseguiram fazer recuar o exército dos
Ashanti para a outra margem do rio Pra, ocupar e saquear Kumasi em fevereiro
de 1874, após uma derradeira tentativa de resistência desesperada do exército
Ashanti em Amoafo, perto de Bekwai (ver fig. 6.1)
40
.
A derrota decisiva dos Ashanti pelos britânicos, em 1874, haveria de ter gra-
ves consequências para eles, condicionando em grande medida as suas reações
39 Para maiores detalhes sobre o levante dos Ashanti, ver FYNN, 1971, p. 19 -33; BOAHEN, 1966;
BOAHEN, 1974.
40 FYNN, 1971, p. 36 -42.
148
África sob dominação colonial, 1880-1935
entre 1880 e 1920. A primeira consequência, evidentemente, foi a desintegração
do império Ashanti. Pelo tratado de Fomena, os Ashanti reconheciam a inde-
pendência de todos os Estados vassalos localizados ao sul do Pra. Aproveitando
a debilitação do poderio militar dos Ashanti, os Estados vassalos do norte do
Volta também se separaram. Ao que ainda restava do império começava agora
a esboroar. No desejo de impedir a sua restauração, os britânicos incitaram alguns
dos Estados membros da União Ashanti a proclamar a sua independência, pelo
que Dwaben, Kokofu, Bekwai e Nsuta começaram a desafiar o asantehene
41
. O
conflito entre Kumasi e Dwaben redundou de fato numa guerra civil, a qual ter-
minou com a derrota de Kumasi e provocou a emigração em massa da população
para o protetorado e a colônia da Costa do Ouro, que os britânicos acabavam
de constituir. Além disso, o asantehene foi destituído, principalmente em função
dos resultados da guerra de 1874. Com a morte de seu sucessor, ocorrida uns
sete anos depois, a sucessão desencadeou uma guerra civil e somente em 1888
é que Prempeh I conseguiu impor -se como novo asantehene.
Felizmente, Prempeh se mostrou à altura da crise que o esperava. Em três
anos chegou a reconstituir a União (ou Confederação Ashanti) e até conven-
ceu o Dwaben a reintegrá -la. Alarmados por sua vez com o renascimento dos
Ashanti e a concorrência francesa e alemã na região, os britânicos propuseram
a eles que se colocassem sob o seu protetorado. A recusa, categórica mas polida,
que Prempeh opôs à oferta vem citada em outra parte
42
. Prempeh, em seguida,
atacou e derrotou os Nkoransa, os Mo e os Abeas em 1892. Os britânicos rea-
giram propondo a instalação de um residente em Kumasi, em troca do paga-
mento de uma renda anual ao asantehene e aos principais reis dele dependentes.
O asantehene não rejeitou a proposta como enviou uma missão à rainha da
Inglaterra, dotada de vastos poderes para expor à (Sua) Majestade diversos
problemas referentes ao bom estado do (seu) reino
43
. Essa missão diplomática
deixou Kumasi em novembro de 1894 com um séquito de mais de 300 pessoas.
Chegou a Cape Coast em 10 de dezembro e partiu para a Inglaterra em 3 de
abril de 1895.
As autoridades britânicas o quiseram recebê -la e, antes mesmo da sua
partida, instruíram o governador da costa a intimar o asantehene a que acei-
tasse um residente e pagasse a indenizão de guerra de 50 mil onças de ouro
imposta aos Ashanti em 1874. Naturalmente, o asantehene recusou dobrar -se
41 Ibid., p. 43.
42 Ver o capítulo 1.
43 WILKS, 1975, p. 637 -41.
149
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
ao ultimato, mesmo porque ainda não sabia dos resultados da missão enviada
a Londres.
Os britânicos, aproveitando o pretexto da recusa, organizaram uma grande
expedição contra os Ashanti, sob o comando de sir Francis Scott. Este tomou
Kumasi em janeiro de 1896 sem disparar um único tiro,que Prempeh e seus
conselheiros tinham resolvido não entrar em luta com os britânicos e aceitar o
seu protetorado. Prempeh, a rainha -mãe, seus tios e alguns chefes militares, não
obstante, foram detidos e deportados, primeiro para Serra Leoa e depois para
as Seychelles (ver fig. 6.4)
44
.
Por que os Ashanti decidiram não se opor, então, aos britânicos? Felizmente,
dispomos da resposta do próprio Prempeh, dada por ele durante o exílio, nas
Seychelles. Pressionado a combater pelos seus chefes, Prempeh começou por
lhes lembrar a guerra civil em Kumasi e o papel pacificador que os britânicos
tinham desempenhado na época, bem como a intervenção deles no seu acesso
ao trono; depois, acrescentou:
“Depois deste favor que as autoridades britânicas me fizeram, não me decido a
combater as suas tropas, mesmo que me torne prisioneiro delas. Além disso, prefiro
me render, se for esse o preço da vida e da tranquilidade do meu povo e dos meus
compatriotas”
45
.
O desventurado Prempeh pensava que podia romper com a tradição e recor-
rer à diplomacia em vez das armas, naquela época de áspera concorrência impe-
rialista. Mas, levando em conta o que se tinha passado em 1874 e a incontestável
superioridade militar dos britânicos, sua decisão se revelaria a mais realista, a
mais sensata e a mais digna.
Sul da Nigéria
As iniciativas e reações dos nigerianos em face dos britânicos foram tão mul-
tiformes como os ardis e os meios empregados por estes últimos para estender
a sua dominação ao conjunto da Nigéria atual. O país Ioruba foi conquistado
pelos missionários e pelas autoridades de Lagos, os Oil Rivers pelos missionários
e pelos cônsules, e o norte da Nigéria ao mesmo tempo pela National African
Cornpany (que se transformaria, em 1886, na Royal Niger Company – RNC)
e pelas autoridades britânicas. As principais armas utilizadas pelos britânicos
44 BOAHEN, 1977.
45 Ibid.
150
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Nana Prempeh I (c. 1873-1931) no exílio nas Seychelles, cerca de 1908. A mulher sentada à sua direita é a famosa Nana Yaa Asantewaa, rainha de
Edweso e alma da rebelião Ashanti de 1900; à esquerda de Nana Prempeh estão seus pais. (Chapa fotográca batida em torno de 1908 por S. S. Ohashi e reproduzida
em 1924 pela rma McCorquodale de Londres, para a exposição de Wembley. Foto: Susan Hopson)
151
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
foram a diplomacia e a intervenção militar. As reações dos nigerianos, por con-
sequência, vão da luta aberta às alianças e submissão temporárias.
Foi graças aos missionários, essencialmente, que a influência e o comércio
britânicos, limitados de início a Lagos (ocupada desde 1851), alcançavam a
maior parte do país Ioruba. Desde 1884 os britânicos assinaram tratados com
numerosos chefes Ioruba sobre a abolição do tráfico de escravos, o desenvol-
vimento das trocas e a instauração do protetorado. Em 1886, a administração
britânica conseguiu igualmente convencer Ibadã e a coalizão Ekitiparapo (com-
preendendo os Ekiti, os Ijesha e os Egba) a assinar um tratado de paz que punha
fim à guerra em que estavam envolvidos desde 1879. Que os britânicos tenham
sido tão influentes no país Ioruba desde 1886 não nos deve surpreender. Além
da atividade dos comerciantes e dos missionários europeus anterior às guerras,
os Ioruba, devastados por lutas intestinas desde os anos de 1850, estavam fati-
gados de embates e aspiravam à paz, o que explica o fato de eles terem aceito a
intervenção dos britânicos. Até então, Ijebu era o único Estado do país Ioruba
que havia efetivamente resistido aos missionários, aos comerciantes britânicos e
à administração de Lagos. Ansiosos por conquistar o país Ioruba desde começos
da década de 1890, os britânicos resolveram dar -lhe uma lição e, dessa forma,
mostrar aos outros Estados Ioruba que toda resistência era inútil
46
. A pretexto de
uma “afronta que teria sido feita ao governador Denton em 1892, os britânicos
lançaram contra os Ijebu uma expedição cuidadosamente preparada, com mil
homens armados de fuzis, metralhadoras e um canhão Maxim. Os Ijebu não se
acovardaram, levantando um exército entre 7 mil e 10 mil homens. Apesar da
sua enorme superioridade numérica e do fato de alguns deles terem armas de
fogo, os Ijebu foram batidos
47
. Parecia que todos os restantes Estados Ioruba
tinham extraído uma lição desta invasão e não surpreende que, entre 1893
e 1899, Abeokuta, Ibadã, Ekiti -Ijesa e Oyo aceitassem assinar um tratado e
receber residentes ingleses (ver fig. 6.1); se os britânicos bombardearam Oyo em
1895, foi somente para rematar a submissão do alafin. Abeokuta permaneceu
nominalmente independente até 1914.
Se os Ioruba, regra geral, adotaram a submissão como estratégia, não sucedeu
o mesmo com os chefes do reino de Benin e com certos chefes dos Estados
do delta do Níger. Não obstante a assinatura de um tratado de protetorado, em
1892, Benin guardava a sua soberania com determinação. Semelhante atitude
não podia, evidentemente, ser tolerada na época. Por isso, aproveitando como
46 CROWDER, 1968, p. 126 -7.
47 SMITH, 1971, p. 180.
152
África sob dominação colonial, 1880-1935
motivo de intervenção a morte do seu cônsul -geral interino e de outros cinco
ingleses que viajavam para Benin, os britânicos mandaram uma expedição puni-
tiva de 1500 homens contra o país, em 1897. Malgrado o desejo do Oba de se
submeter, a maioria dos chefes levantou um exército para rechaçar os invasores.
Mas foi derrotado e a capital se viu incendiada, depois da pilhagem de seus
bronzes preciosos
48
.
No delta do Níger, assim como em muitas outras regiões da Nigéria, os
britânicos assinaram em 1884 tratados de protetorado com a maior parte dos
chefes. Mas, embora alguns deles, como Calabar e Bonny, tenham autorizado
os missionários a operar em seus Estados, outros não deram essa permissão.
Além disso, todos insistiam no direito de regulamentar o comércio e de taxar
os mercadores britânicos. Os novos cônsules ingleses, como Hewett e Johnston,
não podiam admitir isso. Jaja de Opobo é o exemplo do chefe que fez frente
aos cônsules e aos missionários britânicos (ver fig. 6.5). Obrigou os mercadores
desta nacionalidade a pagar impostos e ordenou a paralisação total do comércio
no rio, até que determinada firma britânica cumprisse o pagamento. O cônsul,
Johnston, mandou -o parar com a exigência de tributos aos seus compatriotas,
mas Jaja de Opobo, em vez disso, enviou uma missão junto do Foreign Office
para protestar contra essa ordem. Como Jaja não queria ceder, apesar de o cônsul
ter ameaçado bombardear a sua cidade com as canhoneiras britânicas, em 1887
Johnston atraiu -o a bordo de um navio, portando um salvo -conduto, e o deteve,
expedindo -o para Acra
49
, onde foi julgado e deportado para as Antilhas. Estu-
pefatos com esta forma de tratar um dos chefes mais poderosos e mais ricos da
região, e sofrendo já de dissensões internas, os outros Estados do delta – Velho
Calabar, Novo Calabar, Brass e Bonny – renderam -se e aceitaram as comissões
administrativas impostas por Johnston.
Outro chefe que também desafiou os britânicos foi Nana, governador do rio
no reino de Itsekiri. A exemplo de Jaja, quis regulamentar o comércio no rio
Benin, o que levou os britânicos a formar um exército para lhe tomar a capital.
A primeira tentativa, que se deu em abril de 1894, foi rechaçada, mas a segunda,
em setembro, teve êxito. Nana fugiu para Lagos, onde se rendeu em pessoa
ao governador britânico, que prontamente o julgou e deportou, primeiro para
Calabar e depois para a Costa do Ouro
50
.
48 WEBSTER e BOAHEN, 1967, p. 247 -9.
49 CROWDER, 1968, p. 119 -23; O. IKIME, 1973, p. 10.
50 IKIME, 1971, p. 227 -8.
153
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
Conquista e reações no norte da Nigéria
Se a conquista e ocupação do sul da Nigéria foi obra do governo britânico,
ajudado pelos comerciantes e pelos missionários, no norte da Nigéria isso foi
realizado pela National African Company (Royal Niger Company RNC
desde 1886) e pelo governo. No norte, o principal método empregado foi, como
fizeram os franceses no Sudão ocidental, a intervenção armada. No entanto, ela
foi precedida por uma série de tratados subscritos pelos chefes do norte da Nigé-
ria e pela RNC. Para ela, era uma forma de reservar a região para os britânicos
e de contrariar os apetites franceses e alemães, que avançavam, respectivamente,
do oeste e do leste.
Tendo sido o princípio da ocupação efetiva estabelecido pela Confencia de
Berlim, a RNC foi obrigada a intervir, para se antecipar aos franceses e alemães. O
caminho para o norte atravessava Ilorin e Nupe, ambos determinados a defender
a sua independência e soberania. Nupe foi invadido, portanto, em 1897. Segundo
D. J. M. Muffett, os efetivos da coluna “compunham -se do major A. R. Arnold,
comandando
51
europeus, oficiais ou não incluindo sir George Goldie em pessoa e
507 soldados agrupados em sete companhias, apoiados por 565 carregadores. O
armamento pesado compreendia dois canes Whitworth de carregar pela culatra,
um para granadas de 12 libras e o outro de nove libras, cinco peças de carregar
pela boca para granadas de sete libras e seis metralhadoras Maxim”.
A coluna era escoltada por uma flotilha de 11 embarcações. O etsu de Nupe
e seu importante exército, calculado entre 25 mil e 30 mil cavaleiros e infantes,
equipados sobretudo com armas tradicionais (arcos e flechas, lanças e espadas),
defenderam -se corajosamente, mas os britânicos acabaram vencendo; o etsu
foi destronado e substituído por uma personalidade mais dócil. Nupe perdeu a
batalha porque não tinha compreendido, como salientou Crowder, que
uma carga de cavalaria atacando de frente um inimigo armado de fuzis de tiro
rápido, de canhões e de metralhadoras Maxim constitui a pior estratégia militar
possível
52
.
Depois, foi a vez de Ilorin, ainda no mesmo ano. Após se bater valentemente,
o Estado teve de submeter -se à RNC.
Estas vitórias, no entanto, não impressionaram os chefes dos outros Estados
do norte. Pelo contrário, todos os emires, salvo o de Zaria, impelidos pelo ódio
51 MUFFETT, 1971, p. 283 -4.
52 CROWDER, 1968, p. 131.
154
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Jaja (c. 1821 -1891), soberano do Estado de Opobo, no delta do Níger. (Foto: Longman.)
155
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
implacável ao infiel, estavam antes decididos a morrer do que a entregar seu
país e a renunciar a sua fé. Conforme diria o sultão de Sokoto a Lugard, em
maio de 1902,
entre nós e vós não pode haver outra relação que não seja aquela entre muçulmanos
e incréus [...] a guerra, como o Todo -Poderoso nos mandou
53
.
Os britânicos tiveram, portanto, de organizar uma série de campanhas
contra os Kontangora em 1900, os Adamawa em 1901, os Bauchi em 1902, os
Kano, Sokoto e Burwuri em 1903
54
. Todos estes emires se mostraram à altura
da situação, mas, sendo a luta muito desigual, contra um inimigo equipado com
metralhadoras Maxim e canhões estriados de sete libras, de carregar pela boca,
tinham de se declarar vencidos.
Reações dos africanos na África ocidental, 1900 ‑1914
Conforme vimos, em 1900 todos os esforços envidados pelos africanos para
salvaguardar a sua soberania e independência foram inúteis. No decurso do
período estudado, compreendido entre 1900 e o começo da Primeira Guerra
Mundial, diversos sistemas e métodos seriam empregados para administrar
e sobretudo explorar as novas possessões. Como diria Angoulvant, nomeado
governador da Costa do Marfim em agosto de 1908:
O que tem de ser colocado antes de tudo é o princípio indiscutível da nossa autori-
dade [...] Da parte dos indígenas, a aceitação de tal princípio deve se traduzir pela
deferência na acolhida, pelo respeito absoluto aos nossos representantes, sejam eles
quais forem, pelo pagamento integral do imposto à taxa uniforme de 2,50 francos,
pela boa cooperação dada à construção de caminhos e de estradas, pela aceitação do
pedágio pago, pela observação de nossos conselhos [sic] relativos à necessidade do
trabalho, pelo recurso à nossa justiça [...] As manifestações de impaciência ou de
falta de respeito para com a nossa autoridade, as faltas deliberadas de boa -vontade,
têm de ser reprimidas sem demora
55
.
53 MUFFETT, 1971, p. 284 -7.
54 As campanhas britânicas no norte da Nigéria e a corajosa resistência dos dirigentes são perfeita mente
conhecidas para serem aqui discutidas. Para maiores detalhes, ver MUFFETT, 1971; ADELEYE, 1971;
LAST, 1967.
55 Apud SURET -CANALE, 1971, p. 97 -8.
156
África sob dominação colonial, 1880-1935
Em todas as novas colônias, os objetivos acima definidos foram levados
a cabo mediante os métodos que acabam de ser expostos. Foram nomeados
administradores de distrito e administradores itinerantes, promulgados novos
códigos e novas leis, chefes confirmados ou depostos e outros designados, bai-
xados impostos diretos e indiretos e exigido o trabalho forçado para a abertura
de estradas e vias férreas. Todas essas medidas, naturalmente, suscitaram as mais
variadas reações.
No decurso do segundo período, se os fins não eram sempre os mesmos,
em compensação os meios utilizados pelos africanos da costa ocidental para os
atingirem eram idênticos. Os objetivos essenciais configuravam três tipos: recu-
perar a independência e a soberania perdidas, o que implicava a plena rejeição
da dominação colonial; procurar corrigir ou retificar certos abusos ou certos
aspectos opressivos do colonialismo; procurar acomodar -se. A estratégia utili-
zada neste período não foi a submissão nem a aliança, mas antes a resistência
por várias formas: revoltas e rebeliões, migrações, greves, boicotes, petições, envio
de delegações e, finalmente, contestação ideológica. Durante esta fase, o poder
permaneceu praticamente o mesmo da fase entre 1880 e 1900, ou seja, ficou nas
mãos dos chefes tradicionais. Vamos fazer um breve exame de tais estratégias.
O todo mais comum na África ocidental, durante este período, foi a
rebelião ou a revolta. Citemos, a título de exemplo, a de Mamadou Lamine
no Senegal, entre 1885 e 1887; a de Fode Silla, o rei marabuto de Kombo, e a
de Fode Kabba, chefe muçulmano de Niamina e dos distritos de Casamance,
na Gâmbia, entre 1898 e 1901; a rebelião provocada em 1898 pelo imposto de
palhota na Serra Leoa, encabada por Bai Bureh; a dos Ashanti na Costa do Ouro
em 1900, chefiada pela rainha de Edweso, Nana Yaa Asantewaa; a de Ekumeku, de
1898 a 1900, e o levante dos Aro, de 1898 a 1902, na Nigéria oriental; a rebelião
dos Bariba de Borgu e dos Somba de Atakora, no Daomé, entre 1913 e 1914;
as dos Mossi em Koudougou e Fada N’Gurma, no Alto Volta, de 1908 a 1909;
o levante de Porto Novo no Daomé e as revoltas dos Baule, Akusse, Sassandra
e dos Guro na Costa do Marfim, entre 1900 e 1914, assim como os numerosos
levantes verificados em diversos lugares da Guiné, entre 1908 e 1914. É inte-
ressante notar que estas rebeliões redobraram de intensidade durante a Primeira
Guerra Mundial
56
.
56 Para informações mais amplas sobre todas estas revoltas, ver IKIME, 1973; AFIGBO, 1973; OLO-
RUNTIMEHIN, 1973b; OSUNTOKUN, 1977; CROWDER, 1977c; SURET -CANALE, 1971,
p. 93 -107; CROWDER, 1968; 1971; DUPERRAY, 1978; KIMBA, 1979; YAPÉ, 1977; MICHEL,
1982; WEISKEL, 1980; KOFFI, 1976. Ver também o capítulo 12 desta obra.
157
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
Para conhecer a natureza e as razões dessas revoltas, é necessário examinar
um pouco mais de perto três exemplos típicos: o da rebelião encabeçada por
Mamadou Lamine, a do imposto de palhota e a de Nana Yaa Asantewaa.
A rebelião de Mamadou Lamine
A rebelião de Mamadou Lamine estava dirigida contra a dominação estran-
geira. Em 1880, os Soninke, disseminados pelos diversos Estados que formavam
o Alto Senegal, viviam em parte sob a autoridade dos franceses e em parte sob
a de Ahmadu. As obras de construção da linha telegráfica e da estrada de ferro
ligando Kayes ao Níger exigiam bastante mão de obra, recrutada principalmente
em meio dos Soninke. O trabalho esgotante e a precariedade das condições de
vida acarretavam elevada taxa de mortalidade. Foi essa a origem de um movi-
mento de protesto voltado não contra as humilhações diárias mas, em particu-
lar, contra a presença de estrangeiros
57
. Mamadou Lamine desempenhou o papel
de catalisador do movimento, reunindo à sua volta todas as vítimas passadas e
presentes da nova ordem social e política. Ele estava aureolado pelo prestígio de
uma peregrinação a Meca ao retomar ao país, abalado por uma crise ao mesmo
tempo econômica, política e social. Desde seus primeiros sermões em público,
procurou transferir a crise para o plano religioso, pregando a estrita doutrina
Sanusiyya, que proibia aos muçulmanos viver sob uma autoridade não islâmica,
o que foi o suficiente para garantir a espontânea adesão dos Soninke ao seu pro-
grama. Suas viagens a Khasso, Guoy, Bambuk e Bondu suscitavam diariamente
novas adesões de compatriotas à sua causa (ver fig. 6.1) e, desde fins de 1885,
ele dispunha de importantes forças, dispostas a combater pela liberdade.
A morte do almamy de Bondu, Boubacar Saada, protegido pela França, foi
para ele a ocasião de passar à ofensiva. Omar Penda, que o governo francês tinha
imposto como sucessor do falecido almamy, recusou a Mamadou Lamine auto-
rização para atravessar o seu território a fim de chegar a Gâmbia. Este, então,
invadiu Bondu em 1886. Frey, que se encontrava às margens do Níger, enviou
contingentes a Kayes e a Bakel para garantir a retaguarda. Foi aí que Mamadou
Lamine tratou de radicalizar o seu movimento, emprestando aos seus sermões
um único tema: a guerra total contra os cristãos
58
. Os Soninke condenavam os
franceses e seus aliados africanos, como Omar Penda, de Bondu, Sambala, de
Medina, bem como os fazendeiros instalados em Bakel, Medina e Kayes. Alguns
57 TANDIA, 1973, p. 83.
58 Ibid., p. 89.
158
África sob dominação colonial, 1880-1935
Soninke a serviço dos franceses aderiram ao campo de Mamadou Lamine,
enquanto outros, instalados nos postos franceses, transmitiam-lhe informações
sobre os movimentos de tropas do adversário.
Em face de um inimigo dotado de armamento superior, Mamadou Lamine
contava com a superioridade numérica e o fanatismo das suas tropas, convencidas
de que estavam lutando por Deus e pela pátria. Sua derrota em Bakel o levou a
adotar a tática da guerrilha. Em março de 1886, Mamadou Lamine decidiu ata-
car Bakel, símbolo da presença francesa na região e da humilhação dos Soninke.
Organizou então o bloqueio da cidade, ocupando todas as vias de acesso com suas
tropas. O capitão Jolly, que procurava desatar o atacando os Soninke com base
em Koungani, teve de bater precipitadamente em retirada, deixando dez mortos
e um canhão atrás de si. Mamadou se lançou então ao assalto da cidade, à frente
de 10 mil homens, mas o ataque fracassou. Parecia certa a vitória dos atacantes,
quando o seu quartel -general foi destruído por uma granada. Na confusão que se
seguiu, os guerreiros de Mamadou Lamine fugiram
59
, mas depois de ter cortado,
por ordem dele, a linha telegráfica entre Bakel e Kayes.
A experiência de Bakel tinha ensinado a Lamine que, com as armas de
que dispunha, jamais poderia tomar os postos fortificados franceses. Portanto
voltou -se para a guerra de guerrilhas. Regressado do Níger, Frey aterrorizava as
populações de Guidimakha, para forçá -las a abandonar a causa de Mamadou
Lamine, incendiando as aldeias, confiscando as colheitas e o gado. Semelhante
política podia reforçar os Soninke na sua resolução de desembaraçar o país
dos franceses. Mamadou Lamine aproveitou a estão das chuvas de 1886
para reorganizar as suas forças. Instalou o quartel -general em Diana, na Alta
Gâmbia, onde construiu uma fortaleza que se tornou centro de propaganda e
base de operações. Em julho, os Soninke atacaram Senoudebou, reconquistaram
Boulebane e executaram Omar Penda, protegido francês de Bondu
60
. Depois de
1887, a aliança entre Galliéni e Ahmadu contra os Soninke precipitou o fracasso
da revolta. Atacado pelo exército de Ahmadu, o filho de Mamadou, Souaibou,
viu-se obrigado a abandonar Diafounou e Guidimakha nas mãos do filho de Al
Hadj Umar. Foi feito prisioneiro e executado quando se esforçava para alcançar
o pai. Em dezembro de 1887, Lamine era finalmente batido em Touba -Kouta
pelos franceses, com a ajuda de auxiliares de Alta Casamance, fornecidos por
Moussa Molo.
59 Ibid., p. 92.
60 Ibid., p. 95.
159
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
A rebelião provocada pelo imposto de palhota
A rebelião provocada pelo imposto de palhota, em 1898, foi uma reação dos
Temne e dos Mende de Serra Leoa, diante do reforço do domínio britânico pela
nomeação de administradores de distrito, pelo desenvolvimento da força armada,
pela abolição do tráfico e da escravidão, pela promulgação da lei do protetorado
de 1896, que habilitava as autoridades a dispor dos terrenos baldios e, final-
mente, pela imposição no protetorado de uma taxa anual de cinco xelins sobre
as habitações de duas peças e de 10 xelins sobre as de maiores dimensões
61
.
Decidindo por unanimidade não pagar o imposto, os chefes Temne
revoltaram -se contra as ordens de um deles, Bai Bureh (ver fig. 6.6). Junto com
os Mende, que vieram engrossar as suas fileiras, eles representavam perto de
três quartos do protetorado. Os rebeldes atacaram e pilharam feitorias, matando
funcionários e soldados britânicos, bem como todos os suspeitos de colaborar
com a administração colonial. Como informa um administrador de distrito em
abril de 1898,
o objetivo parece ser o massacre de todos os serra -leoneses (isto é, os crioulos de
Freetown) e todos os europeus, e é o que está acontecendo. Não existe mais comér-
cio no país pois vários comerciantes foram mortos e seus depósitos queimados
62
.
Em maio de 1898, os exércitos rebeldes chegaram a cerca de 40 km de Freetown,
e Lagos teve de despachar às pressas duas companhias de soldados para defender a
cidade.
Qual era a exata natureza dessa revolta? O governador britânico de Serra
Leoa, que foi inteiramente colhido de surpresa, atribuía a revolta – assim como
a resistência geral ao colonialismo, então em plena expansão à crescente
consciência política do africano, à confiança cada vez maior no seu valor e na
sua autonomia”. Segundo ele,
o indígena começa a compreender a força que representa, ao ver a importância que o
homem branco dá aos produtos do seu país e ao seu trabalho, de modo que o branco
não poderá mais, no futuro, aproveitar -se tanto como antes da sua simplicidade e da
sua ignorância do mundo
63
.
61 Estas informações foram extraídas de LANGLEY, s.d.
62 Ibid.
63 Ibid.
160
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Bai Bureh (c. 1845 -1908), chefe da rebelião provocada pelo imposto de palhota, em 1898.
(Desenho ao vivo executado pelo tenente H. E. Green, do 1 Regimento da África ocidental. (Fonte: BBC
Hulton Picture Library.)
161
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
A análise do governador Cardew é justa e se aplica igualmente à maior parte
das rebeliões e das operações de guerrilha que a África ocidental conheceu entre
fins da década de 1890 e 1914.
A revolta cheada por Nana Yaa Asantewaa
A exemplo da rebelião contra o imposto de palhota, em 1898, o levante dos
Ashanti, em 1890, foi provocado pela vontade dos britânicos de consolidar o seu
donio sobre aquele povo graças à destituição de vários chefes que lhes eram hos-
tis, à nomeação de indivíduos que, conforme a tradição, não estavam qualificados
para substit-los e à imposição de uma taxa de quatro xelins por cabeça, a título
de indenização da guerra de 1897. A insatisfação irrompeu quando o governador
britânico, Arnold Hodgson, exigiu o Tamborete de Ouro para se sentar. Ora, o
Tamborete de Ouro era para os Ashanti o que de mais sagrado possuíam no
mundo, pois o consideravam o símbolo de sua alma e de sua sobrevivência como
nação. Semelhante exigência tinha, portanto, de desencadear a revolta instantâ-
nea de praticamente todos os Estados importantes, os quais se sublevaram sob o
comando da rainha de Edweso, Nana Yaa Asantewaa
64
(ver fig. 6.4).
As forças Ashanti atacaram o governador e seu séquito, que tiveram de se
refugiar no forte de Kumasi, imediatamente cercado. Depois que o governador e
seu pessoal conseguiram sair do forte, os Ashanti enfrentaram por muitas vezes
os britânicos em batalhas campais de abril até novembro de 1900, data em que
Nana Yaa Asantewaa foi presa e deportada para as Seychelles, em companhia
de vários generais Ashanti.
Revoltas do mesmo gênero, acompanhadas de severos combates e de opera-
ções de guerrilha, multiplicaram -se na Costa do Marfim, em razão dos métodos
brutais (sobretudo o trabalho forçado e a tributação exagerada) do governador
Angoulvant, que chegava à crueldade para consolidar o domínio dos france-
ses no país e facilitar a exploração da colônia. A resistência dos Baule, que se
manifestou em 1908 e continuou até 1910, foi reprimida com uma brutalidade
e uma crueldade sem precedentes nos anais da resistência africana (ver fig. 6.7).
No final do conflito, a população Baule tinha decaído de 1 500 000 em 1900
para 260 mil em 1911
65
. Os vizinhos dos Baule os Guro, os Dan e os Bete
resistiram até 1919.
64 Para maiores detalhes, ver FYNN, 1971, p. 46 -9.
65 SURET -CANALE, 1971, p. 95 -103. Para maiores detalhes sobre a fase nal da resistência dos Baule,
ver WEISKEL, 1980, p. 172 -210; BONY, 1980, v. 1, p. 17 -29.
162
África sob dominação colonial, 1880-1935
Migração em massa
Mas as revoltas e insurreições não foram as únicas formas de resistência
adotadas pelos povos da África ocidental, entre 1900 e 1914. Um dos métodos
mais generalizados consistia em emigrar em massa, em protesto contra a dureza
do regime colonial; foi empregado principalmente nas colônias francesas, onde,
incapazes de se sublevar, dada a presença de unidades militares aquarteladas
nas partes controladas, os africanos preferiam fugir a sofrer medidas que eles
julgavam opressivas e humilhantes. Foi assim que, entre 1882 e 1889, grande
parte da população Peul dos subúrbios de Saint -Louis emigrou para o império
de Ahmadu. Dos 30 mil Peul que a cidade contava em 1882, não restavam mais
que 10 mil em 1889. Em 1916 e 1917, mais de 12 mil pessoas deixaram a Costa
do Marfim pela Costa do Ouro. No decurso do mesmo período, também se deu
importante emigração do Senegal para a Gâmbia, do Alto Volta para a Costa
do Ouro e do Daomé para a Nigéria
66
.
Cumpre salientar que estas rebeliões e migrações eram essencialmente obra
de rurícolas, cujos contatos diretos com europeus remontavam apenas às déca-
das de 1880 e 1890. Nas regiões costeiras e nos novos centros urbanos, onde
vivia a elite instruída e onde começava a surgir uma classe operária, as reações
pareciam menos violentas. Tratava -se de greves, boicotes, protestos ideológicos,
artigos nos jornais e, sobretudo, envio de petições e de delegações aos admi-
nistradores coloniais da localidade e do governo central, por diversos grupos e
movimentos.
Greves
A greve tornou -se uma forma de protesto, essencialmente utilizada após
a Primeira Guerra Mundial, mas o período anterior registra diversas: a dos
ferroviários da linha Dakar -Saint -Louis em 1890, a das mulheres daomeanas
que trabalhavam no Camarões em 1891, a dos serventes de pedreiro de Lagos
que reclamavam aumento de salário em 1887, que Basil Davidson qualificou
como “a primeira greve colonial importante
67
.
Em 1918 -1919, teve lugar a greve dos remadores de Cotonou e de Grand
Popo, no Daomé, e em 1919 a primeira greve dos estivadores no porto de
Conakry, na Guiné
68
.
66 ASIWAJU, 1976b.
67 DAVIDSON, 1978b; HOPKINS, 1966b.
68 SURET -CANALE, 1977, p. 46 -50.
163
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
 .a Levante na Costa do Marm no início da década de 1900: a cabeça decepada de um africano
exposta para exemplo. (Foto: Harlingue -Viollet.)
F .b Costa do Marfim: o tenente Boudet aceita a rendição dos chefes tradicionais. (Foto:
Harlingue -Viollet.)
164
África sob dominação colonial, 1880-1935
Protesto ideológico
A contestação ideológica surgiu neste período, principalmente no plano
religioso: entre os cristãos, os muçulmanos e os adeptos da religião tradicional.
Como demonstrou B. O. Oloruntimehin, os adeptos da religião tradicional, entre
os Mossi do Alto Volta, os Lobi e os Bambara do Sudão francês, uniram-se para
combater quer as religiões cristã e muçulmana quer a difusão da cultura francesa.
Os muçulmanos, mais particularmente os do Sudão ocidental, reativaram o
Mahdismo ou fundaram movimentos como o Mouridismo, sob a direção do
xeque Ahmadu Bamba, ou o Hamalhismo do xeque Hamallah, para protestar
contra a presença francesa
69
. Os cristãos africanos, principalmente os das colô-
nias britânicas da África ocidental, também se revoltaram contra a dominação
dos europeus nas igrejas e contra a imposição da cultura e da liturgia europeias.
Daí resultaram cisões que trouxeram consigo a criação de igrejas messiânicas,
milenaristas ou etíopes, dotadas de liturgias próprias e de dogmas de caráter
nitidamente africano. Foi assim, por exemplo, que em abril de 1888 apareceu a
Nature Baptist Church, primeira igreja africana da Nigéria
70
.
Associações de elite
Um pouco por toda parte, os africanos instruídos fundaram, sobretudo nos
centros urbanos, numerosos clubes e associações, que lhes serviam de plataforma
para protestar contra os abusos e as injustiças do colonialismo durante este
período. Tais associações recorriam principalmente a meios como jornais, peças
de teatro, folhetos e panfletos
71
. A título de exemplo de grupos que agiam como
comissões de vigilância do colonialismo”, citaremos a Aborigines Rights Protec-
tion Society (ARPS), formada na Costa do Ouro em 1897, o Clube dos Jovens
Senegaleses, fundado em 1910, a Peoples Union e a Anti -Slavery and Abori-
gines Protection Society, criadas na Nigéria em 1908 e 1912, respectivamente.
A mais ativa foi, de longe, a ARPS. Tinha sido criada para protestar contra o
projeto de lei fundiária de 1896, que visava permitir o domínio da administração
colonial sobre todas as terras pretensamente baldias ou desocupadas. Depois de
enviar uma delegação a Londres, em 1898, à presença do secretário de Estado
das Colônias, esse projeto de lei celerada foi retirado. A sociedade apresentou
em seguida uma série de petições à administração local, bem como ao Colonial
69 OLORUNTIMEHIN, 1973b, p. 32 -3.
70 AYANDELE, 1966, p. 194 -8.
71 OMU, 1978.
165
Iniciativas e resistência africanas na África ocidental, 1880 -1914
Office, protestando contra diversos projetos de lei em elaboração. Enviou outras
duas delegações à Inglaterra: uma em 1906, exigindo a revogação do decreto
sobre as cidades de 1894, e a segunda em 1911, para denunciar o projeto de
lei sobre as florestas de 1910. Foi, certamente, na África ocidental, o porta -voz
mais eficaz da elite e dos dirigentes tradicionais, bem como o maior adversário
do colonialismo antes do surgimento do National Congress of British West
Africa, depois da Primeira Guerra Mundial. Na África Ocidental Francesa, o
Clube dos Jovens Senegaleses, criado em 1910, também reclamava ativamente
a igualdade de direitos.
Fica evidente, a partir do que vimos, que os povos da África ocidental mobi-
lizaram todo um arsenal de estratégias e de táticas para combater, primeiro a
instauração do regime colonial, depois ante o malogro das primeiras tentativas
certas medidas ou instituições do sistema. Em conjunto, as diversas estratégias
e medidas se revelaram inoperantes e, no final do período estudado, o colonia-
lismo estava solidamente implantado em toda a África ocidental.
As causas do insucesso
Todas as tentativas de resistência e de insurreição armada fracassaram, por-
tanto, ao menos se considerarmos apenas os resultados imediatos. Embora não
faltassem aos habitantes da África ocidental coragem nem ciência militar, esta-
vam em grave desvantagem relativamente aos invasores e não dispunham de
nenhuma compensação para a inferioridade técnica de seu armamento. Claro,
conheciam melhor o país, e a dureza do clima, que obrigava os europeus a
interromper operações em certos períodos do ano, às vezes lhes proporcionava
um pouco de descanso. Mas o grosso das tropas conquistadoras, comandado por
oficiais europeus, era composto de fuzileiros africanos, que não estavam portanto
fora do seu elemento. Além disso, era frequente, seja na África ocidental seja
no Maghreb (ver capítulo 5), que os defensores não contassem com a vanta-
gem da superioridade numérica. Efetivamente, o exército regular do invasor
era muitas vezes seguido de milhares de auxiliares africanos, originários de
territórios anexados ou de protetorados, cujo papel principal consistia em pilhar
sistematicamente o país em conflito com o protetor deles, a fim de abalar a sua
organização interna. Por outro lado, os Estados da África ocidental nunca che-
garam a estabelecer uma aliança orgânica, que obrigasse os inimigos a combater
em várias frentes ao mesmo tempo. Certos Estados perceberam claramente a
necessidade dessa aliança, mas as tentativas em tal sentido não deram resultado.
166
África sob dominação colonial, 1880-1935
Os resistentes, na sua maioria, recorreram tarde demais à tática da guerrilha,
depois que a derrota lhes ensinara que a guerra clássica e o sistema defensivo das
tatas não funcionavam diante de um inimigo dotado de superior capacidade de
fogo. Cabe ainda lembrar que, nos termos da Convenção de Bruxelas de 1890,
os imperialistas se puseram de acordo para não vender armas aos africanos. Por
isso eles se defrontaram com graves problemas logísticos. Enfim, como no resto
do continente africano, todos os combatentes da África ocidental, com a exceção
de Samori Touré, tiveram de lançar mão de armas obsoletas, como espingardas
velhas, arcos e flechas, contra os canhões e a metralhadora Maxim. A conjugação
de todos esses fatores é que explica a derrota dos africanos.
Se lançarmos uma vista de olhos a este período épico da história africana, a
questão que naturalmente acode ao espírito é a de saber se a resistência não foi
uma loucura heróica”, ou seja, uma atitude criminosa. Não é essa a opinião dos
autores do presente capítulo. Pouco importa, com efeito, que os exércitos africa-
nos tenham sucumbido diante de inimigos mais bem equipados, se a causa pela
qual os resistentes se imolaram resta viva no espírito de seus descendentes.
C A P Í T U L O 7
167
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
Muitas páginas se escreveram sobre as reações africanas à penetração e à
dominação coloniais no final do século XIX e começos do século XX. Na sua
maioria, se não na totalidade, esses trabalhos concentram -se na dicotomia entre
resistentes”, tachados obviamente de heróis, e colaboradores”, tachados não
menos evidentemente de traidores. Essa classificação é resultado das lutas nacio-
nalistas pela independência na África e no resto do mundo. Os envolvidos nessas
lutas tendiam a considerar -se herdeiros de uma longa tradição de combate, que
remontava aos começos do século atual, se não a antes. Afirmava -se que a inde-
pendência era uma coisa boa e que lutar por ela era natural. Em consequência,
todos quantos se haviam oposto à penetração europeia na África, em defesa de
sua independência, eram heróis a serem tomados como exemplo e aos quais se
devia reservar um lugar de honra na história do país que tivesse ganho a inde-
pendência através da resistência à dominação colonial. Posto nestes termos, este
ponto de vista é uma tentativa de utilizar critérios do presente de utilizá -los
retroativamente – na interpretação dos acontecimentos do passado. No período
colonial, as autoridades referiam -se aos que resistiam como pouco atilados, e
aos que colaboravam, como inteligentes. Os atuais historiadores nacionalistas da
África oriental condenam os pretensos colaboradores, especialmente os chefes,
e louvam os resistentes
1
.
1 MURIUKI, 1974, p. 233.
Iniciativas e resistência africanas
na África oriental, 1880 -1914
Henry A. Mwanzi
168
África sob dominação colonial, 1880-1935
Estes últimos também eram divididos entre os que pegavam em armas con-
tra os intrusos resistência ativa e os que, embora não pegassem em armas,
recusavam -se a cooperar com os invasores – a chamada resistência passiva. Não
se fazem distinções entre os ditos colaboradores. São considerados, de modo
geral, como um grupo indiferenciado.
Todavia o professor Adu Boahen observou, com justa razão, que é deformar
a história da África fazer dela um conflito de heróis” e vilões”. Semelhante
concepção ignora por completo as circunstâncias em que agiam os grupos e as
pessoas. As opções que se lhes ofereciam e a interpretação que eles lhes davam
podem ter sido diferentes das que lhes impuseram os políticos e intelectuais.
Parece justo, como propõe Boahen, considerar os acontecimentos da época e seus
principais protagonistas em termos de diplomacia – uma diplomacia desenvol-
vida de maneira independente ou apoiada na força. No que diz respeito à África
oriental da década de 1890, o exame de tais fatores permite abordar correta-
mente os acontecimentos que sobrevieram. Mas, como declaram R. I. Rotberg
e Ali Mazrui: “Ninguém jamais pôs em dúvida que a introdução das normas e
da dominação ocidentais, assim como os controles que as acompanharam, foi
questionada em toda parte pelos africanos afetados”
2
.
Esse questionamento, entretanto, assumiu diferentes formas. A reação à
invasão foi determinada pela estrutura de cada sociedade à época; embora
todas estivessem decididas a preservar sua soberania, a reação à invasão não foi
uniforme”
3
. A diversidade das reações ocorria segundo o grau de coesão social,
ou outros aspectos de cada sociedade.
Na década de 1890 período que precedeu a ocupação europeia da África
oriental – as sociedades da região haviam atingido diferentes etapas de organiza-
ção social
4
. Algumas delas, como a dos Baganda e a dos Banyoro, em Uganda, a
dos Banyambo, em Tanganica (atual Tanzânia), e a dos Wanga, no Qnia, tinham
elevado grau de centralização política (ver fig. 7.1). Nessas sociedades, as reações
à penetração estrangeira foram em geral decididas pelo rei ou pelos dirigentes.
O que na Europa vigorou em certa época, a religião do rei é a minha religião”,
resume bem essa atitude. Outros grupos, como os Nyamwezi, na Tanzânia, ou os
Nandi, no Quênia, estavam em vias de constituir governos centralizados. É cos-
tume definir esse processo como de formação do Estado. A grande maioria das
sociedades dessa região não tinha governo centralizado, mas ausência de governo
2 ROTBERG & MAZRUI, (eds.) 1970, p. XVIII.
3 M. H. KANIKI, em M. H. Y. KANIKI (eds.), 1980, p. 6.
4 Para um estudo detalhado das sociedades tanzanianas antes da corrida colonialista, ver SHERIFF, 1980.
169
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
 . Povos e divisão política da África oriental. O mapa mostra as zonas da rebelião Maji Maji.
170
África sob dominação colonial, 1880-1935
central não significa ausência de governo – erro que alguns estrangeiros cometeram
por vezes ao falar das sociedades africanas no passado.
Além disso, as diversas sociedades haviam tido diferentes veis de contato com
os europeus ou com os árabes, duas forças externas que nessa época se defronta-
vam na África oriental. De modo geral, as zonas costeiras tinham contato mais
profundo com os europeus e os árabes do que as do interior. Quanto aos povos
interioranos, três ou quatro grupos tinham mais contato com os árabes do que os
outros. Os Akamba, no Quênia, e os Nyamwezi, na Tanzânia, ocupavam -se com
o comércio de caravanas, circulando entre o interior e a costa fenômeno amiúde
designado pelo nome de comércio de longa distância
5
. Os Baganda e os Wanga do
Quênia também haviam tido, antes da década de 1890, contato com mercadores
árabes de marfim e de escravos. Aqui, igualmente, o grau de abertura às influências
externas determinou o tipo e a extensão da resistência de tais sociedades.
Independentemente das influências humanas, ainda que ter em vista as
transformações ecológicas verificadas então na África oriental, as quais também
interferiram nas reações à penetração estrangeira. As condições atmosféricas de
toda a região provocaram secas e consequente escassez de alimentos. Houve
ainda epidemias de peste bovina
6
. Neste caso também, algumas sociedades foram
mais atingidas do que outras pelas catástrofes naturais. As sociedades pastoris,
como os Massai do Quênia, parecem ter sofrido mais com os problemas eco-
lógicos. Algumas famílias Massai, como os Waiyaki e os Njonjo, refugiaram -se
junto de seus vizinhos Gikuyu, onde iriam desempenhar um papel diferente,
em relação tanto à penetração colonial como ao sistema colonial que se instalou
em seguida; seu papel foi igualmente importante na sociedade pós -colonial
7
.
Outras refugiaram -se entre os Nandi
8
. Outras, ainda, ofereceram seus préstimos
ao rei dos Wanga, Mumia, no país dos Abaluyia, como mercenários e, depois,
aos agentes do império britânico, tendo feito parte do corpo expedicionário
enviado para conquistar a região atualmente designada por Quênia. Serviram
muito especialmente contra os Nandi
9
. O exemplo dos Massai mostra bem que
tipo de desagregação se produzira nas economias das várias sociedades da área.
Portanto, o colonialismo penetrou numa região que já experimentava uma crise
econômica com todos os seus efeitos negativos.
5 Ver KIMAMBO, 1970.
6 RODNEY, s.d., p. 4.
7 MUNGEAM, 1970, p. 137; ver KING, K. J., 1971a.
8 MWANZI, 1977.
9 KING, K. J., 1971a.
171
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
Rivalidades europeias e resistência
africana na África oriental
As lutas coloniais na África oriental envolviam três potências rivais: o sul-
tanato de Zanzibar, a Alemanha e a Inglaterra. Os primeiros em cena foram os
árabes de Zanzibar, que tinham interesses essencialmente comerciais na costa e
no interior relacionados com o marfim e o tráfico de escravos. Antes da década
de 1880 -1890, os negociantes árabes e swahilis contentavam -se com as ope-
rações no litoral. Mas, no final do século, os interesses árabes no interior da
África oriental começaram a ser ameaçados pelos interesses dos alemães e dos
britânicos, que haviam penetrado pouco a pouco na região. Em vista dessa
ameaça, os árabes tentaram garantir para si o controle político de certas áreas,
a fim de proteger suas concessões comerciais. Instalaram então uma colônia
em Ujiji, às margens do lago Tanganica, e em Buganda prepararam um golpe
contra os cristãos, depois de terem colaborado com eles para afastar Mwanga do
trono
10
. Os europeus do interior, comerciantes e missionários, desejavam que seu
governo ocupasse a África oriental, para lhes garantir segurança e lhes permitir
o desenvolvimento de seus empreendimentos sem problemas.
Os métodos de conquista europeia não foram os mesmos em todo lugar.
De maneira geral, caracterizaram -se pelo emprego da força, em combina-
ção, quando possível, com alianças diplomáticas com um grupo contra outro.
O recurso à força tomou a forma de invasões, que também eram espetáculos
de pilhagem. Para facilitar o avanço terra adentro, foram construídas estradas
de ferro. A via férrea de Uganda (fig. 7.2), que ligava o interior do Quênia e de
Uganda ao litoral, chegou à bacia do lago Vitória em 1901.
Os alemães também construíram estradas e ferrovias. A primeira estrada
de ferro partiu de Tanga em 1891 e alcançou o sopé dos montes Usambara em
1905.
A reação no Quênia
A reação africana a todos esses empreendimentos, como já ficou dito, foi ao
mesmo tempo militar e diplomática. Mas, às vezes, caracterizou -se pelo recuo,
não cooperação ou passividade. Os Nandi do Quênia, por exemplo, opuseram -se
militarmente à construção da estrada de ferro em seu território. De todos os povos
do Quênia, foram eles que apresentaram a resistência mais viva e prolongada ao
10 KING, K. J., 1971a.
172
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Equipe volante de assentadores de dormentes na construção da estrada de ferro de Uganda. (Fonte: Royal Commonwealth Society.)
173
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
imperialismo britânico. Essa resistência, iniciada na década de 1890, terminou
quando seu chefe foi morto, em 1905, a caminho de negociações traiçoeiramente
arranjadas. O crime enfraqueceu a resistência dos Nandi, o que possibilitou a
ocupação do território pelos britânicos.
O fato de os Nandi terem conseguido resistir mais de sete anos aos ingleses
devia -se à natureza de sua sociedade. A sociedade nandi dividia -se em unidades
territoriais, chamadas pororiat. Os guerreiros de cada unidade eram responsáveis
pela defesa do território e dormiam numa cubata comum. Esta organização se
aproximava muito da de um exército regular. As tropas territoriais reuniam-se
sob o comando de um chefe tradicional, chamado orgoiyot. Era ele quem decidia
os ataques. As tropas relacionavam -se com ele através de um representante pes-
soal, com assento em cada conselho territorial. Sendo o território, mais do que o
clã, o centro da vida social nandi, não havia rivalidades entre clãs. A sociedade,
por consequência, era muito unida, coesão que lhe conferia superioridade militar
sobre seus vizinhos. Diz Matson a respeito: “É surpreendente que uma tribo tão
pequena como a dos Nandi tenha conseguido aterrorizar populações muito mais
numerosas, quase impunemente, durante várias décadas”
11
.
A coesão social e a confiança dos guerreiros tanto em si mesmos como em
seu chefe fizeram dos Nandi uma força militar com a qual era preciso contar.
As vitórias acumuladas levaram -nos a pensar serem superiores aos outros povos,
entre os quais, os brancos. Como observa G. W. B. Huntingford: “Os Nandi se
consideravam pelo menos iguais, se não superiores, aos homens brancos; toda
estimativa das mudanças introduzidas pelo impacto de nossa civilização deve ser
feita à luz desse fato
12
. Os Nandi, portanto, resistiram com êxito por mais de sete
anos à ocupação estrangeira por causa da força combativa da sua sociedade.
Essa atitude contrasta vivamente com a de outras comunidades do Quênia.
No centro do país, por exemplo, cada chefe, grupo ou creagiu em separado
à invasão estrangeira
13
. A reação de Waiyaki, do grupo dos Gikuyu, constitui
um exemplo típico disso. Seus pais, originariamente Massai, viram -se obriga-
dos, por problemas verificados no país Massai no século XIX, a migrar para o
sul do país Gikuyu. Waiyaki exercia certa influência, devido em parte a seus
contatos com os comerciantes das caravanas. A Imperial British East Africa
Company tinha -o como o chefe supremo dos Gikuyu. Mas seu comportamento,
conforme aponta Muriuki,demonstrou desde o início ter ele sincero interesse
11 MATSON, 1970, p. 72.
12 Apud ARAP NG’ENY, 1970, p. 109.
13 Ver MURIUKI (?) e MUNGEAM, 1970.
174
África sob dominação colonial, 1880-1935
em manter relações amistosas com os brancos”
14
. Cuidou de que a expedição do
conde Teleki atravessasse sem problemas o sul do país Gikuyu e fez um tratado
de fraternidade de sangue com Frederick Lugard, então agente da companhia
britânica. A cerimônia da fraternidade de sangue era a mais alta expressão de
confiança entre os Gikuyu. Depois desse tratado, Waiyaki autorizou Lugard a
construir um forte em seu território. Mais tarde, porém, quando viu rejeitadas
por esses agentes do imperialismo britânico suas reivindicações como a posse
de armas de fogo, Waiyaki virou -se contra eles e tomou o posto da compa-
nhia em Dagoretti. Posteriormente, mudou outra vez de tática, aliando -se aos
estrangeiros para manter sua posição, mas foi deportado por eles. A conduta de
Waiyaki ilustra bem o fato por vezes mal conhecido de que ninguém era
ali “colaborador” ou resistente” a vida inteira. As pessoas mudavam de tática
conforme as circunstâncias e, provavelmente, à medida que se aprofundava sua
compreensão das forças atuantes. A situação colonial não tinha nada de estático:
era dinâmica, assim como as reações dos africanos.
Lenana, um Massai, também se aliou aos ingleses por oposição a outro setor
da sociedade Massai que queria expulsar os estrangeiros. Muitas vezes, quem se
aliava aos britânicos saía recompensado com a nomeação de chefe no sistema
colonial. Lenana, como muitos outros, foi nomeado chefe supremo dos Massai
no Quênia. A resistência africana variava segundo a natureza das comunidades
e a maneira como cada uma percebia a ameaça à sua soberania
15
. Mudavam a
extensão e as formas da resistência. Como diz Ochieng,praticamente em todo
o Quênia houve oposição ao domínio colonial. Mais bem armados e empre-
gando grupos de mercenários, os britânicos impuseram sua autoridade pela
força
16
.
No litoral, a família Mazrui resistiu aos artifícios da Ibeac. A resistência foi
encabeçada por Mbaruk Bin Rashid, que organizou uma guerra de flagelação
contra as forças britânicas, superiormente equipadas. Foi preciso mandar vir
tropas indianas para vencê -la. Mbaruk Bin Rashid fugiu para o Tanganica e caiu
nas mãos dos alemães. A resistência dos Mazrui devia -se às tentativas britânicas
de interferência nos assuntos internos das sociedades do litoral. Instalada em
Takarungu, no litoral do Quênia, a família Mazrui foi estendendo progressiva-
mente sua influência a numerosas regiões da costa. Obtendo o monopólio da
compra de cereais entre os Mijikenda, passou a controlar a venda das colheitas
14 MURIUKI, p. 152 (?).
15 ROTBERG & MAZRUI, eds., 1970, p. XVIII.
16 OCHIENG, 1977, p. 89.
175
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
do litoral. Entre 1877 e 1883, os Giriama opuseram -se a tal controle, e estalou a
guerra entre os dois grupos. Os Mazrui foram batidos. Posteriormente, as duas
comunidades reconciliaram -se e tornaram -se sócias no comércio. A chegada dos
britânicos ameaçava o acordo e a organização interna da sociedade Mazrui, o
que motivou sua resistência à dominação britânica.
Em 1895, morto o váli de Takarungu, a companhia escolheu um aliado local
para suceder -lhe, em lugar de Mbaruk, cujos direitos ao trono eram mais fun-
damentados, mas que sabia -se não favorecer a presença britânica
17
. Foi por essa
razão que Mbaruk tentou expulsar pela força os ingleses da costa.
Mais para o interior, os Akamba não apreciavam nada a interferência dos
britânicos nos seus assuntos. A fundação do posto de Machakos pela compa-
nhia, em 1898, provocou hostilidades com a comunidade local. Os agentes da
companhia pilharam as áreas vizinhas, apossaram -se dos alimentos e dos bens
dos Akamba – essencialmente, cabras e bovinos. Tomaram igualmente imagens
religiosas consideradas sagradas. Em resposta, a população local, conduzida
por Mziba Mwea, organizou o boicote ao posto em 1890
18
, recusando -se a
fornecer -lhe alimentos. A paz foi estabelecida quando F. D. Lugard, agente
da companhia, chegou para concluir com os Akamba um acordo, que incluía a
“fraternidade de sangue”.
No norte do Quênia, nos confins do interior do país Kisimayu, os Ogdens
Somalis, a família Mazrui e os Akamba combateram a intrusão inglesa. Nova-
mente foi preciso mandar vir tropas indianas para vencê -los (1899). Os Taita,
que se haviam recusado a fornecer carregadores e tinham resistido à intervenção
dos comerciantes de caravanas em seu país, foram cercados, em 1897, pelas
tropas da companhia, comandadas pelo capitão Nelson, que relata: Atacaram
decididos [...] avançando contra nossos fuzis. O combate durou cerca de 20
minutos. Por fim, o inimigo fugiu em todas as direções, deixando grande número
de mortos, inclusive Mwangeka
19
.
O próprio capitão Nelson, bem como 11 de seus homens, foi ferido pelas
flechas envenenadas dos Taita.
Alhures, no Quênia ocidental, entre os Abaluyia, o tipo de reação foi o
mesmo: confrontos militares e alianças diplomáticas. O rei dos Wanga, Mumia,
determinara -se pela diplomacia. Via nos britânicos possíveis aliados no seu
intento de ampliar sua influência a todo o Quênia ocidental, na luta contra seus
17 Ibid., p. 90.
18 Ibid., p. 91.
19 Apud ibid., p. 24.
176
África sob dominação colonial, 1880-1935
adversários, como os Iteso e os Luo, com os quais estava desavindo muito
tempo. Os reis wanga tradicionalmente empregavam mercenários. No entender
de Mumia, os britânicos não passavam de um grupo de mercenários que podiam
ser utilizados. Paralelamente, os ingleses viam nele um agente cil, que os
ajudaria a ampliar seu controle a toda a região. E, de fato, a ocupação britânica
deveu -se em grande parte a Mumia. É uma dívida abertamente reconhecida por
funcionários ingleses, entre eles, sir Harry Johnston, que escreveu:
Desde o início, ele [Mumia] via com bons olhos os oficiais britânicos e a ideia de
um protetorado. Sua influência, numa época de muitos problemas em Uganda,
foi importante para garantir a segurança das comunicações britânicas com a costa
oriental
20
.
Da mesma forma se expressou um outro funcionário colonial quando da
morte de Mumia, em 1949. O então comissário do distrito assistiu aos funerais
com outras autoridades do governo e terminou sua alocução dizendo: Assim
desaparece uma grande figura do início da história da África oriental”
21
.
A reação no Tanganica
No Tanganica, o tipo de reação foi semelhante ao do Quênia: emprego da
força e alianças diplomáticas
22
. Mbunga entrou em choque com as forças alemãs
em 1891 e em 1893, enquanto o interior adiante de Kilwa lutava de armas na
mão sob o comando de Hasan Bin Omari. Os Maconde combateram a invasão
alemã até 1899
23
. Os Hehe, sob o comando de Mkwawa, bateram os alemães
em 1891, matando cerca de 290
24
. Os alemães trataram então de se vingar da
derrota. Em 1894 atacaram a região dos Hehe, tomando sua capital. Mkwawa,
porém, conseguiu escapar. Perseguido durante quatro anos por seus inimigos,
suicidou -se para não ser capturado.
Os povos do litoral de Tanganica organizaram sua resistência em torno da
pessoa de Abushiri
25
. Do ponto de vista social, a costa de Tanganica, assim
como a do Quênia, foi dominada durante séculos pelas culturas árabe e swahili.
20 Apud EGGELING, 1948, p. 199. Acrescenta Eggeling: “Uganda tem muito que agradecer a Mumia”.
21 Apud EGGELING, 1950, p. 105.
22 Para um estudo detalhado das reações das sociedades tanzanianas à invasão colonial, ver TEMU, 1980.
23 ILIFFE, 1967, p. 499.
24 ILIFFE, 1969, p. 17; ver também GWASSA, 1972a.
25 TEMU, 1980, p. 92 -9. Para uma discussão mais aprofundada sobre a resisncia de Abushiri, ver JACKSON,
R. D., 1970.
177
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
A população, mestiça de africanos e árabes (os casamentos inter -raciais eram
comuns), ocupava -se do comércio local. No século XIX, os árabes do litoral
intensificaram as atividades no interior, à procura de marfim e de escravos. Esse
florescente comércio favoreceu o estabelecimento de numerosas novas cidades ao
longo da costa. A chegada dos alemães ameaçava os negócios dos árabes, pois os
recém -chegados procuravam suplantá -los comercialmente. As populações locais,
em especial os árabes, trataram então de organizar a resistência.
Abushiri, o chefe da resistência (fig. 7.3), nascera em 1845, de pai árabe e mãe
oromo (“galla”). Era descendente de um dos primeiros colonos árabes do lito-
ral – colonos que acabaram por se considerar autóctones. A exemplo de muitos
outros, opunha -se à influência do sultanato de Zanzibar na costa e até defendia
a independência. Na juventude, organizara expedições ao interior do país, em
busca de marfim. Com os lucros obtidos, comprou uma fazenda e cultivava
cana -de -açúcar. Lançou -se também numa campanha contra os Nyamwezi, o que
lhe permitiu arregimentar guerreiros, mais tarde empregados contra os alemães.
Sob seu comando, os povos do litoral incendiaram um navio de guerra alemão
em Tanga, no mês de setembro de 1888, dando dois dias aos alemães para
evacuarem a costa. Depois, atacaram Kilwa, matando os dois alemães que ali
se encontravam; em 22 de setembro, assaltaram Bagamoyo com 8 mil homens.
Mas os alemães, que deram à guerra o nome de “revolta árabe”, despacharam
Hermann von Wissmann, que chegou a Zanzibar em abril de 1889 e atacou
Abushiri na sua fortaleza, próximo de Bagamoyo, obrigando -o a retirar -se.
Abushiri refugiou -se no norte, em Uzigua, onde, traído, foi entregue ao inimigo
e enforcado em Pangani, no dia 15 de dezembro de 1889. A resistência no litoral
desmoronou, por fim, quando Kilwa foi bombardeada e tomada de assalto pelos
alemães, em maio de 1890
26
.
Não faltou quem pegasse em armas, no Tanganica, para defender a inde-
pendência. Mas os alemães, tal como os ingleses no Quênia, tinham se tornado
mestres na arte de dividir para reinar, aliando -se a um grupo contra outro. E
encontraram bastantes aliados. Os Marealle e os Kibanga, que viviam perto do
Kilimandjaro e dos montes de Usambara para citar apenas dois exemplos –,
estavam entre aqueles que viam nos alemães um meio de fazer amigos para ven-
cer os inimigos. Esses povos, como os Wanga do Quênia, achavam que podiam
manipular os alemães, quando, afinal, o contrário se dava. No entanto, os árabes
da costa colocaram -se sem cerimônia ao lado dos alemães (assim como ao lado
26 ILIFFE, 1979, p. 92 -7.
178
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . O chefe Abushiri (c. 1845 -1889), líder da resistência costeira à colonização ale e britânica na
África oriental, 1888 -1889, segundo foto deixada por um viajante. (Fonte: East African Publishing House Ltd.)
179
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
dos ingleses, no Quênia), fornecendo o primeiro pessoal autóctone para servir
ao imperialismo.
A reação em Uganda
O mesmo tipo de reação ao colonialismo britânico verificou -se em Uganda
(ver fig. 7.1). Entre 1891 e 1899, houve choques entre as forças de Kabarega, rei
de Bunyoro, e as de Lugard e de outros agentes britânicos. Após vários combates
em que suas tropas foram vencidas, Kabarega recorreu à diplomacia. Por duas
vezes tentou um entendimento com Lugard, mas este se esquivou
27
. Mwanga, o
kabaka de Buganda, por mais de uma vez tentou interceder pelo rei de Bunyoro,
mas em vão. Afinal, Kabarega recorreu à guerrilha provavelmente, a primeira
do gênero na África oriental. Evacuou Bunyoro e refugiou-se ao norte, no país
Lango, de onde fustigou as forças britânicas em várias ocasiões. Thurston, oficial
inglês que lá se encontrava na época, assim comentou a situação:
Kabarega emprega suas velhas artimanhas: provocar todo gênero de problemas mas
jamais aceitar a luta aberta, preferindo recorrer aos seus métodos favoritos de assas-
sínio. Mandou dar veneno a um chefe nosso amigo, que morreu, mas mandei matar
o envenenador
28
.
A descrição de Thurston constitui perfeito exemplo da guerrilha que se retrai
para um país vizinho para acossar as forças de ocupação de sua pátria. Mwanga
juntou -se mais tarde a Kabarega, mas o esconderijo deles foi destruído em 1899
e ambos os reis capturados e levados para Kisimayu, onde Mwanga morreu em
1903 (fig. 7.4). Como vemos, Kabarega e Mwanga recorreram tanto ao con-
fronto armado como à iniciativa diplomática.
É provável que o maior diplomata, de entre todos os chefes que enfrentaram
o avanço do imperialismo na África oriental durante a última década do século
XIX, tenha sido Mwanga, kabaka de Buganda região declarada protetorado
britânico em 1894. Tão logo subiu ao trono, em 1894, parecia desconfiar dos
europeus (os missionários, na época) e procurou restringir o contato de seu
povo com eles. Os Baganda que abraçaram a fé cristã e se recusaram a obedecer
a suas ordens foram declarados traidores e condenados à morte
29
. Os cristãos
atuais consideram -nos mártires. No entanto Mwanga se opôs violentamente às
27 DUNBAR, 1965, p. 82.
28 Apud ibid., p. 93.
29 OLIVER, 1951, p. 54; ver também ASHE, 1894, p. 55 -82.
180
África sob dominação colonial, 1880-1935
tentativas dos agentes britânicos de assumir o controle do país, mesmo disfar-
çados de missionários. Mas sua habilidade diplomática também se manifestava
na maneira como se comportou com diversas seitas religiosas, muitas vezes em
conflito umas com as outras. Ora se aliava às duas seitas cristãs protestantes
e católicos contra os muçulmanos, por imaginar que estes se haviam tornado
muito poderosos e ameaçavam seu poder no país; ora se aliava aos muçulmanos
contra católicos e protestantes; segundo pensava, uns e outros eram perigosos
para ele. Mwanga, portanto, era adepto da regra “dividir para reinar” regra
que as potências coloniais tão eficazmente empregaram para controlar a África.
Quando preciso, recorria a algumas velhas tradições para expulsar todos os
estrangeiros. Tal foi o caso em 1888
30
, quando procurou atrair todos os estran-
geiros e seus partidários baganda para uma parada naval numa ilha do lago Vitó-
ria, na ideia de os deixar aí morrer de fome. Parece que havia sido uma tradição
dos reis baganda fazer manobras navais no lago. Mwanga pensava que assim se
desembaraçaria dos estrangeiros. Mas o plano foi descoberto, e estes últimos
montaram um golpe, depuseram o rei e instalaram no trono o irmão dele – que
daí em diante desempenhou o papel de governante fantoche. Mwanga tentou
mais tarde, em 1889, recuperar o trono, mas, como vimos, foi exilado em 1899
em Kisimayu, onde morreu em 1903.
Mas também havia entre os Baganda os que celebraram estreita aliança com
o imperialismo britânico era o chamado subimperialismo baganda relativa-
mente ao resto de Uganda. Agentes baganda, principalmente depois do acordo
de 1900, encarregaram -se de disseminar o colonialismo inglês por todo o país.
Entre eles, contava -se Kakunguru, general muganda que contribuiu largamente
para a extensão do poder britânico para o norte e leste de Uganda. Foi ele, por
exemplo, quem capturou Kabarega, quando os britânicos decidiram tomar seu
esconderijo no país Lango
31
. O acordo de 1900 fazia dos Baganda sócios dos
ingleses na penetração do imperialismo britânico na área. Buganda virou um
centro de estágio, a tal ponto que grande número de administradores coloniais
de Uganda, no início, era baganda. O ódio ao colonialismo, por conseguinte,
voltou -se mais contra eles do que contra os próprios senhores brancos. E bom
número dos problemas políticos que depois afetaram o país provém dessa velha
aliança entre os ingleses e os Baganda.
30 R. OLIVER, 1951, p. 55.
31 DUNBAR, 1965, p. 96.
181
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
 . Mwanga (c. 1866 -1903), ex -rei de Buganda, e Kabarega (c. 1850 -1923), ex -rei de Bunyoro, a
caminho do litoral e do exílio nas Seychelles. (Fonte: Royal Commonwealth Society.)
182
África sob dominação colonial, 1880-1935
A África oriental sob o domínio colonial
Tendo acabado enfim com toda oposição e toda resistência da parte dos afri-
canos do leste e estabelecido rigoroso controle sobre suas esferas de influência, as
potências coloniais resolveram transformar a região tanto no nível político como
o que é mais importante no nível econômico. Uma das primeiras atividades
econômicas, conforme vimos, foi a construção de ferrovias, ligando, no Tanganica,
as montanhas de Usambara às regiões de Kilimandjaro, e, no Quênia, o litoral à
bacia do lago Vitória. Com as estradas de ferro, chegaram os colonos europeus. O
objetivo era dirigir as economias da África oriental para a exportação, tornando a
região dependente dos arranjos econômicos feitos na Europa. O território deveria
transformar -se em fonte de matérias -primas e não em área de industrialização.
Na opinião de certos funcionários coloniais e de colonos brancos, aquela era
uma área à disposição. Dizia sir Charles Eliot, comissário britânico do proteto-
rado da África oriental:
Temos na África oriental a rara oportunidade de fazer dela tabula rasa, país quase
virgem e escassamente povoado, onde poderíamos fazer o que quiséssemos, regula-
mentar a imigração, abrir ou fechar a porta como bem nos aprouvesse
32
.
Não surpreende, portanto, que na qualidade de comissário tenha encorajado
os colonos brancos a ocuparem o máximo possível as terras altas do Quênia.
Ukambani foi a primeira área do Quênia ocupada por eles em fins da década
de 1890. Mas, de todos os povos da região, foram os Massai a perder maior
quantidade de terras devido a essa colonização. As terras lhes foram arrancadas
duas vezes
33
: em 1904, quando foram transferidos para uma reserva em Laikipia,
e em 1911, quando foram novamente deslocados para ceder lugar aos colonos.
Em ambos os casos, as autoridades coloniais afirmaram que os Massai haviam
cedido aquelas terras com base num acordo. Mas, em 1911, os Massai contesta-
ram a operação e apelaram a um tribunal inglês, que, obviamente, se pronunciou
contra eles. Esses pretensos acordos desconheciam a natureza da autoridade no
país Massai, baseada nos grupos etários reinantes. Dado que estes não estavam
envolvidos nas negociações, os acordos não eram aceitáveis para os Massai.
Na mesma época, colonos brancos também se instalaram no Tanganica. Em
1905, somavam 284
34
, na sua maior parte vivendo nas regiões das montanhas
de Usambara e do Kilimandjaro.
32 ELIOT, 1905, p. 103.
33 SORRENSON, 1968, p. 276.
34 RODNEY, s.d., p. 5.
183
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
Esses imigrantes procuraram desde o início dominar as colônias. No Quênia,
por exemplo, formaram, em 1902, uma associação de plantadores e agriculto-
res com o fim de apoiar as suas reivindicações: queriam que as terras altas do
Quênia lhes fossem reservadas
35
. Embora os hindus tenham sido empregados
na construção da estrada de ferro de Uganda, foram excluídos dessa área. Eliot,
favorável à reivindicação, confinou os hindus às terras que margeavam a linha
férrea. A política de exclusão dos hindus das terras altas foi adotada por todos
os comissários do protetorado e governadores coloniais posteriores a Eliot. Os
hindus reagiram constituindo associações próprias para pressionar as autorida-
des a dividirem as terras altas. Em 1907 apresentaram um memorial ao secretá-
rio de Estado das Colônias, Winston Churchill, quando de sua visita à África
oriental. O conflito entre os dois grupos, porém, não se resolveu antes da década
de 1920. No início da Primeira Guerra Mundial, as culturas de exportação (as
plantations) eram monopolizadas pelos colonos brancos, que delas excluíam
tanto os africanos como os hindus. Isso veio a influenciar as reações africanas à
presença europeia no Quênia.
A situação era diferente no Tanganica e em Uganda. No Tanganica, para
começar pela parte meridional do país, os africanos foram estimulados pelos
brancos a princípio, os missionários, depois, as autoridades coloniais a se
dedicar às culturas de exportação, basicamente algodão e café. Além disso, foram
criadas fazendas coletivas para a cultura algodoeira. Em 1908, os africanos pro-
duziam dois terços das exportações de algodão do Tanganica e, em 1912, mais
de 70% do total dessas exportações
36
. A essa época, a produção de café afri-
cano na área ao redor do Kilimandjaro alcançou a dos colonos. A extensão das
mudanças ocorridas no Tanganica pode ser aferida pelo volume de mão de obra
assalariada. Calcula -se que em 1931 a população africana assalariada do país era
de 172 mil pessoas
37
, ou seja, um quinto da população masculina em idade de
trabalhar. No conjunto, a atividade econômica da África Oriental Alemã atingia
nível superior ao da África Oriental Inglesa, em vésperas da Primeira Guerra
Mundial. Também estava mais diversificada, com um setor mineiro e diversos
setores industriais que produziam bens de consumo
38
. Assim, em 1914 a orga-
nização e o emprego da mão de obra no Tanganica haviam sido reorientados
para a produção de excedentes, que eram expropriados pelo Estado colonial e
35 TANGRI, 1967.
36 RODNEY, s.d., p. 9.
37 Ibid., p. 10.
38 Ibid., p. 14.
184
África sob dominação colonial, 1880-1935
o comércio europeu. Como no Quênia, os colonos do Tanganica procuravam
controlar o país, assumindo papel dominante no decurso do período.
É provável que a reorganização econômica mais importante em compa-
ração com o Quênia e o Tanganica tenha ocorrido em Uganda. O acordo
de 1900 procedeu à distribuição de terras em Buganda com vistas a criar uma
classe de proprietários fiéis ao sistema colonial. Essa distribuição conduziu à
formação de diversas relações de classe e de propriedade, desde o aparecimento
dos rendeiros e dos proprietários de terras. Por outro lado, o acordo afirmava
que Uganda devia ser um país onde predominaria a produção agrícola africana.
Estava um dos fatores que serviram de barreira ao povoamento branco em
grande escala, como se vê no Quênia e no Tanganica. Ao contrário do Quênia,
mas não diferente do Tanganica, o regime colonial procurava deixar a economia
de exportação nas mãos dos autóctones. A produção de culturas de exporta-
ção tornar -se -ia o esteio da economia ugandense. O que havia começado em
Buganda estendeu -se finalmente a outras regiões da colônia, sobretudo a oeste,
onde o clima, como o de Buganda, era favorável. Em 1907, o algodão produzido
dessa maneira representava 35% das exportações do país
39
. De modo geral, em
vésperas da Primeira Guerra Mundial, as transações monetárias estavam bem
desenvolvidas em Uganda, bem como no resto da África oriental. Os campo-
neses vendiam seus produtos a comerciantes asiáticos e europeus. A economia
monetária achava -se firmemente implantada na região, estando laadas as
bases da futura integração ao sistema capitalista.
As exigências do sistema fizeram com que os africanos se defrontassem com
os processos em curso e com a maneira como eles os afetavam: a introdução
do imposto de palhota (hut tax), as requisições de mão de obra, a perda de suas
terras, a falta de liberdades políticas e a corrosão de sua cultura. Os africanos
elaboraram vários tipos de reação positivos ou negativos –, segundo a forma
como cada uma dessas medidas era vivenciada.
A introdução de impostos não tinha tanto o objetivo pelo menos, não
unicamente de aumentar a receita das colônias, mas de obrigar os africanos
a deixar suas terras para se integrarem no mercado de trabalho e na economia
monetária. A mão de obra era empregada nas fazendas dos colonos e em obras
públicas, como a construção de estradas. As condições de trabalho dos africanos
costumavam ser duras. Havia outras influências, introduzidas por agentes mais
sutis do imperialismo, como os missionários e os comerciantes.
39 EHRLICH, 1957, p. 169.
185
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
Movimentos anticolonialistas na África oriental até 1914
No decurso desse primeiro período colonial, cada localidade reagia de forma
diferente, exceto nos raros casos de ações coordenadas à escala de uma área
maior. No Quênia, como em outras regiões da África oriental, as primeiras
reações de povos como os Mazrui e os Nandi tinham por finalidade proteger
sua independência em face das ameaças estrangeiras. As reações ulteriores, no
interior do país, visavam livrar o povo da opressão e da dominação coloniais.
Embora não se tratasse de um período de lutas nacionalistas, na moderna acep-
ção da palavra, certos sinais indicavam o começo de tal combate. Entre os Lua,
no Quênia ocidental, a oposição ao domínio das missões levou à criação de
uma igreja independente, em 1910, sob a direção de John Owalo
40
. Católico
romano de início, Owalo aderiu à missão escocesa de Kikuyu e depois passou
para a Sociedade Missionária da Igreja Anglicana, em Maseno. Foi durante sua
permanência em Maseno que ele afirma ter sido chamado por Deus a criar sua
própria religião. Conforme diz B. A. Ogot:
Após muitas controvérsias, o distrito de Nianza o autorizou a criar sua própria
missão, desde que sua pregação não fosse subversiva da boa ordem e da moralidade.
Assim, em 1910, Owalo fundou sua missão, Nomia Luo, proclamou -se profeta e
negou a divindade de Cristo. Alguns anos depois, tinha mais de 10 mil adeptos no
distrito, havendo construído suas próprias escolas primárias e exigido uma escola
secundária livre de toda a influência ilegítima dos missionários
41
.
Em 1913 apareceu então o culto Mumbo, movimento contra o domínio
branco, mas que utilizava a religião como ideologia. Do país Lua, expandiu -se
para os Gusii, mostrando assim que era capaz de conquistar outras regiões do
Quênia. O conteúdo político do movimento não era dissimulado. Conforme
explicava seu fundador, Onyango Dande,
a religião cristã está podre e é por isso que ela pede aos crentes que vistam roupa.
Meus adeptos devem deixar crescer o cabelo. Todos os europeus são vossos inimigos,
mas está próximo o tempo em que desaparecerão do vosso país
42
.
As autoridades coloniais reagiram interditando o movimento, como faziam
com todos quantos ameaçavam sua dominação.
40 SORRENSON, 1968, p. 280.
41 Ver capítulo 26, adiante; ver também OGOT, 1963, p. 256.
42 Apud SORRENSON, 1968, p. 280. Para um estudo detalhado do culto Mumbo, ver OGOT &
OCHIENG, 1972.
186
África sob dominação colonial, 1880-1935
Movimento semelhante apareceu entre os Akamba, no Quênia oriental.
Também a religião serviu como instrumento. O movimento teve início em
1911, impulsionado por uma mulher, chamada Sistume, que se dizia possuída
pelo Espírito. Mas logo assumiu sua direção um jovem, Kiamba, que o transfor-
mou em oposição política ao colonialismo no Quênia
43
. Constituiu uma espécie
de política para ajudá -la a concretizar suas ameaças, mas foi preso e banido. Era
uma forma de protesto contra o modo como os colonos de Ukambani tratavam
a mão de obra africana.
De modo geral, os primeiros movimentos anticolonialistas do Quênia, no
período anterior à Primeira Guerra Mundial, surgiram nas regiões ocidentais e
orientais do país. Os Giriama da região costeira aproveitaram o conflito para se
revoltarem contra a administração colonial (1914), recusando -se a abandonar
suas terras para permitir o assentamento de colonos europeus. Eles várias vezes
haviam entrado em conflito com os ingleses. Por ocasião da resistência dos
Mazrui contra os britânicos, estes procuraram aliados no meio dos Giriama
seus antigos parceiros comerciais –, que lhes forneceram alimentos. No final do
século XIX, os Giriama entraram em conflito com eles, por lhes terem proibido
o tráfico de marfim
44
. Em 1913, opuseram -se à requisição de seus jovens para
trabalhar em fazendas europeias e também à substituição de seu tradicional
conselho de anciãos por chefes coloniais. O levante de 1914 foi, portanto, o
ponto culminante de uma série de confrontos com o ocupante. Os britânicos
reagiram incendiando as casas e confiscando as propriedades. Os Giriama, tal
como os Mazrui e outras comunidades, lançaram -se numa espécie de guerrilha,
mas afinal foram vencidos.
Comparada ao Quênia, Uganda era bem mais tranquila. Ainda assim, em
1911, os Acholi, na parte setentrional do país, revoltaram -se contra o domínio
colonial inglês
45
. Tratava -se de uma reação ao recrutamento de mão de obra
e às tentativas de desar -los. Uma das grandes preocupações dos colonia-
listas era garantir que os povos sob seu domínio não tivessem condições de
resistência à cruel exploração a eles imposta. Por isso era importante que não
possuíssem armas de fogo, o que als explica a campanha desencadeada para
recuperar as armas e para desarmar a população local. Os Acholi recusaram -se
a entregar voluntariamente seus fuzis, mas foram vencidos no conflito que se
seguiu.
43 SORRENSON, 1968, p. 281.
44 SMITH, C. B., 1973, p. 118.
45 ADIMOLA, 1954.
187
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
O mais grave desafio ao colonialismo na África oriental, nesse período,
o levante dos Maji Maji, veio do Tanganica, com o emprego da religião e da
magia como meios de revolta (ver fig. 7.1). O dr. Townsend resumiu com muita
exatidão a situação que caracterizava a história colonial alemã:
Durante os primeiros 20 anos da história colonial alemã […] os autóctones foram
tratados com muita crueldade e injustamente explorados […] Desapossados de suas
terras, de seus lares, de sua liberdade e de sua vontade, desapossados brutalmente
da vida por aventureiros, funcionários coloniais ou companhias de comércio, suas
corajosas e incessantes revoltas não foram senão o testemunho trágico de sua impo-
tência e de seu infortúnio
46
.
Essa situação não era exclusiva das colônias alemãs, mas típica do colonialismo
em todo o período de sua dominação na África. Trabalho forçado, impostos,
maus -tratos e más condições de trabalho, tudo concorria para explicar o levante
Maji Maji. A causa imediata da revolta, contudo, foi a introdução de uma cul-
tura comunitária de algodão. A população era obrigada a trabalhar nessa cultura
28 dias por ano, mas o produto desse labor não resultava em seu benefício. Os
trabalhadores recebiam paga tão irrisória que alguns se recusavam a aceitá -la. A
reação o se deu contra a cultura do algodão em si, que eles já praticavam com
vistas à exportação, mas ao tipo de cultura a eles imposto, que o explorava seu
trabalho como constituía uma ameaça à economia africana, pois eram forçados a
deixar suas próprias fazendas para trabalhar nas empresas agrícolas públicas.
Para unir os povos do Tanganica contra os alemães, o chefe do movimento,
Kinjikitile Ngwale, que vivia em Ngarambe, apelou para suas crenças religiosas.
Falou -lhes que a unidade e a liberdade de todos os africanos era um princípio
fundamental, portanto deviam unir -se e combater pela liberdade contra os ale-
mães. Disse -lhes que a guerra era ordenada por Deus e que seus ancestrais reto-
mariam à vida para ajudá -los. Para sublinhar e dar expressão concreta à unidade
do povo africano, Kinjikitile Ngwale edificou enorme altar, a que deu o nome
de “Casa de Deus”, e preparou água medicinal (mafi), a qual, dizia, tornaria
invulneráveis às balas europeias os adeptos que a bebessem. O movimento, que
durou de julho de 1905 a agosto de 1907, alastrou -se por uma área de quase 26
mil quilômetros quadrados, no sul do Tanganica. Segundo G. C. K. Gwassa,
[o Maji Maji] englobava mais de 20 grupos étnicos diferentes. Na sua variedade
étnica e nível de organização, o Maji Maji era um movimento ao mesmo tempo
46 Apud ILIFFE, 1969, p. 3.
188
África sob dominação colonial, 1880-1935
diferente e mais complexo do que as reações anteriores e as formas de resistência
opostas à dominação colonial. Estas últimas de modo geral ficaram restritas às
fronteiras étnicas. Por comparação com o passado, o Maji Maji foi um movimento
revolucionário que operou transformações fundamentais à escala da organização
tradicional
47
.
A guerra estalou na última semana de julho de 1905, e as primeiras vítimas
foram o fundador do movimento e seu assistente, enforcados no dia 4 de agosto
do mesmo ano. O pai de Kinjikitile reergueu sua bandeira, assumindo o título
de Nyamguni, uma das três divindades da região, e continuou a ministrar o maji,
mas em vão. Os ancestrais não retomaram conforme a promessa, e o movimento
foi brutalmente suprimido pelas autoridades coloniais alemãs.
O levante Maji Maji foi o primeiro movimento de grande escala da África
oriental. Nas palavras de John Iliffe, foi a derradeira tentativa das antigas socie-
dades do Tanganica de destruir a ordem colonial pela força
48
. Tratava -se efeti-
vamente de um movimento camponês de massa contra a exploração colonial. O
regime alemão no Tanganica ficou abalado, e sua reação não se limitou a esmagar
o movimento: a política comunitária de cultura do algodão foi abandonada.
Houve igualmente algumas reformas na estrutura colonial especialmente no
que concerne ao recrutamento e à utilização de mão de obra –, destinadas a
tornar o colonialismo mais atraente. Mas a revolta malogrou, e o malogro tornou
inevitável “a extinção das sociedades tradicionais”
49
.
Entre 1890 e 1914 mutações dramáticas verificaram -se na África oriental.
O colonialismo foi imposto ao povo, de modo violento na maior parte dos
casos, ainda que às vezes a violência afivelasse a máscara da lei e do direito. As
reações africanas ao primeiro impacto foram uma mescla de confronto militar
e tentativas diplomáticas, no vão esforço de preservar a independência. Onde os
africanos não reagiram de uma ou outra dessas maneiras, aceitaram a invasão
ou permaneceram indiferentes, salvo quando lhes impunham exigências diretas.
O estabelecimento do colonialismo significou a reorganização da vida política
e econômica das populações. Tributos foram impostos. O trabalho forçado e a
privação geral dos direitos políticos tornaram -se a regra. Alguns africanos rea-
giram de modo violento a tais mudanças. Outros aquiesceram. No Tanganica e
em Uganda, houve africanos que se dedicaram às culturas de exportação (mais
47 GWASSA, 1972, p. 202.
48 ILIFFE, 1979, p. 168.
49 Ibid.
189
Iniciativas e resistência africanas na África oriental, 1880 -1914
particularmente, algodão e café), a eles proibidas no Quênia, onde predominava
a atividade econômica dos colonos.
Referimos aqui diversas reões africanas a esta situão. No período subsequente
à Primeira Guerra Mundial, elas se tornariam ainda mais intensas e diversificadas.
C A P Í T U L O 8
191
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
O tema do presente capítulo
1
será a evolução do caráter da resistência oposta
à dominação europeia na África central, de 1880 a 1914. Englobamos na África
central os territórios que formam os Estados do Congo Belga (atual Zaire), da
Rodésia do Norte (atual Zâmbia), da Niassalândia (atual Malavi), de Angola
e de Moçambique. Como a maioria das regiões africanas, a África central, em
vésperas da corrida”, era ocupada por uma infinidade de populações, organi-
zadas quer em Estados, ou seja, em sistemas políticos centralizados, quer em
pequenas unidades políticas
2
. Na primeira categoria classificam -se os reinos
Lunda e Luba, no Congo Belga, os Estados Humbe e Chokwe, em Angola, o
reino de Monomotapa, em Moçambique, o reino Undi, da Niassalândia, e os
numerosos Estados fundados pelos Nguni e os Cololo nas bacias do Zambeze e
do Limpopo; na segunda categoria, os Yao e os Tonga do lago Niassa, na Nias-
salândia, os Bisa e os Laia, na Rodésia do Norte, os Sena, Tonga e Chopi, em
Moçambique, os Quisama, Bacongo e Loango, em Angola, bem como os Loga,
Mongo, Ngombe, Budga e Bowa, no Congo Belga (ver figura 8.1). Se é possível
que os historiadores tenham superestimado o grau de turbulência e tensão dessas
sociedades, não resta dúvida de que as divisões políticas, o particularismo étnico
1 Este capítulo foi encomendado em 1975 e concluído em 1976.
2 Para maiores detalhes, ver o volume 6 da História geral da África.
Iniciativas e resistência africanas
na África central, 1880 -1914
Allen Isaacman e Jan Vansina
192
África sob dominação colonial, 1880-1935
e regional, as dissensões internas entre camadas
3
rivais, limitaram seriamente a
possibilidade de oposição aos europeus dessas populações da África central. A
despeito das tendências à divisão, pode -se dizer que a oposição e a resistência
foram as principais reações à conquista e à ocupação do imperialismo europeu.
Em vez de proceder à mera descrição da atividade anticolonial de cada país,
preferimos focalizar os tipos de oposição que caracterizaram o conjunto da área.
Analisando as reações africanas em termos dos objetivos dos participantes, três
categorias se identificam em geral:
1. oposição ou confronto na tentativa de manter a soberania das sociedades
autóctones;
2. resistência localizada na tentativa de atenuar abusos específicos do regime
colonial;
3. rebeliões destinadas à destruição do sistema estrangeiro que havia gerado
tais abusos.
Embora a resistência e as rebeliões localizadas sejam tratadas como cate-
gorias analíticas distintas, é importante salientar que os resistentes tendiam a
ajustar seus objetivos às realidades militares e políticas coevas.
A luta para manter a independência:
era de confronto e aliança
No período posterior a 1880, a intensificação da concorrência imperialista
entre as nações europeias precipitou uma invasão sem precedentes na África. A
ênfase dada à conquista e à ocupação foi perfeitamente articulada no congresso
de Berlim, no qual o domínio efetivo se tornou o pré -requisito por todos aceito
para o reconhecimento internacional da possessão de territórios pelos europeus.
Confrontados com essa nova amea a sua soberania, os povos da África
central reagiram por rias formas. Alguns, como os Lozi, entabularam uma
3 Usando a expressão “camadas rivais”, pretendemos destacar a diferença socioeconômica que reinava na
maior parte das sociedades pré -coloniais da África central. A falta de análises concretas e aprofundadas
da organização das economias pré -capitalistas e do processo de constituição das classes daí decorrente
não permite, o mais das vezes, determinar com certeza o verdadeiro grau de estraticação naquelas socie-
dades. Não há dúvida de que, em meados do século XIX, a noção de classe social já era dominante, tendo
substituído a de parentesco em certo número de sociedades que praticavam o intercâmbio comercial,
mas em muitos outros casos não temos dados sucientes para demonstrar essa evolução. Os trabalhos
de Catherine Coquery -Vidrovitch, de Claude Meillassoux, de Emmanuel Terray e de Maurice Godelier
representam, embora com pontos de vista não totalmente idênticos, um importante progresso teórico na
análise da formação das classes nas sociedades da África pré -capitalista.
193
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
 . Povos e divisão política da África central, c. 1900.
194
África sob dominação colonial, 1880-1935
ação diplotica dilaria, enquanto outros, como os Tonga e Sena, de Inhambane,
aliaram -se aos europeus no esforço de se libertarem da opressão de uma aristocracia
africana aliegena. Muitos Estados e até pequenas circunscrições da África
central, por sua vez, pegaram em armas em defesa de sua autonomia. Embora
compartilhassem um mesmo objetivo, os opositores diferiam substancialmente
na estratégia de curto prazo, na composição étnica, na escala e no grau de êxito
que alcançavam.
As estratégias de luta adotadas pelas populações da região tinham a mesma
raison dêtre repelir os europeus e proteger a pátria, bem como os modos
e meios de existência. Conquanto a independência política fosse o objetivo
supremo, muitos Estados africanos estavam prontos a mobilizar suas forças
para impedir qualquer violação de sua autonomia cultural ou soberania eco-
nômica. Por exemplo, na Niassalândia, em 1896, os Nguni de Gomani atacaram
postos de missionários, em parte como protesto contra o efeito debilitante do
cristianismo, ao passo que em Moçambique os Barué frustraram os esforços de
Lisboa para incorporá -los em seu império embrionário, utilizando a Igreja cató-
lica para converter a família real
4
. As ingerências econômicas também levaram
certas comunidades a adotar atitude hostil aos imperialistas europeus. Uma das
grandes causas de atrito foi a tentativa dos governos europeus e respectivos agen-
tes negociantes e missionários de enfraquecer a posição de intermediários
de diversos Estados interioranos e de pôr fim ao tráfico de escravos, não mais
compatível com o desejo das potências capitalistas de dispor de mercados estáveis”
e matérias -primas. Durante as duas últimas décadas do século, os Yao, os Macua,
os Yeke, os Chikunda, os Ovimbundo e os Chokwe, principalmente, resistiram
tenazmente às pressões estrangeiras. Ao mesmo tempo, numerosos camponeses e
agricultores batiam -se para manter o domínio de seus meios de produção e para
evitar que não se apropriassem de suas terras, gado, trabalho e mulheres.
Os chefes africanos sabiam que precisavam neutralizar a vantagem dos euro-
peus no plano do armamento: sua sobrevivência dependia disso. Numerosas
sociedades, já envolvidas no comércio internacional, tinham acesso ao mercado
de armas, tendo constituído um vasto arsenal em troca de cativos. Os Chokwe,
os Ovimbundo e os Chikunda haviam tido tanto êxito nisso que não raro suas
forças apresentavam -se mais bem armadas do que as tropas do Estado Livre do
Congo e os exércitos portugueses, que procuravam submetê -las. Outras popu-
4 Para um estudo sobre os esforços envidados pelos portugueses para fazer do catolicismo um meio de con-
trole social, ver ISAACMAN, A., 1973. A obra recorre à informação oral para reinterpretar o signicado
do que se pretendia fosse um ritual católico.
195
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
lações da África central, até então pouco enfronhadas nas grandes operações
comerciais, aumentaram suas exportações para obter fuzis modernos e munições.
No último quartel do século, por exemplo, os Ovambo, os Shangaan e mesmo
vários ramos conservadores dos Nguni adquiriram fuzis modernos prevendo
um confronto com os europeus
5
. Sempre que possível, aumentavam o estoque
de armas empregando hábeis meios diplomáticos. Os chefes dos Gaza jogaram
os britânicos contra os portugueses e assim obtiveram armas com os primei-
ros, enquanto os militantes bemba (ver figura 8.2), inquietos com a crescente
presença do Reino Unido, adquiriam -nas junto aos árabes
6
. Outros grupos, os
Quitangona do norte de Moçambique e os Chikunda do vale do Zambeze,
chegaram até a reconhecer a dominação nominal de Portugal em troca de supri-
mentos militares importantes, que afinal utilizaram contra as forças de Lisboa
7
.
Algumas sociedades africanas também ampliaram sua capacidade de defesa
com inovações militares internas. Os Barué criaram fábricas de munições, que
produziam pólvora, fuzis e até mesmo peças de reposição para a artilharia
8
.
Novas e custosas construções de defesa, como as cidades fortificadas de Jumbe,
entre os Kota, e as aringas do Zambeze e do vale do Luangwa, foram edificadas
para resistir a eventuais cercos dos europeus
9
. Outros grupos, como os Macua, os
Lunda e diversos bandos que operavam na região de Gambo, no sul de Angola,
aperfeiçoaram técnicas de guerrilha que lhes permitiram repelir as primeiras
incursões imperialistas. Por volta de 1900, os svikiro (feiticeiros que invocavam
os espíritos) barué, tawara, tonga e de outros grupos shona preparavam poções
divinas para neutralizar as armas europeias e transformar suas balas em água
10
(ver figura 8.1).
5 CLARENCE -SMITH & MOORSOM, 1975, p. 372 -3: estudam a incidência do colonialismo portu-
guês e sul -africano sobre as populações ovambo e sua reação; LINDEN, 1972, p. 246 -7: dá informações
interessantes sobre as formas iniciais de interação entre os Maseko Nguni e os britânicos; WHEELER,
1968: analisa os esforços infrutíferos de Gungunhana para preservar por meios diplomáticos a indepen-
dência dos Shangaan.
6 WHEELER, 1968, p. 591; ROBERTS, A. D., 1974, p. 202 -3: o melhor estudo sobre os Bemba publicado
até hoje.
7 HAFKIN, 1973, p. 375 -7: análise importante do tráco de escravos e da resistência de grupos conservadores
aos portugueses; ISAACMAN, A., 1976, p. 22 -49: análise dos diversos tipos de movimentos de resistência,
com destaque especial para o desenvolvimento da consciência política das forças anticoloniais.
8 COUTINHO, 1904, p. 46 -7: descriçâo das guerras travadas pelos portugueses contra os Barué por volta
de 1900.
9 NEWITT, 1973, p. 226 -9: importante estudo sobre as poderosas famílias de prazeiros e suas relações com
Lisboa. O autor também publicou vários artigos sobre questões próximas em Race e Journal of African
History,
10 VANSINA, 1969, p. 21 -2. Ver também ISAACMAN, A., 1976, p. 49 -74, 126 -56: o emprego de poções
pelos Shona para neutralizar as armas europeias.
196
África sob dominação colonial, 1880-1935
Malgrado a vontade comum a vários países africanos de opor -se à dominação
estrangeira e adquirir armas modernas, na prática as táticas empregadas foram
sensivelmente diferentes. Em muitos casos, os Estados africanos reagiram com
violência contra as primeiras incursões europeias, apesar da esmagadora supe-
rioridade militar do inimigo. Foi o caso do chefe dos Chewa, Mwase Kasungu,
que se colocou à frente de seu povo na vã luta contra os britânicos e acabou por
se suicidar em 1896 para não capitular
11
. Aproximadamente na mesma época, os
Bié de Angola organizaram uma emboscada contra um destacamento colonial
encarregado de estabelecer postos no interior, justamente em seus territórios,
e os Humbe, mais ao sul, atacaram uma coluna portuguesa porque Lisboa se
recusara a pagar -lhes pelo direito de ocupar um fortim situado em suas terras
12
.
Outros chefes africanos procuraram evitar os primeiros choques, na espe-
rança de vir a aumentar seu potencial militar ou de negociar um tratado “equi-
tativo”, em que se reconhecesse a soberania de seu Estado. Durante quase 10
anos, Gungunhana (ver figura 8.3) negociou ora com os britânicos ora com os
portugueses, disposto a fazer toda uma série de concessões, menos renunciar à
independência de Shangaan
13
. A família real bardesenvolveu política seme-
lhante, tentando conquistar o apoio de Karl Peters, aventureiro alemão que ela
imaginava estreitamente ligado ao governo de Bismarck. Quanto aos Bemba,
se engajaram numa resistência esporádica no fim do século, após 15 anos de ten-
tativas de negociação com o Reino Unido
14
. Nos casos extremos, Estados como
o dos Quintangona do norte de Moçambique ou os impérios Chikunda do vale
do Zambeze até chegaram a reconhecer de bom grado a autoridade nominal
dos portugueses, desde que estes não se esforçassem a sério para impor-lhes a
dominação colonial
15
. No entanto, como o congresso de Berlim exigia explici-
tamente que o controle efetivo precedesse todo reconhecimento internacional
dos direitos de uma nação sobre possessões coloniais, esta estratégia redundava
invariavelmente em confronto.
11 TANGRI, 1968, p. 2 -4: relação sucinta das primeiras formas de lutas travadas pelas populações do
Malavi.
12 PÉLISSIER, 1969, p. 67: relatório bem documentado das numerosas guerras que se desenrolaram no sul
de Angola. O autor está terminando uma história militar geral de Angola. WHEELER, 1963, p. 334:
estudo aprofundado da política colonial portuguesa no século XIX.
13 BOTELHO, 1934, v. 2, p. 419 -33: um clássico da história militar de Moçambique. O volume 2 é de
importância particular no que se refere aos conitos do nal do século XIX. WHEELER, 1968.
14 ISAACMAN, A., 1976, p. 49 -74; ROBERTS, A. D., 1974, p. 229 -92; para um relato fascinante de
um contemporâneo sobre os esforços envidados pelos Barué para conseguir auxílio dos alemães, ver
PETERS, 1902, p. 116.
15 HAFKIN, 1973, p. 375 -7; ISAACMAN, A., 1976, p. 22 -48; NEWITT, 1973, p. 295 -311.
197
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
 . Chefe bemba no meio do seu povo, recebendo um europeu, 1883. (Ilustração: Victor Giraud.)
198
África sob dominação colonial, 1880-1935
Numerosas sociedades da África central, incapazes de opor resistência eficaz
aos colonizadores ou de compreender as decorrências da tutela colonial, come-
çaram por submeter -se pacificamente, mas não demoraram a juntar forças para
a reconquista da independência. Esse tipo de conflito retardatário ocorreu com
muita frequência no Congo, onde a população autóctone, de início, considerava
os agentes do Estado Livre do Congo parceiros comerciais e aliados contra os
traficantes de escravos estrangeiros. Só quando os funcionários do Estado Livre
começaram a baixar impostos e a recrutar mão de obra é que as sociedades locais
perceberam que, por inadvertência, tinham alienado sua autonomia. Entre 1885
e 1905, mais de uma dúzia de grupos teoricamente subjugados” do baixo Congo
e do Congo central se revoltou
16
. Entre eles, os mais bem -sucedidos foram os
Yaka, que combateram eficazmente os europeus durante mais de dez anos, antes
de serem vencidos em 1906, os Buja e os Boa, que se revoltaram no fim do século
contra o trabalho forçado nas plantations de borracha. No apogeu das lutas, os
rebeldes chegaram a mobilizar mais de 5 mil trabalhadores, que empreenderam
demorada guerrilha com bases profundamente entranhadas na floresta
17
.
Além da diversidade das reações iniciais, havia diferenças quanto ao grau
de provincianismo e particularismo étnico. Algumas sociedades, importantes
ou não, enfrentaram o invasor sem se dar ao trabalho de procurar alianças mais
amplas. Em Angola, os Bié, Humbe e Ganguela começaram por combater o
estrangeiro sem apelar aos seus vizinhos, que, no entanto, detestavam igualmente
os portuguêses
18
, enquanto em Moçambique, Lisboa pôde tirar proveito da pro-
funda rivalidade entre os Estados Chikunda, que tentava submeter, rivalidade
que impedia qualquer verdadeira aliança. Mesmo os Estados Nguni, embora
aparentados, foram incapazes ou não quiseram se entender para resistir à expan-
são britânica na Niassalândia. Por volta dacada de 1890, os Maseko, Gomani e
Mpeseni, todos Nguni, lutaram isoladamente contra as foas coloniais britânicas,
numericamente menores, e foram esmagados, o que permitiu ao Reino Unido
a criação da colônia da Niassalândia
19
. Num mesmo Estado, a impotência das
facções rivais para se unirem a fim de resistir às incursões europeias era a con-
16 YOUNG, 1965, p. 283 (carta 5); FLAMENT et al., 1952, p. 106 -531; LEJEUNE -CHOQUET, 1906:
traz pormenores de algumas insurreições de pequena envergadura e se estende um pouco mais sobre os
primeiros atos de resistência. Ver também HARMS, 1975.
17 FLAMENT et al., 1952, p. 162 -4,499. O terririo cou sob ocupação militar até 1908. Cf. PLANCQUAERT,
1932, p. 134, 138.
18 PÉLISSIER, 1969, p. 67 -72; WHEELER, 1963, p. 334.
19 McCRACKEN, 1972: estuda a maneira como os diversos grupos nguni reagiram à penetração europeia.
LINDEN, 1972, p. 241 -4
199
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
 . Gungunhana e seus guerreiros. (Ilustração: J. R. Baptista, 1892.)
200
África sob dominação colonial, 1880-1935
sequência lógica de seu particularismo míope. Vários exemplos comprovam
que grupos rivais realmente emprestaram mão forte às potências imperialistas
na esperança de consolidar suas próprias posições. Essas tendências à divisão
paralisaram os esforços dos Luba e Barué para preservar sua autonomia
20
. No
tocante a estes últimos, Lisboa, por intermédio de seu agente, a Companhia de
Moçambique, constrangeu Chipitura, membro dissidente da aristocracia barué,
a uma aliança secreta. Nos termos dessa aliança, consignada em carta, Chipitura
reconhecia a soberania de Portugal, que em troca deveria ajudá -lo a vencer seu
rival, Hanga.
Outros grupos sociais africanos, para compensar a insuficiência de seu poten-
cial militar, fizeram alianças anticoloniais multiétnicas bem amplas. O poderoso
chefe dos Gaza, Gungunhana, convidou os Swazi a juntarem -se à luta contra os
portugueses; os Barué estabeleceram uma rede multiétnica, compreendendo
os Tonga, os Tawara e diversas populações shona da Rodésia do Sul (atual
Zimbábue)
21
. Como demonstra o exemplo dos Barué, essas alianças temporá-
rias eram mais comuns quando a economia, o parentesco e a religião uniam
de antemão as populações em causa. Estes três elementos estiveram na origem
da constituição da confederação Yao, sob a chefia de Makanjira, e da aliança
Macua -Swahili. Mas foram elementos de ordem financeira que estiveram na
base dos esforços – que redundariam em malogro – envidados em comum pelos
Bemba e os árabes no final do século XIX
22
. De vez em quando, rivais de longa
data punham de lado sua animosidade na tentativa de sobreviver, o que explica
a aliança entre os Lunda, da região central, e os Chokwe contra as tropas do
Estado Livre do Congo, apesar da mútua inimizade, que remontava a mais
de uma geração. Razões análogas também levaram os Mburuma Nsenga e os
Tawara a auxiliar os Chikunda na virada do século e à aliança dos Cuanhama-
Cuamato no sul de Angola.
Não surpreende verificar que a extensão dos movimentos de resistência era
altamente proporcional ao grau de particularismo étnico das populações africa-
nas. Quando uma sociedade africana combatia sozinha, o vulto de seu exército
e seu potencial de resistência eram geralmente limitados. A rápida derrota dos
Estados Nguni e dos Chewa de Mwase Kasungu mostra desvantagem básica
dos grupos isolados. As grandes alianças muitas vezes conseguiam alinhar exér-
20 VANSINA, 1966, p. 242 -4: estudo abrangente da África central pré -colonial, com destaque para o Zaire.
ISAACMAN, A., 1976. p. 49 -74.
21 WARHURST, 1962, p. 59.
22 ROBERTS, A. D., 1974, p. 242, 271.
201
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
citos importantes, bem equipados, e, de modo geral, opor uma resistência mais
prolongada ao inimigo. Estima -se que as forças yao de Makanjira somavam 25
mil homens, ou seja, um exército comparável ao dos Cuanhama -Cuamato e
dos Barué
23
.
Como os movimentos de resistência não atingiram seus objetivos políticos
maiores, tende -se a minimizar e mesmo a ignorar vitórias militares localizadas,
considerando -as, no conjunto, como fracassos. Na realidade, dependendo das
dimensões dos grupos africanos, da posse ou não de armas modernas, da extensão
e do preparo das forças imperialistas, as situações variavam consideravelmente.
Não dúvida, numerosos grupos africanos foram rapidamente derrotados, mas
também muitos conseguiram deter as primeiras incursões europeias e infligir
pesadas perdas ao inimigo. No sul de Angola, os Humbe e os Cuamato repeli-
ram vários ataques dos portugueses e, quando dos combates de 1904, mataram
mais de 300 homens dos 500 que se lhes opunham
24
. Os Estados Chikunda
bateram diversas vezes o desorganizado exército de Lisboa no decurso da última
década do século XIX, ao passo que, no norte da Niassalândia, os Yao acuaram
o exército colonial britânico durante quase cinco anos
25
. Sucedeu o mesmo no
Congo, onde os Chokwe infligiram pesadas perdas à Force Publique por 20
anos, antes de sucumbir
26
. Indubitavelmente, os casos mais estrondosos foram
o da aliança dos Swahili com os Macua, que lograram escapar à dominação
portuguesa até 1910, e o dos Cuamato aliados aos Cuanhama, cuja derrota
se tornou definitiva em 1915
27
.
Apesar de tão custosas vitórias, todas as guerras de independência na África
central acabaram por redundar em fracassos. A intervenção de múltiplos fatores,
na sua maior parte anteriores à “corrida”, permite explicar por que os africanos
não conseguiram sustar o avanço dos europeus: o fato de grande parte dos
Estados mais poderosos serem obra de conquistas, o particularismo étnico e
as divisões internas entre as camadas ou classes dirigentes, ou entre estas e as
populações que dominavam. Tais fatores, em consequência, limitaram as possi-
23 STOKES, 1966a, p. 267 -8: estudo sobre a estratégia de sobrevivência empregada pelos Lozi sob Lewa-
nika; PÉLISSIER, 1969, p. 103; COUTINHO, 1904, p. 43.
24 PÉLISSIER, 1969, p. 79.
25 ISAACMAN, A., 1976, p. 22 -48; STOKES, 1966b, p. 366 -8: estuda a estratégia dos britânicos e a reação
das diversas populações do Malavi.
26 VANSINA, 1966, p. 226 -7.
27 HAFKIN, 1973, p. 384; NEWITT, 1972b, p. 670 -1: estudo sobre os interesses conitantes dos portu-
gueses e da elite africana comerciante de escravos, e sobre a conquista denitiva da região de Angoche.
PELISSIER, 1969, p. 102 -8.
202
África sob dominação colonial, 1880-1935
bilidades de organizar em bases suficientemente amplas o esforço anticolonial
coordenado, indispensável para disputar aos europeus a indiscutível vantagem
de que gozavam as forças imperialistas no plano das armas e da técnica militar.
Além disso, as rivalidades africanas permitiram aos administradores coloniais,
como Harry Johnston, dividir para reinar”, estratégia em que davam mostras
de consumada arte. Os anais do combate pela preservação da independência e
da soberania africanas estão repletos de exemplos de africanos que, não con-
tentes por se terem submetido, ainda ajudaram as potências coloniais, a fim de
se vingar de abusos cometidos outrora por vizinhos. Os Tonga, de Inhambane,
bem como os Sena, ajudaram os portugueses a combater os Shangaan e os Barué,
seus suseranos respectivamente, ao passo que, no Congo, populações avassaladas
cooperaram com os belgas para se libertar da tutela dos Yeke e dos árabes, ou para
eliminar os traficantes de escravos. Além disso, muitos chefes africanos tinham a
impressão de que, aliando -se aos europeus, poderiam satisfazer suas aspirações
expansionistas, para reforço da sua posição interna. Foi o que, por exemplo, levou
Tippu Tib e os filhos de Msiri a ajudar o Estado Livre do Congo
28
. Outras
sociedades africanas, algumas das quais se tinham oposto ao invasor desde a
primeira hora, juntaram -se mais tarde a ele
29
, em troca de benefícios materiais
e de promessas de melhoria de sua situação no quadro da nova ordem colonial.
Os Yao, uma vez vencidos, ajudaram a abater os Nguni Mpeseni, que, por sua
vez, ajudaram os portugueses, em seguida, a derrotar os Barué.
Sem aliados nem mercenários africanos, os europeus não poderiam ter
imposto sua dominação, com tão escasso contingente de homens no conti-
nente. Os exércitos portugueses que selaram a “conquista definitiva do vale do
Zambeze em 1902, por exemplo, eram compostos por mais de 90% de recrutas
africanos
30
. Em menor grau, era idêntica a situação dos exércitos portugueses em
Angola. Mais ao norte, o exército do Estado Livre do Congo era formado por
recrutas africanos, aos quais se juntavam alguns mercenários haussa ou zanzibari.
28 FARRANT, 1975, p. 108 -11; SLADE, 1962, p. 94 -102. Sobre Mukunda Bantu, lho de Msiri, ver
MUNONGO, 1948, p. 199 -229 e 231 -44; BITTREMIEUX, 1936, p. 69 -83. Mukunda Bantu estava
a ponto de ser completamente posto de lado pelos Sanga.
29 McCRACKEN, 1972, p. 227; DACHS, 1972, p. 288 -9; ISAACMAN, A., 1976, p. 49 -74. Um dos raros
artigos onde as motivações e o impacto da colaboração são estudados.
30 Em vez de “aliança”, certos historiadores preferem o termo “colaboração”. Para uma análise teórica da
colaboração, ver ISAACMAN, A. & ISAACMAN, B., 1977, p. 55 -61. As razões que levaram o diretor
do volume a rejeitar esse termo vêm expostas no primeiro capítulo.
203
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
Somente os oficiais eram europeus. A grande quantidade de africanos que
participaram da ocupação britânica da Niassalândia e da Rodésia do Norte
comprova a habilidade com que Harry Johnston soube dividir para reinar.
Primeiros bolsões de resistência contra a
dominação colonial e o capitalismo
Ao contrário da resistência pré -colonial, cujo objetivo fundamental era a
preservação da independência, a resistência oferecida pelos camponeses e operá-
rios em começos do século XX decorria diretamente dos esforços desenvolvidos
pelos regimes coloniais para reforçar sua hegemonia e impor relações capita-
listas, a fim de explorar os recursos humanos e naturais da África central. o
cabe neste estudo examinar em pormenores e comparar os sistemas coloniais
português, britânico e belga. Não obstante, convém estudar como, devido aos
abusos de que eram inegavelmente culpados, eles provocaram a formação de
bolsões de resistência localizada, incessantemente renovados
31
.
A primeira preocupação dos administradores coloniais consistia em instaurar
um sistema administrativo que controlasse as atividades das populações subme-
tidas. Para tal fim, depuseram um grande número de chefes tradicionais, cuja
cooperação deixava a desejar, violando assim o caráter sagrado, no plano religioso
e cultural, da realeza. Para reforçar sua precária dominação, despacharam poli-
ciais africanos, recrutados entre mercenários e seus aliados. Esperavam assim
controlar as atividades dos “chefes coloniais” e intimidar a população local. Em
vista de sua ambição de poder sem limites, não surpreende que os membros da
Force Publique do Congo, os Guerras Pretas de Angola, os Sipais e a polícia
nativa da Rodésia do Norte e da Niassalândia tenham praticado concussões e
abusado de sua autoridade.
A fim de colocar mão de obra barata à disposição do governo e dos capita-
listas europeus, as potências coloniais implantaram o trabalho forçado, que veio
se somar a uma tributação sufocante. No Congo, os africanos eram obrigados a
fazer a coleta da borracha e trabalhar nas ferrovias e minas. Em Moçambique,
eram fundamentalmente as diversas companhias concessionárias multinacionais
que se beneficiavam com o trabalho forçado. Moçambicanos eram exportados
31 Sobre a política de cada uma das potências coloniais, ver RANGER, 1969; STENGERS, 1969; HAM-
MOND, 1969; BENDER, 1978; MONDLANE, 1969, p. 23 -58; MEEBELO, 1971, p. 71 -90; KRISH-
NAMURTY, 1972; BOAVIDA, 1967: amplo apanhado da exploração de Angola pelos portugueses.
204
África sob dominação colonial, 1880-1935
para a Rodésia do Sul, África do Sul e São Tomé, onde se somavam, nas planta-
tions de cacau, a milhares de angolanos. Com diferença de detalhes, repetiu -se o
mesmo tipo de coerção e intimidação no recrutamento da mão de obra africana
para as plantations europeias da Niassalândia e, posteriormente, para as minas
da Rodésia do Norte
32
.
Os camponeses que ficavam em suas terras não estavam livres de coões. Entre
a população rural eram muitos aqueles que a lei constrangia a trabalhar rias sema-
nas sem remuneração nos canteiros de obras públicas, sob pena de prisão imediata.
Tamm se viam submetidos às exigências e aos caprichos das autoridades locais, e
frequentemente compelidos a vender seus produtos abaixo da cotação.
Em resumo, submetidos ao sistema colonial capitalista, os africanos foram
sobrecarregados com ônus ecomicos e sociais esmagadores. As falias viram-se
dispersas momentânea ou permanentemente. O campesinato local vivia aterro-
rizado com os excessos dos mercenários europeus ou africanos. No plano eco-
nômico, a exportação de grande parte da mão de obra intensificava, em várias
regiões, as penúrias locais, daí resultando a estagnação e o subdesenvolvimento
dos campos.
Esses abusos geraram incessantes protestos dos operários e camponeses.
Evidentemente, o que se reclamava era mais a correção de algumas situações
intoleráveis do que a supressão do sistema repressivo que as provocava. Seu cará-
ter esporádico fez com que boa parte dessa oposição local fosse ignorada tanto
por seus contemporâneos como pelos historiadores.o obstante, a resistência
cotidiana”, a insubmissão, o “banditismo social
33
e as insurreições camponesas
constituíram importante capítulo dos anais anticolonialistas da África central.
Como os escravos do sul dos Estados Unidos, muitos camponeses africanos
vingavam -se dissimuladamente do sistema repressivo. À falta do necessário
poder, no caso de uns e de outros, o confronto direto era quase sempre uma
tática que não se podia empregar. Portanto, era pela fraude fiscal, a cera” no
trabalho e a destruição furtiva de bens que eles manifestavam sua hostilidade.
Tal como nos Estados Unidos, a população europeia dominante entendeu essas
manifestações de “resistência cotidiana” como evidências da falta de caráter e
ignorância de seus subordinados e não como expressão de descontentamento
34
.
32 Para um estudo do trabalho forçado, ver DUFFY, 1967; NEVINSON, 1906; COQUERY -VIDROVITCH,
1972.
33 Esta expressão é mantida por insistência dos autores. O diretor do volume teria preferido “ação de
pequenos grupos armados”.
34 Um ponto de vista novo sobre a questão vem exposto em BAUER, R. A. & BAUER, A. H., 1942. Mais
recentemente, o tema foi discutido por autores como John W. Blasingame, Eune Genovese e Peter Kolchin.
205
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
Escapar aos impostos era coisa frequente em toda a África central. Justamente
antes da chegada do coletor de impostos, todos ou quase todos os habitantes
de uma aldeia fugiam para lugares inacessíveis, até a partida do funcionário
da administração. Na Rodésia do Norte, os Tonga Gwamba tinham fama de
grandes fraudadores do fisco; o mesmo constava de seus vizinhos Bisa e Unga,
que se escondiam nos pântanos de Bagwelu
35
. Em Moçambique, o costume
estava tão solidamente estabelecido que um funcionário observou, desanimado:
“Nunca se sabe quantas vezes meia dúzia ou mais de adultos abandonarão seu
kraal, deixando atrás de si apenas um cego, um doente ou um velho, isentos
de impostos
36
. Os africanos que tinham o privilégio de viver perto de uma
fronteira internacional passavam de um lado para outro da divisa para fugir aos
coletores de impostos das duas colônias. Periodicamente, os Yaka atravessavam
o rio Cuango, que separa Angola do Congo, enquanto seus compatriotas apro-
veitavam a falta de vigilância na fronteira para passar ao Congo francês, onde
se deixavam ficar até que fossem de novo perseguidos pelos agentes locais do
fisco
37
. Tática análoga foi empregada por populações rurais da região de Milanje,
ao longo da fronteira entre a Niassalândia e Moçambique, e do vale do Gaerezi,
que separa Moçambique da Rodésia.
Os camponeses também desenvolveram artimanhas para evitar ou minimi-
zar os dissabores do trabalho forçado. No pior dos casos, como sucedia com os
Namwhana e os Lungu da Rodésia do Norte, pegaram em armas para expulsar
os recrutadores de seu território
38
. Os conflitos do trabalho foram, em 1893-
-1894, causa de movimentos de insurreição dos Manjanga no baixo Congo e de
incontáveis levantes nas regiões de cultura da borracha
39
. Táticas menos perigosas
doenças simuladas, ritmo lento de trabalho, greves, fugas também eram empre-
gadas. Na Rosia do Norte, no distrito de Abercorn, os funcionários coloniais não
cessavam de se queixar dos africanos, que mandriavam e tinham de ser constante-
35 ROTBERG, 1965, p. 75: uma história política dos dois países, acrescentando algumas informações sobre
os primeiros bolsões de resistência ao colonialismo. MEEBELO, 1971, p. 97 -8: estudo importante dos
movimentos de resistência, abrangendo certas formas localizadas raramente estudadas.
36 XAVIER, 1889, p. 25 -6: obra importante, de um contemporâneo da implantação da tutela portuguesa.
37 MOULAERT, 1945, p. 28 -43: conta como, em 1885 e 1893, a população de Manyanga se opôs à deli-
mitação da fronteira com o Congo francês a m de poder escapar ao pedágio. Em 1902, novo incidente
levou a um confronto diplomático, e a fronteira acabou por ser traçada em 1908. Em todas as zonas
fronteiriças, os habitantes escapavam dos coletores de impostos e do recrutamento forçado de mão de
obra passando de um lado para outro. São abundantes as observações a respeito, quer por escrito, quer
na tradição.
38 MEEBELO, 1971, p. 90 -1.
39 FLAMENT et al., 1952, p. 498 -9.
206
África sob dominação colonial, 1880-1935
mente empurrados para o serviço”. Os operários acabaram por paralisar o trabalho
até que lhes garantissem um salário
40
. A falta de cooperação e a elevada taxa de
absenteísmo convenceram os funcionários europeus da indolência congênita dos
africanos. Certo administrador português notava, na época:
Nenhum fugiu por causa de maus -tratos nem por outra razão justificável [...] Por-
tanto sou levado a concluir que a grande repugnância que quase todos eles mostram
pelo trabalho é a única explicação para a fuga das tarefas em questão
41
.
Havia também casos de trabalhadores que, descontentes, sabotavam o
equipamento agrícola, queimavam os entrepostos, roubavam os armazéns das
companhias concessionárias e dos negociantes locais e destruíam os meios de
transporte e as linhas de comunicação.
Atravessar as fronteiras também constituía frequente manifestação de des-
contentamento. Embora a natureza clandestina do êxodo impeça qualquer exati-
dão nas avaliações, tudo sugere haver atingido grandes proporções. Documentos
oficiais britânicos indicam que, de 1895 a 1907, mais de 50 mil africanos estabe-
lecidos no vale do Zambeze fugiram para a Rodésia do Sul e para a Niassalândia,
na esperança de que o colonialismo inglês se mostrasse mais clemente
42
. A
identidade ou o parentesco étnico dos grupos que viviam de um lado e de outro
da fronteira ajudou os Ovambo e os Bacongo a deixar Angola, bem como os
Shona e os Cewa a fugir de Moçambique (ver figura 8.1). Na Niassalândia,
grandes contingentes de Tonga e de Tumbuka, das margens do lago, deixaram
a região da bacia do Rukuru para fugir da zona sob controle britânico e escapar
ao pagamento de impostos
43
.
A constituição de comunidades de refugiados nas zonas desabitadas era
uma variante da tica de insubmissão. Mais do que atravessar fronteiras
internacionais, os camponeses, que em muitos casos tinham recusado aten-
der às suas obrigões legais, criaram enclaves autônomos. Essa tática foi
regularmente empregada pelos Bemba dissidentes, que se refugiavam no
sertão. Fora de alcance, os habitantes das mitanda obtinham uma espécie
de indepenncia, que defendiam ciosa e encarniçadamente
44
. Femeno
40 MEEBELO, 1971, p. 95 -7.
41 Arquivo Histórico de Moçambique, Fundo do Século XX, Cx. 4 -185, m. 37: António Gomes ao Subintendente
do Governo em Macequece, 18 de novembro de 1916.
42 WIESE, 1891, p. 241.
43 McCRACKEN, 1972, p. 227-8.
44 MEEBELO, 1971, p. 102 -3.
207
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
 . Mapondera, chefe rebelde da Rodésia do Sul (atual Zimbábue). (Fonte: Arquivos Nacionais
do Zimbábue.)
208
África sob dominação colonial, 1880-1935
semelhante verificou -se no sul de Angola, na região de Gambo, que se tor-
nou um refúgio para os fora da lei e os insatisfeitos. O mesmo ocorria nas
áridas montanhas de Gaerezi, que separam Moçambique da Rodésia do Sul,
assim como nas florestas e reges montanhosas do Congo
45
. Embora pouco
se saiba sobre a organizão interna dessas comunidades, a vontade de pre-
servar sua liberdade e o êxodo para áreas remotas e inóspitas impressionam
pela semelhaa com o comportamento das comunidades de quilombolas
das Américas
46
.
Não contentes com ficar fora da esfera de influência europeia, outras comu-
nidades de fugitivos adotaram atitude hostil para com os regimes coloniais,
atacando certos símbolos da opressão rural plantations, recrutadores de pes-
soal, coletores de impostos e polícia africana –, na preocupação de proteger suas
aldeias e parentes contra os contínuos tormentos e contra a exploração. Embora
tivessem violado as leis do sistema colonial, os chefes de tais bandos, como os
bandidos de honra da Sicília ou do nordeste do Brasil, que Eric Hobsbawm
47
estudou, não eram considerados malfeitores pelos seus. O mais conhecido des-
ses bandidos sociais” foi sem dúvida Mapondera, que enfrentou com sucesso
as tropas coloniais portuguesas e da Rodésia do Sul de 1892 a 1903, enquanto
protegia o campesinato local contra os coletores de impostos, os recrutadores
de mão de obra, a exploração pelos agentes das companhias e os excessos dos
administradores (ver figura 8.4). Mapondera e seus partidários atacaram repeti-
damente os entrepostos da Companhia da Zambézia e as lojas dos mercadores
rurais, símbolos da exploração econômica. Os rebeldes conseguiram vencer as
esmagadoras dificuldades com que se defrontavam graças ao apoio permanente
da população rural, que os supria regularmente de alimentos e de munições e
lhes comunicava informações estratégicas
48
. Outros bandidos sociais” operavam
em Moçambique, nomeadamente o sucessor de Mapondera, Dambakushamba,
Moave e Samakundu, bem como nas terras altas de Huila, no sul de Angola, o
que sugere que esta forma de resistência não era incomum e deve ser pesquisada
em outras partes da África central
49
. Estudos preliminares apontam a ocorrên-
cia bastante regular de ações análogas no Congo. As de Kasongo Niembo, na
província de Shaba, os ataques de Kiamfu e de seus partidários yaka, bem como
45 PÉLISSIER, 1969, p. 76.
46 Ver PRICE, 1973, p. 1 -30.
47 HOBSBAWM, 1969.
48 ISAACMAN, A., 1977.
49 ISAACMAN, A., 1976, p. 97-125; CLARENCE -SMITH, 1979, p. 82-8.
209
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
o apoio dado pelos Luba aos rebeldes kiwilu, todos parecem pertencer a este
tipo de rebelião.
De vez em quando, africanos recrutados para esmagar dissidentes locais
também se revoltavam em protesto contra os abusos coloniais, de que não esta-
vam inteiramente livres. Insurgiam -se contra os salários miseráveis, a severidade
das punições e o comportamento caprichoso de seus oficiais europeus. Foi no
Estado Livre do Congo que irromperam os motins mais violentos: em 1895,
toda a guarnição de Luluabourg se revoltou, e, sob o comando de suboficiais
amotinados, os soldados massacraram o chefe do posto para se vingar de sua
intolerável tirania. Durante mais de seis meses, os rebeldes controlaram quase
toda a província de Kasai, mas acabaram sendo vencidos pelas tropas que perma-
neceram leais
50
. Dois anos depois, o grosso do exército se revoltava
51
. Por pobres
que sejam as informações disponíveis sobre a deserção de africanos do exército
colonial português, vários casos de adesão às forças anticolonialistas e o motim
de Tete, em 1917, sugerem, no mínimo, uma hostilidade latente
52
.
Nos primeiros tempos da era colonial, ocorreram numerosas revoltas de campo-
neses, embora limitadas no espaço e no tempo. Era raro os camponeses procurarem
consolidar conquistas iniciais ou passar do ataque aos símbolos de sua opressão à
luta contra o sistema colonial em seu conjunto. De modo geral, os levantes tinham
origem no aumento ou na cobrança mais rigorosa de impostos, ou nas reivindica-
ções dos trabalhadores. No vale do Zambeze contaram -se, entre 1890 e 1905, nada
menos do que 16 sublevações. Essas revoltas, em sua maioria, voltavam -se contra a
Companhia de Moçambique e a Companhia da Zambézia, às quais Lisboa tinha
cedido quase todo o Moçambique central. As duas sociedades, que o dispunham
de capitais suficientes, procuravam maximizar os lucros impondo pesados tributos
sobre as habitações e exportando mão de obra constrangida ao trabalho foado,
causa direta dos levantes
53
. No decorrer desse período, ocorreram tamm alguns
levantes menores em Angola. O furor dos camponeses ila, tonga gwemba e lunda
ocidentais inquietou os funciorios brinicos na primeira década do século XX.
No Congo, cálculos moderados estimam o número das revoltas rurais localizadas
50 O melhor relato é, até agora, o de Storme, 1961, que não é mais que a primeira parte de um estudo mais
amplo. Elementos participantes desse motim combateram até 1908.
51 FLAMENT et al., 1952, p. 383 -460. Ver tese de doutoramento de Bimanyu (?) sobre o tema.
52 RHODESIAN NATIONAL ARCHIVES, N3/26/2/2, R. N. L. B: Kanyemba ao Diretor Superinten-
dente, R. N. L. B., 12 de maio de 1917.
53 ISAACMAN, A., 1976, p. 97 -125.
210
África sob dominação colonial, 1880-1935
em mais de uma dezena por ano
54
. Embora estes movimentos, em sua maior parte,
fossem desorganizados, muveis e circunscritos, nem por isso deixaram de elevar
a consciência política dos camponeses a um vel que lhes permitiu, mais tarde,
participar de levantes anticolonialistas de maior envergadura. Foi o caso no sul de
Moçambique, onde os Tonga se juntaram a Gungunhana (ver figura 8.3), depois
de reprimida a revolta contra os impostos, de 1894; e no vale do Zambeze, onde,
por ocaso da revolta de 1898, camponeses sena e tonga juntaram -se a Cam-
buemba
55
. Vinte anos depois, Tulante Álvaro Buta, que, convertido ao cristianismo,
o abandonara, conseguiu organizar um movimento de massas entre os Bacongo
resistentes, hostis à vontade dos portugueses de aumentar o recrutamento de o
de obra. Acabou por alinhar o os camponeses católicos do norte, mas ainda
os Bacongo do sul, eno recém -convertidos ao protestantismo
56
.
Os esforços de Buta estão ligados à onda de agitações que começava a nascer
no meio dos africanos convertidos, decepcionados com o cristianismo. Onde
se vissem incapazes de expressar a hostilidade ao colonialismo, ou se ressen-
tissem das discriminações existentes no seio das igrejas protestantes, domina-
das pelos europeus, os africanos criavam igrejas independentes ou separatistas,
para remediar a situação. Essas formações religiosas autônomas proliferaram na
Niassalândia e na Rodésia do Norte durante a primeira década do século XX.
A mais célebre talvez tenha sido a igreja etíope, fundada por Willie Mokalapa.
Mokalapa e seus discípulos não cessavam de protestar contra a discriminação
exercida pelos missionários europeus e a existência de uma verdadeira barreira
que negava aos africanos qualificados a possibilidade de subir na escala social. A
longo prazo, eles queriam provar que os africanos eram capazes de dirigir suas
próprias atividades religiosas e seculares, independentemente dos europeus
57
.
Outras igrejas – o movimento Watchtower, na Rodésia do Norte, e a AME, em
Moçambique visavam objetivos análogos.
Além dessa resistência, ppria dos meios rurais, a agitação reformista começava
a propagar -se aos centros urbanos, onde africanos e mulatos instruídos depressa
54 Le mouvement géograque e La Belgique coloniale contêm indicações relativas ao período anterior a 1909.
Para o período de 1909 a 1959, há dados mais precisos numa obra que gura na bibliograa da Chambre
des Répresentants: Rapport annuel sur l‘activité de la colonie au Congo belge. Flament, 1952, p. 530, menciona
12 operações importantes somente em Kasai, entre 1893 e 1911. Todavia Kasai era a região onde, graças às
armas recebidas de Angola, a resistência tomou maior vulto. O relatório dá o número anual das operações
policiais. Ver também ROTBERG, 1965, p. 73 -5, e MEEBELO, 1971, p. 97 -8.
55 COUTINHO, 1904, p. 28 -30; ISAACMAN, A., 1976, p. 126 -56.
56 WHEELER & PÉLISSIER, 1971, p. 89 -90; MARCUM, 1969, p. 53 -4.
57 RANGER, 1965; ROTBERG, 1966, p. 58 -60.
211
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
entenderam que seu preparo e as doutrinas igualitárias ensinadas pelos missio-
rios o eram incompaveis com a discriminação social, econômica e política. Os
intelectuais mulatos de Angola, entre os quais Jo de Fontes Pereira, foram dos
primeiros a dar livre curso a seu sentimento de frustração e sua hostilidade. Tendo
adotado a cultura portuguesa in toto, ficaram espantados com a onda de racismo
que acompanhou a chegada de imigrantes no final doculo XIX. Na tentativa de
salvaguardar sua situação privilegiada, publicaram extensos editoriais e ensaios em
que deploravam o declínio de suas prerrogativas, ao mesmo tempo que pressionavam
Lisboa para lhes garantir seus direitos e pôr fim à flagrante exploração dos africanos.
Como esses sinais de descontentamento logo se revelassem inúteis, fundaram, em
1906, a primeira associação de mulatos, com a finalidade de fazer valer seus direitos.
Quatro anos depois, era constituída uma organização dos intelectuais mulatos para
o conjunto das colônias portuguesas
58
. Por essa mesma época, um pequeno mero
de organizões intelectuais reformistas foi criado em Moçambique. Citam -se entre
as mais importantes a Associação Africana, que editava o jornal Brado Africano,
primeiro órgão contestario de Moçambique. A exemplo de seus hologos ango-
lanos, os autores dos artigos publicados neste jornal faziam parte de uma burguesia
mulata e africana nascente, que procurava proteger os poucos privigios econômicos
de que se beneficiava e reafirmar sua igualdade no plano racial e cultural
59
.
Quase na mesma época, nos territórios vizinhos da Niassalândia e da Rodésia
do Norte, funcionários, professores e outros profissionais africanos qualificados
criavam associações destinadas à defesa de sua posição de classe relativamente
privilegiada e à reivindicação de reformas no quadro colonial existente. De 1912
a 1918, foram fundadas algumas dessas organizações, inclusive a North Nyasa
Native Association e a West Nyasa Association
60
. Entre as duas guerras, esses
grupos iriam assumir importância considerável na política da África central.
Insurreições coloniais até 1918
É pelos objetivos e pela envergadura que se podem distinguir as insurrei-
ções coloniais das formas localizadas de resistência. Ao contrário da agitação
58 WHEELER & PÉLISSIER, 1971, p. 84 -6, 93 -8; WHEELER, 1972, p. 67 -87; MARCUM, 1969, p.
16 -22.
59 MONDLANE, 1969, p. 104-6: a obra do desaparecido fundador da Frelimo tenta situar as recentes
lutas de libertação num quadro histórico mais amplo.
60 TANGRI, 1968, p. 5; VAN VELSEN, 1966, p. 376 -7: estudo sobre a formação das associações destinadas
a defender a posição da elite subalterna e sobre os esforços dela para obter reformas no sistema colonial.
212
África sob dominação colonial, 1880-1935
esporádica, que tendia ao particularismo exacerbado e à atomização, as rebeliões
apoiavam -se na mobilização de massa e no pluralismo étnico. O crescente enga-
jamento, ao menos em certos levantes, de um campesinato oprimido sugere que
as considerações de classe também se tornavam fator importante. A redefinição
e o desenvolvimento dos objetivos dos levantes teriam de ser a decorrência
inevitável do apoio mais amplo que eles recebiam. Os protestos contra esta ou
aquela forma de injustiça foram postos de lado, em favor de uma estratégia com
vistas a destruir o sistema repressivo que as engendrara.
Se as insurreições coloniais refletem a elevação do nível de consciência polí-
tica e a intensificação da hostilidade de seus participantes, também apresentam
numerosos pontos em comum com os movimentos de oposição isolados, em
geral anteriores. Tal como as comunidades de fugitivos, elas rejeitavam a reforma
interna, aspirando antes à independência que aos melhoramentos. Às revoltas
camponesas e atividades dos bandidos de honra”, assemelhava -se pela estratégia
ofensiva ou de confronto direto. Além disso, muitas vezes a participação em
movimentos localizados de protesto elevava o nível de consciência política de
numerosos africanos, preparando -os assim para o engajamento em atividades
anticoloniais mais progressistas.
De 1885 data das primeiras conquistas de territórios na África central
até 1918, assinalam -se mais de 20 insurreições
61
. Nenhuma das cinco colônias
Angola, Moçambique, Niassalândia, Rodésia do Norte e Congo escapou a
elas. No entanto, foi nas colônias portuguesas e no Congo – onde a dominação
extremamente opressiva, de um lado, e a fraqueza da estrutura administrativa e
militar, de outro, facultavam ondas sucessivas de agitação revolucionária que
se deu a grande maioria das insurreições.
Embora diferentes nos pormenores, todas as insurreições conheceram os
mesmos problemas de organização, os quais, por sua vez, geraram característi-
cas comuns e limitaram gravemente a possibilidade de êxito. Cumpria resolver
problemas fundamentais: encontrar um chefe de prestígio, com o devotamento e
a experiência necessários para suscitar e dirigir um movimento de massa; deter-
minar os princípios orientadores de um vasto movimento anticolonial; enfim,
encontrar uma fonte de armas e munições.
Pouco antes da imposição da tutela colonial, as primeiras lutas pela pre-
servação da independência haviam acarretado a morte ou a deposição de bom
número dos chefes e militantes mais respeitados. Entre os mortos, figuram o
61 Trata -se aí de um número mínimo, que, sem dúvida, será modicado à medida que forem prosseguindo
as pesquisas sobre o tema.
213
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
líder dos Chewa, Mwase Kasungu, e o dos Yeke, Msiri. Entre os exilados, Gun-
gunhana, Monomotapa Chioco e a família real dos Barué. Houve ainda os que
foram substituídos por membros mais maleáveis da família real, como o chefe
dos Humbe, Tehuango, e o dos Quitangona, o xeque Mahmud. Destruídas ou
substituídas as lideranças históricas, os administradores coloniais ficaram con-
vencidos de haverem efetivamente ocupado os respectivos territórios e, por-
tanto, eliminado praticamente toda possibilidade de levantes posteriores. Não
se davam conta de que as instituições políticas indígenas não haviam perdido
sua legitimidade e ainda eram viáveis, que havia outras fontes de liderança e que
muitos povos da África central estavam decididos a se libertar.
O eminente papel assumido por certas famílias reais nas insurreições des-
mente a opinião geralmente admitida de que os sérios reveses militares sofridos
quando da corrida tinham enfraquecido a posição dos chefes indígenas. O cará-
ter sagrado do poder real e a violência dos sentimentos antiportugueses no meio
das massas permitiram a Chioco, dirigente exilado de Monomotapa, organizar a
rebelião de 1897, exemplo retomado 20 anos depois, quando Nongwe-Nongwe
regressou da Rodésia do Sul para encabeçar os Barué e seus vizinhos do vale do
Zambeze na insurreição de 1917
62
. Do mesmo modo, apesar de ter aceitado pro
forma a dominação portuguesa, Muta -ya -Kavela, chefe dos Bailundu, reuniu os
elementos de uma coalizão anticolonial durante a rebelião de 1902, e, em 1908,
o monarca dos Dembo, Cazuangonongo, revoltou -se com seus partidários
63
.
No sul de Angola, Sihetekela, chefe (soba) exilado dos Cuamato, reafirmou sua
autoridade e levou seu povo a concluir uma aliança com os Cuanhama contra
Portugal, abrindo, assim, caminho para a guerra de 1915
64
. Os funcionários do
Estado Livre do Congo ficaram estupefatos ao ver Mushidi, rei dos Lunda, que
acreditavam seu súdito, organizar uma rebelião de grande envergadura, a qual
durou de 1905 a 1909
65
.
As autoridades coloniais que não haviam compreendido que a realeza ainda
tinha meios de ão superestimavam, além disso, a aptidão dos novos dirigen-
tes, designados por elas – os chefes coloniais –, para impor aos administradores
obrigações que iam contra seus interesses e seu sistema de valores. Assim, em
1904, a rebelião de Quitangona foi dirigida ao mesmo tempo contra os portu-
62 RANGER, 1963, p. 1 -2; ISAACMAN, A., 1976, p. 156 -85.
63 WHEELER & CHRISTENSEN, 1973, p. 75 -6; MARCUM, 1969, p. 16. Obra muito importante, que
aponta antecedentes no início do século XX da recente guerra de libertação.
64 PÉLISSIER, 1969, p. 100 -1.
65 BUSTIN, 1975, p. 48.
214
África sob dominação colonial, 1880-1935
gueses e contra seu régulo fantoche, Said Bin Amissi, deposto em favor do xeque
Mahmud, o chefe legítimo
66
. Semelhantemente, a usurpação do poder por um
membro cooptado da família real provocou, em 1891, a rebelião dos Humbe
67
.
Houve casos, como o de Makanga, em que o conselho dos anciãos, exprimindo
o sentimento geral da população, exigiu que o chefe colonial Chinsinga rejeitasse
a dominação portuguesa ou fosse deposto. Contra a sua vontade, Chinsinga
consentiu em proclamar a independência de Makanga, do que resultou violento
confronto com as forças de Lisboa
68
.
Mesmo onde o chefe legítimo tivesse sido efetivamente deposto ou cooptado,
outros líderes em potencial surgiam com o apoio do povo. Frequentemente, esses
homens desempenharam papel preponderante nas guerras de independência.
O primeiro lugar -tenente e chefe de guerra de Gungunhana, Maguiguana, foi
quem organizou a insurreição de Shangaan, em 1897
69
. Cambuemba, o famoso
guerreiro mestiço, cujas proezas contra os portugueses se tornaram lendárias,
desempenhou papel análogo durante a rebelião de Sena -Tonga, que, dois anos
mais tarde, incendiou todo o vale do baixo Zambeze
70
. No Congo, várias insur-
reições tiveram como chefes pessoas comuns, que souberam mobilizar as massas.
Em 1897, um sargento descontente da Force Publique, Kandolo, desencadeou
uma revolta militar cujo objetivo, ao contrário de outros motins, era a expulsão
dos europeus e a libertação do Estado Livre do Congo
71
.
Sacerdotes e médiuns organizaram e abençoaram numerosas insurreições.
Esta participação nas lutas, que já vinha desde antes do período colonial, decor-
ria logicamente de seu papel ancestral de guardiães espirituais da terra natal.
Em 1909, Maluma, sacerdote dos Tonga, apelou para a expulsão imediata dos
todo -poderosos colonizadores da Niassalândia. “É chegada a hora de combater
os homens brancos. Comecemos hoje mesmo e combatamos durante toda a
estação das chuvas. Que os homens negros se levantem! E que expulsem os
brancos deste território
72
. Foi Maluma quem, em seguida, conduziu os Tonga
ao combate. Do mesmo modo, em 1884 os sacerdotes mbona tiveram papel
66 HAFKIN, 1973, p. 378.
67 PÉLISSIER, 1969, p. 73.
68 ISAACMAN, A., 1972, p. 132 -3: estudo sobre o funcionamento dos prazos do Zambeze e da resistência
dos prazeiros afro -portugueses à dominação portuguesa.
69 COELHO, 1898, p. 83; BOTELHO, 1934, v. 2, p. 533 -47.
70 COUTINHO, 1904, p. 26 -8; BOTELHO, 1934, v. 2, p. 549 -57.
71 FLAMENT et al., 1954, p. 411. O grupo tentou ocupar pelo menos a antiga zona árabe, ou seja, quase
a metade do Estado.
72 Apud ROTBERG, 1966, p. 75 -6.
215
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
importante na chefia da rebelião de Massingire, e certos indícios permitem pen-
sar que os sacerdotes dos Kandudu estiveram ativamente envolvidos na rebelião
dos Bailundu de 1904
73
. No Congo, a sacerdotisa Maria Nkoie predizia que
as armas europeias seriam impotentes contra seus talismãs guerreiros. Seguros
disso, seus adeptos desencadearam uma campanha de cinco anos, que terminou
em 1921. Em seu apogeu, a rebelião de Ikaya – do nome dos conhecidos talis-
mãs de guerra espalhara -se por toda a região do Congo
74
. Em parte alguma as
responsabilidades assumidas pelos chefes religiosos foram tão marcantes como
no vale do Zambeze. Os médiuns shona incitaram as populações a apoiar as
abortadas rebeliões de 1897, 1901 e 1904, proclamando por diversas vezes que
a seca, a fome e as doenças do gado que o céu lhes enviava e que ameaçavam
sua sobrevivência teriam fim quando os invasores estrangeiros fossem expulsos.
Em 1917, o médium Mbuyu ameaçou retirar a consagração divina do chefe dos
Barué, Nongwe -Nongwe, se ele não abandonasse sua atitude impopular e não
aceitasse fazer parte de uma rebelião anticolonial. Relutante, ele concordou
75
.
À medida que a influência dos missionários protestantes se ampliava, alguns
africanos, convertidos mas refratários, tentaram criar movimentos anticolonialis-
tas com base numa doutrina revolucionária milenária. Entre os primeiros chefes,
os mais célebres foram Kamwana e John Chilembwe, ambos da Niassalândia.
O primeiro, membro da seita Watchtower, predizia que uma nova ordem de
Estados africanos, beneficiários da aprovação divina, seria estabelecida em 1914.
Enquanto esperava, Kamwana compeliu seus 10 mil discípulos a purificarem-
-se e a absterem -se de qualquer resistência violenta à autoridade britânica
76
. O
objetivo último de Chilembwe não é fácil perceber: ele também entrevia um
Estado africano de inspiração divina, mas, ao contrário de Kamwana, em 1915
incitou seus discípulos a uma insurreição, talvez simbólica, que durou pouco
77
.
Com a morte, tornou -se mártir do anticolonialismo, cujo significado excede sua
obra terrestre.
Como Chilembwe, quase todos esses deres reconheciam a necessidade de
celebrar alianças que lhes permitissem ampliar sua base de apoio. As malsuce-
didas guerras do começo da resistência mostravam que, isoladas, as sociedades
73 MONTAGU -KERR, 1886, p. 275 -6; WHEELER & CHRISTENSEN, 1973, p. 75.
74 MOULAERT, 1945, p. 187 -8.
75 ISAACMAN, A., 1976, p. 126 -85.
76 SHEPPERSON & PRICE, 1958, p. 156.
77 Sobre Chilembwe, ver SHEPPERSON & PRICE, 1958, obra fundamental de referência. Aí se encontram
importantes informações sobre Kamwana.
216
África sob dominação colonial, 1880-1935
africanas não dispunham de recursos para resistir à penetração europeia. Esse fato
foi previsto com muita clareza pelo chefe do Estado moçambicano de Makanga,
pouco antes da revolta de 1899: “É preciso que os africanos de todas as tribos se
unam, dando prova de boa -fé, num esforço coordenado para conseguir grandes
quantidades de armas e munições. Feito isso, expulsaremos todos os portugueses
78
.
As tentativas de criação de movimentos revolucionários de amplas bases
foram de três gêneros. No primeiro caso, tratava -se de reativar laços ancestrais
com povos de cultura aparentada, a fim de atrair sociedades inteiras para o
campo dos insurretos. Noutro caso, os rebeldes procuravam o apoio de grupos
poderosos que, por causa do parentesco distante ou de antigas querelas, não eram
até então considerados aliados. Por fim, os chefes apelavam diretamente à ajuda
econômica dos camponeses insubmissos. Estes três princípios de organização
foram utilizados por várias vezes e de modo mais ou menos associado, para dar
à rebelião maior envergadura e garantir o apoio das populações na luta contra
o opressor comum.
Para ampliar as bases de apoio, era costume invocar laços ancestrais comuns.
Em Angola, em 1904, quando da revolta dos Bailundu, Muta -ya -Kavela obteve
o apoio de vários reinos Umbumdu aparentados. Três anos depois, numero-
sas circunscrições ovambo tomaram parte na insurreição dos Cuamato
79
. Em
Moçambique, o prestígio de que gozava o monomotapa Chioco, como des-
cendente por patrilinearidade de Mtota, primeiro rei dos Tawara, permitiu -lhe
receber a ajuda de certo número de sociedades tawara independentes. Por sua
parte, os Barué foram beneficiados pelo fato de se casarem tradicionalmente
com Tongas
80
. Uma linhagem comum, simbolizada por toda uma hierarquia de laços
entre médiuns, permitiu às diversas circunscrições shona unirem -se em seus levantes
de 1901, 1904 e 1917
81
; já a rebelo ikaya, no Congo, propagou -se gras ao fato de
que, compartilhando das mesmas creas, as populões esparsas da curva do Zaire
tiveram maior facilidade para se incorporarem
82
.
Na busca de novos aliados, os chefes das diversas insurreições apelavam fre-
quentemente para antigos adversários, que partilhavam de seu ódio ao sistema
colonial. Os Bailundu conseguiram o auxílio de alguns povos ex -vassalos os
Kasongi, os Civanda e os Ngalanga; por sua vez, os Shangaan ganharam o apoio
78 FERNANDES JÚNIOR, 1955, p. 50.
79 WHEELER & CHRISTENSEN, 1973, p. 76; PÉLISSIER, 1969, p. 85 -7.
80 RANGER, 1963, p. 1 -2; ISAACMAN, A., 1973, p. 395 -400.
81 ISAACMAN, A., 1976, p. 126 -85.
82 FLAMENT et al., 1952, p. 411.
217
Iniciativas e resistência africanas na África central, 1880 -1914
de chefarias cujas simpatias tinham perdido durante sua fase expansionista, ante-
rior à corrida” europeia
83
. Em certos casos, a reconciliação só se deu depois que
os chefes deste ou daquele grupo pró -europeu tomaram consciência de todas as
implicações de sua atitude. Os Lunda, sob Mushidi, que começaram por ajudar
o Estado Livre do Congo contra os Chokwe, em 1905, após uma reviravolta
espetacular, fizeram causa comum com os antigos inimigos, encetando uma luta
que só foi esmagada por causa da carestia de alimentos de 1910 -12
84
(ver figura
8.1). Em Moçambique, os Sena, que, ocupando posição estragica, se haviam batido,
em 1901, ao lado dos portugueses contra os Barué, 16 anos depois aliaram -se com
entusiasmo aos mesmos Barué, tomando parte em um movimento pan -zambeziano
para destruir o sistema colonial repressivo
85
.
Os revoltosos também procuravam engrossar fileiras com os aldeões e os
trabalhadores rurais que se recusavam individualmente a aceitar as exigências
das autoridades coloniais e de seus aliados capitalistas. Neste caso o apelo não
era nem étnico nem cultural, nem dirigido necessariamente aos chefes, dos
quais muitos tinham sido nomeados pelo colonizador. Instava -se simplesmente
com todos quantos sofressem a opressão econômica a juntarem -se à insurreição,
para suprimir de uma só vez os impostos, o trabalho e o sistema que os engen-
drara. Na Niassalândia, o movimento kamwana, inicialmente sustentado pelos
Tonga das margens do lago, logo se expandiu englobando os até então hostis
camponeses nguni, senga e tumbuka
86
. O apelo de Chilembwe às massas rurais
também não aludia à solidariedade étnica. Salientava, em vez disso, a necessidade
de acabar com a exploração e criar uma nação africana beneficiária da sanção
divina
87
. Os Bailundu recrutaram adeptos entre camponeses não umbundu,
vítimas do trabalho forçado e da exploração econômica. No vale do Zambeze,
foram numerosos os camponeses, cuja hostilidade se manifestara por ações
localizadas de resistência, que se juntaram às insurreições, em irrupção cons-
tante
88
. O mesmo ocorreu no Congo, onde pequenos plantadores de borracha
explorados estiveram na origem da rebelião Kuba, em 1904
89
.
83 WHEELER & CHRISTENSEN, 1973, p. 76; BOTELHO, 1934, v. 2, p. 433 -67.
84 BUSTIN, 1975, p. 48.
85 Numerosos documentos conservados nos Arquivos da Companhia de Moçambique, caixa 1633, tratam
dessas inversões de aliança.
86 SHEPPERSON & PRICE, 1958, p. 156.
87 Ver SHEPPERSON & PRICE, 1958; MWASE, 1967.
88 WHEELER & CHRISTENSEN, 1973, p. 76 -7; ISAACMAN, A., 1976, p. 126 -85.
89 Os plantadores de seringueiras é que desencadearam essa rebelião. VANSINA, 1969, p. 21 -2.
218
África sob dominação colonial, 1880-1935
Seria ocioso estendermo -nos aqui sobre a questão da aquisição de armas.
Basta dizer que os rebeldes procuravam armas modernas de várias formas: em
transações comerciais clandestinas com traficantes europeus, asiáticos e africa-
nos, em assaltos a depósitos europeus de armas, comprando -as a policiais ou
mercenários africanos, fazendo aliança com povos vizinhos ainda independentes
e, em certos casos, construindo fábricas de armas e munições. Se é verdade que
certos rebeldes, como os Barué e os Cuamato, lograram criar arsenais relativa-
mente grandes, foram raras as vezes em que os insurretos tiveram o poder de
fogo dos primeiros resistentes.
Dados o desequilíbrio do potencial militar, o desenvolvimento da polícia e
das forças mercenárias africanas, não surpreende que todas as revoltas acabassem
por malograr. Não obstante, algumas registraram êxitos marcantes, embora bre-
ves, que desmentem a ideia comum da passividade africana. A título de exemplo,
em 1904, os Bailundu expulsaram os portugueses das montanhas ovimbundu.
Três anos mais tarde, os mesmos portugueses sofriam derrota análoga, desta vez
infligida pelos Cuamato, no sul de Angola. É provável que maior feito militar
tenha sido o dos Barué e seus aliados: durante a revolta de 1917, consegui-
ram libertar todo o vale do Zambeze, ainda que por curto tempo. Não fosse a
intervenção de 30 mil mercenários nguni, talvez a rebelião se tivesse alastrado
a outras regiões de Moçambique.
Conclusão
Analisamos aqui as primeiras manifestações das iniciativas e da resistência
africanas diante da dominação europeia. Ao longo de todo o capítulo, procu-
ramos documentar a frequência e o vigor da atividade anticolonial. O desejo
de liberdade da maior parte dos africanos teve de enfrentar as ambições de
uma minoria de mercenários e aliados dos europeus, sem os quais estes jamais
teriam conseguido impor seu jugo por completo. A tradição de confronto e de
resistência, portanto, coexistiu com uma tradição de colaboração. Embora o con-
texto político tivesse mudado, a luta entre essas duas forças rivais permaneceria
um fator operante na África central e meridional nas décadas de 1960 e 1970,
período da luta pela independência.
C A P Í T U L O 9
219
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
O sul da África em vésperas da conquista colonial
Para estudar a resistência africana à colonização no sul do continente no
século XIX, é importante compreender bem o ambiente cultural e social em que
ela se verificou. As principais forças históricas eram o expansionismo colonial, a
cristianização e o ensino dos missionários, a revolução Zulu e seus corolários: o
Mfecane e as migrações dos Nguni. Na época da Conferência de Berlim sobre
a África ocidental (1884 -1885), que se caracterizou por uma concorrência febril
entre as nações europeias, ávidas de ampliar as possessões coloniais africanas,
havia mais de 70 anos que os britânicos e afrikaners já disputavam os territórios
da África meridional. Termos tais como “tratado”, esfera de influência”, ocu-
pação efetiva”, anexação e “força de fronteira”, cujo uso se propagou a toda
a África após aquela conferência, pertenciam a um vocabulário corrente na
África austral desde 1815. Os colonos europeus do sul da África, ao contrário
dos do resto do continente, projetavam, desde o início, fundar estabelecimentos
permanentes nessa região nova que os atraía pelo clima temperado, pela fertili-
dade das terras aráveis, pela mão de obra barata e, enfim, pela riqueza mineral.
Por volta de 1880, havia na África meridional quatro entidades políticas
brancas: de um lado, a Colônia do Cabo e Natal, com maioria de população
branca e de língua inglesa (respectivamente, 185 mil e 20 mil almas), e, de outro,
Iniciativas e resistência africanas
na África meridional
David Chanaiwa
220
África sob dominação colonial, 1880-1935
a República Sul -Africana e o Estado Livre de Orange, que, juntos, contavam
mais de 50 mil brancos de língua holandesa. Posteriormente, outra colônia
inglesa foi fundada: Mashonalândia (12 de setembro de 1890). Nessas cinco
colônias de povoamento, a grande massa de autóctones africanos era dominada
por minorias brancas. Para as populações San e Khoi -khoi, a submissão remon-
tava a mais de dois séculos; para outras, como os Xhosa, os Mfengu, os Tembu e
os Mpondo, a dominação colonial, sob diferentes formas, perdurava havia quase
cem anos
1
(ver figura 9.1).
Nos termos da Convenção de Sand River (1852), britânicos e afrikaners
tinham acordado não vender armas de fogo às populações autóctones da África
meridional. O acordo privava os africanos de um meio de que necessitavam para
sua autodefesa e para uma resistência eficaz.
Assim, na época em que os países europeus aderiram ao Ato Geral da Con-
ferência de Bruxelas (antiescravagista), de 1890, que proibia a venda de armas de
fogo aos africanos, os brancos da África meridional já praticavam, havia algum
tempo, uma política de desarmamento das populações locais, se bem que, nas
décadas de 1870 e 1880, alguns grupos tenham conseguido comprar armas de
fogo com o dinheiro ganho nas minas de diamantes. Além disso, os afrikaners,
os colonos ingleses e o próprio governo britânico mantinham uma mística de
identidade racial que prevalecia sobre as divergências de seus interesses políticos
ou econômicos particulares. Sentiam que era de seu interesse comum conquistar,
governar e explorar os africanos. Por isso não se opuseram ao fornecimento
de armas aos africanos, como também evitaram utilizar tropas africanas como
aliadas quando combatiam uns contra os outros. Tudo isso condicionou subs-
tancialmente as iniciativas e reações dos africanos, limitando suas possibilidades
de ação.
A revolução Zulu e suas consequências
A situação ainda era agravada pelos acontecimentos decisivos que se tinham
desencadeado no sul da África no início do século XIX. São de citar a revo-
lução Zulu e o Mfecane na África do Sul, as migrações dos Nguni (Ndebele)
para a Rodésia do Sul (atual Zimbábue), a dos Kololo para a Rodésia do Norte
(atual Zâmbia), a dos Nguni para a Niassalândia (atual Malavi) e Tanganica
1 Para as reações africanas anteriores à década de 1880, ver MACMILLAN, 1963; DE KIEWIET, 1965;
PHILLIP, 1928; MARAIS, 1957.
221
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
 . Povos e divisão política do sul da África. O mapa mostra as migrações dos Nguni e a área do
Chimurenga.
222
África sob dominação colonial, 1880-1935
(atual República Unida da Tanzânia), as atividades dos Bemba na Rodésia do
Norte, a aliança Yao -Swahili e, por fim, o tráfico de escravos na Niassalândia
(ver figura 9.1). Alguns desses acontecimentos se propagaram com rapidez
explosiva, provocando bruscas perturbações nos sistemas político, econômico,
social e militar de numerosas sociedades indígenas de toda a África meridio-
nal. Para os africanos, foi um período de edificação nacional e de expansão
política, em que Estados mais fortes e centralizados estabeleceram seu domínio
ou sua esfera de influência sobre outros mais fracos e mais divididos. Inúmeros
políticos e observadores europeus da época viam essas transformações cruciais
como simples episódios de barbárie, sede de sangue e paganismo; não obstante,
tratava -se de manifestações de força construtiva, de criatividade política, que
levaram à formação de instituições e de alianças interétnicas, cuja herança ainda
hoje é perceptível.
Embora fecundas, essas transformações tão fundamentais causaram perdas
imensas em recursos humanos e naturais. Calamidades como a seca, epidemias
e fome acompanharam a violência e agravaram profundamente os efeitos das
destruições provocadas por aqueles acontecimentos. Essa situação de conflitos
e de desastres contínuos gerou um sentimento permanente de insegurança e
de desespero no seio das pequenas comunidades tributárias, fracas e pacíficas,
muitas das quais se viram obrigadas a refugiar -se em cavernas ou a fugir para
montanhas inóspitas, evitando sofrer novos golpes de seus agressores. Surgiram
então aristocracias dirigentes, distinções de classes e tributações sem representa-
ção ou consulta política. Por fim, logo se estabeleceu a divisão entre governantes
e governados, entre opressores e oprimidos, entre proprietários e deserdados.
O fator missionário
A cristianização e o ensino levados a cabo pelos missionários também cons-
tituíram fatores importantes da evolução e da natureza da resistência africana
à conquista colonial. Os missionários tinham criado uma classe de pequenos
burgueses africanos (catequistas, professores, jornalistas, homens de negócios,
advogados e empregados de escritório), que reconheciam a pretensa inferiori-
dade cultural dos africanos, aceitando a colonização branca como fato consu-
mado, e que admiravam os brancos por seu poderio, riqueza e técnica
2
. Podemos
citar, entre os representantes de tal elite, Tiyo Soga (1829 -1871), primeiro missionário
2 Para detalhes, ver CHANAIWA, 1980.
223
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
africano ordenado pela Igreja Presbiteriana da Inglaterra, fundador da missão de
Mgwali, em que pregava tanto aos africanos como aos europeus; traduziu o Pilgrims
progress, de John Bunyan, para o xhosa, com o título de U-Hambo Lom -Hambi,
primeira obra de um africano a ser publicada pela Lovedale Press, em 1867; além
dele, John Langalibalele Dube, pastor metodista e ardente partidário de Booker T.
Washington – educador negro norte -americano –, presidente fundador da Zulu
Christian Industrial School e da Natal Bantu Business League e primeiro pre-
sidente do African National Congress; e ainda John Tengo Jabavu (1859 -1921),
metodista fervoroso, fundador e editor do Imvo Zabantsundu, semanário bilín-
gue inglês -xhosa; e Walter Rubusana, pastor congregacionalista e único africano
eleito para a assembleia provincial do Cabo.
No plano ideológico, esses africanos formados pelos missionários acredita-
vam no universalismo, utopismo e não racismo de seus mestres e da Aborigines’
Protection Society. Eram adeptos convictos do constitucionalismo, das reformas
progressivas e da assimilação cultural, ideias também defendidas por alguns
colonos brancos liberais. Mas eram ao mesmo tempo discípulos da doutrina
de Booker T. Washington de autodeterminação econômica dos negros, de sua
conservadora política de compromisso.
Tal como os missionários, classificavam as massas africanas como nobres
selvagens, mergulhados nas trevas da ignorância e se acreditavam destinados
a promover o progresso da África tradicional pela introdução do cristianismo,
da educação, do capitalismo, da industrialização e da ética protestante do tra-
balho. Em geral, aprovavam o expansionismo e as conquistas coloniais, por um
lado porque assimilavam o colonialismo à cristianização e à “civilização e, por
outro, por reconhecer a superioridade esmagadora das armas e dos exércitos
europeus.
Assim, para Tiyo Soga, o episódio do abate do gado, em 1857, pelos Xhosa
era um suicídio nacional cometido por aqueles “pobres compatriotas perdidos”,
que se tinham deixado enganar por impostores”. Mas ele esperava que essa
infelicidade servisse com a grande bondade de Deus para o progresso
espiritual dos Cafres”. E clamava que “as calamidades às vezes fazem parte dos
desígnios de Deus. No seu atual infortúnio, creio ver a futura salvação de meu
povo, tanto no plano físico como no plano moral
3
. Dube condenou a revolta de
Bambata (1906 -1908) no seu jornal Ilanga lase Natal e aconselhou os Zulus a
aceitarem o cristianismo e a educação, em vez de se rebelarem. Jabavu boicotou
3 CHALMERS, 1877, p. 140.
224
África sob dominação colonial, 1880-1935
o African National Congress, em parte por julgar que as elites ainda tinham
necessidade da tutela dos liberais brancos.
As elites estavam divididas entre o mundo utópico dos missionários, filantro-
pos e liberais brancos, o mundo da tradição das massas africanas, que elas por vezes
desprezavam, e o mundo colonialista, alicerçado no racismo, na exploração e na
opressão, que lhes dominava a vida e determinava seu real status. Criaram para si
um mundo moralizador, para o qual procuraram atrair africanos e colonos. Come-
teram o erro de assimilar a conquista colonial à cristianização e à difusão da cultura
e da técnica, rejeitando a resistência africana como manifestação de paganismo e
barbárie. Ao condenarem a África tradicional, não fizeram mais do que sustentar
e reforçar a ideologia colonialista, que procuravam combater. Ademais, com suas
prédicas, seu estilo de vida e suas crenças, ajudaram a minar psicologicamente a
capacidade de resistência dos africanos à propaganda dos missionários e dos colo-
nos e, de certa forma, impediram o desenvolvimento de uma consciência racial e
histórica autenticamente africana, que conduzisse à libertação. Sua atitude, assim
como a dos africanos convertidos que os seguiam, era ou isolar -se no papel de
observadores ou refugiar -se nas missões, em vez de cerrar fileiras com a resistência
armada contra a conquista e a ocupação coloniais.
Tipos de iniciativas e de resistências africanas
Os fatores a que aludimos influenciaram consideravelmente a natureza e a
intensidade das reações africanas diante do avanço da colonização e do imperia-
lismo europeu. De modo geral, houve três tipos bem distintos de iniciativas e de
reações: a) o conflito armado, levado pelos Zulu, Ndebele, Changanana, Bemba,
Yao e Nguni, assim como pelas chefias dos Mangwende, Makoni e Mutasa; b) o
protetorado ou a tutela, escolhidos pelos Sotho, Swazi, Ngwato, Tswana e Lozi,
que possuíam todos eles Estados independentes, não tributários, e procuraram
a proteção dos britânicos contra os bôeres e os Zulu, Ndebele, Bemba e Nguni;
c) alianças, pelas quais optaram numerosas comunidades pequenas e tributárias,
vítimas de assaltos e que viviam refugiadas, como os Khoi -khoi, os Xhosa, os
Mpondo, os Tembu, os Mfengu e os Hlubi na África do Sul, os Bisa, os Lungu,
os Iwa e os Senga na Rodésia do Norte, e os Cewa, os Njanja, os Nkonde e os
Tonga na Niassalândia, que esperavam assim obter “proteção, paz e segurança”.
Havia rivalidades históricas entre reinos novos e expansionistas, bem como con-
flitos de interesses que opunham diferentes grupos culturais e dinastias dentro
desses mesmos reinos. Cada dirigente, cada sociedade e mesmo cada indivíduo
225
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
reagia às crescentes usurpações dos europeus em função do contexto de relações
e realidades inter -regionais existente antes da chegada dos brancos.
Os colonizadores europeus não deixaram de explorar essa situação. Estuda-
ram os sistemas políticos da África daquela época, o que muitas vezes lhes per-
mitiu prever as formas de reação e de resistência africanas. Descobriram assim
que o expansionismo dos Zulu, dos Ndebele, dos Yao e dos Nguni podia
funcionar sem choques se as aristocracias fossem poderosas, os chefes locais
fracos e divididos, ou, pelo menos, se estes sentissem necessidade de proteção
militar e confiassem na aristocracia dirigente para lhes assegurar tal proteção.
Cansados da guerra e de viver em insegurança, foram muitos os grupos ou
indivíduos que preferiram aceitar a tutela ou reconhecer a aliança dos britânicos;
os ingleses inventaram pretextos para interferir nos negócios internos africanos
oferecendo “libertação” ou “proteção aos oprimidos,aliança” aos reinos menos
poderosos e invadindo os impérios militares. Aplicaram sistematicamente a
tática destrutiva de dividir para reinar”. Dessa forma, souberam explorar as
rivalidades, medos e fraquezas dos africanos em seu pleno favor.
Os Zulu, Ndebele, Bemba, Yao: a política de confronto
Violentos confrontos, conquistas e destruições eram praticamente inevitáveis
para os Zulu, os Ndebele, os Bemba e os Yao, já que eles procuravam submeter
os mesmos territórios e povos que os colonizadores europeus. Em conjunto, esses
reinos ocupavam ou dominavam as terras da África meridional menos povo-
adas, mais férteis e mais ricas em recursos minerais. Seus interesses tornavam
impossível qualquer acordo ou coexistência com os europeus. Somente o mais
forte poderia vencer e sobreviver.
Os Zulu constituíam a maior potência africana estabelecida ao sul do rio
Limpopo; os Ndebele viviam entre o Limpopo e o Zambeze; os Bemba ocu-
pavam a Rodésia do Norte; e os reinos Yao estendiam -se respectivamente pelo
norte e pelo sul da Niassalândia. Mas, no início, os reinos Zulu, Ndebele, Kololo,
Changana e Nguni estavam cercados por vizinhos hostis e poderosos. Para os
Zulu, eram os bôeres, os ingleses, os Sotho e os Swazi. Os Ndebele, por sua vez,
viam -se ameaçados pelos bôeres, pelos portugueses, pelos Lozi, pelos Changana
e pelos Ngwato e cada um desses povos, instalados às suas portas, represen-
tava um inimigo capaz de vencê -los e eliminá -los. Os bôeres e os portugueses
mostravam -se brutais na conduta de seus negócios externos, praticando uma
política de ataques e conquistas.
226
África sob dominação colonial, 1880-1935
Até o começo da década de 1870, os Zulu, os Ndebele, os Bemba e os
Yao conseguiram manter sua soberania, independência e segurança. Também
haviam resistido com êxito à intrusão dos missionários, dos comerciantes, dos
concessionários e dos recrutadores de mão de obra europeus, que, aliás, tinham
concluído que a conquista e o desmembramento dos Estados africanos refra-
tários tornavam -se indispensáveis. Alimentavam a ilusão de que os africanos
aspiravam ao cristianismo, ao comércio e à cultura europeia, mas os ataques, a
tirania e o paganismo dos monarcas, administradores e guerreiros reprimiam
implacavelmente “a ambição, o esforço e o desejo de salvação dos autóctones”.
Por consequência, os brancos recorreram à conquista, antes da cristianização e
do comércio.
Os Zulu
Cetshwayo, rei dos Zulu, e Lobengula, rei dos Ndebele, resolveram, portanto,
adotar uma estratégia de confronto, a princípio usando a tática da diplomacia e,
depois, a da resistência armada. De acordo com essa estratégia, Cetshwayo deu
andamento, de início, à política externa pacifista e isolacionista de seu antecessor,
Mpande. Em face da inveterada hostilidade dos bôeres do Transvaal, manti-
nha sólida aliança com os colonos ingleses de Natal e relações amistosas com
Theophilus Shepstone, o célebre secretário dos Negócios Indígenas de Natal.
Mas, quando os britânicos anexaram o Transvaal, em 1877, e nomearam Sheps-
tone administrador, o sistema da aliança montado por Cetshwayo desmoronou
rapidamente. Desde aí, Shepstone passou a apoiar os afrikaners que haviam
cruzado o rio Buffalo, penetrado em território zulu, ocupado fazendas e que
então reclamavam títulos de posse das terras. O novo alto -comissário britânico
para a África do Sul, sir Bartle Frere, tinha como preocupação concretizar a
federação das colônias brancas
4
. Shepstone persuadiu -o de que tal federação só
seria realizável na África austral com o desmantelamento da potência militar
zulu, que a simples existência dessa nação africana ameaçava a segurança e o
desenvolvimento econômico de Natal. Além disso, argumentava Shepstone, a
destruição dos Zulu demonstraria aos afrikaners que o governo britânico sabia
conduzir uma política racial eficaz e era suficientemente poderoso para fazer
executar suas decisões.
Nesse meio -tempo, Cetshwayo apelara a sir Henry Bulwer, vice -governador
de Natal, para arbitrar o conflito fronteiriço que opunha os Zulu aos afrikaners.
4 GOODFELLOW, 1966.
227
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
Sir Henry nomeou uma comissão para exame do litígio, a qual declarou serem
ilegais as pretensões dos afrikaners, recomendando que cruzassem de novo o rio
para o lado do Transvaal. Frere, porém, estava decidido a desmantelar a nação
zulu a fim de realizar seu projeto de federação. Por isso escondeu o relatório e
as conclusões da comissão até que estivesse assegurado o pretexto justificativo
da invasão e tivessem chegado os reforços que pedira. A ocasião apresentou -se
em 28 de julho de 1878, quando Mehlokazulu, Kuzulu e Tshekwana, filhos do
chefe Sirayo, bem como seu tio Zuluhlenga, atravessaram o rio Buffalo trazendo
consigo as mulheres do chefe, que tinha emigrado para Natal. Frere e Shepstone
exploraram ao máximo o incidente. Logo se espalhou pela África e pelo Minis-
tério das Colônias, em Londres, que era iminente uma invasão de Natal pelos
Zulu. Os missionários foram aconselhados a sair da Zululândia. A esta altura,
Shepstone e Frere passaram a se referir ao exército Zulu como uma força de
ataque ameaçadora e a Cetshwayo como um tirano sedento de sangue.
Frere intimou então Cetshwayo a entregar o irmão e os filhos de Sirayo a sir
Henry Bulwer para julgamento, embora os Zulu jamais tivessem sido conquista-
dos e submetidos à dominação britânica. Em resposta, Cetshwayo propôs pagar
50 libras esterlinas por perdas e danos e pedir desculpas pelo incidente. Em 11
de dezembro de 1878, Frere enviou um ultimato a Cetshwayo. Entre as suas exi-
gências figuravam a entrega dos acusados, com 500 cabeças de gado, a dispersão
do exército Zulu no prazo de um mês, a admissão de missionários e a instalação
de um residente britânico na Zululândia. Frere sabia que nenhum dirigente
político independente e digno dessa função se submeteria a tais condições.
No dia 11 de janeiro de 1879, um exército britânico, sob o comando de lorde
Chelmsford, com mais de 7 mil soldados, uns mil voluntários brancos e 7 mil
auxiliares africanos, invadiu três pontos do território Zulu. No dia 22 de janeiro,
o ercito Zulu obteve uma viria memovel na batalha de Isand hlwana, durante
a qual 1600 atacantes foram mortos, e a invasão, repelida (figura 9.2). Mas, em 4 de
julho, as tropas britânicas voltaram e esmagaram a nação Zulu. Cetshwayo foi
para o exílio, no Cabo, e a Zululândia foi dividida em l3 circunscrições dife-
rentes, colocadas sob a direção de fantoches. Entre eles figuravam um rival de
Cetshwayo, chamado Zibhebhu, seu primo Hamu, que tinha desertado e aderido
às forças inglesas no curso da guerra, mais um branco, John Dunn. A partilha
da Zululândia representava um caso clássico de destruição premeditada de uma
nação, levada a cabo pela política de “dividir para reinar”. Para sustentar essa
política, os novos chefes receberam ordens de dissolver todas as organizações
militares existentes, proibir a importação de armas e aceitar a arbitragem de um
residente britânico.
228
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Campo de batalha de Isandhlwana, 1879: vitória dos Zulu sobre as tropas britânicas. (Fonte: e National Army Museum.)
229
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
Contudo, as rivalidades entre os chefes chegaram a tal ponto e a ameaça da
anarquia desenvolveu -se tão depressa que, para restaurar a ordem nas zonas mais
instáveis da nação Zulu, Cetshwayo teve de ser trazido de volta. Zibhebhu foi
mantido à frente da sua circunscrição. Mas logo a guerra civil estalava entre as
forças deste e as de Cetshwayo, que morreu em fuga, no auge das hostilidades,
em 1884. A nação Zulu, debilitada, foi então colocada sob a chefia de Dinzulu,
filho de Cetshwayo, de 15 anos de idade, cujos poder e autoridade dependiam
do apoio dos brancos. Assim os Zulu sucumbiram definitivamente à colonização
britânica.
Os Ndebele
De 1870 a 1890, Lobengula, tal como Cetshwayo, na Zululândia, seguiu com
êxito uma estratégia diplomática bem concebida, para proteger os interesses
vitais da nação Ndebele. Regulamentou a imigração e informou aos estrangeiros
brancos que não desejava abrir -lhes o país para a prospecção mineira ou para
a caça. Além disso, desenvolveu diversas táticas, como a de se deslocar cons-
tantemente de uma capital para outra e de jogar dois países, duas empresas ou
dois europeus um contra o outro. Adiava as decisões para frustrar os confusos e
impacientes concessionários. Sua estratégia, a longo prazo, consistia em procurar
uma aliança militar e o estatuto de protetorado junto do governo britânico, a fim
de se opor aos alemães, aos portugueses e aos afrikaners, freando a descontrolada
expansão colonial da África do Sul.
Essas formas de resistência diplomática parecem ter sido eficazes até 1888,
quando o financista sul -africano Cecil John Rhodes persuadiu o alto -comissário
sir Hercules Robinson, bem como sir Sidney Shippard, comissário delegado para
a Bechuanalândia, a apoiar os esforços do reverendo John Smith Moffat. Este
deixara a Matabelelândia em 1865, tendo fracassado completamente na tentativa
de converter os Ndebele. Por fim, tornou -se comissário -adjunto de Shippard.
Moffat ambicionava ardentemente ter êxito na colonização dos Ndebele, para
apagar seus desastres pessoais anteriores. Além disso, guardava vivo rancor de
Mzilikazi, de Lobengula e do conjunto dos chefes políticos que tão vitorio-
samente haviam resistido ao cristianismo (figura 9.3). Assim, impulsionado
por sentimentos mesclados de vingança, orgulho e racismo, Moffat tornou -se
advogado convicto da destruição do Estado Ndebele
5
.
5 MOFFAT, 1969, p. 233.
230
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Lobengula (c. 1836 -1894), rei dos Ndebele, 1870 -1894. (Foto: Longman.)
231
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
Moffat optou por dar apoio a Rhodes e à Chartered Company porque, con-
forme observou, a companhia provocaria necessariamente a conquista e o desman-
telamento da nação Ndebele,a menos que a história aqui fosse diferente do que
era em toda a África do Sul”. De início, Moffat fingiu -se de conselheiro espiritual,
interessado não por dinheiro, manobras ou conquistas, mas em dar conselhos amis-
tosos a um “velho amigo”. Aconselhou” Lobengula a aliar -se antes aos britânicos
do que aos afrikaners, portugueses ou alemães. Tamm fez crer a Lobengula que
se tratava apenas de renovar simplesmente o antigo tratado anglo -ndebele concldo
em 1836 entre seu pai, Mzilikazi, e sir Benjamin d’Urban, antigo governador ings
da África do Sul. Desse modo, no dia 11 de fevereiro de 1888, Lobengula assinou
a convenção desde então conhecida pelo nome de “tratado Moffat”. Nos termos
desse acordo, o rei prometia abster -se de toda correspondência ou conclusão de
tratado com qualquer potência estrangeira com vistas a vender, alienar, ceder,
permitir ou ratificar alguma venda, alienação ou cessão de todo ou de parte do
território por ele controlado, sem haver antecipadamente solicitado e recebido a
autorização do alto -comissário de Sua Majestade na África do Sul
6
. Por força
desse tratado, começou a ocupação britânica da Rodésia. Moffat colocara a Mata-
belelândia e a Mashonalândia sob influência inglesa direta.
Aos olhos do direito internacional europeu de final do século XIX, Loben-
gula tinha se submetido ao colonialismo britânico. Portanto, os Ndebele daí em
diante podiam tratar com os ingleses. Agora não lhes era possível continuar
fazendo seu jogo diplomático, colocando as nações europeias umas contra as
outras. Depressa, hordas de concessionários e de associações britânicas irrom-
peram junto a Lobengula, reclamando direitos territoriais ou minerais sobre
a Matabelelândia e a Mashonalândia. Tal qual mercenários, esses insaciáveis
especuladores prontamente ofereceram -lhe grande quantidade de carabinas,
munições, dinheiro, roupas, utensílios e enfeites, e a prestação de todo tipo de
serviço para lhe ganhar as boas graças.
Notando isso, Rhodes despachou Rudd, Thompson e Maguire
7
para tentar
um acordo de monopólio com Lobengula. Tratava -se de obter o equivalente a
uma carta real que expulsasse todos os outros concessionários e sindicatos britâ-
nicos. Rhodes queria não somente garantir para si os direitos locais, iguais aos
de qualquer aventureiro, mas também obter exclusividade sobre todos os recursos
minerais do país”. Nos termos da Convenção Rudd, nome que o acordo recebeu,
a companhia de Rhodes ocupou a Mashonalândia a 12 de setembro de 1890.
6 Ibid., p. 370.
7 Para maiores detalhes, ver MASON, 1958; PALLEY, 1966; SAMKANGE, 1967.
232
África sob dominação colonial, 1880-1935
A concessão Rudd, objeto de muita controvérsia, foi essencialmente obtida
graças a uma trapaça deliberadamente organizada contra Lobengula por fun-
cionários coloniais britânicos e missionários. Moffat tinha sido novamente
enviado à Matabelelândia para preparar Lobengula para a chegada dos agentes
de Rhodes. Fingindo amizade e neutralidade, na qualidade de ministro de Deus,
apresentou Rudd, Thompson e Maguire como homens honrados e íntegros e
deu todo apoio a Shippard. Advogou vigorosamente a causa deles nas quatro
semanas de negociações que se seguiram. Foi então que Shippard chegou, com
o major Guild Adams e 16 policiais montados. Ao fim de nove dias de negocia-
ções com Lobengula, partiu, seis dias antes da assinatura da concessão. A crer,
a essa altura, no diário de Rudd, “[...] quase todos os aspectos políticos tinham
sido discutidos numa atmosfera muito amistosa”.
A concessão Rudd tinha duas espécies de disposições, distintas mas conexas:
o texto escrito, tão importante quanto vantajoso para os concessionários, e as
cláusulas verbais, a favor de Lobengula. Segundo as cláusulas escritas, isto é, o
projeto original submetido a Lobengula, o rei garantiria aos concessionários
direito integral e exclusivo sobre todos os recursos minerais e metálicos de
seus reinos, principados e domínios, bem como plenos poderes para fazer tudo
quanto julgassem necessário para a exploração de tais recursos. O acordo tam-
bém previa para os concessionários o poder de “tomar toda medida legal neces-
sária” para excluir da concorrência qualquer pessoa que reclamasse direitos sobre
terras, minerais ou prospecção mineral. Lobengula concordou além disso em não
fazer nenhuma concessão territorial ou de mineração a nenhuma outra pessoa
ou interesse sem o consentimento prévio e a participação dos concessionários.
Em contrapartida, os concessionários comprometiam -se a pagar a Lobengula e
seus herdeiros uma renda perpétua de 100 libras esterlinas por mês. Além disso,
forneceram -lhe mil fuzis de guerra tipo Martini -Henry, de carregar pela culatra,
mais 100 mil cartuchos, que lhe seriam entregues antes do início das pesquisas
minerais no seu território. Os concessionários também prometiam “colocar no
rio Zambeze um barco a vapor armado com canhões de potência apropriada aos
objetivos de defesa no dito rio”.
No decorrer das negociações, o rei colocou verbalmente, no entanto certas
condições que ele, aparentemente, considerava prima facie, como fazendo parte
integral do acordo. Segundo Helm, Lobengula estipulou o seguinte, com a con-
cordância dos concessionários: a) os beneficiários da concessão não empregariam
mais de dez brancos de uma vez em trabalhos de mineração no território; b)
os mineiros não deveriam fazer perfurações nos limites ou nas proximidades
das cidades; c) os brancos ficariam sujeitos à lei do país e seriam considerados
233
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
súditos do rei”; d) os mineiros contribuiriam, caso necessário, para a defesa do
território, sob o comando dos Ndebele. Os concessionários também deixaram
claro, verbalmente, que entendiam por plenos poderes para fazer tudo quanto
julgassem necessário para a exploração de tais recursos” a construção de casas
para abrigar seus agentes, trazer e instalar diversas máquinas e o uso de madeira e
água. Infelizmente, estas condições verbais não foram incluídas no texto defini-
tivo do tratado e, em virtude da legislação europeia dos contratos, as disposições
não escritas não tinham força para aplicação legal.
Concessionários rivais prejudicados e, mais particularmente, dois africanos
com instrução, John Kumalo e John Makunga, que por simpatia decifraram
o texto da concessão a Lobengula e seus induna (conselheiros), informaram a
estes que tinham sido logrados, que a concessão havia sido publicada nos jornais
europeus e que Rhodes formara a companhia para ocupar a Matabelelândia
e a Mashonalândia. A notícia semeou pânico e confusão no seio da nação Nde-
bele, pois o povo logo se conscientizou do significado e das consequências da
concessão e, sobretudo, do caráter absolutamente inevitável da catástrofe que ia
absorver um grande monarca e uma grande nação. Vários induna e guerreiros
manifestaram sua cólera, e Lobengula, bastante embaraçado, viu -se na ameaça
de perder o poder.
Lobengula publicou uma nota repudiando a concessão no Bechuanaland News
de fevereiro de 1889. Por ordens suas, o induna pró -inglês Lotshe foi morto pelo
regimento de Mbesu, bem como suas mulheres, filhos e gado. Sabendo existirem
choques entre Rhodes, os missionários e os representantes do poder imperial
na África do Sul, Lobengula decidiu apelar diretamente ao governo britânico
na metrópole. Por meio de cartas e de uma delegação, pediu à rainha Victoria
que anulasse o tratado ou desse à Matabelelândia e à Mashonalândia o estatuto
de protetorado. Em janeiro de 1889, enviou a Londres uma delegação oficial,
composta pelos induna Motshede e Babiyance, que foi recebida pela rainha
Victoria e por vários dirigentes da Aborigines’ Protection Society. Estes induna
voltaram a sua pátria com os cumprimentos da rainha, mas sem a anulação do
tratado. Em compensação, Rhodes obteve uma carta real que lhe dava o mono-
pólio da colonização na área. Em começos de 1890, seus pioneiros marcharam
da África do Sul através da Matabelelândia para a Mashonalândia, hasteando
a Union Jack em Salisbury no dia 12 de setembro de 1890.
De setembro de 1890 a outubro de 1893, a nação Ndebele e os colonos da
Mashonandia não cessaram de se espreitar. Da mesma forma que entre colo-
nos e Xhosa, no Cabo, e entre colonos e Zulu, em Natal, o confronto armado era
inevivel.
234
África sob dominação colonial, 1880-1935
A guerra anglo -Ndebele de 1893 foi uma reprodução quase exata da guerra
anglo -zulu de 1879, com Rhodes fazendo o papel de sir Henry Frere, o dr. Leander
Starr Jameson (administrador da companhia na Mashonalândia), o de Shepstone,
e o incidente de Vitória (agosto de 1893) substituindo o de Sirayo. Tal como, antes
dele, Cetshwayo, Lobengula tentou, em vão, impedir a guerra. Apelou a Jameson, a
Rhodes e ao governo britânico. Mas não contava então com nenhum apoio, nem
entre os brancos nem entre os africanos. As forças que invadiram a Matabelendia,
vindas da Mashonandia e da África do Sul, compreendiam 1200 soldados bran-
cos (incluindo 200 soldados imperiais da polícia de fronteiras da Bechuanalândia).
Contavam com mil auxiliares africanos, shona, mfengu, khoi -khoi, mestiços e 600
cavaleiros ngwato, comandados por Kgama.
Em vez de lançar seu exército, estimado em 20 mil homens, num com-
bate suicida contra os colonos, fortemente armados, e seus auxiliares africa-
nos, Lobengula preferiu evacuar a Matabelelândia e fugir com seu povo para a
Rodésia do Norte. Como Cetshwayo, morreu durante a fuga, não se sabe se de
varíola ou de problema cardíaco. Sem seu chefe, a nação Ndebele se decompôs.
Um após outro, os induna renderam -se a Jameson ao da árvore dos indaba
(de reunião do conselho). Os colonos cuidaram imediatamente de delimitar e
registrar suas novas explorações e concessões mineiras. A companhia confiscou
280 mil cabeças de gado dos Ndebele, guardando 240 mil e distribuindo o resto
aos soldados brancos e a alguns “bons” africanos.
Após a conquista da Matabelelândia, o governo inglês promulgou o decreto
de 18 de julho de 1894 relativo aos Matabele, que autorizava a companhia a
baixar o imposto de palhota e criava um “Native Department para contro-
lar todo o território da Rodésia do Sul. Em fins de 1895, a companhia tinha
estabelecido uma administração africana calcada nas da Colônia do Cabo e de
Natal, incluindo o imposto de palhota, as reservas e os passes, com o propósito
de desapossar os africanos de suas terras, de seu gado e de seus recursos minerais
e coagi -los a trabalhar para os brancos.
Iniciativas e resistência dos Ngwato, Lozi, Sotho,
Tswana e Swazi: protetorado ou tutela
Ao contrário dos Zulu e dos Ndebele, os Ngwato, Lozi, Sotho, Tswana e
Swazi tinham em comum suas alianças com os poderosos missionários huma-
nitários imperialistas, para os quais a autoridade do governo de Londres devia
prevalecer. Esses clérigos opunham -se em particular à potica de agressão brutal
235
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
adotada por certas categorias de políticos colonialistas conquista, espoliação
e incessante degradação de todos os povos negros”
8
. Entre esses missionários
citemos Mackenzie em Kgama, Setshele e Caseitsiwe, Casalis em Moshoeshoe
e Coillard em Lewanika. Embora humanitários, opunham -se apenas à expansão
descontrolada dos colonos brancos da África do Sul, especialmente dos bôeres
e de Rhodes, e à violência e exploração, que acompanhavam os incidentes de
fronteira comprometendo seu trabalho zeloso e eficaz. Acreditavam na indiscu-
tível superioridade da raça branca, da sua cultura e da sua religião, considerando
a colonização, o comércio e o apostolado elementos inseparáveis e correlatos.
Ao mesmo tempo, enfatizavam a necessidade de o império britânico assumir
a responsabilidade pelos africanos, instaurando uma política de tutela pater-
nalista. Empenhavam -se em harmonizar os contatos culturais entre colonos e
colonizados, e em “proteger” e “civilizar o africano, para fazer dele um membro
mais útil da nova comunidade colonial. Através de cartas, delegações e da ação
pessoal, estavam sempre intervindo junto ao alto -comissário, ao Ministério das
Colônias e às sociedades filantrópicas da Inglaterra, para garantir essa proteção”.
Se a Niassalândia se tornou um protetorado britânico, foi graças, largamente,
à ação eficaz dos missionários escoceses, os quais envidaram todos os esforços
para defender seus fiéis africanos e as missões instaladas em Blantyre, Bandawe
e Ibanda contra a invasão das fronteiras pelos pioneiros às ordens de Rhodes.
A característica dominante dos governantes autóctones pró -missionários era
a fraqueza política e militar crônica. Esses monarcas reinavam principalmente
em virtude de “golpes de Estado”. Em 1875, Kgama depôs Sekgoma, pai dele,
e Kgamane, seu irmão, e proclamou -se rei. Kgamane fugiu com seus adeptos e
estabeleceu um reino na margem transvaaliana do Limpopo. As facções lega-
listas e conservadoras dos Ngwato, contudo, ficaram fiéis ao monarca deposto,
Sekgoma. Mais tarde, em 1884, Lewanika foi igualmente deposto e exilado
na capital de Kgama. Voltou em 1885 e depôs por sua vez o usurpador Tatila
Akufuna. Assim, os reis favoráveis aos missionários ocupavam posições frágeis,
e viviam sob constante ameaça de distúrbios e guerras civis.
Além disso, os Estados deles mal tinham sobrevivido à revolução zulu e
à conquista nguni. De qualquer forma, os Sotho e os Swazi continuavam a
ser alvo dos ataques incessantes dos Zulu, ao passo que os Ngwato, Tswana,
Kwena e Lozi sofriam os ataques e as invasões dos Ndebele. Eram igualmente
vítimas dos “flibusteiros” Bôeres, ávidos de terras e provocadores, que lançavam
8 HOWITT, 1969, p. 501.
236
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Moshoeshoe I, rei dos Basuto (c. 1785 -1870). (Fonte: Royal Commonwealth Society.)
237
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
ataques -surpresa contra as aldeias, capturando o gado e escravizando homens,
que fechavam constantes “tratados de amizade com os chefes locais e, depois,
reclamavam direitos sobre as terras e esferas de influência. Em consequência de
tais exações, os Zulu, os Ndebele e os Bôeres acabaram por se tornar inimigos
mortais.
Ainda que esses reis, na sua maior parte, detestassem os princípios do colo-
nialismo e da ocidentalizão, sentiam a desesperada necessidade da ajuda
estrangeira para lhes garantir a sobrevivência. Por isso, no final das contas,
adotaram a aliaa dos missionários e a proteção britânica (metropolitana)
como instrumentos essenciais de política. Por razões semelhantes, voltaram -se
para os missionários a fim de receber conselhos e orientação espiritual sobre a
maneira de tratar com os europeus, e procuraram utilizá -los para reforçar sua
frágil situação interna. Coillard, Mackenzie e Casalis eram os mais chegados
amigos europeus, confidentes e ministros das relações exteriores de Lewanika,
Kgama e Moshoeshoe, respectivamente.
Sem necessidade, tais monarcas adotaram rapidamente a religião cristã e
aceitaram a condição de protetorado. Kgama e Lewanika tornaram -se cristãos
praticantes e, como a maior parte dos novos prosélitos, superaram em zelo e em
sectarismo os próprios missionários.
Não abandonaram as tradições, crenças e cerimônias ancestrais, como
também lançaram mão de seu poder político para impor os princípios da civili-
zação “cristã” ocidental a seu povo. O puritanismo com que buscavam suprimir
o consumo público de bebidas alcoólicas beirava a obsessão. Impuseram estritas
leis sobre substâncias líquidas, que incluíam a proibição do fabrico da cerveja
africana. Quanto mais alienavam seu povo com a aplicação de tais medidas, mais
precisavam do apoio dos missionários.
De fato, as relões que esses reis mantinham com os missionários constitam
uma forma de resisncia pela diplomacia a quantos procuravam desapossá -los de
suas terras. Fazendo alianças com os missionários antibôeres, antizulu e antindebele,
os monarcas africanos conseguiram manter uma existência independente até as
vésperas da partilha, e, depois, tirar proveito da proteção imperial inglesa, em detri-
mento dos colonialistas locais. Procuravam ativamente a condição de protetorado,
ainda que isso implicasse uma certa redão de sua soberania, das liberdades civis e
dos direitos territoriais. Graças ao regime de protetorado, conservavam certo grau
de autonomia e de poder nominal e beneficiavam -se da protão das forças policiais
inglesas estacionadas em seu ps, enquanto seus ditos mantinham o direito de
possuir armas de fogo, desde que devidamente registradas. Dessa forma, os pequenos
reinos africanos, incapazes de se opor à invao dos brancos e ao desenvolvimento
238
África sob dominação colonial, 1880-1935
econômico, em vista de sua situação geográfica e de seu modo de vida, tornaram -se
protetorados, condição que lhes permitiu sobreviver, enquanto os grandes Estados,
que estavam política e militarmente mais preparados para resistir às ameaças de
colonização, foram invadidos, conquistados e retalhados.
Os Tswana
O exemplo dos Tswana e dos Swazi é bem representativo desta evolução. Na
luta pela posse da Bechuanalândia (atual Botswana), três forças se defrontaram:
os quatro governantes da Bechuanalândia (que comandavam, respectivamente,
os Kwena, os Ngwato, os Ngwaketse e os Tswana), com seus aliados missio-
nários, que desejavam a proteção e a tutela do governo imperial britânico; os
Bôeres do Transvaal, que consideravam a Bechuanalândia como seu patrimônio
natural de terras, gado, riquezas minerais e mão de obra; e os colonos do Cabo,
representados por Rhodes, que tentavam impedir a expansão dos Bôeres e a
aliança deles com os alemães no Sudoeste Africano (atual Namíbia). Os dirigen-
tes africanos, a exemplo de Moshoeshoe, solicitavam o estatuto de protetorado
para se proteger da dominação dos colonos brancos. Em 1876, alarmado com
as intenções de uma seita dissidente da Igreja Reformada holandesa do Trans-
vaal, os Doppers, que queriam atravessar os territórios tswana para atingir a
Damaralândia, Kgama, rei dos Ngwato, escreveu à “grande rainha dos ingleses”
pedindo proteção. Queria conhecer as condições dessa proteção e insistia no fato
de que as relações estariam fundadas na “moral cristã”. Além disso, seu irmão e
rival, Kgamane, instalara -se no Transvaal com seus adeptos e combatia ao lado
dos Bôeres na esperança de reconquistar o trono dos Ngwato (ver figura 9.1).
Os ingleses estavam profundamente divididos quanto à Bechuanalândia. O
grupo Rhodes -Robinson queria eliminar o fator imperial para que os colonos se
apoderassem do país e previa a anexação conjunta da Bechuanalândia pelo Cabo
e pelo Transvaal, projeto que só malograria em consequência da recusa do Trans-
vaal. Mas os grupos imperialistas humanitários Mackenzie -Warren, tal como os
dirigentes africanos, procuravam impedir a instalação dos colonos, aos quais se
opunham em vista da sua brutalidade e das devastações que provocavam entre os
Tswana convertidos e nas escolas das missões. Mackenzie, em particular, desenca-
deou uma campanha vigorosa e bem acolhida na África do Sul e na Inglaterra
9
.
Por outro lado, o Transvaal praticava uma política de expansão por meio
de infiltrações e anexações, como a implementada por Moshoeshoe entre os
9 MACKENZIE, 1887.
239
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
Sotho do sul. Aventureiros bôeres tinham assinado tratados sem valor com os
Tlhaping e os Rolong do sul da Bechuanalândia e depois proclamaram as “repú-
blicas” de Stellalândia (capital, Vryburg), presidida por William Van Niekerk,
e de Goshen (capital, Rooigrand), presidida por Gey Van Pitius. A estratégia
do Transvaal consistia em criar no papel “repúblicas irmãs”, antes de anexá -las.
As divergências de interpretação dos pretensos tratados exacerbaram as velhas
rivalidades entre africanos e acarretaram guerras entre os chefes Mankurwane
e Mashauw (Tlhaping) e Montshiwa e Moshette (Rolong), aos quais os bôeres
serviam como mercenários e conselheiros. A Bechuanalândia do sul era, como
a descreveu Mackenzie,o reino da anarquia, da pirataria e da violência”.
Em 1884, o governo britânico enviou sir Charles Warren para a missão
de restabelecer a ordem. Warren declarou o sul da Bechuanalândia colônia
britânica, e sir Hercules Robinson, alto -comissário inglês na África do Sul e
governador da Colônia do Cabo, designou Mackenzie como novo comissário
delegado, embora logo fosse substituído por Rhodes sob a pressão da opinião
pública do Cabo, hostil à sua “política pró -indígena e antibôer”. Após negocia-
ções com alguns dirigentes tswana, o Reino Unido declarou protetorado o norte
da Bechuanalândia (1885). A carta outorgada à British South Africa Company,
de Cecil Rhodes, previa a anexação do protetorado da Bechuanalândia pela
Rodésia do Sul, mas os dirigentes tswana e seus aliados missionários desman-
charam a manobra. Em 1895, esses dirigentes, Kgama e Sebele, que haviam
sucedido a Sechele em 1892, bem como Bathoen (Ngwaketse), viajaram para a
Inglaterra em companhia do reverendo W. C. Willoughby e, em audiências com
a rainha Victoria, o ministro das Colônias e os dirigentes de várias sociedades
filantrópicas conseguiram conservar o estatuto de protetorado.
Os Swazi
Os Swazi não tiveram de enfrentar os colonos brancos antes do Grande Trek e da
fundação das repúblicas de Natal e do Transvaal. Na ocasião, o reino era governado
por Mswati. A sociedade estava dividida entre um grupo dominante, composto por
imigrantes nguni, ao qual pertencia a dinastia real dos Nkosi-Dlamini, e a população
autóctone, os Sotho. Os Nguni haviam estabelecido seu domínio sobre os Sotho
por conquista e alianças matrimoniais, instaurando um reino centralizado e
unificado, fundado na lealdade de todos à Coroa, nas relações de amizade e em
casamentos mistos. Tal como os Tswana e os Sotho do sul, tinham sobrevivido
às devastações da revolução zulu, mas ainda sofriam ataques ocasionais des-
tes. Sua política externa consistia em obter alianças defensivas contra os Zulu.
240
África sob dominação colonial, 1880-1935
Portanto, no início, Mswati via os colonos de Natal e do Transvaal, bem como
o governo britânico, como aliados potenciais contra seus tradicionais inimigos
africanos
10
.
Por sua vez, os colonos somente ambicionavam, como de hábito, o gado, a
mão de obra e os recursos minerais dos Swazi. O Transvaal estava particular-
mente interessado na anexação da Suazilândia, para ter acesso ao mar pela baía
de Kosi. Ao mesmo tempo, Natal e Inglaterra receavam uma associação entre
Alemanha e Transvaal para a construção de uma via férrea para a baía de Kosi.
Mas nenhuma das partes desejava assumir a responsabilidade direta pela Suazi-
lândia, pequeno território isolado das grandes colônias e das linhas de comuni-
cação, onde não tinham sido descobertos recursos minerais importantes. Mswati
via -se entalado entre os ingleses e os bôeres. Ademais, alguns Bôeres e colonos
ingleses, comerciantes e prospectores, começaram a pressioná -lo, reclamando
todo tipo de concessões: aquisição ou locação de terras, monopólios comerciais,
exploração de recursos minerais e mesmo o direito de arrecadar impostos e taxas
aduaneiras. Mswati outorgou -lhes várias concessões antes de sua morte, em
1868. A Suazilândia passou então por uma crise sucessória, na qual os ingleses
e os bôeres intervieram, para colocar no trono, cada qual, o fantoche da sua
preferência. Os bôeres enviaram tropas para esmagar os outros pretendentes
e instalaram o filho mais novo da segunda mulher de Mswati, Mbandzeni, rei
fraco e com um pronunciado gosto pelas bebidas alcoólicas dos europeus. Sem se
dar conta, Mbandzeni foi coagido a todo tipo de concessões, “das mais confusas,
diversas e intrincadas”; chegou até, certas vezes, a conceder a vários indivíduos
o monopólio das terras, do comércio e da exploração das minas de uma mesma
área. Em 1890, registravam -se 364 concessões, as quais cobriam praticamente
cada metro quadrado do pequeno território Swazi, que tinha menos de 25 mil
quilômetros quadrados. Naquela data, o rendimento das concessões proporcio-
nava à família real cerca de 12 mil libras esterlinas por ano.
As concessões, no entanto, deram aos britânicos e aos bôeres o pretexto
necessário para minar a soberania Swazi. Desde a década de 1880, Mbandzeni
estava assoberbado com o problema da manutenção da ordem, dos contenciosos
que eclodiam entre ele e os concessionários brancos ou entre os próprios con-
cessionários. Solicitou primeiramente a proteção dos britânicos e a nomeação
de um residente inglês, mas a solicitação não foi aprovada. Voltou -se eno para
Theophilus Shepstone, secretário dos Negócios Ingenas de Natal, que designou
10 MATSEBULA, 1972; STEVENS, 1967.
241
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
seu próprio filho, também chamado Theophilus, como conselheiro -residente
junto a Mbandzeni para os assuntos referentes aos brancos. Inconscientemente,
o rei autorizou Shepstone a encabeçar uma comissão formada por 15 brancos
eleitos e cinco nomeados e, em 1888, outorgou à comissão uma carta que lhe
dava estatuto de autonomia. Na sua maior parte, as concessões foram feitas
durante o mandato de Shepstone como conselheiro -residente (1886 -1889). No
entanto a comissão de brancos também se demonstrou incapaz de apaziguar
os conflitos entre os concessionários, até a morte de Mbandzeni, em 1889, e o
estabelecimento de uma administração conjunta anglo -bôer. A Convenção da
Suazilândia, de 1890, estabeleceu uma comissão mista provisória, encarregada
de governar o país, bem como um tribunal de justiça para apurar a validade das
concessões, que aliás confirmou 352, entre as 364. A comissão colocou no trono
o filho de Mbandzeni, Ngwane, de 16 anos de idade, nomeando a mãe dele,
Gwamile Mduli, regente do reino.
A administração mista teve dificuldades devido à crescente rivalidade entre
os ingleses e os bôeres na África do Sul. Nos termos da convenção de 1894, a
Inglaterra confiou a Suazilândia ao Transvaal, conferindo -lhe “todos os direitos
em matéria de proteção, de legislação, de jurisdição e de administração relativos
à Suazilândia”, sob a condição de não anexar o território. A regente e seu conse-
lho protestaram violentamente e até enviaram uma delegação à Inglaterra, sem
sucesso. O Transvaal designou um comissário -residente especial em 1895, e a
soberania da Suazilândia viu -se assim suplantada pelo colonialismo. Nos termos
do tratado de União (1902), que encerrou a guerra anglo -bôer (1898 -1902), a
Suazilândia foi recuperada pela Inglaterra. A lei que fazia da Suazilândia um
protetorado foi promulgada a 25 de junho de 1903, e a lei sobre a constituição
da África do Sul, de 1909, estipulava as condições em que se efetuaria a trans-
ferência à União Sul -Africana da Suazilândia, da Basutolândia (atual Lesotho)
e da Bechuanalândia, territórios do alto -comissariado britânico. A transferência
jamais se deu, devido à oposição dos africanos.
Iniciativas e reações dos Hlubi, Mpondomise, Bhaca,
Senga, Njanja, Shona, Tonga, Tawara etc.:
a política de aliança
No plano interno, nenhum desses grupos possuía a unidade política e a
força militar necessárias para resistir à maré montante do colonialismo branco.
242
África sob dominação colonial, 1880-1935
Nenhum deles também celebrara alianças diplomáticas ou militares com seus
vizinhos. Pelo contrário, muitas vezes se atacavam e desconfiavam uns dos
outros. Compunham -se tanto de circunscrições autônomas como de bandos
de refugiados nômades, de prisioneiros reduzidos à condição de escravos e de
grupos sob a tutela de colonialistas ou de missionários. Na sua maioria, eram
tributários dos Zulu, dos Ndebele, dos Bemba, dos Yao e dos Nguni, ou vítimas
de suas incursões.
Alguns desses pequenos grupos, como as soberanias barué, mangwende,
makoni e mutasa, a exemplo dos Xhosa, optaram pela resistência armada
contra a ameaça capitalista, mas muitos outros, como os Hlubi, os Mpondo-
mise, os Bhaca, os Senga e os Njanja, aliaram -se aos brancos, na equivocada
esperança de obter proteção e segurança. Em seu conjunto, essas pequenas
sociedades tinham o costume, em maria diplomática, de oscilar segundo
as vicissitudes do poder ou de fingir neutralidade enquanto manipulavam o
poder dominante a favor delas. Os Shona, os Tonga, os Tawara, os Venda e
os Ndau recorreram muitas vezes a tais estratégias, nos séculos XVIII e XIX,
para explorar a rivalidade das dinastias Changamire e Monomotapa; os Sotho,
os Mpondo, os Mfengu, os Tembu e os Tonga agiram dessa mesma forma em
face das rivalidades entre as confederações Mtetwa e Ndwande. Assim, muitos
deles não hesitaram em alinhar fileiras com os brinicos contra os Zulu, os
Ndebele, os Bemba, os Nguni e os Yao. Acrescente -se que inúmeros pequenos
grupos, como os Mfengu, os Tembu, os Njanja, os Cewa e os Tawara, viviam
algum tempo sob forte influência militar. Por isso havia entre eles numerosos
elementos cristianizados, quer dizer, instruídos, que não só rejeitavam a cultura
tradicional como tamm contestavam o poder tradicional, em benefício do
colonizador.
Desta maneira, prometendo aliança, proteção e/ou libertação, os britânicos
não tiveram a menor dificuldade para dividir esses grupos e subjugá -los. Depois,
foi instalar colonos brancos naquelas áreas.
Iniciativas e reações africanas, 1895 ‑1914
No final da década de 1890, praticamente todos os povos da África meri-
dional tinham sido total ou parcialmente colonizados e em toda a parte sofriam
diversas formas de opressão econômica, política e religiosa. Os europeus não
tardaram a introduzir o imposto de palhota, o trabalho forçado, a rigorosa proi-
bição dos costumes e das crenças tradicionais e, principalmente, o confisco das
243
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
terras. A intervenção tornava -se cada vez mais pesada devido à necessidade
crescente dos colonos de mão de obra autóctone barata para suas fazendas e
minas e à tentativa da administração de cobrir com o imposto, se não a totali-
dade, ao menos parte de suas despesas. Os africanos eram constrangidos a deixar
sua pátria para ceder lugar aos colonos brancos e servir como “voluntários” do
exército. Na Rodésia do Norte e do Sul, na Niassalândia, os administradores da
companhia copiaram pura e simplesmente as leis indígenas da África do Sul. Na
Rodésia, onde a colonização branca era mais densa, a administração não tolerava
nada que obstasse seus projetos econômicos, ainda que o obstáculo fossem a vida
e os direitos dos Shona. Tratou logo de confiscar as terras, o gado, as colheitas e
as reservas de alimentos dos Shona e de submetê -los ao trabalho forçado, aten-
dendo aos interesses dos colonos atraídos à Mashonalândia pela promessa de
encontrar fortuna e levar uma vida melhor e mais fácil. Além de tudo, a justiça
colonial introduzida caracterizava -se pelas irregularidades e arbitrariedades. A
isso se juntou uma série de catástrofes naturais: epidemias de varíola e de peste
bovina, secas e até uma praga de gafanhotos
11
.
Os africanos, evidentemente, não ficaram indiferentes a tais acontecimentos.
Sob os golpes conjugados do colonialismo, da expropriação, da miséria, da opres-
são e da ocidentalização, muitos deles, como os Xhosa, chegaram à conclusão de
que o homem branco era a causa de todas as suas infelicidades. Na década de
1890 e começos do século XX, o ódio contra a dominação estrangeira gerou a
intensificação da resistência contra os brancos, enquanto um verdadeiro espírito
de unidade aproximava os chefes políticos, seus adeptos, os sacerdotes e até certos
grupos outrora inimigos. Citaremos três exemplos representativos dessas reações,
que objetivavam a derrubada do sistema colonial para pôr fim a uma opressão e
a uma exploração intoleráveis: o Chimurenga dos Ndebele -Shona, de 1896 -1897;
a revolta dos Herero, em 1904; e a revolta dos Bambata ou dos Zulu, em 1906.
O Chimurenga dos Ndebele ‑Shona
O Chimurenga, nome que os Shona deram a sua resistência armada, começou
em março de 1896 na Matabelelândia e em junho do mesmo ano na Masho-
nalândia. O primeiro morto foi um policial africano, empregado da companhia,
no dia 20 de março
12
. O primeiro ataque contra europeus ocorreu em 22 de
11 CHANAIWA, 1974; MARTIN, R. E. R., 1897; RANGER, 1967.
12 Para relatos de testemunhas do Chimurenga (essencialmente colonos, soldados e jornalistas brancos), ver
BADEN -POWELL, 1897; SELOUS, 1896; MARTIN, R. E. R., 1897.
244
África sob dominação colonial, 1880-1935
março, na cidade de Essexvale, e causou a morte de sete brancos e dois africanos.
Depois, o Chimurenga se propagou como rastilho de pólvora a todo o território
da Matabelelândia e da Mashonalândia (ver figura 9.1). Em menos de uma
semana, 130 brancos encontraram a morte na Matabelelândia.
Os africanos estavam armados com carabinas Martini -Henry, Lee Metfords,
fuzis para elefantes, mosquetões e bacamartes, além das tradicionais azagaias,
hachas, clavas, arcos e flechas. Ademais, o Chimurenga eclodiu no momento
em que a maior parte das tropas da companhia se encontrava na África do Sul,
envolvida na ofensiva Jameson contra os bôeres. Oportunidade adicional para os
revoltosos, os policias africanos desertaram com seus fuzis e munições e fizeram
causa comum com seus irmãos em tal quantidade que houve que desarmar, por
medida de precaução, os que tinham ficado “leais”.
A companhia mobilizou a toda a pressa os europeus para formar a Relief
Force (coluna de socorro da Matabelelândia), composta de tropas regulares, de
Voluntários da Rodésia (colonos a cavalo) e de africanos. No apogeu, a força
compreendia 2 mil europeus, 250 Ngwato enviados por Kgama, 200 “indígenas
das colônias” (África do Sul) e cerca de 150 africanos da Rodésia, sob o comando
supremo de sir Frederick Carrington, veterano das guerras entre Xhosa e colo-
nos. Se o Chimurenga foi essencialmente uma guerrilha, a estratégia empregada
pela tropa estava baseada no cerco e no emprego de dinamite. Os soldados
destruíam igualmente as colheitas dos africanos e roubavam -lhes a maior parte
do gado, as cabras, os carneiros, as galinhas e as reservas de cereais, para privar
os rebeldes de alimentos e para se enriquecerem.
Na Matabelelândia, o Chimurenga perdurou de março a dezembro de 1896
e causou perdas consideráveis à companhia. A 15 de julho esta se viu forçada
a proclamar que os africanos que concordassem em se render com suas armas
não seriam perseguidos. Depois da batalha de Ntaba zika Mambo (5 de julho),
Cecil Rhodes afirmou “a decisão de aproveitar a primeira ocasião de negociar
que se apresentasse, ou de suscitar uma se ela não aparecesse”. renunciara a
toda esperança de chegar a uma vitória total e incondicional”, pois o prolonga-
mento do Chimurenga ou a estagnação das hostilidades significavam a falência
da companhia e/ou a intervenção do governo britânico, que transformaria a
colônia em protetorado. Em agosto, os Ndebele estavam cercados nas colinas
de Matapo e, como a batalha se eternizasse e Rhodes fizesse generosas ofertas
de paz, aceitaram finalmente negociar. Aí se seguiram várias conversações entre
Rhodes e os induna ndebele, que se prolongaram de agosto de 1896 até janeiro de
1898, data em que Rhodes nomeia seis chefes do Chimurenga (os induna Dhliso,
Somabulana, Mlugulu, Sikombo, Khomo e Nyamanda) entre as dez autoridades
245
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
africanas apontadas pela companhia. Atribuiu -lhes terras, ofereceu -lhes 2300
toneladas de cereais e prometeu fazer justiça a suas queixas contra a companhia.
Obtida a vitória e restabelecida a paz na Matabelelândia, a companhia con-
centrou então seus esforços sobre o Chimurenga shona, que veio causando gran-
des perturbações, ao mesmo tempo que o dos Ndebele, desde junho de 1896,
e prosseguiu, de forma intermitente, até 1903. Os principais centros de Chi-
murenga eram as soberanias de Mashayamombe, de Makoni e de Magwende,
situadas respectivamente no oeste, centro e nordeste da Mashonalândia. Mas
várias soberanias de menor importância (Nyandoro, Seke, Whata, Chiota, Chi-
kmakwa, Swoswe, Zwinma, Mashanganyika) tomaram igualmente a iniciativa
de se revoltar individualmente ou de se aliar com seus vizinhos.
O Chimurenga, tal como o massacre do gado pelos Xhosa, tem sido qualifi-
cado por historiadores eurocentristas como um movimento atávico e milenarista,
por causa do importante papel desempenhado pelos sacerdotes e profetas tradi-
cionais conhecidos pelo nome de svikiro
13
. Os principais svikiro eram Mukwati,
na Matabelelândia, Kagubi, no oeste da Mashonalândia, bem como Nehanda
(mulher), no centro e norte da Mashonalândia, a quem se juntava uma infini-
dade de profetas locais de menor importância. Os svikiro afirmavam aos Ndebele
e aos Shona que os brancos eram a causa de seus sofrimentos – o trabalho for-
çado, o imposto, os castigos corporais (chicote) – e até dos flagelos da natureza
pragas de gafanhotos, peste bovina, secas. Convenceram grande número de
africanos de que o deus dos Shona, Mwari (Mlimo, em sindebele), comovido
com os sofrimentos de seu povo, decretara que os brancos deviam ser expulsos
do país e que os africanos nada tinham a recear, pois Mwari estava a seu lado,
e tornaria as balas do homem branco inofensivas como água. Ao todo, foram
muitos os africanos a acreditar que os svikiro falavam em nome de Mwari e
que recusar -lhes obediência acarretaria mais infortúnios para sua terra e novos
sofrimentos para os indivíduos.
Os svikiro eram, antes de tudo, profetas revolucionários que articulavam as
causas fundamentais do Chimurenga e a opinião geral da população, sem a qual
teriam pouca credibilidade e pouca influência. Além disso, enquanto guardiães
13 A palavra deriva do verbo kusvika, que signica chegar ou alcançar um ponto. Signica literalmente a
pessoa, o veículo, o instrumento ou o meio por intermédio do qual os deuses e os espíritos se comunicam
com a população. Assim, um sacerdote, rabino ou profeta, na cultura ocidental, um califa ou mollah, na
cultura muçulmana, poderiam ser svikiro na sociedade shona. Não se deve confundir o svikiro com o
curandeiro, o nganga (feiticeiro para os europeus) nem com o adivinho. O svikiro reunia as funções de
sacerdote, intelectual, professor e dirigente. Em nosso texto, traduzimos svikiro por profeta para facilitar
a compreensão dos leitores não shona.
246
África sob dominação colonial, 1880-1935
das tradições shona e autoridades reconhecidas no tocante a numerosos aspec-
tos da vida comunitária, temiam ser suplantados pelos missionários europeus.
Mais importantes, os svikiro apareciam como dirigentes do movimento
em razão da divisão dos Ndebele e, em particular, dos Shona, tanto no plano
político como no militar. Efetivamente, os svikiro eram as únicas autoridades
cuja influência transcendia os limites das circunscrições. Os feudos espiritu-
ais de Mukwati, Nehanda e Kagubi englobavam mais de uma circunscrão.
Diferente dos chefes dessas soberanias, os svikiro dispunham de uma rede
extensa, mas secreta, de comunicações, que lhes permitia transmitir contínuas
mensagens e coordenar eficazmente sua ão. Chegaram a a ressuscitar
a antiga confederão rosvy e sua dinastia, entronizando nela um novo rei,
Mudzinganyama Jiri Muteveri, bisneto de um antigo soberano rosvy. Muitos
africanos, aceitando essa designão, prestaram juramento a Mudzinganyama,
mas a confederação foi efêmera, pois o rei logo se viu detido e encarcerado
pelos colonos. Simultaneamente, Mukwati era assassinado, presumivelmente
por um de seus seguidores decepcionado.
A influência de Kagubi e de Nehanda era mais forte entre os príncipes
mais jovens e mais ativos das circunscrições, como Muchemwa de Mangwende,
Mhiripiri de Makoni e Panashe de Nyandoro. Porém Kagubi foi capturado em
outubro de 1897, e Nehanda, dois meses mais tarde. A 2 de março de 1898
foram acusados de homicídio e condenados à forca. O lugar onde os enter-
raram foi mantido em sigilo, para que nenhum indígena venha a retirar seus
corpos e proclamar que seu espírito se incorporou em outra profetisa ou outro
feiticeiro”.
Privados de direção político -militar centralizada, sem carabinas nem muni-
ções e, principalmente, sem o apoio dos svikiro , os chefes shona foram batidos
um após outro em 1897. No dia 4 de setembro, Makoni, de mãos amarradas e
olhos vendados, foi fuzilado na presença das tropas, de seus aliados africanos e
de seus próprios súditos. Segundo o relato de uma testemunha ocular, o corres-
pondente do Times de Londres, Makoni enfrentou a morte com uma coragem
e uma dignidade que despertaram a admiração de todos os espectadores”. Por
sua vez, Mashayamombe, que esteve perto de cortar as comunicações entre Salis-
bury e Bulawayo, foi derrotado e morto a 25 de julho. Entre julho e setembro,
os colonos cercaram e esmagaram as circunscrições da Mashonalândia central.
Mangwende foi batido em setembro, mas seu filho, Muchemwa, com a ajuda
de alguns conselheiros, prosseguiu na luta até 1903, data em que o Chimurenga
foi finalmente dominado.
247
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
As perdas causadas pelo Chimurenga são calculadas em 450 mortos e 188
feridos do lado europeu e em 8 mil mortos do lado africano. Desses 450 euro-
peus, 372 eram colonos residentes, o que representava um décimo da população
branca da colônia. Os outros eram soldados das tropas regulares e mercenários.
Mas alguns Shona, dos mais intransigentes, continuaram o Chimurenga e até
celebraram alianças com certas populações de Moçambique, igualmente em luta
contra o colonialismo português. A resistência mais célebre pós -Chimurenga foi
a dirigida por Kadungure Mapondera, dirigente da circunscrição dos Rosvy da
região de Mazoe, que, atacado pelos Ndebele e pelos portugueses, logrou conser-
var a independência. Mapondera não tomou parte no Chimurenga porque, tendo
recusado pagar o imposto de palhota, emigrou, em 1894, com seus seguidores
mais fiéis para o norte de Moçambique, onde se aliou aos Barué na luta contra
os portugueses. Voltou para a Rodésia em 1900 e recrutou um exército shona
composto pelos Korekore, Tawara e vários jovens militantes vindos de circuns-
crições do nordeste e da região central da Mashonalândia, principalmente as
de Mangwende e de Makoni. Aliou -se com o motapa titular, Chioco, o que lhe
assegurou o apoio dos svikiro de Mwari. Até junho de 1902, dirigiu a guerrilha
contra os colonos e as circunscrições leais do norte da Mashonalândia. Depois,
emigrou novamente para Moçambique, para se juntar à guerra de resistência
dos Barué, mas as forças conjugadas deles não tardaram a ser esmagadas pelos
portugueses, que se beneficiavam de um armamento superior. Mapondera voltou
para a Rodésia e rendeu -se em 30 de agosto de 1903. Foi condenado a sete anos de
trabalhos forçados por rebelião e homicídio e morreu na prisão em consequência
de uma greve de fome.
Os Herero
Em 1904, os Herero, sofrendo os efeitos negativos da dominação colonial
no Sudoeste Africano, aproveitaram a retirada das tropas alemãs, que haviam
partido em janeiro daquele ano, para subjugar os Bondelswarts, tendo matado
100 alemães, destrdo várias fazendas e capturado o gado. O general Von
Trotha, nomeado em substituição a Theodor Leutwein, comandante alemão,
decidiu travar a guerra até a vitória militar total e a completa destruição do
povo Herero, mediante uma série de impiedosos massacres: entre 75% e 80%
da população, estimada entre 60 mil e 80 mil almas, foi morta; 14 mil foram
encerrados em campos de concentração e 2 mil fugiram para a África do Sul.
Acompanhado por um milhar de partidários, Samuel Maherero atravessou o
deserto de Kalahari e chegou à Bechuanalândia.
248
África sob dominação colonial, 1880-1935
Todas as terras e rebanhos foram confiscados, e os africanos foram proibidos
de formar instituições étnicas e praticar cerimônias tradicionais. Privados de
todos os meios de sobrevivência, viram -se coagidos a trabalhar para os colonos
brancos. Com seus deuses e sacerdotes vencidos, o que provava sua inferioridade,
converteram -se em massa ao cristianismo. Em 1915, as tropas britânicas da
África do Sul ocuparam o Sudoeste Africano e impuseram o estado de sítio até
1921. Nessa data, 10673 sul -africanos brancos se tinham unido aos colonos
alemães que não haviam sido repatriados. Os africanos foram autorizados a
praticar uma agricultura de subsistência em reservas estéreis, o que os obrigava
a ser trabalhadores migrantes para sobreviver.
Apesar de tal destino, os Herero deixaram em germe um legado de luta con-
tra a dominação colonial, de superação das fronteiras étnicas e de consciência
cultural, histórica, racial e nacionalista, cuja tradição seria transmitida às futuras
gerações de combatentes pela liberdade em toda a África meridional.
Conclusão
No decurso da primeira década do século XX, os Estados autóctones soberanos
tinham praticamente desaparecido da África meridional. A grande maioria dos
africanos havia então entrado na terceira fase da resistência, caracterizada pela luta
em prol de um modus vivendi favorável sob a dominação política, econômica e
cultural dos colonos. De fato, tratava -se de um novo tipo de reação às lutas contra
a conquista e a ocupação coloniais, o qual pertence a outro capítulo da história
africana. Por essa ocasião, as autoridades políticas e religiosas das sociedades tra-
dicionais haviam sido vencidas, colonizadas e humilhadas. Os monarcas tradicio-
nais tinham sido suplantados por secretários dos Negócios Indígenas, tais como
Theophilus Shepstone em Natal, ou pelos chamados comissários de assuntos
indígenas”, ou pelos “departamentos de assuntos indígenas em outros lugares. As
massas africanas se definiam como o problema negro e, conforme a descrição
de Jabavu, compunham -se de gente “sem terra, sem voto, servos,rias, marginais
da sociedade em sua própria tria e sem nenhum futuro na vida
14
. Além disso,
eram os primeiros africanos a conhecer a crise de identidade
15
provocada pelo
traçado de fronteiras coloniais artificiais, que separaram antigas unidades culturais,
linguísticas e históricas, mas também devida aos traumatismos culturais sofridos
14 JABAVU, 1920, p. 16.
15 BETTS, ed., 1972.
249
Iniciativas e resistência africanas na África meridional
nos dormitórios das minas e das fazendas, nas casas dos brancos, nas igrejas e
escolas cristãs, em um mundo dominado pelos colonos.
Todos os pensamentos e todas as ações dos africanos se voltavam então para
a aquisição individual de conhecimentos, técnicas e bens materiais do mundo
branco, bem como para a denúncia das incapacidades dos indígenas”
16
, na espe-
rança de chegar a corrigi -las, sem sair do quadro da dominação colonial. Foi
assim que começou o movimento de protesto não violento por direitos civis,
cujos artífices foram, como veremos depois, o South African Native National
Congress, criado em 1912, a Native Welfare Association, na Rodésia do Sul, o
sindicalismo de Clement Kadalie e, no plano religioso, as igrejas dissidentes e
o “etiopianismo”. O vácuo deixado pelo desaparecimento das autoridades tra-
dicionais foi preenchido pelos discípulos dos missionários, comprometidos não
apenas com o universalismo, o anti rracismo e o capitalismo materialista, mas
também com a luta contra as diferenças étnicas. Por isso foram dos primeiros
a minar a cooperação étnica e particularista de certos chefes, grupos e indivi-
duos africanos. Ao contrário da luta contra a conquista colonial, a resistência à
dominação dos colonos tomou, portanto, rumo diferente e recrutou suas tropas
principalmente nas massas urbanas, sob a direção das elites cultas. As massas
rurais viviam da agricultura de subsistência, quando não caíam sob o jugo da
economia capitalista de mercado, como assalariados malpagos nas minas, nos
campos, nas cozinhas e nas fábricas dos europeus.
16 Ver, entre outros, PLAATJE, 1916; MOLEMA, 1920.
C A P Í T U L O 1 0
251
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
O tratado Anglo -Merina
1
, assinado em 23 de outubro de 1817 e ratificado
em 1820, conferiu a Radama I o título de “rei de Madagáscar”. A 14 de feve-
reiro de 1822, o próprio Radama proclamava sua soberania sobre a ilha (figura
10.1). Reino que contava com o apoio da primeira potência mundial da época,
Madagáscar surgia, assim, no cenário diplomático. No início, contudo, sua sobe-
rania foi contestada, negada e combatida pela França. Somente em 1862 é que o
governo de Napoleão III subscreveu com Radama um tratado reconhecendo -o
como rei de Madagáscar, o que, aos olhos das autoridades de Tananarive, san-
cionava a existência do reino e o abandono das pretensões territoriais francesas,
ainda que em seu preâmbulo o tratado mantivesse “os direitos da França”, quer
dizer, os direitos particulares sobre seus antigos entrepostos e estabelecimentos
comerciais e sobre os protetorados de Sakalava e Antakarana.
O assassinato de Radama II, em 1863, pela oligarquia dirigente, que o jul-
gava demasiado liberal e muito favorável aos europeus, criou uma situação nova.
Rainilaiarivony, primeiro -ministro de 1864 a 1895, adotou uma política bastante
flexível para assegurar o respeito à independência do reino (figs. 10.2 e 10.3).
Assim, incapaz de completar a unificação territorial, esforçou -se por organizar
1 Os Merina são os habitantes de Imerina, região dos planaltos centrais de Madagáscar, cuja capital era
Tananarive, que depois se chamaria Antananarivo. O reino merina tinha por objetivo a unicação de
Madagáscar.
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e
reações africanas à conquista e à
dominação coloniais
Manassé Esoavelomandroso
252
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Madagáscar em ns do século XIX.
253
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
F . Rainilaiarivony, primeiro -ministro de
Madagáscar (1864 -1895), marido de Ranavalona II
e III. (Foto: Lapi Viollet.)
F . A rainha Ranavalona III (1883 -1897)
em traje de gala. (Foto: Harlingue -Viollet.)
o governo, a administração e o exército. Conseguiu com certo êxito consolidar
seu poder e manter as reges conquistadas, apesar das conspirações de seus rivais, e
do descontentamento e por vezes revolta das massas populares. Ao mesmo tempo,
contudo, expandia -se na Europa o imperialismo colonial, e a França procuraria de
novo dominar Madascar. Os esforços diplomáticos de Rainilaiarivony para afastar
esse perigo foram os, e as duas guerras (1883 -1885 e 1894 -1895) impostas pela
França terminaram com a exoneração do primeiro-ministro e o desmantelamento
do governo real. Senhores de Tananarive, os franceses não tardaram a encontrar
resistência armada em algumas áreas rurais de Imerina e suas províncias subme-
tidas. Nas regiões independentes, acharam -se tendo de enfrentar reis e chefes
militares que contra eles se opunham obstinadamente. Mas a superioridade
técnica dos franceses acabou por encerrar esses focos descoordenados de resis-
tência. No entanto, por toda a ilha, homens se levantavam e se organizavam, a
princípio para combater os abusos do regime colonial, depois para recuperar a
independência nacional.
254
África sob dominação colonial, 1880-1935
Um país dividido ante a ameaça imperialista
No último quartel do século XIX, a França retomou a política de expansão
colonial. Numa primeira fase, entre 1870 e 1880, esse país, depois da derrota
diante da Prússia, atravessou um período de recolhimento, recuperando forças
dentro de suas fronteiras. Entre 1880 e 1890, alguns líderes republicanos, como
Léon Gambetta e Jules Ferry, acenando com a possibilidade de as conquistas
coloniais reconduzirem sua pátria ao lugar de grande potência, encontraram a
hostilidade da opinião pública, o que os obrigou a adotar a chamada política de
pequenas doses”. Ainda assim, conseguiram impor um protetorado à Tunísia
em 1881 e enviar expedições, muito embora sem plano de conjunto e com
recursos reduzidos, ao continente africano, a Tonkin e a Madagáscar. De 1890
em diante, finalmente, as ambições francesas tomaram corpo. A maior parte da
opinião pública começava a aceitar as ideias imperialistas, e os meios empre-
sariais passaram a demonstrar interesse crescente pelas conquistas coloniais
2
.
Assim, Madagáscar, apresentada pela propaganda colonialista como um grande
mercado consumidor, um país de riquezas incontáveis, uma ilha desejada pelos
ingleses, tornou -se alvo de ambições e de cobiça. O governo da rainha Rana-
valona viu -se, dessa forma, tendo de afastar as ameaças externas, além de, ao
mesmo tempo, tentar reduzir as frequentes tensões, latentes ou declaradas, não
em Imerina, como também em toda a ilha.
A situação em vésperas da primeira guerra franco ‑merina
3
O novo interesse que Madagáscar suscitou na França era resultado de uma
propaganda sabiamente orquestrada pelos parlamentares da ilha de Reunião,
sustentada pela direita católica e apoiada mais tarde pela facção colonial. Essas
diferentes forças juntaram -se para invocar e defender os “direitos históricos” da
França sobre Madagáscar. O argumento, com raízes na lembrança da anexação
proclamada no reinado de Luís XIV e das vãs tentativas, no século XVIII, de
organizar uma França oriental próspera, com base nos entrepostos comerciais
estabelecidos naquele mesmo século XVIII e sob a Restauração, foi desenvolvido
ao longo do século XIX em numerosos escritos antes de ser exposto oficialmente
pelo Parlamento francês em 1884. O lobby de Reunião reclamava a conquista
total da ilha com o intuito de enviar para lá o excesso da população crioula local
2 JACOB, 1966, p. 2 -3.
3 AGERON, 1978a, p. 114 -8.
255
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
e reservar para uso próprio os abundantes recursos que os ingleses ameaçavam
explorar. Por sua vez, os missionários católicos franceses de Madagáscar, vendo
seu trabalho de evangelização reduzido às camadas sociais mais baixas, já que a
maioria das famílias nobres e dos plebeus ricos e poderosos tinha se convertido
ao protestantismo, reclamavam o apoio oficial da França para enfrentar a con-
corrência dos protestantes, que eles apresentavam como produto das inúmeras
“intrigas” dos britânicos. Essa teoria da pérfida Albion encontrava eco junto
a certos meios financeiros, que, para conquistar o mercado malgaxe, em detri-
mento dos ingleses e dos norte -americanos, pensavam afastá-los com a anexação
e não através da redução do preço de venda de seus produtos. A propaganda
colonial apelava para o chauvinismo, bem como para a missão humanitária e
civilizadora da França. A fim de preparar a opinião pública para a conquista,
apresentava -se o “Reino de Madagáscar”, com evidente fé, como um “Estado
bárbaro”, dirigido por uma “tribo estrangeira”, que erigira a “tirania em sistema
de governo e continuava a praticar o tráfico de escravos.
Todos esses argumentos desenvolvidos pelos adeptos da colonização da ilha
tinham escasso fundamento. O governo real, acusado de ser pró -inglês, teve em
relação às potências estrangeiras uma atitude sutil, ditada pela determinação de
defender a independência do reino. Tratou de obter de cada uma o apoio que
pudesse dar às suas ambições
4
. Madagáscar não era vassala do Reino Unido;
se o entendimento entre os dois países era sólido, tal se devia unicamente ao
fato de os britânicos, ao contrário dos franceses, não procurarem colonizar a
ilha. Esse reino reputado “bárbaro”, onde predominaria o “obscurantismo”, era,
na realidade, dirigido por uma rainha e um primeiro -ministro convertidos ao
cristianismo desde 21 de fevereiro de 1869. Receberam o batismo protestante, é
verdade, seguindo o seu exemplo a maioria dos dirigentes e da população. Mas
não impediram os malgaxes de abraçar o catolicismo nem se opuseram à ação
dos missionários franceses. Esse liberalismo prova a separação entre as Igrejas e
o Estado, ainda que “em torno da capela do palácio da rainha o primeiro-minis-
tro talvez tenha tentado criar uma igreja nacional, a Igreja do Palácio, formada
por pastores e evangelistas malgaxes de sua confiança
5
. Essa tentativa gerou um
medo persistente no meio dos jesuítas e uma “invencível desconfiança” entre os
representantes da London Missionary Society (LMS).
Em 1877, o governo real libertou os escravos masombika trazidos do conti-
nente, prevendo sua instalação em terras para eles alocadas. Em 1878, reorganizou
4 ESOAVELOMANDROSO, F., 1979.
5 VIDAL, 1970, p. 6, nota 20.
256
África sob dominação colonial, 1880-1935
a justiça, daí em diante confiada a três tribunais, que procederiam à instru-
ção dos processos, ficando a decisão com o primeiro -ministro. Em 1881 foi
promulgado o Código dos 305 artigos, legislação inovadora que abrange ao
mesmo tempo o direito civil, o direito penal e o processo
6
. Todas essas medidas,
além de outras, mostram a vontade de Rainilaiarivony de modernizar seu país,
transformando -o num “Estado civilizado” à face da Europa. Eram esforços que
teriam desarmado os homens movidos pelo desejo de civilizar Madagáscar e de
pregar o Evangelho. Contudo os parlamentares de Reunião, apoiados pelos
deputados católicos e pelo grupo colonial, reclamavam com insistência a con-
quista da ilha. Aproveitaram -se de três pretextos para obrigar o governo francês
a intervir militarmente em Madagáscar, em 1882.
Jean Laborde, que inicialmente fora sócio de altos dignitários de Madagás-
car, sob o reinado de Ranavalona I, na produção de armamentos e munições
e na exploração agrícola, e que no reinado de Radama II se tornou cônsul
da França, morreu em 1878, deixando bens imobiliários, que seus sobrinhos
Edouard e Campan Laborde em vão reclamavam. As reivindicações de Paris
sobre essa herança tinham base no tratado de 1868, que autorizava os cidadãos
franceses a adquirir bens imóveis em Madagáscar; a recusa das autoridades de
Tananarive em concordar com as ditas reivindicações repousava na lei segundo
a qual a terra pertencia unicamente à soberana. A herança Laborde” colocava
de fato um problema do direito de propriedade”, que interessava aos colonos
e negociantes instalados na ilha: “Poderiam eles ser proprietários dos domínios
que exploravam, ou pelo menos esperar obter contratos de arrendamento de
longo prazo?”
7
.
Em abril de 1881, a questão do Toalé envenenou as relações franco -malgaxes.
O patrão do veleiro – árabe com cidadania francesa – e outros três muçulmanos,
membros da tripulação, foram assassinados por homens do rei sakalava, Bakary,
na baía de Marambitsy, região fora do controle das autoridades merina. Trafi-
cantes de armas, intimados a entregar a carga, abriram fogo sobre os Sakalava,
que, em reação, os mataram. Por esse caso de contrabando, a França reclamou
uma indenização à rainha de Madagáscar
8
.
No mesmo ano, dois missionários ingleses, em excursão pela costa de Sambi-
rano, no noroeste, persuadiram os chefes sakalava da região a hastear o pavilhão
merina. A França protestou, invocando os tratados de protetorado assinados em
6 DESCHAMPS, 1960, p. 181.
7 JACOB, 1966, p. 5.
8 BOITEAU, 1958, p. 172.
257
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
1840 e 1841 com os soberanos da região. Rainilaiarivony respondeu lembrando
o tratado de 1868, que o governo de Napoleão III assinara com a rainha de
Madagáscar”.
A falta de sinceridade nessas conversações convenceu Rainilaiarivony da má
dos franceses e o levou a adotar, para pagar as indenizações e adquirir armas
e munições, uma política impopular, pelos pesados impostos que recaíram sobre
o povo. As dificuldades com a França não lhe deixavam tempo para assimilar as
conquistas feitas por Radama II e obter a adesão definitiva das populações sub-
metidas, e menos ainda para prosseguir na unificação do país. É, portanto, um
primeiro -ministro acossado por problemas de ordem interna, que irá negociar
com o cônsul francês Baudais, que rompera bruscamente as relações diplomá-
ticas e abandonara Tananarive a 21 de maio de 1882.
O isolamento dos dirigentes malgaxes, 1882 ‑1894
Em junho de 1882, o capitão de mar e guerra Le Timbre mandou recolher
os pavilhões merina da baía de Ampasindava, sem qualquer resistência. Raini-
laiarivony pensava poder evitar ainda um conflito e chegar a um acordo pacífico
sobre os contenciosos. Por isso enviou à Europa e aos Estados Unidos (outubro
de 1882 -agosto de 1883) uma embaixada dirigida por seu sobrinho Ravoni-
nahitriniarivo, ministro dos Negócios Estrangeiros, para buscar um acerto com
Paris e obter o apoio das outras potências
9
. Mas, além dos tratados de comércio
assinados com Londres, Washington e Berlim, e da renúncia da Inglaterra
ao direito de propriedade para os seus cidadãos, substituído por contratos de
arrendamento de prazo a ser fixado pela vontade das partes, os plenipotenciários
malgaxes nada conseguiram de substancial. A França, tratada com prudência
pelos ingleses, que desejavam ter as mãos livres no Egito, recusou -se a qual-
quer acordo, embora os enviados de Ranavalona II concordassem em retirar os
pavilhões e guarnições da baía de Ampasindava e aceitassem arrendamentos
por longos prazos para os estrangeiros. A embaixada ainda estava na Europa
quando a marinha francesa bombardeou Majunga, em maio de 1883, fazendo
assim eclodir a primeira guerra franco -merina (1883 -1885). Ou seja, a atividade
diplomática não conseguiu impedir a guerra. As autoridades de Tananarive
descobriram, com amargura, que as grandes potências, preocupadas antes de
tudo com seus interesses, às vezes, se não frequentemente, faziam acordos à
custa dos pequenos países. A atitude do Reino Unido, tido como fiel aliado, foi
9 MUTIBWA, 1974, p. 218 -46.
258
África sob dominação colonial, 1880-1935
decepcionante, e diz -se ter levado o primeiro -ministro, desiludido, a cunhar a
expressão “fingir que se briga, como os franceses e os ingleses”.
A marinha francesa atacou, portanto, um reino que se achava isolado no
plano diplomático. Uma esquadrilha, comandada pelo almirante Pierre, bom-
bardeou os portos do noroeste e do leste da ilha, ocupando Tamatave. Paris
exigiu de Rainilaiarivony a cessão da parte de Madagáscar situada ao norte do
paralelo 16 e o reconhecimento do direito de propriedade dos franceses insta-
lados na ilha. O primeiro -ministro aguentou firme as pressões, deixando a porta
aberta a negociações. No decorrer dessa “falsa guerra, onde as negociações eram
conduzidas com mais diligência do que as operações militares, as reivindicações
francesas mudaram de rumo: já não se tratava do reconhecimento de seus direi-
tos históricos sobre o noroeste de Madagáscar, mas da imposição de um pro-
tetorado a toda a ilha. Quanto a Rainilaiarivony, ateve -se a sua posição inicial,
recusando -se a sacrificar a independência de seu país. No entanto, ao mesmo
tempo que os dirigentes franceses e malgaxes adotavam atitudes à primeira vista
irreconciliáveis, os súditos, de um lado e de outro, começavam a ceder à lassidão.
Do lado malgaxe, o bloqueio e o esforço de guerra tinham provocado uma crise
econômica e um mal -estar político bastante graves. Do lado francês, a expedição
a Tonkih não permitira o reforço das tropas em combate em Madagáscar; de
resto, a opinião do ministro Freycinet, inclinado à conciliação, prevaleceu sobre
a dos adeptos de uma marcha sobre Tananarive. Os acontecimentos levaram os
dois governos a assinar a paz, quer dizer, a contentar -se com um acordo.
O obscuro tratado de 17 de dezembro de 1885 pôs fim a uma guerra em que
não houve vencedor nem vencido. Era tão vago e ambíguo que cada uma das
partes o interpretaria a seu modo. O tratado dava à França o direito de repre-
sentar Madagáscar “em todas as suas relações exteriores” e de manter em Tana-
narive um residente -geral, com escolta militar. Garantia aos cidadãos franceses
o direito de obter contratos de arrendamento de longo prazo (máximo de 99
anos), à marinha francesa o de ocupar Diego Suárez e ao governo francês uma
indenização de 10 milhões de francos. Este tratado, onde a palavra protetorado
não aparece, reconhecia a rainha Ranavalona como soberana de toda a ilha e
única proprietária do solo malgaxe. O Apêndice”, ou carta explicativa que o
primeiro -ministro solicitou e obteve em 9 de janeiro de 1886 dos negociadores
franceses antes de ratificar a convenção, definia os poderes do residente-geral,
fixava a dimensão da sua escolta militar em 50 homens e descrevia os limites do
território de Diego Suárez em uma milha náutica ao sul e a oeste e em quatro
milhas ao norte. Entendia -se que tais disposições limitavam o alcance do tra-
tado. Por seu lado, o governo francês não reconhecia nenhum valor ao Apên-
259
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
dice” e interpretava o acordo de 17 de dezembro de 1885 como um tratado de
protetorado. o governo malgaxe, dominado por Rainilaiarivony, recusava-se
a ver no documento um tratado que estabelecia o protetorado sobre a ilha
e opunha às pretensões francesas uma interpretação bem diferente do texto,
com base nas referências constantes do Apêndice” que limitavam o âmbito das
cláusulas consideradas prejudiciais à independência do reino. Os dirigentes de
Tananarive esforçavam -se para evitar a efetividade do protetorado jogando com
as diferenças entre o texto francês e o malgaxe e os esclarecimentos aduzidos
pelo protocolo adicional
10
.
Assim, entre o primeiro -ministro e os sucessivos residentes -gerais, travou -se
uma guerra de atritos, e multiplicaram -se os mal -entendidos. Sem esperar os
resultados das intermináveis negociações sobre a delimitação da zona francesa
em torno de Diego Suárez, a marinha francesa ocupou larga faixa de território
ao sul do porto. Outro conflito, o do exequatur (“documento oficial pelo qual
dado governo reconhece um agente consular e o autoriza a desempenhar suas
funções no país”), dominou os dez anos do “protetorado fantasma” (1885 -1895).
O residente -geral exigia que fosse ele a conceder o exequatur, para provar que
Madagáscar era um protetorado, ao que Rainilaiarivony se opunha, para afir-
mar a independência do reino. Até a assinatura do acordo anglo -francês de
1890, pelo qual a França reconhecia o protetorado inglês sobre Zanzibar e, em
troca, a Inglaterra aceitava “o protetorado francês sobre Madagáscar, com suas
consequências”, o primeiro -ministro conseguiu manter sua posição. Mas as
dificuldades diplomáticas foram agravadas pelos problemas econômicos que o
reino experimentava.
Para pagar a indenização devida à França, o governo malgaxe contraiu, junto
ao Comptoir National d’Escompte de Paris (CNEP), um empréstimo com o
penhor das receitas alfandegárias dos seis maiores portos da ilha (Tamatave,
Majunga, Fenerive, Vohemar, Vatomandry e Mananjary). Agentes designados
pelo banco francês mas pagos pelas autoridades reais fiscalizavam o recebimento
das tarifas. O Estado malgaxe privava -se assim de uma fonte substancial de
receita.
A necessidade de dinheiro e as pressões de Le Myre de Vilers, primeiro
residente -geral francês em Tananarive, levaram o primeiro -ministro a fazer
imensas concessões aos europeus para a exploração tanto de minérios (cobre em
Betsileu, ouro em Boina) como de florestas. A concessão aurífera de Suberbie, na
10 ESOAVELOMANDROSO, F., 1977b.
260
África sob dominação colonial, 1880-1935
região de Maevatanana, notória pelo uso do trabalho forçado nas minas (“corveia
do ouro”), pouco rendeu ao governo. Por outro lado, contribuiu para o enfraque-
cimento do poder, devido à fuga dos trabalhadores, que iam engrossar as fileiras
dos fahavalo (irregulares), que faziam reinar a insegurança no noroeste da ilha.
No mesmo período, outorgaram -se 12 concessões florestais situadas na costa
oriental do país a estrangeiros. Os recursos limitados dos concessionários e a
atitude do primeiro -ministro, pouco decidido a facilitar -lhes a tarefa, a despeito
das aparências, fizeram com que as tentativas de exploração das florestas malga-
xes não fossem bem -sucedidas. As concessões não enriqueceram o governo real,
não foram proveitosas para as populações locais nem renderam aos capitalistas
estrangeiros tanto quanto imaginavam
11
.
O produto das tarifas aduaneiras não era suficiente para pagar as prestações
semestrais devidas ao CNEP e, dado que as concessões feitas aos estrangeiros
não alcançaram os resultados esperados, o governo real, para encher os cofres
do Estado, multiplicou os impostos e aumentou o trabalho forçado (corveia).
Além dos impostos habituais, o povo tinha de pagar um outro, de uma piastra
por cabeça, e o fitia tsy mba hetra, uma espécie de contribuição geral, teorica-
mente voluntária”. Algumas pessoas recusaram -se a desempenhar as tarefas
exigidas pelo fanompoana, ou sistema de trabalho forçado, outras entregaram -se
ao banditismo, e grupos de salteadores não hesitaram em atacar a cidade santa
de Ambohimanga, em 1888, e até a capital, em 1890
12
.
Esses distúrbios, que ameaçavam os interesses das classes privilegiadas e dos
estrangeiros, alarmaram o residente -geral, revelando uma grave crise de poder
no “Reino de Madagáscar”. O Parlamento francês aproveitou -se da situação e
enviou a Tananarive Le Myre de Vilers, que fora residente -geral de 1886 a
1889, com um plano para estabelecer um verdadeiro protetorado. Tendo Raini-
laiarivony recusado esse plano, o Parlamento francês votou, por enorme maioria,
pela guerra, que o governo merina, para manter sua independência, não pôde
recusar. As autoridades reais, contudo, entraram nessa guerra, em 1894, em
condições desfavoráveis.
O reino de Madagáscar em 1894: debilidade e desorganização
Em vésperas da conquista francesa, graves tensões internas abalavam o reino.
Ao menos no plano oficial, o batismo de Ranavalona II marcou o início do
11 ESOAVELOMANDROSO, M., 1979, p. 186 -93.
12 ESOAVELOMANDROSO, F., 1977b, p. 50.
261
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
declínio do culto dos antepassados e o desaparecimento dos sampy (santuários)
reais ou mesmo locais, que constituíam a base política e religiosa da Imerina tra-
dicional, e foi responsável pela conversão, em muitos casos forçada, de milhares
de súditos, pela destruição de certas hierarquias antigas em razão da demissão
dos guardiães de sampy e pela ascensão de uma elite cristianizada. O político,
o econômico e o religioso se imbricavam. Os homens da Igreja do Palácio não
só se ocupavam dos negócios do Estado, como recenseamento, ensino, recruta-
mento para o exército e para o trabalho forçado, mas ainda se aproveitavam de
sua posição e do sistema econômico para enriquecer com o comércio e a usura.
Guardiães de sampy e dignitários locais, desapossados dos poderes e privilégios
tradicionais, opuseram -se aos governantes da ilha fugindo, negando-se a cons-
truir igrejas e incendiando -as
13
. Além disso, a Igreja oficial não reunia a unani-
midade dos Merina cristianizados. Os que nela não se integraram, praticando
uma espécie de cristianismo popular, com inspiração na Bíblia e na história e
folclore locais, formavam uma elite instruída que podia figurar como liderança
política. Dedicaram -se ao comércio e adquiriram o hábito de propagar suas
ideias nos dias de feira. Outros cristãos, reagindo contra a opressiva tutela da
Igreja oficial, voltaram -se para o catolicismo ou colocaram -se sob a proteção de
um nobre. Outros ainda decidiram -se a lutar pela autonomia e pela liberdade de
sua vida religiosa, como os dissidentes do templo de Ambatonakanga, que, em
1893, criaram uma igreja própria, com o nome de Tranozozoro (casa ou templo
de juncos)
14
. A dissidência, que se produziu em pleno centro da capital, bastião
do cristianismo, comprova o mal -estar que uma parte dos fiéis sentia.
Estas tensões contribuíram para o declínio de lmerina, agravado ainda pelas
pressões estrangeiras, sobretudo francesas, e pelo caráter arcaico da dominação
econômica exercida pelos grandes de Tananarive, o que lhes impossibilitou
concretizar a ambição de criar um Estado nacional. Os oficiais mercadores
compensavam as perdas explorando ao máximo o sistema de corveia, agora que
ele perdera o caráter de obrigação ritual, investindo na terra e entregando -se à
usura. Aos magnatas da capital, fiéis da Igreja do Palácio, opunha -se a multidão
de seus devedores, pequenos agricultores e jornaleiros, sobre os quais pesava
mais o fanompoana.
Tudo isso punha a nu a decomposição do corpo social e do aparelho de
Estado
15
e revelava a existência de uma crise profunda no âmago do Reino de
13 ESOAVELOMANDROSO, F., 1980.
14 AYACHE, S. & RICHARD, C. , 1978, p. 133 -82.
15 JACOB, 1977, p. 213.
262
África sob dominação colonial, 1880-1935
Madagáscar”, então incapaz de resistir à expedição francesa. Madagáscar, con-
tudo, não se reduzia ao aparelho de Estado. As massas populares merina, que
não se identificavam com seus dirigentes, as populações vassalas, que buscavam
com mais ou menos sorte escapar à opressão da oligarquia, bem como os reinos
independentes de Tananarive, vão, uns após os outros, resistir à penetração e à
conquista francesas.
Um país que opõe resistência
descoordenada à conquista colonial
A desestruturação da sociedade no Reino de Madagáscar”, a ruína da ordem
antiga, a dominação da oligarquia, a crise econômica e as ameaças imperialis-
tas provocaram uma confusão moral e espiritual na massa da população, que
começou a idealizar o passado e a defender a volta às tradições. Não demorou
muito, os dirigentes tiveram de enfrentar uma artilharia de críticas. A conquista
colonial (1894 -1895) deu aos opositores do regime oportunidade de se exprimir,
precipitando a queda do governo,muito contestado em Imerina e nas provín-
cias conquistadas e ignorado ou combatido pelas populações independentes.
A falência dos dirigentes
Enquanto, do lado francês, a opinião pública e o Parlamento estavam decididos
a apoiar a expedição o exército dispunha de amplos recursos e de grande número
de efetivos, sendo o terreno muito bem conhecido, depois de estudado por explo-
radores e militares –, do lado malgaxe o Estado estava bem mais enfraquecido
do que em 1883. Rainilaiarivony, velho e autoritário, tornara -se impopular. Alvo
de numerosas conspirações, algumas envolvendo seus aliados mais próximos e
até mesmo seus filhos, não podia contar nem com os altos dignitários do regime,
que lhe invejavam o cargo esperando substituí -lo algum dia, nem com o exército,
então desorganizado com número crescente de desertores e desmoralizado pela
corrupção e ganância desmedidas. De resto, a estratégia de Rainilaiarivony era
arcaica. Malgrado seus esforços, aliás improvisados e desordenados, para comprar
armas e munições, e as tentativas de proceder a uma verdadeira mobilização das
forças do reino, os únicos aliados em que ele realmente confiava eram os “generais
Tazo (febre) e Ala (floresta)”. Esperava que, tal como em 1883, a falta de estradas
para atravessar a floresta, quase impenetrável, bem como o clima inóspito para o
europeu, impedissem um corpo expedicionário de marchar sobre Tananarive.
263
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
Efetivamente, a campanha causou muitas baixas entre os franceses, mas isso
se deveu à incúria de certos serviços do Ministério da Guerra. As tropas desem-
barcadas em Majunga deviam marchar sobre a capital utilizando as famosas
carroças Lefebvre, o que as obrigou a abrir uma estrada. Os trabalhos de aterro
nos pântanos provocaram febres e disenterias, transformando o corpo expedi-
cionário em uma “coluna esparsa interminável, embaraçada com seus comboios,
seus mortos e moribundos”
16
.
O exército real não lançou nenhuma guerrilha contra os francos ou a reta-
guarda daquelas tropas extenuadas. Os soldados de Ranavalona estavam dispersos
pelos vários portos. Os que foram enviados ao encontro dos franceses ergueram
fortificações que abandonaram o logo foram bombardeadas ou cercadas. Nem
os soldados nem os oficiais tinham recebido verdadeira formação militar e o se
achavam nada motivados pior, estavam desnorteados. Recordando as dissensões
e a discórdia no seio do exército, escrevia Rajestera, oficial da linha de frente:
O desencorajamento era geral, tanto no meio dos soldados como entre os chefes,
ainda mais sabendo -se que os parentes e amigos do primeiro -ministro, em particular
seu neto Ratsimanisa, que prudentemente permanecera em Imerina, dividiam entre
si as honras que em boa justiça deveriam caber àqueles que tinham de aguentar as
fadigas e os perigos da guerra.
O anúncio de que Ratsimanisa – um rapazelho que mal acorda e volta a
dormir, que serve para assar batata -doce”, como diziam em tom de mofa os
oficiais – fora promovido ao grau das “Quinze Honras”, um dos mais elevados
na hierarquia, foi o derradeiro golpe no moral das tropas e acabou debilitando
a resistência
17
.
Em face dessa situação, o general Duchesne, comandante -chefe do corpo
expedicionário francês, destacou do corpo do exército, atravancado com seus
doentes, carroças e equipamentos, uma coluna ligeira, que desbaratou e pôs em
fuga as tropas regulares da rainha, antes de tomar Tananarive, em 30 de setembro
de 1895. O foloalindahy (exército real), a partir dessa data, não conseguiu ser mais
do que uma sombra pálida do antigo exército de Radama. Se Rainilaiarivony
logrou humilhar os mainty e excluir os andriana, espinha dorsal dos exércitos
do século XVIII e de começos do XIX, não chegou, porém, a criar um grande
exército, bem treinado e comandado por homens que lhe fossem fiéis, homens
respeitosos dos bens do Estado e ciosos da independência da sua pátria. O
16 DESCHAMPS, 1960, p. 230; BROWN, 1978, p. 236 -56.
17 Apud ESOAVELOMANDROSO, M., 1975, p. 62, nota 67.
264
África sob dominação colonial, 1880-1935
primeiro -ministro cercou -se de um bando de cortesãos aduladores, ansiosos
por encher seus bolsos quaisquer que fossem os meios, incapazes de lhe dar o
menor conselho útil para a condução dos assuntos do Estado e decididos a servir
quem detivesse o poder. Essas pessoas, que não foram capazes de defender a
independência do reino, tornaram -se, na sua maior parte, zelosos aliados dos
colonizadores, renegando e chegando mesmo a combater as massas populares,
que, ante a ignominiosa debandada do exército real e a “traição” dos dirigentes
da ilha, se levantaram para enfrentar os franceses.
Os movimentos Menalamba em lmerina
O comportamento da população merina ante a conquista explica -se por suas
relações com o governo, monopolizado pelos andafiavaratra, isto é, a família e
a clientela de Rainilaiarivony, o primeiro -ministro
18
.
Os seis toko (distritos) de Imerina mantinham diferentes relações com a
oligarquia no poder. Por exemplo, o Vakinisisaony, terra ancestral dos reis de
Imerina e primeira região de adoção de sampy, tal como Ikelimalaza, detinha o
privilégio de conferir legitimidade ao soberano. No entanto, ao longo do século
XIX, os habitantes de Vakinisisaony, conhecidos como resistentes, sofreram a
opressão do trabalho forçado e o duro peso do poder dos Avaradrano, povo que
sustentou Andrianampoinimerina. Os andriana (nobres) de Vakinisisaony foram
eliminados, caso dos guardiães de Ikelimalaza, que foi primeiro confiscado por
Andrianampoinimerina e depois queimado em 1869. A partir dessa data, no
sul de Vakinisisaony, a oposição ao governo cristão se cristalizou em torno do
culto deste sampy. Na parte norte dos toko, grupos que continuavam respeitando
a religião tradicional conviviam com cristãos. Mas houve cisões entre os cristãos
das aldeias, como em Ambohimalaza, onde nobres e escravos eram predominan-
temente católicos, e os plebeus, protestantes. A mesma oposição ocorreu entre
adeptos dos cultos tradicionais e do cristianismo em outros distritos. No de
Ambodirano, em Ramainandro, localidade com uma população cristã bastante
numerosa e aliada a um foko (comuna) de Avaradrano, ficava junto de Amboa-
nana, que permanecera fiel ao culto do sampy.
A queda de Tananarive, que significava a falência do mundo urbano cristão,
provocou a mobilização do mundo rural em defesa da herança ancestral. O
levante de Amboanana, que irrompeu em novembro de 1895, dia do Fandroana
(figura 10.4), aniversário da rainha e festa nacional, marca o início da oposição
18 ELLIS, 1980a, 1980b.
265
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
 . Principais zonas das rebeliões Menalamba.
266
África sob dominação colonial, 1880-1935
popular à conquista francesa. Essa grande rebelião é conhecida pelo nome de
Menalamba (literalmente, mantos vermelhos”), pois os rebeldes “coloriam as
vestes com a terra vermelha dos campos, para não serem facilmente reconhecidos
de longe”. Os insurretos tomaram Arivonimamo, assassinaram o governador,
bem como um missionário inglês e respectiva família, reclamando a supressão
do culto cristão, das escolas, do serviço militar e da corveia. Em março de 1896,
eclodem no norte e no sul de Imerina outros movimentos, que reclamam o
regresso às antigas crenças, a depuração da classe dirigente e que têm como
objetivo forçar a partida dos franceses.
Os Menalamba haviam tomado as armas dos desertores do foloalindahy e
comprado outras dos comerciantes hindus e crioulos o que denota relações
relativamente fáceis com a costa. Estavam organizados à semelhança das tropas
reais, com uma hierarquia de honras e divisão em regimentos. Atacaram os
representantes do poder oligárquico para eles, ilegítimo e responsável pela
derrota –, os missionários estrangeiros e evangelistas malgaxes propagadores
do cristianismo e, portanto, inimigos dos cultos tradicionais. Queimaram igrejas
e escolas e restauraram a religião ancestral; o culto do sampy Ravololona cresceu,
e ritos antigos, como o valirano e o sotrovokaka, dois tipos de juramento, passa-
ram a ser novamente praticados.
No entanto, certos atos dos Menalamba afastaram deles uma parte da popu-
lação. Na sua estratégia, atacaram as feiras para causar impressão, criar pânico,
lançar -se contra uma instituição que simbolizava a opressão e a ordem impostas
pela oligarquia. Mas esses ataques permitiam -lhes também abastecer-se. Os
assaltos às feiras, as razias que faziam para tomar as colheitas às aldeias que não
estavam a seu favor, semeavam confusão entre as populações sedentárias, que
não conseguiam distinguir os Menalamba dos jirika (salteadores, bandidos).
E os colonizadores e seus aliados locais aproveitavam -se disso para isolar os
rebeldes.
Os movimentos menalamba ocorreram nas áreas fronteiriças de Imerina,
onde a insegurança era permanente. Com efeito, estando longe de Tananarive,
tornaram -se refúgio de irregulares e desertores. Além disso, o contato com os
Sakalava, a noroeste, e com os Betsimisaraka, a sudeste, facilitava o suprimento
de armas. E, ademais, eram áreas de acesso difícil, rodeadas pela cadeia das
Tampoketsa, nua e desolada, a noroeste, e pela floresta, a leste. Habitavam -nas
pastores a serviço dos dirigentes da capital, os quais gozavam de certa liberdade
em relação ao poder central. E eram fornecedoras de mão de obra para o traba-
lho forçado na mineração de ouro, de onde o descontentamento da população
com Tananarive.
267
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
Por isso dignitários locais e governadores de pequenos postos administra-
tivos como Rabazavana e Rabozaka, no norte de Imerina, não tiveram muita
dificuldade para lançar esses irregulares e descontentes contra os estrangeiros e
seus aliados, responsáveis pela reviravolta econômica, social, política e religiosa
que abalou o tanindrazana (terra dos ancestrais). Na realidade, o comporta-
mento dos escravos emancipados variava de uma região para outra e até numa
mesma região. Na Imerina central, onde a percentagem da população servil era
grande, frequentemente se reagia com entusiasmo à conquista, à conversão ao
catolicismo, tida como um ato de vassalagem à França, e ao regresso às regiões
de origem. Em compensação, no litoral de Imerina, pouco povoado, os escravos
libertos tinham de enfrentar problemas materiais e juntavam -se aos rebeldes.
Os Menalamba eram compostos por grupos heteróclitos, cuja atitude em
relação a certos problemas parecia ambígua. Odiavam e ao mesmo tempo vene-
ravam a capital. Bastião do cristianismo e sede de autoridades contestadas, a
capital simbolizava, no entanto, o reino e continuava sendo, para o povo, a capital
de Andrianampoinimerina. Sua queda era o prenúncio do caos, que devia ser
evitado. Quando os Menalamba ameaçaram Tananarive, foi simultaneamente
para manifestar seu desacordo com o mundo urbano e sua ansiedade de perma-
necer em contato com a “capital do reino”. Sua atitude ainda foi mais ambígua
ao procurarem distinguir Ranavalona – rainha legítima, segundo eles – de Rai-
nilaiarivony – primeiro -ministro e usurpador –, quando, na realidade, a primeira
fora escolhida e designada pelo segundo. O mesmo se pode dizer de sua tentativa
de separar alguns dirigentes do resto da oligarquia. Assim, se a oposição entre
os Menalamba e os estrangeiros era clara e definida, seu antagonismo com a
oligarquia era menos pronunciado, que bastante matizado.
A severidade da repressão e, sobretudo, a falta de coordenação entre os dife-
rentes movimentos, bem como a autonomia deles em relação às revoltas desen-
cadeadas em outras regiões de Madagáscar, explicam o malogro da resistência
popular em Imerina.
Oposição popular nas regiões submetidas à autoridade real
Em certas regiões, a reação popular à conquista francesa foi resultante da
influência dos Menalamba. No noroeste (região de Mampikony), em 1896,
Rainitavy, antigo governador merina, recrutou uma tropa heterogênea de deser-
tores merina e pastores sakalava e supriu de armas adquiridas no noroeste os
Menalamba de Rabozaka. A insurreição por ele organizada foi o único movi-
mento menalamba em que os objetivos comerciais tiveram maior peso. De fato,
268
África sob dominação colonial, 1880-1935
o objetivo era o controle do comércio da região, sobre o qual os crioulos e os
hindus exerciam verdadeiro monopólio, o que explica os ataques contra eles.
Nas regiões vizinhas de Imerina, as relações mantidas pelos líderes mena-
lamba com os reis e os dignitários locais ajudaram a difundir algumas de suas
ideias. O Tanala Rainimangoro, por exemplo, declarou ter recebido ordens de
Tananarive para expulsar os franceses
19
. Fora daí, não havia relações. Nas pro-
víncias mais firmemente controladas e, portanto, mais exploradas, a queda de
Tananarive, em setembro de 1895, foi o sinal para o ataque aos manamboni-
nahitra (oficiais mercadores, na sua maior parte), aos imigrantes merina e aos
estrangeiros. Na província do leste, por exemplo
20
, a revolta dos Vorimo, c
que vivia no Baixo Mangoro, deu início, em dezembro de 1895, a uma série de
levantes, que, durante o ano de 1896, criaram um clima de insegurança na região.
Essas revoltas, a princípio, eram dirigidas contra a oligarquia merina. Até outu-
bro de 1895, quando o governador -geral da província, Rainandriamampandry,
foi chamado a Tananarive, membros dos Betsimisaraka cuidavam de devastar os
arrozais dos soldados, recusavam -se a abastecer as tropas reais, ou simplesmente
desertavam. A partir de dezembro daquele ano, passaram a atacar abertamente
os postos militares e tomaram a iniciativa dos assaltos de surpresa e das opera-
ções dirigidas contra plantações merina. Os revoltosos poupavam os estrangei-
ros, erradamente convencidos de que os franceses tinham vindo libertá -los dos
opressores. Mas a severíssima repressão efetuada por destacamentos do exército
de ocupação, e que de início surpreendeu os Betsimisaraka, levou -os depois a
crer que os franceses não eram seus amigos mas aliados dos Merina. A partir
daí, os insurretos intensificaram sua ofensiva, atacando tanto os Merina como
os franceses. A revolta abrandou em dezembro de 1896, para em seguida
desaparecer, com as medidas tomadas pelo general Galliéni, que substituiu os
representantes da oligarquia por chefes locais.
A oposição das populações sujeitas à conquista francesa expressou -se, assim,
de diversas formas.
A resistência das populações independentes
A princípio, os franceses pensavam que, tomando Tananarive, controlariam
a grande ilha. Ora, depois de frustrados os movimentos menalamba e de con-
sequentemente ocupada Imerina, descobriram que ainda tinham de conquistar
19 ELLIS, 1980b, p. 212.
20 ESOAVELOMANDROSO, M., 1979, p. 346 -52.
269
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
as regiões independentes. As populações que não se haviam submetido à auto-
ridade real repeliram, de armas na mão, a penetração francesa.
No Ambongo exemplo de região caracterizada pela divisão política em
grande número de pequenas unidades – os franceses usaram vários estratagemas
para conseguir o controle. Enquanto tentavam entendimentos com os principais
chefes ou reis do litoral e do interior, instalaram desde 1897 postos militares nas
grandes povoações a fim de manter a ordem na região
21
. Contudo, no início de
1899, ressurgem as agitações, devidas à mesma vontade de repelir a dominação
colonial, de defender a independência, sob o comando dos principais chefes.
Esses movimentos enfrentam, não em ordem, mas um a um, a infantaria recru-
tada no local e comandada pelos franceses, que em nenhum momento tiveram
de combater dois inimigos de uma vez. Pelo contrário, estavam à vontade para
bater quem e onde quisessem. Os grupos de resistentes estavam isolados uns dos
outros, incapazes de se unir perante o inimigo comum. Os principais responsá-
veis por essa situação eram os chefes, os quais, na sua incúria e no seu egoísmo,
não souberam promover o desenvolvimento das lutas populares em defesa da
independência sakalava.
A conquista de Menabe, reino de grandes dimensões e bem organizado,
começou em 1897 e deveria ser a demonstração prática da política elaborada
por Galliéni e que respondia a um
triplo objetivo: isolar e reduzir o inimigo principal, o poder centralizado dos Merina;
promover contra ele a autonomia política das grandes regiões da ilha, segundo o
princípio de ‘dividir para reinar’; aproveitar -se de tal autonomia para efetuar a colo-
nização aos menores custos
22
.
O rei Toera e seus principais chefes, reunidos em Ambiky, estariam prontos
a largar as armas, mas o major Gérard, que comandava as operações, em vez
de aceitar a submissão, preferiu investir contra a capital e “massacrar todos os
Sakalava que não conseguissem fugir, inclusive o rei Toera”. Esse ato de cruel-
dade e deslealdade endureceu a vontade de resistência dos Sakalava. Assim, uma
resistência bem organizada, sob o comando de Ingereza irmão e sucessor de
Toera –, irrompeu em todo o Menabe e perdurou até 1902. As populações do sul,
Antandroy e Mahafale, também se opuseram à penetração francesa e somente
se submeteram em 1904.
21 ESOAVELOMANDROSO, M., 1981.
22 SCHLEMMER, 1980, p. 109.
270
África sob dominação colonial, 1880-1935
Graças à sua política de lenta expansão, ao fim de longo período, Galliéni,
em 1904, podia dizer que a unificação territorial da ilha estava concluída. Com
efeito, nenhuma parte dela escapava à autoridade de Tananarive: todas as regiões
reconheciam a autoridade dos colonizadores. Mas tal unidade na submissão
comum à França gerou uma situação nova, a qual explica as diferentes formas
de ação que os malgaxes empreenderam para melhorar a sua sorte, ou seja, para
recuperar a independência.
Um país unido pela submissão à França e
pela oposição à dominação colonial
O ano de 1904 encerrou o período dito de “pacificação” da ilha. As reações
dos malgaxes à conquista e à penetração redundaram todas em reveses naquele
ano. Oficialmente, as operações militares estavam terminadas, e os diferentes
mecanismos da colonização mecanismos administrativos, econômicos e cultu-
rais criados por Galliéni tornaram -se aptos a funcionar, permitindo à França
estabelecer sua ascendência de maneira definitiva. Todavia, o mesmo ano de
1904 também assinala o início de um novo período, marcado pelas lutas das
populações malgaxes contra a opressão colonial.
Da colonização ao despertar do movimento nacional
Para o povo Malgaxe, a situação colonial significava a perda da liberdade
e da dignidade. Mesmo que às vezes encontrasse um pouco de continuidade
entre os séculos XIX e XX, sentia uma tensão perpétua no seu dia a dia devida
à presença do estrangeiro que o explorava e oprimia, depois de lhe arrebatar o
poder e de o subjugar. A França decidiu “civilizar o povo Malgaxe, assimilá-lo”,
ou seja, transformá -lo em outro povo em suma, aliená -lo. Essa tentativa de
destruição de sua personalidade e a transformação de suas condições de vida
provocaram diversas reações.
No plano administrativo, a aventura colonial trouxe consigo a ruptura das
antigas estruturas políticas. Em Imerina, Galliéni aboliu a monarquia a 28 de
fevereiro de 1897 e os privilégios da aristocracia a 17 de abril, mas em outros locais
o suprimiu as diferentes dinastias, pelo menos no plano jurídico. Ao contrário,
começou por tentar, conforme as instruções do ministério, combater a hegemonia
merina, adotando a politique des races, experimentada no Sudão (África Ociden-
tal Francesa) e na Indochina. Antigos soberanos ou seus filhos foram integrados
271
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
na administração na qualidade de “governadores indígenas”, enquanto se criavam
protetorados interiores” nos extensos reinos do oeste e do sudoeste. Mas o sistema
o se demonstrou satisfatório e, de 1905 em diante, aumentou desmesurada-
mente o número de auxiliares merina, julgados mais aptos do que as outras popu-
lações ao progresso e à adaptação”. Por fim, Galliéni mandou vir colonos franceses
e trabalhadores asiáticos para a ilha, o que alienou profundamente a população
indígena. A síntese franco -merina de Galliéni estendeu -se à ilha inteira, com
suas peças mestras, o fokonolona, comunidades aldeãs, consideradas coletivamente
responsáveis por seus interesses, e a corveia ou trabalho forçado, codificada como
prestação de serviços” em 1907 e generalizada entre 1908 e 1915
23
. Isso acarreta
o abandono de facto da politique des races, a supressão em 1909 das duas escolas
regionais do litoral, uma em Analalava, na costa noroeste, a outra em Mahanoro,
na costa leste (a terceira estava instalada em Tananarive), criadas por Galliéni
como campos de treinamento de possíveis funcionários públicos, bem como a
liquidação dos protetorados interiores”. Os toques finais da unificação territorial
de Madagáscar foram aplicados com três medidas. A primeira foi a uniformização
da administração (entre 1927 e 1932, três tentativas foram feitas para delimitar
os distritos administrativos). A segunda foi a generalização do fokonolona como
correia de transmissão do poder. A terceira foi o estabelecimento de um sistema
legal restritivo, com a instituição do digo do indigenato”, em 1901 base da
justiça administrativa, em que se fundem o poder judiciário e o poder executivo.
Se no caso de Imerina essas medidas descendiam em linha reta das reformas de
Rainilaiarivony, revelando mesmo uma certa continuidade entre os séculos XIX
e XX, nas demais regiões representavam outras tantas rupturas com o passado,
acarretando profundas transformões, nem sempre compreendidas pelos malga-
xes e, portanto, combatidas por eles.
Para o malgaxe, a colonização significava também a exploração econômica de
Madagáscar pela minoria estrangeira. O pretenso “desenvolvimento” da colônia
enfrentou desde cedo o problema da mão de obra. Após a reimplantacão do
fanompoana real merina e sua generalização, decididas por Galliéni em 1896 e
1897, que obrigava todo malgaxe de sexo masculino, sadio, com idade entre 16 e
60 anos, a 50 dias de trabalho gratuito por ano, foi criado em 1900 o Office Cen-
tral du Travail, para facilitar o recrutamento de trabalhadores para as empresas
privadas. Diante da resistência dos malgaxes ao recrutamento, a administração
interveio, instituindo em 1926 o Service de la Main -d’Oeuvre pour les Travaux
23 FREMIGACCI, 1980, p. 2.
272
África sob dominação colonial, 1880-1935
d’Intérêt Général (Smotig), que obrigava os conscritos, não aproveitados pelo
serviço militar, a trabalhar durante três anos (prazo depois reduzido para dois
anos) nos canteiros de obras da colônia (figura 10.5). O Smotig, que para os
malgaxes era escravidão disfarçada”, provocou profunda indignação não só nos
recrutas, mas também nos trabalhadores “voluntários”, que perderam o emprego
por isso.
A opressão colonial ainda era agravada pela espoliação das terras, distribuí-
das aos colonos. Por um decreto de 1926, o Estado se declarava proprietário de
todos os terrenos “vagos e sem dono, sem construção, nem cercados nem con-
cedidos no dia da promulgação do decreto
24
. Dessa forma, as boas terras foram
monopolizadas pela administração, os colonos invadiram as reservas indígenas,
e os malgaxes perderam o direito de propriedade sobre suas terras ancestrais. A
costa noroeste e a costa leste foram as mais atingidas pela usurpação de terras,
que provocou o ressentimento dos malgaxes.
Essas mudanças econômicas e as reviravoltas políticas não deixaram de acar-
retar transformações socioculturais. Atacadas na sua essência, as sociedades
fundadas em clãs das regiões costeiras viram -se ameaçadas de decomposição
ou de desestruturação. O confisco das melhores terras, a carga tributária, que
obrigava populações inteiras como os Antandroy em 1921 a emigrar para
as plantações da ilha de Reunião e do noroeste, as deslocações forçadas de tra-
balhadores, a difusão da instrução e do cristianismo, a partida para a França de
soldados malgaxes a fim de participar da Primeira Guerra Mundial, a abolição
da escravatura e o rebaixamento dos grupos nobres, todos esses fatores subverte-
ram as estruturas sociais, causaram a dissolução de vários clãs e abalaram valores
e práticas ancestrais. Em Imerina, a multiplicação das escolas e o recrutamento
em massa de funcionários locais para a administração subalterna provocaram
decepções nos quadros da antiga oligarquia, privada do poder pela conquista,
bem como entre a nova elite, formada nas escolas coloniais, mas que tinha a
impressão de ser deliberadamente afastada dos postos de responsabilidade pelo
sistema colonial”
25
.
Assim, a opressão colonial, mesmo tendo se manifestado de forma variada
de uma região para outra, atingiu indistintamente as diferentes camadas da
sociedade malgaxe, provocando reações também variadas.
24 RABEARIMANANA, 1980, p. 58.
25 SPACENSKY, 1970, p. 24.
273
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
 . Madagáscar: trabalhadores empregados na contrução da estrada de ferro de Tananarive – Tamatave. (Foto: Harlingue-Viollet.)
274
África sob dominação colonial, 1880-1935
As primeiras reações de oposição ao sistema colonial
Em 1904, no momento em que julgam encerrada a ocupação, os colonizadores
têm consciência da precariedade da situação. O temor deles viu -se confirmado
naquele mesmo ano, com a insurreição de 1904 -1905 no sudeste. O levante,
irrompido em novembro de 1904 na província de Farafangana, logo se espalhou
para oeste, graças a contatos tradicionais, históricos, entre as populações do leste
e os Bara (figura 10.6). Se a solidariedade dos clãs diante do inimigo comum
justifica a rápida expansão do movimento, as condições geográficas (florestas,
falésias) explicam as dificuldades encontradas pelas forças de repressão. Os
revoltosos, conduzidos por chefes pertencentes aos clãs Bara (como Befanoha)
e aos do sudeste (como Mahavelo e o grupo de Masianaka, além de Resohiry, da
região de Vangaindrano), ou por milicianos dissidentes (como o cabo Kotavy),
atacaram postos militares em Amparihy, Begogo e Esira e concessões, como a
Émeraude, onde assassinaram o proprietário, o tenente Conchon. Soldados de
infantaria recrutados localmente desertaram de seus postos em Tsivory e Bekitro,
ou juntaram -se aos rebeldes, como em Antanimora.
Galliéni explicou a insurreição como resultado da mentalidade da população
local, de “humor belicoso e uma concepção sedutora de desordem e rapina”.
Seu sucessor, Victor Augagneur, atribuiu -a a “excessos da administração (eleva-
ção dos impostos, abusos na arrecadação, tirania dos chefes de postos militares
ou dos colonos isolados). Tais explicações são insuficientes, que ignoram
um aspecto essencial da insurreição a luta pela recuperação da liberdade e
a capacidade de organização dos insurretos, que atacaram todos aqueles que
representavam a administração colonial, tanto o ocupante francês como o fun-
cionário ou professor malgaxe. Ao concluir seu estudo sobre o movimento de
1904, diz G. Jacob que “ele tem, incontestavelmente, duplo significado: combate
pela independência e luta contra a exploração colonial”
26
. A repressão dessa
primeira revolta contra a opressão administrativa obriga os malgaxes a adotar
outras formas de luta.
Uma das formas mais disseminadas de contestação foi a resistência passiva:
recusa ao cumprimento de ordens, rejeição de tudo que fosse considerado como
sinal de civilização”, mas mais estreitamente ligado à colonização, à presença
estrangeira;o deixar as crianças irem para a escola, vista em certos meios como
uma forma meramente de corveia colonial”; e abandono das aldeias criadas ao
longo das estradas para reagrupar as populões no sul. Essas recusas à cooperação
26 JACOB, 1979, p. 17.
275
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
 . Resistência, insurreição e nacionalismo em Madagáscar, 1896 -1935.
276
África sob dominação colonial, 1880-1935
não representavam perigo aos olhos do colonizador, que, desde 1905, pensava
estar a paz finalmente estabelecida em Madagáscar. Mas eis que em 1915 a
revolta dos Sadiavahe (nome dado aos insurretos) eclode no sudoeste, e a polícia
descobre em Tananarive a existência de uma sociedade secreta, conhecida como
Vy Vato Sakelika, ou VVS = Ferro, Pedra, Ramificação (figura 10.6).
O movimento Sadiavahe (1915 -1917) foi uma revolta camponesa armada
que irrompeu em Ampotaka, na margem esquerda do rio Menarandra, em
começos de fevereiro de 1915, e se espalhou rapidamente aos distritos de Ampa-
rihy e de Tsihombe
27
. Os Sadiavahe roubavam bois, atacavam aldeias, cortavam
os fios telegráficos e viviam em esconderijos bem longe dos postos controlados
pela administração. Estavam organizados em bandos de 10 a 40 membros, no
máximo, extremamente móveis, percorrendo grande parte do sul. A pobreza
quase crônica em que vivia a população por causa das raras mas violentas chuvas,
o imposto sobre o gado, a repercussão da Primeira Grande Guerra (mobilização
de reservistas, aumento dos impostos, dificuldades de abastecimento, insuficiên-
cia de numerário para pagamento dos impostos), tudo explica por que aldeias
inteiras ajudavam, aberta ou clandestinamente, os Sadiavahe.
Em Tananarive, sete estudantes da Escola de Medicina, único estabele-
cimento de ensino superior acessível aos malgaxes, criaram a VVS em julho
de 1913, justamente após a publicação de uma série de artigos escritos pelo
pastor Ravelojaona, sob o título de “O Japão e os japoneses”
28
. A elite malgaxe
tomou por modelo esse Japão onde se casavam tão bem o modernismo e a
tradição. Empregados do comércio e professores juntaram -se aos estudantes.
O anticlericalismo de Augagneur (governador -geral de 1905 a 1910) e a luta
travada contra as missões emprestaram vida nova à Tranozozoro, cujos pastores
reclamavam, tanto nos sermões como no que escreviam,uma igreja livre num
país livre
29
. Contra o ateísmo francês, contra o falso afrancesamento”, a intelli-
gentsia afirmava como tradição nacional um protestantismo cujas estruturas
democráticas poderiam transformar -se em refúgio da resistência
30
. Também
chamava a atenção e incentivava o nacionalismo cultural malgaxe, através de
um renascimento literário, a restauração de certos períodos do passado nacio-
nal, o restabelecimento de antigos ritos de iniciação para entrar na sociedade
secreta. Embora clandestina, a VVS expressava abertamente seus pontos de
27 ESOAVELOMANDROSO, F., 1975, p. 139 -69.
28 ESOAVELOMANDROSO, F., 1981, p. 100 -11.
29 AYACHE, S., & RICHARD, 1978, p. 176.
30 FREMIGACCI, 1980, p. 11.
277
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
vista em jornais, apelando aos malgaxes para que se sacrificassem pela pátria,
a fim de que seu povo pudesse avançar, progredir e viver livre e dignamente.
Essa sociedade secreta, detentora de um projeto nacional, não podia ser tole-
rada pela administração, sobretudo em época de guerra. A repressão, duríssima
(condenação a trabalhos forçados, deportação para o campo de Nosy Lava,
interdição dos jornais cujos redatores estivessem implicados no caso, demissão
da função pública, remanejamento dos programas escolares com a supressão da
história – disciplina que transmitia ideias de liberdade e igualdade como objeto
de especulação –, maior destaque à língua francesa, revalorização dos dialetos
locais para diminuir a influência do dialeto merina, imposto poucos anos antes
como língua nacional), mostra como os colonizadores tomaram consciência
do despertar do nacionalismo e como temiam suas consequências. A repressão
teve como resultado induzir os malgaxes a renunciar à ação clandestina. Daí em
diante, passaram abertamente à reivindicação política através de campanhas de
imprensa e da formação de sindicatos.
Lutas para recuperar a dignidade
Os dez anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial foram impor-
tantes para a evolução de uma consciência ao nível de todo o país da prepara-
ção e consolidação de um movimento nacional. O regresso a Madagáscar dos
ex -combatentes estimulou essa virada decisiva na história malgaxe.
Os combatentes, cobertos de glória e convencidos de terem servido a França
da mesma forma que os franceses, reivindicavam os mesmos direitos que estes
gozavam, no que eram apoiados por boa parte de seus compatriotas. Diante da
atitude dos jornais e da Câmara de Comércio, contrários à naturalização em
massa, eles acabaram por distinguir duas imagens da França, uma longínqua e
generosa, e outra presente e injusta. Sob a direção de Ralaimongo, deram então
início a uma longa luta pela obtenção da nacionalidade francesa.
Ralaimongo (1884 -1942), sucessivamente professor primário de religião
protestante, comerciário, estudante em Paris, ex -combatente, socialista e maçom,
foi o verdadeiro fundador do movimento nacional. Os meios que frequentou em
Paris (pacifistas, socialistas, radicais e, sobretudo, adeptos da Liga dos Direitos
do Homem) exerceram sobre ele profunda influência. De volta a Madagáscar,
em 1922, instalou -se em Diego Suárez, terreno ideal para propaganda devido
à presença dos operários do arsenal naval e à complexidade dos problemas de
terras na planície de Mahavavy e na região de Antalaha. Até maio de 1929, foi
Diego Suárez e não Tananarive o polo de impulsão do movimento nacional,
278
África sob dominação colonial, 1880-1935
que, além da luta pela igualdade de direitos, denunciava os intoleráveis abusos
do regime colonial: “roubo de terras” no noroeste e em torno do lago de Alaotra,
ausência de liberdade, despotismo e arbitrariedade administrativa, segregação
racial na luta contra a peste surgida em Tamatave e no platô, em 1921. A ori-
ginalidade da ação de Ralaimongo estava na novidade de seus métodos. A luta
aberta contra o sistema colonial foi colocada sob o signo da legalidade e da legi-
timidade, com o argumento de que em Madagáscar, declarada colônia francesa
pela lei de anexação de 6 de agosto de 1896, deveriam ser aplicadas todas as leis
francesas. A ação junto do comércio, mais dinâmico do que o meio dos funcio-
nários, que temiam a repressão administrativa, rendeu frutos: os comerciantes,
principalmente os da capital, financiaram o movimento.
O grupo de Ralaimongo, reforçado por Ravoahangy, ex -membro da VVS,
Emmanuel Razafindrakoto, Abraham Razafy, secretário da seção da organiza-
ção francesa SFIO em Tananarive, e Jules Ranaivo, recebeu a adesão de vários
europeus de esquerda, como o advogado Albertini, Dussac, Planque e Vittori.
Para apresentar e defender os temas de suas reivindicações, passaram a publi-
car, de 1927 em diante, dois jornais: L ‘Opinion, em Diego Suárez, e L Aurore
Malgache, em Tananarive, que tiveram de lutar com represálias administrativas
de todo gênero. No plano político, o grupo reclamava a gestão dos interesses
gerais do país por um Conselho Geral dotado de amplos poderes”, a supressão
do governo -geral e a representação de Madagáscar no governo francês
31
.
Paralelamente à ação do grupo de Ralaimongo, irrompe outra vez a agitação
religiosa do culto Tranozozoro. As novas controvérsias entre os fiéis malgaxes
e os pastores protestantes europeus terminariam em 1929, com uma sen-
tença do Conselho do Contencioso reconhecendo o Tranozozoro como missão
indígena. Desde então, sob a capa de movimento de independência religiosa, a
seita se entrega à pregação da autonomia, tendo entre seus principais dirigentes
adeptos de Ralaimongo e de Dussac.
Tendo elaborado com Ralaimongo e Ravoahangy a “Pétition des Indigenes
de Madagáscar”, reclamando a cidadania francesa, a supressão do regime judicial
do indigenato e a aplicação dos benefícios sociais e culturais da III República,
Dussac chegou a Tananarive em maio de 1929 para explicar os objetivos da
petição. Uma conferência prevista para 19 daquele mês, mas interdita aos súdi-
tos malgaxes”, redunda num desfile pelas ruas de Tananarive, onde milhares de
participantes entoam slogans de insubordinação: Viva a Liberdade!” “Direito de
31 SPACENSKY, 1970, p. 30.
279
Madagáscar de 1880 a 1939: iniciativas e reações africanas à conquista e à dominação coloniais
reunião!”Abaixo o indigenato!”. Essa primeira manifestação de massa marcou
uma etapa decisiva na evolução do movimento nacionalista (figura 10.6). O dia
19 de maio de 1929 representa ao mesmo tempo o ponto culminante da luta
pela igualdade e o ponto inicial da reivindicação da independência. Marca igual-
mente o começo de um verdadeiro militantismo político (campanhas de propa-
ganda, criação de células e de partidos políticos, imprensa abundante e variada).
Ralaimongo, exilado em Port -Bergé, incita os camponeses a uma resistência de
tipo gandhista. Em 1931, formulou abertamente a ideia da independência, em
resposta ao discurso de Paul Reynaud, ministro das Colônias, que rejeitava a tese
da naturalização em massa. Em L Opinion de 20 de julho de 1934, Ravoahangy
evocava o “direito natural e imprescritível de constituir uma nação livre e inde-
pendente”. Novos jornais, de confessado nacionalismo, aparecem de 1935 em
diante: Ni Firenena malagasy (“A Nação Malgaxe”), Ny Rariny (“A Justiça”). Eles
não cessam de clamar que Madagáscar deve ser livre. O movimento, contudo,
começa a perder impulso. Com efeito,
os comerciantes atingidos pela crise econômica retiraram seu apoio [ ... ] Os funcio-
nários públicos têm medo de se comprometer e de perder o emprego. Os pastores
protestantes, preocupados com a evolução política, refugiam -se em seus templos.
Quanto à classe média malgaxe, essa está terrivelmente disposta a esperar para ver
e prefere o benefício direto e individual da cidadania francesa
32
.
Era preciso a Frente Popular para dar novo ímpeto ao movimento.
Conclusão
A resistência armada, dispersa e descoordenada, das populações malgaxes à
conquista francesa não impediu o estabelecimento do sistema colonial. Mas a
lógica do colonialismo e o choque traumático sofrido pelos malgaxes, ameaçados
com a perda de sua identidade, levaram -nos a recorrer a múltiplas formas de luta
para recuperar sua dignidade. Os combates contra a opressão colonial favoreceram
a eclosão e a consolidação do movimento nacional, ainda que, tanto em 1935
como em 1940, muitas dissensões (regionais, religiosas e sociais) impedissem a
clara consciência de tudo o que o colonialismo implicava, explicando a posição
aparentemente sólida da administração.
32 KOERNER, 1968, p. 18.
C A P Í T U L O 1 1
281
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
A Etiópia estenderá as mãos para Deus! Bênção, promessa de glória! Nós deposi-
tamos confiança no Senhor e não na força dos carros e dos cavalos. E, certamente,
ao verificar na história do nosso povo como ele foi preservado em seu país de exílio
e como a nossa pátria foi preservada de invasões, somos forçados a exclamar: sim,
até agora o Senhor nos socorreu
1
.” Edward W. Blyden, historiador liberiano, 1862.
A Etiópia não precisa de ninguém: ela estende as mãos para Deus
2
.” Menelik II,
imperador da Etiópia, 1893.
“Nunca antes se fez tão evidente que vivemos numa época de uma nova diplomacia,
a diplomacia que não leva em conta princípios fundamentais do direito internacional,
do direito natural e da equidade quando se trata de pequenas nações. As grandes
potências reúnem -se e partilham os pequenos Estados sem os consultar; e estes ficam
sem defesa, já que não possuem exército nem marinha que possam responder à força
com a força
3
.” Arthur Barclay, presidente da Libéria, 1907.
1 BLYDEN, 1864, p. 358.
2 PANKHURST, 1976.
3 BARCLAY, A., JOHNSON, F. E. R., e STEWART, T. M., Report of Liberian Commission to Europe
in re Franco -Liberian Frontier”, in Liberian National Archives (LNA), cha intitulada Executive Presi-
dent: Presidential Commission (EPPC).
Libéria e Etiópia, 1880 -1914:
a sobrevivência de dois Estados africanos
Monday B. Akpan
(a partir das contribuições de Abeodu B. Jones e Richard Pankhurst)
282
África sob dominação colonial, 1880-1935
Estas citações mostram que há um laço, mesmo que tênue, entre a Libéria e a
Etiópia, pois nos fazem lembrar que os dois países têm em comum o fato de have-
rem sofrido a agressão das potências europeias na época da corrida pela partilha
da África (1880 -1914). É por isso que vamos comparar, neste capítulo, a história
dos dois países, sobretudo naquela época crucial, em que as potências europeias
impuseram o jugo colonial à quase totalidade da África. Depois de apresentarmos
os territórios, os povos e os governos da Libéria e da Etiópia, veremos que efeito a
dominação europeia da África teve nos dois países e que alterações significativas
eles experimentaram nos domínios político, econômico e social.
A Libéria e a Etiópia em vésperas da partilha
Libéria
Tecnicamente, a Libéria era uma colônia da American Colonization Society
(Sociedade Americana de Colonização SAC), que a fundara em 1822 com
o auxílio do governo norte -americano, para nela estabelecer afro -americanos
livres”, desejosos de fugir da escravatura e do racismo dos brancos, bem como
africanos (recapturados) que a marinha norte -americana salvara das mãos dos
negreiros que cruzavam o Atlântico.
Monróvia, fundada em 1822 pelos primeiros emigrantes afro -americanos, foi
o núcleo em torno do qual se desenvolveu a Libéria. Até 1906 aproximadamente,
mais de 18 mil africanos do Novo Mundo, na maioria dos casos com a ajuda da
SAC, emigraram anualmente para a Libéria, fixando -se em umas três dezenas de
povoações próximas da costa do Atlântico, em terras que aquela sociedade ou o
governo liberiano tinham obtido dos chefes africanos da região. Quase todos os
colonos eram afro -americanos, mas 400 deles, pelo menos, eram afro -antilhanos
originários de Barbados, que emigraram em 1865 e se instalaram em conjunto
em Crozierville, 13 km adentro de Monróvia. Mais de 5 mil escravos libertos
(recapturados), originários na sua maior parte da região do Congo, também
se fixaram na Libéria, principalmente entre 1844 e 1863, de início confiados
aos américo -liberianos, designação dada aos colonos africanos vindos do Novo
Mundo e a seus descendentes
4
.
Os arico -liberianos, que necessitavam de terras para a agricultura, o
comércio e a construção de uma nação forte, e que enfrentavam a concorrência
4 AKPAN, 1973b, p. 217 -23.
283
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
 . Libéria: território anexado pelos américo-liberianos, 1822-1874. (Fonte: Morgan & Pugh, 1969.)
284
África sob dominação colonial, 1880-1935
do Reino Unido e da França, também à procura de terras para o estabelecimento
de entrepostos comerciais e postos militares, ampliaram consideravelmente o
território da Libéria a partir de alguns pontos isolados da costa que os chefes
africanos inicialmente lhes haviam arrendado. Em dezembro de 1875, quando
tal expansão praticamente cessara, o território da Libéria, segundo o governo,
estendia -se por cerca de 960 km ao longo da costa do Atlântico, com uma largura
de 320 a 400 km, alcançando teoricamente o Níger (ver figura 11.1). A população
compunha -se de colonos de origem norte -americana (os américo-liberianos) e
africana (os recapturados), além das etnias autóctones. Tais etnias compreendiam
os Vai, os Dei, os Basa, os Kru e os Grebo, perto da costa, além dos Gola, Kissi,
Bandi, Kpele, Loma e Mandinga, no interior
5
.
Os américo -liberianos adotaram uma cultura essencialmente ocidental em
seu estilo de vida, instituições políticas, pelo uso da língua inglesa, do regime
da propriedade individual e definitiva do solo, do cristianismo e da monogamia.
Os autóctones eram tradicionalistas ou muçulmanos, falavam línguas próprias e
possuíam o solo em comum. Suas aldeias eram governadas por chefes e anciãos
assistidos por organizações sociopolíticas ou fundadas na divisão em grupos etá-
rios, como os poro (sociedades de homens) e os sande (sociedades de mulheres).
Embora apreciassem a educação ocidental trazida pelos américo -liberianos e
missionários brancos, alguns de seus anciãos se opunham à difusão do cristia-
nismo e das práticas que interferiam em suas leis e costumes.
Como não dispunha de verdadeiro poderio militar e lhe faltavam funcioná-
rios qualificados e fundos, o governo não podia executar o projeto de ocupação
efetiva do território nacional. Para tanto lhe seria necessário construir estradas
e linhas ferroviárias, postos administrativos e militares, colônias de povoamento
américo -liberianas em todo o país, ou assegurar a cooperação dos chefes do inte-
rior pagando -lhes regularmente um estipêndio e convidando -os a “representar”
seu povo na qualidade de “juízes”. Por outro lado, em começos da década de
1880, quando teve início a corrida para a África (cujo ponto culminante foi a
conferência de Berlim, em 1884 -1885), tornava -se provável que as potências
europeias se apossassem de grande parte do território que a Libéria reivindi-
cava
6
. A principal preocupação da Libéria, portanto, era defender o território
que havia adquirido.
5 AKPAN, 1976, p. 72 -5.
6 SHUFELDT, World Cruise: Liberia and the Liberian Boundary Dispute, Naval Historical Foundation Col-
lection, Manuscripts Division, Library of Congress, Washington, DC, Shufeldt a Coppinger, Fernando
Pó, 8 de maio de 1879.
285
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
Em speras da corrida a situação o mudara muito na Libéria desde
1847, data em que se tornou independente da American Colonization Society.
Tal como nos Estados Unidos da América, o Parlamento se compunha de
Câmara de Representantes e Senado. O poder executivo pertencia ao presidente,
vice-presidente, eleitos pelo povo de dois em dois anos, e ministros, nomeados
pelo presidente com a anuência do Senado. O poder executivo representava -se
em cada condado unidade de administração local por um superintendente
que dirigia a administração. A autoridade do presidente, em teoria, era muito
ampla; mas, como não tinha meios para impô -la fora de Monróvia, certas famí-
lias américo -liberianas detiveram, em alguns casos por várias gerações, sob o
governo dos republicanos e dos True Whigs, um poder político considerável
à escala dos condados. Entre tais famílias, que um crítico liberiano chamou
ironicamente de lordes e nobres” da Libéria, citam -se os Hoff, os Sherman e
os Watson, do condado de Cape Mount; os Barclay, os Coleman, os Cooper, os
Dennis, os Grimes, os Howard, os Johnson, os King e os Morris, do condado de
Montserrado; os Harmon e os Horace, do condado de Grand Bassa; os Birch, os
Greene, os Grigsby, os Ross e os Witherspoon, do condado de Sinoe; os Brewer,
os Dossen, os Gibson, os Tubman e os Yancy, do condado de Maryland; todos
formavam a elite política (e sempre, invariavelmente, a elite econômica)
7
.
No entanto, a unidade nacional estava minada por graves divisões sociais.
Existiam dois partidos políticos desde 1847, data da independência: o Partido
Republicano, dominado pelos colonos mulatos, e o Partido dos True Whigs,
dominado pelos colonos negros, congoleses e autóctones instruídos. Não havia
diferenças fundamentais entre eles, tanto no plano ideológico como no polí-
tico. Ambos se enfrentavam de dois em dois anos, por ocasião das eleições, em
ásperas disputas tanto mais estéreis quanto é certo que eles não se opunham
em nenhuma questão de fundo: tratava -se era de conquistar o poder, para se
apoderar de todo o sistema de clientela da República. Os republicanos dirigiram
a Libéria desde a independência até 1870, ano em que foram derrotados pelos
True Whigs. Voltaram ao poder em 1871, que lhes escapou de novo em 1877.
Os True Whigs governaram então o país sem interrupção até 1980, quando um
golpe de Estado desfechado pelo sargento -chefe (hoje general) Samuel Doe os
derrubou.
7 LNA, Executive Department: Correspondence General, 1887 -1899, Roos a Cheeseman, Greenville, 12 de
julho de 1892 (daqui em diante, EDCG); Liberian Letters, 15, Dennis a Coppinger, Monróvia, 22 de
agosto de 1871; Sierra Leone Weekly News, 3 de junho de 1899; LNA, Liberian Legislature, Minutes of
the Senate, 1848 -1900.
286
África sob dominação colonial, 1880-1935
A divisão era bem mais profunda entre os américo -liberianos e os africanos
auctones. Durante todo o culo XIX, a política dos américo -liberianos tinha
como objetivo a assimilação cultural e potica dos autóctones, tratando de “civili-
-los”, convertê -los ao cristianismo e dar -lhes direitos idênticos aos dos colonos.
Em certa medida, tiveram êxito na assimilão dos recapturados (escravos libertos),
bem menos numerosos que os colonos, mas, ciosos de seus privilégios, o deixa-
ram de exercer um rígido controle político sobre a Libéria, limitando a participação
dos autóctones, mesmo os instruídos, nos necios blicos. Pouquíssimos entre
os autóctones instruídos obtiveram o direito de voto, em de igualdade com os
américo -liberianos, mesmo sendo estes pobres e analfabetos. Os representantes dos
autóctones (representantes, principalmente, dos africanos da costa) com cadeiras no
Parlamento de 1875 em diante eram principalmente chefes designados “juízes (ou
delegados”). Suas circunscrições, para que fossem delegados, tinham de pagar ao
governo uma taxa (delega te fee) de 100 lares. Como os delegados falavam por
meio de um inrprete sobre queses étnicas e não tinham direito de voto, sua influ-
ência sobre a política do governo era muito reduzida
8
. Por isso africanos instruídos
e chefes viviam descontentes com a sua limitada participação na vida pública.
Por outro lado, o governo procurava aumentar ao máximo o que constituía
suas principais fontes de renda: os direitos de importação e exportação e outras
taxas sobre o comércio e o transporte marítimo. Para facilitar a arrecadação e o
controle do comércio externo pelos comerciantes américo -liberianos, o governo
vedou aos estrangeiros, em 1839, o comércio na Libéria fora de seis portos de
desembarque américo -liberianos. As limitações e os impostos provocaram des-
contentamento nos negociantes estrangeiros e nos chefes africanos autóctones,
que, até então, controlavam o comércio externo e recebiam os direitos adua-
neiros. Uns e outros se aliaram muitas vezes para lutar contra as medidas do
governo ou para solicitar aos Estados europeus que interviessem a seu favor. Foi
assim que, por várias vezes, no decurso do século XIX, os Vai, os Kru e os Grebo,
da costa da Libéria, pegaram em armas e se revoltaram contra os impostos que
o governo queria receber sobre o seu comércio
9
.
8 Somente na presidência de William Vacanarat Shadrach Tubman (1944 -1971) foram introduzidas as
reformas que deram aos africanos quase os mesmos direitos que aos américo -liberianos e à elite africana
autóctone (assimilada ao estilo de vida dos américo -liberianos). Assim, em 1944, foi concedido o direito
de voto a todos os africanos autóctones adultos do sexo masculino que pagassem o imposto de palhota
(hut tax), de dois dólares por pessoa, o que acabou com o sistema de delegação. A divisão em condados,
característica do território habitado pelos américo -liberianos, foi estendida a todo o país, abolindo o
sistema colonial da administração indireta.
9 HARGREAVES, 1963, p. 243.
287
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
 . Expansão do território etíope no reinado do imperador Menelik II (segundo Fage, 1978).
288
África sob dominação colonial, 1880-1935
F . Menelik, rei de Shoa (1865 -1889); imperador da Etiópia (1889 -1913). (Foto: Harlingue-Viollet.)
289
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
Etiópia
O imperador Tewodros, ou Teodoro, II (1855 -1868), restaurou o antigo
império da Etiópia, dividido havia mais de um século. Nos primeiros anos do
seu reinado, Tewodros II refez a unidade do império reduzindo duramente à
obediência os poderosos e belicosos feudatários (ras) das províncias de Tigre,
Begemdir, Gojam, Simien, Wollo e Shoa, sobre os quais os imperadores fanto-
ches de Gondar quase não tinham poder
10
(ver figura 11.2). Nessas províncias,
quase todas situadas no planalto etíope, entre a Eritréia e o vale do Awash, os
Agaw, os Amhara e os Tigrina constituíam a maioria da população. Estes povos
pertenciam à cultura amárico -tigrina, preponderante na Etiópia, cujas principais
características eram o cristianismo monofisista da Igreja Ortodoxa Etíope, o
amárico e o tigrino, línguas estreitamente ligadas, uma estrutura sociopolí-
tica “hierarquizada e mantida por pessoas investidas de grande autoridade” e a
economia baseada na agricultura. Os camponeses estavam vinculados à terra e
presos a uma malha – que se pode qualificar de feudal – de direitos e de serviços
determinados pela propriedade do solo
11
.
Reunidos sob Tewodros, os Amhara e os Tigrina foram, a exemplo de Mon-
róvia e dos outros estabelecimentos américo -liberianos na Libéria, o ponto de
partida de uma expansão que englobou, na segunda metade do século XIX, as
planícies circundantes habitadas por populações sobre as quais o governo impe-
rial, por várias vezes, tinha exercido uma jurisdição “intermitente e normalmente
difícil”
12
. O núcleo formado pelos Amhara e os Tigrina, longe de ser monolítico,
estava dividido politicamente por rivalidades regionais e fisicamente por mon-
tanhas e ravinas que dificultavam as comunicações e os transportes.
Tewodros esmagara os ras graças à superioridade de seu armamento, de origem
estrangeira, mas foi por sua vez derrotado por uma expedição punitiva dos ingleses
em abril de 1867. Tais acontecimentos chocaram os dirigentes da Etiópia, fazen-
do-os compreender que necessitavam de armas modernas para dominar o império,
para se defender dos adversários políticos e dos ataques dos estrangeiros.
O sucessor de Tewodros, imperador Yohannes, ou João, IV (1871 -1889),
como veremos, foi obrigado a repelir os ataques dos egípcios e dos mahdistas do
Sudão. Sob o reinado de Menelik II (1889 -1913) (ver figura 11.3), que coincidiu
com a corrida dos europeus para a África, a expansão da Etiópia continuou
10 GREENFIELD, 1965, p. 70; GILKES, 1975, p. 9 -10.
11 CLAPHAM, 1977, p. 36 -7.
12 MARCUS, 1975, p. 140.
290
África sob dominação colonial, 1880-1935
com a recuperação das chamadas regiões históricas”, sua superfície mais que
duplicou
13
.
O sistema político etíope estava então fixado. Compreendia, essencial-
mente, três níveis: os distritos ou “senhorios”, as províncias e a nação; e três eixos
separados: o econômico, o político e o religioso. Os senhores, os governadores e o
imperador exerciam o poder no nível, respectivamente, dos distritos, das provín-
cias e do império. Unidos por uma rede de relações hierárquicas, constituíam os
pilares do sistema, que cada um era ao mesmo tempo chefe da administração,
chefe militar, juiz e cortesão”. Regra geral, o imperador nomeava os governado-
res, que, por sua vez, nomeavam os senhores ou subgovernadores.
O senhor tinha certos direitos, conhecidos como gult: podia exigir um tributo
em espécie de cada família do distrito e obrigar os súditos a trabalharem nas
suas terras e impor -lhes outras tarefas. Guardando para si uma parte do tributo,
remetia o resto a seu suserano, o governador. Adjudicava casos e contendas no
distrito, convocava e comandava a milícia local e dirigia os trabalhos públicos
úteis para o seu distrito; além disso, zelava para que sua “paróquia”, cujos limi-
tes costumavam coincidir com os do distrito, cumprisse suas obrigações com
a Igreja Ortodoxa Etíope
14
. As contribuições e os serviços que os camponeses,
vinculados à terra, base de sua subsistência, deviam aos senhores e à Igreja eram
comparativamente mais leves nas províncias dos Amhara e Tigrina. Com efeito,
as terras estavam submetidas ao sistema de rist: quase todas eram propriedade
praticamente inalienável das famílias. O imperador e os governadores, portanto,
não podiam distribuí -las a seus protegidos. Em compensação, as obrigações
eram pesadas nas regiões do sul e do oeste conquistadas por Menelik, onde os
senhores e os naftanya (literalmente, “carabineiros”, colonos do planalto da Abis-
sínia) exploravam duramente o povo através dos direitos e obrigações gult
15
.
O governador tinha funções análogas às do senhor, mas no nível da província.
No núcleo Amhara -Tigre, os governadores, na sua maioria, eram escolhidos
entre os parentes próximos do imperador ou no meio dos nobres reputados por
sua fidelidade. Nas regiões recentemente conquistadas do sul e do oeste, onde
as terras eram inalienáveis, os governadores eram predominantemente nobres
ou chefes militares de Amhara, Shoa, Tigre e de outras províncias do norte, que
recebiam pelos serviços prestados ao imperador terras de gult (os que não eram
nomeados governadores recebiam terras de rist gult). A lealdade ao governador,
13 GREENFIELD, 1965, p. 96.
14 LEVINE, 1974, p. 114 -20; GILKES, 1975, p. 13 -4.
15 Ibid.
291
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
ou ao imperador, dependia grandemente de sua disponibilidade de terras de gult
para recompensa e de um exército bastante forte para manter sua autoridade
16
.
O imperador era o elemento mais importante do sistema imperial. Exercia
funções executivas, legislativas e judiciárias, classificadas por Christopher Cla-
pham em funções de proteção”, “distribuição”, “direção” e simbólicas”. Coman-
dava em pessoa o seu exército, administrava os negócios do império, prestava
justiça e protegia os seus vassalos. Por fim e talvez fosse essa a função mais
importante – era o símbolo da unidade e da independência nacionais, já que se
presumia descender do rei Salomão, pelo que recebia a coroa e a unção imperial
do abuna, chefe egípcio da Igreja Ortodoxa Etíope
17
.
Faltava ao sistema imperial herdado por Tewodros um verdadeiro corpo
de funcionários”
18
. Com a exceção de alguns cargos de funções bem definidas,
como o de tsahafe tezaz (secretário imperial), ou de afa -negus (chefe da magis-
tratura), eram o imperador e seus representantes regionais, os governadores e os
senhores, que encarnavam a administração imperial
19
. Tewodros desejava criar
uma administração em que os governadores nobres fossem substituídos por
generais do exército, de origem humilde, pagos pelo Estado, fiéis e submissos ao
imperador; mas, governando sempre com rigidez, provocou revoltas em várias
províncias, nas quais os novos governadores foram depostos, retomando o poder
as famílias nobres
20
.
As semelhanças entre os sistemas políticos da Libéria e da Etiópia nesta análise
o demasiado evidentes para que seja necessário insistir nelas. Nos dois países
se encontravam, de um lado, um núcleo político e um governo central e, de outro
lado, uma zona periférica com subsistemas políticos centrados em circunscrições
locais, ou aldeias, como a circunscrição de Gola, na Libéria, ou a de Oromo
(“Galla”), na Etiópia, de que não tratamos neste capítulo, com subsistemas que
diferiam mais ou menos do sistema central dominante. Para manter o seu domí-
nio, ambos os sistemas concediam privilégios às regiões centrais, alimentavam
relações de clientela e assimilavam as regiões periféricas.o obstante, enquanto
o regime político da Etiópia era em grande parte um regime africano”, pois
o havia partidos políticos nem parlamento Tewodros, Yohannes e Menelik
subiram ao trono graças à sua superioridade militar e não através de eleições –, o
16 CLAPHAM, 1977, p. 43; GILKES, 1975, p. 28 -9; LEVINE, 1974, p. 120 -1.
17 CLAPHAM, 1977, p. 44 -5.
18 CRUMMEY, 1969, p. 465.
19 PANKHURST, 1967, p. 12.
20 CLAPHAM, 1977, p. 47.
292
África sob dominação colonial, 1880-1935
governo central da Libéria era, de todos os pontos de vista, de tipo ocidental. Seja
como for, ambos possuíam ou desenvolveram meios de resistir às agressões dos
europeus na época da corrida e da partilha da África.
A agressão europeia na Libéria e na Etiópia, 1880 ‑1914
Até 1879, a Libéria e a Etiópia mantinham relações bastante boas com as
potências europeias. A partir de 1880, no período da corrida, essas relações
começaram a mudar, e os dois países passaram a sofrer, com consequências
diferentes nos dois casos, as pressões e agressões do imperialismo europeu.
Libéria
A Libéria, que o foi convidada nem se fez representar na conferência de
Berlim, de início recusou todo compromisso com as suas decisões, nomeadamente
com o princípio da “ocupação efetiva”. Como declarou o secretário de Estado da
Libéria, Edwin J. Barclay (ver figura 11.4), em junho de 1887, do ponto de vista
liberiano, as decisões de Berlim aplicavam -se aos territórios que os europeus
viessem a adquirir futuramente na África e o aos que os Estados africanos
possuíam ou viessem a adquirir no futuro
21
. A Libéria insistia, a justo título, no
fato de que o tinha necessidade de ocupar efetivamente” seu território, pois
era um Estado africano e todos os habitantes do seu território eram liberianos.
No final, para não perder todo o interior do país, o governo liberiano come-
çou, aproximadamente no final da década de 1890, a tomar medidas para a sua
ocupação efetiva.
Arthur Barclay, presidente da Libéria de 1904 a 1911 (ver figura 11.5), defi-
niu perfeitamente a situação em dezembro de 1906:
A Libéria era um Estado oficialmente reconhecido bem antes da Conferência de
Berlim [...] e talvez tivesse fundamentos para colocar em dúvida certas afirmações
que se fizeram na dita conferência. Mas o fato é que são as grandes potências que
impõem os princípios do direito internacional, e os pequenos Estados têm de se
conformar com eles. Em consequência, somos obrigados a guarnecer nossas fron-
teiras de guardas, a mandar para os funcionários indispensáveis e a dotar a zona
fronteiriça de uma administração digna desse nome
22
.
21 Citado em AKPAN, 1973b, p. 223.
22 BARCLAY, A.,Annual Message”, 11 de dezembro de 1906, Liberia Bulletin, n. 30, fevereiro de 1907,
p. 69 (daqui em diante, Bulletin).
293
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
 . E. J. Barclay, secretário de Estado da Libéria. (Fonte: Johnston, H., sir, 1906.)
294
África sob dominação colonial, 1880-1935
F . Arthur Barclay, presidente da Libéria (1904 -1911). (Fonte: Johnston, H., sir, 1906.)
295
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
Na época da corrida e da partilha da África, o imperialismo europeu assumiu
na Libéria três formas fundamentais: a) expropriação do território liberiano pelas
potências europeias; b) graves ingerências nos assuntos internos da Libéria; c)
controle da economia por negociantes, financistas, concessionários e empresários
europeus, protegidos por essas potências e senhores da sua confiança. O imperia-
lismo europeu contribuiu para enfraquecer mais e desestabilizar a Libéria.
Em resposta ao apelo de negociantes de Serra Leoa, de negociantes ingle-
ses instalados na região noroeste da Libéria, na costa vai, e dos próprios Vai, o
Reino Unido, preocupado com a defesa do comércio e da receita de Serra Leoa,
interveio, a partir de 1860, a pretexto de proteger os Vai e os negociantes das
exigências fiscais da Libéria. Após infrutíferas discussões, amiúde interrompidas,
entre os representantes do Reino Unido, da Libéria e dos Vai, o Reino Unido
anexou a maior parte das circunscrições vai a Serra Leoa em março de 1882,
ainda que os chefes vai jamais esperassem a dominação de Londres, mas apenas
a sua intervenção
23
. Os liberianos, estupefatos mas impotentes, protestaram,
embora inutilmente, indignados, contra a anexação num memorando que envia-
ram a todos os países com os quais mantinham tratados. Nele imploravam que
ajudassem a Libéria e servissem como mediadores na tentativa de pôr fim a uma
situação que a ameaçava de destruição”. Um dos poucos governos a responder
foi o dos Estados Unidos, com cuja intervenção a Libéria esperava garantir “uma
solução justa para a questão das fronteiras, em particular. Mas os Estados Uni-
dos foram pressurosos em aconselhar a Libéria a aceitar como fato consumado
a ação britânica, o que lhe frustrou todas as esperanças. Os outros países aos
quais se dirigira eram, na maioria, do continente europeu, e se preparavam para
invadir a África ou ampliar suas possessões em território africano. Por isso não
receberam com simpatia ou fizeram ouvidos moucos ao apelo da Libéria
24
. Em
novembro de 1885, a Libéria assinou com o Reino Unido um acordo que fixava,
em detrimento de seu território, o rio Mano como fronteira com Serra Leoa.
De forma semelhante, os franceses anexaram em maio de 1891 o sudeste da
Libéria, entre os rios Cavalla e São Pedro, aproveitando o fato de a Libéria o
ocupar efetivamente a região e de sua política comercial causar descontentamento
à população local
25
(ver figura 11.6). A Libéria mais uma vez apelou às nações
23 Public Record Oce Kew, (PRO), FO 84/1699, Derby a Havelock, 2 de março de 1883; Granville a
Lowell, 10 de março de 1883.
24 GIBSON e RUSSELL, 1883.
25 African Colonization Society, Seventy -Seventh Annual Report, janeiro de 1894, p. 9 -10; HERTSLET,
1909, v. 3, p. 1132 -3.
296
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Usurpações britânicas e francesas no território reivindicado pela Libéria, 1882-1914. (Fonte: Anderson, 1952.)
297
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
cristãs e civilizadas” que intercedessem a seu favor, mas em o
26
. Indefesa, teve de
assinar com a França, em dezembro de 1892, um acordo segundo o qual o Cavalla
passava a demarcar sua fronteira com a Costa do Marfim. A França obtinha assim
a região de Cavalla -São Pedro e uma vasta parcela do interior liberiano, cujos
limites ainda o estavam determinados. Em troca, declarava renunciar a vagas
pretensões sobre Garraway, Buchanan e Butaw, na costa liberiana
27
.
Para prevenir novas anexações, o governo liberiano enviou representantes aos
Estados Unidos da América, em 1890, e ao Reino Unido, em 1892, na tentativa
de obter o compromisso de preservação da integridade territorial da Libéria,
mas também sem êxito
28
.
Entre 1892 e 1914, o Reino Unido e sua rival, a França, ao estender suas pos-
sessões até o centro da África, usurparam ainda mais o território da Libéria.
O Reino Unido, que até então ocupava a costa de Serra Leoa, anexou o
interior em 1896 e o submeteu a uma administração colonial ou “indígena”. O
território anexado compreendia Kanre -Lahun, principal cidade da circunscri-
ção Luawa, com cujo chefe, Kai Lundu, T. J. Alldridge concluía, em 1890, um
tratado em nome do governo do Reino Unido. Por volta de 1902, em seguida a
algumas agitações populares, o exército inglês ocupou Kanre -Lahun.
Para se antecipar ao Reino Unido nessa rego, am de tropas o governo libe-
riano colocou lá, em fevereiro de 1907, funcionários aduaneiros e administrativos
para estabelecer uma administração indígena”. O governador de Serra Leoa, G.
B. Haddon -Smith, que naquele s visitou Kanre -Lahun escoltado por soldados
liberianos, reconheceu que a região pertencia à Libéria e que o Reino Unido somente
a ocupava em caráter “temporário”, por conta da Liria
29
; Londres, contudo, recu-
sou-se a retirar suas tropas do território. O nsul-geral da Liria em Londres,
Henry Hayman, chegou mesmo a advertir o presidente Barclay, em junho de 1907,
26 Maryland County, “França contra Libéria: documento adotado pelos cidadãos do condado de Maryland
contra o tratado franco -liberiano atualmente examinado pelo Senado –, exortando o Senado a rejeitá -lo
e solicitando que a França se abstenha; armando, com referência às ações da Libéria, o direito deste
país à região de São Pedro (fevereiro de 1893), em LNA, Executive, Department of State, Domestic
Correspondence (EDSDC), 1855 -1898. Ver também United States National Archives (USNA), Des-
patches of United States Ministers at Monrovia (DUSM) 11/70, McCoy a Gresham, Monróvia, 27 de
abril de 1893.
27 Archives Nationales, Paris: “Franco -Liberian Boundary Agreement”, 1892, M. 12.8972; USNA, DUSM:
11/52, McCoy a Foster, Monróvia, 1 de fevereiro de 1893.
28 LYNCH, 1967, p. 185.
29 BARCLAY, A., Annual Message”, dezembro de 1908; US Department of State, Report of the Commis-
sion of the United States of America to the Republic of Liberia, Washington DC, outubro de 1909; PRO,
FO 267/65, JOHNSTON, H. H., “Memo respecting the Americo -Liberian occupation of North -West
Liberia”, 19 de abril de 1907; FO 267/75, Haddon -Smith a Elgin, Freetown, 28 de março de 1907.
298
África sob dominação colonial, 1880-1935
de que, se as fronteiras da Liria com as possessões francesas da Costa do Marfim e
da Gui o fossem fixadas, os governos frans e inglês poderiam tomar medidas
gravíssimas que poriam em risco a independência da Libéria
30
.
Alertado, em setembro de 1907 o presidente Barclay viajou para Londres
e Paris a fim de obter garantias quanto à soberania e à integridade territorial
da Libéria. Não encontrou recusa por parte de ambos os governos, como o
governo francês redigiu quase unilateralmente um “acordo pelo qual a Libéria
cedia à França nova parcela do seu território, a saber, as terras situadas na outra
margem do rio Makona, com o compromisso de estabelecer postos militares
nessa nova fronteira, que “poderia ser ocupada [temporariamente] pelos fran-
ceses, caso os recursos do governo liberiano não lhe permitissem, de momento,
estabelecer ali guarnições”
31
. Evidentemente, num primeiro momento Barclay
recusou -se a assinar tal acordo”, mas depois teve de ceder a conselho do governo
norte -americano, a quem havia solicitado urgentemente uma intervenção e que
o preveniu de que, se a Libéria rejeitasse o acordo’, os franceses provavelmente
continuariam com suas incursões e acabariam por tomar um território ainda
mais vasto
32
. Esse tratado unilateral assentou em parte a questão das fronteiras
entre a Libéria e as colônias francesas. Os acertos finais tiveram início em julho
de 1908, quando uma comissão franco -liberiana começou o trabalho de deli-
mitação das fronteiras
33
. Até meados da década de 1920, no entanto, a França
ainda algumas vezes ameaçou anexar outros territórios da Libéria.
Aparentemente com inveja dos êxitos obtidos pela França em 1907, o Reino
Unido passou a exercer pressões sobre a Libéria para que lhe cedesse a região
de Kanre -Lahun, Em setembro de 1908, o major Le Mesurier, comandante
da guarnição britânica de Kanre -Lahun, proibiu os funcionários liberianos a
ele subordinados de executar outras funções administrativas além dos serviços
alfandegários. E um mês depois o mesmo Le Mesurier ordenou -lhes que aban-
donassem igualmente os serviços alfandegários e saíssem de Kanre -Lahun,
que, segundo ele, a nova fronteira entre a Libéria e Serra Leoa deveria coincidir
com a fronteira natural formada pelos rios Moa e Mafissa
34
.
30 Barclay a Lyon, Monróvia, 9 de agosto de 1907, USNA, DUSM: 326/202, Lyon ao Secretário, Monróvia,
9 de agosto de 1907; LNA, EPGC, 1905 -1912, Barclay a Lyon, 9 de agosto de 1907.
31 HERTSLET, 1909, v. 3, p. 1140 -1; BUELL, 1928, v. 2, p. 790.
32 BARCLAY, A., JOHNSON, F. E. R. e STEWART, T. M., “Report of Liberia Commission to Europe
in re Franco -Liberian Matters, September 1907”, in LNA, EPCEPG; USNA, DUSM (NF), 326/345,
Ellis ao Secretário, Monróvia, 12 de janeiro de 1910.
33 Cabinet Minutes, 6 de agosto de 1909.
34 USNA, DUSM (NF) 326, Lemadine a Barclay, 30 de setembro de 1908; PRO, FO, 367/209; Cooper a
Le Mesurier, Gbonibu, 25 de novembro de 1909.
299
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
De novembro de 1909 até o início de 1910, o governo liberiano tentou inutil-
mente persuadir o Reino Unido a renunciar à região de Kanre -Lahun
35
. A questão
foi afinal resolvida por um tratado, firmado em janeiro de 1911, pelo qual a Libéria
cedia a Londres aquela rego em troca do terririo, muito menos interessante,
situado entre os rios Morro e Mano. A título de compensação, a Libéria recebeu 4
mil libras para promover o desenvolvimento do território (ver figura 11.6) e obteve
o direito de livre navegação no Mano. A delimitação final dessa nova fronteira entre
a Libéria e Serra Leoa se efetivou em 1915. A Libéria sobreviveu, sim, à agreso
britânica, mas ao preço da amputação de seu terririo e de cruéis inquietações
36
.
Etiópia
Os desígnios do imperialismo europeu para com a integridade territorial e a
independência da Etiópia não eram menos diabólicos do que aqueles que viti-
maram a Libéria (ver figura 11.7). Seu início remonta a 1869, ano em que um
lazarista italiano, Giuseppe Sapeto, comprou a um sultão local o porto de Assab,
no Mar Vermelho, pela soma de 6 mil táleres de Maria Teresa. O porto tornou-
se propriedade de uma companhia de navegação italiana, a Società Rubattino,
e, em 1882, foi declarado colônia italiana
37
.
Malgrado o patriotismo e a inabalável fidelidade à Igreja Ortodoxa Etíope, o
imperador Yohannes, de início, interessou -se menos pela chegada dos italianos
do que pela partida dos egípcios
38
. Estes dominavam então a maior parte das
margens africanas do Mar Vermelho e do golfo de Áden, bem como o interior
imediato, inclusive o porto de Massawa e a cidade de Harar. Mas o Egito, ocu-
pado pelos ingleses em 1882, estava às voltas com a rebelião do Mahdī Muham-
mad Ahmad, irrompida no Sudão, que obrigou o Reino Unido a retirar dali, em
1883, as tropas egípcias e inglesas que lá se encontravam. Dessa forma, a domi-
nação egípcia entrou em colapso em toda a região costeira do Mar Vermelho e
do golfo de Áden, limítrofes à Etiópia. O Reino Unido pediu ajuda a Yohannes
para evacuar tropas egípcias e europeus que se encontravam em várias cidades
sudanesas sitiadas pelos mahdistas. Ao contra -almirante William Hewett, oficial
35 BUELL, 1928, v. 2, p. 784 -9; USNA, DUSM (NF) 326/339, Ellis ao Secretário, Monróvia, 6 de janeiro
de 1910.
36 PRO, FO, 367/233, BALDWIN, Annual Report”, 30 de setembro de 1911; BARCLAY, A.,Annual
Message”, 12 de dezembro de 1911.
37 Itália, Ministero degli Aari Esteri, Trattati, convenzioni, protocolli ed altri documenti relativi all’Africa,
Roma, 1906, 1 -25 -6.
38 Para uma breve crônica etíope do reinado de Yohannes, ver CHAINE, 1913.
300
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . A Etiópia e a corrida para a África. (Fonte: Greeneld, 1965.)
inglês incumbido das negociações com o imperador, Yohannes prometeu ajuda,
com a condição de que os territórios recentemente ocupados pelos egípcios na
fronteira sudanesa fossem devolvidos à Etiópia, bem como o porto de Massawa.
A primeira condição foi aceita, mas, quanto a Massawa, os ingleses prometeram
à Etiópia apenas o direito ao trânsito livre de mercadorias, inclusive armas e
munições, sob proteção britânica”
39
. O acordo foi consignado em um tratado
concluído a 3 de junho de 1884, depois do que o extraordinário cabo de guerra
etíope ras Alula foi libertar seis guarnições sitiadas no Sudão
40
.
O acordo, no entanto, não durou muito. Efetivamente, a 3 de fevereiro de
1885, os italianos tomavam Massawa, sob aprovação dos ingleses. Estes favore-
39 WYLDE, 1901, p. 472 -4.
40 Ibid., p. 35.
301
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
ciam a expansão italiana, na esperança de que ela prejudicasse a dos franceses,
então seus principais rivais na corrida para a África. O contra -almirante italiano
Caimi, no comando da ocupação de Massawa, declarou aos habitantes que ela se
dava com o consentimento da Inglaterra e do Egito e prometeu não respeitar
a liberdade de comércio, mas fazer todo o possível para facilitá -la”
41
.
Logo se veria que tais promessas não tinham valor algum. Os italianos impe-
diram que armas destinadas a Yohannes fossem a ele entregues e deslocaram-se
interior adentro, até as aldeias de Sahati e Wia. O ras Alula protestou contra
a invasão, mas a única resposta dos italianos foi erguer fortificações nas zonas
disputadas e enviar para reforços, os quais foram porém interceptados por
Alula em Dogali, no mês de janeiro de 1887. Os invasores evacuaram então
Sahati e Wia, mas, como vingança ao massacre” de Dogali, bloquearam a costa
etíope
42
.
A guerra parecia iminente. A Itália, no entanto, receando as dificuldades de
uma expedição militar em um país montanhoso como a Etiópia, apelou para a
mediação do Reino Unido. Um diplomata inglês, sir Gerald Portal, foi enviado
para solicitar ao imperador que concordasse com a ocupação de Sahati e Wia
pelos italianos e também de Senahit ou Bagos, região que os egípcios tinham
abandonado em 1884. O imperador Yohannes respondeu sem rodeios:
Não farei nada disso. Pelo tratado celebrado com o almirante Hewett, toda a região
que os egípcios evacuaram próxima a nossas fronteiras me foi cedida por instigação
do Reino Unido. E agora deseja que eu renuncie a ela?
Irritado pelo fato de o Reino Unido mudar de posição a respeito do tratado
Yohannes escreveu à rainha Victoria declarando que, se ela queria a paz, era
preciso antes de tudo que os italianos ficassem no país deles e os etíopes no seu
43
.
Em face da iminência da guerra com a Itália, para reforçar a defesa Yohannes
convocou as tropas que guarneciam a fronteira sudanesa, deixando -a desprotegida.
Os mahdistas então atacaram por esse lado. O imperador acorreu a Matamma para
de-las mas, ao final de uma vitoriosa batalha travada em 10 de março de 1889, foi
mortalmente atingido por uma bala perdida. A morte do imperador determinou o
esfacelamento de seu exército. Houve grande confusão, especialmente no norte da
41 HERTSLET, 1909, v. 1, p. 8.
42 Para conhecer as reações dos italianos à batalha de Dogali e a outros episódios da expansão italiana, ver
DEJACO, 1972.
43 PORTAL, 1892, p. 158.
302
África sob dominação colonial, 1880-1935
Etiópia, pelo fato de rios flagelos abaterem -se ao mesmo tempo sobre o ps: a
peste bovina e a carestia, seguidas de epidemias de varíola e de cólera
44
.
Durante esse período de dificuldades, os italianos avançaram rapidamente
pelo interior do país. No final de 1889, ocupavam parte do planalto do norte,
onde estabeleceram a colônia da Eritréia, com capital em Asmara
45
.
Durante a brava resistência do imperador Yohannes à agressão italiana e egíp-
cia, o governador de Shoa, Menelik, embora por princípio devesse obediência ao
imperador, mantinha relações cordiais com a Itália (ver figura 11.1). E emprestava
grande valor a essas relações porque, por intermédio do conde Antonelli, represen-
tante italiano numa corte ondeo havia outros diplomatas estrangeiros, obtinha
acesso à técnica europeia. Além disso, a Itália remeteu a Shoa vários médicos e
grande quantidade de armas de fogo. A amizade com a Itália também permitiu a
Menelik conquistar, na qualidade de rei de Shoa (1865 -1889), as ricas regiões de
Arussi, Harar, Kulo e Konta, a sul e a sudeste, e Gurage e Wallaga, a sudoeste
46
.
Já para os italianos o apoio de Menelik era útil, mas não indispensável – a longo
prazo a seus planos de expansão. A 2 de maio de 1889, menos de dois meses
após a morte de Yohannes, um tratado de paz e de amizade marcava o apogeu das
boas relações entre Menelik e a Itália. Foi assinado na aldeia etíope de Wuchale.
O tratado de Wuchale (Uccialli, em italiano), que devia marcar o ponto deci-
sivo nas relações entre os dois países, continha dispositivos favoráveis a ambas as
partes. Menelik reconhecia a soberania da Itália sobre a maior parte do planalto
da Eritréia, abrangendo Asmara, e a Itália reconhecia Menelik como imperador
– tratava -se do primeiro país a fazê -la –, prometendo -lhe o direito de importar,
através da Eritréia, armas e munições. O mais importante trecho do tratado, no
entanto, o artigo 17, se prestaria a contestações. Havia duas versões do tratado,
uma em amárico e outra em italiano, e o artigo 17 apresentava sentido diferente
em cada versão. De acordo com o texto em amárico, a Etiópia poderia recorrer
à intermediação das autoridades italianas se quisesse estabelecer relações com
outros países; o texto italiano tornava esse recurso obrigatório
47
.
Embora, de acordo com a versão italiana do tratado, a Itália pretendesse
estabelecer um protetorado na Etiópia, as relações entre os dois países perma-
neceram boas por vários meses
48
. Em julho de 1889, Menelik enviou à Itália
44 PANKHURST, 1966.
45 WYLDE, 1901, p. 49.
46 MARCUS, 1969, p. 422 -4; GREENFIELD, 1965, p. 98 -9.
47 ROSSETTI, 1910, p. 41 -4; WORK, 1936, p. 84 -6; RUBENSON, 1964; GIGLIO, 1968.
48 A respeito das relações da Etiópia com a Itália entre o tratado de Wuchale e a batalha de Adowa, ver
ROSSINI, 1935; NIEGE, 1968.
303
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
seu primo, o ras Makonnen, governador de Harar, para discutir a aplicação do
tratado. Enquanto isso, sob o comando do general Baldissera, os italianos con-
tinuavam seu avanço pelo planalto da Eritréia, pondo em prática os termos
do tratado. Em 2 de agosto, Baldissera proclamou a ocupação de Asmara.
No dia 2 de outubro, em Roma, Makonnen assinou um acordo adicional: a Itália
reconhecia mais uma vez o tulo de imperador de Menelik, enquanto este reconhe-
cia a soberania italiana sobre a colônia do Mar Vermelho, nos limites das fronteiras
que ela já possuía. Além disso, a Itália emprestaria à Etiópia 4 miles de liras
49
.
Quase imediatamente, porém, todo o projeto de cooperação teve de ser aban-
donado, pois no dia 11 de outubro o ministro das Relações Exteriores da Itália,
Crispi, declarou que, conforme o artigo 34 do tratado perpétuo [...] S. M. o rei
da Etiópia aceita os bons ofícios de S. M. o rei da Itália para tudo quanto diz
respeito às relações da Etiópia com outras potências ou governos”
50
.
Embora a declaração de Crispi estivesse formulada em termos indiretos, era
inequívoco que a Itália afirmava seu protetorado sobre a Etiópia. Como era de
esperar, a pretensão italiana logo foi reconhecida pelas potências europeias: daí por
diante, as cartas geográficas impressas na Europa passaram a designar a Etiópia
pelo nome de Abissínia italiana”. Quando, a 3 de novembro de 1889, Menelik
anunciou às potências europeias que seria coroado imperador, deram -lhe a mor-
tificante resposta de que, sendo a Etiópia um protetorado, não podiam estabelecer
relações com ela ao ser por intermédio da Itália. Em 24 de março e 14 de abril
de 1891, e em 5 de maio de 1894, o Reino Unido assinou com a Itália três protoco-
los que fixavam as fronteiras do pretenso protetorado com as colônias inglesas
51
.
Enquanto isso, para apoio de suas pretensões, os italianos avançavam pelo
norte da Etiópia, da Eritréia ao Tigre. Ultrapassaram os limites anteriormente
convencionados, cruzaram o rio Mareb e ocuparam a cidade de Adowa em
janeiro de 1890. Comunicaram depois ao ras Mangacha, governador da provín-
cia de Tigre e filho de Yohannes, que ocupariam Adowa enquanto Menelik não
aceitasse a interpretação por eles dada ao tratado de Wuchale
52
.
Menelik recusou -se a ceder. Em 27 de setembro de 1890, escreveu ao rei
Humberto I da Itália haver descoberto que as duas versões do artigo 17 possu-
íam sentidos diferentes.
49 ROSSETTI, 1910, p. 45 -7.
50 HERTSLET, 1909, v. 1, p. 1 e 17.
51 WORK, 1936, p. 128 -33, 138 -9.
52 WYLDE, 1901, p. 51.
304
África sob dominação colonial, 1880-1935
Quando assinei esse tratado de amizade com a Itália”, dizia ele, declarei que, como
éramos amigos, nossos assuntos na Europa poderiam ser resolvidos com a ajuda do
rei da Itália; mas disse isso para guardar nossos segredos e preservar nosso bom enten-
dimento; o celebrei tratado algum que a isso me obrigue e, hoje em dia, o sou
homem que o aceite. Vossa Majestade compreendeperfeitamente que um Estado
soberano não precisa da ajuda de outro Estado para dirigir os seus negócios
53
.
Decidido a não depender mais do empréstimo da Itália, Menelik começou,
então, a resgatá -lo. As relações entre os dois países estavam num beco sem saída.
No decorrer dos debates que se seguiram, o representante da Itália, Antonelli,
informou a Menelik que “a Itália não podia, sem quebra de sua dignidade,
informar às outras potências que se havia enganado a propósito do artigo 17”.
Ao que a imperatriz Taytu, mulher de Menelik, respondeu:
Nós informaremos às outras potências que esse artigo, tal qual está redigido em nossa
língua, não tem o mesmo sentido que em italiano. Nós também temos de pensar
em nossa dignidade. Desejais fazer passar a Etiópia como vosso protetorado, mas
jamais será assim
54
.
Ao fim de vários anos de tergiversações, durante os quais Menelik comprou,
principalmente na França e na Rússia, grandes quantidades de armas de fogo e
anexou, o mais das vezes pela força, Kaffa, Wolamo, Sidamo, Bale, parte de Oga-
den, Gofa, Beni, Changul e terras a leste e a oeste de Boran Oromo (“Galla”),
a Etiópia finalmente denunciou o tratado de Wuchale, a 12 de fevereiro de
1893. No dia 27 do mesmos, Menelik anunciou o fato às poncias europeias e,
a respeito das pretensões da Ilia, em aluo a uma passagem blica declarou: A
Etiópiao precisa de ningm: ela estende as os para Deus”. Podia permitir-se
tal linguagem, que possuía, na ocaso, 82 mil fuzis e 28 canes
55
.
A guerra entre italianos e etíopes eclodiu em dezembro de 1894, quando o chefe
eritreu Batha Hagos se revoltou contra o domínio italiano. No início de janeiro
de 1895, os italianos atacaram oras Mangacha, ocupando a maior parte de Tigre.
Menelik ordenou a mobilização a 17 de setembro, marchou para o norte com
numeroso exército e conquistou importantes virias, a 7 de dezembro em Amba
Alagi e no fim do ano em Makalle. Os italianos retiraram-se para Adowa, local
onde, após alguns meses de trégua, travou -se o combate decisivo (ver figura 11.8).
53 WORK, 1936, p. 107.
54 Citado em ibid., p. 118.
55 Citado em ibid., p. 134 -5.
305
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
A situação de Menelik era bastante boa. Podia contar com o apoio dos
eritreus, cujo patriotismo fora exacerbado pelo fato de os italianos terem expro-
priado terras da Eritréia para instalar colonos
56
.
Os eritreus prontificavam -se a guiar os grupos do imperador e a informá -lo
sobre os movimentos do inimigo. Os italianos, em contrapartida, enfrentavam a
hostilidade da população e não dispunham sequer de mapas precisos, razão por
que andavam constantemente perdidos numa região que lhes era praticamente
desconhecida. Não bastasse isso, o exército de Menelik contava com efetivos
bem maiores: mais de 100 mil homens armados de fuzis modernos, sem contar
os que portavam armas de fogo antigas ou lanças. O inimigo contava apenas
com 17 mil homens, sendo 10596 italianos e os demais eritreus. Sua artilharia
era ligeiramente superior à de Menelik: 56 canhões contra 40, o que entretanto
não constituía vantagem decisiva.
A batalha de Adowa terminou com a estrondosa vitória de Menelik e a
derrota total de seus inimigos. Durante os combates morreram 261 oficiais e
2918 suboficiais italianos, e aproximadamente 2 mil askari (soldados eritreus).
Foram dados como desaparecidos 954 soldados italianos; os feridos somavam
470, sem contar 958 askari. No total, mais de 40070 do efetivo italiano foram
mortos ou feridos, com perda de 11 mil fuzis e de todos os canhões. A derrota
foi praticamente completa
57
.
Como resultado da vitória de Menelik, em 26 de outubro de 1896, os ita-
lianos assinaram o tratado de paz de Adis Abeba, que anulava o tratado de
Wuchale e reconhecia a completa independência da Etiópia
58
. E não se sabe
por que motivos Menelik não exigiu que os italianos se retirassem da Eritréia,
embora houvesse por várias vezes manifestado o desejo de que a Etiópia tivesse
acesso ao mar. A fronteira meridional da colônia italiana foi fixada sobre a
margem do rio Mareb.
A campanha de Adowa conferiu muito prestígio a Menelik. A França e o
Reino Unido enviaram missões diplomáticas para celebrar tratados com ele; os
mahdistas do Sudão, o sultão do império otomano e o tzar da Rússia também
mandaram embaixadas
59
.
56 PANKHURST, 1964, p. 119 -56.
57 BERKELEY, 1902, p. 345.
58 ROSSETTI, 1910, p. 181 -3.
59 A respeito das missões diplomáticas que Menelik recebeu na ocasião, ver GLEICHEN, 1898; RODD,
1923; d’ORLEANS, 1898; SKINNER, R. P., 1906; ROSEN, 1907.
306
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . A batalha de Adua. Desenho executado segundo pintura que se encontra na faculdade de Adis Abeba.
307
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
O resultado dessa batalha, a maior vitória de um africano contra um exér-
cito europeu desde a época de Aníbal, teve profunda influência na história das
relações entre a Europa e a África. A Etiópia ganhou prestígio em toda a região
do Mar Vermelho, como observou um viajante polonês, o conde Potocki, para
quem os Somali mostravam -se orgulhosos de serem da mesma raça que seus
vizinhos, vitoriosos contra uma grande potência europeia”
60
.
Intelectuais negros do Novo Mundo tamm manifestaram crescente interesse
pela Etiópia, último Estado autóctone independente da África negra. O haitiano
Benito Sylvain, um dos primeiros apóstolos do pan -africanismo, fez quatro viagens
à Etiópia entre 1889 e 1906, na qualidade de mensageiro do presidente Alexis do
Haiti
61
. E um negro norte -americano de origem cubana, William H. Ellis, esteve
lá duas vezes, em 1903 e 1904, para expor diversos projetos de desenvolvimento
econômico e de assentamento de negros norte -americanos
62
.
A influência da Etiópia chegou também à África do Sul, onde, alguns anos
antes, a paráfrase da profecia bíblica de que a Etiópia estenderia as mãos para
Deus tinha suscitado interesse. Em 1900 foi fundada uma Igreja Etíope
63
.
Em 1911, o escritor J. E. Casely Hayford, da Costa do Ouro, deu testemunho
do crescente valor da independência da Etiópia ao publicar o livro Ethiopia
Unbound (Etiópia Desacorrentada) com a dedicatória “aos filhos da Etiópia do
mundo inteiro”.
Desenvolvimento econômico e social da Libéria
e da Etiópia e intervenção europeia nos assuntos
internos dos dois países (1880 ‑1914)
Libéria
Concomitantemente à ocupação de parte do seu território pelos europeus,
a Libéria enfrentava graves problemas internos, de ordem econômica e social.
A corrida e a partilha da África obrigaram o governo a estender seu domínio
aos grupos étnicos autóctones do interior, submetendo -os a uma administração
60 POTOCKI, 1900, p. 88.
61 BERVIN, 1969.
62 PANKHURST, 1972.
63 SHEPPERSON, 1968, p. 251 -3.
308
África sob dominação colonial, 1880-1935
“indireta de tipo colonial
64
. Cada divisão administrativa ou distrito era governada
pelo principal chefe, em colaboração com um comissário nomeado pelo governo.
Até 1914, a maior parte dos comissários era constituída por américo-liberianos
ou autóctones instruídos, oficiais das forças armadas liberianas. A administração
dos distritos, no seu conjunto, era tirânica e venal. Os comissários, respectivos
subalternos e militares, mal pagos e mal fiscalizados pelo governo central, viviam
quase sempre à custa da população. Os habitantes tinham de trabalhar não
na construção de edifícios públicos e de estradas, conforme rezava a lei, mas
também nas terras dos funcionários. Funcionários que, aliás, tomavam para si
parte das colheitas do povo e o obrigavam a pagar multas e impostos excessivos
(o imposto legal era um dólar por adulto do sexo masculino)
65
.
Não surpreende, pois, que os africanos autóctones não resistissem ao
governo que queria submetê -los pela força das armas exatamente como outros
africanos resistiam alhures a europeus que pretendiam impor -lhes a sua lei mas
também se levantassem contra os abusos da administração. Até serem reduzidos
à obediência pelas milícias liberianas, pela força liberiana de fronteiras e pela
marinha americana, os Kru revoltaram -se várias vezes, sobretudo entre 1915
e 1916; os Grebo em 1910; os Kissi em 1913; os Kpele e os Bandi de 1911 a
1914; os Gio e os Mano de 1913 a 1918; os Gbolobo Grebo de 1916 a 1918; os
Gola e os Bandi de 1918 a 1919; os Joquelle Kpele de 1916 a 1920; os Sikon em
1921. Essas revoltas, que estalavam em diversos pontos do território e às vezes
duravam anos, o elevado custo da “administração indígena e a sua inoperância
incitavam os estrangeiros a intervir na Libéria e esgotavam os recursos humanos
e materiais do governo
66
.
As receitas do governo nunca eram suficientes. A ajuda estrangeira, limitada.
A maioria dos américo -liberianos preferia o comércio à agricultura, o que os
afetou duramente na época da depressão mundial, em fins do século XIX. Em
1890, o comércio exterior da Libéria estava totalmente em mãos de negocian-
tes alemães, ingleses e holandeses residentes no país. O café, desde os anos de
1860 principal produto de exportação, era produzido sobretudo por plantadores
e empreiteiros américo -liberianos que empregavam recapturados ou africanos
64 Pelo menos dois presidentes da Libéria reconheceram abertamente que a administração imposta aos
autóctones era de tipo colonial: Arthur Barclay (1904 -12) e William Vacanarat Shadrach Tubman
(1944 -71). Ver TUBMAN, W. V. S., Annual Message to the Liberian Legislature”, novembro de 1960,
e Liberian Age, 25 de novembro de 1960, p. 9.
65 Liberian Department of the Treasury, Report of the Secretary of the Treasury to the Senate and House of
Representatives of the Republic of Liberia, December 1921, Monróvia, dezembro de 1921, p. 13 -4.
66 AKPAN, (?).
309
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
autóctones como mão de obra. Devido à depressão mundial e à concorrência
feita pelo café brasileiro, de melhor qualidade, o preço do produto liberiano veio
abaixo a partir de 1898
67
. Em consequência da queda na produção e na expor-
tação do café, houve diminuição do volume e do valor do comércio exterior em
seu conjunto. O governo perdeu grande parte de sua renda, que, conforme vimos,
provinha essencialmente de direitos aduaneiros e de impostos sobre o comércio
e o transporte marítimo. De resto, ele não dispunha de meios nem para coagir
negociantes liberianos ou estrangeiros que se recusassem a pagar tais impostos,
nem para impedir o contrabando.
Como forma de evitar a falência e continuar a exercer suas funções mais
comezinhas”, o governo tomava constantes empréstimos junto a negociantes
liberianos e estrangeiros residentes no país: em novembro de 1896, 10 mil dóla-
res a juros de 9% com a empresa alemã A. Woermann & Company,para fazer
face às despesas correntes do governo
68
; em fevereiro de 1898, 15 mil dólares
com a empresa holandesa Oost Afrikaansche Cie., para cobrir despesas do legis-
lativo liberiano
69
; em junho de 1900, uma soma não declarada com a empresa
alemã Wiechers & Helm, para pagar as despesas trimestrais da lista civil”
70
_
para mencionar alguns exemplos. Além disso, o governo fazia empréstimos
junto de financistas europeus, principalmente ingleses, a taxas muito elevadas:
100 mil libras esterlinas em 1871, outras 100 mil em 1906 e 1700 mil dólares
em 1912. Para resgatar essas dívidas, hipotecou as receitas aduaneiras, que pas-
saram a ser administradas por funcionários ingleses a partir de 1906 e por uma
comissão internacional de 1912 em diante, para garantir e facilitar o reembolso
dos credores
71
.
Pagas as dívidas, não restavam à Libéria fundos suficientes para investir
em recursos humanos e naturais, nem para lançar as bases de seu desenvolvi-
mento econômico. Faltava a ela também mão de obra qualificada. Sociedades
filantrópicas e missões norte -americanas desempenharam papel essencial na
fundação da maior parte dos estabelecimentos de ensino primário e secundário,
bem como da Universidade da Libéria, criada em Monróvia, em 1862. E foram
elas também que subvencionaram a maior parte das atividades missionárias,
67 AKPAN, 1975,
p.
136 -7.
68 LNA, Cabinet Minutes, reunião de 19 de novembro de 1896.
69 LNA, Cabinet Minutes, reunião de 11 de fevereiro de 1898.
70 LNA, Cabinet Minutes, reunião de 13 de junho de 1900.
71 AKPAN, 1975, p. 159.
310
África sob dominação colonial, 1880-1935
desenvolvidas principalmente por missionários e professores, tanto liberianos
como americanos brancos.
Em fins do século XIX, o declínio do comércio e da agricultura e a dimi-
nuição da ajuda externa levaram o governo liberiano a explorar ainda mais os
autóctones, aumentando as corveias e os impostos. Os empregos e, de modo
geral, a parte da riqueza nacional em mãos do governo eram objeto de crescente
rivalidade entre particulares, partidos políticos e grupos de pressão como os pais
fundadores” (américo -liberianos estabelecidos na Libéria antes da independên-
cia) e os “filhos da terra” (américo -liberianos nascidos na Libéria).
Porém houve certa evolução social e econômica, apesar de tudo. Em 1900 o
governo reabriu o Colégio da Libéria (ver figura 11.9), que havia sido fechado
em 1895 por falta de fundos e de progresso, e passou a sustentar sua atividade
com subvenções mais ou menos regulares. Uma estação telegráfica construída
em Monróvia por uma firma alemã e inaugurada em 1900 pôs a Libéria em
comunicação com o mundo exterior. No ano seguinte, o engenheiro norte-
-americano T. J. R. Faulkner instalou as primeiras linhas de telefone que liga-
vam Monróvia a diversas povoações liberianas vizinhas
72
. Entre 1906 e 1907,
a empresa britânica Liberia Development Company construiu, com parte do
dinheiro emprestado em 1906, várias rodovias ligando Monróvia ao interior.
Além disso, diversas empresas estrangeiras obtiveram do governo concessões
para explorar seringais, minas e outros recursos do país
73
.
Etiópia
Importantes mudaas econômicas verificaram -se também na Etiópia, a
contar dos últimos anos do século XIX.
Desejoso de modernizar seu país milenar, Menelik mostrava vivo interesse
por todo gênero de inovações. A ponto de o médico italiano De Castro descre-
vê-lo como um soberano verdadeiramente amigo do progresso”, acrescentando
com humor que, se um aventureiro lhe propussesse elevar até a Lua uma escada
mecânica, o imperador teria aceito,nem que fosse para ver se era possível
74
. O
reinado de Menelik assistiu a numerosas inovações, sem precedentes na história
da Etiópia. A primeira e uma das mais importantes foi, em meados dos anos
72 GIBSON,Annual Message”, 10 de dezembro de 1901.
73 BARCLAY, A., Annual Message”, 11 de dezembro de 1911; HOWARD, Annual Message”, 12 de
dezembro de 1912; Cabinet Minutes, reunião de 18 de julho de 1912.
74 DE CASTRO, 1915, v. 1, p. 162.
311
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
1880, a fundação da nova capital, Adis Abeba, nome que significa literalmente
“Flor Nova”, cuja população atingia 100 mil habitantes em 1910
75
. As primei-
ras pontes modernas, construídas na mesma época, tornaram as comunicações
menos difíceis. O sistema fiscal foi reorganizado em 1892, com a instituição de
um dízimo para pagamento do exército, o que aparentemente pôs fim às pilha-
gens que os soldados costumavam fazer nos campos. Em 1894, foi emitida pela
primeira vez uma moeda nacional, para maior honra da Etiópia e prosperidade
do seu comércio”. Também na década de 1890 foi organizado um sistema postal.
Os selos, encomendados à França tal como as moedas, foram postos à venda
em 1893, e já em 1894 um decreto estabelecia postos dos correios. Consultores
franceses foram chamados para desenvolver o serviço, e o ingresso na União
Postal Internacional efetivou -se em 1908. Em 1894 foi autorizada a construção
de uma linha de estrada de ferro entre Adis Abeba e Djibouti, porto da costa
francesa dos Somali, mas os problemas técnicos, financeiros e políticos foram
tantos que a linha, financiada em grande parte por capital francês, chegou a
Dire Dawa somente em 1902 e a Akaki – a 23 km da capital – em 1915. Foram
instaladas duas linhas telegráficas por volta de 1900: uma, construída pelos
engenheiros franceses que trabalhavam na ferrovia, acompanhava os trilhos; a
outra, construída por técnicos italianos, ligava Adis Abeba à Eritréia, bem como
ao sul e ao oeste do país. No início do século, engenheiros italianos auxiliaram
na construção de uma estrada de rodagem moderna ligando Adis Abeba a Adis
Alem, enquanto engenheiros franceses trabalhavam em outra, entre Harar e
Dire Dawa. Nessa mesma época, a capital Adis Abeba foi arborizada, com a
introdução de eucaliptos originários da Austrália no país, provavelmente ini-
ciativa de um francês.
Os últimos anos do reinado assistiram à introdução de diversas instituições
modernas. O Banco da Abissínia foi fundado em 1905, como filial do Banco
Nacional do Egito, que pertencia a ingleses. Em 1907, a imperatriz Taytu fun-
dou, na capital, o primeiro hotel moderno, o Etege. Em 1908, foi organizada
a Escola Menelik II, com a ajuda de professores coptas vindos do Egito, pois
o imperador demonstrara interesse pela educação moderna ao enviar vários
estudantes à Suíça e à Rússia. O Hospital Menelik II foi edificado em 1910
para substituir o da Cruz Vermelha Russa, que datava da campanha da Eritréia.
Em 1916, é fundada a imprensa oficial
76
. A declinante saúde, que já não permi-
tia ao imperador tomar conta sozinho dos negócios cada vez mais complexos
75 Ibid., p. 189 -246; MÉRAB, 1921 -9, v. 2, p. 13 -193; PANKHURST, 1962a, p. 33 -61.
76 SELLASSIE, 1930-2, v. 2, p. 527 -8.
312
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Professores e alunos do colégio da Libéria, 1900. (Fonte: Johnston, H., sir, 1906.)
313
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
do Estado, e o desejo de, segundo Gabre Sellassie, historiador do seu reinado,
“implantar na Etiópia os costumes europeus” levaram Menelik a formar um
gabinete em 1907, o primeiro do seu país. No final do seu reinado, a Etiópia
estava bem encaminhada no rumo da modernização
77
.
Consequências da corrida e da partilha
para Libéria e Etiópia
A corrida e a partilha da África tiveram consequências interessantes e bas-
tante diferentes para a Libéria e para a Etiópia. Foram os únicos países em toda
a África a conservar a soberania e a independência, apesar dos assaltos do impe-
rialismo. Mas, enquanto a Etiópia expandia consideravelmente suas fronteiras
a sul e a leste, a Libéria cedia grande parte do seu território ao Reino Unido e
à França. Por que é que os dois Estados sobreviveram ao imperialismo, embora
de forma tão diferente?
Sobreviveram ao imperialismo principalmente por ts razões comuns:
ambos estavam decididos a conservar a indepenncia; os respectivos diri-
gentes deram mostras de grande habilidade diplomática; a rivalidade entre
as potências imperialistas fez com que nenhuma delas pudesse apoderar -se
da Liria ou da Etiópia. Outra razão essencial, no caso etíope, foi o poderio
militar. E se a Etiópia expandiu seu território, enquanto a Libéria perdia
parte do seu, foi porque a situação potica, econômica e militar não era a
mesma nos dois pses e também, evidentemente, porque as ingencias dos
europeus em assuntos internos foram menos numerosas na Etiópia do que
na Libéria.
Uma razão decisiva para a sobrevivência da Libéria e da Etiópia foi a firme
crença que tinham os povos de ambos os países de estarem destinados por Deus
a sobreviver. Essa crença pesou muito para le-los a resistir a todas as agressões
e usurpações dos europeus. Pelo fato essencial de haverem conhecido contra
a sua vontade a escravidão no Novo Mundo, os liberianos acreditavam que
Deus dirigia seu destino. Muitos presidentes da Libéria foram ministros do
Evangelho. Sempre acreditaram que os grandes acontecimentos de sua história
eram produto da intervenção divina. Crença análoga inspirava a frase escrita
por Menelik em 1893, tão frequentemente citada: A Etiópia não precisa de
77 DE CASTRO, 1915, v. 1, p. 162.
314
África sob dominação colonial, 1880-1935
ninguém; ela estende as mãos para Deus”. Inspirava igualmente passagens de
sua carta à rainha Victoria, em abril de 1891, bem como a proclamação feita
em setembro de 1895, às vésperas da batalha de Adowa, que nós citamos no
primeiro capítulo deste volume. Semelhante convicção estava certamente na
base da determinação que explica por que os povos da Libéria e da Etiópia
conseguiram resistir aos ataques dos europeus.
A segunda grande razão pela qual os dois Estados sobreviveram é de ordem
diplomática. Foi -lhes possível opor as potências europeias umas contra as outras
e resistir pela via diplomática a suas pressões indiretas. Assim, Menelik opôs
com êxito a Itália, a França e o Reino Unido: utilizou armas francesas para se
defender dos italianos em 1896 e apelou para os ingleses em 1902, quando os
franceses queriam exercer controle abusivo sobre a linha ferroviária de Djibouti.
De Castro afirma que Menelik procurava simplesmente tirar partido da técnica
dos europeus sem que a Etiópia tivesse por isso de sofrer qualquer dominação
política.
“Se os europeus”, teria dito o imperador, “vierem até nós para nos trazer a civilização,
nós lhes ficamos muito reconhecidos, mas eles devem fazê -lo sem atentar contra a
nossa soberania. Sabemos tirar proveito de tudo quanto, na civilização deles, nos
pode ser útil
78
.
Também a Libéria nunca deixou de opor a França ao Reino Unido e o
Reino Unido à Alemanha, assim como não hesitou, quando a situação era grave,
em solicitar a intervenção dos Estados Unidos da América para intimidar as
potências europeias.
Há, ainda, outra razão muito importante que explica a sobrevivência da Libé-
ria e da Etiópia: a determinação das potências imperialistas em não permitir que
uma delas se apoderasse de um ou de outro país. Nem Alemanha, nem França,
nem Reino Unido aceitariam que qualquer de seus rivais tomasse inteiramente
posse da Libéria, uma vez que todos mantinham relações econômicas com esse
país. E razões sentimentais levaram os Estados Unidos da América a garantir a
sobrevivência da Libéria. Assim, de outubro de 1862 em diante, data em que foi
assinado um tratado de navegação e comércio, depois ratificado pelo congresso
norte -americano, canhoneiras das forças armadas dos Estados Unidos da Amé-
rica começaram a aparecer periodicamente em águas liberianas, para submeter
à dominação do governo liberiano os autóctones revoltados e para impedir que
França e Reino Unido partilhassem a Libéria, com o pretexto de que o governo
78 ROSSETTI, 1910, p. 319 -25.
315
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
não conseguia manter a ordem nas fronteiras
79
. Houve ocasiões em que os
Estados Unidos da América advertiram, por via diplomática, a França e o Reino
Unido de que a história os condenaria se tentassem pôr fim à independência da
Libéria. Desaconselharam em 1879 a França e em 1898 a Alemanha de anexar
a Libéria ou de estabelecer um protetorado
80
. Do mesmo modo, principal-
mente por motivos estratégicos, nem o Reino Unido, nem a França ou a Itália
abandonariam a Etiópia a seus rivais. Fato significativo: quando, em 1906, vendo
Menelik doente, as três potências acreditaram que o império dele não tardaria a
desintegrar -se, dividiram a Etiópia entre si durante uma convenção secreta, que
o próprio Menelik teve tempo de revelar antes de sua morte
81
.
No caso da Etiópia, uma quarta razão – e crucial – explica a sua sobrevivên-
cia e mesmo a expansão de seu território: o poderio militar. Se Menelik tivesse
perdido a batalha de Adowa, em 1896, a Etiópia estaria indubitavelmente con-
vertida numa colônia italiana; mas como os etíopes tinham grande superioridade
militar sobre os italianos, venceram a batalha e o país continuou independente.
Mesmo depois da vitória de Adowa, Menelik continuou a juntar armas, fato
confirmado por um viajante inglês, John Boyes, que observou, ainda em começos
do século, serem os autócones mais bem armados da África” e que nenhuma
potência estrangeira poderia submetê -los com facilidade”
82
. Aproximadamente
600 mil soldados desfilaram em Adis Abeba, no ano de 1902, para comemorar a
vitória de Adowa; havia 700 mil em todo o império, dos quais 90 mil no exército
imperial permanente
83
. Todas as tropas estavam armadas com fuzis modernos,
metralhadoras, canhões etc. Os arsenais de canhões e de armas de tiro rápido
estavam localizados em Adis Abeba na sua maior parte, o que aumentava con-
sideravelmente o poderio do imperador perante os governadores de províncias
84
.
Foi esse exército que possibilitou a Menelik estender as fronteiras da Etiópia
no final dos anos 1880 e em toda a década de 1890.
O Estado liberiano também sobreviveu, mas amputado em seu território e
despojado de parte das suas riquezas, principalmente devido à fraqueza militar
e à situação interna do país, verdadeiramente desesperadora. A frota liberiana
nunca teve mais que duas canhoneiras (algumas presenteadas pela Inglaterra).
79 HUBERICH, 1947, v. 1, p. 213.
80 CHESTER, 1974, p. 133.
81 ROSSETTI, 1910, p. 331.
82 BOYES, s.d., p. 22.
83 MARCUS, 1975, p. 217 -8.
84 Ibid.
316
África sob dominação colonial, 1880-1935
Por único exército teve as milícias américo -liberianas até 1908, data em que
foram constituídas as forças de fronteira. As milícias jamais contaram mais de
2 mil homens antes de 1914. Em conjunto, os milicianos eram mal pagos, mal
treinados e mal equipados
85
. As milícias, organizadas somente quando estalavam
guerras com africanos autóctones, eram, então, ajudadas por outros africanos
autóctones que exerciam o papel de “guerreiros auxiliares”. Faltavam meios de
transporte pido. Em 1880, o exército compunha -se de quatro regimentos
um estacionado em cada condado –, cada qual sob as ordens de um coman-
dante américo -liberiano, por sua vez subordinado ao presidente da Libéria,
comandante -chefe das forças armadas
86
. A descrição do quinto regimento feita
pelo presidente Barclay em maio de 1906 mostra bem em que estado se encon-
travam as milícias:
A situação é pouco satisfatória: o comandante do regimento, coronel Carter, sendo
igualmente pastor de almas, nunca se encontra lá; o tenente -coronel é analfabeto;
o major é surdo; o regimento está se deteriorando rapidamente e logo será preciso
reconstruí -lo
87
.
A força de fronteira não era mais eficaz do que as milícias. Em dezembro de
1913 compreendia três oficiais norte -americanos, sete oficiais liberianos e mais
de 600 soldados rasos, formando mais de uma dúzia de guarnições espalhadas
pelo interior. Até 1914, o comandante de cada guarnição exercia no seu dis-
trito funções ao mesmo tempo militares e administrativas. Consequentemente,
dependia tanto do ministério da Guerra como do ministério do Interior (entre
os quais não havia, de resto, nenhuma coordenação). Do ponto de vista militar,
a fraqueza da Libéria contrastava com o poderio da Etiópia, fato que explica,
em boa parte, por que a Libéria não conseguiu, na época da corrida e da partilha
da África, defender seu território contra as invasões europeias.
Não menos desesperadora era a situação interna. vimos que o governo
estava sempre à beira da ruína, devendo somas enormes a credores liberianos
e estrangeiros. Em janeiro de 1908, segundo o cônsul -geral do Reino Unido
em Monróvia, a Libéria deveria reembolsar aos credores ingleses 60 mil libras
esterlinas por ano, durante vários anos”; em setembro de 1905, a dívida junto
dos negociantes alemães elevava -se a 120 mil dólares. Todo esse endividamento
permitia às potências imperialistas intervir constantemente nos assuntos inter-
85 BARCLAY, A., Inaugural Address, 4 de janeiro de 1904.
86 USNA, DUSM 10/22, Enclosure, Barclay a Taylor, Monróvia, 27 de agosto de 1887.
87 LNA, Cabinet Minutes, reunião de 3 de maio de 1906.
317
Libéria e Etiópia, 1880 -1914: a sobrevivência de dois Estados africanos
nos do país, de um modo como nunca fizeram na Etiópia, que não lhes dava
pretexto ou motivo para tanto. De 1870 a 1900, mais ou menos, essas potências
enviaram seguidamente missões diplomáticas à Libéria oferecendo ajuda para
pagar as dívidas, desde que aceitasse proteção. Foi o caso da França em 1879,
da Espanha em 1886 e da Alemanha em 1887: todos propuseram sanear as
finanças, organizar a defesa, estabelecer e dirigir a força de fronteira. Ao mesmo
tempo, embaixadores e representantes residentes no país tratavam os liberianos
com menosprezo, criticavam as leis sobre comércio, alfândega e cidadania, e
com ameaças obrigavam o governo a reparar prejuízos reivindicados por seus
nacionais. O Reino Unido fez pressões diplomáticas dessa natureza em setembro
de 1869, agosto de 1870, abril de 1871, fevereiro e junho de 1882, novembro
de 1886 e janeiro de 1909
88
. De modo semelhante, em fevereiro e outubro de
1881, agosto de 1897, janeiro e setembro de 1898 e dezembro de 1912, sob a
ameaça de canhoneiras, a Alemanha exigiu ao governo liberiano indenizações
que variavam entre 3 mil e 60 mil dólares. Na maioria dos casos alegava moti-
vos insignificantes, intervindo particularmente a pedido de seu cônsul ou de
negociantes alemães que se queixavam de ter sido “insultados” por funcionários
liberianos.
Durante os anos de 1907, 1908 e 1909, assistiu -se a uma escalada sem pre-
cedentes de ingerências praticadas pelo Reino Unido, França e Alemanha, cul-
minando com a mais grave de todas, verificada a 11 e 12 de fevereiro de 1909,
o famoso incidente Cadell”. que considerar, neste caso, nomeadamente a
deplorável situação em que se encontrava a Libéria do ponto de vista econô-
mico, social e político, a rivalidade entre as potências europeias, todas desejosas
de ganhar influência sobre o país ou sobre parte do seu território, bem como o
endividamento da Libéria junto dessas potências ou de seus cidadãos.
A intervenção dos europeus na Libéria produziu efeitos duradouros sobre
a política e a sociedade. De início, dividiu os liberianos em duas facções, uma
favorável aos ingleses e outra aos norte -americanos
89
. No s de janeiro de
1909, essas facções organizaram em Monróvia grandes manifestações a favor de
Barclay e contra ele
90
. Além do mais, para executar as reformas que as potên-
cias imperialistas exigiam, era necessário recorrer a especialistas europeus e
88 Liberian Letters, 15, Dennis a Coppinger, Monróvia, setembro de 1870; Repository, LVIII, julho de 1882,
p. 90 -1, 123 -5; Bulletin, 10 de fevereiro de 1897, p. 51 -4.
89 USNA, DUSM, 405/238, Lyon ao Secretário, Monróvia, 14 de agosto de 1908; Londres, USNA, Records
of the Department of State relating to the internal aairs of Liberia (RDSL), 1909 -1929. Reid ao
Secretário, Londres, fevereiro de 1909.
90 PRO, FO 369/596, Wallis a Grey, Monróvia, 11 de março de 1909.
318
África sob dominação colonial, 1880-1935
pagar -lhes altos salários, o que onerava ainda mais as despesas demasiadas
do Estado liberiano. E ele teria sucumbido se um negro norte -americano que
esposara a causa dos liberianos, Ernest Lyon, ministro residente em Monróvia,
não o tivesse ajudado a obter o apoio dos Estados Unidos da América a partir
de 1909.
A Etiópia nunca sofreu ingerências tão repetidas das potências europeias. Ao
contrário, depois da vitória de Adowa, as demais nações prestaram a ela todas
as formas de respeito, tratando -a mais ou menos como igual, e isso no mesmo
período em: que as potências imperialistas assediavam a Libéria. Quando con-
sideramos a fraqueza militar da Libéria e principalmente o estado de desinte-
gração interna devido em parte à fraqueza econômica, em parte à interferência
ativa dos europeus em seus assuntos internos –, não surpreendem as perdas que
ela sofreu. Surpreende é que tenha sobrevivido.
C A P Í T U L O 1 2
319
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
A Primeira Guerra Mundial foi antes de tudo um conflito entre potências
europeias, no qual a África viu -se direta e indiretamente envolvida pelo fato de,
no momento da abertura das hostilidades, encontrar -se, em quase toda a exten-
são, sob a dominação dos beligerantes. E embora as campanhas travadas em
solo africano não exercessem senão influência marginal sobre o curso da guerra,
tiveram importantes repercussões no continente. Mais de um milhão de solda-
dos africanos participou dessas campanhas ou de operações militares na Europa.
Em número ainda maior, homens, mulheres e crianças foram recrutados, muitas
vezes à força, para servir como carregadores em exércitos cujos suprimentos não
podiam ser transportados por meios convencionais, como estradas, ferrovias e
bestas de carga. Mais de 150 mil soldados e carregadores perderam a vida na
guerra. Muitos mais ficaram feridos e mutilados. Ao término das hostilidades,
todos os países da África, com exceção dos pequenos territórios espanhóis que
permaneceram neutros, estavam formalmente envolvidos num campo ou no
outro (ver figura 12.1).
Mesmo os últimos Estados independentes do continente – Libéria, Etiópia
e Dārfūr foram envolvidos. A Libéria formou ao lado dos Aliados assim que
os Estados Unidos da América entraram na guerra, em 1917. O jovem impe-
rador pró -muçulmano da Etiópia, Lij Iyasu, proclamou dever de obediência à
Turquia, suscitando nos Aliados a preocupação de que viesse a inspirar uma
A Primeira Guerra Mundial e
suas consequências
Michael Crowder
320
África sob dominação colonial, 1880-1935
 .(A) – (E) A guerra em solo africano (Fonte: Banks, 1975.)
321
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
322
África sob dominação colonial, 1880-1935
323
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
djihād entre muçulmanos do Chifre da África, região em que as forças de Sayyid
Muhammad Abdille Hasan ainda causavam problemas aos britânicos. Tropas
francesas, britânicas e italianas marcharam sobre Berbera, Djibouti e Massawa,
numa intervenção que se revelou inútil, pois nobres cristãos, indispostos com
a política do imperador, depuseram -no em setembro de 1916. De maneira
semelhante, o sultão
Alī Dīnār, de Dārfūr, nominalmente tributário do Sudão Anglo -Egípcio
mas efetivamente independente dele, respondeu ao apelo dos turcos à djihād:
atacou o Chade francês, ameaçou o Bornu ocupado pelos ingleses (Nigéria do
norte) e tentou insuflar uma revolta em Kordofān (Sudão). Em fevereiro de 1916
o sultão foi derrotado e morto em combate, e Dārfūr plenamente incorporada
ao Sudão.
Diretamente envolvidos no combate ou não, quase todos os territórios
viram-se afetados com a exclusão dos alemães do comércio africano, dada a
escassez de importações em tempo de guerra devida às dificuldades de navega-
ção e, do lado favorável, à súbita demanda de recursos estratégicos.
Muito já se escreveu sobre as campanhas europeias na África durante a
Primeira Guerra Mundial
1
e a subsequente distribuição do território alemão
entre os vitoriosos Aliados
2
último capítulo da corrida para a África. Muito
menos se escreveu, porém, a respeito do impacto da guerra sobre os africanos
e sobre aquelas estruturas administrativas somente pouco a eles impostas
pelos conquistadores europeus
3
. Como é que essas frágeis estruturas resistiram
ao êxodo do pessoal administrativo europeu, ao espetáculo dos conquistado-
res brancos lutando entre si, às exações em homens e materiais impostas aos
recém-conquistados africanos, às revoltas que então irromperam por toda parte,
se não sempre diretamente, às vezes indiretamente, por causa da guerra? Quais
foram as consequências sociais, políticas e econômicas da participação africana
no conflito europeu? É a essas questões fundamentais que este capítulo tentará
principalmente responder. Um breve relato das campanhas militares, no entanto,
é indispensável à melhor compreensão das implicações que a guerra teve para
a África.
1 Sobre as campanhas de Togo e Camarões, ver MOBERLY, 1931; sobre a campanha do Sudoeste
Africano sob dominação alemã, ver UNION OF SOUTH AFRICA, 1924; HANCOCK, 1962, p.
394 -400; sobre a África Oriental Alemã, ver HORDERN, 1941, v. 1, e, do ponto de vista alemão, VON
LETTOW-VORBECK, s.d. Encontra -se um bom resumo desta campanha em MOSLEY, 1963.
2 Ver, em particular, BEER, 1923; LOUIS, 1963a.
3 Sobre a Primeira Guerra Mundial, na África certo número de teses de doutorado; ver, no entanto,
OSUNTOKUN, 1978.
324
África sob dominação colonial, 1880-1935
A guerra em solo africano
Para a África, a consequência imediata da declaração de guerra na Europa
foi a invasão das colônias alemãs pelos Aliados. Nenhum dos beligerantes se
havia preparado para o conflito ao sul do Saara. Por breve instante acreditou
-se mesmo que a região viesse a ser poupada. O governador do Togo, Doering,
propôs a seus vizinhos da Costa do Ouro (atual Gana) britânica e do Daomé
(atual Benin) francês que o Toga se mantivesse neutro para não dar aos africanos
o espetáculo de brancos fazendo a guerra a brancos
4
. Na África Oriental Alemã
(atual Tanzânia), o governador dr. Schnee estava decidido a evitar as hostilidades
para conseguir dar continuidade a seu enérgico programa de desenvolvimento;
e quando os britânicos bombardearam Dar es Salaam, pouco após a declaração
de guerra, concordou com uma trégua de curta duração que neutralizasse a
África Oriental Alemã
5
. Esperava -se até que as disposições do tratado de Berlim
(1885) relativas à neutralidade da bacia convencional do Congo permitissem
evitar a guerra na África ocidental e central
6
.
No entanto, a corrente favorável à extensão do conflito às possessões alemãs
acabaria predominando. No caso do Reino Unido, que tinha o domínio dos
mares, a estratégia definida pelo Committee for Imperial Defence (Comissão
de Defesa do Império) previa que a guerra se estendesse às colônias do inimigo.
Para conservar essa supremacia naval, o Reino Unido precisava inutilizar o sis-
tema de comunicações e os principais portos da Alemanha na África. Quanto
aos Aliados, a vitória lhes permitiria dividir as possessões alemãs a título de
presas de guerra. Essa consideração pesou certamente muito na decisão, tomada
pelo comandante -geral das forças da África do Sul, general Louis Botha, e pelo
ministro da Defesa, J. C. Smuts, de colocar as forças sul -africanas ao lado dos
Aliados, invadir o Sudoeste Africano alemão (atual Namíbia) e depois participar
na campanha da África oriental
7
, mesmo contando com a oposição aberta de
afrikaners intransigentes. Botha e Smuts não viam o Sudoeste Africano como
uma possível quinta província, mas esperavam também que, ao contribuir para
a vitória dos britânicos no leste da África, pudessem oferecer aos portugueses
4 CORNEVIN, 1962, p. 208.
5 VON LETTOW -VORBECK, s.d., p. 27 -8; ver também LOUIS, 1963b, p. 209, que cita SCHNEE,
1919, p. 28.
6 LOUIS, 1963b, p. 209 -10, para uma breve exposição das consequências da neutralidade da bacia do
Congo para as colônias alemãs e britânicas da África oriental.
7 DENOON, 1972, p. 121.
325
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
parte do território conquistado aos alemães, em troca da baía de Lourenço Mar-
ques (Delagoa Bay), porto natural do Transvaal
8
. No Reino Unido, pensava -se
que a garantia da intervenção e da lealdade da África do Sul seria a perspectiva
de ela vir a possuir o Sudoeste Africano
9
. Aos franceses, a invasão de Camarões
permitiria recuperar o território cedido por força à Alemanha, em 1911, em
consequência do incidente de Agadir (ver figura 12.1b). Mesmo a Bélgica, que
invocou imediatamente a neutralidade perpétua do Congo (atual Zaire), garan-
tida pelo artigo 10 do tratado de Berlim, também correu a invadir territórios
alemães na África, logo que sua própria neutralidade foi violada, na esperança
de que uma participação bem -sucedida desse a ela um trunfo no acordo final
de paz
10
.
Não era fácil defender as colônias alemãs, devido à supremacia naval dos
Aliados e à enorme inferioridade numérica das tropas coloniais lá aquarteladas.
De início, os alemães esperavam que a rápida vitória na Europa para eles,
certa evitasse a participação direta das colônias, abrindo -lhes a possibilidade
de realizar a ambição de uma Mittelafrika que ligaria Camarões e a África
oriental e arruinaria de uma vez por todas o velho projeto britânico de um eixo
Cabo-Cairo
11
. Mas, tão logo se fez claro que uma vitória rápida era impos-
sível, os alemães compreenderam que campanhas prolongadas imobilizariam
na África tropas coloniais aliadas que, de outra forma, seriam deslocadas para
a frente europeia. Essa estratégia foi brilhantemente explorada pelo general
P. E. von Lettow -Vorbeck, que, à frente das tropas alemãs da África oriental,
combateu os Aliados em alguns momentos com número dez vezes maior de
efetivos – por todo o decurso da guerra (ver figura 12.1e).
As campanhas na África podem ser divididas em duas fases distintas.
Durante a primeira que durou apenas algumas semanas –, os Aliados pro-
curaram destruir a capacidade ofensiva da Alemanha e neutralizar seus portos
africanos. Dessa forma, Lomé no Togo, Duala em Camarões, Swakopmund e
Lüderitz Bay no Sudoeste Africano foram ocupados pouco depois da abertura
das hostilidades. Na África Oriental Alemã, cruzadores britânicos bombardea-
ram Dar es Salaam e Tanga no mês de agosto e, embora só viessem a ser efeti-
vamente tomados mais tarde, a partir de então esses portos não puderam ser
8 HYAM, 1972, p. 28.
9 Ibid., p. 26.
10 LOUIS, 1963b, capítulo 19.
11 A respeito do projeto alemão de constituir uma Mittelafrika em caso de vitória, ver FISCHER, 1967,
p. 102 -3 e o mapa da p. 596.
326
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . General P. E. Von Lettow-Vorbeck (o segundo, da direita para a esquerda), comandante-em-chefe das forças alemãs na África oriental durante a
Primeira Guerra Mundial, entre colegas. (Foto: Imperial War Museum.)
327
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
utilizados pelos navios de guerra alemães. No Egito, com a entrada da Turquia
na guerra do lado alemão, os britânicos reforçaram as defesas do canal de Suez
e em fevereiro de 1915 repeliram uma expedição turca. Depois disso, o Egito
constituiu -se a principal base inglesa para operações contra a Turquia e suas
províncias médio -orientais, tornando -se o eixo do poderio britânico na África
e no Oriente Médio pelas três décadas seguintes.
A primeira fase da guerra na África foi de capital importância para a estra-
tégia global. a segunda fase, exceção feita às operações contra o império
turco lançadas a partir do Egito, teve efeito apenas marginal sobre o resultado
final do confronto. Não obstante, os Aliados estavam dispostos a conquistar as
colônias alemãs, tanto para evitar que servissem de base à subversão de suas
próprias colônias (onde muitas vezes a autoridade colonial estava abalada) como
para dividí -las entre si na eventualidade de uma vitória total. Foi por isso que,
depois de reprimir a revolta dos afrikaners apoiada pelos alemães do Sudoeste
Africano, o governo sul -africano empreendeu a conquista do território, que
terminou seis meses depois. Essa campanha (ver figura 12.1) foi a única de que
não participaram tropas africanas, pois os generais da União hesitavam em armar
as populações autóctones. Nem os alemães ousavam fazê -lo, depois de haver
reprimido com brutalidade os levantes dos Herero e dos Nama.
A longa campanha de Camarões (ver figura 12.1) foi sustentada em grande
parte com tropas africanas. Não obstante a superioridade numérica, os Aliados
franceses, britânicos e belgas levaram mais de 15 meses para conquistar o
território. Cônscio de que não poderia vencer, na África oriental, contra for-
ças numericamente dez vezes superiores às suas, von Lettow -Vorbeck decidiu
imobilizar o inimigo pelo maior tempo possível, lançando mão da guerrilha
12
.
Permaneceu invicto até o fim das hostilidades, comandando sua coluna de sol-
dados maltrapilhos através da África Oriental Portuguesa (atual Moçambique),
até chegar à Rodésia do Norte (atual Zâmbia), onde o alcançou a notícia do
armistício na Europa (ver figura 12.2). Numa estimativa moderada, aproxi-
madamente 160 mil soldados aliados enfrentaram von Lettow -Vorbeck, cujo
efetivo em nenhum momento superou os 15 mil homens. Como em Camarões,
as tropas africanas desempenharam papel decisivo em ambos os lados, dando
muitas vezes prova de grande bravura e revelando -se combatentes bem melhores
que os soldados sul -africanos brancos, dizimados por doenças. Houve dias em
12 Segundo a Ocial History britânica, von Lettow -Vorbeck “tinha conseguido reter na África, durante
mais de quatro anos, uma força muito superior a todo o exército comandado por lorde Robens durante
a guerra da África do Sul”.
328
África sob dominação colonial, 1880-1935
que a ração do soldado nigeriano de infantaria se compunha, ao todo, de meia
libra de arroz
13
. Os carregadores pagaram pesado tributo: pelo menos 45 mil
morreram de doenças durante a campanha
14
.
O êxodo dos europeus
A guerra assistiu a um significativo êxodo dos europeus que exerciam funções
administrativas e comerciais nas colônias dos países aliados, obrigados a partir
para a frente ocidental ou a incorporar -se às unidades estacionadas na África, a
fim de combater em qualquer parte do continente. Em algumas regiões, a pre-
sença europeia,muitonue, ficou reduzida em mais da metade. Na Nigéria do
norte, numerosos funcionários políticos dispensados do exército foram de novo
convocados, enquanto outros se apresentavam como voluntários, de tal forma que
a região viu -se privada de administradores
15
. Algumas circunscrições, como Borgu,
ficaram sem administradores europeus durante boa parte da guerra
16
. Na Rodésia
do Norte, 40% dos europeus adultos estavam alistados
17
. Na África negra francesa,
todos os europeus com idade para pegar em armas foram mobilizados e, na África
Oriental Inglesa, todos foram recenseados para participar do esforço de guerra.
Em certos lugares, principalmente no campo, corria o boato de que os brancos
partiriam para sempre
18
. No Marrocos, quando o residente -geral, Louis Lyautey,
teve de deslocar parcela significativa de seu efetivo para a frente europeia, os pri-
sioneiros de guerra alemães foram empregados nas obras públicas, para convencer
os marroquinos de que os franceses estavam ganhando a guerra
19
.
O resultado desse êxodo foi o declínio, quando não a completa paralisação
de inúmeros serviços essenciais anteriormente a cargo dos europeus. Em certos
casos, como no Senegal, africanos foram especialmente treinados para ocupar
as funções vagas
20
. Na África Ocidental Inglesa, postos até então reservados aos
13 DOWNES, 1919, p. 90.
14 MOSLEY, 1963, p. 234.
15 FIKA, 1978.
16 Ver CROWDER, 1973.
17 GANN, 1964, p. 163.
18 Na Nigéria, a administrão brinica assinalou que os diversos “tumultos se deviam à agitão causada pela
guerra e pelos rumores de que a administrão se retiraria (Nigeria Annual Report for 1915, 1917, p. 23) .
19 BIDWELL, 1973, p. 23.
20 Gouvernement Général de l’ AOF, textes relatifs à la formation et à la réorganisation des quadres indi-
genes em AOF, 1916: “Circulaire relative à la formation du personnel des cadres indigènes”, Dacar, 1
de outubro de 1916, p. 3 -4. Ver também a “Circulaire relative à la réorganisation des cadres des agents
indigenes de l’AOF”, Dacar, 1 de outubro de 1916, p. 27 -8.
329
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
 . A campanha na África Oriental Alemã: recrutas da Brigada Nigeriana desembarcam em Lindi, dezembro de 1917. (Foto: Imperial War Museum.)
330
África sob dominação colonial, 1880-1935
brancos foram ocupados por africanos instruídos, o que, conforme salientou
Richard Rathbone, explica em parte a lealdade da elite durante a guerra
21
. Na
África Ocidental Francesa, o governador -geral queixava -se de que os britâni-
cos, os quais, contrariamente aos franceses, não estavam sujeitos à mobilização
geral em suas colônias, aproveitavam -se da situação para ocupar o terreno vago
deixado pela partida dos agentes comerciais franceses
22
. A presença europeia
somente se reforçaria notadamente no Egito, onde desembarcaram vastos con-
tingentes britânicos para a ofensiva aliada no Oriente Médio.
Aos olhos dos africanos, o espetáculo inédito de europeus combatendo -se
entre si coisa que jamais haviam feito durante a ocupação colonial tal-
vez tenha sido ainda mais chocante do que o aparente êxodo. Pior ainda, os
colonizadores incitavam os súditos uniformizados a matar o “inimigo” branco,
até então pertencente a um grupo considerado sacrossanto dada a cor de sua
pele, sendo todo ataque a qualquer de seus membros punido com a máxima
severidade
23
.
Participação dos africanos na guerra
Exceção feita à campanha do Sudoeste Africano, as tropas africanas desem-
penharam papel decisivo nos êxitos militares dos Aliados em solo da África.
As tropas autóctones combateram não apenas no território do continente, como
também foram reforçar exércitos europeus na frente ocidental e no Oriente
Médio. Mais que isso, ajudaram a reprimir diversas revoltas contra a autoridade
colonial, tal como haviam anteriormente ajudado na conquista da África pelos
europeus.
Mais de um milhão de homens foram recrutados durante a guerra para
completar os efetivos, regra geral pouco importantes, mantidos pelas autorida-
des coloniais. Somente a França dispunha de fortes contingentes militares nos
seus diversos territórios coloniais quando da abertura das hostilidades e, muito
embora a Alemanha tenha sido posteriormente acusada de militarizar suas
colônias, de fato apenas a França fazia jus a tal acusação. Também foi recrutado
21 RATHBONE, 1978, p. 6.
22 Archives du Sénégal, Dacar,rie D, 4D73, “Recrutement indigene” (1918). Rapport et Correspondance du
Ministre des Colonies et du Ministre de la Guerre. Reprise de recrutement: Mission Diagne, 1917 -1918:
“Projet de recrutement”.
23 Carta de sir Frederick Lugard a sua mulher, datada de 19 de junho de 1918, citada em PERHAM,
1960b, p. 549.
331
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
 . Voluntários forçados” do Egito embarcando para o estrangeiro. Serviram na Síria, França,
Mesopotâmia e Salônica. (Foto: Imperial War Museum.)
F . África Oriental Alemã: feridos esperam para serem removidos de Nyangao, depois da batalha
de Mahiwa (15 a 19 de outubro de 1917). Brigada Nigeriana. (Foto: Imperial War Museum.)
F . A campanha na África Oriental Alemã: tropas autóctones do exército belga voltam para a costa
depois de os alemães terem cruzado o rio Rovuma. Ndanda, janeiro de 1918. (Foto: Imperial War Museum.)
332
África sob dominação colonial, 1880-1935
forte contingente de carregadores, cerca de três por combatente. Além disso,
norte-africanos foram requisitados para substituir nas usinas os operários fran-
ceses mobilizados. A migração voluntária da mão de obra argelina para a França
teve origem com a Primeira Guerra Mundial. No total, mais de 2,5 milhões de
africanos, cifra que corresponde a bem mais de 1% da população do continente,
participaram de uma forma ou de outra do esforço de guerra.
O recrutamento de combatentes e carregadores obedecia a três métodos. O
primeiro era exclusivamente voluntário: os africanos ofereciam seus préstimos
livremente, sem a menor pressão externa. Foi assim que, no início da guerra,
nas frentes da Síria e da Palestina, grande número de fallahīn (camponeses)
pobres do Egito ofereceram -se em troca de salários comparativamente atraen-
tes. Não há a menor dúvida de que, na maior parte dos países africanos, alguns
voluntários sabiam perfeitamente em que é que se estavam engajando. Os cida-
dãos senegaleses das quatro comunas do Senegal (Dacar, São Luís, Rufisque,
Goreia) estavam inteiramente dispostos a aceitar as obrigações do serviço militar
imposto aos franceses da metrópole, desde que isso lhes garantisse o estatuto
de cidadãos. Foi nesse sentido que, a serviço dos senegaleses, o deputado Blaise
Diagne conseguiu a aprovação da lei de 29 de setembro de 1916, pela qual os
originários das comunas de pleno exercício do Senegal eram e permaneciam
cidadãos franceses, conforme as disposições da lei de 15 de outubro de 1915.
se disse que os 45 mil soldados recrutados em Madagáscar eram todos voluntá-
rios
24
; na sua maioria, entretanto, os recrutas foram convocados para os diferen-
tes exércitos contra o seu desejo, fosse como “voluntários” forçados, fosse como
conscritos (ver figura 12.3).
O recrutamento era, em grande parte, empreendido pelos chefes, que tinham
de apresentar aos administradores o número de efetivos por eles exigido. Em
algumas regiões, não era difícil encontrar verdadeiros voluntários, mas em outras,
intimidados pelos chefes, os homens eram apresentados aos administradores
como voluntários. Na Rodésia do Norte, a impopularidade dos chefes logo
após a guerra deve -se, em grande medida, ao papel por eles desempenhado no
recrutamento de soldados e de carregadores
25
.
Não obstante, grande número de soldados e carregadores foi oficialmente
recrutado por conscrição. Na África negra francesa, um decreto de 1912, cujo
objetivo era a criação de um exército negro permanente, tornou obrigatório o
serviço militar de quatro anos para todos os africanos do sexo masculino, com
24 DESCHAMPS, 1962; CHAPUS, 1961.
25 GANN, 1964, p. 164.
333
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
idade entre 20 e 28 anos. O objetivo era substituir as guarnições da Argélia
por tropas da África negra, de forma que as primeiras pudessem combater
na Europa, na eventualidade de uma guerra. Se esta se prolongasse, escrevia
o general Mangin, nossas forças africanas constituiriam uma reserva quase
inesgotável, cuja fonte está fora do alcance do adversário”. Declaradas as hosti-
lidades, quando a África ocidental contava sozinha 14785 soldados africanos,
decidiu -se recrutar mais 50 mil no período 1915 -1916. Começou então, na
África francesa, aquilo a que o governador Angoulvant chamava verdadeira
caça ao homem
26
e a que Jide Osuntokuri qualificou, recentemente, como novo
tráfico de negros
27
. Comprometidos a fornecer um determinado contingente de
recrutas, os chefes apoderavam -se de estrangeiros e de antigos escravos para não
entregar os filhos ou os pais. Como não existiam registros de nascimento, muitos
dos recrutados ou tinham passado da idade para o serviço militar ou ainda
não a haviam atingido. Mas, conforme veremos, a campanha de recrutamento
provocou importantes revoltas, que tornaram impossível arregimentar soldados
nas áreas rebeldes. Precisando de homens, na tentativa de que um africano
bem conceituado obtivesse êxito onde franceses haviam fracassado, o governo
resolveu, em 1918, nomear Blaise Diagne comissário -geral do recrutamento das
tropas negras. Encarregadas de recrutar 40 mil atiradores, suas equipes arreba-
nharam na verdade 63378, poucos dos quais, no entanto, chegaram à frente de
batalha, pois em novembro de 1918 terminava a guerra.
O serviço obrigatório foi igualmente instituído na África Oriental Inglesa
para recrutamento de soldados e carregadores, por um decreto de 1915, de
acordo com o qual todos os homens de 18 a 45 anos ficavam obrigados a cumprir
o serviço militar. Essa disposição foi estendida ao protetorado de Uganda em
abril de 1917. Na Rodésia do Norte, devido à vigência do recrutamento compul-
sório em todos os distritos, mais de um terço da população do sexo masculino
foi mobilizada, durante grande parte da guerra, no serviço de carregamento
28
.
Depois de 1917, as prementes necessidades da frente síria obrigaram o governo
do protetorado britânico do Egito a recorrer à conscrição e à requisição de ani-
mais, apesar de ter anteriormente prometido arcar com todo o peso da guerra.
Os umda das aldeias “acertaram velhas contas entregando os inimigos em mãos
dos agentes de alistamento ou fornecendo seus animais à insaciável caravana
26 Archives du Sénégal, Dacar,rie D, dossiê 4D45, vice -governador da Costa do Marm ao governador -geral
da África Ocidental Francesa, 18 de dezembro de 1915.
27 OSUNTOKUN, 1977.
28 HALL, 1965, p. 102.
334
África sob dominação colonial, 1880-1935
síria”
29
. Na Argélia, na Tunísia e até no Marrocos, cuja conquista estava ainda
por ser completada, a população autóctone foi lançada à guerra. Estima -se em
mais de 483 mil o número total de soldados coloniais, em sua maioria recru-
tados à força, que serviram o exército francês durante a guerra. No Congo, os
belgas chegaram a recrutar 260 mil carregadores durante a campanha da África
oriental
30
. Por si sós, estas cifras desafiam a imaginação, especialmente se temos
em mente que a conquista era recentíssima. No seu período mais dramático, o
comércio de escravos nunca chegou a um décimo disso em um só ano.
A guerra foi diretamente responsável por um número enorme de mortos e de
feridos na África (ver figura 12.5), mas não só: causou também, indiretamente,
inumeráveis óbitos devidos à epidemia de gripe que atingiu todo o continente
entre 1918 -1919, facilmente propagada com o repatriamento dos soldados e
carregadores.
A resistência africana à autoridade europeia
No momento em que os regimes coloniais aliados menos podiam tolerar
tumultos na retaguarda, sua autoridade, ainda não consolidada em regiões como
o sul da Costa do Marfim, grande parte da Líbia ou Karamoja, em Uganda,
viu -se contestada por vários levantes armados e outras formas de protesto. Para
enfrentar a situação, as potências aliadas deslocaram para essas regiões algumas
unidades dos efetivos militares necessários para combater os alemães na África e
na frente ocidental. Os recursos de que dispunham eram tão escassos e o movi-
mento de revolta tão extenso em certas regiões como a África Ocidental Fran-
cesa e a Líbia que os europeus tiveram de esperar até poder contar com tropas
suficientes para restabelecer sua autoridade. Grande parte do alto Senegal-Níger
e do Daomé permaneceu fora do controle francês por mais de um ano. Os
franceses não conseguiram sufocar imediatamente a revolta de 1916 no Borgu
daomeano, porque grupos étnicos vizinhos – os Somba de Atacora, os Pila Pila
de Semere e os Holli, em Ueme, entre outros também estavam em revolta.
Lyautey, que havia conquistado o Marrocos, temia a irrupção de um levante caso
cumprisse a determinação da metrópole: remeter para a França a metade de seus
70 mil homens e recuar para a costa do Atlântico. E, embora tenha destacado
os homens para a França, não recuou, conseguindo evitar assim o desafio à sua
29 LITTLE, 1958, p. 128.
30 YOUNG, 1965, p. 219.
335
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
autoridade; mas a França teve de manter 35 mil homens no Marrocos durante
todo o período da guerra. Na África Oriental Portuguesa, a invasão alemã inci-
tou os súditos dos portugueses a derrubar seus detestados senhores
31
,
As causas das revoltas e movimentos de protesto que eclodiram um pouco
por toda parte naquela época divergem muito e nem todas estão diretamente
relacionadas com a própria guerra. Em alguns casos, como na Líbia, chamou-se
revolta ao que, de fato, nada mais era que a continuação da resistência à con-
quista e à ocupação europeias. Os motivos acusavam muitas vezes natureza
diferente. Não dúvida de que o espetáculo do enfraquecimento da autoridade
europeia, decorrente da partida em massa de metropolitanos, encorajava velei-
dades de revolta, tanto quanto a chegada de europeus, particularmente soldados
britânicos, as desencorajava no Egito.
Múltiplas razões explicam os levantes: desejo de recuperar a independência;
ressentimento contra as medidas de guerra, como o recrutamento obrigatório
e o trabalho forçado; oposição religiosa, nomeadamente pan -islâmica, à guerra;
reação às restrições econômicas geradas pela guerra; descontentamento com
certos aspectos do regime colonial, cuja natureza se desvendou nitidamente
durante os anos de guerra. Acrescente -se, por fim, sobretudo na África do Sul,
os sentimentos pró -germânicos das populações submetidas aos Aliados.
O desejo de retomar a uma vida independente do branco, ou seja, de retornar
ao status quo ante, aparece claramente nas revoltas dos Borgawa e dos Holli -Ije, no
Daomé francês, e dos diversos grupos Igbo da província de Owerri, na Nigéria
32
.
A vontade de sacudir o jugo dos brancos explica, em maior ou menor medida,
grande parte das rebeliões contra a autoridade francesa na África ocidental. Um
dos acontecimentos que precipitaram o levante dos Egba em 1918, na Nigéria
meridional, foi certamente a perda da situação de semi -independência do país,
logo depois da abertura das hostilidades. No Egito, os tumultos fomentados
pelo Wafd imediatamente após a guerra estavam em grande parte inspirados no
desejo de abalar o regime de protetorado recém -imposto pelos britânicos, que
em quatro anos se havia tornado insuportável tanto para os nacionalistas como
para os fallahīn. Em Madagáscar, 500 autóctones, em sua maior parte intelec-
tuais, foram presos no final de 1915 e acusados de “constituir uma sociedade
secreta, organizada com o objetivo de expulsar os franceses e restabelecer um
governo malgaxe”
33
.
31 FENDALL, 1921, p. 120. Ver também DUFFY, 1959, p. 367.
32 Ver OSUNTOKUN, 1977.
33 HESELTINE, 1971, p. 158.
336
África sob dominação colonial, 1880-1935
Os Aliados receavam que a entrada da Turquia na guerra ao lado da Alema-
nha encorajasse a dissidência entre os súditos muçulmanos. No entanto, o apelo
da Turquia a favor da djihād encontrou menos ressonância entre as populações
muçulmanas da África do que o temiam as autoridades coloniais dos Aliados.
Mesmo assim, mantinham -se sempre atentos a qualquer descontentamento
entre súditos muçulmanos e viram -se em dificuldades para convencer os chefes
e dirigentes muçulmanos de que os Aliados não eram hostis ao Islão. Foi, em
parte, o receio de ver os egípcios aderirem ao apelo turco da djihād que pre-
cipitou o estado de sítio no Egito, com a prisão dos nacionalistas. Na Nigéria
do norte, onde a maioria da população era muçulmana, os britânicos estavam
extremamente preocupados com a possível repercussão da propaganda islâmica,
mas a comunhão de interesses estabelecida entre o sultão e emires do califado
de Sokoto e os britânicos assegurou a lealdade da maioria dos muçulmanos da
região.
Os britânicos passaram momentos difíceis quando os Sanūsī Sufi, da Líbia,
que continuavam a resistir obstinadamente à ocupação de seu país pelos italia-
nos, responderam ao apelo turco e invadiram a porção ocidental do Egito, em
novembro de 1915. Os Sanūsī tomaram o porto egípcio de Al -Sallūm, onde
conseguiram a adesão de três quartos da guarnição autóctone, enquanto os ingle-
ses fugiam por mar. Depois, marcharam sobre Sīdī Barrānī e Marsā Matrūh.
Em seguida, os britânicos tomaram a ofensiva fazendo -os recuar para a Líbia
34
.
Embora vencidos no Egito, membros da confraria ajudados por outros líbios
infligiram em al -Karadābiyya uma derrota decisiva aos italianos, a mais esma-
gadora sofrida por eles desde Adowa, em 1896. Fizeram então os italianos
recuarem, obrigando -os a transferir o grosso de suas tropas da frente austríaca
para o litoral, de tal forma que em 1917 a Itália estava a ponto de perder a Líbia
como um todo
35
. Essas vitórias levaram à criação da República Tripolitânica
(al-Djumhūriyya al -Tarābulusiyya) na Líbia ocidental, em 16 de novembro de
1918, bem como do Emirado da Cirenaica, na Líbia oriental. Em 1919, a Itália
reconheceu os dois Estados, concedendo a cada qual o direito a parlamento pró-
prio. Em 1920 outorgou -lhes outros direitos, em razão do tratado de al -Radjma,
Em janeiro de 1922, os dois Estados decidiram constituir uma união política
e elegeram Idrīs al -Sanūsī, líder da Sanūsiyya, para chefiar a união, formando
uma comissão central com sede em Gharyan.
34 EVANS -PRITCHARD, 1949, p. 127 -8.
35 BARBOUR, 1959; AL -TILLISI, 1973, p. 25 -6, 46 -7, 274 -5, 405 -10; BARBAR, 1980.
337
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
A insurreição líbia repercutiu favoravelmente no sul da Tunísia, onde foram
necessários 15 mil soldados franceses para abafar a revolta
36
, e também entre os
Tuaregues e outros muçulmanos do Níger e do Chade, onde a aversão do islão à
dominação pelos infiéis, a estiagem de 1914 e o recrutamento intensivo tinham
provocado fortíssimo descontentamento. Em dezembro de 1916, os Sanūsī
invadiram o Níger, onde conseguiram o apoio de Kaossen, chefe dos Tuaregues
Tarqui, de Firhūn, chefe dos Tuaregues Oullimiden, e do sultão de Agades.
Tomaram esta última cidade, antes de serem derrotados por um destacamento
franco -britânico
37
.
Os levantes islâmicos não foram os únicos a ameaçar os Aliados em suas
colônias. A revolta de John Chilembwe na Niassalândia (atual Malavi), em
janeiro de 1915, apresentava forte colorido cristão, e o movimento de Watch
Tower (Igreja da Torre de Atalaia), de Kitawala, na Rodésia, pregava a iminência
do fim do mundo e a desobediência à autoridade constituída. Este movimento
aproveitou -se da confusão reinante na Rodésia do Norte depois da invasão de
von Lettow -Vorbeck, no final da guerra. Igualmente apocalíptico foi o grande
movimento conduzido no delta do Níger (na região da Nigéria) por Garrick
Braide, também conhecido pelo nome de Elijah II, que pregava o fim próximo
da administração britânica. Na Costa do Marfim, em dezembro de 1914 o pro-
feta Harris foi deportado porque “os acontecimentos da Europa exigiam mais
do que nunca a manutenção da ordem entre as populações da colônia”
38
. Em
Nianza, no Quênia, o culto Mumbo, que se expandiu rapidamente durante os
anos de guerra, rejeitava a religião cristã e professava: Todos os europeus são
nossos inimigos, mas está próximo o dia em que eles desaparecerão de nosso
país”
39
.
Talvez a principal causa dessas revoltas tenha sido o recrutamento forçado
de soldados e de carregadores. O ódio que suscitava era tamanho que explica,
em grande parte, a quase totalidade dos levantes irrompidos na África negra
francesa, assim como o movimento de resistência encontrado na outrora pacífica
colônia da Costa do Ouro
40
.
36 LING, 1967.
37 Ver SALIFOU, 1973; OSUNTOKUN, 1975.
38 Nota condencial do vice -governador da Costa do Marm aos comandantes de circunscrições, 16 de
dezembro de 1914, apud HALIBURTON, 1971, p. 139.
39 Apud OGOT (org.) 1974, p. 264. Para maiores detalhes sobre os levantes referidos, ver os capítulos 20,
26, 27 e 29.
40 KILLINGRAY, 1978, p. 46; THOMAS, R. G., 1975.
338
África sob dominação colonial, 1880-1935
O levante de John Chilembwe foi precipitado pelo alistamento dos Nyasa e
pelas pesadas perdas que eles sofreram diante dos alemães nas primeiras semanas
da guerra. Em uma carta memorável (censurada) ao Nyasaland Times, protestava
ele nos seguintes termos: “Compreendemos que fomos convidados a verter
nosso sangue inocente nesta guerra mundial [...] estão nos exigindo mais que a
qualquer outra nacionalidade do mundo
41
.
As restrições econômicas causadas pela guerra com certeza sustentaram e até
provocaram o movimento de resistência às autoridades coloniais. Os levantes
verificados no centro -oeste da Nigéria e no delta do Níger, no início da guerra,
não podem ser compreendidos senão no contexto da queda do preço dos pro-
dutos à base de palma e do marasmo comercial subsequente ao desaparecimento
dos principais compradores desses produtos, os alemães
42
. Efetivamente, as sim-
patias pró -germânicas manifestadas por alguns súditos dos Aliados deviam -se,
em grande parte, ao fato de os alemães terem desempenhado papel comercial de
primeira ordem em numerosas regiões da África. Sua exclusão pelos Aliados foi
associada com a depressão econômica que assinalou o primeiro ano da guerra.
Na África do Sul, contra a decisão do governo de apoiar os Aliados, os
afrikaners revoltaram -se, no final de 1914, por simpatia aos alemães e ódio aos
britânicos. Os próprios alemães fizeram tudo para provocar o descontentamento
entre os autóctones das colônias dos Aliados, muito particularmente ao longo
da fronteira norte -leste da Nigéria e na Líbia. Em Uganda, pouco depois de
declaradas as hostilidades, Nyindo, chefe supremo dos Kigezi, foi persuadido
por seu meio -irmão, o mwami de Ruanda, a levantar -se contra os britânicos em
nome dos alemães
43
.
Em numerosos casos, sobretudo na Nigéria, as revoltas não se ligavam dire-
tamente a nenhuma medida específica imposta pela guerra. Dirigiam -se, antes, a
certas práticas detestadas da administração colonial, como a cobrança de impos-
tos. No país dos Ioruba a cobrança de impostos foi praticada pela primeira vez
em 1916 e, com o aumento dos poderes conferidos aos chefes tradicionais em
virtude da política de administração indireta, desencadeou as revoltas de Iseyin
44
.
Na África Ocidental Francesa, o indigénat (código jurídico discriminatório), a
reorganização das fronteiras administrativas, a eliminação dos chefes e a exação
41 Apud ROTBERG, 1965, p. 82.
42 OSUNTOKUN, 1977.
43 LOUIS, 1963b, p. 213.
44 ATANDA, 1969.
339
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
daqueles que não tinham autoridade tradicional estavam na base de todas as
revoltas que sacudiram cada uma das colônias da federação.
Fossem quais fossem as causas, as rebeliões foram impiedosamente reprimi-
das pelas autoridades coloniais. Os rebeldes” eram compulsoriamente alistados
no exército, chicoteados ou até enforcados; os chefes, exilados ou presos; as
aldeias, arrasadas como adverncia. A resistência nem sempre era violenta,
no entanto. Muita gente esquivou -se dos motivos de queixa emigrando, por
exemplo.
Foi assim que muitos súditos franceses do Senegal, da Guiné, do alto Sene-
gal-Níger e da Costa do Marfim efetuaram aquilo a que A. I. Asiwaju chamava
migração de protesto”, rumo aos territórios britânicos vizinhos
45
. Para escapar
aos agentes de recrutamento, os habitantes de aldeias inteiras sumiam na flo-
resta. Os jovens mutilavam -se para não servir o exército colonial. As migra-
ções de protesto alcançaram tamanha amplitude que se calcula em 62 mil o
número de homens que deixaram a África Ocidental Francesa
46
. Em Zanzibar,
os homens escondiam -se de dia e passavam a noite em árvores, para não serem
alistados como carregadores
47
.
Consequências econômicas da guerra
A declaração de guerra prejudicou consideravelmente a vida econômica da
África. De modo geral, provocou a queda dos preços dos produtos básicos e
a elevação dos preços dos artigos importados, dada a redução da oferta. Em
Uganda, estes preços chegaram a aumentar 50% de um dia para outro
48
. A
estrutura do intercâmbio entre a África e a Europa foi radicalmente modificada
com a expulsão dos alemães dos territórios aliados, onde, em certos casos, como
em Serra Leoa, eles eram responsáveis por 80% do comércio de importação-
-exportação. Como os Aliados dominavam os mares, as colônias alemãs foram
separadas da metrópole antes mesmo de serem ocupadas. A Alemanha, na
época o principal parceiro comercial da África tropical, viu -se quase totalmente
eliminada do continente, pois, com a ocupação de suas colônias pelos Aliados,
todos os cidadãos alemães foram feitos prisioneiros, e suas plantações, casas de
45 ASIWAJU, 1976b.
46 Ver CROWDER, in AJAYI e CROWDER (orgs.), 1974, p. 506.
47 SMITH, H. M., 1926, p. 191.
48 INGHAM, 1958, p. 191.
340
África sob dominação colonial, 1880-1935
comércio e indústrias, confiscadas pelas potências ocupantes. Mesmo no caso
dos territórios franceses, a indústria francesa do amendoim não era capaz de
absorver sozinha os grãos até então importados pela Alemanha, porque suas
usinas estavam instaladas nas províncias ocupadas do noroeste da França. Prin-
cipal importadora do amendoim de Gâmbia, a França foi substituída pelo Reino
Unido, que absorveu 48% da colheita em 1916, contra 4% em 1912
49
. Na rea-
lidade, a forma espetacular como os negociantes britânicos tomaram o lugar de
seus concorrentes, alemães sugere que, no referente às colônias africanas, a guerra
foi vista pelo Reino Unido, país adepto do livre -câmbio como a Alemanha,
como uma oportunidade para expandir seu império econômico. Enquanto, de
modo geral, os negociantes alemães eram substituídos por cidadãos da potência
governante, na África Ocidental Francesa os britânicos tomavam o lugar dos
negociantes franceses mobilizados
50
.
A crise subsequente ao desencadeamento das hostilidades logo deu lugar a
forte alta dos preços dos produtos necessários ao esforço de guerra aliado. Por
exemplo, o algodão egípcio passou de três libras egípcias o quintal, em 1914,
para oito libras entre 1916 -1918
51
. Mas o aumento da demanda não se traduzia
sempre em elevação dos preços, muitas vezes fixados para o produtor pelas admi-
nistrações coloniais. Alguns países sofreram cruelmente durante todo o período
da guerra. Na Costa do Ouro, por exemplo, o cacau, principal produto de expor-
tação, estava longe de ser tão procurado como os grãos de oleaginosas. Além
disso, o poder aquisitivo das empresas de importação -exportação instaladas na
África caiu drasticamente com a mobilização e a partida, voluntária ou forçada,
de grande parte do pessoal europeu: em 1917, na África Ocidental Francesa,
aproximadamente 75% dos comerciantes europeus estavam mobilizados
52
.
Embora, por estarem controlados, os preços das exportações nem sempre
refletissem o aumento da demanda e embora a expansão da necessidade de mão
de obra nem sempre se traduzisse, também, em aumento de salários, o preço
dos produtos importados, não obstante, quando se encontravam, não deixou
de subir durante todo o curso da guerra. Se a maioria dos africanos ligados à
economia de subsistência não foi atingida pela inflação, o mesmo não sucedeu
com os assalariados e produtores de gêneros destinados à exportação. Foi assim
que o camponês egípcio, produtor de algodão, verificou que o lucro auferido
49 HATTON, 1966.
50 CROWDER, in AJAYI e CROWDER (orgs.), 1974, p. 506.
51 BAER, 1962.
52 CROWDER, in AJAYI e CROWDER (orgs.), 1974, p. 506.
341
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
com a alta do preço de seu produto não compensava o encarecimento brutal do
combustível, do vestuário e dos cereais
53
.
Durante toda a guerra, o Estado não cessou de intervir cada vez mais na
economia das colônias africanas: controle de preços, requisição de colheitas,
cultivo obrigatório de certos produtos, recrutamento de mão de obra para pro-
jetos essenciais e distribuição da tonelagem disponível nos navios mercantes. De
modo geral, a intervenção procurava favorecer as casas importadoras e expor-
tadoras da potência governante. Na Nigéria, empresas como a John Holt e a
United Africa Company eram empregadas como agentes de compras e gozavam
de prioridade na alocação da tonelagem dos navios mercantes e de facilidades
para a obtenção de empréstimos bancários, em prejuízo das companhias meno-
res, sobretudo as pertencentes a nigerianos
54
.
À demanda por produtos tradicionais da agricultura de subsistência – como
inhame, mandioca e feijão para a alimentação dos Aliados na Europa e dos
exércitos da África e do Oriente Médio, somaram -se as dificuldades dos outros
setores da economia. E, quando esses produtos eram requisitados, o que sucedia
com frequência, ou pagos a preço inferior ao do mercado livre, os próprios pro-
dutores é que eram prejudicados. Assim, durante a guerra, os fallāhin do Egito
tiveram muita dificuldade para sobreviver, devido à inflação e à requisição de
cereais e de animais
55
. Na África Ocidental Francesa, a demanda de homens para
a guerra concorria com a demanda de sorgo, painço, milho etc. Em 1916, era
desesperadora a situação alimentar da França, cuja colheita de trigo diminuíra
em 30 milhões de quintais (colheita de 60 milhões, sendo que eram necessários
90 milhões). Em 1917, ano em que a safra de trigo foi mundialmente defici-
tária, a colheita da França não ultrapassou 40 milhões de quintais
56
. Durante
esses dois anos, pois, o trigo ou cereais alternativos tiveram de ser procurados
no ultramar. A proximidade da África do norte fazia dela uma evidente fonte
de suprimento e até o Marrocos, recentemente conquistado, teve de contribuir.
Mesmo assim, a demanda francesa teve de estender -se até Madagáscar. Nos
territórios onde se desenrolavam operações militares, os agricultores do setor
de subsistência tiveram de atender, sobretudo na África oriental, à premente
53 ZAYID, 1965, p. 76. Durante a guerra, a produção global diminuiu brutalmente; ver O’BRIEN, in
HOLT (org.), 1968, p. 188 -90.
54 J. OSUNTOKUN, 1978.
55 T. LITTLE, 1958, p. 128.
56 COSNIER, 1922.
342
África sob dominação colonial, 1880-1935
demanda dos exércitos, que, por problemas de intendência, podiam sobreviver
com os recursos da terra.
A demanda de soldados e carregadores e a necessidade de aumentar a pro-
dução das culturas de exportação e de subsistência determinaram a escassez de
mão de obra em várias partes do continente. O recrutamento de carregadores na
Rodésia do Norte para a campanha da África oriental cortou à Rodésia do Sul
(atual Zimbábue) e a Catanga sua fonte tradicional de mão de obra
57
. No Congo,
a administração belga teve de apelar ao recrutamento forçado de trabalhadores
(ver figura 12.6) para suprir as explorações mineiras do país. A epidemia de
gripe que assolou a África central e oriental, no fim da guerra, atingiu os
carregadores repatriados e provocou séria carência de mão de obra no Quênia e
nas duas Rodésias. Havia escassez tanto de mão de obra europeia como africana.
Na Rodésia do Sul, os trabalhadores brancos das estradas de ferro, para quem
até então os empregadores não restringiam licenças em razão da abundância de
pessoal, foram de tal forma solicitados que acabaram por constituir sindicatos
58
,
coisa a que anteriormente se opunham empregadores e autoridades.
A carência de produtos de importação conduziu à queda da produção agrícola
naqueles países dependentes da importação de adubos, implementos agrícolas
e materiais de irrigação, como o Egito. Mas também estimulou o desenvolvi-
mento de indústrias substitutivas em outros países, principalmente na África do
Sul, onde se tomou consciência das potencialidades dos mercados de ultramar
para os produtos locais
59
. O Congo Belga, isolado da metrópole ocupada, teve
de tornar -se auto ssuficiente, tal como a África Oriental Alemã durante os pri-
meiros anos da guerra. A chegada de fortes contingentes militares britânicos
ao Egito e a injeção de aproximadamente 200 milhões de libras esterlinas na
economia estimularam sensivelmente o desenvolvimento industrial desse país.
A guerra trouxe, para a África, o motor de combustão interna e, com ele, as
estradas de rodagem. Na África oriental, a longa campanha contra os alemães e o
problema do transporte de provisões impuseram a construção de várias estradas,
como a que liga Dodoma, na África Oriental Alemã, a Tukuyu, na extremidade
setentrional do lago Nyasa. Reduziu -se, assim, para dois ou três dias a duração
de uma viagem que antes exigia duas ou três semanas
60
. Nas áreas de atividade
militar constante ou onde foram necessárias instalações de trânsito, houve um
57 GANN, 1964, p. 164.
58 Ibid., p. 172.
59 WILSON, F., in WILSON, M. e THOMPSON, L., (orgs.), 1971, p. 135.
60 MITCHELL, P., 1954, p. 38.
343
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
rápido desenvolvimento dos portos, como Mombaça, Bizerta, Port Harcourt e
Dacar. Na Nigéria, as minas de carvão de Enugu foram abertas durante a guerra,
para que as ferrovias dispusessem de uma fonte de combustível local.
De modo geral, as receitas públicas diminuíram no decurso da guerra,
que advinham principalmente da tributação das importações. Não obstante,
as colônias suportaram grande parte do ônus financeiro das campanhas locais,
independentemente das somas que versaram às potências metropolitanas, a
título de contribuição ao esforço de guerra. Salvo quando as exigências militares
dispuseram de outra forma, as obras públicas e os planos de desenvolvimento
foram suspensos até o cessar das hostilidades.
Consequências sociais e políticas da guerra
A guerra teve, para a África, consequências sociais muito variáveis, segundo
o grau de participação de cada território, particularmente segundo a intensidade
do recrutamento ou das operações militares de que foram palco. Lamentavel-
mente, até pouco tempo dava -se relativamente pouca atenção à matéria. Essa
indiferença é de surpreender, já que, em certas regiões como a África oriental e
para retomar a expressão de Ranger, a Primeira Guerra Mundial foi a demons-
tração mais horrenda, mais destruidora e mais caprichosa do poder absoluto
europeu que a África oriental jamais conhecera”. A importância das forças em
presença, o poder de fogo, a amplitude das devastações, os estragos das doenças,
o número de perdas africanas, tudo isso eclipsou as primeiras campanhas pela
conquista colonial, mesmo a repressão ao levante dos Majī Majī
61
. Na década
de 1930, H. R. A. Philip escrevia:A experiência do período 1914 -1918 foi tal
que realmente fez o nativo do Quênia sair de seu sono secular”
62
. Comparati-
vamente com o número de estudos que tratam das consequências políticas da
guerra, poucos foram os trabalhos consagrados às suas repercussões sociais. No
entanto, seu impacto sobre os atiradores, carregadores e camponeses que foram
arrancados do pequeno mundo de suas aldeias para serem enviados a milhares
de quilômetros, bem como o papel por eles desempenhado nessas sociedades ao
retomarem
63
, são aspectos fundamentais da história colonial.
61 RANGER, 1975, p. 45.
62 Apud OGOT (org.), 1974, p. 265.
63 Ver, por exemplo, ECHENBERG, 1975; PERSON, 1960, p. 106 -7, trata do papel preponderante
desempenhado pelos amigos combatentes na sociedade Kissi após a Primeira Guerra Mundial, sobretudo
como agentes de modernização.
344
África sob dominação colonial, 1880-1935
Não há dúvida de que a guerra abriu novos horizontes a grande número de
africanos, principalmente membros da elite culta. Para Margery Perham, é
difícil superestimar o efeito produzido sobre os africanos, que em grande medida
tinham permanecido restritos a uma relação bilateral com os amos europeus, pelo
espetáculo de outro universo e pela constatação de que faziam parte de um conti-
nente e de um mundo
64
.
Em muitas regiões africanas, a guerra favoreceu se não sempre o despertar
de movimentos nacionalistas, ao menos o desenvolvimento de uma atitude mais
crítica da elite culta em relação ao poder colonial. Bethwell Allan Ogot pensa
que a experiência da guerra teve o mesmo efeito para os africanos e europeus
pouco instruídos:
O soldado africano não tardou a descobrir os pontos fortes e a fraqueza do euro-
peu, até então considerado pela maioria dos africanos como um indivíduo superior.
De fato, sargentos africanos foram encarregados de ensinar a voluntários europeus
técnicas da guerra moderna. Tornava -se evidente que os europeus não sabiam de
tudo. De volta à sua terra, soldados e carregadores difundiram essa nova imagem do
homem branco; isso explica, em grande parte, a confiança e a segurança reveladas
pelos indígenas do Quênia na década de 1920
65
.
B. A. Ogot também observou que, significativamente, diversos dirigentes
políticos do Quênia tinham, de uma forma ou de outra, servido na campanha
da África oriental. Na Guiné, o regresso dos antigos combatentes foi o prelúdio
de greves, agitações nos campos de desmobilização e contestação da autoridade
dos chefes
66
.
Se, por um lado, a guerra assinalou o fim das tentativas por parte dos afri-
canos para recuperar a soberania da era pré -colonial, por outro, também assis-
tiu à intensificação das reivindicações, como consequência da participação dos
africanos na administração das novas entidades políticas a eles impostas pelos
europeus. Inspiradas nos Quatorze Pontos do presidente Woodrow Wilson pro-
postos como resposta aos soviéticos, que em outrubro de 1917 tinham defendido
a conclusão imediata da paz, sem anexações nem indenizações –, essas reivin-
dicações iam até o direito à autodeterminação dos povos. Nos países árabes da
África do norte, a declaração conjunta feita em novembro de 1918 pelo Reino
64 PERHAM, 1961, p. 45.
65 OGOT (org.), 1974, p. 265.
66 SUMMERS e JOHNSON, R. W., 1978.
345
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
Unido e pela França, de que os Aliados estavam considerando a emancipação
dos povos oprimidos pelos turcos, mostrava um grupo de árabes a quem era
oferecida a independência, enquanto a outro, governado pelas mesmas potências,
de fato a independência era recusada.
O partido Wafd, de Sa’ad Zaghlūl, no Egito, devia seu nome à delegação
(wafd) que tentou enviar à Conferência de Paz de Versalhes para negociar a
restauração da independência do Egito
67
. Da mesma forma, na Tunísia, embora
o residente dos anos de guerra, Alapetite, tenha feito pesar sobre o seu movi-
mento um punho tão firme como o dos britânicos sobre o Egito, os dirigentes
nacionalistas enviaram após o fim das hostilidades um telegrama ao presidente
Wilson pedindo a ele que apoiasse a sua luta pela autodeterminação
68
.
Ainda que os Quatorze Pontos do presidente Wilson não tenham inspi-
rado reivindicações pela independência imediata na África ao sul do Saara,
encorajados pelo tom liberal desse documento os nacionalistas da África oci-
dental esperavam exercer alguma influência sobre a conferência de Versalhes e
talvez poder exigir participação mais direta em seus próprios assuntos
69
. Como
afirmou F. W. Dove, delegado de Serra Leoa ao National Congress of British
West Africa, passou o tempo em que os povos africanos eram coagidos a fazer
coisas que não estavam de acordo com seus melhores interesses”
70
. No Sudão,
a notícia dos Quatorze Pontos, somada à revolta árabe de 1916, assinalou uma
reviravolta na história do movimento nacionalista e forjou a consciência política
de uma nova geração de jovens que tinham recebido nas escolas públicas um
ensino ocidental moderno
71
.
Em muitos territórios que haviam contribuído significativamente em homens
e em material com o esforço de guerra, a população esperava ao menos, em con-
trapartida, uma reforma social e política. Em alguns casos, as autoridades colo-
niais haviam expressamente prometido mudanças em troca de maior ajuda das
populações autóctones. Na África negra francesa, prometeram a Blaise Diagne
uma série de reformas para depois da guerra, se ele conseguisse recrutar o com-
plemento de que a França necessitava para a frente europeia. Foi o que Diagne
fez, mas, como as reformas jamais foram implantadas, essa acabou sendo uma
67 ZAYID, in HOLT (org.) 1968, p. 341 -2; a respeito das atividades do partido Wafd, ver o capítulo 23
deste volume.
68 ZIADEH, 1962, p. 60.
69 LANGLEY, 1973, p. 107 e passim.
70 Memorandum of the National Congress of British West Africa, 1920, F. W. Dove, delegado de Serra Leoa.
71 ABD AL -RAHIM, 1969, p. 94.
346
África sob dominação colonial, 1880-1935
das razões pelas quais perdeu a confiança de seus partidários
72
. A contribuição
da Argélia para o esforço de guerra foi compensada pela melhoria da situação
econômica e política dos argelinos. A essa reforma opuseram -se os colonos,
embora ela tenha parecido extremamente limitada ao emir Khālid, neto de Abd
al -Kādir, que criticou vivamente a administração francesa e foi deportado em
1924. Muito justamente, foi considerado o fundador do movimento naciona-
lista argelino
73
. Na Tunísia, uma delegação de 30 representantes da comunidade
árabe solicitou ao bei que procedesse a uma reforma política, lembrando -lhe os
sacrifícios feitos pelo país durante a guerra
74
. O movimento, que em 1920 deu
origem ao Destur, ou Partido da Constituição, foi, sem dúvida, em grande parte,
obra de soldados e trabalhadores repatriados, descontentes com a situação de
inferioridade que sofriam em seu próprio país
75
. Na África Ocidental Britânica,
a imprensa, geralmente leal para com os britânicos e crítica para com os ale-
mães, acreditava que, em compensação, à elite culta seriam atribuídas maiores
responsabilidades na administração colonial
76
.
A guerra estimulou não apenas o nacionalismo africano, mas também o
nacionalismo branco, nomeadamente na África do Sul. Nesse país, a rebelião
dos afrikaners foi rapidamente sufocada, mas não o estado de espírito que deu
origem a ela. Como dizia William Henry Vatcher:
A rebelião confirmou aquilo que a guerra dos eres havia demonstrado, ou seja,
que a solução o residia na força, que o combate deveria ser travado na arena
política. Foi assim que, gerado na guerra dos bôeres, o moderno nacionalismo
afrikaner veio à luz durante a rebelião de 1914. Se não tivesse havido a Primeira
Guerra Mundial, os bôeres talvez conseguissem adaptar -se melhor à política de
concilião de Botha e de Smuts. A guerra os constrangeu a se organizar, a princí-
pio clandestinamente, no quadro da Afrikaner Broederbond, depois no do Partido
Nacional ‘expurgado’
77
.
No Quênia, os colonos brancos aproveitaram as hostilidades para conse-
guir importantes vantagens políticas diante da administração colonial. Obti-
veram o direito de eleger representantes no Legislative Council (Conselho
72 CROWDER, 1977d, in CROWDER, 1977a, p. 117.
73 CONFER, 1966, p. 113.
74 ZIADEH, 1962, p. 88.
75 Ibid., p. 123. A respeito das atividades do Destur , ver o capítulo 24.
76 OMU, 1968, p. 44 -9.
77 VATCHER, 1965, p. 46.
347
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
Legislativo), onde formaram maioria a partir de 1918. Isso, somado ao Crown
Lands Ordinance (Decreto sobre as Terras da Coroa), que permitia a segrega-
ção racial nas White Highlands; ao Native Registration Ordinance (Decreto
sobre o Registro de Nativos), que introduzia uma pseudo -regulamentão do
laissez -passer; e ao Soldier Settlement Scheme, que depois da guerra atribuiu
vastas parcelas da reserva Nandi aos soldados brancos, fortaleceu a posição
dominante que a minoria europeia conservou no Quênia até a cada de
1950
78
.
Os privilégios obtidos pela comunidade branca, sobretudo em matéria de ter-
ras, provocaram reações que incentivaram fortemente o nacionalismo no Quênia.
Foi assim que a Kikuyu Association, composta principalmente por chefes, foi
fundada em 1920 para defender os interesses fundiários dos Kikuyu, enquanto
a Young Kikuyu Association, de Harry Thuku, furldada no ano seguinte, tinha
como objetivo defender a terra e o trabalho
79
.
Na África do Sul, a escalada do nacionalismo afrikaner e a agitação repu-
blicana durante a guerra preocuparam vivamente os dirigentes africanos da
Suazilândia e da Basutolândia (atual Lesotho). Receavam que seus países fossem
integrados à União e que esta, com sua política cada vez mais racista, como o
ilustra o Native Land Act (Lei sobre as Terras Indígenas) de 1913, obtivesse
a independência sob pressão dos afrikaners, o que depois lhes furtaria todos
os meios de salvaguardar seus interesses. Como declarou Simon Phamote, do
Sotho National Council, seu povo temia a União “porque nós sabemos que [...]
os Bôeres arrancarão um dia a sua independência aos britânicos”
80
. A União,
por seu turno, através do African Native National Congress (que mais tarde
viria a tornar -se o African National Congress), apresentou depois da guerra um
memorando ao rei da Inglaterra, Jorge V, no qual evocava a participação dos
africanos nas campanhas militares travadas no sudoeste e no leste da África, e
também na França, lembrando que a guerra tinha sido combatida para libertar
os povos oprimidos e garantir a cada nação o direito de dispor de seu destino
81
.
O Congress foi informado pelo British Colonial Office de que o Reino Unido
não podia imiscuir -se nos assuntos internos da África do Sul, e o apelo do
Congress não foi apresentado à Conferência de Paz.
78 BENNETT, 1963, p. 35 -45.
79 Ibid., p. 45. Para maiores detalhes, ver o capítulo 26.
80 HYAM, 1972, p. 80.
81 KUPER, in WILSON, M., e THOMPSON, L. M., (orgs.), 1971, p. 439.
348
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . O desenho da África depois da Primeira Guerra Mundial.
349
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
Conclusão
A guerra assinalou uma nítida evolução da opinião internacional no que diz
respeito ao colonialismo. Antes do conflito, as potências coloniais europeias não
tinham contas a prestar senão a si próprias. Depois dele, o passado colonial de
uma dessas potências, a Alemanha, foi examinado pelos membros da Confe-
rência de Paz reunidos em Versalhes, e julgado de acordo com as novas regras
de moralidade que deviam reger a administração dos povos coloniais
82
. Sem
dúvida que também poderiam dirigir equivalente censura à maior parte das
demais potências coloniais, se o caso delas fosse do mesmo modo examinado
83
.
A ideia de missão sagrada de civilização para com povos pretensamente pouco
evoluídos – embora manifesta na década de 1890, por exemplo, com a proibição
da venda de álcool aos africanos estava agora sacramentada nos mandatos
com que os Aliados vitoriosos asseguraram a administração das colônias alemãs
em nome da Sociedade das Nações (SDN), responsável, através de todos os
meios ao seu alcance, por aumentar o bem -estar material e moral e favorecer
o progresso social dos habitantes
84
”. Em teoria, essa disposição introduzia o
princípio da responsabilidade internacional, mas em face da fraqueza da SDN
não foi possível fazer grande coisa, por exemplo, para melhorar a triste sorte
dos autóctones do Sudoeste Africano, administrado sob mandato pela União
85
.
Da mesma forma, o direito à autodeterminação, em princípio proclamado no
congresso da Segunda Internacional Socialista realizado em Londres no ano
de 1896, havia sido enunciado pelo dirigente de uma grande potência mundial,
Woodrow Wilson, enquanto uma nova potência, a Rússia Soviética, denunciaria
todas as formas de colonialismo na África.
Ainda que a sorte das populações autóctones não tenha melhorado signi-
ficativamente depois da guerra, período em que sinceras tentativas de reforma
abortaram em vista da depressão
86
, começava -se a questionar a moralidade do
colonialismo. Nesse clima delineou -se o movimento nacionalista que devia,
finalmente, conduzir numerosos países africanos à independência. Por exemplo,
prevalecendo -se do pacto da Sociedade das Nações para “que se dê tratamento
82 Ver, por exemplo, German Colonization Handbooks, redigidos sob a direção da Historical Section of the Foreign
Oce, n. 36, Londres, 1919, e FIDEL, 1926. Sobre a colonizão alemã no Togo, ver CROWDER, 1968, p.
241 -8.
83 GANN e DUIGNAN, 1967, p. 79.
84 Estes são os termos dos mandatos sobre territórios africanos.
85 Ver SEGAL e FIRST, 1967.
86 Ver SARRAUT, 1923.
350
África sob dominação colonial, 1880-1935
equitativo a seu povo”, dirigentes do National Congress of British West Africa,
como J. E. Casely Hayford e H. C. Bankole -Bright, conseguiram obter, relati-
vamente à administração de Togo, uma audiência internacional por intermédio
da União Internacional das Associações da SDN. Sucessivamente, logo após a
Segunda Guerra Mundial, o regime de mandato viria a ceder lugar ao regime
de tutela, que previa a evolução para a independência dos territórios a ele sub-
metidos, os quais deveriam receber a visita de missões de inspeção “neutras”.
A Grande Guerra assinalou portanto, na história da África, uma virada
que, embora menos espetacular que o segundo conflito mundial, nem por isso
foi menos importante. Em particular, redesenhou o mapa da África tal como
praticamente se apresenta hoje em dia (ver figura 12.7). A Alemanha saiu do
grupo das potências coloniais, sendo substituída pela França e pelo Reino Unido
em Camarões e Togo, pela União Sul -Africana no Sudoeste Africano e pelo
Reino Unido e pela Bélgica na antiga África Oriental Alemã. A Bélgica obteve,
ainda, as pequenas mas bem povoadas províncias de Ruanda e Urundi (atuais
Ruanda e Burundi)
87
.
As delicadas negociações entabuladas em Versalhes para a redistribuição
desses territórios entre os Aliados vitoriosos pertencem, a bem dizer, à história
da Europa. No entanto, a maneira como Camarões e Togo foram divididos,
sem que houvesse a menor preocupação de ordem histórica e étnica, provocou
vivíssima amargura em certas parcelas da população desses territórios, sobretudo
entre os Ewe do Togo. Para os habitantes das antigas colônias alemãs, a sorte
não melhorou muito com a troca de senhores. Na opinião de alguns africanos, a
balança até mesmo pendia mais em favor dos primeiros; em Camarões e Togo,
a população guardava certa nostalgia do antigo regime, pois os franceses haviam
introduzido o sistema de trabalho obrigatório e os britânicos estavam menos
empenhados que seus primos germânicos no desenvolvimento dos territórios
88
.
Pelo fato de a França e o Reino Unido considerarem puramente transitório
o papel de mandatários, os dois Togo foram menos desenvolvidos que a Costa
do Marfim e a Costa do Ouro, assim como Tanganica
(Tanzânia) menos que o Quênia ou Uganda. E, se o Sudoeste Africano
desenvolveu -se de maneira espetacular sob a administração sul -africana, foi
em benefício de uma população de colonos em rápido crescimento. No que se
refere aos autóctones, a brutalidade da dominação alemã deu lugar a um regime
87 Ver LOUIS, 1963b, para uma análise das negociações que levaram a Conferência da Paz a atribuir
Ruanda e Urundi aos belgas.
88 Ver WELCH, 1966, p. 58.
351
A Primeira Guerra Mundial e suas consequências
abertamente racista, defensor de uma política de povoamento e de exploração
do país pelos brancos e para os brancos.
Embora essencialmente europeia, a Primeira Guerra Mundial teve profundas
repercussões na África. Assinalou ao mesmo tempo o fim da partilha do conti-
nente e das tentativas africanas para reconquistar uma independência fundada
na situação política anterior a essa partilha. Foi causa de profundas transforma-
ções econômicas e sociais para numerosos países africanos, mas inaugurou um
período de vinte anos de calma para as administrações europeias, exceção feita a
zonas como o Rīf francês e espanhol, a Mauritânia francesa e a Líbia italiana.
Todavia, semeada durante a guerra, a ideia da autodeterminação dos povos
e da responsabilidade das potências coloniais deveria, no decurso do período
ulterior de paz, influenciar profundamente o desenrolar dos movimentos nacio-
nalistas nascentes. Mas seria necessário, ainda, o cataclisma de uma segunda
guerra mundial para que esses movimentos, que antes reclamavam apenas um
papel mais importante na administração, viessem a exigir as rédeas do poder.
C A P Í T U L O 1 3
353
A dominação europeia: métodos e instituições
A “política indígena
Pouco depois de conquistada e ocupada pelas potências imperialistas euro-
peias, ou quase ao mesmo tempo, a África foi envolvida em uma rede adminis-
trativa colonial que, embora pouco uniforme e um tanto complexa, unificava -se
com base em algumas ideias e crenças comuns. Fenômeno único quer na história,
quer no mundo submetido à dominação europeia, a política colonial tomou na
África o sentido de política indígena”. Entendendo -se que a expressão cor-
respondia a inúmeras definições diferentes na administração dos “indígenas”
termo geralmente empregado para designar os africanos –, também se admitia,
tanto em teoria como na prática, que o poder colonial não estaria efetivamente
assegurado senão com a ajuda do pessoal e das instituições autóctones, desem-
penhando uma função complementar ou auxiliar.
Esta concepção provinha da situação colonial já estabelecida pelos europeus
que desde o século XIX governavam a África. Com a notável exceção da Argélia
e da África austral, esse vasto continente era, em razão do seu clima, quase que
totalmente considerado pouco propício a uma colonização intensiva pelos bran-
cos; de resto, as populações locais pareciam geograficamente muito dispersas
para permitir uma administração direta eficaz do pessoal europeu. Basicamente,
a África afigurava -se um conglomerado de Estados tropicais cujas populações
A dominação europeia:
métodos e instituições
Raymond F. Betts (revisão de A. I. Asiwaju)
354
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Sir Frederick Lugard (1858 -1945),
alto -comissário da Nigéria do norte, 1900 -1907, 1912-
-1914; depois, governador da Nigéria, 1914 -1919.
(Foto: Mary Evans Picture Library.)
F .
Louis -Gabriel Angoulvant,
governador da Costa do Marm, 1908 -1916.
(Foto: Roger -Viollet.)
F . General Joseph Simon Gallieni
(1849 -1916), comandante superior do Sudão fran-
cês, 1886 -1888; governador -geral de Madagáscar,
1896 -1905. (Foto: BBC Hulton Picture Library.)
F . Albert Heinrich Schnee (1871-
-1949), governador da África Oriental Alemã,
1912 -1918. (Foto: BBC Hulton Picture Library.)
355
A dominação europeia: métodos e instituições
deveriam ser ao mesmo tempo arregimentadas e dirigidas pelos europeus, para
fins determinados a partir do exterior. O que sir Frederick Lugard (mais tarde,
lorde Lugard) definia como duplo mandato” em sua célebre obra, intitulada
justamente The Dual Mandate, publicada pela primeira vez em 1922 era geral-
mente aceito como justificativa teórica da presença europeia: desenvolvimento
social e econômico, para o bem tanto da África como do resto do mundo.
Consequentemente, de acordo com a ideologia imperialista da época, a fina-
lidade da presença europeia definia -se em termos de responsabilidade ou de
tutela. O informe oficial do governo britânico, expedido no Quênia em 1923,
declarava: “O governo de Sua Majestade considera -se exercendo, por conta das
populações africanas, uma tutela [...] cujo objetivo pode ser definido como a
proteção e o progresso das raças indígenas...
1
”. No célebre estudo La mise en
valeur des colonies françaises, Albert Sarraut, ministro francês das colônias, escre-
via a propósito da França: “O único direito que ela quer conhecer é o direito
de o mais forte proteger o mais fraco”. A França, prosseguia ele, garantia o
crescimento econômico e o desenvolvimento humano de suas colônias
2
.
Ambas as declarações evocam esse estado de espírito paternalista, em relação
à África colonial, de que o pensamento europeu se havia inteiramente impreg-
nado e que foi simultaneamente internacionalizado e institucionalizado com
o sistema de mandatos criado pela Liga das Nações após a Primeira Guerra
Mundial. Como proclamava o artigo 22 do pacto da Sociedade das Nações, o
empreendimento colonial, sobretudo na África, passaria a ser promovido em
nome de um ideal superior de civilização e convinha confiar a tutela desses
povos [as populações coloniais] às nações desenvolvidas”
3
. Subjacente a essa
retórica transparecia mais uma vez o sentimento de superioridade cultural e
racial que se formara nos séculos XVIII e XIX e que se expressava na qualifica-
ção de “crianças grandes” ou “não adultos” aplicada aos africanos. A dominação
europeia, que exigia essa condição social imaginária, supunha perdurar por muito
tempo, prolongando indefinidamente a colonização da África.
As raras zonas onde se haviam estabelecido importantes minorias brancas,
na época expandidas com a chegada de numerosos imigrantes, pareciam desti-
nadas a uma colonização permanente e à continuidade da supremacia europeia
1 lndians in Kenya, Cmd. 1922 (1923).
2 SARRAUT, 1923, p. 19.
3 Ao ingressar na Sociedade das Nações, no entanto, a União Soviética expressou certa reserva com relação
a alguns artigos do pacto. Desaprovou particularmente o artigo 22 e, consequentemente, recusou -se a
nomear um representante junto da Comissão de Mandatos.
356
África sob dominação colonial, 1880-1935
em tudo o que dissesse respeito à política e à propriedade. No entanto, mesmo
nessas zonas (exceto na África do Sul, onde uma política de segregação dema-
siadamente rígida se havia imposto), falava -se com boa vontade em desen-
volvimento cooperativo e, ao menos oficialmente, as populações africanas eram
convidadas a se deixar conduzir pelos europeus.
Para além dessas considerações, a política colonial não tinha objetivos claros
e definitivos. Visão a curto prazo mais que sistema bem definido, a versão britâ-
nica apresentava traços de autonomia administrativa, enquanto as formas fran-
cesa e portuguesa implicavam certa integração política. Oscilando entre esses
polos – política de “diferenciação e política de “assimilação –, a administração
colonial de entre as duas guerras era, aos olhos daqueles que deviam aplicá -la,
um exercício de adaptação cultural e política necessariamente empírico.
Não obstante, as ideias e experiências que viriam a desempenhar um papel
futuro remontavam, todas elas, ao período anterior à Primeira Guerra Mun-
dial. Ao retalhamento teórico” da África, verificado nas duas últimas décadas
do século XIX, seguiu -se um período de conquista e dominação militar que
determinaria a maior parte dos métodos de controle administrativo emprega-
dos desde antes do final do século. Como resultado, o período de entre guerras
foi aquele em que inúmeras dessas antigas práticas se estruturaram em política
oficial e no qual o oportunismo administrativo foi elevado ao nível de teoria
bem articulada. Retrospectivamente, esse período surge claramente como o da
burocratização da administração colonial.
Se bem que inicialmente não houvesse uma concepção universalmente aceita
para a administração colonial na África, existia, no entanto, uma convergência
bastante significativa de opiniões sobre aquilo a que se poderia chamar admi-
nistração conjunta ou, em linguagem mais corrente, administrão indireta;
aquilo que permitia às autoridades africanas participar do poder colonial, em
seus papéis políticos tradicionais ou nos que os europeus lhes impunham, mas
incontestavelmente em posição subordinada. O acordo geral com relação a esse
grande princípio explica -se de muitas maneiras. Em primeiro lugar, as modali-
dades históricas da constituição dos impérios coloniais em fins do século XIX
não foram estranhas a isso, assim como a dimensão dos impérios acrescentou
um novo elemento ao problema da administração colonial. Em segundo lugar,
a penetração do continente africano deu -se em ritmo tal que o pessoal europeu
disponível logo se tornou insuficiente para administrar as novas possessões, tanto
mais que elas se estendiam a regiões com as quais não se estabelecera, até então,
nenhum contato cultural europeu. Desse modo, a administração direta seria uma
experiência inteiramente nova e, portanto, pouco viável no plano imediato. Foi
357
A dominação europeia: métodos e instituições
essencialmertte devido a essa situação,analisada por vários observadores
4
, que,
diferentemente dos pequenos territórios costeiros submetidos à administração
direta, as vastas possessões do interior foram administradas de maneira indireta.
No final do século, além disso, o colapso da administração empreendida por
companhias concessionárias exigiu o estabelecimento de uma autoridade nacio-
nal sobre vastas regiões que os europeus não mantinham com solidez, o que de
todo modo, salvo na África Oriental Alemã, acarretou o surgimento de um tipo
de administração bastante frouxa, análoga aos métodos brandos anteriormente
empregados pelas companhias, e de que a Somália era exemplo flagrante.
Havia ainda razões derivadas da percepção cultural dos europeus e que deno-
tavam intenções políticas. Não somente o princípio do império barato”, que
nada ou quase nada custava diretamente à metrópole, tinha aceitação geral,
mas julgava -se também que, quanto menos a ordem social fosse abalada, mais
ativa seria a cooperação dos povos autóctones. A respeito da política britânica
na África, Lugard afirmava que “para terem êxito e promoverem a felicidade e
o bem -estar do povo, as instituições e os métodos devem estar profundamente
arraigados em suas tradições e preconceitos’
5
. Em 1906, o ministro francês das
colônias, Georges Leygues, declarava: “O princípio fundamental de nossa polí-
tica colonial deve ser o respeito escrupuloso de crenças, costumes e tradições
dos povos submetidos ou protegidos
6
”.
Explicações e argumentos a respeito da falta de pessoal e da necessidade
de reduzir as despesas ao mínimo necessário estão igualmente ligados a um
problema mais fundamental, que impôs a adoção do sistema conjunto de admi-
nistração a todos os governos coloniais do século XX: o malogro da política
administrativa direta ou assimilacionista, tão em voga no século XIX. Quer se
tratasse dos franceses com as Quatro Comunas do Senegal (Dacar, São Luís,
Rufisque, Goreia), ou dos ingleses com as colônias da Coroa (Serra Leoa, Costa
do Ouro atual Gana e Lagos pertencente à atual Nigéria), a assimilação
malograra em fins do século passado, e não somente por causa da resistência
cultural dos povos africanos. Aos funcionários coloniais ingleses e franceses
faltava entusiasmo, devido aos conflitos e atritos que se produziam entre a
elite colonial europeia e os africanos educados à moda ocidental. Nas colônias
inglesas e francesas, o fim do século XIX foi assinalado pela frustração geral
das expectativas desses africanos ocidentalizados. Como observou justamente A.
4 Ver PERHAM, 1960b, p. 140 -1; FAGE, in GIFFORD e LOUIS (orgs.), 1967, p. 703.
5 LUGARD, 1929, p. 211.
6 La Dépêche Coloniale, 12 de julho de 1906, p. 1.
358
África sob dominação colonial, 1880-1935
E. Afigbo
7
, o final do século XIX não se caracterizou somente pelo sistemático
afastamento dos africanos “cultos”, que nas décadas anteriores ocupavam postos
de responsabilidade nas colônias britânicas da África ocidental, mas também
pela redução da possibilidade de os africanos se tornarem cidadãos franceses no
Senegal e em outras colônias. Deve -se, portanto, a essa falta de solidariedade
entre colonialistas europeus e africanos cultos a escassez artificial de pessoal
administrativo verificada em fins do século passado, quando os novos regimes
começaram a restringir o recrutamento de africanos altamente capacitados para
a administração.
Dadas essas condições, nenhuma potência colonial procurou eliminar de
imediato e por completo as estruturas sociopolíticas existentes. De qualquer
modo, as políticas apresentavam grande diversidade, desde a aceitação relutante
e a adaptação forçada dessas estruturas (como na Angola portuguesa e na África
Oriental Alemã) até os esforços deliberados para conservar as instituições (caso
da Nigéria do norte britânica e do Marrocos francês). Não obstante, as exigên-
cias fundamentais do sistema colonial produziram em toda parte o efeito de
modificar os objetivos e, portanto, distorcer as funções das instituições africanas
básicas, enfraquecendo -as. O próprio fato de os Estados africanos terem sido,
na sua maior parte, anexados por conquista e pelo exílio ou destituição de seus
dirigentes lançou em descrédito toda a antiga administração. A generalização de
um sistema fiscal concebido por europeus constituiu certamente outra medida
colonial demolidora, mas até mesmo tímidos esforços no sentido do que hoje se
chama modernização remodelaram as instituições locais. Ainda que a existência
da maioria das populações africanas não tenha sido essencialmente afetada pela
presença dos europeus, as instituições políticas de base, em compensação, foram
profundamente alteradas.
O regime colonial e suas estruturas
Do palácio do sultão do Marrocos ao kraal de um chefe da África oriental
ou austral, os administradores coloniais europeus procuravam e encontravam,
entre as “autoridades indígenas”, aliados ou agentes para transmitir eficien-
temente as exigências da dominação estrangeira ao conjunto das populações
africanas. Era uma estrutura de autoridade assimétrica, não importando quão
pouco as instituições existentes fossem modificadas ou estivessem subordinadas
7 AFIGBO, in AJAYI e CROWDER (orgs.), 1974, p. 443.
359
A dominação europeia: métodos e instituições
às necessidades dos europeus. No topo da pirâmide administrativa encontrava -se
o governador ou residente -geral, que, embora em última instância responsável
perante o governo da metrópole, usufra muitas vezes do poder como um
soberano.
O quadro institucional em que o governador agia variava consideravelmente
em dimensão e complexidade, mas, via de regra, era assistido, no período de
entre as duas guerras, por uma espécie de conselho ou comissão consultiva que
representava ao mesmo tempo interesses “oficiais” (administrativos) e interesses
não oficiais” (dos colonos ou dos comerciantes). Nos sistemas francês, português
e belga, a centralização da administração colonial reservava o poder legislativo
à metrópole, mas nas possessões britânicas da África os conselhos coloniais
tomaram efetivamente o caráter de assembleias protoparlamentares, em que os
eleitos ou nomeados, ou ambos, viram suas funções pouco a pouco passarem do
consultivo ao legislativo, preparando assim, sem querer mas de acordo com um
processo muito lógico, a via para a devolução dos poderes políticos. Quando os
africanos começaram a estar presentes nos organismos consultivos coloniais,
principalmente no caso do sistema britânico, seu número e o modo como eram
designados constituíam garantia suficiente de que não teriam influência sensível
no modo de dominação europeia de entre as duas guerras.
A instituição central de toda a organização colonial era o distrito ou região
(chamada cercle na África Ocidental Francesa, vocábulo militar que recordava a
natureza da aquisição colonial). Sobre a região, distrito ou cercle, um administra-
dor europeu exercia a autoridade e dirigia as atividades tanto dos subordinados
europeus como das autoridades africanas integradas à administração colonial.
O elemento africano mais importante, aquele cujo papel tem sido mais
discutido, era o chefe local. Na verdade, todas as potências coloniais dependiam
do chefe, tradicional ou designado, como elemento nuclear da estrutura admi-
nistrativa. O administrador colonial francês Robert Delavignette explicou de
modo sintético a natureza do sistema, e sua análise aplicava -se não somente à
África Ocidental Francesa:
Não colonização sem política indígena; não política indígena sem comando
territorial; e não há comando territorial sem chefes indígenas que atuem como cor-
reias de transmissão entre a autoridade colonial e a população
8
.
Embora nenhum observador ou crítico tenha jamais questionado a ativi-
dade dos chefes locais como parte integrante do sistema colonial em todo o
8 DELAVIGNETTE, 1946, p. 121.
360
África sob dominação colonial, 1880-1935
continente, os especialistas, em compensação, muito têm discutido sobre a uti-
lização que deles faziam as diversas potências europeias
9
. A grande questão é a
diferença entre administração direta e administração indireta, entre delegação
da autoridade europeia aos chefes africanos e mediação europeia da autoridade
tradicional desses chefes. Os pesquisadores, na sua maioria, mostram interesse
pela distinção entre os modos de poder dos britânicos e dos franceses na África
subsaariana, os quais se diferenciavam pelos métodos, se não pelos resultados.
Mas, para recolocar o problema no seu quadro histórico, talvez seja preferível
proceder a uma análise geral da política praticada no continente, reservando
no entanto, ainda, uma atenção particular para as atividades de britânicos e
franceses.
A explicação mais célebre dada à importância da autoridade indígena para a
ordem colonial é a de Lugard, teórico do método de dominação mais discutido
e mais imitado: a administração indireta. Como tantos outros administradores
coloniais, fazia da necessidade virtude, mas raros falaram dessa virtude com
tanta persuasão.
Encarregado de administrar o vasto território da Nigéria do norte depois da
transferência dos poderes da Royal Niger Company para o Estado, com falta de
pessoal e de fundos, Lugard compreendeu que estava fora de cogitação a ideia
de controle direto; mas, se chegou a tal conclusão, foi também por estar pesso-
almente convencido, desde a época em que servia em Uganda, de que o melhor
método de administração colonial era a utilização das instituições autóctones
existentes. Foi assim que entre 1900 e 1907, durante o período em que ocupou
o posto de alto -comissário na Nigéria, Lugard elaborou sua linha geral de ação,
dela fornecendo explicação detalhada em inúmeras instruções aos administra-
dores, todas publicadas em Political Memoranda.
O melhor resumo de sua política está contido em uma série de instruções
a seus subordinados, datadas de 1906, nas quais preconiza “um governo único,
onde os chefes africanos tenham deveres bem definidos e uma posição reco-
nhecida equivalente à das autoridades britânicas”
10
. Aquilo que deveria vir a ser
o sistema de administração indireta fundava -se, portanto, não na subordinação,
mas na colaboração com o residente britânico, exercendo este essencialmente
funções consultivas em vez de executivas. Ao chefe africano neste caso, o
emir peul cumpria desempenhar o seu papel tradicional, seguindo diretrizes
bem precisas, mas não rígidas, da administração colonial. Tentando dessa forma
9 Ver DESCHAMPS, 1963; CROWDER, 1964; CROWDER e IKIME (orgs.), 1970; ASIWAJU, 1976a.
10 LUGARD, 1919, p. 298.
361
A dominação europeia: métodos e instituições
integrar os emires ao sistema colonial, Lugard queria deixar -lhes a maior parte
de suas antigas responsabilidades, funções e prerrogativas, para que eles conti-
nuassem aparecendo aos olhos de seu povo como chefes legítimos.
O regime de Lugard não apenas baseava -se na utilização das autoridades
existentes, mantidas suas funções tradicionais, mas visava ainda a outro obje-
tivo: esperava -se que produzisse alterações no modelo europeu, sobretudo com
respeito à justiça e à tributação
11
. A grande tarefa da administração indireta”,
escrevia o biógrafo de Lugard num artigo em defesa de sua política, é não
intervir nas rivalidades entre africanos, deixando campo livre suficiente para
que encontrem eles próprios o ponto de equilíbrio entre o conservadorismo e a
adaptação
12
A realização dessa tarefa estava em grande medida subordinada ao
conhecimento dos administradores europeus sobre os costumes e as instituições
locais, e também, claro está, à disposição das autoridades autóctones para operar
esses ajustes, buscando modernizar suas próprias instituições.
Tal como a esboçamos, a administração indireta na Nigéria do norte pode
ser justaposta a outro modelo que, a exemplo do de Lugard, teve êxito principal-
mente em regiões inteiramente submetidas às instituições políticas muçulmanas.
Foram os franceses que primeiro definiram teoricamente essa forma de admi-
nistração indireta, cujo alcance superava o quadro africano. Por eles denominado
politique d’association, o modelo teve muita voga na virada do século e foi entu-
siasticamente oposto ao antigo ideal de assimilação política. Jules Harmand, o
teórico conservador do colonialismo, nos oferece dele uma excelente explicação,
em longo trecho da obra Domination et colonisation, publicada em 1910 com
grande repercussão. A associação declarava é uma forma de “administração
indireta, com a conservação, embora melhor vigiada e dirigida, das instituições
do povo submetido e com o respeito por seu passado
13
. Em 1923, a publicação
da obra de Sarraut, La mise en valeur des colonies françaises, marcou a consagração
oficial dessa política.
Proposta originariamente para a Indochina e mais tarde erigida em política
para a África, a “associação” nem por isso deixava de estar geograficamente
limitada como prática colonial. Os franceses a consideraram seriamente no
Marrocos, sobretudo por causa do interesse que os assuntos referentes aos afri-
canos inspiravam ao residente -geral, Louis -Hubert Lyautey (ver figura 13.5),
11 Na Nigéria, as modicações provocadas pela administração indireta estão cuidadosamente documentadas
em IKIME (org.), 1980, capítulos 25, 26 e 27.
12 PERHAM, 1934, p. 331.
13 HARMAND, 1910, p. 163.
362
África sob dominação colonial, 1880-1935
a quem a metrópole deixou as mãos quase livres nos primeiros anos do pro-
tetorado. As estruturas do Estado xerifiano foram preservadas em todo o ter-
ritório marroquino e, em âmbito local, a ação administrativa assemelhava -se
estranhamente ao modelo proposto por Lugard. O contrôleur civil francês devia
desempenhar o papel de conselheiro e não de superior hierárquico junto do
cádi, magistrado muçulmano que exercia suas funções de acordo com o direito
muçulmano (shari’a). Organização semelhante existia no Marrocos espanhol,
onde a atividade do cádi era orientada pelo interventor, equivalente espanhol do
contrôleur civil. A instituição do cádi foi conservada também na Somália italiana,
mas dividindo as responsabilidades com chefes designados.
Teoricamente, a administração indireta era praticada também nos territórios
coloniais franceses ao sul do Saara; na realidade, porém, as coisas se passavam
de modo diferente. De acordo com um documento frequentemente citado,
pois descreve muito bem os métodos empregados pelos franceses entre as duas
guerras, em 1917 o governador -geral da África Ocidental Francesa, Joost Van
Vollenhoven, declarava: os chefes “não têm poder próprio de nenhuma espécie,
pois não há duas autoridades dentro do cercle [...]; não há senão uma! Só o com-
mandant du cercle comanda; somente ele é responsável. O chefe indígena não
passa de um instrumento, de um auxiliar
14
. Apesar das declarações oficiais,
portanto, os franceses serviam -se das autoridades indígenas não indiretamente,
mas diretamente e sob a autoridade da administração colonial. E os portu-
gueses faziam o mesmo.
Embora desacreditado por algumas críticas que o consideravam exagerada-
mente conservador
15
, o sistema de administração indireta de Lugard conseguiu
inicialmente bons resultados na Nigéria do norte; e foi estendido depois da
guerra à maior parte das possessões britânicas da Africa, inclusive aos territó-
rios de Tanganica e Camarões, tomados à Alemanha. Os belgas o adotaram no
próprio Congo, depois de 1920. Se bem que as condições não fossem em parte
alguma melhores, nem os resultados mais brilhantes do que aquele obtido na
região habitada pelos Haussa e Peul na Nigéria do norte, os britânicos tentaram
de fato seguir as grandes linhas de costumes locais, de modo que até institui-
ções recém -criadas, como os conselhos locais, estavam em consonância com as
formas autóctones de organização. A notável exceção, contudo, era a África do
Sul, país em que a noção de autoridade indígena constituía o meio pelo qual a
14 VAN VOLLENHOVEN, 1920, p. 207.
15 Para uma análise mais recente, ver ABUBAKAR, in IKIME (org.), 1980.
363
A dominação europeia: métodos e instituições
 . Louis -Hubert Lyautey (1859 -1935), residente -geral francês no Marrocos, 1912 -1925 (por
Chabellard). (Foto: Roger -Viollet.)
364
África sob dominação colonial, 1880-1935
minoria branca garantia a administração local dos africanos, agora confinados
em reservas territoriais pela política de segregação.
Em toda a África subsaariana, no período de entre guerras o chefe local
deixou de ser uma “autoridade indígena”, para tornar -se agente administrativo.
Suas atribuições e poderes tradicionais foram muito atenuados ou diminuídos.
Essa mudança de posição, mesmo nas regiões submetidas à administração indi-
reta, pode ser facilmente explicada. Com efeito, as funções tradicionais eram
ampliadas sob pressão das novas exigências: recolhimento de impostos, opera-
ções de recenseamento, recrutamento de mão de obra e alistamento. E quando
os europeus julgavam que os postos de autoridade tradicional não estavam
desempenhando a contento, colocavam neles ex -combatentes, sargentos ou fun-
cionários. Esse era particularmente o caso nas colônias francesas e portuguesas,
onde comumente violavam -se as regras locais do recrutamento dos chefes. Além
disso, os chefes eram às vezes encarregados de um papel político que outrora
não cabia em suas atribuições; ou, então, lotados em sociedades acéfalas, onde
não haviam tido antes nenhuma função administrativa. Houve exemplos dos
dois casos entre os Igbo da Nigéria, os Gikuyu do Quênia e os Langi do norte
de Uganda
16
.
Com o estabelecimento da administração europeia, os chefes foram mani-
pulados como um pessoal administrativo passível de se transferir e remover à
vontade, para satisfação das necessidades coloniais. Foram abolidas e criadas
circunscrições, segundo eram consideradas supérfluas ou úteis às exigências
coloniais. O caso mais impressionante foi, sem dúvida, o do Congo Belga (atual
Zaire), país em que, depois de 1918, as reformas propostas pelo ministro das
colônias, Louis Franck, redundaram numa revisão completa da ordem colonial.
O número de circunscrições (chefferies) caiu de 6095 em 1917 para 1212 em
1938. Além disso, uma circunscrição administrativa inteiramente nova, o sec-
teur, foi criada para consolidar a reforma. De acordo com o mesmo espírito, os
franceses decidiram adotar, na África ocidental, uma nova circunscrição, o can-
ton agrupamento de aldeias que, no dizer de um governador,fica submetido
à autoridade de um agente administrativo indígena, que passa a ser nomeado
chefe de cantão
17
. Na Líbia, um decreto real de 31 de agosto de 1929 submeteu
as populações à nova organização administrativa que previa principalmente a
16 A esse respeito, ver especialmente TIGNOR, 1971; TOSH, 1973; AFIGBO, 1972; OCHIENG e
MURIUKI, em OGOT (org.), 1972.
17 “Programa de ação econômica, política e social”, 1933, p. 185; Apud SURET -CANALE, 1971, p. 323.
Em itálico no original do autor.
365
A dominação europeia: métodos e instituições
 . A administração indireta em ação: o príncipe de Gales recebe chefes em Acra, durante uma viagem à Costa do Ouro, 1925. (Foto: Illustrated
London News Picture Library.)
366
África sob dominação colonial, 1880-1935
divisão das populações nômades da colônia em “tribos” e “subtribos”, conforme
a vontade do governador, aconselhado pelo comissário regional. E mesmo os
britânicos operaram modificações análogas na zona oriental da Nigéria, quando
aí foi introduzida a administração indireta. Em presença dos chefes locais, cuja
autoridade não podiam então definir com precisão, os britânicos introduziram
o princípio do “chefe designado”, com autoridade sobre territórios povoados por
milhares de habitantes, mas nomeado diretamente pelo governo colonial
18
.
O papel do administrador local complicava ainda mais a situação. Fossem
quais fossem suas intenções, acabava invariavelmente por tornar -se um chefe
auxiliar. Como Delavignette sublinha com satisfação, o administrador colonial
não era de forma alguma um administrador, mas um chefe, e reconhecido como
tal pelas populações africanas submetidas à sua autoridade. A função essencial
do administrador, afirmava ele, é de “agir como chefe”
19
. O discreto e reservado
papel que Lugard imaginara para o residente britânico na Nigéria do norte não
foi aceito pelos administradores franceses e portugueses, que reservavam para si
a parte mais importante no exercício da autoridade local. Na Somália italiana,
os administradores aproximavam -se mais dos britânicos no que se refere às
relações com os chefes locais, mas mesmo nesses dois grupos as teses de Lugard
eram necessariamente modificadas pelas exigências do regime colonial e pela
personalidade de quem o exercia. Entre os funcionários coloniais em serviço
na África, eram raros aqueles que, em tais relações, davam provas da sutileza e
da faculdade de identificação que o bom funcionamento do sistema de admi-
nistração indireta de Lugard exigia. Além disso – e o que é mais importante – as
novas exigências sociais impostas pelo colonialismo não tinham qualquer ponto em
comum com o costume africano, e foram integradas às instituões auctones
mediante distorções.
Objetivos e imposições do colonialismo
Para além da retórica oficial, os objetivos concretos da colonizão revelaram -se
muito restritos. Limitavam -se essencialmente a manter a ordem, evitar despesas
excessivas e constituir uma reserva de o de obra, primeiro para transporte de cargas
e depois para construção de estradas e ferrovias, mas também para fins comerciais.
Na prática, esses objetivos eram atribuídos às funções da administrão local,
18 Para maiores detalhes, ver AFIGBO, 1972.
19 DELAVIGNETTE, 1946, p. 29.
367
A dominação europeia: métodos e instituições
e cumpridos de três maneiras: reforma dos sistemas judiciários, recurso ao traba-
lho forçado e instituição de impostos pessoais. As duas últimas fórmulas, dentre
inúmeras instituições coloniais, foram as que mais perturbações provocaram, ao
passo que a primeira talvez tenha sido a mais cuidadosamente planejada pelos
europeus.
A introdução das instituições judiciárias europeias deixou quase sempre
algum espaço ao direito consuetudinário africano e, conforme o país (a Somália
italiana, por exemplo), ao direito muçulmano. Não obstante, também provocou
mudanças. Como lorde Hailey observou, o princípio fundamental do direito
europeu divergia claramente dos sistemas africanos, pois estava centrado no
castigo do culpado é não na reparação do prejuízo causado à vítima
20
. Inúme-
ras vezes o poder colonial tentou instaurar uma diarquia judiciária, pela qual
litígios civis entre africanos seriam julgados de acordo com os procedimentos
pré -coloniais, enquanto o crime e os litígios entre europeus cairiam diretamente
sob a jurisdição colonial.
No entanto, com a notável exceção das colônias portuguesas, foi criado ou
fortalecido, um pouco por toda a parte, um sistema de tribunais voltado para as
necessidades dos africanos, tais como as entendiam os europeus
21
. Na primeira
década do século, os italianos na Somália e os alemães na África oriental procu-
raram ampliar os poderes judiciários dos chefes ou magistrados africanos. Mas
foi na costa ocidental que tentativas do mesmo gênero foram levadas mais longe
e com maior êxito, com a instalação dos “tribunais indígenas” por Lugard. Parte
integrante da trípode administração indígena”, o “tribunal indígena” era para
Lugard um instrumento para “inculcar a ideia da responsabilidade e desenvol-
ver em uma comunidade primitiva certo sentido da disciplina e do respeito à
autoridade”
22
. Presididos por africanos e essencialmente destinados a tratar dos
assuntos indígenas, esses tribunais deviam respeitar tão estritamente quanto
possível o direito consuetudinário africano, modificando -o somente quando se
afastasse das normas jurídicas fundamentais dos ingleses. O modelo de Lugard
foi aplicado em numerosas possessões britânicas e nos territórios sob mandato,
e imitado pelos belgas no Congo.
os franceses aplicaram um método diametralmente oposto, que buscava
reduzir os poderes dos africanos para fazer do administrador a única autoridade
judiciária. Mesmo assim, o elemento mais singular e menos equitativo do sis-
20 HAILEY, lorde, 1957, p. 591.
21 Em ADEWOYE, 1977, pode ser encontrado fascinante estudo de um caso desse processo.
22 LUGARD, 1929, p. 548.
368
África sob dominação colonial, 1880-1935
tema francês ainda era o indigénat
23
. Empregado primeiro na Argélia na década
de 1870, foi depois adotado na África Ocidental Francesa na década de 1880
e, tanto aí como na Argélia, sobreviveu até o fim da Segunda Guerra Mundial.
Regulamentado por um decreto de 1924, o estatuto do indigenato permitia a
qualquer administrador francês aplicar pena de até quinze dias de prisão e de
multa por diversas infrações, desde atraso no pagamento de impostos até falta
de respeito para com funcionários franceses.
Os impostos pessoais, que afinal incidiam sobre todos os africanos do sexo
masculino, tinham repercussão mais profunda que os regimes jurídicos. Concebi-
dos originariamente como meio de autofinanciamento da colonização, também os
inspirava a ideia de obrigar os africanos a participarem das atividades econômicas
dos europeus, ampliando o setor monetário da economia. Nos primeiros anos do
século XX, esses impostos estavam regulamentados como nenhuma outra insti-
tuição colonial, depois de ter passado por um claro ciclo de evolução
24
. O imposto
de palhota, muito difundido nos primeiros anos da dominação colonial, também
suscitou contestações e protestos entre os africanos
25
. Na década de 1920 foi, de
modo geral, substituído por um imposto pessoal ou capitação, que permaneceu
como forma de tributação mais generalizada até o fim da era colonial. Entre
as duas guerras, tentou -se várias vezes transformá-lo num imposto progressivo,
segundo a região ou o rendimento potencial das terras. Finalmente introduzido,
na década de 1920, em várias possessões britânicas e no Congo Belga, o imposto
sobre a renda das pessoas sicas visava sobretudo os o -africanos, em geral os
únicos a possuir renda suficiente para sofrer tributação.
Em meio a esse quadro geral, havia numerosas variantes regionais, a mais
importante das quais relacionada com a noção de autoridade indígena lançada
por Lugard. Como este escrevia em Dual Mandate, “o imposto [...] é, em certo
sentido, a base de todo o sistema, que proporciona os meios para pagar ao
emir e a todos os subordinados”
26
. A instituição que assegurava o funciona-
mento do sistema era o “tesouro indígena”, ideia cuja paternidade cabe a sir
Charles Temple, a serviço de Lugard na Nigéria do norte. Cada autoridade
indígena devia receber de volta uma porcentagem dos impostos arrecadados em
seu distrito, destinada a um “tesouro indígena alimentado também pelo produto
de diversas licenças e multas aplicadas pelos tribunais. Era desse fundo que o
23 Para um estudo mais recente e detalhado, ver ASIWAJU, 1979.
24 HAILEY, lorde, 1957, p. 676.
25 Ver o capítulo 6.
26 LUGARD, 1929, p. 201.
369
A dominação europeia: métodos e instituições
emir ou o chefe retirava sua própria renda e pagava aos seus subordinados. O
remanescente seria empregado no funcionamento e na melhoria dos serviços
públicos. A fórmula, aplicada originalmente nos emirados, estendeu -se, com
a administração indireta, não às possessões britânicas das costas oriental e
ocidental, mas também ao Congo Belga.
Dentre todas as inovações coloniais, o sistema tributário foi o que mais con-
tribuiu para a burocratização da administração colonial. Atribuía uma função
comum ao administrador e ao chefe africano que, ao fixar e recolher o imposto,
muitas vezes de acordo com os conselhos locais de anciãos ou de notáveis,
relembrava a todos o poder regulamentador do novo sistema
27
. Ademais, depois
dos cobradores de impostos propriamente ditos, não tardaram a aparecer agen-
tes administrativos que passaram a integrar uma nova elite colonial. Dentre
eles, os mais representativos e os mais contestados foram, provavelmente, os
akida, empregados pelos alemães na África oriental. Antes da colonização euro-
peia, esses funcionários de língua kiswahili estavam lotados na região costeira;
então, a administração alemã atribuiu a eles novas funções e transformou -os em
cobradores de impostos e recrutadores de mão de obra. Em 1936, funcionários
africanos foram nomeados cobradores de impostos na Rodésia do Norte, novo
indício da tendência para a burocratização.
A introdução de impostos em moeda foi logo seguida pelos impostos em tra-
balho, manifestação clara das tentativas europeias para arregimentaro de obra
na organização econômica da aventura colonial. O impôt de cueillette, que permitia
a coleta de borracha selvagem no Estado Livre do Congo, foi o mais criticado;
mas o que vigorou por mais tempo (só seria abolido em 1944) foi o imposto em
trabalho chamado prestation, ao qual estavam obrigados todos os homens das
possessões francesas da África ocidental e da equatorial, salvo se o remissem
mediante pagamento à vista. Inversamente, em Camarões os alees permitiam
aos africanos libertarem -se da capitação pagando em trabalho. E, em uma região
de Uganda, os britânicos conservaram o luwalo – tributo p -colonial de um mês
de trabalho para as obras públicas – a1938, data em que foi substituído por um
imposto em numerário. Os impostos, entretanto, não passavam de exceções ao
sistema de trabalho forçado que todas as potências coloniais empregavam.
Sempre às voltas com a falta de mão de obra para novos projetos e novos
empregos financiados pelo regime colonial, os administradores europeus impuse-
27 Lugard, em particular, exaltava os méritos do imposto pessoal por assinalar “o reconhecimento do prin-
cípio segundo o qual cada indivíduo tem, em relação ao Estado, obrigação proporcional aos seus meios”,
ibid., p. 232.
370
África sob dominação colonial, 1880-1935
ram sua dominação antes do final do século graças a um sistema de arregimen-
tação praticamente forçada, que, de resto, destinava -se muitas vezes a satisfazer
tanto as necessidades do setor privado como as do setor blico. O sistema, é certo,
entrou em declínio no início do século XX, seja porque a necessidade de carre-
gadores era menor, seja pela crescente pressão da opinião internacional. Mesmo
assim, embora muito modificado, seu uso continuou a fazer parte integrante do
regime colonial até o fim da Segunda Guerra Mundial. Foi esse, pelo menos, o
caso da administração colonial francesa, que, até o final do conflito, empregava
grande quantidade de africanos submetidos à prestation, sobretudo para a cons-
trução de ferrovias (por exemplo, na África ocidental). Além disso, as autoridades
coloniais francesas frequentemente autorizavam o recrutamento forçado para fins
comerciais, como o caso das plantações de seringais na África equatorial e das
florestas da Costa do Marfim
28
. Os abusos eram, ainda então, comuns o bastante
para suscitar a indignação da opinião pública, da qual And Gide se tornou o
intérprete mais eloquente com a célebre Voyage au Congo (1927).
Encontravam -se, contudo, no Sudoeste Africano alemão e na União Sul-
Africana as formas mais opressivas de regulamentação do trabalho. A política
praticada pela União Sul -Africana foi, evidentemente, estendida ao Sudoeste
Africano depois da Primeira Guerra, quando ele se tornou território sob man-
dato. No entanto, o regime alemão precedente era extraordinariamente seme-
lhante ao da União Sul -Africana, os dois igualmente severos: o trânsito dos
africanos era regulado por salvo -condutos e cédulas de identidade; leis sobre a
vadiagem castigavam quem não estivesse munido de um contrato de trabalho,
feito de maneira a dar enorme vantagem ao empregador alemão. Também na
União Sul -Africana havia leis sobre vadiagem e trânsito de pessoas, ficando os
contraventores sujeitos a penas de trabalho forçado minimamente retribuído.
As leis de 1923 sobre os autóctones (regiões urbanas) e sobre a administração
autóctone reafirmaram aquelas anteriores referentes ao trânsito, enquanto outros
documentos legais, como o de 1922 sobre a aprendizagem, restringiam forte-
mente as possibilidades de emprego aos africanos.
Meios de controle e de administração
Por diversos que tenham sido as teorias e os métodos da dominação colonial
propostos ou aplicados no período de entre as duas guerras, nem por isso deixam
28 O caso da Costa do Marm foi tratado por SEMI -BI, 1973, e por ANOUMA, 1973.
371
A dominação europeia: métodos e instituições
de delinear um modelo bem nítido de regime burocrático. Na época, a domina-
ção colonial passara do controle militar ao controle institucional civil; o recurso
direto à força tendia a ser substituído pela persuasão administrativa. E, mesmo
assim, o último argumento do poder colonial continuava a ser o canhão.
Como gostavam de salientar seus mais ardentes defensores, o poder colonial
havia sido implantado pela força das baionetas e era com ela que se manti-
nha. Tendo isto em mente, todas as potências europeias alistavam em suas
forças armadas elementos recrutados entre a população autóctone (ver figura
13.4). Embora organização e eficiência variassem segundo as regiões e obje-
tivos nacionais específicos, no período de entre as duas guerras essas tropas
coloniais exerciam principalmente funções de polícia, auxiliadas por forças de
gendarmes recém -criadas. Mas, como eram frequentemente destacados para
regiões perante as quais eram cultural e etnicamente estrangeiros, os soldados
africanos sentiam-se desarraigados de seu próprio meio social e hostilizados
pelas populações locais, com quem estabeleciam contato pela força. Esse dado,
somado à recusa dos europeus em permitir o acesso dos africanos a postos de
comando, é que explica o fato de o exército jamais haver cumprido na África,
nos movimentos de independência, o papel político que desempenhou na Ásia
e no Oriente Próximo. De fato, a única potência colonial a organizar realmente
uma polícia militar para os africanos sob sua dominação foi a França, que, desde
os primeiros anos do século XX, considerava a África subsaariana uma reserva
humana essencial à manutenção da sua posição militar no mundo.
No período de entre as duas guerras, estigmatizado pelos contemporâneos
como um período de paz colonial , as atividades militares continuavam a
pontilhar de forma severa os assuntos africanos. O manifesto desejo europeu
de manter, tanto quanto possível, a África militarmente neutra de fato não se
concretizou. Os franceses introduziram, em 1919, uma lei de conscrição que
previa o recrutamento anual de 10 mil africanos; os britânicos organizaram a
Força de Defesa do Sudão, formada somente por oficiais sudaneses e britânicos
e destinada primordialmente às necessidades estratégicas imperiais no Oriente
Próximo e na África oriental. A Force Publique do Congo Belga, exibindo ao
mesmo tempo a qualidade de exército de ocupação e de força de polícia, foi
muitas vezes usada durante o período para sufocar a resistência representada
por movimentos de sincretismo religioso
29
. No contexto de guerra declarada
29 Dentre os muitos estudos sobre o desenvolvimento histórico do militarismo na África moderna, a melhor
introdução aqui e ali genericamente recapitulada neste texto é de J. S. Coleman e B. Belmont, in
JOHNSON (org.), 1962.
372
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . A campanha na África Oriental Alemã: askaris da África oriental enviados como agentes recrutadores pela administração civil. Foto tomada perto
do rio Ruwu, em abril de 1917. (Foto: Imperial War Museum.)
373
A dominação europeia: métodos e instituições
é fácil dimensionar os acontecimentos. A campanha italiana para subjugar a
Líbia, na década de 1920, bem como o esforço dos espanhóis e dos franceses
para rematar a guerra do Rīf, no Marrocos, falam por si. Mas foram superados
pela guerra de rapina empreendida por Mussolini contra a Etiópia, fato que
encerrou tragicamente o período que estamos analisando.
O histórico das operações militares desenvolvidas na África entre as duas
guerras não invalida seriamente a tese que define esse período como de domina-
ção administrativa. Retrospectivamente, ganham relevância os efeitos comuns, e
não as intenções divergentes dos métodos e da prática coloniais europeus. Não
há a menor dúvida de que, ao burocratizar -se, o regime colonial preparou efeti-
vamente, em parte, apesar de tudo, o movimento pela independência nacional.
Os contornos de uma nova elite política delineavam -se lentamente, à medida
que em diversos serviços coloniais mas principalmente nos britânicos os
funcionários subalternos e os chefes designados aprendiam a aplicar, em escala
modesta que fosse, a regra de Napoleão:As carreiras abertas ao talento”. Cen-
tros de formação, como a Escola Normal William -Ponty, em Dacar, preparavam
os educadores e os administradores em que a administração colonial se apoiava
cada vez mais. Principalmente nas regiões urbanas, começava a soprar o “vento
da mudança”.
Entretanto, não era isso que os administradores coloniais desejavam. Mesmo
quando acentuavam a “preeminência dos interesses africanos”, estavam conven-
cidos de que somente eles poderiam garantir e estruturar eficazmente, no plano
social e econômico, o bem -estar das populações autóctones. Conforme salien-
tou um dia lorde Cromer, o objetivo de um bom governo e o de um governo
independente eram contraditórios no contexto colonial. Deste modo, o sistema
colonial afirmava -se enquanto regime autoritário, sem a previsão de vir a outor-
gar o poder político aos africanos que pretensamente servia. Sua característica
mais comum era o paternalismo, e a divisão de responsabilidades era somente
tolerada, na melhor das hipóteses, nas zonas de significativa colonização branca.
A história dos objetivos cambiantes e da não menos cambiante interpretação da
supremacia dos interesses africanos” no Quênia é das mais esclarecedoras. O
informe oficial britânico de 1923 recorria a essa noção para descartar as reivin-
dicações da população autóctone por uma representação equitativa nos assuntos
da colônia. Informes posteriores, expedidos em 1927 e 1930, apenas acrescen-
taram matizes a essa noção: continham concessões à população branca cada vez
mais numerosa, a qual era, então, chamada a participar das responsabilidades da
“tutela”. Supremacia dos interesses africanos, por conseguinte, já não significava
preponderância mas apenas consideração por esses interesses.
374
África sob dominação colonial, 1880-1935
Mesmo nos territórios onde foram implantadas instituições parlamentares
com vistas à criação de um governo colonial dotado de certos poderes, ainda
assim visava -se garantir a supremacia dos brancos. Na Argélia, por exemplo,
um sistema eleitoral de dois colégios, sancionado pela lei Jonnart, de 1919,
comportava uma participação árabe proporcionalmente menor do que a partici-
pação europeia nas Délégations financières, esboço de parlamento representativo
de grupos de interesses e não de regiões geográficas. na África do Sul, os
africanos não desempenhavam papel algum nos trabalhos parlamentares. A
lei de 1936, relativa à representação dos povos autóctones, na realidade supri-
miu os africanos dos registros eleitorais da colônia do Cabo e restringiu -lhes
a participação política à eleição de um número limitado de brancos em toda a
União, os quais representariam os “interesses indígenas”. Nessas duas colônias,
onde havia forte concentração branca, bem como em todas aquelas em que se
encontravam moradores europeus, a minoria demográfica constituía de fato a
maioria política, excluindo dessa forma qualquer semelhança com um governo
democrático de modelo europeu.
Ainda que, em perspectiva histórica, os efeitos políticos gerais dos diversos
métodos de colonização caracterizem -se mais pelas similitudes do que pelas
divergências, as diferenças de método exerceram papel importante na preparação
da devolução dos poderes pelo regime colonial. O colapso final desse regime na
África explica -se, em grande medida, pela fraqueza dos europeus, cada vez mais
incapazes – financeira, militar e moralmente – de dar a ele prosseguimento, em
face da pressão nacionalista africana. E, no entanto, durante os últimos anos
do colonialismo, os métodos preestabelecidos de imposição do poder tiveram
influência sobre o processo de mudança. As noções administrativas de assimi-
lação e de diferenciação, de centralização e de autonomia local, tornaram -se
então fatores determinantes do processo. Como se verá no último volume desta
obra (VIII), às vezes a transmissão dos poderes ocorreu suavemente, mediante
o “Westminster system inspirado no parlamentarismo britânico, escapando ao
controle dos conselhos legislativos coloniais que tinham permitido à oposição
política definir seus métodos. Um dos mais claros exemplos disso pode ser
encontrado no processo de independência da Costa do Ouro, atual Gana. Os
casos mais radicais foram os da Argélia francesa e, em época mais recente, os das
colônias portuguesas de Angola, Moçambique e Guiné -Bissau, sempre conside-
radas, de acordo com a tese da assimilação, como prolongamentos ultramarinos
do Estado Nacional.
A diversidade dos todos importa menos, do ponto de vista histórico,
do que as similitudes na apreciação da situação colonial. Em que pesem as
375
A dominação europeia: métodos e instituições
proclamações consignadas nos documentos da Sociedade das Nações e des-
considerando o enfraquecimento de suas posições mundiais depois da Primeira
Guerra, as potências europeias instaladas na África não pensavam sob hipótese
alguma na devolução do poder político durante o período que separou as duas
guerras. Com exceção do Egito, a África parecia o único continente onde o
colonialismo se instalara para ficar. Aliás, os métodos coloniais foram traçados
por inteiro para acomodar os interesses e as intenções das potências europeias.
A tarefa política, por conseguinte, consistia essencialmente em adaptar a África
aos objetivos europeus, pouco importando se o poder colonial era exercido direta
ou indiretamente.
O sistema colonial – e aí está o elemento mais importante de toda a história
do período de entre as duas guerras fixou o quadro administrativo geral no qual
o governo nacional devia inserir -se durante a primeira década de independência.
A incipiente normalização da vida política no contexto de uma estrutura organi-
zada à europeia constitui o aspecto principal da modernização que os europeus
introduziram então na África, mas para servir a seus próprios desígnios.
C A P Í T U L O 1 4
377
A economia colonial
A economia colonial
Walter Rodney
A conquista e as novas relações de produção, 1880 ‑1910
Desde o final do século XV, a África participava da economia mundial como
um setor periférico e dependente, inteiramente voltada para a Europa. Mas, em
vésperas do estabelecimento da dominação colonial europeia, não existia em
solo africano controle estrangeiro algum sobre as atividades econômicas coti-
dianas. Esta situação foi se estabelecendo progressivamente depois da perda da
soberania africana. Ao que parece, o sistema econômico colonial não atingiu o
apogeu senão no período imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial.
Os anos 1880 -1935 correspondem, portanto, ao período em que foram lançadas
as bases das relações de produção características do colonialismo. A oposição
e a resistência africanas mantiveram os futuros colonizadores em xeque até a
segunda década do século atual, e até para além disso, em alguns casos. Às ten-
tativas de destruição de sua independência econômica, os africanos respondiam
com a violência. Assim o provam algumas lutas anticoloniais célebres,citadas
como a Hut Tax War em Serra Leoa, a revolta dos Bailundu em Angola, as
guerras dos Majī Majī na África Oriental Alemã, a rebelião dos Bambata na
África do Sul.
Para os africanos, as primeiras evidências da nova economia manifestavam -se
como estradas, ferrovias e linhas telegráficas. A construção de sistemas de trans-
porte e comunicações era o prelúdio da conquista: constituíam meios logísticos
378
África sob dominação colonial, 1880-1935
que permitiriam novas agressões a partir das bases formadas pelas zonas ocupa-
das. Muitas vezes chefes africanos opuseram -se a que os europeus levantassem
a infra estrutura de transporte e comunicações, mandando as populações derru-
barem postes telegráficos e sabotarem vias férreas. Assim se passou na região do
Níger e da Senegâmbia, onde a presença militar da França datava das décadas
de 1880 e 1890
1
. No entanto, raras eram as estradas e vias férreas de interesse
exclusivamente militar: as vias férreas que facilitavam a conquista também ser-
viam para a exploração de amendoim, algodão e outros produtos.
As economias do litoral africano rapidamente viram -se reduzidas a entidades
dependentes no âmbito da economia de cada uma das potências colonizadoras,
diferentemente das populações do interior, que, no conjunto, foram as últimas
a entrar no circuito de colheita dos produtos, cultivos comerciais e trabalho
remunerado. Consideráveis investimentos foram necessários para a construção
de portos de águas profundas com capacidade adequada de descarga
2
, e mesmo
assim menores do que aqueles exigidos pela construção de redes de estradas e
ferrovias que penetrassem o sertão. O afastamento da costa constituiu um dos
elementos deterrninantes do rápido avanço colonial.
O fator mais decisivo para a implantação da economia colonial foi o grau de
participação que as diferentes regiões da África tinham na economia mundial.
Evidentemente, isso estava relacionado em parte com o fato de que os euro-
peus preferiam exercer sua jurisdição sobre territórios familiares, e em parte
com o fato de que a orientação do comércio exterior pré -colonial predispunha
favoravelmente as comunidades africanas às inovações econômicas coloniais,
como a cultura de produtos agrícolas especialmente destinados à venda para
os europeus. As zonas provedoras de escravos, que se estendiam do Senegal a
Serra Leoa, da Costa do Ouro (atual Gana) à Nigéria, do rio Congo a Angola,
foram as faixas do litoral onde os europeus primeiro se fixaram. Certos tra-
ços da economia colonial se manifestavam nessas regiões antes mesmo do
estabelecimento oficial da dominação estrangeira, pois tanto africanos como
europeus procuravam incentivar a produção de gêneros exportáveis, de modo a
poderem substituir o tráfico de escravos por um comércio legítimo”. Na África
ocidental, chefes, negociantes e outros elementos da população obtinham van-
tagens com a manutenção de relações comerciais com o exterior e com o acesso
a produtos importados. É evidente que a propensão dos africanos a negociar
com os europeus não se manteve limitada à costa. Os europeus sabiam que o
1 GANIER, 1965. Ver também o capítulo 6 desta obra.
2 ALBION, 1959.
379
A economia colonial
seu comércio com a África ocidental tinha raízes no interior. De fato, supe-
restimaram a importância das riquezas passíveis de exploração imediata, o que
explica o interesse comercial pelas regiões situadas a montante da confluência
do Níger-Benue, no decurso das décadas de 1880 e 1890.
Na costa oriental do continente, o comércio do oceano Índico não estava
voltado exclusivamente para os países europeus, como também não estava sob
o controle de europeus ou de afro -europeus o intercâmbio de longa distância
a partir da África oriental. Aos colonizadores cabia suplantar os negociantes
árabes, Swahili e indianos. A experiência da África oriental confirma a nossa
hipótese: o essencial das atividades coloniais realizou -se, num primeiro tempo,
naquelas regiões africanas que faziam parte dos circuitos de troca intercon-
tinental. A porção do litoral pela qual Reino Unido e Alemanha manifestaram
maior interesse (que hoje é parte da Tanzânia) era a mesma reivindicada pelo
sultão de Zanzibar, comprador insuperável no tráfico de marfim e de escravos
– e das especiarias por estes cultivadas – com europeus, árabes, indianos e ame-
ricanos. A partir das cidades swahili do litoral, os colonos europeus seguiram o
caminho trilhado pelos árabes, procurando acompanhar as rotas das caravanas
até o seu término, na região dos grandes lagos. Em meados da década de 1880,
já estava desencadeada a corrida, às margens do lago Vitória, para onde empre-
sas coloniais acorreram, envolvendo -se num conjunto de atividades econômicas
africanas já bastante desenvolvidas. Em 1902, quando os britânicos terminaram
a construção da linha férrea que ligava Mombaça ao lago Vitória (ver fig. 16.1,
2 e 5), os fretes que até então sustentavam o tráfego de caravanas antes exis-
tente mais ao sul, em Tanga e Bagamoyo, passaram a ser realizados por trem.
Para não ficarem atrás, também os alemães resolveram, em 1905, construir uma
linha férrea do litoral ao interior, atravessando devidamente a rota do marfim
e dos escravos até o lago Tanganica. Nos confins da África central, foi ainda
a rede comercial árabe que forneceu aos colonos europeus a sua primeira base
econômica.
O norte da África combinava certos traços das regiões oriental e ocidental
do continente, mas de forma mais aguda. As economias norte -africanas faziam
parte tanto do conjunto mediterrânico como do sistema transaariano. A expe-
riência adquirida pelo contato com a economia europeia permitiu a diversos
setores da sociedade norte -africana adaptar -se à intensificação da produção
destinada à Europa e à difusão de artigos europeus nos mercados locais. Mas
a bem estabelecida e exploradora classe dirigente estava resolvida a defender
suas fronteiras, ainda que desejosa de reforçar as relações econômicas com os
europeus. Desse modo, embora muitas vezes deixando aos norte -africanos uma
380
África sob dominação colonial, 1880-1935
autoridade nominal, a economia colonial progredia, e antes mesmo da completa
submissão do corpo social indígena estava institucionalizada.
O prelúdio da colonizão do Egito pelos europeus remonta à expedão
napoleônica de 1798. No século XIX, a presença europeia frustrou as inova-
ções econômicas de MuhammadA. Na cada de 1840, o algodão de fibras
longas, introduzido como base para a industrializão, promoveu a integração
do Egito ao sistema capitalista mundial como produtor de bens agrícolas
primários. Depois de terem contribuído para o fracasso da industrialização
egípcia, o Reino Unido e a França penetraram no mercado interno de terras
e hipotecas numa tentativa de controlar a economia desse país
3
. Na Argélia,
uma áspera resistência aos franceses prosseguia ainda na década de 1870, mas,
então, os colonos já se haviam instalado solidamente na agricultura, conferindo
à economia colonial na Argélia a sua primeira particularidade. Esta forma
de colonização, aliás, viria a multiplicar -se em escala variada pelo resto do
Maghreb e até à bia.
Foi entre 1881 -1882 que a Tunísia entrou na era colonial; o Marrocos
e a Líbia foram parcialmente anexados em 1912. Os colonos propagaram seu
motor econômico nos diversos países do Maghreb com intervalos de trinta
anos: primeiro na Argélia, a partir de 1860, depois na Tunísia, a partir de 1890
e, finalmente, no Marrocos, a partir de 1920
4
. Na Líbia, os imigrantes italianos
eram menos numerosos do que os franceses no Maghreb; na Tripolitânia, os
colonos agricultores tiveram de esperar pela completa derrota do povo da Líbia,
que ocorreu por volta de 1931.
Embora as datas de arranque das economias coloniais dos diversos terri-
tórios do norte da África perfaçam um longo intervalo de tempo, continua
válido situar, como de costume, o início do colonialismo na década de 1880.
Foi principalmente graças ao poderio financeiro que as potências europeias
reduziram as economias norte -africanas a um estado de dependência colonial.
O norte da África entrou na era do imperialismo depois que vultosos capitais
asseguraram o financiamento do canal de Suez e que foram liberalmente con-
cedidos empréstimos às classes dirigentes, desde o Egito até o Marrocos. Este
processo teve seu apogeu por volta de 1880, levando à sujeição progressiva
dos regimes locais e, consecutivamente, à conquista da soberania por uma ou
outra das potências europeias interessadas. Assim, no norte da África, embora
a economia colonial tenha tido um longo período de gestação com início pre-
3 ISSAWI, 1963.
4 AMIN, 1970, p. 256.
381
A economia colonial
coce, não se pode afirmar que ela se tenha estabelecido definitivamente antes
da década de 1890, época em que o capital monopolista dominava a Europa. O
mesmo se aplica à África austral.
Na época da partilha imperialista, dezenas de milhares de colonos mantinham
relações econômicas com os africanos e estavam estabelecidos na África do Sul.
A independência econômica africana foi minada pelas apropriações violentas de
terras, enquanto as forças produtivas eram submetidas às ordens dos brancos.
Durante o século XIX, brancos e negros empenharam -se no desenvolvimento
de novas relações econômicas e sociais
5
. De início, as relações eram coloniais
somente na medida em que reuniam uma minoria estrangeira e uma maioria
indígena num contexto de autoridade/sujeição, mas após a descoberta de ouro
e diamantes não tardaram a enquadrar -se no âmbito das relações determinadas
pela intrusão do grande capital.
A explorão de ouro e diamantes na África do Sul teria sido impos-
vel sem tecnologia moderna e concentrações relativamente importantes de
capital. Nem o governo do Reino Unido nem os monopólios de mineração
surgidos a partir da década de 1870 tinham qualquer intenção de deixar as
riquezas do subsolo sob o controle dos eres, ou tampouco de dar priori-
dade ao estabelecimento de colonos em grandes explorões com terras ará-
veis, irrigação, pastagens e gado, que anteviam os enormes benefícios que a
metpole poderia auferir do subsolo e do trabalho africanos. As estruturas
sociais dos eres fundavam -se numa mistura de elementos que associava
aos aspectos plantação com escravos, donio feudal e comunidade patriar-
cal, as relações de produção capitalistas. Depois da descoberta de diaman-
tes em Kimberley (1870) e, principalmente, com a descoberta de ouro em
Witwatersrand (1886), a burguesia decidiu -se a impor o seu donio sobre
todas as estruturas sociais pré -capitalistas da África do Sul, sem se preocupar
com questões de raça. As guerras anglo -bôeres (1899 -1902) constitam
também uma forma de resisncia anti -imperialista, embora eqvoca, pois
ao mesmo tempo era seu intuito estabelecer mais solidamente os colonos
no país. A derrota dos Bôeres na luta pela autonomia e o esmagamento das
populações africanas da rego (o capítulo 9 já estudou isso) assinalaram o
nascimento da economia colonial sul -africana, indiscutivelmente centrada
na transferência de matériasprimas, lucros e outros fatores de prodão para
as metpoles capitalistas.
5 DE KIEWIET, 1965, p. 34.
382
África sob dominação colonial, 1880-1935
Capital e coerção no período 1900 ‑1920
Durante pelo menos três décadas, entre 1880 e 1910, a resistência africana
contribuiu muito para reduzir o ritmo do avanço da colonização econômica.
Além disso, era pouco o interesse imediato do capital monopolista europeu. A
África suscitara enorme ambição na era do mercantilismo e da acumulação, mas
a relativa obscuridade em que ela mergulhou no século XIX persistia nos pri-
meiros anos do colonialismo, apesar do aumento do controle político -econômico
subsequente à partilha e à conquista do continente. Consideradas em termos
dos investimentos globais efetuados pelo capitalismo monopolista até a Primeira
Guerra Mundial, as cifras relativas ao crescimento da economia colonial africana
não impressionam muito. As mais expressivas referem -se a importações e expor-
tações, pois o setor import/export era o elemento básico da economia colonial. O
volume de mercadorias importadas pela África aumentava lentamente. Exceção
feita à África do Sul, a lista de importações não vinha encabeçada por máquinas,
ou implementos, ou produtos de consumo de qualidade. Em geral, a expansão
do intercâmbio voltava -se para produtos tradicionais ao comércio de meados do
século XIX, que não eram muito diferentes daqueles produtos intercambiados
na época do tráfico de escravos. Os artigos de algodão continuavam a dominar
as trocas entre a Europa e a África, e em muitos lugares a importação de tecido
de algodão manteve o primeiro lugar durante todo o período, embora mais tarde
outros artigos de uso doméstico comum utensílios de cozinha, rádios, bicicletas
e máquinas de costura tenham adquirido popularidade.
A produção de artigos de exportação pela África aumentava lentamente e de
modo pouco regular. Na África ocidental, por exemplo, a produção de borracha
teve um surto efêmero na década de 1880. Na África central e na África oriental,
a indústria da borracha entrou em declínio após a crise internacional de preços
de 1912 -1913, de forma que a Libéria acabou sendo identificada com esse
produto outrora tão exaltado pelos europeus, ávidos de explorar a África. As
estatísticas mostram que, de modo geral, as exportações compreendiam quan-
tidades insignificantes num primeiro momento (as duas primeiras décadas do
século), seguido depois, até 1930, por uma época de apreciável crescimento. O
mesmo ocorreu com o algodão, o óleo de palma, o café, o amendoim e o cacau,
nas respectivas regiões do continente.
No início do período colonial, o investimento de capitais estrangeiros na
indústria e na agricultura africanas foi modesto. A África do Sul voltou a cons-
tituir aí uma exceção, juntamente com a Argélia, que também atraía, embora em
383
A economia colonial
menor grau, capitais dos colonos e investimentos na mineração. É possível que
se tenha exagerado na questão da insuficiência de capitais
6
, pois o investimento
não era o único meio de mobilização da mão de obra e, portanto, da produção
de excedentes na economia colonial africana. Ao contrário, foi sobretudo recor-
rendo à coerção que as potências coloniais conseguiram reunir pessoal e levar
produtos intercambiáveis para o mercado.
Na Europa, o declínio do feudalismo e o concomitante surgimento do capi-
talismo testemunharam a brutal destruição da independência camponesa e a
criação de uma classe trabalhadora cujos membros não tinham alternativa senão
buscar pagamento por seu trabalho, como forma de sobrevivência.
Na África, a autonomia da aldeia indígena teve de ser mais brutalmente
destruída, pois não havia nenhum mecanismo social interno que transformasse
trabalho em mercadoria. Era, então, necessário estabelecer uma relação entre
capital europeu suscetível de ser investido na África e a mão de obra africana.
Ora, esse capital não exercia atração sobre a mão de obra, fosse por bons salários,
fosse por altos preços de compra; do lado africano, a traumatizante passagem
de estruturas não capitalistas independentes para estruturas quase capitalistas
avassaladas aos centros econômicos do imperialismo não se fez, evidentemente,
sem dificuldades. Consequentemente, para recrutar a mão de obra africana, era
preciso lançar mão da força, quer abertamente, quer sob a proteção das leis dos
novos regimes coloniais.
Formas evidentes de trabalho forçado e mal escondidas formas de escravidão
marcaram, portanto, a consolidação da economia colonial na África. Desde os
primeiros anos do século atual, o contrato de trabalho” instituído pelos por-
tugueses em São Tomé e os horrores perpetrados no Congo do rei Leopoldo
(hoje Zaire) causaram tamanho escândalo que foi preciso proceder a algumas
reformas ou, pelo menos, camuflar essas práticas, para acalmar a opinião libe-
ral da Europa ocidental. A classe operária europeia chegou inclusive a prestar
ajuda aos resistentes africanos para remediar a situação. Entre 1904 e 1907, o
governo da Alemanha imperial conseguiu esmagar impiedosamente a agita-
ção dos africanos em Camarões, no Sudoeste Africano (hoje Namíbia) e na
África Oriental Alemã (atual Tanzânia); desse momento em diante, contudo,
os socialdemocratas intervieram no Reichstag com vistas a reformar o estatuto
colonial pela via legislativa. Depois de 1918, quando estava em pauta distribuir
as colônias alemãs, o Reino Unido foi o primeiro a propor que a Alemanha fosse
6 FRANKEL, 1938.
384
África sob dominação colonial, 1880-1935
definitivamente desapossada de seus territórios, em razão de o colonialismo
alemão ser considerado o mais coercitivo. Argumentava -se que as autoridades
alemãs tinham mantido o escravagismo e autorizado o uso sistemático do açoite.
Os alemães contestaram as acusações, replicando que os britânicos e os franceses
eram culpados por iguais excessos
7
. Na realidade, o modo de produção colonial
acarretava o máximo de coerção, tanto para recrutar a mão de obra africana
como para mantê -la nos locais de produção.
Nos primeiros tempos do colonialismo, por vezes o próprio capital privado
encarregou -se da coerção e de fazer reinar a ordem. Assim foi no tempo das
companhias dotadas de privilégios, cartas e concessões, que exerceram ativi-
dades na África austral e central, na Nigéria e na África Oriental Alemã. À
primeira vista, nada parecia obstar o processo de acumulação de capital dessas
companhias. No entanto, elas tiveram de suportar o custo das intervenções
armadas necessárias para destruir a independência política da África e para
lançar as bases das economias coloniais. Sua brutalidade realmente não tinha
limites, particularmente nas regiões em que a população estava muito dispersa,
fator que aumentava as dificuldades de recrutamento de mão de obra, como
no Congo francês (atual República Popular do Congo). Contudo, em matéria
de coerção, as companhias dotadas de privilégios não podiam fazer as vezes do
Estado. Em consequência, os Estados europeus tiveram de assumir diretamente
a responsabilidade por seus territórios – e isso valeu como regra geral durante a
década de 1890 –, montando nos locais organismos coloniais para supervisionar
a economia por conta dos capitalistas privados. Estes, habitualmente, recebiam
compensações em troca do abandono de seus privilégios políticos, o que revela
claramente a quais interesses de classe as potências coloniais procuravam pro-
teger. As compensações consistiam em abrir créditos que assegurassem a essas
companhias uma posição comercial mais sólida do que na época em que elas
viviam virtualmente em estado de guerra com as populações africanas.
Os Estados metropolitanos e seus prolongamentos na África estavam obri-
gados a manter a coerção para garantir a exploração econômica, pois, em face
da oposição africana, a economia colonial tinha de ser constantemente imposta.
Em vários lugares, foi primeiro necessário tomar as terras africanas para que se
pudessem desenvolver as estruturas socioeconômicas de povoamento. A indis-
pensável infra estrutura de estradas e ferrovias podia ser estabelecida com o
auxílio do Estado, que para tanto contribuía requisitando sobretudo mão de obra
7 SCHNEE, 1926.
385
A economia colonial
africana. O recurso à tributação para criar uma economia monetária é processo
demasiadamente conhecido para que nos detenhamos a descrevê -la. Não
dúvida de que, na origem, o imposto era a principal obrigação a empurrar os
africanos para o trabalho assalariado e para a produção de culturas destinadas
ao comércio. A sobrecarga tributária subsequente encerrava -os ainda mais em
tal situação. Os contribuintes em atraso eram às vezes empregados pelo capital
privado mas muito mais pelo Estado na construção e na manutenção de
centros administrativos, estradas e pontes.
É possível classificar os Estados coloniais de acordo com o uso que faziam
da força em suas colônias. Os vestígios do escravagismo foram eliminados em
razão de seus aspectos anacrônicos. Desde a segunda década do século XX,
o uso do açoite e de outros castigos físicos contra os africanos chocava e era
geralmente reprimido pela lei. Como todos os demais, também os Estados
coloniais tentaram conservar o monopólio das formas legais de violência. Ao
mesmo tempo, procuravam convencer financiadores e colonos de que o poder
estatal encontrava -se à sua disposição. Desse modo, o castigo do açoite aplicado
por ordem do patrão foi substituído pela condenação judiciária à pena de açoite,
castigo muito mais aplicado na África do que jamais o foi na Europa contra os
trabalhadores. Durante toda a década de 1930, a legislação trabalhista vigente na
África era muito atrasada; as faltas ao contrato quase sempre inscreviam -se no
domínio do código penal e não no do civil; praticada por operários africanos, a
“falta ao contrato unilateral continuava a ser considerada “deserção”, no sentido
militar da palavra.
Algumas regiões da África estavam mais predispostas do que outras a busca-
rem o comércio externo, e foram por vezes africanos que tomaram a iniciativa de
estabelecer com os europeus relações coloniais de comércio. Na África ocidental,
procuravam -se novos produtos de exportação desde começos do século XIX;
as populações da África Oriental Alemã e da região leste do Congo Belga,
inversamente, se dedicaram à cultura do algodão e de outros produtos de
exportação sob a coação do chicote. As caravanas da África oriental não tinham
dado a conhecer aos africanos os mercados e os gêneros europeus tanto quanto
as da África ocidental no tempo das trocas pré -coloniais. Desse modo, a popu-
lação local não se sentia de forma alguma motivada, no início, a consagrar parte
de seus trabalhos a outra coisa além da satisfação de suas próprias necessidades.
Mesmo na África ocidental, muitas vezes as potências coloniais tiveram de fazer
pressão sobre os agricultores para garantir que participassem da economia colo-
nial por elas instituída, conforme as condições ditadas pelo capitalismo europeu.
O fato de a partilha do continente haver tido como pano de fundo uma crise
386
África sob dominação colonial, 1880-1935
cíclica e prolongada da economia capitalista não deixa de apresentar interesse
neste contexto. A título de exemplo, consideremos que desde 1883 os europeus
aspiravam a aumentar a produção de amendoim no Senegal, ao passo que a baixa
dos preços não contribuía para motivar os africanos a cultivar mais. O imposto
foi, então, o impulsionador” do aumento da produção
8
. Nas regiões em que a
dependência se havia fixado nas estruturas pelo sistema de trocas pré -colonial,
as relações econômicas de tipo colonial desenvolveram -se mais rapidamente e
a necessidade de recorrer à força foi menor, embora sem ser completamente
eliminada.
A ação combinada de capital europeu e mão de obra africana trabalhando
sob coação produziu consideráveis excedentes de produtos para o consumo euro-
peu. Gêneros agrícolas e minerais foram exportados e os lucros repatriados, pois
tinha vindo de fora o capital investido nas companhias mineiras, nas plantações
e nas sociedades de import/export, No entanto, parte do capital acumulado graças
a esses lucros foi reinvestida, de onde o crescimento gigantesco do capital da
África austral e a aceleração da transformação monopolista de firmas comer-
ciais da África ocidental, que lhes permitiu apoiar empresas manufatureiras e
distribuidoras da Europa e associar -se a elas. Na Argélia, no sul da África e,
em menor grau, na Tunísia, no Quênia, na Rodésia do Norte e na Rodésia do
Sul (atuais Zâmbia e Zimbábue), os primeiros lucros obtidos com a economia
colonial garantiram aos colonos brancos um nível de vida mais elevado e, ao
mesmo tempo, uma situação econômica mais estável.
Participação da África na economia colonial, 1920 ‑1930
A coerção representou fator decisivo nas relações econômicas durante os
anos de formação das economias coloniais na África, atingindo mais tarde
importância maior do que jamais tiveram nos epicentros capitalistas. Porém, em
dado momento, a economia das colônias deixou de ter como elemento motor
principal a potência externa e as sanções não econômicas. Essa virada primeiro
atingiu as colônias britânicas e alemãs, depois as colônias francesas e, enfim, as
colônias belgas e portuguesas. Desde aí, os africanos passaram a considerar o
sistema econômico monetário como uma realidade – um fato novo, é certo, mas
irreversível, e ao qual, em muitos casos, estavam dispostos a dar boa acolhida.
A nova ordem de coisas pressupunha que os africanos fizessem uma opção,
8 KLEIN, 1968, p. 285.
387
A economia colonial
dentre as diversas possibilidades a seu alcance, para ganhar a vida e participar
do sistema econômico de produção de bens a eles imposto. A África colonial
produzia vasta gama de artigos de exportação, agrícolas e minerais, mas, para
este ou aquele membro da comunidade africana, o número de possibilidades
locais geralmente reduzia -se a uma só: trabalhar no vinhedo de uma fazenda
europeia, cultivar meio hectare de algodão ou descer todos os dias ao poço
de uma mina. A ecologia, assim como a política das administrações coloniais,
limitava o número real das opções. Não obstante, os africanos conseguiram
exercer influência sobre as condições de sua inserção nos circuitos econômicos:
começaram a manifestar -se a respeito de salários e preços, acabando afinal por
discutir todo o leque das questões sociais e políticas que afetavam a economia
colonial e dela derivavam.
Nenhuma data precisa marca o início deste novo período para o conjunto
do continente. Ele se confunde com o da conquista e com a fase ascendente da
coerção nas relações econômicas. Na África Equatorial Francesa e nos territórios
portugueses, a coerção inicial perdurou até a década de 1930. A transição deve
ser considerada em separado, levando em conta cada colônia e suas diferentes
regiões geográficas. Em muitos locais, o sistema econômico colonial estava
estabilizado ao final da primeira década deste século. Sofreu um contragolpe
com a Primeira Guerra Mundial, mas restabeleceu -se depois de forma mais ela-
borada. A exploração mineira dominou as economias da África austral durante
o pós -guerra, e pouco faltou para que ela não colocasse toda a região sob uma
única economia colonial. Por um lado, o processo de formação de monopólios e
de cartéis assegurou a hegemonia do grande capital na então União Sul -Africana,
no Sudoeste Africano e nas Rodésias. Por outro, o poderio ecomico dos centros
mineiros era tal que exigia e pôde obter um vasto reservatório de mão de obra,
que se estendia a zonas cuja principal atividade econômica não era a exploração
mineira especificamente os territórios do alto -comissariado (Basutolândia,
atual Lesotho; Bechuanalândia, atual Botsuana, e Suazilândia), a Niassalândia,
Moçambique e Angola. Um conluio entre os portugueses e o regime existente
na África do Sul permitiu manter uma corrente importante e regular de traba-
lhadores provenientes de Moçambique e de Angola. Esse tráfico fazia lembrar
o escravagismo, mas, paradoxalmente, trabalhar nas minas tornouse um objetivo
muito solicitado por numerosos africanos. O fato é que, no interior da África
austral, o colonialismo criava enormes disparidades. Os capitais afluíam para
alguns pontos, fora dos quais a atividade econômica era reduzidíssima. E onde
quer que morassem, os africanos caíam na obrigação de pagar impostos, além de
388
África sob dominação colonial, 1880-1935
terem de comprar bens de consumo com dinheiro. Nessas condições, as minas
apresentavam -se a eles, muitas vezes, como a única saída possível.
No setor agrícola, a estrutura das economias coloniais tinha muitos pontos
em comum com a do setor mineiro. Geograficamente, um e outro confun-
diam-se na África austral e, em certa medida, no Congo Belga e no norte da
África. O setor agrícola exigia capitais de vulto e mão de obra abundante. Uma
poderosa empresa internacional controlava, no Congo Belga, as plantações de
dendezeiros. Na África Oriental Alemã, as plantações de sisal dependiam de
grandes companhias alemãs, financiadas por bancos e por industriais. Mesmo
depois de tornar -se relativamente descentralizada, sob o domínio britânico, a
exploração do sisal continuava a exigir vastas superfícies para plantação e usina
para beneficiamento, o que implicava investimentos consideráveis. O Estado
jamais deixou de auxiliar os plantadores: deu -lhes ajuda incalculável, ao fornecer
mão de obra barata, o que gerava superlucros. No entanto, em certas regiões da
África central, austral ou oriental, se não havia outro meio de conseguir uma
renda monetária, a plantação atraía trabalhadores vindos de muito longe. Em
Tanganica, vinham da Niassalândia, da Rodésia do Norte, de Moçambique e
de Ruanda -Urundi (atualmente, Ruanda e Burundi). Devido a acordos com
o governo português, a administração britânica evitava legalizar a entrada de
trabalhadores provenientes de Moçambique. Em vez disso, confiava na dife-
rença de condições de vida entre Tanganica e Moçambique, território em que
a economia monetária era fraca e a persistência da coerção dos impostos e do
trabalho forçado induzia os africanos a cruzarem a fronteira.
Os assalariados de todas as categorias constituíam minoria ínfima da popu-
lação africana adulta. As safras para venda, que formavam a chamada économie
de traite, sistema econômico em que os produtos manufaturados e importados
eram objeto de troca direta pelas safras in natura ou minimamente processadas
9
,
ocupavam sem dúvida a maior parte dos africanos. As safras possibilitavam um
pouco mais de liberdade de manobra do que os empregos assalariados. Ocasio-
nalmente, os africanos optavam entre várias culturas de exportação. As culturas
de gêneros alimentícios estavam em primeiro lugar destinadas ao consumo da
família, depois à venda na feira local e, mais raramente, à exportação. Dentro
desses limites, os camponeses africanos podiam escolher a natureza e a quanti-
dade do que plantariam ou preparariam para exportação. Todos os preços eram
fixados por organismos da metrópole, mas os preços agrícolas podiam ser ligei-
9 DUMONT, 1966.
389
A economia colonial
ramente alterados quando os camponeses abandonavam uma cultura por outra
ou distribuíam os estoques no mercado local. Em caso de desespero, seguravam
a venda do produto, mesmo com prejuízos enormes.
Quando um africano via -se pressionado entre a possibilidade de explorar
suas próprias terras e a de alugar seus serviços, quase sempre escolhia trabalhar
por conta própria. Virtualmente, todos os produtos agrícolas africanos eram cul-
tivados em outras regiões do mundo, particularmente o café na América Latina e
o azeite de dendê nas Índias Orientais. À força das comunidades africanas é que
deve ser atribuída a propagação geral das explorações camponesas. Devido à sua
baixa densidade populacional, a África central tornou -se a arena das companhias
concessionárias, abjetas no uso do trabalho forçado. Nessa mesma região, os
primeiros colonos desenvolveram suas explorações agrícolas coagindo o prole-
tariado rural ao trabalho, como nas plantações de cana -de -açúcar, sisal e algodão
em Moçambique e Angola, ou abrindo empresas de forte intensidade de capital,
como no Congo Belga. Foi dessa maneira que o truste Lever Brothers conseguiu
formar plantações de dendezeiros nesse país a partir de 1911. Em compensação,
foram rejeitadas suas demandas de concessões semelhantes na África Ocidental
Britânica, por compreender a administração colonial que tal empreendimento
acarretaria a servidão forçosa de milhares de habitantes. Além disso, na África
ocidental os colonialistas cedo tiveram provas do valor do campesinato afri-
cano, de sua aptidão para produzir excedentes exportáveis e assegurar benefícios
lucrativos à comunidade europeia. As explorações que a França persistiu em
manter na África ocidental deram prova de inferioridade mesmo comparadas
à pequena produção africana. Na África oriental, na Niassalândia e na Rodésia
do Sul, as explorações dos colonos tiveram de ser subvencionadas e protegidas
contra a concorrência africana pela legislação, sem o que não disporiam de mão
de obra suficiente. Onde a mineração não passava de mera intrusão localizada
em meio a uma economia agrícola colonial, a opção dos africanos recaía sempre
sobre a produção agrícola, originando as dificuldades de recrutamento de mão
de obra local, como as que se verificaram nas minas do país ashanti, na província
ocidental da Costa do Ouro e na Sukumalândia (Tanganica).
As safras comerciais continuavam a ser impostas a algumas comunidades,
enquanto outros africanos praticavam -nas com entusiasmo, apesar da indife-
rença ou da hostilidade oficial. Reclamavam a construção de uma infra estrutura
de transporte e comercialização, e faziam uso imediato de todas as ferrovias
terminadas. Houve ocasiões em que se lançaram a tal atividade antes mesmo
de os governos coloniais terem construído pontes e estradas vicinais. Para obter
sementes procuravam as autoridades coloniais, os missionários, os fazendeiros
390
África sob dominação colonial, 1880-1935
europeus e africanos que cultivavam aquele produto. O cacau e o café são
dois dos mais conhecidos e importantes produtos agrícolas de exportação cuja
expansão deveu -se quase totalmente à iniciativa africana. Outras culturas de
menor importância chá, tabaco, píretro obedeceram ao mesmo princípio.
Além disso, os africanos se aplicavam particularmente ao cultivo dos gêneros
mais lucrativos. No caso do cacau, tinham de explorar terras pouco indicadas
para essa cultura. Em certas ocasiões, a preferência dos africanos levava -os a
lutar contra a legislação colonial discriminatória. Assim, no final da década
de 1920 e início da de 1930, era marcante em várias zonas dos planaltos de
Tanganica o esforço dos africanos para plantar café do tipo Arabica, em vez de
trabalhar para outros ou de plantar a variedade Robusta, menos lucrativa. Por
fim, os africanos saíram vitoriosos, plantando cafeeiros mais depressa do que a
administração colonial conseguia destr-los
10
.
Onde a agricultura camponesa impôs -se como forma hegemônica de econo-
mia colonial, ela procedia, a exemplo das minas e das plantações, recrutando mão
de obra em áreas distantes da zona de produção. Na Senegâmbia, a cultura do
amendoim atraía mão de obra sazonal proveniente do sertão a montante dos rios
Senegal e Níger; na Costa do Ouro e na Costa do Marfim, o café absorvia gente
do Alto Volta, ao passo que em Uganda os cafeicultores deviam sua expansão a
trabalhadores provenientes de Ruanda -Urundi e de Tanganica. Desse modo, a
esmagadora maioria dos africanos que participavam diretamente da economia
colonial ou trabalhava na plantação de safras comerciais em explorações campo-
nesas ou como trabalhadores assalariados das minas e da agricultura. No entanto,
inúmeras outras atividades foram criadas ou transformadas pelas novas relações
de produção. As grandes reservas florestais do continente foram realmente
exploradas bem mais tarde, mas no Gabão uma indústria de extração de madeira
foi logo criada, e em graus variados esse tipo de exploração desenvolveu -se onde
quer que existissem florestas importantes. A malha viária foi fator econômico
de significado mais geral: milhares de africanos acharam emprego remunerado
nos portos, nas ferrovias e com o desenvolvimento da rede de estradas – como
motoristas de caminhão, especialmente depois que se tornaram obsoletas as
cargas à cabeça, após a Primeira Guerra Mundial.
Poucos setores da comunidade africana conseguiram permanecer imunes
à economia colonial, à medida que esta se consolidava. Apesar de serem tidos
como conservadores, todos os grupos de pastores foram atraídos para a econo-
10 RODNEY, s. d.
391
A economia colonial
mia monetária desde 1920, senão antes. Vendiam carne para consumo local e
ocasionalmente para exportação, juntamente com as peles. Nos territórios que
mais tarde viriam a formar a Somália, essa era a principal forma de manifestação
da economia colonial. Também as populações de pescadores foram atingidas.
O comércio tradicional de peixe seco e defumado e também o de carne e de
outros gêneros alimentícios tornaram -se dependentes do dinheiro dos princi-
pais exportadores, acompanhando as flutuações sazonais do poder aquisitivo
dos camponeses, conforme recebiam o produto da venda do cacau, do algodão
etc. Os africanos procuravam naturalmente ganhar a vida de modo ao mesmo
tempo agradável e remunerador. As administrações coloniais, as missões e as
companhias privadas abriram suas portas a jovens empregados, a artesãos e (no
caso das duas primeiras) a professores primários. O desejo de instruir -se estava
vinculado a possibilidades de emprego que permitiam, além do mais, satisfazer
uma crescente predileção pela vida urbana. As pessoas que abandonavam a escola
primária ou que, por uma ou outra razão, não podiam pretender um emprego de
maior prestígio, ocupavam os interstícios da economia colonial como domésti-
cos ou membros da polícia ou do exército; ou, então, “se viravam nas cidades,
entregando -se a atividades mais ou menos ilícitas, como a prostituição.
As reações individuais dos africanos nunca deixaram de constituir, funda-
mentalmente, meras respostas à dinâmica da economia colonial imposta. Mas
contribuíram para a expansão e consolidação dessa economia, confirmando as
estruturas de exploração.
Os salários eram mantidos em nível incrivelmente baixo. Qualquer ten-
dência ao aumento era contra -arrestada; o poder aquisitivo estava sempre em
queda, em parte devido aos surtos periódicos de inflação em parte porque os
salários eram comprimidos ou mantidos abaixo dos preços. Os colonos e outros
residentes europeus, bem como os diretores de empresas estrangeiras, todos
se entendiam para pagar o menos possível aos trabalhadores e mantê -los em
condição semifeudal, graças à introdução das carteiras de trabalho, as quais
limitavam vergonhosamente a liberdade de mudar de empregador. Os empre-
gadores opunham -se à constituição de organizações operárias capazes de obter
uma alta dos salários. O regime caduco do trabalho por tarefa ou por peça era a
regra: os trabalhadores não recebiam benefício em caso de doença, incapacidade,
desemprego ou velhice. Além disso, a mobilidade constante de uma população
ativa quase que inteiramente composta por migrantes, a sua falta de qualificação
e o racismo generalizado eram outras tantas desvantagens que pesavam contra
o trabalhador africano ao enfrentar os capitalistas para exigir salário melhor e
condições de trabalho menos penosas.
392
África sob dominação colonial, 1880-1935
Os camponeses africanos eram hostis ao sistema comercial. É bem conhecida
a tendência das empresas comerciais da África oriental a estabelecer monopó-
lios, mediante o sistema de pools. Em todo o continente, essas empresas defen-
diam seus interesses não entrando em concorrência e, dessa forma, conseguindo
elevar os preços. Na verdade, intermediários, como os asiáticos na África oriental
e os libaneses na África ocidental, entendiam -se uns com os outros a respeito
de preços e condições de venda, de sorte que o camponês africano dispunha de
pequena margem de lucro ao vender os seus produtos. O produtor de bens de
exportação corria o risco de ser enganado na pesagem, na transformação (como
a debulhagem do algodão) ou no transporte, ou ainda no momento do cálculo da
receita ou do reembolso de empréstimos ou adiantamentos porventura concedi-
dos. Além do mais, os produtores africanos também compravam no varejo, atra-
vés de intermediários e de sociedades comerciais. Uma profunda desigualdade
caracterizava as trocas entre a economia colonial e as metrópoles, desigualdade
que estava refletida na disparidade entre a pouca remuneração recebida pelos
africanos e o custo relativamente elevado dos produtos manufaturados, assim
como no baixo nível dos salários pagos nas colônias em comparação com os
das metrópoles. Bem entendido, a desigualdade não era fenômeno puramente
econômico: resultava do desequilíbrio de poderes políticos, da fraqueza dos
produtores africanos no que se refere à organização e à tecnologia
11
.
Quer produzissem ou não excedentes exportáveis, os africanos eram explo-
rados pelo sistema colonial. O imposto, cuja receita servia menos para assegurar
serviços à população do que para sustentar o Estado ou a infra estrutura eco-
nômica, recaía cada vez mais sobre maior número de pessoas. A mão de obra
sazonal das minas, das fazendas e das plantações era arranjada a expensas das
economias aldeãs ou locais, outrora autônomas. Desse modo, o capital evitava
o custo de formação de mão de obra. Como na escravidão, ela vinha de fora do
sistema capitalista, plenamente formada. Os trabalhadores nunca recebiam um
salário que lhes permitisse viver ou qualquer benefício social, porque eram para-
lelamente agricultores e porque, durante toda a sua vida ativa, outros membros
de sua família também ganhavam o suficiente para viver daquela maneira lasti-
mável que era, segundo os europeus, o “nível de subsistência dos africanos. Da
mesma forma, as safras comerciais destinadas ao mercado local ou à exportação
eram produzidas como excedentes acima da subsistência do camponês. Por essas
razões, é enganoso considerar que existia nas colônias uma economia dualista”,
11 AMIN, 1974; EMMANUEL, 1972.
393
A economia colonial
composta por um setor “tradicional” e um setor moderno
12
nitidamente deli-
mitados. O pretenso enclave moderno e dinâmico e as formas atrasadas tradi-
cionais viviam mesclados, dialeticamente interdependentes. O setor exportador
só devia o seu crescimento à possibilidade de apropriação permanente do valor
pertencente às comunidades africanas: terras, pessoal, produtos agrícolas entre-
gues como pagamento de impostos e capitais. No interior dessas comunidades,
a estagnação era menos inerente do que induzida. O “tradicional” não existia
enquanto tal, com a mão de obra dispersa e a razão de ser aniquilada. A produção
agrícola ou diminuía ou era incapaz de acompanhar a expansão demográfica.
Dessa forma, as zonas isoladas, embora nunca tenham apresentado crescimento
no sentido capitalista do vocábulo, também foram afetadas pela presença do
capitalismo no continente.
Dependência e depressão, 1930 ‑1938
As relações de produção coloniais estabeleceram -se na África no decurso de
vários anos, durante os quais numerosas economias africanas auto ssuficientes
foram ou destruídas ou transformadas e subordinadas. Os laços que as uniam
foram cortados, como no caso do comércio transaariano e do comércio da região
dos grandes lagos, na África central e oriental. Mesmo as relações anteriormente
existentes entre a África e o resto do mundo, principalmente com a Índia e a
Arábia, sofreram perturbações. Foram criadas numerosas economias coloniais
separadas. A partilha econômica não foi calcada exatamente sobre a partilha
política, que as potências imperialistas mais fortes apossaram -se das colô-
nias mais fracas. O próprio Reino Unido, depois de criada a Anglo -American
Corporation, em 1917, teve de aceitar a penetração do capital americano na
África do Sul. Não obstante, as fronteiras políticas arbitrariamente fixadas eram
geralmente aceitas como limite das economias, cada uma das quais incipiente,
artificial e individualmente voltada para a Europa. Faltavam a elas articulação
interna e laços regionais e continentais. Estavam dadas, assim, as condições para
que se tornassem dependentes em relação ao exterior, no que respeita a capitais,
mercados, tecnologia, serviços e tomada de decisões.
Por definição, o sistema econômico da colônia era um prolongamento do
sistema da potência colonizadora. As economias africanas desde logo foram
inteiramente integradas às dos respectivos colonizadores e, depois, às economias
12 MAFEJE, 1972; MEILLASSOUX, 1972.
394
África sob dominação colonial, 1880-1935
das principais nações do mundo capitalista. No setor dos transportes maríti-
mos é que a articulação tornou -se mais evidente. Eram poucas as nações que
possuíam empresas capitalistas capazes de assegurar o transporte marítimo na
era do imperialismo. Portugal tinha deixado de contar quase que por completo,
enquanto os Estados Unidos da América haviam ampliado consideravelmente
as relações comerciais com a África depois do século XIX. As companhias de
transporte procuravam concorrer umas com as outras e, ao mesmo tempo, esta-
belecer monopólios. Cada país procurava, mediante a legislação e subvenções
às companhias marítimas, agir de forma que o comércio colonial aumentasse
a tonelagem da sua marinha mercante. Contudo, no início do século atual,
surgiram as Conference lines, entendimentos que permitiram acabar com a con-
corrência e fixar tarifas monopolistas de frete. A representação dos países mais
pobres nessas conferências era insignificante ou inexistente; em compensação,
a participação da Alemanha continuou importante, mesmo depois da perda de
suas colônias africanas
13
.
Os primeiros anos do capitalismo monopolista foram uma idade do ouro
para os bancos: através deles escoavam os excedentes africanos,que não havia
obstáculos à livre retirada de capitais das colônias. Eram bancos particulares que
emitiam o numerário em circulação na maior parte das colônias, até que foram
criados, por via legislativa, institutos centrais de emissão. As tesourarias das
potências colonizadoras manipulavam as reservas monetárias das colônias para
atender a seus próprios interesses e também aos do capital financeiro, uma vez
que as reservas coloniais eram investidas nos mercados monetários metropoli-
tanos. Tendo a seu encargo os seguros marítimos e o financiamento das grandes
operações capitalistas, os bancos mantiveram -se hegemônicos sobre a economia
colonial. Abriam aos colonos brancos e aos comerciantes varejistas não africanos
créditos que recusavam aos africanos, dando assim prova de seu comportamento
capitalista e de seu pseudocientífico raciocínio racista. Decretos limitando a
abertura de crédito vinham às vezes confirmá -los nessa atitude.
Com base na atividade das companhias de navegação e das explorações
mineiras, pode -se fazer boa ideia de como marchava a economia colonial. No
entanto, para compreender por que os mecanismos de exploração funciona-
vam daquela maneira, é necessário analisar as estruturas econômicas da colônia
enquanto parte do conjunto da economia capitalista. O colonialismo confinou
as colônias africanas ao papel de produtoras de matérias -primas destinadas à
13 LEUBUSCHER, 1963.
395
A economia colonial
exportação, impondo -lhes, consequentemente, depender dos países capitalistas
desenvolvidos para quaisquer produtos manufaturados e tecnologia. Esta rígida
divisão internacional do trabalho não podia manter -se indefinidamente. Desde
antes da Segunda Guerra Mundial, esboçava -se uma evolução e surgiram algu-
mas indústrias de transformação e de manufatura leve. Entretanto o período até
1935 representa um exemplo quase perfeito de divisão internacional do trabalho
de tipo colonial clássico. As indústrias francesas opuseram -se vigorosamente e
por muito tempo com êxito – a qualquer tentativa de implantação de indústrias
de moagem de oleaginosas no Senegal. Em Tanganica, alguns plantadores de
sisal conseguiram montar uma cordoaria em 1932, mas, quando a produção
dessa indústria começou a aparecer em Londres, foram tantos os protestos dos
cordoeiros ingleses que o Colonial Office reafirmou explicitamente o prin-
cípio segundo o qual a África deveria restringir -se ao papel de produtora de
matérias-primas para exportação. Com poucas exceções, a produção colonial
tendia à monocultura, o que a tornava dependente dos mercados especializados
de alguns países capitalistas.
A divisão internacional do trabalho aprofundou de modo permanente o
fosso entre a produção e o consumo nas colônias. O grosso da produção da
crescente economia monetária jamais foi destinado a satisfazer a demanda e o
consumo locais. Em contrapartida, os diversos artigos vendidos no comércio
varejista eram, na sua maior parte, de origem estrangeira. O artesanato local
sofria bastante com a concorrência e as intervenções europeias, como aliás
ocorria no período pré -colonial. Na década de 1920, quando a economia colo-
nial estava firmemente estabelecida, os africanos produziam bens que não
consumiam e consumiam produtos que não produziam. De fato, a demanda
interna não favorecia o desenvolvimento dos recursos da África. Há, ainda,
outra consequência nefasta: os colonizadores devastaram parte dos recursos e
negligenciaram outros, porque avaliavam sua utilidade relativamente à Europa
e não ao continente africano. Nenhum dos grandes agregados econômicos,
como poupança, investimentos, preços, rendas e produção, estava voltado para
necessidades domésticas. Essas considerações estruturais é que levaram econo-
mistas e historiadores africanos, em trabalhos recentes, a contestar as antigas
definições de desenvolvimento colonial e a declarar que, ao contrário, o colo-
nialismo não trouxera no plano econômico senão dependência, desequilíbrio e
subdesenvolvimento
14
.
14 RODNEY, 1972; RWEYEMANU, 1974; BRETT, 1973.
396
África sob dominação colonial, 1880-1935
Entre as duas guerras mundiais, o acontecimento marcante para a evolução
das economias africanas foi a grande Depressão de 1929 -1933. Surpreendendo
as economias interdependentes do mundo capitalista, a Depressão atingiu neces-
sariamente também as economias coloniais africanas, lançando uma luz cruel
sobre a sua extensão e natureza.
Desde o século XIX, as crises cíclicas da economia mundial fizeram diminuir
o crescimento da África e impuseram sacrifícios aos africanos já engolfados pelo
sistema de relações monetárias. Em 1930, portanto, somente a gravidade das
dificuldades que o continente experimentou ao receber o contragolpe da crise é
que era nova. Foi através dos setores capitalistas mais avançados (minas, plan-
tações e zonas de cultura de produtos básicos comercializáveis) que a Depressão
chegou à África. No entanto, alcançou todas as ramificações secundárias e ter-
ciárias, mergulhando em dificuldades os africanos que vendiam alimentos aos
trabalhadores e também outros cultivadores, bem como os pastores, que julga-
vam contrário aos seus interesses vender o gado pelos preços em vigor. Todos os
comerciantes africanos foram atingidos, ainda que vendessem produtos locais,
como a cola. O fato é que os comerciantes ditos “tradicionais”, os Haussa e os
lula, estavam avassalados à economia colonial. Seus negócios prosperavam na
medida em que enfrentavam a nova ordem e adaptavam -se a transformações
comprando caminhões, por exemplo –, mas ficaram sem defesa em face de um
desastre externo de proporções, como a Depressão, pois seus clientes recebiam
menos dinheiro em troca do produto de suas culturas e de seu trabalho.
Todos os participantes da economia colonial adotaram medidas para comba-
ter os efeitos da Depressão. A iniciativa cabia às empresas capitalistas. Os bancos
e as casas comerciais reduziram suas operações, mantendo presença nos grandes
centros, como Dacar, Lagos e Nairóbi, e fechando as sucursais do interior e das
capitais menos importantes. Foi à custa dos camponeses que as casas exporta-
doras realizaram economias: fizeram cair os preços à produção quando a safra
de 1930 foi posta no mercado. Como empregadores, dispensaram muita gente
e reduziram drasticamente os salários. Com exceção das minas de ouro, cuja
exploração evidentemente prosseguiu, a reação de todos os grandes empregado-
res dos diversos setores de produção consistiu basicamente em cortar despesas.
O número de assalariados, que aumentara consideravelmente depois da Pri-
meira Guerra Mundial, diminuiu 50%, se não mais, entre 1931 e 1934. Durante
esse período, exceção feita aos inúmeros colonos e pequenos comerciantes que
abriam falência, os principais beneficiários do sistema colonial continuaram a
ganhar lucros que, embora reduzidos, não deixavam de ser substanciais.
397
A economia colonial
A reação dos africanos à crise foi combater as soluções apresentadas pelos
europeus. Contra a redução de salários, os trabalhadores fizeram greves mais
frequentes e maciças, apesar da falta de sindicatos. Relativamente, poucas pági-
nas têm sido consagradas à luta espontânea da classe operária africana antes da
criação dos sindicatos
15
. A julgar pela agitação reinante no momento da Depres-
são de 1920 -1921, depois na grande crise de 1929 -1933 e, enfim, na recessão
de 1938, os conflitos parecem ter sido mais agudos em período de guerra e de
conjuntura desfavorável. Da mesma forma, não se pode considerar mera coin-
cidência o fato de, em 1920 -1921 e, de novo, em 1930 e 1938, os agricultores
da Costa do Ouro terem recusado vender o seu cacau e boicotado os armazéns
estrangeiros. As empresas estrangeiras estavam dispostas a prosseguir acumu-
lando, fosse como fosse, enquanto operários e camponeses entregues às suas
safras comerciais procuravam resistir ao empobrecimento e defender os magros
ganhos que tempos melhores lhes haviam propiciado.
Outro método de defesa utilizado pelos africanos era a fuga à economia mone-
tária. Os setores que se haviam recém -integrado nessa economia ou que mal
tinham experimentado a sua influência foram os primeiros a fugir dela. Fenômeno
semelhante produzira -se no final da Primeira Guerra Mundial, obrigando os
governos coloniais a restabelecerem a economia colonial em certas regiões. Nume-
rosos camponeses de Tanganica, bem menos acostumados às trocas monetárias do
que seus irmãos da Costa do Ouro, tentaram pura e simplesmente abandonar as
culturas comerciais depois de 1930. Saíram -se mal, já que o Estado colonial caiu
com todo o seu peso para contrariar uma tendência considerada como retorno à
barbárie. Foram lançadas campanhas a favor do incremento das colheitas, e ins-
tituídas sanções administrativas que não passavam de mal veladas tentativas de
obrigar os camponeses a aumentar a área cultivada para compensar a baixa dos
preços. Essas campanhas eram apoiadas não pelos negociantes, mas também
pelos industriais que precisavam de matérias -primas e por poderosas organizações
metropolitanas, como a Empire Cotton Growing Association, cuja ação prosse-
guiu mesmo durante os anos posteriores à Depressão.
A maior parte dos projetos que envolviam capital foi suspensa durante a
Depressão; os poucos investimentos efetuados visavam ao aumento da produ-
ção primária barata, apelando para o trabalho forçado, como o fez o projeto
de irrigação do Office du Niger francês. Em toda parte verificava -se a recru-
descência da coerção nas relações econômicas, reveladora da necessidade de
15 DEUTSCHLAND, 1970.
398
África sob dominação colonial, 1880-1935
reforçar, em períodos de crise, a economia colonial por meios não econômicos.
Graças ao trabalho dos africanos e ao pagamento dos impostos, as estradas de
ferro continuaram rentáveis e as receitas fiscais das colônias foram preservadas.
No entanto, o pior para a população africana foi a redução dos serviços sociais,
muito pobres, sobretudo medicina e educação, que se tornaram mais caros.
Depois de 1934, nos anos de retomada da economia, salários, preços e diversos
serviços oferecidos aos africanos não regressaram ao nível anterior, enquanto o
capital privado obtinha, novamente, lucros bastante elevados.
Os governos coloniais não concederam mais que um mínimo de assistência
aos africanos que definhavam com a Depressão. Suspenderam a cobrança de
impostos e sustentaram os preços (os franceses fizeram isso com o amendoim).
Tentaram moderar a exploração forçada, exercida pelos intermediários. Eram
medidas ditadas pela necessidade. Nenhuma moeda tinha circulação; a queda
dos preços em um país obrigava os camponeses desesperados a percorrerem
longas distâncias para contrabandear sua colheita para outra região, onde espe-
ravam auferir ínfima vantagem. Quanto aos intermediários, os governos tinham
de impedir que eles se apoderassem dos poucos lucros restantes, destinados à
exportação. No entanto, na África oriental, os negociantes “asiáticos” contribu-
íram de forma essencial para manter a economia monetária intacta e evitar a
volta à economia de trocas, eles que estavam, com seus aportes de capital, na
origem da difusão do numerário e dos primeiros intercâmbios monetários em
toda a região
16
. Afinal de contas, a administração britânica acabou por proteger
os interesses desses varejistas e compradores de produtos diversos. No período
que seguiu a Depressão, os africanos viram -se mais do que nunca sujeitos a
controles administrativos (implantados para aumentar a produção) e também
expotos por completo às maquinações das empresas de import/export e dos
compradores” locais.
A dependência a que os africanos ficaram reduzidos depois da grande crise
mostra a amplitude das mudanças verificadas em sua vida, aproximadamente
cinquenta anos após o advento do colonialismo. Nos primeiros anos, o impacto
do colonialismo pouco se fez sentir; mas introduziu transformações profundas
à medida que se desenvolveu. A economia africana de modo algum foi estudada
durante o período colonial, e nem mesmo durante a fase nacionalista que se lhe
seguiu, quando então era maior a preocupação em estudar a história da África
vista pelos próprios africanos. O debate sobre a significação da experiência
16 MANGAT, 1969.
399
A economia colonial
colonial foi inibido, desde que numerosas mudanças eram econômicas, enquanto
outras políticas, raciais e culturais – também tinham base econômica. No perí-
odo seguinte ao desenvolvimento da economia monetária, a sociedade africana
diferenciou -se e novas classes formaram -se. Embora limitadamente, constituiu-
-se um proletariado em diversas regiões do continente, enquanto o número de
camponeses não cessava de crescer por toda parte. O desenvolvimento do cam-
pesinato acarretava, por si, novas diferenciações. Como em todas as comunidades
camponesas situadas na órbita capitalista, surgiram grandes explorações em
detrimento dos pequenos agricultores e dos trabalhadores agrícolas sem terras.
No decurso dos anos 1920, todas as regiões de culturas comerciais viram surgir
grandes proprietários de terras empregando trabalhadores agrícolas e capazes,
segundo a ocasião, de introduzir novas técnicas. Assim formou -se uma segunda
camada da população, composta por alguns privilegiados que haviam sido bene-
ficiados com alguma educação durante os primeiros anos do colonialismo, no
momento em que eram ensinadas aos africanos certas noções indispensáveis à
boa marcha da economia colonial. Pode -se notar, finalmente, que as redes de
distribuição estavam entregues, em nível local, a africanos que dominavam o
setor na África ocidental e no norte do continente. Os camponeses que tinham
vencido nas culturas comerciais, os negociantes africanos e a elite culta forma-
vam, em conjunto, o embrião de uma pequena burguesia. Estavam frequente-
mente ligados às antigas classes possuidoras das regiões semifeudais da África
e, por isso, muitas vezes mimados pelos europeus. Mas o fato capital é que, à
parte toda a política colonial, a marcha da economia favoreceu o progresso dessas
camadas da população que econômica e culturalmente pertenciam ao mundo
colonial dependente.
401
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
C A P Í T U L O 1 5
401
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)*
As colônias francesas, belgas e portuguesas apresentam algumas similarida-
des tanto na sua configuração geral como no que respeita à política colonial.
São colônias ou federações de enorme extensão, embora com povoamento de
modo geral inferior à média da África britânica, sobretudo a África Equatorial
Francesa e Angola
1
. Moçambique e Ruanda cumpriam a função de reservatórios
de mão de obra para os países mineiros vizinhos: Rodésias do Norte e do Sul
(Zâmbia e Zimbábue atuais) e Congo Belga (atual Zaire), tal como na África
Ocidental Francesa a zona voltaica (atual Alto Volta) fornecia trabalhadores
Mossi para as plantações de cacau da Costa do Marfim e da Costa do Ouro
(atual Gana)
2
.
Com efeito, a exploração desses territórios, baseada num esquema de investi-
mentos bastante avançado, era relativamente recente: os capitais nunca se aven-
turaram por antes da Primeira Guerra Mundial, como mostra o quadro 1.
1 Em 1936, a densidade demográca era 4,2 hab/km no Congo Belga, 2,8 na África negra francesa e 2,4
em Angola, segundo FRANKEL, 1938, p. 170 e 202 -3.
2 Em 1936, Moçambique e Ruanda -Urundi tinham densidades de 5,1 e 6,8 hab/km, respectivamente.
Também há que levar em conta, na África Ocidental Francesa, a diferença entre o Sahel semidesértico
e a zona costeira, mais fértil, de que a elevada densidade do pequeno Togo (14,4 hab/km 2) oferece bom
exemplo. Ibid.
A economia colonial
das antigas zonas francesas,
belgas e portuguesas (1914 -1935)*
Catherine Coquery -Vidrovitch
* Este capítulo foi redigido em 1974 e revisto em 1980. (Nota do coordenador do volume.)
402
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Os recursos das colônias francesas, belgas e portuguesas. (Fonte: Atlas Grandidier, 1934.)
403
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
Quadro 1 Investimentos na África negra (em milhões de libras esterlinas)
Regiões
Investimentos
acumulados
1870 ‑1913
1
Investimentos
acumulados
1914 ‑1936
% dos investimentos
totais na África
negra, em 1936
África britânica 695 421
2
77
África negra francesas:
3
25 29,5 5,7
África Ocidental Francesa 30,4
4
2,5
África Equatorial Francesa 21,2
4
1,7
9
Togo e Camarões 18,6
4, 5
Colônias alemãs 85
Colônias portuguesas: 66,7 5,4
Angola muito pouco 31,9
4, 6
2,6
Moçambique 34,7
4, 7
2,8
Colônias belgas:
Congo e Ruanda -Urundi 40 94,4
8
11,7
Total pelo menos
(Territórios não britânicos) 150 190 22,9
Segundo Frankel, 1938, p. 149-59, e Paish, 1909, 1910-11.
Com a exclusão dos investimentos alemães no Sudoeste Africano (126,5 milhões de libras) e em Tanganica
(33,5), Frankel, 1938, p. 202-3.
A avaliação de Frankel sobre capitais investidos na África negra francesa, no entanto, está visivelmente
subestimada (talvez em um terço), porque só considera as empresas cotadas na bolsa.
1870-1936.
Dos quais aproximadamente 15,8 milhões de libras de investimentos alemães anteriores.
Dos quais aproximadamente 16 milhões de libras de capitais do Reino Unido.
Vinte milhões de libras de capitais do Reino Unido.
Deduzindo os investimentos alemães em Ruanda-Urundi (9 milhões de libras).
África Equatorial Francesa c Camarões.
No plano econômico, foi um período decisivo, que teve o início e o fim
assinalados por dois traumatismos profundos. O primeiro a Primeira Guerra
Mundial – serviu para desencadear, apesar da breve mas violenta crise dos anos
1921 -1922, um boom colonial sem precedentes, que refletia a prosperidade
metropolitana dos anos de 1920. Embora espetacular, foi uma expansão rela-
tivamente curta, encenada pela longa Depressão que seguiu a crise de 1930.
Tudo isso produziu conturbações tanto no plano econômico e social como no
plano ideológico. No final do período, as relações da África de língua francesa
e de língua portuguesa com o mundo exterior já se achavam transformadas. As
colônias, até então relativamente independentes de suas metrópoles, foram inte-
gradas ao sistema capitalista ocidental, no contexto de um sistema econômico
coerente de exploração colonial.
404
África sob dominação colonial, 1880-1935
O traço dominante do período foi o esforço para a importação de bens de
capital, lucrativo para as metrópoles, mas duramente suportado pelas colônias.
Havia, no entanto, contrastes entre os países mineiros (sobretudo o Congo Belga;
muito secundariamente Angola e, como porta de saída do Rand, Moçambique),
onde a indústria de mineração ou a infra estrutura ferroviária atraíram um nível
superior de investimentos, e os demais territórios, ainda exclusivamente agríco-
las. Outro fator de diversidade era o modo de exploração: a África Equatorial
Francesa e o Congo continuaram a ser, por muito tempo, países explorados por
companhias monopolistas; a África Ocidental Francesa e a pequena Ruanda-
-Urundi, ao contrário, foram submetidas ao regime concorrencial da économie
de traite, ou seja, uma economia fundada na exportação de produtos agrícolas
básicos obtidos por meios tradicionais e na importação de bens de consumo.
As colônias portuguesas, relativamente bem dotadas, sofriam sobretudo pelo
fato de dependerem de uma metrópole “subdesenvolvida”, sem condições de
financiar sua exploração.
O nanciamento de bens de capital
Observa -se nos gráficos (ver fig. 15.2) a notável semelhança entre o comér-
cio exterior do Congo Belga e o da África Ocidental Francesa: da ordem de 20
milhões de libras esterlinas na véspera da Depressão. Angola e a África Equatorial
Francesa trabalhavam com valores quatro ou cinco vezes menores (em 1930, os
475 mil contos do comércio exterior de Angola representavam pouco menos que
5 milhões de libras, contra 4,3 milhões da África Equatorial Francesa). Compa-
rativamente, o corcio da pequena Ruanda -Urundi parece quase inexistente (em
1930, 70 milhões de francos belgas, equivalentes a apenas 360 mil libras!).
Mas todos os gráficos apontam uma constante da década 1920 -1930,
mesmo que a inflação tenda a exagerar o valor dos bens importados em rela-
ção ao seu volume (ver as curvas de Ruanda -Urundi; a conversão em libras
esterlinas oblitera os efeitos da inflão continental nas outras figuras). Em
todos os territórios, uma balança comercial deficitária que surge com a
Primeira Guerra Mundial e atinge o ponto culminante nos anos de máxima
euforia econômica de 1925 -1930 revela a imporncia dada aos bens de
capital. É ocioso assinalar a importância assumida nesse período pelo setor
de infra estrutura dos transportes, sobretudo ferroviária e portuária, mas tam-
bém rodoviária, fenômeno novo ligado à introdução da tração automóvel. No
Congo Belga, 65% dos investimentos acumulados em 1932 destinavam -se a
405
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
 . Comércio exterior colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas. (Fonte: Chrétien, 1970, p. 1690-1.)
406
África sob dominação colonial, 1880-1935
minas, transportes e imóveis ou a empresas secunrias, agcolas ou comer-
ciais, ligadas à expansão ferroviária e mineira. Nos anos 1927 -1930, os bens
importados para obras blicas absorviam, em média, 47% das importações
especiais. Em 1929, os bens de capital (carvão e coque, óleos minerais, peças
metálicas,quinas, navios e veículos) constituíam quase metade das impor-
tações
3
, contra apenas um terço na África Ocidental Francesa. Devido a isso,
o capital investido no Congo Belga disparou, passando de 1215 milhões de
francos belgas antes da guerra para mais de três bilhões de francos -ouro em
1935
4
. em rápido crescimento entre 1920 e 1924, esse capital mais que
duplicou entre 1924 e 1929, chegando quase ao ximo do período entre
guerras, antes da queda da grande depressão. Os novos capitais subscritos por
empresas belgas declinaram de 1,4 bilhão de francos belgas em 1929 para 276
milhões em 1932, ou seja, 30 a 50 milhões de francos -ouro.
Quadro 2 Evolução do capital investido no Congo Belga (em bilhões de
francos belgas de 1950)
1920 1924 1929 1933 1938
6,6 11 29,7 30,9 30
Fonte: Peemans, 1968, p. 383.
Mas as colônias continuavam financeiramente pobres. Apesar do crescimento
das receitas aduaneiras, devido ao surto do comércio exterior, e, sobretudo, ao
aumento do imposto de capitação, elas não estavam em condições de assumir
sozinhas o financiamento da expansão. O desenvolvimento dos bens de capital
ia de par com uma política intensiva de empréstimos tomados às metrópoles.
Paradoxalmente, o maior esforço foi despendido no momento crítico da
grande depressão. Iniciada no Congo, durante a euforia dos últimos anos da
década, a política de empréstimos atingiu o ápice entre 1928 e 1932. A partir
de 1931, foi a vez de a África Ocidental Francesa empenhar -se seriamente no
esforço para obter empréstimos, pois o desastre de 1930 convencera o governo
da urgência de um programa de bens de capital.
Com uma dívida blica que chegava a quase 250 miles de francos em
1909, o Congo Belga tomou de empréstimo, sobretudo depois de 1928, cerca
de 3500 milhões de francos comuns, ou seja, aproximadamente 600 milhões
3 PASSELECQ, 1932, v. I, p. 417 -20.
4 FRANKEL, 1938, p. 167.
407
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
de francos -ouro belgas
5
. Apesar de sua superioridade em dimeno e povoamento,
a África Ocidental Francesa contentou -se com quatro vezes menos após 1920, isto
é, um terço apenas dos créditos autorizados pela lei: 630 miles de francos belgas
pagos em 1935, ou aproximadamente 120 milhões de francos -ouro franceses dos 1
750 miles de francos belgas autorizados entre as duas guerras. Era uma quantia
ainda duas vezes menor do que a da África Equatorial Francesa que, ao mesmo
tempo mais miserável e mais afeita ao exemplo belga, empreendera mais cedo uma
política de empréstimos para obras de infraestrutura. Os recursos foram quase total-
mente absorvidos pela construção da estrada de ferro Congo -Oceano. Somavam
aproximadamente 300 milhões de francos -ouro emprestados entre 1920 e 1936,
quantia correspondente à quase totalidade dos créditos legalmente deferidos.
O resultado foi o crescimento da dívida externa, que ameaçava mais grave-
mente o equilíbrio orçamentário, em razão de as amortizações se tornarem mais
pesadas em plena Depressão, precisamente no momento da queda vertiginosa
das cotações dos produtos de exportação. Em 1933, a amortização anual da
dívida congolesa, estimada em 198 milhões de francos belgas, representava
perto de 88% das receitas orçamentárias da colônia, ou seja, aproximadamente
metade das suas despesas, equivalentes a quase metade do valor das exportações.
Bem menos pesados, os encargos da África Ocidental Francesa (40 milhões de
francos franceses em 1933) excediam, nos piores anos da crise, um terço do orça-
mento geral, mas somente de 5 a 8% da receita total, com todos os orçamentos
incluídos (gerais e territoriais). Os da África Equatorial Francesa ultrapassavam,
então, os 80% (81% do orçamento geral para 1934). Os territórios portugueses,
a respeito dos quais temos poucas informações precisas, também estavam pesa-
damente endividados: em 1936, Angola devia no total perto de um milhão de
contos, isto é, 8,7 milhões de libras ou 220 milhões de francos -ouro. Era uma
dívida muito superior à da África Ocidental Francesa, para um valor sete vezes
menor das exportações
6
, mas correspondente a menos da metade da dívida do
Congo Belga, que tinha um orçamento comparável.
De modo geral, o aumento dos encargos durante os anos de Depressão foi
nitidamente mais rápido nesses territórios do que nos territórios britânicos mais
endividados, como indica o quadro 3.
Embora delicada em vista das flutuões da moeda, a comparão entre
o Congo Belga e a África Ocidental Francesa mostra as diferenças dos
modos de explorão. Considerado mais rentável e, em todo caso, mais ávido
5 No decorrer desse período, a paridade oscilou em torno de 100 francos belgas = 70 francos franceses.
6 FRANKEL, 1938, p. 371; DUFFY, 1962, p. 139 et. seq.
408
África sob dominação colonial, 1880-1935
de capitais, o Congo Belga apresentava, no entanto, fraquezas econômicas
evidentes. Seu endividamento era infinitamente mais pesado do que o da
África Ocidental Francesa e seu comércio de exportação muito inferior,
o obstante a importância das indústrias de mineração. Acima de tudo, as
receitas oamentárias do Congo Belga eram evidentemente mais limitadas,
em vista de a tributão aduaneira e a carga fiscal sobre a populão afri-
cana serem menores, o que resultou em um déficit financeiro mais grave no
momento da Depressão.
Quadro 3 Amortização anual da dívida: encargos comparados de alguns
territórios em 1928 e 1935 (em porcentagens)
Congo Belga
África Ocidental
Francesa
África Equatorial
Francesa
1928 1935
Taxa de
crescimento
1928 1935
Taxa de
crescimento
1928 1935
Taxa de
crescimento
Da receita 20,6 79,3 384 2,5 6,8 367 16,6 47,1 284
Das expo.
especiais
9,5 26,8 282 1,5 6,9 460 17,2 46,6 271
Fonte: Frankel, 1938, p. 182; Coquery-Vidrovitch (?).
Esta aparente incoerência explica -se, de fato, pela distorção do vel de
exploração. O Congo chegava ao estágio da exploração pelo capital, enquanto
a Africa Ocidental Francesa ainda estava de certo modo na économie de traite.
Em vésperas da Depressão, a superioridade comercial da federação francesa,
mais da metade (52,7% em 1928) ainda baseada na exportação de amendoim do
Senegal, era a prova da rentabilidade de uma política de vistas curtas, limitada à
exploração da margem de lucro entre bens importados vendidos a preço elevado
aos produtores africanos e a compra a baixo preço de safras cuja produção estava
abandonada ao setor tradicional (économie de traite). Era de supor que a colônia
fosse auto ssuficiente, que o fundamento da colonização era gerar lucros para
a metrópole; vivia dos direitos aduaneiros, fruto de um comércio em expansão
e de pesada tributação. Apesar da depressão que paralisou os negócios e, simul-
taneamente, obliterou as receitas africanas, a metrópole recusava -se a qual-
quer subvenção como auxílio. Da mesma forma, o último subsídio concedido
à miserável África Equatorial Francesa (que recebeu ao todo, de 1910 a 1934,
409
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
375 milhões de francos) remontava a 1928, resignando -se a metrópole, no pior
momento da crise, a ficar somente com o encargo do serviço dos empréstimos,
isto é, 80 milhões de francos em 1935
7
.
Quadro 4 Alguns resultados coloniais (em milhões de francos franceses)
África Ocidental Francesa Congo Belga
1928 1935
Evolução
em %
1928 1935
Evolução
em %
Amortização anual 17,2 54,8 +218 87 225 + 158
Receitas orçamentárias
ordinárias
723 593 -18 420 290 -21
Valor das exportações 144 698 -39 915 850 -7
Receita aduaneira 213 142 -33 ? 79
Capitação 143 152 +6 75(?) 64 -15
A capitação, porém, continuou aumentando em plena crise, ou então pouco
diminuiu (na África Ocidental Francesa, 156 milhões de francos franceses em
1929, 181 milhões em 1931; no ponto mais baixo, 153 milhões em 1935). Se a
Fraa assentiu finalmente em fazer um esforço de investimento nas colônias
africanas, foi a título provisório, sob a forma de empréstimos garantidos pelo
Estado, reembolsáveis em 50 anos, a juros de 4 a 4,5%. Isto significava que as
colônias francesas essencialmente tinham, afinal, de arcar com o pagamento de
seus próprios bens de capital. Evidentemente, na África Equatorial Francesa
a miséria do território exigiu finalmente que a metrópole assumisse a quase
totalidade da dívida, mas, na África Ocidental Francesa, deduzindo -se o reem-
bolso da vida, a participão francesa na formão de bens de capital não
passou de 16% do total, entre 1931 e 1936. Em outros termos, foi a força de
trabalho dos habitantes que na verdade conseguiu, desde o início, desenvolver
o território.
Mas como esta economia arcaica quer dizer, mais dependente da taxação
e da pilhagem do que da produção e dos investimentos era frágil, a grande
depressão determinou sua falência. Em 1934, o relator do orçamento colonial
na Câmara dos Deputados constatava que as colônias estavam no fim e sugeria
o financiamento dos bens de capital pelo Estado. No mesmo ano, acontecia
a Conferência Econômica da França Metropolitana e do Ultramar, primeira
7 MOELLER, 1938, p. 3 -5.
410
África sob dominação colonial, 1880-1935
tentativa de pôr em ação um programa de apoio que acabou sendo realizado
somente depois da Segunda Guerra Mundial
8
.
Embora a crise atingisse brutalmente o Congo Belga (o valor das exportações
baixara aproximadamente dois teos, passando de 1511 miles para 658 milhões
de francos belgas, entre 1930 e 1933), ela foi menos aguda em valor relativo e
reabsorvida mais rapidamente. Prova disso é que o valor das exportações atingiu de
novo 1203 milhões em 1935. É evidente que o Congo continuava ainda modera-
damente produtivo. Em comparação com as colônias britânicas da África austral,
a produtividade de suas minas era ainda muito reduzida. Embora em 1935 essa
produtividade representasse 62% do valor das exportações do Congo Belga e 30%
no caso de Angola, esses dois territórios juntos exportavam apenas 6% do valor
total dos produtos minerais da África negra.
Quadro 5 Importância relativa do comércio externo de algumas colônias
(em porcentagem do comércio total da África negra)
Africa Ocidental
Francesa
Congo Belga Angola
1928 5,9 4,7 1,3
1935 5,8 4,1 1,1
A colônia belga, cuja atividade econômica já era de tipo capitalista, contava,
não obstante, com a vantagem do avanço técnico e de uma política de investi-
mentos a longo prazo. A grave crise orçamentária dos anos 1930 relacionava-se
mais com a redução do fluxo de investimentos do que com o valor das expor-
tações. As receitas próprias da colônia, inferiores às da África Ocidental Fran-
cesa, eram compensadas pela importância dos capitais privados e pelo apoio
do Estado, que, além dos empréstimos, cobria o déficit com a ajuda de fortes
subvenções: 687 milhões de francos belgas de 1933 a 1937, além de uma loteria
colonial, cuja receita líquida (271 milhões de francos belgas) serviu para cobrir
parcialmente os déficits de 1934 e 1935 (673 milhões de francos belgas, ou
seja, 47% das despesas ordinárias). De 1914 a 1935, o Congo “custou à Bélgica
(excluídos os empréstimos) um total de 112,5 milhões de francos -ouro, isto é,
aproximadamente metade das despesas metropolitanas totais de 1908 a 1950
9
.
8 COQUERY -VIDROVITCH e MONIOT, 1974, p. 407 -9.
9 MOELLER, 1938; ver também STENGERS, 1957, p. 394.
411
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
Em resumo, ainda que, ou melhor, justamente por ter custado mais caro à
Bélgica”, ao contrário das federações francesas, o Congo conseguiu decolar” logo
que a indústria se recuperou da Depressão. Mas não se deve exagerar: o fato de
em toda parte, em seguida à Depressão, as exportações terem ganho terreno em
relação às importações prova que os bens de capital da fase precedente apenas
ajudaram a desenvolver até um estágio ulterior uma política ainda basicamente
centrada na exploração externa e não no desenvolvimento dos territórios, para
seu próprio benefício.
Os encargos do trabalhador
Este período, delimitado por duas fases difíceis, marcadas pela exploração
crescente dos trabalhadores – a Primeira Guerra Mundial e a grande depressão
–, foi rude para os africanos. Nesse tempo de “desenvolvimento colonial, os
homens interessavam ao colonizador enquanto mercadoria ou bem de pro-
dução. Foi para melhorar sua eficiência, aliás, que foram tomadas as primeiras
medidas de proteção do trabalho. O nível de vida, porém, continuava precário e
vulnerável ao menor desequilíbrio: entrou em colapso com a grande depressão,
conforme salientava um administrador francês: “Notei sempre que, ao elaborar
de fato e regularmente o orçamento de uma família autóctone, ele nunca fechava.
A vida de um africano, na verdade, é um milagre perpétuo”
10
.
O trabalho
Embora o trabalho forçado fosse oficialmente repudiado em toda parte, a
carência de mão de obra levava à coerção, direta ou imposta através de tributos,
que tinham de ser pagos.
Prestação de serviços e culturas obrigatórias
Era comum em toda a parte o uso do trabalho não remunerado. As federa-
ções francesas oficializaram, depois da guerra, as prestações de serviço gratuitas
para obras de interesse local ou colonial. Fixadas inicialmente em sete dias por
ano, logo passaram para 12 dias na África Ocidental Francesa e para 15 dias
10 URVOY, 1940.
412
África sob dominação colonial, 1880-1935
na África Equatorial Francesa. O decreto de 6 de outubro de 1922, reformado
em 7 de janeiro de 1925, previa a possibilidade de isenção individual, ao preço
de 50 cêntimos a dois francos por dia, conforme a maior ou menor penetração
da economia monetária.
Esta obrigação, por si limitada, era mais impopular porque a alimentação
desses trabalhadores,o considerada de antemão, ficava a cargo das mulheres se
a obra estivesse a um dia de distância a pé da aldeia. A este trabalho obrigatório
somavam -se os recrutamentos impostos (no entanto, pagos) pelas ferrovias: de
1921 a 1932, 127250 homens, totalizando uma ausência de 138125 anos, foram
recrutados na África Equatorial Francesa para a construção da estrada Congo
-Oceano. Aproximadamente 20 mil devem ter morrido antes de 1928
11
. Na
África Ocidental Francesa, a medida foi acompanhada do sistema conhecido
como da segunda parcela do contingente”, que previa o alistamento para fins
sociais e utilitários” da metade dos trabalhadores não convocados para o serviço
militar
12
. Finalmente, em vésperas da grande depressão, o serviço de carregado-
res, embora um pouco em declínio por toda parte, ainda provocava devastações
em Ruanda, onde o trabalho obrigatório e gratuito passou, contudo, de 29 para
13 dias por ano
13
.
A época foi marcada sobretudo pela instituição da cultura obrigatória de
produtos especificas. Esse procedimento, que teve origem no Congo Belga no
final do século XIX, foi retomado durante a Primeira Guerra Mundial, depois
de uma missão realizada em 1915 em Uganda e na Costa do Ouro, a respeito
do algodão e do cacau, respectivamente
14
. A cultura obrigatória do arroz foi
introduzida na província oriental e a do algodão multiplicou -se desde Maniema
e Uele ao conjunto da colônia. Em 1930, os campos do Estado abrangiam mais
de um milhão de hectares; em consequência, o Congo produziu 15 mil toneladas
de arroz e 30 mil toneladas de algodão; uma dezena de empresas controlava
111 usinas de descaroçamento. A inovação era especialmente impopular, mas
mesmo assim foi adotada nas federações francesas. Introduzida em 1916, por
ocasião do “esforço de guerra”, desde o início ela sobreviveu somente graças à
sustentação artificial dos preços pelas subvenções francesas. Contrariamente, na
11 SAUTTER, 1967.
12 Decreto de 31 de outubro de 1926. O sistema também estava em uso em Madagáscar.
13 P. DE DEKKER, 1974. As prestações de trabalho anuais obrigatórias passaram de quinze dias em 1928
para treze dias em 1931. Mas, no Congo Belga, o trabalho gratuito obrigatório subiu para 120 dias por
ano durante a Segunda Guerra Mundial. MERLIER, 1962, p. 95.
14 PASSELECQ, 1932, v. I, p. 281.
413
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
mesma época o governo da Niassalândia (atual Malavi) deixava de subvencionar
a produção algodoeira, e no Congo Belga os subsídios eram reduzidos.
Na África Equatorial Francesa, instigadas pelo administrador Félix Éboué
(1927 -1928), quatro empresas receberam, com um equipamento mínimo de
bens de capital, o monopólio de compra sobre vastas “zonas de proteção
15
. Essas
disposições seguiam o modelo belga de monopólios no Congo, instituído pelo
decreto de 1 de agosto de 1921.
A cultura obrigatória do algodão, introduzida na mesma época também na
África Ocidental Francesa, foi mais uma das grandes ideias do Office du Niger
(1933). Aqui, mais uma vez, centros aldeãos especialmente desenvolvidos e pela
primeira vez estabelecidos em 1937 fracassaram lamentavelmente, em vista da
impossibilidade de solucionar o problema demográfico e do mau preço de um
algodão difícil de vender: 1,25 franco em 1928; 90 cêntimos em 1929; 70 cên-
timos em 1931 e apenas 60 cêntimos de 1933 a 1936.
Quadro 6 Algodão na África Ocidental Francesa: exportações médias
quinquenais (em toneladas)
1910‑14 1915‑19 1920‑4 1925‑9 1930‑4 1935‑9 1954
189 467 895 3500 2500 3900 1300
Nas colônias portuguesas, a incúria da administração, incapaz de garantir a
distribuição de sementes ou de providenciar instruções técnicas, explica a inefi-
ciência do sistema. Mesmo assim, prevaleceu de modo particularmente arcaico
no território da Companhia de Moçambique, criada em 1891, que gozava de
direitos de soberania por 50 anos sobre 160 mil km. Esta era a única compa-
nhia no mundo que em 1930 ainda exercia poder de soberania e tinha controle
sobre 11,6% do comércio global da colônia, entre 1918 e 1927, sobre 6,5% do
território e sobre o trabalho de 4% da população
16
.
Mas nem sempre os resultados eram tão decepcionantes; no auge da Depres-
são, foi introduzida em larga escala, pelo método das culturas obrigatórias, a
produção de cacau e principalmente a de café na Costa do Marfim, Camarões
e Ruanda -Urundi. Neste último território, o programa -café”, introduzido expe-
rimentalmente em 1925 (obrigação de meio hectare por chefe ou subchefe), foi
sistematizado logo que se fizeram sentir os primeiros efeitos da Depressão.
15 COQUERY -VIDROVITCH, 1972, p. 475 -7.
16 BOHM, 1938, p. 155.
414
África sob dominação colonial, 1880-1935
Quadro 7 Exportações de café de Ruanda (em toneladas)
1929 1932 1935 1936 1937
50 100 1150 2000 375
Fonte: Molitor, 1937, p. 156-75.
A rápida propagação das culturas especulativas explica -se em princípio pelo
fato de os africanos, oprimidos pelos encargos, não terem outro meio de com-
pensar as perdas senão aumentando sua produção, de forma a driblar a queda
dos preços nos piores momentos da crise. Mas, com a retomada, finalmente
convencidos da rentabilidade de seus esforços, os camponeses entregaram -se
voluntariamente às novas produções. O arranque espetacular na África Ociden-
tal Francesa, em 1936, aparece no quadro 8.
Quadro 8 Exportações da África Ocidental Francesa (em toneladas)
1935 1936
Café 5300 43500
Cacau 6700 49700
Fonte: “Levolution des exportations de l’AOF de 1905 à 1957”. Institut d’Emission de l’AOF et du Togo,
n. 36, julho de 1958.
As culturas especulativas garantiam o mínimo de dinheiro vivo para pagar o
imposto de capitação e atender às necessidades primárias de consumo, levando
à eliminação correlativa das culturas obrigatórias.
Nessas circunstâncias, a função das instituições encarregadas de ajudar os
produtores era muito importante, como o Crédit Agricole (organizado em
1931 na África Ocidental e na África Equatorial francesas e em Camarões),
criado para garantir as operações de prodão a curto e dio prazos e favo-
recer a passagem à propriedade privada. Só eram beneficiados os camponeses
pertencentes a uma associação legalmente reconhecida (Société de Prévoyance,
Association Agricole etc.) e os donos de propriedades registradas em seus
próprios nomes (e o heranças de família)
17
. Da mesma forma, as Sociétés
Indigènes de Prévoyance (SIP), cujo número quintuplicou em quatro anos
na África Ocidental Francesa (de 22 em 1929 para 104 em 1936), tamm
desempenharam o seu papel, ainda que costumassem interessar muito ao
commandant de cercle sob o ângulo exclusivo dos recursos complementares
17 Decreto de 26 de junho de 1931. DESANTI, 1940.
415
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
resultantes das coletas obrigatórias. No Senegal, em 1940, apenas duas ou três
SIP estavam em condições de cumprir um papel útil, em Sine -Saloum
18
. Até
então, o trabalho obrigatório, quer nos campos, nas minas ou nas estradas de
ferro, era a regra geral.
Regime e regulamentação do trabalho
Na África francesa, a administração controlava os alistamentos que, em prin-
cípio, não podiam exceder, desde 1921 na África Equatorial Francesa, um terço
da população masculina apta que tenha atingido a idade adulta”. No Gabão, a
partir de 1926, com o desenvolvimento da exploração florestal, os novos explo-
radores eram avisados de que estavam abrindo seus canteiros de obras “por sua
conta e risco e sabendo bem que corriam o risco de não encontrar no local a
mão de obra necessária
19
.
No Congo Belga, o limite dos recrutamentos estava fixado em 25% dos
“homens adultos aptos”. O limite foi reduzido para 10% em meados da década,
em face da carência de mão de obra, mas, regra geral, a quota oficial era mui-
tíssimo ultrapassada
20
. Nas colônias portuguesas, uma sutil distinção havia sido
estabelecida entre o “trabalho correcional”, reservado aos condenados, e o traba-
lho dos homens de 14 a 60 anos, “obrigação moral e social”, pelo menos por seis
meses no ano
21
, não devendo o Estado “ter escrúpulos em obrigar e, se necessá-
rio, forçar os negros selvagens da África a trabalhar, quer dizer, a melhorar a si
próprios pelo trabalho, para obter melhores meios de vida, para civilizar -se
22
.
A praga dos recrutadores persistia especialmente no Congo, território em
que o Estado delegava às sociedades o poder de recrutamento, como a Bourse
du Travail du Katanga (BTK), agência privada que recrutava pessoal para as
minas das zonas rurais. Em 1926, a fim de remediar a carência de mão de obra,
o governo concedeu à Union Minière du Haut -Katanga (UMHK) o monopólio
do recrutamento em Maniema (província oriental) e em Ruanda -Urundi
23
.
18 TUPINIER, 1940.
19 ANTONETTI, 1926 -1927.
20 MERLIER, 1962, p. 134 -5. A noção de adulto era vaga, pois designava os indivíduos que tivessem
atingido o desenvolvimento normal do adulto”. LÉONARD, 1934, p. 382.
21 Código do Trabalho de 1911. Le régime et lorganisation du travail des indigènes dans les colonies tropicales,
Bruxelas, 1929, p. 224 -315.
22 Recomendação da comissão, incorporada ao Código do Trabalho de 14 de outubro de 1914; apud
DUFFY, 1962, p. 132.
23 FETTER, 1976, p. 90.
416
África sob dominação colonial, 1880-1935
Nas colônias portuguesas, estouravam escândalos periódicos, como aquele
do trabalho forçado e escravo nas plantações de cacau de São Tomé e Prín-
cipe no icio doculo XX. Eram plantações que absorviam de 2 mil a 4 mil
“recrutas voluntários” por ano. Fiel à sua tradão neo escravagista, Portugal
rejeitou em 1930 a Recomendação a respeito da coerção indireta ao traba-
lho”, proposta pela Conferência Internacional de Genebra. Em 1947, surge
o famoso relatório de protesto de Henrique Galvão, deputado por Angola à
Assembleia Nacional de Lisboa. Foi preso em 1952, por declarar que dois
milhões de africanos tinham sido expatriados das colônias portuguesas
24
. Em
1903, o recrutamento de mineiros para o Transvaal em Moçambique foi con-
fiado à Witwatersrand Native Labour Association (WNLA). Em troca de um
acordo de reserva de 47,5% do tráfego sul -africano para a estrada de ferro de
Lourenço Marques, a conveão de 1928 autorizava aproximadamente 250
recrutadores a alistarem até 80 mil africanos por ano. A média anual entre
1913 e 1930 foi de 50 mil emigrantes, perfazendo um total de 900 mil, dos
quais 35 mil morreram e somente 740 mil regressaram com boa saúde. A
locão de homens e o trânsito de mercadorias constituíam, assim, o principal
suporte financeiro da colônia (dois terços em 1928)
25
. Além do montante refe-
rente às licenças de emigrão, que representava 9,8% das receitas orçamen-
rias em 1928 -1929, e às tarifas ferroviárias (28%), há ainda que considerar os
direitos aduaneiros pagos no regresso (25%) e, como parte da receita coletada
através do imposto de capitação, os fundos remetidos às famílias ou trazidos
de volta para o país
26
.
Ruanda -Urundi desempenhou, em menor grau, papel análogo para as minas de
Katanga: em 1930, 7300 trabalhadores (de uma população total de 350 mil “homens
adultos aptos”) moravam no Congo, sendo que mais de 4 mil deles em Katanga
27
.
Cumpre ainda mencionar, um pouco por toda a parte, a emigração voluntária rela-
cionada com as calamidades naturais (25 mil ruandeses emigraram para Uganda
quando da grande fome de 1928 -1929) ou com as fugas ao trabalho forçado, como
fizeram os Mossi do Alto Volta, ao se refugiarem na Costa do Ouro.
Todas as potências coloniais sentiram, quase ao mesmo tempo, a necessidade
de regulamentação do trabalho. Anteriormente, a regulamentação tivera apenas
valor formal, mas com a proliferação da mão de obra assalariada tornava-se
24 BOHM, 1938, p. 124; DUFFY, 1962, p. 185.
25 BOHM, 1938.
26 Ver quadro em CARDOZO, 1931, p. 29.
27 DE DEKKER, 1974.
417
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
indispensável a sua aplicação
28
. Semelhante em todos os territórios, ela fixava
a duração legal do contrato (máximo de três anos no Congo, dois anos nas
colônias francesas e portuguesas), cujo registro, taxado, não era obrigatório na
carteira do trabalhador. Embora as federações francesas tivessem fixado, desde
1922, o salário mínimo autorizado, eram comuns os abusos devido à falta de
inspeção. Não era raro um africano, crente de estar se empregando por um ano,
ver -se de fato expatriado por dois ou mais anos. O salário era pago em merca-
dorias e não em dinheiro, a alimentação distribuída não correspondia ao previsto
na origem. E, à menor infração, aplicavam -se multas muito pesadas. Além disso,
em nome da proclamada liberdade do trabalho, o emprego de diaristas persistiu
por muito tempo, sem qualquer tipo de controle.
A crise de o de obra, particularmente aguda nas minas e nas obras
ferrovrias, determinou uma mudaa de política no Congo Belga. Aos
anos de 1920, o modelo adotado no Congo fora o das minas da África do Sul,
onde a mão de obra sem qualificão, recrutada mediante contratos de curta
durão (seis a nove meses), era renovada à medida que se exauria. Depois de
uma investigação, em 1922, a UMHK empreendeu as primeiras reformas. O
pido aumento da prodão que dobrou nos dois anos seguintes provo-
cou paralelamente aumento de pessoal africano (de 7500 para 14 mil). Essa
foi a origem do famoso paternalismo belga. A reorganizão das reservas
foi empreendida em 1926; em um ano, o custo do trabalho aumentou 40%,
embora o sario não representasse mais que um quinto do orçamento. Em
1930, pela primeira vez, a natalidade excedeu a mortalidade nos campos da
Union Minière du Haut -Katanga, que ofereciam, então, as condições de vida
menos desfavorecidas da África central
29
. O êxito da política de estabilizão
da mão de obra em troca da regularidade do emprego após 1928, e enquadrada
em todos os domínios (lazer, religião, escola etc.), tornou -se evidente quando,
sobrevinda a Depressão, o pessoal foi reduzido de 16 mil para apenas 5 mil
trabalhadores entre 1930 e 1932. Isso provocou, entre os naturais da Rodésia
do Norte, sucessivas revoltas contra a política de repatrião, uma série de
28 No Congo Belga, um decreto de 1910 visava “todos os trabalhadores indígenas” do Congo ou das colônias
vizinhas, empregados por um amo civilizado” ou “sujeitos a imposto pessoal” que não fosse o imposto
per capita, o qual foi emendado em 1922. Na África Equatorial Francesa, um decreto de 1902 voltou
a vigorar de 1907 a 1911 e depois foi completamente reformado em 1922, embora somente em 1935
tenha sido promulgada a primeira legislação ordinária determinando as condições de sua aplicação. Na
África Ocidental Francesa, o primeiro decreto de conjunto, reunindo as medidas locais, foi promulgado
somente em 1928. Nas colônias portuguesas, o Código de Trabalho de 1911 foi revisto em 1926 e de
novo em 1928 (Código de Salazar). LÉONARD, 1934.
29 FETTER, 1976, p. 113.
418
África sob dominação colonial, 1880-1935
tumultos entre os trabalhadores que viviam fora das reservas e a revolta dos
naturais de Ruanda -Urundi em 1932.
Tributação
Apesar dos progressos, a inegável expansão da economia pouca alteração
trouxe ao nível de vida dos africanos. É certo que o salário tornou -se habitual;
o número de trabalhadores congoleses decuplicou em dez anos: de 47 mil em
1917 para 427 000 em 1927, cifra superada em 1937, após o refluir da grande
depressão
30
. No entanto, representava somente uma modesta porcentagem da
população: menos de 20% dos homens adultos aptos” no Congo, dentre os quais
2% eram de Ruanda
31
. Mais tarde, em 1950, esse número representava apenas
2% da população total da África francesa
32
.
Apesar da curva ascendente da oferta de emprego, os salários não aumenta-
vam, pois, ao contrário do Reino Unido sempre fiel à sua política deflacionária,
a inflação dos anos de 1920 foi o fenômeno dominante nas finanças dos outros
países europeus: em 1926, o franco francês perdera quatro quintos de seu valor
no pré -guerra, o franco belga um pouco mais (paridade de 100 francos belgas
por 87,60 francos franceses em 1926, estabilizada no ano seguinte para mais
ou menos 100 francos belgas por 71 francos franceses), sem falar da inflação
galopante do escudo português.
Devido à inflação metropolitana, sentida na África pelo custo crescente
dos bens importados, sem que os preços dos produtos de exportação também
aumentassem, o salário real dos africanos tendia a declinar. A única tenta-
tiva coroada de algum sucesso foi a gradativa substituição do pagamento
em dinheiro pelo pagamento em espécie introduzida no Congo Belga a
partir de 1916 e lentamente adotada na África Equatorial Francesa. É que a
medida, em troca, condicionava que fosse pago em dinheiro o imposto, exigido
de todos os adultos ativos e considerado, desde o icio do século, sinal do
acesso do país à economia monetária e, consequentemente, condição de seu
desenvolvimento.
O problema do imposto pesava sempre mais sobre o poder aquisitivo dos
africanos apanhados pelo ciclo da produção colonial. O término da penetração
30 Relatórios anuais sobre a administração do Congo Belga, 1919 a 1939.
31 7300 trabalhadores dentre 350 mil “homens adultos aptos”; DE DEKKER, 1974.
32 HODGKIN, 1956, p. 118.
419
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
colonial e o progresso da administração, consolidada desde a guerra, dificulta-
vam mais e mais à população reagir fugindo ou revoltando -se. Mais regulares,
as receitas tributárias começaram finalmente a exercer a função de fonte prin-
cipal do financiamento da expansão: em razão disso, entre as duas guerras,
verificou -se um aumento mais rápido da capitação do que da remuneração dos
trabalhadores.
As rendas dos camponeses, de fato, continuavam irrisórias, especialmente
entre os que plantavam safras obrigatórias: de 1928 a 1932, no Congo Belga,
700 mil plantadores de algodão ganhavam em média 165 francos belgas por ano;
os rizicultores pouco mais ganhavam (170 francos belgas)
33
. Os números eram
ainda mais baixos na África Equatorial Francesa. Cultivando 20 acres de algo-
dão por ano (à razão dos 200 dias regulamentares), na mesma época, o lavrador
Ubangi ganhava somente de 9,20 a 40 francos franceses, que correspondiam a
pouco mais que o montante do imposto
34
.
Menos miserável, a remuneração dos assalariados mal acompanhava a infla-
ção, cuja tendência era avançar mais depressa nas zonas de economia monetária:
no Médio Congo o salário mensal médio caiu de 25,45 francos belgas em 1912
considerado um ano de ponta, é verdade (19,30 francos em 1913) para 19,35
em 1920, chegando a 30 francos somente em 1929
35
. Era maior nas zonas de
exploração florestal do Gabão (40 a 50 francos belgas), quase equivalente à
média do Congo Belga (60 francos belgas por mês)
36
.
Na melhor das hiteses, houve uma elevão paralela do imposto nas
zonas mais produtivas, como no Gabão, onde a jornada de trabalho exigida
para pagá -la decresceu ao longo da década: de 23 dias no fim da guerra para
18 dias em vésperas da Depressão. De modo geral, no entanto, a carga fiscal
tornou -se mais pesada ao menos para os camponeses, sobretudo durante a
Depressão, com a dispensa de trabalhadores e o colapso do preço dos produ-
tos tropicais. A tributação direta que pesava sobre o africano excedia, então,
largamente a remuneração do seu trabalho, condenando -o ao endividamento
e à miséria tanto mais que o imposto aumentou no momento em que os
33 MERLIER, 1962, p. 83 -4.
34 SAN MARCO, 1940.
35 Relatórios anuais, Médio Congo, Arquivos da África Equatorial Francesa, Aix -en -Provence, dossiê 4 (2)
D. Ver COQUERY -VIDROVITCH, 1972, p. 490 -2.
36 Em 1927, por exemplo, 227 milhões de francos belgas para 315 mil trabalhadores, isto é, 720 francos
belgas por ano ou 60 francos belgas por mês (60 francos belgas equivaliam a 42,50 francos franceses
em 1927). Em 1924, a UMHK pagava entre 30 e 45 francos belgas por 30 dias de trabalho efetivo.
FETTER, 1976.
420
África sob dominação colonial, 1880-1935
preços, ao nível mais baixo, fizeram cair a remuneração dos camponeses. Os
casos já estudados da Guiné (ver fig. 15.3) ou da Costa do Marfim mostram
que, durante esses anos dramáticos, o camponês teve de pagar mais do que
recebia, ao menos no contexto da economia moneria. Apesar da expansão
das culturas especulativas, todos os testemunhos concordam: a miséria era
profunda. Os camponeses abriram mão de suas magras reservas, cederam as
últimas moedas poupadas com imensa dificuldade e chegaram até a vender seus
parcos bens familiares.
Embora a comparação seja difícil, é possível identificar ao mesmo tempo cer-
tas semelhanças e certas divergências de evolução entre os vários territórios. Foi
nas colônias portuguesas que o imposto de capitação mostrou -se uniformemente
mais pesado, pois correspondia oficialmente a três meses de trabalho o imposto
podia ser pago com trabalho e o salário correspondente a um dia era estimado
em 1 a 1,5% do seu montante. Também na África Ocidental Francesa o imposto
de capitação era proporcionalmente elevado.
O montante da taxa direta cobrada por habitante era, em 1915, 2 francos
franceses na África Ocidental Francesa, 1,55 na África Equatorial Francesa
e 1,35 franco no Congo Belga. Quanto mais o país estava obrigado a viver de
recursos próprios, maior era a tributação.
Quadro 9 Parte relativa da capitação nas receitas totais dos oamentos
coloniais
Em porcentagem Em milhões de francos
Congo Belga
África
Ocidental
Francesa
África Equatorial
Francesa
Montante da capitação
Taxação
da pop.
africana
Taxas
aduaneiras
Taxação
da pop.
africana
Taxas
aduaneiras
Taxação
da pop.
africana
Taxas
aduaneiras
Congo
Belga
(Fb)
AOF AEF
(Ff)
1928 20 29,4 22,6 27,3 144
27
1931 21,2 21 28 18,4 22,5 30,9 115 181
38
1932 29 19,6 28,7 19,9 24,6 30,9 109 168
37
1934 22,5 18,9 27,1 21,1 19 30,3 82 154
41
1935 22,4 27,9 25,8 23,9 46,5 91 153
Fonte: “Rapports annuels sur l’administration de la colonie du Congo belge, 1932-1938. Annuaires statistiques
de l’AOF, v. I, II, III, 1932-1938, e da AEF, v. I, 1936-1951”.
421
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
De modo geral, os orçamentos coloniais eram constituídos da mesma forma:
25% das tarifas aduaneiras e 25% do imposto de capitação
37
. A tragédia foi que,
com a Depressão, as autoridades tentaram fazer com que esse tributo cobrisse o
déficit do primeiro (reduzido a menos de 20% em 1932). No entanto, mais uma
vez os congoleses foram os menos desfavorecidos: embora o imposto médio por
habitante, em 1931, estivesse praticamente equiparado ao exigido pela adminis-
tração francesa (média por habitante: 12,48 francos franceses na África Ociden-
37 Na África Ocidental Francesa, aproximadamente metade (43 a 45%) do orçamento era constituído,
de 1928 a 1935, por alfândega mais imposto de capitação. Um terço provinha dos outros impostos,
principalmente indiretos (15 a 20%), que também recaíam largamente sobre as populações autóctones
(imposto sobre a terra, imposto sobre o gado, imposto de consumo e de circulação) e sobre as estradas de
ferro (13 a 16%), estas, aliás, sempre decitárias. O resto (somente 21 a 24%, porcentagem equivalente
à do Congo Belga) provinha das diversas empresas públicas e privadas (propriedades estatais, patentes,
rendimentos, instalações industriais). Annuaires statistiques, citados na fonte do quadro 9.
. Avaliação aproximada das possibilidades monetárias africanas na Guiné Francesa (1928 -1938).
(Fonte: Trentadue, 1976, p. 633.)
422
África sob dominação colonial, 1880-1935
tal Francesa e 11 francos franceses na África Equatorial Francesa, contra 11,50
francos belgas, ou 8,30 francos franceses, no Congo), o decréscimo durante a
Depressão foi maior. Entre 1931 e 1934, as receitas totais do imposto de capi-
tação no Congo Belga caíram 29%, contra 15% na África Ocidental Francesa,
sem mencionar a África Equatorial Francesa, onde ele aumentou 43% entre
1929 e 1934.
O fato é que na África francesa, apesar de reduções muitas vezes dramati-
camente reclamadas pelos administradores locais no momento da Depressão,
a falta de apoio da metrópole obrigava a “não seguir a via [das reduções] senão
com muita prudência
38
. No Congo, em compensação, embora a situação no
conjunto fosse pior no fim do período, o imposto permanecia inferior a um mês
de salário. Além disso, o tempo de trabalho exigido para atender às necessidades
básicas (expressas na compra do kitenge, ou tecido estampado), que em alguns
casos tinha subido para quase cinco meses, declinou em geral desde 1920, senão
desde antes da guerra. No entanto, posteriormente chegou a subir até quase um
mês e meio.
Quadro 10 Valor do imposto anual de capitação em algumas regiões rurais,
em relação ao salário mensal (salário mensal global: 1912 ‑1933 = 100)
Imposto Imposto + kitenge
1912 1920 1924 1928 1933 1912 1920 1924 1928 1933
Baixo e Médio
Congo
65 50 36 31 78 106 175 198 119 138
Kasai 75 37 41 22 59 175 482 291 143 135
Fonte: Peemans, 1968, p. 361. Na África Ocidental Francesa, em compensação, a SCOA estimava que, ainda
em 1940, o imposto tomava do cultivador de amendoim a metade de seus ganhos anuais. Relatório anexado
ao balanço, arquivos da Companhia.
Encontramos aqui embora ainda em estado embrionário os efeitos de
uma política de investimentos prematura, que devia levar a um sistema de pro-
dução mais dinâmico ou que, pelo menos, buscasse diferenciar -se do tipo atra-
sado de exploração da zona do Sahel francês. Por falta de qualquer produto
lucrativo, ainda se procurava extorquir o africano na tentativa de evitar a falência
econômica.
38 Circular n. 68 do Comissário da República em Camarões, 19 de setembro de 1932. Arquivos Yaoundé,
APA -10895/A.
423
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
As crises e suas repercussões
Sempre precária, em 1930 a situação dos africanos tornou -se tão trágica
quanto a do início do período.
Produção
Não obstante a escala mundial das hostilidades, a Primeira Guerra Mundial
provocou um crescimento espetacular da produção. Com algumas raras exce-
ções (como o caso da madeira okoume do Gabão, inteiramente dependente do
mercado alemão, que lhe foi brutalmente fechado), as exportações e os lucros
das firmas expatriadas revelaram apreciável incremento. O fato é que o “esforço
de guerra” foi particularmente severo na África de língua francesa. Em 1915
foi lançado um programa de “intensificação da produção”, que atingiu o
ponto máximo em 1916 -1917
39
. Foram organizados campos de trabalho para
cultivo e colheita dos produtos ditos estratégicos (borracha, oleaginosas, madeira
etc.). Mais importante, contudo, era o fato de o governo francês ter garantido
provisoriamente a venda desses produtos, requisitando 140 mil toneladas de
oleaginosas em 1918 e quase 3 milhões de toneladas em 1919. A produção de
artigos como óleo de rícino e borracha teve então grande incremento, mas caiu
definitivamente no fim da Primeira Guerra Mundial, quando o Estado deixou
de comprá -las. De modo geral, no entanto, a guerra demonstrou a necessidade de
organizar a prodão (foi esse o papel atribdo à Conferência Econômica Colonial
de 1917) e serviu para laar as primeiras empresas especulativas em grande escala
algodão em Oubangui -Chari (atual Reblica Centro -Africana), madeira no Gabão
e na Costa do Marfim – no início dos anos de 1920, após a violenta mas breve
crise de 1921 -1922.
Foi devido a razões opostas que a crise de 1930, a qual provocou o colapso
dos preços, conduziu a uma redefinição dos objetivos e das técnicas de produção,
pelo menos naqueles territórios submetidos à autoridade francesa, cuja econo-
mia mantinha -se até então como économie de traite.
Não se tratava de uma crise de superprodução. O baixíssimo nível dos ren-
dimentos fazia com que os produtos em questão representassem apenas uma
proporção mínima do comércio internacional (por exemplo, as exportações de
amendoim do Senegal compunham 50% da receita da África Ocidental Fran-
39 Ver a circular de 13 de fevereiro de 1915, África Equatorial Francesa, citada em COQUERY -VIDROVITCH,
1972, p. 492. No que concerne à África Ocidental Francesa, ver MICHEL, 1982.
424
África sob dominação colonial, 1880-1935
cesa, mas representavam somente 5% da produção mundial), e as medidas de
proteção tomadas pelas autoridades coloniais permitiram rápida recuperação,
graças a uma política (embora limitada) de subvenções. Essas medidas incluíam
bônus à exportação na África Ocidental Francesa, pagas às companhias expa-
triadas para compensar a queda dos preços, e a subscrição da dívida nacional
na África Equatorial Francesa, então à beira da bancarrota devido ao déficit da
receita aduaneira.
Esmagados por impostos que já não podiam pagar (a carga fiscal continuou
exorbitante, apesar da queda dos preços e dos salários), os africanos reagiram à
queda de sua renda aumentando a produção. Como vimos, foi em plena crise que
as culturas de tipo tropical (café, cacau, banana, algodão) se expandiram, devido
unicamente à produção dos pequenos plantadores africanos. Apesar dos preços
baixos, a queda na tonelagem das exportações, que foi significativa em 1932,
conheceu logo uma reversão. A média da tonelagem durante o intervalo entre
as duas guerras foi excedida pela primeira vez em 1931 e de maneira definitiva
a partir de 1934. Isso era, naturalmente, consequência do esforço despendido no
período de 1924 a 1928, muito florescente, bem como da política de desenvol-
vimento dos transportes, que prosseguira vigorosamente durante a Depressão,
graças aos empréstimos concedidos às colônias francesas em 1913.
Todavia, posto que a alocação desses fundos coincide com o período mais grave
de Depressão, eles foram essencialmente destinados não para promover a expansão
dos programas, mas antes para compensar, ainda que muito parcialmente, o déficit
local, principalmente em Camaes (onde os campos de trabalho foram aban-
donados) e na África Ocidental Francesa, território em que mais de metade das
operações continuou a ser financiada pelos limitados recursos da federação. Sob
outro aspecto, a política de empréstimos maciços ocasionou o rápido crescimento
da dívida interna, no exato momento em que as receitas dos orçamentos coloniais
vinham abaixo por causa do déficit das rendas aduaneiras.
Assim, a evidente transformação econômica ocorrida durante esse período
foi empreendida e custeada pelo campesinato, posto que a elevação da carga
tributária sobre os produtores coincidiu com o nível mais baixo dos preços e,
consequentemente, dos salários. Geralmente, considera -se que o incremento
das receitas tributárias e o desenvolvimento do setor assalariado da população
agrícola (que pouco a pouco substituiu o trabalho forçado) devem estar rela-
cionados com a expansão das culturas especulativas. No entanto, essas culturas
serviram essencialmente para desencadear um processo de diferenciação social,
dando lugar ao surgimento de uma classe de “novos -ricos” locais, pequenos
proprietários de terras e empresários comerciais, que ganharam dinheiro à custa
425
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
da miséria e do endividamento da maioria. É significativo, por exemplo, que,
durante os anos da Depressão, a poupança tenha aumentado consideravelmente
nos países africanos, quer em número de contas abertas, quer em volume de
depósitos. O crescimento da poupança deve -se, evidentemente, à pequena classe
média dos compradores, que logo compreenderam, graças às condições comer-
ciais relativamente favoráveis, que a sua posição dependia da rapidez com que
adotassem as regras do jogo capitalista.
No entanto, para a massa dos pequenos camponeses pobres, a situação
agravou -se: tiveram de esgotar suas magras reservas, hipotecar terras e tornar-se
rendeiros pelo sistema dos “dois -terços” ou pelo dos “três -quartos” (o abusa das
plantações de cacau da Costa do Marfim). Não era mais necessário forçar os
africanos a trabalhar mediante leis estritas e obrigatórias. A partir de 1931,
a falta de dinheiro (a cujo uso não se podia fugir) tornou -se aguda e cada
vez tornava -se mais difícil voltar ao modo de subsistência tradicional, fundado
na lavoura de alimentos, que não mais garantia a sobrevivência. Estritamente
falando, os africanos não tinham opção
40
.
Penúria de alimentos, fomes e epidemias
Característica de todo o período foi a grave carência de alimentos. A econo-
mia de guerra dos anos 1915 -1918 acarretou uma série de graves implicações.
A medida mais nociva foi a requisição de alimentos para a metrópole, no ins-
tante mesmo em que as tropas (10 mil homens somente na África Equatorial
Francesa, mas algo acima de 160 mil na África Ocidental Francesa) exauriam
os campos. No Gabão, somente um quarto da produção obrigatória foi deixada
para consumo local. No Médio Congo e em Oubangui -Chari, até a mandioca
foi exportada: 210 toneladas em 1915, 157 em 1917
41
. Na África Ocidental
Francesa, como consequência da decisão de exportar produtos básicos, a admi-
nistração esvaziou os estoques de reserva, que se encontravam desfalcados
devido a dois anos seguidos de semi estiagem (1911 -1912) e a um ano de aridez
total (1913). A seca assolou toda a zona sudanesa, desde o Senegal até Uadai e o
Chade. Das carências periódicas de alimentos passou -se à fome devastadora, que
40 Para a África Equatorial Francesa, ver RESTE, G. G., Rapport économique au Min. des Colonies, Brazza-
ville, 24 de junho de 1937, Archives Nationales, Section d’Outre -Mer, Paris (ANSOM), Fonds Guerut,
827. Para a África Ocidental Francesa, veja Relatório de E. Giscard d’Estaing ao Min. Col. sobre sua
missão na África Ocidental Francesa, 1931 -1932, ANSOM, Aaires politiques, p. 539. Cf. COQUERY-
-VIDROVITCH, 1977 e 1976.
41 Cf. circular de 13 de fevereiro de 1915, África Equatorial Francesa; COQUERY -VIDROVITCH, 1972, p.492.
426
África sob dominação colonial, 1880-1935
fez com certeza de 250 a 400 mil vítimas
42
, apenas aliviada com 4 mil toneladas
de cereais que o Sudão francês (atual Mali) não tivera nem meios nem tempo
de expedir para a França
43
.
Quadro 11 África Ocidental Francesa: exportação de alimentos requisitados
(em milhares de toneladas)
Produto 1916 1917 1918 1919 Total
Milho 1,5 4,6 6
Painço 9,6 3,6 1,3 1,6 16,2
Arroz 2,7 3
———— ———— ———— ———— ————
Total 11,3
1
11,1
2
3,2
2
3,3
2
25,2
1 Inclui madeira, cola e gonakié (uma espécie de cola).
2 Mais feijão.
Fonte:Annuaire du Gouvernement Général de l’AOF, 1917-1921”, Paris, 1921, p. 55.
Na África Equatorial Francesa, onde a venda obrigatória prolongou -se até
a década seguinte para abastecer o projeto ferroviário Congo -Oceano, a fome,
iniciada em 1918, chegou à metade norte do país (Woleu -Ntem) entre 1922 e
1925: a população Fang foi provavelmente reduzida em 50%, passando de 140
mil indivíduos a 65 mil, em 1933
44
. Enfraquecidas, as populações foram assola-
das por epidemias, com a recrudescência da varíola e, sobretudo, a disseminação
da gripe espanhola proveniente da Europa, que talvez tenha feito desaparecer
um décimo da população da África Equatorial Francesa
45
.
Embora nem sempre acusando resultados tão desastrosos, o problema da
escassez de alimentos provocado pelo sistema colonial foi constante no período.
Vamos, por exemplo, encontrá -lo em Ruanda,celeiro” do Congo Belga, depois
de uma nova seca, em 1928 -1929
46
. Era bem o sinal da fragilidade do país, esgo-
tado pela économie de traite, a despeito do aumento das cifras de exportação.
Em 1930, houve situações de fome aguda como a do ger, da qual os
Zerma -Sonrai guardam atroz lembrança: na origem, uma invasão de gafanhotos.
42 SURET -CANALE, 1964, p. 169 -72.
43 COSNIER, 1921, p. 253.
44 SAUTTER, 1966, p. 859, 864, 871.
45 HUOT, MARZIN, RICAU, GROSFILLEZ, DAVID, 1921.
46 O que não impediu o surto posterior das exportações de mandioca, que passaram de 239 para 2515
toneladas entre 1930 e 1934. DE DEKKER, 1974.
427
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
O sistema colonial, porém, fez tudo para agravá -la, conforme o provam os rela-
tórios da época, cheios de severa autocrítica. Cargas fiscais exorbitantes (em dez
anos, passaram de 1,25 para 7 francos belgas) estimulavam o exílio para a Costa
do Ouro, em prejuízo da lavoura de alimentos. O trabalho forçado aumentou
em 1927 com a instalação dos serviços administrativos em Niamey e com o
prolongamento da estrada de ferro, sem que se respeitasse o calendário agrícola,
que a precariedade das chuvas tornava particularmente forçoso. Os estoques de
painço, que não eram obrigatórios, dependiam exclusivamente dos chefes locais.
Em 1931, a administração negou -se a reduzir o imposto de capitação e insistiu
no seu pagamento coletivo, obrigando os camponeses a pagarem pelos desertores
e pelos mortos, o que levou a uma situação na qual, conforme assinala um rela-
tório, aldeias inteiras desapareceram [...] e um grupo etário foi completamente
dizimado
47
, Em certas áreas a taxa de mortalidade foi superior a 50%.
No conjunto, não obstante, a catástrofe foi menor. As fomes foram contidas
graças ao progresso dos meios de transporte, e as epidemias, controladas pelas
primeiras campanhas sanitárias. Mesmo assim, a queda dos preços e a falta de
empregos foram cruelmente sentidas em toda parte: “Foi no preço pago ao
produtor que o declínio mais se fez sentir. O poder aquisitivo da população
autóctone decaiu em maior proporção do que nas crises anteriores
48
.
É revelador que na África de língua francesa a imigração urbana em grande
escala tenha começado exatamente no momento da grande crise. Apesar da estag-
nação geral dos índices demográficos (na África Ocidental Francesa, 14,4 milhões
de habitantes em 1931 e 14,6 milhões em 1936), as vilas e cidades começaram a
inchar com o afluxo em massa de camponeses miseráveis, muito embora também
nelas a situação do emprego fosse crítica. Em 1936, por exemplo,o havia mais
que 167 mil assalariados na África Ocidental Francesa, ou seja, pouco mais de 1%
da população. Entre 1931 e 1936, no entanto, as populações de Dacar e de Abidjan
aumentaram 71%, enquanto a de Conakry duplicava. Ainda mais revelador é o
caso do pequeno núcleo empobrecido do interior, como Ouagadougou, onde a
população cessou de se reduzir para aumentar um terço, no mesmo período.
A estagnação geral do crescimento demográfico durante esse período indica
particularmente bem que prevalecia o estado de pobreza. As despesas sociais, em
contraste, tendiam a aumentar em toda parte: o acréscimo paralelo das despesas
com a saúde, do número de ambulatórios e das facilidades de tratamento médico
contribuiu efetivamente para fazer recuar flagelos tradicionais como tripanos-
47 Apud FUGLESTAD, 1974, p. 25.
48 Société du Haut -Ogoué, Relatório à Assembleia Geral dos Acionistas, 1930, Arquivos da Companhia.
428
África sob dominação colonial, 1880-1935
sorrúase, doenças venéreas e lepra. Em compensação, no período 1931 -1936, o
de maior carga fiscal, as populações mostraram -se particularmente vulneráveis às
epidemias (“males esporádicos”: gripe, varíola etc.). É muito tentador relacionar
esse aumento da incidência de doenças ao estado de angústia profunda e miséria
física em que se encontrava uma população debilitada e indefesa
49
.
Balanço econômico
Pelo fato de serem mantidas sob o rigoroso controle das autoridades admi-
nistrativas, e dada sua irrisória participação nas transformações socioeconômicas,
no final do período as populações se encontravam em situação insegura, com
um sistema que estava em plena mutação.
O setor privado
A época foi, com efeito, assinalada pela expansão de empresas poderosas, que
haviam sido fundadas justamente na virada do século. O Congo Belga vinha em
primeiro lugar. Em vésperas da Depressão, contavam -se no país 278 empresas
industriais e comerciais e 36 representações de companhias estrangeiras, sem
incluir uma infinidade de negócios locais pertencentes a particulares (ao todo,
o número de estabelecimentos aumentou um terço em três anos, passando de
4500 em 1926 para 6600 em 1929).
Quadro 12 Companhias belgas instaladas no Congo, 1929
Transporte Bancos Minas
Agricultura
e indústria
Comércio
(eventualmente,
agricultura e
indústria)
Floresta, (ou
floresta e
agricultura)
Número 23 24 27 125 88 9
Capital
(milhões
de francos)
2167 1037 951 1982 1196 105
Capital
médio por
empresa
94 43 35 16 14 12
Fonte: Passelecq, 1932, p. 362.
49 Cf. COQUERY -VIDROVITCH, (?).
429
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
De 1919 a 1930, o montante de capital investido aumentou um bilhão
de francos -ouro incluindo um bilhão devido a emissões coloniais. A car-
teira do Estado (avaliada em 16 biles de francos -ouro em 1928, valor de
mercado que caiu para 5 biles em setembro de 1930 e depois para um
teo do ativo em posse do setor privado) estava então estimada em metade
do valor dos títulos congoleses possdos por particulares. Mas, embora os
setores cobertos já fossem diversificados, o maior impulso viera das ativida-
des de mineração e ferroviárias. Quatro grupos principais (Société né-
rale, Empain, Cominière e Banque de Bruxelles) garantiam, com mais de 6
bilhões de francos -ouro, aproximadamente 75% do capital
50
. O grupo mais
importante, a Sociéténérale, respondia sozinho por metade desse capital,
controlando três companhias ferroviárias, ts empresas gerais, dois bancos,
doze companhias de mineração, seis plantações, três empresas financeiras,
onze companhias industriais e comerciais e uma empresa imobiliária o
que significa quase toda a produção mineira (cobre, diamantes, rádio, boa
parte do ouro), toda a instria de cimento e as mais importantes instalões
hidrelétricas
51
.
O sucesso da Société Générale estava relacionado com a produtividade das
suas minas, dentre as quais destacavam -se a Union Minière du Haut -Katanga
(cobre) e a Forminière (diamantes de Kasai), cuja prospecção começou em 1907
e exploração em 1914. A Union Minière du Haut -Katanga nasceu em 1906 de
um acordo com o Comité Spécial du Katanga, o qual, herdeiro da Compagnie
du Katanga (1891), recebera do Estado, em 1900, a gestão econômica da zona,
passando a funcionar quando da chegada da ferrovia a Élisabethville (atual
Lubumbashi), em 1910.
A Société Générale contrastava com a relativa inatividade das outras com-
panhias concessionárias, muitas das quais não tinham reunido capital suficiente
para a exploração de seus vastíssimos domínios.
Isso era particularmente verdadeiro na África Equatorial Francesa
52
,
paralisada desde 1900 por uma infeliz concessão de trinta anos que tinha
liquidado o terririo a umas quarenta enormes companhias monopolistas,
metade das quais tinha desaparecido antes da Primeira Guerra Mundial.
Algumas, dentre as poucas sobreviventes, tinham se convertido em compa-
50 FRANKEL, 1938, p. 292.
51 Além disso, a Société Générale participava largamente de outras sete empresas e estava representada no
conselho administrativo de outras quinze. lbid., p. 294.
52 Cf. COQUERY -VIDROVITCH, 1972.
430
África sob dominação colonial, 1880-1935
nhias estritamente comerciais, como a Société du Haut -Ogoué, na metade
oriental do Gabão, a Compagnie Proprtaire du Kouilou Niara, comprada
pela Lever Brothers em 1911; outras ocupavam -se de vagas explorações de
palmeirais mantidos em estado rudimentar, como a Compagnie Fraaise Du
Haut et du Bas -Congo. E outras, ainda, perpetuavam um absurdo regime de
coerção e de pobreza, em produtos o lucrativos ou mesmo condenados,
como a Compagnie Forestiere Sangha -Oubangui, a qual impôs o monolio
da coleta de borracha silvestre até 1935. Tinha um capital de 12 milhões
de francos belgas para um monolio que abrangia 17 miles de hectares,
reagrupando onze antigas companhias concessionárias do dio Congo e
de Oubangui -Chari. Am de tudo, a exploração dos diamantes de Ouban-
gui, descobertos em 1913, o comou antes da década de 1930. O único
surto de atividade na África Equatorial Francesa fora o da madeira okou
no Gabão, matéria -prima da indústria de contraplacado, nascida durante a
Primeira Guerra Mundial.
Em speras da Depressão, 107 empresas totalizavam um capital nominal
de 309 milhões de francos belgas, o qual, em francos -ouro, mal tinha dupli-
cado desde 1913, enquanto o capital acionário privado atingia 70 milhões de
francos belgas. O agente motor de investimentos continuava a ser o Estado,
sinal de um ps considerado pobre, em que o setor privado abandonara,
desde longa data, ao poder blico o peso das enormes despesas em bens de
capital.
Estava -se longe do êxito de uma empresa como a Lever Brothers, que, par-
tindo das primeiras plantações de dendezeiros adquiridos no Congo Belga
(concessão de 750 mil hectares da Sociédes Huileries du Congo Belge
SEDEC em 1911), logo estendeu o seu império oleaginoso ao conjunto
da África ocidental (Gabão/Médio Congo, Nigéria, Camarões). A Unilever,
finalmente constituída em 1928, após a fusão da empresa britânica com o truste
germano-holandês da margarina, desenvolveu, ao lado do império inglês da Uni-
ted Africa Company, toda uma série de filiais francesas (Niger Français, Nosoco
no Senegal, Compagnie Française de Côte -d’Ivoire etc.), que se expandiram
principalmente no decurso da Segunda Guerra Mundial
53
.
A África Ocidental Francesa continuava a ser o domínio das companhias
comerciais baseadas na agricultura de exportação. Mesmo neste domínio, o
atraso em relação ao Congo Belga era enorme.
53 SHERRIL, 1973, p. 48.
431
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
Quadro 13 Investimentos em empresas da África Ocidental Francesa em
1943 (em porcentagem)
Comércio Plantações Floresta Minas
Todas as
empresas
38 18 12,5 7,5
Apenas
companhias
42,8 11 a 12 11 a 12 8,8
Fonte: Dresch, 1952, p. 232-41, com base na pesquisa realizada pelo Ministério das Colônias em 1943,
ANSOM, série Aaires Économiques, cartão 52.
Em 1938, a federação francesa contava apenas umas cinquenta firmas comer-
ciais, cujo capital social em pouco excedia os 600 milhões de francos
54
. Dez
dentre elas ostentavam um capital superior a 20 milhões, sendo que apenas duas
assumiam um terço do conjunto: a Société Commerçiale de l’Ouest -Africain
(SCOA), fundada em 1906 com um capital de 125 milhões de francos belgas,
e a Compagnie Française de l’ Afrique Occidentale (CFAO), fundada em 1887,
com 75 milhões de francos
55
. Mas os investimentos dessas companhias, inexis-
tentes antes da guerra, mal excederam a média de 10 a 20 milhões de francos-
-ouro nos melhores anos, embora representassem, no final do período, 10% dos
investimentos totais na África francesa
56
.
A razão disso é que o comércio não exigia muito capital, posto que consistia
em armazenar e conduzir até os portos os produtos do país, exportados em bruto
ou em estado semibruto, bem como em distribuir em troca os bens de impor-
tação manufaturados, destinados sobretudo ao consumo. Certamente a década
de 1920 caracterizou a época triunfal da économie de traite, e a inflação foi sua
maior fonte de lucro: de 1913 a 1920, o comércio externo da África Ocidental
Francesa passou de 277 para 1143 milhão de francos franceses. Em cinco anos,
o valor dos artigos ingleses de algodão exportados para a África quadruplicou e,
considerando -se a estabilidade da libra, aumentou 800% em relação aos preços
franceses de 1914. Em poucos anos, a SCOA e a CFAO tinham se disseminado
por toda a África ocidental, atingindo em 1924 a sua configuração quase defi-
nitiva (SCOA: 140 agências, 145 em 1930, 250 em 1940; CFAO: 141 agências,
191 em 1930, 411 em 1939). Mas elas também operavam nos territórios britâni-
54 TUPINIER, 1940.
55 Em 1945, os investimentos de capital acionário das duas empresas representavam 84% do capital das
empresas comerciais da África Ocidental Francesa cotadas na bolsa de valores francesa, e 52% do capital
de todas as empresas. VALDANT, 1946, p. 269.
56 Sobre a história das duas rmas, ver COQUERY -VIDROVITCH, 1975.
432
África sob dominação colonial, 1880-1935
cos, onde o comércio era mais dinâmico: produtos de azeite de dendê e estanho
da Nigéria para a CFAO e cacau da Costa do Ouro para a SCOA, produto logo
responsável por um terço do faturamento da companhia.
A crise foi duramente sentida, pois a base da prosperidade era amplamente
especulativa e mal preparada para resistir ao colapso dos preços das mercadorias,
dado que a diversificação das atividades nem bem começara, a industrialização
praticamente não existia e o comércio tradicional constituía ainda, em vésperas
da Segunda Guerra Mundial, o essencial das atividades da África Ocidental
Francesa.
As colônias portuguesas, por sua vez, nem tinham chegado a optar entre as
diferentes possibilidades econômicas. Moçambique estava em situação de obscu-
rantismo geral: ainda vivia em larga medida sob regime concessionário, no qual,
ao lado da relativamente eficiente pilhagem da Companhia de Moçambique, ou
das terras bastante boas obtidas por subconcessão pela Companhia do Zambeze,
a Companhia do Niassa perdeu o monopólio em 1929, em vista dos desastrosos
resultados obtidos
57
. Moçambique resistiu muito mal à Depressão (o valor das
exportações declinou 50% entre 1929 e 1933). Em Angola, a primeira tentativa
de exploração mineira foi a da Diamang, com capitais belgas e ingleses, que
desde 1920 figurava como o principal suporte financeiro da colônia, apesar do
caráter ainda muito limitado da sua contribuição (600 mil libras esterlinas em
1929, ou seja, um quarto do valor das exportações angolanas). Isenta de impos-
tos e de tarifas aduaneiras e dispondo com exclusividade da mão de obra e do
mercado, a companhia estava forjando seu império monopolista.
Bens de capital e produção
No que concerne aos bens de capital e à produção, o balanço econômico
continuava pobre no final desse período. As obras mais importantes foram as das
estradas de ferro, para as quais o Estado em toda parte substituíra ou largamente
financiara as antigas companhias privadas. A rede ferroviária do Congo Belga
expandiu -se consideravelmente: os investimentos nesse domínio passaram de
480 milhões de francos -ouro em 1920 para 535 milhões em 1935, e a extensão
da rede de 1940 km para 2410 km. Ao todo, em 1934, o governo havia garan-
tido o capital ferroviário até o montante de 2271 milhões de francos -ouro. Os
encargos correspondentes elevavam -se em 1934 a 103 milhões de francos
58
. O
57 BOHM, 1938, p. 155.
58 FRANKEL, 1938, p. 407 e 414.
433
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
programa consistia fundamentalmente em ampliar a rede em torno das minas,
ligando Katanga ao sistema rodesiano em 1918, ao Baixo Congo em 1928 e
a Benguela depois de 1930. Mas o balanço financeiro continuava catastrófico
(com um rendimento anual médio de 1 %), a não ser no caso da estrada de ferro
de Katanga, onde o transporte de cobre ocupava 85% da tonelagem. O fato é
que a estrada de ferro continuava a ser concebida como “negócio” e não como
serviço público. O objetivo era menos a expansão do tráfego do que a dos lucros,
mediante tarifas proibitivas, protegidas pela interdição da concorrência trem/
estrada
59
, o que impedia a produção, sobretudo no período do colapso dos preços.
Era esse o evidente interesse das colônias portuguesas pois, com 2348 km de via
férrea em Angola e 1 936 km em Moçambique em 1930, elas obtinham desse
meio de transporte a maior parte de seus recursos, 80% do total do comércio
externo de Moçambique
60
.
Na África Equatorial Francesa, os grandiosos projetos ferroviários lançados
em 1913 (incluindo a ferrovia do Gabão e a ligação Congo-Chade)
61
resultaram
finalmente na laboriosa e cara construção, em vidas e em dinheiro, da linha
Congo -Oceano (menos de 500 km, no período de 1922 -1934), que desblo-
queou o território até então dependente do Congo Belga. Em compensação,
a África Ocidental Francesa, que sofria de pobreza mineral, efetuou somente
alguns trabalhos de prolongamento, numa rede inarticulada de ramais antigos,
perpendiculares à costa e reveladores do caráter arcaico, fragmentário e desor-
denado da exploração: 550 km de 1921 a 1934, de um total superior a 3500
km em operação.
A grande novidade foi a criação, na região das savanas, de uma rede de estra-
das que, pondo fim às cargas às costas dos homens, transformou as condições
de colheita e distribuição dos produtos. A rede de Oubangui (África Equatorial
Francesa) foi iniciada com a guerra e contava 4200 km em 1926. No entanto,
poucos veículos a utilizavam e, por muito tempo, exclusivamente utilitários:
menos de mil veículos em 1930, 1500 em 1931 e somente 2850 em 1945, dos
quais 600 eram veículos de turismo
62
.
59 Cada setor contava com um monopólio. Cf. Monopole des transports automobiles délimité entre 1928 et
1934; Relatório n. 108 ao Senado belga, 1935, apud FRANKEL, 1938, p. 409 -11. Política análoga à
dos territórios britânicos, onde, por exemplo, na Costa do Ouro o governo proibia, na mesma época, que
os plantadores transportassem o cacau em caminhão, para garantir os lucros da estrada de ferro. KAY
(org.), 1972, p. 431.
60 De acordo com os quadros de FRANKEL, 1938, p. 369.
61 COQUERY -VIDROVITCH, 1972, p. 286.
62 lbid., p. 284.
434
África sob dominação colonial, 1880-1935
A África Ocidental Francesa, principalmente, compensava com estradas a
deficiência ferroviária: em 1937,27 mil km estavam abertos a 17229 veículos,
dos quais mais ou menos 10 mil caminhões e caminhonetes. Entre 1926 e
1934, os projetos rodoviários e de melhoria dos portos absorveram quase tanto
capital quanto as ferrovias, atingindo 475 milhões de francos franceses, contra
520 milhões
63
.
Não obstante, a infra estrutura construída quase não teve tempo de influen-
ciar o volume das exportações antes da Depressão. Seguramente, alguns terri-
tórios ofereciam ampla gama de produtos: algodão, café, cana -de -açúcar, sisal
e milho em Angola, a que se podia acrescentar coco, amendoim e arroz em
Moçambique; madeira no Gabão e na Costa do Marfim; banana na Guiné.
Mas a exportação limitava -se ainda, de forma quase exclusiva, aos minerais e às
oleaginosas. Poucos territórios apresentavam situação tão favorável quanto a do
Congo Belga, cuja expansão assentava -se, na melhor das hipóteses, sobre dois
ou três produtos no mínimo parcialmente transformados. Tratava -se de óleos
vegetais, cuja produção aumentou de 2500 toneladas em 1914 para 9 mil em
1921 e para 65 mil em 1930; havia também o cobre, que triplicou, entre 1922
e 1931, de 43 mil para 120 mil toneladas, antes de cair para 54 mil toneladas
no ano seguinte, em consequência de uma redução da produção decidida por
acordos internacionais.
Quadro 14 Congo Belga: valor das exportações (em porcentagem)
1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935
Minerais 61 61 60 67 70 60 54 59 62
Produtos de dendê,
azeite -de-dendê
20 19 17 14 11 17 12
Algodão 5 8 9 8 8 8 11
Total 86 88 86 89 89 85 85
Fonte: Frankel, 1938, p. 289 -301.
Certamente, Angola era potencialmente quase tão bem dotada, mas a negli-
gência portuguesa deixava a sua irregular produção agrícola entregue aos capri-
chos do clima e da especulação, o que a fez estagnar durante dez anos
64
.
63 Annuaires statistiques de l’AOF, op. cit. na fonte do quadro 9.
64 FRANKEL, 1938, p. 371 -3.
435
A economia colonial das antigas zonas francesas, belgas e portuguesas (1914 -1935)
Quanto à África Equatorial Francesa, estava justamente emergindo do
monopólio florestal do Gabão, responsável por pouco mais de 400 mil tonela-
das de suas exportações em 1930. Embora a tonelagem exportada de Camarões
tivesse triplicado desde 1923 (de 48 mil para 124 mil toneladas), a exploração do
país mal começava a andar em 1934, com 73 milhões de francos em exportações,
dos quais aproximadamente 60% consistiam em cacau e produtos do dende-
zeiro. Finalmente, a África Ocidental Francesa, apesar do tímido aparecimento
de alguns produtos novos, dependia ainda em mais de 50% do amendoim do
Senegal, na quase totalidade exportado em estado bruto.
Quadro 15 Valor das exportações da África Ocidental Francesa (em porcentagem)
1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936
Amendoim 52,7 47 46 47 38 42 49 53 53
Produtos de dendê,
azeite-de-dendê
13 14 14 13 12 6,5 6 8 10
Madeira 7,5 6 7,5 5,5 4,5 3 3 3 1,6
Cacau 9 8 9,5 10 16 13 11 8 7,7
Café 0,3 0,3
Banana 0,1 0,3 0,4 0,4 0,3 0,4
Total 88,2 75 77 75,6 70,8 64,9 69,4 72,6 73
Fonte: “Lévolution des exportations de l’AOF”, op. cit. na fonte do quadro 8.
Conclusão
Em suma, o balanço econômico no final do período de entre as duas guerras
era negativo, tanto do ponto de vista dos colonizadores (produção diminuída e
pouco diversificada) como do ponto de vista africano (miséria e confusão das
populações). o obstante, malgrado as aparências, a infra estrutura assentada e
as facilidades de produção tinham modificado profundamente a estrutura da eco-
nomia. Sob este aspecto, a Depressão de 1930 levou à consciência da necessidade
de uma política conduzida pelo Estado. Ela impôs a ideia da planificação colonial,
em que a divisão internacional do trabalho servia para justificar a organização de
zonas de produção especializadas e intensificadas. Resumindo, o capitalismo de
Estado, tal como o concebiam as potências coloniais (e particularmente a França),
visava a integrar o mundo colonial, até então mantido relativamente na periferia
do sistema mundial de produção e distribuição de bens.
436
África sob dominação colonial, 1880-1935
Outro traço característico do período foi a reversão da curva demográfica.
No caso dos territórios de língua francesa, pelo menos, parece que se deteve a
tendência à diminuição, em meados da década de 1920. A guerra revelara, ao
mesmo tempo, o reservatório de recursos humanos que a África representava
e os perigos que a ameaçavam, no exato instante em que o desenvolvimento
dos territórios provocava maior demanda de mão de obra. Segundo a opinião
geral, estima -se que até o final da década de 1930 a explosão demográfica não
tenha ainda iniciado. A retomada do crescimento populacional, no entanto,
ajudou a acelerar o processo de recuperação. De fato, a exploração logo recome-
çou com renovado vigor, mas as populações, agora a ponto de se integrarem à
economia moderna, preparavam -se para agir não mais como passivos ou rebel-
des instrumentos da lei colonial. Certamente, as colônias portuguesas, onde o
Reino Unido e a União Sul -Africana estavam assumindo o desenvolvimento
capitalista, continuavam miseráveis. O paternalismo belga, por um lado sempre
disposto a investir, por outro recusava sistematicamente qualquer promoção
interna para os africanos.
A França, por sua vez, compreendera finalmente que era preciso contribuir
em escala maciça para o investimento produtivo, mesmo que sem retorno ime-
diato. A partir de 1936, o governo da Frente Popular elaborou um programa
colonial coerente, ao mesmo tempo reformista e moderno. Embora a carência
de recursos impusesse limites, o programa introduziu nas federações francesas
verdadeiramente as primeiras reformas que, afinal, permitiram a formação de
sindicatos e de partidos políticos africanos.
C A P Í T U L O 1 6
437
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
Por volta da segunda década do século atual, os britânicos achavam -se firme-
mente estabelecidos em numerosos territórios da África tropical, especialmente
Nigéria, Costa do Ouro (atual Gana), Gâmbia, Serra Leoa, Quênia, Tanganica
(atual Tanzânia), Niassalândia (atual Malavi),Uganda, Rodésia do Norte (atual
Zâmbia), Rodésia do Sul (atual Zimbábue) e África do Sul (ver fig. 2.1), e
as economias de tipo colonial estavam manifestamente em via de formação.
Este capítulo pretende analisar a natureza e as principais características dessas
economias.
Os britânicos, a exemplo dos demais colonizadores, não desenvolveram uma
teoria universal do colonialismo que se aplicasse a todos os aspectos da vida
em todas as colônias. Jamais definiram qualquer método que se assemelhasse
a um sistema prático universal de colonialismo. Na verdade, essa generalização
seria impossível num colonialismo imposto a povos de cultura, costumes e tra-
dições extremamente diversos e que viviam em meios muito diferentes. Aliás,
reservava -se ampla autonomia aos administradores coloniais para adequar cada
situação segundo as condições locais. No entanto, mesmo na ausência de uma
teoria explícita, o exame crítico das relações coloniais evidencia alguns princí-
pios que parecem ter guiado o comportamento dos responsáveis, bem como dos
executantes das políticas econômicas coloniais.
A economia colonial:
as antigas zonas britânicas
Martin H. Y. Kaniki
438
África sob dominação colonial, 1880-1935
Em primeiro lugar, o Reino Unido esperava que as colônias fornecessem
matérias -primas (produtos agrícolas ou minérios) necessárias para alimentar a
máquina industrial da potência imperialista. Em segundo, as colônias deveriam
importar os produtos manufaturados provenientes da metrópole. Estes dois
postulados dividiram o império em dois mundos econômicos distintos: de uma
parte, a metrópole; de outra, as colônias. Era significativo que pouquíssima reci-
procidade existisse nas suas relações. Enquanto as colônias viam -se, na maior
parte dos casos, obrigadas a exportar para o Reino Unido, que tinha prioridade
sobre qualquer outro comprador (mesmo que oferecesse melhor preço), este não
tinha a menor obrigação de abastecer -se com exclusividade em qualquer de suas
possessões. O Reino Unido seguia uma política econômica racional, evidente-
mente orientada por seus melhores interesses, comprando a quem oferecesse
melhor preço. Os países colonizados eram desfavorecidos também em matéria
de importação. Às vezes, tinham de adquirir artigos ingleses caros, pois o sistema
administrativo colonial, sob pressão da metrópole, elevava as tarifas aduaneiras
dos artigos não fabricados pelo Reino Unido. Em terceiro lugar, esperava -se
que as colônias fossem auto ssuficientes. A coleta de impostos sobre os povos
colonizados devia cobrir o orçamento geral da administração, assim como o
financiamento de qualquer projeto de desenvolvimento.
Todos esses princípios diretores foram incutidos, explícita ou implicitamente,
nos administradores coloniais. Mas havia um princípio tão importante quanto,
que parece ter sido mal assimilado por alguns administradores coloniais e pelos
que fazem a apologia do colonialismo: o fato de os britânicos, como os demais
colonizadores, emigrarem para as colônias essencialmente, se não unicamente,
com o objetivo de enriquecer e de promover seus próprios interesses. Não se
sentiam minimamente compromissados em relação ao desenvolvimento dos
africanos. Onde quer que se verificasse um desenvolvimento nas colônias,
geralmente não se tratava senão do efeito secundário de atividades que, desde o
início, visavam a favorecer os interesses dos colonizadores. Seria um completo
equívoco imaginar que o sistema administrativo colonial pudesse decidir sobre
as principais opções políticas sem ter em conta os interesses particulares dos par-
tidários do imperialismo que não pertenciam à administração. Esses auxiliares
oficiosos eram encontrados principalmente nas firmas comerciais, nas empresas
de mineração e nos bancos. Representavam interesses de grupos nas diversas
assembleias e comissões da colônia ou agiam como “grupos de pressão”. Na falta
de qualquer representação africana verdadeiramente dita, como era o caso da
maioria das colônias, os colonos brancos e os representantes das grandes firmas
metropolitanas conseguiam obter numerosas concessões da administração local,
439
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
à custa das populações autóctones. Em outras palavras, a política e a prática
coloniais eram determinadas por fatores políticos e econômicos. De fato, era
muito frequente que os elementos brancos não oficiais” exercessem influência
mais direta sobre a população local do que a própria administração. Esses cida-
dãos britânicos compravam produtos agrícolas dos habitantes, respondendo pelo
seu transporte e expedição, e vendiam -lhes artigos importados da metrópole.
Esses europeus também empregavam mão de obra autóctone. Em quaisquer
dessas atividades, a interferência do governo local era mínima. Evidentemente,
as tarifas praticadas para a importação e a exportação, bem como o nível dos
salários pagos, influenciavam mais o cotidiano dos africanos do que a visita do
comissário de distrito que, uma vez por ano, recolhia o imposto nas aldeias.
Semelhante situação não constituía caso excepcional, reservado a algumas colô-
nias: era a norma que de fato regulava as relações econômicas na vida colonial.
E como essas relações eram predominantemente econômicas, a prática colonial
ficava condicionada pelas leis econômicas
1
.
Desde os primeiros tempos da ocupação efetiva da África, o governo de
Londres compreendeu o potencial e a importância que as forças econômicas
de suas novas colônias representavam para o desenvolvimento dos interesses
britânicos no ultramar. Em 1895, o primeiro -ministro, lorde Salisbury, expunha
com muita clareza essa tomada de consciência perante o parlamento:
Nosso papel em todos esses novos países é abrir caminho ao comércio britânico, à
empresa britânica, ao investimento do capital britânico, numa época em que outros
caminhos, outras válvulas para a energia comercial de nossa raça vão -se fechando
gradativamente sob o efeito de princípios comerciais que se difundem cada vez
mais [...]
Dentro de alguns anos, nossos cidadãos serão os senhores, nosso comércio será
predominante, nosso capital reinará [...]
My Lords, a potência em causa é fantástica, mas exige uma condição: deveis permitir
que estas forças atinjam o país onde sua ação se deve exercer. Cabe a vós abrir o
caminho
2
.
Na verdade, o caminho estava aberto e cada administração colonial soube
criar e manter as condições adequadas para garantir a prossecução “ordenada”
das atividades econômicas da colônia. Essas condições incluíam a manutenção
1 FURNIVAL, 1948, p. 8.
2 Apud WOLFF, 1974, p, 134 -5.
440
África sob dominação colonial, 1880-1935
da lei e da ordem”, que propiciavam a exploração eficaz dos recursos da colônia,
quer humanos quer materiais.
A propriedade dos meios de produção
Até 1935, o meio de produção essencial e quase único nas possessões bri-
tânicas era o solo. As atitudes e políticas adotadas pelos britânicos no que se
refere à terra variavam de uma região para outra e, na mesma região, de colônia
para colônia. No entanto, pode -se dizer que, de maneira geral, os africanos
continuaram na prática senhores de suas terras nas colônias britânicas da África
ocidental, mas foram no mais das vezes desapossados delas na África oriental e
na África central. Seja como for, em cada uma dessas regiões havia diferenças
notáveis de colônia para colônia.
Em Uganda e, em menor medida, em Tanganica, a maior parte das terras
férteis estava em mãos da população local africana. Com algumas exceções,
como, por exemplo, em Buganda (região de Uganda), em Bukoba e Kilimandjaro
(Tanganica) e no país dos Gikuyu (Quênia), as grandes extensões de terra não
tinham valor de mercado, pois o regime fundiário era o da propriedade coletiva.
Cada membro da comunidade tinha direito ao usufruto da terra. Em muitos
casos, era a mão de obra e não o solo que constituía o meio de produção mais
escasso.
Os estrangeiros, principalmente britânicos, monopolizavam e reservavam para
si a concessão de regiões florestais exploráveis ou as jazidas do subsolo, embora
essas empresas exercessem pouca influência sobre as comunidades locais de agri-
cultores. Ocorriam, no entanto, graves conflitos quando se localizavam riquezas
minerais no subsolo de terras férteis. Quase que invariavelmente, a propriedade
do subsolo cabia à coroa britânica ou a seus representantes e era concedida de
acordo com a vontade dos agentes oficiais ou oficiosos do imperialismo.
No Quênia e na África central, como sucedia em Tanganica na época da
dominação alemã, os africanos possuíam algumas terras, mas os colonos euro-
peus haviam adjudicado a si próprios extensões imensas das terras mais férteis
(ver fig. 16.1). O processo e as consequências políticas e econômicas da mono-
polização das terras no Quênia e na Rodésia do Sul foram muito bem analisados
por M. P. K. Sorrenson
3
e Giovanni Arrighi
4
. Já se afirmou que o baixo nível de
3 SORRENSON, 1968.
4 ARRIGHI, 1967.
441
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
atividade econômica encontrada pelos britânicos no Quênia, no início do século
XX, levou -os a buscar agentes econômicos vindos do exterior. Essa mesma tese
argumenta que, ao contrário da florescente agricultura camponesa existente em
Uganda (especialmente em Buganda), país dotado de regime político centrali-
zado, o nível econômico da maior parte das comunidades do Quênia era muito
arcaico para que os britânicos vissem uma possível base de arranque para o
desenvolvimento econômico do território. Foi por isso – sempre de acordo com
essa tese que foram escolhidos colonos brancos para formar o núcleo da vida
econômica da colônia
5
. Semelhante argumentação constitui explicação parcial e
muito insatisfatória. No império britânico havia muitas regiões euja economia
agrícola permanecia misevel e atrasada. Citemos, por exemplo, as regiões
costeiras do Quênia. O fato de tais zonas não terem recebido colonos europeus
revela claramente que o planalto queniano oferecia algo especial aos olhos dos
colonos britânicos. Parece evidente que o clima temperado foi fator essencial
a atrair os colonos brancos. No Quênia, as terras de colonização estavam, na
sua maioria, situadas a mais de 1400 metros acima do nível do mar. Essas áreas
beneficiavam -se de um regime pluvial dos mais favoráveis, com precipitações
abundantes e regulares. Em resumo, a terra expropriada situava -se nas zonas
mais propícias à agricultura.
O início do processo de expropriação de terras na África oriental foi tratado
no capítulo 7. Realizada a preço vil, a operação adquiriu aspecto dramático,
especialmente no Quênia, a partir de 1909. Nesse território, até 1903 somente
2 mil hectares haviam sido atribuídos aos europeus. Por volta de 1914, as con-
cessões já haviam ultrapassado 260 mil hectares, para atingir 2740 mil hectares
em 1930
6
. Era uma porção considerável do conjunto das terras aráveis, quando
se sabe que o planalto queniano (aproximadamente 90000 km) representava
menos de 15% da área do território, abrigando porém, até a década de 1930,
75% da população total da colônia. Os principais vitimados pela expropriação
foram os Gikuyu, mas os Nandi, os Masai, os Kipsigi e outras etnias foram
igualmente desapossados.
A extensão das terras disponíveis e a propaganda feita pelas autoridades
coloniais no intuito de popularizar a colonização agrícola atraíram numero-
sos europeus, tanto aventureiros como autênticos agricultores. Em 1903 se
contavam, no Quênia, 596 brancos. Dois anos depois, o número chegava a 954
5 WOLFF, 1974, p. 47 -67.
6 Ibid., p. 57, 60.
442
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . África oriental: desenvolvimento econômico das antigas zonas britânicas (produtos agrícolas).
(Fonte: Oliver e Atmore, 1972.)
443
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
indivíduos, dos quais 700 provenientes da África do Sul
7
. A progressão conti-
nuou (5438 em 31 de março de 1914). No final de dezembro de 1929, viviam
no Quênia 16663 europeus
8
.
Muitos desses primeiros colonos, especialmente antes de 1910, adquiriram
as terras a preço vil, quando não gratuitamente. Entre eles figurava lorde Dela-
mere, que se tornou mais tarde um dos maiores latifundiários: em certa época,
chegou a possuir mais de 400 mil hectares
9
. Entre 1902 e 1915, as terras eram
atribuídas sob arrendamento, por 99 anos. Em 1915, a administração modificou
as condições da concessão de terras, beneficiando os colonos que constituíam na
época uma força política efetiva: uma nova legislação agrária, a Crown Lands
Ordinance (1915), aumentou o prazo das concessões para 999 anos. O texto
também reduzia as rendas e o valor mínimo dos melhoramentos necessários
anteriormente impostos aos colonos nos termos da lei de 1902.
Grande parte das concessões, no entanto, não foi objeto de qualquer explo-
ração agrícola. Enquanto aos africanos, a quem faltavam terras, recusavam -se
o usufruto e os direitos de propriedade sobre solos que lhes pertenciam, os
europeus obtinham lucros consideráveis com a especulação. Por volta de 1930,
64,8% das terras europeias não eram objeto de nenhuma atividade agrícola
produtiva
10
. Os lucros da especulação consolidavam -se, com a criação de empre-
sas de holding. Em 1912, cinco proprietários, sozinhos, detinham 20% do total
das terras europeias. Nas zonas mais férteis do Rift Valley, uma superfície supe-
rior à metade do total das terras de colonização estava, em certa época, con-
centrada em mãos de apenas duas companhias e quatro pessoas. Foi justamente
nessa região que a especulação se excedeu. Explorações que em 1908 haviam
sido adquiridas por meio xelim o acre (0,4 hectare) foram vendidas a 10 xelins
o acre em 1912. Dois anos mais tarde, as mesmas terras mudavam outra vez de
dono, ao preço de 20 xelins o acre
11
.
Na Rodésia do Sul, a proporção das terras concedidas aos europeus foi ainda
maior. Entre 1890 e 1900, pioneiros e aventureiros europeus afluíram ao país,
na esperança de encontrar lá uma nova corrida ao ouro (repetindo o “Rand de
1886). Mas foram descobertos tão somente alguns depósitos minerais dispersos
e sem importância. A maioria dos europeus adquiriu terras da British South
7 Ibid., p. 54, 103.
8 Ibid., p. 107.
9 HUXLEY, 1935, p. 287; SORRENSON, 1968, p. 86 et seq.
10 WOLFF, 1974, p. 60.
11 Ibid.
444
África sob dominação colonial, 1880-1935
Africa Company (BSAC), que governava o território por determinação da coroa
britânica, instalando -se então na Mashonalândia como fazendeiros. Depois,
em 1894, a cada membro das colunas Victoria e Salisbury, recrutados para a
campanha contra os Ndebele, foram prometidos 2400 hectares a serem toma-
dos à futura conquista. A expropriação de terras estendeu -se à Matabelelândia.
Ao contrário do Quênia, a população branca aumentou com muita rapidez, e,
entre 1900 e 1935, a Rodésia do Sul contava mais europeus do que qualquer
outro território da África tropical. Em 1901, somavam 11 mil pessoas; em dez
anos, o número mais que duplicou, atingindo 23 mil almas. Em 1926, havia na
Rodésia do Sul mais de 35 mil europeus. Desse total, 29,9% tinham nascido na
Rodésia, 29,2% eram naturais do Reino Unido e 32,6% eram provenientes da
África do Sul. Até os anos 1930, a população branca aumentou mais por causa
da imigração do que pelo número de nascimentos.
O aumento da população europeia acelerou a expropriação de terras. No
período 1900 -1935, os brancos apossaram -se de uma superfície territorial total-
mente desproporcionada em relação ao seu número. Em 1911, possuíam mais
ou menos 7700 mil hectares, total pouco inferior ao das reservas africanas. A
tomada de terras continuou e, por volta de 1925, as concessões aos europeus
atingiam 12500 mil hectares, incluindo a quase totalidade das terras de altitude
igualou superior a 900 metros, situadas a menos de 40 quilômetros da estrada
de ferro
12
, onde as temperaturas eram moderadas e as precipitações suficientes
e regulares. Em compensação, até 1925, os africanos tinham adquirido apenas
18 mil hectares das terras externas aos limites das reservas destinadas aos autóc-
tones. Esses números ilustram com eloquência a incapacidade de as populações
locais rivalizarem com os europeus, em face das circunstâncias e das condições
reinantes. Até essa época, porém, a propriedade fundiária não constituía direito
legal absoluto a favor da minoria branca. A lei agrária denominada Land Appor-
tionment Act, promulgada em 1930 e aplicada em abril de 1931, é que consagrou
legalmente os privilégios da minoria europeia, com prejuízo da maioria africana.
Essa lei repartia o solo do Quênia em quatro grandes categorias
13
: as reservas
indígenas” (22,4%), formadas pelas zonas em que a terra era ocupada segundo o
direito consuetudinário africano; a “zona de compra para indígenas”, destinada
à aquisição individual de fazendas pelos africanos e que constituía uma espécie
de compensação pela perda do direito de comprar terras em outras partes da
Rodésia do Sul; a “zona europeia (50,8%), formada pelas terras possuídas pelos
12 KAY, G., 1970, p. 50.
13 Ibid., p. 30.
445
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
brancos, às quais foram acrescentados 7700 hectares, reservados para serem
mais tarde adquiridos ou explorados exclusivamente por europeus. Todas as
zonas urbanas estavam classificadas como zona europeia
14
. A zona não afetada
(18,4%) compreendia 720 mil hectares de terras pobres e inóspitas, cujo usu-
fruto a administração se reservava, para distribuição posterior por uma ou outra
das três categorias. Evidentemente, a legislação fundiária de 1930 introduzia a
discriminação racial na divisão das terras, mas não anulava a situação resultante
da partilha entre brancos e negros, que era anterior a 1925. Consequentemente,
impedia o desenvolvimento isolado das raças, dentro de suas respectivas zonas.
A minoria branca ficou com a parte do leão nessa partilha, que, na época, a
Rodésia do Sul (atual Zimbábue) vivia em regime de autonomia interna domi-
nado pelos brancos. Para estes, a terra assumia uma função dupla: era fator de
produção e, ao mesmo tempo, objeto de especulação.
Na Rodésia do Norte, a quantidade de terras atribuídas aos europeus foi
relativamente menos importante. A British South Africa Company (BSAC) ,
que governou a colônia até 1924, reservara para si os direitos sobre as terras em
todo o território, com exceção da Barotselândia, em razão de tratados firmados
com os chefes locais durante a década de 1890
15
. A companhia estimulava com
sucesso os imigrantes brancos. Os africanos desapossados de suas terras eram
coagidos a abandonar o local, às vezes em troca de alguma indenização. Em
1921, de um total de 3624 europeus, 714 eram agricultores
16
. Aproximadamente
em meados da década de 1930, o solo da Rodésia do Norte estava dividido em
três grandes categorias: as zonas reservadas especialmente aos africanos totali-
zavam 28740 mil hectares, englobando a Barotselândia (14970 mil hectares) e
as reservas africanas (13760 mil hectares); as terras concedidas aos europeus
estendiam -se por mais de 3400 mil hectares, dos quais 2225 mil pertenciam
a duas companhias, e mais de 1200000 eram explorados por fazendeiros. Os
60700 mil hectares restantes compreendiam as zonas florestais e as reservas de
animais selvagens
17
.
Na África ocidental (ver fig. 16.2), os britânicos, mais cedo ainda do que na
África oriental, procuraram tornar -se diretamente proprietários do solo, a fim
de criar reservas florestais e de oferecer terras em concessão a plantadores euro-
peus. Ainda em 1894 e, depois, em 1897, aplicaram a Lands Bill (lei agrária) na
14 Ibid.
15 BALDWIN, 1966, p. 144 -5.
16 Ibid., p. 41, 146.
17 Ibid., p. 149.
446
África sob dominação colonial, 1880-1935
Costa do Ouro (atual Gana), para garantir o controle direto das terras declaradas
devolutas. Em reação a essa lei, a elite instruída e os chefes tradicionais criaram,
em 1897 (ver o capítulo 6), a Aborigines’ Rights Protection Society (Sociedade
de Proteção dos Direitos dos Indígenas). Em maio de 1898, a Sociedade enviou
a Londres uma delegação que, argumentando não haver terras devolutas na
Costa do Ouro nem qualquer parcela de terra que não pertencesse a esta ou
àquela família africana, conseguiu convencer o Colonial Office a revogar a lei.
Na década de 1910, a Anti -Slavery and Aborigines’ Rights Protection Society
(Sociedade de Luta contra o Escravagismo e de Proteção aos Direitos dos Indí-
genas), fundada pela elite nigeriana por influência de Herbert Macaulay e dos
chefes tradicionais, contestou uma iniciativa destinada a introduzir lei análoga
em Lagos. Para conseguir seu objetivo, a Sociedade apelou para o Privy Coun-
cil, de Londres, o qual concluiu que a terra era propriedade incontestável da
comunidade”
18
. Depois deste êxito dos africanos ocidentais, os britânicos renun-
ciaram à política de apropriação direta da terra, embora em teoria todas as terras
das zonas conquistadas da África Oriental Britânica – como Benin, na Nigéria,
e o país Ashanti, na Costa do Ouro, ou as terras cedidas ao Reino Unido, como
Lagos fossem propriedade da coroa, ao passo que as terras sob protetorado,
como a Nigéria do Norte ou as regiões setentrionais da Costa do Ouro, eram
administradas em nome do povo pela coroa
19
. Entre 1906 e 1925, alguns euro-
peus, como W. H. Lever, o magnata do sabão e da margarina de Liverpool, e
também algumas empresas, como a British Cotton Growing Association, pro-
moveram encarniçadas campanhas pelo estabelecimento de plantações na África
Ocidental Britânica; efetivamente, conseguiram alguns resultados na Costa do
Ouro, na Nigéria do Sul e em Serra Leoa. Mas as campanhas acabaram fracas-
sando e, em 1930, apenas uma parte relativamente pobre das terras da África
Ocidental Britânica havia sido expropriada em proveito de colonos britânicos e
de outros europeus, na sua maior parte para exploração mineral.
Se entre as duas guerras os africanos da região conseguiram permanecer
com suas terras, não ficaram devendo isso nem a uma política deliberada da
administração colonial nem ao fato de a África ocidental, em fins do século
XIX, ter adquirido a fama de “túmulo do homem branco”. Conforme salientava
A. G. Hopkins,
18 AJAYI e CROWDER (orgs.), 1974, p. 576.
19 ELIAS, 1971, p. 1 -33.
447
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
 . África ocidental: desenvolvimento econômico das antigas zonas britânicas. (Fonte: Oliver e Atmore, 1972.)
448
África sob dominação colonial, 1880-1935
a alegada insalubridade dos trópicos não impediu a criação de plantações europeias
no Congo Belga, na África Equatorial Francesa ou na Malásia, nem tampouco
desencorajou quantos aspiravam verdadeiramente a se instalar na África ocidental.
Além do mais, no início do século XX começava -se a lutar com mais eficácia contra
a malária e outras moléstias tropicais, e o ‘túmulo do homem branco’ principiava a
perder um pouco de sua má fama
20
.
o que foi, então, que impediu a apropriação das terras em grande escala na África
Ocidental Britânica? A primeira resposta foi classificada por Hopkins como
dado geológico fortuito”, ou seja, a constatação de que a África ocidental era
relativamente pobre em recursos minerais. A segunda foi o malogro do movi-
mento para estabelecer plantações na região, malogro devido a vários fatores:
a) a vigorosa oposição de outras firmas britânicas que operavam nessas áreas
e não podiam lançar -se, elas próprias, no sistema de plantações; b) o fracasso
de algumas plantações, por falta de capital e “extrema ignorância das condições
tropicais”, por escassez de mão de obra e pelas flutuações da oferta no mercado
mundial; c) o terceiro fator, de longe o mais importante, foi que o sistema de
plantações não constituía uma necessidade na região, pois, nas suas parcelas,
com métodos simples de cultivo os africanos tinham efetivamente capacidade
de produção suficiente para satisfazer à demanda de produtos agrícolas desti-
nados à exportação, como cacau, amendoim e azeite de dendê. Sem contar que
toda tentativa de requisição importante de terras ou de introdução de trabalho
obrigatório em grande escala nas plantações era recebida com hostilidade pela
população
21
. Foi a combinação de todos esses fatores que poupou populações
da África Ocidental Britânica da expropriação das terras, destino sofrido por
alguns povos da África Oriental Britânica.
Produção
As economias coloniais de que estam os tratando caracterizavam -se por dois
grandes setores: um que garantia essencialmente as necessidades alimentares dos
agricultores e do mercado interno, e outro que fornecia os produtos primários
destinados à exportação. A produção para abastecimento local achava-se organi-
zada havia muito tempo, antes mesmo do estabelecimento do colonialismo, não
20 HOPKINS, 1973, p. 212.
21 Ibid., p. 213 -4.
449
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
dedicando a ela quase nenhum interesse as autoridades administrativas. Banana,
inhame, mandioca, arroz e milho eram cultivados pelos camponeses da África
ocidental mediante processos muito simples, que os britânicos encontraram na
região em fins do século XIX. Na África central e na oriental, a situação era
praticamente a mesma para a produção de banana, milho, mandioca, painço e
outras lavouras. Em anos médios, a maioria das famílias camponesas produzia o
bastante para satisfazer suas necessidades, e trocavam ou vendiam no mercado o
pouco excedente. Aos olhos dos funcionários e dos colonos imperialistas, con-
tudo, o setor interno pouco interesse oferecia,que não contribuía diretamente
para aumentar os lucros do capital internacional. Ao contrário do setor de expor-
tação, a produção do setor interno não trazia divisas estrangeiras, tão necessárias
para o pagamento das mercadorias importadas, nem liberava matérias -primas
para alimentar as fábricas da metrópole. Não surpreende, consequentemente,
que o setor tenha sido tão negligenciado pelas autoridades coloniais.
Safras comerciais
O setor de exportação consistia essencialmente em produção primária (pro-
dutos agrícolas e produtos minerais). À parte os casos excepcionais, em que
colonos europeus possuíam importantes extensões de terra, o setor agrícola de
exportação, nas antigas possessões britânicas da África tropical, estava quase
inteiramente em mãos de milhões de pequenos produtores não especializados.
A família constituía o núcleo de produção. Apenas na Costa do Ouro meridio-
nal e, em certa medida, na Nigéria ocidental é que se encontrava uma notável
proporção de agricultores que tinham sabido organizar plantações de cacauei-
ros em bases capitalistas
22
. Os produtores não especializados não podiam tirar
plena vantagem das oportunidades do mercado para realizar um lucro máximo
nos anos em que as cotações dos produtos subiram ao nível mais alto
23
. Mas,
em compensação, como estavam apenas parcialmente integrados ao sistema
capitalista internacional, não se achavam inteiramente expostos às flutuações
das condições econômicas internacionais, que estavam fora de seu alcance, nem
plenamente sujeitos às diferentes formas de exploração colonialista. As prin-
cipais safras comerciais compreendiam cacau da Costa do Ouro e da Nigéria
ocidental; o azeite e a polpa de dendê da Nigéria, Serra Leoa e, até certo ponto,
da Costa do Ouro; amendoim de Gâmbia e da Nigéria do norte; algodão de
22 HILL, P., 1963.
23 MYINT, 1968, p. 50 -2.
450
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Colheita de chá na Niassalândia (fazendas de Lujenda, Cholo). (Foto: BBC H. P. Library.)
451
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
Uganda, Nigéria e Tanganica; café de Uganda e Tanganica (ver fig. 16.3). A
produção de cravo -da -índia em Zanzibar (hoje parte da Tanzânia), que supria
quase totalmente as necessidades do império britânico, não entra nesta enume-
ração porque o cravo -da -índia era aí cultivado por pessoal negro em plantações
pertencentes a árabes.
A participação na produção de safras comerciais sob o regime colonial não
alterou os hábitos dos camponeses africanos. Primeiro, porque nenhuma ino-
vação técnica fundamental daí adveio. E, segundo, porque a maior parte dessas
culturas, ou de outras semelhantes, fora introduzida e praticada muito antes da
era colonial. A extração do azeite-de-dendê era praticada pelos habitantes da
África ocidental desde séculos, e poucas mudanças foram introduzidas na pro-
dução e no processamento. Três culturas cacau, café e algodão (em Buganda)
– eram novas para os camponeses locais, mas inseriram -se facilmente nos ciclos
habituais dos trabalhos rurais. Em consequência, o setor de exportação pro-
grediu rapidamente
24
. Na falta de qualquer inovação técnica importante, essa
rápida expansão pode ser atribuída à intensificação do uso da terra e da mão
de obra
25
.
Ao contrário daquilo que os historiadores coloniais nos querem fazer crer, o
setor de exportação camponês desenvolveu -se naqueles países sem se beneficiar,
por pouco que fosse, de qualquer iniciativa da administração. Na verdade, em
alguns casos, foram realizados progressos apesar das medidas e das políticas
oficiais desfavoráveis. Até a indústria do cacau da Costa do Ouro, de que os
britânicos tanto se orgulhavam, desenvolveu -se fundamentalmente graças às
iniciativas locais. Allan McPhee, um admirador convicto da expansão imperia-
lista na África, engana -se quando atribui à administração colonial da Costa do
Ouro o êxito da cultura do cacau. Segundo esse autor, “restam poucas dúvidas
de que a produção de cacau na Costa do Ouro é filha adotiva do govemo
26
. Ora,
recentes estudos
27
destacaram a pobreza da contribuição que os funcionários da
época deram à implantação dessa indústria. Na realidade, em várias ocasiões,
técnicos agrícolas cujos confortáveis salários eram pagos pela tributação imposta
aos produtores rurais mostravam -se mais ignorantes do que os camponeses,
redundando em desastres a aplicação dos seus conselhos
28
. Apesar do nefasto
24 Ver quadro 1.
25 Ver SZERESZEWSKI, 1965.
26 MCPHEE, 1926, p. 41.
27 HYMER, apud RANIS (org.), 1971, p. 129 -79; ver também KAY, G. B. (org.), 1972, p. 12 -35.
28 KAY, G. B. (org.), 1972, p. 13 -5 e 231.
452
África sob dominação colonial, 1880-1935
papel desempenhado pelo Ministério da Agricultura, a indústria prosperou.
Começando praticamente do zero no início da década de 1890, em 1903 os
fazendeiros haviam plantado, ao todo, 17 mil hectares de cacaueiros. Em 1928,
a superfície atingia 364 mil hectares
29
(ver fig. 16.4). Em aproximadamente vinte
e cinco anos, o cacau substituiu a borracha e o azeite -de-dendê, para se tornar
o principal produto de exportação do país
30
. Em 1934, a Costa do Ouro era
responsável por 40% da produção mundial de cacau. No entanto, antes dessa
época, esse ramo de atividade pouco se havia beneficiado da pesquisa científica
realizada no território. Como observava a Comissão da África ocidental:
É [...] extraordinário que antes de 1937 não existisse estação agrícola alguma den-
tro do cinturão do cacau propriamente dito que pudesse conduzir as pesquisas
necessárias, segundo as exigências locais dessa cultura. É difícil compreender como
um funcionário do Ministério podia emitir conselhos competentes a respeito dessa
planta e de seu tratamento,que, sob as condições locais,o dispunha de nenhum
meio para adquirir conhecimentos
31
.
A contribuição dada pela administração à agricultura camponesa limitava -se
a dois aspectos conexos: a) a administração baixava regulamentos e fazia respei-
tar os textos em vigor para controlar a qualidade da produção e b) as autoridades
introduziam técnicas agrícolas para aumentar ou manter a produtividade da
terra ou da mão de obra. Mesmo aí, o êxito da ação oficial era reduzido, princi-
palmente em função da ignorância e da empáfia dos “técnicos”
32
.
No Quênia e nas Rodésias, a produção de safras comerciais passou gradati-
vamente para as mãos dos colonos, desde o início do século XX. No decurso da
primeira década, tanto no Quênia como na Rodésia do Sul, os produtores africa-
nos rivalizavam muito eficazmente com os colonos brancos, produzindo a maior
parte dos cereais necessários à subsistência de crescente efetivo de assalariados.
Pode -se dizer que, até 1914, os camponeses africanos do Quênia contribuíram
mais para o comércio agrícola e para o setor de exportação do que os próprios
colonos brancos. Foi esse o período em que os colonos europeus lutaram, sem
grande êxito, para se estabelecer na agricultura. Na mesma época, no entanto, a
influência da economia política colonial ainda era fraca. Logo, porém, colonos
29 LA ANYANE, 1963, p. 40 e 100.
30 Em 1915, o cacau ia além de 50% do valor total das exportações domésticas.
31 e West African Commission, 1938 -1939 (Londres, Leverhulme Trust, 1943) § 185, apud KAY, G. B.
(org.), 1972, p. 231.
32 Para a experiência da África ocidental, ver KANIKI, 1972, p. 63 -7.
453
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
 . Abrindo cacau na Costa do Ouro. (Foto: Longman.)
454
África sob dominação colonial, 1880-1935
e plantadores descobriram que podiam participar efetivamente na produção
de safras comerciais agindo por intermédio de seus respectivos administradores
coloniais, e reduzindo sistematicamente ao mínimo o papel dos produtores
africanos. Mas a agricultura de colonização, ainda mal organizada, exigia mão
de obra abundante e barata. A palavra de um administrador do Quênia em
1905 resumia a situação: “O trabalho dos autóctones é tão necessário ao cultivo
das terras como o sol e a chuva!”
33
. Consequentemente, uma série de medidas,
seguindo geralmente o modelo da África do Sul, foram sendo gradativamente
adotadas para obrigar os africanos a trabalhar para os brancos. Primeiro, a alie-
nação de terras, que já começara, foi intensificada. Esta medida visava privar os
africanos de qualquer fonte de renda em dinheiro.
O caso da Rodésia do Norte, em que produtores africanos tentaram apro-
veitar o mercado criado pela mão de obra das minas, na década de 1920, é
particularmente chocante. No início da década de 1920, os autóctones vendiam
uma quantidade irrisória de milho aos negociantes, mas, em 1927, a tonelagem
das transações atingia 30 mil sacas de 200 libras. Em 1930, participaram com
50% nas vendas de gado em pé e, em 1935, comercializaram aproximadamente
100 mil sacas de milho
34
. Semelhantes progressos não atendiam aos interesses
dos colonos europeus, que então haviam constituído um grupo de pressão bas-
tante poderoso. Os brancos não desejavam uma queda nos preços dos alimentos
destinados aos mineiros, mas estavam interessados em obter mais terras e fazer
subir a cotação de seus produtos. Então, para favorecer os interesses dos colonos,
em 1928 -1929 a administração criou reservas indígenas na região servida pela
estrada de ferro e nas áreas em que africanos e europeus se encontravam em
competição direta pela terra. Essa medida enfraquecia a capacidade de compe-
tição dos africanos no mercado, mas, além disso, daí resultou, de maneira mais
significativa, que a situação competitiva das populações locais viu -se severa-
mente limitada nos mercados comerciais. Com efeito, os terrenos às margens
das estradas de ferro foram reservados à colonização europeia numa faixa de
30 quilômetros de cada lado da via
35
. Essas medidas foram tomadas delibera-
damente. Um europeu, membro eleito do Conselho Legislativo, assim exprimia
seus sentimentos em 1930:
33 HILL, 1956, p. 7.
34 BALDWIN, 1966, p. 150. A produção europeia de milho, comercializada entre 1930 e 1935, passou de
168 mil para 211 mil sacas.
35 Ibid.
455
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
O império britânico está antes de tudo preocupado com a promoção dos interesses
dos súditos britânicos de origem inglesa, e somente em segundo lugar com os demais
súditos da coroa, raças protegidas e nacionais de outros países, nesta ordem
36
.
Realmente, a administração colonial não poupou esforços para favorecer os
interesses dos colonos, em detrimento da população local, como o provam várias
medidas então tomadas. Em primeiro lugar, em 1936 foi promulgada uma lei
sobre o milho (Maize Control Ordinance), a qual criou um gabinete de controle
do milho com a atribuição de comprar e vender todo o cereal a preços fixos. O
mercado dividiu -se em setor interno e setor de exportação, ficando as cotações
mais altas com o primeiro. Aos produtores europeus foram atribuídos três quar-
tos do mercado interno, enquanto os africanos recebiam apenas um quarto
37
.
Um ano mais tarde, também a participação dos africanos no comércio de gado
foi reduzida por uma lei (Cattle Marketing and Control Ordinance) que criou
um gabinete de controle do gado. Esse organismo fixava a cotação mínima,
abaixo da qual as vendas de gado em eram ilegais, e tinha a atribuição de
regular as importações e as exportações de gado. Indubitavelmente, a nova lei
destinava -se, em certa medida, a melhorar a qualidade da carne de boi, mas seu
objetivo essencial” era impedir que grande parte da criação bovina praticada
pelos colonos europeus fosse eliminada pela concorrência
38
.
Em segundo lugar, as cotações dos produtos agrícolas camponeses foram
drasticamente reduzidas. Na Rodésia do Sul, isso ocorreu principalmente com
o comércio de grãos, entre 1908 e 1911. Mas, mesmo após a introdução dessas
duas medidas, a maior parte dos africanos continuava refratária à idéia da con-
tratação como assalariados nas fazendas e plantações dos europeus, principal-
mente em razão da hostilidade racial, das más condições de trabalho e do baixo
nível dos salários. Esta situação não era peculiar ao Quênia e às duas Rodésias,
que se verificou igualmente em outros territórios da África tropical até a
década de 1920
39
.
Em terceiro lugar, a tributação foi inaugurada ou desenvolvida não só como
forma de aumentar as receitas públicas, mas ainda com o objetivo de obrigar os
africanos a se colocarem a serviço dos interesses do capitalismo internacional.
36 Ibid., p. 147.
37 Ibid., p. 152.
38 Ibid., p. 153 -4.
39 BERG, 1965, p. 394 -412.
456
África sob dominação colonial, 1880-1935
Esse princípio básico foi claramente enunciado pelo governador do Quênia em
1913:
Consideramos que a taxação é o único método possível de obrigar o indígena a sair
da reserva para procurar trabalho. assim é que o custo de vida do africano pode
aumentar [...] Disso depende o suprimento de mão de obra e o nível dos salários.
Elevar o nível dos salários não aumentaria, antes diminuiria a oferta de mão de
obra
40
.
Em quarto lugar, o trabalho forçado foi legalizado em muitas colônias. Os
africanos eram obrigados a trabalhar determinado número de dias por ano em
obras públicas e nas fazendas e plantações europeias. A regra foi aplicada quer
em tempos de paz, quer durante a guerra. Foi então que se criou o iníquo sistema
da “carteira de trabalho”, inspirado na experiência sul -africana, para regularizar
o mercado de mão de obra. A medida entrou em vigor no Quênia a partir de
julho de 1920. Todo africano adulto do sexo masculino era obrigado a trazer
consigo uma carteira de trabalho (kipande), na qual estavam registrados o nome
do titular, o tipo de trabalho exercido, o horário de serviço e o salário percebido.
Qualquer erro de apresentação ou a perda do kipande por um africano eram
punidos com multa ou três meses de prisão. O kipande restringia fortemente a
liberdade dos africanos. O trabalhador não podia mais deixar o seu emprego
por livre vontade. Os laços até então contratuais entre empregado e emprega-
dor passaram a ser sancionados pela lei penal, tornando -se delito o direito do
assalariado a interromper o trabalho. A vontade manifestada pelos africanos de
se libertarem de tal servidão é comprovada pelos milhares de processos legais
impetrados contra “desertares”.
E, como se não bastasse, foi proibida aos africanos a prática de certos culti-
vos. No Quênia, por exemplo, a cultura do café foi proibida aos africanos, por
tratar -se da cultura comercial de longe a mais lucrativa que se praticava no
território
41
. Foi preciso esperar até os anos de 1950 para que o monopólio fosse
desmantelado pelo movimento Mau Mau.
O principal resultado dessas medidas foi a proletarização do campesinato
africano, fenômeno que, segundo parece, atingiu em maior escala a Rodésia do
Sul, mais que qualquer outro país aqui abordado
42
. A mão de obra africana empre-
gada pelos europeus mediante salários de fome trabalhava para produzir safras
40 East African Standard (diário local), 8 de fevereiro de 1913.
41 WOLFF, 1974, p. 141.
42 ARRIGHI, 1970.
457
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
que eram comercializadas tanto no mercado interno como no externo. Foi assim
que em 1927, no Quênia, entre 83700 e 117 mil africanos, o equivalente a mais
de 50% da massa assalariada, trabalhavam na agricultura comercial. As principais
culturas eram milho, café, trigo e sisal. O milho ocupava apenas 325 hectares em
1905. Em 1920, a superfície aumentou para 12500 hectares. Nove anos mais tarde,
contavam-se 90 mil hectares semeados de milho
43
. Desde o começo da década de
1920, os colonos haviam expulsado os camponeses africanos da produção e do
comércio desse importante cereal. A área cultivada de café também registrou uma
progressão espetacular: de apenas 32 hectares em 1905, passou para 11250 hecta-
res em 1920, e chegou, dez anos depois, a aproximadamente 39 mil hectares
44
. Em
1913, as exportações de café e de milho renderam ao Quênia 64991 libras esterli-
nas. Em 1920, as exportações dos dois produtos, junto com a de sisal, montavam
a 566556 libras esterlinas, para atingir 2429655 libras em 1930 (nesta cifra, o ca
entrava com mais de 50%)
45
. Esses progressos acarretaram profundas modificações
estruturais. Em 1913, o setor exclusivamente africano contribuía com 24% para o
montante global das exportações do território, enquanto a contribuição do setor
europeu não ia além de 5%. Estava claro que, na época, a mão de obra assalariada
africana pouco representava na agricultura comercial dos europeus. Em 1932, a
parte dos agricultores africanos declinara para 9%, enquanto a porcentagem das
explorações europeias aumentara para 76%
46
. Já estava presente um dos caracteres
dominantes da economia do Quênia colonial!
Os colonos europeus da Rodésia do Sul começaram a experimentar várias cul-
turas: algodão, cítricos e tabaco, mas esta planta vingou, e tornou -se o principal
produto de exportação agrícola a partir dos anos de 1910 (ver fig. 16.1). Em 1927,
o valor das exportações de folhas de tabaco atingiu 1 254 mil libras, ponto máximo
do período 1909 -1937. Esse montante representava 19,8% do total das exporta-
ções do
47
território, mas o tabaco era apenas uma das culturas da colônia. Durante
muito tempo, as safras comerciais para o mercado interno (especialmente milho e
criação de gado) superaram em valor o montante das exportações de tabaco. Com
exceção dos três anos do período 1926 -1928, o valor do milho representou, de
1920 a 1929, mais de 50% do valor total das safras
48
. A expansão das exportações
43 WOLFF, 1974, p. 73.
44 Ibid.
45 Ibid., p. 54.
46 Ibid., p. 137.
47 FRANKEL, 1938, p. 231 -2.
48 Ibid., p. 239.
458
África sob dominação colonial, 1880-1935
de milho foi prejudicada pelas elevadas tarifas dos transportes, que se trata de
um produto demasiadamente volumoso e de baixo preço.
Na Rodésia do Sul, como sucedeu na Rodésia do Norte e no Quênia, a
agricultura praticada pelos colonos brancos criou -se e desenvolveu -se graças à
substancial ajuda dos poderes públicos, sob a forma de empréstimos, conselhos
técnicos e pesquisas. Em 1938, o Diretor da Agricultura, ele próprio europeu,
deplorava a flagrante falta de ajuda aos produtores africanos, mas sua declaração
não produziu eco
49
.
Na Rodésia do Sul, mais que em qualquer outra região da África tropical, os
colonos formavam uma poderosa burguesia rural, que adquiriu certo caráter nacio-
nalista, sob o efeito dos esforços comuns consagrados ao desenvolvimento econô-
mico do território
50
. Desde 1926, o setor agrícola ocupava um número de europeus
superior a qualquer outro setor (com 22,9% do total da população ativa)
51
. Cumpre
notar que, em 1935, este setor ocupava 4305 europeus, dentre os quais, 2733
proprietários de terras, enquanto os mineiros somavam 2899 pessoas
52
.
As minas
O subsolo de algumas possessões britânicas da África tropical era rico em
vários recursos minerais (ver figs., 16.2 e 16.5). Havia minas de ouro na Costa
do Ouro, na Rodésia do Sul, em Tanganica e Serra Leoa. Os diamantes repre-
sentavam importante produção industrial em Serra Leoa e na Costa do Ouro.
Minas de cobre existiam apenas na Rodésia do Norte, e o minério de ferro era
uma especialidade de Serra Leoa. Minas de carvão eram exploradas na Nigéria
e na Rodésia do Sul, onde representavam importante fonte de energia. Na maior
parte dos territórios era possível explorar um ou dois tipos de minério, mas
a Rodésia do Sul e Serra Leoa apresentavam grande variedade de minerais. Em
1929, Serra Leoa começou a extração de ouro e platina, a que se seguiu, em
meados da década de 1930, a exploração de cromo, ferro e diamante.
A descoberta de jazidas minerais nesses países da África não foi obra do
acaso, produzida após a chegada dos colonialistas europeus. Os minérios eram
conhecidos e explorados desde muito antes da era colonial, e a descoberta de
49 e Minutes of Proceedings at the First and Second Meetings of the Native Development Board, Lusaka, 1938,
p. 12 -7.
50 ARRIGHI, 1967, p. 20.
51 KAY, G., 1970, p. 46 -67.
52 FRANKEL, 1938, p. 238.
459
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
 . África oriental: desenvolvimento econômico das antigas zonas britânicas (minérios). (Fonte:
Oliver e Atmore, 1972.)
460
África sob dominação colonial, 1880-1935
jazidas resultara de prospecção deliberada e específica. Antes da dominação
branca, a população da Rodésia do Sul e a da Costa do Ouro extraíam e traba-
lhavam o ouro havia muitas gerações. Os dois países eram mais conhecidos pela
riqueza potencial de seu subsolo do que pela perspectiva agrícola. Da mesma
forma, os autóctones da Nigéria exploravam as jazidas de estanho e trabalhavam
esse metal muitas gerações antes de os brancos atingirem o interior do país.
Em certos territórios, a prospecção mineira do período colonial começou nas
regiões onde a população local já explorava o subsolo. A esperança de enriquecer
da noite para o dia atraiu muitos europeus, e abundantes capitais do Ocidente
afluíram à Rodésia do Sul a partir da década de 1890, mas a segunda corrida
do ouro não repetiu o milagre do “Rand anterior, e só se descobriram algumas
pequenas jazidas. Os pequenos mineiros, juntamente com os colonos, formaram
uma burguesia rural que começou a expressar fortes sentimentos nacionalistas,
em vez de envolver -se no processo capitalista em escala internacional.
Com raras exceções, a exploração dos recursos minerais foi financiada por
capitais estrangeiros. Havia dois motivos para isso: primeiro, em certos casos, o
montante do capital a ser investido estava fora do alcance dos africanos (nomea-
damente no caso das minas de cobre da Rodésia do Norte e de minério de ferro
de Serra Leoa). E, segundo, os administradores coloniais impediam deliberada e
sistematicamente os africanos de se beneficiarem dos recursos minerais de seu país.
Tão logo jazidas eram localizadas, promulgava -se rapidamente uma série de textos
legislativos dando o monopólio aos interesses imperialistas. Mesmo onde os afri-
canos vinham explorando as minas há várias gerações, tornou -se ilegal possuírem
mirios sem licença especial. A exploração de jazidas de diamantes foi totalmente
proibida aos africanos. Em Serra Leoa e na Costa do Ouro, a indústria mineira era
monopólio do Consolidated African Selection Trust (CAST), poderosa empresa
multinacional que explorava grande variedade de minérios. O monopólio fora-
-lhe concedido sob o pretexto de que o mercado de diamantes o poderia ser
controlado se fosse dividido entre um mero muito grande de vendedores. Fosse
qual fosse o valor do argumento, a administração colonial cedeu às pressões do
capital internacional e expulsou injustamente a população africana da indústria
mais lucrativa da época. O Sierra Leone Selection Trust (SLST) obteve a exclusi-
vidade dos direitos de prospecção, extração e venda de todos os diamantes por um
período de 99 anos, a contar de 1933
53
. Foi preciso esperar pela década de 1950,
53 O texto do contrato está reproduzido no Public Record Oce Kew (PRO), CO 267/644/22008/Parte
I, 1934, (Arquivos do Colonial Oce).
461
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
quando o controle das vastas regiões diamantíferas tornou -se impossível, para que
a administração se visse obrigada a legalizar a participação africana
54
.
Entretanto, mesmo quando os africanos puderam obter licenças de mine-
ração desde o início, vários regulamentos e disposições técnicas reduziram ao
mínimo a participação das populações locais. Na Nigéria, por exemplo, na ausên-
cia do proprietário de uma mina de estanho, era crime confiar a exploração
a um africano, quaisquer que fossem as qualificações dele
55
. Em Serra Leoa,
nenhum africano podia obter licença de mineração se não fosse capaz de ler
e compreender a lei de minas de 1927 (Mining Ordinance), escrita em inglês.
Os autóctones que não soubessem ler inglês estavam automaticamente desqua-
lificados de qualquer participação na mineração
56
. Apesar de tudo, a indústria
mineira se estabeleceu como atividade rentável.
O setor de exportação dos países aqui tratados, que englobava principalmente
produtos agrícolas e minerais, progrediu rapidamente. Como se pode ver pelo
quadro 1, todos esses países africanos viveram, por volta de 1914, uma década
de inegável crescimento.
Os recursos minerais têm sido considerados a pedra de toque do desen-
volvimento econômico de grande parte da África”
57
, e a administração colonial
trabalhava febrilmente para descobrir a jazida milagrosa”. Mas está claro que o
papel das minas nas economias coloniais tem sido manifestamente exagerado.
É certo, como o demonstra o quadro 2, que os produtos minerais contribuíram
substancialmente para o setor de exportação de alguns territórios, particular-
mente as Rodésias, a Costa do Ouro e Serra Leoa.
54 VAN DER LAAN, 1965.
55 CHARLES, 1964, p. 38.
56 Os africanos contornaram esta disposição discriminatória estabelecendo sociedade com os que sabiam
ler inglês.
57 FRANKEL, 1938, p. 210.
462
África sob dominação colonial, 1880-1935
Quadro 1 Valor dos minérios, em porcentagem das exportações totais de
cada território
Ano 1913 1929 1930 1931 1932 1933 1934
1935
Serra Leoa a a a 4,0 7,4 21,5 44,7 52,0
Nigéria 8,4 13, 1 9,3 11,0 6,7 9,1 17,6 15,7
Costa do Ouro 33,0 17,8 25,6 25,1 29,3 34,8 46,6 41,0
Rodésia do
Norte
26,7 28,9 29,4 51,2 85,7 86,8 84,2 72,0
Rodésia do Sul 93,3 66,0 65,5 69,2 72,8 79,2 78,2 79,9
Quênia a 10,0 7,0 8,0 8,0 9,0 7,0 6,0
Tanganica a 3,0 n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. 12,0
a) a: insignicante.
b) n.d.: não disponível.
Fonte: Annual Reports.
Na Costa do Ouro, os produtos minerais assumiram grande importância a
partir do começo do século. Entre 1905 e 1909, os minérios, sobretudo o ouro,
representavam mais de 40% do total das exportações do país e, nos oito ou
nove anos seguintes, a proporção permaneceu superior a 30%. A cifra declinou
para menos de 20% no decurso dos anos 1920, mas voltou a subir para 41% em
1935
58
. O caso da Rodésia do Sul era ainda mais surpreendente. Entre 1909 e
1913, os produtos minerais (principalmente o ouro) contribuíram com mais de
90% para o total das exportações do território. Durante quase todos os anos que
se seguiram até 1935, a proporção manteve -se superior a 70%.
Na Rodésia do Norte, extraía -se cobre desde 1910, mas só nos últimos anos
da década de 1920 é que as minas passaram a funcionar com plena capacidade,
fazendo com que a produção pesasse bastante no setor de exportação. A partir
de 1931, os produtos minerais representavam mais de 50% do valor total das
exportações da colônia. E a proporção aumentou consideravelmente nos anos
seguintes.
Em Serra Leoa, a exploração do subsolo começou muito tarde, mas em 1935
os produtos minerais compunham mais de 50% do total das exportações
locais. Vejamos os valores, em 1936, das exportações minerais provenientes
das possessões britânicas, classificadas em ordem decrescente (libras esterli-
58 Ibid., p. 320 -1.
463
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
nas): Rodésia do Norte, 5094 mil; Rodésia do Sul, 4422 mil; Costa do Ouro,
2124213; Serra Leoa, 1245 mil.
É interessante notar que, no caso da Nigéria, o montante dos produtos mine-
rais era importante em valor absoluto, mas permanecia bastante fraco em relação
ao total apenas 14% das exportações totais da colônia.
A substancial contribuição dada pelas minas ao setor de exportação pode-
ria induzir a exagerar a sua contribuição à prosperidade geral. Mas que
levar em conta as limitações impostas à participação dos africanos. As minas
foram abertas à custa do capital estrangeiro e os lucros resultantes da exploração
foram repatriados, para encher os bolsos dos acionistas metropolitanos ou para
serem reinvestidos em benefício de outros países não africanos. Assim, quando
a carta da Niger Company foi rescindida, em 1899, esta companhia recebeu
uma indenização de 150 mil libras esterlinas, em compensação pelos direitos
de mineração que ela detinha na área onde posteriormente foram abertas minas
de estanho. Pelo mesmo acordo, a Niger Company devia receber, por 99 anos,
50% do total dos royalities sobre as operações de mineração
59
. Essa cláusula
impunha pesado tributo à população local, mas a situação ainda era pior nas
Rodésias, onde os direitos sobre o subsolo ficaram em mãos da British South
Africa Company até 1933, data em que o Estado os adquiriu por dois milhões
de libras
60
. Mesmo com a mudança, porém, raramente as populações autóctones
receberam consideração e ainda menos foram tratadas como beneficiárias das
operações de mineração. Em 1942, um funcionário do alto escalão do Colonial
Office britânico declarava impudentemente que, particularmente, poucas
razões para reservar o valor da produção mineira às populações locais, que
essas populações em nada contribuíram para o seu desenvolvimento
61
. Mas,
nos territórios em que as administrações coloniais nacionalizaram as minas,
como Serra Leoa, Quênia, Tanganica e Uganda, poucas receitas extraíram delas,
principalmente royalties e imposto de renda. Em Serra Leoa, as receitas públicas
diretas provenientes das minas eram 34100 libras em 1935, o que representava
apenas 5% da receita pública global do território
62
.
Os salários continuavam a ser o único meio de a população local recolher
uma fração da renda das minas, mas, como no caso da agricultura e das plan-
tações europeias, o pagamento era tão baixo que os assalariados tinham de
59 BOWER, apud PERHAM (org.), 1948, p. 5.
60 Ibid.
61 DAWE, J. A. Minute, CO 54028/42. J. A. Dawe era subsecretário adjunto do Colonial Oce, Londres.
62 KANIKI, 1972, p. 238 -9.
464
África sob dominação colonial, 1880-1935
se socorrer junto ao setor camponês. A discriminação racial representava um
fator importante desse problema
63
. Mesmo com funções idênticas, os operários
europeus recebiam um salário muitas vezes superior ao dos africanos. Além
disso, os autóctones raramente recebiam formação técnica que lhes melhorasse
a produtividade e, portanto, o ganho. Na Rodésia do Sul, onde os operários
brancos especializados e semi especializados dominavam o mercado de traba-
lho
64
, os assalariados africanos sequer estavam autorizados a sindicalizar -se.
Aliás, mesmo nos territórios livres da dominação dos colonos, foi preciso esperar
pelo fim da década de 1930 para que os sindicatos, instrumento importante das
negociações coletivas, fossem legalmente reconhecidos. Com exceção da Rodésia
do Sul, onde as minas “proporcionaram uma base para grande parte do desen-
volvimento industrial local”
65
, e em contraste com a experiência sul -africana,
em que a mineração foi “o criador e o protetor originais” da industrialização
66
,
o setor mineiro contribuiu pouco para a propagação de outras atividades. E os
poucos benefícios não deixaram de ter seu custo. As terras aráveis eram cortadas
e prejudicadas pelos trabalhos de mineração; a selva e árvores de valor, destruí-
das; o modo de vida tradicional era perturbado, seguindo -se uma ruptura geral
da lei e da ordem.
Os setores de exportação dos países aqui tratados apresentavam dois traços
principais. Em primeiro lugar, as exportações, tanto produtos agrícolas como
minerais, saíam em estado bruto. Dessa forma, o valor unitário da maior parte
das exportações era relativamente baixo. Em segundo lugar, verificava -se uma
tendência para o desenvolvimento da monocultura, o que tornava bastante vul-
neráveis as economias dos países que dependiam essencialmente das exportações
agrícolas. Somente a Nigéria (com três tipos de culturas: cacau, produtos do
dendezeiro e amendoim) e o Quênia constituíam economias algo diversificadas.
A debilidade das economias baseadas na monocultura patenteou -se tragica-
mente durante a grande depressão de 1929 -1934, quando o pânico e a confusão
tomaram conta da administração colonial.
63 BALDWIN, 1966, p. 42 e 82 -99; BOWER, apud PERHAM (org.), 1948, p. 23; ARRIGHI, 1967, p.
25 -6; KAY, G., 1970, p. 57 -8.
64 ARRIGHI, 1967, p. 20 -1; KAY, G., 1970, p. 57 -8.
65 KAY, G., 1970, p. 24.
66 PATTERSON, 1957, p. 150.
465
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
Moeda e bancos
A exemplo das outras potências coloniais, os britânicos introduziram nas suas
colônias o uso de moedas modernas, em lugar do tradicional sistema de troca, de
pagamento em mercadorias e de outras unidades monetárias como ouro em
e conchas. Isso visava fundamentalmente a estimular a produção e a exportação
de safras comerciais, bem como a importação de manufaturas da Europa. As
potências coloniais, realmente, esforçaram -se bastante para promover a adoção
de sua moeda, e o fizeram recorrendo a três grandes meios. De acordo com
Hopkins, trataram de “desmonetizar as moedas tradicionais, pagando em moeda
europeia à mão de obra cada vez mais numerosa e exigindo que os impostos
lhes fossem pagos em dinheiro e não em espécie
67
”. Esses métodos revelaram -se
bastante eficazes e, em 1910, o uso das moedas europeias, entre as quais figurava
grande variedade de moedas inglesas, estava bastante difundido na África
ocidental. O ano de 1912 foi assinalado pela criação da West African Currency
Board, encarregada de cunhar moeda na África Ocidental Britânica. Em 1913,
a WACB emitiu as primeiras moedas de dois xelins, um xelim, seis pence e
três pence; três anos depois, as primeiras notas. Na África oriental, os britânicos
começaram por introduzir o sistema em vigor na Índia. Mas, em 1920, criaram
uma Currency Board encarregada da emissão de moedas e de notas para as três
colônias. Todas essas moedas estavam ligadas à libra esterlina, moeda corrente
na metrópole.
O uso cada vez mais difundido de moedas modernas trouxe como consequ-
ência maior o surgimento de instituições bancárias nas colônias britânicas. Na
África ocidental, o primeiro banco foi criado em 1894. Tratava -se do Bank of
British West Africa, ao qual se seguiu, em 1926, o Barclays Bank (“Dominion,
Colonial and Overseas”). Essas duas instituições detiveram o monopólio das
atividades bancárias na África Ocidental Britânica durante todo o período
colonial. A África oriental e a África central, por sua vez, tornaram -se feudos
do National Bank e do Grindlays Bank. Esses estabelecimentos tiveram ação
prejudicial sobre o desenvolvimento econômico das colônias por três razões
essenciais. Primeiro, eles investiram todo o seu capital, incluindo as economias
dos próprios africanos, no Reino Unido, favorecendo a formação de capital e,
consequentemente, o desenvolvimento econômico no país rico que era a metró-
pole, à custa das colônias pobres. Pior, ainda: pesquisas recentes demonstraram
67 HOPKINS, 1973, p. 206.
466
África sob dominação colonial, 1880-1935
que, em matéria de empréstimos, todos esses estabelecimentos aplicavam uma
política discriminatória com relação aos empresários africanos e favorável aos
britânicos e asiáticos
68
. Finalmente, como o sistema bancário tornou -se apanágio
exclusivo dos europeus, aos africanos foi recusada a possibilidade de adquirir
formação e experiência nesse domínio vital.
Marketing
A comercialização foi gravemente negligenciada pelos administradores colo-
niais. Em graus diferentes, a política do laissez -jaire era a regra em todos os
territórios que estamos discutindo. A generalização feita por Cyril Ehrlich,
segundo a qual esta política, “ao contrário da crença popular, é praticamente a
única utopia que ainda não foi experimentada
69
, somente se aplicaria ao perí-
odo posterior a 1940. É certo que os organismos de comercialização datam do
final das décadas de 1940 e de 1950. A maior parte dos textos promulgados até
meados da década de 1930 não regulamentava senão dois pontos: as licenças
comerciais e a qualidade de algumas exportações agrícolas. As cooperativas de
venda foram legalmente reconhecidas por lei em Tanganica, em 1932, mas nada
se lhes seguiu durante cinco anos. Enquanto porta -bandeira da livre iniciativa
daquela época, o Reino Unido não restringia sequer as atividades de empresas e
indivíduos não britânicos nas suas possessões. Antes do surgimento da United
Africa Company (UAC), em 1929, por exemplo, as duas principais companhias
francesas a Compagnie Française de l’Afrique Occidental (CFAO) e a Société
Commerciale de l’Ouest -Africain (SCOA) – rivalizavam muito eficientemente
com as firmas britânicas na África Ocidental Inglesa. Em meados da década de
1920, cada uma dessas sociedades possuía mais filiais e entrepostos em Serra
Leoa do que qualquer similar britânica
70
. No entanto, nada fora previsto para
proteger a população local. A preocupação fundamental das administrações
coloniais consistia em desenvolver o comércio de import/export, a fim de ali-
mentar os cofres públicos com a receita dos direitos aduaneiros.
Incontestavelmente, até o começo da década de 1930 havia tendência para
favorecer todos quantos estivessem em condições de contribuir para o aumento
das receitas do Estado. Assim, os comerciantes hindus não eram admitidos,
68 Ibid., p. 209.
69 EHRLICH, 1973, p. 660.
70 Ver KANIKI, 1972, p. 58 -60.
467
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
mas em certa medida estimulados a dominar o comércio da África oriental e,
até certo ponto, da África central. A população de origem asiática na África
oriental aumentou nas seguintes proporções: Uganda, 2 mil em 1910, 13 026
em 1917; Tanganica, 18784 em 1913 e 23422 em 1931; Quênia, 22800 em 1921
e 26759 em 1931.
O “descontentamento e a desconfiança das comunidades levantinas”, que o
professor Bauer observou serem “discriminadas nos meios oficiais” na África
ocidental
71
, eram fenômeno recente. Hostilidade de fato contra os levantinos,
principalmente os libaneses, vinha não dos círculos oficiais, mas de diversos
agentes comerciais europeus em resposta à rivalidade comercial demonstrada
por eles
72
. Se as empresas britânicas aparentavam dar-lhes preferência, não era
por respeito, mas porque eles podiam – com as bênçãos do governo Britânico –
atuar como grupo de pressão e influenciar as decisões políticas
73
.
Continua válida a afirmação de Ehrlich de que “as decisões administrativas,
em toda a África britânica, raramente encorajavam empreendimentos comer-
ciais nativos”
74
. Outros fatores porém refreavam iniciativas locais. Acima de tudo,
a política oficial geral, como seria de se esperar no contexto colonial, era dirigida
para o avanço dos interesses imperialistas. Consequentemente, a população local
não estava protegida das “garras” das grandes empresas e era facilmente exposta à
destruição. Na primeira década do século 20, durante a construção de ferrovias,
as empresas europeias pressionavam os comerciants africanos de duas manei-
ras. Por meio da concentração de capital, vendiam pequenas empresas abaixo
do preço. Desse modo, os grandes mercadores nativos que haviam emergido
durante o século 19 eram descartados dos negócios e as empresas europeias
estendiam suas vendas do atacado para o varejo. O que Alldridge disse sobre
Serra Leoa em 1908 aplica-se a várias partes do império britânico:
Anteriormente, as grandes empresas europeias eram comerciantes pura e simples-
mente, no sentido mais tradicional do termo [...] seu negócio era estritamente a
venda por atacado; eles importavam mercadorias, compravam a produção local e
exportavam, mas nunca excediam a isso. Vendiam as mercadorias importadas na
embalagem original; lidavam com grandes quantidades e deixavam o varejo intei-
ramente nas mãos dos comerciantes locais [...] Tudo isso mudou. A função do
71 BAUER. P. T., 1954, 148.
72 Slater a Amery, Despacho Condencial, CO 267/607, de 11 de janeiro de 1925, Anexos 3 e 5.
73 EHRLICH, 1973, p. 652.
74 Ibid.
468
África sob dominação colonial, 1880-1935
intermediário não é mais a mesma, uma vez que as grandes empresas tornaram-se as
próprias intermediárias, e, enquanto continuam a ser atacadistas, também passaram
a negociar no varejo.
75
Em segundo lugar, na maioria dos casos, os comerciantes africanos não tinham
como fazer empréstimos bancários porque não possuíam garantias. Além disso,
muitas vezes o preconceito racial prevalecia a esse respeito.
O papel das empresas comerciais europeias tem sido estudado por muitos
autores, a maioria deles concorda sobre a importância do contato da África
com o mercado europeu ocidental e as Américas. As firmas compravam a pro-
dução interna e exportavam para a África. Também importavam e vendiam
uma variedade de produtos manufaturados, principalmente têxteis. Mcphee,
Bauer e Hopkins enfatizam o papel dessas empresas na expansão das fronteiras
e do setor comercial como um todo. No entanto, são muito discretos quanto às
tendências dessas firmas para a exploração
76
. Os comerciantes europeus, hindus,
libaneses e, em grau menor, certos africanos apropriavam -se do excedente da
produção camponesa, especialmente através de transações não equitativas. Os
mercadores pagavam baixo preço pelos produtos locais e vendiam bem caro os
artigos importados. A experiência similar dos camponeses da América Latina
é bem reveladora neste caso:
Obstáculo suplementar ao desenvolvimento comercial de uma economia formada
por pequenos agricultores é o mecanismo de comercialização. Aproveitando a infe-
rioridade do camponês nas transações e a concentração habitual de três funções
comerciais nas mãos do mesmo intermediário (comprador dos produtos, fornecedor
de crédito e vendedor de artigos de consumo), todo o excedente produzido pelo
trabalho dos ‘economicamente fracos’ tende a ser transferido ao intermediário, em
vez de ficar disponível para reinvestimento.
77
Nas regiões dominadas pelos colonos (Rodésia do Sul, por exemplo), tor-
nou-se habitual que os proprietários europeus comercializassem a produção
de seus rendeiros e, muitas vezes, a das explorações autóctones vizinhas”
78
. Esta
prática reduzia ao mínimo o nível competitivo dos africanos e garantia ao colono
branco uma situação de quase monopólio.
75 ALLDRIDGE, 1910, p. 73-4.
76 HOPKINS, 1973, p. 108 -209; MCPHEE, 1926, p. 32 -105; BAUER, P. T., 1954.
77 PEARSE, apud SHANIN (org.), 1971, p. 73.
78 ARRIGHI, 1970, p. 209.
469
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
De vez em quando, os produtores africanos defendiam coletivamente os
seus interesses mediante a retenção, recusando -se a entregar o produto ao mer-
cado. Houve numerosos casos de recusa de venda na Costa do Ouro, onde os
produtores africanos de cacau encontravam -se totalmente à mercê das pressões
do mercado internacional. A mais séria “greve de vendas” do cacau ocorreu de
outubro a dezembro de 1930. Foi descrita como uma “greve econômica desti-
nada a conseguir preços mais altos” e “era diretamente contra as grandes firmas
compradoras para exportação e o controle monopolístico por elas exercido sobre
a economia da Costa do Ouro
79
. Além de reterem o cacau, os africanos da Costa
do Ouro também boicotaram as mercadorias europeias. Houve prisões e foram
aplicadas multas por participação nas greves de vendas”. A eficácia do movi-
mento ameaçou os próprios fundamentos das relações econômicas coloniais,
que o governo colonial, tal como as filiais das firmas metropolitanas, extraía sua
receita do comércio do cacau. Era evidente que o movimento colocava -se contra
os interesses das duas partes. Consequentemente, as autoridades coloniais rom-
peram o movimento pela força, multando e prendendo os chefes que apoiaram
essas greves
80
. Durante a campanha do cacau de 1937 -1938, outra importante
greve de vendas foi organizada contra as mais poderosas casas exportadoras, que
tinham fechado um acordo fixando um teto para o preço de compra do cacau.
Dessa vez, a greve de vendas propagou -se à Nigéria ocidental e só terminou
com a intervenção do governo britânico. Uma comissão de inquérito dirigida
por Nowel
81
revelou que o sistema de comercialização, que envolvia milhares de
intermediários, era ao mesmo tempo ineficiente e gerador de desperdícios, preju-
dicando quer os produtores da África ocidental, quer os consumidores europeus.
A United Africa Company (UAC), que reunia muitas antigas firmas bri-
tânicas de comércio, tornou -se, depois de 1929, a mais poderosa e a principal
nos mercados da África ocidental. No decurso da década de 1930, a UAC
movimentava mais de metade das operações de exportação na África ocidental
e dominava os mercados dos territórios britânicos
82
, especialmente na Nigéria.
Havia filiais da UAC na África oriental e na central, mas aqui o papel dela
era bem mais reduzido. Nestas duas últimas regiões do continente não havia
nenhum equivalente da UAC.
79 RHODIE, 1968, p. 105.
80 Ibid., p. 109 -115.
81 Grã -Bretanha, Commission on Marketing West African Cocoa, Londres HMSO, 1938, p. 157 e passim.
82 HOPKINS, 1973, p. 199.
470
África sob dominação colonial, 1880-1935
O comércio com o Reino Unido mantinha as possessões africanas em posição
de inferioridade, como durante a Depressão de 1929. Em 1932, tarifas imperiais
de preferência foram introduzidas nas possessões britânicas. Para as importações
provenientes do império, os direitos aduaneiros eram 10% a 50% mais baixos do
que o nível geral. Mas,que o intercâmbio entre os diversos territórios ingleses
era negligenciável, o beneficiário final da lei era evidentemente a metrópole.
Em setembro de 1931, o Colonial Office dirigiu uma circular às administrações
coloniais, pedindo que ajudassem o Reino Unido e lembrando -lhes que
os interesses do Reino Unido e os de suas colônias e possessôes são indissolúveis e
que os perigos que o Reino Unido enfrenta são os mesmos que ameaçam o conjunto
do império [...] que o colapso geral do crédito britânico ou a desvalorização da libra
esterlina significariam a ruína para as colônias, tanto quanto para o Reino Unido
83
.
Apesar da taxação mais alta, a importação de bens não britânicos aumentou
consideravelmente, para vantagem dos consumidores das colônias. Os calçados
de lona e os tecidos de seda artificial e de algodão, de fabricação japonesa,
inundaram os mercados, a preços bem inferiores aos dos artigos ingleses, que
eram beneficiados pela redução de tarifas. Em 1934, o chefe do distrito de Dar
es Salaam (Tanganica) salientava que,praticamente, todas as lojas do distrito
84
estavam repletas de artigos japoneses de todos os tipos. A invasão tornou-se
mais pronunciada durante este período de marasmo econômico. Como dizia
um administrador colonial, talvez com certo exagero,o africano médio estaria
agora reduzido a usar roupa de casca de árvore se não houvesse grandes quanti-
dades de roupas baratas de algodão, de fabricação japonesa, à venda em todas as
lojas da cidade e das aldeias”
85
. Mas a preocupação do governo de Londres era
a prosperidade da indústria britânica, e não o bem -estar das populações pobres
de suas colônias.
Em 1934 veio o contra -ataque: as tarifas aduaneiras sobre mercadorias não
britânicas tiveram, em geral, um aumento de 100%. Além disso, um sistema de
quotas limitava a importação de artigos de fabricação japonesa. Houve protestos
isolados contra essas medidas, mas as populações colonizadas acabaram tendo
de pagar preços mais altos, promovendo os interesses imperialistas.
83 West African Mail and Trade Gazette, 24 de outubro de 1931, p. 4; Sierra Leone Royal Gazette, 15 de
outubro de 1931.
84 Dar es Salaam District Ocer’s Annual Report for 1934, p. 4. Arquivos Nacionais da Tanzânia, 54/4.
85 Ibid., ano de 1933, p. 3 -4.
471
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
Infra estrutura
A infra estrutura constitui um dos principais fatores da comercialização. A
constrão de ferrovias, estradas, linhas telegráficas e instalações portuárias
mereceu desde cedo a atenção das administrações coloniais. Embora esses equi-
pamentos servissem à administração em geral, seu objetivo fundamental era
fazer chegar até o mar as exportações.o admira, portanto, que o traçado e os
grandes entroncamentos das estradas e das ferrovias pouco levassem em conta
o bem -estar geral das populações locais. Na sua maioria, as estradas de ferro
ligavam diretamente a costa às regiões interioranas de jazidas de minérios ou de
plantações comerciais. O número de linhas transversais e de ligações ferroviárias
interterritoriais era pobre. Consequentemente, as estradas de ferro atendiam
apenas a zonas limitadas e, fosse qual fosse o seu papel, a importância que
tiveram na abertura dos territórios do continente foi com certeza exagerada
86
.
Somente a Rodésia do Sul e a África do Sul dispunham de verdadeira malha
ferroviária, concebida principalmente para servir às minas muito dispersas e às
regiões de agricultura de colonização. O cinturão do cacau ao sul da Costa do
Ouro também era servido por estradas de ferro, ao passo que os territórios do
norte, que não tinham produção exportável, ficaram completamente abandona-
dos (ver figs. 16.2 e 16.5).
Na sua maior parte, as ferrovias eram construídas, possuídas e administra-
das por governos ou serviços oficiais. A construção da primeira via férrea na
África Ocidental Britânica ocorreu em Serra Leoa, durante a década de 1890.
O primeiro trem começou a operar na colônia em 1897 e, por volta de 1909,
foi concluída a linha principal, atravessando a rica região de palmeirais (den-
dezeiros) até Pendembu, a leste, numa extensão de 365 km. Um ramal ligando
Bubuya a Makeni, no norte (132 km), foi construído em 1915. Logo depois de
iniciadas as obras em Serra Leoa, outras possessões seguiram o seu exemplo,
com resultados ainda melhores. Todas as grandes linhas estavam prontas em
1920. Em Tanganica, os britânicos herdaram as duas ferrovias construídas pelos
alemães em começos do século XX.
Somente nas Rodésias e em Serra Leoa é que o capital privado participava
da construção das ferrovias. A linha principal que atravessa a Rodésia de sul
a norte era um prolongamento da rede da África do Sul, e foi construída pela
86 MCPHEE, 1926, p. 47 -8, 108 -15, 126 -7.
472
África sob dominação colonial, 1880-1935
British South Africa Company. A linha atingiu Bulawayo em outubro de 1897
e cruzou o Zambeze nas cataratas Victoria em começos de 1904.
Algumas linhas secundárias foram construídas por empresas interessadas
na mineração
87
. A principal delas atingiu Livingstone (capital da Rodésia do
Norte) em 1905, e Broken Hill no ano seguinte. Finalmente, em 1909 a estrada
de ferro foi estendida até a fronteira do Congo por outra empresa, a Rhodesia-
Katanga Junction Railway and Mineral Company (ver fig. 16.5). Em Serra
Leoa, a Sierra Leone Development Company, que explorava minas de ferro
em Marampa desde 1933, construiu uma linha de 80 km que ligava Marampa
a Pepel, porto de embarque no Atlântico (início da década de 1930). Era uma
ferrovia para uso exclusivo da companhia. A construção de estradas coube tanto
à administração colonial como às autoridades locais. Onde os recursos o permi-
tiam, os chefes africanos mobilizavam o povo de suas comunidades para integrar
sua economia ao mundo exterior. Regra geral, porém, a rede de estradas não foi
concebida como alternativa, mas como via de acesso às redes ferroviárias, que
eram empreendimentos públicos. Assim o contribuinte teve de sustentar o custo
de dois sistemas onerosos e ineficientes.
A mais importante contribuição dos modernos meios de transporte foi a
considerável redução das tarifas de frete, o que gerou duas consequências: a) os
carregadores humanos foram substituídos pela máquina, liberando assim a mão
de obra, rara, para outras atividades produtivas; b) a diminuição do custo do
transporte fez aumentar a margem de lucro dos produtores e estimulou a expan-
são do setor comercial. Infelizmente, porém, raras vezes os produtores africanos
usufruíram da parte que lhes cabia nessas vantagens. As casas comerciais e os
outros beneficiários que operavam no setor de exportação, influentes e ávidos
de lucros, guardavam para si a parte do leão. Nas regiões de colonização branca,
as taxas dos fretes foram manipuladas a favor dos europeus, forçando assim os
produtores africanos a financiar indiretamente a agricultura dos colonos.
Citemos dois casos em que a construção de ferrovias produziu efeitos notá-
veis: em Uganda e na Nigéria. Antes de 1902, ano em que a Uganda Railway
ligou esse território isolado do sertão à costa de Mombaça, através dos pla-
naltos do Quênia, os custos do transporte faziam aumentar em 150% o preço
da maior parte das mercadorias importadas pelo oceano Índico. A chegada da
linha Lagos Railway a Kano, Nigéria, em 1911, também foi positiva. A cultura
do amendoim desenvolveu -se consideravelmente: as exportações desse produto
87 G. Kay, 1970, p. 42-4.
473
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
passaram do máximo anterior de 2 mil toneladas para 50 mil toneladas em 1916,
atingindo 147 mil toneladas em 1929. Também na Rodésia do Norte o sistema
ferroviário contribuiu fortemente para o setor de exportação, sobretudo para o
desenvolvimento da mineração
88
. Na maioria dos outros territórios, o sistema
ferroviário exerceu relativamente pouca influência e, durante a maior parte do
período aqui estudado, a exploração permaneceu deficitária
89
. Cumpre salientar
que, embora os modernos meios de transporte tenham sido de fato positivos,
eles não criaram uma economia de exportação a partir do nada”. Na verdade,
os modernos meios de transporte foram primeiramente destinados às regiões
que, embora repletas ainda de incertezas, tinham começado a demonstrar o
seu potencial econômico”
90
.
Há ainda outra categoria de serviços que já existia antes da era colonial, mas
que durante esse período desenvolveu -se em importância e eficiência: os trans-
portes marítimos. Na África Ocidental Britânica, desde antes de 1900, o setor
era dominado por uma única empresa britânica, a Elder Dempster Line and
Co. Ltd., constituída em 1890 com a fusão de todas as companhias inglesas que
operavam na costa ocidental. Em 1895, a Elder Dempster e a companhia alemã
Woermann fizeram um acordo de não concorrência mútua, ficando, assim, em
condições de fixar as tarifas em detrimento dos clientes. Na África oriental e na
África austral era a Union Castle Line que detinha o monopólio dos transportes
marítimos.
África do Sul, 1880 ‑1935
Dentre as colônias e possessões africanas da coroa britânica, havia uma, a
África do Sul, que, no período considerado, experimentou um surto econômico
tão extraordinário e tão tristemente célebre nas suas repercussões que merece
uma menção especial, breve que seja.
Em 1869, a África do Sul, que abrangia as duas colônias britânicas do Cabo
e de Natal, bem como as colônias de população bôer ou afrikaner do Transvaal
e do Estado Livre de Orange, tinha uma economia tão pobre e de tão pouco
peso no sistema capitalista mundial quanto qualquer outra colônia europeia da
África (ver fig. 16.7). Não contava ao todo senão 260 mil europeus, dos quais
88 BALDWIN, 1966, p. 17 -18, 171 -2.
89 FRANKEL, 1938, passim.
90 HOPKINS, 1973, p. 198.
474
África sob dominação colonial, 1880-1935
20% viviam na colônia do Cabo
91
, onde se encontrava a única cidade com mais
de 10 mil habitantes: a Cidade do Cabo. Em 1860, havia apenas uns três quilô-
metros de ferrovias e nenhuma estrada de rodagem. A tração animal era a única
forma de transporte. As atividades manufatureiras limitavam -se à fabricação
de carroças, móveis, calçado e curtume de couro
92
. Em 1860, as exportações
da África do Sul consistiam em matérias -primas: em primeiro a lã, seguida do
ferro, peles e couros, não ultrapassando tudo 2,5 milhões de libras esterlinas.
Conforme as conclusões de D. Hobart Houghton:
De maneira geral [em 1860] a colônia [do Cabo] era um país de população esparsa,
que vivia essencialmente da criação de carneiros e da lavoura de subsistência, pobre
demais para avançar com rapidez mediante a formação interna de capital e despro-
vido de recursos exploráveis para atrair capital estrangeiro
93
.
Ora, a colônia do Cabo era, então, a província mais rica da África do Sul.
Nas outras colônias, sobretudo no Transvaal e no Estado Livre de Orange, as
condições ainda eram piores.
Mas, durante os trinta últimos anos do século XIX, a África do Sul experi-
mentou uma verdadeira revolução, não econômica mas também social. A pri-
meira causa da transformação refere -se a um único acontecimento: a descoberta
de minerais; primeiro, diamantes na Griqualândia em 1867 e em Kimberley
em 1870, depois, ouro no Transvaal, em 1886. Cinco anos após a descoberta de
Griqualândia, as exportações de diamantes elevavam -se a mais de 1,6 milhão
de libras esterlinas. Em 1880, tinham passado para mais de 5 milhões de libras,
representando mais que todas as outras exportações sul -africanas somadas
94
.
antes de 1899 a companhia De Beers Consolidated Mines Ltd. estabelecera -se
para fazer das minas um setor moderno, fortemente concentrado e largamente
dotado de capital, empregando para tal fim as técnicas mais recentes e estabele-
cendo o monopólio mundial das vendas por intermédio do Diamond Syndicate
de Londres”
95
(ver fig. 16.6), fazendo com que o valor das exportações de dia-
mantes continuasse a aumentar, atingindo a casa dos 10 milhões de libras em
1905 e mais de 15 milhões em 1910. Quanto às minas de ouro, descobertas em
1886, passaram por um crescimento ainda mais acelerado. Desde 1890, o ouro
91 CURTIN, FEIERMAN, THOMPSON, VANSINA, 1978, p. 329.
92 COLE, 1961, p. 396.
93 HOUGHTON, apud THOMPSON (org.), 1971, p. 4.
94 Ver g. 16.2: “Exportações sul -africanas, 1861 -1910”, em ibid., p. 18.
95 Ibid., p. 13.
475
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
se tornara a principal exportação da África do Sul, que, naquele ano, vendeu 10
milhões de libras esterlinas, quantia que subiu para 25 milhões em 1905 e para
45 -50 milhões em 1910.
Por um lado, a expansão do setor trouxe para a África do Sul consequências
verdadeiramente extraordinárias em todos os sentidos. Politicamente, a desco-
berta de diamantes levou primeiro à anexação da área de Kimberley, depois à do
próprio Transvaal em 1877 e, finalmente, à conquista da Zululândía em 1879,
após a humilhante derrota dos britânicos em Isandhlwana. Também contribuiu
para o desencadear, em 1881, da primeira guerra anglo -bôer, que resultou na
vitória dos bôeres. Da mesma forma, a descoberta de ouro levou à anexação de
todos os Estados africanos situados ao sul do Limpopo, à incursão feita por
Jameson em 1896 e, finalmente, em 1899, à segunda guerra anglobôer, que
redundou na criação da União Sul -Africana, em 1910. Alguns aspectos dessas
consequências políticas de longo alcance e da reação que elas suscitaram entre
os africanos foram objeto de estudo no capítulo 9.
Por outro lado, as descobertas provocaram um afluxo de capitais e de técnicos
do Reino Unido, da Europa e dos Estados Unidos da América. Na realidade, o
grosso dos investimentos na África colonial, entre 1880 e 1939, foi canalizado
para a África do Sul. Segundo P. Curtin e outros, em vésperas da Segunda
Guerra Mundial, os investimentos estrangeiros eram estimados em 56 libras
esterlinas por habitante na África do Sul, contra 38 libras nas duas Rodésias,
13 libras no Congo Belga e 10 libras, no máximo, em toda a África tropical
96
.
Foram esses investimentos que permitiram o desenvolvimento não só da indús-
tria de extração mineral mas também, como veremos, da infra estrutura da África
do Sul. O fenômeno não deveria, aliás, surpreender, que, segundo observa
Houghton, as descobertas de diamantes fizeram da Griqualândia, outrora uma
terra de ninguém, esquecida, onde viviam algumas centenas de Griqua sob a
autoridade de seu chefe Waterboer”, repentinamente, um “dos focos de atração
mundial”
97
. A descoberta de jazidas auríferas trouxe as mesmas consequências
para o Transvaal e para as regiões situadas ao sul do Limpopo.
Igualmente revolucionário foi o impacto das indústrias de extração mineral
no domínio da infra estrutura. Dadas as enormes distâncias que separavam as
zonas de povoamento e as cidades – Johannesburgo está a 1540 km do Cabo – e
a dispersão da população, até então havia -se descartado a ideia da construção
de ferrovias, pois a operação não seria rentável. A descoberta de ouro e de dia-
96 CURTIN, FEIERMAN, VANSINA, 1978, p. 500.
97 HOUGHTON, apud WILSON, M. e THOMPSON (orgs.), 1971, p. 11.
476
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Operários negros em uma mina na África do Sul. (Foto: Keystone Press Agency.)
477
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
mantes, contudo, tornou a instalação de uma rede ferroviária e rodoviária não
necessária, mas também viável. Não causou surpresa, pois, que a construção
de ferrovias começasse na década de 1870 a partir de vários pontos Cidade do
Cabo, Port Elizabeth, East London e Burban –, todas dirigidas em primeiro
lugar aos campos diamantíferos e, depois de 1886, ao Transvaal. A extensão das
linhas aumentou de 110 km em 1869 para 1700 km em 1889, 3300 km em
1899 e 4190 km em 1905
98
(ver fig. 16.7). A malha rodoviária teve evolução
paralela: no fim da Primeira Guerra Mundial, o país possuía 75 mil km de
estradas provinciais e muitos quilômetros mais de caminhos que serviam às
explorações agrícolas.
A descoberta de ouro e de diamantes teve ainda importante consequência
no que se refere à mão de obra e ao regime de propriedade rural, consequências
que, por sua vez, acarretaram uma urbanização crescente. A procura de mão de
obra para as minas era praticamente incessante. Para satisfazer à demanda e,
ao mesmo tempo, reforçar a posição dos brancos, sobretudo a dos afrikaners,
várias leis foram votadas, principalmente nas décadas de 1910 e 1920, no sentido
de compelir os africanos a deixarem a terra natal para ir trabalhar nos centros
mineiros e industriais. Entre esses documentos figuram o Natives’ Land Act de
1913, o Mines and Works Act de 1911, emendado em 1926, o Apprenticeship
Act de 1922, o Natives (Urban Areas) Act de 1923, o Native Administration
Act de 1927 e, finalmente, o Native Service Contract Act de 1932. A mais
tristemente célebre de todas essas leis, o Natives’ Land Act, reservava 88% das
terras ao uso exclusivo dos brancos, que, no entanto, representavam apenas 20%
da população
99
. Nos 12% restantes, a lei criava uma série de “reservas indígenas”
para os africanos. Ademais, abolia o squatting e o sistema de meação, que per-
mitia aos africanos cultivar parte das terras de um branco, pagando a metade do
que fosse colhido. Finalmente, por determinação desta lei, fora das reservas, os
africanos não podiam comprar terras senão de outros africanos, exceto na pro-
víncia do Cabo e, salvo dispensa especial do governador -geral, no Transvaal e no
Estado Livre de Orange. O documento, que minava as próprias bases da socie-
dade africana, obrigou milhares de agricultores e de criadores independentes a
deixarem sua terra natal, suas terras e fazendas aos brancos, transformando -os,
para citar as palavras de Leo Kuper, em “um proletariado sem terras e explorável”
– a pior forma de dependência econômica. Pôs igualmente em vigor o princípio
98 Ibid., p. 20.
99 CURTIN, FEIERMAN, THOMPSON, VANSINA, 1978, p. 505; FIELDHOUSE, 1981, p. 75;
WILSON, F. e KUPER, apud WILSON, M. e THOMPSON (orgs.), 1971, p. 126 -36 e 440.
478
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Extensão da rede ferroviária da República da África do Sul, entre 1900 e 1953. (Fonte: Cole,
1961.)
479
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
da segregação territorial na África do Sul. Foi aplicado sem alterações até 1936
e, desde 1931, pelo menos 6 milhões de africanos estavam concentrados nas
reservas, que não cobriam ao todo senão uns 88 mil km², enquanto 1,8 milhão
de europeus ocupavam uma superfície de aproximadamente 1140 mil km²
100
.
Tanto o Mines and Works Act de 1911, com a emenda de 1926, como o
Apprenticeship Act de 1922 excluíam igualmente os africanos de muitas ocupa-
ções qualificadas e impunham escalas de salários diferentes para a mão de obra
qualificada (em grande parte branca) e a não qualificada (em grande parte afri-
cana, indiana e mestiça). Em 1935, um mineiro branco ganhava um salário onze
vezes superior, em média, ao de um mineiro africano
101
. As demais leis Natives
(Urban Areas) Act de 1923, o Native Administration Act de 1927 e o Native
Service Contract Act de 1932 regulamentavam o trânsito de pessoas, o local de
residência e o emprego dos africanos, no interesse dos trabalhadores brancos. O
Natives (Urban Areas) Act de 1923, por exemplo, tornava obrigatória a segrega-
ção no tocante ao alojamento, a fim de restringir a mistura indesejável”, ao passo
que a Civilised Labour Policy, adotada em 1924, intensificava a segregação na
indústria, impondo a substituição dos operários de cor por brancos pobres
102
.
Finalmente, o Native Labour Regulation Act considerava delito a ruptura dos
contratos de trabalho pelos operários africanos empregados nas minas e usinas.
O conjunto dessas medidas provocou o afluxo dos africanos para os novos
centros mineiros e industriais, obrigando -os a trabalhar como assalariados nas
explorações europeias. Durante o período considerado, o número de mineiros
aumentou espetacularmente. De 163 mil em 1906 (18 mil brancos, 94 mil afri-
canos e 51 mil chineses), passava para 291 mil (com 32 mil brancos) em 1918.
Em 1936, a África do Sul contava 300 mil mineiros africanos, dos quais mais
ou menos 40% provenientes das reservas indígenas do Transvaal e do Ciskei,
25% do Moçambique português e quase 15% da Basutolândia, Estes números
demonstram que, apesar daquelas leis, era imprescindível, dada a insuficiên-
cia da mão de obra disponível no país, mandar vir trabalhadores africanos de
Moçambique, da Basutolândia e até da Niassalândia e das duas Rodésias, bem
como, a partir de 1899, chineses contratados por prazo determinado
103
. Convém
notar que, em consequência dessas diversas leis, a maior parte dos trabalhadores
africanos não tinha contrato permanente, sendo no mais das vezes trabalhadores
100 FIELDHOUSE, 1981, p. 75.
101 CURTIN, FEIERMAN, THOMPSON, VANSINA, 1978, p. 502.
102 WELSH, apud WILSON, M. e THOMPSON (orgs.), 1971, p. 183 -4.
103 HOUGHTON, apud WILSON, M. e THOMPSON (orgs.), 1971, p. 15, 19 -20.
480
África sob dominação colonial, 1880-1935
migrantes ou sazonais, obrigados a se deslocar constantemente entre os territó-
rios brancos e as “reservas indígenas”.
A expansão das indústrias extrativas experimentou, além disso, como corolá-
rio, forte surto de urbanização. A migração de trabalhadores para as novas zonas
mineiras e industriais trouxe consigo o rápido desenvolvimento de algumas
cidades e o aparecimento de aglomerados inteiramente novos. Foi assim que
Kimberley, que não existia em 1866, contava 18 mil habitantes em 1877 e que,
em 1900, a antiga aldeola de Johannesburgo tornara -se uma grande cidade de
166 mil habitantes
104
. Outras cidades, como a do Cabo e Port Elizabeth, viram
a sua população proliferar rapidamente durante o mesmo período. A proporção
de brancos que viviam nas cidades passou de 35,8% em 1890 -1891 para 65,2%
em 1926, e a dos africanos de 13% em 1904 para 17,3% somente em 1936
105
.
Dois outros setores da economia sul -africana experimentaram uma fantás-
tica expansão, graças em parte ao desenvolvimento da indústria de mineração:
a agricultura e o setor manufatureiro. O forte crescimento demográfico e o
surgimento das novas populações urbanas provocaram o nascimento de novos
mercados tanto para os gêneros agrícolas como para os produtos manufatura-
dos. Esses mercados viveram nova expansão após a Primeira Guerra Mundial,
quando a União Sul -Africana recebeu o Sudoeste Africano sob mandato. A
nova infra estrutura de estradas e de ferrovias facilitava o transporte dos produ-
tos, e os fazendeiros aproveitaram essa oportunidade, assim como a do Land
Act de 1913. Entre 1927 e 1937, o governo tomou algumas medidas (instau-
ração de barreiras alfandegárias, criação de vários serviços de comercialização,
ampliação dos serviços bancários), a fim de ajudar os fazendeiros brancos à custa
dos concorrentes negros. Dessa forma, os produtores brancos conseguiram uma
produção suficiente não só para abastecer o mercado interno, mas também para
exportar milho de 1907 em diante, carne e ovos depois da Primeira Guerra
Mundial, açúcar e laticínios do final da década de 1920 em diante
106
. Nessa
época, os africanos estavam praticamente excluídos da agricultura comercial
e encontravam -se reduzidos à condição de simples assalariados. Os salários ou
permaneciam estagnados ou aumentavam muito lentamente, o que agravava
ainda mais a situação. Entre 1914 e 1934, o salário mensal médio de um operá-
rio agrícola africano casado passou de 6 a 10 xelins para apenas 8 a 12 xelins
107
.
104 WILSON, F., apud WILSON, M. e THOMPSON (orgs.), 1971, p. 113-4.
105 WELSH, apud WILSON, M. e THOMPSON (orgs.), 1971, p. 173.
106 WILSON, F., apud WILSON, M. e THOMPSON (orgs.), 1971, p. 132 -6.
107 WELSH, apud WILSON, M. e THOMPSON (or gs.), 1971, p. 158.
481
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
Acrescentemos que o salário mensal médio de um operário agrícola branco,
que trabalhasse na província do Cabo, era de 2 libras, 18 xelins e um penny em
1866, e passou a 19 libras, 7 xelins e 7 pence em 1952, ao passo que o de um
trabalhador rural “de cor passava, na mesma época, de 12 xelins e 10 pence para
2 libras, 7 xelins e 10 pence apenas
108
. Assim, durante o período aqui estudado,
o hiato entre brancos e negros não cessou de aumentar, com a depauperação
crescente do nível de vida destes últimos.
O setor manufatureiro sofreu transformações ainda mais radicais, fenômeno
tanto mais interessante na medida em que quase não se manifestou, como
vimos, a não ser na África do Sul. Como observava Monica Cole, as novas con-
dições políticas surgidas após a guerra dos bôeres favoreceram o desenvolvimento
industrial, e a unificação das quatro províncias, sobrevinda em 1910, suscitou
uma onda de sentimento nacionalista, que se exprimia no desejo de desenvol-
vimento industrial e de maior auto ssuficiência
109
. Os brancos entregaram -se,
portanto, à obra e, de 1912 em diante, haviam implantado certo número de
indústrias: conservas de frutas, confeitaria, cervejarias, fábricas de sabão e de
velas, pequenas indústrias mecânicas (que produziam moinhos de vento, bombas
e sondas para a abertura de poços, portões e fechos), fábricas de botas, calçados
e roupas
110
. O governo estimulou particularmente este setor durante a Primeira
Guerra Mundial, no intuito de diversificar a economia do país, para que se tor-
nasse menos dependente da indústria de mineração e proporcionasse emprego
aos brancos pobres”. Com essa finalidade, não instituiu barreiras alfande-
gárias em 1924, mas também criou a Board of Trade and Industries em 1924,
a Electricity Supply Commission em 1923 e a South African Iron and Steel
Corporation em 1928. A quantidade de empregos proporcionada pelo setor
atesta o êxito destes esforços. Em 1918, o setor manufatureiro dava emprego a
124 mil pessoas (das quais, 44 mil brancos) e, em 1928, a 141 mil. Experimentou
crescimento ainda mais acelerado após a Depressão da década de 1920 e início
dos anos 1930. Em 1939, a produção (produtos alimentícios, bebidas, tabaco,
têxteis e vestuário, couro e calçado, produtos químicos, metais e construções
mecânicas) atingia aproximadamente 75 milhões de libras esterlinas, o que fazia
do setor a principal fonte de renda nacional, depois do setor mineiro
111
.
108 Ibid.
109 COLE, 1961, p. 396.
110 Ibid.
111 Ibid.
482
África sob dominação colonial, 1880-1935
O que ficou aqui registrado demonstra à evidência que, ao contrário da
maior parte das colônias, a África do Sul passou por uma verdadeira revolu-
ção econômica no decorrer do período 1880 -1935. De 217 milhões de libras
em 1932, o produto nacional bruto passou para 320 milhões em 1937. Com
o desenvolvimento dos setores mineiro, manufatureiro e agrícola, a economia
sul -africana atingiu igualmente, ao contrário da economia da maior parte dos
outros países da África, alto nível de diversificação. Em 1932, as indústrias de
extração, o setor manufatureiro, a indústria de construção e as estradas de ferro
empregavam 555 mil pessoas, das quais a maioria era indianos e africanos
112
.
Esse desenvolvimento espetacular tem necessariamente relação com a desco-
berta de ouro e de diamantes e, em parte, com o fato de, no período considerado,
os britânicos terem deixado que os brancos da África do Sul fossem donos do
seu destino. Mas todo este desenvolvimento fenomenal foi conseguido à custa
dos povos não brancos da África, especialmente os africanos e as populações
de cor”. Efetivamente, como notava na época a Native Economic Commission,
instaurada em 1932, se o fenômeno dos “brancos pobres” tinha, então, desapa-
recido inteiramente, a situação das populações “de cor”, em compensação, havia
passado por completa degradação. A superpopulação e a pobreza reinantes
nas reservas haviam provocado migrações em massa para os centros urbanos e
mineiros, onde os africanos ganhavam baixíssimos salários e viviam confinados
em favelas e guetos. Pior, não estavam autorizados a ali se instalar definitiva-
mente com a família, de forma que, condenados a constantes idas e vindas entre
a cidade e o mato, tornaram -se, em sua maioria, migrantes temporários, homens
de dois mundos”, que, para citar Houghton, “eles estavam presos por laços
estreitos e indissolúveis ao mesmo tempo à sociedade rural de onde provinham
e ao mundo industrial moderno
113
: Deslocados, desapossados de suas terras, mal
pagos, vítimas da discriminação, os negros da África do Sul sofreram econômica
e socialmente, no período que estudamos, bem mais do que todos aqueles das
outras regiões da África.
Conclusão
Aproximadamente em meados da década de 1930, o colonialismo britâ-
nico havia consolidado sua posição, integrando a economia da África tropi-
112 HOUGHTON, apud WILSON, M. e THOMPSON (orgs.), 1971, p. 35.
113 Ibid.
483
A economia colonial: as antigas zonas britânicas
cal à economia capitalista mundial. As possessões da coroa continuavam a ser
importantes fontes de produtos primários, e o setor industrial era praticamente
inexistente. Como participantes do setor comercial, os operários e camponeses
africanos passaram por algumas das suas piores dificuldades econômicas, aliás
como o resto do mundo, entre 1929 e 1935. Nem o operário nem o camponês
local foram beneficiados pelo sistema de relações econômicas coloniais, mas o
assalariado africano era quem sofria a pior das explorações. A apropriação do
excedente pelo capital internacional demonstra o estado de atraso e de pobreza
geral reinante nas possessões britânicas em meados da década de 1930. A admi-
nistração colonial tentava, às vezes febrilmente, deter a rápida degradação dos
solos aráveis, especialmente nas reservas indígenas”, onde a densidade demográ-
fica ameaçava destruir a fertilidade das terras, restringindo a agricultura africana.
Mas a exploração dos diferentes recursos do território pelos europeus não foi
em parte alguma objeto de restrição. Ninguém sugeriu, por exemplo, que não
se devia explorar os minerais porque eles constituíam recursos não renováveis
114
.
As minas, geralmente consideradas como um setor moderno,marginalmente
contribuíram para a vida industrial. De fato, as minas viviam no setor rural
pagando salários de fome. As características econômicas que se estabeleceram
durante esse período, em muitos casos, sobreviveram à descolonização.
114 BALDWIN, 1966, p. 160.
C A P Í T U L O 1 7
485
Economia colonial: a África do norte
A evolução da economia da África do norte no primeiro quartel do século
XX não obedeceu sempre ao mesmo ritmo nem cumpriu as mesmas etapas em
cada um dos países que constituem esse conjunto geográfico (Tunísia, Argélia,
Marrocos, Líbia, Egito e Sudão), uma vez que a colonização neles não se efeti-
vou ao mesmo tempo (ver figura 17.1).
Parte I: A economia da Tunísia, da
Argélia e do Marrocos, 1919 ‑1935
Ahmed Kassab
A economia desde o m da Primeira Guerra
Mundial até a crise econômica de 1929
Em 1919, os franceses vinham colonizando a Argélia havia 89 anos, a Tunísia
havia 38 e o Marrocos havia não mais que sete anos. Verifica -se, no entanto, que,
depois da Primeira Guerra Mundial, as instituições políticas, administrativas,
econômicas e financeiras introduzidas pelas autoridades francesas estavam
firmemente implantadas e que o processo de desapropriação dos fāllahīn e dre-
nagem das riquezas em benefício da metrópole, apenas iniciado no Marrocos,
já estava bastante adiantado na Argélia e na Tunísia. A guerra não fizera senão
moderar o curso do processo. Com o fim das hostilidades, retomou um ritmo
célere.
Economia colonial:
a África do norte
Ahmed Kassab, Ali A. Abdussalam e Fathi S. Abusedra
486
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Desenvolvimento econômico durante o período colonial no noroeste da África. (Fonte: Fage, 1978.)
487
Economia colonial: a África do norte
O desmembramento da sociedade rural pela colonização agrícola
Na Argélia, a extensão da propriedade agrícola colonial resultava funda-
mentalmente da política constante de “colonização oficial”: as terras tomadas
às populações autóctones eram loteadas pelos poderes públicos e atribuídas a
colonos europeus, os quais obtinham todas as facilidades para se estabelecer
(crédito, utensílios, habitação etc.). Com verbas públicas eram criados centros
de colonização, onde se instalavam serviços indispensáveis como lojas, escolas,
hospitais etc.
Depois da guerra, a colonização oficial esmoreceu (apenas 70 mil hectares
de terras estatais foram loteados entre 1921 e 1931), assumindo o seu papel a
colonização privada. Após um curto período de retardamento (1918 -1920), o
ritmo da expansão recomeçou mais acelerado do que nunca, apesar do aumento
do preço da terra. Deveu -se isso à legislação agrária de 4 de agosto de 1926,
que simplificou o procedimento da inquirição em terras arsh, substituindo as
inquirições propriedade a propriedade por inquirições coletivas: graças a essa lei,
milhares e milhares de hectares de terras coletivas ‘arsh foram adquiridos pelos
colonos. Em 1930, as 25795 propriedades coloniais da Argélia somavam uma
superfície total de 2334 mil hectares
1
. Localizavam -se principalmente no Tell,
a zona mais úmida e mais fértil: planícies de Oran, Sīdī Abūl-Abbās, Mu’askar,
Mitidja, Skikda e Annāba e os planaltos de Constantine, Satīf, Guelma etc. (ver
figura 17.2).
Essas fazendas apresentavam grande extensão antes da grande crise eco-
nômica. Sua superfície média era de 90 hectares. A grande propriedade com
mais de 100 hectares, que constituía somente 20,6% da totalidade das fazendas
europeias, abrangia 73,4% da superfície total das terras possuídas pelos colonos.
“O aumento da grande propriedade, sobretudo do latifúndio, constitui o traço
marcante da agricultura europeia nos anos 1920 -1930
2
.”
Na Tunísia, o processo de desapropriação dos fāllahīn desencadeou -se ime-
diatamente, com o estabelecimento do protetorado, em 1881. A colonização
pelo capital” (1881 -1882), que permitira a grandes empresas capitalistas (Com-
pagnie des Batignolles, Société Marseillaise de Crédit, Socié Fonciere de
Tunisie etc.) ambarcar perto de 430 mil hectares de terras, foi imitada pela
colonização oficial” sistematicamente organizada pelas autoridades do prote-
1 AGERON, 1979.
2 Ibid., p. 484.
488
África sob dominação colonial, 1880-1935
torado, inquietas com o perigo italiano
3
. A colonização oficial” tinha como
objetivo incrementar o povoamento francês na Tunísia e desenvolver a “coloni-
zação pelos franceses”. Somas consideráveis foram destinadas a esse fim. Além
das medidas legislativas que favoreciam a transferência de terras ocupadas pelos
tunisianos para os franceses – decreto de 13 de novembro de 1898, obrigando a
administração dos habūs a colocar à disposição do Estado um mínimo de 2 mil
hectares de terras a cada ano; decreto de 22 de julho de 1903, passando para
domínio público as regiões montanhosas etc. –, as autoridades do protetorado
forneceram aos colonos importantes meios de financiamento: subvenções aos
organismos europeus de crédito agrícola, às cooperativas e associações agrícolas
coloniais, crédito para instalação sem juros, reembolsável em 20 prestações anu-
ais, a quem recebia lotes para colonização. Ao mesmo tempo, à custa do Estado
os poderes públicos desenvolviam a rede de estradas e de ferrovias nas regiões
de forte implantação colonial, criavam aldeias de colonização, melhoravam o
abastecimento de água e a rede de esgotos das regiões rurais habitadas pelos
colonos. Ao todo, as propriedades coloniais na Tunísia somavam, em 1931,
aproximadamente 700 mil hectares de terras, grande parte das quais, como na
Argélia, situada nas regiões mais úmidas e férteis do país: no TeU, havia quase
400 mil hectares de terras coloniais, ao passo que na região central e no sul havia
apenas 300 mil hectares. Esses números abrangem as propriedades dos franceses
e as dos italianos (43600 hectares) (ver figura 17.3).
As propriedades italianas caracterizavam -se pela pequena extensão (menos
de 10 hectares). Os colonos de origem siciliana ou calabresa eram, normalmente,
viticultores, hortelãos e fruticultores fixados na região de Túnis e de Bizerta, no
litoral da península de Cap Bon. As propriedades coloniais francesas, em con-
trapartida, apresentavam extensão média bem superior: na região de Abū Sālim,
na média Medjerda, por exemplo, 80% das propriedades francesas tinham mais
de 500 hectares
4
.
No Marrocos, a colonização agrícola começou sem dúvida mais tarde do que
na Argélia e na Tunísia, embora aproveitando -se das experiências argelina e
tunisiana. O progresso data de 1918, e tornou -se muito rápido de 1923 a 1930.
A administração do protetorado, que pretendia criar um denso povoamento
europeu em todo o império xerifiano, tratou de organizar metodicamente a
colonização oficial. Pôs então à disposição dos colonos, 60% dos quais vindos
da Argélia, terras estatais transferidas sob a forma de lotes de colonização de
3 Em 1911, a população italiana contava 86 mil pessoas, contra 46 mil franceses.
4 KASSAB, 1979.
489
Economia colonial: a África do norte
diferentes dimensões, bem como as terras coletivas. Essas terras não foram,
como ocorreu na Argélia, concedidas gratuitamente, mas vendidas a preço baixo
como na Tunísia, com a obrigação de o colono desenvolvê -las e nelas residir.
Eram oferecidos: grandes facilidades de pagamento e ilimitada concessão de
créditos para instalação e compra de implementos, subsídios ao desmatamento,
à mecanização, ao plantio etc., isenção de direitos aduaneiros sobre a importa-
ção de implementos agrícolas, adiantamentos feitos às associações mútuas de
agricultura etc.
A colonização privada conseguiu, no mesmo período (1922 -1932), apro-
priar-se de mais de 350 mil hectares
5
. A maior parte das terras coloniais per-
tencia a franceses; pequena parcela era explorada por espanhóis, belgas, suíços e
italianos. Estavam essencialmente localizadas nas planícies do Marrocos atlân-
tico (Shāwiya, Dukkāla e Abda), do Saīs, do Marrocos oriental (planície de
Trīffa). As propriedades de 100 a 500 hectares representavam 50% da totalidade
das fazendas europeias.
Características da colonização agrícola
Apesar dos consideráveis esforços dos poderes públicos para incrementar o
povoamento rural francês, a colonização oficial não chegou a estabelecer um
número importante de colonos franceses nos campos do Maghreb. Excluindo os
pequenos viticultores e fruticultores italianos na Tunísia, espanhóis no Mar-
rocos –, os colonos europeus não formavam verdadeiramente um campesinato
tal como o existente então na França. Tratava -se principalmente de grandes
fazendeiros, possuidores de vastas extensões de terra, implementos agrícolas
bastante diversificados e instalações agrícolas muitas vezes imponentes. Manti-
nham estreitos laços com os bancos e diversos organismos de crédito agrícola,
com os institutos de pesquisa e os múltiplos serviços administrativos que direta
ou indiretamente se ocupavam da colonização.
Praticavam uma agricultura essencialmente especulativa, voltada para expor-
tar a produção mais do que para abastecer o mercado interno. A maioria dos
colonos estava especializada em uma única cultura: vinha, cereais, oliveiras (na
Tunísia). Na área de Oran (Argélia), a economia agrícola colonial era centrada
quase exclusivamente na vinha; os planaltos de Constantine e as planícies do
Tell tunisiano eram o reino da monocultura cerealífera.
5 Em 1932, a colonização ocial tinha se apropriado de 202 mil hectares.
490
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Vinhedos europeus na Argélia, por volta de 1930. (Fonte: Encyclopédie de l’Empire Français L’Algérie, Laboratoire de Cartographie de la
Faculté des Lettres et des Sciences Humaines de Tunis, 1946.)
491
Economia colonial: a África do norte
Esta especialização aplicada a fazendas de várias centenas de hectares permi-
tia uma certa racionalização dos trabalhos agrícolas e o emprego sistemático de
modernos implementos agrícolas. Foi depois da Primeira Guerra Mundial que
o trator – de lagartas e de rodas – apareceu nos campos da África do norte. Seu
emprego generalizou -se pouco a pouco, simultaneamente ao dos equipamen-
tos de tração (arados de relha e de disco, polidiscos, cultivadores, semeadores
mecânicos em linha etc.). Depois das segadoras -enfardadeiras, as colheitadeiras
combinadas também se disseminaram, possibilitando enorme economia de mão
de obra agrícola. Os novos implementos permitiram igualmente a aplicação
das técnicas do dry farming às terras de cultura de cereais, situados nas franjas
semiáridas do Tell, e para expandir a cultura do trigo, especialmente do trigo
mole.
Paralelamente, esforço considerável foi desenvolvido no domínio da pesquisa
agronômica, que era realizada nos institutos de pesquisa de Túnis, Argel, Rabat
 . A implantação da colonização agrícola na Tunísia, em 1921. (Fonte: J. Poncet, Laboratoire de
Cartographie de la Faculté des Lettres et des Sciences Humanies de Tunis, 1952.)
492
África sob dominação colonial, 1880-1935
etc. e que possibilitava aos colonos dispor de novas variedades de cereais, árvores
frutíferas, tabaco e outras culturas, adaptadas aos solos e aos climas do Maghreb.
Essa agricultura de técnicas sofisticadas atingia não raro elevado nível de
produtividade. Em todos os setores os rendimentos cresceram ininterrupta-
mente entre 1919 e 1929; na Tunísia, a produção de vinho conheceu um surto
prodigioso entre 1920 e 1925, passando de 498148 para 918853 hectolitros. Na
Argélia, a produção de vinho anual média, que era de 6853 mil hectolitros no
período 1916 -1920, elevou -se para 18371 mil hectolitros nos anos 1931 -1935
6
.
Também a produção de trigo teve um aumento espetacular. Cultura europeia
por excelência, desenvolveu -se extraordinariamente não no que se refere às
superfícies cultivadas, mas também em termos da quantidade produzida por ano.
De 68285 quintais em 1920, a produção colonial de trigo no Marrocos atingiu
1 884 mil quintais em 1935. Em áreas superiores (222815 hectares), os fāllan
obtinham apenas 1316 mil quintais.
Os mercados locais o tinham capacidade para absorver as crescentes
quantidades de produtos agrícolas: no caso do vinho, sendo muçulmana a
imensa maioria da populão, a produção tinha de ser quase totalmente expor-
tada. A prodão de frutas era igualmente exuberante, sobretudo em anos
chuvosos.
Essa agricultura extremamente mecanizada exigia pesados investimentos. E
apelava sempre para o crédito. Entre 1919 e 1930 a maioria dos colonos esteve
pesadamente endividada, não para aumentar as suas explorações, mas também
para adquirir novas máquinas agrícolas.
O setor agrícola
A sociedade após a Primeira Guerra Mundial
Depois da Primeira Guerra Mundial, a maior parte (mais de 80%) da popula-
ção do Maghreb vivia nas zonas rurais do trabalho da terra. O regime de proprie-
dade fundiária compreendia, em linhas gerais, as terras melk (propriedade privada),
as terras coletivas ou comunais (arsh) e, na Tunísia e no Marrocos, as terras habūs
(bens de mão -morta). A importância relativa de cada categoria variava segundo as
regiões: as terras melk, por exemplo, predominavam nas regiões de vida sedentária,
em torno das cidades, nas planícies úmidas do Tell ou do Sais no Marrocos;
as terras arsh estendiam -se principalmente pelas montanhas de pastoreio por
6 AGERON, 1979, p. 487.
493
Economia colonial: a África do norte
exemplo, entre os Zaer, que praticavam o pastoreio de transumância e regiões
semi áridas (planaltos da Argélia e do Marrocos, altas e baixas estepes tunisia-
nas), onde o modo de vida esassentado na criação (ovinos, caprinos, camelos
e equinos).
Nas terras melk, existia toda uma hierarquia de proprietários, cuja cúpula era
constituída por uma minoria de latifundiários que concentrava em mãos parte
importante das terras de cultura e pastoreio. Esses grandes proprietários eram
particularmente numerosos no Marrocos. Na Argélia igualmente, apesar da
grande extensão das terras coloniais, a grande propriedade muçulmana ocupava,
depois da Primeira Guerra Mundial, superfícies nem um pouco desprezíveis,
embora longe de equiparar -se à dos latifundiários marroquinos.
As grandes propriedades situavam -se principalmente nos arrondissements de Mos-
taganem, Medea e Constantine. Neste último, foram recenseados 834 proprietários
com mais de 100 hectares em 1914 e 1463 com uma média de 185,4 hectares em
1930. Nessa mesma data, a média era 263,7 hectares no arrondissement de Mosta-
ganem e 367,3 hectares no de Medea [...]. Finalmente, para o conjunto da Argélia,
a estatística de 1930 dava 7035 proprietários, isto é, 1,1% detinha 21 % das áreas
muçulmanas
7
.
Na Tunísia, havia uma aristocracia rural residente em Túnis, cujas terras
se estendiam principalmente pelo Tell cerealífero (região de Bedja, Mateur e
Kef). O modo de exploração dessas terras era o arrendamento por um quinto,
o khammāsāt, praticado em toda a África do norte, sistema que não propiciava
a evolução das técnicas e dos métodos de cultivo. Os proprietários “médios” ou
abastados” não eram uma categoria negligenciável: diz -se que representavam
22,6% dos proprietários argelinos e detinham 34,8% do total das áreas muçul-
manas em 1930
8
.
As pequenas propriedades eram inúmeras em torno das cidades, nas planícies
cerealíferas de solos férteis, como as do Sa’is no Marrocos e da média Medjerda
na Tunísia, nas montanhas de agricultores sedentários (Cabília, Rīf e Alto Atlas
ocidental), nos oásis.
A produção agrícola e a pecuária estavam sujeitas a flutuações drásticas,
devido à irregularidade das precipitações pluviais; as fomes, embora em regres-
são, ainda eram frequentes. Além disso, a usura ainda devastava os campos, e só
os grandes fazendeiros tinham acesso aos organismos de crédito criados pelos
7 Ibid., p. 59.
8 Ibid.
494
África sob dominação colonial, 1880-1935
europeus. No entanto, na Tunísia (1907) e mais tarde no Marrocos (1927)
foram criadas Sociétés Indigènes de Prévoyance, organismos cujo principal papel
era emprestar sementes
9
aos pequenos fāllahīn. O auxílio financeiro concedido
pelas autoridades coloniais aos colonos era incomparavelmente mais importante.
Entre 1917 e 1929 -1930, por exemplo, os fāllahīn marroquinos
10
conseguiram,
por intermédio das Sociétés Indigènes de Prévoyance, créditos de curto prazo que
se elevavam a 19 milhões de francos marroquinos; em contrapartida, somente
os empréstimos de longo prazo concedidos pela Cais se des Prêts Immobiliers
(constituída em 1920) aos colonos (aproximadamente 4 mil) atingiram, entre
1925 e 1930, 140 milhões de francos
11
.
As transformações da sociedade rural sob o efeito da colonização
Com a colonizão, a sociedade rural do Maghreb, seja como for, evoluiu
sensivelmente. Por um lado, os grandes fazendeiros seguiram o exemplo dos
colonos e adotaram, com mais ou menos sorte, cnicas, métodos e até gêne-
ros por eles cultivados (vinhedos, trigo). Por outro lado, muitos camponeses
que trabalhavam em fazendas de colonos ou de grandes fazendeiros norte-
-africanos tornaram -se assalariados agrícolas, acabando por proletarizar -se.
Depois da Primeira Guerra Mundial, com a difusão das máquinas agrícolas,
as desigualdades sociais aumentaram consideravelmente. O uso do trator e dos
implementos agrícolas modernos deu aos colonos e aos grandes fazendeiros
autóctones uma inextinguível fome de terra. Para tornar rentável o moderno
equipamento, fosse alugado ou próprio, tinham de aumentar incessantemente
a produção e, consequentemente, a extensão da área explorada. Ora, esgota-
das as terras estatais, essa expansão podia prosseguir à custa dos pequenos
e dios agricultores muçulmanos, que iam, eno, sendo gradativamente
afastados para os setores montanhosos ou seus contrafortes. Para expandir -se
também pelo espaço utilizado pelas comunidades pastoris das estepes e tomar
parte dele para colonizão, as autoridades coloniais tentaram por todos os
meios fixar os autóctones dessas regiões e transfor-los em cerealicultores
e fruticultores. Nas altas estepes tunisianas, por exemplo, “depois da Primeira
Guerra Mundial, a todo loteamento em favor dos colonos correspondia um
9 O crédito monetário, muito restrito, estava sujeito a condições tão severas (avalista, garantias sob a forma
de caução de terceiros, penhora da produção, hipotecas sobre títulos de propriedade etc.) que uma
minoria de agricultores “abastados” poderia obtê -lo.
10 A população rural estava estimada em 5450 mil pessoas em 1926 (87,9% do total da população).
11 R. HOFFHERR, 1932.
495
Economia colonial: a África do norte
loteamento destinado a fixar ao solo os habitantes da região; e, desde 1922,
lotes da mesma ordem, numerosos mas pequenos, foram distribuídos aos
ocupantes de algumas terras comunais ou habūs”
12
.
As consequências disso foram a expansão da colonização para áreas onde as
populações autóctones necessitavam de amplas pastagens para o gado e o desen-
cadeamento de um processo de sedentarização gerador de pobreza e êxodo.
O caráter colonial das novas formas de organização
do espaço tunisiano, argelino e marroquino
A exploração dos recursos minerais
O estabelecimento dos europeus nos três países da África do norte teve
como consequência não o domínio dos colonos sobre parte importante das
melhores terras desses países, mas também a exploração das riquezas do subsolo
em benefício de empresas estrangeiras.
Essas riquezas sofreram prospecção muito cedo e foram rapidamente explora-
das. Na Argélia, as primeiras minas foram abertas em 1845. Na Tunísia, as jazidas
de fosfato de Gafsa tinham sido descobertas em 1885 -1886 (apenas quatro
anos após o estabelecimento do protetorado) e exploradas a partir de 1899.
No Marrocos, o primeiro zahīr (decreto) sobre mineração dispunha sobre
a pesquisa e a exploração minerais, e datava de 1914: estabelecia o princípio
da mina ao primeiro ocupante”, que gerou muitos abusos; o zahīr de 1923,
que buscava pôr termo às manobras dos especuladores reformando a legislação
mineira, apenas retardou a exploração sistemática dos recursos minerais do país.
Com exclusão dos fosfatos de Kuribka, cuja exploração data de 1920, o Marro-
cos não exportava, ainda em 1928, senão aproximadamente 8 mil toneladas de
minerais. No entanto, as empresas de prospecção e os solicitantes de concessões
de mineração abatiam -se como praga de gafanhotos sobre o país: o número de
licenças de pesquisa emitidas entre 15 de setembro de 1938 e 1 de janeiro de
1939 elevou -se a 3500 e o de licenças de prospecção a 400.
A descoberta da jazida de carvão de Djerada, em 1928, provocou nova reforma
da legislação marroquina sobre mineração. Em 1928 era criado o Bureau de
Recherches et de Participations Minieres, especializado na pesquisa de com-
bustíveis sólidos e líquidos; logo depois, o zahīr de 1 de novembro de 1929
12 DESPOIS, 1961.
496
África sob dominação colonial, 1880-1935
simplificava a legislação anterior sobre mineração e salvaguardava os interesses
do Estado. Desde aí, a prospecção e a exploração das riquezas minerais ganha-
ram impulso. A bacia carbonífera de Djerāda, bem como as jazidas de ferro de
Khenīfra e manganês de Iminī, foram metodicamente reconhecidas e prospec-
tadas. A mina de chumbo de Awlī, na alta Mulūja, uma das mais importantes
da África do norte, entrou em fase de produção e foi rapidamente equipada. As
jazidas de manganês de Abu ‘Arafa, no sudoeste do Marrocos, foram ligadas a
Wudjda, por via férrea, em 1933; também as minas de cobalto de Abū Azīz,
chumbo e zinco de Mibladen, estanho de Wulmīs e molibdênio de Azzekūr, no
Alto Atlas, passaram a produzir. Em véspera da grande depressão, o Marrocos
parecia um dos países norte -africanos mais ricos em recursos minerais. Os fos-
fatos ocupavam a principal posição, quer em termos de tonelagem produzida,
quer de quantidade exportada. As exportações subiram de 8232 toneladas em
1921 para 1179 mil toneladas em 1930.
Na Arlia e na Tunísia, as jazidas de fosfatos (Kuwayf e Kafsa), minério de
ferro (BeSaf, Wenzā e Djarīsa), chumbo, zinco etc. produziam desde antes da
Primeira Guerra Mundial, e quase toda a produção era exportada para a França
e outros países da Europa ocidental. Toda essa riqueza mineral era inteiramente
explorada por companhias estrangeiras, as quais forneciam capital, técnicos, admi-
nistradores e assim por diante. A Société des Mines d’Aouli et Mibladen, por
exemplo, estava sob controle da Société Penarroya -Maroc, associada à Banque
de l’Union Parisienne -Mirabaud, bem como à Banque de Paris et des Pays -Bas,
à Kuhlmann e ao Bureau Minier de la France d’Outre -Mer. As minas de zinco
e chumbo de Tūwaysit eram de propriedade da Compagnie Royale Asturienne
des Mines (Bélgica); o grupo norte -americano Morgan era um dos mais impor-
tantes acionistas da mina de Zellīdja. Na Tunísia, as minas de ferro de Djarīsa
estavam sob controle da Compagnie Algérienne de Crédit et de Banque, repre-
sentante da Banque de l’Union Parisienne. Na Argélia, todas as riquezas mine-
rais encontravam -se igualmente em mãos de capitalistas estrangeiros, sobretudo
franceses, com expressiva participação dos bancos.
Vias de comunicação e portos
Para ligar as diversas jazidas minerais aos portos de exportação, foram cons-
truídas estradas de ferro na Argélia a partir de 1844 e desde os primeiros anos
do protetorado na Tunísia e no Marrocos. Em 1919, os principais elementos
da malha ferroviária argelina e tunisiana estavam instalados, interligando as
grandes cidades (na maioria cidades costeiras) e as jazidas minerais aos prin-
497
Economia colonial: a África do norte
cipais portos de exportação (Oran, Argel, Annaba, Túnis, Sfax, Sousse). No
Marrocos, o desenvolvimento das ferrovias foi mais lento devido à cláusula do
tratado franco -alemão de 4 de novembro de 1913, que interditava à França
a construção de qualquer estrada de ferro antes do estabelecimento da linha
Tangiers-Fez (ver figura 17.1). Somente em abril de 1923 é que a primeira
linha, a de Casablanca -Rabat, foi inaugurada. Diferentemente da maior parte
das linhas tunisianas e argelinas, a rede marroquina compreendia essencialmente
linhas de bitola normal (144m). Mas, a exemplo das redes dos outros países
do Maghreb, tinha caráter notoriamente colonial: as linhas principais ligando
cidades e portos à costa do Atlântico, e as linhas tronco servindo as jazidas de
minerais e as grandes cidades do interior (Fez, Meknes, Marrakech). O estabe-
lecimento e a exploração da rede ferroviária eram exclusivamente controlados
pelas companhias estrangeiras.
A malha rodoviária foi igualmente planejada para servir os grandes aglo-
merados urbanos, onde vivia a maior parte da população europeia, e as regiões
do interior em que estavam estabelecidas as fazendas dos colonos. A rede de
estradas da Argélia, por exemplo, situa -se predominantemente no Tell seten-
trional, região onde se concentravam as fazendas dos europeus e as maiores
cidades do país.
O mesmo acontecia com a infraestrutura portuária, essencialmente planejada
e desenvolvida para abrir os países do Maghreb à produção manufatureira da
França e do estrangeiro, bem como para exportar minerais e produtos agrícolas.
Em 1919, a infraestrutura portuária da Argélia e a da Tunísia haviam sido
construídas, mas a do Marrocos era ainda incipiente. o foi antes de 1917
que se concluíram os trabalhos do porto de Casablanca. O tráfego desse porto
experimentou uma progressão rápida e constante: de 400 mil toneladas em
1920, passou para 2220 mil toneladas (das quais, 1198 mil eram fosfatos) em
1927
13
. Concentrava mais de 80% do tráfego total dos portos marroquinos. O
tráfego de Kenitra (ex -Port Lyautey, o segundo do Marrocos) mal atingiu 191
mil toneladas em 1927.
A natureza do tráfego em todos os portos do Maghreb comprovava o caráter
colonial das trocas e as relações comerciais de desigualdade entre os três países
norte -africanos e a França.
13 Os portos, tal como as ferrovias, foram construídos mediante sucessivos empréstimos públicos lançados
pela administração marroquina e garantidos pelo governo francês (empréstimo de 1916 e empréstimo
de 1920, de 290 milhões de francos).
498
África sob dominação colonial, 1880-1935
Iniquidade do sistema aduaneiro e scal
O sistema aduaneiro
Sendo a Argélia uma colônia, as mercadorias argelinas e francesas entravam
reciprocamente livres de direitos em cada um desses territórios. De resto, as
mercadorias importadas de outros países para a França ou para a Argélia esta-
vam sujeitas à mesma tarifa; o monopólio do pavilhão reservava exclusivamente
à marinha francesa a navegação entre a Argélia e os portos franceses. Havia,
portanto, entre a França e a Argélia, uma verdadeira união aduaneira, “uma das
mais perfeitas que se encontram no mundo econômico
14
; era, no entanto, uma
união que condenava a Argélia a permanecer um país exportador de matérias-
-primas e produtos agrícolas e importador de produtos manufaturados.
O sistema aduaneiro da Tunísia, após a Primeira Guerra Mundial, era regido
pelas leis de 19 de julho de 1890 e 2 de maio de 1898. Esta última concedia
privilégios aos produtos manufaturados franceses, particularmente a máquinas,
produtos metalúrgicos, têxteis etc. Os similares estrangeiros não estavam, con-
tudo, sujeitos à tributação alfandegária, de modo que o mercado tunisiano vivia
inundado de manufaturados franceses e de outras procedências. Uma união
aduaneira parcial foi introduzida em 1928: os produtos agrícolas tunisianos isen-
tos de impostos deixaram de estar sujeitos a quotas, mas os produtos franceses
obtiveram não isenção completa como também proteção contra similares
estrangeiros. Dessa forma, os produtos franceses podiam concorrer com os dos
outros países industriais no mercado tunisiano e, às vezes, até eliminá -los, o
que encareceu os bens importados e paralisou os esforços de industrialização
da Tunísia.
As relações comerciais e aduaneiras entre o Marrocos e o estrangeiro eram
ainda mais iníquas e desiguais. O Ato de Algeciras (1906) estabelecia o princípio
da estrita igualdade econômica dos países signatários no mercado marroquino.
Fosse qual fosse a proveniência, a origem, a bandeira de transporte, as mercado-
rias que entrassem no Marrocos ficavam sujeitas a um direito de 10% ad valorem
e a uma taxa suplementar de 2,5% para a Caisse Spéciale des Travaux Publics.
Esse sistema “portas abertas” permitiu aos grandes países exportadores inundar
o Marrocos com seus produtos manufaturados ou agrícolas, sem a menor con-
trapartida, salvo talvez a vantagem de adquirir suprimentos aos melhores preços
durante a fase de equipamento (1920 -1930). Mas, desde o início da grande
14 BOUIS, 1946, v. 11, p. 56.
499
Economia colonial: a África do norte
depressão, o Marrocos sentiu os inconvenientes desse sistema, que constituía
“um entrave crescente à prosperidade marroquina, na medida em que a atividade
do país se orientava para um regime de economia completa, no qual as indústrias
nascentes reclamavam necessária proteção”
15
.
O Marrocos, então, teve de recorrer a um protecionismo indireto, que limi-
tava o acesso de certo número de produtos agrícolas estrangeiros. Foi assim que
o zahīr de 22 de fevereiro de 1921 submetia a regime de autorização a entrada
de trigo, cevada e seus derivados; o de 4 de junho de 1929 praticamente proibia
a entrada de cereais e farinhas estrangeiras, embora os manufaturados continu-
assem afluindo ao Marrocos nas mesmas condições do passado.
A natureza dos produtos exportados pelo Maghreb refletia perfeitamente as
características da economia da região e do sistema aduaneiro. As exportações
marroquinas entre 1920 e 1930, por exemplo, compreendiam essencialmente
fosfatos e cereais (ver figura 17.4). O desequilíbrio no gênero dos produtos
comprados e vendidos pelo Maghreb era responsável pelo déficit quase perma-
nente da balança comercial (o valor das importações superava de longe o das
exportações) nos três países (ver figs. 17.5 e 17.6). A título de exemplo, o valor
das importações tunisianas atingiu 1984 milhões de francos em 1929, enquanto
as exportações renderam apenas 1408 milhões de francos.
Enfim, o sistema aduaneiro estava em grande parte na origem da ruína do
artesanato rural e urbano.
15 HOFFHERR, 1932, p. 243.
 . Décit da balança comercial marroquina, de 1912 a 1938. (Fonte: Encyclopédie de l’Empire
Français, 1946.)
500
África sob dominação colonial, 1880-1935
F . Comércio global da Argélia, de 1915 a 1938. (Fonte: Encyclopédie de l’Empire Français, 1946.)
F . Parcela referente à França no comércio global da Argélia, de 1920 a 1938. (Fonte: Encyclopédie
de l’Empire Français, 1946.)
501
Economia colonial: a África do norte
O sistema scal
Um dos primeiros atos das autoridades francesas ao assumirem o controle
dos países do Maghreb foi a reorganização das finanças e do sistema fiscal des-
ses países. Estabeleceram uma Administração das Finanças cuja primeira tarefa
consistiu em elaborar o orçamento e controlar despesas. O rigor e a disciplina
orçamentários deveriam promover o equilíbrio entre despesas e receitas, o que
muitas vezes foi conseguido entre 1919 e 1930. Mas, sob o efeito da grande
depressão, as despesas superaram as receitas e, em 1939, o déficit do orçamento
tunisiano excedia 100 milhões de francos franceses.
As receitas provinham essencialmente dos direitos aduaneiros e dos impostos
sobre a propriedade rural, a produção agrícola (tartīb no Marrocos) e os bens
de consumo (impostos indiretos), em resumo, fundamentalmente da população
autóctone: Repartida sobre uma massa orgânica de contribuintes indígenas, a
carga [fiscal] sobre os autóctones se tornava frequentemente muito pesada”
16
.
Além disso, para adquirir equipamentos os três países da África do norte
tinham de contrair empréstimos em intervalos próximos. Em 1930, a Argélia
devia 2 bilhões de francos à França
17
, enquanto a dívida total do Marrocos
se elevava, em 1932, a 1691 milhões de francos
18
. O equipamento adquirido
mediante esses empréstimos devia beneficiar primeiro e acima de tudo os seto-
res modernos da economia, dominados pelas empresas europeias, mas foi com
dinheiro dos bolsos dos muçulmanos que a máxima parte deles foi resgatada.
Em 1931, o serviço da dívida pública do Marrocos absorvia mais de um terço
do orçamento do país.
Tunísia, Argélia e Marrocos durante a grande depressão
A crise e os grandes setores da economia norte ‑africana
A Depressão atingiu o Maghreb um pouco tarde.se fez sentir plenamente
a partir de 1932, mas se manifestou mais cedo no Marrocos do que na Tunísia
ou na Argélia
19
. Encontrava -se, então, o império xerifiano justamente na fase de
desenvolvimento de suas potencialidades econômicas.
16 Ibid., p. 292.
17 AGERON, 1979, p. 414.
18 R. HOFFHERR, 1932, p. 304.
19 BERQUE, 1970.
502
África sob dominação colonial, 1880-1935
Um dos primeiros setores da economia a ser alvejado pela Depressão foi
o setor agrícola colonial, extremamente dependente do crédito e dos merca-
dos externos, conforme vimos. A partir do momento em que os preços vie-
ram abaixo e as saídas externas fecharam -se ou rarefizeram -se, os fazendeiros
mecanizados e endividados já não foram capazes de honrar seus compromissos
para com os diversos organismos de crédito de que eram devedores. O mesmo
ocorreu com a produção mineira, que era inteiramente tributária dos mercados
estrangeiros, pois as matérias -primas de origem mineral praticamente não eram
transformadas ou utilizadas nos países que as produziam.
A economia autóctone também foi atingida pela crise, na medida em que
sua parcela nas exportações de produtos agrícolas viu -se colhida pela redução
das vendas e queda dos preços. O mesmo se diga do trabalho dos artífices, que
desempenhava papel importante na economia das grandes cidades marroquinas
(Fez, Meknès, Marrakech) e tunisianas (Túnis, Kayruwān e Sfax), cujos merca-
dos externos estavam praticamente encerrados.
Os efeitos da crise sobre a economia dos colonos
Agricultura
O primeiro setor agrícola europeu atingido pela Depressão foi justamente o
que mais dependia dos mercados externos, principalmente do mercado francês:
o setor vinícola, cujas exportações representavam na Argélia, por exemplo, 66%
do valor total das exportações em 1933. O preço médio de venda do hectolitro
de vinho, que chegava a 168 francos em 1927, caiu para 108 francos em 1931 e
para 54 francos em 1934. As más vendas e as fartas colheitas, particularmente a
de 1935, aumentaram enormemente os estoques de vinhos nas adegas argelinas
e tunisianas. Ora, a vinicultura, sobretudo na Argélia, era um dos alicerces da
economia dos colonos. Dela viviam, na Tunísia, 1 372 proprietários europeus.
“Quer dizer que a falência da vinicultura podia acarretar a falência de impor-
tante parcela da colônia rural francesa, a cuja implantação tantos cuidados foram
dedicados
20
.”
A Depressão alcançou igualmente a indústria do azeite, principalmente na
Tunísia, pois um terço de sua produção ia anualmente para a Itália e para a
França. Ora, a Itália concedeu subsídios aos seus oleicultores como estímulo
para que exportassem a preço baixo e como forma de proteger a sua produ-
20 PONCET, 1952, p. 300.
503
Economia colonial: a África do norte
ção oleícola; em 1932, impôs direitos aduaneiros proibitivos sobre os azeites
estrangeiros. Em 1935, suspendeu as importações da França e do império fran-
cês, como retaliação ao embargo adotado pela França, em razão das sanções
decididas pela Sociedade das Nações (5 de outubro de 1935), em consequência
da agressão italiana contra a Etiópia. A queda das exportações e dos preços
21
afetava, certamente, em primeiro lugar os produtores tunisianos, mas também
os plantadores europeus da região de Sfax, senhores de vastas possessões, cuja
produção de azeite destinava -se principalmente à exportação. A quantidade de
azeite exportada, que se elevava a 409800 quintais em 1930, caiu para menos
de 200 mil em 1936. “Foi outro verdadeiro desastre, que provocou a paralisação
das plantações europeias e marcou o fim da expansão da colonização francesa
na área de Sfax” (ver figura 17.7)
22
.
O terceiro elemento de especulão agrícola, essencial tanto para os fāllan
como para os colonos, era a cultura de cereais. Os colonos argelinos possuíam mais
de um milhão de hectares semeados de trigo em 1934; no Marrocos, aproximada-
mente 96% das terras exploradas pelos europeus eram ocupadas pela cerealicultura.
Mas os colonos cultivavam principalmente trigo mole, destinado aos moinhos fran-
ceses. Na Tunísia, por exemplo, a quase totalidade dos 160 mil hectares cultivados de
trigo mole pertencia aos franceses. Tamm neste setor a queda dos pros e a das
exportações andaram de par: o valor das exportões europeias de trigo tunisiano,
que era de 291408 mil francos em 1931, caiu para 60845 mil francos em 1934.
A crise no setor mineiro
A alta mundial verificada desde 1919 nos preços dos minerais deixou de ser
regular em 1927. A tendência à baixa nas exportações de minerais delineou -se
com clareza desde 1931. Os embarques de fosfato marroquino diminuíram de 1
779 mil toneladas, em 1930, para 900731 toneladas em 1931; os da Tunísia, que
chegavam a 3600 mil toneladas, atingiram o máximo de 1623 mil toneladas em
1932. Enquanto os preços de venda não cessavam de cair, os custos de produ-
ção aumentavam. Em 1932, uma tonelada de fosfato tunisiano tinha um custo
de produção de 65,77 francos no porto de embarque e era vendida por 53,77
francos
23
. O mesmo ocorria com outros minerais (chumbo, zinco, ferro).
21 O preço do azeite, que passou de mil francos o quintal no período 1925 -1928, caiu para 700 francos em
1930 e para 300 francos em 1933.
22 PONCET, 1952, p. 302.
23 Grande Conselho da Tunísia, XI Sessão (novembro -dezembro de 1932). Seção Francesa, Relatório por
Boissée, diretor da Câmara dos Interesses Mineiros, p. 29.
504
África sob dominação colonial, 1880-1935
A Depressão trouxe consigo o fechamento de grande quantidade de minas,
principalmente aquelas que eram marginais e dispersas.
A economia muçulmana abalada pela depressão
Dado que a imensa maioria da população do Maghreb vivia da agricultura, foi
no setor agrícola que se fizeram sentir mais dolorosamente os efeitos da crise.
Os principais produtos atingidos foram os cereais (em particular trigo e
cevada), a lã e o azeite, sobretudo na Tunísia. Todas as categorias de produtores,
tanto aquelas que estavam integradas aos circuitos internos e internacionais de
comercialização dos produtos agrícolas como os pequenos fāllahīn que prati-
cavam economia de subsistência, sofreram duramente os efeitos da crise. Para
o trigo duro tunisiano, por exemplo, embora entre 1928 e 1931 a queda dos
preços fosse de apenas 20% em relação às cotações de 1926, passaria para 45%
em 1932 e para 60% em 1935, no momento mais crítico da Depressão
24
. A
baixa dos preços da cevada atingiu, em 1935, nada menos de 75% das cotações
de 1926
25
. A lã, produzida e em grande parte comercializada por criadores de
todas as categorias, teve seu preço reduzido em mais de 60% no ano de 1935,
em comparação com 1926. A crise atingiu igualmente a produção artesanal,
significativamente diminuída por causa da importação de produtos manufatu-
rados. Por exemplo, a participação do artesanato nas exportações da Tunísia, que
era de 3% em 1920 -1925, caiu para 1,95% em 1930 -1935
26
.
Era normal, em tais condições, que nos três países do Maghreb se verificasse
uma queda constante do valor global do comércio exterior entre 1931 e 1936.
No caso da Tunísia, o montante desse comércio declinou, em 1936, aproxima-
damente 40% em relação ao de 1927 -1928. No Marrocos, caiu de 3780606
francos em 1929 para 1750518 francos em 1935. O comércio exterior da Argélia
também sofreu uma queda sensível, decaindo de 9983 mil francos em 1930 para
6702 mil francos em 1936.
Consequências sociais da depressão
As consequências sociais foram de extrema gravidade. Colonos e agricultores
norte -africanos endividados, na impossibilidade de honrar seus compromissos,
24 NOUSCHI, 1970.
25 EL -ANNABI, 1975.
26 KASSAB, 1976.
505
Economia colonial: a África do norte
 . Produção e exportação de azeite de oliveira tunisiano (milhares de toneladas), de 1931 a 1939.
(Fonte: Encyclopédie de l’Empire Français, 1946.)
foram à falência. Muitos dentre os que ainda não estavam endividados tiveram
de contrair empréstimos e hipotecar bens. Os pequenos e médios agricultores,
que não tinham acesso às instituições bancárias e aos organismos de crédito
agrícola, tiveram de ir aos agiotas das aldeias e das vilas para pagar as dívidas.
A crise acentuou consideravelmente as diferenças sociais, ao permitir que
financistas (muitas vezes agiotas), grandes comerciantes e ricos proprietários
de imóveis urbanos ou rurais aumentassem desmedidamente a sua fortuna.
Verificou -se forte concentração da propriedade e da lavoura em mãos de restrita
minoria de grandes proprietários de origem rural e, não raro, também de origem
urbana. Na Argélia,
essa crise mundial, assinalada pela baixa catastrófica dos preços dos cereais e dos
ovinos, pôs em dificuldade, por outro lado, os proprietários de 50 a 100 hectares
e incrementou o empobrecimento dos camponeses de pequenas parcelas de terra.
Assim, é compreensível que imensas áreas fossem a leilão e parte da terra viesse a
ser adquirida pela gente mais rica
27
.
A formação de enormes fazendas de colonos e de muçulmanos data da grande
Depressão. Com a crise da lavoura e as calamidades naturais, a seca e a fome torna-
ram-se comuns em rias partes da África do norte, especialmente nas regiões de
estepes. Um mero considerável de fāllan arruinados, famintos e perseguidos pelo
fisco afluiu para as cidades: foram conseqncias da grande Depressão a intensifica-
27 AGERON, 1979, p. 509.
506
África sob dominação colonial, 1880-1935
ção do êxodo rural e a formação ou o desenvolvimento de favelas
28
na periferia dos
centros urbanos. Nenhuma cidade relativamente importante escapou a esse fe-
meno, que durante e após a Segunda Guerra Mundial assumiu enormes propoões.
O marasmo econômico paralisou as obras, fechou as minas e as oficinas e
provocou desemprego em massa para a população urbana, artesãos e trabalha-
dores de todas as categorias profissionais. Desde 1932, 12% dos operários de
Argel estavam desempregados ... [em 1935] , 77% dos operários da construção
civil estavam sem trabalho, em Argel”
29
.
Soluções para a crise
Intervenção do poder público
Uma crise de tamanha propoão não podia deixar indiferente o poder
público. Em razão disso, o papel do Estado na organização dos vários setores
da atividade econômica aumentou consideravelmente. As principais medidas
tomadas pelas autoridades coloniais e pelo governo da França incidiram sobre o
setor agrícola, do qual vivia a maior parte da população do Maghreb e dependia
o futuro do povoamento europeu.
As medidas em auxílio da vinicultura, no caso particular da Tunísia, consis-
tiram em aumentar as quotas de vinho isentas de impostos destinadas à França.
A plantação de novos vinhedos foi proibida em todo o Maghreb, estimulando-se
a erradicação das vinhas com subsídios.
A cerealicultura beneficiou -se com as várias ações empreendidas pelo governo
para reerguer a atividade: formação de estoques de trigo duro e de trigo mole,
mediante subsídios ao armazenamento; fixação de um preço mínimo para ambos
os tipos de trigo; escalonamento da venda dos cereais estocados; certificados de
armazenamento com garantia do Estado, o que permitia aos agricultores obter
adiantamentos bancários de mais de dois terços do valor dos produtos; aplica-
ção aos três países do Maghreb das medidas adotadas na França para controle,
proteção e regulamentação do mercado de cereais.
Organismos paraestatais, (Office des Céréales, Office de l’Huile, Office du
Vin) foram criados para efetivar a aplicação dessas medidas, cada um no setor
competente.
28 Por exemplo, favelas de Ben Msīk em Casablanca, Melāsīn e Djabal al -Ahmar em Túnis, e outras.
29 AGERON, 1979, p. 43.
507
Economia colonial: a África do norte
Para dar fim às penhoras e arrestos contra colonos e fazendeiros insolven-
tes, foram instituídas a Caisse des Prêts de Consolidation (1932) na Argélia,
e a Caisse Fonciere (1932) e Caisse Tunisienne de Crédit et de Consolidation
(1934) na Tunísia. Moratórias de graça, reduções de dívidas e empréstimos hipo-
tecários puderam, então, ser concedidos a devedores ameaçados de expropriação.
A miséria das comunidades rurais e a efervescência nacionalista daí resul-
tante levaram as autoridades francesas a refletir sobre a sorte dos fellahin norte-
-africanos. De 1933 a 1935, foi introduzida, nos três países da África do norte,
uma política de campesinato.
Política de campesinato
Na Argélia, uma lei de 19 de julho de 1933 instituiu um Fonds Commun
des Sociétés Indigènes de Prévoyance, o qual permitia à administração deferir
apenas aos muçulmanos, por intermédio das Sociétés Indigènes de Prévoyance,
créditos e subvenções. Esse fundo devia contribuir também, tal como a Caisse
des Prêts Agricoles, para desendividar os fāllahīn, fornecendo -lhes emprésti-
mos de consolidação. Um serviço de “economia social” na Direction des Affai-
res Indigènes instituiu medidas para modernizar as técnicas de produção dos
fāllahīn: concedia empréstimos de longo prazo para o plantio de árvores, fazia
adiantamentos para a compra de fertilizantes, arados etc. Todas essas medidas,
porém, por mais úteis que fossem, não eram suficientes: os créditos abertos aos
agricultores dispersaram -se entre miríades de fāllahīn
30
”, e as medidas adotadas
para modernizar a agricultura muçulmana e cooptar os fāllahīn não foram leva-
das adiante com verdadeira perseverança.
Na Tunísia e no Marrooos, o Estado também procurou injetar crédito no
campo, resolver os problemas de posse da terra, diversificar os sistemas de pro-
dução agrícola dos fāllahīn. Mas a legislação não foi secundada por ações de
envergadura que buscassem desenvolver os meios de produção dos fāllahīn e dos
pastores, ou aumentar a parcela de terra dos mais pobres.
As novas tendências da agricultura e a persistência
do caráter colonial do sistema econômico
A crise econômica demonstrou claramente os riscos da monocultura, sis-
tema predominante especialmente entre os agricultores europeus. O governo
30 Ibid., p. 497.
508
África sob dominação colonial, 1880-1935
promoveu a diversificação das culturas, estimulando a expansão das lavouras
hortifrutícolas e ampliando a irrigação.
A suspensão das exportações de frutas da Espanha e da Itália para a França,
por causa da guerra civil espanhola, e a aplicação de sanções contra a Itália pela
Sociedade das Nações abriram de par em par as portas do mercado metropoli-
tano à produção frutícola do Maghreb, contribuindo para um desenvolvimento
muito rápido da fruticultura, particularmente de cítricos. Vastas plantações de
laranja, tangerina e limão foram formadas em Mitidja, Argélia, Cap Bon, Tuní-
sia, nas regiões de Casablanca, Kenīfra, Meknès, Wudjda, no Marrocos. Orga-
nismos paraestatais como o Office Tunisien de Standardisation foram criados
para organizar o acondicionamento, venda e exportação das frutas.
O desenvolvimento da hortifruticultura nas planícies do litoral estava vincu-
lado ao da irrigação, com o aproveitamento dos lençóis d’água subterrâneos e dos
rios. No Marrocos, foram construídas barragens no Wādī Baht (1934), no Umm
al-Rabī’a, em Kasba -Zaydāniya, no Tadla (1936) e no Wādī Nafīs em Lalla
Takerkust (1936). Criaram -se perímetros irrigados na área de Sīdī Sulajmān,
na planície de Tadla, na planície de Triffas, e em outras regiões.
Na Tunísia, nas regiões cerealíferas do Tell, sobretudo nas enormes fazendas
dos colonos, foram plantados extensos olivais.
A economia do Maghreb, no entanto, permanecia essencialmente agrícola.
Existiam somente algumas indústrias de transformação, que empregavam como
matéria -prima os produtos agrícolas do país – moinhos, prensas de azeite, des-
tilarias, fábricas de massas alimentícias, cervejarias e conservas ou então pro-
dutos minerais, aos quais se dava um primeiro processamento (por exemplo,
fundições de chumbo) ou uma elaboração mais complexa (usinas de hiperfos-
fatos e de superfosfatos), antes da exportação.
Essas empresas, geralmente de pequeno porte, estavam quase todas em mãos
de europeus, e a massa operária industrial não era muito importante: 40 mil ope-
rários
31
em toda a Argélia, em 1938. Apesar do estado de semi -industrialização do
país, nem por isso as cidades do Maghreb deixavam de crescer em ritmo acelerado.
O índice de urbanização do Marrocos, que era 70% em começos do século, passava
de 15% em 1936. As grandes metpoles ecomicas (Casablanca, Argel, Túnis)
viram sua população aumentar em proporção considerável. Casablanca, que mal
contava 20 mil habitantes em 1900, possuía 257 mil em 1936. Quase sem indús-
trias, mas com um setor terciário super desenvolvido, essas cidades constituíam
um polo de atração para os rurícolas em busca de emprego.
31 AGERON, 1979.
509
Economia colonial: a África do norte
Em vésperas da Segunda Guerra Mundial, a economia do Maghreb afigu-
rava-se, portanto, tipicamente dualista e extrovertida. A evolução dos setores
ocupados por norte -africanos estava bloqueada pela penúria de financiamentos,
pela persistência de arcaísmos, fragmentação das propriedades e recuo para
os espaços marginais da área agrícola. Na verdade, os norte -africanos foram
excluídos dos setores modernos da economia (bancos, indústria de mineração e
indústria de transformação, empresas de planejamento e de execução de projetos
de desenvolvimento). Mas estes mesmos setores, dominados pelo capital estran-
geiro, dependiam estreitamente dos centros de decisão e dos mercados externos,
cujas opções e flutuações sofriam mais ou menos passivamente.
Parte II: Líbia, Egito e Sudão
Ali A. Abdussalam e Fathi S. Abusedra*
Líbia
Durante o período colonial, a economia da Tripolitânia centrava -se em duas
atividades principais: a agricultura (incluindo a pecuária) e o comércio. A agri-
cultura era praticada nas zonas rurais e o comércio nas cidades. Estas duas ati-
vidades constituíam a ocupação principal e a fonte de renda essencial da maior
parte da população. Os turcos não fizeram qualquer tentativa para modificar a
situação, mas os italianos esforçaram -se para introduzir mudanças radicais na
economia. A primeira parte deste estudo examina os últimos anos da dominação
otomana; a segunda, a economia líbia sob a ocupação italiana.
A economia líbia sob a dominação otomana (1880 ‑1911)
Durante a administração otomana, a economia ficou estagnada e as ativida-
des econômicas limitaram -se à agricultura, ao comércio e ao pequeno artesa-
nato. A economia permaneceu tradicional no decorrer do período. Para lavrar
a terra, empregavam -se arados de madeira puxados por animais. O que mais se
cultivava eram o trigo e a cevada, tâmaras, azeitonas (azeite), cítricos e gado. A
produção agrícola dependia em grande parte das chuvas, que variavam segundo
* Professores assistentes de Economia da Universidade de Garyounis, em Benghazi, Líbia.
510
África sob dominação colonial, 1880-1935
as estações. Grande quantidade de gado era criada nas planícies da Cirenaica e
de Trípoli, e parte desse gado era exportada para os países vizinhos. Calcula -se
que a exportação de carneiros atingia aproximadamente 500 mil cabeças em
1906. Somente a exportação da Cirenaica atingiu, em 1908, cerca de 58 mil
cabeças de gado e 340 mil carneiros.
No setor comercial, dada a inexistência de estradas de rodagem e de meios de
transporte modernos, as caravanas serviam não só para transportar mercadorias
locais, mas ainda para ligar as principais cidades da Líbia aos países vizinhos
da África. Havia cinco rotas principais de caravanas: três iam para o sul, uma
para leste e a outra para oeste (ver figura 17.8). A primeira ia de Trípoli a Kano
(na Nigéria), passando por Ghadāmes, Ghāt, Air e Zinder. A segunda ia de
Trípoli a Bornu (na Nigéria), via Murzuk, Tadjarhī, Bilma, N’Guimi e Kukawa.
A terceira ligava Benghazi a Wadai (no Chade), via Awdjīla, Kufra e Tibesti.
Outras rotas seguiam de Benghazi para Sallūm (no Egito), a leste, e de Trípoli
para a Tunísia, a oeste
32
.
As caravanas transportavam contas de vidro, roupas, seda, especiarias e papel
para Bornu e Wadai, trazendo em troca mercadorias como couro, marfim e
penas de avestruz. No final do século XIX, porém, esse comércio começou a
declinar. A colonização de outros países africanos permitiu a construção de
novas rotas a baixo custo, de modo que meios de transporte modernos e mais
eficientes substituíram os antigos. Em consequência, a importância do comércio
caravaneiro foi decrescendo pouco a pouco. Além disso, Trípoli e Benghazi, os
portos principais, comerciavam ativamente com a Europa e os países vizinhos.
As exportações para estes países incluíam gado, carneiro, lã, pelo de cabra e de
camelo, tâmara, cevada, trigo e esparto. As importações compreendiam produtos
têxteis (algodão e seda), vidro, armas de fogo, arroz, açúcar, chá e café. Os prin-
cipais parceiros comerciais eram Itália, Inglaterra, Malta, Egito, Tunísia, França,
Áustria, Alemanha e Grécia.
A indústria, pouco desenvolvida, limitava -se a alguns produtos de tipo arte-
sanal: têxteis, fabricação de tapetes, curtumes, fabricação de sabão e alguma
ourivesaria de ouro e prata. Em 1911, havia aproximadamente 2 mil teares de
algodão, 500 de lã e 120 de seda
33
. Algumas dessas indústrias locais produziam
roupas para homens e mulheres. Outras produziam tendas e tapetes. Oficinas
de particulares faziam belas joias (braceletes, anéis e brincos). O sal e o tabaco
eram monopólio do governo.
32 CORO, 1971.
33 Ibid., p. 79.
511
Economia colonial: a África do norte
 . Líbia, Egito e Sudão: desenvolvimento econômico na época colonial. (Fonte: Fage, An Atlas of African History, 1978.)
512
África sob dominação colonial, 1880-1935
Embora tenha perdurado por mais de setenta anos (1835 -1911), o segundo
império otomano em Trípoli pouco se esforçou para desenvolver a economia bia.
o possa qualquer política sistemática de melhoramento da infraestrutura eco-
mica, quer se tratasse de estradas, de portos ou do ensino. Raras escolas técnicas
existiam nessa época. A negligência para com a economia devia -se, em parte, ao
fato de a Turquia enfrentar outros problemas. Achava -se em guerra com alguns
vizinhos, enquanto tentava desesperadamente agarrar -se às suas possessões na
Europa e salvar o império da desagregação. Por consequência, a administração
turca, aparentemente interessada apenas em recolher impostos, não se dedicou
ao desenvolvimento da economia Líbia.
O sistema fiscal aplicado a Trípoli sob o governo otomano incluía um imposto
de capitação para os adultos de sexo masculino, uma zima e um imposto
de renda. Outras taxas eram o imposto sobre a propriedade rural, o imposto
sucessório e o imposto de isenção do serviço militar, incidente sobre adultos
não muçulmanos do sexo masculino; o imposto sobre a cunhagem em ouro e
prata, os direitos alfandegários sobre produtos exportados e importados
34
. Além
disso, o governo recolhia importante receita do monopólio do sal e do tabaco.
Os impostos pesavam sobre a economia e contribuíam para a sua estagnação
quase total. Provocaram, ademais, inúmeras revoltas, as quais alimentavam a
instabilidade política e enfraqueciam o controle dos turcos sobre o país.
A economia líbia durante a ocupação italiana (1911 ‑1942)
O interesse da Itália pela bia manifestou -se apenas no final do culo
XIX. Como outras potências europeias, também a Itália desejava pôr os pés na
África do norte, mas somente no início do século atual é que ela se lançou a
uma verdadeira política de colonização. A princípio, pretendia empregar meios
pacíficos, fazendo do Banco di Roma o seu cavalo de Troia.
O Banco di Roma foi o primeiro estabelecimento financeiro italiano a abrir
suas portas em Trípoli, no ano de 1907. Logo depois, inaugurou sucursais em
outras cidades e ampliou o campo de operações. Suas atividades não se limi-
tavam às finanças, mas abrangiam empreendimentos na área da indústria, da
agricultura e dos transportes. O banco instalou moagens e refinarias de azeite
em Trípoli, bem como uma fazenda de criação de carneiros na Cirenaica. Além
disso, inaugurou linhas marítimas entre as principais cidades do país e os países
vizinhos, adquirindo terras e enviando peritos para explorar os recursos minerais
34 CACHIA, 1975, p. 72 et seq.
513
Economia colonial: a África do norte
do país. Essas e outras atividades despertaram suspeitas sobre as verdadeiras
intenções do Banco di Roma na Líbia. E suas atividades acabaram sendo cer-
ceadas, se não proibidas, pelas autoridades turcas
35
. A hostil atitude para com o
Banco di Roma foi um dos pretextos usados pela Itália para invadir a Líbia, em
1911 (ver o capítulo 5 deste volume).
A política econômica durante a ocupação italiana
Quando a Itália invadiu a Líbia, acalentava o sonho de transformar a nova
colônia em fonte de matérias -primas para sua indústria, mercado para os pro-
dutos italianos e solução para sua explosão demográfica. Os italianos queriam
que a Líbia se tornasse parte integrante da Itália. Todo esforço foi empregado
em tal sentido. Fizeram investimentos importantes na agricultura, na indústria
e na infra estrutura.
Colonização agrícola
O programa agrícola da Itália na Líbia teve duas fases distintas: na primeira,
a colonização foi incumbida à iniciativa privada; na segunda, foi assumida pela
potência colonial.
Para encorajar a imigração, nos primeiros tempos da ocupação o governo
concedeu vastos domínios aos italianos ricos, para que os desenvolvessem. Essas
terras ou eram propriedade do governo ou expropriadas a um antigo dono. Em
1929, mais ou menos 58087 hectares de terra haviam sido adquiridos desse modo.
As fazendas foram arrendadas a agricultores italianos pelo prazo de 90 anos. Mais
tarde, esses concessionários foram obrigados a estabelecer novos agricultores ita-
lianos em suas terras, fato que pesou ao mesmo tempo sobre os primeiros colonos
e sobre o governo. Os subsídios oficiais aos colonos elevaram -se a 62 milhões de
liras, e os empréstimos das caixas de poupança alcançaram a cifra dos 158 milhões
de liras
36
. Somente 2301 famílias, contudo, foram reinstaladas ao abrigo deste
plano, número muito aquém da expectativa italiana
37
. O governo de Roma decidiu,
então, adotar uma nova política de colonização, a fim de acelerar o processo, mas
o conseguiu levar a bom termo nenhum grande programa de desenvolvimento
enquanto a resistência local subsistiu, isto é, até 1932.
35 F. MALGERI, 1970, p. 17 et seq.
36 SHARKASI, 1976, p. 67 -71.
37 Ibid., p. 71.
514
África sob dominação colonial, 1880-1935
Logo depois da repressão à resistência líbia (para maiores detalhes, ver
o capítulo 5 deste volume), o governo italiano procurou pôr em prática um
plano ambicioso em certas regiões da Líbia, sobretudo Al -Djabal al -Akhdar
(A Montanha Verde). O objetivo era estabelecer ali cerca de 300 mil italianos
num prazo de vinte e cinco anos
38
. A tarefa foi confiada a empresas privadas
e semi-públicas, que arrecadaram todos os recursos que puderam reunir junto
do setor privado e do setor público, canalizando -os para o financiamento
do novo plano de desenvolvimento: tratava -se do ENTE per la Colonizza-
zione della Libia, do Istituto Nazionale della Providenza Sociale (INPS) e
da Azienda Tabacci ltaliani (ATI). O plano incluía desbravamento das terras,
abastecimento de água, constrão de sedes de fazendas, fornecimento de
equipamentos agrícolas, gado e implementos para os colonos. Os agricultures,
por seu turno, deviam pagar as despesas do desenvolvimento entregando a
esses organismos a maior parte da sua prodão, cujo valor era creditado em
uma conta deles mesmos
39
. Ao fim de algum tempo, os agricultores podiam
ser donos de sua própria fazenda. Em 1936, o projeto de povoamento já havia
custado cerca de 800 milhões de libras e somente 85 mil italianos
40
se haviam
ali estabelecido.
Indústria
Os italianos não implantaram grandes indústrias na Líbia, mas ampliaram
algumas das já existentes. Uma pequena fábrica de conservas de atum foi cons-
truída em Trípoli. A capacidade da refinaria de azeite foi aumentada, passando
para 2200 toneladas por ano
41
. A produção de sal aumentou bastante: de 14000
toneladas por ano em 1927 saltou para a média anual de 50 mil toneladas, em
1937
42
. Uma segunda fábrica de tabaco, maior, foi instalada em Trípoli em 1923.
Construíram -se duas fábricas de calçados, uma em Trípoli em 1923 e outra em
Benghazi em 1929. Fábricas de produtos alimentícios e de tecidos continuaram
a produzir em maior escala. Entre as outras indústrias, citam -se a de materiais
de construção, asfalto, pólvora, gorduras e sabão. Durante o período em estudo,
havia na Líbia aproximadamente 789 fábricas, a maior parte das quais instalada
38 Ibid., p. 72.
39 LINDBERG, 1952, p. 11.
40 SHARKASI, 1976, p. 72.
41 Ibid., p. 33 -4.
42 Ibid.
515
Economia colonial: a África do norte
em Trípoli. O artesanato local continuou a existir durante a ocupação italiana,
dados o seu caráter e a limitação do mercado.
Desenvolvimento da infra estrutura
Antes da ocupação italiana, a infraestrutura da Líbia era rudimentar e, por
isso, o governo italiano teve de investir nela pesadamente. Construiu estradas,
ferrovias, portos, um moderno sistema de comunicação, instalações hidráulicas
e edifícios públicos. O investimento nesses trabalhos chegou a 870 milhões de
libras no período 1913 -1936
43
. Esse maciço investimento em infraestrutura
visava desenvolver a economia em benefício da própria Itália: era preciso gerar
empregos para a população da península e assegurar um mercado potencial para
os produtos italianos.
No entanto, todo esse investimento havia de ser pago pelos líbios. A popula-
ção da Líbia fora dizimada pela guerra. Muita gente morreu combatendo contra
a ocupação italiana; outros morreram em campos de concentração. Boa parte
emigrou para os países vizinhos. Os sobreviventes dos campos de concentração
foram encaminhados, em condições semelhantes às da escravidão, para os can-
teiros da estrada do litoral e para os novos projetos de desenvolvimento agrícola.
O objetivo dos italianos era fazer as populações autóctones recuarem para as
terras marginais do interior, a fim de estabelecer os excedentes populacionais
italianos nas terras mais férteis da Líbia.
Os peninsulares dizimaram também o gado da Líbia. Desde sempre a população
interiorana do país dependia dos carneiros e dos camelos como alimento, fonte de
matérias -primas e meio de transporte. Enormes quantidades de gado foram abatidas
ou confiscadas. O restante, enxotado dos pastos tradicionais para as inóspitas regiões
próximas dos campos de concentração, sucumbiu pela fome. O quadro 1 mostra a
considerável diminuão do rebanho durante a ocupão italiana.
Quadro 1 Recenseamento do gado na Líbia, em 1926 e 1933
44
Ano Carneiros Cabras Bovinos Camelos Cavalos
Burros
e mulas
1926 800000 70000 10000 75000 14000 9000
1933 98000 25000 8700 2000 10000 5000
43 LINDBERG, 1976, p. 46.
44 ALLAN, MLACHLAND e PENROSE (orgs.), 1973, p. 52.
516
África sob dominação colonial, 1880-1935
Os italianos não tiveram consciência da extensão do prejuízo causado à riqueza
pecuária da Líbia antes que a resistência findasse, em 1932. Embora tratassem
de estimular a criação de gado, levou anos para que os rebanhos atingissem
novamente o nível originário. Com efeito, as perdas haviam sido tão importantes
que a base econômica se debilitara, e a população, empobrecida, não tinha a
mesma capacidade de poupança.
Finalmente, para agravar a situação, os italianos não educaram os líbios para
as funções administrativas nem lhes proporcionaram instrução adequada. Con-
forme salientava K. Folayan, em 1939 -1940, enquanto os italianos (cerca de
10% da população total) dispunham de 81 escolas primárias para seus filhos,
os líbios, que representavam mais de 85% da população, tinham 97 à sua
disposição
45
. Do mesmo modo, havia sete escolas secundárias para os italia-
nos, e apenas três para os líbios. Mesmo nos quadros da polícia e do exército,
nenhum líbio podia ultrapassar a graduação de sargento. Raros foram os líbios
autorizados a ocupar postos administrativos de relativa importância após 1934.
A falta de pessoal qualificado entravou o desenvolvimento econômico do país
por muitos anos.
Egito
A derrota militar de Muhammad Alī em 1840 assinalou o fim de importante
fase da história econômica do Egito moderno. O sistema por ele instalado pre-
via o desenvolvimento simultâneo da agricultura e da indústria sob controle e
propriedade do Estado. Seus planos lançaram o país no rumo de uma economia
orientada para a exportação
46
. Essa tendência foi reforçada entre 1850 e 1920.
Todas as atividades econômicas estavam voltadas para o cultivo e exportação de
algodão, razão por que o Egito tornou -se um país monocultor altamente espe-
cializado. Na década de 1920, o Egito experimentou um esboço de industriali-
zação, fundamentalmente através da substituição de importações. O período que
estamos examinando caracterizou -se por duas tendências principais: a primeira,
no sentido da concentração na agricultura de exportação, especialmente algodão;
a segunda, no sentido da industrialização. Várias mudanças estruturais concorre-
ram para acomodar essas tendências. Vamos agora examinar os diversos fatores
que induziram a cada uma dessas fases.
45 FOLAYAN, 1974, p. 7.
46 ISSAWI, 1963, p. 24.
517
Economia colonial: a África do norte
Economia orientada para a exportação
O desenvolvimento da infra estrutura
O período de que trataremos testemunhou um impressionante desenvolvi-
mento da infra estrutura do país, o qual, porém, concentrou -se nas atividades
relacionadas com o algodão e sua exportação. Grandes projetos de irrigação
foram lançados. A barragem de Assuã (ver figura 17.9), a maior do mundo na
época, foi concluída em 19012 e sobrelevada em 1907 -1910. A barragem do
Delta foi reforçada e posta em funcionamento, bem como as de Zifta, Asyūt
e Esnā. Aproximadamente 13 500 km de canais foram abertos no reinado de
Ismāīl’s (1863 -1879). A superfície cultivada passou de 4,76 milhões de feddāns
em 1881 para 5,66 milhões em 1911
47
. A maior parte das novas terras foi des-
tinada ao cultivo do algodão, não só por ser mais rentável, mas também porque
os ingleses o encorajavam: o algodão era, ao mesmo tempo, uma cultura de
exportação, que permitia ao Egito pagar as suas dívidas, e uma matéria -prima
de que o Lancashire grandemente necessitava. Em resumo, os ingleses queriam
– e conseguiram fazer do Egito um produtor de algodão e fornecedor de sua
indústria têxtil
48
. O volume das receitas do algodão cresceu de 3,12 milhões de
kantārs em 1879 para 7,66 milhões em 1913 um aumento de 140% em vinte
e quatro anos
49
.
A necessidade de transportar as safras de algodão exigia a expansão da rede
de transportes e comunicações, onde se concentraram, então, os maiores esforços
(ver figura 17.10). As estradas de ferro foram completadas, passando a interligar
todas as grandes cidades do Delta e o Cairo ao Alto Egito. A primeira via férrea
foi inaugurada em 1853; em 1877, contavam -se 1519 km de estradas de ferro
de bitola normal. Essa rede mais do que duplicou durante a ocupação britânica,
atingindo, em 1909, 3200 km, além de 1600 km de bitola estreita. As instalações
portuárias de Alexandria foram modernizadas e várias vezes ampliadas. Novos
portos foram construídos em Suez e Port -Said, no canal de Suez, aberto à nave-
gação em 1869. Todos esses melhoramentos facilitaram muito a transformação
do setor agrícola: de uma agricultura de subsistência passou -se a uma cultura de
exportação em grande escala, destinada aos mercados internacionais.
Cumpre sublinhar que a influência econômica da administração britânica
se fez sentir principalmente no que se refere a irrigação e transporte. A recons-
47 ISSAWI, 1954, p. 34, Feddãn: 0,56 hectare.
48 Ibid., p. 35.
49 Kantār de algodâo: 45 kg.
518
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Assuã: as águas do Nilo na saída da barragem (1937). (Foto: BBC Hulton Picture Library.)
519
Economia colonial: a África do norte
trução de várias barragens e a construção da barragem de Assuã garantiram
ao Egito irrigação perene e permitiram ampliar a superfície total das terras
cultivadas. No entanto, há que se ter em mente que o intuito dos britânicos era
desenvolver fontes alternativas para suas necessidades de algodão, de forma a
não depender única e exclusivamente dos Estados Unidos da América para o
suprimento da indústria têxtil, como acontecera antes da Guerra de Secessão.
Ora, o Egito tinha certas vantagens, em comparação com outros fornecedores
eventuais, como a Índia e o Brasil. Em outras palavras, a primeira preocupação
do Reino Unido era garantir a estabilidade do suprimento de matérias -primas
para sua indústria têxtil. Não espanta, por isso, que o governo tenha consagrado
a maior parte de suas despesas de capital à promoção das exportações, invocando,
como justificativa dessa política, a necessidade de consideráveis investimentos na
rede de irrigação, para aumentar as receitas destinadas ao reembolso da dívida
estrangeira, apesar da difícil situação financeira do Egito. O algodão foi o prin-
cipal beneficiário do investimento em obras públicas. Os demais setores bene-
ficiados foram aqueles relacionados com as necessidades do setor de exportação.
Política de livre ‑câmbio
Uma das mudanças fundamentais característica deste período foi a polí-
tica de livre -câmbio adotada pelo governo. Tratava -se de posição contrária à
de Muhammad Alī, para quem a intervenção do Estado era indispensável ao
desenvolvimento. Lorde Cromer, conselheiro financeiro e ministro plenipo-
tenciário do Reino Unido no Egito durante 24 anos, era adepto do laissez-
-faire. Opunha -se à concessão de proteção aduaneira às indústrias nascentes.
Sua atitude negativa em relação às companhias têxteis egípcias ilustra bem suas
posições. Ele afirmava ser prejudicial aos interesses do Reino Unido e do Egito
dar qualquer estímulo ao crescimento de uma indústria de algodão protegida
no Egito
50
.
De qualquer modo, o governo egípcio estava preso a acordos internacionais
que o impediam de proteger suas indústrias nascentes, mesmo que desejasse
fazê -lo. Em virtude do tratado anglo -turco de 1838, os comerciantes estrangei-
ros podiam comprar e vender em todas as partes do império otomano, pagando
um imposto uniforme de 8% ad valorem, ou até menos
51
. O tratado abriu o
império ao livre -cambismo e as mercadorias estrangeiras começaram a inundar
50 Citado por ISSAWI, 1954, p. 37.
51 MEAD, 1967, p. 15.
520
África sob dominação colonial, 1880-1935
o desprotegido mercado egípcio. Pode -se afirmar que “esse tratado bloqueou
por mais de um século qualquer nova tentativa de industrialização por parte do
Estado
52
. Tais acordos expiraram em 16 de fevereiro de 1930, e o Egito resga-
tou, então, a autonomia fiscal. Como veremos mais adiante, isso lhe permitiu
modificar o sistema de direitos aduaneiros, de forma a proteger as indústrias
locais emergentes. Esta reforma tarifária marca o início da fase de substituição
de importações.
Modelos de investimento
O tipo de investimento prevalecente no período favorecia a agricultura. A
formação bruta de capital, de 1880 a 1914, atingiu 15% do produto interno bruto
(PIB). Era uma proporção muito alta, comparada à de outros países. No entanto,
a maior parte desses investimentos foi para a agricultura e para a construção
urbana, enquanto a indústria não recebeu mais que 2,3% da formação bruta de
capital (FBC). De modo geral, os autores explicam esse tipo de acumulação
de capital em termos de rentabilidade relativa e afirmam que o investimento
na agricultura era, ao mesmo tempo, mais rentável e menos arriscado do que
na indústria. No entanto, R. Mabro e S. Radwan sustentam que outros fatores,
principalmente a política do governo, proporcionam melhor explicação
53
.
Os investidores egípcios preferiam a terra e a propriedade fundiária aos pro-
jetos industriais, pois o proprietário de terras gozava de prestígio social. Possuir
terras e fazer parte da “burguesia agrária” conferia privilégios, que esta classe
estava no ápice da hierarquia social. Ocorria, portanto, uma clara tendência para
a concentração das grandes propriedades rurais. Os latifundiários (aqueles que
possuíam 50 feddāns ou mais) representavam 15% do conjunto dos proprietários
de terras em 1897, e detinham 44% do total da área cultivável. Em 1913, repre-
sentavam menos de 1% do conjunto dos proprietários, mas detinham 44,2% das
terras aráveis. A superfície média das grandes explorações passara, portanto, de
183 para 193 feddāns durante o período
54
. É uma evolução importante, pois os
investimentos desses proprietários voltavam -se para a terra, desequilibrando a
estrutura em seu conjunto. Além disso, os estrangeiros, de acordo com as capitu-
lações, gozavam de imunidade fiscal e judiciária, o que lhes dava vantagem sobre
os concorrentes egípcios em matéria de investimento industrial. Seja como for,
52 MABRO e RADWAN, 1976, p. 18.
53 Ibid., p. 21.
54 Ibid., p. 25.
521
Economia colonial: a África do norte
sem proteções o mercado egípcio não suscitava muito interesse e a industriali-
zação continuou negligenciada até a década de 1930.
A administração egípcia também argumentava que era necessário encorajar
o cultivo e a exportação do algodão para aumentar a receita do país, permitindo
o reembolso das dívidas. A acumulação de enorme dívida pública, que come-
çou em 1858, deveu -se ao financiamento dos projetos de infra estrutura e das
extravagâncias de alguns monarcas egípcios. A lei de liquidação de 1880 fixara
a dívida pública do país em 98,37 milhões de libras, mas nos 20 anos seguintes
foram contraídos mais empréstimos no valor de 18,2 milhões de libras. As obri-
gações da dívida externa atingiram 8,5 milhões de libras egípcias por ano em
1914
55
. Era, portanto, vital o incremento das exportações para amortizá -la.
A Guerra de Secessão dos Estados Unidos estimulou a produção e a venda
do algodão egípcio ao exterior. As exportações aumentaram de pouco mais de
meio milhão de kantārs em 1860 para mais de 2,1 milhões em 1865, 4,1 milhões
em 1890 e 7,7 milhões em 1913.
No entanto, depois da rápida elevação dos preços em função da Guerra de
Secessão, eles não deixaram de cair até o final do século, sendo insuficiente o
aumento da produção para compensar a queda. No decorrer da primeira década
do século XX, o preço do algodão mais do que duplicou, atingindo o valor das
safras o triplo do que valiam no início da ocupação. Em 1916, o preço do algodão
atingiu o valor médio de 38 xelins por kantār; em 1919, subiu para 90 xelins. As
exportações montaram a 88 milhões de libras egípcias em 1920, daí derivando
grandes superávits
56
.
Financeiramente, o êxito da administração britânica consistiu em assegurar a
arrecadação e a administração corretas das receitas suplementares que esses supe-
rávits acarredavam para o governo. As autoridades trataram de proceder a uma
reforma orçamentária, reduzindo as despesas, salvo aquelas julgadas compensa-
doras – por exemplo, as obras de irrigação. O aumento das receitas de exportação
permitiu amortizar todos os empréstimos contraídos durante a ocupação, e tam-
bém reduzir a dívida de Ismāīl em cerca de 10 milhões de libras no ano de 1913.
Fase de substituição das importações
Incontestavelmente, a administração britânica procedeu a numerosas refor-
mas que se revelaram benéficas para a economia egípcia. Os maiores êxitos
55 ISSAWI, 1963, p. 27.
56 Ibid., p. 31.
522
África sob dominação colonial, 1880-1935
situam -se na área financeira, obras de irrigação e eficiência administrativa. No
entanto, o é menos verdadeiro que essa mesma administrão revelou -se
hostil à industrialização do Egito e que, ao mesmo tempo, a política de livre-
-câmbio acentuou o papel primordial do algodão na economia egípcia. No
final da década de 1920, porém, importantes mudanças assinalaram o início de
um novo período, em que a indústria desempenhou papel de primeira ordem.
Uma das principais razões dessas mudanças foi a grande depressão de 1929,
que trouxe o colapso da demanda internacional de matérias -primas, especial-
mente de algodão. Evidentemente, isto provocou uma severa deflação de todas
as atividades da economia egípcia. Em consequência, a política de livre -câmbio
passou a sofrer pressões cada vez mais contundentes, aumentando os apelos à
intervenção governamental. Além disso, durante os últimos anos da década, as
relações comerciais do Egito haviam -se deteriorado, o que vinha somar -se a
todas as razões que advogavam o desenvolvimento de outros produtos além do
algodão, principal fonte de receitas de exportação do país. Tal período testemu-
nhou, então, o surgimento de um poderoso movimento nacional. A revolução de
1919 assinalou o apogeu da expansão do nacionalismo egípcio, o qual se refletiu
no surgimento de empresários nacionais com novas ideias sobre o desenvolvi-
mento futuro do Egito. Ademais, se a produção agrícola em fins do século XIX
acompanhava a taxa de expansão demográfica, não sucedia o mesmo no início
do século XX, pois a produção agrícola aumentou 30%, enquanto o crescimento
populacional foi da ordem de 50%
57
. A capacidade de absorção da agricultura
egípcia não acompanhava o ritmo de aumento da população, sendo necessário,
portanto, desenvolver novos setores que proporcionassem empregos produtivos e
elevassem a renda per capita. Finalmente, dada a carência de importações durante
a Primeira Guerra Mundial, estabeleceram -se várias novas indústrias, as quais
reclamavam proteção para resistir aos assaltos da concorrência estrangeira.
Por todas essas razões, em 1930, quando obteve autonomia fiscal, o Egito
tratou de impor direitos aduaneiros de 15 a 20% sobre uma gama de produtos
de consumo passíveis de concorrência com a produção local. Nos anos seguintes,
a proteção aduaneira estendeu -se a todos os produtos estrangeiros que podiam
fazer concorrência. Tinha início um novo período de crescimento econômico,
graças à substituição das importações. O desenvolvimento industrial era atestado
por vários índices. O primeiro, o aumento do emprego industrial. Em 1937, mais
ou menos 155 mil pessoas trabalhavam em empresas com 10 operários ou mais,
57 MEAD, 1967, p. 16.
523
Economia colonial: a África do norte
contra 30 mil em 1916. Outro índice era o crescimento da produção industrial.
De 1917 a 1939, a produção de açúcar, por exemplo, passou de 79 mil para
159 mil toneladas, a de cimento de 24 mil para 353 mil toneladas e a produção
industrial de tecido de algodão de 7200 mil metros quadrados para 500 milhões
em 1939
58
. Um terceiro índice era a elevada porcentagem de necessidade de
certos bens industriais supridas pela produção local neste último ano, tal como
o mostra o quadro 2.
Quadro 2 Egito: produção local e necessidades locais de produtos industria‑
lizados, 1939
59
Produto
Necessidades
locais (em
porcentagem)
Produto
Necessidades
locais (em
porcentagem)
Açúcar
100 Sabão 90
Bebidas alcoólicas
100 Móveis 80
Cigarros
100 Fósforos 80
Sal
100 Cerveja 65
Farinha
99 Óleos vegetais 60
Algodão fiado
96 Soda cáustica 50
Calçado
90 Têxteis (algodão) 40
Cimento
90
Outro fenômeno importante a assinalar: o aparecimento de empresas nacio-
nais nos anos de 1920. O primeiro banco exclusivamente egípcio e administrado
somente por egípcios, o Bank Misr, foi fundado em 1920 e favoreceu o desen-
volvimento de empresas industriais em grande escala. O banco procurou atrair
capitais privados fora das vias tradicionais de investimento; em 1940, o grupo Misr
compreendia 21 companhias associadas. Estima -se que a parte correspondente
às empresas industriais do banco atingia 45% do acréscimo do total do capital
realizado de todas as sociedades anônimas do setor industrial no período 1922-
-1928. Portanto, o Bank Misr deu enorme impulso ao desenvolvimento industrial
do Egito no período de entre as duas guerras. O investimento assinalava -se pela
crescente participação do capital local. As sucessivas crises do algodão, os elevados
lucros esperados por certos setores da indústria (como o demonstravam os lucros
58 ISSAWI, 1963, p. 44.
59 ELKAMMASH, 1968, p. 41.
524
África sob dominação colonial, 1880-1935
realizados pelos estrangeiros engajados na indústria local), a criação de possibi-
lidades de investimento nacional por intermédio do Bank Misr e suas empresas,
tudo isso permitiu orientar os investimentos para projetos industriais.
Concluindo, o período foi caracterizado por diversas tentativas de desen-
volvimento. Após o malogro da tentativa de Muhammad Alī. de realizar um
programa de industrialização forçada, sem dispor da necessária infra estrutura,
a economia orientou -se para a monocultura de exportação. Esta tendência foi
reforçada sob a ocupação britânica, que encorajou a ampliação das terras culti-
váveis e as exportações de algodão. Três argumentos eram invocados em apoio
a tal evolução: primeiro, o livre -câmbio e a especialização em setor, nos quais o
país estava em situação comparativamente favorável trariam consigo maior bem-
-estar; segundo, era preciso dispor de recursos para amortizar a dívida pública
acumulada; terceiro, os tratados internacionais impediam que o Egito protegesse
suas novas indústrias. Consequentemente, orientou a economia para a exporta-
ção. No entanto, as primeiras três décadas do século XX foram caracterizadas
por uma transformação estrutural da economia, no sentido da industrialização.
Havia diversos fatores envolvidos: as sucessivas crises agrícolas, que levaram
à deterioração do comércio egípcio, o aparecimento de empresas nacionais, a
recuperação da autonomia fiscal e a mudança da política governamental em
relação à indústria. Esta, portanto, cresceu rapidamente no final do período que
estamos examinando.
O Sudão
No fim do século XIX, o Sudão assistiu ao nascimento de um movimento
religioso que desencadeou a revolta contra a dominação turco -egípcia e culmi-
nou na criação do Estado Mahdista, de 1881 a 1898. Quase na mesma época,
o Egito caiu sob a dominação do Reino Unido e, logo em seguida, o Sudão
foi reocupado pelos britânicos. Foi a época da dominação anglo -egípcia sobre
o Sudão. A primeira parte desta seção trata sucintamente da situação sob o
Estado Mahdista e a segunda destaca as principais etapas da época da domi-
nação anglo -egípcia.
O Estado Mahdista
O Estado Mahdista estabeleceu administração e sistema judiciário próprios.
Uma de suas grandes realizações foi a instauração de um regime fiscal simples
525
Economia colonial: a África do norte
e prático, fundado nos ensinamentos do islão. O zakāt constituía o essencial das
receitas fiscais. Estabelecia alíquotas de 2,5% sobre a fortuna e de 10% sobre
o gado e os cereais. Dada a simplicidade do sistema e sua adaptabilidade às
condições sociais, permaneceu em vigor mesmo após a queda dos Mahdistas.
A administração estimulava a agricultura e o comércio, pois essas atividades
deviam sustentar o exército, equipando -o com armas e munições.
O Estado Mahdista, contudo, não durou muito. Vários fatores contribuíram
para sua queda. Em primeiro lugar, o movimento mahdista enfermava de rivali-
dades internas, devido à luta pelo poder após a morte do Mahdi, em 1885. Em
segundo lugar, a consolidação do poder no conjunto do país tinha esgotado os
recursos do Estado. Por fim, este precisava defender as fronteiras contra diversas
potências coloniais europeias
60
. O Estado Mahdista aspirava a estender-se para
o norte, em direção ao Egito, iniciativa que se revelou desastrosa, pois levou o
Reino Unido, que então dominava o Egito, a ocupar também o Sudão.
A dominação anglo ‑egípcia
A conquista anglo -egípcia do Sudão encerrou o breve período de indepen-
dência nacional sob os mahdistas. Felizmente, a administração colonial não foi
muito pesada. A política colonial do Reino Unido no Sudão foi relativamente
moderada, havendo aí um verdadeiro esforço de desenvolvimento da economia
do país. A administração britânica no Sudão teve o mérito de desenvolver a
infra estrutura e introduzir a agricultura moderna.
Desenvolvimento da infra estrutura
No decorrer da sua administração colonial no Sudão, o Reino Unido fez
construir estradas de ferro, portos e barragens, e expandiu o sistema de ensino
(ver figura 17.10). A primeira estrada de ferro foi construída entre 1896 e 1898
para a campanha militar. Depois, seria prolongada até Atbara e empregada para
o transporte entre o norte do Sudão e o Mediterrâneo, via Egito. Quando Port
Sudan foi construído, em 1906, nova ferrovia foi projetada para ligá -lo a Atbara.
Mais tarde, em 1910, a linha principal seria prolongada até Sennār. Outra linha
surgiu em 1924, entre Djazīra e o Mar Vermelho. Serviços de barcos a vapor
também foram criados para ligar o sul e o norte do país. Esses modernos e
eficazes meios de comunicação contribuíram para o escoamento dos produtos
60 HOLT, 1970, p. 204 et seq.
526
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Cultura do algodão de Djazīra, região situada ao sul da conuência do Nilo Azul com o Nilo Branco. (Foto: BBC Hulton Picture Library.)
527
Economia colonial: a África do norte
agrícolas e reduziram consideravelmente os custos do transporte. A administra-
ção britânica também se interessou pelo desenvolvimento da educação. Além
disso, tomaram -se medidas para melhorar a utilização dos recursos do solo e das
águas. Foram construídas algumas estações de bombeamento e abertos vários
canais de irrigação.
Desenvolvimento agrícola
O Reino Unido compreendeu desde o início a importância do potencial
agrícola do Sudão. Começou pela cultura experimental de algodão, a fim de
suplementar a produção egípcia. Desde que a primeira experiência realizada
em Zaydab em 1905 mostrou -se promissora, logo foi estendida ao vale de
Djazīra, o mais fértil do Sudão, situado entre o Nilo Azul e o Nilo Branco. Um
ambicioso plano foi então concebido para essa área, e o Sudan Plantation Syn-
dicate, empresa privada, foi autorizado a nela cultivar algodão. O plano previa
uma associação entre o governo, o Sudan Plantation Syndicate e agricultores
sudaneses. O governo alugava a terra de seus proprietários e tomava a seu cargo
as despesas de capital necessárias para a construção de canais e de estações de
bombeamento. O Sudan Plantation Syndicate assumia as despesas menores e
a gestão do projeto. Era também responsável pelo transporte e comercialização
do produto. E aos agricultores cabia garantir o cultivo do algodão (ver figura
17.10). O produto da venda seria dividido entre os três parceiros, da seguinte
maneira: 40% para os agricultores, 35% para o governo e 25% para o Sudan
Plantation Syndicate. Mais tarde, as partes do governo e do Syndicate passaram,
respectivamente, para 38% e 22%
61
.
O plano de valorização de Djazīra previa a irrigação de aproximadamente
200 mil hectares de terras para cultivo de algodão, milho e forragem, mas foi
adiado devido à Primeira Guerra Mundial. Foi, entretanto, revisto em 1919 e
ganhou novo impulso com o término da construção da barragem de Sennār, em
1925
62
. O êxito do projeto de Djazīra estimulou o desenvolvimento de atividades
conexas, como transporte, irrigação e debulha industrial do algodão.
Para financiar essas obras, o sistema fiscal vigente foi suplementado por um
acordo entre o Reino Unido e o Egito, nos termos do qual o Egito daria ao
Sudão ajuda financeira, empréstimos necessários aos seus projetos de desen-
volvimento e ao seu orçamento. A contribuição egípcia ao orçamento sudanês
61 ALLAN, W. N. e SMITH, R. J., 1948, p. 608 -609. Ver também GAITSKELL, 1959, p. 70.
62 GAITSKELL, 1959, p. 94.
528
África sob dominação colonial, 1880-1935
elevou -se a 2,8 milhões de libras egípcias entre 1899 e 1916, e os empréstimos
atingiram cerca de 5,4 milhões de libras egípcias no período 1900 -1910
63
.
As subvenções e empréstimos egípcios eram necessários pelo fato de os
impostos serem pouco elevados no Sudão. O imposto territorial era de 10 a
100 piastras por feddān. A dízima vigorou durante a ocupação britânica. Outros
impostos recaíam sobre o comércio e diversas indústrias
64
.
Para incentivar a utilização do solo, o imposto sobre terras cultivadas incidia
sobre um quarto delas após dois anos. Depois, o conjunto se tornava tributável por
oito a dez anos. Havia outros impostos: sobre os rebanhos, que o incidia sobre
pessoas, mas sobre o conjunto de um grupo étnico, e tamm um imposto per capita
de 25 a 80 piastras. Em 1912, foi institdo um imposto sobre o patrimônio. Além
disso, as embarcações eram taxadas proporcionalmente à sua capacidade de carga.
Impacto da atividade econômica do Reino Unido no Sudão
Em comparação com a atuação da França e a da Itália respectivamente no
Maghreb e em Trípoli, a atividade econômica colonial do Reino Unido no
Sudão parecia, em certa medida, digna de elogios. As terras não foram con-
fiscadas, nem concentradas em mãos de uns poucos privilegiados, como ocor-
reu em outras colônias. O desenvolvimento do vale de Djazīra foi um sucesso
útil ao Reino Unido, mas também ao Sudão, que dele participou diretamente.
A instalação de uma rede de modernos meios de transporte, a construção de
portos e canais de irrigação contribuíram igualmente para a expansão de uma
agricultura moderna no Sudão. Mas também o reverso da medalha: desde
logo, a infra estrutura instalada, além de ser insuficiente, servia claramente aos
interesses do Reino Unido, antes que aos dos sudaneses. É muito significativo
que nenhuma estrada tenha sido construída naquela época, e que as ferrovias o
tenham sido, originariamente, para facilitar as campanhas militares do Reino
Unido, bem como a exploração do algodão e da goma -arábica em Djazīra e nas
zonas ocidentais, respectivamente. Exatamente como na maior parte das colô-
nias, a industrialização foi completamente negligenciada. Apesar de tudo isso,
no entanto, a crítica mais severa que se pode fazer ao colonialismo britânico no
Sudão é ter ignorado por completo o sul do país tanto social como economica-
mente. O problema, ainda hoje sem solução, que essa área do Sudão apresenta
é, incontestavelmente, em grande parte imputável a essa negligência.
63 Ibid., p. 35.
64 TUNLEY, 1948.
C A P Í T U L O 1 8
529
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
No período entre 1880 e meados da década de 1930, a África conheceu
mudanças decisivas no que se refere à demografia. No início do período, a
população do continente ainda vivia esparsa, ao menos segundo os critérios
do Velho Mundo. O mais importante, porém, é que ela não estava crescendo
rapidamente e revelava -se vulnerável às pressões internas e externas a que desde
muito achava -se exposta. Por volta de 1935, a população do continente havia
incontestavelmente aumentado, em consequência dos progressos no controle da
mortalidade, e estavam lançadas as bases para que viesse a duplicar no decorrer
do período 1930 -1960, o que muito provavelmente aceleraria e consolidaria a
independência do continente.
Inúmeros índices podem ser usados para demonstrar a evolução ocorrida
entre as duas datas, alguns dos quais nos ajudam a compreender a transição
demográfica. Em 1880, a presença de europeus estabelecidos no interior do
continente restringia -se à Argélia, onde uns trezentos mil imigrantes, originá-
rios principalmente da França, Espanha, Itália e Malta, tinham consolidado a
vitória do exército francês; na África do Sul, um número quase equivalente de
europeus, na sua maioria de origem britânica ou holandesa, tinha proprie-
dades que avançavam em direção ao norte, até o rio Limpopo (ver figura 1.1).
Além do mais, os europeus começavam a exercer autoridade sobre o Egito e a
Tunísia, governavam algumas populações do litoral do Senegal e da Costa do
As repercussões sociais da dominação
colonial: aspectos demográcos
John Charles Caldwell
530
África sob dominação colonial, 1880-1935
Ouro (atual Gana) e ocupavam certo número de enclaves: Gâmbia, Serra Leoa,
Lagos, Libreville, parte de Angola e de Moçambique. Em 1935, administrações
europeias controlavam quase todo o continente. Em meio século, graças aos
progressos médico científicos europeus, a medicina conseguiu dominar e curar
as principais doenças que assolavam as populações da África, cujas causas eram
até então ignoradas. Com efeito, foi pelo final do período que as sulfamidas e
os medicamentos derivados deram início à era da quimioterapia, etapa sanitária
decisiva para o continente africano. Essa mesma época compreende também,
quase totalmente, o período de construção das estradas de ferro, e o de transi-
ção do tempo em que todo o transporte terrestre era feito por carregadores ao
aparecimento de um número crescente de caminhões traçando, na poeira e na
lama, uma rede de estradas cada vez mais densa.
Crescimento demográco
Muitos estudiosos publicaram dados aparentemente seguros referentes à
evolução da população africana
1
, mas na verdade o essencial de nosso conheci-
mento sobre as contagens efetuadas no século XIX vem de uma extrapolação
retrospectiva, a partir dos dados fornecidos pelos censos posteriores à Segunda
Guerra Mundial. Se estes dados tivessem proclamado o dobro dos habitantes
que contaram, é provável que tivéssemos ajustado para mais a nossa estimativa
da população do século XIX, na mesma proporção.
Os trabalhos mais citados referentes ao século XIX são os de W. F. Will-
cox e A. M. Carr -Saunders, aos quais se juntam outros, mais recentes, de J. D.
Durand
2
. As cifras apresentadas pelos dois primeiros autores não se fundamen-
tam em praticamente nenhuma base real e somente se impuseram, por assim
dizer, à força de serem repetidas e pelo fato de concordarem uma com a outra.
Na realidade, Willcox limitou -se a repetir as estimativas feitas por um
autor italiano do culo XVII, B. Riccioli
3
com a justificativa de que esse “foi
um jesuíta muito sábio”, que “resumia a totalidade dos conhecimentos de seu
tempo” e admitindo a hipótese de que a população africana não experimentou
qualquer crescimento entre o culo XVII e meados do século XIX
4
. Na ver-
1 Ver United Nations, 1973, quadro II. 4, p. 21.
2 WILLCOX, 1931; CARR -SAUNDERS, 1936, p. 17 -45; DURAND, 1967, p. 136 -59.
3 RICCIOLI, 1661, 1672, p. 630 -4.
4 WILLCOX, 1931, p. 45.
531
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
dade, Riccioli era mais sensível à “mística dos meros” do que a estasticas
demográficas sérias: havendo estimado, na época, a população do globo em
um bilhão de pessoas, dividiu esse total entre os cinco continentes, por l-
tiplos de 100 milhões. Para levar em conta o fato evidente de que a África
não estava desabitada, ao mesmo tempo que estimava considevel populão
para a Ásia, não restou a Riccioli outra solução que não a de fixar os habi-
tantes da África em 100 milhões. Willcox defendia essa teoria afirmando que
a densidade demográfica das regiões africanas que sabidamente não estavam
crescendo aceleradamente em 1931 (ou seja, com exclusão de Egito, Tunísia,
norte da Argélia, Serra Leoa, Libéria, Gâmbia, África do Sul e Rodésia do
Norte, atual Zâmbia) correspondia à estimativa de Riccioli para todo o con-
tinente
5
. O raciocínio o resistia ao exame: Willcox pensava em países cuja
demografia era mal conhecida na época. Nada prova que a sua população per-
manecesse estacionária. Não se compreende por que nesses países a densidade
demográfica teria permanecido necessariamente igual, no passado, à dos países
excluídos. Sob o argumento de não haver provas de crescimento demográfico
antes de uma época recente, Willcox tomava o número 100 miles como
estimativa da população do continente até 1850.
As estimativas de Carr -Saunders não constituem trabalho independente,
mas apenas um comentário às de Willcox. Menos interessado em calcular popu-
lações globais do que em definir números ou tendências regionais que pudessem
ter sido negligenciados, Carr -Saunders declara, portanto, aceitável e provável a
cifra dada por Willcox para calcular a população africana de 1650, ou seja, três
séculos antes de seu tempo, que foi o dos censos regulares dos habitantes do
continente.
Não obstante, Carr -Saunders argumenta que os números de Willcox não
levavam em conta uma probabilidade verossímil: a de que o desgaste provo-
cado pelo tráfico de escravos tenha produzido uma diminuição da população
antes de 1800, mas que tais perdas teriam sido largamente compensadas pelo
pido crescimento demogfico verificado na África do norte
6
. O autor con-
clui que o mero mais baixo 90 miles teria sido atingido em 1800 e
que o aumento posterior fez expandir a população em um terço, durante o
século XIX
7
.
5 WILLCOX, 1931, p. 45.
6 CARR -SAUNDERS, 1936, p. 34 -5.
7 Ibid., p. 42.
532
África sob dominação colonial, 1880-1935
A tese de um decnio da população que teria caracterizado total ou par-
cialmente o século XIX é frequentemente ouvida, mas pouco demonstrada.
Um observador acreditava que ela se originava de dois fatos principais: um,
a falta de informações precisas sobre as populações rurais esparsas do inte-
rior levava os europeus a concluírem que encontravam regiões despovoadas;
dois, o desejo dos filantropos de acreditar que tinham desempenhado papel
benéfico após um período de desordens e devastações largamente imputáveis
a seus compatriotas
8
. Outro observador sustentava que as populações locais
haviam sido superestimadas pelas potências europeias, na época das grandes
conquistas africanas, com a inteão de estimular os investimentos das com-
panhias e das empresas que acompanhavam a expansão colonial
9
. É certamente
tentador concluir pela existência de intenso povoamento ao ler os relatórios
deixados por exploradores como H. M. Stanley: efetivamente, por um lado
esses viajantes tinham tendência para aumentar os meros; por outro, eles
seguiam pelos rios e caminhos que, sem dúvida alguma, atravessavam regiões
de densidade superior à média.
As ries demogficas tradas por Durand constituem progresso impor-
tante, pelo que parece. Na maior parte dos cálculos, especialmente das popu-
lações que viviam ao sul do Saara, o autor faz estimativas retrospectivas
fundamentado, aparentemente, nas estasticas publicadas pela Organizão
das Nações Unidas, relativas a 1920
10
. Mas, para obter a estimativa dia,
rejeitou os números de 1920 argumentando que eles subentendiam uma taxa
de crescimento demográfico muito elevada (1,5% ao ano) em relação ao pe-
odo 1920 -1950, para o qual aceitava os números das Nações Unidas. Ainda
assim, as projeções retrospectivas desse autor estão realmente fundadas nos
resultados dos censos posteriores à Segunda Guerra Mundial. Durand não
justifica as razões por que recusou aceitar a taxa de crescimento decorrente
das estatísticas das Nações Unidas para o período 1920 -1950, atitude que
deixa supor que a influência das ideias de Riccioli, divulgadas pelos trabalhos
de Willcox e Carr -Saunders, ainda domina a questão. Durand conclui, quase
como se procurasse justificar sua metodologia, com a seguinte observação:
“Quando somamos a estimativa da populão da África do norte, esta [a
estimativa média] concorda aproximadamente com a hitese de Willcox,
segundo a qual a população global da África permaneceu estacionária em mais
8 KUCZYNSKI, 1948 -1953, v. 2, p. 120.
9 SURET -CANALE, 1971, p. 37.
10 DURAND, 1967, p. 152 -3.
533
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
ou menos 100 milhões de habitantes no decorrer deste período [1750 -1850]”
11
.
As estimativas desse autor referentes à África do norte, contudo, estão apoia-
das em estudos do crescimento demogfico no Egito e na Argélia, durante
a segunda metade do século XIX e as primeiras cadas do século XX
12
. A
estimativa dia admite, para a África do norte, uma taxa de crescimento
anual de 1,25% entre 1850 e 1920.
Mais reveladoras o as estimativas máximas e mínimas propostas por
Durand para 1850 – respectivamente, 145 e 81 milhões –, pois autorizam uma
margem de erro de aproximadamente 30% a mais ou a menos. A margem de
erro admitida nas estimativas para a Ásia e América Latina é de 10% e de apenas
4% para a Europa. A imprecisão das estimativas referentes à África subsaariana
explica -se em parte pela raridade de registros disponíveis. O risco de erro está
patente tanto na controvérsia levantada com a publicação das estimativas de
Durand, que apresentavam diferença de 20 milhões a propósito da população da
Nigéria, quanto na grande incerteza quando se tratava de avaliar uma população
tão importante como a da Etiópia.
Evidentemente, ninguém pode afirmar qual era a populão da África,
principalmente a das regiões subsaarianas, durante o peodo que estamos
estudando. Ningm ousou calculá -la em menos de 100 milhões de almas,
nem em mais de 150 milhões, em 1880. Por volta de 1900, a margem entre as
estimativas mais baixas e as mais altas reduziu -se para algo entre 115 e 155
milhões. No entanto, em 1935 a cifra de 150 milhões estava claramente
ultrapassada. Na maioria dos países africanos não havia qualquer contagem
séria para este peodo e certos “censos sequer mereciam tal nome. O censo
de 1911 realizado na Nigéria do Norte foi transmitido a Londres num docu-
mento de uma página
13
. Kuczynski dedicou anos à redação de três grossos
volumes (perto de 2500 páginas)
14
em que analisava, com minúcias, em rela-
ção ao peodo anterior à Segunda Guerra Mundial, os dados demográficos
de todas as colônias (e de dois territórios sob mandato) que o Reino Unido
possuía na África. Esse trabalho continua a ser um documento histórico fas-
cinante para o demógrafo de hoje, mas seria falso afirmar que ele forneça um
conjunto de informações válidas sobre os níveis e as tendências da população,
no decurso do período em referência.
11 Ibid., p. 153.
12 Especialmente KISER, 1944, p. 383 -408, e CHEVALIER, 1947.
13 MEEK, 1925, p. 169.
14 KUCZYNSKI, 1948 -1953; 1939.
534
África sob dominação colonial, 1880-1935
No entanto, podemos falar, certamente com maior proveito, sobre dados
recentes relativos às populações africanas e, em seguida, analisar as forças que
devem ter modelado esse povoamento em épocas anteriores.
População vulnerável após uma era de quase estabilidade
Exceção feita aos períodos de crise, como o atual, em que a revolução técnico
científica transforma o mundo, as taxas de expansão demográfica costumam ser
relativamente baixas, as taxas médias de mortalidade coincidindo aproximada-
mente com as taxas médias de natalidade. Isto se deve ao caráter exponencial
do crescimento demográfico, o qual, ao fim de um espaço de tempo suficiente-
mente longo, acumula uma população considerável a partir de taxas de cresci-
mento aparentemente baixas. Uma taxa de crescimento anual de apenas 0,5%
(resultante de uma natalidade superior em cinco por mil à taxa de mortalidade)
multiplica a população por 15, no espaço de um milênio. Mesmo supondo que
a população africana contasse 150 milhões de almas em 1900, é muito impro-
vável que a população do continente não ultrapassasse, dez séculos antes, os 10
milhões de pessoas.
Portanto é possível admitir a hipótese de que, antes da era moderna, a África
apresentasse uma taxa de mortalidade inferior em cinco por mil ao índice de
natalidade. Mas que opor reservas: trata -se de uma dia sobre período
muito extenso. Durante os últimos mil anos, a população do continente como
um todo pode ter passado por oscilações, sendo quase certo que algumas socie-
dades locais sofreram dramático despovoamento, com subsequente recuperação.
Seria, contudo, surpreendente se a recuperação ocorresse devido a uma taxa
natural de crescimento superior a 1% ao ano antes do começo do século XIX na
África do Norte e antes de 1900 nas regiões situadas ao sul do Saara. Estas são
taxas médias de natalidade e de mortalidade. As provas – muitas delas extraídas
da Europa medieval indicam que, na maior parte dos anos, os nascimentos
excediam os óbitos. A mortalidade não supera a natalidade senão em períodos
relativamente breves, em que o número de óbitos se eleva terrivelmente, em
consequência de epidemias, fomes, guerras e outras catástrofes.
Dessa forma, se os níveis de fecundidade permaneceram quase constantes
no continente, os recentes estudos sobre padrões de fecundidade podem elu-
cidar a situação da fecundidade e da mortalidade na antiga África. A partir
de meados dos anos 1950, com mais freqncia do que em qualquer outro
lugar do mundo, foram efetuadas na África pesquisas demogficas de grande
535
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
escala
15
. Os dados coletados eram de interpretação difícil, sobretudo porque
as populações africanas o atribuíam tradicionalmente a mesma importân-
cia a certas informações (especialmente a idade das pessoas) necessárias aos
demógrafos para quantificar os resultados. De qualquer modo a existência de
dificuldades deu origem a novos todos de análise (a ponto de o desafio
representado pelos dados de proveniência africana ter revolucionado a meto-
dologia demográfica), gras aos quais numerosas informações sobre a África
subsaariana foram obtidas
16
.
Os resultados mostraram uma diversidade muito maior do que o supunham
as teorias sobre a estabilidade das populações a longo prazo (algumas variações
poderiam ser explicadas por erros nos dados). Não obstante, torna -se claro que,
na sua maior parte, as populações subsaarianas estão incluídas entre aquelas
cuja taxa média de fecundidade das mulheres, durante o período de procriação,
atingia 6,5 a oito filhos nascidos vivos e cuja taxa bruta de natalidade se apro-
xima dos 50 por mil, ou ainda mais. Constitui exceção uma área delimitada: na
África central, um retângulo de mais de 5 milhões de km, englobando Gabão,
Camarões, a República Popular do Congo, a República Centro -Africana e boa
parte do norte do Zaire. Nessa área, a taxa média de natalidade por mulher
aparentemente não passa de seis e, em certas regiões, o número cai para quatro.
A taxa bruta do conjunto do retângulo era certamente inferior a 40 por mil na
época em que nasceram as crianças recenseadas – dos anos 1940 aos anos 1960.
Estes números poderiam ser em boa parte imputados ao grande número de
mulheres que não tinham filho algum, número que em certas áreas chegava a
dois quintos da população feminina.
Dirigindo a atenção para o conjunto das regiões situadas fora desse retângulo
de baixa fecundidade, podemos apontar algumas hipóteses válidas sobre a situ-
ação demográfica da África subsaariana pré -moderna. Aplicaremos os métodos
de análise reservados às populações estáveis
17
, mas há que notar aí duas questões
problemáticas. A primeira questão é que é extremamente improvável que a taxa
de natalidade tenha jamais sido superior ao seu nível atual. Talvez tenha per-
15 Ver, por exemplo, a predominância da África nas listas de pesquisas sobre a fecundidade, in DUNCAN,
1973.
16 A metodologia vem descrita por W. BRASS e A. J. COALE, in BRASS et al., 1968, p. 108 -42; COALE
e DEMENY, 1967. Encontra -se uma exposição cronológica das conclusões e interpretações sucessivas,
por A. J. COALE e F. LORIMER, in BRASS et al., 1968; e por A. J. COALE e E. van de WALLE
in BRASS et al., 1968; H. J. PAGE e A. J. COALE, in OMINDE e EJIOGU (orgs.), 1972; e por H.
J. PAGE, in CALDWELL (org.), 1975.
17 Extraímos as cifras do quadro “Norte” , in COALE e DEMENY, 1966, p. 220 -435.
536
África sob dominação colonial, 1880-1935
manecido constante, como parece indicar o exame da pirâmide etária elaborada
há cinquenta anos, pelos censos da Costa do Ouro (atual Gana)
18
. Além disso, a
melhoria das condições sanitárias conseguiu diminuir a esterilidade e melhorar a
fecundidade, como se sugeriu ao menos no caso do Quênia e da ilha Maurício
19
.
Se assim for, é pouco provável que a taxa de fecundidade da África pré -moderna
tenha sido 90% inferior à atual, e quase impossível que não tenha alcançado
80%. A segunda questão é a possibilidade de a população não ter permanecido
estacionária, mas ter mantido uma taxa de crescimento de 0,5% ao ano durante
alguns séculos (devido a razões que serão analisadas adiante).
Esse conjunto de fatores eventuais nos autoriza a imaginar uma sociedade em
que a taxa de fecundidade feminina atingia a média de 5,5 a 7 filhos nascidos
vivos, correspondente a uma taxa de natalidade de 42 a 50 por mil. A expectativa
de vida ao nascer era de 20 -30 anos, para uma taxa de mortalidade de 38 a 50 por
mil e uma mortalidade infantil de 250/375 por mil crianças nascidas vivas. Pode -se
admitir uma hipótese intermediária: uma situação em que a fecundidade média
das mulheres ultrapassasse ligeiramente 6 filhos nascidos vivos, de onde teríamos a
taxa média de expansão demográfica de 0,3% e a expectativa de vida ao nascer de
22,5 anos mais ou menos – nível correspondente ao da Roma Antiga, no fim da
República
20
. Admite -se, então, uma taxa bruta de natalidade equivalente mais ou
menos a 48 por mil e uma taxa bruta de mortalidade de 45 por mil, situando -se
a mortalidade infantil entre 300 e 350 por mil. As elevadas taxas de natalidade,
encorajadas pela cultura e pela religião, constituem certamente uma espécie de
resposta à fortíssima mortalidade que por muito tempo caracterizou a África
tropical como uma das regiões do mundo mais dizimadas por doenças.
O quadro não nos deve surpreender: as precárias condições da higiene pública
prolongaram -se por muito tempo, até a época atual, nas mais remotas partes do
continente. Pesquisas efetuadas em Mali (final da década de 1950) e em Alto
Volta (início dos anos 1960) levaram a admitir uma taxa bruta de mortalidade
próxima de 40 por mil e de mortalidade infantil próxima ou até superior a 300
18 J. C. CALDWELL, in BIRMINGHAM, NEUSTADT e OMABOE (orgs.), 1967, p. 94.
19 A taxa de natalidade da ilha Maurício, que se mantivera na média de 40 por mil durante todo o século,
passou de 33 por mil em 1943 e para 50 por mil em 1950, ocorrendo a expansão mais forte durante
e após a campanha antimalárica. William Brass acredita que as taxas de natalidade aumentaram na
década de 1950 no Quênia (comunicação pessoal), enquanto D. J. van de Kaa julga que as taxas atuais
de natalidade estão evoluindo na Nova Guiné (atual Papua -Nova Guiné), em condições de saúde e de
mudança social análogas às de certas partes da África. (VAN de KAA, 1971.)
20 DUBLIN, LOTKA e SPIEGELMAN, 1936, p. 42.
537
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
por mil
21
. Semelhante estado de coisas é, porém, incompatível com a estabilidade
demográfica verificada na zona de baixa fecundidade da África central, quando
se admite que as atuais taxas de natalidade mantiveram -se constantes desde
o passado. Dados os níveis de mortalidade acima descritos (hipótese bastante
moderada, uma vez que as condições sanitárias nas florestas equatoriais do
litoral da África ocidental foram, sem dúvida, por muito tempo piores que em
qualquer outra parte), poderíamos concluir daí o seguinte: durante os séculos
passados, nas regiões em que a taxa média de fecundidade das mulheres era de
cinco nascimentos, o despovoamento teria tido ritmo superior a 0,5% ao ano;
onde a taxa de fecundidade caía para 3,5 nascimentos, o despovoamento atin-
giria pelo menos 1,5% ao ano. Esta suposição é inconcebível se aplicada a um
período prolongado: no último caso (despovoamento de 1,5%), a cada 40 anos a
população teria diminuído para metade. Em ambos os casos há indícios de que,
nos primeiros tempos da ocupação europeia, as populações africanas realmente
ultrapassavam, de longe, todas as estimativas aventadas. A única conclusão possí-
vel é a de que a fecundidade tenha baixado nesta região em época relativamente
recente, muito provavelmente durante o período de que estamos tratando.
Nosso objetivo essencial consistirá em examinar as influências que tenham
podido provocar mudanças na densidade demográfica a longo prazo, bem como
os fatores passíveis de ter exercido efeitos drásticos de curto prazo durante o
século passado. Sempre se supôs que, nas sociedades tradicionais, o principal
fator de limitação numérica da população fosse o potencial de alimentos dis-
poníveis. No entanto, E. Boserup argumenta que as densidades demográficas
críticas não conduziam a uma situação malthusiana, mas a uma evolução dos
métodos agrícolas: As baixas taxas de expansão demográfica encontradas (até
pouco) nas comunidades pré -industriais não podem ser explicadas como
resultado de uma carência de recursos alimentares devida à superpopulação, e
que aceitar a ideia de outros fatores na explicação das tendências demográficas
[...], médicos, biológicos, políticos etc.”
22
Talvez o passado da África tenha sido bem mais complexo e, nos casos
extremos, se tenha chegado aos limites do potencial de alimentos, ainda que não
frequentemente. As terras destinadas à lavoura restringiam -se às impróprias para
outros usos; por exemplo, a faixa de terra quase deserta que separava dois reinos
em guerra era utilizada como “terra de ninguém”. Na maior parte do continente
africano, o total de terras cultivadas sempre foi pequeno, em parte devido aos
21 P. CANTRELLE, in CALDWELL (org.), 1975, p. 102.
22 BOSERUP, 1965, p. 14.
538
África sob dominação colonial, 1880-1935
métodos de queimada rotativa da savana, em parte pelo fato de os caçadores e
coletores de alimentos terem necessidade de vastas extensões para sobreviver.
Os episódios de fomes dramáticas eram excepcionais, registrados apenas em
seguida a secas, invasões de gafanhotos ou caos social provocado por guerras
ou epidemias. A crise amiúde desencadeava -se muito repentinamente para per-
mitir o aproveitamento importante das terras ociosas
23
. Os limites extremos do
potencial alimentício natural eram superados, causando enorme mortalidade
e despovoamento, cujos efeitos persistiam por dezenas de anos. As pressões
sobre a capacidade de produção de alimentos do sistema eram habitualmente
– mas não sempre – demasiado breves e súbitas para determinar mudanças nos
métodos de exploração do solo, segundo Boserup. Essas mudanças são mais
prováveis quando pressão demográfica permanente age sobre a capacidade de
produção de alimentos do sistema agrícola, seja numa situação em que a taxa
de mortalidade tenha se reduzido significativamente com a melhora da higiene
pública ou outras medidas, seja quando circunstâncias fortuitas ou condições
geográficas favoráveis moderam os picos de mortalidade. Por dezenas de anos,
subsequentemente à crise, a densidade humana permanecia abaixo do limite a
partir do qual haveria pressão sobre os recursos alimentares
24
. As populações
aumentavam, mas em ritmo modesto, pois estavam sempre sujeitas a epidemias e
doenças fatais. A taxa de crescimento demográfico pode ter subido ligeiramente
pois, numa população esparsa, os riscos de contágio das doenças infecciosas
diminuem temporariamente
25
. Mas isso é discutível, que o desastre pode ter
causado uma tal desorganização na comunidade (por exemplo, uma alta por-
centagem de órfãos) que a mortalidade poderia ter crescido por outras razões.
Os fatores da evolução demográca em
oposição a antes e depois de 1880
O fator mais nefasto para o equilíbrio demográfico foi, sem dúvida, o tráfico
de escravos. Embora o presente capítulo compreenda um período cujo início
23 Esta tese apoia -se principalmente em um estudo efetuado em primeira mão sobre as secas no Sahel e
na Etiópia, no início dos anos 1970. Ver CALDWELL(?).
24 Para um exame mais cuidadoso deste gênero de pressão, consultar ALLAN, W., 1965.
25 Como foi aparentemente o caso entre os colonos dos séculos XVII e XVIII, em contraste com a situação
das sociedades das quais eles provinham.
539
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
coincide com a abolição quase total do tráfico de escravos através do Atlântico,
é preciso estudar a importância da escravatura e seus efeitos a longo prazo.
O modo como certos números tornaram -se convencionalmente aceitos para
medir a quantidade de africanos das regiões tropicais embarcados para o Novo
Mundo assemelha -se curiosamente ao modo como foram extrapolados os cál-
culos da população do continente, a partir da obra de Riccioli.
P. D. Curtin demonstrou como a quase totalidade dos historiadores moder-
nos abeberou -se indiretamente em Kuczynski, que foi buscar as estimativas em
W. E. B. Du Bois, o qual, por sua vez, reproduzira as estimativas arbitrárias de
Edward Dunbar, publicista norte -americano de meados do culo XIX que
defendia a causa política dos mexicanos
26
.
Até que outros pesquisadores empreendam um exame mais completo das
fontes originais, somos obrigados a citar as estimativas do próprio Curtin:
segundo este autor, 9,5 milhões de escravos africanos chegaram vivos à Amé-
rica, distribuídos do seguinte modo: século XV, 34 mil (0,4% do total); século
XVI, 241 mil; (2,5%); século XVII, 1341 mil (14%); século XVIII, 5652 mil
(59,1%); século XIX, 2298 mil (24%)
27
. Este movimento, mais o pequeníssimo
contingente de emigrantes africanos livres que atravessaram o Atlântico no
século XIX
28
, produziu nas duas Américas o desenvolvimento de uma população
de origem africana cujo efetivo representa, hoje, um múltiplo do número total
dos escravos outrora importados. Como não podia deixar de ser, a África ocupa
o segundo lugar (depois da Europa) enquanto fonte de povoamento de “colonos”
que emigraram do continente de origem. A significação histórica profunda desse
fato ainda não foi plenamente compreendida.
A exportão de escravos (aceitando, em princípio, o número de africanos
que chegaram vivos às Américas) pode ser considerada como taxa de emigra-
ção, com a ressalva de que desconhecemos realmente o efetivo das populações
autóctones de onde foram extraídos esses contingentes. A tulo de exemplo
26 CURTIN, 1969, p. 3 -8; a fonte intermedria da maior parte dessas estimativas é KUCZYNSKI, 1936, p. 12.
27 Extraída dos quadros das páginas 116, 119, 216 e 234, in CURTIN, 1969. Na reunião de especialistas
sobre o tráco negreiro, realizada sob os auspícios da Unesco em Port -au -Prince (Haiti), de 31 de janeiro
a 4 de fevereiro de 1978, os participantes não chegaram a acordo quanto ao número exato de escravos
exportados para o Novo Mundo. Segundo a opiniào geral, as cifras de Curtin eram muito reduzidas,
e o número exato deveria situar -se entre 15 e 30 milhões. Ver o relatório nal da reunião, documento
CC -78/CONF. 601/7, Unesco, Paris, 17 de julho de 1978; ver também J. E. INIKORI, “La traite des
Noirs et les économies atlantiques de 1451 a 1870”, documento de trabalho apresentado nessa reunião,
CC -76/WS/22, Paris, 1 de outubro de 1976.
28 Por exemplo, os 36 100 africanos recrutados nas Antilhas britânicas entre 1841 e 1867. Ver ROBERTS,
G. W., 1954, p. 235
540
África sob dominação colonial, 1880-1935
e para nos reportarmos às estimativas baixa e média de Durand
29
(esta última
porque mais adiante argumentaremos que pode estar mais próxima da verdade
do que as novas estimativas de população constante), o quadro 1 , para três
culos e meio (1500 -1850), as taxas dias anuais de emigrão por mil
habitantes da população de base correspondente às hipóteses demográficas
média e baixa.
Quadro 1 Taxas médias anuais de emigração africana da população de base
(1500 ‑1850)
Número
de escravos
exportados
Século
XVI
Século
XVII
Século
XVIII
1800‑1850
Taxa por mil
habitantes
Hipótese
demográfica
média
Hipótese
demográfica
baixa
0,5 0,4
0,9 0,6
Mesmas taxas
para a África
ao sul do Saara
Hipótese
demográfica
média
Hipótese
demográfica
baixa
0,6 0,4
1,1 0,6
No entanto, a maior parte dos escravos provinha de regiões bem definidas da
costa ocidental da África, sobretudo do Senegal e de Angola. Além disso, em
sua maioria os cativos eram originários de zonas situadas a menos de 500 km do
litoral. Supondo que nessas regiões encontrava -se aproximadamente um terço
29 As estimativas dadas para os séculos XVI e XVII seguiram os métodos de Durand.
541
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
da população africana que habitava o sul do Saara, obteremos as taxas indicadas
no quadro 2 para os quatro períodos abaixo considerados:
Quadro 2 Taxas médias anuais de emigrão da população de base, nas
regiões mais afetadas pelo tráfico de escravos
Taxa de exportação
Século
XVI
Século
XVII
Século
XVIII
1800‑1850
Hipótese
demográfica média
0,1 0,6 2,5 1,8
Hipótese
demográfica baixa
0,2 0,8 3,1 1,9
A esses meros que adicionar as mortes provocadas pelo tráfico. A
mortalidade de escravos durante a travessia do Atlântico parece ter decrescido
proporcionalmente: um sexto nos séculos XVI e XVII, um décimo nos séculos
XVIII e XIX
30
. Durante as operações de captura e marcha dos prisioneiros
para o litoral, o número de óbitos era com certeza elevado. Parte dessa morta-
lidade suplementar ocorreria de qualquer forma, pois a análise das origens da
escravidão na África ocidental revelou que a oferta de escravos nos mercados
aumentava significativamente por ocasião dos conflitos internos (tais como as
conquistas dos Fulani na Nigéria), que faziam multiplicar o número de refu-
giados e de prisioneiros
31
. Mas, sem dúvida, a existência de um mercado de
escravos na costa fazia aumentar a violência arbitrária e o número de vítimas
das ilegalidades extraordinárias ou de aplicações mais rigorosas da lei habitual.
As taxas acima apresentadas devem, portanto, ser acrescidas provavelmente de
50%, no mínimo, para os séculos XVI e XVII, de um terço para o século XVIII
e talvez de 20% para o século XIX.
O aumento das taxas de perdas, mesmo se aplicado às estimativas baixas
de população, não produz para a África uma taxa global superior a 1,3 por
mil para o século XVIII e a 0,7 por mil para o século XIX. As perdas seriam
compensadas pela diferença média de um ponto, entre a taxa de natalidade e
a de mortalidade (o correspondente a uma taxa de expansão natural de 0,1 %).
Considerando -se somente a África ao sul do Saara, esses números tornam -se,
respectivamente, 1,4 e 0,8; e restritos ao terço dessa população, eles passam para
4,2 e 2,9. Bastariam essas taxas para provocar um decréscimo da população e
30 CURTIN, 1969, p , 275 -86.
31 Ibid., p. 260.
542
África sob dominação colonial, 1880-1935
deter todo e qualquer crescimento, na falta de outra mudança substancial que
pudesse melhorar o balanço demográfico. Com efeito, parece que, nas sociedades
pré -modernas, as taxas médias de expansão natural raramente alcançaram 0,4%
por longos períodos. No decorrer do século XVIII e começos do XIX, havia na
costa africana, de Cabinda até Luanda, bem como no interior correspondente,
uma zona de evidente despovoamento. Essas zonas costeiras e interioranas, que
englobam hoje em dia grande parte da atual Angola, do Zaire e até de Zâmbia,
dificilmente teriam mais do que quatro milhões de habitantes e, no entanto,
devem ter fornecido bem mais de um milhão de escravos somente no século
XIX. De acordo com a fórmula adotada acima, esses números sugerem uma
taxa de perda próxima de 1% ao ano, que certamente se traduziu em baixa de
densidade e despovoamento de certas regiões, sobretudo em Angola.
Quais eram, então, as sequelas disso em 1880? As remessas para fora do con-
tinente haviam praticamente cessado: escravos provenientes do Sudão meridio-
nal foram introduzidos ao longo do Nilo até a Etiópia, a África oriental e talvez
o Oriente Médio, durante mais alguns anos. A escravidão de fato continuava
a ser praticada de Angola para as plantações de São Tomé e Príncipe, situação
que perdurou até 19l3. Em Zanzibar (hoje parte da Tanzânia), o comércio de
escravos extinguiu -se praticamente depois de 1873. De resto, o mercado jamais
atingiu, nessa região, escala comparável ao tráfico maciço das costas atlânticas,
mesmo que dele tenha resultado certo despovoamento ao longo dos grandes
eixos de penetração do interior, especialmente o que do oeste ia para Tabora.
No interior do continente, a escravidão sedentária continuou, como prova um
relatório de 1904 referente à África Ocidental Francesa, de acordo com o qual
um quarto da população, aproximadamente, vivia sob um regime qualquer de
escravidão
32
. No entanto, as consequências para a demografia local eram, sem
dúvida, insignificantes. Embora em 1880 o tráfico para além do Atlântico
contasse quatro séculos de existência, metade dos escravos fora exportada mais
ou menos a partir de 1770, inicialmente para atender ao surto do algodão norte-
-americano e, depois, à crescente demanda do Brasil.
Durante esse período de mais ou menos um século (1770 -1880), os africanos
que chegaram vivos ao continente americano, mais aqueles mortos no momento
da captura ou durante o transporte, podem ser calculados ao todo em aproxima-
damente 6 milhões (4,5 milhões de homens e 1,5 milhão de mulheres)
33
. Desse
total, a fração daqueles que, mesmo permanecendo livres, teriam sobrevivido
32 SURET -CANALE, 1971, p. 66.
33 A respeito da divisão por sexos, ver CURTIN, 1969, p. 41, nota 37.
543
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
até 1880 seria pequena: 250 mil pessoas no máximo, se levarmos em conta a
redução das exportações de escravos depois de 1840. No entanto, a deportação
de mulheres teve consequências mais graves para a demografia. Mesmo partindo
de taxas de reprodução que caracterizam uma população estacionária, 1,5 milhão
de mulheres teria dado à luz 3 milhões de filhos nascidos vivos (quer dizer, a um
número de descendentes igual ao número de progenitores); um baixo índice de
expansão natural (0,3% ao ano) faria aumentar esse número para 3,25 milhões
por volta de 1880, dado que a massa de escravos foi exportada no início do
período que estamos considerando. A cifra de 4 milhões de pessoas representa
uma estimativa razoável do déficit total. Essa perda seria irrisória para a África
como um todo ou para o conjunto das regiões ao sul do Saara, talvez 4 e 5%, res-
pectivamente, o que representaria, se partirmos de uma taxa de expansão natural
anual de 0,5%, o equivalente a oito ou 10 anos de crescimento. No entanto, nas
regiões que constituíam as principais fontes de escravos a situação seria outra:
se empregássemos a hipótese anterior isto é, que a área continha um terço
da população subsaariana –, o déficit teria sido de 15%, ou seja, o equivalente a
uma geração inteira, pelo menos.
Duas hipóteses se afiguram discutíveis nestes cálculos. A primeira é que, para
as populações do final do século XVIII e começos do XIX, o malthusianismo
não constituía a regra, que os recursos alimentares podiam ser desenvolvi-
dos pela adoção de uma agricultura mais extensiva ou mudando -se as plantas
cultivadas. Se assim não fosse, então a população teria tido, normalmente, um
aumento natural muito pequeno, mas expandindo -se com rapidez bastante para
compensar o déficit devido ao tráfico, antes de diminuir. De onde se infere que o
tráfico teve um impacto muito fraco sobre o total da população. Não obstante,
se supôs uma certa restrição malthusiana, considerando -se que metade da quan-
tidade total de escravos foi exportada durante os três séculos anteriores a 1770.
Se esta hipótese não se confirmar (e supondo que a divisão por sexos nas cargas
de cativos tenha permanecido relativamente constante no decurso dos séculos),
poderemos, então, presumir um déficit suplementar de 4 milhões de almas, se
aplicarmos apenas a taxa média de expansão natural a partir de 1770. O número
chega a 5 milhões se considerarmos o período inteiro. A segunda hipótese, bem
menos discutível, é que o caráter universal do casamento das mulheres na África,
garantido, mesmo nas regiões onde havia desequilíbrio numérico entre os sexos,
pela prática da poligamia, significa que a retirada maciça de homens teve pouco
efeito sobre a reprodução global. Na realidade, os costumes tradicionais de casa-
mento limitaram as perdas infligidas à África pelo tráfico.
544
África sob dominação colonial, 1880-1935
Nas regiões (e áreas limítrofes) que forneceram escravos durante quinhentos
anos, produziu -se uma mudança mais sutil, que pode ter causado um impacto
demográfico mais importante. Trata -se da evolução das fontes de alimentos,
que experimentaram grande renovação em consequência dos contatos externos.
Algumas das populações africanas mais densas vivem hoje sob os “trópicos
úmidos”, região que se estende da costa da África ocidental, pela bacia do Congo,
aos planaltos da África oriental. A maior porção dessa área era originariamente
recoberta por espessas florestas, boa parte das quais ainda subsiste. Atualmente,
elas abrigam dois quintos da população do continente, mas nem sempre foi
assim. A característica mais extraordinária dessa vasta região é que larguíssima
parte dos alimentos provém de plantas ali desconhecidas quinhentos anos.
Um exame atento das pesquisas científicas sobre os regimes alimentares ao sul
do Saara
34
, bem como de outros documentos semelhantes, demonstra que a
mandioca é, hoje, a cultura mais difundida no litoral que vai da Costa do Marfim
até Angola. No interior, o cultivo de mandioca atinge os contrafortes ocidentais
dos planaltos da África oriental. O segundo lugar cabe à cultura do milho, que
tende a dominar em Angola e nas vastas extensões da África oriental (do Quênia
a Lesotho e a Natal). Em Ruanda e em Burundi, a ordem de importância das
culturas é feijão, batata -doce, mandioca e batata.
mais de seis mil anos, segundo alguns especialistas (embora outros o con-
testem), a revolução neolítica atingiu a África pelo Egito, alcançando as savanas
da África ocidental uns três mil anos mais tarde
35
. A passagem à agricultura pro-
duziu resultados espantosamente fecundos, que permitiram a domesticação de
plantas selvagens na Etiópia e na África ocidental. Civilizações neolíticas ainda
mais avançadas (como a civilização Nok) surgiram na Nigéria setentrional. O
cultivo de gêneros alimentícios na zona tropical úmida teve menor êxito, embora
a cultura local do inhame se adaptasse à umidade e prosperasse bastante bem
às margens das florestas, assim como a variedade de arroz da África ocidental.
Pouco depois do início da era cristã, vegetais mais adaptados à África equatorial,
como a banana (especialmente a banana -da -terra) e o inhame asiático, alcan-
çaram a África oriental e propagaram -se lentamente em direção ao Ocidente
36
.
34 M. P. MIRACLE, in GABEL e BENNETT (orgs.), 1967, p. 201 -25. Miracle demonstrou de forma
convincente a imperfeição dos dados antropológicos utilizados por MURDOCK, 1960, bem como
o interesse de que se revestem as sérias pesquisas por sondagem efetuadas pelos serviços públicos no
decorrer do ano. Levando em conta as reservas apontadas pelos críticos de Miracle, Murdock foi aqui
empregado como referência adicional.
35 OLIVER e FAGE, 1962, p. 25; MURDOCK, 1960.
36 HALLET, 1970, p. 16 -17; ver também SAUER, 1952, p. 34 -5.
545
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
Mas a conquista da floresta era obra de grande envergadura: a agricultura e o
povoamento humano progrediram vagarosamente nas zonas florestais. O pro-
cesso foi tão lento que, até o século XV, as áreas de florestas ao norte da bacia
do Congo parecem ter sido esparsamente povoadas por caçadores e coletores,
população que ainda hoje ocupa considerável extensão de terras
37
.
Do ponto de vista da história demográfica, tenhamos sobretudo presente que,
quinhentos anos a floresta africana abrigava uma população muito escassa.
As grandes exceções eram as margens da floresta, a costa e os principais eixos
de comunicação. Na Nigéria, a zona de Lagos oferece -nos um exemplo do pri-
meiro caso; do mesmo modo, Old Oyo no caso do litoral. Por fim, no caso dos
eixos de comunicação, citemos Ife e Benin onde se faz a travessia do Níger, no
último ponto em que o rio é facilmente acessível e vadeável antes de atingir o
delta. Desde então, a ocupação da floresta continuou em ritmo acelerado e ainda
não se completou. Para tomar um exemplo da Nigéria um exemplo recente
–, a abertura da floresta úmida ao sul de Ondo (e a sudeste do país Yoruba,
densamente povoado) à agricultura intensiva foi, em larga medida, produto da
construção da estrada que liga Ijebu Ode a Benin, em começos dos anos 1960.
Parece fora de dúvida que o povoamento da floresta foi quase que intei-
ramente devido à expansão natural e não à imigração. Do mesmo modo, está
claro que o processo se acelerou no século XIX e que, no decorrer do período
em estudo, já atingira um ritmo sem precedentes. O milho alcançou certos
pontos ao norte da bacia do Congo somente depois de 1830, e tornou -se o
cultivo mais importante dos Zande por volta de 1900. O Quênia cultivava o
milho desde os anos 1880, mas, até o final do século, somente a costa do oceano
Índico produzia em grandes quantidades
38
, em Uganda, Ruanda e Burundi,
o milho não assumiu importância senão nas primeiras décadas do século XX
39
.
O cultivo da mandioca foi ainda mais tardio. Na África ocidental, a difusão
do cultivo da mandioca foi freada devido à ignorância dos africanos, que não
sabiam prepa-la nem eliminar as diversas substâncias tóxicas que a planta
contém. Foram os afro -brasileiros (africanos retomados do Brasil, para onde eles
próprios ou seus ancestrais tinham ido como escravos), estabelecidos na costa da
Guiné no século XIX, que ensinaram os autóctones a preparar o gari (farinha de
mandioca), receita que parece ter -se difundido dos centros de afro -brasileiros à
37 McCALL, 1964, p. 142 -3; PHILLIPSON, 1977, p. 220 -30.
38 MIRACLE, 1966, p. 95 -9.
39 M. P. MIRACLE, in GABEL e BENNETT (orgs.), 1967, p. 219 -20.
546
África sob dominação colonial, 1880-1935
maior parte das regiões de cultura tradicional do inhame”, mas sua expansão se
tornou particularmente rápida mais ou menos a partir de 1900
40
.
O cultivo da mandioca desenvolveu -se significativamente somente a partir
de 1900 no Senegal e não antes dos anos 1920 ao norte dos rios Níger e Benue
41
.
Todas as provas coincidem. As variedades asiáticas de arroz suplantaram de
longe as variedades indígenas, especialmente na África ocidental, no decurso dos
séculos XIX e XX. No entanto, às antigas variedades de tara vieram acrescentar-
-se, no século XIX, os novos tipos importados do Pacífico
42
.
O historiador da alimentação notaria as mudanças revolucionárias ocorridas
nos regimes alimentares. No entanto, o demógrafo deve sublinhar que grande
parte das regiões situadas ao sul do Saara passaram por mudanças nos últimos
quinhentos anos, e que tal evolução tornaria quase inevitável a expansão demo-
gráfica. Acrescentemos que as mudanças se aceleraram no final do século XIX e
que exerceram efeito particularmente sensível exatamente nas zonas que foram
as grandes fornecedoras de escravos.
Esses foram os principais fatores determinantes da evolução demográfica,
mas outros. Citemos o comércio, embora seja o caso de perguntarmos se as
suas atividades introduziram mais riqueza, maiores possibilidades de comprar
víveres em época de escassez e, talvez, de receber cuidados médicos nas poucas
localidades onde isso era possível, ou se não trouxeram novas doenças, ao mul-
tiplicar o contato com estrangeiros. Por volta de 1880, as culturas comerciais
compreendiam o algodão do Egito, o cravo -da -índia de Zanzibar, o açúcar de
Natal e a crescente área de amendoim do Senegal. Na Argélia, colonos brancos
haviam fundado uma economia colonial baseada no vinho e no trigo. Falta
mencionar um efeito secundário do comércio, prejudicial à saúde pública: a
maciça importação de álcool de forte graduação pelo continente. O comércio
do álcool deve -se a dois motivos: a) o álcool podia ser produzido a baixo preço
na Europa e exportado para a África com enormes lucros; b) numa economia
que ignorava qualquer moeda de troca verdadeiramente reconhecida, havia o
problema de oferecer uma mercadoria que fosse aceita pelos africanos em con-
trapartida aos produtos locais
43
. Mary Kingsley julgava legítimo o comércio
de álcool, supondo -o menos nocivo do que a maconha
44
, opinião partilhada
40 W. O. JONES, 1959, p. 79.
41 Ibid., p. 80 -4.
42 JOHNSTON, B. F., 1958, p. 26.
43 Ver as observações de H. M. Stanley, citadas por MIDDLETON, 1936, p. 288.
44 KINGSLEY, 1897, p. 662 -8.
547
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
por uma comissão formada em 1909 para pesquisar o comércio do álcool
45
. As
bebidas alcoólicas eram distribuídas em profusão, muitas vezes sob a forma de
salário. Em 1894, metade das receitas globais e 95% dos direitos aduaneiros
do protetorado da costa do Níger provinham do álcool. Nesse mesmo ano, as
receitas públicas oriundas de bebidas alcoólicas alcançavam aproximadamente 2
milhões de libras esterlinas
46
. Embora a Conferência de Bruxelas de 1892 tenha
procurado, sem êxito, limitar esse comércio no Congo (atual Zaire), nenhuma
regulamentação pôde ser imposta na África tropical, antes do período imedia-
tamente anterior à Primeira Guerra Mundial.
As mesmas questões podem ser colocadas a respeito de outro tráfico, o de
armas. A introdução da carabina é que permitiu a um punhado de homens
arrebatar grande quantidade de escravos africanos. A experiência dos traficantes
árabes e etíopes na África oriental o comprova. A prazo mais longo, essas regiões
comercialmente mais desenvolvidas foram as primeiras a serem dotadas de uma
infra estrutura econômica, administrativa e civil: instalações portuárias, estradas,
centros comerciais, comercialização das safras e, finalmente, escolas, equipamen-
tos sanitários e, talvez, redução das taxas de mortalidade. Na África ocidental, as
regiões particularmente ativas no comércio de escravos em geral estavam à frente
no que se refere a esses melhoramentos. Os Igbo e os Ashanti desenvolveram
parte de seus dons para o comércio durante a época do tráfico de escravos. No
norte da África, drenagem, redes de esgotos e outras infraestruturas sanitárias
foram, sem dúvida, implantadas desde meados do século XIX, em algumas cida-
des da Argélia e do Egito. O objetivo, em grande parte, era proteger as minorias
europeias recentemente ali estabelecidas, mas as populações autóctones também
acabaram por ser beneficiadas. Na década de 1840, o impacto deste progresso
foi particularmente benéfico em Argel, onde os franceses procuravam erradicar
o cholera morbus
47
.
O impacto do colonialismo
Um dos argumentos mais frequentes dos europeus para justificar a sua polí-
tica de colonização nos anos 1880 era que as novas administrações permanentes
reduziriam as perdas em vidas humanas, até então devidas às lutas entre etnias
45 SCHRAM, 1971, p. 115.
46 Ibid., 114 -5.
47 MORRELL, 1854, p. 87.
548
África sob dominação colonial, 1880-1935
e às operações de captura pelos mercadores de escravos. Lugard insistia muito
em que as regiões mais despovoadas da Nigéria comprovavam as devastações
crônicas
48
. Sem dúvida, reinava certa insegurança na África pré -colonial: a posi-
ção defensiva ocupada por inúmeras aldeias o demonstra. Os agricultores
desciam à planície para cultivar as melhores terras, desde que tivessem a sua
segurança garantida
49
.
O argumento da maior segurança tornou -se verdadeiro a longo prazo, mas
continua a ser muito discutível quanto às primeiras décadas. A instabilidade
africana fora exacerbada ao contato dos europeus. De qualquer modo, com
certeza os administradores e missionários a ampliaram, todos procurando
justificar a nova ordem instaurada. Em muitos casos, o objetivo das razias
não era a captura de homens, mas a pilhagem de gado e cereais
50
, ainda que
os proprietários atacados corressem riscos ao defender seus bens. Mas o que
os novos regimes coloniais citam com menos frequência é o pesado tributo
em vidas humanas que foi o preço de suas intervenções nas diferentes regiões
da África. As perdas raramente ocorriam logo ao primeiro estabelecimento
da administrão; deviam -se, antes, à repressão das revoltas posteriores e às
expedições punitivas por elas desencadeadas. Essas reprelias parecem ter
causado sérios prejuízos, em razão da escassez de alimentos que se seguia à
transmutação dos ciclos da agricultura de subsistência. Eis alguns exemplos:
no Senegal, em 1886, o massacre de milhares de autóctones quando tentavam
opor -se à construção de uma ferrovia
51
; a guerra dos Ndebele na Rodésia do
Sul (atual Zimbábue), em 1893; a interminável repressão da revolta dos Bate-
tela no Estado Livre do Congo (1895 -1907); a série de dramas no Sudoeste
Africano alemão (atual Namíbia) (1901 -1906). Desastres ainda mais graves
esgotaram Tanganica (atual Tanzânia), onde os alemães adotaram a tática da
“terra queimada” durante a rebelião dos Maji Maji (1905 -1906). O número
total de mortos elevou -se provavelmente a centenas de milhares, principal-
mente devido à fome
52
. Nessa mesma região, as hostilidades entre as tropas
alemãs e as britânicas durante a Primeira Guerra Mundial sem dúvida alguma
agravaram a taxa de mortalidade. Mesmo que as causas tenham sido mais
48 LUGARD, 1929, p. 66.
49 PROTHERO, 1965, p. 39 -40; R. M. PROTHERO, in CALDWELL e OKONJO (orgs.), 1968, p.
252.
50 MACMILLAN, 1938, p. 47 et seq.
51 GAFFAREL, 1905, p. 80 -4.
52 Ver C. J. MARTIN, in BARBOUR e PROTHERO (orgs.), 1961, onde as perdas em vidas humanas
são estimadas em aproximadamente meio milhão.
549
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
complexas, citemos como consequência indireta, mas certa, da presea dos
europeus as devastações sofridas pelos países limítrofes da nação Zulu depois
de 1800, bem como as destruições decorrentes das guerras dos Zulu, que se
prolongaram de 1879 até o último levante de 1906. A ocupão branca não
pacificou em toda a parte os conflitos que dividiam os africanos. Certas riva-
lidades agravaram -se, porque os administradores ou os missionários tomavam
o partido de um grupo étnico contra outro. Em certas regiões do continente, a
paz colonial permitiu aos povos agricultores empalmar as terras dos nômades,
como ocorreu nos países dos Tuaregues e dos Massai.
Evidentemente, algumas das regiões dotadas de administração permanente
experimentaram uma expansão demográfica durante o século XIX. Esse parece
ter sido o caso do Egito, país onde, no começo do século passado, Muhammad
Alī desenvolveu a irrigação e melhorou as infra estruturas sanitárias
53
. Foi tam-
bém o que sucedeu na Argélia, depois que os franceses subjugaram os últimos
resistentes, em 1879
54
. Em particular quando os militares cederam lugar aos
administradores civis fato que se generalizou em começos do século XX –, a
necessidade de tal estabilidade nasceu das exigências impostas pelos governos
metropolitanos, para os quais as administrações coloniais africanas deveriam ser
auto ssuficientes
55
. Daí resultaram importantes esforços pelo desenvolvimento
das comunicações e pela produção destinada à exportação.
O problema demográfico maior, que assinalou os anos anteriores à Primeira
Guerra Mundial, foi talvez a questão da mão de obra e os sistemas de concessão
aplicados na África central.
No final do século XIX, as metrópoles advertiam que as colônias tinham de
ser rentáveis. Alcançar o objetivo, ou não, dependia inteiramente do trabalho da
mão de obra africana. Os lucros provinham do transporte dos produtos, que era
realizado por carregadores na maior parte das regiões tropicais do continente. Na
verdade, a existência da mosca tsé -tsé impedia o emprego de animais de tração,
e a falta de estradas e de ferrovias afastava a possibilidade de transporte meca-
nizado. Na África central, o produto mais lucrativo foi, a princípio, o marfim, e
o transporte das presas exigia enormes esforços dos carregadores.
O desenvolvimento da bicicleta de pneus, nos últimos anos da década de
1880, e do automóvel com rodas pneumáticas, na década seguinte, ocasionou
enorme demanda de borracha, que não pôde ser atendida pelas plantações antes
53 KISER, 1944, p. 385 et seq.
54 OLIVER e FAGE, 1962, p. 150.
55 Ibid., p. 204 et seq.
550
África sob dominação colonial, 1880-1935
da geração seguinte (a primeira plantação da Malásia começou a produzir em
1910). No intervalo, a África tropical e a América do Sul satisfizeram as neces-
sidades do mercado graças à borracha nativa, que na África dava principal-
mente em lianas e cuja exploração, transporte e primeiro processamento exigiam
importantes recursos de mão de obra.
A dificuldade com a mão de obra provinha do fato de os africanos que viviam
da agricultura de subsistência terem poucas necessidades pessoais, conside-
rando o trabalho regular como uma forma de escravidão
56
. Na opinião deles, esse
tipo de trabalho era para mulheres
57
. Os europeus, frustrados ao ver escapar -lhes
polpudos lucros, tomavam muito a mal essas atitudes africanas: “O medo tinha
de substituir a falta de ambições, de desejo de enriquecer, tornando -se o motivo
que incitaria os africanos a trabalhar
58
. As soluções aplicadas foram primitivas
e frequentemente brutais. O trabalho forçado foi introduzido em benefício dos
poderes públicos, e os chefes locais, encarregados de designar os trabalhadores.
Instituíram -se os impostos pessoais e de palhota, com a possibilidade, em certas
regiões e mais comumente nos primeiros tempos do sistema, de se optar pelo
pagamento em dias de trabalho. Em 1896, depois que a conquista francesa intro-
duziu a tributação, os Mossi do Alto Volta procuraram, a princípio, aumentar
a produção e o comércio, mas logo os jovens Mossi começaram a ir trabalhar
como operários sazonais na Costa do Ouro (atual Gana), só para descobrir que
os impostos triplicaram entre 1906 e 1910
59
. O sistema tem uma longa história.
Fazia parte do novo método de colonização aplicado pela França nos anos 1920,
época em que os Mossi foram empregados nas obras da ferrovia da Costa do
Marfim e nas outras obras de infra estrutura da África ocidental francesa, embora
o trabalho dos carregadores se tornasse cada vez mais raro, à medida que se
generalizava o uso dos caminhões de carga
60
. Além disso, os africanos estavam
obrigados aos recrutamento militar, sendo incorporados no exército e na polícia.
Em certos países, empregou -se mão de obra recrutada no estrangeiro, como foi
o caso dos indianos recrutados para construir a ferrovia Mombaça -Uganda em
começos do século, e para o cultivo do açúcar em Natal, já desde 1860. Por toda
parte verificavam -se deslocações de mão de obra, seja para concentrar o pessoal
onde era mais necessário, seja porque certas comunidades africanas tinham fama
56 J. C. MITCHELL, in BARBOUR e PROTHERO (orgs.), 1961.
57 OLIVER e FAGE, 1962, p. 202.
58 MONTMORENCY, 1906, p. 149.
59 E. P. SKINNER, in KUPER (org.), p. 60 -3.
60 M. L. BATES, in HARLOW e CHILVER (orgs.), 1965, p. 625.
551
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
de ser melhores ou mais afeitas ao trabalho, em virtude de contatos mais antigos
com a economia comercial ou em consequência de antigas características de suas
culturas originais.
Nos 30 anos que se seguiram a 1880, as deslocações de mão de obra eram
normalmente acompanhadas de elevada mortalidade. Muitas vezes, os traba-
lhadores eram enviados para regiões onde ficavam expostos a doenças para
eles novas; além disso, africanos que pareciam imunizados contra a malária no
seu país de origem, uma vez deslocados, contraíam uma forma virulenta dessa
doença e até hematúria
61
. Alguns trabalhadores deslocados não respeitavam
hábitos estritos de higiene, existentes um pouco por toda a África, especialmente
o de satisfazer as necessidades naturais fora da aldeia e longe das correntes de
água
62
, poluindo então as fontes de água e disseminando a disenteria e as novas
doenças da febre tifóide e paratifóide. As condições reinantes nos campos de
trabalho certamente favoreciam a propagação das doenças venéreas e da diarreia.
Os homens, vetores de numerosos germes de doenças e de parasitas comuns na
África tropical, costumavam trabalhar duro em comparação com seus costumes
e com sua resistência física. Caíam doentes. Muitos estavam enfraquecidos pela
fome, em parte porque o novo regime alimentar que lhes ofereciam era radical-
mente diferente de sua alimentação tradicional, em parte porque os carregadores
e outros viviam subalimentados: os europeus ou não se preocupavam com isso,
ou então supunham, sem qualquer razão, que os africanos viviam do que a terra
dava
63
. As estatísticas de mortalidade do século XIX são mal conhecidas, mas
em 1915 o cônsul britânico em São Tomé e Príncipe dava uma taxa de 100
óbitos por 1000, entre os trabalhadores levados para
64
. Em 1922, durante a
construção da ferrovia de Brazzaville, calculou -se uma taxa equivalente entre
os africanos submetidos ao trabalho forçado
65
. Esta última contrastava com a
mortalidade de 150 por mil, vigente no canteiro de obras da ferrovia de Cama-
rões, antes de 1914
66
. Os Mossi traduziam a situação com um provérbio: “O
trabalho do homem branco come as pessoas”. Nos anos 1920, a administração
francesa teve de intervir no Alto Volta, para melhorar a alimentação e o salário
61 THOMAS, H. B. e SCOTT, 1935, p. 309.
62 FAULKINGHAM, R. H., BELDING, FAULKINGHAM, L. J. e THORBAHN, 1974, p. 31 -5;
ORUBULOYE, s.d., p. 77.
63 KUCZYNSKI, 1939, p. 50 -1; SURET -CANALE, 1971, p. 26 et seq.; E. P. SKINNER, in KUPER
(org.), 1965, p. 65.
64 MOREL, E. D., 1920, p. 157 -8.
65 KUCZYNSKI, 1939, p. 162.
66 Ibid., p. 61.
552
África sob dominação colonial, 1880-1935
dos trabalhadores empregados na ferrovia da Costa do Marfim, a fim de reduzir
as perdas em vidas humanas
67
. Condições igualmente más reinavam nas áreas
agrícolas, como o prova o desaparecimento anual de 20% dos trabalhadores de
Camarões, em 1902
68
.
A situação mais desastrosa era a da África central, no Estado Livre do Congo
(mais tarde, Congo Belga e, depois, Zaire), no Congo francês (mais tarde, África
Equatorial Francesa) e na parte alemã de Camarões, ou seja, quase exatamente
na zona de baixa fecundidade. Por volta de 1890, os concessionários obtiveram
produção total de vastas extensões de terra no Estado Livre do Congo, enquanto
o sistema era reforçado pela criação do Domínio Privado de Leopoldo, a partir
de 1892. Em menos de dez anos, o sistema estendeu -se às outras duas colônias
alemã e francesa, e se manteria intocado até a véspera da Primeira Guerra Mun-
dial. No final dos anos vinte, André Gide ainda encontrou remanescências
notáveis
69
.
Cada um desses sistemas tinha muitos pontos em comum. Os africanos
descobriram que já não eram proprietários das reservas de marfim acumu-
ladas, que tinham de matar os elefantes para obter as presas e de sangrar a
floresta para conseguir borracha. Figuras suspeitas chegaram da Europa como
representantes das concessionárias: eram autorizadas, em grau extraordinário,
a utilizar em proveito próprio o aparelho da administração colonial, inclusive
as forças armadas, a polícia e os tribunais. O imposto e o trabalho forçado,
embora oficialmente regulamentados, eram aplicados por esses agentes de
modo a assegurar trabalho de tal duração que a agricultura e, consequente-
mente, o regime alimentar sofreram profundamente. As populações locais pas-
saram a aceitar cada vez menos o fato de serem despojadas das terras coletivas,
que sempre lhes pertenceram, para trabalhá -las em benefício de outrem. A pri-
são era uma pena pouco satisfatória, já que reduzia o efetivo de trabalhadores.
Em vez disso, aplicavam -se o chicote, as mutilações, a tomada das mulheres e
dos filhos como rens, o incêndio das aldeias e um número considevel de
execuções. Sem dúvida alguma, a doea e a fome acompanharam a destruição
da organização tradicional do trabalho e a fuga de aldeias inteiras
70
. Não
67 E. P. SKINNER, in KUPER (org.), 1965, p. 65.
68 KUCZYNSKI, 1939, p. 68.
69 GIDE, 1930, passim.
70 Fenômeno amplamente bem descrito, especialmente por causa das discussões que suscitou na Europa
durante este período. Ver SURET -CANALE, 1971; MOREL, 1920; MIDDLETON, 1936, e também
Information and Public Relations Oce, Belgian Congo and Ruanda -Urundi, Belgian Congo, Bruxelas,
1959, v. 1.
553
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
nenhuma estatística exata da época, mas todos em geral constatam um declí-
nio dramático da população. É provável que o lculo dessas perdas tenha se
baseado em estimativas exageradas da população africana pré -colonial, levando
em conta o desaparecimento de populações que viviam ao longo dos caminhos
e dos rios, e que tinham abandonado suas aldeias. No entanto, é difícil deixar
de concluir que a população diminuiu nessas regiões entre 1890 e 1910, senão
mais tarde (a teoria segundo a qual milhões de africanos emigraram para os
terririos ingleses limítrofes quase não encontra apoio nos documentos e nos
censos britânicos realizados nessas colônias). Parece mais difícil, mas talvez
não impossível, imaginar que o índice de moléstias (venéreas e outras) desse
período contribuiu para agravar a taxa de esterilidade feminina durante meio
século e mais. E é difícil aceitar o teor de um texto publicado pelas Nações
Unidas, atribuindo a situação da região a um choque cultural e a um pro-
cesso de adaptação”
71
.
A expansão colonial deveria, afinal, redundar num forte desenvolvimento
demográfico, devido em parte ao estabelecimento de bases econômicas cujos
resultados foram discutidos em vários dos capítulos anteriores. Alguns dos
mais espetaculares foram a exportação de azeite de dendê do delta do Níger, a
descoberta de diamantes e, em seguida, de ouro na África do Sul entre 1870 e
1900, o desenvolvimento da cultura do cacau na Costa do Ouro nos anos 1890
e, finalmente, a descoberta de enormes jazidas de cobre no Congo e na Rodésia
do Norte (atual Zâmbia), no início deste século.
No entanto, o acontecimento que mais rápida influência exerceu sobre a
mortalidade foi a expansão das estradas e das ferrovias. Pelo fim da década
de 1920, a maior parte do sistema ferroviário estava pronta e as estradas eram
melhoradas. Já a partir dos últimos anos da década de 1930, alguns caminhões
chegavam a quase todas as regiões do continente. Os meios de transporte per-
mitiram que os administradores e os negociantes enviassem alimentos para as
áreas afetadas pela fome. A própria existência de uma rede de transportes e de
moeda válida em regiões muito extensas estimulou a produção de excedentes
alimentares para o mercado, a partir de 1920; os óbitos provocados pela carestia,
devida à seca, diminuíram constantemente, assim como começaram a declinar
os picos da taxa de mortalidade, que mantinham uma elevada média de óbitos.
Antes dessa data, países como Uganda sofriam fomes que matavam mais de 100
mil pessoas por ano, como sucedeu em 1918 -1919
72
.
71 United Nations, 1973, p. 31.
72 D. A. LOW, in HARLOW e CHILVER (orgs.), 1965, p. 110.
554
África sob dominação colonial, 1880-1935
Os missionários exerciam influência modesta, mas real, sobre essa mortali-
dade, independentemente da abertura de hospitais. Uma autoridade declarava
que os fiéis adquiriram [...] ao menos um certo domínio das condições de vida
criadas pelo sistema colonial”
73
.
Finalmente, que efeito teve a medicina ocidental na África? Resumindo, com
exceção das medidas excepcionais tomadas em alguns casos de epidemia, os
parcos serviços sanitários instalados antes da Primeira Guerra Mundial tinham
a principal preocupação de cuidar dos europeus. Mais tarde, foram progressi-
vamente estendidos aos trabalhadores africanos, que ainda eram, a justo título,
considerados a principal fonte de riquezas do continente. A medicina de massa
não começou a ser verdadeiramente praticada senão em meados do século XX.
O fato de os serviços médicos pouco poderem fazer está provado pelos números:
ainda em 1939 o montante do orçamento a eles destinado não passava de dois
xelins por pessoa na Costa do Ouro e de cinco dinheiros na Nigéria
74
.
As populações estavam sujeitas a terríveis doenças. Nos anos 1930, um rela-
tório sobre as condições sanitárias reinantes em Kampala ainda indicava:
Cada doente que se apresenta à consulta é portador de germes ou sofre de malária
ativa e está atacado por uma ou diversas variedades de parasitas intestinais. De 50
a 80% sofrem ou sofreram de sífilis, de bouba ou das duas doenças. O mesmo se
com a gonorreia, e, além disso, a lepra, a febre de espirilo e a disenteria estão longe
de ser raras
75
.
As afecções parasitárias compreendiam a ancilostomíase, a ascaridíase, a
esquistossomose, a filariose e o nematóide de Medina. Acrescentem -se as doen-
ças epidêmicas, como a febre amarela, a varíola, a doença do sono (tripanosso-
míase) e os males importados: tuberculose e cólera. Mais ou menos até o fim do
século passado, os europeus estavam muito mais expostos às doenças africanas,
como o provam as taxas de mortalidade registradas no começo daquele século
entre as forças britânicas estacionadas na África ocidental. Os óbitos eram nove
vezes superiores entre os brancos do que entre os soldados africanos
76
.
Nem a própria Europa estava bem equipada, do ponto de vista médico, para
as aventuras africanas. No começo do século XIX, a expectativa de vida de um
73 OLIVER e FAGE, 1962, p. 204.
74 KUCZYNSKI, 1948 -1953, v. I, p. 10.
75 THOMAS H. B., e SCOTT, 1935, p. 303 -4.
76 Calculado com base nos dados citados por KUCZYNSKI, 1948 -1953, v. I, p. 16, que dão taxas brutas
de mortalidade de 427 por mil para os soldados europeus e de 46 por mil para os africanos.
555
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
inglês, ao nascer, era inferior a 40 anos. No entanto, no final do século, esse
número passou para 47 anos na Inglaterra, na França e na Alemanha, enquanto
a mortalidade geral se aproximava dos 20% e a mortalidade infantil ficava perto
dos 200 por mil
77
.
Além disso, a revolução na medicina demorou a se interessar pelas doenças
tropicais. Embora a vacina antivariólica tenha sido descoberta no século XVIII
(principalmente porque a varíola não era uma doença tipicamente tropical), os
fatores de propagação da elefantíase, da malária e da febre amarela foram
identificados, respectivamente, em 1877, 1897 e 1900. Com exceção do quinino
e de certos compostos do arsênico utilizados contra a sífilis e a bouba, o apa-
recimento de medicamentos e vacinas contra as doenças tropicais data real-
mente dos anos 1920. Entretanto, escolas de medicina tropical foram fundadas
na Europa, desde 1897 em Liverpool e em Londres, em 1900 em Hamburgo,
em 1901 em Bruxelas, seguidas pelas de Paris, Bordéus, Marselha e, mais tarde,
pelas da África (Cidade do Cabo em 1912 e Dacar em 1918).
Na África tropical, a medicina pública foi por muito tempo um serviço con-
fiado aos militares, ainda que pequenos hospitais civis começassem a aparecer na
década de 1890. A partir de 1840, ano em que o primeiro médico missionário
chegou a Serra Leoa, missões médicas difundiram -se esparsamente pela África
ocidental. Algumas delas incluíam pessoal africano, sobretudo em Serra Leoa.
Esses estabelecimentos tratavam principalmente os militares, os administradores
e os missionários, embora alguns africanos também recebessem tratamento: sol-
dados, empregados do governo e pessoal das missões. Os verdadeiros progressos
datam apenas do início do século atual, como o prova a evolução das taxas brutas
de óbitos de funcionários europeus em serviço na Costa do Ouro: 76 por mil
em 1880 -1900, 31 por mil em 1902, 22 por mil em 1903 e 13 por mil em 1904.
Mesmo considerando as faixas etárias, estas porcentagens suportam favoravel-
mente uma comparação com as taxas correspondentes relativas à Inglaterra por
volta de 1912
78
. Atribui -se o progresso às medidas sanitárias tomadas contra a
malária e a febre amarela, à melhora dos todos de tratamento das doenças tro-
picais e à segregação dos quarteirões de habitação. As medidas sanitárias devem ter
causado algum efeito sobre os poucos africanos que viviam nos principais centros
administrativos, especialmente em Lagos, após as determinações do governador
William McGregor e do dr. Ronald Ross (que descobriu o mecanismo de propa-
gação da malária), no começo do século. O emprego de métodos europeus para
77 KEYFITZ e FLIEGER, 1968, p. 32 -6; DUBLIN, LOTKA e SPIEGELMAN, 1936, p. 61.
78 KUCZYNSKI, 1948 -1953, v. I, p. 17 -8.
556
África sob dominação colonial, 1880-1935
cuidar da saúde dos africanos era insignificante, de um lado porque a Europa
oferecia campos de experiência mais interessantes depois da Primeira Guerra
Mundial e, de outro, por causa da crise dos anos 1930, que levou as potências
coloniais a restringirem despesas com saúde pública. Em 1924, a Nigéria tinha,
teoricamente, um médico para 200 mil habitantes, mas, de fato, somente em um
quarto dos postos esse cargo estava lotado. Em 1939, a proporção de médicos
em relação à população do país era inferior à de 1914
79
. Ainda assim, essas pró-
prias cifras superestimam as possibilidades de os africanos se beneficiarem com
tratamento médico, que, no decorrer dos anos 1930, contavam -se na Nigéria
12 hospitais reservados para 4 mil europeus, enquanto 40 milhões de africanos
dispunham apenas de 52 estabelecimentos hospitalares
80
.
Em vista da extrema carência de médicos, a difusão da saúde pública dependia
da possibilidade de serem fundadas clínicas rurais que dispensassem os cuidados
necessários mediante serviços de auxiliares médicos, e de serem organizadas,
nas aldeias, unidades médicas que recorressem aos meios locais. Na Nigéria, em
1904 foi aberto um dispensário em Ibadã, e outros vieram nas cidades Yoruba,
no decorrer dos anos seguintes
81
. Em 1910, o governo de Serra Leoa concedeu
prêmios, para cada distrito, aos chefes das duas aldeias cujas condições sanitárias
mais tivessem melhorado
82
. Em 1934, havia hospitais em todos os principais
centros de Uganda e 88 subdispensários de zona rural que registraram, nesse
ano, 1 378545 consultas
83
. Cumpre não exagerar o alcance de tais mudanças: em
muitos dispensários os remédios eram escassos e os responsáveis mostravam -se
indecisos quanto à conduta a seguir, como ocorreu na maior parte das regiões
africanas rurais até o aparecimento da linguagem escrita. André Gide, em visita
aos centros sanitários de Bétou, às margens do Oubangui, no final dos anos
1920, observava com acrimônia que os únicos produtos disponíveis para com-
bater as doenças da África central limitavam -se a tintura de iodo, ácido bórico
e sal de Glauber
84
.
A redução mais significativa da mortalidade na África (o fato é certo para
o período aqui considerado) foi provavelmente conseguida pelo combate aos
picos periódicos de óbitos devidos à fome e às epidemias. Algumas dessas con-
79 Ibid., p. 9 -10.
80 RODNEY, 1972, p. 225.
81 SCHRAM, 1971, p. 125.
82 ANÔNIMO, 1910a.
83 THOMAS, H. B. e SCOTT, 1935, p. 304-5.
84 GIDE, 1930, p. 33.
557
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
quistas mal compensaram o recrudescimento de outras doenças ocasionado pela
presença de europeus. Quase todas as autoridades anteriores à Primeira Guerra
Mundial reconheciam que as epidemias de doença do sono que na época asso-
lavam a África tropical decorriam em grande parte das atividades dos brancos,
e era comum declararem que as novas vias de comunicação e as perturbações
introduzidas na selva haviam provocado a propagação da mosca tsé -tsé ou sua
vinda para a proximidade das aldeias
85
.
Do mesmo modo, a suposta epidemia de sífilis que atingiu Uganda no iní-
cio do século atual foi considerada um acontecimento novo e tão inquietante
que a campanha então desencadeada conduziu à criação do serviço dico
de Uganda. Em Camarões, o mal, que em 1895 passava por desconhecido,
estava disseminado em 1905. A verdade sobre a sífilis africana é sem dúvida
mais complexa: o micróbio se parece tanto com o da framboesia (bouba) que é
difícil acreditar que alguma forma de sífilis não tenha existido desde muito antes
no continente
86
. Embora esteja claramente provado que as formas virulentas de
sífilis se propagaram a partir das regiões mineiras da África do Sul, parece que
uma sífilis endêmica menos grave era ali conhecida muito tempo, e se teria
difundido por uma forma de vacinação praticada em Uganda
87
.
As campanhas contra as epidemias, que se ampliaram desde o início do
século, aparentemente tiveram algum êxito. Os britânicos combateram a doença
do sono evitando que as populações tivessem contato com a mosca tsé -tsé:
impediram que os animais utilizassem as poças de água situadas perto dos
lugares habitados, limparam a mata e, às vezes, deslocaram populações inteiras,
como ocorreu nas margens do lago Vitória. Os franceses trataram considerável
número de casos individuais. Cabe destacar a obra do dr. E. Jamot, que empre-
gava um composto de arsênico, o atoxil. Uma região de 124 mil habitantes, em
Camarões, tratada dessa forma, apresentou a taxa bruta de mortalidade igual a
81 por mil, dos quais 36 podiam ser atribuídos à doença do sono. Por volta de
1930, a epidemia estava prestes a ser vencida. Em Uganda, onde os primeiros
casos da doença do sono apareceram em 1901, calcula -se que a epidemia pro-
85 Estudos recentes vieram corroborar esta convicção, embora diferindo ligeiramente quanto às razões.
DUGGAN (1962) sustenta que a doença do sono se propagou porque as administrações coloniais
tornaram mais fácil a circulação de pessoas e de animais; FORD (1971) aprofundou essa ideia e sugere
que novos e grandes polos de deslocação surgiram para os seres humanos, os animais domésticos e os
animais selvagens, o que alterou fundamentalmente o equilíbrio ecológico, suscitando assim epidemias
muito severas, durante um considerável período de tempo.
86 CARTWRIGHT e BIDDISS, 1972.
87 DAVIES, J. N. P., 1956, p. 1041 -55.
558
África sob dominação colonial, 1880-1935
F . Leprosário móvel numa pequena aldeia ao norte de Bangui (Oubangui-Chari). (Documento extraído da obra de Virginia ompson e Richard
Adlo: e Emerging States of French Equatorial Africa, e reproduzido com a autorização dos editores, Stanford University Press, 1960, de Virginia ompson
e Adlo.)
559
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
vocara pelo menos 200 mil mortes em 1906, quando começaram as deslocações
em massa das populações; mas, em 1918, a certeza de a doença estar erradicada
era suficiente para autorizar alguns habitantes evacuados a regressar às aldeias
de origem
88
.
Os surtos de peste bubônica eram frequentes no primeiro terço deste século.
De 1900 a 1910, registraram -se 6 mil casos no Egito, metade dos quais foi letal
89
.
Antes de 1932, contavam -se perto de 60 mil óbitos em Uganda
90
. Epidemias
surgiram em Acra em 1908, em Lagos em 1924 e mais generalizadamente nas
regiões yoruba da Nigéria em 1925
91
. As medidas adotadas na África Ocidental
Britânica revelaram que a doença podia ser contida. Durante a epidemia de
Acra, a cidade entrou em quarentena, e foram administradas 35 mil doses de
vacina de Haffkine. Surgiram epidemias de febre amarela do Senegal ao Sudão,
com imprevisível frequência. Em 1927, os laboratórios Rockefeller de Yaba,
perto de Lagos, haviam descoberto uma vacina, mas, como não foi utilizada
em massa antes da Segunda Guerra Mundial, todos os êxitos obtidos contra a
febre amarela antes de 1935 foram consequência da eliminação de mosquitos
nas regiões urbanas e do uso de mosquiteiro. Não se sabe exatamente se a lepra
regrediu no decorrer do nosso período. O óleo de alépola era empregado na
Nigéria desde os anos 1920, mas em 1938 estimava -se que 1% da população
ainda se achava afetada pelo mal
92
(ver figura 18.1). A vacinação antivariólica
começou no final dos anos 1930, mas em escala tão reduzida que a varíola não
diminuiu muito senão na Costa do Ouro e no sul da Nigéria
93
. Em compensa-
ção, o contato com europeus e a participação dos africanos na Primeira Guerra
Mundial propagaram a todo o continente uma epidemia de “influenza” em
1918 -1919: a taxa de mortalidade voltou a subir ao nível recorde do início do
século, embora provavelmente não fosse tão alta como na Ásia, pois em muitos
casos as populações africanas ainda estavam protegidas por seu relativo isola-
mento. Nas minas da África do Sul, nos primeiros anos do século atual, as taxas
de mortalidade continuavam altíssimas. Em 1907, uma comissão de estudo da
situação no Transvaal revelou a extensão dessas taxas nas minas da época: 71
por mil para os africanos das regiões tropicais; 28 por mil para os das regiões
88 D. A. LOW, in HARLOW e CHILVER (orgs.), 1965, p. 111.
89 ANÔNIMO, 1910b.
90 THOMAS H. B. e SCOTT, 1935, p. 309.
91 SCHRAM, 1971, p. 121 -2, 196.
92 Ibid., p. 231.
93 KUCZYNSKI, 1948 -1953, v. I, p. 11 -2.
560
África sob dominação colonial, 1880-1935
temperadas do sul e 19 por mil para os brancos. Dois anos antes, as cifras eram,
respectivamente, 130, 35 e 20 por mil
94
.
Na maior parte do continente, foram tímidos os progressos contra o pior dos
flagelos: a malária, que tornava o doente anêmico quando não o matava e que
foi responsável por muitas mortes atribuídas a outras causas.
Evolução demográca antes de 1935
Tentando, como o fizemos, analisar a interação dos fatores demográficos
presentes na África com mais precisão do que nas avaliações precedentes da
evolução global das populações, não chegaremos a distinguir tendências real-
mente convincentes.
A chave da mudança foi indubitavelmente a evolução da taxa de mortalidade.
Não temos nenhuma prova de que as modificações da fecundidade tenham
exercido impacto importante no continente africano como um todo. A taxa de
fecundidade pode ter diminuído durante um período na área de baixa natalidade
da África central. Segundo o projeto Princeton, a análise da taxa de fecundidade
por idade revela que essa diminuição ocorreu, durante o nosso período, em regi-
ões ao norte de Camarões, República Centro -Africana, Gabão, Níger, Sudão e
Zaire
95
. Localmente, a elevação da taxa de fecundidade pode ter ocorrido em
função da melhor saúde das mulheres, mas nós já vimos que esses melhoramen-
tos se verificaram, efetivamente, depois de 1935. Seja como for, as estatísti-
cas por faixa etária comprovam uma estabilidade espantosa
96
. Pode ter havido
mudanças nos padrões de poligamia, mas, embora essa instituição tenha sido
comumente apontada como um fator contrário à fecundidade, os dados reunidos
na África central sugerem que o efeito da poligamia pouco contou para isso:
nos casamentos polígamos as mulheres podem dar à luz um número menor de
filhos do que nos casamentos monogâmicos, em razão do costume de aumentar
94 ANÔNIMO, 1911. No entanto, ver também ANÔNIMO, 1913, onde consta que as questões levan-
tadas durante uma sessão do parlamento sul -africano forçaram o ministro responsável pelas questões
relativas às populações autóctones a reconhecer que as taxas de mortalidade entre os mineiros tinham
sido sistematicamente reduzidas, pela omissão dos óbitos ocorridos nos quarteirões indígenas. Os óbitos
registrados mensalmente em 1913 ainda levavam a pensar que a taxa anual podia ser da ordem de 200
por mil, ou mais.
95 BRASS et al., 1968, passim.
96 Quer dizer, em Gana, entre 1921 e 1960; J. C. Caldwell, em BIRMINGHAM, NEUSTADT e OMA-
BOE (orgs.), 1967, p. 94; e para o norte da Nigéria entre os censos de 1921 e de 1952 -1953, MEEK,
1925, p. 180, bem como E. van de WALLE, em BRASS et al., 1968.
561
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
o número de esposas nos casamentos pouco fecundos e devido à instituição do
levirato, que acrescentava algumas esposas às uniões poligâmicas
97
.
prova de indiscutível crescimento da população nas primeiras décadas
deste século, conforme as estatísticas para essas regiões. Citemos os casos do
Egito, cuja população talvez tenha duplicado entre 1882 e 1937
98
, e da Costa do
Ouro, país em que o crescimento de um terço observado entre os censos de 1921
e 1931 não pode ser inteiramente atribuído ao aperfeiçoamento dos métodos
de contagem
99
. O mesmo sucedeu na África do Sul, onde os números totais de
habitantes e de africanos quase dobraram no intervalo que separa os censos de
1904 e 1936. Trata -se, porém, de regiões onde reinavam uma prosperidade e
estrutura administrativa excepcionais, como o prova, até certo ponto, a própria
realização de censos; cumpre, então, atribuir a tais fatores esse desenvolvimento
demográfico, que se revela mais acelerado do que o do conjunto da África.
Estabelecidas todas essas reservas e repetindo que ninguém saberá jamais
qual o número real dos habitantes da África antes de 1900, eis aqui as ten-
dências que se delineiam e parecem mais plausíveis que as hipóteses até agora
apresentadas. Devido em grande parte à penetração da floresta tropical pela
agricultura, 0,25% de crescimento por ano para o conjunto do continente (sem
dúvida, 0,5% para as regiões florestais) parece uma hipótese razoável no período
de 1500 a 1850. Presume -se que as rápidas mudanças no regime alimentar, que
marcam os séculos XVIII e XIX, vieram compensar as devastações provocadas
pelas razias de escravos. Com o fim do tráfico negreiro, é de crer que o cresci-
mento tenha atingido a taxa máxima de 0,5% por volta de 1880, para declinar
em seguida sob o efeito da partilha e da ocupação da África subsaariana pelos
europeus. Embora o crescimento da população continuasse sem dúvida a decli-
nar em certas regiões até a Primeira Guerra Mundial, a demografia aumentava
ao nível local no norte e no sul da África e talvez igualmente na Costa do
Ouro –, o que pode ter bastado para compensar largamente as pesadas perdas
humanas que o Estado Livre do Congo e o Congo francês sofreram por volta de
1900. Podemos, assim, postular que o crescimento da população africana passou
por um mínimo de 0,25% no começo do século e foi, depois, aumentando até
alcançar a taxa média de 0,5% em 1920 e chegar a 1% entre 1920 e 1935. Por
extrapolação retroativa aplicada aos séculos anteriores, tendo por base a hipótese
97 Ver MUSHAM, 1951, p. 354 -63 e OHADIKE, 1968, p. 264 -8.
98 KISER, 1944, p. 385 et seq.
99 J. C. CALDWELL, in BIRMINGHAM, NEUSTADT e OMABOE (orgs.), 1967, p. 20 -3.
562
África sob dominação colonial, 1880-1935
de 165 milhões de almas em 1935
100
, obtemos as seguintes estimativas: 1500, 47
milhões; 1840, 104 milhões; 1880, 120 milhões; 1900, 129 milhões; 1920, 142
milhões; 1935, 165 milhões.
A base desta projeção repousa no seguinte argumento: a revolução neolítica
propagou -se lentamente na África subsaariana durante três milênios, determi-
nando a cultura intensiva do solo e um povoamento mais denso. Aceitando,
neste caso, a hipótese de um crescimento demográfico contínuo, é possível
comparar as cifras com as de Durand (estimativa baixa), e observar que as duas
teorias concordam sobre o contingente populacional existente no ano de 1500.
Mas isso implica uma taxa de crescimento mais baixa para os séculos XIX e XX,
e os resultados se aproximam muito mais das estimativas médias de Durand. A
projeção sugere que a África contava aproximadamente 120 milhões de almas no
início do nosso período (1880) e que, no decurso dos 55 anos seguintes, a pro-
gressão foi de 37,5%, para chegar a uma população de 165 milhões em 1935.
Redistribuição demográca e urbanização
Esses 55 anos conheceram um fluxo de população que iria determinar e
modelar as futuras estruturas da África moderna. O acréscimo de 45 milhões
de pessoas significa que nem todos podiam ocupar exatamente o mesmo espaço
de seus antepassados, acelerando -se, portanto, a migração para as terras não
habitadas. Muito significativamente, desde os anos de 1890 na África ocidental
um pouco antes no sul da África e um pouco depois na África oriental os
trabalhadores migrantes começaram a procurar trabalho remunerado a grande
distância. De início, a necessidade de pagar o imposto os obrigava a isso, mas,
posteriormente, o desejo de consumir e de ir para lugares distantes tornou -se
mais forte. A duração das migrações, unicamente sazonais nos primeiros tempos,
acabou por se prolongar cada vez mais
101
. No final da década de 1920, cerca de
200 mil indivíduos deixavam todos os anos a savana e emigravam para a Costa
do Ouro ou para a Nigéria
102
. Os governos locais opunham poucos obstáculos
aos recém -chegados, com exceção dos governos da África do Sul e da Rodésia
do Norte, países onde a imigração foi temporariamente restringida para os
100 Recalculadas a partir de estimativas dadas pelas Nações Unidas, as cifras foram ligeiramente corrigidas
para levar em conta novas informações demográcas disponíveis depois dos censos posteriores à Segunda
Guerra Mundial.
101 CALDWELL, 1968, p. 361 -77.
102 SURET -CANALE, 1971, p. 246.
563
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
adultos do sexo masculino, por causa dos receios dos colonos e das pressões
exercidas pelos sindicatos brancos
103
.
Finalmente, grande parte das correntes migratórias acabou povoando não as
plantações nem as minas, mas as cidades, o que, com o tempo, contribuiu para
formar grandes aglomerações. Em muitas áreas, os centros urbanos justificavam,
dada a sua importância, a instalação de administrações nacionais e de indústrias
secundárias. Certamente, a África possuía antigas cidades no vale inferior do
Nilo e algumas outras mais recentes no Maghreb, na África ocidental (savana),
no país Yoruba (Nigéria) e na Costa do Ouro central. No entanto, por volta de
1880, somente uma pessoa em cada 300 vivia em cidades com mais de 100 mil
habitantes (as cifras correspondentes para a Ásia são de uma em 50 e, para a
Europa, de uma em 15
104
).
A verdadeira mudança ocorreu no período em estudo, especialmente na África
subsaariana. Na África tropical, com exceção da Nigéria, encontramos dezesseis
cidades que deviam desempenhar um papel importante no século XX e cuja
população podemos estimar em 80 mil pessoas em 1880. Em 1930, esta cifra
havia quintuplicado e ultrapassava o meio milhão. Estava iniciado o processo de
multiplicação por 10 que caracterizaria os quarenta anos seguintes. Em 1931,
Dacar contava 54 mil habitantes; Freetown, com 44 mil, apenas tinha duplicado
em cinquenta anos; Acra contava 60 mil almas, Adis Abeba 65 mil, Nairóbi 48 mil,
Dar es Salaam 25 mil. Na Nigéria, a escala era diferente: Ibadan possuía 400 mil
habitantes, contra apenas 150 mil em 1880. A população de Lagos duplicara: 126
mil. Outras dez cidades yoruba totalizavam cerca de meio milhão de habitantes, o
que representa pequeno progresso em relação ao meio século anterior. No entanto,
ao norte, a população de Kano dobrava em cinquenta anos a partir de 1880,
atingindo 89 mil almas. O total de outras onze cidades passava de 150 mil, mais
ou menos, para 200 mil pessoas
105
. No Sahel, a população das cidades históricas
declinou, sem vida alguma, em parte porque os franceses não implantaram
centros administrativos importantes. Por volta de 1931, Tombuctu, Gao e Mopti
somavam apenas 15 mil habitantes. Na África do norte, muitas das velhas cida-
des mantiveram a sua importância. No período a que nos referimos, a população
do Cairo, de Alexandria e de Argel triplicou, ultrapassando, respectivamente, 1
milo, 600 mil e 250 mil almas. Em 1931, catorze cidades do Maghreb totaliza-
vam 1,5 milhão de pessoas, ou seja, pelo menos duas vezes a população que elas
103 OLIVER e FAGE, 1962, p. 219 -20.
104 Calculado utilizando os dados de P. M. Hauser, in HAUSER (org.), 1957, p. 53 -95.
105 As cifras relativas às cidades da Nigéria, na sua maior parte, são extraídas de BASCOM, 1959, p. 29 -43.
564
África sob dominação colonial, 1880-1935
contavam cinquenta anos antes. No Sudão, Khartum -Omdurman abrigava 150
mil pessoas. Em 1931, as 14 principais aglomerações da África austral (África
do Sul, Rodésia, Angola e Moçambique) reuniam ao todo mais de um milhão
de pessoas, duplicando em cinquenta anos. Johannesburgo tinha perto de 400
mil habitantes. Na África subsaariana, as populações afluíam para novos portos,
cidades mineiras e centros administrativos, que, em toda a rego, duplicavam de
volume de vinte em vinte anos. Na África do norte, contavam -se algumas cidades
novas erguidas sobre antigas povoações, cuja população dobrava de trinta e cinco
em trinta e cinco anos. Em meio século, essas grandes cidades tinham agrupado
um total de aproximadamente 4 milhões de indivíduos. O equilíbrio regional
modificara -se de tal maneira que, nessas populações urbanas globais, a proporção
de cidadãos norte -africanos caíra de três quartos para menos de três quintos, a
do sul da África passara de um quinto para um sexto, a da África tropical de um
quinto para um quarto (dentro dos limites da África tropical, excluindo a Nigéria,
essa porcentagem tinha aumentado de um quarto para um terço).
Bases para o futuro
Por volta de 1935, a África tinha superado vitoriosamente o trauma demo-
gráfico provocado pela colonização europeia. A taxa de natalidade ultrapassava
de longe a de mortalidade e, em várias regiões, sobretudo nas cidades em expan-
são, a vida se tornava menos precária. Evidentemente, as taxas de mortalidade
continuavam muito elevadas (para o conjunto da África, a taxa de mortalidade
excedia claramente 30 por mil e a expectativa de vida ao nascer mal passava
dos 30 anos), mas foram as doenças tropicais, antes de qualquer outro fator,
que limitaram o afluxo de colonos e impediram a África de transformar -se em
outra América Latina. Mesmo assim, a população branca do continente africano
multiplicou -se por 30: de 25 mil indivíduos em 1800 (vivendo no Cabo, na sua
maioria) para 750 mil em 1880, dos quais cinco sextos na África do Sul, na
Argélia e no Egito. Em 1935, o número quintuplicara de novo (3750 mil pes-
soas), a metade na África do Sul, um quarto na Argélia e um quinto nos outros
países do Maghreb. No mesmo período, os asiáticos imigrados (quase exclusiva-
mente indianos, salvo pequenas comunidades de chineses, a mais importante das
quais situada no Rand) passaram de 50 mil para mais de 300 mil, dois terços dos
quais, pelo menos, fixaram -se na África do Sul. A mudança estava acontecendo,
mas poucos a perceberam claramente, como se pode observar neste julgamento
de um europeu, sobre a divisão racial da população da Argélia nos anos 1920:
565
As repercussões sociais da dominação colonial: aspectos demográcos
A maior parte dos franceses da África não deve recear que haja outro esforço
sério para abalar a sua autoridade. De fato, como eles salientam, contam -se mais de
800 mil europeus diante de 5,5 milhões de autóctones, que estão desunidos e não
poderiam senão provocar problemas esporádicos
106
.
Em 1935, a África estava a ponto de decolar para a rápida expansão demo-
gráfica. A população global, que, segundo as estimativas, progredira de 120
milhões em 1880 para 165 milhões em 1935, passou para 200 milhões no
final dos anos 1940, alcançou os 300 milhões em meados da década de 1960
e, inevitavelmente, 400 milhões em meados de 1970. Deste total, 50 milhões
de africanos vivem em cidades com mais de 100 mil habitantes, o que deixa
definitivamente para trás a situação existente na África da partilha em 1880,
época do debate sobre a criação de mão de obra.
Cabe perguntar se mudanças tão consideráveis foram ampla ou totalmente
consequência da penetração colonial. Sem dúvida alguma, o abalo das popula-
ções estáveis – que provocou no Estado Livre do Congo e em outros lugares da
África central um agravamento da taxa de mortalidade –, a lenta redução dos
óbitos, constatada em outras regiões do continente no decurso do século passado
e geralmente depois de 1900, bem como o acelerado afluxo populacional para
centros urbanos e regiões mineiras resultam quase inteiramente da revolução
industrial e dos crescentes contatos com as sociedades industrializadas. Grande
parte dessa transformação teria ocorrido mesmo sem a dominação colonial. Os
comerciantes teriam estimulado o desenvolvimento de centros comerciais. As
escolas de medicina europeias haveriam de interessar-se pelo problema da pro-
teção aos comerciantes, sobretudo contra as doenças tropicais. Os missionários
teriam lançado os fundamentos de um sistema hospitalar.
No entanto, a dominação colonial acelerou a evolução. Em resumo, certa-
mente no final de nosso período, ela ajudou a reduzir os picos de mortalidade,
melhorando e desenvolvendo a importação e a aplicação das técnicas moder-
nas de combate às epidemias, criando uma rede de transportes que permitiu
a distribuição de alimentos pelas zonas de escassez. A necessidade de centros
administrativos proporcionou os núcleos de novas cidades; as garantias dadas aos
europeus pelos poderes públicos coloniais em matéria de segurança das pessoas
e dos bens apressaram o desenvolvimento de estabelecimentos comerciais, minas
e plantações. Sem a presença das administrações coloniais, os empresários euro-
peus teriam se mostrado ainda mais ávidos e mais cruéis do que eram. Os euro-
106 CASSERLEY, 1923, p. 50.
566
África sob dominação colonial, 1880-1935
peus costumam justificar a expansão colonial destacando essas realizações. No
entanto, a história da China e a da América Latina provam que, cedo ou tarde,
a maior parte desses melhoramentos seria conseguida de qualquer forma.
O avanço da industrializão era irreversível e o estabelecimento de um
modus vivendi com a África e com as demais regiões em desenvolvimento for-
necedoras de matérias-primas essenciais tornava-se inevitável.
C A P Í T U L O 1 9
567
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
A mudança e a continuidade
Para as mitologias rivais do imperialismo europeu e do nacionalismo colonial,
mudança é uma inovação introduzida pela dominação europeia nas sociedades
ditas “tradicionais”. Para os apologistas do imperialismo, aplicada aos povos
coloniais a mudança sugere progresso, transição linear, brusca e benéfica de
uma cultura tradicional estática e quase não -produtiva para um modernismo
dinâmico e sem limites. Mas para os nacionalistas coloniais a palavra traz a
conotação de dilaceramento”, processo pelo qual imperialismos fechados a toda
e qualquer simpatia, a toda e qualquer compreensão, transtornam um universo
idílico para substituí -lo por tumulto, instabilidade e incerteza.
À parte essas divergências, os dois grupos parecem concordar a respeito de
certo número de postulados relativos à mudança nas sociedades tradicionais sob
domínio colonial. Esses postulados abrangem a crença de que essas sociedades
são fundamentalmente estáticas e, portanto, defasadas em relação aos valores
modernos, de onde resulta que as relações naturais entre ambos só poderiam ser
conflitivas; a crença de que valores, atitudes e estruturas novos abalam necessa-
riamente seus equivalentes tradicionais ao primeiro contato e de que, em todas
as colônias e mesmo em todas as regiões geográficas, as sociedades tradicionais
reagiram de maneira uniforme ao impacto da cultura europeia.
Repercussões sociais da dominação
colonial: novas estruturas sociais
Adiele Eberechukuwu Agbo
568
África sob dominação colonial, 1880-1935
Recentemente, no entanto, os pesquisadores demonstraram que, no tocante
à África, essas hipóteses estão mal fundadas, pois as sociedades às quais potên-
cias europeias impuseram o seu direito estavam longe de ser estáticas. Muito ao
contrário, elas eram produto de gerações, quer dizer, de séculos ou de milênios
de evolução. Na verdade, pode -se afirmar que “a modernização da África é um
processo contínuo, desde as origens”. Elementos como a divisão do trabalho, a
urbanização, a mobilidade social, ou seja, as migrações de mão de obra, habitual-
mente associadas à modernização,estavam em ação na África pré -colonial.
De resto, a polarização tradicional -moderno”, com todas as implicações
em termos de conflitos e de incompatibilidades, não pode aplicar -se a todo
o espectro das precárias transformações da era colonial. As culturas africanas
desenvolveram toda uma gama de variadas reações às inovações ocidentais. Não
apenas certos costumes e crenças foram rejeitados e modificados, como outros
foram conservados por algum segmento da sociedade, enquanto novas soluções
se impunham a outro segmento.
Por exemplo, ao mesmo tempo em que desapareciam os sacrifícios huma-
nos, o tráfico de escravos e a morte de gêmeos recém -nascidos nas sociedades
onde essa prática existia, e novas e velhas ideias se amalgamavam no domínio
da religião, o ideal europeu da monogamia no casamento, aceito por uma par-
cela da elite ocidentalizada, coexistia e coexiste legalmente com a poligamia,
institucionalmente conservada entre as massas urbanas e rurais. Atualmente,
existem lado a lado tradições arquitetônicas indígenas e europeias; a etnicidade
e o nacionalismo locais; sistemas de auto ssuficiência local e regional e uma
economia monetária nacional; a vida rural e a vida urbana; as instituições buro-
cráticas à moda ocidental e as tradicionais autoridades locais; escolas islâmicas
e escolas ocidentais.
Foi, portanto, sem dificuldade que muitas instituições e ideias africanas
autóctones sobreviveram ao choque com valores europeus a elas estranhos,
quando não se fundiram a eles. Como exemplo, o caso dos Igbo, que é de regra
considerar inteiramente ocidentalizados. Segundo Sylvia Leith -Ross, nos anos
30 tanto praticavam a comunhão como a magia e a medicina tradicionais, com
desconcertante facilidade: “No jardim que cerca a sua nova casa com teto de laje,
plantam lado a lado o hibisco da ‘civilização’ e o ogirisi, árvore dos ritos pagãos
familiares”
1
. Margaret Read mostrou como os Nguni integravam a religião cristã
e a educação ocidental em sua sociedade, empregando uma e outra para melhorar
1 LEITH -ROSS, 1939, p. 293.
569
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
as chances de sobrevivência da sua cultura no mundo moderno. Eles não veem
nenhuma contradição, nem têm a menor dificuldade em combinar ritos cristãos
e ritos tradicionais Nguni no casamento e nas cerimônias fúnebres
2
. Por sua vez,
o professor Fallers fez a descrição de certos grupos sociais ugandeses aceitando,
com entusiasmo e sucesso”, muitos elementos da modernização limitando a
sua influência e adaptando -os à cultura e à estrutura social tradicionais. De fato,
os africanos submetidos à dominação colonial estavam provavelmente cônscios
da noção elementar de que, aceitando “formas novas”, aumentariam a gama
de suas possibilidades
3
.
Portanto, toda e qualquer generalização fácil quanto às reações das sociedades
africanas à influência europeia corre o risco de gerar confusão. A tal respeito,
convém não perder jamais de vista a imensidão do continente africano, a diver-
sidade e a variedade das sociedades africanas, dos temperamentos e da psicologia
dos indivíduos e dos grupos, nem o fato de que mesmo as reações a estímulos
semelhantes estavam sujeitas a mudar,o só de uma sociedade para outra, mas
até dentro da mesma sociedade. No tocante à Nigéria,o costume de chamar
a atenção para a diferença das reações dos Igbo, dos Yoruba, e dos Haussa e dos
Peul à administração indireta. No Quênia, os Gikuyu aceitaram as inovações
ocidentais, embora modificadas à sua maneira, enquanto bom número de seus
vizinhos tendiam a adotar atitude oposta.
É, pois, de admitir que a mudança em si mesma não era desconhecida na
África pré -colonial, não havendo sociedade africana que se mantivesse imper-
meável à influência europeia, ou que simplesmente estiolasse diante dela. O
que não impede reconhecer que foi sob o domínio colonial que a ideologia da
mudança veio a ser adotada pelos detentores do poder e seus pretensos amigos.
Mesmo os funcionários coloniais, que eram ferrenhos partidários da adminis-
tração indireta baseada na preservação das instituições e dos valores tradicionais,
admitiam contudo a necessidade de mudança. Com efeito, sob a administração
indireta esperava -se que as instituições autóctones e os chefes locais interme-
diassem a introdução de reformas limitadas, que não contrariavam os interesses
das autoridades coloniais. Cada administração colonial via a mudança como
a única possibilidade de modernização da África e de sua adaptação à órbita
do Ocidente, no interesse deste. As elites autóctones patrocinavam a mudança
enquanto meio de pôr a África de pé, fazendo -a participar do concerto das
nações.
2 READ, 1971, p. 362.
3 GUSFIELD, 1971, p. 19.
570
África sob dominação colonial, 1880-1935
As principais forças de mudança
É fácil traçar o elenco das forças que mais contribuíram para modificar a
estrutura e o caráter da sociedade africana colonial. Houve a própria conquista,
com suas implicações políticas, a educação ocidental, o cristianismo ocidental,
as forças econômicas ocidentais e o desenvolvimento da urbanização. A pene-
tração da maior parte dessas forças na África (e, principalmente, a conquista
militar, a conquista política, sua consolidação e a exploração econômica), bem
como a forma como elas dominaram a vida social, foram cuidadosamente
abordadas em outros capítulos deste volume. Resta examinar, abreviadamente, a
urbanização e a educação ocidental, antes de passar à análise dos efeitos sociais
produzidos pela reunião de todos esses fatores.
A propósito de urbanização, cabe sublinhar que essa importante força de
mudança não foi introduzida na África pelos europeus. Muito ao contrário,
existia – oferecendo todo tipo de possibilidades de divisão do trabalho, aglome-
ração populacional, mobilidade social etc. séculos antes da chegada do colo-
nialismo europeu. Nos litorais da África do norte, da África oriental, ocidental
e austral, bem como na zona interior constituída pela cintura sudanesa e pelo
país Yoruba, formavam -se aglomerações urbanas cada vez mais importantes,
graças à consolidação do seu sistema político e ao desenvolvimento do comércio
internacional (ver fig. 19.1). Mas é inegável que o domínio europeu deu novo
ímpeto à urbanização, não criando novos centros urbanos em lugares onde
a urbanização jamais existira, como as terras dos Igbo e dos Ibibio, na Nigéria,
mas também expandindo os velhos centros. Tê -lo essencialmente pelo desen-
volvimento dos meios de comunicação e pela criação de novos centros políticos,
administrativos, comerciais, mineiros ou agrícolas. Assim, pode -se notar que,
entre 1850 e 1950, século crítico para o continente em razão dos contatos com
a Europa e da dominação estrangeira, a taxa anual de crescimento da população
urbana da África foi de 3,9%, em comparação com a média mundial de 2,6%.
Este fato nos esclarece sobre o ritmo da urbanização em geral, na África colo-
nial. Esse novo surto do desenvolvimento e da expansão urbanos resultou na
ampliação de sua função catalisadora das transformações sociais.
Diferentemente da urbanização, a educação ocidental foi levada para a África
pelos europeus, mas não se propagou graças às instituições deles. Seria verda-
deiro afirmar que a revolução educacional na África foi obra de três grupos
de interesse: as missões cristãs, os governos coloniais e as iniciativas africanas
locais, por ordem decrescente de importância. Para as missões cristãs, a escola
571
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
 . Vista geral de Lagos, Nigéria, um dos principais portos da África ocidental na época colonial. (Fonte: Frank Cass and Co. Ltd.)
572
África sob dominação colonial, 1880-1935
era uma instituição -chave, já que esse era o método mais eficaz de proselitismo
e de criação de congregações capazes de se renovarem no objetivo de garantir
a sobrevivência do cristianismo, após a partida dos missionários brancos. A
instrução e a evangelização estavam de tal modo interligadas que, em muitas
regiões da África, um missionário erguendo a sua tenda era sinônimo de criação
de uma escola. Parece mesmo que, entre os Nguni, a abertura de uma escola
precedia invariavelmente a abertura da igreja
4
.
Os administradores coloniais, por sua vez, esperavam que a escola formasse o
pessoal de que necessitavam para preencher os escalões inferiores da burocracia,
a fim de criar as condições políticas, econômicas, sociais e morais que permi-
tissem aos europeus explorar ao máximo possível os recursos ainda tão pouco
utilizados do continente. Para tanto, não se contentavam com a construção e
gestão de escolas essencialmente leigas: através de subvenções, também apoia-
vam o esforço educacional das missões. Além disso, as estruturas políticas por
eles estabelecidas permitiam às missões penetrar no coração do continente, sem
recear pela segurança de seus agentes. As escolas oficiais leigas eram necessárias
principalmente para a extensão da educação ocidental a numerosas regiões isla-
mizadas da África, onde eram temidas violentas reações muçulmanas caso não
se concordasse em limitar a atividade missionária.
No que se refere às iniciativas locais, cumpre notar que, bem antes do início
da dominação colonial, os governos do Egito e dos Estados do Maghreb haviam
introduzido a educação ocidental no quadro de seus esforços para vencer o atraso
técnico desses países em relação à Europa. Na África negra, as iniciativas locais
também desempenharam o seu papel no desenvolvimento da educação. A partir
dos anos 1920, movidos por um ideal nacionalista, alguns Gikuyu entregaram -se à
criação e administração de escolas próprias que, ao contrário das escolas missioná-
rias, estavam abertas à cultura gikuyu. Em Uganda e no sul da Nigéria, os dirigen-
tes locais e os anciãos uniram seus esforços aos da administração colonial ou das
missões para criar escolas. E também os membros da nova elite criaram e fizeram
funcionar escolas independentes da administração colonial e das missões.
Embora seja fácil enumerar as forças que contribuíram para a mudança social
na África colonial, identificar as modificações trazidas por cada uma é bem mais
difícil. De fato, foi tão profunda a influência de cada uma dessas forças que seria
inútil procurar saber, especificamente, qual força produziu dada mudança.
A conquista militar e o estabelecimento da administração colonial, por exem-
plo, não desafiaram e venceram os velhos dirigentes políticos e senhores da
4 READ, 1971. p. 359.
573
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
guerra, mas também os detentores de poderes religiosos e mágicos, que partici-
param igualmente da resistência. Foi desse modo que a derrota diante das potên-
cias coloniais pôde perfeitamente levar à perda de confiança nos sacerdotes e
deuses tradicionais, e à decisão de abraçar a dos vencedores, considerada supe-
rior. O êxito dos conquistadores teve ainda outros efeitos secundários. As velhas
castas militares, onde quer que existissem, não podiam subsistir enquanto
tais no novo sistema. Os membros da elite política tradicional, que vivia de
seu poder, não podiam continuar assim, a menos que se engajassem no serviço
político da colônia, como representantes do poder autóctone sob o sistema de
administração indireta, ou como cobradores de impostos e agentes de informa-
ções sob o sistema da administração dita direta”. Em outras palavras, muitos dos
membros das antigas elites políticas, militares, econômicas e religiosas tiveram
de procurar outro ofício para substituir o antigo ou complementá -lo. Assim, nem
todos quantos se aproveitaram das novas oportunidades econômicas oferecidas
pela dominação estrangeira o fizeram simplesmente em resposta aos atrativos
do novo regime econômico. Alguns dos que migraram para os novos centros
não o fizeram apenas por amor ao urbanismo, mas porque a conquista militar e
as estruturas políticas dela resultantes tornaram superada e insustentável a sua
posição no meio rural. O triunfo da força militar e política, portanto, atingiu a
sociedade nos seus fundamentos, exigindo ajustes das diferentes classes.
Foi essa também a obra do cristianismo, que procurava abolir deuses e cren-
ças tradicionais. E, onde quer que a religião cristã lançasse raízes, os sacerdotes
tradicionais e os outros manipuladores do sobrenatural tiveram de buscar outras
profissões. Os escravos ganharam a liberdade, forçando aqueles que até então
dependiam do trabalho servil a trabalhar pelas próprias mãos ou a procurar
trabalhadores assalariados. Terras antes reservadas aos deuses e aos duendes
tornaram -se disponíveis para a lavoura e para o estabelecimento de instituições
sociais, como escolas, hospitais etc. As jovens gerações foram para a escola ou
aprenderam novas técnicas que as qualificavam para empregos na administra-
ção, no comércio ou nas missões. E, como a maior parte desses empregos era
oferecida nas cidades, a conversão ao cristianismo podia, de fato, incitar a viver
nas zonas urbanizadas. Ou, para citar outro exemplo, alguém podia partir para
uma cidade a fim de melhorar de situação, embora continuasse firmemente
ligado à religião tradicional. Com o tempo, no entanto, a separação física dos
lugares de culto e dos ritos religiosos da família, bem como as pressões sociais
e psicológicas do novo ambiente, acabavam por transformar o indivíduo numa
espécie de cristão. Seria possível multiplicar este tipo de exemplo.
574
África sob dominação colonial, 1880-1935
As novas estruturas sociais
Entre as consequências sociais da dominação estrangeira sobre as socieda-
des africanas, a mais imediatamente perceptível era a consequência política. Os
Estados africanos existentes com exceção da Libéria e, até 1935, da Etiópia
perderam boa parte de sua soberania e, consequentemente, o direito de participar
dos assuntos da comunidade mundial, a não ser por intermédio de seus novos
senhores. Mesmo o direito de se comunicar com os vizinhos africanos, salvo ao
nível mais rudimentar e oficioso, ficava severamente limitado quando os vizinhos
se encontravam do outro lado da linha fronteiriça de uma colônia. Desse modo, os
Efik da Nigéria foram separados de seus mercados tradicionais em Camaes, os
Yoruba viram -se impedidos de intervir direta e abertamente nos acontecimentos
verificados no Dao (atual Benin), outrora parte integrante de seu famoso im-
rio, e os Bakongo de Angola não podiam mais manter contato com as populações
que lhes eram aparentadas, tanto no Gabão como no Congo francês Além disso,
a dominação estrangeira transformou e racionalizou o mapa político da África.
Onde antigamente imbricavam -se inúmeros Estados e comunidades soberanas,
com limites flutuantes e por vezes bastante tênues, passou a haver apenas algu-
mas dezenas de colônias com fronteiras fixas e bem delimitadas. Em convenções
e tratados internacionais sobre fronteiras, tentou -se levar em consideração as
zonas políticas preexistentes. No entanto, outras considerações, como as pretenes
de potências rivais, a miragem das fronteiras naturais (montanhas, rios etc.), os
meridianos e paralelos, sobrepujaram as aspirações africanas. O resultado foi que
populações estreitamente aparentadas e antes unidas no plano político acabaram
por vezes separadas pela fronteira estabelecida.
Como os critérios mais constantes de integridade étnica nem sempre eram
respeitados, muito menos o foram as efêmeras pretensões dos Estados e impé-
rios conquistadores à integridade territorial. O califado de Sokoto e o império
de Bornu perderam vastos territórios antes da fixação das fronteiras da colônia
e do protetorado da Nigéria. Já os impérios peripatéticos” de Samori Touré e de
Rabi ibn Fadlallah foram simplesmente repartidos entre as colônias adjacentes.
Da mesma forma, os belgas, os portugueses e os britânicos repartiram entre si
o território dos impérios secundários de Msiri e Tippu Tib na África central.
As fronteiras impostas às colônias cristalizaram -se sob a mão de ferro dos ocu-
pantes e do direito internacional, convertendo -se nas fronteiras dos Estados
africanos independentes. Hoje, é impossível projetar modificações importantes
em qualquer uma delas sem suscitar demonstrações de resistência.
575
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
que mencionar outro aspecto da nova estrutura política: a imposição da
nova administração burocrática europeia, estranha aos sistemas políticos afri-
canos preexistentes. Entre as duas estruturas, a europeia e a africana, havia toda
uma variedade de tipos de relações. Se consideramos, por exemplo, a política das
duas principais potências coloniais da época (o Reino Unido e a França), per-
cebemos que havia diferenças até mesmo dentro de cada sistema. Os franceses
davam menos atenção do que os britânicos à integridade dos impérios, reinos e
sobados por eles conquistados e à utilização desses sistemas políticos autóctones
na administração local. Inclinavam -se, portanto, a extinguir as antigas susera-
nias, obrigando seus dirigentes à aposentadoria. Quanto aos ingleses, tentaram
cooptar os chefes locais e seu sistema político para a administração imperial. Era
este o modelo geral. Mas, no Marrocos, os franceses esforçaram -se por manter
a monarquia e todo o seu edifício político, a fim de aproveitar uma e outro na
administração do país, enquanto, durante três décadas no país dos Ashanti da
Costa do Ouro (atual Gana) e quase vinte anos em Benin (Nigéria), os ingleses
procuraram destruir os sistemas administrativos autóctones
5
.
Apesar de tudo, verificamos que, salvo provavelmente nos emirados muçulma-
nos do norte da Nigéria, a união dos sistemas administrativos europeus e autócto-
nes jamais foi orgânica, de modo que, em certos domínios da vida de uma colônia,
os dois sistemas podiam muito bem funcionar harmonizadamente, ao passo que
em outros agiam com independência e, por vezes, com objetivos contrários.
Outro efeito do domínio estrangeiro que se tornou sensível desde os primór-
dios da época colonial foi o rebaixamento geral da condição dos africanos. O
colonialismo sobrepôs, à estrutura social preexistente, pelo menos uma camada
suplementar de dirigentes e de chefes. Na África oriental, ao favorecer a imi-
gração asiática, sobrepôs de fato duas classes. Em todas as colônias, os europeus
tinham o monopólio do poder político, econômico e educativo, menos na África
oriental, onde uma fração do poder econômico caiu em mãos dos asiáticos. Nes-
sas condições, os africanos se proletarizaram, procurando exemplo e proteção
junto dos europeus e, às vezes, dos asiáticos.
Esta estrutura de relações sociais apoiava -se em uma teoria racial que procu-
rava dividir as diversas ramificações da família humana por ordem hierárquica
de civilização, ocupando os africanos (negros) a base inferior da escala e os
europeus (brancos) o ápice. Principalmente na África austral, onde os colo-
nos brancos viviam em conflito com os Bantu, superiores em número, a teoria
5 AFIGBO, 1974.
576
África sob dominação colonial, 1880-1935
racial era particularmente rigorosa, abonada pela autoridade da Santa Bíblia,
que reforçava as presumidas implicações sociais de um pseudodarwinismo. No
tocante aos negros, sobretudo, a teoria supunha um grau de incultura que tor-
nava necessária e possível a explicação de sua evolução histórica e social em
termos de influências “camitas”.
Na prática, o peso dessa teoria racista conduziu a uma política que negava ao
africano, fosse qual fosse sua educação, a igualdade de direitos com os brancos na
administração colonial. Na África ocidental, ela marcou um recuo em relação à
prática liberal de meados do século XIX, que permitira aos africanos preencher
funções equivalentes às dos europeus. A teoria também levou à adoção de uma
política de segregação dos africanos e dos europeus, nas áreas urbanas. Havia
não somente bairros reservados aos europeus, mas também hospitais europeus,
clubes europeus etc., diferentes daqueles criados especialmente para os africanos.
Isso foi responsável por incutir nos africanos um sentimento de inferioridade,
uma tendência a perder a confiança em si mesmos e em seu futuro, ou seja, um
estado de espírito que frequentemente favorecia a imitação pura e simples dos
costumes europeus. Felizmente, alguns bandeirantes do africanismo irritaram -se
tanto com tal estado de coisas que acabaram por contestar toda a fachada social
e ideológica do colonialismo, com base em fatos históricos e religiosos. Desse
modo abriram a via ao pensamento nacionalista radical do período posterior à
Segunda Guerra Mundial.
De maneira geral, o domínio colonial na África tendia a transformar as
distinções raciais em categorias sociais. No entanto, uma análise mais profunda
revela que em colônia nenhuma os africanos constituíam uma única classe. No
início, a estrutura social pré -colonial perdurou, mas, com o tempo, as novas
forças remodelaram essa estrutura, fazendo surgir novas classes.
Muito embora a África pré -colonial oferecesse inúmeras possibilidades às
pessoas de mérito, desejosas de subir na escala social por ações individuais, a
estrutura de classe tendia a dar um peso excessivo ao nascimento. Era assim,
na medida em que certas profissões de prestígio, como a de sacerdotes e a de
ferreiro, eram hereditárias. O domínio estrangeiro haveria de operar mudanças
plenas de consequências nas estruturas sociais africanas, ao privilegiar o mérito
individual antes que o nascimento e ao oferecer possibilidades de progresso que
escapavam ao controle de quem detinha as rédeas da sociedade e das estruturas
tradicionais. Além disso, ao dessacralizar inúmeras instituições e costumes afri-
canos, tendia a minar a autoridade e o respeito impostos pela velha aristocracia,
bem como a reverência que ela inspirava. Ao abolir a escravidão e proclamar a
igualdade de todos perante a lei secular e divina, os códigos jurídicos e morais
577
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
dos colonizadores ofereciam, até mesmo aos menos favorecidos da sociedade
tradicional, a oportunidade de subir na escala social, segundo a capacidade
individual e o acaso da sorte.
O anonimato das cidades aumentava os efeitos desta revolução legal e moral,
pois abria aos antigos escravos e a outros párias a possibilidade de poderem
trabalhar, livres do fardo da história. Pelas mesmas razões, os centros urbanos
exerciam e ainda exercem atração irresistível sobre outras categorias de pessoas
provenientes das regiões rurais. Enquanto algumas procuravam encontrar a
sorte nas cidades por iniciativa própria, outras rumaram para obrigadas pela
política fiscal e fundiária aplicada pelos colonizadores nas zonas rurais, princi-
palmente naquelas povoadas por colonos. Os migrantes que tinham instrução ou
boa qualificação profissional rapidamente ascendiam ao nível da nova elite, ou
então formavam “subelites” em torno dela. Os menos favorecidos, os que pouca
ou nenhuma instrução e qualificação tinham, mergulhavam nas profundezas
da sociedade citadina para formar as massas urbanas ou, como dizem certos
pesquisadores, o proletariado urbano. Muitos deles viviam à mercê dos patrões,
enquanto outros aprendiam alguma profissão e fundavam empresas independen-
tes, de rentabilidade variável. Diferiam dos camponeses, seus correspondentes
rurais, em que não extraíam da terra os meios de subsistência, eram mais sensí-
veis às influências modernas e viviam em favelas.
Tanto a nova elite como o proletariado urbano desempenharam importante
papel enquanto agentes de transformação da sociedade rural, mas aquela foi
incontestavelmente mais influente na história política, econômica e social da
África colonial. Sua principal superioridade sobre a elite tradicional e sobre
as massas urbanas e rurais estava na alfabetização (ver fig. 19.2). O fato é que
nas regiões não -islamizadas da África a inovação mais importante introduzida
pela dominação estrangeira foi a alfabetização. Mesmo nas regiões muçulma-
nas, a introdução do alfabeto latino deu novo impulso ao ensino religioso. Para
muitos povos africanos, a alfabetização foi uma nova mística, muito procurada
por si mesma e a todo preço, que parecia abrir caminho para as riquezas do
mundo moderno. Quando se conhecem o poder, a autoridade e a influência que
a primeira geração de empregados, intérpretes e professores indígenas exerceu,
podemos fazer ideia da mágica atração que a palavra escrita teve para tantos
africanos. De imediato, as elites tiveram acesso ao pensamento científico e social
do mundo europeu e puderam começar a dialogar com as potências coloniais
sobre o destino da África, a se familiarizar com os modos sociais da Europa, o
que fez do estilo de vida dessas elites um exemplo a ser seguido pelos compa-
triotas menos afortunados.
578
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Escola secundária CMS de Mengo, Uganda: em busca do saber. (Foto: Royal Coommonwealth Society.)
579
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
No entanto, nem todos os que eram considerados membros da nova elite
da África colonial deviam tal condição à sua instrução, e nem todos os que a
deviam à instrução atingiam o mesmo nível. Conforme demonstraram a pro-
fessora Lucy Mair e vários outros pesquisadores, alguns penetraram nessa classe
porque enriqueceram na agricultura ou nos negócios de grande escala e pude-
ram contribuir para o financiamento da atividade política de seus irmãos mais
cultos, porém menos ricos
6
. Alguns plantadores de algodão e café em Uganda,
de cacau na Nigéria ocidental e na Costa do Ouro, de café na Costa do Mar-
fim ou de amendoim no Senegal e em Gâmbia, lograram entrar para a nova
elite graças ao êxito profissional. Da mesma forma, principalmente na África
ocidental, onde muitos africanos de instrução precária conseguiram impor -se
como intermediários entre os produtores primários e as grandes companhias
comerciais europeias, a prosperidade comercial abria facilmente o acesso a uma
situação privilegiada. Outros, ainda, chegaram a pertencer à elite porque diri-
giam organizações de massa, como sindicatos, podendo garantir aos elementos
mais cultos o tipo de apoio de que necessitavam para convencer os colonizadores
de estarem representando o povo. Na África oriental e central, ao contrário, o
número de africanos que chegou a penetrar na elite foi relativamente baixo, em
razão de uma política deliberada das potências coloniais e devido às atividades
dos indianos e dos pequenos comerciantes portugueses e gregos. De fato, em
muitas dessas regiões assistiu -se ao desaparecimento quase total das elites tra-
dicionais dos centros urbanos.
Foi de certo modo devido a essa grande diversidade de qualificações e de
origens que se tornou difícil definir, com precisão, a nova elite da África colonial.
Portanto podemos afirmar com alguma razão que o problema do surgimento de
uma nova classe em qualquer povo africano da época colonial era, em grande
medida, questão de saber que nível e que espécie de possibilidades educacionais
e econômicas eram oferecidos às pessoas e até que ponto essas pessoas os uti-
lizavam com eficiência. Todos os estudos até agora realizados sugerem que as
regiões ou colônias que assistiram aos esforços mais intensivos para a difusão
da educação ocidental e que ofereceram aos africanos maiores facilidades de
participação no comércio e na agricultura industrial forneceram o maior número
de membros da elite.
Em certas regiões da África, especialmente entre os povos que como os
Igbo, Ibibio, Ogoja, Tiv, Idoma, Birom, Anga e Gwari da Nigéria – não tinham
6 MAIR, 1971; LLOYD (org.), 1966; KILSON, 1970.
580
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Jogo de críquete na colônia: a formação da nova elite. (Foto: Royal Commonwealth Society.)
581
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
chefes e onde era, por isso, difícil identificar os chefes tradicionais e associá -los
à obra do governo colonial, boa parte dos membros da nova elite provinha da
classe considerada plebeia antes da colonização (ver fig. 19.3). Alguns provi-
nham até da classe servil e de migrantes ainda não -assimilados. Os membros
dessas classes foram efetivamente os primeiros a adotar a educação ocidental,
a experimentar novas profissões e a emigrar para as cidades, enquanto, no seu
conjunto, a elite tradicional mantinha -se em reserva. Mas, logo que os benefícios
da educação e das novas atividades tornaram -se evidentes, os membros da elite
tradicional juntaram -se ao movimento. Algumas potências coloniais, especial-
mente a França e o Reino Unido, tratavam deliberadamente de encorajar esta
classe, com mais ou menos êxito, criando escolas especialmente planejadas para
ela, digamos. Com a riqueza obtida de suas terras ou com a remuneração que
recebiam como autoridades locais, em geral essas elites tinham condições de
mandar educar os filhos não nos estabelecimentos locais, mas em instituições
de primeira ordem da Europa e da América.
No entanto, em certos lugares da África, a elite tradicional reagiu imedia-
tamente ao apelo da educação ocidental e das empresas comerciais modernas.
Foi essa classe que, no Egito, tomou a iniciativa de criar instituições do tipo
ocidental. Em Buganda, foi também ela que logo reconheceu as vantagens da
educação ocidental e da agricultura comercial. Na Etiópia, acolheu -a da mesma
forma, enviando seus filhos para estudar na Europa e nos Estados Unidos. Dessa
maneira conseguiu conservar a direção dos negócios do país.
Como a nova elite contava, nas suas fileiras, homens saídos de diferentes
classes da sociedade, é difícil falar simplesmente em conflito entre os “homens
novos” e os dirigentes tradicionais. Em Serra Leoa e na Libéria, onde, durante
boa parte do período considerado, a nova classe constituiu -se de pessoas que
não eram originárias desses territórios, as elites da costa tendiam o que é com-
preensível – a entrar em conflito e a rivalizar com as sociedades tradicionais do
interior. Estavam inclinadas a menosprezar os chefes, que, por sua vez, votavam
a elas uma desconfiança persistente. Na Costa do Ouro do século XIX e no país
dos Yoruba (Nigéria), muitos dos fundadores da nova elite eram, ou pelo menos
acreditavam ser, aparentados com as populações do interior (ver fig. 19.4).
Em outros lugares, onde a primeira geração da elite não incluía repatriados,
como os escravos libertos dos navios negreiros ou regressados das Américas,
os laços étnicos e culturais eram ainda mais estreitos. Decorreu daí que, em
todo o culo XIX e mesmo no início do XX, nova e velha elites lançaram
uma tradição de cooperação sendo a nova considerada a mediadora entre as
sociedades autóctones e a cultura ocidental. Afinal de contas, aqueles jovens
582
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Festa na casa do governador de Lagos: a nova elite e os administradores coloniais. (Foto: Royal Commonwealth Society.)
583
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
haviam sido enviados à escola para aprender novas técnicas, a fim de permitir
aos seus enfrentar os problemas colocados pela presença europeia. Na Costa do
Ouro e no país dos Egba (Nigéria) trabalharam conjuntamente com a antiga
elite para construir uma nova sociedade e afastar a dominação europeia, mas
fracassaram.
No entanto, à medida que a autoridade colonial lançava raízes mais fundas,
surgiram tensões e choques entre os dois grupos. A nova elite esperava, equi-
vocadamente, que a Europa se propusesse a modernizar a África e escolhesse
dentre ela os auxiliares para a execução dessa tarefa. Sob a dominação colonial,
contudo, foram as burocracias europeia que assumiram o papel para o qual a
nova elite se havia preparado e, em vez de associá -la, a administração voltou-se
de preferência para os dirigentes tradicionais, mantendo -os restritos aos assuntos
locais. Foi esse, em especial, o caso na África sob dominação britânica, onde
se notava um esforço deliberado para conservar as antigas famílias dirigentes,
também como – em certa medida na África belga depois de 1906. Mesmo nos
territórios franceses onde as grandes suseranias foram abolidas, as velhas famílias
dirigentes sobreviveram aqui e ali, com uma posição diminuída, à escala da aldeia
ou da circunscrição; e, ao nível local, onde eram utilizados homens despidos de
hierarquia tradicional, era comum conferir -lhes o título de chefe” e o mesmo
gênero de funções que aos membros das famílias dirigentes tradicionais.
Em consequência da sua exclusão, a nova elite rebelou -se abertamente contra
as potências tradicionais. A essa oposição declarada, os dirigentes tradicionais
não podiam aderir. O prolongamento da sua sobrevivência dependia da potên-
cia colonial, o que lhes amarrava as mãos. Além disso, a grande parte de seus
membros faltavam as bases de instrução necessárias para participar do debate,
com alguma possibilidade de serem entendidos. De resto, se aceitassem os argu-
mentos da nova classe, estariam relegando -se, eles próprios, ao segundo ou ao
terceiro lugar. Como não se alinhavam com os jovens lobos, estes passaram a
considerá -los lacaios do imperialismo, enquanto eles passaram a acusar os jovens
de sentimentos revolucionários, censurando -os por quererem destruir costumes
imemoriais e virar o mundo de pernas para o ar.
A propaganda imperialista incitava uma e outra elites a disputarem o direito
de falar em nome do povo. Os jovens o tinham como certo; os antigos os con-
testavam e reclamavam para si esse direito. A administração colonial concordava
com estes últimos. Tem -se uma ideia da acrimônia que tais confrontos provo-
cavam atentando para a disputa que opôs, nos anos 1920, Nana Sir Ofori Atta,
chefe de Akyem -Abuakwa, na Costa do Ouro, aos dirigentes do Congresso
Nacional da África Ocidental Britânica. A mesma acrimônia se verificava, na
584
África sob dominação colonial, 1880-1935
mesma época, nos debates entre a Associação dos Jovens Gikuyu, de Harry
Thuku, e a Associação dos Gikuyu, dominada pelos chefes tradicionais
7
.
Todavia, não se pode concluir do que aí fica que as relações normais entre a
nova e a antiga elites, no período 1880 -1935, tenham sempre assumido o caráter
de conflito. A natureza dessas relações dependia do lugar e da época. Nos terri-
tórios franceses, nem a nova nem a velha elite floresceram sob o domínio estran-
geiro e, quando o da autocracia colonial, após a Segunda Guerra Mundial,
começou pouco a pouco a afrouxar, entre as fileiras de dirigentes nacionalistas
da África francesa havia chefes tradicionais e descendentes de chefes.
Na Costa do Ouro, o partido político dominante até a ascensão do sr. Kwame
Nkrumah a United Gold Coast Convention representava uma espécie de
aproximação entre as elites novas e as tradicionais. Em lugares como a Etiópia,
o Egito e Buganda, onde os dirigentes tradicionais tinham respondido de modo
positivo às influências ocidentais, não havia razões para que algum conflito
os separasse da nova elite. O mesmo se dava em sociedades como a dos Igbo,
onde a elite tradicional não tinha estatura suficiente para resistir por muito
tempo ao regime colonial. Em todos os casos, a nova elite não contava somente
os “indígenas desenraizados” da mitologia imperialista, como nem todos os
dirigentes tradicionais eram os adversários obscurantistas do progresso como
a demagogia nacionalista mais tarde os estigmatizou. Os dois grupos tinham
mais elementos em comum do que desejavam admitir, no efêmero calor dos
debates intermitentes.
Ascensão de novas organizações
Além de delinear as novas estruturas que até agora vimos, o sistema colonial
introduziu diversas mudanças na estrutura da sociedade africana. Estamos nos
referindo à criação de novas organizações, as quais ajudaram muita gente e o
meio rural a se ajustar às exigências e às normas da sociedade colonial. Os soci-
ólogos viram organizações “voluntárias”, coisa que elas foram, no sentido de
que os participantes de modo algum “nasceram nelas, tal como se nasce numa
linhagem, numa aldeia ou num grupo étnico. Uma análise mais detida mostra-
ria que, no caso de algumas delas, especialmente das associações baseadas em
etnias e na busca do bem -estar e do progresso, esse caráter voluntário não é tão
7 KIMBLE, 1963, p. 389 -96; KING, K. J., 1971b.
585
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
evidente, que quem se recusasse a pertencer a elas teria de enfrentar algum
tipo de ostracismo.
Os africanistas estão de acordo sobre as condições sociais que provocaram
o nascimento dessas organizações. Parece que elas geralmente tiveram origem
nos novos centros urbanos, se bem que outras – aquelas baseadas nas etnias, por
exemplo – tenham acabado por estabelecer vínculos locais. O fato é que, como
observou com justeza o professor Wallerstein, a migração das zonas rurais
tradicionais para os setores urbanos modernos” conduziu ao deslocamento e
à desorientação do indivíduo
8
. Dado que nem a sociedade tradicional nem a
administração colonial estavam em condições de intervir para atender às novas
necessidades desses migrantes, eles tiveram de elaborar as suas próprias insti-
tuições, sistemas e normas, com vistas a emprestar sentido à sua existência no
estranho e febril ambiente social da cidade.
Os estudos de Gordon Wilson sobre a África oriental destacaram uma cor-
relação evidente entre as pressões da sociedade colonial e a formação dessas
organizações. Assim, os africanos do Quênia, cuja cultura tradicional se ressentia
da opressão particularmente severa do sistema colonial e da agressividade dos
colonos, dispunham de associações étnicas mais numerosas e mais sólidas do
que os africanos dos territórios vizinhos, como Tanzânia e Uganda. Por conse-
guinte, foi em parte à necessidade de autoproteção e de auto estabilização que a
formação das associações de voluntários respondeu. Além disso, as condições da
existência urbana facilitavam a formação dessas organizações, que, segundo
Thomas Hodgkin, ofereciam “centros onde homens e mulheres com interesses
particulares em comum podiam se encontrar e compreender”
9
.
Muito embora se tenha salientado, e com razão, que é difícil classificar as
diferentes organizações em categorias perfeitamente delimitadas, especialmente
em virtude da pluralidade de suas atribuições, vamos dividí -las em três grupos.
No primeiro grupo estão as organizações de caráter puramente “social”, cujas
atividades são consagradas à camaradagem e à distração. Resultavam da ausência,
nas aldeias, de ocasiões tradicionais de diversão, recreação, formação vica como
as mascaradas, as associações por faixas etárias e as festividades tradicionais.se
fazia sentir, igualmente, a atração pelos diferentes modos da vida social europeia
moderna, tal como a praticavam, em cada colônia, as comunidades europeias.
Nessa categoria incluem -se os clubes de futebol, os grupos de escoteiros e de
moças guias, as sociedades de debates e as associações de ex -alunos.
8 WALLERSTEIN, 1970, p. 319.
9 HODGKIN, 1956, p. 84.
586
África sob dominação colonial, 1880-1935
No segundo grupo entram as associações étnicas, que consistiam em pro-
longamento urbano da etnicidade rural. Estavam hierarquizadas: associações
de aldeia, de clã, de etnia. Tinham duas tarefas principais. Uma era ajudar os
recém -chegados, permitindo -lhes adaptar -se à cidade com um nimo de cho-
ques. Assim, ao primeiro contato com a urbe, o migrante novo encontrava, desde
logo, membros de sua associação de aldeia ou de clã, que o ajudavam a encontrar
moradia, o apresentavam a quem estava procurando empregados ou a oficiais
que lhe ensinavam o seu ofício em cnicas modernas. Também o ensinavam
a se comportar na cidade. Era à sua associação que a pessoa recorria em caso
de dificuldade. Os membros obtinham empréstimos que os ajudavam a dar
andamento às suas atividades quando estas eram comprometidas com prejuízos
sérios. Funerais, casamento e outras despesas aprovadas pela associação também
podiam motivar empréstimos ou, conforme o caso, davam lugar a donativos do
grupo
10
. A outra função dos grupos étnicos consistia em servir de canal para
uma informação destinada à opinião esclarecida da aldeia”, principalmente man-
tendo os laços entre os naturais da aldeia que permaneciam nas suas terras e os
aldeões emigrados. Para isso, importava que estes continuassem interessados no
crescimento social e político de seus lares, o que, no início, valeu a essas associa-
ções a hostilidade e a oposição de desconfiados funcionários europeus. Todavia,
com o passar do tempo, eles reconheceram a utilidade e as possibilidades dessas
organizações e não tardaram a consultá -las sobre questões como imposto, edu-
cação e desenvolvimento comunitário.
No terceiro grupo, classificamos os sindicatos, constituídos em grande parte
em função de negociações econômicas coletivas. Na sua maioria, os centros
urbanos se desenvolveram em pontos vitais, como comércio, mineração e comu-
nicações, que ofereciam possibilidades de emprego a trabalhadores qualificados
e não -qualificados. Nessas cidades não tardaram a formar -se concentrações de
operários que viviam de salário. A esses homens, especialmente aqueles que
começavam pelo degrau inferior da escala, costumam os analistas de tendência
marxista considerar impropriamente como proletários. Além daqueles que
dependiam das sociedades de mineração, das missões etc., havia também artífi-
ces autônomos, que atendiam a certas necessidades da população urbana.
A vida da população da cidade estava ligada às flutuações da economia mun-
dial e de seus mercados, dos quais ela não compreendia nem a trama nem o
comportamento. Para se defender nesse mundo econômico estranho, os assala-
10 Ver a excelente análise da criação e do funcionamento de uma associação de voluntários do tipo étnico
em BANTON, 1966, p. 402 -19.
587
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
riados e os funcionários constituíram sindicatos, a fim de negociar eficazmente
com os empregadores as bases de um melhor salário e de melhores condições
de trabalho. Os artífices autônomos formaram corporações que fixavam preços
e estabeleciam normas, condições de aprendizagem etc. Sindicatos e corpora-
ções cumpriam também as funções de sociedades de ajuda mútua acorrendo
em auxílio dos membros necessitados de dinheiro ou de conselhos, cuidando
de providenciar funerais decentes, encontrar facilidades de educação, bolsas de
estudo e festas do calendário.
O período 1880 -1935 assistiu ao nascimento dessas novas organizações.
Segundo o professor Kilson, a partir de 1937 existia todo tipo de associações
de comerciantes e de trabalhadores na Nigéria, em Serra Leoa, no Quênia e
outros lugares. Mas o estudo dele mesmo e o de outros como o do professor
Kimble sobre Gana, do professor Yesufu e do sr. Ananaba sobre a Nigéria, de
V. Thompson e R. Adloff sobre a África Equatorial Francesa, de R. H. Bates
sobre Zâmbia mostram claramente que a idade de ouro dessas organizações
aconteceu somente depois da Segunda Guerra Mundial
11
.
Não faltavam razões para tanto. As associações dependiam, até certo ponto,
da propagação do ensino, cujos efeitos levavam certo tempo para se manifestar,
como os da urbanização. Para além da costa da África ocidental, do Maghreb,
do Egito e do Quênia, levaram em geral mais de trinta anos. Em compensa-
ção, na África do Sul, onde as condições poderiam ser consideradas ideais em
consequência da precocidade da revolução da indústria e das comunicações, a
crescente violência do nacionalismo bôer e a oposição dos outros brancos sufo-
caram a iniciativa africana. A expansão das associações dependia também, em
parte, do desenvolvimento da economia capitalista, mas a África colonial não
teria conhecido senão uma economia capitalista rudimentar”, substancialmente
dependente de trabalhadores migrantes tipo de trabalhadores que, segundo
se diz, eram refratários à organização em sindicatos. Além do mais, na época
os assalariados ainda eram poucos. Nos anos 1950, calculava -se que somavam
quatro ou cinco milhões. Finalmente, havia numerosas proibições editadas pelos
regimes coloniais, autocráticos e exploradores, os quais, na maior parte, não
reconheceram oficialmente os sindicatos antes do fim dos anos 1930 ou início
dos anos 1940.
Conforme ficou dito antes, os efeitos sociais da dominação estrangeira esta-
vam longe de ser uniformes de um extremo a outro do continente. No que res-
11 Ver, por exemplo, KILSON, 1970; KIMBLE, 1963; YESUFU, 1962; ANANABA, 1969; THOMPSON
e ADLOFF, 1960; BATES, R. H., 1971.
588
África sob dominação colonial, 1880-1935
peita à difusão do ensino, ao triunfo das novas forças econômicas, à extensão da
urbanização e, portanto, à emergência da nova elite, pode -se dizer que a África
ocidental experimentou o maior progresso, seguida pelo Egito e Maghreb, África
do Sul, África oriental e África central. Porém, se estabelecermos essa compara-
ção tomando os blocos coloniais e não as regiões geográficas, será possível per-
ceber que a maior evolução se deu nos territórios britânicos, em segundo lugar
nas colônias francesas e portuguesas, ficando muito atrás o Congo Belga (atual
Zaire). Mas entre os próprios territórios britânicos também havia desigualdade:
os territórios onde as transformações foram mais substanciais eram Egito, Costa
do Ouro (atual Gana), Nigéria, Uganda e Serra Leoa, seguidos pelo Quênia e
as duas Rodésias (atuais Zâmbia e Zimbábue).
Se considerássemos as colônias separadamente, teríamos a impressão de que
o sul da Costa do Ouro e da Nigéria evoluíam mais depressa do que o norte.
Por outro lado, na África de língua francesa, os territórios da África ocidental
vinham em primeiro lugar, seguidos pela África do norte e depois pela África
Equatorial Francesa. No interior da África Ocidental Francesa, o Senegal e o
Daomé estavam à frente e as outras colônias acusavam certo atraso.
O fato é que a expansão e os efeitos das forças de evolução eram determi-
nados por tantos fatores que nenhum governo colonial ou grupo africano seria
capaz de dominá -los por completo. Primeiro fator: a extensão e a profundidade
do contato com a Europa, de que se beneficiara o território ou o conjunto geo-
gráfico considerado, antes da colonização. A África ocidental e a África austral
tinham mantido contato bastante regular com a Europa desde o século XVI.
Assim, pelo começo do século XIX, já estavam estabelecidas condições de vida
quase urbanas em diversos pontos dessa costa São Luís, Banjul, Acra, Lagos,
os portos fluviais Oil River, Luanda e Cabo. Eram bons canais para a difusão da
educação ocidental, do cristianismo e do comércio europeu rumo ao interior. Em
compensação, a costa oriental não manteve contato permanente com a Europa
senão da década de 1870 em diante.
Esta distância no tempo é importante para esclarecer a diferença entre os
efeitos gerados pelas forças de mudança nas diversas regiões e países da África.
No século XIX, o período que precedeu a instauração do domínio europeu foi
a fase mais liberal das relações entre a Europa e a África. Entre a abolição da
escravatura e a imposição do colonialismo, a Europa estava, afinal de contas,
disposta a encorajar a emergência de um grupo de africanos prontos a cooperar
com ela na obra de “civilização do continente. Isso equivalia a estimular a ini-
ciativa africana no ensino e no comércio. Em consequência, a África ocidental
ganhou muito com a aplicação dessa política.
589
Repercussões sociais da dominação colonial: novas estruturas sociais
Mas a imposição do domínio colonial e a concomitante aplicação de políticas
raciais nada liberais, opuseram todos os gêneros de obstáculos contra a parti-
cipação dos africanos no ensino e no comércio. As regiões em que a política
liberal não estava firmemente implantada desde antes do advento do domínio
estrangeiro viram -se, portanto, bastante desfavorecidas. As potências coloniais
desconfiavam da nova elite africana e procuravam limitar -lhe o crescimento fre-
ando o desenvolvimento das escolas: os que chegavam eram desencorajados de
conseguir o diploma, negando -se -lhes trabalho à altura de sua competência na
administração colonial. A liberdade de participar das novas empresas comerciais
também lhes foi reduzida ao mínimo.
A presença ou a ausência de colonos brancos é igualmente importante para
explicar o desigual impacto das forças de evolução. Na África ocidental, havia
poucos colonos europeus, o que até certo ponto explica a rapidez dos progressos
realizados pelos africanos ocidentais em matéria de educação e de economia,
mas eles constituíam multidão na Argélia, no Quênia, nas Rodésias e na África
do Sul. No Congo Belga, onde havia menos colonos europeus, o reinado das
companhias era tão pouco liberal e tão debilitante quanto a influência dos colo-
nos. Os interesses dos colonos europeus chocavam -se com os dos africanos, e
eles usavam a sua influência sobre a administração colonial para dificultar ou
reduzir a zero o desenvolvimento africano.
Finalmente, cumpre explicar a diversidade das reações africanas às influências
estrangeiras. Na Nigéria, os Igbo se ocidentalizaram com entusiasmo bem maior
que os Peul. No Quênia, os Gikuyu compreenderam as vantagens da educação
ocidental muito antes de seus vizinhos. O conservadorismo e a resistência da
cultura islâmica contribuíram para frear o desenvolvimento da influência oci-
dental, principalmente no oeste do Sudão, mas, na África do norte e no Egito,
uma importante fração da elite dominante procurou assegurar a sobrevivência
da herança islâmica introduzindo a ciência e a técnica ocidentais. Esse tipo de
ação redundou em uma frutuosa união entre a cultura islâmica e o pensamento
científico ocidental. Os muçulmanos do oeste do Sudão, que não souberam dar
provas da mesma iniciativa, viram -se mal preparados para enfrentar os proble-
mas postos pela dominação colonial. Franceses e ingleses puderam determinar,
ali, com toda a liberdade que forma e que dose de influência ocidental podiam
admitir na região.
C A P Í T U L O 2 0
591
A religião na África durante a época colonial
A instauração do domínio colonial europeu na África não se resumiu à impo-
sição forçada do poder político, econômico e social. Foi também uma imposição
cultural, e utilizou a cultura para dar apoio às superestruturas políticas, econômi-
cas e sociais representadas pelo colonialismo. Este capítulo examinará o aspecto
religioso dessa imposição cultural e a reação africana a ela.
A vida religiosa na África em vésperas do
domínio colonial
A religião africana tradicional no período pré ‑colonial
A religião africana tradicional estava (e está) inextricavelmente ligada à cul-
tura africana. Era uma realidade presente em todos os setores, como o salienta
muito bem Emmanuel Obiechina:
Não existe qualquer dimensão importante da experiência humana que não esteja
ligada ao sobrenatural, ao sentimento popular religioso e à piedade [...]. Tudo isso
constitui parte integrante da estrutura ideológica da sociedade tradicional e é essen-
cial para uma interpretação exata da experiência no contexto social tradicional
1
.
1 E. OBIECHINA, 1978, p. 208.
A religião na África durante
a época colonial
Ko Asare Opoku
592
África sob dominação colonial, 1880-1935
Essa onipresença no modo de viver dos povos africanos dava à religião tra-
dicional um caráter global, no contexto da cultura de onde se tinha originado.
Estava baseada em uma visão particular de mundo, que não incluía somente a
percepção do sobrenatural, mas também a compreensão da natureza do universo,
dos seres humanos e do seu lugar no mundo, assim como a compreensão da
natureza de Deus, cujo nome variava de uma região para outra. Essencialmente
espírito, Deus não possuía imagens nem representações físicas: era o criador e
o pilar do mundo. Poder, justiça, beneficência e eternidade eram atributos dele
e, como fonte de todo o poder, governava a vida e a morte. Deus recompensava
os homens, mas também os castigava quando agiam mal. De mil maneiras o
comparavam a um suserano da sociedade, e o consideravam como autoridade
última em todos os domínios. De forma geral, Deus não se assemelhava aos
seres humanos e era totalmente superior à sua criação, mas, ao mesmo tempo,
envolvia -se nos negócios dos homens, sustentando a criação e defendendo a
ordem moral, assim como os seres humanos repousavam sobre ele enquanto
poder que lhes era superior. Deus, portanto, era ao mesmo tempo transcendente
e imanente.
Existia uma hierarquia dos espíritos. Abaixo de Deus estavam os espíritos
dos ancestrais (ver fig. 20.1), sempre tratados com reverência e temor; depois,
vinham as deidades, ou os deuses, que se acreditava terem o poder de recompen-
sar os seres humanos ou de castigá -los com má sorte, doenças e até a morte. As
divindades tinham seus cultos, sacerdotes e altares. Algumas estavam ligadas a
diversas características do ambiente, mas esses objetos tangíveis não eram mais
que habitáculos terrestres dos deuses, e não os próprios deuses.
Além das deidades sobrenaturais, havia outros espíritos, ou poderes místi-
cos, reconhecidos pela capacidade de ajudar ou de prejudicar os seres humanos.
Pertenciam a essa esfera todos os agentes da feitiçaria, da magia e da bruxaria.
Finalmente, vinham os encantos, os amuletos e os talismãs, que tanto eram
empregados para proteção como para agressão.
A concepção geral do homem era que o ser humano compõe -se de substância
material e de substância imaterial. A parte imaterial (a alma) sobrevive à morte
e a parte material (o corpo) se desintegra. A morte, portanto,o significa o fim
da vida: é antes a continuidade e a extensão da vida. Os mortos permanecem
membros da sociedade e se acredita que exista, ao lado da comunidade dos vivos,
uma comunidade dos mortos. Entre ambas ocorre uma relação simbiótica. A
sociedade humana, portanto, é uma família unida, composta pelos mortos, pelos
vivos e por aqueles que ainda não nasceram.
593
A religião na África durante a época colonial
No que respeita à relação do homem com a sociedade, ser humano signi-
ficava pertencer a uma comunidade. Isso implicava participação em crenças,
cerimônias, rituais e festas
2
: a participação comunitária tinha mais valor do que
a participação individual. De fato, a sociedade estava fundada mais nas obri-
gações do que nos direitos individuais, e o indivíduo afirmava seus direitos no
exercício dessas obrigações, o que transformava a sociedade numa vasta malha
de relações. Além disso, a vida humana era considerada e compreendida como
um ciclo de nascimento, casamento, procriação, morte e vida pós -morte. O
indivíduo nunca se fixava em uma etapa da existência: tinha necessariamente
de passar à seguinte e, para tornar a transição mais fácil, eram cumpridos ritos
especiais para garantir que nenhuma ruptura se produzisse, que o movimento e
a regeneração se dessem perpetuamente
3
.
A religião africana tradicional não apenas era onipresente, mas também unia
os homens aos poderes invisíveis, ajudando -os a estabelecer relações justas com
as potências extra -humanas e com seus semelhantes. A religião era o amálgama
que dava às sociedades humanas solidez, estabilidade e coesão. Além disso, aju-
dava os homens a compreender e dominar os acontecimentos, a se libertar de
suas dúvidas, angústias e sentimentos de culpa.
Mas a situação não era estática, que de geração em geração ocorriam
mudanças, e cada uma delas acrescentava sua parte de experiência à herança
religiosa e cultural. Não havia deus ciumento que proibisse a aceitação ou o
acréscimo de novos deuses e novas crenças e novos cultos e novos altares
apareciam, enquanto outros declinavam. Os deuses que tinham revelado poder
possuíam altares por toda a parte, e era frequente que grupos étnicos vencidos
adotassem os deuses dos adversários vitoriosos. E, como o movimento era a
essência da vida, as mudanças eram consideradas normais, na medida em que
não transgredissem os valores africanos.
O islão no período pré ‑colonial
Duas religiões estrangeiras foram introduzidas durante o período pré -colonial,
ao lado da religião tradicional: o islamismo e o cristianismo. A ascensão e a
difusão do islão na África já foram tratadas em volumes anteriores. A expansão
de maior importância do islão na época pré -colonial deu -se no século XIX, em
parte quando militantes islâmicos, descontentes com os intoleráveis arranjos
2 MBITI, 1969, p. 2.
3 OPOKU, 1978, p. 10 -1.
594
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Personagens Makishie durante uma cerimônia de iniciação, em Zâmbia. Os dançarinos repre-
sentam os espíritos ancestrais encarregados de instruir os futuros iniciados. (Fonte: Serviço Nacional de
Turismo de Zâmbia.)
595
A religião na África durante a época colonial
concluídos entre o islão e a religião tradicional africana, declararam “guerras
santas” com o objetivo de restabelecer a fé islamita na sua pureza original. Essas
djihāds redundaram na formação de Estados teocráticos, nos quais a religião e a
lei do islão foram impostas ao povo, tendo havido muitas conversões. Os Estados
teocráticos prolongavam -se através da zona sudanesa da África ocidental, desde
o Senegal até o que é hoje o norte da Nigéria, incluindo Futa -Djalon, Futa -Toro,
o califado de Sokoto e o império de Bornu
4
.
Na África oriental, o islão penetrou no coração do continente a partir da
costa, mas, ao contrário dos seus iguais da África ocidental, os muçulmanos desta
área interessavam -se mais pelo comércio do que pela conversão dos habitantes à
sua fé. Trataram de assegurar os laços comerciais com o interior e sua esfera de
influência econômica. No entanto, certas áreas da África oriental seguiam o islão
havia séculos; ao longo da costa, foi se desenvolvendo uma nova cultura muçul-
mana e, a partir dessa mistura com a cultura bantu, nasceu a cultura swahili. O
kiswahili é, hoje, a língua franca da maior parte da África oriental.
Antes da chegada das potências coloniais, o islão avançara em propor-
ção considerável. Dentre seus progressos, assinalemos a substituição do ciclo
de festas tradicionais pelo calendário islâmico em várias partes da África e a
incorporação de numerosas palavras e conceitos árabes por línguas africanas
como o haussa, o fula e o mandinga, o que contribuiu muito para enriquecê -las.
No retorno da viagem, os peregrinos seguiam novas modas de vestuário; e,
com o exemplo de religiosos e clérigos muçulmanos residentes ou de passagem
por diversas regiões da África, a cultura árabe tinha começado a causar grande
impacto sobre os africanos. A influência se fazia sentir também na arquitetura,
nos títulos, na música e em outros aspectos da cultura, principalmente entre as
camadas mais favorecidas da população africana, sobretudo no Sudão.
Malgrado o progresso islâmico conseguido antes da chegada das potências
coloniais, as últimas décadas do século XIX assistiram ao desmoronar de alguns
Estados teocráticos da África ocidental, ao enfraquecimento do comércio e da
influência islâmicos na África oriental. Não obstante, a dominação colonial
ainda viria a dar ao islão a possibilidade de uma expansão sem precedentes.
O cristianismo na África pré ‑colonial
Antes de instaurada a dominação colonial, o cristianismo (como se viu em
volumes anteriores) passara por três fases de sua história no continente africano.
4 LAST, 1974.
596
África sob dominação colonial, 1880-1935
A primeira encerrou -se no século VII da era cristã, com o advento do islão,
deixando colônias cristãs dispersas nos desertos e em certas partes ao norte da
África. A Etiópia mantinha -se firmemente cristã desde o século IV. A era das
explorações portuguesas no século XV marca o início da segunda fase, e esta,
por sua vez, termina com o tráfico de escravos que se seguiu àquelas explora-
ções e durou aproximadamente três séculos. A terceira fase (1800 -1885) foi
desencadeada pelo surgimento de um poderoso movimento missionário no final
do século XVIII, na Europa. A partir da década de 1840, assistiu -se à pene-
tração dos missionários no interior do continente, enquanto o período anterior
caracterizara -se por sua concentração ao longo da costa, principalmente nos
enclaves europeus litorâneos, na Etiópia e na África do Sul. A arrancada para o
sertão tornou -se possível graças à exploração geográfica, que deu aos europeus
maior conhecimento sobre o interior da África. Além disso, inúmeros missio-
nários foram incentivados pelas experiências e ideias de David Livingstone,
que em numerosos escritos narrou os resultados de suas expedições. Segundo
ele, os missionários deviam estabelecer centros de catequese e de civilização
destinados não a expandir a religião, mas também a promover o comércio e
a agricultura. Imbuídos por essas ideias, inúmeros e entusiasmados missioná-
rios penetraram fundamente o interior da África, acompanhando antigas vias
comerciais. Acresça -se a esse contexto o progresso da medicina, no século XIX,
que permitiu o controle de várias doenças tropicais e tornou mais fácil aos mis-
sionários estabelecer -se em tantas regiões da África.
Viver no sertão familiarizou cada vez mais os missionários com a África,
fator que veio a tornar -se decisivo no último quarto do século, quando come-
çaram as lutas pela conquista do continente. Assim que as nações europeias
interessavam -se mais pela aquisição de territórios africanos, os missionários
franqueavam -lhes o caminho em algumas zonas e serviam conscientemente
enquanto agentes do colonialismo europeu. Cada missionário estava firme-
mente persuadido de que, se havia de ocorrer uma intervenção europeia, então
que fosse conduzida por seu próprio país. Como escrevia Roland Olivier, “eles
desejavam garantir que a intervenção fosse conduzida por compatriotas seus ou
pela potência mais capaz de oferecer as melhores oportunidades para a obra de
seu culto
5
.
Além disso, a administração colonial na África, argumentava a maior parte
dos missionários, não providenciaria apenas a segurança e a proteção tão dese-
5 OLIVER e MATHEW (orgs.), 1971.
597
A religião na África durante a época colonial
jadas para lhes permitir reparar os males do tráfico negreiro, mas ainda estimu-
laria e garantiria o desenvolvimento de novas possibilidades econômicas aos
africanos. Desse modo, encorajavam entusiasticamente a intervenção europeia,
sobretudo a partir dos anos 1870, nela vendo um empreendimento moralmente
justificado.
Religião africana tradicional e domínio colonial
A imposição do domínio colonial na África, a partir de 1885, conduziu à
difusão da influência europeia até o âmago do continente, enquanto antes ela se
concentrava ao longo da costa. Toda a intervenção europeia, durante o período
colonial, fundamentava -se no postulado de que, para implantar o progresso,
era preciso transformar ou mesmo destruir por completo a cultura africana. E,
como a cultura africana estava intimamente ligada à religião, é fácil perceber
que a política colonial europeia podia chocar -se violentamente com princípios
da religião tradicional, que constituíam as próprias bases da sociedade africana.
Desde o início, a religião tradicional viu -se submetida ao desafio da sobrevivên-
cia e da necessidade de se fortalecer.
Os missionários foram os porta -vozes da cultura ocidental praticamente até
começos da década de 1890, e sempre foram claros relativamente à religião afri-
cana: queriam converter os africanos não somente ao cristianismo, mas também
à cultura ocidental, que julgavam impregnada de cristianismo e profundamente
marcada por ele. De fato, para a maior parte desses missionários convictos, não
havia a menor diferença entre as duas coisas e, no entanto, embora não dis-
tinguindo entre a sua religião e a sua cultura, trabalhavam sem descanso para
converter os africanos a uma forma de vida na qual a religião estava separada
dos outros aspectos da existência. Ensinavam ao seu novo rebanho que a vida
podia ser dividida em esfera espiritual e esfera secular – ensino que se opunha à
própria base da cultura africana, ou seja, a unidade entre religião e vida. Desse
modo, os missionários tratavam de atacar o próprio elemento que sustentava a
coesão das sociedades africanas. O perigo foi desde logo percebido por vários
chefes africanos perspicazes, que prontamente se opuseram à penetração dos
missionários, identificando na presença deles um desafio e uma ameaça às for-
mas tradicionais de autoridade. Os missionários, assim como os administradores
coloniais, pregavam contra a crença nos espíritos, nas forças sobrenaturais e nos
deuses, na feitiçaria, nos sacrifícios, nos rituais, nos tabus e na veneração dos
antepassados. Com isso, minavam a influência dos tradicionais chefes rituais
598
África sob dominação colonial, 1880-1935
africanos, como sacerdotes, sacerdotisas, mágicos, fazedores de chuva e monarcas
divinos. Os administradores coloniais introduziram também a medicina ociden-
tal, e atacavam os costumes “pagãos” para enfraquecer a posição dos médicos e
dos curandeiros tradicionais. A ordem antiga foi, portanto, severamente fusti-
gada e, em numerosos setores da sociedade africana, envidaram -se esforços para
defendê -la e protegê -la.
Embora os administradores coloniais se interessassem em primeira instância
pelo controle político econômico e social dos territórios, as questões relativas à
religião não podiam estar excluídas de suas preocupações essenciais. A doutrinação
dos missionários era compartilhada pelas potências coloniais. De modo geral, seus
administradores adotaram atitude hostil para com algumas práticas religiosas e
tentaram aboli -las suprimindo certos cultos. Procuraram eliminar a na feitiçaria,
bem assim práticas como a prova do veneno, destinada a descobrir pessoas suspei-
tas de culpa ou inocentes em crimes difíceis de provar, ou o “rapto de cadáveres
para descobrir quem havia provocado sua morte por feitiçaria ou despacho.
Os africanos reagiram de muitas maneiras a esses ataques. Aqueles que
não se haviam convertido faziam oposição ao domínio colonial e desafiavam
as condenações dos missionários, simplesmente continuando a obedecer à sua
e a praticar seus ritos, aberta ou clandestinamente. Aqueles que se haviam
convertido ao cristianismo, e cujas crenças e atitudes estavam, portanto, forte-
mente influenciadas pela nova doutrina, exprimiam sua resistência integrando
sincreticamente algumas das crenças tradicionais à sua nova fé.
Os africanos empregavam a religião como arma para resistir ao domínio
colonial e à ameaça que ele representava para seus valores. Muitas vezes, recor-
riam à magia, à intervenção dos antepassados e de seus deuses para combater a
opressão colonial. Durante as duas primeiras décadas do século XX, os guerreiros
Igbo do sudeste da Nigéria empregaram esses meios para se defender contra
os invasores estrangeiros. Podem ser citados como exemplos os Esza, do grupo
Abakaliki, os Uzuakoli e os Aro
6
. Alguns cultos constituíam claramente focos
de resistência à dominação colonial, como o Mwari, na Rodésia do Sul (atual
Zimbábue), e havia associações secretas, como a Poro em Serra Leoa (ver fig.
20.2) e outras regiões da África. Também houve guerras mágicas em Mada-
gáscar e na bacia do Congo. Na África oriental, principalmente no Quênia,
surgiram profetas que davam revigoramento
7
espiritual para resistir ao colonia-
6 Ver AFIGBO, 1973.
7 A fundação de igrejas independentes, distintas das igrejas missionárias controladas pelos europeus,
exprimia o mesmo tipo de protesto.
599
A religião na África durante a época colonial
 . Membros de uma sociedade secreta em Serra Leoa. (Foto: Royal Commonwealth Society.)
600
África sob dominação colonial, 1880-1935
lismo, como ocorreu no distrito de Machakos, entre os Kilungu, nos primeiros
meses de 1922 (ver o capítulo 26). Um dos movimentos mais conhecidos, por
ter utilizado ao mesmo tempo a religião e a magia a fim de resistir à opressão
e ao domínio colonial, foi, como vimos antes, o movimento Majī Majī na
África Oriental Alemã, durante a primeira década do nosso século
8
. Apesar da
derrota, o movimento Majī Majī demonstrou que a religião africana tradicional
podia conduzir à unidade contra a pressão europeia, e que ela não era uma força
fragmentária, confinada a algumas localidades. Além disso, semeou o germe do
nacionalismo africano, que posteriormente haveria de crescer e difundir -se, na
luta pela independência, até o fim do domínio colonial, nos anos 1960.
O culto Nyabingi era semelhante ao Majī Majī. Abrangia igualmente uma
vasta zona, por sobre fronteiras étnicas e regionais. Era encontrado em Ruanda,
no noroeste de Tanganica (atual Tanzânia) e em Uganda. Assim como no movi-
mento Majī Majī, os adeptos do culto Nyabingi acreditavam que seus produtos
medicinais tinham o poder de neutralizar o efeito das balas europeias e partilha-
vam da mesma de serem possuídos pelos espíritos de ancestrais legendários.
Esse culto nasceu no final do século XIX e expandiu -se até 1928, ano em que se
transformou em movimento de revolta contra a ocupação europeia na região de
Kigezi, Uganda. Conforme diz E. Hopkins,o movimento conseguiu bloquear
os esforços administrativos de três potências coloniais durante cerca de vinte
anos, até sua eliminação, em 1928”
9
.
Os alemães – e em seguida os belgas, que assumiram o domínio de Ruanda
após a Primeira Guerra Mundial não lograram eliminá -lo e, mesmo depois de
esmagado o levante de 1928, o culto perdurou até 1934, data de sua supressão
final.
Outros cultos conseguiram resistir à pressão europeia, resgatando certos
aspectos da religião tradicional e combinando -os com ideias tomadas ao cristia-
nismo. Exemplo disso foi o culto Mumbo, praticado pelos Gusii, perto do lago
Vitória, no Quênia, e usado como esteio da sua revolta contra o colonialismo
britânico, deflagrada em 1900
10
.
Na Costa do Ouro (atual Gana), a administração colonial britânica adotou
atitude hostil para com certas práticas religiosas, abolindo algumas e tentando
suprimir certas divindades e respectivos cultos. Assim, o culto de Katawere,
8 Para maiores detalhes, ver o capítulo 7 deste volume.
9 HOPKINS, E., 1970.
10 Para maiores detalhes, ver os capítulos 7 e 26 deste volume.
601
A religião na África durante a época colonial
deidade tutelar de Akim Kotoku, foi proibido em 1907
11
. Anteriormente, nos
anos 1880, o governo alemão havia destruído os santuários de Kete -Krachi,
dedicados a Denteh; o sacerdote foi aprisionado e executado. A administração
colonial britânica obrigou os Krobo a abandonar suas aldeias, no monte Krobo,
aniquilando -as; destruiu igualmente os santuários de Kotoklo e de Nadu, devo-
tados ao culto de suas divindades tutelares.
A administração colonial combatia a crença na feitiçaria e procurava fazê-
-la desaparecer por meio de decretos e de medidas destinadas a pôr fim aos
movimentos africanos pela eliminação da feitiçaria. Apesar da ação conjugada
dos missionários e dos administradores coloniais, a crença na feitiçaria persistiu
tanto no meio dos convertidos como dos não convertidos, continuando os afri-
canos a tratar do problema à sua maneira.
Entre os vários novos cultos surgidos na África ocidental para proteger
as pessoas contra a feitiçaria, cumpre mencionar o Aberewa (Mulher Velha),
da Costa do Ouro, culto proibido pela autoridade colonial em 1908. O mais
difundido dos movimentos pela eliminação da feitiçaria foi o culto Bamucapi, da
África central e do sudeste, que se alastrou por Moçambique, Niassalândia (atual
Malavi), Rodésias (atualmente, Zimbábue e Zâmbia), sul de Tanganica (atual-
mente, Tanzânia) e Congo Belga (atual Zaire). Os membros do culto Bamucapi
bebiam poções que supunham livrá -los da feitiçaria ou protegê -los do efeito
dela
12
. O culto prosperou no início da década de 1930; tomava ideias empresta-
das à religião africana tradicional e, ao mesmo tempo, ao cristianismo.
Como alguns africanos persistiam em recorrer a seus métodos tradicionais
para lutar contra a feitiçaria, a administração colonial baixou decretos a respeito
dela. Em Uganda, por exemplo, um desses decretos foi promulgado em 1912 e
reformado em 1921: as penas se tornavam mais severas, indo de um a cinco anos
de prisão, e o porte de artigos de feitiçaria passava a constituir delito
13
. Mas todas
as leis das autoridades coloniais revelaram -se pouco eficazes contra a feitiçaria,
bem como as condenações dos missionários e dos africanos convertidos.
Outra investida contra a religião africana tradicional traduziu -se em medidas
contra os ritos de iniciação de rapazes e moças à idade adulta. Para os africanos,
os ritos de iniciação preparavam rapazes e mocinhas não só para a idade adulta,
mas também para a vida social e comunitária, constituindo um elemento vital e
nuclear da vida social, cultural e religiosa.
11 DEBRUNNER, 1967, p. 255.
12 RANGER, 1971, p. 132.
13 HOPKINS, E., 1970, p. 311.
602
África sob dominação colonial, 1880-1935
Em muitas partes da África, os ritos de iniciação compreendiam a circun-
cisão dos meninos e a clitoridectomia das meninas, e era essa a fonte das mais
graves controvérsias. Os missionários consideravam os ritos inadmissíveis, tanto
do ponto de vista dos costumes como da teologia, e muitas vezes buscavam o
apoio da administração colonial para combatê -los. O ataque equivalia a uma
interferência no significado central da concepção africana do homem e na orga-
nização da vida religiosa: a reação dos africanos foi violenta. Na África oriental,
principalmente, o problema da circuncisão e, sobretudo, da clitoridectomia pro-
vocou as reações mais fortes. Os missionários a julgavam prática abominável e
tentaram fazer com que suas novas ovelhas a abandonassem por completo. No
tocante à circuncisão dos meninos, porém, estavam dispostos a concordar, desde
que fosse despojada de seus aspectos “pagãos”, “demoníacos” e “satânicos”.
Na diocese de Masasi, Tanganica meridional, e na província central do Quê-
nia houve sérios confrontos entre as missões cristãs e os povos africanos, a pro-
pósito da circuncisão. Em Masasi, foi empreendida uma política de adaptação
e procurou -se modificar o jando (circuncisão) e o malango (excisão na mulher)
praticando -os sob auspícios cristãos de forma a despojá -los de qualquer ele-
mento estimado ou julgado não cristão”. Essa política evitou um confronto
direto entre a iniciação tradicional e as missões cristãs, embora a Igreja tenha
omitido um elemento essencial da iniciação das meninas, a elongação do clitó-
ris, e não chegasse a dar ao malango a importância que a iniciação tradicional
determinava. No entanto, reconhecia a necessidade de seus fiéis serem ao mesmo
tempo cristãos e membros plenamente iniciados de suas comunidades, objetivo
que foi alcançado dentro da própria Igreja e não em revolta contra ela
14
.
Mas, na província central do Quênia, a política dos missionários provocou
confronto direto. Os africanos já nutriam forte ressentimento contra a adminis-
tração britânica, que lhes havia tomado vastas extensões de terra para colocá -las
à disposição dos colonos brancos. Essa espoliação coincidiu com as ativida-
des de umas tantas missões a Scottish Mission (Ukambani, 1891, e Kikuyu.
1898), a Mission Évangélique Luthérienne Bavaroise (Ukambani, 1893), a
African Inland Mission (Ukambani, 1896), a Gospel Missionary Society (Nai-
róbi, 1897), a Church Missionary Society e a African Inland Mission (Nairóbi,
1901) que começaram a criticar as veneradas tradições dos Akamba, Meru,
Tharaka, Massai e outros povos, principalmente a excisão iniciática das meninas
14 RANGER, 1972.
603
A religião na África durante a época colonial
e a circuncisão dos meninos. A presença europeia significava, portanto, uma
dupla pressão: sobre a terra e sobre as tradições.
O que os missionários consideravam particularmente repugnante era a inicia-
ção das meninas. Criticavam -na violentamente e a Church of Scotland Mission,
a African Inland Church e a Gospel Missionary Society a proibiram em suas
igrejas, em 1920 e 1921. A circuncisão não recebeu ataques tão duros, mas as
missões exigiram que passasse a ser praticada em hospitais ou em residências
particulares. Assim que a pressão contra a clitoridectomia começou a aumentar,
a administração colonial britânica reconheceu que se tratava de prática prejudi-
cial” e que a “educação a eliminaria progressivamente. Mas a iniciação masculina
e feminina tinha profunda significação para a vida comunitária dos africanos, e
qualquer abolição, qualquer proibição súbitas atentariam gravemente contra sua
segurança psicológica, social e religiosa.
A oposição à atitude negativa dos europeus para com a excisão manifestou -se
abertamente em começos da década de 1920, a partir de 1923. Entre os Gikuyu,
por exemplo, foram criadas escolas independentes com o objetivo de restabelecer
essa prática e educar os filhos, que não eram admitidos nas escolas das missões
por causa da excisão. Em 1929, uma canção de dança, intitulada muthirigu,
que ridicularizava as missões e os cristãos contrários à iniciação, ganhou rápida
popularidade no meio dos Gikuyu, mas foi proibida pela administração colonial
britânica no ano seguinte. Além disso, a oposição africana manifestava -se pelo
desligamento de numerosos membros das igrejas protestantes e anglicanas, entre
os Gikuyu, os Embu e os Meru. Em 1928, surgiu uma igreja independente, a
Igreja Ortodoxa Africana, enquanto em 1930 propagava -se, entre os Gikuyu,
um movimento profético pregando o julgamento iminente dos europeus e das
missões por Deus. O movimento foi rapidamente eliminado pela administração
colonial.
A oposição africana continuou a se manifestar de várias formas, inclusive
tumultos, ataques às escolas das missões, tentativas de impedir que os padres
exercessem o seu ofício e até mesmo a morte de um missionário, em Kijabe.
Esta oposição à atitude dos missionários a respeito da excisão foi acompa-
nhada pela crescente onda de nacionalismo, que resultou, finalmente, na resis-
tência política aberta ao domínio estrangeiro
15
. Entre os Akamba, os Embu e
os Meru, no entanto, o problema da iniciação feminina não gerou tanta tensão
15 Para um estudo mais detalhado, ver WELBOURN, 1961, p. 135 -43.
604
África sob dominação colonial, 1880-1935
como entre os Gikuyu, tendo a resistência assumido a forma de escolas e igrejas
independentes.
Todos os ataques contra a religião africana tradicional, bem como as reações
a que deram causa, regra geral não fizeram mais que revigorá -la extraordinaria-
mente nos anos 1930.
O islão e a dominação colonial
Aparentemente, tudo se passou mais favoravelmente para o islão do que
para a religião tradicional, durante o período da dominação colonial. Nas zonas
onde, antes da chegada das potências coloniais, predominavam muçulmanos, a
lei islâmica dera azo a uma unidade mais territorial do que étnica, que impunha
obediência às autoridades
16
. Isso favoreceu uma administração e um comércio
eficazes e facilitou aos muçulmanos o trabalho de proselitismo e conversão.
O desenvolvimento das comunicações permitiu aos muçulmanos o acesso
a regiões até então fora do seu alcance. Quando as vias comerciais da África
ocidental foram reorientadas do deserto para a costa, começou a aumentar o
número de muçulmanos até o início do colonialismo muito reduzido no litoral.
A constante expansão do seu número em Serra Leoa, de 1891 a 1931, ilustra
bem esse fato: em 1891, eles constituíam 10% da população; em 1901, 12%; em
1911, 14%; em 1921, 19,5%; em 1931, 26,12%
17
.
A presea muçulmana na costa ocidental aumentou mais ainda com a
vinda dos Ahmadiyya, que chegaram como missionários usando as rotas marí-
timas costeiras. Embora considerados heréticos por alguns, desempenharam
importante papel ao suscitar entre os muçulmanos o interesse pela educação
ocidental.
A atitude das autoridades coloniais para com o islão era ambígua. Enquanto
alguns julgavam tratar -se de uma forma de religião mais esclarecida do que
a religião africana tradicional, outros consideravam avançadas as instituições
muçulmanas, e as utilizavam segundo o interesse da administração colonial. Os
tribunais islâmicos foram, então, permitidos e, em certas zonas, os chefes muçul-
manos desfrutavam de amplos poderes
18
. Os muçulmanos eram empregados
16 WIEDNER, 1964, p. 245 -6.
17 TRIMINGHAM, 1962, p. 226.
18 No norte da Nigéria, por exemplo, onde primeiro se tentou uma política de dominação indireta, o governo
do Reino Unido defendia o poder dos chefes muçulmanos. As autoridades coloniais cavam por detrás
do islão, enquanto religião ocial da área.
605
A religião na África durante a época colonial
 . Fachada de uma mesquita no norte de Gana. (Fonte: Universidade de Washington.)
606
África sob dominação colonial, 1880-1935
pelos administradores coloniais em postos subalternos (guias, agentes, escriturá-
rios), o que os colocava em contato estreito com os povos africanos. Conforme
observava Trimingham, isso familiarizava os adeptos da religião tradicional com
as características exteriores do islão, elevava o prestígio da conversão a uma reli-
gião favorecida e propiciava aos agentes islâmicos facilidades para o exercício da
sua propaganda e de diversas formas de pressão
19
(ver fig. 20.3).
Mas o islão não se beneficiava com favores de todas as autoridades coloniais.
No Congo Belga (atual Zaire), a administração era -lhe particularmente hostil,
vendo nessa religião uma ameaça à missão de cristianização e “civilização”.
Somente a construção de algumas mesquitas foi autorizada, e as escolas muçul-
manas foram inteiramente proibidas na colônia
20
.
Outros europeus, principalmente franceses, procuravam impor a cultura
europeia aos súditos, muçulmanos ou não, por considerar que tinham a obri-
gação de elevar o nível da população colonizada oferecendo a ela os “benefí-
cios” da cultura francesa. Enquanto a política britânica, em relação aos Estados
muçulmanos, baseava -se na crença de que podiam confiar na cooperação dos
chefes islâmicos, os franceses pensavam de outro modo. Procuraram de início
limitar as zonas sob controle muçulmano, quando da tentativa de se apossarem
da maior parte do Sudão ocidental. Cuidavam de evitar o emprego do árabe
na correspondência oficial, e até ajudavam abertamente os que não aceitavam
o proselitismo muçulmano, como os Bambara. Além disso, também cuidavam
de impedir que chefes muçulmanos fossem designados para dirigir povos não
muçulmanos. Para fazer oposição efetiva à difusão do islão e da jurisprudência
islâmica, trataram também de reforçar a religião tradicional e de codificar o
direito consuetudinário, para fazer dele um contrapeso
21
. Mas, apesar de todo
o receio e hostilidade, os franceses estavam mais familiarizados com o islão do
que com a religião tradicional. Como não conseguiram materializar as intenções
hostis, acabaram chegando a acordo com os muçulmanos e até criaram institutos
destinados ao estudo da vida, crenças, práticas e instituições do islão
22
.
As potências coloniais estavam decididas a destruir os vastos Estados muçul-
manos e as organizações religiosas islâmicas, principalmente atiçando as rivali-
dades entre eles. Assim, os britânicos aboliram o califado de Sokoto, ao norte da
Nigéria, enquanto os franceses encorajavam abertamente as rivalidades étnicas e
19 TRIMINGHAM, 1962.
20 Ver BOOTH, 1977, p. 325.
21 Ver AJAYI, s.d.
22 Ibid.; ver também CROWDER, 1968, p. 359 -61.
607
A religião na África durante a época colonial
dinásticas, que levaram à desintegração o império Tukulor. Favoreceram igual-
mente a proliferação das ordens sufi e se recusaram a reconhecer um califa para
todos os membros muçulmanos da ordem Tijaniyya na África ocidental.
Nessa região, a França e o Reino Unido ansiavam e desejavam garantir a
liberdade de culto aos muçulmanos, sob certas condições. Queriam vivamente
um islão da África ocidental, privado de todas as suas conexões internacionais
e de seus aspectos universais. As potências coloniais almejavam, acima de tudo,
impedir a constituição de um movimento pan -islâmico que pudesse ameaçar a
sua hegemonia, temor que se tornou real quando a Turquia alinhou -se ao lado
da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e quando o sultão otomano ordenou,
na qualidade de califa de todos os muçulmanos, a revolta geral contra os infiéis
europeus.
Posteriormente, porém, as potências coloniais acabaram por encorajar e não
apenas tolerar o islão. Preferiam tratar com africanos islamizados a lidar com
africanos cristianizados. Como dizia um funcionário francês em 1912: “Os
negros islamizados são geralmente pessoas amáveis, reconhecendo a segurança
que nossas armas lhes trouxeram; eles não pensam senão em viver em paz, à
sombra de nosso poder
23
.
Também a influência modernizadora do islão era apreciada pelas potências
coloniais, que teriam declarado considerá -lo “uma ponte entre o estreito par-
ticularismo da sociedade tradicional e os vastos impulsos e exigências da vida
moderna e dos interesses econômicos”
24
. Os chefes muçulmanos submissos ao
colonialismo eram por isso estimulados e muitas vezes gozavam dos favores
oficiais, de honras e recompensas em nível nacional. Construíam -lhes mesquitas
e escolas islâmicas, ajudavam -nos na organização de suas peregrinações e de suas
viagens de estudo. Concomitantemente, os muçulmanos que não obedeciam à
linha oficial e se mostravam recalcitrantes eram chamados à ordem e frequen-
temente molestados.
Mas os muçulmanos opunham -se à dominação colonial por motivos ao
mesmo tempo religiosos e políticos. Se bem que as administrações coloniais
principalmente a francesa tivessem conseguido obter, em parte, o apoio
muçulmano em seus territórios da África ocidental, muitos desses muçulmanos
queriam preservar a pureza do islão e, portanto, não podiam tolerar o fato de
serem submetidos a “infiéis” representados por uma administração cristã; de fato,
aspiravam a desembaraçar o país do colonialismo francês. Semelhante desejo
23 Citado in AJAYI, s.d., p. 22.
24 Ibid.
608
África sob dominação colonial, 1880-1935
conduziu à ressurreição do mahdismo. Supunha -se que o Mahdi, equivalente
ao Messias cristão, era aquele que viria à terra para instaurar um sistema justo,
de acordo com o dogma islâmico, e livrar a sociedade da tutela dos infiéis. O
mahdismo disseminou -se por numerosas áreas das regiões sudanesas da África
ocidental e foi a expressão do sentimento antifrancês na alta Guiné, na Mauritâ-
nia e no Senegal, principalmente desde 1906 até a Primeira Guerra Mundial.
Havia outros movimentos islâmicos de sentimento antifrancês ou de postura
anticolonial: o Hamalliyya, fundado pelo xeique Hamallah, movimento ativo
no Senegal, no Sudão francês, na Mauritânia e no Níger, e a confraria dos
Sanusiyya, fundada por Muhammad b. Ali al -Sanusi na Líbia, que se tornou
a principal força de resistência ao colonialismo italiano. Entre 1860 e 1901, a
Sanūsiyya espalhou -se pela Tunísia, e pelo Egito, Sudão central e Senegal.
A confraria dos Sanūsiyya criara toda uma tradição de oposição ao domínio
estrangeiro na Líbia, pois o era somente uma ordem religiosa, mas também
movimento político. Opunha -se ao domínio turco, embora considerasse o sultão
turco como o califa de todas as terras muçulmanas. A única razão pela qual os
adeptos da Sanūsiyya não pegavam em armas contra a Turquia era o fato de terem
uma religião comum a uni -los. Mas, no caso dos italianos, nenhum laço do gênero
existia: a ordem resistiu firmemente à invasão italiana e comandou a resistência
líbia de 1911 a 1932. Depois de a Turquia renunciar à soberania sobre a Líbia, em
1912, os membros da Sanūsiyya garantiram, sozinhos, a chefia e a responsabili-
dade do movimento de libertação. Palavras de ordem e proclamações do comando
da resistência foram lançadas em nome da al -Hakuma al -Sanūsiyya”, o governo
Sanūsiyya. Ao longo dos anos, a confraria foi reconhecida em outras terras muçul-
manas, não enquanto confraria dos libertadores da Líbia, mas também como a
dos combatentes da fé, os Mujahidin. K. Folayan escreveu a esse respeito:
O papel da ordem Sanūsiyya, ao assumir a chefia efetiva do movimento de resis-
tência líbio, faz dela um exemplo politicamente importante de movimento religioso
que se tornou espinha dorsal da resistência ao imperialismo ocidental, e realmente
a ordem detinha o mais longo histórico de resistência na África. De fato, o papel
desse movimento não terminou com o colapso de sua força militar e a ocupação
da Líbia pela Itália, em 1932. Desde o primeiro ano de independência (1951), ao
contrário, os Sanusiyya continuaram assumindo a defesa da Líbia, como a classe
effendiya representava o nacionalismo do Egito ou do Maghreb
25
.
25 FOLAYAN, 1973, p. 56.
609
A religião na África durante a época colonial
Alguns dos mais determinados adversários da invasão francesa do Alto Volta,
no final do século XIX, foram muçulmanos, muitos dos quais teriam dito aos
Mossi da região que os brancos iriam embora assim que eles, os negros, se
tornassem muçulmanos
26
. Além disso, as conquistas de Samori Touré na África
ocidental e de Rabih na região do Chade, no final do século passado, puseram
os muçulmanos em conflito com os europeus e contribuíram para identificar o
islão com a resistência à dominação colonial.
Não obstante, o islão prosperou sob esse mesmo domínio, devido às nume-
rosas vantagens que tinha sobre um cristianismo imposto pelos missionários e
devido, também, à desintegração da vida tradicional operada pelo colonialismo.
Muitos consideravam o islão uma religião autóctone, difundida pelos africanos
e cujos adeptos, longe de se apartarem da comunidade, misturavam -se intima-
mente a ela. Não sucedia o mesmo com os cristãos, que tendiam a criar comu-
nidades próprias e separadas, de acordo com um modo de vida essencialmente
europeu. Não era casual, portanto, que a palavra dos Temne (Serra Leoa) para
designar cristãos e europeus fosse a mesma: poto
27
. Além disso, ao contrário do
cristianismo, imposto pelas missões, o islão conseguia conviver melhor com ins-
tituições sociais e religiosas tradicionais da África, como a magia, a adivinhação,
a poligamia e a vida comunitária. Tornar -se muçulmano não exigia, consequen-
temente, ruptura radical com a tradição, ponto em que os missionários insistiam
tanto: o islão “enfatizava a coesão mais do que o cristianismo, e menos a riva-
lidade e a realização individual”
28
. Outro ponto contava a favor do islão: com
toda a destruição que acompanhou a dominação colonial, havia a necessidade de
uma nova base de integração social e o islamismo a proporcionava, na medida
em que possuía significativos recursos para aqueles que tivessem perdido suas
raízes tradicionais. Comentando as causas da “explosão do islamismo durante
esse período, diz N. S. Booth:
Em certas áreas isso pode ter ocorrido porque o islão era considerado uma forma de
resistência ao domínio político e cultural do Ocidente; em outras, a política colonial
o favoreceu involuntariamente. Talvez de maneira complexa, a hostilidade europeia
para com o islão e o fato de os europeus haverem utilizado em proveito próprio os
muçulmanos e suas instituições tenham contribuído para os projetos do islão. Ser
muçulmano podia ser uma forma de obter vantagens no sistema colonial e, ao mesmo
26 BOOTH, 1977, p. 323.
27 KAREFA -SMART, A. e KAREFA -SMART, J., 1959, p. 19.
28 HULL, 1980, p. 146.
610
África sob dominação colonial, 1880-1935
tempo, marcar uma certa distância em relação à cultura ocidental. Era um modo de
fazer parte de uma comunidade mundial, respeitada de boa ou de má vontade pelos
europeus, e que proporcionava um centro alternativo de adesão e a base de uma dig-
nidade independente. A pressão de uma nova cultura e de uma religião estrangeiras
tendia a reforçar o sentimento de identidade com uma cultura e com uma religião
que, embora estrangeiras de origem, tinham passado a ser aceitas localmente
29
.
Mas esta aceitação não implicava abandono da visão tradicional de mundo:
de fato, o islão, assim como o cristianismo, veio complementar as crenças e prá-
ticas tradicionais, antes que suplantá -las. Por essa razão, as “religiões -hóspedes”
tendiam em grande parte a ser compreendidas no quadro das noções fundamen-
tais que sustentavam a religião tradicional dos africanos. Assim, para a maior
parte dos muçulmanos africanos, o islão significava uma das muitas maneiras de
ser religioso, complementando a religião tradicional, e esta, por sua vez, suprindo
certas lacunas do islão.
No entanto, ocorreram algumas mudanças fundamentais na visão tradicional,
entre os africanos convertidos ao islamismo. O artigo de fé islâmico relativo ao
Juízo Final e à separação dos crentes e dos ímpios na vida futura difere aguda-
mente das ideias tradicionais, que salientam a comunidade de existência com os
antepassados mortos. O islão é visto como uma nova fonte de poder, visando à
realização da totalidade da vida, à cura e à melhora no seio da comunidade.
O cristianismo na época colonial
A instauração do domínio colonial ajudou consideravelmente a obra dos mis-
sionários. Em primeiro lugar, administradores coloniais e missionários compar-
tilhavam a mesma visão de mundo e provinham da mesma cultura. Em segundo
lugar, a administração colonial alimentava disposição favorável ao trabalho dos
missionários e, muitas vezes, subvencionava as escolas das missões. Em terceiro
lugar, a imposição do controle colonial em cada território assegurava a paz e a
ordem, graças às quais os missionários podiam contar com a proteção da admi-
nistração. Em quarto lugar, a introdução de meios de comunicação eficazes e
a instauração da economia monetária estimularam o comércio e contribuíram
para o advento de um novo estilo de vida, que haveria de impor -se em toda a
África, estilo de vida caracterizado pela falência das comunidades em proveito
29 BOOTH, 1977, p. 320.
611
A religião na África durante a época colonial
do individualismo. De maneira geral, pode -se dizer que as missões cristãs na
África eram as aliadas e o complemento do imperialismo europeu; a atividade
missionária fazia parte do avanço ou da penetração do Ocidente no mundo não
ocidental.
Religião dos vencedores, o cristianismo era considerado a fonte do poder do
homem branco. Ele dava acesso à educação, ao emprego, ao poder e à influência
no mundo do branco. A ponta de lança da pregação missionária era a particu-
laridade do cristianismo, especialmente como ele era entendido e interpretado
pelas missões europeias. Recorrendo à palavra (evangelização direta), à escola
e ao trabalho médico, os missionários obtiveram numerosas conversões, com
sucesso formidável no final do século XIX. Em consequência, surgiram inúme-
ras comunidades cristãs onde antes não havia e muitos africanos convertidos
assumiram o trabalho de evangelização de seu povo. O registro escrito de várias
línguas africanas e o ensino das línguas europeias nas escolas favoreceram a alfa-
betização um pouco por toda a parte da África. O registro dos falares africanos
levou ao surgimento da literatura escrita em diversas línguas do continente.
A estreita ligação do cristianismo com a educação não está sendo exagerada,
haja vista que foi graças às inúmeras escolas fundadas pelos missionários que
muitos africanos entraram em contato com a religião cristã. De fato, em muitas
partes da África, a escola era a igreja. A importância das escolas para o trabalho
missionário foi muito bem acentuada por Elias Shrenk:
Se nós tivéssemos uma nação com educação regular, capaz de ler e escrever, os meus
planos para a obra das missões seriam diferentes. Mas, no momento, estou conven-
cido de que a abertura de escolas constitui a nossa principal tarefa. Tenho péssima
opinião a respeito dos cristãos que não são capazes de ler a Bíblia. O menor aluno
tem vocação missionária e estabelece com os adultos uma relação que não existiria
sem a escola
30
.
Os missionários desempenharam importante papel na introdução da econo-
mia monetária na África. As missões formaram plantações em inúmeras partes
do continente, acrescentando outras espécies à cultura dos produtos locais e aju-
dando na difusão do cacau, do café, do tabaco, do algodão e da cana -de -açúcar.
Mas, sobretudo, o cristianismo difundia ideias novas. As ideias, na verdade, não
eram inteiramente novas e havia pontos de convergência entre as pregações dos
missionários e as crenças dos africanos, como a em Deus e a obediência à
vontade dele enquanto juiz supremo e criador do homem.
30 Citado por DEBRUNNER, 1967, p. 145.
612
África sob dominação colonial, 1880-1935
Contudo, os missionários manifestavam atitude negativa para com a cultura
e a religião africanas. Desde o início estavam decididos a destruí -las. Prega-
vam que o único deus verdadeiro era aquele cuja natureza e essência haviam
sido reveladas pela Bíblia; que todos os outros deuses não passavam de ilusões;
que o filho de Deus, Jesus Cristo, era a revelação suprema e único salvador da
humanidade; que a igreja era a única a dispensar a graça divina e que fora dela
não havia salvação. Desse modo, os missionários europeus consideravam dever
divino conduzir todos os povos ao domínio da graça e da salvação.
Imbuídos da convicção de serem donos da única verdade, condenavam tudo
o que fosse pagão”. Pregavam contra todas as formas de práticas tradicionais: o
derrame de libações, a celebração de cerimônias de pompa, batuques e danças,
as cerimônias tradicionais dos ritos de passagem, como a condução do recém-
-nascido para além da soleira, os ritos de puberdade das moças e os costumes
ligados aos mortos e aos enterros. Também negavam a existência dos deuses, das
feiticeiras e de outras entidades sobrenaturais em que os africanos acreditavam.
De modo geral, tornar -se cristão significava, em larga medida, deixar de ser
africano e tomar como ponto de referência a cultura europeia. O cristianismo
exercia, portanto, uma força desagregadora sobre a cultura africana.
A reação africana aos esforços dos missionários assumia três modos dife-
rentes: aceitação, rejeição e adaptação. Não a menor dúvida de que muitos
africanos aceitaram voluntariamente a nova e de que o cristianismo ganhou
bem mais adeptos na África durante este período do que ganhara nos dois ou
três séculos anteriores. O primeiro grupo de africanos a abraçar o cristianismo
foi o dos párias e dos indivíduos rejeitados, como os leprosos e todos quantos
sofriam de diversas formas de invalidez social, nas sociedades africanas tradicio-
nais. Pertenciam a essa categoria os que tinham violado certos tabus tradicionais
e fugiam das perseguições, assim como as mulheres que davam à luz gêmeos, nas
sociedades em que havia tabu contra o nascimento de gêmeos. Essas mulheres
refugiavam -se, com os filhos, nos estabelecimentos das missões. Os párias não
tinham nada a perder com a conversão – ao contrário, os ensinamentos dos mis-
sionários sobre a igualdade e a fraternidade davam a eles esperança, confiança e
inspiração. Acolhiam com fervor a ideia de que não se deve aceitar de maneira
fatalista a sua posição na vida, como se ela escapasse ao controle humano
31
.
Mas a expansão do cristianismo na época colonial não se deveu exclusiva-
mente à iniciativa dos missionários. Os convertidos, catequistas e ministros do
31 HULL, 1980, p. 143.
613
A religião na África durante a época colonial
culto africanos difundiam com zelo sua nova religião, enquanto alguns chefes
tradicionais, como Lewanika e Lobengula, davam toda ajuda aos missionários.
Boa parte da expansão do cristianismo pode, portanto, ser atribuída ao zelo dos
africanos convertidos, especialmente durante o período que se seguiu a 1914.
Houve inúmeros casos de evangelistas africanos que deixaram seus próprios
grupos étnicos para trabalhar como missionários. Assim, os evangelistas de
Buganda levaram o cristianismo a outros povos, como os Banyakare, os Bakiga,
os Batoro, os Bagisu e Langi, chegando até Ruanda e o Congo Belga. Um dos
mais célebres foi Canon Apoio Kivebulaya (1866 -1933), que trabalhou entre os
pigmeus como missionário no Congo Belga, de 1896 a 1899, e depois de 1915
a 1933
32
. Na África ocidental, o bispo yoruba Samuel Ajayi Crowther trabalhou
no vale do Níger. O profeta liberiano itinerante William Wade Harris (ver fig.
20.4) viajou através da Costa do Marfim e do distrito de Apolônia, na Costa
do Ouro, entre 1910 e 1915, convertendo cerca de 100 mil pessoas. Expulso
da Costa do Marfim, retirou -se para a Costa do Ouro; suas atividades nos dois
países redundaram na criação da Église Harriste (Igreja Harrista) na Costa do
Marfim e da Twelve Apostles Church (Igreja dos Doze Apóstolos) na Costa
do Ouro
33
.
Havia ainda os mencionados africanos que rejeitavam em bloco a men-
sagem cristã e se mantinham fiéis às tradições religiosas e culturais de seus
antepassados, encontrando nelas mais significado do que naquilo que os mis-
sionários pregavam. Alguns deles participaram das perseguições e do ostracismo
aos africanos convertidos, mas outros realizavam igualmente sacrifícios e práti-
cas destinados a manter a harmonia entre os seres humanos e as forças espiri-
tuais. Era entre essas fileiras que se encontravam os chefes religiosos e culturais,
assim como os curandeiros. Foram eles em grande parte os responsáveis pela
preservação dos valores africanos e a eles devemos os conhecimentos sobre as
culturas africanas tradicionais.
Igrejas separatistas
Por fim, havia aqueles que preferiam adaptar a nova religião, fundando as
chamadas igrejas separatistas ou independentes. Esse processo constitui a quarta
etapa da história do cristianismo na África. As igrejas independentes obedeciam
a dois tipos principais: aquelas originadas de cisões com outras igrejas indepen-
32 Ver LUCK, 1963.
33 Para maiores detalhes, ver HALIBURTON, 1971.
614
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . William Wade Harris, o evangelista liberiano da África ocidental (aprox. 1865 -1929).
(Foto: Methodist Missionary Society.)
615
A religião na África durante a época colonial
dentes e aquelas surgidas sem qualquer vinculação com grupos existentes.
Na maior parte dos casos, procuravam integrar à vida cristã uma parcela mais
importante das crenças e práticas africanas do que as igrejas controladas pelas
missões o permitiam. Eram expressão do desejo africano de encontrar um lugar
onde se sentir em casa” e de incluir noções religiosas africanas nas liturgias cris-
tãs. Um dos fatores que mais contribuiu para o aparecimento dessas igrejas foi a
tradução da Bíblia em várias línguas africanas, bem como a leitura e interpreta-
ção das Santas Escrituras pelos africanos. Com base na compreensão que delas
faziam, os africanos formavam ou fundavam suas próprias igrejas, pondo fim ao
monopólio da interpretação das Escrituras, que sempre fora dos missionários.
As igrejas originadas de cisões representavam em grande parte a reação ou
adaptação africana ao colonialismo, e tinham caráter emancipador. Proliferaram
e atraíram os nacionalistas africanos, principalmente nas zonas de povoamento
europeu, onde a repressão política era intensa. Pode -se, aqui, citar o exemplo das
igrejas etíopes da África do Sul, que defendiam os direitos políticos dos africa-
nos e o progresso autônomo da África. Nehemiah Tile rompeu com a igreja da
missão metodista em 1882 e fundou, dois anos depois, a Igreja Tembu
34
, uma
das primeiras independentes jamais criadas na África. A segunda e primeira
a ser chamada de “etíope” foi fundada em 1892 por um pastor de Wesley,
Mangena M. Mokone, mais uma vez na África do Sul. O movimento “etíope”
difundiu -se por outras partes da África meridional e oriental.
Em outras áreas do continente, as igrejas originadas de cisões exprimiam
muitas vezes uma hostilidade declarada à administração colonial. John Chilem-
bwe, por exemplo, fundou a sua Province Industrial Mission na Niassalândia (ver
fig. 20.5), e atacou violentamente as práticas coloniais britânicas em matéria de
impostos e de recrutamento militar. Acabou por travar uma luta armada contra
a administração colonial inglesa, antes de ser capturado e executado, em 1915.
Quase na mesma época, começou a tomar impulso o Watchtower Movement
(Movimento da Torre de Vigia). Partindo da Niassalândia, espalhou -se rumo à
Rodésia do Sul (atual Zimbábue), entre os Shona, e assumiu caráter político bem
acentuado. O movimento africano correspondente, que se propagou à África
central e ao Congo, era diferente: suas origens remontavam à igreja separatista
fundada por Elliot Kamwana no norte da Niassalândia em 1908. Tornou-se
conhecido como movimento Kitawala (Reino) ou Church of the Watch Tower
34 Ver SUNDKLER, 1961, p. 38 -9.
616
África sob dominação colonial, 1880-1935
(Igreja da Torre de Vigia); na Rodésia do Norte (atual Zâmbia), seus pregadores
milenaristas prediziam o colapso total do colonialismo e o fim do mundo
35
.
Processos semelhantes desenrolaram -se em outras partes do continente,
principalmente às vésperas da Primeira Guerra Mundial. O exemplo de William
Wade Harris na África ocidental foi estudado. Em 1921, Simon Kimbangu
(ver fig. 20.6) fundou a sua Église-de-Jésus -Christ-sur-la-terre par le Prophete
Simon Kimbangu EJCSK (Igreja de Jesus Cristo sobre a Terra pelo Profeta
Simon Kimbangu), no Congo Belga (atual Zaire). Seus partidários recusavam -se
a pagar impostos à administração colonial e declaravam não cumprir o trabalho
forçado por ela reinstituído. Esses atos constituíam verdadeira ameaça para a
administração belga e, para evitar um levante geral no país, Simon Kimbangu
foi preso e encarcerado até a morte, em 1951. Mas o kimbanguismo conti-
nuou a propagar -se até o curso inferior do Congo
36
. O movimento neokim-
banguista denominado Mission des Noirs (Missão dos Negros), fundado por
Simon -Pierre Mpadi e que se tornou conhecido como movimento khakista”,
propagou-se do baixo Congo até o Congo francês (hoje República Popular do
Congo) e Ubangui -Chari (atual República Centro -Africana).
Orientação semelhante tinham os movimentos fundados em Uganda por um
ex -soldado dos Kings African Rifles, Ruben Spartas Mukasa, que consagrou a
vida a trabalhar pela redenção de toda a África, à custa de sua pessoa. Sua Afri-
can Progressive Association (Associação Progressista Africana) e o Christian
Army for the Salvation of Africa (Exército Cristão para a Salvação da África),
assim como um ramo da Igreja Ortodoxa Africana que ele criou, exprimiam
bem o objetivo social e político desses movimentos. Na Niassalândia, Jordan
Nguma fundou a Last Church of God and His Christ ltima Igreja de Deus
e de Seu Cristo), que tinha a mesma inspiração da de Musaka em Uganda.
Outras igrejas, inspiradas na Reforma, acentuavam certos aspectos da teolo-
gia cristã que as igrejas fundadas pelas missões tinham negligenciado. As igrejas
sionistas da África do Sul davam ênfase à posse pelo Espírito Santo, à cura e à
profecia. Espalharam -se por toda a África meridional e oriental. A Diniya Roho
(Igreja do Espírito Santo)
37
, que se desenvolveu entre os Abaluyia do Quênia e
foi fundada por Jakobo Buluku e Daniel Sande em 1927, considerava o batismo
pelo Espírito Santo, o dom de falar por línguas e a livre confissão dos pecados
condições necessárias para pertencer a ela. Alfayo Odongo também realçava o
35 Para maiores detalhes, ver o capítulo 27 deste volume.
36 Ibid.
37 ODINGA, 1967, p. 69.
617
A religião na África durante a época colonial
 . O reverendo John Chilembwe (1860/1870-1915), chefe da revolta de 1915 na Niassalândia, e
sua família. (Foto: Edinburgh University Press.)
618
África sob dominação colonial, 1880-1935
papel do Espírito Santo ao fundar sua Joroho Church (Igreja do Espírito Santo)
entre os Luo do Quênia, em 1932. Várias igrejas africanas e Aladura, na África
ocidental, davam igualmente ênfase à possessão pelo Espírito Santo.
Havia igrejas com objetivos mais limitados. Em 1910, entre os Luo do Quê-
nia ocidental, foi fundada a Missão Nomiya Luo, por John Owalo; a igreja ado-
tou a circuncisão e fez dela condição para a salvação. Embora a circuncisão não
fizesse parte das tradições dos Luo, a igreja queria introduzí -la de acordo com
o precedente bíblico
38
. Outras igrejas foram criadas especialmente para aqueles
que não haviam conseguido observar as recomendações das igrejas missionárias
a propósito da monogamia, sendo por isso excluídos, bem como para aqueles
que não podiam entrar para essas igrejas porque eram polígamos. A título
de exemplo, citemos a Igreja Africana Nacional
39
, que prosperou no distrito
Rungwe, em Tanganica, nos anos 1930.
Cristianismo africano
Ao lado dessas igrejas, outras haviam surgido, e não eram produto do alívio
da ansiedade ou da pressão social, mas inspiravam -se em uma ideologia mais
positiva. Desde a introdução do cristianismo na África, alguns convertidos
tinham aceito a nova por completo. Outros, ao contrário, aceitavam -na com
base naquilo que sabiam, compreendendo o cristianismo a partir dos conceitos
fundamentais da religião africana tradicional, de modo a associar a mensagem
de Cristo às suas profundas necessidades religiosas.
Nessas condições, o cristianismo não vinha simplesmente substituir as cren-
ças e práticas religiosas tradicionais, mas complementá -las. Em outras palavras,
alguns cristãos africanos empregavam o cristianismo para reforçar aspectos mais
frágeis das crenças tradicionais, do mesmo modo como recorriam às crenças
tradicionais para reforçar supostas lacunas do cristianismo. Assim chegaram ao
que sinceramente acreditavam ser uma religião repleta de sentido, podendo esse
cristianismo ser considerado como expressão do modo de ser religioso africano.
Foi por isso que o denominamos “cristianismo africano”.
Subjacente a ele, está uma expressão de criatividade religiosa e de integri-
dade cultural e não uma simples reação, mera resposta ou adaptação a estímulos
exteriores, como certos especialistas tendem a pensar. Geralmente, com poucas
exceções, a explicação para o aparecimento e a proliferação dos movimentos
38 ATIENO -ODHIAMBO, 1974, p. 10 -1.
39 RANGER, s.d., p. 16 -20.
619
A religião na África durante a época colonial
 . O profeta Simon Kimbangu (.  -), fundador da Église-de-Jésus -Christ-sur-la-terre
(Igreja de Jesus Cristo sobre a Terra), no Congo Belga. (Foto: Tshibangu.)
620
África sob dominação colonial, 1880-1935
cristãos autóctones baseia -se em fatores a eles externos, o que lhes confere uma
racionalidade funcional ou, pelo contrário, fisionomia aberrante e irracional.
Essas interpretações não são inteiramente despidas de validez, mas tendem a
superestimar o papel dos fatores externos no aparecimento dos movimentos
cristãos. Assim, quando são chamados de igrejas independentes”, subentende -se
que exista, fora de sua esfera, um ponto de referência mais importante:
Ao associar ousadamente o cristianismo à tradição africana, as igrejas autóc-
tones satisfazem a fome espiritual de seus adeptos, representando o Evangelho
de forma compatível com a visão de mundo africana tradicional.
Diversas formas de adoração foram encontradas para satisfazer as neces-
sidades espirituais e emocionais dos membros da igreja, permitindo assim ao
cristianismo, tal como à religião tradicional, abranger todas as dimensões da vida
humana e preencher todas as necessidades do homem. Entre elas, o desejo de
cura, noção cujo caráter central na religião tradicional e no cristianismo africano
nunca será demasiado acentuar. A cura contribui para a plenitude do homem e
a esse respeito a religião é essencial. Além da cura, as necessidades religiosas de
adivinhação, de profecia e de visões também são satisfeitas, pois existe a firme
crença de que Deus revela o futuro e as causas do infortúnio por meio de visões.
Enquanto as igrejas das missões negam a existência de forças do mal, como o
feitiço e a bruxaria, as igrejas autóctones reconhecem -nas e garantem proteção
cristã contra esses poderes negativos, acreditando profundamente que Jesus
Cristo pode, realmente, proteger e curar.
O reconhecimento da realidade das forças do mal, como a feitiçaria, constitui
ao mesmo tempo uma aceitação da visão africana do mundo e uma reminis-
cência do universo bíblico, que reconhecia a existência de demônios e espíritos
malignos, assim como dos príncipes, das potências e dos senhores das trevas
deste mundo. Negá -los, como o faziam os missionários, era ser ocidental, mas
não forçosamente bíblico, que a Bíblia reconhecia esses poderes, ao mesmo
tempo que proclamava que Deus tinha domínio sobre eles.
O aparecimento das igrejas cristãs autóctones deu oportunidade aos africa-
nos de desenvolver um cristianismo próprio e autônomo: um cristianismo ver-
dadeiramente africano, aliás acompanhado do nascimento da primeira teologia
africana. Essas igrejas atravessaram as fronteiras étnicas e até internacionais,
unindo vários povos na mesma fé e na mesma prática. Numa época de mudanças
terrivelmente profundas e radicais para a vida africana, elas proporcionaram a
muita gente proteção religiosa ou cultural.
Citemos, aqui, algumas igrejas cristãs autóctones surgidas durante o perí-
odo colonial e ainda hoje bastante ativas: a Apostolowa Fe Dedefia Habobo
621
A religião na África durante a época colonial
(Sociedade da Revelação Apostólica), na Costa do Ouro; a Negro Church of
Christ, na Nigéria; a Église des Banzie, no Gabão; Dini ya Nsambwa (Igreja
dos Antepassados), no Quênia; e também a Calici ca Makolo (Igreja dos Ante-
passados), na Niassalândia; a original Igreja do Pássaro Branco, entre os Zazuru
da Rodésia do Sul; a Igreja de Cristo para a União dos Bantu e Proteção dos
Costumes Bantu, na África do Sul; a Église des Noirs, no Congo; e a Igreja
Herero do Sudoeste Africano, na atual Namíbia
40
. Falta acrescentar as igrejas
que acentuavam a natureza autóctone do seu cristianismo, tomando o nome da
etnia dominante ou incluindo o adjetivo africano” em sua denominação. Para
ilustrar, tomaremos a Igreja Musama Disco Christo, de Gana.
Igreja Musama Disco Christo
À luz das considerações precedentes, a Igreja Musama Disco Christo (Exército
da Cruz de Cristo), da Costa do Ouro
41
, pode ser tomada como exemplo de igreja
crisautóctone. Seu fundador, o profeta Jemisimihan Jehu -Appiah, adaptou com
sucesso o cristianismo, reorganizando -o pelo modelo Akan e representando -o de
forma compreensível para a visão do mundo Akan. A igreja surgiu em 1919 como
grupo de oração, a Faith Society (Sociedade da Fé), vinculado à igreja metodista
de Gomoa Oguan, na região central da Costa do Ouro. Mas, depois que seu chefe,
o catequista William Egyanka Appiah, foi expulso dessa igreja juntamente com
seus fiéis, o grupo transformou -se em igreja plena, em 1922.
Appiah não criou somente uma igreja da qual era chefe espiritual, mas estabe-
leceu uma dinastia de que se tornou fundador, com o título de Akaboha I (rei), e seu
filho, Akasibuna (príncipe), ficando, segundo a constituição da igreja, encarregado
de perpetuar esta linhagem de sucessão como um direito divino, assim como o
prescreve o Espírito Santo
42
. A esposa do fundador, a profetisa Natholomoa Jehu-
-Appiah, tornou -se a Akatitibi (rainha -mãe) da igreja; rei e rainha tornaram -se
desde logo as autoridades supremas da Igreja Musama Disco Christo. Na quali-
dade de chefe e profeta de um movimento espiritual, Jemisimihan Jehu -Appiah
dele fez uma igreja cristã autóctone, destinada a servir como nosso humilde
presente: uma mirra da África a Cristo, que é nossa divina e preciosa oblação, sem
querer saber se os outros estão oferecendo ouro ou incenso
43
”,
40 Para maiores detalhes, ver WEBSTER, J. B., 1964; TURNER, H. W., 1965 e 1967; WISHLADE, 1965;
HAYWARD (org.), 1963; BAETA, 1962.
41 Para maiores detalhes, ver OPOKU, 1978.
42 Constituição da Igreja Musama Disco Christo, MOZANO, 1959, p. 11.
43 Ibid., p. 11.
622
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . O profeta M. Jehu -Appiah, Akaboha III, neto e sucessor do fundador da Igreja Musama Disco
Christo (Costa do Ouro, Gana), carregado em andor durante o Festival Anual da Paz. (Foto: K. Asare Opoku.)
623
A religião na África durante a época colonial
A igreja estava organizada segundo o modelo do tradicional Estado Akan
(Oman), cuja estrutura repousa sobre formação militar. À frente do Oman (Estado)
encontra -se o Nana Akaboha, que combina os poderes espiritual e temporal. O
Akaboha tem seus chefes de divio e seus lugares -tenentes. A importância desta
estrutura Akan reside no fato de estar ligada à história e ao desenvolvimento da
igreja. Destino e missão da igreja se refletem nesta estrutura e em suas divisões.
A sede da igreja, Mozano, funciona como um ahenkro, cidade -capital de um
tradicional Estado Akan. É que reside o Akaboha e onde são tomadas todas
as decisões essenciais que interessam à igreja; também é que se desenro la a
festa anual Asomdwee Afe (Festival da Paz). No ahenkro encontramos altares e
lugares santos, onde os fiéis oram e recebem a cura.
Os membros da igreja se distinguem dos outros pelo emprego de anéis e de
cruzes de cobre, que equivalem a marcas tribais”. Os nomes celestes que cada
membro recebe e que são peculiares à igreja também equivalem a nomes tri-
bais”. A igreja tem linguagem própria, osor kasa (linguagem celeste), empregada
para saudações e para se entrar nas casas; os nomes utilizados na igreja também
provêm dessa linguagem. Embora não esteja muito difundida, basta para dis-
tinguir a igreja como um oman com sua própria língua. Os membros da igreja
pertencem a diversas etnias e divisões, fato em grande parte determinado pelas
necessidades das pessoas que vêm buscar na igreja soluções para seus problemas
de vida. Como a religião tradicional,
o cristianismo praticado no oman de Musama é uma religião do ser e do fazer, e repre-
senta um refugo do cristianismo missionário, que é essencialmente a religião de uma
cultura intelectual. [O cristianismo da Igreja Musama Disco Christo] é uma religião
concebida para a vida cotidiana, que oferece respostas satisfatórias para os problemas da
vida contemporânea. Ao contrário do cristianismo missionário, que nega a existência
dos demônios, das feiticeiras e dos espíritos malignos, a Igreja Musama reconhece a
existência desses seres, embora demonstrando o poder que Deus exerce sobre eles
44
.
A igreja apoia -se fortemente na religião e na cultura Akan, na busca de
respostas satisfatórias para os problemas da vida contemporânea, combinando
elementos do metodismo e tendências essencialmente africanas. Representa
uma extensão do cristianismo na África, com base na convicção de que é possível
edificar uma sociedade cristã sobre os alicerces da cultura africana.
44 OPOKU, 1978b, p. 121.
624
África sob dominação colonial, 1880-1935
Conclusão
O período de dominação colonial que vai de 1880 a 1935 não assistiu à
destruição, mas antes à confirmação do pluralismo religioso na África. O cris-
tianismo ortodoxo e o islão também realizaram importante progresso, devido
a certas atividades dos administradores coloniais. A religião tradicional assim
como as religiões -hóspedes constituíram a base sobre a qual se ergueram as
novas religiões, embora tenham -se operado inúmeras mudanças de perspectiva.
A expressão institucional da religião tradicional foi muito afetada pela nova
ordem, mas sua visão de mundo perdurou mesmo entre os africanos que fizeram
profissão de cristã ou islâmica. A existência do pluralismo religioso gerou
rivalidades e até conflitos em várias partes da África, mas, ao mesmo tempo,
possibilitou um diálogo inter confessional.
O enfraquecimento da religião tradicional significou, igualmente, o enfra-
quecimento de grande número de instituições sociais e políticas tradicionais,
que dela dependiam. Assim, a moralidade, a teia de relações familiares, a coe-
são comunitária e a instituição dos régulos enfraqueceram muito, embora sem
desaparecerem por completo.
O período assistiu ao nascimento das igrejas autóctones, por vezes ditas “inde-
pendentes”, separatistas”, em ruptura ou “eopes”. As causas desse fenômeno o
ltiplas, mas a presença colonial e a expansão da alfabetização foram determi-
nantes. No entanto, quaisquer que sejam as razões, este processo marca a quarta
etapa da hisria do cristianismo na África, período em que, por iniciativa exclusiva
dos africanos, um novo tipo de cristianismo, adaptado à visão africana do mundo,
foi criado e atraiu milhares de fiéis. Essas igrejas proporcionaram a seus membros
uma alternativa para os seculares serviços dos curandeiros e adivinhos, ainda que,
se necessário, as pessoas continuassem a consultar osmédicos” tradicionais.
De maneira geral, o surgimento concomitante de várias religiões, ao lado da
religião tradicional única, provocou uma fermentação de ideias que enriqueceu
a vida religiosa. As três religiões fizeram empréstimos recíprocos para se adap-
tarem às necessidades dos fiéis.
A religião tradicional, pom, continua a resguardar seu valor pleno, em face das
mas de individualismo, secularismo, desenraizamento, excessiva exploração da
natureza e a atsmo, que se seguiram à chegada dos ocidentais à África. Ela ofe-
rece uma outra perspectiva dos problemas universais do homem, e o esseparada
da vida dria nem da natureza. Sua vio do mundo constitui um contrapeso salutar
à aridez que tanto caracteriza a dimensão espiritual dos tempos modernos.
C A P Í T U L O 2 1
625
As artes na África durante a dominação colonial
Em fevereiro de 1976, na Nigéria, um homem foi detido por uma barreira
policial entre Ibadan e Lagos. Transportava suspeitamente dois sacos cheios de
esculturas de bronze e de madeira, talvez roubadas, embora o homem afirmasse
que eram dele. Investigado o caso, apurou -se que falava a verdade. Convertido
havia pouco ao islão, vivia e trabalhava em um centro comunitário de Ibadano
As efígies esculpidas das divindades yorubá que levava consigo haviam sido
trazidas para Ibadan, como tantas outras, por trabalhadores migrantes, para
satisfação das aspirações espirituais desses operários, pequenos comerciantes,
funcionários e outros, na sua residência provisória. Mas o chefe da comunidade,
que se convertera ao islão, decidiu converter igualmente seus vizinhos. Conver-
tido também ele, disseram ao suspeito que os símbolos de sua antiga fé deviam
desaparecer para permitir que o centro comunitário se tornasse a morada digna
da presença espiritual de Alá. Incapaz de destruir os objetos, o homem resolveu
levá -los de volta para sua aldeia, de onde eram provenientes.
O incidente constitui exemplo perfeito da evolução das formas culturais, de
sua manifestação concreta e, ao mesmo tempo, da sobrevivência, ou melhor, da
renovação dos valores culturais em face de certas formas de dominação, quer se
revistam de aspecto religioso, quer mais nitidamente social. O que continuava
verdadeiro em 1976 era ainda mais comum durante o período excepcional-
mente dramático da dominação da África, que assistiu à submissão de todo um
As artes na África durante
a dominação colonial
Wole Soyinka
626
África sob dominação colonial, 1880-1935
povo, de sua organização social, de seus modos de comportamento econômico
e artístico, por estratégias de total exploração pelos interesses estrangeiros. O
tráfico de escravos intensificara guerras intestinas durante mais de dois séculos,
causando devastações culturais de amplitude sem precedentes. As expedições
punitivas das forças coloniais, a intolerância e a incompreensão dos missioná-
rios, tudo isso havia perturbado profundamente a vida cultural do continente.
Diferentes métodos na dominação estrangeira e nas relações com a população
africana, bem entendido, inspiravam ou suscitavam nos africanos deslocados
diversas reações culturais. Regra geral, considera -se que o colonialismo mostrou
sua face mais brutal nas colônias belgas e portuguesas da África, assim como
entre os colonos britânicos da África oriental, favorecendo o aparecimento de
um tipo de africano que realmente se pode qualificar como pessoa deslocada, no
sentido literal da palavra. A penetração árabe, única no seu gênero, apresenta a
ambiguidade de um expansionismo que, não obstante, deixou fortes marcas na
paisagem cultural. De qualquer maneira, a impressão que nos este período
é a de resistência, quer dizer, de maior vitalidade das formas e valores culturais
autênticos das populações autóctones.
A arte africana
É difícil avaliar o impacto qualitativo das atividades comerciais imperia-
listas sobre a produção artística. Com toda a certeza, certos tipos de atividade
não foram afetados. É o caso, por exemplo, da técnica das contas pintadas dos
artistas de Camarões ou da escultura religiosa dos Yoruba, Baule, Bakota etc.
(ver fig. 21.1). Outras modalidades de arte acusavam, no entanto, um processo
de quase imperceptível transformação, tanto na forma quanto no conteúdo.
Embora conservando grande parte de sua sutileza cromática, a arte mural Mbari
dos Igbo (Nigéria) começou a apresentar, pelas mãos dos trabalhadores vindos
das aldeias, contrastes violentos de cores, do tipo pop art, que se explicam pela
súbita descoberta da possibilidade de utilizar toda uma nova gama de cores e
de materiais. Anteriormente, essa arte mural estava limitada por sua própria
natureza e pelo estreito espectro das tintas fabricadas na região.
Significativamente, o festival anual do cantão de Koumina departamento
de Bobo -Dioulasso -Kournina, no Alto Volta administrado pelos franceses – foi
marcado por um debate que opunha “tradicionalistas” e “modernistas”, precisa-
mente sobre o problema das tintas. Os produtores tradicionalistas de máscaras
preferiam a técnica antiga das tintas naturais, não só devido a razões relativas ao
627
As artes na África durante a dominação colonial
 . Estátuas de madeira provenientes de um santuário Yoruba dedicado a Shango. (Foto: Werner Forman Archive.)
628
África sob dominação colonial, 1880-1935
seu aspecto visual e à sua textura, mas também por pensarem que devia existir
uma relação orgânica entre os materiais da produção artística. Os “modernistas”
achavam que não só as cores importadas eram mais fáceis de usar, como também
que ofereciam maiores possibilidades de escolha. Ainda nesse festival das colhei-
tas, que reunia ferreiros, tecelões, fabricantes de tintas, escultores, dançarinos e
feiticeiros de todos os cantões vizinhos, além dos famosos músicos de Diagaso,
os Kare, encontramos outro exemplo da persistência da criatividade coletiva,
apesar do processo de desintegração comunitária acelerado pelo sistema imposto
pelos administradores coloniais a seus empregados. Ao menos uma vez por ano,
quando desta manifestação, única por sua importância, as famílias dispersas se
reencontravam na cidade para afirmar por meio da arte a autenticidade de sua
visão do mundo.
O artesanato local dificilmente poderia rivalizar com a produção industrial,
que inundava os mercados africanos já desde o início da colonização. O objeto de
arte perde, eno, o papel integrado que lhe cabia na evolução normal da comu-
nidade, conforme testemunha o declínio da arte do forowa e do kuduo (ver fig.
21.2), recipientes finamente cinzelados dos Ashanti (Costa do Ouro, atual Gana)
cujos motivos decorativos eram, como de costume na África, ideogramas expri-
mindo a sabedoria tradicional, provérbios, conselhos morais e vinhetas históricas.
Do mesmo modo como os pesos para o ouro, cuja utilidade comercial começava
a diminuir, os forowa ainda eram habitualmente usados como caixas de rapé, de
unguentos etc. Mas sua produção fora largamente abarcada por fabricantes do
Reino Unido que, além disso, podiam dispor de maior escolha de metais. Doran
H. Ross
1
registrou um forowa de prata onde se lia, estampado, “Birmingham,
1926”. Em contraposição, nada indica que a ornamentação das canoas tenha
experimentado, no decurso do mesmo período, um empobrecimento comparável
no que se refere à união estética entre imagem e sentimento; exatamente como
nos veículos motorizados, que começaram a aparecer a partir de 1910, bem como
nos panos tecidos, essa técnica continuou a perpetuar a estratégia de educação
comunitária que se poderia classificar como “ensino em movimento”.
Arquitetura africana
Um olhar mais atento ao projeto, ao exterior e ao interior de algumas das
palhoças africanas tradicionais mais harmoniosas, revelaria a existência de um
1 ROSS, D. H., 1974, p. 45.
629
As artes na África durante a dominação colonial
gênio arquitetônico entre a população autóctone, capaz de se exprimir em formas
concretas e sábias, flagrantemente contrastante com a disposição uniformemente
retilínea das habitações dos africanos arregimentados nas plantações belgas e
francesas (especialmente). André Gide nos dá, justamente, uma descrição deta-
lhada dessas palhoças na obra Voyage au Congo (1927):
A palhoça de Massa não se parece com nenhuma outra, é verdade; mas ela não é
apenas estranha’: é bela; e não é tanto a sua forma estranha como a sua beleza o que
me comove. Beleza tão perfeita, tão bem executada, que parece inteiramente natural.
Nenhum ornato, nenhum supérfluo. Sua pura linha curva, que não se interrompe
da base à cumeeira, é como se fosse obtida matemática ou fatalmente; calcula -se
intuitivamente a resistência exata dos materiais. Um pouco mais ao norte ou ao sul,
o barro, misturado com areia demais, talvez não permitisse este ímpeto sutil, que
termina numa abertura circular, pela qual somente o interior da palhoça recebe luz, à
maneira do panteão de Agripa. Do lado de fora, uma série de caneluras regulares dá
vida e tom a essas formas geométricas e permite alcançar a pé a cumeeira da palhoça,
amiúde alta de sete a oito metros; elas ajudaram a construção sem necessidade de
andaimes; a palhoça foi feita à mão como um vaso; não é trabalho de pedreiro, mas
de oleiro [...]
Dentro da habitação sente -se um ar fresco e delicioso, já que vimos lá de fora abra-
sados. Por sobre a porta, como se fosse um enorme buraco de fechadura, uma espécie
de prateleira de escaninhos, com vasos e objetos de uso doméstico. As paredes são
lisas, brilhantes, envernizadas. Em face da entrada, uma espécie de tambor alto, de
terra, belamente ornamentado com motivos geométricos em alto e baixo, pintados
de branco, vermelho e negro: são tulhas de arroz. A tampa de barro é fechada her-
meticamente com barro, e a parte de cima, completamente lisa, parece uma pele de
tambor. Apetrechos de pesca, cordas e utensílios pendem de cabides de madeira. Às
vezes, um feixe de azagaias, um escudo de junco trançado. Aqui, à meia -luz de uma
tumba etrusca, passa a família as horas mais quentes do dia; à noite, o gado se junta
a ela: bois, cabras e galinhas; cada animal tem o seu canto reservado e tudo fica no
seu lugar, tudo limpo, exato, ordenado. Nenhuma comunicação com o exterior assim
que a porta é fechada. Cada qual está em sua casa
2
.
Seria pueril imaginar que todas as habitações africanas de então fossem
capazes de suscitar no viajante o mesmo lirismo, mas é lamentável que poucos
urbanistas da época tenham procurado inspiração nas lições estruturais dessa
arquitetura tradicional.
2 GIDE, 1930, p. 217 -8.
630
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Kuduo akan em cobre, de Gana. (Foto: Werner Forman Archive.)
631
As artes na África durante a dominação colonial
As cidades continuaram a crescer como plicas ou adaptações do pla-
nejamento urbano europeu ou, como dissemos, seguindo um plano rígido
em quarteies, que contribuiu para despersonalizar o africano e abafar a
sensibilidade comunitária. Cumpre reconhecer, no entanto, que foram inseri-
dos bolsões de moradias tradicionais por entre as estruturas estrangeiras que
comavam a invadir a paisagem. Mesmo no centro intensamente urbanizado
das principais cidades do Congo Belga (atual Zaire), do Senegal, da Costa do
Ouro (atual Gana), da Nigéria, de Angola etc., perduram bairros tradicionais
que datam do século XIX, dominados pela massa dos edifícios de concreto.
Regra geral, m como centro o poço comunitário. Uma varanda circular ou
retangular para um pátio e uma série de residências familiares é unida por
um telhado comum; um sistema de drenagem recolhe e evacua as águas para
esgotos a céu aberto nas ruas principais. Mesmo quando se trata de casas
com mais de um andar, a organização do espaço e as relações entre os planos
revelam as mesmas qualidades libertadoras. Neste particular, a contribuão
dos regressados do Brasil para a África foi imensa. Até nas pequenas cidades
do interior, exemplos isolados de um desenvolvimento interrompido da arqui-
tetura tradicional do período nos causam, ainda hoje, a sensação de frustrão
perante essas realizões em que a criatividade se manifesta sob o aspecto
mais imediato e mais útil. As modernas cidades africanas nos fazem lembrar,
constantemente, que seu ambiente não foi modificado segundo a vontade dos
habitantes, mas ao bel -prazer dos colonizadores, com todas as consequências
alienantes que isso acarretava e que se fizeram sentir inclusive na produção
de outras formas de arte, influenciadas pelo urbanismo, tais como a pintura
mural, a escultura, a música etc.
A música africana
A autêntica música popular africana continua a nos relembrar o lugar indis-
cutível desse meio de expressão enquanto fonte de regenerão da vontade
cultural do continente. Os “salões” desempenharam aí um papel equívoco: com
poucas exceções, o destino da música na costa da África ocidental repetiu -se
também nas áreas da África austral com as quais a civilização europeia esta-
beleceu contato cada vez mais estreito no último quarto de século. O processo
era o mesmo: a responsabilidade de educar os indígenas” era confiada aos mis-
sionários, que fundavam escolas e, usando de engabelação, ameaças (apoiados
na presença intermitente de forças expedicionárias), engodos comerciais e uma
632
África sob dominação colonial, 1880-1935
variedade de irrefutáveis demonstrações do nível cultural superior dos catequi-
zadores, não tinham dificuldades para enchê -las de jovens alunos, cujo estado
de espírito ia do entusiasmo à reticência.
Seria ocioso insistir a respeito do ensino ministrado a essa multidão de
crianças, mas não se deve supor que o processo de reorientação cultural se apli-
casse apenas aos alunos escolarizados. Do Cabo a Gâmbia havia diferença
nos detalhes:
[...] dois músicos de Natal, Mr. Ganney e Mr. A. E. Rollands, formaram um coro
zulu com cerca de 14 vozes, cujos membros foram ensinados a cantar não as suas
canções indígenas, mas madrigais, cantos para diversas vozes e baladas inglesas. A
qualidade da sua interpretação foi considerada tão boa que justificou uma excursão
de concertos à África do Sul e, mais tarde, à Inglaterra. Neste país, pelo menos cinco
dos membros do coro o deixaram e caíram em descrédito aceitando salários mais
atraentes nos music -halls de Londres. Nada mais se sabe do coro zulu de 1892, mas
foi o precursor de numerosos corais africanos que posteriormente fariam excelentes
interpretações de obras europeias
3
.
provavelmente alguma relão entre o que aí relatamos e o fato de,
dois anos antes, o etico apetite musical de Durban ter sido aguçado pela
invasão de uma troupe de cantores negros dos Estados Unidos que deli-
ciou o público com suas interpretões sem acompanhamento de peças
de sucesso, como My Old Kentucky Home, Old Black Joe, Jingle Bells (...) e
sobretudo pela riqueza das autênticas vozes negras depois de tantas imita-
ções meocres
4
”.
O autor não prestava, evidentemente, atenção à ironia da história, a julgar
pelas linhas que lhe havia inspirado a carreira musical de outro habitante de
Durban:
As atividades musicais de William Swift estendiam -se à musicologia e, nos momen-
tos de folga, percorriam os Kraals zulu para ouvir os cantos indígenas que ele depois
interpretava ao violino, companheiro inseparável de suas peregrinações. Dava con-
certos, durante os quais cantava algumas das 80 árias assim recolhidas, cruamente
designadas pelo nome de ‘canções cafres’
5
.
3 JACKSON, G. S., 1970, p. 117.
4 Ibid.
5 Ibid., p. 50.
633
As artes na África durante a dominação colonial
As “canções cafres” interpretadas por W. Swift perante elegantes auditórios
europeus nos saes de Durban eram, bem entendido, cantadas na mesma
época em ambientes dos mais profundamente diferentes, do ponto de vista
físico, espiritual, econômico e social. Para os Kuyu da África central, esse tipo
de canto servia para invocar o prinpio vital da comunidade, por ocaso
de cerimônias como a semeadura e a colheita, a morte e a fertilidade. (Há,
evidentemente, todos os motivos para crer que poucos europeus conseguiram
recolher os cantos autenticamente sagrados dessas populações.) Mas o que
nos interessa aqui é o papel e a função social da sica, pois ela é que per-
mite, melhor do que qualquer outra forma de expressão artística, apreender
imediatamente a realidade cultural viva
6
. Quando os Kuyu, por exemplo, nos
funerais de uma camponesa famosa pela habilidade excepcional no cultivo
da mandioca, executavam do crepúsculo à aurora uma sequência de cantos,
danças e mímicas simbólicos, estávamos em presença de uma afirmão da
continuidade da vida, ou seja, de uma evocação concreta da sobrevivência eco-
nômica para os vivos. As micas e os cantos têm o objetivo deliberado de
transmitir aos vivos a ciência mágica da defunta; ao mesmo tempo, a explosão
vocal e gestual induz a uma catarse da comunidade inteira, expurgando -a de
sua goa e dando -lhe forças para continuar a luta pela sobrevivência. Esta
música era muito mais que simples “canções”.
A música contribuía, do mesmo modo, para a compreensão do misterioso e
do profundo. Sua irmã gêmea, a oratória, sempre constituiu, em qualquer comu-
nidade, um meio privilegiado de comunicação oficial e social, principalmente no
que respeita à política e à justiça. É desnecessário lembrar a importância que teve
na guerra. A conjunção da música com a oratória no quadro das estruturas judi-
ciárias formais constitui, então, outra característica das culturas em que a música
não é um fenômeno social isolado, mas uma atividade integrada. Os Idoma do
nordeste da Nigéria costumavam utilizar nos seus processos judiciais um plano
semicoral, dentro de uma encenação predominantemente teatral. Contra um
fundo de resposta do coro, as partes apresentavam suas razões como verdadei-
ros atores, avançando um a um do fundo do cenário semicircular formado pela
assistência, para nele mergulhar de novo. Os gestos eram de uma teatralidade
deliberada, plenamente calculados, mesmo para os efeitos incongruentes. O
processo podia durar de dois dias a uma semana. Entre os Watutsi, os litígios
implicavam o mesmo recurso às técnicas teatrais. A. Merriam descreve uma
6 NKETIA, 1975, p. 21 -4.
634
África sob dominação colonial, 1880-1935
cena característica da atitude dos Bambala para com a potência colonial onipre-
sente, que enfeixava cada vez mais em suas mãos todas as rédeas de comando
da sociedade.
Essa realidade da vida contemporânea exprimia -se de diversas maneiras
no reperrio cultural, sem que jamais comprometesse o funcionamento da
expressão artística:
Primeira parte: Eu estava em minha casa e gostaria de ficar. Mas ele chegou e quer
discutir o caso em público. Então, deixei a minha casa e é por isso que vocês me
veem aqui. (Canta:) Eu sou como um grilo. Gostaria de cantar, mas o muro de
terra que me cerca não deixa. Alguém me forçou a sair da minha toca, por isso vou
cantar.” Discutamos o caso, mas lentamente, lentamente, de outra forma teremos
de recorrer ao tribunal dos brancos. Você me forçou a vir. Quando o sol cair, ainda
estaremos aqui discutindo. (Canta:) “Sou como o cão que se deita diante da porta
até que lhe deem um osso.”
Segunda parte: Ninguém pode seguir em duas direções ao mesmo tempo. Você
disse uma coisa e outra. Uma delas é obrigatoriamente falsa. É por isso que o ataco.
(Canta:) “Um ladrão fala com outro ladrão. É por você ser mau que o ataco.”
7
Apesar da tendência à romantização, ao exotismo racial e a outras formas de
sentimentalismo e preconceito, não se pode negar o lugar da música na vida dos
povos africanos. Segundo um músico shona contemporâneo:
Grande parte da história da África nos foi transmitida [...] pelo canto. [Quando
se toca mbira e se canta], veem -se desenrolar cenas dos tempos idos e as vagas e
enevoadas figuras de sonho do passado delineiam -se na época moderna. Quase se
pode ver os ancestrais claudicando por entre os vivos
8
.
O que se escreveu sobre feiticeiro das sociedades maliense, senegalesa,
gambiana e guineense, não somente como animador das festividades, mas tam-
bém como testemunha, historiador e porta -voz cultural, vale também em grande
parte para o músico shona, cujo instrumento, a mbira (outro nome da senze),
inspirou as observações que acabamos de citar. O feiticeiro é profusamente cele-
brado em uma epopeia escrita por um negro americano descendente de escravos,
que retomou a Gâmbia menos de 10 anos para tentar encontrar vestígios
7 Recolhido por A. P. Merriam, citado in BRANDEL, 1961, p. 39 -40.
8 Majuru, citado in BERLINER, 1978, p. 133.
635
As artes na África durante a dominação colonial
de seus antepassados
9
. Se nos deslocarmos do feiticeiro do oeste do Sudão à
África central e austral, encontraremos o seu equivalente, e a epopeia de sua
sobrevivência numa fase de extrema violência e instabilidade. Mesmo na África
austral, com sua história épica dos construtores do império plena de episódios
bélicos e violentos, os cinquenta anos da virada do século foram singularmente
inseguros e marcados por muitas e brutais dispersões dos povos.
A mbira sobreviveu a esse processo de fragmentação cultural, e chegou
mesmo a criar, entre seus adeptos, uma identidade de cultura, com todo um
sistema de estratificações sociais do religioso e do profano. As peregrinações
forçadas dos Shona entre o Cabo e a África central impossibilitam -nos, hoje,
dizer em que medida a instrumentação musical deles na verdade, as funções
sociais de sua música foi introduzida nos ou tomada aos países vizinhos:
Moçambique, Rodésia do norte (atual Zâmbia), Tanganica (atual Tanzânia),
os dois Congos (atualmente, Zaire e R. P. do Congo), Uganda, onde a prática
do instrumento estava disseminada, e Rodésia do Sul (atual Zimbábue), onde
a maior parte dos Shona acabou por se concentrar na virada do século. O certo
é que a cultura centrada em torno da mbira converteu -se em traço de união das
populações dispersas e sobreviveu à incessante e intensiva fragmentação dessas
populações.
Os Shona consideravam a mbira como dádiva do grande espírito ancestral
Chaminuka, personagem histórica real de começos do século XIX, segundo
consta. A música fazia parte integrante da vida social, domínio em que havia
penetrado a ponto de ser indispensável a diversas atividades, como curas, casa-
mentos, funerais, lavouras, partos, ritos iniciáticos e uma infinidade de outros
acontecimentos. Acredita -se que o instrumento propriamente dito fosse “capaz
de projetar seu som em direção ao céu e de estabelecer ligação com o mundo
dos espíritos” criando, assim, um laço entre as atividades e os pensamentos dos
vivos e o espírito dos antepassados.
Os executantes eram sedentários ou ambulantes. Nem sempre atendiam
aos convites, mas há o caso de célebres tocadores de mbira contratados a
centenas de quilômetros, seja por seu renome arstico, seja porque seu estilo
adaptava-se melhor a um objetivo preciso regra geral, a entrada de um
médium em transe. É de ver que a cultura da mbira permitiu manter, para além
das fronteiras geogficas, a coesão cultural de uma comunidade. As cerimô-
nias mbira, que duravam toda a noite, começavam pela entrada em transe do
9 HALEY, 1976.
636
África sob dominação colonial, 1880-1935
médium e prosseguiam com atividades recreativas de caráter puramente social,
como dança, canto, recitais poéticos (incluindo a comédia) e mímica. Já foram
descritas como “uma longa jornada comunal ao fundo da noite”. Ao voltar ao
estado normal, o médium em transe podia pronunciar sentenças sobre litígios
e dar conselhos sobre questões de interesse comum semeaduras, colheitas e
até sobre política.
Em suas múltiplas formas, a mbira constitui um indicador precioso da evo-
lução interna das culturas musicais da África. O instrumento de base, uma
caixa de ressonância provida de cordas tensas e com a forma clássica de uma
cabaça, apresenta naturalmente dezenas de variantes. A forma principal, a mbira
huru dzadzima, considerada a mbira de todos os antepassados”, teria sido o
instrumento do próprio grande ancestral Chaminuka. Sob essa forma é que o
instrumento foi introduzido no Transvaal pelos Shona, durante o êxodo dos
Ndebele em direção ao sul no final do século XIX, pouco antes de eles haverem
sido repelidos ao norte pelo início da penetração europeia no interior. A mesma
variante foi utilizada pelos Venda e pelos Lemba na África do Sul, e pela etnia
Karanga da porção meridional da Rodésia do Norte, no decorrer do período.
De modo geral, a dzadzima gozou de preeminência durante pelo menos meio
século, dado que foi descrito pela primeira vez em um desenho publicado por
Charles e David Livingstone, em 1865.
Em começos do século XX surge um culto rival, o mashawe, que empregava
a versão njira da mbira, na região dos Shona. Em menos de dez anos esta ver-
são começou a suplantar a outra. Frequentemente acompanhada de tambores
e mesmo de flautas, a njira principiou a gozar de certa preferência, sobretudo
para ocasiões sociais como casamentos, nascimentos etc. Os adeptos das duas
escolas eram mesmo designados pelo nome de seus respectivos instrumentos o
vaMbira para os adeptos da dzadzima, Njanja para os da njira. A essa divisão
étnica acabou por corresponder uma repartição geográfica que afetava o com-
portamento social, porém de modo sutil, sem romper a unidade cultural dos
adeptos da mbira.
Os testemunhos dos missionários, assim como os dos exploradores, con-
firmam a qualidade da emoção coletiva que a mbira suscitava. Eles comparam
o som desse instrumento ao da cítara, do clavecino e da espineta
10
. Segundo
esses testemunhos, o canto sugere o clima emocional do fado português, que,
muito significativamente, era a música dos saudosistas colonizadores lusitanos
10 BERLINER, 1978, p. 41.
637
As artes na África durante a dominação colonial
da América do Sul. Em qualquer língua, parece que a experiência do exílio
produz correspondências musicais identificáveis.
Ao contrário de muitas outras formas de música social africana, a mbira
não era uma arte de corte, mas verdadeira música do povo, do conjunto da
comunidade dispersa. O respeito de que gozavam seus executantes no seio da
comunidade e o apreço votado à sua arte explicam -se por serem considerados
mediadores artísticos entre este e o outro mundo e pelo fato de sua disponibili-
dade e competência terem -nos transformado em símbolo da coesão étnica numa
época de violentas convulsões. A tal ponto esses músicos dominavam a sua arte
que até os missionários, apesar da previsível hostilidade inicial, acabaram sendo
conquistados por ela. No decorrer da década de 1920, instrumentos do tipo
mbira começaram a fazer tímida aparição nas orquestras religiosas da Rodésia
do Sul. Composições de caráter experimental, baseadas nas melodias da mbira,
foram se insinuando nas festas sazonais das missões, encerrando -se o tempo em
que os alunos eram expulsos caso fossem surpreendidos tocando o “instrumento
do diabo na hora do recreio.
Dentro ou fora dos quadros da missão, porém, o papel socialmente integrador
da música permaneceu como o aspecto mais característico da vida cultural do
continente africano. Intermediário espiritual ou animador, historiador ou cor-
tesão a serviço de uma classe privilegiada, o músico era um componente básico
do mecanismo cultural.
As artes teatrais
A arte do espetáculo era, na maior parte dos casos, prolongamento ou ilustra-
ção da música. Alguns exemplos citados mostram bem como é difícil delimitar
essas duas modalidades artísticas. No entanto, a evolução das formas teatrais no
decorrer do século XIX, ao contato com influências externas; ilustra bem melhor
do que a evolução da música como se passa de um modo tradicional a modos
adaptados. Assistimos assim, na costa da África ocidental, ao nascimento de
uma verdadeira dramatização, que desloca formas e lugares sob o duplo assalto
das proibições islâmicas e da evangelização cristã, nascimento reforçado pela
influência dos antigos escravos regressados a Serra Leoa e Libéria, os quais
trouxeram consigo as formas de espetáculo, as maneiras, os valores, os costumes
e as expressões idiomáticas de seus países de exílio
11
.
11 KOPYTOFF, 1965, p. 86 -133; AJAYI, 1965, p. 25 -52; JULY, 1968, p. 177 -95.
638
África sob dominação colonial, 1880-1935
O teatro profissional – forma secular, derivada das representações mascara-
das para funerais de reis – era acontecimento comum no velho império Oyo da
Nigéria durante todo o século XIX. A desintegração do império sob o ataque
dos Peul vindos do norte e as devastações causadas pela guerra civil com vassa-
los rebeldes do sul produziram, como efeito simultâneo, a dispersão das troupes
profissionais para o sul e para além das fronteiras do Daomé (atual Benin) e a
sua extinção no local de origem. Os muçulmanos vitoriosos proibiram a maior
parte das formas de espetáculo teatral e, muito particularmente, aquelas asso-
ciadas às festas dos antepassados onde havia representação da figura humana, o
que é interditado pela religião muçulmana.
As convulsões políticas no seio do império Oyo, onde os grupos teatrais
tinham gozado da proteção de uma monarquia estável, não favoreceram por
muito tempo a difusão (e a secularização) do teatro. Os missionários avan-
çavam da costa para o norte, de modo geral com ligeira vantagem sobre as
empresas comerciais apoiadas pela força militar
12
. E foram os missionários que
completaram o trabalho do islão, proibindo aos fiéis a participação em qualquer
culto que fosse. Ora, as companhias teatrais eram administradas como Corpo-
rações familiares, onde os segredos do ofício e os ritos iniciáticos eram moeda
corrente. Os temas também eram estritamente tradicionais – razões suficientes
para qualificá -los como cultos diabólicos, sinistros. A exemplo dos muçulma-
nos, os missionários cristãos não se contentaram com a interdição das repre-
sentações: tal qual a mbira na África austral, os instrumentos ligados às artes
teatrais foram estritamente proibidos. Assim criou -se o vazio que a cultura dos
ex -escravos veio ocupar. O tráfico havia contribuído para a conversão religiosa
da costa ocidental, ao mesmo tempo que ameaçava a vida cultural. As missões
e suas esferas de influência, então, exatamente como na África austral, garan-
tiam uma certa segurança, e também a submissão aos senhores muçulmanos,
ao preço inevitável da renúncia a toda arte autêntica. O ciclo de substituição
cultural chegava ao fim: depois de ter dilacerado a vida cultural da população,
o escravagismo moribundo devolvia os filhos da terra com uma nova cultura
destinada a substituir a antiga
13
.
Mas a vitória não foi tão fácil. O teatro “profano” resistiu aos assaltos e, não
contente em preservar suas formas próprias, transformou -se deliberadamente
em base de resistência à cultura cristã. Tão resistente se revelou que, sob diversas
formas, participou das experiências tentadas pela elite colonial para desenvolver
12 AYANDELE, 1966, p. 29 -70, 117 -23.
13 AJAYI, 1965, p. 126 -65.
639
As artes na África durante a dominação colonial
um teatro significativo. Pois, no último quartel do século XIX, a costa ociden-
tal estava submetida à influência artística dos exilados cristianizados. Estes
voltavam confiantes na superioridade da cultura adquirida e impacientes para
provar aos colonos brancos que agora controlavam a sua existência que os
negros eram não só capazes de receber, mas de praticar as refinadas artes euro-
peias. Daí resultou uma feliz complicação: apesar do esforço consciente que os
levou a desligar -se culturalmente das populações autóctones do interior, estas
permaneceram “confortável e firmemente apegadas a seus próprios costumes e
instituições”
14
.
As novas formas teatrais (euro -americanas), devidas essencialmente à ini-
ciativa de expatriados vindos para a Libéria, Senegal e Serra Leoa, foram se
difundindo de oeste para leste e recebendo novas influências. A forma arre-
medada de vaudeville dos Nova Scotians” como se autodenominavam os
próprios ex -exilados de Serra Leoa –, após ter gozado de sucesso duradouro
ao longo da costa, sofreria transformação na forma e no conteúdo ao chegar à
região mais a leste da Costa do Ouro, Daomé e Nigéria. Não é exagero afirmar
que desde os primeiros anos do século XX uma forma de espetáculo inteira-
mente nova nascera na África ocidental: o concert party, derivado dos espetáculos
bem -educados” destinados à classe média das cidades
15
. Eram farsas rudes e
mesmo debochadas, generosamente temperadas com canções de estivadores,
tudo edulcorado para fruição dos membros da aristocracia colonial dos centros
administrativos, que se encontrava entre o público.
Formaram -se academias” para concertos inspirados no music -hall vitoriano
ou no vaudeville americano. As igrejas cristãs organizaram as suas próprias repre-
sentações e a moda dos concertos acabou por chegar às escolas dia de distri-
buição de prêmios, visita do chefe do distrito, aniversário da rainha Vitória etc.
Os missionários negros o quiseram ficar alheios o reverendo Samuel Ajayi
Crowther (fig. 21.3) deixou famoso exemplo de prelado negro que patrocinava e
encorajava de forma notável esta modalidade de arte, enquanto o reverendo James
Johnson transformava a celebrada Breadfruit Church de Lagos em verdadeiro
teatro
16
. Aqueles que retornavam do Brasil traziam o perfume exótico, e no entanto
familiar, de uma música que encontrava eco espontâneo nas melodias tradicionais
da costa ocidental e do Congo, pois a repressão nas cidades não tinha sido dura-
doura o bastante para fazê -las caírem no esquecimento por completo. Na virada
14 JULY, 1968.
15 TRAORÉ, 1972, capítulo II; OGUNBA e IRELE (orgs.), 1978.
16 AJAYI, 1965, p. 206 -38; JULY, 1968, p. 196 -207; AYANDELE, 1966, p. 175 -238.
640
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . O bispo Samuel Ajayi Crowther (1808-1891) fotografado por ocasião de uma visita a Benin, em companhia de três africanos e estátuas rituais.
(Foto: Popperfoto.)
641
As artes na África durante a dominação colonial
do culo e nas primeiras décadas do século XX, o Natal e o Ano Novo foram
pretextos para a apresentação, nas ruas de Freetown e de Lagos, de espetáculos
que faziam pensar nas fiestas da América Latina, dentre os quais a caretta, espécie
de mascarada satírica
17
, parece ter sido a forma mais durável.
Entretanto, os adeptos do nacionalismo cultural não cessavam de lutar
contra o perigo da usurpação total pelas formas importadas
18
. Mais uma vez, a
religião e suas instituições forneciam a base. O cater inaceitável dos excessos
do imperialismo cultural cristão, como a interdão dos instrumentos e árias
africanos em uma igreja universal”, acabou por provocar a dissincia. De
1882 ao início da cada de 1930, assistiu -se na África a uma proliferão
de movimentos secessionistas inspirados pelo desejo de adorar a Deus segundo
o modo cultural praticado pelos antepassados
19
. Foi então que se instaurou,
na África ocidental, principalmente em Lagos, uma tradição única de “ópera”,
que principiou com cantatas religiosas e passou pela dramatização de episódios
bíblicos, antes de afirmar a sua independência com o abandono dos temas
religiosos e a progressiva constituão de grupos profissionais itinerantes. Foi
um processo semelhante ao do teatro Adbegijo então temporariamente
desativado –, que evoluiu dos ritos funerios sagrados dos Alafin do império
Oyo ao divertimento cortesão, antes de adquirir existência independente e
ampliar sua base geográfica. No período que separa os grandes concertos de
música clássica e de canções folcricas inglesas apresentados pela” Academia”
nos anos de 1880 e a representão da peça histórica King Elejigbo, encenada
pela Egbe Ife Church Dramatic Society em 1902, produzira -se incontestável
transformação das ideias e da sensibilidade, mesmo no meio das elites ociden-
talizadas da Nigéria meridional. A Igreja, que não via esses fenômenos com
bons olhos, decidiu proibir a nova forma de arte em suas paróquias e escolas,
mas, infelizmente para ela, não conseguiu senão acelerar a constrão – como
desafio de salas destinadas exclusivamente ao teatro. O conflito dividiu a
elite colonial em faões, equiparáveis no tocante aos recursos dispoveis.
Em 1912, a secularização do teatro estava suficientemente avançada para que
a administração colonial de Lagos anunciasse a publicão de uma “portaria
regulamentando os teatros e as representações em público”, que condicionava
17 Também é possível que a caretta seja uma forma hispanizada da máscara Gelede, reimportada da América
do Sul para seu lugar de origem.
18 Sobre o nacionalismo cultural, principalmente no que concerne à Nigéria, ver HATCH, 1971, capítulo
XII ; SCHWARZ, 1965, capítulos I, II e IV.
19 RAY, 1976, capítulo VI. Ver também o capítulo 20, anterior a este.
642
África sob dominação colonial, 1880-1935
a realizão de espetáculos públicos à obtenção de uma licea. Em meio ao
clima de nacionalismo cultural que reinava em Lagos na ocasião, é de indagar
se essa hipócrita tentativa de censura política teria produzido efeito: signifi-
cativamente, a portaria jamais foi promulgada.
Os grupos de vaudeville prosperavam. Alguns de seus nomes, como Two Bobs
and their Carolina Girl, na Costa do Ouro, nos dizem muito sobre o que inspirava
a tantos deles. É a um professor chamado Valley que se atribui a paternidade
das variedades vaudevillescas na Costa do Ouro
20
. Um seu aluno, Bob Johnson,
com seu Axim Trio, logo ultrapassaria o mestre para tornar -se,celebridade cul-
tural da Costa do Ouro e mesmo de toda a costa ocidental
21
. E às inovações de
Bob Johnson que remonta a tradição do concert party na Costa do Ouro, com
troupes especializadas em meros de music -hall canções, facécias, danças,
imitações, cenas cômicas. Mas, do ponto de vista da continuidade cultural, sua
contribuição mais importante consistiu em trazer para o primeiro plano do
repertório contemporâneo uma personagem do folclore tradicional, o vivo e
malandro Ananse (o aranha). Esta forma de expressão teatral, extremamente
rica de situações puramente cômicas, logo se tornou também instrumento de
sátiras sociais e políticas.
Em meados da década de 1930, Bob Johnson era famoso o bastante para
montar seu número de vaudeville em outras cidades da África ocidental. No
decorrer dessa década, a região podia orgulhar -se de um repertório que constitui
um dos mais estranhos exemplos de ecletismo da história do teatro. Até mesmo
o cinema, então na primeira infância, deixara já a sua marca no teatro da África
ocidental: certos números de Bob Johnson eram adaptações das comédias de
Charles Chaplin, inclusive o vestuário e o célebre modo de andar. Hoje, que
perdemos todo o contato com as realidades históricas da África ocidental da
época do colonialismo, não há como não nos surpreendermos com um concerto
como o da celebração do Empire Day, onde eram apresentadas canções como
Mini the Moocher, lado a lado com Gods Gospel in our Heritage e vinhetas tiradas
da vida de um estivador liberiano.
Eis outro exemplo da ironia da colonização: enquanto Bob Johnson prepa-
rava sua primeira excursão pela África ocidental e Hubert Ogunde, que viria a
ser o principal animador de concert party da Nigéria, recebia educação estética
sob a dupla influência do pai clérigo e de uma avó sacerdotisa do culto osugbo
22
,
20 GRAFT, 1976.
21 SUTHERLAND, 1970.
22 Ver FADIPE, 1970, capítulo VII.
643
As artes na África durante a dominação colonial
no Senegal, um educador europeu, Charles Béart, procurava reverter a política
de aculturação europeia numa importante escola de ensino secundário. Compre-
enderemos melhor a importância deste acontecimento e, ainda, a razão por que
a evolução foi tão lenta, se tivermos presente o caráter educativo do assimila-
cionismo, como se expressa nos escritos de convictos africanos francófilos como
o padre Boillat, Paul Holle etc. Embora aparentemente entregue a exaustivas
pesquisas sociológicas
23
, o padre Boillat concluía, após haver estudado a cultura,
a filosofia, a estrutura social, a linguagem etc. dos Bambara, dos Sarakole, Wolof,
Serer, Tukulor e mouros do Senegal, que a sociedade africana não oferecia qual-
quer perspectiva de desenvolvimento cultural no sentido moderno e não tinha
outro futuro que não testemunhar a queda de todos esses hábitos grosseiros,
se não desonrosos, conhecidos como o costume do país”, Se as comunicações de
Boillat à metrópole não se tornaram pedra angular da política assimilacionista
francesa, não dúvida de que desempenharam papel determinante em sua
formulação.
Foi em meio a esse clima e ao fim das subsequentes décadas de con-
servadorismo que nasceu e perdurou por longo tempo a escola de William
Ponty
24
. Famosa escola normal, ela cumpriu na África de língua francesa a
mesma função que o Achimota College desempenhou no ocidente de língua
inglesa e o Makerere College na África oriental. Todos esses estabelecimentos
destinavam -se a dar educação europeia básica aos futuros professores e funcio-
nários públicos de baixo escalão. Os valores culturais transmitidos pela escola
William Ponty eram obrigatoriamente franceses, quer se tratasse de teatro,
poesia, música, arte, história ou sociologia. No entanto, durante os anos em
que esteve à frente da escola, Charles art procurou dar nova orientação à
formação cultural dos estudantes. A partir de 1930, eles foram incentivados a
retomar ao seu meio ambiente para adquirir clareza sobre suas opções cultu-
rais. Foram -lhes confiados trabalhos de pesquisa que permitiam explorar ao
mesmo tempo a forma e o conteúdo da arte autóctone. No retorno das rias,
pedia -se aos grupos originários de todos os territórios coloniais representados
na escola William Ponty que apresentassem um espetáculo de teatro baseado
em suas pesquisas, com total responsabilidade dos estudantes sobre sua realiza-
ção. Como esta nova forma de teatro sociogico não se limitava ao auditório
habitual de funcionários europeus e de africanos “educados”, nem somente ao
Senegal, sua influência disseminou -se amplamente pelas diferentes camadas
23 BOILAT, 1853.
24 OBICHERE, 1972, p. 7 -18.
644
África sob dominação colonial, 1880-1935
sociais da África de ngua francesa. Mas, constituía ela um prolongamento
autêntico da cultura de onde provinha?
Somos obrigados a responder negativamente, embora a experiência não dei-
xasse de ter valor educacional. Seria demais esperar que, nesse período, o modelo
clássico” de teatro francês pudesse desaparecer completamente em face das
formas tradicionais de expressão. A “comunidade” representada por William
Ponty era artificial. Estava distanciada tanto pela natureza do pensamento como
pelos objetivos culturais da sociedade cujos tesouros pilhava. A situação, bem
entendido, não era exclusiva de William Ponty, mas comum a todas as escolas
e instituições criadas pelo colonizador para o desempenho de sua própria mis-
são na África. Assim, o teatro de William Ponty servia principalmente para
satisfazer o apetite de exotismo da comunidade de colonos franceses. Mesmo
quando ia ao povo e lhe utilizava os temas, esse teatro continuava a ser uma
curiosidade desprovida de contato verdadeiro com a vida social e os autênticos
valores culturais da população.
O renascimento literário no Egito
25
No âmbito da cultura literária, o Egito e o Sudão ocidental proporcionam
exemplos importantes: no primeiro caso, temos um renascimento literário; no
segundo, um processo de ajuda mútua, ao mesmo tempo direta e indireta, à
penetração cultural da África durante o período colonial, a favor de interesses
fundamentalmente opostos.
A ocupação do Egito por Napoleão Bonaparte, as reformas de Muhamad’Alī
nos âmbitos militar, social e econômico, o envio de missões pedagógicas à
Europa, especialmente à França, bem como o estabelecimento de uma gráfica
impressora em Bulaq, no ano de 1922, tudo isso preparou o caminho para o
início de uma nova relação entre dois mundos o Ocidente e o Oriente islâ-
mico e para o advento de uma nova era no Egito. Esse período preparatório do
renascimento literário egípcio foi acelerado no reinado do quediva Ismā’īl Pacha
(1863 -1879) e atingiu o ponto decisivo de desenvolvimento a partir da segunda
metade do século XIX.
A criação de ambiente propício ao florescimento de uma cultura árabe
moderna foi determinada por vários fatores. O primeiro deles foi a contínua
25 Esta seção sobre o renascimento literário no Egito foi preparada sob a direção do professor Y. A. Talib,
do Departamento de Estudos Malaios, Universidade de Cingapura.
645
As artes na África durante a dominação colonial
emigração, a partir da década de 1870, de intelectuais cristãos sírios e libane-
ses
26
para o Egito. Perseguidos pelo regime autocrático turco, esses intelectuais
estavam imbuídos das noções ocidentais sobre política, ciência e literatura. No
próprio Egito, surgiu entre os muçulmanos uma nova elite que adotara as ideias
islâmicas modernistas de Al -Afghani e Abduh. As fileiras de tal elite não tarda-
ram a ser preenchidas por letrados egípcios regressados da Europa, onde haviam
realizado estudos de tendência humanista. Entre eles, havia toda uma série de
escritores com pontos de vista e interesses muito variados.
O desenvolvimento econômico, a transformação do país, a criação e fundação
de academias, de sociedades cultas, da biblioteca nacional em 1870, de universi-
dades seculares, a reforma das universidades religiosas existentes (por exemplo,
Al -Azhar) e o estabelecimento de um moderno sistema de educação “deram
origem a um público amante da ociosidade, da educação e disposto a formar uma
audiência. Se compararmos o resultado com a situação precedente, veremos que
se trata, na verdade, de um renascimento literário e intelectual”
27
. No entanto,
a produção literária local dependia ainda, fundamentalmente, da tradução de
obras europeias, empreendida antes da instauração do protetorado inglês no
Egito, e desde então em franco progresso. Com o tempo, esse processo levou a
adaptações, imitações e, finalmente, a obras criadoras e originais.
O despertar cultural, relacionado com a mudança do clima político egípcio
no final do século XIX, refletiu sobre o desenvolvimento da imprensa, muito
importante. Em 1898 o Egito já contava com 169 gazetas e jornais, número que
passou para 282 em 1913
28
.
Sob a influência do eminente reformador muçulmano Al -Afghani
29
, a
imprensa foi amplamente aclamada como um instrumento de educão e de
26 Dentre esses emigrantes, citemos três personalidades que muito contribuíram para disseminar entre
o público culto as principais correntes do pensamento liberal e cientíco inglês e francês dos séculos
XVIII e XIX: Farah Antun (1874 -1922), fundador da revista Al -Jamiah; Yagub Sarruf (1852 -1927),
diretor da revista de grande circulação Al -Muqtataf, que serviu de instrumento de difusão das teorias
darwinianas e spencerianas da evolução; Jurji Zaidan, autor prolíco que escrevia sobre toda espécie
de assuntos e cuja revista, Al -Hilal, educou gerações inteiras, não no Egito mas em todo o Oriente
Árabe. Um dos autores muçulmanos, Fathi Zaghlul o mais importante introduziu o pensamento
político e a sociologia ocidental através da tradução para o árabe de obras como Principles of Legislation,
de Bentham, Le Contrat Social, de Rousseau, e a obra de Edmond Demolin, A quoi tient la supériorité des
Anglo -Saxons. Teve sucessor à altura na pessoa de Lut Al -Sayyid, diretor do diário Al -Jaridah, consi-
derado um apóstolo do liberalismo e do utilitarismo no Egito”. Para maiores detalhes, ver AHMED,
1960, e HOURANI, 1962.
27 SAFRAN, 1961, p. 57.
28 ZWEMER, 1914, p. 129.
29 Ver KUDSI -ZADEH, 1980, p. 47 -55.
646
África sob dominação colonial, 1880-1935
politizão, convertendo -se cada vez mais no veículo de expressão preferido
por toda uma geração de personalidades literárias ederes intelectuais após a
Primeira Guerra Mundial. Dessa forma, os jornais tornaram -se, também, locais
de experimentão para novas formas literias, como o romance, o drama etc.
A necessidade de exprimir e interpretar as ideias estrangeiras recentemente
adquiridas conduziu à evolução de um “árabe neoclássico”. Mas a questão
de saber se era necesrio reformar o árabe clássico ou elaborar um árabe
moderno adaptado à literatura epcia contemporânea logo provocou uma
controvérsia em que se digladiavam dois grupos: os classicistas e os moder-
nistas. O primeiro defendia um estilo recôndito, semeado de obscuridades,
ornado de alusões literias e de eruditos jogos de espírito, típicos da cultura
aristoctica”. O segundo cujos membros eram acima de tudo descendentes de
sírios e de libaneses, formados à moda ocidental e de religião crispregava
uma linguagem simples e direta, unindo o árabe falado e palavras estrangeiras
arabizadas”.
O que se prenunciava neste conflito cultural era o problema dos valores:
ideais e normas do Ocidente de um lado, noções islâmicas tradicionais do outro.
Na sua fase inicial, o combate de ideias dizia respeito apenas à questão de
adquirir os conceitos ocidentais ou permanecer indiferente a eles. Os confrontos
situaram -se ao nível das escaramuças culturais: faltavam a eles “centros coerentes
de gravidade”. Contudo, na primeira metade do século XX, os desafios culturais
exteriores, tais como os apresentavam as novas condições de vida, começaram
a abalar sensivelmente todos os aspectos do sistema tradicional de valores. A
primeira reação a esses desafios teve importância vital e se concentrou na questão
do poder entre um islão reformista militante e um movimento racionalista
liberal
30
. Até a irrupção do nasserismo, várias interpretações da identidade cul-
tural e nacional do Egito foram dadas por inúmeras personalidades literárias:
a faraônica -mediternea de Tawfik al -Hakim, Mahmoud Taymour e Taha
Husayn em seus diversos escritos sociais, literários e históricos
31
, o arabismo de
al -Kawakibi
32
, assim como a tese das dimensões culturais africanas do Egito,
subscrita por numerosos escritores.
30 Ver, particularmente, as violentas controvérsias levantadas por obras polêmicas escritas pelos autores de
tendência ocidental, como, por exemplo, Taha Husayn, Fi‘l -shi‘r al -Jahili, Cairo, 1926 (sobre a poesia
pré -islâmica), que questionava os próprios fundamentos da fé islâmica.
31 Ver, sobretudo, Taha Husayn, e Future of Culture in Egypt , Cairo, 1938 (tradução inglesa, 1954).
32 Como o expressa em sua obra Umm al -gura, Port Said, 1899.
647
As artes na África durante a dominação colonial
A transformação da cultura egípcia durante esse período, sob o efeito da
dominação estrangeira, conduziu a uma maior consciência política, que, poste-
riormente, veio a encontrar expressão no movimento nacionalista nascente.
A literatura no Sudão ocidental
Aparentemente, interesses fundamentalmente contrários tinham assaltado
a zona sudanesa da África ocidental durante o período colonial: os interesses
europeus, de um lado, e os dos muçulmanos, de outro, representados pelos Jula.
As condições para que isso ocorresse foram criadas pela estrutura social da
população do Sudão ocidental. O sistema tradicional de castas, que reconhecia
a certo número de grupos de artesãos especializados o direito de controle sobre
os materiais e a área geográfica de suas respectivas artes, concedia, do mesmo
modo, ao iou alim (instrutor islâmico) o monopólio em tudo quanto se
referisse à alfabetização, escrita e comunicação e, ainda, às relações comerciais
que se desenvolveram com o colonialismo europeu.
Historicamente, o alim pertencia a uma comunidade peculiar, que constituía
uma unidade cultural distinta, frequentemente dominante, espalhada por entre
as populações não muçulmanas do Sudão ocidental. Caracterizava -se por sua
religião e pela eficiência de sua organização comercial. Eram chamados Jula
(Dyula ou Diula). A presença dos Jula no Sudão ocidental tinha como objetivo
fundamental o comércio. Sua emigração para cidades como Bobo -Dioulasso,
Kong, Bonduku e outras acompanhava as vias comerciais que iam das jazidas
auríferas da Costa do Ouro, do Alto Volta e das outras minas da zona tropical
até as trilhas das caravanas saarianas
33
. Fundadores de cidades, eles estabelece-
ram igualmente uma rede de postos avançados ligando os principais centros
às trilhas saarianas. Mas os Jula (nome que descreve sua principal ocupação, o
comércio) também zelavam pela preservação e promoção de sua cultura islâ-
mica, e contribuíam para favorecer a penetração dos mouros e dos árabes até
as zonas chuvosas da costa ocidental. Ainda hoje, existem registros dos textos
sabáticos” de um erudito Jula, o karamoko título superior ao comum alim –,
que visitou centros de ensino do Cairo e deixou aos tribunais sábias sentenças,
tão célebres como os trabalhos de William Amo, antigo escravo de Gana, autor
33 Para maiores detalhes sobre os Jula, ver Y. PERSON, 1968 -1975, vol. I, p. 95 -122; Y. PERSON, in
CROWDER (org.), 1971, p. 113 -26.
648
África sob dominação colonial, 1880-1935
de tratados filosóficos apresentados, no século XVIII, às universidades alemãs
de Wittenberg e Jena
34
.
Se é certo que a cultura literária islâmica que penetrou na África ocidental
era de natureza fundamentalmente conservadora, retórica e estereotipada, cuja
metodologia consistia antes em decorar do que em compreender e cujo ensino
compreendia essencialmente a exegese islâmica e o direito (hadith e fikh), o
constante trânsito de letrados entre a costa ocidental, a África do norte e o
Oriente Médio até o século XX, assim como o florescente comércio de manus-
critos preciosos praticado ao mesmo tempo que as atividades mais comuns dos
comerciantes Jula, comprovam uma abertura maior da cultura arábica entre
seus adeptos africanos. Os escritos históricos devem tanto aos estudiosos árabes
quanto a seus equivalentes das cidades europeizadas da costa ou aos produtos de
exportação da literatura ocidental. Por exemplo, uma pesquisa sobre as bibliote-
cas dos mallam da costa ocidental realizada em 1920, principalmente na região
da Costa do Marfim, revelou a existência de manuscritos de história, língua
(gramática árabe), poesia, matemática, lógica, jurisprudência etc.
35
A existência de uma cultura literária, embora abrangendo pequeníssima
elite no topo da pirâmide de uma massa de analfabetos, trouxe enormes con-
sequências não para a maioria da população, mas também para a cultura
estrangeira, cujos cânones inspiraram a formação literária da dita elite. E muito
especialmente quando essa vantagem literária é posta a serviço do proselitismo
da cultura alheia. Do ponto de vista da cultura dos povos autóctones, portanto,
a influência do islão distingue -se da penetração euro -cristã tão somente pela
sua natureza, e não pelos seus efeitos. O confronto entre duas culturas literárias
historicamente opostas, sobre terreno neutro”, suscita sempre reações exacer-
badas dos dois lados, mas sobretudo por parte do primeiro ocupante, que o
campo por ele diligentemente cultivado invadido à véspera da colheita. As duas
facções, evidentemente, ou fingem ignorar ou estão prontas a negar a existência
de valores autênticos anteriores no terreno conquistado, julgando mais cômoda
a tese do vazio cultural. A tolerância sincrética dos sistemas culturais africanos,
naturalmente, veio reforçar esta tese. E, por ironia do destino, dentre ambos
os adversários, a cultura que revelava alguma tendência ao sincretismo – a cul-
tura islâmica foi a que perdeu o grande elemento de sua própria ortodoxia,
inclusive as ortodoxias” de cismas posteriores, na passividade aparentemente
acomodada dos autóctones.
34 Para maiores detalhes, ver ABRAHAM, 1964; LOCHNER, 1958.
35 WILKS, 1968.
649
As artes na África durante a dominação colonial
analisamos alguns dos meios a que recorriam os autóctones contra os
mecanismos de negação cultural empregados pelo colonialismo europeu; a cul-
tura islâmica, difundida pelo proselitismo dos Jula, haveria de enfrentar a mesma
resistência. Em alguns casos, a comunidade jula foi inteiramente assimilada pela
comunidade local. Os casos de completa assimilação foram raros, mas I. Wilks,
em seu bem documentado estudo
36
, registra um exemplo, o dos Tagara de Jirapa,
no nordeste de Gana. O processo era relativamente imperceptível. Como se
disse a propósito dos ritos funerários do cantão de Koumina, os africanos con-
servavam a guarda das terras, tanto material como ritualmente, de forma que,
se nas cidades os contatos com as missões “civilizadoras” francesas e muçulma-
nas ofereciam aos convertidos inegáveis vantagens, as migrações” sazonais do
interior para a cidade contribuíam para abalar os grupos e os indivíduos. Foi o
que ocorreu com os Jula.
Devemos, ainda, ter presente que, à medida que a exploração colonial se tor-
nava mais sistemática e as cidades se industrializavam, trabalhadores migrantes
do extremo norte muçulmano (Mali, Mauritânia) vinham engrossar a massa de
mão de obra dos centros urbanos do sul. Esses imigrantes tinham necessidade
dos serviços dos ulamā’ ou dos karamoko, que imediatamente se instalaram nas
comunidades urbanas. De acordo com a sua estratégia de renovação ou regene-
ração da islâmica, os Jula esforçaram -se para garantir uma ligação constante
entre as comunidades muçulmanas, enviando os ulamā’ àquelas onde a dava
mostras de arrefecer. A procura superava a oferta, em vista do número insufi-
ciente de guardiães da verdadeira fé. Ademais, havia os que não estavam dis-
postos a abandonar o conforto das cidades, onde gozavam do recente prestígio
de “chefes espirituais”, visto atuarem como mediadores entre os trabalhadores
migrantes e o toubab (homem branco) e assegurarem a manutenção de uma con-
tabilidade rudimentar para os recentes intermediários das companhias exporta-
doras. Para esses ulama’, ir exercer o seu ministério nas comunidades rurais dos
Jula tornou-se uma imposição. Muitas vezes, nem eram os Jula que lhes faziam o
apelo. Como a alfabetização fascinava muito os não -muçulmanos, era frequente
que a comunidade rural, ou seja, um chefe ou um agricultor, pedisse aos Jula
locais que mandassem vir um professor. Às vezes, o menino mais inteligente
da aldeia virava aluno itinerante, indo de um ulama’ a outro. No século XIX, o
prestígio da elite educada – em grande parte muçulmana suscitava nessas áreas
grandes ambições. Um bom aluno podia ultrapassar diferentes graus e ascender
36 Ibid., p. 165.
650
África sob dominação colonial, 1880-1935
ao título de karamoko, detentor de sua própria isnad ou genealogia do saber, o
que o vinculava a toda uma série de doutores ilustres e legendários, numa filiação
que podia eventualmente remontar ao próprio profeta. Em sua magnífica obra
Ambiguous adventure (Aventura ambígua)
37
, o xeque Hamidou Kane mostra
bem como um pagão” de uma localidade qualquer do Sudão ocidental podia
ser sensível ao aspecto estético do ensino islâmico.
Nem todos os autores africanos ocidentalizados da época estavam dispostos a
considerar o desafio cultural muçulmano como necessariamente oposto ao gênio
africano autêntico, ou incompatível com os valores cristãos que se disseminavam
com muita rapidez, graças às missões estabelecidas ao longo do Níger, do Volta
e do Senegal por negros convertidos. Aos olhos de sociólogos e de educadores
como o abade Boillat (ou seu valoroso compatriota, o sábio soldado Paul Holle),
era preferível estudar a língua árabe e a cultura islâmica na França, em estabele-
cimentos de ensino superior, onde não corriam o risco de contaminar africanos
impressionáveis. Mas o bispo nigeriano Samuel Ajayi Crowther ia mais longe,
ao mostrar -se favorável ao estudo e ao ensino dessas matérias
38
, pensando que
elas permitiriam atenuar, graças às traduções árabes da Bíblia e do catecismo, os
aspectos mais grosseiros” da e da sociedade muçulmanas.
Em contrapartida, um homem como o antilhano Edward Wilmot Blyden,
nascido em St. Thomas e que depois emigrou para a Libéria, estava firmemente
convencido de que, dentre todas as grandes civilizações do mundo, a muçulmana
era a que melhor se adaptava ao temperamento e às realidades culturais da
África. A seu ver, o islão era apenas um elemento importante, é verdade – da
reformulação de uma cultura africana para os africanos, dotada de instituições
próprias e de estruturas de salvaguarda
39
. Este precursor da negritude pretendia,
nada mais nada menos, a reordenação completa de uma educação africana que
renunciasse aos preconceitos eurocêntricos para seguir uma via mais adequada às
realidades africanas. A civilização islâmico -árabe, que o tinha impressionado por
sua “cultura literária e atividade intelectual”, parecia -lhe destinada a desempe-
nhar papel essencial nessa reordenação. Com a descrição da história do homem
negro desde a antiguidade, Edward Blyden publicou suas conclusões afirmando
a anterioridade de uma civilização negra no Egito e provando que Heródoto
era um comentador mais digno de fé do que seus anotadores europeus, os quais,
37 KANE, 1972.
38 JULY, 1968, p. 188-9.
39 Ibid., p.46 -7, 218 -9.
651
As artes na África durante a dominação colonial
além de não serem contemporâneos dos acontecimentos escritos, tinham pros-
tituído o seu saber entregando -se a preconceitos racistas
40
.
Blyden não se contentava em invocar a história antiga na sua luta pela reo-
rientação da cultura africana. Os acontecimentos recentes da história da África,
os prolongamentos da cultura e do gênio africanos, mesmo num ambiente tão
pouco favorável como o do Novo Mundo”, incitaram Blyden a examinar os
livros de história e a declarar que se devia desprezar o estudo de personalidades
europeias, como o almirante Nelson, pelo de heróis negros como Toussaint
L’Ouverture. Isso era revolucionário e mesmo perigoso, traduzindo o início de
uma nova escola de análise de muitos acontecimentos da história recente da
África. As novas propostas de Blyden foram, portanto, bem menos acolhidas do
que aquelas em que preconizava o estudo da língua e da cultura árabes de acordo
com sistemas de ensino da África ocidental e, principalmente, na universidade
cuja criação também propunha. Não admira que essa universidade jamais tenha
surgido enquanto ele era vivo, mas o que sabemos de Blyden nos permite dizer
que ninguém contribuiu mais do que esse antigo exilado” da África ocidental
– que aliás não ignorava nenhuma tradição do ocidente – para fazer explodir o
bloco monolítico das missões cristãs da costa ocidental da África. Com efeito,
em 2 de janeiro de 1891, pronunciou na Breadfruit Church, de Lagos, perante
uma sala repleta, um discurso onde ressaltava a incompatibilidade entre a ordem
eclesiástica europeia e a sociedade e as tradições africanas. Alguns meses depois,
explodia o primeiro cisma no seio da “ortodoxa” Breadfruit Church, de Lagos,
dando origem à United Native African Church, com as consequências já men-
cionadas para a vida cultural dos africanos, à medida que o movimento se
ampliava para o ocidente e o norte da África ocidental
41
.
A literatura em línguas europeias
Pode -se dizer que a cultura literária em línguas europeias constituiu a princi-
pal força de confronto do colonialismo na África ocidental e central. A literatura
oral conservou o papel de válvula satírica, como também a mímica, a dança e as
novas formas de espetáculos mascarados, para registrar e comentar o fenômeno
colonial. Mas foram as literaturas em línguas coloniais, no jornalismo e na
40 BLYDEN, 1887.
41 AJAYI, 1965, p. 254 -5; AYANDELE, 1966, p. 201 -3.
652
África sob dominação colonial, 1880-1935
poesia, no teatro e no romance, que mobilizaram a imaginação literária contra
o colonialismo
42
.
A publicação de panfletos na costa da África ocidental, entre a Libéria e
Lagos, assumiu proporções comparáveis às que se verificaram na Inglaterra do
século XVIII. O mesmo fenômeno foi observado no Quênia, mas na África
oriental, ao que parece, essas publicações foram principalmente obra da comuni-
dade asiática, assim como a maior parte dos jornais. Folhetos bem pequenos, de
impressão barata e distribuição fácil, eles denunciavam a dominação e a explo-
ração estrangeiras, as fraudes da administração colonial e os ataques cada vez
mais frequentes à forma de vida e à dignidade social das populações. Em 1891,
a fundação da primeira gráfica em Luanda, na África portuguesa, assinalou o
início do jornalismo de luta pela defesa da causa dos africanos. Esse período
distingue -se por uma grande preocupação com o estilo, qualquer que fosse a
língua colonial utilizada. As acusações de racismo lançadas contra o colonialismo
francês por Ahmadou Dugay Cledor, no Senegal, eram redigidas em prosa
cuidada, com ímpetos de indignação. As petições dirigidas ao British Colonial
Office tornaram -se uma forma de arte, um exercício de estilo diplomático.
Os primeiros “representantes” – “assimilados” nomeados pela administração
francesa, porta -vozes das massas reconhecidos pelo sistema britânico como
membros de pretensos conselhos legislativos empregavam a língua do sobe-
rano estrangeiro para destruir suas ilusões sobre aqueles a quem consideravam
dóceis executantes de sua política colonial. Assim, apesar de uma gratidão verda-
deira e de um comportamento muitas vezes servil para com o público britânico
e os benfeitores em potencial, um homem como William Grant podia escrever
(ou deixar publicar) em 1882, em seu diário West African Reporter (Repórter da
África Ocidental), estas acusações terríveis:
O fato de cada vapor que atraca [...] trazer uma massa de produtos comparativa-
mente sem valor destinados a ser trocados por produtos apreciáveis e úteis [...] cons-
titui uma condenação moral permanente da atitude dos europeus na África. Ainda
que fossem simples penduricalhos sem valor, mas inofensivos, em troca de artigos
valiosos, o caráter moral da transação seria repreensível mas que dizer quando
esses artigos não apenas são desprovidos de valor [...] mas, muitas vezes, possuem
caráter verdadeiramente destrutivo? Tiram aos africanos o que os faz ricos, deixando
frequentemente aquilo que os empobrece e destrói. É triste dizer que, em muitos
casos, o comércio europeu deixou seu cliente africano tão nu como o encontrou
42 Ver KANE, 1972; BETI, 1971; ARMAH, 1973; SEKYI, 1915.
653
As artes na África durante a dominação colonial
[...] Eles jamais chegarão a implantar na África a ideia da civilização, enquanto as
relações comerciais entre o pretensioso e esclarecido europeu e o ‘selvagem africano
não forem colocadas em uma base mais equitativa. Mas, enquanto os garrafões de
rum seguirem -se um ao outro [...], nenhum missionário enviado como reforço e
nenhum sermão filantropo servirão para coisa alguma
43
.
Propagandista ardente de uma reforma da educação orientada no sentido
dos valores africanos, profundamente influenciado por Edward Blyden, Grant
procurava criar um sistema de ensino encimado por uma universidade, mas
somente como instituição destinada a promover a pesquisa e o ensino em áreas
relacionadas com a África, em oposição à educação literária convencional, que
dá ênfase à cultura e aos valores europeus”. Era preciso – escrevia – “educá-lo [o
africano] por si mesmo”. Os anais da Aborigines Rights Protection Society da
Costa do Ouro das décadas de 1910 e 1920, em especial as alocuções de J. E.
Casely Hayford, estão repletos de obras -primas de prosa vitoriana, com pitadas
de humor de clássica ferocidade e concisão. Mais de um responsável de distrito,
em visita aos territórios pacificados sob seu encargo, viveu a penosa experiência
de esperar ser acolhido com um “discurso leal” e partir furioso com a “hipócrita
insolência de excelentes oradores negros em língua inglesa.
Em 1911, Casely Hayford publicou Ethiopia Unbound
44
(Etiópia Desacor-
rentada), um dos primeiros romances africanos, na verdade um ensaio, mescla
de estilos diversos, que vai do sarcasmo à denúncia apaixonada da cupidez e da
arrogância racial que envolveram a partilha e a colonização da África. Durante
toda a sua vida, Casely Hayford demonstrou em seus escritos uma vigilância
irrepreensível no referente ao destino do continente negro, recusando -se até o
fim a aceitar o fato da colonização ou a atribuir -lhe autoridade no seu pensa-
mento. É bastante curioso que Ethiopia Unbound não tenha inspirado imitadores
na época, permanecendo obra única no seu gênero. Na mesma época, em contra-
partida, a África produzia também sábios e homens públicos cultos pertencentes
a outra escola de pensamento, como o bispo Samuel Ajayi Crowther, na Nigéria,
ou Bakary Dialo, no Senegal. A exemplo do abade Boillat, essas personalidades
defendiam o colonialismo europeu, considerado experiência positiva e louvável
para a África. Para o teólogo protestante Crowther, marcado pelo horror de
suas origens pagãs e da sociedade de onde provinha, o cristianismo (do qual o
colonialismo era mero agente executivo) representava, no sentido mais primitivo,
43 Citado por JULY, 1968, p. 142.
44 HAYFORD, 1911.
654
África sob dominação colonial, 1880-1935
o instrumento divino da salvação para um continente pagão. Quanto a Bakary
Dialo, estava pura e simplesmente deslumbrado pela cultura francesa.
O dilema resultante da política colonial de aculturação traduzia -se essen-
cialmente por essa alienação, que distorcia a personalidade criadora das elites
africanas. Mesmo nos mais intransigentes textos anticolonialistas, é comum
discernir um flagrante fascínio e preferência pela cultura europeia, tal como a
experimentavam em seu meio e a descobriam à medida que seu horizonte inte-
lectual pessoal ampliava. O talentoso poeta malgaxe Jean -Joseph Rabéarivelo
(?? -1937), cujo suicídio atribui -se à impossibilidade de resolver essa contradição
interna de colonizado, constitui um trágico exemplo. Desse conflito resulta uma
qualidade ambígua aos textos de vários africanos cultos, na época em que o
colonialismo começava a se afirmar. Isso facilitou a política de assimilação cul-
tural, sobretudo nos territórios franceses, portugueses e espanhóis, e redundou
na rejeição deliberada, ou seja, na negação das fontes autênticas do gênio criador
africano pela nova elite. O “primitivismo”, quer como fonte de inspiração, quer
como expressão pela imagem ou pelo verbo, tornou -se sinal de regressão, retar-
dando o ato total de renascimento que só ele permitia: a aceitação da sociedade
mágica dos funcionários da administração colonial europeia.
Houve exceções, particularmente notáveis na situação inicial em que a polí-
tica de assimilado se tornava uma arte política, como os poetas Silvério Ferreira,
Antônio José do Nascimento e Francisco Castelbranco, cuja obra denunciava
desde o início do século a intolerância racial dos colonos. Mas, ao mesmo tempo,
tanto em Angola como em outros territórios portugueses (e de fato em todos
os territórios coloniais), assistia -se às manifestações de uma forma escapista de
reação diante da realidade cotidiana da humilhação. A título de exemplo, cite -se
a obra de Caetano da Costa Alegre (São Tomé), cuja poesia amorosa sentimental
à glória da beleza feminina negra, editada após a sua morte
45
, pode ser consi-
derada precursora da escola literária de reivindicação da identidade negra que o
movimento da negritude tornou célebre.
O berço do movimento da negritude foi a França, e seus principais autores
foram Aimé Césaire (Martinica), Léopold Senghor (Senegal) e Léon Damas
(Guiana Francesa). A negritude produziu uma floração de obras poéticas
46
,
nem todas poesia de propaganda”, à maneira de Costa Alegre, mas que não
obstante deviam sua existência à consciência reencontrada da realidade africana,
que a eloquente “tomada de consciência do grupo transformou em programa
45 ALEGRE, 1916.
46 KESTELOOT, 1974; IRELE, 1964, p. 9 -11; BLAIR, 1976.
655
As artes na África durante a dominação colonial
concreto. Em suma, tratava -se pura e simplesmente de uma revolta contra a
eficiente estratégia de assimilação aplicada pelo colonialismo francês e portu-
guês, da qual os iniciadores do movimento estavam perfeitamente cônscios de
serem produto. Mas é justo atribuir a gênese do movimento a um manifesto”
publicado no jornal Légitime Défense por três estudantes da Martinica. Nesse
manifesto, eles rejeitavam as “convenções burguesas” da cultura europeia, assim
como certo número de modelos literários europeus e a falsa personalidade que
impunham ao homem negro. No seu lugar, contudo e o fato define perfeita-
mente o círculo vicioso do artista -intelectual colonizado, adotavam Marx, Freud,
Rimbaud, Breton e outros mentores europeus.
A negritude, que encerra o período em estudo, foi indubitavelmente um
fator determinante na expressão da sensibilidade criadora das duas décadas
seguintes, não entre escritores e intelectuais das colônias de língua francesa,
mas também entre os de língua portuguesa e até inglesa. Dentre os adversários
mais irredutíveis da negritude, hoje em dia marxistas convictos cuja visão da
história é incompatível com os princípios da negritude incluem -se alguns
dirigentes africanos que prolongaram a vida do movimento na sua luta contra
as políticas de assimilação cultural de Portugal, em começos da década de 1950.
É correto dizer, portanto, que a negritude foi um fenômeno histórico susci-
tado por circunstâncias precisas, mas que perdeu a influência afetiva à medida
que aquelas circunstâncias deixavam de existir, que os problemas da sociedade
eram analisados de maneira mais completa, e que as soluções preconizadas
tornavam-se mais radicais.
C A P Í T U L O 2 2
657
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
que apreender claramente a natureza do nacionalismo na África para
apreciar de modo correto os acontecimentos examinados neste capítulo. Cum-
pre, inicialmente, distinguir o nacionalismo europeu do século XIX e aquele que
a África colonizada experimentou entre as duas guerras mundiais. Na Europa,
o nacionalismo representou, para as comunidades que aceitavam a realidade
de identidades culturais e de um passado histórico comuns, a aspiração a uma
existência soberana dentro de organizações políticas (Estados) próprias. A luta
tinha como objetivo garantir a coincidência entre a nação cultural e a organi-
zação de sua vida política como Estado. Conforme demonstram os exemplos
grego, italiano e alemão, o resultado definitivo dos movimentos nacionalistas foi
a criação de Estados Nacionais.
Na África, as aspirações dos Estados e dos grupos que, até a eclosão da Pri-
meira Guerra Mundial, combateram contra as potências imperialistas europeias
e se esforçaram para impedir o estabelecimento do sistema colonial eram essen-
cialmente as mesmas que animavam os movimentos nacionalistas europeus.
No entanto, um dos efeitos da guerra foi consolidar as posições das potências
imperialistas frente aos defensores da independência e da soberania africanas.
Apesar da fermentação das ideias que contribuíram para minar o sistema impe-
rialista, a dominação colonial tornou -se uma situação de fato, a ponto de certos
autores considerarem o período entre as duas guerras como a idade de ouro
do colonialismo na África.
A política e o nacionalismo
africanos, 1919 -1935
B. Olatunji Oloruntimehin
658
África sob dominação colonial, 1880-1935
A maior parte das colônias criadas abrigava grupos nacionais cultural e his-
toricamente diferentes, cuja unidade derivava principalmente do fato de estarem
igualmente submetidas a um senhor estrangeiro. A situação colonial representava
para todos um quadro novo, onde havia que forjar identidades novas que os sus-
tentassem na luta contra as atrocidades da dominação estrangeira. As fronteiras
coloniais que, no mais das vezes, englobavam diversas nações culturais sob uma
administração imperial comum foram aceitas tais como eram. A constituição
da nova identidade consistia, de início, em aceitar a africanidade essencial das
diversas nações culturais. Os territórios das administrações coloniais passaram
a constituir, em praticamente todos os casos, a definição territorial daquilo que
os africanos começaram a considerar como proto -Estados, em torno dos quais
procuravam desenvolver na população um sentimento de pertença com um.
No contexto colonial, a evolução política e social foi o resultado das intera-
ções entre colonizador e colonizado. Em certa medida, as orientações das elites
dirigentes africanas foram determinadas pela forma da administração colonial.
Onde como nas federações coloniais francesas a estrutura e a política das
administrações eram regionais, os dirigentes tendiam a adotar uma visão regio-
nal. Os campeões do nacionalismo africano entre as duas guerras (wanasiasa,
como são chamados em swahili) eram essencialmente considerados como pan-
-africanistas, e não nacionalistas no sentido europeu. Efetivamente, o movi-
mento nacionalista seguia curso inverso ao da evolução registrada na Europa.
Ao contrário do que se passara naquele continente, o Estado havia sido criado
antes que as nações culturais que lhe emprestassem significado de comunidade
política tivessem cimentado sua unidade. É o que se infere da observação de
James Coleman:
[...] em muitos casos, o nacionalismo africano não se deve ao sentimento de perten-
cer a uma unidade político -cultural que procura defender -se ou afirmar -se; repre-
senta, antes, o esforço desenvolvido por modernistas conscientes de uma realidade
racial para criar novas nacionalidades políticas e culturais, a partir das heterogêneas
populações englobadas dentro das fronteiras artificiais impostas pelo senhor europeu
[...]
1
.
Convém reconhecer que, enquanto sistema de relações, o colonialismo apre-
senta certa base racista. Se a evolução, em um contexto colonial, resulta das
interações entre colonizador e colonizado, a consciência racial é a base do desen-
volvimento do nacionalismo enquanto busca da soberania e da independência.
1 COLEMAN, 1965. p. 177.
659
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
O fato de os nacionalistas africanos serem considerados “modernistas” reflete
a necessidade que tinham de agir dentro de condições definidas do exterior,
condições que impunham um sistema estrangeiro de valores, de nomes e de
definições da evolução política e social e que foram obrigados a subscrever para
terem possibilidade de êxito. Que o nacionalismo africano fosse um fenômeno
dinâmico e permanente, eis o que se deduz claramente da abundante literatura
consagrada a temas como a construção nacional e o irredentismo. O termo mais
exato para designar esse fenômeno como o demonstra E. S. Atieno Odhiambo
no capítulo 26 deste volume – é, incontestavelmente, o vocábulo swahili siasa.
Em geral, o colonialismo necessita de uma base social para sobreviver; base
habitualmente assegurada pela difusão da cultura do colonizador por meio da
educação. Os resultados obtidos pelo sistema educativo criado para esse efeito
determinam as normas que permitem constituir um novo grupo de elites no
interior da sociedade colonizada. A difusão da cultura importada do colonizador
é, entretanto, acompanhada, quase invariavelmente, de contatos culturais har-
moniosos e de conflitos culturais que podem redundar em reações violentas da
população submetida. Dessa forma, há sempre um conflito de interesses entre o
colonizador e o colonizado, o primeiro desenvolvendo esforços para perpetuar a
sua dominação, o segundo lutando para se afirmar através do restabelecimento
da sua independência e soberania.
Como M. Crowder demonstrou, no capítulo 12, com a Primeira Guerra
Mundial os membros das novas elites de toda a África esperavam identificar -
se mais com o processo de desenvolvimento de suas respectivas comunidades.
Pensavam que seriam absorvidos e aceitos como colegas pelos colonizadores,
mas a situação colonial tornou -se mais opressiva e as esperanças da elite foram
frustradas. Mesmo quando a mobilização do pessoal europeu durante a guerra
abriu possibilidades de emprego aos africanos instruídos, as realidades do pós-
-guerra não tardaram a trazer desilusões e descontentamentos. Não os afri-
canos instruídos eram colocados em posições inferiores às do pessoal europeu
de formação e experiência equivalentes, com o qual serviam nas mesmas admi-
nistrações coloniais, como se viam socialmente relegados a segundo plano. For-
mados à margem de seu meio de origem, na esperança de que a educação lhes
permitisse elevar -se ao nível dos europeus, acabavam em grande parte alienados,
em relação a seus irmãos de raça, no referente a orientação, modo de vida, ambi-
ções e aspirações materiais e sociais
2
. As barreiras que o autoritarismo inerente
2 Ver o prefácio de Jean -Paul Sartre à obra de FANON, 1967.
660
África sob dominação colonial, 1880-1935
ao colonialismo erguia contra eles eram fonte de rancor, amargura e agitação
contra os regimes coloniais.
Os regimes coloniais não eram exceção a essa verdade evidente de que toda
administração utiliza estruturas intermediárias, principalmente devido a razões
de economia e eficácia. Os governos coloniais como R. F. Betts mostrou no
capítulo 13 faziam uso variado das instituições e das elites tradicionais para
mais facilmente controlar as populações submetidas. Na busca dessas estruturas
e desse pessoal de autoridade, os funcionários coloniais criaram muitas vezes
outras, novas, que podiam compreender e utilizar. Foi o caso dos warrant chiefs
do sudeste da Nigéria, das native authorities entre os Massai de Tanganica (atual
Tanzânia) e de certas partes de Uganda, fora de Buganda, e da maior parte
dos pretensos chefes chefs de paille) criados por franceses, belgas e portugueses.
Mesmo neste caso, entretanto, as elites assim recrutadas para sustentar a domi-
nação colonial dificilmente recebiam melhor tratamento do que os africanos
educados pelo sistema colonial. Tal como as novas elites educadas, os chefes
“tradicionais” estavam em posição ambígua. Aos olhos do povo, tinham per-
dido o caráter tradicional de suas funções e de seu papel e, no mais das vezes,
os colonizadores os consideravam instrumentos de controle e não autênticos
parceiros. A perda de seu poder real, posição e prestígio social era, para muitos,
causa de descontentamento.
Somente alguns administradores coloniais pareciam ter compreendido como
manejar as difíceis relações existentes entre as elites africanas “tradicionais” e as
novas, de um lado, e entre estas duas e os regimes coloniais, de outro. Entre as
exceções, citam -se o general (depois marechal) Lyautey no Marrocos, sir (depois
lorde) Frederick Lugard na Nigéria setentrional e sir Gordon Guggisberg na
Costa do Ouro (atual Gana). Mesmo estes empregavam geralmente a estratégia
de frear as aspirações dos representantes das novas elites, normalmente descritos
como arrivistas ambiciosos. Era cômodo cultivar uma situação de conflito nas
relações entre as duas elites africanas, desempenhando a potência Imperialista
o papel protetor das autoridades e do sistema de governo tradicional. Nessa
situação, nenhuma das elites ficava satisfeita com os regimes coloniais. Em 1917,
o governador -geral Joost van Vollenhoven atentava para o caráter explosivo do
problema, no tocante em particular ao futuro do colonialismo, nestas observa-
ções atiladas:
Os chefes indígenas, os de ontem que preservamos ou os de hoje que instituímos,
queixam -se de ser humilhados; os intérpretes, os múltiplos auxiliares da adminis-
tração e do comércio, queixam -se de ser usados como instrumentos e de não ter a
661
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
categoria de colaboradores. em toda esta elite mal paga e bastante infeliz, tão
afastada da sociedade indígena, da qual foi expulsa, como da sociedade europeia,
onde ela não é admitida, uma desilusão, um descontentamento, uma amargura que
seria perigoso ignorar
3
.
Van Vollenhoven fazia a seguinte recomendação, que naturalmente não podia
ser recebida favoravelmente, na época, pelos dirigentes coloniais: “ ... é necessário
que esta elite seja reconhecida e melhor acolhida por nós. A reforma a operar
reside menos nos textos do que nos costumes”
4
.
Semelhante atitude seria contrária à ética do imperialismo, e a recomendação
não foi considerada. Ao contrário, as autoridades coloniais concentraram-se na
consolidação de seu domínio e na exploração dos recursos humanos e materiais
de suas colônias.
Prioritariamente figurava a solução dos problemas do pós -guerra na Europa
e a retomada da marcha da economia e dos serviços. No entanto, o ambiente
internacional e o juízo colorido de liberalismo que ele fazia sobre o colonialismo
e os assuntos coloniais
5
tornavam inevitável, a longo prazo, uma mudança de
atitude.
Mas o colonialismo não afetava apenas a elite educada e os dirigentes tradi-
cionais. É erro considerar, como se fez até agora, o nacionalismo africano como
um fenômeno elitista e puramente urbano. Trabalhos recentes mostram, cada
vez mais claramente, a importância do descontentamento e dos sentimentos
anti colonialistas nas zonas rurais, sendo a sua causa principal as novas medidas
financeiras e econômicas, o novo sistema judiciário e, sobretudo, a depressão eco-
nômica dos anos 1930. Fatos como a migração de descontentes do Alto Volta ou
da Costa do Marfim para a Costa do Ouro nos anos 1920, as ondas de destitui-
ções de chefes símbolos do colonialismo em inúmeras regiões da África pelos
súditos e, evidentemente, a recusa em vender cacau pelos produtores da África
ocidental
6
(estes últimos amplamente estudados pelos pesquisadores) mostram
que a resistência ao colonialismo no período entre as duas guerras não se limi-
tava às elites dos centros urbanos, mas encontrava eco também nas zonas rurais,
entre os camponeses e os operários analfabetos. É verdade que as pesquisas ainda
se acham em estado embrionário no que concerne à amplitude dos sentimentos
3 Archives du Sénégal, Fonds Afrique Occidentale Française (ASAOF), 17G61/2, 1917, p. 10.
4 ASAOF, 17G61/2, 1917, p. 20.
5 Ver SARRAUT, 1923; LUGARD, 1929.
6 JENKINS (org.), 1975; OLORUNTIMEHIN, 1973a, p. 17 -8.
662
África sob dominação colonial, 1880-1935
e das atividades anticoloniais no meio rural e, sobretudo, à ligação se ligação
houve entre as atividades das elites urbanas e dos camponeses analfabetos.
Por conseguinte, é impossível propor uma síntese neste capítulo. Chamamos a
atenção dos futuros historiadores para este novo e apaixonante tema.
Outro aspecto da política e do nacionalismo africanos entre as duas guerras
foi a preocupação com o renascimento cultural, reão inevitável à realidade
brutal que era a negação, pelo colonizador, da cultura dos colonizados. O des-
pertar cultural foi um dos elementos da luta pela reafirmação e preservação da
identidade pessoal, de início enquanto africanos e, depois, enquanto membros
de determinadas nações culturais. O pan -arabismo e o pan -africanismo são,
talvez, os exemplos mais notáveis, mas os movimentos ditos “nativistas e
os movimentos religiosos, assim como o “etiopianismo”, atendiam à mesma
preocupão.
Além disso, o colonialismo é um fenômeno global que afeta ou representa
ameaça potencial a todos os aspectos da existência; portanto, os movimentos
que se opuseram a ele tiveram de combatê -lo sob todos os seus aspectos. Como
sistema orientado para a defesa de sua própria segurança, o colonialismo é natu-
ralmente ameaçado por quaisquer reivindicações de equidade e de igualdade nas
relações entre colonizador e colonizado, quer emanem de grupos de trabalha-
dores, de igrejas ou da burocracia colonial, quer se traduzam por manifestações
destinadas a obter, por exemplo, escolas ou serviços de saúde. O ponto essencial
é que o colonialismo encarna a desigualdade fundada na discriminação racial,
e toda reivindicação de igualdade em qualquer domínio das relações humanas
acaba por exigir o fim do colonialismo. Da mesma forma, as reações africanas
sofreram o contragolpe das variações de intensidade da influência europeia no
que se refere a ideias e instituições. Os africanos das regiões mais tempo
submetidas à dominação europeia tinham tendência a ser mais receptivos à
cultura política europeia e a esperar que seria possível progredir por essa via
até a autodeterminação. Tendo permanecido mais expostos à educação euro-
peia, estavam mais afeitos ao modelo europeu de desenvolvimento econômico e
social. A agitação em favor da mudança nessas regiões tendia, portanto, a tomar
uma forma constitucional, facilitada pela existência das assembleias legislativas
coloniais.
Em lugares como o Egito e o Sudão anglo -egípcio, a Argélia (principalmente
os três departamentos, Argel, Constantine e Orã), os protetorados franceses do
Marrocos e da Tunísia e as regiões costeiras da África Ocidental Francesa e da
África britânica, a ação dos africanos era caracterizada pelo constitucionalismo
e pelo emprego de técnicas de pressão política correspondentes aos processos
663
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
políticos da Europa Ocidental: os nacionalistas africanos dirigiam -se ao mesmo
tempo às autoridades coloniais imediatas, aos grupos políticos e à opinião liberal
da metrópole.
A base social deste enfoque constitucional não cessou de se ampliar, à medida
que aumentava o número de africanos educados e surgiam novos grupos eco-
nômicos e sociais, no contexto da dinâmica da economia colonial e das medi-
das tomadas, particularmente quanto à educação, para preparar a mão de obra
africana necessária às atividades econômicas e sociais. Em numerosas colônias
essa nova mão de obra sindicalizou -se progressivamente, reforçando a expressão
política anticolonialista do nacionalismo africano. Como o meio operáno nas
colônias apresentava todos os sintomas da situação colonial, principalmente uma
exploração severa que repousava na discriminação racial e na injustiça social, as
relações de trabalho logo apresentaram antagonismo político idêntico àquele
que existia entre os cidadãos do país colonizador e os africanos colonizados.
Os trabalhadores viriam a desempenhar papel primordial na ação política do
nacionalismo africano, a partir da Segunda Guerra Mundial
7
.
O peso das diferentes ideologias oficiais veiculadas pelas potências coloniais
foi igualmente determinante. Como diz John Peel, “uma ideologia, os ideais
das grandes religiões, por exemplo, é um fator que modela os comportamentos
mesmo que ela seja imperfeitamente compreendida e “o desenvolvimento não
pode ocorrer independentemente da interpretação que os homens fazem de
sua situação e de suas perspectivas”
8
. As diferenças de estilo e de orientação
dos nacionalistas africanos derivavam, em parte, do fato de os diversos grupos
referirem -se a ideologias diferentes para orientar a sua ação. Assim, os naciona-
listas africanos que viviam sob domínio francês na Argélia e no Senegal, onde
surgira a possibilidade de pôr fim ao colonialismo mediante uma política de
assimilação” que conduzia à cidadania francesa, com todos os direitos e res-
ponsabilidades correspondentes, tendiam a exercer constante pressão para que
tal política fosse ampliada e generalizada.
Em contrapartida, os africanos dos territórios britânicos abrigavam a espe-
rança de chegar à independência como países soberanos, ainda que membros
da Commonwealth, e mostravam -se claramente mais preocupados, durante o
período considerado, com reformas e participação que finalmente desembocas-
sem na independência. O objetivo era o mesmo – a liberdade –, o método é que
7 BALANDIER e DADIE (org.), s.d., p. 202 -406; DAVIES, I., 1966.
8 PEEL, 1968.
664
África sob dominação colonial, 1880-1935
era diferente. Este era ditado pelo contexto da ação, tal como o determinavam
as relações dialéticas entre as ideologias e as práticas coloniais
9
.
O fator representado pelo colono está relacionado com o fator ideológico.
Manifestou -se na relativa intensidade da colonização enquanto processo, da
frustração das esperanças do colonizado ou da não satisfação das reivindicações
dos africanos. Esse fator explica as diferenças de tonalidade e de intensidade
na expressão do nacionalismo africano entre a Argélia, repleta de colonos, e os
outros territórios franceses que não sofriam esse problema. A mesma situação
verificava -se no Quênia, Rodésia e África do Sul, dominados pelos colonos,
e os demais territórios britânicos. A declaração de preeminência dos interes-
ses africanos (ou Declaração Devonshire) de 1923, relativa aos africanos do
Quênia, refletia uma ideologia essencialmente idêntica àquela que orientava
a administração colonial britânica nas outras regiões. A evolução divergente
desses territórios resultou da determinação absoluta dos colonos, decididos a
perpetuar a sujeição da população autóctone pondo em prática o chamado’
‘ultracolonialismo
10
.
O nacionalismo africano e a evolução internacional
Entre as duas guerras, os nacionalistas africanos passaram praticamente
pela mesma situação: privação das liberdades políticas e sociais; exploração dos
recursos humanos e materiais em benefício de senhores estrangeiros; negação
dos meios e serviços suscetíveis de contribuir para o avanço político e social das
sociedades colonizadas ou, quando as mudanças pareciam inevitáveis, manobras
destinadas a limitar e contornar o curso dos acontecimentos, no sentido favo-
rável à manutenção do domínio colonial.
Contra essas situações impostas pelos colonialistas, erguiam -se as aspirações
dos nacionalistas, que, no norte da África, tentavam recuperar a soberania e a
independência perdidas, embora sem pôr em causa as novas estruturas territo-
riais das colônias e, no resto do continente, reivindicavam a melhoria da situa-
ção social e econômica de suas comunidades, para dar sentido ao exercício das
liberdades civis. Certos desenvolvimentos da situação internacional favoreciam
as aspirações dos nacionalistas africanos. Por exemplo, as repercussões da Pri-
meira Guerra Mundial,evocadas e examinadas no capítulo 12 deste volume,
9 LORUNTIMEHIN, 1971, p. 33 -50.
10 DUFFY, 1962; MINTER, 1972; ver, igualmente, OLORUNTIMEHIN, 1972b, p. 289 -312.
665
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
e a posição assumida pela Sociedade das Nações, que considerava desejável fazer
do desenvolvimento das populações colonizadas um dos objetivos primordiais
do sistema colonial e um critério de ação para as potências coloniais, sobre-
tudo nos territórios sob mandato. A introdução da noção de responsabilidade,
perante a comunidade internacional, para com os territórios sob mandato foi
um estimulante para certos nacionalistas. No plano político, os nacionalistas
africanos foram encorajados por movimentos ideológicos internacionais, como
a Internacional Comunista (Komintern), leninista e antiimperialista, e outros
movimentos socialistas, pela marcha para a independência em outros continen-
tes, pelo pan -africanismo anti-imperialista inspirado por Sylvester Williarns,
Marcus Garvey e Williarn Du Bois e por outras influências negras americanas
e caribenhas, que serão discutidas no capítulo 29.
Um congresso internacional reunido em Bruxelas em fevereiro de 1927,
sob os auspícios do Komintern, esteve na origem da formação da Liga con-
tra o Imperialismo e pela Independência Nacional (conhecida simplesmente
como Liga contra o Imperialismo). Aproximadamente 180 delegados vindos
da Europa Ocidental, da América do Norte, da América Central e do Sul, do
Caribe, da Ásia e da África assistiram a esse congresso, que reuniu comunistas,
grupos socialistas de esquerda, como o Independent Labour Party, representado
por seu secretário -geral, Fenner Brockway (mais tarde, lorde Brockway), inte-
lectuais socialistas e representantes de movimentos nacionalistas dos territórios
coloniais. Entre os representantes da África figuravam Messali Hadj e Hadjali
Abdel -Kader (Maghreb); Mohamed Hafiz Bey Ramadan e Ibrahim Youssef
(Egito); Lamine Senghor (África Ocidental Francesa), Jorno Kenyatta (Quê-
nia), assim como J. T. Gumede de I. A. La Guma (África do Sul). Estavam
também presentes membros da Inter -Colonial Union, como Max Bloncoux,
além de Carlos Deambrosis Martins, vindo do Haiti
11
.
Movimentos de defesa dos direitos do homem e do cidadão e organismos
de luta contra a escravidão funcionavam na Europa e em várias colônias da
Africa. Movimentos de origem americana, como a Universal Negro Improve-
ment Association, de Marcus Garvey, fundada em 1917, exerceram influência
em diversas colônias africanas.
Em oposição a estas forças, que trabalhavam pela elevação das condições
sociais e políticas dos grupos colonizados ou oprimidos, propagavam -se dou-
trinas políticas autoritárias e retrógradas do ponto de vista racial, as quais foram
11 GEISS, 1974; PADMORE, 1956 .
666
África sob dominação colonial, 1880-1935
institucionalizadas nos regimes fascista e nazista da Europa e nas autocracias
repressivas das colônias, particularmente nas italianas. Mesmo nos países euro-
peus onde prevaleciam as doutrinas políticas liberais, como a França, o fascismo
e o nazismo encontraram adeptos, e os pontos de vista relativos à situação das
colônias foram afetados por isso. Em geral, os meios capitalistas da indústria e
do comércio europeus continuaram a considerar as colônias como domínios a
preservar a todo custo.
A expressão da política e do nacionalismo africanos
Se o ambiente colonial e internacional era em grande parte uniforme, a
expressão concreta do nacionalismo e da política africana fenômeno bem resu-
mido pela palavra swahili siasa – variava segundo o local, mesmo em territórios
submetidos à mesma autoridade colonial. Isso deriva principalmente do fato de
os territórios coloniais haverem sido obtidos em modalidades e épocas diferen-
tes, de modo que sua experiência do colonialismo não tinha a mesma duração,
nem a mesma natureza. A forma e a intensidade da ão dos nacionalistas
(wanasiasa) nas colônias dependiam de vários fatores: qualidade dos dirigentes,
grau de difusão e de intensidade das influências europeias no domínio das ideias
e das instituições, número e importância dos colonos (brancos) e, finalmente,
ideologias e práticas coloniais.
Em quase todos os casos, os movimentos nacionalistas e a política colonial
correspondente foram conduzidos e dominados pelas novas elites educadas,
que estavam em melhor situação para compreender a cultura política europeia
e, portanto, para reagir de maneira competente aos regimes coloniais, de acordo
com os termos desses mesmos regimes. Essas elites por vezes cooperaram com
membros das elites representativas da autoridade “tradicional”, malgrado cer-
tas tensões. Foi o caso, na Costa do Ouro, da Aborigines Rights Protection
Seciety, bem como na Nigéria meridional, no Marrocos e entre os Gikuyu do
Quênia. Em certos casos, as elites “tradicionais” conservaram a liderança, como
na Líbia e no Marrocos. Muitas vezes, entretanto, como os representantes das
autoridades tradicionais ou as pessoas recrutadas para esse fim eram promovidos
pelos regimes coloniais a instrumentos de controle, o movimento nacionalista
mostrava tendência para acusar as elites tradicionais de cumplicidade e para
atacá -las por isso.
Os partidos políticos e as organizações da juventude eram correias de trans-
missão para as aspirações do nacionalismo africano. Os partidos políticos tive-
667
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
ram papel importante nos poucos países onde havia assembleias legislativas
coloniais. No Egito, a outorga de um parlamento pelos britânicos, que tinham
decretado unilateralmente uma independência de fachada em 1922, permitiu a
organização e o funcionamento de partidos políticos. A situação constitucional
possibilitou que o Partido Wafd, de Sa’d Zaghlul, bem como o Partido Nacio-
nalista contribuíssem poderosamente para a luta pelo restabelecimento total
da independência e da soberania do Egito (ver o capítulo 23). Modificações
de ordem constitucional, embora menos importantes, nas colônias britânicas
da Costa do Ouro favoreceram o aparecimento e o funcionamento efetivo de
partidos políticos. Até então, os esforços do National Congress of British West
Africa haviam sido facilmente frustrados (ver o capítulo 26). Depois disso, o
National Democratic Party, da Nigéria, por exemplo, conseguiu exercer influ-
ência mais perdurável sobre as autoridades coloniais e as populações autóctones.
Da mesma forma, os partidos políticos desempenharam papel importante no
Senegal, onde o General Council, convertido em Colonial Council depois de
1920, proporcionou a eles uma tribuna.
As organizações da juventude, os grupos étnicos, as associações de ex -alunos
e outros movimentos dedicados à conquista das liberdades civis e dos direitos
do homem cumpriram papel insubstituível em todas as colônias, independen-
temente de sua situação constitucional. Essas organizações constituíam uma
força política e social incalculável, em particular nas regiões onde as atividades
políticas declaradas eram proibidas, dada a natureza repressiva da dominação
colonial.
Entre as organizações da juventude que serviram como catalisadores do
movimento nacionalista anticolonial, cujas atividades serão estudadas no capí-
tulo 25 deste volume, incluem -se a Gold Coast Youth Conference, fundada em
1929, a Lagos (mais tarde, Nigéria) Youth Movement, a Young Egypt, a Harry
Thuku’s Young Kikuyu Association, fundada no Quênia em 1921, o Sudan
Graduates’ Congress, os movimentos Jeune Gabonais e Jeunes Tunisiens. Alguns
desses movimentos eram transterritoriais e outros inter -regionais, Estes últimos
compreendiam a North African Star, dirigida por Messali Hadj; o National
Congress of British West Africa, o South Africa Congress e a West African
Students Union, dirigida pelo nigeriano Ladipo Solanke, que recrutava seus
membros em toda a África Ocidental Inglesa.
As organizações sociais que contribuíram para exprimir o nacionalismo
africano e a política anticolonial compreendiam os diversos ramos existentes
na África da Universal Negro Improvement Association, de Marcus Garvey,
fundada na América em 1917, assim como a Nigerian Improvement Associa-
668
África sob dominação colonial, 1880-1935
tion (1920). São de citar, igualmente, organizações como a Líga dos Direitos
do Homem e do Cidadão, no Gabão, a Liga Africana, de Luanda e Lourenço
Marques (atual Maputo), em Angola e Moçambique, a Société Amicale des
Originaires de l’ Afrique Equatoriale Française, de André Matswa, cujos mem-
bros eram de Libreville, Bangui e Brazzaville, a Ligue Universelle pour La
Défense de La Race Negre (1925), dirigida por Tovalou Quenum (Daomé,
atual Benin), o Comité, então Ligue de Défense de La Race Negre, dirigida
por Kouyaté Garang (Sudão francês, atual Mali) e Lamine Senghor (Senegal)
12
.
Havia ainda, em âmbito internacional, o Comité Mondial contre La Guerre et
le Fascisme e os vários congressos pan -africanistas organizados por Sylvester
Williams e William Du Bois. Os sindicatos e os outros movimentos operários
também se converteram em importantes agentes da luta contra o sistema colo-
nial, principalmente após a Segunda Guerra Mundial.
As armas forjadas entre as duas guerras para atacar o sistema colonial eram
múltiplas. As revoltas e rebeliões, tão frequentes durante o período anterior,
tornaram -se cada vez mais raras. Em lugar delas, os nacionalistas trataram de
lançar mão de jornais, livros, panfletos, petições, emigração dos descontentes,
greves, boicotes, boletins de voto, a cátedra e a mesquita. A imprensa contribuiu
poderosamente para difundir as propostas dessas organizações políticas e sociais.
O lento desenvolvimento de uma intelligentsia propiciava a audiência e a clien-
tela que sustentavam um número cada vez maior de jornais e de revistas. Além
dos periódicos editados na África, apreciável número de publicações estrangeiras
servia de veículo à propaganda anticolonialista e anti-imperialista dos movimen-
tos internacionais. As publicações eram diárias, semanais, quinzenais ou mensais,
e outras apareciam quando possível. Muitos desses veículos surgiram antes da
Primeira Guerra Mundial, como al -Liwa, diário de língua árabe fundado em
1900 para difundir as ideias do nacionalismo egípcio, Démocratie du Sénégal
e The Lagos Weekly Record, fundado em 1891. A maior parte, no entanto, data
do período entre as duas guerras, como o Times of Nigeria (1921 -1930), o Daily
Times (fundado em 1926), o Lagos Daity News (1925 -1938), Le Périscope Afri-
cain (Dacar, 1929), L‘Ouest Africain Français (Journal Républicain -Socialiste),
Le Courrier de l’Ouest Africain (Dacar), o African Morning Post, The Gold Coast
Times (Acra), L Action Tunisienne (1932) e La Presse Porto -Novienne, com sutítu-
los e uma parte em yoruba. De entre os jornais publicados em línguas africanas,
além do al -Liwa, egípcio, citamos o Akede Eko , em yoruba (Lagos, a partir de
12 GEISS, 1974; LANGLEY, 1973.
669
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
1932). De fora da África vinham periódicos de inspiração comunista ou pan-
-africanista como Race Nègre, Negro World, La Voix des Nègres, Vox Populi, News
Times and Ethiopia News, Cri des Nègres, African Times and Orient Review, The
Crusader, New York Age e Coloured American. Além de jornais, revistas, peças
de teatro, panfletos e folhetos, muitos livros escritos pelos líderes nacionalistas
criticavam rudemente ou ridicularizavam o sistema colonial.
A imprensa divulgou as atividades nacionalistas e anticolonialistas através
das fronteiras. Nesse particular, ela constituiu uma fonte de constante preocu-
pação para os administradores coloniais, como o provam as leis anti ssedição de
meados dos anos 1930 e os esforços desenvolvidos para amordaçar legalmente
certas publicações. A difusão do rádio tornaria, depois, mais difíceis e menos
eficazes as medidas repressivas tomadas pelas potências coloniais para isolar suas
colônias das influências externas.
Conforme salientamos, o constitucionalismo e o uso da imprensa e do rádio
dependiam da existência de instituições legislativas nas colônias ou da esperança
de poder dispor delas, assim como da existência de um número suficiente de
africanos educados à moda ocidental para aproveitar essas instituições e meios
de expressão. O esquema dos nacionalistas africanos educados à moda ocidental
pressupunha, ainda, a aceitação dos modelos de desenvolvimento político da
Europa Ocidental, os quais não podiam ser apreciados por quem não tivesse tal
experiência. A desigualdade dos níveis de educação era, portanto, uma variável
importante para a expressão do nacionalismo e do anticolonialismo. Como as
potências europeias queriam que as despesas da administração e dos serviços
coloniais fossem assumidas pelas próprias colônias, pouco esforço faziam para
difundir a educação ocidental e criar a infra estrutura necessária ao desenvolvi-
mento político e social. Em várias regiões da África colonizada, no período entre
as duas guerras, as escolas primárias eram ainda poucas e o ensino secundário,
uma raridade. Na África Central Britânica, na África Equatorial Francesa, no
Sudão e nas colônias portuguesas de Angola, Moçambique e Guiné, a educação
secundária era praticamente inacessível antes da Segunda Guerra Mundial.
difícilmente os nacionalistas poderiam adotar o esquema constitucional para
expressar seu anticolonialismo.
É neste contexto que se deve tentar compreender o papel dos movimentos
tradicionalistas (ou nativistas”) e sócio -religiosos durante o período em estudo.
Particularmente importantes como vimos em alguns capítulos anteriores
foram os movimentos messiânicos que expressavam, ao mesmo tempo, as
ideologias autóctones e ideologias inspiradas no cristianismo e no islamismo.
Esses movimentos tinham caráter emancipador, como acontece sempre que uma
670
África sob dominação colonial, 1880-1935
comunidade tem de manifestar descontentamento com relação a suas condições
de vida e seus anseios de regeneração. Representavam uma ideologia antagô-
nica ao colonialismo, na medida em que este constituía a negação da cultura
autóctone e um rebaixamento econômico, social e psicológico da população
colonizada. Como diz Lanternari, “Eles refletem as ansiedades e as esperanças
dos grupos que deles participam com vistas à transformação, súbita e total, de
seu ambiente físico, social e psicológico
13
.
Como exemplos notáveis no período que nos interessa, citemos (certas ati-
vidades desses movimentos foram igualmente examinadas no capítulo 20 deste
volume) o etiopianismo na África meridional e oriental e os movimentos diri-
gidos por pregadores milenaristas na África meridional e central, sobretudo
o Kitawala (African Watch Tower), que tinha numerosos adeptos nas duas
Rodésias e se estendia aos dois Congos (atualmente, Zaire e R. D. do Congo) e
à Niassalândia (atual Malaui), o movimento kimbanguista (fundado no Congo
Belga por Simon Kimbangu, com seguidores no Congo Belga e no Congo
francês, bem como a Mission des Noirs, neokimbanguista, fundada no baixo
Congo por Simon Pierre Mpadi. Também conhecido como khakismo, este
último movimento influenciou as populações do Congo francês e de Oubangui-
-Chari (mais tarde República Centro -Africana). Alguns desses movimentos
eram inspirados pela aceitação do cristianismo, mas estavam decepcionados com
a expressão de religião da igreja oficial das sociedades coloniais. Ansiosos por
defender a África da opressão colonial, os nacionalistas africanos descobriram
uma igreja no mínimo indiferente. Logo se afastaram dela, num espírito muito
semelhante ao da Reforma, que caracterizou o crescimento e a propagação do
cristianismo em numerosas sociedades. A exemplo dos movimentos reforma-
dores da Europa e de outras regiões, as igrejas e os movimentos fundados pelos
nacionalistas africanos tendiam a pôr em prática ideias cristãs, como a fraterni-
dade humana e a unidade dos crentes sem distinção de raça nem de cor, a fim
de fazer cessar a discriminação e a opressão.
O estreito laço entre o espiritual e a situação social e material ressaltava
dos métodos adotados por esses movimentos. Se a religião continuava a ser o
meio de expressão das aspirações africanas, a ação concreta assumia a forma de
recusa a pagar o imposto e agitação social. À imagem dos movimentos fundados
por Kimbangu e Mpadi, Ruben Spartas Mukasa criou, em Uganda, a African
Progressive Association e a Christian Army for the Salvation of Africa. Antigo
13 LANTERNARI, 1974, p. 483.
671
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
soldado dos King’s African Rifles, Mukasa deu expressão ao objetivo unificador
de todos esses movimentos ao prometer trabalhar a todo custo pela redenção
da África. O objetivo político e social era claro quando, ao fundar uma filial da
African Orthodox Church, em Uganda, declarou que essa igreja era “todos os
africanos que pensam corretamente, para os homens que querem ser livres em
sua própria pátria e não tratados sempre como crianças”. A igreja de Mukasa
estendeu -se até o Quênia. Do mesmo gênero eram a Last Church of God and
His Christ, de Jordan Msuma, na Niassalândia, bem como as diversas igrejas
africanas de Aladura, na África ocidental.
O islamismo representava um contrapeso para a ideologia colonial, assim
como uma tribuna para a expressão do messianismo. O Mahdī é, para o muçul-
mano, o que o Messias é para o cristão. O mahdismo fustigou as autoridades
coloniais da África setentrional e ocidental, no Sudão e na Somália. Conforme
já vimos, o sanūsiyya, na Líbia dominada pela Itália, talvez represente o melhor
exemplo da expressão do nacionalismo e do anticolonialismo através do islão. O
pan -islamismo, aspecto religioso de um pan -arabismo de vocação cultural, assim
como a ideia da Salafiya, também desempenhou papel predominante na política
nacionalista e colonial no Egito, no Maghreb e no norte do Sudão anglo -egípcio.
A influência sanusiyya como força anticolonialista estendia -se até certas partes
da África ocidental. Os movimentos islâmicos como o hamalliyya, o tijaniyya e o
mouridiyya constituíam para as autoridades uma ameaça constante à segurança
do sistema colonial.
Esses movimentos islâmicos permitiram estabelecer uma lida ligação
entre adeptos que viviam sob diferentes regimes coloniais. A partir da Primeira
Guerra Mundial, conforme demonstrou Crowder (ver o capítulo 12), a ideolo-
gia pan -islâmica propagada desde a Turquia suscitou às autoridades coloniais
de numerosas partes da África um problema preocupante, ao qual procuraram
enfrentar mediante a troca de informações e a cooperação intercolonial.
Fosse qual fosse o grau de exposição dos africanos colonizados às influências
ocidentais, os diferentes movimentos culturais formavam uma base comum para
a expressão do nacionalismo africano. falamos da capacidade de resistência das
culturas e das instituições africanas, que mantiveram todo o seu significado para
as populações colonizadas. Até mesmo os integrantes mais ocidentalizados das
elites cultas tinham de enfrentar a realidade de sua africanidade essencial, qual-
quer que fosse seu grau de aculturação. Na sua maior parte, os já mencionados
movimentos da juventude e que serão estudados mais adiante compreen-
diam o quanto a cultura africana era importante para preservar sua identidade
contra as invasões europeias pelo canal escolar. As diversas associações gikuyu
672
África sob dominação colonial, 1880-1935
são exemplos disso. O mesmo se pode dizer dos movimentos pan-africanistas
e do conceito bastante fluido de negritude”, surgido, como vimos no capítulo
anterior, em começos dos anos de 1930, e dos movimentos ditos nativistas” e
religiosos” mencionados.
Todas essas expressões de nacionalismo e anticolonialismo constituíam a
antítese da relação dialética entre europeus colonizadores e africanos coloniza-
dos. A reação dos regimes coloniais, que, regra geral, procuravam reassegurar o
seu domínio pela força e pela lei, era compreensível, uma vez que na Europa, por
então, afirmavam -se as autocracias e as tendências autoritárias. Mas os regimes
coloniais não eram ameaçados apenas pela oposição dos africanos. A difusão
das ideias e das instituições europeias foi para eles um sério desafio. As tenta-
tivas feitas para limitar a qualidade e a extensão da educação estavam na razão
direta do receio de que o sistema de relações colonial viesse a ser ameaçado pela
educação e pelas ideias políticas e sociais europeias. Foi por isso que a cultura
geral em todos os níveis foi condenada, dando -se preferência às escolas rurais e
profissionalizantes e aos estabelecimentos pós -secundários destinados a formar
técnicos de nível médio, mas não às universidades. Havia que seguir o exemplo
da Índia, onde a difusão do ensino geral contribuiu poderosamente para o desen-
volvimento do nacionalismo e do anticolonialismo. Essa era a justificativa para
a orientação e os programas de estabelecimentos como a Escola William Ponty,
na África Ocidental Francesa, o Yaba Higher College (Nigéria), o Achirnota
College (Costa do Ouro), o Gordons College (Khartum) e o Makerere College,
na África Oriental Britânica
14
.
Mas o esforço desenvolvido para regulamentar a evolão social nas colônias foi
outra fonte de queixas contra o colonialismo, as quais alimentaram os movimentos
nacionalistas. A crise econômica mundial agravou duplamente a situação, ao limitar
os recursos que permitiam aos regimes coloniais viver sem subveões da metró-
pole. A tenncia geral foi reduzir as despesas de serviços e de infra estruturas que
beneficiassem os colonizados, congelando as oportunidades de trabalho sem con-
siderações pelo impacto social do desemprego. Ao mesmo tempo, as exações que
empobreciam as conias tornaram -se mais pesadas com o aumento dos impostos
e com o uso frequente de trabalho barato e forçado, numa situação em que os
agricultores recebiam remuneração cada vez menor por suas matérias -primas e
pagavam cada vez mais caro pelas manufaturas importadas da Europa.
14 OLORUNTIMEHIN,1974, p. 337 -57; ABERNETHY, 1969, p. 79 -88.
673
A política e o nacionalismo africanos, 1919 -1935
Convém, finalmente, indicar que a guerra ítalo -etíope, desencadeada em
1935, com a subsequente ocupação da Etiópia, foi um acontecimento interna-
cional de grande importância, a reforçar o sentimento de alienação dos colo-
nizados, sobretudo os educados, em relação aos regimes coloniais. O estilo da
invasão italiana – o do fascismo e do nazismo em geral – dava ênfase à natureza
racial do colonialismo europeu na África. Quem alimentara esperanças na Liga
das Nações sofreu tremendo desapontamento. O desejo de proteger o orgu-
lho ferido do africano explica o ressurgimento das ideias pan -africanistas e de
ideologias como a da negritude nessa época. Igualmente importantes foram as
de organizações internacionais em prol da independência da Etiópia, país que
simbolizava a esperança do africano educado na independência.
Os jornais e revistas, tanto africanos quanto estrangeiros, serviam natural-
mente como veículos para a transmissão de um nacionalismo anticolonialista
e antieuropeu. Foi para bloquear este desenvolvimento que se tomaram várias
medidas administrativas e legislativas de repressão contra os meios de comu-
nicação de massa, inclusive do rádio, que se expandia devagar. Foram feitos
esforços para impedir ou limitar a circulação de livros, jornais, revistas e apare-
lhos de rádio, mesmo importados das metrópoles coloniais. Em quase todos os
casos, a imprensa local foi rigidamente controlada pela censura e pelas leis de
segurança. Todas essas medidas foram tomadas para facilitar as operações da
administração colonial, que passou a ser caracterizada pela maior intolerância
para com as aspirações nacionalistas e pela supressão das liberdades humanas e
dos direitos civis.
No período entre as duas guerras, o colonialismo e o nacionalismo afri-
cano viveram uma relação dialética. O nacionalismo africano e as atividades
anticoloniais não obtiveram muito êxito, mas causaram alguma preocupação
aos funcionários coloniais. Todas as medidas de repressão tomadas no período
refletem essa preocupação. As reações coloniais ao desafio posto pelo naciona-
lismo africano chegaram à tentativa de manter a África afastada das correntes
gerais do desenvolvimento mundial. Isso não era irrealista e autocontraditório,
como também teve função catalisadora, ao fazer com que o nacionalismo e o
anticolonialismo crescessem como bola de neve, rumo a formas mais profundas
e amplas que, com o impacto da Segunda Guerra Mundial, conduziram ao
movimento de derrocada do sistema colonial.
C A P Í T U L O 2 3
675
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919 -1935
Introdução
No período entre as guerras mundiais, duas formas rivais de nacionalismo
disputaram a supremacia no nordeste da África o nacionalismo laico e o
patriotismo de inspiração religiosa. A herança sempre viva do Mahdi no Sudão
e de Sayyid Muhammad na Somália operou diretamente a fusão da religião
com o sentimento patriótico. No Egito, nesse mesmo período, o nacionalismo
conheceu um processo de secularização. No entanto, mesmo assim o moder-
nismo islâmico e o nacionalismo interagiram no cenário político. Não se pode
esquecer que o nacionalista Sad Zaghlūl, grande figura da vida política egípcia
desde a primeira década subsequente à Primeira Guerra Mundial, foi influen-
ciado por Djamāl al -Dīn al -Afghānī, pan -islamista revolucionário apaixonado,
que se dedicou a “despertar a consciência nacional e a atiçar o descontentamento
no reinado de Ismāīl
1
. É, porém, verdade que o movimento criado por Zaghlūl
era essencialmente patriótico e laico. As ondas de protestos que agitaram o sul
do Sudão também tinham caráter essencialmente laico. No norte do Sudão e na
Somália é que se torna mais difícil distinguir os papéis respectivos do religioso
e do político no decorrer desse período.
1 HOURANI, 1962, p. 108 -9; ver também KEDDIE, 1968.
Política e nacionalismo no
nordeste da África, 1919 -1935
Hassan Ahmed Ibrahim
676
África sob dominação colonial, 1880-1935
À dialética entre religião e laicismo em política veio juntar -se, entre as duas
guerras, uma dialética entre nacionalismo e problemas econômicos. A econo-
mia mundial viria a passar por seus anos mais sombrios. No final da década de
1920, as próprias potências coloniais sofriam o contragolpe de uma crise que
se agravaria até a grande depressão. As colônias do nordeste da África haviam
suportado as pressões econômicas dez ou vinte anos antes que o mundo indus-
trializado fosse atingido em cheio pela grande depressão.
Esses anos foram igualmente assinalados, no nordeste da África, por uma
intensificação do avanço imperialista, ao qual correspondeu nova onda de mili-
tância anti-imperialista. Foram os anos da última fronteira da Europa: novos
territórios foram anexados e consolidou -se a dominação colonial. Era o encer-
ramento das conquistas imperialistas no continente. Ao mesmo tempo, sobrevi-
nham a maré montante da militância anticolonialista dos povos colonizados e o
início de uma organização política efetiva, na luta pela liberdade e a igualdade. Foi
especialmente no Egito que esse movimento se destacou, mas não somente lá.
A Primeira Guerra Mundial contribuiu para suscitar essas contradições.
Dentre todos os países da região, sem dúvida o Egito é o que foi mais direta-
mente afetado pelo conflito. Quando a Turquia entrou na guerra ao lado da Ale-
manha, o Reino Unido aproveitou o pretexto não só para liquidar o que restava
da suserania do império otomano no vale do Nilo, mas também para declarar o
Egito protetorado britânico e instalar ali um novo monarca da sua preferência.
A declaração do protetorado e a própria natureza da nova monarquia tiveram
poderoso efeito catalisador sobre o sentimento nacionalista egípcio. A ocupação
militar de Suez, onde meio milhão de soldados sob comando britânico defendia
o canal, não fez mais que reforçar a nova onda de militantismo.
Os britânicos também consolidaram sua posição no Sudão, o que fez surgir
novas formas de sentimento nacionalista. O imperialismo europeu dava prosse-
guimento à sua expansão territorial na África, mas ao mesmo tempo despertava
os sentimentos patrióticos das populações autóctones. No entanto, importa não
esquecer que, então, o próprio nacionalismo egípcio não se desembaraçara ainda
de suas tendências expansionistas. Os chefes do novo movimento nacionalista do
Egito consideravam o Sudão uma colônia, e reivindicavam a soberania egípcia
sobre esse país.
Tais eram, portanto, as contradições contextuais básicas no nordeste da
África, entre as duas guerras: a dialética entre forças econômicas e forças polí-
ticas, entre religião e nacionalismo, entre a última fronteira do imperialismo e
a nova fronteira do anticolonialismo, entre patriotismo local e expansionismo
local, principalmente nas relações egípcio -sudanesas.
677
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
Examinemos, agora, os acontecimentos de maneira mais profunda, país por
país, tendo em conta o fato de que alguns desses problemas econômicos que
abalaram a África do nordeste durante o período concorreram, em grande parte,
para o estabelecimento de um clima propício à agitação nacionalista e para as
manifestações do ressentimento popular.
Egito
A revolução de 1919
Com o protetorado instituído pela Inglaterra em 1914, os nacionalistas egíp-
cios consideraram de urgente necessidade a criação de um organismo unificado
que representasse a nação no conflito que iria opô -la aos britânicos. Foi essa
a razão pela qual Sad Zaghlūl (fig. 23.1), o eminente dirigente egípcio, junta-
mente com dois colegas, fundou em novembro de 1916 o al -Wafd al -Misrī, ou
Delegação Egípcia.
O Wafd tinha uma concepção militante da mudança. Seus objetivos últimos
eram conquistar a independência total do Egito, garantir a soberania egípcia
sobre o Sudão e abolir as capitulações que outorgavam privilégios especiais aos
estrangeiros residentes no país. Os estatutos do Wafd não mencionavam aber-
tamente estes dois objetivos finais, mas tratava -se de manobra tática para obter
primeiro a independência e, depois, cuidar do restante
2
.
Zaghlūl e seus companheiros representavam não somente a nova elite egíp-
cia administradores, juristas e diversos quadros laicos , mas também um
novo grupo de proprietários de terras. Socialmente, pertenciam a uma classe
de proprietários e profissionais autóctones, relativamente recente, oriunda das
províncias”
3
. O surgimento desta classe era sinal de que a antiga aristocracia
estrangeira turco -egípcia e albanesa tinha de renunciar ao papel prepon-
derante que exercera em detrimento da elite profissional, por muito tempo
alijada.
O Wafd adotou táticas militantes para consolidar a sua autoridade. Distribuía
panfletos, organizava reuniões públicas e obtinha “declarações em boa e devida
forma, assinadas por todas as organizações representativas do país, atestando que
o Wafd era o representante oficial da nação egípcia e único órgão competente
2 RAMADĀN, 1968, p. 431 -2.
3 VATIKIOTIS, 1969, p. 252.
678
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Nacionalismo no Egito: Zaghlūl Pacha (c. 1857-1927) discursa, exigindo a retirada das tropas britânicas (c. 1920). (Foto: Harlingue-Viollet.)
679
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
para negociar o futuro do país
4
”. Além disso, ao se tornar o verdadeiro porta -voz
das queixas e reivindicações populares, conquistou largo apoio em todo o país.
Assim, o Wafd rejeitou vigorosamente a inaceitável e humilhante declaração
mediante a qual o Reino Unido instituiu unilateralmente, em dezembro de 1914,
o protetorado sobre o Egito, considerando -a medida ilegal e somente aplicável
em tempos de guerra. Preconizava que fosse imediatamente abolida, de acordo
com a doutrina de autodeterminação do presidente Woodrow Wilson e com
a promessa feita pelos Aliados de, no fim da guerra, dar liberdade às pequenas
nações.
A crise econômica viria a servir à causa nacionalista. Os múltiplos proble-
mas sociais e econômicos que tinham assolado a sociedade egípcia durante o
conflito mundial disseminaram um sentimento de frustração entre as massas. O
governo britânico havia prometido assumir toda a responsabilidade da guerra,
mas um corpo expedicionário egípcio foi encarregado de defender o canal de
Suez e entrou em ação na Síria e na Palestina. Milhares de camponeses foram
recrutados à força para servir numa unidade aliada de sapadores e cameleiros.
As colheitas de cereais e o gado foram requisitados, sem que os proprietários
recebessem suficiente indenização. O custo de vida disparou, penalizando prin-
cipalmente os funcionários e os trabalhadores não especializados, pois a alta dos
preços não foi acompanhada pelo aumento proporcional dos salários. Os pro-
prietários de terras não conseguiam aproveitar bem a alta do preço do algodão,
pois, para estimular o cultivo de gêneros alimentícios de primeira necessidade, as
autoridades britânicas limitaram a plantação do produto, fixaram -lhe a cotação
e restringiram -lhe a exportação. O Wafd salientou repetidamente a responsabi-
lidade do Reino Unido por essa injustiça, e convenceu os egípcios a juntarem -se
a ele para corrigir a situação. Essa enérgica campanha levou os egípcios de todas
as classes a afastar -se pouco a pouco dos britânicos, até que em 1919 reinava um
estado de descontentamento explosivo em todo o país
5
. A privação econômica
dispunha o cenário para uma resposta política das massas.
A incapacidade do governo britânico em avaliar a força e a amplitude da
nova onda nacionalista e sua arrogante obstinação em querer manter a situação
de protetorado constituíram erros capitais. Mesmo depois, a pertinácia com que
recusou que Husayn Rushdi, primeiro -ministro do tempo de guerra, e Zaghlūl
apresentassem o caso do Egito à Conferência de Paz, em Paris, acrescentou
lenha à fogueira. O mais perigoso dos maus passos dos britânicos, porém, foi a
4 Ibid., p. 255.
5 ELGOOD, 1928, p. 227.
680
África sob dominação colonial, 1880-1935
detenção de Zaghlūl e dois companheiros seus, no dia 8 de março de 1919, e sua
deportação para Malta. Estava ateada a centelha que desencadeou a revolução
de 1919.
A mobilização do Wafd produziu de imediato violentas manifestações e
greves maciças dos trabalhadores em transportes, dos juízes e advogados. Os
alunos da universidade de al -Azhar e das escolas secundárias e técnicas parti-
ciparam ativamente da luta nacionalista. As províncias aderiram rapidamente
ao movimento geral de protesto, e houve tentativas cada vez mais arrojadas de
sabotagem das redes ferroviária e telefônica. O pessoal militar britânico também
foi alvo de numerosos ataques; o mais grave deles foi o assassínio de oito oficiais
e soldados em Deyrūt, no dia 18 de março, no trem que ia de Assuã para o
Cairo. Rapidamente o país ficou paralisado, e a posição do Reino Unido viu -se
gravemente comprometida. O Wafd surgia, então, como único representante da
nação, e Zaghlul dominou a cena política do país até a sua morte, em 1927.
A revolução de 1919 é um acontecimento de considerável importância na
história do Egito moderno. Efetivamente, ela mobilizou pela primeira vez todas
as classes egípcias (camponeses, operários, estudantes, proprietários rurais, inte-
lectuais) e todos os grupos religiosos (coptas e muçulmanos) contra o colonia-
lismo britânico. Os dirigentes da comunidade copta participaram, de fato, em
de igualdade, da tentativa nacionalista para recuperar a independência; alguns
coptas chegaram a ser escolhidos para membros do Comitê Central do Wafd.
Isso significou uma demonstração do novo espírito laico, do mesmo modo como
a participação das mulheres nas manifestações públicas contra o Reino Unido
constituía um fato novo.
Em face do levante nacional, o Reino Unido foi obrigado a inaugurar uma
política de concilião com os nacionalistas. Lorde Allenby, nomeado alto
comissário especial, pôs Zaghlūl e seus companheiros em liberdade e autorizou
que partissem para Paris. O governo britânico constituiu uma missão especial,
presidida por Lorde Milner, secretário de Estado das Colônias, e a incumbiu de
investigar as causas da agitação e definir a constituição mais adequada ao Egito,
sob o regime de protetorado. Malgrado a eficácia da campanha organizada pelo
Wafd para boicotar a missão Milner, as conclusões a que chegou, propondo que
o insatisfatório protetorado fosse substituído por um tratado de aliança nego-
ciado com os nacionalistas, foram um triunfo para o Wafd.
O Reino Unido também foi obrigado a reconhecer o Wafd como porta -voz
da nação. Milner iria ainda mais longe, ao convidar Zaghlūl a visitar Lon-
dres Para conversações oficiosas que desembocaram, em 1920, no memorando
Milner -Zaghlūl. O acordo previa uma aliança ofensiva e defensiva entre os dois
681
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
países, e, desde que as potências capitulares concordassem, os direitos dessas
potências seriam transferidos ao Reino Unido. No entanto, o memorando nada
dizia a respeito do Sudão, que, segundo Milner, a situação desse território
fora definida sem equívocos no acordo sobre o condomínio
6
. As negociações
malograram, com a insistência do Wafd em exigir a independência e a sobera-
nia totais do Egito sobre o Sudão, embora o memorando tenha sido ponto de
partida para todas as negociações posteriores.
A Declaração de Independência, em 28 de fevereiro de 1922, foi o resultado
mais importante da revolução de 1919. Sob a pressão dos nacionalistas, o Reino
Unido aboliu unilateralmente o protetorado e reconheceu a independência do
Egito, com a condição de que o status quo fosse mantido nos seguintes assun-
tos (habitualmente denominados “pontos reservados”), até a conclusão de um
acordo com o Egito: segurança das comunicações com o império, defesa do
Egito, proteção das minorias e dos interesses estrangeiros, Sudão
7
. A indepen-
dência do Egito foi oficialmente declarada em 15 de março de 1922, e o sultão
Fu’ād, que sucedera a Husayn Kamil em 1917, assumiu o título de Fu’ād I, rei do
Egito. Mas, tratava -se de um autêntico exemplo de descolonização? Ou o Reino
Unido estava mais uma vez defendendo as novas fronteiras do império?
A Declaração de Independência deu ao governo egípcio maior liberdade de
movimentos para dirigir os negócios internos e externos. Restaurou o Ministério
das Relações Exteriores, que havia sido suprimido em 1914, permitindo-lhe
manter representações diplomáticas e consulares. Além disso, a Declaração
previa um regime constitucional, objetivo pelo qual os nacionalistas lutavam
desde 1883
8
(fig. 23.2). Sobre essas bases é que foi promulgada a Constituição
de 1923.
Contudo, esse é um lado da história. Em comparação com a sua ideologia
militante, a revolução de 1919 havia conseguido um êxito limitado, tanto
no setor político como no domínio constitucional. A independência outorgada
pela Declaração estava restringida pelos pontos reservados, principalmente pela
reserva que previa o prosseguimento da ocupação militar britânica no Egito.
Além disso, os estrangeiros continuavam a gozar do privilégio de extraterritoria-
lidade, e o acordo sobre o condomínio, ditado pelos britânicos, permanecia em
vigor para providenciar um quadro constitucional à administração do Sudão. De
forma semelhante, a Constituição de 1923 não permitia ao Egito fundamentar
6 MILNER, 1921, p. 24 -34.
7 MARLOWE, 1965.
8 AL -RĀFĪ, 1969, v. I, p. 39 -40.
682
África sob dominação colonial, 1880-1935
 .
O movimento nacionalista no Egito ( 1918-1923): manifestação a favor de Fuād I (c. 1920). (Foto: Harlingue-Viollet.)
683
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
o regime constitucional sobre bases firmes e lidas, pois concedia extensos
poderes à monarquia, sobretudo o de escolher e nomear o primeiro -ministro,
demitir o gabinete e dissolver o parlamento ou adiar as sessões. Essas disposi-
ções ameaçavam a existência da democracia parlamentar antes mesmo que ela
nascesse.
A incapacidade de satisfazer o conjunto das aspirações nacionais devia -se,
principalmente, ao progressivo rompimento da unidade nacional obtida em
1919. Rivalidades pessoais com relação à liderança do Wafd e divergências
sobre a questão da independência conduziram, em 1920, a uma dissensão entre
os moderados de Adlī Yakan e os militantes de Zaghlūl na frente nacional. Os
primeiros achavam que um compromisso com o Reino Unido era inevitável,
dado que os egípcios não haviam conseguido obter apoio internacional para a
sua causa, nem prosseguir a luta por seus próprios meios. Os militantes, por sua
vez, estavam tão irritados com a obstinação do Reino Unido e tão impressiona-
dos com o levante popular de 1919
9
que preconizavam o prosseguimento da luta
até que os britânicos aceitassem todas as reivindicações nacionais. O resultado
da controvérsia foi a trágica divisão do Wafd, e do país como um todo, em dois
grupos rivais: os adeptos de Zaghlūl e os de Adlī Yakan. Consequentemente,
o Wafd tornou -se o partido que representava a maioria dos egípcios, e não um
organismo unificado que falava em nome de toda a nação.
A política colonial do Reino Unido “dividir para reinar” explorou ao
máximo esta cisão nos quadros do Wafd. Aproveitando a manipulação e a decep-
ção, os administradores coloniais incitaram os adeptos de Adlī Yakan a se afas-
tarem dos de Zaghlūl. Allenby neutralizou os últimos, mas acomodou-se com
os moderados e negociou com eles a Declaração de Independência. Zaghlūl
considerou a declaração “um desastre nacional”
10
, mas, apesar da violenta cam-
panha de protesto organizada pelo Wafd, a declaração delimitava as fronteiras
provisórias do império.
A era das negociações, 1924 ‑1935
No período posterior ao da declaração de independência, a luta naciona-
lista voltou -se predominantemente para a abolição dos pontos reservados”, por
meio de um acordo negociado com o Reino Unido. Houve quatro negociações
entre 1924 e 1935: as negociações MacDonald -Zaghlūl em 1924, Tharwat-
9 A Conferência de Paz de Paris reconheceu, em maio de 1919, o protetorado britânico sobre o Egito.
10 AL -RĀFĪ, 1969, v. I, p. 135.
684
África sob dominação colonial, 1880-1935
-Chamberlain em 1927, Mahmud -Henderson em 1929 e Nahhas -Henderson
em 1930
11
. Todas, contudo, malograram, pois o Reino Unido se recusava a
qualquer concessão capaz de enfraquecer o regime de ocupação no Egito ou de
modificar o status quo no Sudão. Essa intransigência estava estreitamente ligada
ao papel cada vez mais importante, de inspiração britânica, se não criado por
eles, do Palácio como centro de oposição ao Wafd.
O Reino Unido trouxe Fu’ād de volta ao poder em 1922 para amortecer
os atritos com o Wafd extremista e para concretizar as suas esperanças. Fu’ād,
autócrata ambicioso, tinha apoiado o movimento de independência dirigido pelo
Wafd em 1919, mas esperava controlá -lo e utilizá -lo para seus próprios fins,
como instrumento que contribuísse para aumentar seu prestígio e seu poder
12
.
Mas, compreendendo logo que Zaghlūl seguia uma via independente, acusou -o
de procurar subverter a monarquia e declarar a república no Egito. Daí resul-
tou profunda inimizade entre o monarca e o Wafd, que caracterizou a política
egípcia até 1952. O Reino Unido estimulava essa hostilidade, e a explorou em
benefício de seus interesses imperialistas.
Para impedir o acesso do Wafd ao poder, Fu’ād suspendeu por três vezes em
menos de sete anos 1924, 1928 e 1930 a Constituição de 1923, nomeando
sempre um primeiro -ministro de sua preferência. Quando do golpe de Estado
constitucional de 1930, o primeiro -ministro nomeado pelo Palácio, Ismā’īl Sidkī,
substituiu a Constituição de 1923 por outra menos democrática. O principal
objetivo da nova legislação eleitoral consistia em manter o Wafd fora do poder
13
.
No decorrer da maior parte dos cinco anos seguintes, o Egito teve, de fato,
governos antiwafdistas. Essas frequentes ingerências no sistema constitucional
impediam que o regime parlamentar e suas respectivas instituições se implan-
tassem na vida política do país.
Os diversos governos que administraram o Egito antes de 1935, particular-
mente o de Sidkī, em 1930 -1933, tomaram medidas de repressão contra o Wafd.
Os dirigentes do movimento foram presos, seus jornais proibidos e seus corre-
ligionários demitidos dos postos que ocupavam no governo e na administração.
Além de endossarem essas medidas extremas, os administradores coloniais toma-
ram, ocasionalmente, medidas diretas para humilhar o Wafd. Por exemplo, não
permitiram por duas vezes, em 1924 e 1926, que Zaghlūl assumisse o cargo de
primeiro -ministro, muito embora seu partido tivesse maioria no parlamento.
11 IBRĀHĪM, H. A., 1976, p. 15 -6.
12 KEDOURIE (org.), 1970, p. 90 -1.
13 TWEEDY, 1931, p. 198.
685
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
Essa campanha repressiva redundou no gradual declínio da popularidade
do Wafd e na desagregação de sua unidade. Descontente com o que qualificava
de “direção pouco esclarecida
14
de Nahhās, sucessor de Zaghlūl, um grupo de
dirigentes do Wafd abandonou o partido em 1932. Menos capazes e menos
desejosos de enfrentar o colonialismo, os líderes do Wafd decidiram, então,
por maioria, por volta de 1935, ganhar mais forças contra o Palácio fazendo
um acordo com o Reino Unido
15
. Para atingir esse objetivo, não podiam senão
transigir sobre as reivindicações nacionais. Essa fraqueza resultou na conclusão
do tratado de 1936, que legalizava a ocupação britânica no Egito e mantinha
no Sudão a administração dominada pelo Reino Unido.
Sudão
Na esteira da Primeira Guerra Mundial, a resistência sudanesa ao regime
colonial britânico manifestou -se por meio de diversas atividades e sentimentos.
A elite intelectual, os madhistas e os nacionalistas religiosos organizaram a
oposição no norte do Sudão, enquanto no sul os movimentos de protesto eram
de natureza predominantemente local.
Movimentos de protesto da juventude
A emergente elite intelectual desempenhou papel notável na evolução da
política sudanesa, no decurso do período 1919 -1925. Essa elite era fundamen-
talmente composta por estudantes e diplomados do Gordon Memorial College
e do Military College de Khartum (ver fig. 23.3). Eles constituíram associações
próprias, por intermédio das quais desenvolveram ativa campanha política con-
tra o colonialismo. Uma das primeiras associações de “jovens” foi o Graduates
Club of Omdurman (Clube dos Diplomados de Omdurman), fundado em 1918.
No entanto, nos anos imediatamente posteriores à guerra, foram criadas duas
associações clandestinas de caráter mais político: a League of Sudanese Union,
LSU (Liga de União Sudanesa), em 1919, e, mais importante ainda, a White
Flag League, WFL (Liga da Bandeira Branca), fundada em maio de 1924 por
Alī ‘Abd al -Latīf, o mais destacado líder nacionalista da época.
14 MARSOT, 1977, p. 139.
15 IBRĀHĪM, H. A., 1976, p. 24 -5.
686
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . O University College de Khartum, em 1953. Ao fundo, distingue-se o Gordon Memorial College. (Foto: Ministério dos Negócios Sociais do
Sudão.)
687
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
Muitos autores britânicos minimizam o movimento nacionalista sudanês
de começos dos anos 1920, sustentando que não era representativo e que seus
adeptos não passavam de agentes e lacaios do Egito. No entanto, trabalhos
recentes de especialistas sudaneses estabeleceram que, embora estreitamente
ligado ao Egito no plano tático, cultural e ideológico, o movimento era de
origens bem locais e tinha como principal objetivo a abolição do regime colo-
nial britânico. Tanto o programa da LSU como o da WFL davam prioridade
ao término da escravidão imposta pelo senhor colonial”. A autenticidade do
movimento é melhor avaliada à luz do telegrama que Alī Abd al -Latīf e três de
seus companheiros enviaram ao governador -geral, a 15 de maio de 1924. Esse
importante documento fala explicitamente de uma nação sudanesa e do direito
à autodeterminação, descartando as pretensões do Reino Unido e do Egito a
quererem decidir sozinhos o futuro do Sudão
16
.
O apelo à unidade com o Egito lançado pelos nacionalistas constituía,
aparentemente, mais um lema político do que um princípio nacionalista. Era
sobretudo expressão de uma política de oportunismo, calculada para obter a
simpatia e o apoio do Egito, também em via de travar uma luta nacional. Além
disso, o lema da unidade impôs -se aos nacionalistas pela recusa do Reino Unido
a conceder o direito à autodeterminação e pela política de se servir dos dirigen-
tes locais e religiosos para perpetuar a sua dominação. Desse ponto de vista, o
conceito de unidade era para os nacionalistas o melhor meio, ou seja, o único,
de conseguir uma certa margem de manobra e a possibilidade de adotar uma
contra -estratégia
17
. Uma vez que o Reino Unido, inimigo comum, tivesse sido
expulso do Sudão, os nacionalistas esperavam persuadir o Egito a também deixar
o território sudanês. O lema o Sudão para os sudaneses”, lançado pelos dirigentes
tradicionais e conservadores, era rejeitado pelos intelectuais, que o consideravam
um ardil de inspiração britânica para excluir o Egito e dominar o Sudão.
A exemplo do Wafd, os nacionalistas sudaneses tornaram -se os teóricos
e porta -vozes das reivindicações locais, elaborando, assim, uma ideologia de
oposição à dominação estrangeira. Apoiados não em motivos religiosos, mas em
reivindicações econômicas e políticas, não perdiam ocasião de enfatizar a capa-
cidade e o estrangeirismo do colonizador. As “Reivindicações da Nação”, que
Abd al -Latīf redigiu para al -Hadāra em 1922, eram inteiramente constituídas
por críticas ao governo.
16 Para a tradução ocial desse telegrama, ver ABDIN, 1970, p. 48 -9.
17 Ibid., p. 4.
688
África sob dominação colonial, 1880-1935
Inicialmente, panfletos expedidos pelo correio para todos os cantos foram a
principal técnica empregada pelos nacionalistas para a difusão de suas ideias e
propaganda. Em novembro de 1920, um “conselheiro fiel dirigiu a centenas de
pessoas de todo o país uma famosa circular na qual denunciava a tática do ‘divi-
dir para reinar’ que os britânicos empregavam no Egito e no Sudão, e exortava
as duas nações a se unirem contra o colonialismo britânico
18
. Esses panfletos
foram também afixados em lugares públicos e distribuídos nas ruas. Além disso,
de vez em quando os nacionalistas conseguiam passar clandestinamente alguns
documentos para que fossem publicados na imprensa egípcia amiga, e organi-
zavam festivais de literatura e de teatro.
Em 1923, porém, esses métodos ineficazes de propaganda clandestina foram
abandonados em favor de uma tática mais revolucionária. Os nacionalistas acre-
ditavam que um confronto aberto com o regime colonial britânico seria a melhor
maneira de ampliar a base nacionalista e o apoio popular aos seus ideais. Em
seu militantismo, pareciam querer seguir conscientemente o exemplo do Wafd
no Egito
19
. A exemplo do que ocorreu na Índia, também apelavam, ignorando
os funcionários coloniais de Khartum, para a opinião pública liberal do Reino
Unido, no sentido de que ela apoiasse as reivindicações do Sudão tendo em vista
a autodeterminação.
Essa mudança de orientação e de tática política produziu violenta agitação
política em Khartum e em outras capitais e cidades da província, em 1924. A
White Flag League organizou manifestações e levantes em Atbara, Port Sudan,
al -‘Obeyd e Shendī, sobretudo após a detenção de seu presidente, Abd al -Latīf,
e de dois de seus companheiros, no mês de julho (ver fig. 23.1). Foram prin-
cipalmente as tendências laicas do nacionalismo sudanês que se expressaram
nessas manifestações.
Os militares sudaneses eram particularmente receptivos às ideias e à propa-
ganda da White Flag League. Os cadetes foram incentivados a fazer manifes-
tações em certas vilas do norte e do sul. Os alunos da escola militar de Khartum
desfilavam pelas ruas com armas e munições.
Os oficiais sudaneses, muitos deles de origem Dinka, pegaram em armas
contra o colonialismo britânico. Planejaram e executaram a importante revolta
militar de novembro de 1924 em Khartum. O principal objetivo político da
revolta era prestar solidariedade e camaradagem aos batalhões egípcios que iam
18 ABD AL -RAHIM, 1969, p. 102 -3.
19 ABDIN, 1970, p. 64.
689
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
de partida
20
. Os soldados sudaneses abandonaram as casernas para se juntar às
unidades egípcias no bairro norte de Khartum, e não é impossível que tenham
cogitado de um golpe de Estado, em combinação com as tropas egípcias.
Mas os soldados britânicos abriram fogo contra eles en route. Daí resultou
encarniçado combate, que prosseguiu durante toda a tarde e a noite de 27 para
28 de novembro e custou a vida de mais de uma dezena de soldados sudanes
es
.
Três soldados foram levados a conselho de guerra e executados; os demais par-
ticipantes foram condenados a severas penas de prisão.
O completo fracasso da revolta marcou o início de uma década em que a
inteligentsia se manteve tranquila, cuidando das feridas dos anos passados e repen-
sando os planos e métodos a adotar no futuro”. politicamente, esses anos foram
assinalados pelo desencanto e pela esterilidade. A hostilidade do regime colonial
e sua determinação em suprimir toda ação política aberta forçaram os intelectuais
a se voltarem para atividades literárias, religiosas e sociais, consideradas como
saída e meio de reagrupamento
21
. Formaram pequenos grupos de estudos em
diversas cidades e fundaram vários jornais e revistas, que tiveram vida efêmera,
mas animada, que comprova ‘‘a vitalidade e a seriedade dessa geração
22
. O folclore
do período, principalmente na poesia, exprime os rancores e a amargura que a
arrogância e o autoritarismo dos funcionários britânicos suscitavam.
O primeiro movimento nacionalista do início da década de 1920 não foi,
portanto, bem -sucedido, e a principal razão disso foi a falta de apoio das massas,
que ele não procurou nem desejou aliar -se às forças locais e religiosas, únicas a
contar com apoio popular no país. Não obstante, foi um movimento importante,
pois surgiu mais cedo que os movimentos nacionalistas de outros territórios
dependentes da África tropical. Além disso, o seu conteúdo ideológico sobre-
viveu a uma década de apatia política: seu principal lema político Unidade
do Vale do Nilo foi retomado na década de 1940 pelo Ashika e por outros
partidos unionistas.
Resistência mahdista ao regime colonial
O mahdismo foi uma das primeiras armas utilizadas pelos sudaneses na luta
anticolonialista que se desenrolou nos centros provinciais das redondezas de
20 O Reino Unido usou o pretexto do assassínio de sir Lee Stack no Cairo para exigir, entre outras coisas,
a retirada imediata das tropas egípcias do Sudão.
21 ABDIN, 1970, p. 98.
22 ABD ALRAHIM, 1969, p. 113.
690
África sob dominação colonial, 1880-1935
Khartum. Tanto os militantes como os neomahdistas fizeram, à sua maneira,
oposição ao regime colonial no decurso do período.
Levantes mahdistas
Durante a primeira geração do regime de condonio (1899 -1955) raros foram
os anos em que o houve um levante mahdista contra o colonialismo. Embora
nas zonas sedentárias do Sudão essa onda de movimentos milenaristas acabasse
morrendo pouco a pouco, os mahdistas continuaram ativos na província de Dārfūr
(ver fig. 24.1). Muitos deles, investidos como profetas messiânicos, declararam a
guerra santa (djihād) contra o regime britânico dosinfiéis”. O mais importante
deles foi o faAbdullāh al -Sihaynī, chefe da revolta de Nyāla (1921).
Como as que a tinham precedido, a revolta de Nyāla visava abolir o regime
colonial dos infiéis” e restaurar o glorioso” movimento Mahdiyya no Sudão.
Além desse motivo fundamentalmente religioso, a imposição de uma admi-
nistração colonial centralizada, a elevação do tributo sobre o gado e sobre o
dízimo” (ushūr) constituíram outros fatores que incitaram os habitantes de
Dārfūr a aderir à revolta
23
.
Sob o comando de al -Sihaynī, um destacamento com aproximadamente 5
mil homens atacou o forte e o mercado de Nyāla em 26 de setembro de 1921.
Tomaram o forte e atearam fogo a uma construção vizinha. Al -Sihaynī lançou
um segundo ataque, durante a qual ele poderia ter derrotado o inimigo, se não
tivesse sido gravemente ferido. Do embate resultaram 43 mortos e 21 feridos do
lado das forças coloniais, e no mínimo 600 mortos do lado sudanês.
Al -Sihaynī foi enforcado em praça pública no dia 4 de outubro, mas os seus
partidários prosseguiram a luta. Reuniram efetivos de mais ou menos 5 mil
homens a uns 80 quilômetros de Nyāla. Em face do aspecto perigoso que os
acontecimentos assumiam, os administradores coloniais enviaram uma impor-
tante expedição punitiva que percorreu o Dārfūr meridional. Esses soldados
detiveram muita gente, queimaram casas, confiscaram gado e bens. Em maio de
1922, o período de resistência chegava ao fim em Dar Masalīt.
A revolta de Nyāla foi com certeza a mais importante que ocorreu no Sudão
antes de 1924. Ao contrário dos movimentos mahdistas anteriores, ela “quase
chegou a atingir o objetivo imediato que parecia visar” e “reavivou plenamente
o velho temor de uma grande revolta de inspiração religiosa
24
. O levante não
23 IBRĀHĪM, 1979, p. 459 -60.
24 DALY, 1977, p. 144.
691
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
logrou pôr fim à dominação colonial, mas, no entanto, seu êxito parcial foi
tomado como advertência.
O neomahdismo
Desde 1914, Sayyid Abd al -Rahmān, filho póstumo do Mahdī, acreditava
que o fanatismo não funcionava e que a cooperação com os britânicos, com
base no lema “O Sudão para os sudaneses”, serviria melhor aos interesses da
nação sudanesa e da seita mahdista. Este respeito pelas vias constitucionais
não tinha verdadeiramente o tom da sinceridade, mas era, de fato, ditado pelas
realidades políticas. Efetivamente, al -Sayyid não alimentava ilusões: qualquer
levante armado não podia levar senão à aniquilação total.
De maneira semelhante, al -Sayyid era inteligente o bastante para compre-
ender que qualquer agitação política e religiosa exigia recursos financeiros. Tra-
tou, portanto, de desenvolver suas atividades agrícolas e comerciais, chegando
a tornar -se, em 1935, grande proprietário rural e rico capitalista. Em vez de
encontrar na riqueza um meio de satisfazer suas ambições, porém, conforme
esperavam ingenuamente os administradores coloniais,Abd al -Rahmān a usou
para consolidar a organização Ansār. Graças a manobras hábeis e a um combate
sem descanso, soube contornar as proibições coloniais, consolidar sua influên-
cia nos centros mahdistas tradicionais do ocidente, encontrar novos adeptos e
ampliar sua influência. Verificando que, no leste, o nacionalismo político come-
çava a suplantar a religião como principal força motriz, al -Sayyid dedicou -se,
na década de 1930, a obter o apoio dos intelectuais
25
.
Em 1935, o neomahdismo se convertera em uma importante força política
anticolonialista. A unidade que conseguira estabelecer entre um considerável
setor da intelectualidade, de um lado, e os elementos tradicionais e religiosos, de
outro, esteve na origem da Frente da Independência, que exerceu forte atração
sobre os nacionalistas na década de 1950. Essa frente desempenhou papel de
importância excepcional na conquista da independência, em 1956.
Movimentos locais de protesto no sul do Sudão
As populações africanas do sul do Sudão continuaram combatendo o regime
colonial britânico no decorrer deste período. A resistência apresentava três gran-
des características: nem sempre se tratava, sequer na maior parte dos casos,
25 IBRĀHĪM, 1977.
692
África sob dominação colonial, 1880-1935
de reação a uma flagrante opressão administrativa; o objetivo consistia mais
em eliminar o colonialismo britânico nessa região da África; ampliava -se para
grupos cuja atitude anterior, conquanto distante e duvidosa, não havia sido sis-
tematicamente hostil à dominação colonial. O movimento ganhou, sobretudo,
considerável amplitude, pois os Dinka e os Nuer, os maiores grupos étnicos da
região, desempenharam nele papel particularmente ativo. Calaram os costumei-
ros antagonismos locais e se concentraram na resistência, sob a direção de chefes
surgidos em circunstâncias excepcionais (alguns deles, chefes religiosos), muitas
vezes profetas” carismáticos. Essa grande onda de resistência foi marcada por
dois levantes que merecem atenção: o de Aliab Dinka (1919 -1920) e a revolta
dos Dinka (1927 -1928). As tradições religiosas africanas deram coloração parti-
cular a tais revoltas. Os Aliab Dinka revoltaram -se abertamente em 1919, tanto
por se sentirem abandonados quanto por se verem oprimidos.
A causa imediata do primeiro levante foram as malversações do ma ‘mūr, o
administrador colonial de que os Aliab dependiam diretamente, principalmente
o costume que ele tinha de se apropriar das mulheres e do gado. O levante parece
ter feito parte de um plano de conjunto, do qual participavam outras populações
sudanesas do sul
26
. Foi com muita dificuldade que os Bor Dinka foram impedi-
dos de se revoltar em apoio aos Aliab, mas os Mandari, população que não era
de origem Dinka, aderiram efetivamente a eles
27
.
O levante dos Aliab Dinka começou em 30 de outubro de 1919, quando um
destacamento de uns 3 mil homens atacou a esquadra de polícia de Minkam-
man, ao sul do rio Sobat. A esquadra foi tomada de assalto pelos Aliab, mas o
ma mūr conseguiu escapar. Dois dias depois, um grupo de Mandari penetrou no
entreposto (zarība) dos operários que estavam instalando linhas telegráficas em
Mulla, matou três pessoas e fugiu, levando -lhes os fuzis. Em 2 de novembro, os
Aliab agiram de novo, atacando um abrigo e matando dois policiais
28
. O assalto
dos Dinka acabou por ser repelido, mas a campanha militar revelou -se muito
cara para a administração colonial: alguns funcionários e inúmeros policiais
morreram no campo de batalha.
Nesta crise da história dos Dinka, as populações encontraram um chefe
prestigioso na figura de Bul Yol, mais conhecido pelo apelido de Ariendit. Habi-
líssimo na criação de organizações políticas, o profeta Ariendit mobilizou, em
1921, as populações Dinka contra o colonialismo. Seu programa era simples e
26 MAWUT, 1978, p. 80.
27 SANDERSON, 1980, p. 4 -5.
28 COLLINS, 1967, p. 77.
693
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
revolucionário: acabar com o colonialismo – de fato, obter a independência dos
Dinka
29
. Os partidários de Ariendit lançaram diversos ataques contra posições
coloniais, mas foram dispersos entre fevereiro e março de 1922.
Os povos Nuer também opuseram forte resistência ao colonialismo na
região sul. Sucederam -se expedições punitivas das tropas britânicas, mas eles
não aceitavam a derrota. A seu ver, tinham perdido algumas batalhas, mas não
a guerra. No entanto, a revolta dos Nuer (1927 -1928) marcou o apogeu da sua
resistência.
Sob a direção do profeta Garluark, que gozava de poder e prestígio conside-
ráveis, os Nuer ocidentais se recusaram a obedecer às ordens da administração.
Quando Fergusson, comissário do distrito de Nuerland ocidental, chegou ao
lago Jorr, em viagem de inspeção, em dezembro de 1927, uma multidão de
milhares e milhares de guerreiros Nuer atacou a sua escolta. Fergusso foi morto,
juntamente com outras 18 pessoas do seu séquito, enquanto o resto da missão
de inspeção, em pânico, conseguia escapar.
No mesmo momento, os Nuer da região de Lou, a sul do rio Sobat, rebela-
vam-se contra o colonialismo. Seu influente chefe, o profeta Gwek Ngundeng,
recusava -se a ver funcionários coloniais, inclusive o próprio governador -geral.
Ngundeng enviou emissários a toda a região dos Lou e preveniu os grupos de
Nuer vizinhos para que se preparassem para a guerra contra os “turcos”
30
. Cons-
cientes de que Ngundeng podia atacar a qualquer momento, os funcionários
coloniais tomaram rigorosas medidas para destruir o movimento.
A cega e feroz violência com que os levantes foram reprimidos acarretou
consideráveis perdas humanas e materiais. No entanto, a valente resistência dos
Dinka e dos Nuer convenceu os colonialistas britânicos de que a violência por
si só era inócua. Foram obrigados a inaugurar, no início da década de 1930, uma
política mais conciliadora e mais “humana” para com as populações do Sudão
meridional.
Somália
O povo Somali já tinha há muito tempo, profundamente arraigado, o senti-
mento da nacionalidade somali, sentimento acentuado por uma cultura nacio-
29 SANDERSON, 1980, p. 22.
30 DIGERNES, 1978, p. 88.
694
África sob dominação colonial, 1880-1935
nal quase uniforme e reforçado por fortíssima adesão ao islão
31
. Tal como seus
antecessores e sucessores, os nacionalistas somali apelaram, no período entre
as duas guerras, para esse sentimento de identidade nacional na luta contra os
imperialismos italiano, britânico e francês no conjunto do território da Somália
(ver fig. 23.1).
Além desse fator fundamental, outras forças intervieram, estas vinculadas às
inovações sociais que o colonialismo havia introduzido no contexto da socie-
dade somali. As potências coloniais haviam, de fato, destruído as instituições
sociais e políticas tradicionais dos Somali e imposto as suas. Implantaram, em
todas as regiões do país, um sistema de administração centralizada, onde todos
os poderes efetivos eram devolvidos aos administradores coloniais, ficando os
Somali sem qualquer responsabilidade, a não ser em postos bastante subalter-
nos. Os chefes designados pela administração colonial, conhecidos como akils
no protetorado britânico e capos na Somália sob domínio italiano, tinham papel
meramente consultivo e serviam para transmitir as diretrizes coloniais à popu-
lação. Era um sistema bem diferente das instituições locais, tradicionalmente
autônomas, bem como do nomadismo, ao qual estavam muito ligados os Somali,
na sua esmagadora maioria. Com orgulhoso sentido de independência e desdém
atávico por todos os elementos estrangeiros, sobretudo pelos cristãos de raça
branca, os Somali não podiam deixar de opor -se a essas inovações radicais.
Antes da era colonial, os Somali não estavam sujeitos a qualquer imposto
governamental, além do foro do cádi e das taxas de importação e exportação.
Mas as potências coloniais fizeram campanha para mobilizar e explorar todos
os recursos dos Somali recursos humanos e materiais –, por intermédio dos
chefes nomeados, os quais não tinham a menor consideração pelas autoridades
tradicionais. Impostos diretos foram instituídos pela primeira vez, sob a forma
de imposto anual sobre as palhotas na Somália italiana e sobre o gado no pro-
tetorado britânico. Além disso, a mão de obra somali era recrutada à força para
empresas coloniais. Os franceses recrutaram 2 mil Somali como trabalhadores
braçais durante a Primeira Guerra Mundial, dos quais 400 morreram e 1200
ficaram feridos
32
. Os administradores italianos faziam frequentes razias para
conseguir a mão de obra necessária a suas plantações da Somália. Os traba-
lhadores assim arregimentados eram reunidos de acordo com a origem étnica
ou tribal, e obrigados a viver em aldeamentos coloniais, nos consórcios. Todos
31 LEWIS, I. M., 1963, p. 147.
32 THOMPSON e ADLOFF, 1968, p. 10.
695
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
esses sofrimentos e explorações provocaram um ressentimento geral contra o
colonialismo.
A resistência dos Somali à dominação colonial durante o período 1919 -1935
foi, assim, uma resposta direta a essas mudanças sociais. Ele se expressou através
de dois tipos de movimento de protesto: movimentos locais e movimentos da
elite.
Movimentos de protesto locais
De modo geral, a resistência somali no período entre as duas guerras, nas
colônias europeias e no Ogaden ocupado pelos etíopes, teve caráter local e nunca
mobilizou o conjunto da população, essencialmente porque os Somali não cons-
tituíam entidade política autônoma. Ao contrário, estavam divididos em diversos
clãs bastante vastos, muitas vezes inimigos, por sua vez “subdivididos em uma
grande variedade de grupos reunidos em torno de um rei”, cada qual formado
apenas por alguns milhares de homens
33
.
Os levantes locais foram muito numerosos e diversos para serem aqui exami-
nados, mas o estudo de alguns deles nos permitirá captar -lhes o sentido.
Quando os administradores coloniais deram a todos os chefes e anciãos
somali a ordem de entregar suas armas de fogo e munições, Hādji Hasan, da
tribo dos Galjal Haya, recusou -se categoricamente e replicou em tom de desafio
ao comissário regional:
Não aceito a sua ordem. Não nos entenderemos consigo de forma alguma, pois vocês
romperam o nosso pacto [...] O governo tem a sua lei e nós temos a nossa. Não
aceitamos ordens senão dos nossos. Nossa lei é a lei de Deus e a do Profeta [...] Se
penetrarem em nosso país para fazer a guerra, nós os combateremos por todos os
meios [...] Deus disse: Um pequeno número pode vencer a multidão. O mundo está
perto do fim: faltam apenas 58 anos [...] Não queremos ficar neste mundo, é melhor
morrer seguindo a lei muçulmana. Todos os muçulmanos estão unidos
34
.
Hādji Hasan foi capturado, mas o espírito da resistência não foi reprimido,
pois os povos Eile, de etnia Bantu, rebelaram -se, por sua vez, perto de Bur
Acuba.
Entretanto, o imperialismo continuava em expansão. A resistência que os ita-
lianos enfrentaram ao tentar integrar à sua colônia as duas províncias setentrio-
33 LEWIS, I. M., 1963, p. 147.
34 Citado por HESS, 1966, p. 151.
696
África sob dominação colonial, 1880-1935
nais de Obbia e de Midjurtayn também prova que os Somali estavam decididos
a preservar as tradições e a liberdade que caracterizavam a sua sociedade. Yūsuf
Alī Kenadid, sultão de Obbia, estabeleceu contato com o sultão de Midjurtayn
na tentativa de compor uma frente unida contra os invasores, mas dissensões
locais impediram a coligação.
Obbia foi anexada em 1925, e os italianos exilaram Yūsuf em Mogadíscio
35
.
Houve, porém, um audacioso levante em al -Bur, sob o comando de ‘Umar
Samatar, membro do clã dos Midjurtayn, designado pelos italianos como chefe
da população local. Samatar tomou o forte de al -Bur e entrincheirou as suas for-
ças no edifício central. As forças italianas que o cercaram foram, então, atacadas
pela população das redondezas, à frente da qual se encontrava Herzi Gushan,
comandante militar do distrito do sultão Alī Yūsuf. A 15 de novembro, as forças
coloniais retiraram -se para Bud Bud, abandonando 38 mortos, entre os quais o
próprio residente italiano. A 30 de novembro, os italianos foram mais uma vez
vencidos em uma emboscada, em Bot
36
. Samatar e alguns de seus partidários
cruzaram a fronteira para entrar na Etiópia, onde fizeram campanha contra a
infiltração italiana em Ogaden e atacaram postos fronteiriços.
Os italianos tiveram de enfrentar resistência ainda mais encarniçada no sul-
tanato de Midjurtayn. O célebre sultão de Midjurtayn, ‘Uthman Mahmud, recu-
sou a posição subalterna que os colonialistas lhe atribuíram, assim como a seu
povo. Apesar da repressão colonial, seu movimento continuou a ganhar forças e
fez frente ao invasor durante aproximadamente dois anos. Foi, no entanto, preso
em fins de 1927 e tratado da mesma forma como seu parente Yūsuf
37
, mas a luta
continuou sob o comando de seu filho e herdeiro presuntivo Herzi Bogor.
Apoiado pelos chefes tradicionais, que preconizavam a guerra total, Herzi
atacou as bases italianas de Ras Hafun e expulsou uma guarnição italiana de
Hordio, no início de dezembro de 1925. Seis semanas mais tarde, outro grande
ataque ameaçou as instalações italianas do cabo Guardafui. Herzi lançou outro
audacioso assalto contra Eil, na foz do Nogal
38
. Os colonialistas reagiram mais
uma vez da forma previsível: fazendo prisões e deportando líderes. Herzi partiu
para a Etiópia, mas voltou muitos anos depois para Mogadíscio, onde morreu
de varíola.
35 ISA, 1965, p. 172.
36 HESS, 1966, p. 154.
37 LEWIS, I. M., 1965, p. 99.
38 HESS, 1966, p. 155.
697
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
Entretanto, a memória sempre presente da revolta de Sayyid Muhammad
consolidou o espírito de resistência no coração de inúmeros Somali do prote-
torado. Eles prosseguiram na sua ação, sempre dispostos a fustigar o regime
colonial quando o sentiam enfraquecido. Alguns partidários de Mulla, como
Farah ‘Umar e Hādjdj Bashīr Yūsuf, continuaram a luta
39
. Além disso, levantes
locais foram muitas vezes organizados contra os britânicos, principalmente
no oeste e nas fronteiras orientais. Certos dirigentes religiosos consideravam
que a inovação representada pela educação ocidental no protetorado servia aos
missionários cristãos e constituía, portanto, ameaça para o islão. As tentativas
feitas em 1920 e 1935 para desenvolver esse tipo de ensino suscitaram violenta
oposição, que, afinal, se traduziu em dois tumultos, um em Burao em 1922, outro
em Baro em 1936. Neste, o diretor britânico da educação, que acabava de ser
nomeado, foi recebido com uma saraivada de pedras
40
.
Os levantes locais contra o colonialismo francês também foram significa-
tivos. Os Afar e os Issa, os dois principais grupos étnicos da Somália francesa,
mostraram -se igualmente hostis à administrão colonial. Os sultanatos de
Tadjura e de Gobaad, habitados pelos Afar, eram particularmente ativos. De fato,
os franceses deportaram o sultão de Gobaad para Madagáscar, sumariamente,
em 1931
41
.
O sultão de Awsa, que por muito tempo se opôs à penetração francesa na
região, tinha motivos pessoais para isso no período entre as duas guerras. Ao
tomarem a região situada entre a costa e a fronteira etíope, os franceses o haviam
privado das rendas que ele até então auferia das populações locais e do comér-
cio dos caravaneiros. Assim, o sultão Yayū armou uma emboscada e prendeu
Lippmann, o novo governador francês do posto de Dikhil. Albert Bernard, seu
sucessor, foi morto com 16 soldados somali em Morheito, no ano de 1935. O
sultão de Awsa foi mais longe ainda em sua ação após a conquista da Etiópia
pelos italianos, em 1935, quando Roma decidiu apoiar as reivindicações terri-
toriais de Awsa a expensas da França
42
.
As potências coloniais dividiram arbitrariamente a Somália, sem consultar os
membros dos clãs, nem levar muito em conta a sua distribuição geográfica ou
suas necessidades de pastagem. Assim, os clãs dos Gadabursi e dos Issa ficaram
divididos entre o Reino Unido e a Etiópia e, no caso dos Issa, também a França.
39 ISA, 1965, p. 130.
40 LEWIS, I. M., 1965, p. 103 -4.
41 THOMPSON e ADLOFF, 1968, p. 11.
42 Ibid.
698
África sob dominação colonial, 1880-1935
As fronteiras muitas vezes dividiam grupos étnicos, e terras pertencentes a
determinado grupo eram frequentemente concedidas a novos proprietários, que
não tinham direito a elas. Resultou daí uma certa agitação, com os Somali dese-
josos de recuperar suas terras ou de se juntar aos parentes de quem tinham sido
separados. Muitas vezes os Somali resistiram pela força à delimitação colonial
das fronteiras. A comissão mista anglo -etíope, encarregada em 1932 de fixar as
fronteiras do protetorado, também enfrentou violenta oposição dos membros
dos clãs dessa região, e o funcionário responsável foi morto
43
.
Os levantes locais contra a dominação colonial na Somália foram de porte
e natureza limitados. Organizados no quadro tradicional do fragmentado sis-
tema somali, era muito difícil coordená -los em escala nacional. As rivalidades
ancestrais entre os diversos clãs, as lutas que travavam para ter acesso a fontes de
água e pastagens, constituíam empecilhos para a resistência somali
44
. Os admi-
nistradores coloniais tiravam partido da situação para jogar um grupo étnico
Contra o outro, bem como para encontrar agentes e aliados. A brutalidade na
repressão aos levantes também explica, até certo ponto, o caráter limitado dos
movimentos. Não obstante, proporcionaram um elemento de continuidade da
era anterior e lançaram os alicerces para a resistência popular ulterior ao colo-
nialismo na Somália.
Movimentos de protesto da elite
Hostis aos chefes designados pela administração colonial, que se tornavam
cada vez mais impopulares, os membros da elite intelectual e os Somali dota-
dos de consciência política, habitassem ou não a península, organizaram suas
próprias associações de “jovens” , por meio das quais os modernos nacionalistas
somali funcionários públicos, comerciantes, marinheiros etc. conduziram a
sua campanha política.
Hadjdjī Farah Umar, antigo funcionário colonial e político de vanguarda,
militou desde 1920 pelo nacionalismo dentro do protetorado. Denunciou os
excessos da administrão colonial e fez campanha a favor da melhora das
condições econômicas e da expansão do ensino. É significativo verificar que ele
não limitava suas atividades aos assuntos relativos apenas ao protetorado britâ-
nico, interessando -se por tudo o que dizia respeito aos territórios dos Somali.
Os britânicos o exilaram em Aden, mas, graças à cooperação da comunidade
43 LEWIS, I. M., 1965, p. 106 -7.
44 TURTON, 1972, p. 124.
699
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
somali desta cidade, fundou a Associação lslâmica dos Somali. A associação, que
realmente não era um organismo político, promovia os interesses somali. Hadjdjī
Farah despertou a atenção da opinião britânica para as aspirações nacionais dos
Somali mediante artigos publicados nos jornais de Aden e petições e cartas
dirigidas ao governo britânico, à imprensa inglesa e aos membros do Parlamento
de Londres.
Entre as atividades dos movimentos de jovens”, convém citar particular-
mente as reuniões clandestinas de funcionários coloniais subalternos e os clubes
políticos criados por volta de 1935, pelos comerciantes, nas principais cidades
do protetorado. Seu objetivo não consistia em criar uma organização de grande
envergadura, mas em recrutar adeptos de qualidade
45
. Não obstante, desem-
penharam certo papel ao exprimir as reivindicações populares e estimular a
tomada de consciência política nas vilas e nos centros urbanos. Da mesma
forma, na Somália francesa o Sindicato dos Marítimos, fundado no ano de 1931
em Djibouti, demonstrava certo interesse pela política. “Na sua diversidade, as
preocupações do sindicato iam além dos problemas próprios dos marinheiros,
englobando questões como a representação dos Somali no governo e a parte
que lhes deveria caber na economia do território
46
.”
Foi dessas tentativas que nasceu, em 1935, a Somali National League, SNL
(Liga Nacional da Somália), a mais importante associação de “jovens” do período
de entre as duas guerras. Foi, desde sua fundação, uma organização pan -Somali
que se esforçou para romper todas as resistências tradicionais a um patriotismo
nacional
47
. A Liga continuou a existir sob diversas denominações e, em 1951,
tornara -se um verdadeiro partido político dentro do protetorado britânico
48
.
Essas associações criadas pela elite, contudo, não desempenharam senão
papel limitado na mobilização das massas contra o colonialismo. Não se deve
esquecer que a intelligentsia, a única capaz de organizar e sustentar um movi-
mento político moderno, era muito reduzida, uma vez que a educação de tipo
ocidental era, na época, quase inexistente na Somália. Ademais, as autoridades
agiam prontamente para castigar os ativistas entre a elite intelectual, obrigan-
do-os, por exemplo, a pedir demissão das funções ou nomeando -os para regiões
longínquas. No entanto, a incipiente consciência que criou essas associações
45 TOUVAL, 1963, p. 65.
46 Ibid., p. 70.
47 LEWIS, I. M., 1961, p. 286.
48 LEWIS, I. M., 1963, p. 148 -9. Para o programa deste partido, que ressaltava o conceito de nacionalidade
somali, ver ibid., p. 149.
700
África sob dominação colonial, 1880-1935
transformou -se em desenvolvida consciência política nos anos que se seguiram
à Segunda Guerra Mundial.
que assinalar, a propósito, a invenção, por volta de 1920, de um alfabeto
autóctone adaptado ao somali, o Alfabeto Osmania”, cujo nome provém de
seu autor, ‘Uthmān Yūsuf Kenadid. Os chefes religiosos conservadores, que
preferiam o árabe para transcrever o somali (nisso de acordo com os colonialis-
tas italianos), foram contrários à utilização do novo alfabeto
49
. No entanto, ele
obteve certa aceitação e, mais tarde, os nacionalistas haveriam de torná -lo “um
símbolo do espírito de invenção somali
50
.
Conclusão
Narramos os fatos essenciais referentes à agitação política verificada no nor-
deste da África entre 1919 e 1935. Mas é conveniente situar esses acontecimen-
tos fundamentais dentro dos contextos dialéticos mais amplos a que já fizemos
referência.
Em certas regiões do nordeste da África, havia uma interação entre reli-
gião e nacionalismo. No Egito, a balança pendia indiscutivelmente para o lado
do nacionalismo laico. Em contrapartida, na Somália e no norte do Sudão,
nenhuma dessas tendências predominava sobre a outra, que a religião estava
mais politizada. No sul do Sudão, o nacionalismo ainda se encontrava no
estágio do movimento de protesto local, por vezes colorido por símbolos reli-
giosos autóctones.
Convém igualmente notar que a região conheceu, durante este período, gra-
ves problemas econômicos, mesmo antes da grande depressão que se abateu
sobre o mundo industrializado. As tensões decorrentes dos transtornos econô-
micos produzidos tanto em escala regional como mundial contribuíram para
tornar o clima político do nordeste da África, sobretudo no Egito, mais sensível
aos vibrantes apelos do patriotismo. Os períodos de desordem econômica apre-
sentam, por vezes, a vantagem de exacerbar o sentimento do dever e do engaja-
mento patrióticos. Foi esse o caso do Egito, cujo estado de sujeição econômica
Contribuiu para despertar o sentimento nacionalista.
Por fim, o período de entre as duas guerras foi assinalado por novo surto
da expansão imperialista, bem como por uma nova onda de militância antico-
49 Al -BARĀWĪ, 1973, p. 77.
50 LEWIS, I. M., 1965, p. 115.
701
Política e nacionalismo no nordeste da África, 1919-1935
lonial. Conforme dissemos, o imperialismo europeu procurava alargar suas
fronteiras, enquanto o nacionalismo africano entrava em nova fase de articula-
ção. Em 1914, o Egito tornou -se protetorado e, mesmo depois de oficialmente
declarada a sua independência” (1922), continuou involuntariamente vassalo
do império britânico. Não obstante, a espantosa unidade nacional que o Egito
logrou em 1919 (embora de curta duração) obrigou o Reino Unido a impor-
tantes concessões.
Não se deve omitir, por amor à delicadeza, a atitude do Egito para com o
Sudão. O nacionalismo egípcio, do qual foram inspiradores Sa’d Zaghlūl e os
dirigentes que o sucederam na direção do Wafd, entretinha o sonho da soberania
egípcia sobre o Sudão, que imaginavam remontar a mil anos.
O expansionismo egípcio, no entanto, desempenhou papel libertador. Os
sentimentos pró -egípcios dos sudaneses andavam de par com a declarada hos-
tilidade aos britânicos. A simpatia pelo Egito alimentava a solidariedade entre
nacionalistas egípcios e sudaneses, ajudando -os a criar seu próprio mito, o da
“Unidade do Vale do Nilo”, para melhor combater o mito imperial da conquista
do Nilo, de que outrora fora porta -voz do lorde Salisbury.
Na Somália e no Sudão, a luta nacionalista ainda não tinha vigor bastante
para produzir resultados imediatos. Em contrapartida, a luta dos egípcios teve
um efeito exemplar sobre os países vizinhos. Os germes da libertação foram
semeados no Vale do Nilo e no Chifre da África, no período entre as duas
guerras.
C A P Í T U L O 2 4
703
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
Avanço do nacionalismo e reação colonialista
após a Primeira Guerra Mundial
O historiador potico, atento às manifestões daquilo que chama impropria-
mente de nacionalismo
1
de início o identifica sinais explícitos dele seo na Tuní-
sia. Na Arlia, viu crescer o mal -estar, mas fica perplexo com as suas ambiguidades.
No Marrocos, datao nascimento de um partido nacionalista uns dez anos após
o fim da Primeira Guerra Mundial. E, mesmo neste caso, a oposição do passado e da
tradição continuou forssima (ver fig. 24.1). Nabia, a luta travada para preservar
a soberania e a independência do ps, em face do agressivo imperialismo da Itália,
continuou a mobilizar energias e prosseguiu, como verificamos no capítulo 5, até a
cada de 1930. É por isso que não tratamos dabia neste catulo.
Guerra aberta e resistência passiva
A “dissidência ou sibā dos Berbere, quase geral no Marrocos, era evidente-
mente o prolongamento de um fenômeno pré -colonial, Mas não era igual à
1 Nesta altura, seria mais apropriado falar de patriotismo”; cf. LACHERAF, 1963, p. 69. E, como Anouar
Abdel Malek sugeriu, nationalitaire (“nacionalitário”, pró -nacionalidade) seria mais correto, neste con-
texto, do que nacionalista (pró -nação).
Política e nacionalismo no Maghreb
e no Saara, 1919 -1935
Jacques Berque
704
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919-1935.
705
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
da época de Mūlay Hasan
2
, quando podia entrar facilmente na ficção oficial que
a via como jogo absolutamente inofensivo, parecido com a sonegação fiscal. O
avanço dos franceses no médio Atlas encontrou mais dificuldades do que o dos
sultões
3
, embora se fizesse sempre em nome do “governo legal” ou Makhzen. O
Makhzen era, de agora em diante, o dos cristãos o Makhzen al-Nasāra e
suscitava reações mais perigosas do que a velha agitação “tribal”. A defesa da
nacionalidade assumia a forma da xenofobia e da guerra santa. Esta resistência
abrangia o alto e o médio Atlas. Para sul e sudoeste, apoiava -se em forte subs-
trato continental
4
. Ao norte do corredor de Tāza, a maior parte da região costeira
concedida à Espanha continuava insubmissa. Bem longe, a leste, do outro lado
do Saara argelino
5
, havia organizações independentes na Tripolitânia e o Sanusi
conseguiu consolidar sua posição nos oásis
6
. Considerar um fenômeno tão gene-
ralizado como turbulento arcaísmo é, certamente, minimizá -lo. Uma tradição de
liberdade comunitária, a nosso ver, é que lhe emprestava o principal impulso.
Paralelamente a esta beligerante continuidade, prevalecia no resto do
Maghreb exatamente o contrário: estabelecimento do governo civil e crescente
estabilidade. Sem dúvida, o comportamento de muita gente ocultava diversos
tipos de oposição: o protesto lealista ou a passividade, no mínimo. Mas não
se pode falar da passividade autóctone”, escrevia um governador mais lúcido
do que os outros
7
. Ele notara que certas queixas, em toda parte as mesmas,
chegavam a constituir uma tal unanimidade que, nessas questões em particular,
podia -se dizer que existia uma opinião pública”. Ora, na ocasião oportuna, essa
opinião tornava -se oposicionista. A sua rápida transformação em atos políticos
alarmou os dirigentes quando da breve carreira eleitoral do emir Khalid
8
. Esse
antigo capitão do exército francês, neto do grande Abd el -Kadir, gozou curto
período de popularidade. Em nome de sua personalidade muçulmana”, exal-
2 Cf. AL -NĀSIRĪ, 1907, p. 277 et seq. (trad. Eugene Fumey).
3 Ver GUILLAUME, 1946, p. 47 .
4 As regiões depois conhecidas como Conns Argelino -Marroquinos o norte da atual Mauritânia e
a zona ocidental do Saara, chamada Rio de Oro ainda eram palco de ataques comunais ou rezzous,
enquanto prosseguiam as tentativas de organização pelos sucessores do grande reformador religioso
Mā’al -Aynayn.
5 Onde, até a sua morte acidental, o general Leperrine trabalhou decisivamente pela união dos lugares, os
quais, durante a Primeira Guerra Mundial, tinham sido sublevados pela propaganda Sanusi e por vários
movimentos independentes.
6 Os italianos conseguiram reduzir a “República de Misurata” em 1923, quando tiveram de retomar a
luta na Cirenaica contra o Sanūsī e seus partidários.
7 VIOLETTE, 1931, p. 396.
8 KADDACHE, 1970, p. 65 et seq.
706
África sob dominação colonial, 1880-1935
tava a honra da Argélia e seu direito à gratidão da França, que lhe solicitara
tantos soldados. O partido de Khālid, que sufragara os moderados no conselho
municipal de Argel, afigurou -se tão perigoso às autoridades que elas anularam
as eleições. Khālid, porém, ganhou uma segunda e uma terceira eleições, mas,
finalmente, teve de abandonar a Argélia (1923). Da metrópole, prosseguiu por
algum tempo na atividade, cujas perspectivas transcendiam talvez o quadro
franco -maghrebiano
9
.
Querela constitucional na Tunisia
Na segunda metade do século XIX, a Tunísia havia passado por um surto
reformista que superava, em certos pontos, o do Egito e da Turquia
10
. O fracasso
dessas iniciativas não havia comprometido o apelo que exerciam no espírito da
burguesia esclarecida, inclinada a pedir modelos antes ao Oriente do que ao
Ocidente. A nostalgia otomana foi, então, substituída pela esperança nos prin-
cípios enunciados por Woodrow Wilson, com o que o nacionalismo, como no
caso do Partido Wafd, do Egito, mudou de tom. Foi à opinião metropolitana,
principalmente a socialista, que o xeque Abdel -Azīz al -Tha ālibī (Taalbi) e seus
companheiros resolveram apresentar a causa. No panfleto La Tunisie martyre (A
Tunísia mártir) (1920) analisavam vigorosamente a deterioração colonial. Fun-
dando o partido constitucionalista” ou Destour (fevereiro de 1920), pretendiam
restaurar a independência da Tunísia.
À sua argumentação não faltava lógica. O protetorado interrompera uma
nação árabe -mediterrânica em via de renovação. Mas, por estranho que pareça,
contra a opinião de eminentes juristas franceses
11
, a única resposta foi a invo-
cação do poder do bei, três quartos de século depois que este tinha começado
a fixar, ele próprio, limites constitucionais. Na verdade, houvera representação
autóctone na Conferência Consultiva de Túnis desde 1907. Era constituída
por membros nomeados e não tinha, como a seção francesa, senão atribuições
fiscais. A reforma no sentido de uma representação eletiva e do aumento dos
poderes foi solicitada em fins de 1920 pela maioria dos franceses e por quase a
metade dos membros autóctones. No entanto, abandonando a radicalização de
suas primeiras formulações (junho de 1920), o Destour publicou um manifesto
9 SADALLĀH, 1969, p. 420 et seq.
10 Ver KAROUI, 1973.
11 JULIEN, 1972, p. 67; TORNEAU, 1962, p. 65 et seq. Estes dois livros oferecem uma exposição conse-
quente dos acontecimentos que o presente estudo procura interpretar. As referências aqui feitas poderiam
ser multiplicadas.
707
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
reformista que “jogava o jogo do protetorado (dezembro de 1921). Uma espécie
de ultimato do bei Nāsir (3 de abril de 1922)
12
foi entendida como intimidação.
Mas, no ano seguinte, vários decretos do bei e despachos do residente -geral
(julho de 1922)
13
instituíram uma representação caidal, regional e central, por
eleição em vários níveis
14
.se instalara o ministério da justiça, entregue ao filho
do reformador Khayruddīn. Os resultados eram parcos para uma campanha
que havia conseguido um êxito de persuasão junto ao soberano local e à câmara
francesa. O xeque al -Tha ālibī passou alguns meses na prisão. Sua libertação não
contribuiu para a unidade do partido, que cindiu em dois grupos de atividade
desigual. No contexto colonial, a moderação é sempre suspeita, como o demons-
tra a experiência de maitre Guellati. Mas o radicalismo do xeque e de maitre
al -Sāfī (Essafi), à falta de qualquer sucesso, arriscava -se a ficar isolado, mori-
bundo e perigosamente divorciado do curso dos acontecimentos. Agora que a
primeira euforia tinha passado, o Destour tendia a mergulhar no subconsciente
onde dormita a djihād e a tomar a cor puramente teórica desta última ...
15
.
Ao nível das comunidades de base
O Maghreb rural consistia num agregado de comunidades tradicionais. Era
nelas que repousava claramente a administração do Marrocos, que instituciona-
lizou as circunscrições “tribais”. Entretanto, era possível discernir, sob essa rede
oficial, instituições tradicionais menos dóceis e potencialmente mais turbulentas.
É verdade que a política francesa fazia muito tempo o jogo dos particula-
rismos e das lealdades locais. O senato -consulto de 1863 havia proposto a
dispersão das “tribos” argelinas em células territoriais, os douars ou duwārī. A
aplicação da lei de 1884 até lhes havia imprimido significado comunal afim
ao Direito Público francês
16
. Em 1919, a energia da resistência berbere, de um
lado, e, do outro, um desenvolvimento da opinião blica que se tornava
evidente em toda a parte produziram, por diferentes meios, uma democracia de
base, arcaica e defensiva no primeiro caso, frustrada e aparentemente reprimida
no segundo, mas cujo órgão essencial, em todos os casos, era a djemā‘a
17
. Para
12 JULIEN, 1972, p. 69.
13 A respeito do contexto destas medidas, cf . BALEK, 1922, p. 240 et seq.
14 Ao criar um “parlamento árabe” na Cirenaica (30 de abril de 1921), os italianos tomaram uma iniciativa
destinada a ir além do que se pedia, mas que não teve os efeitos pacicadores pretendidos.
15 BALEK, 1922, p. 286.
16 BERQUE, L., 1970, p. 137 et seq.
17 Conjunto dos chefes de família de uma comunidade e o “coletivo que a administra.
708
África sob dominação colonial, 1880-1935
os franceses, levar em conta esta força social ascendente, fazer dela o princí-
pio e o objetivo de uma aproximação não era absurdo e podia, a longo prazo,
levar à emancipação da Argélia rural e à sua penetração pelo sistema político
metropolitano.
Tal era, sem dúvida, o alcance profundo da lei de 4 de fevereiro de 1919, cha-
mada Lei Jonnart, e de seus dois decretos de aplicação. Ela concedia aos argeli-
nos que possuíam certas qualificações (ter servido no exército, saber ler e escrever
em francês, ser proprietário de um imóvel rural etc.) o direito de participar da
eleição da assembleia do douar -comuna e de certos cargos municipais, inclusive
da escolha do prefeito
18
. Mais ou menos meio milhão de muçulmanos foram
chamados a constituir esse eleitorado primário e, dentre eles, uns cem mil das
assembleias departamentais e centrais. Mas isto não pôs fim à desigualdade. Nos
conselhos municipais, por exemplo, os muçulmanos eleitos viram -se limitados à
minoria de um terço da representação. Embora o peso da massa autóctone não
pudesse, assim, decidir as votações
19
, a ampliação do colégio eleitoral ao nível da
base e a participação dos argelinos eleitos na escolha do prefeito afiguraram-se
aos conservadores manobras subversivas, embora a timidez de tais medidas
iludisse a reivindicação
20
.
Primeiras opções proletárias
As grandes concentrações operárias na Tunísia, como nas minas de Metlawī,
por exemplo, não demonstraram sinais de uma consciência reivindicativa durante
longo tempo. Como na Argélia a industrialização ainda não estava bastante
avançada e o contexto social era demasiado autoritário, a energia das massas
proletárias se manifestou, de início, através de um reduzido grupo de van-
guarda educado no sindicalismo europeu.
Na Tunísia, contudo, a precocidade da ação de Muhammad Alī
21
e a análise
oferecida por Tahār al -Haddād
22
não deixaram de produzir efeito no plano
das organizações de classe. A vida aventurosa do primeiro o tinha posto em
contato com o socialismo alemão e o tornou amigo de Enver Pacha, talvez o
18 AGERON, 1966.
19 Ainda que, através da naturalização, conseguissem eleger o prefeito. Foi o que se passou em Mekla, na
Cabília, onde a eleição foi anulada, contra toda a boa -fé, pelo Tribunal Administrativo.
20 JULIEN, 1972, p. 377, talvez tenha razão ao pensar que os efeitos desta legislação sobre a opinião argelina
não foram desprezíveis.
21 MAMET, 1964; HERMASI, 1966.
22 AL -HADDĀD, 1927.
709
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
homem que, na época, tinha o senso mais agudo das conjunções possíveis entre
as ideias -força do Ocidente e o surto nacionalista dos povos do islão. Al-Haddād
suplementava a experiência internacional de Muhammad Alī com o exame do
problema interno. Ele debatia a questão dos operários e a das mulheres, ambas
apreendidas com perfeita clareza. Esse duplo impulso encontrou a sua contra-
partida de iniciativa operária entre os trabalhadores das docas de Túnis e em
seguida de Bizerta, bem como entre os operários da indústria de cimento de
Hammam Lif, e outros.
Uma central tunisiana foi formada entre nove sindicatos regionais, no dia
12 de outubro de 1924, em Bizerta, com o apoio do Partido Comunista Fran-
cês (PCF), mas sob severa crítica da SFIO (Seção Francesa da Internacional
Operária), à qual preocupavam as afinidades nacionalistas da nova organização.
O Destour dissociou -se de choques que julgava comprometedores. Em com-
pensação, participou em bases reformistas de uma coalizão que, em fevereiro de
1925, reunia além dele a seção indígena do Grande Conselho, o Partido Socia-
lista e a CGT francesa (Confederação Geral do Trabalho). A complexidade
dessas alianças e controvérsias, aproximações e mudanças de posição, afasta o
que esses movimentos também poderiam ter de espontâneo. Ao mesmo tempo,
rivalidades sectárias e ideológicas prenunciavam um conflito de opções. No
congresso de Tours, as duas tendências do socialismo metropolitano tinham -se
divorciado tanto no plano da ação partidária como no das projeções sindicais.
Donde a diversidade das influências que disputavam, então, um proletariado
semicolonial em busca de sua própria vocação. Nesse momento se delineiam
opções destinadas a um futuro desigual: a dos argelinos Amar Uzagān e Ben
Alī Būkurt e a do tunisiano Mokhtār Ayārī. Que lugar, por exemplo, seria atri-
buído nos acontecimentos futuros à identidade nacional, até agora definida por
seu sinal mais marcante, o islão? Essa identidade viria a fundir -se na aspiração
geral do proletariado?
O quadro norte -africano não se prestava ainda a respostas concretas
23
. Foi
em Paris, nos meios da emigração maghrebiana, que se fundou a Étoile Nor-
dAfricaine (1924). Entre os seus fundadores, havia um membro ativo do PCF,
Abd al -Kādir Hādj Alī. A iniciativa inscrevia -se, então, em uma perspectiva
23 A repressão estava sempre atenta. Na Tunísia, por exemplo, a experiência da Confédération Générale
des Travailleurs Tunisiens (CGTT) parece ter sucumbido à detenção de seus organizadores e ao exílio
de seu líder, Muhammad Alī. Somente alguns anos depois é que o sindicalismo tunisiano, legalmente
reconhecido em 16 de novembro de 1932, pôde retomar uma atividade independente no contexto dos
acontecimentos do Front Populaire (1937) após a segunda CGTT, com Belkasim al -Kanawil, antes de
sucumbir uma segunda vez à repressão política (1938).
710
África sob dominação colonial, 1880-1935
revolucionária e anticolonialista, e não estritamente operária. No início, contou
com o patrocínio do emir Khālid.
Sistema dominante e oposição crescente
Os anos de 1920 foram assinalados pela expansão das comunicações. As
cidades começaram a crescer com a chegada dos camponeses. Uma nova geração,
que não conheceu o tempo de antes da guerra, chegava à maioridade
24
. Tudo
concorria para exigir mudanças. A autoridade do colonizador e a da tradição
eram colocadas mutuamente em dúvida, de forma variável. Tais evoluções preo-
cupavam as autoridades coloniais, que tentavam neutralizá -las mediante arranjos
ou coerção. Na maior parte das vezes, porém, era a inércia que dominava a
prática colonial, enquanto parte da opinião metropolitana denunciava abusos e
ineficiência, vendo uma fonte de riscos.
É verdade que a velocidade dos acontecimentos imediatamente pós -guerra
tinha diminuído tanto na Argélia como na Tunísia. A partida simultânea (1923)
dos dois principais líderes, al -Tha’ālie Khālid, parecia ter enfraquecido a
oposição. No Marrocos, porém, o poder teve de enfrentar dificuldades de outro
tipo e que foram julgadas prioritárias.
Antecipação dos acontecimentos futuros: a república do Rīf
Classificar como “revolta” e tratar como episódio a luta nacional que o líder
rifenho Muhammad ben Abd al -Khattābī (Abdel Karīm) (fig. 24.2) levou a
um clímax retumbante em 1925 - 1926 é reduzir o significado de fatos que nós
atualmente reconhecemos como precursores de desenvolvimentos muito mais
tardios
25
.
O Rīf jamais abandonou a luta. O talento militar de Abdel Karīm infligiu à
Espanha um dos mais famosos desastres das guerras coloniais (Anwāl, julho de
1921)
26
(ver fig. 24.3). Os espanhóis sofreram derrota igualmente mortífera em
novembro de 1924, quando tiveram de evacuar Shafshāwīn, Abdel Karīm, filho
24 Para a Tunísia, ver F. b. Ashur, 1956. Para a Argélia, T. al -Madanī, 1963, p. 92 et seq., 353 et seq. Ver,
também, BERQUE, A., 1947, p. 123 et seq.
25 Ao que se saiba, as possibilidades ainda não se acham inteiramente realizadas, muito embora no plano
militar a atividade de Abdel Karīm prenunciasse incontestavelmente o que se passou depois de 1954.
26 Desastre precisamente denido como “uma batalha de Omdurman às avessas”, em referência ao combate
de Karari (1898), no qual Kitchener esmagou o Estado mahdista. Ver YOUSSOUFI, s.d., p. 113.
711
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
de um kādī (juiz) do protetorado espanhol, fez alguns estudos na universidade
religiosa de Karawiyyin, em Fez, onde provavelmente entrou pela primeira vez
em contato com o modernismo islâmico
27
. Foi como reformador muçulmano e
como chefe político que ele se afirmou entre os seus contemporâneos. À aptidão
militar acrescentava -se um espírito aberto e habilidade política que lhe permiti-
ram jogar no tabuleiro internacional com mais amplitude do que os chefes líbios
Sulajmān al -Bārūnī, Ramdān Shatīwī e, especialmente, Umar al -Mukhtār
28
. A
metamorfose que Abdel Karīm imprimiu a seu próprio clã, os Benī Warighīl,
e às comunidades vizinhas sobreviveu a ele. Reconduziu ao direito islâmico
esses grupos de vendettas de clã, proibiu os juramentos coletivos, a filiação em
confrarias e as mulheres casadas de dançar. Foram demolidos os ichbrawn, essas
pequenas torres de vigia que desde tempos imemoriais eram o símbolo da agres-
sividade das relações entre comunidades vizinhas
29
. Mesmo antes da vitória de
Anwal, foi na reunião de al -Kāma, entre Benī Warighīl, Temsamān, Benī Tūzīn
e Rukkūya, que se produziu uma “cristalização da estrutura do Estado Rīf
30
. A
“Nação Republicana Rīf ”, proclamada a 18 de fevereiro de 1923 segundo
outros a I de fevereiro –, foi portanto uma tentativa de reforma do Estado tra-
dicional, de que ela retinha aspectos positivos como, por exemplo, certas práticas
de consulta e de cooperação intergrupal.
Este impulso reformista deve ser correlacionado com outras tentativas seme-
lhantes, então feitas em toda a área islâmico -mediterrânica: na Tripolitânia, no
delta do Egito, na Mesopotâmia, em Rakka sobre o Eufrates etc.
31
. Propagação
nacionalista? É o que estudos especializados deverão determinar. Do ponto
de vista das potências coloniais, tais sincronismos eram tanto mais perigosos
quanto é certo que Abdel Karim também havia estabelecido relações com.
o PCF, o qual, na verdade, convocou a seu favor uma greve de apoio
32
. No
decurso da greve, que ocorreu no dia 12 de outubro de 1925, muitos operários
franceses manifestaram -se contra a guerra colonial no Marrocos. O PCF, a
Juventude Comunista, a Confederação Geral do Trabalho Unificado (CGTU),
27 Note -se, contudo, que ele se lançou depois Contra o principal introdutor desta doutrina no Marrocos, o
xeque Būsha Ib -al -Dukkāli, que foi o principal responsável pela introdução do modernismo no Marrocos.
28 AL -MISURĀTĪ, 1964, faz uma viva exposição dos acontecimentos deste período, do ponto de vista de
um patriota líbio.
29 Comunicação inédita de D. Hart ao Colloque du Cinquantenaire de La République du Rīf, Paris,
1973.
30 YOUSSOUFI, s.d., e comunicação à conferência mencionada na nota 29.
31 BERQUE, J., comunicação à conferência mencionada na nota 29.
32 GALLISSOT, comunicação à conferência mencionada na nota 29.
712
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Abdel Karīm (1882 -1963), cádi de Melilla, chefe da resistência marroquina ao imperialismo
espanhol, durante a guerra do Rīf , 1921 -1926. (Foto: Harlingue -Viollet.)
F . Guerra do Rīf: soldados espanhóis exibem as cabeças decepadas de soldados de Abdel Karīm.
(Foto: Longman.)
713
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
a Association Republicaine des Anciens Combattants (ARAC) etc. também
organizaram ampla campanha nacional visando mobilizar as massas contra a
guerra. A Terceira República empregou meios exorbitantes, desde a primavera
de 1926, para dobrar Abdel Karīm
33
. O resto do Marrocos, porém, não reagia
34
.
A solução militar, que permitiu à Espanha instalar -se efetivamente na zona, não
apagou o significado da experiência de Abdel Karīm.
Balanços da época
Em 1901 a Argélia obteve o regime dito das Délégations financieres (Dele-
gações financeiras), espécie de autonomia política interna que foi dominada,
quase até o fim do período colonial, pelos representantes dos colonos brancos.
Quando este pequeno parlamento agrário recusou ao governador -geral mise-
ráveis créditos de assistência social ou de cantinas escolares (1927), estava con-
denando a si mesmo potencialmente. Maurice Violette o pressentiu num livro
de título profético: L Algérie vivra -t -elle? (A Argélia sobreviverá?). A solução
por ele apresentada era, bem entendido, extremamente ortodoxa, para não dizer
jacobina
35
. Mas o livro marcou uma etapa apreciável. No plano da representação,
propunha ampliar a reforma de 1919
36
. Depois, iria um pouco mais longe, ao
preconizar a extensão, a uma minoria de argelinos evoluídos, do direito de eleger
deputados ao Parlamento francês, mas sem renunciar a seu estatuto pessoal.
Mas o estatuto, refúgio da identidade para os colonos franceses, proporcio-
nou aos sucessivos governos franceses uma desculpa cômoda contra a outorga
da plena cidadania francesa a argelinos. Sem dúvida, a referência ao estatuto
não passava de pretexto para ambos os lados pretexto para um lado recusar e
para o outro rejeitar. A proclamada disponibilidade da maioria autóctone, ávida
de adquirir cidadania francesa assumindo à letra o assimilacionismo, se assim se
pode dizer, não é menos espantosa. Não se pode taxá -la, a priori, de impostura,
mas cumpre interpretá -la sob vários aspectos, dos quais o mais profundo era
sem dúvida o desejo de emancipação. Essa complexidade semântica caracteriza
33 Abdel Karīm rendeu -se às autoridades francesas em 26 de maio de 1926.
34 Apesar de algumas manifestações individuais, as simpatias e esperanças populares continuaram sufocadas.
Alguns adolescentes de Fez forjaram um paneto presumivelmente do líder Rīf agradecendo aos notáveis
do país por sua solidariedade.
35 M. Violette tinha a preocupação de proclamar -se adversário da extrema esquerda.
36 VIOLETTE, 1931, p. 474 et seq.
714
África sob dominação colonial, 1880-1935
as páginas que de 1922 a 1927 publicou Ferhāt Abbās, reunidas em 1931 sob o
título Le Jeune Algérien (O Jovem Argelino)
37
.
É certo que esses artigos envelheceram. Mas não esqueçamos que seus argu-
mentos, seu patético da miséria sofrida, esta generosidade da esperança, se não
constituíam um ultimato político, forneciam a armadura moral e conceitual de
possíveis objetivos políticos. A colonização era denunciada como “uma força sem
pensamento, uma cabeça sem alma”. Os direitos do islão à dignidade ressaltavam
com a força da evidência evidência então bem obliterada. O prefácio, escrito
muito depois, em 1930, distinguia judiciosamente entre os dois aspectos do
problema: o francês e o argelino. Para os franceses,a colonização não constitui
senão um empreendimento militar e econômico, defendido em seguida por um
regime administrativo apropriado”. Para os argelinos, ao contrário, é
uma verdadeira revolução que veio subverter todo um velho mundo de ideias e
de crenças, um gênero de existência secular. Ela coloca um povo diante de súbita
mudança. E eis aí toda uma população, sem o menor preparativo, obrigada a se
adaptar ou perecer. Esta situação conduz necessariamente a um desequilíbrio moral
e material, cuja esterilidade não está longe da desintegração total
38
.
Em vão se procuraria na literatura científica da época, nas obras de L. Milliot,
Augustin Bernard e R. Maunier, por exemplo, ou mesmo em E. F. Gautier, uma
definição tão adequada da mudança social. Nem a forte síntese histórica de C.
A. Julien, que apareceu na época e exerceria reconhecida influência na tomada
de consciência dos maghrebianos, conseguiu superar essa visão de dentro.
É também daí que procede o Kitāb al -Djazā ‘ir (Livro da Argélia), 1931, de
Tawfīk al -Madanī. A primeira página, ilustrada pelo miniaturista Rāsim, traz a
tríplice divisa dos Ulamā. De resto, o livro, se descreve os males dos argelinos e
reivindica o seu direito de nação árabe, visa a objetividade e não procura a polê-
mica. Ainda hoje nos fornece indispensável documentação da época. O capítulo
consagrado à música argelina
39
faz salientar valores essenciais, e toda essa parte
do livro traz pertinentes observações acerca dos obstáculos impostos à imprensa
árabe
40
e dos indícios de um renascimento literário
41
. A lista dos escritores e dos
poetas oferece útil inventário para estudos futuros, embora cumpra notar que
37 Ferhāt Abbās tomou esses temas retrospectivamente; ver ABBĀS, 1962, p. 113 et seq.
38 ABBĀS, 1931, p. 9.
39 AL -MADANĪ, p. 339 et seq.
40 Ibid., p. 343 et seq.
41 Ibid., p. 353 et seq.
715
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
ela omite os “jovens argelinos”, ansiosos por serem considerados franceses, entre
eles Ferhāt Abbās.
O reformismo islâmico
O livro repetimos trazia na folha de guarda a divisa dos Ulamā. Atu-
almente, empresta -se corretamente ênfase às aspirações nacionais que inspira-
vam a associação, não menos do que aos objetivos religiosos. O programa do
xeque Abd al -Hamīd ben Bādīs
42
, embora pretendesse libertar -se de implica-
ções circunstanciais, na verdade talvez fosse mais político do que os projetos
que então ocupavam o proscênio, intimamente comprometidos com manobras
administrativas na base e com intrigas políticas no topo. O mais flamante, neste
domínio, estava longe de ser o mais eficaz: por exemplo, a ação do dr. Bendjellūl
em Constantine ou a reivindicação igualitária dos Elus
43
”. Embora evitando
desafiar a soberania francesa, ao insistir numa “reforma intelectual e moral” o
xeque levantava a questão da identidade, tocava nos impulsos da maioria e fazia
eco a movimentos similares do Oriente Próximo. Apelava, assim, a um modelo
que se comparava bem ao da democracia ocidental. Acima de tudo, atentava
para os sinais claramente visíveis de dispersão social e de deterioração moral.
Proclamando a Argélia como sua pátria ou watan (mas não abertamente como
um “Estadodawla), o islamismo como sua religião e o árabe como sua língua,
acumulava a sutileza tática com a presciência do papel que a cultura poderia
desempenhar na descolonização.
Outro aspecto menos conhecido é de ordem geográfica. Como os nasabs
(linhas de descenso) mostram, a direção do movimento incluía vários nomes
provinciais: não só os da aristocracia constantinesa, como Ben Bādīs, mas tam-
bém Tébessa, Mīla e Sīdī Okba
44
. Não contente de ter estabelecido o “Círculo
do Progresso no planalto central, especialmente Argel e outras áreas urbanas, o
movimento também visava “o país desconhecido”. O xeque Bashīr al -Ibrāhīmī
agitou Tlemcen até o fundo. Sob a forma de sociedades de beneficência, de
auxílio mútuo ou de pregações, essas iniciativas se multiplicaram.
42 MURTĀD, 1971, p. 54 et seq., 115 et seq., 179 et seq. Ver, também, MERAD, 1967.
43 Palavra então empregada para denir os membros de uma federação constituída em 11 de setembro de
1927, por personalidades muçulmanas eleitas para as diversas assembleias argelinas. Mostafa Lacheraf
fez judiciosas distinções entre a ação desses políticos e a dos Ulamā, embora criticasse estes últimos. Ver
LACHERAF, 1965, p. 188 et seq.
44 Os xeques al -Arabī al -Tebessī, Mubārak ai -Mīlī e Tayyib al -Okbī (orador de prestígio) estavam entre
os membros mais destacados da Associação dos Ulama, fundada em 1931.
716
África sob dominação colonial, 1880-1935
A proliferação de centros do movimento muitas vezes é recordada em
termos de controvérsias teológicas que são quase incompreensíveis a quem está
de fora. Mas todas essas agitações, sob a égide dos Ulama ou de algum rival,
como o xeque Ben Alīwa em Mostagānem
45
, ou em função de divergências que
não eram erradicáveis, como em Mzāb
46
, representavam o primeiro contato com
uma problemática mundial para comunidades até então enclausuradas, e que a
administração não conseguira despertar, senão contra ela própria. O xeque Ben
Bādīs e seus companheiros davam o exemplo, dotando o islão maghrebiano de
iniciativas doutrinais que havia séculos não se ousava tentar: seus comentários
ao Corão, por exemplo
47
, foram uma realização cultural como poucas. Ele foi
audacioso a ponto de fazer distinção entre invariáveis transcendentais e variáveis
circunstanciais dentro da religião
48
. Somente estudos monográficos poderão,
estudando as relações entre as iniciativas fundamentais e os diversos elementos
sociais que elas envolvem, precisar o papel desempenhado por grupos, faixas
etárias, estratos econômicos, indivíduos e atitudes morais. Esses estudos mos-
trariam, sem dúvida, que o período foi um ponto decisivo na história social da
Argélia.
Três desaos ao imperialismo e as reações
Por estranho que hoje se afigure, as comemorações do centenário
49
do desem-
barque francês na Argélia não provocaram a reprovação declarada que nós, nesta
era de descolonização, tendemos a atribuir retrospectivamente aos colonizados
50
.
Aos muitos argelinos que então se preocupavam com a reivindicação de jus-
tiça e de igualdade, as festividades, que pareciam de molde a atrair o interesse
dos elementos democráticos da França metropolitana, suscitaram primeiro um
alento de esperança, logo seguido de desilusão. Os dignitários muçulmanos do
45 BERQUE, A., 1936. A fermentação do islão argelino sobrepassa evidentemente a ação dos Ulamā.
46 Citemos, aqui, sábios como os xeques Bayād e At yech. Ver DABBŪR, 1971.
47 Depois do xeque Abu Ras de Mascara (m do século XVIII), os xeques Ben Bādīs e Ben Ashūr são, sem
dúvida, os primeiros maghrebianos contemporâneos a aplicar -se contra esta formidável tarefa, embora
um sábio marroquino com o renome do xeque Ibn al -Khayyāt a desaconselhasse; ver, deste último, um
opúsculo litografado em Fez.
48 De acordo com uma passagem extraordinária da oração fúnebre, pronunciada pelo xeque Ibrāhīmī junto
ao túmulo do professor Mohammad Ben Sheben, Shihāb, maio de 1929.
49 toda uma literatura contemporânea sobre o tema, na sua maioria em tom deploravelmente ocial,
mas da qual se destacam, felizmente, alguns apontamentos de pesquisa cientíca.
50 Organizou -se alguma propaganda contrária em certas cidades, em colaboração com o PCF. Ver OUZE-
GANE, 1962, p. 171 et seq. O sindicato dos professores, bem como Benhādj, militante socialista, também
ousou protestar. Ver KADDACHE, 1970, p. 193.
717
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
regime membros eleitos, caīds e bachagas
51
competiam sem pudor uns com
os outros para adular os franceses, desacreditando dessa forma o que restava de
autoridade à aristocracia tradicional e aos reincidentes beneficiários de acordos
políticos. O hino que ressoava à glória do colono, erigido em potência mítica,
mas provido de apetites sempre atuais, selou uma política da qual a França
raras vezes conseguiria libertar -se, por espasmos da vontade. Mais grave ainda,
o regime era omisso quanto às suas próprias fraquezas. Nem que falar na
hipótese da soberania, já que quase ninguém, em face da esmagadora relação de
forças, a contesta abertamente. Mas a própria responsabilidade, que deveria ser
o seu corolário, era exercida por funcionários com pouca generosidade e ainda
menos lucidez. Estamos pintando um quadro sombrio demais? Admitamos que
ele tinha partes claras e que tudo isso fosse feito, em resumo, com o mínimo
de coerção. Exploração, claro, mas exploração legalista, edulcorada de prestígio
cultural, isto é, de aura republicana, economizando a violência, e se dando até
ao luxo de invocar as liberdades da democracia burguesa. Paradoxo bastante
difícil de compreender nos nossos dias: o apogeu do imperialismo era também
o apogeu do liberalismo nos costumes. É por essa razão que a África do norte
francesa apresenta aos historiadores uma situação muito menos atormentada do
que, por exemplo, a do Egito britânico no mesmo momento.
Mas esta aparente bonomia e seu corolário de aceitação não eram de maneira
alguma aproveitados. Vê -se bem isso com o triunfalismo provocador das mani-
festações de Argel. Vê -se, de modo ainda mais característico, no Congresso
Eucarístico de Cartago (1 a 11 de maio de 1930) que a juventude tunisiana
interpreta como uma cruzada contra o islão na África do norte
52
. De qualquer
modo, essa reunião não se coadunava com as ideias que muita gente no Maghreb
ainda encarava com esperança e compreensão: os grandes princípios da Revo-
lução, a tradição de Jaures, o mito do progresso.
No Marrocos, o zahīr berbere (proclamação real) de 16 de maio de 1930
53
,
que incorporava o direito consuetudinário berbere ao sistema judiciário colonial
francês, forneceu à juventude burguesa a ocasião para uma tomada de consciên-
cia e o primeiro trampolim para uma ação de massa. Foi considerado como um
ataque ao islão e como uma tentativa de dividir o país, perpetrada com menos-
prezo dos acordos de 1912. Medida localizada e localizante, teve repercussões
51 Ver alguns exemplos, bastante penosos, em KADDACHE, 1970, p. 192.
52 BERQUE, J., 1970, p. 253 et seq.
53 Ibid., p. 250 et seq.
718
África sob dominação colonial, 1880-1935
em todo o mundo muçulmano. Localmente, trouxe à tona uma oposição até
então reduzida a grupelhos clandestinos, em duas ou três grandes cidades.
Nos três meses
54
que vão de 20 de junho a 30 de setembro de 1930, houve
mais de 120 incidentes. Na sua maioria ocorreram em mesquitas, cenário dog-
mático para o latīf, o orador muçulmano aflito. Os incidentes foram considerados
tão ameaçadores para a ordem pública que foram enfrentados com intimações,
prisões e espancamentos. Uma delegação da cidade de Fez dirigiu -se à capital
e, no dia 31 de agosto, três de seus membros foram presos, entre os quais Allāl
al -Fāsī, jovem intelectual de Karāwiyyīn
55
, e Bel Hasan al -Wazzānī, licenciado
pela Escola de Ciências Políticas e Sociais de Paris. Nesse binômio uniam -se
como que simbolicamente as duas forças de uma resistência: a da autenticidade
e a da modernidade. Como deve ser, a repressão cumpriu seu papel catalisador.
O número de detenções chegou a 150. Tal como antes, muitas lojas fecharam,
em sinal de protesto. Apesar da proibição oficial, o latīf ressoou de novo fora
dos santuários. Houve choques nas ruas. O encanto do protetorado estava intei-
ramente quebrado, se o interpretarmos como aquela espécie de hipnose em
que o prestígio de Lyautey e a superioridade técnica haviam por tanto tempo
mergulhado o país.
Três anos depois, em Paris, a revista Maghreb consagrava um número especial
aos incidentes. Jean Longuet e outras personalidades francesas, e principalmente
vários jovens marroquinos, expressaram uma série de argumentos coerentes. Os
amigos franceses, ainda que vissem claramente no zahīr berbere” de 1930 foi
o triste nome que recebeu daí em diante a manobra da propaganda colonial
clássica, tinham certa dificuldade, em face do seu anticlericalismo, para explicar
o aspecto aparentemente religioso de muitas reações dos Berbere. “Ninguém
pode ignorar que no Oriente e em todos os países muçulmanos a religião e a
nacionalidade se confundem”, observava o editorialista francês. Com menos
complacência, um dos redatores marroquinos do número escrevia: “Em nosso
país, estamos prontos a conceder aos Berbere o que geralmente se recusa aos
bretões na França. Mas queremos que isso ocorra no quadro do islão, que para
nós não é apenas uma religião, mas sobretudo uma civilização”. Punha assim
54 Número especial, maio -junho de 1933, da revista Maghreb, editada com o patrocínio de celebridades tão
diversas como Bergery, Renaudel e o lósofo espanhol Ortega y Gasset.
55 Filho de uma antiga família, renomado como poeta e ensaísta, encontrou assim a revelação de um dom
de tribuno e de organizador. De sua impressionante produção citamos aqui, entre as obras relacionadas
diretamente com o nosso tema, al -Harakāt al -Istiklāliyya ’l -Maghreb, Cairo, 1948, e Al -Nakd al -dhātī,
Cairo, 1956. Sobre ele, ver GAUDIO, 1972, e EL -ALAMĪ, 1972.
719
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
em destaque a dimensão cultural do debate, dimensão pudicamente ignorada
por muitos amigos e adversários.
Rumo ao confronto
Metade dos vinte anos que separaram as duas guerras mundiais havia, pois,
decorrido sem progresso para as relações entre a França e o Maghreb. Está
claro que a situação econômica não era favorável. A Depressão do pós -guerra
mal desaparecera quando se aproximou a grande crise mundial. O Maghreb foi
atingido por ela em 1932, com o agravamento do estado geralmente recessivo da
economia, que reaparecera em 1925 e haveria de predominar por todo um decê-
nio. Isso acirrou as relações entre o capital e o trabalho, ou seja, entre os colonos
franceses e os argelinos. O progresso em mecanização, planejamento, coopera-
tivas e até no sindicalismo dos funcionários fez com que o elemento francês
consolidasse o seu domínio sobre a colônia. O regime mostrava -se incapaz de
moderar as devastações provocadas àqueles que dominava. A conexão entre a
deterioração econômica, que agrava a desigualdade, e a reivindicação política
era evidente, mas é bom examiná -la de perto
56
. A mudança social e a nostalgia
da identidade coletiva parecem ter constituído fatores mais fortes do que a
desigualdade na tomada de consciência norte -africana. Em todo caso, vários
motivos se conjugaram para produzir uma aspiração que transcendia de longe
os agrupamentos partidários. Os wataniyyīn ou patriotas” marroquinos se redu-
ziam ainda, no essencial, a uma intelligentsia burguesa. A Étoile Nord -Africaine
mal se havia estabelecido na Argélia. O Destour continuava prisioneiro do
irrealismo. O PCF não caucionava suas teses radicais com suficiente apoio em
nível local
57
. A dinâmica da ação, na maior parte dos casos, restava implícita.
Mais do que os partidos políticos, eram círculos, comitês, grupos sem nome ou
a propagação de atitudes que revelavam, então, a expressão política.
Incapaz de entender esses matizes da expressão, a administração sabia no
entanto explorar os interesses e as rivalidades pessoais. Contudo, minimizava
56 Já se tentou fazê -lo, sem grandes resultados; ver BERQUE, J., 1970, p. 101 et seq; ver também NOUS-
CHI, 1962, p. 31 et seq. Esta análise, de importância fundamental principalmente pela avaliação do
papel das classes sociais no período considerado, ainda não foi, pelo que sabemos, sucientemente
aprofundada.
57 Além das posições que assumiu quanto à guerra do Rīf, o PCF geralmente restringiu -se, na própria
Argélia, ao anticolonialismo puro e simples, até o Front Populaire. Depois disso, parece ter prevalecido
a ideia de “nação em formação”.
720
África sob dominação colonial, 1880-1935
o protesto político. Ela tinha a seu favor a superioridade de meios, a continui-
dade das coisas e até um consenso aparente. O que ignorava, em contrapartida,
eram as forças que aumentavam no dia a dia. Quando essas forças explodem,
o governo culpa os “agitadores” locais, os estrangeiros ou os “vermelhos”, o que
justifica ao mesmo tempo a repressão e o imobilismo.
Novas táticas e obstáculos à ação
Não era o tudo ou nada longe disso mas uma tomada resolutamente
temporal ou mesmo secular do cerio político, que ambicionavam Bour-
guiba
58
(fig. 24.4) e seus companheiros Bahka Tar Safār e o dr. Mata,
entre outros. Eles defendiam o presidente conformista da Cooperativa Tuni-
siana porque dessa forma mobilizavam a opinião pública. Foram a ponto de
apoiar uma medida decidida pela Resincia, mas que lhes parecia servir
“objetivamente , diamos s, à sua causa (tratava -se de uma diminuição
do orçamento destinado aos funcionários franceses)
59
. A Grande Mesquita
e a burguesia de Túnis, que fornecia muitos recrutas para o Destour, o
escondiam a ironia e a ctica. era evidente que todo o movimento viria a
ser caracterizado pelo fato de homens do Sāhel terem se tornado militantes.
Politizar o interior
60
seria um dos objetivos do Neo -Destour. Não foi por
acaso que a cisão que lhe deu origem tenha ocorrido justamente depois de
um congresso saborosamente rural realizado em Kasr Hilāl (12 e 13 de maio
de 1933)
61
. Entretanto, os choques com a Residência tornavam -se cada vez
mais duros, como em Monastīr e Moknīno. Decretos odiosos vieram legali-
zar a repressão, e Bourguiba, que assim os havia qualificado, foi aprisionado
com seus adeptos no sul (3 de setembro de 1934)
62
. Mas, emboraabatido” , o
homem continuava advogando a sua causa.
Na Argélia, a administração procurava limitar a influência crescente dos
Ulamā, mobilizando contra eles tanto os adeptos das confrarias religiosas
como os clérigos oficiais, estes últimos de uma aflitiva mediocridade
63
. Como
a multidão seguia os novos pregadores, nos quais reconhecia instintivamente
58 Ver especialmente BOURGUIBA, 1954, passim.
59 Ibid., p. 10, 35 et seq.
60 Ou “recupe-lo” em relação à cidade. Guardando as devidas proporções, notou -se o mesmo efeito
morfológico na ação dos Ulama na Argélia.
61 BERQUE, J., 1970, p. 289 et seq; redigido em parte com base em recordações de M. Bourguiba.
62 BOURGUIBA, 1954, p. 70 et seq.
63 BERQUE, A., 1951.
721
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
a modernizão necessária do islão, foi -lhes proibido pregar nas mesquitas.
A 16 de fevereiro de 1933, a “Circular Michel” designação tirada do nome
do funcionário da prefeitura que a redigiu e três decretos inauguravam um
monopólio oficial na matéria
64
. A manifestão que se seguiu juntava sin-
dicalistas e militantes da extrema esquerda aos crentes, numa coalizão que
poderia ter sido eficaz. É certo que, nessa altura, surgiu uma espécie de “divór-
cio” entre a tendência comunista e a nacionalista
65
, o qual a reunificação da
CGT e da CGTU (1935) esteve longe de remediar. Ao fim de alguns anos de
clandestinidade, a Étoile Nord -Africaine retomava a ão aberta na própria
Argélia (junho de 1933)
66
. Mesalī dj, seu presidente, vinha empregando
desde 1927 a expressão “independência”. E eis que, na crescente inquietude,
irrompe em Constantine (agosto de 1934) um tumulto antijudaico
67
: complô
ou provocão, explosão ou diversão? Em todo caso, um incidente de rua. A
violência assustou todos os políticos. No entanto, nas eleições seguintes, em
janeiro de 1935, triunfava naquela cidade a lista de oposição do dr. Bendjellūl,
demonstrando para que lado se inclinava a maioria. Embora o vencedor fosse
um assimilacionista convicto
68
, nem por isso deixou de acender o furor pre-
ventivo dos donos do poder.
Nesta radicalização
difusa da vida pública na Argélia, o que contava, como
se vê, não era a fórmula expressa, mas aquilo que ela evocava e provocava.
No Marrocos, os colonos, amargurados com a crise e irritados com alguns
limites que a administração opunha à sua preponderância, emitiram um ulti-
mato. Essa manifestação, cheia de significado simbólico, ocorreu no mesmo dia
das desordens de 6 de fevereiro de 1934 em Paris. O mesmo período assistiu,
no Marrocos, ao nascimento de uma imprensa nacionalista. O Comitê de Ação
Marroquino, no qual Allāl al -Fāsī começava a se destacar como figura domi-
nante, anunciava, em 1 de dezembro de 1934, um Plano de Reformas que, se
fosse adotado, desenvolveria seu real significado e sua finalidade no decurso do
protetorado
69
. A oposição se exprimia mais abertamente na zona espanhola
64 Texto completo em NOUSCHI, 1962, p. 69.
65 No entanto, foi fundado um partido comunista argelino em julho de 1938.
66 OUZEGANE, 1962, p. 84 et seq ,
67 NOUSCHI, 1962, p. 74 et seq.
68 Ver o seu prefácio a KESSOUS, 1935.
69 Análise detalhada em TOURNEAU, 1962, p. 189 et seq.
722
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Habib Bourguiba (nascido em 1903), líder do Partido Neo -Destour (Tunísia).
723
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
pela voz de Torres e de Nāsirī
70
, estabelecendo contatos pelo interior
71
e quase
comprometendo o futuro Mohammed V numa demonstração no Mechuar, em
Fez, no dia 10 de maio de 1934.
A introdução do Plano coincidiu com a liquidação da última mancha de
dissidência no sul
72
A história iria tomar, daí em diante, rumo diferente do
curso arcaico e quase legendário que se havia prolongado além de seus limites
naturais pelo lyauteyismo e pelo Ministry of Native Affairs (Ministério dos
Negócios Indígenas). Semelhante coincidência ultrapassa o quadro marroquino.
A cessação do barūd também condenava potencialmente os bureaux arabes
73
. Na
Argélia e na Tunísia, igualmente, a mudança social, que enfraquecia as velhas
solidariedades, criou outras novas. As ruas das grandes cidades e até os largos
da feira das aldeias convertiam -se em cenário de ações de massa que a ideologia
de classe e de partido soube mobilizar contra os enquadramentos tradicionais.
Nos três países maghrebianos e, particularmente, na Argélia onde o ministro
Régnier fez ruidosa pesquisa o governo apenas respondeu à evolução dos
espíritos e das coisas com manipulações eleitorais
74
e exibição de seu arsenal
repressivo
75
.
O aumento do perigo vindo do outro lado do Reno e o argumento que isso
deu aos conservadores na França não bastam para explicar a recusa da adminis-
tração em agir. A situação em que se fixaram reciprocamente as três partes em
questão (França metropolitana, colonização, movimento nacional) dava aparen-
temente às duas primeiras condições para defender um status quo que a terceira
parte ainda não tinha meios para mudar verdadeiramente. Em contrapartida
da vassalagem imitativa que proibia aos europeus da África do norte qualquer
originalidade, a metrópole lhes assegurava apoio incondicional. Os da Argélia,
por exemplo, que se declaravam “argelinos”, levaram o particularismo longe o
70 RÊZETTE, 1955, p. 83 et seq.
71 Aproveitando as redes de distribuição dos atacadistas de Fez. Esses contatos se estenderam à montanha
e ao Sūs, onde foram recrutados militantes tão conhecidos como Mukhtār al -Sūsī.
72 Merebbī Rebbo foi vencido por uma operação combinada das tropas francesas da Argélia e do Marrocos.
Tindūf foi denitivamente ocupado em 1934.
73 Barūd signica “pólvora”, de onde “combate”; acabou por designar, na gíria militar da África, a resistência
guerreira e até desesperada que a honra impunha às tribos abrangidas pela pacicação”. Os bureaux
arabes, criados um século antes por Lamoricière, constituíam a forma característica de administração
dos grupos tradicionais pelos franceses.o havia nada de equivalente nas cidades e, mesmo nas regiões
rurais do Maghreb, o método envelheceu à medida que o meio evoluía.
74 MENAUT, 1935.
75 Além dos décrets superscélérats na Tunísia, houve o decreto de 30 de março de 1935 na Argélia e o dahir
de 29 de junho de 1935 no Marrocos.
724
África sob dominação colonial, 1880-1935
bastante para dele tirarem o máximo proveito, mas não o suficiente para cor-
rerem o risco de ficar sozinhos, cara a cara, com a maioria muçulmana, sob a
forma de dominion ou de outro arranjo. Portanto, a Argélia era a França, como
eles diziam, mas sem a democracia. A situação é, para todos os fins e efeitos, a
mesma na Tunísia e no Marrocos.
Conclusões provisórias
Nem tudo está elucidado sobre o período que vimos tentando sintetizar.
A cada passo, a história dos acontecimentos tropeça no obstáculo da história
secreta. Pesquisas futuras lançarão mais luz sobre as figuras, circunstâncias e
decisões que no momento ainda são enigmáticas. Mas também há que suspen-
der certos juízos sobre a história social. Haverá uma conexão precisa entre as
flutuações da economia e as da tensão política? Mais do que as estratificações
de classe, é o dualismo étnico, ou antes, cultural, que melhor parece explicar
as posições em questão. E como o conflito transcende de longe o Maghreb, as
vicissitudes que o marcam no Oriente repercutem nos fatos norte -africanos de
modo mais direto, sem dúvida, mas mais profundo que a política francesa, que
ocupa o proscênio. O progresso da investigação talvez permita conjugar um dia,
com mais precisão, todas essas variáveis num diagrama geral, ou pelo menos
ponderar cada uma delas em relação às outras.
A ciência, as ideologias e as ações da época, regra geral, faziam parte de uma
visão eurocêntrica, à qual não escapavam a esquerda francesa nem a maior parte
das teorias norte -africanas do tempo. Isso apenas traz à mó de cima, com maior
evidência, aqueles movimentos que, apesar das dificuldades, souberam escapar
à deformação. Os acontecimentos subsequentes à Segunda Guerra Mundial
haveriam de lhe dar ampla razão.
Mas é demasiadamente fácil, para o historiador, fazer as vezes do profeta do
real. Hoje em dia conhecemos o que veio depois ou, se se preferir, as consequ-
ências das situações descritas neste capítulo. Poderiam elas ser diferentes? Em
particular, a tese reformista defendida nos três países da África do norte por
vozes prestigiosas poderia ter chegado às conclusões esperadas, ou seja, a instau-
ração, em forma atualizada, da solidariedade entre os três países maghrebianos e
a França? Hoje, é facílimo responder pela negativa, mas temos de recusar uma
explicação tão simples.
Evocar uma das possibilidades que a sequência efetiva dos acontecimentos
afastou não é condenar os responsáveis pelos erros e abusos que sem dúvida
725
Política e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919 -1935
contribuíram para impedir que as coisas seguissem o seu curso. É também
indagar de nós mesmos qual o significado de fatos e palavras do tempo. Espe-
ramos ter demonstrado que a situação no Maghreb durante o período que nos
tem ocupado, mais que muitas outras, deve ser interpretada em termos de uma
espécie de movimento subterrâneo, onde o implícito e mesmo o que era oculto
importava mais do que aquilo que era explícito.
Entre a adesão à democracia burguesa, o engajamento no socialismo inter-
nacional e a reafirmação de uma especificidade, sabemos hoje que era a terceira
opção a prevalecer. Contudo, no período em estudo ela não era inequívoca,
antes deixava a alternativa aberta entre dois campos rivais islâmico ou laico,
ocidentalista ou pan -árabe, moderado ou revolucionário. Ninguém podia prever,
em 1935, qual desses apelos prevaleceria, e nem mesmo se alguns deles preva-
leceriam sobre a situação colonial. A conclusão a que podemos chegar é que,
provavelmente, a história deixaria em suspenso outras possibilidades, as quais
poderiam (e talvez possam) dominar, por sua vez, outras fases do futuro.
C A P Í T U L O 2 5
727
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
Conforme vimos nos capítulos 6 e 12, o impulso da resistência ao colonia-
lismo decaiu durante a Primeira Guerra Mundial na maior parte da África oci-
dental. Efetivamente, como o demonstrou M. Crowder (ver o capítulo 12), com
exceção de certas regiões da Costa do Marfim, da Costa do Ouro (atual Gana),
do Níger e das províncias orientais da Nigéria, a maioria dos africanos ocidentais
deu prova de fidelidade à potência colonial durante essa guerra. Alguns chefes
tradicionais chegaram a fornecer voluntariamente contribuições em homens e
recursos, sob a forma de dinheiro, para o esforço de guerra imperial. Uma vez
terminado o evento, porém, os africanos retomaram a luta contra o colonialismo
com reforçada energia e determinação. O período compreendido entre 1919 e
1935 é visto como o de apogeu do colonialismo na África ocidental, mas não
se deve esquecer que ele também foi o do auge da resistência ao colonialismo e
das atividades nacionalistas (ver fig. 25.1).
Diversos fatores determinaram a forma assumida pelo nacionalismo africano
e pelas atividades políticas na África ocidental durante esse período: a influência
da Primeira Guerra Mundial, a própria situação colonial, o aumento numérico
dos profissionais liberais, dos membros da elite culta e da classe operária nos
grandes centros urbanos, as condições econômicas gerais das décadas de 1920
e 1930, a evolução socioeconômica nas zonas rurais, ligada às safras comerciais,
Política e nacionalismo na
África ocidental, 1919 -1935
*
Albert Adu Boahen
* Agradeço à Oxford University Press a autorização para reproduzir certas passagens de meu trabalho,
Pan-africanism and Nationalism in West Africa, OUP, 1973.
728
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Política e nacionalismo na África ocidental, 1919-1935.
729
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
e, finalmente, a difusão do pan -africanismo e das atividades pan -africanas nessa
região do continente.
Crowder apresentou (capítulo 12) de maneira detalhada as incidências da
Primeira Guerra Mundial sobre a África e sobre as atividades nacionalistas.
Podemos contentar -nos aqui de acentuar, em primeiro lugar, que a conscrição
forçada de grande número de africanos provocou considerável irritação, princi-
palmente nos territórios da antiga África francesa. Em segundo lugar, a guerra
deu aos africanos a prova de que, afinal de contas, o homem branco não era
um super -homem e que, portanto, seria possível resistir -lhe. Finalmente, após a
guerra, os africanos ocidentais fiéis esperavam ver sua fidelidade recompensada
por concessões e por uma participação mais importante na direção de seus pró-
prios assuntos, esperança reforçada ainda pelos princípios da democracia liberal
e da autodeterminação formulados por Woodrow Wilson, presidente dos Esta-
dos Unidos da América, bem como por David Lloyd George, primeiro -ministro
do Reino Unido. Por todas essas razões, muitos africanos ocidentais estavam
evidentemente mais dispostos do que antes a participar dos movimentos de
resistência anticolonialistas.
O período foi também o da consolidação do sistema colonial, com maior
acento em seu caráter autoritário e racista. Foi nesse lapso de tempo que se
reforçou a aliança entre chefes africanos tradicionais e dirigentes colonialistas.
Adotou -se uma legislação variada para dar aos primeiros maiores poderes e
praticamente excluir a nova elite educada e os membros das profissões liberais
de qualquer participação na administração de seu próprio país. Isso criou uma
situação tanto mais explosiva pelo fato de o período ter assistido ao aumento
substancial dessa elite de intelectuais e profissionais liberais, devido à dissemina-
ção local da educação ocidental e à ida de um número cada vez maior de africa-
nos para escolas do exterior. Nas zonas rurais, também, a expansão da agricultura
de exportação, como a do cacau e do amendoim, favoreceu a emergência de um
contingente sempre crescente de jovens de ambos os sexos que se tornavam mais
ricos do que os chefes tradicionais e que, portanto, se ressentiam dos poderes
não tradicionais e autoritários conferidos a esses chefes e de sua própria elimi-
nação dos novos conselhos criados pelas chamadas autoridades indígenas. Todas
essas transformações sociais foram com certeza determinantes para a gênese do
nacionalismo e das atividades políticas na África ocidental.
As condições econômicas do peodo entre as duas guerras representavam
um fator ainda mais importante. A primeira coisa a notar, contudo, no que
concerne à política nacionalista na África ocidental anglófona nesse lapso é o
modo como as crises comerciais e as modificações sobrevindas na economia
730
África sob dominação colonial, 1880-1935
colonial afetaram as iniciativas e as reações da elite colonial de juristas e de
negociantes, assim como da sub- elite de professores, funcionários e operios.
Com efeito, a revolução econômica” da África ocidental não criou uma
economia monetária e desenvolveu o comércio como também introduziu cer-
tos valores econômicos e sociais entre os emprerios e certas classes sociais
africanas, principalmente a dos juristas e comerciantes. Embora a situão
de tais classes, sobretudo a dos pequenos comerciantes, tivesse comado a
evoluir com o desenvolvimento da economia colonial, durante os últimos dez
anos do culo XIX, foi na realidade a Primeira Guerra Mundial e a crise
econômica daí decorrente que tiveram sobre elas efeito mais imediato e mais
importante. A estagnação das décadas de 1880 e 1890 havia demonstrado
que, devido à complexidade crescente das operões comerciais, à expansão
dos mercados e à concorrência das empresas extraterritoriais, os empresários
africanos tinham ou de se revelar mais eficazes ou de desempenhar um papel
secundário na economia colonial. A Primeira Guerra Mundial, com seus con-
troles econômicos, direitos discriminatórios de exportão, penúria monetária
e perdas em navios, levou gradativamente os africanos educados, os homens
de negócios e os membros das profises liberais a compreender que uma
página feliz acabava de ser virada e que chegara a era dos caris industriais
capitalistas e de seus monopólios .
Em Serra Leoa, a frustrão das classes cultas e dos comerciantes africa-
nos, e o desemprego nas grandes cidades provocaram os tumultos de 1919,
durante os quais o descontentamento suscitado pelo preço do arroz induziu
os ataques contra os comerciantes rios e libaneses, e a greve dos trabalha-
dores no mesmo ano. Embora voltados contra os levantinos (acusados de
provocar a escassez, estocando gêneros essenciais, bem como de eliminar os
comerciantes do lugar), esses tumultos foram de fato um protesto violento
e espontâneo contra o que se considerava injustas decorrentes da gestão
da economia colonial. As pilhagens e desordens estenderam -se de Freetown
a Moyamba, Kangahun (25 -26 de julho de 1919), Mano, Boia, Makump,
Bo, Bonthe, Mange e Port Loko. A situão era o ria que foi preciso
convocar tropas da Costa do Ouro. Além dos tumultos, houve uma greve
dos cnicos e trabalhadores das estradas de ferro e das obras blicas, que
reclamavam indenização de guerra intica à atribuída aos funcionários dos
servos oficiais e protestavam contra os baixos salários e a elevação dos pre-
731
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
ços dos alimentos
1
. Também em Gâmbia a inflação produzia efeitos sociais
e poticos, acarretando pilhagens e pequenos furtos esporádicos, e greves de
marítimos por melhores salários, tudo resultando na criação de sindicatos,
principalmente a Gambia Native Defence Union.
A crise de 1921 não fez senão acentuar a agitação dos comerciantes da África
ocidental, alguns dos quais estavam arruinados. A emissão de papel -moeda e
a escassez de moeda de prata também não ajudaram a melhorar as coisas, e os
comerciantes europeus eram acusados de açambarcar as notas bancárias e de
praticar alta de preços. Segundo um jornal da Costa do Ouro, “os reis, os chefes
e todas as classes da sociedade logo estarão reduzidos à mendicância, a menos
que os africanos ocidentais se unam para frustrar as dissimuladas manobras dos
magnatas dos cartéis industriais e comerciais”. Em geral, portanto, todas essas
dificuldades econômicas levaram a imprensa africana ocidental a reclamar a
formação do National Congress of British West Africa, NCBWA (Congresso
Nacional da África Ocidental Britânica), e a abolição do sistema administrativo
das colônias da Coroa, para permitir que os africanos participassem mais da
gestão da economia e que houvesse uma representação mais importante deles
nos organismos administrativos e legislativos.
O último fator a desempenhar um papel fundamental foi o lançamento do
movimento pan -africano e dentro dele, principalmente, as atividades do dr. W.
E. B. Du Bois e de Marcus Garvey, especialmente na década de 1920. Estas
questões são estudadas em detalhe no capítulo 29. Assinalemos aqui que os
diversos congressos pan -africanistas organizados pelo dr. Du Bois (em Paris,
em 1919; em Londres, Bruxelas e Paris, em 1921; em Londres e em Lisboa,
em 1922; em Nova York, em 1927), aos quais assistiram participantes da África
ocidental, não só deram um caráter internacional às atividades nacionalistas e à
luta contra o colonialismo na África, em geral, e na África ocidental, em par-
ticular, como também reforçaram consideravelmente a tomada de consciência
dos negros do mundo inteiro sobre sua condição de vítimas da opressão e da
tirania. Esses congressos granjearam novos adeptos para a causa. nacionalista
na África ocidental.
Examinemos agora, contra esse pano de fundo, as organizações e os movi-
mentos que se constituíram no período entre as duas guerras e se tornaram
porta -vozes das reivindicações e das exigências nacionalistas, de início na África
Ocidental Britânica e depois na África ocidental francófona.
1 Public Record Oce, Kew, CO, 267/582/45278; ver também Sierra Leone Weekly News, 19 de julho de
1919, p. 8.
732
África sob dominação colonial, 1880-1935
Política e nacionalismo na África Ocidental Britânica
Movimentos e ligas da juventude
Essas organizações assumiram, na maior parte dos casos, a forma de sindi-
catos étnicos e de movimentos ou associações de juventude. O período entre
as duas guerras assistiu à formação, em muitos países da África ocidental, em
número sempre crescente, de uma infinidade de associações, clubes e socieda-
des (étnicas, de assistência social, literárias, de antigos alunos, de beneficência e
de juventude). Inúmeros sindicatos igbo foram fundados em certas cidades da
Nigéria, como Ibadan, Abeokuta e Lagos. Só na colônia e territórios ashanti
da Costa do Ouro havia pelo menos cinquenta clubes e associações desse tipo
desde 1930, em sua maioria fundados entre 1925 e 1930
2
. A título de exemplo,
citemos o Achimota Discussion Group, o Literary and Social Club e o Eureka
Club de Cape Coast, o Optimum Club, o Literary Club e o Social Club de
Sekondi, o Young Peoples Club, o Cosmos Club e o Rodger Club de Acra, a
Anun Improvement Society, a Ewe League, a Asante Kotoko Society de Kumasi
e a Mekwai Kotoko Union. J. B. Danquah organizou alguns desses clubes e
associações em um movimento, o Youth Conference Movement (Movimento
da Conferência da Juventude), que realizou as primeiras reuniões em Acra, em
1929. Na Costa do Ouro e em Serra Leoa, L T. A. Wallace Johnson fundou
a Youth League (Liga da Juventude) e a West African Youth League (Liga
da Juventude Africana Ocidental). Em 1934, foi fundado o Nigerian Youth
Movement (Movimento da Juventude Nigeriana), que, conforme demonstrou
recentemente um especialista nigeriano, abrangia quase todos os jovens inte-
lectuais da época
3
H. O. Davies, Nnamdi Azikiwe, o dr. Vaughan, o dr. Kofo
Abayomi e Obafemi Awolowo.
Tais clubes e associações eram dirigidos quer por membros da elite intelec-
tual formada pelos missionários, quer por jovens advogados,dicos ou homens
de negócios. Embora o objetivo perseguido por esses dirigentes fosse arrebatar o
poder político dos antigos dirigentes nacionalistas conservadores do Congresso
(do que se tratará mais adiante), nenhum desses movimentos, com exceção da
West African Youth League, formulou exigências radicais, apesar da deteriora-
ção da situação econômica das décadas de 1920 e 1930. Não reclamavam senão
mais equipamentos escolares e de melhor qualidade, a criação de universidades,
2 HAGAN, 1968.
3 OLUSANYA, 1980, p. 558.
733
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
aumento de vencimentos e salários, representação equitativa nos conselhos legis-
lativos e executivos, abolição da discriminação racial, acesso aos mais altos postos
da função pública, mercados econômicos garantidos para os africanos e melhores
relações entre a administração colonial e os africanos. Foram essas, por exemplo,
as exigências apresentadas pela Youth Conference na Costa do Ouro, quando de
sua primeira reunião em Acra, organizada por Danquah em 1929.
Exigências semelhantes foram formuladas pelo Nigerian Youth Movement
(NYM), que preconizava uma maioria africana no Conselho Legislativo e recla-
mava que todos os africanos estivessem representados, de modo progressivo. A
carta do NYM também exigia o sufrágio universal, criticava ao mesmo tempo a
prática do poder indireto e a representação dos interesses econômicos e comer-
ciais europeus no Conselho Legislativo e, finalmente, insistia na nigerianização
progressiva da função pública. No plano econômico, a carta reclamava, como a
Gold Coast Youth Conference (Conferência da Juventude da Costa do Ouro),
que os africanos participassem em de igualdade ao lado da potência colo-
nial na gestão da economia. Expunha mesmo as grandes linhas de um plano
quinquenal de desenvolvimento, em que se dava prioridade à produção de bens
de consumo, ao desenvolvimento do sistema bancário, à indústria têxtil e aos
transportes. Por outro lado, preconizava a criação de sociedades cooperativas
para ajudar os nigerianos a adquirir certas indústrias e a fundar bancos agríco-
las que contribuíssem para a modernização da agricultura e para a melhora do
nível de vida do campesinato. A carta condenava o monopólio das empresas
extraterritoriais e recomendava a adoção de programas de assistência social aos
trabalhadores nigerianos. No plano sociocultural, reclamava a implantação de
um programa de ensino primário e de ensino de massa financiado pelo Estado,
assim como recomendava a adoção de programas de educação pós -escolar e
de educação sanitária, sob a responsabilidade das autoridades administrativas
centrais e locais.
O único movimento a adotar posições extremistas foi a West African Youth
League, dirigida por I. T. A. Wallace Johnson (ver fig. 25.2), um sindicalista de
Serra Leoa que havia estudado em Moscou, de 1931 a 1932. Quando voltou
para a África ocidental, estava decidido a criar uma nova força política que
se apoiasse nos trabalhadores e nos desempregados das áreas urbanas para a
derrubada do sistema colonial. Fundou a Youth League, na Costa do Ouro,
organizando os trabalhadores em sindicatos e lançando -os contra o sistema
colonial, com seus artigos de tom violento, quase sedicioso, e com a habilidade
com que sabia tirar partido das queixas das populações que sofriam com o
desemprego, a alta dos preços dos alimentos e a frustração causada pela baixa
734
África sob dominação colonial, 1880-1935
constante do valor das exportações de cacau desde 1929. Suas tentativas de
mobilizar os descontentes e radicalizar assim a política local fizeram com que
ele fosse considerado pela administração colonial um perigoso extremista, pago
pelos comunistas para aliciar a juventude africana, pelo que foi expulso para
Serra Leoa. Lá, criou filiais da Youth League (em Freetown e em Bo) e lançou
um jornal, The Sentinel, que fez campanha contra as condições de trabalho e o
decreto sobre educação (Education Ordinance).
Além das campanhas de imprensa e das petições, os movimentos da juven-
tude participavam das eleições locais e também recorreram à greve. Estiveram
assim envolvidos nas manifestações, tumultos e greves de Freetown, em Serra
Leoa (1926 -1931), bem como em Bathurst (atual Banjul), em Gâmbia (1929).
Em Acra, o Youth Movement, dirigido por Kojo Thompson, advogado de Acra,
bem como pelo jornalista nigeriano Nnamdi Azikiwe, participou das eleições
municipais locais sob a égide do Partido Mambii, contra os nacionalistas mais
velhos e mais conservadores, como o dr. F. V. Nanka -Bruce, enquanto a Youth
League tomava parte nas eleições locais de Cape Coast. O Nigerian Youth
Movement, sustentado pelo West African Pilot, de Azikiwe, também lançou
vigorosa campanha, aliás coroada de sucesso, contra o Nigerian National Demo-
cratic Party (Partido Democrático Nacional Nigeriano), o partido conservador
de Herbert Macaulay, que dominava o cenário político de Lagos desde sua
fundação, em 1923.
Apesar disso, os movimentos da juventude não realizaram senão parcial-
mente seus objetivos. Os êxitos eleitorais da década de 1930 não conseguiram
desalojar os dirigentes conservadores, e os programas econômicos que deli-
nearam revelaram -se inaplicáveis no quadro de um sistema semicolonial de
administração. Se é certo que a maior parte das atividades dos movimentos
da juventude não produziu resultados políticos importantes, além de algumas
vitórias eleitorais nas áreas urbanas, o estilo político do movimento nacionalista
de 1945 em diante, na África Ocidental Britânica, deve bastante à experiência
adquirida por certos dirigentes nos movimentos da juventude.
Partidos políticos
Além dos movimentos da juventude, vários partidos políticos foram criados
para fazer campanha a favor das reformas. O mais conhecido é o Nigerian
National Democratic Party, fundado por Herbert Macaulay em 1923 (ver fig.
25.3). Os objetivos desse partido eram os seguintes:
735
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
 . I. T. A. Wallace Jonhson (1894-1965), jornalista de Serra Leoa, sindicalista, pan-africanista e político nacionalista, discursando num comício.
(Foto: Longman.)
736
África sob dominação colonial, 1880-1935
Afirmar os direitos à segurança e ao bem -estar das populações da colônia e do
protetorado da Nigéria enquanto partes integrantes do Commonwealth do império
britânico e portar a bandeira do ‘Bem, da Verdade, da Liberdade e da Justiça ao
empíreo da Democracia, até a realização de sua ambiciosa meta de ‘um governo do
povo, pelo povo, para o povo [...] e, ao mesmo tempo, manter uma atitude de inque-
brantável lealdade ao trono e à pessoa de Sua Majestade o Rei e Imperador, sendo
estritamente constitucional na adoção de seus métodos e de seus modos de ação
4
.
Em seu programa figuravam a nomeação e a eleição dos membros do Con-
selho Legislativo de Lagos, a obtenção de um estatuto municipal e de um
governo local autônomo para Lagos, o desenvolvimento do ensino obrigatório
em toda a Nigéria, a africanização da função pública, a liberdade e a equidade
do intercâmbio comercial no país, a igualdade de tratamento dos comerciantes
e dos produtores e, por fim, o desenvolvimento econômico dos recursos natu-
rais locais por empresas privadas sob controle. O partido recorreu aos méto-
dos habituais para a consecução de seus objetivos, participando vitoriosamente
das eleições realizadas em Lagos em 1923, 1928 e 1933. Em 1930, organizou
grandes comícios e enviou delegações ao governador, para “discutir questões de
ordem natural, como a crise do comércio e a nomeação e deposição dos chefes”
5
.
Ele dominou o cenário político de Lagos até 1938, ano em que foi batido pelo
Nigerian Youth Movement.
Sindicatos
O movimento sindical foi igualmente um dos meios de expressão dos senti-
mentos anticolonialistas e das reivindicações nacionalistas. Enquanto se funda-
vam numerosos sindicatos nas Áfricas central e austral, a começar pelo primeiro,
a Industrial Workers and Commercial Union, criada em 1919 por Clements
Kadalie na África do Sul, com uma filial na Rodésia do Sul, estabelecida em
1927, o governo francês aparentemente não permitia a atividade sindical na
África ocidental antes de 1937. Quanto aos ingleses, a toleraram oficialmente
depois de 1932, em Gâmbia, em 1939, em Serra Leoa, e em 1941, na Nigéria e
na Costa do Ouro
6
. Mas, embora as atividades sindicais não fossem autorizadas
nem estimuladas oficialmente durante esse período, vários sindicatos surgiram
à luz do dia, principalmente em razão do elevado custo de vida. É o caso de
4 Apud COLEMAN, 1958, p. 198.
5 Ibid., p. 199.
6 CROWDER, 1968, p. 351 -2.
737
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
 . A delegação do National Congress of British West Africa que visitou Londres em 1921. Da esquerda para a direita: sentados, dr. Bankole-Bright
(Serra Leoa), T. Hutton Mills (Costa do Ouro), chefe Oluwa (Nigéria), J. E. Casely Hayford (Costa do Ouro), H. Van Hein (Costa do Ouro); de pé, J. Egerton
Shyngle (Nigéria), H. M. Jones (Gâmbia), H. Macaulay (Nigéria), T. M. Oluwa (Nigéria), F. W. Dove (Serra Leoa), E. F. Small (Gâmbia). (Foto: Clarendon
Press, Oxford.)
738
África sob dominação colonial, 1880-1935
citar a Railway Workers Union, de Serra Leoa, a Nigerian Mechanics Union,
fundada em 1919, e a Gambia Native Defence Union. As armas clássicas des-
ses sindicatos eram a greve, o boicote e o bloqueio de mercadorias. A primeira
série de greves atingiu as estradas de ferro e as minas. Os operários das ferrovias
fizeram greve pela primeira vez em 1919, em Serra Leoa, seguida por outra em
1926. Os trabalhadores das minas de ouro ashanti fizeram greve em 1924, em
Obuasi, na Costa do Ouro; houve outra nas minas de carvão de Enugu, em
1925; no mesmo ano, foi a vez dos operários e funcionários da ferrovia Dacar-
Saint Louis
7
. Em todos esses casos, os grevistas reivindicavam melhores salários
e condições de trabalho.
Movimentos interterritoriais e movimentos internacionais:
o National Congress of British West Africa
A organização e as perspectivas das associações, partidos e movimentos a que
nos vimos referindo tinham caráter local ou regional. O que todavia distingue os
movimentos políticos verificados entre as duas guerras daqueles que existiram
imediatamente antes e depois do período é o nascimento de um movimento
interterritorial na África Ocidental Britânica e de movimentos internacionais
nas capitais dos países colonizadores. O primeiro deles foi o National Congress
of British West Africa (NCBWA), na África ocidental, e o segundo a West
African Students Union (União dos Estudantes Africanos Ocidentais), fundada
em Londres.
O NCBWA foi, incontestavelmente, o mais interessante dos movimentos
nacionalistas jamais surgidos na África ocidental, entre as duas guerras
8
. O
movimento foi resultado dos esforços de J. E. Casely Hayford, jurista e inte-
lectual da Costa do Ouro, bem como do dr. Akiwande Savage, da Nigéria; a
influência dominante que sempre exerceu não foi a dos chefes tradicionais, mas
sim a de membros das profissões liberais, juristas, médicos e empresários. A
alma do movimento foi sem dúvida Casely Hayford, cujo idealismo, percepção
das realidades políticas e na unidade dos povos africanos permitiram que
o NCBWA sobrevivesse de 1920 a 1930 e introduzisse na política africana
ocidental um tom pan -africanista que se reencontraria 25 anos depois nos
esforços de Kwame Nkrumah.
7 Ibid., p. 352.
8 Para maiores detalhes, ver LANGLEY, 1973.
739
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
Conforme sublinhei na análise do meio socioprofissional dos dirigentes
do NCBWA
9
, a classe dirigente tinha herdado o individualismo possessivo da
democracia liberal do Ocidente, principalmente a doutrina, cultivada na época
vitoriana, do laissez -faire, da ideia de que saber é poder, da fé no progresso e na
harmonia natural dos interesses e, também, da convicção de que a liberdade
dentro da ordem e a propriedade privada andam de mãos dadas.
Além disso, para a maior parte dos dirigentes, a África Ocidental Britânica”
representava uma entidade mais importante do que a Costa do Ouro, Serra Leoa
ou Nigéria. Essa identificação da parte com o todo deveria continuar até a crise
econômica de 1929 e da década de 1930, época em que se impôs uma concepção
nacionalista mais estreita
10
. A burguesia urbana culta da África ocidental, desde
a diáspora de Serra Leoa do século XIX até o final da década de 1930, tinha
mais pontos em comum e se comunicava mais facilmente com a burguesia das
cidades do litoral africano do que com seus irmãos do interior.
Não admira que a intelligentsia nacionalista, da qual se afirmava não ter
história para se levar a sério, consciente do fato de que seu próprio grupo socio-
econômico não via perspectivas dentro do sistema colonial, chegasse a preferir
uma nacionalidade africana ocidental” utópica a um sistema político em que
ela não podia fazer ouvir sua voz e o qual, de todo modo, ela considerava um
sistema de opressão, pelo fato de ser estrangeiro. Os jornais da Costa do
Ouro denunciavam incansavelmente a dominação estrangeira. Como observava
um dos editoriais:A introdução do sistema britânico de governo em lugar do
sistema anterior constitui uma usurpação que nenhuma nação preocupada com
sua dignidade jamais admitiria”.
Apesar de todas essas objeções contra a “dominação estrangeira”, nunca se
tratou de cortar os laços com a potência colonial. A dominação estrangeira
era má, sem dúvida, mas havia boas razões para aceitá -la; era melhor reclamar
maiores oportunidades para um grupo social em particular e fazer reivindica-
ções moderadas do que se desembaraçar completamente dessa dominação; e,
afinal, a gente ainda era livre”, à sombra da Union Jack (bandeira britânica). O
próprio Herbert Macaulay, considerado pela administração um “veneno” para
9 Ibid., capítulo IV.
10 Por exemplo, o Gold Coast Leader, de 26 de setembro de 1928, armava: “A ideia de que as populações
da Costa do Ouro formam uma nação é fundamental”. Por sua vez, o Sierra Leone Weekly News, de 27 de
outubro de 1928, declarava: “Por mais que se fale, Serra Leoa é nosso país [... ]”. É interessante vericar,
no entanto, que entre 1918 e 1939 a quase totalidade da imprensa considerava antes a África ocidental
como um vasto conjunto do que como uma série de colônias. EDMUND, W. D., 1951, p. 113.
740
África sob dominação colonial, 1880-1935
a política de Lagos, podia falar com sinceridade dos “numerosos benefícios da
Pax Britannica”. O NCBWA declarava, por sua vez:
Que a política do Congresso será a de manter estritamente e invioláveis os laços das
dependências britânicas da África ocidental com o império britânico, e conservar
sem reserva todos os direitos de livre cidadania do império, assim como o princípio
fundamental segundo o qual a taxação fiscal acompanha uma representação efetiva
[...] para contribuir para o desenvolvimento das instituições políticas da Africa
Ocidental Britânica sob a proteção da Union Jack [...] e, com o tempo, garantir
dentro de suas fronteiras o governo do povo, pelo povo, para o povo; de assegurar
oportunidades iguais para todos, preservar as terras do povo para o povo
11
Enfim, os dirigentes do NCBWA também se consideravam, em vista de sua
posição sócio profissional, a única categoria de pessoas qualificadas para contro-
lar por meios constitucionais o que histéricos racistas norte -americanos como
Lothrop Stoddard e Madison Grant classificavam como “a maré crescente das
pessoas de cor contra a supremacia branca”.
É importante elucidar a atitude dos chefes desse movimento, a fim de subli-
nhar o fato de que, apesar de todos os discursos sobre a raça, eles eram essen-
cialmente colaboradores, de objetivos políticos extremamente limitados, uma
sub -elite cujos interesses coincidiam geralmente com os dos senhores estran-
geiros contra os quais faziam agitação. Embora alegassem falar em nome “do
povo”, as aspirações da pequena burguesia nacionalista não se confundiam com
as do povo. De fato, eram as contradições dentro do próprio sistema colonial
que eles procuravam harmonizar, a fim de proteger e de promover seus próprios
interesses sem subvertê -lo. Daí o caráter constitucional de suas reivindicações
e o fato de eles reconhecerem os benefícios da dominação colonial britânica.
Pondo de lado seu pan -africanismo, seu principal objetivo era obter instituições
representativas que protegessem suas pretensões socioeconômicas e realçassem
seu papel na sociedade colonial
12
.
O NCBWA reuniu -se pela primeira vez em Acra de 11 a 29 de março
de 1920. A primeira sessão, da qual participaram delegados da Nigéria, da
Costa do Ouro, de Serra Leoa e de Gâmbia, despertou vivo interesse na África,
em Londres e até nas Antilhas
13
. A humilde petição com que a conferência
11 Constituição do National Congress of British West Africa (NCBWA). Ver também as resoluções da
Conference of Africans of British West Africa, Acra , 1920, p. 9.
12 Ver HOBSBAWM, 1964, p. 176 -7, e o interessante artigo de KILSON, 1958.
13 Gold Coast Times, 15 de setembro de 1931, p. 11; West African Nationhood, 9 de abril de 1931.
741
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
revestiu suas resoluções proclama “a fidelidade e o devotamento sinceros de
seus membros’ ao trono e à pessoa de Sua Majestade o Imperador -Rei”. Suas
recomendações implicavam não a destruição, mas a modificação das estruturas
administrativas existentes. As mudanças constitucionais preconizadas compre-
endiam a reorganização dos conselhos legislativos da África ocidental, em que
a metade de seus membros seria nomeada pela Coroa e a outra metade seria
eleita pelo povo; além disso, uma câmara parcialmente eleita teria poderes de
regulamentação em matéria fiscal. Eles condenavam a rígida política colonial,
que consistia em nomear europeus para os postos oficiais mais elevados.
Reclamavam a criação de organismos municipais e de uma universidade africana
ocidental, segundo as recomendações formuladas em 1872 por E. W. Blyden,
com o apoio do governador de Serra Leoa, John Pope -Hennessy.
Queixavam -se dos controles econômicos e fiscais do pós -guerra e do cres-
cente poderio das empresas estrangeiras. É interessante notar que a conferência,
em desespero de causa e sob a influência dos meios comerciais e da Universal
Negro Improvement Association (UNIA), de Marcus Garvey, por intermédio
do reverendo patriarcal G. Campbell, adotou a seguinte resolução:
A presente conferência, estimando que a concorrência comercial nas dependências
britânicas da África ocidental deve estar livre de qualquer entrave, exprime seu vivo
descontentamento com a adoção do decreto relativo aos direitos sobre as exportações
de polpa de coco [...] e que, em razão das dificuldades experimentadas até agora,
na questão do espaço no cais sob bandeira britânica, por legítimos comerciantes e
armadores africanos, ela se declara a favor da concorrência em matéria de navegação,
mais particularmente no que se refere à Black Star Line.
A conferência propôs reformas jurídicas e, principalmente, a criação de um
tribunal de apelação africano ocidental. Em reconhecimento da importante
parte que a imprensa exerce no desenvolvimento nacional”, foi igualmente deci-
dida a criação de uma União da Imprensa da África Ocidental: um comitê de
experimentados jornalistas deveria estudar a questão de uma melhor coordena-
ção da imprensa de língua inglesa da África ocidental. Também foi proposta a
criação de um órgão oficial do NCBWA, dirigido por J. B. Casely Hayford e
financiado pelo Congress Inaugural Fund, cujo título seria British West African
National Review.
A questão das reformas sanitárias e médicas também foi examinada detalha-
damente: o dr. H. C. Bankole -Bright (Serra Leoa) apresentou comunicações de
alto nível técnico. A conferência também se ocupou da segregação racial e da
742
África sob dominação colonial, 1880-1935
situação dos médicos africanos nos serviços públicos. A grave e eterna questão
agrária foi igualmente levantada, sendo objeto de uma declaração acerba:
A presente conferência estima que o princípio da tutela sobre as terras das popu-
lações da África Ocidental Britânica deu lugar a exageros, convindo afirmar que o
nativo desta parte da África é, em média, perfeitamente capaz de se ocupar de seus
próprios interesses com a terra.
A conferência condenou o direito que as potências europeias se arrogavam
de trocar ou dividir territórios sem contemplar a vontade da população, não a
levando em consideração, o que equivalia a uma espécie de escravatura. Denun-
ciou em particular a partilha do Togo entre os governos inglês e francês e a
entrega de Camarões à França, sem que as populações tivessem sido consultadas
ou que se levassem em conta seus desejos nessa matéria. E demandou respei-
tosamente ao governo de Sua Majestade a garantia de não consentir em caso
algum que fosse atingida a integridade territorial das quatro colônias britânicas
da África ocidental. Por fim, a conferência constituiu -se em National Congress
of British West Africa (NCBWA) e decidiu enviar representantes a Londres,
onde estes exporiam suas opiniões.
Uma delegação de Gâmbia, de Serra Leoa, da Costa do Ouro e da Nigéria
desembarcou em Londres em 1921 para solicitar ao governo de Sua Majes-
tade que outorgasse representação eletiva às quatro colônias (fig. 25.3). Casely
Hayford, que representava a Costa do Ouro, chefiava a delegação, a qual apelou
para diversos grupos parlamentares e organizações humanitárias. A delegação
tinha o apoio da Câmara de Comércio de Liverpool, de Albert Cartwright, reda-
tor-chefe de West Africa, e de alguns influentes homens públicos. No entanto,
em vista da oposição de sir Hugh Clifford (governador -geral da Nigéria), de
Gordon Guggisberg (governador da Costa do Ouro), assim como de alguns
chefes da Costa do Ouro conduzidos por Nana Sir Ofori Atta, e, sobretudo,
em razão da atitude negativa do Colonial Office, durante a gestão do visconde
Milner como secretário de Estado, a petição do NCBWA foi rejeitada, essen-
cialmente porque seus dirigentes não representavam a maioria do povo dos
quatro territórios.
O NCBWA reuniu -se novamente em Freetown (janeiro -fevereiro de 1923),
em Bathurst (dezembro de 1925 a janeiro de 1926) e em Lagos (1930), embora a
política reivindicativa do movimento fosse no essencial conduzida pelos diversos
comitês territoriais criados em Gâmbia, Serra Leoa, Costa do Ouro e Nigéria.
A sessão de Freetown, à qual a elite social da cidade deu total apoio, ratificou
a constituição do movimento e definiu precisamente as funções respectivas do
743
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
presidente, do secretário -geral, do conselho executivo, do tesoureiro e do comitê
executivo central. A conferência ainda recomendou à sessão de Freetown a cria-
ção de um órgão de imprensa, que se intitularia British West African Review, para
noticiar todas as atividades das diferentes regiões territoriais. O secretário -geral,
cuja sede ficava em Sekondi (Costa do Ouro), recebia relatórios trimestrais
dos secretários de cada comitê territorial. Significativamente, a constituição do
NCBWA, ratificada em Freetown, tratava também da cooperação econômica
entre os países da África ocidental e recomendava vivamente às sucursais do
NCBWA que educassem a opinião pública e, especialmente, os homens de
negócios e os chefes de empresas africanos quanto aos meios a empregar no
sentido do desenvolvimento econômico da África ocidental.
Quando da sessão de Bathurst, realizada entre 24 de dezembro de 1925 e
10 de janeiro de 1926, o NCBWA, depois de lembrar a rejeição das petições do
comitê local, que reclamavam desde 1920 uma representação eletiva, concluía
que “uma constituição seria a melhor garantia da expressão efetiva e eficaz
da opinião pública”; era hora de aplicar integralmente à colônia de Gâmbia o
princípio da representação eletiva; e, por fim, as várias sucursais do NCBWA
deveriam encarar seriamente o problema de uma federação da África ocidental
britânica, dotada de um governador -geral, e que, em tempo útil, gestões deve-
riam ser feitas junto do governo de Sua Majestade para que esse projeto fosse
examinado com atenção e simpatia.
A sessão de Bathurst advogou também o estabelecimento de escolas nacio-
nais, a instrução obrigatória em todas as áreas urbanas, o ensino agrícola e indus-
trial para as zonas rurais e a criação de bancos e de cooperativas agrícolas.
havia reclamado a “independência econômica e comercial” da África ocidental, a
criação de um tribunal de recursos africano ocidental e a nomeação de africanos
para os postos superiores do aparelho judiciário. Convém notar que o Gambia
Womens Auxiliary Committee, da sucursal gambiana do NCBWA, participou
das deliberações da sessão de Bathurst. Graças ao apoio do Partido Democrático
Nacional da Nigéria, de Herbert Macaulay, bem como aos enérgicos esforços de
membros da seção de Lagos, tais como J. C. Zizer, o reverendo W. B. Euba e B.
M. E. Agbebi, a quarta sessão realizou -se em Lagos no ano de 1930.
Que logrou obter o NCBWA? Embora prosseguisse suas atividades durante
toda a década de 1920, sua realização essencial foi a adoção de novas constitui-
ções que admitiram o princípio da representação eletiva na Nigéria, em 1923, em
Serra Leoa, em 1924, e na Costa do Ouro, em 1925. Pensava -se que semelhante
modificação fora obtida graças à iniciativa de sir Hugh Clifford, então governa-
744
África sob dominação colonial, 1880-1935
dor da Nigéria
14
. Ora, o autor destas linhas pôde concluir, de maneira irrefutável,
que a concessão foi outorgada em consequência das constantes pressões exer-
cidas pelas diferentes sucursais do NCBWA sobre suas respectivas administra-
ções
15
. A entidade conseguiu também inocular nos dirigentes políticos da África
Ocidental Britânica um sentimento de unidade e de destino político comum.
Em contraposição, não logrou realizar a independência econômica nem a unifi-
cação das quatro colônias britânicas, tampouco qualquer melhora ou atenuação
do sistema colonial. Pelo contrário, na década de 1930, o colonialismo estava
ainda mais solidamente entrincheirado do que na década anterior.
Politica rural ou nacionalismo das massas rurais entre as duas guerras
A propósito dos movimentos da juventude, do NCBWA e dos sindicatos,
estudamos o nacionalismo e a política tal como se exprimiam no meio urbano,
sob a direção da elite instruída e dos membros das profissões liberais. Mas,
como revelam pesquisas recentes e as pesquisas futuras em outros países da
África ocidental confirmarão, infirmarão ou modificarão estas conclusões –, as
atividades nacionalistas africanas não se limitaram aos centros urbanos. De fato,
elas se estenderam às zonas rurais, às diferentes entidades soberanas, aos Estados
e às comunidades e, neste caso, os principais protagonistas eram, de um lado, os
homens do povo e os agricultores, instruídos ou analfabetos, e, de outro lado, os
chefes tradicionais. Algumas vezes, estes últimos opuseram -se ao sistema colo-
nial com a ajuda de seus súditos; outras, os súditos os acusaram de ser agentes
desse mesmo sistema. São pouquíssimas as informações disponíveis sobre um
outro aspecto da questão, que é saber se havia ou não conexão entre a política
urbana e a política rural, e se ambas se influenciavam mutuamente e como.
Pode -se ilustrar a situação buscando inspiração nos resultados das pesqui-
sas limitadas que se fizeram até agora em Gana
16
. O período entre as duas
guerras foi assinalado na Costa do Ouro, como nas outras colônias britânicas
da África ocidental, pela instauração e consolidação do sistema de governo
indireto nas zonas rurais por meio de certo número de decretos e leis: Native
Jurisdiction Amendment Ordinance (1910), Guggisberg Constitution (1925),
Native Administration Ordinance (1927) e Native Administration Revenue
Bill (1931). Todas essas medidas, que davam aos chefes tradicionais poderes que
14 Ver LANGLEY, 1973, capítulo IV.
15 Ibid., p. 243 -5.
16 Ver ADDO -FENING, 1975; SIMENSEN, 1975a; STONE, 1975.
745
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
eles jamais haviam tido até então, como o de recolher impostos e aplicar multas,
correspondiam, segundo Stone, a “uma tentativa de fazer dos chefes uma peça
da administração colonial’.” Do ponto de vista econômico, essa época assistiu
a uma alternância de fases de prosperidade e de recessão e inflação estas
últimas nos anos de 1915 a 1917, 1929 e 1930, e de 1935 a 1940. Foi também
a época da expansão da indústria do cacau nas zonas rurais, especialmente
nas regiões de Akuapem e de Akyem Abuakwa, onde um número cada vez
maior de jovens agricultores e de comerciantes que transacionavam com países
distantes enriquecem. Do ponto de vista social, foi igualmente o período em
que o ensino primário foi estendido às regiões rurais. Algumas pessoas que o
receberam mudaram em seguida para as cidades, mas outras permaneceram no
local e se entregaram à agricultura ou ao pequeno comércio. Devido a tantas
alterações ocorridas em sua situação socioeconômica, esses rurícolas começaram
a exigir uma mudança correspondente em sua condição política e, sobretudo,
representação nos conselhos nacionais e provinciais – exigência que a legislação
acima citada não permitia satisfazer os objetivos essenciais das populações rurais
eram, portanto, a representação naqueles conselhos e, acima de tudo, restrições
aos crescentes poderes dos chefes tradicionais e dos comissários; além disso,
reclamavam a supressão ou a redução de certas taxas e multas que os chefes e
comissários lhes impunham.
Como demonstram pesquisas recentes feitas em Gana, os habitantes das
zonas rurais tinham forjado dois instrumentos para a consecução desses obje-
tivos, nomeadamente o instrumento tradicional das companhias asafo, isto é,
organizações permanentes dos povos de língua akan para fins militares e sociais,
fora do controle dos chefes tradicionais ou da elite política, assim como novas
associações, como a Cocoa Farmers Association e a Gold Coast Federation of
Cocoa, criadas respectivamente em 1910 e em 1928. Os métodos empregados
por tais organizações eram as petições e os bloqueios da expedição de cacau.
A mais interessante dessas companhias asafo, nascida nas zonas rurais, foi a
Kwahu
17
. Em 1915, agrupando gente comum de todas as regiões do Kwahu, ela
reuniu -se em Abetifi, convocou o omanhene do Kwahu e o obrigou a assinar um
documento por ela preparado, que enunciava certo número de preceitos “regula-
mentando a vida política e econômica do Estado”. Em 1917, o documento foi
oficialmente ratificado pelo Conselho de Estado de Kwahu e ficou conhecido
mais tarde como a Magna Carta.
17 SIMENSEN, 1974 e 1975b.
746
África sob dominação colonial, 1880-1935
Nos termos desse documento, os direitos e as multas impostos pelos chefes
tradicionais eram reduzidos e regulamentados. O Conselho de Okwahuman
tornava -se um organismo realmente representativo dos chefes e do povo e quem
não assistisse às sessões podia ser multado. Os regulamentos relativos às ativi-
dades socioeconômicas eram ainda mais interessantes e detalhados. O comércio
de produtos alimentícios devia ser centralizado em certas cidades; estabelecia -se
uma lista detalhada dos preços do mercado e dos custos do comércio; a exporta-
ção de peixe e de gado de Kwahu era proibida e instituía -se uma regulamentação
para o casamento, as responsabilidades familiares em caso de dívidas, enterros,
adultério cometido pelos chefes etc. Como observava J. Simensen,esta carta é
provavelmente o documento mais detalhado que possuímos, desde o início da
dominação colonial na Costa do Ouro, sobre os esforços do povo para reduzir
os poderes da elite tradicional e afirmar mais eficazmente sua própria influência
nos domínios jurídico e legislativo
18
.
O segundo método ao qual recorreu a população das zonas rurais foi a desti-
tuição (deposição) de seus chefes tradicionais, prática que marcou a vida política
de todas as zonas rurais da Costa do Ouro (atual Gana) entre as duas guerras.
Entre 1910 e 1944, somente na região de Akyem Abuakwa, houve pelo menos
35 destituições de chefes “divisionários”. As acusações que lhes eram feitas varia-
vam entre abuso do poder, venda ilegal de terras, multas excessivas e execução
de medidas decididas pela administração colonial em matéria de impostos e de
trabalho obrigatório.
As mais interessantes e significativas destituições foram as verificadas em
1932: nesse ano, todas as companhias asafo da região de Akyem Abuakwa entra-
ram em acordo para depor os principais chefes e chegaram a lançar contra o
omanhene em pessoa, Nana Sir Ofori Atta, acusações com vistas à sua destituição.
É interessante notar que essas acusações dos asafo foram desencadeadas pela
decisão do Conselho de Estado de Akyem Abuakwa de aprovar a medida da
administração do imposto indígena proposta pelas autoridades coloniais, confe-
rindo a esse Conselho o poder de tributar seus administrados. Como Simensen
demonstrou, a lista das acusações feitas contra o omanhene revela “que a gente
do povo tomava cada vez mais consciência de que muitos de seus problemas
provinham do fato de os chefes estarem sendo integrados na estrutura admi-
nistrativa do governo colonial, escapando assim ao poder do povo
19
. A ão dos
asafo dirigia -se, portanto, contra a administração colonial e, ao mesmo tempo,
18 SIMENSEN, 1975a, p. 37 -8.
19 SIMENSEN, 1974.
747
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
contra os chefes tradicionais. É sintomático que só a oportuna intervenção das
autoridades coloniais tenha podido salvar Ofori Atta, ainda que ele tenha cedido
a certas exigências dos asafo ; por exemplo, admitindo três membros da Akyem
Abuakwa Scholars Union no Conselho de Estado, em 1933.
Outro método empregado pelas populações rurais consistia em suspender a
venda do cacau. Em 1921 -1922, 1930 -1931 e 1937 -1938, plantadores de cacau,
sob a chefia de John Kwame Ayew e de John Tette -Ansah, ambos homens
instruídos, recusaram -se a vender seu produto enquanto não aumentassem os
preços
20
. Em 1937 -1938, uma manifestação apoiada por alguns chefes tradicio-
nais, entre os quais o grande chefe de Akyem Abuakwa, Nana Sir Ofori Atta,
assumiu grande escala. Hopkins fala dela como a última e a mais importante
manifestação do descontentamento rural antes da Segunda Guerra Mundial”.
Também houve fatos semelhantes nas regiões de Akyem Abuakwa, de Akuapem
e de Akyem Swedru.
Das pesquisas efetuadas, fato notável é até agora não ter havido conexão
formal entre movimentos urbanos e rurais, mas sim contatos individuais, como
aqueles entre J. B. Danquah e a gente do povo da região de Akyem Abuakwa
e entre Kobina Sekyi, jurista e nacionalista de Cape Coast, e a população de
Denkyira e de Abyan Anassa
21
.
O caso da Costa do Ouro mostra, portanto, que as atividades políticas e o
nacionalismo do período entre as duas guerras se manifestavam não nas áreas
urbanas, mas também no interior, incluindo gente do povo e agricultores. Os
resultados de pesquisas realizadas em outros países virão sem dúvida confirmar
as conclusões tiradas em Gana.
Resultado das atividades nacionalistas na África Ocidental Britânica
Resta saber, então, por que o movimento nacionalista na África Ocidental Bri-
tânica teve uma influência tão limitada sobre o povo e os governos coloniais.
A primeira resposta, e a mais importante, é que nunca nem o NCBWA
nem os movimentos da juventude tiveram base popular e não havia conexão
significativa entre atividades políticas urbanas e rurais. Os dirigentes políticos,
portanto, não podiam ser considerados pelas autoridades coloniais como repre-
sentativos das massas populares, estratégia seguida de fato por sir Hugh Clifford
e pelo Colonial Office. Clifford via nos dirigentes do NCBWA “um grupo de
20 HOPKINS, 1966b.
21 STONE, 1975.
748
África sob dominação colonial, 1880-1935
burgueses africanos escolhidos e nomeados por eles próprios, reclamando em
vão e equivocadamente constituições e regimes políticos inadequados e inapli-
cáveis à África”.
Em segundo lugar, malgrado todos os seus discursos, nem os dirigentes do
NCBWA nem os dos movimentos da juventude estavam dispostos a lançar mão
de métodos radicais para atingir seus objetivos. Havia o costume de pensar que
um radicalismo político inteiramente novo se manifestara entre as duas guerras
na África ocidental. Mas tanto os objetivos como os métodos dos grupos e das
associações nacionalistas mostram que, apesar das crises econômicas, a política
anticolonialista jamais assumiu moldes revolucionários. Como se viu, a política
nacionalista do período entre as duas guerras deve ser considerada um fenômeno
de transição, durante o qual tanto os chefes tradicionais como as camadas cultas
tomaram parte em campanhas políticas. Esse período foi, ao mesmo tempo, para
certos dirigentes dos movimentos nacionalistas após 1945, o de sua formação.
Houve tendências mais radicais por volta de 1935, é verdade, mas, regra geral,
eram moderadas no quadro do regime colonial, em que a independência política
não constava decididamente do programa.
Em terceiro lugar, os repetidos conflitos em que se envolviam os dirigentes
desses movimentos prejudicavam sua ação. Em todas as colônias, havia conten-
ciosos dividindo conservadores e moderados, os quais por sua vez entravam em
atrito com a elite tradicional dos régulos. A luta entre os dirigentes do NCBWA
e os da Aborigines Rights Protection Society (Sociedade de Proteção aos Direi-
tos dos Aborígines), por um lado, e entre os líderes de ambas as entidades e os
governantes tradicionais, por outro, estes encabeçados por Nana Sir Ofori Atta,
na Costa do Ouro, enfraqueceu consideravelmente o movimento nacionalista
nesse país. Da mesma forma, se a quarta sessão do NCBWA não se realizou em
Lagos antes de 1930, foi em grande parte por causa das dissensões internas, dos
conflitos de personalidades que dividiram a sucursal de Lagos, bem como da
oposição do Nigerian Pioneer, de sir Kitoyi Ajasa e dos conservadores de lá.
Em quarto lugar, parece que a limitada representação eletiva outorgada
entre 1923 e 1925 produziu o efeito de anestesiar politicamente os movimen-
tos nacionalistas.
Finalmente, é indubitável que a morte de Casely Hayford, em 1930, deu o
golpe de misericórdia nas atividades nacionalistas da África Ocidental Britânica,
em geral, e da Costa do Ouro, em particular, durante os anos decorridos entre
as duas guerras.
Por todas as razões apresentadas, a vida política e o nacionalismo na África
Ocidental Britânica estavam em seu nível mais baixo ao fim do período consi-
749
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
derado, e seria necesrio a crise da Etpia, em 1935, assim como a Segunda Guerra
Mundial – de que se tratará no último volume desta obra – para reati-los.
Atividades políticas na África Ocidental Francesa
Ainda lacunas no conhecimento que temos das atividades políticas afri-
canas nas colônias da África Ocidental Francesa entre as duas guerras. Parece,
contudo, ter havido, segundo as provas bastante incompletas de que dispomos
atualmente, uma falta relativa de atividade política, nessa parte da África, da qual
cumpre buscar as causas na atitude mais restritiva da França quanto às iniciativas
e às organizações políticas africanas, bem como na ausência de uma imprensa
nativa vigorosa, comparável às de Serra Leoa, Costa do Ouro e Nigéria. No
entanto, as atividades políticas apresentavam, tal como no lado britânico, aspectos
locais e aspectos internacionais. De fato, como já demonstrei alhures
22
, o essencial
da atividade política dos africanos de expressão francesa desenrolou -se em Paris
entre 1924 e 1936, mas, como a maioria dessas formações políticas africanas
tinha opiniões avançadas e alinhava com as posições dos partidos políticos e
dos sindicatos franceses mais radicais, a influência de suas campanhas antico-
lonialistas sobre as autoridades francesas permaneceu limitada. Vale citar entre
essas organizações a Ligue Universelle pour la Défense de la Race Noire (Liga
Universal para a Defesa da Raça Negra), fundada em Paris em 1924 por um
jurista nacionalista do Daomé, o príncipe Kojo Tovalou Houénou. Esse movi-
mento fazia campanha contra as condições reinantes no Daomé (atual Benin)
e nas colônias francesas em geral, mantendo estreitas relações com a Universal
Negro Improvement Association (UNIA), movimento de Marcus Garvey nos
Estados Unidos. O Comité de la Défense de la Race Nègre (Comitê da Defesa
da Raça Negra), que sucedeu a liga de Houénou, tinha à sua frente um ministro
comunista senegalês, Lamine Senghor, que exerceu suas funções até a morte,
em 1927. O comitê foi então rebatizado como Ligue de la Défense de la Race
Nègre, encabeçado por outro africano ocidental de língua francesa, um sudanês
também marxista, Tiémoho Garan -Kouyaté.
Por interessantes que fossem, esses movimentos não tiveram atividade na
África ocidental, muito embora como veremos adiante algumas de suas
publicões anticolonialistas, assim como as de seus aliados franceses de
esquerda, penetrassem em certas colônias da África Ocidental Francesa. Da
22 Para maiores detalhes, ver LANGLEY, 1973, p. 286 -325.
750
África sob dominação colonial, 1880-1935
mesma forma, organizações humanitárias francesas, como a Liga dos Direitos
do Homem (semelhante à Anti -Slavery Society dos ingleses), tinham seções em
algumas colônias francesas e, como não havia praticamente nenhuma atividade
política organizada na África, os africanos as utilizavam como instrumentos de
protesto contra a administração colonial.
Política e nacionalismo no Senegal
Entre as colônias da África Ocidental Francesa em que os africanos desen-
volveram uma certa atividade política no período entre as duas guerras, o Sene-
gal e o Oaomé são sem vida as mais interessantes. No Senegal as quatro
communes já elegiam deputados à Assembleia Nacional da França desde o século
XIX. Se bem que os africanos das áreas urbanas fossem considerados cidadãos
em virtude do decreto de 1833, eles foram representados por deputados métis
ou crioulos até 1914, ano em que Blaise Diagne se tornou o primeiro deputado
negro do Senegal. Diagne representou o Senegal na Assembleia Nacional de
1914 a 1934, tendo sido alto -comissário das tropas africanas durante a Pri-
meira Guerra Mundial e presidente da Comissão das Colônias na Assembleia
Nacional. Desempenhou um papel decisivo na convocação do Congresso Pan-
-Africano em Paris, no ano de 1919, mas rompeu em seguida com os dirigentes
negros americanos do movimento
23
.
Diagne foi igualmente o primeiro político senegalês a fundar uma organi-
zação política, o Partido Socialista Republicano, que ele criou em 1914 para
unificar os diferentes grupos étnicos que viviam em Dacar e em Saint -Louis.
Depois de ter estado ausente do Senegal por quase vinte anos, apresentou sua
candidatura em 1914, no momento em que os senegaleses começavam a afluir
às áreas urbanas e se desenvolvia a economia do amendoim. Foi igualmente
a época em que, enquanto os chefes tradicionais cediam terreno, os marabus
(dirigentes de ordens islâmicas) começaram a formar uma nova força política e
social nas áreas rurais. Os jovens senegaleses que viviam nas cidades, empregados
de escritório e professores, também começavam a se agitar.
Pertenciam à organizão dos Jeunes Sénégalais (Jovens Senegaleses),
que debatiam a cultura e a política, reclamavam a criação de novos empregos,
aumento de salário e a possibilidade de prosseguir na carreira acadêmica. Essa
23 Para uma visão global da interação das políticas francesa e senegalesa, entre 1917 e 1940, bem como
para maiores detalhes sobre a carreira de Blaise Diagne, ver JOHNSON, G. W., 1966; HODGKIN,
1954; CROWDER, 1962; BOULEGUE, 1965.
751
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
 . Blaise Diagne (1872-1934), primeiro deputado africano eleito para a Assembleia Nacional da França, saudando seus partidários após as eleições
de maio de 1914, em Dacar. (Foto: Keystone Press Agency.)
752
África sob dominação colonial, 1880-1935
organização foi rebatizada mais tarde com o nome de Partides Jeunes Sénégalais
(Partido dos Jovens Senegaleses) e publicou uma revista, La Democratie, partici-
pando das eleições de 1914, mas sem condições de apresentar um candidato.
Blaise Diagne, em 1914, conseguiu obter o apoio dos grandes marabus das
áreas urbanas, bem como o patrocínio político dos Jeunes Sénégalais e de alguns
franceses de ideias liberais. Embora fosse de origem serer, apelou para outros
grupos étnicos de Dacar e de Saint -Louis, tais como os Lebu e os Wolof. Na
verdade, a língua wolof foi muito usada em sua campanha eleitoral. Em vez de
apelar para a raça, falava da representação política dos negros do Senegal e do
despertar político dos africanos, preconizando uma “evolução racional e não uma
revolução brutal” nas colônias
24
. Durante toda a campanha, insistiu na necessi-
dade de manter o direito à cidadania e o direito de voto dos africanos nas quatro
communes, enquanto seus adversários europeus e mestiços (que dominavam a
vida política das comunas desde 1900 e consideravam os círculos eleitorais feu-
dos pessoais ou familiares) não levavam praticamente em conta esse problema
e rejeitavam Diagne, no qual viam um candidato de pouco peso. Na realidade,
no início até alguns africanos se opuseram a ele, especialmente os Lebu.
No entanto, Diagne não só fez campanha pelos direitos eleitorais dos africa-
nos como também defendeu o reconhecimento oficial do direito e dos costumes
corânicos. Reclamava igualmente concessões comerciais mais importantes para
os africanos, a criação de um conselho colonial para administrar as finanças das
colônias francesas, a fundação de uma escola de medicina em Dacar, o direito
de organizar sindicatos e a indenização dos Lebu pelas terras das quais tinham
sido desapossados pela conquista militar francesa. Gras essencialmente à
sua enérgica campanha, ao voto secreto e ao apoio político que lhe deram os
grupos muçulmanos das zonas rurais, ele saiu vitorioso das eleições de 1914,
tornando-se o primeiro africano a ser eleito para a Assembleia Nacional fran-
cesa, em julho de 1914. Sua vitória eleitoral foi em si mesma uma revolução na
participação e organização dos africanos em matéria de política senegalesa. Os
eleitores negros representavam um importante fator político e não mais um
instrumento eleitoral dócil nas mãos dos colonos e dos mulatos.
Blaise Diagne não reivindicava a independência para o Senegal, mas a igual-
dade e a dignidade do homem africano e a direção da administração e das
instituições municipais pelos africanos senegaleses. Até sua morte, em 1934,
permaneceu fiel a seu programa de evolução (diagnisme). N’Galandou Diouf,
24 Apud JOHNSON, G. W., 1966, p. 246.
753
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
que lhe sucedeu, também aderiu a essa linha política, malgrado a atitude dos
intelectuais de esquerda mencionados antes, que julgavam o Blaise Diagne das
décadas de 1920 e 1930 um conservador e até um antiafricano. Seja como for,
ao provocar o despertar político do Senegal, ele preparou o terreno para a ação
política e o nacionalismo das décadas de 1940 e 1950.
Política e nacionalismo no Daomé
No Daomé, pondo de lado os protestos normais dos africanos por meio da
seção local da Liga dos Direitos do Homem, que talvez fosse a única forma
permitida de atividade “política”, a “política reduzia -se no essencial a conflitos
dentro dos grupos religiosos e à interação destes com as lutas pelo poder e as
disputas sucessórias no seio das tribos. Em parte, esses conflitos estão na origem
dos problemas que explodiram em Porto Novo no ano de 1923. No entanto, em
face de sua educação e de sua socialização, os membros da intelligentsia africana
não se imiscuíram necessariamente em tais lutas pelo poder e não se determina-
vam necessariamente em função de critérios étnicos. Louis Hunkanrin
25
foi o
mais importante militante daomiano deste período. Participou das lutas políticas
pela direção dos clãs (apoiou a facção Sognigbe da comunidade muçulmana de
Porto Novo contra o grupo de muçulmanos Yoruba chefiado por José Paraíso),
enquanto tomava parte nas campanhas anticolonialistas. Hunkanrin fez seus
estudos no Senegal, trabalhou algum tempo no Daomé e voltou para o Senegal
em 1913. Publicou em jornais franceses e senegaleses artigos criticando a
administração colonial no Daomé e ajudou Blaise Diagne na campanha eleitoral
de 1914. Graças a este, arranjou emprego em Paris, mas foi reconduzido para o
Daomé em 1921 devido às suas ligações com os grupos políticos de esquerda da
capital francesa. Durante a permanência em Paris, lançou um jornal, Le Messa-
ger Dahoméen, onde condenava os abusos do colonialismo no Daomé. O jornal,
depois, tornou -se o órgão da Union Intercoloniale (União Intercolonial), cuja
revista pró -comunista Le Paris foi por algum tempo dirigida pelo revolucionário
vietnamita Ho Chi Minh. Foi por intermédio desses grupos de esquerda que
La Ligue de Paris, de Touvalou Houénou, e o Negro World, de Marcus Garvey,
começaram a penetrar no Daomé.
De volta ao Daomé, Hunkanrin reanimou a seção local da Liga dos Direi-
tos do Homem e uma seção do Comitê Franco -Muçulmano. Graças a colegas
filiados em seções locais, os jornais de esquerda e comunistas da França e dos
25 CROWDER e JOHNSON, 1974, p. 511, 565 -7.
754
África sob dominação colonial, 1880-1935
Estados Unidos penetraram nos meios intelectuais daomianos, e petições e
queixas contra a administração local foram remetidas a Paris. No Gabão, havia
um grupo semelhante desde 1919. Laurent Antchouey, jovem gabonês que
havia estudado no Senegal, reativou uma seção da Liga em Libreville, no ano
de 1925, ao voltar da França, onde tinha dirigido duas revistas, L‘Écho Gabonais
e La Voix Africaine.
Em fevereiro -março de 1923, devido em parte ao aumento dos impostos,
à queda do preço da polpa de coco, após as crises econômicas de 1919 e de
1920 -1921, à inflação e à escassez de moeda metálica, os trabalhadores das
empresas privadas entraram em greve, sendo realizados comícios pelos amigos
de Hunkanrin, membros do Comitê Franco -Muçulmano e da Liga
26
. Foi pre-
ciso convocar o exército para dispersar as manifestações, e os africanos reagi-
ram organizando um movimento de resistência passiva que durou desde 13 de
fevereiro até os primeiros dias de março. Estalaram greves também em Ouidah.
Alguns chefes tradicionais até exigiram a seus confrades que se opusessem aos
novos impostos. A administração colonial reagiu mandando prender os orga-
nizadores da resistência, chamando unidades do Togo e da Costa do Marfim, e
decretando o estado de emergência, que foi mantido até junho de 1923. A prisão
e expulsão de quase todos os dirigentes do movimento de contestação, entre os
quais Hunkanrin, pôs fim à agitação nacionalista no Daomé, após o que o país
conheceu, como os outros territórios da África Ocidental Francesa, um período
de tranquilidade política.
Durante esse período, a principal diferença entre nacionalistas conservadores
e nacionalistas de esquerda da África Ocidental Francesa (sendo os primeiros
majoritários, sem dúvida) residia no fato de que os conservadores, sob a orien-
tação de Blaise Diagne, se contentavam com a “representação simbólica e com
a evolução progressiva dos súditos coloniais da França, com evoluídos” sele-
cionados representando a população africana, ao passo que Kouyaté, Senghor,
Houénou e os raros intelectuais africanos de esquerda, que esperavam mudanças
mais importantes nas colônias após a Primeira Guerra Mundial, reclamavam
uma representação africana significativamente maior por intermédio de grupos
políticos de esquerda capazes de se fazerem ouvir e de exercerem sua atividade
tanto na França como nas colônias. Estes últimos também reclamavam o direito
de criação de sindicatos nas colônias e certo grau de autonomia no quadro do
império colonial francês. Somente quando as esperanças da esquerda se viram
26 BALLARD, 1965; BUELL, 1928, v. II, p. 16 -7.
755
Política e nacionalismo na África ocidental, 1919 -1935
definitivamente sepultadas por Blaise Diagne e pelas autoridades francesas é
que eles vieram a assumir a autonomia e a independência política como obje-
tivos. Não foi este o traço dominante da evolução política geral dos territórios
da África Ocidental Francesa, e não surpreende que essa atividade da esquerda
tivesse vida curta e que a política colonial nessa parte da África tenha adotado o
estilo e as concepções de Blaise Diagne e de N’Galandou Diouf até as reformas
constitucionais do período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Pondo de lado as manifestações e os tumultos de Porto Novo, em 1923,
provocados pela rivalidade entre muçulmanos e facções apoiadas pelo governo
entre os agrupamentos tradicionais, pela imposição de taxas e pela deterioração
do comércio da polpa de coco, que foram explorados por um grupo de intelec-
tuais nacionalistas, os movimentos nacionalistas organizados segundo o modelo
do NCBWA ou do Partido Democrático Nacional da Nigéria, de Herbert
Macaulay, tiveram um papel pouco relevante na África Ocidental Francesa no
decorrer do período.
C A P Í T U L O 2 6
757
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
A palavra kiswahili siasa abrange as noções contidas nos dois vobulos
principais do título deste capítulo. Siasa significa ao mesmo tempo oposição,
reivindicação, agitação e ação militante. Compreende ações desenvolvidas por
grupos organizados assim como iniciativas espontâneas de indivíduos cora-
josos. Os agentes da siasa são os Wanasiasa (singular: mwanasiasa). Mas, para
as autoridades coloniais britânicas, siasa era sinimo de agitação e Wanasiasa,
de “agitadores”. Essa aparente simplicidade da interpretação britânica dissimula,
contudo, níveis de organização e preocupações bem diferentes. Estudos recentes
1
chamaram utilmente a atenção para os diversos níveis de preocupação e, portanto,
para os diversos tipos de atividade dos Wanasiasa. Essa classificação representa um
progresso em relação à definição histórica anterior de John Lonsdale
2
, para quem
a política na África oriental entre as duas guerras se caracterizava principalmente
por uma ação de natureza local (ver fig. 26.1).
Com efeito, tendo por assente que o terreno da atividade política era o das
reivindicações locais das massas e de certos indivíduos saídos de suas fileiras, os
espaços de articulação dessas reivindicações variavam: desde a baraza dos chefes,
nas reservas, até os serviços do ministério das colônias, em Londres; e também
1 D. A. LOW e J. M. LONSDALE, in D. A. SMITH (org.), 1976, p. 40 -48.
2 LONSDALE, 1968a.
Política e o nacionalismo na
África oriental, 1919 -1935
Elisha Stephen Atieno -Odhiambo
758
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Política e nacionalismo na África oriental, 1919-1935.
759
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
desde a manifestação política autorizada até os comícios provocadores sobre as
colinas e os treinamentos bélicos nas florestas. Assim, um problema local podia
ser apresentado simultaneamente em dois níveis ou mais, sendo escolhido para
intervenção aquele que parecesse aos articuladores, no momento considerado, o
mais sensível às pressões. A siasa representa, portanto, uma consciência coletiva
dos malefícios do sistema colonial em dado lugar e momento. O termo abrange
ao mesmo tempo a consciência de clãs, de nacionalidades e de classes sociais.
As atividades políticas a que se dedica este capítulo embasavam -se, portanto,
numa consciência de grupo concreta. Eram atividades de massa. Cada movi-
mento exigia um chefe, mas eram as massas que o formavam, sendo os dirigentes
apenas a vanguarda. Na sequência deste capítulo ter -se em mente que cada
movimento e cada dirigente tinha as massas atrás de si
3
. E, de acordo com o
nível e o terreno de intervenção escolhidos, algumas dessas atividades foram
mais tarde classificadas como manifestações de nacionalismo.
Movimentos de protesto religioso
A religião é uma das armas que os africanos orientais empregaram desde
o início na luta contra o colonialismo. A resistência supunha uma mobilização
e, em numerosas regiões, foram os chefes religiosos que assumiram esse papel.
A era da primeira resistência foi também a dos profetas. Os africanos perdiam
guerras nos campos de batalha, mas o espírito de resistência permanecia entra-
nhado no coração das multidões. Os partidários do Orkoiyot, no país Nandi,
permaneceram ativos e vigilantes, e os Nandi foram muitas vezes mobiliza-
dos por esses chefes proféticos para resistirem incansavelmente aos abusos do
colonialismo
4
. Da mesma forma, os arquivos coloniais do Quênia estão cheios
de referências a curandeiros e laibons criadores de problemas em Marakwet,
Samburu e na região de Kericho. No oeste de Uganda, os adeptos do culto
nyabingi, da região de Kigezi, eram constantemente vigiados. Esses movimentos
tradicionais de resistência religiosa asseguravam a continuidade com a época
precedente. Mas no início da segunda década assistiu -se à consolidação do colo-
nialismo. Para muita gente, pareceu que o pior dos males se havia abatido sobre
a terra. As forças coloniais se firmaram no país, reestruturaram ou destruíram
suas instituições sociais e políticas para impor suas próprias estruturas a esses
3 Ibid.
4 ARAP MAGUT, 1969.
760
África sob dominação colonial, 1880-1935
povos. Os africanos colonizados precisavam se revigorar espiritualmente para
se lançar contra o colonialismo sob todas as suas formas. Foi a essa necessidade
espiritual que acorreram em resposta o aparecimento de uma nova geração de
profetas africanos e a criação de igrejas africanas independentes, paralelas às
igrejas cristãs europeias, destinadas a proporcionar um local próprio de culto
para os numerosos africanos que se haviam convertido ao cristianismo, mas
achavam intolerável a tutela dos missionários
5
.
De certa forma negligenciados pelos historiadores, os profetas africanos
desempenharam todavia um papel apreciável em aliviar seus adeptos das ten-
sões que o colonialismo havia introduzido no tecido colonial. Essas inovações
religiosas eram movimentos de protesto. Iniciada na segunda década do século
XX, a atividade dos profetas iria prosseguir ao longo das duas décadas seguin-
tes, para ampliar -se mais após a Segunda Guerra Mundial. Dois estudos, um
sobre os Kamba e o outro sobre os Abagusii, dão ideia do que representou esse
movimento.
Os Kamba tinham entrado em contato com os colonizadores desde o começo
do século XIX, por intermédio de seus comerciantes, que se deslocavam até a
costa
6
. Os missionários, na esteira dos colonizadores, chegaram depois de 1840,
intensificando os esforços de evangelização entre o final do século XIX e o início
do XX. Mas tanto o cristianismo como o islamismo pouco marcaram a massa
dos Kamba. O que os afetou profundamente foi o colonialismo enquanto força
política e econômica. Durante os 20 primeiros anos do século XX, a situação
colonial gerou um sentimento geral de espoliação e de frustração entre as mas-
sas dos Kamba: as autoridades coloniais haviam de fato tratado de se apropriar
de seus recursos financeiros mediante impostos, de suas terras e de sua mão de
obra, por meio de chefes por elas nomeados, os quais pouco se interessavam pela
autoridade tradicional.
As instituições sociais pré -capitalistas, encarregadas de solucionar os confli-
tos, não estavam em condições de conter esses chefes e sua polícia. Cada vez
mais decepcionadas, as massas voltaram -se para as seitas religiosas, para que as
ajudassem e protestassem em seu nome. Essas seitas, que se fundamentavam
nos profetas, floresceram entre 1910 e 1922. Um culto muito disseminado,
Kathambi ou Ngai, surgira no distrito de Machakos entre 1910 e 1911, predi-
zendo o iminente advento de um milênio. Durante algum tempo, os dirigentes
religiosos inquietaram as autoridades britânicas, que reagiram com reformas
5 WELBOURN e OGOT, 1966.
6 MUNRO, 1975 .
761
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
do sistema político. Mas estas foram consideradas insuficientes e, embora a
grande onda milenarista viesse a perder o fôlego, permaneceram na sociedade
kamba os elementos hostis à dominação colonial. A incorporação obrigatória
dos Kamba durante a Primeira Guerra Mundial e o fato de a administração
colonial demonstrar geralmente ser incapaz de solucionar os numerosos proble-
mas sociais e econômicos colocados às massas após a guerra fizeram aumentar
as fileiras dos que estavam prontos a responder ao apelo dos milenaristas para
pôr fim às tensões sociais.
O apelo veio de Ndonye wa Kauti, que começou a pregar uma mensagem
profética à população de Kilungu, no distrito de Machakos, no início do ano
de 1922. Seu movimento ganhou amplitude devido às repercussões locais da
crise econômica mundial de 1920 -1921, com a dificuldade cada vez maior dos
Kamba para arranjar o dinheiro dos impostos. Além disso, enquanto baixava o
preço de seus excedentes de produção, os encargos fiscais passavam de três para
oito rúpias por habitante, em 1920. As reformas monetárias de 1921 -1922, que
impuseram sucessivamente o florim de papel e depois a moeda de um xelim
como unidade monetária, fizeram com que perdessem dinheiro nas vendas à
vista. Em corolário, as colheitas foram dizimadas pela seca e a oferta de emprego
não era suficiente para absorver o excedente de mão de obra masculina. Foi
nessa situação de escassez que Ndonye wa Kauti anunciou um milênio e uma
solução messiânica para a penúria monetária. Dizia -se profeta, afirmava que
podia prever a chuva, convidava as mulheres à sua casa para dançar o kilumi
(dança ritual). Também declarava que Deus, Ngai, lhe aparecera em sonhos e
lhe havia anunciado que ele, Ndonye, fora escolhido para preparar o povo para
o advento próximo de uma nova era. Na aurora dessa nova era, os europeus
seriam expulsos, a terra se tornaria tão boa como era antes do colonialismo, a
água cairia em abundância e não haveria mais impostos. Quando tivesse edi-
ficado o santuário que Deus lhe recomendara, ele lhe enviaria livros, roupas,
fuzis e uma linha telegráfica. Esta última, profetizava Ndonye, seria um meio
de comunicação entre os Kamba. Quando tivesse recebido todos esses dons de
Deus, tomaria conta por completo do conjunto do país. Não teve tempo para
isso, pois o comissário do distrito mandou prendê -lo antes de terminado o
santuário e deportou -o para Siyu, ilha da costa queniana. Ndonye nunca mais
voltou: como muitos outros militantes que o antecederam e sucederam, morreu
no exílio. A seita não sobreviveu à sua partida: tanto neste movimento como
nos outros, o papel mobilizador do animador era essencial.
O mumboísmo, contemporâneo do profetismo de Ndonye wa Kauti, muito
mais duradouro, foi menos fácil de eliminar. Nasceu do ressentimento comum
762
África sob dominação colonial, 1880-1935
que os Luo e os Abagusii nutriam em relação à autoridade colonial desde as
guerras de ocupação travadas pelos britânicos contra os Abagusii em 1904 e
1908 e contra os Luos de Alego em 1908 -1910
7
. O ressentimento acentuou-se
depois que os britânicos obrigaram essas populações a fornecer -lhes mão de obra
para a construção de estradas e para as lavouras dos colonos. A isso juntou-se o
odioso imposto sobre as habitações, que pesava fortemente sobre os polígamos,
bem como o paternalismo dos missionários, que alimentava mais o desconten-
tamento. Como no Ukambani, os Abagusii começaram a apelar para novas cate-
gorias de pensamento, capazes de oferecer a perspectiva de um futuro melhor.
Foi o que lhes trouxe o mumboísmo luo, culto tradicional do espírito do lago,
que havia atingido o apogeu no século XIX e ganhou seu segundo alento ao
se tornar um movimento político de resistência ao homem branco, na segunda
década do século XX. Em 1913, o deus Mumbo apareceu a um certo Onyango
Dunde, do cSeje do país Alego, e lhe disse:
Eu te escolhi para seres meu porta -voz. Vai dizer a todos os africanos e espe-
cialmente aos Alego que de agora em diante serei o Deus deles. Aqueles a quem
escolhi pessoalmente e que me reconhecem viverão para sempre na abundância. Suas
culturas crescerão sozinhas e eles não terão mais necessidade de trabalhar. Para quem
crê em mim, farei surgir do lago manadas de vacas, carneiros e cabras, mas todos
os infiéis terão suas famílias e seu gado mortos. A religião cristã, que obriga seus
adeptos a vestir roupas, não passa de podridão. Meus fiéis devem deixar crescer o
cabelo e jamais banhar -se. Todos os europeus são vossos inimigos, mas está próxima
a hora de sua partida.
Como no caso de Ukambani, o profeta condenava os europeus e rejeitava
seu modo de vida. A brevidade da mensagem e, sobretudo, a mescla feliz de
adesão renovada à religião tradicional e de sensibilidade à atualidade política
explicam que o movimento se tenha propagado muito rapidamente desde o
país dos Alego, no distrito de Siaya, até o sul da província de Nianza, e fosse
manifestar -se entre os Kisii em 1914, por intermédio de outro profeta luo, Mosi
wuod Auma, que prometia a “cura de todos os males” e previa que “todos os
homens brancos deixarão em breve o país kisii, depois do que os africanos viriam
a possuir suas terras em paz”.
O anúncio da partida próxima dos brancos tomou uma ressonância impre-
vista em 1914, quando os alemães atacaram o forte inglês de Kisii. Os africanos
viram nisso uma realização da profecia e aderiram à pilhagem dos centros colo-
7 LONSOALE, 1977.
763
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
niais e missionários do distrito. A repressão, que não poderia faltar, foi brutal, e
cerca de 150 Abagusii foram mortos quando os britânicos trataram de sufocar
a revolta. No entanto, os adeptos do culto não desanimaram e continuaram
com suas atividades no período entre guerras, apesar das frequentes prisões e
da possível deportação de seus chefes. E, em se implantando mais profunda-
mente, o culto de Mumbo se confundiu entre os Abagusii com o culto local de
Sakawa. Este último era um profeta Abagusii do século XIX, cujo retorno fora
previsto pelos adivinhos desse povo para meados do ano de 1921. Uma profetisa,
Bonairiri, tratou de organizar os Abagusii a fim de os preparar para esse retorno.
A administração colonial reagiu, promulgando a Abuse of Opiate Ordinance
(Lei sobre o Abuso de Narcóticos), no intuito de abafar o movimento. Apesar
de tudo, os fiéis de Bonairiri continuaram a pregar tanto o sakawaísmo como o
mumboísmo em 1921 -1922. Combatidos pela administração colonial, os dois
movimentos persistiram entre os Abagusii durante todo o período. Perseguidos,
deportados, proibidos no distrito, os mumboístas continuaram a pregar sua fé e
a cantar este refrão subversivo:
Sabaye Laesi, Sabaye
Wuriande you are going
George you are going
Sabaye Laesi, Sabaye
8
Como sabemos, porém, “George” (o homem branco) não partiu, e o reinado
de Mumbo jamais aconteceu. No entanto, o espírito de resistência nunca foi
esmagado. Secretamente mantido, haveria de reaparecer na década de 1950 para
atormentar uma vez mais a administração britânica na região dos Abagusii.
O outro aspecto igualmente importante da reação religiosa foi a criação de
igrejas cristãs independentes. Conforme vimos nos capítulos 12 e 20, algumas
delas desempenharam o papel de movimentos de protesto contra o paternalismo
europeu das igrejas missionárias, mas todas queriam superá -las, para oferecer
soluções que julgavam adaptadas às necessidades dos fiéis. Apesar dessa comu-
nidade de propósitos, elas apresentaram durante esse período, na África oriental,
formas muito diversas que cumpre distinguir.
Havia igrejas etíopes”, no sentido de emprestar ênfase como observava K.
Asare Opoku à situação dos próprios africanos e aos direitos políticos. Outras
pertenciam à escola “sionista”, com acento na posse pelo Espírito Santo, na cura
das doenças e nas profecias. Além disso, havia entre as igrejas independentes
8 OGOT e OCHIENG, 1972, p. 173.
764
África sob dominação colonial, 1880-1935
diferenças de doutrina, de rito, de organização e de aspirações. Essas diferenças
surgiram no decorrer dos acontecimentos que desembocaram na independência.
A primeira igreja africana independente da região, a Nomiya Luo Church
9
,
fundada em 1910 por John Owalo, antigo aluno da Church Missionary Society,
convertido primeiro ao islamismo e depois ao catolicismo romano, foi estu-
dada no capítulo 7 deste volume. Lembremo -nos de que ele teve uma visão na
qual fora transportado aos Céus. Eis o que ele conta a respeito:
É um lugar magnífico, onde todos os povos da terra queriam entrar, mas os anjos
fecharam a porta. Quando todos os homens foram reunidos, os anjos fizeram entrar
primeiro os judeus e depois os árabes. Deixaram então entrar juntos John Owala, o
arcanjo Gabriel e o arcanjo Rafael. Os homens brancos tentaram segui -las, mas os
anjos fecharam a porta no nariz deles e os expulsaram a pontapés.
A visão celeste de Owalo, além de nitidamente dirigida contra os brancos,
representava em parte a síntese de suas diversas experiências religiosas e de seus
variados antecedentes. Essa síntese foi integrada ao ritual de sua nova igreja,
que prescrevia a seus fiéis, cada vez mais numerosos, a prática da circuncisão e a
observação dos Dez Mandamentos, proibindo -lhes fumar, beber cerveja e dançar.
Na realidade, como dizia Ogot
10
, Owalo não rejeitava as religiões estrangeiras –
queria simplesmente que os africanos as adequassem à sua maneira de ser.
A mensagem da Watch Tower Church (Igreja da Torre de Vigia), difun-
dida entre os africanos da África central e do sul de Tanganica (atual Tanzânia)
durante e após a Primeira Guerra Mundial, era igualmente sedutora: o mundo
atual estava vivendo sua última hora; os grandes impérios e os países europeus
eram instrumentos de Satanás, tal qual as igrejas tradicionais. Tudo isso tinha
de ser destruído em um último e grande combate. A terra pertenceria então aos
verdadeiros crentes. Essa igreja o teve dificuldade em penetrar na Rodésia do
Norte (atual Zâmbia), onde Hanoc Sindano pregava, desde 1917, contra a autori-
dade dos chefes nomeados pela potência colonial, dos administradores coloniais e
dos missionários. Em 1919, o movimento tinha ganho Tanganica e se implantara
notavelmente nas regiões de Kasanga, de Mambwe, de Ufipa e de Mbozi. A crise
veio em 1923, quando os britânicos acusaram seus dirigentes de difamar as igrejas
missionárias, detendo e encarcerando 17 homens. o obstante, a Watch Tower
Church conservou seus fiéis e continuou a expandir -se durante todo o período
colonial. Era uma religião de massas, como o mumboísmo.
9 Ver o capítulo 7 deste volume e, ainda, ODINGA, 1967, p. 68 -9; OGOT, 1974b, p. 262 -3.
10 OGOT, 1974b, p. 262 -3.
765
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
 . O reverendo Alfayo Odongo Mango Ka Konya, fundador da Joroho Church entre os Luo em
1932. (Foto: East African Publishing House Ltd., Nairóbi.)
766
África sob dominação colonial, 1880-1935
O movimento tinha em vista solucionar os problemas das populações rurais
colonizadas. Rejeitava a autoridade dos chefes, dos missionários e dos funcio-
nários britânicos e criava novas aldeias para seus adeptos, com a finalidade de
integrá -los em sociedades onde se sentissem à vontade. Tal como a Nomiya
Church, a Watch Tower Church procurava criar sociedades completas e sãs,
para substituir as que o colonialismo destruíra.
Outras igrejas tinham uma vio mais restrita, cada qual perseguindo um obje-
tivo único. Assim, a African National Church, que se desenvolveu no distrito de
Rungwe, em Tanganica, de 1930 em diante, era uma igreja cristã especialmente des-
tinada aos crentes que, por causa da sua poligamia, tinham sido excluídos das igrejas
missionárias ou tiveram seu acesso a elas recusado
11
. Da mesma forma, a Dini ya
Roho (Igreja do Espírito Santo) foi fundada em 1927 entre os Abaluyia, no Qnia,
por dissidentes da Friends African Mission
12
. Seus adeptos insistiam no fato de
que, para ser verdadeiramente cristão, era preciso aceitar o “batismo pelo Espírito
Santo”, o dom das línguas e a livre confiso dos pecados. A importância atribda
ao batismo pelo Esrito Santo também caracterizava a Joroho Church (Igreja do
Espírito Santo), fundada por Alfayo Odongo Mango
13
(ver fig. 26.2) entre os Luo,
em 1932. Ainda que fundada originariamente para assimilar uma queixa precisa,
cada uma dessas religes viria depois a elaborar a sua doutrina, ritos e organização,
sob a inspiração das circunstâncias e de sua própria experiência histórica.
Embora frequentemente considerados pelas autoridades coloniais simples rea-
ções impulsivas de negação
14
, esses movimentos religiosos de protesto atestavam o
vigor e a vitalidade do espírito africano e lançaram as bases para futuros movimentos
de massa nacionalistas. o é muito comum dar -lhes lugar nos anais do naciona-
lismo, mas nem por isso eles deixam de constituir, por assim dizer, os “tios legítimos
do nacionalismo africano. E a base do apoio deles era o povo, as massas rurais.
As associações de “jovens”
Às elites educadas, asomi ou josomo, atribuem os trabalhos históricos recentes
um lugar de primeiro plano na evolução política africana desse período
15
. Esse
11 RANGER, s.d., p. 16 -20.
12 ODINGA, 1967, p. 69.
13 OGOT, 1971.
14 COLEMAN, apud LONSDALE, 1968b, p. 12.
15 KARANI, 1974; KIPKORIR, 1969; McGREGOR, 1967; KIMAMBO e TEMU, 1969, capítulo VI.
767
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
grupo novo, que não contava praticamente com nenhuma mulher, compreendia
alguns ex -alunos das escolas missionárias, como as de Maseno, Budo, Thogoto
e Zanzibar, que se haviam tornado professores, catequistas, empregados e arte-
sãos. Opondo -se aos chefes nomeados pelos colonizadores e à administração
local, organizaram associações contestatárias de jovens” para levar adiante suas
campanhas políticas. As associações eram, portanto, movimentos de massa. A
primeira foi a Young Baganda Association, que lutou com muita eficácia con-
tra os chefes e o kabaka de Buganda. A Young Kavironde Association também
desempenhou um papel ativo junto dos camponeses da província de Nianza.
Da mesma forma, a Kikuyu Central Association deu prova de notável perse-
verança e espírito de organização durante esses anos. Vejamos agora qual foi a
sorte delas.
Tomemos o exemplo da Young Baganda Association, que surgiu em conse-
quência das tensões que abalavam então as bases da sociedade ganda. De modo
geral, a competição política era muito intensa em Buganda, nas três primeiras
décadas do século atual, o que se explica por vários fatores. O primeiro foi um
instrumento jurídico, obra dos colonizadores britânicos e dos chefes baganda
protestantes, o Buganda Agreement, de 1900. Esse acordo, cujos aspectos econô-
micos foram examinados no capítulo 7, regia principalmente as relações entre
os britânicos e a classe dirigente baganda. Dava a Buganda maior autonomia
do que às outras regiões da África oriental e garantia -lhe a segurança externa.
Assim, a atividade política voltou -se para o interior, e os problemas levanta-
dos eram os que tinham interesse e consequências diretas para a sociedade
ganda. Os chefes constituíam o elemento motor dessa atividade. Beneficiários
do acordo e tendo recebido terras importantes a título pessoal e oficial, esses
suseranos iriam ser o alvo principal das críticas formuladas pelos chefes de clã
(os bataka tradicionais), pelos camponeses (bakopi) e pelos jovens”. De todos
os beneficiários do acordo, o kabaka de Buganda era o mais favorecido, motivo
por que os jovens”o lhe poupavam críticas, contestando -o verbalmente e por
escrito. Efetivamente havia matéria para dissensão no reino, pois o acordo e suas
consequências, a criação de novas classes sociais, descontentaram numerosos
grupos – os muçulmanos, os católicos, os bataka e os bakopi. O comportamento
dos novos chefes deixava muito a desejar. Depois de 1918, tornaram -se cada
vez mais impopulares. Funcionários coloniais, e não chefes tradicionais, eles
facilmente se dispunham a ignorar as relações protetor -protegido existentes no
Buganda feudal, para favorecer seus novos senhores. Além disso, como agentes
do imperialismo, eram encarados como intermediários de mudanças indesejáveis
e de interferências no modo de vida ancestral. Foi desse modo que receberam
768
África sob dominação colonial, 1880-1935
o encargo de colocar em vigor regulamentos de saúde e de higiene impopulares
entre os camponeses. Os membros da elite educada à ocidental, que não haviam
sido corrompidos pelo aparato, exploravam essas queixas ao máximo.
A revolta foi conduzida pelos “jovens”
16
, entre os quais se destacou Z. K. Sen-
tongo, hábil panfletário, que organizou a comunidade dos imigrantes baganda
em Nairobi. Em 1919 fundou a Young Baganda Association, cujos objetivos
eram os seguintes:
a) fazer Uganda progredir por todos os meios;
b) ajudar todo Muganda merecedor que se encontrasse em dificuldades;
c) encontrar a melhor forma de permitir que os Baganda recebessem
instrução.
Em seus muitos testemunhos e escritos, os contestadores se levantavam con-
tra os chefes de Buganda, a quem acusavam de prender pessoas sem julgamento
num tribunal. Também alimentavam queixas contra a ordem econômica: recla-
mavam a eliminação das numerosas restrições impostas ao comércio do algodão
pela potência protetora. Sua última reivindicação comprovava sua qualidade de
homens novos: exigiam a melhora dos meios educacionais existentes, a criação
de escolas públicas, o desenvolvimento do ensino das meninas e a criação de
uma escola superior em Buganda.
Três anos depois desse modesto começo, a Young Baganda Association viria
a se mostrar mais intransigente. Em 1921 tornou -se racista e antiasiática. O
asiático era um bode expiatório cômodo para os que tinham reivindicações eco-
nômicas a fazer. No Uganda Herald, Sentongo acusava os asiáticos de serem os
primeiros exploradores dos africanos. “Quem nos explora, senão os indianos?”,
perguntava, para concluir: “Os indianos não querem senão cegar os indígenas”.
Em 1922, a Young Baganda Associaton também se tornara antimonarquista,
atacando os chefes e o kabaka e propondo a instauração da república. Yowasi
Paito, Joswa Naluma e Yusufu Mukasa, três auxiliares médicos do Hospital de
Namirembe, antigos alunos da escola secundária de Budo, acusavam numa carta
o kabaka Daudi Chwa de ter um comportamento imoral, de ser incapaz de
administrar apropriadamente o lubiri (palácio) e de apoiar os chefes. O kabaka
é indigno”, diziam. Em conclusão, exigiam uma constituição para Buganda. Era
evidente que nem os chefes nem o kabaka iriam deixá -los à vontade. Foi mon-
tada uma campanha para desacreditar esses elementos. Para começar, o lukiko
adotou uma lei punindo os ultrajes ao kabaka, com o argumento de que eles con-
16 LOW, 1971, p. 53 -5.
769
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
trariavam os costumes. Os culpados eram passíveis de penas de prisão. Os três
autores da carta foram enquadrados nessa lei e encarcerados em julho de 1922.
Por outro lado, o próprio kabaka Daudi Chwa escreveu panfletos com a intenção
de conquistar o apoio do povo, atacando os jovens intelectuais, acusando -os de
copiar o estrangeiro
17
. Essa dupla ofensiva, juntamente com a recuperação de
certos elementos da Young Baganda Association, aos quais foram oferecidos
postos de chefes subalternos, solapou o espírito de solidariedade na organização,
que se desintegrou pouco a pouco.
A Kavirondo Taxpayers Welfare Association
18
é um exemplo cssico do
impacto dos missionários. A organização à qual estava filiada, e que os missio-
nários acabaram por desnaturar, era a Young Kavirondo Association, criada no
segundo semestre de 1921 pelos alunos da escola de Maseno, na província de
Nianza. O que estava em jogo era o novo estatuto do território colonial: antigo
protetorado britânico da África oriental, convertera -se em 1920 em uma colônia
da Coroa a colônia e o protetorado do Quênia. Os dirigentes da associação
viram nessa evolução o sintoma inicial da deterioração da situação dos africanos
e de uma colonização das terras do Quênia ocidental pelos europeus. Essas pre-
ocupações, combinadas com as reivindicações locais, precipitaram uma greve na
escola de Maseno. Jonathan Okwiri, Jeremiah Awori, Reuben Omulo e Simeon
Nyende dela participaram como professores. Logo se soube que seria organizada
uma assembleia pública em Lundha para se discutirem as reivindicações dos
Luo e dos Abaluyia.
A assembleia realizou -se em 23 de dezembro de 1921 e teve por resultado a
criação da Young Kavirondo Association (YKA), com Jonathan Okwiri, Benja-
min Qwor Gumba e Simeon Nyende como, respectivamente, presidente, secre-
tário e tesoureiro. Consequência mais importante foi a aprovação de resoluções
exigindo, entre outras coisas, um corpo legislativo separado para a província de
Nianza, autonomia administrativa com um presidente africano eleito, eleição de
chefes supremos nas regiões central e meridional, eliminação da odiosa kipande
(cédula de identidade), redução do imposto sobre habitação e do imposto indivi-
dual, com isenção para as mulheres, aumento dos salários, revogação do estatuto
de colônia da Coroa e retorno ao protetorado, outorga de títulos de propriedade
individuais, abolição do trabalho forçado e supressão dos campos de trabalho de
Yala, Rabuor, Nyahera e Pap Onditi, assim como a construção de uma escola
pública na região central da província de Nianza.
17 Ibid., p. 104 -8.
18 OKARO -KOJWANG, 1969.
770
África sob dominação colonial, 1880-1935
As resoluções foram apresentadas ao comissário regional por uma delega-
ção. Depois, esta solicitou uma audiência com o governador para lhe entre-
gar pessoalmente esses textos. O comissário recusou uma primeira vez, depois
uma segunda, mas as tensões aumentaram e o governador aceitou finalmente a
entrevista com os representantes dos peticionários em 8 de julho de 1922, em
Nyahera. Nenhuma reivindicação deles foi imediatamente atendida, mas a lição
a extrair do confronto foi a de que a elite nascente havia dado provas de uma
aptidão impressionante para mobilizar as massas. A razão disso estava em que
ela formulava as reivindicações locais. As autoridades optaram por uma ão
paternalista de tipo colonial, encarregando para esse fim um missionário con-
descendente, o arquidiácono Owen. Em 1923, os dirigentes da Young Kavirondo
Association imaginaram que Owen seria um bom intermediário, e este via aí a
ocasião de proteger os jovens e de fazer deles cidadãos respeitosos da lei.
Em julho de 1923, a presidência da associação, mais conhecida pelo nome
de YKA ou de Piny Owacho, foi então confiada ao arquidiácono Owen. Ele
não se apoiava nas massas, mas nas elites. Tratou imediatamente de tornar
a organizão “respeitável”, desnaturando -a. A agitação política deu lugar a
reivindicações relativas a habitação, alimentação, vestuário, educação e higiene.
Os membros da associação tinham muitas vezes de prometer que: não sujariam
a água das fontes; matariam um número X de ratos por semana; plantariam
duzentas árvores por ano; não voltariam a preparar a especialidade tradicional
obtida da mistura de urina de vaca com leite; construiriam latrinas; fariam uma
cama em cada palhoça da aldeia; não se embriagariam mais e não estimulariam o
casamento das meninas com menos de dezesseis anos. Por outras palavras, Owen
arrancou o ardor político de massa dessa associação, a qual passou a ter desde
então o inofensivo nome de Kavirondo Taxpayers Welfare Association, KTWA
(Associação de Defesa dos Contribuintes Kavirondo). Ele encorajava os líderes
assim neutralizados a apresentar todas as reivindicações políticas em memoran-
dos endereçados às autoridades. Muitos dos memorandos assim redigidos davam
exatamente conta da realidade e embaraçavam a administração colonial, mas
seu caráter excessivamente elitista e formalista tornava -os ineficazes. A fórmula
assumiu tanta importância na luta que os dirigentes da associação ganharam
apelidos de “Jo -Mernorandum
19
.
Uma nova forma de fragilização da associação ocorreu em 1931 com a cisão
entre os Luo e os Abaluyia. A fração Luo permaneceu vegetando até 1944, sob
19 ODINGA, 1967, p. 61 -94.
771
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
a direção de Owen, depois de ter sido desarmada por ele e da neutralização dos
elementos extremistas, aos quais foram outorgados postos de notáveis: Jonathan
Okwiri e Odinho viraram chefes, Simeon Nyende foi nomeado para o Local
Native Council e Apendi foi encarregado de representar a província de Nianza
no Joint Select Committee into the Closer Union in East Africa. Houve recal-
citrantes, como Aduwo Nyandoje e John Paul Olola. Este último, que vinha
da reserva dos Alego, foi particularmente ativo a partir de 1927 na Câmara
de Comércio de Kisumu, mas seus esforços visavam satisfazer reivindicações
econômicas pequeno -burguesas e estavam muito longe dos grandes programas
políticos populares de começos da década de 1920.
A KTWA, a despeito de tudo, serviu de inspiração a uma área vizinha, a
Uganda oriental, onde Erisa Masaba fundou a Bugishu Welfare Association
nos primeiros anos da década de 1920. O objetivo da associação era eliminar
os agentes Baganda e instituir uma direção local, e empenhava -se também em
“favorecer o desenvolvimento dos Bagishu” e em vigiar estreitamente os colonos
do Quênia, no caso de estes invadirem suas terras, na região do monte Elgon.
Na mesma ocasião foi criada a Young Bagwere Association, cujos objetivos eram
quase idênticos. Visava impedir que os Baganda adquirissem as terras situadas
em volta do Mbale e instruir seus membros “a bem ensinar e a bem plantar”.
Contemponea dessas duas organizões, a Kikuyu Central Association (KCA),
que desde 1924 passou a defender os interesses dos camponeses gikuyu, mostrava
-se mais intransigente. Sua sede ficava em Kahuhia, na região de Muranga, criada
por Joseph Kang’ethe e James Beauttah. Segundo Beauttah: A primeira meta da
KCA era a restituição das terras que os europeus nos haviam tomado
20
’.
Quem eram seus membros? A KCA representava os Gikuyu que não acei-
tavam plenamente nem os princípios nem o fato da dominação europeia. Ela
ostentava em relação às mudanças uma postura mais militante do que a dos
chefes nomeados e dos alunos das missões. Em resumo, alinhava na oposição.
A que se opunha? É difícil dizê -lo em poucas palavras, que seus dirigentes
jamais foram capazes de formular suas ideias com precisão. Mas, de modo geral,
insurgia -se contra os excessos da situação colonial, na medida em que estes se
manifestavam na sociedade gikuyu. Com efeito, os Gikuyu denunciavam cons-
tantemente as humilhações raciais advindas da arrogância cultural dos dirigentes
brancos, bem como as múltiplas medidas e atos da administração colonial que
lhes suscitavam ressentimento.
20 SPENCER, 1971, p. 94.
772
África sob dominação colonial, 1880-1935
A lista dos agravos que os responsáveis pela KCA apresentaram ao gover-
nador, quando ele visitou a região de Muranga, em 1925, uma idia de sua
posição. Eram hostis à Crown Lands Ordinance de 1915, que havia tornado os
africanos locatários de acordo com a vontade da Coroa. Também reclamavam a
libertação de Harry Thuku, assim como a nomeação de um chefe supremo com
poderes judiciais em relação a eles, boa formação e eleito pela maioria do povo.
A petição tratava igualmente dos problemas locais criados pela administração
colonial, como a reconstrução obrigatória das palhoças insalubres, na tentativa
de acabar com a peste, e a proibição aos nativos de plantar algodão e café.
Finalmente, solicitavam melhoramentos, pedindo que a administração colonial
abrisse as possibilidades de formação de enfermeiros, construísse uma escola
secundária e outra para meninas. As reivindicações pouco interesse despertaram
às autoridades coloniais.
O desdém oficial, porém, não desanimou os dirigentes da associação. Em
1927, houve uma espécie de aproximação com os políticos da região de Kiambu,
quando a associação ofereceu a Jomo Kenyatta (ver a fig. 26.4) o posto de
secretário -geral, que ele ocupou de 1928 em diante.
A situação da KCA melhorou nos dois anos seguintes, por razões de ordem
local e internacional. A ação empreendida por Kenyatta como secretário levou
a uma renovação cultural. Para garantir uma base sólida à associação, Kenyatta
apelava para seu povo no Mwigwithania, jornal de língua gikuyu fundado por
ele, exortando -o a se orgulhar de seu patrimônio cultural. As páginas desse men-
sário vinham cheias de enigmas, de provérbios e de histórias que desenvolviam
nos leitores um sentimento de pertença à etnia gikuyu. Também noticiava com
detalhes as atividades diárias da KCA, atraindo assim a atenção do público para
ela. Esse despertar cultural iria beneficiar fortemente a séria disputa que, no ano
seguinte, dividiu as igrejas do país Gikuyu em relação à clitoridectomia assunto
tratado no capítulo 20.
Foi também a década em que Jomo Kenyatta viveu em Londres. Depois que
a Kikuyu Central Association apresentou uma petição à Hilton Young Com-
mission e depôs perante ela, em 1928, a alienação das terras passou ao primeiro
plano das preocupações dos Gikuyu. Kenyatta fazia parte da delegação da KCA
que depôs perante a comissão. O ponto principal de suas queixas estava contido
na seguinte verificação: “Procuramos durante muito tempo obter do governo
títulos de propriedade de nossa terra, mas sem êxito, e o sabemos se ela
773
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
 . Jomo Kenyatta (1890 -1978), nacionalista queniano e primeiro presidente do Quênia independente, 1963 -1978. (Foto: Royal Commonwealth Society.)
774
África sob dominação colonial, 1880-1935
pertence a nós ou à Coroa
21
. O problema da segurança fundiária nas “reservas”
africanas foi de novo levantado por Kenyatta, quando a KCA o encarregou, em
1929, de formular suas reivindicações em Londres (ver a fig. 26.4). Kenyatta
resumiu da seguinte forma os objetivos da associação: inalienabilidade de suas
terras; desenvolvimento dos meios práticos de ensino; abolão do imposto
sobre habitação para as mulheres e representação eleita no Conselho Legislativo.
As mesmas posições iriam ser defendidas com vigor particular dois anos mais
tarde, quando os africanos foram convidados a depor perante a Kenya Land
Commission – organismo criado depois de o Parlamento ter adotado, em 1931,
21 ROSBERG e NOTTINGHAM, 1966, p. 94.
 . Harry uku (1895 -1970), um dos fundadores e dirigente da East African Association.
(Foto: East African Publishing House Ltd., Nairóbi.)
775
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
uma recomendação preconizando uma pesquisa sobre os problemas agrários
africanos. A KCA ajudou ativamente as famílias gikuyu (mbari) a preparar sua
documentação. Quando o relatório da comissão foi divulgado, mobilizou todos
os grupos políticos gikuyu para redigir um memorando unânime de protesto e
de rejeição. Como os protestos não foram ouvidos, a questão agrária assumiu
enorme importância na política gikuyu e constituiu o fundamento da guerra dos
Mau Mau, que viria a explodir 20 anos depois.
Essas associações de “jovens” não atingiram seus objetivos, mas seria injusto
dizer que malograram por completo. Embora o sistema tenha sabotado constan-
temente sua eficácia, cooptando ou prendendo, segundo o caso, seus dirigentes,
elas tiveram efeito duradouro, na medida em que formularam as reivindicações
dos africanos em relação ao sistema colonial, utilizando métodos como a redação
de panfletos e explorando capacidades como o conhecimento do inglês e do
kiswahili para expor os principais malefícios do colonialismo.
Associações de setores limitados da população
As associações criadas especialmente para solucionar os problemas de fron-
teiras são demasiado numerosas e variadas para serem relacionadas. De fato, os
regimes coloniais haviam fixado os limites territoriais do Quênia, de Uganda,
de Tanganica, de Zanzibar e da Somália antes de 1933. Mas, para atender às
necessidades da administração interna desses territórios, as autoridades coloniais
instituíram uma divisão em províncias, distritos, reservas e comarcas, assim
como subdivisões no interior das reservas e das comarcas que atravessavam
vários grupos étnicos, clãs e linhagens. Muitas vezes, as terras pertencentes
a um grupo eram atribuídas a novos proprietários, que não tinham nenhum
direito tradicional sobre elas. A situação provocava vivas reações dos dois lados:
as pessoas lesadas procuravam, aqui, recuperar suas terras, ali, juntar -se a seu clã
em outra sub -reserva, acolá, obter um novo traçado mediante a criação de uma
sub -reserva correspondente a um clã ou subcdeterminados. As contestações
davam -se localizadamente, mas a agitação provocada por elas era tão intensa
e tão insistente que a administração colonial não podia ignorá -la. Por outro
lado, muitos homens novos” tiveram a possibilidade de desempenhar um papel
nessas disputas devastadoras: preparação de documentos, processos, remessa de
memorandos ao comissário do distrito, ao governador ou mesmo ao ministro
das colônias. Havia sempre riscos consideráveis de violência localizada nesses
conflitos, que, por vezes, terminavam de forma trágica.
776
África sob dominação colonial, 1880-1935
A ação empreendida pela Ugenya Kager Luo Clan (Margem Sul do Rio
Nzoia) Association
22
, criada pelos membros de língua luo do cKager em 1932,
visando recuperar de seus vizinhos Wanga o território que tinham perdido, é
um modelo reduzido desse tipo de conflito. O Mubende Banyoro Committee
23
, mais conhecido, reivindicava constantemente a restituição pelos Baganda ao
reino de Bunyoro, em Uganda, das comarcas perdidas” de Huyaga, Bugangaizi,
Buwekula, Buruli e Rugonjo. Mas, no cômputo geral, não era possível aos colo-
nizadores satisfazer as reivindicações feitas por associações segmentares, o que
provocaria exatamente a politização da vida local. A insistência das associações
levou os britânicos a rejeitar o conjunto de sua atividade, tachada de fitina
(obstinação tacanha). Afinal de contas, as facções formam a própria substância
da política local.
Associações reformadoras e sindicatos
As inúmeras associações comerciais formadas pelos agricultores e empre-
sários africanos durante esse período tiveram um papel secundário no plano
político. Normalmente eram formadas com determinado objetivo, mas, em vista
dos problemas cotidianos inerentes à situação colonial, logo se viam obrigadas
a denunciar todos os abusos do sistema em sua região. Por essa razão, os diri-
gentes se tornavam alvo da hostilidade dos representantes locais da adminis-
tração colonial. Um bom exemplo a respeito é a Kilimandjaro Native Planters
[Coffee] Association (KNPA), fundada em 1925 “para defender e promover os
interesses dos plantadores de café indígenas do Kilimandjaro
24
. Seja porque os
colonos europeus receavam os grupos de pressão organizados dos africanos, seja
por ter havido conflitos pessoais entre seu chefe, Joseph Marinyo, e os diversos
administradores britânicos ou os chefes africanos, a organização acabou natural-
mente por se ocupar de outras questões, como o cadastramento, a alienação e a
exploração das terras, o reforço da união com o Quênia, os direitos políticos e a
representação dos africanos no Conselho Legislativo Central e na Moshi Dis-
trict Water Board. No nível local, a política da associação parecia muitas vezes
dirigida contra os chefes. Realmente era esse o caso, e nisso se assemelhava aos
numerosos movimentos de protesto locais nascidos na África oriental por volta
22 OGOT, 1971.
23 KYEYUNE, 1970.
24 ROGERS, 1972 e 1974.
777
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
de 1925. A existência de tais formações demonstrava que uma nova elite havia
surgido paralelamente aos chefes oficiais impostos pelas autoridades coloniais,
quinze ou vinte anos antes. Os recém -chegados manifestavam -se não entre
os Chagga e Gikuyu, mas também entre os Lengi
25
, Kamba 26
26
e Haya
27
. Isso
significava que a geração no poder tinha de ceder lugar aos jovens na esfera
local.
Os jovens pensavam sobretudo que os chefes coloniais não se deveriam con-
siderar os únicos instrumentos do progresso social e que eles próprios deviam
participar dele. Assim, quando a Bukoba Bahaya Union foi criada, em 1924,
parte de sua ambição era aconselhar o povo,civilizá -lo”. Segundo os funcioná-
rios e os comerciantes locais da região de Bukoba que foram seus fundadores
Clemens Kiiza, Suedi Kangasheki, Ludovic Kaitaba e Herbert Rigizibwa, a
organização visava a criação de uma instituição encarregada de desenvolver o
país e a pesquisa de uma via simples para a civilização, que fosse de vantagem
recíproca para os interessados”. Dois meios permitiriam o acesso à “civilização”:
a instrução e a cultura do café. Através das décadas de 1920 e 1930, a Bukoba
Bahaya Union defendeu essa causa e, dessa forma, enfrentou com regularidade
os administradores e os chefes que, em sua opinião, constituíam obstáculos
ao progresso. Retrospectivamente, a Union não passava de outra associação
comercial africana como a Kisumu Native Chamber of Commerce, criada pelos
africanos para tentar arrancar alguns privilégios de que se beneficiavam as asso-
ciações asiáticas da época.
Os historiadores da África oriental falam delas como associações
“reformadoras
28
, dirigidas por homens modernos
29
, entre os quais figura-
vam Hugh Martin Kayamba, Francis Lwamigira e Harry Thuku, no final da
década de 1930. As opiniões divergem quanto ao papel desempenhado por esses
homens no despertar da consciência política africana. Alguns veem neles pre-
cursores a serviço das populações africanas
30
, e quem pense que eram antes
de tudo individualistas, não lhes reconhecendo nenhuma parte do “radicalismo
político africano
31
. Em conjunto, os “reformadores” começaram principalmente
25 TOSH, 1973 e 1978.
26 MUNRO, 1975, capítulos 7 e 8.
27 HYDEN, 1969, capítulos 4 e 5.
28 ILIFFE, 1969, p. 123 -61; 1979, p. 405 -35.
29 Ibid., 1973.
30 Ibid., 1973; JANMOHAMED, 1974.
31 Ver em ATIENO -ODHIAMBO, 1973, uma crítica de ILIFFE, 1973.
778
África sob dominação colonial, 1880-1935
por se defenderem e por defender seus interesses de classe: portanto, é difícil
atribuir -lhes um papel preponderante na política de ação de massa
32
.depois
da Segunda Guerra Mundial é que as elites desposaram a causa do povo. A
história do sindicalismo mostra bem que não havia nenhuma ligação entre os
modernistas e as massas.
A resistência dos trabalhadores empregados, em contraste com a oposição
à ão sindical propriamente dita, cedo se manifestou na África oriental. Um
dos primeiros problemas que as autoridades coloniais tiveram de resolver foi
o de obrigar os africanos ao trabalho nas explorações dos colonos, nos novos
setores das ferrovias (Quênia -Uganda Railways, Central Line de Tanganica)
e nas obras públicas. A administração colonial resolveu o caso adotando tex-
tos que instituíam um “contrato de serviço cuja inobservância podia acarretar
sanções penais e constituía uma infração passível de multa ou de prisão. Além
disso, principalmente no Quênia, todo indígena apto do sexo masculino tinha
de ser registrado, de acordo com a Native Registration Ordinance, lei celerada
que impunha aos africanos a kipande ou cédula de identidade –, por todos
odiada. No entanto, essas medidas não impediram que os trabalhadores fizessem
greve
33
. No Quênia, a primeira greve africana ocorreu em Mombaça no ano de
1902, na qual cinquenta agentes da polícia se recusaram a intervir, seguida em
1908 por uma de ferroviários africanos em Mazeras. No mesmo ano, houve
uma greve de condutores de riquixá em Nairóbi. Quatro anos depois, foi a vez
dos marítimos de Mombaça pararem de trabalhar, seguidos pelos ferroviários de
Nairóbi. E assim por diante. Essas greves isoladas não acarretaram a formação
de sindicatos, o que, de qualquer forma, teria sido considerado ilegal na época,
mas demonstraram a possibilidade de uma ação de apoio às reivindicações dos
trabalhadores e contribuíram para a tomada de consciência que caracterizou os
anos anteriores a 1919.
Esse despertar desembocaria em uma verdadeira consciência política depois
da guerra. As dificuldades econômicas e as provações suportadas pelos africanos
entre 1919 e 1922 fizeram -lhes compreender que os problemas do trabalho
estavam ligados ao contexto político e econômico ao qual se achavam subme-
tidos. Os “jovens”, que iriam desde então assumir a chefia do movimento polí-
tico, eram, regra geral, citadinos que conheciam a penosa situação das massas
laboriosas. As queixas dos trabalhadores costumavam, pois, fazer parte de seus
memorandos e discursos. Assim, quando da fundação da Young Gikuyu Asso-
32 ATIENO -ODHIAMBO, 1975, p. 218 -22.
33 SINGH, 1969, p. 45.
779
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
ciation, a 11 de junho de 1921, os problemas do trabalho surgiram em primeiro
plano. O relatório que Harry Thuku fez dessa jornada o comprova. Mandou à
imprensa o seguinte comunicado:
A Young Gikuyu Association reuniu numerosos adeptos na aldeia de Pangani para
discutir a diminuição dos salários dos indígenas. Foi proposto e decidido que para
dar a conhecer ao governo as reivindicações dos indígenas em relação à redução dos
salários [a Associação seria] autorizada a escrever ao Hon. Chief Native Commis-
sioner para solicitar -lhe que apresente a questão a S. Ex. o governador
34
.
O memorando foi devidamente expedido ao Chief Native Commissioner. Seus
autores solicitavam principalmente que a administração colonial não reduzisse os
salários e obrigasse os colonos a fazer a mesma coisa, denunciavam o trabalho
obrigatório, manifestavam -se contrários ao sistema de registro e deploravam a
elevada taxa do imposto sobre habitação. Pode -se dizer que essa organização
(como aquela que lhe sucedeu, a East African Association) era ao mesmo tempo
“uma associação política e um sindicato de trabalhadores”. Esta definição podia
igualmente ser aplicada à Young Kavirondo Association, que na mesma época
também se opunha ao trabalho forçado, e resume bem as atividades de todas as
formões que então participavam da luta dos trabalhadores africanos. Regular-
mente, no decorrer da cada de 1920, a ação política dos africanos no Quênia
voltaria à questão do trabalho, exigindo a abolição do trabalho forçado, o aumento
dos salários e a supressão dos impostos para as mulheres. Essas reivindicações,
por exemplo, figuravam no memorando apresentado pelos africanos à Comissão
Ormsby -Gore em 1924. Voltamos a encontrá -las no memorando dirigido pela
Kikuyu Central Association à Hilton Young Commission em 1928.
Mas havia organizações sindicais autênticas? A administração colonial tole-
rava mais as associações de empregados do que os sindicatos propriamente ditos,
com a condição de que elas tivessem uma fachada social e não se misturassem
com atividades diretamente sindicais. Ela esperava que os novos trabalhadores
africanos qualificados formassem clubes próprios, fechados e reservados a uma
elite. Foi nesse sentido que os britânicos autorizaram a fundação da Tanganyika
Civil Servants Union (TCSU), em 1922, bem como da Kenya African Civil
Service Association, um pouco antes de 1933. A TCSU
35
foi criada por Martin
Kayamba, com o objetivo de “promover o progresso social e o desenvolvimento
da educação entre seus membros” e de “melhorar seu bem -estar nas diferentes
34 Apud ibid., p. 11.
35 ILIFFE, 1973, p. 73.
780
África sob dominação colonial, 1880-1935
administrações”. Era ao mesmo tempo um sindicato e um clube, cujos membros
podiam praticar esportes e frequentar aulas noturnas. A organização tinha fama
de ser abertamente elitista e, em larga medida, defendia os privilégios da elite.
Kayamba esperava que se estendesse a todo o país, mas parece ter desaparecido
no final da década de 1920, enquanto o servil Kayamba atraía para si, cada vez
mais, as boas graças de seus amos e subia na hierarquia da administração colo-
nial. Portanto, a associação pouco realizou, mesmo em sua breve existência.
As origens exatas da Kenya African Civil Service Association são obscuras,
mas ela apresentou um memorando interessante à comissão de inquérito sobre a
administração da justiça criminal no Quênia, em Uganda e em Tanganica, criada
em 1933
36
. Os autores desse memorando eram um certo Newland Gibson,
secretário -geral da associação, Ishmael Ithongo, H. G. Shadrack e Albert Awino.
O texto tratava de assuntos importantes relativos ao sistema judicial. Reclamava
a tradução de todas as leis para o kiswahili, a instituição de um júri para todos
os casos criminais e a eliminação da kipande. Também criticava as disposições da
lei sobre a vadiagem e a lei sobre os castigos coletivos, e recomendava vivamente
a supressão do imposto para as viúvas, os desempregados e as pessoas com mais
de cinquenta anos; Fora esse memorando, não outras informações sobre as
atividades da associação. Tampouco se conhece muita coisa sobre a Kenya Afri-
can Teachers Union, criada em 1934 por Eluid Mathu e James Gichuru.
De modo geral, porém, pode -se dizer que essas associões elitistas foram um
pálido reflexo da realidade global da situação no trabalho, que todo o período
que nos interessa foi marcado por greves nas usinas, nos portos, nas oficinas e
até nas fazendas dos colonos. Dada a hostilidade do governo ao sindicalismo e a
carência de uma rede de comunicação entre o vasto contingente de trabalhadores
não -qualificados, essas greves isoladas, feitas nos locais de trabalho, eram um
meio de expressão lógica. Se estamos mal informados, sobretudo no que concerne
a Uganda e Tanganica, isso talvez se deva menos ao tema do que ao fato de os
historiadores terem pesquisado pouco a respeito. Seja como for, não seria demais
insistir no constante sentimento de frustração dos trabalhadores africanos.
Ação política em escala territorial
Tratamos até agora da ação política local desenvolvida em diferentes níveis.
As tentativas feitas em escala territorial redundaram em malogro ou em consta-
36 SINGH, 1969, p. 24 -45.
781
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
tação de impotência. Isso, aliás, não lhes tira o valor, pois o sentimento nacional
estava muito pouco disseminado em Tanganica ou no Quênia, entre as duas
guerras. Não havia suficiente maturidade política para apreender o Estado colo-
nial em sua totalidade. Claro que havia exceções: homens como Jomo Kenyatta,
Akiiki Nyabongo e Mbiyu Koinange haviam tido a possibilidade coisa rara
– de viajar para a Europa e para os Estados Unidos da América e de encontrar
personalidades que encaravam a situação colonial pela perspectiva do império.
Por ocasião das visitas que fez ao Reino Unido a partir de 1930, é certo que
Kenyatta ampliou suficientemente seus horizontes para desposar não só a causa
da África, mas também a condição do homem negro em geral. Quanto a Mbiyu
Koinange, a passagem pelas universidades americanas e, mais ainda, suas relações
com Ralph Bunche, deram -lhe uma visão mais ampla das coisas. Em 1933, ele
remetia à administração colonial relatórios que denunciavam as injustiças a que
estavam sujeitos seu pai, o chefe Koinange, e os africanos de modo geral.
Mas esses homens não passavam de um punhado e, pior, estavam longe da
pátria, não tendo portanto possibilidade de organizar as massas locais.
A partir dessa perspectiva, a East African Association, de Harry Thuku,
era a única de seu gênero no início da década de 1920, na medida em que, ao
menos no papel, se interessava pelo conjunto do território queniano e visava ir
ainda mais longe. Fora fundada em 1921, em Nairóbi, por Harry Thuku (ver fig.
26.3), Jesse Kariuki, Job Muchuchu e Abdullah Tarrara
37
. Africanos vindos de
outros territórios também se destacaram nela, em particular o indomável Z. K.
Sentongo, da Young Baganda Association, e um desconhecido da Niassalândia
(atual Malavi). A associação colocava -se incontestavelmente acima das etnias e,
como indicava seu nome, sua ação abrangia todo o Quênia. Mas a maior parte
de seus membros eram Gikuyu. Quem lhe dava vida e direção era Harry Thuku,
um funcionário do Tesouro.
Thuku pertencia ao grupo de jovens gikuyu de Naibi que sentiam a neces-
sidade de se organizar para fazer frente à Kikuyu Association, dominada pelos
chefes. Mencionou -se que o modelo deles era a Young Baganda Association. A
mais importante é que Thuku e seus amigos de Nairóbi pensavam ser preciso
criar uma organização africana em escala queniana e que, como ele dizia no East
African Standard, em 1921, se os jovens deste país não formarem uma associação,
os indígenas do Quênia ficarão sempre mudos”. Essa ânsia de solidariedade levou
Thuku a confraternizar com os jovens akamba, luo e ganda que viviam então
37 KING, K. J., 1971b.
782
África sob dominação colonial, 1880-1935
em Nairóbi. Foi assim que no dia I de julho de 1921 foi fundada oficialmente a
East African Association. A organização adotou resoluções relativas à kipande,
ao trabalho obrigatório, à excessiva tributação dos africanos e à educação. Thuku
telegrafou diretamente o texto dessas resoluções ao Colonial Office, em Londres.
Os políticos indianos A. M. Jevanjee e B. M. Desai colaboraram na redação das
notas destinadas ao governo britânico e na impressão dos boletins da associação.
Na época, a aliança com os asiáticos suscitou o furor dos colonos. Trabalhos
recentes mostraram de forma concludente que Thuku não era um peão nas mãos
dos indianos, mas a questão não é essa. Mais importantes, de nosso ponto de
vista, foram os esforços envidados por Thuku para incluir o Gikuyu na asso-
ciação. Suas relações em Nairóbi levaram -no naturalmente a procurar a adesão
dos Akamba. Mas, se os Akamba de Nairóbi demonstraram entusiasmo, o mesmo
o sucedeu com os do interior. Depois do encontro público havido entre Thuku
e o chefe Mathendu, em Iveti, na região de Machakos, os anciãos rejeitaram as
ofertas que lhes foram feitas, recusaram assinar os documentos apresentados e o
aconselharam a voltar para os Gikuyu, com os quais os Akamba tinham pouco
em comum
38
. A situação foi diferente na província de Nianza, onde a associação
de Thuku encontrou a simpatia da Young Kavirondo Association. Em dezembro
de 1921, os dirigentes desta última entraram em contato com Thuku, dando -lhe
a garantia de que lutavam a seu lado pelo país e uma contribuição financeira.
As relações entre os dois grupos eram de tipo igualitário, e a Young Kavirondo
Association o estava de forma alguma subordinada à East African Association
39
.
Importa igualmente sublinhar que entre elas havia contatos, mas não uma relação
estreita, nada provando de forma decisiva que uma influenciasse a outra. a agente
de ligação era James Beauttah, que por então era membro da associação de Thuku
e trabalhava em Maseno. Segundo suas palavras:
Havia em Maseno uma grande escola onde lecionavam cultos professores africanos,
que na maioria se interessavam pela política e desejavam ter mais informações sobre
a EAA. Era o único grupo fora de Nairóbi que eu conhecia a ter ideias naciona-
listas. Coloquei esses futuros polúicos luo em contato com os partidários da EAA.
Demonstraram muito entusiasmo e reuniram uma contribuição de noventa rúpias
para sustentar o movimento de Nairóbi. Manifestaram a intenção de se unir aos
38 MUNRO, 1975, p. 126.
39 OKARO -KOJWANG, 1969, p. 120.
783
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
Kikuyu e aos povos do litoral, e penso que minha intervenção os fez decidir pela
ação
40
.
A proximidade de Nairóbi e as dificuldades tidas com os britânicos a pro-
pósito de suas terras, nas duas primeiras décadas, fizeram das elites Masai,
educadas à ocidental, as aliadas naturais de todos os movimentos de protesto
registrados na cidade em começos da década de 1920. Esses Masai tinham se
formado ou em Thogoto ou nas escolas da African Ireland Mission, de Kijabe
e de Siyiapai. Passaram a defender as teses de Harry Thuku junto de seu povo
41
.
Mencionemos, em particular, os casos de Maitei Ole Mootian e de Molonket
Ole Sempele. Não parece que tenham organizado um movimento político no
país dos Masai, que a maioria deles trabalhava nas cidades. Foi depois de
1923 que sua influência se fez sentir na população rural, quando obtiveram
postos em seus distritos, a partir dos quais haveriam de apoiar a Kikuyu Central
Association.
Foi a ação pessoal de Thuku que levou a East African Association a unir-se
aos Baganda. Ele interessava -se particularmente pela Young Baganda Associa-
tion, cuja sede ficava em Kampala e cujo secretário, Joseph Kamulegeya, defendia
um ponto de vista idêntico ao seu relativamente a vários pontos. Kamulegeya
pôs Thuku em contato com os negros americanos, e este escreveu a W. E. B.
Du Bois, a Marcus Garvey e ao Instituto Tuskegee para solicitar que envias-
sem missões de assistência à África oriental. Nenhuma ligação duradoura se
estabeleceu, embora Thuku recebesse o Negro World de Garvey
42
. Tudo isso era
bom em teoria, mas a administração colonial alarmou -se com as declarações
populistas de Thuku. No dia 14 de março de 1922, deteve -o com a intenção de
deportá -lo, mas seus partidários e a população africana de Nairóbi que, aliás,
parece que estava em greve – juntaram -se em volta da delegacia de polícia onde
ele se encontrava. Ocorreu o inevitável nesse tipo de confronto colonial: ao fim
de certo tempo, as forças policiais perderam o sangue -frio e atiraram sobre a
multidão, matando 21 africanos. Foi no dia 16 de março de 1922.
Depois do incidente, Thuku foi deportado para Kismayu, e a East Afri-
can Association desagregou -se. Desde então, a política no país dos Gikuyu
revestiu-se de um caráter mais étnico. Seu papel foi preenchido pela Kikuyu
Central Association. As balas britânicas puseram fim a todas as veleidades de
40 Apud SPENCER, 1971, p. 10 (grifo nosso).
41 KING, K. J., 1971a.
42 KING, K. J., 1971b.
784
África sob dominação colonial, 1880-1935
organização política multiétnica dos africanos de Nairóbi no período entre as
duas guerras.
Em Tanganica, as perspectivas não eram nada melhores, como prova o exem-
plo da Tanganyika African Association (T AA), criada em Dar es Salaam em
1929. Sob a direção de Cecil Matola, Kleist Sykes, Mzee Bin Sudi e Ramadhan
Ali, assim definia ela seu objetivo: “Defender os interesses dos africanos não
neste território, mas em toda a África”
43
. Na realidade, sua influência não
foi além de Dar es Salaam nos seis anos que se seguiram, a não ser quando
alguns de seus membros iam trabalhar para o norte, como Mack Makeja, que,
em 1933, foi transferido para Dodoma e fundou uma sucursal. Mesmo em
Dar es Salaam suas realizações limitaram -se à construção de um clube. A TAA
também dirigiu ao governo uma petição, sem êxito, reclamando a nomeação
de um magistrado africano para essa cidade. Brigas internas fizeram com que
ela perdesse adeptos em 1931 e 1932, e teve de esperar até 1934 para, graças
à filial de Zanzibar, recobrar ânimo. Além da realidade da repressão colonial,
a conclusão que podemos extrair é a seguinte: entre as duas guerras ainda não
havia, politicamente, quenianos, ugandenses ou tanganiquenses.
Conclusão
Procuramos estabelecer neste capítulo a extensão, a natureza e os limites
da política e do nacionalismo africanos na África oriental, de 1919 a 1935,
examinando as diferentes formas de ão militante. Os protagonistas eram as
massas, e quem organizava a vida política, a siasa, durante esse período, eram os
“jovens”, que haviam tirado proveito do ensino dos missionários durante os vinte
primeiros anos do século e eram capazes de apresentar as queixas dos africanos
às autoridades coloniais. Interessavam -se principalmente pelas reivindicações
locais, fazendo agitação contra os males que o colonialismo havia acarretado.
Agiam em diferentes níveis, desde a baraza, ou assembleia pública das reservas,
até os governadores ou o secretário das Colônias, em Londres, a quem dirigiam
petições. Suas tentativas de organização política foram muitas vezes contraria-
das pela potência colonial, e nenhuma das associações fundadas logrou atingir
todos os seus objetivos. Mas, enquanto duraram, tais associações relembraram às
autoridades que a voz da África” podia fazer -se ouvir por outros canais além da
administração colonial. No entanto, em muitos casos, as reivindicações africanas
43 HAJIVAYANIS, MTOWA e ILIFFE, 1973, p. 235.
785
Política e o nacionalismo na África oriental, 1919 -1935
nunca deram lugar a organizações devidamente constituídas: nenhum sindicato
foi criado durante esse período, já que poucos dirigentes havia para tentar uma
ação em tal sentido. Este capítulo, portanto, verifica os limites da ação envidada
pelos africanos durante o período considerado: centrada essencialmente nas
questões locais, essa ação não redundou na criação de movimentos políticos
eficazes em escala territorial.
C A P Í T U L O 2 7
787
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
Desde sempre, profundas diferenças assinalaram a vida potica africana
de países tão dessemelhantes como Angola, Bechuanalândia (atual Botsuana),
Congo Belga (atual Zaire), Rodésia do Norte (atual Zâmbia), Basutolândia
(atual Lesotho), Niassalândia (atual Malavi), Moçambique, Suazilândia, Rodésia
do Sul (atual Zimbábue), Sudoeste Africano (atual Namíbia) e União Sul-Afri-
cana (atual República da África do Sul). Essas diferenças, ainda hoje bem visí-
veis, eram consideráveis entre 1919 e 1935. Deviam -se principalmente ao fato
de os países acima mencionados fazerem parte de diferentes impérios coloniais:
o britânico, o português e o belga. Por outro lado, esses territórios não tinham o
mesmo estatuto político: alguns eram colônias, outros, protetorados, e um deles,
domínio. Finalmente, aspecto não menos importante, havia largas distâncias no
plano socioeconômico. Não obstante, o aparecimento de novos movimentos
anticolonialistas nas Áfricas central e meridional revela traços específicos dis-
tintos, por comparação com as Áfricas oriental e ocidental.
Este capítulo examinará a natureza mutável da oposição popular nas Áfricas
meridional e central, e dará atenção particular à África do Sul, ao Congo Belga
e às antigas colônias portuguesas
1
.
1 A. B. Davidson ocupou -se principalmente do exame do quadro econômico e político na África meri-
dional e no Congo Belga, bem como da parte do texto consagrada à resistência popular na África do
Sul e nos territórios vizinhos. Allen Isaacman redigiu as partes sobre Moçambique e o Congo Belga,
assim como o panorama da situação econômica e política em Angola e Moçarnbique, em colaboração
com René Pélissier, que também é autor da parte sobre Angola.
Política e nacionalismo nas
Áfricas central e meridional,
1919 -1935
A. Basil Davidson, Allen F. Isaacman e René Pélissier
788
África sob dominação colonial, 1880-1935
Panorama da situação política e econômica
na África meridional e no Congo Belga
Os traços específicos da África meridional resultam ao mesmo tempo da
estratificação étnica da sociedade, mais complexa do que no resto da África, e
do caráter da penetração colonial e capitalista. Como se viu nos capítulos 15 e
16, em nenhuma outra parte o “setor europeu se desenvolveu tão rapidamente,
em detrimento da economia africana “tradicional”. Essa estrutura econômica e a
complexidade da estratificação étnica são atribuíveis à maneira como se realizou
a colonização, ela própria determinada pelas condições naturais e pelas amplas
riquezas desta parte da África.
Por volta de 1919, a economia tradicional da maior parte da África meri-
dional tinha sido mais profundamente transtornada do que as de outras regiões
do continente. Milhões de indivíduos haviam sido arrastados para a órbita da
exploração capitalista. por meados da cada de 1920, mais de 200 mil
trabalhadores migrantes, recrutados em regiões tão afastadas como a Rodésia
e a Niassalândia, estavam empregados nas minas da África do Sul
2
. Mais de
60 mil homens trabalhavam nas minas de cobre, estanho, diamantes e ouro do
Congo
3
.
O desenvolvimento da agricultura europeia e a expropriação em grande
escala das terras dos camponeses em certos países da África do Sul impediram
que os africanos participassem da prodão agrícola para a exportação e o
comércio, salvo no caso de certas culturas forçadas, como o algodão no Congo
4
.
Da mesma forma, essa situação obstou a formação de uma larga camada de
agricultores e de negociantes africanos, fato que caracteriza numerosos outros
territórios coloniais onde se estabeleceram muito menos colonos brancos.
A perda das terras, a espoliação dos camponeses, a proletarização e a urba-
nização foram, pois, mais rápidas e mais marcantes na maior parte dos países
da África meridional do que em outras partes do continente
5
.
Um proletariado permanente e numericamente importante, de origem afri-
cana e não -europeia, formou -se mais depressa em certos países dessa região,
conforme foi visto no capítulo 16. Seus contingentes mais avançados eram cons-
2 Para estatísticas sobre a composição da mão de obra mineira sul -africana, ver CENTRO DE ESTUDOS
DOS AFRICANOS, 1977, 24c.
3 PERRINGS, 1979, p. 56, 84, 176.
4 JEWSIEWICKI, 1980.
5 BUNDY, 1979; ARRIGHI, 1970; PHIMISTER e VAN ONSELEN, 1978.
789
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
tituídos pela mão de obra das grandes cidades industriais e dos portos, sobretudo
pelos portuários, industriários e servidores públicos. A maior parte da mão de
obra africana das minas e das grandes cidades era sazonal. No entanto, um
número crescente de indivíduos acabou por se tornar dependente do trabalho
sazonal para sua sobrevivência. O processo de formação de um proletariado
urbano africano estava mais avançado nessas regiões do que na maior parte das
Áfricas ocidental e oriental. Ase contavam mais trabalhadores sazonais empre-
gados nas explorações agrícolas europeias, pois as expropriações de terras fizeram
crescer rapidamente o efetivo do proletariado agrícola. A inclusão dos africanos
na vida industrial contribuiu para o nascimento de uma consciência nacional.
A intelligentsia em vias de formação fez muito para definir o sentimento de
uma identidade nacional e política. Seu desenvolvimento foi determinado pelo
caráter específico da colonização europeia e pelo acesso relativo à educação. O
“teto social” que o africano podia alcançar no sul do continente era muito mais
baixo do que na África ocidental, onde, na ausência de uma população permanente
de colonos brancos, era fácil para os africanos obterem um emprego de escritório
ou um cargo público. Na África meridional, os brancos tinham monopolizado
todos os empregos que poderiam ser acessíveis aos africanos instruídos, seja na
administração, no setor econômico, na Igreja ou em outros setores de atividade.
Por isso mesmo, a intelectualidade da África meridional viu -se desde o início mais
perto do povo. A explicação es em que, nessas regiões, os intelectuais provinham da
populão ingena, em vez de serem recrutados, como sucedia em rios países da
África ocidental, entre os escravos libertos e repatriados ou seus descendentes.
O cruel regime de discriminação racial, do qual todos os indígenas da África
meridional eram timas sem exceção, levava inevitavelmente à aproximação
entre a intelectualidade e o povo. Nessas regiões, os intelectuais africanos encon-
travam mais dificuldade para desempenhar o papel de intermediários.
A luta anticolonialista na África meridional apresenta uma outra caracte-
rística essencial: a oposição à ordem colonial manifestava -se não entre os
africanos, mas também nas fileiras das minorias de origem não -africana, cujo
número não era desprezível – as “pessoas de cor”, como se chamam os mestiços
na África meridional, os indianos e até certos brancos. Em consequência, os
africanos constituíam a principal força anticolonialista, mas não a única, plura-
lismo que marcou o caráter geral da luta
6
.
6 Mesmo nesse meio abertamente racista, o regime colonial tinha de se apoiar nos chefes legalistas e na
polícia africana, que se tomou parte do aparelho de Estado. Essa aliança põe em dúvida qualquer análise
da resistência que veja os acontecimentos exclusivamente pelo prisma da raça, sem referência aos fatores
étnicos e de classe.
790
África sob dominação colonial, 1880-1935
Outra circunstância contribuiu para delinear os traços gerais dos movimentos
anticolonialistas na África meridional: seus laços internacionais. Na África do
Sul, o movimento sindical e os primeiros grupos nacionalistas receberam impor-
tante ajuda do exterior, enquanto os socialistas e os comunistas belgas criticavam
vigorosamente a política colonial repressiva no Congo Belga.
Finalmente, devido ao fato de os países da África meridional estarem liga-
dos de maneira mais estreita à economia capitalista mundial, os contatos com
o exterior eram mais frequentes e, por consequência, as mudanças ocorridas no
mundo foram sentidas lá com mais ênfase. Essas mudanças foram muitas entre
1919 e 1935. Citemos o impacto da revolução de outubro de 1917 na Rússia e
o da agitação revolucioria que se seguiu à Primeira Guerra Mundial até 1923,
o início da crise do sistema colonialista, a grande depressão de 1929 -1933 e, por
fim, no término do período estudado neste volume, os ecos da guerra ítalo -etíope,
que começou em 1935.
Oposição popular, nacionalismo e política na
África do Sul e nos territórios vizinhos
A oposição à dominação colonial e à exploração capitalista na África do
Sul assumiu quatro formas principais. A primeira foi a resistência camponesa.
Muitas vezes esporádicas, isoladas e quase invisíveis, as diversas expressões da
resistência camponesa foram não obstante generalizadas durante este período.
Além disso, os numerosos habitantes dos campos e das cidades organizaram a
oposição ao sistema racista e à sua arrogância cultural por intermédio das igre-
jas independentes, que se multiplicavam pela África do Sul Outros aderiram
ao African National Congress, ANC (Congresso Nacional Africano), a mais
antiga organização nacionalista do continente. Lá pelo final da década de 1920,
o movimento da classe operária africana começava a ter uma existência embrio-
nária, simbolizada pelo fulminante crescimento da Industrial and Commercial
Workers’ Union (ICU), dirigida por Clements Kadalie.
Reagindo contra a crescente pauperização e contra a incerteza econômica
que acompanhava a transformação de muitas zonas rurais da África do Sul, as
quais passaram de uma economia agrária para a condição de reserva de mão de
obra, os camponeses entregaram -se a uma série de ações destinadas a reduzir
ou a eliminar as cada vez maiores pressões políticas e econômicas. As formas de
resistência, em sua maior parte, visavam proteger as terras e o gado, bem como
protestar contra o aumento dos impostos e das requisições de mão de obra.
Tratava -se muitas vezes de ações individuais, como a fuga, o não pagamento dos
791
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
impostos, a violação das leis sobre o registro e ataques contra os chefes legalis-
tas e a polícia
7
. Às vezes, representavam formas de oposição mais coerentes e
organizadas, como a campanha contra os parasitas.
Os esforços do Estado para impor uma regulamentação mais estrita de desin-
fecção dos bovinos e dos ovinos, aumentando as respectivas tarifas, provoca-
ram uma ampla oposição camponesa no Transkei, entre 1913 e 1917. Embora
reconhecessem a necessidade de proteger seu gado da febre da costa oriental,
muitos camponeses criticavam a tributação excessiva, assim como as rigorosas
pressões exercidas sobre a economia rural. A oposição à desinfecção assumiu
diversas formas. Na região dos Fingo, foram organizados boicotes e impediu -se
a participação no programa de desinfecção. Na região dos Pondo, os camponeses
recusaram -se de início a pagar o imposto. As ações mais militantes ocorreram
no Griqua oriental, onde foram dinamitados e destruídos caminhões -cisternas, e
oposicionistas atacaram a polícia, que tentava reprimir sua campanha. Do ponto
de vista da organização política camponesa, o mais significativo é a amplitude
da oposição manifestada e a incapacidade dos chefes legalistas de controlar as
atividades dos camponeses militantes
8
.
Quatro anos mais tarde, os camponeses do Transkei organizaram uma série
de boicotes aos comerciantes europeus, para protestar contra a manipulação dos
preços e a recusa à abertura de crédito. Em 1922, o movimento deles atingiu a
província de nordeste e a Griqua oriental, onde os funcionários e os comercian-
tes queixavam -se das agitadoras feministas”. As contestadoras formaram pique-
tes diante das lojas no interior e, apesar das ameaças das autoridades, impediram
pela força que os clientes entrassem nelas. A intervenção governamental e as
ameaças dos chefes legalistas acabaram por fim com os boicotes
9
.
Periodicamente havia levantes camponeses no sudoeste da África, onde o
governo sul -africano mal começava a consolidar seu poder após a Primeira
Guerra Mundial, o governo de Jan Smuts reprimiu cruelmente o Bondelswart,
um dos grupos nama de criadores de gado que vivia no sul. O levante fora
provocado por um aumento dos impostos. Em maio de 1922 foi enviada uma
expedição punitiva contra os rebeldes. Faziam parte dela quatrocentos soldados
7 BEINART e BUNDY, 1980; NZULA, POTEKHIN e ZUSMANOVICH, 1979, p. 104 -6; ROUX,
1964, p. 88 -120; DAVIDSON, A. B., 1972. Aqui e em outros lugares, os dados são extraídos da obra
coletiva intitulada História da luta de libertação nacional africana [Período Contemporâneo] (Istoriya
Natziionalnoosvoboditelno Borby Navodor Afriku V novelschee Vremia), publicada em russo na edição Nauka
de Moscou.
8 BEINART e BUNDY, 1980, p. 280 -4.
9 Apud ibid, p. 286 -7.
792
África sob dominação colonial, 1880-1935
armados de metralhadoras e apoiados pela aviação. Talvez pela primeira vez na
História, aldeias africanas serviram de alvo para ataques aéreos. Perto de cem
africanos foram mortos e cento e cinquenta rebeldes presos
10
.
Três anos mais tarde, foi infligida uma repressão igualmente cruel à “comu-
nidade de cor” que vivia às margens do rio Rehoboth, no centro do território.
Protestando contra a violação de um acordo concluído com a administração
colonial alemã, essa comunidade recusou -se a ceder às novas exigências das
autoridades. O conselho da comunidade apresentou à Sociedade das Nações
uma queixa por “tratamento ilegal” da parte da administração. Em abril de 1925
a aldeia foi cercada pelo exército e sobrevoada por aviões. Os aldeãos foram
convidados a “render -se e uns 640 foram feitos prisioneiros
11
.
O caso dos Bondelswart e dos Rehobothers foi discutido na Sociedade das
Nações, já que o Sudoeste Africano era um território sob mandato. No entanto,
não se adotou nenhuma providência para impedir a repetição de tais brutalida-
des. Pelo contrário, em 1932, quando os Ukuabi da Ovambolândia (no norte do
território) se revoltaram, empregaram -se contra eles aviões e carros blindados.
Em sua maior parte, as revoltas camponesas eram espontâneas e não tinham
envergadura. Em contrapartida, entre os primeiros movimentos de massa orga-
nizados, alguns deviam muito às igrejas e às seitas afro -cristãs, Os camponeses
constituíam a base social desses movimentos, embora vários citadinos tenham
tido aí parte ativa.
As igrejas afro -cristãs, ou “igrejas indígenas independentes”, como eram
conhecidas, representavam um curioso fenômeno. Pode parecer estranho, à pri-
meira vista, que o povo pudesse extrair inspiração ideológica para a luta contra
os conquistadores europeus da própria religião que esses conquistadores lhe
impuseram. No entanto, foi esse precisamente o caso. O processo deve -se a
várias razões, em primeiro lugar ao caráter das antigas religiões africanas. Nas
Áfricas tropical e meridional, as religiões tradicionais locais quer dizer, os
cultos dos antigos Estados tinham caráter local e constituíam um fator mais
de divisão do que de unidade”, dizia o dr. B. L Sharevskaya, especialista mos-
covita das religiões africanas
12
. O cristianismo, ao propagar a ideia de que todos
os homens são filhos de Deus, permitiu que os novos convertidos se identifi-
cassem Com uma comunidade mais ampla do que um grupo étnico. A unidade
sobre uma nova base não podia se realizar senão em um meio que se afastasse
10 ROUX, 1964, p. 143 -4.
11 FIRST, 1963, p. 101 -5.
12 SHAREVSKAYA, 1968, p. 215 -6.
793
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
das velhas formas de unidade e não visse nenhum modo de retornar a elas. Os
novos convertidos constituíam justamente esse meio. Eram em geral pessoas que
tinham rompido totalmente com a tradição e o costume predominantes. Não
surpreende, portanto, que a oposição delas ao colonialismo fosse acompanhada
por um sentimento de desilusão relativamente àqueles que lhes haviam transmi-
tido a nova religião. Estavam decepcionadas por ver que os brancos não agiam
como autênticos cristãos. Também alimentavam o desejo de auto -afirmação e
de afirmação de seus valores nessa fé, e de rejeição de tudo quanto se ligasse ao
homem branco, que, a seus olhos, surgia como opressor, embusteiro e encarnação
do mal sob todas as suas formas.
A ideologia dessas igrejas oferecia numerosos pontos em comum. Em pri-
meiro lugar, a ideia de que, segundo o verdadeiro ensinamento de Cristo, os
negros são iguais em tudo e os missionários europeus deformavam a Bíblia. O
messianismo constituía outro traço das igrejas afro -cristãs com a crença em uma
segunda vinda do Salvador (que, desta vez, seria negro). Os fiéis dessas igrejas
e seitas acreditavam que essa nova redenção deveria assinalar o advento de um
milênio, durante o qual reinariam o bem e a justiça, e os colonialistas seriam
expulsos da África
13
.
As igrejas independentes, do tipo sionista e do tipo etíope, estavam bastante
disseminadas na África do Sul (ver fig. 27.1) e representavam uma forma impor-
tante de oposição. Seu número cresceu rapidamente. Em 1918, havia 76 e, em
1932, eram 320. Dez anos depois, contavam -se mais oitocentas
14
. Do ponto
de vista dos movimentos sociais, as igrejas separatistas etíopes, com seus fun-
cionários eleitos, suas bandeiras, cartas e organizações militares, representavam
na esfera eclesiástica a expressão da vontade de um autogoverno africano. Da
mesma forma, as igrejas sionistas eram muitas vezes dirigidas por profetas caris-
máticos antieuropeus que desenvolviam visões apocalípticas e alimentavam a
esperança de uma nova sociedade, livre da opressão e da dominação branca
15
.
Apesar da estrita vigilância do Estado, as igrejas independentes lançavam-se
periodicamente em atividades abertamente insurrecionais. Desde 1884, Nehe-
miah Tile, pregador metodista, instigava seus aderentes da Tembulândia a deso-
bedecer aos funcionários do Estado
16
. Em 1921, uma seita etíope conhecida pelo
nome de lsraelita”, dirigida por Enoch Mgijima, ocupou terras devolutas perto
13 HODGKIN, 1956, p. 93 -112.
14 SUNDKLER, 1961, p. 76.
15 Ibid.; HODGKIN, 1956, p. 99 -100.
16 ROUX, 1964, p. 78.
794
África sob dominação colonial, 1880-1935
de Queenstown e se recusou a sair daí. Os israelitas” afirmavam que o Novo
Testamento, criação do homem branco, devia ser rejeitado e que, se se voltasse
às antigas formas hebraicas, Jeová acabaria por liber-los do jugo da opressão.
Mesmo depois da chegada de poderosas forças militares e policiais, os “israeli-
tas”, armados apenas de espadas e de lanças, continuaram a resistir. “Jeová nos
ensina a não permitir que vocês queimem nossos barracões ou expulsem nosso
povo de Ntabelanga ou prendam os homens que querem prender”
17
. Os soldados,
armados de metralhadoras, mataram 163 africanos e feriram 129.
Outras igrejas independentes e militantes mesclavam uma visão apocalíptica
com uma forma abreviada de garveyísmo. A mais importante foi o movimento
Wellington, assim chamado de acordo com o nome de seu fundador, Wellington
Butelezi, movimento que se desenvolveu desde o início dos anos 1920 até mea-
dos da década seguinte. Butelezi assegurava a seus partidários do Transkei que
os negros norte -americanos viriam de avião para ajudá -los e contribuir para a
sua libertação. Depois disso – proclamava ele – seriam abolidos os impostos e as
taxas sobre a desinfecção, e seriam distribuídas roupas a todo o mundo. Quando
as autoridades tomaram ciência do caráter extremista de sua visão e de sua retó-
rica militante, deportaram -no e detiveram vários de seus lugares -tenentes. Não
obstante, ele conservou sua influência e se criou toda uma série de escolas e de
igrejas separatistas para propagar sua palavra. Em começos da década de 1930,
alguns adeptos de seu movimento recusaram pagar as taxas sobre a desinfecção
e até chegaram a atacar funcionários
18
.
No decurso da segunda metade da década 1930 -1940, os movimentos afro-
cristãos tinham perdido seu vigor enquanto instrumentos da luta anticolonialista.
Na maior parte dos países da África meridional, esse papel foi passando progres-
sivamente a outras organizações e movimentos dotados de melhor estrutura.
De 1919 a 1935, além das velhas revoltas camponesas e dos movimentos das
igrejas afro -cristãs, apareceram na África meridional e um pouco por todo o
continente novas organizações políticas africanas que já não se fundamentavam
na comunidade étnica. Eram organizações elitistas e proletárias.
A primeira dessas organizações, e de longe a mais importante, foi o African
National Congress (ANC), fundado na África meridional em 1912
19
. Tratava-se
de uma vasta organização destinada a unir todos os africanos politicamente
17 Apud ibid., p. 136 -7. Para um estudo detalhado sobre os “Israelitas”, ver EDGAR, R., (?).
18 BEINART e BUNDY, 1980, p. 280 -4.
19 Para as origens do African National Congress, ver ROUX, 1964, p. 74 -6; SIMONS e SIMONS, 1969,
p. 132 -6; GERHART, 1978, p. 21 -39.
795
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
 . Isaiah Shembe (1870 -1931), fundador dos nazaritas da África do Sul (Igreja Sionista Africana).
(Foto: International African Institute.)
796
África sob dominação colonial, 1880-1935
ativos. Na origem, o ANC almejava constituir uma organização africana que
reagrupasse todos os países da África meridional pertencentes ao império bri-
tânico. Sua assembleia constituinte reuniu representantes da Rodésia, Basu-
tolândia, Bechuanalândia e Suazilândia (ver fig. 27.1). Mais tarde, surgiram
organizações nacionais em cada um desses países, regra geral sob a influência
do ANC. Muitas delas, criadas nas Áfricas austral, central e mesmo na orien-
tal, não tomaram o nome emprestado do ANC mas também sua estrutura,
programa, regulamento e métodos, em graus e momentos diversos – bem como
sua força e suas fraquezas. À fundação do ANC seguiu -se, vinte, trinta ou qua-
renta anos mais tarde, a do Congresso Nacional Africano da Rodésia do Sul e
de outras organizações semelhantes na Niassalândia, em Tanganica, no Quênia,
em Uganda e na Basutolândia.
Se os princípios e o exemplo do ANC foram assim fielmente seguidos,
isso se deve ao fato de o Congresso ter sido formado numa época em que, na
maior parte dos países da África, não existia por assim dizer intelligentsia nem
classe operária e muito menos organizações políticas africanas. Com o grada-
tivo aparecimento da intelligentsia e da classe operária, aqueles que procuravam
reagrupar os africanos em seu país voltaram -se fatalmente para as organizações
que já existiam na União Sul -Africana.
Um fator que contribuiu para ampliar essa influência foi a migração de tra-
balhadores para a União Sul -Africana, fenômeno que foi ganhando progressiva-
mente os países das Áfricas austral e central, como Moçambique, Niassalândia,
Rodésia do Sul, Basutolândia, Bechuanalândia e Suazilândia. Quando voltavam
para suas aldeias, esses trabalhadores levavam consigo não a doença profis-
sional dos mineiros, mas também o conhecimento do mundo exterior, de outros
lugares, de outras gentes; disseminaram, enfim, novas formas de unidade na luta
que travavam pelo respeito a seus direitos.
No início do período entre as duas guerras, o ANC já tinha uma experiência
de sete anos de atividades de agitação. Mas sua maturação se alongou até 1952,
data em que assumiu, em sua conferência anual, o nome de African National
Congresso Até então, usava o título de South African Native National Con-
gresso No mesmo ano, o Congresso adotou um hino e uma bandeira. O hino
chamava -se Nkozi Sikelel’i Africa (“Que Deus abençoe a África”). Quanto à
bandeira tricolor preto, verde e ouro –, simbolizava o povo (preto), o verde
dos campos (o veld) e a grande riqueza do país (o ouro)
20
. Entre 1919 e 1935, o
20 BENSON, 1966, p. 46.
797
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
 . Política e nacionalismo na África do Sul, 1919-1935. (Fonte: Gerhart, 1978.)
798
África sob dominação colonial, 1880-1935
ANC passou evidentemente por períodos de intensa atividade e por momentos
de relativa inação. Em 1926 lançou uma campanha de massa contra uma nova
série de leis racistas que o primeiro -ministro da União Sul -Africana, J. Hertzog,
tentava implantar. Em fevereiro de 1926, convocou uma assembleia nacional
em Bloemfontein, na qual os participantes condenaram radicalmente toda dis-
criminação racial, exigiram a igualdade de todos os cidadãos garantida pela
Constituição, qualquer que fosse sua cor, e decidiram boicotar as “conferências
indígenas” fantoches organizadas pelo governo.
No final do mesmo ano, contando com a colaboração de várias outras organi-
zações africanas, assim como com a da African Political Organization, principal
movimento político dos mestiços, e do South African lndian Congress, criado
logo após a Primeira Guerra Mundial, amálgama das organizações preexistentes
de Natal e do Transvaal, o ANC convocou o primeiro congresso não -europeu
em Kimberley. Os participantes do encontro rejeitaram “toda política de dife-
renciação fundada na cor ou na raça”. Condenaram as práticas racistas em uso
no país e opuseram -se vigorosamente à nova legislação Hertzog, preconizando
“uma cooperação mais estreita entre os elementos não europeus da África do
Sul”. Foi uma abertura, um primeiro passo no sentido da formação de uma
frente anti rracista unificada na África meridional
21
.
O ANC desenvolveu atividades também no estrangeiro. Contribuiu para a
participação duradoura dos sul -africanos no movimento pan -africanista. Sol T.
Plaatje, um de seus fundadores e dirigentes, esteve presente ao Congresso Pan-
Africano de 1919 em Paris e, em fevereiro de 1927, J. J. Gamede, o presidente
do ANC, visitava a União Soviética.
O final da década de 1920 e os primeiros anos da década de 1930 foram, no
entanto, marcados pelo declínio das atividades do ANC. A direção do movi-
mento tinha passado para as mãos dos moderados, que receavam a influência
dos comunistas. Não foi senão pelos meados da década de 1930 que houve uma
retomada das atividades, quando dos preparativos da All -African Convention,
em sinal de protesto contra a legislação Hertzog. A convenção, realizada em
Bloemfontein em dezembro de 1935, lançou uma campanha de massa contra a
legislação fundiária e eleitoral. Uma delegação apresentou a Hertzog as queixas
dos africanos
22
. Mas a convenção não chegou a um acordo sobre um programa
e um plano de ão únicos.
21 LEMUMO (pseudônimo de Michel Marmel), 1971, p. 60 -1.
22 Ibid., p. 74 -5.
799
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
Nos outros países da África meridional, as organizações políticas africanas
seguiam praticamente o mesmo processo, sem ir tão longe, porém, como na
África do Sul. Regra geral, tratava -se inicialmente de associações indígenas”,
de congressos indígenas” e de “sociedades de ajuda mútua”, que começaram
ocupando -se de problemas locais e depois ampliaram gradativamente suas
áreas de atividade até se tornarem porta -vozes das necessidades diárias de suas
comunidades. Recolhiam e apresentavam às autoridades coloniais as queixas,
reclamações e agravos. Pouco a pouco, conseguiram mobilizar a participação
popular para a ação política e se transformaram em organizações políticas ou
contribuiram para a criação destas.
Na Niassalândia, as primeiras associações indígenas surgiram na véspera da
Primeira Guerra Mundial e, no final da década de 1920, tinham proliferado
por todo o país. Somente no ano de 1933 foram fundadas quinze associações nas
principais cidades: Zomba, Blantyre, Limo, Lilongwe, Fort Johnston, Karonga e
Chiradzulu. Na Rodésia do Norte, a primeira sociedade de ajuda mútua data
de 1923, tendo sido diretamente modelada a partir das organizações similares
existentes na Niassalândia. Entre seus fundadores destaca -se o nome de David
Kaunda, pai de Kenneth Kaunda
23
. Em 1930, formou -se uma associação do
mesmo gênero em Livingstone, capital administrativa do protetorado. Seus fun-
dadores eram funcionários da administração: Isaac Nyirenda e Edward Tembo
(ambos originários da Niassalândia). Tinha 350 sócios e contava com o apoio
dos chefes tonga. Depois, surgiram associações aqui e ali, por todo o país, sobre-
tudo nas cidades do Copper Belt (“Cinturão do Cobre”) e ao longo da linha da
ferrovia: em Lusaka, Broken Hill, Ndola, Choma, Luanshya, Chinsali, Abercorn,
Kasama, Fort Jameson, assim como em outras cidades e aldeias (ver fig. 27.3)
24
.
Na Rodésia do Sul, também apareceram organizações políticas de novo
gênero nos anos subsequentes à Primeira Guerra Mundial. Criada em janeiro
de 1923, a Rhodesian Bantu Voters Association cuidou de aperfeiçoar o direito
de voto para os africanos e de obter a restituição das terras espoliadas. Seu
campo de atividades limitava -se à região de Bulawayo e a vários distritos da
Matabelelândia. Em Gwelo funcionava uma sociedade de ajuda mútua e, na
Mashonalândia, uma organização dos indígenas rodesianos
25
.
Nos protetorados britânicos da Basutolândia, da Bechuanalândia e da Sua-
zilândia, estreitamente ligados à União Sul -Africana, os movimentos anticolo-
23 MEEBELO, 1971, p. 235 -43.
24 ROTBERG, 1966, p. 115 -34.
25 RANGER, 1970, p. 95 -109.
800
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Política e nacionalismo na África central, 1919-1935. (Fonte: Cartographic Laboratory, Department of Geography, University of Minnesota.)
801
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
nialistas tinham sólidas ligações com o ANC. Entre os fundadores do ANC
figuravam um Sotho, Maama Seiso, e um Tsuana, Joshua Molema. Quanto aos
presidentes de honra do ANC eleitos pela assembleia constituinte, estes com-
preendiam o chefe Supremo da Basutolândia, Letsie II, assim como os chefes
dos principais grupos tsuana. Por outro lado, o jornal do movimento, Abantu
Batho, era em grande parte financiado com fundos cedidos pelo chefe supremo
da Suazilândia. A mais ativa das organizações da Basutolândia era a Lekhotla Ia
Bafo (Liga dos Pobres), que desempenhou importante papel nessa região entre
as duas guerras. A base social da Lekhotla la Bafo era formada de camponeses,
muitos deles trabalhando sazonalmente como mineiros no Transvaal. A orga-
nização era dirigida por dois irmãos, Maphutseng e Josiel Lefela, que haviam
estabelecido laços com o ANC
26
.
Os adeptos da Liga achavam que os britânicos tinham violado o acordo de
protetorado feito com Moshoeshoe e que, portanto, a Inglaterra já não detinha
qualquer direito sobre a Basutolândia. A Liga assustou os dirigentes do ANC,
pelo fato de exibir uma posição radical e de, a partir de 1928, se aproximar do
Partido Comunista sul -africano. As autoridades britânicas ordenaram então
aos chefes locais que proibissem todas as reuniões da Liga. Mas, em agosto de
1928, ela organizou em Maseru uma manifestação de protesto contra a proi-
bição. Foi a primeira manifestação de massa da história da Basutolândia, na
qual tomaram parte milhares e milhares de africanos. Quando o presidente do
ANC, Gumede, voltou de sua viagem à União Soviética, a Liga o convidou a
discursar num comício na Basutolândia. Em consequência, ela foi acusada por
muitos anos de ser um instrumento de Moscou” e alvo de perseguições, mas
deu prosseguimento a suas atividades
27
.
Estas primeiras organizações políticas da África meridional não tinham
uma base social muito ampla. Os adeptos eram recrutados em regra no meio da
elite educada que tinha ascendido às profissões liberais. Esses grupos e associa-
ções não apresentavam um programa de ação muito preciso: contavam poucos
adeptos e eram efêmeros. No entanto, foram eles que abriram caminho a outras
organizações, mais numerosas, mais sólidas e mais eficazes.
Os movimentos operários que se formaram nas regiões industriais consti-
tuíram uma nova forma de luta anticolonial. As pessoas que participaram das
primeiras greves e militaram nos sindicatos operários surgidos praticamente
na mesma época não podem ser classificadas como operários”, a não ser com
26 ROUX, 1964, p. 212.
27 Ibid., p. 212 -3.
802
África sob dominação colonial, 1880-1935
certas reservas. Em sua maioria, esses trabalhadores continuavam fortemente
presos às origens rurais, ao menos pela mentalidade e amiúde pelas condições
econômicas. Não tinham o menor sentimento de pertencer ao proletariado. O
movimento proletário africano nem por isso deixa de remontar suas origens a
essas ações iniciais. As primeiras manifestações de massa deram -se entre 1918
e 1920 na União Sul -Africana. Estouraram greves nas minas do Transvaal, mas
os grevistas eram operários sazonais, provindos de vários países das Áfricas
central e meridional
28
. Foi no início de 1918 que começaram os movimentos de
massa, com o boicote às lojas da empresa, nas quais a direção das minas vendia
aos operários alimentos e bens manufaturados. O boicote foi organizado pelos
mineiros que trabalhavam na parte oriental do Witwatersrand, zona mineira do
Transvaal (ver fig. 27.2).
A greve seguinte, ocorrida em Johannesburgo, foi desencadeada pelos afri-
canos empregados do Serviço de Esgotos e da Coleta de Lixo. Os grevistas
eram menos numerosos, mas estavam mais bem organizados. Membros da
organização Industrial Workers of Africa (Trabalhadores Industriais da África),
criada em 1917 entre os empregados dos serviços municipais de Johannesburgo,
provavelmente participaram da greve, que foi esmagada e os grevistas levados aos
tribunais: 152 africanos foram condenados a dois meses de trabalhos forçados.
No entanto, a “greve das caçambas” tinha demonstrado que o trabalho de toda e
qualquer categoria de trabalhadores africanos era indispensável ao bom funcio-
namento do maior centro industrial do continente. As ruas da cidade estavam
juncadas de sujeira e de esgoto, e havia o risco de epidemias.
A greve desencadeou um grande movimento. Durante as reuniões de pro-
testo contra as prisões e as sentenças injustas, germinou a ideia de lançar junto
dos trabalhadores africanos uma ordem de greve geral para o dia I de julho de
1918. A greve visava também apoiar a reivindicação de aumentar em um xelim
o salário diário do operário africano. O ANC aceitou a ideia, embora com reti-
cências. Diante da pressão, as autoridades tiveram de anular as sentenças que
condenavam os operários, recebendo o primeiro -ministro, Louis Botha, uma
delegação de africanos encabeçada pelo Zulu Saul Msane, dirigente da seção
ANC do Transvaal, cujas queixas ouviu. A greve foi desmobilizada. No entanto,
a 1 de julho, 15 mil mineiros que trabalhavam em três minas diferentes cessa-
ram suas atividades. A polícia levou à força os grevistas para a mina, ao cabo
de violentos confrontos em que os mineiros combateram a golpes de machado,
28 Houve manifestações menores de oposição dos mineiros que datam de começos do culo XX. Ver
WARWICK, 1978; MORONEY, 1978.
803
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
picareta e canos de ferro. Na repressão que se seguiu, africanos e europeus se
viram lado a lado no banco dos réus sob a acusação de incitação à greve. Eram
eles D. S. Letanka, vice -presidente do ANC do Transvaal, L. T. Mwabaza,
diretor do jornal Abantu Batho, N. D. Ngojo, H. Kraai e A. Cetyiwe, membros
da Industrial Workers of África, e três dirigentes socialistas brancos da South
African International Socialist League, formada em 1915: S. P. Bunting, H. C.
Hanscombe e T. P. Tinker. Durante o julgamento, o promotor, com base nos
relatórios de vários agentes da polícia que se tinham infiltrado na Industrial
Workers of África, acusou Bunting, Hanscombe e Tinker de terem sido os
instigadores das greves de Johannesburgo e das minas.
Em fevereiro de 1920, nova greve estourou em 22 minas do Transvaal, a
qual foi respeitada por 71 mil africanos. Os grevistas apresentaram uma série
de reivindicações: considerável aumento de salários (em vez de 2 xelins por dia,
reclamavam de 5 a 10 xelins), a possibilidade de acesso a postos de responsa-
bilidade e a empregos mais bem pagos, reforma radical da gestão das lojas da
empresa e, por fim, a atenuação da discriminação racial. Os grevistas deram
provas de notável coesão. o senão que admirar o modo como essa gente,
de nacionalidade diversa e separada pela barreira de múltiplas línguas, conseguiu
obter semelhante unidade de pontos de vista. O exército e a polícia empregaram
a força para dissolver a greve
29
. Mas ela foi a mais importante da história da
África até 1946, data em que se desencadeou um movimento de maior ampli-
tude, também no Transvaal.
Na Rodésia, o primeiro movimento operário de massa, que remonta a maio
de 1935, desenrolou -se nas minas do Copper Belt, na Rodésia do Norte. Os
mineiros exigiam aumento dos salários e redução dos impostos, enquanto pro-
testavam contra as más condições de trabalho e as diversas formas de discrimina-
ção racial. A ação não foi inteiramente espontânea, e a maneira como os grevistas
se comportaram revela a presença de um grupo que procurava tomar a direção
do movimento. Foram distribuídos panfletos de incitação à greve, redigidos em
chibemba, língua materna da maior parte dos mineiros. A greve foi declarada
na mina de Mufulira, em 22 de maio, mas o exército a dissolveu no dia seguinte.
No entanto, no dia 26, o movimento estendeu -se à mina de Nkana e, no dia 28,
à de Luaanshya. Vinte e oito grevistas foram mortos ou feridos nos confrontos
com as tropas, que procederam à prisão de mineiros. A greve teve repercussões
29 Para um exame dessas greves, ver BONNER, 1979; ROUX, 1964, p. 132 -4; SIMONS e SIMONS,
1969, p. 230 -43.
804
África sob dominação colonial, 1880-1935
que transbordaram de muito a região do Copper Belt, pois ela atraía mineiros do
vizinho Katanga e muitos trabalhadores sazonais de outras regiões da África
30
.
À medida que o movimento operário africano se ampliava, o proletariado
industrial branco ia perdendo o ardor militante. A revolta armada dos mineiros
brancos do Transvaal de começos de 1922 foi a última grande manifestação de
trabalhadores brancos da África do Sul. Paralelamente ao aumento do proleta-
riado africano, houve a ascensão de um número crescente de brancos a postos
de chefia, constituindo, afinal de contas, uma aristocracia do trabalho. Levada
pela vaga de reivindicações na indústria, que varreu a África meridional logo
em seguida à Primeira Guerra Mundial, formou -se a maior organização prole-
tária africana. A década de 1920 assistiu a seu apogeu e, depois, a seu declínio.
A Industrial and Commercial Workers’ Union of Africa (ICU) foi criada em
janeiro de 1919 na Cidade do Cabo, por ocasião de uma greve dos estivadores
africanos e mestiços. A primeira assembleia constituinte reuniu menos de trinta
participantes. Mas, cinco anos depois, em 1924, a ICU contava 30 mil mem-
bros. Em 1927, o número de aderentes atingia 100 mil (seu dirigente antecipou
mesmo a cifra de 250 mil). Suas ramificações iam muito além das fronteiras da
União Sul -Africana, estendendo -se à Rodésia do Sul e a outros países. A ICU
procurava unir os trabalhadores dos mais diversos setores de atividade: funcio-
nários dos serviços municipais, operários da construção, ferroviários, mineiros,
marítimos, trabalhadores rurais, operários de fábricas, estivadores, empregados
de transportes, comércio e serviços. Ele contava entre seus adeptos tanto afri-
canos como mestiços
31
.
O preâmbulo da ata de constituição da ICU inspirava -se na ideologia
socialista:
Considerando que os interesses dos trabalhadores e os dos patrões são contraditórios,
os primeiros vivendo da venda de seu trabalho e não recebendo senão uma parte
da riqueza que produzem, os segundos vivendo da exploração do trabalho dos assa-
lariados e privando os trabalhadores de uma parte do produto do seu trabalho, da
qual tiram o lucro, a paz não poderá reinar entre as duas classes e uma luta deverá
constantemente ser travada para assegurar a divisão do trabalho humano, até o dia
em que os trabalhadores, através de suas organizações sindicais, retirem da classe
capitalista os meios de produção, para que eles mesmos os possuam e administrem
30 ROTBERG, 1966, p. 161 -8. As greves menores remontam ao início do século XX.
31 Para uma análise da ICU, ver BONNER, 1978; KADALIE, 1970; JOHNS, 1970; LUCKHARDT e
WAIL, 1980, p. 39 -46.
805
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
pelo bem de todos e não mais em proveito de uma minoria. Dentro de tal sistema,
quem não trabalhar não comerá. A remuneração repousará no princípio ‘a cada um
segundo suas necessidades’ e não mais ‘a cada um segundo sua capacidade’.
A ICU assumiu numerosas e variadas tarefas. Prometeu aos adeptos lutar
pela conquista de salários mais elevados, por melhores condições de trabalho,
pela aposentadoria, pelo seguro -saúde, auxílio -desemprego e pela proteção dos
direitos do trabalhador. Proclamou que sua competência se estendia ao conjunto
do continente africano.
Seu fundador e chefe, Clements Kadalie (c. 1896 -1951), era um trabalhador
sazonal que tinha emigrado da Niassalândia para a União Sul -Africana, onde se
tornou professor depois de cursar uma escola missionária. O sindicato alcançou
o máximo de sua influência por meados da década de 1920, mas sofreu forte
declínio na virada da década de 1920 para a de 1930, devido à sua divisão em
três frações
32
.
A influência socialista também se fez sentir em uma organização operária
africana mais antiga, a Industrial Workers of Africa, da qual falamos. Com
efeito, a International Socialist League desempenhou um papel de certa impor-
tância na formação e nas atividades desse movimento. A Liga, constituída por
socialistas e militantes operários brancos da União Sul -Africana, compreendeu
pouco a pouco a necessidade de uma solidariedade proletária, sem consideração
pela cor da pele. O reconhecimento dessa necessidade se impôs muito particular-
mente no apelo que ela lançou em 1918 -1920 aos operários, tanto negros como
brancos. Durante a greve dos mineiros africanos do Transvaal, em fevereiro de
1920, os socialistas distribuíram aos mineiros brancos panfletos redigidos por
um dos responsáveis pela Liga, S. P. Bunting (1873 -1936), e intitulados “Não
nos atraiçoem!”. Eis um trecho: Trabalhadores brancos! Estão escutando o
novo exército do trabalho em marcha? Os operários indígenas começam a des-
pertar. [...] Trabalhadores brancos, não os repudiem! [...] Fiquem do lado dos
trabalhadores, mesmo indígenas, contra os capitalistas, nossos patrões comuns”
33
.
Num panfleto anterior, destinado aos operários africanos e intitulado Apelo
aos trabalhadores bantu”, os socialistas declaravam: “Que importa a cor da sua
pele! Vocês pertencem às massas laboriosas do mundo inteiro. Daqui por diante,
todos os assalariados fazem parte da grande confraria dos trabalhadores”
34
.
32 KADALIE, 1970, p. 52 -3, 61 -2.
33 ROUX, 1944, p. 46 -8.
34 Ver UNIÃO DA ÁFRICA DO SUL, 1922, p. 288 -9.
806
África sob dominação colonial, 1880-1935
Outro panfleto, publicado em 1918 -1919 em várias línguas, principalmente
inglês, zulu e sotho, e dirigido aos Trabalhadores da África do Sul, negros e
brancos!”, lançava o seguinte apelo: “Para nos prepararmos, que fazer reuniões
nas oficinas. Unam -se como trabalhadores, sem distinções de cor. Lembrem -se
de que ter preconceito contra um de nós, seja negro ou branco, é ter preconceito
contra todos os trabalhadores”
35
.
Na época, dificilmente se esperava que tais apelos despertassem grande eco.
Negros ou brancos, os operários ainda eram numericamente muito fracos e
muito pouco amadurecidos. No entanto, é importante saber que, desde essa
época, semelhantes ideias eram proclamadas em solo africano. A International
Socialist League e rias outras organizações socialistas sul -africanas fundi-
ram-se e, reunidas em congresso na Cidade do Cabo, em 1921, criaram o Partido
Comunista da África do Sul, primeiro no gênero a ser organizado no continente
africano. O partido definiu seus objetivos em um manifesto que foi adotado por
ocasião do primeiro congresso. Tratava -se de associar a ideia de transformação
social radical ao internacionalismo autêntico, que inspirava seus elementos mais
progressistas para apressar o momento
em que a luta de classes será para sempre abolida, em que a humanidade não curvará
mais a espinha sob o látego do opressor, em que as necessidades e amenidades da vida
conforto e cultura, honra e poder estarão à disposição daqueles que trabalham
e não de quem explora os outros, o momento em que não haja mais senhor nem
escravo’, mas em que seremos todos camaradas trabalhando em comum
36
.
É certo que os comunistas sul -africanos não conseguiram definir de ime-
diato um programa global correspondente a todos os problemas específicos e
complexos que a África austral experimentava e, de início, talvez se tenham
inspirado demasiadamente na experiência europeia. Isso é compreensível, dado o
contexto local, e se explica pela própria composição do Partido Comunista, que,
inicialmente, era formado exclusivamente de brancos, assim como pela profunda
influência exercida pelos movimentos operários da Europa Ocidental (principal-
mente no Reino Unido) e pela incontestável complexidade da situação reinante
na África do Sul. No entanto, em começos da década de 1930, eram os africanos
que constituíam a maioria dos membros do partido, cujo secretário -geral era um
Zulu, Albert Nzula (1905 -1934). Desde então a libertação nacional tornou -se
o objetivo essencial da ação do partido.
35 Ver e International, Johannesburgo, 25 de abril de 1919.
36 LEMUMO, 1971, p. 117 -20.
807
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
A oposição popular à dominação colonial no Congo Belga
O controle crescente do Estado, a trama fechada dos regulamentos racistas,
uma política de nomeação para cargos públicos muito elaborada e uma onda de
doenças epidêmicas enfraqueceram os protestos de tipo social que se manifes-
tavam no Congo Belga
37
. A oposição popular prosseguiu, contudo, se bem que
em menor escala, assumindo formas diferentes das do período anterior.
A oposição camponesa no Congo, muitas vezes esporádica e pouco visível,
revestiu -se de várias formas, todas destinadas a evitar ou a minimizar o impacto
destrutivo do sistema capitalista e colonial sobre os modos de vida existentes.
A recusa ao pagamento de impostos continuou com grande frequência nos
anos que se seguiram imediatamente à Primeira Guerra Mundial. Milhares de
camponeses fugiam através das fronteiras abertas para as regiões vizinhas de
Angola e do Congo francês, enquanto outros desapareciam na mata antes da
chegada dos cobradores de impostos. A fronteira angolana era particularmente
atraente, porque a presença colonial portuguesa era mínima e em razão dos laços
históricos que uniam os Bakongo de um lado e de outro da fronteira. Muitos
membros da população rural empregavam uma estratégia semelhante para evitar
o trabalho nos projetos do Estado, nas minas ou nas plantações europeias. Con-
forme recordava um velho que havia sido requisitado para trabalhar nas linhas
da estrada de ferro de Katanga: “Nós fugimos da aldeia ... Ninguém sabia para
onde tínhamos ido, nem os brancos do boma. Abandonamos a aldeia à noite e
rumamos para o Luapula. Chegando ao rio, uns pescadores bondosos ajudaram
a gente a atravessar”
38
. Outros camponeses recusavam -se a cultivar o algodão
ou o arroz de obrigação ou plantavam menos do que as quantidades fixadas
39
.
À medida que o aparelho estatal se estendia às regiões mais recuadas e que
se implantava uma rede de chefes legalistas, as possibilidades de ficar fora do
sistema capitalista e colonial diminuíam cada vez mais. A crescente hegemonia
do Estado refletia -se no aumento de 400% dos impostos recebidos entre 1917
37 Para um apanhado do período colonial, ver JEWSIEWICKI, (?); STENGERS, 1974, p. 391 -440. É difí-
cil estudar as atividades rebeldes,que a maior parte dos historiadores, até alguns anos atrás, declarava
que se tratava de um período tranquilo, concentrando -se portanto na era posterior à Segunda Guerra
Mundial. igualmente, de modo geral, uma tendência economicista na literatura sobre a matéria, a
qual costuma reduzir os camponeses a simples produtores de mais -valia, a cuja história falta qualquer
importância e signicação no contexto capitalista e colonial. Semelhante interpretação rouba -lhes a
dignidade de agentes históricos que desempenharam um papel moldando seus próprios destinos, fazendo
deles vítimas impotentes ou passivas.
38 Apud PERRINGS, 1979, p. 153.
39 JEWSIEWICKI, 1980, p. 62 -4.
808
África sob dominação colonial, 1880-1935
e 1929 e pela dramática elevação do número de camponeses obrigados a plantar
algodão
40
. Em 1935, estima -se que 900 mil deles praticavam essa cultura. Em
vista dessa modificação do equilíbrio de forças, não surpreende que as confron-
tações diretas, tão frequentes no período anterior à Primeira Guerra Mundial,
tenham quase desaparecido. Às vezes, camponeses muito oprimidos atacavam
os símbolos da opressão – os chefes legalistas, a polícia africana e os coletores de
impostos. Bem mais perigosas foram as revoltas camponesas que se produziram
no Baixo Congo, entre 1920 e 1922, na região de Cuango, dez anos mais tarde
41
, e entre os camponeses e operários pende de Kwilu, em 1931 (ver fig. 27.3).
O aumento brutal dos impostos, a redução de 500% dos preços que os agricul-
tores recebiam por seus produtos e a decisão da Unilever de baixar os salários
em suas plantações, tudo isso alimentou o descontentamento popular e levou ao
grande levante de 1931. Os insurretos atraíram outros partidários, quando um
profeta”, Matemu -a -Kenenia, revelou que os antepassados haviam ordenado
que os africanos matassem ou destruíssem todos os animais e objetos brancos
do país, prelúdio de uma intervenção divina e do fim da dominação branca. O
movimento ganhou amplo apoio, mas foi imediatamente reprimido. Mais de
quatrocentos Pende e um europeu perderam a vida no embate
42
.
Outros movimentos religiosos e políticos exerceram influência ainda maior
sobre os camponeses, tanto mais que as autoridades coloniais tinham proibido estri-
tamente todas as organizações puramente poticas. Seu poder de atração tamm
refletia o crescente sentimento de ansiedade e de frustração produzido pelas incer-
tezas econômicas da crise de 1921 e da grande depressão, dez anos mais tarde.
O mais importante desses movimentos foi o kimbanguismo, que deve seu
nome a Simon Kimbangu, camponês Bakongo. Catequista, proclamava que
Deus lhe tinha dado o poder de curar os doentes, de combater a feitiçaria e de
fazer reviver os mortos. Em 1921, declarou a seus partidários, orgulhosos de
terem um messias negro, que era um enviado, profeta e filho de Deus. A natu-
reza divina de Kimbangu estava simbolizada por seu nome bakongo, Gunza,
que significa “Todos Juntos”
43
.
Ele declarava, também, de maneira ao mesmo tempo vaga e genérica, que iria
libertar os africanos do jugo da dominação colonial. Sua retórica anticolonialista,
sua popularidade crescente e a ação de alguns de seus partidários convenceram
40 FETTER, 1976, p. 83; JEWSIEWICKI, 1980.
41 NZULA, POTEKHIN e ZUSMANOVICH, 1979, p. 108 -11.
42 Ibid.; BUSTIN, 1975, p. 119 -20.
43 BALANDIER, 1965, p. 443 -60.
809
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
a administração belga de que deveria ser eliminado. No dia 14 de setembro de
1921 foi preso e condenado à morte. Em seguida, foi deportado para Katanga,
onde morreu trinta anos depois como um mártir
44
.
Se bem que Kimbangu não fosse revolucionário, seus partidários fizeram de
seu movimento uma cruzada mais antieuropeia do que religiosa. Sob o lema “O
Congo para os congoleses”, o movimento oferecia uma saída à oposição espon-
tânea do povo à dominação colonial. Os kimbanguistas exortavam o povo a não
trabalhar para os europeus, a não plantar os produtos de exportação impostos
pela administração colonial, a não pagar taxas e tributos, a não mandar os filhos
para as escolas dos missionários e, de modo geral, a desobedecer aos belgas
45
.
Seus hinos estão cheios de referências aos atos heróicos de Kimbangu e, segundo
as autoridades belgas, alimentavam a esperança de que o chefe e seus discípulos
“voltassem para pôr fim à dominação branca
46
.
Por mais de vinte anos houve ressurreições periódicas do kimbanguismo,
geralmente em períodos de grande tensão e de angústia econômica. Nas cidades
e nas aldeias, os adeptos participavam ativamente na luta contra o colonialismo
e seus esforços de propaganda chegaram a influir nas greves do pessoal das
ferrovias, dos escritórios e das refinarias de petróleo do Baixo Zaire, de 1921
a 1925. Apesar da cruel repressão que os atingiu, os kimbanguistas não foram
esmagados. Em 1921, no início do movimento, 37 mil pessoas foram expulsas
do Baixo Congo, prosseguindo entretanto em suas atividades, recrutando novos
adeptos em seus locais de exílio. Diversas ramificações do kimbanguismo, mui-
tas vezes pouco ligadas entre si, surgiram pelo Congo, onde os kimbanguistas
estabeleceram laços com as igrejas afro -cristãs da Nigéria e de Uganda e ainda
com os adversários do colonialismo francês no Congo francês.
Outro grande movimento religioso independente apareceu na mesma época
em que Kimbangu deu início às suas atividades: a Torre de Vigia africana,
geralmente mais conhecida no Congo como Kitawala. Sua base inicial parece
ter sido a Rodésia do Norte, a Niassalândia e o Tanganica. Em 1923, pregadores
da região leste da Rodésia do Norte e da região oeste de Tanganica começaram
a atrair muita gente para Katanga, principalmente para as zonas próximas dos
centros de recrutamento da Union Miniere
47
. Sob a égide dinâmica de Tomo
44 Ibid., p. 450.
45 A history of Africa, Moscou, 1968, p. 391 -2.
46 BALANDIER, 1965, p. 450.
47 A análise mais importante do movimento Kitawala no Congo deve -se a HIGGINSON, J., (?). Grande
parte de nosso estudo sobre o Kitawala tem base nesse artigo.
810
África sob dominação colonial, 1880-1935
Nyirenda, também conhecido como Mwana Lesa (filho de Deus), o movimento
Kitawala, cujo nome significa, em swahili, “um meio de dominar”, adotou uma
posão abertamente anticolonialista. Lançando slogans militantes como A
África para os africanos” e Igualdade das raças”, Nyirenda e seus principais
lugares -tenentes exortavam seus partidários a assassinar os europeus e seus
aliados africanos, especialmente os chefes legalistas.
Em 1926, o movimento Kitawala estava solidamente instalado no sul de
Katanga, que tinha sofrido inúmeras epidemias e onde os efeitos deletérios
do recrutamento de o de obra mais se faziam sentir. Estendeu -se, também,
às regiões mineiras de Kasai e Kivu; os mineiros, ao voltar para casa depois
de expirados seus contratos, propagavam suas ideias nas regiões orientais e
equatoriais. Temendo a crescente influência de Nyirenda e os laços cada vez
mais estreitos que este mantinha com vários chefes dissidentes, as autoridades
coloniais enviaram em 1926 um destacamento militar para capturá -lo. Nyirenda
fugiu para a Rodésia do Norte, onde os britânicos o prenderam e finalmente o
executaram
48
.
Como no caso do kimbanguismo, a eliminação do profeta não diminuiu o
apoio popular ao Kitawala. Nas zonas rurais, sacerdotes do movimento orga-
nizaram protestos contra os impostos e atiçaram a hostilidade contra os chefes
nomeados pelas autoridades. Um ramo do Kitawala, dirigido por Mumba Napo-
léon Jacob, começou a infiltrar -se no meio dos trabalhadores de Elisabethville
(Lumumbashi), dos empregados da estrada de ferro e dos mineiros da Union
Miniere. Os adeptos ajudaram, em 1931, a organizar o boicote de Elisabethville;
cinco anos depois, tiveram um papel importante nas agitações da usina da Union
Miniere em Jadotville. Durante a greve de Jadotville, um membro confesso do
Kitawala utilizou as Santas Escrituras para atacar as injustiças da discriminação
racial.
Este livro mostra claramente [afirmava ele de Bíblia na mão] que todos os homens
são iguais. Deus não criou o homem branco para que domine os negros. Não é justo
o homem negro, que faz o trabalho, ficar na pobreza e na miséria e os salários dos
brancos serem muito maiores do que os dos negros.
49
48 Ibid.
49 Apud PERRINGS, 1977, p. 50.
811
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
Após a greve de Jadotville, o Estado tentou sem êxito esmagar mais uma
vez o Kitawala, que depois teve parte importante na greve de Elisabethville, em
1941
50
.
O fato de as greves só terem começado na década de 1930 mostra que a for-
mação de uma classe operária africana e de um movimento proletário incipiente
se deu em ritmo bem mais lento no Congo Belga do que na África do Sul. A
descoberta de cobre, estanho e urânio, em Katanga, de diamantes, em Kasai, e
de ouro, em Kilo Moto, precipitou o desenvolvimento de uma classe operária
industrial. Por volta da década de 1920, estavam empregados na extração de
minerais para cima de 60 mil trabalhadores.
Como em outras partes do continente, a reação inicial dos africanos aos
baixos salários e às duríssimas condições de trabalho foi a deserção. Inúme-
ros camponeses fugiram das províncias de Katanga e de Kasai para escapar
dos agentes da Bourse du Travail de Katanga (BTK), agência de mão de obra
industrial que recrutava e distribuía os operários em Katanga. Outros escaparam
pouco depois de terem chegado às minas. A deserção se havia tornado um
problema tão grande em 1914 que a BTK introduziu um sistema de passes e um
centro de impressões digitais para poder seguir o rastro dos fugitivos
51
. Apesar
das medidas coercitivas, ela continuou a prevalecer. Em 1918, por exemplo, nas
minas de cobre Staret Liksai, a taxa de deserções era respectivamente de 74%
e de 66,5%. Embora diminuísse ligeiramente na década de 1920, continuou a
manter -se entre 20% e 35% até a grande depressão, quando a falta de outras
fontes de renda tornou essa estratégia contraproducente
52
.
Enquanto milhares de indivíduos fugiam das minas, outros, em Katanga,
começavam a se organizar, mesmo da forma mais precária e esporádica, para
melhorar suas condições de trabalho. Em 1921, muitos mineiros de Luishi, por
exemplo, cessaram o trabalho e foram para Elisabethville, a fim de se queixar
aos funcionários do governo dos maus -tratos e da falta de alimentação. Dois
anos mais tarde, uma paralisação semelhante ocorreu nas minas de Kakontwe
53
.
50 HIGGINSON, (?). O kimbanguismo e o kitawala não eram os únicos movimentos religiosos e polí-
ticos do Congo. As seitas Muvungu, Lukusu, Mpewe e outras estavam igualmente ativas na província
de Bandundu e pregavam aos africanos que não trabalhassem para os belgas, mas que se preparassem
para o tempo em que estes seriam expulsos do país. Esses eram os sentimentos defendidos na década
de 1930 pela “Serpente que Fala (ou “Homem -Serpente”), seita operando nas províncias de Bandundu
e do Kasai ocidental. A “Missão Negra”, os Tunzi do Baixo Zaire e o “Povo do Leopardo opunham -se
ao plantio forçado de culturas de exportação no Alto Zaire.
51 PERRINGS, 1979, p. 153.
52 Ibid., p. 171; FETTER, 1974, p. 208.
53 PERRINGS, 1979, p. 213 -35.
812
África sob dominação colonial, 1880-1935
A grande depressão provocou novas incertezas ecomicas. Os empregos desa-
pareceram, os salários diminuíram, as condições de trabalho se deterioraram, na
medida em que os grupos mineiros procuravam reduzir custos. Apesar das amea-
ças de demissão, irromperam paralisações do trabalho e “agitações nas minas da
Union Miniere em Kipushi, Ruashi e Mswenu Ditu, no ano de 1931, interrom-
pendo temporariamente as operações
54
. No mesmo ano, os trabalhadores orga-
nizaram um boicote em Elisabethville, para protestar contra os elevados preços
cobrados por produtos básicos pelas lojas da Union Miniere e pelos comerciantes
europeus independentes. Antes de terminar, ele estendeu -se às regiões vizinhas e
obteve o apoio dos trabalhadores da construção, dos carpinteiros e dos pedreiros,
o que indica uma crescente tomada de consciência da mão de obra operária
55
. O
comissário do distrito de Alto Katanga deplorava esse novo espírito de militância.
“Os negros, animados de uma arrogância sem limites [notava ele com desprezo],
tornam -se cada vez mais refratários, o obedecem passivamente, mas discutem
as ordens que lhes são dadas e replicam, às vezes de modo insolente”
56
.
O novo espírito de militância também se refletiu em algumas greves, entre 1935
e 1937, tanto em meio aos mineiros como em outros setores da classe operária de
Katanga. Os empregados, em protesto contra os baixos salários e a discriminação
racial, paralisaram a usina da Union Miniere, em Jadotville, e as minas de estanho
de Manon e Mwanza. Os operários que trabalhavam em Niemba e Kabala para a
Estrada de Ferro do Grande Lago também se declararam em greve, tal como os
da tecelagem governamental de algodão de Niemba
57
. Apesar da prisão dos chefes
e da repressão às greves, o sentimento de revolta e as redes clandestinas e, com
eles, o sentimento de autoconfiança coletiva ganharam força. Tudo isso preparou o
terreno para a grande greve de 1941, na qual milhares e milhares de trabalhadores
africanos cessaram toda atividade nas minas de cobre e de estanho da província de
Katanga. Seu objetivo ia além das reivindicações puramente ecomicas. “Eles o
procuravam esconder seu objetivo”, notava um observador europeu. Tratava-se de
expulsar os brancos do país e de substituir a bandeira azul da lgica pela bandeira
negra do Kitawala, para assinalar uma mudança no regime”
58
Tal como no caso do movimento operário, as associações políticas e os parti-
dos nacionalistas desenvolveram -se muito mais lentamente no Congo Belga do
54 HIGGINSON, (?), p. 8 -10.
55 Ibid., p. 9 -10.
56 Apud FETTER, 1974, p. 217.
57 HIGGINSON, (?), p. 10 -3.
58 Apud ibid., p. 60.
813
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
que na África do Sul. De fato, organizações explicitamente nacionalistas, como
a Associação de Bakongo (ABAKO), o surgiram antes do final da década de
1950
59
, Durante esse período, no entanto, proliferaram associações fechadas, sob o
nome de Mbeni. Foram levadas para a colônia belga pelos conscritos africanos que
tinham servido na África Oriental Alemã durante a Primeira Guerra Mundial. Os
Mbeni eram essencialmente clubes de dança, mas também proporcionavam uma
rede de ajuda mútua para seus membros. Seus chefes, muitas vezes, tinham títulos
militares copiados dos europeus, o que dava a impressão de que eles possuíam, em
certa medida, o poder dos brancos. Embora os Mbeni o fossem originariamente
anticolonialistas, seus cantos e suas danças ridicularizavam muitas vezes as autori-
dades europeias e exprimiam um ressentimento popular profundamente arraigado
em relação ao domínio colonial. Além disso, os africanos considerados aliados
dos europeus não tinham o direito de entrar nesses clubes, e aqueles que estavam
estreitamente ligados aos europeus não podiam ocupar postos de chefia neles
60
.
A crítica explícita do colonialismo e os ataques contra os negros legalistas
inquietavam as autoridades belgas, que se esforçavam para destruir todas as
formas de protesto social. Em 1923, uma subcomissão governamental concluiu
que os Mbeni se radicalizavam e se abriam às infiltrações comunistas. Três anos
depois, todas as associações urbanas africanas inclusive os Mbeni foram
colocadas sob o controle direto do regime colonial. O governo também enco-
rajou os missionários heneditinos a organizar associações rivais, cujos membros
declararam uma guerra de gangues contra as sociedades Mbeni. As perseguições
das autoridades, a guerra das gangues, as rivalidades internas e externas das
sociedades urbanas, assim como o deslocamento das estruturas urbanas provo-
cado pela grande depressão – tudo isso contribuiu para reduzir a influência e a
importância de tais associações por volta dos meados da década de 1930
61
.
Angola e Moçambique: visão de conjunto
do quadro político e econômico
Apesar da distância que as separava e da diversidade de seus povos e de suas
economias, as sociedades coloniais de Angola e de Moçambique tinham mais
59 Ver, por exemplo, WEISS, 1967; YOUNG, 1965.
60 FETTER, 1974, p. 210 -5.
61 Ibid. Para um estudo geral do desenvolvimento e da expansão das sociedades Mbeni nas Áfricas central
e oriental, ver RANGER, 1975.
814
África sob dominação colonial, 1880-1935
coisas em comum do que com seus vizinhos imediatos. O caráter específico do
colonialismo português e, em certa medida, a oposição popular que ele provocava
podem ser deduzidos de quatro fatores: a fraqueza inicial do Estado colonial,
a natureza progressivamente autoritária do regime colonial, a falta de capitais
portugueses e, correlativamente, o recurso ao trabalho forçado e a uma política
de assimilação.
Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, importantes zonas de Angola e
de Moçambique escapavam ao controle efetivo de Lisboa. Enquanto a adminis-
tração colonial estava bem instalada em pontos urbanos da costa, como Luanda,
Benguela, Beira, Lourenço Marques e adjacências, em regiões inteiras do inte-
rior a presença colonial continuava a ser puramente nominal e dependia muitas
vezes de uma aliança com os chefes locais e a polícia africana, cuja lealdade era
duvidosa.
Vejamos primeiro a situação em Angola. Até 1914, o Ovambo, no sul, era
efetivamente independente, enquanto havia revoltas em estado latente na região
vizinha de Ganguela até 1917. As terras dos Quioco, no distrito de Lunda,
foram ocupadas em 1920. Ao norte, na região do Congo, a oposição perdurou
até 1919, enquanto os Dembo rebelados desafiaram a administração colonial
até 1918
62
.
A posição de Portugal em Moçambique era pouco melhor. Vários sultanatos
setentrionais e régulos yao haviam efetivamente desafiado o regime colonial até
1914, e os planaltos onde viviam os Maconde escaparam à dominação até 1921.
Por outro lado, durante a Primeira Guerra Mundial, quando as forças alemãs do
Tanganica vizinho invadiram o norte de Moçambique, foram recebidas como
libertador as por alguns régulos dos Macua, que vinham sofrendo a duríssima
dominação da Companhia do Niassa. Mesmo na metade sul da Colônia, onde a
administração colonial estava mais solidamente instalada, as autoridades temiam
um levante maciço (ver fig. 27.3)
63
.
Depois da guerra, Lisboa intensificou a natureza autocrática de sua domi-
nação. A política esclarecida do início do governo republicano (1910 -1926)
deu lugar a programas mais repressivos, ainda que não necessariamente mais
eficazes. Incompetente e corrupto, o governo republicano foi finalmente derru-
bado por uma aliança conservadora, constituída por banqueiros, industriais, a
hierarquia católica e os militares, em 1926. Essa aliança preparou o advento do
62 Para um exame detalhado dessas revoltas, ver PÉLISSIER, 1977.
63 Para um exame da resistência africana durante esse período, ver ISAACMAN, 1976; NEWITT, 1981,
p. 57 -64.
815
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
governo fascista de Antônio de Oliveira Salazar. Para garantir a harmonia social
e a dominação colonial perpétua que a ideologia corporativista e ultranaciona-
lista de Salazar contemplava, os regimes coloniais, exatamente como o governo
da metrópole, empregaram vasta gama de instrumentos de opressão. Censura,
delação, polícia secreta e força militar serviram para reprimir toda oposição que
se manifestasse, negra ou branca.
O terceiro fator foi o caráter particular da exploração econômica em Angola
e em Moçambique, determinado pelo empobrecimento da mãe -pátria. Durante
o período em estudo, a capacidade portuguesa de extrair recursos de suas colô-
nias africanas dependia da mobilização e do controle de uma força de trabalho
subjugada, que a economia portuguesa, arcaica e à beira da bancarrota, não
podia evidentemente exportar os capitais fixos necessários ao desenvolvimento.
Em 1893, uma comissão oficial encarregada de analisar as perspectivas do desen-
volvimento nas duas colônias foi inequívoca quanto a esse ponto:
Nós precisamos da força de trabalho indígena. Precisamos dela para melhorar as
condições de vida desses trabalhadores, precisamos dela para a economia da Europa
e para o progresso da África. Nossa África tropical não se desenvolverá sem os
africanos. O capital necessário para explorá -la, e ela precisa tanto ser explorada,
reside na procura de mão de obra abundante, barata, vigorosa (...) e isso, dadas as
circunstâncias, nunca será fornecido por imigrantes europeus
64
.
O Estado também introduziu uma série de leis tributárias, destinadas a for-
çar inúmeros camponeses africanos a deixar suas terras e a criar um começo de
semiproletariado. Mas, se as leis tributárias forneceram à administração colonial
uma nova fonte de renda, não chegaram porém a propiciar mão de obra barata
na escala esperada pelo regime colonial. Muitos camponeses conseguiam evitar
a convocação semeando produtos novos ou suplementares para venda, o que lhes
permitia pagar os impostos. Outros, em Moçambique, preferiam ir trabalhar nas
minas e nas plantações da África do Sul e da Rodésia, por salários 200 a 300%
superiores aos oferecidos pelas empresas subcapitalistas e pelos plantadores
portugueses.
Dado que os setores capitalistas nascentes de Angola e de Moçambique eram
incapazes de atrair os trabalhadores, seja com o “estimulante” dos impostos, seja
com salários competitivos, a administração colonial isso ficou amplamente
demonstrado no capítulo 15 deste volume teve de recorrer à coerção aberta,
desde que o primeiro código do trabalho indígena foi promulgado. A base legal
64 Apud CUNHA, 1949, p. 144.
816
África sob dominação colonial, 1880-1935
do trabalho forçado, que perduraria sob várias formas até 1961, estava definida
no artigo I do código:
Todos os habitantes indígenas do ultramar português estão sujeitos à obrigação
moral e jurídica de procurar adquirir, pelo trabalho, as coisas que lhes faltam para sua
subsistência e melhora de suas condições sociais. Eles têm plena liberdade para esco-
lher os meios pelos quais possam cumprir essa obrigação, mas, se não a cumprem de
uma forma ou de outra, as autoridades públicas podem obrigá -los a cumpri -la”
65
.
E elas os obrigaram. Os administradores locais tinham plena liberdade para
determinar quem era preguiçoso”, e virtualmente todos os chefes de posto
completavam seus modestos vencimentos com os presentes e brindes dos planta-
dores, comerciantes, proprietários de usinas e agricultores europeus em troca de
mão de obra africana. Em consequência, as regiões rurais transformaram -se em
vastos reservatórios de trabalhadores braçais. Quando estes faltavam para roçar
as terras dos colonos, abrir estradas, ampliar os portos de Luanda, de Lourenço
Marques e da Beira, construir linhas ferroviárias, servir em diversas frentes
de trabalho privadas ou públicas, os administradores locais não hesitavam em
usar de sua posição e poder para atender às demandas. As mulheres ainda
que legalmente isentas do trabalho forçado conheceram uma sorte parecida.
Certo sociólogo norte -americano, que visitou Angola e Moçambique em 1924,
observou que
(...) as mulheres, mesmo grávidas ou com um bebê, são requisitadas pelos sipaios para
o trabalho nas estradas. Nos lugares remotos, o governo construiu pequenas barracas
para elas. Não paga a alimentação. Segundo a circunscrição, o prazo da requisição
varia de uma a cinco semanas, mas a mulher pode ser reconvocada no mesmo ano.
Outras mulheres da aldeia levam -lhe a comida, chegando o trajeto a tomar uma
jornada diária. As moças de quinze anos são requisitadas e por vezes submetidas
a abusos sexuais pelos funcionários. Trabalham sob a direção de um contramestre
negro, armado de porrete. Começam às seis horas, param por uma hora ao meio -dia
e continuam até o pôr -do -sol. O trabalho pesado chega a provocar abortos
66
.
De 1926 em diante, os camponeses, sobretudo em Moçambique, também
foram obrigados a plantar algodão e a vendê -lo a baixo preço às companhias
65 Ibid., p. 151.
66 E. A. ROSS, 1925, p. 40.
817
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
concessionárias europeias. Fugir a essa obrigação equivalia a um delito e era
tratado como tal
67
.
O derradeiro traço de distinção do regime colonial português foi sua política
de assimilação, com a qual ele tentava conquistar a nascente burguesia africana,
fornecendo -lhe um verniz de cultura portuguesa e isentando -a dos abusos colo-
niais mais flagrantes. Oficializada pelo regime do indigenato”, essa política
garantia que a esmagadora maioria dos angolanos e dos moçambicanos estava
reduzida a constituir uma raça, uma cultura e uma classe inferiores. De acordo
com essa legislação, os africanos eram divididos em dois grupos. Os membros
da pequena minoria capaz de ler e escrever o português, que haviam rejeitado os
costumes tribais” e estavam vantajosamente empregados nos setores capitalistas,
podiam ser classificados como “assimilados” ou “não indígenas”. Em princípio,
gozavam de todos os direitos e responsabilidades dos cidadãos portugueses.
Embora teoricamente fosse possível a todos os africanos mudar seu estatuto
legal, as coerções impostas pelo sistema colonialista e capitalista as quais
incluíam a falta de escolas, a limitada possibilidade de obter um emprego pago
e a arrogante preponderância cultural dos funcionários públicos – tornavam, na
realidade, a coisa impossível, negando a 99% da população africana os direitos
mais elementares do cidadão
68
.
A oposição popular à dominação colonial em Angola
Considerados não -seres pelos europeus, submetidos a castigos corporais e
por vezes a tratamento arbitrário e venal de parte das autoridades coloniais,
expostos às exigências dos recrutadores de mão de obra e vítimas do conluio
entre os funcionários da administração e os residentes portugueses, os africanos
estavam transformados em párias em seu próprio país. Tinham, contudo, muitos
meios de escapar das pressões exercidas contra eles.
A primeira forma de resistência consistia em pegar em armas, mas logo foi
abandonada no final da Primeira Guerra Mundial, pois era um recurso sem
esperanças e condenado ao fracasso. Os líderes rareavam cada vez mais, as armas
haviam sido confiscadas, em sua maior parte, e a pólvora, com raras exceções,
não era encontrada no mercado.
67 ISAACMAN, STEPHEN et al., 1980.
68 A ilusão da assimilação e a ideologia correspondente do lusotropicalismoo vigorosamente apresentadas
em BENDER, 1978.
818
África sob dominação colonial, 1880-1935
A segunda forma era a retirada. Quando a situação se tornava intolerável,
aldeias inteiras abandonavam os campos e partiam para zonas situadas fora do
alcance das autoridades coloniais. A fuga de camponeses era mais frequente nas
regiões setentrionais e orientais, que Lisboa efetivamente não controlava. Podia
durar anos sem ser descoberta.
A terceira solução era ainda mais radical, por ser definitiva sob todos os
pontos de vista. Por toda Angola verificava -se maciça emigração clandestina
para o Congo Belga, para a Rodésia do Norte e até para o Sudoeste Africano.
Muitas vezes, membros da população rural percorriam grandes distâncias, atra-
vés de regiões hostis, com crianças às costas, para escapar à tirania da dominação
colonial portuguesa. Se fossem detidos pelas autoridades ou pela polícia africana
local, os homens eram espancados e as mulheres, violadas.
O quarto tipo de resistência à dominação colonial residia nos cultos religiosos
ou messiânicos fundados pelos africanos em reação contra a religião europeia.
Essa revolta metafísica dos angolanos aparentemente tinha poucas raízes locais;
a maior parte das igrejas independentes vinha, em primeiro lugar, do Congo
Belga, disseminando -se na região Bakongo do norte de Angola.
Ao contrário do que ocorria no Congo Belga, tais igrejas tiveram poucos
seguidores e duraram pouco tempo. A revolta dos Mafulu, em 1918, costuma ser
citada como o primeiro movimento messiânico angolano a redundar em revolta
armada
69
. Os partidários de Simon Kimbangu obtiveram um certo número
de adesões em meio aos Bakongo que viviam do lado da fronteira angolana.
A administração colonial, receando seu impacto popular e o renascimento do
nacionalismo Bakongo, envidou tremendos esforços para eliminar o kimban-
guismo, em 1921 e 1922. Apesar disso, uma rede clandestina continuou em
atividade e, tal como no Congo Belga, Kimbangu adquiriu a imagem de mártir
depois de sua prisão
70
.
Também se manifestaram outras seitas mais obscuras, em 1930, como a
Maiaigni, no enclave de Cabinda, e, entre 1924 e 1930, o breve movimento
Cassongola, entre os Mbundu. O Kitawala também se propagou à região leste
de Angola por volta de 1932, a partir do Congo Belga e da Rodésia do Norte.
Dois anos passados, uma profetisa congolesa, ligada ao kimbanguismo, encon-
trou adeptos na região do Pombo, e, em 1936, a seita Mayangi ou Nlenvo,
que operava perto da fronteira congolesa, proibiu a todos os seus membros a
confraternização com os brancos. Embora nossas informações sejam muito frag-
69 Ver PÉLISSIER, 1977; CLARENCE -SMITH, 1979, p. 88 -9.
70 MARGARIDA, 1972, p. 37 -9; PÉLISSIER, 1978, p. 165 -7.
819
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
mentárias, essas expressões religiosas de oposição parecem ter tido um impacto
mínimo. Somente na década de 1950, com o irromper do tokoísmo, é que uma
igreja independente atraiu grandes massas de maneira permanente. O tokoísmo
manifestava tendências contraditórias, pintando os colonialistas brancos como
demônios e no entanto pregando a passividade
71
.
Enquanto a maior parte dessas formas de oposição tinha base rural, os inte-
lectuais e jornalistas assimilados de Luanda e de Lisboa denunciavam os abusos
do colonialismo e reafirmavam sua identidade angolana. De fato, desde meados
do século XIX existia uma tradição de oposição literária muito rica. Os mais
conhecidos entre esses pré -nacionalistas eram o cônego Antônio José do Nasci-
mento (1838 -1902), o advogado e jornalista José de Fontes Pereira (1838 -1891),
o escritor Joaquim Dias Cordeiro da Matta (1857 -1894) e, possivelmente, os
membros de uma associação formada na esteira de uma obra virulentamente
anticolonialista, intitulada Voz d’Angola clamando no deserto, editada em Lis-
boa em 1901
72
. A queda da monarquia (outubro de 1910) e a implantação da
república foram bem acolhidas pelos assimilados, a quem incutiram uma grande
esperança: eles estavam perfeitamente cônscios de que sua própria situação se
havia deteriorado e que a escravidão clandestina continuava a existir em seu país.
Mas, ainda durante essa onda de liberalismo, os sentimentos nacionalistas dos
africanos mais cultos podiam ser expressos de maneira mais aberta em Portugal
do que em Angola.
A Liga Ultramarina foi organizada em Lisboa em 1910, e a ela se seguiu
pouco depois a Liga Colonial. Dois anos mais tarde, os africanos que viviam
em Lisboa provenientes de todas as colônias portuguesas fundaram a Junta de
Defesa dos Direitos de África. Mesmo em Angola, a Liga Angolana, pequena
associação de funcionários angolanos, foi reconhecida oficialmente pelo
governador -geral Norton de Matos em 1913. Quase de imediato, uma cisão na
Liga Angolana redundou na criação do Grêmio Africano. Mas, não obstante
a proliferação de todas essas organizações, elas tinham poucos adeptos e uma
influência extremamente limitada.
Bem mais importante, potencialmente, do que a formação dessas associações
foi a “conspiração” do Cuanza Norte, em 1916 -1917, vinculando momentane-
amente alguns intelectuais oprimidos a camponeses Mbundu, habitantes do
sertão de Luanda. Quem a chefiou foi Antônio de Assis Júnior (1887 -1960),
71 MARGARIDO, 1972.
72 Para um exame dessa tradição de protesto literário, ver WHEELER, 1972.
820
África sob dominação colonial, 1880-1935
advogado, romancista e jornalista
73
, que condenava vigorosamente a opressão
colonial e o tratamento de preferência dado à comunidade dos colonos, a qual,
dizia ele, estava “ainda composta essencialmente de homens que não sabem de
onde vêm nem para onde vão, homens movidos apenas pelo desejo de obter
tudo o que possam, de adquirir e de tomar
74
. Temendo o reforço da aliança
dos assimilados com os camponeses, e preocupado com a eclosão de levantes, o
Estado colonial agiu prontamente. Antônio de Assis Júnior foi preso e escapou
por pouco à deportação.
Em Lisboa, a Junta de Defesa dos Direitos de África, dirigida essencialmente
por mulatos de São Tomé, tinha pouca força. Um ramo dissidente da Junta
fundou, em 1919, a Liga Africana, à qual a Liga Africana de Luanda estava
filiada. A Junta de Defesa foi reorganizada como Partido Nacional Africano em
1921, representando esses dois grupos metropolitanos as duas tendências pan -
africanistas que prevaleciam então em Portugal. A Liga Africana optava pelo
reformismo do dr. Du Bois e o Partido Nacional Africano manifestava maior
simpatia pela filosofia de Marcus Garvey
75
.
A volta do alto -comissário Norton de Matos, adversário inflexível da Liga
Angolana e do Grêmio Africano, em 1921, tornou as duas organizações muito
vulneráveis. Em 1922 ele as suspendeu oficialmente, ordenando a detenção
de Antônio de Assis Júnior e deportando vários membros influentes da Liga
Angolana, cuja dissolução acabou por decretar. Também proibiu jornais “nati-
vistas” e limitou as possibilidades de promoção para os funcionários assimilados.
Depois de um golpe tão duro, o nacionalismo organizado angolano passou à
clandestinidade. Em seguida, houve manifestações esporádicas de oposição ao
trabalho obrigatório no corredor Luanda -Malange entre 1922 e 1925. O Estado
aproveitou a oportunidade oferecida por tais protestos para esmagar os últimos
vestígios de dissidência intelectual
76
.
As condições se tornaram tão difíceis em Angola que as associações africa-
nas adotaram uma política de cooperação com o governo. O Partido Nacional
Africano foi até o ponto de defender Portugal na Sociedade das Nações da
acusação de trabalho forçado. Em 1926, quando se instalou em Lisboa, seguida
pelo regime de Salazar, a ditadura militar percebeu que a vontade de resistência
73 ASSIS JÚNIOR, 1917.
74 Apud WHEELER, 1972.
75 Para uma discussão dos acontecimentos que acompanharam essa cisão, ver FRIEDLAND, 1979,
p. 119 -20.
76 PÉLISSIER, 1978, p. 233.
821
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
dos intelectuais angolanos já estava quebrada. “Expurgada” dos elementos duros,
a Liga Angolana foi autorizada a reaparecer sob o nome de Liga Nacional Afri-
cana. O Grêmio Africano, que sucumbira à torrente de restrições da década de
1920, também reapareceu sob o nome de Associação dos Naturais de Angola
(ANANGOLA). Privadas de força vital e reduzidas à impotência política, as
duas organizações foram convidadas a não perseguir senão objetivos sociais.
Sua decadência coincidiu com o declínio, em Portugal, dos dois “partidos” que
pretendiam ser pan -africanistas. Em 1931, elas fundiram -se e passaram a ser
o Movimento Nacionalista Africano (nacionalista no sentido da nação portu-
guesa); finalmente, desapareceram, estranguladas pelo implacável garrote do
dr. Oliveira Salazar. Vigiados pela polícia, ameaçados de perder o emprego,
os chefes locais da Liga Nacional Africana e da ANANGOLA suspenderam
suas atividades durante mais de 20 anos (de 1925 e 1945, aproximadamente).
Inevitavelmente, o declínio do papel político dos assimilados significava que
também do ponto de vista social a posição deles se tinha degradado, sobretudo
com a chegada de um número crescente de colonos brancos.
Eles tentaram por várias vezes revoltar -se contra a dominação da metrópole
(especialmente em 1924 -1925) e contra o regime ditatorial (principalmente em
1930), mas essas tentativas afetaram indiretamente a população africana opri-
mida
77
. Os africanos tinham se tornado estrangeiros em seu próprio país e sua
única função aparente, aos olhos dos europeus, era sua capacidade produtiva. Em
tais circunstâncias, as poucas greves em que eles participaram nos portos (1928)
ou nas estradas de ferro (1933) não passaram de fogos de palha que deram em
nada, que não havia mais unidade duradoura entre os trabalhadores brancos
e a o de obra negra sem qualificação. Por outro lado, os operários negros
não contavam com o apoio dos soldados negros alistados no exército colonial
e não podiam cogitar de uma aliança com os assimilados, os quais haviam sido
reduzidos ao silêncio pelas autoridades.
A oposição popular à dominação colonial em Moçambique
O tipo de oposição popular que se manifestou em Moçambique era seme-
lhante ao de Angola, embora variasse um tanto em escala e em intensidade.
Houve menos insurreições armadas, e a tradição literária e as conexões com o
movimento pan -africano não eram tão grandes. O número de exemplos docu-
mentados de oposição operária e camponesa, por outro lado, é notavelmente
77 Uma interpretação diferente é proposta por SIK, 1964, v. II, p. 314 -5.
822
África sob dominação colonial, 1880-1935
maior em Moçambique do que em Angola; as igrejas independentes também
eram mais numerosas e politicamente importantes.
A oposição rural constituía um desafio periódico para o sistema colonial
e capitalista. Claro que nem todos os camponeses resistiam. Nem mesmo a
maioria. Separados uns dos outros pela distância, pelas etnias, religião, relações
primordiais de parentesco, tirania de seu tipo de trabalho e uma série de outros
fatores, os camponeses, em nível individual, eram relativamente incapazes de
desencadear um vasto movimento de oposição que levasse a uma análise his-
tórica detalhada. Suas ações tendiam a ser isoladas, difusas e esporádicas, os
objetivos limitados e a importância global difícil de medir e fácil de ignorar.
Todavia, agindo no quadro das duras coerções impostas pelo sistema capitalista
colonial, eles conseguiram de certa forma atenuar os efeitos destruidores da
dominação portuguesa. Para eles, a principal arena de combate era a luta contra
a apropriação de seu trabalho e respectivos produtos.
Como nos primeiros anos da dominação colonial, o não pagamento dos
impostos foi comum em todas as regiões rurais de Moçambique. Os campone-
ses elaboraram uma série de estratégias para reduzir ou evitar os pagamentos
anuais. Muitas vezes indicavam falsamente a idade e o estado civil, diminuindo
assim os encargos financeiros que lhes pesavam nos ombros. Muitos adultos
jovens fingiam ser menores, morando temporariamente nas barracas reservadas
aos jovens impúberes quando chegavam os coletores de impostos. Os maridos
costumavam esconder as mulheres mais novas ou diziam ser elas cunhadas ou
mulheres de amigos que estavam trabalhando muito longe. No sul de Moçam-
bique, onde o imposto de habitação era a forma de taxação mais generalizada,
famílias muito numerosas se juntavam na mesma palhoça, alegando ser aquele
seu único domicílio
78
. Mesmo depois de tributados, muitos camponeses persis-
tiam nessa duplicidade, no esforço de retardar ou de evitar o pagamento dos
impostos. Ainda em 1928 um funcionário português da região central da colônia
observava, decepcionado e frustrado:
Os chefes de aldeia e os camponeses pertencentes às populações de Mambos Cus-
sarara, Chuau e Capanga estão envolvidos numa incrível campanha de resistência
passiva. Quando lhes dizemos que venham pagar os impostos, chegam sem dinheiro
e negociam demorados adiamentos de prazo, que normalmente não cumprem, obri-
gando o uso dos sipaios para levar para os fumos quem trouxer uma pequena
78 NUNES, 1928, p. 116.
823
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
porcentagem dos impostos de sua respectiva aldeia; por isso, leva meses e amiúde
um período indefinido para que o todo seja liquidado
79
.
Outros camponeses escondiam -se no interior. Os relatórios oficiais indi-
cam ter sido frequente as mulheres afirmarem que os maridos estavam mortos,
quando na verdade “eles tinham fugido temporariamente, regressando à aldeia
pouco depois da partida dos coletores ou dos funcionários encarregados do
recenseamento
80
. Os africanos que viviam perto das fronteiras internacionais
não cessavam de atravessá -las para fugir a qualquer tributação.
Milhares de camponeses moçambicanos obrigados a plantar algodão ou a
trabalhar nas terras dos colonos e nas plantations, ou a participar na execução de
obras públicas estatais, contestavam o tempo de trabalho que deviam ceder ao
sistema capitalista colonial. No caso mais extremo, esquivavam -se ao trabalho
forçado, fugindo para as colônias vizinhas, fuga que era ao mesmo tempo difícil
e perigosa. Apesar disso, em 1919 estimava -se que mais de 100 mil pessoas do
norte de Moçambique se haviam instalado na Niassalândia
81
. Mesmo no sul,
onde o Estado exercia maior controle, os funcionários coloniais reconheciam
que os africanos que fogem da província de Sul de Save por causa da cultura
do algodão constituem um fenômeno que não é novo [...]. foi comunicado
em relatório que inúmeros indígenas abandonaram suas terras depois de atear
fogo às suas palhoças
82
.
Outros desertores, não desejando cortar todos os laços com a família e a
pátria tradicional, fugiam para regiões pouco habitadas. Em alguns casos, pelo
menos, criaram comunidades permanentes de refugiados, primeiro em zonas
montanhosas e escarpadas, onde a topografia difícil servia de barreira natural à
penetração portuguesa. Várias dessas comunidades de refugiados conseguiram
manter a independência por alguns anos, sobrevivendo simultaneamente às
duras condições do meio e às intervenções coloniais armadas
83
.
Guardar às escondidas uma parte de seu trabalho representava sem dúvida a
forma de oposição mais generalizada dos camponeses e dos trabalhadores rurais
que produziam algodão. Essa estratégia era ao mesmo tempo menos arriscada
79 Arquivo de Tete, Documentos Diversos, Circunscrição Civil de Maravia, “Relatório da Administração
Referente ao Ano de 1928”; Documento n. 8, Manoel Arnaldo Ribeiro ao administrador Manoel Alves
Viana, s.d.
80 NUNES, 1928, p. 116.
81 VAIL, 1976, p. 402.
82 Apud ISAACMAN, STEPHEN et al., 1980, p. 586.
83 Ibid., p. 597 -9.
824
África sob dominação colonial, 1880-1935
do que a deserção e ao menos para os camponeses lhes dava mais oportu-
nidades de cultivar seu jardim. Segundo relatórios oficiais, os camponeses, por
exemplo, raramente plantavam o algodão no momento indicado, plantavam a
área mínima, faziam a limpa o número requerido de vezes ou queimavam seus
campos depois da colheita
84
. Os plantadores europeus do sul de Moçambique
queixavam -se amargamente da “docilidade de seus trabalhadores agrícolas mal
pagos, rejeitando a proposta de um de seus membros segundo a qual se devia
contratar a mão de obra a uma libra por mês”, para conseguir homens exce-
lentes
85
. O governador de Inhambane fazia eco a seus sentimentos e deplorava a
recusa dos Nguni em cumprir tarefas agrícolas, que eles consideravam “trabalho
para mulheres”
86
.
Considerando -se os fatores que tendiam a dividir o campesinato e os traba-
lhadores migrantes, bem como a privá -los de todo sentimento de solidariedade
de classe, não admira que a resistência rural raras vezes tenha assumido forma
coletiva. No entanto, a insatisfação rural expressava -se ocasionalmente de modo
mais radical. De 1917 a 1921, os camponeses do vale do Zambeze, exasperados
com o trabalho forçado, o aumento dos impostos, a obrigação de plantar algodão,
os abusos sexuais e a conscrição militar, conjugaram -se numa rebelião dirigida
pelos descendentes da família real Barué e os médiuns Shona. O objetivo deles
que chegaram momentaneamente a concretizar era libertar seus territórios
e desmantelar o opressivo sistema colonial
87
. Nos 20 anos subsequentes, houve
igualmente uma série de levantes rurais localizados em Erati, Moguincal e
Angoche, no norte de Moçambique, levantes provocados pelos impostos e pelo
trabalho forçado (ver fig. 27.3)
88
. Onde o medo e a coerção impedissem a opo-
sição aberta, os camponeses e trabalhadores rurais costumavam manifestar sua
hostilidade por meio de símbolos culturais que os funcionários coloniais não
compreendiam. Por exemplo, os Chope, que viviam no sul de Moçambique,
criaram todo um repertório de cantos denunciando o regime colonial em geral
e os tão detestados coletores em particular:
Ainda estamos furiosos; é sempre a mesma história:
A filha mais velha tem de pagar o imposto;
84 Ibid.
85 ROSS, E. A., 1925, p. 50.
86 Distrito de Inhambane, Relatório do Governador 1913 -1915, Lourenço Marques, 1916, p. 41.
87 A. ISAACMAN, 1976, p. 156 -185.
88 BRANQUINHO, 1966, p. 81 -3, 108, 114, 193.
825
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
Natanele diz ao homem branco que o deixe em paz,
Natanele diz ao homem branco que me deixe estar;
Vocês, os anciãos, devem discutir os nossos assuntos,
Pois o homem que os brancos nomearam é filho de um zé -ninguém;
Os Chope perderam o direito à sua própria terra.
Deixem que lhes conte [...]
89
.
As caões de trabalho dos lavradores empregados nas plantations de
cana-de-açúcar eram ainda mais abertamente hostis, muitas vezes pintando os
contramestres europeus em termos sexuais pouquíssimo lisonjeiros
90
. No norte,
os artistas Macua e Maconde ridicularizavam os funcionários do Estado – afri-
canos e europeus em esculturas muito estilizadas, que lhes deformavam os
traços e retiravam toda humanidade
91
.
Os trabalhadores urbanos, assim como os rurais, lançaram inicialmente ope-
rações individuais e esporádicas para escapar à nova ordem econômica capitalista
ou para lhe atenuar o impulso. Eles fugiam antes que os recrutadores chegassem
às suas aldeias, desertavam em grupos inteiros, não faziam nada e, às vezes, sabo-
tavam as máquinas ou as matérias -primas. Embora esses atos continuassem a
ser uma das formas dominantes de protesto dos chibalo (trabalhadores forçados),
na segunda década do século XX os operários assalariados das cidades tinham
começado a mudar de tática e a organizar -se no novo sistema para melhorar
suas condições de emprego.
Vários fatores militavam contra os esforços de organização dos operários
moçambicanos durante o período. Em primeiro lugar, estes formavam um con-
tingente muito reduzido. Os setores capitalistas retardatários de Moçambique
empregavam relativamente poucos trabalhadores permanentes. Além disso, o
Estado proibia de modo claro a formação de sindicatos africanos, e o movi-
mento sindical branco, salvo algumas exceções notáveis, continuava hostil aos
negros, cultivando os preconceitos raciais e culturais que faziam parte da ideo-
logia oficial do Estado
92
. Assim, os trabalhadores africanos, pouco numerosos,
isolados dos movimentos trabalhistas internacionais, confrontados com uma
aliança hostil do Estado e do capital, viam -se em uma posição evidentemente
pouco invejável.
89 MONDLANE, 1969, p. 103.
90 Ver VAIL e WHITE, 1980, p. 339 -58.
91 A melhor coleção dessas esculturas encontra -se no Museu da cidade de Nampula.
92 Para um importante exame do movimento operário branco, ver CAPELA.
826
África sob dominação colonial, 1880-1935
Não obstante, em 1911 um pequeno grupo dirigido por Francisco Domin-
gos Campos, Alfredo de Oliveira Guimarães e Agostinho José Mathias tentara
organizar a União Africana, para nela incluir todos os trabalhadores africanos de
Lourenço Marques. Para eles, o problema era evidente: os trabalhadores negros
tinham de se organizar, se quisessem sobreviver. Advertiam com clareza os tra-
balhadores contra as tendências de divisão das etnias e consideravam perigoso o
fato de os operários ocupados em empregos mais bem pagos não se unirem aos
diaristas comuns. “Em nossa associação não há distinções”, afirmavam orgulho-
samente seus panfletos. Do ponto de vista da luta e da solidariedade da classe
operária, eles eram igualmente inequívocos. Mas, apesar de sua eloquência e
da força de suas críticas, a enérgica ação do Estado colonial e capitalista, do
movimento sindical branco, assim como, aparentemente, a falta de unidade dos
trabalhadores africanos, arruinaram a União Africana antes que ela pudesse
entrar em ação
93
.
Apesar desse revés inicial, houve algumas tentativas esporádicas de organizar
os operários africanos de Lourenço Marques. Greves e paralisações do trabalho
ocorreram entre os empregados da Associação Comercial, em 1913, os operado-
res de vagonetas, em 1917, os técnicos das ferrovias, em 1918, e os empregados
de uma empresa de engenharia, em 1919
94
.
Como em muitas outras partes da África, os estivadores constituíam o setor
da classe operária mais militante e relativamente mais bem organizado. Nas duas
primeiras décadas do século XX, Lourenço Marques tornou -se um importan-
tíssimo centro do comércio internacional, ligando o Transvaal, a Suazilândia e o
sul de Moçambique à economia mundial. Apesar do valor econômico estratégico
e dos esforços do Estado para impedir qualquer embaraço ao tráfego, houve
sete grandes greves entre 1918 e 1921, provocadas pela recusa das companhias
marítimas e de despachos a aumentar os salários dos africanos, de forma a
compensar a perda do poder aquisitivo causada pela espiral inflacionária. Entre
1918 e 1920, por exemplo, os preços dos gêneros essenciais, como arroz, feijão,
batata e sabão, duplicaram; no ano seguinte (1921), um quilo de arroz custava
três centavos, quer dizer, o equivalente ao ordenado diário médio da maior parte
dos estivadores
95
.
As greves portuárias obedeciam a um esquema geral. Os trabalhadores des-
contentes, organizados graças a redes clandestinas locais, recusavam -se a tra-
93 Os Simples, 24 de junho de 1911.
94 PENVENNE, s.d.
95 Outros gêneros que não eram essenciais aumentaram em ritmo ainda mais elevado.
827
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
balhar se os salários não fossem reajustados. Reuniam -se em frente da entrada
principal do porto, exigindo melhores salários e melhores condições de traba-
lho. O governador enviava tropas para reprimir as manifestações e prender os
chefes. Ao mesmo tempo, os trabalhadores chibalo eram aproveitados como
fura-greves, mantendo o porto em funcionamento. Esses movimentos eram,
pois, rapidamente desbaratados. Mesmo quando os patrões concordavam em
conceder aumentos, logo se desdiziam, como foi o caso da greve de 1919. A
despeito dos malogros e da ascensão ao poder de um governo fascista, porém, as
greves prosseguiram depois de 1926, embora com menos frequência
96
.
Talvez a greve de Quinhenta (1933) marque o conflito portuário mais duro.
Os funcionários do porto e as companhias de carga e descarga, afetadas pela
crise mundial, decidiram reduzir os salários dos estivadores – já miseráveis – em
10 a 30%. A redução representava cinco vezes o aumento que eles tinham obtido
com a greve de 1921. Quando anunciada, os estivadores pararam, recusando
voltar ao trabalho depois do almoço. O porto ficou paralisado. Os dirigentes
da greve juraram não voltar ao trabalho até que as reduções fossem revogadas.
Diante da situação de total paralisação, os patrões aceitaram as exigências dos
grevistas. Os estivadores voltaram e logo se viram encerrados dentro do porto
e cercados pela polícia, que os obrigou a descarregar todos os navios. Depois
disso foram comunicados de que as reduções não seriam anuladas. Um jornal de
Lourenço Marques expressou bem, na ocasião, a cólera e a frustração dos esti-
vadores: “Os trabalhadores, de barriga vazia, viram -se face a face com o patrão,
o qual, de barriga cheia, lhes respondeu com promessas vazias”
97
.
Como em outras partes das Áfricas meridional e central, as igrejas indepen-
dentes ofereciam outro quadro institucional aos operários e camponeses para a
expressão de sua hostilidade à nova ordem social e à hipocrisia das igrejas cristãs
oficiais. Um relatório secreto do governo notava que a popularidade das igrejas
separatistas se devia ao mesmo tempo à discriminação racial existente na socie-
dade e à insensibilidade dos missionários europeus em relação aos indígenas”
98
.
em 1918 havia 76 igrejas separatistas agindo em Moçambique. Vinte anos
depois, havia mais de 380
99
, contando desde um punhado de adeptos até mais
de 10 mil membros, caso da Missão Christã Ethiopia, cujos ramos se estendiam
por quatro províncias.
96 Ver, por exemplo, PENVENNE, (?).
97 Apud PENVENNE, p. 20.
98 BRANQUINHO, 1966, p. 77.
99 Ibid., p. 73 -80.
828
África sob dominação colonial, 1880-1935
Quase todas as igrejas tinham origem nos movimentos “sionistas” e etíopes
da África do Sul e da Rodésia. Os trabalhadores imigrantes de Moçambique,
descontentes e oprimidos (principalmente os das minas), iam buscar refúgio
nessas igrejas. Quando voltavam para casa, organizavam sucursais desses movi-
mentos ou formavam seitas autônomas que imitavam o modelo sul -africano ou
rodesiano. Samuel Belize, o principal animador da poderosa African Methodist
Episcopal Church, fora ligado anteriormente a um ramo negro da Wesleyan
Mission na África do Sul; Sebastião Piedade de Sousa formou a Missão Christã
Ethiopia, segundo o modelo da Igreja Etíope, à qual tinha pertencido em Dur-
ban
100
. Em outros casos, a reputação de um chefe apostólico particular constituía
motivo suficiente para que os moçambicanos aderissem a uma igreja. Como a
maior parte dos trabalhadores migrantes provinha da parte sul da Colônia, as
independentes gozavam de maior prestígio nos distritos de Lourenço Marques,
Gaza, Inhambane e Sofala.
Do ponto de vista dos movimentos sociais, as igrejas etíopes de Moçambique
são particularmente interessantes, já que elas agiam muitas vezes como organi-
zações relativamente autônomas, nas quais os moçambicanos podiam eleger seus
próprios representantes, ter seus próprios orçamentos, constituição, bandeiras e
mesmo grupos paramilitares. Em resumo, elas representavam um “espaço livre”
no interior de um sistema autoritário fechado, um lugar onde os operários e os
camponeses oprimidos podiam usufruir um mínimo de auto governo e dig-
nidade racial e cultural. As igrejas sionistas”, por sua vez, extraíam boa parte
do seu poder de atração da visão apocalíptica de uma intervenção divina e da
destruição da ordem colonial.
No domínio da ação abertamente anticolonial, as igrejas independentes de
Moçambique iam do radicalismo total ao quietismo mais completo. De acordo
com alguns relatórios confidenciais do governo, a Igreja Episcopal Metodista,
instalada inicialmente nos distritos de Gaza e Manica, era um centro de ativi-
dades subversivas. Agentes infiltrados pelo governo informaram que essa igreja
cultivava sentimentos antibrancos e atacava abertamente o opressivo regime
colonial em seus serviços religiosos e em reuniões clandestinas. Além disso, o
clero ali mantinha ligações com o African National Congress (ANC)
101
. Outros
inquéritos governamentais obtiveram provas de que essa igreja pregava a revolta
e que seus membros haviam atacado as autoridades coloniais e os chefes legalis-
tas em diversas ocasiões. A seita foi posteriormente acusada de contribuir para
100 Ibid.; MOREIRA, 1936, p. 28 -9; FREITAS, 1956 -1957.
101 FREITAS, 1956 -1957, v. II, p. 32 -5.
829
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
a organização de um vasto levante camponês em Mambone, em 1952. Essas
atividades subversivas, contudo, aparentemente constituíram exceção. A maior
parte das igrejas independentes não adotava um programa explicitamente anti-
colonialista, preferindo limitar a oposição a críticas verbais e, às vezes, a uma
visão apocalíptica
102
.
Também houve tentativas abortadas de movimentos revisionistas islâmicos
no norte de Moçambique, onde a população muçulmana se opusera antigamente
à dominação colonial. Na década de 1920, os religiosos islâmicos protestavam
contra os abusos do trabalho forçado, os baixos salários e a espoliação das terras
na região de Quelimane. Alguns chefes muçulmanos também se envolveram,
com seus adeptos, em levantes no início da década de 1930. Mas a causa exata
de tais revoltas ainda é ignorada
103
.
A oposição intelectual nas cidades, embora menos profundamente enraizada
do que em Angola, tornou -se contudo um fórum importante para os discursos
reformistas. O primeiro apelo à mudança, algo hesitante, veio em 1908 com a
publicação do jornal O Africano, de Lourenço Marques, órgão oficial do Grê-
mio Africano, grupo social e civil fundado pelas “grandes famílias” de cor dois
anos antes. Apesar de sua posição relativamente privilegiada e da consciência
de sua importância, as famílias dirigentes do Grêmio consideravam seu dever e
sua responsabilidade falar pelos africanos oprimidos. De fato, o editorial de O
Africano afirmava orgulhosamente que o jornal “se dedicava à defesa da popu-
lação indígena de Moçambique”. O sucessor deste, O Brado Africano, tinha um
objetivo semelhante, ao definir -se como o guardião dos camponeses e operários
africanos. Por ocasião de seu sétimo aniversário, este último proclamou com
orgulho que os africanos m no Brado Africano seu melhor defensor e, na
realidade, sua única arma contra a injustiça que os atinge”
104
.
Em seu noticiário e em seus comentários, os dois jornais denunciavam prin-
cipalmente quatro abusos crônicos: o chibalo (trabalho forçado), as más condições
de trabalho dos africanos livres, o tratamento preferencial dado aos imigrantes
brancos e a falta de possibilidades de educação. Tais abusos simbolizavam, para
os redatores, a própria essência da opressão colonial. Durante todo esse período,
saíram editoriais denunciando com vigor e revelando com precisão os abusos
inerentes ao sistema do chibalo. Protestavam contra os brutais métodos emprega-
dos pelos sipaios africanos para recrutar mão de obra forçada, os baixos salários
102 Ibid., p. 134.
103 BRANQUINHO, 1966, p. 56, 81, 108.
104 O Brado Africano, 24 de dezembro de 1926.
830
África sob dominação colonial, 1880-1935
e as más condições de trabalho no chibalo, os atos arbitrários e caprichosos dos
capatazes europeus. Os redatores estavam em particular indignados com a prá-
tica usual de capturar “mulheres africanas para reparar e construir estradas, não
lhes dando alimentação nem salário”, enquanto “as forçavam durante a estação
das chuvas a dormir em palhoças de terra, à beira da estrada, como escravas”
105
.
Os jornais também lançaram uma vasta série de ataques contra as condições
de emprego dos trabalhadores livres africanos. Lamentavam que os camponeses
e operários nominalmente livres” fossem obrigados a trabalhar nas propriedades
de europeus do nascer ao pôr -do -sol ganhando apenas um xelim por mês”; que
os moçambicanos trabalhadores nas minas sul -africanas não tivessem o direito
de escolher os seus empregadores [...] e morressem nas minas como moscas”;
que operários africanos fossem presos e espancados se não tivessem cédulas de
identidade e que o Estado empregasse chibalo para furar greves e baixar o salário
dos trabalhadores livres
106
. As barreiras informais de cor, que imobilizavam os
africanos nos empregos mais mal pagos e reservavam os mais interessantes aos
europeus, serviram igualmente de alvo a muitos editoriais.
O protesto contra as barreiras de cor fazia parte de um ataque mais vasto à
política oficial que favorecia os imigrantes brancos enquanto ignorava as neces-
sidades da população indígena. Num comentário acerbo, O Africano punha em
questão a lógica do regime colonial, sublinhando o custoso rebotalho branco,
que não contribuía com nada para a Colônia:
O portugs comum, conhecido pelo nome de mumadji [imigrante português
comum] entre a população africana, deixa sempre Portugal com a intenção fixa de
fazer uma breve estadia em terra de pretos para juntar bastantes economias, voltar
para Portugal, instalar -se e gozar da riqueza que logrou acumular, ao preço sabe Deus
de quantos sacrifícios, em dois, três ou quatro anos.
Tem -se consciência [em Portugal] das privações a que estes homens se sub-
metem para poupar 300 mil ou 400 mil réis? É todo um poema de sofrimento
e de miséria. Verdadeira loucura que alguns experimentam no esforço de encher
as maletas com essas miseráveis peças de metal. A febre do ouro!
Vivem em pocilgas sem luz, sem ar, quatro ou cinco pessoas juntas para
reduzir os custos. Costumam comer três do mesmo prato, porque é mais barato.
Um miserável jantar de sopa ou de refogado, que na verdade não passa de uma
105 Ibid., 28 de fevereiro de 1925
106 Ibid., O Brado Africano, 13 de dezembro de 1924; 30 de julho de 1927; PENVENNE, 1978, p. 10.
831
Política e nacionalismo nas Áfricas central e meridional, 1919 -1935
barrela de água quente onde cinco feijões nadam desesperadamente em busca
de companhia [...]’’
107
.
Se bem que o tom das matérias dos dois jornais fosse prudente e reformista,
apelando para a boa vontade e o senso de justiça do governo colonial, o acúmulo
das frustrações produzia explosões de cólera e até de ameaças implícitas ao sis-
tema. Esse tom algo mais hostil apareceu com maior regularidade no período
que se seguiu imediatamente à instauração do regime de Salazar (1928 -1968),
o qual ims uma dominação autoritária, eliminando assim toda ilusão de
reforma. Isso provocou um sentimento de desespero, mesmo entre os membros
mais privilegiados da comunidade africana e mulata. Um editorial vibrante de
O Brado Africano, intitulado “Basta”, é a expressão mais clara do furor deles:
Estamos cheios até a cabeça!
Cheios de vos apoiar, de sofrer as terríveis consequências de vossas loucuras, de
vossas exigências, do abusivo desperdício de vossa autoridade.
Não aguentamos mais os perniciosos efeitos de vossas decisões políticas e adminis-
trativas. Não estamos mais dispostos a fazer cada vez mais esforços inúteis [...].
Basta
108
.
Mas, apesar de todas as críticas aos abusos coloniais e não obstante o papel
que se arrogavam de defensoras dos africanos oprimidos, as “grandes famílias”
viviam em um meio social e cultural totalmente separado do dos operários e
camponeses que regressavam às suas cidades, casebres e aldeias após uma dura
jornada de trabalho. Por outro lado, enquanto membros da burguesia colonial
nascente, elas tinham interesses de classe muito diferentes. Interesses que muitas
vezes as colocavam em oposição a seus compatriotas menos privilegiados e as
impediam de proceder a uma crítica mais radical do capitalismo e do colonia-
lismo. As intensas rivalidades entre mulatos e africanos, no próprio seio da elite
colonial, foram reduzindo pouco a pouco a influência do Grêmio Africano e
contribuíram para precipitar seu fim
109
.
No início da década de 1930, essas animosidades tinham piorado cada vez
mais, o que deu ao regime colonial a oportunidade de aniquilar os últimos res-
tos de unidade. Contando com o descontentamento dos membros africanos do
Grêmio, as autoridades persuadiram muitos deles a sair, para fundar o Instituto
Negrophilo, em 1932. Para ser ainda mais convincente, a administração colonial
107 Apud PENVENNE, 1979, p. 10.
108 O Brado Africano, 27 de fevereiro de 1931. A tradução em inglês foi extraída de DUFFY, 1959, p. 305.
109 Entrevista com Luís Bernardo Honwana, 3 e 4 de outubro de 1981; HAMILTON, 1975, p. 164 -7.
832
África sob dominação colonial, 1880-1935
forneceu ao novo grupo instalações, móveis, livros e capitais generosos, enquanto
um destacado empresário português, Paulo Gil dos Santos, empregava vários
chefes da nova organização como recrutadores de mão de obra. Quatro anos
depois, o regime de Salazar impôs uma censura extremamente severa, reduzindo
O Brado Africano ao silêncio.
Durante esse período, um pequeno número de intelectuais moçambicanos
que vivia em Portugal ajudou a formar organizações que estavam ligadas ao
movimento pan -africano em geral. As mais importantes foram a Liga Afri-
cana e o Partido Nacional Africano. A primeira mantinha estreitos laços com o
PanAfrican Congress, de W. E. B. Du Bois, enquanto o segundo pendia mais
para o garveyísmo, Nenhum, porém, conquistou verdadeiramente adeptos na
Colônia, e suas atividades permaneceram largamente simbólicas
110
.
Conclusão
Em resumo, os africanos dos países das Áfricas meridional e central resis-
tiram ao colonialismo e deram uma importante quota -parte para a preparação
do movimento de libertação do continente desencadeado a partir de 1935.
As formas mais avançadas de oposição ao colonialismo durante este período
registraram -se na União Sul -Africana, onde o desenvolvimento da indústria e,
correlativamente, o processo de urbanização tinham integrado os africanos na
economia capitalista mais cedo do que nos demais países africanos. As organi-
zações nacionalistas e políticas lá criadas serviram de modelo em muitos países
das Áfricas meridional, central e oriental.
110 FRIEDLAND, 1979, p. 119 -21.
C A P Í T U L O 2 8
833
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
O governo de Sua Majestade juntar -se ao dos Estados Unidos da América para
fazer representações ao liberiano, nos termos mais enérgicos, a fim de levá -lo a solici-
tar, quando da próxima reunião do Conselho da Sociedade das Nações, a designação
de uma comissão administrativa [para a Libéria] [...]. O governo de Sua Majestade
exercerá igualmente fortes pressões sobre o liberiano para persuadi -lo a pedir um
empréstimo sob os auspícios da SDN
1
(British Foreign Office, Londres, ao embai-
xador do Reino Unido em Washington, DC, janeiro de 1931).
Não quero acordos que não me cedam tudo, inclusive a cabeça do imperador [Hailé
Selassié] [...]. Mas, ainda que obtenha tudo, prefiro vingar Adowa. Estou decidido
2
(Benito Mussolini, chefe fascista italiano, agosto de 1935).
À primeira vista, dir -se -ia que as questões em disputa entre a Etiópia e a Itália não
apresentam senão um interesse superficial para a Libéria. Mas o exame mais atento
das implicações decorrentes das circunstâncias da disputa convenceria o espírito mais
obtuso de que a situação é da maior importância para um Estado como a Libéria.
Caso a Sociedade das Nações seja incapaz de fazer valer sua influência moral na
manutenção da decência, do decoro e da segurança internacionais, então os Estados
1 ANDERSON, 1952, p. 110 -11.
2 ROBERTSON, 1977, p. 160 -2.
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935:
dois Estados africanos independentes
na era colonial
Monday B. Akpan, com base em contribuições de
A. B. Jones e Richard Pankhurst
834
África sob dominação colonial, 1880-1935
menores se tornarão, como de fato sempre foram, presa de aventureiros imperialistas
3
(Edwin J. Barclay, presidente da Libéria).
Estas citações já bastam para expressar a força do imperialismo europeu que
a Libéria e a Etiópia sofreram durante muitos anos entre as duas guerras, assim
como a solidez dos laços que uniram permanentemente os liberianos e os etíopes
enquanto africanos vítimas da agressão europeia. O presente capítulo é uma
análise comparativa dessa agressão, da resistência que lhe opuseram a Libéria e
a Etiópia, bem como da evolução política, econômica e social que os dois países
experimentaram no período 1915 -1935.
Libéria e Etiópia: evolução sociocultural de 1915 a 1935
Durante este período, a Libéria e a Etiópia enfrentaram graves problemas de
integração e sobrevivência nacionais, resultantes em parte da importância de sua
expansão do decorrer do século anterior e da maior disparidade de suas popu-
lações e de suas culturas. Quais foram as mudanças culturais e sociais ocorridas
em ambos os países neste período?
Entre a população da Libéria, os américo -liberianos mantiveram -se política
e economicamente dominantes enquanto grupo. Segundo se diz, sua importân-
cia numérica declinara desde o final do século XIX, com a maior proporção da
mortalidade em relação à natalidade e ao término virtual da imigração negra
proveniente dos Estados Unidos da América. A situação provocou o aumento
de casamentos mistos e de ligações, principalmente entre américo -liberianos e
africanas autóctones (muitas das quais tinham frequentado as escolas liberianas),
aumentando consequentemente o mero de pessoas com parentesco misto
américo -liberiano/africano autóctone. Os jovens liberianos e africanos autóc-
tones colocados entre as famílias américo -liberianas ou adotados por elas foram
invariavelmente assimilados pelo meio sociocultural que os acolheu
4
.
O declínio demográfico levou sem dúvida os américo -liberianos à prática
cada vez mais frequente dos casamentos endógenos, intensificando por con-
sequência o sistema da família ampliada desenvolvido entre eles desde o final
do século XIX. Foi assim que, durante o período que nos interessa, famílias
estabelecidas como os Sherman, Barclay, Coleman, Cooper, Dennis, Grimes e
3 BARCLAY, 1935, p. 15.
4 SIMPSON, 1963, p. 84, 88; JONES, H. A., 1962, p. 153.
835
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
Morris, os Green, Grigsby, Ross, Witherspoon e Worrell, os Brewer, Dossen,
Gibson e Tubman, mencionadas no capítulo 11 deste volume, continuaram a
proporcionar a maior parte dos protagonistas do cenário econômico e político da
Libéria
5
. Efetivamente, desde a década de 1920, tornou -se norma dessas famí-
lias, mediante algum acordo mútuo, distribuir entre si cadeiras parlamentares,
postos ministeriais e outras altas funções e encargos públicos muitos meses antes
das eleições legislativas formais
6
.
Quanto aos liberianos autóctones, o progressivo desenvolvimento do ensino
escolar e a ão dos missionários cristãos por todo o país contribuíram para
educá -los, emancipá -los e permitir -lhes assimilar certos aspectos da cultura
américo -liberiana, condições que Ihes davam o grau de “civilizados” (ou “semi-
civilizados”). Um número relativamente reduzido deles atingiu pé de igualdade
com os américo -liberianos quanto aos direitos civis e políticos. Um punhado
desses privilegiados ascendeu a funções públicas e políticas de primeiro plano,
como o dr. Benjamin W. Payne, um Bassa formado em medicina nos Estados
Unidos que ocupou o ministério da Instrução Pública durante a maior parte das
décadas de 1910 e 1920; Henry Too Wesley, um Grebo que foi vice -presidente
da Libéria em começos da década de 1920; Didwo Twe, um Kru que foi sena-
dor (ver fig. 28.1), e Momolu Massaquoi, um Vai que assumiu por várias vezes,
na década de 1920, as funções de ministro interino do interior e de cônsul da
Libéria na Alemanha
7
.
Não obstante, até os africanos privilegiados e instruídos para não falar
da massa dos autóctones sem direito de voto e em grande parte oprimidos
estavam mais ou menos descontentes com a dominação américo -liberiana”,
que era como classificavam, com razão, o governo liberiano. Regra geral, pro-
curavam reformar o sistema sociopolítico do país para melhorar a sorte dos
autóctones. Em raras ocasiões, como em 1930, quando da crise de mão de obra
local, alguns liberianos cultos de destaque militaram pela derrubada do governo
américo-liberiano
8
.
A aculturação não era, porém, um fenômeno de sentido único. Os próprios
américo -liberianos acabaram por adotar certos aspectos da cultura autóctone
5 United States National Archives (USNA), Records of the Department of State relating to the Inter-
nal Aairs of Liberia (RDSL), 1909 -1929, 4/88, US State Department Memorandum, 16 de junho de
1924.
6 USNA, 1909 -1929, 4, Clarke ao secretário de Estado dos EUA, Monróvia.
7 BUELL, 1947, p. 751.
8 Ver mais adiante.
836
África sob dominação colonial, 1880-1935
que antes haviam rejeitado, por considerá -los superstição e barbarismo, como a
crença na eficácia da magia, da feitiçaria e da medicina tradicional”, a iniciação
no poro e a prática de dar pessoas como penhor de uma dívida ou obrigação
semelhante
9
. Em 1935, término do período abrangido por este estudo, esse pro-
cesso de africanização, todavia, ainda não era bastante profundo para mascarar
o que separava os autóctones do grupo américo -liberiano nos planos social,
econômico, político e cultural.
Tal como na Libéria, a vasta expansão territorial verificada na Etiópia, no
reinado de Menelik, teve por consequência maior o aumento da diversidade
étnica da população. Entre os povos que em 1914 se encontravam incorporados
na Etiópia, contam -se em primeiro lugar os Oromo, quase tão numerosos como
os amárico -tigrinos e dispersos por quase a metade do território da Etiópia, além
dos Gurage, dos Sidamo e dos Beni Shangul
10
.
Como fez a oligarquia américo -liberiana na Libéria, os amárico -tigrinos con-
servaram sua dominação econômica, política e militar sobre o resto da Etiópia
durante o período considerado. Mas, ao contrário da minoria américo -liberiana,
calcula -se que eles representassem de 33% a 40% da população etíope
11
. Embora
constituíssem um grupo privilegiado, a realidade do poder econômico e político
escapava -lhes em proveito de pequeno número de famílias da nobreza etíope,
entre as quais se recrutava a maior parte dos altos dignitários, como por ordem
de precedência – os negus, betwoded, ras, dajazmach e fitawrari. Foi sobretudo ao
apoio desses nobres (e dos exércitos por eles comandados) que Menelik ficou
devendo as conquistas que lhe permitiram expandir as fronteiras da Etiópia,
anexando territórios posteriormente ocupados mediante um sistema dito de
“guarnições”, em muitos pontos comparável ao utilizado pelos colonialistas
europeus em outras regiões da África
12
. Não surpreende, portanto, que muitos
desses nobres e seus descendentes, assim como os descendentes dos militares
de serviço nessas guarnições, funcionários “e mesmo membros do clero cristão
dessem muitas vezes provas do pior espírito colonial” ou da pior atitude racial
em relação aos etíopes pertencentes a “grupos étnicos ligeiramente diferentes”
13
.
9 Liberian National Archives, Grand Bassa County File (não catalogado), Smith a King, Lower Buchanan,
14 de novembro de 1924; ibid., Russel a King, Lower Buchanan, 5 de maio de 1928; ibid., Harris (por
Banks) a King, North Harlandville, 6 de agosto de 1928.
10 ULLENDORFF, 1960, p. 30 -44; GREENFIElD, 1965, p. 98 -108; HUNTINGFORD, 1969, p.
35 -7.
11 ULLENDORFF, 1960, p. 31; HUNTINGFORD, 1969, p. 23.
12 GREENFIELD, 1965, p. 48 -9, 119, 136, 460 -2.
13 lbid., p. 105 -6.
837
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
 . Didwo Twe, senador Kru da Libéria, um dos raros autóctones a ascender a uma função pública
de primeiro plano. (Foto: Harlingue -Viollet.)
838
África sob dominação colonial, 1880-1935
Eles se orgulhavam, por exemplo, de ser os construtores do império da Etiópia
– “aqueles que, por seu saber, serviram ao país e ao imperador e asseguraram a
posteridade da Etiópia
14
.
Era quase o mesmo espírito colonial” que animava os américo -liberianos,
que se consideravam os artífices da nação liberiana. Como declararia o presi-
dente William V. S. Tubman, em maio de 1951, os repatriados africanos, criados
na escola do sofrimento e do chicote dos negreiros do Novo Mundo,
trouxeram para a civilização, a educação e a religião que deviam ser transmitidas
aos indígenas, e esperava -se que com este formassem os dois elementos da popula-
ção a construírem uma grande nação, unida e forte. [...] Por pouco experimentados
que eles fossem, tudo fizeram com suas mãos: edifícios públicos, estabelecimentos
de ensino superior, escolas, igrejas e crescimento econômico, indústrias, embaixadas,
legações, consulados, estradas, pontes etc.
15
Essa concepção toda pessoal de construtores da nação ou do império é com-
parável à do White Mans Burden (Fardo do Homem Branco), que postula,
erroneamente, que o progresso realizado na África, nos domínios econômico,
tecnológico, político e cultural ou em matéria de “civilização em seu sentido
amplo –, deve -se por completo à colonização europeia
16
.
Na primeira metade do século atual, a evolução sociocultural das etnias não
amárico -tigrinas (quer dizer, dos Oromo, Sidamo, Gurage etc.) foi marcada por
uma crescente amaricização”, a despeito da resistência pelos muçulmanos, tradi-
cionais e outros. O fenômeno deveu -se, em boa medida, à cristianização forçada
que se seguiu às conquistas de Menelik e à imposição da administração federal,
ao ensino cristão nas escolas etíopes, ao prestígio de que gozava o amárico como
língua nacional, assim como às atividades dos comerciantes e dos sacerdotes
coptas de Amhara e de Tigre, e à crescente urbanização, que atraía mão de
obra de outras partes do país para a órbita da cultura amárica
17
. A amaricização
manifestava -se em diversos graus, no período considerado, pela adoção da lín-
gua, do vestuário e do calendário amáricos; pela evolução das crenças religiosas;
pela modificação das instituições e das estruturas políticas e pela reforma do
sistema fundiário
18
. No entanto, tal como na Libéria, a aculturação não agiu em
14 Ibid., p. 107.
15 TUBMAN, maio de 1951, in TOWNSEND, 1959, p. 98 -9.
16 GANN e DUIGNAN, 1967, capítulos 15 e 22.
17 SHACK, 1969, p. 8, 48, 138 -9,
18 HUNTINGFORD, 1969, p. 27 -9, 55 -8, 68; SHACK, 1969, p. 202.
839
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
um único sentido. Certos colonos amárico -tigrinos das regiões mais isoladas,
onde havia guarnições, acabavam sendo assimilados pela população local
19
.
Além disso, a sociedade etíope fragmentou -se em várias classes e grupos,
entre os quais havia os escravos, os camponeses
20
, a intelectualidade nascente e
a burguesia mercantil, que apoiava o regente, Tafari Makonnen (futuro impe-
rador Hailé Selassié), e reclamava reformas e uma administração central forte
21
,
bem como uma fração conservadora, que compreendia a maior parte da grande
nobreza e do alto clero da Igreja Copta da Etiópia. Partidário da imperatriz
Zauditu e defensor da autonomia regional, esse grupo era o baluarte do regime
sociocultural etíope
22
.
Vê -se portanto que, durante o período considerado, o pluralismo étnico e
cultural, da mesma forma que a desigualdade social na Libéria e na Etiópia,
fazia com que pairasse uma grave ameaça sobre a estabilidade e a harmonia da
sociedade, ou provocava verdadeiros conflitos, dos quais alguns são estudados
neste capítulo.
Evolução política
Libéria
Tanto na Libéria como na Etiópia, o regime e a vida política estavam sujei-
tos a tensões que se manifestavam em três domínios principais: no centro, na
periferia e entre o centro e a periferia.
Quanto à Libéria, em toda a década de 1910, o True Whig Party manteve
solidamente as rédeas do poder, sofrendo uma oposição puramente formal. Essa
situação evoluiu um pouco na década de 1920, quando o People’s Party, criado
em 1922 sob a direção do ex -presidente Daniel B. Howard, desafiou seriamente
o True Whig Party no poder. No entanto, dada a profunda corrupção do apa-
relho político e a esmagadora pressão exercida pelo partido governamental, o
People’s Party era incapaz, incontestavelmente, de vencer o True Whig Party
apenas mediante o recurso constitucional do voto.
Com efeito, desde a década de 1890, a oposição institucional debilitara -se
muito, manifestando -se quando muito esporadicamente e quase sempre oca-
19 SHACK, 1969, p. 25.
20 VIVO, 1978, p. 38 -9.
21 VIVO, 1978, p. 37; GREENFIELD, 1965, p. 147.
22 GREENFIELD, 1965, p. 151 -2; VIVO, 1978, p. 36 -8.
840
África sob dominação colonial, 1880-1935
sionalmente, constituindo -se como partido somente quando havia eleições
nacionais. Essa falta de continuidade traduzia -se na variedade de nomes de tais
partidos: Union Party, nas eleições de maio de 1897 e 1899; Peoples Party, em
maio de 1901; National Union True Whig Party, em maio de 1911; People’s
Party, em maio de 1921, 1927 e 1931; e Unit True Whig Party, em maio de 1935.
Além do mais, a oposição somente disputava um pequeno número de cadeiras
parlamentares. Nas eleições de 1897, 1903 e 1905, não apresentou candidatos à
presidência e à vice -presidência, mas só à Câmara dos Deputados e ao Senado.
Nas de 1907 e 1919, o True Whig Party concorreu sozinho. Ao contrário dos
candidatos do partido de oposição, os da situação ganhavam sempre com larga
maioria
23
.
Assim, com exceção da década de 1920 e do começo da de 1930, período em
que o Peoples Party enfrentou com algum sucesso o True Whig Party, verifi-
ca-se que a Libéria – singularmente na África – se transformou gradativamente
durante o século XX num Estado praticamente unipartidário.
Diversos fatores contribuíram para tal situação. O declínio, desde o final do
século XIX, da agricultura e do comércio, que haviam sido meios de vida de
tantos liberianos, fez do governo o principal empregador e a principal fonte de
renda e de prestígio social
24
. Os candidatos a cargos públicos ou políticos e os
titulares desses postos tinham, portanto, cada vez mais interesse em apoiar o
governo, o que de fato redundava em apoiar o True Whig Party no poder. Em
segundo lugar, no período 1915 -1935, a administração e os costumes políticos
da Libéria conheceram talvez uma corrupção e uma prevaricação ainda mais
graves do que antes. A encarniçada rivalidade entre situação e oposição durante
a década de 1920 e o começo da de 1930 agravou as fraudes eleitorais, obra
principalmente da primeira. Por exemplo, nas eleições de maio de 1927, foram
anunciados 235 mil votos a favor do presidente King (ver fig. 28.2) e 9 mil votos
a favor de T. J. Faulkner, seu adversário pelo People’s Party, quando não havia
mais de 10 mil pessoas habilitadas a votar em todo o país naquele ano
25
.
Em terceiro lugar, tal como no século XIX, a situação e a oposição estavam
divididas mais por rivalidades pessoais ou por desacordos sobre a partilha dos
23 USNA, DUSM, 14/88, Lyon a Hay; Monróvia, 13 de janeiro de 1905; ibid., Lyon a Adee, Monróvia, 8
de maio de 1905; USNA, DUSM (NF), 405/112, Lyon ao secretário de Estado, Monróvia, 20 de maio
de 1907; T. J. R. Faulkner, 1927; “Janus”, e Defeat of the ex -President C. D. B. King, at National
Election on May 7, 1935 And Why”, documentação não catalogada.
24 American Colonization Society Ms. (ACS), Liberian Letters, 28, Stevens a Wilson, Monróvia, 1 de maio
de 1901.
25 FAULKNER, 1927.
841
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
 . Charles Dunbar B. King, presidente da Libéria. (Fonte: Johnston, Libéria, 1906.)
842
África sob dominação colonial, 1880-1935
benefícios sociais do que por marcantes divergências de ordem ideológica ou
política. Em 1911, por exemplo, o People’s Party foi criado por um grupo dissi-
dente do True Whig Party, depois que o partido designou como candidato à pre-
sidência seu presidente nacional, Daniel B. Howard, em vez do vice -presidente
da Libéria, Jerome J. Dossen, de Maryland. Da mesma forma, em 1927, muitos
True Whig passaram -se para o Peoples Party não porque advogassem seu pro-
grama, mas por se oporem à candidatura do presidente King a um terceiro man-
dato
26
. Na ausência de grandes diferenças ideológicas ou programáticas entre
os liberianos, a política tornou -se em larga medida uma questão de colaboração
ou de rivalidade entre as famílias influentes, sobretudo as américo -liberianas,
que dominavam o partido no poder e o da oposição, na intenção de controlar
os benefícios sociais.
Finalmente, se a base política da Libéria tivesse sido ampliada para acolher os
indígenas liberianos, as coisas teriam sido diferentes. Mas, à parte Too Wesley e
alguns outros mencionados, nada disso se verificou. O sistema político do país
permaneceu, assim, fundamentalmente conservador, servindo principalmente
aos interesses da elite américo -liberiana, perpetuando sua ascendência política.
Etiópia
A situação política na Etiópia, no decurso do período aqui estudado, contras-
tava com a da Libéria em certos pontos importantes, como a natureza e o alcance
das instituições políticas, o funcionamento e a importância da distribuição dos
poderes e dos privilégios políticos. Entretanto, no tocante aos problemas essen-
ciais colocados pela organização do sistema, pelo grau de evolução política, pela
estrutura e interesses de classe e pela intervenção do imperialismo estrangeiro,
a Etiópia tinha muitos pontos em comum com a Libéria.
Os últimos anos de Menelik constituíram um período difícil para a Etiópia.
No decorrer de sua prolongada doença, o imperador nomeou o neto Lij Yasu
garoto de doze anos para seu sucessor, em meados de 1908
27
. Por volta do
final desse ano, quando ficou paralítico e perdeu a fala, Menelik nomeou como
regente o ras Tasamma, seu antigo general. Tasamma morreu em 1911, motivo
pelo qual o Conselho de Estado declarou então que Yasu já tinha idade bastante
para agir por conta própria. Até a morte de Menelik, em dezembro de 1913, o
vazio de poder criado por sua doença exacerbou as intrigas políticas às quais se
26 Anon., Condential diary of Liberian events 1926 -1929 (manuscrito guardado na Mansão do Executivo).
27 PANKHURST, 1976.
843
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
entregavam facções da nobreza etíope e incitou as potências coloniais europeias
a se intrometerem nos assuntos do país
28
.
Lij Yasu, filho do ras Mikael, que governava a província de Wallo, era de
natureza impetuosa. Tinha muito pouco da sutileza política do avô, não contava
com nenhum apoio além de Wallo e, por outro lado, desagradava aos velhos
cortesãos de Menelik, os quais, na maioria, eram originários de Choa. Pouco
a pouco, a oposição foi se cristalizando contra alguns aspectos de sua polí-
tica interna, especialmente sua amizade com a população muçulmana, e contra
sua política externa, a qual tinha como eixo o apoio que ele deu à Alemanha,
Áustria -Hungria e Turquia ao irromper a Primeira Guerra Mundial, em 1914.
Não surpreende, portanto, que tenha havido coligação entre os nobres, os dig-
nitários eclesiásticos e, possivelmente, também entre as delegações aliadas em
Adis Abeba, para depô -lo em setembro de 1916 e mantê -lo prisioneiro de 1921
até sua morte, em 1935
29
. A filha de Menelik, Zauditu, foi então proclamada
imperatriz, e Tafari, filho do ras Makonnen, primo do imperador defunto, foi
declarado regente e herdeiro do trono. A coroação da imperatriz Zauditu, no
dia 11 de fevereiro de 1917, marcou o início do dualismo de poder, dividido
este entre a imperatriz e o regente, cada qual com seu palácio, seus partidários
e políticas muitas vezes conflitantes.
A ascensão de Tafari Makonnen à regência foi um acontecimento importante,
que ele era um chefe resoluto, desejoso de retomar a política de moderniza-
ção de Menelik e de prosseguir nos esforços envidados por este para preservar
a independência do país. A predisposição do regente para governar com um
estilo todo pessoal permitiu -lhe em parte estender seu poder a vários setores
nevrálgicos da vida pública, como seus representantes na corte, nas províncias,
no Exército, na Igreja e junto da imperatriz. A 7 de outubro de 1928, Tafari
foi coroado negus e tomou inteiramente em mãos a direção do país. A coroação
trouxe -lhe maior ressentimento e a oposição de Zauditu e seus fiéis. Em março
de 1930, revoltou -se o ras Gugsa Wolie, marido da imperatriz, mas ele foi ven-
cido com a ajuda da minúscula força aérea do negus. No dia seguinte, Zauditu
morreu, e Tafari assumiu o título de imperador Hailé Selassié L Foi coroado
em 2 de novembro de 1930
30
(ver fig. 28.3).
28 GREENFIELD, 1965, p. 131 -2.
29 GREENFIELD, op. cit., 136 -46.
30 WAUGH, 1934; MOSLEY, 1964, p. 151 -63. Para a enumeração cronológica de alguns dos principais
acontecimentos do reino, ver PETRIDES, 1964, p. 157 -9.
844
África sob dominação colonial, 1880-1935
Tendo assim reforçado sua posição política, Hailé Selassdeu mais um passo
no sentido da modernização do sistema político da Etiópia, promulgando uma
constituição escrita em 1931 e aumentando a autoridade do governo central a
expensas da nobreza
31
. A Constituição instituía o bicameralismo parlamentar,
com um senado cujos membros eram nomeados e uma câmara de deputados
igualmente nomeados,até que o povo esteja em condições de os eleger”.
que Hailé Selassié considerava a Constituão de 1931 um marco na
história política da Etiópia, podemos indagar em que medida ela modificou o
sistema político do país e – questão ainda mais importante – qual foi a evolução
política da Etiópia no decurso desse período. Como no caso da Libéria, houve
efetivamente algumas mudanças políticas, que, contudo, não foram fundamen-
tais nem estruturais. Elas se traduziram no reforço progressivo do poder do
regente e depois do imperador, a expensas da antiga nobreza e da Igreja por
outras palavras, no aumento da centralização; na aplicação mais estrita de cri-
térios reconhecidos em matéria de nomeações para cargos públicos quando da
eliminação dos membros mais conservadores da nobreza etíope; no reconhe-
cimento explícito da necessidade de uma modernização por certos dirigentes
etíopes, inclusive o próprio Hailé Selassié, bem como na promulgação oficial
de uma constituição.
No decorrer do período, quase não houve progresso envolvendo mudanças
de ordem normativa, institucional e estrutural na vida política da Etiópia. Pelo
contrário, a despeito da maior centralização política, o separatismo social, o
regionalismo cultural e o chauvinismo étnico por exemplo, entre os Oromo,
Sidamo, Tigrina e Gurage – se mantiveram como as características dominantes
do império etíope, prejudicando seriamente a integração nacional
32
.
Em segundo lugar, a Constituição de 1931 estava longe de ser uma inova-
ção radical e teve pouca influência imediata sobre a vida política do país. Não
tocava no poder absoluto do imperador e mantinha em grande parte a situação
privilegiada da nobreza. Hailé Selassié designava membros do senado indivíduos
desta classe e, por sua vez, os nobres e os shuma (chefes) locais designavam os
membros da câmara dos deputados
33
. Como o parlamento não tinha quase
nenhuma iniciativa em matéria legislativa e quase nenhum poder de decisão,
que era convocado e dissolvido à vontade pelo imperador, não passava de uma
31 GREENFIELD, 1965, p. 168.
32 ROBERTSON, 1977, p. 31 -3.
33 Ibid., p. 169.
845
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
 . Hailé Selassié I, imperador da Etiópia (1930 -1974). (Foto: Harlingue -Viollet.)
846
África sob dominação colonial, 1880-1935
câmara de registro dos assuntos que ele lhe submetia
34
. No momento da invasão
italiana, o parlamento era uma instituição quase defunta
35
. Da mesma forma,
os ministros praticamente não tinham a possibilidade de tomar iniciativas ou
independência de ação. Não dependiam do parlamento e eram diretamente
responsáveis perante o imperador
36
.
Em todos esses pontos, a Etiópia diferia muito da Libéria. É certo que a
Constituição liberiana atribuía ao presidente largos poderes constitucionais, os
quais estavam, porém, longe de ser absolutos. O parlamento liberiano tinha ati-
vidade política; o etíope era dócil e submisso. O contraste mais chocante talvez
se relacionasse com a falta de partidos políticos na Etiópia, atribuída a fatores
tais como o papel historicamente preponderante do imperador nos assuntos do
país e à falta de desenvolvimento econômico ou de uma elite ocidentalizada,
suscetível de modificar substancialmente o conservadorismo da Etiópia
37
.
Assim, no período em estudo, a Libéria e a Etiópia apresentavam mais ana-
logias do que divergências no que concerne aos fatores determinantes de sua
vida política. Citem -se como exemplos o conservadorismo das normas sociais
não igualitárias e caducas, a falta de integração nacional, de desenvolvimento
econômico ou de firme vontade de mudança radical da sociedade e, sobretudo,
a frágil independência política em meio à hostilidade e à cobiça das potências
imperialistas da Europa.
Evolução econômica e social, 1915 ‑1935
Libéria
Os anos que vão de 1915 a 1935 foram, em muitos sentidos, um período de
crise econômica para a maior parte dos liberianos e para seu governo. O declínio
do comércio e da agricultura, principais riquezas do país, desde o fim do século
XIX, trouxe consigo uma queda brutal das receitas públicas (que provinham
sobretudo dos direitos alfandegários) e privou muitos liberianos de seu grande
meio de subsistência.
Em parte para reembolsar dívidas cada vez mais pesadas, incluindo o emprés-
timo inglês de 1870, e em parte para facilitar o desenvolvimento econômico do
34 Apud ibid., extraído de BAUM, 1928.
35 Ibid.
36 Ibid.
37 HESS e LOEWENBERG, 1968, p. 199 -201.
847
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
país, o governo contraiu em 1905 um empréstimo de 500 mil dólares a juros
de 6% de alguns banqueiros ingleses. No entanto, o novo empréstimo pouco
melhorou as coisas e foi cancelado em 1912, quando alguns bancos europeus
concederam outro, de 1700 mil dólares, à taxa de 5%, para resgatar o primeiro.
A Libéria dividiu então suas receitas em duas categorias: as receitas reservadas”,
constituídas essencialmente pelos direitos alfandegários e destinadas exclusi-
vamente ao pagamento dos juros e ao fundo de amortização do empréstimo
de 1912; as receitas internas, constituídas por diversos foros, multas e taxas
internas impostos pelo governo (incluindo o imposto de habitação, cobrado dos
autóctones) e alocadas aos serviços públicos essenciais, sobretudo ao pagamento
dos vencimentos dos funcionários. A cobrança e a administração das receitas
reservadas” foram confiadas a uma Recebedoria Internacional”, constituída por
um norte -americano, com as funções de “recebedor geral das alfândegas”, com
a assistência de recebedores franceses, alemães e britânicos.
De fato, as receitas reservadas” diminuíram com o início da Primeira Guerra
Mundial, principalmente devido à retração do intercâmbio comercial resul-
tante da retirada dos alemães, que até então dominavam quase três quartos do
comércio
38
. Além disso, como a cotação do café, principal exportação do país,
bem como a de outros produtos de exportação – marfim, cacau, óleo de palma,
palmito, piaçava etc. –, registrava uma queda brutal nos mercados mundiais
39
,
os plantadores liberianos reduziram a produção de forma radical, de modo que
as exportações e, portanto, as receitas aduaneiras caíram na mesma proporção.
Assim, de 1916 em diante, o Estado não teve mais condições de honrar pontual
e integralmente
40
as parcelas dos juros anuais nem do fundo de amortização do
empréstimo de 1912. Os atrasados foram se acumulando, atingindo 178657
dólares em 30 de setembro de 1918. Ao mesmo tempo, as receitas internas”
mal chegavam principalmente por causa da corrupção dos funcionários libe-
rianos – para financiar os serviços essenciais do governo, como o pagamento do
funcionalismo, cujo montante havia sido fortemente reduzido.
Assim, ameaçado de falência, o governo liberiano a princípio tomou emprés-
timos frequentes e importantes do Bank of British West Africa entre 1917 e
38 SHARPE, 1920, p. 302; USNA, RDSL 1909 -1929, 4, Young ao Departamento de Guerra dos EUA,
Monróvia, 7 de outubro de 1915.
39 USNA, RDSL 1909 -1929, 5, Bundy, “Quarterly Diplomatic Report”, Monróvia, 2 de agosto de 1919;
ibid., 4, C. Young, “Memo of Major Charles Young on Conditions in Liberia”, Monróvia, 7 de Outubro
de 1915.
40 HOWARD, 1916; USNA, RDSL 1909 -1929, 4, “Memo of Major Charles Young...” , cit. na nota 39.
848
África sob dominação colonial, 1880-1935
1918
41
. Depois, do final de 1918 até 1921, tentou obter um empréstimo de
5 milhões de dólares do governo dos Estados Unidos da América
42
. Não o
conseguindo, viu -se obrigado a implantar diversas medidas destinadas a incen-
tivar o comércio e a aumentar as receitas que daí extraía. Entre essas medidas
vale destacar a elevação das tarifas aduaneiras, a reabertura do interior do país
(interditado aos estrangeiros desde o começo da Primeira Guerra Mundial)
aos negociantes de outros países e o aumento dos direitos portuários
43
. Ao
mesmo tempo, o governo deu acolhimento favorável aos planos da Universal
Negro Improvement Association, movimento nacionalista composto de negros
do Novo Mundo, estabelecido na América e dirigido pelo jamaicano Marcus
Garvey, cujo objetivo consistia em facilitar a entrada de capitais e de imigrantes
negros na Libéria para desenvolver os recursos do país. Esses projetos, contudo,
nunca se materializaram
44
.
Felizmente, para os liberianos, a economia do país foi se restabelecendo
progressivamente desde o final de 1923. Vendendo bens alemães confiscados
durante a Primeira Guerra Mundial, o governo obteve 154 mil dólares
45
. Por
outro lado, as medidas fiscais introduzidas em dezembro de 1922, principal-
mente as novas tarifas aduaneiras, começavam a ficar rentáveis
46
. A retomada do
comércio externo, principalmente depois que os alemães voltaram a participar
dele, em 1922, bem como a reabertura do interior aos negociantes estrangeiros,
trouxeram consigo o aumento das exportações, de modo que a balança comercial
da Libéria começou a obter saldos favoráveis. Por exemplo, nos nove primei-
ros meses de 1923, o valor das exportações superou em 169 mil dólares
47
o do
mesmo período do ano anterior.
E, no momento em que as finanças blicas começavam a se recuperar,
perspectivas ainda mais brilhantes se anunciavam para a economia liberiana,
quando o norte -americano Harvey S. Firestone obteve do governo, em 1926,
uma concessão de cerca de 400 mil hectares por 99 anos, para plantio de serin-
gais e exportação de borracha; por outro lado, a Finance Corporation of America
41 BANNERMANN, 1920; BUELL, 1947, p. 26.
42 BANNERMANN, 1920; STARR, 1925, p. 113; KING, C. D. B., 1924, p. 2 -3.
43 BUELL, 1928, v. II, p. 769 -70; USNA, RDSL 1909 -1929, 8.882/032/43, Bur ao Ministro Residente
Americano, Monróvia, 10 de fevereiro de 1923.
44 AKPAN, 1973a.
45 BUELL, 1928, v. II, p. 767.
46 KING, C. D. B., 1924, p. 9.
47 Ibid., p. 7.
849
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
concedeu à Libéria um empréstimo de 5 milhões de dólares para o desenvol-
vimento das infraestruturas do país, principalmente estradas, hospitais, escolas,
e para a amortização da dívida
48
. O empréstimo, que recebeu a aprovação do
governo de Washington, reforçou consideravelmente a influência de Firestone
e dos Estados Unidos na Libéria.
Os investimentos de Firestone em duas grandes plantações de seringueiras
tiveram, a curto prazo, uma influência modesta mas não insignificante sobre a
economia liberiana, sobretudo na área do emprego. Em primeiro lugar, Firestone
tornou -se o principal empregador da Libéria (ver fig. 28.4)
49
. No entanto, os
empregados liberianos, em sua maioria, não tinham qualificação ou eram semi-
qualificados, limpando matas e plantando mudas ou trabalhando como artesãos
e mecânicos. Em segundo lugar, Firestone construiu diversos dispensários e
escolas para seus empregados liberianos (e norte -americanos) e distribuiu mudas
de seringueira a quem quisesse plantar
50
. No entanto, a produção de borracha
de Firestone permaneceu por dezenas de anos uma atividade relativamente cir-
cunscrita. Teve pouco efeito de propagação sobre, ou ligações com, a economia
agrícola liberiana, bastante subdesenvolvida, voltada principalmente à produção
de arroz, à qual se dedicavam mais de 80% dos autóctones. Somente em 1935,
quando as vendas começaram a ganhar impulso, a borracha se tornou o principal
produto de exportação da Libéria (e assim foi até 1961, quando foi suplantada
pelo minério de ferro)
51
.
O ano de 1935 foi importante por duas outras razões. As prospecções con-
firmaram a presença de minério de ferro em Bomi Hill, mas a exploração e a
produção efetivas se verificaram muito depois, em 1951
52
. Por outro lado,
1935 assinalou o fim do predomínio do Reino Unido e de outros países euro-
peus como principais parceiros comerciais da Libéria, os quais foram substi-
tuídos pelos Estados Unidos de 1936 em diante graças à intensificação das
exportações de borracha sobretudo para esse país
53
. Convém notar, no entanto,
que a baixa das cotações dos principais produtos liberianos nos mercados inter-
nacionais, com o início da grande depressão (óleo de palma, palmito, piaçava,
café, cacau, noz -de -cola), foi acompanhada pelo declínio em volume e em valor
48 JONES, A. G., s.d.
49 KING, C. D. B., 1928, p. 8.
50 WILSON, C. M., 1971, p. 137 -8.
51 Liberia Trading and Development Bank Ltd., 1968, p. 76 -7.
52 CLOWER et al, 1966, p. 197 -201.
53 REPUBLIC OF LIBERIA, 1941, p. 36 -40.
850
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . A Libéria e a borracha. Trabalhadores de uma grande plantação prontos para a colheita. (Fonte: Wilson, C. M., 1971.)
851
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
do intercâmbio comercial do país. Durante toda a década de 1930, a balança
comercial apresentou saldos negativos
54
. O negócio de importação -exportação
na Libéria era dominado, desde o final do século XIX, por empresas europeias. A
partir da década de 1920, juntou -se a elas um número crescente de negociantes
libaneses, os quais, no final do período em estudo, em 1935, também dominavam
a maior parte do comércio varejista da Libéria
55
.
Nas circunstâncias mais ou menos penosas que reinavam nesse período (1915-
-1935), o governo liberiano vivia constantemente com problemas de caixa, em
face dos pagamentos contínuos da dívida, não podendo tratar de forma bem ativa
do desenvolvimento social e econômico do país. O programa de construção de
estradas, lançado pelo presidente Arthur Barclay, foi intensificado mas empre-
gando sobretudo mão de obra indígena recrutada à força, sem pagamento (ver
fig. 28.5). Os trabalhadores tinham de trazer enxada, facão e outros utensílios
para o serviço
56
. No decorrer da década de 1920, pela primeira vez na história
da Libéria, o governo criou várias escolas elementares nas regiões do sertão
57
.
No final de 1930, fundou a Booker T. Washington Agricultural and Industrial
Institution, destinada à formação de pessoal técnico e agrícola de nível primário
e médio
58
. Em 1934 começou a construção da Escola Normal de Monróvia
59
,
de grande necessidade. Os estabelecimentos existentes, como o Liberia Col-
lege e o College of West Africa, tinham boa reputação
60
. Em agosto de 1927, o
governo central de Monróvia instalou sistemas de radiocomunicação com toda
a costa liberiana e com os Estados Unidos, construindo várias estações de rádio,
as quais trouxeram importante complemento aos serviços telefônicos existentes,
mas ineficazes, no litoral
61
. Em 1924, o governo construiu um hospital em Mon-
róvia. Em 1927, procedeu à aquisição e à montagem, igualmente em Monróvia,
de uma central encarregada de suprir a cidade de força e luz
62
.
Os organismos missionários americanos, como o faziam desde a fundação
da Libéria, participaram desses esforços construindo escolas, hospitais e igrejas,
54 Ibid., 1940, p. 8, 11.
55 ROBERTS, Z. B. H., 1934, p. 6 -7.
56 LIGA DAS NAÇÕES, 1930, p. 147 -70.
57 KING, C. D. B., 1922, p. 23 -4; 1924, p. 5 -6.
58 WILSON, C. M., 1971, p. 154; STARR, 1925, p. 128 -9.
59 BARCLAY, 1934, p. 2 -4.
60 Ibid.
61 KING, C. D. B., 1927, p. 33 -6.
62 HENRIES, 1963, p. 90 -1.
852
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Distribuição da malha rodoviária na Libéria em 1925.
853
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
que entregavam a seus adeptos, como George W. Harley, médico e etnógrafo, e
a senhora Harley, da missão metodista de Ganta
63
.
No entanto, todo progresso sério do ensino era entravado tanto pela insufi-
ciência das receitas públicas como pela tradicional prudência do governo, que
hesitava em abrir o sertão aos missionários, aos negociantes e aos estrangeiros,
receando a influência que alguns pudessem exercer sobre as estruturas admi-
nistrativas autóctones
64
.
Pior, a penúria do governo liberiano e a incapacidade de pagar vencimentos
totais ou parciais aos funcionários incentivavam estes a praticar a corrupção e a
exploração. Citemos, por exemplo, os desvios de fundos públicos e as extorsões
sobre a população autóctone. O abuso mais notório – o embarque forçado, orga-
nizado por certos américo -liberianos de destaque, de indígenas liberianos para
Fernando Pó, onde estes eram obrigados a trabalhar para plantadores espanhóis
tornou -se um caso de alcance internacional, com graves repercussões para a
soberania da Libéria
65
.
Etiópia
A coleta de impostos feudais e a exploração cada vez maior de camponeses
e escravos nas províncias remotas, conquistadas por Menelik, fizeram afluir
recursos aos cofres do governo etíope. No entanto, a Etiópia, tal como a Libé-
ria, não estava passando por nenhum desenvolvimento econômico significativo.
As reformas econômicas e sociais que se verificaram no decorrer do período
estudado foram de número muito limitado para modificar de forma sensível a
economia essencialmente feudal da Etiópia e o conservadorismo de sua textura
socioeconômica.
O principal instigador da evolução social e econômica foi o regente Tafari
Makonnen. Uma de suas primeiras reformas foi a ampliação dos serviços minis-
teriais, com a criação, em 1922, do ministério do comércio e de um departa-
mento de obras públicas. Em 1923, instalou uma casa impressora adquirida na
Alemanha chamada Berhanena Saiam, ou seja, “Luz e Paz”, cuja direção foi
confiada a Gabra Krestos Takla Haymanot, pessoa formada na Eritreia por mis-
sionários suecos. A impressora editou um jornal com o mesmo nome a partir de
63 WILSON, C. M., 1971, p. 154.
64 USNA, RDSL 1909 -1929, 882/00/705, Critchlow a Garvey, Monróvia, 24 de junho de 1921.
65 Ver, mais adiante, o exame da crise acarretada à Libéria pelo trabalho forçado.
854
África sob dominação colonial, 1880-1935
1925, bem como livros religiosos e didáticos, contribuindo de forma significativa
para a evolução da literatura em língua amárica
66
.
A eventual abolição da escravatura na Etiópia afetaria a estabilidade interna
do país e suas relações com as potências estrangeiras, donde seu caráter pro-
blemático. Tafari, a quem as relações internacionais preocupavam muito, logo
sentiu as vantagens que a Sociedade das Nações e seu dispositivo de segurança
coletiva pareciam oferecer. Apresentou a candidatura da Etiópia a membro da
organização, quando esta foi fundada, em 1919; mas, se a França lhe deu apoio,
o Reino Unido argumentou que o país não estava em condições de cumprir
suas obrigações de Estado -membro, especialmente as referentes à abolição da
escravatura. Ácidos ataques à escravatura reinante na Etiópia apareceram na
Westminster Gazette e em outros jornais britânicos, nos quais se sugeria a inter-
venção das potências europeias ou da Sociedade das Nações.
Tafari estava evidentemente mais preocupado com o aspecto diplomático
do que com o lado humanitário da questão da escravatura. Em julho de 1922,
promulgou um édito reiterando a velha proibição da venda de escravos e pre-
vendo penas severas para os traficantes, e fez saber ao governo britânico que
estava disposto a proteger e a instruir todos os escravos que fossem libertados
em alto-mar. Em 15 de setembro de 1923, lançou uma proclamação, de acordo
com a qual o rapto de escravos era punido com a pena de morte
67
. Essa atitude
mais determinada do regente para com a escravatura facilitou a entrada da Eti-
ópia na Sociedade das Nações, com a perseverante oposição do Reino Unido e o
apoio da Itália e da França, as quais esperavam assim ganhar influência em Adis
Abeba. Assim o país tornou -se membro da Sociedade das Nações no dia 23 de
setembro de 1923, quando o regente assinou uma declaração segundo a qual
aderia às principais convenções internacionais para a supressão da escravatura.
Quase imediatamente após a promulgação do decreto antiescravagista, o
regente, acompanhado de dois dos principais dignitários do país, oras Haylu
Takla Haymanot, de Gojam, e ras Seyoum Mangasha, de Tigre, partiu para uma
viagem à Palestina, Egito, França, Bélgica, Holanda, Suécia, Itália, Reino Unido,
Suíça e Grécia. Avistou -se com o presidente Raymond Poincaré, na França, com
o ditador italiano Benito Mussolini e o primeiro -ministro britânico Ramsay
MacDonald, instando com eles para que cedessem um porto à Etiópia em uma
de suas colônias vizinhas. Mas essa ação diplomática, contrária aos interesses das
três potências coloniais, que eram os de manter a Etiópia em seu isolamento, foi
66 C. F. REY, 1927, p. 28 -29.
67 SANDFORD, 1946, p. 58.
855
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
infrutífera. Tafari obteve apenas vagas promessas e a coroa do imperador Teo-
doro, restituída pelos britânicos, que haviam se apossado dela 66 anos antes.
No entanto, no que diz respeito aos negócios internos da Etiópia, a viagem
foi comparada à de Pedro, o Grande à Europa ocidental
68
, que teve o mérito de
tornar a sociedade etíope atenta à existência do mundo exterior, à necessidade de
adotar as invenções estrangeiras e de desenvolver seus recursos humanos. Como
o regente e ras Haylu tinham comprado vários automóveis, lançando a moda
entre a nobreza etíope, o número de veículos que circulavam em Adis Abeba
logo atingiu várias centenas
69
. Jovens foram enviados em número crescente ao
estrangeiro, principalmente para o Líbano, Egito, França, Reino Unido e Esta-
dos Unidos, para estudar.
Um novo hospital, o Bet Sayda, foi fundado pelo regente em 1924 e colocado
sob a direção de um sueco, o dr. Kurt Hanner
70
. Cerca de dois anos depois, não
obstante a oposição dos tradicionalistas, Tafari abriu o segundo estabelecimento
de ensino moderno do país, a Escola Tafari Makonnen, cujo diretor era um fran-
cês. Em seu programa entravam o francês, o inglês, o amárico, o árabe, matérias
científicas e outras disciplinas. No discurso de inauguração, Tafari evocou a
necessidade gritante de instrução, sublinhando que, sem instrução, o país não
poderia manter a independência e exortando seus compatriotas a fundar escolas,
que estava finda a época do patriotismo puramente verbal
71
. Entre as outras
inovações do período, há que notar: em 1925, o recrutamento de oficiais belgas
para treinar a guarda do regente; em 1927, a concessão de licença a dois gregos
para a construção de uma estrada entre Goré e Gambela, na fronteira ocidental;
em 1929, a aquisição na França e na Alemanha dos primeiros aviões, cuja intro-
dução havia sido impedida até aí pelo conservadorismo de parte da nobreza.
Após sua coroação, Hailé Selassié deu prosseguimento ao esforço de moder-
nização, com a ajuda de três conselheiros de fora: um sueco, o general Virgin,
para política externa; um americano, E. A. Colson, para as questões financeiras;
e um suíço, M. Auberson, para as questões jurídicas
72
. Todavia, o desenvolvi-
mento do país foi seriamente dificultado pela depressão econômica mundial, que
trouxe consigo a queda das exportações e das possibilidades de investimento de
capitais estrangeiros. Não obstante, promulgou -se uma lei em 1930 com vistas
68 GREENFIELD, 1965, p. 157.
69 PANKHURST, 1968, p. 290 -1.
70 FARAGO, 1935, p. 132 -3.
71 PANKHURST, 1962b, p. 266 -7.
72 STEER, 1936, p. 28 -9.
856
África sob dominação colonial, 1880-1935
a organizar um serviço de cadastro e recenseamento das terras e fundou -se, no
mesmo ano, o ministério da Educação. O ano de 1931 registrou três novos e
importantes fatos: o primeiro foi a promulgação de uma Constituição escrita, da
qual já nos ocupamos; o segundo foi a substituição do velho Banco da Abissínia,
empresa privada sob controle estrangeiro, por um banco nacional, o Banco da
Etiópia; o terceiro foi a publicação de nova lei relativa à supressão gradual da
escravatura, estipulando que todos os escravos estariam livres com a morte de
seu senhor e contemplando o dia “em que a escravatura teria desaparecido por
completo
73
.
Também se envidaram esforços para a melhoria das comunicações. Criou-se
um ministério de obras públicas, em 1932, e foi retomada a construção de estra-
das. Uma estação radiofônica provisória foi inaugurada em 1933, sendo substi-
tuída em 1935 por um emissor mais poderoso, construído por uma companhia
italiana. Foram criadas várias escolas, as melhores na dependência do governo,
embora os missionários continuassem a exercer certa atividade em matéria de
ensino, sobretudo nas províncias. Em 1935, Adis Abeba contava catorze escolas
públicas, com trinta professores estrangeiros e cerca de 4 mil alunos. Na provín-
cia, o progresso do ensino começou igualmente com a abertura de escolas públi-
cas em Dessie, Gondar, Jijiga, Lakamti, Dire Dawa, Harar, Asba Tafari, Ambo,
Jimma, Dabra Marqoa, Makalle e Salale. Em 1934, foi criado um colégio militar
em Holeta, perto de Adis Abeba, sob a direção de oficiais suecos
74
. O número
de jovens que estudavam no exterior elevava-se a várias centenas. Na área da
medicina, os missionários se mostravam mais ativos, sobretudo os da United
Presbyterian Church of North America, da Seventh Day Adventist Mission
e da Missão Católica Italiana, que tinham hospitais em Adis Abeba, havendo,
ainda, um leprosário da Sudan Interior Mission funcionando em Akaki
75
. Entre
as outras inovações, convém assinalar a criação de uma pequena administração
pública, formada por estudantes regressados do estrangeiro, cujos membros
recebiam vencimentos e não rendas de feudos, assim como uma tendência cres-
cente para substituir os tributos em espécie por taxas em dinheiro. Em 1934
foi promulgado um decreto para regulamentar e limitar as prestações de serviço
exigidas dos camponeses, enquanto o imposto sobre terras era reformado por
73 GARDINER, 1933, p. 202.
74 VIRGIN, 1936, p. 117 -24; ZERVOS, 1936, p. 223 -32.
75 ZERVOS, 1936, p. 255 -7.
857
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
uma lei de 1935. Entretanto, a iminente ameaça da invasão fascista italiana
pairava sobre esses esforços de modernização
76
.
Assim, a Libéria e a Etiópia conheceram, no decorrer do período 1915 -1935,
uma evolução econômica e social mais extensa e mais profunda do que antes,
evolução que, porém, não iria muito longe, de modo que os dois países permane-
ceram economicamente atrasados e socialmente subdesenvolvidos. Finalmente,
os investimentos efetuados pelas sociedades e pelos cidadãos estrangeiros nas
empresas comerciais, agrícolas e mineiras foram maiores na Libéria do que na
Etiópia. Não há dúvida de que contribuíram para o processo de modernização,
mas também redundaram num controle maior dos estrangeiros sobre a econo-
mia liberiana do que sobre a etíope.
A intervenção estrangeira na Libéria e na Etiópia
Libéria
As intervenções estrangeiras na Libéria e na Etiópia, já estudadas no capítulo
11, prosseguiram no decurso do período 1915 -1935. Como ocorrera na era da
corrida e da partilha da África, seus motivos foram fornecidos tanto pela situ-
ação e pelos acontecimentos internos da Libéria e da Etiópia como pelos da
Europa e dos Estados Unidos.
Em primeiro lugar, a penúria e o eterno endividamento do governo liberiano
acarretaram em parte o aumento do controle estrangeiro sobre a administração
financeira do país mediante o empenho da Recebedoria Internacional, do Bank
of British West Africa e dos interesses de Firestone, apoiados pelo governo dos
Estados Unidos. A economia liberiana estava igualmente dominada por com-
panhias europeias, americanas e libanesas.
Em segundo lugar, a situação da Libéria nos planos econômico, social e
administrativo tornou -se um tema importante de controvérsia na encarniçada
rivalidade política que opunha o True Whig Party e o People’s Party, atraindo a
atenção da área internacional. Dentro da Libéria, Faulkner, o chefe da oposição,
procurava agradar aos autóctones denunciando o recurso ao trabalho forçado
para as obras públicas e a exportação forçada de mão de obra, bem como a
administração do interior e as fraudes eleitorais
77
. Depois de sua segunda derrota
76 PANKHURST, 1968, p. 177 -9.
77 FAULKNER, 1926.
858
África sob dominação colonial, 1880-1935
eleitoral, em 1927, fez uma viagem pela Europa e pelos Estados Unidos, a fim
de conquistar o apoio internacional para sua causa e desacreditar o governo True
Whig do presidente King
78
.
Foi em janeiro de 1930, durante a visita de Faulkner aos Estados Unidos,
que o influente The New York Times publicou um artigo sobre a má gestão dos
negócios públicos na Libéria. Ao mesmo tempo, citava Faulkner favoravelmente,
apresentando -o como um “cidadão de opiniões progressistas
79
. Um pouco antes,
já em 1929, a imprensa britânica havia consagrado ao governo da Libéria vários
editoriais bem desfavoráveis. Mais grave ainda: os artigos tanto da imprensa
britânica como da norte -americana, bem como relatos de missionários e de visi-
tantes estrangeiros, acusavam o governo liberiano e alguns américo -liberianos
influentes de praticar a escravatura, o trabalho forçado e contratos de trabalho
de longo prazo irrescindíveis, a exportação e a venda de trabalhadores migrantes
às colônias europeias, especialmente à colônia espanhola da ilha de Fernando
Pó
80
.
O Reino Unido esteve na vanguarda dos ataques, condenando a exportação
de mão de obra e exigindo, conforme fizera entre 1907 e 1909, que o governo
liberiano fosse colocado sob controle europeu
81
, a fim de melhorar a deplorável
situação do país. Da mesma forma, os Estados Unidos também atacaram a Libé-
ria a propósito da pseudoexportação de mão de obra da Libéria para Fernando
Pó [...] que não parecia nada diferente do tráfico organizado de escravos [...]”,
dando a entender que as instâncias mundiais poderiam vir a considerar “certas
medidas efetivas e concretas”
82
para pôr fim à situação!
De maneira talvez imprudente, o presidente King não só desmentiu as acu-
sações como apelou à Sociedade das Nações para que ela investigasse. Em con-
sequência, esta enviou à Libéria uma comissão composta por um dentista inglês,
o dr. Cuthbert Christy, que a presidia, pelo dr. Charles S. Johnson, professor
de sociologia afro -americana, e pelo ex -presidente Arthur Barclay. A comissão
dedicou ao exame dos fatos um período de apenas quatro meses, não visitando
Fernando Pó nem apresentando queixa contra a Espanha. Entregou, finalmente,
seu relatório no dia 8 de setembro de 1930, no qual declarava não ter notado
nenhuma forma de tráfico organizado de escravos, mas que o recrutamento de
78 JONES, A. G., s.d.
79 ANDERSON, 1952, p. 98.
80 JONES, A. G., s.d.
81 Ibid.
82 REPÚBLICA DA LIBÉRIA, 1930, p. 1.
859
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
mão de obra para os canteiros de obras públicas, as explorações privadas e a
exportação se faziam em condições de miséria e de coação, e que essas práticas
contavam com a colaboração da Força de Fronteira e de altos funcionários do
governo da Libéria
83
. O relatório também investigou as relações entre améri-
co-liberianos e autóctones, e a administração em geral do governo da Libéria,
não considerando satisfatórios nem aquelas nem este
84
. Por isso recomendava
que a Sociedade das Nações colocasse a Libéria sob controle de administradores
brancos, competentes e generosos”
85
.
Tendo em vista a situação interna extremamente deplorável da Libéria, as
conclusões e recomendações da comissão, em sua maioria, eram equitativas e
razoáveis em muitos sentidos. No entanto, se ela tivesse se dedicado ao estudo
objetivo da política colonial contemporânea das potências europeias, teria con-
denado menos severamente os erros por omissão ou sob instruções do
governo liberiano e talvez se mostrasse menos tendente a preconizar uma admi-
nistração de brancos” na Libéria, pois os regimes coloniais europeus eram tão
brutais ou piores do que o da Libéria, no que concerne a algumas disposições
relativas aos súditos coloniais, especialmente o recurso ao trabalho forçado para
as obras públicas
86
.
Em reação ao Relatório Christy, a Sociedade das Nações instou com a Libé-
ria para que abolisse a escravatura e a exportação de mão de obra para Fernando
Pó, reorganizasse o governo e instituísse reformas de base que garantissem
oportunidades iguais a todos os liberianos. Por sua vez, o governo dos Estados
Unidos declarou -se “profundamente indignado com a “revoltante opressão de
que eram vítimas os autóctones, conforme revelava o relatório. Insistiu com o
governo liberiano para que abolisse rapidamente o duplo flagelo da escravatura
e do trabalho forçado e aplicasse um “sistema global de reformas […]”
87
para
não comprometer as tradicionais relações entre ambos os países. Essa declaração
levou o parlamento liberiano a pedir o impeachment do vice-presidente Allen
Yancy (um dos agentes de recrutamento de mão de obra) e do presidente King,
os quais pediram demissão em começos de dezembro de 1930, antes da votação
da proposta de lei de impeachment
88
.
83 LIEBENOW, 1969, p. 64 -70; LIGA DAS NAÇOES, 1930, p. 168 -70.
84 YANCY, 1934, p. 201 -20.
85 LIEBENOW, 1969, p. 64 -70.
86 JONES, A. G., s.d.
87 REPÚBLICA DA LIBÉRIA, 1931a, p. 2 -3.
88 JONES, A. G., s.d.
860
África sob dominação colonial, 1880-1935
Sob o efeito dessas pressões, o novo governo de Edwin J. Barclay, que sucedeu
ao presidente King, decidiu executar as recomendações da Sociedade das Nações.
O Parlamento liberiano promulgou, portanto, entre dezembro de 1930 e maio
de 1931, várias leis que previam a abolição da exportação de mão de obra, dos
contratos de longo prazo irrescindíveis e da escravatura, e, ainda, a substitui-
ção do trabalho forçado por um trabalho comunitário e voluntário para obras
públicas; a reabertura aos homens de negócios estrangeiros de todo o interior
e a reorganização de sua administração, dividindo -o em três províncias, cada
uma delas colocada sob a autoridade de um comissário de distrito e respectivo
adjunto, e de chefes de alto nível
89
.
Apesar dessas reformas que o governo liberiano não podia nem queria
realizar em sua totalidade –, o Reino Unido e os Estados Unidos recusaram -se
a reconhecer o governo de Barclay e conduziram seus assuntos no país por meio
de seus respectivos encarregados de negócios. O Reino Unido, em particular,
voltou ao ataque tomando a iniciativa de certas medidas destinadas a pôr fim à
independência do país. Menos de dois meses após a posse de Barclay, o Reino
Unido solicitou aos Estados Unidos a realização de representações comuns para
urgir com o governo liberiano nos termos mais firmes”, no sentido de pedir à
Sociedade das Nações que designasse uma comissão administrativa, conforme
as recomendações do Relatório Christy
90
.
Os enviados do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Alemanha (que tinha
sido persuadida pelo Reino Unido a juntar -se ao movimento) fizeram, no dia 21
de janeiro de 1931, representações comuns ao presidente Barclay, convidando o
governo da Libéria a confiar durante algum tempo a direção dos negócios a uma
comissão internacional de administração” encarregada de efetuar as reformas
necessárias. Barclay e seu Gabinete rejeitaram prontamente (e legitimamente)
a exigência, considerando que “a aceitação não somente violaria a Constituição
da República, mas equivaleria igualmente a renunciar à soberania e à autonomia
do país”
91
.
Barclay e seu Gabinete, no entanto, declararam -se dispostos a solicitar e a
aceitar o auxílio da Sociedade das Nações, particularmente pelo envio de técni-
cos especializados em setores como a economia, a organização jurídica, a saúde
pública e a administração indígena
92
.
89 REPÚBLICA DA LIBÉRIA, 1931a, p. 11 -2; 1931b; BARCLAY, 1934.
90 ANDERSON, 1952, p. 110 -1; JONES, A. G., s.d.
91 BARCLAY, 1931, p. 37.
92 Ibid., p. 38.
861
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
Consequentemente, a Sociedade das Nações confiou a uma nova comissão de
inquérito, onde se achavam desta vez representadas oito nações – Reino Unido,
França, Alemanha, Itália, Espanha, Venezuela, Polônia e Libéria –, o exame das
possibilidades de abolição da escravatura e do trabalho forçado, bem como da
concessão de assistência técnica à Libéria. Os Estados Unidos, país que não era
membro da Sociedade das Nações, foram solicitados a enviar um representante.
Foi ainda um britânico, lorde Robert Cecil, que veio a ser nomeado presidente
da nova comissão. No entanto, um comitê restrito de três membros, presidido
por um jurista francês, Henri Brunot, foi designado para aconselhar a comissão
sobre as reformas financeiras e administrativas necessárias à Libéria para tornar
eficaz a assistência da Sociedade das Nações. A comissão visitou a Libéria em
junho e em julho de 1931, para investigar a situação do país, recolher dados e
redigir um relatório.
Tal como a anterior, esta segunda comissão estabeleceu planos complexos
visando melhorar a administração interna, as finanças e a saúde pública da Libé-
ria. Em janeiro de 1932, o Comitê Brunot apresentou também o seu relatório.
Suas recomendações, de modo geral, eram análogas às da Comissão Christy,
mas em muitos casos menos desfavoráveis à Libéria: o trabalho comunitário,
tradicional na África, devia substituir o trabalho forçado nas obras públicas;
cumpria dar aos liberianos autóctones direitos incontestáveis de propriedade
sobre suas terras; o governo liberiano devia apoiar a autoridade e a dignidade
dos chefes africanos; era preciso melhorar a educação dos indígenas liberianos,
assim como os meios de comunicão com o interior do país; o hinterland
deveria ser dividido em três províncias, cada uma delas confiada à autoridade de
um comissário provincial e de um comissário adjunto, ambos de nacionalidade
estrangeira e sob as ordens dos quais haveria liberianos para exercer as funções
de superintendentes de comarca e de comissários de distrito. A comissão tam-
bém sugeriu que Firestone modificasse os termos do acordo do empréstimo de
1926
93
a fim de sanear um pouco as finanças liberianas.
A intervenção da Sociedade das Nações nos negócios internos do país
aumentou sensivelmente a oposição de muitos liberianos indígenas ao governo
particularmente os Kru, os Grebo e os Vai. Muitos deles acreditavam que os
“homens brancos” logo iriam tirar os américo -liberianos do governo. Por con-
sequência, deixaram de pagar impostos e de cumprir trabalhos obrigatórios para
os projetos de obras públicas, como a construção de estradas. Simultaneamente,
93 AZIKIWE, 1934, p. 165.
862
África sob dominação colonial, 1880-1935
alguns deles reacenderam conflitos intra étnicos sobre fronteiras, terras de cultivo
e chefias em disputa.
Para manter a paz e a ordem no país, o presidente Barclay enviou um des
tacamento da Força de Fronteira às zonas Kru e Grebo em maio de 1931, com
instruções específicas: o comandante américo -liberiano, o coronel T. Elwood
Davis, foi avisado de que seu destacamento deveria fazer “uma demonstração
de força e não uma expedição punitiva”
94
.
Mas, no decurso da operação, houve combates entre o destacamento e os
Kru de Sasstown, dirigidos por seu régulo, Juah Nimley, combates estes que
forneceram novas razões para a intervenção externa nos assuntos liberianos.
Alguns relatórios parciais enviados à Sociedade das Nações, como o de Rydings,
encarregado de negócios do Reino Unido em Monróvia
95
, descreveram a opera-
ção como uma expedição punitiva e acusaram o governo liberiano de se lançar
contra as vidas e os bens do povo Kru.
Como seria de esperar, os governos britânico e americano reagiram a tais rela-
tórios, exigindo que o governo liberiano cessasse com essas pseudo -represálias
militares contra os Kru, “aguardando a conclusão de um acordo entre a Socie-
dade das Nações, os Estados Unidos e a Libéria sobre a futura administração
do país”
96
. O governo de Monróvia respondeu imediatamente, protestando junto
da Sociedade das Nações por essa nova ameaça dos Estados Unidos e do Reino
Unido de intervenção na soberania liberiana
97
. Além disso, o presidente Barclay
enviou uma comissão de inquérito composta de três pessoas e dirigida por Win-
throp A. Travell, funcionário norte -americano dos serviços fiscais liberianos,
para examinar a situação no litoral dos Kru.
As conclusões dessa comissão refutaram em grande parte as acusações de
destruição premeditada formuladas contra o destacamento das Forças de Fron-
teira
98
. E, para felicidade da Libéria, a Sociedade das Nações reagiu positi-
vamente: em vez de lhe impor uma administração estrangeira, como tinham
proposto os Estados Unidos e o Reino Unido, enviou um representante, o
médico inglês dr. Melville D. Mackenzie, para auxiliar o governo liberiano na
pacificação dos Kru.
94 BARCLAY, 1931, p. 8.
95 RYDINGS, 1932.
96 BARCLAY, 1932, p. 2 -4.
97 Ibid., p. 7 -8.
98 Ibid., p. 9 -14. Os outros membros da Missão Travell eram dois liberianos, o dr. F. A. K. Russell, de Sinoe,
e o dr. J. F. B. Coleman, de Montserrado. Finalmente, a comissão fez um relatório principal (Russell e
Coleman) e um relatório anexo (Travell), que foi, parece, o que o governo liberiano aceitou.
863
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
Ao tomar conhecimento do Relatório Brunot, o comitê da Sociedade das
Nações encarregado dos negócios liberianos elaborou os “Princípios Gerais do
Plano de Assistência à Libéria. O comitê adotou -os em 27 de setembro de
1932, e o governo aceitou -os com a condição de que as negociações previstas
com Firestone fossem coroadas de êxito. As negociações financeiras tiveram
lugar em Londres, em junho de 1933, resultando na redação de um rela-
rio apresentado pelo sr. Lighthart, perito financeiro da Sociedade das Nações,
que havia participado delas. Com base nos “Princípios Gerais” e no Relatório
Lighthart, o comitê da Sociedade das Nações encarregado dos assuntos libe-
rianos estabeleceu um “Protocolo no qual figuravam o plano de assistência e
as reformas propostas. Entre estas há que assinalar o emprego de “especialistas”
estrangeiros como comissários de província e comissários adjuntos, sob cuja
autoridade ficariam os comissários de distrito liberianos, um conselheiro -chefe
junto ao governo local, designado pelo Conselho da Sociedade das Nações, em
acordo com o presidente da Libéria, cuja missão consistiria em fazer a ligação
entre o governo de Monróvia e a Sociedade das Nações, além de dois médicos
encarregados dos serviços hospitalares e da saúde pública do país.
Se tivessem sido aplicadas, as recomendações do comitê da Sociedade das
Nações poderiam ter efetuado as reformas radicais temidas, regra geral, pelos
dirigentes américo -liberianos. Sua execução também significaria o risco de uma
grave interferência na soberania da Libéria e de uma considerável drenagem das
finanças do país, levando em conta os amplos poderes do “conselheiro -chefe e
os altos vencimentos dos especialistas estrangeiros. Não admira, portanto, que
o presidente Barclay, embora aceitando o plano de assistência que figurava no
“Protocolo do comitê da Sociedade das Nações encarregado dos assuntos libe-
rianos, tenha formulado certas reservas sobre os poderes do conselheiro -chefe”
e sobre as despesas que acarretaria a execução do plano. No entanto, o comitê
da Sociedade das Nações recusou -se a rever o plano e até retirou -o quando a
Libéria, apesar das renovadas ameaças de intervenção estrangeira por parte dos
governos britânico e norte -americano, recusou aceitá -lo na sua totalidade
99
.
O governo liberiano estabeleceu então um “Plano Trienal de Desenvolvi-
mento” que previa reformas internas, sobretudo modificações do Acordo do
Empréstimo de 1926, reclamadas por ele
100
. O plano teve a concordância
do governo de Washington, dirigido pelo presidente Franklin D. Roosevelt, e
formou a base das negociações entre Firestone, os Estados Unidos e o governo
99 BARCLAY, 1934, p. 2 -4; REPÚBLICA DA LIBÉRIA, 1934.
100 Ibid.; REPÚBLICA DA LIBÉRIA, 1934; BUELL, 1947, p. 41 -4.
864
África sob dominação colonial, 1880-1935
liberiano em 1935, ano em que foram feitas as necessárias modificações das
condições do empréstimo. A inovação mais importante foi o princípio segundo
o qual “as despesas públicas devem ser a primeira dedução das receitas do país,
e não, como tem sido até agora, deduzidas do resíduo remanescente após a sub-
tração dos custos relativos à administração fiscal, das taxas da dívida e do fundo
de amortização”
101
. As despesas públicas” de base foram fixadas em 450 mil
dólares, que foram devidamente reservados todos os anos das receitas do Estado,
para assegurar, em primeiro lugar, os serviços nacionais indispensáveis antes do
reembolso da dívida. A taxa de juros também foi reduzida de 7% para 5%
102
.
Não surpreende, portanto, que tenham melhorado as relações da Libéria
com Firestone e, consequentemente, com os Estados Unidos, que vieram a
reconhecer o governo Barclay em 11 de junho de 1935
103
. O Reino Unido fez
o mesmo a 16 de dezembro de 1936
104
, fato que marcaria o fim oficial da crise
de independência liberiana!
Convém notar que, não obstante as fortes pressões exercidas pelas potências
da Sociedade das Nações,o faltaram à Libéria defensores e simpatizantes que
fizessem ouvir sua voz. Em sua maior parte eram africanos e negros americanos
ou organizações religiosas, comerciais ou intelectuais dirigidas por negros, que
argumentavam, corretamente, que a situação interna das colônias europeias da
África era em muitos casos tão como a da Libéria. Por isso, estavam fir-
memente convencidos de que não era necessário sacrificar a independência da
Libéria aos interesses econômicos dos brancos encarnados por Firestone e que
não havia que aplicar a norma dos “dois pesos e duas medidas”, condenando a
Libéria e fechando os olhos à opressão dos brancos nas colônias. Destaquemos,
entre essas personalidades e organizações, o professor W. E. B. Du Bois, Mor-
decai Johnson, presidente da Howard University, Nnamdi Azikiwe, jornalista
nigeriano, a Lott Carey Baptist Foreign Mission Society, a A. M. E. Church,
a National Association for the Advancement of Coloured People (NAACP)
e uma parte da imprensa dos negros, como, por exemplo, o Afro -American, de
Baltimore. Seus esforços a favor da causa liberiana talvez tenham influenciado,
mas não afetaram radicalmente a política do governo dos Estados Unidos em
relação à Libéria quanto à crise do trabalho forçado
105
.
101 BARCLAY, 29 de maio de 1935, p. 3.
102 Ibid., p. 3.
103 BARCLAY, 19 de dezembro de 1935, p. 14.
104 Ibid., 29 de outubro de 1937.
105 JONES, A. G., s.d.
865
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
Etiópia
A intervenção estrangeira nos assuntos internos da Etiópia no decorrer do
período estudado teve consequências ainda mais duradouras e mais graves. A
Convenção Tripartite de 1906, que dividia a Etiópia em esferas de influência
britânica, francesa e italiana, deixava prever que as potências imperialistas euro-
peias interviriam de novo no país, mais cedo ou mais tarde. A morte de Mene-
lik, em 1913, a ascensão de Lij Yasu e os acontecimentos da Primeira Guerra
Mundial incitaram em particular a Itália a reviver desde 1913 suas ambições
imperialistas em relação à Etiópia. Assim, entre 1913 e 1919, o ministério das
Colônias da Itália apoiou vigorosamente o lançamento de um plano “mínimo
ou de um plano máximo de colonização italiana na África. Cada um desses
planos visava essencialmente dar à Itália o controle do Mar Vermelho e fazer
da Etiópia “esfera de influência exclusiva da Itália”
106
. No entanto, as ambições
imperialistas do Reino Unido e da França conflitavam com o programa italiano
no nordeste da África e, no final, o Tratado de Paz de Versalhes não permitiu
que ele fosse inteiramente realizado
107
.
Apesar dessas pretenes da Itália na Etpia e da dolorosa memória de Adowa,
que alimentava nos italianos o desejo de vingança, as relações entre ambos os paí-
ses permaneceram estranhamente cordiais durante a regência de Tafari Makon-
nen. A Itália apoiara a entrada da Etiópia na Sociedade das Nações, em 1923, e
fora um dos países que Tafari visitara durante sua histórica viagem ao estrangeiro,
naquele mesmo ano
108
. A despeito dos atritos verificados em 1925 -1926, devido às
constantes pretensões italianas a uma zona de influência na Etiópia, os dois países
assinaram, em 2 de agosto de 1928, um tratado de amizade e de arbitragem por 20
anos, completado por uma convenção que atribuía à Itália o direito de construir
uma estrada de Dessie a Assab e concedia aos etíopes uma zona franca nesse porto.
Todavia, essas disposições não foram aplicadas, pois a política italiana começou a
evoluir da penetração pacífica para a intervenção militar.
A mudança na política fascista deu -se em 1930, quando o ministro italiano
das colônias, o marechal Emilio De Bono, instou com o Conselho de Ministros
para que aumentassem seu orçamento, com vistas a uma “expansão para além das
fronteiras da mãe -pátria
109
. Em 1932, ele visitou a Eritreia e, em 1933, manteve
106 HESS, 1963, p. 105 -8.
107 LOUIS, 1963a, p. 413 -33.
108 PANKHURST, s.d.
109 St. Anthony College, Oxford University, documentos italianos capturados 112809.
866
África sob dominação colonial, 1880-1935
encontros secretos com Mussolini, a quem sugeriu a invasão da Etiópia. Musso-
lini concordou inteiramente e disse -lhe que seguisse em frente imediatamente”
e que se preparasse o mais rápido possível”. Tratou -se então de melhorar as
comunicações terrestres, marítimas e aéreas das colônias italianas da Eritreia e da
Somália, enquanto agentes fascistas começavam a fomentar a subversão política
na Etiópia
110
. O segredo em torno das intenções da Itália foi abandonado em
18 de março de 1934, quando Mussolini, dirigindo -se ao partido fascista, exigiu
que as nações “satisfeitas” e possuidoras de colônias se abstivessem de bloquear
a expansão cultural, política e econômica da Itália fascista .
O incidente de Walwal, em 1934, proporcionou a Mussolini o pretexto para
a invasão. Uma comissão anglo -etíope, encarregada da delimitação da fron-
teira entre a Etiópia e a Somália britânica, chegou no dia 23 de novembro aos
poços de Walwal, situados em território etíope, a cerca de 160 quilômetros da
fronteira não delimitada com a Somália italiana, encontrando -os ocupados por
um destacamento italiano. O chefe britânico da comissão, o coronel Clifford,
levou seu protesto aos italianos, fazendo ver que a presença deles impedia seus
homens de se deslocarem à vontade no território etíope, mas decidiu retirar -se,
para evitar um “incidente internacional”. Os etíopes, por sua vez, mantiveram-se
em suas posições, e os dois grupos armados ficaram frente a frente até o dia
5 de dezembro, quando um disparo de origem indeterminada provocou um
choque, após o qual os primeiros, insuficientemente armados, se retiraram. A
Etiópia invocou o tratado de amizade e de arbitragem de 1928, enquanto a Itália,
recusando toda e qualquer arbitragem, exigiu desculpas, o reconhecimento pela
primeira de sua soberania sobre Walwal e uma indenização de 200 mil táleres
de Maria Teresa
111
. O Reino Unido e a França, no desejo de evitar o desenca-
deamento de hostilidades, pressionaram a Etiópia para que cedesse, mas Hailé
Selassié, receando estimular a Itália a se expandir mais, não concordou e levou
o caso ante a Sociedade das Nações, no dia 14 de dezembro. Verificando que a
Etiópia não se dispunha a capitular, Mussolini ordenou secretamente, no dia 30
de dezembro, a concretização da invasão, o que exigia preparativos consideráveis,
em vista da superfície e do terreno montanhoso do país.
A Sociedade das Nações encarregou uma comissão de estudar o litígio, mas
Mussolini, que estava quase prestes a passar ao ataque, pouco se interessou por
seus trabalhos. A comissão apresentou propostas de acordo que, no esforço de
satisfazer a Itália, sugeriam a colocação da Etiópia sob controle internacional,
110 DE BONO, 1937, p. 12 -3, 15.
111 CIMMARUTA, 1936; PRADELE, 1936, p. 149 -60; BAER, 1967, p. 45 -61.
867
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
para impedir que ela constituísse um perigo para as colônias italianas limítrofes,
conforme dizia Mussolini. O duce, no entanto, não queria acordos. No dia 2 de
outubro de 1935, decretou a mobilização, e, no dia seguinte, o exército italiano,
comandado por De Bono, atravessou a fronteira entre a Eritreia e a Etiópia, sem
declaração de guerra, enquanto a aviação italiana bombardeava Adowa. Tropas
vindas da Somália italiana também passaram ao ataque no sul (ver fig. 28.6).
Embora tivesse sido longamente preparada, a invasão deixou consternado o
mundo inteiro. A assembleia da Sociedade das Nações reuniu -se no dia 9 de
outubro e decidiu, por cinquenta votos contra um o da Itália e três abstenções
– Albânia, Áustria e Hungria –, que a Itália era a agressora e que tinha violado
o Pacto da Sociedade das Nações
112
.
Apesar da condenação quase unânime, a Sociedade das Nações, dominada
pela França e pelo Reino Unido, potências coloniais, não pensava em ofender
Mussolini recorrendo a sanções imediatas e totais, conforme exigia a União Sovi-
ética. Preferiu criar um comitê de coordenação, que não propôs senão sanções
econômicas limitadas, sob a forma de quatro embargos separados, que incluíam
apenas os Estados -membros, abrangendo: a) a exportação de armas e munições
para a Itália; b) empréstimos e créditos à Itália; c) importação de todas as mer-
cadorias provenientes da Itália; d) venda à Itália de certas matérias -primas, como
borracha, bauxita, alumínio, minério de ferro e ferro -velho. A primeira sanção
foi aplicada no dia 11 de outubro e as outras no dia 18 de novembro
113
. As
interdições, que, segundo lorde Keynes, eram “sanções econômicas relativamente
leves
114
, revelaram -se totalmente inoperantes. De fato, como observava Winston
Churchill, não se tratava de sanções reais, destinadas a paralisar o agressor, mas
apenas sanções mitigadas que este podia tolerar
115
.
Medidas tão ineficazes não podiam deter o exército italiano, e os repeti-
dos telegramas do duce, ansioso por uma vitória rápida, antes que a Sociedade
das Nações tomasse consciência da necessidade de uma ação mais resoluta,
estimularam -no ainda mais: ocupou Adowa, no dia 6 de outubro, e Magale, no
dia 8 de novembro. A resistência dos etíopes obrigou, no entanto, os invasores
a parar. Nesse ínterim, De Bono foi chamado e substituído em 16 de novembro
por um militar de carreira, o marechal Pietro Badoglio, o qual, diante de uma
forte contra -ofensiva dos etíopes, também se viu impedido de avançar durante
112 HEALD, 1937, p. 192 -3; Royal Institute of International Aairs, 1937, v. 2, p. 182.
113 Royal Institute of International Aairs, v. 2, p. 193 -4 e 203 -7; ver também VILLARI, 1943, p. 151 -219.
114 New Statesman and Nation, 28 de novembro de 1935.
115 CHURCHILL, 1948, p. 172 -3.
868
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Invasão da Etiópia pela Itália fascista. (Fonte: adaptado de Greeneld, R., 1975.)
869
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
várias semanas. Na esperança de quebrar o moral dos etíopes, Mussolini então
insistiu para que suas tropas usassem gases tóxicos
116
.
O malogro das sanções limitadas da Sociedade das Nões incitou alguns espí-
ritos a exigir que elas fossem ampliadas, sobretudo relativamente ao petróleo, de
importância fundamental, como Mussolini haveria de reconhecer ulteriormente, ao
confidenciar a Hitler que, se o embargo inclsse o produto,ele teria de abando-
nar a Abissínia dentro de uma semana
117
. No entanto, o Reino Unido e a França
opuseram -se com resolução a semelhante medida, imaginando que Mussolini
poderia considerá -la um ato de guerra. Os ministros do Exterior do Reino Unido
e da França, respectivamente Samuel Hoare e Pierre Laval, conferenciaram mais
uma vez em Paris, no dia 7 de dezembro, para delinear um novo acordo. Baseava -se
em dois grandes prinpios: primeiro, uma “troca de terririos”, pela qual a Etiópia
cederia Ogaden e parte importante de Tigre à Itália, em troca de um porto situado
no Mar Vermelho ou no golfo de Aden; segundo, à Itália seria atribuída uma “zona
de expansão econômica e de colonização na maior parte da Etiópia ao sul de Adis
Abeba; essa região deveria continuar a fazer parte da Etiópia, mas a Itália teria aí
prerrogativas econômicas exclusivas. No entanto, a imprensa francesa divulgou
o plano, que era uma capitulão criminosa frente ao agressor condenado, ao
mesmo tempo que um abandono total da Sociedade das Nões. Isso provocou
uma tempestade de indignação em vários países, principalmente no Reino Unido,
onde Hoare foi obrigado a pedir demissão no dia 18 de dezembro
118
.
Em fins do ano de 1935, a Etiópia estava então no primeiro plano da atuali-
dade mundial, convertida no centro da excitação e da indignação internacionais
119
.
Um ministro do exterior britânico caíra por aquilo que se poderia considerar
traição, ao passo que um poderoso exército fascista, dotado do material bélico
mais moderno e até de gasesxicos, era temporariamente detido nas montanhas
escarpadas da Etiópia pelo heroísmo de seus defensores, que se achavam relativa-
mente mal armados
120
. Era a reedição da história de Davi lutando contra Golias
na maior das guerras coloniais travada em solo africano. O exército etíope haveria
de ser vencido pouco depois, mas os italianos teriam ainda duros combates antes
de ocupar Adis Abeba, em 6 de maio de 1936. Essa data marcou o início de cinco
116 BOCA, 1969.
117 ALOISI, 1957, p. 324.
118 HEALD, 1937, p. 316 -413.
119 Para uma exposição recente da crise ítalo -etíope, ver HARDIE, 1974.
120 Sobre a guerra, ver SELASSIÉ, H., 1936; STEER, 1936; DE BONO, 1937; BADOGLIO, 1937;
GRAZIANI, 1938; GREENFIELD, 1965, p. 196 -266; BARKER, 1968; BOCA, 1969; ROCHET,
1971; BANDINI, 1971.
870
África sob dominação colonial, 1880-1935
longos anos de usurpação pelos fascistas italianos e, durante quatro desses anos, os
patriotas etíopes tiveram de continuar combatendo sozinhos
121
.
A invasão da Etiópia suscitou assim uma reação instantânea, tanto no inte-
rior como no exterior da África
122
. Em agosto de 1935, um grupo de africanos e
descendentes de africanos fundara em Londres a International African Friends
of Abyssinia, cuja direção compreendia C. L. R. James, das Caraíbas, o dr. P.
McD. Millard, da Guiana Inglesa, Arny Ashwood Garvey, esposa de Marcus
Garvey, Mohammed Said, da Somália, e o dr. J. B. Danquah, da Costa do Ouro.
O objetivo da associação, conforme o definiu Jomo Kenyatta, seu secretário, era
ajudar, por todos os meios ao seu alcance, a manter a integridade territorial e a
independência política da Abissínia
123
.
A posterior irrupção das hostilidades, que colocou a Etiópia na primeira
página de todos os jornais, marcou profundamente os africanos. Kwame Nkru-
mah, então um estudante de passagem pela Inglaterra, lembra que ficou estu-
pefato frente aos cartazes que anunciavam Mussolini invadiu a Etiópia” e
acrescentou:
Nesse momento, foi quase como se toda a cidade de Londres tivesse de súbito
declarado a guerra a mim, pessoalmente. Nos poucos minutos que se seguiram, nada
mais consegui fazer senão fixar cada uma daquelas faces impassíveis, indagando a
mim mesmo se aquelas pessoas eram capazes de compreender verdadeiramente a
abominação do colonialismo e rezando para que chegasse o dia em que eu pudesse
contribuir para a queda desse sistema. Meu nacionalismo irrompeu à superfície;
estava pronto a atravessar o próprio inferno, se necessário fosse, para alcançar meu
objetivo
124
.
Sentimentos análogos se manifestaram em toda a África. O intelectual nige-
riano Nnamdi Azikiwe dedicou grande espaço em seus jornais West African Pilot
e Comet à luta da Etiópia. E, mais tarde, em Renascent Africa, obra que exerceu
grande influência e que foi mesmo qualificada de Bíblia dos Africanos”, ele
recorda a emoção provocada numa escola típica da Costa do Ouro, quando os
alunos souberam que “soldados negros, ajudados pela mão invisível de Deus,
repeliam e frustravam os planos de seus inimigos”.
121 PANKHURST, 1970.
122 SCOTT, 1966 e 1972, p. 132 -8; ROSS, 1972.
123 New Times and Ethiopia News, 30 de janeiro de 1954; MAKONNEN, 1973, p. 112 -20. Ver também
ASANTE, 1977.
124 NKRUMAH, 1957, p. 22.
871
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
A Etiópia, primeira vítima estrangeira do fascismo italiano e ponto de junção
dos adeptos da segurança coletiva, era, assim, no final de 1935, o símbolo ardente
da África que saía do sono em que a havia mergulhado a dominação colonial.
Consequências da intervenção imperialista
europeia para a Libéria e a Etiópia
No final de 1936, a Libéria sobrevivera à intervenção estrangeira e preser-
vara sua soberania, mas a Etiópia sucumbira em ambos os sentidos, ainda que
provisoriamente. A que se deveu a diferença?
A situação interna na Libéria e na Etpia até o momento da invasão italiana,
no dia 3 de outubro de 1935, embora seja de grande importância hisrica, não teve
grande papel na determinação do resultado final da intervenção estrangeira. Na
verdade, nos dois países a situação o se diferenciava em nenhum ponto essencial.
Tanto em um como no outro, o governo central enfrentou adverrios internos que
procuraram explorar para seus próprios fins a intervenção das potências estrangei-
ras, aliando -se a elas o que foi principalmente o caso do People’s Party, partido de
oposição na Liria –, bem como a certos membros da nobreza feudal da Etpia,
tais como o leul -ras Hailu e o dajaz -match Hailé Selassié Gugsa
125
.
O poderio militar dos dois países, aos quais não faltavam patriotas ardentes,
prontos a verter o sangue pela pátria, era muito fraco em relação ao de seus
agressores estrangeiros, virtuais ou reais. A milícia da Libéria, composta de todos
os homens declarados aptos para o serviço, em sua maioria américo -liberianos,
era de modo geral mal treinada e desprovida de armas. O mesmo se diria da
Força de Fronteira, exército permanente da Libéria, cujos elementos, além de
mal treinados e pouco armados, ganhavam magros soldos. Por exemplo, em
setembro de 1920, os soldos atrasados aos soldados e oficiais dessa força mon-
tavam a 90689,52 dólares, o que lhes afetava desastrosamente o moral
126
. A
Força de Fronteira tinha fama de ser tão indisciplinada e tão mal treinada que
era “extremamente difícil fazê -la executar uma ordem em sua letra ou espírito
127
. Contava ao todo 821 homens, em novembro de 1917, 767, em dezembro de
1920, e 744, em dezembro de 1925. Em 1935, um autor liberiano salientava que
125 GREENFIELD, 1965, p. 192 -4.
126 REPÚBLICA DA LIBÉRIA, 1920, p. 9.
127 STATEN, 1925.
872
África sob dominação colonial, 1880-1935
a Libéria estava “justamente nos primeiros passos” no tocante à defesa nacional,
que não tinha marinha de guerra nem força aérea
128
.
Quanto à Etiópia, suas forças armadas se compunham de recrutas feudais dos
governadores e shuma, tropas do governo central, bem como do exército perma-
nente do próprio Hailé Selassié
129
. Somente este estava treinado e equipado em
moldes modernos. Os outros comportavam homens sem nenhum treinamento
além daquele que tinham obtido graças à sua aptidão natural para o combate e
às suas tradições”
130
.
Evidentemente, nem a Libéria nem a Etiópia estavam em condições de enfren-
tar as forças de invao europeias. A sobrevincia da primeira e o colapso da
segunda parecem antes de tudo ser explicados por uma diferença essencial: houve
efetivamente uma intervenção europeia em um desses países, mas não no outro.
Isto posto, seria o caso de perguntar por que a intervenção se deu em um dos
países e não no outro. Para responder à questão, cabe lembrar que, até fins de
1935, nem a Libéria nem a Etiópia gozavam da simpatia, apoio ou proteção sem
reservas das potências estrangeiras, membros ou não da Sociedade das Nações,
ou desta propriamente dita. Apesar de sua indiscutível e tradicional amizade
com a Libéria, os Estados Unidos da América demonstraram diversas vezes,
durante toda a crise relativa ao trabalho forçado, que alinhavam com as potências
coloniais europeias com pretensões sobre a soberania da Libéria, sobretudo no
que concerne ao apoio dado por elas à instituição de uma comissão internacional
de administração na Libéria.
Cumpre igualmente sublinhar a grande habilidade diplomática do governo
liberiano e, sobretudo, de seu presidente, Edwin J. Barckay, homem notavelmente
brilhante e inteligente, bem como do secretário de Estado, Louis A. Grimes, que
chefiou as negociações em Genebra. Ao reduzir ao silêncio a oposição interna,
pela força ou pela persuasão, bem como ao ater -se obstinadamente aos princípios
da autodeterminação da Libéria, os dirigentes liberianos promoveram a causa
da soberania nacional. No entanto, dado que os dirigentes etíopes, inclusive
Hailé Selassié, eram igualmente hábeis diplomatas e ardentes defensores da
soberania de seu país, a sobrevivência da Libéria parece explicar -se, em última
análise, pelo fato de a Etiópia ter por vizinha uma potência imperialista demente
e sanguinária, decidida a expandir seus territórios e sobretudo a vingar Adowa
e, portanto, a lançar efetivamente um ataque contra o país. Por outro lado, o
128 YANCY, 1934, p. 93 -9.
129 GREENFIELD, 1965, p. 194 -5, 199 -201.
130 VIRGIN, apud ibid., p. 194.
873
A Etiópia e a Libéria, 1914 -1935: dois Estados africanos independentes na era colonial
Reino Unido e a França possuíam vastos territórios coloniais na África e
não tinham uma batalha de Adowa para vingar. Afinal de contas, não tinham
motivos preponderantes para atacar e conquistar a Libéria, da forma como a
Itália atacou e conquistou a Etiópia.
C A P Í T U L O 2 9
875
A África e o Novo Mundo
Diversas regiões do mundo, como a Grécia e a Roma clássicas, Portugal
(desde o século XV), as Antilhas, os Estados Unidos (desde o século XVII), a
Grã -Bretanha (desde o século XVIII), o Canadá (sobretudo depois da Guerra
da Independência dos Estados Unidos), o Brasil (particularmente desde o
século XVIII), a Arábia Saudita, a Índia e, ocasionalmente, a Turquia, acolhe-
ram importantes comunidades de africanos expatriados ou se viram expostas
a influências africanas bem nítidas. Ao mesmo tempo, a amplidão da diáspora
africana variou em função das idas e vindas de comerciantes, marinheiros, intér-
pretes e educadores africanos, da presença de estudantes africanos na América
e da reinstalação de negros americanos, de afro -brasileiros e de afro -cubanos
na África. Os laços entre os continentes que se tornaram os dois principais
domínios de implantação da população negra – a África e as Américas – foram
mantidos ao longo dos anos, mediante um intercâmbio de pessoas, de objetos
culturais e de ideologias políticas. O presente capítulo procura definir as inte-
rações entre os africanos e as populações de ascendência africana das Américas
durante o período colonial da história africana.
De 1880 a 1935, os laços entre africanos e negros americanos foram essen-
cialmente de cinco tipos: a) movimentos de retorno dos negros à África ou
emigração dos negros – principalmente da América do Norte, mas também das
Antilhas e do Brasil para diversas regiões da África (sobretudo para a África
A África e o Novo Mundo
Richard David Ralston com a contribuição do professor
Fernando Augusto de Albuquerque Mourão
para as seções consagradas à América Latina e às Antilhas
876
África sob dominação colonial, 1880-1935
ocidental, mas igualmente para a África do Sul e o Chifre); b) evangelismo
americano, com a ida de missionários afro -americanos para a África a fim de
propagar o Evangelho; c) repetição da rota do meio (África -Índias Orientais),
sob a forma de uma corrente de estudantes africanos que se matriculavam em
escolas e universidades americanas para negros; d) pan-africanismo, revestido
de diversas formas (conferências, criação de organismos, atividades educativas,
literárias e comerciais), que puseram africanos em contato com o mundo negro
das Américas e contribuíram para influir na evolução da África colonial: e)
persistência e transformação dos valores culturais africanos na América Latina e
nas Antilhas. Estes cinco pontos serão analisados um por um nas cinco divisões
do presente capítulo.
Movimentos de retorno à África
Embora a corrente favorável à emigração dos negros da América do Norte
para a Libéria, que fora forte na primeira metade do século XIX, tenha se
enfraquecido sensivelmente, os afro -americanos continuaram a manifestar certo
interesse em emigrar para a África no final do século XIX e começos do XX.
Na verdade, esse êxodo do qual negros como Daniel Coker, Lott Cary, John B.
Russwurm, Paul Cuffee, Henry H. Garnet e Martin R. Delany foram os pri-
meiros defensores prosseguiu e aumentou no último quartel do século XIX. Por
exemplo, em 1878, a South Carolina -Liberian Exodus Joint Stock Steamship
Company transportou 206 imigrantes negros para a Libéria. Em 1881, Henry
H. Garnet foi nomeado ministro residente e cônsul -geral na Libéria, cumprindo
assim ele próprio a travessia do Atlântico que havia pregado. Em 1889, Edward
W. Blyden, pan -africanista antilhano nascido em Saint -Thomas, efetuou uma
viagem da Libéria aos Estados Unidos em nome da American Colonization
Society (ACS), para contribuir para a geração de apoio dos negros à emigração.
Por outro lado, de 1880 a 1900, o bispo Henry McNeal Turner procurou combi-
nar as duas tradições longamente dominantes na história moderna da interação
entre africanos e afro -americanos: a emigração africana e o evangelismo cristão.
Ademais, o retorno de milhares de negros brasileiros para a África ocidental,
pelo menos até a abolição oficial da escravatura no Brasil (1888), também sus-
citou importantes interações. A competência técnica e comercial, bem como as
aspirações políticas dos afro -brasileiros que se reinstalaram em suas terras de
origem ou próximas, na Nigéria, Daomé (atual Benin), Togo e Costa do Ouro
(atual Gana), tiveram aparentemente grandes repercussões sobre a situação
877
A África e o Novo Mundo
social, econômica e política desses países. Talvez por não terem formado nessas
regiões uma comunidade distinta de colonos – como se passou na Libéria –, os
afro -brasileiros perseguiram objetivos sociais e políticos que pouco se diferen-
ciavam dos almejados pelos autóctones.
Embora tenha sido fundada por brancos americanos da American Colonia-
tion Society (ACS) muito antes do período de luta pela conquista da África
(Scramble), a Libéria ocupa um lugar especial em todo estudo das migrações
entre as diferentes regiões do mundo negro. Um projeto de lei de auxílio aos
emigrantes negros foi discutido pelo senado dos Estados Unidos da América em
1889, em parte graças aos esforços desenvolvidos por Blyden para obter apoio
aos programas da ACS. O número de inscrições de negros na ACS, a fim de ir
para a Libéria, aumentou rapidamente e, em 1892, várias centenas de agriculto-
res negros do Arkansas e de Oklahoma chegaram a Nova York na esperança de
serem transportados para a África. Em 1893, ao visitar a Libéria, o bispo Turner
escrevia entusiasmado que “o homem negro encontra aqui [na Libéria] [....] a
dignidade e a liberdade mais completas; tem a impressão de que é um senhor e
seu modo de andar reflete tal sentimento
1
. Em 1896, ele voltava a afirmar:
Penso que dois ou três milhões dos nossos deveriam retomar à terra dos antepassa-
dos, nela estabelecer nossas próprias nações, civilizações, leis, costumes, modos de
produção [...] e parar de resmungar, de estar sempre recriminando e de ameaçar o
país que o homem branco reivindica e que necessariamente dominará
2
.
Graças aos esforços do bispo Turner, mais de trezentos afro -americanos emi-
graram para a Libéria em março de 1896. Até mesmo o jovem W. E. B. Du Bois
que mais tarde viria a rejeitar a emigração como solução para os problemas
dos negros americanos – pensava que a emigração proposta por Turner oferecia
uma louvável saída para a “humilhação de ter de mendigar para ser reconhecido
e tratado com justiça nos Estados Unidos”
3
.
Enquanto estava na Libéria, o bispo Turner dizia aos que ele chamava de
capitalistas negros” dos EUA que se quisessem dar início ao comércio com
a Libéria, ganhariam milhões em alguns anos”. A porcentagem de resposta
foi pouco elevada. No entanto, em 1899, um grupo criou a African Develop-
ment Society, cujo principal objetivo era estimular os afro -americanos a com-
prar terras e fixar -se na África centro -oriental. A Sociedade venderia ações ou
1 Davis, 1974, p. 3.
2 Ibid., p. 5.
3 Ibid.
878
África sob dominação colonial, 1880-1935
títulos de propriedade oferecidos por africanos, mas somente a compradores
afro-americanos ou africanos
4
. O bispo Turner também serviu mais tarde como
consultor da International Migration Society (IMS), do Alabama, que enviou
cerca de quinhentos emigrantes para a África, antes de desaparecer, em 1900.
Alguns deles ficaram na Libéria e outros retornaram aos Estados Unidos da
América. Os que ficaram se arranjaram razoavelmente e muitos prosperaram.
Os que regressaram, por sua vez, contaram histórias horríveis de terras pobres,
de alimentação e de condições de vida medíocres. Esses relatos reduziram as
possibilidades de formação de um amplo movimento de emigração afro-ameri-
cana, embora as perspectivas dos negros, nos Estados Unidos, tenham piorado
de 1895 a 1900. Não obstante, é evidente que muitos continuaram a pensar
seriamente em emigrar para a África, enquanto outros negros norte -americanos
e caribenhos simplesmente se mudavam para regiões vizinhas, para fugir da
discriminação aberta.
Depois de 1900, a bandeira do retorno à África foi retomada por outros. Por
exemplo, certo capitão Dean, em começos do século XX, alimentou a esperança
de incitar os negros norte -americanos a ir para a África do Sul, a fim de lá criar
um poderoso Estado negro. No entanto, quando ele foi à África do Sul com
vistas a preparar a instalação, as autoridades brancas o expulsaram sumariamente
da Cidade do Cabo, sob a acusação de “atividades provocadoras”. Em 1914,
o régulo Alfred C. Sam, africano da Costa do Ouro, chegou a Oklahoma e,
tendo convencido uns sessenta lavradores negros de que a África lhes oferecia
melhores perspectivas, levou -os para Saltpond (Costa do Ouro). Verificando
que as afirmações do régulo Sam eram exageradamente otimistas e sofrendo as
restrições impostas pelos funcionários da Costa do Ouro à entrada de imigran-
tes americanos, esses negros acabaram, em sua maioria, retomando aos Estados
Unidos da América. Mas foi Marcus Garvey, nascido na Jamaica em 1887 (ver
fig. 29.1), o advogado mais eloquente da emigração junto dos negros africanos
e americanos.
Apelando para o orgulho negro, Garvey soube interessar milhões de negros
americanos pela África depois da Primeira Guerra Mundial. Du Bois observa-
ria mais tarde que “em alguns anos, o movimento, as promessas e os planos [de
Garvey] se tornaram bastante célebres para serem conhecidos na Europa e na
Ásia e atingirem toda a África”
5
. Suas viagens às Antilhas, à América Central e
à América do Sul, bem como uma permanência de dois anos no Reino Unido,
4 HILL, A. C. e KILSON (orgs.), 1971, p. 192-4.
5 DU BOIS, 1968, p. 277.
879
A África e o Novo Mundo
persuadiram Garvey de que a triste sorte reservada aos negros em todo lugar
exigia uma ação militante de sua parte. Dois acontecimentos em sua vida pessoal
enquanto estava em Londres influenciaram -lhe o pensamento. O primeiro foi a
leitura de Up From Slavery (1899), de Booker T. Washington, que o levou a dizer
mais tarde que ele estava “destinado” a se tornar um dirigente para seus irmãos
de raça
6
. O segundo foi o reencontro com o intelectual sudanês -egípcio Duse
Mohammed Ali, que em In the Land of Pharaohs (1911) criticava violentamente
as políticas do Reino Unido e dos Estados Unidos em relação à África. Antes
de se estabelecer em Londres, o próprio Duse viajara e trabalhara por algum
tempo como ator e militante político.
Em 1914, de regresso à Jamaica, Garvey criou um organismo destinado
principalmente a promover a emigração para a África, a Universal Negro Impro-
vement and Conservation Association and African Communities League (mais
tarde conhecida simplesmente por UNIA). Aos 28 anos de idade, ele visitou
os Estados Unidos, atraído pela obra de Washington e pelo exemplo de Duse,
com um programa de redenção para os negros: o estabelecimento, para eles, de
escolas de ensirio industrial e agrícola na Jamaica, a criação de uma frota de
navios mercantes (a “Black Star”) para o comércio entre os negros da África e
das Américas e, acima de tudo, a constituição de uma “nação central para a raça”.
Este último projeto tinha como eixo principal a Libéria, que havia muito tempo
constituía um dos polos do movimento de emigração afro -americano.
Garvey mandou um emissário à Libéria em maio de 1920, o qual explanou
os objetivos da Associação: transferência da sede para lá, ajuda financeira para
a construção de escolas e de hospitais, liquidação das dívidas do país, instalação
de negros norte -americanos, que contribuiriam para o desenvolvimento da agri-
cultura e para a mobilização dos recursos naturais
7
. O governo liberiano aceitou
com entusiasmo a solicitação inicial da UNIA, referente à concessão de terras
fora de Monróvia, e Garvey, por sua vez, enviou um grupo de técnicos para
estudo do local e construção de moradias para as 20 mil a 30 mil famílias que
esperava estabelecer em dois anos, a partir de 1924. Mas quando chegaram
ao Maryland County, em maio de 1924, os técnicos foram detidos, presos e
depois expulsos, em julho desse mesmo ano. Pouco depois, o governo liberiano
proscreveu de uma vez a UNIA, condenando assim ao malogro o plano de
colonização de Garvey na Libéria.
6 GARVEY, 1923 -1925, v. I, p. 126.
7 Ver AKPAN, 1973a; CHALK, 1967, p. 135 -42.
880
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Marcus Garvey (1887 -1940), fundador e chefe da Universal Negro Improvement Association.
(Foto: Roval Commonwealth)
881
A África e o Novo Mundo
No final da década de 1920, ele enviou uma pequena equipe de técnicos qua-
lificados à Etiópia para estudar a possibilidade de emigração de negros norte-
americanos naquele país, do outro lado do continente africano. Essa equipe,
todavia, foi acolhida com menos entusiasmo do que se esperava. Durante os
anos de 1930, era minúscula a comunidade afro -americana existente na Etiópia.
Alguns de seus membros estavam em consequência dos apelos de Garvey,
mas muitos outros haviam sido atraídos por diversas circunstâncias. Pesquisas
antigas e recentes trouxeram a lume certo número de fatos relativos às relações
entre afro -americanos e etíopes
8
, mas o tema das conexões entre a África e a
América ainda não foi devidamente estudado.
Um rabino negro de Barbados, Arnold Ford, emigrou para a Etiópia em 1930,
depois de ter passado algum tempo em Nova York, fundando o Tambourine
Club, onde organizava recitais de negro spirituals. Mas o estabelecimento foi
“fechado pelo governo por usar de discriminação contra clientes etíopes locais”
9
.
Enquanto se encontrava no Harlem, Ford sentiu -se atraído pela mensagem de
Garvey. Parece, portanto, que, se as delegações enviadas pela UNIA fracassaram
na tentativa de estabelecer, como no caso da Libéria, laços institucionais com o
Chifre da África, elas conseguiram no entanto orientar para essa região alguns
candidatos negros à emigração. É possível que tenham emigrado individual-
mente mais garveyistas para a Etiópia do que para a Libéria. Com efeito, embora
a Etiópia fosse mais inacessível, sua antiga e esplêndida civilização talvez tenha
exercido uma atração mais forte do que a política burguesa e [no espírito de
Garvey] antiafricana da elite américo -liberiana no poder”
10
. Quando Garvey
rompeu abertamente com o governo liberiano, é evidente que muitos de seus
adeptos encararam com otimismo esse novo horizonte.
No entanto, se alguns negros norte -americanos que emigraram para a Eti-
ópia durante e depois dos anos de 1920 foram em grande parte motivados por
Garvey, a decisão final pode ter sido tomada após um encontro fortuito com
estudantes etíopes ou um contato com uma das delegações especiais da Etiópia
que estiveram em Nova York no final da década de 1920 para solicitar a negros
qualificados que se fixassem na África”
11
. Além disso, assim como o bispo Turner,
Ford pensava que os negros norte -americanos tinham um papel redentor espe-
cial a desempenhar em relação à África, em vista dos longos anos de sofrimento
8 Ver, por exemplo, COON, 1936; KING, K. J., 1972, p. 81 -7; SCOTT, 1971.
9 COON, 1936, p. 137.
10 KING, K. J., 1972, p. 82.
11 Ibid.
882
África sob dominação colonial, 1880-1935
e de exílio que haviam experimentado. Ele próprio, respondendo ao apelo de
uma delegação de falashas (judeus negros da Etiópia), partiu em 1930 para este
país, onde evidentemente permaneceu até a morte, ocorrida na época da guerra
ítalo -etíope (1935 -1936)
12
. A maioria dos imigrantes americanos que Ford
encontrou ao chegar na Etiópia era jamaicana e mais alguns negros das Antilhas.
Segundo um trabalho recente, os antilhanos pareciam estar mais preparados
para se adaptar à vida na Etiópia do que certos negros dos Estados Unidos”,
se bem que ambos os grupos sofressem discriminação de tempos em tempos
13
.
Evidentemente, mesmo antes de Garvey, outros negros americanos tinham
emigrado para a Etiópia, mas como colonos individuais. Nos últimos anos do
século XIX, por exemplo, um haitiano, Benito Sylvain, apresentou -se na corte
de Menelik II com um plano para uma organização pan -negra”. Fica claro,
porém, que as vagas mais importantes de imigrantes afro -americanos chegaram
à Etiópia por volta de 1930, quer dizer, depois de Garvey ter rompido com a
Libéria, e até uma data posterior à ascensão do imperador, na maior parte dos
casos em consequência de encontros com viajantes etíopes. Um pequeno con-
tingente de afro -americanos (talvez uns vinte) foi para a Etiópia imediatamente
após a restauração de Hailê Selassiê no trono, mas esse período não é coberto
pelo presente capítulo. É suficiente saber aqui que a época em que a emigração
de negros americanos para a Etiópia foi mais considerável coincidiu com a das
atividades associadas aos nomes de Garvey, Ford e Hailé Selassié
14
.
Os afro ‑brasileiros
Os contatos entre o Brasil e a costa ocidental da África foram facilitados pelo
estabelecimento de linhas regulares de cargueiros mistos, que dessa forma subs-
tituíram os navios negreiros. A British African Company e a African SteamShip
Company, entre outras, garantiam viagens regulares entre os portos da Baía de
Todos os Santos e de Lagos. Segundo o Weekly Times de 11 de outubro de 1890,
o vapor Biaffra, ao voltar a Lagos no fim de sua viagem inaugural, transpor-
tava 110 passageiros e 400 toneladas de mercadorias. Nessa época, o comércio
entre as duas costas era bem importante. De acordo com Pierre Verger
15
, as
exportações do Brasil “consistiam principalmente de charutos, tabaco e cachaça”;
12 Ver, no entanto, uma cronologia algo diferente em BROTZ, 1970, p. 12; SCOTT, 1971.
13 KING, K. J., 1972, p. 82.
14 Ver SCOTT, 1971.
15 VERGER, 1968, p. 623.
883
A África e o Novo Mundo
as importações se compunham de planos de fabricação nacional, tecidos de
algodão europeu, noz -de -cola e óleo de palma”. Nos cinco anos entre 1881 e
1885, o valor anual médio das importações e exportações foi, respectivamente,
de 19084 e de 11259 libras esterlinas.
O comércio entre as duas costas, independentemente de sua importância,
permitiu o desenvolvimento de uma burguesia africana constituída por antigos
escravos que haviam trabalhado no Brasil e em Cuba. Essa migração come-
çou em fins do século XVIII
16
, para se tornar mais acentuada após a revolta
dos Malês (escravos muçulmanos), em 1835. Esses contingentes de emigrantes
fixaram -se principalmente nas cidades litorâneas da Nigéria, do Daomé (atual
Benin) e, em escala bem menor, no Toga e na Costa do Ouro (ver fig. 29.2).
Nessas zonas costeiras, os imigrantes estabeleceram -se em comunidades, evi-
tando portanto as entradas pelo interior, com exceção dos que integravam os
grupos Yoruba e Haussa, que se instalaram não em Lagos, mas também em
cidades do interior, como Abeokuta
17
. Muitos imigrantes tinham sido negros de
ganho no Brasil, ou seja, escravos que viviam nas cidades, exercendo livremente
uma profissão (pedreiro, marceneiro, calafate etc.) e dividindo o ganho com os
senhores. Dispondo de tecnologia própria, alguns excelentes construtores edifi-
caram bairros residenciais em Porto Novo, Quidah e principalmente em Lagos,
onde foi construído o Bairro Brasileiro
18
, em que se encontram ainda sobrados
de estilo baiano, na atual praça Tinubu. O mesmo vale para a praça Campos ou
para grandes edifícios como a catedral católica de Lagos ou a mesquita erigida
no centro da cidade. O estilo desses sobrados caracteriza algumas construções
do interior, nas zonas onde vivem as populações Yoruba. Em Quidah, bem como
em Porto Novo, desenvolveu -se um tipo de construção que, independentemente
de sua opulência ou de sua simplicidade, seguia muito de perto o traçado da
casa -grande”, tipo de construção característica dos engenhos de açúcar ou das
plantations do Brasil colonial.
No Daomé (atual Benin), as crianças que frequentavam as escolas de mis-
sionários ingleses e franceses foram em parte aproveitadas como auxiliares da
administração colonial, devido a seu nível de instrução. A religião, o tipo de
habitação, o vestuário, o exercício do comércio atlântico e o fato de ser funcio-
nário da administração pública colonial davam um status especial a esse grupo.
16 NEWBURY, 1961, p. 36 -7.
17 TURNER, L. D., 1942, p. 65.
18 ARAEDON, 1976, p. 40 -1.
884
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Os afro-brasileiros na África ocidental, nos séculos XVIII e XIX.
885
A África e o Novo Mundo
No entanto, ele não gozava da aceitação total da sociedade europeia
19
e nem
sempre mantinha boas relações com as populações autóctones, em face de seus
hábitos e estilo de vida.
Pouco a pouco, esses grupos foram perdendo a especificidade afro -brasileira,
que, embora importassem livros do Brasil, como o Compêndio de doutrina cristã
e O fabulista da mocidade
20
, o ensino nas escolas foi seguindo exclusivamente a
língua do colonizador francês ou inglês. Por outro lado, os descendentes dos
Yoruba, para se integrarem mais na sociedade local, começaram a empregar de
novo os nomes yoruba, e alguns adquiriram o hábito de participar do culto das
igrejas africanas derivado do protestantismo.
No caso de Lagos, a comunidade conservou sua identidade, por exem-
plo, saindo para as ruas em dias de festa para apresentar danças folclóricas,
seguindo nisto o exemplo da Aurora Relief Society, que, em 1900
21
, conti-
nuava a identificar -se com um núcleo burguês. No entanto, com o tempo, o
grupo perdeu os traços distintivos. O português, outrora considerado uma lín-
gua comercial, foi suplantado pelo inglês na Nigéria e pelo francês no Daomé
(Benin)
22
. Algumas formas de resistência foram registradas, como, por exemplo,
o lançamento em 1920 do jornal Le Guide du Dahomey, em Porto Novo
23
, o qual,
até 1922, publicava críticas à administração colonial francesa. Outro jornal, La
Voix du Dahomey
24
, editado mais tarde pelos descendentes dos afro -brasileiros,
continha críticas às dificuldades para negociar com o exterior, como era costume
nos períodos anteriores ao estabelecimento da administração francesa.
Na Costa do Ouro, os afro -brasileiros, embora estabelecidos como um núcleo
separado, em vista de seus hábitos mais ou menos ocidentalizados e, por isso,
conhecidos como os Tabon, abandonaram pouco a pouco as tradições tipica-
mente brasileiras, retendo, porém, outros traços culturais, como tocar tambores
por ocasião de festividades, como a procissão anual que percorre as velhas ruas de
Acra durante dois dias
25
. Os Tabon, ao se instalarem no país, tiveram de assinar
um pacto de vassalagem com um chefe Ga de Acra. Cedo abandonaram o uso
19 TURNER, J. M., 1975, capítulo V; 1978, p. 24.
20 Bouche a Planque, Porto Novo, 25 de janeiro de 1869, Arquivos da Società delle Missione Africane
(SMA), Roma, verbete n. 21.150, rubrica n. 12/80200 (11/082) [Carta do padre Bouche a seu superior,
o padre Planque].
21 Lagos Standard, 8 de janeiro de 1896 e 2 de maio de 1900.
22 CUNHA, 1976, p. 33.
23 BALLARD, 1965, p, 16.
24 TARDITS, 1968, p. 39.
25 TURNER, J. M., 1978, p. 23.
886
África sob dominação colonial, 1880-1935
da língua portuguesa, embora suas canções misturem o ga, o inglês e o portu-
guês. A rápida integração dos Tabon da Costa do Ouro contrasta com a bastante
demorada dos afro -brasileiros de Lagos, Abeokuta, Porto Novo, Quidah e outras
cidades menos importantes da costa da Nigéria, do Daomé e de Togo.
Em Lagos, ao lado da comunidade brasileira também se constituiu uma
comunidade afro -cubana, formada de elementos repatriados de Cuba, mas em
menor número.
Ação de evangelização pelos negros americanos na África
Um dos meios pelos quais se alimentou o intercâmbio entre negros da África
e da América na época colonial, à falta de migrações em massa, foi a chegada
de missionários negros para “elevar” o continente negro mediante a evangeli-
zação cristã. Em geral, a evangelização foi obra de missionários negros norte-
americanos, de início pertencentes a igrejas onde os brancos preponderavam.
A Igreja Presbiteriana, por exemplo, enviou missionários negros a Camarões
desde 1896. O reverendo William H. Sheppard, negro diplomado pelo Instituto
Hampton, da Virgínia, incitou a Southern Presbyterian Church a empreender
atividades missionárias no Congo nos últimos anos do século XIX. Represen-
tando sua igreja, logo verificou que as conversões somavam centenas” e que
sua missão se desenvolvia “até se tornar um dos estabelecimentos cristãos mais
importantes
26
”. Por volta de 1900, os Adventistas do Sétimo Dia enviaram três
missionários negros à Niassalândia (atual Malavi), e, como resultado de cinco
anos de estadia, mandaram três jovens adeptos africanos, entre os quais Daniel
Sharpe Malekebu, para as escolas negras americanas, a fim de serem educados.
(Não havia alguns evangelistas negros nessa igreja branca”, como também
alguns missionários brancos foram colocados em escolas afro -americanas, a fim
de se prepararem para servir na África.) No entanto, as igrejas negras logo se
tornaram, por sua própria vontade e por seu próprio direito, as animadoras de
uma ação missionária na África que foi talvez a mais eficaz de todas.
Desde o século XIX, os afro -americanos foram exortados a assumir respon-
sabilidades particulares na “redenção” das sociedades africanas. O bispo Turner,
principalmente, não hesitava em propor que Deus levou o negro para a América
e o cristianizou para que ele regressasse a seu continente e o resgatasse
27
. Outros
26 CLENDENEN, COLLINS e DUIGNAN, 1966, p. 63.
27 PONTON, 1917, p. 77.
887
A África e o Novo Mundo
evocavam o grande destino político da África e a vontade divina como exorta-
ções aos negros do Novo Mundo à ação. Diziam, por exemplo, num discurso
pronunciado em 1902, que “se os negros americanos se dignassem tomar cons-
ciência de suas responsabilidades, estar à altura da tarefa, que lhes cabe cumprir
e empreender, de evangelizar a África em nome do Senhor, milhões de filhos da
África que ainda estão por nascer verão um continente transformado
28
.
Anteriormente, em 1884, a African Methodist Episcopal Church (AME)
organizara um importante colóquio sobre o tema: “Qual deveria ser a política
dos americanos de cor em relação à África?”. Em agosto de 1893, africanos e
outros participantes dos Estados Unidos da América e da Europa assistiram
a um congresso mundial sobre a África, organizado pela American Missio-
nary Association, por ocasião da exposição internacional realizada em Chicago
naquele ano. O congresso, que durou uma semana, visava promover a ão
missionária afro -americana na África e o reconhecimento dos direitos dos afri-
canos da América”.
O bispo Turner reiterou nesse congresso seu apelo em favor da emigração
negra para a Libéria. De fato, pelo menos um liberiano (Momolu Massaquoi)
compareceu e participou dos debates. Outro delegado africano (Etna Holder-
ness, da Libéria) esteve presente numa conferência posterior, em dezembro
de 1895, sobre A África e o negro americano”, que teve lugar no Gammon
Theological Seminary, de Atlanta. Para os negros americanos, a obrigação de
contribuir para a cristianização da totalidade da África foi de novo sublinhada
nessa reunião: “Deveria e deve haver uma linha ininterrupta de missionários
cristãos desde o Cabo da Boa Esperança até o Egito [...] e desde a Serra Leoa
e à Libéria e [...] até o Sudão e o Estado do Congo [...]”
29
.
Os negros americanos responderam por diversas formas a este gênero de
apelo. Por exemplo, em 1930, um bispo da AME adquiriu, num acesso de
entusiasmo, uma fazenda de mais de mil hectares na África do Sul, na intenção
de instalar nela uma colônia de membros de sua igreja. Por outro lado, igrejas
negras dos Estados Unidos ficaram apreensivas quando, em janeiro de 1926, a
imprensa negra publicou artigos sobre a expulsão de todos os missionários da
Libéria. Fato mais importante, contudo, a AME e a African Methodist Epis-
copal Zion (AME Zion), bem como a National Baptist Convention (NBC),
enviaram missionários negros para a África durante todo o período colonial. Os
primeiros estabelecimentos da NBC foram fundados na Libéria em 1883, dando
28 PENN e BOWEN, 1902, p. 310.
29 BOWEN, 1896, p. 205.
888
África sob dominação colonial, 1880-1935
prosseguimento à ação desenvolvida bem antes por Lott Carey. A AME Zion
também começou a implantar -se na Libéria, em 1878, e na Costa do Ouro, em
1896. O bispo John Bryan Small, das Antilhas, organizou ulteriormente duas
conferências anuais da AME Zion na Costa do Ouro, atraindo assim J. E. K.
Aggrey e Franck Osam -Pinanko para igrejas afro -americanas e, finalmente,
para a AME Zion. Em 1930, missionários desta igreja foram à Nigéria, onde
igrejas africanas desejavam filiar -se à Zion. Durante o mesmo período, a AME
financiou missões em diversas partes da África, notadamente em Serra Leoa,
em 1886 (explorando a anterior ação evangélica de Daniel Coker), na Libéria,
nos últimos anos do século XIX (graças a uma visita pessoal de Henry Turner),
e na África do Sul, em 1896. Tendo em conta sua duração, devemos atentar mais
para a ação missionária da AME na África e dizer uma palavra em particular
sobre a área onde sua repercussão foi mais forte, ou seja, a África austral.
Muitos negros americanos que atenderam ao apelo de sua igreja, no final
do século XIX, partiram para a África austral como missionários, exercendo
profunda influência. Uma verdadeira aliança entre a Igreja Africana, indepen-
dente e cismática (ou Igreja Etíope) e a AME, concluída em 1896, abriu uma
década marcante na história dos negros sul -africanos e americanos. Embora a
aliança tenha perdurado por pouco tempo, ela ajudou a AME a implantar -se
na África do Sul com tal força que se manteve forte pelos cinquenta anos que
se seguiram.
Constituída por elementos dissidentes da Igreja Wesleyana e por outros “des-
contentes”, a Igreja Etíope separatista negra passou seus primeiros anos de vida
lutando pela sobrevivência. E ela se salvou graças à intervenção fortuita de
Charlotte Manye, que fazia parte de um grupo de estudantes sul -africanos que
ingressaram nas universidades Wilberforce e Lincoln em 1895, como membros
de um chamado “Coro Zulu”. Ela escreveu uma carta a sua irmã, na África do
Sul, usando papel timbrado da AME. A carta incitou os dirigentes da Igreja
Etíope a procurar mais informações sobre a AME, e eles pediram e receberam
cópias de documentos sobre disciplina, livros de hinos e liturgia da AME. Como
se interessavam particularmente pela possibilidade de os africanos cursarem
estudos superiores nos Estados Unidos, enviaram para esse país, em 1896, uma
delegação dirigida pelo reverendo James Mata Dwane. Daí resultou a absorção
oficial da Igreja Etíope pela AME e o formal ingresso desta na ação missionária
no estrangeiro.
Mais precisamente, Dwane insistiu junto dos afro -americanos para que eles
fossem para a África do Sul e propagassem vigorosamente a missão educa-
dora da AME, salientando que aquele país oferecia “o campo de ação onde os
889
A África e o Novo Mundo
negros americanos educados e consagrados seriam mais úteis”
30
. Na primeira
fase, todavia, era preciso que a Igreja -Mãe auxiliasse, formando jovens africanos
em estabelecimentos de ensino americanos.
O bispo Turner respondeu inserindo em seu jornal The Voice of Missions um
aviso crítico: Take Notice, Wilberforce. South Africa coming (“Atenção, Wilber-
force. Está chegando a África do Sul”).
Não obstante, Dwane e os dirigentes africanos consideravam que o resultado
lógico da conexão afro -americana seria o desenvolvimento de escolas locais,
análogas àquelas que os estudantes africanos frequentavam nos Estados Uni-
dos. Para ele, era conveniente pôr fim à dependência total em relação a escolas
estrangeiras para a formação de missionários e de professores, procedendo de
tal forma que os estabelecimentos criados produzissem quadros suficientes para
atender às necessidades da população africana. Turner visitou a África do Sul em
1898, consagrou Dwane como bispo auxiliar da AME e proclamou a intenção
da Igreja de construir uma escola que não ficaria devendo nada “a tudo quanto
tenha sido feito antes em matéria de ensino por missionários”. Dwane, por sua
vez, falava em criar a Escola Normal Turner de Queenstown ou a Wilberforce
do Continente Negro.
Turner dedicou toda a edição de março de 1899 de The Voice of Missions à
campanha em favor do South African College. Um artigo em que a redenção
da África era descrita como o fardo do negro americano” dava as característi-
cas desse colégio: tratar -se -ia de um estabelecimento para africanos, dotado de
um corpo docente africano, que seria fundado e mantido pelo departamento
missionário da AME. Os primeiros professores seriam estudantes que estavam
frequentando a Universidade Wilberforce, o Morris Brown College, a Universi-
dade Howard e o Departamento Médico do Central State College, de Nashville
(Tennessee).
Mas Dwane não concordava em que o movimento fosse dirigido e dominado
por não africanos. Em 1899 retirou -se da união AME -Etíope, provocando
assim um cisma na hierarquia da Igreja negra da África do Sul. Procurando
recriar uma base para seus missionários no país, a conferência geral da AME de
1900 nomeou Levi Coppin o primeiro bispo residente. A Igreja foi auxiliada em
seu trabalho por Charlotte Manye, a estudante sotho que estivera na origem da
fusão da AME com a Igreja Etíope. Ela voltara dos Estados Unidos e retomara
por iniciativa própria a ideia de um estabelecimento de ensino sul -africano,
30 DWANE, 1897.
890
África sob dominação colonial, 1880-1935
fundando uma escola missionária da AME entre os Pedi da região oriental da
província do Cabo. Em 1908, Charlotte Manye Maxeke e seu marido haviam
obtido dinheiro suficiente do Departamento Missionário para comprar um
terreno no Transvaal, construir um pavilhão (ao qual deram o nome do bispo
Coppin) e fundar a escola (que foi desbatizada e recebeu o nome de Wilberforce
Institution) em sua localização permanente em Evaton.
Entrementes, em 1905, John Chilembwe, jovem yao convertido pela NBC,
escrevia timidamente da Niassalândia à Igreja -mãe que “as atividades missioná-
rias dependem essencialmente de vossa ajuda”. Com um toque de desespero, ele
indicava, dez anos antes de assumir o comando de uma rebelião malfadada
contra os britânicos na Niassalândia: [...] a situação aqui não é a mesma, na
África central britânica, da África do Sul, onde o povo pode fazer alguma coisa
pelas missões. [...] Ignoro qual será o futuro desta obra
31
. Chilembwe tinha via-
jado para os Estados Unidos em 1897, a fim de cursar o Seminário de Teologia
da Virgínia, instituição reservada aos negros. se formou ministro do culto,
voltando para a Niassalândia por volta de 1900 sob os auspícios da National
Baptist Convention. Tentou criar uma missão, a propósito da qual exprimiu os
sentimentos que acabamos de ler, seguindo as linhas que ele observara entre os
negros norte -americanos. Seria, portanto, um “estabelecimento orientado para o
trabalho manual, onde os africanos seriam formados em diversas artes e ofícios,
ao mesmo tempo que se iniciariam nos princípios do cristianismo
32
.
O bispo Coppin fez o inventário dos esforços da Igreja Americana negra no
continente africano em um discurso feito em 1916 perante a conferência geral
da AME.
Nossa Igreja [constatava ele] construiu e ajudou a construir igrejas e escolas na
África ocidental e austral. Numerosos estudantes se formaram aí em nossas escolas,
largamente ou inteiramente por conta das igrejas [...] [já que] não ficamos surdos
aos apelos de nossos irmãos de além -mar; não abdicamos de nossos deveres para
com os países estrangeiros em geral e a África em particular [...] trabalhamos pela
redenção da África, onde milhões de indivíduos ainda vivem nas trevas: e soubemos
dar a mão à mão estendida da Etiópia [...]
33
.
A despeito da resistência das autoridades políticas e eclesiásticas brancas da
África do Sul, as iniciativas de Turner, a ação de Dwane e a criação de sólidas
31 CHILEMBWE, 1905.
32 SHEPPERSON e PRICE, 1958, p. 113.
33
Citado no
Episcopal Handbook
da AME, 1963.
891
A África e o Novo Mundo
bases institucionais pelos Coppin e os Maxeke tiveram como resultado a matrí-
cula de inúmeros estudantes africanos em escolas norte -americanas. Da mesma
forma, igrejas negras dos Estados Unidos incentivaram estudantes da África
central britânica e da África ocidental a frequentarem suas escolas, concedendo-
-lhes muitas vezes ajuda financeira. A permanência desses estudantes no outro
lado do Atlântico abriu caminho a uma nova e importante fase da interação
entre africanos e afro -americanos durante o período colonial, que teve profundas
consequências para os movimentos nacionalistas negros de meados do século
XX. Na verdade, o período de contatos gerados pelos missionários no, qual os
líderes da Igreja Americana negra tiveram o papel de mentores, foi gradativa-
mente transformado em um tempo em que o nível, a interação e a natureza dos
interesses americanos na América negra foram crescentemente determinados
pelas iniciativas africanas.
Interações religiosas entre o Brasil e a costa africana
Do ponto de vista religioso e mais especificamente da evangelização não
podemos comparar a ão dos afro -americanos com a dos afro -brasileiros.
Enquanto os primeiros participaram de forma direta ou indireta na missão
evangélica, os segundos não se envolveram em nenhum tipo de proselitismo.
Muitos deles, uma vez chegados a Lagos, conseguiram voltar para seu país de
origem. Alguns documentos históricos dão da passagem por essa cidade de
afro -brasileiros muçulmanos a caminho do país Haussa. Verger
34
faz referência à
atividade do cônsul inglês Benjamin Campbell em Lagos, que em 1858 entregou
passaportes a afro -brasileiros desejosos de voltar para sua região de origem. Em
Lagos, nos confins do Bairro Brasileiro, uma mesquita central construída por
artesãos vindos do Brasil. Por outro lado, os católicos
35
construíram na cidade
sua primeira igreja, a Holy Cross Church, iniciada em 1879, e mandaram os
filhos estudar nas escolas dos missionários franceses e ingleses, que começavam
a ministrar o ensino em francês e inglês.
Graças à influência religiosa exercida de modo intermitente por sacerdotes
de língua portuguesa vindos da ilha de São Tomé, a comunidade foi orientada
e assistida durante os primeiros tempos por um liberto conhecido como padre
Antônio
36
. Os filhos dos afro -brasileiros que moravam no Bairro Brasileiro e que
34 VERGER, 1968, p. 617 -8.
35 AJAYI, 1965, p. 199 -200 e 202.
36 VERGER, 1968, p. 618.
892
África sob dominação colonial, 1880-1935
tinham frequentado as escolas de missionários começaram a exercer a função de
professores e de catequistas nas escolas e missões que os padres da African Mis-
sion Society instalaram na região, bem assim outras atividades, como o trabalho
na administração colonial
37
. A ação desses catequistas se desenvolvia em nome
dessas missões de origem europeia; não se tratava de uma atividade missionária
partida do Brasil ou resultante da iniciativa da comunidade afro -brasileira de
Lagos. De fato, o ensino era dado em inglês e, às vezes, em francês.
Os afro -brasileiros utilizavam o catolicismo como sinal de distinção, que
lhes assegurava uma posição social específica e fez deles, em Lagos, o primeiro
núcleo de uma burguesia africana.
Bom número de afro -brasileiros repatriados, embora católicos declarados,
nunca tinha abandonado as crenças religiosas africanas tradicionais. Assim, de
volta à terra natal, emprestaram maior vigor às suas práticas sob forma mais ou
menos sincrética, resultante dos costumes religiosos brasileiros; aproveitaram
os aspectos formais do catolicismo e misturaram os santos católicos com as
divindades africanas do panteão Yoruba, cujo culto continuaram a praticar. “O
que espantou os missionários católicos ao chegarem à costa da África foi o
respeito igual que os africanos abrasileirados tinham pela religião adquirida na
América do Sul e por aquela recebida de seus antepassados [...].” O padre Lafite
acrescentava que os “brasileiros só eram cristãos porque tinham sido batizados,
o que não os impedia de invocar as divindades negras [...]”. Os brasileiros e os
outros convertidos estavam mais interessados nas vantagens sociais decorrentes
da situação de cristãos do que em uma adesão sincera e profunda aos dogmas
da Igreja
38
.
Em contraste com o que se verificava nos Estados Unidos, onde as conver-
sões eram mais profundas certos afro -americanos transformaram -se em pro-
pagadores da cristã os afro -brasileiros conservaram suas crenças religiosas
africanas.
Assim, os afro -brasileiros do Bairro Brasileiro, que formavam um núcleo
burguês cuja coesão é especificidade social derivavam da religião católica, prati-
cavam o culto dos orixás (deuses), locais e consultavam os babalaôs (adivinhos)
39
.
Mais ainda: houve um movimento religioso da África em direção ao Brasil.
Nina Rodrigues
40
assinala que, no início do século XX, veleiros provenientes de
37 CUNHA, 1976, p. 32.
38 VERGER, 1968, p. 601.
39 CUNHA, 1976, p. 33.
40 RODRIGUES, N., 1976, p. 105.
893
A África e o Novo Mundo
Lagos transportavam comerciantes nagô que falavam yoruba e inglês, traziam
noz -de-cola, cauris, objetos de culto yoruba jeje (juju), sabão, “sarongues da
costa etc. Em 1888, de 8237 libras esterlinas de mercadorias exportadas para o
Brasil, o óleo de palma representava apenas 2600 libras. O resto abrangia essen-
cialmente artigos religiosos e de culto e, sobretudo, “sarongues da costa” (3367
libras), objeto de grande consumo no Brasil, nozes -de -cola de duas qualidades
(1525 libras), palha da costa”, sabão preto, cauris, oris”, cabaças, “contas de rosá-
rio” etc. A entrada no Brasil de produtos africanos destinados ao culto e às prá-
ticas religiosas afro -brasileiras nunca cessou, e esses produtos foram tendo uma
procura cada vez maior. Por consequência, adquiriram grande valor, na medida
em que aumentava o número de adeptos do sincretismo afro -brasileiro.
Contribuição da América para a educação dos africanos
Vivendo nos Estados Unidos durante o período colonial, os estudantes afri-
canos criaram condições para uma nova relação entre sua gente e afro-ameri-
canos e entre eles próprios, que vinham de todas as partes do continente. Ao
retornarem à tria, incitaram milhares de compatriotas a cursarem escolas
norte-americanas, desde 1880 até a Segunda Guerra Mundial. Aumentou assim
o número de estudantes africanos nos Estados Unidos e prolongou -se o tempo
de contato entre grupos negros de um e de outro lado do mundo. Entre os
numerosos africanos que, na época colonial, cursaram escolas norte -americanas,
contam -se recentes chefes de Estado (tais como Nnamdi Azikiwe, Kwame
Nkrumah e Kamuzu Banda), assim como dirigentes nacionalistas ou étnicos
de um período anterior (como A. B. Xuma, John Dube, Marshall e Charlotte
Maxeke, J. E. K. Aggrey, Pixley Ka Izaka Seme, D. S. Malekebu, Franck Osam-
-Pinanko, Peter Koinange, Ndabaningi Sithole, Eduardo Mondlane e John
Chilembwe). Com o tempo, o fluxo sempre crescente de africanos para os
Estados Unidos ultrapassou substancialmente o movimento inverso dos mis-
sionários negros para a África. Por outras palavras, o que havia começado como
uma campanha de evangelização, com vistas à redenção espiritual da África,
contribuiu finalmente para criar um trampolim para uma revolução na ordem
da educação, da técnica e da política.
Sem dúvida, é possível determinar a influência da instrão recebida nos
Estados Unidos sobre os africanos colonizados e os movimentos anticolonia-
listas, examinando breves biografias de certos estudantes. J. E. K. Aggrey (ver
fig. 29.3), por exemplo, deixou a Costa do Ouro em 1898 para seguir para os
894
África sob dominação colonial, 1880-1935
Estados Unidos, sob a influência direta de um bispo da AME Zion, originário
de Barbados, que também estudara . Aggrey foi mandado para o Livings-
tone College, principal estabelecimento de ensino da AME Zion Salisbury
(Carolina do Norte), ficando entendido, pelo que parece, que regressaria logo
em seguida à África para se colocar ao serviço dessa Igreja. Mas, depois de
licenciado e formado em teologia, Aggrey aceitou emprego na casa editora da
AME Zion em Charlotte, tornou -se correspondente de um ou dois jornais
negros, deu aulas gratuitas a professores negros das vizinhaas, foi ordenado
membro do Conselho da Igreja e recebeu a oferta de uma paróquia de duas
igrejas negras. Segundo seu biógrafo, o trabalho pastoral foi um dos episódios
mais importantes da permancia de Aggrey nos Estados Unidos”, que
“o retirou do meio universitário e o lançou no quadro em que vivia o negro
norte -americano”
41
. Ademais, seus laços com a América do Norte negra se
haviam reforçado quando se casou, em 1904, com uma jovem afro -americana,
possivelmente descendente de Frederick Douglass. Depois de passar 22 anos
no meio dos negros norte -americanos, Aggrey retornou à África por duas
vezes, na qualidade de membro da Comissão Phelps -Stokes, mas faleceu em
1927, pouco depois de ter aceitado o cargo de vice -diretor adjunto do Colé-
gio de Achimota, criado havia pouco em Gana. Entre as dezenas de jovens
africanos que ele influenciou figuram Nnamdi Azikiwe, Kwame Nkrumah
e Kamuzu Banda, que mais tarde se matricularam, todos eles, em escolas
norte-americanas para negros.
Enquanto estava nos Estados Unidos, John Chilembwe, da Niassalândia,
pôde verificar a expansão do racismo. Estudava na Virgínia por ocasião das
agitações raciais de Wilmington (Carolina do Norte), em 1898. Parece ainda
que ele embarcou de volta para a África em companhia do reverendo Charles
S. Morris, batista afro -americano que se interessava pela Etiópia e que pre-
senciara as desordens de Wilmington. George Shepperson e Thomas Price,
num estudo admirável, apuraram as lições que Chilembwe pudera extrair de
sua permancia nos Estados Unidos racistas, observando que a forma como
os negros se adaptaram à discriminação após a reconstrão “ofereceu -lhe um
modelo de estratégia e de tática de que ele se valeria para sua própria reação
contra a discriminão, menos evidente mas bem real, de que os africanos
eram vítimas em sua pátria”. Os autores não defendem que Chilembwe tenha
derivado a ideia das escolas africanas, independentes do Estado e das missões
41 SMITH, E., 1929, p. 85.
895
A África e o Novo Mundo
 . J. E. K. Aggrey (1875 -1921), educador da Costa do Ouro. (Foto: Royal Commonwealth
Society.)
896
África sob dominação colonial, 1880-1935
europeias”, das instituições afro -americanas, mas acham não ser implauvel
supor que sua concepção tenha sido influenciada por aquilo que ele viu nos
Estados Unidos
42
.
Embora nada indique quais foram suas leituras durante sua permanência
nos Estados Unidos, Chilembwe estava lá no momento em que as palavras e as
obras do bispo Turner e de Booker T. Washington já eram profusamente cita-
das e comentadas na imprensa e em que as de Du Bois e de jornalistas negros
militantes como T. Thomas Fortune começavam a chamar a atenção. Ademais,
a comissão constituída para pesquisar o levante de 1915 na Niassalândia afir-
mou que muitos escritos incendiários redigidos por negros norte -americanos
contribuíram para incitar os partidários de Chilembwe à revolta.
O reverendo D. S. Malekebu, também originário da Niassalândia, retornou
em 1926 para a África central britânica, depois de completar seus estudos nos
Estados Unidos. Sua ausência nem de longe foi tão prolongada como a de
Aggrey, e seu regresso não foi tão catastrófico como o de Chilembwe, mas sua
ascensão ao papel de dirigente durante o período colonial também merece ser
assinalada. Ele estudou na National Training School, de Durham (Carolina
do Norte), e no Moody Bible Institute, de Chicago, para depois obter o título
de doutor em medicina na Meharry Medical School, em 1917. Ao regressar à
Niassalândia, em companhia da esposa, Flora Ethelwyn, congolesa diplomada
pelo Spelman College, reabriu a Providence Industrial Mission, de Chilembwe,
que o governo do protetorado da Niassalândia demolira em consequência da
rebelião abortada de 1915. Além disso, Malekebu fundou a Chiradzulu Native
Association e foi nomeado membro do conselho local. Em resumo, a construção
de uma igreja e de um hospital, a reconstrução da missão de Chilembwe e a vasta
ação que ele empreendeu em favor da população, tudo lhe valeu a conquista de
ardorosos admiradores.
Nnamdi Azikiwe (ver fig. 29.4), que, a exemplo de Kamuzu Banda, foi incen-
tivado a viajar para os Estados Unidos pelo onipresente James Aggrey e pelo
clima que lá se tinha criado graças à influência de Marcus Garvey, começou por
se matricular em 1925 em uma escola preparatória para negros em Virgínia do
Oeste. Alguns anos mais tarde, ao ingressar na Universidade Howard, colaborou
estreitamente com especialistas negros como Ralph Bunche e, em particular,
com Alain Locke e William Leo Hansberry, em estudos e pesquisas históricas
sobre os afro -americanos e sobre a África pré -colonial.
42 SHEPPERSON e PRICE, 1958, p. 97 -8.
897
A África e o Novo Mundo
O professor Locke tornou -se o orientador pessoal dos estudos de Azikiwe,
que, por sua vez, ocupou a função de secretário particular de Locke. Publicada
em 1925, a obra deste, The New Negro, exerceu com certeza enorme influência
no estudioso Azikiwe, que era um modelo de estudo comparado das socie-
dades e das culturas negras que lembrava outros devidos a todo um elenco de
escritores e eruditos do Renascimento de Harlem: Jean Toomer, Countee Cul-
len, James Weldon Johnson, o jamaicano Claude McKay, Langston Hughes,
o imigrante porto -riquenho Arthur A. Schomburg, E. Franklin Frazier e W.
E. B. Du Bois. Por outro lado, seus contatos com um estudante antilhano
de direito, George Padmore, tiveram incontestável influência em Azikiwe,
quando ele frequentava a Howard. Padmore usou da palavra em uma reunião
de estudantes sobre as opções políticas colocadas por ocasião das eleições de
1928 nos Estados Unidos. Posteriormente, colaborou com análises políticas na
revista African Morning Post, que editou na Costa do Ouro durante a cada
de 1930.
Em discurso pronunciado em 1954 perante o conselho de administração da
Universidade Howard, pouco antes de se tornar primeiro -ministro da Nigé-
ria oriental, Azikiwe falou da época em que era estudante na Howard: Aqui
aprendi os rudimentos das letras, a anatomia das ciências sociais e a gramática da
política
43
. O professor Hansberry, que estava ao lado dele quando foi chamado
para ocupar o cargo de governador -geral da Nigéria, em 1960, prestou -lhe então
homenagem saudando nele “o mais ilustre de meus antigos alunos [...] aquele
que apreendeu com mais clareza a grandeza do passado da África e demonstrou
as imensas possibilidades contidas em seu presente”
44
. Implícito nesse elogio a
Azikiwe estava certamente um pouco do desapontamento de Hansberry com a
indiferença e mesmo com a frequente hostilidade a seus próprios trabalhos sobre
a história da África demonstradas pelos professores e alunos afro -americanos
da Howard.
Em 1930, ao entrar para a Universidade Lincoln, Azikiwe continuou a
interessar -se pela história dos negros e pelas relações raciais. Estava decidido a
proceder de forma a que os negros ascendessem aos postos de professor, todos
ocupados por brancos, e criticava “as ambições tradicionais de seus condiscípu-
los e os objetivos visivelmente burgueses do estabelecimento [...]”
45
. Conside-
rava “uma enormidade que uma universidade para negros funcionasse durante
43 AZIKIWE, 1961, p.13.
44 JONES -QUARTEY, 1965, p. 76.
45 “Horace Mann Bond Papers”, Lincoln University (Pensilvânia).
898
África sob dominação colonial, 1880-1935
 . Nnamdi Azikiwe (nascido em 1904), jornalista nigeriano, pan -africanista e político.
(Foto: Royal Commonwealth Society.)
899
A África e o Novo Mundo
oitenta e seis anos antes de que um negro fosse nomeado professor
46
. As
autoridades universitárias foram ficando desencantadas com a atividade contes-
tadora de Azikiwe (da qual se falava não só no campus, mas também em jornais
afro-americanos da Pensilvânia, como o Philadelphia Tribune, ou os de Balti-
more). Consequentemente, a escola recusou -se a recomendar Azikiwe para a
renovação de seu visto de estudante, o que o obrigou a deixar os Estados Unidos.
Partiu para a África em 1934. No momento em que Nkrumah se matriculava na
Lincoln, no final do período aqui estudado (1935), várias reformas reclamadas
por Azikiwe já tinham sido adotadas.
Por ocasião das viagens que fez pelas Áfricas ocidental e austral, com a
Comissão Phelps -Stokes, bem como dos cursos que ministrou na Costa do
Ouro, em harmonia com suas funções no Colégio de Achimota, Aggrey, como
muitos outros o fizeram em situações semelhantes, manteve contato com nume-
rosas comunidades africanas e incentivou dezenas de jovens africanos a irem
estudar nos Estados Unidos e não na Grã -Bretanha. Azikiwe, Banda e Nkrumah
são os mais conhecidos de quantos receberam sua influência. A experiência
deles também ilustra os aspectos pan -africanos ou pan -negros de sua perma-
nência naquele país. Mas esses aspectos da interação entre africanos e negros da
diáspora não explicam inteiramente a ação desenvolvida pelos africanos que
estudaram ao retomarem à pátria. Pelo que se conhece do assunto até hoje, tal
ação não encontrou de resto explicação satisfatória. O que parece ter ocorrido,
principalmente entre os africanos das colônias britânicas, foi uma alteração da
perspectiva daqueles que foram instruídos nos Estados Unidos ao colidirem com
uma recepção colonial inamistosa (tanto mais pelo fato de eles terem escapado
por completo do meio colonial durante seus estudos)
47
.
No entanto, não havia nas colônias africanas oposição ou desdém geral ou
categórico em relação aos estudos nos Estados Unidos. Aparentemente, a for-
mação profissional era bem vista pelos empresários coloniais, pois lhes permitia
encontrar operários qualificados para conduzir seus caminhões, construir suas
casas e dirigir suas oficinas mecânicas ou elétricas”. Os administradores e os
missionários brancos incentivavam esse tipo de formação por diversas razões:
os primeiros porque viam nisso um estímulo ao desenvolvimento comercial e
econômico do território; os segundos porque guardavam esperanças de que
as concepções e as ideias de Booker T. Washington sobre a educação prática
46 BOND, 1958, p. 257.
47 Ver RALSTON (?).
900
África sob dominação colonial, 1880-1935
fossem boas para a formação dos caracteres e contribuíssem assim para elevar o
nível moral de toda a vida africana.
Os dois exemplos que se seguem mostram como o componente da experi-
ência desses africanos educados nos Estados Unidos contribuiu para dar às suas
atividades um caráter próprio. O reverendo John Dube, que mais tarde seria o
primeiro presidente geral do African National Congress (1912 -1917), chamado
de “o Booker T. Washington da África do Sul”, afirmou explicitamente, em con-
ferência dada em Nova York, o valor que para ele tivera o modelo do Tuskegee
de Washington. Aliás, ele fundou um Tuskegee doméstico na Zululândia para
formar o espírito, as mãos e o coração dos jovens zulu à maneira de seu inspi-
rador. Teve de enfrentar enormes obstáculos, sobretudo para reunir os fundos
necessários, que os sul -africanos receavam que as atividades etíopes dos
bispos Turner, Dwane e Coppin exercessem uma “influência perturbadora”.
Em 1934, depois de permanecer nove anos nos Estados Unidos, Azikiwe não
voltou para a Nigéria, onde nascera, mas foi para a Costa do Ouro, instalando -se
ali provisoriamente, depois de lhe terem recusado posições em seu país (uma
cadeira de professor no Kings College de Lagos) e no serviço diplomático da
Libéria. O presidente Barclay da Libéria rejeitou sua candidatura, lembrando
secamente o fato de ele não ser liberiano e de seu conhecimento da república
ser, portanto, insuficiente para desempenhar as funções que pretendia. Mas, com
o ardor que o caracterizava, Azikiwe procurou se tornar uma tal autoridade no
que dizia respeito à Libéria que até os américo -liberianos o invejavam. No final
de 1931, adquirira conhecimentos suficientes para ler uma comunicação sobre
a Libéria na conferência anual da Association for the Study of Negro Life and
History. Nessa comunicação, defendia aquele país e condenava seus detratores
ocidentais. Em 1934, publicou um livro intitulado Liberia in World Politics.
O pan ‑africanismo: aspectos políticos e culturais
Além do intercâmbio no plano da educação, uma série de organizações e
conferências pan -africanistas, e de atividades comerciais, literárias e culturais
colocou os africanos em contato com negros norte -americanos e contribuiu
para influenciar a evolução da África colonizada. Quatro personalidades desem-
penharam, por sua atividade, um papel preponderante no desenvolvimento de
um pan -africanismo oficial e organizado durante o período colonial: Booker
T. Washington, fundador e diretor do Instituto Tuskegee, estabelecimento de
ensino que serviu de modelo para numerosas comunidades da África e das
901
A África e o Novo Mundo
Antilhas; o dr. W. E. B. Du Bois, que, na qualidade de redator -chefe da revista
The Crisis, e “pai” do movimento continental African Congress, fez da África
um campo de ão subsidiário da National Association for the Advancement
of Colored People (NAACP); Marcus Garvey, que utilizou sua UNIA não
para suscitar um movimento de emigração, mas também para promover a
solidariedade, no plano institucional ou político, entre todos os povos de ascen-
dência africana; Aimé Césaire, que (de acordo com outros negros das Antilhas,
como Léon Damas, de Caiena, Jean Price -Mars, do Haiti, e o poeta e político
senegalês Léopold Senghor) lançou, principalmente no mundo negro francó-
fono, o conceito de negritude, variante cultural do pan -africanismo enquanto
consciência coletiva dos negros.
Por mais importantes que tivessem sido o pan -africanismo de Washington e
de seus colaboradores do Tuskegee, o interesse que eles despertaram na África e
o impacto que tiveram sobre ela e sobre os africanos matriculados ou candidatos
à matrícula em universidades norte -americanas, esses aspectos de sua ativi-
dade são pouco conhecidos. Todavia, ex -alunos africanos e norte -americanos do
Tuskegee e, frequentemente, muitos africanos que, embora nunca tivessem se
matriculado no instituto, visitaram -no ou se corresponderam com Washington,
deram a conhecer à África esse estabelecimento e seus recursos. Muitos africa-
nos foram assim tocados pelo “espírito do Tuskegee” ou apelaram ao instituto e
a outras possibilidades oferecidas pelos Estados Unidos negros em decorrência
de numerosas conferências, visitas e missões técnicas internacionais.
Proferindo o discurso de abertura da Conferência Internacional sobre o
Negro, evento pan -africanista verificado no Tuskegee na primavera de 1912,
Washington acentuou a importância do intercâmbio de técnicas e de recursos
entre os negros africanos e americanos. “Esta conferência”, declarou, “foi orga-
nizada para permitir estudar os métodos empregados para auxiliar os negros
dos Estados Unidos, com vistas a determinar em que medida os métodos do
Tuskegee e de Hampton são aplicáveis à -situação [...] na África
48
.” Entre os par-
ticipantes do evento figuravam delegados de Gana (J. E. Casely Hayford, autor
da influente obra Ethiopia Unbound, publicada no ano anterior, representante da
Aborigines Rights Protection Society), da África Oriental Britânica, da Libéria
(F. E. T. Johnson), da Nigéria, de Ruanda, da África Oriental Portuguesa (atual
Moçambique) e da África do Sul (reverendo Isaiah Sishuba, da Igreja Etíope
de Queenstown).
48 e Tuskegee Student, 1912.
902
África sob dominação colonial, 1880-1935
Embora o interesse da África por Tuskegee tenha sido consideravelmente
avivado pela conferência de 1922, ele tinha sido despertado pelos estudantes
africanos do instituto que haviam regressado à pátria e por informações ante-
riores de sua atividade. Por exemplo, em 1901 chegou uma missão do Tuskegee
ao Toga, a convite da administração colonial alemã, para melhorar os métodos
africanos de cultura do algodão. Seu êxito acarretou convites para outras missões
em Tanganica (atual Tanzânia), Zanzibar e Sudão, enquanto o próprio Washing-
ton era convidado a ir para a África do Sul.
Entre as outras atividades pan -africanistas do gênero de que participaram
Tuskegee e Washington, convém citar reuniões organizadas em 1908 pela Negro
Business League, nas quais Booker T. Washington mostrou que apreciava a
noção de pan -africanismo no intercâmbio entre africanos e afro -americanos.
Ao apresentar cinco enviados da Libéria que solicitavam ajuda financeira
norte-americana, Washington enfatizou que eles estão aqui nos Estados Unidos
em visita oficial não como enviados de seu país, mas também como represen-
tantes de toda a raça negra [...]”
49
. Embora o crescimento real do comércio entre
africanos e afro -americanos disso resultante tivesse sido fraco, uma companhia
de navegação, a African Union Company, foi fundada em 1913 por um auxiliar
de Washington, Emmett Scott, para promover a venda de produtos africanos
no mercado mundial. A ideia de uma companhia de navegação entre os Estados
Unidos e a África atraiu Garvey com muita força para Washington.
Os encontros entre negros africanos e americanos no Tuskegee e durante
outras iniciativas do instituto fizeram com que o “espírito do Tuskegee se pro-
pagasse numa progressão quase geométrica. A atividade desenvolvida na Nigéria
por um diplomado pela Phelps Hall Bible Training School, do Tuskegee, nos dá
um exemplo disso entre muitos. “Propus a meus compatriotas”, escreveu ele a
seus antigos professores,a criação de uma escola semelhante ao Tuskegee. Eles
concordaram com satisfação. Um deles doou um terreno de vinte hectares e mil
dólares para começar imediatamente.” E prosseguiu: “Logo que tiver construído
duas ou três casas, começarei a pregar para difundir o espírito do Tuskegee”
50
.
John Dube e D. D. T. Jabavu figuram na extensa lista de notáveis africanos
que transmitiram o aprendido no Tuskegee. Durante os anos que passou nos
Estados Unidos, estudando em Oberlin e em Nova York, Dube ligou -se ao edu-
cador John Hope, de Atlanta, e a Booker T. Washington. Mais tarde, em 1913,
Jabavu, que era aluno da Universidade de Londres, passou umas seis semanas
49 Liberian Bulletin , 1908, p. 64 -5.
50 Southern Letter, 1917.
903
A África e o Novo Mundo
no Tuskegee, onde observou as técnicas de agricultura, para visitar depois outras
instituições negras do sul.
Além disso, uma série de provas anuais de graduação, chamadas de “exercí-
cios de eloquência africana”, foi organizada em Tuskegee, em função de certos
objetivos pontuais de ajuda à África, tais como a coleta de fundos para uma
capela Tuskegee na Libéria. Regra geral, alunos africanos e afro -americanos
do instituto participavam dos exercícios, que consistiam em discursos e cantos.
Os temas dos discursos pronunciados em 1916 iam do Desenvolvimento da
indústria do cacau na Costa do Ouro” e das “Possibilidades de desenvolvimento
da agricultura na África do Sul”, por A. B. Xuma
51
, até a “Religião e vida social
em Madagáscar”.
O pan -africanismo, enquanto movimento político organizado, também
desempenhou um papel importante, proporcionando a oportunidade para o
estabelecimento de laços entre africanos colonizados e negros norte -americanos.
Em 1900, Henry Sylvester Williams, jurista de Trinidad, organizou em Londres
a primeira de uma série de conferências pan -africanistas, das quais participaram
delegados dos Estados Unidos, das Antilhas, da América do Sul e da África.
Ademais, Williams, admitido como advogado do Supremo Tribunal da colônia
do Cabo da Boa Esperança”, participou de diversas atividades políticas contes-
tatárias na África. Também se sabe que Williams esteve associado, em 1907,
às comemorações do sexagésimo aniversário da independência liberiana e que
defendeu, conforme solicitara o presidente Barclay, a causa da emigração dos
negros do Novo Mundo para a Libéria.
É incontestável, no entanto, que foram os três congressos pan -africanistas
convocados para diversas capitais da Europa (Paris, 1919; Londres, Bruxelas
e Paris, 1921; Londres e Lisboa, 1923) por W. E. B. Du Bois, após a confe-
rência organizada por Williams, que dominaram o movimento. O próprio Du
Bois desempenhou um papel preponderante nos três congressos. Convocou o
primeiro em 1919 quando se encontrava na França, a fim de: a) cobrir a Con-
ferência da Paz para The Crisis; b) reunir informações para a proposta de uma
“História do negro norte -americano na Grande Guerra”; c) fazer pressão pró-
reconhecimento dos direitos políticos das raças de cor que vivem nos Estados
Unidos e no resto do mundo
52
. Uma das resoluções adotadas no Congresso de
Paris reclamava a autodeterminação dos africanos.
51 O autor deste capítulo trabalha atualmente numa biograa de A. B. Xuma.
52 e Crisis, 1921, p. 119 -20.
904
África sob dominação colonial, 1880-1935
Du Bois participou do II Congresso Pan -Africano, realizado em 1921, em
companhia de Walter White, do artista afro -americano Henry O. Tanner, de
Jessie R. Fauset, redator negro do The Crisis e o mais prolífico dos romancistas
do Renascimento do Harlem, do cantor afro -americano Roland Hayes e do
senegalês Blaise Diagne. O congresso de 1923 reuniu afro -americanos, repre-
sentantes das Antilhas e africanos. Participaram dele, além de Du Bois, Rayford
Logan e o bispo Vernon, da AME dos Estados Unidos, o chefe Amoah III, da
Costa do Ouro, e Komba Simango, da África oriental portuguesa, contribuindo
para a elaboração de várias resoluções de fundo e um apelo geral ao “desenvol-
vimento da África em benefício dos africanos”
53
. O congresso reivindicou tam-
bém uma representação na Comissão de Mandatos da Sociedade das Nações, a
criação de um Instituto de Estudos do Problema Negro, o restabelecimento ou
o melhor reconhecimento dos direitos dos negros, no conjunto do mundo negro,
e a libertação da Abissínia, do Haiti e da Libéria “das garras dos monopólios e
das práticas usurárias dos financistas que dominam o mundo
54
. Du Bois foi em
pessoa a Genebra comunicar essas resoluções à Sociedade das Nações.
Talvez em razão das preocupações que traduziam em relação à Libéria, o
presidente Coolidge pediu a Du Bois que representasse os Estados Unidos
nas cerimônias de posse do presidente daquele país, em 1923. Durante sua
permanência lá, Du Bois (efetuando assim sua primeira viagem à África) pro-
vavelmente se declarou contrário à ação em favor da emigração desenvolvida
por Garvey em nome do pan -africanismo, pois os liberianos rejeitaram pouco
depois o plano da UNIA.
Apesar das críticas sectárias das quais ele mesmo e a UNIA eram alvo,
Garvey se tornou, de 1916 até cerca de 1935, a figura central de boa parte do
movimento pan -africanista nos Estados Unidos, nas Antilhas e nas Áfricas
ocidental, oriental, central e, sobretudo, austral. Por volta do fim da Primeira
Guerra Mundial, seu jornal militante, The Negro World, cujo chefe de redação
era Hubert Harrison, um jornalista antilhano que vivia em Nova York, tocou na
ferida das massas negras de Nova York, de toda a América do Norte e da África.
A mensagem que ele a todos dirigia era a seguinte: “Organizai -vos, comprai
dos negros, dai apoio à Black Star Steamship Line [que podia levar emigrantes
negros para a África e trazer matérias -primas] e ajudai a expulsar os brancos
da África”. Garvey acentuava:
53 Ibid., 1924, p. 120.
54 Ibid., 1924, p. 121.
905
A África e o Novo Mundo
Somos os descendentes de um povo sofrido. Somos os descendentes de um povo
decidido a não mais sofrer. [...] Não queremos o que pertenceu aos outros, embora
os outros sempre tenham procurado privar -nos daquilo que nos pertencia. [...] As
outras raças têm seus próprios países e é tempo de que os 400 milhões de negros
[do mundo] reivindiquem a África para si próprios
55
.
Se a influência pan -africanista de Du Bois era mais forte e mais difundida
entre os intelectuais negros que viviam nos Estados Unidos, e a de Washington
entre os agricultores e os artesãos, todas as camadas da população negra, na
África e alhures, foram igualmente tocadas por Garvey. Este último recebeu boa
parte de sua inspiração pan -africanista do intelectual egípcio Duse Moham-
med Ali, que conheceu em 1912 na Inglaterra, bem como da autobiografia de
Washington, Up From Slavery, que também leu em Londres.
A UNIA de Garvey, criada inicialmente com a ideia de fundar uma escola
de tipo Tuskegee da Jamaica, converteu -se num laço institucional para grande
número de africanos e de negros norte -americanos. O periódico que editava,
The Negro World, foi proveitoso para a expansão do pan -africanismo na África.
De 1920 a 1938 foram realizadas oito convenções da UNIA. As cinco primeiras,
cujo responsável foi Garvey, foram organizadas em Nova York, em agosto de
cada ano, de 1920 a 1924. As duas seguintes ocorreram na Jamaica, depois de
Garvey ter sido expulso dos Estados Unidos, em 1929 e 1934. A oitava e última
decorreu no Canadá, em 1938.
Desde a primeira convenção, Garvey preconizou a criação de escolas espe-
ciais para ministrar ensino técnico aos negros da África e das Américas, o
desenvolvimento da agricultura, da indústria e do comércio para promover o
intercâmbio entre negros, o lançamento de navios da companhia Black Star para
facilitar o comércio e a criação de um jornal diário “em várias das grandes cida-
des do mundo”, particularmente em Londres, Paris, Berlim, Cidade do Cabo,
Nova York e Washington, bem como na Costa do Ouro e nas Antilhas, para
criar um movimento de opinião a favor de toda a raça negra”. De acordo com
ele, a realização desse programa permitiria unificar os povos negros dispersos
pelo mundo, unindo -os no quadro de um único organismo”
56
. Para os contem-
porâneos, sua mensagem “teve imenso eco na África” e “de seu pequeno posto
estratégico do Harlem, [Garvey] tornou -se uma figura mundial”
57
.
55 Apud CRONON, 1962, p. 65.
56 HILL e KILSON, 1971, p. 241.
57 CLARKE, 1964, p. 15.
906
África sob dominação colonial, 1880-1935
Em 1917, o intelectual J. E. Casely Hayford, da Costa do Ouro, aproveitou
o ímpeto geral imprimido pelo garveyísmo para fundar o National Congress of
British West Africa, cuja sessão inaugural se verificou em Acra em março de
1920. Jamo Kenyatta, por sua vez, recordou que em 1921
nacionalistas do Quênia, que eram analfabetos, reuniam -se em torno de qualquer
um que lhes lesse e relesse duas ou três vezes um artigo de The Negro World [...]
depois corriam para a floresta a repetir meticulosamente tudo quanto tinham
ouvido para africanos ávidos de dispor de doutrina própria que os libertasse da
mentalidade servil a que a África estava reduzida
58
.
O próprio Garvey escrevia editoriais e longos artigos para The Negro World,
cuja tiragem era de aproximadamente 200 mil exemplares, mas que atingia na
realidade um público bem maior.
Na Niassalândia, a criação de filiais da UNIA encontrou a oposição das
autoridades coloniais e de alguns dirigentes africanos, como Clements Kada-
lie, fundador da Industrial Commercial Workers’ Union
59
. Apesar da oposição
declarada do socialista Kadalie à doutrina de “A África para os africanos” pre-
gada pela UNIA, Garvey parece ter entrado em contato direto com estudantes
africanos, inclusive com aqueles vindos da Niassalândia, que se encontravam
nos Estados Unidos. Em consequência, a administração colonial britânica fez
extenso inquérito sobre a atividade dos estudantes da Niassalândia, como o
futuro dr. D. S. Malekebu, que, na década de 1920, cursou medicina no Meharry
Medical College, reservado aos alunos negros. De regresso à África, Malekebu
foi proibido até de entrar na Niassalândia e teve de passar algum tempo na
Libéria. O temor do recrudescimento do espírito revolucionário que animara
John Chilembwe foi uma das razões que levaram as autoridades coloniais britâ-
nicas a proibir uma viagem à Niassalândia e a outras regiões da África oriental
projetada por Garvey e alguns colaboradores dele nos anos de 1920”. Para evitar
que a influência deste último se exercesse por outras vias como, por exemplo, seu
jornal tão prestigiado, ou pelos trabalhadores migrantes regressados da Africa do
Sul
60
, as autoridades interditaram The Negro World em 1922. Talvez se sentissem
particularmente desafiadas por certos artigos do jornal, como aquele, publi-
cado mais tarde, em que Kamuzu Banda, que acabava de terminar seu curso na
58 JAMES, 1963, p. 396.
59 JOHNS, 1970.
60 Para indicações sobre as liais sul -africanas da UNIA, ver e Negro World, 1927.
907
A África e o Novo Mundo
Universidade de Chicago, era apresentado como “[...] o herdeiro presuntivo da
função de chefe de 25 mil africanos da Niassalândia [...]
61
.
A viúva de Garvey, Amy Jacques Garvey, explicou, entretanto, como a influ-
ência dele se propagara efetivamente pela África, por caminhos misteriosos:
Marinheiros e estudantes de outras regiões da África [além da Libéria] conver-
teram-se à doutrina de Garvey na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos da
América. Ao regressarem à pátria, pregaram em segredo o evangelho da unidade
e da liberdade; alguns se tornaram dirigentes, outros reuniram fiéis em torno de si
pela virtude de seu ensino e de sua inspirada
62
.
A influência de Garvey tornou -se evidente nas escolas de missão que Azi-
kiwe frequentou. Kwame Nkrumah confessou mais tarde que nenhuma obra
tivera sobre ele uma influência mais forte, quando estudava nos Estados Unidos,
do que Philosophy and Opinions, de Garvey (1923).
Enquanto Garvey e Du Bois agitavam politicamente o mundo negro, nas
três primeiras décadas do século XX, formava -se uma corrente cultural orien-
tada para a África, que teve larga influência. O valor da cultura negra foi par-
ticularmente reafirmado com dinamismo na Europa, nas Antilhas e na África
ocidental, sob o impulso de africanos e de antilhanos francófonos que haviam
sido atraídos, enquanto estudantes em Paris, pelos congressos pan -africanistas,
pelos programas da UNIA e pelo entusiasmo geral provocado pelo Renasci-
mento do Harlem.
Em resumo, a interação de negros francófonos das Antilhas (como o mar-
tiniquês Aimé saire, cujo lebre poema Cahier d’un retour au pays natal
foi publicado em 1939) e de intelectuais da África ocidental (como o poeta e
político senegalês Léopold Sédar Senghor) forjou o movimento da negritude.
Convencidos de que todos os africanos e todos os povos de ascendência africana
tinham um patrimônio cultural comum, os escritores ligados a esse movimento
esforçaram -se para restabelecer laços entre os diversos componentes do mundo
negro.
A experiência dos negros de ultramar, assim como os textos e o dinamismo
intelectual do Renascimento do Harlem, exerceram forte influência na noção de
negritude. Por seu lado, o movimento do Harlem nutria -se da crescente identi-
ficação cultural com a África. Countee Cullen perguntava em um poema:
61 e Negro World, 1932, p. 8.
62 GARVEY, 1969, p. 258.
908
África sob dominação colonial, 1880-1935
“Que é a África para mim?”. Langston Hughes, no poema intitulado “O
negro fala dos rios”, evoca como ele construiu sua cabana às margens do Congo e
ali adormeceu
63
. Um e outro influenciaram profundamente Senghor e os demais
cantores da negritude.
Foi outro jamaicano Claude McKay –, porém, quem contribuiu com sua
poesia para unificar o pan -africanismo cultural e político, insistindo em sua
obra no fato de que os negros deviam tomar consciência de seus sofrimentos
comuns, protestar contra eles e afirmar sua dignidade. Um de seus poemas “Se
temos de morrer” –, de tom provocante e cuja eloquência tem grande eficácia,
haveria de ser empregado, sem citação do autor, por Winston Churchill durante
a batalha da Inglaterra. McKay, como Garvey e milhares de estudantes africanos,
fora atraído para os Estados Unidos pela reputação do Instituto Tuskegee, mas
logo foi se juntar aos milhões de negros que viviam em Nova York na década
de 1920.
As relações entre africanos colonizados e negros norte -americanos encon-
traram, por vezes, expressão simbólica na literatura e no pensamento populares.
Várias comunidades africanas atribuíam um papel essencial aos negros norte-
americanos em seus sonhos messiânicos de libertação do jugo colonial. Em mea-
dos do século XIX, por exemplo, num dos momentos mais sombrios da história
africana, o do desastroso sacrifício do rebanho dos Xhosa, muitos africanos
acreditavam que suas terras e seus bens tradicionais, assim como os membros
desaparecidos de suas famílias, lhes seriam devolvidos por negros vindos do
lado de dos mares. Em 1910, na data da formação da União Sul -Africana,
os jornais publicaram artigos sobre um bispo africano chamado Msiqinya, que
pretendia ser um messias negro norte -americano. O tema reapareceu em 1921,
quando Enoch Mjigima, adepto de Garvey e dirigente de um grupo cujos mem-
bros se intitulavam Israelitas Negros, entrou em contato com a Afro -Arnerican
Church of God and Saints of Christ, durante a rebelião de Bulhoek, bem como
na profecia de Wellington, (ver o capítulo 27). Mjigima já se correspondia com
Garvey e queria estabelecer uma filial da UNIA na África do Sul.
O romance intitulado Prester John (1910) uma imagem comovente dessa
expectativa de um messias afro -americano. Escrito por um branco, relata uma
formidável revolta contra os brancos dirigida por um eclesiástico africano que
havia estudado no exterior. Ele causou imediata sensação na África austral. Para
alguns, prefigurava a revolta de Chilembwe, que se deu cinco anos depois na
63 Apud ROLLINS, 1970, p. 19.
909
A África e o Novo Mundo
Niassalândia. Outro romance, intitulado Bayete!, lançado em 1923, dava uma
imagem dramática daquilo que seria a influência afro -americana na África
austral, fazendo do medo que ela inspirava aos sul -africanos brancos um dos
motores da história.
Os temores provocados pelos dois movimentos proféticos (Msiqinya e Mji-
gima/Wellington) e pelos dois romances messiânicos (Prester John e Bayete!)
foram avivados por dois acontecimentos que pareciam confirmá -los: a emer-
gência do movimento de Garvey e a viagem de James Aggrey à África austral
com a Comissão Phelps -Stokes. Embora fosse um Fante da Costa do Ouro,
Aggrey foi amplamente entendido como o representante da vanguarda da inva-
são negra anunciada com tanto vigor pelas tradições orais dos africanos, dos
mestiços da África do Sul e dos brancos. Uma narrativa da época traduzia as
crenças populares:
Para compreender a entusiástica acolhida dispensada a Aggrey no Transkei e o efeito
de seus discursos sobre tantas mentalidades, é preciso lembrar que lá, como de resto
em todo o continente africano, muitos habitantes esperam que os salvadores venham
dos Estados Unidos. Imaginaram, portanto, que Aggrey era o arauto de uma tropa
de invasores negros – pensavam que todos os americanos são negros – que lançariam
os brancos da África do Sul ao mar
64
.
A vinda de Aggrey parecia concordar com a pretensão de Garvey de reinsta-
lar milhões de negros norte -americanos na África e de vencer aí o colonialismo,
o que despertava antigas esperanças e temores.
No período que vimos estudando, há que registrar no Brasil
65
os esforços de
alguns negros brasileiros na luta pela emancipação dos escravos (1888): Luís da
Gama (1830 -1885), André Rebouças (1838 -1898) e José do Patrocínio (1853-
-1905). Quanto aos estudos relativos à contribuição africana no Brasil, cumpre
destacar a obra de Manuel Raimundo Querino (1851 -1923), que vivia em São
Salvador da Bahia e publicou inúmeros trabalhos, entre outros O africano como
colonizador e costumes africanos no Brasil. Solano Trindade (1908 -1973)
66
incor-
porou as ideias do pan -africanismo e da negritude na poesia brasileira. Vale
ainda salientar a imprensa afro -brasileira, com o lançamento em 1915 do jornal
O Menelick, em São Paulo, e de vários outros, como o Getulino (1923 -1926), de
Campinas, o Clarim da Alvorada (1924 -1932), de São Paulo, fundado por José
64 SMITH, E., 1929, p. 181.
65 PORTER, 1978; COUCEIRO, 1974; ALVES, 1976.
66 ANDRADE, M., 1959, p. 77-9.
910
África sob dominação colonial, 1880-1935
Correia Leite e Jayme de Aguiar, e, mais tarde, A Voz da Raça (1933 -1937), órgão
da Frente Negro -Brasileira, movimento de caráter político.
Persistência e mudanças dos valores culturais
africanos na América Latina e nas Antilhas
A presença africana nos países americanos e no Caribe foi salientada por
vários autores
67
, em função da porcentagem de descendentes de africanos na
composição total da população de cada um deles. De acordo com esse critério,
três grupos principais se destacam.
No primeiro grupo, podemos incluir os países onde a população negra consti-
tui a maioria. É o caso do Haiti, da Jamaica, de Trinidad e Tobago, de Barbados
etc. No segundo grupo, temos os países onde a população de origem africana
é demograficamente insignificante, como é o caso da Argentina, do Chile, do
Uruguai, do Paraguai, da Bolívia etc. E, finalmente, o terceiro grupo, que
compreende o Brasil e Cuba, onde o negro desempenhou papel muito impor-
tante na economia
68
, exerceu grande influência cultural e contribuiu de maneira
decisiva, pela mestiçagem, para a formação étnica. Por último, cumpre mencio-
nar países como a Colômbia, o Panamá e a Nicarágua, que possuem núcleos
populacionais de origem africana.
Do ponto de vista demográfico, convém verificar meticulosamente a com-
posição populacional de cada país, considerando os três principais grupos: o
de origem africana, o de origem europeia e, finalmente, o de origem local os
ameríndios” –, bem como a persistência demográfica da cada um deles como
resultado dos cruzamentos de raças entre vários grupos, segundo os casos.
A distribuição de cada grupo segundo a escala da estrutura social, indepen-
dentemente de indicadores como a escolarização, completa o quadro de base e
permite analisar a evolução da situação da população de origem africana. Este
esquema foi utilizado por Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso
69
no
estudo do processo de integração do antigo escravo no mercado de mão de obra
livre e, mais tarde, de sua incorporação à economia urbana.
Este tipo de análise permite avaliar o grau de integração da população de
origem africana nas economias e nas sociedades sul -americanas. Mas a análise,
67 ROUT, 1976.
68 RODRIGUES, J. H., 1964, vol 1, p. 51.
69 IANNI, 1962; CARDOSO, 1962.
911
A África e o Novo Mundo
em si mesma, deixa de lado o prestígio permanente dos valores culturais afri-
canos no Novo Mundo, a menos que se parta do princípio segundo o qual essa
persistência poderia ser medida mediante um critério racial ou se considere
que essa variável não é importante.
Duas escolas de pensamento se contradizem sobre a questão. A posição de
M. J. Herskovits
70
sobre a reinterpretação da cultura africana através da per-
sistência de certos segmentos culturais provocou a reação do sociólogo negro
norte -americano E. Franklin Frazier
71
, que chamou a atenção para o problema
da integração na sociedade global. Segundo este autor, a teoria de Herskovits
poderia induzir à conclusão de que a persistência dos valores culturais africa-
nos vem reforçar a tese das correntes racistas, de acordo com a qual o negro é
inassimilável. No caso dos Estados Unidos, em razão de diversos fatores – entre
outros a ação das igrejas protestantes –, o antigo escravo perdeu a maior parte
dos valores culturais tradicionais de origem africana e se integrou na cultura
anglo -saxônica.
Por fim, há que mencionar dois outros grupos de países. O primeiro é cons-
tituído de nações como a Colômbia, o Panamá, a Nicarágua etc., que contêm
pequenos núcleos de população de origem africana. O segundo grupo é for-
mado por países com núcleos de origem africana que não se acham integrados
no Novo Mundo, como o Suriname, onde encontramos os Boni, os Djuta, os
Saramaca e os Akwa, bem como a Jamaica, a República Dominicana e mesmo
o Haiti e Cuba, pátria dos negros quilombolas. Vivendo na floresta, os grupos
do Suriname e da Guiana Francesa conservaram mais ou menos integralmente
seus valores culturais e uma certa organização social. Os quilombolas constitu-
íam outrora comunidades de escravos fugidos, que se refugiaram nas montanhas
desses países, cortando todo contato com os colonizadores. Boa parte dessas
comunidades conseguiu manter -se isolada. Mais tarde, no Suriname, na Guiana
Francesa e, em certa medida, na Jamaica, continuaram a viver separadas da que
se poderia chamar de “comunidade nacional”.
O paralelo proposto entre a América do Norte, a América do Sul e as Anti-
lhas, a propósito da presença africana e, especialmente, dos valores culturais
africanos, não é conclusivo. Trata -se de realidades bem diferentes, visto que a
“integração dos antigos escravos se fez de maneira diferente nas diversas regiões
e apresenta variações de país para país.
70 HERSKOVITS, M. J., 1941, 1948, 1966a, 1966b, 1966c.
71 FRAZIER, 1949.
912
África sob dominação colonial, 1880-1935
Do ponto de vista cultural, enquanto nos Estados Unidos a conversão à
religião protestante levou ao abandono das tradições culturais e à criação de
um novo universo mental, na América Latina e nas Antilhas, os valores cultu-
rais africanos perduraram, em grau variável, ou passaram por um processo de
mudança.
Metodologicamente, convém distinguir duas formas de presença: a presença
cultural da África e a presença negra no sentido físico. De acordo com a situação
e o tipo de processo colonial adotado, teremos de tratar de uma ou de outra, ou
das duas simultaneamente.
O problema das diferenças de cor coloca -se de outra forma. Segundo Roger
Bastide,
que a linha das cores esteja institucionalizada como nos Estados Unidos ou não, o
resultado é o mesmo. Os negros vivem ou tendem a viver num mundo separado.
Sentem -se diferentes’ dos outros e são forçados – ou preferem (o que pouco importa,
do ponto de vista das consequências) – ‘ser o que são
72
.
A análise histórica permite observar que, ao longo dos anos, a dicotomia
entre cultura africana” e cultura negra”, resultante de uma série de transfor-
mações sociais, não se acentuou. Houve, antes, mudanças culturais em diversos
graus, de acordo com cada situação concreta. No Haiti, onde a população negra
constitui a maioria, a religião de tipo africano foi influenciada pela estrutura
da sociedade haitiana e pelo papel dos mestiços, passando por uma série de
mudanças provocadas por “deuses” novos ou adaptados à nova situação. Nas
ilhas vizinhas, devido à ação missionária do protestantismo, manifestou -se uma
cultura negra” através de diversos movimentos, como o do ras Tafari (corrente
messiânica de reação contra o dominador branco, que recorria quase direta-
mente às imagens religiosas africanas e da qual o messias era Hailé Selassié).
Por outro lado, na Jamaica, com o culto de Sasabonsam, de origem Ashanti,
certos elementos da cultura africana” persistiram durante esse período histórico,
para mais tarde desaparecerem, dando lugar a cultos espiritistas, baseados em
boa parte na magia, como foi o caso, em 1894, da Jamaica Free Church, seita
fundada por Bedward.
Nas regiões do continente americano onde predominava o catolicismo, sur-
giu uma forma de sincretismo fundado na coexistência de valores culturais
europeus e africanos. Num tal contexto, ser católico não implicava mudanças
radicais, como ocorria nos casos em que predominava o protestantismo.
72 BASTIDE, 1967, p. 199.
913
A África e o Novo Mundo
 . Inuência religiosa dos Yoruba na Bahia, Brasil. (Fotos: Pierre Verger.)
914
África sob dominação colonial, 1880-1935
Esse sincretismo caracteriza -se pela utilização das datas das festas e dos
santos católicos, juntamente com o recurso aos orixás e ao vodu. Assim, as festas
das divindades correspondem às datas dos santos católicos. Roger Bastide afirma
que o sincretismo não passa de máscara branca aposta sobre os deuses negros. Os
valores das duas religiões se interpenetram em graus diferentes. No Brasil, por
exemplo (ver figs. 29.5), alguns sacramentos do catolicismo, como o batismo,o
retomados não no sentido do ritual, mas também para reforçar ou fortalecer o
indivíduo. Essa aculturação dos valores de origem europeia marca até as formas
mais próximas das origens africanas, como o candomblé, a macumba e outras
designações; algumas delas se aproximam da magia ou se caracterizam por ela.
No caso da macumba, que levar em conta a presença de valores ameríndios,
e a aculturação se reveste no caso de uma tripla dimensão.
É possível encontrar exemplos de sincretismo com a cultura ameríndia nas
Índias Ocidentais, principalmente em Honduras, onde surgiu um povo mestiço
de cruzamentos de mulheres ameríndias com africanos, conhecido como Caraíbas
negros
73
. Esses africanos descendiam dos Igbo, dos Efik e, mais tarde, dos Fante,
Ashanti, Fon e Congo.
As sociedades africanas” foram se transformando pouco a pouco em “socie-
dades negras”, cujos laços com a África variam de caso para caso. Estão mais
ou menos integradas socialmente, no sentido da conquista de uma cidadania
plena.
Do ponto de vista social, a integração se em função das seguintes variá-
veis: o tipo da sociedade dos colonizadores brancos; a forma de exploração da
terra; a religião do colonizador, protestante ou católica; a porcentagem mais ou
menos importante da população ameríndia; e o grau de integração no processo
econômico imposto pelo regime do colonizador, quer durante o período colo-
nial propriamente dito, quer depois de obtida a independência pelos países do
continente americano.
As formas de resistência verificadas durante o período colonial, quando
se formaram núcleos de escravos fugidos que tentavam viver à margem do
sistema imposto pelo colonizador, manifestaram -se no final do século XVIII e
incluíam mulatos. Esses grupos tendiam a manter e defender os valores típicos
das sociedades africanas. O isolamento ou a integração desses isolados”, em
relação à sociedade nacional, variou no século XIX em função do grau de desen-
volvimento do país a que pertenciam e da evolução do sistema socioeconômico;
73 COELHO, R., 1964.
915
A África e o Novo Mundo
passou -se de um mundo caracterizado pelos valores rurais de uma economia de
plantations, fazendas e engenhos de açúcar para formas mais próximas do tipo
de economia existente no final do século XIX e começo do atual.
A integração do negro na sociedade rural variou em função das necessidades
da agricultura, da falta ou da disponibilidade de mão de obra, da importância dos
contingentes migratórios provenientes da Europa – alguns desses contingentes
vieram especificamente com o objetivo de se integrar no sistema de trabalho.
Foi o que se passou no Brasil com a cultura do café. Essa integração se revela de
várias maneiras, englobando os cantos dos grupos religiosos de Cuba e do Bra-
sil, o ritmo dos instrumentos
74
que foram efetivamente incorporados à cultura
musical, a arte culinária, o emprego de certas técnicas, como, por exemplo, no
Haiti, o uso de utensílios agrícolas como a enxada etc., a transmissão de valores
de natureza religiosa e de filosofia de vida. Malgrado a ruptura provocada pela
escravidão, a cultura africana resistiu e até criou uma nova cultura.
Conclusão
Quais foram os efeitos dos contatos entre africanos colonizados e negros
norte -americanos? De início, somente a população africana de certas regiões
entrou em interação com negros dos Estados Unidos e das Antilhas. Nos pri-
mórdios do período em estudo, tais regiões eram as que se tornaram lugares
privilegiados de imigração ou de esforços de evangelização dos negros norte-
americanos, quer dizer, principalmente a África ocidental, a África do Sul e o
Chifre. Os povos das outras regiões também entraram pouco a pouco em con-
tato, devido à progressiva penetração dos projetos pan -africanistas, dos escritos
e do folclore dos negros norte -americanos etc., ou – o que teve um papel ainda
mais importante de iniciativas de jovens africanos de todo o continente que,
em mero crescente, iam cursar escolas superiores nos Estados Unidos da
América.
A interação direta e profunda que os africanos tiveram em determinado meio
negro e as influências que nele receberam (ver fig. 29.6) sem dúvida modificaram
suas perspectivas e as dos afro -arnericanos, embora seja difícil avaliar a extensão
disso. Mas os contatos que os africanos colonizados tiveram com os negros
norte -americanos parecem, no entanto, ter marcado fortemente suas futuras ati-
vidades sociais e políticas. Segundo algumas opiniões, as ideologias e as estraté-
74 ORTIZ, 1950.
916
África sob dominação colonial, 1880-1935
gias que os nacionalistas africanos elaboraram durante o período colonial foram
claramente inspiradas em elementos extraídos dos negros norte -americanos.
Segundo outras, de alguns estudiosos africanos por exemplo, os contatos com
os meios negros norte -americanos foram decepcionantes e estéreis, como se
por este cáustico testemunho:
Uma das questões que me decidira a elucidar durante minha permanência nos Esta-
dos Unidos era a condição dos descendentes de antigos escravos levados da África
para lá. [...] Creio poder afirmar sem receio de contradita que os negros dos Estados
Unidos, em média, avançaram mais depressa do que os da África ocidental no plano
do progresso econômico e material, mas estão muito atrás deles no que se refere à
integridade e às qualidades que fazem o verdadeiro homem
75
.
Outras opiniões, ainda, são de que muitos missionários afro -americanos que
consideravam os africanos “pobres selvagens pagãos” são em parte responsáveis
pela persistência entre os negros dos Estados Unidos de uma imagem deformada
e negativa da África e dos africanos. Por outras palavras, as Igrejas missionárias,
lançando -se com ardor ao recrutamento de negros norte -americanos para suas
missões estrangeiras, não dúvida de que por vezes sucumbiram à tentação
de pintar uma África exótica, erótica e socialmente inferior, cuja salvação exigia
grandes sacrifícios, trabalho duro e ajuda estrangeira.
De um ponto de vista pan -africanista mais geral, parece certo, no entanto,
que os contatos entre africanos colonizados e negros norte -americanos amplia-
ram os horizontes políticos e ideológicos dos africanos e aumentaram sua com-
petência técnica. Os planos de emigração negra anunciados com estardalhaço
por Garvey, cujas publicações penetraram até o coração da África, foram apenas
um leitmotiv graças ao qual os povos africanos tomaram consciência da existên-
cia dos negros dos Estados Unidos. O tema da redenção da África foi agitado
com idêntica energia por missionários negros norte -americanos.
Mas foram os próprios africanos, depois disso, que tomaram a iniciativa
de entrar em contato com os negros norte -americanos, matriculando -se em
estabelecimentos de ensino que acolhiam sobretudo afro -americanos, partici-
pando de conferências pan -africanas etc. Em consequência, muitos africanos
descobriram concepções técnicas, pedagógicas e políticas diferentes das que
lhes proporcionava seu mundo colonizado. Ao regressarem à terra natal, muitos
deles inspirados nas novas ideias que lhes tinham sido reveladas acharam
que tinham o dever de procurar solução para os problemas de ideologia, de
75 ANI -OKOKON, 1927, p. 10.
917
A África e o Novo Mundo
 . Mesquita central de Lagos, um exemplo da inuência brasileira na arquitetura da Nigéria.
(Foto: Alan Hutchinson Library, Londres.)
identidade cultural, de valores pedagógicos, de poder político e de unidade ou
de consciência pan -africana.
Nesse contexto histórico, as numerosas conferências pan -africanistas, os pro-
jetos de ensino geral e técnico do Instituto Tuskegee, o movimento da negritude
e o lugar central dado por vezes aos negros do ultramar nos sonhos milenaristas
dos africanos provam a constância do tema pan -africano entre os negros dos
Estados Unidos e das Antilhas, mostrando, ao mesmo tempo, que as respostas
africanas às aberturas do Novo Mundo foram variadas e que os próprios africa-
nos acabaram por definir tais aberturas, de forma a adaptá -las às suas exigências
particulares.
918
África sob dominação colonial, 1880-1935
Em resumo, duas concepções inspiraram as populações da diáspora africana
e as numerosas interações entre habitantes dos dois mundos negros. A primeira
visava a união das forças religiosas das populações negras da África e dos Esta-
dos Unidos, ou a reconstrução da África, levando para ela, por iniciativa dos
negros norte -americanos, técnicos negros dos Estados Unidos e das Antilhas.
A segunda, que refletia a evolução dos africanos do estado de predicados para
o de sujeitos, durante o período colonial, visava a redenção espiritual, a recons-
trução social e a reforma política das coletividades africanas, graças ao repa-
triamento dos africanos e à mobilização dos recursos africanos. Sob a influência
desta concepção, africanos foram estudar em escolas norte -americanas ou foram
enviados aos Estados Unidos para participar em atividades técnicas e comerciais,
enquanto outros foram afetados pelas publicações dos negros norte -americanos
ou pelas ações anticolonialistas organizadas pelos da diáspora. Esta segunda
concepção não parece rejeitar o idealismo que a primeira implica, mas antes o
justifica e o reorienta dentro de uma perspectiva africana.
C A P Í T U L O 3 0
919
O colonialismo na África: impacto e signicação
Em 1935, conforme vimos nos primeiros capítulos deste volume, o colonia-
lismo sufocava a África com seu torniquete. Parecia ter vindo para ficar para
sempre. No entanto, revelou -se tão efêmero como todos os empreendimentos
baseados na força. No espaço de cerca de quarenta e cinco anos, a partir daquele
ano, mais de 90% do território africano havia se libertado do colonialismo, que se
mantinha somente ao sul do Limpopo. Na verdade, o colonialismo perdurou em
toda a África pouco menos de cem anos: desde a década de 1880 até a de 1960.
Na história de um povo e de um continente, esse período é mais do que breve.
Como e por que foi possível erradicar o colonialismo, o que representa uma ver-
dadeira façanha? Ou citando Margery Perham por que uma emancipação tão
espantosamente rápida de 1950 em diante”
1
? A resposta a tais questões constitui
dois dos principais temas do último volume desta História Geral da África.
Neste capítulo, que encerra o presente volume, seria o caso de levantar duas
questões essenciais. Em primeiro lugar, que herança o colonialismo legou à
África, ou, ainda, qual foi seu impacto sobre ela? Em segundo lugar, qual é,
em vista de tal impacto ou balanço geral, a significação do colonialismo para
a África? Constitui um episódio revolucionário ou essencial da história desse
continente? Trata -se de uma ruptura total com seu passado ou, finalmente, de
1 PERHAM, 1961, p. 24.
O colonialismo na África:
impacto e signicação
Albert Adu Boahen
920
África sob dominação colonial, 1880-1935
um acontecimento simplesmente transitório? Ou, ainda, para retomar os termos
da questão colocada por L. H. Gann e Peter Duignan, “que lugar ocupa a era
colonial dentro do vasto contexto da história africana?”
2
O impacto do colonialismo
Talvez não haja tema tão controverso como o da influência do colonialismo
sobre a África. Para alguns africanistas como L. H. Gann, Peter Duignan, Mar-
gery Perham e P. C. Lloyd, de modo geral sua influência foi benéfica e, na pior
das hipóteses, não prejudicial para a África.
Lloyd, por exemplo, não hesita em afirmar o caráter positivo da influência
colonial:
É fácil questionar hoje a lentidão do desenvolvimento econômico durante os cin-
quenta anos de dominação colonial. Não obstante, a diferença entre a condição da
sociedade africana do final do século XIX e a do final da Segunda Guerra Mundial
é espantosa. As potências coloniais proporcionaram toda a infra estrutura da qual
dependeu o progresso na época da independência: aparelho administrativo, aliás
eficiente, que alcançava as aldeias mais remotas, uma rede de estradas, de ferrovias
e de serviços básicos em matéria de saúde e de educação. As exportações de maté-
rias-primas trouxeram considerável riqueza aos povos da África ocidental
3
.
Em suas conferências de Reith, Margery Perham também afirmou que
os críticos do colonialismo estão principalmente interessados no presente e no futuro
imediatos, mas que lembrar que nosso império em vias de extinção deixou atrás
de si uma vasta herança histórica, carregada de legados positivos, negativos e neutros.
Nem nós nem eles deveríamos omitir esta verdade
4
.
É interessante notar que D. K. Fieldhouse, outro historiador inglês, chegou
à mesma conclusão ,em uma obra recentíssima (1981):
Parece então que o colonialismo não merece os elogios nem as maldições que comu-
mente lhe lançam, pois que, se fez relativamente pouco para superar as causas da
2 “Epilogue”, in GANN e DUIGNAN, 1970, p. 526.
3 LLOYD, 1972, p. 80 -1.
4 PERHAM, 1961, p. 24.
921
O colonialismo na África: impacto e signicação
pobreza nas colônias, não foi ele quem criou essa pobreza. O império teve impor-
tantíssimos efeitos econômicos, alguns bons, outros maus [...]
5
.
Finalmente, Gann e Duignan, que praticamente se consagraram à defesa do
colonialismo na África, concluíam em 1968 que “o sistema imperial é um dos
mais poderosos agentes de difusão cultural da história da África; o crédito, aqui,
sobrepassa muito a conta do débito
6
”. E, em sua introdução ao primeiro dos
cinco volumes recentemente completados da obra que publicaram em comum,
Colonialism in Africa, concluem mais uma vez: “Não partilhamos a tão genera-
lizada opinião que assemelha o colonialismo à exploração. Consequentemente,
interpretamos o imperialismo europeu na África quer como um agente de trans-
formação cultural quer como instrumento de dominação política”
7
.
Outros autores essencialmente especialistas africanos, negros e marxistas
e, sobretudo, os teóricos do desenvolvimento e do subdesenvolvimento ale-
gam que o efeito positivo do colonialismo na África foi praticamente nulo. O
historiador guianês negro Walter Rodney adotou uma posição particularmente
extremada. Diz ele:
É costume dizer que de um lado havia exploração e opressão, mas que, de outro
lado, os governos coloniais fizeram muito pelos africanos e contribuíram para o
desenvolvimento da África. Para nós, isso é completamente falso. O colonialismo
só tem um aspecto, um braço: é um bandido maneta
8
.
Tais são os dois principais argumentos contraditórios sobre o colonialismo na
África. Mas os fatos nos indicam a necessidade de uma proposta mais equilibrada,
o que tentaremos fazer. Como se verá, o impacto do colonialismo tanto é positivo
como negativo. No entanto, que salientar desde o início que a maior parte
dos efeitos positivos não é de origem intencional: trata -se antes de consequências
acidentais ou de medidas destinadas a defender os interesses dos colonizadores,
como M. H. Y. Kaniki e A. E. Afigbo salientaram nos capítulos 16 e 19, ou
resultantes de mudanças inerentes ao sistema colonial em si, ou ainda para reto-
mar a expressão de Ali Mazrui – os efeitos positivos do colonialismo são efeitos
por erro, pela lei de ferro das consequências indesejadas
9
. Do lado negativo,
ainda que assinalar ter havido razões, boas, más ou indiferentes, pelas quais certas
5 FIELDHOUSE, 1981, p. 105.
6 GANN e DUIGNAN, 1967, p. 382.
7 “Introduction in GANN e DUIGNAN, 1969, p. 22 -3.
8 RODNEY, 1972, p. 223.
9 MAZRUI, 1980, p. 41.
922
África sob dominação colonial, 1880-1935
coisas não se realizaram; pelas quais, por exemplo como Fieldhouse procurou
demonstrar –, se recorreu ao trabalho forçado, o se desenvolveu a indústria,
não se diversificou a agricultura nem se criaram serviços médicos adequados
10
.
Começaremos assim examinando qual é a herança política do colonialismo, pri-
meiro em sua dimensão positiva e, depois, em seus aspectos negativos.
Impacto no plano político
O primeiro impacto político positivo foi a instauração de um grau maior
de paz e de estabilidade na África. Como vimos, o século XIX foi o século
do Mfecane, das atividades dos mercadores swahili -árabes e nyamwezi, como
Tippu Tip e Msiri nas Áfricas central e meridional, das djihāds, da ascensão
dos impérios Tukulor e Mandinga no Sudão ocidental, da desintegração dos
impérios Oyo e Ashanti na África ocidental, todos poderosos fatores de insta-
bilidade e de insegurança. Ora, nessa época, a situação na Europa não era muito
melhor. Foi a época das guerras napoleônicas, das revoluções “intelectuais”, das
guerras de unificação alemã e italiana, dos levantes da Polônia e da Hungria e
das rivalidades imperiais que desembocaram na Primeira Guerra Mundial. Na
África, as duas ou três primeiras décadas da era colonial (1880 -1910, mais ou
menos) aumentaram esse estado de instabilidade, de violência e de desordem e,
conforme demonstrou J. C. Caldwell, provocaram vastas e imperdoáveis destrui-
ções, bem como sensível queda da população: o número de habitantes do Congo
Belga reduziu -se à metade nos primeiros quarenta anos da dominação colonial,
o dos Herero diminuiu quatro quintos, o dos Namo 50% e o da Líbia caiu cerca
de 750 mil
11
. Mas nem as escolas marxistas e anticolonialistas ousariam negar o
fato de que, após a ocupação colonial e a implantação dos vários aparatos admi-
nistrativos, as guerras de expansão e de libertação acabaram e a maior parte das
regiões da África, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, pôde gozar de paz
e de segurança. As condições eram inteiramente positivas,que facilitavam as
atividades econômicas normais, bem como a mobilidade social e física em cada
colônia. E isso, por sua vez, acelerou enormemente o ritmo da modernização,
graças à difusão de ideias, de técnicas, de modas e de gostos novos.
O segundo impacto positivo do colonialismo foi a própria criação (no nível
geopolítico) dos modernos Estados independentes da África. A partilha e a
conquista coloniais, como A. E. Afigbo mostrou no capítulo 19, reformularam
10 FIELDHOUSE, 1981, p. 67 -8, 71 -4, 88 -92.
11 DAVIDSON, B., 1964b, p. 37; 1978b, p. 150; WRIGHT, 1982, p. 42.
923
O colonialismo na África: impacto e signicação
de modo revolucionário a face política da África. Em vez das centenas de clãs, de
grupos de linhagem, de cidades -Estado, de reinos e de impérios, sem fronteiras
nitidamente delimitadas, temos hoje cerca de cinquenta novos Estados de tra-
ços geralmente fixos; é bastante significativo que as fronteiras dos Estados, tais
como foram estabelecidas durante o período colonial, não se tenham modificado
depois da independência.
Em terceiro lugar, o sistema colonial também introduziu em quase todas
as partes da África duas novas instituições que a independência não eliminou:
um novo sistema judiciário e uma nova burocracia (ou administração). Não
a menor dúvida de que, em quase todos os Estados independentes da Africa
(exceto os muçulmanos), as altas cortes de justiça introduzidas pelas autoridades
coloniais foram mantidas e, nas antigas colônias britânicas, não na forma
(conservaram até as perucas e as togas, apesar do clima) como também no
conteúdo e na ética.
As estruturas estabelecidas pouco a pouco (ainda que em muitos casos tar-
diamente) pela administração das colônias provocaram o aparecimento de uma
classe de funcionários cujo número e influência fizeram aumentar com os
anos. A importância dessa herança varia de um sistema colonial para outro. É
certo que os britânicos legaram às suas colônias uma burocracia mais bem for-
mada, mais numerosa e mais experimentada do que os franceses; os belgas e os
portugueses foram os piores nesse aspecto.
O último impacto positivo do colonialismo foi o nascimento não de
um novo tipo de nacionalismo africano, mas também do pan -africanismo. O
primeiro, como vimos, representou o desenvolvimento de certo grau de iden-
tidade e de consciência entre as classes ou grupos étnicos que habitavam cada
um dos novos Estados ou, tal como nas colônias da África Ocidental Francesa,
conjuntos de Estados; o segundo nos remete ao sentimento de identidade dos
negros como tais. Os agentes da constituição do nacionalismo foram, conforme
demonstrou B. O. Oloruntimehin no capítulo 22, diversos movimentos, partidos
políticos, ligas e associações de juventude, seitas religiosas e jornais; os agentes
do pan -africanismo foram os diversos congressos pan -africanistas que R. D.
Ralston estudou no capítulo anterior. Mas, por importante que seja esse legado,
trata -se mais de um exemplo típico de consequência acidental do que de uma
criação deliberada. Nenhuma autoridade colonial sonhou jamais em criar ou
cultivar o nacionalismo africano.
Mas, se os efeitos positivos do colonialismo são inegáveis, seus aspectos
negativos são ainda mais marcantes. Em primeiro lugar, o desenvolvimento
do nacionalismo, não obstante toda a sua importância, não foi somente uma
924
África sob dominação colonial, 1880-1935
consequência acidental da colonização: antes de ser resultado de um sentimento
positivo de identidade, de compromisso ou de lealdade para com o novo Estado
Nacional, ele se animou por um sentimento de cólera, de frustração e de humi-
lhação suscitado por certas medidas de opressão, de discriminação e de explo-
ração introduzidas pelas autoridades coloniais. Com a reversão do colonialismo,
tal sentimento perdeu efetivamente sua força e os novos dirigentes dos Estados
africanos independentes se viram diante de um problema: como transformar
essa reação negativa em nacionalismo positivo e duradouro?
Em segundo lugar, mesmo admitindo que a estrutura geopolítica criada
tenha sido um êxito (mais uma vez acidental), de se convir que ela mais
levanta do que resolve problemas. Certamente, como o demonstraram G. N.
Uzoigwe e A. E. Afigbo (capítulos 2 e 19), as fronteiras dos novos Estados não
são tão arbitrárias como geralmente se acredita. Não haja porém dúvidas de que
muitos desses Estados foram criações artificiais e de que essa artificialidade colo-
cou alguns problemas para pesarem fortemente sobre o desenvolvimento futuro
do continente. O primeiro é o seguinte: certas fronteiras dividem grupos étnicos
existentes e retalham Estados e reinos, o que provoca perturbações sociais e
deslocamentos. Por exemplo, os Bakongo estão divididos pelas fronteiras de
Angola, Congo Belga (atual Zaire), Congo francês (atual República Popular do
Congo) e Gabão. Hoje em dia, parte dos Ewe vive em Gana, outra no Togo e
outra, ainda, no Daomé (atual Benin); os Somali estão espalhados pela Etiópia,
Quênia, Somália e Djibouti; os Senufo encontram -se no Mali, na Costa do
Marfim e no Alto Volta. Estes exemplos poderiam ser multiplicados. Uma das
consequências importantes desta situação são as crônicas questões fronteiriças
a prejudicar as relações de alguns Estados africanos independentes (Sudão/
Uganda, Somália/Etiópia, Quênia/Somália, Gana/Togo, Nigéria/Camarões).
Em segundo lugar, dada a natureza arbitrária dessas fronteiras, cada Estado
Nacional é constituído por uma miscelânea de povos de cultura, tradições e
língua diferentes. Os problemas que essa mescla levanta para a edificação de
uma nação não se têm mostrado fáceis de solucionar.
O caráter artificial e arbitrário das divisões coloniais teve ainda outra conse-
quência: os Estados que surgiram têm superfícies diferentes, recursos naturais
e possibilidades econômicas desiguais. Enquanto algumas nações resultantes
da partilha são gigantes, como o Sudão, a Nigéria e a Argélia, outras são anãs,
como Gâmbia, Lesotho, Togo e Burundi. Enquanto o Sudão e o Zaire têm
superfícies de, respectivamente, 2,5 e 2,35 milhões de quilômetros quadrados,
as da Zâmbia, Lesotho e Burundi são de 10350, 29200 e 27800 quilômetros
quadrados. Infelizmente, é maior o número de pequenos e de médios do que
925
O colonialismo na África: impacto e signicação
de grandes Estados
12
. Por outro lado o que é ainda mais grave –, alguns têm
imensas faixas litorâneas, mas outros, como o Mali, Alto Volta, Níger, Chade,
Zâmbia, Uganda, Malavi,o possuem acesso direto ao mar. Finalmente, alguns
Estados são muito ricos em recursos naturais, como Gana, Zâmbia,Zaire, Costa
do Marfim e Nigéria, mas outros foram modestamente aquinhoados, como o
Chade, Níger e Alto Volta. E se alguns só têm uma fronteira para vigiar, como
Gâmbia, outros têm quatro e até mais, como o Zaire, que tem dez. Isso cria
graves problemas de segurança nacional e de controle do contrabando. São fáceis
de imaginar os problemas de desenvolvimento que suscitam a falta ou a limi-
tação de recursos naturais, de terras férteis ou de acesso ao mar para os países
africanos que receberam essa malfadada herança.
Cumpre mencionar outro aspecto importante, mas negativo, do choque do
colonialismo: o enfraquecimento dos sistemas de governo indígenas. Em pri-
meiro lugar, conforme S. Abubakar salientou recentemente, e como foi demons-
trado pela maior parte dos capítulos do presente volume, quase todos os Estados
africanos foram criados em seguida a conquistas e após a deposição ou o exílio
dos dirigentes indígenas, o que “certamente lançou em descrédito os sobados
em geral, sobretudo no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial”
13
.
Certas potências coloniais, como a França, como vimos, também aboliram
várias monarquias tradicionais, depuseram certas famílias reinantes e nomea-
ram para sobas pessoas que não tinham o menor direito à função, para delas
fazer funcionários a serviço das autoridades coloniais. Quanto aos britânicos
e aos belgas, conservaram os dirigentes tradicionais e suas instituições e até,
como demonstrou R. F. Betts no capítulo 13, criaram algumas onde elas não
existiam e procuraram administrar as colônias por seu intermédio. No entanto,
os funcionários coloniais instalados localmente assumiam junto desses chefes
tradicionais o papel de ditadores e não de conselheiros, utilizando -os ainda para
aplicar algumas medidas consideradas odiosas pelos súditos, como o trabalho
forçado, os impostos diretos e o recrutamento obrigatório de homens para os
exércitos coloniais.
Os anais coloniais, conforme revelam pesquisas recentes sobre a política rural
nos anos entre guerras em Gana
14
, estão repletos de menções a revoltas e rebeliões
de jovens contra seus chefes e até de destituição destes. Além disso, o sistema
colonial de administração da justiça, em que os súditos podiam apelar para os
12 MAZRUI, 1980, p. 90.
13 ABUBAKAR, 1980, p. 451.
14 JENKINS, 1975.
926
África sob dominação colonial, 1880-1935
tribunais coloniais, enfraquecia não só as autoridades como também os recursos
financeiros dos dirigentes tradicionais
15
. Finalmente, a difusão do cristianismo
acabou por minar os fundamentos espirituais da autoridade dos régulos. Em todo
caso, o sistema colonial, na defesa de seus interesses, tanto enfraquecia ou esma-
gava os chefes coloniais como se aliava a eles e os utilizava. Nas duas hipóteses,
contudo, o sistema colonial diminuía, afinal de contas, a autoridade deles.
Outro impacto negativo do colonialismo, do ponto de vista político, foi a
mentalidade que criou entre os africanos, segundo a qual a propriedade pública
não pertencia ao povo, mas às autoridades coloniais brancas, podendo e devendo
estas assim tirar proveito dela em todas as oportunidades. Essa mentalidade está
perfeitamente expressa nestes ditados de Gana: Oburoni ade see a, egu po mu, ou
aban wotwuu no adze wonnsua, o que quer dizer, mais ou menos:
“Se os bens do homem branco forem danificados, o mais simples é atirá -los
ao mar” e “O governo deve ser lançado na lama e não elevado”. Os dois ditados
implicam que ninguém deve se importar com o que acontece com a propriedade
pública. Essa mentalidade era o produto direto da natureza distante e secreta
da administração colonial e da eliminação da esmagadora maioria dos africanos
cultos” ou não dos processos de tomada de decisão. É importante observar que
tal mentalidade ainda subsiste entre a maior parte dos africanos, após décadas
de independência, explicando em parte a indiferença com que a propriedade
pública é tratada em muitos países africanos independentes.
Puro produto do colonialismo, ignorado pela maior parte dos historiadores,
mas que se revelou de uma importância decisiva e crucial, é – como o demons-
trou muito bem o estudo de R. F. Betts (capítulo 13) a existência de um
exército permanente em expediente completo. ficou amplamente comprovado
que a maior parte dos Estados africanos ao sul do Saara não tinha exército
permanente. Em toda a África ocidental, o Daomé (atual Benin) o possuía,
com um regimento feminino”, as célebres Amazonas. Na maior parte dos casos,
não havia dicotomia entre civis e militares. Pelo contrário: todos os adultos do
sexo masculino, inclusive os membros da aristocracia dominante, eram soldados
em tempo de guerra e civis em tempo de paz. Portanto, uma das instituições
mais inovadoras que o colonialismo introduziu em cada região foi o exército
profissional. Na origem, os exércitos foram criados essencialmente nas décadas
de 1880 e 1890, para a conquista e a ocupação da África, e, depois, serviram
para manter a dominação colonial, para dar andamento a guerras mais vastas e
15 ADOO -FENING, 1980, p. 509-15.
927
O colonialismo na África: impacto e signicação
para esmagar os movimentos de independência africanos. Após a derrocada do
sistema colonial, eles não foram dispersos, mas recuperados pelos novos chefes
africanos independentes, para afinal se revelarem o mais problemático legado do
colonialismo. Como o reconheceu W. Gutteridge, as forças armadas “têm agido
a longo prazo contra a estabilidade das ex -colônias
16
. Na verdade como se verá
no volume VIII desta obra –, por suas repetidas e muitas vezes injustificáveis
e supérfluas intervenções na política dos Estados africanos independentes, os
exércitos se tornaram um verdadeiro grilhão que os governos e os povos afri-
canos têm de suportar.
O último impacto negativo do colonialismo, provavelmente o mais impor-
tante, foi a perda da soberania e da independência e, com ela, do direito dos
africanos a dirigir seu próprio destino ou a tratar diretamente com o mundo
exterior. Desde os séculos XVI e XVII, Estados como o Daomé (atual Benin)
e Congo enviavam embaixadas e missões às cortes dos reis europeus. Até a
década de 1890, como vimos, alguns Estados africanos tratavam de igual para
igual com seus parceiros europeus. O Asantehene, o rei da Matabelelândia, e
a rainha de Madagáscar enviaram missões diplomáticas à rainha da Inglaterra,
nessa época. O colonialismo pôs fim a tudo isso e privou assim os Estados da
África da possibilidade de adquirir experiência no domínio da diplomacia e das
relações internacionais.
No entanto, a perda da independência e da soberania teve para os africanos
uma significação bem mais profunda. Antes de mais nada, representou a perda
do direito de se incumbir de seu destino, de planejar seu próprio desenvolvi-
mento, de gerir sua economia, de determinar suas próprias estratégias e priori-
dades, de obter livremente lá fora as técnicas mais modernas e adaptáveis e, de
maneira geral, de administrar – bem ou mal – seus próprios assuntos, buscando
inspiração e alegria em seu próprio êxito e extraindo a lição de seus fracassos.
Em resumo, o colonialismo privou os africanos de um dos direitos mais funda-
mentais e inalienáveis dos povos: o direito à liberdade.
Rodney já mostrou que os setenta anos de colonialismo na África foram um
período de evolução decisiva, fundamental, para os países capitalistas e socia-
listas. Foi uma época em que a Europa, por exemplo, entrou na era da energia
nuclear, do avião e do automóvel. Se a África tivesse podido dominar seu pró-
prio destino, poderia ter tirado vantagem dessas espantosas mudanças ou até
mesmo ter participado delas. No entanto, o colonialismo isolou -a por completo,
16 GUTTERIDGE, 1975.
928
África sob dominação colonial, 1880-1935
mantendo -a em estado de sujeição. Evidentemente, é a perda de independência
e de soberania, a privação do direito fundamental à liberdade e o isolamento
político impostos à África pelo colonialismo que constituem um dos efeitos
mais perniciosos do colonialismo no plano político.
O impacto no terreno econômico
O impacto no terreno político foi, portanto, importante, mesmo que sua
positividade esteja longe de ser total. De igual importância, e até maior, foi a
herança econômica. O primeiro efeito positivo do colonialismo o mais evi-
dente e o mais profundo foi, como vimos em muitos capítulos anteriores, a
constituição de uma infra estrutura de estradas e vias férreas, a instalação do telé-
grafo, do telefone e, às vezes, de aeroportos. Nada disso existia evidentemente na
África pré -colonial, onde, como disse J. C. Caldwell, “quase todos os transportes
terrestres até a era colonial se faziam às costas dos homens” (ver capítulo
18). Essa infra estrutura de base foi terminada na África por volta da década
de 1930 e, depois disso, poucos quilômetros de ferrovias foram acrescentados.
Sua importância ia além do interesse puramente econômico, que facilitava o
movimento não de mercadorias, de culturas de exportação e de tropas, mas
também de pessoas o que contribuiu para reduzir o “espírito paroquiano”, o
regionalismo e o etnocentrismo.
O impacto do colonialismo sobre o setor primário da economia foi igualmente
significativo e importante. Como ficou bem claro mais acima, o colonialismo
tratou por todas as formas de desenvolver e de explorar alguns dos ricos recursos
naturais do continente e, nesse plano, obteve êxitos importantes. Foi durante o
período colonial que todo o potencial mineral da África foi descoberto, a indús-
tria mineira teve enorme expansão e as safras de exportação cacau, café, tabaco,
amendoim, sisal, borracha etc. – se disseminaram. Foi durante esse período que
a Costa do Ouro se tornou o primeiro produtor mundial de cacau, enquanto em
1950 as culturas de exportação representavam 50% do produto interno bruto
da África Ocidental Francesa. que salientar, como M. H. Y. Kaniki o fez
antes (capítulo 16), que na África ocidental essas culturas foram desenvolvidas
pelos próprios africanos, o que mostra claramente seu desejo e capacidade de
adaptação e resposta favoráveis aos estímulos positivos. Conforme demonstrou
J. Forbes Munro, a maior parte dessas mudanças econômicas fundamentais
manifestou -se durante vinte anos, de meados dos anos 1890 a 1914, época em
que as infra estruturas da maior parte das economias nacionais contemporâneas
929
O colonialismo na África: impacto e signicação
foram criadas pelas autoridades coloniais” e em que “o comércio entre a África
e o resto do mundo se desenvolveu a um ritmo sem precedente histórico”
17
.
Essa revolução ecomica teve consequências de grande alcance. A primeira
foi a comercialização da terra, o que a transformou em valor real. Antes da era
colonial, é incontestável que enormes extensões de terra, em muitas partes da
África, estavam sub povoadas e sub -exploradas. A introdução e a difusão das cultu-
ras de exportação, bem como o desenvolvimento das indústrias mineiras, puseram
termo a tal situação. De fato, o ritmo de desmatamento das florestas virgens foi
tal que as autoridades coloniais se viram obrigadas a constituir reservas um pouco
por toda a parte da África para deter sua exploração. Em segundo lugar, a revo-
lução econômica provocou o aumento do poder aquisitivo de alguns africanos e,
portanto, da procura de bens de consumo. Em terceiro lugar, o fato de os próprios
africanos cultivarem safras exportáveis permitiu que as pessoas enriquecessem,
fosse qual fosse sua posição social, principalmente nas regiões rurais.
Outro efeito revolucionário do colonialismo, em quase todas as regiões do
continente, foi a introdução da economia monetária. Conforme Walter Rodney
salientou no capítulo 14, todas as comunidades africanas, inclusive os grupos
pastoris, caracterizados pelo conservadorismo, tinham sido arrastadas para esse
tipo de economia por volta da década de 1920. Os efeitos dessa mudança foram
mais uma vez significativos. Em primeiro lugar, desde a década de 1930, fora
introduzido um novo padrão de riqueza, o qual já não se baseava na quantidade
de carneiros, de vacas ou de inhame que o indivíduo possuía, mas no dinheiro.
Em segundo lugar, as pessoas passaram a desenvolver atividades não mais cen-
tradas na necessidade da subsistência, mas no dinheiro, o que, em contrapartida,
levaria como veremos à irrupção de uma nova classe de trabalhadores jornaleiros
e assalariados. Em terceiro lugar, a introdução da economia monetária assinala
o início das atividades bancárias na África, que se tornaram uma outra caracte-
rística importante da economia dos Estados africanos independentes.
A introdução da moeda e das atividades bancárias levou, com a vasta expan-
são do volume de comércio entre a África colonizada e a Europa, àquilo que A.
G. Hopkins descreveu como o término da integração da África ocidental na
economia do mundo industrializado”, graças à “criação de condições que davam
ao mesmo tempo a europeus e africanos os meios e os motivos de desenvolver
e diversificar um comércio regular
18
. A situação não era diferente nas outras
partes da África e, em 1935, a economia africana se tornara inextricavelmente
17 MUNRO, 1976, p. 86.
18 HOPKINS, A. G., 1973, p. 235.
930
África sob dominação colonial, 1880-1935
ligada à do mundo em geral e à das potências coloniais capitalistas em particu-
lar. Os anos posteriores não fizeram mais do que firmar esse laço, que a própria
independência não alterou no fundamental.
O impacto colonial foi então benéfico para o continente no plano econô-
mico? De maneira nenhuma, e a maior parte dos atuais problemas de desenvol-
vimento com que a África se depara provém desse legado.
Primeiro, como M. H. Y. Kaniki sublinhou no capítulo 16, a infra estrutura
proporcionada pelo colonialismo não era tão útil nem tão adaptada como pode-
ria ser. As estradas e as ferrovias, em sua maioria, não haviam sido construídas
para abrir o país, mas apenas para ligar com o mar as zonas dotadas de jazidas
minerais e de potencial para a produção de safras comerciais ou, citando Fiel-
dhouse, para ligar áreas de produção interna ao mercado mundial de mercado-
rias primárias”
19
. Praticamente não havia ramais rodoviários nem ferroviários.
A rede não se destinava a facilitar as comunicações interafricanas. A infra-
estrutura fora de fato concebida para facilitar a exploração dos recursos das
colônias e conectá -los às metrópoles, não para promover o desenvolvimento
econômico global da África ou os contatos entre africanos.
Segundo, o crescimento econômico das colônias baseava -se nos recursos
materiais das regiões, de modo que as zonas desprovidas de tais recursos haviam
sido negligenciadas por completo. Daí as gritantes desigualdades econômicas
dentro de uma mesma colônia, que acentuavam e exacerbavam, por sua vez,
as diferenças e os sentimentos regionais, o que representou grande obstáculo
à constituição das nações na África independente. Como disse um eminente
economista, as diferenças tribais poderiam desaparecer facilmente no mundo
moderno, se todas as tribos vivessem em igualdade econômica. Quando o nível
destas é muito desigual, apela -se para as diferenças tribais para proteger os
interesses econômicos”
20
.
Terceiro, uma das características da economia colonial consistia em negligen-
ciar ou em desencorajar deliberadamente a industrialização e a transformação
das matérias -primas e dos produtos agrícolas na maioria das colônias. Conforme
destacou Fieldhouse, é provável que nenhum governo colonial possuísse um
ministério da indústria antes de 1945”
21
. Produtos tão simples e tão essenciais
como fósforos, velas, cigarros, óleo comestível e até suco de laranja e de limão,
que poderiam ser todos fabricados com facilidade na África, eram importados.
19 FIELDHOUSE, 1981, p. 67.
20 LEWIS, W. A., 1965, p. 24 -5.
21 FIELDHOUSE, 1981, p. 68.
931
O colonialismo na África: impacto e signicação
De acordo com o sistema da economia colonial capitalista, todos os Estados
africanos se haviam transformado em mercados de consumo dos produtos
manufaturados das metrópoles e em produtores de matérias -primas destinadas
à exportação. O fato de as potências coloniais, as empresas comerciais e mineiras
haverem negligenciado totalmente a industrialização pode ser levantado como
uma das acusações mais graves contra o colonialismo. Aliás, ele também pro-
porciona a melhor justificativa para o ponto de vista de que o período colonial
foi antes um período de exploração econômica do que de desenvolvimento para
a África. Uma das consequências importantes da não industrialização foi que,
bem mais do que no domínio político, o número de africanos preparados para
assumir o papel dos europeus permanece muito reduzido.
Quarto, não a industrialização foi negligenciada como as indústrias e as
atividades artesanais existentes na época pré -colonial foram destruídas. Note -se
que nessa época as indústrias africanas produziam tudo de que o país neces-
sitava, sobretudo materiais de construção, sabão, miçangas, utensílios de ferro,
cerâmica e, principalmente, roupas. Se essa indústria local tivesse sido incenti-
vada e desenvolvida com a modernização de suas técnicas de produção (como
se fez na Índia, entre 1920 e 1945)
22
, a África teria conseguido aumentar sua
produção e melhorar, pouco a pouco, sua tecnologia. Mas tais indústrias e ati-
vidades artesanais foram praticamente aniquiladas em face da importação de
gêneros baratos, produzidos em série. O desenvolvimento tecnológico africano
foi assim paralisado e só tomou novo impulso após a independência.
Quinto, embora a agricultura intensiva acabasse por se tornar a principal
fonte de renda da maior parte dos Estados africanos, nenhuma tentativa fora
feita para diversificar a economia rural das colônias. Muito pelo contrário, como
se viu em alguns capítulos anteriores, a produção de uma ou de duas culturas de
exportação tornara -se a regra em 1935: cacau, na Costa do Ouro; amendoim,
no Senegal e em Gâmbia; algodão, no Sudão; café e algodão, em Uganda; café
e sisal, em Tanganica etc. O período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial
não conheceu melhora alguma nesse domínio e os Estados africanos, em sua
maioria, descobriram, no momento da independência, que suas economias se
baseavam na monocultura, sendo, portanto, muito sensíveis às flutuações do
comércio internacional. O colonialismo, não dúvida, integrou as economias
africanas na ordem econômica mundial, mas de forma bastante desvantajosa e
exploradora, e as coisas praticamente não mudaram depois disso.
22 Ibid., p. 92 -5.
932
África sob dominação colonial, 1880-1935
O fato de depender tão fortemente de culturas exportáveis teve outro efeito
desastroso: negligenciar o setor interno da economia africana. Esta sempre
estivera dividida, como M. H. Y. Kaniki demonstrou no capítulo 16, em dois
setores principais: o setor interno, que produzia ao mesmo tempo para a sub-
sistência dos produtores e para o mercado interno, e o setor de exportação, que
trabalhava para o mercado externo e para os comerciantes de caravana. Na
época pré -colonial, os dois setores eram considerados igualmente importantes
e, em consequência, não se precisava importar nenhum produto para alimentar
a população. Mas a concentração nas culturas exportáveis verificada na época
colonial fez com que o setor interno ficasse praticamente esquecido, sendo os
africanos compelidos a abandonar a produção de alimentos destinados a seu
próprio consumo, em benefício da produção de culturas de exportação, mesmo
quando fosse antieconômico fazê -lo, conforme observa Fieldhouse
23
. Portanto,
foi obrigatório importar alimentos, e o povo tinha de os adquirir a preços geral-
mente elevados. Assim ocorreu, por exemplo, em Gâmbia: os habitantes foram
levados a substituir a cultura do arroz pela de amendoim, passando o arroz a ser
importado daí em diante
24
. Na Guiné, os africanos de Futa Jallon foram obri-
gados a produzir borracha, provocando em 1911 a falta de arroz, o qual passou
a ser importado e pago com o dinheiro proveniente da borracha. O Egito, que
durante séculos havia exportado cereais e outros alimentos, teve de importar
milho e trigo desde o começo do século XX, devido à excessiva concentração
na cultura do algodão para o mercado externo. O mesmo se deu na Costa do
Ouro, onde a produção de cacau foi tão intensificada que houve necessidade
de importar alimentos. É o que demonstram claramente as advertências de A.
W. Cardinall, funcionário colonial compreensivo, que assinalava com pesar, na
década de 1930, que o país poderia ter produzido por si mesmo a metade do
peixe fresco, arroz, milho e outros cereais, feijão, carne salgada e fresca, óleo
comestível, especiarias e legumes frescos (importados) ou, em outros termos,
poderia ter economizado 200 mil libras”
25
.
O trabalho forçado e o abandono da produção de alimentos provocaram
bastante desnutrição, fomes e epidemias severas em algumas regiões da África,
nos primórdios do colonialismo, sobretudo na África francesa, conforme C.
Coquery -Vidrovitch salientou no capítulo 15. Assim, no sistema colonial, os
africanos estavam na maior parte dos casos destinados a produzir aquilo que
23 Ibid., p. 88.
24 RODNEY, 1972, p. 257 -8.
25 Apud CROWDER, 1968, p. 348.
933
O colonialismo na África: impacto e signicação
não consumiam e a consumir aquilo que não produziam, o que mostra muito
bem o caráter explorador, claudicante, da economia colonial.
Nas regiões em que a população africana não estava autorizada a se dedicar
às culturas de exportação, como no Quênia e na Rodésia do Sul (atual Zim-
bábue), Colin Leys demonstrou que os africanos, no espaço de uma geração,
tinham efetivamente passado da condição de camponeses independentes, que
produziam culturas comerciais para os novos mercados, para a de camponeses
dependentes de trabalho agrícola assalariado”
26
.
Sexto, a comercialização da terra, a que já nos referimos, levou à venda ilegal
das terras comunais, praticada por chefes de família sem escrúpulos, ou então a
crescentes litígios, os quais generalizaram a pobreza, sobretudo entre as famí-
lias dirigentes. Nas Áfricas oriental, central e meridional, como o demonstra-
ram numerosos capítulos anteriores, essa comercialização também levou a uma
apropriação de terras em grande escala pelos europeus. Na África do Sul, 89%
do território foi reservado aos brancos, que constituíam 21% da população; na
Rodésia do Sul, 37% das terras para 5,2% de população branca; 7% no Quênia
para menos de 10% da população; 3% na Rodésia do Norte (atual Zâmbia) para
somente 2,5% da população. Ressalte -se que essas eram as terras mais férteis
de cada país
27
. Tal apropriação não podia deixar de produzir rancor, cólera e
frustração, e foi a causa fundamental da grave explosão Mau Mau” verificada
no Quênia.
A colonização levou, também, como ficou salientado mais acima, ao apare-
cimento no cenário africano de um número crescente de companhias bancárias,
comerciais e marítimas estrangeiras, as quais, de 1910 em diante, se fundiram e
se consolidaram sob a forma de oligopólios. Na medida em que essas compa-
nhias comerciais controlavam tanto as importações como as exportações, fixando
os preços em ambos os casos, os enormes lucros gerados por essas atividades
iam para as companhias e não para os africanos. Além disso,o havia impostos
sobre os lucros, nenhuma regulamentação que obrigasse essas companhias a
investir parte deles localmente ou a pagar rendas mais elevadas por suas con-
cessões. Nem as administrações coloniais locais nem os proprietários africanos,
contudo, tiravam proveito direto de tais atividades.
A outra consequência desse processo, evidentemente, foi a eliminação dos
africanos dos setores mais importantes e lucrativos da economia. Os príncipes
mercadores africanos da segunda metade do século XIX desapareceram pra-
26 LEYS, 1975, p. 31.
27 SAMPSON, 1960, p. 46 -7.
934
África sob dominação colonial, 1880-1935
ticamente de cena, enquanto seus descendentes se tornavam empregados das
empresas estrangeiras para sobreviver. Também aqui, como no domínio indus-
trial, impediu -se a formação de uma classe de africanos dotada de experiência
comercial e de técnicas de direção.
Como Rodney observou no capítulo 14, o colonialismo pôs virtualmente fim
ao comércio interafricano. Antes da época colonial, grande parte do comércio
decorria entre os Estados africanos; de fato, as atividades mercantis de longa dis-
tância e as caravanas constituíam um traço muito comum da economia africana
tradicional. Mas, com o surgimento do colonialismo, o comércio interafricano de
pequena e de longa distância foi desestimulado, senão completamente proibido,
que, para citar Rodney, “as fronteiras políticas arbitrárias (de cada colônia)
eram geralmente traçadas para indicar o limite das economias” e que o fluxo
do comércio de cada colônia era reorientado para a metrópole. A eliminação
de boa parte dessas antigas relações mercantis interafricanas impediu assim
o estreitamento dos velhos laços e o desenvolvimento de outros novos, que
pudessem vir a ser de benefício para os africanos. Pela mesma razão, a África
não pôde desenvolver laços comerciais diretos com outras regiões do mundo,
como a Índia ou a China.
Finalmente, todo o progresso econômico realizado durante o período colonial
custou elevado e injustificável preço para os africanos: o trabalho forçado, o traba-
lho migratório (o qual, segundo Davidson, provavelmente fez mais para desman-
telar as culturas e as economias pré -coloniais do que a maioria dos outros aspectos
da experiência colonial em conjunto”)
28
, a cultura obrigatória de certas espécies, a
tomada compulsória de terras, a mobilização forçada de populações (com o con-
sequente deslocamento da vida familiar), o sistema de “passes”, a elevada taxa de
mortalidade nas minas e nas plantations, a brutalidade com que os movimentos
de resistência e de protesto provocados por essas medidas foram reprimidos etc.
E, sobretudo, as políticas monetárias seguidas pelos poderes coloniais em relação
às suas colônias atrelando suas moedas às da metpole, introduzindo tarifas
e mantendo todos os lucros do câmbio nas capitais metropolitanas –, enquanto
asseguravam moedas estáveis e plenamente conversíveis, levaram ao congelamento
dos ativos coloniais nas capitais metropolitanas, que o eram assim tornados
líquidos e investidos nas colônias. A repatriação de economias e depósitos de
africanos pelos bancos, e a discriminação praticada contra estes na abertura de
créditos contribuíram ainda mais para impedir o desenvolvimento da África.
28 DAVIDSON, B., 1978b, p. 113.
935
O colonialismo na África: impacto e signicação
A partir daí, pode -se concluir sem risco que, malgrado os protestos de Gann
e Duignan, o período colonial foi antes de impiedosa exploração econômica do
que de desenvolvimento para a África, e que o impacto do colonialismo sobre
o continente foi, no plano econômico, de longe, o mais negativo de todos
Efeitos no plano social
Finalmente, qual é o legado do colonialismo no plano social? O primeiro
efeito benéfico importante foi o aumento geral da população africana, no decurso
do período. J. C. CaldweIl demonstrou (capítulo 18) que ele atingiu 37,5%,
após as primeiras duas ou três décadas de dominação europeia. A expansão,
segundo esse autor, deveu -se ao estabelecimento de sólidas bases econômicas
e ao desenvolvimento de malhas rodoviárias e ferroviárias, que permitiu trans-
portar mantimentos para as regiões onde reinava a fome, bem como lançar
campanhas contra doenças como a peste bubônica, a febre amarela e a doença
do sono.
O segundo impacto social do colonialismo está estreitamente ligado ao pri-
meiro: foi a urbanização. Como A. E. Afigbo salientou no capítulo 19, ela não
era desconhecida na África pré -colonial. Os reinos e impérios africanos possu-
íam capitais e centros políticos, como Kumbi Saleh, Benin, Ile -Ife, Kumasi, Gao
e Zimbábue, além de centros comerciais como Kano, Jenne, Sofala e Melinde.
Havia ainda centros educacionais como Tombuctu, Cairo e Fez. Não há dúvida,
porém, que o colonialismo acelerou enormemente o ritmo da urbanização. Sur-
giram cidades inteiramente novas: Abidjan, na Costa do Marfim; Takoradi,
na Costa do Ouro; Port Harcourt e Enugu, na Nigéria; Nairóbi, no Quênia;
Salisbury (atual Harare), na Rodésia do Sul; Lusaka, na Rodésia do Norte (atual
Zâmbia); Luluabourg, na província de Kasai, do Congo Belga (atual Zaire).
Além disso, como Caldwell demonstrou mais acima (capítulo 18), as popu-
lações das cidades existentes e as das cidades novas aumentaram a largos
passos durante a era colonial. Nairóbi, fundada em 1896, não passava então de
mero entreposto de trânsito para a construção da estrada de ferro de Uganda.
Sua população atingia 13 145 habitantes, em 1927, e mais de 25 mil, em 1940.
A população de Casablanca passou de 2026, em 1910, para 250 mil, em 1936; a
de Acra, na Costa do Ouro, passou de 17892, em 1901, para 135926, em 1948;
a de Lagos atingia 74 mil, em 1914, e chegou a 230 mil, em 1950; a de Dacar
passou de 19800, em 1916, para 92 mil, em 1936, e para 132 mil, em 1945; por
fim, a de Abidjan, que era de 800 habitantes, em 1910, atingia 10 mil, em 1914,
e 127 mil, em 1955.
936
África sob dominação colonial, 1880-1935
Estes números mostram claramente que o rápido crescimento da população
urbana na África ocorreu depois da Primeira Guerra Mundial e, particular-
mente, no período 1913 -1945, do qual se diz que foi o do apogeu do colonia-
lismo na África. De resto, essas cidades cresceram rapidamente nesse período
por serem as novas capitais ou os centros administrativos dos regimes coloniais
(caso de Abidjan, Niamey, Nairóbi, Salisbury e Lusaka) ou, então, novos portos,
estações ferroviárias ou entroncamentos rodoviários (Takoradi, Port Harcourt,
Bamako, Bulawayo) ou, ainda, novos centros mineiros ou comerciais (Obuasi,
Jos, Luluabourg, Kimberley, Johannesburgo).
Sem dúvida, houve uma melhora na qualidade de vida, sobretudo para quem
vivia nos centros urbanos. Caldwell mostrou, no capítulo 18, que para tanto
contribuíram os hospitais, os dispensários, a água corrente, os sistemas sanitários,
as habitações melhores, bem como a abolição de práticas como a escravidão
doméstica e o aumento das possibilidades de trabalho.
A difusão do cristianismo, do islamismo e da educação ocidental representou
outro importante impacto do colonialismo. Está fora de dúvida que os missioná-
rios cristãos e os religiosos muçulmanos, aproveitando a paz e a ordem reinantes,
assim como o patrocínio e, em certas regiões, o encorajamento do colonialismo,
expandiram suas atividades sempre e cada vez mais longe pelo interior do con-
tinente. Segundo a lição de K. Asare Opoku, no capítulo 20, o cristianismo e o
islamismo ganharam mais terreno durante o período colonial do que nos três
ou quatro séculos anteriores. Foi nele, com efeito, que o cristianismo assentou
solidamente os pés nas Áfricas oriental e central, quer precedendo os exércitos
e os mercadores, quer seguindo -lhes os rastros. O islamismo também se propa-
gou rapidamente pelas Áfricas ocidental e oriental graças à melhora geral das
comunicações e ao patrocínio das autoridades coloniais francesas e britânicas.
Cumpre realçar, como Opoku, que essa expansão não se fez à custa da religião
tradicional. O colonialismo, nesse caso, reforçou e perpetuou o pluralismo reli-
gioso dos africanos e, por conseguinte, enriqueceu -lhes a vida religiosa.
A propagação da educação ocidental está estreitamente ligada à do cristia-
nismo. Conforme ficou demonstrado em vários capítulos anteriores, as missões
cristãs foram em grande parte responsáveis por esse processo. Não se deve
entretanto esquecer que elas trabalhavam essencialmente subvencionadas pelas
administrações. Certamente, no final da era colonial, restavam relativamente
poucas zonas que não contassem, pelo menos, com escolas primárias. A difusão
da educação ocidental teve efeitos sociais de grande alcance, entre os quais o
número crescente dos membros da elite africana educados à europeia elite
937
O colonialismo na África: impacto e signicação
que hoje em dia constitui a oligarquia reinante e o essencial da administração
dos Estados africanos.
Outro impacto colonial importante, cuja vantagem, como veremos, é discutí-
vel: a instituição de uma língua franca em cada colônia ou conjunto de colônias.
Por toda a parte, a língua materna da potência colonial, em sua forma pura ou
na de um pidgin, tornou -se a língua oficial, a dos negócios e, comumente, o prin-
cipal meio de comunicação entre os inúmeros grupos linguísticos que formam
a população de cada colônia. É significativo que, excetuando a África do norte,
a República Unida da Tanzânia, o Quênia e Madagáscar, essas sejam até hoje
as línguas oficiais dos países africanos.
O derradeiro benefício social trazido pelo colonialismo foi a nova estrutura
social que ele introduziu, ou cujo desenvolvimento acelerou, em certas partes
do continente. Segundo diz A. E. Afigbo no capítulo 19, embora a estrutura
social tradicional permitisse a mobilidade social, sua composição de classe pare-
cia dar peso excessivo ao nascimento. Por sua vez, a nova ordem colonial dava
mais ênfase ao mérito individual e às realizações do que ao nascimento. Essa
mudança ligada à abolição da escravatura, à introdução da educação ocidental,
do cristianismo e do islamismo, à expansão da agricultura de exportação (que
facilitou o enriquecimento pessoal em certas zonas) e aos muitos outros modos
de progresso propostos pelo colonialismo – modificou radicalmente a estrutura
social tradicional. Assim, nos anos de 1930, as classes sociais pré -coloniais,
a aristocracia reinante, a gente do povo, os escravos domésticos e uma elite
educada, mas relativamente restrita, tinham sido substituídos por uma nova
sociedade, ainda mais dividida do que antes entre elementos rurais e urbanos,
diversamente estratificados.
Os urbanos dividiam -se em três subgrupos principais: a elite ou, como alguns
dizem, a burguesia administrativa, clerical e profissional; a não elite ou, como
prefere Lloyd, a sub -elite; por último, o proletariado urbano. A elite subdividia -se
em três grupos: a burocrática, dos funcionários; a profissional liberal, dos médi-
cos, juristas, arquitetos, engenheiros, professores etc.; a comercial, dos gerentes
de empresas estrangeiras, dos comerciantes e homens de negócios. A sub -elite
era constituída por agentes de câmbio, corretores, funcionários, professores pri-
mários, enfermeiras e funcionários subalternos, enquanto o proletariado urbano
era formado pelos trabalhadores assalariados, ajudantes de armazém, motoristas,
mecânicos, mensageiros, alfaiates, pedreiros etc.
Nas regiões rurais, constatou -se o surgimento, um pouco por toda a parte,
pela primeira vez, de classes constituídas por um proletariado rural de africanos
sem terras e por camponeses. O primeiro era formado por aqueles que, sobretudo
938
África sob dominação colonial, 1880-1935
nas Áfricas oriental e meridional, tinham sido despojados de suas terras pelos
europeus e não tinham autorização para residir nos centros urbanos e industriais,
sendo portanto obrigados a passar a vida indo e vindo entre as regiões urbanas e
rurais, principalmente como trabalhadores migrantes. Quanto aos camponeses,
John Iliffe descreve -os como pessoas que vivem em pequenas comunidades,
cultivam a terra que possuem ou administram, subsistem essencialmente graças
à mão de obra familiar e garantem a própria subsistência, suprindo ao mesmo
tempo sistemas econômicos mais vastos que compreendem não camponeses
29
.
Alguns ficaram muito ricos com a produção de culturas de exportação, dando
origem ao chamado capitalismo rural. Iliffe fala dessa ruralização” como de
“uma transformação irreversível cujo impacto é comparável ao da industriali-
zação”. Cabe ressaltar que, na medida em que a mobilidade dentro dessa nova
estrutura se baseava mais no esforço e na realização individuais do que na atri-
buição, houve um aperfeiçoamento considerável em relação à estrutura social
tradicional.
Mas, se o colonialismo teve alguns efeitos sociais positivos, teve também os
negativos, alguns seriamente negativos. Em primeiro lugar, deve -se mencionar
o hiato crescente que se desenvolveu durante a época colonial entre os centros
urbanos e as zonas rurais. O já mencionado enorme crescimento da população
urbana não se deu em consequência do aumento natural da população, sendo
antes o resultado daquilo que se chamou de “forças de atrão e de repul-
são
30
: o contínuo êxodo de jovens de ambos os sexos para os centros urbanos,
pela necessidade de frequentar escolas e encontrar trabalho, repelidos do meio
rural como C. Coquery -Vidrovitch mostrou no capítulo 15 pelas fomes,
pela pobreza endêmica e pelos impostos. Além do mais, dado que os europeus
tinham tendência a viver nos centros urbanos, somente se encontravam as
comodidades acima relacionadas e que melhoravam a qualidade da vida. As
regiões rurais estavam praticamente entregues à sua própria sorte, o que acen-
tuava o fenômeno da deserção. Ainda hoje há um fosso enorme entre as zonas
urbanas e as zonas rurais do continente africano, não havendo dúvida de que
foi o sistema colonial que o criou e ampliou.
Esses migrantes não encontravam nos centros urbanos o rico e seguro para-
íso que esperavam. Em cidade alguma os africanos eram considerados iguais,
nunca sendo completamente integrados. Além disso, para a maioria, era impos-
sível encontrar emprego ou moradia decentes. Acabavam por se amontoar nos
29 ILIFFE, 1979, p. 273 -4.
30 WILSON, F., in WILSON, M. e THOMPSON, 1971, v. II, p. 132.
939
O colonialismo na África: impacto e signicação
subúrbios e favelas em que o desemprego, a delinquência juvenil, o alcoolismo,
a prostituição, o crime e a corrupção eram a regra. O colonialismo fez não
empobrecer a vida rural como também corromper a vida urbana. Não surpre-
ende, pois, que os membros deste grupo social se transformassem, depois da
Segunda Guerra Mundial, nas tropas de assalto dos movimentos nacionalistas.
O segundo problema social grave foi o dos colonos europeus e asiáticos.
Embora houvesse europeus instalados nos Estados da África do norte e na
África do Sul antes da era colonial, o certo é que depois dela o número de
colonos aumentou, instalando -se ainda imigrantes europeus e asiáticos nas
Áfricas oriental e central e em algumas regiões da África ocidental. Conforme
demonstrou M. H. Y. Kaniki, no capítulo 16, o número de europeus no Quênia
passou de 596, em 1903, para 954, em 1905, 5438, em 1914, e 16663, em 1929;
os da Rodésia do Sul passaram de 11 mil, em 1901, para mais de 35 mil, em
1926; enquanto os da Argélia aumentaram de 344 mil, em 1876, para 946 mil,
em 1936.
Em muitas regiões das Áfricas oriental, central e setentrional, porém, a
presença dos europeus provocava a hostilidade dos africanos, que eles ocu-
pavam a maior parte das terras férteis, enquanto os asiáticos monopolizavam o
comércio varejista e atacadista. Na África ocidental, também, os asiáticos (sírios,
libaneses e indianos), cujo número passou de apenas 28, em 1897, para 276, em
1900, depois para 1910, em 1909,3 mil, em 1929, e 6 mil, em 1935, expulsaram
os concorrentes africanos. A partir desta data, o problema europeu e asiático
assumiu graves proporções para a África e ainda hoje não se acha inteiramente
solucionado.
Além disso, ainda que o colonialismo tenha introduzido certos serviços
sociais, cumpre salientar que eles não só eram em geral inadaptados e desigual-
mente distribuídos em cada colônia, mas também se destinavam em primeiro
lugar à minoria dos imigrantes e administradores brancos: daí sua concentração
nas cidades. Rodney demonstrou que na Nigéria, na década de 1930, havia 12
hospitais modernos para 4 mil europeus e 52 para mais de 40 milhões de afri-
canos
31
. No caso do Tanganica dos anos de 192’0, a proporção de leitos para a
população era de um para 10 no hospital europeu e de um para 400 a 500 no
hospital africano de Dar -es -Salaam
32
.
No plano da educação, a oferecida na época colonial revelou -se globalmente
inadequada, desigualmente distribuída e mal orientada, de modo que seus resul-
31 RODNEY, 1972, p. 223.
32 FERGUSON, 1980, p. 326.
940
África sob dominação colonial, 1880-1935
tadoso foram, portanto, tão positivos para a África como poderiam ser. Houve
durante esse período cinco tipos diferentes de instituições educacionais: escolas
primárias, secundárias, escolas normais, escolas técnicas e universidades. Mas,
se muitas escolas primárias surgiram na África ocidental britânica em 1860,
em 1876 as primeiras escolas secundárias a Mfantsipim e a Methodist High
School foram fundadas na Costa do Ouro e na Nigéria, respectivamente, pela
Wesleyan Missionary Society, enquanto a administração colonial britânica veio
a estabelecer sua primeira escola secundária (o Achimota College) na Costa do
Ouro em 1927. Na colônia italiana da Líbia, como já se viu, só havia três escolas
secundárias em 1940 abertas ao povo, duas em Trípoli e uma em Benghazi.
depois da Segunda Guerra Mundial apareceram algumas escolas técnicas e colé-
gios universitários por toda a África. E é significativo que se tenha criado uma
universidade em cada país: em 1947, na Costa do Ouro; em 1948, na Nigéria; em
1950, em Uganda, Madagáscar, Léopoldville e Senegal; em 1953, em Salisbury;
em 1957, em Elisabethville. Por outras palavras, a educação técnica e universitária
o foi introduzida na África senão no fim do período colonial.
Por outro lado, em parte alguma e em nenhum grau o sistema escolar satisfa-
zia a demanda, como tampouco estava distribuído equitativamente. Como o pró-
prio Lloyd admite, ainda em meados da década de 1930, as despesas do governo
com educação eram reduzidas em toda parte, atingindo em 1935 somente 4% da
receita da Nigéria e dos territórios franceses e 7% da receita de Gana
33
. Essas
escolas e institutos não estavam adequadamente distribuídos em cada colônia. A
maior parte das instituições de ensino pós -primário estava concentrada nos gran-
des centros e, em certos países, em uma única cidade. Por exemplo, na Costa do
Ouro, cerca de 80% das escolas secundárias ficavam em Cape Coast. Em Uganda,
por volta de 1920, havia 328 escolas primárias em Buganda e apenas 39 e 24 nas
províncias ocidentais e orientais, não havendo praticamente nenhuma na pro-
víncia do norte
34
. As instalações escolares eram inadequadas e mal distribuídas,
porque as potências coloniais não visavam o desenvolvimento da educação em
si ou para os africanos, mas, antes, segundo um especialista africano, produzir
africanos que fossem mais produtivos para o sistema [colonial]
35
.
Independentemente da insuficiência numérica e da distribuição desigual, a
educação colonial tinha outro defeito: os currículos oferecidos por todas as ins-
tituições eram determinados pelas autoridades e estreitamente imitados – senão
33 LOYD, 1972, p. 79.
34 KABWEGYERE, 1974, p. 179.
35 Ibid., p. 110.
941
O colonialismo na África: impacto e signicação
copiados dos programas metropolitanos. Por isso não estavam adaptados às
necessidades do continente. O próprio sir Gordon Guggisberg, que foi gover-
nador da Costa do Ouro de 1919 a 1927, testemunhava em 1920:
Um dos maiores erros da educação no passado consistiu em ensinar os africanos a
se tornarem europeus, em vez de a continuarem africanos. É um erro completo, e o
governo assim o reconhece. No futuro, a educação tenderá a permitir que os africanos
permaneçam africanos e se interessem por sua própria terra
36
.
Mas, ainda que Guggisberg tenha fundado o Anchimota College para con-
cretizar essa promessa, pouco foi conseguido, pois a educação continuou a ser
dirigida no país pelas missões cristãs. Ora, o objetivo primordial destas era fazer
discípulos capazes de ler a Bíblia em inglês ou na língua vernácula, assim como
formar professores e pastores.
O impacto desse sistema educacional inadequado, coxo e mal orientado sobre
as sociedades africanas foi profundo e quase permanente. Em primeiro lugar,
legou à África um enorme problema de analfabetismo, cuja solução demandará
muito tempo. Em segundo lugar, a elite culta que ele criou era uma elite alienada,
que reverenciava a cultura e a civilização europeias e menosprezava a cultura
africana. Seus gostos em matéria de alimentação, bebida, vestuário, música, dan-
ças e até de jogos eram novos. O intelectual nacionalista ganense Kobina Sekyi
fez a propósito uma sátira brilhante em sua peça The Blinkards. Outro fosso
se cavou, portanto, entre essa elite e as massas, o qual ainda não foi colmatado.
Por outro lado, ainda que o número dos membros da elite tenha aumentado nas
décadas de 1940 e 1950, com o desenvolvimento das possibilidades de educação
e a criação de universidades, ele continuou, no entanto, extremamente reduzido
durante todo o período colonial. Mas, como veio a incluir as pessoas mais ricas
e a ocupar os postos mais elevados, durante e depois da época colonial, essa elite
passou a dispor de um poder e de uma influência desproporcionais a seu número.
Por esse motivo, suas relações com a elite tradicional são tensas desde a época
colonial e até agora não melhoraram de verdade.
Além disso, a explicação de fenômenos como a morte, a chuva e a doença em
termos científicos e naturalistas atacava as próprias raízes das crenças religiosas,
dos castigos e dos tabus africanos, abalando os alicerces das sociedades, provo-
cando um sentimento de incerteza, de frustração e de insegurança, atmosfera
que Chinua Achabe soube captar brilhantemente em seu romance Things Fall
Apart. O sentimento de insegurança e de frustração, muitas vezes agravado pelas
36 Apud ADDO -FENING, 1980.
942
África sob dominação colonial, 1880-1935
crises econômicas que se verificaram nas décadas de 1920 e 1930, bem como
após a Segunda Guerra Mundial, provocou elevadas taxas de criminalidade,
divórcio, delinquência e violência, sobretudo nas cidades. Essa mesma situação
explica em parte, no plano religioso, o surgimento das igrejas milenaristas etío-
pes ou sincréticas, estudadas anteriormente.
O fato de o ensino técnico e industrial ter sido negligenciado, em benefício das
letras e da preparação para os empregos burocticos, suscitou entre os africanos
uma propensão a seguir esse rumo, criando igualmente no meio da gente culta um
certo menosprezo pelo trabalho manual e agrícola, que ainda perdura. Além disso,
a injusta distribuição de instalações escolares impediu um processo uniforme de
modernização de cada colônia, o que acentuou ainda mais as diferenças e as tensões
entre grupos étnicos e regiões tensões que permanecem em muitas zonas e expli-
cam algumas guerras civis e rivalidades verificadas em alguns Estados africanos
independentes. O fato de haver negligenciado a educação superior e técnica tam-
m levou alguns africanos de posses a enviar seus filhos para as metpoles ou para
os Estados Unidos. Foram estes que, em parte devido às suas diversas experiências
com a discriminação racial e o que é ainda mais importante à aprofundada
reflexão sobre a natureza negativa do sistema colonial, se tornaram por sua vez os
críticos mais severos do sistema e os dirigentes dos movimentos anticolonialistas e
nacionalistas, como será demonstrado no volume VIII desta obra.
Por benéfica que tenha sido a língua franca promovida pelo sistema escolar,
ela teve a lamentável consequência de impedir a transformação de certas línguas
indígenas em línguas nacionais ou de veiculação. O tuí, o haussa e o swahili
poderiam facilmente ter -se tornado as línguas nacionais da Costa do Ouro, da
Nigéria e das três colônias britânicas da África oriental, respectivamente. De
fato, como Kabwegyere demonstrou, os administradores coloniais da África
oriental britânica tentaram fazer do swahili uma língua franca nas décadas de
1930 e 1940, mas a tentativa foi contrariada pelo Colonial Office. A razão dada
para tanto merece ser citada:
[...] O desenvolvimento de uma língua franca tem pouca relação com a utilidade
imediata, que diz essencialmente respeito a valores duradouros e, portanto, a
uma penetração que, embora gradual, se tornará pouco a pouco co extensiva ao país.
Segundo esse critério, nem o swahili, nem o ganda, nem qualquer outra língua ver-
nácula tem pretensões admissíveis
37
37 Apud KABWEGYERE, 1974, p. 218.
943
O colonialismo na África: impacto e signicação
E a advertência prosseguia acrescentando que somente o inglês deveria ser
reconhecido como “a inevitável língua franca do futuro, fato que a política edu-
cacional e geral deveriam admitir sem demora”. É duvidoso que qualquer outra
das potências coloniais tenha considerado algum dia uma tal possibilidade.
Com a partida das autoridades que poderiam ter dado uma certa objetividade
ao empreendimento e que estavam igualmente imbuídas do poder de implantar
semelhante política linguística, com o lamentável surgimento e endurecimento
dos sentimentos étnicos e regionalistas após a independência em vários países
africanos, a questão de uma língua franca tornou -se muito sensível. Não sur-
preende que pouquíssimos governos africanos tenham abordado tal problema.
Outro impacto altamente lamentável do colonialismo foi a deterioração da
situação da mulher africana. É um tema novo, a exigir outras pesquisas, mas parece
o haver dúvidas de que ela foi excluída da maioria das atividades introduzidas
ou intensificadas pelo colonialismo, como a educação e a agricultura exportável
em algumas partes da África, rias profissões, como o direito, a medicina, a mine-
ração etc. Em consequência dessa exclusão, mal lhe foi concedido um lugar na
nova estrutura política colonial. Mesmo nas sociedades matrilineares, devido em
parte à difusão do islamismo e também à nova ênfase dada à realização individual,
algumas famílias começaram a adotar o sistema patrilinear
38
. O mundo colonial,
como salientou Iliffe, era de fato um mundo de homens, onde as mulheres não
eram estimuladas a desempenhar um papel importante.
Além do mais, por causa do colonialismo, os africanos eram menospreza-
dos, humilhados e submetidos a uma discriminação aberta ou dissimulada. De
fato, segundo o que diz A. E. Afigbo no capítulo 19, um dos efeitos sociais do
colonialismo foi o rebaixamento generalizado da situação dos africanos”. Ali
Mazrui também sublinhou essa herança de humilhações impostas ao africano
pelo triplo pecado do tráfico negreiro, do apartheid e do colonialismo, em suas
recentes conferências de Reith. “Os africanos”, diz, não são necessariamente o
mais brutalizado dos povos, mas com certeza são o mais humilhado da história
moderna
39
”, Dessa forma, embora a elite culta – conforme vimos antes – admi-
rasse a cultura europeia e tivesse participado das guerras das metrópoles para
se identificar com o Ocidente, ela jamais foi aceita como igual pelos europeus,
sendo excluída da sociedade destes últimos, sem o direito de viver nos bairros
38 ILIFFE, 1979, p. 300.
39 MAZRUI, 1980, p. 23 -45.
944
África sob dominação colonial, 1880-1935
europeus das cidades, que Sembene Ousmane chama de “o Vaticano”, em seu
romance Gods Bits of Wood
40
.
Em vez de diminuir com o progresso da dominação colonial, a discrimina-
ção, apoiada por teorias racistas equivocadas e pelo darwinismo social da época,
intensificou -se, até culminar na filosofia desumana e falaciosa do apartheid na
África do Sul. A elite culta tornou -se descontente e amarga, não surpreendendo
que fosse ela a primeira a desenvolver uma aguda consciência das desigualdades
e da natureza opressiva e discriminatória do sistema colonial. Passou a questio-
nar cada vez mais a base moral e jurídica da existência de tal sistema. Foi essa
classe, criada pelos missionários e pelos colonos, que encabeçou a campanha
destinada a aniquilá -lo. Alguns historiadores, como M. H. Y. Kaniki, concluem
que “o colonialismo gerou seus próprios coveiros”, enquanto Robin Maugham
pensa que sobre a lápide do império britânico [no qual a discriminação racial
foi a mais aberta] poder -se -ia escrever: ‘Derrotado pelo esnobismo
41
.
As duas conclusões são irretocáveis. A discriminação racial também gerou
entre alguns africanos um profundo sentimento de inferioridade, que A. E.
Afigbo definiu, no capítulo 19, de maneira bem sucinta, como “uma tendência a
perder a confiança em si e em seu futuro resumindo, um estado de espírito que,
em certos momentos, os levava a imitar cegamente [seria o caso de acrescentar
subservientemente] as potências europeias”. Esse sentimento de inferioridade
não desapareceu por completo, 20 anos depois da independência.
Pior ainda foi o impacto do colonialismo no plano cultural. Realmente,
como declarou o II Congresso de Escritores e Artistas Negros, realizado em
Roma em março -abril de 1959, entre os pecados do colonialismo, um dos mais
perniciosos, por ter sido por muito tempo aceito no Ocidente sem discussão,
foi o ter difundido a noção de povos sem cultura
42
, o que aliás não deveria
surpreender. Como P. Curtin e outros salientaram, a entrada da Europa no
continente africano coincidiu com o apogeu, nos séculos XIX e XX, do racismo e
do chauvinismo cultural na própria Europa
43
. Os europeus que iam para a África
nesse período, especialmente entre 1900 e 1945 missionários, comerciantes,
administradores, colonos, engenheiros e mineiros –, estavam geralmente imbu-
ídos desse espírito e condenavam, portanto, tudo quanto fosse autóctone, desde
a música, a arte, a dança, os nomes, a religião, o casamento, o regime sucessório
40 OUSMANE, 1962, p. 162.
41 KANIKI, 1980a, p. 10; MAUGHAM, 1961, p. 84.
42 Anôn., em 1955, p. 3.
43 CURTIN et al, 1978, p. 484.
945
O colonialismo na África: impacto e signicação
etc. Para ser admitido em uma igreja, um africano tinha não só de ser batizado
como também de mudar de nome e renunciar a muitos costumes e tradições.
Até o uso das vestes africanas foi proibido ou desencorajado em algumas regiões,
e as pessoas educadas à europeia que insistiam em vestir roupas africanas eram
acusadas de imitar os indígenas”. Portanto, no período colonial, a arte, a música,
a dança e a própria história da África não só foram ignoradas, mas até negadas
ou menosprezadas abertamente. Era a época em que o professor A. P. Newton
podia escrever: A África não tinha praticamente história antes da chegada
dos europeus [pois] a história não começa senão quando os homens adotam a
escrita
44
e sir Reginald Coupland lhe fazia eco cinco anos depois ao declarar:
Até o século XIX, a maior parte dos africanos, os povos negros que viviam em suas
terras tropicais entre o Saara e o Limpopo, jamais haviam tido [...] história. Durante
séculos e séculos, permaneceram mergulhados na barbárie. Tal parecia ser o decreto
da natureza [...]. Assim estagnavam, sem progredir nem regredir. Em nenhuma
parte do mundo, salvo talvez em algum pântano miasmático da América do Sul ou
em qualquer ilha perdida do Pacífico, o gênero humano vivera tão estagnante. O
coração da África mal batia
45
.
Semelhantes pontos de vista não correspondiam a um “decreto da natureza”,
mas antes à fértil imaginação desses historiadores europeus chauvinistas. O
coração da África batia, mas os europeus tinham ficado surdos devido a seus
preconceitos, ideias preconcebidas, arrogância e chauvinismo.
Deve ficar claro, a partir desta análise, que os especialistas para os quais o
colonialismo foi um desastre total para a África, não tendo gerado senão subde-
senvolvimento e atraso, exageraram muito. Exagerados tamm, no entanto, foram
os apologistas, como Gann, Duignan e Lloyd, que consideram o colonialismo
um bem absoluto para a África, ou como Perham e Fieldhouse, para os quais o
balanço é equilibrado. o seria exato dizer, a respeito da opinião destes autores,
que o colonialismo nada fez de positivo pela África. Fez sim, senhor. No entanto,
isso não impede que os europeus tenham ganho enormes lucros na África, graças
às companhias de mineração, às empresas comerciais, aos bancos, às companhias
de navegação, às explorações agrícolas e às sociedades concessionárias. Por outro
lado, as potências coloniais dispunham nas metrópoles de substanciais reservas
financeiras provenientes das colônias, reservas que teriam podido fornecer parte
do capital necessário para o desenvolvimento dessas metrópoles. Finalmente, as
44 NEWTON, 1923, p. 267.
45 COUPLAND, 1928, p. 3.
946
África sob dominação colonial, 1880-1935
indústrias metropolitanas beneficiaram -se com as matérias -primas de baixo preço
das colônias e dos lucros obtidos com a exportação dos produtos manufaturados.
Se compararmos tudo isso com o que os proprietários de terras, os camponeses
e os mineiros africanos obtinham, levando ainda em conta que todas as infraes-
truturas e facilidades sociais fornecidas tinham de ser financiadas pelas próprias
colônias, o poderemos deixar de nos espantar com a ferocidade do contrato
leonino que o colonizador impôs aos africanos.
Além disso, o que quer que o colonialismo tenha feito pelos africanos, tendo
em vista as possibilidades, recursos, poder e influência que tinha na África da
época, ele poderia e deveria ter feito muito mais. O próprio Lloyd o admite:
“Poder -se -ia ter feito muito mais, se o desenvolvimento dos territórios atrasados
tivesse sido considerado pelas nações industriais uma prioridade urgente”
46
Mas
foi justamente porque as autoridades coloniais não consideravam o desenvol-
vimento da África uma prioridade urgente, nem uma prioridade em geral, que
elas devem ser condenadas. É por essas duas razões que a era colonial africana
permanecerá na história como um período de crescimento sem desenvolvimento,
de impiedosa exploração dos recursos do continente e, de modo geral, de humi-
lhação e pauperização para os povos locais.
Signicado do colonialismo para a África
Isto nos leva à segunda questão levantada no início deste capítulo: qual foi a
verdadeira importância do colonialismo para a África? Ele constitui uma ruptura
com o passado do continente ou não mais do que um episódio de sua história, de
alcance limitado, que não afetou o curso de seu desenvolvimento? Esta questão
também recebeu respostas contraditórias. Alguns historiadores, para não dizer
muitos, entre os quais os marxistas e os teóricos do desenvolvimento e do anti-
desenvolvimento, argumentaram, com razões muito diferentes, que, embora o
colonialismo não passasse de um breve episódio, apesar disso havia tido enorme
influência na África, a qual ficou indelevelmente marcada. Conforme dizem R.
Oliver e N. Atmore: “Medido à escala da história, o período colonial não passou
de um interlúdio relativamente breve. Mas esse interlúdio mudou radicalmente
a orientação e o ritmo da história africana”
47
. Gann e Duignan também con-
46 LLOYD, 1972, p. 80.
47 OLIVER e ATMORE, 1972, p. 275.
947
O colonialismo na África: impacto e signicação
sideram a época colonial como “totalmente decisiva para o futuro da África”
48
.
A reação dos marxistas e dos teóricos do subdesenvolvimento está claramente
resumida no título do livro How Europe Underdeveloped Africa, de Rodney.
De resto, outros autores consideram que os efeitos do colonialismo foram
apenas superficiais e que ele não provocou a ruptura com o passado. Numa série
de publicações, J. F. A. Ajayi
49
afirma, de maneira coerente, que o impacto do
colonialismo na África tem sido exagerado; o colonialismo representa apenas
um episódio em uma longa e rica história e não provocou ruptura histórica; os
africanos conservaram certo poder de controle sobre seu próprio destino e, por
fim, na medida em que eles conservaram a iniciativa, os europeus não conse-
guiram imprimir orientação inteiramente nova à história da África”. Hopkins
afirma igualmente que a época colonial deixou de ser considerada como a
única matéria da história da África” e acha “razoável pensar que a administração
colonial teve efeitos econômicos menos importantes e menos generalizados do
que se supunha
50
”, Ele insiste no fato de que o colonialismo não “transformou
um país atrasado em um país moderno, desfazendo um equilíbrio tradicional
modesto e que “a principal função dos novos senhores era dar impulso a um
processo de desenvolvimento em curso”.
Segundo esse autor, não existe resposta positiva ou negativa para a questão,
pois o impacto do colonialismo variou de região para região e de atividade para
atividade. o a menor dúvida de que, no plano econômico, este foi decisivo,
essencial, tendo marcado ao mesmo tempo a cidade e o campo. Em quase todas as
partes da África, a economia monetária se tornou antes a regra do que a exceção ao
fim do período colonial. A posição das pessoas, mesmo nas zonas rurais,o se
media pelo nascimento, pela quantidade de esposas e de filhos, mas também pelo
dinheiro e pelo volume de culturas exportáveis produzidas em cada safra. Além
disso, com a introdução da agricultura de exportação, a terra adquiriu um valor que
jamais tivera na época pré -colonial, enquanto o esfoo e as realizações individuais
eram tidos mais em conta do que o espírito comunitário da ordem tradicional. A
economia africana também se integrou mais profundamente na economia mun-
dial, em geral, e na capitalista, em particular, com consequências possivelmente
permanentes. Infelizmente, a integração foi feita de maneira muito desvantajosa
para uma África explorada. Os 20 anos de independência o alteraram funda-
mentalmente a situação, hoje conhecida pelo nome de neocolonialismo.
48 lntroduction”, in GANN e DUIGNAN, 1969, p. 23.
49 AJAYI, 1969; CROWDER e AJAYI, 1974; AJAYI, 1968.
50 HOPKINS, 1973, p. 167, 206, 235.
948
África sob dominação colonial, 1880-1935
Posto tudo isto, contudo, será possível concordar com Margery Perham em
que o principal impacto do colonialismo residiu em confrontar a África com
a Europa do século XX
51
? Ou devemos defender aqui a opinião de Hopkins?
Tudo indica que este último, está com a razão. Cumpre ressaltar que, indepen-
dentemente das mudanças de infra estrutura (estradas, ferrovias, telefone, telé-
grafo) trazidas pelo colonialismo, todas as demais transformações econômicas
(a introdução da agricultura de exportação e da economia monetária, o desman-
telamento constante e paulatino das formas de vida comunitária, a integração
da economia africana na economia mundial, a urbanização) tinham começado
antes da era colonial. Afigbo (no capítulo 19) e Caldwell (no capítulo 18) afir-
maram justamente, como Hopkins, que o colonialismo não fez senão acelerar
vertiginosamente o ritmo dessas transformações e que, portanto, ele precipitou e
reforçou, em vez de iniciar, a confrontação entre a África e a Europa. No entanto,
fez isso de um modo que privou os africanos os mais intimamente afetados
por elas – de qualquer papel essencial ou benéfico. Ademais – e nisso entro em
desacordo com Hopkins a alteração foi tão rápida e tão profunda que seu
impacto sobre os africanos não foi traumático como precipitou a economia
em uma direção malsã e alienada, da qual ela não conseguiu ainda desviar -se. É
dentro deste quadro e não no da confrontação com a Europa do século XX que
se deve avaliar todo o impacto do colonialismo no nível econômico.
Os efeitos no nível político foram igualmente fundamentais, duradouros e
ressentidos por todos os membros da sociedade africana. Como vimos, a própria
estrutura geográfica dos Estados africanos independentes é uma criação do colo-
nialismo. Com a adoção do princípio da inviolabilidade das fronteiras nacionais
pela Organização da Unidade Africana (OUA), essa estrutura não está aberta a
mudanças. Em segundo lugar, mesmo depois da independência, é certo ter havido
uma alteração essencial e permanente na fonte da autoridade e do poder político.
Na época pré -colonial, o poder era exercido pela elite tradicional dos reis, rainhas,
chefes de família e de clã, bem como pelas autoridades religiosas. Mas as autori-
dades coloniais viram -se constrangidas a conceder a independência e a soberania
como veremos no volume VIII desta obra não à elite dirigente tradicional,
mas à nova elite, aos membros das classes dias superiores ou inferiores, quer
dizer, a uma classe criada pelo próprio sistema colonial. Essa situação jamais se
modificou. Em todo caso, a possibilidade de as tradicionais instituições reais serem
51 PERHAM, 1961.
949
O colonialismo na África: impacto e signicação
completamente abolidas, como o foram na Guiné, por exemplo, é muito maior do
que a de serem mantidas e muito menor que a de serem reabilitadas.
Em terceiro lugar, foi o colonialismo que deu origem ao nacionalismo afri-
cano, produto da cólera, do ressentimento, da amargura, da frustração e da
alienação que o sistema colonial engendrou.
Em quarto lugar, o exército é uma das heranças do colonialismo, que já teve
papel decisivo na política da África pós -colonial. A instituição não se acha em
vias de extinção e, conforme veremos no volume VIII desta obra, alterou o
curso da história de numerosos países africanos. E parece que ainda não encer-
rou sua carreira política. “O homem a cavalo”, para citar a expressão de Finer,
52
vai ficar por muito tempo entre nós e servirá para nos lembrar constantemente,
como se necessário fosse, o episódio colonial.
Por fim, parece que as instituições judiciárias e políticas tribunais, parla-
mentos, comissários de região, de distrito etc. vão ser conservadas, mesmo com
algumas alterações e adaptações que foram e devem ser feitas. Talvez mais
do que no plano econômico, o impacto do colonialismo no plano político foi
realmente fundamental e, em muitos aspectos, mostra que veio para ficar.
Por outro lado, no terreno cultural e social, o impacto do colonialismo não
foi relativamente profundo nem permanente. As mudanças introduzidas no
domínio cultural, a discriminação racial e a condenação da cultura africana tal
como era proclamada durante a dominação colonial limitavam -se no essencial
às zonas costeiras e aos centros urbanos, ao passo que a vida nas zonas rurais
seguia em grande parte seu próprio curso. A dança, a arte, a música e os sistemas
religiosos tradicionais mantêm -se: os empréstimos e as adaptações feitos pelas
populações não foram apenas seletivos, mas, como diz M. J. Herskovits, são
adições e não obrigatoriamente substituições”
53
. Assim, nas zonas rurais e até,
em certa medida, nas cidades, novos cultos, crenças, deuses, utensílios, objetos e
produtos vieram juntar -se aos antigos.
Certamente que, nessas zonas, muitos crisos continuam a acreditar em seus
deuses tradicionais. Aqui, na verdade, a religo europeia é que foi africanizada,
como demonstram o ritual, os hinos, a sica e mesmo as doutrinas de algumas
igrejas sincréticas e milenaristas e não o contrário. Mais importante ainda: as bases
culturais perdidas, mesmo nos centros urbanos, foram praticamente reencontradas.
Hoje em dia, a arte, a sica e a dança na África o o apenas ensinadas em
todos os tipos de estabelecimentos escolares: eso em plena expano e começam a
52 FINER, 1962.
53 HERSKOVITS, M. J., 1962, p. 379.
950
África sob dominação colonial, 1880-1935
ser reconhecidas na Europa. Portanto, no piano cultural, o colonialismo não passou
verdadeiramente de um episódio. Seu impacto foi superficial e muito efêmero.
Finalmente, no vel social, o significado do colonialismo é manifestamente
múltiplo e complexo. Por um lado, as linguae francae serão mantidas por muito
tempo, senão para sempre. Por outro, as novas classes criadas pelo colonialismo,
fundadas nos cririos ocidentais da escola e da civilização, e não nos critérios
africanos da riqueza e do prestígio
54
, eso destinadas a ficar e a tornar -se mais e
mais complexas. A primeira é a elite política, constituída pelos dirigentes dos par-
tidos políticos que proliferaram na África e são primeiros -ministros, presidentes,
ministros, embaixadores etc. O outro grupo é a elite militar, formada pelos oficiais
e ex -oficiais das forças armadas de cada Estado independente. Os membros desses
grupos são muito diferentes dos habitantes das zonas rurais pelo vestuário, estilo de
vida, gostos e posição. Claro que se as elites constituíssem uma porcentagem apreci-
ável da população africana, seria de aceitar sua formação como outra transformação
fundamental introduzida pelo colonialismo. vimos, porém, que os grupos urba-
nos ou as elites constitam, no fim da era colonial, pequena fração da populão
(20% no ximo). O restante era formado por camponeses, que permaneceram
geralmente analfabetos e conservaram suas crenças, valores e modelos tradicionais.
De fato, a civilização ou a socialização introduzidas pelo colonialismo representa-
ram essencialmente um fenômeno urbano, que realmente não tocou as populações
rurais. Na medida em que estas formavam a esmagadora maioria dos habitantes
dos Estados africanos, podemos concluir razoavelmente e sem risco de erro que,
aqui, o impacto colonial, apesar de seu interesse, foi extremamente limitado.
Em conclusão, se bem que o colonialismo tenha sido indubitavelmente um
simples capítulo de uma longa história, um episódio ou interlúdio nas múltiplas
e diversas experiências dos povos da África, que em parte alguma do continente
durou mais de 80 anos, representou no entanto uma fase de extrema importân-
cia do ponto de vista político, econômico e mesmo social. Assinala uma nítida
ruptura na história do continente: o desenvolvimento posterior deste e, portanto,
de sua história foi e continuará a ser muito influenciado pelo impacto do colo-
nialismo. Seguirá um curso diferente daquele que teria seguido se o interlúdio
não tivesse existido. Hoje, a melhor maneira de agir, para os dirigentes africanos,
não consiste em apagar o colonialismo, mas sim em conhecer perfeitamente seu
impacto, a fim de tentar corrigir -lhe os defeitos e os insucessos.
54 MOORE e DUNBAR, 1969, p. 125.
951
Prof. J. F. A. Ajayi (Nigéria) - 1971
Coordenador do volume VI
Prof. Fernando A. Albuquerque
Mourão (Brasil) - 1975
Prof. A. A. Boahen (Gana) - 1971
Coordenador do volume VII
S. Ex. a Sr. Boubou Hama (Níger)
- 1971-1978 (demitiu-se em 1978;
falecido em 1982)
S. Ex. a Sr. Mutumba Bull (Zâmbia)
- 1971
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1971-1981 (demitiu-se)
S. Ex. a Sr. Mohammed El Fasi
(Marrocos) - 1971
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1981 (falecido em 1981)
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Federal da Alemanha) - 1971
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1971 Codiretor do volume III
Dra. A. Jones (Libéria) - 1971
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1981 (falecido em 1981)
Membros do Comitê Cientíco
Internacional para a Redação de
uma História Geral da África
952
África sob dominação colonial, 1880-1935
Prof. I. N. Kimambo (Tanzânia) - 1971
Prof. J. Ki-Zerbo (Burkina) - 1971
Coordenador do volume I
Sr. Diouldé Laya (Níger) - 1979
Dr. A. Letnev (URSS) - 1971
Dr. G. Mokhtar (Egito) - 1971
Coordenador do volume II
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do Congo) - 1975
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Ret. Hon. Dr. E. Williams
(Trinidad e Tobago) - 1976-1978
(demitiu-se em 1978; falecido em
1980)
Prof. A. A. Mazrui (Quênia)
Coordenador do volume VIII (Não é
membro do Comitê.)
Prof. C. Wondji (Costa do Marm)
Codiretor do volume VIII (Não é
membro do Comitê.)
Secretaria do Comitê Cientíco
Internacional para a Redação de uma
História Geral da África:
Sr. Maurice Glélé, Divisão de
Estudos e de Difusão de Culturas,
Unesco, 1, rue Mollis, 75015, Paris.
953
Dados biográcos dos autores do volume VII
Capitulo 1 A. Adu Boahen (Gana). Especialista em história colonial da África
ocidental; autor de numerosas publicações e artigos sobre a história
da África; professor e chefe do Departamento de História da Univer-
sidade de Legon Acra, Gana.
Capitulo 2 G. N. Uzoigwe (Nigéria). Especialista em história da África oriental
e, mais particularmente, no antigo reino Bunyoro de Uganda; autor de
várias obras e artigos sobre a história da África; professor de História
da Universidade de Michigan, em Ann Arbor.
Capítulo 3 T. O. Ranger (Reino Unido). Especialista dos movimentos nacionalis-
tas e de resistência na África; autor e diretor de publicação de numero-
sas obras e artigos nessa área; ex-professor de História da Universidade
de Dar es Salaam e da UCLA, Califórnia; atualmente leciona História
na Universidade de Manchester.
Capítulo 4 H. A. Ibrahim (Sudão). Especialista em história do Egito e do Sudão
nos séculos XIX e XX; autor de numerosos estudos; mestre de conferên-
cias na Universidade de Khartum (Departamento de História). Abbas
I. Ali (Sudão). Especialista em história do Sudão e da África oriental
no culo XIX; autor de obras e de artigos nessas áreas; ex-chefe do
Departamento de História da Universidade de Khartum.
Capítulo 5 A. Laroui (Marrocos). Especialista em história do Maghreb; autor de obras
e de artigos sobre a história da África do norte no século XIX; professor
de História Moderna e Contemporânea da Universidade de Rabat.
Dados biográcos dos
autores do volume VII
954
África sob dominação colonial, 1880-1935
Capítulo 6 M. Gueye (Senegal). Especialista em história da África ocidental nos
séculos XIX e XX; autor de numerosas obras sobre o tráfico de escravos
e a colonização francesa; assistente da Faculdade de Letras da Univer-
sidade de Dacar. A. Adu Boahen (Gana).
Capítulo 7 H. A. Mwanzi (Quênia). Especialista em história da África oriental;
autor de numerosas obras e artigos tratando mais particularmente dos
Kipsigi do Quênia; senior lecturer de História da Universidade de
Nairóbi.
Capítulo 8 A. Isaacman (Estados Unidos). Especialista em história da África;
autor de numerosas obras e artigos; professor de História da Univer-
sidade de Minnesota.
J. Vansina (Bélgica). Especialista em história da África; autor de nume-
rosas obras e artigos sobre a história da África pré-colonial; professor
de História da Universidade de Wisconsin, Madison.
Capítulo 9 D. Chanaiwa (Zimbábue). Especialista em história da África meridio-
nal nos séculos XVIII e XIX; autor de numerosas obras e artigos sobre
o assunto; ex-professor de História na California State University,
Northridge; atualmente, professor de História da Universidade de
Harare (Zimbábue).
Capítulo 10 M. Esoavelomandroso (Madagáscar). Especialista em história malgaxe
nos séculos XVIII e XIX; professor de História na Faculdade de Letras
da Universidade de Antananarivo.
Capítulo 11 M. B. Akpan (Nigéria). Especialista em história econômica da África
ocidental; autor de numerosas obras e artigos sobre a história da África
ocidental; senior lecturer da Universidade de Calabar, Nigéria.
A. B. Jones (Libéria). Especialista em história da África ocidental no
século XIX; ex-embaixador e delegado permanente da Líbéria junto
das Nações Unidas.
R. Pankhurst (Reino Unido). Especialista em história da Etiópia; autor
de numerosas obras e artigos sobre o tema; ex-diretor do Instituto de
Estudos Etíopes da Universidade da Etiópia.
Capítulo 12 M. Crowder (Reino Unido). Especialista em história da África oci-
dental; autor de numerosas obras e artigos sobre o tema; lecionou
em diversas universidades da Nigéria; diretor da publicação History
Today; atualmente, convidado pela Universidade de Botsuana.
Capítulo 13 R. F. Betts (Estados Unidos). Especialista em colonialismo euro-
peu na África nos séculos XIX e XX; autor de várias obras e artigos
sobre a história da África; professor de História da Universidade de
Kentucky.
955
Dados biográcos dos autores do volume VII
A. I. Asiwaju (Nigéria). Especialista em história da África ocidental;
autor de diferentes obras e artigos sobre essa região; professor de His-
tória da Universidade de Lagos.
Capítulo 14 W. Rodney (Guiana). Especialista em história econômica da África
ocidental; autor de várias obras e artigos sobre o tráfico de escravos na
África ocidental; ex-professor de História da Universidade de Dar es
Salaam; lecionou igualmente nas Antilhas.
Capítulo 15 C. Coquery-Vidrovitch (França). Especialista em história socioeconô-
mica da África; autora de várias obras e artigos sobre o tema; atual-
mente, professora de História na Universidade de Paris VII.
Capítulo 16 M. H. Y. Kaniki (Tanzânia). Especialista em história econômica da
África ocidental; publicou diversas obras e artigos sobre o tema; ex-
assistente na Universidade de Dar es Salaam; professor de História da
Universidade de Lusaka, Zâmbia.
Capítulo 17 A. Kassab (Tunísia). Especialista em geografia econômica; autor de
vários estudos sobre o tema; redator chefe da La Revue Tunisienne de
Géographie.
A. A. Abdussalam (Líbia). Especialista em história econômica da Líbia;
autor de várias obras sobre o tema; professor assistente de Economia
da Universidade Garyounis, Benghazi (Líbia).
F. S. Abusedra (Egito). Especialista em história econômica; profes-
sor-assistente de Economia da Universidade Garyounis, Benghazi
(Líbia).
Capítulo 18 J. C. Caldwell (Austrália). Especialista em demografia; autor de várias
obras sobre a população da África tropical; professor de Demografia e
chefe do Departamento de Demografia da Research School of Social
Sciences da Universidade Nacional da Austrália.
Capítulo 19 A. E. Afigbo (Nigéria). Especialista em história da África ocidental;
autor de numerosas obras e artigos científicos sobre a história da Nigé-
ria; ex-diretor do Instituto de Estudos Africanos da Universidade de
Nsukka (Nigéria).
Capítulo 20 K. Asare Opoku (Gana). Especialista em religiões africanas; autor
de numerosas obras e artigos sobre os diversos aspectos das religiões
africanas; dirige um grupo de estudos sobre religião e ética no Instituto
de Estudos Africanos da Universidade de Gana.
Capítulo 21 W. Soyinka (Nigéria). Especialista em filosofia, literatura e teatro afri-
canos; autor de numerosas obras nessa área; ex-professor da Universi-
dade de Legon (Gana); professor de Arte Dramática da Universidade
de Ife (Nigéria).
956
África sob dominação colonial, 1880-1935
Capítulo 22 B. O. Oloruntimehin (Nigéria). Especialista sobre a antiga África
Ocidental Francesa desde o século XIX; publicou numerosas obras e
artigos sobre o tema; professor de História da Universidade de Ife.
Capítulo 23 H. A. Ibrahim (Sudão).
Capítulo 24 J. Berque (França). Especialista em história social contemporânea do
islamismo; autor de numerosas obras sobre a história do Egito e do
Maghreb; antigo professor do College de France.
Capítulo 25 A. Adu Boahen (Gana).
Capítulo 26 E. S. Atieno-Odhiambo (Quênia). Especialista em história política da
África oriental; autor de numerosas obras e artigos sobre a ascensão do
nacionalismo nas Áfricas oriental e central; senior lecturer de História
da Universidade de Nairóbi.
Capítulo 27 A. B. Davidson (URSS). Especialista em história da África; publicou
algumas obras sobre a África; professor do Instituto de História Geral
da Academia das Ciências da URSS, Moscou.
R. Pélissier (França). Especialista em movimentos de resistência na
África dos séculos XIX e XX; autor de numerosas obras e artigos;
pesquisador.
A. F. Isaacman (Estados Unidos).
Capítulo 28 M. B. Akpan (Nigéria). A. B. Jones (Libéria).
R. Pankhurst (Reino Unido).
Capítulo 29 R. D. Ralston (Estados Unidos). Especialista em história da África nos
séculos XIX e XX; autor de numerosos artigos sobre as relações entre
a África e o Novo Mundo; professor assistente de História do Depar-
tamento de Estudos Afro-Americanos da Universidade de Wisconsin,
Madison.
Fernando A. Albuquerque Mourão (Brasil). Especialista em história
da África; autor de numerosas obras e artigos sobre a história afro-
brasileira; professor de História e diretor do Centro de Estudos Afri-
canos da Universidade de São Paulo.
Capítulo 30 A. Adu Boahen (Gana).
Y. Kwarteng (Gana). Especialista em jornalismo e comunicação. Sua
tese de doutoramento trata do “Desenvolvimento do jornalismo na
África ocidental depois de 1957”; assistente de redação do coordena-
dor do volume.
957
Abreviações e lista de periódicos
AA — African Affairs, Londres, Royal African Society
AEH African Economic History, Madison, Wisconsin
AESC — Annales: économies, sociétés, civilisations, Paris
Africa — Africa, International African Institute, Londres
African Arts African Arts, University of California, Los Angeles, African Studies
Center
African Literature Today — African Literature Today, Londres, Heinemann
AHR American Historical Review, Washington DC, American Historical Association
AM — Archives Marocaines Annuaire Médical et Pharmaceutique Colonial, Paris
AQ African Quarterly, Nova Delhi
BIFAN Bulletin de l’Institut Fondamental d’Afrique Noire, Dacar
BSGL — Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa
BUP — Boston University Press
BUPAH Boston University Papers in African History, Boston University, African
Studies Center Bulletin des juridictions indigènes et du droit coutumier congolais
BWHO — Bulletin of the World Health Organization, Genebra
CEA — Cahiers d’Études Africaines, Paris, Mouton
CHJ — Calabar Historical Journal, University of Calabar
CJAS — Canadian Journal of African Studies, Canadian Association of African Studies,
Department of Geography, Carleton University, Ottawa
Abreviações e
lista de periódicos
958
África sob dominação colonial, 1880-1935
CSSH — Comparative Studies in Society and History, Cambridge, CUP
CUP — Cambridge University Press Cultura Cultura, Brasília
EAJ — East Africa Journal, East African Institute of Social & Cultural Affairs, Nairóbi
EALB — East African Literature Bureau, Nairóbi
EAPH East African Publishing House, Nairóbi
EDCC — Economic Development and Cultural Change, Nova York
EHA — Études d’Histoire Africaine, Kinshasa
EHR Economic History Review, Cambridge, Economic History Society Encounter
Encounter, Londres
EC — Études Congolaises
EO — Ethiopia Observer, Adis Abeba
ES — Economy and Society, Londres, Routledge & Kegan Paul
Geneve-Afrique, Genebra
GJ — Geographical Journal, Londres, Royal Geographical Society
GR — Geographical Review, Nova York, American Geographical Society
HA — Horn of Africa
Hadith — Hadith, Nairóbi
HJ — Historical Journal, Cambridge, CUP
HMSO — Her/His Majestys Stationery Office, Londres
HUP Harvard University Press
IAI — International African Institute, Londres
IFAN Institut Fondamental de l’Afrique Noire
IJAHS — International Journal of African Historical Studies, Boston, Boston University,
African Studies Center
IL International Law
IRCBM — Institut Royal Colonial Belge, Mémoires, Bruxelas
IUP Ibadan University Press
JAH — Journal of African History, Cambridge, CUP
JAS Journal of African Studies, University of California, Los Angeles, African Studies
Center
JAf. S Journal of the African Society (mais tarde, African Affairs)
JCAHA — Journal of the Central African Historical Association
JDS Journal of Development Studies, Institute of Development Studies, University
of Sussex
JES — Journal of Ethiopian Studies, Adis Abeba
959
Abreviações e lista de periódicos
JHMAS — Journal of the History of Medicine and Allied Sciences, Nova York
JHSN — Journal of the Historical Society of Nigeria, Ibadan
JMAS — Journal of Modern African Studies, Cambridge, CUP
JNH — Journal of Negro History, Washington DC
Journal Officiel de l’AEF, Brazzaville
JP — Journal of Politics, Gainesville, Flórida
JSAS — Journal of Southern African Studies, Londres, OUP
KHR — Kenya Historical Review, Nairóbi
Kongo-Oversee — Kongo Oversee
The Lancet The Lancet, Londres
Le Matériel Colonial, Paris
LSJ — Liberian Studies Journal, Newark, Delaware, University of Delaware
Marchés Coloniaux, Paris
MARSOM — Mémoires de l’Academie Royale des Sciences d’Outre-Mer, Bruxelas
MBAB — Mitteilungen der Basler Afrika Bibliographien, Basel
MMFQ — Millbank Memorial Fund Quarterly , Londres
MIT Massachusetts Institute of Technology
MUP — Michigan University Press
The Muslim World — The Muslim World, Hartford, Connecticut
Nigeria Magazine — Nigeria Magazine, Lagos
NJESS — Nigerian Journal of Economic and Social Studies, Ibadan
NUP — Northwestern University Press
Odu — Odu, Ife, University of Ife Press
Omaly sy Anio Omaly sy Anio, Antananarivo
Optima — Optima, Johannesburgo
OUP Oxford University Press
PA Présence Africaine, Paris
PAPS Proceedings of the American Philosophical Society, Filadélfia
Practical Anthropology — Practical Anthropology
PP Past & Present, Oxford
PS — Population Studies, Londres
PUF — Presses Universitaires Françaises
PUP — Princeton University Press
960
África sob dominação colonial, 1880-1935
RA — Revue Africaine, Journal des Travaux de la Société Historique Algérienne, Argel
Research Review Research Review, University of Ghana, Legon, Institute of African
Studies
RFHOM — Revue Française d’Histoire d’Outre-Mer, Paris
RUA — Royal Institute of International Affairs, Londres
RLJ — Rhodes-Livingstone Journal (agora African Social Research), Lusaka
RM — Revue Marocaine
R Med. — Revue de la Mediterranée, Argel
ROMM — Revue de l’Occident Musulman et la Méditerranée, Aix-en-Provence
RPC — Rechercher Pédagogique et Culture
RSEHA — Revue Sémitique d’Épigraphie et d’Histoire Ancienne, Paris
RSSJ — Royal Statistical Society Journal, Londres
SNR — Sudan Notes & Records, Khartum
SOAS — School of Oriental and African Studies, University of London
SR — Sociological Review, Manchester
SUP — Stanford University Press
Tarikh — Tarikh, Ibadan, Longman
THSG Transactions of the Historical Society of Ghana, Legon
TJH Transafrican Journal of History, Nairóbi
TRSTMH Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, Londres
Transition Transition, Kampala (depois, Acra)
Ufahamu — Ufahamu, Journal of the African Activist Association, Los Angeles
UJ — Uganda Journal, Uganda Society, Kampala
UP — University Press
West Africa West Africa, Londres
WUP — Witwatersrand University Press
Yale Review — Yale Review, New Haven
YUP — Yale University Press
961
Referências bibliográcas
Todas as referências foram vericadas com o máximo cuidado, mas dada a
complexidade e o caráter internacional das obras é possível que alguns erros tenham
persistido.
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1008
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1009
Índice
África central, 19, 33,39, 42,
192-219, 325, 343, 380,
383, 389, 390, 394, 418,
441, 450, 466, 468, 535,
537, 549, 552, 556, 565
560; economia, 343, 380,
383, 389, 390, 394, 418,
441, 450, 466, 468; era de
confrontação e aliança,
192-219; insurreições
coloniais, 192-219;
política e nacionalismo,
786-831; povo e política
(mapa), 194; resistên-
cia, 187-209; África de
língua francesa, 354-
5, 368-385; atividades
políticas na África oci-
dental, 728-755. África
do nordeste: política e
nacionalismo, 675-701;
resistência, 73-98.
África do norte (e Saara),
29, 41-43, 102, 123,
342-5; agricultura e
terra, 485-528; comu-
nicações e portos,
496-528; depressão
econômica, 499-528;
economia colonial,
485-528; Estados do
Maghreb e europeus,
100-13; indústrias arte-
sanais, 498-527; infra-
estrutura, 497,512-528;
islão, 525, 593-624;
mapa das principais
regiões do Maghreb e
do Saara, 101; minera-
ção, 495-512; potica de
campesinato, 507-509;
política e nacionalismo,
676-701; resisncia,
73-98; sistema adua-
neiro e comércio, 498-
522; sistema financeiro
e fiscal, 494, 498-528;
urbanização, 508-9.
África do Sul, 53, 220-250,
438-484, 529-31; alie-
nação da terra, 356-7,
363, 382, 787; ANC,
793-802; colonos
brancos, 220-50, 347,
388, 395, 439-42, 453,
580, 713, 787; consti-
tuição da (1909), 242;
crescimento populacio-
nal, 529-31; criação da
União (1910), 476, 481-
98; economia, 402-437,
438-484; emigração de
negros americanos para
a, 786-831; evange-
lismo negro americano,
793, 850-875; guerras
Índice remissivo
1010
África sob dominação colonial, 1880-1935
anglo-bôeres, 39, 220-
250; igreja etíope, 282,
615, 624, 763; influ-
ência Tuskegee, 783;
manufatura, 466-9,
481; política e nacio-
nalismo, 317-8, 580-1,
639, 679, 681-95; polí-
ticas racistas, 357, 363,
375-378, 413-453, 786-
831; Primeira Guerra
Mundial, 325-8, 336,
339-352; protesto cam-
ponês, 681-3; protestos
da classe trabalhadora,
801-5; rebelião de
Bambata, 224, 244;
rebelião dos afrikaners,
325, 328, 339; Sudo-
este Africano, 239, 248,
249, 324-31, 481; urba-
nizão, 478-81, 508;
Zulu, 220-250.
África ocidental, 30, 32, 33,
39-41, 57, 68, 130-167;
administração colonial,
326-7, 328, 332-3, 336;
artes, 559-64, 566-73;
Conferência de Berlim,
32-4; conquista militar,
41-5; conquista e rea-
ção, 130-167; econo-
mia colonial, 402-437;
ligas e movimentos da
juventude, 728-785;
NCBWA, 731, 738-
55; partidos políticos,
734-755; partilha, 57-8,
130; política e naciona-
lismo e política rural ou
nacionalismo rural de
massa, 728-755; Pri-
meira Guerra Mundial,
325, 329; religião afri-
cana tradicional, 592-3,
595-7, 600; resistência
econômica, 57, 68;
sindicatos, 731.
África oriental, 1, 7, 25,
325-352, 355, 358-9,
368, 370-380, 542, 544,
575; associações, 667-
71, 685; colonos bran-
cos e alienação da terra,
183, 184; economia
colonial, 441-7, 460,
466, 468-70; islão, 595,
598, 600; mapa de povos
e política, 170; movi-
mentos anticoloniais,
186-9; movimentos de
protesto religioso, 608;
mudanças ecológicas,
171; partilha, 21-50;
política e nacionalismo,
758-785; religião tra-
dicional africana, 592-
624; resistência, 69, 95,
168-90; sob domínio
colonial, 175, 183-90.
África setentrional, 1, 3,
100-128, 497, 671,
938; Argélia, 1, 3, 106,
118-9, 124, 334-5, 354,
369-75, 387, 485-528,
662-4, 703; coloni-
zação agrícola, 354,
487-528; conquista
militar, 106, 119, 124-
6; Costa do Marfim,
41, 131-3, 139-43, 146,
156-7, 162-4, 334-400;
Daomé, 131-3, 144-6;
e a elite africana, 568-
9, 572-3; e escritores
africanos, 626-655; e
o islão, 704-725; Eti-
ópia, 282-319, 832-
872; governo da Frente
Popular, 437; imrio
Ahmadu e Tukulor,
135-9; Libéria, 282-
319, 832-872; Mada-
gáscar, 25, 32, 252-280;
Marrocos, 43, 100-
26, 485-528; política
assimilacionista, 258,
643; Primeira Guerra
Mundial, 320-352;
realizão de tratados
e esferas de influência,
43, 106; rebelião de
Lamine contra a, 137-
42; Samori Touré, 137,
139-47; Senegâmbia,
41, 133-5; Somália,
93-7, 671-5, 693-701;
Tusia, 32, 100, 106,
255, 381, 485-528.
Comitê Cientíco Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
HISTÓRIA GERAL
DA ÁFRICA
VII
África sob dominação
colonial,1880-1935
UNESCO Representação no BRASIL
Ministério da Educação do BRASIL
Universidade Federal de São Carlos
UNESCO
HISTÓRIA
GERAL
DA ÁFRICA
VII
África sob
dominação
colonial,
1880-1935
EDITOR
A. ADU BOAHEN
UNESCO/BRASIL
MEC BRASIL
UFSCar
Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda
espécie ocultaram ao mundo a verdadeira história da
África. As sociedades africanas eram vistas como
sociedades que não podiam ter história. Apesar dos
importantes trabalhos realizados desde as primeiras
décadas do século XX por pioneiros como Leo Frobenius,
Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande
número de estudiosos não africanos, presos a certos
postulados, afirmava que essas sociedades não podiam
ser objeto de um estudo científico, devido, sobretudo,
à ausência de fontes e de documentos escritos.
De fato, havia uma recusa a considerar o povo africano
como criador de culturas originais que floresceram e se
perpetuaram ao longo dos séculos por caminhos
próprios, as quais os historiadores, a menos que
abandonem certos preconceitos e renovem seus
métodos de abordagem, não podem apreender.
A situação evoluiu muito a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial e, em particular, desde que os países
africanos, tendo conquistado sua independência,
começaram a participar ativamente da vida da
comunidade internacional e dos intercâmbios que ela
implica. Um número crescente de historiadores tem se
empenhado em abordar o estudo da África com maior
rigor, objetividade e imparcialidade, utilizando com
as devidas precauções fontes africanas originais.
No exercício de seu direito à iniciativa histórica,
os próprios africanos sentiram profundamente a
necessidade de restabelecer em bases sólidas a
historicidade de suas sociedades.
Os especialistas de vários países que trabalharam nesta
obra tiveram o cuidado de questionar as simplificações
excessivas provenientes de uma concepção linear e
restritiva da história universal e de restabelecer a
verdade dos fatos sempre que necessário e possível.
Esforçaram-se por resgatar os dados históricos que
melhor permitissem acompanhar a evolução dos
diferentes povos africanos em seus contextos
socioculturais específicos.
Esta Coleção traz à luz tanto a unidade histórica da
África quanto suas relações com os outros continentes,
sobretudo as Américas e o Caribe. Durante muito
tempo, as manifestações de criatividade dos descendentes
de africanos nas Américas foram isoladas por certos
historiadores num agregado heteróclito de africanismos.
Desnecessário dizer que tal não é a atitude dos autores
desta obra. Aqui, a resistência dos escravos deportados
para as Américas, a “clandestinidade” política e cultural,
a participação constante e maciça dos descendentes de
africanos nas primeiras lutas pela independência, assim
como nos movimentos de libertação nacional, são
entendidas em sua real significação: foram vigorosas
afirmações de identidade que contribuíram para forjar o
conceito universal de Humanidade.
Outro aspecto ressaltado nesta obra são as relações da
África com o sul da Ásia através do oceano Índico,
assim como as contribuições africanas a outras
civilizações por um processo de trocas mútuas.
Avaliando o atual estágio de nossos conhecimentos sobre
a África, propondo diferentes pontos de vista sobre as
culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da história,
a História Geral da África tem a indiscutível vantagem
de mostrar tanto a luz quanto a sombra, sem dissimular as
divergências de opinião que existem entre os estudiosos.
Nesse contexto, é de suma importância a publicação
dos oito volumes da História Geral da África que ora se
apresenta em sua atual versão em português como fruto
da parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil,
a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade do Ministério da Educação do Brasil (Secad/
MEC) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
UNESCO HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA VOLUMES I-VIII
Organização
das Nações Unidas
para a Educação,
a Ciência e a Cultura
Organização
das Nações Unidas
para a Educação,
a Ciência e a Cultura
EDITOR ALBERT ADU BOAHEN
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