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Sabedoria e Inteligência
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Livros Grátis
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Edição e distribuição
EDITORA ASSOCIAÇÃO FILOSÓFICA
“LUIZ CARAMASCHI”
Praça Arruda, 54 Caixa Postal 44
Fone (14) 3351.1900
18800 - PIRAJU SP
Site: www.luizcaramaschi.com
Os livros estão também disponíveis no portal “Domínio Público”, do Ministério da Educação
www.dominiopublico.gov.br
Luiz Caramaschi
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Sabedoria e Inteligência
“A alma humana possui uma disposição inata para despojar-se da sua
natureza humana, no intuito de revestir-se com a natureza dos anjos e de
tornar-se realmente um anjo”.
Arnold J. Toynbee “Um Estudo de História”
***
A inteligência é daninha, quando não acompanhada da moral.
O autor
***
O amor é a grande força reparadora das chagas da nossa alma e é com ele
que apagamos todos os erros e sofrimentos.
O autor
PIRAJU SP
2011
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SABEDORIA E INTELIGÊNCIA
Luiz Caramaschi
1.ª edição março de 2011-01-01
Capa:
Thiago Retek Perestrelo
Digitação, diagramação e revisão
Antonio Arruda e Caleb Caramaschi
Nova Ortografia:
Livro revisado de acordo com o Novo Acordo Ortográfico da ngua Portuguesa, de 2008
Ficha catalográfica elaborada na editora
Caramaschi, Luiz (1919-1992)
Sabedoria e Inteligência, Luiz Caramaschi, 1.ª edição, março de 2011,
Editora Associação Filosófica “Luiz Caramaschi”, Piraju SP
240 p.
CDD 107
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Sumário
O porquê do nome “Sabedoria e Inteligência
Prefácio
1 As posses materiais
2 Processo civilizatório
3 A hiperconsciência
4 Pensar por teses em vez de por conceitos
5 Falando a respeito de Deus
6 Reencarnação
7 O divórcio
8 Falando do amor como elemento primordial na formão do Universo
9 Educação
l0 Educação e transmissão de cultura
1l A hora da síntese de todas as filosofias
12 Egoísmo dilatado
13 A liberdade da mulher
14 Comportamento sexual da mulher brasileira
15 O aborto
16 Filantropia e caridade
17 A liberdade
18 Materialismo
19 Ultrapassagem da 2.ª Lei da Termodinâmica
20 Hipnoespiritismo
a) Por que divulgar o hipnotismo
b) Hipnopédia
c) Hipnotismo e Espiritismo
d) Hipnotismo arte e ciência
e) Monopólio em hipnologia
f) As vantagens do hipnotismo
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O porq do nome “Sabedoria e Inteligência”
É muito comum as pessoas tomarem a palavra inteligência por sabedoria. Esse
erro acontece porque o ser humano atribui erroneamente um valor muito grande à
inteligência.
Incidindo nesse erro, existe até seita religiosa que sentencia: “Deus é a
inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.
Inteligência vem de inter, que quer dizer entre, e legere, que significa ler;
inteligência é ler, ou apanhar, ou apreender, ou captar nas coisas ou entre elas o nexo que
as interliga e lhes dá sentido.
Deus não pode, em hipótese alguma, levar esse atributo. A inteligência é própria
do homem que perquire sobre as coisas para compreendê-las. O homem, sim, pode ser
inteligente e ler claro e rápido o nexo que interliga as coisas.
Deus, sendo infinito, não pode ser definido, e qualquer esforço nesse sentido é
improfícuo, pois, sendo infinito, é indefinível, e se fosse definido já não seria Deus.
Jesus Cristo, sentindo essa dificuldade, atribuiu a Deus rios nomes que
também guardam esse “quid” de infinito que são: amor, luz, sabedoria, bondade. Nomear a
Deus com qualquer dessas palavras satisfaz a necessidade humana de dar nome às coisas.
Sendo o amor e a luz, de natureza energética, são substanciais, não definem a Deus, mas
mostram com que substância Deus criou tudo o que existe.
Os editores
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PREFÁCIO
LUIZ CARAMASCHI levou uma vida quase que exclusivamente de estudos, meditando e dedicando-se a
pesquisas das obras dos grandes filósofos, os quais eram examinados com a maior isenção possível, não
importando as tendências ou as épocas em que foram escritas, tendo diante de si um painel extremamente
variado. Como conseqüência dessa dedicação incomum aos estudos e às pesquisas e de sua aguda inteligência,
deixou-nos um enorme acervo de obras de natureza filosófica.
“SABEDORIA E INTELIGÊNCIA”, que ora vem à luz, contém 20 artigos abordando assuntos variados que
trazem uma mensagem comum: o enfoque da busca da verdade em face de uma nova perspectiva, onde a
verdade é interpretada como o resultado da esplendorosa LUZ DIVINA, que é o AMOR.
As obras do Autor estão editadas em 16 volumes, dos quais 6 foram impressos durante sua vida, e são
eles: Sermão dos magos e pastores, Um estudo do nosso tempo, Grandes Pontífices, Nova perspectiva da Filosofia,
Filosofia do Espiritismo, O código postal e a raposa sabida.
Ao falecer, em 11 de outubro de 1992, deixou vários pacotes de manuscritos, devidamente ordenados de
forma a facilitar a sua classificação e preparo para remessa à gráfica e serem publicados. A preparação final para
impressão dos livros coube à ASSOCIAÇÃO FILOSÓFICA LUIZ CARAMASCHI”, que exerce suas atividades na cidade
de Piraju e tem como objetivo principal a impressão, conservação, e divulgação das obras de LUIZ CARAMASCHI.
As obras editadas “post-mortem” são as seguintes: Terceira jornada filosófica, De volta do caos, Serões teológicos
e filosóficos, Egoísmo sábio, O homem, o mundo e Deus, a Sabedoria é finita, Sermões, O malho e o cinzel e
Sabedoria e inteligência, objeto deste prefácio. Todas estas obras se encontram no site da Associação Filosófica e
no Portal Domínio Público, biblioteca digital do Ministério da Educação.
A presente obra, a décima sexta do acervo, que ora vem a público, é, como dissemos, uma coletânea de
20 artigos, de natureza filosófica, de fácil compreensão em virtude da capacidade inegável do autor em abordar
assuntos complexos de forma clara e didática. Nesta obra, constituída por artigos e palestras proferidas pelo
autor, ele volta a sua atenção para variados campos do saber humano, com seu raciocínio preciso e atilado.
A leitura desta obra, seguramente, levará o leitor a uma profunda reflexão sobre os fundamentos da
existência humana, contribuindo de maneira decisiva para uma VIVÊNCIA MAIS FRATERNA E FELIZ.
Mário Felipe
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01 - As posses materiais
Jesus Cristo, em seu Evangelho, não deixou doutrina expressa concernente às
riquezas. Na parábola do rico e de Lázaro, o rico é posto no inferno, ao passo que Lázaro é visto
no seio de Abraão. Mas o que levou o rico ao inferno não foi a riqueza, e sim a falta de caridade
que não deixava para Lázaro nem as migalhas da sua mesa. Estando no inferno, após a morte,
vendo, o rico, a Lázaro, no seio de Abraão, pedia ao pai Abraão permitisse que Lázaro o
refrigerasse das chamas com uma gota d’água pingada da ponta de um dedo. O pai Abraão disse
haver um abismo entre eles. Então, pediu o rico, que alguém lá no mundo, e que previna seus
irmãos, também ricos, a fim de que não venham também cair aqui. Responde-lhe o pai Abraão:
eles m Moisés e os profetas; ouçam-nos. Se os não ouvirem, tampouco farão penitência,
ainda que ressuscitem uns dos mortos.
Noutro lugar do Evangelho, Cristo foi convidado para um banquete. Foi isso na casa
de Simão. E quando Cristo já, na mesa do rico Simão, esperava pelo banquete, pela porta
adentro entrou uma mulher que se aproximou de Cristo, e, abrindo um vidro de perfume,
começou a lavar os pés de Cristo e a enxugá-los com seus cabelos, ao mesmo tempo que os
beijava. Simão disse lá no seu recôndito de si consigo: se este homem fosse profeta havia de
saber que mulher é esta que lhe lava os pés. Cristo, percebendo o pensamento de Simão, disse
assim: Simão, eu tenho uma coisa para te dizer.
Dize-o, mestre.
Um homem deve cem dinheiros para o seu senhor; e outro deve dez. O senhor
perdoa a ambos. Qual deles fica mais agradecido?
É aquele a quem mais foi perdoado.
Pois é o caso desta mulher; por causa disto é que eu digo que os seus pecados lhe
são perdoados.
A interpretação do texto é que Simão é um devedor de dez e a mulher, de cem; e
Cristo havia perdoado a ambos, e a mais reconhecida era a mulher, e por isso lavava os pés dele
com suas lágrimas e com seu perfume, ao mesmo tempo que lhes beijava. A respeito de Simão
ele disse o seguinte: eu vim à tua casa e tu me não lavaste os pés, assim como fizestes aos
outros; tu não me deste o ósculo, do jeito que osculaste os demais convivas. Tu não me lavaste
os pés, e esta mulher não cessa de os lavar com perfume; tu o me deste o ósculo; e esta mulher
o cessa de oscular os meus pés. Por causa disto lhe digo que os seus pecados lhe são
perdoados.
Analisando o ocorrido, a gente chega à conclusão de que Cristo fora convidado para
aquele banquete da casa de Simão o como uma pessoa respeitável, porque, se o fora, ele teria
sido tratado como os demais convivas. Se era costume lavar os pés de todos aqueles que chegam
à porta, lavasse também os pés de Cristo. Se era costume beijar aos que se recebiam à porta,
osculasse também a Cristo. Se houve uma discriminação, é certamente que pretendiam fazer de
Cristo uma zombaria. E é esse o ponto. O rico, de um modo geral, tem a mania de se julgar
superior, e esta é uma das razões da perdição do rico. Por isso que uma das provações mais
duras, mais difíceis, é a da riqueza. E os homens vivem trocando de posição, é riqueza e
pobreza; é como se fora uma roda de carro que uma hora está em cima, no ar, e outra hora está
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embaixo no barro. E cada vez que está em cima, no ar, nessa existência, o sujeito usa e abusa da
riqueza criando a consequência de, na outra existência, estar embaixo, no barro, na pobreza. A
sabedoria, por conseguinte, consistiria em não pretender a riqueza, mas uma situação razoável
o riqueza, mas não pobreza também. Situação mediana que para satisfazer as necessidades
todas, mas sem essa possibilidade de perder-se não somente a si como também aos seus. Porque
quando um homem se dispõe a buscar a riqueza, ele não se lembra de que está pondo a perder
o a si próprio como também a família. se disse que quando o avô é rico, o pai é
remediado, o neto é pobre. Porque este não se ocupou de desenvolver coisa nenhuma; ele ficou
pensando na riqueza que ia ter de herança, por isso não se ocupou de estudar nem de ter uma
profissão, o se ocupou de fazer alguma coisa louvável, e a consequência foi ficar sem nada.
Existe uma história que é a mesma de Jó pelo avesso. O diabo fez uma aposta com
Deus que era capaz de perder um homem justo, do mesmo modo como foi feito com Jó. que
era um homem rico e o diabo o fez pobre. Mas como a pobreza reforça o sujeito na virtude,
como aconteceu com , a riqueza afrouxa essas possibilidades. Então, a sabedoria do diabo
consistiria exatamente em fazer o oposto do que ocorrera a Jó, como é nesta história.
Havia um sujeito que morava num lugar, trabalhador, modesto, cuidadoso de sua
mulher, de seu filho, de sua filha, lavrando um pedaço de terra. Deus olhava aquele homem com
carinho, até que o diabo, semelhante ao caso de Jó, se dispôs a perseguir aquele homem, a fim de
-lo cair. De começo principiara a persegui-lo atrapalhando os negócios dele. Enquanto ele,
após o almoço, ia descansar-se sob uma árvore, o diabo espalhava a sua junta de bois, quebrava
os canzis, e o homem tinha todo aquele trabalho para r tudo em ordem outra vez. Passado
certo tempo o diabo, caindo em si, pensou que aquele não era o caminho. O caminho seria fazer
o homem ficar rico. Assim, quando o homem plantou sua semente, o diabo o auxiliou, vindo ele
a colher muito mais do que o esperado. E plantando mais, sempre colheu mais que o previsto. As
coisas começaram a crescer, a situação principiou a melhorar-se, o homem começou a ficar cada
vez mais desenvolvido na sua agricultura, começou a sobrar o dinheiro, com o qual ele comprou
os terrenos vizinhos, depois mais outros, até que adquiriu tanta terra que se perdia de vista os
seus donios, o se podendo ver os limites dos domínios daquele homem.
E no meio daquela enorme riqueza a filha dele se extraviou, andando pelos
apartamentos em promiscuidade com rapazes; o filho dele ficou doidivanas, ou seja, leviano,
ocupado sempre com coisas sem nobreza nenhuma. A mulher foi a única que, porque religiosa,
se manteve fiel ao modo antigo e austero de viver.
Assim foi até o dia em que o homem, alcoolizado, acabou por brigar com um dos
convivas em uma de suas festas, o qual assassinou. a justiça começou, por meio de
advogados, a fazer o jogo de tirar tudo o que ele tinha, de modo que, ficando na miséria, acabou
indo para a cadeia. De maneira que o homem que tinha tanto, acabou seus dias na prisão. A filha
transviou-se tornando-se numa prostituta. O rapaz tornou-se num andarilho, vagabundo. Tudo
por causa da orientação dada àquela fortuna, àquela riqueza.
Todo mundo se dispõe a ganhar na loteria esportiva; todos gostariam de receber um
prêmio grande. Mas ninguém cai em si para saber o perigo que tem uma grande fortuna, não
para si como para os seus; o só para seus filhos como para seus netos, bisnetos, etc. É muito
mais provável que ele sendo pobre tenha uma descendência sadia do ponto de vista espiritual, do
que sendo rico, milionário. A história da família do milionário não é igual à história da família
do pobre, do ponto de vista espiritual. De maneira que se um homem tiver de chorar pelos seus
descendentes, tê-lo-á de fazer se for rico. Eu não estou falando da miséria; estou falando da
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pobreza, do indivíduo que dispõe de certo recurso que o faz remediado, mas não rico. Essa
vida, do ponto de vista econômico morigerada, que para educar os filhos, e faz que estes
entendam que precisam estudar, que eles têm que fazer sua parte, que eles têm que se esforçar,
que cada um tem de criar o seu, que tem de desenvolver-se, os filhos têm que formar essa
consciência e não ficar esperando a herança do avô, dizendo: eu não preciso nem pensar em
trabalhar por causa do meu avô.
Pouco há, tive ciência duma mulher que manifestava a dúvida sobre se mandava o filho
estudar, ou mandava para uma das suas três fazendas. Então, ela se perguntava: mais um
dico? Ou mais um advogado? Estudar por quê? Na sua concepcão, para ser fazendeiro ele
o precisava estudar. A fazendeira não atinou para o fato de que dando educação ao filho, não
se tratava de ter somente mais um médico, e sim um homem culto, que passou por uma
universidade. Estuda-se para ter mais luzes. Não vale o argumento que diz: todo mundo trabalha
por causa de dinheiro; ora, eu tenho o dinheiro; logo não preciso trabalhar. Ou então como
aquele outro que pensa assim: o sujeito que estuda o faz para exercer uma profissão e ganhar
dinheiro por meio dela. Ora, eu já tenho o dinheiro; logo não preciso estudar. Eu o preciso ser
dico, nem advogado, nem engenheiro, não preciso sublimar-me em curso nenhum superior,
porque tenho dinheiro! Quando o dinheiro é posto nessa situação, ele é um mal. Por isso o
Cristo, sabendo do perigo do dinheiro, que sempre houve abuso no seu uso onde quer que ele
ficasse acumulado, afirmou que “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do
que um rico entrar no céu”. Alguns estudiosos do Evangelho dizem que agulha era o nome de
uma pequena porta que existia nas muralhas. Naquele tempo e hoje ainda, muito raramente a
gente acha um rico que faça alguma coisa que não seja abusiva. Sancho Pança diz assim no
Dom Quixote”: “As tolices dos ricos passam por sentenças no mundo”. Pois se o rico não abre
a boca a não ser para falar de dinheiro e de como ganhá-lo, e não tendo nenhuma capacidade
acima disso, temos de concluir que o seu desenvolvimento é precaríssimo. Por isso o Evangelho
silenciou a respeito da riqueza.
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02 - Processo Civilizatório
(Carta ao Irmão Seth)
Quando recebi seu trabalho “Processo Civilizatório”, ao lê-lo, fui anotando umas
coisas para discussão posterior. Não se trata de crítica refutatória, e sim, de coestudo; pelo
menos esta é a minha primeira intenção, ao analisar esse tema. No entanto, como já o disse em
minha carta anterior, estava ocupadíssimo com as reformas em minha casa. Agora, livre daquela
pensão, e com saudades da pena, volto ao assunto.
A respeito de entropia, desde que essa palavra significa reversão, ou volta, fica
entendido que se trata sempre de um arrepio de caminho, de um desandamento, de um andar ao
reverso, de um retorno ao ponto de partida. Como se sabe, o mundo de Heráclito é o do
movimento incessante. Como tudo muda, nada é... si mesmo em dois tempos sucessivos. Contra
este mundo do vir-a-ser, do devir, Parmênides propôs o seu mundo do ser... que sempre é si
mesmo, o qual, conseguintemente, é fixo, parado, imutável, intemporal (eterno), etc. Daqui, o
dualismo metasico que dominou a filosofia até hoje.
Parmênides pensava num mundo fixo, parado, imutável, eterno, que, para ele, é o
mundo do ser. O de Heráclito, em contraposição frontal, é o mundo do não-ser. Disto nasceram
duas lógicas: a da Natureza ou heracliteana que afirma: nada é igual a si mesmo; tudo se
contradiz como se presume, em dois tempos sucessivos. A lógica parmenídica, propriamente
lógica, diz: tudo é idêntico a si mesmo; nada se contradiz. Por que esta discrepância? Porque a
palavra tudo para um filósofo não é o mesmo para o outro. O tudo de Heráclito se referia a
coisas reais, objetivas, exteriores a nós, ao passo que o tudo de Parmênides dizia respeito a
objetos ideais, subjetivos, a entes de razão que não existem, porque não estão nem no tempo,
nem no espaço. O mundo de Heráclito existe mas não é. Existe, porque está no espaço-tempo;
mas não é, porque se acha, incessantemente, em movimento ou transformação. O mundo de
Parmênides é, porque não muda, porém, por esta mesma razão de não mudar, não existe. Estas
duas posições antípodas, como dois parêntesis dentro dos quais se desenvolvem todas as
filosofias (Ortega y Gasset), resumem-se em duas palavras: ser e existir.
Platão procura conciliar estas oposições (tese e antítese) numa síntese, o Topos
Uranos que é e existe, e o que lhe saiu foi um mundo tal qual este nosso. O que de diferente
entre este nosso e aquele mundo celeste de Platão? A diferença consiste em que o mundo celeste
é propriamente mundo, dado que esta palavra significa puro, limpo, imaculado. O nosso, então, é
o imundo, porque impuro, sujo, maculado que é pela ignorância, miséria, dor, sofrimento e
morte.
A civilização, logo, é um esforço para atingir o seu objetivo: o mundo de Platão, ou
seja, a reversão à ordem que havia antes, e da qual as almas saíram, ficando sujeitas, no dizer de
Platão, ao Esquecimento e entregues à Necessidade Cega. Aqui, também, portanto, a entropia
do universo tende para um máximo”, este que é o segundo princípio de termodinâmica,
enunciado no século XIX.
Acaso o mundo celeste, o Topos Uranos, é parado, morto? Parado na sua perfeição,
mas não morto; parado qual o espermatozóide, o óvulo, o martelo e as coisas todas que não têm
por onde evoluir. Este, o estado de máxima entropia... que é o mesmo que o de máxima ordem
interna, máximo equilíbrio intrínseco, máxima harmonia e paz interiores, e, para o homem,
máxima felicidade.
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Você concorda comigo que as palavras não são criadas a esmo, mas me adverte
que, em compensação, elas “apresentam aspectos plurifocais”. O uso faz com que os vobulos
apresentem conotões diferentes. Após esta justificativa, me acrescenta: “Você fala de
movimento e eu de trabalho, que é um movimento que conduz o ser a um objetivo, etc.”. Não é
que eu falo de movimento que tende a cessar no repouso, quando se atinge a máxima entropia,
no equilíbrio de forças do universo.o o digo eu; dizem-no os que estudaram a energia
calorífica no século XIX. Daí que entropia é também chamada princípio ou ciclo de Sad Carnot.
Foi, porém, Clausius (l850) que deu ao princípio sua expressão matemática rigorosa. Suposto
que essa nova conotação de entropia não é invenção sua, de que fonte você tirou?
Vejamos, agora, como o princípio de entropia, em sua abrangência, pode abarcar o
problema da felicidade. De acordo com sua definição, a felicidade é impossível. Você escreveu:
Por felicidade entendemos a satisfação plena de todas as necessidades. As
necessidades, por sua vez, são ilimitadas, e limitados, até aqui, os meios para satisfazê-las. Pode-
se portanto aquilatar a dificuldade de atingir a FELICIDADE”. E no trabalho suplementar
repetiu:
“A felicidade deve consistir na satisfação de todas as necessidades, mas conservando
a possibilidade de se criar novos desejos, cuja satisfação exige trabalho, com movimento e vida,
conferindo a manutenção da felicidade, sempre plena”.
Se recursos finitos servem a necessidades ilimitadas, sobram necessidades por
satisfazer; como a felicidade consiste na satisfação plena de todas as necessidades, não sendo
elas satisfeitas, geram mágoas, desgostos. Logo, a felicidade é impossível.
Buda, desesperado de conseguir a felicidade pela satisfação dos desejos sempre
renovados e ampliados por desejos novos, saídos todos da alma... que é uma mina de desejos,
optou pelo aniquilamento: um desejo que se deve ardorosamente cultivar: é o desejo de
o desejar nada, nem mesmo o desejo de ser. Atingido este limite, cessa o ser, e, com este, o
desejar. Para Cristo, a felicidade consiste em desejar sempre e o bem; nunca, o mal. Para
Platão, a felicidade consiste em desejar só a sabedoria, dado que ela permite saber que outras
coisas, além dela, convém ou não desejar. São Paulo disse: Tudo me é permitido, ou tudo
posso, mas nem tudo me convém”. O pecado pode ser desejável, e a virtude, aborrecida;
contudo, ninguém, jamais, nunca, será feliz pelos caminhos do cio, do pecado. Por causa desta
sabedoria, Sêneca recomendava: “Escolhe o melhor, e o hábito o tornará agradável”. A prova de
que Sêneca estava certo, em sua sábia recomendação, veio muito mais tarde, com Pavlov, que
aplicava choques elétricos aos seus cães de pesquisa, na hora de eles se alimentarem. Os cães
ficavam nervosos, batiam-se contra as correias, gritavam, ganiam. Depois de muitas repetições,
quando eram aplicados os choques, os cães sacudiam as caudas. Um observador do fenômeno
disse, então: agora entendo por que os cristãos enfrentavam as cruzes, as feras e as fogueiras, em
Roma, cantando. O masoquista gosta de apanhar; o sádico, de bater. É por este caminho
senecano de cultivar o melhor que o santo sente prazer na virtude. É por este caminho que, como
diz Huberto Rohden, o santo goza a vontade de Deus, no mesmo passo que o pecador a sofre.
Coerente com isto, tudo o que quer o ignorante é exacerbar suas funções biológicas,
tornando-as subanimalescas até o mais extremado requinte, perto das quais se tornam ingênuas e
puras as necessidades animais mais simples. Homens e mulheres imaturos da atualidade casam-
se, e, pouco depois de se extinguir o mais ardoroso fogo do cio, dizem que “o amor acabou”,
acrescentando cada um: “e eu tenho direito à felicidade!”. Felicidade que consiste na satisfação
de todas as necessidades, sem classificação nem hierarquia.
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Ora, então, como entendo que é? Pois entendo que um átomo alcança sua
quietude externa quando tem sua camada eletnica periférica, chamada química, completa, isto
é, saturada de elétrons. Para conseguirem este equilíbrio, os átomos se combinam em compostos
estáveis. Desde quando o cloreto de dio está salgando os mares em todo o mundo? O
movimento interno existe sempre, pois dele decorre o existir dos átomos, da matéria a qual
parece, até estar eternizada na montanha; porém, fora de si mesmos, nada mais procuram. Cada
subsistema busca sua perfeição interna, sua ordem, sua entropia máxima, e nela repousa; e é
neste estado que pode entrar na formação de outros sistemas maiores, mais altos e mais
complexos na hierarquia.
Entrar não é bem o termo, porque, na verdade, trata-se de ser tomado pelo sistema
mais alto, e não porque o menor quisesse entrar para o sistema maior. O santo, o sábio qual
ocorre como o átomo que alcançou sua harmonia interna, sua paz, sua felicidade (“o reino de
Deus está dentro de vós mesmos” – Cristo) não vai arder-se por nada exterior glória, riqueza,
poder; no entanto, podem ser o santo e o sábio aproveitados pelo sistema maior no qual eles
atuam alegremente. Este o motivo por que Platão achava que o rei devia ser filósofo, ou, o
filósofo, rei. E crates explica como isto de fazer-se; diz ele: o há de ser o bom governo
que vá procurar os que precisam ser bem governados; pelo contrário, os que precisam de um
bom governo é que o de procurar quem bem os governe. Não é o médico, diz, que vai procurar
os doentes, mas, o contrário, os enfermos é que hão de ir procurar quem os cure.
Da Natureza, do Universo, eis o Decreto ab initio: Nenhum sistema poderá formar-
se, a não ser pela integração de sistemas menores, e estes, de outros ainda menores, até o
infinitamente pequeno. Todavia, é condição sine qua non que os subsistemas, a partir dos
infinitesimais, para serem incorporados nos maiores, hão de estar prontos, completos, acabados,
perfeitos, não mais sujeitos à evolução que, ipso facto, é finita. Disto se tira que, a despeito de os
homens não se cansarem de imaginar sistemas de governo perfeitos, nenhum regime potico-
social funcionará a contento enquanto os homens continuarem os mesmos involuídos de sempre.
Em razão disto, não outro caminho que não seja o de o homem construir-se a si
mesmo, tornando-se santo e sábio, para poder, depois, formar consigo e a partir de si os escalões
mais altos do social. No entanto, quando o homem se torna a si mesmo santo e sábio, então ele
terá atingido a quietude externa ou estado de entropia máxima (ordem, harmonia, equilíbrio,
paz), seguindo-se disto que a felicidade não se realiza com multiplicar necessidades ao infinito,
com permitir que a alma se torne numa mina de desejos; pelo contrário, a felicidade consiste em
reduzir as necessidades animais ao estritamente indispensável, em vencer as imperfeições, em
acabar com a sede de riqueza, de honra, de glórias, em aceitar o mando como cargo, como carga
que cumpre carregar às costas, e não fazer do cargo deliciosa carruagem, como sói acontecer.
Foi pensando nisto que Sócrates declarou: “Se existisse uma cidade de homens honestos, haveria
competição para fugir ao poder, como hoje há para o conquistar”. A luta pelo poder vem de que,
como diz Vieira, os que acorrem ao cargo não vão tanto a enchê-lo, mas, a encher-se com ele.
Assim como, se o átomo não atingir sua perfeição, sua ordem, sua entropia máxima,
o pode ser utilizado pela molécula, igualmente esta, também, se não estiver formada, não pode
entrar para nenhum sistema superior. Obediente a este Decreto da Natureza do Universo, os
escalões superiores do social dependem de que o homem se tenha edificado a si mesmo até o
limite da sabedoria e da santidade. O caos social existente hoje, portanto, guarda paralelo com o
caos atômico, de antes de os átomos se formarem... no seio do Colosso Primitivo, e do caos
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molecular, muito mais tarde, e isso para não falar do caos vital, que é o de quando a Vida
ensaiava construir suas formas mais rudimentares.
A vida que atingiu sua suprema plenitude, tornando-se tranquila no santo e no sábio,
que é o mesmo que entropia máxima, acaso deixou de ser vida? Vivo, então, seria o animal
que vive na alteração (alter = outro; ação = movimento, mudança), aberto sempre para fora, para
o ambiente cheio de perigos, sem nenhuma possibilidade de ensimesmar-se, de entrar em si, de
estar consigo, de meditar? O homem, então, há de ser fuão do meio, e viver de
reações, e o, também, vice-versa? Se o meio age sobre mim, mas eu posso mudar o meio,
então, mudo-o, e, por meio dele, mudo-me a mim. Os transeuntes das ruas, aos milhares, na sua
maioria, vivem na alteração, como diz Ortega dos animais selvagens; querem alcançar a
felicidade com multiplicar necessidades, com estimular desejos, com exacerbar instintos
animalescos, com viver a vida para fora, em correrias para lugar nenhum, quando a vida, na sua
forma mais sublime, é profundeza tranquila, livre das ondas e borrascas que nunca cessam de
fustigar os penhascos.
Sendo a entropia o retorno ao estado de equilíbrio, à paz e quietude, à felicidade que
eram no princípio, antes da queda dos espíritos no caos, então não para o Universo, senão
também para o homem, essa entropia tende para um máximo. O prólogo de tudo quanto
esteve nos Céus, seja segundo Platão, com o seu Topos Uranos, seja segundo Cristo, com a sua
Jerusalém Celeste, sustentando, um e outro, Platão e Cristo, que o que foi prólogo também será o
epílogo, perfazendo o Universo um grande rculo com o ponto de partida e o de chegada, no
mesmo lugar.
Tal afirma Platão, para quem as almas, uma vez criadas pelo Demiurgo (que age em
nome de Deus, que é o Sumo Bem), são postas a contemplar as Formas Arquétipos no lugar
celeste, sendo, depois, levadas para os vários planetas em que, ao se encarnarem, se esquecem
do que viram e gozaram no Topos Uranos. Aí, nos planetas, esquecidas do passado, ficam
sujeitas à Necessidade Cega, à roda das reencarnações, a fim de se depurarem, após o que
retornam ao Céu, o qual, agora, recebe o nome de Ilha Afortunada. Qual é, logo, a diferença das
almas quando saem e quando retornam? Quando saem da cratera do Demiurgo assemelham-se a
bonecas, todas iguais, de massa prensada em rmas, numa fábrica. Quando retornam, estão
diferenciadas, individuadas, cada uma sendo si mesma, tal qual diz São Tomás a respeito dos
anjos ao afirmar que “cada anjo é uma espécie”. As bonecas de nossas fábricas, tamm, saídas
da fôrma, tal qual saem as almas da cratera do Demiurgo, são levadas à seção de pintura e
vestuário, e umas ficam brancas, outras morenas ou pretas; igualmente, umas fêmeas, outras
machos, e todas de roupas variegadas, de acordo com suas características específicas. Assim,
também, com as almas que saem indiferenciadas e retornam cada uma só si mesma, única na sua
espécie.
Que paralelo pode haver entre esta doutrina de Platão pregada quatrocentos anos
antes de Cristo, com a deste, que é o marco zero da história? O Deus de Platão é o Sumo Bem, e
o de Jesus, o Pai Amantíssimo. O Deus de Platão age pelo seu Demiurgo, e o Pai Celeste de
Cristo age pelo seu Verbo que é o mesmo Cristo, representando este (tal Pai, tal Filho), o Amor.
As almas retornarão ao lugar celeste, segundo Platão, quando expungidas de todas as
imperfeições, pela sabedoria. Isto mesmo hão de fazer as almas para salvar-se, que, em lugar
da sabedoria, Cristo põe o amor, o que vem a dar no mesmo, porque sabedoria e amor são uma e
mesma coisa. As almas, para Platão, desde sua criação na cratera, postas a contemplar as
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Formas, da ida para os planetas, da expunção paulatina das imperfeições e da volta para a Ilha
Afortunada, percorrem um grande círculo. E Cristo?
Ele, como Amor que é, e falando como se falara o mesmo Amor, afirma de si
mesmo: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, o primeiro e o derradeiro”, (Apoc.
22,13). Ora bem: seja o que for que comece e termine no mesmo lugar, percorre um rculo.
Cristo disse ser o Princípio e o Fim, e por que não, também, o meio do ciclo? Simplesmente
porque o meio do ciclo é o Caos em que caíram os Espíritos celestes, grande parte dos quais se
desfez, pela descensão das energias até sua transformação em matéria (energia = matéria),
último reduto da queda dos Espíritos, Caos esse do qual, de acordo com a ciência moderna, saiu
o Universo.
Daí que sendo Cristo o Amor... e também o Verbo pelo qual o Pai age, Verbo e
Amor são a mesma coisa. Substituindo, então, como em matemática, a palavra Verbo pela
palavra Amor, temos:
NO PRINCÍPIO era o Amor, e o Amor estava com Deus, e o Amor era Deus. Todas
as coisas foram feitas por ele (Amor), e sem ele (Amor) nada do que foi feito se fez” (Jo 1, 1 a
3). Logo, o Amor, que é energia-substância, pode, pela transformação das energias, tornar-se
matéria.
Eis que a máxima entropia é o Amor para o qual tudo tende, porque foi de onde tudo
saiu no prístino passado cósmico. Não é o calor (energia térmica) o ponto final na transformação
das energias umas nas outras, como se pensou no século XIX, e sim, o Amor, que é de onde tudo
emanou, e para onde tudo retorna, reverte.
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03 - A Hiperconsciência
Que é o instinto, senão o que se estabilizou, pela repetição, em automatismo quase
cego? Mas por que quase cego, e não cego? Porque se bem o raciocínio não interfira no processo
mecânico do instinto, todavia ele interveio na sua formação, e intervém sempre que haja
pequena variação entre o que se sabe e o que se tem a fazer. Instinto é hábito inato. É todo o
hábito que, de tão repetido, enraizou-se no espírito, acompanhando-o em todas as existências.
Uma bailarina só o é, de fato, quando não pensa nos passos que de dar; assim será o
musicista; assim, o datilógrafo. Mas como? Se o homem pensa para formar o automatismo, o
animal não pensa! Se o animal não pensa, o instinto não é hábito cultivado, ou automatismo feito
pelo repetir. Digo que o animal pensa rudimentarmente, e hei de pro-lo; esta será uma das
dificuldades das que hoje examinarei.
Que é o pensar, senão o medir o que se acha fora de nós? Pensar é avaliar, ponderar,
medir!, e quem avalia, pondera, mede, poderá fazê-lo sem número, peso, medida? Logo, a
consciência é número, peso, medida, com que se há de avaliar o que esfora, com o que está
dentro.
Mas como surge a consciência? Surge do mesmo modo por que cresce ela! Ela
cresce avaliando o que está fora com o que está dentro, e incorporando tudo como patrinio
seu; mas o animal não tem nada dentro, isto é, não tem ainda consciência, logo, como de
crescer se não tem nada dentro para comparar com o que está fora? Neste ponto a consciência
nasce.
Quando o ser nada tem dentro de si para comparar com o que lhe vem de fora, faz
ele o que faz o homem em face de um problema inteiramente novo: age por tentativas, e chama-
se a esse método o dos ensaios-e-erros. Tentando, loucamente, faz o ser o que já havia feito
antes, e isto aqui já é conhecimento. Tentando de mil modos descobre a solução, e toda vez que
um problema semelhante surja, o meio que o levou à solução será aplicado, logo, se será
aplicado o meio, é que este está guardado no íntimo do ser; eis aí a consciência. Assim se vão
sucedendo as experiências, e o ser enriquecendo-se com os resultados. Agir por tentativas, pois,
é já pensar rudimentarmente. Aqui está como o animal raciocina rudimentarmente ao resolver o
seu problema, qual seja, por exemplo, o de escapar duma gaiola.
Agora direi que raciocinar é empregar o método dos ensaios-e-erros, tal qual faz o
animal, porém interiormente, na consciência. Quem raciocina está experimentando, medindo o
que desconhece com o conhecido que está dentro. Esta experimentação é interior, e diz-se, por
isso, abstrata. O homem gasta tempo neste processo puramente abstrato, que no animal seria
concreto e feito de movimentos. Às vezes tem o homem que concretizar seu pensamento com
esquemas, com gestos, com números, para auxiliá-lo a formar-se. Raciocinar é, pois, empregar o
todo dos ensaios-e-erros, abstratamente, na consciência. Quanto mais atrasado é o homem, e
mais desconhecido o que ele estuda, mais dificuldade tem em pensar, e mais necessidade tem de
concretizar o pensamento. Chegado à solução se vai, então, à prática, à experiência; falhando
ela, que se refazer tudo de novo, levando-se em contra o fracasso, que tamm é experiência
útil.
Este raciocínio moroso, tardo, dificílimo, eivado de referências materiais, que se
verifica no homem intelectualmente inferior, vai se tornando acelerado, rápido, no homem
evoluído, ainda que, no tempo que se o estude, não tenha ele cursado escola. O raciocínio, com o
perpassar dos séculos, se vai tornando cada vez mais abstrato e mais veloz. Como todo o ato pela
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repetição tende a estabilizar-se em automatismo, o raciocínio, sendo um ato da consciência,
pela repetição, tende por sua vez a estabilizar-se em instinto. Torna-se, no homem, mecânico, o
raciocinar; o julgamento se torna maquinal; o homem raciocina inconscientemente, isto é, sem se
aperceber de como o faz, e sem esforço algum; a visão se lhe torna cada vez mais clara, mais
tida, a onda menos tarda, o pensamento menos muscular, menos material, e antes mais
abstrato, mais espiritual, mais veloz portanto. Eis como a consciência, com ser dimensão
planimétrica, se multiplica pela linha do instinto, para que surja o volume da hiperconsciência,
cuja unidade de medida não mais é o raciocínio, mas, a intuição. Intuição é o saber por instinto,
preciso, imediato, como o é este.
Quando o pensamento, pela sua abstração, perde o contato com as formas concretas
ou imagens materiais, a velocidade do processo se torna infinita; o raciocínio (que é cadeia de
idéias) torna-se infinito e intuitivo. Intuição, pois, o é suposão ou palpite, como muitos
erroneamente pensam, senão, visão clara, abstrata, instantânea do caminho exato. O intuitivo não
tem consciência do seu processo racional, mas, ele é racional, tanto como o homem comum,
porém seu raciocínio é elevado ao infinito, e o tempo das operações reduzido a zero; desaparece
aqui o tempo, cumprindo-se a profecia apocalíptica (Apc l0, 6). Quereis ver o intuitivo? Vede o
que é perspicaz, agudo, penetrante, profundo, instantâneo, o que sabe sem aprender, o que
sem provas, o que entende sem raciocinar (do modo comum), esse, o intuitivo.
Intuição é estado agudo de consciência, e não se no bronco, no tacanho, e sim no
gênio, ou no homem que deste se aproxima. Por causa desta enorssima capacidade de visão, o
intuitivo vai às generalizações, às sínteses cada vez maiores, chegando a ter certeza absoluta do
que nem pode explicar, por não haver palavras; chega à religião, o cultivada, mas, religião
natural, espontânea, entendida e sobretudo sentida; chega a Deus. Sente Ele, vibra, palpita, num
mundo de outra dimensão além da consciência, e aos racionais não se pode fazer entender; as
suas razões não as alcança a mediocridade, e ele vive só, no meio da multidão, isolado, nos seus
vastíssimos donios; o homem comum o não entende, pela mesma razão por que o burro não
pode saber no que pensa sua carga humana; proximidade evolutiva, e não espacial, é a que
garante a compreensão. É por causa disto que o caminho do gênio de ser de incompreensões,
de violência, de perseguições e de martírios. No entanto ele é o que conhece a Verdade, e esta o
libertou para sempre; ele, com haver chegado à síntese suprema, tem a visão do Absoluto,
impossível é abalar-lhe a fé; fala ele a linguagem do infinito e das estrelas; palpita no seu peito,
qual incêndio, a grande paixão do Belo, do Bem e da Verdade, que tudo é Deus.
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04 - Pensar por teses em vez de por conceitos
As teses ou sentenças são resumos de doutrinas vastas...?, e filósofo é aquele que
pode transpor o pensar por conceitos para o pensar por sentenças..., único modo de o se ficar
perdido na congérie dos fatos particulares, isolados. Eia, pois: pensemos por sentenças:
I Matéria e energia são, mutuamente, reversíveis ou redutíveis.
II Todas as energias são transformáveis umas nas outras.
Estas duas verdades científicas e experimentalmente comprovadas deram azo a que
Einstein propusesse a generalização, que não é mais do que pura tautologia, que diz:
III Todas as MATÉRIAS e todas as ENERGIAS do Universo podem reduzir-se a
denominador comum com o nome de ENERGIA-SUBSTÂNCIA.
IV Na Natureza nada se cria e nada se perde, mas tudo se transforma” (Lavoisier),
pelo que a ENERGIA-SUBSTÂNCIA do UNIVERSO é constante.
V uma degradação dinâmica ao se transformarem as energias de ondas curtas,
dinamicamente ricas, para ondas longas, dinamicamente pobres. Como, porém, pelo exposto no
enunciado IV, a energia-substância do universo é constante, o que se perde em dinamismo
energético ganha-se em qualidade evolutiva... não dimensionável pelos atuais instrumentos da
física. Isto possibilita a passagem para o enunciado seguinte.
VI Vida é energia-substância, visto não reduzir a ente de razão, a essência, ela
provém (e não mais de onde provir) do mundo dinâmico que lhe fica abaixo, constituído de
energia dinamicamente degradada, já fora do alcance do atual dimensionamento físico-
matemático.
VII Antes não havia vida neste nosso universo egresso do Caos. Depois surgiu a
vida, DO QUÊ...? Não pode ser senão de algo anterior modificado, e esse algo é o mundo
inferior à vida, feito de energias dinamicamente degradadas.
VIII Os sentimentos, as impulsões afetivas, os desejos, as emoções, a vontade são
forças que nascem da vida, pelo que, como esta, são energia-substância também.
IX A mais alta manifestação do sentimento é o AMOR, consequentemente, o
AMOR é a mais alta expressão da Energia-Substância.
X Como não posto a subir acima do AMOR; como não existe o super-amor ou
o trans-amor, ele se torna sem referência nem relação a algo acima de si, e isto o torna absoluto.
Sendo o AMOR absoluto, então, o AMOR É DEUS, ou, como intuiu São João: “Deus é amor” (I
Jo 4, 7).
Uma vez que a porção do Amor que é Deus, existente no santo, surgiu de baixo, por
evolução, procedente da vida que, por sua vez, brotou das energias dinamicamente degradadas; e
como não pode, o que é Deus, ser criado, nem evoluir desse nível divino para cima; e para
chegar a esse último estágio de evolução, o Amor teve de partir de algo que, no seu começo mais
remoto, era Deus, vem esta conclusão necessária!: Aquele AMOR que aparece no fim do
processo evolutivo, além do qual o mais subir, é o mesmo do princípio, de quando, em
PRIMEIRA INSTÂNCIA, os filhos do mundo celeste foram criados. Porque, se não tivesse
acontecido a INVOLUÇÃO... que antecedeu o CAOS do qual surgiu esta nossa FASE
EVOLUTIVA, teríamos este formidando estapafúrdio: o AMOR que é DEUS surgiu do CAOS
por evolução (!?). Como isto é absolutamente impossível, o contrário é que é a verdade: o
AMOR, que é DEUS, além de preceder a INVOLUÇÃO, quando da crião dos espíritos
celestes, ainda esteve presente sempre, desde o CAOS, como princípio que é de integração; e
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nada se formaria se esse princípio não atuasse, como, de fato, não atuou durante todo o tempo
da INVOLUÇÃO em que tudo caiu e se desfez no medonho CAOS.
Como o amor em nosso mundo evolutivo surgiu de baixo, da energia-substância
inferior, sendo o Amor, Deus, segue-se que o amor é o último estágio do retorno, ou volta ao que
era no princípio, ao que era antes da inversão e da queda acontecerem... A Energia-Substância
(AMOR) divina, individuada nos espíritos celestes, nestes, porque LIVRES, ficou autônoma até
para tornar-se no seu oposto, no egoísmo desintegrador. Em se dissociando o AMOR, surgiu
dessa desintegração aquele arquidilúvio de energias inferiores, as quais possuíam propriedades
inversas das de hoje: ao invés de, como agora é, as energias abrirem-se em ondas para a
periferia, fechavam-se desta periferia para o centro, como ocorre com os raios laser, que são
concentrativos, e não dispersivos. De tais raios se compunham as energias que se enrolaram em
partículas subatômicas... do que resultou o Colosso Primitivo que, perto de expandir-se por
rotação, media dez mil anos luz de diâmetro. Toda a matéria do universo, então, se achava nessa
fulgurante e massiva esfera... De tais energias centralizadas, pois, surgiu o CAOS, pai deste
nosso universo evolutivo. Essa é a razão de ser possível, agora, o movimento inverso do
movimento da queda, em que o amor retorna à sua prístina figura, ao estado primitivo, por
evolução.
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05 - Falando a respeito de Deus
O problema de Deus que se propõe é o eterno problema de querer racionalizar Deus.
Isso significa trazer algo que é transracional, que é hiper-racional, para o plano da razão. Não é
Deus não, mas todas as hiper-racionalidades são impossíveis de serem trazidas para o plano
da racionalidade. Não é Deus que não pode ser provado; Deus não pode ser provado como
o pode ser provado um postulado. Um postulado tem que ser aceito; e a partir desse postulado
que é aceito de fé, sem demonstração, sem possibilidade de demonstração, é que se vai erigir
toda uma ciência tão exata como as matemáticas. Se a veracidade da ciência está na veracidade
do postulado; se a veracidade do postulado está na veracidade da demonstração, então era
preciso que se demonstrasse o postulado para que esse postulado demonstrado possibilitasse que
se cresse nele para construir-se a ciência, ciência capaz de produzir seus frutos. No entanto, não
é desse modo; todas as ciências, nos seus primeiros princípios, nos seus albores, não têm
demonstração. As ciências estão baseadas nos primeiros princípios. Por isso é que se chamam
primeiros princípios. Do mesmo modo que a ciência se acha fundamentada em primeiros
princípios, do mesmo modo que as matemáticas se fundamentam em postulados, Deus também
se fundamenta em intuições. Deus é uma intuição. Mas o homem costuma racionalizar Deus, isto
é, trazer Deus para dentro do domínio da razão. Então, o que acontece? Acontece que o homem
coma a dar nome a Deus; e começa dizer que Deus é isto, Deus é aquilo. Deus passa a ser
coisas conhecidas, relativas. Diz-se, então, que Deus é luz; então trazemos Deus para o domínio
da razão, porque, como sabemos o que é a luz, sabemos o que é Deus. A luz está no centro do
campo científico, e toda aquela relatividade que envolve a luz passa para Deus. Quando dizemos
que Deus é amor, nós conhecemos o amor no nível humano, onde é preciso que haja um par,
onde é preciso que haja o amante e que haja o amado; é preciso que o amor flua do amante para
o amado e vice-versa; se o amor for recíproco, por conseguinte esse amor que flui nas duas
direções implica a existência de dois termos. Nós não sabemos do amor incondicionado que flui
como se fora uma fonte luminosa que se irradia constantemente numa única direção. Assim,
quando substituímos o termo Deus pelo termo amor, pensamos no amor relativo; como o
amor está dentro da relatividade, caímos de novo no relativismo, ficando, de novo, a nos
perguntar o que é Deus.
Deus, desde sempre, é uma intuição. E nós temos de acei-lo como intuição, do
mesmo modo que aceitamos as intuições que se acham nos fundamentos das ciências. Do
mesmo modo que somos obrigados a aceitar de fé sim senhores, de os postulados que
estão nos fundamentos das ciências e das matemáticas, do mesmo modo nós temos de aceitar
Deus como uma intuição. Nós temos, por exemplo, a geometria euclidiana que admite uma
forma de espaço plano para todos os lados. As geometrias de Lobatchevski, Riemann, Bolyai e
Gauss admitem outras formas de espaço; cada forma de espaço diferente produziu uma
geometria diferente, e agora perguntamos: qual é a geometria verdadeira? Resposta: é aquela que
corresponder à realidade do espaço. E qual é a realidade do espaço? Ninguém sabe. O espaço é
algo que ignoramos; não sabemos que forma tem o espaço. É possível até que as geometrias
sejam verdadeiras, cada uma correspondendo a um momento do espaço móvel; quem sabe se o
espaço é contrátil e está se movendo, e em seu movimento passa de uma forma para outra forma,
e assim, ora uma, ora outra geometria corresponde à realidade do espaço. Sendo assim, as
geometrias variam, pelo que ficam relativas, dado que têm que corresponder à relatividade do
21
espaço. Eis, pois, que, porque não sabemos como é o espaço, os postulados das geometrias são
aceitos de fé.
A geometria de Euclides serve muito bem numa banca de carpinteiro; o carpinteiro
trabalha muito bem com a geometria de Euclides; agora, para um cosmonauta, a geometria de
Euclides não serve, ele terá de utilizar-se de uma geometria curva. Se formos no lo do globo
terrestre, e lá assentarmos um esquadro, traçando um ângulo reto, esse ângulo reto desce com
uma linha sobre o Equador, e a outra linha desce também sobre o Equador pelo outro lado. Pois,
tanto de um lado como doutro, as linhas que caem sobre o Equador formam, com este, ângulos
retos. Vai formar um triângulo com três ângulos retos. Pois está: a geometria de Euclides diz
que a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a dois retos. No caso do triângulo
terrestre, os ângulos internos formam três ângulos retos. A regra é a seguinte: quando um
triângulo cobrir 1/8 da superfície curva, a soma de seus ângulos é igual a três retos.
A ciência, portanto, está fundada em postulados; e se não podemos demonstrar os
postulados, como haveremos de demonstrar a hiper-racionalidade que é Deus? Então, Deus é
uma intuição que nós aceitamos de fé. Esta é que é a verdade; e a partir desta aceitação de é
que nós fazemos as construções dos nossos sistemas. Então, de nós admitimos que Deus é
amor, que Deus é bondade, que Deus é todos os atributos positivos dos quais podemos fundar a
moral.
muitos, no entanto, que querem racionalizar Deus, e um dos princípios usados é o
da causalidade. Se não existe efeito sem causa, se todo efeito é produzido por uma causa, então
sempre nós temos um produtor dum efeito que é causa de outro efeito, processando-se o
fenômeno em cadeia. Deste modo, quando chegamos a Deus, não como interromper a cadeia
lógica do raciocínio, e é então quando até a criança pergunta: quem é, então, que causou Deus?
Havemos de interromper o processo lógico. Assim são as outras provas da existência de Deus.
Mas, como intuição, ele nos pode ser acessível, assim como um postulado.
Desta intuição de Deus o homem pode formar conceitos de Deus, sabendo que estes
o são Deus, mas apenas suportes racionais da divindade. Há, deste modo, a evolão do
conceito de Deus, como podemos averiguar pela história. Primeiro são as formas animais, a
zoolatria, até que os animais se humanizam. é então que Deus se transcendentaliza
transpondo a forma humana. Mas não é que ele fica Deus cósmico como quer Einstein, pois o
cosmos, o universo não é Deus. Deus é suprauniversal. Deus não pode ser isto nem aquilo para
ser racionalivel e estar nos limites da razão e, por este motivo, limitado, em razão do que
deixaria de ser Deus.
Agora, se o sujeito vai às igrejas e chegando lá o padre, ou ministro, ou sacerdote
coma a pregar Deus na forma que ele é obrigado a pregar, pois ele está jungido por um
princípio, ele tem o livro da lei dele, ele tem o seu texto do qual o pode fugir. Mesmo que a
Igreja esteja esvaziando ele não pode fugir ao texto; a Igreja cai, o sistema cai inteiro; o sistema
o evolui; os sistemas caem; Roma não evoluiu; Roma caiu. A Grécia não evoluiu; a Grécia
caiu. Não é possível chegar à Igreja Protestante e fazer modificações, alterar os códigos e os
ritos. Não é possível ao papa, por exemplo, por muito boa vontade que tenha de fazer uma
reforma, alterar a teologia, a filosofia de São Tomas e de Santo Agostinho e dos pais da Igreja.
Sua reforma será apenas exterior, aparente. O fim da Igreja é o esvaziamento, donde ser preciso
que haja outras formas, outras concepções para ter onde irem os egressos das Igrejas em agonia e
falência. Assim também com a Maçonaria. A Maçonaria vai cair, ela vai sumir-se, porque ela
o se renova, não se regenera, o vai sair desta forma avoenga; ela ficará nisto sempre, até que
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apareça um outro sistema, uma nova Maçonaria que absorva e abarque em si a antiga. Não tem
jeito de renovação, não evolui. Não existe isso de a coisa se regenerar. A velha morre dentro da
nova, mas a velha não sobrevive.
Assim, os que não se enquadram mais em suas religiões, principiem a procurar aqui
e ali seu norte. A primeira coisa que ocorre é desiludir-se de sua religião. Enquanto ele puder ir à
Igreja, que continue indo até que venha a desiludir-se. Nesse ponto, é preciso que haja outra
coisa que o satisfaça, donde vem que isto precisa ser criado. O que se sentir bem, dentro de dada
religião, que fique lá, dado que se acha sintonizado com o sistema; o outro, o que se desajustou,
tem que sair fora, e encontrar outra forma de organização de pensamento.
A função da religião é domesticar a besta humana. Sua função é fundamentar a
moral; a moral põe o cabresto na besta que é o homem. Religião que não tenha uma moralidade,
que não tenha essa finalidade de cabrestear o homem, não tem função nenhuma. Podemos
reparar que todas as religiões, mesmo as primitivas, tinham essa finalidade. Consideremos o
homem do tempo do urso das cavernas. O urso era hervoro; até há pouco tempo admitiu-se que
era carnívoro. Faziam-se pinturas de ursos atacando o homem primitivo; mas era engano, era
mentira, porque de acordo com os estudos modernos, o urso era herbívoro, e não podia estar
atacando o homem primitivo para alimentar-se e, sim, para defender-se dele.
No dorso desse urso, civilizações primitivas, de homens primitivos desenvolveram-
se. Grupos primitivos sobreviveram ao urso das cavernas, como aqueles povos que deixaram
suas pinturas nas cavernas. O urso das cavernas era semelhante ao búfalo dos índios norte-
americanos, que servia de alimento, principalmente quando o urso estava hibernando, gordo,
dormindo, quando então era morto com uma martelada no nariz. E comia-se o urso.
A partir disto o homem fazia uma religião; o sacerdote vestia a pele do urso da
caverna. Tinha-se de pedir perdão para o urso, pela violência que se lhe havia feito. Matava-se o
urso; depois, ia-se pedir perdão ao urso. Mas, em lugar de se dizer que se matou o urso,
eufemizando dizia-se que o urso sacrificara sua vida por nós. É assim que começa. s também
dizemos que a vaca nos dá o leite; o boi dá-nos o trabalho, dá-nos a carne, dá-nos os chifres para
a confecção de pentes e os ossos para adubos e botões. Desde quando a vaca nos deu o leite?!
Mas é comum nós fazermos esse jogo de palavras. Do mesmo jeito que o boi nos as carnes, e
a vaca, o leite, o urso dava a carne para os primitivos.
Formava-se, então, a religião do urso. Então havia o deus urso. Ora, o deus urso que
chegou a dar sua vida para que o homem pudesse viver tinha feito um sacrifício em que ele se
mostrava magnânimo. Com este magnânimo desprendimento, com este sacrifício em favor de
alguém, começa o princípio da moralidade. A imaginação do homem vai paralelamente criando
a religo, e com ela, a moralidade. Cria-se o rito, cria-se a liturgia, depois o tempo os consolida;
os sacerdotes se sucedem, até que um dia um deles, morrendo, se torna num deus humano.
Esta religião pode servir ao homem por largo tempo, até que este modo de conceituar
Deus vai-se tornando superado. O homem amadurece para novas concepções pelas quais o deus
urso passa a ser uma figura de algo muito maior.
Como nos tempos antigos, hoje o homem amadurecido para concepções mais
ampliadas não pode suportar o que dizem as várias seitas do cristianismo. O homem
amadureceu, e está para sair do seu alojamento sectário; é preciso que haja outra coisa para ele, e
à vezes, essa outra coisa não existe, ainda não foi criada. Então, o homem não tem para onde ir.
Quando afirmamos isto, vem um e nos diz: quer dizer que a humanidade evoluiu? A
humanidade evoluiu; mas o que quer dizer evoluiu? Pois quer dizer: transitou de um plano
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para outro plano; como diz Toynbee: Nós estávamos num socalco da montanha, estávamos
muito bem aí alojados. Agora saímos desse socalco e pretendemos atingir o outro socalco
superior. Ora, fazer essa passagem é perigoso; é perigoso a gente mudar de posição. Toda
mudança de posição é perigosa. Evoluir é mudar de posição, passar de um socalco da montanha
para outro. Porque, se falamos em evolução, já logo vem alguém e pergunta: quer dizer que
melhorou? Quer dizer que está tudo bom? Não dissemos nada disso. Assim, as coisas
acontecidas em nosso tempo tornaram superadas as religiões em que estávamos. s estávamos,
costumamos estar, Deus está, Pai nosso que estais nos céus. Nós costumamos estar em algum
lugar, em alguma forma religiosa. Pois também na evolução nós estamos; e chega o momento
que deixamos de estar porque vamos para outro modo de ser, outro lugar. Essa passagem de um
socalco para outro, de um nível para outro, é quando podemos cair, é a hora do perigo. A hora do
perigo se evidencia nas coisas que estamos vendo a par do esvaziamento das igrejas; notamos
que se recrudescem os crimes contra pessoas e contra a propriedade; o banditismo aumenta,
aumenta-se o índice de criminalidade. Tudo isso faz parte do que chamamos abandonar uma
posição a fim de ir-se para outra.
Nos períodos de esvaziamento das religiões, os que dizem que o lugar menos
indicado para achar Deus é nas igrejas, porque todas elas materializaram Deus. Vejamos isto:
dissemos que Deus é uma intuição. Ninguém pode pensar Deus. Deus é
impenvel. Ninguém pode entrar no seu quarto, por exemplo, e pôr-se a raciocinar sobre Deus.
Deus é impensável; ele é uma intuição, do mesmo modo que um postulado é uma intuição.
Então os homens arranjam elementos que simbolizem Deus, fixem Deus como símbolo, para
poder orientar o pensamento. Quando no Espiritismo se pede para se concentrar em Deus,
recomenda-se que se concentre em Jesus Cristo. Porque é impossível pensar Deus. Quando se
pede que se concentre o pensamento em Deus, embora Jesus não seja Deus, é nele que se
concentra. Por que isto? Porque Deus é um postulado, aceito por intuição. Ora, Deus sempre foi
representado por alguma coisa, e deste modo apresentado aos homens. Sendo Deus como o
postulado, aceito por intuição, precisa ter alguma representatividade. Alguma coisa, que não é
ele, o simboliza e representa, e é nessa representatividade que ele aparece nas religiões. Logo,
como havemos de dizer que as religiões são as menos indicadas para apresentar Deus, porque
elas o mostram de uma maneira materializada? A forma materializada não é Deus mas símbolo
de Deus. Quem for capaz, então, que apresente Deus na sua expressão genuína de Espírito. O
Deus que disse a Moisés: Eu sou o que sou, esse não pode ser entendido com a razão.
Todavia os homens se cansam dos símbolos e querem mudá-los, o que significa nova
religião. O ânimo do reformador é fazer tábua rasa do passado, para começar tudo de novo.
A primeira coisa é que não se deve nem pode desprezar o passado, porque o passado
persiste no presente. o existe isso de separar o passado. A cultura se estabelece sobre o
passado. Ela avança no futuro, mas avança com um atrás; não existe essa ruptura completa
com o passado, porque uma religião sem passado seria uma invenção original, o que não há.
Deste modo, Deus é sempre representado por um auxiliar do pensamento, e isto, até
para os espíritos mais sublimes. Para concentrar o pensamento em Deus, valemo-nos de
símbolos que não são deuses. O que é preciso é não confundir e dizer: isto aqui é Deus. Isto é
um caminho de se chegar a Deus. Não se trata, pois, de dizer que Deus se acha materializado; o
pensamento é que precisa de um suporte para alcançar Deus, dado que as intuições são
ininteligíveis. Por exemplo, podemos pensar em Cristo, esse Cristo que nos legaram os artistas;
Cristo simboliza ou pode simbolizar Deus por ser a máxima expressão da divindade em nosso
24
meio. Pensando em Cristo na hora da meditação religiosa, eu posso ter a máxima elevação
minha.
25
06 - Reencarnação
Palestra proferida por Luiz Caramaschi, na
Loja Maçônica “Cavalheiros do Sul”, de Piraju,
em 6-10-1992 (cinco dias antes do seu falecimento).
As maiores religiões da Terra são reencarnacionistas, assim o Bramanismo, o
Budismo, o Xintoísmo. Na Grécia, Platão difundia esta crença, a mesma que dominou o
mundo até que Zoroastro, O Persa”, passou a pregar a doutrina da ressurreição. O Judaísmo
primitivo era também reencarnacionista. Duas coisas inventou Zoroastro: o diabo e a
ressurreição, esta que depois dominou o Cristianismo.
No Novo Testamento, o que é o reencarnacionismo. Um dia, Jesus passava com
os apóstolos por um caminho à beira do qual estava um cego de nascença. Jesus restituiu-lhe a
visão: fez um lodo de terra e cuspo, aplicou-lhe no olho e mandou que se lavasse no Poço de
Siloé para se livrar da cegueira.
Então, os apóstolos lhe perguntaram: “Mestre, quem pecou para que este homem
nascesse cego; ele ou seus pais?”. Atentem bem para a pergunta: Foi ele que pecou para nascer
cego?”. Se pecou para ter nascido cego, segue-se que teve uma vida anterior, quando teria feito
coisas erradas, em consequência do que nasceu cego. Foi ele que pecou para nascer cego, ou
foram os seus pais? Seus pais, por causa das doutrinas de Moisés. E Cristo disse: Não foi ele
que pecou, nem seus pais; ele nasceu cego para que manifestasse através dele o poder de Deus”.
Outro ponto do Evangelho registra que vieram contar a Jesus que João Batista tinha
sido decapitado durante um festim de Herodes. A filha de Herodíades havia dançado para
Herodes, e ele, envaidecido, prometeu lhe dar até a metade do seu reino se ela o pedisse. A moça
consultou Herodíades, sua mãe, que recomendou que pedisse a cabeça de João Batista. Mesmo
aborrecido, mas em respeito aos convidados, Herodes ordenou a execução. Cortaram a cabeça de
João Batista e a entregaram à moça em um prato, que ela entregou a Herodíades.
Quando relataram o ocorrido a Cristo, ele disse: Que foste ver no deserto? Acaso
uma cana agitada pelo vento?”. Depois de um longo discurso sobre João Batista, afirmou: “João
Batista é o Elias que havia de vir”. Uma profecia dizia que Elias viria primeiro; antes do
Messias. Elias já havia morrido, foi arrebatado num carro de fogo, bem antes, quando matara
quatrocentos profetas de Baal. Elias já veio e fizeram tudo que quiseram de mal contra ele”,
continuou Cristo, e os discípulos entenderam que ele estava falando de João Batista. Donde vem
que João Batista é o Elias que havia de vir.
Depois é que apareceu a palavra ressurreição, que tinha vários sentidos. O termo era
usado para se referir, por exemplo, a um sujeito quando se recuperava de um ataque cataléptico;
no caso de Lázaro; no da filha da viúva de Naim; no de aparições de espíritos. Quando Jesus
morreu, o véu do templo rasgou-se de alto a baixo e o túmulo de vários santos se abriram e eles
apareceram a muitos. Apareceram...!, apareceram a muitos, mas não a todos, e tornaram a
desaparecer. Por que não ficaram morando com eles como aconteceu com Lázaro, que ficou com
suas irmãs Marta e Maria? Se ele ressuscitou, ele vai morar com suas irmãs; mas aqueles que
ressuscitaram lá quando Jesus morreu, eles só apareceram. A isto chamava-se ressurreição
também.
Quando Jesus Cristo estava pregando e Herodes falou: Esse é João Batista que eu
mandei matar, ressuscitado” era a idéia corrente da ressurreição, era a doutrina de Zoroastro
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que vinha do povo hebreu, adquirida quando ele fora escravo na Babilônia. Na Babilônia, até
então, não se falava em diabo nem em ressurreição.
Davi fez um recenseamento sem ordem de Deus e foi punido por isso. Grande peste
dizimou seu povo. Depois de Davi, veio Salomão, depois de Salomão, vieram Geroboão e outros
reis. O povo de Israel entrou em decancia, veio a escravidão e a destruição do templo. Eles
foram levados como escravos para a Babilônia.
na Babilônia é que foi definido o conceito de diabo. Até então, era somente
pecado, dizia-se pecado, mas não se dizia diabo. Lá é que foi definida a iia de diabo.
Ciro, “O Persa”, libertou o povo hebreu da Babilônia e o devolveu para a Judéia. Os
judeus voltaram para sua terra. Foi quando escreveram o livro Paralipômenos, que repetiu o feito
de Davi, onde se cita a tentação do diabo. Foi a primeira aparição do diabo.
No Novo Testamento o diabo desapareceu, o demônio que sempre aparecia era o
espírito das trevas, o espírito do mal. Depois é que a doutrina cristã voltou atrás e foi dar aspecto
demoníaco à serpente do paraíso. Mas no nese não está escrito que a serpente era diabo;
está escrito que a serpente, o animal mais astuto criado por Deus, enganou Eva, e não se disse
que era o diabo. Só mais tarde, voltou-se atrás dizendo que a serpente era o diabo.
A mã, por exemplo, que era o fruto da árvore da ciência do bem e do mal, diz
que era um fruto, e mais tarde então começaram relacioná-la com sexo, era o pecado do sexo,
porque o sexo era considerado pecaminoso no tempo de Moisés, por outras razões que devemos
estudar noutra oportunidade.
A reencarnação era a doutrina vigente em todas as filosofias antigas e em todas as
grandes religiões da Terra.
Agora, no Espiritismo, o que se admite é que nós nos reencarnamos, e quando nos
reencarnamos, a nossa vida presente é uma decorrência da nossa vida passada; o meu hoje é a
consequência do meu ontem; as coisas que eu fiz ontem projetaram o meu hoje, e no que eu faço
hoje, estou traçando o meu futuro.
Usando o meu livre-arbítrio posso fazer o bem ou o mal, de maneira que sentencio
meu futuro agindo no presente, não podendo escapar das consequências das coisas que
aconteceram no meu passado.
Vou dar um exemplo: Eu tenho uma trombose, estou aqui falando mas o dedo
mínimo do está adormecido. Estou recebendo tratamento, medicamentos, e o médico disse:
tem que fazer o tratamento e muito exercício, andar bastante”. Pode ser que haja veias
colaterais e, com o exercício e medicamentos, elas venham a restabelecer a circulação. Mas pode
ser que piorem e eu venha a ter minha perna amputada. Essa tendência pode passar para a outra
perna e posso ter também ela amputada, se isto estiver no meu destino. Se eu plantei alguma
coisa no passado que implique isso aí, eu terei de sofrer as consequências. Caso contrário, o
terei.
Essa é a reencarnação. Agora, como se pode obter provas da reencarnação?
Um dos processos é a hipnose. No programa de televisão de Sílvia Poppovic,
tivemos a oportunidade de ver um pesquisador que, por hipnose, levou uma sua cliente à
regressão. Nessa regressão a moça chegou aquém do berço e falou em alemão, um dialeto que
era falado no século XVII. O texto foi gravado para ser ouvido por pessoa que pudesse entender
o que foi dito. Um detalhe: a moça não falava alemão.
Outra prova é a lembrança que algumas crianças têm de sua vida anterior. Temos
aqui os textos de dois casos de crianças que se lembraram pormenorizadamente acontecimentos
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da vida anterior, ocorridos nos Estados Unidos. Aqui apresentaremos, de forma resumida, dois
casos dos mais significativos:
Testemunhos desconcertantes
Shanti Devi, filha de um casal de alta posição social, nasceu em Nova Deli (1926).
Nada fazia pensar que ela fosse uma criança diferente, até que, pouco depois de cumprir cinco
anos, numa conversa que manteve com sua mãe, identificou-se como Shant Nath, aludindo a
fatos estranhos que teriam ocorrido em 1902.
Ela confessou ter nascido em Mathura, uma cidade de Uttar Pradesh, que fica quase
a noventa milhas de Nova Deli. Ela descreveu os edifícios, templos e ribeiras do rio Jumma e
aludiu a uma fábrica de algodão.
Mas de que você conhece essa fábrica?
Meu esposo era comerciante de tecidos...
Seu esposo? Desde quando você está casada?
O assombro de sua família ia em aumento. A menina responde que seu marido
chama-se Kedar Nath” e que “tem um filho”. O mais surpreendente de tudo é que Shanti
verbaliza suas respostas com uma marcada tendência a substituir seu idioma por parágrafos
correspondentes a um dialeto característico dos habitantes de Mathura.
Realizadas amplas investigações, localizou-se o comerciante Kedar Nath. Levaram a
menina até aquela cidade. Ela conversou com aquele homem revelando-lhe detalhes
matrimoniais íntimos, numa linguagem coloquial e familiar que deixou estupefato o viúvo.
Efetivamente, esse homem perdera sua esposa devido a um parto desafortunado, precisamente
pela data em que Shanti nascera”.
* * *
O segundo caso que passaremos a transcrever na íntegra é o seguinte:
“Bishen Chard Glulam nasceu no ano de 1921, filho de um modesto funcionário
índiano da cidade de Bareilly. Quando o menino Bishen Chard tinha ainda dez meses de idade,
em vez de emitir exclusivamente sílabas desconexas como seria normal , repetia
incessantemente a palavra Pilibhit”. Esta palavra correspondia ao nome de uma cidade próxima
(a uns cinquenta quilômetros de Bareilly), onde a família do menino não tinha parentes nem
amigos.
Com o passar do tempo, Bishen Chand começou a fazer perguntas a seus pais sobre
aquela cidade, pedindo que o levassem até lá, pois ele afirmava ter vivido naquele lugar. Como
o acreditavam nele, os pais não atenderam sua súplicas, apesar das descrições que o menino
fazia daquela cidade e de seus habitantes. Numa ocasião, encontrando-se de viagem com seus
pais, Bishen Chand percebeu que passavam perto da cidade de Pilibhit, e exigiu então que
parassem ali. Eles não consentiram, o que provocou na criaa um estado de choro e tristeza
muito prolongado.
Aos cinco anos, Bishen Chand começou a demonstrar lembranças muito concretas
de sua vida anterior, transformando-se-lhe o caráter, seu modo de atuar e seu comportamento.
Afirmava ter-se chamado Laximi Narain numa vida anterior, e que seus pais foram uns ricos
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fazendeiros residentes na capital de Pilibhit. Fazia extensas descrições da casa em que vivera,
mencionando o luxo e as festas que eram habituais na sua antiga moradia. Talvez por isso
costumava, naquela época, queixar-se, amargamente, de sua situação, exclamando que nenhum
dos empregados jamais comeria a comida que ele tinha que comer ou vestiria a roupa que ele
tinha que vestir com a atual família.
Em certa ocasião Bishen Chand foi surpreendido, por sua irmã, bebendo licor, coisa
totalmente proibida na família. Ao ser chamada sua atenção, Bishen Chand respondeu, com
indiferença, que isso não lhe estava proibido, e que ele estava muito acostumado a fazê-lo na sua
existência “anterior”. Também deixou seu pai surpreendido, aconselhando-lhe que procurasse
uma amante, pois esta, dizia ele, lhe proporcionaria grandes e sutis prazeres, confessando ter tido
ele mesmo uma, para seu uso pessoal, quando vivia em Pilibhit e era Laximi Narain. O conselho
resultou desconcertante para o pai, sobretudo vindo de um menino que não tinha cumprido ainda
os cinco anos e meio e que, ao parecer, conhecia perfeitamente a diferença entre uma amante e
uma esposa; ele disse inclusive o nome da que fora sua amante, uma tal Padma.
A tal extremos chegaram as extravagâncias de Bishen Chand, que seus pais
decidiram confiar o caso a um advogado de Bareilly, chamado K. N. Shay, que recolheu
cuidadosamente todas as declarações do menino, para depois levá-lo, na companhia de seus pais
e um irmão, à cidade de Pilibhit.
Efetivamente, foi possível comprovar que vivera naquela cidade um tal Laximi
Narain, jovem de vida libertina, que falecera havia oito anos. Pôde-se comprovar também que
ele pertencera a uma família rica, que se distinguia pelo luxo e fastuosidade com que vivia. Ao
mesmo tempo, puderam obter informações sobre a amante de Laximi Narain: ela chamava-se
Padma. A este respeito, logo averiguaram que Laximi Narain assassinara um empregado seu por
suspeitar que ele mantinha relações amorosas com ela.
Ainda em Pilibhit, um oficial de polícia, tentando confundir Bishen Chand,
perguntou sobre a esposa e filhos de Laximi Narain, ao que o menino respondeu que ele nunca
tinha tido esposa em sua “outra vida”.
Quando foi levado à sua antiga casa, soube descrever os diversos cômodos e seus
diferentes usos, ficando muito aborrecido ao vê-la derrda e abandonada. E quando um
sobrevivente de sua antiga família mostrou-lhe uma foto na qual ele próprio estava com seu pai,
ele exclamou: “Este é meu pai e este sou eu!”
Como era sabido que Laximi Narain costumava tocar o tambor índiano com grande
maestria, pediram que ele tocasse. Bishen Chand nunca havia usado esse instrumento, mas,
diante do assombro de todos, tocou com certa habilidade, o que requeria muita prática.
Imediatamente, Bishen Chand reconheceu a que fora mãe de Laximi Narain, e
conversaram animadamente bastante tempo, e o menino pôde responder as perguntas de sua
outra” mãe com grande exatidão, narrando diversos detalhes e acontecimentos referentes à sua
infância.
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07 - O divórcio
O casamento é uma instituição muito antiga, a tal ponto que nos perdemos se
quisermos saber sua origem. Sabemos que começou com o homem; desde que o homem
começou a organizar-se em sociedade, desde que passou a existir a família, desde que existiu a
responsabilidade entre pais e filhos, começou-se a pensar em disciplinar o homem criando essa
instituição que se chamou casamento. O casamento é a legalização da união sexual; o único
modo da satisfação dessas necessidades de um modo moral é o casamento. Ninguém pode
satisfazer-se sexualmente a não ser através do casamento. Assim o entenderam todos os povos
no passado. Assim é que sempre foi entendido, e assim é que sempre foi executado. A
promiscuidade foi considerada como imoral, porque o leva a realização nenhuma. Então,
sempre que o promíscuo apareceu na sociedade, ele foi alijado, ele foi visto com maus olhos.
O casamento envolvia-se dessa auréola de responsabilidade social, desde a sua
origem. Por causa disto, por causa do envolvimento que o casamento causava em relação aos
filhos, por causa da responsabilidade de receber os filhos, por causa do amor que os pais tinham
pelos filhos, por causa do ambiente que se formava, o lar, tudo isso deu-lhe uma dimensão
sagrada ou divina, e a união matrimonial foi considerada um sacramento. Daí que ele passou a
ser realizado pelo sacerdote, pelo feiticeiro ou por aquelas pessoas da tribo que estavam
investidas de autoridade para fazê-lo. O mundo veio sempre trazendo o casamento com essa
característica, a característica da sacralidade. O casamento é um sacramento, o sacramento do
matrimônio. A palavra matrimônio deriva de mater mãe, matriz. É a célula mater da sociedade.
Era a mãe da tribo, a e da família, que cercava os filhos e formava o primeiro agrupamento
social. A sociedade se formou, sempre, em roda da mulher, e através dos tempos os desatinos
que tem havido geralmente são praticados por parte dos homens. As mulheres que saíam fora da
sua linha eram execradas. Para pertencer à sociedade havia de manter-se nos limites que a
sociedade impunha ao matrimônio como tinha sido estabelecido desde as tribos primitivas.
Então, o casamento trazia sempre essa característica de sacralidade. Agora, com o
correr do tempo veio o industrialismo, o tecnicismo, o materialismo. Aquela dimensão de
sacralidade foi sendo diminuída. A espiritualidade do casamento foi sendo posta de lado. Em vez
de se pensar nos filhos, em vez de o casamento ter em vista a família, tem em vista os cônjuges;
o são mais os filhos o objetivo duma família e, sim, os próprios njuges. Eles é que buscam
os seus interesses; os filhos pouco se lhe dão. Cada um busca o seu interesse próprio em
detrimento dos filhos. começou essa corrente moderna nas civilizações mais adiantadas;
quando dizemos civilização adiantada, nós nos referimos ao avançamento tecnológico. Sempre
que se diz assim: “Dentre todas as nações civilizadas, o Brasil é a única ainda que não tem o
divórcio”; civilizada quer dizer aquela nação que se tornou tecnocraticamente materializada,
aquela que apresenta um grande desenvolvimento material.
Sempre que se fala em divórcio não se fala nos filhos, o se pensa na família,
pensa-se apenas nos cônjuges isolados, nos cônjuges imaturos, nos dois indivíduos diabólicos
que se uniram e não estavam preparados para uma vida comum, e que por isso não podem
acertar os seus pontos, e daí o viverem em guerra, e precisarem separar-se. Separam-se para
unirem-se logo em seguida e nessa nova união não persistem unidos, porque cada um leva
consigo a sua imaturidade. É assim que, quando a lei o permite, o divorciado se divorcia dez
vezes. Por que se divorcia dez vezes? Porque o sujeito é imaturo; ele não serve aqui, não serve
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ali, não serve acolá; ele não serve em lugar nenhum, e quantas uniões ele estabeleça, em
nenhuma ele consegue realizar-se, porque se trata de um sujeito imaturo, seja homem, seja
mulher.
De maneira que o divórcio não resolveu nada nos países civilizados, mas prejudicou
enormemente a família, que chegou a desaparecer. Nos Estados Unidos não existe a família
organizada como a nossa; não existe um lugar onde a gente possa chegar em casa e encontrar
alguém que esteja lá trabalhando, laborando, que é a mãe da família. cada um tem de bastar-
se a si mesmo, lavar o seu prato, fazer a sua merenda, lavar a sua roupa. O casamento, então,
perdeu a sua vertical de espiritualidade, tornando-se na horizontalidade material, monótona,
prosaica. O casamento é simples contrato social parelho ao contrato que se pode fazer de aluguel
de uma casa. Assim, faz-se o contrato de viver com uma mulher, e se isso não der certo, faz-se o
distrato que se chama divórcio. Como os njuges não estão constituídos em si mesmos, por
serem imaturos, não pode perdurar neles a constituição do casamento. Inventou-se o divórcio na
ilusão de que o casamento desconstituído aqui podia reconstituir-se ali; e no entanto ele se
desconstitui daqui e constitui-se ali, mas não pára , seguindo nessa trajetória infinitamente.
Afinal de contas, o que querem esses sujeitos? Quando a regra era: até que a morte os separe”,
então, os dois demônios se toleravam, no mínimo, e isso em benefício da família. E depois que
apareceu o divórcio, em vez de “até que a morte os separe”, ficou: “até que a primeira briga
surja”.
Nós estamos num planeta de expiação, as uniões, em regra, são expiatórias. Muito
raramente vão unir-se duas almas gêmeas, dois espíritos afins, dois eleitos. Unem-se, quase
sempre, dois demônios; e um dos demônios diz assim: Eu quero a minha felicidade; eu tenho
direito à felicidade; pois ele que procurar sua felicidade, engolfando-se cada vez mais no
reino da ilusão, indo parar em níveis baixos da sociedade. Ele o se modifica, não se altera, não
se renova, não se regenera; continua sendo sempre o que sempre foi, e diz que tem direito à
felicidade? Por esta razão somos contra o divórcio, e os que se separam, que o façam, mas que
fiquem fora da lei. Não se argumentar que porque, um abuso se torna frequente, se deve
torná-lo legal. Como se dissera: Está havendo muito roubo; logo, devemos legalizá-lo. O jogo é
imoral; mas o homem joga desde sempre; por isso, vamos legalizar o jogo.
O casamento à antiga era moral; o divórcio é imoral porque coloca o casamento no
mesmo nível da mancebia. Daí que se pode perguntar: para que serve o casamento, se as uniões
podem fazer-se sem ele, uniões perfeitamente aceitas pela sociedade? Dado que o casamento
pode dar em divórcio, advogados, despesas, tribunal, justiça, o melhor é a simples união sem
esses entraves na hora da separação. Pode ser que o casamento futuro comece pela mancebia; se
der tudo certo e aparecerem filhos, realizar-se-á, então, o casamento. A pergunta é esta: para que
casar?
Vejamos isto: um sujeito, em vez de casar-se, resolveu amigar-se com uma moça. E
tem filhos com essa moça; ele assume a paternidade desses filhos, e forma uma família. Chega a
hora de ir à escola, vai a ela ou não vai? Que prejuízo vai ter essa família? Até se o tal sujeito
adquirir bens, na hora da partilha, a mulher ainda é participante. Então, para que serve o
casamento?
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08 - Falando do amor como o elemento
primordial na formação do Universo
“O amor move o mundo” O autor
Não se aprende a querer, porque não se aprende a amar, e é quando se ama que se
quer. No próprio Schopenhauer temos a prova: ele disse que estava gestando sua obra em seu
espírito de modo semelhante a uma mulher que gera seu filho no ventre. Assim como o alimento
ingerido pela mãe nutre o filho, fazendo-o crescer, tal e qual, o meio fornecia a Schopenhauer
nutrição ao entendimento, com que sua obra lhe crescia no espírito. Receoso, porém, de não
poder dar à luz seus livros, porque o tempo lhe corria lere, lamenta-se, e diz que queria tanto
ver o filho de sua razão nascido, porque o ama. Amo minha obra, diz ele, e por isso quero
concluí-la. Amo e por isso quero? Sim; o objetivo do querer era realizar o amor; não se quer
porque sim; quer-se porque se ama, e quem a nada ama, nada quer. Se a vontade fosse o
fundamento primário, Schopenhauer havia de dizer: quero e por isso amo; o amor nasceria do
querer, e bastaria querer para amar. A vontade, diz ele, está na raiz de tudo; e quem diz vontade,
diz vontade de viver. Por que, logo, se tem vontade de viver? Pois de ser, e não outro
motivo, porque se ama a vida ou as coisas nela, e tanto que o aborrecimento e o desamor à vida
levam à morte. Quem do amor à vida passa ao ódio a ela, passa a querer a não-vida que é a
morte; a vontade, num e noutro caso, passa a querer o que lhe impõe o amor, seja na forma
positiva de amor, seja na forma negativa de ódio. Tanto que se inverte o sentido do amor,
inverte-se a vontade também, no seu contrário, e ela que antes queria a vida, quer agora a morte.
Se a vontade é autônoma, como diz Schopenhauer, e não age por motivos, não tem
sentido sua frase que declara querer viver pelo motivo de amar sua obra. E o querer fazê-la,
ainda é porque a ama, que se a odiasse, ou mesmo se lhe fosse indiferente, não a faria. E sua
comparação da mãe e do filho foi bem urdida, e expressa bem o sentido do amor que leva a mãe
a querer o filho, porque o ama.
Aquele grande oceano da vontade de viver, cujas ondas são as individuações em
coisas-fenômenos, na verdade é o oceano do amor que quer individuar-se nos entes, e continua
querendo que eles se unam entre si, do átomo ao universo, formando o coletivo que é sobre o
oceano do amor de que se nutrem os seres, e por motivo do qual querem existir, viver. Assim
como do mar da energia priria saiu a matéria de que todas as coisas se constroem, e de que se
alimentam, tal e qual, do oceano do amor fundamental saiu o menos que a própria energia
corporificada nas coisas. O querer individuar-se do amor alcança o seu objetivo que é criar e
nutrir o filho para sempre; o pai que criou o filho por amor o o quer destruído, donde vem que
a figura da onda do mar é imprópria, porque se forma e se desfaz de novo. o. A onda é a da
energia-amor que se encurva sobre si mesma, individuando-se no filho; e este quer continuar a
viver, porque ama a vida, e enquanto a ama, e se lhe ocorre aborrecer-se dela, nesse ponto
também se inverte o sentido da vontade, que passa a desejar o não-ser.
O universo se acha escalonado por níveis de energia; estamos no alto; isto é, no
período inverso em formação, onde as energias são dinamicamente pobres, mas ricas do ponto
de vista evolutivo. Inversamente, em baixo, ou seja no centro, próximo da matéria, ainda por
formar-se, estavam as energias dinamicamente ricas, porém pobres evolutivamente. Chegamos a
esta conclusão pelo seguinte raciocínio: no seio do caos primeiro de natureza puramente
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energética, donde surgiu o universo, antes de aparecer o primeiro átomo, foi preciso construir-se
os elementos deste; se uma coisa se faz de seus elementos, certamente que o primeiro passo é
construir os elementos. Ora, os átomos se comem de ultramicrométricas partículas vorticosas
que são tanto os elétrons como os elementos que constituem o núcleo e satélites do núcleo
atômico.
E a ciência observa a formação dessas partículas a partir das ondas dinâmicas;
frenada uma onda, ela passa a girar sobre si mesma como vórtice corpuscular; logo, os
corpúsculos se formaram de ondas frenadas. Que ondas? Ondas dinamicamente ricas, de
comprimentos muito curtos. As primeiras partículas foram etrons oriundos das primeiras ondas
evolutivamente degradadas, mas ricas dinamicamente. Esses primeiros elétrons foram projetados
para o centro do universo e, como corpúsculos, podiam percorrer o vácuo. Deste modo se
encheu o espaço de elétrons associados por suas polaridades formando o espaço eletrônico
primordial. Já, agora, outras ondas podiam propagar-se pelo espaço eletnico rumo ao centro do
universo. No centro, sob terrível pressão das energias acantonantes, formaram-se associações de
elétrons por cadeia série (fig. 1), e as extremidades da rie se uniram entre si, formando anéis
eletnicos. Como se pode ver na figura 2, o movimento do campo magnético exterior tem
sentido contrário ao do campo interior. agora, um outro anel pode associar-se ao anterior, e
depois a mais outro, e a mais outro, formando um cilindro vorticoso (fig. 3). E também se
formaram cadeias de anéis como na fig. 4, pela associação de elétrons com o exterior. Deste
modo outros cilindros mais complexos se puderam formar dos elementos complexos
existentes. (fig. 4).
Dado que, segundo Spencer, a evolução se do simples para o complexo, e do
homogêneo para o heterogêneo; dado que o núcleo atômico é muito mais complexo do que suas
calotas eletnicas, é de se supor que as primeiras unidades formadas foram os elétrons, e que os
núcleos atômicos se formaram de etrons prensados uns contra os outros pela terrível pressão da
energia acantonante.
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09 - Educação
O homem é essencialmente um animal cultural. Que quer dizer isto? Quer dizer,
simplesmente, que, enquanto os outros animais se norteiam por instintos, o homem rege sua vida
pela cultura. Em razão disto, o homem é pobríssimo de instintos naturais. Afora uns poucos
instintos, como os de conservação e defesa, e um grupo de reflexos vitais que todos trazemos ao
nascer, por exemplo, o de querer chupar o que nos roça o rosto, e o de agarrar firme com a mão a
tudo o que possamos pegar
1
, afora isto, o mais, tudo é aprendido.
Pois este tudo que se aprende é a cultura. Portanto, a cultura se define como sendo o
conjunto de princípios, conhecimentos e informações que nos regem a vida intelectual, tudo
vinculado à linguagem; parelho a este e de igual importância, se alinha outro conjunto, que é o
de preceitos éticos, de regras de conduta ou tabus
2
, que disciplinam nossa vida moral. Os
consensos, hábitos e costumes, que também fazem parte da cultura, embora mudem-se com o
tempo, hão de fundamentar-se na moral, pelo que esta é absoluta, e não, relativa. Mas quando,
como agora, a moral passa a confundir-se com costumes, e, portanto, se torna relativa, o mundo
sócio-cultural se corrompe, desintegra-se, tendendo para o caos.
Pode dizer-se que, quanto maior for o tempo da infância e da adolescência de um
animal, tanto mais este precisa de aprendizado. Assim, o de modo tão excelente como é o
homem, outros animais, sobretudo mamíferos, tamm podem ser culturais”. Em experiências
realizadas com chimpanzés fêmeas tiradas do seu bando muito pequenas, e criadas em ambiente
humano, na hora de cuidarem das próprias proles, estas mostram-se completamente desajeitadas.
Não aprenderam com suas mães ou com outras fêmeas como cuidar dos bebês. pássaros,
também, cujos cantos são aprendidos; o “c-crá-c natural dos papagaios e maritacas, quando
criados em ambiente humano, simplesmente não existe.
Conseguintemente, o processo de recopiamento da cultura dos pais nos filhos é o que
se chama educação. Portanto, educação é a transmissão da cultura de uma geração à outra. Deste
modo os pais criam os filhos duas vezes: uma quando os geram; outra, quando os educam.
Transmitir a cultura recebida dos avós aos filhos, é, pois, uma geração segunda. Assim, todo
homem tem duas gerações igualmente importantes: uma getica e outra cultural. Por
conseguinte, o processo desta geração cultural é a educação.
Bem entendido isto, ocorre-nos uma pergunta: quando tudo começou?
Abordando o problema das origens de uma forma científica, não mística, e conforme
os últimos dados da paleoantropologia, o Homo erectus surgiu do tronco dos australopitecíneos,
sobretudo, do Homo habilis, por volta de dois milhões de anos. E todos os australopitecíneos
nasceram do velho Ramapithecus, que apareceu de seus ancestrais há doze milhões de anos.
Embora este Ramapithecus se tivesse espalhado por toda a Europa e Ásia, foi na África do Sul,
1
Reflexo que, no bebê humano, dura alguns dias, mas que é ainda atuante nos bebês macacos por precisarem estar
ou ir agarrados aos pelos das mães.
2
Tabu (do polinésio) é, originariamente, a sacralidade atribda a uma pessoa e/ou objetos nos quais não é
permitido contato profano (pró+fanum = fora do tempo). Esta interdição imposta ao profano, fá-lo a este temeroso e
obediente face aos decretos divinos aos quais lhe cumpre respeitar e cumprir. Sem estes tabus não há civilização,
porque o homem recai na animalidade de onde, pela cultura, a custo saiu.
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na garganta Olduvai (Tanzânia) e também nas margens do lago Turkana, ao norte do Quênia,
por volta de um e meio milhão de anos, que se completou a transição dos hominídeos
australopitecíneos em Homo erectus. Grupos deste Homo erectus, partindo da África do Sul,
difundiram-se por toda a Terra, sofrendo em si todas as transformações que culminaram nas
rias raças que conhecemos hoje, todas pertencentes ao ramo Homo sapiens. O Homo erectus
viveu entre um e meio milhão de anos até trezentos mil anos atrás, depois do que se foi
extinguindo, na proporção em que ia gerando formas mais refinadas de Homo sapiens
3
.
Pois bem: um acontecimento cultural descoberto e descrito com pormenores ocorreu
sessenta mil anos atrás, e foi um sepultamento com ritual em que se empregaram flores...
cujos pólens (que não se destruíram) revelaram ter-se realizado a cerimônia em algum dia do
mês de junho. Precauções com os mortos, rituais de sepultamento, implicam crença na
sobrevincia da alma, e crença em um Deus a cujos cuidados a alma imortal do defunto é
recomendada. Isto há sessenta mil anos, ou seja, cinquenta mil anos antes de surgir nossa
civilização, que, como coincide com o advento da agricultura, não vai além de dez mil anos.
A paleoantropologia, portanto, nos dá conta de que, a par da criação dos utensílios de
pedra e da domesticação do fogo, o homem era místico, cria num Ente supremo, balbuciando já
os rudimentos primários duma FILOSOFIA que se define como sendo: uma visão geral do
mundo, da qual se infere uma forma de conduta. No pináculo da hierarquia que essa visão do
mundo ostenta está Deus, que dita as regras de conduta, ou seja, os mandamentos, todos
cerceadores dos impulsos animalescos anti-sociais, com sede no estritamente biológico. O
homem, assim, transcendeu da biologia atingindo o nível da cultura; passou a ser um animal
cultural, regido por regras ético-sócio-políticas, ao invés de por instintos, como os outros
animais.
Todavia, como a cultura decorre da visão geral do mundo (filosofia), e como esta
visão não é estática, e sim dimica, juntamente com a visão varia a cultura, entrando esta
variação em choque com a cultura anterior. Eis a causa do conflito de gerações, cujo efeito,
primeiro, é suscitar nos jovens a incerteza quanto às posições assumidas por seus pais. Ocorre
que tais jovens dispõem de componentes novos, e por isto precisam reformular a cultura. As
crenças que serviram muito bem a seus pais foram abaladas face à incorporação de dados novos,
e, por isto, os filhos entram em dúvida. Como ninguém pode viver sem uma crença
4
, cumpre aos
que passaram a sofrer da inquietação da dúvida entrar em meditação, criar pensamentos novos,
organizar nova crença... sem a qual estarão perdidos, sem saber qual atitude a tomar em face do
futuro.
O grande teólogo Paul Tillich cunhou a expressão inquietação última”, dando-a
como sendo a que obriga o homem a procurar suas origens para, a partir desse conhecimento,
3
Aos que desejarem pormenores sobre tais estudos poderão compulsar, sobretudo, as obras de Richard E. Leakey e
Roger Lewin “Origens”, e Richard E. Leakey “Evolução da Humanidade”, ambas da Melhoramentos / Editora
Universitária de Brasília.
4
Crença não é o mesmo que religião; a crença é o nosso substrato profundo de convicções com o qual nós nos
confundimos, em razão do que tal substrato não pode ser posto como objeto de discussão. “Nós somos as nossas
crenças”, afirma Ortega. Já a religião, como é exterior a nós, podemos discuti-la. Essa crença que somos, São Paulo
chamava de fé, da qual, espontaneamente, brotam todos os atos de nossa vida. Neste sentido, e neste sentido de
-crença, as obras nascem da . Mas é comum fazer-se a confusão entre -crença e -religião. Disto decorre o
quiproquó dos crentes que tomam fervor religioso, que é pura exterioridade, por aquela -crença de São Paulo, seu
substrato profundo, que o levava a confessar: “Eu e Cristo somos um”; ou então: “Viver para mim é Cristo, e
morrer é lucro”; ou então: “Sede meus imitadores assim como eu sou de Cristo”. De tal -crença, de fato, brotam
obras; porém, dessa religiosidade efervescente no mundo, nenhuma obra, digna de nota, nasce.
35
nortear sua vida. É assim que cada cultura e cada povo supõe uma origem. Cada povo tem a
sua explicação dos começos, à qual damos o nome de mito. A explicação judaico-cristã, por
exemplo, afirma que todos proviemos de Adão, criado por Deus de maneira especial. Já a
ciência nos assegura que evoluímos, por etapas, a partir de formas rudimentares de vida. Chama-
se a esta busca das origens “inquietação última”; porque, no dia em que descobrirmos a
VERDADE última e final, cessará de todo e para sempre a nossa angustiosa dúvida, e
repousaremos tranquilos, serenos, na sabedoria que se confunde com a santidade.
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10 - Educação e Transmissão da Cultura
O conflito de gerações é um tema que está associado à educação. Educação é o
processo de transmissão da cultura de uma geração à outra. Cultura é tudo aquilo que nós
adquirimos. Para poder saber o que é que adquirimos, podemos reparar o que um animal tem ao
nascer. O que o animal tem, ele já possui, desde sempre, por instinto. Ele nasce sabendo,
instintivamente, tudo o que ele tinha de saber. Diferente do animal, o homem é paupérrimo de
instintos, ele não possui instintos. Então tudo o que ele possui é aprendido. Essa coisa aprendida
se chama cultura. Não interessa o que significa essa cultura; ela pode ser a da Índia, pode ser a
duma tribo de indígenas, ela pode ser a muçulmana, mas aquilo que uma geração transmite para
outra geração se chama cultura. Não vamos entender a palavra cultura como acervo intelectual.
Cultura é o conjunto de tudo aquilo que o sujeito tem de aprender e que é recebido da geração
anterior. Então, educação é a transmissão da cultura de uma geração a outra.
Ora bem; no momento de transmitir a cultura de uma geração a outra, o processo não
é suave; a geração receptora não é cil. Não existe docilidade. Vamos supor que houvesse
docilidade; vamos supor que a geração receptora, que é a nova, fosse tão prática, tão dócil, que
recebesse toda a cultura da geração velha de tal maneira que fosse tão completa, tão perfeita, que
fosse igual à velha. Então a velha não sairia renovada na hora de nova transmissão; novamente
tudo se repetia, e a velha se copiava na nova como que em cópia de carbono. Se fosse sempre
assim, não haveria evolução. O processo tornar-se-ia estacionário, e as gerações sucessoras
seriam iguais às sucedidas. No entanto, ao ser transmitida de uma geração a outra, a cultura vai
modificada. Essa modificação pode ser pequena ou pode ser grande. A modificação pequena
corre por conta ada desatenção. O sujeito recebe um aprendizado, e, ao repeti-lo, varia-o. O
sujeito aprende; e quando vai repetir o que ele pensa saber, fá-lo de modo variado. A variação,
às vezes, ocorre sem propósito definido. Varia-se por incapacidade de repetir. Mas o certo é que
houve a variação de cultura. Todavia, há também as variações muito grandes, provocando o
conflito de uma geração com outra, a antiga com a nova, entre a geração que recebe e a geração
que está dando. É o que acontece, principalmente, nas épocas de decadência. A geração
receptora duvida daquilo que está recebendo da geração que esdoando. Então já quer alterar
tudo, quer fazer tábua rasa do passado, para começar tudo de novo; que este tudo de novo
o existe. O que acontece é uma balbúrdia, qual a que vemos hoje.
Em pequena dose, até a gente pode compreender que haja variações, e a geração
receptora não queira receber a cultura igual à da geração transmissora, porque se fosse assim não
haveria evolução. Se houvesse uma transmissão que fosse perfeita, não haveria evolução. É
preciso que quem recebe, receba de modo diferente, para que, quando for se manifestar,
manifeste-se de modo diferente.
Nos períodos de decadência, o conflito é maior, e a geração que recebe o faz
agredindo a geração transmissora. Assim, ao manifestar-se, os jovens o fazem agredindo a
cultura recebida, chamando os pais de velhos, de quadrados, de gente que não soube doar a eles
um mundo melhor, e que eles, por conseguinte, não estão recebendo um mundo melhor, e que
eles o tentar, por outros caminhos, criar esse tal de mundo melhor, e com este espírito de
improvisação, todos saem pelo mundo a fazer loucuras... as quais sabemos estarem acontecendo
37
por aí. Agora mesmo estamos diante de um problema muito grande que é a AIDS. Há pouco se
falava que 10% da população dos Estados Unidos estão infectados com a AIDS. Essa infecção
tende a alastrar-se. não no campo dos homossexuais; se alastrou para todos os demais
campos.
O jovem, às vezes, quer sair de casa para ter a sua liberdade; ficar junto dos pais é
estar tolhido, é ficar “castrado”; é assim que dizem. A liberdade para eles, significa não ter
nenhum controle de fora e nenhum autocontrole. A moral, dizem, é relativa, e todas as
proibições são tabus. Tudo isso é conflito de gerações, onde a geração velha não tem força para
corrigir a nova, e terá de deixá-la que quebre a cabeça e descubra por si mesma seu engano.
Tudo é como já ficou dito alhures: há uma verdade no universo; nós estamos no
encalço dessa verdade. Cada vez que fazemos uma coisa que está de acordo com essa verdade
cuja ramificação atinge tudo, atingindo também aquilo que estamos fazendo; quando o que
estamos fazendo está de acordo com a verdade, que é a verdade do universo, s temos um
progresso; quando tudo nos sai mal, temos um retrocesso, um fracasso. Do jeito que o mundo
está andando, com esse libertarismo, não verificamos progresso. O conflito de gerações que
criou esse estado de coisas no mundo, não podemos dizer que seja progresso. Os problemas
sociais estão por resolver, e o caos aumentou. E houve conflito de gerações que representou
progresso, como foi, por exemplo, o da Renascença.
Fala-se, muito, do diálogo entre pais e filhos. O diálogo tem de considerar o
seguinte: primeiro, que deve existir uma variação, para que exista uma evolução. É impossível
que exista uma igualdade na transmissão da cultura. Existe sempre uma modificação. Os filhos
o vão ser exatamente o que são os pais. Os pais, de antemão, devem saber que seus filhos
serão diferentes, por conseguinte, que vão reagir de modo diferente. Agora, de posse deste
conhecimento deve existir uma tolerância muito grande ao dialogar com os filhos. Mas, da parte
dos filhos, o diálogo consiste, por exemplo, nisto: eu quero a minha liberdade; eu estou castrado,
morando aqui em casa; o senhor quer transmitir para nós um mundo ruim, o mundo que nós
queremos é outro mundo, o mundo de paz e amor.
O conflito, geralmente, se na puberdade e começa pelo seguinte: os pais não
davam aos filhos conhecimentos relativos à matéria sexual, e eles acabavam descobrindo por si
mesmos, e isto dava motivo a rebelião por parte deles; eles pensavam que as coisas eram de um
modo, e eram de outro, e esta ocultação da verdade dava origem ao conflito. Mas esse conflito
era produto duma cultura que vinha vindo de trás, aquela cultura que dava o sexo como sendo
uma coisa pecaminosa, ou, pelo menos, uma coisa feia. De maneira que o filho não tinha contato
com o pai para tratar desse assunto que era considerado escabroso. Quando o filho vinha a ficar
sabendo, sabia por vias secundárias; nunca diretamente do pai. Isso era motivo de desconfiança
no pai, sendo origem de conflito. Nas gerações como a minha, uma parte do conflito surgiu
disso. Porém, e os outros conflitos, existentes hoje, que não decorrem disso?
Atrás falamos que o conflito é base da evolução. Agora queremos deixar um
exemplo disto. Numa tribo de índios, a cultura é estática, muito mais que numa cultura
civilizada. Numa cultura civilizada o conflito é muito mais intenso, porque existe mais variação.
Uma tribo de índios está mais próxima do animal. O índio recebe a cultura sem reagir, imitando
mais os pais; por isso que se passam os séculos e a taba continua do mesmo jeito, os métodos e
processos deles continuam os mesmos. Quer dizer: o índio não produz evolução nenhuma. O
índio não se equipara a um animal, porque é um ser que nasce sem instintos, e tudo o que
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sabe recebe por meio de aprendizado. A cultura é transmitida de uma geração a outra, mas sem
variações.
O conflito, como se vê, não é um mal necessário, ele é necessário à evolução. O
conflito se torna um mal nas épocas de decadência, porque, ao invés de evolução, busca-se a
involução, o retrocesso, a extinção. Todas as civilizações que deram em nada, deram-no por
involução. Portanto, se sempre, invariavelmente, a reação fosse positiva, fosse favorável, se o
conflito de gerações levasse a um bem, sempre a um bem, a civilização estaria sempre
crescendo, estaria sempre evoluindo, expandindo, seria uma coisa espantosa: o filho era mais
que o pai, o neto mais que o avô. Mas não é desse jeito. Nós já sabemos muito bem como as
coisas se dão. No conflito de gerações ocorre isto: avô rico, pai remediado, neto pobre. Por que
neto pobre? Era a rico, e tivemos neto pobre. O mesmo acontece na civilização. Se, no
conflito, o conflitador, o novo, o filho estivesse sendo certo, então teríamos sempre progresso.
Então, por que é que a civilização fecha o seu ciclo? Por que cai? Vejamos os povos antigos de
que nos fala a Bíblia: que é dos filisteus, dos gebuseus, hititas, dos macabeus, dos egípcios? Que
é feito dos babilônios, dos gregos e dos romanos? Por que chega a desaparecer um povo? Porque
errou, porque, no conflito das gerações, as gerações novas tomaram caminhos que levaram à
perdição.
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11 A hora da síntese de todas as filosofias
No nosso livroUm Estudo do Nosso Tempo”, não tratamos só de cogitações
filoficas sem finalidade prática. Enfatizamos no livro que o pensamento e a ação formam um
par dialético, como tese e antítese, e necessitam caminhar o mais possível juntos. Não se pode
pôr a questão de qual de ambos, pensamento ou ação, é o mais importante, considerando que,
quando um finca o e se firma, o outro avança e toma posição, como se foram nossas duas
pernas. A vida é problematicidade, forçando o pensamento a caminhar, e das soluções dadas aos
problemas irá depender nossa vida individual e coletiva.
Às vezes o pensamento se autoestimula e vai na frente, num passo largo, e o
pragmatismo fica atrás; outras, as situações vitais formam-se antes das teorias, esporeando o
pensamento, que precisa abrir o compasso mental para entendê-las e explicá-las. Tal o nosso
tempo. As contingências, as situações criaram problemas cujas soluções ainda estão por achar-
se. Com isto o mundo começa a regredir e a deteriorar-se. Alguns exemplos: o protesto dos
jovens é um ato de rebelião contra o estabelecido; e como tais contestadores não criam nada,
o mundo se encaminha para o caos. A luta liberticista da mulher carece de uma filosofia... a da
igualdade, filosofia que ainda ninguém criou. Como o mundo se acha carente de idéias novas, a
arte moderna surra temas comuns, como se a revolução da forma significasse revolução da arte.
Quem desconcordar com isto, que diga: onde está a grande mensagem da arte moderna?
Para solucionar todos os problemas que os tempos modernos colocaram, é preciso
nova tomada de posição filofica, agora que se esgotaram os impulsos do positivismo, do
fisicalismo e do cientismo. Não necessidade de se criar uma nova filosofia dentre tantas
existentes. É chegada a hora da síntese de todas a filosofias. Nesta síntese, todos os filósofos se
encontram, visto como todos eles tinham razão em suas visões particulares, pois cada um esteve
a observar o universo a partir de um mirante.
Todavia, para fazer a síntese realismo-idealismo-evolução, e ainda, a síntese entre
Heráclito e Parmênides, entre inteligível e sensível, entre essência e substância, entre alma e
corpo, etc., é preciso uma CHAVE sem a qual será impossível o encontro e integração de todos
os sistemas na unidade. Embora a Verdade seja uma só na unidade do cabo do leque que se abre
no universo, ela é também os bordos dele, onde ela se mostra multímoda ou multifária. Daqui
vem que todos os filósofos têm razão considerando de suas perspectivas, decorrendo disto que as
verdades de todos se irmanam e se integram na Verdade unitária e total.
Se a filosofia começou com o realismo grego nascido duma polêmica entre Heráclito
e Parmênides, sendo esta a tese; se, depois, na Renascença, surgiu a antítese, ou seja, o ciclo do
idealismo, a partir do cogito de Descartes, ciclo que continuou até Kant e os três filósofos
kantianos, Fichte, Schelling e Hegel; o que está faltando agora é a síntese, sendo esta a terceira
jornada da filosofia. A primeira jornada foi a grega; a segunda, a renascentista ou filosofia
moderna; a terceira é a exposta em Um Estudo do Nosso Tempo” e em outras obras de nossa
autoria.
A terceira jornada filosófica, que é a da síntese, assenta-se no que está implícito em
Platão e em todas as religiões superiores, que é o mundo primeiro, criado por Deus, o “topos
uranos”, ou “mundo celeste”, que PREEXISTE e SOBREVIVE a tudo”, mundo este de onde os
espíritos caíram... por ter invertido o amor que os integrava, no impulso oposto, o egoísmo
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separatista e demolidor. Esta queda foi até o Caos primeiro, de onde, agora, ressurge o
universo por evolução. Tal síntese liga o criacionismo ao evolucionismo, e une Platão a Darwin.
Outro fundamento é que o amor se reduz à energia-substância (Einstein, Campo
Unificado), donde vem que tinha razão Aristóteles quando afirmava que a matéria é incriada e
infinita, não no sentido comum da palavra, mas no sentido de energia-substância, na sua forma
mais excelsa que é o Amor. Desta energia-substância tudo se fez, e o Caos de que nasceu nosso
universo é um produto da Queda ou Involução de parte do mundo celestial.
O mundo sensível que nos rodeia, do qual fazemos parte pelo corpo, e no qual nos
achamos embebidos, foi dado por Platão e pelo Cristianismo como sendo o mundo da
irrealidade, da ignorância, da ilusão, da dor e do mal. Um e outro supôs que a causa de tudo isto
estava em que o mundo é feito de matéria; não se atinou, então, que o motivo da ignorância, da
ilusão, do mal e da dor fosse porque nosso mundo se acha invertido desde quando o amor se
mudou no egoísmo, e houve a dissolução daquela alta energia no formidoloso e medonho Caos.
Mas, para os que teimarem em ser contra a matéria (substância), pergunta-se se é possível
EXISTIR um mundo, ainda que do mais alto grau de espiritualidade, feito de pura essência,
sem matéria alguma? É certo que o “corpo espiritual” ou “corpo glorioso (São Paulo) ou
perispírito(Kardec) de um Serafim é feito, todo, de pura luz; o esquecer, todavia, que a luz
é energia redutível à matéria e vice-versa...
Se a energia-substância do universo é constante, em razão do que, como
sentenciava Lavoisier, “nada se cria e tudo se transforma”, de que saíram, por evolução, a
energia vital e os sentimentos todos que são potentíssimas forças morais? Assim como na
Involução, o Amor virado Egoísmo dissociou-se no dilúvio de energias que se condensaram em
matéria; na subida evolutiva as energias da desintegração da matéria transformam-se em energia
vital de que nasceram os sentimentos sobre os quais se sublima o Amor. Se do nada não sai
nada, e tudo o que existe é o seu aspecto anterior modificado, a energia-substância primordial
(aquela que os filósofos pré-parmenídicos buscavam) tem que ser o Amor. Agora, a ninguém
mais repugna quando ouve dizer que “Deus é luz” (I João 1, 5), e que “Deus é amor(I João 4,
8), ambos, luz e amor, incriados e infinitos. Com isto, deixa Deus de ser intuído como “essência
pura sem matéria alguma”, como pensava Aristóteles, de modo que sendo Deus intuído como
forma pura, princípio oco, vazio de conteúdo, de substância, não passa de pura abstração, e sua
“realidade objetiva” é como a dos cem táleres ideais” que Kant dizia não se encontrarem no
seu bolso. Um Deus sem substância alguma não existe fora da nossa inteligência, não passando
ele, aí, de pura iia.
Igualmente, como Deus possui Substância, também não pura alma, isto é, sem
corpo nenhum, ainda que ela seja um Trono ou uma Potestade, e habite o mais alto empíreo.
Corpo e alma são como núcleo e citoplasma na célula, como elétrons e prótons no átomo, como
homem e mulher na família, como tese e antítese na síntese. Ora, ninguém, por mais innuo,
iria questionar sobre qual tem prevalência e é o mais importante, se a tese ou a antítese, se a
mulher ou o homem, se os prótons ou os elétrons, se o núcleo ou o citoplasma. Por intica
razão, não tem sentido a afirmação espiritualista da prevalência do espírito (alma) sobre a
matéria (corpo), nem a do materialista que supõe seja prevalente a matéria sobre o espírito.
Corpo e alma são unidades opostas e complementares integradas na unidade do ser, sem
primazia de um sobre o outro, porque um ser sem corpo nenhum é uma iia vazia de conteúdo
existencial, uma pura abstração, e um corpo sem alma (essência) é o mesmo que caos. Deste
modo, materialismo e espiritualismo (eis outra síntese) mais não são do que duas perspectivas
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opostas de uma mesma realidade; um não poderá vencer o outro, porque ambos terão de
integrar-se na síntese da terceira jornada da filosofia que coma agora, e dominará o Terceiro
Milênio. O mal do mundo não procede da matéria de que ele é feito, mas da inversão do amor no
egoísmo, e a consequente dissolução de tudo até chegar ao Caos. A volta ao lugar celeste
(salvação) pode acontecer com a reconquista do perdido amor; daí o estar certa a máxima
implicitada por Cristo em todos os seus atos, em toda a sua doutrina: fora do amor não
salvação. Pois claro: se a perdição ocorreu por causa do esfriamento e inversão do amor, como
poderá salvar-se, alguém, a não ser pela negação da negação, isto é, negação do egoísmo? Pela
desinversão do egoísmo em amor?
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12 - Egoísmo Dilatado
Comecemos vendo o que é o egoísmo. Egoísmo é o sentimento que faz com que o
ser traga tudo para si, forçando-o a objetivar a si próprio. Todos os seres são egoístas, e
quando eles em em operação o seu egoísmo, eles não querem saber se vai faltar alguma coisa
para o outro. Nunca ninguém reparou um animálculo, um ser minúsculo, ainda que seja um
protozoário, que deixasse de ser egoísta. Ele sempre está atraindo para si, e pouco se
incomodando com os demais. Este esforço de atrair para si e encher-se, de fazer-se prevalecer é
que se chama egoísmo.
E quando começa o processo evolutivo, a gente repara que não diminuiu o egoísmo,
ele cada vez mais vai se desenvolvendo juntamente com o desenvolvimento dos seres. Quem
teve a oportunidade de observar os animais domésticos repara que eles são egoístas. Se pomos
ração no comedouro para os animais, cada um procura apoderar-se da maior porção, tocando,
espantando o companheiro, a fim de que ele fique sozinho, dono do maior quinhão. Ele não se
dise a repartir o dele com ninguém. Não existe possibilidade, por exemplo, de um cavalo
repartir a sua porção de alimento com outro cavalo. Todos os animais são egoístas fechados em
si mesmos, porque cada um verifica que existe si próprio. E quando este egoísmo se expande um
pouco mais, é por causa da prole, quando a mãe distribui para os seus filhotes. naquela
família o egoísmo se amplia, e assim mesmo é o egoísmo químico, e não um processo
espiritual. Já se fez experncias sobre esse assunto; pegou-se uma macaca virgem e inoculou-se
nela o hormônio feminino, e a macaca ficou tomada de amores por um coelhinho que adotou por
filho. Isso foi enquanto durou o efeito do hormônio. Depois de cessado o efeito, a macaca viu
com indiferença o coelho ser morto por um do bando. Então, o que pensamos ser altruísmo das
fêmeas irracionais é produto hormonal. No tempo em que cessa o comando hormonal, ela cessa
de agir daquele modo. O homem, ao contrário, age por um processo superior. Uma mãe humana
tem tanto amor pelo filho pequeno quanto crescido. Nas fêmeas irracionais, na proporção que
cessa o hormônio, cessa o apego, até que a mãe recha o filho para longe de si.
O egoísmo faz com que a pessoa viva em função do que ela chama meu; ela quer
saber somente do que é meu. Este gravador é meu, tendo eu todo o cuidado no seu manuseio,
exigindo que os outros que operam com ele também o façam. Agora, se o aparelho fosse de
outrem, eu não exerceria tanta vigilância sobre aqueles que o usam. O meu egoísmo se abriu ao
aparelho, de modo que ele passou a pertencer à minha zona de donio. Isso é o que eu chamo
egoísmo dilatado, porque o egoísmo, em vez de se anular, antes, ele se amplia, tomando mais
coisas dentro do seu âmbito. O egoísmo fechado é misculo, fechado no seu núcleo ainda não
desenvolvido. Quando ele se expande, ele se torna maior, cada vez abarcando mais coisas dentro
de sua zona de domínio.
Assim, quando nós agimos dentro da nossa zona de domínio, vamo-nos sentindo
muito tranquilos; nós damos para o que é nosso, porque o que é nosso se confunde com o nosso
eu; o eu e o meu se confundem. Não para saber onde é que está o eu e onde é que está o
meu. Quando eu digo meu corpo, e depois minha alma, meu espírito, se o corpo é meu, se a alma
é minha, se o espírito é meu, onde está o eu, se tudo é meu? É que o eu e o meu se confundem.
Essa confusão entre o eu e o meu faz que as coisas sejam minhas, e o egoísmo se expanda e
abarque essas coisas, e não só as coisas, como o grupo social, o meu grupo, os meus irmãos,
aqueles que colaboram comigo, que pertencem à minha grei, diferentes dos indivíduos de outros
grupos aos quais eu não pertenço. A minha família, os meus filhos, a minha esposa. Eu sou tudo
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para minha mulher, porque ela é uma extensão minha; dar para ela é como se estivesse dando
para mim próprio. Estou dando para meu filho, porque estou dando para mim próprio, dado que
ele é uma extensão de mim mesmo, donde pode dizer-se que ele e eu somos um; ele e eu
passamos a pertencer a um todo social, e eu, naquele momento, não sou eu, para ser o nós. Eu
passei a ser o nós; eu não sei o que é o eu, porque o eu se expandiu e se transformou em nós.
Então eu distribuo dentro da minha zona de domínio, a qual está sempre se
expandindo. Primeiro eu tenho a minha esposa; e depois eu tenho o meu filho; e depois vou ter
os meus parentes, já que estão associados a mim, já que estão associados à minha esposa; e
depois vem o social a partir dos meus amigos e do grupo em que estiver engajado, atingindo o
social em cada vez maior amplitude. Isso é o que se chama expansão do egoísmo. E não se
expande no plano social; expande-se, também, no plano material. O sujeito tem a casa dele,
tem suas depenncias, seu quintal, sua cidade, e então alimenta o seu bairrismo, defende sua
cidade, seu estado, sua pátria. Quando um homem está viajando pelo exterior, e faz muito tempo
que não seus patriotas, e de repente escuta algm falando a língua de sua nação, ele sente
alegria, sente que está entre iros. O gozo de sentir-se entre irmãos é egoísmo dilatado, porque
estivera forasteiro, entre estranhos, entre os que não são os “meus” dele.
As religiões pretendem que devemos acabar com o egoísmo pondo no seu lugar a
virtude que se lhe opõe o altruísmo. Impossível. Ninguém muda seu modo de ser
instantaneamente. E mais, cada um pode trabalhar com o material de que dispõe, para que o
resultado desse trabalho seja concreto (real). E qual o material de que cada um dise? Resposta:
egoísmo. Então o desenvolvimento em qualquer setor o pode ser senão baseado neste dado. O
que é o altruísmo? O altruísmo é viver em função do outro. O outro é alter, donde saiu
altruísmo. Como é que eu vou poder viver em função do outro? Primeiro de tudo tem de haver o
eu para depois haver o outro, porque se eu vivesse em função do outro, como é que eu poderia
pensar em cessar de eu existir. Quando Cristo propõe o seu mandamento maior, ele diz assim:
ama ao próximo como a ti mesmo; se fosse possível coisa maior ele teria dito: ama ao próximo
mais do que a ti mesmo. Quando amamos o nosso filho e supomos que ele é mais do que nós,
o é que é mais, mas que transferimos para o nosso filho o afeto de uma tal maneira que s
supomos que ele é o outro, o alter, para o qual derivamos toda a nossa afeição, que supomos que
seja, toda ela, nós mesmos. Possivelmente existi no plano espiritual, no mundo não caído dos
anjos, esse tipo de amor que é o a partir do outro alter. Mas neste processo evolutivo pelo qual
vamos subindo, onde o egoísmo não foi destruído, sabemos que todos os animais são egoístas e
nós somos animais e somos egoístas, e o egoísmo vai se expandindo. s sabemos que o
egoísmo se expande, mas não sabemos que o egoísmo desaparece. Podemos sacrificar até a
nossa vida pelo nosso objeto amado; mas é porque temos uma crença numa sobrevincia. Não
existe uma perda total do eu. Ninguém se disporia a anular-se em função do objeto amado,
porque então cessaria o amante. O objeto amado é o motivo do amante, o qual, em se anulando,
anularia o amor e o motivo do amor. Como pode existir o motivo, se o amante se destrói, cessa
de existir? Cristo, por exemplo, deu sua vida pelo homem; mas ele cria numa sobrevivência; ele
estava mudando de plano; fez o sacrifício de deixar um plano para ir-se a outro plano de
existência. Ele não estava praticando uma anulação. Eu gostaria de saber se ele, sabendo que iria
anular-se, tornar-se zero, desaparecendo para sempre, teria feito o sacrifício. Porque, então, o
sacrifício se tornaria inútil, pois ele está se sacrificando porque ama, mas com o sacrifício a
fonte do amor cessa de existir. O egoísmo dilatado é diferente de altruísmo. O altruísmo seria
viver em função do outro, e não existe essa vincia em função do outro, o que existe é a gente
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vivendo em função de si próprio, e o outro sendo o meu. É o meu amigo, ou filho, ou esposa
ou o que quer que seja, mas meu. Eu não sou o outro; o outro é meu.
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13 - A Liberdade da Mulher
Esta matéria também já foi desenvolvida por mim no livro “Um Estudo do Nosso
Tempo”, no capítulo “O que é a igualdade”. se falou da igualdade do homem e da mulher. A
igualdade que a mulher busca em relação ao homem não é a identidade. A mulher não vai querer
ficar igual ao homem, quer dizer, fazer tudo o que o homem faz, masculinizando-se. Ela tem que
manter a sua diferenciação feminina. No entanto ela tem procurado, por todos os meios, a
igualdade como sinônimo de identidade. É muito comum aparecerem mulheres que fazem uma
coisa, e depois dizem assim: isto é para mostrar que a mulher é igual ao homem. Se a mulher for
igual ao homem, ela se inferioriza, porque se masculiniza. Ainda tem mais o seguinte: a mulher
o tem de ser considerada em referência ao varão. O homem não pode ser o referencial da
mulher; ele não pode ser o padrão, o paradigma. Ela não pode referir sua imagem à do homem,
porque se ela se definir com base no homem, então este está sendo tomado em primeiro plano,
em primeiro lugar, e com isto fica colocado em nível superior. A mulher tem que ser investigada
e estudada em si mesma, e não em referência ao homem.
Essa igualdade que a mulher busca com o homem levou o mundo a esse estado de
coisas, a principiar pela rebelião contra a virgindade. A virgindade, se fosse impossível, não teria
sido praticada durante todos os tempos; as nossas avós, as nossas mães, as nossas irmãs não
teriam sido virgens até o casamento, porque a virgindade era uma impossibilidade, do jeito que a
virgindade masculina é impossível. Essa impossibilidade é imposta pela própria natureza. O
homem, pela sua constituição biológica, está sempre pronto para o congresso sexual, não
dependendo de quaisquer rituais preparatórios. A mulher, ao contrário, para a realização do sexo
de forma satisfatória, depende de um preâmbulo afetivo. Para ela o sexo é a síntese em que se
generaliza toda uma vida. Até para atingir o orgasmo, clímax do relacionamento, ela depende da
boa condução do parceiro. Quanto ao homem, a ejaculação é já o próprio orgasmo, o
dependendo de quaisquer prévias preparações; trata-se de um reflexo perfeitamente animal e
irracional. A diferença entre o homem e a mulher, neste caso, é comparável à diferença entre o
fogão a gás e o fogão a lenha. O primeiro aquece instantaneamente, ao passo que o segundo, a
mulher, só o faz com demora.
Todavia, o homem não é o único no mundo com essa característica. No reino animal
quase todos os machos são polimicos, por natureza, mas, poligâmicos ou não, todos sempre
estão à disposição das fêmeas a qualquer momento, bastando que elas queiram a união. No nível
humano, de um modo geral, após concluídas as relações sexuais, da parte do homem vem a
indiferença, fruto da saciedade, ao passo que a mulher continua afetiva.
A natureza se mostra pródiga do lado masculino a começar no reino vegetal. Um
homem desperdiça duzentos e vinte e cinco miles de espermatozoides a cada função do seu
óro, em comparação com apenas um óvulo que a mulher produz por mês. Schopenhauer diz
que se um homem prevarica, comete um pecado contra a sociedade, mas se é a mulher que
prevarica, comete um pecado contra a sociedade e outro contra a natureza. Por causa de a
predisposição do homem para a poligamia ser da sua natureza biológica, vemos com mais mérito
quando o homem se submete ao regime monogâmico, tendo em vista a constituição da família,
se comparado com a mulher em idêntica circunstância. O homem que assim procede estará
forçando sua natureza inspirado por princípios superiores que a sociedade estabelece.
A moça que se dispuser a manter-se virgem o fará sacrifícios como o homem.
Basta viver de acordo com sua natureza. É tão claro isto, que a quebra do tabu da virgindade é
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fruto tão somente dos movimetos liberticistas, e não por satisfazer necessidades. A evidência
deste fato está em que até para conseguir orgasmo a mulher tem de treinar-se. Então, de onde
procede a necessidade? Em contrapartida, a natureza pregou uma grande peça aos homens,
dotando-os de uma sexualidade exasperante, e com isto garantiu a fecundação em qualquer
momento que fosse solicitada. Essa crueldade da natureza para com o varão, dotando-o dessa
impulsão que não pode ser extravasada, para nós tem uma conotação espiritual, de valor
relevante para sua lapidação. O esforço para conter-se e dominar a natureza é trabalho de
sublimão que nem todos conseguem; são, portanto, caminhos dolorosos que, se seguidos,
darão em sublimações no esporte, na arte, na ciência, na religião, etc. Mas como a mulher busca
a igualdade, segue-se que cai também o princípio da virgindade; caído o princípio da virgindade,
todas as demais coisas tornam-se possíveis, comando a libertinagem desenfreada, a
promiscuidade que vemos por aí. Vem então a possibilidade de a mulher praticar todos os
abusos, que até então a sociedade tolerava aos homens mais promíscuos.
Todavia, sempre existiu uma grande corrente contrária, reacionária, que persiste em
manter o costume do passado. Existe aqueles que não gostariam que suas filhas se liberassem,
existem mulheres que não querem elas mesmas admitir tal costume para si próprias. Quando o
costume, no meio social, se degenera a ponto de, por exemplo, uma moça se envergonhar de ser
virgem, ela mantém a virgindade oculta, embora propale que não é virgem simplesmente para
poder fazer coro com a demais, mas ela própria, no seu recôndito, mantém a sua virgindade.
Existe, então, de fato, uma corrente ainda de moralidade que conserva o costume antigo de
manter a virgindade contra essa outra que se chama de liberalismo ou libertarismo.
Desde quando a mulher se fez liberalizada, começou essa cadeia enorme de
descalabro moral que observamos, não só em nossos dias, mas sempre no findar das civilizações.
O homem é específico, e a mulher também é específica. Cada um é específico em si
mesmo; um não vai buscar a igualdade no outro; na diferença é que reside a beleza; não é
buscando a igualdade. A calota eletrônica do átomo não vai querer ser igual ao próton, nem este,
igual aos elétrons, porque se o próton fosse igual aos elétrons o havia o átomo. Se o homem
fosse igual à mulher não havia a família. A mulher masculinizada é uma mulher inferior, o
homem efeminado é um homem inferior; para que o homem possua o seu valor, ele tem que ser
íntegro, mantido no que é, tem que ser macho, do mesmo modo que a mulher, fêmea; se o fiel da
balança desviar-se para o lado feminino, então aquele homem não é bem homem e perde o seu
valor. Isso acontece na natureza, onde sempre as partes se reúnem às suas opostas para criar uma
unidade de espécie maior. A família é uma unidade de espécie maior, e resulta na existência de
um homem que seja homem e de uma mulher que seja mulher. Ora, o homem que é homem tem,
especificamente, as suas características, o mesmo ocorrendo com a mulher que é mulher. A boa
educação determinou que o homem tivesse gentilezas para com a mulher, tais como puxar-lhe a
cadeira, ceder-lhe o lugar e outras coisas mais. Mas como a mulher quer ser igual ao homem, e
entra em competição com ele, tornando-se agressiva, e em todo o lugar quer manter o vel de
igualdade, igualdade essa que deixa de ser aquela diversidade, essa mulher não merece que se
lhe dê o lugar, nem que se lhe puxe a cadeira, porque é mulher que perdeu as suas características
femininas.
O que podemos observar é que as gerações ditas adiantadas, as gerações atrevidas,
o vão deixar descendentes, visto que se ocupam de gozar a vida, como dizem. Por isso,
essa geração pra frente” não deixará legado nenhum, porque é geração sem descendentes. A
geração que vai deixar legado é a que respeitou um pouco o que a anterior manteve. Aquele que
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quis levar a vida que eles chamam “boa vida”, aquele que pensou em “gozar a vida”, a vida
do gozo, dos prazeres, o que achou que criar filhos dá trabalho, e que a liberdade consiste
somente em gozar a vida, esse fica amadurecido nos anos, sem ter filhos, seja do lado do
homem, seja do lado da mulher. Esses não terão geração para legar coisa alguma. Para legar
alguma coisa é necessário conformar-se com a antiga lei da natureza e ter filhos. Isso de a
mulher viver trocando de homem, e o homem, de mulher, é sintoma de imaturidade.
Nós estamos num planeta de expiação; e num planeta de expiação, as ligações, na
sua maioria, são expiatórias. Agora, os dois diabos (a mulher é um diabo e o homem é outro
diabo), ao invés de caírem em si e dizerem: “nós somos diabos, e vamos ver como acertar as
nossas reentrâncias e saliências; como é que vamos harmonizar as nossas pontas; de que jeito
vamos acertar a nossa vida, a nossa convivência; como é que nós vamos nos tolerar, pelo menos
tolerar, a fim de que possamos criar os nossos filhos, em vez disso, separam-se e cada um vai
para um lado. Esses diabos separados, cada um, vai encontrar outros com os quais tentam unir-
se, mas as uniões também não vão adiante. É assim que os divorciados, quando se lhes a
liberdade de divorciar-se, divorciam-se dez vezes! quinze vezes! Se o divórcio resolve o
problema do casal, por que não divorciar-se uma vez só? Por que divorciar-se dez vezes? Mas
o estou falando do Brasil que não possibilidade de haver mais que um divórcio; estou
falando dos Estados Unidos. Aqui um divórcio, e os demais são separações e uniões
extraconjugais que se pensava que o divórcio viria resolver. Haja vista o divórcio de pobre, que
é “mala nas costas”... O divórcio, em tirando a sacralidade do casamento, colocou a este de
parelha com a mancebia. Cada diabo diz: eu tenho a minha liberdade! Eu tenho direito de ser
feliz. A gente escuta essa tolice em todo o lugar, como se o diabo pudesse ser livre e feliz. Para
esses, vale o que já dizia Vieira: “O peregrino vive sempre mudando de lugar em lugar, mas
nunca muda de sorte, porque sempre leva a si consigo”.
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14 - Comportamento sexual da mulher brasileira
A revista “Manchete” publicou um estudo do IBOPE sobre o comportamento sexual
da mulher brasileira. Para este fim empregou o método que considera “perfeitamente
elucidativo”(!) do diz-me o que pensas e eu te direi quem és”. Ao estudar o mesmo
comportamento do homem, empregou método diferente; por quê? Se o método é válido para as
mulheres, não o será, também, para os homens?
A verdade, porém, é que este método é falhíssimo, donde vem que este trabalho do
Ibope se fundamenta sobre uma premissa falsa.
O homem pensa de conformidade com os ideais superiores, mas age de acordo com
seus instintos. A eterna luta do Bem e do Mal, do Espírito e da Matéria, do Anjo e da Besta, do
Ideal e da Prática, do Pensamento e da Ação, encontra eco no recôndito da consciência, que, o
raro, explode na fala de São Paulo que a si se chamava miserável, e dava o porquê: “porque
(como dizia) não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço” (Rom 7, 19).
Também de Sêneca é voz corrente que, de par com o grande pensador que foi, se
encontrava um grande corrupto. E conquanto possa ser verdade que ele é vítima de uma injúria
histórica, que “faz dele o modelo de todas as baixezas”, no dizer de G. D. Leoni, também pode
ser verdadeira a opinião comum, a este respeito, porque o pensamento que corre com a pena o
tem paralelo com as ações que fazem a vida.
Wagner, realmente um dos mais estupendos gênios musicais que o mundo já viu”,
tinha a pretensão de ser “Shakespeare, Beethoven e Platão em uma pessoa só”, contudo a
história o revela por documentário de jornais, por arquivos da polícia, pelo testemunho de
pessoas que o conheceram e por suas cartas, como “um monstro de presunção”, além de quase
irresponsável, inescrupuloso, velhaco e devasso. Por que isto? Porque, se no gênio se asilava o
anjo, no homem comum se acoitava a besta. A boca falava do que tinha em si de anjo, ao passo
que a vida revelava o rastejar do animal.
O mesmo aconteceu com Salomão, que deixou, ao morrer, a par de seus
Provérbios” profundos, como coisa que pensava, um harém de mil mulheres como atestado de
sua vida de orgias. Até um templo a Astarte edificou este rei lascivo, na montanha do Escândalo,
como prova do divórcio entre o que se pensa e o que se faz. Por essa causa, quando a João
Batista perguntaram quem era, declarou-se ele como sendo a voz que clamava no deserto.
Perguntaram-lhe quem era, e ele mostrou o seu ofício, porque o homem não é o que pensa, senão
o que faz. “O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é?”, pergunta
Vieira; e responde: “É o conceito que de sua vida têm os ouvintes”.
O homem pensa (e também as mulheres) com a camada cortical, com seu rebro
recente, mas age com seu cérebro antigo, primitivo; daí a incoerência entre o ideal e a prática, e
o divórcio que divide o homem em si mesmo, tornando-o uma criatura paradoxal “em que o
cérebro recente, pensante, moral timbra em arrebatar o poder ao cérebro primitivo, afeito a
operar com instintos um ser em que vivem consequentemente dois seres: o animal e o
superanimal; que se empenha em se libertar da animalidade e, em virtude desses dois cérebros
no seu crânio e da rivalidade entre ambos, é um ser contraditório, esquisóide, a primeira
criatura em vias de se desanimalizar” (Fritz Kahn). É por isso que Paulo se considerava
miserável, e Goethe exclamou: “Ah! Moram duas almas no meu peito!” E fale ainda Fritz Kahn:
“Ats do cérebro recente, ou cérebro anterior delicadamente cinzelado, no fundo da abóbada
craniana, jaz como um dragão o cérebro primitivo ou posterior: o “bruto no homem”, o centro
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dos reflexos, a sede dos instintos e das sensações obscuras: fome, sede, fadiga, impulso sexual,
instinto de conservação, instinto gregário, todos os instintos englobados na qualificação de
“maus”, como a vaidade, a inveja, a avareza, a cobiça, a crueldade, a astúcia”. Mais: quem
conhece a fórmula de esquizóide possui a chave para entender, em si próprio e à sua roda, a vida
em todas as suas contradições gritantes. O assassino não faz uma questão de consciência de
partir a marteladas o crânio da velha compassiva que lhe deu pousada, para lhe furtar alguns
vinténs. Ao fechar a porta, porém, o olhar cai-lhe no canário; o homicida volta atrás, despeja o
cartucho de alpiste e põe uma cara de água limpa na gaiola. Uma envenenadora, julgada em
1950 na Alemanha, no espaço de quinze anos despachou desta para a melhor vida uma dezena
de amigas, com uma cara de café. O pastor conhecia-a como pessoa caridosa, frequentadora
assídua do templo. Na cadeia, essa mulher empenhava-se em converter à fé as companheiras.
Frederico, o Grande, foi preso por seu pai, pelas suas atividades antimilitaristas. Não podendo
ser paladino da paz, tornou-se herói guerreiro; empreendeu guerras de expansão e estimulava os
seus soldados, nas batalhas, empunhando o bastão, com a frase que se tornou clássica:
Pretendem não morrer nunca, seus malandros?” Mais: Bernard Shaw dedicou a sua vida ao
ideal de redimir a sociedade humana das suas fraquezas sociais e morais. Ele próprio não era
interesseiro, mas pouco se lhe dava mostrar que o era. Acumulou uma grande fortuna de que
outra vez, o esquiide não soube fazer uso; vivia frugalmente como um monge. Nem mesmo
seus subalternos fiéis e dedicados aproveitaram o que quer que fosse dessa riqueza. Shaw
pagava-lhes, pelo contrário, “salário de fome”, contra os quais reclamava nas suas obras. Ele era
o último homem a quem poderia ocorrer a iia de aumentar ordenados diz uma sua biógrafa
ocupava-se demais de escrever sobre economia”. “Os ideais dos homens estão, em primeiro
lugar, no papel”. Mais isto: “Shaw lembra muito Schopenhauer, de quem tinha quer o senso
crítico acerado e a elegância de expressão, quer a extravagância e o egoísmo mesquinho. O
filósofo do pessimismo dormia com o revólver carregado na mesa de cabeceira. Pregava nos
seus escritos a futilidade dos bens materiais; era, no entanto, impiedoso na cobrança de aluguéis;
e, no aposento onde escreveu de maneira incomparável sobre triunfar das paixões, atirou uma
inquilina escada abaixo, de maneira tão desastrada, que teve de lhe pagar uma indenização”.
Tenho provado a minha proposição. Depois de tudo isto, que nos esclareça o Ibope a
significação do método que acha perfeitamente elucidativo (?) que vai na frase: diga-me como
pensas, e dir-te-ei quem és! Como é, então, o comportamento sexual da mulher brasileira? O que
falou no inquérito do Ibope foi o cérebro recente das interrogadas, e cérebro dos ideais, todavia,
elas vivem como todos, em concordância com os sentimentos e paixões sediados no rebro
antigo.
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15 - O aborto
Toda filosofia mantém-se no geral, mas, apesar disto, toda ela tem seu aspecto
prático. Ela atinge todos os setores, inclusive o setor vivencial, a nossa vida. De maneira que
todo o filósofo, segundo sua filosofia, sabe como é que devemos agir. A filosofia dele, plantada
num plano geral, deriva-se e vem para o particular respondendo as outras questões também.
Perguntando-me a mim a respeito do aborto, eu responderia, para estar coerente com todo o
estudo que eu já fiz, que o aborto é condenável moralmente, porque ele é uma forma de
assassinato. O feto é uma pessoa desde a hora em que o óvulo foi fecundado, e o ovo vai para a
sua nidificação. Não é pessoa nem o óvulo, nem o espermatozóide, quando não integrados no
ovo. Todavia, desde a fecundação, há um espírito incorporado ao ovo, começando nesse
momento o processo de desenvolvimento, pelo que é uma pessoa. Em qualquer fase que seja
tomado o feto, ele é uma pessoa, ainda que seja na forma de ovo. De maneira que o aborto se
torna um assassinato. Por isso é condenado por todas as religiões do passado. A religião católica
o condena, e as demais todas condenam o aborto, e, se ele existe hoje, é como consequencia de
uma filosofia materialista, que leva a pensar que cada homem é livre para fazer o que lhe
aprouver, e nessa liberdade o sujeito diz que é dono do seu corpo, que ele é dono do seu destino.
A mulher diz que ela pode fazer o que quiser com o seu próprio corpo, por conseguinte, se lhe
apraz, ela pode praticar o aborto, que seria uma prática exercida sobre o seu próprio corpo.
Muito bem; ela está agindo, não só sobre seu próprio corpo, senão, também, sobre o corpo de um
terceiro, ou segundo, que é o seu próprio filho. E isso é um assassinato. Por isso o que pratica o
aborto é passível de sofrer as punições espirituais por assassinato.
quem ponha a laqueadura no mesmo nível do aborto, mas não é assim; o que fez
a laqueadura é passível de responder por outra forma de abuso, mas não será assassinato. Uma
coisa é impedir a entrada do sujeito, e outra é permitir que entre, mas depois cair de pau sobre
ele. Isto mesmo é o que dizem as religiões, isto é, que o feto é uma pessoa; é um filho de Deus,
e, por conseguinte, deve ser respeitado. A ciência admite que o feto é um ser”; entretanto por
causa do materialismo, afirma que o feto tem apenas vida biológica, como se a ciência tivesse
competência para opinar em questões filoficas e teológicas, para pontificar, determinando que
tipo de vida que ali. A religião admite a existência de um poder divino que se está
estabelecendo, e que aquilo que está germinando é uma criatura, uma pessoa, sendo esta a razão
de que o feto deve ser respeitado.
Outro argumento falho é o do número. Não adianta apresentar multies dos errados.
É como dizia Abdiel, aquele anjo não caído que afrontou Satã em “O Paraíso Perdido, de
Milton. Diz o anjo: “Poucos acertar conseguem, enquanto muitos mil no erro engolfam”. Não
existe o processo de achar a verdade pelo processo democrático; para sabermos a verdade
consultamos as massas, fazendo um plebiscito? Convoca-se a multidão para poder descobrir qual
será a verdade? Se todo mundo for favorável ao roubo, nem por isso o roubo passa a ser moral.
Não importa que o aborto tenha até sido legalizado em alguns países; ele continua imoral. É
legal mas imoral. É essa a posição que se tem de tomar. Os milhões, a multidão não tem valor
nenhum, não conta nada em relação à verdade.
Quanto a dizer que a lei aceita o aborto, como no caso de estupro, vale dizer que nem
sempre o que é legal é moral. O juiz pode determinar uma coisa baseado na lei, e que no entanto
é imoral. Cumpra-se a lei, mas é imoral. Quando Jesus Cristo foi morto, também cumpriu-se lei;
e por conseguinte aquela lei de Pilatos era moral? crates também foi condenado à morte por
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um tribunal; acaso a lei que o condenou era moral? Do mesmo modo, quando a lei determina
que se faça o aborto, mesmo no caso de estupro, a lei é imoral. Não é porque uma moça foi
estuprada, resultando disto a fecundação, que a Igreja concorde com o aborto. Ou então, porque
o filho vai nascer com defeito, que o aborto seja recomendado. Porque, neste caso, também,
podia-se autorizar o infanticídio. Por ue matar antes de nascer é o mesmo que matar depois de
nascido. Ocorre que isso está regulado por outras leis; são leis espirituais. Se a moça foi
estuprada, e teve a infelicidade de estar fecunda naquele dia, o que é uma coisa muito rara, a
Igreja não vai concordar que, por isso, se pratique o assassinato ou aborto.
O aborto é praticável se, no parto, estiver perigando a vida da mãe. Entre
sacrificar a mãe ou sacrificar o filho, salve-se a mãe, porque é a matriz que deve ser preservada.
Todavia, quando a mulher sabe que sua gravidez é de alto risco, o certo é não se deixar fecundar.
_________
Nota dos editores O aborto, por suas implicações de ordem moral e principalmente
religiosas, continua sendo um assunto extremamente polêmico. Assim, apesar de decorridas algumas
décadas da produção desse texto, o assunto ainda é objeto de acaloradas discussões em todos os
segmentos da sociedade. À guisa de ilustração, transcrevemos abaixo um trabalho que está circulando
na Internet, que, apesar do tempo, se encaixa perfeitamente na linha de pensamento do autor.
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Aborto
Certa mãe, carregando nos braços um bebê, entrou num consultório médico e, diante
deste, começou a lamuriar-se:
Doutor, o senhor precisa me ajudar num problema muito sério. Este meu bebê
ainda não completou um ano e estou grávida de novo! Não quero filhos em tão curto espaço de
tempo, mas sim num espaço grande entre um e outro.
Indaga o médico:
Muito bem... e o que a senhora quer que eu faça?
A mulher, esperançosa, respondeu:
Desejo interromper esta gravidez e quero contar com sua ajuda.
O médico pensou alguns minutos e disse para a mulher:
Acho que tenho uma melhor opção para solucionar o problema, e é menos perigoso
para a senhora.
A mulher sorria, certa que o médico aceitara o seu pedido, quando o ouviu dizer:
Veja bem, minha senhora... para o ficar com dois bebês em tão curto espaço de
tempo, vamos matar este que está em seus braços. Assim, o outro poderá nascer... Se o caso é
matar, o diferença para mim entre um e outro. Até porque sacrificar o que a senhora tem
nos braços é mais fácil e a senhora não corre nenhum risco.
A mulher apavorou-se:
Não, doutor!!! Que horror!!! Matar uma criança é crime!!! É infanticídio!!!
O médico sorriu e, depois de algumas considerações, convenceu a e de que não
existe a menor diferença entre matar uma criança ainda por nascer (mas que já vive no seio
materno) e uma crescida. O crime é exatamente o mesmo e o mal, diante de Deus e da
consciência, exatamente o mesmo.
Extraído do “Expresso Vida”, n.º 28, de 03/09/2001.
Adaptado por Ariovaldo Cavarzan.
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16 - Filantropia e Caridade
Filantropia é palavra derivada de filo que é amigo, e antropo, que é homem.
Filantropo é amigo do homem; filantropia é amizade para com o homem. Então, sempre que nos
referimos à amizade para com o homem, temos de empregar a palavra filantropia. O oposto da
filantropia é a misantropia. Considerando que a maioria da humanidade não é misantropa, é, por
conseguinte, filantropa. Filantropia é o que verificamos em todas as instituições que se dedicam
à assistência social, como amparo aos velhos, como fazem os vicentinos, às crianças, aos
enfermos, etc. Essa atividade é a filantropia, ou seja, a amizade para com o homem.
De um modo geral, costuma-se dizer que isso é caridade. Mas não. Porque caridade é
um sentimento muito mais sublime, próprio das almas sublimes. Caridade quer dizer “Amor.
São Paulo define bem a palavra caridade quando ele fala em amor, numa tradução da Bíblia, e
em caridade, em outra. Diz o Astolo: Eu posso falar a língua dos homens e dos anjos, mas se
o tiver amor, serei como o sino que tange ou como o címbalo que retine. Eu posso ter todas as
ciências, mas se o tiver amor, isso nada me aproveitará. Então, aquilo lá é amor, sendo este
um estágio acima da filantropia. É o que podemos encontrar dentro da nossa casa, numa relação
entre pai e mãe e filhos. Quando o ente humano tem capacidade de sacrificar-se para o outro,
então, isso é caridade ou amor. Haja vista, por exemplo, a Madre Teresa de Calcutá: sua atuação
é caridosa, dado que ela desenvolveu o amor num grau tão extraordinário, que cada vez que
aparece uma criança no caminho dela, é um novo filho que lhe é trazido e ela trata aquela
criança que chegou como se fora o próprio filho que ela agasalha no seu peito, no seu coração
com todo amor próprio de uma mãe. Mas, na verdade, o que existe em abundância no mundo é a
filantropia; de uma maneira muito escassa, nós encontramos a misantropia; trata-se do indivíduo
avesso, que não gosta do homem, isolado, rancoroso, aquele que é inimigo do homem. Esse
nunca se dispõe a colaborar em obra nenhuma, não se engaja em quadro social nenhum, não faz
nada em benefício de ninguém, não trabalha em favor de ninguém. Esse indivíduo é o
misantropo. Mas na sua maioria os homens são filantropos. Quase sempre o homem está
engajado em algum grupo social onde ele exerce a sua filantropia.
Essa amizade para com o homem, onde ele cultiva esse amor, não na forma
acrisolada, chama-se filantropia. Não se trata da forma acrisolada do amor evangélico, naquela
forma de pai para filho, de mãe para filho. Não se trata dessa forma acrisolada que se chama
“Amor”, mas da forma filantpica que deriva do grego filo, amigo, e antropo, homem.
O governo pode açambarcar muitas obras filantrópicas, transformando-as em obras
sociais, mas assim mesmo sobra uma grande quantidade de serviços a serem prestados; não raro,
o vizinho tem necessidade de ser ajudado, e é preciso que os demais vizinhos entendam isto e
colaborem; estar com os olhos abertos para enxergar a necessidade alheia, e estar sempre
disposto a dar a o, tudo isso é filantropia. O fato de o governo tomar para si a assistência, por
meio das instituições sociais, não significa que ele tira do homem a oportunidade de ele exercer
a filantropia.
No entanto, em certo ponto filantropia e caridade se confundem, exatamente porque
a filantropia é caminho para a caridade. De tanto o sujeito fazer a filantropia ele acaba sendo
caridoso; ele acaba criando amor no exercício da filantropia, ele acaba criando amor às pessoas
as quais ele assiste. Desde a hora em que o homem presta o seu auxílio por amor, isso é
caridade. Não existe um limite intransponível entre caridade e filantropia; passamos,
perfeitamente, da filantropia para a caridade. A filantropia é caminho que leva à caridade,
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embora a filantropia, quanto ao seu objetivo, seja um fim em si mesma. A filantropia e a
caridade têm de ser julgadas em função da pessoa que pratica a ação; se o que moveu a ão for
um sentimento profundo, temos aí o amor ou caridade. Se, de outro modo, o que moveu a ação
foram os princípios de entidades a que por ventura pertençamos, então, temos só a filantropia.
Podemos falar da caridade ou de amor, dentro da nossa casa. Não é preciso dissertar sobre o
amor que os pais têm pelos filhos, porque, nisto, cada um tem sua experiência. Esse amor
acendrado que ele tem em relação a sua esposa e a seus filhos, ele não tem em relação ao
vizinho. De modo que a assistência que ele dá ao vizinho não é a mesma que ele dá aos próprios
filhos. Se não se trata de coisas idênticas, devem ter nomes diferentes. O que o homem à
esposa e aos filhos se chama amor, e o que ele aos vizinhos se chama filantropia. Caridade e
amor são uma e mesma coisa.
Sendo a filantropia o caminho do amor, é da mesma natureza do amor; portanto é
simplesmente um amor mais frágil, mais fraco, menos intenso. Na proporção que a ação vai se
distanciando do centro que é o amor, vai se tornando filantropia. A caridade é uma filantropia
reforçada, no mesmo passo em que a filantropia é uma caridade enfraquecida.
Nós estamos imbuídos da idéia de desenvolver a caridade; mas a caridade é uma
coisa sublime alcançada quando chegarmos a amar o próximo como a nós mesmos, como
disse Jesus.
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17 - A Liberdade
Todos os temas filoficos possuem duas pontas, de modo que quando se escapa de
uma se cai na outra. Quem fala da liberdade, juntamente, tem de falar do determinismo.
Determinismo é o mesmo que fatalismo; os homens, na Terra, classificam-se em fatalistas e
liberalistas. Quase sempre os homens tendem mais para o fatalismo. Acredita-se muito em que
os homens não são livres. Porque tudo no mundo é determinado por leis, seja no campo da
física, da química, da astronomia, da matéria, por causa disto se supõe haja determinismo e lei
na biologia, na economia, na história. O mesmo determinismo científico aconteceria no campo
da vida. Logo, tudo está pré-determinado, e nós simplesmente vamos seguir as linhas
determinadas que já foram pré-traçadas. De maneira que, sendo assim, não somos livres. Quando
nós pensamos estar agindo livremente, simplesmente estamos executando condicionamentos de
rias espécies. E isto é determinismo. Os muçulmanos acreditam que tudo está escrito nas
estrelas. Donde vem que, se nós somos determinados, se todos os nossos passos estão
predestinados, se tudo o que havemos de fazer está já, de antemão, pré-fixado, nós não somos
livres; se não somos livres não somos responveis; se não somos responsáveis não somos
culpados por aquilo que fizermos, e, portanto, não passíveis de condenação.
Outra corrente do pensamento, com a qual nos associamos, é a de que existe a
liberdade, que esta liberdade aparece no começo da ação. Nós somos livres sim, mas somente
no começo da ação. Cada vez que uma coisa vai ser estabelecida, nós somos livres, e aquela
liberdade nossa faz com que nós escolhamos o nosso caminho. Depois de lançadas as bases,
depois de lançadas as impulsões, , aquela massa se torna determinística, os efeitos se tornam
compulsórios e enquanto não se esgota todo o impulso, o determinismo se mantém. No começo
da ação nós somos livres; porém essa liberdade não se poderia chamar liberdade; o que existe é o
arbítrio, o livre-arbítrio. Artrio e liberdade são coisas diferentes. A liberdade propriamente dita
é aquela que corresponde com a lei; ser livre é estar de acordo com a lei. É livre o que age dentro
dos limites da lei, dentro das paralelas que a lei impõe. Dentro desse âmbito, então, o homem é
livre. Quando o homem age fora dessa imposição, sua liberdade se torna arbítrio. Então quem é
livre, propriamente livre? Só o sábio e só o santo. Porque só eles é que agem de acordo com a lei
maior, com a lei que rege o universo. Eles se acham imbuídos daquela lei, ou seja: aquela lei se
acha inscrita neles, através da qual eles se regem. Por conseguinte eles não usam o arbítrio,
seguem a lei dentro da qual são livres. Procedem como dizia São Paulo: “Tudo posso fazer, mas
nem tudo me convém”. Tudo posso fazer: esse é o arbítrio; mas nem tudo me convém: essa é a
lei.
Mas a maior parte da humanidade confunde liberdade com arbítrio. E usando a
liberdade como arbítrio vai dar no que dissemos: lançadas as primeiras impulsões, as quais
geram consequências, estas prendem e tiram a liberdade até que se esgotem as impulsões.
Durante todo esse tempo o sujeito que desencadeou a ação o pode usar nem do seu arbítrio.
Fica cerceado até no seu arbítrio. Haja vista, por exemplo, o crime. O sujeito pode dizer que é
livre para praticar o crime. Não é livre não. Ele tem o arbítrio para fazer isso, e chama esse
arbítrio de liberdade. Usando o arbítrio o sujeito pode chegar à violência de matar um homem;
o liberdade para isso, porque todos estamos dentro dos limites da lei. E ser livre é estar
dentro da lei. Então, o sujeito agindo fora da lei não está usando a liberdade, está usando o
arbítrio. Pois muito bem: em matando um homem o sujeito desencadeia um processo contra ele;
esse processo o prende, o subjuga, e faz com ele tudo o que é necessário, até que depois de um
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tempo muito longo, volte a ser livre. Não bastando as prisões a que fica submetido, ainda há os
grilhões interiores, o arrependimento, o remorso. Tudo isto oprime, mesmo depois de cumprida a
sentença na cadeia.
Ser livre é estar de acordo com a lei, sobretudo a que governa o Universo. E nós,
quando estudamos, queremos saber como funciona essa lei para estarmos de acordo com ela. É
sábio o que procura não entrar em antagonismo e atrito com essa vontade maior que rege o
Universo. Entrar em atrito com essa roda é ser esmigalhado por ela. O jeito de sermos livres é
agir em concordância, e não, em discordância. E nesta concordância que consiste a liberdade,
e na discordância consiste o arbítrio, que não é liberdade, mas que só existe no princípio da ação,
e laada esta ação ela gera consequências que se impõem.
Como se vê, a liberdade está na dependência da lei, não sendo ninguém
absolutamente livre. A liberdade está dentro dos limites da lei, sempre existindo as coisas
proibidas pela lei, as quais não se pode fazer. No Universo existe uma regra moral, de modo que
nem um serafim ou um querubim podem fazer tudo o que quiserem. São Paulo já dizia: tudo
posso fazer; tudo posso, como o ignorante faz; tudo posso fazer, mas nem tudo me convém.
Como não convém ao ignorante, mas como este não sabe, então faz, porém como São Paulo não
era ignorante, por isto não fazia. Tudo posso fazer, mas nem tudo me convém. Tudo posso fazer
é o livre-arbítrio; mas nem tudo me convém, porque estou dentro dos limites da lei, e isso é a
liberdade. Agora, o sujeito quer que a liberdade seja absoluta! Liberdade absoluta é o livre-
arbítrio; e o livre-arbítrio fecha o sujeito no determinismo, um determinismo cada vez mais
restrito, mais fechado.
Liberdade plena para sempre não há nem para Deus. Dizemos que Deus é livre, tal
como o homem, no começo da ação. Quando Deus foi fazer o Universo, ele teve duas opções:
ele podia criar a matéria ou a antimatéria. Se ele tivesse feito a antimatéria, o Universo seria de
antimatéria. Mas ele optou por fazer o Universo de matéria, e não, de antimatéria. Por
conseguinte, ele ficou sem a possibilidade de criar a antimatéria juntamente, porque as duas não
podem ficar juntas, porque uma explode a outra. Ele optou por isto? Sim. Então, por isto mesmo,
ficou sem a possibilidade de fazer aquilo. Ele foi livre para fazer isto? Foi. Então, por isso
mesmo, ficou impossibilitado de fazer aquilo outro. A liberdade dele deu para fazer a matéria?
Sim. Mas para o próprio Deus existe essa limitão! Deus me criou a mim; criou-me de algo,
este algo vem de outro algo, e vem de algo... Por isso não me poderá destruir substancialmente.
Porque tudo o que existe é o seu aspecto anterior modificado. Deus pode transformar-me noutra
coisa, e depois noutra, e depois noutra, mas a substância de que eu sou feito coexistidesde
sempre e para todo o sempre com a divindade. Deus não me poderia ter criado do nada, porque
do nada não sai nada.
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18 - Materialismo
Esse tema, o materialismo, é muito amplo, e por uma porção de modos poderíamos
abordá-lo. No entanto, o que nos parece melhor é tratá-lo associado à sua contrapartida, o
espiritualismo. Os homens classificam-se em espiritualistas e materialistas, conforme deem
primazia ao espírito ou à matéria. Neste particular nossa colocação é mediana visto que não
achamos possa haver essa primazia. Para nós matéria e espírito formam uma unidade
indissolúvel igual à forma e conteúdo. E assim como a forma está jungida ao seu conteúdo na
realidade de qualquer coisa, assim também o espírito está associado à matéria na realidade do
ser.
Antigamente se supunha haver um abismo intransponível entre matéria e energia.
Nosso século foi tempo de enorme desenvolvimento, e agora já é conhecimento corriqueiro que
matéria e energia são termos reversíveis entre si. A bomba atômica que nos apavora hoje é prova
de que a matéria se transforma em energia. O contrário também se verifica, e o materialista de
ontem deve chamar-se, agora, energista.
Todavia, as energias são transformáveis umas nas outras. As energias próximas da
matéria, resultante da desintegração desta, são energias dinamicamente potentes, de ondas
curtas, capazes de produzir muito trabalho. À proporção que as energias vão-se transformando,
o perdendo a capacidade de produzir trabalho, e isso se chama degradação dinâmica. No
entanto, não há perda, dado o princípio de que, na natureza, nada se cria e nada se perde, mas
tudo se transforma.
Antes não havia vida no Universo; depois surgiu a vida: do quê? Do que surgiu a
vida, se tudo o que existe é algo anterior modificado? Se nada se cria e nada se perde, mas tudo
se transforma, o que se transformou em vida? A resposta única possível é esta: o algo anterior
que se transformou em energia vital é a energia degradada. A energia dos raios infra-vermelhos
está mais próxima da vida do que os raios luminosos comuns. Considerando que, na
transformação, a energia degradada se torna vida, então o nosso materialista deverá chamar-se
vitalista. Outra vez, há agremiações filosóficas que afirmam o vitalismo. E assim como os
energistas dizem que Deus é Energia, os vitalistas afirmam que Deus é Vida.
No entanto, a vida não é o último termo; a vida se mostra como irritabilidade, e esta
se diferencia, por uma parte em sensações, e, por outra, em sentimentos. As sensações são
geratrizes dos pensamentos. E os pensamentos são energias-ondas que se propagam e podem ser
recebidos por um sensitivo telepático. Por outro lado, os sentimentos também o energias. E
dos sentimentos o mais excelso é o amor. Não posto a subir acima do amor, não há nada
acima de si a que ele se refira, pelo que ele se torna absoluto. Sendo o amor absoluto, ele é Deus,
donde dizer São João: Deus é Amor.
Partimos da matéria e chegamos ao amor. Dir-se-á, então, que o pensamento e o
amor saíram da matéria. Mas isso é porque, numa fase anterior, a energia e a matéria saíram do
amor. Assim, sendo Deus amor, desta Substância Amor ele criou os Filhos, o primeiro Universo
ou mundo celeste. Como o amor é polarizável, como, aliás, o é toda a substância do Universo,
então esse amor passou-se para o seu contrário, e o contrário do amor é o egoísmo. Passado para
o contrário, essa parte do amor invertido fez guerra à parte conservada na forma direita do amor.
Dessa luta sobreveio a queda dos entes celestes, e a energia-substância desceu de amor para
outras formas mais baixas, ganhando cada vez mais poder dinâmico, no passo que perdia valor
evolutivo. Por essa descensão a energia chegou à matéria.
57
19 - Ultrapassagem da 2.ª Lei da Termodinâmica
Uma filosofia para o século XXI
Bertrand Russell, após recomendar a leitura do livro “Natureza do Mundo sico”,
do Prof. Eddington, escreve: Como o próprio Sir Arthur Eddington assinalou, apesar da
evolução, que está provocando uma crescente organização num cantinho do universo, há, no
conjunto, uma perda geral de organização, que, finalmente, liquidaa organização devida à
evolução. No fim, afirma ele, o universo alcançará um grau de completa desorganização, que
será o fim do mundo todo. Nesse estágio, o universo não passade uma massa uniforme, com
temperatura uniforme
5
.
O que de notável no texto transcrito é que Sir Eddington admite que algo se
organizou no caos e a partir dele, mas que esse mesmo caos, embora vencido neste cantinho do
universo, será o vencedor finalmente, e que a ordem dele usurpada, será reposta na confusão
primeva.
Se ele acredita que foi possível uma “evolução que está provocando uma crescente
organização num cantinho do universo”, e sabemos que esse cantinho se chama planeta Terra,
por que ele não se perguntou: como foi possível a travessia desse rubicão... que consiste na
passagem da matéria morta à matéria viva? O que aconteceu neste cantinho do cosmos não é
uma amostra de que, sendo o universo constitdo por algumas centenas de biles de galáxias,
cada uma delas composta, em dia, por uma centena de biles de estrelas, infindas destas
circuitadas por planetas, deve existir alguns cantinhos semelhantes à Terra, quanto à
possibilidade de vida?
Acresça-se ainda que, aqui mesmo no cantinho Terra, a Vida se organizou em bases
diferentes, conforme se pode ver, por exemplo, nos tunicados em cujas células sanguíneas, em
fez de ferro, há o metal raro vanádio. A presença abundante destes tunicados no mundo
primitivo fez com que o petróleo venezuelano produza resíduos com 2/3 de óxido desse metal.
Afora isto, (Boschke) “os tunicados contêm mais de 10% de ácido sulfúrico livre. Uma
comparação: são muito mais ácidos do que o nosso suco gástrico
6
. A hemoglobina e a clorofila
têm fórmulas químicas idênticas, exceto que, no lugar de ferro na hemoglobina, está o magnésio
na clorofila. havíamos lido em Fritz Kahn que a cor avermelhada dos camarões, lagostas,
siris e caranguejos, quando cozidos, provém de que o ferro da hemoglobina dos vertebrados,
neles, foi substituído pelo cobre; após isto, viemos a saber que o mesmo ocorre com os
octópodes (moluscos cefalópodes como a lula, polvo, etc.). Boschke nos assegura que “os
vermes intestinais, por exemplo, têm uma hemoglobina em que o óxido de carbono substitui o
oxigênio”
7
. Igualmente, existem vegetais que, saindo do seu papel, “concentram o elemento
xico selênio; outros, como a cavalinha, contêm quantidades consideráveis de silício
8
. Quanto
às condições toleradas pela Vida, animais em fontes termais perto do ponto de fervura,
vermes que vivem no gelo e bactérias que vivem do petróleo.
5
Bertrand Russell, “Perspectiva Científica, pag. 77
6
F.L. Boschke, A Criação Ainda Não Terminou, pag. 215
7
F.L. Boschke, A Criação Ainda Não Terminou, pág. 225-216
8
F.L. Boschke, A Criação Ainda Não Terminou,” pág. 197
58
Tudo isto está no cantinho do Universo em que se aloja a Terra, podendo haver,
como ficou dito, inumeráveis cantinhos quais este...
Se em tais cantinhos o rubicão da Vida foi transposto, como afirmar, como o Prof.
Eddington, que apesar da evolução que está provocando uma crescente organização num
cantinho do universo, há, no conjunto, uma perda geral de organização, que, finalmente,
liquidará a organização devida à evolução”? Em que se fundamenta ele para afirmar que o
universo alcançará um grau de completa desorganização, que será o fim do mundo todo”? Que
“nesse estágio, o universo não passará de uma massa uniforme, com temperatura uniforme”?
Baseou-se Sir Eddington na Segunda Lei da Termodinâmica. Vejamos o que diz ela,
por quem, por quê, e quando foi formulada:
“A lei da entropia foi aplicada pelo sico inglês William Thomson, Lord Kelvin
(1824-1907), à totalidade do Cosmos, a que aplicou um sistema cerrado. A irredutibilidade do
calor nas demais formas de energia, conclui Thomson, acarreta fatalmente, no transcorrer dos
anos cósmicos, a transformação de todas as reservas de energia em calor. Terminada esta
transformação, se restabeleceria um equilíbrio térmico, excluindo desde então toda a
possibilidade de mudanças físicas. Assim, o aumento da entropia conduz à morte térmica do
Universo. Clausius aderiu às iias de Thomson e deu em 1865 às duas leis transcendentais da
energia a seguinte forma: 1) A quantidade de energia do Universo é constante; 2) a entropia do
Universo tende para o máximo
9
.
Quando quem quer que seja cria um termo novo, esse parte de uma iia. O sentido,
portanto, da palavra entropia, tem que ser buscado no século XIX, quando ainda a Doutrina da
Evolução não se tinha firmado. A Origem das Espécies” saiu à luz em 1859, apenas seis anos
antes de Clausius formular as duas leis da termodinâmica. Portanto, a idéia evolutiva, sobretudo,
a partir de Spencer (1820-1903), de que nosso Universo veio do Caos, ainda não marcara sua
presença no mundo. Como, logo, pensariam Thomson e Clausius? Provavelmente, com a cabeça
de Aristóteles, para quem a matéria eterna, incriada, era caos e desordem, mas parada, antes de
Deus dar-lhe forma através do movimento. Assim, o caos de Aristóteles é imóvel, ao passo que o
caos da Doutrina da Evolução é um caos em que o movimento fortuito e o acaso imperam. Fosse
por via aristotélica do Criacionismo, fosse por via spenceriana do Evolucionismo, num e noutro
caso, o Universo veio do Caos.
Daí que no texto citado da Enciclopédia Prática Jackson está: “Terminada esta
transformação, se RESTABELECERIA um equilíbrio térmico, excluindo desde então toda a
possibilidade de mudanças físicas”. O destaque, em versal, é nosso, e o pusemos para assinalar
que RESTABELECER é tornar ao estado que era antes, isto é, o da imobilidade como o entendia
Aristóteles.
Ora, a palavra entropia vem de entrope (grego), significando volta ou retorno, ou
reversão. Entrópio (de entrope) é o reviramento da lpebra para dentro, na direção do globo
ocular. Sendo, logo, entropia a reversão ou volta ao estado de parada, de equilíbrio, de morte do
Universo, a máxima entropia significa estabilidade total; pela recíproca, entropianima é
quando teve início o movimento pela obra de Deus. O Universo, no pensar de Thomson e
Clausius, é como umndulo que Deus pôs a oscilar, e agora tende para o estado de repouso que
era antes! Então, entropia é o retorno à desordem, seja esta o repouso do Caos, todo potência e
nada ato, de Aristóteles, seja o Caos dinâmico, em que forças tumultuadas se revolviam,
acidentalmente, sem lei, por acaso.
9
Enciclopédia Prática Jackson, Vol. VIII, pág. 383
59
Embora a primeira lei da termodinâmica declare que a energia do Universo é
constante, a segunda lei afirma que as energias se degradam ao transformar-se umas nas outras,
e, finalmente, em energia térmica, sendo tal processo irreversível. Por isso que “a
irreversibilidade do calor nas demais formas de energia, conclui Thomson, acarreta fatalmente,
no transcorrer dos anos cósmicos, a transformação de todas as reservas de energia em calor”.
Todas as reservas de energia em calor”? E a matéria?, que será feito dela? Acaso
ela é eterna, como pensava Aristóteles?
Que a matéria se transforma em energia é conhecimento que nos veio depois, a partir
de 1899, sobretudo pelas experiências sistemáticas efetuadas pelo Prof. Rutherford.
Demonstrou-se, então, que a matéria o é eterna, e o princípio da não eternidade da matéria é
correntemente aceito em nossos dias.
Por causa de a matéria não ser eterna, dado que ela se transforma em energia, e vice-
versa, Einstein propôs o termo energia-substância como denominador comum para todas as
matérias e todas as energias do Universo. Já Lavoisier tinha demonstrado, na Química, o
princípio da conservação da matéria, que se enuncia: o peso dos reagentes é igual ao peso dos
produtos da reação. Generalizando, dá: “na Natureza nada se cria e nada se perde, mas tudo se
transforma”. A primeira lei da termodinâmica passou a ser, então: a energia-substância do
Universo é constante. E a segunda lei da termodinâmica?
Essa fica superada, pela abrangência que a abarcou num todo maior, como sói
acontecer, sempre que se faz uma síntese. Essa segunda lei enuncia a verdade de que as energias,
ao transformar-se umas nas outras, se degradam, irreversivelmente, até sua última forma que é o
calor. Isto é o que sabiam Thomson e Clausius. Pensando ainda com as cabeças destes dois
cientistas, Sir Eddington afirma que, em último estágio, o universo não passará de uma massa
uniforme, com temperatura uniforme”. Bastaria perguntar a Sir Eddington: que “massa
uniforme” é essa? Sua resposta seria: a matéria.
E de que se constitui a matéria, senão da energia? E acaso essa energia de que se
constitui a matéria, também não se degrada? Pois é certo isto: A interação forte une as
partículas do núcleo do átomo, enquanto que a interação fraca é responsável por diversas formas
de decaimento nuclear, o que produz radioatividade” (Timothy Ferris, do “N. Y. Times
Magazine, Suplemento “Cultura” de O Estado de S. Paulo, n 135 de 09-01-1983). Como,
logo, falar em perenidade da “massa uniforme, com temperatura uniforme”, se nenhuma matéria
dura para sempre?
Assim a ciência nos diz, hoje, que o é a energia que se acha fora da matéria,
formando as ondas dinâmicas, que se degradam, senão também se degradam as ondas estáticas,
prisioneiras, que remoinham na matéria e a constituem. Essa é a razão por que, por exemplo,
estes átomos de urânio... do pedaço famoso que Becquerel guardou na gaveta, com suas chapas
fotográficas virgens, ao se decomporem, impressionaram a emulsão sensível, ao passo que
outros átomos, do mesmo pedaço, irão sensibilizar quaisquer chapas quando houver
transcorrido quatro bilhões e quinhentos milhões de anos. Por que uns átomos se explodem neste
instante, e outros só após haver transcorrido tanto tempo? A resposta que dá hoje a ciência a esta
pergunta é que a energia eletromagnética intra-atômica também se degrada, e a interação
eletroforte se torna eletrofraca. Em razão disto, a interação eletroforte que mantém unidos os
elementos de cada átomo ainda jovem, com o correr dos milênios, séculos e anos, vai-se
tornando eletrofraca, até que, chegando ao tempo-limite, entram os átomos em processo de
dissociação pela radioatividade. E como este eletromagnetismo que coexiste com a matéria,
60
sendo-lhe o sustentáculo, é a energia primordial do mundo dinâmico, ou primeira na ordem de
sequência, segue-se que, das ondas mais curtas dos raios gama até as mais longas do calor
luminoso, todas são ondas eletromagnéticas. Admitir que os raios infravermelhos ou caloríficos
são o fim para o qual tudo tende, até mesmo toda a matéria, dado que ela se torna em energia, é
supor que estava certo Heráclito, para quem o Universo se finará em puro fogo.
Para que não haja o eterno retorno heracliteano, é preciso romper o limite térmico,
buscando a origem das energias transtérmicas (como é o caso da energia vital), as quais, como
o podem ter nascido do nada, nasceram do último algo anterior que não pode ser outro senão a
energia calorífica.
A que, logo, se reduzem as duas sentenças do Prof. Eddington?, que afirmam: 1.ª) “o
universo alcançará um grau de completa desorganização, que será o fim do mundo todo”.
Como? E a Vida? 2.ª) “Nesse estágio, o universo não passará de uma massa uniforme, com
temperatura uniforme”. Como? E a desintegração da matéria?
Como se vê, há que se anunciar a superação da segunda lei da termodinâmica,
estabelecendo o que a ciência tem por certo hoje, que é o seguinte: a energia eletromagnética
intra-atômica, ao degradar-se, no interior dos átomos, de eletroforte em eletrofraca, propicia a
eles entrarem em processo de desintegração pela radioatividade. A matéria, então, se torna numa
mina de energia, a qual, em passando de uma forma dinamicamente rica para uma pobre, acaba
por transformar-se em calor. Chegado a este ponto que se supunha fosse o fim, o do equilíbrio
térmico do Universo, em vez disto, a cadeia de degradação dinâmica prossegue em
empobrecimento dinâmico, pelo que surge, do processo, a energia vital. A energia que se
degradou até o calor não pára aqui, portanto, mas, continuando, transforma-se em energia vital.
Assim, em referência à segunda lei da termodinâmica, não só a Vida, mas tudo o que
tem suporte nela, são-lhe um paradoxo; a presença dos seres vivos é-lhe um desmentido, dado
que, nestes, o inverso é que ocorre, pois, ao invés de se rumar para uma desordem crescente, é
para uma ordem cada vez maior e mais complexa que se vai.
O que caracteriza os seres vivos é a invariância reprodutiva e a telenomia. Estas duas
características são oponentes, contraditórias, na dialética da Vida. A invariância diz respeito à
manutenção, à reprodução, à multiplicação de estruturas complexíssimas; e, no entanto,
ordenadas. A telenomia (de telénomo; tele = distante e nomo = lei, regra) mostra, demonstra que,
apesar da invariância, variações e saltos mutacionais provindos de várias causas, criando, ao
acaso, condições adaptativas ou desadaptativas, e, com isto, as variações do meio físico não
conseguem destruir a Vida. A telenomia produz, também, a esmo, ao acaso, as pré-adaptações.
Variando as condições do meio, os espécimes que se puderem adaptar às condições novas
prosseguirão vivos; os não adaptados, perecem.
A telenomia não é um pensamento antecipado, preexistente, finalista, mas uma
loteria em que, por acaso, o número sorteado, isto é, acerta com o rumo que se de seguir,
coerente com as circunstâncias fortuitas pelas quais o meio se modifica. Como as condições do
meio são imprevisíveis, sobretudo a longo prazo, a telenomia joga a sua loteria genética, sendo
sorteado aquele espécime que se adapte àquelas condições que o meio veio a produzir. Portanto,
em lugar do finalismo, o que ocorre é o seguinte: contra a loteria das variações fortuitas do meio,
a Vida oe a sua loteria das também ocasionais variações e mutações genéticas, criando
infinitas opções. O espécime que se encontrar na COINCIDÊNCIA das duas variáveis
independentes (a do meio e a da genética), esse é o sorteado para ser a nascente da nova
espécie... Como a arquifabulosa quantidade de experiências biogenéticas fracassadas fica sem
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registro fóssil, o resultado final das duas loterias independentes, das duas variáveis fortuitas,
surge como se tudo tivesse sido planejado, e tivesse seguido um desenvolvimento finalista,
espontâneo, sem perdas ou desperdícios, perfeitamente inteligível, lógico.
Assim é que o pistilo da flor de maracujá tem exatamente a mesma altura da
mamangava que lhe produz a fertilização, e, “para este fim”, a mamangava tem pelos nas costas
para transportar pólen”. Finalismo? Vejamos isto:
Do mesmo modo como a invenção da câmera fotográfica exigiu a antecipação de um
projeto, igualmente, sendo o olho uma mera fotográfica, também deve ter seguido um projeto.
Isto parece um argumento válido. Só que a execução deste “projeto” pode ser rastreado através
da evolução do olho, na escala animal, a partir das primeiras lulas sensíveis à luz. Fica, então,
patente pelos pouquíssimos registros vivos... que são só os que sobraram, os descaminhos nos
quais a Vida andou metida; verifica-se a quantidade de olhos incompletos, obsoletos, os que não
chegaram a realizar-se, e tendo gasto um tempo cujos primórdios coincidem com o surgimento
dos primeiros organismos, ainda incipientes, pluricelulares, ou seja, os seres coloniais. Empregar
tamanho ensaio-e-erro, com tão formivel desperdício, em um tempo que se conta por
quinhentos milhões de anos, para conseguir um resultado, acaso é isto seguir um projeto?, e
ainda projeto da suma sabedoria que é Deus?
Tal qual ocorreu com a flor de maracujá e sua polinizadora mamangava, a Natureza,
, teve de trabalhar geneticamente com as duas espécies de reinos diferentes, exatamente como
o faria um mecânico que ajusta, com lima e lixa, duas peças que se encaixam. Só que o
mecânico faz isso, conscientemente, em poucas horas, ao passo que a Natureza, inconsciente que
é, teve de ir “limando” e “lixando” a mamangava e a flor por um tempo imensurável.
Certamente que os vermes intestinais, a tênia, por exemplo, não se criaram segundo
um fim preestabelecido. Mas se não seguissem as regras do jogo que se impuseram (telenomia),
se o variassem... pré-adaptativamente, não existiriam. Disto se tira que a Vida não é uma
organização maior e mais complexa, a partir da organização menor e mais simples, senão que
ainda se prepara, com antecipação, para as desordens que possam sobrevir, em consequência
das alterações do meio.
Contudo, não é o meio que modela a Vida, de modo direto, como se ela fosse um
processo de fora para dentro, como pensara Lamarck; as modificações externas apenas permitem
que se aflorem e se definam as disposições genéticas pré-adaptativas que a Vida já tinha
formado, as quais, encontrando ambiente, eclodem. Esta como que prudência” com que a Vida,
de antemão, mas ao acaso, previne adaptações, mostra quão diferente é uma máquina mecânica,
repetitiva sempre no seu funcionar, decadente por seu contínuo desgaste irreparável, de uma
quina viva, operante sempre no seu indescanvel dinamismo auto-reparador, capaz ainda de
reorganizar-se em novas unidades substitutivas, e, por cima, prevenir, em incontáveis espécimes,
possíveis condições futuras que o meio possa apresentar. Quão distante vai isto dos animais
quinas” segundo a concepção do mecanicista Descartes!
Em seu dinamismo frenético, a Vida impõe às espécies vivas várias opções, várias
propostas de experiências que são executadas ao acaso, perecendo as infindáveis espécies que
tomaram por caminhos errados, e poucas se salvando. As experiências bem-sucedidas levam
para frente a Vida nos descendentes, as inumeráveis experiências mal-sucedidas são abortos
esquecidos dentre os quais se incluem espécies inteiras extintas, sobretudo as em maior
quantidade que não deixaram registro fóssil, por serem de quando seus indivíduos eram
gelatinosos, moluscóides, sem carapaça, ou armados por esqueletos de cartilagem. Como
62
ocorre com as soluções obtidas por ensaio-e-erro animal, as experiências fracassadas são
incontavelmente em muito maior número.
Vale, pois, para a Vida no geral, o que escreve Ortega da vida humana no particular:
Em vez de impor-nos uma trajetória, impõe-nos várias e, consequentemente, nos força... a
eleger. Surpreendente condição a de nossa vida! Viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar
a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. Nem um instante se deixa descansar
nossa atividade de decisão. Inclusive quando desesperados nos abandonamos ao que queira vir,
decidimos não decidir”
10
. Para o homem em particular, como para uma espécie biológica, como
ainda para a própria Vida em geral, vale o dito de Ortega: “para nós só é segura a insegurança”!;
mais isto no texto dele: “A história nos conta inumeráveis retrocessos, decadências e
degenerações. Mas não foi dito que não sejam possíveis retrocessos muito mais radicais do que
todos os conhecidos, inclusive o mais radical de todos: a total volatilização do homem como
homem e seu taciturno reingresso na escala animal, na plena e definitiva alteração. A sorte da
cultura, o destino do homem, depende de que no fundo de nosso ser mantenhamos sempre vivaz
esta dramática consciência e, como um contraponto murmurante em nossas entranhas, sintamos
bem que para nós só é segura a insegurança”
11
.
Assim como o homem é obrigado a fazer muitos projetos para a sua vida, antes de
decidir-se por um, igualmente a Vida, não se contentando com ser autônoma, ainda joga para o
futuro esta sua autonomia, com que se faz autotelénoma, e, com isto, se propõe não uma, mas
um leque de opções, vencendo, dentre tantas, somente as que se mostrarem viáveis, face às
condições do meio impossíveis de serem previstas.
Deste modo, quem quiser saber onde começa o princípio de liberdade e autonomia,
examine o processo da divisão-redução (meiose), por meio da qual, no homem, duzentos e vinte
e cinco milhões de espermatozoides, todos diferentes quanto ao patrimônio genético, são
produzidos e expelidos, em cada função do seu órgão reprodutor. Também goza desta autonomia
e liberdade o elétron orbital que, em vez de riscar consigo a sua órbita ao redor do núcleo
atômico, faz que esta “órbita” (!) assuma o aspecto de um enxame de abelhas, no qual ele,
elétron, ocupa o lugar de cada abelha sucessivamente. Igualmente, quem poderá predizer a
trajetória de uma partícula em movimento browniano? Assim, os choques entre as moléculas de
um s contido num recipiente resultam na pressão exercida sobre suas paredes; deste modo,
pode-se predizer o comportamento do conjunto de moléculas; não, todavia, o comportamento de
uma molécula isolada.
Ora, para a Vida construir uma ordem estonteantemente complexa, usando, como
matéria-prima, uma ordem inferior muitíssimo mais simples; depois, manter, até certo ponto,
invariável, a ordem que edificou, mediante recopiagem nos descendentes; finalmente, jogar com
infinitas opções, o que significa: organizar-se, por evolução, em estruturas cada vez mais
complexas, tudo isso representa TRABALHO..., o que implica consumo de energia. Se sem
energia não há trabalho, a recíproca é uma tautologia: se há trabalho produzido, ipso facto, há
energia consumida.
De maneira que não isso de se deixar de lado o estudo das transformações das
energias, pelas quais umas se mudam em outras, quando o limite da Física confina com o da
Biologia. Os vegetais incorporam a energia luminosa, e a fixam sob a forma de energia química:
na devolução daquela energia luminosa consumida, em vez de luz, o que obtemos é o calor, seja
10
Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas, pág. 102
11
Ortega y Gasset, O Homem e a Gente, pág. 65
63
pela combustão da lenha ou do carvão, seja pela combustão dos carboidratos no interior das
células animais. Deste último processo surge a energia nervosa, a que percorre os nervos com a
velocidade média de apenas 250 Km por hora, mais lenta, portanto, que a de um avião.
Velocidade média, dissemos, porque varia de indivíduo para indivíduo, e que se chama
coeficiente pessoal”, femeno este descoberto pelo astrônomo Bessel.
Queremos saber desta energia nervosa, nutriz do pensamento, o qual, segundo a
parapsicologia, se propaga através do espaço, vencendo quaisquer distâncias na Terra, e pode
excitar uma mente, esteja esta do outro lado da Terra, esteja no fundo do mar, esteja dentro da
gaiola de Faraday na qual, como na água e na terra, não penetram ondas elétricas. Por causa
disto, já se pensou até em empregar a telepatia, em vez do rádio, numa ponte Terra-Lua-Terra,
sobretudo quando os astronautas tiverem de operar na face da Lua que se opõe à voltada para a
Terra. Estão às voltas com este projeto não só a Rússia, senão também os Estados Unidos. Por
isto, segundo nos informa o jornal “O Estado de S .Paulo” de 4 de maio de 1969, O Instituto de
Parapsicologia da Universidade de Leningrado chama-se, “Instituto para a Ciência e Técnica das
Telecomunicações”; um idêntico se encontra também em Massachusetts, criado pelo comando
da Aeroutica Militar”.
Ora, a parapsicologia, conforme o Pe. Quevedo, “foi reconhecida oficial e
universalmente como ciência em 1953, por ocasião do Congresso Internacional de
Parapsicologia, organizado pela Fondation International of Parapsichology, pela Universidade
de Utrecht e pelo Ministério de Educação e Cultura da Holanda
12
Assim sendo, partindo do princípio de Lavoisier de que “na Natureza nada se cria e
nada se perde, mas tudo se transforma”, donde se tira o axioma: tudo o que existe é algo anterior
modificado, a ciência é convocada a nos dizer de que algo anterior surge, por transformação, a
energia-onda do pensamento evidenciada na telepatia; de que algo anterior surge a telergia ou
energia biótica (tele = longe; ergon = trabalho, ação); de que algo anterior brota, mana, o
hectoplasma, energia esta exsudada através das cavidades naturais do sensitivo, sobretudo da
boca e nariz, que aparece como nebulosidade, e que possibilita o movimento de objetos no
espaço a que se dá o nome de telecinesia, afora, ainda, que essa energia biótica permite
modelarem-se formas no espaço, projetadas pelo inconsciente do sensitivo, segundo a
Parapsicologia, ou como “materializações” de entidades desencarnadas, a ter razão o
Espiritismo.
Se do nada não sai nada, do que saíram essas formas bióticas de energia, capazes de
produzirem efeitos sobre a matéria densa, como comprovam as levitações e os transportes no
espaço? Energia ou telergia, como já se comprovou, capaz de atravessar chapas de chumbo de
três centímetros de grossura, coisa que nem os raios gama fazem?
É tempo de exigirmos que a ciência nos conta dessa bioenergia, seja a psíquica
(pensamento), seja telérgica, uma e outra nascida das reações do carvão nervoso”, o “tigróide”,
riquíssimo em fósforo a tal ponto que, no século XIX, era corrente o aforismo que dizia: “sem
fósforo não há pensamento
13
.
Quem pode pôr em vida que a energia vital está por detrás dessas outras energias?
E, pois, de que energia anterior procede a energia vital, por transformação?
Partindo do primado de que sem calor não vida (e zero grau ainda é muito calor
face ao zero absoluto), tem que ser a energia térmica, e não outra qualquer energia, que se
12
O. G .Quevedo, O que é a Parapsicologia, pág. 19.
13
Fritz Kahn, O Corpo Humano, II, pág. 167.
64
transforma em energia vital, esta, capaz de acionar as arqui-intrincadíssimas máquinas
biomoleculares primeiro, e biológicas, depois. Assim como a matéria inorgânica está jungida,
inextricavelmente, ao eletromagnetismo, e só existe em função dele, a Vida, sendo uma síntese
superior, de maior abrangência, abarca não só o eletromagnetismo responvel pelo ser da
matéria, como ainda a energia térmica a partir da qual, e sobre a qual, a Vida se sustenta.
O paradoxo consiste, então, nisto: suposto que o Universo tende para a desordem
(entropia máxima) por causa das transformações irreversíveis de umas energias em outras, até o
termo final que é a energia térmica, esta que, acabando por nivelar-se, tornará impossível
quaisquer movimentos; contra isto, vem o desmentido da Vida, visto como ela tende à
organização cada vez maior e mais complexa, exatamente a partir da energia térmica,
compensando o processo da degradação dinâmica por uma gradação evolutiva que culmina com
a Vida.
E a Vida conseguiu toda esta maravilha, mantendo a invariância e o a mantendo
totalmente. A invariância reprodutiva lhe permitiu manter os padrões das estruturas orgânicas
muitíssimo complexas, contra o princípio de que tudo, no Universo, tende para a desordem
(entropia máxima). A sua não obediência total e irrestrita ao princípio da invariância
reprodutiva, possibilitou-lhe o permitir encurralar-se numa linha de especialização. Por
suas mutações e variações pré-adaptativas, foi explorando novas possibilidades, novos
caminhos, ao mesmo tempo que prevenindo, e ensinando, como sobreviver, com ou apesar das
alterações do meio. Assim, a telenomia consiste em antecipar leis e regras para serem
obedecidas, se elas se fizerem indispensáveis. E todas estas antecipações são conseguidas pelo
todo do acaso, da loteria, do ensaio-e-erro, exatamente como o faria um homem, ao verificar
as muitas e variadas opções, uma das quais, queira ou não queira, terá de seguir rumo ao seu
sempre problemático porvir. Por isto mesmo, homem nenhum que não se lamente de haver
perdido certas ocasiões que se lhe depararam as quais não voltam mais. Há ele de lamentar-se de
o haver agarrado a oportunidade pelos cabelos.
No entanto, a Vida não se lamenta de haver perdido nenhuma oportunidade, porque
está sempre jogando com todas ao mesmo tempo, através de seus representantes, indivíduos e
espécies, aos bilhões! Todavia, em fazendo isso, ela poderia justificar-se como o homem que
diz, desiludido, acenando com a cabeça: me é certa a incerteza!, ou, como escreve Ortega:
para nós só é segura a insegurança”
14
.
Disto se tira que reduzir as opções é meter-se em beco sem saída, e é exatamente o
que acontece com os seres altamente especializados. Assim como os galhos e ramos miúdos de
quaisquer árvores adultas são pontos terminais de crescimento, igualmente, com a árvore
genealógica da Vida, os seres altamente especializados ficam sem opção de continuidade
evolutiva.
A grandeza do homem, primeiro que tudo, se deveu a que, nele, a Vida não se
deixou encurralar na especialização; sua mão, por isso, é tão primitiva quanto as patas dos
anfíbios. Resultado: a utilização das mãos como instrumentos preênseis liberou as mandíbulas,
que se modificaram, permitindo a que o espaço linguopalatal aumentasse, e o cérebro crescesse
na zona frontal; isto deu lugar ao aparecimento, pelo uso da linguagem, do Homo loquens, e,
pelo uso das mãos, do Homo faber, tudo se resumindo na sentença de Henri Berr que diz: A
o e a língua, eis a humanidade”!
14
Ortega y Gasset, O Homem e a Gente, g. 65.
65
Hoje o homem tornou-se uma das forças da Natureza, e é conclamado a
responsabilizar-se pela Terra, visto que está em suas mãos o poder conservá-la ou destruí-la. Ele
tem alterado a face de seu planeta, mudando seu clima, poluindo seus rios e mares, e pode, se
quiser, balançar a Lua, dando-lhe piparotes com grossas cargas de bombas nucleares.
Se tal pode, hoje, o Homo technicus, quem dirá do que será capaz, se ele próprio,
agora, não se destruir?
No entanto, tudo teve início lá na Biologia Molecular, quando as moléculas gigantes,
provavelmente, micelas, aprenderam o jeito de se recopiarem (invariância reprodutiva), e, com
isto, cresceram em número, utilizando-se da matéria inorgânica do meio, e, ao mesmo tempo, se
modificarem (telenomia), experimentando opções novas.
Aqueles primitivíssimos unicelulares nasceram, segundo se supõe, num morno caldo
salino, preparado pela Biologia Molecular, num tempo em que ainda boa parte da água do
planeta se achava em suspensão na atmosfera, qual Vênus hoje, não permitindo, por isso, que a
luz do Sol atingisse a supercie do globo. As tempestades contínuas de chuvas torrenciais, em
meio ao tonitruante ribombar dos trovões, assolavam a face do planeta, e as luzes
intermitentes dos raios, dos coriscos, alumiavam-lhe a supercie. Ainda hoje, por isso, as
bactérias do azoto, trabalhando abaixo da supercie do solo, o avessas à luz ao mesmo tempo
que umidífilas e termotrópicas.
Todavia, tanto nesse recuado algonquiano, como ainda hoje, os seres unicelulares
que pululam por toda parte, conforme o afirma Jacques Monod, não violam as leis da
termodinâmica, muito pelo contrário. Não se contentam em lhes obedecer; elas as utilizam,
assim como faria um bom engenheiro, para consumar com o máximo de eficácia o projeto, para
realizar o sonho” (F. Jacob) de toda lula: tornar-se duas lulas”
15
. Os destaques do texto
citado são nossos, e os pusemos para concluir: se “não violam as leis da termodinâmica”, e,
antes, “as utilizam”, não violar e utilizar para seus fins é SUPERAR.
O próprio Monod propõe a experiência de isolar, por todos os modos, inclusive
termicamente, uma solução contendo glicose e sais minerais, compreendendo os elementos
químicos constituintes dos seres vivos (azoto, fósforo, enxofre, etc.), e nesse caldo depositar
uma bactéria da espécie Escherichia Coli. Essa insignificância de vida, só observável pelo
microscópio, no espaço de 36 horas, terá transformado a solução, aparecendo nela “vários
bilhões de bactérias”, como ele diz, e mais: “Constataremos que mais ou menos 40% do açúcar
foi convertido em constituintes celulares, ao passo que o resto foi oxidado em CO
2
e H2
O
16
.
O meio cerrado ou fechado em si mesmo, e isolado do exterior, estava em perfeito
equilíbrio térmico, e, descartada a possibilidade da desintegração radioativa, ficaria, para
sempre, nesse estado em que a ordem não ia além da mistura química inerte. Bastou, porém,
colocar nessa solução uma bactéria somente visível no microscópio (Escherichia Coli), para que,
após 36 horas, em vez de uma, houvesse vários bilhões de bactérias com resíduos de água e gás
carbônico.
Ora, a matéria bruta transformou-se em matéria viva; de um estado de ordem
inferior, subiu-se para um estado de ordem fantasticamente superior. Com a reação
quimiobiológica, todo o CALOR produzido transformou-se em ENERGIA VITAL, esta que,
como ENERGIA que é, produziu o TRABALHO de reorganizar estruturas químicas simples em
ESTRUTURAS de complexidade estonteante. Assim, a energia térmica, imprestável para
15
Jacques Monod, O Acaso e a Necessidade, pág. 31
16
Jacques Monod, O Acaso e a Necessidade, 30
66
movimentar as MÁQUINAS MECÂNICAS, porque no último estágio de degradação
dinâmica, serve, agora, por causa da mesma degradação, para mover as MÁQUINAS VIVAS.
Logo, a ENERGIA VITAL vem das energias degradadas, cumprindo o princípio
científico estabelecido por Lavoisier de que, “na natureza, nada se cria e nada se perde, mas tudo
se transforma”. Por causa deste princípio, estabeleceu-se a primeira lei da termodinâmica, a qual,
modernamente, se enuncia: “A energia-substância do Universo é constante”.
Se tudo se transforma sem perdas nenhumas, é-nos forçoso perguntar: que será feito
do Universo quando toda a matéria se houver feito energia por desintegração atômica, e toda
essa energia se houver convertido na energia térmica irreversível? Seria esta energia o fogo de
Heráclito, princípio e fim de tudo?
Se metermos na água um bastão, ele se nos mostrará quebrado para a vista, reta para
o tato: qual das duas impressões é a verdadeira? Ambas são verdadeiras, e o paradoxo se desfaz
pela ntese operada numa instância superior que se chama: teoria da refração da luz. Tal qual,
de um plano superior, filosófico, por isto mesmo mais abrangente, a segunda lei da
termodinâmica está certa, no vel da matéria inorgânica, mas é superada pela abrangência de
uma verdade maior: a da organicidade crescente da Vida que cria, por um lado, a intelincia, e,
por outro, os sentimentos todos, sobre os quais se sublima o Amor, sendo este Amor, por
conseguinte, a mais alta forma de ENERGIA-SUBSTÂNCIA.
De sorte que, após tudo o quanto já se disse, podemos arriscar uma definição da
Vida. Ela se define como sendo um vel de organização da Energia-Substância. Definir a Vida
como organização da Matéria, implica em perguntar: e a Matéria, o que é? Ora, a Matéria não é
o primeiro nível de organização. Atrás dela estão os prótons, nêutrons e elétrons. Atrás destes,
está a energia que se enrodilhou sobre si mesma em vórtices, dando origem, primeiro que tudo,
às partículas subnucleares e aos elétrons.
Deste modo, o Universo é Organização a partir do Caos ou Desordem. E
a organização se faz do pequeno para o grande, do menos para o mais complexo, sendo a Vida
um estágio dessa organização que se fez de baixo para cima. Ela repousa sobre a Matéria, do
mesmo modo que esta também repousa sobre os elementos que a constituem, e estes sobre algo
anterior, e assim por diante.
Portanto, não se pode pegar um dado nível de organização e dizer: este é o SER, e
tudo o mais é propriedade ou qualidade dele. A Vida não é, conseguintemente, propriedade da
Matéria, como esta não o é dos elementos que a constituem. A Matéria também é um nível de
organização de Algo anterior, e sobre o vel Matéria bruta, organiza-se o da Matéria orgânica,
ou o da biologia molecular; e é sobre este nível de organização biomolecular que se organiza a
Vida, e, sobre esta, vem a organização da Consciência, a qual se constitui dos sentimentos todos
e da inteligência.
O SER é ORGANIZAÇÃO, do mesmo modo que, pela contraditória, o NÃO-SER é
DESORGANIZAÇÃO, ou seja, CAOS.
E à pergunta: o SER é ORGANIZAÇÃO do QUÊ? A resposta única possível é:
Organização da SUBSTÂNCIA, ou, melhor, da ENERGIA-SUBSTÂNCIA.
Agora, querer conhecer o que é a Substância ou Energia-Substância, isso é querer
saber demais, porque nós só podemos saber o que é inteligível; ora, a Substância, como
conteúdo que é das ESSÊNCIAS, é-nos ininteligível. Além da definição vaga de que a
Substância é aquilo que sub-está às Essências, ou aquilo que objetividade, ou coisidade, às
Essências, ou aquilo de que as coisas são feitas, o mais que isto é pretender pensar o impensável.
67
Não esquecer que nós pensamos por conceitos, por formas, por essências; e que os conteúdos
ou substâncias são objetos do nível inferior, ou seja do nível das impressões, do sensível, das
vivências.
No entanto, seguindo a cadeia de organização crescente, a ENERGIA-
SUBSTÂNCIA vai-se transformando, até que tudo termine, NÃO na ENERGIA TÉRMICA,
como pensara Heráclito... com o seu fogo primordial, ou como pensavam Thomson e Clausius,
no século XIX, e por fim, o retardatário Sir Eddington? O termo final tem que ser buscado, não
no calor, mas acima da Vida, naquilo que represente a mais alta organização a partir da mesma
Vida. E a mais alta organização está na CONSCIÊNCIA, constituída, de uma parte pela
Inteligência, e de outra, pelos Sentimentos sobre os quais se sublima o AMOR, este que é o
princípio e o fim de tudo. Ele é ENERGIA-SUBSTÂNCIA primordial, por excelência. Por isto
mesmo, Aquele que falou em nome do mesmo Amor; Aquele que falou como se falara o próprio
Amor, pôde sentenciar: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, o primeiro e o
derradeiro” (Apoc. 23, 13).
Antes de encerrarmos, façamos uma suposição: suponhamos que não fosse
verdadeiro o princípio da degradação das energias. Que houvesse, como ainda se diz,
equivalência entre a energia consumida e a energia produzida, considerando-se, é claro, as
perdas em atrito, em calor, mas não se levando em consideração o coeficiente de degradação do
qual a Física ainda hoje não cogita. Suponhamos que uma forma dinâmica, em se passando para
outra, descartado o atrito, manteria a capacidade de produzir a mesma quantidade de trabalho
mecânico. Neste caso, por que as energias estariam animadas do ímpeto de transformar-se umas
em outras, se não houvesse entre elas nenhum desnível dinâmico?
Numa comparação: por que circularia a água do reservatório A para o reservatório B,
se ambos estão em nível? Por que a energia elétrica e a térmica circulariam do potencial alto
para o baixo, se uma e outra se achasse em equilíbrio? Por que circulariam os planetas em torno
do Sol, e este, ao redor do seu centro galáctico, se o houvesse o cair, dado que, no Universo,
tudo está caindo para o seu centro, e é só para não ir parar nesse centro que os corpos celestes se
transladam, com o que desenvolvem a oposta força centrífuga?
Suposto que as energias são quais são, cada uma sendo qual é, AB AETERNO; o
havendo transformações nem o movimento, não haveria o tempo que se conta pelo hoje, o ontem
e o amanhã. Sem transformação possível, o eletromagnetismo responsável pelo existir da
matéria seria sempre o mesmo, não se degradando de eletroforte para eletrofraco, pelo que não
haveria a desintegração atômica, e, pela mesma razão da intransformabilidade, as ondas
dinâmicas ultracurtas do pré-Universo não se teriam enrolado sobre si mesmas em vórtices para
construírem as partículas subnucleares. O que seria, então, a matéria?, se não houvesse o ímpeto
de ir por diante na transformação degradativa sob um aspecto, e evolutiva, sob outro? De igual
modo, a Vida seria um não-dinamismo, e os homens, os animais e as plantas seriam como
estátuas eternizadas no não tempo...
Ora bem: esta redução ao absurdo e patente a verdade oposta ao suposto atrás, e é
a de que todo o movimento resulta do ímpeto com que umas energias querem” transformar-se
em outras, e as perdas provenientes da degradação dinâmica são compensadas pelos
correspondentes ganhos evolutivos. Essa redução ao absurdo demonstra, também, o desatino de
afirmar-se que a energia térmica é o fim para o qual tudo tende, e que, por isso, o Universo
finará em calor uniforme.
68
A mesma redução ao absurdo demonstra, ainda, estar errado afirmar-se que os
fenômenos do Universo são ciclos, no sentido de circunferências fechadas sobre si mesmas, com
um fim e começo ligados, em repetição constante, contínua, quando eles, por causa de as
energias se degradarem, são como as voltas de uma espiral, decorrendo disto que as voltas ou
espiras cíclicas não se conectam pelo começo e fim dos ciclos, em repetição constante, mas
espiralam, em sucessão, tal qual o havia previsto Heráclito ao inferir que “ninguém toma duas
vezes banho no mesmo rio”.
Daqui vem a última consequência, a maior de todas, e é a de que o Alfa e o Ômega,
conquanto um e outro sejam AMOR, não são iguais, embora semelhantes: Deus criou o Mundo
Celeste, segundo os cristãos, ou o Topos Uranos, segundo Platão, da sua ENERGIA-
SUBSTÂNCIA-AMOR, precisamente porque o amor é transformável. Então, porque o amor é
transformável, livre, polarizável, tendo ficado autônomo esse amor nos Espíritos celestes, muitos
desses Espíritos celestes inverteram o impulso amoroso no seu contrário, no seu oposto, no
EGOÍSMO desintegrador. Nisto se cifrou a INVOLUÇÃO cujo termo final foi o CAOS a partir
do qual teve início a EVOLUÇÃO, esta que acaba por construir outro amor, o qual, agora, se vai
chamar EGOÍSMO DILATADO, diferente do prístino Amor, o dos Espíritos não caídos, que é o
Amor puro, Amor sem metas, com o qual se ama por amar...
O EGOÍSMO DILATADO é também Amor com metas, pelo que o se ama por
amar, mas ama-se porque o objeto amado é havido como posse do amante, o qual, por isso, ama
ao seu. Expandir esta esfera de donio, nisto se cifra o EGOÍSMO DILATADO. Ora, o eu e o
meu se confundem a tal ponto, que se fosse usurpado ao amante tudo aquilo que ele chama de
seu, ou seja, se fosse possível tirar todos os “meus dele”, ele cessaria de existir, visto como não
possuiria nem mesmo os corpos próprios, seja o pelo qual se manifesta nesta vida, seja o pelo
qual se manifesta no além-túmulo, corpos estes que são a sua, por excelência, realidade radical, a
primeira, com a qual ele atua no seu contorno, ao mesmo tempo que recebe a atuação deste.
Embora o Amor puro e o Egoísmo dilatado sejam semelhantes, dado que nada é
igual a si mesmo em dois tempos, donde não ser possível a ninguém “tomar duas vezes banho no
mesmo rio (Heráclito), embora isto, ambos amores são iguais quanto ao fim, não valendo
perguntar qual das duas formas é a melhor, ou mais perfeita, se a do Amor puro, se a do
Egoísmo dilatado, porque uma e outra realiza o fim último do homem, objetivo supremo da sua
existência a FELICIDADE !
Sendo o ESTADO DE FELICIDADE o denominador comum entre as duas formas
de Amor, a de antes da queda, e a do fim da evolução, e dando às setas abaixo a significação de
“vai para”, e “C”, Caos, podemos construir a fórmula do Universo:
A C
A = Ω
ou então
69
20 Hipnoespiritismo
Prólogo
O homem primitivo era místico. Todos os fenômenos naturais eram interpretados à
base de poderes extrafísicos misteriosos. Esta é a fase pré-lógica ou sensitiva da humanidade,
pela qual, tudo o que existe, participa de um quê de divino, constituindo, isto, a lei de
participação, estudada pelos sociólogos. Não existe ainda, nesta fase, o princípio de contradição
que comanda a ciência positiva.
De maneira que o homem, no seu berço, difere dos antropoides superiores por três
coisas: usa as mãos (Homo faber), fala (Homo loquens) e é stico. Para ele, porém, Deus é
tudo (panteísmo), isto é, está imerso no politeísmo mais extremado e grosseiro. Para cada coisa
um mito que se torna superstição e tabu religioso. As religiões nasceram todas do caos dos
mitos, como o estudou, exaustivamente, Oliveira Martins, em sua obra “Sistema dos Mitos”.
As mitologias, ou são astrológicas, ou escatológicas; ou se cultuam estrelas e
planetas, ou antepassados, com os quais se sonha, de noite, que estão vivos, donde vem que,
como o notara Augusto Comte, os mortos continuam a governar os vivos. Não raro, porém,
fundem-se as duas fontes míticas na elaboração dos cultos fetichistas e politeicos.
O homem sensitivo é um impressionável, sugestionável, de fé. Não sabe ainda
perguntar: por quê? O mundo misteriosamente divino faz pressão sobre ele, deixando-o fora de
si, numa como alucinação. Real e falso, tudo se baralha em sua mente infantil e temerosa. Deste
modo, na palidez da noite, ao clarão da lua, as sombras o fantásticas... A confusão do objeto
com a imagem individualidade à sombra e essa sombra é que fala e vive nos sonhos”
17
. “O
sonho da noite continua de dia; dia e noite são aspectos, o mundo todo é uma visão. As
impressões que se levam para o leito, germinando no sonho, vicejam de dia: a existência inteira
é uma alucinação”
18
.
Não foi o medo que inventou o mito: foi a imaginação independente e por força da
atividade própria. Do mito, que deu realidade a quimeras, nasceu o medo religioso: nasceu deus,
cuja imagem é sempre dupla boa ou malfazeja, terrível como as sombras errantes animadas,
ou simpática à maneira da luz do céu sereno”
19
.
Deus nasceu nos bosques. A floresta é o berço do medo
20
. Com o primeiro deus
surgiu o primeiro padre, porque uma autoridade que se sente sem se ver, a que se obedece e se
teme sem se conhecer, envolve em si a necessidade de um medianeiro”
21
.
Aqui está, como tudo começou: a imaginação criou os mitos que são hipóteses de
trabalho, explicações, teorias apenas. Mas o que para o criador do sistema era hitese e teoria
explicativa, para outros passou a ser a verdade mesma; assim nasceu o dogma, o ponto de fé.
Ora, nós somos o que pensamos, isto é, somos produto de nós mesmos, de nossa elaboração
mental. Nossas convicções nos arrastam inexoravelmente, e convicção é fé. Quando a crença se
torna fé, e o crente aceita, como absolutamente verdadeiras, as coisas da sua religião, então
17
Oliveira Martins, Sistema dos Mitos, g. 13
18
Oliveira Martins, Sistema dos Mitos, g. 06
19
Oliveira Martins, Sistema dos Mitos, g. 23
20
Oliveira Martins, Sistema dos Mitos, g. 23
21
Oliveira Martins, Sistema dos Mitos, g. 24
70
comam as experiências místicas que podem ser reais, ou alucinatórias. Quem crê,
absolutamente, na existência de sacis, de caiporas, de lobisomem, estas coisas, ou porque
espíritos lhe aparecem sob tais formas, ou pela alucinação que o medo lhe causa.
Eis como o mito age, reflexivamente, sobre a mente humana, criando a alucinação
que é a experiência stica; antes o crente cria por fé: agora crê porque “viu”, porque sentiu,
porque experimentou”. Daqui por diante a fé se reforça, porque o crente teve uma experiência
mística; mas teve uma experiência mística porque sofreu a pressão sugestiva de uma criação
tica. Eis a fórmula em evidência:
Imaginação
sugestão = mito
Mito
alucinação = religião
Criada a religião, ela se reforça e se engrossa pela entrada nela de adeptos; e do
mesmo modo como, de um simples ovo humano, pode surgir um gênio, assim, daquele caos
primitivo, astrológico e escatológico, a religião evolui para a teologia, para a filosofia, donde
saem, depois, a moral, a ciência, a civilização enfim, em toda a sua complexa estrutura.
Tudo coma na imaginação, e acaba nas mais requintadas criações da ciência exata.
Mas assim como as experiências místicas podem ser reais ou alucinatórias, porque
pode haver manifestações reais de espíritos que aparecem sob a roupagem das crendices,
também podem as crendices alucinar, simplesmente, fazendo o crente ver e sentir o que não
existe. Do mesmo modo como o fenômeno stico margem a dupla interpretação, também a
imaginação se confunde com a intuição. Juntamente com a imaginação, pois, e
inseparavelmente, funciona a intuição (base da mediunidade inspirativa) da verdade que se
revela sob a forma de axiomas inexoráveis.
Eis como o fenômeno stico é complexo e profundo. Uns vão pelo lado do
hipnotismo e sentenciam: é alucinação. Outros, atacam pela parte stica, e dizem: é
revelação. Pode ser uma coisa, pode ser outra e podem ser as duas a um só tempo.
O certo é que a intuição precede às provas lógicas, e antes de se provar, já se sabe. É
por isso que Einstein respondeu, a um grupo de repórteres, que lhe pediam dissesse alguma coisa
sobre sua teoria do campo unificado, pelo qual todas as energias do Universo teriam um
denominador comum: Sobre este ponto, venham ver-me daqui a mais vinte anos”. Perguntado
sobre se o tinha certeza das suas iias, replicou: “Certeza tenho, sim, mas não posso
provar”
22
. Se a certeza deve decorrer das provas, primeiro havia-se de provar para depois ter
certeza; contudo o sábio tinha certeza, mas, não tinha provas, porque sua certeza era fundada na
intuição.
É assim que uma coisa é saber, outra coisa é demonstrar. As verdades mais
profundas podem ser sabidas com absoluta certeza, sem serem experimentalmente
demonstráveis. Em última análise, a certeza não vem de provas de laboratório, mas da intuição
espiritual”
23
. Uma prova disto está no velho sonho dos alquimistas, da unidade da matéria; por
um denominador comum, uns corpos poderiam ser tornados noutros, pelo que se poderia, de vis
metais, formar ouro precioso. O velho sonho dos alquimistas, como se vê, se está realizando,
finalmente; a humanidade começa a despertar para a vigília da ciência do seu longo sono
22
Huberto Rohden, Filosofia Universal, v. 2, pág.115
23
Huberto Rohden, Filosofia Universal, v. 1, pág. 94
71
encantado; a magia negra de Mefistófeles e do Dr. Faust amanheceu na ciência branca de
Einstein & Cia”
24
.
O sábio sabe por intuição, mas, busca provar (controle racional de Ubaldi) para,
racionalmente, persuadir-se e persuadir a outrem da verdade. Contudo a grande massa humana,
com ser ainda sensitiva, mística, e não racional ou lógica, confia na autoridade, não lhe sendo
necessária a demonstração. Ela se basta com a sugestão, como outrora, sendo-lhe inútil a
persuasão.
A sugestão, como temos visto, está na raiz do fenômeno religioso, e sugestão,
crença, fé, confiança são palavras afins.
A persuasão não é a que governa o mundo; os homens são mais sugestionáveis que
racionais ou lógicos. O princípio da autoridade vige ainda. “Mesmo no donio da Inteligência é
uma tola presunção a dos que dizem que já passou a época do Magister dixist
25
.
Se isto é assim até no domínio da intelincia, da razão tica, quanto mais o não
será no nível das massas emotivo-sensitivas? Está com a razão, pois, Huberto Rohden, que diz:
“As massas não pedem provas são empolgadas por audaciosas afirmações e deslumbrantes
promessas”
26
. “O fator “mistério gera admiração, e sem admiração não nada de belo e
atraente”
27
. “Por mais estranho que pareça, é mais fácil matar a religião pela deficiência do que
pelo excesso de mistério; o meio mais seguro para acabar com a religião é a tendência de
racionalizá-la, ou melhor, intelectualizá-la plenamente. Religo plenamente intelectualizada e
inteligível é religião-cadáver. Nunca ninguém morreu voluntariamente por motivos entendidos,
o intelectualista é arreligioso, irreligioso, ou até antirreligioso”
28
.
Fala-se muito em fé esclarecida, em racional, mas ninguém se ao trabalho de
examinar o significado destas palavras polarmente opostas. Fé e razão se opõem, como sugestão
e persuasão; e quanto mais se torna imperiosa e exigente a persuasão, a racionalidade, a ciência,
mais se enfraquece o império da sugestão e da fé, e vice-versa. É assim que um homem de
cerebração robusta, de grande capacidade mental, emocionalmente, sensitivamente, é frio,
impotente. Às avessas, o atleta emocional, o crente, o homem de fé, o sensitivo o raro é um
cego; o herói e o mártir não são gênios, e os nios são fracos, a exemplo de Galileu que, já
velho e imprestável, não teve força para ser um mártir da ciência (como o foi, Sócrates, da
filosofia), morrendo pela sua verdade de que a Terra gira. A visão clara da intelincia tira a
emoção do maravilhoso, o arrojo e a paixão tormentosa que faz os heróis e os mártires. É por
isso que “a compreensão meridiana dos fins é até prejudicial à vitória; é preferível que o súdito
compreenda apenas certa porcentagem desses fins, porque essa semicompreensão favorece mais
uma plenirrealização do que a plenicompreensão”
29
.
Deste modo “os chefes democráticos pecam, geralmente, por uma hipertrofia do
intelecto e uma hipotrofia do coração: querem que os cidadãos compreendam meridianamente os
fins do Estado e que, depois, cada indivíduo se guie por essa luz; esquecem-se, porém, de que
essa luz, por mais abundante, não gera uma força correspondente e assim criam uma geração
de videntes aleijados, como o ditador, não raro, cria uma geração de atletas cegos”
30
.
24
Humberto Rohden, Filosofia Universal, v. 1,pág. 160
25
Medeiros e Albuquerque, Hipnotismo, pág. 79 6.ª Ed.
26
Humberto Rohden, Filosofia Universal,v. 2, pág. 143
27
Humberto Rohden, Filosofia Universal, v. 2, pág. 141
28
Humberto Rohden, Filosofia Universal, v. 2, pág.139-140
29
Humberto Rohden, Filosofia Universal, v. 2, pág. 140
30
Humberto Rohden, Filosofia Universal, v. 2, pág. 140
72
Se a humanidade tivesse atingido o estágio final da sua evolução que chamamos
cosmocrática é claro que a força de agir seria igual à luz do inteligir, e a monocracia dos
totalitários coincidiria com a democracia das repúblicas. Mas a humanidade de hoje está longe
de ser cosmocrática, isto é, capaz de se governar a si mesma pela voz da própria consciência
sintonizada com o Infinito
31
.
Depois de examinado estes dois pólos da personalidade humana, ciência e fé, razão e
sentimento, persuasão e sugestão, cabeça e coração, podemos concluir com afirmar que este é
um dos objetivos desta obra: ensinar o método de o homem edificar-se a si mesmo, alcançando a
síntese destes opostos. Quando a razão chega a vislumbrar a luz, e o homem se torna um vidente
racional, as pernas lhe fraquejam, e ele fica aleijado. Ensinar como ser atleta emocional, forte
como um herói, apesar de vidente, este é um dos fins a que nos propomos. Seria uma como
ascese mística posta em prática pelos caminhos da ciência mais moderna. Verdadeiramente,
depois disto, o homem poderá pegar das rédeas da própria evolução, levando os bravios corcéis
dos desejos para onde quiser. Se os santos tivessem conhecido este método ascético, suas
vitórias sobre a carne ter-se-iam feito sem luta, pelo domínio do pensamento, e não, como
sempre foi, pelo esforço da vontade.
Outra finalidade é dar ao Espiritismo uma força inaudita no trato com os espíritos
obsessores, provocando nestes alucinações terríveis que os obrigam a se afastar de suas timas.
Trata-se de submeter os espíritos a processos hipnológicos.
A bem da verdade, todavia, temos de anotar que não estamos fazendo nada de novo.
Não dissemos bem: conquanto estejamos fazendo uma coisa nova, inédita, contudo, ela já foi
aconselhada por Allan Kardec, há um século. Trata-se de um capítulo da obra do mestre que caiu
no olvido, e que está sendo, agora, ressuscitado.
Isto não o só teorias: é prática tamm, pois, o que escrevemos, fizemos e
estamos fazendo ainda, pelo que nosso Centro Espírita “Bezerra de Menezes” se tornado
numa potência, na cura de obsessões... E o que fazemos, outros poderão imitar, sendo, este, um
dos modos como o Satanás será expulso e preso, conforme profetizou São João no seu
Apocalipse, para o fim dos tempos...
* * *
Hipnotismo astrológico e escatológico
Como vimos, tudo era antes religião, e esta se fundamentava no culto das estrelas, ou
no dos mortos, ou em ambos, ao mesmo tempo. Deuses e demônios andavam à solta, pelo
mundo, em luta porfiada para ganhar o homem que, por isso, ora pendia para o lado dos profetas,
ora, para o dos feiticeiros. Mas a religião evoluiu para a filosofia, da qual surgiram todas as
ciências positivas.
Contudo o processo evolutivo não parou aqui no positivismo científico, como
pensara Augusto Comte; o ciclo prossegue, voltando à filosofia, não àquela, analítica, donde se
desmembraram as ciências, mas à sintética, filha das ciências, generalizando-se até à teologia,
que não será mais panteísta, nem dualista, porém, monista.
31
Humberto Rohden, Filosofia Universal, v. 2, pág. 140
73
O fundamento remoto de todas as ciências está na religião: é a síntese de
imaginação
sugestão
alucinação. Aqui se hão de buscar as bases do hipnotismo, sendo esta
a sua proto-história. Todavia as ciências vindas do caos teológico primitivo, depois de um
primeiro equacionamento no plano filofico, rumam para o estado positivo; daqui tornam à
filosofia da qual surge a teologia superior. Ora, o hipnotismo, como ciência que é, também faz
esta curvatura. Lida, ele, com a imaginação, com a sugestão e com a alucinação, sendo tudo isto
o a base, como ainda a constante mística em todo o processo religioso.
Dir-seque o sono hipnótico pode ser produzido por estímulos artificiais, e tanto
isto é verdade, que os cães de Pavlov dormiam ao ponto de, em todo o laboratório, ouvir-lhes os
roncos. Todavia, sem a palavra o sono não se aprofunda, diz, e com razão, o Dr. Osmard de
Andrade Faria
32
. Logo, o aprofundamento hipnótico, obtido pela somação de focos inibitórios,
se pode dar pela palavra, que, por isso, se torna um sinal de sinais. Contudo é axiomático que
o poderá haver tal aprofundamento se o se confiar em quem usa a palavra. A monotonia do
céu chuvoso aliado ao pingar, compassado, da goteira, pode nos induzir ao sono; mas se alguém,
aproveitando-se desta oportunidade, começar a sugerir que durmamos, queremos saber quem é
esse alguém, antes de entrarmos a dormir. Se nosso sugestionador for nosso empregado ou
empregada doméstica, o dormiremos, por causa da vigilância da nossa censura moral. Dormir
à sugestão de um inferior a nós, conquanto seja possível, do ponto de vista rigorosamente
fisiológico, é coisa que o se dá, por ser antipsicológico, isto é, antinatural, do ponto de vista
místico, subjetivo. Só quem nos supera nos merece fé e crédito, e não às avessas.
Se o hipnotismo fosse, assim, uma coisa objetiva, como uma reação química, ou
fenômeno sico, indiferente ao operador, como queria Braide; se não houvesse a parte subjetiva
do paciente, a sua fé e confiança na autoridade do operador, então, qualquer hipnotizador faria
dormir a todo o mundo. Mas não. O hipnotismo, conquanto possa ser explicado como um
acontecimento fisiológico, com base rigorosamente científica, conserva sua mística,
funcionando de cima para baixo, e não às avessas. Daqui o dizer Medeiros e Albuquerque,
depois de bem documentado e experimentado, que hipnotizamos àqueles sobre os quais
exercemos alguma ascendência
33
. Vale, logo, o princípio da autoridade, e o acontecimento que
pudera ser fisiológico, o é, também, psicológico e moral, atingindo as raias do misticismo,
nos domínios da fé.
A fé se funda no ouvir, como já dizia S. Paulo
34
, e a persuasão, no ver, como o prova
a incredulidade de S. Tomé
35
. Por isso toda a ânsia de qualquer hipnotizador está por fazer que
seu paciente feche os olhos logo, e os o possa mais abrir, para que todo seja ouvidos, e nada,
vistas.
Prezam-se, nos tribunais, as provas concretas mais do que os depoimentos de
pessoas; e por quê? Porque as provas são coisas vistas; os depoimentos das testemunhas, coisas
ouvidas. Nas coisas vistas está a ciência e a razão; nas ouvidas, a e a confiança em quem dá o
testemunho. E como, apesar das juras, os testemunhos de podem ser falsos, e os das provas,
o, por isso são mais reputadas as provas vistas que os depoimentos ouvidos. Conquanto se
retrate a Justiça cega, os juízes gostam mais de usar os olhos que os ouvidos, sendo mais homens
de razão e ciência, que de fé e sugestão.
32
Osmard Andrade Faria, Hipnose Médica e Odontológica, pág. 171.
33
Medeiros e Albuquerque, Hipnotismo, pág. 81 a 84 6.ª Ed.
34
Rom. 10, 17.
35
João 20, 29.
74
As razões, pois, fundadas nos ouvidos são , ao passo que as fundadas na vista
das provas são ciência e verdadeira razão. É com fundamento nesta lógica que surgem os Tos
com suas crenças de vista, pelo que dizem, como o anotou Vieira: “a mim nunca me saiu da
boca coisa que me entrasse pelos ouvidos: para afirmar, hei de ver com os olhos primeiro;
36
. Tal
é como procedem os que se guiam pelos olhos, e não, pelos ouvidos; aqueles “são duas luzes do
corpo, são dois laços da alma”
37
. Se estas luzes do corpo estão acesas, luminosas, a alma andará
às claras, aceitando somente o que for de razão; contudo se estas luzes se apagam, com se
fecharem os olhos, toda a alma estará às escuras, aceitando, de fé, enganos e mentiras que lhe
quiser impingir o hipnotizador. Eis porque e como se dão as alucinações que começam no ponto
em que se fecha os olhos à realidade circunjacente, para penetrar no reino das quimeras e
onirismos. Olhos abertos são candeias e luzes do corpo; fechados, cadeias e laços da alma, visto
que, pelas portas dos ouvidos, a sugestão a pega, a subjuga, a condiciona, a escraviza. Veja lá,
quem for a dormir, se o hipnotizador tem estatura moral, pois, mais vale isto do que meros
conhecimentos científicos, que dão aptidão, porém, o, moralidade, isto é, torna o homem mais
apto, mas, não, melhor. Entre a anestesia química e a hipnótica, conforme o médico, é preferível
a química, que dá inconsciência total, à hipnótica, que deixa a porta aberta para todos os
condicionamentos. Entre os diplomados há os estritamente médicos, no dizer de crates, que
são os curadores de doentes, e há os mercerios da medicina, que são os ganhadores de
dinheiro
38
. A este propósito conta o autor (muito discutido qual seja o certo) da “Arte de Furtar”
que um filho recém-formado em medicina, querendo superar o próprio pai na arte de Escupio,
aproveitou-se da ausência desse para curar, de vez, um dos seus doentes crônicos. Tornando o
pai da viagem que fizera, e ciente do ocorrido, diz ao filho: “Não viste tu, selvagem, que
enquanto se queixava das dores, continuavam as visitas, e se acrescentavam as pagas? Secaste o
leite à cabra que ordenhávamos”
39
.
O hipnotismo é coisa tão maravilhosa como o anel do pastor Giges, que a este fazia
invisível ou visível, conforme pusesse o engaste do anel para dentro ou para fora da mão. E que
se seguiu disto? Seguiu-se que indo Giges ao palácio, prestar contas do rebanho ao rei, em
chegando, seduz a rainha, e, cúmplice dela, assassina o rei e assenhoreia-se do reino
40
. Veja lá
se tal anel pode estar na mão do supremo injusto, que é o que parece justo sem o ser. A virtude
maravilhosa estava no anel; contudo o pastor foi quem se aproveitou da maravilha. Assim com o
hipnotismo maravilhoso, belo e bom, em si mesmo, sem perigo algum na mão de um Sócrates,
mas, perigosíssimo se na mão de Giges, seja este um pastor ou um médico.
O maravilhoso não se explica, e por isso se ime, pela fé, sugestionando, vencendo,
condicionando, arrastando as massas, criando legiões de fanáticos, escrevendo a história,
movendo o mundo.
Diz S. Paulo que a é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova
das coisas que se o veem”
41
. Por isso, para se hipnotizar é preciso que os ouvidos se abram,
aguçados e crédulos, no mesmo ponto em que os olhos se fecham pesados, apagados, inibidos;
por esta razão não se hipnotizam videntes racionais, argutos da idéia, linces e águias do
pensamento, e sim, somente, os sensitivos, os emotivos, os impulsivos, os atletas da vontade e
36
Vieira, Sermões, v. 7, pág, 37 Ed. das Américas.
37
Vieira, “Sermões”, v. 15, pág. 327 - Ed. das Américas.
38
Platão, A República, pág.33 Atena Editora.
39
Antonio de Souza de Macedo, Arte de Furtar, pág. 16-17.
40
Platão, A República, pág. 63 Atena Editora.
41
Heb. 11 ,1.
75
do querer, visto como todos estes não precisam ver para crer, e tanto mais creem, quanto mais
se descuram do ver, fechando os olhos. Ouvidos abertos e olhos fechados são fé; olhos abertos e
ouvidos fechados são ciência e razão; e porque os olhos se fecham para crer a fé, por isso
dizia Vieira: que a mesma é cega”
42
.
A sugestão é fé, visto que se opõe à persuasão; e sendo que hipnotismo é sugestão,
segue-se que hipnotismo é fé. Cristo curava pela fé, usando a sugestão que é hipnotismo; os
dicos curam pelo hipnotismo, usando a sugestão que é fé. Lá se cria em Cristo; se crê nos
dicos; lá, Cristo não curava em sua terra e em sua casa, onde, por conhecido, não tinha
autoridade (Mat. 13, 58); cá, os médicos não farão nada, absolutamente, sem que primeiro
granjeiem a confiança e a dos seus pacientes. De Cristo se disse (Dr. Osmard) que era um
milagreiro, porque curava sem redios, e com sugestão; e os médicos, usando igual prática,
e curando sem remédios, acaso também não o são? Cristo, ressuscitado, hoje, teria, contra si, o
Código Penal que diz não se poder curar com gestos e palavras; acaso, não está incurso, também,
no mesmo digo, o dico hipnotista que, para curar, igualmente, emprega gestos e palavras?
Assim é, por duas razões: a primeira é porque a Justiça é cega, pelo que a representam de olhos
vendados, donde vem que todos somos iguais perante a Lei, não distinguindo, ela, o médico do
charlatão, quando ambos têm igual prática; a segunda é por que o Código Penal não abre
exceção para o médico, permitindo-lhe a ele curar à moda dos milagreiros, sem nenhum remédio
e muita prosa.
Embora os olhos sejam os instrumentos da razão, e os ouvidos, da fé, podem aqueles
receber sugestões, e são as mais fortes que há, e se chamam imitação. Não confundamos olhos
com vista, com visão. Conquanto, atrás, tivéssemos tomado olhos por visão ou razão, isto
pode ser em sentido figurado. Os olhos são os órgãos da vista; a vista é a capacidade de usar os
olhos. Nem todos sabem usar os olhos, porque ver e não entender, conquanto seja ver, não é
enxergar. É preciso visão, e não somente olhos. Qualquer animal vê, e alguns mais do que o
homem, seja ao longe, como a águia, seja nas trevas, como a coruja. Todos veem o mundo, mas
o têm visão dele, porque o não entendem. Não racionalidade e inteligência, conquanto haja
olhos abertos. Isto vale também para os homens crédulos que confiam nos próprios olhos,
quando deveriam confiar na visão, que é a arte de enxergar.
E disto tira partido quem opera, hipnotizando, em meio coletivo; atua, primeiro, nos
mais sugestionáveis e sensíveis, para depois fazer render-se os Tomés mais resistentes, os quais
receberam uma forte sugestão pelos olhos. É assim que estes não veem o que veem, porque
estão vendo o que o veem. O que veem, porque semi-induzidos, é um homem poderoso e
misterioso que é capaz de fazer dormir a qualquer um; quando a fé, deste modo, se reforça pela
vista, toma foros de ciência, tornando-se convião e certeza absoluta, tão inexorável, como o é
um desenvolvimento lógico ou matemático. Isto é o que se vê, conquanto não seja coisa de vista.
O que não veem é que são tudo ilusões e misticismo, pois, ali, bem à vista, não há mais do que
um homem igual aos outros, sem poderes nenhuns, sobrenaturais, e que nada poderia, se não lhe
dessem crédito. Sem a dos presentes nada faria, ainda que se chamasse Cristo, pois é este o
que, depois de bem experimentado, confessou não haver profeta com prestígio, na sua terra e na
sua casa (Mat. 13, 57), onde é conhecido por simples homem, sem stica e sem mistério algum.
Ninguém é grande homem para o seu criado de quarto, já o disse o grande baixo russo Feodor
Chaliapin. Por isso o que veem é o poder e a força que não é objeto de vista; o que o veem é o
homem que está à mostra. Veem o que não veem, que é o poder e a força invisíveis; não veem o
42
Vieira, Sermões, v. 15, pág. 332 e v. 19, pág. 438 Ed. das Américas.
76
que veem, que é o homem sem nenhum poder além do que lhe atribui a fantasia dos presentes.
E quem o que não se pode ver, e não enxerga o visível, acaso já não perdeu o dom da vista,
conquanto tenha os olhos abertos? Antes, pois, de os fechar já não vê por eles, porque o
pensamento está divertido e apartado da realidade à vista, e posto na ilusão e quimera invisíveis
da força e do poder fabulosos e fantásticos, que tudo, de fato, são fábulas e fantasias. E como
quando temos os olhos numa parte, e o pensamento noutra, estamos no que pensamos, por isso,
ainda que estejamos com os olhos abertos não temos vista.
Tal é a força da imaginação mais a da sugestão, ambas reunidas para criar um mito:
os olhos abertos estão num mortal, comedor de feijão, como todos; o pensamento atenta para a
misteriosa força e poder oculto que não se vê, mas se crê existir. Assim é o homem
sugestionável, assim, o stico, seja ele o habitador de arranha-céus ou o de cavernas pré-
históricas.
No Evangelho de Cristo temos o choque de duas forças opostas: racionalidade e
misticismo. De um lado, diziam os doutores e fariseus a Cristo que fizesse um sinal, para que
cressem nele. Mas, o sinal dependia da crea e da fé, e por isso Cristo saía sempre pela
tangente, não fazendo sinal nenhum. É que a proposição estava invertida, pois, havia-se de crer
em Cristo, primeiro, para que pudesse ele fazer o sinal. Não podia haver conciliação destes
opostos, e Cristo, de uma parte, dizia ao povo: se me tiverdes farei a maravilha que pedis; de
outra, diziam os doutores a Cristo: se fizeres a maravilha que te pedimos, creremos em ti. A fé
antecede ao feito, e não, o feito à fé; por isso é absurdo pedir se mostre o poder, para depois se
crer.
O mistério gera misticismo e fé, e é por isso que as obras mediúnicas, embora
fantásticas umas, e nulas outras, todas têm extraordinário valor e saída nas livrarias, ao passo
que, as dos encarnados, ainda que geniais, nada valem. É tempo já de se começar a fazer
Espiritismo também de vivos, pondo, de parte, esse que é de mortos. André Luiz e
Emmanuel, agora prestigiosos, seriam ninguéns, se reencarnados; não seriam mais lidos se
aparecessem nas vestes carnais com os nomes, suponhamos, de Polemarco Camacho e Gláuco
Barberino.
Talvez uma mística para o Espiritismo de vivos, a ser explorada, fosse a de o sujeito
apresentar-se como sendo a reencarnação de Fulano, de Beltrano, de Sicrano. Polemarco
Camacho havia de dizer que é André Luiz reencarnado, ao passo que Gláuco Barberino se daria
como Emmanuel. Pietro Ubaldi seria São Tomás de Aquino, depois de ter sido Pedro, o
Apóstolo. s teríamos sido, no passado, aquele cujo estilo se assemelha ao nosso, pois, o
melhor retrato de cada um é aquilo que escreve. O corpo retrata-se com o pincel, a alma com a
pena
43
. Além desta identidade do estilo literário, da noure psíquica, da tonalidade vibratória,
que se considerar, o que é mais, o estilo de vida, a identidade de caracteres psicológicos, mentais
e morais; e nisto somos sósia de um sujeito do passado, com o qual nos afinamos não em
todas as qualidades, senão, também, em todos os defeitos.
Sem mística e sem mistério, ninguém se torna mártir ou herói, seja ele o do
cristianismo, seja o da liberdade. Qualquer filosofia, quando se resolve na potica, precisa duma
mística para arrastar as massas à ação. A clareza da lógica, o pensamento solar, convence, mas
oforça; o obscuro mistério da fé dá força e arrasta, conquanto não convença ninguém. Esta
é a causa por que Sócrates, o apóstolo do pensamento claro, se viu forçado a falar da necessidade
do mito e da mentira. Não basta toda a educação proposta por ele na República de Platão. É
43
Vieira, Sermões, v. 1, pág. 287 - Ed. das Américas.
77
preciso, diz ele, convencer ao guerreiro, que toda a educação recebida não passa de sonho, e a
realidade é que os defensores da república “foram formados e criados no seio da terra, eles e
suas armas e tudo que lhes pertence; de que, depois de os haver formado, a terra, sua mãe, os deu
à luz; e de que agora devem considerar como mãe e nutriz a região que habitam, para defendê-la
contra quem quer que ouse atacá-la; e bem assim tratar aos outros cidadãos como irmãos,
nascidos, como eles, da mesma terra”
44
. Eis aqui o mito da terra, proposto por aquele que não
é o pai da filosofia, senão, tamm, o filósofo sem segundo. E isto mesmo fizeram os da Fenícia
e os de outras partes, como refere o mesmocrates.
De onde procede a miséria dos escravos e a de todos os que são vis e torpes em suas
vidas? Provém de que uns e outros não têm stica, que é um ideal superior, um objetivo que os
anime a ser valorosos; por isso vivem o momento que passa, tirando dele todo o partido que lhes
toca, com base no egoísmo individual. Esta é a causa porque trabalham estimulados pelo
chicote ou pela paga, pois seria impossível que o fizessem por amor a seus donos e patrões.
Donde hauriam força os germanos e os viquingues para serem indômitos, feros e
bravos? Haviam de morrer com a espada na mão, sem o que o entrariam no Valhala. Odin era
o Deus da guerra, que não admitia os fracos ou covardes nos seus domínios celestiais.
As civilizações todas, sem exceção, exprimem os mitos sobre que se criaram. Jeo
é o Deus terrível, cruento, formidando, que capitaneava, como em pessoa, os seus ercitos de
bravos; Brama é o Deus luminoso da virtude clara como a luz do dia; Amon- é imperial e
Hélios, etéreo. O mito do povo eleito, entre os hebreus, fazia-os sobrepostos a todos os demais
povos, aos quais chamavam gentios, do mesmo modo como gregos e romanos se faziam
superiores aos que chamavam bárbaros. E para não nos apartarmos muito no tempo, olhemos
para a Alemanha de Hitler, exaltada ao paroxismo e conduzida à guerra pelo mito da super-raça
ariana.
Na batalha dos Deuses não venceu Hélios etéreo, porque feito de pensamento
abstrato e razão pura, e as massas não têm lógica, nem são racionais; não venceu Amon-
imperial, porque aristocrata, e as massas, conquanto aspirem as aristocracias de todos os tipos,
enquanto não o são, têm-lhes inveja e rancor; venceu Jeová provincial, porque ciumento,
barbaresco, parcial, emotivo-sensitivo, capaz de furores e de arrependimentos, tal como as
massas ignaras; venceu por ser um Deus vivo que podia ser sentido como próximo, e com o qual
se podia ter um contato afetivo, emocional.
Julgam os intelectualistas puros que poderão movimentar e conduzir as massas, com
lógicas irrefragáveis e pensamentos claros como um dia de sol? Pois estão enganados, porque as
massas são sticas, e só se movem ao som da lira de Orfeu. É assim que o tocador de flauta
que deixa de saber tocar, não pode continuar a fazer dançar a multidão; e se, raivoso e em
pânico, tentar então converter-se num sargento instrutor ou num condutor de escravos, e coagir
pela força sica uma turba que não pode continuar a dirigir com o recurso do seu encantamento
magnético, o que quase com certeza e com maior rapidez ocorrerá, será para fazer fracassar a
sua própria intenção; porque os seus ouvintes que tinham ficado apenas cansados e que tinham
saído fora do compasso quando a música celestial se extinguiu, sentir-se-ão azorragados por uma
chicotada que os impelirá para a rebelião ativa”
45
.
É a falta de mística, de ideal, de objetivo superior, que provoca o colapso das
civilizações. A França cai, hoje, por falta de mística; não mais objetivos a atingir senão o
44
Platão, A República, pág. 141 Atena Editora.
45
Arnold J. Toynbee, Um Estudo de História, vol. II, pág. 466.
78
gozo da vida, no que ela tem de mais baixo. Assim caiu a Grécia, depois da guerra do
Peloponeso; assim caiu Roma, depois do seu fastígio; assim morreu o Egito que quis construir
pimides (túmulos!) com um povo escravo, ao invés de o educar. o adianta abrir a imigração
francesa a povos jovens e fecundos; ninguém quererá filhos senão para que possam ir mais longe
do que foram seus pais. Nossos filhos são os prolongamentos de nós mesmos, e se são para
servirem de bucha de canhão, ou para serem escravos, decididamente, o os queremos ter.
Deste modo a enfermidade que inibe os filhos da decadência, não é a paralisia das
suas faculdades naturais, mas um colapso da sua herança social, que os priva da possibilidade de
encontrar um objetivo para suas faculdades excepcionais, numa ação social, ativa e criadora”
46
.
E quando mística, tudo são forças porque as mesmas fraquezas em tais se trocam, saindo-se
do negativo para sua contraparte positiva. Eis porque venceu o cristianismo: “Homens e
mulheres procuravam entusiasticamente o marrio como um sacramento, um “segundo
batismo”, um meio de perdão para os pecados e um caminho seguro para o Céu. Inácio de
Antióquia, um dos notáveis mártires cristãos do Séc. II, designou-se a si próprio como trigo de
Deus e anelava pelo dia em que pudesse ser triturado pelos dentes das feras e por elas
transformado em puro pão de Cristo
47
.
Tudo isto é crença, tudo fé, tudo suscetibilidade, tudo sugestão, tudo, hipnotismo, ou
explicável pelo hipnotismo. E, pois, se tudo é hipnotismo, que é hipnotismo? É reflexos
condicionados somente? Sim, diz a ciência materialista. Então por que todos não dormem, visto
que todos podemos ser condicionados pelos sinais de Pavlov? Por que cada um não faz dormir a
todos, usando do signo-sinal, que é a palavra? Por que prevalece o princípio da autoridade, do
prestígio, pelo que não recebemos sugestões, nem nos deixamos condicionar por quem julgamos
inferiores?
Hipnotismo é sugestão? E que é isto? É reflexos condicionados? Mas os reflexos
condicionados são mecanismos nervosos prontos para responder ao estímulo desencadeante; ao
passo que a sugestão é o ato de preparar estes mecanismos que se chamam condicionamentos;
aquilo que é sugestão, agora, no momento, será reflexo condicionado no futuro. A sugestão é
reflexos formandos e não formados; é reflexos condicionandos e não condicionados.
Os reflexos condicionados, mesmo em hipnose, todos entendemos o que sejam; não,
todavia, os condicionandos, porque a sua gênese envolve confiança e fé na autoridade de quem
fala, e tanto que o sujeito pode dormir, isto é auto-hipnotizar-se, sem estar em raportcom o
que usa a palavra. Um exemplo? Nas sessões práticas de Espiritismo os médiuns entram em
transe, conquanto nem sempre aceitem o comando do doutrinador, nem deste recebam sugestões,
pelo que tomam, por sua parte, fazer estrepolias.
Que é, pois, sugestão, ou seja, reflexos condicionandos? Para formar quaisquer
condicionamentos num cão, são precisas muitas repetições de sinais, em lugares isentos de
ruídos perturbadores. Num homem, basta a palavra, quando esse crê na palavra, por acreditar em
quem a usa. É assim que distinguimos uma palavra da mesma palavra pela distinção das
pessoas que a pronunciam. A diferença não está, portanto, na palavra, em si, que é o sinal
condicionador, mas, na autoridade e prestígio de quem a profere. A explicação simplista de
Pavlov não contém este fator decisivo, que é o prestígio ou autoridade que emana da
personalidade do hipnotizador. Quem não tiver personalidade, firmeza de caráter a se irradiar
dos olhos e dos gestos; quem for tímido, acovardado, fraco, hesitante; quem não tiver um ar de
46
Arnold J. Toynbee, Um Estudo de História, v. II, pág. 473.
47
Arnold J. Toynbee, Um Estudo de História, v. IV, pág. 827-828.
79
autoconfiança, de coragem, de valor, poderá saber hipnotizar, mas, não fará sucesso. Na boca
de Cristo o levanta-te e anda teve a força e o efeito de um raio para o paralítico de Siloé; se, pois,
a palavra era esta para a cura, e o paralítico queria sarar; por que, logo, qualquer um não a
pronunciou, sarando o entrevado? É que sugestão, como estamos vendo, o é reflexos
condicionados, senão reflexos condicionandos, e nesta diferença de tempos participiais está o
busílis que a ciência não vai poder destrinchar, porque exorbita da sua jurisdição. Hipnotismo é
este particípio presente que a ciência materialista teima que é passado, como se pudesse haver o
passado, sem o presente que se torna aquele.
Uma coisa é o acontecimento realizado; outra, o fazer-se dele. Uma coisa é o
passado estratificado na forma; outra, o presente da sua formão. Uma coisa é a anatomia;
outra, a fisiologia geradora das peças anatômicas que são funcionais, antes de funcionarem. Uma
coisa são os reflexos condicionados; outra, os condicionandos. A evolução está aí à mostra, e
patente em cinco provas irrefragáveis que são: as paleontológicas, as anatômicas, as
embriológicas, as dos órgãos residuais e as sorológicas; todavia nem Lamarck com a sua teoria
da transmissão dos caracteres adquiridos, nem Darwin com a sua, da seleção das espécies, nem
Hugo de Vries com o seu mutacionismo explicam, a contento, como as coisas se deram. Por
quê? Porque uma é a coisa feita, e outra, o fazer-se dela.
O que são, pois, reflexos condicionandos, ou sugestão? São uma construção fundada
na e na confiança na autoridade de quem sugestiona. As maravilhas do hipnotismo moderno
se alicerçam nos enunciados velhos de quem disse: “Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e
o duvidardes, não só fareis o que foi feito à figueira, mas até, se a este monte disserdes: Ergue-
te e precipita-te no mar, assim será feito” (Mateus 21, 21).
* * *
Como é possível, dir-se-á, que estando o hipnotismo equacionado em base
rigorosamente científica, se resolva, como vimos, em religião e fé? Estejamos nisto:
Augusto Comte, com sua lei dos três estados (teológico metafísico positivo),
apenas descobriu a metade da verdade que se completa em “A Grande Síntese” de Pietro Ubaldi.
Ora, em “A Grande Síntese”, Ubaldi erigiu um sistema metafísico, com base na ciência,
estendendo esta metafísica até ao conceito de divindade, que é o monismo. Assim a metasica
ou filosofia ubaldiana radica-se na ciência positiva; e como esta metafísica chega ao monismo,
temos que a trilogia comteana dos estados teológicos
metafísico
positivo inverte-se,
depois, em positivo
metafísico
teológico. Isto nada mais é do que a manifestação, em
plano diverso, do princípio enunciado com o nome de a grande equação da substância”. Do
modo como na “A Grande Síntese” alfa (vai para) beta gama; e depois: gama beta
alfa, também, o estado teológico metafísico positivo; e depois: positivo
metafísico teológico. Tudo isto, porém, em ciclo aberto, espiralado, como mostra A Grande
Síntese”, e não em ciclo fechado sobre si mesmo.
O primeiro estado teológico da nossa progressão é o pensamento fetichista
astrológico e escatológico dos povos primitivos. Nesta fase do politeísmo extremado, pelo que
tudo é deus (panteísmo), coma a supremacia de um Deus sobre os demais deuses,
restringindo-se o conceito, do politeísmo, ao monoteísmo, porém, ainda antropomórfico. Nesta
batalha dos deuses, venceu Jeová, ao menos no que diz respeito ao Ocidente. Com isto, entramos
na fase metasica, que é a da razão como todo-poderosa. Esta metafísica é a filosofia antiga,
80
donde todas as ciências se irradiaram, por evolução, vindo todas para o estado positivo, como
o notara Augusto Comte.
O estado positivo é o da onipotência dos fatos e das verdades experimentais. As
ciências, aqui, se ramificam e se fibrilam nas especializações mais capilares, encaminhando-se,
cada vez mais, para a matéria, até ultrapassá-la, encontrando, para além dela, sua íntima
composição a energia.
No ponto em que nos achamos, hoje, a ciência se tornou caótica e “sem amanhã”, no
dizer de Pietro Ubaldi; a relatividade, por toda parte, mostra a sua medida, a sua limitação, o seu
fim. Toda alma anseia, hoje, por uma visão de conjunto, sintética, filofica, finalista. Esse
anseio começou a forçar a que se fizesse a síntese do conhecimento, onde as ciências
aparecessem coordenadas, como num organismo; tal é o que se chama filosofia moderna, cuja
expressão máxima é “A Grande Síntese”.
Filosofia, em sentido moderno, é coordenação e ntese das ciências
48
. Deste modo
as ciências convergem outra vez para a filosofia, os capilares se reúnem nos fios, estes, nos
cabos, no tronco, no todo unitário. O pensamento humano, tendo superado o estado positivo,
torna ao metafísico (donio, outra vez, da razão). Todavia esta metasica não é o mesmo
escolasticismo medieval: é a filosofia moderna.
Esta filosofia ou metafísica, que é a síntese das ciências, porém, não, sincretismo
científico, tende a tornar-se cada vez mais geral e unitária, até chegar à nova teologia que é o
monismo. Eis como andou certo Francis Bacon quando escreveu: “um pouco de filosofia inclina
o espírito ao ateísmo, porém maior profundez o reconduz à religião; porque quem olha
destacadamente as causas segundas, pode algumas vezes não passar delas, deixando de ir além;
mas quem lhes contemplar o encadeamento, remonta até à Providência e à Divindade”
49
.
Tenhamos presente, para reforço desta tese nossa, que Francis Bacon foi considerado
o Pai da Ciência, isto é, Pai do Método Indutivo, que é o sintético, ou seja, aquele que vai do
particular para o geral. Se, pois, a pouca ciência afasta o homem de Deus, com fa-lo perder-se
no relativo, nos meandros da análise, onde as especializações se pulverizam (fim do estado
positivo comteano), a muita ciência tende à síntese do conhecimento, numa filosofia ou
metafísica, onde domina a razão, como na medieval. Finalmente aquela filosofia de fundo
científico se restringe numa generalização e profundeza maiores, chegando ao novo conceito de
divindade, isto é, à teologia.
Os três estados comteanos, pois, são apenas a metade do ciclo que se desenvolve,
cujo prosseguimento é a volta gradativa a um ponto correspondente ao de partida. Não é, deste
modo, um ciclo fechado ou vicioso, porém, aberto, espiralado.
Saindo-se o homem do estado teológico, a ele retorna; mas as duas teologias são
diversíssimas: a primeira é politeísta, depois, monotsta antropomórfica; a última é monotsta
perfeita, ou seja, monística. Igualmente há duas metafísicas, ou dois sistemas de filosofias: a
antiga vem do primitivo estado teológico, rumo ao estado positivo; a moderna resulta da volta ao
estado teológico monístico, tendo partido do estado positivo. É assim que Pietro Ubaldi
completa Augusto Comte, pois, tendo este vindo até o materialismo agnóstico, aqui foi sucedido
e continuado por Pietro Ubaldi, que completou o ciclo na sua obra “A Grande Síntese”.
A primeira metasica e o escolasticismo medieval são antropocêntricos, visto que é
o domínio duma razão e duma dialética que se fundamentam em si mesmas. É a extensão e
48
Will Durant, História da Filosofia Introdução
49
Will Durant, História da Filosofia pág. 132
81
aplicação do “ânthropos métron pánton” (o homem é a medida de todas as coisas) grego, que
mandava o homem (ânthropos) conhecer-se a si mesmo primeiro, para, depois, conhecer o
mundo circundante (kosmos) e o mundo superior (theós). Comparou Bacon esta metafísica à teia
de aranha quando disse: “se o espírito do homem atuar sobre dada matéria, atuará de acordo com
a substância dela, e por ela se limitará; mas se atuar sobre si próprio, como a aranha a tecer sua
teia, será uma coisa sem fim, acarretando com isso teias de aranha de conhecimento, admiráveis
pela delicadeza do fio e do trabalho, mas sem valor ou utilidade”
50
.
A metasica ou filosofia moderna é o domínio da razão, como na medieval, mas,
com fundamento científico; possui outra estrutura visto como se fundamenta nas ciências, e não,
no homem. Assim como as ciências todas tiveram seu berço na filosofia antiga, todas, agora,
concorrem a formar a filosofia ou metafísica moderna. E a filosofia mais geral e mais profunda
acaba por se reunir num único termo Deus tornando-se, portanto, em teologia.
Isto posto, concluímos que tudo era religião antes, e tudo sereligião no fim; no
começo, fetichismo, e no fim, monismo. O homem é irreligioso, arreligioso ou antirreligioso,
quando passa pelo fundo do estado positivo, que é materialista, agnóstico, caótico, niílico.
* * *
No alvorecer da razão, como vimos, o homem era místico, e a religo se fundava, ou
na astrologia, ou na escatologia, ou em ambas ao mesmo tempo. E como tudo veio deste
misticismo primitivo, aqui é onde vamos achar a proto-história do hipnotismo.
Pela fórmula psicológica vista no prólogo, a religião resultou do mito mais
alucinação, e o mito, da imaginação mais sugestão. A sugestão é um componente, uma constante
de integração do processo religioso, e tanto que, substituindo mito pelo seu equivalente, temos:
imaginação + sugestão + alucinação = religião. A sugestão é uma constante mística que aparece
em todo o processo religioso. Sugestão e religião são coisas inseparáveis, donde vem que os
primeiros hipnotistas foram sacerdotes.
Hoje, os que falam em termos de ciência, como Karl Weissmann, recomendam não
dizer ao paciente que tenha fé, mas confiança; não dizer que é sugestionável, mas, sensível
51
. Eis
como se mudam as palavras, sem lhes mudar os sentidos; ter confiança é igual a acreditar e ter
fé; e ser sensível, suscetível, é o mesmo que sugestionável, crédulo. A ciência, tendo trazido a
para seus laboratórios de psicologia, demonstrado que andara certo Cristo em curar pela fé,
sem recursos químicos. Se era ele um milagreiro, não o são menos os médicos que lhe seguem as
pegadas, sugestionando, para curar.
* * *
Fundamentado na base astrológica, Franz Anton Mesmer acreditava que os planetas
emitem força magnética, e que certas pessoas poderiam captar, acumular e canalizar tal força. A
imposição de mãos de quem estivesse saturado desse magnetismo cósmico, produziria a cura das
enfermidades. A teoria de Anton Mesmer, como se vê, era a continuação dos mitos astrológicos
que, juntamente com os escatológicos, estão na raiz de todas as crenças e religiões.
50
Will Durant, História da Filosofia”, pág. 122.
51
Karl Weismann, O Hipnotismo, pág. 75-76.
82
Uma técnica de passes semelhante à de Mesmer, diferente, porém, no princípio e
nos fins, é a chamada mediunidade curadora, pela qual os médiuns passistas fornecem fluidos,
ditos vitais, resumam ou exsudam de si um como hectoplasma, que recome, ao doente, a parte
lesada. Diferente de Mesmer, este fluido o próprio médium o produz dos alimentos que ingere.
Não tem a finalidade de produzir sono hipnótico, nem produz convulsões como fazia Mesmer.
-se a estes fluidos mediúnicos, tamm, o nome de magnetismo, como era aquele de Mesmer;
todavia porque não se hipnotiza com passes, atualmente, e tanto que os médiuns curadores o
são hipnotistas, por isso, não tocaremos neste ponto, senão de passagem. Em vez de
magnetismo, que fica reservado a Mesmer e continuadores, constituindo a proto-história do
hipnotismo, diremos, com maior propriedade fluidismo, quando tivermos de tratar dos médiuns
passistas, ou dos de efeitos físicos. Tornemos ao assunto:
Eivado, pois, das idéias relativas às influências planetárias, Mesmer fazia que seu
pré-hipnotismo se explicasse em função de cosmologias.
o padre Gassner se valia do fundamento escatológico para explicar o seu
hipnotismo. Para ele, as pessoas caíam em transe, por efeito do maligno que ele sabia exorcizar e
expulsar, com seu crucifixo cravejado de brilhantes, e com seu latim falado em voz cava.
O padre Custódio de Faria foi quem, primeiro, afirmou que era a sugestão, e não
outra coisa, que produzia o chamado “sono lúcido”. Sobre este fundamento, o da sugestão,
levantou-se uma escola na cidade de Nancy, e esta é a teoria que aceitamos, para a explicação
dos fenômenos hipnológicos. Usaremos as teorias doutras escolas, exceto da Salpêtrière, que tem
Charcot à frente, e as nossas razões são as mesmas apresentadas por Medeiros e Albuquerque,
em seu livro Hipnotismo”, e Osmard Andrade Faria em sua obra “Hipnose e Letargia”. Valer-
nos-emos dos esforços e luzes da escola russa, que se baseiam nos trabalhos de Pavlov.
Não vamos escrever uma obra sobre hipnotismo, compilando as muitas, e boas,
existentes nas livrarias. Este estudo que fazemos pressupõe o conhecimento do hipnotismo, e por
isso considera as obras recomendadas a seguir como conexas a ele. Tais são: “Hipnose Médica e
Odontológica” e “Hipnose e Letargia” do Dr. Osmard Andrade Faria; “Hipnotismo”, de
Medeiros e Albuquerque; e “O Hipnotismo” de Karl Weissmann.
Ao compulsar tais livros, conheceremos os ataques dirigidos às coisas das religiões,
e, sobretudo, ao Espiritismo. É assim que diz o Dr. Osmard que “não foi difícil a Cristo
hipnotizar as massas levando-as ao auge da alucinação
52
. A multiplicação dos pães seria uma
alucinação coletiva; a pesca maravilhosa, idem. A ressurreição de Lázaro, para não se falar das
outras, foi um condicionamento de efeito pós-hipnótico; Lázaro entraria em catalepsia por três
dias. As aparições de Cristo são alucinações visuais, chegando a ser tátil, no caso de Tomé. E
conclui o doutor que prega que morreu, acabou: “Trocando-se uma coroa de espinhos por outra
de louros, fêz-se um herói de um milagreiro. E quando a turba alucinada “viu” em fenômeno de
delírio e auto-hipnose coletiva seu mártir materializar-se, o herói santificava-se “per omnia
seculo seculorum”
53
.
Todavia todo este desrespeito às coisas sacras não nos deve causar mossa; isto são
reações naturais de quem se acha perdido no agnosticismo do estado positivo. E tem utilidade
este negativismo, porque, com isto, nos dará ciência pura, sem fé. Estes que se insurgem, assim,
contra a fé, precisam dela, contudo, para hipnotizar. Se o paciente for um intelectualista,
perquiridor, treinado na autoanálise, que quer saber o porquê de tudo, esse não dormirá. Mas o
52
Dr. Osmard Andrade, Hipnose e Letargia, pág 5.
53
Dr. Osmard Andrade, Hipnose e Letargia, pág. 5
83
crédulo”, o “innuo”, o “tolo”, aquele que acredita, e até já andou caindo em contos de
vigário, esse irá na “conversa” do médico, e, dormindo, sarará das suas neuroses. A estes
crédulos o médico chama de estúpidos” porque têm e crêem. São os tais “pobres de espírito”
que Cristo disse serem bem-aventurados
54
; todavia sem estes estúpidos” suscetíveis, o médico
o teria pacientes com que operar.
Mas não nos aborreça isto: valha-nos, quanto a esta parte, o sábio conselho de
Frederico da Prússia, quando falava a La Mettrie, a respeito de Voltaire: “Espreme-se a laranja e
joga-se fora o bagaço”
55
. A verdade é a verdade. O que os autores retrocitados souberem mais do
que nós, espíritas, aprendamos deles, sem demora; quanto ao bagaço, que é o que eles cuidam
saber, mas não sabem, só lhe conhecemos um destino: a lata de lixo.
Todos os hipnologistas são concordes em que hipnotismo é sugestão, ou seja, a
absoluta aceitação de uma idéia independente de exame algum; é uma aceitação de fé, pela
confiança em quem transmite a iia; é a pura confiança na autoridade de quem sugere. Sem esta
confiança, e à vezes temor, que faz aureolar o hipnotista de certo quê” de misterioso e de
místico, não se dorme. Daí o prestígio do operador ser coisa decisiva, e o sono hipnótico, uma
prova de confiança, um crédito moral. Ora, hipnotismo é isto? É olhos fechados e ouvidos
abertos? Sim, é; logo, hipnotismo é religião, porque tudo isto é fé, e se opõe à persuasão, à
razão, à ciência.
Mas esta identidade do hipnotismo com a religião e irritados os homens de
ciência. O fenômeno bem poderia ser objetivo, matematicamente demonstrável, como o são
os físicos e químicos. Bastaria olhar para uma bolinha, ou escutar um ruído monótono, e pronto;
se estaria em sono profundo, aceitando-se toda e qualquer sugestão do hipnotizador. Por que
tudo se de basear na aceitação por parte do paciente? Por que a ordem sugestiva de
transformar-se, subjetivamente, numa autosugestão, para, depois, ser aceita e executada? É por
que esta aceitação só existe quando o paciente reconhece a superioridade do operador em relação
a si? Por que de confiar primeiro? Por que de ter fé? Isto, na verdade, irrita os homens de
ciência, pois, forçoso lhes é reconhecer que no hipnotismo algo de “bastante misterioso”,
como o afirmava Binet, ou “muito obscuro”, segundo pensava o Prof. Grasset
56
.
Do meio deste emaranhado brada o Dr. Osmard Andrade: “nada se presta tanto à
exploração que aquilo que oferece chance para uma dupla interpretação, uma concreta e natural
aceita somente por uma reduzida minoria, outra traduzível em termos fluídicos e metafísicos,
tão do gosto dos profetas e fazedores de lendas”
57
. Considerando cegos e estúpidos a quantos se
deixam sugestionar, a quantos creem, a quantos confiam, a quantos se deixam guiar como
cordeiros em rebanho, acrescenta: “Houve, porém, os que, no meio de tantos cegos, conseguiram
salvar um olho! E percebendo que nada melhor existe para conduzir manadas que ajuntar-lhes
antolhos, fizeram-se ministros e pastores”
58
. Eis aqui como surgiram os ministros e os pastores,
para conduzir os tolos com engodos e sugestões, exatamente como pretendem fazer os médicos.
Mas a coisa é que os fenômenos são duplos mesmo, e se baralham, de fato. Quando
Puységur, fugindo ao método convulsionário de Mesmer, conseguiu, no camponês Victor, um
sono lúcido, a que deu o nome de “sonambulismo artificial”, diz a história do hipnotismo que
54
Mat. 5,3
55
Will Durant, História da Filosofia, pág. 223.
56
Medeiros e Albuquerque, Hipntismo, pág. 200.
57
Dr. Osmard Andrade, Hipnose e Letargia, prólogo
58
Dr. Osmard Andrade, Hipnose e Letargia, pág. 2 e 3
84
Victor “chegou mesmo a indicar um tratamento para sua própria enfermidade, tratamento esse
que obteve pleno êxito, valendo-lhe o completo restabelecimento. Nesse estado de sono, Victor
parecia reproduzir pensamentos alheios, muito superiores à sua cultura rudimentar”
59
. Que
fenômenos teriam ocorrido com Victor? Não podia ele, dormindo, saber mais do que sabia,
acordado, e isto porque, segundo a tese materialista, nada existe na consciência que não tenha
entrado pelos sentidos: se, pois, soube mais dormindo que acordado, é porque lhe transmitiam
esse saber, de fora. Telepatia? De Puységur não poderia provir a idéia, e a ciência do remédio
que curaria o camnio, porque, se aquele o soubesse, não iria aplicar, para a cura, o hipnotismo.
Então de onde veio a ciência a Victor? De si mesmo? Onde e quando haurira essa ciência e
cultura superiores? Na existência pregressa?... É que, aqui, o hipnotismo se baralhou com o
Espiritismo, e Victor falou impulsionado por alguma entidade amiga que o queria curado, e por
isso o curou, de fato. As tais duplas, e triplas, e ltiplas personalidades são puras
comunicações espíritas; mas os psilogos querem complicar o negócio, fazendo que fique
difícil, o fácil e simples que é. Para silenciarem, eles, a uma das tais “personalidades”, usam
conselhos, persuasões, e, finalmente, o pedido para que se afastem; acaso não é nisto,
exatamente, que consiste a doutrinação espírita dos desencarnados perturbadores?
59
Karl Weissmann, O Hipnotismo, pág. 18
85
Artigos publicados por Luiz Caramaschi na “Revista Internacional do Espiritismo”
e no jornal “O Comércio de Piraju”, no ano de 1958:
Por que divulgar o hipnotismo?
Uma das razões que nos levaram a estudar hipnologia, deixadas outras, foi a de
desejarmos aplicar em nós próprios a hipnopédia: hypnos = sono e pedia = educação, ensino.
Como, para isto, teremos de nos auto-hipnotizar, o que não é fácil, enquanto continuamos com
os nossos exercícios diários, resolvemos aplicar o método, primeiro em nossos filhos. Uma única
aplicação deu resultados surpreendentes, não porque lhes alertamos a memória retentiva,
como ainda porque lhes tiramos os medos, seja dos professores, seja da escuridão. A notícia
espalhou-se em nosso círculo de amizades, e fomos procurados para a solão de outros casos. O
que mais nos moveu à piedade, todavia, foi o pedido humilde que nos fez um aluno humilhado,
esmagado, derrotado por um certo professor do Ginásio de uma cidade vizinha. Esse aluno nos
pediu lhe tirássemos o medo mórbido que a presença do tal professor lhe infunde. Quando esse
aluno é chamado, em classe, para uma arguição oral, a terra lhe foge sob os pés, sua memória se
tolda, um frio intenso lhe percorre as entranhas. Nem ouve o que se lhe dizem.
E o tal professor, que faz? Berra, vocifera, ameaça, zero, e diz ao aluno que ele é
burro! Que já está no “pau” mesmo! Que melhor lhe é desistir de estudar e de comer o suor e o
sangue do seu pai!
Nós demos sugestões ao menino para que não odiasse o professor, que o relevasse,
pois se trata de um homem emocionalmente descontrolado, de um nervoso, de um fraco. E
acrescentamos:
Voé muito corajoso... não tem medo de professor nenhum... É obediente e dócil,
porque o quer ser... porque sabe que isto é justo e necessário, mas não por medo... Medo vo
o tem a ninguém e a nada... Você é muito inteligente, aprende tudo o que deseja, com
facilidade... Possui ótima memória que registra tudo e para sempre... Vo é muito calmo,
tranquilo, estudioso e seguro de si mesmo... tem muita força de vontade e o livro é o seu melhor
amigo... Você não tem medo nenhum do professor X... Você é corajoso... muito corajoso...”
Vonão será sugestionado, nem hipnotizado, contra a sua vontade... Saberá reagir
contra qualquer sugestão, se isto for o seu desejo... não deve receber sugestões de qualquer
ignorantão ou de qualquer criançola irresponsável... Só a sabedoria, a experiência e a idoneidade
moral são respeitáveis... Você é dono de si mesmo, porque a personalidade humana é inviolável,
é sagrada... ninguém o dominará, ninguém... Você dorme, porque quer dormir, e o porque
esteja subjugado por vontade alheia à sua...
Todavia este nosso trabalho é uma gota de água num rio, porque o tal professor
continuará a traumatizar os pobres alunos. Denunciar o professor, ao povo, pela imprensa, seria
só exercer uma pressão exterior, que vence, mas, não convence.
Conquanto o acontecido não se refira ao Ginásio desta cidade, aqui resolvemos
aplicar nossa experiência hipnopédica, que deu e dará ótimos resultados.
86
Demos instruções a umas alunas sobre como produzir os estados leves de hipnose,
tais como as alucinações motoras de mãos presas, pés pegados ao solo, pernas duras, etc. As
meninas foram até além, chegando a produzir sonos leves. Isto se tornou moda no Ginásio do
Estado, e o Sr. Diretor já deve andar de os na cabeça. A moda espalhou-se, e, até no jardim, a
gente observa um bobo entregando-se ao sono hipnótico, em obediência às sugestões de um
outro bobo tão ignorante e inconsiderado quanto o primeiro.
Ora, a capacidade de influenciar, de induzir, de sugestionar, de hipnotizar está na
razão direta do prestígio, da ascenncia intelectual e, sobretudo, moral. Hipnotismo gera
prestígio, e o prestígio gera ciúmes, invejas. Por isso, se um aluno, por meio do hipnotismo,
projeta sombra sobre algum professor que deseja distinguir-se, que tem vontade de poder
(Nietzsche), ou senso de auto-imporância (Dale Carnegie), não é muito que esse professor se
enfureça contra o aluno. Como diz Karl Weissmann, ninguém jamais se manifestou contra o
hipnotismo próprio. Senão unicamente contra o hipnotismo dos outros... É que hipnose é
sugestão, e sugestão, prestígio. O prestígio por sua vez, motivo de ciúme. Exige exclusividade”
(O Hipnotismo, pág. 3). O sacerdote, em relação aos seus paroquianos, terá mais força para
sugestionar, do que qualquer leigo. Os magistrados exercem grande influência sobre todos os
que lhes ficam abaixo. E nós divulgamos o quanto pode a sugestão, por meio de fatos que
ninguém, agora, poderá contestar, e isto, para que os Srs. Professores tenham mais cuidado ao
darem as suas sugestões em classe.
Se uma simples aluna de um estabelecimento de ensino, sem nenhuma autoridade,
pode provocar os estados de hipnose em suas colegas mais sensíveis, quanto mais influência não
exercerão os MESTRES, se merecerem este nome respeitável, quase até sagrado? Se uma aluna
diz para suas colegas que elas vão andar com as pernas duras, o ficar com as os presas,
pescoços e pés tortos, que vão espirrar, ao contar três, etc. etc. e elas obedecem cegamente,
executando a ordem; como poderá o professor ser tão atrasado, tão leviano, ao ponto de
desabafar seus nervosismos, em classe, contra os pobres alunos? Acaso não terá lido Camões,
que diz, num dos seus belos alexandrinos, “que é fraqueza entre ovelhas ser leão” (Camões, Os
Lusíadas, Clássicos Jackson, v. VII, pág. 27).
Ficamos por aqui, por agora, esperando os frutos que se o de colher destes
esforços. Mas se o se colherem frutos nenhuns, prometemos voltar à carga, e, desta vez,
citando nomes.
***
Hipnopédia
Hypnos = sono; pedia = educação. Daqui podem provir os derivados:
Hipnopédico adjetivo relativo à hipnopédia.
Hipnopedista aquele que explora este ramo do conhecimento humano.
Hipnopedismo sistema dos hipnopedistas
* * *
em 1906, apareceu no Brasil, traduzida no vernáculo, a obra de Marx Doris,
Doutor em medicina e Lente de psicologia do Instituto de Hipnotismo de Hamburgo. Nessa obra
escreve Marx Doris: “O hipnotismo pode curar a falta de memória de certos indivíduos. Cabe
87
essa descoberta à nossa humilde pessoa, que foi quem primeiro experimentou” (O Poder
Magnético, pág. 110).
É que, às vezes, a falta de memória resulta da inibição das células corticais do centro
da memória, o qual fica situado no alto da cabeça, sob o remoinho de cabelos, como se pode
verificar pelos últimos resultados das pesquisas efetuadas no Instituto do Cérebro, fundado em
1950, em Saint-Cloud Paris França.
Mas vejamos o que diz o Prof. Karl Weissmann, veterano na psicologia e psicólogo
em uma das maiores penitenciárias da Alemanha, onde orienta em regime de recuperação mais
de mil detentos. Diz o ilustre Prof.: “Bastaria considerar que 85% das doenças consideradas até
hoje orgânicas são na realidade de origem emocional (funcional). Portanto, suscetíveis de
tratamento hipnoterápico” (O Hipnotismo, 7).
Considerando que curas deste tipo de doenças se fazem por meio de sugestões, o
curandeirismo o se acaba; e se o dico quiser curar por este método, também vira
curandeiro, visto que todos somos iguais perante a lei. A inspiração médica fez que se escrevesse
o Art. 284 do Código Penal, inciso II, proibindo curar (a qualquer um é proibido, é claro)
usando gestos, palavras, ou qualquer outro meio”. Este artigo fecha a porta também aos
senhores médicos, visto que estes também não podem curar à moda dos curandeiros, com
benzeduras, com simpatias, com águas fluidas, com gestos e com prosa, isto é, com sugestões.
Conquanto tudo isto se reduza a sugestão, é certo que esta precisa encontrar lastro (fés,
crendices) no paciente. Se o médico não quer usar este lastro, porque seria uma ofensa à sua
dignidade profissional, então o doente, duvidando do médico, procura um curandeiro bronco a
fim de curar-se pela sugestão que vem envolta em patacoadas.
É certo que nós, os espíritas, doutrinamos e afastamos os obsessores por meio de
palavras”; ao padre não bastam palavras, pois para exorcizar ao demo, precisa ainda de gestos
e de água-benta. O padre e o espiritista estão incursos no Código Penal. Mas o hipnotista
(médico ou o) que afasta um trauma, uma neurose, uma fobia “por meio de gestos e palavras”,
acaso, também, não está? Se a Justiça é cega, logo, não enxerga o dico; mas se enxerga o
dico, e o distingue, logo, não é cega...
Então? Então a última palavra cabe ao educador, que pode dar sugestões, “usando
gestos e palavras”, porque educação é sugestão. Todavia, para que esta conclusão não pareça
arrojada, firmemo-nos na autoridade de Fritz Kahn, que diz: o mundo está cheio de neuróticos”,
porém, a luta contra a neurose não é da alçada da cnica mas da educação. Os pais deveriam
ser informados dos perigos da formação de neuroses durante a educação” (O Corpo Humano,
vol. II, pág. 196). Se os pais precisam ser informados destas coisas, quanto mais os mestres? Que
dizer, então, de professores de ginásios que xingam os seus alunos de burros, de idiotas, de
cretinos? Que dizer daqueles que dão sugestões negativas, declarando que o aluno está perdido,
que melhor lhe é desistir de estudar, e de chupar o sangue e o suor de seus pais? Isto não são
retóricas; nós podemos declarar nomes... se for necessário.
Os médicos se enfurecem contra o curandeiro bronco que dá três colheres de água ao
paciente, e diz que elas são “suadouro”, e mais três que são purgante. E diz que depois do
“suadouro” e da purga o doente vai sarar do estômago. Na verdade, se a sugestão pega, o
paciente sua, e purga, e sara da sua neurose gástrica. É assim que o curandeiro, no seu
empirismo grosseiro, cura, porque, por ironia da sorte, age mais “cientificamente” do que o
dico com todo o seu esplendor de ciência mal aplicada. O primeiro é um hipnotista
inconsciente que sabe sugerir, e o último, aquele que pretende curar o corpo, sem erradicar a
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causa psíquica do mal. É preciso superar o curandeiro em sua hipnologia empirista, baseada na
fé religiosa, e não persegui-lo. É com a luz que se combatem as trevas, e não com porrete.
Não adianta curar o corpo, quando a raiz do mal está no psíquico. “Prudência com
essa química violenta e igual para todos! (diz Sua Voz). A via psíquica é mais pacífica para
penetrar-se na corrente vital. O funcionamento orgânico obedece àquela instintiva sapiência que
se fixou, por longuíssimas experiências, no subconsciente. Este se fraciona, em várias almas
instintivas menores, que executam, à vossa revelia, o trabalho específico de cada órgão. A
consciência pode, por via sugestiva, dar ordens, que serão cumpridas, como se o foram por um
animal domesticado. O caso do trauma psíquico vos demonstra a realidade destas inferências”
Pietro Ubaldi, A Grande Síntese, Ed. FEB, pág. 231 e 232.
Agora que os médicos e odonlogos estão tomando pé firme nesta questão de
hipnologia, é bom que os educadores não fiquem dormindo. Por este motivo solicitamos, por
intermédio deste órgão de imprensa, do Eminente Educador, Prof. Romeu de Campos Vergal,
para que, na Câmara Federal, como ilustre Deputado que é, não se descuide deste assunto tão
importante, que dá chances incríveis para o educador.
Pela hipnopédia se poderá, como se faz nos países mais adiantados, criar os
supercérebros; poder-se-á ensinar ao homem como ser dono de si mesmo, guiando as suas
emoções e o seu destino para dias melhores. A religião e a moral ditam o que devemos fazer, e
quais qualidades desenvolver; mas não ensina como fazer e nem nos o todo. Não adianta
dizer ao homem que seja bom, seja desprendido, humilde, caridoso, se não se lhe ensinar como
-lo. se tem falado muitíssimo da religião sintética do futuro, resultante do encontro do
Oriente com o Ocidente, do cristianismo finalista com o budismo metodológico. O budismo não
é religião, pois nem possui Deus; é método, é caminho apenas, psicológico, de libertação rumo
ao niilismo nirvânico. Não serve, como filosofia, para figurar ao lado do cristianismo
essencialmente telefinalista. O método, pois, não há-de-ser o búdico, mas, o hipnopédico. Este
último tem a vantagem de ser científico, ao passo que aquele, além de ruinosamente pessimista,
é meramente filofico.
Baseado nestes princípios científicos, criamos, com sucesso, em nosso Centro
Espírita “Bezerra de Menezes” (Piraju SP), o que denominamos Hora Etérica”; trata-se de
umahora repousante”, com música adormecedora e sugestões positivas, sadias. Precisamos
disto para contrabalançar a tormenta de sugestões negativas, antivitais, materialistas e as
explorações da cobiça e do sexo; estas sugestões maléficas, quando subliminares, quer dizer, que
a gente registrou sem perceber, atuam em nossa vida, ou fazendo que nos degrademos, ou
produzindo fortíssimos conflitos com o Superego, disto resultando os medos da vida, os
nervosismos, as angústias, as aflições. Vivemos numa época de expectativas angustiantes e
neuroses generalizadas. O que buscamos, na “Hora Etérica”, é nos preparar para estar calmos,
serenos, seguros de nós mesmos, ainda que no meio duma perdição universal.
* * *
Hipnotismo e Espiritismo
Quem se propuser a demonstrar (e é o caso do Irmão Marista Vitrício, pseudônimo
de Luís Rech) que os fenômenos espíritas não passam de fenômenos hipnóticos, acabam por
provar, também, que todas as fés são sugestões, e que todos os sacramentos e ritos eclesiásticos
valem pelo efeito sugestivo e alucinatório que causam nos fiéis. O pão eucarístico deixa os
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fiéis eufóricos, radiantes, felizes, do mesmo modo que ficariam se recebessem tais sugestões,
estando hipnotizados.
De maneira que o Irmão Marista está metendo fogo à própria casa, e a arma que
agita tem duas pontas, com o cabo no meio. Basta oferecer resistência na extremidade agressora
que a outra ponta penetra no corpo do atacante.
Se o Irmão Vitrício quer explorar cientificamente o fenômeno religioso, a fórmula
psicológica é muito simples: a imaginação criou os mitos que são hiteses de trabalho,
explicações, teorias apenas. O que para um era teoria e hipótese, para outro passou a ser verdade
dogmática. Deste modo o mito agiu, reflexivamente, sobre a mente humana criando a
alucinação. Daqui em diante o crente crê, porque teve uma experiência mística, mas teve uma
experiência mística porque sofreu a pressão sugestiva de uma criação stica. Eis a fórmula em
evidência:
imaginação + sugestão = mito
mito + sugestão = religião
Se, pois, como está na revista “Manchete” de 6 setembro de 1958, o prezado irmão
Vitrício acha que “não existe nenhuma comunicação com o Além”, então temos a consequência
inexorável de que as aparições e comunicações dos santos são mitos; os milagres, pura sugestão,
de mistura com patacoadas grosseiras. A Igreja se fundamenta no mito; nada existe de real,
porque, como diz, “não existe nenhuma comunicação com o Além”. “O Além afirma estará
muito além de nossas possibilidades enquanto estivermos no limitadíssimo aquém”. Logo, as
aparições de santos e as tentações dos demônios são balelas (pensa o padre, mas o diz), para
engodar os fiéis da sua Igreja, pois o padre letargista (hipnotista) não crê nestas tolices e sabe
muito bem como funciona a “sua” , para uso dos outros. Saia-se desta, se for capaz, o prezado
Irmão...
No Espiritismo, nos trabalhos que se chamam de efeitos inteligentes, os fenômenos
se baralham, confundindo-se animismo e telepatia com as comunicações propriamente ditas.
Porém o fenômeno espírita existe nos efeitos inteligentes, para não falar nos indiscutíveis
fenômenos de efeitos físicos. É por isto que o agnóstico Aldous Huxley, em O Cruzeirode 6
de setembro de 1958, afirmou que, “mesmo aceitando-se a larga margem de fraude e telepatia,
um mínimo de casos que não podem ser explicados pela ciência corrente”. É esse “mínimo de
casos” que deve constituir o objeto do Espiritismo científico.
E do mesmo modo que os fenômenos hipnóticos invadem o campo do Espiritismo,
também os fenômenos espíritas permeiam os hipnóticos. Nas sessões de hipnotismo não a
telepatia provinda de encarnados, mas, também, a telepatia originária dos desencarnados. nos
aconteceu de irmos hipnotizar, e acabarmos doutrinando espírito; outras vezes fomos doutrinar
espírito, e tivemos de despertar, pura e simplesmente, um hipnotizado.
Num dos espetáculos blicos de hipnotismo havido nesta cidade de Piraju-SP, um
menino hipnotizado reagiu à ordem do hipnotizador que o queria gago, dizendo-lhe, muito
enfaticamente: Eu não sou gago”. De outra feita, o mesmo menino, alucinado com a idéia
sugerida de que era um candidato a prefeito, discutindo com o seu suposto adversário político
afirmou: “Eu venço esta eleição, porque já venci duas; eu fui prefeito duas vezes”. Ora, de
onde o menino foi tirar isto, de que fora prefeito duas vezes?
No caso de o hipnotizador deparar com uma comunicação espírita autêntica, pode
dizer que se trata do fenômeno de “dupla personalidade”, como o chamam os psicólogos.
Todavia esta dupla ou tripla personalidade que “personaliza” o hipnotizado “despersonalizado”,
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pode ser inimiga do hipnotizador, e, por este motivo, agredi-lo. Para nós, espiritistas, o
fenômeno da dupla ou múltipla personalidade é pura comunicação de espírito desencarnado.
A coisa é simples? Não. Depois de quinze anos de Espiritismo prático e de estudos,
respondemos: não, não é simples. O Professor Karl Weissmann, que nega a regressão pré-
placentária, afirma que “ainda hoje”, alguns aspectos do hipnotismo estão por ser explicados, ou
pelo menos melhor explicados” (Karl Weissmann, O Hipnotismo, pág. 17). Que aspectos são
estes? Dentre muitos estão os que enumeramos, e os que ele próprio comprovou; pois, “nas
milhares de pessoas que hipnotizei, houve um caso de clarividência e inúmeros casos de
incidência telepática, indiscutivelmente provados” (Karl Weissmann, “O Hipnotismo, pág. 19).
Espiritismo e hipnologia estão inextricavelmente ligados, e, por isto, apelamos, de
público, para o preclaro Espiritista e Educador Romeu de Campos Vergal, para que, na mara
Federal, não deixe os médicos e odontólogos porem o Espiritismo fora da Lei, proibindo aos
espíritas exercerem suas atividades, alegando, como é certo, que o transe hipnótico é o mesmo
transe mediúnico nos femenos de incorporação e psicografia.
E para que o eminente espiritista e demais confrades não cuidem que esta assertiva
carece de fundamento doutrinário, declaramos que este é o pensamento mesmo de Allan Kardec,
quando, um século, escreveu o artigo intitulado Magnetismo e Espiritismo”, na Revista
Espírita”, reunida pela LAKE, em volume 1, pág. 95.
Naquele tempo, ao hipnotismo se dava o nome de magnetismo, como se pode
comprovar, facilmente, pela história do hipnotismo. É Kardec quem afirma que, com efeito,
baseando-se ambas (ciências) na existência e na manifestação da alma, longe de se combaterem,
podem e devem se prestar mútuo apoio: elas se completam e se explicam mutuamente”. Mais,
Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas há apenas
um passo; sua conexão é tal, que é, por assim dizer, impossível falar de um sem falar do outro.
Se tivermos que ficar fora da ciência do magnetismo (hoje, hipnotismo), nosso quadro fica
incompleto e podemos ser comparados a um professor de Física que se abstivesse de falar da
luz”. E mais adiante afirma “que, na verdade, não passam de uma”, as duas ciências. E tudo isto
Kardec declara ser sua profissão de fé.
Hipnotismo é Espiritismo, o disse cem anos Allan Kardec, conquanto
afirmasse, e com razão, que Espiritismo não é hipnotismo, como pretende o Irmão Vitcio.
Impossível será dissociar uma coisa da outra. Agora os médicos e odontólogos querem ser donos
do hipnotismo que é a base natural dos femenos mediúnicos. Com isto farão que o Espiritismo
esteja fora da Lei, para, ato contínuo, perseguirem os seus praticantes, como fazem, hoje, aos
diuns curadores, quando estes são pequenos, humildes e desprotegidos.
Por causa destas coisas, fazemos ciente, ao prezado Irmão Campos Vergal, por meio
deste instrumento de imprensa, da necessidade de defender a Doutrina Espírita, na Câmara
Federal, contra a ofensiva dos açambarcadores, os quais, sendo já “donos” dos corpos que
retalham à vontade, querem, agora, também, apoderar-se das almas, fincando nela a bandeira de
propriedade.
O golpe já está preparado, e tanto que o Dr. Osmard Andrade Faria, do alto da sua
cátedra, manda se compare “a identidade de tais fenômenos (os hipnóticos) com as atuais
incorporações “mediúnicas da prática espírita” (O. A. Faria, Hipnose Médica e Odontológica,
pág. 9). E define mais ainda a sua posição quando declara ter sido Mesmer “o verdadeiro
inspirador de Allan Kardec” (obra citada, pág.12). Quando ninguém ignora que Kardec começou
com os fenômenos de efeitos físicos das mesas girantes, e não com os auto-hipnotizados e
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convulsionários de Mesmer. Em O Cruzeiro” de 11 de outubro deste ano, esse mesmo autor
declara-se contra as aplicações da hipnologia por leigos em medicina e odontologia, e no mesmo
artigo, “o Prof. Leonídio Ribeiro condena até mesmo o uso da hipnose por odonlogos”. Se esta
gente puder fazer Lei, os centros espíritas terão de fechar as suas portas.
Eia, pois, espíritas, cerremos fileiras! Assenhorear-se da hipnologia é fechar as
portas ao mediunismo, e acabar com a consoladora Doutrina Espiritista! Do jeito que a coisa se
está articulando, no futuro, para praticarmos Espiritismo Experimental, teremos de nos diplomar,
primeiro, em odontologia ou medicina.
Piraju-SP, 03 de outubro de 1958
* * *
Hipnotismo arte e ciência
Hipnotismo é sugestão. Começa com sugestões e acaba com sugestões. Todo mundo
o usa, inconscientemente, na vida dria, uns mais, e outros menos. Quem souber arrazoar,
argumentar, convence, comove e arrasta os ânimos, e isto é o que se chama indução psicológica.
É preciso induzir para depois derivar a atenção do “sujet” para onde desejarmos.
Um tratado muito bom de indução psicológica é o livro de Dale Carnegie, “Como
Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”. É preciso, como ensina este livro, entrar no sistema de
idéias da pessoa a quem se quer induzir, mover ou demover; falar, primeiro, do que ela gosta;
estabelecer o contato; sintonizar com ela; engrenar no seu sistema a nossa roda dentada. Depois
disto é que começamos a forçar o sistema induzido, com suavidade, com delicadeza, até que a
nossa roda dentada se torne motora no sistema de engrenagem.
Um bom vendedor comercial aplica este método nos seus negócios; também o aplica
o político e o religioso que buscam prosélitos para suas greis. De maneira que, neste sentido,
todo mundo é hipnotista, a começar pela mãe que embala o filho no berço e canta, de mansinho,
as monótonas canções de ninar. Assim também procede o profeta fundador de religo que, pela
(sugestão), anestesia os seus fiéis para que sintam gozo, ao invés de dor, ao serem
martirizados.
Como diz Oliveira Martins (Sistema dos Mitos”) “quem ignora hoje a influência
anestésica da alucinação? O fogo não queima, as feridas não doem, a morte não assusta. Em
todas as perseguições observa-se a embriaguês do martírio, que é contagiosa, e, se os Acta
sanctorum consideram milagre a coragem dos cristãos, os feiticeiros têm também o seu
martirológio, e quase em nossos dias a Liberdade, ídolo novo, o teve tamm” (pág. 324).
Não adiantam torturas, porque a auto-hipnose produz a anestesia. Mas ela anestesia
tanto os santos, como os feiticeiros, e isto se pode ver pela história, no período da Inquisição.
com iias se vencem idéias. Quem souber convencer e envolver, vencerá. Não
subjugações por meio da força; é preciso penetrar no sistema pela cúpula transparente e sutil
das idéias, e daí comandar. A força e a violência reforçam a reação de modo proporcional; força
gera força igual e oposta. É por isso que nenhum hipnotista aceita desafio; no entanto, às vezes,
ele acaba hipnotizando àquele que se dizia “duro”, e por isso o desafiara.
No impacto da força contra a idéia, vence a idéia, como diz Karl Weissmann. Quanto
mais forte for a força de vontade do “sujet”, tanto mais será suscetível. Um homem emocional,
que por dá--essa-palha faz um escarcéu, é um fraco. Forte é o homem de idéias sutis, de
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inteligência aguda, de raciocínio fácil e rápido (intuitivo), de perspicácia finíssima. Um
crates somente poderia ser auto-induzido, e nunca induzido por outrem. Às vezes o que se
julga resistente e desafia é um suscetível, porque emocionalmente vigoroso. Forte não é o cego
atleta emocional, o nervoso, o intempestivo, que é capaz de meter os ombros às colunas
derrocando-as, como um Sansão ou um Hércules; o primeiro gigante foi dominado por Dalila, e
o segundo, por Euristeu. Forte é o vidente que tem olhos de ver (inteligência), e por eles se guia.
Este é o que manda, e o atleta musculoso e forte na vontade, o que obedece. Deus não governa o
Universo como força cega; governa-o como Lei, como intelincia, como Razão suprema. Por
isto o homem forte não será o agigantado emocional, mas o de inteligência sutil, penetrante e
profunda.
Nós, brasileiros, por causa de sermos latinos, somos emocionalmente vigorosos. Esta
é a energia e a força que faz os heróis e os mártires; pom os heróis e os mártires, se não são
cegos, são alucinados. Esta dominante do nosso caráter latino transparece, principalmente, no
estilo dos polemistas. polêmicas, como as de Júlio Ribeiro contra o padre Senna Freitas,
completamente vazias de idéias. São puros desabafos agressivos, guerras de nervos, tormentas
emocionais. Todavia o que valem são as iias-grãos, e não as emoções-palhas.
Impulsividade é fraqueza que não merece nem resposta. Nosso opositor, se o houver,
pode pernear, sapatear, xingar, protestar, arrancar os cabelos, invocar as fúrias infernais,
relampear, coriscar, chover com impropérios e indignar-se até as fibras mais recônditas; todavia,
calmamente, repetimos: impulsividade é fraqueza humana; é força animalesca, nervosa, que
facilmente a idéia serena domina e canaliza. A máquina gigantesca que mói um mundo e o reduz
a poeira pode ser acionada e conduzida pelo braço frágil duma criança que lhe conheça o
manejo. O energismo é falência em face do mentalismo sutil, abstrato e profundo. O
superpensamento é a lei na sua expressão moral. Terrível é só aquele que pode e sabe agir nas
profundezas, e não o que se exaspera e se enfurece na periferia nervosa das emoções turvas.
Nada temos a fazer na noite escura e tormentosa das paixões, visto como isto representa o nosso
passado involuído e transposto.
Diante do quanto expusemos, podemos concluir que, embora todos possam ser
hipnotizadores inconscientes, o serão de fato, os que se puderem desenvolver-se nesta arte
máxima de convencer e comover os ânimos. Todo mundo canta, todo mundo escreve, todo
mundo fala, muitos tocam e alguns comem música. Onde, então, os Chaliapins e os Giglis?
Onde os Beethovens, os Cíceros e os Vieiras? O maior hipnotizador seria aquele que pudesse
hipnotizar a todos, e esse ainda não nasceu. A percentagem de hipnotizáveis, para um hipnotista,
o corresponde à de outro, porque os artistas da arte de induzir têm valores diferentes.
De maneira que a ciência da hipnose qualquer um aprende, porém, para ser
hipnotizador eficiente, é indispensável a arte de hipnotizar que consiste em induzir, convencer e
mover até ao sono, afrouxando, ao máximo, a vigilância da censura racional. Freud, por não ser
bom hipnotista, teve de conformar-se com a sua precária psicanálise, apesar de ser muito mais
eficiente a hipnoanálise.
Sendo a hipnose a arte de sugestionar elevada ao grau máximo, já se vê que a cultura
em geral, a dialética, e a lógica, ajudam o hipnotizador, visto como este, armado destes poderes,
abordará o “sujet” por qualquer ponto.
* * *
93
Monopólio em hipnologia
em 1906, no Brasil, apareceu, traduzida para o vernáculo, a obra do Dr. Marx
Dóris, “O Poder Magnético”, da qual transcrevemos o seguinte:
Desde muito tempo o egoísmo tem sido um dos sentimentos humanos. É raro, senão
impossível encontrar alguém que não o sinta dentro de si. Alguns julgam-no uma paixão que
merece ser combatida, outros e esses os que melhor julgam, o consideram como um ato nobre e
justo. Não cabe a este livro discutir a filosofia do sentimento, mas nos parece que o homem
destituído de uma certa dose de egoísmo dificilmente poderá triunfar na luta pela vida. Por que?
perguntarão. Responderemos: é crível haver quem pense em tornar público todos os seus
necios, todos os seus planos e ambições? Logo, o guardar para si alguma coisa, é lei natural,
daí se conclui que os homens destituídos de egoísmo são entes anormais”.
Por isso é que ensinamos e recomendamos aos discípulos que, quando hipnotizarem
alguém, sugestionem sempre que mais ninguém o possa hipnotizar sem seu conhecimento e
autorização. Isso se consegue da seguinte forma”:
Estando o paciente mergulhado em sono profundo dizei-lhe: “Ninguém mais poderá
te hipnotizar sem meu consentimento. Só a mim terás que obedecer. Ordeno-te que não te deixes
nunca hipnotizar por outro que eu. A minha força e vontade são mais poderosas que a tua,
ordeno-te que obedeças exclusivamente às minhas sugestões”.
“Como se vê, é fácil e proveitoso, pois ninguém poderá desfazer o que está feito.
Escusado será dizer que quem mais lucra com isto é o hipnotizand, pois evita cair em mãos de
profissionais pouco escrupulosos que muitos males podem produzir” (Marx Doris, “O Poder
Magnético, pág. 40 e 41).
Eis aqui uma “belíssima” página de petulância, de inconsciência e de egoísmo. Os
únicos que podiam hipnotizar sem perigo eram Marx Doris ou os seus discípulos. Estes
deveriam fechar a porta aos outros que, na certa, haviam de ser profissionais inescrupulosos”.
Bonito! Porém, por que isto é assim? Diga-o o Prof. Karl Weissmann:
Ninguém jamais se manifestou contra o hipnotismo próprio, senão unicamente
contra o hipnotismo dos outros... É que hipnose é sugestão, e sugestão, prestígio. O prestígio,
por sua vez, motivo de ciúme. Exige exclusividade” (Karl Weissmann, O Hipnotismo, pág. 3).
Porém a história se repete, porque ela é do homem. E o homem, desta vez, é o Dr.
Osmard Andrade Faria, que manda se sugira ao hipnotizando, sempre, “que apenas oseu
dico” ou o seu “dentista” lhe poderão induzir o sono ou provocar tais ou quais fenômenos
hipnóticos” (O. A. Faria Hipnose Médica e Odontológica,pág. 449).
Trata-se, como se vê, de uma sugerência de efeito s-hipnótico, que tem em vista
fechar a porta aos outros. Porém, será que fecha mesmo? Vejamos: sendo hipnotismo sugestão, o
único meio de impedir que se sugestione consiste em tornar o cliente num obstinado, num
indivíduo de “atitude opiniática” que não se move nem se comove a nada, num “culturalmente
fechado”, num fanático. Ora, isto nem o médico nem o dentista poderão fazer, por lhes faltarem
o tempo e o interesse...
Uma vez que não se pode fechar a porta das sugestões, criando um paranóico de
idéias fixas, o condicionamento pós-hipnótico poderá ser desfeito, visto como, para isto, basta
abalar a confiança do paciente no seu médico ou seu dentista. Pela lógica, pela dialética e pela
eloquência despertamos a razão do sugestionando, e o convencemos de que não se deve
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escravizar às manhas e patranhas do médico e do dentista finórios, que o querem outra coisa
além de encher o bolso à custa do rebanho do “mé”, que tosquiam de quando em quando. Os
dicos e os dentistas o de querer clientes ceis, condicionados, obedientes, assíduos, pelo
que precisam-nos subjugados por ordens pós-hipnóticas...
Grandíssima imoralidade é esta (prega-se, a seguir); crime de lesa-liberdade, pois
ninguém deve subjugar outrem à sua vontade e aos seus caprichos. Todo homem deve ser dono
de si mesmo, porque a personalidade humana é inviolável, é sagrada..., ninguém deve dominar
ninguém..., esclarecimento, sim; condicionamento, nunca... liberdade e não escravidão... Isto é o
que se há-de pregar.
Abalada que é a fé, cria-se a repulsa, depois do que semeia-se novos
condicionamentos, não escravizantes, mas, libertatórios. Se os médicos e os dentistas fossem
deuses, tudo lhes sairia como ambicionam, porém, na verdade, o que o é barro mole, na sua
esmagadora maioria.
Multiplicam-se em São Paulo as chamadas clínicas espíritas” que o Prof. Levindo
Mello, médico psiquiatra, chamou de arapucas de exploração da doutrina”. Por isto reiteramos
que os tais pseudodeuses não passam de barro mole, e o juramento que fazem, de Hipócrates,
o é mais do que um juramento de Hicritas... Cuide, pois, o Dr. Osmard Andrade Faria de
moralizar a medicina materializada e mercantilista, e se pretender opinar sobre assuntos de
Espiritismo, estude melhor esta matéria, largando mão dessa mania de generalizações e
ampliações de nadas.
Se os condicionamentos não se desfizessem, o homem não poderia corrigir os seus
defeitos e cios, não poderia orientar-se na vida e guiar o seu próprio destino. Todos estamos
sempre condicionados; todavia podemos alterar os condicionamentos. Quem convencer
dominará, e este não há-de ser aquele que apenas ordens de efeitos pós-hipnóticos. Bem
encaminhado o processo, e dentro de certo tempo, a ordem do médico ou a do dentista perdem o
seu valor. Questão de tempo, de paciência, de inteligência, de aplicação em convencer.
O que é que manda? Não é o córtex? Não é a vontade do indivíduo guiada pela razão?
Pois que se guie, então, a razão, formando nela novas convicções, novas fés, novas confianças,
novas “verdades”, que o resto irá de roldão. E para fazer isto o leigo (em odontologia e
medicina) pode ter mais habilidade e mais tempo do que o médico, e do que o dentista.
É certo, historicamente, que as novas verdades vencem as velhas. Em reflexologia isto
significa que os novos condicionamentos desfazem os anteriores. Podem-se ou não se podem
vencer convicções, crendices, fés e sugestões? Sim, podem-se; é a “brain-washing” (lavagem
cerebral) que aplicam os bolchevistas nos “heróis” ocidentais, quando estes vão dar consigo por
. É por demais sabido que após um poderoso choque emocional, depois de um colapso
nervoso, podem-se imprimir na mente humana crenças novas, até antagônicas, em relação às
anteriores. Se intelectualidade e cultura faz péssimos pacientes, intelectualizemo-los,
aculturemo-los, como convém, isto é, contra os médicos e os dentistas que querem
exclusividade na posse da chave de abrir e fechar consciências e vontades alheias...
Convencida a razão com estas razões, passa-se a induzir, psicologicamente, para que
o “sujetqueira dar a si mesmo uma prova de que não mais está sob o domínio do médico e do
dentista. Conseguido isto, troca-se a variedade de linguagem e eloquência, pela repetição
monótona e descolorida, falando em relaxamento muscular, mas, não em sono, nem em hipnose.
Quanta gente não vimos deixar de cumprir ordens s-hipnóticas, somente por
serem, estas, absurdas? Se estas ordens atentarem contra a liberdade sagrada, como hão-de ser
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cumpridas? Karl Weissmann tem razão: a censura moral do eu-superior não dorme... E
podemos acrescentar que esta censura é formada e formável.
Que não se esqueçam, pois, os médicos e os dentistas alertados pelo Dr. Osmard
Andrade que violência gera violência; força, força; astúcia, astúcia; guerra, guerra. Que as portas
fechadas pelos médicos e pelos dentistas poderão ser reabertas, com tempo, com jeito, com
paciência. E uma vez reabertas, poderão, de novo ser fechadas contra os mesmos médicos e os
mesmos dentistas, e isto, simplesmente, com se dar sugerências aos pacientes, de que devem
desprezar profundamente os escravizadores de vontades e consciências alheias...
Piraju, 15 de outubro de 1958
* * *
As Vantagens do Hipnotismo
Histórico
O hipnotismo é sugestão; por isso é tão velho quanto a humanidade. Desde que os
homens interatuaram por meio da palavra, a sugestão começou a exercer sua influência.
Para que a sugestão penetre e produza os seus efeitos, é preciso que encontre lastro;
o se poderá sugestionar se não se fizer compreendido; daí porque o se pode hipnotizar
crianças muito pequenas, nem idiotas, nem bêbados, nem paraicos. Não se pode hipnotizar
ninguém:
a) que não queira ser hipnotizado;
b) que não possa concentrar a atenção, como os bêbados e os idiotas;
c) que não tenha poder de vontade suficiente para querer ser hipnotizado.
O hipnotizador não possui poderes ocultos nenhuns, nem suplanta as vontades
alheias com a sua. O hipnotizador tem de saber e não de querer hipnotizar. Não é a sua vontade
que vale, mas, a sua ciência, a sua arte.
Jesus Cristo, sempre que curava, inquiria do paciente se ele tinha . Esta fé é o
lastro sobre que se apoia a sugestão. E depois que Jesus produzia a cura, ele declarava “a tua fé
te curou”. Quando Jesus esteve na sua terra, não pôde produzir curas, porque ninguém acreditava
nele. Nessa ocasião foi que disse: Nenhum profeta deixa de ser profeta, senão na sua terra e na
sua casa.
Jesus, sabendo que a hipnose é um processo científico, nada miraculoso, declarou o
seguinte: As coisas que faço, vós as fareis, e ainda maiores.
Isto não é negação dos poderes de Jesus; pelo contrário, é afirmação, pois o poder
o é força, mas, sabedoria. Poder é saber. Quem sabe pode; quem não sabe, não tem poder, nem
que seja um gigante da vontade. Uma máquina capaz de moer um mundo pode ser acionada por
uma simples criança que lhe conheça o funcionamento. Assim Jesus era poderoso, porque o seu
poder estava na sabedoria e não na força.
Sugestão sub-liminar
Nos Estados Unidos (EUA) se vendem discos com sugestões, por exemplo: você vai
emagrecer; você é calmo, sereníssimo, etc. Coloca-se um pequeno alto-falante sob o travesseiro,
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e fica-se a ouvir o disco nesse estado de modorra, de sonolência, que é quando a censura
racional está frouxa. Existe até, nos EUA, uma companhia que se chama: “Subliminal Projection
Company Inc.”, a qual explora comercialmente a sugestão inconsciente. Por isso Karl
Weissmann chama a isto Hipnotismo Comercial”. Durante a projeção de um filme, aparecem
pequenas falhas que lhe interrompem a sequência. Essas pequenas falhas o provenientes de
frases-relâmpagos que dizem, por exemplo: “Beba coca-cola”. Coma pipoca”, “Beba café”. Os
olhos leem a frase, e o subconsciente a registra, sem que o consciente tome conhecimento. O
resultado é que o espectador começa a sentir vontade de beber coca-cola, ou café. As autoridades
governamentais foram alertadas do perigo de tipos como Hitler ou Stalin tirarem proveito do
fato científico, apresentando frases assim: “Hitler é o Maior”, “Stalin é nosso Pai”.
Todavia esta coisa, perigosa se aplicada para o mal, será prodigiosamente boa se
aplicada para o bem. Assim, nos programas de televisão e no cinema poder-se-iam intercalar
frases-relâmpagos que dissessem: “Seja calmo”; Domine seus nervos”. Dia vi em que
teremos, pelo rádio, “A Hora Repousante”, com música adormecedora e sugestões positivas,
sadias. Precisamos disto para contrabalançar a chuva de sugestões negativas, materialistas, as
explorações da cobiça e do sexo; estas sugestões, quando sub-liminares, quer dizer, que a gente
registrou sem perceber, atuam na nossa vida, ou fazendo que nos degrademos, ou provocando
fortes conflitos com o Superego, disto resultando os medos da vida, os nervosismos, as
anstias, etc. Eis porque nossa civilização até se poderia chamar: “Civilização da Angústia”.
Hipnopédia
Hipnos = sono, e pédia = ensino, educação. É a hipnose aplicada à educação. Não
se pode, pela hipnose, desfazer as inibições, as fobias, os medos e as angústias dos que vão fazer
exames, como ainda se pode melhorar a memória ao ponto de criar os chamados
“supercérebros”. Na Alemanha já se aplica este método que consiste em gravar a lição numa fita
magnética, e depois ouvi-la em estado de transe hipnótico. O resultado é que aquilo que se vai
decorar, se grava, de pronto, no subconsciente. Com isto se conseguem verdadeiras
enciclopédias ambulantes”. Como nossa escola é pura decoração, aqui está como todos poderão
se transformar em gênios” (?!), e tirar só cem...
A inconsciência dos professores
É muito comum professores xingarem seus alunos de “burros”, “cabeça de vento”,
preguiçosos”, etc. É que estes tais professores, na sua inconsciência, não sabem que estas frases
são sugestões que se gravam, produzindo os seus efeitos. Os senhores diretores deveriam tomar
providências, e os professores deveriam conhecer, de fato, a psicologia que as mais das vezes
apenas decoram, ao fazerem seus cursos. muitas carreiras e homens que o destruídos por
sugestões negativas de professores criminosamente ignorantes da psicologia.
O transe hipnótico é um estado agradável, de sonolência que pode chegar até à
inconsciência ou não. No estado de sonambulismo pode-se dar uma ordem como: “Amanhã, às
dez horas, o seu olho esquerdo vai ficar adormecido a tal ponto, que é como se ele não
existisse”. No outro dia o olho adormece, e pode ser extrdo sem que o paciente sinta coisa
alguma. Esdaile fazia isto, e o paciente acompanhava a operação, com o outro olho, por um
espelho.
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Diante disto, todos os que se submetem ao sono hipnótico, terão, à mão, esta
possibilidade fantástica para ser usada, se preciso, a qualquer momento.
Perigos do hipnotismo
os que temem ser hipnotizados e não poderem acordar. Este perigo não existe, e
se o sujet” não quer acordar é porque foi a isto “condicionado”, por algum outro hipnotizador, a
agir assim. Mas não nenhum perigo, pois o sono hipnótico pode transformar-se em sono
natural. Até se usa este processo para o insone: dá-se-lhe uma ordem de que, ao se deitar, caia
em transe hipnótico, e durma toda a noite.
A não ser no caso de um condicionamento destes, em que o sujet” acorda quando
quiser, todos acordam à ordem do hipnotizador, pois, é claro que aquilo que a sugestão faz, a
mesma sugestão desfaz. Se o sujetperdeu o ouvido, e por isso não ouve a ordem de acordar,
basta soprar no ouvido, e ele acordará; soprando-se o rosto, o “sujet” acorda, e é por isso que o
sono hipnótico deve estar resguardado de ventos.
O perigo existe, isso sim, nas sugestões aflitivas que nunca, por isso, se devem dar,
porque podem produzir traumas. Nunca dizer ao “sujet”: “você está se afogando”, ou: “você caiu
no fogo”. Se o “sujet” está guiando um automóvel imaginário, não se lhe -de dizer: “desastre
o automóvel está tombando na barroca”. Nada de sugestões de perigos.
Ao acordar o sujet”, nunca esquecer de o fazer com progressividade, com
delicadeza, sugerindo-lhe que vai acordar sem dor de cabeça, sem sonolência, sem corpo pesado;
vai acordar muito bem disposto, muito alegre, muito feliz.
Hipnotismo e religião
Quem quiser demonstrar que os fenômenos espíritas não passam de fenômenos
hipnóticos acabam por provar, também, que todas as s são sugestões, e que todos os
sacramentos e ritos valem pelo efeito sugestivo e alucinatório que causam nos fiéis. Neste
caso a imaginação criou o mito, e este agiu, reflexivamente, sobre a mente, criando a alucinação;
daqui em diante o alucinado crê, porque teve uma “experiência mística”. Mas teve uma
experiência mística” porque foi sugestionado por uma “criação stica”. Então a fórmula
psicológica das religiões é esta:
imaginação + sugestão = mito
mito + sugestão = religião
No Espiritismo os fenômenos se baralham, confundindo-se animismo (sugestão
subconsciente do médium) e telepatia com comunicação propriamente dita. Porém o femeno
espírita existe. É por isso que Aldous Huxley, em O Cruzeiro de 6 de setembro de 1958,
afirmou que “mesmo aceitando a larga margem de fraude e telepatia, há um nimo de casos
que não podem ser explicados pela ciência corrente”. É esse “mínimo de casos” que constitui o
objeto do Espiritismo científico.
E do mesmo modo que os femenos hipnóticos invadem o campo do Espiritismo,
também os fenômenos espíritas permeiam os hipnóticos. Nas sessões de hipnotismo não a
telepatia, provinda de encarnados, mas também a telepatia originária dos desencarnados. O
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hipnotista que tiver algum desafeto desencarnado pode passar maus pedaços, como é o caso do
dentista que, tentando hipnotizar uma mulher, teve-a incorporada por uma entidade inimiga que
o agrediu e lhe quebrou o gabinete.
Num dos espetáculos havidos pouco tempo nesta cidade de Piraju, um menino
hipnotizado reagiu à ordem do hipnotizador que o queria gago, dizendo-lhe, muito
enfaticamente: Eu não sou gago”. De outra feita, o mesmo menino, alucinado com a idéia
sugerida de que era um candidato a prefeito, discutindo com o seu opositor, afirmou: “Eu venço
esta eleição, porque venci duas; eu fui prefeito duas vezes”. Ora, de onde o menino foi tirar
isto, de que fora prefeito duas vezes?
A coisa é simples? Não, não é simples. Karl Weissmann, que nega a regressão pré-
placentária, afirma que “ainda hoje, alguns aspectos do hipnotismo estão por ser explicados, ou
pelo menos melhor explicados”. Que casos são estes? Dentre muitos estão os que ele próprio
comprovou, pois, “nas milhares de pessoas que hipnotizei, houve um caso de clarividência e
inúmeros casos de incidência telepática, indiscutivelmente provados”. Afastada a hipótese do
magnetismo, ficou sem explicação o fato de, nos testes de suscetibilidade, o paciente cair como
que atraído pelas mãos do hipnotizador.
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