MARIA HABIB
A visão do Inferno de Dante talvez fosse melhor que
a loja da Maria, que ficava embaixo da casa dos Chamon
e era mais ou menos isto.
As tentações de sucediam a cada centímetro,
desconhecidas conhecidas, amadas, enlatadas, costuradas,
amarradas, dobradas, envidraçadas e... protegidas de
nossas mãos!
Nada podíamos fazer a não ser olhar.
- “Vai querer o que menino” sentenciava a Maria intimando-nos a sair o mais rápido
que podíamos e, mas não queríamos, e não podíamos só olhar.
Nozes, castanhas, lentilhas, ervilhas, grão de bico, presunto enlatado, defumado,
mortadela, salaminho, leite ninho, chocolate, tâmaras secas, figos da índia, chocolates
da suíça, ameixas do Japão e NÃO, não podíamos comer não podíamos pegar não
podíamos experimentar.
Ate o bacalhau tão fácil e tão disponível em outros lugares não podia ganhar beliscão
e venda sem bacalhau de beliscão, não e venda não!
A Maria tinha um irmão, Jorge, as voltas com livros, decretos e não sei mais o que
não, mas sempre ausente e presente com seu vozeirão, ate parece ser rima, mas não
é de propósito não.
Sozinha, a maior parte do tempo, a Maria levava a loja magistralmente e lentamente
fui ganhando sua confiança.
- “Limpa o balcão pra mim menino” e la ia eu limpando os chocolates os doces finos
embalados e de longa duração os vidros de azeitonas e ameixas e as latas de camarão!
Latas de Camarão! Sim caro leitor latas do caríssimo camarão, ainda lembro, 15
levíssimas e preciosas gramas de camarão dentro de uma lata e ela dizia “sacode
não” e eu sacudia, escondido, adivinhando quantos a lata continha.
O chocolate, nos balcões de cedro e vidro, enfileiravam-se progressivamente, brancos,
escuros, recheados com amêndoa, castanhas e talvez pistache, talvez não.
A Maria la de vigia ate enfim, para desespero dela e minha felicidade um chocolate
furado e a pilha e o bichinho malvado, abençoado que tinha perfurado a barra de
chocolate que agora era minha.
Levava as barrinhas para casa, retirávamos os pedaços perfurados e tudo ia derreter,
chocolate, areado, quitute aproveitado que ela, quando descobríamos , deixava um
pequeno sorriso aparecer meio escondido.
Maria vendeu a loja e foi morar em Marataíses onde, diziam, tinha um hotel e a única
delicatessem do sul do estado, quem sabe de todo ele, deixou de existir em Castelo.