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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
ESPECTRAL
sentido e comunicação digital
Marco Toledo de Assis Bastos
São Paulo
2010
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Marco Toledo de Assis Bastos
ESPECTRAL
sentido e comunicação digital
Tese de doutoramento sob orientação do Prof.
Dr. Ciro Marcondes Filho apresentada como
requisito parcial para obtenção do tulo de
doutor pelo programa de s-graduão em
Ciência da Comunicação da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo.
São Paulo
2010
Bastos, Marco Toledo de Assis
Espectral: sentido e comunicação digital / Marco Toledo de Assis
Bastos. São Paulo: M. T. A. Bastos, 2010.
264 f.
Tese (Doutorado) Departamento de Jornalismo e Editoração /
Escola de Comunicações e Artes/USP, 05/03/2010.
Orientador: Prof. Dr. Ciro Juvenal Rodrigues Marcondes Filho.
Bibliografia
1. Internet 2. Sentido 3. Teoria da Comunicação 4. Niklas
Luhmann. 5. Gilles Deleuze. 6. Friedrich Kittler. II. Título.
CDD 21.ed. - 302
BASTOS, M. T. A. Espectral: Sentido e Comunicação Digital. Tese apresentada à Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do tulo de Doutor em
Ciências da Comunicação.
Aprovado em: ________________________________
Banca Examinadora
Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho Instituição: Universidade de São Paulo
Julgamento: __________________ Assinatura: __________________
Prof. Dr. Sérgio Bairon Blanco Sant’Ana Instituição: Universidade de São Paulo
Julgamento: __________________ Assinatura: __________________
Prof. Dr. Cremilda Medina Instituição: Universidade de São Paulo
Julgamento: __________________ Assinatura: __________________
Prof. Dr. Erick Felinto de Oliveira Instituição: Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Julgamento: __________________ Assinatura: __________________
Prof. Dr. Gabriel Cohn Instituição: Universidade de São Paulo
Julgamento: __________________ Assinatura: __________________
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos núcleos de pesquisa dos quais fiz parte ao longo dessa jornada,
fundamentais na discussão e evolução da pesquisa realizada.
FiloCom Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação, sediado na Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) - Brasil;
FAMe Rede de Pesquisadores de Antropologia dos Media , sediado na Johann
Wolfgang Goethe - Universidade de Frankfurt am Main (FAMe-Uni Frankfurt) -
Alemanha;
RC51 Comitê de Pesquisa de Sócio-Cibertica, vinculado à Associão Internacional
de Sociologia (RC51-ISA) - Itália;
GICSS Núcleo de pesquisadores em Comunicação, Sentido e Sociedade, sediado no
Centro de Investigações Interdisciplinares em Ciências Humanas da Universidade
Nacional Autônoma do México (GICSS-UNAM) - México;
GT 06 Grupo de Trabalho Epistemologia e Comunicação da Associação Nacional dos
Programas de Pós-Graduão em Comunicação (GT06-COMPÓS) - Brasil.
Agradeço às instituições de fomento à pesquisa que financiaram ou ofereceram
financiamento para este trabalho:
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
ALβAN Programa de bolsas de estudo de vel superior destinado à América Latina
DAAD Servo Alemão de Intercâmbio Acadêmico
Agradeço aos meus familiares e amigos próximos pela compreensão e carinho durante os
quatro anos desta pesquisa. Meus especiais agradecimentos aos meus orientadores Ciro
Marcondes Filho, da Universidade de São Paulo, e Manfred Faβler, da Universidade de Frankfurt.
Ciro Marcondes Filho não apenas orientou este trabalho como também é responsável direto pela
discussão que segue.
Agradeço aos amigos e colegas que contribuíram decisivamente à redação final desta tese.
Especialmente aos amigos dos cleos supracitados e aos Professores Doutores Marcos
Fernando Lopes, Irene de Araújo Machado, Sérgio Bairon Blanco Sant’Ana, Cremilda Celeste de
Araújo Medina, Gabriel Cohn e Erick Felinto de Oliveira.
Por fim, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
e à Coordenação de Aperfeoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), responsáveis pela
maior parte do financiamento deste trabalho no Brasil (FAPESP) e na Alemanha (CAPES).
RESUMO
BASTOS, M. T. A. Espectral: Sentido e Comunicação Digital. 2010.
254 f. Tese (Doutorado) Escola de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
Esta tese se divide em duas partes. Na primeira parte serão expostas as
escolas e teorias mais importantes para o conceito de sentido. Na
segunda parte será exposto o conceito de sentido espectral. A primeira
são é monográfica e trata de investigar o conceito de sentido em
quatro diferentes campos das ciências humanas: a lógica, a linguagem, a
fenomenologia e a teoria dos sistemas. A segunda traz a proposição
teórica do conceito de sentido espectral e o discute em função de
diagramas de comunicação e sentido. Com isso, a discussão da primeira
parte deste trabalho deverá introduzir as dimensões do conceito de
sentido que, por sua vez, serão relacionados com certo padrão de difusão
e consumo da informação. Essa relação entre os modos de produção das
matrizes de media e um determinado conceito de sentido é explorada ao
longo de todo o trabalho. Espectral, com isso, é uma metáfora para a
particular produção de sentido do ambiente digital. Esse campo do
sentido eletrônico se descrito e delineado em contraposição às
metáforas não-espaciais de difusão do ciberespaço, que sugerem um
campo aberto de aceleração e expansão não comensurável. Desse modo,
o conceito de sentido espectral apresentará dois blocos de elementos
complementares cuja finalidade é vincular as metáforas não-espaciais,
exteriores e difusas do ciberespaço, com uma descrição dos mecanismos
interiores desse sentido digital. Esses mecanismos serão descritos
teórica e graficamente por meio de cinco componentes: serializão,
aglutinação, seleção, nódulos e disrupção. Essas operações, por sua vez,
percorrem uma superfície cujos movimentos são simultaneamente
concêntricos e arborescentes. A descrição desse movimento sefeita
por meio de três circuitos: círculos interiores, rculos exteriores e
rculos crescentes. A superfície, por sua vez, será descrita com o
conceito de anéis de cebola. A vinculação entre as camadas concêntricas
e a superfície do ciberespaço conforma o próprio conceito de sentido
espectral.
PALAVRAS-CHAVE
Espectral; Sentido; Comunicação; Informação; Significação; Gilles
Deleuze; Niklas Luhmann, Maurice Merleau-Ponty; Friedrich Kittler.
ABSTRACT
BASTOS, M. T. A. Spectral: Meaning and Digital Communication.
2010. 254 f. Tese (Doutorado) Escola de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
This thesis is divided in tw o parts. The first part discusses the most
influential schools and theories regarding the concept of meaning. The
second part presents the concept of spectral meaning. This first section
is monographic and consists in an investigation into the concept of
meaning w ithin four different fields of human sciences: logics, language,
phenomenology and social systems theory. The second section presents
the theoretical thesis concerning the concept of spectral meaning and
discusses it in the light of communication and meaning diagrams.
Therefore, the first part of this work introduces the varied
understandings of the concept of meaning w hich, in a second phase, will
be related to specific patterns of information and communication. This
relationship between modes of production across different media
matrices and a given concept of meaning is continually explored
throughout the thesis. Spectral is, therefore, a metaphor for the specific
production of sense in the digital environment. This field of electronic
meaning will be described and portrayed in opposition to the non-spatial
metaphors of diffusion that haunt the cyberspace, regularly depicting it
as an open and incommensurable field of acceleration and expansion.
Accordingly, the concept of spectral meaning w ill present two sets of
paired elements in order to connect the non-spatial, diffusive and
exterior metaphors of the cyberspace with a representation of the
electronic meaning and its internal mechanisms. These mechanisms will
be described theoretically and graphically along five main
components: serialization, netclustering, gatekeeping, nodes and
breakthrough. These operations, on the other hand, go through a surface
whose activity is both concentric and arborescent. The description of
this movement w ill be target along three cycles: inner circles, outer
circles and growing circles. The surface itself, conversely, will be
described w ith the concept of onion rings. The connection between the
concentric layers and the cyberspace surface comprehends the concept
of spectral meaning itself.
KEYWORDS
Spectral; Meaning; Communication; Information; Sense; Gilles Deleuze;
Niklas Luhmann, Maurice Merleau-Ponty; Friedrich Kittler.
ESPECTRAL
sentido e comunicação digital
As imagens, diagramas e tabelas, assim como as traduções
apresentadas nesta tese, à excão de indicão em contrário,
são de autoria do pesquisador. Eventuais incorreções ou
omissões recaem sobre sua responsabilidade.
A reprodução, divulgão, apresentão e distribuição total
ou parcial deste trabalho estão livremente autorizadas para
fins não comerciais, desde que sejam respeitadas as citações
da fonte e do autor.
Marco Toledo Bastos
SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTE
Gênese do sentido comunicacional
INTRODUÇÃO
1. Comunicação
2. Sentido
SÃO I: CONCEITOS DE SENTIDO
1. Lógica
2. Linguagem
3. Fenômeno
4. Sistema
005
014
026
046
077
110
SEGUNDA PARTE
Espectros eletrônicos
INTRODUÇÃO
1. Realidade eletrônica
2. Agentes eletrônicos
SÃO I: ESPECTRAL
1. O espectral
2. A comunicação
3. A comunicação espectral
SÃO II: SENTIDO
1. A lógica
2. A linguagem
3. A fenomenologia
4. A teoria dos sistemas
5. A teoria do sentido espectral
SÃO IIII: ERA DO COMPUTADOR
1. Excedente de sentido
2. Sentido sem subjetividade
3. Cadeias de sentido
4. Superfície-seência
139
143
154
157
163
173
175
177
179
181
185
189
192
195
201
204
206
208
213
215
218
222
225
230
231
234
239
Bibliografia
246
ESPECTRAL
sentido e comunicação digital
PRIMEIRA PARTE
::: GÊNESE DO SENTIDO COMUNICACIONAL :::
5
INTRODUÇÃO
tópicos
i - comunicão
ii - sentido
notas
I. Comunicação
O presente trabalho se divide em duas partes. Na primeira parte serão expostas as escolas
e teorias mais importantes para o conceito de sentido. Na segunda parte se exposto o conceito
de sentido espectral. A tese se divide portanto em duas sões. A primeira é dissertativa e trata de
investigar o conceito de sentido. A segunda é uma tese propriamente dita: a proposição sobre o
sentido espectral. Se a primeira parte deste trabalho pode ajudar na elucidação da segunda, é
preciso de todo modo esclarecer alguns de seus postulados fundamentais. Esse é o propósito
desta introdução.
Isso porque nem o conceito de sentido, nem o de espectral, se faz compreensível sem um
diagrama comunicacional. Com isso, é preciso recapitular alguns importantes capítulos da história
do conceito comunicação. A história começa com o diagrama da teoria informacional de Claude
Elwood Shannon e Warren Weaver
1
, pioneiro ao descrever a codificão da informação entre
emissor e receptor. O diagrama que ficaria popular tem uma mecânica simples e descreve a
circulão da informação na sociedade do telégrafo e do telefone. Ele também sugere certa
produção sensorial, certo padrão de difusão e consumo da informação. A parecença entre um
modo de produção dos media (media matrix) e um determinado conceito de sentido é o primeiro
postulado fundamental desta tese. Esse tema será retomado com freqüência.
Haveria, portanto, uma particular produção de sentido que nasce com os media impressos
e que penetra no íntimo da reprodução medial. Essa teoria da informão responde as questões
da então emergente sociedade do telégrafo, que assistia ao surgimento do rádio e da imprensa
como vetores transformadores do tecido social. Quando a televisão que é necessariamente
uma rede ganha a sociedade, fica claro que o esquema não mais conta do fenômeno. Em
um sistema de troca ponto a ponto, como o das companhias de telefonia e telégrafo, informão
e comunicação partilham do mesmo ambiente
2
. É um sistema de complexidade limitada onde
receptor e emissor são uma e mesma figura alternando posições marcadas.
As redes vêm complicar o cerio. O emissor, que passa a operar incontáveis canais de
difusão, não tem cncia do receptor, então massivo e pulverizado. As redes recombinam os
digos elétricos com o tecido social, redesenhando ou impossibilitando um desenho exato do
6
fluxo da informação e comunicação. Quando as redes ganham a sociedade, comunicação e
informação são já processos tão diferenciados que a teoria da comunicação pede autonomia (a
teoria da informão fundada por Shannon e Weaver foi a prinpio chamada de teoria da
comunicação). Diferenciando informão de comunicação, a teoria da comunicação pôde
enderar os circuitos de apreensão individual e de processamento social da informação. Os
então magros conceitos da teoria da informão ganham espessura e contornos mais claros,
fundando linhas de pesquisa: recepção, meios, difusão ou mensagens. O entendimento implícito de
informação, por sua vez, sugeria um vel básico de significação que, de acordo com Roland
Barthes
3
, provê as condições mínimas para a emergência do sentido social. Com isso, o conceito
de informação fazia referência a certo grau zero do sentido
4
. Um plano a partir do qual as
comunicações sociais se arranjariam.
Essa teoria da comunicação que se avizinhava é devedora da teoria dos sistemas
americana. Junto à teoria da informação e à cibertica das cadas de 50 e 60, essa abordagem
globalmente funcionalista buscava identificar as leis gerais que regiam o funcionamento da
comunicação
5
o artigo seminal de Shannon é profético ao mencionar uma teoria da
comunicação unificada (general theory of communication). Contudo, a questão fundamental para o
engenheiro era ainda a exatidão da mensagem transmitida
6
. O conteúdo da mensagem não era de
todo relevante e o sentido, que Shannon sabia parte da equação, não tinha espaço em sua teoria
7
.
Esse diagrama identificava a emissão e a receão comunicacional de modo birio, uma
disposição original cuja dualidade mecanicista se replicaria em uma sucessão de debates. Outro
elemento seminal na abordagem do engenheiro foi a busca por regularidades no processo
comunicacional, mormente descrito por meio de componentes verificáveis e estruturas estáveis.
A herança funcionalista reforçava a idéia de receptores poderosos e meios que apenas
atendiam a uma demanda constante. Sem um conceito que compreendesse a mediação entre os
dois pólos, o diagrama funcionalista entendia o público (receptor) como elemento tônico e o
emissor como objeto átono, numa função entre mensagens, meio, produção e recepção que não
apresentava desvio dentro de um circuito de valor definido. Caracterizava essa tradição a
preocupação com os canais de influência e os circuitos da informão, em um contexto de massa
plural e imperiosa. Identifica-se no funcionalismo uma mecânica cristalina, onde os meios tratam
de dar aos consumidores o que eles querem.
A reação ao modelo informacional veio da tradição da crítica dos meios. Não havendo
nos pensadores da Escola de Frankfurt um conceito de comunicação, havia no entanto o
conceito de indústria cultural, a primeira formulão sobre o sistema de reprodução medial.
Negando o conceito ingênuo de cultura de massa, que subsumia uma cultura de muitos para
7
muitos, a instria cultural não distinguia consumidores nem admitia desarmonia entre as partes.
Como instria, obedecia a uma lógica de produção que transcendia consumidores e produtores,
um sistema autônomo não explicável pelo consumo individual nem pelas características dos
produtos. Consumos e produtos só eram compreendidos dentro dessa lógica ampla, que
ultrapassa não só a dimensão individual dos consumidores, mas todos os consumidores reunidos
como classe. O conceito sugeria um sistema global e interdependente de produção e distribuição
não apenas de objetos, mas de signos e sentidos
8
. Havia portanto medião, elemento inescapável
das teorias da comunicação.
Mas o filtro da teoria crítica não foi suficiente para refazer o diagrama da comunicação
moderna. Pelo contrário, a teoria crítica oferecia subsídios para esquemas primitivos em que a
soberania dos emissores era proporcional à impotência dos receptores, mormente reféns de
interesses inconfessáveis. A comunicação se aproximava da ciência política para denunciar
técnicas de manipulão, realidades forjadas e trâmites políticos misteriosos. A mediação e os
elementos de reciprocidade ficavam emagrecidos, e a interatividade era então vista com receio. A
movimentação comunicacional era entendida como uma estratégia de domínio realizada por
trocas desiguais e coercitivas. O psicologismo reavia seu cater heurístico de explicação,
conectando a persuasão dos meios a uma massa alienada, atomizada e submissa.
Para além desse debate de primeira época
9
, teorias contemporâneas trabalharam a
comunicação dentro de um quadro social de massas não-atomizadas, cuidando da importância do
face a face, da espontaneidade, da imprevisibilidade e de fatores o intencionais. As
contribuições dos herdeiros da cibernética de segunda ordem
10
são importantes, patentemente em
Heinz von Foerster e Niklas Luhmann, onde a comunicação é o par simétrico da complexidade
11
,
isso é, um efeito necessário de múltiplas inter-relões não causais. A obsessão metodológica com
a manipulação, a persuasão ou a influência é substitda por fuões autopoiéticas, relações entre
sistemas e ambiente. A questão de quem governa a comunicação, se o emissor ou o receptor, se
desfaz na medida em que o próprio homem perde a centralidade no processo
12
; a concepção
mesma de controle é já outra
13
.
O debate acima resumido permitiu a Luhmann formular a hipótese de uma sociedade da
comunicação
14
. Sua teoria contribui sobremaneira para a teoria da comunicação, principalmente
por diferenciar sinalização de informão e informão de comunicação, três momentos de um
mesmo processo improvável. A sinalização seria uma etapa necessária à informação que, por sua
vez, poderia levar à comunicação. A teoria luhmanniana permite ver uma miríade de sistemas
fechados em si mesmos, operando autopoieticamente e margeados por complexidade ambiental.
Os sistemas se olham mutuamente mas não se compreendem, diagrama que elimina a
8
subjetividade da troca comunicacional e permite ver consciências e sistemas em permanente
relão imprevisível, isto é, em dupla contingência. A comunicação entendida como um processo
de três etapas se estende para o conceito de sentido e constitui o segundo postulado fundamental
desta tese. Esse tema também será trabalhado pormenorizadamente.
Com isso, sinalizão e informação podem ser entendidas como operação social
autóctone. A recusa de Luhmann em trabalhar com o conceito de sujeito resolve o imbróglio
entre emissor e receptor, uma herança conceitual da ontologia, descortinando assim uma
sociedade comunicacional em um cerio de complexidade. Sua teoria, entretanto, não explica o
salto entre informação e comunicação, ou explica de maneira demasiado econômica. Permanece
portanto esse pequeno nódulo na teoria da comunicação: mas afinal, quando é que a informação
comunica?
É a fenomenologia que oferece a melhor resposta para esse salto qualitativo. Entre
informação e comunicação alguma coisa acontece. Há um acontecimento, nos termos de
Heidegger, que altera os corpos, uma diferea que não é apenas de grau, mas de natureza. O
conceito capital, que remonta a Husserl mas passa por Merleau-Ponty e Bergson, é o de
intencionalidade. As consciências podem estar abertas ou não ao que lhes é comunicado. A
informação resultará em comunicação em função dessa intencionalidade que produz significação.
Em Husserl, a intencionalidade se vincula à vivência dos fenômenos e ao surgimento do
objeto na consciência individual. O exemplo recorrente nas obras do filósofo é o da macieira, que
só existe quando eu a percebo, não obstante a existência de milhões de macieiras. O objeto só
ganha vida quando a consciência se volta a ele, e por extensão, o mundo só existe nas mentes
individuais que lhe atribuem sentido. O conceito algo cartesiano de consciência apresentado por
Husserl será posteriormente reformado por Merleau-Ponty, que faz referência a uma carne do
mundo. No entanto, permanece um mundo subjetivo atribuidor de sentido, uma interioridade
que dirige o registro do mundo.
O conceito é tão adequado quanto dissonante com a teoria dos sistemas sociais de Niklas
Luhmann, para quem os sistemas psíquicos nem sequer participam da comunicação. Ainda que
Luhmann defina a sociedade como comunicação, a comunicação é apresentada como um
dispositivo normalizador das relões sistema-meio; um arranjo conceitual semelhante aos
postulados da cibernética. Se o arranjo da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann explica a
não-causalidade do processo comunicacional, ela não conta, por outro lado, da interação entre
sistemas psíquicos e sistemas sociais. Em Luhmann, só os sistemas sociais comunicam. Sistemas
psíquicos funcionam como simples enderamento da comunicação.
9
Por outro lado, o conceito de intencionalidade insere novamente a subjetividade no
processo comunicacional, pois entre Alter e Ego uma operação intencional, uma escolha sobre
os conteúdos ou informações veiculadas. O conceito também dificilmente poderia reunir
acontecimentos aleatórios e exógenos, o imprevisível, as ocorncias inesperadas que nos foam
a pensar e que, portanto, comunicam. Não compreende, portanto, aquilo que Deleuze chama de
transformão incorpórea: um evento imprevisível que reconfigura todos os corpos; um ato
aleatório que reorganiza a linguagem recombinando expressão e conteúdo em modalidades até
então inconcebíveis. Um acontecimento incorporal altera a disposição entre os corpos sem que
haja intencionalidade entre as consciências. Essa diferença qualitativa entre informão e
comunicação foi tratada de maneira seminal por Heinz von Foerster, que entretanto atribui à
informação elementos perenes da comunicação
15
.
Esse conceito de comunicação, que constitui o terceiro postulado fundamental desta tese,
só pode ser ilustrado apropriadamente em relação aos dois postulados anteriores. O primeiro diz
que um fundamento material no conceito de sentido. O segundo diz que a comunicação é
uma etapa terceira e posterior à sinalização e à informação. De maneira simétrica, a realização do
sentido social é uma etapa terceira ao sentido sígnico e ao sentido frasal. Acontecimento é o
conceito que explica a passagem de uma etapa a outra. Com isso, a comunicação e a realizão do
sentido social são necessariamente um acontecimento. Sinalizão e informação, de um lado, e
sentido sígnico e frasal, de outro, não são. A comunicação entendida como acontecimento
implica em um fenômeno efêmero que desaparece e, com isso, coloca um problema relativo à sua
reprodução. O tratamento da comunicação e do sentido como processo material não pode se
furtar dessa questão.
Comunicação como acontecimento também implica em superar as heranças da ontologia,
uma vez que o acontecimento sugere um evento que não tem nada de estável ou de fixo.
Diferentemente da informação, na comunicação nada se transfere de um ponto a outro, de um
emissor a um receptor. Como acontecimento, é um processo entre intencionalidades que se
encontram, um atrito entre corpos que se acham em um ambiente comum. Há o surgimento de
um elemento estranho ou inesperado
16
. Algo que não estava em nenhuma das partes envolvidas
no processo (nenhuma transmissão portanto) e que altera as condições originais. Não fusão de
individualidades, mas compartilhamento de um plano que não estava dado na situação
informacional. Essa diferea de natureza entre informão e comunicação é um efeito
necessário, embora contingente, do acontecimento
17
.
Mas a hipótese de que a comunicação acontece, de que há uma epifania entre os
participantes, esconde no universo subjetivo sua fonte epistemológica. Não obstante o evento
10
ocorra em aglomerações ou fenômenos de massa, é preciso certa singularidade, certo sentimento
do novo ou do irreprodutível. Uma manifestação de rua pode acontecer, mas não pode ser
replicada ou simulada. O processo é percebido numa corrente de sentido hic et nunc, no aqui e
agora. E embora esse fluxo de sentido não dependa de uma unidade individual, depende da
participação humana. Com isso, o conceito de acontecimento se escora no mantra da
subjetividade.
Tamm não é diferente com o conceito de sentido. Deleuze lembra que é vão perguntar
pelo sentido de um acontecimento: acontecimento é sentido em si mesmo
18
. E de maneira
análoga ao conceito de acontecimento, o sentido tem uma compleão ontológica indisfarçável,
evidenciada pelos vesgios de um conceito de sujeito
19
e pela máxima questão metafísica: qual o
sentido da vida?
20
. A filiação humanista de ambos os conceitos é um problema que pode ser
resolvido, de todo modo, por meio de uma abordagem material do sentido e do acontecimento.
Esse primeiro postulado da tese é condão necessária para descrever como os meios de difusão
técnica produzem sentido e comunicam. Isto é, a materialidade do acontecimento e do sentido é
um imperativo epistemológico para descrever como filmes, livros ou frases afetam os
participantes da comunicação.
A ausência deste postulado nos forçaria a localizar o sentido e o acontecimento
exclusivamente em apreensões individuais ou conversas presenciais. Mas não na comunicação
qualquer elemento aurático. A comunicação, diria Luhmann, é o processo definidor dos sistemas
sociais. Esperamos, com isso, que nosso conceito de sentido espectral possa relacionar a
comunicação intersubjetiva, face a face, com a irradiação dos meios de massa. O sentido espectral
é aliás uma operação presente tanto no nível microsocial como no macrosocial, e portanto não
pode ser descrito sem a interposição dessa relação vinculante.
Com isso, este trabalho reunirá elementos que configurem um conceito de sentido
pertencente tanto às dimensões individuais como sociais. Uma operação que conecta a
comunicação face a face ou interpessoal às irradiações dos dispositivos técnicos. O desafio
consiste em relacionar a comunicação nos dois planos: o plano dos processos de produção e
circulão de mensagens e o plano do entendimento e da intencionalidade. Não por ora uma
arquitetura conceitual para lidar com as duas dimensões em uma análise global, pois não
dispomos de uma teoria da comunicão unificada.
O atual desenho das teorias da comunicação prescinde de um elemento que reúna os dois
modelos: o diagrama do construtivismo radical de Luhmann, evolucionista, contingente e
desprovido de previsibilidade, e a perspectiva fenomenológica, que entende os sistemas como
abertos e compreende o diferencial funcional que chamamos de acontecimento da comunicação.
11
Há portanto todo um universo entre a informação e a comunicação, toda uma teia de processos e
cadeias que ligam um ao outro. Há um elemento que opera o acontecimento e que o é a
subjetividade. Há algo que faz o acontecimento, afinal, acontecer. Esse elemento, acreditamos, é
o sentido
21
.
Essa questão tamm foi tratada pela Escola Latino-Americana de Comunicação
22
. A
proposta de Martín-Barbero, que propõe o estudo das mediões em substituição ao estudo dos
meios, é condicionada por um conceito de mediação que faz trabalhar sujeitos, significações e
mensagens em regimes de interão contínua, resolvendo o engessamento da polaridade emissor-
receptor. A teoria das mediões descarta a mensagem, a emissão e a recepção, pois o foco é no
alargamento e na proliferação de significados de uma obra ou mensagem. A análise não trata do
processo comunicacional propriamente dito, mas de uma rede de significações que é própria de
toda manifestão cultural. Martín-Barbero entende as mediações como um caudaloso rio que
movimenta as significações iniciais, intermediárias e finais de um produto cultural dado.
A perspectiva de Marn-Barbero trata dos circuitos de recodificação dos objetos culturais,
mas não compreende o instante da recepção, a extensão do canal ou a mensagem em si mesma.
Essas categorias são orquestradas dentro de um circuito social de significações que excede os
componentes da comunicação
23
, notadamente o sentido. As mediões de Martín-Barbero se
referem ao sentido como significação, ou seja, é a face significante de um signo para um receptor
determinado. O conceito de sentido é abreviado na proliferação de significados de uma obra. As
mediões tamm incluem um panorama de signos em guerra, esquema que aparece na teoria de
maneira não declarada: grupos sociais eleitos que compreendem uma mensagem, sentidos
negociados e significações compartilhadas sorrateiramente, isto é, sentidos secretos que os
grupos sociais trocam entre si
24
. A arquitetura conceitual dos estudos culturais latino-americanos
está montada sobre um diagrama de circulação de sentidos que, de maneira curiosa, não é
exposto pela teoria
25
.
Essa aporia não é uma peculiaridade dos estudos culturais latino-americanos. A clássica
pesquisa em comunicação tratava as dimensões comunicacionais como varveis independentes
para predizer varveis dependentes relacionadas aos efeitos da comunicão. No caso da teoria
hipodérmica
26
, as variáveis comunicacionais eram utilizadas para explicar resultados de votação,
comportamentos do consumidor, predisposição à vioncia e outros cenários previsíveis. No caso
dos estudos culturais latino-americanos, as variáveis comunicacionais são utilizadas para explicar
a produção cultural. Everett Rogers entende que essa tradição de pesquisa foi importada por
pesquisadores de outras áreas com o intuito de alcançar resultados na pesquisa comunicacional
que fossem úteis para as disciplinas matrizes. De acordo com Rogers, enquanto a pesquisa em
12
comunicação não enfocar o comportamento da comunicação, ao invés dos variados efeitos
comportamentais da comunicação, uma disciplina de comunicação coerente não poderá
emergir
27
.
O primeiro obstáculo para tratar a comunicação como comunicação é sua identificação
com processos subjetivos, uma aliança conceitual infeliz que faz com que os objetos da
comunicação desapareçam dentro dos mundos da intersubjetividade
28
. Uma abordagem subjetiva
impede a localizão de pontos fulcrais na mecânica comunicacional, pois subjetividade implica
em contingência entre os elementos. Além de contingência, implica também em contigüidade e,
com isso, em indistinção operacional, cujo efeito direto é a pulverização dos componentes da
comunicação. O segundo obstáculo conceitual é a redução da comunicação à informão.
Informão é dado bruto e não pode produzir comunicação espontaneamente. O elemento
distintivo da comunicação, que inexiste na informão, é o processamento de sentido. A terceira
e última dificuldade se refere à inexistência, nos estudos comunicacionais, daquilo que Merleau-
Ponty chamava de a carne do mundo e que serviu de inspirão para Gilles Deleuze e seu
conceito de sentido, o qual sugere uma semiótica espiralada entre os regimes de signos.
A teoria do sentido de Deleuze indica que o conceito opera tanto na origem das
formações da linguagem como no acontecimento da comunicação. Isto é, sentido é processado
tanto no momento em que a significação expressa alguma coisa como no instante em que a
informação remete a um plano de consistência pré-individual, e com isso me atinge,
magnetizando minha intencionalidade para a substância expressa. O diagrama deleuzeano
entende o sentido como remissão dos corpos ao incorpóreo, esquema que se replica na mutão
dos rculos de informão em acontecimentos comunicacionais. Haveria aí uma diferença de
grau mas não de natureza. Quando uma informação me lança de um rculo que me envolve para
um rculo mais amplo, uma passagem de planos que é o acontecimento comunicacional. O
sentido me realiza da mesma maneira que realiza os componentes da linguagem.
No plano da linguagem, a função do sentido é indicar conteúdos, prontamente atestados
pela via do entendimento. No plano da comunicação, o sentido realiza um acontecimento que é
atestado não pela informão transmitida, mas pela realização de um exprimível. A realização do
exprimível não se reduz à informação comunicada nem ao signo transmitido, mas a uma
qualidade comunicativa que existe tanto em textos fantásticos da literatura como em narrativas
realistas do jornalismo. Tem relação com o objetivo do texto literio, que é fornecer ao leitor um
universo de sentido, fazer com que o público embarque no que Coleridge chamava de suspensão
voluntária da descrença (willing suspension of disbelief)
29
. A questão do sentido não se refere às
13
técnicas de sedução literária. Mas a mecânica do texto literário , de todo modo, oferece um ponto
de observação privilegiado para a observação do sentido.
Isso porque as obras de arte são objetos culturais que dependem do processamento de
sentido. Uma obra literia comunica sentido porque favorece a ação da intencionalidade sobre
os conteúdos informados. A questão assim colocada ajuda a esclarecer essa dimensão ao mesmo
tempo macrosocial e microlingstica do sentido. Operando tanto nos signos como nos objetos
dispostos no mundo, o escopo do sentido é excepcionalmente aberto porque perfaz as duas
superfícies que Deleuze chamava de plano de imanência e de consistência. O sentido espectral,
tema que abordaremos na segunda parte desse trabalho, constitui tão somente uma varião
material das modalidades do sentido.
Espectral seria a conformação eletrônica dessa operação. Espectral é uma metáfora que
quer localizar a saturação de redes dentro de redes (internet), rizomas onde os pontos de entrada
e sda são em número tão grande que o gfico desse sentido é uma imagem da circulão
superabundante da informação (information overload). Espectral porque no universo eletrônico
informação em quantidade exerce comunicação. Espectral porque a relação necessária entre
significante e significação se rompe e os signos, fantasmáticos, permanecem como elementos
primeiros da comunicação. Espectral é a magnitude dessa expressão eletrônica.
É semelhante à visão de Neil Postman e sua apocaptica Tecnolis. Para Postman, a
Tecnopólis seria tanto um estado da cultura como um estado mental que consiste na deificação
da tecnologia e na busca, pela própria cultura, de legitimidade frente à tecnologia. A relação entre
informação e mecanismos de controle, sustenta Postman, é razoavelmente simples de descrever:
a tecnologia aumenta a oferta de informação disponível e o aumento da oferta causa uma
exaustão proporcional nos mecanismos de controle. Os mecanismos necessários para trabalhar a
informação são eles mesmos técnicos, criando umrculo vicioso de crescente aumento de
informação disponível. Quando a oferta de informação ultrapassa os mecanismos de controle, os
sistemas psíquicos e sociais entram em colapso. Sem defesas contra a falência generalizada nos
sistemas doadores de sentido, as pessoas perdem a capacidade de relacionar ocorrências, imaginar
futuros possíveis e, finalmente, de encontrar sentido na vida ordinária
30
.
Sentido espectral é com isso uma gica perene à vida virtual
31
. Há um campo ou, como
certa vez arriscou Frege, um reino do sentido para além da arquitetura do texto e do signo.
Espectral tamm porque esse reino do sentido eletrônico incorpora outros media e canibaliza
seus modos de produção de sentido
32
. Isso quer dizer que a lógica espectral não se restringe à
comunicação virtual. É antes um padrão que integra a sociedade tecnogica. As interfaces
digitais, a linguagem de programação ou as características da interão homem-máquina oferecem
14
perspectivas possíveis para abordar o mesmo objeto. Acreditamos, contudo, que a comunicação
tamm pode oferecer uma teoria à altura do objeto.
Mas antes é necessário, para expor o tema deste trabalho, que se introduza o conceito de
sentido e suas variadas configurações. Sentido, conceito de muitas faces, pode remeter às mais
pragmáticas das análises (sentido e referência) ou a mais metafísica das questões (o sentido da
vida). A primeira parte deste trabalho oferece uma pequena genealogia do conceito, isto é, uma
pequena história do conceito de sentido. A segunda parte descreve o sentido espectral da
comunicação eletrônica. Antes, uma pequena introdução à história toda.
II. Sentido
Sentidos: seria mais apropriado se referir ao plural, pois o conceito atravessa diversas
ciências e participa organicamente de tradições críticas e analíticas das mais diferentes matrizes.
Sentido pode ser intenção, objetivo, definição, design, referência, teleologia, significado, semiose,
verdade, relação, valor, interpretação. Sentido significa tanta coisa que o resultado é uma idéia
muito frágil do conceito.
Há sentido lingüístico e sentido intencional não-lingüístico; sentido natural não-lingüístico
e sentido semântico ou interpretativo. Há sentido semiótico, atribuição de signos em uma relação
sígnica; sentido como valor de verdade ontológico e sentido como referência ou equivalência. Há
sentido como sistema de valor ou como valor verificável. Sentidos podem ser dados por
associão, por dedução ou serem originais.
Comunicar sentidos, para a lingüística, é objetivo primeiro e função última da linguagem.
Mesmo sendo um conceito central à análise lingüística, é dicil definir suas funções distintivas.
Em termos lingüísticos, sentido é o conteúdo transmitido pelas palavras na troca sígnica. Um
sentido comunicado lingüisticamente se transmite de emissor para receptor, quer por derivação
direta ou por aferição sensível, duplicando certa idéia evocada ou entidade mundana.
Diferentemente da sociolingüística, onde o sentido tencionado é não-lingüístico, a lingüística
entende o sentido como um produto da relão sígnica, isto é, da semiose.
Seria portanto um sentido rigorosamente semântico. É o sentido frasal convencionado e a
maneira como a significação se forma. Tamm a teoria literária e a psicanálise partilham dessa
conceão lingüística do sentido, pois se concentram na relão de significação entre objetos e
palavras. Notadamente no sentido inferido pelo sujeito, a interpretação, que só existe em relão
a objetos, textos ou palavras de significação independente.
A escola latino-americana de comunicação dilata esse conceito de sentido como conteúdo
transmitido, vinculando-o às relões de medião. O sentido das produções culturais se então
15
na circulação da significação e não no significado textual. É contando um episódio da telenovela
ao vizinho que o sentido cultural da novela acontece, e não na interpretação hermenêutica do
texto. A recepção comunicacional é definida em termos interativos, uma negociação de sentido
em que a comunicação só ocorre pela confluência social de interpretações.
A psiquiatria, por sua vez, reserva um uso particular ao termo que remonta aos padrões
que a psique reconhece no mundo. Seria um artifício interpretativo interno cuja função é
identificar coencia nos fenômenos visíveis, fuão tamm designada percepção do sentido.
Essa concepção, naturalmente, vai ao encontro do entendimento lingüístico e psicanalítico uma
vez que não se desvincula de certa interpretação pessoal dos eventos. Ou seja, o que determinado
filme significa para mim é tanto fruto da coencia que projeto no mundo como de certa
interpretação pessoal e intransferível
33
.
O pragmático Paul Grice e seus implicadores traçam uma curiosa distinção entre sentido
não-natural e sentido natural. Enquanto o sentido não-natural cria uma relação entre dois objetos
não dada previamente, estabelecendo um laço de sentido entre elementos por meio das intenções
do sujeito, o sentido natural, que se assemelha à categoria peirceana de segundidade, aponta para
afinidades comuns e para relações de causa e efeito. Nuvem e chuva ou fumaça e fogo formariam
uma relação de sentido que independente do campo da linguagem, pois inexistiria associação
convencional (sígnica) entre as duas instâncias.
O sentido não-lingüístico tamm se vincula à habilidade de perceber sensações, de
auscultar os sincios e nuanças de expressão que não cabem na dimensão sígnica. Essa
abordagem é comum no campo das artes como forma de descrever uma gama de sensações não-
lingüísticas. Erik Erikson, por sua vez, menciona a idéia de um sentido corporal ou somático.
Lágrimas, rubor, ereções ou sustos funcionariam como sinais corporais que se comunicam
diretamente com o instinto humano. Tratar-se-ia de um sentido não intencional que, todavia,
transmite informão. Inteiramente independente da linguagem, este sentido seria um produto
interno da consciência próprio à socialização.
Outras abordagens que enfocam a geração de sentidos não-lingüísticos incluem a
observão da biologia e da história natural por longos períodos. Os conceitos de autopoiese e
auto-organizão, trabalhados por Humberto Maturana e Niklas Luhmann, compreendem esses
padrões de interação e desenvolvimento desde o campo celular até as i nterações sociais. Em
Luhmann, sentido é o que possibilita a auto-referência dos sistemas psíquicos e sociais, ligando
uma comunicação à outra e abrindo um excedente de possibilidades comunicativas. Sentido seria
uma herança evolucionária dos sistemas em um panorama de complexidade, elemento que
permite a produção e reprodução dos sistemas sociais e psíquicos.
16
Sentido como definição não constitui idéia menos confusa. Wittgenstein anotou que o
que é simples em um contexto não é em outro, mas rejeita a idéia de que o sentido de um termo
deva ser explicado. Na abordagem w ittgensteiniana, os termos só se explicam em sua própria
ão, em seu jogo, que é uma dinâmica própria da linguagem. Como explicões só podem existir
apoiadas em outras explicações, Wittgenstein entendia que eram importantes apenas para
desfazer mal-entendidos. A imagem dos jogos de linguagem implica na ausência de contornos
definitivos para a dinâmica do sentido ao mesmo tempo em que sugere uma classe de elementos,
como é o caso dos jogos, das famílias ou dos números. Não limites sobre o que entra e o que
não entra em uma classe, mas certa familiaridade ou semelhança entre os elementos. Entendemos
o que de comum entre eles apesar dos contornos imprecisos. D o sentido.
Há na lingüística uma subárea dedicada ao estudo do sentido, a semântica, que nos
permite fazer refencia ao plano semântico de uma frase, palavra ou sentença. A semântica
estuda a referência denotada e o sentido conotado, condições de veracidade, estrutura frasal,
regras de composição, análise do discurso e a relação desses elementos com a sintaxe da língua.
Um dos resultados é o método decomposicional, que sustenta que o sentido das palavras pode
ser derivado por meio de uma análise nuclear ou atomística dos termos que estruturam a
linguagem como sistema de pensamento. O sentido seria então composto e apreensível nas
figuras de linguagem, nas relações entre palavras tais como sinonímia, antomia, hiperonímia,
hiponímia, heteronímia, meronímia, holonímia, homonímia, paronímia, polissemia ou metomia.
Sentido seria um arranjo semântico. Mais do que etiquetas, as palavras seriam ferramentas
que se relacionam com as coisas. Nos sinônimos, uma variada gama de sentidos seria possível por
meio do estabelecimento de contraste e realces. De modo análogo ao conceito de valor em
Saussure, nenhuma palavra poderia ser identificada independente do seu contexto relacional. E
de modo complementar à sintaxe e à pragmática, a semântica localiza aspectos do sentido
expressos em uma linguagem, código ou outra forma de representação. A semântica entende por
sentido a referência objetiva entre signo e objeto, isto é, sentido seria denotação. Relões entre
um signo e outro, a conotação ou as interpretões, não são objetos da semântica formal.
Essa abordagem formal do campo semântico ficou marcada pelos estudos de Frege e
Russel, prenunciando uma filosofia analítica que explica o sentido via sintaxe e fuões
matemáticas. Junto a Wittgenstein, esses autores procuram explicar como as sentenças expressam
informação por meio de proposições. A base de uma formulação proposicional reside no seu
valor ou condição de verdade, derivão também presente na ciência da computação, onde a
semântica reflete o sentido dos programas ou suas fuões.
17
Na psicologia, por sua vez, a imagem de um sentido semântico recebeu contornos
diferentes. Em contraposição à memória episódica (a memória dos detalhes efêmeros e das
características individuais), a memória semântica se caracterizaria pela lembrança do sentido,
preservando a experiência em sua significação geral em detrimento dos detalhes contextuais. A
vizinhança dos termos e as relações entre palavras dentro de uma rede semântica possibilitariam
estruturas decomposicionais que computam o sentido das palavras, isto é, o sentido seria
mensurável.
A semiótica entende que o sentido de um signo é seu lugar em uma relação sígnica, ou
seja, é o conjunto de funções ocupadas em determinada vinculação sígnica. Sentido seria uma
categoria extra-sistêmica, elemento que empresta movimento à relação entre significante,
significado e referente. O sentido lingüístico, por sua vez, perfaz os agenciamentos da linguagem.
Não sendo um conceito freente, a imagem sugere uma força a partir da qual a estrutura
lingüística ganha movimento. O sentido poderia ser trabalhado por meio de uma análise
comparativa entre sentido denotativo e conotativo.
A idéia de um sentido denotativo adquire contornos mais claros nas tipologias
aristotélicas de Charles Sanders Peirce. Separado da palavra, Peirce define o signo como um
componente tripartido cuja dinâmica produz significação. É na tripartição do interpretante que
encontramos o sentido imediato, isto é, o sentido denotativo. O sentido dinâmico seria o
complexo de inferência produzido pelo signo, e o sentido final se referiria ao entendimento
último e ideal desse signo.
O sentido denotativo, ou o sentido como referência, é uma relão entre nomes ou
pronomes e os objetos por eles nomeados. João se refere a Jo, enquanto o termo ele se
refere a alguém já previamente mencionado
34
. O objeto é a referência da palavra e a denotação é a
relão palavra-objeto (a palavra denota o objeto). Essa relação de identidade bastou para Frege
derivar seus conceitos de sentido e significação como elementos que nunca são idênticos.
A análise do discurso, que torna o conceito de sentido operacional por meio de uma
semiologia dos discursos sociais, incorpora o contexto social e histórico dos discursos e o
relaciona com as estruturas formais da enunciação. Cruzando tradições de análise anglo-
americana e francesa
35
, toma da primeira os atributos pragmáticos, e da segunda, a conscncia de
que as marcas de discurso dizem mais do que seus articuladores desejam. Objetos de análise são
produtos culturais oriundos de eventos comunicacionais. A análise do discurso sustenta que a
avaliação da produção e circulação de discursos compreende o sentido vinculado aos objetos.
Textos são analisados em função da penetração de contextos, sujeitos e discursos formados. A
análise tece relações entre essas dimensões e define os discursos como dependentes ou não do
18
contexto, relacionados ou não com as forças sociais que o moldaram. A análise depende,
portanto, de um conceito de ideologia
36
aplicado às formações discursivas, o que permite uma
interpretação das marcas formais. A análise do discurso não enfoca o conteúdo do texto ou a
interpretação semântica de conteúdos, mas as razões e maneiras pelas quais o conteúdo é
expresso.
Produção de sentido tamm se refere a outro arcabouço conceitual que não o da análise
de discurso. Desvinculado dos efeitos de discurso, o sentido pode ser compreendido em
conformidade com o tratamento que Edmund Husserl deu ao termo e em cujo debate
subseqüente contribuíram autores como Alfred Schütz, Jürgen Habermas, Gilles Deleuze ou
Niklas Luhmann. Atravessando a filosofia e a sociologia, esse entendimento do sentido remete a
um horizonte de expectativas, uma instância intermediária entre o virtual e o atual. Husserl
entende o sentido como expressão, um componente que não é lingüístico nem social.
Para Gilles Deleuze, o sentido se nos termos de um evento incorpóreo que atravessa
os corpos. O filósofo frans fala de um sentido socialmente produzido que não é lingüístico,
embora tenha certa proximidade com o entendimento de Hjelmslev. Seria uma força subjacente
às formas de manifestação e instauradora do próprio processo de significação. Um paralelo
esclarecedor pode ser feito com o sonho, que engendraria as significações do próprio homem.
Sentido, para Deleuze, é uma dimensão mais ampla que a comunicão mas que acontece por
intermédio dela.
Humberto Maturana distingue entre sentido psicológico e sentido supra-individual ou
sociológico. Os dois domínios, estruturalmente acoplados entre si, seriam sistemas antecipatórios
fortes e fracos. Um sistema antecipatório tem por fuão trabalhar sistemas próprios, oferecendo
sentido para os sistemas modelizados de um ponto de vista retrospectivo, ou seja, avançando em
direção a um eixo cronogico que compreende estados futuros possíveis. De maneira análoga à
imagem de um horizonte de sentido husserliano, as escolhas são feitas por ação incursiva.
A semiose, para Peirce, é o processo gestacional de signos produzido pela relão entre
realidade e ambiente. Semiose tamm designa toda atividade, conduta ou processo que envolva
relão sígnica, especialmente a produção de sentido. Outras correntes semióticas trabalham com
o conceito de metasigno e descartam a perspectiva de uma semiose embrionária. A biosemiótica
de Jesper Hoffmeyer, por exemplo, combina elementos da semiótica com conceitos da
cibernética para definir a semiose como uma propriedade comum a todos os sistemas de vida.
Thomas Sebeok, com isso, sugere que as propriedades da vida coincidirão com a própria
definição de semiose, isto é, que verificar se algo esvivo é verificar se algo comunica sentido
para outro indivíduo da mesma espécie.
19
NOTAS
1
Shannon publicou em 1948 um artigo científico descrevendo a codificação da infor mação entre emissor e receptor.
O ar tigo, que toma de emprés timo el ementos da teoria da probabilidade d e Norbert Wi ener, propunha u ma medida
de informação que quantificav a a incerteza em espaços desordenados (entropia). No ano seg uinte, Shannon
publicaria com Warren Weaver o livro The Mat hematical Theo ry of Comm unic ation, tornando mais acesvel o modelo
apresentado no artigo de 1948. Shannon trabalhou com ou tros pesquisadores para a consolidação da cibernética,
dentr e eles Gr egory B ateson, Heinz von Foerster, John von Neumann, Margaret Mead, Paul Lazarsfeld, William
Ross Ashby e Norbert Wiener.
2
Kittler comenta essa importante passag em: Quando em 1876 a Bell Telephone Company inventou o telefone, a
patente mais lucrativa de todos os tempos, suas funções eram ainda limi tadas. Tratava-s e tão somente de uma
tentativ a de transmitir múl tiplas mensag ens por meio de um úni co cabo telegráfico. No original: Bells Telephon,
dieses lukrativste Einzelpatent d er Geschi chte, entstand 1876 gar nicht in s einer wohlbekannten Funktion, s onder
beim Versucht, mehrere Nachrichten gleichzeitig über ein einziges Telegraphenk abel zu s chick en―. Kittler, Friedrich.
Geschichte der Kom munikatio nsmedi en. IN: Huber, Jörg & Müller, Alois Marti n (Orgs). Raum und Verf ahren. Frankfurt:
Roter S tern, 1993. (p.182).
3
Barthes, Roland. Mythologies. Paris: Seuil, 1957.
4
Esse foi o entendimento insidioso que o conceito d e informação recebeu na segunda metade do século XX, o
obstante os esforços da teori a d a cultura e os desenvolvimentos posterior es da própria teori a da informão. A esse
respeito, ver Terranov a, Tiziana. Comm unication b eyond Meaning: On the C ultural Politic s of Informatio n. Social T ext 22.3,
2004. (p.51-73).
5
No original: The fundamental problem of communication is that of reproduci ng at one point either exactly or
approximately. Shannon, Claude Elwood. A M athematical Theory of Comm uni catio n. Bell Sys tem Techni cal Journal, Vol.
27, pp. 379-423, 623-656, 1948.
6
Von Foers ter comentou a limitão epistemológica das abord agens matemáticas: Se soci ólogos o podem nos
ajudar, talvez engenheiros e matemáticos tenham as res postas. Nós somos levados a acreditar que esses pensadores
compr eendem informação e comunicão. Mas quando olhamos essas teorias mais de perto fica absolutamente claro
que eles o estão preocupados com informação ou comunicação, e sim com sinais e com a transmissão segura de
sinais por meio de canais inseguros‖. No original: If sociologists cannot help us, perhaps engineers and
mathematicians have the ans wers. We ar e lead to beli eve that these think ers understand information and
communication. However, when we look more closely at these theories, it becomes transpar ent clear that they are
not reall y concerned with infor mati on and communi cation but rather wi th signals and the reliable transmission of
signals over unreliable channels‖. Von Foerster, Heinz. Epistemology of Communi catio n. IN: Woodward, Kathleen. The
myths of info rmatio n: tec hnology and posti ndustrial c ulture. Madison: Coda Press, 1980. (p.20).
7
No original: Frequently the messages have meaning; that is they refer to or are correlated according to some
system wi th certain physi cal or conceptu al entiti es. These semantic aspects of communi cation ar e irrelevant to the
engineering problem‖. Idem.
8
Ver Adorno, T heodor & Horkheimer, Max. Dialektik der Aufkl ärung. Philosophisc he F ragmente. Frankfurt am M ain:
Suhrkamp, 1975.
9
A críti ca dos meios fez uma astuta assimilação da T eoria Crí tica, mas s e mos trou incapaz de livrar-se do r eceio
sociológico quanto ao impacto das imagens e sua disseminação no tecido soci al, o qu e ofusca o fenômeno
comuni cacional. Isso porque s empr e procurou combater certa persuasão, d enunciar v etores de inflncia ou detectar
mecanismos d e sedução, métodos notadamente sociológicos qu e se ocu pam de agendas políticas e forças de
dominação. Invers amente, mas de maneira complementar, o tr atamento funcionalista privilegiav a os circuitos de
recepção e circul ão da informão, respondendo por um entendimento de comuni cação associado à admi nistração
e capi talizão de recursos cujo foco é a produção e distribui ção da informação. De um pólo a outr o, o
entendimento da comuni cação é deter minado por um corpus trico estranho. Obsedadas pel a eficácia das
mensagens, as anális es comu nicacionais se moviam no terr eno dos dualismos d e poder e produção, dificil mente
enfocando relações mais complex as que diagramas de domí nio. A possibilidade de entender os movi mentos de
emissão e receão como femenos perceptivos compl exos era soçobrada por uma estrutura social, ou fixa e
diretiva, ou sistêmica e anódi na. Mauro Wolf contextualiza o debate: As teorias a respeito da influência d a mídia
apresentam um andamento oscilatório: partem de uma atribuição d e forte capacidade manipulativa, pass am depois
por uma fase intermediária, na qual o poder de inflncia é r edimensionado de modo vari ado, e por fim r epropõem
nos últi mos anos posi ções que atribu em aos meios de comunicação de massa um efeito considerável, ainda que
motivado difer entemente no afirmado na teoria hipodér mica. [De acordo com Carey], os efeitos da dia eram
considerados r elevantes nos anos 30, devido à Depressão e ao fato de que a situ ão polí tica que determinou a guerra
criava um terreno f értil par a a produção de u m certo tipo de efeitos. Do mesmo modo, a tranqüilidade dos anos 50 e
60 conduzia a u m modelo d e efeitos limitados. Ao final dos anos 60, um período de conflitos, tensões políticas e
crise econômica contribui para tornar a estrutura social fundamentalmente vulneráv el e permeável à comunicação
dos mei os de massa.‘ Wolf, Mauro. Teori as das Comunicões de Massa. o Paulo: Marti ns Fontes, 2005. (p.48-49).
Ainda d e acordo com James Car ey, citado por Wolf na passagem acima, a distinção entre pesquisa administr ativa e
20
pesquisa crí tica, dentro dos es tudos norte-americanos, espelha as tradições fundadas por dois imigrantes da
Repúbli ca d e Weimar: de um l ado, a pesquisa ctica remontaria ao alemão Theodor Adorno, e de ou tro lado, a
pesquisa administr ativa remeteria ao austríaco Paul Lazarsfeld. Em 1937 a Fundação Rock efeller passou a financiar
um proj eto de pesquisa social s obre os efeitos dos media de massa na sociedade. A pes quisa, intitul ada Radio Project,
tinha Paul Lazarsfeld como diretor e Theodor Adorno como chefe d a divio de música. Ver Carey, James.
Communicatio n as Culture: Essays o n Medi a and So ciety. (Revised Editi on) New York: Routl edge, 2009. (p.57).
10
Se a primeira cibernética s e caracteri zava pel as nões de contr ole, informação e comuni cação homem-quina, a
segunda cibernética apres enta as noções de auto-organi zação, estruturas emergentes, redes e evolução adaptativa. A
primeira cibertica, especial mente em Norber t Wiener, entendia a interação nos termos do modelo estímul o-
resposta ou ação-reão, tendo a relão homem-máquina como objeto. A segunda cibertica s e debruça sobre a
interatividade nos termos de uma ação permeada pela percepção, incluindo o corpo e funções motoras como
elementos partici pantes nos processos sensoriais. S eu objeto ul trapassa a relação homem-máquina e procura-se u ma
abordagem global e construtivista. A esse respeito, ver Wiener, Norber t. Cibernéti ca e Sociedade o uso hum ano dos seres
hum ano s. São Paulo: Cultrix, 3ª edição, e Couchot, Edmond e Hillaire, Norbert. L’art nurique. Comm ent la technologie
vient au mo nde de lart. Paris: Flammarion, 2003.
11
O conceito de complexidade começa a tomar corpo nos anos 40 e 50, oriundo dos estudos sobre ci bernética e
circuitos eletrônicos. No primeiro caso, complexidade significa que algo novo acontece em estágios sucessivos no
tempo, perfazendo contudo um mesmo circuito sistêmi co e sem poder ser atribuído a uma força determinada,
caracterís tica ess a própria dos sistemas dinâmicos. No segundo, é um desdobramento do concei to de forma de
Spencer-Brown, tal como apli cado em ―Laws of Form‖, de 1969, que será mais tarde aprov eitado por Niklas
Luhmann. Willian Ross Ashby define-a como u m elemento que começamos a admi tir explici tamente, mas do qual já
tínhamos ciência antes do conceito vir à tona. E sse reconhecimento das características da complexidade remontaria à
condição do mundo consis tir em um grande mero d e variáveis heterogêneas, conectadas d e maneiras variadas e
altamente s eletiv as, fazendo com que um entendimento úl timo sobre essas conex ões s eja impossível e permi tindo
somente que se observ e o que acontece, e não por que acontece. Bas eando-se na teoria da i nformação, em que
compl exidade designa o ficit de informações que impede um sistema de observar-se a si mes mo ou ao ambiente,
Luhmann a define como um li mite além do qual u m sistema o pode mais relacionar el ementos do ambiente a
componentes internos. Complexidade, assi m, impli ca em seletividade, operão qu e redu z a compl exidade do
ambiente criando sis temas menos complex os. Segundo Luhmann, essa redução da complexidade (Kompl exitätsgefälle ) é
uma oper ação seminal dos sistemas sem a qual nada existiria, mas apenas caos indiferenciado. A relação assi trica
dos sistemas para com o ambiente fica mais clar a no cas o das consciências (sistemas psíqui cos), onde a ausência
dessa operão de redão da complexid ade leva a uma indiferenci ão entr e sistema psíquico e ambiente, isto é, à
loucura. U ma psique patológica seria aquela que, s em diferenciar complexidade ambiental d o s eu próprio sistema, se
torna complexa demais e por isso incapaz de tomar decies ou executar tarefas simples. Ignacio Izuzqui za comenta
que o muitas as ocasiões em que Luhmann se queixa da imprecisão des tinada ao conceito de complexidade, cujo
significado é sempre suposto e nunca abordado com suficiente rigor. O conceito de compl exidade s e encontra
revestido de u ma história negativa na his tória do pensamento ocidental, que tem suas raízes no modelo newtoni ano
de razão. De certo modo, a complexidade parece s er sempre um i nimigo a combater. A descri ção desta história
negativa do conceito de complexidade abarcaria uma parte significativ a do pensamento europeu. Nessa batalha
aberta ou implí cita contra a compl exidad e encontra-se um concei to tão importante como o de progresso, ao
ponto de se identificar no progresso uma constante dissolução dos âmbitos de complexid ade ou sua redu ção a
elementos simples‖. No original es panhol:El concepto de compl ejidad se encuentra reves tido de una historia
negativa en la historia d el pensamiento occidental, q ue tiene sus raíces en el modelo newtoniano de r azón. En ci erto
modo, la compl ejidad parece ser si empre un enemigo a combatir. La d escripci ón de esta historia negativa del
concepto de complejidad abar caría una gran parte de la historia del pensamiento europeo. De hecho, un concepto
tan importante como lo es el de progreso se encuentra uni do a la batalla abi erta o implícita librada contra la
compl ejidad, hasta el punto de que progreso puede identificarse con disolución constante de ámbi tos de compl ejidad
o bien de su redu cción a elementos i mples. Izuzqui za, Ignacio. La soci edad sin hom bres. Niklas Luhmann o l a t eoría como
esc ándalo. Barcelona: Anthropos, 1990. (p.57). A esse respeito, v er também Ashby, William Ross. I ntroduç ão à cibernética.
São Paulo: P erspectiva, 1984 e Luhmann, Niklas. Soziale Systeme. G rundr ei ner allgem einene Theorie. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1999 ou So cial Systems. S tanford: Stanford Univ ersity Press, 2005.
12
É difícil identificar a origem desse tratamento ontol ógico da comunicação. A princípio, el e teria que ter sido
superado já nas teorias da comunicação de primeira época, que incorpor aram contribui ções da primeira cibertica.
Wiener falavao em homem, mas em ser es sociais. Nesse entendi mento, a linguagem j á não é exclusividade do ser
humano e pode ser enunciada por avatares que emitam fras es, gerando encadeamentos dis cursivos d esvinculados da
ação humana. Os discursos, em s entido estrito, não são enunci ados por pessoas e operacionalmente já o suportam
a categoria de suj eito. É pl auvel qu e ess e tr atamento ciberti co não tenha sido incorporado pelos es tudos
comuni cacionais porque o desenho g eral da teoria denega impor tantes momentos da comunicão. Is to é, o sentido
e a intencionalidade comuni cacional d esaparecem, pois o vínculo soci al de base deixa d e existir e os indivíduos
passam a ser si mples atores de uma cenografia mecânica. Ao se eliminar a categoria de sujeito tamm se suprimem
as oper ações per ceptivas, pois tais ser es trabalhados er am apenas rea tivos, e em nada mui to criativos. De maneira
21
sitrica, o mecanicismo funcional que marca a teoria dos sistemas de Talcott Parsons d elimita o sujeito como um
organismo comportamental cujas ações comunicacionais são matizadas por uma conceão cibernéti ca qmico-
biológica. Dentro dessa perspectiva, toda atividade interior ao i ndivíduo, como sua experiência e viv ênci a, é
entendida como elemento irrelevante.
13
A concepção cibertica entende que q ualquer ser que se comuniqu e com determinado grau de complexidad e
pode ser entendido como s er soci al. A existênci a social é fundad a no espectro infor maci onal d os ag entes, entendidos
como uma máquina capacitada para comunicar. Com iss o, toda a interioridade do homem passa a ser u ma
exterioridade plena. um homem, e o u m sujeito ou individualid ade, definido por suas potencialidades
mediadoras, por sua permutabilidade social. Essa conceão rejei ta o conceito s ociológico de sujei to estático e
oferece um entendimento de ser es em atividade, sendo mediados e i ntermediando informações. Aqui, o homem o
mais age, apenas reage, e s em fazer uso de qualqu er ão como potência: só se r eage por reão, tal qu al Gregory
Bateson definiria o l aço social. Em suas últi mas obras, Luhmann formali za o rechaço a qualquer concepção
ontológica. Ver Bateson, Gregory. Steps to an ecology of mind. Northvale: Jane Aronson, 1987 e Luhmann, Niklas. Die
Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997. Os postulados da segunda cibernéti ca foram
incorporados por pesquisador es de tr adições as mais diversas, desde a Escolas de Palo Alto e a Es cola Chilena de
Biologia até cibernética de Hei nz von Foerster e a teoria dos sistemas soci ais de Niklas Luhmann.
14
Sociedade da comunicão ou do processamento de s entido. Na sua obra xima, A sociedade da soci edade,
Luhmann define a comunicão como processamento de sentido, des tar te o tratamento peculiar dedi cado aos
conceitos. Ver Luhmann, Niklas. Di e Gesellschaft der Gesellsc haft. Frankfurt am Main: Su hrkamp, 1997.
15
Se você procurar no di cionário a d efinição decomunicação‘, des cobrirá que o significado étroca de informação‘.
Essa noção de comunicação como uma troca se basei a na imagem de um tubo: você coloca alguma coisa d e um
lado d o tubo e a extrai do outro lado, depois que ela passa por d entro d o tubo. A i magem da comunicação é criada
uma vez que o processo seja rev ervel, isto é, uma vez qu e se possa colocar algu ma coisa pelo outro lado d o tu bo. O
process o compl eto é chamado de troca de i nformação‘. Dentro dos tubos podem circular água, gasolina ou, em
certos casos, informação. Neste contex to, informação é consider ada um produ to, uma substância que pode ser
passada por tubos. Tal su bstânci a, podemos deduzir, tamm pode circular por cabos, até porqu e nós ‗sabemos‘ que
a informação, viaj ando pelos cabos, é passada da ex tremidade de u m continente para ou tro. Em todo manual de
comuni cação você encontrará lindas imagens da comunicação baseadas ness a idéia: duas pequenas caixas (o emissor
e o r eceptor) conectadas por uma linha (o canal). Parece tão óbvi o. O que es tá viajando pelos fios, entr etanto, o é
informação, mas si nais. De tod o modo, como nós acredi tamos saber o que é informação, acr editamos poder
compri mi-la, process á-la, fatiá-la. Nós acredi tamos que a informão pode ser armazenada para ser posterior mente
acessada: veja a biblioteca, que é normalmente identificada como um sistema de armazenamento e recuper ão de
informação. Nesse caso, entr etanto, s estamos enganados. U ma biblioteca pode conter livros, microfichas,
documentos, filmes, slides e calogos, mas não pode armazenar informação. Pode-se col ocar uma biblioteca de
cabeça para baixo: nenhuma i nformação sairá de lá. A úni ca possibilidade d e se obter informação de uma biblioteca é
olhando os livros, microfichas, d ocu mentos, slides e etc. Pode-se também falar em uma garagem como um sistema de
armazenamento e recuper ação de transporte. Em ambos os casos, um veícul o potencial (para transporte ou
informação) é confundido com aquilo que o objeto faz quand o alguém o utiliza. Alguém tem que f azer isso. Isso o
se faz por si só. No original: If you l ook up communication‘ in any di ctionary, you will find that i t means an
exchange of information.‘ This notion of communication as an ex change rests on the imag e of a tube: you plop
something into one end of the tube, i t goes through, and you extract it from the other end. B y rev ersing the process,
i.e., by pushing something through the tube from the other direction, the image of commu nication is created. The
entire process is called the exchange of information‘. Circulating through thes e tubes you may have water, g asoline,
or, in some cases, information. In this context, information is considered a commodity, a substance which can be
passed through tubes. Moreover, such a substan ce, we assume, can als o run over wir es, for weknow that
information, travelling ov er wires, is passed from one end of a continent to the other. In ever y tex tbook of
communication theor y you will find beau tiful pictures based on this imag e: two littl e boxes (the transmi tter and the
receiver ) connected by a line (the communication channel). It seems so obvious. What is travelling on that wire,
however, is not information, but signals. Nev ertheless, since we think we know what infor mati on is, we believe we
can compress i t, process it, chop it up. We beli eve i nformati on can even be stor ed and then, l ater on, retrieved:
witness the libr ary, which is commonly regarded as an information storag e and retrieval s ystem. In this, however, we
are mistaken. A library may s tore books, mi crofiches, documents, films, slides, and catalogu es, but it cannot store
information. One can turn a librar y upsi de down: no information will come out. The only way one can obtain
information from a library is to look at those books, microfi ches, d ocu ments, slides, etc. One might as well speak of a
garage as a storage and retrieval s ystem for transportation. In both instances a potential v ehicl e (for transportation or
for information) is confused with the thing it does only when someone mak es it do it. Someone has to do it. It does
not do anything. Von Foerster, Heinz. Epist emology of Com municatio n. IN: Woodward, K athleen. The myt hs of
informatio n: technology and posti ndust rial culture. Madison: Coda Press, 1980. (p.19).
16
Mas nem Mi chael Serres nem Jürgen Habermas nos presentearam com u ma teoria da comuni cão. S erres trata de
desconstruir os i números equívocos do processo comunicacional, es pecialmente do emissor, enq uanto Habermas
propõe um desenho normativo par a o process o comunicacional. Luhmann, por sua vez, trabalha com uma teoria dos
22
sistemas que o pode compreender as peculiaridad es do movimento comu nicacional. Mas o que esses autores
sugerem, comenta Dirk B aecker, é a necessidade de localizarmos o conceito de comunicação em oposiçã o ao de
causalid ade, ao mesmo tempo em qu e o vinculamos a circunstâncias onde a surpres a é a regra. Ver Baecker, Dirk.
Form und Formen der Komm unikatio n. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2005.
17
Ciro Marcondes Filho trabalhou a importância do conceito de acontecimento para o proces so comunicacional. Ver
Marcondes Filho, Ciro. At é que ponto, de fato, nos com unicamo s? São Paulo: Paulus, 2004 e Marcondes Filho, Ciro. O
esc avado r de silêncios form as de co nst rui r e desconstruir sentido s na Com uni cão. São Paulo: Paulus, 2004.
18
Deleu ze, Gilles. Lógica do S enti do. São Paulo: P erspectiva, 2003. (p.23).
19
Gumbr echt é enfático a esse res peito: O qu e d enominamos sentido‘ tem su a origem no sujei to e o nu ma
qualidade inerente aos obj etos. A tar efa de atribuir sentido aos objetos cabe ao sujeito. Gumbr echt, Hans Ulrich.
Corpo e Forma. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998. (p.139).
20
Para Wittgens tein, o mote da filosofia sempre foi a essência do sentido. Uma es sência que não existe, pois os
sentidos são d ados de maneira r elacional, nunca como essência iner te. Essa lógica também se aplica à qu estão do
sentido da vida, fazendo desta uma falsa queso, ou u ma questão sem sentido. Isto é, se as cois as só m sentido
dentro do mundo vivido, então não s e pode perguntar pelo s entido do mundo vivido, da vida. Assi m, o sentido de x é
uma formulão sobr e as cons e ências, significados e objetivos relacionados a x, relações essas estabelecidas na
vida, na contingência de x estar vivo e em r elação. Quando se usa vida no lug ar de x, aí um paradoxo: o sentido da
vida seria assim uma formulação recursiva e portanto s em sentido. Em ou tros termos, são as coisas na vida de uma
pessoa que m sentido (importância), e não a vida em si, ondeo se aplica tal queso de natur eza relacional. Trata-
se, par a Wi ttgenstein, d e um abuso da linguagem, fazendo-a formular questões s em sentido. Pode-se perguntar pelo
sentido de qu alquer el emento que f a parte da vida, que esteja dado na vid a. o pela vida em si mesma. O sentido
portanto s ó pode se r eferir a u m domínio i nterno da vida, e não à vida em si mesma. Aci ma do reino da vida,
nenhuma qu estão formulada pela linguag em pode fazer sentido. Wittgenstein expôs o tema no seu Tractat us Logico-
Philosophicus: ―O sentido do mundo deve estar fora dele. No mundo, tudo é como é e tudo acontece como acontece;
o há nele nenhum valor e se houv esse, o teria nenhum v alor. No original:Der Sinn der Wel t m außerhalb
ihrer liegen. In der Welt ist alles, wie es ist, und geschieht alles, wie es geschi eht; es gibt in ihr keinen Wert und
wenn es ihn gäbe, so tte er keinen Wer t. Wittgens tein, Ludwig. Tractat us Logico-Philosophicus. Edição bilíngüe. São
Paulo: Edusp, 2001. 6.41). Sentido é então uma questão de objetos e relações dadas na vida, e o respeitar esse
limite é violar o limite heurísti co da linguagem. Naturalmente, a perspectiva d e Wi ttgenstein e do positivismo lógico
retira da metafísica qualqu er pertinência, qualquer sentido às formulações metafísicas. A questão está assim
formulada no Livro Azul: É comum que filósofos v ejam o método d a cncia e s e si ntam tentados a formular
questões, e respondê-las, da maneira que as ciências fazem. Essa tendência é a raiz da metafísica, e leva os filósofos
para uma escuridão completa. Eu gostaria de dizer qu e não é nosso trabalho reduzir o qu e qu er que seja, ou explicar
o que for. A filosofia é, efetivamente,pur amente descritiv a. No original:Philosophers constantly s ee the method
of science before their eyes, and ar e irresistibly tempted to ask and answer questions in the way sci ence does. This
tendency is the real source of metaphysics, and leads the philosopher into complete darkness. I want to s ay here that
it can never be our job to reduce anything to anything, or to expl ain anything. Philosophy really is purely
descriptive. Wittgenstein, Ludwig. The Blue and B rown Books Preliminary S tudies fo r the “Philo sophi cal Inv estigatio ns.
New York: Harper and Row, s/d. (p.18). Martin Buber também trabalha a questão de uma perspectiv e semelhante,
embor a a vinculando à ontologia. Ver Buber, Martin. Ich und D u. Heidelberg: Lambert Schneider, 1979.
21
A teoria da informação elabor ava explici tamente a análise das melhor es condi ções de transmissibilidade das
mensagens; agora, em vez disso, salienta-se o fato de que os ef eitos e as funções sociais da mídi ao podem
prescindir do modo como se arti cula dentro da r elação d e comu nicação o mecanismo de r econhecimento e de
atribuição d e sentido, qu e é parte ess encial de tal r elação. Wolf, Mauro. Teo rias das Com unic ações de M assa. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. (p.120). A parte final desta tese ofer ece u ma séri e de diagramas qu e buscam descrev er esses
dois planos distintos d e forma integrada ao processamento de senti do.
22
A Es cola Latino-Americana de Comuni cação pr atica uma variante sofisticada de estudos culturais, área de pesquis a
que tamm tratou do probl ema do senti do. A ques o surgiu diante das compli cações em se pensar os receptores
dos media, usu almente entendidos como uma via de o única. Uma tr ajetória que viria do emissor, o pólo ativo da
relão, findando no receptor, passivo e iner te, simples mente absorv endo mensagens e sem mui ta capacidade de
seleção ou classificação. A fragilidade do modelo suscitou a idéia de que há cadei as e sis temas envolv end o
produtores, produtos e receptores, num desvio de rota que o debate cul tural conhece por quebr a d e par adigma; u ma
mudança para a i ia d e qu e certo desl ocamento, certa alteração na ênfase da produção para a recepção e sua
capacidade de atribuição de sentidos. Na última cada, de maneira similar às pes quisas latino-americanas de
Comuni cação, este campo de estudos se construiu focando fenômenos de interação e deslocamento de significados.
Os Estud os Culturais Latino-Ameri canos tamm tratam da difer ea qualitativa entr e informação e comunicação,
isto é, também tratam da ques o do sentido.o obs tante a abordag em culturalis ta, a pesquisa latino-americana o
superou a armadilha epistemológica q ue reduz o sentido à significação. Nas ciências da linguagem, o conceito de
sentido remete às prodões de significação (equivocadamente chamadas de produção de sentido). A Es cola Latino-
Americana de Comunicação inclui, no mais das vezes, o espanhol Jesús Martín-Barbero, o argentino Néstor García
Canclini e o mexicano Guillermo Orozco.
23
23
E é que o processo comunicacional acontece. Ele não es tá no contex to porqu e o se redu z a u ma entid ade
social, nem está nos usos e reutilizações da obra porque esse processo já não é comunicacional, mas social. O
process o comunicacional atr avessa a cultur a, mas não pode ser redu zido a u m de seus momentos. A comunicação
o acontece na composi ção de uma mensag em, mas na mecânica integrada de seus múltiplos vetor es em
movimentação. Martín-Barbero entende a comunicão como resignificão, isto é, como administr ação qualitativa
da informação; de como os signos se metamorfosei am entr e uma emissão e outra. Nisso, a obra de M artín-Barbero é
promissora. Esse tamm é o princípi o heurístico dos es tudos cultur ais.
24
Martín-Barbero pensa em termos de uma gu errilha de s entido entre as difer entes classes s ociais, espaço em qu e a
vingaa das mass as se r ealizaria. Ver Marti n-Barbero, J es. Dos meios às medi ões co municação, cultura e hegemo nia. Rio
de Janeiro: UFRJ, 1997.
25
Ainda que Martí n-Barbero se desfaça de conceitos como emissor e receptor, propondo uma análise que abandon a
os meios par a se deitar sobre as mediações, o fica claro quais elementos comem essas mediões. A mediação
seria todo um complexo social qu e resignifica os produtos culturais e cria sentido intersubj etivo. Essa perspectiva
sociológica não inclui a tr anslação de significações em sentidos nem explica como a natureza anódina do significado
textual se transforma em sentido social. Mar tín-Barbero tem o mérito de v er a comunicão com processo (como
mediação, afinal ), mas é econômico sobr e a natureza desse processo. Sua teoria das mediões oferece uma
sociologia atenta aos fenômenos contempor âneos, onde o conceito de mediação aponta para a complex a circulação
de signos proporcionada pela circulão material dos produtos culturais. Mas a teoria o alcaa os fenômenos da
comuni cação, conquanto a trama da mediação faz da trama do sentido um processo secreto, um pequ eno segredo da
teoria. A ess e respeito, ver Martin-Barbero, Jes ús. Dos m eios às m ediações com uni cação, cult ura e hegemonia. Rio de Janeiro:
UFRJ, 1997. Para um aprofundamento nos temas da Escola Latino-Americana de Comunicação, v er Canclini, Nestor
García. C ulturas híbri das. São Paulo: Edusp, 1997 e Orozco G., Guillermo (Org.). Lo viejo y lo nuevo. Investigar la
comunicació n en el siglo XXI. Madrid: Edici ones de La Torre, 2000.
26
A teoria da Agulha hipodérmica surgiu no peodo entre guerras e concebe uma s oci edade em massa onde os
indivíduos, atomizados, são afetados pel as mensag ens de maneira homogênea e isol ada. A herança
comportamentalista favorece o cálculo es tatístico e a mensurão dos efei tos da comuni cação, modelo amplamente
utilizado por pesquisas de mer cado, insti tutos de pesquisa e agências de publi cidade. A Teoria da Agulha ou Seringa
Hipodér mica (ou ainda Teoria da Bala Mágica) descarta os efeitos da comunicação, invariavel mente entendidos
como constantes e previveis. A teoria hipodérmica é um marco teóri co nos estudos de comuni cão que
possibilitou a Harold Lasswell, já na cada de 50 do século XX, criar o modelo dos cinco Ws: Who (says) W hat (to)
Whom (i n) What Channel (wit h) W hat Effect (Quem; Diz o quê; Para quem; Em que canal; Com que efeito), esquema
que permitiu a organizão das funções do processo comunicacional entre emissor, audiênci a, conteúdo, meio e
efeitos. Lasswell reconheceu as limitações da teoria da agulha hipodérmica, especialmente sua incapacidad e em
trabalhar com variações contex tuais, difereas soci ais e a função dos grupos de opi nião (trend setters e g atekeepers).
Para Paul Lazarsfeld, a teoria não considera as variáveis interveni entes no processo comunicativo e, em última
instância, o trata da comuni cação propriamente dita. A esse respeito, ver Davis, Dennis & Baran, Stanl ey (Orgs.).
Mass Comm unic ation and Everyday Life. A Perspective on T heo ry and Effects. Belmont: Wadsworth Publishing, 1981 e Wolf,
Mauro. Teorias da Com unicão. São Paulo: M artins Fontes, 2003.
27
No original: Past communication res earch utilized communication dimensions as the independent v ariables to
predict dependent vari able that i ndicated such communication effects as v oting, consumer behavior, aggression, and
so on. These dependent variabl es wer e largely borrowed by communication scholars from other behavioral
disciplines (for example, politi cal sci ence, marketing, psychology, etc.). And the results of communication research
were often u seful to these other dis ciplines. But until commu nication resear ch began to focus on commu nication
behavior, r ather than the variou s effects of communication on other types of behavior, a coher ent discipline of
communication could not begin to emerge. R ogers, Everett. Co mmunication Tec hnology: The New Medi a in Soci ety. New
York: Free Press, 1986. (p.207).
28
certamente u ma di mensão lingüística e sobretudo subjetiva na ger ação e processamento de s entido. Mas é
necessário se desfazer dessa reali zação subjetiva. Não porque seja um equívoco, mas porque o qu adro trico que faz
referênci a à produção de subj etividades é refratário aos objetos da comuni cação. A produção de subjetividade deve
necessariamente remeter ao campo da linguagem, aos temas do sujeito (apesar dos protestos de Deleuze) e ao
mundo vivido (Lebenswelt ). A comunicão não precisa s e remeter a nenhum desses temas.
29
A suspensão volunria d a descrea seria um dos elementos qu e definiriam a relação estética, de acordo com a
citação original de Samuel Taylor Coleridge de 1817. Mais tard e transformada em teori a, ela se refere à concorncia
do público em fazer vistas grossas às li mitações do medium ou às condições lógi cas propostas pel a narrativa, que
deveriam ser acei tas como verdade ou possibilidade independ ente de suas inconsistências internas. A suspensão
voluntária da descr ença seri a uma operação necessári a par a apr eciar u ma obra ficcional independente do suporte. No
contexto original da citação, Coleridge se referia às condições d e criação e l eitura da poesia, e a estrutura adversativa
da fraseaquel a momentânea e volunria suspensão da descrea que constitui a fé ptica (... that willing suspension
of disbelief for the moment whic h co nstit ut es poetic fait h) s ugere haver uma variedad e de tipos de suspensão da descrença, de
acordo com os suportes, os medi a e os registros. A citação original es em sua obra filosófico-literári a com toques
de au tobiografia. A esse respeito, ver Coleridge, Samuel T aylor. Biographia Literari a. Project Gutenberg, 2004.
24
30
Technopol y is a s tate of culture. I t is also a s tate of mind. It consis ts in the deificaiton of technol ogy, which
means that the cultur e seeks its au thori zation in technology, finds its satisfactions in technology, and takes its orders
from technolog y. This requires the development of a new kind of soci al order, and of necessity leads to the rapid
dissolution of much that is associated with traditional beliefs. (…) The r elationship between i nformation and the
mechanis ms for i ts control is fairly simple to describe: Technolog y increases the available supply of information. As
the supply is increased, control mechanis ms are s trained. Additional control mechanisms are need ed to cope with
new i nformation. When additi onal control mechanisms are themselves technical, they in turn further increase the
supply of information. When the supply of information is no longer controllable, a general br eakdown in psychic
tranquility and social purpose occurs. Without defenses, people have no way of finding meaning in their ex periences,
lose their capacity to remember, and have difficulty i magining reasonable futures. Postman, Neil. Technopoly: The
Surrender of C ulture to T echnology, New York, Vintage Books. (p.71-72).
31
Outra referência para o termo espectral, que é mais d etidamente discutido na segunda são, é Jean Baudrillard e
sua tese de que todo soci al já é espectral (simulacro). Contudo, es te trabalho trata do espectral em referência à
produção e circulação de sentido nas redes eletrôni cas, e nas redes el etrônicas tão s omente. Essa delimi tação, por
outro lado, é meramente metodológica uma v ez que o sentido espectral é um padrão que ultrapassa a deli mitação das
redes sociais. Ainda que o modelo tenha como origem as tecnologias de infor mão comunicacionais, mor mente
eletrônicas, a lógica espectral efetivamente encampa todo o tecido social (espectral). A restri ção deste tr abalho ao
universo digital tem uma função claramente heurísti ca. Isso porque a identificação do espectr al com o social
sees traria qualquer ponto de abordagem dessa modalidade de sentido. Em outras palavras, se o sentido espectr al é
um padr ão global que perfaz a comunicação geral na contemporaneidade, não hav eria um obj eto determinado ou um
ponto de ancoragem par a des crevê-lo. Essa opção analítica, qu e ignora a oni presente espectralização do tecido soci al,
permite descrever o nasci mento e a es truturação dess e padrão como um femeno emergente. Isto é, permite qu e se
descrev a o modelo espectral por meio de etapas históricas d e complexificão informacional.
32
William Gibson, escritor de ficção ci entífica que cunhou o ter mo cyberspace, assinala qu e o mundo já é cy berpunk,
embor a não de maneira uniforme. A citação mais comum éO futuro já chegou. S ó não está bem-distribuído ainda‖
(The fut ure is here. It’s just not evenly distribut ed yet), embora mui tas variações possam ser encontradas pela inter net.
Mesmo tendo sido atribuída a Gi bson por anos, não exis te uma r eferência clara sobre quando a frase foi escri ta. Isso
porque na verdade Gibson nunca a escreveu, mas a disse em 1999 em entr evista para a rádio ameri cana NPR.
Estranhamente, a citação já aparecia nos arquivos da USENET em 1996. Como Brian Dear explica, uma
infinidade de variações da mesma frase e, embora não apresentem qualquer referência, s ão todas credi tad as a William
Gibson. Ver Gibson, William. Int ervi ew o n NPR Talk of t he Natio n. 30/11/1999. Dur ação: 11min 55seg. Para um
entendimento mais aprofundado sobr e a his tória da citação, v er o ar tigo O passado também já chego u. E ainda não foi bem-
distri buído tam m (The Past Is Also Here. And Its Als o Not Evenly Distributed Yet) de Brian Dear.
33
O célebr e teste dos borrões de Rorschach é um exemplo da aplicação desse conceito de sentido. Trata-se de u m
teste psicológi co projetivo de personalidade onde são analisadas as interpretações de u ma pessoa para dez desenhos
diferentes. O teste de Rorschach, de todo modo, entende q ue as atribuições dad as aos desenhos são em úl tima
instância soci ais eo individuais. Assim, o teste projetiv o rev elaria uma normalizão de atributos horizontalmente
sociais qu e ganham expressão na individualidade do suj eito su bmetido ao teste.
34
Ou, nos termos da análise sintática, o antecedente.
35
Foi a vertente francesa que ganhou mai or penetração nos estud os de enunci ação no Brasil. Começa com Mi chel
Pêcheux, qu e publica s eu pri meiro trabalho em 1969, e segue por três ondas ou épocas que formam o corpo da
Alis e do Discurso de linha francesa. T ambém foram incorporados a essa linhagem concei tos da psicalise,
fundamentais à definição de uma categoria de sujeito que, operacionalmente, o se inscr eve na tipologia do sujeito
sociológico ou hisrico. A esse res peito, ver Teixeira, Marlene. Análise de di scurso e psic análise: elementos para uma
abordagem do sentido no discurso. Porto Al egre: Edipucrs, 2005 e Schäffer, Margareth; Flores, Valdir do Nascimento;
Barbisan, Leci. (Orgs.). Aventuras do senti do: psi canálise e ling üística. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.
36
O conceito d e ideologia empregado pela Análise do Discurso é matizado pelas mais diversas conceões. Há
elementos da tradição marxista, que entende por ideologia um sistema de idéias que r eflete as dominações de classe,
consubstanciando-se na visão unilateral de que a infra-estrutura (economia) determina em última instância a
superestrutura (cultur a), subsumido o sentido, assim, às forças de estabel ecimento e sustentação do poder,
sistematicamente assi tricas. Embora a Análise do Dis curso assuma esse conceito como válido, entende também
por ideologia uma conceão gestacional de sentido, onde a marca ideológica nem sempr e está a serviço do poder
reificado. É ess a definição espars a de ideologi a que encontramos nos estud os comunicacionais da Análise do
Discurso derivadas de Pêcheux e do dialogismo de Bakhtin. Id eologia é então entendida como uma produção de
discursos cuj as amarras e cios de express ão evid enciariam s eus lugares de enunci ação, ou sej a, as condições
materiais qu e do suj eito para determinada aferão de sentido. Essa concepção trata d e condi cionar determinadas
práticas a determinados dis cursos, relacionando instânci as do poder com dis cursos instaurados, isto é, os lugares
da enuncião. E admi te também o conceito de ideol ogia descrito por Barthes, onde a ideologia não é uma suposta
distorção cultur al nem uma perversão sinis tra da produção si mbólica, mas um conjunto de valores funcio nalizados
por um mito, uma es tória contada cujas fendas podem evidenciar sua lógica neurótica. Outra variável inescapável do
conceito de ideologia es em Zizek, que rechaça o cenário pós-ideológico e retoma a tetica marxista da crí tica à
25
ideologia por veios inauditos, aproximando-a de elaborações psicanalíti cas a respeito da fantasia, tal como Lacan já
trabalhara. Fantasi a, então, aparece como uma categoria central da esf era política, reconfigurando o próprio conceito
de ideologia. Na psicanálise l acaniana, fantasia é a condição estruturante para o des ejo, princípio qu e produz r elações
com o objeto. É a cena imagiria onde o suj eito realizar á seu desejo e alcaar á o caminho do gozo. Sem ela,
existe a terrível angústia da ausência do desejo. Como def esa contra a angústia, é o mecanismo qu e inves te
libidinalmente o mundo dos obj etos, atribuindo-lhes significado e v alor. Ao aproxi mar fantasia d e ideologia, Zi zek
insiste em uma fantasi a social estruturante nas relações de v alor e de significão da realidade, dispositivo que seria
capaz de criar uma obj etividade fantasti ca, isto é, ideologia. O objetivo dessa oper ação conceitual é d eixar de
entender a ideologia como cons trão mer amente reificada, e por isso apartada dos campos de significação que a
cultura g era. É o fim dos ―sintomas ideológicos‖ próprios do es truturalismo e do marxismo que procuram desv endar
a verdade por meio de uma hermeutica teleológica. Mas esse entendimento não é de todo freqüente nas análises
do discurso. A esse respeito, ver Barthes, Roland. O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990 e Zizek,
Slavoj. Bem-Vi ndo ao Deserto do R eal.o Paulo: Boitempo, 2003.
26
1. LÓGICA
tópicos
i - frege e a virada lingüística
ii - o problema da linguagem
iii - verdade, pensamento e sentido
iv - o sentido
v - sentido e comunicação
vi - wittgenstein e os usos do sentido
vii - jogos de linguagem
viii - linguagem e comunicação
ix - o ambiente do sentido
x - desencontros do sentido
notas
O uso da linguagem também requ er cuidados. o
devemos des prezar o profundo abismo qu e separa o
domínio da linguag em do domínio do pensamento, e que
impõe cer tas barreiras à corres pondênci a tua entr e os
domínios.
Gottlob Frege
1
Poderia haver tamm uma linguagem, em cujo emprego
a alma das palavras não desempenhass e nenhum papel.
No qual, por exemplo, não nos oporíamos em substituir
uma palavra por outra palavr a inventada arbitrariamente.
Ludwig Wittg enstein
2
I. Frege e a virada lingüística
Gottlob Frege é considerado um dos fundadores da Lógica Moderna. Revolucionando a
Lógica Antiga fundada por Aristóteles, cuja organização remete a uma análise dos caracteres
próprios ao pensamento e ao real, Frege se insurgiu contra as limitações preservadas na gica
escolástica tomista e na lógica tradicional de Port-Royal. O projeto fregeano criava um sistema
simbólico para representar formalmente a estrutura dos enunciados lógicos e suas relações ,
permitindo a decomposição funcional da estrutura interna das frases. A dicotomia aristotélica
entre sujeito e predicado cedia lugar à oposição matemática entre função e argumento,
formalizando as regras de demonstração e inaugurando o cálculo de predicados
3
.
A lógica de Frege é com isso decorrência de um progressivo afastamento da filosofia em
direção a verificações emricas. A gica se aproximava dos ideais da ciência positiva e procurava
organizar as afirmões a partir das relões entre os objetos. Esse mesmo movimento rumo ao
positivismo analítico também marcou as investigações sobre a linguagem. O próprio conceito de
sentido remete às inquietações da filosofia do século XX, momento em que a análise do
pensamento e a construção da realidade elegeram a linguagem como objeto privilegiado de
27
reflexão
4
. O resultado é o que se convencionou denominar por virada lingüística, termo que se
difundiu a partir de 1967 com a coletânea de Richard Rorty
5
.
Em grande parte, o trabalho do fisofo consiste em lutar com a linguagem escreveu Frege em seu
último ano de vida. O projeto fregeano aventava a crião de uma linguagem conceitual
perfeitamente matemática e protegida da linguagem ordinária. Essa linguagem conceitual (ou
conceitografia) lidava com pensamentos inconfundíveis, pois para Frege os pensamentos são
entidades plenas que não pertencem à consciência individual. A conceitografia revogava o uso da
palavra e libertava os pensamentos da prisão da linguagem. Para Frege, a expressão pela
linguagem corrente provocaria deformões recursivas no pensamento.
Comentadores de Frege descrevem seu trabalho como fonte para a virada lingüística
6
,
ainda que o logicista alemão não vincule linguagem, pensamento e percepção da realidade
7
. Há
em Frege um sentimento de permanente ambigüidade face à dimensão da linguagem, que tanto
ajuda na investigação do pensamento como lhe é alienígena
8
. Outro tema recorrente no debate
fregeano é sua investigação sobre a natureza do sentido. Criador da distinção entre Sentido (Sinn)
e Significação (Bedeutung), foi de sua obra seminal que se desdobraram as concepções de sentido
como operação lingüística. Ilustrar as aventuras fregeanas com o tema do sentido ajudará a
explicar o estado da arte do conceito de sentido.
II. O problema da linguagem
Frege desenvolveu uma semântica inovadora baseada na triangulação signosentido
referência para tratar das relões entre conhecimento e linguagem. A noção de sentido se
vincularia a uma particular teoria do significado onde a linguagem é um elemento da cognão,
isto é, uma ferramenta e não uma estrutura do pensamento.
O entendimento fregeano sobre a dinâmica da linguagem é peculiar. A maneira como o
lógico talha a relação entre significação e referente, por exemplo, é aliegena à tradição semiótica
na medida em que admite múltiplos referentes para um mesmo nome, operação possível porque
um único objeto pode estar sujeito a múltiplos pensamentos
9
. Frege queria localizar este ponto
fundamental do processo de significação para eliminá-lo de sua conceitografia. O matemático
alemão entendia que a linguagem é essencialmente ruído. Um organismo vivo que incorpora
elementos não previamente arranjados
10
. Frege não se interessava propriamente pela linguagem,
mas pelas limitões que a prática da linguagem impunha.
Suponha-s e que Herbert Garner saiba que o Dr. Gustav Lauben nasceu em 13 de s etembro de 1875, em
N.N. e que tal fato não se aplique a mais ni ngm; em compensação, su ponha-se qu e ele ignor a onde o Dr.
Lauben reside atualmente e tudo mais a seu respeito. Por outro lado, Leo Peter não s abe que o Dr. Lauben
nasceu em 13 d e s etembro de 1875 em N.N. Então, no que diz r espei to ao nome próprio Dr. Gustav
Lauben‘, Herbert Garner e L eo P eter o falam a mesma linguagem, ai nda que designem com este nome o
mesmo homem, el es o sabem que é isto o que fazem. Portanto, Herber t Garner não associa à sentea
28
O Dr. Gustav Lauben foi ferido‘ o mes mo pensamento qu e Leo Peter quer com ela expr essar. Para
remedi ar a inconveni ência de Herbert Garner e Leo Petero falarem a mesma linguagem, vou aqui su por
que Leo Peter empregue o nome próprio Dr. Lauben‘ enqu anto que H erbert Garn er emprega o nome
Gustav Lauben‘. Agor a, é possív el que Herber t Garner tome como v erdad eiro o sentido da sentea O
Dr. Lauben foi f erido‘, ao mesmo tempo que, engan ado por falsas infor mações, julgue ser falso o sentido da
sentea ‗Gustav Lauben foi ferido‘. Em face às suposições feitas, es tes pensamentos são, por tanto,
distintos.
11
A significação de um nome próprio, para Frege, é definida pela maneira como o referente
é disposto. A essa maneira como o referente é apresentado poder-se-ia chamar sentido. Isto é, só
seria possível definir a relação entre significação e referente em subordinação à disposão desses
dois elementos, ou seja, em subordinação ao sentido. Frege se preocupava com a verdade de um
enunciado e precisou desvendar as artimanhas de codificação do sentido na linguagem
12
.
III. Verdade, pensamento e sentido
O sentido não seria portanto nem uma categoria anatica nem propriamente um conceito.
Não seria um elemento passível de categorização. Para Ignacio Angelelli
13
, podemos explicar o
sentido fregeano da seguinte maneira: falamos em conceito quando muitos objetos que se
relacionam com um nome isto é, há um conceito comum a eles. Quando um único
elemento que se relaciona com vários objetos, um sentido comum a eles.
Objetos, conceitos e pensamento seriam elementos que existem efetivamente, e não
estruturas abstratas que se relacionam com elementos da realidade. A imagem fregeana sobre o
pensamento foi acusada de platonismo, pois entende o pensamento como manifestação
independente quer da linguagem, quer das subjetividades individuais. É como se houvesse
pensamentos a espera de serem apanhados.
A agenda fregeana, antipsicologista e anti-subjetivista, estava direcionada para a
objetividade dos pensamentos e dos objetos. Frege não se interessava pela significação pessoal
atribuída aos objetos, mas por uma idéia independente de todas as apreensões individuais. É por
isso um entendimento do sentido diametralmente oposto ao noema de Husserl
14
. A realidade
fregeana é composta, de um lado, por partes completas (ou saturadas) em nada abstratas: os
objetos. É tamm composta, por outro lado, por partes incompletas ou insaturadas que
compõem o quadro de elementos que não são objetos.
reside a diferea entre Frege e o platonismo: o conceito que enquadra o objeto não é
jamais um duplo do objeto, como um simulacro ou uma imagem ideal. Em sua teoria, conceitos
não incluem objetos (até porque objetos são saturados, e conceitos, insaturados). O que são
notas características desses objetos, suas propriedades. Não se trata portanto de dois mundos
diferentes, o dos objetos e dos elementos insaturados. O mundo de Frege é unidimensional
embora seccionado por objetos e funções.
29
A relão entre objetos e fuões fica clara quando Frege explica o valor de verdade
15
de
uma sentença. Frege argumenta em Investigações Lógicas que quando se diz que uma imagem é
verdadeira não se es assumindo que isso seja uma propriedade do objeto. Assume-se apenas
uma conexão entre a imagem e o que ela representa. A verdade de uma imagem, isto é, a verdade
de uma sentença, seria apresentada pelo sentido. Verdadeiro e falso o seriam dependentes das
mentes individuais, pois são pensamentos e por isso não pertencem à consciência
16
.
Por outro lado, sensações, dores e lembranças pertencem ao fluxo interno da consciência
individual. O antipsicologismo e anti-representacionismo de Frege contrapõem pensamento e
subjetividade com o objetivo de garantir uma objetividade estável e uma imutabilidade da
verdade, dimensão impossível às apreensões individuais incomunicáveis.
Chamo de pensamento a algo sobre o qu al se pode perguntar pela verdade. Conto entre os pensamentos
tanto o qu e é falso, quanto o que é verdadeiro. Consequentemente, posso dizer: o pensamento é o s entido
de uma s entença, s em qu erer com isto afirmar qu e o sentido de toda sentença sej a u m pensamento. O
pensamento, em si mesmo imperceptível pel os sentidos, veste-se com a roupagem perceptív el d a s entença,
tornando-se assim para nós mais facilmente apreensível. Dizemos que a sentença expressa um pensamento.
O pensamento é algo de imperceptível, e tudo q ue s eja perceptív el pelos s entid os d eve s er ex cluído d o
domínio daquilo a respeito do qual cabe s e perguntar se é v erdad eiro. A verd adeo é u ma propriedade qu e
corresponde a um cer to gênero de impr essão sensorial.
17
Sentido o seria um produto da consciência nem uma derivação das apreensões
individuais. Sentido seria uma entidade externa que coordena os pensamentos e lhe garante
validade ou não. O conceito fregeano vai de encontro à tradição estabelecida no século XX sobre
o estudo do sentido, que o vinculava às intenções individuais e um contexto social extenso. Em
Frege, o sentido independe dos elementos individuais e sociais.
Frege argumenta que a apreensão do mundo exterior exige um elemento que processe as
impressões sensíveis, algo de não sensível, pois de outra maneira permaneceríamos encerrados no
mundo interior das representações individuais. Este elemento seria o mundo dos pensamentos,
dos conceitos e das relações. Uma dimensão externa que independe das mentes individuais e dos
processos de apreensão intelectual. Pensamentos e sentenças seriam funcionalizados pelo sentido
e nenhuma dessas instâncias é individual. Nenhuma pertence ao mundo interior.
Um pensamento pode ser apreendido por meio de sua estrutura proposicional. A
identificação do valor de verdade de uma sentença permite a localização dos componentes do
sentido. Para Frege, a estrutura de uma proposição traz as marcas da estrutura do pensamento
que a criou. Isto é, à decomposição da proposão corresponde uma decomposição do
pensamento, como escreveu a Bertrand Russell em Julho de 1902
18
.
Verdadeiro e falso seriam atribuições do pensamento e se aplicariam às proposições
exclusivamente em sentido derivado. Como o valor de verdade da proposição é sua referência, o
referente (Bezug) se liga ao sentido da proposição que recebe atribuições por derivação. Esse
diagrama, que sugere certa dependência entre as noções de verdade, sentido e proposão, retira
30
das proposições lingüísticas a possibilidade de conterem o pensamento, a verdade ou o sentido
19
.
Sentido é a maneira pela qual o referente está disposto e que se faz acessível por meio da
proposão. Mas para Frege é tão verdade que nem toda proposição tem sentido, quanto é
verdade que nem todo pensamento recorre a uma expressão lingüística.
IV. O sentido
O conceito mais ilustre do pensamento de Frege é também o mais controverso. Seu
conceito de sentido é formulado no texto intitulado Sobre o Sentido e a Refencia (Über Sinn und
Bedeutung)
20
, em que Frege define o sentido como a maneira pela qual algo é designado em uma
expressão. De maneira incipiente, a distinção entre sentido (Sinn) e significação (Bedeutung) já
estava presente no texto Fundamentos da Aritmética, ocasião em que Frege trata das relações
entre o objeto e suas propriedades
21
.
A distinção surge a partir do exame do prinpio de identidade na relação entre objetos e
no sinal desses objetos, questão retomada em Über Sinn und Bedeutung. Na assunção a = b, deduz-
se que a = a pois a e b se referem ao mesmo objeto. Nenhuma informão nova é apresentada
uma vez que a = a é uma redundância. Frege diz que identidade não poderia estar no sinal entre
os objetos, que só nos diz que dois nomes nomeiam a mesma coisa. Ela estaria portanto em
outro lugar
22
. Frege contestou que a identidade fosse um simples sinal entre nomes. Sinais apenas
indicam que diferentes nomes para uma mesma coisa e não podem solucionar o problema da
identidade. Frege estabelece então a distinção entre sentido e significado dos sinais. O significado
responderia pelo objeto denominado ou denotado na expressão, e o sentido seria a maneira pela
qual o sinal apresenta o significado.
O exemplo mais notável é o de um triângulo, de cujos ângulos
opostos saem três linhas que se encontram em seu centro. Há então
um ponto de intersecção onde as três linhas se cruzam. Fato é que o
ponto ab é idêntico ao ponto bc ou ac, pois todas as linhas se cruzam
neste centro do triângulo. Mas não é verdadeiro dizer que ab é
idêntico a bc ou a ac, ainda que se trate de diferentes designações para o mesmo ponto. Frege
ilustra sua distinção dizendo que ab, bc e ac têm o mesmo significado, mas não o mesmo sentido
23
.
É plauvel pens ar que exista, unido a um sinal (nome, combinão de palavras, letra), além daquilo por el e
designado, que pode s er chamado de sua r eferência, ainda o que eu gostaria de chamar de o sentido d o
sinal, onde está contid o o mod o de apresentação do obj eto. Conseqü entemente, segu ndo nosso exemplo, a
referênci a das expressões o ponto de interseção de a e b e o ponto de interseção de b e c seriam a mes ma,
mas não os seus s entid os
24
.
O sentido se apresentaria por meio daquilo que é expresso em uma frase. No caso de uma
proposão, o expresso é o pensamento ou seu valor cognitivo. Mas no caso de um nome, o
sentido só se apresentaria em uma relação com as demais componentes semânticas que compõem
31
o pensamento como um todo. Esse prinpio da contextualização afirma que um nome ou uma
palavra tem sentido apenas no contexto frasal, isto é, o sentido é necessariamente proposicional.
Assim como os pensamentos, o sentido se apresentaria à mente como uma realidade
exterior à própria consciência. Não seria representão nem produto de uma intersubjetividade
gerada socialmente. Esse terceiro reino fregeano, do qual o sentido é parte constituinte, seria real,
objetivo e cognoscível, mas não faria parte do fluxo interno da consciência
25
. Essa função permite
ver que o sentido se constitui como um sistema de segunda ordem descolado do significado e das
imagens subjetivas da mente individual. Em oposição à abordagem estrutural, é a representação
que se forja subjetivamente, não o sentido:
A repres entação é su bjetiv a. Um pintor, um cavaleiro e um zoólogo prov avelmente associarão
representações muito diferentes ao nome Bucephalus‘. A representação, por tal razão, difere
essencialmente do sentido de u m si nal, o qual pode ser a propriedad e comu m d e muitos, e portanto, não é
uma parte ou modo da mente individual.
26
A referência de um nome próprio, diz Frege, é o próprio objeto que designamos ao
referenciá-lo. E essa representação é inteiramente subjetiva. Entre a representação e o objeto
estaria o sentido, que não é nem subjetivo nem o próprio objeto. Frege faz um paralelo bastante
esclarecedor sobre um sujeito observando a lua e a função da representação e do sentido
27
. O
telescópio oferece uma imagem sobre a lua, e essa imagem, que pode ser partilhada por inúmeras
pessoas, constitui o sentido. Não porque traduz o objeto, mas porque envolve objeto e
observador. Ou seja, porque cria um sistema que envolve as partes interagentes.
Por meio do sentido podemos reconhecer a referência comunicada que não se restringe
ao simples sinal da refencia. Só haveria acesso à referência por intermédio do sentido, que
constitui em si mesmo o valor cognitivo ou o conteúdo informativo da proposição. Estivesse o
sentido simplesmente apoiado no referente, não se resolveria o problema da identidade proposto
por Frege. O sentido, assim, alude à posição da refencia e indica as condições da proposição
comunicada.
Com isso, o sentido se vincula à disposição de um objeto como referente de determinado
nome. Sem esse critério de identificação do referente, isto é, sem o sentido, não se poderia
estabelecer a significação de um nome. Sentido, em termos fregeanos, não é nem o objeto, nem o
referente ou a identidade, mas a operação necessária para reconhecer o objeto. Seria o critério de
identidade que se associa aos objetos. É precisamente por isso que dois objetos podem ter um
mesmo referente e sentido diferentes, bastando para isso que a dois nomes se associem diferentes
métodos de identificação entre objeto e referente
28
.
O conceito fregeano limita o espectro do sentido para o conteúdo informativo ou valor
cognitivo (o conhecimento que o locutor tem do nome quando o emprega na comunicação). O
sentido é exclusivamente: 1) a associação no vel da linguagem entre nomes; 2) a relação que
32
estes nomes têm com um referente e 3) o critério de identificão do objeto designado. Com isso,
não existe a possibilidade geracional de sentidos não dados, simultâneos à instância de sentidos
comuns e dos quais várias mentes individuais participam.
V. Sentido e comunicação
Frege pensava que impressões sensíveis são individuais e com isso intransmissíveis. O
tema, recorrente no debate comunicacional, consiste em compreender como impressões sensíveis
possam ser comunicáveis. Frege equaciona esse problema da subjetividade geradora de sentido
incomunicável, pois representão humana, de maneira vibrante, em flagrante contraste com seu
estilo habitual:
De qualqu er modo, é impossível par a nós, homens, comparar as representações de outr as pessoas com as
nossas próprias. Pego num morango, seguro-o entre os dedos. O outro pode ver o mesmo morango; mas
cada um tem a su a própria r epres então. Mais ni ngm tem a minha repr esentação, embora mui tas pessoas
possam ver a mes ma cois a. Mais ninguém sente a minha dor. Pode alguém ter compaixão de mim, mas de
qualquer modo a minha d or pertence-me a mim e essa compaixão ao outro. Eleo sente a mi nha dor, e eu
o sinto o seu senti mento de compaixão.
29
Para Frege, há nas representões humanas um abismo de incomunicabilidade
30
. As
representações só participam da atribuição de sentido na associação da palavra a seu sentido
respectivo, certa faculdade intelectual matizada pela intuição que percebe as entidades lógicas
operando o mundo dos nomes. Sentido seria uma entidade incondicionada e imutável; a-histórica
e a-temporal.
Em Investigões Lógicas, Frege faz referência a um terceiro componente de uma
sentença assertiva (além do pensamento e da própria asserção). O terceiro componente não se
aplicaria à asserção, embora esteja presente nela. São as frases fáticas ou partículas frasais cuja
intenção é agir sobre os sentimentos, sobre o estado de esrito do interlocutor, estimulando a
imaginação. Os exemplos de Frege são tanto partículas de enfatização, como infelizmente‖,
como exclamões fáticas, a exemplo de gras a Deus. Esses elementos, importantes no
processo comunicacional, o lógico alemão expurga da sua teoria do sentido:
Tais componentes da senteao mais freentes na poesia, mas raramente estão ausentes da prosa.
Ocorrem com menos freqüência em exposições matemáti cas, físicas ou químicas do que em exposições
históricas; pois a ciência exata está vol tada para a verdade e somente para a v erdade. Portanto, os
componentes da sentença aos quais não se aplica a força assertiva não pertencem à exposição ci entífica, mas
muitas vezes estes componenteso difíceis de serem evitados, até mes mo por aquele que percebe o perigo
a eles vinculado. Quando se trata de sugerir o qu eo pode ser apr eendido pelo pensamento, esses
componentes têm sua plena justificativa. Quanto mais rigorosamente ci entífica for uma exposição, menos
discernível será a nacionalidade de seu autor, e mais fácil será traduzi-la. Por ou tro lado, ess es componentes
da linguagem par a os quais quero aqui chamar a atenção, fazem com qu e a tradução de um poema sej a
muito difícil e que uma tr adução perfeita s eja quase s empr e impossív el. Pois é precisamente nos
componentes onde reside em grande par te o valor poéti co, que asnguas mais s e diferenciam
31
.
São componentes alienígenas ao pensamento, escreve Frege. Operam em um plano que
não pertence à construção da idéia. O conceito de pensamento fregeano, explica o matemático
ainda em Investigões Lógicas, não faz distinção entre as palavras cavalo, corcel, ginete‖
33
ou rocim‖. Todas se referem ao mesmo referente e inexiste qualquer diferença na força assertiva
dessas palavras: o que em um poema pode ser chamado atmosfera, fragrância, iluminação e que é descrito pela
cadência e pelo ritmo, nada disso pertence ao pensamento
32
.
VI. Wittgenstein e os usos do sentido
Ludwig Wittgenstein é uma referência fundamental no campo dos estudos da linguagem.
Suas contribuições à filosofia analítica, à lógica formal e ao positivismo lógico colocam seu
trabalho no centro das questões sobre a linguagem, a Lebenswelt, o entendimento e a cognição.
Tamm por isso é autor de uma formulação embrionária sobre a significação e o sem-sentido
(nonsense ou Unsinn), categorias que formam o avesso perfeito do conceito de sentido.
Não é raro dividir a filosofia de Wittgenstein em três grandes partes. Um núcleo
epistêmico central, que incluiria uma filosofia abrangente sobre a linguagem, e duas outras zonas,
a filosofia da mente e da matemática. As dimensões cognitivas, lógico-matemáticas e lingüísticas
se encavalam, mas a separão é válida na medida em que os núcleos cognitivos e matemáticos
funcionam como operões de descrão e teste para as questões propostas no núcleo central, a
reflexão sobre a linguagem de onde se depreendem os conceitos de significação e sem-sentido.
Wittgenstein perambula no dicil terreno das expressões designativas, dos estados de
consciência e da lógica das proposições, mas seu tema central é ainda outro. O filósofo austríaco
altera a perspectiva da filosofia do século XX
33
e desloca o eixo da reflexão ocidental. O
procedimento filosófico de Wittgenstein nega qualquer certeza tácita no sentido dos enunciados.
Por meio de um método de presença e ausência, sua análise esvazia todas as essências, todas as
coisas em si. Quando a lacuna entre as palavras e as coisas materiais por elas designadas se torna
clara, Wittgenstein apresenta o tema da sua reflexão: não se trata de teses sobre o fato das coisas
existirem ou não
34
, mas sobre o sentido das expressões lingüísticas.
A tradição logicista descrevia o sentido por uma abordagem realista. Para o empirista
John Locke
35
, as idéias medeiam ambientes e palavras. São as idéias, imagens ou representões
externas dos objetos que as palavras tratam de significar. A linguagem seria uma ferramenta para
conduzir as idéias de um indivíduo para outro. Isso quer dizer que o sentido reside na mente de
cada sujeito, e a verdade seria entendida por correspondência aos objetos representados
36
do
mundo externo.
Essa tradição, da qual Frege tamm faz parte, descartava a dimensão intersubjetiva da
formação do sentido. Entendendo o sentido como interior às mentes individuais, Locke
estabelece uma relão prioritária da cognição frente à linguagem. Sujeitos, então, têm primazia
34
diante da interão social. Ironicamente, é esse pensamento que Wittgenstein, herdeiro da
tradição logicista, contesta.
Wittgenstein apresenta uma conceão de sentido que divergia do entendimento John
Locke, então predominante. Em Wittgenstein, o sentido não é gerado pelas consciências
individuais em ra o de objetos específicos recriados na mente do sujeito. Não seria então uma
formulação pessoal, mas uma produção coletiva e social
37
.
Para Wittgenstein, a linguagem é primeira em relão à cognição . Isto é, a linguagem
condiciona o pensamento. O sentido não é portanto uma produção privada ou individual, mas
um dispositivo social e intersubjetivo. Os mesmos processos cognitivos descritos por Locke só
poderiam ser entendidos como resultado da linguagem praticada em complexas relões sociais.
Sentidos seriam como pacotes de significação negociadas entre participantes do mesmo jogo,
jogo cujas regras são flexíveis e mutantes. As significações surgiriam conforme as necessidades
contextuais de denominação dos objetos e não teriam qualquer refencia última no mundo
exterior.
Apesar do conceito deveras vago de jogo
38
, o entendimento de Wittgenstein permitiu
romper com o legado positivista e fazer, da linguagem, um objeto de reflexão filosófico e
anatico: as palavras seriam convenções regidas pelas normas sociais que condicionam o sentido.
Mais do que normas, jogos
39
.
VII. Jogos de linguagem
Esse entendimento sobre a linguagem não permeia toda a obra de Wittgenstein e aparece
apenas em seus trabalhos tardios
40
. Rejeitando a leitura de primeira época de seu Tractatus pelo
Círculo de Viena, o filósofo austríaco introduz o tema dos jogos de linguagem, um conceito algo
indefivel que explicaria a geração de sentidos ou significados. De maneira análoga ao
entendimento tardio da lingüística estrutural, a significação das palavras se daria no uso relacional.
Essa definão aparece no parágrafo 43 das Investigações Lógicas: Para uma grande classe de casos
mesmo que não para todos de utilização da palavra ‗significado‘, pode-se explicar esta palavra do seguinte
modo: O significado de uma palavra é seu uso na linguagem
41
.
Em Investigações Filosóficas o significado de uma palavra não é uma entidade abstrata ou
imutável, nem algo dado a priori. Isso quer dizer que não seria possível determinar o que uma
palavra significa exceto quando a usamos. No lebre exemplo do jogo de xadrez, um lance só
existe dentro do jogo e assim também deveria ser entendida a linguagem: como jogo. As palavras,
de maneira análoga a uma peça de xadrez, não têm qualquer função fora do jogo
42
. O mesmo é
válido para o pprio jogo: a linguagem não teria qualquer existência fora da vida social. É
35
possível estudar as regras dos jogos e dos lances; são regras também que conformam dicionários
e gramáticas. Mas nenhuma explicão esgotará o sentido de determinada palavra.
Essa ampla teia de relões, os jogos, funda o sentido na intersubjetividade gerada
socialmente e se contrapõe às separações mente-corpo que dominaram a filosofia desde
Descartes, especialmente em John Locke, onde o sentido é uma categoria gerada por descrições
individuais dos estados mentais. Um sentido que espouca da mente dos indivíduos pela afluência
das palavras, prenhes de significação pela própria imagem que os objetos do mundo disporiam.
Trata-se então de um entendimento do sentido como um fenômeno privado, individual, que o
interessa à hermenêutica do significado que Wittgenstein busca. Para o filósofo austríaco, sentido
é uma entidade social e a compreensão de um enunciado é mais um processo de participação
social que de reflexão particular sobre um tópico ou objeto.
O aparelho mental não é abolido da geração de significação. Permanecem os processos de
reflexão, introspeão e abstração na relão entre linguagem e objetos dispostos no mundo. Mas
isso não implica em significações privadas. Haveria uma infinidade de expressões que não
encontram objetos dados no mundo, como as inflexões de dor, alegria ou saudação. A frase isto
é um menino‖ tem em ―menino‖ um objeto claro. Mas qual seria o objeto do pronome
demonstrativo
43
, ou seja, qual seria o objeto subjacente ao itico isto‖? Nenhum
44
.
Os jogos provocam ações entre os participantes e os objetos do mundo externo. O
campo da linguagem seria um espectro do comportamento humano, da própria prática social que
não pode ser reduzida a pensamentos individuais ou unidades de refencia, como queria Frege.
Onde Locke via uma ferramenta para descrever idéias, Wittgenstein viu um sistema governado
por regras dinâmicas. Um jogo de regras tácitas que não tem definões rígidas e que demanda de
um principiante vários anos de socialização. O exemplo que o autor utiliza ao longo das
Investigações Lógicas é o de um construtor e seu ajudante, que precisam usar blocos, colunas,
vigas e lajes para trabalhar.
A definição dos termos seria dada socialmente. Se dependessem das imagens individuais,
não seria possível haver entendimento sobre a entidade tijolo, e por conseqüência, a construção
sofreria um problema operacional insolúvel
45
. Sem esse jogo, em que tijolo é exatamente um
daqueles muitos tijolos que usaremos para fazer essa casa‖, não qualquer sentido na palavra
mesma. O que existe são operações que inserem sentido no mundo da linguagem, operações
dinâmicas e contingentes. No exemplo do construtor e seu assistente, é no curso de suas
atividades não-lingüísticas, de suas construções, que o significado dos termos é definido, haja
vista construtor e assistente terem que concordar quanto ao significado dos objetos. Quando o
36
construtor diz tijolo, o assistente tem que lhe passar um tijolo e não uma viga. Como um jogo,
um jogo de linguagem.
VIII. Linguagem e comunicação
Os jogos de linguagem sugerem um conjunto de processos subjetivos organizados por
regras pouco claras e bastante flexíveis. A linguagem seria uma manifestação universal da
cognição e única via de expressão do pensamento
46
. Para Wittgenstein, a linguagem gera cognição
e municia as operões intelectuais. Como na fenomenologia, o jogo do mundo inclui alteridades
e subjetividades
47
, o obstante sua teoria ser pouco afeita a subjetivismos. Ao perguntar como
sei que sou compreendido, como se o mecanismo de entendimento e compreensão, ou ainda,
como o uso da língua é interiorizado, Wittgenstein descreve uma seqüência de etapas dos jogos
de linguagem que contém componentes subjetivos.
A formação do sentido também não descarta a alteridade. Seria nesse campo de
imprecisões que se o os deslocamentos entre as instâncias individuais e subjetivas (a
significação), e as instâncias sociais e dinâmicas (o sentido). É este último que evoca em s, com
meios incertos, a compreensão, mas só se compreende porque uma ponte que atualiza a
produção mental no mundo vivido. O parágrafo 322 de Investigações Lógicas diz que a resposta
sobre o significado da expressão não é uma descrição, pois entender é uma vivência específica
indefivel. Ou seja, a resposta quanto ao significado dos termos não pode prescindir da vida
social, da produção de sentido que lhe é subjacente.
Há um aspecto profundo no cruzamento de instâncias lingüísticas com acontecimentos
comunicacionais que, diz Wittgenstein
48
, nos escapa facilmente. Wittgenstein explora apenas
tangencialmente a distinção entre fenômenos da linguagem e comunicação
49
. Mas no parágrafo
363
50
de Investigações Lógicas, a razão pela qual eu represento alguma coisa e lhe dirijo minha
atenção é para fazer com que esse algo seja comunicado. O campo dos jogos de linguagem e o
campo da comunicação se tornam indiscerveis
51
.
IX. O ambiente do sentido
A citação de Wittgenstein que abre esse tópico versa sobre a possibilidade de uma
linguagem na qual a alma das palavras não desempenhasse nenhum papel. Uma linguagem sem
alma é a melhor descrição possível de uma linguagem onde o campo do sentido não existe. Esse
parece ser o sonho de Wittgenstein: uma linguagem sem mistérios, sem ciladas. Uma linguagem
de pura significação e nenhum sentido
52
.
37
Sentido seria o hálito da vida que sopra na linguagem, metáfora que Wittgenstein
apresentaria mais tarde para explicar os jogos de linguagem. Seria tamm uma espécie de
supersigno responsável pela compreensão dos termos. É como se o signo almejasse evocar em s, com
meios incertos, uma compreensão. Mas se o compreendemos, em que signo o fazemos?
53
Seria aquilo que o
gesto tenta prefigurar mas não o pode
54
. Haveria ainda uma dimensão não sígnica na compreensão
do sentido: como se pode explicar a expressão e transmitir a compreensão? Pergunte-se: como se leva alguém à
compreeno de um poema ou de um tema? A resposta a esta questão diz como se esclarece o sentido
55
.
Essas passagens sugerem que os planos da compreensão e do sentido o pertenceriam
apenas à dimensão lingüística nem aos jogos de linguagem. A mesma diferença de grau que
separa os jogos de linguagem da dinâmica sígnica
56
se reproduz na separação entre compreensão
e jogos de linguagem. Haveria uma atmosfera ou uma vida da linguagem que se furta aos signos.
Essa atmosfera, escreve Wittgenstein, teria uma propriedade indescrivel que se estende aos
fenômenos de compreensão
57
e cuja descrição equivaleria a refazer com nossos dedos uma teia de aranha
destruída
58
. No Livro Azul, Wittgenstein descreve o sentido como uma categoria que não pode ser
compreendida como simples componente lingüístico. Ele exerce uma função diferencial que não
encontra paralelo nas demais categorias da linguagem.
Sentido‘ é u ma pal avra que, pode-se dizer, têm uma função variável (odd jobs) na nossa linguagem. É uma
daquelas palavras que causam muitos problemas filosóficos. I magine uma institui ção: a maiori a de s eus
membros tem funções fixas e regulares, funções que podem ser descritas facil mente, digamos, no estatuto
da insti tuição. Por outro l ado, há alguns membros qu e só s ão contr atados ocasionalmente (o dd jobs), mas que
ainda assim são extremamente importantes. O que causa mais problema à filosofia, é que somos tentados
a descrev er o uso dessas importantes e ocasionais palavr as (o dd jobs) como se fossem palavras com funções
fixas e regulares
59
.
X. Desencontros do sentido
Se o conceito de sentido em Frege guardava semelhanças e discrepâncias com Husserl, as
semelhanças e diferenças de Wittgenstein para com seus pares é tamm significativa. A imagem
dos jogos de linguagem de Wittgenstein inaugura um dinamismo que aproxima as abordagens de
Husserl e Locke, autores que entendiam o significado dos termos como entidades definidas
individualmente. Wittgenstein se afasta de Gottlob Frege e Bertrand Russell, de quem fora aluno,
e se aproxima de autores como Derrida, para quem o sentido é uma entidade social e dinâmica.
É dicil localizar a obra de Wittgenstein frente à tradição filosófica. A própria posição do
autor na querela dos universais, tema bastante presente nas Investigações Filosóficas, é vacilante.
Nem o nominalismo, nem o idealismo ou o realismo respondem sozinhos pelo entendimento
que a linguagem, para Wittgenstein, requer. Sua obra ultrapassa o silogismo lógico que havia
levado a teoria das descrições de Russell ao solipsismo (uma vez que o entendimento do
significado esatrelado aos objetos representados, existentes ou não no mundo ordinário). Dir-
38
se-ia que um referente
60
para Wittgenstein. Para ele, é preciso que o objeto representado esteja
presente tanto na consciência do sujeito cognoscente como no mundo que lhe é externo.
Enquanto a perspectiva logicista estabelece limites precisos entre proposições providas de
sentido e proposões sem sentido derivão analítica do valor de verdade presente nas
proposões Wittgenstein, que é tamm um lógico, descarta o valor de referência das
proposões
61
e com ela seu valor de verdade
62
. A tradição logicista entendia a natureza do sentido
como nuclear, panorama onde as palavras teriam significados definidos independentemente de
outras palavras mas sempre em relação direta com objetos e idéias. Para Wittgenstein, sentido e
significação não formam um sistema fechado e as palavras adquirem sentido apenas em relação a
um sistema de signos
63
. No lugar da referência, aparece a diferença como valor de significação
64
.
Tamm o entendimento husserliano de sentido (neoma) está longe de Wittgenstein, pois
como em Locke é não-lingüístico e extrdo dos objetos; uma essência que a mente absorve.
Husserl se afigura assim ao lado de Locke, e toda a corrente fenomenológica aparece deslocada
em relação a Wittgenstein. A intencionalidade
65
na produção do sentido cede lugar a uma troca
dinâmica cuja rao é a pragmática da existência cotidiana. Aparecem então os elementos que
ressoariam na virada lingüística.
39
NOTAS
1
Frege, Gottlob. Os fundamentos da arittica: Uma investigão lógico-matemática sobre o conceito de número (Coleção Os
Pensador es‘). São P aulo: Abril Cultural, 1980. (p.95).
2
Wittgenstein, Ludwig. Investigaçõ es Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2005. (p.193; §530).
3
Ver Haaparanta, Leila. T he Developm ent of Modern Logic. Oxford: Oxford University Press, 2009.
4
Já na década de 70 do século XX as ciências humanas assumiam a lingu agem como ag ente estruturante da realidade.
De Julia Kristeva a J acques Derrida, do estru turalismo ao pós-estruturalismo, eleg eu-se a lingu agem como elemento
criador de r ealidade. As raízes da virada lingüís tica são comumente cr editadas a Ludwig Wi ttgenstein e Gottlob
Frege, pensador es que teri am vincul ado pensamento, linguagem e perceão da realidade. Essa aproximação, como
veremos, é entretanto controversa.
5
Rorty, Ri chard. T he Li nguistic Turn: Essays in Philosophical M etho d. Chicago: University of Chi cago press, 1967.
6
Comentadores de Frege, como M aria Luisa Couto Soares e Mi chael Dummett, vêem em sua obra o apenas a
fonte da virada lingüísti ca, mas a entendem também como um prolongamento natural do seu trabalho filosófico. A
esse respeito, ver: Soares, Maria Luisa Couto. Co nceito e Sentido em Frege. Porto: Campo das Letras, 2001 e Dummett,
Michael Anthony. Freg e, Philosophy of Language. London: Duck worth, 1981. Comentando Frege, os autor es insistem
que a única via de acesso ao pensamento é a análise lingüísti ca, proposi ção estranha ao pensamento de Frege.
Também buscam em su as obras uma su posta análise filosófica da linguag em, onde estariam as raí zes (não percebidas
pelo próprio Frege, lembra Maria S oares à página 17 de seu livro) da virada lingüística.
7
em Frege uma anterioridade do pensamento em relação à linguagem, qu e não pode ser entendida como
instância primeira ou o fundamento últi mo do pensamento. A linguagem explicaria como os pens amentos são
expressos, mas pouco poderia esclarecer sobr e a natur eza ou o jzo dos pensamentos. Ver Angelli, Ignacio. Studies
on Gottlob Frege and T raditio nal Philosophy. New York: Humaniti es Press, 1967.
8
O comentador Michael Dummett discorda dess a leitura e insiste que Frege é um filósofo da linguagem. Dummett
vê nas categorias lógi cas do pensamento de Frege u m reflexo das diferentes categori as de express ão lingüística que
podem ser pensadas pela maneira como são utilizadas na linguagem. Peter Geach, por su a v ez, contes ta Dummett e
condena ess a aproximação lingüísti ca à l ógica e ati tude de Frege. Par a Geach, o estudo sobre a natur eza do número
o permitevidas sobre a posição de Frege: primeiro se apreende certa expres são vinculada a certa entidade,
depois s e define a qual categori a ontológica a entidade pertence e, finalmente, uma expr essão lingüística apropriada é
atribuída conforme a categori zação.
Ver Geach, Peter. Three philoso phers. Oxford: Basil Blackwell, 1961 e Frege,
Gottlob. Os fundamento s da arit mética: Uma investigão lógico-matetica sobre o conceito de número (Col ão ‗Os Pensadores).
São Paulo: Abril Cultur al, 1980.
9
Nos termos da s emiótica, s eria como pensar um signo com múl tiplos refer entes e um significado com div ersos
significantes.
10
É surpreendente o que a linguagem consegue fazer. Com poucas sílabas, ela cons egue express ar um incalculável
número de pens amentos, a tal ponto que até para um pensamento pela primeira vez apr eendido por um ser humano,
ela encontra uma roupagem através da qual um outro ser hu mano é capaz de apr endê-lo, ainda que ess e pensamento
lhe s eja inteiramente novo‖. Frege, Gottlob. Os fundamentos da aritmética: U ma i nvestigão lógico-matemática sobre o co nceito
de núm ero (Col eção ‗Os Pensadores‘). São Paulo: Abril Cultur al, 1980, (p.67).
11
Frege, Gottlob. Inv estigõ es Lógicas. Porto Al egre: Edipucrs, 2002. (p.21-22).
12
Conseqüentemente, quando se trata de um nome próprio, o que impor ta é como s e apresenta aquilo que el e
designa. Isto pode ocorrer das mais divers as maneiras e, para cada uma destas maneiras, a sentea em qu e es te
nome próprio ocorre receber á um sentido particular. Frege, Gottlob. Os fundamentos da aritmética: Uma i nvestigação
lógico-matetica sobre o co nceito de número (Coleção Os Pensadores‘ ). o Paul o: Abril Cul tural, 1980. (p.22).
13
Angelli, Ignacio. Studies on Gottlo b Freg e and Traditio nal Philosophy. New York: Humaniti es Press, 1967.
14
Diferentemente, Husserl entende qu e o sentido s e vincula ao conteúdo: Cad a noema tem u m contdo, isto é,
seu sentido vincula o objeto ao conteúdo. Entend emos por conteúdo o sentido dado àquilo qu e dissemos e que,
dentro ou por meio da consci ência, se relaciona com o objeto como se es te fosseseu objeto‖. A tr adução mexicana
verteu esse tr echo, §129, de maneira ligeiramente difer ente. Na v ersão inglesa: ― Each noema has a content that is to
say, its sense is rel ated through i t to ‗its object. As content we take thes ense of which we say that in or through it
consci ousness relates to something objectiv e as its‘ something obj ective. A es se respeito, ver: Husserl, Edmund.
Ideas relativ as a una feno menologia pura y una filosofia fenomenológica. México: Fondo de Cul tura Econômica, 1986. e
Husserl, Edmund. Ideas pertai ning to a pure phenomenology and to a phe nomenological philosophy. London: Martinus Nijhoff,
1982.
15
O valor de verd ade vincul a a idéia de uma proposição à sua extensão empírica, ou s eja, o conheci mento do mundo
é verdadeiro na medida em que se relaciona com a experncia. É então um a imagem do pensamento que procura na
experncia o valor de verd ade das proposições, auxiliado pela lógica e pel a matetica, assunção fundamental para o
que se denomina posi tivismo ou empirismo lógico. O conceito de valor de verd ade do conhecimento permei a todo o
Círculo de Viena, do qu al fizeram par te Philipp Frank, Otto Neurath e Hans Hahn; e incorpor ados na cada de
vinte, Moritz S chilick e R udolf C arnap. Em 1929, Carnap, Hahn e Neurath publicaram o manifesto A Co nceão
40
Cienfica do Mundo: o Círculo de Vi ena. Frege, assim como Ernst Mach, Russell, Whitehead, Peano e Wittg enstein, foi
um dos autor es capitais que o Círculo tomou para sua conceão d e filosofia e ciência.
16
Retorno agora à pergunta: s erá que o pens amento é u ma ii a? Se o pens amento que expr esso no teorema d e
Pitágoras pode ser reconhecido como verdadeiro tanto por outros quanto por mim, então ele não pertence ao
conteúdo de minha existênci a, não sou seu por tador, mas posso apesar disso reconhecê-lo como v erdad eiro. Mas se
o é o mesmo pensamento o que eu e outrem consider amos como conteúdo do teorema de Pitágoras, então o
seria adequad o dizer o teor ema de Pitágoras‘, mas meu teorema de Pitágoras‘, seu teorema de Pitágoras‘, e es tes
seriam distintos, uma v ez que o sentido pertence necessariamen te ao teor ema. M eu pensamento seria então conteúdo
de minha consciência e o pensamento de outrem s eria conteúdo de sua cons cncia‖. Frege, Gottlob. Inv estigõ es
Lógicas. Porto Alegre: Edipucrs, 2002. (p.26).
17
Idem, p.14-15.
18
Frege, Gottlob. Wi ssenschaftlicher Bri efwechsel. Hamburg: Felix Meiner, 1976.
19
O conceito de verdad e em Frege, e a necessidade do concei to de ref erente para explicar o sentido, dificulta a
análise do significado, pois bl oqueia o acesso à apreeno do referente nas proposições. A dependência das
proposições para com o referente, o sentido e o pensamento inviabilizam u ma leitura lingüís tica de s eu tr abalho.
20
Texto presente na coletânea brasileira Lógica e Filosofia da Linguagem, citada anterior mente.
21
A ess e respeito, conf erir a nota d e roda número 22, sobre o Frege de J ustificão de uma Conceitografia.
22
Se, em geral, julgarmos que o valor cognitivo de a = a e a = b é diverso, isto se explica pelo fato de qu e, par a
determinar o valor cognitivo, é tão relev ante o sentido d a sentença, isto é, o pensamento por ela ex presso, quanto
sua referência, a s aber, s eu valor de v erdad e. Se a = b então realmente a refer ênci a de b é a mesma qu e a de a, e
portanto, também o valor de verdad e de a = b é o mesmo que o de a = a. Apesar dis to, o sentido de b pode diferir
do de a e, portanto, o pensamento express o por a = b pode diferir do expresso por a = a; nes te cas o, as duas
senteas não têm o mesmo val or cognitivo.‖ Frege, Gottlob. gica e Filosofia da Linguagem. S ão Paulo: Cultrix, 1978.
(p.86).
23
Frege explica su a hites e sali entand o a diferença entr e referência e pensamento, como na página 43 d e seu texto
Função e Conceito: Pode-se fazer aqui a objeção de que 2² = 4 e 2 > 1, entretanto, significam coisas totalmente
diferentes; mas, apesar disto, pode-se substi tuir 4x4 por , uma vez que ambos os sinais têm a mes ma referência.
Disto conclmos que a igualdad e de r eferência não tem como conse ência a igu aldad e de pensamento‖. Isto é,
embor a 4x4 e tenham a mesma referência, ou seja, s ejam nomes próprios do mes mo número, eles não têm o
mesmo sentido. O texto F unção e Conceito também está presente na coletânea brasil eira Lógica e Filosofia da Linguagem.
24
Sobre o Sentido e a Referência, pr esente na mesma coletânea, página 62.
25
Alguns comentadores de Frege ignoram essa categori zação do sentido e do pensamento como uma entidad e
independente da cons ciência e dos processos de apreensão subjetivos. Chamam-na demitologia fregeana:A
argumentão de Thiel centra-se no fato de não coincidirem as noções de sentido com a de subj etivo-o-real, pois,
para Frege, os sentidos são tamm algo de objetiv o. Este terceiro reino, probletico, de um obj etivo (ou
substantivo-o-real) demar cado do domínio do su bstantivo-psíqui co, real, e d o obj etivo-físico, apr esenta-se
ambíguo, pois a ele pertencem não s ó os pensamentos e as suas partes, como também em geral todos os obj etos
lógicos percurs os de valores, números e valores de verdade, os conceitos e as funções. Todos estes objetos foram
introduzidos por Frege como referências de determinados sinais e expressões, e nunca a sua semânti ca permite
interpretá-los como sentidos. Portanto, a esf era do sentidoo coi ncide em absoluto com a do subs tantivo-não-real.
Como j á referimos, es ta não-coincid ência deve-se, por um l ado, a uma certa ambigüidad e na noção de s enti do, como
na não de conceito‖. Soar es, Maria Luisa Couto. Co nceito e Sentido em F rege. Por to: Campo das Letras, 2001. (p.195,
Nota de Rodapé). A mi tologia fregeana é inter essante na medida em que oferece um conceito de sentid o que o é
determinad o pel as variáveis subj etivas e se reali za fora das consciências. Esse sistema frasal independente, que
retomaremos na segunda seção, compreende a varião topológica entre objetos e modos de apresentação em uma
articulação que não s e res tringe ao contex to lingüísti co.
26
Sobre o Sentido e a Referência. IN: Frege, Gottlob. Lógica e Filosofia da Linguagem.o Paulo: Cul trix, 1978. (p.65)
27
Algm observa a lu a através de um tel escópio. Comparo a própria lu a à referência; ela é o objeto da observação,
proporcionado pela imagem real projetada pela lente no interior do teles cópi o, e pela imag em retini ana do
observador. A primeira, comparo-a ao sentido, a segunda, à refer ênci a ou intuição. A imagem no telespio é, na
verdade, unilateral; ela depende do ponto-de-vista da observação; não obstante, ela é objetiva, na medida em que
pode servir a vários observadores. Ela poderia ser disposta de tal forma que vários observadores poderiam utilizá-la
simultaneamente. M as cada u m teria sua própria imagem retiniana‖. Idem, página 65-66.
28
Frege ainda subdivide s entido e significado entr e cos tumeiro e indireto. Isso porque não é incomum que o
significado de uma pal avra esteja ancor ado o em s eu significado habitu al, mas em seu s entid o habi tual. Isso fica
claro quando termos de uma frase o substitdos por sinônimos que o interlocutor o conhece. Se o significado
de uma frase estiver ref erend ado por um sentido habitual qu e o interlocutor desconhece, então o significado
prescindirá de significação. Nestes ter mos, pod eríamos dizer que o significado s eria o v alor de u so de um termo,
aquilo a que ele se pres ta. O sentido seria as condições a que este significado é submetido par a que possa ter valor.
No discurso indireto, fala-se, digamos, do sentido das palavras de ou trem. Fica, pois, claro que também neste
discurso as palavras o têm suas refer ênci as cos tumeiras, mas refer em-se ao que habitu almente é seu s entido. De
41
modo mais suci nto, diremos qu e no dis curso indireto as palavras s ão us adas indiretament e, ou têm sua referência
indireta. Em conseqüência, distinguimos a referência cost umei ra de uma palavra de sua referência indireta¸ e o seu
sentido costum eiro de seu s entid o indireto. A referência indireta de uma palavra é, pois, seu sentido cos tumeiro.‖ Ibidem,
gina 64. Isso q uer di zer que apenas o significado habitual garantiria u ma compreensão inequívoca. O sig nificado
indireto corresponderia precis amente ao senti do costum eiro, f echando o cír culo de rel ações certas. Sobra no esquema
fregeano o sentido i ndireto, que naturalmenteo pode s e relacionar com o significado habitual. Mas Frege, que
entende que a li nguagem mais atrapalha qu e ajud a o pensamento, está em busca de u ma ideografia perfei ta e não
explora esse item. Aqui fala o Frege lógico de Justificão de uma co nceitografia:A linguagem mostra-se deficiente
quando se trata de prev enir os erros de pens amento. Ela não satisfaz a primeira exigência que lhe pode ser impos ta
sob este aspecto, a da univocidade. A mes ma palavra s erve para designar um ser individual e também a escie, como
na proposição: ‗O cavalo é um animal herbívoro‘. Cavalo pode final mente significar u m conceito, como na
proposão:Isto é u m cavalo‖. A linguagem não é r egida por leis lógicas, d e modo que a obediência à gramática já
garantisse a correção formal do curso do pensamento. As formas em que s e exprime a dedu ção são tão variadas, tão
frouxas e fl exíveis qu e facilmente se podem insinuar, sem que se perceba, premissas que em seguida serão
ignoradas.‖ (p.190). E continua na gina seguinte, 191: A razão dos defeitos sali entados está em certa
maleabilidade e mutabilidade da linguagem, que é por outro lado condição de sua capacidade de desenvolvimento e
de su a aplicabilidade variada. A linguagem verbal o bas ta. Carecemos de um conju nto de sinais do qual se expulse
toda ambigüidade, e cuja forma rigorosamente lógi ca não deixe escapar o conteúdo. Frege, Gottlob. Justificação de uma
conceitog rafia (Coleção ‗Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultur al, 1980.
29
Frege, Gottl ob. APUD So ares, M aria Luisa Couto. Co nceito e Sentido em Frege. Porto: Campo das Letras, 2001.
(p.151).
30
A agenda logicis ta d e Frege tratava de descrever o reino do sentido como u m plano independente das imagens
ideais (subjetivas) ou das r epresentações mentais (individuais), afastando assim o risco d e vincul ação do s enti do à
incomunicabilidad e característica dessas instâncias. É por isso que em Frege os pensamentos e os sen tidos são
entid ades a-temporais que não se submetem a um processo de mud ança. De outra maneira, não seria possível
sustentar que uma proposição é verd adeira q uando não mais ningu ém para p en-la. Para que se mantivesse a
dimensão estáv el dos sentidos, era preciso vincul á-lo a um pens amento qu e, es te sim, é verdadeiro ou falso e que
independe de qu em o apreende. Afinal, se a existência de um pensamento dependesse de el e ter sido captado, então
o haveria nenhum pensamento verdadeiro em uma situ ação onde ningm está para pensá-lo. Ao garantir aos
pensamentos uma fundamentação lógica e ontológica válida par a todos os tempos, para todas as mentes pensantes e
independentemente das circunstâncias em que foram pensadas, Frege cria um conceito d e sentido inteiramente a-
histórico e a-temporal.
31
Frege, Gottlob. Inv estigõ es Lógicas. Porto Al egre: Edipucrs, 2002. (p.18-19)
32
Idem, p.19.
33
Como já dis cutido previ amente, Wittgenstein argumentava que o mote da filosofia era equivocadamente a essênci a
do sentido. Eqvoco porque a ess ênci a não existe, uma vez qu e os sentidos se fazem de maneira relacional e nunca
como esncia pr é-dada. O Parágrafo 109 do Investigações Filosóficas diz o seguinte: A filosofia é uma luta contra o
enfeiti çamento de nosso intel ecto pelos meios de nossa linguagem‖. Esse plano-limite, além do qual a filosofia não
poderia operar, havia sido formulado no Tractatus Logico-Philosophicus, num aforismo freqüentemente entendido
como apori a. Sumariamente, trata-se do entendimento de q ue embora as frases poss am r epres entar a realidad e, é
vedado ao mundo da língu a repr esentar aq uilo que o es tá no plano da realidade, dado q ue a linguagem é u ma
produção dessa mesma realidade. Não pode, por isso, representar aquilo que permite a repr esentação mesma. Essa
assunção é normalmente lembrada nos dois últimos aforismos que encerram o Tractatus Logico-Philosophicus: Minhas
proposições elu cidam dess a maneira: qu em me entend e acaba por reconhecê-las como contra-sensos, após ter
escalado através del as por elas para além delas. (Dev e por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por
ela.) (§6.54); Sobre aquil o que não se pode falar, deve-se calar (§7). No original:Meine Sätze erläutern dadurch, daß
sie der, wel cher mich versteht, am Ende als unsinnig erkennt, wenn er durch sie auf ihnen über sie
hinausgestiegen is t. (Er muß sozusagen die Lei ter wegwerfen, nachdem er auf ihr hinaufgesti egen ist.) (§6.54);
Wovon man nich sprechen kann, darüber muß man schweigen (§7 ). Wittgenstein, Ludwig. Tractatus Logico-
Philosophicus. Edição bilíngüe. São Paulo: Edusp, 2001. Sobre essa frase-conceito, o comentário irônico de Frank
Ramsey, para quem o queo pode ser dito, não pode ser di to e nem sequer assoviado. Tamm Derrida deixo u um
comentário irônico sobre a frase: sobr e aquilo que o s e pode falar, deve-s e escrev er. Rudolf Carnap, por sua vez,
entende essa assuão como contraditória com o próprio Tractatus, pois primeiro Wittgens tein di z que o se pode
asserir frases filosóficas para então, ao inv és de gu ardar silêncio, es crever todo um livro de filosofia.
34
Anuncia-se u m mal-entendido fundamental, se me inclino a pond erar o meu estado atual de dor d e cabeça com o
objetivo de obter clareza sobr e o problema filosófico da sensão. Wittg enstein, Ludwig. Investigõ es Filosóficas.
Petrópolis: Vozes, 2005. (§314). Como as ci tações da obra Inv estigõ es Filosófica se r epetirão exaustiv amente, usar emos
o acrôni mo IF par a denominá-las.
35
Locke, John. An Essay Concerni ng Hum an U nderstanding. New York: Prometheus Books, 1994. Ver também a esse
respeito, Fitts, M ary Pauline. John Locke‘s T heo ry of Meaning: An Ex position and C ritique. M ontana: K essinger Publishing,
2007.
42
36
Para Wittg enstein, a linguag em não é um sistema de r epresentação, tal como pensara toda a filosofia ocidental,
partindo d e Aristóteles e Platão, passando por Sa nto Agostinho e findando no gerativismo e outras teorias da
linguagem. Difer entemente, a linguagem para Wittgens tein é um sistema de uso. Uso é a maneira pela qual a
linguagem é utili zada e aprendida, ou seja, para s aber o que é u m caderno é inútil recorrer a modelos
representacionais. É preciso dizer a uma criaa:escr eva no caderno. S e el a escrev er no caderno, saber-se-á então
que ela sabe o qu e é um caderno. S e ela escr ever na carteira, ficará claro que elao sabe o qu e é um caderno. o
se pode adivinhar como uma palavra fu nciona. É preciso que s e vej a a sua apli cação e assi m se aprenda. (IF, §340).
37
Embora a matri z social do s entid o em Wi ttgenstein sirva de bas e para as ciênci as da linguagem, as pesquisas em
comuni cação não incorporaram a heraa do filósofo austríaco. As cl ássicas teorias d a informação assumem que o
sentido é invariavelmente produzido pelo receptor. David K. Berlo, que tev e importânci a como teórico da
comuni cação, argumenta qu e o sentido é sempr e uma formulão pessoal, uma prodão individu al qu e se tr ansfere
para obj etos ou senteas. Ver Berlo, David K. O Processo da Comunicão: Int rodução à Teori a e à Prática. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
38
A idéia de jogos de linguag em di z res peito a algo que permeia u ma classe d e elementos, como acontece com os jogos,
famílias e números. Não há u m limite claro sobre o que entra e o que não entr a nessas classes, mas certa
familiaridade ou semelhança entre os el ementos. Apesar de o haver uma definição precisa, entendemos o que
de comu m entre el es. Daí o sentido. Wittg enstein queria com esse concei to atentar par a uma instância que
envolvess e todas as for mações d a linguagem, sem no entanto formar qualqu er metaconceito. Mas se os j ogos são
uma di mica presente em todas as formações d a linguag em, há aí, de novo, u m conceito metaexplicativo. Essa
passagem ilustra bem a ques tão:Aqui nos deparamos com a grande ques o que está por trás de todas es tas
considerações. É que alguém poderia retorquir: Você facilita mui to a coisa! Vo fala de todos os jogos de
linguagem possíveis, mas o diss e, em nenhum lug ar, o que é a essência do j ogo d e linguag em e, portanto da
linguagem. O que é comum a todos esses processos e os torna uma linguagem ou peças da linguag em. Você se de
presente, portanto, exatamente a par te da investigação que, a seu tempo, lhe deu as maiores dores de cabeça, a saber:
a parte qu e di z respeito à fo rma g eral da pro posão e da lingu agem. E isto é v erdadeiro. Ao invés d e indicar algo que
seja comum a tudo o que chamamos linguag em, digo que o há uma coisa sequer que seja comum a es tas
manifes tações, motivo pelo qual empregamos a mesma palavra para todas, - mas são aparentadas entre si de mui tas
maneiras diferentes. Por caus a deste parentes co, ou destes parentes cos, chamamos a todas de ‗linguag ens‘ (IF, §65).
39
O conceito de jogo é apres entado nos parágrafos 65, 66, 68, 69 e 71 do Investigões Lógicas. Em resumo: Tenho
em mente os jogos de tabul eiro, os jogos de car tas, o jogo de bol a, os jogos de combate, etc. o qu e é comum a todos
estes jogos? Quand o olhá-los, você o ver á algo que seria comum a todos, mas verá semelhanças, parentescos. (...)
Nos jogos de bola ganhar e perder; mas, se uma criaa atira a bola contra a parede e a agarra novamente, nes te
caso es te traço desapareceu. Veja que papel desempenham habilidade e s orte. E quão diferente é habilidade no jogo
de xadr ez e habilidade no jogo de tênis. Pense agora nas brincadeir as de roda: aqui se encontra o elemento de
entretenimento, mas quanto dos outros traços car acterísticos d esapareceram! E assi m podemos percorrer os muitos,
muitos outros grupos de jogos, ver as semel hanças aparecerem e des apar ecer em. E o resultado desta observação é:
vemos uma complicada rede de s emel hanças qu e se sobrepõem umas às outras e se entrecruzam. Semelhaas em
grande e em pequena es cala‖. E ainda: Muito bem; assi m está explicado para você o conceito de mero como a
soma lógica daqueles conceitos individuais aparentados:mero cardinal, nú mero racional, número r eal etc. e,
igualmente, o conceito de jogo como a soma lógica dos conceitos parciais correspondentes‘. o,
necessariamente. Pois assim eu posso conferir limites rígidos ao conceito de número‘, isto é, usar a palavra número‘
como designação de concei to limitado rigidam ente, mas posso usá-la tamm de tal modo qu e a ex tens ão do
conceito não seja fechada por um limite. E é assi m que empregamos a pal avra jogo‘. (...) Como expli caríamos para
algm o que é u m jogo? Creio que descrevendo jogos, e poderíamos acres centar à des crição: isto e coisas semelhantes
são chamados dejogos. E sabemos, nós próprios, mais do qu e isto? E somente a outrem é que não somos capazes
de dizer exatamente o que é um j ogo? Mas is to não é ignorância. Não conhecemos os limites, porqu e o se
trou nenhum limite‖. Por fim, o aspecto confuso do conceito:Pode-se di zer q ue o conceito ‗jogo‘ é um conceito
de contornos impr ecisos. Mas um concei to impreciso é, por acaso, um conceito? Uma fotografia desfocada é,
por acas o, o retrato de u ma pessoa? Bem, pode-se su bstituir sempre com v antagem um retrato desfocado por um
retrato nítido? Freqüentes vezes não é o retrato desfocado precisamente aquilo de que mais pr ecisamos?‖
40
Isso quer di zer que a concepção de linguag em como jogo sociocul tural não es no primeiro, mas no s egundo
Wittgenstein, divisão essa arbi trária mas corrente entre seus comentadores. Es por tanto no Investigões Filosóficas e
n‘Os Livro s Azul e M arrom, mas não no Tractatus. Essa é divisão é no entanto artificial, na medida em que, na própria
introdução d as Inv estigaçõ es Filosóficas, Wi ttgenstein esclarece não se tratar de nenhuma ruptura filosófica, mas de certa
conti nuação ou rel eitura, u m diál ogo por camadas ou complementos do pensamento j á inici ado no Tractatus, que o
deveria ser compreendido sem ess a segunda obr a. Quanto à publicação do Tractatus e sua repercuss ão nos posi tivistas
do Círculo de Viena, Wittg enstein s empre se pôs à parte da escola e não es condia sua d ecepção pela leitura
positivista da obra. A esse respeito, ver: Wittg enstein, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. Edição bingüe. São
Paulo: Edusp, 2001; Investigações Filosóficas. P etrópolis: Vozes, 2005 e T he Blue and Brown Books. Preliminary Studies for the
Philosophical Inv estigatio n. New York: Harper USA, 1980.
43
41
A tradução britânica entendeu da seguinte maneira essa passagem 43 ): For a large class of cases though not
for all—in which we use the word ‗ meaning it can be defined thus: the meaning of a word is its use in the languag e.
No original:Man kann für eine große Klasse von Fällen der Betzu ng des WortesBedeutu ngwenn auch nicht
für alle Fälle seiner B etzung dies es Wort s o erklär en: Die B edeutung eines Wortes ist sein Gebrauch in der
Sprache. Como se v ê, u m problema ter minológico ao se es tudar a categoria de s entido em Wi ttgenstein, que
escrevia em alemão e inglês. Na ngua al emã, usa-se normalmente o ter mo Bedeutung para significação, Sinn ou
meinen (verbo) para s entido. Para o portugu ês, as traduções têm porbito intercambiar esses ter mos por significado,
sentido e significação com parco rigor e escolhendo os termos com base em critérios questionáveis. Nas traduções
britânicas, ess as diferenciações ficam ain da mais tênu es, dado a amplitude que o termo meani ng guarda. Na citação em
questão esse problema fica bem claro. A esse respeito, ver: Wittg enstein, Ludwig. Philoso phical Investigatio ns. London:
Blackwell, 2001; Philosophische U ntersuchungen. Kritis ch-genetische Edition. Wissenschaftliche Buchgesells chaft:
Frankfurt, 2001 e Investigações Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2005.
42
Em termos mais próximos à lingüís tica estru tural, sem sentido não há nem significante nem significado, na medida
em que o signo é uma entid ade vazi a:Todo signo, sozinho, parece morto. O que lhe conf ere vida? Ele es tá vivo no
uso. Ele tem em si o hálito d a vida? Ou é o u so o s eu hálito?‖ (IF, §432).
43
A solu ção para essa aporia dos pronomes demonstrativos é encontrada na análise lógi ca que, de todo modo,o é
apresentada por Ludwig Wittgens tei n.
44
Um exemplo mais radical da sutileza das operões d e sentido é dado no início das Investigõ es gicas, que inici a
com uma citação das Confissões de Santo Agos tinho, onde s e especula que as palavr as teriam surgido para denominar
coisas. Numa formul ão que lembra a cel euma escolástica entr e conceitu alismo, nominalismo e realis mo da querela
dos universais, Wi ttgenstein lembra que tal assuão pode ex plicar a história dos substantiv os. Mas como poderia
algm indi car ou imaginar um adjetivo? Decer to as crianças aprendem os substantivos pela indicação destes
somados ao som que lhes nomeia. M as e q uanto aos pronomes indicativos, qu e são usados para que ess as indi cações
sejam fei tas? Como se explica o significado de termos como isto ou aquilo (IF, §9; §411)? T ais itens são i nefáveis,
abstrusos à alis e, pois nel es o há objetos univers almente repres entáveis mas apenas entid ades recorrentemente
variáveis. Eis o sentido de uso e variação contextual, onde um significado diferente a cada v ez qu e a palavra é
expressa. Apenas as circunstânci as do contexto é que o uso ao sentido da palavra, e ess a é a mel hor defini ção
possível para jogos de linguagem. As ciências da linguagem tamm tratam da ques tão dositicos, que são
expressões cuj a função é apontar para algo ou fazer referência a u m obj eto disposto em relação ao i nterlocutor.
Expressões como isto, aquilo, ali ou constitu em frases iti cas pois os referentes são determi nados em
relão aos interlocutor es. O ter mo vem do Grego dêixis: ação de provar, demonstração. Sobre a Quer ela dos
Universais, e a revisão desse d ebate insolúv el, Wittgenstein passa em revis ta sem exatamente tomar par tido de
qualquer lado, mas o sem amplificar as aporias d e cada assunção qu e podem ser encontrad as, dentr e outros, nos
§324, §325, §329, §372, §374, §383, §386, §387 e §389 das I nvestigações Lógicas.
45
Um ponto de vista partidário de John Locke poderia assinalar que, quando o construtor disse tijolo‖, a imagem
que se formou em sua mente corresponde ao tijolo r eal, dispos to a poucos metros do s eu assis tente. O que
Wittgenstein quer di zer, no entanto, é que a função do termo tijolo‖, aqui, é fazer com que o assistente ex ecute
determinad a taref a, qual sej a, tr azer o tijolo ao constru tor. Pouco i mportaria a i magem id eal de tijolo, tanto do
constru tor qu anto do assistente, conquanto qu e as constru ções fossem feitas. É então o contexto soci al da frase que
importa, e não o substrato ou a essência última dessa significão.
46
Wittg enstein, para qu em os limites d o meu mundo s ão os limites da minha linguagem, não endossa todavi a o
condicionamento do pensamento à linguagem: Santo Agostinho d escr eve a apr endizagem da linguagem humana
como uma criaa que chegasse a um país es trangeiro e não entendesse a língua do país; isto é, como se ela j á tiv esse
uma língua, qu e não esta. Ou também: como se a criança j á fosse capaz d e pensar mas não ainda de falar. E
pensar‘ significaria aq ui algo como: falar para si mesmo‖. (IF, §32). Sobre os li mites da linguagem e do mundo:Os
limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo‖. No original, „Die Grenzen mei ner Sprache
bedeuten di e Gr enzen meiner Welt. (§5.67). Wittg enstein, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. Edição bilíngüe. São
Paulo: Edusp, 2001.
47
Mecanismo que ocorre tanto na definição de um nome: A concord ância entr e pensamento e realidade reside no
seguinte: s e digo erroneamente qu e algo é ver melh o e todavia não é vermelho. E se, quer endo explicar para algm a
palavra vermelho‘ na frase Isto é vermelho‘, aponto para algo vermelho [então ou concordamos ou discord amos
sobre o que é vermelho] (IF, §429) quanto na comparação do nome: Entre a ordem e a ex ecução há um abismo.
Este tem que s er fechado pela compreens ão. Somente na compreensão se diz qu e temos que fazer I STO. A ordem
é apenas sons, tros, de tinta. (IF, §431). O parágrafo 376 tamm tr ata da qu estão ―como se comparam
representações‖. Mas é no parágrafo 378 que Wittgenstein for mula a questão de maneira defini tiva: ―Antes de julgar
que duas de minhas representações são iguais, tenho que reconhecê-las como iguais. Tendo acontecido isto, como
hei de saber então que a palavra ‗igual‘ descr eve o meu conheci mento? Somente, então, quando eu express ar esse
conheci mento de u ma outr a maneir a, e uma outra pessoa puder me ensinar qu eigual‘ é aqui a palavra corr eta. Pois,
se necessito de uma justificação para usar uma palavra, então tem qu e ser uma jus tificação também para o outro.‖ A
questão sobre a repr esentação da cor vermel ha é um tema de Kant, particul armente em Críti ca da Razão Pura, que
Wittgenstein retoma, especialmente em Inves tigões Filosóficas. Quando eu penso no vermelho em geral, tenho a
44
representação de uma qu alidade que (enquanto car acterística) pode s er encontrada em outr a parte ou ligada a outras
representações; então apenas mediante uma unidade sintéti ca possív el, previamente pensada, eu posso ter a
representação da unidade ana tica.‖ No original em aleo: Wenn ich mir rot überhau pt d enke, so s tell e ich mir
dadurch eine B eschaffenheit vor, die (als Merkmal) irgend woran angetroffen, oder mit anderen Vorstellungen
verbunden sein kann; also nur verg e einer vorausgedachten möglichen synthetis chen Einhei t kann ich mir die
analytische v orstell en. Kant. Immanuel. K ritik der reinen Vernunft. (B134) I N: Kant, I mmanuel. Werke in zwölf Bänden.
Band 3. Frankfurt: Deutscher Kl assiker Verlag, 1977.
48
IF, §387.
49
Outras v ezes, como no Livro Marrom, os conceitos parecem se confundir: Nós não estamos nos referindo aos
jogos de linguag em como par tes i ncompletas de uma linguag em, mas como linguagens completas em si mesmas,
como sistemas de comunicação humana compl etos. No original: We are not regarding the languag e games which
we d escribe as incompl ete par ts of a language, bu t as l anguages compl ete in themselves, as complete s ystems of
human communi cati on. (p.81). O fim dessa mesma obra, o Liv ro Marrom, no entanto, parece apontar para o
camin ho oposto: Estamos inclinados a dizer que, quando comunicamos um s enti mento a algu ém, algo que nunca
saberemos o que é, acontece do outro l ado. Tud o o q ue podemos r eceber d a outra parte é, u ma v ez mais, uma
expressão.‖ No original:We are inclined to s ay that when we commu nicate a f eeling to s omeone, something which
we can never kn ow happens at the other end. All that we can receive from him is again an expr ession. (p.185).
Diferentemente do Livro Azul, no Livro Marrom Wi ttgenstein se refere aos diferentes jogos de linguagem como
sistemas de comuni cação (systems of communi cation, Systeme menschlicher Versndigung), para i ntroduzir a noção de
compr eensão e a relação entre entendimento e linguagem. Wittg enstein, Ludwig. The Blue and Bro wn Books
Prelimi nary Studies for t he ―Philo sophi cal Investigations. New York: Harper and Row, s/d.
50
Se me r epresento alguma coisa, então acontece cer tamente alguma coisa!‘ Ora, acontece alguma coisa e para que
fo barulho então? Por certo para comunicar o qu e acontece. M as, como é que se comunica alguma cois a, afinal?
Quando se diz q ue alguma coisa está sendo comunicada? O que é o jogo de linguagem da comuni cação? Eu diria:
você consid era muito evidente o fato de qu e se possa comunicar alguma coisa a algm. Isto quer di zer: Estamos o
habitu ados à comunicação pela fala, em conversas, que nos parece que toda a graça da comunicação residiria no f ato
de que um outro apreenda o sentido das minhas pal avras algo psíqui co, por assi m dizer, que o registre em seu
espírito. E caso ele consiga ainda tir ar algum proveito disso, j á não pertence mais ao objetivo i mediato da linguagem.
Dir-se-ia que A comunicação faz com que ele saiba que sinto dor; ela produz este fenômeno espiritual; tudo o mais é
inessencial para a comunicação. O que s eja este estr anho f enômeno do saber não pressa em s abê-lo. Processos
psíquicos são mesmo estranhos. (É como se disss emos: O relógio nos indica as horas. O que sejam as horas, o
está decidido ainda. E para que olhamos as horas is to não vem ao caso.)
51
Só qu e os jogos d e linguagem não explicam o sentido comuni cacional. Eles descrevem uma dinâmica da
significão qu e não compreende o acontecimento comunicacional. O campo do sentido ultrapassa a dinâmi ca
instável do jogo eo se restringe à dinâmi ca lingüística, quer seja em termos de uma unidade monista (como
apresentada no Tractatus), quer em termos de uma pluralidade heteróclita (como se avi zinha em Inv estigações
Filosóficas).
52
Ou pel o menos s eria este o sonho do primeiro Wittgenstein, isto é, o Wittgenstein do Tractatus Logico-Philosophicus.
53
IF, §433.
54
Idem, §434
55
Ibidem, §533.
56
Se acreditamos ter que encontr ar aquela ordem, o id eal, na linguagem real, ficamos insatisfeitos com o que s e
chama usu almente, deproposição‘,palavr a‘,signo‘‖. (Ibidem, §105).
57
Interpretação dacompreens ão‘ como atmosfera‘; como ato psíquico. Pode-se construir uma atmosfera para tudo.
Um caráter indescritív el. (Ibidem; §609).
58
Ibidem, §106. Outra proposi ção es clarecedora está no parágrafo 102: As regras rígidas e claras da constrão da
proposão apar ecem-nos como algo escondido no fundo no mediu m do entendi mento, uma vez qu e entendo o
signo, que tenho algo em mente com ele.
59
No original: Meaning is one of the words of whi ch one may say that they have odd jobs in our languag e. It is
thes e words which cause most philosophical troubles. Imagine some institution: most of its members hav e cer tain
regular functions, functions whi ch can easily be des cribed, say, in the statutes of the insti tution. There are, on the
other hand, some members who are employed for odd jobs, which nev ertheless may be extremel y important.
What causes mos t trouble in philosophy is that we ar e tempted to describe the us e of impor tant ‗odd-jobs‘ words as
though they were words with r egular functions. Wittgenstein, Ludwig. The Blue and Bro wn Books Preliminary S tudies
for the ―Philosophical Inv estigatio ns. New York: Harper and Row, s/d. (p.44).
60
Sobre o conceito embrionário d e referente em Wittgenstein: A pal avra não tem significado algum qu ando nad a
lhe corresponde. É impor tante constatar que a pal avrasignificado‘ é usada de um modo que vai contra a
linguagem quando com ela se designa a cois a que corresponde‘ à palavra. Isto significa: confundir o significado de
um nome com o portador do nome. Se morre o Sr. N. N., cos tuma-se dizer, morre o portador do nome e não o
significado do nome. E seria absurd o falar assim, pois, se o nome deix asse de ter significado, o teria sentido dizer
o Sr. N.N. morr eu‘‖. (IF, §40). Embor a o exemplo tenha sido tomado de Frege, vê-se a difer ença na abordagem dos
45
autores. Para Wi ttgenstein, interess a o significado do Sr. N.N. Para Frege, importa o s entido, que o es tá nem no
significado, nem no significante. Mas em algo que diz r espei to ao r eferente. O próprio Wittgenstei n reconheceu essa
diferea de abordag em: Frege ridicularizava a concepção matetica formalista, dizendo que eles confundi am o
que não tinha importância, o signo, com o que tinha i mportância, o sentido. Mas se tivéssemos que d ar u m nome a
essa vida do signo, diríamos então qu e é seu uso. No original:Frege ridicul ed the formalist conception of
mathematics by s aying that the formalists confused the uni mportant thing, the sign, with the important thi ng, the
meaning. But if we had to name anything which is the life of the sign, we should hav e to s ay that it was its use.
Wittgenstein, Ludwig. The Blue and Brown Books Preliminary Studi es for thePhiloso phical Investigatio ns. New York:
Harper and Row, s/d. (p.4).
61
Para Wittgenstein, o nada nas proposições tampou co o sentido. o há uma instânci a intermediária entre o
signo e o r eferente, como queria Frege. O sentido s e gera no jogo da linguagem mesmo:A proposi ção, uma coisa
esquisita!: aqui reside a sublimão de toda a apres então. A tend ência de supor u m ser intermediário puro entre
o signo proposicional e os fatos. Ou também de querer purificar, sublimar o próprio signo proposi cional.‖ (IF, §94)
62
Chamamos de proposição aquilo a que, na nossa linguag em, aplicamos o cálcul o de funções da verd ade.
Apar entemente, é como se a explicação proposição é tudo o que pode s er verd adeiro ou fals o deter minass e o
que uma proposição é, ao dizer: o que s e encaixa no concei to verdadeiro‘, ou em qu e o conceito verdad eiro‘ se
encaixa, é uma proposição. Portanto, é como se tivéss emos um conceito de verdadeiro e d e falso, com o auxílio do
qual podemos determinar então o que é uma proposição e o que o é uma proposição. O que eng rena no conceito
(como na roda dentada), é uma proposi ção. M as es ta é uma imag em ruim. É como s e algm dissesse O rei no
xadrez é a figura à qu al se pode anunci ar o xeque. Mas isto s ó pode significar que no nosso jogo de xadrez
podemos dar xequ e ao rei. Assim como a proposição de que somente u ma proposi ção pode ser verd adeira, só pode
dizer qu e nós atribuí mos os predicados verdadeiro‘ e falso‘ ao que chamamos de proposição. (...) Dizer que dar
xeque não se encaixa no nosso conceito de peão, significaria que um jogo, no qual se d á xequ e ao peão, no qual talv ez
perca aquele qu e perde seus peões, - que um tal jogo seria desinteressante, ou estúpido, ou complicado demais, ou
coisas do gênero.‖ (IF, §136 ). E continua no parágrafo seguinte: ―Mas o pode o significado de u ma palavr a que eu
entendo encaixar-se no sentido da proposição qu e eu entendo? Ou o significado d e uma palavra no significado de
uma outr a? Sem vid a, se o significado é o uso que fazemos da palavra, então não tem sentido falar d e um tal
encaix ar-se‘. Ora, compreendemos o significado de uma pal avra quando a ouvi mos ou qu ando a proferimos;
aprend emo-la de um golpe só; e o que aprend emos deste modo é algo diferente douso‘ que s e estende no tempo!
(IF, §138).
63
Sobre a arbitrariedade do signo em Wittgenstein, conferir: Reflita: O único correlato na linguag em para u ma
necessidade natural é u ma regra arbi trária. Ela é a única coisa qu e se pode extrair d essa necessid ade natural para uma
proposão. (IF, §372). Sobre os sis temas de signos: ―Um signo (s entença) recebe sua significão de u m sistema de
signos, da linguagem a qual ele pertence. Grosso mo do, compreender uma sentea é compreender uma linguagem.‖
No original: The sign (the sentence) gets its significance from the s ystem of signs, from the l anguage to whi ch it
belongs. Roughl y: understanding a s entence means understanding a language. Wittgenstein, Ludwig. The Blue and
Brown Books Prelimi nary Studies for t he Philo sophi cal Investigations. New York: Harper and R ow, s/d. (p.5)
64
Se aqui Wittgenstei n se aproxima de Saussur e, normal mente as preocupações do lingüista genebrino diferem
substancialmente das do filósofo austríaco. Enquanto Wi ttgenstein busca uma expli cação para a gerão de
significados, Saussure s e contenta em categorizá-los como formas sempre pres entes e produzidas mis teriosamente.
o u ma explicão para a gênese dos significados, pois a origem do eixo paradigmático (ou eixo da sel eção) o
é explicada por Saussur e, diferentemente do sintagmático, cujas r elações de oposição ex plicam sua origem.
65
Sobre a preponder ânci a d os jogos de linguagem sobre a i ntencionalidade: Mas eu não i ntencionava a forma
compl eta da frase, p. ex., já em seu princípio? Portanto, ela já s e encontrava em meu espírito antes mesmo de ser
proferida! Se ela se encontrava em meu espírito, então, de um modo geral,o estava em outra ord em de
palavras. Mas fazemo-nos aqui nov amente a iia enganadora d e intencionar, isto é, do uso da palavra. A intenção
o está entalhada na situ ação, nos cos tumes e insti tuições humanas. Se não houvess e a técnica do jogo de xadrez, eu
o pod eria intencionar jogar uma partida de xadr ez. O f ato de eu saber fal ar portugs torna possível que eu
intencione a forma da frase previ amente. (IF, §337).
46
2. LI NGUAGEM
tópicos
i - significação e sentido
ii - código e linguagem
iii - as semiologias
iv - anagramas de saussure
v - sintagma e paradigma
vi - peirce e o referente
vii - pré-sentido
viii - linguagem e informação
ix - discurso e sentido
x - eidos da língua e o incorpóreo
notas
Quando alguém autor ou amigo soube exprimir-se,
os signos são imediatamente esquecidos, permanece o
sentido, e a perfei ção da linguagem é d e fato passar
desper cebida.
Maurice
M erleau-Ponty
1
I. Significão e sentido
A distinção fregeana entre significação e sentido, debatida no capítulo anterior, é
infelizmente pouco relevante para as ciências da linguagem. O resultado é que as operações de
significação são trabalhadas independentemente da sua relão dinâmica com o sentido. O ofício
do tradutor, entretanto, consiste em equacionar e correlacionar significações com esse campo
indefinido que consiste no sentido. Italo Calvino versou sobre o tema ao assinalar que, quando
escutamos alguém que cuja fala é traduzida de uma língua pra outra, há certa flutuação, uma
hesitão sobre as palavras, uma margem de indecisão, algo vago, experimental
2
.
Marlene Teixeira descreve a questão do sentido no campo da lingüística. Admitindo a
complexidade do conceito e alertando sobre as diversas posições sobre o tema, Teixeira lembra
que o conceito de sentido, na lingüística, é matizado por conceões que vão desde um realismo
onde a língua é simples nomenclatura superposta a um mundo de existências dotadas de
sentido, até um relativismo extremado onde a língua determina a capacidade de percepção do
mundo. Analogamente, a crença de que a significação de uma expressão se caracteriza pela
tradução em outra, como também a crença de que qualquer tradução é impossível.
Se a teorização sobre o sentido acompanha a filosofia desde os antigos, a lingüística só vai
se debruçar sobre o tema no fim do século XIX
3
. Para Teixeira, o conceito de sentido é o lugar
onde a lingüística se encontra com a filosofia, ainda que o ponto de vista filosófico sobre a
questão difira do lingüístico. Enquanto a semântica filosófica trata dos laços entre pensamento,
47
verdade e significação, a semântica lingüística volta-se para a descrão das manifestações da
significação nas estruturas léxicas, textuais e discursivas.
Teixeira se remete a Claudine Normand para distinguir entre sentido e significação. Para
Normand, sentido é algo que se refere ao exterior, ao o que isso significa? , assunto de natureza
filosófica, filológica e histórica, mas não lingüística: não se trata, para o lingüista, de perguntar o que isso
quer dizer’, mas por que meios isso quer dizer?, que operações linísticas permitem que alguma coisa seja
compreendida, como é possível que as palavras e as frases signifiquem?
4
Com isso, Teixeira e Normand
traçam uma distinção fundamental entre sentido e significação, instituída por Frege mas pouco
comum às ciências da linguagem. A linística se ocuparia, então, da significão, processo pelo qual um
enunciado é produzido como tendo sentido
5
. A própria autora adverte, em nota de rodado texto
supracitado, que não fez distinção entre sentido e significão ao longo de sua obra, utilizando
preferencialmente a palavra sentido
6
.
Há um medo do sentido por parte da lingüística. Focada na análise do funcionamento e
nas combinações de um sistema, a lingüística se esquiva da questão sentido, essa instância que
realiza tanto o funcionamento como as combinações do sistema de signos. Teixeira comenta
ainda que a eliminação da questão do sentido do campo da lingüística foi resultado da tentativa
de emprestar caráter cienfico à área, fundada por Saussure, suprimindo tudo que era estranho ao
sistema língua. Em um primeiro momento a linística se quer pura descrição formal. As questões sobre a
natureza e a origem da significação, julgadas insoveis numa abordagem positiva, são substituídas por uma
investigão sobre os procedimentos formais. Uma espécie de ‘medo do sentido’, para utilizar a expressão de Parret,
se instala na lingüística científica
7
.
O conceito de sentido é um fantasma que assombra não apenas a lingüística. Durante o
século XX, as ciências humanas se voltaram recursivamente para o problema da significação sem
contudo resolver a questão do sentido. Ainda que lingüistas como Bloomfield tenham descartado
a questão ou, como Greimas, reduzido suas implicações, o problema atravessa a filosofia, a gica
e a sociologia. Ameaçando toda tentativa de discurso cientificista nas ciências humanas, a questão
do sentido é um problema comum às humanidades.
II. Código e linguagem
Tampouco as ciências da linguagem são um bloco homogêneo, e o debate sobre o termo
meaning, do inglês, nos leva de volta ao problema. Apesar de a língua inglesa aproximar sentido de
significado, uma vez que é possível utilizar uma só palavra (meaning) para ambos os termos, a
distinção acima traçada entre sentido e significão tamm é possível por meio da distinção
entre meaning (significação ou sentido) e sense (sentido)
8
. Essa separação é retomada nos estudos
48
de percepção do texto e nos estudos de tradução, áreas que tratam da transposição e
recodificação de vocábulos.
Aleksandr Shvejcer, lingüista que se ocupou da teoria da tradução, também distinguiu
sentido (smysl) de significação (znachenie)
9
. Znachenie se referiria à estrutura concreta da linguagem,
uma derivação direta dos signos lingüísticos e cujo entendimento deveria ser procurado
exclusivamente dentro do sistema de codificação da língua em questão. No entendimento de
Shvejcer, a visão de mundo de uma cultura se expressa também no mero de palavras e nos
sememas distribuídos na ngua, naquilo que é exprimível dentro desse código, não havendo por
isso razão em procurar a significação de um termo em outra língua ou cultura
10
. O sentido das
palavras seria dado exclusivamente em relação ao código lingüístico da própria ngua.
Isso não implica que traduções sejam impossíveis sabemo-las possíveis , mas na
impossibilidade de transpor significações de uma ngua para outra. Isto é, implica na obrigação
de compreender o que as palavras significam dentro de um contexto lingüístico para em seguida
refazer sua rede de significações, isto é, seu sentido. Apenas a partir da reconstrução dessa rede é
que se pode passar à etapa seguinte: a procura por designações válidas na ngua destino
11
.
Shvejcer se refere às dificuldades em se trabalhar com culturas diferentes. A alteração de
um contexto cultural implica na mudança da rede semiótica de referência. Isto é, altera-se o
sentido daquilo que fora dito. É nessa situação de desentendimento recíproco que a diferença
entre sentido e significação (ou designão, como os estudiosos da tradução preferem escrever) se
manifesta. Sentido é o valor que uma significação (designão) adquire dentro de determinado
sistema, dentro de uma cultura espefica.
A mesma separão encontrou eco em Vygotsky, para quem designão é uma categoria da
linguagem, enquanto sentido é uma categoria da fala, da enunciação e do texto. Ainda de acordo com a leitura
que Bruno Osimo faz de Vygotsky, o significado de uma palavra é um poder que se realiza no discurso vivo
na forma de sentido
12
. Shvejcer, de maneira similar, afirma que não há entre significado e sentido qualquer
barreira intransponível. O sentido é, afinal, o significado de uma unidade lingüística atualizado na comunicação
13
.
E o escopo da tradução seria o sentido e não a significação dos termos, que inexistem
fora do código em que foram criadas. O sentido difere da significação porque tem valor
sistêmico. Isso quer dizer que o sentido sobrevive a diferentes contextos uma vez que se encontre
a expressão correta na língua destino. Para a lingüista russa L‘Vovskaja, a significação vincula-se à
linguagem, e o sentido, à comunicação.
O significado (meaning) é u ma categoria lingüística necess ariamente sistêmi ca. C om iss o, o significado de
unidades de uma língua podem o coincidir com outr a em uma infinidade d e ins ncias (descrições de
conteúdo, v olume e lugar ocu pado no sistema). O sentido, por outro lado, é u ma categoria da comunicação
que não d epende das diferenças entre as línguas e pode ser ex presso mediante os meios lingüísti cos os mais
diversos, nas mais difer entes línguas
14
.
49
Bernard Pottier
15
aproxima a lingüística das teorias da tradução ao descrever esse processo
como uma redução do contínuo amorfo no sentido. Tomando de empstimo o exemplo de
Hjelmslev sobre uma expressão traduzida para diferentes línguas, o lingüista francês define o
sentido como uma instância para a qual convergem as significões particulares das diferentes
línguas, criadas nos diferentes registros semióticos de cada cultura. Ou seja, é a intersecção das
traduções em um texto geral, atravessando diversas nguas e semióticas. O sentido, assim, se
aproxima da definão de Greimas
16
como um lugar da transcodificão de significações que
permite a tradução de uma fuão semiótica de uma ngua para outra. O texto comum a elas é o
que Pottier chama de instância conceitual do sentido, ou seja, um sentido conceitual comum
17
.
Essa transcodificação das significações se aplicaria não apenas a diferentes línguas, mas a
diferentes redes semióticas dentro de uma mesma comunidade lingüística. Isso porque o sentido,
que é o lugar da transcodificação, seria produzido em todas as redes semióticas. Quão mais
próximos os elementos de referência das comunidades lingüísticas em questão, tanto maior a
intersecção das significações no universo do sentido. Essa imagem da rede de signos sugere um
sentido destituído de continuum ou de contingências. O sentido, ou essa zona de sentido, se daria
na experiência prática do uso que é necessariamente mais extensa que a manifestação semiótica
18
.
III. As semiologias
Poucos autores da semiologia, ou a ciência dos signos, se preocuparam em definir o
conceito de sentido. Se o conceito aparece ocasionalmente associado ao de significação, o mesmo
não acontece com o significado. Significado e significação de um signo são instâncias
independentes. O primeiro é o conceito ou imagem mental que um significante produz, enquanto
o segundo, a significação, é a união de um significado a um significante. Significados são gerados
no âmbito da língua, e significações, no da fala. A significação de um signo é por isso uma
produção individual produzida no tempo e no espaço, enquanto o significado, arbitrário, é
construto de um sistema e está portanto acima do âmbito individual
19
.
No sistema lingüístico desenhado por Saussure a função do sentido é emblemática, não
obstante o entendimento corrente de que Saussure só pôde fundar a lingüística extirpando -lhe o
sentido
20
. A teoria saussuriana delineia a questão do sentido na ngua separando a significação do
valor do signo
21
, e elegendo a arbitrariedade sígnica como núcleo epistêmico que rege a relação
entre significante e significado. Saussure compõe assim uma rede cujo equibrio é formado por
relões de oposição de cada signo para com os demais, funcionalizado por um campo de forças
onde cada elemento reage sobre todos os outros. O valor lingüístico assim descrito seria simples
50
conseqüência do sistema, mas na realidade é a separão fundamental que empresta dinâmica ao
sistema saussuriano
22
.
Teixeira Coelho comenta que essa situação de instabilidade do sentido levou Saussure a
uma formulação do conceito como instância contingente: massas flutuantes de sentido que só se
definem em interrupções abruptas, isto é, na eventualidade de um corte transversal
23
. A
conseqüência imediata dessa formulação é que os significados são entidades que servem apenas
como pontos de referência extremos, e que podem submergir a qualquer momento sob o peso da
significação
24
.
Outro lingüista que se interessou pelo problema do sentido foi Louis Hjelmslev, que
procurava obsessivamente formular um método de análise do sentido isento de quaisquer
preocupações e instrumentos que não fossem estritamente lingüísticos. O modelo de Hjelmslev,
contrariamente ao de Charles Sanders Peirce, evita influências da filosofia ou da psicologia. Pois
se em Peirce uma teoria do sentido, essa não pode ser compreendida desvinculada de um
corpo filosófico mais amplo
25
.
Hjelmslev
26
tornou mais complicada a tipologia semiogica de Saussure, separando não
apenas expressão de conteúdo (como o lingüista sço fizera), mas subdividindo ambos os
elementos entre forma e substância e criando assim um sistema quadripartido que permitiria não
apenas uma melhor descrão da dinâmica sígnica. A tipologia de Hjelmslev também permite
perceber que há reservatórios de matéria-prima, um campo de formas e conteúdos que são
atualizados pela linguagem durante o processo de significação. Sentido seria o processamento
dessas substâncias subjacentes às formas sígnicas, uma mecânica que empresta vida ao campo
amorfo das formas e conteúdos. Deleuze e Guattari entendem que a tipologia de Hjelmslev
mobilidade e movimentação ao esquema de Saussure, sugerindo que a produção de sentido é um
processo de territorialização e desterritorialização das significações
27
.
Hjelmslev incorpora o princípio da arbitrariedade do signo de Saussure, mas nega a
hitese de uma substâncianica anterior à língua. Ao contrário, propõe uma explicação
empírica por meio de comparões a posteriori, procurando por um fator comum a todas as
manifestações lingüísticas em diferentes línguas, isto é, o sentido
28
. O exemplo que ficou
conhecido é a frase eu não sei em diferentes nguas: jeg véd det ikke (dinamarquês), I do not know
(inglês) ou en tie (finlandês). O sentido percorreria tanto o plano do conteúdo das nguas como
o plano da expressão, emprestando às frases, apesar das diferentes articulações, um sentido
comum. Em oposição às massas flutuantes de sentido sugeridas por Saussure, Hjelmslev postula
a existência de um fator comum às ltiplas realizões lingüísticas: o sentido
29
.
51
Não seria portanto um sentido diluído no contínuo amorfo, mas uma instância entre o
contínuo e as realizações das cadeias lingüísticas. Essas realizações, as funções semióticas, não
delineiam em seu conjunto um significado fechado (um semema), mas um feixe amplo de
sememas. E o sentido de um signo tampouco se limitaria a esse feixe de sememas, pois incluiria
um espectro que se origina no eixo paradigmático do signo. A função desse espectro
paradigmático é precisamente impedir a capitulação do sentido ao semema, abolindo a limitação
que poderia reduzir o sentido do signo ao seu significado
30
. Hjelmslev oferece com isso uma
distinção possível e operacional entre sentido e significado dentro da semiologia.
O esquema também permite ver a presença do referente
31
, exposto pela função de uma
substância do conteúdo, que é estranho à tipologia semiogica saussuriana. E é a ausência do
referente em Saussure que dificulta o mapeamento de um sistema gerador de sentidos. Saussure
tinha consciência desse campo gerador de significações, pois tamm se deitou sobre a hipótese
de um campo gerador de signos, um motor originário de evocação de termos anterior à cadeia de
valor que ordena sua teoria do signo. Mas não se trata de referentes. Trata-se de elementos
sonoros estranhos ou significantes mágicos: os anagramas. Essa hipótese assume a existência de
um campo de significação motriz gerado a partir do significante. Um pré-texto, uma matéria-
prima de onde outras cadeias de signos seriam geradas.
IV. Anagramas de Saussure
As pesquisas de Saussure sobre os anagramas na prosa latina ainda hoje encontram parca
publicação e somente uma pequena parte das dez mil páginas vieram a conhecimento públic o
32
.
Saussure espantou-se com a composiçãonica do verso quando estudava a poesia latina
moderna. Era possível ouvir elementos tricos outros, além daqueles dados na rima. O lingüista
passou a travar correspondência com poetas e escritores a fim de investigar esse tema que, temia,
não levaria a qualquer resultado, o sustentaria qualquer hipótese sobre a origem dos anagramas.
Esses fragmentos de cartas se encontram apenas parcialmente publicados e o livro de Starobinski,
As Palavras sob as Palavras, é ainda a melhor fonte para essa discussão
33
.
O livro de Starobinski traz diversos fragmentos da pesquisas de Saussure. São excertos de
análise fônica de versos, proposições, hipóteses de estudo e arrazoados teóricos. Constam
tamm comentários sobre as cartas ao poeta italiano Giovani Pascoli. Os anagramas na prosa
latina apareciam de modo insistente a Saussure. Eram como sons que se repetiam de modo
incessante e que podiam ser escutados durante o poema. Parafraseando o livro de Starobinski,
seriam como poemas sobre poemas, uma escrita sobrescrita, sobrecodificada, e que operava no
âmbito da passagem dos sons que o poema encadeava.
52
O interesse de Saussure era pela versificação latina em geral, e foi apenas acidentalmente
que o estudo sobre a poesia latina moderna o levou aos anagramas. Ao prestar atenção a um
poema, podiam-se ouvir outros elementos além daqueles dados imediatamente no texto, escie
de mágica da composição nica do verso: os anagramas. Saussure registrou em seu caderno de
pesquisa outras designações possíveis, como hipograma, e anotou também alguns dos significados
dessa palavra grega que vão além de uma simples composição frasal a partir de letras dispoveis
em determinado termo ou frase
34
. Os anagramas a que Saussure se refere, de todo modo, são
versos latinos antigos ritmados por uma cesura constante.
Foi ao estudar o verso saturnino que Saussure desenvolveu a hipótese de poetas latinos
terem intencionalmente ocultado anagramas de nomes próprios ao longo dos versos. Acreditava
ter descoberto um sistema suplementar de signos, um conjunto estranho de convenções para a
geração de significado, preenchendo inúmeros cadernos com observações sobre os tipos de
anagramas que descobriu. A pesquisa obstinada de Saussure buscava encontrar provas de uma
composão consciente e proposital dos anagramas, lutando contra a suposição de que tais
formações seriam inconscientes ao prosador. Não encontrando elementos que identificassem a
intenção do poeta, desistiu da investigação. Paul Henry lembra que, para Saussure, a palavra-
tema ou palavra-indutora seria ardilosamente escolhida pelo poeta, que comporia os versos
obedecendo a regra anagramática da mesma maneira que obedece a regras de versificação e rima.
Vera Colucci
35
comenta a insistência do lingüista em frisar que essas formações não
diziam respeito à palavra escrita, mas ao som, mesmo que sua investigação se debruçasse
exclusivamente sobre textos escritos. De todo modo, Saussure afirma em diferentes momentos
que esses fatos sonoros diferiam do trabalho das rimas, da aliteração e da assonância (harmonia
fônica). Era uma coisa outra, uma imitação de certas sílabas de uma palavra dada sem que ela
estivesse no texto, sem que fosse reproduzida inteiramente. Essa palavra poderia ser o nome de
um deus, de um herói ou de um personagem mítico importante. O interessante é que, para
Saussure, os anagramas não eram jogos suplementares da versificação, mas a base mesma imposta
a todo versificador, esteja ele consciente disso ou não
36
.
Saussure testa diversas suposições, argumenta a favor ou contra os fatos, tece, refuta ou
mantém suas hiteses em suspenso. Mas não se por contente, não desenha nenhum sistema
explicativo. E a questão o cessa de lhe perturbar. Atormentado pela insistência com que alguns
sons pululam nos textos, Saussure se pergunta pela intencionalidade dessa construção, se casual
ou proposital por parte do poeta. Starobinski, o organizador das notas e comentador dos
rascunhos, se mostra perplexo com a perseverança do lingüista sobre a questão da
53
intencionalidade do poeta e com a necessidade de uma prova externa, a despeito dos inúmeros
indícios internos da composição anagramática (ou hipogramática)
37
.
Saussure sabia que estava investigando processos que fugiam à dinâmica entre signo e
significante. É como se houvesse indícios de algo acontecendo nas entranhas da linguagem, sem
guardar relação com o fora, com a teoria do signo. Essa possibilidade intra-sistêmica funcionaria
segundo uma complexidade auto-expansiva, haja vista os poemas acrósticos que, diante de
qualquer tentativa de quantificação, escapavam em números como se fossem equações não-
lineares. Hakim Bey também comenta a pesquisa: além disso, ele começou a encontrar os anagramas por
todo lado, mesmo na prosa latina. Começou a se perguntar se estava tendo alucinões, ou se os anagramas eram
um processo natural inconsciente da parole
38
.
Uma vez definidos, os anagramas pululavam. Apareciam em todos os lugares e se
mostravam diceis de suprimir. Para além dos versos saturninos, apareciam em todos os tipos de
verso, de qualquer período e inclusive em versos modernos, como se Saussure estivesse face ao
real incontornável da parole, o saber inconsciente da língua
39
. Marlene Teixeira aponta que o
chocante na descoberta de Saussure é que, para um linista cujo objeto era pensado como calculável no que ele tem
de diferencial, [o anagrama] promove o retorno do eco contingente que vem desfazer toda a universalidade. Eles
apontam para algo que foge sempre à organização, não podendo ser apreendido como um todo
40
.
Infelizmente, Saussure deu importância excessiva à prova externa, que teria que se basear
em testemunhos, em confissões de poetas sobre suas intenções quando da composição. Saussure
chegou mesmo a escrever ao colega italiano Giovani Pascoli, poeta praticante da versificação
latina, indagando diretamente sobre suas intenções na composição
41
. Mas o poeta italiano cessa a
troca de cartas e Saussure, tomando o acontecimento como desaprovão, abandona o projeto
42
.
Saussure temia se tratar de uma operação necessária à cognição e indispensável à língua.
D a tenacidade em encontrar um poeta que assumisse a responsabilidade pelos anagramas; sua
busca incansável por uma carta de confissão das intenções do poeta. É curioso que os anagramas
lhe causassem espanto e surpresa pela maneira consistente com que apareciam (eles jorram,
anotou o lingüista genebrino), sem que Saussure conseguisse vê-los como operação necessária da
língua. Ainda mais curiosa é a insistente, e sintomática, busca pelas origens do anagrama vinda de
um lingüista que entendia como inútil e impossível a busca pela origem histórica das línguas.
A autonomia do significante assinalada por Saussure nos anagramas vai de encontro à
teoria do signo que o lingüista desenharia alguns anos depois. Segundo Kristeva, uma clara
divisão na obra saussuriana, e o trabalho sobre os Anagramas representa um acontecimento que
liquida com a teoria do signo
43
. O significante assim colocado, desligado do significado, seria o
54
motor origirio da evocação dos termos. Merleau-Ponty tece um comentário que vai ao
encontro da tese saussuriana sobre os anagramas:
Sob a linguagem falada, s ob s eus enunciados e seu rdo sabiamente ordenados a significações bem
definidas, [descobrimos] uma linguagem operante ou falante cujas palavras vivem uma vida secreta como os
animais das grandes profundezas, unindo-se e separando-s e como o exige sua significão lateral ou
indireta
44
.
Os Anagramas sugerem a hipótese de que um significante chamaria outro dentro de uma
cadeia ilimitada. A articulação sonora do significante com a expressão gráfica permitiria ouvir um
nome próprio através das suas letras dispersas no poema, mesmo que esse nome adicional não
surgisse integralmente na composição frasal, pois os anagramas que Saussure via eram formados
por sílabas sonoras. De todo modo, a imagem desse termo ou nome podia ser evocada pelos
sentidos, identificando nomes ocultos no enunciado.
Comentadores da pesquisa anagramática entendem que a descoberta representou, para
Saussure, uma tentativa de destruir a noção de estrutura ou uma crítica radical à teoria do signo,
como aponta Kristeva. François Dosse
45
entende que os anagramas representam uma divisão na
obra do lingüista, e cita Louis-Jean Calvet, para quem haveria o Saussure do Curso de Lingüística
Geral
46
e um segundo Saussure, o dos Anagramas, onde é trabalhada a idéia de uma linguagem sob a
linguagem, uma codificão consciente ou inconsciente das palavras sob as palavras, uma busca de estruturas
latentes
47
que inexiste no Curso. Como Kristeva, Calvet entende que seria preciso aprofundar essas
investigações de Saussure para tecer uma teoria da língua em relação com o inconsciente.
Para Jean-Claude Milner, os Anagramas negam a teoria do signo de Saussure na medida
em que não é diferencial, nem contingente ou arbitrário
48
. Sobretudo, é a constante ocorrência do
fenômeno que desconcertava Saussure. O fenômeno era estranho e incompatível com os termos
científicos que pressupunham ordem e previsibilidade, não obstante a rígida regularidade
encontrada nos Anagramas, própria de um esquema científico. A ampla demonstração da
realidade dos anagramas que sua pesquisa revelava, e os argumentos ali expostos, não pareciam
suficientes a Saussure para a organização de um constructo trico, de um sistema científico que
explicasse o fenômeno. Os anagramas confundiam a ordem dos signos e das coisas, invertendo a
relão de causalidade. Ademais, a idéia de que os anagramas trazem nomes que não pertencem
ao texto implica na admissão do terceiro excluído da distinção, pois o ana grama se organiza por
um prinpio de diferença em relação ao que esdado no texto, ele traz à tona o elemento que
não estava lá. É como se o significado de um signo remetesse a um corpo de sentidos anterior,
quiçá ao próprio eixo paradigmático.
Saussure viu o que não queria ver, um sistema gerador de signos descolado da rede de
valor que mais tarde descreveria. De acordo com Starobinski
49
, os estudos sobre os anagramas
55
nos brindam com um Saussure interessado por um sentido dinâmico, tal como Hjelmslev mais
tarde formalizaria em flagrante contraste com o Saussure do Curso de Lingüística Geral.
V. Sintagma e paradigma
A influente semiologia de Saussure se tornou decisiva em digressões sobre o tema do
sentido. Roland Barthes, sobretudo, havia iniciado uma fecunda investigão sobre a natureza do
sentido. Comentando a obra História do Olho de Georges Bataille, conto erótico onde o olho é
uma multidão de esferas sexuadas notadamente o ânus mas sem se reduzir a nenhuma
Barthes assinala que o objeto muda de proprietário numa derivação romanesca que quer ordenar
o real. Objetos puramente imagirios que não remetem a invenções, mas às substâncias da
própria imaginação. Tomando de empréstimo as duas grandes categorias da lingüística de
Saussure, sintagma e paradigma, Barthes enxerga operações de disposição e seleção nos objetos,
funcionalizadas em figuras metomicas e metafóricas que fazem do sentido algo movente.
O Olho passa por vari ações através de u m certo número d e obj etos substi tutivos que mantêm com ele a
relação es trita d e objetos afins (uma vez que s ão todos globulares) e, contudo, dessemelhantes (pois o
nomeados diversamente); essa dupla propri edad e é a condi ção necessária e suficiente de todo paradigma; os
substitu tos do Olho são declinados, em todos os sentidos do termo: recitados como as formas flexionais de
uma mesma pal avra; revel ados como estados de u ma mesma identidade, evi tados como proposições qu e
o se sobrepõem umas às ou tras; estendid os como momentos sucessivos de uma mesma história. Assim,
em seu percurso metafórico, o Olho persiste e varia ao mesmo tempo: sua for ma capi tal su bsiste atr avés do
movimento de uma nomenclatura, como a d e u m es paço topológi co; pois aqui cada flexão é um nome
novo, de aceões novas
50
.
Barthes vê uma espiral de significações entre diferentes cadeias de significantes. Séries de
metáforas onde cada termo remete ao significante de um termo vizinho. A estabilidade do
significado existe em dependência do escalonamento de significantes dentre diversas cadeias. A
cadeia tem icio no termo gerador da metáfora, de onde o paradigma se constrói de vizinho a
vizinho. Assim, o ovo remete ao olho que remete ao sol que remete ao ânus. Ou o contrário.
A transversalidade da significação, efeito dos significantes escalonados, dificulta a
decifrão de um texto que é em si mesmo uma metáfora esrica. Olho, sol ou ânus não se dão
como significados acabados, cada um é simultaneamente significante de um outro termo ao longo
de cadeias circulares infinitas. Ainda que o mote da história seja o olho que sabemos ser o pai
cego de Barthes, o globo esbranquiçado revirando quando ele urinava na frente da criança
51
mesmo
equivalência entre objeto ocular e genital. A raiz mesma do olho é em si uma metonímia, uma
metáfora de ordem indeterminada que sugere a inexistência de qualquer origem para o paradigma.
Sintagma é o plano de encadeamento e combinação dos signos no discurso real.
Paradigma é a provisão de signos contíguos a cada signo do sintagma que, mesmo
dessemelhantes, formam o conjunto onde se opera cada escolha. Às cadeias metafóricas do
olho e da lágrima haveria uma reserva de signos virtuais. E precisamente por ser uma reserva
56
de signos virtuais, uma metáfora pura o pode constituir um discurso. A atualização de um
termo, sua inserção em um discurso, é a realização da dimensão paradigmática, ou seja, é a
extensão sintagmática.
Bataille faz as duas cadeias dançarem. Há uma permuta incessante entre os dois eixos.
Essa desordem nos campos associativos concorda com a sugestão saussuriana sobre a
inexistência da ascendência nos termos de uma declinação. A obra de Bataille não é uma obra
profunda, tudo se na superfície e sem hierarquia, a metáfora se espraia por inteiro; circular e explícita, ela não
remete a nenhum segredo, trata-se aqui de uma significação sem significado (ou na qual tudo é significado)
52
. A
permuta de cadeias nas metáforas duplas é uma técnica efetível, pois o paradigma nunca é o
mesmo, o que permite às cadeias uma contigüidade entre si. Os termos se emparelham e o
sintagma é imediatamente sugerido. Então, em um primeiro momento, o ovo quebra e o olho
chora. Mas em um segundo momento, é o ovo quem chora e o olho que quebra.
O embaralhar das cadeias, onde ovos são chorados e olhos quebrados, desenha uma linha
de fuga no sentido do texto. As metáforas paralelas cruzam os sintagmas implicados e termos não
complementares passam a pertencer a cadeias alienígenas. Barthes lembra a lei surrealista de
Reverdy e Breton: quanto mais distantes as relações entre duas realidades, mais forte será a imagem
53
. E as
imagens que Bataille descreve não são desvairadas ou loucas, pois o cruzamento de cadeias não é
aleatório, não é desprovido de sentido mas, pelo contrário, indutor de sentido. O relato se situa
na esfera metafórica não só para variar as regiões, mas para ampliar as séries e liberar a associão
e contigüidade dos termos.
A técnica de Bataille trata de conjugar as metomias. Com isso, uma translação do
sentido que flutua de uma cadeia a outra por meio de diferentes formações metafóricas
54
. A
metonímia, afinal, é tão somente um sintagma forçado, uma violação da unidade do significante.
Ela permite trazer objetos duplamente divididos para dentro de um discurso unitariamente
sólido, duplicando o campo de significação dos termos. O resultado é um sentido fluído, não
estruturado, que não tem efeito sentencioso sobre o objeto. O discurso, por sua vez, se desloca
dentro do espaço e das propriedades do objeto.
VI. Peirce e o referente
O traço distintivo entre a lingüística de Saussure e a de Hjelmslev é que, no esquema do
lingüista dinamarquês, as substâncias do conteúdo e da expressão precisam de uma forma para
funcionar como operadores do significado e do significante. Elas se acoplam para articular um
sentido que nenhum dos quatro campos organiza de maneira independente. Mas tampouco o
esquema de Hjelmslev vislumbra a possibilidade de se localizar o referente, elemento que
57
permitiria considerar uma etapa suplementar da movimentação sígnica cujo início é a formação
de sentido. O referente, assim posto, seria o feixe de relões entre o mundo vivido e a
codificação desse mundo. Isto é, a categoria permitiria analisar o sentido como atualização do
virtual. Quando essa categoria esausente, a teoria replica um jogo de espelhos onde um signo
remete a outro signo, atualizão máxima da proposição nominalista. É nesse panorama que
Peirce desenvolve sua semtica. Um cenário onde o referente tem função meramente nominal
55
.
Fosse possível nos remetermos a uma teoria do sentido dentro da pragmática peirceana,
essa responderia pelo conceito de interpretante imediato, ou acepção, tal como o pensador parece
se referir ao sentido. Este seria o efeito incondicional que o signo repercute, o amplo alcance
produzido mas que se dá imediatamente na mente, sem qualquer reflexão prévia. Seria a
interpretabilidade particular ao signo, anterior a qualquer intérprete. Quando o signo surte efeito
no intérprete, tratar-se-ia de significado (interpretante dinâmico), aquilo que é experimentado em
cada interpretação. A significação, por sua vez, seria o efeito último a que todo signo tende,
dimensão ideal do significado a que o intérprete só pode aceder se o signo receber suficiente
consideração
56
.
O interpretante imediato da pragmática peirceana pode ser descrito como uma abstração
ou certa possibilidade sempre dada, a exemplo dos sentidos atribuídos a uma palavra em geral e
registrados em dicionários ou em um códice determinado. Para Peirce, a semiose é produzida
pela interão entre interpretante imediato (aquilo que o signo exprime; efeito não analisado que
o signo produz) e o interpretante dinâmico (o significado, o efeito do signo sobre quem o
recebe). A tipologia peirceana caminha rumo a uma transcendência do signo, situação ideal em
que o interpretante final (a soma das lições obtidas por meio do signo) termina por afetar a
conduta humana. O desaparecimento do ground do signo cria uma cadeia de significados que
existem em função de significações ideais
57
. Essas significações remetem a uma espiral de relações
recursivas onde é o próprio signo que explica o signo
58
.
Sentido também poderia ser o interpretante geral de um termo; a soma das proposições
sintéticas do interpretante que tende ao infinito. Infinito porque todo interpretante de um signo
torna-se um signo novamente, demandando um novo interpretante e assim intercalando signos e
interpretantes numa cadeia sem fim; processo de regressão ao infinito cujo objeto é ele mesmo
uma representação. Peirce fala em objeto absoluto, um limite em que a seqüência é interrompida
e a verdade da significação resplandece. Mas tanto no começo quanto no fim dessa cadeia de
interpretantes, o sentido de uma interpretação não é outro que não uma representação
59
.
VII. P-sentido
58
É possível tratar da questão do sentido no campo da linguagem sem se ocupar da celeuma
entre sentido e significação
60
. O pré-sentido seria uma dimensão gestacional dos signos mas ainda
não presente no semiose infinita dos signos. Isto é, seria um campo de inferências anterior às
mensagens, plano que antecede a enunciação mas sem o qual não haveria semiose. O pré-sentido
é também o campo do incomunicado, uma dimensão inconsciente do processo comunicacional.
Se o sentido e a significação são conceitos idênticos, então é preciso introduzir uma distinção
operacional. O p-sentido seria uma atividade cognitiva geradora de comunicação, mas abstraída
de seu caráter lingüístico. Esse sentido de que falamos seria, nos termos da lingüística estrutural,
um estrato não formado e inteiramente virtual, e por isso um pré-sentido.
Esse pré-sentido teria a conformão de um pré-sistema e se remeteria a uma pré-
comunicação ou incomunicação. O desenho geral do pré-sentido tem equivalências com o
inconsciente freudiano. Com isso, a teoria da informação e a semiótica delineariam um diagrama
da circulação formal do signo: o plano consciente da comunicação. Haveria ainda um plano
comunicacional outro, gestacional e embrionário, uma instância inconsciente da comunicação ou
um sistema de comunicação dele para consigo mesmo.
Julia Kristeva havia se dedicado ao tema
61
e sugeriu que o paradigma freudiano da
produção de sonhos poderia descrever um processo que o é de troca de sentido ou valor, mas
um jogo permutativo cuja finalidade seria modelar a própria produção do sentido. A contribuição
da psicanálise de Freud para esse debate é a possibilidade de nos remetermos a um sistema
paradoxalmente semiótico e pré-representativo (pré-sígnico), tal como a produção dos sonhos
por ele imaginada
62
. Em consonância com a relação consciente-inconsciente freudiana, esse
sentido seria uma produção o equivalente à comunicação e que, no entanto, se faz através dela.
Mas diferentemente de Freud, esse inconsciente comunicacional não é uma elaboração
mental nem produto do trabalho pulsional. E se fosse interpretável, não haveria contudo
mecanismos de condensão nem de deslocamento, mas apenas uma gica de atualização do
virtual. Portanto, não é uma expressão indireta daquilo que não pode ser dito
63
, mas aquilo que
vi a ser dito. Esse entendimento nos aproxima do entendimento nietzschiano, para quem
haveria um inconsciente puro em contraposição ao substrato freudiano. Esse inconsciente
nietzschiano, no entanto, é inalcaável à consciência
64
.
VIII. Linguagem e informação
Outra corrente que apresenta um entendimento próprio do conceito de sentido é o
interacionismo simbólico, onde a linguagem responde pela formação cognitiva dos indivíduos e
pela ordenação social. Em relações hierarquizadas mas horizontalmente condicionadas pela
linguagem, sociedade, indivíduo e mentes individuais seriam processos de interação interpessoal
59
realizados linguisticamente. O interacionismo simbólico também trabalha com as categorias de
comportamento e ação, mas despidas de suas reminisncias mecanicistas. David K. Berlo,
comunilogo do século XX
65
que trabalhou com o interacionismo simbólico, define a conduta
humana em estágios de interão social e pessoal.
O interacionismo oferecia uma alternativa ao modelo clássico da teoria da informão,
que tinha na circulação mecanicista e linear de emissor-receptor um desenho da interação até
então aceito sem maiores ressalvas. O interacionismo simbólico insere a questão da linguagem,
deslocando o diagrama da informação de caixas estanques para processos sociais. Enquanto
categorias como ação e reação enfatizavam a circulação de unidades, categorias como sentido e
significação vinham para reforçar a noção de processos integrados. Ou seja, de diagramas
independentes que descreviam a circulação de informação, passava-se para esquemas dinâmicos
de interdependência no processo comunicativo
66
.
As categorias de emissor e receptor ainda estão presentes, mas dispostas em relações
interdependentes que sugerem a idéia de processo comunicativo
67
. Isso fica claro quando Berlo
descreve um diálogo imaginário entre dois colegas de trabalho
68
. Falando sobre assuntos
distintos, as mensagens se sobrepõem uma sobre a outra sem réplica do interlocutor, criando
com isso uma conversa cruzada destituída de verificão pela contraparte. Eles não reagem à
mensagem do outro, apenas esperam seu turno para codificar. Essa situão, que Berlo designa
por nonsense, seria desprovida de comunicação uma vez que fonte e receptor dependem um do
outro. Isto é, um elemento só existe em função do outro. Emissor e receptor só existem em
relões interdependentes e simultâneas.
Interdependência e simultaneidade implicam que fonte e receão dependem de um
arranjo físico dos agentes. É necessário que emissor e receptor compartilhem do mesmo
ambiente para se comunicar, ainda que em diferentes pontos no tempo e no espaço. E é o
pressuposto de uma interdependência física obrigatória que explica o conceito de sentido ali
apresentado. Em resumo, a comunicação só é bem sucedida quando fonte e receptor estão no
mesmo espaço de infencias, condição sem a qual a conversa não faz sentido, não informa. Para
Berlo, a linguagem tem função necessariamente persuasiva
69
e o sentido é uma das etapas
necessárias para o sucesso da comunicação
70
. Esse tema habermasiano, desenvolvido por Berlo
de maneira primitiva, vincula comunicação lingüística à persuasão, e os componentes da
linguagem gravitam em um esquema antes informacional que propriamente comunicacional.
Esse entendimento sobre o sentido foi primeiro descrito pelo psicólogo e educador
Charles Egerton Osgood na obra The measurement of meaning
71
, com quem Berlo trava constante
diálogo. Osgood usa o termo sentido para se referir aos julgamentos interiores que os indivíduos
60
fazem. Seria um diferencial semântico que insere um conceito onde antes havia um contínuo de
termos polares, permitindo o julgamento. Com isso, o comportamento das pessoas dependeria
do significado pessoal atribuído às situações cotidianas: atitudes e valores seriam codificados em
processos representacionais ou simbólicos que Osgood entende como sentido. Seria, assim, um
conceito chave para compreender o comportamento das pessoas.
Compreender mas também prever o comportamento, o que seria possível por meio de
medições e quantificações do comportamento humano, identificando comportamentos sociais e
individuais em blocos semânticos que antecipariam comportamentos reais
72
. A técnica de
mensuração do sentido conotativo, que Osgood batizou de diferencial semântico, assume que as
palavras representam coisas, pois produzem nos organismos humanos uma réplica do comportamento existente para
com essas coisas
73
. O sentido e a significão teriam interesse à psicologia, deste modo, tão logo um
estímulo que não é o referente se torna um signo do referente
74
. Seria portanto um sentido
psicológico funcionalizado pela lingua gem
75
. Para Osgood, o sentido é na verdade um dar
sentido, um estado cognitivo que condiciona a compreensão das situações cotidianas
76
.
A pesquisa de Osgood procurava relacionar experimentos práticos com diversas teorias
sobre o sentido
77
. Reconhecendo que o sentido na tradição filosófica é algo infinitamente variável
e avesso à mensuração emrica
78
, Osgood comenta rapidamente as abordagens mais importantes
para seu trabalho de quantificação. De um lado haveria o modelo lingüístico, trabalhado nas
ciências sociais e na antropologia, mas descartado pela lingüística
79
. De outro lado, um modelo
adotado pela psicologia que difere do enfoque filosófico. Enquanto o modelo filosófico se presta
a estabelecer as condições gicas necessárias à significão (um sentido portanto semântico), o
modelo de Osgood teria por objetivo as funções comportamentais de um organismo que são
mediadas por signos e significados.
Osgood faz referência a um sentido psicológico, um processo de medião que traça
distinções entre diferentes estados que o organismo reconhece e nomeia. Para além das relações
entre sentido e significação, o psilogo americano quer entender como os signos são utilizados
interiormente pelos indivíduos. É essa preocupação de natureza operacional que contornos ao
conceito de sentido nas ciências da informação. O mesmo conceito se replica na teoria
comunicacional de Berlo e fundamenta seu entendimento de comunicação e interação. Na teoria
da comunicação de Berlo, assim, o sentido alude a técnicas de fazer sentido, isto é, de se fazer
compreender, de se comunicar com pouca ou nenhuma interferência
80
.
IX. Discurso e sentido
61
Um entendimento sobre o sentido diametralmente oposto ao do interacionismo
simbólico aparece na análise do discurso de Michel Pêcheux
81
. Se para Berlo e Osgood o sentido
estava nas pessoas, para Pêcheux ele não esnem nas pessoas, nem nas coisas, mas no instante
em que os atos verbais tomam forma, no entrelaçar histórico entre lugar social e prática
discursiva. Discursos seriam conjugações da significação, efeitos de sentido entre interlocutores
diversos cuja historicidade não é auto-evidente. Herdeiro do estruturalismo de Louis Althusser,
Pêcheux procura por uma estrutura invisível no discurso, um elemento de ordenação abstruso
que conduz o tecido social.
O conceito de sentido em Pêcheux tamm tem influência lacaniana. Se o psicanalista
francês definia o desejo como uma metonímia que não tem fim, haja vista que o desejo é sempre
o desejo do outro, Pêcheux define o sentido como uma metáfora, um deslocamento entre termos
ou a tomada de uma palavra por outra. Com isso, a significação não estaria localizada no valor de
referência de um termo, tal como definida por Frege e comentada por Wittgenstein. Pelo
contrário, a análise do discurso de Pêcheux tem no conceito de metáfora seu operador do
sentido, um elemento que remete a uma significação inefável porquanto em transfencia
constante. A metáfora é, ela mesma, o único modo de significação.
As palavras teriam sentido metafórico e não literal. Depois de se desfazer da noção de
significação oriunda da lógica, Pêcheux propõe um conceito de sentido que, curiosamente,
retoma o nominatum do nome, a significação, mas denominando-a sentido. Na análise do discurso
de Pêcheux, sentido é sempre uma palavra, uma expressão ou uma proposição tomada por outra
palavra, outra expressão ou outra proposição. Os nomes transferem significações entre si, e o
processo como um todo seria gerador de sentido. Em outras palavras, o sentido para Pêcheux é
uma relação de significação invertida. Sentido seriam as relões de metáfora (substituição,
paráfrase ou sinonímia), deslocamentos da significação de um termo a outro.
Conceitos que orquestram o sentido seriam: sujeito, contexto, ideologia e discurso. Para
Pêcheux, o sujeito é produto de uma estrutura que lhe ultrapassa, refém de um lugar na
construção do sentido. Ou seja, é um ponto imóvel dentro de uma matriz inescapável que lhe
bloqueia toda movimentação. Quem se desloca são os efeitos de significação, isto é, o sentido,
cuja movimentação dentro da matriz constitui metáfora. Mas tampouco a metáfora é um regime
de signos livre, pois é regida por posões ideológicas que condicionam o uso contextual das
palavras e expressões
82
. Não haveria portanto enunciação individual ou expressão, mas apenas
enunciados coletivos. Embora Pêcheux se remeta a uma análise do discurso cujo conceito central
é o sentido, sua teoria prevê uma formação discursiva em que só há sentido em cadeias
discursivas sócio-históricas, foas instrumentais da ideologia.
62
Outra abordagem contrária ao valor de refencia como componente anterior ao sentido
é encontrada em Jacques Derrida. Mas diferentemente de Pêcheux, Derrida oferece uma leitura
da circulação de sentidos para além do estruturalismo lingüístico
83
. É um sentido descolado de
verdades discursivas, contextuais ou ideológicas. A relão se inverte: primeiro a diferança (ou
diferência
84
, conforme outra tradução do termo différance) fornece sentidos possíveis, e só então
se desvela a referência às coisas ou verdades textuais. Se o positivismo gico entendia o sentido
como uma função dos valores de verdade, Derrida inverte a rmula ao sugerir que a verdade é
que é uma função das derivões de sentido, da diferança.
A diferança é um conceito difícil porque remete àgica interna do texto, e não à
exterioridade plástica do discurso. Ao comentar as proposões conceituais apresentadas em
Gramatologia, Derrida define-a como recalque e não esquecimento; recalque e não excluo. O recalque,
como bem diz Freud, não repele, não foge nem exclui uma foa exterior, contém uma representão interior,
desenhando dentro de si um espaço de repressão. Aqui, o que representa uma foa no caso da escritura interior
e essencial à palavra foi contido fora da palavra
85
. Essa força interior e essencial à palavra, mormente
oculta no texto, é descortinada pelo desconstrutivismo de Derrida. Haveria em toda escritura
uma presença e uma ausência, cujo enigma da presença como duplicação é a diferença, isto é, o
domínio da ausência como palavra e como escritura.
O desconstrutivismo de Derrida torce os eixos de coerência do discurso. Sua metactica
faz uma leitura atenta dos fisofos ocidentais e desestabiliza os pontos de sustentão do
pensamento filosófico
86
. Derrida entende que a linguagem é condicionada por uma ambigüidade
intrínseca; um sistema que nunca se fecha inteiramente. O sentido, para Derrida, é uma
manifestação estranha e fantasmática que se desprende da linguagem, uma imagem de todo
diferente daquela proposta pelo positivismo lógico, cujo conceito de sentido é atomístico,
derivação necessária de termos e proposições que se pressupõem autônomas e não dependentes
de outras palavras para encadear sentido. Para Derrida, o sentido é arranjado em uma rede de
elementos ocultos. O sentido não esportanto em termos isolados, mas na relação de um termo
para com um fora, na abertura latente que a linguagem sujeita toda escritura.
Um sentido assim proposto contrasta também com a acepção fenomenogica
87
, que
abordaremos no próximo capítulo. E guarda afinidades com Saussure e Wittgenstein, ainda que
para Derrida a linguagem não seja um meio de expressão neutro, uma ferramenta de
representação do mundo (como queria Wittgenstein), mas uma produção textual grafada pela
diferança. E embora o sentido seja dado sempre pelo contexto, como frisava Pêcheux, Derrida
adverte no entanto que o contexto não permite saturação, que o sistema da linguagem não é
63
pleno nem tampouco fechado em si mesmo. Se Saussure pensava na linguagem como um sistema
fechado, Derrida elege a abertura sistêmica como sua característica primeira.
Uma diferença fundamental entre Derrida e os autores até aqui abordados é que o
pensador francês o procurou desenvolver qualquer teoria sobre o sentido. Sua abordagem anti-
representacional tem por objetivo questionar as assunções metafísicas que servem de subsídio
para as teorias tradicionais do conceito, fundadas sobre valores como verdade, ser, subjetividade
e no flagrante privigio da substância nica em detrimento da escritura. Sua crítica às teorias
tradicionais sobre o sentido, especialmente a fenomenologia e o estruturalismo, não resulta na
elaboração de um sistema conceitual definido, ou resulta apenas no desconstrutivismo.
Mas a variedade de termos e estilos que marca seu trabalho, conjugado a um poliglotismo
enciclopédico, pontua considerações sobre o sentido que não o restringem ao âmbito da
linguagem. Explorando o contracampo do texto, aquilo que não está incluído no discurso,
Derrida faz aflorar compreensões e intuições de dentro da própria tensão natural da escrita,
mormente omitidas pela consecutividade serial que o texto impinge. Seria preciso atentar para o
que o texto não mostra, pois a gerão de sentidos é uma operação da linguagem baseada em
oposões conceituais. A diferança não é nem uma palavra nem um conceito, é uma dimensão ao
mesmo tempo ativa e passiva, diferindo e deferindo
88
. Toda oposição conceitual (natureza e
cultura; bom e mau; razão e emão) seria efeito do jogo da diferança, diferindo quando a
extensão é espacial e deferindo quando a extensão é temporal. Sentido, com isso, é
invariavelmente uma extensão prolongada no futuro
89
.
Não existe um presente do texto para Derrida, nem tampouco um texto presente-
passado, isto é, um texto passado como tendo sido presente. Isso porque o texto não é pensado
na forma da presença. Derrida fala em um texto inconsciente
90
que é tecido de diferenças, texto em
parte alguma presente, constituído por arquivos que são sempre transcrições. A natureza originária do
texto seria a reprodução, oferecendo com isso depósitos de um sentido que nunca esteve presente, cujo
presente significado é sempre reconstituído mais tarde, nachträglich
91
, posteriormente, suplementarmente.
Nachträglich também significa suplementar
92
. Assim, houvesse um conceito de sentido em Derrida, ele
não estaria no texto, mas na diferança, esse atributo diferente e demorado (afastado das
recordações) e que contorna as sombras do entendimento. Algo que está no texto mas que
precisa ser trazido à tona, relembrado, espécie de inconsciente epistêmico que permeia a escritura.
X. Eidos da língua e o incorpóreo
Outra abordagem dissonante dos signos e da língua nas ciências da linguagem é
apresentada por Vilém Flusser. Para ele, quando as ciências da linguagem falam de ngua, estão
64
tão somente classificando as aparências do exprimível, descrevendo componentes da realidade. A
língua, assim tomada como aparência, não permitiria uma investigação ontologicamente primordial
93
.
Flusser propõe então uma espécie de epoché
94
fenomenológica em relação à língua, para reabrir os
canais de entendimento que a codificação cientificista da área bloqueou. A idéia é reconquistar
uma ingenuidade frente à língua que se perdeu no curso das investigações sobre o tema. Essa
reconquista da ingenuidade, um paradoxo em si mesmo, permitiria uma aproximação da língua
despida de conhecimentos acumulados e que seriam utilizados apenas posteriormente, para então
apalpar o centro, o eidos da ngua.
Flusser entende que o cientificismo na linguagem não atinge a dimensão do sentido. O
corpo científico de análise da língua só captura uma pequena fração do pensamento, aquela
responsável pela compreensão, reformulação e criação de palavras ou frases. Haveria muito mais
no pensamento, haveria todo um mundo de silêncios para dentro do qual os pensamentos (as frases)
desembocam e dentro do qual evaporam
95
. Se as ciências da linguagem tratam da infra-estrutura do
intelecto, diz Flusser se valendo do axioma de Marx, é ainda mais dicil abordar a superestrutura,
plano onde o uso de nomes é difícil pois as palavras falham em lhe significar. Seria esse mundo
do esrito, da intuição e da visão imediata , que formaria a copa do pensamento, e não seus
mecanismos internos. Para Flusser, o sentido é um plano que vida à língua:
Nada mais s e pode di zer s obre ele, a o ser que ele é o sentido, isto é, a dirão na qual os pensamentos do
intelecto correm e qu e repr esenta um limi te superior da língua. S endo supra-lingüísti co, é supra-real, e neste
sentido: irreal, do ponto d e vista do int electo. Deve s er considerado neste contexto somente como dando
sentido, isto é, direção, aos processos da língua. Angua aparece, des te ângulo, como um processo
procurando superar-se a si mesmo.
96
Flusser entende que o processo de irradiação e absorção de signos é apenas uma das
muitas camadas da conversação, terminologia na qual o intelecto se afigura como o lugar dentro
da conversação onde as informações surgem ou são acumuladas. Nessexico particular, de
autêntica inspiração heideggeriana (para quem os homens o uma conversação que comou com os gregos),
a cibernética seria a ciência que estuda os processos de conversação da ngua
97
. Flusser prefigura
assim a possibilidade de cérebros eletrônicos participarem dessa conversação paisagem
sonhada por Alan Turing mas dificilmente imaginada por Heidegger cumprindo entretanto
com a restritiva função de intelectos. Agentes eletrônicos não seriam por isso o ser-aqui
(Dasein) heideggeriano, isto é, existências nangua, embora participantes da conversação. O
esquema de Flusser permite ver que no jogo de interões que formam a ngua diversas
instâncias e nem todas participam da formação de sentido. As camadas superiores, como o pensador
tcheco denomina o sentido, seriam vedadas a tais participantes
98
.
Como Flusser, também Deleuze entende o sentido como instância extra ou supra
lingüística. Vinculando sentido e acontecimento, o filósofo francês distingue a fala (manifestação)
daquilo sobre o que se fala (designação) e ainda daquilo que se fala (significão). Nenhuma
65
dessas instâncias da linguagem compreenderia o sentido, pois nos instalamos de antemão no sentido
para operar toda designação
99
. Em referência a Lewis Carroll, o sentido seria como a caça ao Snark de
As Aventuras de Alice no Ps das Maravilhas
100
que, apontando diferentes maneiras de tratar o
sentido, aponta também para a diferença entre significação e sentido. As palavras, não suficientes
em si mesmas, dependeriam dessa manifestão incorpórea que não está nas coisas nem no
espírito, que não tem existência sica ou mental. O sentido seria apenas inferido nas dimensões
ordinárias da proposição, que depende do seu poder de gênese
101
. Se a proposição é
representacional, ela não é contudo expressiva. É o sentido que expressa a representão,
qualidade que o objeto representado não tem por si só.
Por ela mesma, a repres entação é abandonada a uma relação somente extrínseca de semelhaa ou de
similitude. Mas seu caráter interno, pel o qual ela é intrinsecamente ‗distinta‘, adequada ou compreensiva‘,
provém da maneira segundo a qual ela compr eende, segu ndo a qual ela envolve uma express ão, embor ao
possa repres entá-la. A express ão que difere em natureza da repr esentação não age menos como o que está
envolvido (ou não) na repr esentação. Por exemplo, a perceão da mor te como estado de coisa e qualidade
ou o conceito de mortal como predicado de significação, permanecem ex trínsecos (destit dos de sentido)
se não compreendem o acontecimento de morrer como o que s e efetu a em u m e se exprime no outr o. A
representação deve compreender uma expr essão q ue el a o representa, mas s em a qual el a o s eria el a
mesmacompr eensiv a, e o teria verdade senão por acaso e de fora. Saber qu e somos mortais é um saber
apodíti co, mas vazio e abs trato, qu e as mortes efetivas e su cessivas não bastam certamente para preencher
adequadamente, enquanto não aprendermos o morrer como aconteci mento impessoal provido de uma
estrutura probletica sempre aberta (onde e quando? ).
102
Retomando os Estóicos, Deleuze comenta a série dos seres (o correo) e a série dos
acontecimentos (o incorreo) para explicar que o sentido seria um acontecimento lingüístico
103
que se realiza no encontro dos corpos. Um efeito não necessário que se depreende dos corpos
em choque, uma mistura que não lhes altera a natureza mas produz um outro
104
, o
acontecimento. O sentido não se no plano da sica e dos corpos, mas no limite dos corpos e
das coisas, nos efeitos de supercie (plano dos incorporais e dos acontecimentos).
O incorpóreo é como o simulacro de Platão. É um elemento desprovido das
características do objeto original. Não é nem uma coisa nem um estado de coisas. Mas os estóicos
invertem a suposta negatividade do simulacro
105
. Se Platão entendia por simulacro aquilo que se
furtava à Idéia, os estóicos os imaginam como o limite dos corpos, o expresso que sobe à
superfície e torna-se sentido. O exemplo recorrente é o de uma árvore verde
106
. Para Aristóteles, a
árvore é uma substância, um ser em si, e o atributo verde é inferior em relão à árvore, pois só
existe em função dela. Os estóicos revertem Aristóteles ao dizerem que tanto a árvore como o
verde são seres, enquanto o verdejar é um acontecimento na superfície da árvore e do verde. A
hierarquia da árvore em relação ao verde se quebra, e a preeminência da ontologia lugar a uma
relão que envolve corpos e incorporais
107
, ser e extra-ser.
O mesmo se aplica à linguagem. Quando uma palavra é pronunciada, algo envolve a frase
ou os termos e uma nova manifestação surge. Assim, os signos se associam uns aos outros, como
corpos, e um atributo é desprendido dos corpos quando a fala expressa algo (por exemplo, o
66
verdejar da árvore). Esse atributo incorpóreo da linguagem atende pelo nome de sentido. Assim,
os elementos da linguagem seriam corpos que flutuam na série dos seres que, quando se chocam,
produzem um elemento incorpóreo
108
: o sentido. O sentido não seria um evento necessário, mas
uma ocorncia da linguagem. Um acontecimento incorporal de todo fortuito.
Outra contribuição dos Estóicos para a lógica do sentido deleuzeana é sua relação causal
não necessária, ou seja, o conceito de compossível que lhes permite opor destino a necessidade
109
.
Negando a vinculação de causas a profundidades e de efeitos a superfícies, os Estóicos concebem
o paradoxo de quase-causalidades e quase-causas incorporais, cujo resultado é romper com a
idéia de necessidade. O paradoxo estóico é afirmar o destino, mas negar a necessidade
110
. Deleuze entende
que os Estóicos teriam no paradoxo tanto um instrumento de análise da linguagem como um
meio de síntese dos acontecimentos.
Essa ciência dos acontecimentos ou ciência dos paradoxos conjuga da aporia de Wim
Tigges, que entende que uma situação nonsense não se caracteriza por ausência de sentido, mas por
superabundância de sentido
111
. De maneira análoga, Deleuze sugere que o nonsense promove o
sentido, que entre um e outro uma relação que não é a do verdadeiro e do falso e que não
admite a exclusão
112
. Apresentando sua teoria do sentido como uma série de paradoxos, Deleuze
vê no nonsense um plano pré-lingüístico onde os signos são virtuais, amguos e indeterminados
113
.
O sentido atualizaria versões do nonsense, que é aquilo que não foi ou o que passou. É ele
mesmo o phylum, a matéria o formada, um sinal sem forma e contingente. Essa conformação
paradoxal do sentido, herança de inspiração notadamente estrutural, leva Deleuze a caracterizá-lo
como casa vazia e objeto supranumerário, lugar sem ocupante e ocupante sem lugar.
O problema do sentido assim formulado teria sido uma crião dos Estóicos no ano III
a.C., subsumida no conceito de lekton
114
. Gregório de Rimini e Nicolas d‘Autrecourt, no século
XIV, e Alexius Meinong, no século XIX, retomariam o sentido como um problema da filosofia
transcendental. Mas é sobretudo na busca dos Estóicos pelo acontecimento, isto é, aquilo que
acontece enquanto acontece, que Deleuze encontra os subsídios necessários para formular um
conceito de sentido
115
como acontecimento incorporal exprimível em oposição à imagem
representacional do campo da linguagem. Sentido , então, é uma expressão que o se reduz ao
designado ou ao significado. Haveria no sentido uma neutralidade com relação ao particular e ao
geral, uma singularidade impessoal e pré-individual. É uma dimensão propriamente fenomênica.
67
NOTAS
1
Merleau-Ponty, Maurice. A Prosa do M undo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.32-33).
2
And then, lis teni ng to someone who is transl ating from another language involves a fluctu ation, a hesi tation over
the words, a margin of indecisi on, something vague, ten tativ e. Calvino, Italo. If on a Wint er s Night a Traveller.
London: Random Hous e, 1979. (p.67).
3
A autora lembra que sentica aparece como disciplina lingüística na obra de Bréal, em seu Ensaio de semânti ca,
publicado em 1897.
4
Teixeira, Marlene. Análise de discurso e psicanálise: elem ento s para um a abordag em do sentido no di scurso . Porto Alegre:
Edipucrs, 2005. (p.192).
5
E continua:Enquanto as especul ões filosóficas fazem-se em torno do ‗por qu ê?‘, a lingüística procur aria
desmontar os mecanismos complexos do ‗como?‘ isso significa. O domínio da lingüística é, assi m, a análise do
funcionamento e não a dos termos isolados anális e das combinações imanentes em um sistema.‖ Idem.
6
Trata-s e da nota de rodapé número 10: o fiz distinção entre os termos sentido/sig nificado/significação. Utili zo,
preferentemente, neste trabalho, a palavra senti do. Idem, p.192.
7
E continua: O a-semanticismo da lingüística histórica vira um anti-semanticis mo na lingüística contemporânea,
especialmente em Chomsky e em s eu precursor no es truturalismo nor te-americano, Bloomfield. Domina a tese de
que o conteúdo s entico das express ões lingüísticas é cientificamente insondáv el e que é mel hor se ocupar com a
fonologia, a morfologia e a sintaxe. Ibidem, p.193.
8
Problema enfrentado por tr adutores e comentadores de Frege, que escrevi a em alemão. A distião tr ada pelo
lógico entr e Sinn (sentido) e Bedeut ung (significão) é normal mente tr aduzid a por sense (sentido; Sinn) e reference
(significão; Bedeut ung). Mas não há consenso. Russell tr aduz Si nn (sentido) por meani ng, enqu anto Alonzo Church
opta por sense. Carnap ex põe difer entes teorias do sentido, e a d esignação do conceito vari a entr e connotatum e
connot ation, sendo sense, entretanto, a oão preferencial. Carnap tradu z ainda Bedeutung (significação) por nominatum,
enquanto Russell e Church optam por denotation. Para uma d escrição completa dos termos fregeanos traduzidos para
o inglês, além de sentido e significão, v er Car nap, Rudolf. Meani ng and Necessity: a St udy i n Semantics and Modal Logic.
Chicago: Univ ersity of Chicago Press, 1956. (p.118). Os termos escolhidos para tr aduzir Si nn e Bedeutung por Russ ell e
Church estão em Church, Alonzo. Introduction to Mat hematical Logic. New J ersey: Princeton, 1996; Russell, Bertrand.
An Inqui ry into m eaning and truth. Lond on: George Allen and Unwin, 1976 e Russell, Bertr and. The principles of
mathematics. New York: W. W. Nor ton & Company, 1996. O livro de Carnap oferece uma exposi ção completa das
teorias do sentido dentro da lógi ca, tendo por base o trabal ho seminal de Gottlob Frege. Outro sintoma da confusão
generalizada é a tradu ção da obra Lógica do sentido de Gilles Deleuze, que discu tiremos ao fim deste capítulo. Ainda
que o título do livro tenha sido v ertido para Logic of sense, comentador es diversos se referem a ele por Logic of meani ng,
especialmente Ronal d Bogue. Ver a ess e respeito Deleuze, Gilles. Logic of Sense. New York: Columbia Univ ersity
Press, 1990 e Bogue, Ronald. Del euze and Guattari. New York: Routl edge, 1989.
9
Shvejcer, Aleks andr Davìdovich. Teorija perevoda: status, pro blemy, aspekty. Moscou: Nauka, 1988.
10
Esse argumento, qu e não esconde seu radi calismo, entende como inútil o trabalho d e regis trar um dicionári o
bilíngüe afinal, como seria possív el d escrev er o sentidoexato‖ de u ma palavra com termos de ou tra língua? ,
mas ad mite como provei toso o tr abalho de escrev er um dicionário monolingüe, em vista de se tratar de uma
descrão arranjada dentro do mesmo código.
11
Para Shvejcer, interpretar u m texto é identificar as designões (oboznachenija) dadas em certo sistema d e sentido de
uma língua. Traduzir um texto, por outro lado, seria encontrar no metatexto sentidos qu e sejam condizentes com
aqueles do prototexto. Nos estudos de tr adução, prototexto é o sistema cultural de onde se quer que algo seja
traduzido, e metatex to, o sistema cultural para o qu al se quer v erter um tex to. Quanto maior a distância dess es t extos
entre si, mais freentes são as incongruências entre significão e s entido. Quanto m ais afastados são os planos que
lhes formam, mai or é o fosso entre designação lingüística (significação) e sentido cul tural (sentido). A esse respeito,
ver Shvejcer, Aleks andr Davìdovich. Teorija perevoda: st atus, problemy, aspekty. Moscou: Nauk a, 1988. (p.113) e Svejcer,
Aleksandr Davìd ovich. Co ntemporary So ciolinguistics: Theory, Problems, Met hods. New Jers ey: B arnes & Nobl e, 1986.
12
Vygotsky, Lev S emionovitch. Izbrannye psi hologicheskie i ssledovanija. Moscou: 1956. (p.370).
13
Shvejcer, Al eksandr Davìdovich. Teo rija perevoda: st atus, problemy, aspekty. M oscou: Nauk a, 1988. (p.114). Ver
tamm Sv ejcer, Aleks andr Davìdovich. Co ntemporary Socioli nguistics: Theo ry, Pro blem s, Metho ds. New J ersey: B arnes &
Noble, 1986 e Svejcer, Aleks andr Davìdovich. Intro duction to Sociolingui stics. Amsterdam: John Benj amins Pub, 1986.
14
Na tradução de Bruno Osi mo: ―Meaning is a linguistic, i.e. systemic, category, therefore meani ngs of single
linguistic uni ts in the different languag es can be incongruent by many parameters (con tents descriptions, volu me and
place in the s ystem) [while sense] is a category of communication, it doesn‘t depend on the differences between the
languages and can be express ed through different linguisti c means i n different languages. L‘Vovskaja, Z. D.
Teoreticheskie pro blemy perevoda. Moscou: Nauk a, 1985.
15
Pottier, Bernard. Li ngüística Geral: Teori a e Descri ção. Rio de Janeiro: Presea, 1978. e Potti er, Bernard, mantique
générale. Paris: PUF, 1992.
68
16
A apresentação greimasiana do sentido comotranscodificação de significações‖ subsu me o conceito de sentido a
uma função da significação. Greimas entendia que o conceito de sentido era, por definição, indefinível. Ver Gr eimas,
A. J. e Cour tés, J. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Cultrix, 1979.
17
Os estud os de tr adução concordam com a distinção presente na lógica fregeana, onde o plano do sentido é u m
elemento que o se confunde com a significação e o significado. Tamm incorpor am o pensamento de
Wittgenstein, para quem a compreensão do sentido se faz pelo uso.
18
As teorias da tradução entendem qu e a significação tem uma resiliência adstrita. Isso porqu e a correspondênci a
lingüística de uma se ência de ter mos qualqu er, como a pros aica situ ação na qual, ao atender ao telefone, falamos
você discou o mero errado, para ou tras línguas teria um resultado desastroso. Sem a correspondência das
situações contex tuais, tradu ziríamos a prosaica frase por você escolheu errado, como dizem os alemães, ou ―você
o acer tou l á‖, como di zem os russos. Naturalmente, ningm age assim, pois basta perceber qu al é a si tuação
correspondente e reinterpr etá-las segundo o código da outra lí ngua.
19
Essa distião fica mais clara no exemplo tr abalh ado por Teixeir a Coelho: Uma pess oa vê-s e diante do signo
macutena. Supondo-se que não conheça previ amente seu significado, o que ela v êé um simples significante, estando
no máximo autorizada a dizer (pelo modo como a palavra está composta) que se trata de um possív el signo. O f ato
deo conhecer o significado desse signo não implica, naturalmente, a inexistência desse significado: Trata-se
portanto de um signo perfeito, com significante e significado. Para essa pessoa, porém (que o conhece seu
significado), esse signo não tem significação. A partir do momento em que algm lhe di z: o significado de macut ena é
pessoa azarenta, ela está em condições de unir esse significado ao significante dado, formando-se aí, para ela, a
significão do signo. Inv ersamente ao que supunha R. Bar thes, a significão é uma ques o fenomenol ógica,
sendo passível de delimitação e des crição numa manifestação concr eta e isolada. Teixeira Coelho Netto, José.
Semiótica, Info rmação e Com unicão - Diagrama da teoria do sig no. São Paulo: Pers pectiva, 1999. (p.23).
20
A esse res pei to, ver Nor mand, Clau dine (org.). La quadrature du sens. Paris: Press es U niversitair es de France, 1990.
(p.23-24).
21
O valor é um domínio mais amplo qu e a significão, pois embora o termo francês mo uton e o termo ings sheep
tenham significão equivalente, o têm o mes mo v alor, já que a equivalênci a dos ter mos implica na comparação da
palavra que tem v alores s emelhantes com outras palavras que lhe são opostas. Entr etanto, ao comentar Claudine
Normand, Marlene Teixeir a alerta que o valor é tamm um el emento da significação, pois a análise dos valores
opera sobre os d ois eixos, o das combinações lineares (em pr esença) e o das associações vir tuais (em ausência).
Qualquer el emento de uma frase se encontra na intersecção desses dois eixos, u ma v ez que entra numa combinação
e seu lugar pode ser ocupado por um outro elemento, contanto que este último tenha as mesmas propried ades
combi natórias. Se déf aire (desfazer) é um sintagma é porque ele se apóia em duas séries d e associ ações: coller
(des colar), placer (desl ocar ), découdre (des costur ar), etc. e faire (fazer), refaire (refazer ), contrefaire (contrafazer), etc.
Teixeira, Marlene. Análise de discurso e psi canálise: elemento s para um a abo rdagem do sentido no discurso . Porto Alegre:
Edipucrs, 2005. (p.123).
22
O valor de um signo é formado pelas relações de vizinhaa com outros signos, ou seja, pela sua posi ção dentr o
do sistema lingüísti co, reciprocamente traçada pelos el ementos da língua. Saussure entende qu e uma mensagem se
compõe d e div ersos signos, cujos valor es se o uns em relação aos outros. entre signos e contrapar tes uma
dinâmi ca pautada pelo v alor ou posição, que afeta e é afetad a pela significação. Assim, o termo globo‖ pode r emeter
tanto ao planeta que habi tamos ou à rede de televisão brasileira, d ependendo do entorno ou do contexto onde a
palavra aparece. Com iss o, os termos definidos no léxi co só adquirem valor lingüístico no conjunto do sistema. Ver
Saussure, Ferdinand. C urso de Lingüí stica Geral. São Paul o: Cultrix, 1973.
23
Para Saussure, o pensamento é uma mass a confusa de iias que a língua vem ordenar: Nosso pens amento o
passa de uma massa amorfa e indisti nta. Filósofos e lingüistas sempre concordaram em reconhecer que, sem o
recurso dos signos, seríamos incapazes de distinguir duas idéias de modo claro e constante. Tomado em si, o
pensamento é como uma nebulosa onde nada está necessari amente d elimitado. o existem idéias preestabelecidas,
e nada é distinto antes do aparecimento da língua‖. Idem, p. 130.
24
Ver T eixeira Coel ho Netto, José. Semióti ca, Info rmação e Com unicão - Diagrama da teo ria do signo. S ão Paulo:
Perspectiva, 1999. (p.23-24).
25
Enquanto a semiol ogia trabalha com um sistema fechado em si mesmo, puro e isento de qualquer
transcendentalismo, a semióti ca ali menta-se de u ma filosofia trans cend entalista que procura nos efeitos práti cos o
significado de uma proposição, ao inv és de procurá-lo no jogo de relações internas ao discurso.
26
Hjelmsl ev, Louis. Prol égones à une T héorie du Langag e. Paris: Minuit, 1971.
27
Deleu ze, Gilles & Guattari, Félix. Mil platôs. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. Vol. 2.
28
A tradução ingles a do termo é purport. Ver: Hjelmslev, Louis. Prolegomena to a T heory of Lang uage. M adison: Univ ersity
of Wisconsi n Press, 1961.
29
Proced endo inversamente, Hjel mslev parte de u m morfema e segue em a direção a u m signo- enunciado e por fi m
a um signo-texto na língua, per mitindo assi m a comparação entre enunci ados de diferentes nguas e indicando essa
zona de s enti do comu m, uma i nstância que não s e resume ao contínuo amorfo saussuri ano. A esse respeito, v er:
Hjelmslev, Louis. Prolégom ènes à une T héorie du L angag e. Paris: Minuit, 1971.
69
30
Para Hj elmsl ev, sentido é o que permite a comparação de diferentes textos, extraindo deles o que de comum a
todos. É uma função entre a es trutura do texto e os el ementos qu e lhe produzem diferea. Tex to é um conju nto de
cadeias sintagmáticas em cons tante r elação com o sentido. Cad eia, por sua v ez, é a classe (o obj eto submetido à
análise) no interior de u m processo s emiótico. Foss e possível ampli ar as cadeias si ntagmáticas indefinidamente, os
sentidos transbordari am o conjunto mico, o conjunto analisável de signos que l hes empr esta unidade. De todo
modo, o tex to (ou processo lingüístico) é um eixo da linguagem que só existe correlacionado ao eixo da língua (ou
sistema lingüístico). Paralelo aos dois eixos hav eria dois planos: de conteúdo e de expr essão. Além d essas
composições duplas, haveria ainda três traços distintiv os sem os quais não se poderia falar na existência de u ma
linguagem: a comutação, is to é, as relações entre expressão e conteúdo; a combi nação, as r elações entr e unidades
lingüísticas e, por fim, a não-conformidade. Hj elmsl ev apr esentou esses cinco traços dis tintivos da linguagem em um
curso mi nistrad o na Universidade de Londres em 1947, cujo tex to A es trutura fundamental da linguagem‖o
consta na edição brasil eira de Prolegômenos a uma T eoria da Ling uagem. Ver a esse respei to, Hj elmslev, Louis. Prol égomènes
à une théori e du l angage. Paris: Minuit, 1971. (p.177-231). Sobr e o conceito de texto e sentido em Hj elmslev, v er B adir,
Sémir. A no ção de texto em Hjelmslev. C ader nos de S emi ótica Aplicada. Vol. 3, . 2, Dezembro de 2005 e T eixeira
Coelho Netto, José. Em Cena, o Sentido. São Paulo: Duas Cidades, 1980. (p.15;43;109-119).
31
Se o s entido pode s e mostrar como sendo o mundo do ‗senso comum‘ é porque ele se deixa v er também como o
referente co nceptualizado de qualqu er signo, referente resultante das semioses das comu nidad es no decorrer do seu
vivido histórico, ou seja, referente semioti zado‖ Beividas, Waldir. Sentido e forma na estrutura do signo. Revista Alfa, .
27. São Paulo: Unesp, 1983. (p.9-22). (p.11-12).
32
Foi apenas em 1964 q ue J ean Starobinski publicou parte dos escritos do lingüis ta. S aussure estudou os anagramas
de 1906 a o iní cio de 1909, segundo informa o próprio S tarobinski. Os arquivos totalizam cerca de 10.000 páginas,
entre folhas com anotações e cadernos, nem todos totalmente preenchidos. As anotões sobr e os cursos
ministrad os entre 1907 e 1911, relacionadas ao Curso de lingüí stica geral qu e seria publicado em 1916, supõe-s e, dev em
ter sido destruíd as pel o autor. Segundo Jean-Cl aude Milner, citado por Marlene Teix eira, Saussur e não permitiu a
publicação das notas sobre os A nagramas pois temia perder sua repu tação de bio, que poderia ser abalada por ter
acredi tado reconhecê-los. Ver Milner, Jean-Claude. Ordres et raisons de langue. Paris: Seuil, 1982. (p.336).
33
A respeito dos anagramas s aussurianos, utilizamos os livros d e Marlene T eixeira, Jean-Claude Milner, Jonathan
Culler, Françoise Gadet e Michel Pêcheux como guia par a o debate. Vera Colucci se dei tou sobr e o tema, embora
seu artigo, bastante s ucinto, caminhe par a uma discussão dentro dos quadros da psicanális e lacaniana. Paul Henry
tamm tem um instigante artigo sobre o tema, além do controv erso ensaio de Hakim B ey. A esse r espei to, ver
Colucci, Vera Lúcia. Algumas refle es sobre o o utro necesrio à escrita. Estu dos Lingüísti cos XXXIV, p. 345-349.
Campinas: Unicamp, 2005; Teixeira, Marlene. A nálise de discurso e psicanáli se: elementos para um a abo rdagem do sentido no
discurso. Porto Al egre: Edipucrs, 2005; Milner, Jean-Claude. O amor da língua. Porto Alegre: Artes M édicas, 1987;
Culler, Jonathan. As idéias de Saussure. São Paulo: Cultrix, 1979; Gadet, Françoise & Pêcheux, Michel. La langue
intro uvable. Paris: Masper o, 1981; Henry, Paul. Sens, sujet, origine. Linx, Université de Paris X Nanterre, n.19, (p.29-
42), 1988 e Bey, Hakim. T AZ: Zona Au noma Temporária. São Paulo: Conrad, 2001; Starobinski, J ean. As palavras sob
as palavras: os anagramas de F erdinand de Saussure. São P aulo: Editora Perspectiva, 1974.
34
Essas definições incluiriam:1. reproduzir por escri to como u m escrivão, um secretário; 2. sublinhar por meio da
pintura os traços do ros to e 3. sublinhar um nome, u ma palavra, esforçando-se por repetir-lhe as sílabas, e dando-lhe
assim uma s egunda maneira de ser, fictícia, acrescentada, por assim dizer, à forma original da palavra. Starobi nski,
Jean. As palavras sob as palavras: os anagramas de Ferdi nand de Saussure. São Paulo: Editora Perspectiv a, 1974. (p.24). O
autor acr escenta qu e em um dos cadernos dedicados a Lucrécio, Saussur e suger e ainda ou tra denominação:
paragrama. Anagrama, por oposição a Paragrama, será reservado ao caso em que o autor se contenta em dispor
num pequeno espaço todos os elementos da palavra-tema, aproximadamente como no ‗anagrama‘ segundo a
definição, e qu e representa em ger al apenas uma parte ou acidente do paragrama. Idem.
35
Colucci, Vera Lúcia. Algumas reflees so bre o outro necessário à escrita. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 345-349.
Campinas: Unicamp, 2005.
36
Fazer versos com anagrama é, for çosamente, fazer v ersos s egundo o anagrama sob o domínio do anagrama
Idem, (p.23).
37
Starobinski comenta a preocupação do lingüista: Saussure o dissimul a a objeção evidente: o será o
hipograma, lido a partir do texto, u ma construção arbitrária, nascido do capri cho do l eitor e fundado na distribui ção
fortuita dos fonemas no texto? Não será demasiadamente fácil obter hipogramas por toda parte? É a ess as objeções
que ele procura quas e sempre r esponder. Ibidem, (p.81).
38
Bey, H akim. TAZ: Zo na Au noma T empo rária. São P aulo: Conrad, 2001. (p.76-77).
39
O caso habitu al é q ue o logograma aparece à primeira vista em qualqu er passagem destas tragédi as e eu tentei, em
vão, abrindo o volume em tod os os lugares posveis, cair numa passagem branca. R epito, por outro lado, que pedir
algo que pareça com um catálogo contí nuo para prov ar a coisa por um caminho mais direto equival e a pedir algo que
o pode ser obra de u m homem, a menos que ele dediqu e a um só levantamento fastidioso desse gênero uma parte
notáv el de sua vida.‖ Star obinski, Jean. A s palavras sob as palav ras: os anagramas de F erdinand de Saussure. S ão Paulo:
Editora Perspectiva, 1974. (p.77-78). Starobinski comenta a pr oliferão dos anagramas na prosa, ainda na página 78:
o estar emos nós di ante de um fenômeno análogo ao da projeção de uma imag em entóptica que encontramos em
70
todos os obj etos nos quais fixamos nosso olhar? Não em toda par te fonemas em ordem dis persa, dis poníveis para
combi nações significantes? Quando S aussure passa dos versos à prosa esta é, por sua vez, invadida pel a estrutura
anafôni ca. O comentador es se r eferindo a essas anotações do lingüis ta suíço:Aconteceu-me, em seguida,
executar u m caminho invers o no q ue se refere ao r econhecimento do mesmo fenômeno em prosa. Surpr eendi do por
acaso pelo fato de que as car tas e trechos em prosa que figuram entre as obras de Ausônio apresentassem os mesmos
caracter es anagramáticos qu e seus poemas, procurei, pri meiro, sem ousar abrir cero, s e cartas como aquelas de
Pnio já teriam algum matiz dessa (af ecção) que tomava aspectos patológicos uma vez que a coisa se estendi a à
maneira mais simples de di zer seus pensamentos por uma carta. Poucas horas s eriam necessárias par a cons tar que,
Pnio, e em seguida, de uma maneir a ainda mais surpreendente e incontestável, todas as obras decero, em
qualquer lugar que s e abrissem os volu mes de sua correspondência, ou os volumes (...) nadavam liter almente no
hipograma mais irresistível e que provavelmente cero assim como todos os seus contemporâneos conhecia
apenas essa maneira de escrever. Idem, (p.78). Na página seguinte, anota Saussure:Os hipogramas correm e jorr am
no texto desar, apresentam-se às centenas e o abu ndantemente como nos tex tos do mais li terato dos literatos.
O estudo d e Cícero reitera a afirmação: A ocasião e o tema das cartas car tas de negócios, car tas de brincadeira,
carta d e ami zade, cartas d e política mais que isso: o humor do escri tor, qualquer que ele s eja, ao se mostrar, por
exempl o, acabrunhado pelas calamidades públicas, pelos desgostos dosticos, ou ainda ao tomar um tom especial
para r esponder a personagens com as quais não está em bons termos ou em franca disputa tudo isso o ex erce
nenhuma influência sobre a r egularidade verdad eiramente implacável do hipograma e leva a crer que essebito era
uma segunda natureza para tod os os romanos educados que tomavam da pena para dizer a pal avra mais
insignificante. (...) É car acterístico v er qu e nenhu m correspondente de cero fica abaixo dele nes te sentido, mesmo
aqueles que não tinham qualqu er pretensão, sendo sobr etudo homens de guerra ou d e (...), a envolver -se com
literatur a. Ibidem, (p.79).
40
Teixeira, Marlene. Análise de discurso e psicanálise: el ementos para uma abo rdagem do sentido no discurso . Por to Alegre:
Edipucrs, 2005. (p.117-118).
41
Assim di z uma das cartas: ―Encontrei-me mais u ma vez diante do seguinte problema: certos pormenores técni cos
que parecem observados na versificação de alguns modernos o puramente fortuitos ou são desejados e aplicados
de maneira consciente?‖ Starobinski, Jean. As palav ras sob as palavras: os anagramas de Ferdinand de Saussure. São Paulo:
Editora P erspectiva, 1974. (p.104).
42
Giovanni Pas coli deixou a segunda carta sem resposta: é ao menos, o que g arante um aluno (Sr. Léopold Gau tier )
que Saussure tinha associ ado a su a pesquisa. Como o silêncio do poeta italiano foi interpr etado como um si nal de
desaprov ão, a inv estigação s obre os anagramas foi interrompida. Idem, (p.106).
43
Sollers, Philippe. Théori e d’ensamble. Paris: S euil, 1968.
44
Merleau-Ponty, Maurice. A Prosa do M undo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.116).
45
Dosse, François. Hisri a do Est rut uralismo I: o campo do signo. São Paulo: Ensaio, 1993.
46
Saussure, Ferdinand. Co urs de Ling uistique Générale. Paris: Payot, 1984.
47
Calvet, Louis-Jean. Po ur et co ntre Saussure: v ers une li nguísti que sociale. Paris: Payot, 1975. (p.72).
48
Jean-Claude Milner entende a teori a dos signos do Curso como um bloco es truturalmente arbi trário. Saussure, d e
todo modo, o parece muito seguro em relação a essa absolu ta arbi trariedade da teoria. Ver Saussur e, Ferdinand.
Cours de Ling uisti que Générale. Paris: Payot, 1984.
49
É preciso pois consider ar o sentid o como um produto como o produto variáv el do emprego combi natório
e o como um d ado prévio ne v arietur. Calvet, Louis-Jean. Pour et co ntre Saussure: v ers une linguí stique social e. Paris:
Payot, 1975. (p.16).
50
Barthes, Roland. A m etáfora do ol ho. IN Bataille, Georges, His ria do olho. São P aulo: Cosac Naify, 2003. (p.120-121).
51
Idem, p.123.
52
Ibidem.
53
Ibidem, p.126.
54
O conto de B ataill e é repl eto de imag ens metonímicas, onde u m olho é sugado como u m seio ou beijado pelos
lábios. O erotis mo de B ataill e é essenci almente metoní mico. Como aqui a técnica poética consis te em desfazer as
contigüidades, cos tumeiras de objetos e substit-las por novos encontros, por s ua v ez limitados pela persistência de
um tema único no interior de cada metáfora, produz-se uma escie de contágio generali zado das qualidades e dos
atos: por sua dependênci a metafórica, o olho, o Sol e o ovo participam estri tamente do genital; e, por sua liberdade
metonímica, el es trocam infini tamente s eu sentido e suas aceões, de modo qu e quebrar ovos em uma banheira,
engolir ou descascar ovos (crus ), cortar u m olho, enucleá-lo ou desfrutá-lo eroticamente, associar o prato de lei te e o
sexo, o raio de luz e o jato de urina, mord er a glân dula do touro como se fosse um ov o ou alojá-lo no próprio corpo,
todas essas associ ões são ao mesmo tempo idênti cas e diversas; pois a mefora, que as v aria, manifes ta entre elas
uma dif erença r egrada, qu e a metonímia, ao permutá-las, logo se e a abolir: o mundo torna-se turvo, as
propriedades já não s ão bem divididas; es coar, soluçar, urinar, ejacular formam um sentido estremecido, e toda a
Históri a do olho significa à maneira de uma vi bração que produ z sempre o mesmo s om (mas qu al som?). Assim, à
transgressão dos valores, princípio declar ado do erotismo, corresponde se é que esta não funda aquela uma
transgressão técni ca d as formas da linguag em‖. Ibidem, p.127.
71
55
A teoria de Peirce, e em certa medida a de Saussure, s e preocupa com as r elações entr e signos e a série d e seus
interpretantes, diagrama em que o objeto não é, via de regra, levado em consid eração. Os signos compreendidos
o designam obj etos, mas contdos cul turais, esquema no qu al um signo pode ser explicado por outr o signo,
isto é, u m interpretante que nunca é o objeto em qu estão. A es se respei to, ver T eixeira Coel ho Netto, José. Em Cena,
o Senti do. São Paulo: Duas Cidades, 1980. (p.92-93).
56
De acordo com P eirce, o interpretante final seri a o r esultado qu e o intérprete chega quando o signo é considerado
com atenção suficiente, resultado de uma interpretação perfeita do signo. É um processo de contornos teleológicos,
pois os signos o ad quirem sentido em rel ão a um gro und, mas em rel ão a um fim interpretativo. Paira na id éia
de interpretante final elementos utilitaristas e u ma autêntica lógica progressiva, onde a gênese interpr etativa é f eita
por etapas históricas qu e culminam em uma significação irrefu vel e perfeita. Essa su cessão de etapas também
implica na ii a de q ue interpretantes dimicos melhores que outros, pois mais próximos do interpretante final.
A ess e respeito, v er Peirce, Charles Sanders. Semióti ca. São Paulo: Perspectiv a, 1977.
57
Habermas entend e que a questão do referente é u m ponto crítico do pensamento de Peirce. Sua pragtica alude a
uma cadei a de signos eternizada por operações lógicas que se fecha à realidade e aos elementos que constitu em o
ground do signo. Para Habermas, o s entido é u ma rede de conexões implí citas estendid as sobre o mundo vivido e
sedimentadas em signos o lingüísticos, conquanto acesv eis à interpr etação lingüística. O s entido se forjari a na
intersubj etividade gerada socialmente, plano que desaparece no abstracionis mo de Peirce. Com isso, o interpretante
peirceano diss olve a relação entre signo e inrprete, ex cluindo não apenas as subjetividades do mundo vivido, diz
Haber mas, mas a natur eza em s eu conjunto. Ver Habermas, Jürgen. Co nhecimento e i nteresse. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1982.
58
Ver Derrida, Jacqu es. Gramatologia. o Paulo: Perspectiva, 2004 e Marcondes Filho, Ciro. Os equívocos de Pei rce .
Revista F amecos: Mídia, Cultura e T ecnologia. Vol. 1,. 25, 2004.
59
ainda uma outra variante nas ti pologias peirceanas que pode remeter à questão do sentido. Forçando uma vez
mais um di álogo com Peirce, seria pos sível dizer que este s entido é o que o filósofo ameri cano entende por
primeiridad e do signo, ou s eja, o pré-sentido, d ado que, par a Peirce, sentido é apenas e exclusivamente significação.
Isto é, seria um signo sem interpr etante, condi ção não prevista e paradoxal à axiomática peir ceana, que não admi te
signos sem interpretante. Como epicentro do pr ocesso semiótico, o interpretante é o operador do signo em todas as
instâncias, is to é, só há signo quando es te é operad o por uma interpretão (criando assi m ou outro signo do mesmo
objeto). O interpretante estaria assim vi nculado à ter ceiridad e, e o objeto, à secundidade. Signos se vinculariam à
primeiridad e, mas só exis tem em dependência da operação interpretante, isto é, a dimensão da ter ceiridade.
60
Outr as perspectivas semióti cas também tentam se desviar d essa celeu ma, como é o caso da obra de Yuri Lotman.
O mesmo poderia s er estendid o para Gr eimas e especialmente Bakhtin, embora ambos s e remetam a di mensões
exclusivamente lingüís ticas e, portanto, à significão. A semióti ca de Lotman, por sua v ez, se preocupa
majoritari amente com os textos verbais. Grei mas, que vê a semiótica como uma reviravol ta nos postul ados da
lingüística, consente que elao poderia se situar ao nível das palavras, mas é precisamente aí, e tão s omente aí, que
sua alise sentica ganhou exis ncia. Por s ua v ez, Bakhtin, que teria escapado das armadilhas da lingüística, o faz
tão somente para promover a s obreposição do todo sociológi co à lingüís tica.
61
Kristeva, Julia. Séioti kê. Recherches po ur une sémanalyse. Paris: Seuil, 1974.
62
Em A interpretação dos so nho s, Freud define o trabalho de sonho como algo queo pens a nem calcul a. Não
premedita nem julga, contentando-se apenas com transformar. Ver: Freud, Sigmund. Obras Com pletas. Rio de Janeiro:
Imago, 1983.
63
Como fica claro na xima freudiana reinterpr etada por Lacan, Wo Es war soll ich werden, frase de difícil tradu ção
em vista de es s er tanto sufixo de indeterminão do sujeito como pronome. No en tanto, Es aparece na frase na
forma substantivada (maiús cula), diferentemente de ich que, em minúscula, tem função pronominal. Isto é, esse Es
em maiús cula é a grafia que Freud u tilizava para d esignar o in consciente: Es (Id), Ich (Ego) e Über-Ich (Superego). De
todo modo, fica clar a a assunção d e que os conteúdos inconscientes devem s e tornar consci entes. Seria algo como
Onde eu era [inconsci ente], to rnar-me-ei [consci ente]. A tradução inglesa assim verteu a frase: Where id is, there shall ego be.
Ver Freud, Sigmund. New Introducto ry L ectures o n Psycho analysis. London: P enguin Books, 1991 (p.112). A frase foi
exaustivamente debatida por Adorno, Garcia-Roza e, naturalmente, o próprio Freud. A esse r espeito ver Adorno,
Theodor. Acerca de la relació n entre Sociologia y Psicologia. In: Jens en, Henning (org.) Teori a crítica del sujeito. Méxi co: Sieglo
XXI, 1986; Garcia-Roza, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004; Freud,
Sigmund. Das Ich und das Es. In: Freud, Sigmund. Das Ich und das Es und andere m etapsychologische Schriften. Frankfurt:
Fischer, 1985 e Mar condes Filho, Ciro. A Produção So cial da Lo ucura. S ão Paulo: Paulus, 2003. Sobre a arti culação
entre o pronome es e o inconsci ente, conferir o debate d e Flusser nas páginas 125 e 126 do seu Líng ua e R ealidade.
Flusser, Vilém. Língua e R ealidade. São Paul o: Annablu me, 2004.
64
Nietzsche nega que o inconsci ente seja acessív el à cons ciência. T ambém Musil, que faz uma leitura ni etzschiana do
inconsciente, não admi tia a premissa freu diana de que o inconsciente é acessível à linguagem raci onal. Para o escritor
alemão, o inconsciente (a outra condição) se mostra indiretamente. Ou em formas poéticas, ou em analogias. Musil
tratou dos abismos e li mites entre o univers o consci ente e inconsci ente em O Jovem Tö rless. Ver a esse respeito: Musil,
Robert. O Jovem Tö rless. Rio de Janeiro: Nov a Fronteira, 1982.
72
65
O livro de David Kenneth B erlo, The Process of Co mmunictio n, foi na v erdad e escrito no fim dos anos 50 mas
publicado apenas em 1960. A obra tem por refer ência autores como Nor bert Wiener, que publicara seu The human use
of hum an bei ngs em 1950 (dois anos depois de Cybernetics: or the Co ntrol and Communicatio n in the Animal and the Machi ne ) e
Wilbur Lang S chramm, qu e pu blicara seu The process and effects of mass comm uni cation em 1954. A obra debate o modelo
de comunicão apres entado no livro A Mat hematical Theo ry of Comm unication, pu blicado em 1948 pel o matetico
Claude Elwood Shannon em co-autoria com Warren Weaver. Os elementos fundamentais dessa análise são
encontrad os nas pesquisas que Elihu Katz e Paul Lazarsfeld desenvolveram na U niversidade d e Columbia.
66
A segunda falha do uso do concei to deão-reação diz respeito à nossa permanente refer ênci a à comuni cação
como u m processo. Os ter mos ão‘ e reão‘ rejeitam o conceito de processo. Implicam qu e u m começo na
comuni cação (o ato), um segundo acontecimento (reão), aconteci mentos s ubse entes, etc., e um fim. Impli cam a
interdepenncia dos acontecimentos dentro da seq üência, mas o implicam o tipo d e interd ependênci a dinâmi ca
que se compr eende no processo da comu nicão‖ Berlo, David K. O Processo da Com unicão: Introdução à Teori a e à
Prática. São Paulo: Marti ns Fontes, 1999. (p. 120).
67
s escolhemos o termo processo mediad o‘ ao inv és de reação mediada‘ para d eixar evid ente a interrogação
sobre a natureza desses mediador es da repr esentação.‖ No original: We have chosen the term mediati ng process‘
rather than ‗ mediating reaction‘; this is to leave explicitl y open the qu estion of the underlyi ng natur e of such
representational mediators. Osgood, Charles E., Suci, George J. & T annenbaum, Per cy H. The measurement of meani ng.
Urbana: Universi ty of Illinois Press, 1957. (p.7 ).
68
Berlo, David K. O Processo da Com unicão: Int rodução à Teoria e à Prática. São Paulo: Martins Fontes, 1999. (p.111-
112).
69
motiv o para crer que todo uso da linguagem tenha uma dimensão persuasiva, qu e ningm pode comunicar -
se sem alguma tentativa de persuadir, de uma forma ou de outra‖. Idem, p.9.
70
Sempr e qu e alguém diz eu disse, pode-se ficar certo de que essa pess oa acredita que os sentidos estão nas
palavras e qu e a comuni cação consiste em encontrar as pal avrascertas‘ e enviá-las ao receptor. Se o receptor não
as entende, a fonte diz algo como o posso dar compreens ão, poss o dar-lhe apenas infor mações‘. Rompe-se a
comuni cação, porque a fonte acredi ta que os significados estão nas palavr as, e não nas pessoas‖ Ibidem, p.187.
71
Osgood, Charles E., Suci, George J. & Tannenbaum, Percy H. The m easurement of m eaning. Urbana: Univ ersity of
Illinois Press, 1957.
72
Uma das críticas mais comuns à classificão dos comportamentos humanos em tabelas é que el as não nos
permitem predizer os comportamentos reais em situ ações da vida real. Como a maiori a dos argumentos dessa
natureza, es te é ex agerado. No original: One of the most common cri ticisms of attitude scales of all types is that
they do not allow us to pr edict actual behavior in real-life situations. Like most su ch arguments, this one is
overdrawn‖. Idem, p.198.
73
No original:Words represent things because they produ ce in human organisms some repli ca of the actual
behavior toward thes e thi ngs, as a medi ation process‖. Ibidem, p.7.
74
No original: In simples t ter ms, ther efore, the probl em for the psychologis t interested in meani ng is this: Under
what conditions do es a stim ulus which is not t he significate becom e a sign of t hat significate? In other words, we are s eeking criteria
for defining a sub-set of the class ‗sti mulus‘, this su b-set to be called ‗sign‘. Ibidem, p.4.
75
Nós identificamos os aspectos do sentido que nos inter essava como es tritamente psi cológicos: s ão aqu eles
estados cognitivos da linguagem humana que s ão condi ções antecedentes e necessárias à codificação s eletiv a dos
signos lexicais, mas também condições subse entes e necessárias dos signos lexicais nas mensag ens. Dentro do
quadro ger al da teoria do aprendizado, o s entido de um signo foi identificado como um processo de mediação
representacional.‖ No original:We identified the as pect of meaning in which we were interes ted as a strictly
psychological one: those cognitiv e states of hu man l anguage users which ar e neces sary antecedent conditions for
selective encoding of l exical signs and necessary subsequent condi tions decoding of l exical signs in messages. Wi thin
the general framework of learning theory, the meaning of a sign was identified as a repr esentational mediation
process. Ibidem, p.318.
76
A maioria dos cientis tas s ociais concordaria em uma conversa informal regida pel o bom sens o que a
maneira pela qu al as pessoas se compor tam em uma situação depende d o que a situ ão significa ou expressa para
ela. E a maioria também concordaria que um dos fatores mais importantes na atividade social é o sentido e a
mudança de sentido qu er isso v enha a ser chamado deatitude,valor ou o que quer que s eja. M esmo no centro
das teorizações sobre a psicologia, no campo da percepção e no campo do aprendi zado, encontra-se o problema da
representação ou dos processos simbólicos. No original: Most social s cientists would agreetalking freely on
common sens e groundsthat how a person behaves in a situ ation depends upon what the situ ation means of
signifies to him. And most would also agree that one of the most important f act ors in soci al activity is meaning and
chang e in meaning —whether it be termed ‗attitude‘, orvalue‘, or something else again. Even at the core of
psychological theorizi ng, in the field of per ception as well as in the field of learning, one encounters the p roblem of
representational or symbolic processes. Ibidem, p.1.
77
Uma das maior es insuficiências em nosso trabalho, a agora, reside na correl ação das conceões tricas sobr e a
natureza do sentido com nossas técnicas empíricas de mensurão. Mui tos l eitor es podem achar qu e teria sido mais
inteligente supri mir inteiramente as considerações teóri cas, e eles podem estar corretos. No original: One of the
73
major insuffici enci es in our work so far li es in the coordination of a theoretical concepti on of the nature of meaning
with our empirical techniques of measur ement. Many read ers may feel like that we would have been wiser to have
entirel y del eted the theoretical consid erations, and they may be quite correct. Ibidem, preface.
78
A tradição filosófica entende que o sentido é algo singular e infinitamente variável, e que femenos desse tipo
o o passíveis de mensuração simples. Quaisqu er que sejam as razões, psicólogos desistem da queso
rapidamente, d eixando qu e filósofos s e debatam com o problema.‖ No original: T here is an implication in the
philosophical tradition that meaning are uniquely and infinitely v ariable, and phenomena of this kind do not submit
readily to meas urement. Whatev er the reasons, psychologists hav e generally been quite willing to l et the philosophers
tussle with the problem.‖ Ibidem, p.1.
79
Osgood se remete ao trabalho de Bloomfield, que d esencoraja os lingüistas a se voltarem para a ques tão do
sentido. Para Bloomfield, lingüistas não possuem as competênci as necessárias para lidar com a questão, que deveria
ser trabalhada por outras ci ênci as. No original: Bloomfiel d defined meaning of a linguistic form as ‗ the situ ation in
which it calls forth in the hear er, and expressed discourag ement as to the linguist‘s ability to handle it, rather
relegating the task to other s ciences‖. Ibidem, p.2.
80
Esse j zo parti cular sobre o conceito de sentid o fica mais claro nos capítulos VII (Sentido e C omunicação) e VII I
(Dimensões do S entido), vol tad os notadamente ao tema. S enti do é ali descrito como a pri nci pal preocupação da
comunicação, elemento fundamental que permi te a checagem sobre o entendi mento e o aperfeiçoamento da
comuni cação. A linguagem é descrita como um el emento necessário à obteão de sentidos, sendo o sentido inerente à
própria defi nição de linguagem. Entr etanto, Berlo não perfaz um entendi mento li ngüístico sobr e o conceito. Em
consoncia com sua termodinâmica da comuni cação, o sentido apresentado por Berloo es nem na linguagem,
nem nas mensag ens ou na comunicação. O sentido est á nas pessoas, diz Berlo, e é i mpossív el se certificar sobr e o
significado alu dido. O comunicólogo l embr a queo há nenhum sentido depositado nos dicionários, apenas
palavras. O sentido estaria nos emissor es e receptores, o como emanação, mas como respost as enco bertas co ntidas no
organismo humano, is to é, como entidade i manente à natur eza humana. Ver páginas 178, 183 e 184 de B erlo, David K.
O Processo da Comunicação: Int rodução à Teori a e à Prática. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
81
Pêcheux, Michel. S emântica e discurso. Uma crítica à afi rmação do ó bvio. Campinas: Uni camp, 1995.
82
Orlandi, Eni P. Discurso e leit ura. Campinas: Unicamp, 1993.
83
Derrida, Jacques. A escrit ura e a diferença. S ão Paulo: P erspectiva, 1971.
84
Essa foi a opção dos tr adutores brasil eiros de Derrid a nas obras A escrit ura e a dif erença e G ramatologia. A escolha o
parece muito feliz na medida em que o original différance é um neografismo de différence, alteração apenas perceptível
na forma escrita e não na falada (o som das duas palavras é intico). Como o som d e diferência é
substancialmente difer ente de difer ença‖, parece-nos mais apropriado a escolha do segu ndo grupo de tradutores,
diferança ou ainda diferens a, como propõe Nícia Adan Bonatti, tr adutora de Salvo o nom e. Essa alter cação tem
importância dado qu e a própria sutil eza do ter mo tem como obj etivo servir de crítica à tradição fonocêntrica,
predominante desde Platão até os estudos lingüísti cos. Ver Derrida, Jacques. S alvo o nome. Campinas: Papirus, 1995.
85
Derida, Jacques. A Escritura e a Dif erença. São Paul o: Perspectiva, 2005. (p.180).
86
Ver Derrida, Jacques. A Farm ácia de Plat ão. São Paulo: Ilu minuras, 1997.
87
Derrida nega qualqu er origem subjetiv a ao sentid o. Se a su bjetividade é produ zida em u m ambiente li ngüístico,
então o poderia haver uma fundação ou dimensão pré-lingüísti ca do sentido. Isto é, se a subjetivid ade se produz
em relações dadas na linguagem, então ela o pode ser simultaneamente produto e componente da relação que a
produz, um contra-senso semelhante a assumir que o produto de uma função é também uma variáv el da função. A
crítica à subj etivid ade como elemento instaur ador do sentido se dirige à teoria do sentido de John Locke e às
correntes fenomenol ógicas, especial mente a fenomenologi a de Ed mund Husserl. Ver Derrida, Jacques. A voz e o
fenômeno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
88
De acordo com Derrida, a diferança o pode ser representada, vício que o filósofo reputa à filosofia do ser e à
metafísica da pr esença ins tituíd a por Parmênid es. A diferaa s eria o princípio fundamental a toda repres entação e
conceitu alização, uma di mensão ontológica da linguagem. Com isso, a diferança não pode ser repr esentad a nem
tampouco verificada pela experncia. Tal como conceitos como ‗liberdade ou ‗Deus‘, a diferança só pode ser
explicada por aquilo que ela o é, e o por meio de características ou propried ades definidoras. Mas
diferentemente do conceito de liberdade e em perfeita consonância com a idéia de Deus, a dif erança é margeada por
elementos de ins piração religiosa, ou, de todo modo, essencialmente metafísicos, conquanto o pressuposto do
pensamento de Derrida ser análogo ao da filosofia heideggeriana: a crítica à metafísica.
89
Essa extensão deferida do sentido já havia sido anteriormente formulad a por B ergson, inclusiv e anotando u ma
idênti ca crítica à metafísica: Sistematicamente, desviou-se o olhar d a duração real. Por quê? A ci ênci a tem suas
razões para fazê-lo; mas a metafísica, que pr ecedeu a ci ência, já operav a desse modo e não possuía as mesmas razões.
Examinando as doutrinas, par eceu-nos que a linguagem havia desempenhado aqui um papel impor tante. A duração
exprime-se sempre em ex tens ão. Os termos qu e designam o tempo são tomados de empr éstimo à língua do espo.
Quando evocamos o tempo, é o es paço que r esponde a nosso chamado. A metafísica precisou conformar -se aos
bitos da linguag em, os quais se regram eles próprios pelos do s enso comum.‖ Bergson, Henri. O Pensamento e o
Movente. São Paulo: Mar tins Fontes, 2006. (p.7).
74
90
Derrida assim comenta a relação entre psique e texto:Não sei o psiq uismo é realmente uma escie de texto mas :
o que é um texto e que deve s er o psíquico para ser repres entado por um texto? Pois se o há nem máquina nem
texto sem origem psíqui ca, não há pqui co sem tex to. Qual deve ser enfim a relação entre o psíqui co, a es critura e o
espaçamento para que u ma tal passagem metafórica sej a possível, o apenas nem em primeiro lugar no interior de
um discurso teórico mas na história do psiquismo, do texto e da cnica?‖ Derida, Jacques. A Escrit ura e a Diferença.
São Paulo: Perspectiva, 2005. (p.183).
91
O conceito freudi ano de Nachträglichkeit foi traduzid o pelos psi canalistas franceses por après-co up. Os psicanalis tas
portugues es trad uzem o termo par a -depoi s ou no rel ance. Ter mo de difícil tradu ção, deferred action foi a es colha de
James S trachey par a a vero i nglesa. O psi canalista espanhol Luis Etcheverry o traduziu por efecto retardado, enquanto
os psicanalis tas brasileiros normalmente o vertem par a a po steriori. O Vocaburio da psicanálise acrescenta ainda as
aceões de posteridad, post erio r e po steriorm ent e, no es panhol; posteriore e po steriorment e, no italiano. O concei to apar ece já
nos casos clí nicos de Freud e é pos teriormente ressignificado. Um mapeamento conceitual da psi canálise localizaria o
termo nas flutuações qu e Freud faz entre uma expli cação retros pectiva e prospectiv a d a neurose ou da vida pqui ca
em geral. Par a o Vocabul ário da psicanáli se, o termo di z respeito à temporalidade e causalidades psíquicas. São
experncias ou impr essões que se remodelam em função de ex perncias nov as, quando então lhes é conferida um
novo sentido. Ver a esse respeito, Etchegoyen, R. H. Significação ou ressignificação da experncia i nfantil. Revis ta de
Psicanálise d a Socied ade Psicanalíti ca de Porto Alegre, 1998 e Laplanche, J. e Pontalis, J. B. Vocaburio da psicanálise.
São Paulo: M artins Fontes, 1998. (p.33-36). Derrida também comenta o conceito: Os conceitos d e Nachträglichkeit e
de Verspärung, conceitos diretores de todo o pens amento freudiano, conceitos determinativos de tod os os outros
conceitos, estão já presentes e são chamados pelo seu nome no Esquisse. A irredutibilidade do ‗ arretardamento‘ é sem
dúvida a des coberta de Freud. Freud e em jogo esta descoberta até nas suas conseqüênci as últimas e p ara lá da
psicanálise do indivíduo. Na sua opinião, a história d a cultur a deve confir-la. Em Moïse et lê monot i sme (1937), a
eficáci a do retardamento e da ex temporaneidade cobr e amplos intervalos his ricos (G.W., X VI, p.238-9). O
problema da lancia comunica aí, aliás de maneira muito significativa, com o da tradição or al e da tr adição escrita‖.
Derida, Jacques. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Perspectiva, 2005. (p.189)
92
Idem,gina 200.
93
Como explica o autor à gina 35 de s eu ng ua e Realidade. Flusser, Vil ém. ngua e R ealidade. S ão Paulo:
Annablume, 2004.
94
A epoché (εποχη) huss erliana, ter mo que o filósofo aleo toma empres tado de Aristóteles, é a prática teórica de
suspender as creas e ões rel acionadas com o mundo atual. A epoché fenomenológica intenta perder o mundo
para reto-lo na seqüência, despi do de valores e intencionalidad es pré-dadas e pertencentes ao mundo atuali zado.
Seria assim u ma atividade da consciência que põe o mundo em sus pensão, par a em s eguida vê-lo despido d e suas
relões secundárias. Husserl fala de uma ingenuidade de segundo gr au, espécie de ponto de análise complementar
mas inv ertido àqu ele proposto por Luhmann com seu conceito de observador de segunda ord em. Ver a esse
respeito, Husserl, Edmund. Meditaçõ es cartesianas. São Paulo: M adras, 2001 e Luhmann, Niklas. Di e Gesellschaft der
Gesellschaft. Frankfurt am M ain: Suhrkamp, 1997.
95
Flusser, Vilém. ngua e Realidade. São Paul o: Annablu me, 2004. (p.50-51).
96
Idem.
97
Ibidem, p.136.
98
Isso porque, como indicado na página 144,O intel ecto que s e r ealiza em conversação cria reali dade, porém uma
realidad e limitada, e está s empr e ameado de s er aniquilado pel a conversa fiada. Vinte páginas à frente é explicado
o entendi mento de conv ersa fiada: ― A gente em conv ersa fiad a é qu ase intelecto, e a gente balbuciando é quase instinto.
As frases da gente em conv ersa são quase pensamentos; as frases da gente balbuciante são quase dados bruto s. Estamos
no ponto onde a língua se desfaz em s eus el ementos brutai s, no caos d o possível.o é, portanto, surpreendente
serem estes el ementos pseu do-reais os que s ão es tudados com mais ateão pel as ciênci as da lí ngua. Estamos no
território dos fonemas, das raízes de palav ras, das origens da gram ática, enfim, es tamos nos aproximando d a ngua original,
isto é, da idioti ce do nada. Toda vez que o intele cto tenta descer às suas origens, toda v ez que ele ultr apassa o
equador da realid ade e mergulha nos diversos es tágios do surgir da língua, choca-se contr a a mesma barreira: o
fenômeno qu e quer estudar desaparece no nad a.‖ Ibidem, p.144;164.
99
Contudo, há também uma ques o d e fato e é preciso começar por ela: pode o sentido ser locali zado em u ma
destas três dimensões, designação, manif estação ou significação? Responderemos primeiro que is to parece impossível
no que se refer e à designação. A designação é o que, send o pr eenchida, faz com que a proposição sej a verd adeir a; e
o pr eenchida, f alsa. Or a, o sentido evid entemente não pode consis tir naquilo que torna a proposi ção v erdadeira ou
falsa, nem na dimensão ond e se efetu am estes valor es. Além do mais, a designação o poderia suportar o peso da
proposão a não ser na medida em que s e pudesse mostrar uma corres pondência entre as palavras e as coisas ou
estados d e coisas designados: Bri ce Par ain fez a conta dos paradoxos que tal hipótese faz surgir na filosof ia greg a. E
como evitar, entr e ou tras coisas, qu e uma carruagem passe pel a boca? M ais diretamente ai nda, Lewis Carroll
pergunta: como os nomes teriam um ‗ correspondente‘? E que significa para alguma cois aresponder a s eu nome? E
se as coisas não respondem a seu nome, qu e é que as i mpede de perder s eu nome? O que é que sobr aria então, salvo
o arbitrário das designações às quais nada res ponde e o v azio d os indicadores ou dos designantes formais do tipo
isto‘ tanto uns como os outros desti tdos de sentido? É certo qu e toda designação supõe o sentido e que nos
75
instalamos de anteo no sentido para operar toda designação‖. Deleu ze, Gill es. Lógica do Senti do. São Paulo:
Perspectiva, 2003. (p.18).
100
Carroll, Lewis. Alic es A dventures in Wonderland. New York: Bantam Books, 1989.
101
o podemos nem mesmo di zer, a respeito do s entido, que el e exista: nem nas coisas, nem no espírito, ne m
como u ma exis ncia física, nem como uma existênci a mental. Dir emos qu e, pelo menos, ele é útil e qu e dev emos
admiti-lo por sua u tilidade? Nem isso j á que é dotado de u m esplendor ineficaz, impassível e esril. Eis por que
diziam qu e, de fato,o s e pode inf eri-lo ao ser indiretamente, a partir do cír culo a que nos conduzem as
dimensões ordinárias da pr oposão. É somente romp endo o círculo, como fazemos para o anel de Moebius,
desdobr ando-o no s eu comprimento, revirando-o, qu e a dimensão do sentido aparece por si mesma e na sua
irredutibilidade, mas também em seu poder de gênes e, animando então um modelo interior a priori da proposição.
Deleu ze, Gilles. Lógica do S entido. S ão Paulo: Pers pectiva, 2003. (p.21).
102
Ibidem, página 148. Argumento análogo é apresento por Carnap em seu A const rução lógica do m undo. Contra os
limites da linguag em, Carnap admite que nem todas as questões fundamentais d a humanidade podem ser formul adas
pela instância d a linguagem. Para Carnap, a ques o da morte é inabordável pel a via verbal; nenhuma formulação
lingüística é possív el a esse respeito. O enig ma da mor te é extemporâneo e se manifesta no modo não-verbal da
angústia di ante da morte. Uma r esposta para a questão, igualmente, poderia s er procurada fora da verbalid ade,
pois o atributo em queso não é u m conteúdo ou um signo, mas uma sensão ou ef eito, um estado de torpor e
angústia viv enci ada. Ver Carnap, Rud olf. Der logische Aufbau der Welt. Hamburg: Meiner. 1974. Merleau-Ponty
tamm comenta a qu estão: A experncia qu e os homens têm da linguag em não é essa. Sabem perfeitamente que
uma notíci a é u ma notícia e qu e de nad a serve ter pens ado com fre ência na mor te enquanto não s e souber da
morte d e algm que se ama. Mas tão logo reflitam sobre a linguagem, em vez de vivê-la, eles o vêem como se
poderia conservar-lhe esses poderes. Afinal, compreendo o que me di zem porque s ei d e antemão o sentido das
palavras qu e me dirigem, e enfim só compreendo o que j á sabia, não me coloco outr os problemas senão os que
posso resolver. Dois sujeitos pens antes encerrados em suas significações entre eles, mensagens que circulam, mas
que nada conm, e que apenas são a opor tunidade d e cada um dar atenção ao que já s abia ; finalmente, u m fala e
o outro escuta pensamentos qu e se reproduzem u m ao outro, mas sem que o saibam, e sem jamais se
defrontar em ; sim, como diz Paulhan, essa teoria comum da linguage m teria por conseqüênciaque tudo se
passasse no final entre os dois como se não tivesse havido linguagem. Merleau-Ponty, Maurice. A Prosa do Mundo. São
Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.28).
103
Também Derrida entende que o acontecimento permanece simul tan eamente na e sobre a linguagem, portanto,
dentro e na superfície, uma superfície aberta, exposta, imediatamente transbordada, fora de si mesma. Ver Derrida,
Jacques. Salvo o nom e. Campinas: Papirus, 1995. (p.40)
104
O mais luminoso ex emplo dessa atribui ção é tomado por Del euze de Emile Bréhier, es tudioso d o pensament o
estói co: Quando o escalpelo corta a carne, o primeiro corpo produz sobre o segundo o uma propriedade nova,
mas um atribu to novo, o de ser cortado. O atri buto não d esigna nenhuma q ualidade real..., é sempre ao contrário
expresso por u m v erbo, o que quer dizer que é o u m ser, mas uma maneira de s er... Esta maneira d e s er se
encontra de alguma forma no limite, na superfície de s er e não pode mudar sua natureza: ela o é a bem dizer nem
ativa nem passiva, pois a passividade suporia u ma natureza corporal qu e sofre uma ão. Ela é pura e simples mente
um resultado, u m efeito o classificável entre os seres... (Os Estóicos distingu em) radicalmente, o qu e ni ngm
tinha feito antes deles, dois pl anos de ser: de um lado o ser profundo e r eal, a força; de outro, o plano dos fatos, que
se produ zem na superfície do ser e ins titu em uma mul tiplicidade infinita de ser es incorporais‘. Deleuze, Gilles.
Lógica do Senti do. São Paulo: P erspectiva, 2003. (p.6 ).
105
Os incorpor ais es icos se dividem em qu atro mod alidad es: o exprimível, o v azio, o l ugar e o tem po. O exprimível teri a
esse car áter positivo, seria o âmbito que possi bilita nos remetermos aos acontecimentos que envolvem as coisas no
mundo. Ver Mates, B enson. Stoic logic. Berkeley: Univ ersity of California Press, 1971.
106
Outro exemplo é o da faca e da carne. Quando u ma faca corta a carne, tanto faca quanto carne s ão su bstâncias
independentes, e o r esultado, a carne cort ada, é um acontecimento que se desprende desses dois seres. O
acontecimento, para os es tóicos, seria uma manifestação paralela aos corpos, uma quase-causa dos corpos. Esses dois
elementos conjugados, os corporais e os incorporais (acontecimentos), totali zariam assi m o movimento do real. Essa
distinção é i mpor tante porque indica que a ação sobre os corpos não é também um corpo, mas u ma coisa outra. Essa
outra coisa não tem propried ade ou substância, ela apenas empres ta um atributo aos corpos (como o verde da
árvore). É antes um efeito dado na superfície desses corpos, empres tando-lhes atributos incorreos, como o verdejar
ou est ar cortado. A opção pelo v erbo no infinitivo, ex plica Deleuze, é intencional.
107
Que significa revero do platonismo‘? Ni etzsche assim define a taref a de sua filosofia ou, mais geralmente, a
tarefa da filosofia do futuro. Parece qu e a fórmula quer dizer: a aboli ção do mundo d as ess ênci as e do mundo das
aparências‖. Deleu ze, Gilles. Lógica do S entido. S ão Paulo: Pers pectiva, 2003. (p.260).
108
Os acontecimentos, sendo efeitos incorpor ais, diferem em natureza das causas corporais de qu e eles r esultam;
que eles têm leis diferentes das que as reg em eo determinados somente por sua relação com a quase-causa
incorporal. Cícero diz com razão que a passag em do tempo é semelhante ao desenrol ar de um cabo (explicatio). Mas,
justamente, os acontecimentos n ão existem sobre a linha reta do cabo des enrolado (Ai on), da mes ma maneira que a
causas na circunfer ênci a do cabo enrol ado (Cronos). Idem, gina 147.
76
109
Eles d esmembram esta relação, suj eitos a r efazer uma unidade de cada lado. Remetem as causas às causas e
afirmam uma ligão das causas entre si (desti no). Remetem os efeitos aos ef eitos e colocam certos laços dos ef eitos
entre si. Mas o o fazem, absolu tamente, da mesma maneira: os efeitos incorporais não o jamais causas uns em
relão aos outros, mas s omentequas e-caus as‘, segundo leis qu e exprimem talvez em cada caso a unidade relativa ou
a mistur a dos corpos de qu e dependem como de suas caus as reais‖. Idem, página 7.
110
Ibidem, gina 175. Deleuze é conciso uma segunda v ez, à gina 177: Conseqüências não-caus ais ,
compatibilidades ou incompatibilidades alógicas. A força dos Estóicos foi engajar -se nes ta via‖.
111
Ver Tigges, Wim. An Anatomy of Lit erary Nonsense. Amsterdam: Rodopi, 1988. A famosa frase de Noam Chomsk y,
cuja finalidade s eria demonstrar o sem-s entido, gerou tanto debate que o próprio autor comentou sua riqueza de
sentido. A frase incolores idéias v erdes dor mem furiosamente (colorl ess g reen ideas sleep furiously) seria u m exemplo
perfeito de no nsense j á que as palavras, tomadas i ndividualmente, fazem s entid o, mas a frase como um todo é de uma
violência sentica exemplar, embora gramaticalmente correta. O intuito do lingüista americano era criar um
contr asenso verbal, unindo característi cas imateriais a obj etos concretos (uma idéi ao pode ter cor, afinal) e
refutando assim algumas teorias sobre o q ue torna as frases gramaticais, como a de Willard V. Quine, para qu em uma
frase seria gramatical se tiv esse s entid o. O lingüista admite que a tudo é possível atribuir sentido, mas sentido o-
gramatical, pois só o sentid o gramatical interessa a Chomsk y, isto é, o sentido semântico das orações.
112
É exatamente este o problema mais geral da lógica do sentido: de que serv iria elev armos-nos da esf era do
verdadeiro à do sentido, s e fosse para encontrar entre o s entido e o não-senso uma relação análoga à do v erdadeiro e
do falso? A lógica dos senti dos vê-se necessariamente determinada a colocar entre o sentido e o o-senso um tipo
original de relação i ntrínseca, um modo de co-pres ea, que, por enquanto, podemos somente sug erir, tratando o
o senso como uma palavra q ue diz seu próprio sentido‖. Deleu ze, Gilles. Lógica do S enti do.o Paulo: Perspectiva,
2003. (p.71).
113
A potênci a do paradoxo consiste em mos trar que o s entido toma sempr e os dois sentidos ao mesmo tempo, as
duas direções ao mes mo tempo. Mas o paradoxo como paixão des cobre que não podemos separar duas direções, que
o podemos instaurar um senso ú nico, nem um senso único para o sério do pens amento, para o trabalho, nem um
senso i nvertido par a as recr eações e os jogos menores. Em que sentido, em que sentido? pergunta Alice. A pergunta
o tem resposta, porqu e é próprio do s entido não ter dirão, não ter ‗bom sen tido‘, ma sempr e as duas ao mesmo
tempo‖. Deleuze, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiv a, 2003. (p.79).
114
O conceito de lekton da filosofia dos Estóicos é u m atributo incorreo que se adiciona à palavra sem lhe alterar .
Como expreso dos termos, o lekto n o pode ser redu zido a um signo ou ao que ele repr esenta. É u ma unidade
indivisível de expres são e significação, o que contr asta com a acepção representacional utilizada pela lingüística. O
lekton de uma palavra é o sentido irredutív el de cad a termo, enquanto o lekton de uma sentença seria, nos termos da
lógica, a proposição. Para os Estóicos, a sentea é apenas veículo da expr essão. É o lekto n da proposição que
expressa su a verdade e sentid o. Ver Mates, Benson. Stoic logic. B erkeley: University of California Press, 1971.
115
Em oposição aos Epicuristas, que privilegiavam os nomes e os adjetivos, os nomes sendo corpos lingüísti cos, os
Estói cos compr eendem a lingu agem a partir dos v erbos e sua conjugação, em função dos laços entr e acontecimentos
incorporais. Del euze comenta os dois grandes sis temas filosófic os na gina 189 da sua Lógica do Sentido.
77
3. FENÔMENOS
tópicos
i - deleuze e a teoria do sentido
ii - a fenomenologia de husserl
iii - noese e noema
iv - sentido no mundo: interior e exterior
v - mundo vivido (lebensw elt)
vi - intencionalidade ou abertura das consciências.
vii - o movimento do sentido
viii - descentramento como fundamento do sentido
ix - stendhal e o sentido literário
x - fenomenologia da linguagem
notas
o somos subj etividades f echadas sobr e si próprias, cuja
essência fosse definid a ou definível a priori, em resumo,
nadas para as quais o devir foss e um acidente
monstruoso e inexplicáv el, mas tornamo-nos no que
somos e somos aquil o em qu e nos tornamos; o
possuímos significação determinável de uma vez por
todas, mas uma significação em curso. É por iss o qu e o
nosso futuro é relativamente indeterminado, por isso que
nosso compor tamento é relativamente imprevisível, por
isso que somos livres.
Jean-Fraois
Lyotard
1
I. Deleuze e a teoria do sentido
A teoria do sentido deleuzeana trabalha com duas séries e planos: o plano de organização
e o plano de consistência. No primeiro plano estão as substâncias, os seres e os corpos. Seu
movimento é o de territorialização. No segundo estão os acontecimentos, as transformões
incorreas e as hecceidades. Seu movimento é o de desterritorializão . Os dois planos são
paralelos às duas séries: a do presente imediato em que as coisas acontecem cronologicamente e a
temporalidade eterna do aiônico. A primeira atualiza os elementos em um presente histórico, a
segunda é o possível de uma duração que só tem passado e futuro. O diagrama lembra o esquema
dos Estóicos, que se remetiam ao plano dos seres e ao plano dos incorpóreos (que Deleuze
chamará de plano de imanência).
Sentido seria a instância limite entre real e virtual, as remissões de uma série à out ra que
não existem mas possuem realidade. As duas séries emparedam e rebatem as remissões dos
corpos, e o sentido é produto desse diagrama entre corpos e incorreos, entre atual e virtual. O
plano profundo dos corpos faz remissões ao plano superficial dos acontecimentos, e é esse jogo
de efetuação e contra-efetuação das séries que Deleuze chama de sentido. Uma proposição
78
remete tanto ao plano de organização (que é o conteúdo dos nomes) como ao plano de
consistência (que é o sentido dos nomes).
Isso fica claro no caso da linguagem, onde verdejar é um possível do verde e da árvore.
Um possível não-necessário, uma modalidade, uma maneira de ser. Verde é uma maneira de ser
da substância árvore. O ser árvore está verde em relão a determinada temporalidade (plano
de organização). O acontecimento é tomar o conteúdo dos nomes e remetê-los ao plano de
consistência do sentido. E vice-versa. A contínua remissão garante que a linguagem funcione ao
atualizar os conteúdos possíveis da proposição. Essa realização entre os dois planos, que Deleuze
chama de síntese disjuntiva, compõe o processamento do sentido. É uma comunicão entre os
planos ou as séries, uma lógica de remissão entre significação e expressão ou entre a série
cronológica dos seres (corporal) e a série aiônica (incorporal) dos acontecimentos. Com isso, a
significação é gerada na superfície da linguagem pelo acontecimento do sentido.
Deleuze insiste que o sentido não é uma propriedade do acontecimento. Acontecimento e
sentido são uma só coisa
2
. O sentido, ou o acontecimento, é o que liga as duas séries, é o que
conecta significado e significante sem estar neles. Essa instância paradoxal do sentido é análoga
ao conceito de sentido em Frege
3
, pois independe dos pensamentos e apreensões individuais
sobre o objeto. Haveria no sentido uma universalidade irredutível às consciências (um
acontecimento, afinal), plano que atravessa os corpos sem se reduzir a eles. Neutro em relação às
descrições individuais e às significações da cultura, o sentido repousa no conjugar do verbo no
infinitivo, na atemporalidade e impessoalidade de uma multidão de vozes que exprimem na
linguagem todos os acontecimentos em um
4
. Em oposição às individualidades e à cultura, o
sentido seria transcendental
5
e não redutível à experiência ou à vivência
6
.
A linguagem não poderia prescindir do acontecimento, essa instância extralingüística
7
que
liga a série dos corpos e lhes engravida de sentido. A linguagem é então tomada por forças que
incidem na designação e lhe descobrem um valor expressivo. É o instante em que os corpos se
chocam e, de um só golpe, fazem com que coisa e palavra, dentro e fora se atritem e produzam
sentido. Deleuze reforça a diferea entre as séries dizendo que ou nos lembramos das palavras, mas
seu sentido permanece obscuro; ou então o sentido aparece, quando desaparece a memória das palavras
8
.
A teoria do sentido de Deleuze compreende um amplo espectro do conceito. Ao longo
de suas obras, o conceito transita entre um entendimento proposicional e uma acepção sensível
9
.
O mesmo diagrama que explica a natureza do sentido frasal tamm se aplicaria ao sistema da
língua. Sua teoria descreve desde a formão molecular até o sentido proposicional das frases. Ao
fim e ao cabo, compreende tamm o sentido como afecção. Deleuze unifica as dimensões do
79
conceito em torno da manifestação do incorpóreo, que funcionaria como uma máquina ou
diagrama de geração de sentido lingüístico e social.
Assim, o plano corpo-linguagem só comunica, isto é, só ultrapassa a mecânica da
informação para comunicar, quando essa foa silenciosa que dissolve os corpos. Há remissão
entre as séries tanto no momento em que a significação expressa alguma coisa como no instante
em que a informação remete a um plano de consistência pré-individual e, com isso, atinge o
receptor, magnetizando sua intencionalidade para o que ela exprime. A diferença de natureza
entre signo e sentido, corpóreo e incorpóreo, é análoga à tensão entre circulação de informação e
acontecimento comunicacional. Quando a informação envolve o receptor ela remete a um
circuito diferencial, há uma passagem de planos que é o acontecimento comunicacional. O
sentido realiza a comunicação da mesma maneira que realiza os componentes da linguagem
O caráter multifacetado dessa teoria fica mais claro quando se pensa que Deleuze
descreve inclusive a formação das linguagens. Elas nasceriam a partir de uma máquina abstrata
que opera os sinais brutos do mundo, sinais que ainda não são signos (Deleuze os chama de
phylum) e o pensamento. Esses sinais seriam como reservatório de sons ainda não lingüísticos,
algo semelhante ao que Hjelmslev entendia por substância da forma. Eles se chocam com o
pensamento, arranham e envolvem a matéria consciente formando regimes de signos, processo
que Deleuze denomina transformação incorpórea. Uma vez estabelecido um regime de signos,
estão dados os elementos e relões necessárias ao estabelecimento da linguagem. A relão entre
matéria não-lingüística e pensamento, que Deleuze indica com o diagrama, se replica tamm na
formação do sentido. Nesse segundo momento o conteúdo lingüístico já es disposto em um
plano organizado e abstrato, mas o sentido ainda deve ser produzido. Uma vez mais o digrama
entre séries corporais e incorporais acontece. Essa relão se replica ainda uma terceira vez,
quando a código lingüístico ultrapassa o círculo informacional e produz acontecimentos
comunicacionais. É o caso da literatura, di Deleuze a respeito de Kafka e Proust
10
.
Se no plano da linguagem o sentido opera conteúdos e produz entendimento, no plano
molar ele opera informações e produz comunicações. Entre entendimento e comunicação
uma diferea de escala, uma disparidade entre elementos interagentes proporcional aos circuitos
de sinalizão e informação. Há sentido nas duas operações: ele opera tanto na expressão de
conteúdos sígnicos como no invisível da compreensão de um texto literário. Essa vasta gama
hermenêutica do conceito, também analisada por Derrida, implica em um universo ou reino do
sentido, elemento transversal à circulação da informação e ao acontecimento comunicacional
11
.
Em Proust e os Signos
12
, por exemplo, Deleuze diz que o tema de uma obra não é
propriamente o assunto tratado, os personagens do enredo, um sujeito dentro ou fora do texto
80
nem suas possíveis significações. Haveria temas inconscientes e involuntários que emprestariam
sentido às palavras. O estilo, tema tamm visitado por Merleau-Ponty, espiritualizaria as palavras
remetendo-as a um universo original. Deleuze também comenta a leitura que Jacques Lacan
13
fez
do conto A Carta Roubada de Edgar Allan Poe
14
. Para Lacan, haveria no conto um jogo de ilusão
e verdade entre os personagens. Eles ganham e perdem a posse da carta, mas aquilo que es
escondido não é a carta, é a verdade. No conto, ignoramos o significado da carta (destinada a
quem? qual o conteúdo?) e nos prendemos à sua circulação. Quem quer que esteja em posse da
carta, Ministro, Investigador Dupin ou Rainha, toma o lugar do Rei sem que o conteúdo da carta
tenha importância. Para Lacan, o significado da carta é desimportante pois só significantes.
Onde Lacan via significantes que deslizavam, Deleuze vê a existência de duas séries na
narrativa
15
. A primeira série compreenderia o rei que não vê a carta recebida pela rainha e o
ministro que a rouba. A segunda série compreenderia a polícia, que não descobre onde o ministro
esconde a carta, e o investigador Dupin, que a retoma. As diferenças entre as séries significante e
significada seriam asseguradas pelo fio condutor da história, a semelhança das situões ou a
identidade dos personagens. Mas o essencial, diz Deleuze, se quando as diferenças pequenas
ou grandes superam as semelhanças, quando duas histórias distintas se desenvolvem
simultaneamente, quando as personagens têm uma identidade que oscila entre uma e outra. O
sentido rebate entre a profundidade das duas histórias e surge como superfície
16
. Esse é o
acontecimento e a instância paradoxal do sentido.
Essa instância mais textual que frasal do sentido se encontra com a abordagem do
conceito pela escola fenomenológica. Aqui como lá, o sentido proposicional se forma em relão
a uma consciência ou corpo que o percebe globalmente, um processo desprendido das
proposões frasais. O sentido assim entendido remete a uma dimensão ampla e macrosocial, mas
que perfaz também as microoperões da linguagem. Haveria um ato intencional sobre os signos,
uma intencionalidade que os inter-relaciona com o mundo vivido em instâncias não propriamente
lingüísticas.
II. Edmund Husserl e a fenomenologia
Em sua Lógica do Sentido
17
, Deleuze diz que Husserl foi o filósofo que lhe permitiu
pensar o sentido como entidade não-existente e desvinculada das manifestações lingüísticas. Sua
fenomenologia compreenderia o sentido como produção e não como essência, conquanto
teorizasse o conceito apenas superficialmente. Apesar das formulações seminais de Husserl, a
doação de sentido fenomenogica não abrangeria o elemento paradoxal, a força aleatória e
simultânea que ultrapassa a consciência doadora de sentido.
81
A acepção husserliana ecoou nas obras de pensadores diversos, como Alfred Schütz,
Jürgen Habermas ou Niklas Luhmann. Em oposição a um sentido de matriz lingüística, Husserl o
entende como uma produção do mundo vivido (Lebenswelt), instância limite onde se operam as
condições de experiência. Esse sentido fenomenológico se vincula a um método de análise que se
queria científico embora não emrico. Fundado na subjetividade, o projeto se desvia do
kantismo ao recusar a existência de formas puras e oferecer a consciência viva como o elemento
que exprime e sentido à experiência. A expressão, negligenciada por Kant, é o ponto de
partida das análises husserlianas.
Há semelhanças no entendimento do conceito de sentido em Frege e Husserl: para
ambos ele é uma produção extralingüística, elemento externo que possibilita o universo da
língua
18
. Mas se Frege entendia o sentido como um componente incondicionado e independente
das significações, uma idéia preexiste às apreensões individuais, para Husserl ele é o noema, um
constructo da consciência que vincula objeto e conteúdo.
Husserl usava os termos sentido e significação de maneira cambiável, recusando a
distinção fregeana já no primeiro parágrafo de suas Investigões Lógicas. Mas ciente da questão,
diz que na realização do ato [enunciar], vivemos nele, indicando assim seu objeto, e não sua significação
19
. Se
em Frege a significação era uma objetividade que permitia estabelecer intervalos entre os termos
do sentido proposicional, em Husserl ela é somente objetividade sensível. Para Husserl, a
Bedeutung (ou Sinn, de maneira indiferente) é um querer dizer virtual que se atualiza na
consciência do sujeito por meio da intuição. Não intervalo nem sentido proposicional, pois o
conteúdo do pensamento é entendido de maneira intuitiva
20
.
Husserl define o pensamento nos termos do idealismo transcendental, e os fenômenos
21
,
por meio da intencionalidade tomada de Brentano
22
. A relão entre ambos se na intuição
categorial, uma intuição doadora que funciona como fonte última de todo conhecimento. Esse
procedimento, a epoché husserliana, consistia na suspensão ou neutralizão das formas do mundo,
reorientando o olhar para as formas vivas do objeto que o olhar ordinário não vê. Tamm
referida como redução eitica
23
, é a tarefa de registrar os objetos em sua pureza original,
colocando entre parênteses as idéias que o mundo lhe inscreve
24
. Assim, se a redução
fenomenológica dissolve a consciência nas intenções do ser, a redução eidética, por outro lado,
fixa os elementos que durante as variações perceptivas se provaram idênticos.
A intencionalidade husserliana reverte o cogito tradicional negando uma consciência
universal de si e por si, fronteira do real como subjetividade inteligível. Como a consciência é
somente conscncia de algo
25
, o sentido só pode ser compreendido como processualidade dessa
consciência intencional. Isto é, os objetos sensíveis estão dispostos no mundo sem qualquer
82
sentido. É o objeto tomado na consciência, a redução eidética, que produz sentido. Assim, o
sentido é uma ão, um ato que sentido, que direciona a corrente da consciência
26
.
A tese de que o sentido é uma produção da consciência também é encontrada em Lacan.
O psicanalista francês propõe um diagrama do desejo onde o sentido é determinado
retroativamente, como efeito de acentuão sobre a estrutura significante. A significação seria
deslocada por um jogo interminável entre significantes. Para Lacan, a significação e o sentido
mudam para o sujeito da análise como resultado das verbalizações, acentuações e intervenções do
analista
27
. O esquema diacrônico de Lacan entende que não existe propriamente um sentido, mas
sucessivas remissões de significante a outro significante. Houvesse um sentido, esse seria o
vesgio do imaginário que o simbólico não consegue capturar: o real lacaniano
28
.
Seria mais exato falar em uma teoria da significação em Lacan, pois para o psicanalista
francês o um sentido que recorra às propriedades do referente
29
ou a uma suposta ordem
acessível da realidade objetiva. Inversamente, sua teoria oferece uma subversão da relão entre
significante e significado. Onde Saussure via união, Lacan vê divisão. Se a unidade do signo
priorizava o significado, a divisão proposta por Lacan tem no significante seu centro de produção
de significações. O significante, por decorrência, não seria um artifício que funciona como
representação do significado. A significação, por sua vez, também deixa de ser um algoritmo da
relão significante e significado. O paralelismo entre os dois planos cede lugar a um jogo infinito
de significantes que produzem a significação por meio do deslocamento de significantes. Fluindo
de significantes para significados, a teoria do significado de Lacan se aproxima dos anagramas de
Saussure e inverte o postulado do representacionalismo realista: o significante entra de fato no
significado
30
.
Em A Instância da Letra no Inconsciente ou a Razão desde Freud
31
, Lacan sugere a
imagem do banheiro de um restaurante. Duas portas idênticas levam a dois banheiros que se
supõem tamm semelhantes. Aquilo que separa isto é, distingue uma porta da outra é o
significante relacionado a cada porta. O significado da porta do banheiro masculino é diferente da
porta do banheiro feminino porque cada uma carrega uma etiqueta diferente (Homens e
Mulheres; Hommes e Femmes). É somente o significante, para Lacan, quem manifesta a diferença
entre o nada e alguma coisa uma vez que não existe correlação necessária entre signos e coisas.
Sua teoria desenha uma significação variável, pois os significados são eles mesmos um
significante para o qual foi atribuída uma função significada por transferência. O diagrama é
funcionalizado pelo conceito de sujeito, refém de uma significação que desliza de significante em
significante e cuja estabilidade é um efeito necessariamente ilusório.
83
Husserl, entretanto, remete o problema para a questão da expressão. Com isso, atenta
para a movimentação dos objetos que transbordam para fora de si mesmos. Se o sentido é uma
produção da consciência, como em Lacan, ele não é entretanto lingüístico, mas emana de um a
enunciação fundadora, isto é, uma intenção consciente de significar. Esse instante consciência-
mundo é explicado pelo duplo conceito noese e noema.
III. Noese e noema
O conhecimento imediato ou a relação entre significado e significação estão associados à
noese husserliana, uma instância da língua que não participa da produção de sentido. A síntese de
múltiplos conhecimentos imediatos é atributo do noema, isto é, a essência dos objetos que vêm à
consciência ou o sentido na relação objeto-mundo descolado dos mecanismos do signo. Apenas a
participação no sentido do mundo, a redução eidética, permite vislumbrar o noema dos objetos.
Para Deleuze, o noema husserliano é o próprio acontecimento, isto é, o próprio sentido. A noese,
por outro lado, remete às processualidades subjetivas
32
.
Noema é a percepção do sentido imanente aos objetos. É a captura de suas diferentes
apancias que não totalizam uma unidade. O noema se situa entre as proposições e as coisas, que
como em Deleuze, são consideradas como duas séries heterogêneas. Não propriamente uma
ntese, pois a totalidade é sempre ideal, um desenvolvimento sem fim. Conhecemos o mundo
pela atividade noemática, que atribui sentido às coisas. Noese é o conhecer orientado à
subjetividade, a realização subjetiva do objeto. A   real  
representados na consciência ou objetos-enquanto-percebidos. Objetos se mostram nos matizes
do real, em múltiplas sensões que compreendem um bloco de sentido. Um objeto percebido é
noema enquanto conteúdo da vivência e noese enquanto ato da conscncia. Ao separar noese,
captável pela racionalidade interpretativa, do noema, inapreensível pela via empírica, o par
conceitual da fenomenologia husserliana cumpre com o imperativo deleuzeano de um sentido
como superfície que se realiza fora da significação.
Noema e noese englobam o conceito de sentido em sua aceão sensível, como sensação,
mas também como expressão da linguagem, pois as essências doadoras de sentido instituem
unidades semânticas aos vividos intencionais da consciência. Isto é, a intencionalidade originária
se abre em relações entre conteúdos do vivido e sua unidade formal. O paralelismo entre noema
e noese, com isso, sugere a dupla significação e significar no escopo das sensões. Mesmo que o
objeto da perceão tenha sentido apenas monotético, esse sentido pode receber uma expressão
por meio de significações (Bedeutungen). De todo modo, as significações remetem invariavelmente
a essências que apenas então são apreendidas como sentido
33
.
84
IV. Sentido no mundo: interior e exterior
Ao contrário de Frege e Wittgenstein, que trabalham respectivamente com o sentido e o
significado proposicional
34
, o noema husserliano e sua consciência doadora de sentido estendem
ao conceito de sentido uma aceão não-proposicional, isto é, sentido como afeão e sensão.
A teoria hegeliana do sensível, a estética, fazia referência ao problema e traçava uma distinção
entre sentido interior e exterior
35
. Isto é, o sentido é tanto a percepção de fenômenos externos
(sistema sensorial
36
) como o significado que os termos guardam (sentido proposicional
37
). Jean
Hyppolite comenta a questão:
Sentido é, na realidade, uma palavra curiosa que empregamos em dois sentidos opos tos. De um lado,
designa os órgãos qu e pr esidem à apreensão imediata, d e outro, chamamos de s entid o a significão d e uma
coisa, sua idéia, o qu e tem de univers al. Deste modo, o sentido se refer e de um lad o à par te imediatamente
exterior d a existência, e de outro, à s ua essência interior. Uma consider ão ponderada, ao invés de separar
as duas partes, trabalha de maneira que cada uma delas esteja presente ao mesmo tempo em que s eu
contr ário, isto é, apreende o sentido e o conceito de alguma coisa por meio da intui ção s ensível sobre ela.
Mas como essas d efinições o são dadas independentemente, o observador o pode ter conscncia d o
conceito, limitando-se a, por assi m di zer, press enti-lo vag amente.
38
Husserl trata desse problema no §58 da sua Sexta Investigação: A Relação Entre as Duas
Distinções: Sentido Externo e Interno, e Sentido de Categoria. Seu conceito de consciência,
mormente um elemento doador de sentido (Sinngebung), não desfaz a dualidade hegeliana: É de
grande importância a elucidão definitiva da relação entre as duas distinções, introduzidas no início das nossas
reflexões presentes, a saber, a distinção entre a sensibilidade externa e interna
39
. Husserl aborda o problema
separando as abstrações em sensíveis ou categoriais, isto é, baseadas em uma sensibilidade interna
ou em uma intuição
40
. Mas sua fenomenologia acaba por integrar o sentido não-proposicional
      Nem mesmo Merleau-Ponty resolverá essa
pendência da fenomenologia.
Jean-François
Lyotard tentou resolver a questão. Ele sugere que a questão hegeliana, a
oposão entre exterioridade e interioridade, vai ao encontro da distinção fregeana entre sentido
(Sinn) e significação (Bedeutung), pois o sentido como interioridade responderia pela categoria de
sentido (Sinn), enquanto o sentido como exterioridade responderia pela significação (Bedeutung).
Para Lyotard, o tratamento que Husserl deu à questão permite entender a significação como uma
produção imanente de um sistema, necessariamente fechado, mas um fechamento que inclui em
si mesmo a abertura
41
. Lyotard recorre uma vez mais a Jean Hyppolite para comentar o problema,
apresentando a linguagem como o elemento mediador das dimensões interiores e exteriores
42
.
É uma proposição que nos afasta de Husserl. Outro tratamento à questão do sentido
interior e exterior é apresentado por Michel Serres
43
, para quem o sentido seria uma produção
gerada no mundo vivido, conquanto uma produção individual. Como Husserl, Serres assume que
é o sentido que permite o jogo de significações, isto é, a dinâmica sígnica entre significado e
85
significante. Serres não emprega o conceito de noese, mas seu juízo sobre o sentido como
expressão plena é particularmente próximo ao noema husserliano.
Serres tamm se encontra com Husserl no conceito de expressão. O expresso é aquilo
que, não estando nos signos, lhes permite significar. A expressão do signo é transversal às
fuões indicativa e significativa, isto é, ela é o sentido intencionado na vida interior ou na
comunicação
44
. A expressão é entretanto anterior ao próprio ato comunicativo, à própria intenção
de significar. Isso porque a expressão não se vincula ao sistema dangua, mas à dualidade
consciência-mundo que lhe prescreve existência.
Em Serres, é o conceito de expressão que define o sentido. A expressão sugere que não
somos unidades fechadas em si mesmas. A expressão remete precisamente à abertura do sistema,
uma função do sentido que se perde na leitura que Luhmann fez de Husserl. Em Os Cinco
Sentidos
45
, Serres ataca a redução dos sentidos ao sinal lingüístico. As palavras, mortas,
neutralizariam os sentidos, que se vinculam à experiência e a algo que está fora da linguagem. O
sentido seria formado mais pelo ruído que pelos conteúdos denotados, e o expresso é dado por
um o-expresso que o transforma.
O pensamento de Serres sugere um sentido transversal às operações da linguagem.
Sentido seria o intervalo entre sinais, mas um intervalo dado sempre no local, uma diagonal que
realiza certa singularidade. Em Serres é o sentido de todo improvável que produz
informação, um expresso que vida ao corpo de signos. O interessante na idéia de expresso em
Serres é que o sentido, diferentemente de Husserl, independe das consciências. Em Serres uma
relão de deriva com as forças elementares. Palavras derivam de átomos-letras acometidos por
um relâmpago universal: eis o sentido para Serres, um entendimento vinculado à idéia de declive
ou deriva
46
, um sentido sempre em movimento. Esse tema bergsoniano atenta para o cater
temporal do sentido. Não é que o sentido só ocorra na mudança. É que a mudança, por menor e
imperceptível que seja, produz sentido.
A fenomenologia husserliana não permite visualizar essa movimentação. Sua filosofia se
fecha sobre uma consciência intencional e sugere um conceito de sentido manifestamente não-
lingüístico. Um atributo que, a exemplo do método de Wittgenstein, permite medir a linguagem
apenas naquilo que dá sentido a uma expressão lingüística (o filósofo vienense insistia na
pergunta: mas isso faz sentido?). O sentido se disporia simultaneamente, como um feixe, entre
consciência e mundo vivido, onde a linguagem é parte integrante e não instância integradora
47
.
Husserl pensa em uma linguagem anônima que só existe quando a consciência se volta
para ela, engravidando-a de vida e lhe emprestando sentido. Antes de ganhar expressão, a
linguagem existe apenas enquanto possibilidade, repousando em uma pré-existência de todo
86
dependente da intuição que lhe preenche de intenção
48
significativa. A fenomenologia husserliana
propõe uma redescoberta do mundo, fazendo abrolhar sentidos no mundo ao mesmo passo em
que nos condena a eles
49
. A consciência intencional destaca o cater sustentador do sentido, que
viabiliza a unidade dos vividos puros. Husserl pensa o sentido como transcendental e científico,
não como significação gica atribuída pela linguagem, mas como o núcleo que produz realidade.
A consciência individual de Husserl sugere certo solipsismo na medida em que estamos
sozinhos no mundo, e o próprio mundo é uma idéia sobre a unidade dos objetos. Fenômenos só
têm unidade na minha percepção, e é a minha consciência, como intenção, que funda todo
sentido. É na vida solitária da alma, explica Husserl, que as significações de palavras e frases
ganham existência. Husserl, entretanto, não propõe um idealismo monádico. Antes, a experncia
da objetividade invoca a concordância de uma pluralidade de sujeitos. O outro se apresenta à
experncia como elemento original. Os outros egos não são simples representões e objetos
representados em mim, unidades sintéticas de um processo de verificão que se desenro la em mim, mas justamente
outros
50
. O outro, fonte de sentido e intencionalidade, irrompe e se anuncia como um sistema de
experncias que só pode ser experimentado como estranho
51
. Merleau-Ponty retomará essa
contingência do diálogo para desenvolver sua crítica ao subjetivismo de Husserl.
V. Mundo vivido (Lebenswelt)
Embora Husserl tome a consciência como instancia doadora de sentido, o mundo em si
mesmo, essa disposição de uma pluralidade de sujeitos participa nos processos de gestação de
sentido. O mundo vivido (Lebenswelt) husserliano é uma personagem importante nas dotações de
sentido. A Lebenswelt é uma realidade polivalente e complexa que fornece as condições para a
ciência (oposta ao Wissenswelt, mundo do saber). Não é a simples soma dos objetos percebidos,
mas o mundo subjetivo de onde a atividade humana emerge.
O mundo vivido é um a priori de onde se formam os sentidos originários. Não é portanto
o mundo onde atuamos, mas a suspensão desse mundo e a concentração no próprio modo de
vida. É o regresso a um mundo anterior, um diálogo com o mundo ao redor e que constitui toda
realidade do ser. É o das proposições no mundo; a vida com suas alegrias, penas, trabalhos e
folgas. O material do mundo vivido, da Lebenswelt, é a subjetividade. Uma subjetividade
instauradora do mundo, por onde vivemos o mundo e por meio da qual ele adquire sentido. Se o
sentido é o âmbito de compreensão em geral, a Lebenswelt é o contexto que o torna possível e
condiciona toda produção de sentido.
O mundo da vida é o plano das consciências em interação, mundo que toma a história
como gênese do sentido. É na Lebenswelt que os fatos da cultura ganham geometria, e a
87
compreensão simples dos fatos de experiência, por muito fechados que sejam seus sentidos,
pertence-lhe. No mundo vivido, presente e passado se apresentam como universalidade
indeterminada; o passado constitui em si um presente da cultura que não é mais. Há portanto
múltiplos presentes, um continuum ou durão (durée). A história seria, em prinpio, o
movimento vivo das formações de sentido. Isto é, a sedimentação dos sentidos originários em
múltiplos planos, múltiplos passados, implicados em um conjunto de universalidade
indeterminada.
A Lebenswelt (mundo vivido) seria um terceiro em relação ao Umwelt (universo subjetivo) e
ao Umgebung (meio ambiente). Se o Umwelt é a interiorização das percepções, operação não
exclusiva ao homem e que se aplica a qualquer ser vivo que processe informação
52
, a Lebenswelt
seria um fundo comum a grupos de indivíduos unidos por contextos não-explicitados. É o
elemento ao qual Habermas recorre para fundamentar o consenso aquém das razões e das
justificativas
53
. Habermas queria fazer coincidir a Lebenswelt com o sistema social, estabelecendo
uma relão formalivel entre o horizonte do vivido e uma estrutura institucional
regulamentada. Queria, com isso, identificar os modos de passagem entre essas duas instâncias
macro e micro sociais.
Habermas define a Lebenswelt em contraposição com o conceito de sistema. Para
Habermas, a Lebenswelt compreende a conversa face a face, a moralidade, a solidariedade e
tamm as experiências, tradições, normas e entendimentos comuns. A Lebenswelt tomaria forma
acima de tudo por meio da linguagem e da comunicação. Habermas entende que o conceito de
sistema se refere a uma extensão da sociedade sobre a qual os indivíduos não têm qualquer
controle ou compreensão (tais como a burocracia ou o mercado). Enquanto a Lebenswelt é forjada
em uma escala humana e responde pelo reino em que as experiências pessoais podem ser
subsumidas em uma biografia coerente, os sistemas são organizados de maneira abstrata,
englobando toda sorte de media como dinheiro e poder, de forma que as questões de foro
individual, como sentido ou mortalidade, são completamente irrelevantes
54
.
Haveria entre a Lebenswelt e o sistema social um equilíbrio oriundo da interpenetração
recíproca de um no outro, um campo de inferências que a sociologia compreensiva não consegue
perceber. Haveria entre o binômio Lebenswelt e sistema social uma diversidade de modalidades de
sentido e ão comunicacional. Segundo Lucien Sfez, o ponto de vista objetivo externo, que
pensa em termos de sistemas, se choca com o da auto-interpretação do Lebenswelt, onde a análise
mergulha na interioridade e produz um idealismo hermenêutico
55
. Mas é nesse campo de
inferências do vivido no mundo, diz Habermas, que comunicação e sentido seriam processados.
Não na objetividade dos sistemas, mas na opacidade da Lebenswelt, no implícito e no pressuposto.
88
Produzir sentido e comunicar seriam então dois momentos de um mesmo processo, que é a
colonização do mundo vivido
56
.
VI. Intencionalidade ou abertura das consciências.
A relão entre mundo vivido e consciência é reelaborada por Merleau-Ponty. Herdeiro
da fenomenologia de Husserl, Merleau-Ponty rejeita a teoria do conhecimento intencional e
propõe a ação corporal e a perceão como fundamentos da sua filosofia
57
. Em oposição à
consciência doadora de sentido
58
, o fenomenólogo francês pensa em um organismo global
mergulhado na contingência de esmulos do mundo da vida. As formas são tomadas por uma
consciência perceptiva que é em si mesma um corpo. Ser humano e conhecimento só seriam
sensíveis em sua corporeidade. A Lebenswelt ou mundo vivido de Husserl lugar a um mundo
      idade que compreende uma multidão de corpos. A

59
, mas um sistema
de perspectivas e intersecções entre corpos; uma atmosfera ou intermundo.
O corpo como unidade epistemológica está mergulhado no mundo vivido e sugere um
diagrama de percepções e sentidos de todo aberto. Merleau-Ponty entende que a relação entre o
sentido e as palavras se em um reencontro dos meus pensamentos na fala do outro.
Reencontro porque a fala do outro desperta em mim pensamentos já formados, uma corrente de
pensamentos de que não sou capaz sozinho. Essa fenda entre eu e outrem, diz Merleau-Ponty,
me abre para significões estranhas. É preciso assim que eu admita que não vivo somente meu próprio
pensamento, mas que, no exercício da fala, me torno aquele que eu escuto
60
. O sentido se desdobra desse
 abertura entre eu e outrem que engravida o corpo da linguagem de sentido.
Sentido seria um encontro entre consciências-corpo e carne do mundo, encontro
expresso por estilos irredutíveis. Eu e outrem não nos encontramos naquilo que temos de
semelhante, mas no que temos de diferente. Essas diferenças não são qualidades opacas, são o
substrato mesmo que se tornará sentido. O outro organismo emprega em relação às coisas de meu mundo
um estilo que a princípio me é misterioso, mas que pelo menos me aparece de saída como estilo
61
, porque responde a
certas possibilidades que envolviam as coisas de meu mundo
62
.
Se para Deleuze acontecimento era sentido, para Merleau-Ponty acontecimento é
percepção. A percepção se abre sobre as coisas, reafirmando a preexistência do mundo. O sujeito
senciente é envolto por campos perceptivos, isto, é, por sentidos que despertam uma
familiaridade primordial entre o aparelho perceptivo e o mundo. Esse componente perceptivo do
sentido também operaria nos substratos da linguagem, realizando um acordo impossível entre
duas percepções ou duas totalidades, arrastando uma à outra e seduzindo-as de maneiras
89
estranhas. No limite, ela abole os limites entre minha conscncia (meu mundo) e o ambiente (o
fora do meu mundo), entre aquilo que tem sentido para mim e aquilo que me é sem sentido,
entre eu como sujeito e outrem como objeto.
Comentando a obra de Saussure em O Olho e o Esrito, Merleau-Ponty diz que ainda
que cada palavra retire seu significado da relação de oposição para com as demais (a teoria do
valor de Saussure
63
), a remissão de um signo a outro cessa de ser protelada no instante da
expressão. No momento em que compreendemos algo, evidencia-se o ato da expressão comum à
língua, que não se restringe à expressão nela acumulada, mas     cria e recria o
sentido dado e recebido. Os sujeitos falantes ultrapassam os signos em direção ao sentido, pois os
signos não evocam para nós somente outros signos e isso infinitamente, a linguagem não é como uma prisão onde
estejamos presos, ou um guia que precisamos seguir cegamente
64
.
A abertura incondicional das consciências e do mundo faz Merleau-Ponty insistir na
hitese de que sentimos o mundo tamm naquilo que não se mostra. Seria preciso ver o só
as coisas sensíveis, mas o vazio entre as coisas. Assim, significões e sentido não seriam
propriedades de um sistema fechado, mas produto da iniciativa individual, das percepções abertas
ao mundo que o recuperam como no horizonte de expectativas husserliano. Vemos, pertencemos
e nos instalamos nesse mundo em que as coisas se fazem e se desfazem como uma espécie de deslizar aquém
do sim e do não
65
.
Merleau-Ponty comenta em Signos
66
que Bergson, em seu Duração e Simultaneidade
67
,
tamm instala a percepção no mundo percebido. A concepção bergsoniana sobre o tempo é de
todo original: não haveria simultaneidade entre coisas em si. O tempo remete a uma interioridade,
uma duração, e apenas as coisas percebidas participam da mesma linha do tempo. A
simultaneidade temporal se daria em função da percepção e não de uma linha cronológica fixa.
Acontecimentos e observadores estariam dispostos em campos perceptivos, relação permeada
por durações sem referência universal. Merleau-Ponty fala em durações solitárias não-
mensuráveis, um tempo que não é transversal às consciências. O problema é ainda o da
consciência, centro único que restitui todas as durações como fonte interior. Bergson e Merleau-
Ponty desenham assim um intermundo, lugar onde os campos perceptivos se cruzam e se
envolvem em fenômenos de percepção do sentido
68
.
VII. O movimento do sentido
A filosofia de Bergson considera a duração como a ppria substância da realidade
69
. Ela
pensa a vida e a materialidade como movimentos contrários, simples mas indivisíveis
70
. São
correntes inversas cuja coexistência resulta na organização dos modos de vida. A linguagem
90
exprimiria somente formas, ela o atingiria o movimento mas, no máximo, o sugeriria
71
. Em
Bergson se encontra o meio-termo entre a teoria do sentido deleuzeana e o sentido
fenomenológico. Em ambas as escolas o conceito remete a um extralingüístico que nos lança em
um além da linguagem. A durão é também o plano virtual, o plano de imanência que me
apresenta sentidos que o texto ou os signos por si só não têm
72
. Esse plano virtual do sentido é
detalhado por Merleau-Ponty ao comentar O Vermelho e o Negro de Stendhal
73
: o sentido não
está no texto, ele antes toma posse do leitor, ele me acesso à obra.
Bergson fazia uso de dois exemplos didáticos para explicar a sinestesia da duração. No
desmembrado em pedaços, pois não são as
, mas o movimento da água. No segundo, lembrava que o cinema
não existe em um fotograma individual, é antes a soma de uma variedade de fotogramas em
movimento que constitui o cinema
74
. A duração é essa relação interna entre partes que não se
confunde com o todo. Não é o tempo, mera sucessão pontual de instantes, mas a duração
integral das partes
mas à enumerão do movimento.
A duração seria esse pensar intuitivo. Se a inteligência parte do imóvel e constrói o
movimento com imobilidades justapostas, a intuição percebe o movimento como a própria
realidade e vê a imobilidade como simples instantâneos da mudança
75
. O conceito de duração
sugere uma termodinâmica de fluidos mais do que partes mecânicas. Haveria uma flutuação entre
consciências, pois a essência da duração é fluir
76
. O conceito de duração restitui ao movimento
sua mobilidade, e à mudança sua fluidez. Deleuze entende que a duração de Bergson implica em
um entendimento global do fenômeno, assuão necessária para alcançarmos o sentido.
Como diz Bergson, não v amos dos sons às imagens e das i magens ao sentido: instalamo-
em pleno sentido. O sentido é como a esfera em que estou instalado para oper ar as designações possíveis e
mesmo para pensar suas condições. O sentido está sempr e pressuposto des de que o eu começo a falar; eu
o poderia começar sem esta pressuposição. Por outras palavras: nunca digo o sentido daquilo que digo.
Mas em compensação, posso sempre tomar o sentido do que digo como objeto de uma outra proposição,
da qual, p or sua vez, não digo o sentido.
77
A indivisibilidade da duração tamm estaria presente no ambiente do sentido. Um e
outro só seriam apreendidos em um golpe único, e o por suas partes decomponíveis que no
caso do sentido são os componentes da linguagem. Merleau-Ponty diz que o registro da conversa
mais brilhante a seguir uma impressão de indigência. Isso porque a conversação reproduzida
não é a mesma conversa que vivenciamos. Sem a presença dos que falaram, desaparece aquele
acréscimo de sentido que oferecem os gestos e as fisionomias, que sobretudo oferece a evidência de um acontecimento
que ocorre, de uma invenção e de uma improvisão continuadas
78
. A reprodução da conversa achataria a
conversação, eliminando as ramificações do instante na dimensão única do sonoro.
91
O sentido teria assim uma substância imersiva, seria um ambiente indecomponível às
partes que lhe integram. Em A evolução Criadora, Bergson faz refencia a um colar de pérolas.
As pérolas dependeriam de um fio que não é nem rola nem colar, mas aquilo que unidade
ou consistência ao colar, aquilo que mantém as rolas unidas. Essa relação entre pérola e colar
seria análoga à relação entre palavra e sentido.
Merleau-Ponty também aborda a questão posicionando o sentido de maneira inversa a
Frege. Se para Frege ele era uma entidade exterior aos pensamentos e que se relacionava com as
proposões, para Merleau-Ponty ele é ambiente que funde um signo a outro signo e os faz
significar. Em O olho e o Esrito, o sentido é definido como a intersecção ou intervalo entre as
palavras. Não haveria uma distinção possível entre sentido e linguagem, pois o sentido não seria
nem transcendente nem imanente em relação aos signos
79
.
Na verd ade, o é assi m que o sentido habita a cadeia verbal, nem assi m que se dis tingue dela. S e o signo só
quer dizer algo na medida em que se destaca dos outros signos, s eu sentido es tá totalmente envolvido na
linguagem, a palavra i nterv ém sempr e sobre um fundo de palavra, nunca é s enão uma dobr a no i menso
tecido da fala. Para compreendê-la, o temos de consultar algum léxico interior que nos proporcionasse,
com relão às palavras ou às formas, puros pensamentos qu e estas recobririam: basta qu e nos d eixemos
envolver por sua vida, por seu movimento de diferenciação e d e ar ticulação, por sua gesti culação eloqüente.
Logo, há uma opacidade da lingu agem: ela o cessa em parte alguma para dar lugar ao sentido puro, nunca
é limitada seo pela própria linguagem, e o senti do só apar ece nel a eng astado nas pal avras.
80
O sentido seria essa iterão de signo a signo, um entre que dobra os signos e os reúne
na linguagem. Em A Experiência Interior, Bataille faz referência à cena que se desenvolve quando
uma piada é contada e as pessoas riem por contágio. Há algo que une as consciências e que es
além dos signos ou da interpretação do conteúdo significado. Bataille pensa em um vínculo que
se derrama entre um ser e outro: as palavras, os livros, os monumentos, os símbolos, os risos o apenas
caminhos desse contágio, dessas passagens
81
. O movimento que vincula as unidades relaciona o sentido de
cada objeto
82
.
Ao invés da piada, Merleau-Ponty pensa na charada, apenas compreendida na interação
dos signos. Quando reunidos, a banalidade dos signos lugar ao sentido que vincula aquele que
fala e aquele que escuta. Não é uma técnica de cifrão ou decifrão de significações já prontas,
pois o sentido não se depreenderia da semiose dos signos. Ele seria dado de antemão como
entidade de refencia entre os gestos lingüísticos, um entrecruzamento ou malha dos signos.
As palavras não procuram um sentido nem são geradas a partir dele (nem transcendência nem
imanência); não um texto ideal que as frases traduzem. Merleau-Ponty diz que nenhum autor
pensa em um texto que reflete seu escrito, que não nenhuma linguagem antes da linguagem.
De maneira oposta aos anagramas de Saussure, para Merleau-Ponty a palavra se faz por um
equibrio estabelecido pelas condições internas na linguagem, por uma perfeição sem modelo
83
.
A conceão de sentido que Merleau-Ponty apresenta fica mais clara se pensarmos a
linguagem como um ser e não como um meio. Quando um amigo ou conhecido nos diz algo, sua
92
linguagem esenvolta naquele ser, ela se funde na particular maneira de interpelar e de despedir-se, de
começar e terminar as frases, de caminhar pelas coisas não-ditas. O sentido é o movimento total da palavra, e é por
isso que nosso pensamento demora-se na linguagem
84
. O sentido transporia a linguagem e se daria nessa
fusão de elementos que, como a durão, não podem ser decompostos. Ele vincula a linguagem
às mentes que participam e não deixa espaço para um pensamento fora de sua vibrão particular.
Quando nos abandonamos na linguagem, ela vai além dos signos rumo ao sentido deles, diz
Merleau-Ponty. Não nada que nos separe desse sentido pois tampouco a linguagem pressupõe
uma correspondência ou modelo exterior. Ela produz e desvela seus próprios segredos. Como
queria Wittgenstein, ela é inteiramente mostração. A opacidade e obstinada auto-referência da
linguagem se explicariam pela natureza autóctone do sentido.
Assim, o conceito de sentido em Merleau-Ponty é simultaneamente lingüístico e não
proposicional. O filósofo frans investe contra a idéia de haver um texto para o qual a
linguagem se remeteria, espécie de transdução entre diferentes planos de pensamento e semiose.
Para Merleau-Ponty, a linguagem não é representacional, mas indireta e alusiva. A relação entre
sentido e palavra não é marcada por correspondências ponto a ponto; as palavras não se
vinculam aos pensamentos como unidades duplamente condicionadas. A linguagem o copia o
pensamento, diz Merleau-Ponty, ela se faz e se refaz por ele.
Essa hipótese de um sentido entremeado nos corpos e na linguagem fica mais clara
quando Merleau-Ponty comenta as observações de Saussure a respeito da frase the man I love (o
homem que eu amo). A frase em inglês seria tão expressiva quanto sua versão francesa, l’homme
que j’aime, não obstante a ausência do pronome relativo na versão inglesa. Merleau-Ponty diz que
um francês tende a verter a frase para o inglês por the man  I love, inserindo um pronome
relativo que a estrutura gramatical do ings entende desnecessário. Não se trata de elipse, diz
Merleau-Ponty, mas de um branco entre as palavras que significa alguma coisa. Tamm não se
trata de um elemento subentendido, como uma tradução ingênua poderia arriscar. Merleau-Ponty
lembra que tendemos a pensar que as outras nguas captam o mundo como uma variação da
nossa ngua natal, uma variação que deveria empregar instrumentos similares aos da nossa língua.
É que nossa língua natal parece calcada nas coisas de maneira mais real, diz Merleau-
Ponty. Essa é a ilusão do sentido, que costura as relações internas de signo a signo. Mas the man I
love, não obstante a ausência do pronome relativo, expressa essa realidade tão bem quanto seu par
românico. A ausência de um signo não altera a expressão porque não existe correlão dos
elementos do discurso com os elementos do sentido, mas uma operação da linguagem sobre a
linguagem cujo fundamento é antes o descentramento do sentido. Nem as palavras seriam
desmembradas dos pensamentos nem os pensamentos seriam substituídos por índices verbais.
93
Os pensamentos seriam incorporados nas palavras, tornando-se disponíveis no poder das
palavras. Poder que funciona na linguagem de maneira global eo atomística. Como em
Bergson, haveria um movimento obquo e autônomo na linguagem. Se a linguagem significa
alguma coisa, é porque sua vida interior, esse rastro que não tem centro, o sentido, rodeia a
exterioridade objetiva dos signos.
VIII. Descentramento como fundamento do sentido
Merleau-Ponty reafirma a diferença entre representação e expressão, fundamento da
teoria do sentido deleuzeana. Em A Prosa do Mundo, o filósofo francês fala em um morfema
gramatical que não se confunde com o que ele chama de morfema de expressão, onde afirmação
e negação confessam um sentido irônico que es para além da letra
85
. Merleau-Ponty pensa
naquilo que Vilém Flusser chamara de um interior ou eidos da linguagem
86
. Seria uma intenção de
significar que anima os acidentes lingüísticos e faz da ngua um sistema que coincide consigo
mesmo. Uma intenção que se enfraquece e que nunca se realiza por completo, pois para que
qualquer coisa seja dita, é preciso que jamais o seja absolutamente. A força expressiva dos signos
se deveria a um sistema de coexistência com outros signos, o que nos remete à teoria do valor de
Saussure. A diferença é que Merleau-Ponty pensa o sentido como uma dobra no sistema da
língua e no valor de uso. Uma dobra que não tem centro e que funda a significação
87
.
E não haveria correlão ponto a ponto entre significação (Bedeutung) e sentido (Sinn),
polaridades que Merleau-Ponty retoma como exprimido e expressão. O sentido (Sinn) só se daria
globalmente, ou seja, é o todo que tem um sentido, não cada parte
88
. Às palavras se vinculariam
coeficientes que lhe emprestam um valor de emprego e não uma significação. O valor de
emprego não poderia ser isolável e só teria capacidade significante quando globalmente reunido
na cadeia verbal. Merleau -Ponty antevê uma crítica à imagem chomskyana de uma gramática pré-
existente, pois vê a maquinaria da linguagem se fazendo em uma permanente junção de
elementos da carne do mundo
89
. A linguagem se construiria em uma duração que não tem
propriamente um sistema de referência, mas um horizonte de sentido.
Sua fenomenologia assume ainda que nem se expressa de todo a expressão, nem se
exprime inteiramente o exprimido. D a opacidade da linguagem, cuja lógica de constrão,
assume Merleau-Ponty, é avessa a conceitos. Ela tão somente transparece essa gica confusa de
um sistema de expressão. Fala-se com a intenção de sair das coisas ditas e atingir as coisas
mesmas, mas esse salto não é verificável pela análise semântica porque, como a duração, só pode
ser apreendido como um movimento integral que não se resume às suas partes. A ngua não se
94
constituiria propriamente como sistema nem como estrutura, e a lingüística teria descortinado
uma dimensão que paradoxalmente lhe coloca em posição contrária a todo positivismo
90
.
Porque, como em Deleuze, o sentido teria outra natureza em relação à significação.
Merleau-Ponty lembra que sempre tomamos como modelo da fala o enunciado ou o indicativo,
esquecendo que há muito fora da enuncião. Há todo um universo de subentendidos, de
acordos tácitos não tematizados, não formulados, que contribuem para forjar o sentido. Se a
significação se funde com a fala é porque existe a continuidade de um discurso sempre já
começado, de uma ngua institda. É o caso da expressão literia, que assinala uma sobre-
significação e um sobre-sentido.
O sentido lingüístico nos orientaria para um além da linguagem, e quando o explicamos
pelo seu começo, perdemos de vista sua processualidade. Seria um fantasma ou um espectro da
linguagem. Se na geometria um traçado o é dado pela sua construção física, tampouco na
linguagem os sons, o traçado no papel ou a definição dada no dicionário são suficientes para
produzir o sentido. Haveria uma operação interior à seqüência de palavras, um sulco que indica
seus pontos de passagem. Os termos adquirem uma significão nova por meio de uma
racionalidade que tem o descentramento como fundamento do sentido
91
.
Percebemos essa racionalidade quando procuramos uma expressão para traduzir nosso
pensamento. Merleau-Ponty diz que da miade de termos do xico de uma ngua, apenas
uma que é boa. Encontrá-la é sair da mudez que quer significar e adentrar o fluxo de sentido das
palavras. Sentido é aquilo que preenche a mudez p-expressiva, o silêncio que antecede a prosa.
Ele devolve ao escritor um pensamento que se acreditava esquecido, pois é como se esse
pensamento fosse falado no avesso do mundo. Escrever, produzir sentido, seria essa tarefa de
escavar frases que dormem no limbo da linguagem, palavras escondidas que o corpo murmura.
Quando acordamos o termo que dormia, expressão e o exprimido se equivalem, se encontram e
se reconhecem.
O poder da linguagem estaria nessa operação descentrada. Mormente equilíbrio, a
linguagem se faria e se refaria por uma operão de descentramento que ensina a leitor e autor
algo que eles desconheciam. Quando ela nos conduz às coisas mesmas, diz Merleau-Ponty, ela
deixa de ter significação para ser significação
92
. Quando expressão, os signos se dissolvem
e só permanece o sentido. A significação acontece dissimulando aos nossos olhos suas operões.
Ao se apagar, temos acesso ao além das palavras, ao próprio pensamento do autor, de tal modo que
retrospectivamente acreditamos ter conversado com ele sem termos dito palavra alguma, de espírito a espírito
93
. É
como se houvesse duas linguagens: uma que é adquirida e que desaparece diante do sentido que se tornou
portadora, e a que se faz no momento da expressão, que vai justamente fazer-me passar dos signos ao sentido a
95
linguagem falada e a linguagem falante
94
. Quando lemos um livro, ele passa a existir como um
indivíduo único para além das páginas. Mesmo a leitura gradual da obra finda em um todo; a
compreensão de cada frase, na cadência da narrativa, resulta em uma imagem global e o livro
surge de ponta a ponta e não aos pedaços.
Na expressão literária, a linguagem não é uma roupagem que o pensamento manifesta. O
sentido de um livro, diz Claude Lefort ao comentar Merleau-Ponty, o é dado pelas idéias e sim
por uma variação sistemática e insólita dos modos de linguagem e de narrativa, uma reinvenção
das formas literárias existentes. A expressão é bem sucedida quando uma particular modulação
do discurso contagia o leitor e lhe torna acessível um pensamento que lhe era indiferente. O
sentido penetra sem ser percebido, e o escritor não se remete a um banco de significações que
fazem parte de um a priori do espírito humano. Ao contrário, as significões são suscitadas pela
incincia oblíqua do sentido. O texto literário não se dirige a um sistema da linguagem, mas cria
seu próprio sistema: o escritor é ele mesmo um novo idioma que se consti, que inventa meios de expressão e se
diversifica segundo seu próprio sentido
95
.
IX. Stendhal e o sentido literário
Para Gilles Deleuze, procuramos na literatura uma maneira particular de quebrar os
digos da ngua. A escrita como superação da linguagem remete a os fluxos que rebatem no
diagrama do sentido: o livro conta uma história dada no plano de organizão, mas a história
rebate no plano de consistência. A ida e vinda entre os planos produz sentido, diz Deleuze
96
.
Merleau-Ponty tem um entendimento semelhante da produção literária. Comentando O
Vermelho e o Negro de Stendhal
97
, diz que a expressão contida no livro subverte as regras de
composição. Escritor e leitor são levados para um universo de significações novas. Há na leitura
que Merleau-Ponty faz de Stendhal um microcosmo da sua concepção de linguagem e sentido.
O Vermelho e o Negro conta a história de Julien Sorel, um jovem inteligente de origem
humilde em busca de ascensão social. Vermelho pode significar a paixão pelas mulheres ricas ou
meio de ascensão social; Negro, a admiração por Napoleão, símbolo da promoção via carreira
militar. Na mesma derivação metonímica, vermelho tamm é a cor do sangue derramado nas
guerras, e o negro, a cor da batina dos padres, da igreja a qual Julien acorre na busca por ascensão
social. Há no personagem essas forças que se digladiam durante o romance: poder e paixão,
guerra e igreja, sangue e batina: pulsão de morte e pulsão de vida. São múltiplas séries que
rebatem a história e produzem sentido literário. Merleau-Ponty lembra que a morte pulsa durante
o romance, cujo apogeu é seu desfecho sangrento. Uma pulsão que não está em parte alguma nas
palavras, mas sim nos vãos entre as palavras, isto é, nos espaços entre as significações
98
.
96
Não propriamente uma referência à morte ou à destruão. O sentido dessa pulsão de
morte é percebido durante o romance sem que aparam objetos propriamente significantes
dessas forças. Comamos preguiçosamente a ler o romance, contribuindo com alguns
pensamentos. De repente, as palavras me despertam e meus pensamentos flamejam. Sou
arremessado na narrativa e o livro cessa de me ser indiferente. É como uma armadilha: primeiro
um encontro entre os signos que o autor usa e aqueles que fazem parte do meu mundo.
Acredito que estamos no mesmo universo, e o livro se instala então em meu mundo. Mas em
seguida ele passa a desviar os signos de seu sentido ordinário, arrastando-me para um turbilhão
de sentidos desconhecidos.
Por exemplo: quando Stendhal diz que o fiscal Rossi é um patife, eu sei o que isso quer
dizer, sei o que é um patife. Mas quando o fiscal Rossi começa a viver, quando a patifaria do
fiscal toma corpo em seu personagem, não é mais ele quem é um patife, é o patife que é um fiscal Rossi
99
.
Nesse instante abre-se um campo de inferências que eu não controlo: a patifaria e o fiscal Rossi
podem infiltrar em mim significões estranhas. Fui fisgado pelo sentido literário: tudo isso começou
pela cumplicidade entre fala e seu eco, ou, para usar o termo enérgico que Husserl aplica à percepção de outrem,
pelo ‘acasalamentoda linguagem
100
.
Em retrospectiva, tudo se passa como se não houvesse havido linguagem entre eu e
Stendhal, como se nossos sistemas de pensamento fossem idênticos. Cedo-lhe, com parcimônia,
algum crédito pela crião desse mundo mas me acredito senhor da obra. Isso porque o escritor
soube instalar-me dentro dele, fazendo com que eu crie e seja Stendhal ao lê-lo. O leitor se pensa
no comando da narrativa, acredita que seus pensamentos são autônomos em relão à prosa. Mas
um e outro se fundem na máquina infernal que é um livro, diz Merleau-Ponty, esse aparelho de
criar significações.
A linguag em falada é aquela que o l eitor trazia consigo, é a massa das relações d e signos es tabelecidos com
significões disponíveis, s em a qual, com efei to, ele não teria podido começar a ler, que cons titui angua e
o conjunto dos escritos dessa língua, e é também a obra de Stendhal, uma vez que seja compreendida e se
acres cente à herança da cul tura. Mas a linguagem falante é a interpretação que o livro dirige ao leitor
desprev enido, é aquela operação pel a qual u m certo arranjo d os signos e das significações já disponív eis
passa a alterar e depois transfigurar cada um deles, até finalmente secretar uma significação nova,
estabelecendo no es pírito do l eitor, como um instrumento dorav ante dispo nível, a lingu agem de Stend hal.
101
Merleau-Ponty retoma uma vez mais a lógica da duração para explicar esse sentido
literário. Assim como o movimento do cinema se faz entre imagens imóveis, o movimento da
literatura se faria por lacunas brancas apenas indicadas vagamente. O sentido literário se prolonga
sobre o leitor, conferindo-lhe um corpo imaginário mais vivo que seu próprio corpo. Vivemos
como numa segunda vida as viagens de Julien, somos cadenciados pelas paixões visíveis e
invisíveis que o romance contorna. Estabelece-se entre leitor e Stendhal uma linguagem de
iniciados: o que se tem a dizer, supõe-se conhecido. O escritor instala o leitor dentro do
personagem, que responde à convocação e se reúne com ele no centro desse mundo imaginário.
97
Essa incorporação de mundos entre leitor e romance fica evidente quando se pensa que o
conteúdo da obra literia não é representacional mas expressivo. Também o sentido é latente e
implícito. Stendhal nos diz que Julien Sorel, ao saber que foi trdo pela Senhora de Renal, vai a
Verrières para matá-la. Mas em parte alguma esdescrito o sincio de Julien após a notícia, sua
viagem onírica dentro de pensamentos sem certeza, sua resolução e tristeza. Não necessidade
-Ponty. Stendhal não representa, mas exprime
essa gama de sentimentos insinuados pela velocidade da viagem, pelos objetos e obstáculos que o
escritor opta por descrever; os meios e os acasos. A velocidade da viagem esimplícita em uma
narrativa condensada numa única página, ao invés de cinco, e a grandeza dos elementos omitidos
é proporcional às coisas ditas nem que o sejam efetivamente. O sentido perambula entre o visível
e o invisível, entre o que para ser dito e o que para ser calado
102
.
A produção do sentido se vincularia mais ao estilo que à mecânica dos signos. O
romance, que é um operador de estilos, desnuda realidades insuspeitas. É precisamente isso que
Marx teria visto em Balzac: uma maneira de mostrar o mundo do dinheiro e os conflitos da
sociedade moderna que compreendia e ultrapassava as teses econômicas, políticas e sociais, não
obstante o que Balzac pudesse pensar a respeito delas. O romance ofereceria uma visão que, uma
vez adquirida, traria suas conseqüências com ou sem o consentimento do autor
103
. Merleau-Ponty
propõe com isso uma reforma no formalismo, cujo erro não é estimar demais a forma, e sim estimá-la
tão pouco que a separa do sentido
104
.
O sentido do romance de i nício só é perceptív el, também ele, como uma deform ação coerente imposta ao
visível. E será sempr e assim. Decerto a crí tica poderá confrontar o modo d e expressão de u m romancista
com o de outro, fazer d eterminado tipo de narrativa entrar numa família de outras possíveis. T al trabalho só
      
confundem com as do projeto global e do sentido, e se for destinado si mples mente a expli car a nós m esmos
o que havíamos per cebi do.
105
Nisso a teoria do romance de Merleau-Ponty se encontra com a teoria do sentido de
Deleuze. O romance como obra de arte, para ambos os autores, é uma narrativa que vincula as
circunstâncias ao invisível, ou como teoriza Deleuze, a efetuação à contra-efetuação; a ação
pessoal à impessoal, o plano de organizão ao de consistência. O acontecimento contra-efetua
os personagens do romance na mesma medida em que inconscientemente vivemos o mundo do
personagem. Um mundo neutro em relação às descrões, neutro porque sempre acontece de
diferentes maneiras, de acordo com diferentes leitores.
X. Fenomenologia da linguagem
Merleau-Ponty formula sua filosofia a partir daquilo que Husserl chamara de presente
vivo da fala, uma ngua que integra o que foi dito antes de mim ao mundo da minha língua. Sua
reflexão sobre a linguagem se choca com o pressuposto da virada lingüística, a iia de que a
98
filosofia pode ser conduzida por uma análise da linguagem. Isso só seria possível, diz Merleau-
Ponty, se a linguagem contivesse em si mesma sua evidência
106
. A fenomenologia do filósofo
francês, pelo contrário, entende a linguagem como instrumento de concepção do mundo cuja
fuão o se esgota na mecânica dos signos, na análise possível de significados e léxicos.
Sua fenomenologia da linguagem oferece um conceito de sentido original e descolado do
entendimento lingüístico. Sentido e significado não estariam ligados às relações lingüísticas,
seriam antes imanentes a todos os modos de vivência
107
. Nisso sua teoria fenomenológica se
reencontra com o conceito husserliano de intencionalidade, pois a linguagem seria permeada pela
experncia do vivido atual e comum. Ainda que Merleau-Ponty negue a consciência doadora de
sentido formulada por Husserl, sua fenomenologia adere a uma intencionalidade constitutiva de
sentido. É um sentido que se move entre o horizonte de percepções possíveis e o campo aberto
de interpretações textuais.
Merleau-Ponty também recorre à lingüística de Saussure. O lingüista genebrino teria
indicado que os signos um a um nada significam, apenas assinalam os desvios de sentido entre si
mesmo e os outros
108
. A intuição de Saussure seria imediatamente percebida pela criança que
apreende essa malha de signos e sentidos: com as primeiras oposições fonêmicas a criança inicia-se na
ligão lateral do signo com o signo como fundamento de uma relação final do signo com o sentido . É a ngua
inteira como estilo de expressão, como maneira única de utilizar-se da palavra, que é antecipada pela criança como
as primeiras oposições fonêmicas
109
. O sistema da ngua sugerido por Saussure fez Merleau-Ponty
pensar a linguagem em termos de um domínio cujas portas só se abrem do interior. Domínio
onde o signo se compõe e se organiza consigo mesmo, de cujas bordas se reclamam o sentido.
Mas seus comentários sobre Saussure subestimam o abismo que separa sua
fenomenologia das ciências da linguagem: a filosofia da linguagem não se oe à linística empírica;
pelo contrário, ela é a redescoberta do sujeito falante em exercício em contraposição a uma ciência da linguagem que
o trata inevitavelmente como uma coisa
110
. Merleau-Ponty quer estender a abordagem lingüística ao
fenômeno do sentido, operação que ultrapassa o registro visível de signos em direção ao regime
invisível do sentido. Mas a operação esgarça as bases epistemológicas da lingüística, pois
estabelece entre linguagem e sentido uma relação autônoma não-condicionada: a linguagem não está
a serviço do sentido e contudo não governa o sentido. Não há subordinão entre ela e ele. Aqui ninguém manda e
ninguém obedece
111
.
Merleau-Ponty entende por significação um pensamento desprovido de linguagem que
me orienta rumo ao exprimido; e por signo, um invólucro inanimado, uma manifestão exterior
ao pensamento mormente próxima da significação. O que empresta dinamismo aos elementos
não é o sistema de valor implícito na semiose, mas uma visada (die Meinung) que esnas palavras
99
e é interna à fala (redend). Nesse sistema de valor que incorpora sensações, a interioridade se funde
com as palavras e as anima, resultando em palavras e falas que encarnam uma visada interior.
Sentido seria essa encarnação da visada. Ele seria secretado nos signos inertes por um mundo
interior que se projeta
112
.
Não haveria um sistema abstrato da língua para o qual nos remetemos como sujeitos da
língua, mas uma linguagem atuante que se dobra entre os sujeitos. aprenderíamos a linguagem
por dentro, pela experiência da língua em nós que é sua expressão criadora. Isto é, por meio do
corpo senciente, variação conceitual que compreende a intencionalidade fenomenogica.
Estendendo a intencionalidade para o âmbito motor, afetivo e orgânico, Merleau-Ponty pensa a
constituição de sentido substituindo o eu penso cartesiano por um eu posso embrionário
113
.
Sua intencionalidade fundada no corpo permite unificar as acepções de sentido interior e exterior,
debate que Husserl não havia resolvido.
Isso porque ela estabelece um contínuo entre a organizão física da perceão e a
interpretação simbólica dos textos da cultura. Haveria contigüidade entre percepção corpórea e
circulão sígnica, aliança que transforma a intencionalidade em uma intuição total. Com isso, a
intencionalidade encampa tanto o sentido sensível como o sentido proposicional, operação que
acaba por emagrecer os limites conceituais entre sentido e significado. Isto é, essa ão corporal
transita de um sentido corporal para o um significado lingüístico, e o conceito mesmo de sentido
deixa de ter uma substância teórica própria
114
.
A resolução que Merleau-Ponty traz para o debate entre as acepções de sentido interior e
exterior é fundamental para superar uma aporia epistemológica fundamental que preexiste na
teoria dos sistemas sociais. Entre os sistemas fechados e autopoticos de Niklas Luhmann e os
sistemas abertos e permeados por retroalimentação de Ludw ig von Bertalanffy, a imagem de um
sistema de expressão desenhada por Merleau-Ponty contribui para um conceito de sentido que
supere essa dicotomia heurística da teoria dos sistemas.
100
NOTAS
1
Lyotard, J ean-François. A Fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1999. (p.93).
2
Diz Deleu ze à página 23 de Lógica do Sentido   pois, qual é o sentido de um aconteci mento: o
   
3
Deleuze s e apóia no par adoxo de Frege, vinculando-o à natureza paradoxal do sentido nas obras de L ewis Carroll:
        
pode se tornar objeto de um novo nome que designa seu sentido: sendo dado remete a que designa o sentido
de, n² a etc. Par a cada um de seus nomes, a linguagem deve conter um nome para o senti do deste nome. Esta
proliferação infinita das entidades verbais é conhecida como par adoxo de Frege. Mas é este tamm o par adoxo de
Lewis Carroll. Ele aparece rigorosamente do outro lado do esp elho, no encontro de Alice com o cavaleiro. O
        
                  O
              
corrigiu Alice.  -se de coisa bem diferente. A canção é chamada Vias e meios; mas isto é
somente como ela é chamada, compr       
canção é na realidade Sentado sobre uma barrei ra  Lógica do Senti do. o Paulo: Perspectiv a, 2003.
(p.32). O ex certo citado por Deleuze é parte de Alice atrav és do Espel ho. Ver Carroll, Lewis. Throug h the Looking-
Glass. Project Gutenberg: The Millennium Fulcrum Edition, 1991. (p.62). De todo modo, Del euze tende mais para
Meinong qu e par a Frege, pois o sentido para o filósofo francês é uma entidadeo-exis tente que, se a princípio
aparece vinculado à proposição, isto é, se é u m sentido proposicional, mais tarde r emeter á entretanto ao conceito.
Essa difer ea fica clara no tratamento dispensad o ao conceito nas obras Lógica do senti do e O que é a filosofia? Na
primeira, o sentido se relaciona com a pr oposição; na s egunda, o sentido remete ao conceito. Ver Deleuze, Gilles.
Lógica do Senti do. São Paulo: P erspectiva, 2003 e Del euze, Gilles. O que é a Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.
4
   mento, os nomes e sua declinão encar nam a ação, enquanto que os verbos e sua
conjugação encarnam a reação. O verbo o é uma imagem da ão exterior, mas um processo de reão interior à
linguagem. Eis por que, na sua iia mais geral, ele envolve a temp oralidade interna da ngua. É ele que constitui o
anel da proposi ção fazendo vol tar a significação sobr e a designação e o s emantema sobr e o fonema. Mas da mes ma
forma é dele q ue inferi mos o qu e o anel es conde ou enrola, o que o anel revel a uma vez fendi do e desdobrado,
desenrol ado, estendido em li nha r eta: o sentido ou o acontecimento como expresso da proposição. O verbo tem dois
pólos: o pr esente, que marca sua r elação com u m estado de cois as desigvel em função de um tempo físico de
sucessão; o infinitivo, que marca su a relação com o s entido ou o aconteci mento em função do tempo interno que
      
  írcul o sobr e um designado d a proposição. O infinitivo puro é Ai on, a
linha reta, a forma vazia ou a distânci a; ele não comporta nenhuma disti ão de momentos, mas o cessa de se
dividir formalmente na dupla direção simultânea do pass ado e do futuro. O infinitivo não implica um tempo i nterior
à língua sem exprimir o s entido ou o acontecimento, isto é, o conjunto dos probl emas que a língua col oca. Elee a
interioridade d a linguagem em contato com a ex terioridade do ser. Assim, herda da comunicão dos acon teci mentos
entre si; e a univocidade s e transmite do ser à linguagem, da exterioridade do ser à i nterioridade da linguagem. A
equivocidade é sempr e a dos nomes. O Verbo é a univocidade da linguagem, sob a forma d e um infinitivo não
determinad o, sem pessoa, sem pr esente, s em div ersidad e de v ozes. Assi m a própria poesia. Exprimindo na lingu agem
todos os acontecimentos em u m, o verbo infinitivo exprime o acontecimento da linguag em, a linguagem como sendo
ela própria um acontecimento úni co que s e confunde agora     Deleuze, Gilles. Lógica do
Senti do. São Paulo: P erspectiva, 2003. (p.190). Bergson, q ue perfaz uma divisão semelhante à proposição deleu zeana,
          mudaa. (...) As três
espécies de representações: 1. as qualidades; 2. as formas ou essências e 3. os atos. A es tas três maneiras d e ver
correspondem três categorias de palavras: os adjetivos, os subst antivo s e os verbos, que são elementos primordiais da
linguagem. Os adj etivos e os substantivos si mbolizam portanto estados. Mas mesmo o v erbo, se consideramos apenas
         A evol ução
criado ra. Ri o de J aneiro: Editor a Delta, 1964. (p.296-297).
5
Talvez seja o caso de sublinhar que trans cendente e transcendental o são a mes ma cois a. Enquanto a dimensão
transcendental se refere a um plano de imanência e às condições da experncia, trans cendente é aquil o que está al ém
da própria experi ênci a imanente. Nad a há de metafísico no plano tr anscendental, ess e plano de tod o a-subj etivo. Para
Deleu ze, o campo trans cendental é o mundo das singularidades mades e anônimas, impessoais e pré-individuais.
Ver Deleu ze, Gilles. Lógica do Sentido. S ão Paulo: Perspectiva, 2003.
6
Deleu ze des creve a natureza i mpessoal e anti-repres entativa do sentido nas ginas 147 e 148 de gica do Sentido.
7
                 entido;
        
relativa com este aspecto. O que é significado não é, por conseguinte, nunca o próprio sentido. O que é significado
numa acepção restrita, é o concei to; e, em uma aceão larga, é cada coisa que pode ser definida pel a distinção que
101
      Lógica do Sentido. o Paulo: Perspectiva, 2003.
(p.40).
8
Idem,gina 300.
9
Na gina 189 de seu gica do Sentido, Del euze remete ainda o sentido a uma instânci a pré-insistente à linguagem,
precisamente o            
primeiro na linguagem, nomes ou verbo   
medida em que fazemos do verbo o repres entante da ação primeira e da raiz o primeiro estado do verbo. Pois não é
verdade que o v erbo r epres ente u maão; ele exprime u m acontecimento, o que é completamente diferente. E nem
a linguagem se des envolv e a partir de raízes primeiras; ela se organiza em torno de elementos formad ores que
  Também à pagina 187: São os aconteci mentos que tornam a li nguagem possív el. Mas
tornar possível o significa fazer começar. Comamos sempre na ordem da pal avra, mas não na da lingu agem, em
que tudo deve s er dado simultaneamente, em um golpe úni co. Há sempr e alguém qu e começa a fal ar; aquel e qu e fala
é o manifestante; aquil o de que s e fala é o designado; o que se diz são as significações. O acontecimento não é nada
disto: ele não fala mais do qu e dele s e fala ou do que se di z. E, no entanto, ele pertence de tal forma à linguagem,
habita-a tanto que não existe fora das proposões que o exprimem. Mas el e o se confunde com elas, o expresso
o s e confunde com a expressão. Não lhe preexiste, mas lhe pré-insis te, assim, lhe fundamento e condição.
Tornar a linguagem possível significa is to: f azer com que os sons não se confundam com as qualidades sonoras das
coisas, com o bur burinho d os corpos, com suas ações e paixões. O que torna a linguagem possível é o que s epara os
sons dos corpos e os organi za em proposi ções, torna-os livres para a função expressiva. É sempre dos corpos e de
suas misturas que falamos, mas os sons cessar am de ser qualidades atinentes a estes corpos para entrar com el es em
uma nova r elação, a de d esignação e exprimir este poder d e fal ar e de ser fal ado. Ora, a designação e a manifestação
o fundam a linguagem, elas não se tornam possíveis senão com ela. Elas su em a expressão. A ex pressão se
  Ibidem.
10
Ver Bogue, Ronald. Del euze and Guattari. New York: Routl edge, 1989.
11
Deleu ze assev era, no entanto, que o sentido só existe na proposição. A neutralidad e do sentido seria uma
propriedade exclusiva dos sistemas lingüísticos. M as é a própria teoria do sentido del euzeana q ue expande o escopo
do modelo. R onald Bogue pensa que com isso Del euze quer i ndicar a natureza simulad a da significação, pois embora
ela aconteça nos corpos, s ó aparece na li nguagem. Ou seja, ainda que nem a substância das palavras nem seu sentido
sejam lingüís ticos, elasse manifestam entretanto no sis tema da linguagem.
12
Deleu ze, Gilles. Proust e os Signo s. Rio de Janeiro: Globo, 1981.
13
Lacan, Jacques. Escrito s. São P aulo: Perspectiv a, 1988. (p.17-67).
14
O conto de Poe des crev e duas situações. Na primeira, a Rainha recebe uma car ta secreta e a deix a sobre a mesa
com indifer ea, na esperança qu e o Rei o a notasse. Mas o Minis tro, homem de confiança do R ei e da Rainha,
entra na sala e percebe qu e a Rainha tenta dissimular a presea d a car ta sobr e a mesa. O Ministro imediatamente
deduz o sentido da carta: trata-se de uma corres pondência secreta. Homem de alta linhag em, o Ministro tira
habilidosamente de seu bolso uma carta parecida e a deixa sobre a mesa. Em seguida, se aprovei tando da desatenção
do Rei, toma posse da carta da Rainha, que assis te a tudo s em poder agir. Na segunda situação, a Rainha tenta r eaver
a car ta convocando a Polícia, qu e faz incontáveis bus cas no apos ento do Minis tro sem que a carta sej a encontrada. O
Chefe de Polí cia convoca então Dupin, inves tigador qu e sabe que a carta foi outra v ez escondida onde todos podem
-la, e exatamente por isso, é invisível ao observador d esatento. Dupin vai à casa do Minis tro e d escobre a carta no
lugar mais evidente, bem à vista, apenas dobrada d e outra maneira e assinal ada como s e end ereçada ao próprio
Ministro. A car ta s erá u ma segunda vez substituí da por outra s emelhante e vol tará, por intermédio do Chefe de
Polícia, às mãos d a Rai nha. Ver Poe, Edgar Allan. Histórias extraordinárias. São P aulo: Círculo do livro, 1974.
15
Derrida também comenta a leitur a d e Lacan sobr e o conto de All an Poe. Em uma conferência feita nos EU A em
1975, Derrida se opõe à interpretação de L acan, que usa o conto para ex por os concei tos de pri mazia do significante
e a importância do falo. Par a Derrida, Lacan impõe ao texto literário elementos exteriores, pr aticando a análise
aplicada que ele mesmo criti cara. Derrida também acusa o texto de ser um veí culo da luta política de Lacan contra
Marie Bonapar te, qu e também havia escri to sobre Allan Poe. Para Derrida, Lacan tentava desacreditar Marie
Bonaparteo obstante dev esse a ela a idéia da car ta como mbolo do falo materno. Lacan veria a si mes mo no
papel de Dupin, o arguto detetive que r esolve o mis rio, e Mari e Bonaparte, no papel do Ministro que rouba a carta
da Rainha. Ainda s egundo a crí tica de Derrida sobr e a leitura d e Lacan, a carta repres entaria o legado freudiano na
França ou o poder das instituições psicanalíti cas. Ver Derrida, Jacques. T he Post Card: From Socrates to F reud and Beyond.
Chicago: University of Chicago Press, 1987. O comenrio de Deleuze sobre a lei tura que Lacan faz do conto es tá
em Deleuze, Gilles. Lógica do Sentido. S ão Paulo: Pers pectiva, 2003. (p.41).
16
      sentido: os signos per manecem desprovidos de sentido enquanto não entram na
organização de superfície q  Idem, página 107.
17
Deleu ze atribui         
Frege, com a l ógica escol ástica nem tampouco com a lógica aristotélica. Para John Rajchman, Del euze se ref ere à
lógica como u m recurso que alu de a uma imag em original do pens amento: uma lógica da multiplicidade e do sentido.
Se entendêss emos a lógica como um cálculo proposi cional da verdade, então a noção del euzeana de lógi ca pareceria
paradoxal e absurda; se buscássemos um todo de inferência para as ciênci as, não encontraríamos qualquer lógica
102
na proposta de Del euze. Rajchman argumenta que o uso do cálculo e do todo pode ajudar a corrigir inferências.
Mas seria preciso uma ou tra lógica para arriscar um pens amento diferente ou par a escapar das ilues da
representação e da identificação no pensamento. Com isso, a categoria de s enti do subs titui a de verdad e, uma v ez
que verd adeiro e falso descrev em o problema e não a proposição a qual se faz referência. I nspirado pel o empirismo,
diz Rajchman, a lógica de Del euze é uma lógica do sentido e do acontecimento, e não uma lógica da verdade e das
proposições.         o do new things
          
      
method of i nference for the sci ences may well not recognize it as a logic at all. To correct errors in inferences, i t may
be us eful to hav e a calculus or method. But to get away from the illusions of r ecognition and repres entati on in
thought and to be abl e to think in other ways, on needs a logic of another kind. (...) The categor y of sense replaces
that of truth when tru e and fals e describe the probl em and not the proposition that respond to it. Inspired by
      
The Deleuze Connection. Cambridge: MIT Press, 2000. (p.50). Ver Deleu ze, Gilles. Lógica do Sentido. S ão Paulo:
Perspectiva, 2003.
18
As semelhanças entre Frege e Husserl ficam claras ao se examinar a res erva desses pensador es para com o
                   
universo tr anscendente, independente da subjetividade concr eta. (...) A significação ideal só pode ser captad a, em sua
verdade, como correlata d e um ato de apr eensão. É preciso, as sim, uma fenomenologia dos vividos de pens amento e
 Petitot, Jean. Dictionnaire de la Philosophie. Paris: Al bin Michel, 1998. (p.1406). As difer enças, de
todo modo, são mui tas. Sobretudo, Husserl elimina a noção de i magem mental, cara a Frege, negando q ualquer
instância intermediária entre consciência e mundo.
19
     Geg enstand
und nicht seine Bedeutu ng. Wenn wir z.B. eine Aussage machen, so urteil wir über die betr effende Sache und nicht
               Husserl, Edmu nd. Logische
Untersuchung en. Tübingen: Max Niemeyer Verl ag, 1968. (p.103). A citão está na página 121 da edição francesa:
Husserl, Edmund. R echerches logiques. Paris: PUF, 1969. (p.121).
20
Lyotard comenta o conceito de Sinn e Bedeutung     entre a
  
ato metodol ógico consiste em ultrapassar aquilo que se oferece i mediatamente. Mas em Frege, o resultado des te ato,
o conceito, s e define apenas por u ma i dentidad e do tipo a = b, enquanto a esncia husserliana é uma significação
     
conteúdo com o procedimento operacional: a evincia o é exatamente o resultado das variações imaginadas, é
     
significão em termos de sis tema, enquanto Husserl o abdi ca da problem      Na
         
Investigación); pero el primero per mite fijar los intervalos s eparando los r minos y produciendo el efecto d e sentido,
         
un sujeto que busque la intui ción. El contenido de pensami ento se concebirá de maner a muy dis tinta; existe sin duda
una analogía    I deen, vol. I,
§ 70), pues to qu e en ambos casos el acto metodológico consiste en transgredir la inmediatez. Pedo en Frege, el
resultado de este acto, el concepto, se define úni camente por una identidad del tipo a = b; en cambio, la esencia
   
fenomenológica de la rel ación del contenido con el procedi miento operativo: la evidencia no es verdaderamente el
resultado        
variaciones. Como L eibniz, Frege intenta pensar la significaci ón en términos de sistema; por el contrario, Huss erl no
         Lyotard, Jean-François. Discurso, Figura. B arcel ona: Editorial
Gustav o Gili, 1979. (Nota de rodapé . 18, p.126).
21
Na fenomenologia hus serliana, o fenômeno é apenas    
grega, fenômeno era a unidade entre o ser e o aparecer, certa aparên cia enganos a.
22
Foi Brentano quem primeiro descreveu a consci ência em termos de i ntencionalidade, estabelecendo u m marco
definitivo nas aquisões da moderna psi cologia. Husserl, mesmo conservando o elemento psíquico, serve-se do
conceito par a ultrapass ar os limites da percepção interna, dis tinguindo conteú do vivido e objeto, qu e não é resultado
interior do femeno psíquico. Sobre      
que o encontro com o filósofo Franz Brentano foi para ele [Husserl] u ma revel ação. Tend o vindo aos seus cursos
por curiosidad e, cedo cedeu à s edução do pensador e do homem. Sem dúvida, nenhuma personalidade o marcou
tanto e não reconheceu a sua dívida de tão bom grado para com nenhum outro pens ador. É que, pela clar eza do seu
                  
influência d e Brentano, Huss erl converteu-      
pela liberdade intelectu al e crítico indovel, o jovem discípul o não pode dissimul ar os pontos de divergência
103
teórica, sem abandonar, cont  Husserl. Lisboa: Edições
70, 1982. (p.10).
23
   que parecia uma limitão aparece agor a como meio de liber ar a di  
consci ência, qu e pela ati tud e natural permanecia na ignorância. A consciência assi m liberada é a consciência
Dictionnai re de la Philo sophie. Paris: Albin Mi chel, 1998. (p.1407).
24
 r e si mesma, transforma
a direção dess e olhar e l evanta, ao suspender o mundo, o v éu qu e ocul tava ao Eu a sua própria verdade. Essa
suspens ão revela que o Eu continua sendo o que é, is to é, entrelado com o mundo, e qu e o seu conteú do concreto é
efetivame -François. A
Fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1999. (p.29). Abschattungen, para Husserl, é como a materi alidad e do mundo pode
ser apreendid a. Isso porqu e o elemento material é em Huss erl trans cendente. Um simples livro o s e à visão
  (Abschattungen).
25
Para Husserl, consci ência é necessariamente consci ência de alguma coisa. Então consciência é intencionalidade e
o pode haver noese s em noema ou cogito sem cogitatum. O mu ndo nos entrel aça e a consci ência como intenci onalidade
ultrapassa o fenômeno psíquico da perceão interna. Essa intencionalidade da consciênci a é o voltar-se a outra coisa
                      
      
sair de mim e atingir, par a lá de mim, algo queo seja eu? o permaneceria o meu conhecimento sempre duvidoso
Kelk el, Arion & Schérer, Re. Husserl. Lisboa: Edições 70, 1982. (p.36).
26
Bordini, Maria da Glória. Fenomenologia e teoria literári a. São Paulo: Edusp, 1990. (p.34).
27
Ver Lacan, Jacqu es. Outro s Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
28
A crítica deleuzeana a Lacan tamm pode ser abordada por essa via, na medid a em que assume o sentido como
indecomponível, incorpóreo e no entanto prenhe de vida. Em Deleu ze, o sentido é paralingüísti co e a própria
linguagem o está dentro do sujei to. o há essa dimensão ampla da consciência, em ter mos huss erlianos, ou do
sujeito, em termos lacani anos. o é uma essência a ser capturada pela consciência, mas u m efeito de su perfícies.
em Husserl como em Lacan a aceitão tácita de um suj eito unitário que cria (Lacan) ou r ecebe (Huss erl) s entid os. É
um sujeito que não par ticipa da geração do sentido nem da significação, pois a posi ção desse suj eito é de si mples
ender eçamento da estrutura. Del euze e Guattari partem do dialogis mo de Bakhtin par a assi m colocar a ques o:
       
que tenham analisado o caráter necessariamente soci al da enuncião. É porque ess e caráter não é s uficiente por ele
mesmo, e pode, ainda, ser extrínseco: assi m, ou se fala demais ou mui to pou co sobre ele. O car áter social da
enunciação s ó é intrinsecamente fundado s e cheg amos a mostr ar como a enunciação remete, por si mesma, aos
agenciamentos coletivo s. Deleu ze, Gilles & Guattari, Félix. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. São Paulo: Editora 34,
2000. (vol. 2, p.17).
29
A tese l acaniana de u ma cadeia de significantes tem por resul tado esvaziar o referente de qualq uer propriedade na
produção d a significação. O significante, v azio em si mesmo, r eceberia atribuições em r elão à determinada
posição que venha a ocupar na cadeia de significantes. Seriam essas atribuições que terminariam por realizar a
significão. Stavrakakis cometa à página 167 de seu Lacan and the Political      
       no
                    
  
uma outra significão e assim por di ante e sucessivamente; o significado se perde em um desli zamento metonímico
       
conti nuamos voltando, dado que estar emos sempre nesse ponto de partida, é que cada significante real é, como tal,
         
forth; the signified is lost i n the metonymic sliding characteristic of the sig nifyi ng chain. 
starting point, the point we k eep coming back to, since we shall always be at the s tarting point, is that ever y real
  Lacan and the Political. Nova York: Routledge,
1999.
30
Lacan, Jacques. Escrito s. São P aulo: Perspectiv a, 1988. (p. 230).
31
Idem,gina 223-259.
32
Noese é o lado subjetivo da intencionalidad e, são as apr eensões que animam os dados hiticos (o material da cor,
etc. ). Noema é    
Fenomenologia e teori a literári a. São Paulo: Edusp, 1990. (p.41).
33
Os fenômenos surgem como essências doadoras de sentido (Sinn) por intermédio da consciência, o campo
instaurador de todo s entido.     
fixariam as formas de significação indispensáv eis a q ualquer li nguagem, s e ela for realmente linguagem, e permi tiriam
pensar c   
supõe que a linguagem s eja u m dos obj etos que a consciência cons titui soberanamente, e as línguas atuais casos
muito parti culares de uma linguag em possível cujo segredo a consci ência d etém sis temas de signos ligados à
significão deles por relações unívocas e suscetíveis, tanto em su a es trutura como em s eu funci onamento, de u ma
104
explicação total. Assim colocada como um obj eto diante do pensamento, a linguagemo poderia desempenhar com
relão a ele s eo o papel de acompanhante, de s ubsti tuto, de auxiliar ou mei o secundário de comunicação. Em
contr aparti da, em textos mais recentes a linguagem apar ece como uma maneira original de visar certos objetos como
o corpo do pensamento (Form ale in transzendentale Logik) ou mes mo como a operação pela qual pensamentos, que sem
ela permaneceriam femenos privad os, adquiriram valor intersubj etivo e final mente existência ideal (U rsprung der
Germ etrie). O pensamento filosófico que reflete s obre a linguagem seria conseqüentemente beneficiário da linguagem,
erleau-Ponty, Maurice. Signos. São Paulo: Mar tins Fontes, 1991. (p.89-90).
34
Mas como vimos no pri meiro capítulo dess a primeira parte, o entendi mento do s egundo Wittg enstein (isto é, o
Wittgenstein das I nvestigões Filosóficas) transcende o significado ex clusivamente proposicional.
35
O par interioridade e mu ndo exter no remonta a Sexto Empírico, para quem aquilo qu e es fora de nós, aquilo que
é objeto dos sentidos, não pode s er tradu zido pela linguagem ou pel a comunicação. H averia u ma barreira entre
objetos internos e externos. Ver Empírico, Sexto. Esbozos pirró nicos. M adrid: Gred os, 1993.
36
Os cinco órgãos do sentido são: visão, audição, olfato, pal adar e tato. Eles per mitem o contato com o mundo e
advertem sobre alterações ou ameaças ex ternas.
37
Proposição é o conteúdo de u ma frase declarativa, que pode ser verd adeira ou falsa, mesmo qu e por derivação.
Compreende-se um conteúdo proposto ou declarado por meio de uma proposição. Na lógica proposicional, os
argumentos têm validade dependendo d e cinco operadores verofuncionais: neg ão, conjunção, disjuão,
condicional e bi condi cional. Os argumentos s ó têm v alidade em relação a esses operador es e o es copo da lógica
proposicional é o da relação entre proposições si mples e complexas. Quando uma proposição não contém u ma
segunda proposição, a validade do argumento se vincul a ao que acontece no interior da proposi ção, o sendo por
isso objeto da lógi ca proposi cional. Esse é o objeto da lógica de predi cad os, que por su a v ez ocul ta a diferea entre
proposições universais e par ticular es. Essa diferença estru tural é analis ada pel a lógi ca clássi ca, onde uma proposição
universal figura como uma condi cional quantificada, e uma proposi ção particul ar, uma conjunção quantificada.
Tampouco a lógica aristoli ca pode compreender essas difereas, dada a ausência de um fragmento proposi cional.
Por o hav er na lógica aris totélica um fragmento proposicional, ela não pode compreender o que s e passa no
interior d as proposições: nem das proposi ções simples, como faz a lógica de predi cados, nem das complexas, como
faz a lógica proposicional. Ver Mortari, Cezar A. I ntro dução à gica. São Paulo: Unesp, 2001.
38
Em e            
una parte, designa los órganos que presiden l a aprehensión inmediata, por la otra llamamos sentido a l a significación
de una cosa, a su idea, a lo que ti ene de universal. De este modo el sentido se refiere por una parte al lado
inmedi atamente exterior de la existencia, y por otra, a su esencia i nterior. La consideración r eflejad a, en lugar de
separar las dos partes, obra d e manera que cada una de ella s e presente al mismo ti empo que su contrario, es decir
que, a la vez que recibe de una cos a una intuición sensi ble, apr ehende su s entid o y su concepto. Pero como es tas
determinaciones s e reciben en estado no dis ociado, el contemplador aún no tiene consciencia del concepto,
       Lyotard, Jean-Fraois. Discurso, Figura. Barcelona: Editorial
Gustav o Gili, 1979. (p.58).
39
Husserl, Edmu nd. Inv estigaçõ esgicas. Sexta investigão: elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento. Coleção
Os Pensadores. S ão Paulo: Nova Cultural, 1988. (p.132).
40
        
        
         
evidencia a identidade 2 + 1 = 1 + 2,o ser á eo ipso fundad a, e portanto uma perceão o s env el? No ato dessa
perceão, o ato fundado é dado conjuntamente com o ato que o fundamenta, e é dado no senti do mais es trito da
palavra. Ele é tamm um genuíno componente da per cepção. Enq uanto s e dirige para este componente, a
perceão s e re   Idem, p.132-133. E assi m o resolve:
   como a q ue tem em vista um ato fundado
é também uma abstração s ensível. Por outro lado, u ma abs trão edificada sobre u m ato que por su a vez j á é um
ato fundado, possuindo ele próprio o car áter de uma intui ção, embora o de uma intuição categorial, é uma abstração
Ibidem, p.133.
41
   plar a probl emática hegeliana que aqui nos interessa, pois de um lado
ela centr aliza a dificuldade hegeli ana na oposição entre exterioridade e interioridade, que é exatamente aquil o que
   a significação (Sinn), e o sentido como
   
a Bedeu tung, uma significação inteiramente i manente a um sistema. Trata-se de construir um fechamen to qu e inclua
                 
hegeliana que nos interes a, pu es por una par te centra l a dificul tad hegeli ana en la oposici ón entr e ex terioridad e
interioridad, lo cual es exactamente decir en otros términos lo que llamamos los dos empleos d el sentido: el sentido
en interioridad qu e es la significaci ón (Sinn), y el s entido en exterioridad, l a d esignaci ón (Bedeutung). Vemos que en
ciertos aspectos toda la probl emática heg eliana como precedente d e fuera, l a Bedeutung, en una significación
      L yotard, Jean-
François. Discurso, Figura. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1979. (p.58).
105
42
                 
significão, presentes apenas na linguagem, e a transição de um a outro se manifesta tanto na di alética das artes
como na mente. Mas não s e         
          
discurso, são primeiros em relação ao movi mento q ue parece eng endrá-los.o sentido antes da linguagem,
    
         s ensible y la
significación, que sólo es presente en el l enguaje, y la tr ansición de uno a otra s e manifiesta tanto en l a dial éctica de
las artes como en la de la mente. Pero no hay que dejarse engar por esta expr esión de i ntermediario, pues la filosofía
de Hegel es una filosofía de la mediación. La significacn tal como aparece en el lenguaje y el sentido como devenir
del concepto en el discurso son primeros con rel ación al movimi ento que par ece engendrarlos. No hay sentido antes
del lenguaje, como t    
Idem, p.58.
43
Serres, Michel. Les cinq sens. Paris: Grasset, 1985.
44
      ntários, não acompanhados d e
   
Glória. Feno menologia e teo ria literária. São Paulo: Edusp, 1990. (p.79).
45
Serres, Michel. Les cinq sens. Paris: Grass et, 1985.
46
Ver S erres, Michel. La naissance de la physique dans l e text e de Lucrèce. Paris: Éditions de Minuit, 1977.
47
Derrida e Haber mas criti cam essa apresentação do sentido e da linguagem. Para o primeiro, Huss erl se mantém
preso ao racionalismo ao s e remeter a uma esf era da consci ência pura contra o campo da comunicação lingüística.
Para Habermas, o pensamento d e Huss erlo alcança a dimensão sentica, pois a distinção entr e signo e expr essão
o abarca a linguagem diferenciada proposici onal mente. A esse r espei to, ver Habermas, Jürgen. O discurso filosófico da
modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000 e Derrida, Jacques. A voz e o fenômeno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
48
     ão causal, também não é uma relação
          
   Husserl. Lisboa: Edi ções 70, 1982. (p.33).
49
o há também a crença em uma r ealidade em si mais r eal qu e o mundo vivido e de natureza matetica. O que
existe é a evinci a primeira, um mundo vivido onde opera a intencionalid ade. E como tudo ocorre num só e
mesmo mundo, a redução trans cendental rompe com a familiarida de do mundo, evidência pri meira e úni ca da
existência. A fenomenol ogia se propõe assim como r eflexão bas ead a na coi sa, cuja f erramenta é uma consci ência viva
que exprime e dá sentido à experiência. À significão como fundamento da codificação do mundo, Huss erl propõe
a experi ência individual como base d o conhecimento sobre o mundo. Com isso, Husserl entende que o universo
o-humano é inconcevel, sem sentido, pois todo sentido é necessariamente expr essão de sentido dirigido à
consci ência. A ess e respeito, v er Lyotard, Jean-Fraois. A Fenom enologia. Lisboa: Edições 70, 1999.
50
 -se igualmente na experncia como regendo psiqui camente os corpos fisiológicos que
lhes pertencem. Ligados assim aos corpos de maneira singular como objetos psicofísicos, eles es tão no mundo. Por
outro lado, per cebo-os ao mesmo tempo como suj eitos par a este mundo que eu per cebo e que tem, por isso,
                 Meditaçõ es
Cart esianas. Porto: R és Edi tora, 1931. (16-17).
51
Experiência essa, lembra Lyotard, que fornecerá a Sartre s uas temáticas da s eparação das consciências. Lyotard ,
Jean-Fraois. A Fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1999. (p.36). Kelkel e Schérer comentam a ques  
   alter ego, é preciso interrogar, s em preconceitos, a ex periência ordiria
        
Deve-se aqui precisar qu e a fenomenologia de ou tremo tem outra ambi ção queo seja a de explicitar o próprio
sentido da posição de um outro eu-sujeito, a existência verdadeira dos outros. A fenomenologia constitu tiva, de fato,
    para mim r emete, precisamente, para
     Husserl. Lisboa: Edições 70, 1982. (p.51).
52
Ver Novaes, Ad auto (org). O Homem-Máquina. A ciência manipul a o corpo. São Paulo: Ci a das L etras, 2003. (p.264)
53
Ver Habermas, Jürgen. O di scurso filosófico da moderni dade. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
54
A discussão s obre o binômio Lebenswelt e Sis temas no trabalho de Habermas es em Haber mas, Jürgen.
Strukturwandel der Öffentlichkeit: U ntersuchungen zu ei ner Katego rie der bürgerlichen G esellschaft. Frankfurt am Main: Su hrkamp,
1991. Ver também a esse respeito Peters, John. Distrust of Representation: Habermas and the Public Sphere. I N: Media,
Culture and Society, 15, 4, 1993.
55
Sfez, Lucien. Crítica da com uni cação. São Paulo: Loyola, 2000. (p.108-109).
56
 Lebenswelt, s obre a implicão dos dados do acordo, Habermas, procurando
     acnica como aquilo que r echaça o simbólico,
aquilo que o barra ou, às vezes, o proíbe. Essa alise se apóia no movimento pragtico atual, que põe o uso no
centro da troca. Isso qu er dizer que a troca se funda no uso, del e não se s epara, e qu e exis te, no i nterior d a fala
      Lebenswelt. Dar-se conta de que a língua é
social ou não é renunci ar a tratá-la como uma entid ade, su bjetiva ou obj etiva. A comunicação lingüísti ca está inscrita
106
nas insti tuições e nos usos que ela tem por missão fazer perdurar. A estrutura comunicacional está, portanto,
 Críti ca da comunicação.o Paulo: Loyola,
2000. (p.110).
57
  do outro nem os gestos que ele visa jamais foram objetos puros para mim, eles são interiores a meu
campo e a meu mundo, são portanto desde o iníci o variantes dessa relação fundamental. Um campo não exclui um
outro campo da mesma forma que um ato de consciência absoluta ex clui um outro; inclusive el e tende, por si
mesmo, a multiplicar-      
nem outros espíritos, se eu o tivesse um corpo e se eles não tivess em um cor po pelo qual pudessem penetrar em
meu campo, multipli cá-lo por dentro, e mostrar-se a mi m expostos ao mesmo mundo, às vol tas com o mesmo
 -Ponty, Maurice. A Prosa do Mundo. São P aulo: Cosac & Naify, 2002. (p.172).
58
Tamm Luhmann argumentará qu e o conceito de consciência fundamenta uma separação entre s ujeito e ação d e
todo incapaz, porque demasiado impreciso, d e compr eender a socied ade moderna. Mas de maneira mais radi cal que
Merleau-Ponty, para Luhmann el a es na base do conceito de intersubjetividade, elemento que impos sibilita
descrev er a sociedad e moderna porque impede a difer enci ação entre observ ador de obj eto observ ado. Di z Luhmann:
     cidade de des crever a sociedade
e evidênci a incontestável de apoio por parte da lógica reflexiva do suj eito. Hoje em di a, no entanto, a situação mudou
     
No origi   -        
     
this. Today, however, this situation has changed considerably. To be sure, we still have not been able to produce a
 Social Systems. Stanford: Stanford Universi ty Press, 2005. (p.xlii).
59
    Wesenschau [obs ervão do ser ] que o tenha, em seguida, retomado e
retrabalhado, não par a desmenti-la mas par a obrigá-la a dizer o que ela de início não dissera inteiramente, d e sorte
que seri a ingênuo procurar a solid ez num céu de ii as ou num fundo do sentido: elao está nem acima nem abaixo
         -Ponty,
Maurice. O visível e o invisível. S ão Paulo: Perspectiva, 1992. (p.115).
60
Merleau-Ponty, Maurice. A prosa do mundo. São Paulo: Cosac & Naif y Edições, 2002. (p.150)
61
Merleau-Ponty explica nas páginas 84 e 85 de seu A pro sa do m undo     
torna possível toda significação. Antes do momento em que signos ou emblemas serão em cad a um e no artista
mesmo o simples índice de significações que aliestão, é precis o qu e haja esse momento fecundo em que elas deram
forma à ex periência, em que um sentido que era apenas operante ou latente encontrou os emblemas que hav eriam de
liberá-lo e torná-lo manej                  
    
         
Merleau-Ponty, Maurice. A prosa do mundo. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2002.
62
Idem,gina 177.
63
Como visto no catulo sobre linguagem, a teoria do valor de S aussure postul a qu e os signos lingüísti cos estão em
uma relão de oposi ção entre si dentro do sis tema da língua. Seri a uma relação diferencial e neg ativa, onde u m signo
só adquire v alor em relação ao qu e el eo é, ou seja, em r elação a que os outros signos são e ele não é.
64
Merleau-Ponty, Maurice. O Olho e o Espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. (p.115-116).
65
Merleau-Ponty, Maurice. O Vi sível e o Invi sível. São Paulo: Perspectiva, 1992. (p.102).
66
Merleau-Ponty, Maurice. Signos. S ão Paulo: M artins Fontes, 1991. (p.205).
67
Bergson, Henri. Duração e simultaneidade.o Paulo: Marti ns Fontes, 2006.
68
     
de referência para outro são, como toda a física, objetivações s ecundárias qu e o podem decidir sobr e o que tem
   erleau-Ponty, M aurice. Signos. São
Paulo: Martins Fontes, 1991. (p. 205).
69
Ver B ergson, Henri. A evolução criadora. Rio de J aneiro: Editor a Delta, 1964. (p.269).
70
      
sobre os quais o tempo não faz mais que desli zar. Acerca dos fenômenos que nel es se sucedem, pode-se di zer que
são o des enrolament       O Pensamento e o
Movente. São Paulo: Mar tins Fontes, 2006. (p.14).
71
          -se a
sugerir uma mobilidade qu e, precisamente por per manecer inexpr essa, se supõe ficar a mesma em tod os os casos.
    
Bergson, Henri. A evolução criado ra. Ri o de J aneiro: Editor a Delta, 1964. (p.317).
72
Em Bergson el e ocorre quando a durão de duas ou mais consci ênci as s e encontram. O ato intencional cessa de
basear-se na consciência doadora de s entid o, proposta por Huss erl, para fundar-se na dur ão entre conscncias.
aí uma substanci al diferea que per mite ver por dentro, pelo interior, uma evolu ção e interpenetração contínua de
partes distintas e justapos tas. O conceito de duração é amplamente explorado nas obras de Bergson. É um atributo
do temp             tratam a sucessão como uma coexistência
107
       B ergson, Henri. O Pensamento e o Movent e. São Paulo:
Martins Fontes, 2006. (p.12). Bergson entende que se pode perceber o novo em sua duração, qu e a
imprevisibilidade e a novidade radical são engendr adas na duração do acontecimento. A duração seria a vida i nterior
      -la, encurtar a dur ão de uma melodia? A vida interior é
exatamente essa mel odia. Portanto, supond o que saibam o que farão amanhã, de sua ação vocês só prevêem a
configurão exterior; qualquer esforço par a imaginar antecipadamente seu interior irá ocupar uma durão que, de
prolongamento em prolongamento, irá conduzi-los a o momento em que a ação se exerce e no qual o se
podem mais tratar de prevê-la. Como o será, então, se a ação for verdadeiramente livre, isto é, criada por inteira,
tanto em seu des enho exterior quanto em su a colorãIdem,gina 13.
73
Stend hal, Henri Beyle. O vermel ho e o negro. Ri o de J aneiro: Ediouro, 1998.
74
      
de, por assim dizer, projetar sobr e essa tela, com essas vistas imóveis elas próprias, o movimento que es tá no
   O Pensamento e o Movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006. (p.9). Em A Evolu ção
Criadora, por outro lado, em Bergson condena o cinema a uma espaci alizão do fluxo. É Deleu ze quem retoma a
concepção d e imagem-movimento em Bergson para apres entar uma noção mais nuaada sobre o cinema. O
pensamento bergsoniano, deste modo, expli ca o intervalo (como na montagem cinematográfica) que, como u m corte
entre duas cenas, i ntroduz um hiato entre a ação e a r eação. Ver B ergson, Henri. A Evolução Cri adora. Rio de Janeiro:
Delta, 1964 e Deleuze, Gilles. A Imag em-Movimento. São Paulo: Brasil, 1985.
75
Em O Pensamento e o Movente, um conjunto d e palestr as reunidas em livro, Bergson resume a ques o da dur ação, do
      A para B descrevendo o intervalo AB, eu me
 AB pode dividir-se em tantas par tes quantas eu quiser, portanto o movimento d e A para B pode
dividir-se em tantas partes quantas me aprouver, uma vez que esse movimento s e apli ca sobre  
     nto
                
respeito. Como poderia o movi mento aplicar-se sobre o espaço que percorr e? Como hav eria o mov ente de coinci dir
com o imóvel? Como haveria o objeto qu e se mov e de estar num ponto de seu trajeto? O obj eto passa pelo ponto, ou,
em outr os ter mos, poderia estar nele. Estaria nele, caso nele par asse: mas, caso nele parasse, já o s eria mais com o
mesmo movimento que lidarí amos. É sempre num único pulo que o trajeto é percorrido, quando o parada no
trajeto. O pulo pode durar alguns segundos, ou dias, meses, anos: pouco i mpor ta. A par tir do momento em que ele é
- rar-lhes os argumentos
de Zeo d e Eléia. Todos eles i mplicam a confusão do movimento com o espaço per corrido ou, pelo menos, a
convicção de que s e pode tratar o movimento como s e trata o espaço, dividi-lo sem levar em conta suas arti culações.
Aquiles, di zem-nos, nunca alcaará a tartaruga qu e el e pers egue, pois, q uando chegar ao ponto em q ue estava a
tartaruga, es ta terá tido tempo de andar, e assi m por diante, indefinid amente. Os filósofos refutaram esse argumento
de mui tas maneiras, e de maneiras o diferentes qu e cada uma dessas refutões r etira às outras o direito de se
acredi tarem definitivas. Haveria, no entanto, um meio muito simples de resolver a dificuldade: teria sido interrogar
Aquiles. Pois, u ma v ez q ue Aquiles acaba por alcaar a tartaruga e, mesmo, por ul trapassá-la, el e deve saber, melhor
do que ningm, como cons egue fazê-lo. O filósofo antigo qu e demonstrav a a possibilidade do movimento andando
estav a certo: seu único erro foi fazer o gesto sem lhe juntar um comentário. Peçamos então a Aquil es que comente
      
a o ponto que a tartaruga deixou, etc.; é assi m que ele procede par a me fazer correr. Mas eu, para corr er, procedo
diferentemente. Dou um primeiro passo, depois um segundo, e assim por diante: finalmente, após um certo número
de passos, dou um último passo com o qual pulo por cima da tar taruga. R eali zo assim uma série de atos indivisíveis.
Minha corrida é a série dess es atos. T antos são os pas sos, tantas serão as partes que vocês podem distinguir nela. Mas
vocês não têm o dir eito de desarticul á-la segundo u ma ou tra lei, nem d e supô-la articulada de u ma ou tra maneira.
Proceder como o faz Zeo é ad mitir qu e a corrida possa ser d ecomposta arbitr ariamente, como o espo
percorrido; é acreditar que o trajeto se apli ca realmente sobre a trajetória; é fazer coincidir e, por cons eguinte,
Ibidem, 166-167.
76
         
pelo contrário, o fluxo, é a continuidad e de tr ansição, é a própria mudaa. Essa mudança é indivivel, el a é mesmo
substancial. Se nossa inteligência se obstina em julgá-la inconsistente, em acrescentar-lhe não sei que suporte, é
porque a subs tituiu por u ma série de estados justapostos; mas essa multipli cidade é ar tificial, ar tificial tamm a
unidade que nela res tabelecemos d e uma mudaa sempre ad erente a si mesma numa d urão qu e se alonga sem
Idem, página 10.
77
Deleu ze, Gilles. Lógica do Senti do. São Paulo: P erspectiva, 2003. (p.31)
78
Merleau-Ponty, Maurice. A Prosa do M undo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.92).
79
-se o senti do trans cendente por princípio aos signos, como o seria o pensamento a índi ces sonoros ou
visuais e julga-se imanente aos signos pelo fato de, tend o uma vez por todas cada u m deles o seu s entido, não
poder insi nuar nenhuma opacidade entre ele e nós, nem sequ er fazer-nos pensar: os signosteriam uma função de
advertênci a, advertiriam o ouvinte a consider ar um de seus -Ponty, Maurice. O olho e o espírito.
São Paulo: Cosac & Naif y, 2004. (p.70).
108
80
Idem,gina 71.
81
    o contam, e contêm inconfessáv eis pontos de vista, se s e consider a o
que se anima, passando d e um a outro, no amor, em trágicos espetáculos, em movi mentos de fervor. Assi m, não
somos nada, nem ti nem eu, junto das palavr as ardentes qu e poderiam ir de mim p ara ti, impressas em uma folha:
pois eu só teria vivido para es crev ê-las e, se é verdade que elas s e enderam a ti, tu viverás por ter tido a força de
escu tá-las. (Do mesmo modo, o que significam dois amantes, Tristão, Isolda, considerados sem o seu amor, numa
solidão que os deixa em alguma ocupação vulgar? Dois seres pálidos, privados do maravilhoso; nada conta s enão o
  A experi ência interio r. São P aulo: Ática, 1992. (p.101).
82
Idem,gina 100.
83
Merleau-Ponty, Maurice. O ol ho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. (p.71).
84
Idem,gina 71.
85
Ver Merl eau-Ponty, Maurice. A Prosa do M undo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.52).
86
    inal, precisamos fingir nunca ter falado,
operar sobre el a uma redução sem a qual el a ainda se ocultaria a nossos olhos recondu zindo-nos ao que nos significa,
precisamos olhá-la como os surdos olham os que f alam, e comparar a ar te da linguag em às ou tras artes da expr essão
queo têm recurso a ela, tentar vê-Idem, página p.69.
87
Ibidem, página 59.
88
Ibidem, página 50.
89
      e dela,
naquilo que os gestos infinitesi mais de cada garatuja no papel, de cada inflexão vocal, mos tram no horizonte como
sentido deles. Para a fala assim compr eendida, a idéia mesma de uma expressão co nsumada é q uiri ca: o qu e assim
chamamos é a comunicão bem sucedida. Mas ela somente o s erá se quem escuta, em vez d e seguir a cadeia verbal
elo por elo, r etomar por sua conta e ultrapassa, consumando-a, a ges ticul ação lingüísti ca do outro. À margem: A
Idem, página 51.
90
À margem e entre colchetes: Contr a Vendryès: nada de limi tes d a língua, nada de estrutura da língua (j á que nela o
sistema está sempre mistur ado a outros sistemas), nada de comparação entre el as, todas exprimem igualmente bem
(recusa de valores em Vendr yès talvez S aussure). Esses limites e ess es valores exis tem, que são da ordem do
perceptivo: u ma Gestalt da língua, no pr esente vivo algo expresso e algo o expresso, há trabal ho por fazer.
Enfim, é pr eciso que a li nguagem signifiqu e alguma cois a e não s eja sempre li nguagem s obre a linguagem. Mas a
significão e o signo são da ordem do perceptivo, o da ordem do Es pírito absoluto. Sim, há uma questão de s aber
como os primeiros signos se tornar am capazes de sedi mentação e de um todo [? ] de cul tura, e há uma qu estão de
saber como pensar a presumi da consumação da linguagem na não-linguagem, no pensamento. Mas ess es dois fatos
o são seo o fato mesmo da per cepção e da racionalidade, do logos do mundo estético. Exigir uma explicação é [?]
de obscurum per o bscuris Ibidem, gina 60-      
possível que os lingüistas nem sempre tenha percebido o quanto sua própria d escoberta nos afastava do
Ibidem, página 61.
91
Ibidem, página 68.
92
Ibidem, página 36.
93
Ibidem, página 32.
94
Ibidem.
95
       
com os tentação. Toda grande prosa é tamm uma recriação do ins trumento significante, doravante manejado
segundo uma sintaxe nova. O prosaico limita-se a abordar por signos convencionais as significões j á instaladas na
cultura. A grand e prosa é a arte de captar um sentido jamais objetivado até então e de torná-lo acessív el a todos os
que falam a mesma língua. Um es critor morre em vid a quando o é mais capaz de fundar assim uma universalidade
       -Ponty, Maurice. A Prosa do M undo. São
Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.9).
96
Deleu ze, Gilles. Co nversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
97
Stend hal, Henri Beyle. O vermel ho e o negro. Ri o de J aneiro: Ediouro, 1998.
98
    nas palavras, está entre elas, nos vazios de espaço, de tempo, de
    -Ponty, Mauri ce. A Prosa do Mundo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
(p.117). Uma ci tão semelhante aparece em Merleau-Ponty, Maurice. O olho e o espí rito. São Paulo: Cosac & Naify,
2004. (p.110).
99
Merleau-Ponty, Maurice. A Pro sa do M undo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.34).
100
Idem,gina 35.
101
Ibidem, páginas 34 e 35.
102
Ver Merl eau-Ponty, Maurice. O ol ho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. (p.110).
103
Idem,gina 111.
104
Ibidem. T ambém em A prosa do mundo   
o condenável, nel e, o é que es time demais a forma, é que a estime muito pouco, a ponto de separ á-la do sentido.
109
Nisso, ele não é diferente de uma leitura do assunto que,        
Merleau-Ponty, Maurice. A Prosa do M undo. São Paul o: Cosac & Naify, 2002. (p.118).
105
Merleau-Ponty, Maurice. O ol ho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. (p.122).
106
Merleau-Ponty, Maurice. O Vi sível e o Invi sível. São Paulo: Perspectiva, 1992.
107
       
possível s e forma e se apóia s obre a linguagem atual que fal amos, que somos, e a lingüístic a o é senão u ma
maneira metódica e medi ata de esclarecer, por todos os outros fatos de linguagem, ess a fala que s e anuncia em nós, e
          -
Ponty, Mauri ce. A Prosa do Mundo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.37).
108
Esse seria, no máximo, o Saussure d o C urso de lingüí stica geral. Como vimos anteriormente, o Saussure d os
Anag ramas que dificilmente se enquadraria nessa descrição.
109
Merleau-Ponty, Maurice. O ol ho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. (p.68-69).
110
Merleau-Ponty, Maurice. Signos. S ão Paulo: M artins Fontes, 1991. (p.111-112).
111
Merleau-Ponty, Maurice. O ol ho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. (p.118)
112
Ver Merl eau-Ponty, Maurice. A Prosa do M undo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.53).
113
             
recomendadas por mim, quando falo, seo por aquilo a que Humboldt chamav a de innere Sprachform (forma d e falar
interior) e que os modernos chamam d e Wortbegriff (noção da pal avra), ou seja, por um cer to estilo d e linguagem de
que provêm e s egundo o qual s e organi zam sem que eu tenha necessidad e de as apresentar. Há uma significação
   
minhas palavras me surpreenderiam a mim mesmo e me ensinam o meu pensamento. Os signos organizados
  -Ponty, Mauri ce. Signos. São
Paulo: Martins Fontes, 1991. (p.94).
114
A esse respeito, Wittg enstein deixou cl aro que uma teoria que associe a consti tuição do sentido a funções físicas
pode confundir o sentido o-proposicional com o sentido proposici onal d e perceber, confuo que leva a dificuld ades
insuperáv eis. Ver Wittgenstein, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Edusp, 2001.
110
4. SISTEMAS
tópicos
i - teorias dos sistemas
ii - abertura e fechamento operacional
iii - sistemas abertos e fechados
iv - sistemas sociais e psíquicos
v - sistema e comunicação
vi - sistema e sentido
vii - sentido como meio
viii - sentido como interrupção dos sistemas
ix - sentido: o primado da hermenêutica
x - sentido: objeto (ainda) não tematizado
notas
Seres humanos o podem se comunicar. Apenas a
comuni cação pode comuni car.
Niklas
Luhmann
1
A auto-refer ênci a de um sentido simboli camente
generalizado substitui o conceito de sentido entendido
como signo tradição teórica até então dominante.
Niklas
Luhmann
2
I. Teorias dos sistemas
O primeiro desenho de uma teoria geral dos sistemas apareceu em meados de 1950 com
Ludwig von Bertalanffy. O biólogo entendia por sistema um conjunto de partes independentes,
mas integradas, que se contrapunham ao ambiente. O desenho da teoria forma círculos
concêntricos, pois cada parte de um sistema é em si outro sistema. Cada sistema teria um objetivo
específico e uma função em relação aos demais, e o resultado seria um complexo de sistemas
integrados que produzem mais que suas partes isoladamente produziriam. A característica de um
sistema, portanto, é ter partes separadas que trabalham de maneira unificada
3
. Quando a dinâmica
entre as partes funciona adequadamente, sinergia. Quando a desordem impera entre as partes,
entropia. A descrão de um sistema dinâmico indicava relões de alimentão e
retroalimentação autogerenciadas, cuja disposição funcional impossibilitava a compreensão do
sistema pelas partes que lhe constituem, mas tão somente pela relação dinâmica do todo para
com suas partes.
Ainda nos anos cinqüenta, William Ross Ashby ampliaria os subsídios da cibertica na
teoria dos sistemas
4
. Com isso, a teoria passava da descrição de sistemas vivos para a organização
abstrata de fenômenos. A abordagem cibernética também inseria a preocupação com princípios
comuns que regessem a interação entre os sistemas. É nesse panorama que Heinz von Foerster,
111
pesquisador presente tanto no Círculo de Viena como no Círculo Cibertico
5
, contribui para a
teoria dos sistemas. Leitor obsessivo de Wittgenstein, utilizou agica recursiva e a auto-
referência para repensar a posição do observador naquilo que ele chamaria de cibertica de
segunda ordem
6
, uma cibertica que compreenderia eventos não -triviais, isto é, o resultado da
interfencia do observador no próprio objeto observado. Von Foerster tenta conciliar a exatidão
das hard sciences com temas da filosofia e epistemologia. Como em Wittegentein, o cerne de sua
reflexão partia de pesquisas sobre o rebro e processos perceptivos. Para von Foerster, o mundo
é um ambiente que transmite sinais que o têm propriamente um conteúdo. Conteúdo, ou
significação, é uma produção dependente da atividade dos sistemas, ou seja, dos observadores
7
.
Humberto Maturana, que trabalhou com Heinz von Foerster na Universidade de Illinois,
tamm propôs uma abordagem evolutiva onde os sistemas vivos observam e são capazes de
auto-observação. A reflexividade dos sistemas se estende sobre a teoria, que explica sua própria
origem. Para Maturana, a auto-referência dos sistemas vivos é sua única característica invariante,
sendo o campo simbólico apenas um nexo cooperativo das interações entre diversos sistemas
vivos. É na recusa de uma realidade objetiva exterior aos observadores que Maturana desenvolve
seu conceito de autopoiese, a principal contribuição do biólogo à teoria dos sistemas
8
. O modelo
autopotico exclui a participação do ambiente na organização dos sistemas. Os sistemas seriam
autônomos, operacionalmente fechados e auto-referentes, isto é, eles se construiriam a si
mesmos. Essa homeostase dos sistemas sugere uma regulação constante do organismo, que recria
seu equibrio fisiológico ainda que sua organizão estrutural seja alterada
9
.
A ausência de características definidoras liquida com o entendimento teleológico dos
sistemas. Elimina também a possibilidade de pensá-los como campo de forças intencionais, a
exemplo da proposta fenomenogica. Os sistemas apenas sobreviveriam e não haveria input ou
output tal como pensava a teoria dos sistemas clássica. Maturana pensa essas trocas como simples
irritações exteriores que não são suficientes para alterar as condições internas do sistema. Em
havendo alteração sistêmica, ela não é produto das irritações, mas de uma elaboração do
observador sobre suas próprias estruturas e sentido.
Comum às teorias dos sistemas é a idéia de ultrapassar a descrição de um único indivíduo
para focar suas conexões e relações. Importaria mais o arranjo do todo; as relões entre as partes
e a interão entre sistemas e ambiente. Niklas Luhmann, na segunda metade do século XX,
tomaria conceitos da cibernética de Heinz von Foerster, da biologia de Humberto Maturana e da
matemática de George Spencer-Brow n para emprestar à teoria dos sistemas um novo estatuto
epistemológico
10
. Sua teoria alude a um mundo de sistemas como máquinas autopoiéticas. Elas
produzem a si mesmas e não possuem intenção ou meta que não seja a autopreservação do
112
sistema. Como sistema fechado, a relação com o ambiente externo se reduz a mútuas irritações, e
em relação aos demais sistemas, a um acoplamento estrutural.
II. Abertura e fechamento operacional
Von Foerster parte de uma verificação fisiológica para mensurar o fechamento
operacional dos sistemas: o sistema nervoso central dos mamíferos teria produzido os neurônios
internunciais
11
, o que nos torna mais sensíveis às alterações internas do nosso organismo que às
alterões no ambiente externo. Não haveria correspondência entre o mundo da consciência e o
que acreditamos ser o mundo exterior. Pelo contrário, diz von Foerster, para os duzentos ou
trezentos milhões de receptores sensórios, haveria cerca de dez biles de sinapses no sistema
nervoso. Isto é, a grandeza de sinapses na percepção interna seria de cem mil vezes em relão
aos receptores sensórios externos
12
.
Assim, para von Foerster, os sistemas são fechados e recursivos porque a própria
realidade externa é refém da supremacia dos mecanismos da perceão inte rna. Por sermos mais
sensíveis às alterões internas que às externas, o organismo se fecha operacionalmente e
recursivamente. Com isso, sua cibernética recusa nexos causais e abertos e oferece um panorama
de rculos causais fechados e finitos. O modelo sugere a presença do ceticismo metodológico de
Descartes: duvida-se de cada idéia que pode ser duvidada, e a única certeza é a de que estou neste
momento pensando. Von Foerster se livra da alusão de haver em sua teoria uma só pessoa
indicando que a própria realidade seria o resultado da confluência de dois ou mais sistemas.
De maneira simetricamente oposta, os autores da pragmática da comunicação, entre eles
Gregory Bateson e Paul Watzlawick, tomam a abertura operacional como fundamento da
comunicação humana. Watzlawick, Beavin e Jackson
13
abordam o comportamento humano como
matriz da comunicação. Os comportamentos seriam comunicões sociais, e os relacionamentos,
jogos ou seqüências de comportamentos ditados por regras e padrões de interão. A pragmática
da comunicação também entende que os seres humanos, assim como os sistemas técnicos, são
repetitivos e recursivos, mas sua abertura operacional é o traço distintivo em relação aos sistemas
sociais. Sem isolar as consciências (ou sistemas psíquicos, na terminologia luhmanniana) do meio,
os pragmáticos entendem que comunicação é comportamento e comportamento é comunicação,
que não há oposição ou contraste entre os dois processos. Comportar-se é comunicar e é
impossível se abster dessa interação aberta de retroalimentação circular.
Outra abordagem é a de Humberto Maturana, para quem os sistemas vivos são
simultaneamente abertos e fechados
14
. Enquanto sistemas moleculares, os sistemas são abertos ao
fluxo de energia e matéria. Mas como sistemas autopoiéticos, eles são fechados dentro de sua
113
processualidade autocentrada. Qualquer alterão no sistema só pode ser efetuada mediante uma
reformulação de seus próprios elementos internos, isto é, o ambiente externo nunca participa
dessas alterões. Exemplo disso é o sistema nervoso central
15
, que é fechado enquanto rede
neuronal mas aberto no que respeita sua relação com o ambiente externo. Os sistemas
moleculares seriam abertos porque em contato com o exterior, e as supercies sensoriais teriam
por função captar as perturbações do ambiente.
III. Sistemas abertos e fechados
No que tange à questão do sentido, o fulcro conceitual da teoria dos sistemas repousa
sobre a diferença entre sistemas abertos e sistemas fechados, diferença delineada nos primeiros
modelos pensados por von Bertalanffy. Um sistema aberto é aquele que aceita e sofre interações
com o ambiente que lhe margeia. Há portanto alimentação e retroalimentação, que por sua vez
podem ser positivas ou negativas. O modelo aberto sugere um diagrama de auto-regulação
regenerativa e expansiva, gerando novos elementos ou propriedades que alteram o sistema como
um todo ou suas partes isoladamente. Um sistema fechado, por outro lado, não sofre qualquer
influência do ambiente que lhe margeia. Não portanto nem alimentação nem retroalimentão
cibernética, pois o sistema só se alimenta dele mesmo. O conceito de autopoiese, d erivado dos
estudos do biólogo chileno Humberto Maturana, empresta feição suplementar ao esquema.
A idéia de que os sistemas vivos são abertos é a grande contribuição de von Bertalanffy,
para quem o modelo de sistemas fechados da ciência clássica tinha na segunda lei da
termodinâmica uma limitação insustentável
16
. Para o biólogo, os fenômenos físicos difeririam
sobremaneira dos fenômenos biológicos, e a natureza paradoxal dos sistemas vivos à luz da sica
seria explicável por essa diferença de natureza: sistemas vivos seriam necessariamente abertos. A
teoria geral dos sistemas de von Bertalanffy salientava a diferença entre sistemas físicos, fechados,
e sistemas vivos, abertos, que pediriam uma abordagem holista e não reducionista
17
. Os
indivíduos não seriam mecanismos previsíveis, mas organismos abertos e contingentes.
Michel Serres vai ainda mais longe. A relação de deriva que o filósofo francês vê nas
forças elementares sugere uma abertura fundamental inclusive entre os fenômenos sicos. Se
duas escies que nunca se tocam, não pode haver mundo nem sica; nem discurso nem sentido,
diz Serres. O filósofo francês vê na deriva dos elementos físicos uma força em movimento,
alguma coisa que acontece entre os sistemas durante a deriva. Quando se fala e o interlocutor
compreende, haveria aí necessariamente uma abertura. Ainda que o outro diga que não me
compreendeu, haveria ainda assim abertura, retroalimentação (negativa) e interação entre os
sistemas psíquicos. Essa abertura, que Serres entende como excepcional, permite que signo e
114
sentido existam. O desvio e a intersão entre os elementos sicos s eriam um desvio necessário
do equilíbrio fúnebre da matéria
18
.
Mesmo a intersubjetividade gerada socialmente, substrato que Habermas atribui ao
mundo vivido, é eliminada na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Para Hans Ulrich
Gumbrecht, Luhmann identifica a gênese do que chamamos subjetividade no processo de diferencião entre
sistemas sociais e sistemas psíquicos
19
. Isto é, aquilo que chamamos de subjetividade seria tão somente
o resultado da crescente complexidade sistêmica observada a partir de determinada temporalidade
(consciência histórica dos eventos). Para Luhmann, o próprio termo intersubjetividade é vazio
de sentido, pois implica em subjetividades interpenetradas, isto é, sugere a integrão de múltiplos
sistemas psíquicos. Sua teoria dos sistemas sociais, entretanto, prescreve como impossível que
sistemas psíquicos conheçam uns aos outros. O fascínio pela temporalidade e pela
seqüencialidade cede lugar a relações de simultaneidade que substituem a intersubjetividade
gerada socialmente por uma contingência de operões de sentido. No entanto, reconhece
Gumbrecht, toda teoria possui seu ponto cego. Na teoria dos sistemas, a pergunta que permanece sem resposta
refere-se ao por que se produz uma acoplagem entre dois sistemas
20
.
Deleuze comenta essa aporia dos sistemas fechados em Proust e os signos. Teria sido
Leibniz o primeiro pensador a formular o problema de uma comunicão resultante de partes isoladas ou de
coisas que não se comunicam: como conceber a comunicão das nadas, que não têm portas nem janelas
21
. O
tratamento dedicado à questão pelo tratamento monadário é substancialmente diferente, pois a
comunicação não é subsumida como princípio geral, mas como resultado de um jogo entre
máquinas e suas partes separadas, peças para as quais a comunicação não é imperiosa. A resposta
de Leibniz, que para Deleuze é equivocada, vê nas mônodas fechadas um estoque preestabelecido
de predicados que envolvem e exprimem o mundo nas séries infinitas, cada qual com uma região
de expressão particular, mas que expressam pontos de vista diferentes sobre um mesmo mundo
diluído na unidade de Deus. Leibniz restauraria, assim, uma unidade e uma totalidade prévias, sob
a forma de uma universalidade que inscreve em cada mônada o mesmo estoque de mundo ou de
informação. Por fechadas que as mônadas fossem, haveria uma harmonia preestabelecida que
cria, mesmo no isolamento, uma correspondência espontânea.
O mundo vivido da fenomenologia se choca com a proposição dos sistemas fechados,
pois implica em um mapa de sistemas abertos interagindo entre si. Em O Pensamento Movente,
Bergson diz que os sistemas fechados se submetem a leis puramente matemáticas, isoláveis pelo
simples fato de a duração não os atingir. Haveria muito mais no conjunto da realidade concreta,
do mundo da vida e da consciência. Pois há mais possibilidades em cada um dos estados
sucessivos do que em sua realidade. Para esses sistemas abertos, o possível é uma contingência
115
inescapável. E o possível é apenas o real com, em acréscimo, um ato do espírito que repele sua imagem para o
passado assim que ele se produziu
22
.
IV. Sistemas sociais e psíquicos
Habermas entendia que o mundo vivido era condição cardinal para a socialização
lingüística, pois a interão de subjetividades funcionaria como centro virtual de
autocompreensão
23
. A sociedade conheceria a si mesma por meio da interação de suas
contrapartes, instalando um saber reflexivo que germina no fundo do mundo intersubjetivo. A
dimensão social do sentido viria da convergência de horizontes de entendimento, unidos ao redor
de significados semelhantes e intersubjetivamente partilhados. Na abordagem sistêmica de
Luhmann, diz Habermas
24
, não há sujeitos pois eles todos se degeneram em sistemas. As
subjetividades se desmembram e os indivíduos aparecem descolados do mundo vivido. Se antes
apenas o sujeito era auto-referencial, em Luhmann todos os sistemas são.
A distinção entre sistema social e sistema psíquico, estabelecida pela filosofia de Husserl,
é radicalizada por Luhmann. Em sua sociologia ambos os sistemas são entendidos como
operacionalmente fechados e mutuamente dependentes
25
, cada um funcionando como ambiente
para o outro. O processamento de sentido é transversal mas diverso nos dois tipos de sistemas.
Se sistemas sociais se acoplam estruturalmente a outros sistemas, a relação entre estruturas e
agentes pode ser compreendida como interpenetração, um acoplamento diferente do mecanismo
biológico dos sistemas operacionalmente fechados.
O conceito de interpenetração indica que sistemas psíquicos têm acesso às suas operações
mútuas (mas não suas operações internas). Seria o campo livre e contingente de onde emerge a
linguagem, não obstante o esquema não compreenda linguagem gerada intersubjetivamente,
fundamento da teoria da ação comunicativa de Habermas. Isso porque não obstante suas
interpenetrações, os sistemas ainda operam recursiva e operacionalmente fechados. Luhmann
tem a comunicação como sistema de referência, e não as consciências, hipótese que visa uma
análise supra-individual fundada na auto-organização
26
da comunicação, em oposão a uma
abordagem molecular, baseada na unidade do indivíduo ou da consciência.
O modelo luhmanniano permite ainda visualizar as comunicações, ou seja, as operações
de coordenação entre sistemas e consciências. As comunicações seriam elas também um sistema
com dinâmica própria, processado por sistemas sociais que tomam os sistemas psíquicos como
enderamento. Se a cibertica previa que os sistemas eram construídos de maneira emergente
(bottom-up), mas regidos por um controle progressivamente hierarquizante (top-down), isso deixa de
ser inteiramente válido para a teoria dos sistemas, pois os sistemas psíquicos funcionariam como
116
centros de controle independentes (ainda que fracos, já que meramente reflexivos). A distinção
entre sistemas psíquicos e sociais tem por objetivo salientar a fancia dos conceitos de sujeito e
ão, conceitos da sociologia clássica que Luhmann entende inapropriados para descrever a
sociedade
27
. Para Luhmann, sujeito e ão seriam efeitos da proposão husserliana de um mundo
intersubjetivo, cuja falha maior seria sua incapacidade de diferenciar observão de observador
28
.
A ausência do conceito de sujeito reparte os sistemas em sociais e psíquicos, negando a
existência de um mundo intersubjetivo baseado na opacidade das consciências. A
intersubjetividade seria tão somente um conjunto de mitos oriundos da dinâmica dos valores e
interesses. Todos os sistemas seriam auto-referentes e operacionalmente fechados, ainda que os
sistemas psíquicos sejam cognitivamente abertos. A teoria luhmanniana não tem por eixo ações
subjetivas e intersubjetivas, mas a diferença entre sistema e ambiente que se perpetua por meio de
comunicações e processamento de sentido
29
. O problema seria mensurar esse intricado universo
de relações comunicacionais que não pode ser observado no mundo diluído da intersubjetividade.
A teoria dos sistemas de Luhmann descola a perspectiva individual baseada no sujeito para uma
abordagem sistêmica baseada em comunicações auto-referentes
30
.
V. Sistema e comunicação
Comunicação é o conceito central da teoria luhmanniana. Ela resulta de três instantes ou
selões: sinalização, percepção e entendimento. Alter sinaliza, Ego percebe a intenção e por fim
a comunicação se realiza. A comunicão que adverte Luhmann, é improvável
31
só se realiza
se as três etapas são cumpridas: se um sistema (Ego) percebe a intenção de outro (Alter) e a
compreende. O resultado é um lapso que engata uma comunicação na outra. Ego identifica a
sinalizão de Alter e produz uma selão. A operação cria um conteúdo que por sua vez cria
outra comunicação. O esquema de Luhmann sugere uma seqüência de processos seletivos
integrados de maneira recursiva
32
.
É só por meio da comunicação que os sistemas sociais se integram. Sistemas sociais, por
sua vez, são sistemas de comunicação e a sociedade seria tão somente o mais amplo dos sistemas
sociais. Ambiente é tudo aquilo que não faz parte do sistema, de maneira semelhante à
diferenciação negativa dos signos na teoria do valor de Saussure. O que define um sistema é a
separação entre ele mesmo e o ambiente, que como complexidade bruta, seria um exterior não
organizado e infinitamente complexo
33
. A diferenciação entre sistema e ambiente seria processada
apenas internamente, de maneira autopoiética, pois o sistema jamais entra em contato direto com
o ambiente e só conhece suas próprias circunstâncias internas. O interior do sistema, por sua vez,
117
é uma zona de redução de complexidade. A comunicação é o que liga essas duas instâncias, é por
meio dela que a informação disponível no ambiente é selecionada.
A comunicação, de todo improvável, seria uma operação exclusiva dos sistemas sociais
34
.
Assim, pessoas não comunicam: sistemas sociais comunicam. Pessoas, que na terminologia
luhmanniana atendem pelo conceito de sistemas psíquicos, produzem pensamentos, e o
comunicação. Comunicação gera mais comunicação, e pensamento gera mais pensamento: tudo
separado
35
. Ambos os sistemas são fechados, isto é, qualquer modificação dos sistemas depende
exclusivamente das suas próprias operações. É o fechamento operacional que garante autonomia
aos sistemas autopoiéticos, e quando a comunicação acontece, eles não são criadores mas
enderos dessa cibernética necessária, desse óleo que viabiliza a sociedade.
Ou seja, fora da sociedade não comunicação. E aquilo que não é comunicação, não faz
parte do sistema, sendo então ambiente. Como os seres humanos não fazem parte da sociedade
36
,
eles não comunicam, pertencendo assim ao ambiente. Como pessoas (sistemas psíquicos),
participamos da sociedade apenas como enderamentos da comunicação, processo que promove
um acoplamento estrutural entre a sociedade como sistema social e os indivíduos como sistemas
psíquicos. Mas esses sistemas não são afetados pelo ambiente. O ambiente apenas estimula
operações para o sistema trabalhar internamente.
O homem é portanto ambiente do sistema sociedade, o que implica em duas condições:
primeiro, os homens estão fora da sociedade; segundo, a sociedade não existe sem os homens. A
comunicação independeria dos homens, pois se constituiria como um processo auto-referente de
distinção entre o que é relevante para o sistema e o que não é. Seria, em outros termos, a
processualidade cotidiana de sentidos, uma selão dentre as alternativas disponíveis. Como
unidade distintiva dos sistemas sociais, a comunicação entendida por Luhmann não é definida
nos termos da intencionalidade fenomenológica ou do signo lingüístico, mas na diferença entre
sinalizão e informação
37
.
VI. Sistema e sentido
A pergunta de Habermas a respeito da teoria dos sistemas de Luhmann é pertinente: se a
linguagem é apenas um meio da comunicação, e se os sistemas psíquicos e sociais têm gicas
diferentes e teorias próprias, o que vai unir estes dois campos de codificação da atividade social?
Para Luhmann, a linguagem não provê complexidade suficiente para relacionar individuação
humana e socialização. A comunicação, produção transversal a todos os sistemas, tamm não
integra os sistemas. Não haveria propriamente integração, mas apenas selão e distinção, uma
permanente produção de sentido no interior dos sistemas.
118
O interior do sistema é uma zona de redução de complexidade: a comunicação em seu
interior opera selecionando apenas uma quantidade limitada de informação disponível no
exterior. O critério pelo qual a informação é selecionada e processada, diz Luhmann, é o
sentido
38
. O conceito é reconstruído para designar a pré-seleção de possíveis relações entre os
elementos internos que serão admitidos pelo sistema. João Cezar Rocha, comentando Hans
Ulrich Gumbrecht, diz que a teoria sistêmica estimula a investigação das condições de possibilidade de
constituição de sentido ao invés de privilegiar a decodificão de um sentido dado
39
. É um conceito já de
todo afastado do campo da linguagem e que remete a certa materialidade dos sistemas, a uma
lógica de seleção dos sistemas.
A referência à imanência do mundo em relação ao senti do impede que se defina o sentido como um signo.
Deve-se disti nguir com cuidado a diferença entre estru tura de r eferência e estrutura de signos. A fuão de
um signo requer referênci a a algo específico, ao mes mo tempo em que exclui a auto-referência. Em ou tras
palavras, não há nem um signo para o mundo nem um signo que indiqu e ele mesmo. Mas ambas as fu ões
universalid ade e auto-referência são propried ades indispensáveis do sentido. É por iss o que o senti do
é a maria fundamental: um signo tem qu e ter sentido para poder cu mprir com sua função, mas s enti do
o é um signo. Sentido forma o contexto no qual todos os signos são determinados; ele é a condição sine
qua non para produ zir sua assimetria. Mas entendido como um signo, o sentido seria capaz apenas de
respond er por um signo de si mesmo, e co m isso um signo da inexistência da função de um signo.
40
A abordagem construtivista de Luhmann sugere que sistemas sociais e psíquicos são
constituídos por sentido ao mesmo tempo em que constroem sentido. Sentido seria a própria
ordenação desses sistemas cegos, pois a complexidade interna dos sistemas só seria reduzida
mediante critérios de seleção dos dados disponíveis. Esses dados seriam processados
internamente e ofereceriam diferentes alternativas de atuação. Sentido seria o critério que o
sistema utiliza para selecionar uma alternativa em detrimento de outra. O conceito tamm
demarca os limites que os sistemas psíquicos e sociais traçam em relação ao ambiente, dividindo
o mundo em algo com sentido e algo sem sentido
41
.
Os sistemas formariam sentidos espeficos que não são construções da linguagem, mas
produções internas do sistema. A teoria sistêmica desenha um conceito de sentido que o vincula à
execução da comunicação, uma vez que a emergência de sentido somente ocorre no concurso
direto de formas materiais. Isto é, o sentido não seria apenas permeado pelas condições concretas
de articulação e transmissão de mensagens. Ele seria a própria lógica que perfaz essas selões.
Cada sistema empreenderia uma produção específica em vistas a um horizonte possível de
sentidos. Com isso, uma pintura poderia ser apreciada tanto por seu caráter estético como
econômico. Cada observação remeteria a um horizonte de sentido que se vincula apenas às
observões do sistema.
A idéia de múltiplos eixos em distribuição progressivamente ortogonal no sistema de
processamento de sentido já estava presente em Talcott Parsons
42
. É o prinpio mesmo de
diferenciação funcional, onde variados eixos de processamento de sentido se encavalam mas não
119
se sobrepõem, mesmo em casos onde as relações entre os códigos de comunicação são
diferentes. Se os códigos provêem sentidos funcionalmente diferentes, então a concorrência
de vários horizontes de sentido. Cada um deles relacionando um conjunto de distinções que não
exclui a seguinte.
No esquema de Luhmann, a linguagem seria apenas um meio de informação, e a
significação, o resultado de um acoplamento fundado em experiências comuns, conexão que
institui todas as linguagens e semioses
43
. O significado de uma expressão se vincularia à
organização própria do sistema vivo, pois assim como o sentido, a significação tamm não
estaria nas palavras. As significações seriam percebidas no fundo de experncia comum do
observador. Por si só elas nada significariam, pois para Luhmann as palavras e as expressões não
são sinais. São mormente uma perturbação que só existe em função da coesão interna do sistema.
Isto é, percepção e interpretação de palavras forçam seleções de oportunidades para ação e
sentido
44
. No final, toda a máquina semiótica opera em função de expectativas de sentido.
Luhmann desenvolve uma teoria do sentido que entende o conceito como pré-requisito
funcional para o conhecimento e a comunicão lingüística. A linguagem seria um meio que
emerge dos mútuos acoplamentos entre seres humanos na sociedade. O senso comum, diz
Luhmann, é um sentido (senso) criado em comum e representa a refencia prática da
linguagem, e não alguma verdade relacionada a qualidades naturais e objetivas
45
. O significado das
palavras mudaria em razão de um fluxo de eventos que são em larga medida acidentais. Como as
comunicações não têm o mesmo horizonte de sentido, o desenvolvimento da língua se faria a
partir de um estatuto supra-subjetivo que não prevê a precedência do sujeito.
Ao liquidar com o sujeito e a autoconsciência, Luhmann liquida também com o
entendimento da linguagem como fenômeno social e a transforma em simples meio da
comunicação. A linguagem somente generalizaria eventos semânticos, isto é, permitiria a
atomizão de correntes de vivências em identidades reconheveis. O sentido se configura como
uma produção sistêmica anterior a qualquer significado, remetendo a um movimento primitivo da
organização autopoiética. Relacionando o sentido com um campo pré-lingüístico, para Luhmann
ele é permanente remissão de possibilidades. Um contexto que atualiza as seleções em relão às
necessidades do sistema.
A linguagem funcionaria substituindo sinais por sentidos que se fazem no interior do
sistema, não havendo expressões de significado comum aos sistemas. Também a língua não teria
essa função integradora e apenas reforçaria as perspectivas internas do sistema. Luhmann entende
a linguagem em contraposição à aspirão teleológica de um campo de integração superior,
comum e de cater intersistêmico , e com isso relativiza a importância dos símbolos lingüísticos
120
inclusive nos processos da consciência, retirando-lhe qualquer propriedade de ligação interna
entre compreensão e sentido. Compreensão e sentido seriam efeito da dinâmica de signos da
língua e o resultado da observação reproca de conscncias que se assumem como sistemas
auto-referenciais em um mundo circunvisto por sistemas fechados. O sentido se processaria de
maneira simples e funcional, como selão que liga uma comunicação à outra, uma exigência para
a construção de formas e o jogo entre o meio e a forma.
Importante no conceito de sentido de Luhmann é a implosão da dicotomia de matriz
cartesiana que dedicava ao sentido uma proeminência do esrito sobre as manifestações do
corpo. Deleuze assinalava essa incômoda tradição ao se referir ao sentido como manifestação
necessariamente de supercie e não de profundidade. O cisma cartesiano entre corpo e esrito
localizava, no esrito, a profundidade do sentido, e no corpo, a materialidade dos circuitos de
comunicação. A teoria do sentido de Deleuze propõe um curto-circuito nesse esquema, ao
indicar que o sentido se daria na superfície dos fenômenos, domínio tradicionalmente dedicado à
materialidade da circulação de signos. Luhmann, de maneira simétrica, fala de um sentido que
torna a rígida dicotomia entre corpo e esrito de todo obsoleta, pois sentido é fuão de
diferenciação anterior às propriedades do sujeito.
VII. Sentido como meio
Luhmann dá contorno ao conceito de sentido aproximando-o do conceito de meio
(medium). Meio é o par oposto de forma, sistema binário que atravessa toda a sociologia
luhmanniana. Dado um contínuo disperso e contingente de elementos, po r exemplo, uma
montanha de areia ou uma multidão dispersa de indivíduos, alguma foa se aplica a esse meio e
lhe empresta uma forma
46
. Assim, o caminhar na praia empresta a forma de pegadas no contínuo
disperso da areia, e a reunião efêmera de indivíduos dispersos forma a opino pública em
determinados contextos. Um meio se condensa em forma e é essa dinâmica catalítica que se
aplica ao sentido, uma força que altera a disposição dos elementos sem lhe transformar a
natureza.
Para Luhmann, o sentido seria produzido em uma trama de operações que sempre
pressue o horizonte de sua própria operão. Sentido seria um meio, a contrapartida necessária
ao fechamento operacional dos sistemas. Operacionalmente, ele seria o horizonte de uma
operação que só acontece no momento de sua própria determinação, nem antes nem depois
47
.
Luhmann tamm recorre a Deleuze
48
para desenhar seu conceito de sentido, insistindo na
propriedade efêmera do conceito para enfatizar seu caráter de processamento, em oposão a um
sentido como qualidade imanente ao mundo, uma criação, fundação ou origem. O conceito
121
dispensaria qualquer idealismo apartado da dinâmica dos sistemas e só ganharia existência como
um meio que os sistemas utilizam e reproduzem.
O construtivismo radical da teoria luhmanniana empresta um caráter autônomo aos
conceitos. Não é diferente em relação ao sentido, cujas características e funções só ficam mais
claras quando dispostos em relação dinâmica com os elementos de um sistema. A memória seria
um desses elementos que participam da produção de sentido. Ela construiria estruturas de uso
exclusivamente momentâneo para conservar a seletividade e reduzir as possibilidades de captura.
A memória permitiria com isso uma ilusão
49
de identidade ao longo do tempo, função importante
na distinção entre sistema e ambiente.
Isso porque os sistemas criariam um ambiente particular para suas lulas, separação que
as protege e que possibilita a especialização funcional, isto é, permite a criação de organismos.
Essa proteção proporcionaria limites aos sistemas sociais e psíquicos, que podem assim
desenvolver observações entre sistema e ambiente. Isto é, permitem a distinção entre auto-
referência e heteroreferência. Com isso, haveria uma dupla diferenciação entre sistema e ambiente
re-entry, diz Luhmann, tomando de empréstimo o conceito de Spencer-Brown
50
. A primeira
seria a distinção produzida pelo sistema, e a segunda, a distinção da observão que é feita no
sistema.
A fuão da memória seria dispor os resultados das seleções prévias em momentos do
presente, operão que inclui tanto o esquecimento como a recordação. O sistema percorria
operações avaliadas como positivas ou negativas, operações de auto-referência e heteroreferência,
buscando provisões para se adaptar a situações imprevisíveis. É o resultado dessas operações que
Luhmann chama de sentido, um re-entry que incide em um mundo desprovido de elementos pré-
dados, de substâncias ou de idéias. A relação entre sentido e memória permite a fixão dos
elementos que o sistema vai operar. Elementos estes sempre dispostos em um ambiente de
complexidade ilimitada. Para os sistemas de sentido o mundo não é um mecanismo imenso que produz o estado
das coisas. O mundo é antes um potencial de surpresas ilimitadas; é informação virtual que, não obstante, necessita
de sistemas para gerar informação
51
. Sentido é o elemento que permite a auto-referência dos sistemas
psíquico e social, o nexo que atrela uma comunicação a outra ao vislumbrar um excedente de
possibilidades comunicativas.
Luhmann relaciona todas as identidades de sentido à processualidade recursiva: números,
objetos emricos, símbolos, signos ou frases. Assim, se por um lado o sentido desses elementos
se estende para am daquilo que é captado na observão, por outro lado isso não implica que
tais elementos estivessem sempre lá, independentemente das operações de observação. Como
não haveria qualquer fundamento ontogico na realidade, não haveria tamm nenhuma
122
disposição de objetos ou capacidade de percebê-los para além das operações de observão. A
substância do mundo seria ela mesma observações recursivas que remetem a um futuro, a
possibilidades de observação infinitas que compreendem o mundo como realidade virtual.
Isso empresta um caráter histórico ao sentido porque sua processualidade conecta o
surgimento contingente à indeterminação das possibilidades futuras. Toda determinação deve,
portanto, passar pela operação de sentido, e toda inscrão no sentido tem como único
fundamento a certeza de uma contingência recursiva. No caso da comunicação lingüística, essa
recursividade se faz por meio das palavras de uma ngua, que não obstante sejam em número
mais ou menos calculável, podem ser usadas de maneiras incalculáveis. O mesmo é válido para a
ordem das relações espaciais ou para o sentido das ações. Toda relação entre meio e forma, diz
Luhmann
52
, é sempre uma questão de ordenação das possibilidades disponíveis no momento.
O sentido como um meio significa que a produção do sentido é rigorosamente uma
operação de distinção. Elas aludem ao mesmo tempo para si mesmo e para um segundo, uma
distinção que demanda sempre outra distinção e que reproduz também a presença do elemento
excldo, pois o sentido seria um mundo total, uma forma que em seus dois lados contém uma
pia de si mesma. O incorporado como atual é seguro mas instável, e o outro lado da forma é
estável mas inseguro (pois não se pode prever o desenlace). Esse processamento seletivo
responde pela dinâmica invarvel do sentido, e a única operão que poderia descartá-lo seria o
vazio absoluto, o nada ou o caos, porque toda negão teria como potência aquilo que nega
objetivamente. No que tange a conceitos e nomes, Deus seria o único nome que não seria
definido por meio de distinções seletivas
53
.
Luhmann retoma a fenomenologia para definir a função desse sentido. Se a abordagem
fenomenológica o descreve como aquele excedente de remissões
54
que, de maneira circular, é
acessível pelo próprio sentido, diz Luhmann
55
, então o sentido é um contexto de remissões
infinitas e indeterminadas, mas que se fazem acessíveis e se reproduzem de forma determinada. A
forma do sentido se caracterizaria pela diferença entre atual e possível
56
, única distinção capaz de
constituí-lo. O problema é que, ao pensarmos no sentido, temos em mente um vetor imaginário
que integra sociedade e indivíduos.
Luhmann resolve essa aporia indicando que a atualização do sentido antecipa o possível,
isto é, a atualização é simultaneamente projeção e realização dos novos estados do sistema
57
.
Tanto os sistemas psíquicos como os sociais seriam capazes de distinguir entre eles mesmos e os
demais utilizando o medium sentido, meio que permite a observação do sistema e do ambiente
como forma. Não é que o sentido incida sobre o mundo exterior (ambiente). O mundo exterior é
em si inobservável, e é por isso que o sentido só poderia ser produzido como forma. Essa
123
produção emerge então como comportamento próprio (Eigenbehavior, na terminologia de Heinz
von Foerster) disposto em um presente atual cuja fugacidade incide sobre eventos que sucedem
simultaneamente. Mas uma vez que tenha sido assinalado um antes e um depois, um passado e
um futuro, a ausência de temporalidade do sentido lugar a uma cronologia que pode inverter
as disposições temporais. Isto é, pode utilizar o tempo para reduzir complexidade: tratar passado
e futuro como se o fossem atuais
58
.
A circularidade dos conceitos da teoria dos sistemas de Luhmann condiciona sociedade à
comunicação, e comunicação ao sentido. Para Luhmann, comunicação é processamento de
sentido porque é o sentido e apenas ele que confere realidade aos sistemas pela atualização
seqüencial das operações. A radicalizão do conceito como meio da observação submetido a
distinções dissolve o mundo das substâncias em um horizonte de expectativas passível de
intermináveis combinações, incontáveis distinções dispostas somente em fuão das observões.
Mas permanece a circularidade no conceito de sentido, fruto da auto-referência operacional que
empresta à teoria uma autêntica coencia tautológica.
A única sda para a destautologização‖ da auto-refencia do sentido, diz Luhmann,
seria a subdivisão do conceito em três modalidades ou dimensões
59
. A produção de sentido teria
três aspectos que Luhmann denomina dimensões do sentido. As descrições resultantes de cada
processualidade seriam distintas e o guardariam qualquer relação interdependente entre si
60
. A
primeira dimensão é objetiva e se refere à diferenciação fundamental entre o que tem importância
para o sistema e o resto dos eventos. Ela estabelece a diferença entre sistema e ambiente e
seleciona as informações que serão referenciadas em processos comunicativos futuros. A segunda
dimensão é temporal e se vincula à memória do sistema. Ela distingue entre aspectos estruturais e
variáveis de um evento, ou entre a situação original e futura de uma estrutura em relação a um
evento. A percepção temporal estabelece diferenciões entre estados presente e futuro do
sistema, vinculando-os à contingência dos eventos do presente.
A terceira dimensão é social e reconhece os integrantes do processo comunicacional. Na
terminologia luhmanniana, ela reconhece Alter como Alter e Ego como Ego, possíveis enderos
da comunicão. É a dimensão social do sentido que permite às expectativas de Alter serem
tomadas como válidas, estabelecendo uma relação de dupla contingência entre as expectativas de
Alter e as de Ego
61
. Essas diferentes dimensões do sentido seriam relacionais e em nada
ontológicas, isto é, os sentidos se definiriam em função de uma observação que pode assinalar
um evento como parte de uma ou outra dimensão, o prescrevendo portanto qualquer posição
fixa para os eventos da comunicão.
124
De todo modo, como unidade operacional que traça distinções e indicões, o sentido
seria também uma forma que se contém em si mesma, ou seja, é a diferença entre distinguir e
indicar. A circularidade se repete: uma forma é, em última instância, uma distinção que volta a
aparecer em si mesma como o distinguido. Esses paradoxos da teoria luhmanniana só se
resolvem por meio de um salto: aquilo que Luhmann chama de desparadoxizão. Recompondo o
paradoxo, essa operação é ela também, e de maneira reincidente, uma distinção.
VIII. Sentido como interrupção dos sistemas
Outra possibilidade aberta pela cibernética e pela teoria dos sistemas é pensar o sentido
como interrupção dos sistemas. Henri Atlan pensou a cibertica e a auto-organização para
propor uma teoria da informação que compreende os conteúdos da significação
62
. O diagrama da
circulão de informão não estará jamais completo, diz Henri Atlan, se não compreender a
significação dos termos. Ela não seria simples conteúdo emitido, mas efeito da informão no
instante da receão que não se desvincula da circulação de informação. Assim, a significação
seria parte integrante do processo de transmissão, pois cada elemento provocaria um efeito não
redutível a outro. Atlan, que trabalhou com Heinz von Foerster, incorporou a premissa do
ciberneticista austríaco para quem a emergência do novo, ou do clima que permit e o surgimento
deste novo, exige uma quebra na hierarquia dos sistema de comando
63
.
Com isso, nem a redundância da informão nem a circularidade auto-referencial dos
sistemas possibilitariam compreender o estatuto da significão. Haveria na significação não uma
redundância perfeita em relação à circulação da informação, mas um acréscimo de complexidade
no sistema. Os conteúdos seriam decisivos para a auto-organização do sistema e demarcariam
processos não idênticos. Entre um e outro haveria uma alteração possível e os conteúdos
poderiam romper em crises que, em relão ao modelo de circulação, indicam a interrupção da
passagem do sentido de um vel a outro
64
.
Como efeito da receão da informação no destinatário, a significação seria mais simples
e mais geral em relão ao modelo luhmanniano. Mais simples porque se vincula ao conteúdo da
informação, e mais geral porque atravessa os diversos sistemas integrados no procedimento de
troca informacional. Com isso, se a significação responde por essa termodinâmica da informação
que não exclui o conteúdo dos termos, o sentido seria o acesso ou a interrupção da passagem de
um vel a outro, as vias molares de circulação.
Atlan entende que sua tese vai ao encontro da condenação de William Ross Ashby a
respeito das possibilidades da auto-organização em sistemas fechados: estudando a significação gica
do conceito de auto-organização, [Ashby] chegou à concluo da impossibilidade gica da auto-organizão num
125
sistema fechado, isto é, sem interação com seu ambiente
65
. A própria organização do sistema não poderia
excluir essas mudanças de estado, pois constituem em si mesmas uma reorganização constante do
ambiente em que o sistema esinserido.
Lucien Sfez, em Ctica da Comunicação, radicaliza essa análise e propõe o conceito de
tautismo, neologismo de autismo e tautologia que consistiria na loucura muda da denegão do real
66
.
Sfez faz referência ao mundo dos simulacros de Baudrillard, mas tamm pensa no encerramento
circular dos sistemas fechados e auto-referentes. Por isso autismo, a doença do autofechamento
na qual o indivíduo não comunica seu pensamento a ninguém; seu único interesse é a auto-
satisfação orgânica ou lúdica. E por isso tamm tautologia, em referência a toda proposição em
que sujeito e predicado são conceitualmente inticos. O conceito de tautismo de Sfez atenta
assim para a asfixia das circularidades autocentradas.
Para Urs Stäheli
67
, a desparadoxização criativa‖ proposta por Luhmann não conta dos
elementos extra-sistêmicos que interrompem a contínua diferenciação entre sistema e ambiente.
Luhmann opta sempre por uma sda passiva, pela domesticação do paradoxo que jamais ameaça
a autopoiese, mas apenas sua observação. Para Stäheli, a irrupção momentânea de um horizonte
de sentido implica em uma apropriação dessa parte maldita que Luhmann recusa. Implica no
nonsense que o sociólogo alemão transforma em sentido reconfigurado
68
. A crítica de Stäheli vai ao
encontro do entendimento de Derrida e Deleuze, que propõem um não-sentido como reverso
não-dialetizável do sentido, isto é, um paradoxo que não pode ser resolvido.
IX. Sentido: o primado da hermenêutica
De todo modo, foi a teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann que permitiu que
Hans Ulrich Gumbrecht reconstruísse o conceito de sentido em uma abordagem não-
hermenêutica. Luhmann havia assinalado que o entendimento hermenêutico (e lingüístico) do
conceito, que data da institucionalização da imprensa no século XV e segue até fins do século
XX, oferecia um entendimento insidioso sobre a comunicação e o sentido. Sem defini-los
pormenorizadamente, baseava-se em determinados pressupostos não-tematizados da cultura
ocidental
69
. A própria hermenêutica seria uma versão, de todo sofisticada, dessas premissas
básicas. Em Corpo e Forma, Gumbrecht analisa a leitura de Luhmann sobre o conceito de
sentido para inventariar as premissas do campo hermenêutico, que bastante simples, podem ser
sintetizadas em quatro diretrizes fundamentais.
A primeira premissa diz que o que denominamos sentido tem sua origem no sujeito e não
em qualquer qualidade inerente aos objetos. Assim, a operação de atribuição de sentido aos
objetos caberia exclusivamente ao sujeito
70
. A segunda premissa adota irrestritamente a teoria
126
dualista de Descartes, para quem corpo e esrito são duas substâncias imiscíveis com naturezas
diferentes: o esrito pertenceria ao mundo da racionalidade (res cogitans) e o corpo às coisas do
mundo com extensão (res extensa). Ainda que ninguém saiba em que exatamente consiste esse
espírito, essa distinção é percebida como um dado natural e responsável pelos femenos da
comunicação e da auto-referência humana.
A terceira premissa seria uma conclusão necessária da segunda: o esrito conduz o
sentido. A quarta premissa, por sua vez, consistiria em predicar a função do corpo, que seria um
instrumento (sempre secundário) que articula ou oculta o sentido. Isso fica claro no caso da
palavra hipocrisia, que ganhou popularidade no século XV. De acordo com Gumbrecht, ela
expressa a técnica que possibilita ocultar com o corpo o que vai na alma, isto é, no espírito. Importa aqui destacar
o papel de mero instrumento de articulação destinado ao corpo, cabendo ao espírito a criação de sentido
71
.
Essas quatro premissas teriam originado uma topologia do campo hermenêutico, um
particular sistema de correspondência entre expressão e interpretação. Assim, sempre que um
texto fosse trabalhado, entrariam em cena as premissas da hermenêutica. Quando a palavra
expressão era mencionada, a terceira premissa do campo hermenêutico viria imediatamente à
mente, isto é, o imperativo de que o sentido nasce sempre na profundidade da alma, mesmo que
venha a ser expresso em uma superfície
72
. A importância do campo hermenêutico estaria nessa
correlação forçada que incide sobre todas as mentes: a expressão, porque limitada à supercie,
seria sempre insuficiente se comparada à profundidade do mundo da alma. Com isso, o corpo
seria um instrumento secundário de articulação e a expressão o poderia jamais ser suficiente.
Outra conseqüência inevitável do paradigma hermenêutico seria sua propensão para
interpretações
73
. Gumbrecht diz que a imposição da interpretão se principiaria pela
insuficiência de uma supercie qualquer, que é tomada como entrave em direção às
profundidades, à substancialidade da alma de quem expressa. O resultado seria o estabelecimento
de uma identidade sólida entre o que o sujeito desejava expressar e o entendimento do intérprete.
O paradigma hermenêutico instituiria dessa maneira a dupla expressão e interpretação,
dispostas em relões de duplo condicionamento. A interpretação nasceria da insuficiência
intrínseca a toda expressão, e a expressão só poderia existir mediante uma virtual interpretação.
Após uma crítica do subjetivismo l evado ao seu extremo, um concei to ‗h ermenêuti co‘ d e sentido finalmente
se estabel eceu. Ele utilizava a compreensão para encampar qualquer coisa em seu nexo abrang ente, da
mesma forma que textos precisam s er compreendidos dentro de um contexto cir cundante. A experiênci a
da falta de s entid o‘ poderia dessa forma s er formulada como u ma falha, um isolamento do particul ar ou
uma dependência do acidental.
74
Para Gumbrecht, essas premissas básicas seriam compartilhadas por todos e não apenas
por acadêmicos e especialistas. Elas seriam o fundamento último da comunicação e do sentido,
pois esse vício hermenêutico seria uma herança que remonta a todas as ciências humanas. Ainda
de acordo com Gumbrecht, ele estaria presente já nas primeiras formulões de Dilthey sobre a
127
área, que se fundava especialmente sobre o ato de interpretar uma expressão insuficiente. A
materialidade das superfícies era rejeitada em nome de uma profundidade do espírito que resgata
uma (suposta) plenitude espiritual
75
. Essas premissas fundamentais se replicariam até o projeto
heideggeriano, onde o ato interpretativo é ainda central. O que as teorias dos sistemas ajudam a
construir, diz Gumbrecht, é uma abordagem que não esteja comprometida com o primado da
hermenêutica.
X. Sentido: objeto (ainda) não tematizado
Esse campo não-hermenêutico ofereceria um entendimento do sentido ainda não
tematizado. E por campo não-hermenêutico, Gumbrecht entende uma análise na qual a
centralidade da interpretação, e não apenas em Dilthey e Heidegger frisa o crítico alemão ,
mas na extensão da vida cotidiana, é problematizada. Com ela, os conceitos que gravitam ao
redor do imperativo hermenêutico a temporalidade, a totalidade e a referencialidade são
tamm redimensionados. Para Gumbrecht, o campo não-hermenêutico caracteriza-se pela convergência no
que diz respeito à problematizão do ato interpretativo
76
. Não haveria uma teoria hegemônica nessa
abordagem, mas a convergência de pontos de vista distintos que reúnem autores tão diversos
como Jacques Derrida e Michel Foucault com Niklas Luhmann e a teoria geral dos sistemas.
De maneira análoga a Deleuze, que elege Hjelmslev à categoria de pensador
revolucionário no campo da lingüística
77
, Gumbrecht retoma o lingüista dinamarquês
78
para
apresentar esse campo não-hermenêutico. A oposão conceitual básica que relaciona expressão e
conteúdo poderia, em sentido amplo, ser traduzida por uma correlação onde a expressão seria o
significante; e o conteúdo, o significado. O interessante na abordagem de Hjelmslev seria o
acscimo dessa segunda divisão que opõe, de um lado, a forma da expressão e a substância da
expressão, e de outro, a forma do conteúdo e a substância do conteúdo. Ainda de acordo com
Gumbrecht, a forma da expressão e a forma do conteúdo respondem sozinhas pelo modelo
tradicional da teoria de Saussure.
Se Hjelmslev se preocupava com a síntese desses diferentes momentos, produzindo um
conceito de signo particular (isto é, o significado, em vocabulário saussureano), o que
caracterizaria o campo não-hermenêutico seria a tendência à distensão e afastamento desses
mesmos quatro elementos. A tendência contemporânea seria de um crescente distanciamento e
interrogação sobre cada um dos quatro campos, junto à possibilidade de relacioná-los como
espaços autônomos. Em termos lingüísticos, seria a possibilidade de tematizar o significante sem
necessariamente associá-lo ao significado
79
.
128
A filosofia e a crítica literária teriam recentemente descoberto a substância do conteúdo
como campo autônomo. Essa substância do conteúdo, uma esfera anterior à estruturação do
conteúdo, não disporia de qualquer conceito capaz de descrevê-la. Seria uma esfera onde não
binarismos possíveis, onde as formas do conteúdo não foram ainda dadas. Deleuze e Guattari se
referiam a ela como um reservatório de matéria-prima, um bloco amorfo de substâncias primeiras
e subjacentes a todas as formas sígnicas
80
, uma zona prévia à formação dos signos. Como esfera
anterior ao que se entende por signo e sentido, ela responderia pela recente fascinação pelo
imaginário, pelas flutuações de matérias impermeáveis a conceitos.
Por outro lado, o campo não-hermenêutico também registra uma crescente preocupação
com teorias voltadas para a forma do conteúdo. Investigam-se as formas, as estruturas
articuladoras da substância do conteúdo que independem de qualquer interpretação semântica
81
.
Reside o epicentro da crise hermenêutica: a desconfortável interrogação sobre as condições de
resgate de um sentido cuja ocorrência era assumida como um axioma. Segundo Gumbrecht, o
questionamento agora se radicalizou: não mais procuramos identificar o sentido, para logo resgatá-lo; porém,
indagamos das condições de possibilidade de emergência das estruturas de sentido
82
. Esse problema seria o
divisor de águas entre uma perspectiva moderna, que assume a existência de um sentido pré-
dado, e uma abordagem pós-moderna, que se afasta dessa situação e pergunta pela forma desse
sentido.
A primeira pergunta trica radicalmente nova coloca a seguinte indagação filosófica: o que é u maforma?
Afinal, se, de fato, a distensão entre os campos está em curso e, se, em verdade, as nov as perguntas
investigam as condi ções d e possibilidade de sentido, então pr ecisamos enfrentar um dupl o problema: o da
passagem da su bstância do conteúdo à forma d e expressão. Como é possível que algo não es truturado
adquira forma?
83
Gumbrecht entende que a tarefa inicial para postular as características do sentido seria a
definição do conceito de forma, conceito cuja importância filosófica seria central nos pximos
anos. Retomando Luhmann, o crítico alemão assume que forma é a unidade entre a referência
externa e interna, definição que lhe permite formular que todo objeto a que se atribui uma forma
deve ter, necessária e simultaneamente, tanto uma referência interna como uma externa, na
mesma razão da teoria luhmanniana que prevê um duplo condicionamento: sem a primeira não
pode haver a segunda, pois a simultaneidade liquida com a vinculação seqüencial entre partes.
Afinal, sempre qu e consider o a u m Eu enquanto sis tema, necessito consid erar outros que não o sej am.
Portanto, o que em termos tr adicionais esboçaríamos como uma linha que circunscreve um objeto (ou u m
sistema), tal linha s eria precis amente a forma. A parte circunscrita pela linha consti tui a referência interna; a
parte r estante, a r eferência externa. A linha que circunscreve o sistema é o úni co ponto geotrico qu e
representa a unidade entre as duas referências, pois não como distinguir em s eu contorno a parte
pertencente à refer ênci a interna da parte que lhe é exterior. Essa defini ção possui ainda o mérito de
recolocar o pr oblema da forma a par tir de um ponto de vista filosófico.
84
A leitura que Gumbrecht perfaz sobre a teoria dos sistemas lhe permite assinalar que as
estruturas de sentido são invariavelmente contingentes em relação às condições em que foram
produzidas, acidente que a dupla meio e forma permite visualizar. E é esse deslocamento entre
129
substância e forma da substância que o rescaldo hermenêutico não consegue empreender
85
. O
que a teoria dos sistemas ajuda a perceber é que uma análise do sentido demanda permanentes
deslocamentos da interpretão, pois é tamm por meio do deslocamento das substâncias que o
sentido se constitui.
Gumbrecht trabalha a questão do sentido tendo em vista os estudos literários e a
disciplina de literatura comparada. Mas o problema atravessa as ciências humanas como um todo
e se evidencia nos estudos comunicacionais. O exercio de uma interpretação recursiva se
consolidou como abordagem normativa dos fenômenos da comunicação, metodologia que
remonta à busca hermenêutica por canais de influência e persuasão; manipulação e dominação.
Os componentes da comunicação passaram, eles todos, pelo escrutínio da interpretose: do meio à
mensagem, do emissor ao receptor. O conceito de sentido não constitui exceção e os estudos
sobre produção de sentido nos media se apresentam como agudo sintoma.
Gumbrecht se refere ao sentido como objeto o tematizado porque o conceito deveria
ser refratário à interpretação. Sua análise pede a separão dos quatro campos enumerados,
separação que permitiria ao sentido se decompor a si mesmo nos diversos processos e operações
que lhe constitui. Esse quadro de análise da teoria dos sistemas nos permite propor uma
descrição do sentido como representação da complexidade
86
. O conceito de sentido espectral,
tema da próxima são, se ampara na convergência de pontos de vista distintos que reúnem os
diversos autores tratados nesta primeira são. As contribuições das quatro disciplinas tratadas
aqui gica, linguagem, fenomenologia e teoria dos sistemas oferecerão subsídios para um
conceito de sentido que tematiza o significante sem associá-lo ao significado. Esse conceito, que
será descrito a seguir, não se desvincula das condições de emergência das estruturas de sentido.
130
NO TAS
1
No original Aleo: Der Mensch kann nicht kommunizieren; nur di e Ko mmunikation kann k ommunizi eren.
Luhmann, Nikl as. Wie ist Bewusstsein an Kommunikation beteiligt? Soziologische Aufklärung 6 - Die Soziologie und der
Mensch. Opladen, 1995. (p.37 ).
2
Na tradução americana:The concept of the symbolic generalization of meanings self-reference replaces the
concept of the sign that until now has dominated the theoreti cal traditi on.‖ Luhmann, Niklas. Social System s. Stanford:
Stanford Univ ersity Press, 2005. (p.94)
3
Von Bertalanffy, Ludwig. Teo ria Geral dos Si stemas. Petrópolis: Vozes, 1975.
4
Ashby, William Ross. Introdução à cibernética. São Paulo: Perspectiva, 1984.
5
Von Foerster contou s obre su a participação no Círculo Ciberti co à revista Stanford Humani ties Review, cuj a
pergunta era Or culo de Viena foi u m grupo de pessoas que influenciou seu des envolvimento intelectual. Isso foi
em sua juv entu de. Poderíamos consid erar o grupo de M cCulloch, Wiener, von Neumann, Bates on e ou tros como
um segundo cír culo intelectual o ‗Círculo Cibertico‘ na sua vida adulta?. A r esposta de Heinz von Foerster:
Sim! Que ótima sugestão! Aquilo era fascinante. Os artigos qu e o grupo Cibernéti co publicava eram bastante
próximos da maneira como o pessoal do Círculo d e Viena abordava as questões. Veja o famoso ensaio de Warren
McCulloch, Um cálculo lógico das id éias i manentes na atividade nervos a, por exemplo. S e você olhar para coisa
como um todo, a maquinaria formal é a mesma maquinaria d e Carnap junto da q ual eu cres ci, que é a mesma
maquinaria que fundamenta o Pri ncipia Mathematica. Então eu me senti imedi atamente em cas a no Círculo
Cibertico‘. Eu adoro equações diferenciais porqu e elas permitem a conex ão entre pensamentos geométricos e
pensamentos algébricos. Esses formalismos vêm com mui ta naturalidade para mi m, são como andar de bicicl eta ou
nadar. No original: Stanford Humanities Review: One group of people who were influential on your intellectual
development was the Vi enna Circle. T his was in your youth. Could we reg ard the group that consisted of McCulloch,
Wiener, von Neumann, Bateson and so forth, as a second intellectual circle, the Cybernetic Circle, in your mature
years? Heinz von Foerster: Yes! An ex cellent sugges tion! This was fasci nating. Th e papers coming out of the
Cyberneti c group were very much in the same direction as the Vienna Circl e people approached problems. Think of
the famous paper by Warren McCulloch, A logical calculus of ideas immanent in nervous activity,‘ for example. If
you look at the whole thing, the formal machiner y is Carnap‘s machinery which I grew up with, the s ame machinery
which is at the basis of the Principia Mathematica. So I felt immediately at home with the C yber neti c Circle. I love
differential equ ations because they provide a connection between geometrical thi nking and algebraic thinking. Such
formalisms are lik e bi cycle riding or s wimmi ng to me, they come v ery naturally.‖ Franchi, S., Güzeldere, G., &
Minch, E. Intervi ew with Heinz von Foerst er. IN: Franchi, S., Güzeldere, G., Const ructions of the Mind - Artificial Intelligence
and the Humanities. S tanford Humaniti es Revi ew, Special Issue, vol. 4, 2, 1995. (p.288 -307).
6
Cibernéti ca de segunda ord em, nova ci bernética (segundo Gordon Pask) ou cibernética da cibertica (nos termos
de Heinz v on Foers ter) seria uma abordagem cons trutivista que incorpora sucessiv as obs ervões de s egunda ordem.
Segundo Heinz von Foerster, a cibernética de segunda ordem seria a conseqüênci a de infrutíferas tentativas da
cibernética clássica em construir um modelo para a mente. O res ultado s eria um en cav alar d e observações: para
descrev er a mente é preciso u ma teoria da mente; para teori zar sobr e a mente é preciso escrev er teorias; para escrev er
teorias é preciso um escri tor ou teórico. Com iss o, o pesquisador é levado a considerar seu próprio domínio, sua
própria observação e a atividade da pes quisa como elemento da teoria. A cibernética se torna então uma cibertica
da cibertica, isto é, u ma ciberti ca de segunda ordem. Além do próprio von Foers ter,o também identificados à
cibernética de s egunda ordem Humberto Maturana, Gregory B ateson, Gordon Pask e Paul Pangaro. Ver Von
Foerster, Heinz. Cybernetics of Cy bernetics. Illinois: Univ ersity of Illinois, 1974.
7
Ver Von Foerster, Heinz. Sho rt Cuts. Frankfurt: Zweitaus endeins, 2002.
8
Para Zygmunt Bau man, a noção de autopoiese autocriação, do grego ποιίη: fazer, criar, dar forma, o oposto de
πασχειη: sofrer, ser um objeto e não a fonte do ato é a contribui ção mais pr eciosa de Niklas Luhmann e seus
colegas à soci ologia (o concei to é na verdade de Humber to Maturana). Para o sociólogo polonês, a au topoi ese seria
uma tentativ a de captar e encapsular a essênci a da condi ção humana. Ver B auman, Zygmunt. Moderni dade quida. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. (p.232). De todo modo, a autopoiese aplicada à menica social, tal como d escrita por
Luhmann, n ão é exatamente uma invenção ex nihilo. O conceito pode ser analisado como uma versão atualizada da
moderna consci ênci a temporal (Zeitbewusstsein), tal como apresentada por Husserl. Ademais, tanto Lu hmann como
Husserl parecem influenciados pel a não de Fichte de um sujeito que se au toconsti tui. Ver a esse res peito: Huss erl,
Edmund: Vorlesungen zur Pnomenologie des inneren Z eitbewusstseins. Tübingen: Ni emeyer Verlag, 2000 e Fichte, Johann.
Über den Begriff der Wissesnschaftslehre order sogenannten Philoso phie. S tuttgart: Reclam, 1972.
9
Tais máqui nas s ão homeostáticas, e tod a retroalimentão é interior a elas. Se a pessoa diz que exis te uma quina
M com r etroalimentação atr avés do meio qu e a rodeia, tal qu e os efeitos de sua saída afetam su a entrada, na realidade
está falando de uma quina maior M, que em sua organizão definitória inclui o meio circu ndante e o cir cuito de
retroalimentação. Maturana, Humberto & Var ela, Francisco. De qui nas e seres vivos: auto poiese, a organização do vivo.
Porto Al egre: Artes médicas, 1997. (p.72)
10
Luhmann introduz sua teoria no contexto de falênci a do funcionalismo do pós-guerra, opondo um panorama d e
compl exidade ao conceito de causalidade que s ervia de matriz epistemol ógica para as ci ênci as sociais. Causalidades
131
viriam acompanhadas de uma teleologia explicativa, uma relação entre mei os e fins que tem por efeito a expli cação
mecânica por causas mais ou menos invariáveis. Super ando ess e model o de explicação, Luhmann pensa em
pluricausalidades funcionais onde cada efei to pode ter múl tiplas causas e onde cada causa pode ter múlti plos efeitos,
o que impossibilita a aceitação de uma relação invariável. Causas e ef eitos tornam-s e simples variáveis, e o cerne da
discussão causal perde importância. Sendo as variáveis múl tiplas e suas relações o apreensíveis a priori, a solão
de um problema assume um caráter contingente que só se resolv e durante o processo de inv estigação.
11
Varel a, Francis co. Autopoiesis and a Biology of Intentio nality. Paris: CREA/CNRS École Polytechnique, 1991. (p.9).
12
Isso quer dizer que a dimica interna do organismo, ao s e entrecruzar com as per turbações externas, também
participa na elaboração do mundo repr esentado. Ou seja, tanto o mundo externo como o observ ador coexistem
como entidades primárias do ato de observão, e as características do mundo ex terioro também características do
observador. Esse di agrama que supõem sistemas necessari amente fechados liquida tanto com o realismo de um
mundo pr edeterminado como com o idealis mo que subsume o mundo como proj ão de u ma perceão interior.
Ver Von Foerster, Heinz. Sicht und Einsicht. Versuch zu einer operativ en Erkenntnistheorie. Braunschweig-Wiesbaden:
Vieweg, 1985.
13
Watzl awick, Paul, Helmick Beavin, Janet, & Jackson, Don D. Pragtica da com unicação humana. São Paulo: Cultrix,
2007.
14
Ver Maturana, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. B elo Horizonte: UFMG, 2001.
15
Ver Maturana, Humberto & Var ela, Francisco. Dequi nas e seres vivos: autopoiese, a organi zão do vivo. Porto Alegre:
Artes dicas, 1997.
16
Para von Bertalanffy, a i nformação não é regulada pel a lei da conservação e pode cr escer ou ser preservad a ao
longo do tempo, o send o por isso sujeita à entropia mas à mecanismos evolutivos. O biólogo austríaco estendia
esse entendi mento para os processos vivos, que desenvolv eriam formas complex as não r edutíveis ao modelo da
segunda lei da termodinâmica. Es sa lei diz que inter ões físicas dev em progredir em direção a formas menos
compl exas e dexima entropi a, mini mizando as diferenças com objetivo a atingir equilíbrio interno. O modelo
evolucionário de von Bertalanffy, por outro lad o, pensa a vida como uma manifestação de compl exidade progressiva
entre formas altamente ordenadas, minimizando a entr opia e tendendo à heterogeneidade. Com isso, para von
Bertalanffy a segunda lei da termodimi ca s e apli caria apenas aos sis temas fechados, um caso bastante es pecial e
limitado, e não aos sistemas abertos, que pediriam uma reformulação da termodinâmica. Ainda d e acordo com von
Bertalanffy, os pr ocessos d e diferenciação nos sistemas vivos seri am a integrão crescente (as partes se tornam mais
dependentes do todo), a diferenciação cr escente (as partes s e tornam mais especiali zadas), a mecanizão cres cente
(as partes são fixadas em posi ções si mples ) e a centrali zação crescente (certas partes se tornam mais influentes que
outras). A segunda lei da termodimi ca não compreenderia nenhuma dessas propriedades, e os conceitos de
equilíbrio e homeostase não abar cariam a mudança, difer enciação, evolução, adaptação, emergência, criatividade e
auto-reali zação dos sistemas vivos e dos seres humanos. Ver Von Bertalanffy, Ludwig. Teoria Geral dos Sistemas.
Petrópolis: Vozes, 1975.
17
Sistemas físicos se caracterizariam por cadeias seqüenci ais, uma linearidade que permi te estabelecer relações d e
causa e efei to. Nos sistemas abertos, contudo, os fluxos de informão s eriam cícli cos e guiad os por mecanismos de
retroalimentação. Enqu anto nos sistemas fechados é possív el estabelecer relações condi cionantes diretas, que
independem mesmo da vari ável temporal, nos sis temas abertos elas quas e nunca podem ser atribuída a um único
fator, haja vis ta as relações interdependentes d e reali mentação.
18
Ver S erres, Michel. La naissance de la physique dans l e text e de Lucrèce. Paris: Éditions de Minuit, 1977.
19
Gumbr echt, Hans Ulrich. Co rpo e Fo rma. Ri o de J aneiro: Eduerj, 1998. (p.98).
20
Hoje, já podemos compreender o f ascínio moderno pela temporalidade, caus alidad e e seqüenci alidad e. As
relões fundadas nestes concei tos forneciam a ilusão do estabel eci mento de leis. Leis como as marxistas,
estruturadoras de seqüências tempor ais, históri cas e comportamentais. E, o logo o sujeito desfruta desta ilusão,
quer dizer, tão logo o sujeito ‗pode intuir ou ‗certificar-se‘ da descob erta de tais l eis, ele acredita-se capaz de
control ar e/ou manipular seus efeitos. Desse modo, a substi tuição dos conceitos mod ernos pelo conceito de
simultaneidade revel a outro sintoma da posição fortemente debilitada do sujeito, tal como hoje o entendemos. Tal
substitui ção implica a passagem do conceito de um desenvolvimento históri co necessário, teleológico, ao conceito de
conti ngência, conceito engendrado numa r elação de simultaneidad e. No entanto, toda teoria possui seu ponto cego.
Na teoria dos sis temas, a pergunta qu e permanece s em r esposta ref ere-se ao por que s e produz u ma acoplagem entre
dois sistemas. Daí a crescente i mportância do conceito d e conting ênci a em noss o campo teórico. Idem, página 151.
21
Deleu ze, Gilles. Proust e os Signo s. Rio de Jan eiro: Globo, 1981.
22
Bergson, Henri. O Pensamento Movent e. São P aulo: Martins Fontes, 2006. (p.114).
23
Habermas, Jürgen. Strukturwandel der Öffentlichkeit: Untersuchungen zu ei ner Kategorie der rgerlichen Gesellschaft . Frankfur t
am Main: Su hrkamp, 1991.
24
Ver Habermas, Jürgen. O di scurso filosófico da moderni dade. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
25
Sistemas sociais e psíquicos evoluíram conjuntamente. Cada sistema é i ncessantemente o ambi ente necessário do
outro. Essa obrigão é fundada na evolução que fez com qu e esses sistemas fossem possíveis. Pessoas o podem
surgir e continuar a existir sem sistemas sociais, nem sistemas sociais podem exis tir sem pessoas. Essa co -evolu ção
levou a uma reali zação comum qu e se aplica tanto aos sistemas psíqui cos como aos sociais. Ambos os sistemas são
132
ordenad os de acordo com ela, e ela s e liga a ambos como u ma indis pensável e inegável forma de complexidade e
auto-referência. Nós chamamos ess a realização de s entido‘. Na tradução americana: Psychic and social s ystems
have evolved together. At any ti me the one kind of system is the necessary environment to the other. This necessi ty
is grounded in the evolution that mak es thes e kinds of system possibl e. Persons cannot emerge and continue to exist
withou t social s ystems, nor can social s ystems without persons. T his co-evolution has led to a common achiev ement,
employed by psychic as well as social sys tems. Both kinds of systems ar e ordered accordi ng to it, and for both it is
binding as the indispensabl e, undeniabl e form of their complexi ty and self-reference. We call this evolutionary
achi evementmeaning. Luhmann, Niklas. So cial Syst ems. S tanford: Stanford Univ ersity Press, 2005. (p.59 ).
26
Com efei to, u m sistema organizado como o são as máquinas organi zad as ou os sistem as vivos é um sis tema que
evolui, porqu e é complexo, is to é, circular e hierarqui zado emveis inter conectados. Essa evolu ção, q ue depende de
certa organização inter na, define o qu e se denomi naauto-organizão‘. A auto-organização observamos
remete à não-realidade, j á que o é de fora qu e recebemos informões; é a partir de dentro que a troca entre
diversos níveis produz comunicão. Sfez, Luci en. Crítica da co municação. São Paulo: Loyola, 2000. (p.62).
27
Luhmann substi tui a ação, como base da so ciedade, pelo conceito de comunicação, que é o modo de operação
próprio da sociedade como sistema autopoiético‖. No original espanhol:Luhmann substitu ye la acción, como base
de la soci edad, por el concepto de comunicación, que es el modo de operación pr opio de la soci edad como sistema
autopoiético‖. Luhmann, Niklas. Compl ejidad y Modernidad. D e la U nidad a la Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.225).
28
Ver Luhmann, Niklas. Social Systems. Stanford: Stanford University Press, 2005. Especialmente a introdu ção à
edição americana: No lug ar de um prefácio para a edi ção americana: sobre o s co nceito s desujeito e ação (Instead of a Preface to
the English Edition: On the Concepts ofSubject and ‗ Action‘).
29
Nem todos os sistemas proces sam complexidade e auto-refer ênci a na forma de sentido; mas para aqueles que o
fazem, essa e a única possibilidade. Sentido se torna para eles a forma d o mundo e conseqüentemente envolv e a
diferea entre sistema e ambiente. Mes mo o ambi ente lhes é apres entado como uma forma de sentido, e seus
limites com o ambiente são li mites constituídos no sentido, tanto em refer ência interna quanto externa.‖ Na tradução
americana: Not all sys tems process complexity and self-reference in the for m of meaning; but for those that do, it is
the only possibility. Meaning becomes for them the form of the world and consequentl y ov erlaps the difference
between sys tem and environment. Even the environment is given to them in the form of meaning, and their
boundari es with the environment are boundari es constitu ted in meaning, thus referring within as well as wi thout.
Idem,gina 61.
30
As comunicações au to-referentes o, para Luhmann, possibilitadas pelo processamento de s enti do. O sentido
teria por função orientar ações qu e resolvam os problemas do sistema e mantenham as estruturas redu toras da
compl exidade, um equivalente funcional da capacidad e auto-referencial do suj eito na sociologia clássica,o obs tante
se refira apenas a sel eções d e possibilidades e refer ênci a a outras possibilidad es. Luhmann toma de emprésti mo a
auto-referencialid ade imanente ao sujeito, mas afasta o ―eu aper ceptivo‖ da identidade k anti ana que atribui ao suj eito
uma capacidad e de ntese autoconsciente. Com isso, Luhmann entende o s entid o como uma conquis ta emergente
desvincul ada da cons ciência mas res pons ável pelas próprias remissões de sentido. Esse conceito operacional de
sentido é entretanto paradoxal, pois se definimos o transcendente junto às condições de experiência, e consider ando
que as r elações entr e sistemaso são possíveis s em sentido (afinal, comunicação é processamento de sentido), então
o sentido teria que s er a condi ção para as operações dos sistemas sociais s em ser transcendente. Paradoxal porque,
nestes termos, as condições para as operações são a exata definição d aquilo q ue entendemos por trans cendente.
Mesmo u ma lei tura ex clusivamente funcional do conceito também encontrar á problemas. Isso porque a dimensão
apenas oper acional que Luhmann empresta ao sentido nos processos autopoiéticos inviabiliza ques tões sobr e quem
seleci ona, por que seleciona e como s eleciona. Luhmann se apóia na lógica de diferenciação entre sis tema e ambiente
de Spencer-Brown para responder qu e o sistema opera e seleciona oper acionalmente em razão da conformação
autopoiética dos sis temas. Mas a simples necessid ade de diferenciação o responde a ques o integralmente, e seu
reverso traz o problema de volta. Isto é, se a diferenciação pode responder como a comu nicação funciona, ela não
respond e entretanto por que ela não funciona.
31
Ver Luhmann, Niklas. A Im probabilidade da Comunicão. Lisboa: Veja, 1992.
32
Ver Luhmann, Niklas. Soci al Systems. Stanford: Stanford Universi ty Press, 2005. (p.137-176).
33
De certo modo a complexidade é, muitas vezes, identificada por Luhmann com o concei to de realidad e. E, em
especial, com a realidade social. A realidade é o mesmo que complexid ade. É o xi mo exemplo da complexidade.
Entender essa identificação, de caráter ontol ógico, per mite entender mui tos dos concei tos centrais de Luhmann e
muitas de su as críticas‖. No original espanhol: En ci erta medida, la complejidad es, muchas veces, identificada por
Luhmann con el concepto de r ealidad. Y, en especial, de la realidad social. A realid ad es la misma complejid ad, es el
ximo ejemplo de complejidad. De hecho, entender esta identificación, de carácter ontológico, permite entender
muchos de los conceptos centr ales d e Luhmann y muchas de sus críticas‖. Izuzqui za, Ignacio. La sociedad si n hombres.
Niklas Luhmann o la teoría como esndalo. Barcelona: Anthropos, 1990. (p.60).
34
O sujeito d a comunicação é o sistema: s ão os sis temas qu e comunicam. E, em especial, os sistemas sociais. A
comuni cação foi tradicionalmente tratada em termos d e u m suj eito humano. Todavia, quando Luhmann fala de
expectativas, d e aceitação, recusa ou compreensão, não s e deve pensar em um sujei to humano, o obstante a forte
carga antropológica dess es termos. Pelo contrário, deve-se pensar na perspectiva empregad a por ciências como a
133
cibernética, a teoria da comunicação ou a teoria dos sis temas que, em certas ocasiões, utilizam conceitos que pod em
aparentar uma origem antropológica‖. No original es panhol:El alisis qu e Luhmann efectúa de la comunicacn es
intencionadamente abstracto, lo que permite apli carlo a multi tud de si tuaciones di ferentes. El suj eto de la
comuni cación es el sistema: comunican los sis temas. Y, en especial, los sistemas sociales. Tradici onal mente, se
acos tumbr a a tratar la comunicacn en términos del sujeto humano. Sin embargo, cuando Luhmann habla de
expectativas, de aceptación o de rechazo, d e la comprensión, etc., no debe pensarse en un sujeto humano, a pes ar de
que tales tér minos posean una fuer te carga antropológica. Por el contrario, debe pensarse en la perspectiv a empleada
por ciencias como la ci bernética, la teoría de comunicación o la teoría de sis temas, que, en ocasiones, utili zan
conceptos que pueden aparentar un origen de tipo antropol ógico‖. Izuzqui za, Ignaci o. La sociedad si n hombres. Niklas
Luhmann o la teorí a como escándalo. Bar celona: Anthropos, 1990. (p.204).
35
Para Luhmann, a comuni cação é a operação dos sistemas soci ais, e o pensamento, a operação dos sistemas
psíquicos, que participam da comunicação por interpenetr ão ou acopl amento estrutural. Mas essa participão é
bastante restritiv a, pois Luhmann define comunicação como uma operação dos sistemas sociais desprovida de
qualquer intencionalidade. Com isso, os sis temas psíqui cos of erecem i nputs para os sistemas soci ais, mas para
Luhmann esses inputso s ão a mesma coisa qu e comunicação. Os sistemas psíquicos fornecem material qu e um
sistema social process ará d e acordo com sua autopoi ese interna, material ess e que já não tem qualquer víncul o com o
sistema psíquico. Do ponto de vista da comunicação, o papel ex ercido pelos sis temas psíqui cos não dist a daquele
exercido pelo ambiente. Sistemas sociais e pqui cos têm operações diferentes porque sua produção de sentido
tamm é dif erente. Os sistemas sociais produziriam comunicação, e os sis temas psíquicos produziriam, por sua vez,
consci ência.Sistemas que processam s entid o tem que ser u ma v ez mais divididos entre sis temas que usam
consci ência ou comunicação como modelo de reprodução de sentido. No original: Meaning-using sys tems again
have to be distinguished according to whether they use consciousness or communi cation as modes of meaning-based
reproduction.‖ Luhmann, Niklas. T he Auto poiesi s of Social Systems. IN Geyer, F. & Zouwen, J. V. D. (Eds.).
Sociocybernetic Paradoxes. London: Sage, 1986.
36
Dito com todo rigor: fica exclda a hipótes e qu e o i ndivíduo possafazer parte da sociedade. o há
comuni cação entre indivíduo e sociedade, u ma v ez q ue a comunicação é s empr e uma operação interna do sistema da
sociedade. A soci edad e não pode s air de si mesma com suas operações e tomar o indivíduo; su as o perações
podem repro duzir suas próprias operações‖. Na tradução es panhola: ―Dicho con toda dureza: queda excluido que el
individuo pueda formar par te de la soci edad. No hay comunicación entr e individuo y sociedad, ya que la
comuni cación es siempre s ólo una operación interna del sis tema d e la sociedad. La s ociedad no pu ede s alir de
misma con sus operaci ones y tomar al individuo; con sus propias operaciones sólo puede repr oducir sus propias
operaciones‖. Luhmann, Niklas. Com plejidad y Modernidad. De la Unidad a la Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.62).
37
o se pode d efinir o concei to de comunicação por meio da intenci onalidade ou da linguagem. Ao invés disso,
enfocamos a perceão da diferença: a diferea entre informão e sinali zação q ue ocorre em todas as
comuni cações. A comunicação process a essa diferea, por assim dizer. E assinala em nota de fim degina:
Muitos fenômenos i mportantes mes mo na comunicação lingüística e intencional, que mui tas v ezes express am
mais e diferentes sentidos do que aqu eles intencionados e compreendidos pela linguag em o encobertos quando
se define o conceito de comunicão de maneir a tão estreita‖. Na tr adução americana:We cannot us e intentionality
and linguisti cality to define the concept of communication. Instead, we focus on the consciousness of difference: the
difference between information and utterance built into all communi cation. Communication processes this
difference, so to speak. A seqüência d o texto, em nota:Too many important phenomena—ev en i n intentional and
linguistic communication, which very often ex press mor e and different meanings than those i ntended and
compr ehended in l anguage—remain screened off if one defines the concept of communication too narrowl y.
Niklas. Social System s. Stanford: Stanford U niversity Press, 2005. (p.151).
38
Função que, d e certa maneira, também cabe ao conceito de digo. Mas se o código for o critério da seleção, o
sentido será então a processualidade desse cri tério de seleção.
39
Gumbr echt, Hans Ulrich. Co rpo e Fo rma. Ri o de J aneiro: Eduerj, 1998. (p.17)
40
Na tr adução ameri cana: ―The r eference to the world i mmanent in all meaning pr events one from defining meaning
as a sign. One must carefully distinguish between the structure of reference and the structure of si gns. The function
of a sign requires reference to somethi ng specific, while excluding self -reference. It r equires the asymmetrization of a
basal, recursive s elf-reference. In other words, there is neither a sign for the world nor a sign that indi cates i tself. But
both of theseuniv ersality and self-reference - are indispensabl e properti es of meaning. T hat is why meaning is the
foundational matter: a sign must have meaning to be able to fulfill its function, but meani ng is not a sign. Meaning
forms the contex t in which all signs ar e deter mined; i t is the conditio sine qua non of their asymmetrization. But tak en as
a sign, meaning would be able to stand only as a sign for itself, thus a sign for the nonfulfillment of a sings
function.‖ Luhmann, Niklas. Soci al Systems. Stanford: Stanford University Press, 2005. (p.71).
41
Ver Horster, Detlef. Niklas Luhmann. München: Beck, 1997.
42
Parsons, Talcott. T he structure of social actio n. New York: The Free Press, 1968.
43
Um conceito sistêmico de socied ade requer o aban dono da conceão segundo a qu al a linguagem é um sistema.
Ainda que os lingüistas sustentem essa concepção, seguindo Saussure, para assegurar a independênci a acadêmi ca da
disciplina, é difícil sustentar qu e tanto a sociedade como a linguagem sejam sistemas. A q uantidade d e diferenças
134
seria grande demais par a evitar a sobr eposição de ambos os conceitos não obstante a óbvi a existência da
comuni cação não-lingüística e a relação entre esses dois sistemas ficaria pouco clar a. É natur al que os lingüistas
achem agradável a iia d e o ser em soci ólogos, mas a diferenciação das disciplinas não é uma resposta suficiente
para as questões fundamentais. Que o conceito de sistema o dev a ser aplicado à linguag em não significa q ue o
fenômeno lingüístico careça de significado. Antes o contrário. Uma vez que seu lugar tenha sido liberado na teoria,
pode-se preenc-lo de outro modo: com a ajuda do conceito de acomplamento es trutural. Na tradução espanhola:
Un concepto sistémico de sociedad sugiere abandonar la concepción según la cual el l enguaj e es un sis tema. Por
mucho que, siguiendo a Saussur e, los lingüis tas s ostengan esta concepción, ya que les parece que ella as egura la
independencia académi ca de su dis ciplina, es difícil sostener que tanto l a s ociedad como el l enguaje son sistemas. El
grado de coincidenci a s ería demasiado el evado como para evitar qu e ambos os conceptos se solapen, a pesar de que
es obvio que existe también la comunicación no lingüística. La r elaci ón entr e es tos dos sistemas q uedaría poco clara.
Es natural qu e los lingüistas encuentren s atisfactoria la idea de no ser soci ólogos, pero la diferenciación de las
disciplinas no es una respuesta suficiente a las cuestiones sus tanciales. Que el concepto de sistema ya no deba s eguir
aplicándose al lenguaje no quiere decir, por supues to, que el fenómeno lingüístico car ezca de significado. Más bien
todo lo contr ario. El lugar así liberado en l a teoría puede llenarse d e otro modo, concretamente: con ayuda del
concepto de acopl amiento es tructur al. Luhmann, Nikl as. Complejidad y Moderni dad. De l a Uni dad a la Diferencia. Madrid:
Trotta, 1998. (p.60-61).
44
Ver Luhmann, Niklas. Essays o n Self-Reference. New York: Columbia University Press, 1990.
45
Idem.
46
A r elação fo rma e m edi um não é absolu ta, mas rel acional. Is to é, um elemento g anha forma em relação a
determinad o meio (medi um). Porqu e um meio nunca tem forma, ele não ofer ece resistênci a contra a imposição de
formas, que se aplicam livremente e lhe empr estam novas ligões entre os elementos do medium, isto é, novas
formas. As pegadas na montanha de areia i mpõem um acopl amento rígido que o meio arei a (d esprovid o de
integração entre s eus grãos)o tinha a eno. Os objetos só são per cebidos por conta da forma, que é rígida, em
contr aste com o meio, que é flexível. Luhmann o explica qu e força é essa que se aplica ao meio e lhe transforma
em forma, subsumindo tais transformões em operações de s eleção circular es e contingentes. Ver Luhmann, Niklas.
Die Gesellschaft der G esellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997. (p.190-202).
47
O sentido permite que um sistema se r elaci one com o ambiente e o possa adver ti-lo como objeto de ações e
relões; permite tamm que o sis tema considere o mundo como um ‗ horizonte de possi bilidades‘ aberto diante de
si. É por causa dess a d eter minação do sentido que o mundo é, para cada sis tema, a unidade da diferea entre
sistema e ambiente. Essa unidade se apres enta como hori zonte de possibilidades‖. No original espanhol: El sentido
permite al sis tema rel acionarse con su entorno y adver tirlo como objeto de acciones y relaciones; y permi te al sistema
considerar al mundo como el horizonte de posibilidades‘ abierto ante él. Precisamente, por esa determi naci ón que
otorga el s entido, el mundo es, para cada sis tema, l a unid ad de la diferencia entr e sistema y entorno. Y tal u nidad se
presenta como horizonte de posibilidades‖. Izuzqui za, Ignacio. La so ciedad sin ho mbres. Nikl as Luhmann o l a t eoría como
escándalo. Barcelona: Anthropos, 1990. (p.258).
48
Luhmann cita Deleu ze àgina 44 de seu Die G esellschaft der Gesellschaft par a enfatizar que o sentido é um efeito, é
produção e não princípio ou origem. Também sobre o nonsense, Luhmann pensa concordar com Deleuze e parece ir
ao encontro da assertiva d e Wi m Tigges, par a quem u ma situão nonsense se caracteriza pelo excesso d e sentido:
Como meio universal de todos os sistemas psíqui cos e soci ais (is to é, dos sis temas que operam com consci ênci as ou
comuni cações), o sentido se regener a sem esforço e quase qu e de maneira autônoma com a autopoiese de tais
sistemas. O que é difícil, na v erdade, é g erar o ‗s em s enti do‘, dado qu e o esforço para produzi -lo produz sentido. No
original Aleo: Als Universal mediu m aller psychischen und sozialen, aller bewußt und k ommunikativ
operierenden Systeme regeneri ert Sinn mit der Autopoiesis dieser Sys teme anstrengungslos und wie von selbst.
Schwi erig ist es dagegen, Unsinn zu er zeug en, da die B emühung darum schon wieder Si nn macht―. Luhmann, Niklas.
Die Gesellschaft der G esell schaft. Frankfurt am M ain: Suhrkamp, 1997. (p.51). Em Soci al Systems, entretanto, Luhmann
parece ainda pres o a um entendimento do no nsense que o vincula ao texto e o a uma produção paradoxal, ao
acontecimento incorporal d e qu e falava Deleu ze: A falta d e sentido é u m fenômeno especial que só é possív el,
afinal de contas, no domínio dos signos e reside precisamente na confusão entr e signos.‖ Na tradução americana:
Meaninglessness is a special phenomenon, which is, after all, possible only in the domain of signs and resides in a
confusion of signs. Luhmann, Niklas. Social Systems. Stanford: Stanford University Press, 2005. (p.62).
49
Ilusão porque as id entidades não s ubsistem, mas unicamente ord enam a recursividade de tal maneira que em tod o
o processamento d e sentido se possa recuperar a antecipar aquilo qu e é utilizado reiteradamente.
50
Re-entry é a contínua operação de disti ão entre sistema e meio. A cons eqüência lógica do conceito de Spencer -
Brown é que o sis tema deixa d e ser calculável em si mesmo e r emete a u m es tado de indeter minação que só se
resolve por meio do acesso à meria do próprio sis tema. A memória s eria o elemento, interno ao sistema, que
registra os r esultados de s eleções f eitas no passado e que servirão como informação para seleções futuras. A re-ent ry é
uma característica de sistemas autopoiéticos que lhes compele a reintroduzir diferencião na estruturação de suas
próprias operações. Ver Spencer-Brown, George. Laws of Form. London: George Allen and Unwin, 1971. Assim
como na di nâmi ca r elacional entr e meio e forma, não fica claro em Spencer-Brown nem tampou co em Luhmann
que elemento é esse que compele o sistema a produ zir reincidentes operações de difer enci ão. Urs S täheli, por sua
135
vez, suger e qu e o concei to de forma de Spencer-Brown seria uma radi calização do conceito de diferança de Derrida,
interpretação que resolv e a ques tão da causa dos processos ao inserir uma dimensão metafísica à teoria, que d e todo
modo des toa sobremaneira do modelo d e operações simultâneas de Luhmann. Ver Stäheli, Urs. Sinnzusammenbrüche.
Eine dekonstruktiv e Lektüre vo n Ni klas Luhmanns Syst emtheo rie. Weilerswis t: Verbrück, 2000.
51
No original Aleo: Für Sinnsysteme ist di e Welt k ein Riesenmechanismus, der Zus tände aus Zus nden
produzier t und dadurch die S ysteme selbst determiniert. Sondern di e Welt is t ein u nermeßliches Potential für
Überraschungen, ist virtuelle Information, di e aber Sys teme benötigt, um Information zu erzeug en, oder genauer: um
ausgewählten Irritationen den Sinn von Information zu geben―. Luhmann, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997. (p.46).
52
Idem,gina 48.
53
Und dieser Ursprung war letztlich Gott als das einzige sich ni cht durch Unterscheidu ngen definier ende Wesen―.
Ibidem, página 57.
54
O fenômeno do sentido surge como um ex cedente de refer ênci as a outras possibilidad es de experiência e ação.
Alguma coisa entra em foco, se torna o centro de ateão, e todas as ou tras são indicadas à margem como horizontes
um e assim por diante‘ de experiência e ão. Dessa forma, todo objeto de seleção manm o mundo aberto
em si mesmo como um todo, garantindo com isso a atualid ade do mundo na for ma de acessibilidade. Na tradu ção
americana: The phenomenon of meaning appears as a surplus of references to other possibili ties of experience and
action. Something stands i n the focal point, at the center of i ntention, and all else is indicated marginally as the
horizon of an and so forth‘ of experi ence and action. In this form, ever ything that is intend ed holds open to its elf
the world as a whol e, thus guaranteei ng the actuality of the world in the form of accessi bility.‖ Luhmann, Niklas.
Social Systems. Stanford: Stanford Universi ty Press, 2005. (p.60).
55
Luhmann, Niklas. Die G esellschaft der G esell schaft. Frankfurt am M ain: Suhrkamp, 1997. (p.142).
56
Na tradução espanhola:El sentido, por tanto, es actualmente rodeado por posibilidades. Su es la de esta
diferenci a entre actualidad y potencialidad. El s entido, en definitiva, es la conexión entre lo actual y lo posibl e; no es
lo uno o lo otro‖. Luhmann, Niklas. Com plejidad y Moderni dad. D e la U nidad a l a Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.28).
57
Sentido é a u nidad e de atuali zação e virtualização, de reatuali zação e revirtu alização, como um processo que se
auto-alimenta.‖ Na tradução americana: Meaning is the uni ty of actuali zation and virtuali zation, of re-actualization
and re-virtualization, as a s elf-propelling process. Niklas. Social Sy stems. Stanford: S tanford Universi ty Press, 2005.
(p.65).
58
Que a di mensão tempor al do sentido poss a voltar-se a cada momento relev ante para as dis tinções, isso tem
conseências decisivas para as relações sociais. A di mensão temporal impede a objetificação congelada e coisificada
da dimensão soci al. No momento seguinte ou tros podem produzir observações diferentes porque a dimensão
objetiv a do sentido é temporalmente móv el‖. No original Al emão: „Daß die Zeitdi mension von Sinn jederzeit
unters cheidu ngsrelevant werden kann, hat erhebli che Auswirkungen auf sozi ale Verl tnisse. Di e Zei tdimension
verhindert di e dinghafte Verfestigung der Sozialdimension. Andere können im chsten Moment anders beobachten,
sie sind innerhalb der Sachdimension von Sinn zeitlich beweglich―. Luhmann, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997. (p.54).
59
Essa diferenciação das diferenças, essa decomposição em tr ês dimensões do sentido é o primeiro passo em
direção a uma destautologização da auto-refer ênci a d o sentido. Na tradu ção americana: This differentiation of
differences, this d ecomposi tion into three meani ng dimensions, takes the first step toward the de-tautologi zation of
meanings self-reference. Luhmann, Nikl as. Social Systems. Stanford: Stanford U niversity Press, 2005. (p.75).
60
As três dimensões do s entido permitem distinguir três veis de experncia q ue ordenam a complexid ade. A
dimensão objetiva (Sachdimensio n) i dentifica tudo qu e p ossa ser objeto de intenção significativ a (para os sistemas
psíquicos) ou tema de comunicão significativ a (para os sis temas sociais). O hori zonte d essa di mensão se dá em
torno dos eixos deter minado‖ ou indetermi nado, permitindo a s eleção de objetos como adequ ados ou o ao
sistema psíquico ou social. A di mensão temporal (Zeit dimensio n) ord ena todos os obj etos da experncia em antes‖
ou ―depois, isto é, entre passad o e presente. O atual existe apenas como tensão ou como unidade d e difer ença entre
os eixos ―antes‖ edepois‖. A dimensão temporal, em conjunto com a dimensão objetiva, permite ord enar a
quantidade de el ementos que o sistema process ará. A di mens ão social (Sozialdimension) ordena todos os objetos da
experncia segundo o duplo hori zonte de Alter‖ eEgo‖. É essa dimensão que permi te a consideração dos objetos
no âmbito da sociedade sob o primado da dupla contingência. Vamos nos r eferir a essa des coberta com o conceito
de dimensões do sentido e dis tinguiremos entr e dimensão objetiva, di mensão temporal e dimeno social. Cada uma d essas
dimensões adquir e sua atualidade na diferea qu e estabel ece em rel ação a outras difer eas. Cada dimensão é
entendida como univ ersalmente carregada de s entido, o que i mplica, formalmente falando, na ausênci a de
impedi mentos às possibilidades dadas no mundo. Dessa forma, é também possív el falar em dimensões do mundo.
Na tr adução americana: We will indicate this discov ery wi th the concept of m eaning dimensions and will dis tinguish the
fact dimensio n, the temporal dimensio n, and the social dimensio n. Each of these dimensions acquires i t actuali ty from the
difference differentiated against other differences. Each dimension is given as univ ersally meaningful, whi ch i mplied,
formally speaking, no constraints on what is possi ble i n the world. T o this ex tent one can speak of world
dimensions. Idem, página 75.
136
61
Pode-se falar da dimensão objetiv a em rel ação a todos os objetos de intencionali dade sig nificativa (em sistemas psíqui cos ) ou
temas de comunicões significativas (em sistemas sociais ). Fatos ou temas, ness a aceão, podem tamm ser pessoas ou
grupos de pessoas.‖ Na tr adução americana: One can speak of the fact dimension in relation to all objects of meaningful
intentions (in ps ychic s ystems) or t hemes of meani ngful com municatio n (in social s ystems). Facts or themes in this sense can
also be persons or groups of persons.‖ Ibidem, página 76.
62
Ver Atlan, Henri. L’organisatio n biologique et la théori e de linform ation. Paris: Hermann, 1972.
63
Heinz von Foers ter entende qu e o novo surge qu ando algm se recusa a cumprir uma ordem e age como ―como
se deve e o de acordo com o dever. No original: A system in which commands function smoothly is one in
which information and signals are indis tinguishable from each other. This is the behaviorist ideal. The s ystem is
threatened the moment someone behaves not as heought to, but as he might to, ther eby creating a clim ate in which
the new‘ might be born. Von Foerster, Heinz. Epistemology of Communication. IN: Woodward, Kathleen. The myt hs of
informatio n: technology and posti ndustrial culture. Madis on: Coda Press, 1980. (p.21)
64
Ver Atl an, Henri. Entre l e cristal et la fum ée: essai sur lorgani satio n du vivant. Paris: Seuil, 1979 e Atlan, H enri. À To rt et à
Raison. I ntercriti que de la Science et du Mythe. Paris: Éditions du S euil, 1986.
65
Idem,gina 39.
66
Sfez, Lucien. Crítica da com uni cação. São Paulo: Loyola, 2000. (p.78).
67
Stäheli, Urs. Sinnzusammenbrüche. Eine dekonstruktiv e Lektüre von Niklas Luhmanns Syst emtheo rie. Weilerswist: Verbrück ,
2000.
68
Urs Stäheli enfatiza os pontos cegos da teori a de Luhmann, especial mente o tratamento secundário dedicado aos
elementos não-operacionais da comunicão, como a semânti ca, e as insufici ências da teoria luhmanniana para
descrev er eventos comunicativos realizados por uma conexão mais su til que a comunicação. Stäheli ilustra essa
deficiência por mei o de u ma miríade de situões em que a comu nicão, suprimida ou interrompida, ausente ou
vacilante, cons titui uma parte i mpor tante do processo comunicacional. Os exemplos v ariam d e ar tigos científicos que
nunca foram lidos, excertos de um tex to que o foram compr eendidos, falhas na recepção d a comunicação e toda
uma vasta gama de operações incompl etas queo podem s er des critas ou imaginadas por uma teoria que contempla
apenas duas possibilidades: ou a comunicação acontece, ou o acontece. S täheli contr asta essa defici ênci a da teoria
dos sistemas soci ais com o trabalho de autores pós-estruturalistas, especi almente Jaques Derrida e Michel S erres, que
teorizam essas impossibilidades sistêmicas da comunicação por meio de conceitos como rdos, res sonâncias,
distorções, rupturas de s entido, falhas, supres o ou i nterrupções da comu nicação. S eria possív el, ainda de acordo
com Sheli, relacionar ess es dois quadros teóricos por meio de conexões igualmente vacilantes, hesitantes e
descontínuas. Ver Stäheli, Urs. Die Nachträglichkeit der Sem antik: Zum Verhältnis von So zialstruktur und Sem antik. Soziale
Systeme, 4 (2), 1998. (p.315-340).
69
Na idade moderna, o mundo era descrito com a ajuda de um ‗esqu ema sobre as coisas‘. O elemento qu e
estabelecia a unidad e do sentido era presumido. Poder-se-ia di zer qu e o sentido era utilizado, mas o
compr eendido. Como des crição do mundo, o esquema sobre as coisas era universal mente válido. Por conseguinte, a
distinção entr e res co rpo rales e res incorporal es funcionava como princípio diferenciador. Na tradução ameri cana:Well
into the modern period, the world was des cribed with the aid of a thing schema. What established the u nity of a
meaning element was assu med. One could say that meaning was used, but not understood. As a d escripti on of the
world, the thing schema was univers ally valid. Accordingly, the distinction between res corporales and res i ncorporales
functioned as the guiding difference. Luhmann, Niklas. Social Systems. S tanford: S tanford U niversity Press, 2005.
(p.64).
70
A s obrecarga e a inqui etação inerentes ao sentido apareceram primeiro não nas coisas, mas no homem, que com
isso se desligava a si mesmo do mundo das cois as.‖ Na tradu ção americana: ―The overburd ening and unrest inher ent
in meaning first appeared not in things but in man, w ho ther eby disengaged himself from the world of things. Idem,
gina 64.
71
Gumbr echt, Hans Ulrich. Co rpo e Fo rma. Ri o de J aneiro: Eduerj, 1998. (p.139).
72
Por superfíci e, Gumbrecht quer dizer as for mas materiais da comunicão. Ou sej a, o sentido s eria uma produ ção
obrigaria do espírito, ainda que poss a se express ar na superfície do corpo humano ou do texto. o é portanto o
entendimento de superfíci e tal como vimos em Deleuze. Ver Idem, página 140.
73
Disposição que Del euze entende global às ciênci as humanas a partir da virada lingüísti ca. A respeito d as doenças
da hermeutica, Deleuze fala em ―significância‖ e ―interpr etos e, terminol ogia irônica que se refere às alises
circularmente lingüísti cas. Ver Deleu ze, Gilles & Guattari, Félix. Mil platôs. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.
74
Na tradução americana: ―After a critiqu e of a subjectivism taken to its ex treme, a hermeneutic concept of
meaning ev entu ally established its elf. It u sed unders tanding to fit whatev er into an encompassi ng nexus, just as texts
must be unders tood wi thin a surroundi ng context. The ex perience of meaninglessness could ther eby be formulated
as a failur e of this, as an isolation of the particul ar, a d ependence on the acci dental. Luhmann, Niklas. So cial Systems.
Stanford: Stanford Universi ty Press, 2005. (p.72).
75
Dilthey foi o primeiro sis tematizad or do qu e hoje d enomina-se The Humanities, no mundo anglo-saxão; Les Sciences
Hum aines, no mundo francófono, e, na Alemanha, o que é ainda mais interes sante, Geisteswissenschaften, literalmente,
Ciênci as do Esrito‘. Dilthey tornou ex plícito o impulso agluti nador de tais dis ciplinas. No caso, o fato de estarem
todas fu ndadas no ato d e interpretão. Interpretação em seu sentido hermeutico, como compreensão de u ma
137
expressão insufici ente. Dil they afirmava de modo claro q ue o conceito de interpretação, embora principi e numa
superfície material, objetiva alcançar uma di mensão que permita o resgate da pl enitud e espiritu al. E, acrescentava, a
materialidade d e superfície com a qual s e iniciara materialid ade qu e se poderia d esignar materialidad e dos
significantes perde i mpor tância. Ele o diz com todas as palavr as: nas Ciências do Homem ou Ci ênci as do
Espírito tod a e qualqu er condi ção material é apenas um el emento s ecundário, tanto no ato de expressão quanto
no de interpretão. Deste modo, se a hermenêuti ca se fundamenta no ato interpretativo, apresenta como segundo
pressuposto básico a ex clusão d e tod a materialidade. Gumbr echt, Hans Ulrich. Co rpo e Form a. Rio de Janeiro:
Eduerj, 1998. (p.140).
76
Idem,gina 144.
77
Ver Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. O Antidipo. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
78
Contudo, o fo como es tratégia de apresentação; pois, para mi m, Hjelmslev também pertence ao campo
hermeu tico. Emprego sua teoria somente para elaborar uma car tografia.‖ Gumbrecht, Hans Ulrich. Corpo e Forma.
Rio de Janeiro: Eduerj, 1998. (p.144).
79
Idem,gina 145.
80
Deleu ze, Gilles & Guattari, Félix. Mil platôs. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. Vol. 2.
81
Diria que o Foucault de As Palavras e as coi sas está preocupad o com as formas do conteúdo, como toda a filosofi a
em torno desta práxis termina por reafirmar a centralidade da análise formal. Esse tipo de análise entende como
formal a estru tura dos discursos qu e torna possível a ar ticulação das classes do conteúdo. Gumbr echt, Hans Ulrich.
Corpo e Forma. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998. (p.145).
82
Idem,gina 147.
83
Ibidem, página 148.
84
Ibidem.
85
O período moderno incl a uma pré-decisão correspondente na teoria do sujei to. Enquanto o sentido for
definido em relação a u m sujei to, e ele normal mente o é, nós ainda estaremos lid ando com a tr adição qu e exclui
aquilo qu e não é bem-vindo ousem sentido‘ de seu conceito capital. Na tradução americana:The modern period
included corresponding pre-decisions in the theory of the subject. Insofar as meaning is defined wi th reference to a
subject, whi ch it usuall y is, we are still dealing wi th a tradition that ex cludes what is u nwelcome or meaningless from
its guiding concept. Luhmann, Nikl as. Social Systems. Stanford: Stanford U niversity Press, 2005. (p.71)
86
Luhmann une o conceito de sentido ao concei to de complexidade. Assim, o sentido é apenas uma representação da
complexi dade em determinado momento. Ele supõe, d e certa maneira, a identificação d o sentido com a complexid ade
estruturada: o sentido é uma forma de estruturar a complexidade e de fazê-la acessível. No original espanhol:
Luhmann une el concepto de s entido con el concepto de complejidad. A, el s entido no es sino una representación de
la complejidad en u n momento determinado. Ell o supone, en ci erta forma, la identificaci ón del sentido con
compl ejidad estru cturada: el s entido es una forma d e estructurar la complejidad y de hacerla accesible. I zuzquiza,
Ignacio. La sociedad si n ho mbres. Niklas Luhm ann o la teoría como escándalo. Barcelona: Anthropos, 1990. (p.255-256).
ESPECTRAL
sentido e comunicação digital
SEGUNDA PARTE
::: ESPECTROS ELETRÔNICOS :::
139
INTRODUÇÃO
tópicos
i - realidade eletrônica
ii - agentes eletrônicos
notas
Computadores estão começando a alterar o processo
comuni cacional de u ma maneira que torna impossível para
o usuário entender o que está acontecendo, quem está
dizendo o quê, qu ais fontes são confiáveis e quaiso são,
ou mesmo a qual pess oa se des tina certa ação
comuni cacional. A capacidade de processamento dos
compu tadores altera tanto o conteúdo como a forma do
sentido comu nicado, desconstruindo as maneiras que
usávamos para reconhecer nosso pr óprio estilo.
Dick Baecker
1
I. Realidade eletrônica
O conceito de sentido espectral surgiu de uma pesquisa realizada entre os anos de 2002 e
2005. Esse trabalho tinha por objeto as salas de bate-papo do sistema de teletexto multi-
plataforma IRC (Internet Relay Chat)
2
, e por objetivo, descrever a natureza instável e imprevisível
do sentido como fenômeno emergente nas salas de bate-papo. Essa mesma investigação
terminou por identificar um padrão de interação característico tanto das plataformas de interação
síncronas como das assíncronas. A produção de sentido se desprendia das variáveis contextuais,
entendidas como a conjuntura sócio-cultural, e passava a ser definida como um fenômeno
lingüístico e cibernético o intencionado.
Os usuários de IRC se ligavam uns aos outros em diferentes grupos de acordo com o
assunto em pauta. A geometria dessa acomodação era o resultado de uma variação seqüencial de
posicionamentos que se modelavam conforme um assunto cedia espaço para outro. Foi a partir
dessa mecânica de coligações voláteis que estabelecemos o primeiro prinpio da produção de
sentido espectral: a aglutinação (netclustering). O segundo princípio de ordenação é a disruão
(breakthrough) do sentido. Esses dois movimentos são pares simétricos que correspondem à
territorilização e desterritorizalização, originalmente descritas por Gilles Deleuze
3
como dois
movimentos do sentido que perfazem os planos de imanência e de consistência.
A disrupção do sentido se fazia presente na emergência de determinada palavra ou frase.
De modo inesperado e extraordinário, essas proposões criavam uma fenda ou irruão de
sentido que desenhava um pado particular de interação social: a propagão viral de formas e
idéias. Esse efeito, que causa um estado de redobrada atenção nos usuários que participavam da
140
conversação, era normalmente causado por uma palavra aleatória. Uma vez que qualquer palavra-
chave em um determinado tema (thread) era potencialmente capaz de um efeito viral, concla-se
que o mecanismo que originava esse padrão de interão não poderia estar nas palavras em si
mesmas, mas no efeito ou uso dessas palavras. Isto é, no sentido.
Embora a tradição hermenêutica entendesse o sentido como uma variável contextual, a
pesquisa sugeriu que essa definição conceitual encontrava sérias limitões quando aplicada à
comunicação eletrônica. A pesquisa indicava, com isso, a possibilidade de se trabalhar a produção
de sentido eletrônica desvinculada de variações contextuais. Foi essa pesquisa seminal que sugeriu
a proposição de um sentido particular aos circuitos eletrônicos. Desde então, este modelo de
produção de sentido vem sendo chamado de espectral.
A análise original de Jacques Derrida
4
, em A Escritura e a Diferença, indicava que as
circunstâncias e intenções do texto constituem partes ativas do contexto. Indicava também, por
outro lado, que o contexto não impõe limite ao sentido de um texto, uma vez que o sentido na
linguagem exigia o cultivo da ausência em detrimento da presença. Sentido era então um
apagamento da consciência, e a linguagem literária não era entendida como simples ferramenta,
mas como um ambiente. Da mesma maneira que um escritor não controla a linguagem, mas é
incldo nela, o signo espectral assume que a linguagem nos fala e nos escreve, e o sentido é uma
variável independentemente da subjetividade
5
. Como no sonho de Mallarmé de uma máquina de
geração de texto autônoma, o sentido eletrônico seria o resultado de um fluxo da escrita onde a
linguagem realiza a si mesma. Esse sentido independeria das inteões entre emissor e receptor,
pois o pprio texto é liberado da necessidade de expressão e se apresenta como interação
sígnica, um arranjo regulado menos pelos conteúdos significados do que pela própria natureza do
significante. Anthony Wilden resume o problema:
o é mui to importante qual a int enção ou o qu e algm quer di zer. O que importa, afinal, é o que el es dizem e
o que eles fazem. Qualqu e    
sem saída porque, dess a perspectiv a, todas as motivações são válidas. (...) Quando tr atamos da linguagem,
portanto, nós o lidamos com o conceito de au tor, mas com o concei to d e texto. De outro modo nós
    
6
A pesquisa anterior manteve um registro contínuo das interações em determinadas salas
de bate-papo na tentativa de encontrar palavras-chave, frases de efeito ou termos que pudessem
explicar o aumento quantitativo e qualitativo das interões. Com a exceção de temas
notadamente controversos, curiosidades sexuais ou a tentativa intencional de sabotagem do canal
por parte de alguns usuários, não havia qualquer identidade entre essas palavras que causavam
uma explosão interativa. Uma parte significativa dessas manifestações se explicava em razão das
incompreensões e barreiras comunicacionais resultantes da falta de informações visuais do meio.
O conceito de multiálogo
7
, apresentado por Gar y Shank
8
em 1993, foi pioneiro ao tratar a questão
141
do sentido em ambientes eletrônicos como um fenômeno comunicacional que transcende o
escopo da lingüística.
Os impasses metodológicos relacionados com o sentido eletrônico retornariam na década
seguinte, especialmente a partir de 2004, com o fenômeno das redes sociais da internet. Essas
redes sociais indicavam que a questão transcendia uma plataforma espefica e não se restringia às
interfaces síncronas. Também a área de comentário dos blogs começava a apresentar, a partir de
2005, um padrão de interão entrópico com elementos de incomunicação. De acordo com
Huberman, Romero e Wu
9
, as novas redes sociais derrubavam as barreiras entre as plataformas
de interão síncronas e assíncronas e sugeriam um padrão de interão comum a elas.
Mas antes do fim de 2006, uma plataforma de interão espefica combinava interação
síncrona e rede social. O Twitter
10
, com isso, liquidou com a divisão que já se mostrava artificial e
conferiu credibilidade ao detalhado estudo sobre os relacionamentos nas redes sociais divulgado
pelo Laboratório de Computação Social da Hewlett Packard
11
, que enfatizava que a conexão entre
usuários não significa qualquer interação necessária entre eles. No caso específico do Twitter, as
conexões apresentadas eram insignificantes do ponto de vista interativo. O relatório afirmava ser
necessário localizar uma estrutura invisível nas redes sociais um circuito que faria com que os
usuários confiassem nos boatos que leram e os passassem adiante, disseminando com isso uma
idéia, uma crença ou uma moda. Em outras palavras, o critério de aglutinação da informação na
comunicação eletrônica não podia ser explicado pelas redes sociais em si mesmas ou pela maneira
como elas funcionavam.
A imagem de um sentido espectral descreve o princípio de aglutinação da informação
eletrônica. Não se refere, portanto, ao conteúdo do discurso ou ao significado das mensagens
apresentadas em um medium específico. Friedrich Kittler
12
sugere que uma correlão material
entre os media e a organização do mundo, isto é, haveria uma gica dos media que evolui em
sincronia com a percepção humana
13
. Essa sincronia, conquanto contingente e variável, sugere
certa oscilação entre os aspectos materiais e fenomenológicos dos meios
14
. Com isso, os
processos digitais estariam implicados na circulão de informação e dariam forma ao sentido.
O maior obstáculo para descrever esse modelo integrado de sentido não é a distinção
entre mensagem síncrona e assíncrona, mas entre mensagem intencional e automática. Isto é,
mensagens enviadas por agentes humanos e mensagens geradas por um programa automatizado,
como é o caso dos sistemas automatizados dos bancos ou dos provedores de acesso à internet.
Uma vez que dispositivos gerem mensagens, classifiquem informação e oferam respostas a
perguntas, eles fazem parte do processo comunicacional. O desafio é abordar esses dois tipos de
mensagens dentro de um modelo integrado de informão e comunicação.
142
A pornografia
15
se apropriou dessas ferramentas para comercializar um bate-papo no qual
a imagem interativa das garotas é transmitida para o consumidor. O usuário acredita ver e
interagir com corpos cuja origem, localização ou existência real é desconhecida. Os limites
interativos proporcionados por programas inteligentes como os chatterbots, que simulam o diálogo
humano, são objeto de estudo desde os princípios da internet. O sucesso duvidoso, mas
ocasionalmente efetivo, desses programas
16
de interação faz-de-conta também é parte do
processamento do sentido eletrônico. Esses sistemas, mesmo oferecendo uma interão precária,
estão acoplados à maquinaria da informação digital de tal maneira que a separação entre a
intencionalidade dos agentes humanos e a automação dos sistemas eletrônicos se torna
impraticável. O sentido espectral é o resultado dessa perda de referências materiais entre
emissores e receptores.
A origem dessa reflexão remota ao debate contemporâneo sobre autoria e morte do
autor. Isso porque as mensagens geradas por máquinas afetam o receptor e comunicam um
sentido cuja autoria e intencionalidade não são determináveis. Com isso, o sentido espectral
contraria os preceitos do sentido intencionado, uma especialidade ordinariamente atribuída aos
autores humanos, uma vez que se baseia na tese de que intencionalidade e subjetividade são
componentes marginais à interão eletrônica. A cena comunicacional eletrônica não seria o
resultado de uma produção hermenêutica intencional, mas de uma catástrofe estrutural e
semântica no sentido empregado pelo matemático René Thom
17
, isto é, o efeito de uma
modificação essencial na estabilidade das formas que garantiam sentido aos discursos e eventos
18
.
Essa catástrofe semântica na estabilidade do sentido e autoria pode ser ilustrada em razão
da vinculação condicionante entre sentido e meios técnicos de produção e reprodução. Friedrich
Kittler faz de uma frase de Nietzsche a epígrafe de seu livro nossos instrumentos de escrita
funcionam junto com nossos pensamentos
19
para ilustrar a influência do meio de produção no
pensamento do autor. A máquina teria não apenas antecipado a écriture automatique na obra
nietzschiana, mas tamm alterado seu estilo de escrita e pensamento. Martin Stingelin
20
, por sua
vez, retoma a frase enigmática para indicar que a união de texto e máquina liquida com a
conceão de autoria.
Essa mesma relação entre máquinas de escrever e a morte do autor pode ser encontrada
em uma história mais prosaica: o teorema do macaco infinito, originalmente sugerido por Émile
Borel
21
, em 1913, como uma proposição estatística sobre macacos e datilografia. Borel dizia ser
possível, ainda que improvável, que mil macacos teclando fretica e aleatoriamente em mil
máquinas de escrever produzissem, eventualmente, uma enciclopédia. O interessante na metáfora
143
de Borel não é a proposição lógico-estatística, mas a hipótese de que a uma produção aleatória
possa acidentalmente produzir algo que faça sentido.
A brincadeira, que mais tarde ecoaria no conto A Biblioteca Total de Jorge Luis Borges,
foi levada a sério por Hugh Petrie
22
, para quem um conjunto mais sofisticado de máquinas de
escrever seria necessário. Petrie diz que se os macacos tivessem máquinas de escrever que
digitassem palavras e pensamentos do peodo elisabetano (ao invés de letras), formadas de modo
a refletir o pensamento elisabetano da época, a brincadeira dos macacos poderia produzir não
uma enciclopédia, mas algo ainda mais improvável: as obras completas de William Shakespeare
23
.
Para David Foster Wallace, por mais que os macacos consigam digitar toda uma enciclopédia ou
as obras completas de Shakespeare, isso não significa que o texto tenha sentido, uma vez que os
macacos com máquinas de escrever não são responsáveis pelo sentido intencionado
24
. Mas se
consideramos que o texto tem sentido independente dos objetivos do autor
25
, e que nenhum
macaco teria intencionalmente escrito uma enciclopédia ou uma obra de Shakespeare, então a
intencionalidade e a subjetividade deixam de ser uma questão essencial
26
.
Não é a posição de Barthes
27
, para quem o debate sobre a morte do autor remete à
impossibilidade hermenêutica de o autor responder pelas conseqüências de um texto. Seriam os
leitores, e os leitores apenas, que responderiam e determinariam os sentidos últimos de um texto.
Derrida
28
esclarece a disposição entre contexto e autoria indicando que as circunstâncias da
escrita e as intenções do autor são efetivamente parte do contexto de um texto, mas o contexto
não impõe limites ao sentido do texto. Isto é, a categoria do sentido seria não uma ferramenta do
texto, mas um ambiente que lhe subsume. A perspectiva espectral, com isso, alude precisamente à
hitese que David Foster Wallace entende como absurda: que o texto não é produzido por
nenhum autor espefico. O sentido espectral é um sentido não intencionado, uma vez que perfaz
tanto as proposições lingüísticas como a sutura da informação-comunicação.
Mas o debate pós-estruturalista tamm criou uma imago particular do sentido. Em
oposão à tradão platônica, que entende a presença como ontologicamente anterior à
expressão e busca uma origem subjetiva em cada mensagem, a abordagem s-estrutural concede
uma atenção especial à escrita em detrimento da fala, uma inversão que apenas confirma a
tradição hermenêutica. Os componentes do sentido espectral, diferentemente, carecem de uma
metafísica da expressão e não se prendem a qualquer sentido intencional último: o registro da
interão em uma sala de bate papo dificilmente poderia ser classificado como escrita ou fala. O
sentido espectral se encontra, deste modo, com a abordagem o-hermenêutica apresentada por
Niklas Luhmann. Sentido seria uma operação serializada de selões realizada pelos sistemas.
144
II. Agentes eletrônicos
David Foster Wallace, um escritor avidamente interessado pelo poder sinérgico da cultura
medial, 
apenas como expedientes literários, mas como respostas legítimas a um mundo ridículo. A ironia,
afirmava Wallace, perfaz o registro televisivo e explora as difereas entre aquilo que é dito e
aquilo que é intencionado, ou como as coisas tentam aparecer e como elas são, realizando uma
fuão de metaaudiência (metawatching) entre a televisão como um medium e o público como
fonte de desejos. A estética televisiva teria apresentado aquilo que a cultura queria ver e ouvir
sobre si mesma, alimentando a fantasia dos espectadores e conferindo formas às imagens
mentais.
O ensaio de Wallace
29
vai ao encontro das análises sobre a fantasia de Dieter Prokop
30
, e
se aproxima das conclusões de Umberto Eco
31
, para quem a televisão havia moldado a
sensibilidade do pós-guerra. Wallace sugere que essa metaaudiência ou sensibilidade especial
forma um tecido de sentido entre o sistema TV e o público. Também McLuhan
32
ofereceu um
entendimento semelhante ao sustentar que a televisão completava o ciclo sensório humano. Foi a
esse cenário de promiscuidade entre media, aparelho sensório e sentido que o computador se
somou oferecendo um mundo armazenável, manipulável e transmissível que, de acordo com
Robin Hamman
33
, contornos a uma realidade medial em que o usuário fabrica seu próprio
sonho.
Quando Claude Elw ood Shannon e Warren Weaver primeiro descreveram a codificação
da informação entre emissor e receptor, o diagrama apresentava a clara identificação de estágios
governados por regras mecânicas de uma sociedade conectada por cabos de telégrafo e telefone.
De acordo com Hagemeyer
34
, o diagrama de Shannon descreve com êxito um padrão de
circulão de informão compreendido em cinco estágios vinculados: primeiro, a fonte de
informação seleciona uma mensagem por unidade de tempo; segundo, a fonte alimenta o
receptor que a processa em sinal técnico; terceiro, o transmissor alimenta o canal protegendo a
transmissão de ruídos e interferência; quarto, o canal conduz a informão a um ou mais
receptores, que decodificam e reconstroem a mensagem e; quinto, a mensagem é traduzida e
entregue ao destinatário final.
Embora a perspectiva apresentada pela teoria da informação de Shannon esteja nos
fundamentos da revolução digital, vislumbrando unidades de microprocessamento e empregando
a lógica booleana, o contexto de sua teoria é de sistemas de informação a cabo, como o telefone e
o telégrafo. Não é sem razão que o artigo seminal de Shannon tenha sido publicado no Technical
Journal da Bell System, nome comercial da corporação americana de serviços de telégrafo e
145
telefonia, a AT&T (American Telephone & Telegraph Company). Telégrafo e telefonia perfazem
sistemas ponto a ponto, em contraposição às redes de distribuição de informão que
caracterizam o rádio e a televisão. É als saboroso o nome que Alexandre Graham Bell, inventor
do telefone que empresta o nome à corporão, usava para denominar sua então recente
invenção: telégrafo falant e
35
.
É esse o entendimento de Kittler sobre o elegante modelo de Shannon, que o poderia
ser simplesmente transposto à história das tecnologias de comunicação uma vez que o modelo
não faz qualquer menção à sua historicidade. De acordo com sua teoria dos media, seria mais
importante investigar as raízes históricas, isto é, analisar esse modelo por meio de um processo de
diferenciação autofortificada
36
e evolutiva que divide a história da comunicação em dois blocos
principais: os meios de escrita e os meios técnicos
37
. O diagrama de Shannon sugeriria uma
fabricação sensorial ou um padrão de difusão e consumo de informação cuja matriz é a sociedade
do telégrafo e do telefone. Shannon
38
, por sua vez, sustentava que o propósito do seu modelo era
observar a diferença entre observação e observador, uma vez que todas as unidades e s do
sistema observavam e controlavam umas às outras. Mas o modelo também sugere uma particular
produção de sentido. O modelo traduz um procedimento de codificação da informação em
relão com determinada tecnologia.
Tomando a premissa de Luhmann d e         
demar cação    
mundo da escri ta tenha sido equivalente à separação entre inter ação e comunicação, e a tr ansição da escrita
para os meios cnicos sej a o equivalente à separação entre comunicação e informão.
39
Anthony Wilden sustenta que a filosofia da linguagem do marxista Voloshinov apresenta
o mesmo conjunto de analogias. Para o lingüista russo, cada signo é um constructo entre pessoas
socialmente organizadas e a interação entre elas. As formas dos signos seriam condicionadas,
deste modo, pela organizão social dos participantes envolvidos e em função das condições
imediatas de interação. À mudança das formas de interão, seguir-se-ia uma mudança estrutural
no tecido semiótico
40
.
Mas é a abordagem de Kittler que oferece os subsídios para pensar as formas do sentido
espectral. O crítico alemão trabalha com um conceito multidimensional de media que ultrapassa a
acepção técnica para incluir os registros cienficos e espirituais (espectrais). Kittler vê, por
exemplo, os fldos qmicos de uma chapa fotográfica como um truque contra a materialidade
dos corpos análogo ao desaparecimento pela morte. A abordagem de fisofo alemão estabelece
uma ligação cibernética entre a processualidade particular de cada canal e o sistema nervoso, o
sistema psíquico e os sistemas históricos de notão (Aufschreibesysteme)
41
. A tecnociência é
apresentada como o reverso do registro cultural e o modo pelo qual um determinado medium se
torna hegemônico espelha a notão predominante em um contexto histórico.
146
Essa imagem de uma autodiferenciação histórica oferecida pelo teórico alemão nos
permite pensar na codificão da informação em três diferentes modelos. Em um primeiro
momento haveria uma codificação entre emissor e receptor que se em termos espaciais. Como
no modelo de Wilbur Schramm ou Claude Elwood Shannon & Warren Weaver, cada ponto do
modelo conta com o pximo para intercambiar informação. Esse é, basicamente, o modelo de
processamento de sentido baseado na emissão (wiring).
Em um segundo momento a codificação entre emissor e receptor seria unilateral
conquanto massiva. Emissores operariam incontáveis canais e perderiam qualquer relão direta
com os receptores, como indicam os modelos de Stephen Lacy ou Bruce Westley & Malcolm
MacLean. É esse o funcionamento das redes, que compreende uma difusão molar de informação
eletrônica ou anagica e cujo modelo de processamento de sentido é baseado na irradião
(broadcasting). O terceiro momento se refere ao contexto da espectralização das redes. A
codificação é então modificada pelo uso massivo de tecnologias. Informação, compreensão e
comunicação são realizadas em função de rotinas eletrônicas de processamento e filtragem. O
processamento de sentido nesse modelo é espectral.
Dentro desse esquema tripartido de classificação histórica dos modelos de comunicação,
o diagrama informacional de Shannon-Weaver faz referência ao primeiro momento, contexto em
que o telefone e o telégrafo costuram o tecido social e no qual as redes e os meios de massa ainda
não existem. Quando a televisão fundamentalmente uma rede aparece e penetra na tessitura
social, o diagrama de Shannon-Weaver se torna caduco. O mesmo movimento de sucateamento
de um modelo heurístico para a comunicão acontece quando as redes digitais se fundem com a
economia
42
, obstruindo um diagrama para a comunicação e o processamento de sentido.
A televisão atravessa certa fronteira simbólica porque descentraliza a informação e traz
uma nova realidade medial
43
em que a informação prescinde de coordenadas espaço-temporais
(por conseguinte, espectral). Günther Anders, por sua vez, faz refencia à medialidade
(Medialität) como um paradoxo que faz as pessoas tomarem o real por irreal e o irreal por real. A
medialidade implica em um mecanismo de difusão alógeno. Quando uma rede de TV transmite
um evento, espera-se que jornais impressos ou revistas semanais reiterem a notícia em suas
coberturas. Esse arranjo particular garante que o sistema de notícias cresça progressivamente
conforme outras agências de informão se juntam para reportar o mesmo fato noticioso. A
expansão do ambiente eletrônico de informação é garantida por meio da amplificação da
irradiação. Mas se o modelo de produção e consumo de informação das redes eletrônicas era a
irradiação, as redes digitais, por sua vez, perfazem um circuito outro.
147
Apesar disso, a expansão do ambiente eletrônico permanece como característica basilar
no sentido espectral. Niels Finnemann
44
denominou esse ambiente eletrônico como matriz de
media digital (media matrix), isto é, a constelão de todas os media existentes em um determinado
momento no tempo. Também Luhmann
45
se dedicou às rupturas e continuidades que o
computador instaura na comunicão e nas operações de selão. A tese de Luhmann, segundo a
qual os computadores instauram uma competição inédita com as consciências, é plausível uma
vez que emissor e receptor (Alter e Ego) não têm condições de produzir ou reconhecer o sentido
no instante da comunicação. Luhmann entende que a autoridade da fonte é substituída pelo
desaparecimento das fontes, e as sinalizões perdem sua função comunicativa em razão da
impossibilidade de reconhecer a intenção de uma comunicação.
O cenário descrito por Luhmann perfaz as premissas do ambiente espectral, inclusive
porque sua teoria assume que a produção de sentido na matriz digital não é resultado dos meios
de comunicação simbolicamente generalizados. Alter troca sentido com Alter mesmo, e não a
necessidade de sinalização para Ego. Nenhum diagrama de circulação de sentido interpessoal,
ponto a ponto ou irradiado pode descrever essa espectralização dos media e dos agentes que
operam os meios. Um avatar não é a representão de uma face ou de um endereço eletrônico.
Não é sujeito, bloco de dados ou individualidade ausente. Os avatares, ou os nódulos da rede, são
enderos digitais capazes de efetuar operações de sentido por meio de aglutinações. Se os meios
de comunicação simbolicamente generalizados processavam sentido por meio de selões
qualitativas, os s digitais processam sentido por meio da participação quantitativa.
Flusser
46
descreveu essa gica dos nós como um campo onde os sistemas psíquicos e
sociais apareciam como bolhas provisórias. De acordo com Fluser, os sistemas espocam para
processar um contingente de informão disponível em uma vasta rede oscilatória e submergem
imediatamente. Tamm o diálogo interpessoal é reconfigurado. A esse respeito, Frank
Hartmann
47
entende por nova realidade medial uma cena comunicacional fabricada por ondas
eletrônicas de longo alcance que desaloja o diálogo a dois (tête-à-tête)
48
. O mistério do olhar, do ver
e do ser visto se desfaz na cortina de dados e mediões impessoais. O sentido familiar da
interão face a face lugar a um sentido do qual participamos como endereçamento e não
como sujeitos autônomos. O teatro do relacionamento humano é resumido em sinal técnico, e a
nova realidade medial apresenta uma produção de sentido que compete com a cena primeva da
interão social, uma vez que oferece mecanismos análogos de acoplamento entre sistemas
psíquicos e sociais.
Marshall McLuhan
49
entendeu esse procedimento dos media como um ambiente tão
saturado que se transforma ele mesmo no conteúdo das mensagens. A frase lebre de McLuhan,
148
que diz que o meio é em si mesmo a mensagem, se fia nesse entendimento atmosrico dos
media. Mas um medium em si mesmo não perfaz qualquer atmosfera. É importante separar os
media daquilo que conforma o efeito dos media. Isto é, os mecanismos estruturais dos media dos
efeitos culturais dos media. A atmosfera se refere ao efeito dos media e será tratada como
produção de sentido. Uma vez que tenhamos esclarecido os pormenores da atmosfera eletnica
do continuum digital poderemos fazer referência ao conceito de sentido espectral.
149
NOTAS
1
    mmunication in ways which make i t
impossible for human us ers to know exactl y what is going on, who is saying what, what sources are r eliable and what
                   
compu ting both to the content and the style of the meaning communicated thus deconstructing the ways to know
Computers and m eani ng creatio n.
2
A origem do IRC data de 1988 quando Jarkko Oikarinen, do Depar tamento de Ciênci as e Process os
Informacionais da Universidade de Oulu, na Finlândia, criou o Internet Relay Chat. O objetivo era des envolver um
programa d e comunicão qu e permitisse aos us uários da BBS de Oulu (administrada pelo seu departamento) ter
discussões nos moldes da Usenet padrão comum às listas de discussão de então mas em tempo r eal. Jukka Pihl
desenv olveu então o pr ograma MUT (Mul tiUser T alk), qu e ainda não permiti a a função de canais s eriados,
caracterís tica impor tante dos chats que foi tomada de emprés timo do rádio-amadorismo. Os canais foram
provavelmente a inv enção mais inov adora, pois permitia que os usuários pudessem ler e par ticipar de múltiplas
discussões simul taneamente. A partir de 1989, Okarinen convence estudantes d e univ ersidades na Finlândia e Suécia
a instalarem o programa servidor de IRC nos compu tador es e, paulatinamente, ou tras univ ersidades se juntam ao
IRC. Foram Jeff Trim, (Universidade de Denver), David Bleckman e Todd Ferguson (Univ ersidade do Estado de
Oregon) que instalar am os pri meiros servidores IRC fora da Escandinávia. Durante a primeira guerra do Golfo, em
1991, usuários de diferentes países conectav am-se ao IRC para obter infor mações sobre a guerra. O IRC foi o canal
que os habitantes do Ku wai t utilizaram para rel atar os acontecimentos no país sob a invas ão Iraqui ana. Foi nesse
período qu e o I RC conheceu sua maior expansão, tornando-se um dos s erviços da Internet mais requisitados. O
protocolo aberto do IRC, que foi documentado formal mente em 1993 por mei o do RFC 1459 (Requ est for
Comments 1459), permitia su a difusão livre e os estudantes rapidamente fizeram dess a interface um de seus media
preferidos. Enquanto isso, no Brasil, aprovava-se em 1984 a Lei Federal 7.232 (Lei da Reserva de Mercado), que
somada a uma legislação draconiana para as telecomunicações, impossibilitou qu e a internet e o I RC ganhass em
espaço no território brasileiro. O acesso à internet era res trito a univ ersitários, pesquis adores e profissionais que
trabalhassem diretamente com as tecnologias da informação. Em 1995 a RNP (Red e Nacional de Ensino e Pesquis a)
é reestruturada e d eixa de ser u m backbone restrito ao meio acamico para estender seus serviços de acesso a todos
os setores d a socied ade. Ver: La f ant asía y los af ectos en el chat. IN: Sánchez, Antulio. La era de los af ectos en int ernet.
México: Editorial Océano, 1997.
3
Deleu ze, Gilles. Lógica do S enti do. São Paulo: P erspectiva, 2003.
4
Derrida, Jacques. A escrit ura e a diferença. S ão Paulo: P erspectiva, 1971.
5
Wallace, David Foster. A suppo sedly fun thi ng Ill never do agai n: essay s a nd arg uments. New York: Littl e, Brown and
Company, 1997.
6
No original em inglês:     intends or means; in the end it is what they
say and do    
        
but rather with the text. Otherwise we fall i nto    
Anthony. Changing F rames of Order: Cy bernetics and t he M achi na Mundi. IN: Woodward, Kathleen. The myt hs of information:
technology and posti ndustrial c ulture. M adison: Coda Press, 1980. (p.220).
7
O conceito de multil ogue foi apres entado pela primeira vez por Richard D. Duke para explicar o di álogo
simultâneo entre múltiplos partici pantes de u m jogo em busca de um entendimento comum em relação a
determinad o assunto. O multi álogo, de acordo com o autor, é um model o de interação que, s e praticado durante
uma simulação ou jogo, faz com que os parti cipantes encontrem soluções para os problemas propostos. Ver Duke,
Richard D. Gami ng: The Fut ures Language. New York: John Wiley & Sons, 1974.
8
Shank, Gary. A bductive multilogui ng: the semiotic dy namics of navigating t he net. The Arachnet Electronic Journal on Virtu al
Culture, 03/22/1993, Vol. 1 Issu e 1.
9
Huber man, B ernardo; Romero, Daniel; Wu, Fang. Soci al netwo rks that matter: Twitter unde r the microscope. First M onday,
vol. 14, n° 1, 01/2009.
10
O Twitter é ao mesmo tempo uma rede social e u m servidor de mi croblogging. O sistema per mite que usuários
enviem e l eiam mensagens de até 140 caracteres por meio de u ma i nfinidade de plataformas que inclui telefones
celulares, sites da Web e softwares desenhados especificamente para essa função.
11
Huberman, Bernardo; Romer o, Daniel; Wu, Fang. Soci al netwo rks t hat matt er: Twitt er under t he microscope. First
Monday, v ol. 14, n° 1, 01/2009.
12
Kittl er vincula M cLuhan a Heidegger para dimensionar os media como u ma produção inseparáv el da cultura e d a
técnica. Assim, os media determinariam nossa situação, configurando as operações intelectuais e se consti tuindo
no alfa e no ômega da teori a. O crítico al emão faz um jogo de palavras com a fras e de Derrida não nada fora
do tex to (il ny a pas de hors-tex te não há nada fora dos media (il ny a pas de hors-m edia) para s ugerir uma
premissa fundamental d o sistema dos media. Ver Ki ttl er, Friedrich. Grammophon Film Typewrit er. B erlin: Brinkmann &
Bose, 1986.
150
13
Essa é a tese que inspirou a antropologia medial ale, especi almente a abordagem co-evolu tiva de M anfred
Faler. Ver Fal er, Manfred. Erdachte Welt en. Mediale Evolutio n globaler K ulturen. Wien/New York: Springer, 2005.
14
Esses também são os elementos da virada medial. Com iss o, a ctica dos meios passaria para uma alise da
experncia reali zada pelos meios cnicos (materialid ade dos meios) e par a u m campo no qu al a infra-estrutura
medial condiciona a experiência do mundo. A virada medial de Kittler res olve a aporia do determinis mo cnico, que
deixaria de exis tir o porqu e a técni ca o determine nossa con dição, mas porqu e essa d eterminação o poderia
ser produ zida a partir de uma posição ex terna à cultur a. Essa premissa também esvazi a os pressupostos do
               
porque a cultura deixa de s er u ma categoria d escolada das tecnologias, e cuja r ealização ultrapassa o escopo da
intencionalidade e da id eologia cultural. A es se respeito, ver Hansen, Mark. Medi a Theory. Theory Culture S ociety.
Vol. 23, 2006 (p.297-306).
15
Ver Attwood, Feona (ed.). Porn.com. Maki ng Sense of Online Pornography. New York: Peter Lang Publishi ng 2009.
16
Ver Turkle, S herry. Life o n t he Screen: Identity in t he Ag e of the Internet. New York: Tou chstone Books, 1997.
17
Thom, R ené. Paraboles et catastrophes. Paris: Flammarion, 1983.
18
 It could well be that our soci ety is the outcome of a structural and semantical catastrophe
in the s ense meant by R ené Thomthat is, the result of a fundamental change in the form of stability that gives
meaning to states and events. If this is s o, the deconstru ction of our metaphysical tradition is indeed something that
we can do no w. But if so, i t would be worthwhile to choose the instruments of deconstruction with sufficient car e so
that by using them we could gain some infor mati on abou t our postmetaphysical, postontological, postconventional,
postmodernthat is, post catastro phical   Luhmann, Nikl as. Deco nstruction as Seco nd -Order Observing. New
Literary His tory, 1993. (p.777).
19
A citão original de Nietzs che aparece em uma carta datilografada para um amigo: Unsere Schreibzeug arbeitet
  Kittler suger e que quando Nietzsche, então um filólogo aposentado, começa a utilizar a
quina de escrev er para contornar su a miopi a progressiva, seus escritos passam da sus tentação de argumentos e
longas reflexões para um estilo telegráfico rico em aforismos e trocadilhos. Depois de abandonar sua máquina
defeituosa, Nietzsche eleva a máquina de es crever à categoria de filosofia em si mesma, sugerindo em Genealogia
Da Mor al que a humanid ade trocou suas faculd ades naturais (conhecimento, fal a e ação virtuosa) por u ma meria
maquínica. Nietzs che o foi o único autor de renome e usuário pr ecoce d a quina de escrev er, mas suas razões
são absolutamente ou tras em rel ação a s eus colegas Mark Twi n, Fritjof Nans en, Paul Lindau e Gerhard Amyntor. De
acordo com Kittler, enquanto ess es autores buscavam um incremento na velocidade da produção em massa de
textos, Nietzsche, então parcialmente cego, transformou a filosofia em liter atura, e a rel eitura em um ato de es crita
cega, pura e intransitiva. Ver Kittler, Friedrich. Gram mopho n Film Typewriter. Berlin: Brinkmann & Bose, 1986. Uma
lista dos autor es pioneiros e dos inv entores da máqui na de escrever, que inclui o padr e brasileiro Francisco João de
Azevedo, pod e ser encontr ada em Burghagen, Otto. Die Schrei bmaschi ne. Illustri ert e Beschreibung aller gangbaren
Schreibmaschinen nebst gründlicher Anl eitung zum Arbeiten aufm tlichen Sy stem en. Hamburg, 1898. A citão original de
Nietzsche está em Nietzsche, Friedri ch. Brief wechsel: Kritische Gesamt ausgabe. Berlin: Ed. Giorgio Colli and M azzino
Montinari, 1984.
20
Stingelin, M artin. Comment s on a Ball: Nietzsches Play o n t he Typewriter. IN: Gumbrecht, Hans Ulrich & Pfeiffer,
Ludwig K. Materialities of Comm unication. S tanford: S tanford Univ ersity Press, 1994.
21
Borel criou a i magem de macacos com máquinas de es crever ( singes dactylographes ) como uma mefora para a
produção aleatória e em larga escala de um a seqüênci a de letras. o se trataria propriamente de macacos, mas de
uma pr oposão l ógica que convida o leitor a considerar a improbabilidade de que uma grande mas finita quantid ade
de macacos trabalhando durante um v asta mas finita quantidade de tempo pud essem produzir alguma coisa que
tivesse significado. Ver Bor el, Émil e. Le Hasard. Paris: PUF, 1948.
22
Ver Blachowicz, James. Of Two Minds: The Nature of Inquiry. New York: State U niversity of New York Press, 1998.
23
O teor ema d o macaco infinito, onde os macacos são uma metáfora para computador es, traça uma r elão entr e
input aleatório e output necess ário. Do ponto de vista es tatístico, a possibilid ade de um mero X de macacos
escrev erem banana corretamente em uma quina de escrever padrão na primeira tentativ a pode s er expressa pela
fórmula X
n

6
)
n
. Se consid erarmos 100 bilhões de macacos (X=10¹¹), a probabilid ade é de 0,17%. Se o
número de macacos (X
n
) é au mentado ao i nfinito, a probabilidade de os macacos o r eproduzirem o texto
corretamente cai para zero. Com isso, a pr obabilidade de um ou mais de infinitos de macacos produzir em o texto
corretamente na primeira tentativa é de 100%.
24
                  
escre      
quinas de es crev er possam pelo acaso produzir uma enci clopédia. S e eles conseguissem, eno os macacos seriam
responsáv eis por todas as característi cas do texto: tudo que está no texto teria sido obra... de macacos com Smith-
Coronas. Mas... não haveria como nos referirmos aos ef eitos de sentido do texto, porqu e... macacos não poderiam
   Autores são macaco  
 -limpid Alexander Nehamas, us es the old saw about monk eys and typewriters to illustrate
         ys at a thousand typewriters
could by s heer chance produce an encyclopedia. If they did, they would be able to account for all the features of the
151
 -t
           
    A Suppo sedly F un Thi ng Ill Nev er Do Ag ain. Essays and
Argum ent s. New York: Little, Brown and Company, 1997. (p.139).
25
    Perguntar q uantos macacos martel ando uma máquina de
escrev er, e por qu anto tempo, se fazem necessários para que a Divina Com édia fosse  é
uma pergunta sem sentido. A obr a de Danteo dev e ser explicada com base em suas causas, mas com base em suas
intenções. O compromisso humano para salvar a informação da morteo pode ser mensurado, portanto, com a
       No original em alemão:       
Schreibmaschinen schlagen müssen, um die Göttliche Kodie «notwendig erweis zu tippen, ist dann eine
bedeutungslose Frage. Dantes Werk soll dann ni cht aus seinen Ursachen erklärt, sonder aus s einen Absichten
interpretiert werden. Dann läßt si ch d as menschli che Engagement für Speicherung von Information geg en den Tod
                Komm uni kologie.
Frankfurt am Main: Fischer, 1998. (p.14).
26
Richard Dawkins expli ca como uma multidão d e macacos poderia hipoteticamente criar uma frase significativa. O
divulgador da ciência britânico combateu a iia de qu e a evolão seria uma conseqüênci a alearia, a exemplo do
teorema sobre macacos e datilografia, que suger e a imagem de um input connuo e aleatório de car acteres que
devem, em algum momento, coincidir com um texto determinado. Em seu livro, O Relojoeiro Cego, Dawkins
explica que esse modelo saltacionista imprime u ma i magem de mudança repentina de uma geração para a outra, u ma
mudança estru tural tão brus ca queo pode coinci dir com o princípio da variação natur al. Com isso, Dawkins r evê o
teorema do macaco infinito e propõe um modelo análogo à síntese evolutiva neo-dar winiana. Dawkins escr eve um

 Methi nks it is like a weasel), retirada de Hamlet. O programa, ou macaco el etrônico, produziria uma rie
aleatória e contínua de 28 caracteres qu e dev eriam, em certo momento, ser inticos ao texto de S hakes peare. O
número de combinações possíveis nessa seqüênci a, diz Dawkins, é de 27
28
ou cer ca de 10
40
. Com isso, a
probabilidade de o macaco conseguir produ zir o texto desejado seria ex tremamente baixa. De fato, qualquer frase de
28 caracteres seria tão improvável qu anto a frase de Hamlet es colhida por Dawkins, mesmo que o programa fosse
executado por todo o tempo d e exis tência do universo. Mas o macaco i magirio de Dawkins, que g erava u ma
combi nação de 26 caracteres mais es paços em alta velocidade, conseguiu criar a frase, pela primeir a vez, depois de
meia hora. A vers ão prévia, em BASIC, foi reescrita em Pascal e o programa conseguiu recriar a frase depois de 11
segundos. A razão pel a qual o programa obteve sucesso se expli ca pel a diferença entr e seleção cu mulativ a e seleção
passo a passo. Dawkins queria, com esse exemplo, ilustrar u ma incompreensão comum no processo de evolução,
que idealiza qu e seq üencias de DNA ou compostos orgânicos sej am o r esultado de u ma combinação acidental de
átomos. A evolão, assim como o macaco eletrônico de Dawkins, funcionariam por meio de uma escalada de
montanha (hill climbi ng), o que permite que o processo cumul ativo de seleção cumpr a um número mui to menor de
   
diferea em seu programa. Ele também começava escol hendo uma seqüênci a aleatória de 28 letr as e, exatamente
como antes , ele du plicava essa seqüencia repetidas vezes, mas agora com uma pequena possibilidade de erro
aleatório uma mutação na pi a. O computador, q ue exami nava cada frase sem sentido resultado da mutação,
a comparava com a frase original e es colhia aquel a que, mesmo qu e levemente, s e parecia mais com a frase 
    O programa é u ma clara d emonstração de que a preservação d e pequenas alterões
em u ma s eqüência contínua de caracteres (ou genes ) pode produzir combinões significativas em tempo
relativamente curto, com a condição de qu e exista algum mecanismo de s eleção cu mulativ a das mudanças, quer s eja
uma pessoa que identifica quais traços s ão desejáveis (no caso da s eleção artificial), quer sej a um critério de
sobrevivência (do mais apto) imposto pel o ambiente (no caso da seleção natural). 
use our compu ter monkey, but with a cru cial difference in its program. It again begins by choosi ng a random
sequence of 28 letters, just as before      certain chance of random error
                 
phrase, and chooses the one which, however slightl y, mos t res embles the target phrase, METHINKS IT IS LIKE A
    
characters (or genes) can produce meaningful combinations in a relatively short ti me as long as ther e is s ome
mechanis m to select cumulative changes, whether it is a person identifying whi ch traits are desirable (in the case of
  
Ver Dawki ns, Richard. The Blind Watchmaker. Oxford: Oxford University Press, 1986.
27
O texto de Barthes sobre a mor te do au tor, es crito um ano antes d os acontecimentos de maio de 68 na França, foi
fundamental para a superação da iia de que a unidad e do texto reside na sua origem. O texto passava a ser
entendido como uma cadeia de elos que culminav am na decodificão do leitor. Essa é a perspectiv a seminal dos
estudos de recepção, que por sua v ez alargav am e empr estavam movi mentação às práticas de leitores, consu midores
e es pectadores. A morte do autor, com isso, foi u m momento d ecisivo para a definição da audi ência como um
agregado não atomi zado de indivíduos. Barthes tinha ciência da necessidade de super ar esse entrave teóri co:
ridículo que s e condene a nova escritura em nome de u m humanismo que hi pocritamente se arvora def ensor dos
152
direitos do leitor. A crítica clássi ca nunca cuidou dos interess es do lei tor; para elao há outro homem na liter atura
que não s eja o escritor. Começamos a não mais nos deixar enganar por esses discursos específicos qu e a boa
sociedade u tiliza soberbamente para tratar aquilo que el a rejeita, ignora, sufoca ou destr ói; Sabemos que, para dar à
escritura s eu futuro, é necessário destruir o mito: o nas cimento do leitor deve dar-se ao c  
                  
     
jamais            
    
faveur de ce que précisément elle         
     Le
brui ssement de la langue. Paris: Éditions du S euil, 1984. (p.67).
28
Para Derrida, o debate sobre a posição do sentido reflete a dominão, na filosofia ocidental, da idéia d e pr esença
como u nidade ontologicamente anterior à expressão. Trata-se de u ma ilusão fundamental qu e atrela a express ão a
uma pr esença ativ a e unitária, e sem a qual nenhuma express ão seria possível. Ver Derrida, Jacques. M arges de la
philosophie. Paris: Les Editions de l a Minuit, 1993.
29
Wallace, David Foster. E Unibus Pluram: T elevisio n and U.S. Fictio n. IN: Wallace, David Foster. A S uppo sedly Fun
Thing Ill Never Do Agai n. Essays and Arguments. New York: Littl e, Brown and Company, 1997.
30
Marcondes Filho, Ciro. Dieter Prokop: sociologia. São Paulo: Áti ca, 1986.
31
É curioso que tantos autores tenham escrito sobre o peculiar sentido que a TV codifica enquanto uma por ção
ínfima d e textos se dedicava à ques tão do s enti do qu e as redes d e cabo do século XIX trouxeram. A produção
intelectu al referente a esses dois períodos é assi trica, o obstante a profus ão de imagens poderos as que S ergio
Leone e outros cineastas tenham criado sobre o mundo dos cabos e dos trilhos. Ver Eco, Umberto. Vi agem na
Irrealidade Coti diana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
32
McLuhan, M arshall. The Medi um is the Massage. California: Gingko Press, 1967.
33
Hamman, Robin. The Role of Fant asy in the Constructio n of the On-line Ot her: a sel ection of int ervi ews and participant
observations fro m cyberspace.
34
Hagemeyer, Friedrich-Wilhelm. Di e Ent stehung von Info rmatio nskonzepten in der N achric htentechnik. Eine Fallstudie zur
Theori ebildung in der Technik in I ndust rie und Kri egsforschung . Berlin: FU Berlin, 1979.
35
Antes d e 1948, quand o o artigo de S hannon v em final mente à tona, outros artigos enfocando a malha de telégrafos
americana foram publicados, como o Fator es Que Influenciam a Velocidad e do Telégrafo (Certai n Facto rs Affecti ng
Telegraph S peed) de Harry Nyquist, publicado em 1924. Tom Standage conta a interess ante história do tel égrafo de
Morse e sua relação com a imprensa moderna. A esse respeito, ver S tandage, Tom. The Vi ctorian I nternet. New York:
Berkley Book, 1998.
36
Diferenciação autofortificada é a escolha d o trad utor Ciro M arcondes Filho para o ter mo A usdifferenzierung,
conceito exaustivamente empregad o por Niklas Luhmann. Essa difer enci ação autoconfinada é um processo de
modificação dos caracter es da espécie segundo as v ariações do ambiente. O conceito, tomado de emprés timo de Max
    
o somente se apropria do termo [A usdifferenzi erung], mas des taca-o solenemente, elevando-o à categoria de primeiro
conceito em todo o s eu livro. Logo, não é qualquer conceito. O vocábulo, para el e, quer dizer que os sistemas o
apenas se diferenciam: quando eles se diferenciam do meio e criam u ma fronteira entre el es e o meio circu ndante,
essa difer enci ação corre de uma maneira es pecial, é um diferenciar-se autofortificando-se, autoconfinando-se. (...)
Haber mas f ala qu e com ess a forma de difer enci ação, a força da negação, a capacidade sistêmica de discriminar entre
     -se a tendência, na economia capitalista e no
Estado moderno, de confi nar [einbezi ehen] todas essas ques tões de valor no horizonte limitado da racionalidad e voltada
a fins, de sujeitos que se autopreservam ou sistemas que s e mantêm. (...) Para Luhmann, cada sistema observa que
em seu meio outros sis temas que igual mente se diferenciam fechando-se diante de seus próprios meios circu ndantes.
Esses sistemas podem observar de acordo com seus próprios critérios de diferenciação e podem ser observados
como homogêneos e heterogêneos, amis tosos ou hostis, próximos ou dis tantes. Cada sistema com diferenciação
autofortalecida depara-se com outras ref erências sistêmi cas qu e lhes submetem a perspectivas de observação externas
e por ele o controláveis. Além dess a diferenciação autoconfinante associad a ao meio externo, ocorrem
diferenci ões internas no próprio sistema, produto da autopoiese desse mesmo sistema. Luhmann, Niklas. A
realidade do s meio s de com unicão. São Paulo: Paulus, 2005. (p.10-11).
37
     
die faktische Geschichte d er Kommunikationstechniken nicht einfach ang ewandt werden. Statt allenthaben, wie es
auch in Sprach- und Kulturwissens chaften übli ch geworden ist, Shannons fünf black boxes auszuzei chnen, scheint es
dringender und lohnender, durch die Ges chichte zu v erfolgen, wie ihre Ausdifferenzi erung selber erst einmal hat
zustandek ommen müssen            
Kommu nikation in zwei größer e Blöcke zu zerleg en. Der ers te Bock behandelt di e S chriftgeschichte u nd zerfällt
seierseits in einen Block über Handschriften und einen über Dru ckschrift. Der zweite Block über technische Medien
wird von der Basis erfindung T elepgrafie über die analogen Medien schließlich zu m digitalen Medium Computer
153
 Kittler, Friedrich. Geschicht e der Kommunikatio nsm edi en. IN: Huber, Jörg & Müller, Alois Martin (Orgs). Raum
und Verfahren. Frankfurt: Roter Stern, 1993. (p.172).
38
Shannon, Claude Elwood. Comm unicatio n in t he presence of noise. I N: Proceeding of the institu te of radio engineers. N°
37, 1949. (p.10-21).
39
         
        
Mündlichkeit zu S chriftlichkeit einer Entk opplung von Interaktion und K ommunikation gleichkam, der Übergang
      
Friedrich. Geschichte der Komm uni kationsm edien. IN: Huber, Jörg & Müll er, Alois M artin (Orgs). Raum und Verfahren.
Frankfurt: Roter S tern, 1993. (p.172).
40
         
interaction. Ther efore, the forms of signs are conditioned above all by the social organization of the participants
                 
Therefore 1) id eology may not be divorced from the material reality of sign (i.e. by locating it in the
                
    
Changing frames of order: Cybernetics and Machina Mundi. IN: Woodward, Kathleen. The myt hs of information:
technology and posti ndustrial c ulture. M adison: Coda Press, 1980. (p.231)
41
A tradução americana verteu Aufschreibesy stem e por di scourse net works, uma escolha particularmente i nfeliz na medida
em que suger e a i déia de uma rede de discursos. Katherine Hayles, por exemplo, conclui que Kittler troca o conceito
de sujeito pel o de redes e sistemas dis cursivos, que por su a vez seriam constitdos por dispositivos tecnológicos.
Essa interpretação de Kittler à luz dos discursos possibilitou a Hayles entender a tese de Kittler a de que os meios
determinam noss a condição como um efei to dos códigos e linguag ens tecnológicas. Mark Hansen, por outro lado,
tamm par te da tradução americana par a atacar o centro da obr a de Ki ttler. Par a Hans en, a proposição decisiva no
pensamento de Kittl er repousa nas propried ades formais do modelo de Shannon. Essas propriedades seriam o
resultado lógico e inevi tável da Ausdifferenzierung (vertida pa  des-difer enci ão cni ca produzida
historicamente pela s eparação entre informação e comunicação. O modelo d e Shannon, s egundo Hans en, permite
que Kittler postul e u ma era i nformacional pós-histórica. De todo modo, o objeto de análise em Kittler não é o
discurso ou a corporeidade da informação, mas a perceão ou notação histórica dos media. No original, A ufschreiben
(anotar, inscrever ou registrar) f az ref erência ao modo como os media perfazem determinado registro cultural. Ki ttler
se interessa não pelo conteúdo veiculado pelos media, mas pelas for mas qu e cada medium aplica aos conteúdos. Isto
é, as matrizes de media não apenas ofereceriam tecnologias de notão para a comunicação; o seriam si mples
instrumentos de escri ta com os quais o s entido s eria produzido. A r ealização dos media i mplicaria imediatamente em
um horizonte de possibilidad es a partir do qual o senti do se realizari a. A esse respeito, ver Ki ttler, Friedrich.
Grammo pho n Film Typewriter. Stanford: Stanford University Press, 1999; Hayles, Katherine. My Mother was a Com put er:
Digital Subject s and Lit erary Texts. Chi cago: University of Chicago Press, 2005 e Hansen, Mark. New Philosophy for New
Media. Cambridge: MIT Press, 2004.
42
Ver Castells, Manuel. A era da i nform ão: economi a, soci edade e cultura. o Paulo: Paz e T erra, 1999.
43
Hartmann, Frank. Medienphilosophie. Wi en: WU V-Universitätsverlag, 2000.
44
Finnemann, Ni els Ole. The I nternet: A New Comm unicational Infrast ructure. Papers from CFI, 2001.
45
Luhmann, Niklas. Die G esellschaft der G esell schaft. Frankfurt am M ain: Suhrkamp, 1997.
46
Flusser, Vilém. On Memo ry (Elect ronic o r Otherwi se). Leonardo, Vol. 23, 4. 1990. (p.399).
47
Hartmann, Frank. Medienphilosophie. Wi en: WU V-Universitätsverlag, 2000.
48
Buber, Martin. Ich und Du. Heidel berg: Lambert S chneider, 1979.
49
McLuhan, M arshall. The Medi um is the Massage. California: Gingko Press, 1967.
154
1. ESPECTRAL
tópicos
i - o espectral
ii - a comunicação
iii - a comunicação espectral
notas
Que a metalinguagem utilize u m conjunto de elementos
que não são lingüísticos. Queo coloque a poesia e a
prosa em um único domínio, demonstrando que o poema
é algo discursivo i nfiltrado pelo figurativo. Qu e não
obedeça a nenhuma gratica gerativa nem às supostas
metonímias e metáforas do estruturalismo, mas a outra
ordem de prodão de sentido, a matriz fantasmática, em
que não se acei ta as regras fundamentais da linguagem,
como a que distingu e, no dis curso, aquil o de q ue s e fala
daquilo qu e foi dito. É isso que o lingüista o supõe; é
justamente essa a nossa hipótese.
Jean-Fraois
Lyotard
1
I. O espectral
A revista Time publica anualmente uma reportagem especial sobre o personagem mais
importante do ano corrente. Em 2006
2
a revista não optou por nenhum indivíduo específico. A
capa da revista, que trazia     v, fez da buzzword Web 2.0 uma
notícia quente. De acordo com a revista Time, 2006 seria lembrado como um ano de colaboração
comunitária em uma escala jamais vista. Redes sociais, Wikipédia e YouTube foram retratados
como os aplicativos que lideravam essa internet chamada de 2.0, na qual pessoas ajudavam umas
as outras por nada e conteúdos originais eram criados por autores anônimos. A revista declarava
que não se tratava de uma nova versão do mesmo software antigo, mas de uma revolução na rede
mundial de computadores (WWW) imaginada por Tim Berners-Lee.
Essa suposta nova Web faria com que a pequena contribuição de milhões de pessoas se
aglutinasse para produzir algo significativo. Intensificando a produtividade e a inovação, essa
experncia social em larga escala tamm seria capaz de construir um novo tipo de
entendimento internacional. A revista não estava atenta ao fato de que as redes sociais estiveram
dispoveis desde a abertura comercial da internet, ou que as resenhas de sites como Amazon e
IMDb contavam com mais de uma década de existência. Ou ainda que as comunidades , fóruns e
repositórios de software livre, que estabeleceram os padrões de operão e colaboração na
internet, muito dificilmente pudessem ser caracterizados como novidade. Não obstante a peça de
jornalismo marrom ignorasse que esse modelo de gerenciamento da informação formava a
155
espinha dorsal da internet, ou mesmo da Usenet, a repetição do tecnicismo Web 2.0 reforçava
uma questão comum a todo usuário que encara uma tela: quem esdo outro lado olhando para
s? Foi esse sentimento confuso que permitiu à revista definir a Web 2.0 como algo que não
apenas muda o mundo, mas muda também a maneira como o mundo muda
3
.
A idéia de que o que muda não é o mundo mas o próprio processo de mudança do
mundo aponta para uma questão relativa à natureza da tecnologia digital. De acordo com Dirk
Baecker
4
, computadores e a internet reorganizam o processo comunicacional e alteram não
apenas conteúdos e formas, mas também o sentido da comunicação. Web 2.0 não seria apenas
uma palavra da moda, mas um momento de hipnotizante surpresa em que a esfera pública
reconhecia uma modificação tanto nos componentes como na organizão da realidade. Seria o
momento em que o público percebe a presença de uma gica particular ou, como Luhmann
define a questão, de uma forma cultural que trata desse excedente de sentido trazido pelos meios
digitais. Essa forma cultural é o que nós denominamos aqui por espectral.
 

tratar do sentido nos media digitais faz uso dessa dupla sugestão para situar o espectral como
ambiente e como dinâmica de aglutinação de significados. Quando Karl Marx iniciou o Manifesto
            
frase tinha por intuito retratar um perigo iminente à Europa que não podia ser localizado de
maneira exata nem eliminado de modo preciso. O espectro não fazia referência a um ataque
emergente ou a um perigo iminente, uma vez que a frase não insinua o sentido de uma ameaça
previsível. O termo espectral sugere um sentimento de assombro, isto é, uma força como
possibilidade ou ambiente.
Jacques Derrida
5
tamm explorou o termo como operação cardinal do seu método de
desconstrução. Como ferramenta de análise do filósofo francês, espectral é aquilo que caminha
entre a vida e a morte e entre o presente e o passado. O espectral implicaria na desconstrução por
si mesmo. Derrida
6
tamm relaciona o espectral com a diferança (différance), isto é, como algo
sem presença ou ausência e a partir do qual as significações são criadas com referência a vestígios
espectrais. A espectrografia de Derrida utiliza a qualidade fundamental da não-presença do
espectral como um recurso para deslizar além dos conceitos de identidade, sujeito ou consciência.
Mas foi Friedrich Kittler
7
quem uniu essa abordagem epistemológica do espectral a uma
investigação sobre a natureza da tecnologia. O filósofo alemão comenta o medo que Balzac sentia
da fotografia. Para o escritor francês, o daguerreótipo era um dispositivo que lentamente
descascava a alma humana. Se o corpo humano é feito de camadas finas e infinitas de espectros,
156
pondera Balzac, então o daguerrtipo é um truque que fixa isto é, rouba camada seguida
de camada até que nada mais reste do espectro que não a fotografia do corpo. Em contraste com
as artes, diz Kittler, os media reconstroem os corpos não apenas em refencia a uma rede
simbólica, mas como um real em que a semelhança é garantida uma vez que o produto se torna
ele mesmo o objeto. Também Roland Barthes arrisca uma espectrologia da imagem técnica:
Aquel e ou aquela que é fotografado é o alvo do ref erente, espécie de pequeno si mulacro, de éidolo n emitido
pelo objeto, que d e bom grado eu chamaria de S pectrum da Fotografia, porqu e essa palavra mantém, através
              
fotografia: o retorno do mor to.
8
Paul Virilio
9
, de modo semelhante, entendia que a comunicação e a telemática
completavam o ciclo de desanimalização iniciado com o tegrafo e o trem. E o apenas os
animais cederiam espaço para as máquinas a comunicação tecnológica em si mesma tenderia
ao desaparecimento em face da transmissão da comunicação via rádio ou sinais de radar que dão
origem à eletrônica. Para Kittler, os media começaram a produzir espectros quando da invenção
do código Morse em 1837. O alfabeto de Morse, que teria por finalidade ouvir os espectros no
além-mundo, se somava às chapas fotogficas e reiterava a obsessão pelo registro de espectros.
Kittler ainda faz lembrar que um dos objetivos previstos por Thomas Edison para seu rem-
inventado fonógrafo, em 1878, era gravar as últimas palavras dos moribundos. Também a
eletricidade é um marco importante na corrida espectral. Uma vez que as memórias e os sonhos,
os mortos e os esritos se tornam tecnicamente reprodutíveis, leitores e escritores já não mais
recorrem aos poderes da alucinação e o reino dos mortos se descobre livre dos limites mecânicos
que lhe prenderam por tanto tempo.
Mas a espectralidade o se restringe a um domínio exclusivamente imaterial. McLuhan
10
entendia que todo dispositivo técnico que ofereça um meio de transporte mais eficiente deve
tamm marcar uma época social. A cada meio de transporte inovador corresponderia uma
transformão na comunicação, e a espectralização da informação não constitui exceção. O
espectral é uma força embrionária da sociedade contemporânea que pode ser percebida tanto na
organização dos media como nas redes de transporte. A espectralização faz com que o indivíduo
ao lado no transporte público se torne invisível, isto é, um espectro que só deverá ser visto
novamente por acidente e uma vez mais por um curto período. Esse desaparecimento cinético
das pessoas ao redor não é exatamente um fenômeno social que divorcia a presença sica do
outro de sua imagem, como pensava Guillaume
11
, para quem a espectralização corresponde a
uma crescente desmaterialização da sociedade e um crescente isolamento e exclusão do outro. O
espectral é antes uma dinâmica de aglutinação que organiza indivíduos como se fossem
exclusivamente enderos para o destino de informação. A espectralização es infiltrada no
mundo material e eletrônico de tal modo que espectros são trocados tanto online como off-line.
157
Espectral é portanto uma metáfora para a particular produção de sentido digital. É uma
tentativa de correlacionar as metáforas não-espaciais de difusão que deram forma à imago do
ciberespaço
12
com uma metáfora direta que enfoque seu interior. As descrições do ciberespaço
têm em comum uma conexão com a idéia de aceleração, expansão e interatividade, apresentando
com isso um mundo de contínua movimentação em direção a uma mudança permanente. A
imago da internet é, portanto, a imagem de uma dinâmica mutante que impede o imobilismo e
qualquer representão estática.
Desse modo, o conceito de sentido espectral apresentará dois blocos de elementos
complementares cuja finalidade é vincular as metáforas não-espaciais, exteriores e difusas do
ciberespaço, com uma descrição dos mecanismos interiores desse sentido digital. Isso porque a
espectralização do sentido tem que relacionar a circulação de dados brutos (raw data) com a
organização da informação (information) e o acontecimento da comunicação (communication event),
um modelo tripartite que lembra a descrão dos três momentos ou condições para comunicação
segundo Luhmann. Essa dupla descrição vinculante nos permite superar a descrição em termos
de difusão
13
e trabalhar com metáforas de associão e agregação.
É em relão ao interior do ciberespaço que a teoria carece de boas metáforas. Porque a
internet, entendida como medium, apresenta uma capacidade sem precedentes de processar
complexidade, cticos e analistas se abstiveram de oferecer um contraponto às imagens do
ciberespaço como um rizoma de expansão irrefreável. A imagem de um sentido espectral é por
essa rao importante para associar as metáforas de difusão, uma nuvem de dados, com seus
mecanismos internos, o processamento dos dados. Os mecanismos internos de processamento
de sentido serão descritos por meio dos componentes de serializão, aglutinação, seleção,
dulos e disrupção. Esses mecanismos percorrem uma superfície cujos movimentos são
simultaneamente concêntricos e arborescentes. A descrição desse movimento será feita por meio
de três circuitos: rculos interiores, rculos exteriores e rculos crescentes. A superfície , por sua
vez, será descrita com o conceito de anéis de cebola, e a vinculação entre as camadas concêntricas
e a superfície do ciberespaço conforma o próprio conceito de sentido espectral. Com isso, a
imagem do sentido espectral, como processo que conecta um bit em outro, deve oscilar entre
uma superfície e seus mecanismos internos.
II. A comunicação
O diagrama do sentido espectral acima descrito compreende um padrão de difusão de
informação que é um desdobramento histórico dos modelos de irradiação de informação do pós-
guerra. Cada modelo se relaciona com uma estrutura sica de comunicabilidade. Se a transmissão
158
se realizou com o telégrafo e o telefone, e a difusão (broadcasting) ou transmissão em massa com o
rádio e a televisão, o espectral se realiza com as redes digitais. Sentido espectral é a maneira como
esses media realizam ou, nos termos de Kittler, determinam a nossa condição. Esses três sistemas
gerais de profusão de informação podem ser apresentados em vistas à materialidade dos circuitos
de comunicação. O modelo espectral o constitui exceção. Sua materialidade será dimensionada
por meio da descrição dos anéis da cebola digital.
Isso requer uma rápida diagramação do conceito de comunicação, que etimologicamente
remete ao latim communicatio: romper o isolamento e praticar uma ação com outros, ou ainda a
ão de tornar algo comum a muitos. O Vocabulário Portuguez Latino
14
, primeiro dicionário da
língua Portuguesa e cujos volumes foram publicados entre 1712 e 1728, registrava as acepções
de comunicação retórica, por palavras e por bens, de comunicação social e, sobretudo, definia a
comunicação como a ação de comunicar um saber ou um pensamento. A idéia de transmissão,
portanto, está na origem portuguesa e latina do termo. Além da imagem de transmissão, a
comunicação implica na idéia de partilhar, dividir ou compartilhar algo entre pessoas: uma que
emite e outra que recebe.
James Carey nota que essas duas aceões do termo comunicação foram incorporadas ao
discurso comum da cultura americana no século XIX. Ambas as definições derivam de uma
mesma acepção religiosa que, entretanto, se refere a diferentes experiências místicas. De um lado
haveria a experiência da transmissão, e de outro, a do ritual de comunhão. A aceão
predominante, a de transmissão, dominou as sociedades industriais e implica nas imagens de
propagão, emissão e transmissão. Essa imagem seria derivada de uma metáfora espacial e
geográfica baseada no transporte de pessoas e de bens, em consonância com a circulação
econômica do século XIX, e cuja transposição para o universo da informação entendia os dois
movimentos como essencialmente idênticos. Materialidade e informação foram unificadas sob a
égide da comunicão como transmissão de sinais ou mensagens por distâncias variáveis, uma
imagem poderosa que traduzia os sonhos de velocidade e repercussão das mensagens que se
alastravam pelo espaço
15
.
A imagem da comunicação como ritual ou comunhão, por outro lado, não se refere à
propagão das mensagens no espaço mas à manutenção da sociedade no tempo; não se refere ao
ato de enviar informação mas à representação de uma crea comum. Se o arquétipo da
comunicação entendida como transmissão é a profusão de mensagens através do espaço
geográfico com o intuito de governar, o arquétipo da comunicação entendida como comunhão é
a cerimônia sagrada que integra as pessoas em associões ou grupos unidos pelo sentimento de
pertencimento. O legado religioso da comunicação entendida como comunhão é evidente na
159
própria escolha do termo, que esvazia a importância do sermão, do ensino e da catequese para
destacar a função da parola, dos cantos e da cerimônia. Essa acepção entende que a fuão
original e mais elevada da comunicação não estaria na transmissão inteligível de informão, mas
na construção e manutenção de um mundo organizado e significativo que sirva como ambiente
para conter as ações humanas
16
.
Essa herança religiosa do termo tamm pode ser encontrada em uma digressão filológica
que relacionará comunicação, e sua raiz latina communis, à comunhão, à partilha e à participação
em uma comunidade. Manfred Faler sugere ainda uma derivação do termo comunicação com o
vocábulo comunhão, identificando a ex-comunicação (Ex-Kommunikation) com a excomunhão
(Exkommunikation). A comunicação conformaria um pacto social fechado e oculto que
controlava, por meio de um ritual de comprometimento, aqueles que partilhavam da comunhão e
tinham transito livre no convívio comunitário. Nas margens da comunicação estaria o fora do
universo institucional, da economia, da família, da religião e da herança cultural. A comunicação
delimitaria tanto o dentro como os limites da comunidade, e a exterioridade da comunicação
equivaleria a um fora, isto é, à excomunhão (Exkommunikation)
17
.
Os modelos de comunicação privilegiaram amplamente o entendimento da comunicação
como transmissão em detrimento da aceão da comunicação entendida como comunhão. Com
isso, negligenciaram o aspecto qualitativo da comunicação para enfatizar a circulação quantitativa
da comunicação. O acontecimento comunicacional está historicamente vinculado à segunda
imagem da comunicação, e sem a qual a idéia de uma circulação de informação perfazendo um
território se torna inócua
18
. O modelo da comunicação espectral, portanto, deverá relacionar esses
dois aspectos da comunicação: a circulação e a expressão da informação. Essa também é a razão
pela qual optamos por descrever a comunicação por meio de um diagrama do sentido. Sentido é
o processo por meio do qual a comunicação, entendida como transmissão, e a comunicação,
entendida como comunhão, são integradas dentro de um sistema de reorganização social.
Vim Flusser
19
trabalhou essa bidimensionalidade do conceito de comunicação em sua
Comunicologia, que apresenta uma teoria da circulão da informação na qual a comunicação é
definida por um aspecto produtivo e um aspecto cumulativo. Produção de informão seria o
processo de síntese a partir de informões dispoveis, cujo modo de operação é o diálogo
20
. A
acumulação, por outro lado, seria o enderamento de informações a memórias técnicas ou
humanas, e seu modo de operão atenderia pelo nome de discurso. Discurso e dlogo seriam
modalidades interdependentes, pois informações só poderiam ser depositadas em memórias uma
vez que tivessem sido produzidas, e diálogos só ocorreriam uma vez que informões tivessem
sido sintetizadas. A interão dinâmica entre produção dialógica e síntese da informação defin iria
160
a sociedade ocidental como tecido comunicativo, e o equibrio entre as duas modalidades, frágil,
marcaria a história do ocidente.
Isto é, o que define a sociedade ocidental, para Flusser, não são os conteúdos
comunicados, mas os métodos pelos quais esses conteúdos são comunicados. Seria a modalidade
de circulação da informação, a comunicação, que caracterizaria um conjunto social. Flusser então
subdivide o diálogo em duas submodalidades de acordo com o diagrama de circulação. O diálogo
poderia ser circular (mesas redondas ou parlamentos) ou em rede (telefonia ou opinião
pública). A subdivisão dos discursos é feita em quatro subcategorias, que poderiam ser teatral
(aulas ou concertos), piramidal (exércitos ou igrejas), arborescente (ciência ou artes) ou
anfiteatral (rádio ou imprensa)
21
. A história ocidental seria um jogo comunicativo entre essas
modalidades, cujo propósito único seria produzir e acumular novas informões.
O discurso teatral seria o mais antigo e Flusser o localiza como anterior à história. É o
discurso do patriarca que transmite oralmente os mitos para as novas gerões ou a avó que
conta as lendas antigas para os netos. Há nessa modalidade a situação fundamental do face a face
entre emissor e receptor, arranjo geogfico em que semicírculos são formados ao redor do
orador. Receptores podem assim contestar o emissor, que deve responder às perguntas sob o
risco de ser desacreditado. O teatro é o discurso aberto para diálogos, diz Flusser
22
. Contestações,
reviravoltas e discussões estão previstas no programa do teatro e as revoluções sempre parecem
possíveis em torno da fogueira e da lareira.
A passagem do neotico para o paleolítico teria marcado a transição da economia coletora
para a economia produtora, e o modo de produção se espelharia no diagrama comunicacional.
Empreendimentos coletivos, como construções urbanas e atividades mercantis, prescindem do
diálogo e demandam obediência. O discurso teatral se torna então inconveniente, pois a
sociedade exige mais informação e menos debate; mais mensagens e menos contestão,
modalidade que só pôde ser alcançada tornando o emissor inacessível. O modelo procedente, o
discurso piramidal, teria formado a base comunicogica da história ocidental e consiste na
introdução de relais hierarquicamente organizados entre emissor e receptor. Como no reino
sacerdotal, ambiente que prenunciava a modalidade piramidal, as mensagens partem de um autor
inacessível (deus) e passam por autoridades investidas pelo sistema, relais cuja função é tanto
assegurar a fidelidade da mensagem, mantendo-a afastada de ruídos, como impedir o acesso dos
receptores ao emissor. A responsabilidade pessoal que caracteriza a modalidade teatral lugar a
um sistema de fidelidade pautado pela tradição e pela liturgia professada na autoridade emissora
23
.
Esse diagrama comunicacional do neolítico tardio permanece operacional em diversas
instituições, como a Igreja, o Estado, as Forças Armadas, as corporações e os partidos políticos.
161
O objetivo da modalidade piramidal é assegurar o armazenamento de informações. A
desvantagem funcional deste sistema é a dificuldade em se estabelecer o diálogo e, com isso, de
gerar informação nova. O tecido social se estagna e, durante o renascimento, foi necessário um
conjunto de reformas para incluir os diálogos e preservar a eficiência da pirâmide. Os relais foram
então transformados em rculos diagicos, o obstante ainda conservassem sua organizão
hierárquica. O resultado dessas reformas foi a criação de uma terceira subcategoria do discurso
que caracterizaria a modernidade. O discurso arborescente distribui as autoridades em círculos e
reorganiza o discurso piramidal em ramos ou especialidades, que devem se subdividir novamente
e cujas camadas especializadas se entrecruzam.
Esse novo diagrama, que se provaria produtivo, gerava informações novas em progressão
crescente. A complexidade do sistema, no entanto, te ria como efeito negativo e imprevisto a
superespecialização dos relais, pois cada círculo dialógico elaborava um código particular para
sintetizar informação nova apenas produzida em rao de finalidades específicas. Essa
codificação contínua resultava em blocos de informação que só eram decifráveis pelos
especialistas (participantes do ramo), e inteiramente incompreensíveis para o restante da
sociedade, trazendo novamente a figura da autoridade sacerdotal para o discurso. Das artes à
física nuclear, passando pela microbiologia e pela tecnologia, as mensagens provindas de diversas
árvores não eram mais compreensíveis aos leigos e, esvaziadas de um fundo de recepção
universal, evidenciavam um diagrama comunicacional inteiramente irracional.
Surgem então os meios de comunicação de massa, cuja finalidade seria traduzir as
mensagens dos discursos em árvore para códigos socialmente decifráveis. A esses aparelhos de
transcodificação, Flusser identifica o discurso anfiteatral, um diagrama que irradia informação por
todo o tecido social e que teria caracterizado a contemporaneidade. Os media seriam aparelhos
fechados que transcodificam as mensagens provindas das mais diversas árvores da ciência, da
técnica ou da arte para digos extremamente simples e pobres. As mensagens transcodificadas
seriam então irradiadas no espaço, e os receptores sintonizariam ou se sincronizariam com um
determinado canal para captar informações emitidas massivamente. O modelo anfiteatral
redesenhava a estrutura original do tecido comunicacional, conjugando o funcionamento linear
das árvores com a distribuição multidimensional dos media e criava, com isso, a sociedade de
massa.
Flusser entendia que a situão atual seria de coexistência dessas diversas modalidades.
Discursos teatrais (escolas ou teatros) e piramidais (Estado ou partido político) se encontrariam
em crise porque seus diagramas representavam um anacronismo comunicogico com rarefeita
capilaridade no tecido social. O exemplo máximo seria a família, modalidade ao mesmo tempo
162
teatral e piramidal. Por outro lado, o acoplamento do discurso arborescente com o anfiteatral
continuava a se ramificar, fazendo dos meios de comunicação de massa as fontes preferenciais
das informões disponíveis. Flusser escreve na década de 80 do século XX, portanto na era das
tecnologias da informão. O diagnós       
 como resultado de um esgarçamento do
tecido comunicativo. Mas Flusser entende que jamais os discursos na sociedade ocidental
operaram com tanta eficiência; jamais a árvore da ciência e o anfiteatro das comunicações de
massa atingiram tamanha excelência. A solidão alardeada seria conseqüência não da produção
deficiente de discursos, mas da falta de troca diagica, da dificuldade crescente em se estabelecer
diálogo com os outros. Os meios de comunicação de massa, diz Flusser, bombardeiam a todos
igualmente, e sobre os mais diversos assuntos a população se encontra homogeneamente
informada. Essa padronização da informação teria tornado o intercâmbio diagico redundante,
uma vez que só haveria o idêntico para se trocar. A solidão seria o resultado dessa situação de
incapacidade para elaborar informações novas no diálogo com os outros
24
.
A função da informação é diferente em cada tipo de di mica. No discurso, a infor mação pres ente na
memória do emissor é tr ansmi tida para a meria do r eceptor. Dess e modo, a i nformação preced e ao
discurso, e o discurso serve ao propósi to de transmitir informação d e um partici pante de uma cultura para
outro. Um exemplo desse modelo é a aul a. No diálogo, a i nformação es tá apenas parci almente na memória
do emiss or e é sintetizada em um processo global qu e env olve todos os par ticipantes. Com isso, informão
nova é o resultado do diálogo. Um exemplo d esse mod elo é o debate parlamentar sobre a elaboração d e
uma lei. A dinâmi ca d a comunicão consis te na el aboração da i nformação vi a diálogo e na transmissão
dessa infor mação via discurso.
25
A tipologia comunicacional de Flusser entende que apenas a subcategoria teatral produz
informação qualitativa, isto é, apenas a troca dialógica é capaz de criar informação nova. Os
demais modelos responderiam por um diagrama de irradiação de informação incapaz de criar
informação nova. O modelo espectral, de todo modo, contradiz a hipótese de Flusser e oferece
um diagrama no qual a própria repetição dos dados é capaz de produzir informação nova. A
relão entre circulação e expressão da informação será descrita por meio de três diferenciações
funcionais da comunicação, funções que o sentido opera para transformar dados em informação
e informão em comunicação. O sentido é em si mesmo a operação de significação que
atravessa os corpos. Há ts veis de operação do sentido. Primeiro um nível lingüístico: o
instante de crião de um signo, isto é, o momento em que um referente se atrela a um
significante. Depois um vel informacional: o instante em que uma frase descreve uma ação ou
objeto. Por fim, um vel comunicacional: o instante em que uma informação faz sentido para
um receptor, que pode ser uma pessoa ou uma máquina. Para que ocorra sentido comunicacional
é preciso haver decodificação e subversão das rotinas cibernéticas
26
.
III. A comunicação espectral
163
Esse esquema encontra eco no diagrama apresentado por Deleuze em Lógica do Sentido.
Para o filósofo francês, são as relações entre as três dimensões da proposição que produzem os
efeitos de organização na linguagem. Essas três dimensões da proposição seriam a designão, a
manifestação e a significação. Contudo, as dimensões da proposição de Deleuze não podem
explicar os movimentos da linguagem ou seu princípio de organização. Deleuze reserva a essas
operações um conceito de sentido que ultrapassa as dimensões clássicas da proposição e se
desdobra em expressão e acontecimento. O esquema de Deleuze, com isso, é na realidade
quadripartido e entende tanto a circularidade da linguagem como o fenômeno comunicacional
dentro do mesmo diagrama de acontecimentos incorpóreos que engravidam as palavras de
sentido.
Tamm Claude Shannon e Warren Weaver falavam em três veis distintos do problema
comunicacional. Para o engenheiro e matemático americano, havia uma questão cnica, uma
questão semântica e uma questão de eficácia. Primeiro o nível técnico, que envolveria a exatidão
dos símbolos transmitidos durante a comunicação. Depois o vel semântico, que qualificaria a
precisão dos símbolos transmitidos para comunicar o sentido desejado. O terceiro vel seria o da
eficácia, que se refere aos efeitos do sentido comunicado que alteram uma rotina ou uma
conduta. Essa tipologia tecnicista
27
de Shannon e Weaver descreve a fidelidade da transferência
entre um emissor para um receptor de um conjunto de símbolos (palavras escritas), um sinal
variável contínuo (telefonia ou rádio) ou um sinal varvel bidimensional (televisão)
28
.
O modelo Shannon e Weaver descartava o segundo e terceiro níveis para enfocar a
engenharia e a mecânica da comunicação. Isto é, o modelo não se deitava sobre o vel semântico
ou a circulação da informão nem sobre os efeitos ou o acontecimento da comunicação.
Ignorava, com isso, a função do sentido comunicacional. A justificativa para essa redução, diz
Weaver, se encontra na pesquisa seminal que Shannon desenvolvia e que tratava de caracterizar
os problemas de eficiência na transmissão. Mas a teoria assim exposta, diz Weaver, tem uma
conseqüência mais profunda que a limitação proposital pode dar a entender. Segundo Weaver,
parte da importância da teoria vem do fato de que o segundo e terceiro veis só podem fazer uso
de sinais exatos dependendo do primeirovel. Com isso, qualquer limitação descoberta no
primeiro vel da teoria deveria necessariamente se aplicar ao segundo e terceiro níveis. Weaver
entende que o primeiro vel, a dimensão técnica do sinal, se sobrepõe aos demais veis de um
modo que até então não se suspeitava. Para o matemático americano, uma teoria do primeiro
vel seria por extensão uma teoria do segundo e terceiro veis tamm
29
, e a separão entre os
três veis que a teoria a princípio desenhava haveria de se mostrar artificial e indesejável
30
.
164
Mas Weaver não resistiu à tentação de propor um entendimento da comunicação que
lidasse com a questão do sentido, não obstante o desenho final de sua teoria da comunicação
31
descartasse o segundo e terceiro níveis para privilegiar o primeiro estágio da comunicação. A
teoria matemática da informação identificava a questão do sentido como pertencente ao segundo
vel dos processos da comunicação. As questões semânticas estariam relacionadas com a
assimilão ou com uma interpretão aproximada do sentido intencionado pelo emissor. Essa
situação, que Weaver qualifica como profunda e filosófica mesmo quando aplicada às simples
dificuldades da comunicação oral, se vinculava ao terceiro nível. Esse último estágio da
comunicação traduz o norte teórico da teoria da agulha hipodérmica, uma vez que alude à
eficiência e ao poder de persuasão da comunicação
32
.
Os três veis propostos por Shannon e Weaver poderiam ser substituídos, mantendo o
formalismo da descrição, por uma tipologia mais próxima à teoria dos sistemas sociais de
Luhmann. Para o sociólogo alemão, a comunicão seria o resultado de três etapas necessárias:
primeiro a indicação ou informação (Information), depois a mensagem (Mitteilung) e por fim a
selão ou a compreensão (Verstehen). A comunicação funcionaria como a unidade da diferença
entre informação e compreensão, e a compreensão seria a unidade da diferença entre informação
e comunicação. Com isso, poderíamos substituir aquilo que Shannon designa como indicação por
mensagem ou ainda seleção. O interessante dessa aproximação é que ela mantém a definão de
Shannon sobre a comunicação como um processo gerador de diferenciação. Essa definição indica
a existência de um elemento endógeno do processo comunicacional que nós chamamos de
acontecimento comunicacional.
O acontecimento comunicacional seria umvel de recodificação da mensagem que
ultrapassa o circuito de alimentação entre emissor e receptor. É um evento que acontece no seio
da recepção como uma selão possível a partir da contingência varvel de mensagens e
informações. Essa selão, de todo improvável, indica a existência de uma diferenciação
funcional ou, nos termos de Heinz von Foerster, de uma seleção que permite a emergência do
novo
33
. A existência desse acontecimento implica que a comunicação configura certo tipo de
diferenciação entre informação e expressão. Haveria entre emissão e mensagem certa tensão,
contraste e delimitação, e entre mensagem e recepção, certa repetição, transferência e dilatão
que permite a contra-efetuação do sentido
34
.
A co-dependência dos estágios comunicacionais descritos na tripartição de Shannon é
semelhante à descrão das etapas semióticas realizada por Charles Morris
35
. Para o semioticista
americano, a produção de sentido perfaz três estratos que articulam a fonologia, a lexicografia e a
semântica modelo que Halliday
36
posteriormente utilizaria para explicar que cada estrato
165
realiza o seguinte. É também possível estabelecer um paralelo com a semiose trisica de Peirce.
Poder-se-ia dizer que as porções do interpretante, representamen e objeto perfazem os três veis
comunicacionais, uma vez que produção sígnica nas três etapas. Am disso, os três momentos
da comunicão tamm guardam alguma contigüidade com a divisão pansemiótica de Peirce
entre primeiridade (firstness), segundidade (secondness) e terceiridade (thirdness). Essa aproximão é
no entanto pouco proveitosa. Isso porque enquanto a primeiridade se refere a uma qualidade
pura e imediatamente sensível, o primeiro estágio ao qual fizemos referência implica
necessariamente em uma noção de signo e referente sempre presente. Esse primeiro estágio
referir-se-ia a um movimento semiótico primário e não à primeiridade do signo.
E se a segundidade guarda certa semelhança com o segundo estágio acima descrito, é a
terceiridade do signo em Peirce que destoa do terceiro nível da comunicação. Ainda que a
terceiridade se refira a uma interconexão entre dois fenômenos, essa conexão existe em
dependência de uma síntese prevista em algum momento do futuro. Há um valor de regularidade
na noção de terceiridade, fundada sobre a existência de uma convenção contínua até um signo ou
espírito absoluto. O terceiro vel ao qual nos reportamos, por outro lado, não implica em
qualquer regularidade, continuidade ou necessidade. Em realidade, trata-se de um estágio do
processo comunicacional de todo improvável.
Foi Luhmann quem primeiro apresentou esse terceiro estágio da comunicação como um
evento improvável. Lars Qvortrup
37
toma a experiência da classe de aula para exemplificar a
improbabilidade da comunicação em Luhmann. Em primeiro lugar, é improvável que os
estudantes se dêem ao trabalho de prestar atenção ao que está sendo dito. Caso eles tenham
prestado atenção, é tamm improvável que eles venham a compreender o que foi dito. Por fim,
é ainda menos provável que os alunos supondo que eles tenham ouvido e compreendido
aquilo que foi dito respondam à mensagem de acordo com as intenções da comunicação.
Luhmann ilustra o problema com uma passagem da sua vida pessoal em família. Toda noite,
antes do jantar, o soclogo alemão dizia a seus filhos para lavarem as mãos. Mas as crianças,
demasiado ocupadas em suas brincadeiras diárias, o ouviam ao papai Luhmann e, na
eventualidade de terem ouvido, não entendiam a mensagem. E mesmo quando elas finalmente
compreendiam a mensagem, as crianças não agiam da maneira esperada. Olhavam para as mãos e
simplesmente não conseguiam entender como elas poderiam estar sujas. Com a conivência
silenciosa da mãe, que afinal achava que nada daquilo importava muito, as criaas permaneciam
fazendo aquilo que lhes parecia mais importante ou interessante.
No diagrama do sentido espectral, esse terceiro estágio da comunicão, o acontecimento
comunicacional, é produzido quando uma ressonância entre o fluxo de informação difundido
166
pelos media e a recepção individual dos receptores. Isto é, o terceiro estágio implica em um
acoplamento estrutural entre media e sistemas psíquicos. Esses observadores operam seleções no
fluxo de informação para reorganizar seus circuitos internos de consciência. O sentido emerge no
momento de distinção entre o fora-ambiente e o dentro-sistema psíquico. Essa emergência ressoa
nos nódulos dos anéis de cebola que devolvem a comunicação para os anéis circulares, com is so
conectando o terceiro e o primeiro estágio. A dinâmica espectral desenha, portanto, um looping de
produção de informão e seleções comunicacionais operadas internamente pelo observador. O
diagrama assim compreendido sugere certa materialidade entre fluxo de informão e
acontecimento comunicacional, que já não mais depende da função subjetiva para ancorar o
momento da recepção.
A última seção deste capítulo apresentará uma série de diagramas cuja finalidade é
descrever a circulação de informação e correlacioná-la ao acontecimento comunicacional. Isso é
necessário uma vez que a mecânica espectral destoa da geografia de difusão dos media de massa.
Um perdico ou uma rede de TV assegura a capacidade de repercussão de uma notícia ou texto
por meio de uma rede que não se desvincula de determinada estrutura econômica ou política.
Com isso, repercussão e difusão na esfera pública são asseguradas por meio de uma estrutura
física de dissipação da informão. Essa relação garantida entre estrutura social e geografia de
difusão desaparece nas redes eletrônicas.
Com isso, o diagrama precisa ser inteiramente redesenhado. Um periódico publica
determinada notícia mas já não tem controle sobre a repercussão da informação. Os sistemas de
difusão se encavalam, e a informação é repetida seguindo os conformes da lógica jornastica:
valor notícia, alcance da cobertura e capacidade de difusão. A dinâmica espectral contamina o
processo imediatamente após esse nível institucional e p-informacional. Na lógica espectral, os
periódicos ou as corporões de media não têm controle sobre o estágio seguinte, pois são eles
tamm mais um subsistema da matriz de media digital que envolve toda sorte de dispositivo
capaz de atuar no continuum atmosrico eletrônico.
A informão noticiada por um perdico pode ou não ser repercutida pela blogosfera ou
pelas plataformas de microblogging. Tampouco a corrente de informão depende desses agentes
individuais, pois sua manutenção depende na realidade da contínua retroalimentão que os
demaisdulos (clusters) oferecem. Esses nódulos podem ser simples usuários, corporões,
mecanismos bridos homem-máquina ou simples internet bots (botnets) flutuando no
ciberespaço. Se ninguém repercute uma informão, ela adormece em algum rincão da internet,
mas sempre alerta à possibilidade de regressar aos anéis da cebola digital. A lógica espectral veda
que a simples repetição sucessiva garanta a passagem da mensagem de um dulo a outro dentro
167
dos anéis da cebola. Tampouco o aparente esquecimento de um pacote de dados garante
definitivamente o futuro de um determinado conjunto de informões. Porque estão sempre
acessíveis, as informações podem a qualquer momento ser retomadas.
Os dados todos circulam por dentro dos anéis da cebola. Nenhum pacote de informão
se encontra em uma posição tecnicamente privilegiada para a difusão em relação a outro, como
veio a sugerir o digrama dos meios de difusão de massa. O sentido acontece quando uma
informação engata em outra e depois em outra e assim por diante. Acontece, afinal, quando a
informação faz sentido para os nódulos. Os múltiplos nódulos se agrupam em relação a uma
informação e passam adiante os dados como em uma rede de nós como em um rizoma,
independente de os nós serem usuários reais, máquinas automatizadas ou corporações de media.
Não há intencionalidade ou subjetividade nesse modelo que nivela todos os parceiros da
comunicação a um endero IP. Os endereços IP gravitam pelos anéis de cebola e de vez em
quando se unem para aperfeoar a distribuição de uma informação ou de uma comunicação. É
essa mecânica que permite o efeito de síntese, isto é, a junção de meios de comunicação digitais e
tradicionais que sinergicamente passam e repassam, para frente e para trás, os dados dentro dos
anéis de cebola.
168
NO TAS
1
      
pois se tratam de ramos do processo incons ciente: a condensação pode ocultar u m elemento ess enci al para o sentido,
             
         Na
  Que el metalenguaje pueda utilizar un grupo de categorías que no sea lingüístico, que consis ta
no en situ ar poema y pr osa en el mis mo reino, sino en significar que el poema es algo discursivo infiltrado de figural,
que es te último no obedezca a ninguna gra tica g ener ativa (ni tampoco a l as supuestas metonimia del
estructuralista), sino a otro orden d e producción del sentido (la matriz fantasti ca), donde no se aceptan las reglas
fundamentales d el lenguaje como las que distinguen en tod o discurso aquello d e qu e se habl a y lo que se di ce), es o es
                      
confianza alguna a las reglas de lengu aje (o de per cepción realista) que permitan distinguir niveles o for mas, cuando
se tr ata de vástagos del proceso Inconsci ente: l a condensación puede ocul tar un elemento esencial par a el sentido, y
         
las parte                
Lyotard, Jean-François. Discurso, Figura. B arcelona: Editorial Gustavo Gili, 1979. (p.306; 307).
2
 
3
N            Idem.
4
Baecker, Dick. Co mputers and meani ng creatio n.
5
Derrida, Jacques. S pect res de Marx. L’Etat de la dett e, le t ravail et la Nouvelle International e. Paris: Galil ée, 1993.
6
Derrida, Jacques. A escrit ura e a diferença. S ão Paulo: P erspectiva, 1971.
7
A obra de Ki ttl er inscrev e os media e as humanidades na ord em cultural eletrônica, dedicando aos estudos d os
media uma posição centr al nas ciências hu manas. Kittl er oferece uma perspectiva incomum nos es tudos dos meios
ao unir discurso teóri co e discuss ão técni ca. Desfaz, com isso, a separação entre críti ca e tecnologia que preservava
uma distânci a epistemológica entre teoria e dispositivos técnicos. De acordo com Kittler, a correlação entre análise
teórica e os dispositivos utilizados par a a análise foi originalmente sugerida por Lacan, cujas obras descrev em
posições dentro do sistema dos media. Os escri tos, seminários e conf erências radiofôni cas ou tel ev isionadas de
Lacan o por essa razão intitulados        
de Lacan para arriscar uma cti ca dos meios pós-simbólica, arranjo em que os meios determinam as modalid ades de
existência. A materialidade dos meios perfaz tod a a obr a d e Kittler, que funde a crítica pós-estrutur alista a u ma
abordagem his rica dos meios para penetrar dis cretamente nas parti cularidades dos canais d e comu nicação. Essa
abordagem historicista da teoria d os meios proposta por Kittler espelha todo o espírito de uma época. O original
alemão de G ramo pho ne, Film, Typewriter foi publicado em 1986, um ano após a fundação do L aboratório de M edia do
Institu to de Tecnologia de Massachusetts (MIT Medi a Lab) e do Cyborg Manifesto de Donna Haraway. Em 1984,
dois anos antes da publi cação de G ramophone, Film, Typewriter, William Gibson publicava Neuromancer, seu epítome
do ciber espaço, e Octavia B utler pu blicava Xenog enesis, sua trilogia de ficção científica f eminista. O ano d e 1986
tamm dista apenas 24 mes es do lançamento oficial do Macintosh da Apple. Ver Ki ttl er, Friedrich. Grammophon
Film Typewrit er. B erlin: Brinkmann & Bos e, 1986.
8
Barthes, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteir a, 1984. (p.20).
9
Virilio, Paul. Lhori zon negatif: essai de dromosco pie. Paris: Edi tions Galilee, 1984. (p.224).
10
McLuhan, M arshall. Essenti al McLuhan. Toronto: Anansi, 1995.
11
Guillaume, Marc. L e Co ntagion des Passio ns: Essai S ur L’Exotisme Interieur. Paris: Plon, 1989.
12
O ciber espaço foi amplamente descri to por meio de metáforas de difusão, que indi cam apenas uma complexid ade
inomináv el eo oferecem qualquer d escrão pormenorizada. Essa tradição narrativa, cujas car acterísticas gerais são
de surpres a e i nocência em rel ação ao universo digital, pode s er encontrad a em Robin Hamman, que d escrev e o
ciberes paço como u m rizoma ou reino da fantasia, ou Robert Markley, que o apr esenta como atmosfer a. William
Gibson, por sua v ez, entend e o ciberespaço como uma complexidade impond erável, rai os de luz, constelação de
dados, nuvens ou alucinão consensu al. Pierre Lév y fal a em uma inteligênci a coletiva, definição qu e é em si mesma
uma metáfora da difusão. A ess e respeito, v er Hamman, Robin. The Role of Fantasy i n the Co nst ruction of t he On-li ne Other:
a selectio n of int ervi ews and participant observ ations from cyberspace. 1995; Markley, Robert. Virtual Reality and Their Disco ntents.
Baltimor e: John Hopkins University Press, 1996; Gibson, William. Neurom ancer. New York: Ace Book, 1995 e Lévy.
Pierre. A Inteligência Col etiva. São Paulo: Loyola, 2003.
13
O problema com as metáforas de difusão é qu e elas são analiticamente icuas e estéreis. Metáforas d e difusão
apontam para a exis tência de algo impreciso, um femeno emergente, mas s ão incapazes de indicar os fatores ou
componentes do fenômeno.
14
Vocabul ário Po rt uguez Latino. Coi mbra: Colégio das Ar tes da Companhia de Jesu s, 1712. (p.406).
15
No original em inglê       
this term entered common dis course in the nineteenth century. B oth definiti ons derive, as with much in s ecular
culture, from religious origins, though they refer to s omewhat different regions of religious experi ence. We might
169
label these descriptions, I onl y to provide handy pegs upon which to hang our thought, a tr ansmission view of
                 
commonest in our culture perhaps in all industrial cultur es and dominates contemporar y dictionary entries
          
It is formed from a metaphor of g eography or transportation. In the nineteenth century but to a l es ser extent today,
the movement of goods or people and the movement of information were s een as essentially identi cal processes and
                      
transmission of signals or messages ov er distance for the purpose of control. I t is a view of communication that
derives from one of the most anci ent of human dreams: the desire to increase the speed and effect of mes sages as
     Comm unication as Culture: Essays on Media and Soci ety. New York: Routledge, 1992.
(p.18).
16
        
but toward the maintenance of soci ety in time; not the act of imp arting infor mati on bu t the r epres entation of shared
beliefs. If the archetypal case of communi cation under a transmission view is the extension of messages across
geography for the purpose of control, the archetypal case under a ritual vi ew is the s acred c eremony that dr aws
                 
religion is apparent in the name chosen to label it. Moreover, it derives from a view of religion that downplays the
role of the ser mon, the instruction and admoni tion, in order to highlight the role of the prater, the chant, and the
ceremony. It sees the original or highest manifestation of communi cation not in the transmission of intelligent
informatio n but in the constructi on and maintenance of an ordered, meaningful cultural world that can s erve as a
          Comm unicatio n as C ulture: Essays on M edia and So ciety . New
York: Routl edge, 1992. (p.19).
17
     v erstehen, ist es hilfreich in die Spr achgeschi chte zurü ckzugehen.
      comm uni s  mehreren oder allen gemei nsam, allgemei n, gewöhnlich
bezeichnet. Aus ihm leitet sich comm uni a = Gemeinde, comm unio = Gemeinschaft, communicare = etwas gemeinsam
machen, gemeins am beraten, ei nander mitteilen od er auch comm unis = mi tverpflichtet, mitleis tend ab. Frei von
Leistung zu s ein, nicht mitverpflichtet zu sein, war das Gegenteil v on communis,mlich imm uni s. Interes  
der Handlu ngsbegriff commu nicar e ents tanden ist und nicht der Handlungsbegriff immunicare. Warum dies so ist,
                
einzelmenschliches Han           
konnte. Di e Gemeinschaft war g eschl ossen. Sie erhiel t sich durch kontrollierende L oyali t und rituell e Bindung,
durch ökonomische, religiös-insti tutionelle, familia       Was ist
Kommuni katio n? München: Fink, 1997. (p.83-84).
18
James Car ey r esume es se hiato nas teorias e métodos da comunicão ao ex emplificar como os dois mod elos
       minar mos um jornal dentro da perspectiva da tr ansmiss ão de
informação, veremos o mediu m como um instru mento par a disseminar informação e conheci mento... com pacotes
de informação cada vez maior es distribuídos por distâncias cada vez mais ex tens as. As ques tões que surgem dizem
respeito aos efei tos na audiência: se a notíci a esclarece ou es conde a realidade, se altera ou confirma as atitudes, se
gera credibilidad e ou desconfiaa. Uma abordagem da comuni cação como comunhão enfocará uma gama diferente
de problemas ao exami nar o mesmo jornal. Irá, por exemplo, tomar o receptor do jornal menos como emissor ou
receptor de informação e mais como algm que toma parte de u ma massa, de u ma situação na qual nenhuma notícia
é aprendida, mas na qu al uma vis ão de mundo particular é retratada e confirmada. A leitura e a es crita da notícia,
além de ser um ato ritualístico, é também u m ato dramático. Aquilo qu e é exibido par a o leitor não é informação
pura mas u m retrato d as forças em dispu ta no mundo. E conforme o jornal é lid o, os leitor es par ticipam de uma
                  
under a trans mission view of communication, one s ees the medium as an instrument for diss eminating news and
knowl                    
audiences: news as enlightening or obscuring reality, as changing or hardening attitu des, as breeding credi bility or
doubt. A ritual view of communication will focus on different range of problems in ex amining a newspaper. I t will,
for example, vi ew reading a newspaper l ess as s ending or gaini ng information and more as attendi ng a mass, a
situation in whi ch nothing new is learned but in which a parti cular view of the world is portrayed and confirmed.
News reading, and writing, is a ritual act and mor eover a dramatic one. What is arrayed before the reader is not pure
informatio n but a por trayal of the contending forces in the world. Moreov er, as readers make their way through the
    Co mmunicatio n as Culture: E ssay s on
Media and Society. New York: Rou tledg e, 1992. (p.18).
19
Flusser escrev eu e desenvolv eu su a Comuni cologia na década de sess enta no Brasil, qu ando professor da
Universidade de São Paulo e da FAAP, e a partir d e 1972, quando volta a Europa e s e estabel ece na cidade de
Rubion, no sul da Fraa. Ness e período Flusser começa a se dedicar a outros temas, comodigo, fo tografia e
ensaios sobre a biologia marí tima. Mas de acordo com o manuscrito de sua Teoria da Comunicão, que Franziska
Thöne comentou, o período francês e as aulas (Vo rlesungen) que Fluss er proferiu foram essenciais para o
desenv olvimento de sua Filosofia da Comunicação.     
170
biografischen Daten, die mit seiner Lehrtätigkeit zus ammenng en. Bevor ich zu der Zeit in Frankreich, wo er
    [Luminy é o nome do campus da
Facul des S ciences de Lumi ny da Univ ersité de la Méditerranée em Marsel ha (Aix-Marseill e II - U AMII)], seine wesentli che
Vorlesung zu seiner Kommunikationsphilosophie, häl t, komme, möchte ich ausführlicher auf die brasilianische
universitäre Zeit zu spr echen kommen. Ich erhoffe mir dabei auf Informationen zu stoßen, di e ein einheitlicheres
           D er
Kommuni katio nsbegriff bei Vilém Flusser. München: GRI N Verlag, 2006. (p.10). A primeira edição de seu Komm unikologie
contava com a introdu ção O Que é a Comuni cação (Was ist Komm unikatio n) e os dois capí tulos qu e des crevem as
estruturas da comunicão: Algumas Es truturas da Comunicação (Einige Komm unikationsstrukturen) e Como essas
Estruturas Funci onam (Wie diese Strukturen funktio nieren). U ma v ersão alternativa da Comunicol ogia foi publicada, em
portugs, na edi ção brasil eira Pós-História, um comndio de aulas e pal estras de 50 minutos que Flusser proferiu
em Marselha, Jerusalém e São Paulo. O excerto Nossa Comunicação é um resumo do primeiro e segundo catulos
de Kommunikologie, cujo manuscrito original, previamente intitulado Mutações das Relações Humanas, já havia sido
inteiramente r eunido por Flusser entre 1977 e 1978, primeiro em inglês e alemão, depois em francês , e cuja
publicação póstuma em 1996 foi organi zada por Vera Eckstein e S tefan Boll mann. No primeiro capí tulo Flusser
descrev e as seis estru turas da comunicação, sendo quatro modalidades discursivas: o Dis curso T eatral, Piramidal,
Arbóreo e Anfiteatr al, e du as dialógicas: o Diálogo em Círculo e em Red e. O s egundo capí tulo trata de analisar como
essas seis estruturas funcionam de um ponto de vista informacion al e comunicacional. A in trodução à Komm unikologie
O Que é Comunicação (Was ist Komm uni kation), escrito entre 1973 e 1974 ganhou uma tradução brasileira em
2007 no compêndio de ensaios O Mundo Codificado. O mesmo texto havia sido traduzido para o inglês como What
Is Comm unication e publicado em 2002. A versão americana tamm conta com um texto adici onal intitulado Sobre a
Teoria da Comunicão (On t he Theory of Communicatio n), que Flusser escreveu em ings e qu e ainda o encontrou
tradução quer para o Por tugs, quer para o Aleo. S obre a Comunicol ogia de Flusser, ver Flusser, Vilém.
Kommuni kologie. Frankfurt am Mai n: Fischer, 1998; Flusser, Vil ém. Writi ngs. Minneapolis: University of Minnesota
Press, 2002; Flusser, Vilém. Pós-Hi sria: Vint e inst ant âneos e um mo do de usar. o Paulo: Duas Cidades, 1983; Flusser,
Vilém. O mundo codificado: po r uma filosofia do design e da com unicão. São Paulo: Cosac Naify, 2007; Thöne, Franziska. D er
Kommuni katio nsbegriff bei Vilém Flusser. München: GRIN Verl ag, 2006.
20
Flusser não foi o único autor qu e pensou a relação dialógica para extrair um pensamento sobre a comunicação.
Martin Buber, por sua vez, via nas relações Eu-Tu e Eu-Isso (Ich-Du e Ich-Es) tipos de relações que, embora o se
referissem especificamente a pessoas, contribu em para o entendi mento da comu nicação. A filosofia de Martin Buber
contém um plano de r elões que L évinas tom aria de emprés timo, embora r ejeitando a relação Eu-Tu, para
apresentar su a filosofia da alteridade. Foi Ludwig Feu erbach, entretanto, qu em primeiro se dei tou sobre a r elação Eu-
Tu (Ich und Du Beziehung). Para o filósofo do materialis mo aleo, a rel ação Eu-Tu é um tro dis tintivo dos seres
humanos em r elação aos ani mais, u m fundamento de toda constrão moral (porque direcionad a à al teridade) e que
serve de base a todas as r eligiões. Ver Feuerbach, Ludwig. Das Wesen des C hri stentum s. Stuttg art: R eclam, 1994; Buber,
Martin. Ich und D u. Heidelberg: Lamber t Schneider, 1979 e Levinas, Emmanuel. L e Temps et l’A utre. Montpelli er : Fata
Morgana, 1980.
21
No original em aleo: Theaterdiskurse, Py rami dendiskurse, Baumdi skurse, A mphit heaterdi skurse; K reisdialoge e Net zdialoge.
Ver Flusser, Vilém. Kom munikologie. Frankfurt am Main: Fischer, 1998.
22
Flusser, Vilém. Pós- Histó ria: Vinte instanneos e um modo de usar. S ão Paulo: Duas Cidades, 1983. (p.59).
23
Flusser lembra tamm que os relais tra-dizem e qu e religião, afinal, é re-ligão entre receptor es e autores. Ibi dem,
(p.60).
24
            Ibidem, (p.59). Iss o porqu e o
acopl amento entre discurso arbor escente e anfiteatral presci nde da elaborão dialógica. Diálogos cir culares seria
uma propried ade do discurso teatral, função inexistente na modalid ade piramidal. E se o discurso arborescente
modela diálogos circulares para especialistas, o discurso anfiteatral só faz irradiá-los em rede. É o teatro qu e exige
que se reali ze a mensagem e que portanto produz informão nova. A pirâmide veta o diálogo e a árvor e exige
competências específicas para geração de i nformação nova. A modalidade anfiteatral não teria soluci onado o
problema porque tr ansforma a informão em ming au amo rfo, em “opi nião blica, a fim de servir de feedback ao s aparelhos
emisso res. A m eta dos diálogos em rede não é a produção de i nformação nova, m as o feedback. Flusser, com isso, termina sua
pequena ti pologia da comunicação com uma nostalgia da r epública, único es paço possív el para o teatro, essa
modalid ade por excel ênci a dialógica. Ver Flusser, Vilém. Pós- His ria: Vi nte i nstanneo s e um modo de usar. São Paulo:
Duas Cid ades, 1983.
25
             
informatio n is contained in the memory of the s ender and trans mitted to the memory of the receiv er. Therefore,
informatio n precedes the discours e, and discours e serves the purpose of transmi tting information from one
participant to another parti cipant of a culture. An exampl e of this is a lectur e. In dialogue, there is parti al information
in the memories of the parti cipants that is being synthesized into global information by the process. Ther efore, new
informatio n results from dialogue, and it s erves the purpose of el aborating information for a culture. An example of
this is parliamentar y debate that elaborates a law. The dynami c of communication is the elaboration of information
171
             Writings. Mi nneapolis: Universi ty of
Minnesota Press, 2002. (p.18).
26
A diferea entr e sinalização e informação, e informação e comunicação, pode ser entendida de modo mais
pedagógico no drama clínico de Leonard Lowe, u m catanico que passou 30 anos s em qu alquer r elação com a
realidad e. Reanimado por meio de terapias heterodoxas e uso de drogas específicas, o médico pergunta ao paciente o
que lhe fez ter certeza de que havia acord ado e saído do estado de catatonia: foi quando eu falei e vo entendeu o que eu
dizia, disse o então ex-catatôni co. A frase de Leonard Lowe indica a realização do primeiro e segundo estágio.
Subitamente o paciente era capaz de sinali zar e, eventualmente, ser compreendido. Esse segundo es tágio, o de duas
consci ências que se encontram em u ma si tuação de dupla contingência comunicativa, admite a ocorrênci a da
compr eensão e, portanto, do acontecimento comuni cacional. A cena acima é apresentada numa gravação que o Dr.
Sayer assiste repetidas vezes confor me o quadro médico d o paciente piora. Estas são as falas do roteiro original:
Leonard: My name is L eonard Lo we. It has been explai ned to me that I have been away for quit e some tim e. Im back. I thought it
was a dream at first. Sayer: When did you realize it wasnt? Leonard: When I spoke and you understood me. O personag em de
Robert de Niro nunca existiu. Leonard Lowe foi baseado em alguns pacientes do médico Oliv er Sacks, cuja história
narrada em Awakening s foi levada às telas no filme de mesmo nome. No livro, a personagem Mrs. C. começa a ser
tratada com a droga L-DOPA em 1969 com resul tados surpreendentes. Dur ante uma visi ta d e Lawrence Weschl er a
Mount Carmel, em 1982, a seguinte conversa foi gravada: Wes chler: Do you rem ember what it was like when you cam e to?
Genie: Oh, yes. Wes chler: What was it like? Gertie: S uddenly I was talki ng. Wes chler: Do you rem ember yo ur fi rst words?
Genie: Oh, yes. Weschl er: What were they? Geni e: Oooh! Im talking! Sacks, Oliver. Awakeni ngs. London: Picador, 1991.
             
           
de vida e de movimento. Eu per cebi então que não estava nem morta, nem no inferno. Pude s entir a vida pulsar
dentro de mim. Eu me senti com          
      I saw the peopl e all around me living and moving. I realized I was neither dead nor in
Hell. I felt life stirring inside me. I felt somethi ng like a shell breaki ng inside me. And suddenly I could mov e and
  Idem, (p.173). Ess es parágrafos e cenas marcam um paralelo in ter essante com u m tema kantiano que
Wittgenstein visita com freqüênci a: a vermelhidão. Enquanto eu repito para mim mesmo, ú nica e irrefletidamente:
isto é vermelho, eu o saio do campo do autis mo. Quando outrem entende o que eu disse por i sto é vermel ho, instala-se
um fenômeno dif erenci al. No primeiro caso, estamos no plano da proposição, no segundo, no plano da indi cação
(sinalizão). Tamm Merleau-Ponty comenta o reino da linguagem no afásico, que precisa de um es talido para
começar a escr ever ou falar. Esses casos clínicos levaram o filósofo francês a ques tionar a natur eza do sentido, da
linguagem, da consci ência e da com      
              
linha traçada pr eviamente ou apenas mancha de tinha no papel que os arranquem da ver tigem do v azio e lhes
permita com ar. (...) Cada u m, num cer to sentido, é par a si a totalidade do mundo e, por uma graça de Estado, é
quando s e conv ence disso qu e isso se torna verdadeiro: pois então ele fala e os outros compreendem e a
totalidade privada fraterniza com a totalidad e social. Na fala s e realiza a impossível concorncia de duas totalidades
rivais, o que ela nos fa entr ar em nós mesmos e reencontrar algum espírito único do qual parti ciparíamos, mas
porque ela nos concerne, nos atinge de viés, nos s eduz, nos arrebata, nos tr ansforma no outro e ele em nós, porque
ela abol e os limites do meu e do o-meu, e faz cessar a al terncia do qu e tem sentido para mi m e do que é o-
sentido para mi m, de mim como sujei to e do o   -Ponty, Maurice. A Pro sa do Mundo. São
Paulo: Cosac & Naify, 2002. (p.178-180). Os exemplos de Wittgens tein e M erleau-Ponty fazem referência ao
momento em que uma sinalização é compreendida e, com iss o, há informação. Mas daí para o fenômeno da
comuni cação ainda uma etapa supl ementar. É preciso que algo aconteça. Ver a esse r espei to: A wakenings. Dirigido
por Penny Marshall, roteiro de Steven Zaillian baseado no livro de Oliver Sacks. Com Robert De Niro, Robin
Williams, Julie Kavner e Ruth Nels on. 121 mi n, Colorido, Dolby SR. US A, 1990; Sacks, Oliver. Awakenings. London:
Picador, 1991; Wittgenstein, Ludwig. Philosophisc he Unt ersuc hungen. Kritisch-genetische Edition. Wissenschaftli che
Buchges ellschaft: Frankfurt, 2001 e Merleau-Ponty, Maurice. A Prosa do M undo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
27
         
o receptor. No caso da telefonia, o canal é um fio, o sinal é a corrente el étrica v ariáv el, o transmissor é o conju nto de
dispositivos (transmissor do telefone, etc.) que codifica o som da voz em sinais el étricos variáveis. No tel égrafo, o
transmiss or codifica as pal avras escritas em u ma s eqüência de sinais des contínuos com duração varvel (pontos,
linhas, espaços ). Na fala oral, a fonte da informação é o cér ebro, o trans missor é o mecanismo d a voz que produz
sons variados (o si nal) que s erão trans mitidos pelo ar (o canal). No rádio, o canal é simplesmente o espo, e o sinal é
a onda el             
messag e into the signal which is actually s ent over the communicati on channel from the transmitter to the receiv er.
In the case of telephony, the channel is a wire, the signal is a varyi ng el ectri cal current on this wire, the transmitter is
the set of devices (telephone trans mitter, etc.) which change the sound pr essure of the voice into the varyi ng
electrical current. In tel egraphy, the transmitter codes written words into sequ ences of interrupted current of varyi ng
lengths (d ots, dashes, spaces). In oral speech, the infor mation source is the br ain, the transmitter is the voi ce
mechanis m producing the varying sound pressur e (the signal) whi ch is transmitted through the air (the channel). In
172
radio the channel is simply space and the signal is the electromagnetic wave which is tr ansmi tted. Shannon, C, &
Weav er, W. The mat hematical t heo ry of comm unic ation. Urbana: Universi ty of Illinois Press, 1962. (p.98).
28
Do ponto de vis ta matetico de Shannon e Weaver, o primeiro grupo envolve a trans missão limitada d e
mbolos descontínuos, o segundo grupo se refere à trans missão de uma função contínua no tempo, e o terceiro, à
transmiss ão de múltiplas funções no tempo ou uma contínua função no tempo disposta em duas coordenadas
espaciais.    Mathematicall y, the first involves transmission of a finite set of discrete s ymbols,
the second the transmissi on of one continuous function of time, and the third the transmission of many continuous
     Idem, p.96.
29
                   
chiefly by Claude Shannon at the Bell T elephone Laboratories, admittedly applies in the first instance onl y to
problem A, namely, the technical problem of accuracy of transference of various types of signals from s end er to
receiver. But the theory has, I think, a d eep significance which proves that the preceding paragraph is s eriously
inaccurate. Part of the significance of the new theory comes from the fact that levels B and C, above, can make use
only of those signal accuracies which turn out to be possibl e wh en analyzed at Level A. Thus any limitations
discovered in the theor y at Lev el A necessarily appl y to levels B and C. But a larger part of the significance comes
from the fact that the analysis at L evel A dis closes that this lev el overl aps the other levels mor e than one could
possible naiv ely suspect. Thus the theory of Level A is, at least to a significant degree, also a theor y of levels B and
Ibidem, p.97-98.
30
No original em ingles:      made at L evel A is capabl e
of contributing to levels B and C, was justified in indicating that the i nterr elation of the three levels is so consider able
that one's final conclusion may be that the s eparation into the three l evels is really artificial and un Ibi dem,
p.114.
31
Weaver argumenta ainda qu e a consideração do segu ndo e terceiro níveis haveria de demandar pequenas adições
ao esqu ema, mas não u ma revisão séria.    It is almost certainly true that a consideration of
communication on levels B and C will require additions to the s chematic diagram on page 97, but it seems eq ually
     Ibidem, p.115.
32
        ed with the identity, or satisfactorily cl os e
approximation, in the interpretation of meaning by the receiver, as compared with the i ntended meaning of the
sender. This is a very deep and involved situation, even when one deals onl y with the rel ativel y si mpler problems of
communicating through speech. The effectiveness problems are concerned with the s uccess with whi ch the meaning
conveyed to the receiver leads to the desired conduct on his part. It may seem at first glance undesirably narrow to
imply that the purpose of all communication is to influence the conduct of the receiv er. But with any reasonably
broad definiti on of conduct, it is clear that communicati on either affects conduct or is without any discernible and
 Ibidem, p.96-97.
33
Ver von Foerster, Hei nz. Epist emology of Communicatio n. IN: Woodward, Kathleen. The myths of informatio n: technology
and posti ndust rial c ulture. Madison: Coda Press, 1980. (p.21)
34
Ver Deleuze, Gilles. Lógica do S enti do. São Paulo: P erspectiva, 2003.
35
Morris, Charles. Signs, Language and Behaviour. New York: G. Braziller, 1955.
36
Halliday, Michael. Language as Social Semiotic. London: Edward Arnold, 1978.
37
Ver Qvortrup, Lars. Underst anding New Digital Media: Medi um Theo ry or Complexity Theory? European Journal of
Communication, 21.3, 2006. (p.345-56) e Luhmann, Niklas. A Im probabilidade da Comunicação. Lisboa: Veja, 1992.
173
2. SENTIDO
tópicos
i - a lógica
ii - a linguagem
iii - a fenomenologia
iv - a teoria dos sistemas
v - a teoria do sentido espectral
notas
O conceito de informão desenvolvido nessa teoria
parece, à primeira vista, d esapontador e bizarro.
Desapontador porque não tem nenhuma relão com o
sentido, e bizarro p orque o lida com uma única
mensagem, e sim com o caráter estatísti co de todo um
conjunto de mensagens. (...) Eu acredito, entretanto, que
essas reações devam ser temporárias; e que deveríamos
dizer que essa alise, por fim, limpou a atmosfer a de
forma tão penetrante que agor a nos encontramos, talv ez
pela primeira vez, preparados para uma v erdadeira teoria
do sentido.
Warren Weav er
1
I. A lógica
Antes de Gottlob Frege, a tradição logicista descrevia o significado das palavras por uma
abordagem realista. Para o empirista John Locke, as idéias mediavam ambientes e palavras. Essa
escola logicista descartava a dimensão intersubjetiva na formação do sentido e estabelecia uma
relão prioritária da cognição frente à linguagem. As palavras apontariam para idéias já dadas,
imagens formadas ou representações externas dos objetos. A linguagem, por sua vez, seria uma
ferramenta para conduzir as idéias de um indivíduo para outro. Com isso, o sentido dos termos
residiria na mente de cada sujeito e a verdade seria entendida por meio de uma relação de
correspondência com os objetos representados no mundo externo.
A abordagem seminal de Gottlob Frege em Sobre o Sentido e a Refencia (Über Sinn und
Bedeutung) introduziu conceitualmente a diferea entre sentido (Sinn) e significação (Bedeutung). O
sentido deixava de ser determinado pelos pades de uso e não mais se definia pela descoberta
dos nomes e de seu funcionamento. A dimensão proposicional responderia pela categoria da
significação, e o sentido, por uma função que fixaria a referência, isto é, a significação. Em outras
palavras, o sentido era uma maneira de apresentar a refencia ou um critério de identificação
dessa referência.
Um capítulo especial da obra de Frege, aquele que ficou conhecido como a mitologia
fregeana, é importante na medida em que oferece um conceito de sentido que não é determinado
174
pelas varveis subjetivas e que se realiza fora das consciências. Seria um sistema frasal
independente que compreende a variação topológica entre objetos e modos de apresentação,
invariavelmente apresentados como uma articulação que não se restringe ao contexto lingüístico.
Esse emprego relacional entre objetos e modos de apresentação permite ver que sua articulação
se em contextos lingüísticos mais amplos que a simples palavra. Mesmo o contexto frasal ou
proposicional determinaria apenas a posição dos termos e, conseqüentemente, seus significados.
Essa hipótese entende que o significado de uma palavra seria estabelecido em fuão das
relões que o termo partilha com o conjunto. As palavras teriam significados próprios, mas
quando utilizadas em uma frase, esse significado passaria a depender de uma relação multilateral
entre o termo e as fuões que ele estabelece dentro das variações proposicionais, isto é,
dependeria do modo como suas propriedades são apresentadas. Essa função permite ver que o
sentido se constitui como um sistema de segunda ordem destacado do significado e das imagens
subjetivas da mente individual.
Wittgenstein tamm se posicionou contrariamente à tradição de Locke. O filósofo
austríaco entendia que o sentido não era gerado por consciências individuais. Não era uma
operação mental direcionada a objetos específicos recriados na mente do sujeito. Não seria,
portanto, uma formulação pessoal e sim uma produção compartilhada e associativa. A linguagem
era então primeira em relação à cognição e o sentido não seria uma produção privada, individual,
mas uma manifestão social e intersubjetiva. Os mesmos processos cognitivos descritos por
Locke só poderiam ser entendidos como resultado de práticas lingüísticas derivadas de complexas
relões sociais.
As palavras teriam suas significações negociadas entre os participantes de um jogo cujas
regras seriam flexíveis e variáveis. As significações surgiriam em virtude das necessidades
contextuais de nomeação dos objetos e não teriam qualquer referência última no mundo exterior.
Onde Locke via uma ferramenta para descrever idéias, Wittgenstein viu um sistema ou jogo
governado por regras dinâmicas. Essas regras, aprendidas implicitamente e acolhidas tacitamente,
não teriam definições rígidas e poderiam demandar de um principiante vários anos de
socialização. A socialização, ou o jogo, seria a operão dinâmica responsável pela atribuão de
sentido.
A abordagem w ittgensteiniana pertence de todo modo à lógica. A linguagem não seria
definida nem pelo digo implícito, nem pelas significações que explicita. Seria a sobrecodificação
do código, isto é, a complexificação progressiva entre significados cruzados que criaria a
linguagem. Essa imagem de um processamento contingente entre instâncias que partilham do
mesmo código é semelhante aos fundamentos da programação de computador. Há em ambos os
175
modelos uma disposição entre agentes que devem concordar, de maneira implícita, sobre o
digo utilizado, condição fundamental para que input e output venham a concordar com as
intenções do programador.
Essa imagem derivada do pensamento de Wittgenstein contribui para a definão do
conceito de sentido espectral. Frege, por sua vez, oferece um conceito de sentido
necessariamente mais extenso que a circulação de signos. Os comentários de Frege sobre o
conceito de sentido remetem para três reinos, nos quais o logos seria o reino do sentido. E se a
lógica de Frege oferece a figura de um reino de sentido, a contribuição de Wittgenstein para a
imagem do sentido espectral é a caractestica empírica, em nada abstrata e de todo vinculada às
práticas do cotidiano, que define seu conceito de jogos de linguagem.
II. A linguagem
Saussure pensava ter encontrado nos anagramas um padrão de significação não
subordinado à teoria do signo. Não obstante o lingüista suíço buscasse provas de uma
composição consciente e proposital dos anagramas, o fenômeno ana gramático sugere um
conjunto estranho de convenções que criavam significação. Não havia indícios de que a palavra-
tema” ou palavra-indutora fosse deliberadamente escolhida pelo poeta. Mas havia incios de
um processo que fugia à dinâmica entre signo e significante e que apontava para um
acontecimento nas entranhas da linguagem.
Esse horizonte intra-sistêmico sugere a imagem de uma complexidade desgovernada,
emergente e auto-expansiva. É essa também a imagem do sentido espectral, um modelo de
codificação de proposições e informações que é organizado em decorncia de certa
materialidade tecnogica. Se os anagramas eram um modo de produção de sentido cuja forma
dependia da poesia escrita, o sentido espectral é um modo de produção de sentido cuja forma
espelha a matriz digital.
Tamm Merleau-Ponty recorreu à lingüística de Saussure para apontar a natureza do
sentido como um desvio entre si mesmo e outros signos. A intuição de Saussure seria
imediatamente percebida pelas crianças, sempre preocupadas com a ligação lateral de um signo a
outro em uma relação final do signo com o sentido. Embora Merleau-Ponty tenha em mente o
sistema de signos de Saussure, e não sua produção sobre os Anagramas, a obra do lingüista
genebrino permitiu ao filósofo frans refletir sobre a linguagem em termos de um domínio cujas
portas só se abrem do interior. Isto é, um campo no qual os signos se organizam a si mesmos, e
de cujas bordas se reclamam o sentido. De novo a dimensão intra-sistêmica do sentido.
176
Roland Barthes, por sua vez, comentou Bataille para indicar a existência de uma espiral de
significações entre diferentes cadeias de significantes. O sentido se estabeleceria por meio das
séries de metáforas que fariam com que cada significante remetesse a um termo vizinho. O
significado encontrava sua estabilidade nesse escalonamento de significantes que atravessava as
diversas cadeias. A cadeia se iniciava no termo gerador da metáfora e se proliferava de um termo
vizinho a outro. Há nessa descrição do sentido a imagem de um movimento espiralado, e cuja
significação é garantida por meio de recortes transversais.
Mas a contribuição mais importante para o sentido espectral vem de Deleuze, que retoma
o pensamento dos Estóicos para comentar a série dos seres (o corpóreo) e a série dos
acontecimentos (o incorpóreo) , fuão entre matérias e eventos que define o acontecimento
lingüístico como um choque entre os corpos. O sentido seria um efeito não necessário que se
depreende dos corpos em movimento, uma mistura que produz uma diferença sem alterar a
natureza dos corpos. Acontecimento e sentido, com isso, o seriam fenômenos sicos nem
pertenceriam aos corpos (signos). Um e outro conformam um efeito de superfície, isto é, o plano
dos acontecimentos e dos incorporais.
É importante para a teoria do sentido deleuzeana o diagrama dos dois planos ou das duas
séries: o plano de organização e o plano de consistência. O primeiro plano compreende os
movimentos de territorialização dos seres e dos corpos. O segundo plano inclui os movimentos
de desterritorialização das transformações incorreas e das hecceidades. Aos dois planos
convergem duas séries: primeiro a do presente imediato em que as coisas acontecem
cronologicamente, segundo a temporalidade eterna do aiônico. A primeira atualiza os elementos
em um presente histórico, a segunda é o possível de uma duração que só tem passado e futuro.
Esse diagrama, que remete aos Estóicos, permite vincular signo e proposão, isto é, sinalizão e
informação, e por fim, informão e sentido. É também esse diagrama que permitirá a descrição
dos componentes do sentido espectral, especialmente a vinculação entre serialização e
aglutinação, de um lado, e nódulos e disrupção, de outro.
Isso porque a teoria do sentido de Deleuze compreende uma ampla variação do conceito,
que transita entre um entendimento proposicional e uma acepção sensível. O mesmo diagrama
que explica a natureza do sentido frasal também se aplicaria ao sistema da ngua. Com isso, o
plano corpo-linguagem só comunica, isto é, só ultrapassa a mecânica da informação para
comunicar quando essa força silenciosa que dissolve os corpos. A diferença de natureza entre
signo e sentido, corpóreo e incorpóreo, é análoga à tensão entre circulação de informação e
acontecimento comunicacional. Quando a informão envolve o receptor e o remete a um
177
circuito diferencial, há uma passagem de planos que é o acontecimento comunicacional. O
sentido realiza a comunicação da mesma maneira que realiza os componentes da linguagem.
O conceito de sentido em Deleuze descarta qualquer intencionalidade entre conscncias
ou ontologia. Tratar-se-ia de um evento imprevisível que muda a configuração dos corpos. Não
haveria uma dotação de sentido produzida pelas consciências intencionais. As intencionalidades
apenas se encontrariam como uma frião entre corpos arranjados em um ambiente comum. O
evento do sentido respeita às individualidades sem sugerir qualquer fusão ou compartilhamento
de um horizonte de possibilidades.
A fuão proposicional do sentido corresponderia a um regime de signos que o filósofo
francês chama de continuum amorfo atmosférico, um sistema no qual todos os signos são signos
de outros signos, e inclusive o significante é apresentado como um signo redundante do próprio
signo. O continuum amorfo atmosrico de Deleuze
2
aponta não para o significado dos signos,
mas para a referência desses signos dentro de uma rede seqüencial de conexões que não tem
começo nem fim. A imagem de um continuum amorfo atmosrico é interessante, especialmente
quando justaposta à idéia de uma matriz de media tal como descrita por Niels Finnemann
3
. A
imagem de uma rede de signos lugar a um espaço contínuo de diversos media compreendidos
em um recorte temporal. O sentido espectral, com isso, existiria dentro da matriz eletrônica como
uma variação particular de signos, mensagens e comunicações.
Também Niklas Luhmann ofereceu a imagem de uma rede seqüencial de operações que
utilizamos para descrever a forma do sentido espectral. Mas em Luhmann, a comunicação do
sentido é uma operão exclusiva dos sistemas sociais e o pode ser estendida para as
mensagens ou para a decodificação da informação em polaridades como emissor e receptor. O
conceito deleuzeano de continuum amorfo atmosrico, uma vez redefinido como uma matriz de
media, permite inserir elementos inexistentes no esquema de Luhmann, como mensagem e
expressão ou os agentes que exprimem as mensagens. Ademais, o diagrama proposto por
Deleuze & Guattari compreende não apenas a circularidade dos signos, mas a multiplicidade de
rculos e cadeias. Uma mensagem poderia se referir não apenas a outro signo da mesma cadeia,
mas a outros signos em outros rculos ou mesmo a uma espiral de rculos. Essa imagem de
signos perfazendo uma espiral de círculos é a exata descrição daquilo que apresentaremos como
os anéis de uma cebola.
III. A fenomenologia
A contribuição da fenomenologia de Husserl e da abordagem de Serres para o desenho
geral do sentido espectral é o conceito de expressão. O expresso é aquilo que não es nos signos
178
e que lhes permite significar, isto é, é o sentido intencionado na vida interior ou na comunicação.
A expressão é entretanto anterior ao próprio ato comunicativo e à própria intenção de significar.
A expressão não estaria vinculada ao sistema da ngua, mas à dualidade consciência-mundo que
lhe prescreve existência. Merleau-Ponty, por sua vez, oferece a imagem do sentido como uma
dimensão entre os gestos lingüísticos, uma instância que vincula aquele que fala e aquele que
escuta.
O pensamento de Merleau-Ponty imprime uma sensão semelhante à imagem
bergsoniana sobre as palavras e o sentido como um colar derolas. O sentido seria um
ambiente indecomponível às partes que lhe integram, do mesmo modo que as pérolas de um
colar dependem do fio que o é nem rola nem colar, mas uma força que unidade ou ao
conjunto, que mantém as pérolas unidas. O sentido o habitaria a cadeia verbal. Antes, o sentido
envolveria a linguagem como uma dobra no imenso tecido da fala. A compreensão não
dependeria de um xico ou de uma gramática, mas de jogos de aprendizado e aclimatação que
envolvem os participantes da comunicação na vida do sentido.
Com isso, o conceito de sentido em Merleau-Ponty é ao mesmo tempo lingüístico e não
proposicional. Haveria um texto para o qual a linguagem se remete, isto é, uma transdução entre
diferentes planos de pensamento e semiose. A relão entre sentido e palavra não seria marcada
por correspondências, mas por remissões, e a orientação do sentido lingüístico seria
extralingüística. Essa imagem do conceito sugere que o sentido é um fantasma ou um espectro da
linguagem, uma operação interior à seqüência de palavras ou um sulco que indica seus pontos de
passagem.
Nisso a teoria do romance de Merleau -Ponty se encontra com a teoria do sentido de
Deleuze. O romance como obra de arte, para ambos os autores, é uma narrativa que vincula as
circunstâncias ao invisível; a efetuão à contra-efetuação; a ação pessoal à impessoal; o plano de
organização ao de consistência. O acontecimento contra-efetua os personagens do romance na
mesma medida em que inconscientemente vivemos o mundo do personagem. Um mundo neutro
em relação às descrições, neutro porque sempre acontece de diferentes maneiras, de acordo com
diferentes leitores.
O sentido espectral também faz uma curiosa aproprião do conceito de intencionalidade
presente na fenomenologia de Husserl, que embora vincule a intencionalidade à consciência,
prevê que uma proposão só fará sentido na medida em que for objeto da intencionalidade. O
conceito de intencionalidade como processo criador de sentido serviu de princípio para descrever
a operação de disruão de sentido dentro dos anéis de cebola. Isto é, o conceito explica o modo
pelo qual a informão é processada como comunicação significativa.
179
O conceito de expressão tamm vai ao encontro com uma etapa espefica do diagrama
deleuzeano, isto é, o momento em que a informação rebate entre os planos e se refere a um plano
de imanência impessoal. Em ambos os esquemas a presença de um phylum incorpóreo e das
proposões, de um lado, e de informações desorganizadas e comunicações significativas, por
outro lado. Uma série reenvia a outra quando a significação contém expressão. Uma vez mais, a
transformão incorporal que cria o signo proposicional tamm atua para transformar
informação em comunicação.
O pano de fundo do conceito de expressão compreende essas duas séries de
transformão e foi decisivo para descrever o processo de aglutinação de dados do sentido digital.
Isso porque a diferença entre signo e informação é análoga à tensão entre informação e
comunicação. Quando informação e fluxo de consciência oscilam juntos, o movimento da
comunicação dirige a intencionalidade rumo a rculos de sentido diversos. A intersecção desses
dois planos é uma ação do sentido que une dois horizontes possíveis de referência antes
discordantes.
Trata-se de uma imagem isomórfica ao diagrama de Shannon, que define a informão
como a selão de uma mensagem dentre uma gama de outras mensagens. Sentido não é a
operação definidora do conteúdo, mas a operação que estabelece relações entre diversas
intencionalidades e que indica o possível para cada individualidade ou para cada materialidade.
Como forma de ordenação da experiência humana, o sentido é morfologicamente aberto e
ortogonal ao fechamento operacional dos sistemas. A contribuição de Husserl tamm foi vital
para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, cuja definição do sentido em função das
condições de experiência deve ao método fenomenológico sua independência das subjetividades
ou pontos de vista psicológicos.
IV. A teoria dos sistemas
Em Luhmann, a comunicação é uma operação de redução de complexidade realizada
pelos sistemas. Cada sistema percebe a si mesmo em oposão a um campo exterior de infinita
complexidade. A área interior dos sistemas, um campo de redução de complexidade, é
permanentemente alimentada por comunicações que extraem uma quantidade limitada de
informação do ambiente externo. Sentido é o critério de seleção, uma herança evolutiva comum
tanto aos sistemas sociais como aos sistemas psíquicos que permite dar forma à auto-refencia.
Luhmann recusa o conceito de comunicação intencional. O legado do humanismo definia
a comunicação como uma operação intencional entre a emissão e os efeitos da mensagem.
Luhmann, de outro modo, sugere três etapas que toda operão comunicacional deve perfazer.
180
Primeiro a sinalização, depois a percepção e por fim o entendimento. Alter sinaliza, Ego percebe
a intenção e por fim a comunicação se realiza. A comunicação, que é improvável, só se realiza se
as três etapas são cumpridas: se um sistema (Ego) percebe a intenção de outro (Alter) e a
compreende. O resultado é um lapso que engata uma comunicação na outra. Ego identifica a
sinalizão de Alter e produz uma selão. A operação cria um conteúdo que por sua vez cria
outra comunicação. O esquema sugere uma seqüência de processos seletivos integrados de
maneira recursiva. Uma serialização de mensagens que podem ou não resultar em comunicão.
Com isso, a comunicação não é definida em função da concordância, do consenso ou da
persuasão, mas em função do sentido: o princípio de seleção que divide as informações entre
aquilo que tem ou não tem sentido. Essa imagem da comunicação e do sentido como um circuito
fechado de infinitas remissões, um looping inesgotável de comunicações, depende das permanentes
operações de seleção. Essas selões funcionam como um princípio de aceitão ou recusa, e o
evento comunicacional se bifurca entre a abertura e o fechamento do sistema. A história dos
sistemas depende dessa permanente bifurcação, cujo curso de seleção espelha os passos
percorridos em cada caminho.
A teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann sugere um conceito de sentido
vinculado a uma noção particular de complexidade. Seu conceito de sentido implica em um
movimento autofundado que não exige nenhum conteúdo. É o sentido, e não a informão, que
define as condições de possibilidade para que algo seja considerado como elemento importante
para o sistema. O sentido surgiria das operões de selão e conexão realizadas pelos sistemas,
uma necessidade evolutiva para a redução de complexidade. Como produção sistêmica anterior a
qualquer significado, o sentido remete a um movimento primitivo da organização autopoiética,
uma permanente remissão de possibilidades que atualiza as seleções do sistema.
Luhmann entende que o sentido deveria ser um dos conceitos centrais da sociologia, uma
vez que os processos sociais seriam balizados por processamento de sentido. Mas em oposição a
Jürgen Habermas ou Alfred Schütz, para Luhmann o sentido não se limita a uma percepção
subjetiva ou à cognição dos agentes. Sentido seria uma operação pertencente à dinâmica social de
produção e reprodução dos sistemas. Como um horizonte de possibilidades, o sentido é a
constante atualização de potencialidades prevista nesse horizonte. A natureza paradoxal do
sentido também implica na impossibilidade de transcendê-lo, uma vez que sua negão implica
sempre na produção de mais sentido. Esse panorama do sentido é idêntico ao panorama da
complexidade porque, para Luhmann, o sentido é precisamente a representão da
complexidade
4
.
181
A complexidade é um conceito multidimensional que recha, de um lado, a aceão de
adjetivo ou propriedade dependente de um conteúdo, e de outro lado, a simplicidade de toda
perspectiva linear e unívoca. A complexidadeo depende de um sujeito e pertence a um
domínio geral produzido pela unidade de múltiplas perspectivas. Complexidade e sentido são
produzidos por um excesso de relões. Se a natureza da complexidade é essencialmente
relacional, o sentido é o efeito das múltiplas relações possíveis. A vinculão entre os dois
conceitos permite abordar a circulação de sentido como conexão e selão de conexões. Essa
imagem de múltiplas selões conectadas umas às outras é uma tradução adequada para descrever
a serializão e a selão dos nódulos que circulam nos anéis de cebola
5
.
V. A teoria do sentido espectral
Uma particularidade do modelo de comunicação espectral é que ele só existe na
dependência de uma teoria do sentido espectral que lhe empreste conjunto. A primeira parte
deste trabalho tratou de discorrer sobre quatro áreas fundamentais das ciências humanas e da
filosofia com o intuito de extrair suas respectivas contribuições para o conceito de sentido. Essas
quatro áreas, a saber: a gica, a lingüística, a fenomenologia e a teoria dos sistemas foram uma
vez mais revisitadas neste catulo com o intuito de resumir as contribuições desses campos para
a teoria do sentido eletrônico.
A dependência que a descrição da comunicação espectral tem em relão a uma teoria do
sentido é um complicador em vista da opacidade do próprio conceito de sentido. A lingüística,
cujo debate consta na primeira são deste trabalho, é uma área que sabiamente evita abordar a
questão do sentido. E quando os lingüistas ou os pesquisadores da análise do discurso se referem
ao sentido, estão mormente se referindo ao significado. Nas ciências humanas, a despeito da obra
de Frege, o campo da significação absorveu todo o campo do sentido.
A fenomenologia, que poderia ajudar na elucidação do problema, vai de encontro à
definição seminal trazida pela gica. Mas o conceito de expressão, que encontramos em Husserl,
e que também contaminou a teoria de Deleuze e Merleau-Ponty, desenha um conceito de sentido
vinculado à conscncia mas sem qualquer elemento psicologista. Apesar da recorrência com que
tema e conceito foram debatidos, ou talvez precisamente por conta dessa recorrência, não por
ora nenhuma convergência, mas sobretudo divergência, entre as escolas e autores abordados no
que tange ao conceito de sentido.
Os primeiros autores que contribuem para um desenho da teoria do sentido são, de um
lado, Frege e Wittgenstein, e de outro, Saussure e Deleuze. A segunda leva de autores que
contribuem para essa teoria é constituída pela fenomenologia de Husserl e Merleau-Ponty, de um
lado, e pela teoria dos sistemas sociais de Luhmann, por outro lado. Com isso, poderemos
182
explorar e aprofundar a tensão entre as idéias de Luhmann e Deleuze, autores que forneceram os
horizontes da teoria do sentido espectral e que, por sua vez, deverá oferecer uma alternativa às
teorias do sentido baseadas na centralidade da subjetividade para explicar a gerão de sentido.
O conjunto das teorias acima expostas apresenta uma aporia epistemológica que preexiste
entre os sistemas abertos e fechados. Se a lógica e a teoria dos sistemas tendem a privilegiar
unidades fechadas de análise, a fenomenologia e a filosofia de Deleuze e Serres enfocam a
transitoriedade e a abertura operacional que caracterizam as operões do sentido. O conceito de
sentido espectral permeia a incompatibilidade alógica entre essas duas abordagens, uma vez que o
espectral é um padrão de produção de sentido ao mesmo tempo aberto e fechado. Foi aliás
Merleau-Ponty quem primeiro sugeriu um contorno semelhante para o problema do sentido.
Estendendo a intencionalidade para o âmbito motor, afetivo e orgânico, Merleau-Ponty pensava a
constituição de sentido substituindo o “eu penso” cartesiano por um eu posso” embriorio.
Sua intencionalidade, fundada no corpo, permitia unificar as acepções de sentido interior e
exterior, debate que Husserl não havia resolvido.
Isso porque ela estabelece um contínuo entre a organização física da perceão e a
interpretação simlica dos textos da cultura. Haveria contigüidade entre percepção correa e
circulão sígnica, aliança que transforma a intencionalidade em uma intuição total. Com isso, a
intencionalidade encampa tanto o sentido sensível como o sentido proposicional, operação que
acaba por emagrecer os limites conceituais entre sentido e significado. Isto é, essa ação corporal
transita de um sentido corporal para o um significado lingüístico, e o conceito mesmo de sentido
deixa de ter uma substância teórica própria. A contribuição que Merleau-Ponty traz para o debate
entre as acepções de sentido interior e exterior é fundamental para superar essa aporia
epistemológica entre a teoria dos sistemas sociais e a fenomenologia. Ou, em outros termos, entre
os sistemas fechados e autopoticos de Niklas Luhmann e os sistemas abertos e permeados por
retroalimentação de Ludwig von Bertalanffy. A imagem de um sistema de expressão desenhada
por Merleau-Ponty contribui para um conceito de sentido que supera essa dicotomia heurística da
teoria dos sistemas.
A contribuição de Merleau-Ponty foi fundamental para descrever o último componente
do sentido espectral: a disrupção do sentido. Sua fenomenologia definia a relão interior e
exterior como uma permanente abertura incondicional, um fluxo ou ainda uma carne do mundo.
Se a fenomenologia pensa em abertura, receptividade e integração com o mundo, a teoria dos
sistemas fala em atenção, precaução e fechamento operacional. E se a comunicação é essa
dinâmica de abertura e fechamento, o sentido seria, por sua vez, uma processualidade particular
da abertura. É porque os sistemas psíquicos (o homem) e os sistemas sociais podem se abrir ao
183
ambiente (mundo) que o sentido percorre os circuitos lingüísticos e os canais não lingüísticos,
com a condição de haver certa abertura operacional. Sentido seria a relação vinculante entre os
sistemas, aquilo que Merleau-Ponty percebe como uma significação obtida pela iniciativa pessoal
de se abrir ao mundo. Sentido, portanto, remete ao horizonte de possibilidades husserliano ou ao
nexo condicionante da intencionalidade subjetiva, isto é, o ponto de onde se desdobram, de um
lado, a fenomenologia como desenho aberto dos sistemas, e de outro, a autopoiese que Luhmann
retoma para propor um desenho de todo original para o sentido.
O interessante e irônico em relação ao conceito de sentido é que, destarte toda a celeuma
conceitual, trata-se de um fenômeno cuja identificação não é controversa. É apenas a descrição
das etapas ou a identificação de seus componentes que constitui problema. Um paralelo
interessante pode ser encontrado na facilidade de se compreender o gol em uma partida de
futebol. Não obstante as regras do jogo possam ser de dicil assimilão para um leigo, todos
compreendem imediatamente o sentido de um gol dentro de uma partida de futebol. Toda a
complexidade tecida para atingir a meta adversária automaticamente faz sentido uma vez que o
feito tenha sido logrado. Os passes e os dribles que precederam a jogada fazem então sentido em
retrospectiva, e sua significão momentânea dentro da partida de futebol só existe em
dependência da realizão desse acontecimento futebolístico. O gol, com isso, atualiza a
significação de múltiplas jogadas precedentes dentro do fenômeno do sentido.
184
NOTAS
1
No original em i nglês: The concept of infor mati on developed in this theory at first seems disappointing and
bizarredisappointing because i t has nothi ng to do wi th the meani ng, and bizarre becaus e it deals not with a single
messag e but rather with the statistical character of a whol e ens embl e of messages. (…) I think, however, that these
should be only temporary reactions; and that one should say, at the end, that this analysis has so penetratingly cleared
the air that one is now, perhaps for the first time, ready for a r eal theory of meani ng. Shannon, C, & Weav er, W. The
mathematical theory of com municatio n. Urbana: University of Illinois Press, 1962. (p.116).
2
É esse conti nuum amorfo que r epres enta, por enqu anto, o papel designificado‟, mas eleo pára d e deslizar sob o
significante para o qual serv e apenas de meio ou de muro: tod os os conteúdos vêm diss olver nele suas formas
próprias. Atmosferização ou mundani zação dos conteú dos. Abstrai-se, então, o conteúdo. Estamos na situação
descrita por L évi-Strauss: o mundo começou por significar antes que se soubesse o que el e significava, o significado é
dado s em ser por isso conhecido. Su a mulher olhou para vo com um ar estranho, e essa manhã o porteiro lhe
entregou uma notificão d e imposto cruzando os dedos, d epois você, pis ou em um cocô de cachorro, viu na caada
dois pequ enos pedaços de madeira dispostos como os ponteiros d e um relógio, as pessoas sussurraram à sua
passagem quando você entrou no escritório. Pouco importa o qu e isso queira dizer, é sempre o significante. O signo
que remete ao signo é atingido por uma estranha impotência, por uma incer teza, mas potente é o significante que
consti tui a cadeia. Eis porque o par anói co parti cipa d essa impotênci a do signo desterritoriali zado que o assalta p or
todos os lados na atmosfera escorregadia, mas ele acede ainda mais ao sobrepoder do significante, no sentimento real
da l era, como s enhor da rede qu e se propaga na atmosfera. R egime despótico paranóico: eles me atacam e me
fazem sofrer, mas eu adivinho suas intenções, eu os antecipo, eu o sabia durante todo o tempo, tenho o poder até em
minha impotência, eu os vencer ei‟. Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizof renia. Vol. 2.
São Paulo: Editora 34, 2000. (p.62-63).
3
Finnemann, Ni els Ole. The I nternet: A New Communicational Infrastructure. Papers from CFI, 2001.
4
Na tradu ção espanhola:Mi conclusión, por tanto, puede ser expres ada dici endo que el sentido es una representació n de
la compl ejidad. El sentido no es una i magen o un modelo usado por l os sistemas psíq uicos o sociales, sino,
simplemente, una nueva podero sa forma de af rontar l a compl ejidad bajo la condición i nevit able de una selectividad forzosa .
Luhmann, Niklas. Complejidad y Moderni dad. D e la U nidad a l a Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.29).
5
Ainda que o diagrama de Luhmann não poss a ser automaticamente transposto para a internet como um tod o,
fortes razões para consid erar a Web como uma subclasse dos sis temas autopoié ticos. A rede mundial de
compu tad ores é, afinal, construíd a por meio de processos recursivos d e componentes qu e se i nfluenci am u ns aos
outros. O limite operacional é tamm o ambi ente e não há um controle central ou a função de agentes intencionais.
Embor a a Web não efetue processos autonomamente, sua dinâmica interna é decidida em movi mentos de
autodesenvolvimento e auto-reprodução. Ademais, a auto-ref erênci a e a auto-observão provêm a reflexibilid ade
necessária para descrev er ess e media como um sistemas que se diferencia a si mes mo em relação ao ambiente. Ver a
esse respeito, Andersen, Peter Bøgh. WWW as self-org anizing system. I Cybernetics & Human Knowing, Vol. 5, no. 2,
pp. 5-41, 1998.
185
3. ERA DO COMPUTADOR
tópicos
i - excedente de sentido
ii - sentido sem subjetividade
iii - cadeias de sentido
iv - superfície-seqüência
notas
Cheguei à conclusão de que, em todo projeto que
desenhamos e desenvolvemos, os fatores decisivos s ão o
cálculo das dimensões e o grau de complexidade dos
sistemas de informação e controle envolvidos, e que um
conceito absolutamente perfeito em sua abr angência e
compl etud e pode na prática coincidir, e em última
instância deve efetiv amente coincidir, com sua disfunção
crônica e sua instabilidade constitutiv a.
W.G. Sebald
1
I. Excedente de sentido
A teoria dos sistemas sociais também ofereceu subsídios para se pensar o papel dos
computadores na sociedade contemporânea. Em A Sociedade da Sociedade (Die Gesellschaft der
Gesellschaft), Luhmann sugere que o computador seria um meio de distribuição da comunicação de
importância análoga à escrita, criada dois mil anos, e à imprensa, criada quinhentos anos.
Retomando a teoria da catástrofe do matemático Rene Thom
2
, Luhmann entende que a
sociedade teria sobrevivido à primeira catástrofe (a escrita) criando uma alta cultura (Hochkulturen)
que estratificava a sociedade. A segunda catástrofe (a introdução da imprensa), diz Luhmann,
teria conduzido a sociedade à moderna diferencião funcional que conhecemos
3
. A terceira
catástrofe seria o advento do computador.
Cada catástrofe seria o resultado de um excedente de sentido causado pela abundância de
sinais sensórios que o novo meio de difusão introduz. Quando a sociedade se comunicava apenas
oralmente, os segredos da religião e os tabus da moralidade estavam guardados com segurança
nos limites da sociedade, para além dos quais só o estranho e o mistério existiam. A escrita
liquidou com a estabilidade desse esquema uma vez que possibilitava a reflexão sobre os tabus
com base em prinpios morais. Guarnecida pelos cririos da razão, a escrita evidenciava o
emissor da mensagem e detinha a incincia de imposições. Uma rápida acomodação da
sociedade aos efeitos da escrita pode ser encontrada na tentativa de combinar moralidade e
religião, de modo que o emissor pudesse ser subsumido a uma entidade divina, isto é, a um
emissor invarvel e independente do contexto.
186
A sociedade da escrita oferece uma riqueza de sinais que excede a capacidade do sistema
de regulação dos tabus e segredos. Cada texto nos confronta com uma massa de decisões
possíveis que então se tornavam visíveis. A filosofia surge para conferir uma ordem ao caos de
possibilidades, especialmente com Aristóteles, que provê uma teleologia ao sistema, isto é, uma
semântica de finalidades. Diferenciões de toda ordem apareciam para organizar uma
cosmologia do todo em referência a finalidades fundamentais. O critério de selão que regula
cada diferenciação evidenciava a manifestação da cultura, que o consiste na organização de
todas as finalidades, mas na disposição em regular as transições entre comunicões individuais e
comunicações sociais.
Essa nova conjuntura cultural de selão permitiu que a sociedade se reproduzisse em um
panorama teleológico, cuja perspectiva cronológica advertia, pelo medium do teatro, contra a
violência despropositada da sociedade oral e introduzia , conforme a ocasião, a semântica do
amor, do comércio, da política, da arte, da educão e da religião, às quais os sistemas funcionais
podiam se conectar. A cultura escrita sistematizava as relações pessoais e classificava as diferenças
dentro de domínios expressos por meio da linguagem e da semântica. A família e a rego
ofereciam, de acordo com Luhmann, as garantias de estabilidade para a sociedade da escrita. E
com base nessas garantias, toda uma variedade de formas sociais pôde emergir.
A próxima catástrofe é a da imprensa. Multiplicando a incidência da escrita, a imprensa
permitiu que textos fossem comparados entre si e a crítica emergisse como efeito imediato da
reprodução técnica. A imprensa permitia uma disseminação da crítica em uma escala até então
inédita, ao ponto de tor-la um padrão heurístico cuja imprevisibilidade terminaria por liquidar
com a própria teleologia. Isso porque a organização crítica das finalidades evidenciava a
impossibilidade lógica dessas mesmas finalidades. A inconsistência e a contradição entre os fins
indicavam a ambigüidade das seleções e a instabilidade do sistema. Uma vez mais, o excesso de
sentido não podia ser contido e os sistemas escapavam ao controle de qualquer narrativa ou
escritura utópica.
As garantias de estabilidade na sociedade da imprensa não podiam mais se fiar nas
famílias e nas reges. Nenhuma dinastia ou território podia fazer frente às inquietações trazidas
pelo novo medium. Foram as bibliotecas e os sistemas funcionais, diz Luhmann, que permitiram
a rubrica pela qual a potica se reconheceria como política, os negócios como negócios e a
ciência como cncia. As estruturas concomitantes da reprodução autopoiética se insurgiram
contra o arranjo semântico destinado a elas. A idéia de que precisamos justificar nossas intenções
podia então ser aventada e com isso a auto-referencialidade, agora a única referência dos sistemas,
se adequava à obrigão de fornecer qualquer tipo de razão.
187
Dirk Baecker
4
comenta o progstico do soclogo alemão e diz que a introdução do
computador põe fim à sociedade da moderna diferenciação funcional instituída pela imprensa,
esgotamento que se evidencia na busca por uma nova linguagem na sociologia (a da teoria dos
sistemas) e uma mudança geral no paradigma das ciências, que passam então a trabalhar com
redes heterogêneas ao invés de sistemas funcionalmente específicos. Essas três catástrofes da
escrita, da imprensa e dos computadores devem ser entendidas como catástrofes no sentido
matemático, isto é, como saltos qualitativos turbulentos que permitem a um sistema sobreviver a
uma situação na qual ele deveria ter deixado de existir. O sistema reage à perturbação revendo
seus parâmetros e investindo em um vel diferente de organizão e reprodução.
O entendimento fundamental de Luhmann sobre o mundo informatizado se desdobra em
duas teses: a primeira diz que os computadores, por serem capazes de adicionar sua reflexividade
à autopoiese da comunicação, inauguram uma competição inédita com as consciências. O
computador e a internet não cumpririam apenas com as funções de distribuição, transmissão e
compreensão das mensagens e da informação. Em razão da sua capacidade de processamento, os
computadores transformariam as mensagens, a informão e mesmo o entendimento da
informação que agora só seriam compreendidas depois de terem sido filtradas e reprocessadas
pelas rotinas eletrônicas da computão. Baecker sugere, comentando a análise de Luhmann, que
o processamento eletrônico da informão altera fundamentalmente a natureza dos dados e o
próprio sentido das mensagens comunicadas.
A outra constatação de Luhmann a respeito dos computadores diz que a sociedade
precisará de uma nova forma cultural para sobreviver à introdução dos novos meios de
distribuição da comunicação, uma forma que lhe permita lidar com o excedente de sentido que as
novas possibilidades de comunicação produzem. A forma cultural que a sociedade encontrou
para lidar com o excedente de sentido gerado pela escrita, diz Luhmann, foi a imagem aristotélica
de telos, elemento que permitia uma selão apurada das comunicações. A forma cultural
encontrada para lidar com o excedente de sentido criado pela imprensa, por sua vez, teria sido a
idéia cartesiana de uma inquietude auto-referente, competência que subjaz à dinâmica estável das
sociedades modernas.
Para Luhmann, a forma cultural capaz de lidar com o excedente de sentido criado pela
informatização e pela internet seria a noção de forma apresentada pelo matemático britânico
George Spencer-Brown, mecanismo capaz de identificar uma conectividade comunicativa sem
necessariamente remeter a um contexto formador. De acordo com Baecker, o prognóstico
conciso de Luhmann se provou atual quando os computadores começaram a alterar o processo
comunicacional de tal modo que os usuários não entendiam mais o que estava acontecendo;
188
quem estava dizendo o quê; quais fontes eram confiáveis ou ainda a quem se destinava certa
mensagem. O processamento da informão alterava tanto o conteúdo como o sentido
comunicado, liquidando com os eixos de referência que utilizávamos para distinguir estilos e
estabelecer sentido.
Dirk Baecker
5
resume a observão de Luhmann dizendo que o computador difere dos
outros meios porque é uma máquina de lculo seqüencial jamais prevista pelos outros media.
Seu padrão de organização não é estável e sua produção e reprodução dependem da interação
com interfaces que, por sua vez, adicionam imprevisibilidade ao invés de reduzi-la a um
acoplamento casual. É por isso, diz o soclogo alemão, que podemos falar em realidade virtual e
inteligência artificial. Luhmann argumenta que os computadores são uma alternativa de todo
original ao acoplamento estrutural entre comunicação e consciência. Se antes apenas a
comunicação e a consciência estabeleciam entre si esse tipo de vínculo ou acoplamento, os
computadores se conectam e interagem ao mesmo tempo com a comunicação e com a
consciência. Como meio de distribuição, os computadores rompem com a diferenciação entre
informação e mensagem, que até os meios impressos e escritos definia a comunicação
6
.
Essa pequena exposição identifica o computador como uma ocorncia na fronteira da
teoria da comunicação de Niklas Luhmann e vai ao encontro do diagstico de Friedrich Kittler,
para quem a vinculão entre informação e mensagem é inteiramente abandonada nesse medium
de comunicação distributivo. Nos termos da teoria de Luhmann, é como se a comunicação
ocorresse independente da última etapa que seu esquema teórico entendia como necessária: a
compreensão. A comunicação se tornaria um elemento subterrâneo e naturalizado dentro do
esquema, e a progressão da sinalizão para a informação, então uma fase imprescindível para a
comunicação, desapareceria. Essas etapas previam a possibilidade de checagem entre sinalizão e
informação dentro das circunstâncias da comunicação. Com isso, podeamos talvez aceitar uma
carta de amor antiquada porque conhecíamos o remetente. Podíamos, também, rejeitar a idéia de
Deus em razão do caráter excessivamente mundano do padre ou pregador. Isto é, podíamos
aceitar ou rejeitar a comunicação com base em fundamentos outros que não aqueles que
acompanham a mensagem.
Esse grau de liberdade no manejo das mensagens foi essencial para a constituição da
sociedade. Foi o que permitiu ou compeliu o florescer de instituições e sistemas que
regulassem essa liberdade e, como conseqüência da crião desses mecanismos, recriassem uma
vez mais a mesma conjuntura de complexidade. Assim, a comunicão não se reduzia ao assunto
tratado nem às intenções do emissor, uma vez que contava com essa área contextual livre que
podia alterar a perspectiva entre as intenções e os assuntos comunicados. O contexto, que
189
acondicionava os conteúdos dentro de situações possíveis, permitiu a emergência da
interpretação como diretiva que coordenava a comunicação. Quando os computadores fazem a
conexão entre mensagem e informação, uma conexão ainda visível na escrita ou nos meios
impressos, os processos invisíveis do cálculo fazem com que as intenções se tornem tão
inacessíveis quanto os contextos informativos. A comunicação , então desconectada de seus
componentes vitais sinalização e informão deveria resultar incompreensível, do ponto de
vista prático, e impossível, do ponto de vista trico.
É por isso que Luhmann entende que o computador, compreendido como um meio de
transmissão e distribuição, afeta o núcleo do conceito de comunicação. O excedente de sentido
trazido pelo computador só poderia ser reduzido por meio do conceito de forma, tomado de
empréstimo de Spencer-Brow n. E mesmo que os computadores comecem a operar com base no
conceito de forma, com isso processando não apenas aquilo que sabemos mas sobretudo aquilo
que não sabemos, seria ainda necessário observar os sistemas sociais e psíquicos para
compreender por quais formas nós nos reproduzimos. Uma reprodução que substitui
comunicação e consciência por processamentos em formas temporalizadas.
II. Sentido sem subjetividade
O debate teórico entre Niklas Luhmann e Jürgen Habermas marcou o discurso
acadêmico alemão na década de sessenta do século XX
7
. A questão central do debate diz respeito
aos limites do pensamento Iluminista, do Idealismo alemão e da emancipação política como
decorrência do pensamento racional. O argumento de Luhmann é que o quadro geral do
Iluminismo perdeu sua atualidade, enquanto Habermas advoga que uma revisão da teoria da
emancipação poderia revitalizar o pensamento Iluminista e o Idealismo alemão. O debate
culminou, do lado de Habermas, com a publicão da Teoria da Ação Comunicativa, e do lado de
Luhmann, com a edição de Sistemas Sociais
8
.
A edição desses dois livros tamm indica os momentos finais de Luhmann rumo a uma
ruptura final com o pensamento Iluminista. O resultado do debate
9
foi uma absorção quase
completa da teoria habermasiana por parte de Luhmann, que traduziu uma miríade de conceitos
em uma terminologia nova e sem relação com a tradição do pensamento europeu. Os primeiros
passos dessa recodificação conceitual podem ser encontrados em artigos esparsos, onde
Luhmann reformula conceitos habermasianos como mundo vivido (Lebenswelt), compreensão
(Verstehen) e confiança (Vertrauen). Para Habermas, o mundo vivido era não apenas uma base
(Boden), mas tamm um horizonte social que caminhava adiante mas junto com o observador
(sujeito social). Luhmann aponta o fundamento paradoxal do conceito desenvolvido por Husserl
190
e adotado por Habermas, uma vez que o mundo vivido não poderia ser ao mesmo tempo uma
base firme, a partir da qual todas as ações e observões se desdobravam, e um horizonte infinito
e movente. Luhmann então substitui as imagens metafóricas de horizonte e base por uma
distinção entre familiar (Vertrautem) e não-familiar (Unvertrautem).
Também Habermas comentou a obra de Luhmann e apresentou uma ampla discussão
sobre o conceito de sentido em sua análise crítica da teoria dos sistemas sociais
10
. Em Luhmann,
os sistemas sociais são necessariamente reflexivos, isto é, existem apenas em termos de
expectativas. As operações do sentido, por essa razão, pertenceriam ao domínio da sociologia. A
teoria de Luhmann entende as interões humanas como eventos sociais dos quais os seres
humanos não fazem parte, uma vez que seu sistema de referência é diferente e pertencente à
psicologia. Tanto a sociologia como a psicologia enfocariam o sentido como unidade de
operação, mas esse tamm seria o limite entre as duas disciplinas.
A linguagem é retratada como um simples medium e não é responsável pela gerão de
sentido, uma escolha trica que separou sistemas sociais e seres humanos de uma vez por todas.
De acordo com Luhmann
11
, a linguagem seria um acoplamento estrutural entre comunicações e
consciências e não um sistema gerador de sentido. Habermas critica essa proposão teórica
alegando que uma teoria que separe as estruturas lingüísticas dos sistemas sociais e psíquicos em
dois sistemas diferentes provocaria uma sobrecarga conceitual monumental
12
. De acordo com
Habermas, a linguagem poderia integrar essas duas funções porque, como medium, a linguagem
seria um sistema que realiza funções sociais. A crítica habermasiana se baseia na filosofia e na
história e considera como sistema aquilo que Luhmann e a tradição funcionalista consideravam
como medium, e que desde então teria uma estrutura interna capaz tanto de comunicar como de
regular as comunicações internamente, e não apenas na esfera do sistema social, como também
em âmbito individual.
Luhmann
13
argumenta que é possível observar os seres humanos como entidades que
agem dentro de um ambiente determinado, mas que essa perspectiva nos impossibilita de ver
como o sentido é processado em um mundo complexo. Luhmann entende que essa é uma
conseqüência que Habermas não levou em conta na medida em que ele enfatizava a
intersubjetividade como uma alternativa, mormente falsa, à subjetividade. A sociologia de
Luhmann, com isso, se aproxima da filosofia de Heidegger porque desenha uma unidade sem
sujeito e baseia sua teoria da comunicão em um sistema de referência que substitui a
intersubjetividade como um conceito basilar pela idéia de comunicações emergentes como
unidades liberadas de qualquer fundamento psíquico ou transcendental
14
. Seria a autopoiese
191
interna dos sistemas que permitiria a descrição da comunicação como uma operação sui generis que
cria os sistemas.
A intersubjetividade como centro epistêmico da vida social acaba por rebaixar as
operações da comunicação. De acordo com Luhmann, a comunicação pode ser descrita como
um sistema que resolve seus próprios problemas em vistas a um sentido excedente. A
intersubjetividade, por sua vez, limita a comunicação a uma função secundária e inferior, isto é, à
transmissão
15
. Habermas, por outro lado, enxerga a comunicação como um princípio apolíneo.
Seu conceito de comunicação gravita ao redor de valores como unidade, luz, clareza, razão e
entendimento, desconsiderando a natureza dionisíaca que também existe nos processos
comunicacionais, isto é, os perigos, aventuras, obscuridades e irracionalidades imanentes às
explosões criativas da linguagem. Habermas convida o leitor a pensar a comunicação como a vida
social dos símbolos rumo a uma normatividade de todo sutil, em oposição à presença ríspida do
discurso retórico.
John Peters argumenta que a concepção de comunicação em Habermas é norteada por
um conceito de cultura codificado pela conceão moderna e racional de trocas lingüísticas.
Como herdeiro da tradição do pensamento político, Habermas toma o discurso oral a
, ao invés da narrativa ou da retórica, como o centro da vida democtica. Com
isso, o filósofo alemão problematicamente supõe haver certa continuidade entre a fala e a escrita,
orientão logocêntrica e fonocêntrica que Derrida tratou de desconstruir no fim da década de
sessenta do século XX. Habermas tamm ignora a função de medião realizada pelo discurso
face a face, uma vez que sua filosofia enfoca a participação política em detrimento da mediação
simbólica. Por fim, a arquitetura conceitual da teoria da ão comunicativa de Habermas
16
ignora
a escala molar da comunicação realizada pelos dispositivos técnicos. Conforme o número dos
participantes aumenta, o funcionamento da comunicão ultrapassa os circuitos moleculares para
se realizar em uma escala molar, circuito cuja grandeza não permite que todos possam falar ou
serem ouvidos. Habermas ignora a existência desse ponto de inflexão na esfera pública, para além
do qual a maioria dos participantes se torna espectadores
17
.
Loet Leydesdorff
18
sustenta que não obstante a crítica de Habermas a Luhmann seja
importante, a hipótese levantada pelo filósofo é incapaz de responder ao problema que ele
mesmo levantou. Uma estrutura lingüística supra-subjetiva, que Habermas sugere ser capaz de
integrar sociedade e indivíduos em um sistema, é de todo modo incompatível com sua assuão
de uma intersubjetividade lingüística. Ademais, essa mesma intersubjetividade lingüística é
incapaz de funcionar como processo de mediação, enquanto na teoria de Luhmann os sistemas
sociais estão estruturalmente acoplados tanto às operões da consciência, como processamento
192
de sentido, como às próprias consciências, fornecendo com isso uma interface por intermédio da
linguagem. Embora a teoria de Luhmann não ofereça uma integrão entre o sentido produzido
individualmente e as operações de seleção e sentido realizada pelos sistemas sociais, sua teoria
entretanto localiza o ponto de inflexão entre os dois tipos de sistema sem recorrer ao conceito
deus ex machina de intersubjetividade.
III. Cadeias de sentido
Se a filosofia de Habermas sugere a imagem de uma atmosfera da vida social, é a teoria de
Luhmann que descreve mais apropriadamente a dinâmica do sentido espectral. Luhmann fala
em cadeias de sentido que sugerem o avesso da imagem habermasiana de uma vida social
normativa. De acordo com Luhmann
19
, a produção de sentido depende do input regular de
novos elementos. O afluxo de novos elementos é um requisito para a continuidade do sistema,
que é garantido, de um lado, pela contínua renovação dos elementos a serem selecionados, e de
outro lado, pela condição de esses elementos não serem armazenados pelo sistema. A disrupção e
o eventual colapso de um sistema são não apenas uma possibilidade, mas uma precondição para
sua reprodução. Sem a perda contínua de elementos, o sistema aumentaria a quantidade de
elementos armazenados indefinidamente e colocaria em risco sua ordem interna.
Com isso, o sentido para Luhmann é baseado em uma imagem de instabilidade dos
elementos, e os sistemas dinâmicos operariam de acordo com essa instabilidade
20
. Isto é, os
sistemas aceitam o cerne do sentido como uma operação instável e constantemente em
movimento. A própria estrutura do sentido faz referencia a essa instabilidade, uma vez que a
diferença entre atual e potencial se relaciona com a maneira pela qual a atenção do sistema flutua
entre o atual, que é certo mas insvel, e o potencial, que é incerto mas estável. Esse esquema
oscilatório é indispensável porque garante o incremento da complexidade intra-sistêmica ao longo
de variadas escalas
21
. A forma dual do atual e do potencial perfaz os sistemas vivos, que são
baseados na vida, os sistemas psíquicos, que são baseados na consciência, e os sistemas sociais,
que são baseados em comunicações. Sistemas vivos não são sistemas psíquicos que, por sua vez,
não são sistemas sociais. Cada um é o ambiente do outro e em cada uma dessas escalas o
esquema birio entre o atual e o potencial coordena as operações do sentido.
O modelo descrito por Luhmann também pode ser aplicado à dinâmica do sentido no
universo digital, que tamm conforma um sistema autônomo. A imagem mais importante é a de
cadeias de sentido, isto é, o sentido entendido como aquilo que conecta uma selão na outra, da
mesma forma que uma mensagem se liga a outra nas conversas e interações da internet. A
conexão entre um input de informão introduzido por um medium e a reverberação garantida
193
por outro medium é o que Luhmann chama de sentido. De acordo com essa imagem, uma
comunicação se liga à outra o logo exista um contexto de sentido ou, em outras palavras, é o
sentido que amarra uma comunicação na outra. A informação transmitida no continuum digital
só produz sentido uma vez que um nódulo (cluster) a passe adiante, permitindo com isso que a
informação viaje ao longo dos anéis espectrais (anéis de cebola). Sentido é portanto um
composto gerado e engendrado pelo encadeamento de múltiplas interações contínuas. De certo
modo, é como em um diálogo onde uma frase depende da elocução anterior para dar
continuidade à conversação.
Essa regulamentação geral das selões implica que o sentido não é dado em um ato de
compreensão, mas pelo contrário, ele passa por diferentes formas que retornam aos agentes da
comunicação em outras circunstâncias. O processo da comunicação deixa de ser definido como
uma ação direta baseada em trocas bilaterais entre participantes próximos, mas em espectros de
interões e infencias dificilmente perceptíveis, uma atmosfera nebulosa de longas e difusas
performances eletrônicas. Se Husserl baseara seu conceito de sentido em uma versão particular
do sujeito, para Luhmann o sentido é precisamente um efeito da ausência da categoria do sujeito.
É o elo entre um tema e outro cujo resultado é a construção de uma memória desvinculada da
ão de agentes e que não prescreve a presença de sujeitos.
Mas Luhmann insistia que não havia comunicação no ciberespaço uma vez que ali não
havia diferenciação entre informação e comunicação. Ninguém tem certeza de como os dados
são armazenados, organizados e recuperados no ciberespaço, e todo o complexo digital funciona
como um mecanismo no qual nem o emissor nem o receptor dos dados podem confirmar ou
reproduzir o sentido comunicado. Se outras matrizes de media funcionavam com fontes estáveis
e sentido intencionado, a matriz digital dos media opera com fontes anônimas e sentido espectral.
Essa gica comunicacional se sobrepõe não apenas aos meios de irradiação em massa, mas
tamm aos rculos locais de influencia. Mesmo o mais constrito medium dentro da menor
comunidade pode e almeja alcançar os rculos exteriores e maiores de influência, pois os nódulos
que alimentam os rculos mais amplos também ecoam nos circuitos menores, isto é, nas áreas
locais.
Essa circulação molecular de sentido é possível po rque a tecnologia forma ao medium
amorfo que são as pessoas. Como um composto de individualidades espalhado e amórfico, as
pessoas podem ser agrupadas em toda sorte de configurões e arranjos tais como a opinião
pública ou grupos de consumidores. Esses grupos são acoplados de acordo com o contexto da
selão e podem igualmente se fechar em uma etapa subseqüente. A abertura e o fechamento dos
grupos, e a aquisição de forma por um grupo de nódulos amórfico, configura um movimento
194
cardíaco de sístole e diástole, contração e expansão ou ainda união e dissipação que indica as
pulsações do continuum digital atmosrico, isto é, da matriz de media digital agrupadas sob a
rubrica do ciberespaço como um campo de oscilações. Ainda que Luhmann não acreditasse na
existência dessas oscilações entre forma e meio no ciberespaço, ele menciona uma situação
externa aos agentes e às observações que em muito se aproxima do quadro acima descrito. Em
uma determina classe de aula um professor e os alunos. Am dessas duas posões, a
interão entre professor e alunos e a própria interão observa tanto um como os outros. A
          
sentidos possíveis
22
.
Izuzquiza
23
comentou essa situação por meio do conceito multidimensional de
complexidade, que seria a diferença gerada pela convergência de múltiplas e diversas perspectivas.
A complexidade, portanto, implica em um excesso de relações e conexões que por sua vez
requerem operões de seleção e conexão para organizar a complexidade ambiental. É esse
cenário de complexidade, descrito por Luhmann, que roteiriza a circulação seqüencial de sentido
no continuum digital. Emissores e receptores são substituídos por Ego e Alter, nomenclatura
homogeneizante utilizada para indicar a condição de uma dupla contingência entre os
Alter comunica
         
entre os dois extremos do processo comunicacional.
Nem Alter nem Ego são pessoas reais. Luhmann adota essa terminologia latina com o
objetivo de afastar qualquer lembrança antropológica. Alter e Ego são sistemas que processam
informação de maneira independente e autônoma e estão invariavelmente dispostos em um
contexto que não permite contato direto entre um e outro. Luhmann insiste nesse cenário como
um diagrama que separa a informação da mensagem. Isto é, Alter e Ego não enviam ou recebem
mensagens em turnos alternados. Emissão e recepção só existem durante o pprio processo
comunicacional que é em si mesmo sua referência. Esse esquema cria uma dinâmica de
informação circular e auto-referencial, uma vez que Alter e Ego compreendem uns aos outros
não como agentes, mas como comunicações cujo nexo de selões cria tanto a comunicação
como os agentes comunicacionais ao mesmo tempo. Com isso, a comunicação não depende da
aceitação, da compreensão nem do sentido comunicado. Essa descrição do processo
comunicacional como uma seqüência continua de conexões prescreve uma dinâmica na qual os
estágios da comunicação são exteriores ao próprio processo da comunicação. Do ponto de vista
da compreensão, a aceitão ou recusa de uma mensagem corresponde à diferença entre
informão e mensagens em fuão da redução de complexidade.
195
O conceito de dupla contingência sugere que cada participante da comunicação se fia no
próximo e organiza seu comportamento em função de ser objeto e agente da observão. A
imagem de uma dupla contingência vinculando ações, junto com o conceito de sistema simbólico
compartilhado retirado de Talcott Parsons
24
, desenha um espaço de troca simbólica governado
por ações que conectam uma comunicação à outra
25
. Para Luhmann, sentido e a contínua
reprodução do sistema são a mesma coisa, pois é a reprodução auto-referencial dos sistemas que
considera as possibilidades de criar conexões, isto é, de processar sentido. Esse movimento dos
sistemas é o que Luhmann chama de sentido, quer seja processado pelos sistemas sociais, como
comunicação, quer seja processado pelos sistemas psíquicos, como consciência
26
. Sentido para
Luhmann, portanto, é uma processualidade interna dos sistemas desprovida de qualquer crossover,
isto é, de qualquer propriedade transversal.
IV. Supercie-seqüência
Essa imagem de um sentido desprovido de conteúdo, uma constante e necessária seleção
de conexões, se ajusta apenas parcialmente à descrão do sentido espectral. Isso porque a
mecânica descrita por Luhmann não explica como a informação pode ser derivada de mensagens,
nem como a comunicação pode emergir da informão. Deleuze
27
, por sua vez, oferece um
conceito de sentido proposicional mas que tamm se estende à receão de mensagens e à
geração de sentido comunicacional. O sentido não seria uma entidade, mas antes um efeito da
relão entre proposão e mundo. Em contraste com a visão autopotica apresentada por
Luhmann, Deleuze baseia seu conceito de sentido na imagem de um rizoma. A unidade mínima
não seria uma palavra ou um signo, mas a ligão, cópula ou união, isto é, o instante em que uma
expressão faz sentido. Essa imagem do sentido como uma produção da ligação entre corpos
(palavras) e incorreos (expressão) contrasta com a imagem do sentido luhmanniano de uma
rede seqüencial de conexões. Em Deleuze, a imagem do sentido é uma superfície de
acontecimentos iminentes.
Ainda que Luhmann faça referência ao sentido como um horizonte de referências
husserliano, tampouco essa imagem pode alcançar as condições de experiência obstinadamente
aconselhada por Habermas. O conceito deleuzeano, por sua vez, compreende as condições de
experncia uma vez que se depreende de relações sociais e é transcendental sem ser
transcendente (empirismo transcendental). Se Luhmann não oferece essa dimensão de pula,
operação cardinal do sentido em relão à informação e à comunicação, seu conceito entretanto
descreve apropriadamente as operações internas do sentido em dirão ao ambiente. Como um
horizonte de possibilidades, o sentido possibilita a relação entre sistema e ambiente. Uma relação
196
que, de acordo com Izuzquiza
28
, não reconhece o mundo como um centro ou ponto único de
referência. Pelo contrário, apresenta uma seqüência de selões e atualizações dos sistemas
psíquicos e sociais em função de uma complexidade descentralizada.
Com isso, a dinâmica seqüencial do sentido delineada por Luhmann responde pela
circulão e passagem da informação de um nódulo a outro dentro do anel espectral, uma
imagem que descreve a movimentação do continuum digital. Luhmann, entretanto, nunca deu
contornos definitivos ao sentido, de maneira que o conceito pudesse descrever fenômenos
sociais. O sentido permaneceu, na teoria dos sistemas sociais, como uma noção geral de fundo
que englobava tudo e que não fazia refencia a nada em particular. À exceção do movimento do
sentido como uma série das cadeias que se ligam umas às outras, o conceito de sentido em
Luhmann não é suficientemente preciso para descrever o sentido espectral. De acordo com Poul
Kjaer
29
, imagem do sentido luhmanniana tamm não é suficiente para contornar a imprecisão
sistemática da teoria dos sistemas sociais.
O conceito de sentido em Luhmann também não compreende a disrupção do sentido
comunicacional. Ou seja, o momento em que o sentido expressa um conteúdo e atinge um
dulo particular não está previsto no esquema do soclogo alemão. Para descrever esse
movimento nós recorreremos a Deleuze, cuja imagem de uma superfície de sentidos pode
funcionar de maneira complementar à imagem seqüencial sugerida por Luhmann. Na perspectiva
deleuzeana, o conteúdo da expressão, isto é, aquilo que é efetivamente significado ou manifesto, é
uma captura do potencial expressivo que emerge das zonas de indeterminação das designações
alternadas. Com isso, o sentido percorreria a circulação da informação, como em Luhmann, mas
tamm a mecânica da afecção, como em Deleuze.
Brian Massumi entende que o diagrama proposto por Deleuze & Guattari desafia a
representação naturalizada da expressão nos modelos tradicionais de comunicação. Segundo
Deleuze, a acepção proposicional da linguagem que serve de fundamento a esses modelos
permite três operações fundamentais, mas nenhuma delas é capaz de mensurar o potencial da
expressão: a primeira face, a designação, diz respeito à fidelidade da expressão comunicada; a
segunda, a manifestão, é o correlato subjetivo da designação e diz respeito ao universo de
desejos e crenças dos indivíduos. A terceira face, a significação, es fundada na capacidade da
significação quando aplicada a espécies particulares, ou seja, diz respeito às idéias e suas
implicações. Se a designação diz respeito ao verdadeiro e ao falso, a significão se refere às
condições de veracidade e falsidade do enunciado
30
.
A produção da subjetividade foi uma das preocupações centrais do trabalho de Guattari
31
,
que buscou delinear uma mecânica da subjetividade independente do conceito de sujeito
32
. Mais
197
do que se referir a sujeitos que emergem da articulação ontogenética entre conteúdo e expressão,
a produção de subjetividade remeteria ao movimento de expressão que é em si mesmo subjetivo,
que move e se define a si mesmo. O conceito que Deleuze & Guattari derivam da produção de
subjetividade é o de agenciamento, isto é, um evento sem agente ou uma subjetividade sem
sujeito. Com isso, a produção de subjetividade seria o evento de uma expressão autoproduzida
33
.
Haveria duas mecânicas distintas mas integradas na espectrografia digital. Uma é a
mecânica seqüencial e linear descrita pelo movimento do sentido em Luhmann. A outra é a
disrupção contínua da informação em comunicação que o conceito de sentido em Deleuze
descreve. Essas duas faces da comunicão compreendem um dentro e um fora da matriz de
media digital. As duas faces se tocam porque o movimento dos anéis da cebola perfaz uma espiral
de permanente retroalimentação. Com isso, o regime semiótico espectral gravita ao redor de dois
los. De um lado, os rculos internos da espiral, que são relativamente estáveis e
permanentemente seqüenciais. Do outro lado, ou melhor, do lado de fora, os rculos externos,
que são eminentemente instáveis e cuja função é inventar cruzamentos não-triviais entre os
dulos que participam do continuum digital. O drama da significação e da informação pertence
à ordem e seqüencialidade dos dados, isto é, aos rculos interiores. A novela da comunicação e
do acontecimento diz respeito à disrupção e corrupção dos dados, isto é, aos rculos exteriores.
198
NO TAS
1
      m von uns entworfenen und entwick elten
Projekt die Größendimen sionierung und der Grad der Komplexi tät der ihm einbeschriebenen Informations-und
Steuers ysteme di e au s schlaggebenden Faktoren si nd und ddemzufolge die allumfassende, absolute Perfektion des
Konzepts in der Praxis durchaus zusammenfallen kann, ja letztli ch zus am menfall en muß mit einer chronischen
   ebald, W.G. Austerlitz. Frankfurt am Main: Fischer, 2003. (p.394-
395).
2
Thom, R ené. Parábolas e cat ástrofes. Lisboa: Dom Quixote, 1985.
3
De acord o com Luhmann, a sociedade sobreviveu às catástrofes da escrita e da impr ensa porqu e deixou d e se
reproduzir no nível da observação de primeira ordem. A observação de segunda ordem passou a ser necess ária uma
vez q ue os textos tornavam impossível o estabel eci mento de u m cons enso de ordem pr ática. A partir d a escrita e da
imprensa, o consenso só se tornava possível por meio da acumul ação de vários textos ou pontos de vista sobre um
mesmo assu nto. Isto é, por meio da observão d e segunda ord em. O prognóstico de Luhmann se aproxima do
diagnósti co de Norbert Elias, para qu em aquil o que Luhmann entende por meios d e comunicão simbolicamente
generalizados constituem o traço cultural distintiv o das soci edades que já não são apenas orais. Ver Luhmann,
Niklas. Die G esellschaft der Gesellsc haft. Frankfurt am M ain: Suhrkamp, 1997. (p.405-412); Baeck er, Dirk. Ni klas
Luhmann i n t he Soci ety of t he Computer. IN: Cybernetics & Human Knowing, Volume 13, N° 2, 2006. (p.25-40) e Elias,
Norbert. T he Process of Civilizatio n. Oxford: Blackwell, 1983.
4
Baecker, Dirk. Wozu So ziologie? Berlin: Kadmos Kulturverlag, 2004.
5
Baecker, Dirk. Nikl as Luhmann in the Society of the Com put er. IN: Cybernetics & Human K nowi ng, Volume 13, N° 2,
2006. (p.25-40).
6
A conexão entre computadores, d e um lado, e sistemas soci ais e pquicos, de outro, aparentemente ocasiona a
temporalização de formas. s o mais nos fiamos em configurões estáveis, que por sua vez eram avaliadas de
acordo com os códigos dos sistemas funcionais como verd adeiras ou não, úteis ou não, pois cada deter minação
produz um espaço indefinido e um exterior, que só pode ser definido por meio de operações adicionais (com
resultados idênticos). Essas q uinas tr anscl ássicas (t ranskl assi schen) o se refer em mais a uma qu estão de
instrumentos de alto-des empenho, ainda qu e possam s er utilizadas em contextos objetivos, mas a u ma qu estão de
determinar qu ais formas per mitem uma difer enciação e designação mais rica, com r esultados ainda i mpreviveis para
o sistema de comunicação que é a socied ade. De todo modo, tudo indica haver um aumento tanto da capacidade
como da i ncapacidade, uma vez qu e a possibilid ade de argumentar em referência a u ma qui na invisív el diminui de
forma tida e em razão invers a ao incremento d e sua suscetibilidade.    
Struktur nur nutzbar, wenn sie in psychischen oder sozialen Systemen Veränderungen (I nformationen) ausl öst. Die
Vermi ttlung scheint eine Temporalisieru ng von Formen zu erfordern. Man geht nicht mehr von feststehenden
Gestalten aus, di e nach den Codes der Funktionssysteme als wahr oder unwahr, nützlich oder nicht tzli ch usw.
beurteil t werden k önnen, sondern jed e Fes tlegung produ ziert einen u nmarkierten Raum und in ihm eine andere
Seite, die nur ü ber wei tere Operationen (mi t dens elben Folgen) bestimmt werd en k ann. Es g eht bei di esen
"transklassischen" Maschinen ni cht mehr nur um leistungss tarke Instrumente, obwohl si e in Verwendungskontex ten
so verstanden u nd eingesetzt werden können, sondern es geht u m eine Markierung von Formen, die ein reicheres
Unterscheiden und Bezei chnen ergli chen mit der zeit unabsehbar en Konsequenzen für das
Kommu nikationssystem Gesells chaft. Jedenfalls scheint mit d em Können auch das (daran erkennbar e) Nichtkönnen
zuzunehmen. Die Möglichk eiten, im Durchgriff auf die unsichtbare Maschine zu argumentier en, nehmen offenbar
        Die Gesellsc haft der Gesellschaft. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1997. (p.305).
7
Ver Habermas, Jürgen & Luhmann, Niklas. Theo rie der Gesellsc haft oder Socialt echnologie - Was lei stet di e Systemfo rschung?
Frankfurt: Suhrkamp, 1971.
8
Ver Haber mas, Jürgen. Theo rie des komm uni kativen Handels. Frankfurt: Suhrkamp, 1981 e Luhmann, Niklas. Sozial e
Systeme. Grundreiner allgemei nene Theori e. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999.
9
Kjaer, Poul F. System s in Cont ext: On t he Outcome of the Habermas/L uhm ann-D ebat e. Ancilla Iuris, Vol. 66, 2006.
10
Habermas, Jürgen. D er philoso phische Diskurs der Mo derne. Frankfurt: Suhrkamp, 1996.
11
Luhmann, Niklas. Com plejidad y Moderni dad. De la U nidad a la Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.61).
12
        ear what a burden i s
assumed by a theory that divides up linguistic stru ctur es that cover both the psychic and the soci al dimensi ons into
     The Philo sophi cal Disco urse of Modernity. Cambridge: MIT Press, 1987.
(p.379).
13
Luhmann, Niklas. Com plejidad y Moderni dad. De la U nidad a la Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.31).
14
Assim entendeu a tradu ção es panhola    
esta radicalización s obre tod o cu ando supone que, despu és de todo, podría tener sentido plantearse si el suj eto se
compromete o no con fundamentos universali zabl es . Véase en particular la pol émica entablad a contra Heidegger
probletica por no apreciar d ebidamente las res tricciones de cu alquier filosofía que siga las huellas del sujeto
199
en J. Habermas, El discurso filosófico de la moderni dad. L a dureza de la crítica estaría justificada si su autor pudi era saberse
seguro de poseer una al ternativa. Pero la i ntersubjetivi dad no es una alt ernativ a a l a subjetivi dad. Aunque u no puede no
sentirse muy inclinad o a compartir la semánti ca de la filosofía ultima d e Heidegger, l a cuestión siegue siendo todavía
cómo puede s er concebida em ge Una teoría de la comunicación propiamente dicha,
inspirada en la referencia sis témica a los sistemas s ociales, hace pres cindible el recurso a la intersubj etividad. Ella
sustituye este concepto por la noción de emergenci a de la comuni cación como unidad que no precisa de
fundamentaci     Luhmann, Niklas.
Complejidad y Modernidad. De la U nidad a la Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.31; 44).
15
        , la comunicaci ón no es úni camente
comuni cación, si no qu e posee u n sentido ex cedente. No obstante, esto concedido, un observador pu ede describir la
comuni cación como un sistema que resuelv e sus propios problemas es decir, los problemas de la comunicación
. Para desarrollar una d escripci ón así podría s er muy importante deshacers e de la noción de intersu bjetividad, ya
que ésta asigna a la comunicación, inevitablemente, un stat us     
Niklas. Compl ejidad y Modernidad. De la Uni dad a la Dif erenci a. Madrid: Trotta, 1998. (p.46 )
16
Habermas, Jürgen. Theori e des ko mmunikativen Handels. Frankfurt: Suhrkamp, 1981.
17
        ed and
modern account of linguisti c inter change. (...) He is an inheritor of a long tradi tion of politi cal thought that makes
plain speech the center of democrati c life, rather than rhetoric, narrative or other al ternatives.
Haber mas problematically assumes a continuity between s peech and writing that has been vor aciousl y attacked of
late (for ex ampl e by Derrida); he does not see the medi ated character of face- to-face discourse. He might respond
that mediation is not the iss ue, but participation. But his too is a questi on of s cale. As the number of participants in a
conversation keeps growing, at so me point not ever yone will be abl e to s peak and be heard. An inflection point will
be reached and most parti cipants will become spectators. Haberm    
    Peters, John. Distrust of Representation: H aberm as and the Public Sphere. IN: Media, Cul ture and
Society, 15, 4, 1993. (p.563-564).
18
Leydesdorff, Loet. Luhmann, Habermas, and the theory of communicatio n. Systems research and behavioral science.
Amsterdam: Wiley Inter Sci ence, n. 17 (3), p.273-288. 2000.
19
Luhmann, Niklas. Com plejidad y Moderni dad. De la U nidad a la Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.28).
20
Idem,gina 29.
21
Na tradu        elementos. Afirmar es to es
sólo otr a forma de decir que el sentido es privativo de los sistemas dimicos. La pr econdición básica para ello
reapar ece en lo que podríamos llamar la inestabilidad de la actualidad. El centro de la experiencia dotada de sentido
actual no puede quedarse donde es , ti ene que moverse. La es tructur a del sentido, basada como es en l a diferencia
entre actu alidad y potencialidad, está rel acionada con este problema. La funcn de su estru ctura dual es organizar la
atención de manera alternante entre la actualidad, que es cierta pero inestable, y la potencialidad, que es inci erta pero
estable. En efecto, tenemos que pagar por nu estro mundo, y lo hacemos con l   
Luhmann, Niklas. Com plejidad y Moderni dad. D e la U nidad a l a Diferencia. Madrid: Trotta, 1998. (p.28-29).
22
Luhmann, Niklas. So ziologische Auf klärung 6. Die Soziologie und der Mensc h. Opladen: Westdeutscher Verlag, 1995.
23
Izuzqui za, Ignacio. La sociedad sin hombres. Ni klas Luhmann o la t eoría como esndalo. Barcelona: Anthropos, 1990.
(p.61).
24
Parsons, Talcott. T he struct ure of soci al actio n. New York: The Free Press, 1968.
25
Izuzqui za, Ignacio. La sociedad sin hombres. Ni klas Luhmann o la t eoría como esndalo. Barcelona: Anthropos, 1990.
(p.244-245).
26
        
si mesmo de modo auto-referente, o sistema d elimit a seu campo de pos sibilidades, seleci ona de u m modo
determinad o e d eter mina as formas de conexão que, u ma vez estabelecidas, s ão condição para a au to-reprodução do
sentido. O sentido é o movimento mesmo do sistema, que s e fundamente a si mes mo. É o próprio sistema na
explicação de sua conectividade. Daqui para a au topoi eseo há mais que u m passo. Os sistemas soci ais processam
essa reprodução do senti do por meio da comunicão; os sistemas psíquicos, por meio da cons cncia. Que o se
busque no s entido, portanto, mais que es te movimento qu e se fundamenta a si mesmo e que rne complexidade,
possibilidad e e relação.       
sistema por mismo resultan ser aspectos equivalentes. Al reflexionar sobre mis mo d e modo autorreferente, el
sistema deli mita su campo d e posibilidad es, elige d e un modo d eterminado y determina unas for mas de conexión
que, una v ez establecidas, son condici ón para la autorreproducción del s entido. El se ntido es lo mismo movimiento
del sistema, que se fundamenta a sí mismo. El mis mo sis tema en la explicación de su propia conectividad. De ahí a la
autopoiesis no hays que un paso. Los sistemas sociales procesan esta reproducción del sentido mediante la
comuni cación; los sistemas psíqui cos, mediante la conci encia. No se busqu e, pues, en el sentido,s que este
movimiento qu e se fundamenta a mismo y que r eúne complejidad, posibilidad y rel ación. Es la vida misma del
    La sociedad sin hombres. Niklas L uhm ann o la teoría como escándalo. Barcelona: Anthropos,
1990. (p.257-258).
27
Deleu ze, Gilles. Lógica do S enti do. São Paulo: P erspectiva, 2003.
200
28
Izuzqui za, Ignacio. La sociedad sin hombres. Ni klas Luhmann o la t eoría como escándalo. Barcelona: Anthropos, 1990.
(p.259).
29
Ver Kj aer, Poul F. Systems in Cont ext: On t he Outcome of the Habermas/L uhm ann-D ebat e. Ancilla Iuris, Vol. 66, 2006.
30
                 model
questionabl e is that it assumes a world of already--
jacketed by this pre-           
underpinni ng this model, arguing that it allows thr ee fundamental operations, none of whi ch are up to the measure
-sl eeved str aight-     
expression to the par ticular state of things with whi ch it is in conformity or to which it corresponds: its objectivity.
       
 e capaci ty of designation to apply beyond particulars to kinds, in
     
concepts, and of syntactic connections to the impli cations of the  
            
         o the f alse, bu t to the
Massumi, Brian. A Sho ck to Tho ught: Expressio ns after Deleuze and G uattari. London: Routledg e, 2002. (p.xiv)
31
Guattari, Félix. Cao smose: Um novo paradigma est ético. São Paulo: Editora 34, 1992.
32
Guattari, Félix. Revolução Molecular: Pulsações Políticas do D esejo.o Paulo: Brasili ense, 1985.
33
Brian M assumi argumenta que não nada de místi co ness a não de su bjetividade sem sujeito ou agenciamento
sem agente. S eria um ev ento natur al tamm anotad o por Nietzsche, que relacionav a o relâmpago e a hi stase
para apontar os erros fundamentais da teol ogia cristã. Com isso, diz M assumi, a necessid ade de se atribuir a
     um
sujeito antes ou atrás que fundamento à ocorrência. É uma ação autônoma. Antes do flash só existe um
conti nuum de intensid ades potenciais: um campo de partículas carregadas. O gatilho que d á a carga é um movimento
imanente ao campo do potenci al, pelo qual se ex aurem    
Ther e is no subject before or behind i t whose deed it would be. I t is an au tonomous
doing. Before the flash there is only potential, in a continuu m of i ntensity: a field of charged particles. T he triggering
of the charge is a movement immanent to the field of potential, by which it plays out the consequ ences of its own
     A S hock to Thoug ht: Expressions after Del euze and Guattari. London: Routl edge, 2002.
(p.xxiv).
201
4. FORMA ESPECTRAL
tópicos
i - anéis de cebola
ii - rculos internos
iii - rculos externos
iv - círculos crescentes
notas
Vivo minha vida em cír culos cr escentes
Que dizem respeito à realidade
Talvez não alcance os mais recentes
Mas tentarei essa possibilidade.
Rainer Mari a Rilke
1
I. Anéis de cebola
O diagrama do sentido espectral desenha um modelo pouco comum nas teorias da
comunicação, que convenientemente se baseiam em uma identificação geográfica e espacial dos
grupos e das mensagens. A palavra espectral é importante, com isso, porque enfatiza a
inexistência de referências espaciais. Am disso, o termo tamm afasta o princípio de eficiência
que regia os modelos de comunicação da teoria hipormica. A circulão da informação se
desvincula da certa geografia obrigatória e sugere um espectro de inferências entre um pólo e
outro, entre um agente e outro. A espectralizão dos ambientes eletrônicos se associa ao
conceito de sentido como uma ação incorporal, tal como apresentada por Deleuze, mas tamm
como uma dinâmica de seleções autopoiética no continuum digital, tal como apresentada por
Luhmann.
A combinação de um universo de meios eletrônicos descentrados com observadores
operacionalmente fechados retrata um mundo fantasmático no qual nenhum agente ou sistema se
202
relaciona diretamente com outro, não obstante a troca permanente de informações e o
compartilhamento do mesmo ambiente. As variadas e contínuas colaborações, assim como a
reunião de diferentes sistemas psíquicos em uma aglutinação tal como a opinião pública ou a
blogosfera, indicam a gênese das formas originalmente assinalada por Luhmann. Nesse sentido, a
operação espectral também es relacionada com operações que emprestam forma a um medium.
Chamamos de espectral esse padrão de organização eletrônica como uma metáfora que
localiza a saturação de redes dentro de redes (internet), criando rizomas nos quais os inputs e
outputs são em número tão vasto que o diagrama da circulação de sentido é uma imagem da
própria sobrecarga de informão (information overload). Espectral, com isso, porque a circulão
acelerada de dados realiza a comunicão em maneiras até então inauditas. Um dos efeitos
aparentes da comunicação como decorrência da supercirculação de dados é a fratura da então
estável relação entre significante e significado, espectralizando a própria unidade sígnica.
O ciberespaço não é um meio de irradião, mas de espectralização. É um espectro
eletrônico onipresente que envolve uma massa de media da mesma maneira que uma cebola
envolve uma miríade de anéis em expansão progressiva. A imagem de uma cebola é útil porque
ilustra anéis individuais ligados a anéis maiores e menores, conformando com isso uma espiral de
media que descrevemos como um continuum integrado de meios digitais. A cebola é um
conglomerado de anéis da mesma maneira que o ciberespaço é uma reuno de media. Não
exatamente uma estrutura, concreta ou abstrata, mas apenas anéis crescentes e interconectados.
Os anéis cepáceos são governados por um movimento interno e um movimento externo que se
cruzam permanentemente, um movimento de sístole e diástole entre anéis pequenos ou grandes
que garante, em razão desse permanente crossover, que o menor e mais íntimo dos anéis possa se
expandir e tomar uma posição exterior de visibilidade global.
O que garante que os rculos interiores e exteriores se cruzem e alternem posições é o
princípio de organização dos dados eletrônicos, isto é, a aglutinação (clustering) dos dados. A
aglutinação da informação não leva em consideração a posição espacial do anel que conduz os
dados, de modo que o entrelaçamento entre anéis interiores e exteriores, e o fluxo e refluxo da
posição espacial de cada anel, é não apenas uma possibilidade, mas uma prerrogativa operacional
do sistema eletrônico. A harmonia interna da cebola eletnica, assim como a co-dependência de
um anel para com o próximo, é garantida pela organização e circulação de comunicações
realizadas por diversos e esparsos dulos. Como decorrência evolucionária da sociedade
tecnológica, o sentido eletrônico canibaliza os modelos anteriores de processamento, da interão
face a face à difusão centralizada de informação, em um composto atmosrico de media.
203
O continuum digital de media é organizado como um rizoma não-hierárquico, o que
permite que cada elemento tenha a chance de desempenhar fuões abrangentes dentro do
sistema. Como resultado, os elementos internos competem entre si para acessar os círculos
externos de influência. Esse continuum o tem uma estrutura fixa embora usuários e meios de
comunicação reconham o sistema como uma realidade mundial integrada
2
. A imagem de uma
cebola deveria ser pensada, todavia, como se os anéis da cebola estivessem em permanente
deslocamento, como se eles pudessem se mover ao longo da esfera cepácea, permitindo com isso
que o anel localizado no mais obscuro dos rincões possa tecnicamente atingir a claridade e
amplitude dos anéis exteriores. Diferentes intervenções percorrem os anéis do continuum digital
e a esfera não conta com nenhuma agência ou centro de controle. Como um sistema autônomo
que envolve os media digitais, um indivíduo, tablóide ou blog pode possivelmente inserir sua
transmissão e repassá-la adiante na esfera. Os conteúdos são irradiados dentro dos anéis e podem
ou não receber apoio de outros nódulos, e com isso, podem ou não conseguir audiência. Todo
medium tenta transmitir seus vetores de informação o mais longe possível.
A idéia de múltiplos anéis de cebola, em contraposição ao conceito de canal, é
interessante porque compreende as diversas funções que um medium exerce no sistema. Um
jornal pode repercutir uma notícia recebida de outros media caso ela se afine com suas
necessidades e com os valores e interesses da companhia. Os media canibalizam a informação
dos outros media, mas não são capazes de decidir qual informação alcançará os rculos mais
externos da cebola digital. Isso porque os media não têm acesso a essas operações de sentido,
uma vez que são apenas subsistemas do continuum digital atmosférico. Se um blog repercute o
relatório de um jornal isso o implica que a blogosfera seguirá esse vetor informacional. A vida
de uma mensagem depende da retroalimentação subseqüente de outros media, isto é, sua sorte
depende da movimentão dos círculos internos e externos da cebola. Depende, de um lado, da
sucessiva seqüencialidade interna e, de outro, da possível disrupção externa que os anéis
possibilitam.
Se nenhum meio ecoa a informação recebida, isto é, se o vetor recebido o é repassado,
a informação tenderá a ser perdida nos anéis interiores e, portanto, esquecida pelos nódulos.
Porque o sistema é imprevisível e suas selões organizadas com base em um horizonte de
possibilidades, um grupo de media pode tentar insistir na reverberão de determinada
informação, mas isso tamm não garante que o vetor informacional vá ser passado adiante, isto
é, a persistência não garante o sucesso da corrente informacional dentro da matriz digital.
Descrevemos esse sistema como um continuum porque ele é composto de uma multidão de
204
atores e qualquer terminal ou computador é um agente do sistema, e o apenas em caráter
potencial, mas atual.
O uso de uma cebola como metáfora para descrever o ciberespaço tamm é interessante
porque remete ao descascar da cebola, isto é, à remoção da capa que posteriormente desmembra
os anéis. Essa mesma relação entre cebola e suas partes foi sugerida por Günther Grass, cuja
biografia foi intitulada Descascando a Cebola (Beim Häuten der Zwiebel)
3
. A imagem de uma cebola
tamm é útil porque sugere a existência tanto de anéis maiores como de anéis menores, ambos
correlacionados e em mútua interação, da mesma maneira como sistemas automatizados e
sistemas dependentes de intervenção humana se relacionam de maneira mútua e reativa. A
desmontagem da cebola, com isso, compreende tanto as plataformas de interação automatizadas
como os sistemas dependentes de interão humana, coordenados continuamente por um
mesmo conjunto de regras e padrões: o sentido espectral.
II. Círculos internos
Os rculos internos da cebola são progressivamente estáveis e permanentemente
seqüenciais. Sua dinâmica de selão é semelhante às operações de sentido descritas por
Luhmann. Essa dinâmica pode explicar como um vetor informacional percorre os anéis da cebola
de modo mais acelerado ou cadenciado. Quando um jornalista se reporta a seu editor, quando um
usuário fotografa um evento com seu celular, quando um comentário é postado em um blog ou
quando usuários conversam em um canal de bate-papo, os anéis da cebola movimentam o
continuum digital. Cada nódulo opera de acordo com suas próprias expectativas, que em algum
momento remeterá à dinâmica espectral. Uma corporação de mídia, por exemplo, processa
previamente toda informação de acordo com as estruturas internas e decisões editoriais que
decidem quais histórias merecem publicação. Um usuário, por sua vez, alimentará o continuum
digital com dados que de alguma maneira se relacionam com sua história pessoal.
Os meios de difusão em massa foram organizados sobre uma assimetria estrutural entre a
capacidade de difusão entre instituições e usuários individuais. De acordo com Manuel Castells
4
,
o poder dos meios de comunicação é transferido para as redes de troca de informação, que
oferecem uma melhor integração entre sociedade e indivíduos. A dinâmica espectral liquida com
essa acentuada assimetria distributiva uma vez que todos os dados, como vetores de informação
que alcançam o continuum digital em determinada ocasião, são ranqueados de maneira equânime
no que respeita sua distribuição técnica dentro dos anéis da cebola. É a ação contínua dos
dulos (clustering) dentro do sistema que determina valores dessemelhantes para dados diversos,
independentemente de sua natureza digital, televisionada ou impressa. O protocolo do hipertexto
205
fornece a conexão necessária entre documentos e organizações ou indivíduos, e a natureza
eletrônica dos dados permite uma integração harmoniosa entre usuários, cuja vasta presença
sugere a experiência de uma atmosfera ao invés de um sistema.
É a dimica interna dos anéis da cebola que permite que determinada história seja
relacionada com uma fonte, quer o material provenha de uma corporação ou de um website
governamental. Mais tarde testemunhas podem participar ativamente do processo de confecção
da história, que pode ser alimentada com links para arquivos e bases de dados. Usuários inserem
comentários que adicionam diversas perspectivas a um crescente acúmulo de dados. A imprensa
ainda desempenha uma função chave, mas se encontra cercada por usuários e dispositivos digitais
independentes de seus tentáculos. A história de uma mensagem ou de uma notícia se converte em
um organismo vivo cujo desenvolvimento atravessa diversos estágios que persistem mesmo
depois da publicação. Repórteres, editores, testemunhas, arquivos e comentadores inserem dados
diversos e o caleidoscópio da informação implode o desenho original de um gatekeeper
estratégico. O funcionamento do multiálogo prevê que uma vez que a história tenha sido
publicada, perde-se o controle sobre ela.
Gary Shank
5
retoma o conceito de multiálogo, originalmente apresentado por Richard
Duke, para descrever essa dinâmica onde a mensagem ganha vida própria: certo membro de uma
lista de discussão sobre pesquisa em educação acidentalmente enviara uma mensagem pessoal,
versando sobre a importância de se manter a porta da geladeira fechada, para toda a lista. Não
obstante o autor tenha se desculpado imediatamente, muitos usuários não leram o pedido de
desculpas e tomaram a mensagem como uma críti ca sobre a área de pesquisa debatida na lista, a
educação na atualidade. Rapidamente a metáfora ganhou vida própria, com usuários
questionando a importância daquilo que a geladeira guardava, a dificuldade em se manter a porta
fechada ou mesmo a possibilidade da porta o poder ser fechada. Não era possível controlar as
mensagens nem o rumo que conversa tomava. Controle, comenrios subseqüentes e respostas à
história são formados como um processo independente que rapidamente se livra das garras do
emissor.
Os rculos da cebola digital compreendem tanto interações humanas como o
processamento automático de dados (sistemas que independem da intervenção humana). Essas
duas modalidades se fundem em uma atmosfera integrada de meios digitais. Sistemas eletrônicos,
que independem de input humano, e sistemas projetados para prover realimentação de dados aos
usuários compartilham do mesmo sistema, mas ocupam posições diferentes na cebola digital. Isto
é, seus vetores de informação percorrem rculos diferentes que se tocam, se cruzam e se fundem
de maneiras distintas dentro da espiral. Espectral porque esse sistema é organizado em camadas
206
contínuas da mesma maneira que as cores da luz solar podem ser visualizadas utilizando um
prisma para separá-las.
III. Círculos externos
Osrculos externos da cebola são contingentes e instáveis. Sua fuão é inventar
cruzamentos não-triviais entre os nódulos que participam do continuum digital. Diferentemente
dos rculos internos, as operões dos rculos exteriores têm por objetivo criar informação
nova, ao invés de garantir uma circulão imperturbada. A descrição dessa superfície de eventos é
semelhante às operações de sentido descritas por Deleuze. Embora a informão tamm seja o
material fundamental dos círculos exteriores, o escopo de suas operações é, inversamente, a
corrupção da informão, isto é, a geração de comunicações.
As propriedades moventes dos anéis da cebola permitem que a informação circule
desligada do emissor inicial. Permitem tamm que um evento comunicacional possa tomar
corpo a partir de ões ou reações a um vetor informacional que circule na blogosfera, fóruns ou
qualquer interface interativa, repassando as informações proativamente e além do ponto no qual
foram encontradas. Esse encontro de media se assemelha aquilo que o jornalista Jeff Pulver
fusãofusion effect), isto é, a reunião sinérgica entre os novos e tradicionais
media que fazem as histórias girar para frente e para trás.
Esse efeito de fusão pode ser causado por um simples tw eet
6
ou uma postagem em um
blog sobre determinada notícia. Os media tradicionais podem se apropriar dessa conversão
iniciada e repercuti-la em seus canais. O efeito viral é o resultado dessa integração de nódulos
(clusters) que espalham uma notícia ou bloco de informações nos diversos anéis da cebola. O
momento em que um viral atinge determinado usuário ou medium é um instante fotográfico
dessa produção clica. E-mail, texto, Twitter, atualizões de RSS ou redes sociais permitem que
usuários alternem a navegão com a visualização ou aprofundamento (drilling down) de
determinada história. Não é apenas o processo de confecção que integra os dados a sistemas de
metamarcação (metatagging), mas toda uma cultura que funciona em termos de compilão
(clustering) de dados. Se a metáfora da pimide invertida serviu de modelo diretor para a produção
da notícia no contexto dos media de difusão em massa (conseqüência da organização material
realizada pelo telégrafo e telefone), o modelo de produção de notícias atual integra a pirâmide
invertida a uma pimide perpendicular
7
, ilustrando com isso o processo iterativo dos meios
digitais que fazem da história uma obra sempre em andamento, uma vez que sempre em processo
de atualizão.
207
Os rculos interiores são estriados e não respondem pela emergência, mas pela circulação
do sentido. A superfície dos rculos exteriores, por sua vez, é lisa e perfaz uma rede de sentido
que permite a observão de um acontecimento comunicacional. Esse evento da comunicação é
efeito de um enlace que as operões dos dulos (clusters) efetuam sobre signos, dados,
comportamentos ou blocos de informação. As marcas de um acontecimento comunicacional
remetem à ão de aglutinação (clustering) desses dulos (clusters), cuja manifestação é
necessariamente emergente e imprevisível. Uma etnografia dessas redes de sentido deverá
desenhar mapas da emergência de sentido em relão aos eventos produzidos nos enlaces de
informação pelos dulos.
Os mapas são a própria imagem do acontecimento comunicacional, isto é, a realização da
informação em um plano de imanência impessoal. Se os rculos internos asseguram a repetição
clica e redundante dos dados, são os rculos externos que garantem a necessária disrupção de
sentido ao sistema. Essa disrupção é o resultado de um enlace entre conscncias e informação
processada, ou seja, entre sistemas psíquicos e operações do sentido. Em todo evento
comunicacional atuam diferentes nódulos, embora cada um perceba a emergência da
comunicação de maneira fechada e auto-referencial. Os nódulos, que podem ser sistemas
psíquicos ou sociais, se agrupam para processar um determinado bloco de informação, mas o
output liberado é percebido e retrabalhado de acordo com as próprias necessidades de cada
sistema psíquico ou social.
Um dulo só pode participar do processamento de sentido porque um dulo anterior
repassou o mesmo bloco de informações adiante. O nódulo atual e o anterior têm em comum o
enlace ao redor do mesmo vetor de informação, recebidos dos rculos internos via redundância e
seqüencialidade formal. O acontecimento comunicacional toma forma sempre nos círculos
externos, produzido por uma ação incorporal entre a marca atual e a anterior, entre uma
informação presente e uma informão ausente que o sistema preenche de acordo com suas
expectativas. Quando o sentido emerge nos rculos exteriores, o bloco de informação é
reprocessado em função das novas coordenadas que se voltam contra si mesmas. O resultado é
uma modificação genética no bloco inicial, uma remissão do plano de consistência informacional
para o plano de imanência comunicacional.
A ocorrência dos enlaces e a aglutinação dos nódulos não podem ser definidas em função
da interação ou da produção de acontecimentos. Isso porque um acontecimento não interage
com outro. Os acontecimentos ocorrem como informação nova que é injetada no continuum
digital e que, uma vez absorvida, se torna redundante e é repassada aos rculos interiores na
forma de bloco de informação. Por conta da forma lisa da superfície da cebola digital, um
208
acontecimento o redunda em outro acontecimento , apenas produz uma variação sobre um
bloco de dados para voltar à configurão de informão no instante seguinte
8
. A emergência do
sentido nos rculos externos, diferentemente da cir culação de sentido nos rculos internos, não
é necessária nem condição para o processamento da informação. É apenas um princípio que
garante a expansão dos anéis da cebola.
IV. rculos crescentes
Essa imagem do sentido espectral sugere que os anéis crescem em razão direta à
disrupção de comunicações, cujo resultado é a expansão do sistema de circulação de dados. Esse
diagrama se aplica tanto às dimensões sociais como individuais, isto é, os nódulos podem ser
tanto indivíduos como organizões ou mecanismos automatizados. Um nódulo é, com isso, uma
unidade que opera distintos padrões de comunicão, como o face a face ou a difusão por
irradiação. A expansão dos anéis, movimento que alterna a supercie e o interior da cebola,
relaciona a comunicação nesses dois veis: o vel da circulação da informão e a dimensão do
entendimento e da intencionalidade individual.
Com isso, o interior da cebola remete ao entendimento de sentido de acordo com
Luhmann: construtivista, evolucionista, imprevisível e contingente. O exterior da cebola, por sua
vez, à concepção de natureza fenomenológica que focaliza a diferenciação funcional do
acontecimento comunicacional. Se a fenomenologia pode lidar com a gerão de sentido entre
sistemas abertos (um tecido liso), ela não pode, entretanto, descrever ou relacionar essa abertura
com a circulação fechada da informão que responde pela mecânica de seleções que a teoria dos
sistemas sociais apresentou. O hiato ente abertura e fechamento dos sistemas, entre o interior e o
exterior da cebola ou ainda entre corrente de informação e comunicações significativas é
209
agenciado pela expansão da cebola, que transforma interior em exterior, e vice -versa, em função
das posições que os nódulos assumem ao longo dos anéis.
A vinculação entre essas duas dimensões da comunicação foi inicialmente sugerida por
Deleuze, cujo conceito de sentido era capaz de endereçar tanto a criação de signos lingüísticos
como o acontecimento comunicacional. A linguagem seria o efeito de uma máquina abstrata que
opera pensamentos e sinais. Esses sinais brutos, que Deleuze denomina phylum, remetem a uma
matéria amorfa que não se tornara signo ainda. Essa imagem, que traz à mente o conceito de
substância da expressão da lingüística de Hjelmslev, funcionaria como um reservatório de sons
ainda não lingüísticos que se chocam com o pensamento. Chocam-se, arranham e envolvem a
mente dando forma ao regime de signos processo que Deleuze denomina transformação
incorrea.
De acordo com Ronald Bogue
9
, esse regime de signos cumpre com as condições
necessárias para a emergência da linguagem, e o efeito imediato do advento do regime de signos é
o surgimento da linguagem. Diagrama, para Deleuze, é essa associação entre substâncias não-
lingüísticas e pensamentos que darão forma à linguagem e posteriormente ao sentido
proposicional. O mesmo diagrama retorna no processamento de sentido comunicacional. Nessa
fase subseqüente, os conteúdos lingüísticos são apresentados em um plano organizado e abstrato,
mas o sentido ainda precisa ser produzido. O diagrama entre substância corpórea e
transformão incorrea acontece uma vez mais, e o código lingüístico cria o acontecimento da
comunicação a partir de blocos de informação.
Jean-Pierre Dupuy argumenta que também Heinz von Foerster
10
descreveu esse processo
de explosão da informação em eventos comunicacionais. De acordo com o pensador francês, foi
o princípio da ordem a partir do ruído (order from noise), originalmente formalizado por von
Foerster, que permitiu ao biólogo francês Henri Atlan revisar e desenvolver uma nova teoria
capaz de superar as limitações da teoria da informação de Claude Shannon, particularmente a
incapacidade trica do sistema do matemático americano em explicar a criação ou a significação
da informação
11
. O conceito de informação da teoria de Shannon pode descrever apenas a
distribuição de probabilidades, e não as propriedades essenciais dos corpos e dos incorpóreos.
O diagrama deleuzeano é importante porque relaciona sentido proposicional com sentido
comunicacional, um atributo fundamental que fornece mobilidade ao esquema na medida em que
os rculos interiores e exteriores se movem e se expandem ao longo do espectro como se os
rculos fossem inflados e esvaziados à medida que os anéis da cebola digital ocupam posições
interiores ou exteriores. É essa mecânica, realizada pelo sentido, que transforma proposições em
blocos de informação e blocos de informão em comunicações. Uma descrição semelhante a
210
esse mecanismo do sentido foi apresentada por Kenneth Boulding
12
, que argumenta que o
sentido de uma mensagem não esnos termos implicados e sim nas mudanças que a mensagem
possibilita. Para Boulding, o sentido age sobre os signos, mas só pode ser qualificado em razão da
mudança global que os efeitos da mensagem ocasionam
13
.
O sentido espectral, com isso, é um mecanismo de controle e liberação da informão
que atua tanto nas redes hierárquicas como nas redes heterquicas dentro do matriz digital, isto
é, tanto no nível dos indivíduos como no nível dos sistemas sociais
14
. A imagem de uma
membrana, à qual Deleuze recorre com freqüência, é também análoga ao comentário de
McLuhan sobre a noosfera de Pierre Teilhard de Chardin, que se assemelharia a uma membrana
smica que cobre todo o globo por meio da dilatação eletrônica dos nossos sentidos. Como
uma externalização dos sentidos, ela traria ao mundo umrebro tecnogico na forma do
computador
15
. Essa membrana eletrônica será descrita, na próxima sessão, por meio de cinco
subtópicos: serialização, a glutinação, selão, nódulos e disrupção. Cada propriedade sugere um
movimento da cebola digital e a sinergia dessas operações permite que os anéis sejam inflados ou
esvaziados.
211
NO TAS
1
No original      chsenden Ring en / di e sich über di e Dinge zi ehn / I ch werd e
      D as St undenbuch. IN: Rilke,
Rainer Mari a. Rilke, Gedichte. Frankfurt: Insel Verlag, 1972.
2
Luhmann, Niklas. The Reality of the M ass Medi a. Stanford: Stanford U niversity Press, 2000.
3
Grass, Günther: Beim Häut en der Zwiebel. Göttingen: Steidl, 2006.
4
                
contempor             
            A era da i nform ão: eco nomia, sociedade e
cultura. Vol ume III: Fim de Milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (p. 424). É curioso que Castells, um sociólogo
genuinamente in teressado nas transformações qu e a tecnologia das redes proporci onou, enfatize o impacto
econômico das tecnologias da informação em d etrimento de suas implicações sociais. Cas tells tende a subes timar a
fuão da técnica na cons trução da cul tura e, de acordo com          
insuficiente para compreender as mudanças nos níveis microsociológico, onde os padrões d e interaçãoo forma ao
          The theor       
understanding the changes on a micro-sociological level, where the patterns of social interaction make up meaning
and everyday life. Ver: Gotved, S tine. Tim e and space i n cyber social reality. New M edia Society. Vol. 8 (3), 2006. (p.467-
486).
5
Shank, Gary. A bductive multilogui ng: the semiotic dy namics of navigating t he net. The Ar achnet Electronic Journal on Virtu al
Culture, 03/22/1993, Vol. 1 Issue 1 e Duke, Ri chard D. Gami ng: The F utures Languag e. New York: John Wil ey &
Sons, 1974.
6
Tweets é a como ficaram conhecidas as postagens na rede soci al Twitter. O Twitter é um s ervidor de
microblogging que permite aos usuários e envio e a leitura de textos d e até 140 caracteres por meio de uma miríade
de dispositivos conectados à internet ou à rede de telefonia.
7
Mark Deu ze, que explorou ess e tema mais a fundo, sugeriu a imagem de u m octógo no, isto é, uma coleção de
pirâmides onde cada u ma r epres entaria, em es tilo não-linear e interconectado, u ma parte da produção da notícia.
Apenas a área comum do topo das oito pirâmides repr esentaria o lead da i mprensa tradicional. Ver Deuze, Mark.
Underst anding t he Impact of t he Int ernet: On New Media Professio nalism, Mi ndsets and Buzzwords. EJournalist 1(1), 2001.
8
Essa descrição dos círculos exteriores da cebola digital é devedora do concei to de Zona Autônoma T emporária
(TAZ) de Hakim Bey. A imagem de uma Zona Au tônoma T empor ária carece de definições precis as. A iia surgiu
dos ens aios político-filosóficos de Haki m Bey sobre as conceões d e anarquia ontológica e terrorismo pti co e,
por fim, de zona autônoma temporária, conceito derivado dos estudos históricos s obre as utopias piratas. Uma T AZ
pode ser descrita como um lev ante ex cepcional e tempor ário com o propósi to, consci ente ou irrefletido, de prov ocar
uma revolução. O livro de Hakim Bey alude a táticascio-políti cas de criação de uma Zona Au tônoma Temporária
que enganam as estruturas formais d e controle. O livro sugere, com bas e em alguns ex emplos mais hipotéticos que
propriamente históricos, que a melhor maneira de s e cri ar um sistema o hierarqui zad o de relações sociais s eria por
meio da concentração no presente e da liberação da mente individual dos mecanismos de controle. De acord o com
Bey, d urante a formão de u ma TAZ, a informação se tor na uma ferramenta chav e que penetra nas rachaduras das
estruturas formais. Um território novo e temporário seria criado a partir dess e limite de criação e denegação, e
qualquer tentativa de prolongar ou per manecer nesse instante se det erioraria e g eraria, novamente, as mesmas
estruturas d e control e qu e asfixiam a criatividade i ndividual. Ver Bey, Hakim. T.A.Z.: Zo na Au noma Tem porária. São
Paulo: Conrad, 2001.
9
Bogue, Ronald. Del euze and Guat tari. New York: Routl edge, 1989.
10
Jean-Pierre Dupuy es se referindo ao tex to de Von Foerster intitulado Sobre Sistemas Auto-organizados e seu s
Ambi entes. Ver Von Foers ter, Heinz. On Self- Organizi ng System s and T hei r Enviro nments. I N: Yovi ts, Marshall &
Cameron, Scott. S elf-organizi ng systems. New York: Pergamon Press, 1960. (p.31-50).
11
         
                  worked and
              
informatio n theory: namely, that it can accou nt neither for the c reation of i nform ation nor for the sig nificance of
  uy, Jean-Pierre. Myths of Informatio nal Society. IN: Woodward, Kathleen. The myths of information:
technology and posti ndustrial c ulture. M adison: Coda Press, 1980. (p.13 ).
12
Boulding, Kenneth. The Image: Kno wledg e in Lif e and So ciety. Michigan: U niversity of Michigan Press, 1956.
13
Essa des crição de B oulding vai ao encontro da des crição dos processos de aglutinação (netcl ustering ), que é um dos
temas da próxima s ão.
14
Anthony Wilden entende que os termos que definem ess as r elações estru turais também d efi nem a função d a
memória cibertica.           
memory) they cannot be l ocated or localized, we may als o s ay that they are nowher e at the same ti me. As i n natural
212
ecos ystems and in mos t social ecos ystems, cons traint and control lie in the hi erarchical and heterarchical networks of
the sys tem itself, both at the level of the individual and      Cybernetics A nd
Machina Mi ndi. IN: Woodward, Kathleen. T he myths of info rmatio n: technology and po stindustrial cult ure. Madison: Coda
Press, 1980. (p.231)
15
             
his uncri tical enthusi asm for the cosmic membrane that has been snapped around the globe due to the electric
                
technological brain for the world. Instead of tending towards a v ast Alex andrian library the world has become a
             The Gut enberg
Galaxy. Toronto: University of Toronto Press, 1962. (p.32 ).
213
5. DINÂMICA ESPECTRAL
tópicos
i - serialização
ii - aglutinação
iii - seleção
iv - dulos
v - disrupção
notas
Dispositivos eletrônicos não impõem qualquer
impedi mento à reversibilidade entr e emiss or e receptor.
Cada transistor de rádio é, em sua natur eza consti tutiva,
tamm um transmissor potencial qu e pode interagir com
outros receptores por meio da r eversão do cir cuito.o
existe i mpedimento técnico na r evero de um meio
meramente dis tributivo para um meio de comuni cação.
Hans Magnus
Enzensberger
1
I. Serialização
Em dezembro de 1969 um grupo de pesquisadores enviou por meio da recém-inaugurada
ARPANET um rascunho sobre padrões de protocolo de rede que ficaria conhecido como
Request for Comments (RFC)
2
. O primeiro RFC, intitulado Software Host, foi escrito por Steve
Crocker e publicado no dia 7 de abril de 1969. Os Requests for Comments eram escritos em um
estilo menos formal e se converteram, desde então, no modelo de rascunho para documentos
sobre a internet. Embora não houvesse internet quando o RFC foi criado, a comunidade técnica
reconhece esse conjunto de documentos como um modelo que deu forma à estrutura interna da
internet e instituiu um padrão para discussão dos protocolos de rede.
Tudo começou com uns poucos relatórios informais que tentavam organizar e esclarecer
o estado atual das tecnologias de rede, isto é, os protocolos de rede. Esses memorandos
descreviam métodos, comportamentos e inovações praticáveis no que respeita às regras por meio
214
das quais os computadores trocam informões. Mais tarde, esse mesmo conjunto de regras seria
aplicado à internet e aos sistemas conectados à internet. O RFC não versava sobre nada que se
relacionasse com os conteúdos trocados pela rede, mas sobre os padrões que faziam a internet
funcionar. Esse mesmo padrão de troca de informação criado pelo RFC se tornaria um princípio
fundamental a partir do qual a internet organizaria a informação. Esse prinpio, a serialização, é
essencial para explicar o funcionamento do sentido espectral. O primeiro RFC
3
, apresentado por
Steve Crocker em 1969, previa os três diferentes modelos de aglutinação dos nódulos em rede,
arranjo que permitiria a existência de redes de dulos puras, híbridas e centralizadas.
Cada RFC, por exemplo, era assinado por um Editor do RFC com um número serial
exclusivo. Uma vez que esse número fosse publicado, ele não podia mais ser modificado ou
anulado. As versões subseqüentes seriam publicadas como um documento revisado de modo que
cada RFC substituía o anterior que se tornava desaprovado (deprecated), obsoleto (obsolete) ou
obsoleted). A serialização dos RFC formava um histórico contínuo sobre a
evolução dos protocolos e técnicas da internet. Um sistema semelhante ao RFC foi
posteriormente adotado pela Wikipédia, a enciclopédia cujo conteúdo livre e colaborativo
explicava a capacidade desse modelo de produção. Cada artigo da Wikipédia começava com um
pedido informal para colaborão em determinado verbete. As disputas e discordâncias em
relão ao conteúdo do texto, ou mesmo as brigas internas entre usuários, eram também
resolvidas por meio de um sistema similar de revisão contínua que a comunidade de usuários
realizava em face das regras autocriadas da Wikipédia. Qualquer artigo da Wikipédia oferece a
opção de visualiza         
bastante similar ao efeito de serializão dos RFCs que deliberavam sobre a comunicação entre
computadores.
Esses protocolos eram criados e discutidos em uma comunidade aberta na qual as
contribuições eram disponibilizadas, pedaço por pedaço, aos demais usuários. Um protocolo é,
por definição, um produto inacabado cuja arquitetura aberta permite que outros usuários possam
retomar o trabalho e reconstruir seus componentes. Quando o RFC foi publicado pela primeira
vez, esse procedimento representava a antítese da atitude que as antigas companhias de telefonia
tinham em relão ao agrupamento de informação. As corporações dos cabos desestimulavam
ativamente qualquer adição ou uso por parte dos usuários que não tivesse sido sancionada pelas
próprias companhias. Na medida em que o RFC evoluía para um método de aglutinão de
dados (netclustering), outros usuários começavam a copiar o modelo e rapidamente computadores
por todo o mundo já criavam e compartilhavam conteúdos e tecnologias da maneira que
conhecemos por internet.
215
Luhmann oferece um conceito de sentido cuja reprodução vai ao encontro dessa imagem
de serializão eletrônica. A reprodução constante do sentido requer sempre novos elementos,
que por sua vez não podem ser acumulados. Com isso, a dissolução e a desintegração são
condições necessárias à reprodução dos sistemas, que sem a contínua perda de elementos não
conseguiria preservar sua ordem interna. A comunicação, por sua vez, resultaria de três instantes
ou seleções também concebidas como operações seriais de sinalização, percepção e
entendimento. Alter sinaliza, Ego percebe a intenção e a comunicação se realiza. A imagem
sugerida por Luhmann é a de um lapso que engata uma comunicação na outra. Ego identifica a
sinalizão de Alter e produz uma selão. A operação cria um conteúdo que por sua vez criará
outra comunicação. Essa imagem da comunicação, que para Luhmann é uma seqüência de
processos seletivos integrados de maneira recursiva, poderia ser transposta ao modelo dos RFCs
como uma alusão aos sistemas psíquicos como enderamentos da comunicação. Com isso, cada
endero IP na internet seria traduzido como um endero social da comunicação eletrônica.
II. Aglutinação
O conceito de aglutinação eletrônica (netclustering), ou a operação dos nódulos dentro do
continuum digital, tem por objetivo contrastar com a imagem de crowdsourcing, termo que designa
a colaboração anônima de uma massa de usuários que não recebem qualquer remuneração. Jeff
How e
4
cunhou o termo em 2006 para designar um modelo distributivo de produção e de solução
de problemas. Se crowdsourcing sugere a difusão de problemas para uma massa homogênea de
solucionadores na forma de um chamado público por soluções, o netclustering, isto é, a aglutinação
eletrônica, sugere o agrupamento temporio de usuários para passar informação adiante.
O interessante do termo inglês cluster
5
e a forma no gerúndio clustering é que enquanto
cluster se refere a um grupo de elementos fechados, o gerúndio clustering implica em um
aglomerado disperso de elementos semelhantes a serem reunidos, aglomerados e por fim
amontoados uns com os outros. Dessa forma clustering se refere tanto a um grupo fechado um
216
grupo como a uma operação que reúne elementos abertos para em seguida fec-los.
Optamos por verter essa dupla significação do termo netclustering por aglutinação, a ão de reunir
grupos para passar informação adiante, e dulos, em referência à unidade ou grupo que opera as
aglutinações.
Em outras palavras, ao mesmo tempo em que os sistemas são operacionalmente
fechados, o processamento do sentido seria aberto ao ambiente. Essa distinção operacional, que
descrevemos como o movimento crescente dos rculos, responde pela vinculação entre sentido,
mensagens e sistemas que não pode ser encontrada na teoria luhmanniana. A aglutinação
eletrônica é, com isso, um processo que os nódulos são não apenas capazes, mas coagidos a
realizar. É a operação que provê movimento aos anéis da cebola permitindo a vinculação entre
atribuição incorporal de sentido e a circulação de informações e comunicações. Se os anéis da
cebola digital são uma metáfora da geometria do ciberespaço, então a aglutinação é uma metáfora
da sua dinâmica. Ambas as metáforas oscilam junto com o continuum digital. Esse desenho
trdico tem por finalidade evitar uma descrição bidimensional do ciberespaço.
A aglutinação é portanto uma operação cardinal da dinâmica dos anéis digitais. Nódulo é
a unidade processadora da aglutinação que, no capítulo seguinte, pode ser visualizada no
diagrama do sentido espectral como uma pequena esfera preta . É uma operação parcialmente
compatível com a concepção de sentido, tanto em Deleuze, para quem os sistemas são abertos,
como em Luhmann, para quem os sistemas são fechados. A aglutinação é uma área intermediária
ou o crepúsculo da informação. Os nódulos são abertos ao ambiente porque são processados
entre a abertura do ambiente e o fechamento autopotico dos sistemas. Em termos
luhmannianos, seria uma interpenetração entre a dinâmica fechada dos sistemas e a complexidade
caótica do ambiente. A aglutinação congrega temporariamente sistema e ambiente de modo que o
sentido possa ser processado de acordo com as seleções do sistema, mas orientado de acordo
com os inputs do ambiente. Em termos deleuzeanos, a aglutinação perfaz uma membrana entre o
fechamento dos sistemas e a complexidade ambiental.
Para as ciências da computão, um nódulo (cluster
6
) é um grupo de computadores
interconectados que operam de maneira integrada, de forma que sob muitos aspectos eles
formam um só computador. Os componentes do nódulo (cluster) são normalmente conectados
entre si por meio de uma rede local com o objetivo de melhorar o desempenho ou a
disponibilidade do computador central. A história dos primeiros computadores aglutinados
(computer clusters) é tamm a história das primeiras redes, pois a razão principal para o
desenvolvimento das redes fora, a princípio, a interconexão de computadores. A ARPANET,
uma rede seminal que viria a ser um dos pilares da internet, foi criada com base na tecnologia de
217
rede de interrupção de pacotes (packet switching networks), conceitualmente desenvolvida pela
RAND em 1962. Quando em 1969 a ARPANET obteve sucesso na criação da primeira rede
baseada na aglomerão de computadores (computer cluster), conectando quatro diferentes centros
de computão, o caminho para a internet estava aberto. Para Gregory Pfister, a internet é,
afinal, a mãe de todos os computer cluster, ou seja, a reunião de todos os computadores que estejam
conectados no mundo.
De maneira simétrica, uma rede na qual os nódulos são conectados por meio de
operações iterativas da informão pode localizar o sentido como uma operação entre a passagem
dos dados de um nódulo a outro. De maneira simplificada, poder-se-ia dizer que a Web é uma
rede onde as páginas HTML (nódulos) são conectadas por meio de links de referência (href)
7
.
Cada link faz refencia a uma única significação. No caso do mecanismo de busca Google, seu
algoritmo de organizão de dados PageRank interpreta cada link como um voto para
determinada página na internet. Com isso, o PageRank entende que uma página é mais
significativa na medida em que mais links apontem para ela. Além disso, a aglutinação da
informação eletrônica também permite que conteúdos sejam vinculados por meio de relações
semânticas, operão que a diferenciação técnica entre URL (Uniform Resource Locator) e URI
(Uniform Resource Identifier) ajuda a esclarecer. Enquanto o URL (Localizador Uniforme de
Recursos) é o esquema que permite localizar uma determinada gina ou arquivo na Web, o URI
(Identificador Uniforme de Recursos) alude à identificação específica de um arquivo com o
concurso do computador hospedeiro (o nódulo), permitindo a representação de conteúdos como
dulos em uma rede.
A aglutinação é com isso uma maneira particular de rotular e processar dados, uma
operação comum tanto às plataformas síncronas como às plataformas assíncronas de interão. É
um modelo integrado de filtragem de informão que cria oportunidades para que um bloco de
dados aleatório possa atingir o cume do sistema distributivo, isto é, para que esse bloco de dados
se torne viral. Em contraste com o mundo das corporões de notícias ou das universidades, nos
quais a checagem de fatos ou a análise criteriosa prevalecem, a espectralizão dos dados fomenta
um eco contínuo por dentro dos anéis da cebola digital. Quando uma notícia irrompe no
continuum digital, aquele bloco de informação é passado de nódulo a dulo como na
brincadeira do telefone, onde cada ponto re-passa a informação mais além de onde a encontrou.
O modelo difere substancialmente do padrão de difusão dos media do século XX, não
obstante a aglutinação eletrônica e o sentido espectral serem uma herança evolucionária dos
media impressos. Esse vínculo histórico fica claro quando um jornalista ou um editor percebem a
irrupção de uma história e enviam um alerta para a equipe de jornalistas. Também a redação do
218
jornal pode dar início à história, emitindo um alerta que faz toda a maquinaria do jornalismo
funcionar. Mas o que era antes um procedimento unidirecional baseado em contatos pessoais e
ligações telefônicas, a matriz digital transforma em uma massa heterogênea de media. Com isso,
aquele mesmo alerta pode ser enviado a partir de um telefone celular, por texto ou por voz, pela
internet ou por uma miríade de dispositivos portáteis. Pode ser enviado por e-mail, por sistemas
automatizados de atualização, por RSS feeds ou por sistemas de microblogging, notificando
imediatamente os destinatários que, agora, podem ser tamm os jornalistas ou os editores. Eles
tamm são nódulos no desenho espectral.
A aglutinação e os anéis da cebola digital conferem dinamicidade ao diagrama do sentido
eletrônico. Com isso, a aglutinação pode ser traduzida como um princípio de conectividade
generalizada. E porque o continuum digital o tem qualquer centro, esses dois processos de
organização gravitam ao redor dos nódulos que, por sua vez, tamm não ocupam qualquer
posição geograficamente determinada. Se todo computador é potencialmente um nódulo
eletrônico, qualquer usuário de um terminal de computador é necessariamente umdulo
eletrônico.
III. Seleção
Estrutura das r edes comunicativas de acordo com Paul Bar an
8
O gráfico acima, reproduzido por Mercedez Bunz, ilustra a diferença estrutural entre
redes centralizadas e redes acêntricas. Indica também a disposição geográfica dos nódulos em
relão aos três tipos estruturais de rede: centralizada, descentralizada e distributiva. Se o
diagrama das redes descentralizadas ilustra parcialmente a pulverização dos anéis cepáceos, o
diagrama distributivo explica o desenho rizomático do continuum digital. A aglutinação digital
seria, com isso, o efeito da combinação das redes descentralizadas e distributivas. A operação
219
comum aos três diagramas, e que permite uma comparação organizacional entre eles, é o
processamento de sentido.
De acordo com Yochai Benkler, os elementos fundamentais que diferenciam o modelo
em rede do modelo de difusão em massa são a arquitetura sica das redes e o custo relativo da
transmissão que cada nódulo tem que saldar. O primeiro elemento indica a mudança de uma
arquitetura baseada em ponto centrais de distribuição de discursos (hub-and-spoke) e conexões
unidirecionais, direcionadas a uma massa amorfa de receptores, para uma arquitetura distributiva
com conexões multidirecionais entre todos os nódulos do ambiente de rede informacional. O
segundo elemento é a eliminão ptica dos custos da triagem e filtragem comunicac ional,
realizada por centros que tinham importância vital na arquitetura centralizada. Esses centros
poderiam impor barreiras ou restrições aos discursos. Essas duas diferenças alteraram
inteiramente a capacidade dos nódulos e dos indivíduos de interagir com outros nódulos e
de se tornarem participantes ativos em uma esfera pública, a exemplo da blogosfera, em oposição
à massa passiva de leitores, ouvintes ou expectadores
9
.
Essa mudança estrutural afetou sobremaneira a terceira operação do sentido espectral: a
selão, princípio que revisa e reorganiza as etapas de controle de informação, e que nas redes de
difusão centralizadas atendiam pelo conceito de gatekeeping. Foi Kurt Lewin
10
quem primeiro
utilizou o termo gatekeeping para descrever a fuão da esposa em uma família nuclear como a
pessoa encarregada de decidir quais alimentos encontrariam lugar na mesa de jantar da família.
De acordo com Lew in, o gatekeeper é a pessoa que decide o que passará por cada uma das portas
que dão acesso a outras sões, e que são sempre em grande quantidade em qualquer processo.
David Manning White
11
se aproveitaria, em 1964, dos comentários de Lew in para aplicá-los ao
jornalismo e à organizão da redação de um jornal. A imagem do gatekeeper se provava
especialmente útil para descrever os processos decisórios que determinam quais informações
seguiriam adiante e quais deveriam ser abortadas. Isto é, o gatekeeper escolhia quais inputs eram
adequados para entrar no sistema de informação e quais não eram, controlando portanto o fluxo
de eventos e registros com base na importância da notícia e em princípios políticos.
Modelo conceitu al do gatek eeping como centro de s eleção de eventos noti ciosos
12
220
A fuão do gatekeeping, que persiste em todos osveis do continuum digital, foi
reconstruída de modo a incorporar emissores e receptores dispostos em relão de mútua reação.
Isto é, o modelo tradicional de gatekeeping, que serviu de gargalo institucional para os media
impressos, foi rapidamente redesenhado para incorporar uma multidão de fontes, todas elas
capazes de selecionar a autorizar blocos de informação. Os nódulos assumem a função de
gatekeeper e participam da filtragem e selão de eventos que encontrao publicão no
continuum digital. O processo decisório interno dos media de difusão, que podia reter ou liberar
informação para uma massa amorfa de usuários, se pulveriza em operações descentralizadas
reguladas pelo acompanhamento dinâmico (follow up) da história, cuja arquitetura de atualizões é
semelhante aos eixos de discussão (thread)
13
dos e-mails e runs de discussão, uma arquitetura de
dados decorrente do desenho seminal dos documentos RFC.
As ciências da computão dedicam à função de gatekeeping um conjunto diferente de
operações. Um gatekeeper é um dispositivo que gerencia domínios e fornece controle de
chamadas, traduzindo enderos de informação para terminais dentro da zona da rede e para
gatekeepers localizados no limite com outras zonas. Os gatekeepers controlam os gateways, que
no vocabulário das telecomunicações são os dispositivos de interface entre duas diferentes zonas
e que de fato transportam a informação. O entendimento sobre os gatekeepers, nas teorias da
comunicação, é análogo à descrição de uma rede de médio porte simplificada, de acordo com a
ciência da computação (ver gráfico abaixo). Conforme a rede se expande (network scaling) para uma
rede de médio porte ou médio-largo, com múltiplos gatekeepers, a função do gatekeeping
desaparece e se transforma, ela mesma, em uma variação de gateway.
Diagrama baseado na documentação do Cis co H.323
14
O aniquilamento da fuão de gatekeeping fica mais claro em modelos de
armazenamento distributivos. Um sistema distributivo de armazenamento, ilustrado no gráfico
sobre as estrutura das redes comunicativas de Paul Baran, é uma rede na qual os usuários
221
armazenam informações em inúmeros nódulos de rede ponto a ponto. Os nódulos trocam dados
de maneira reproca e é comum que os usuários (peers) possam utilizar o computador host como
um nódulo (peer) suplementar de armazenamento. É o desenho geral da rede que determina se a
informação estará disponível a outros nódulos ou não.
A maioria das redes ponto a ponto dispensa os centros de distribuição onde os dados dos
usuários ficam disponíveis quando eles estão online. As redes do protocolo BitTorrent são uma
exceção interessante, uma vez que permitem que o dulo original se desconecte do sistema sem
que a transmissão do conteúdo seja interrompida. O protocolo BitTorrent permite que nódulos,
teoricamente em número ilimitado, acessem uma lista indexada de arquivos disponíveis por meio
de um servidor BitTorrent, que fornece tamm a descrição e informações suplementares do
pacote de dados disponível. A comunicação entre nódulos dentro da rede, por sua vez, é
coordenada por um localizador BitTorrent (tracker), que indica o endero dos dados transferidos.
Nódulos que iniciaram o download podem se comunicar periodicamente com o servidor tracker
para atualizar a lista de nódulos e repassar estatísticas de uso, mas a função coordenadora do
tracker é dispensável uma vez que os pacotes tenham sido localizados. Os servidores de torrent
normalmente acumulam as duas funções: a de BitTorrent tracker e a de BitTorrent index.
Essa arquitetura de aglutinação de dados digitais pode explicar por que os nódulos não
têm controle sobre o fluxo de dados ou, em outras palavras, por que cada nódulo repassa as
informações adicionando informações suplementares. Isso ocorre porque os gatekeepers e os
gatew ays se tornaram um só e mesmo dulo na rede, e um nódulo jamais tem conhecimento da
extensão e das implicações de um thread determinado. Essa característica contingente da troca de
informações digitais tem um impacto primário na conversação digital, cujos eixos de discussão
(thread) não se definem em função da comunicão inicial, mas de seu fluxo. A conseqüência é
que toda interão simultânea apresentará elementos de uma conversa cruzada em looping
permanente. Qualquer intervenção é atravessada por uma afluência de frases na mesma janela de
texto, e não apenas as mensagens, mas tamm os contextos que serviram de base às mensagens ,
são constantemente misturados.
A pulverização do gatekeeping, somada ao ambiente complexo de uma miríade de
dulos, vai ao encontro do conceito de sentido desenhado por Luhmann, isto é, a união da
complexidade e da possibilidade com a seleção como base para a ação sistêmica. Essa
representação da complexidade, o sentido, permite a realização de selões e conexões eficazes.
Para Luhmann, o sentido é o próprio fundamento da selão, ou seja, é o sentido que determina
as formas de seletividade
15
. Uma conseqüência teórica da proposição luhmanniana é que o
sentido não considera o mundo como uma referência universal dotada de centro. Pelo contrário,
222
faz com que a relação entre mundo e sentido seja acêntrica, uma configuração descentrada que
vai ao encontro do mecanismo de selão espectral. O mundo se apresentaria como um
horizonte de sentido, um horizonte de possibilidades que garantiria a cada diferença sua unidade
como diferença
16
.
IV. Nódulos
A inovação mais radical da internet, do ponto de vista dos modelos de negócios, é o fim
da audiência como termômetro e parâmetro da economia dos media. O conceito de audiência
deixou de funcionar na internet em função da inexistência de um público ou uma esfera pública.
O que existem são conexões momentâneas entre os dulos, que passam informação de uns para
os outros e desaparecem na seqüência. Os dulos espocam e logo submergem. Um nódulo não
é uma entidade nem um sujeito. Um nódulo é, por fim, um que só existe na dependência de
múltiplos nós de uma mesma rede. Essa imagem de um campo de nódulos foi inicialmente
apresentada por Flusser, que sugeriu a existência de nódulos (nós) como um modelo que supera a
comunicabilidade face a face. Os nódulos sugerem conexões eletrônicas ocasionais. Pode-se saltar
de em dentro de uma ampla rede oscilatória
17
.
No vocabulário das tecnologias da informão, um dulo ou é um ponto de conexão
que pode ser tanto um ponto de redistribuição como um ponto final da comunicação em um
terminal determinado. A configurão dos nódulos depende dos protocolos que coordenam a
arquitetura da rede. O nódulo de uma rede sica é sempre um dispositivo eletrônico, comandado
ou não por ação humana, que se encontra conectado ao continuum digital e é capaz de enviar,
receber ou repassar informação por dentro dos anéis da cebola, isto é, por meio dos canais de
comunicação. Pontos de distribuição exclusivamente passivos, tais como quadros de distribuição,
não constituem portanto um nódulo.
A teoria matemática das redes se refere aos nódulos como pontos em uma topologia de
rede nos quais as linhas se cruzam ou se ramificam. Essa acepção espacial pode esclarecer o uso
223
do termo nódulos, em redes de computador, pa ra designar um equipamento de comunicação de
dados (DCE), tais como modems, hubs e interruptores, ou um equipamento terminal de dados
(DTE), tais como telefones digitais, impressoras, roteadores ou servidores. Em ambas as
acepções persistem a imagem dos dulos como pontos para os quais convergem duas ou mais
conexões, um cruzamento que garante o fluxo da informação
18
.
Em uma rede local, cada nódulo pode ser identificado por meio de um endero físico de
48 bits, o endero MAC (Media Access Control), que identifica a interface de rede. Isso se aplica a
todos os computadores, modems e demais nódulos capazes de enviar e receber dados. Em se
tratando da internet, os nódulos são identificados como um computador host, isto é, um ponto
identificado por meio de um endero IP. Em redes de arquitetura distributiva, os nódulos são ao
mesmo tempo usuários, programas, servidores ou pontos de conexão. Uma rede ponto a ponto
tamm permite que um nódulo faça o roteamento ativo de dados para os outros dispositivos
conectados à rede. Esses nódulos são chamados, de modo sugestivo, de supernódulos (supernodes).
A arquitetura distributiva das redes ponto a ponto é composta de nódulos que
disponibilizam parte dos seus recursos, tais como capacidade de processamento, de armazenagem
e de transmissão, para outros nódulos sem a intermediação de uma agência central ou de um
servidor. Os nódulos são tanto fornecedores como consumidores dos blocos de informação, em
oposão ao desenho servidor-usuário dos media impressos onde apenas os servidores forneciam,
e apenas usuários consumiam. As redes ponto a ponto são normalmente formadas por conexões
diretas ad-hoc, permitindo a adição e subtração dinâmica de nódulos sem impacto significativo à
rede. O continuum digital é composto por redes de nódulos que podem ser dividida em três
modelos diferentes
19
: redes de nódulos puras; redes de nódulosbridas e redes de nódulos
centralizadas.
As redes puras são constituídas exclusivamente por nódulos eqüipotentes e isonômicos.
Há apenas uma camada de roteamento e inexistemdulos preferenciais de distribuição ou
processamento: é a arquitetura que coordena o input de usuários e terminais automatizados. As
redes bridas repetem o mesmo desenho das redes puras, mas permitem a existência de nódulos
preferenciais com infra-estruturas específicas (supernódulos): é o caso das corporões e grupos
de mídia que tomam parte do continuum digital. O ultimo modelo é o das redes centralizadas, em
que um servidor central é utilizado para indexar funções que afetam toda a rede. Embora existam
semelhanças com a estrutura centralizada descrita por Paul Baran, a entrada e saída de nódulos
não são determinadas por nenhum algoritmo espefico: essa arquitetura é encontrada em redes
nas quais participam grandes corporações ou governos nacionais. Essas três variáveis de
aglutinação dos nódulos explicam as particularidades da aglomeração digital em anéis espeficos
224
da cebola digital. Os vetores de informação circulam pelos três modelos de redes de dulos
conforme os anéis da cebola digital diminuem ou se expandem. Cada anel remete a uma dinâmica
de processamento especial
20
.
Em razão dessa dinâmica tripartida, o continuum digital não pode ser caracterizado por
uma suposta qualidade midiática fixa, mas apenas em razão da sua capacidade de gerenciamento
de complexidade. Isto é, em fuão de sua capacidade de se reproduzir a si mesmo por meio de
seus protocolos de conexão ou de sua capacidade de criar links entre os nódulos no continuum
digital. Essa dinâmica ilustra uma matriz de media digital capaz de se auto-reproduzir e de
resolver sua complexidade interna. A conseqüência imediata da formação do continuum digital é
o constante incremento da complexidade interna como efeito da administrão da complexidade
externa. Com isso, as operações de rotina do continuum digital produzem, elas mesmas, um
superávit de informações digitais. Ao mesmo tempo em que os nódulos não podem se separar da
rede, que lhes provê um horizonte de sentido, a rede também sobrecarrega cada nódulo com uma
carga de informação excessiva transmitida por uma banda que excede a capacidade de
processamento dos nódulos. Embora o continuum digital tenha surgido precisamente para
administrar a complexidade social dessa matriz de media, ele cria, por sua vez, uma espiral
dinâmica e infinita cujo horizonte solicita a inclusão permanente de novos nódulos.
Luhmann revisou as unidades fundamentais do processo comunicativo e propôs os
conceitos de Adressante Ego (Ego que comunica) e Mitteilenden Alter (Alter que é informado),
substituindo os conceitos de emissor e receptor por unidades desvestidas de uma conotação
antropocêntrica e que sugerem uma situação de dupla contingência
21
. Embora Luhmann não faça
menção aos nódulos, tal como Flusser, sua investida contra a idéia de que a comunicação é
ordinariamente realizada apenas por seres humanos, razão pela qual Luhmann opta por uma
terminologia latina, serve ao propósito de designar sistemas que pertencem a um mesmo universo
de referência: um contexto de relação semelhante às redes de dulos descritas acima.
A distinção entre informação e mensagem é uma precondição para a emergência de Ego e
Alter, separão que afasta qualquer possibilidade de compreender a comunicação como uma
transmissão mecânica. Aão que transforma mensagem em informação, e informação em
comunicação, constrói a situação de dupla contingência que dise os agentes em uma situação
interativa e que Luhmann entende como central às análises sociológicas. Isto é, a dupla
contingência assume que dulo é um agente de ões para si e para os outros, como é também
objeto de ações pra si e para os outros. Essa aproximão com a teoria luhmanniana permite
descrever os nódulos como os agentes responsáveis pela atualização potencial do sentido dentro
225
de um horizonte de expectativas. Isto é, eles operam entre o valor previsto das conexões
potenciais e o valor real das conexões ativas entre os nódulos.
V. Disrupção
Essa descrição luhmanniana das operações do sentido é dependente da função serial do
sentido previamente descrita: a ligão de uma comunicação à outra dentro de um horizonte de
expectativas. A serialização característica dosdulos, com isso, é a função que atrela uma
comunicação à outra e que permite o efeito de fusão (fusion effect) entre diversos media digitais. A
serialização tamm permite que uma informão determinada ecoe entre outros nódulos e seja
passada adiante pelos demais pontos de aglutinação. Os nódulos, por sua vez, fazem a ponte
entre a circulão reiterativa da informão e a disrupção da informão em comunicação.
Essa operação intermediária só é possível porque os pontos de aglutinação, ou nódulos da
rede, capturam informações e as passam adiante. Mas além dessa cadeia informacional alimentada
por contínua dotação de sentido, uma dimensão em que a informação é transformada em um
evento comunicacional. Essa também é uma tarefa dos dulos de aglutinação. Nesses casos em
que a informação rebate internamente, o sistema nem captura nem repassa a informão. A
informação deixa de circular em razão da intervenção do incorreo na produção de sentido. Há
um efeito concêntrico, uma vez que o próprio se espectraliza e origem a um novo
sentido espectral. Nessa ocaso a informão é atravessada pelo incorpóreo e produz a
comunicação entendida como acontecimento. É um movimento de disrupção do sentido.
A operação de disrupção é a realização do acontecimento da comunicação. É uma relação
possível, mas não necessária, entre aglutinação e os nódulos do espectro. Essa disrupção do
sentido espectral é diversa do acontecimento comunicacional nas interões face a face. Isso se
deve à ausência de canais reguladores da interação, isto é, à redefinição dos agentes de selão
(gatekeepers) em agentes de transmissão (gateways). O resultado é uma interação na qual os
dulos não exercem a função de retroalimentação reguladora. O acontecimento incorpóreo
226
incorre na reiterada repetição e retransmissão de dados sem que haja aceitação ou solicitação de
determinado bloco de informações. A contra-efetuão no continuum digital, responsável pela
disrupção de sentido, é um evento hiper-real que não se baseia na disposição dos corpos, mas na
superaceleração desses mesmos corpos.
Não obstante a espectralidade dos eventos comunicacionais no continuum digital, os
acontecimentos permanecem impactando, surpreendendo, desfazendo rotinas de retransmissão
de informão. A disrupção do sentido retira os nódulos de suas trajetórias e os lançam em
outros anéis da cebola digital. Quando um nódulo é atravessado pelo evento incorporal, a contra-
efetuação do sentido vincula um nódulo a um vetor comunicacional. O repasse e a circulação da
informação são substituídos por uma dinâmica de contágio epidêmico, aquilo que o vocabulário
dos media eletrônicos entende por propagão viral. Essa disrupção do sentido atravessa todos
os nódulos que estejam conectados a um determinado anel da cebola digital, que de circuito
fechado se torna circuito aberto de anel pra um campo comum composto por uma multidão
de nódulos. A disrupção, com isso, é um processo de emissão de moléculas que contagiam os
dulos e se combina com os blocos de informação que, naquele momento, cada dulo tinha
por inteão repassar. Essa dinâmica também explica por que determinados conteúdos e certas
comunicações atravessam uma grande quantidade de anéis em uma velocidade que ultrapassa a
capacidade de processamento dos anéis, individual ou coletivamente.
A disrupção do sentido eletrônico nos anéis eletrônicos desenha um processo semelhante
à circulão de energia subatômica. Essa mecânica prevê que um átomo emitirá energia quando
um elétron mudar de circuito devido ao choque com outro elétron (excitação dos elétrons). É
semelhante ao diagrama descrito por Deleuze, onde um signo pode pular de um circuito para
outro sem impedimentos: o que conta é menos essa circularidade dos signos do que a multiplicidade dos
círculos ou das cadeias. O signo não remete apenas ao signo em um mesmo círculo, mas de um círculo a um outro
ou de uma espiral a uma outra
22
. Essa mudança de um rculo para outro, no continuum digital,
indica o evento ou acontecimento da comunicação. É o instante em que os nódulos processam
informação internamente com sentido, isto é, em fuão do evento comunicacional.
Os átomos emitem tons de luz quando suas partes negativas e em permanente
movimentação ao redor do núcleo, os elétrons, são excitadas. A carga de energia dos elétrons,
que varia em função da velocidade e da distância do núcleo, determina a localização dos elétrons
em órbitas diferentes. Etrons com carga maior circulam por orbitais mais exteriores, afastadas
do núcleo, e sua posição varia conforme ele ganha ou perde energia. Essa perda ou ganho de
energia é expressa, portanto, pelo movimento dos elétrons. Quando alguma coisa energiza um
átomo, um elétron é temporariamente alçado a uma posição orbital mais alta (mais longe do
227
núcleo). Embora o elétron permaneça nessa posição durante uma frão de segundo apenas, e
imediatamente volte à posição orbital anterior, essa movimentação é suficiente para que ele emita
uma energia extra na forma de um ton e, em alguns casos, na forma de um ton de luz.
Esse movimento de liberação de energia é semelhante à disrupção do sentido. O sentido
não é um evento que confere significação aos fatos. Não obstante os acontecimentos tenham
sentido, ou sejam sentido, conforme definiu Deleuze, sentido e acontecimento não implicam
em coerência ou significação. O sentido de um acontecimento não é a costura que confere lógica
aos acontecimentos, que os fazem compreensíveis. Um acontecimento sem sentido é, nesses
termos, um acontecimento com sentido. A disrupção do sentido, que sempre escapa ao
observador de primeira ordem, evidencia essa afinidade do sentido com o paradoxo.
O movimento da disrupção do sentido, com isso, acontece tanto na costura que confere
propósito e conseqüência aos eventos como no seu contrário, o esfacelamento dessa mesma
costura. Um dulo que cumpra com a função de observador de primeira ordem es
operacionalmente incapacitado de perceber a ação do sentido. É a participação ativa na disrupção
ou a análise subseqüente do evento, isto é, a observação de segunda ordem, que pode restituir aos
movimentos de disrupção nos anéis um sentido sistêmico. A linha de fuga do sentido
necessariamente conduz um nódulo para uma cadeia estranha de eventos. É a súbita realização
desse movimento que produz a comunicação espectral. Pertence ao observador de segunda
ordem, por muito fechada que seja a disrupção do sentido, e por mais interna que seja sua
posição em relação ao dulo produtor, a possibilidade de explicão e elucidação do evento
comunicacional. Com isso, o conjunto da movimentação entre anéis dispostos em uma
cronologia de eventos informacionais pode assinalar, deve mesmo assinalar, o horizonte da
comunicação eletrônica.
228
NOTAS
1
                 
Empfäng er. Jedes Transistorradio ist, von seinem B auprinzip her, zugleich auch ein potenti eller S ender; es k ann
durch Rückkopplung auf ander e Empfänger einwirk en. Die Entwicklung vom bloßen Distributions- zum
  Baukasten zu ei ner Theo rie der
Medien. Frankfurt: Kursbuch 20, 1970. (p.15).
2
Para um debate mais aprofundad o sobre a inflncia do RFC na configurão da internet, ver Bu nz, M erced es.
Vom Speichern zum Vert eilen: Di e Geschic hte des Int ernet. Berlin: Kulturverlag K admos Berlin, 2008.
3
Ver Crocker, Steve. RFC 1: Host Soft ware. IETF Working Group, 07/04/1969.
4
Howe, Jeff. The Ri se of C rowdsourci ng. Wired Mag azine. Issue 14.06 - June 2006.
5
As r aízes etimológi cas do termo cluster remetem ao inglês antigo clyst er, palavra de origem gernica provav elmente
relacionada com coágulo ou com a ação de coagul ão. Ver The Concise Oxford Thesaurus. London: König, 1980.
6
De acordo com Gr egory Pfister, o foi nem a IBM nem a DEC quem inventou os clusters, mas os usuários, cuj a
experimentão trans cendeu os li mites do compu tador já nos anos 50 ou 60.  
        
Customers inv ented clusters, as soon as they could not fit all their work on one compu ter, or needed a backup. The
             
Gregory. In S earch of Clust ers. New J ersey: Prentice Hall, 1998. (p.36).
7
Href significa Hyper text REFer ence, isto é, o destino pra o qual cada link HTML aponta.
8
Bunz, Mer ced es. Vo m Speichern zum Verteil en: Die Geschichte des Internet. Berlin: Kulturverlag K admos Berlin, 2008.
9
     k ed information economy
and the mass media are network archi tectur e and the cos t of becoming a speak er. The rst element is the shift from
a hub-and-spoke architecture with unidirectional links to the end points in the mass media, to distribu ted archi tecture
with multidirectional connections among all nodes in the networked information environment. The second is the
practical elimination of communications costs as a barrier to speaking across associ ational boundaries. Tog ether,
thes e char acteristics have fundamentall y alter ed the capacity of individuals, acting alone or with others, to be active
participants in t    The wealth of
net works: how social production t ransform s markets and freedom. New Hav en and London: Yale University Press, 2009.
(p.212).
10
Lewin, Kurt. F ronti ers in G roup Dynamics. Human Rel ations, v. 1, n° 2, 1947.
11
White, David M anning. T he ‘Gat ekeeper: A Case St udy i n the S electio n of News. I n: Dex ter, Lewis & White, Davi d
(Hrsg). People, Soci ety and Mass Communications. London: Collier-Macmillan, 1964.
12
White, David M anning. T he Gat ekeeper: A Case St udy i n the S electio n of News. I n: Dex ter, Lewis & White, Davi d
(Hrsg). People, Soci ety and Mass Communications. London: Collier-Macmillan, 1964. (p.160-172).
13
Thread é uma palavra difícil de v erter para o portugu ês. Freqüentemente traduzida como , que por us o
metonímico pass ou a designar tanto o assunto como o espo onde as opiniões são es critas, também foi tradu zida
        e uma cadei a de mensagens,
uma corrente ou fileira que i mprime a imag em de u m encadeamento de mens agens (po sts).  
uma tradu ção li teral de topic, que tr ai a acepção original da pal avra t hread como fio, tal como em um nov elo qu e pode
ser desenrolado pedaço por pedaço e qu e logo se abre por inteiro, como em uma conv ersa em lis tas de discussão ou
                  
correspondente ao espanhol hilo, ao francês fil e ao inglês thread.
14
O Cisco H.323 é um dis positivo que cuida da tradução d e ender eços E.164 para ender eços IP d a internet. Ver
Documento Cis co: U nderst anding H.323 Gatekeepers.
15
  la un n de l a com plejidad y l a po sibilidad con l a selección, q ue es l a base de
la acción sistémica para Luhmann. Al ser una r epres entación de la complejidad y es tructur ar un ámbito de
posibilidades, el sentido permite realizar selecciones y conexiones que puedan ser eficaces. En cuanto tal, el sentido
es la representación de la misma sel ección. Por ello, Luhmann no duda en afirmar que es el sentido el que
fundamenta la selectividad. Y por ell o, el s entido determina las formas de selectividad, en tanto es el horizonte de las
posibilidades accesibles para un determinado sistema. Toda conducta sel ectiva supone si empre el sentido y se
         La soci edad sin hombres. Niklas Luhmann o la teo ría como esndalo .
Barcelona: Anthropos, 1990. (p.257).
16
                   
importante en toda la teoría de Luhmann. El sentido no consid era al mundo como una referencia única, como un
centro. El sentido, por el contrario, hace que la relación entre el sistema y el mundo sea una relación sin centro. La
relación qu e se establece entr e el mundo y el sentido es una relación acént rica: el sentido mantiene las diferencias que
estructuran el mundo y hace apar ecer al mundo como unidad nunca suma que anula la diferencia de
diferenci as y posibilidades. Por ello, el mundo es, en ci erta manera, el horizonte últi mo d e sentido, el hori zonte d e las
229
posibilidades. Y ese horizonte d el mundo, qu e es el s entido, garantiza a cada difer encia su unid ad como tal
 Idem, p.259.
17
Flusser, Vilém. On Memo ry (Elect ronic o r Otherwi se). Leonardo, Vol. 23, 4. 1990. (p.399).
18
Esse diagrama el etrônico entre os nódulos de uma rede também pode ser ilustrado por mei o do método de
organização d e dados d a Google. O PageRank, um algoritmo que tradu z a mass a de dados da Web em uma es cala
hierarquizada de valores, representou um d esvio de rota na evolu ção dos mecanismos de bus ca ao organizar os
dados de maneira dinâmica, hierarquizada e em fuão da importânci a relacional dos links. Um link que tivesse por
origem um nódul o de vel superior tinha então mais importância que um ou muitos links qu e tinham por origem
um nódulo de posi ção inferior. Em contraposição à organi zação arbór ea d os mecanismos de busca anteriores, o
PageRank da Google apresentav a uma fór mula capaz de simul ar um valor s emântico para as vinculações cticas da
Web. O algoritmo foi d escrito pela primeira vez em 1998 pelos fundad ores da Google Sergey Brin e L awrence Page
no artigo Anatomia de um Mecanis mo de Pesquis a de Hipertexto em Larga Es cala par a a Web. De acordo com os
autores, a inspiração para o PageRank, que se tornaria o centro da matriz hegenica da Google, v eio do sistema de
citação acadêmico. Ness e sistema, as citaç ões indi cam o reconheci mento da comunidade acamica e permitem o
cálculo matemático do valor de um artigo em função do número de citões recebid as. Com isso, o nível (rank) de
um artigo podia ser mensurado pela soma de todas as citações recebi das. O diagrama do PageRank ilustra a relação
entre os nódul os de u ma rede que não é simpl esmente simétrica, biria ou equ ânime, mas assimétrica, ternária e
desigual, uma vez qu e um nódulo r epassa a informaçãoo para o nódulo que recebeu, mas para o nódulo seguinte,
instituindo uma s eqüência de vetores cuja geometria é unidirecional e cujo campo de ateão é incursivo e
retrospectivo. Os dulos absorvem dados de u m nódul o A e o repassam a u m dulo B. Não há propriamente
retroalimentação positiva ou negativa por p arte dos nódulos, uma vez qu e são os ais qu e respondem pela
recursividade e pela dimensão tempor al do s entido. De maneira ilustrativa, o algori tmo Pag eRank da Google
mensura o valor r elacional (netwo rk val ue) entre os nódulos e o express a em termos numéricos. O diagrama d esse
algoritmo escl arece que a Google o possui nem cria os dados que a companhia tradu z (render), mas apenas dispõem
do todo mais rápido, eficiente e s eguro par a per correr a cebola de caótica de dados. Ver Brin, S ergey & Page,
Lawrence. The A natomy of a Large-S cale Hypertextual Web Search Engi ne. Computer Networks 30(1-7), 1998. (p.107-117).
19
Schollmeier, Rüdiger. A Definition of Peer -to-Peer Networki ng for the Classificatio n of Peer-to-Peer A rchitect ures and
Applications. Proceedings of the First International Conf erence on Peer-to-Peer Computi ng. IEEE, 2002.
20
Uma metáfora válida para esses três modelos pode ser encontrada em tr ês distintas redes ponto a ponto de troca
de arquivos. A primeira e mais antiga, o Napster, tinha características semel hantes ao modelo das redes de dulos
centralizadas. As redes Gnutella e Freenet, por sua vez, se assemelham às redes de nódulos puras. O Kazaa oferece
uma i magem semel hante às redes de nódulos híbridas. Ver Yang, Beverly & Garcia-Molina, Hector. Desig ning a super-
peer netwo rk. Proceedi ngs of the 19th I nternational Conference on Data Engineering, 2003.
21
  que nenhuma int eração entre emissor e receptor po de ser encont rada. A interação é
excluída por meio da interposi ção cnica, cuja abrangência das conseqüências define o próprio conceito de meios de
   No original em al eo:   daß keine Interaktion unter A nwesenden
zwischen S ender und Em pfäng ern stattfinden kann. I nter aktion wird dur ch Zwischenschal tung von Technik ausgeschl ossen,
          Luhmann, Niklas.
Realität der Massenm edien. Opladen: Westdeutscher, 1996. (p.11).
22
Deleu ze, Gilles & Guattari, Félix. Mil Platô s - Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 2. São Paulo: Editora 34, 2000. (p.63).
230
6. MODELO E DIAGRAMA
tópicos
i - diagramas de comunicação e sentido
ii - modelos lineares de comunicação
iii - modelos não-lineares de comunicação
iv - modelo espectral de comunicação
notas
Este tipo d e plano d eve ter inspirado o projeto de Frank
Lloyd Wright para a Guggenhei m Ar t Gall ery, desenhada
em uma base espiralada e concêntrica. Trata-se de uma
forma redundante e ineviv el na era da el etricidade,
momento em que os padrões concêntricos s e impõem em
decorrência da qu alidade instannea e dos diversos níveis
de profundidade da v elocidade el étrica. O conntrico,
com su a interminável intersecção de pl anos, tona-se u ma
condição para os insights.
Marshall McLuhan
1
I. Diagramas de comunicação e sentido
A abordagem de Friedrich Kittler sobre a história material dos media, que divide os
sistemas de comunicação de acordo com um processamento analógico ou digital, traz uma
divisão entre as tecnologias de armazenamento em quatro grandes grupos: as pré-etricas
(fotografia e fonógrafo), as tecnologias de difusão (rádio e televisão); as tecnologias eletrônicas de
armazenamento e manipulação (áudio e vídeo cassete) e as tecnologias digitais de computação
(microprocessador e cabos de fibra óptica). De maneira esquemática, é possível relacionar a
materialidade dessas tecnologias com seus respectivos modos de produção de sentido.
Também é possível inventariar os modelos de comunicação e compará-los com o modelo
espectral. Com isso, este capítulo comentará rapidamente os modelos lineares de comunicação,
os modelos não-lineares de comunicação e o modelo espectral de comunicação. Nos modelos
lineares de comunicação, a exemplo do diagrama
2
de Claude Elwood Shannon e Warren Weaver,
a codificação entre emissor e receptor é dada em termos espaciais, lineares e unidirecionais. Cada
dulo depende de um único emissor para receber informação. Esse modelo, cujo
processamento de sentido é regido pela emissão, contrasta com modelos baseados na irradiação,
nos quais a codificação entre emissor e receptor, não obstante permaneça unidirecional, é não-
linear e difusa. Emissores operam uma quantidade ilimitada de canais sem interpelação dos
receptores. Se a emissão constituiu um princípio de organização da sociedade do telégrafo, a
irradiação conformou as sociedades em rede.
231
O terceiro modelo diz respeito às tecnologias eletrônicas de computação e
armazenamento. O processamento de sentido não é regido nem pela emissão, nem pela
irradiação, mas pela espectralizão dos sentidos comunicados. As operões de codificação são
alteradas em razão das rotinas eletrônicas de processamento, e a informão e a compreensão são
intermediadas por rotinas eletrônicas de processamento e filtragem. O diagrama espacial
reorganiza uma miríade de componentes oriundos dos modelos lineares, tais como mensagem,
canal, emissor, ruídos e receptor, e dos modelos não-lineares, tais como formadores de opinião,
gatekeepers, audiência e realimentação.
Nem todos os modelos de comunicação podem ser agrupados nesse esquema tripartido
de diagramas. A seguir, tentaremos relacionar apenas aqueles que se vinculam diretamente com a
mecânica distributiva da informação, sobretudo a fórmula de Lassw ell, o modelo de Shannon e
Weaver, o modelo circular de Osgood e Schramm e o modelo conceitual de Westley e MacLean.
II. Modelos lineares de comunicação
Os modelos lineares de comunicação reúnem uma gama variada de diagramas que, em
maior ou menor grau, revisam o modelo seminal da transfencia de informação previsto por
Shannon e Weaver
3
. Os matemáticos americanos apresentam a comunicação como um processo
linear de sentido único. O modelo faz referência a cinco funções e registra um fator disfuncional,
o rdo
4
. O esquema sugere uma seqüência de funções conectadas: primeiro a fonte de
informação produz uma ou uma cadeia de mensagens. Os sinais são então adaptados ao canal,
que conduz a mensagem ao receptor. A função do receptor é inversa à do transmissor, isto é, o
receptor reconstrói a mensagem codificada a partir do sinal. A mensagem, finalmente, é recebida
pelo destinatário, que pode ser ele também mais uma fonte de informação.
O sinal está sempre em uma posição de vulnerabilidade, e precisa ser protegido, na
medida em que coexiste com uma infinidade de outros sinais dentro do mesmo canal. A
coexistência desses múltiplos sinais pode gerar uma diferença entre o sinal transmitido e o sinal
recebido, isto é, a mensagem reconstruída pelo destinatário pode ser diferente daquela
intencionada pela fonte. O modelo de Shannon e Weaver não conta com a função de
retroalimentação. Para os matemáticos americanos, a incapacidade por parte dos comunicadores
232
em perceber a diferença entre a mensagem enviada e a mensagem recebida é a causa principal das
falhas de comunicação.
Modelo de comuni cação d e Shannon e Weaver
No modelo de Shannon e Weaver, a equivalência dos significados entre a mensagem
enviada e a mensagem recebida configurava a comunicação, diagrama simples que foi
posteriormente revisto por Dennis DeFleur
5
. Como a correspondência perfeita entre as
mensagens era raramente atingida, em razão do ruído e de outros fatores de dispersão, DeFleur
acrescenta um novo conjunto de componentes ao modelo original de Shannon e Weaver. O
objetivo era diagramar as maneiras pelas quais a fonte recebia retroalimentão do destinatário da
mensagem, possibilitando a readaptão das transmissões a um modo mais eficaz de
comunicação e o aumento da probabilidade de se alcançar a correspondência entre os
significados intencionados. Embora a função de realimentão desenhada por DeFleur seja
apenas parcialmente válida, uma vez que as fontes de emissões em massas só recebem feedback
da audiência de modo limitado ou indireto, o diagrama assim apresentado ilustra a produção de
sentido característica dos sistemas baseados na emissão.
Modelo de comuni cação d e Shannon e Weaver
com identificão do processamento de sentido
233
Os modelos espaciais e lineares de comunicação oferecem uma representação do
funcionamento dos media baseando-se na distribuição geogfica das mensagens e dos nódulos
(peers). Com isso, o sentido tamm é localizado por meio de uma atribuição espacial entre
usuários, isto é, emissores e receptores. Em oposição ao modelo espectral, que prescinde de
qualquer localização espacial para as mensagens e os usuários, o diagrama proposto por Wilbur
Schramm
6
se junta ao modelo informacional de Shannon e Weaver na tentativa de descrever o
processo geral da comunicação. Também no diagrama de Schramm é possível localizar a
produção de sentido dos media.
Modelo de comuni cação d e Wilbur Schramm
Modelo de comuni cação d e Wilbur Schramm com identificação do processamento de s entid o
David Berlo
7
propôs, já na década de 60 do século XX, um modelo bastante similar aos
modelos de transmissão acima descritos. Esse modelo enfatizava as relações entre emissor e
receptor e indicava as funções que afetavam a fonte da comunicação: o conhecimento, as
habilidades comunicativas, o sistema social, a cultura e as atitudes pessoais do comunicador.
Berlo também separou as habilidades comunicativas verbais em cinco fuões: fala e escrita
(habilidades de codificação), escuta e leitura (habilidades de decodificação) e pensamento ou
raciocínio. Esse diagrama proposto por Berlo seria retomado por Wilbur Schramm e Charles
Osgood para criar o primeiro modelo não-linear de comunicação.
234
III. Modelos não-lineares de comunicação
O modelo de Schramm e Osgood enfatizava a natureza reproca da comunicação
8
e a
descrevia como um processo circular e infinito de emissão e recepção entre dois interagentes. A
emissão e a receão, ou a escuta e a expressão, eram descritas como processos de codificação e
decodificação. As partes alternam as posições de emissor e receptor, codificando quando falam, e
decodificando quando escutam. Se o modelo de Shannon e Weaver pode ser classificado como
linear, o diagrama de Schramm e Osgood é amplamente circular.
Outra diferença entre os dois modelos consiste no fato de que o interesse de Shannon se
dirigia especialmente aos canais de mediação entre emissor e receptor, enquanto Schramm e
Osgood enfocavam o comportamento dos atores do processo de comunicação. As semelhanças
entre os dois modelos respeitam à descrição espacial da comunicação. Mas enquanto Shannon e
Weaver traçam uma distinção entre fonte e emissor, e entre receptor e destinatário, separação que
exige duas diferentes fuões em cada extremidade do processo de emissão e recepção, no
diagrama de Schramm e Osgood esses dois momentos da comunicação são realizados pelas
mesmas funções, que não mais são compreendidos como emissores e receptores. As duas
partes do processo são apresentadas como isonômicas e suas operões a codificação, a
descodificação e a interpretação seriam idênticas entre si. De modo geral, a função da
codificação é semelhante à de transmissão; a de descodificação, à de receão. A função da
interpretação no esquema de Schramm e Osgood, por sua vez, é realizada pela fonte e pelo
destinatário no modelo de Shannon e Weaver.
Modelo circular d e comunicão de Wilbur S chramm e Charles Osgood
Outro diagrama não-linear de comunicação, derivado do esquema seminal de Shannon e
Weaver, é o modelo conceitual de Westley e MacLean
9
para a investigação em comunicação,
publicado pela primeira vez em 1957. Esse modelo tinha por objetivo a organização das
235
pesquisas até então existentes e oferecia um tratamento sistemático ajustado às investigações
sobre a comunicação de massa. Os modelos não-lineares são, efetivamente, o resultado da
emergência de uma sociedade materialmente organizada em redes que liquefazia a atualidade do
diagrama linear de Shannon e Weaver. Com isso, Westley e MacLean elaboraram um modelo que
ilustrava uma situação de trocas complexas entre indivíduos (comunicadores) e as comunicações
irradiadas, não obstante o modelo mantenha as características sistemáticas e inter-relacionadas de
uma conjuntura simples entre duas pessoas ou dois agentes da comunicação.
Modelo de comuni cação de Bruce Westl ey e Malcolm M acLean
Bruce Westley e Malcolm MacLean
10
criaram esse diagrama, baseado no modelo
triangular ABX de Theodore Newcomb
11
, após observar as principais diferenças entre
comunicação de massa e comunicação interpessoal. As diferenças fundamentais que a produção
de sentido irradiada trazia eram: as possibilidades mínimas ou retardadas de realimentação; o
maior número de fontes midiáticas alternativas e a função X, isto é, os objetos dispostos no
ambiente que precisam ser orientados e selecionados. Outra alterão importante em relão ao
modelo circular de Schramm e Osgood, além da função editorial-comunicativa que decidia o quê
e como comunicar, é o alargamento do modelo, regressando com isso à forma linear dos
modelos centrados na comunicação como processo de transmissão de mensagens.
Modelo de Westley e MacL ean como d erivão do mod elo triangular de Newcomb
236
O objetivo do modelo era oferecer um suporte para investigações sobre a comunicação
de massas, especialmente sobre a função do comunicador em um grupo de mídia determinado.
No diagrama de Westley e MacLean, A pode ser entendido como um repórter que envia uma
história a C, a redão do seu jornal, rádio ou televisão. Os processos editoriais de gatekeeping
estão representados pela função C, que verifica a história de acordo com os padrões jornalísticos
e a transmite para B, o público. Neste modelo, B perdeu qualquer experiência direta ou imediata
com X, visto que tamm perdeu qualquer relação direta com A. De acordo com Westley e
MacLean, os meios de comunicão de massa ampliam o ambiente social que B se relaciona e
fornecem, ao mesmo tempo, os meios pelos quais essa relação ou orientação se opera.
Modelo de Westley e MacL ean que descr eve a relação entr e
meios de comunicação de massa, público e gatek eepers
O modelo foi alvo de repetidas revisões com o intuito de incorporar as variações e
mutações que a geografia dos media em rede começavam a apresentar
12
. A versão original
transpunha a mesma suposição do modelo original de Newcomb, isto é, a de que o sistema de
relões é auto-regulado e mutuamente benéfico para todos os participantes. O desequibrio
entre os principais intervenientes foi um dos fatores revisados, especialmente por Stephen Lacy,
cuja reformulação tentava equilibrar o acentuado grau de integração do processo de comunicação
de massa com os comunicadores (gatekeepers) e com a audiência. Com isso, Stephen Lacy
tentava inserir no esquema um efeito rapidamente percebido pelas pesquisas administrativas de
comunicação, isto é, a papel entrópico da audiência, que podia perseguir objetivos pouco ou em
nada relacionados com a emissão.
O interessante do modelo de Westley e MacLean é a tentativa de remover a carga
antropológica do diagrama comunicacional. Enquanto no modelo de New comb A e B podiam
ser apenas pessoas, o modelo de Westley e MacLean sugere que essa função pode ser realizada
por pessoas, grupos ou inteiros sistemas sociais
13
. Mas não obstante o valor heurístico do modelo,
237
ele não pode representar o processo de afeão ou influência recebido por B. Com isso, toda uma
gama de inter-relações fica exclda do esquema, que não permite a visualizão de interações
pessoais face a face ou mediadas, interões mediadas entre grupos ou interões entre indivíduos
representando grupos, interação entre indivíduos dentro de grupos, processos ambientais ou as
experncias pessoais da audiência que, afinal, produzem o acontecimento comunicacional.
Stephen Lacy revisou o modelo e publicou uma versão estendida que incorpora a
interão de pessoas através e dentro de um subsistema que afeta a mensagem e que passa por
meio de canais para pessoas e para o público. O modelo revisto tamm prevê a possibilidade de
que as mensagens o sejam mediadas, isto é, que sejam vividas diretamente. A inserção desses
elementos antes inexistentes torna o diagrama tão complicado que sua fuão heurística
desaparece.
Modelo de Westley e MacL ean r evisado por Stephen Lacy para incorpor ar relações entr e media e públi co
14
A versão de Stephen Lacy, assim como o diagrama anteriormente proposto por Schramm
e Osgood, procura atualizar a pesquisa administrativa em comunicação com as contribuições da
cibernética de Wiener
15
, cuja obra publicada em 1948 enfatizava a função fundamental da
retroalimentação. Com isso, a habilidade que os receptores tinham de responder às mensagens
dos emissores se tornava o componente central a partir do qual os modelos de comunicação
eram desenhados. Embora as contribuições da cibernética tornassem os modelos mais elásticos e
capazes, a descrição linear e a representão bidimensional rapidamente se mostravam incapazes
de incorporar a multidão de media que o tecido social da sociedade dos computadores trazia.
Com isso, os modelos não conseguiam incluir a interação possível entre diferentes
indivíduos que operavam micro plataformas de media, nem a comunicação que permeava os
grupos dentro de um sistema social. Ademais, ainda que o diagrama de Westley e MacLean
pudesse representar a interação entre pessoas dentro de organizações, o modelo falhava ao
descrever o impacto dessas mensagens dentro dos grupos. Isso porque a inclusão da função de
retroalimentação, mormente importante, restringia o processamento da informação a uma via
238
reativa, que não podia compreender uma experiência direta entre indivíduos exercendo as mais
variadas posições dentro do sistema de media, que a essa altura já se configurava como um
autêntico continuum digital atmosrico. A evolão dos modelos de comunicação, que
encontrava seu esgotamento heurístico, pode ser visualizada na imagem abaixo.
A emergência das redes eletnicas, como o dio e a televisão, promovia a criação de
modelos de comunicação que descrevessem as funções caractesticas do padrão irradiado de
comunicação. Os modelos de comunicação atualizavam os novos estágios e procedimentos,
adicionando elementos que compreendessem a dinâmica da difusão (broadcasting) da informação.
A sala de redação, símbolo da crescente complexidade informacional do século XX, introduzia
elementos como o gatekeeper, os formadores de opino e uma variedade de filtros que
inexistiam nos antigos modelos lineares. O modelo de difusão da comunicação de Paul Lazarsfeld
tratava de atualizar essa geografia da difusão da informão. Essa atualizão, entretanto, mostra
sua caducidade quando confrontada com um modelo similar apresentado por Jeff Javis, cujo
objetivo é descrever a fabricação da notícia jornalística na matriz de media digital.
Modelo de Paul Lazarsfeld em comparação com o modelo de J eff Javis
239
IV. Modelo espectral de comunicação
O modelo espectral de comunicação descreve a troca de informão dinâmica d as redes
distributivas. Em oposição ao fluxograma linear e espacial dos modelos anteriores, o diagrama
espectral enfoca a serialização e a criação de informação, visíveis por meio de picos de
transmissão e pelo desaparecimento de inteiros blocos de informação. O diagrama perde a
arquitetura segmentada que caracterizou os modelos de comunicação para fazer referência a uma
cebola digital. Os operadores da atmosfera cepácea são tantos animais sociais, as pessoas, como
grupos de media. Usuários e instituições se movem em conjunto, mas processam informação
individualmente e de maneira fechada, característica visível na maneira pela qual a disrupção do
sentido é incubado em grupos sociais que respondem pelos novos blocos de informão.
A cebola se constrói a si mesma conforme o continuum digital pulsa as informações por
dentro de anéis que, não obstante estejam ilustrados de maneira bidimensional nos gráficos
subseqüentes, devem ser compreendidos como uma esfera em permanente movimento
espiralado. Cada nódulo, isto é, cada ponto negro no gráfico, compete pela atenção dos outros
dulos ao mesmo tempo em que repassa informações recebidas. Todos os nódulos têm por
fuão inicial a repetão e repercussão de dados dentro da atmosfera tridimensional do
continuum digital. Quando um e-mail ou um tweet é enviado para outro nódulo, uma linha é
traçada entre um ponto e outro. Essa linha permanecerá interconectando os dois nódulos
enquanto o fluxo de dados permanecer ativo.
Embora imagens em movimento sejam mais eficientes para explicar uma conjuntura de
fundo, imagens estáticas têm a vantagem de enfatizar relações ou movimentos evolutivos que a
movimentação natural do fenômeno pode tornar imperceptível. É o caso dos anéis cepáceos e
das conexões de rotina entre os dulos. A perspectiva bidimensional também permite que se
destaque o fluxo de informação que, ao longo de operões encravadas em determinada
cronologia, desenha rizomas por dentro da cebola digital. A auto-organização dos nódulos não
deve divergir da auto-organização material do mundo circundante. Esse padrão de organização
que funde real e virtual pode ser explicado por meio da visualização dos dados relacionados a
determinado rculo social ou a uma rede de amigos. No caso do aplicativo Roda de Amigos
(Friend wheel)
16
, criado para a rede social Facebook, a visualização das conexões entre os ami gos,
isto é, entre os nódulos, é análoga ao desenho da cebola digital.
O Roda de Amigos gera uma círculo colorido que identifica todas as conexões entre
usuários que estejam conectados entre si dentro daquela rede social, e apresenta o resultado na
página do usuário. É possível visualizar distintos grupos com alto índice de conexão interna. O
240
rculo gerado pelo programa, sempre em fuão dos dados do usuário, tende a criar dois ou três
grupos principais que demarcam o rculo real de amizades do indivíduo, enquanto as outras
sões do rculo indicam a incidência de vinculações fracas ou de intensidade menor. O rculo
tamm identifica algumas conexões de usuários intragrupos que poderiam ser de
desconhecimento do usuário.
Esse aplicativo replica o conceito sociológico de redes sociais, distinguindo entre redes
pequenas, densas ou superdensas. Em uma rede superdensa, não apenas todos os membros se
relacionam uns com os outros, mas cada usuário tamm interage de modo independente com
todos os membros da rede. O rculo superior à direita é um exemplo de rede superdensa, na
qual cada membro da rede desenha uma linha que se conecta com outro membro dentro do
mesmo círculo, desenhando com isso uma forma geométrica análoga aos gráficos de um
espigrafo o antigo brinquedo que desenhava curvas matemáticas conhecidas como
hipotrocóides ou epitrocóides.
As formas hipotrocóides e epitrocóides têm importância heustica na descrição da cebola
digital, que compreende em si mesma uma rede superdensa de conexões. Uma representão da
cebola digital, com isso, deve conjugar as caractesticas de uma rede superdensa com conexões
serializadas entre os nódulos da rede, de modo que as linhas desenhadas dentro do círculo
representem a maneira pela qual os usuários e grupos de media se conectam entre si. Os três
diagramas a seguir, com isso, representam uma tentativa de ilustrar essa operação cardinal da
cebola digital, isto é, o sentido espectral.
No modelo espectral de comunicação, uma mesma mensagem é fragmentada e
decodificada repetidas vezes por múltiplos usuários, ou seja, uma mesma mensagem é objeto de
seguidas operações de aglomerão de sentido, que aparecem representadas nos gráficos abaixo
como pequenos pontos ao longo da espiral. Se nos modelos espaciais de comunicação um
medium transportava tanto as mensagens como o sentido intencionado, no modelo espectral a
241
mensagem depende de múltiplos nódulos para ser transmitida. A serializão garante que a
transmissão aconteça sem a concorrência ou a necessidade de um emissor intencional.
Cada nódulo é em si mesmo um gatekeeper e gatew ay. O sistema se assemelha, de certo
modo, à dinâmica tradicional de uma sala de aula, onde um estudante particular detém mais
influência sobre o resto da classe e, com isso, pode operar como uma ponte entre os colegas de
classe a autoridade do professor (que representa um anel mais exterior da circulação do sentido).
Esses estudantes gatekeepers transmitem opiniões que ecoam entre seus pares e afetam cada um
dos colegas da classe. Essa função é comparável a um eixo de conexões da operação espectral,
isto é, à aglomerão digital. A única diferença é que, no caso da cebola digital, qualquer nódulo
está em posição de realizar essa operação.
Modelo espectral: 1. Serialização da informação; 2. Aglutinação de dados; 3. Atmosfera eletrônica
242
Em comparação com os modelos de comunicação e sentido previamente apresentados, o
diagrama espectral redimensiona as funções informacionais e redesenha a relação entre os
componentes do processo comunicacional. Além disso, a incorporão dos media como
elementos ativos no processo comunicacional se torna possível uma vez que a localizão
espacial cede lugar a um rizoma de conexões. Com isso, os nódulos surgem para responder pelas
fuões anteriormente descritas como emissão e recepção, em um primeiro momento, e como
codificação e decodificação, em um segundo momento. O canal, como mencionado, perde sua
rigidez vetorial e é apresentado como um rizoma cepáceo cujas possibilidades de conexão são
múltiplas e pluridimensionais.
A produção do sentido, que no modelo de Shannon e Weaver pode ser localizada pela
fuão de codificação entre emissor e sinal ou pela função de decodificação entre mensagem e
receptor, é simétrica à circularidade do modelo de Wilbur Schramm e Charles Osgood. No
diagrama espectral, essa fuão de compreensão ou produção de sentido é, em oposição à
linearidade ou circularidade dos modelos anteriores, expressa pelo movimento espiralado que
responde pela produção de sentido eletrônico ou espectral. Essa mesma diferença reincide na
transformão do conceito de canal, cuja descrão linear em Shannon-Weaver e circular em
Osgood-Schramm é substituída por um tecido rizomático. As mensagens que percorrem os
canais, por sua vez, são descritas por meio dos rculos ou anéis que emprestam forma à cebola
digital. A configuração uma vez mais se repete: nem linear nem circular, mas espiralada. Esse
movimento particular da cebola digital explica como conexões seqüenciais, isto é, inputs e
outputs, podem tecnicamente percorrer rculos multidirecionais dentro de um território
rizomático.
243
Os modelos tradicionais compreendem a circulação e o processamento de informação
pode meio de uma imagem congelada do processo comunicacional. Sob o risco da imagem do
sentido espectral se provar pouco operacional, optamos por sublinhar a natureza dinâmica da
comunicação eletrônica. A espiral ilustra a altercação dos diferentes elementos da cebola digital
ao longo do tempo. Este modelo de comunicação, com isso, pode não funcionar como uma
ferramenta para análise de eventos comunicacionais. Seu valor heurístico reside na imagem
dinâmica do processo comunicacional, descrito por meio de elementos ativos e reativos que
armazenam e criam informação. Esperamos, de todo modo, que o modelo possa ao menos
ilustrar o funcionamento desse sentido eletrônico, digital ou ainda espectral.
244
NOTAS
1
No original em inglês:This kin d of plan seems to hav e inspired Frank Lloyd Wright in designing the Guggenhei m
Art Galler y on a s piral, concentri c basis. It is a r edund ant form inevitable to the electric ag e, in which the concentric
pattern is imposed by the instant quality, and overlay in depth, of electric speed. But the concentric with its endless
intersectio n of planes is necess ary for insight. McLuhan, Marshall. Understandi ng Media: The Ext ensions of Man. New
York: McGraw Hill, 1964. (p.27).
2
O conceito de di agrama utilizado nesse trabalho é uma derivão d a subdivisão tripartida que Peirce propôs para os
ícones entr e imagens, diagramas e metáforas. Essa subdivisão tripartida s e replica uma vez mais entre analogia
(analogy), tipograma (mimi cry) e par alelismo (parallelism ). De acordo com Peirce, a semelhaa entr e imagens e objetos
é alcançada por meio da partil ha de certas características primárias. O retrato de uma pessoa ilustr aria um aspecto
intrínseco (First) de uma qu alidade intríns eca (Firstness) de determinada imag em, uma relação, portanto, monádica,
mimética e pou co dependente das conveões que realizam os diagramas e as metáforas. O diagrama, por sua vez, é
alcançado por meio de u ma rel ação de analogia entre a estrutura r epres entada e a estru tura do objeto. Como efeito da
segunda primeiridad e (Second First ness), os diagramas s ão análogos ao objeto repres entado no que tange a es trutura,
mas não necessariamente a subsncia. Com isso, uma maquete arquitetônica não precisa ter nenhuma relação
substancial com a cons trução real,o obstante ela reproduza graficamente a g eometria e geografia da edificação. Da
mesma maneira, u m modelo ci entífico do sistema sol ar é um diagrama do sis tema solar real, não obstante o modelo
seja proporcionalmente muito menor que o objeto repr esentado e os materiais utili zados no modelo sejam d iferentes
dos materiais do objeto repr esentado. A relação entre um di agrama e o objeto repres entado é, conseentemente,
diádica, isomórfica e reali zada por meio de uma analogia propor cional, abs trata e unívoca entr e diferentes es truturas.
Por serem baseados em convenções, os diagramaso necessariamente mais abstratos que as i magens, isto é,
enquanto as imagens podem ser r econhecidas por qualqu er um, os diagramas requerem uma familiaridade com certas
conveões. A metáfora, qu e conforma o terceiro tipo de i conicidad e, é discutida por Peir ce de maneira econômica.
Am das características do diagrama, a metáfor a apresenta um caráter repres entativo de um representamen em
fuão de um paral elismo com outro elemento, isto é, algo além do signo e do objeto. Dif erentemente da mecânica
diádica do diagrama, as metáforas se caracterizariam por uma relação tri ádica. A função de medi ação (Thirdness) das
metáforas depende, de maneira semelhante aos di agramas, da existênci a de convenções. Em resumo, as imagens
seriam baseadas em uma s emelhança simples, monádica, sensória e mimética; os diagramas, em uma analogia diádica
proporcional ou estrutur al; as metáforas, em uma r epres então trdica medi ada por paralelismos. O grau de
abstração aumenta das imagens para os diagramas, e dos diagramas par a as metáfor as. Nos termos de Peirce:
Aquelas que p artilham qu alidades simpl es, ou Primeira Primeiridade,o im agens; aquelas qu e representam as
relões, mor mente diádicas, ou s ão tomadas como parte de uma coisa por r elações de analogia para com suas partes,
são diagramas; aquelas que r epresentam o caráter repres entativo de um representamen por meio de u m paralelismo
representacional para com alguma outra coisa, s ão metáforas.” No original em i ngs:Those which partak e of si mple
qualities, or First Firstness, are images; those whi ch represent the relations, mainly d yadi c, or so regarded, of the parts
of one thing by analogous relations in their own parts, are diagrams; those whi ch represent the representative
character of a representamen by representing a parallelis m in somethi ng else, ar e m etaphors. Peirce, Charles S anders.
Collected Papers of C harles Sanders Pei rce. Cambridge: Massachus etts Press, 1958. (§2.277).
3
A transmiss ão conv erte a mensagem em si nais qu e são então enviad os por meio do canal de comuni cação, de u m
transmiss or para um receptor. No caso da telefonia, o canal é o fio, o sinal é a corrente elétrica que per corre o fio e o
transmiss or é o conjunto de dispositiv os (transmissor do tel efone, etc.) que fazem com a q ue a pressão d o som,
impressa pel a voz, s eja codificada em sinais na corrente elétrica. No telégrafo, o transmissor codifica palavr as escritas
em seqüênci as de correntes interrompidas por car acteres variáv eis (pontos, barras ou espos ). Na fala oral, a fon te
de informação é o cérebro, o transmissor é a mecanismo da fala que produ z a preso no som (o sinal), e que por sua
vez é trans mitido por meio do ar (o canal). No rádio, o canal é simples mente o espaço e o sinal s ão as ondas
eletromagnéticas por meio do qual a trans missão s e reali za. No original em inglês: The transmitter chang es this
messag e into the signal which is actually s ent over the communication channel from the transmitter to the receiv er.
In the case of telephony, the channel is a wire, the signal is a v arying el ectrical current on this wire,- the transmitter is
the set of devices (telephone transmitter, etc.) which change the sound pr essure of the voice into the varying
electrical current. In tel egraphy, the transmitter codes written words into sequ ences of interrupted current of varyi ng
lengths (dots, das hes, spaces). In oral speech, the infor mati on source is the br ain, the trans mitter is the voice
mechanis m producing the varying s ound pressure (the signal) which is transmi tted through the air (the channel). In
radio the channel is simpl y space and the signal is the electromagnetic wave which is tr ansmi tted”. Shannon, C, &
Weav er, W. The mat hematical t heo ry of comm unic ation. Urbana: Universi ty of Illinois Press, 1962. (p.98).
4
Shannon e Weaver o se along aram sobre a função d o ruído, o obstante as ricas possibilidades d e inflexão qu e
essa função disfuncional traz ao modelo. O rdo surge quando, durante o processo de trans missão de uma
mensagem, certas infor mações qu e o foram intencionadas pel a fonte trans missora s ão inevi tavelmente
acres centadas ao sinal (ou à mensagem). O ruído pode ser interno e de conhecimento do emiss or, isto é, pode ter
como origem as atitudes e cr enças do emi tente, ou externo, isto é, pode ter como origem u ma font e alienígena aos
245
elementos do diagrama d e Shannon e Weaver. Os rdos internos e externos podem reforçar ou enfraquecer o efeito
intencionado da mensagem, ou seja, pod em confirmar a informação contida na mensag em ou contradizer o
conteúdo original. Ver Shannon, Claude El wood. Comm uni catio n in the presence of noise. IN: Proceeding of the institute
of radio engineers. N° 37, 1949. (p.10-21).
5
DeFleur, Dennis. U nderstanding Mass Communication. New York: Houghton Mifflin, 1985.
6
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Ver B aran, Stanley. Int roduction to M ass Comm uni cation. New York: McGraw Hill, 2004.
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Springfield: Charles C. Thomas, 1966. (p.289-309).
11
Westley e M acL ean conservam a função proposta por Newcomb, onde uma orientação par tilhada na direção de X
é um motivo para a comunicação, e pr evêem oportu nidad es r estritas para o feedback. C ontudo, Westl ey e MacL ean
tamm invertem de forma crucial o equilíbrio do sis tema d e Newcomb. A e C dese mpenham então pais
dominantes e só existem em função dess es dois fatores. Embora a necessid ade d e informação e de orientação de B
tenha aumentado significativamente na s oci edade de massas, os meios para s atisfazer essa necessidade foram
restringidos: os meios de comunicação de massa, no modelo de Wes tley e M acLean, s ão as únicas fontes disponív eis.
Um silogismo lógi co conclui que B, isto é, o públi co, se torna irremediav elmente dependente dos meios de
comuni cação de massa.
12
Além da audiência, o qu adro geral das ciências da comu nicão também depositav a interess e nas outras conexões
do processo que fazia com que notícias viajassem de cientistas para jornalistas. Westley e MacLean perceber am que
pesquisas abrang entes sobr e os meios d e mass a e a produção de notíci as demandavam um estado de ateão por
parte dos receptores, além de nov as fontes, mensagens e canais. Ao longo dos últimos quar enta anos, o modelo de
recepção, as fontes, as mensagens e os canais d e Westley e M acLean s e ampliar am ao ponto d e incluir diversos
tópicos, como as influências do ambi ente social, do clima e da cultur a, das ideologias políticas e econômi cas
dominantes, da psi cologia s ocial (como as pessoas avali am a credibilidade de uma fonte e o influenciadas por
pressão interpess oal o u grupal ), e das habilidades relativas à condu ta (como os comportamentos pessoais são às
vezes influenciados pela posição de ter pod er ou se ver capaz de responder a uma situ ação). No original em inglês:
Besides au dien ces, the classi c science commu nication framework also generated i nterest in th e other links in the
process as news travels from scientists through journalists to citi zens. Westl ey and MacL ean noted that
compr ehensive research about the mass and news communications process demanded attention to the receivers of
mass plus news sources, messages, and ch annels. During the pas t forty years, Westl ey and MacLean’s source,
messag e, channel, and receiv er mod el has been broadened to encompass diverse topics such as the influences of a
surroundings soci al cli mate and culture, prevailing political and economic ideol ogies, social psychology (how persons
assess source cr edibility and are influenced by group and interpersonal pressur es), cognitive behavioral models (how
knowledge is linked to individual actions), and life skills (how personal behaviors someti mes ar e influenced by feeli ng
empower ed or capabl e to res pond”. Logan, Robert A. Scienc e Mass Communication: Its Co nceptual Histo ry . IN: Science
Communication 23, no. 2, 2001. (p.143).
13
No original em i nglês: For Newcomb, A and B can onl y be persons. W hile we have tried to imply persons i n
thes e roles, it should now be mad e cl ear that we do not intend to confine the model to the l evel of individual
personali ty. T he rol e for B, for i nstance, m ay be that of a person, or a pri mary grou p, or a to tal s ocial sys tem”. Lacy,
Stephen T he Westley-MacLean model revi sited: An Extension of a co nc ept ual mo del for Comm uni cation Researc h. Theory and
Methodology Division of the Association for Education in Journalism and Mass Communication. Washington, 1989.
(p.4)
14
No diagrama revisado de Westl ey e MacL ean, analisado por Stephen Lacy, a mensagem C transmiti da para B (X )
representa su a seleção a p artir de duas m ens agens: as suas própri as e as enviadas par a A (X), e as sel eçõ es de C e
abstrações de X em torno de seu campo sensório (X3c e X4), qu e podem ou não s e tornar X dentro do campo d e A.
A retroalimentão não apenas se move de B para A (fB A) e de B para C (fBC), mas tamm de C para A (fCA).
15
Wiener, Norber t. Cibernética e So ciedade O uso humano do s seres hum ano s. São Paulo: Cultrix, s/d.
16
O aplicativo está disponív el no endereço http:// apps.facebook.com/friendwheel para usuários da rede social
Facebook. Um programa similar es disponív el para os usuários da rede social Twitter no endereço http://twitter-
friends.com.
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