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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
VALDELICE CONCEIÇÃO DOS SANTOS
O DISCURSO DE EDIR MACEDO NO LIVRO ORIXÁS, CABOCLOS E
GUIAS. DEUSES OU DEMÔNIOS?: IMPACTOS E IMPASSES NO CENÁRIO
RELIGIOSO BRASILEIRO
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2010
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VALDELICE CONCEIÇÃO DOS SANTOS
O DISCURSO DE EDIR MACEDO NO LIVRO ORIXÁS, CABOCLOS E
GUIAS. DEUSES OU DEMÔNIOS?: IMPACTOS E IMPASSES NO CENÁRIO
RELIGIOSO BRASILEIRO
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às
exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Religião para obtenção do Grau de Mestre
Orientador: Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2010
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AGRADECIMENTOS
A CAPES, pela bolsa de estudo que tornou viável a pesquisa no Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
Ao Deus da VIDA! Que para os que crêem é: Javé! Abba! Jesus Cristo! Olodum Maré! Salvador!
Força Criadora. Energia Cósmica Positiva. AMOR.
Ao meu orientador Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos, por sua dedicação, competência, paciência e
confiança depositada ao longo deste aprendizado.
Ao Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva, por sua acolhida, atenção e participação.
Aos demais professores.
A querida Damaris, anjo de luz, por sua dedicação, ternura e acolhida.
A Sidnei Marco Dornelas
A todos os seres humanos que fizeram a diferença neste mundo por se indignarem com as injustiças
e desigualdades. Por nos ensinarem o amor, a poesia, as artes, a fé, e a resistência. Por alimentarem
com suas vidas a esperança daqueles que continuam sonhando e lutando.
A Vavy, sem palavras...
3
DIDICATÓRIA
Maria Augusta Conceição dos Santos. Mãe, companheira, minha musa inspiradora.
Jovino Vieira dos Santos (in memorian)
Valdemir, Lúcio, Elza, Luciana, Thiago, Rafael e Fernanda
Raimundo Domingos Silva. Migrante nordestino, por sua incansável luta por justiça e por sua
contribuição no meu processo de formação intelectual.
Lúcia, Manfredo e aos demais amigos que compartilharam com esse processo de aprendizagem.
Aos que se sentem indignados com toda forma de injustiça, intolerância e violência.
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RESUMO
Esta dissertação é uma análise do discurso de Edir Macedo no livro Orixás, Caboclos e
Guias. Deuses ou Demônios? Nosso estudo trata do discurso e retórica que Macedo e a Igreja
Universal do Reino de Deus utilizam para falarem a respeito das religiões afro-brasileiras e
mediúnicas nesse livro. Elegemos este livro como objeto de estudo por causa da presença
constante desse tema no discurso e nas práticas da Igreja Universal; pelo sucesso dessa
publicação, com mais de quatro milhões de exemplares vendidos; em função da polêmica
provocada pelo discurso demonizador das religiões afro-brasileiras e mediúnicas. Procuramos
analisar o discurso de Macedo e de sua Igreja a luz dos impactos e impasses causados por eles
no cenário religioso brasileiro. Relacionamos o discurso e a retórica de Macedo ao sucesso e a
criação de uma identidade própria de sua Igreja. Nosso estudo diferencia-se das demais
investigações publicadas ao relacionar a criação de identidade religiosa e o uso de
mecanismos acusatórios como instrumento eficaz para convencer e transmitir ideologias que
favoreçam a expansão da Igreja Universal. Procuramos também, trazer para a discussão
acadêmica que a análise de discurso de uma literatura religiosa pode ser uma referência para
se estudar uma instituição religiosa, seus mecanismos de construção identitaria, legitimação e
expansão no cenário religioso.
Palavras chaves: discurso, retórica, intolerância, construção identitária, estigma,
demonização, Edir Macedo.
5
ABSTRACT
This thesis is a discourse analysis of the book Edir Macedo Orixás, Caboclos e Guias. Deuses
ou Demônios? Our study is the discourse and rhetoric that M and the Universal Church of the
Kingdom of God used to talk about the african-Brazilian religions and mediums in this
book.We chose this book as an object of study because of the constant presence of this theme
in the discourse and practices of the Universal Church, the success of the publication, with
over four million copies sold, according to the controversy caused by the discourse of religion
demonized african-brazilian and abilities. We tried to analyze the speech of Macedo and his
Church the light of the impacts and predicaments caused by them in the religious landscape of
Brazil. We list the discourse and rhetoric of to success and the creation of an identity of his
Church. Our study differs from other investigations already published relating to the creation
of religious identity and the use of accusatory mechanisms as an effective tool to convince
and convey ideologies that promote the expansion of the Universal Church. We seek to bring
to the academic discussion that the analysis of discourse of a religious literature can be a
reference to study a religious institution, its mechanisms of identity, legitimacy and
development in the religious landscape.
Key words: discourse, rhetoric, intolerance, identity, stigma, demonization, Edir Macedo.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
09
Capítulo 1. As origens religiosas do autor de “Orixás, Caboclos e Guias”.
Deuses ou Demônios?: Edir Macedo .............................................................
19
1.1 Edir Macedo e suas origens religiosas .............................................................
21
1.2 Edir Macedo: do coreto do Méier às catedrais “da Fé” ...................................
31
1.3 “Mãe-de-Santo” – um livro que inspirou Macedo ...........................................
38
1.4 Analogias entre os discursos de McAlister e Macedo......................................
43
1.5 O sucesso da IURD e o discurso apologético de Macedo................................
48
Capítulo 2. O livro de Edir Macedo a face “amorosa” da intolerância...........
54
2.1 O discurso religioso-ideológico de Edir Macedo ............................................
56
2.2 O poder no discurso de Macedo.......................................................................
59
2.3 Marketing e discurso religioso .........................................................................
64
2.4 O uso de imagens no livro Orixás, Caboclos e Guias... ..................................
67
2.5 Comparando capas de várias edições ..............................................................
74
2.6 Fotografias: práticas religiosas demonizadas...................................................
79
2.7 Mudanças no prefácio e na conclusão do livro ................................................
82
Capitulo 3. A retórica de intolerância de Edir Macedo....................................
87
3.1 A Intolerância no discurso de Macedo ............................................................
91
3.2 A demonização no discurso de Macedo ..........................................................
95
3.3 Imagens do demônio no discurso de Macedo ..................................................
99
3.4 Um discurso da intolerância: uma retórica que se repete.................................
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................
115
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................
119
7
O que faz com que a literatura seja literatura, que a
linguagem escrita em um livro seja literatura, é uma espécie de
ritual prévio que traça o espaço da consagração das palavras.
(FOUCAULT).
8
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
PRESIDENTE
PROF. DR. LEONILDO SILVEIRA CAMPOS
___________________________________
Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva
___________________________________
Prof. Dr. Ricardo Bitun
Data da Defesa: 11/03/2010
São Bernardo do Campo UMESP
9
INTRODUÇÃO
Esta dissertação intitulada O discurso de Edir Macedo no livro Orixás, Caboclos e
Guias. Deuses ou Demônios?: Impactos e impasses no cenário religioso brasileiro analisa o
discurso e a retórica que Macedo e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) utilizam para
falar das religiões afro-brasileiras e mediúnicas no livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou
Demônios? Pretendemos nela buscar uma melhor compreensão da potencialidade e
funcionalidade do sistema relacional que se constrói a partir do uso de um discurso
verbalizado ou não, empregado para se falar a respeito de outra religião como o faz Macedo e
sua Igreja. Escolhemos esse tema por que consideramos não haver estudos que relacionem o
discurso literário de Edir Macedo e os rituais discriminatórios contra os cultos afros,
kardecismo e o catolicismo popular. Até onde pudemos pesquisar não há investigações que
relacionem a criação de identidade religiosa e o uso de mecanismos acusatórios tão explícitos
no campo religioso como ocorre com o discurso da Igreja Universal e de seu Bispo Primaz tal
como aparece no livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios? Pretendemos com
este estudo contribuir para a discussão desse tema tentando relacionar o sucesso alcançado
pela IURD ao discurso, considerado por nós como intolerante.
na realização do levantamento bibliográfico preliminar encontramos uma extensa
lista de livros, teses, dissertações, artigos e publicações diversas que tratam de temas muito
próximo do objeto desta pesquisa, como por exemplo, do discurso de Edir Macedo sobre as
religiões afro-brasileiras. Quanto a pesquisas que envolvem temas relativos à Igreja Universal
do Reino de Deus, de acordo com Ari Pedro Oro (in: SILVA, 2007:31-32), elencados pelo
Banco de Teses no site da Capes, “somente no período que compreende os anos 1995 a 2003
aparece em 16 teses de doutorados, 59 dissertação de mestrado (defendidas em diferentes
áreas das ciências), uma tese foi defendida nos Estados Unidos, uma na França e uma na
Suécia; cinco livros foram dedicados à Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil e, cinco
livros publicados no exterior”. Autores como Leonildo Silveira Campos, Ricardo Mariano,
Wagner Gonçalves da Silva, Antonio Flávio Pierucci, Ari Pedro Oro, Ronaldo de Almeida,
Patrícia Birman entre outros, também, têm produzido uma vasta pesquisa nesse campo. Nosso
estudo, embora se concentre na produção relacionada à IURD não deixa de levar em conta
outros estudos apresentados em inúmeras outras pesquisas. A nossa, no entanto, difere dessas
outras por trazer para a academia uma análise do discurso de Edir Macedo a partir de uma
10
literatura como o livro Orixás, Caboclos e Guias... Compreende-se que nesse estudo uma
possibilidade de ampliar a pouca produção acadêmico que trate de obras literárias como
possíveis instrumento de legitimação identitária de um grupo religioso; por produzir um
discurso, que consideramos intolerante e disseminador de violências simbólicas,
desencadeando violência física, por reproduzir mecanismos de estigmatização e perseguição a
outros grupos religiosos.
Assim ao analisar o discurso de Macedo, a partir da perspectiva da intolerância o
fazemos considerando “intolerância” as práticas diversas de violência e preconceito contra os
que se apresentam como se fossem o diferente ou o outro, o concorrente. Intolerância é
entendida como uma atitude mental, verbalizada ou não, mas praticada quando desrespeito
a diferentes culturas, raças, etnias e crenças religiosas. A intolerância, fundada em
sentimentos e crenças religiosas, desde o princípio das civilizações está presente nas relações
humanas de diversas formas. Nesse sentido, o discurso demonizador de Macedo e da IURD
contra as religiões afros atinge tanto os que praticam tais ritos e têm tais crenças religiosas
como aqueles que compartilham as heranças culturais de origem africana, que foram
assimiladas à cultura e religiosidade brasileira.
Este estudo é o resultado de uma análise do discurso de Edir Macedo, um dos
fundadores e principal liderança da IURD. Macedo é a pessoa na qual está centralizado o
comando de todos os empreendimentos que compõe a instituição religiosa iurdiana
1
. Ele é o
homem que controla com “mãos-de-ferro” a produção e a distribuição de bens simbólicos
religiosos naquela Igreja, assim como a circulação de bens reunidos em bancos, empresas,
editoras, emissoras de rádios e TVs, setores imobiliários, entre outros empreendimentos que
formam o “império iurdiano”, e que distingue a IURD de algumas outras igrejas evangélicas
brasileiras. Foi eleito como objeto de estudo, o discurso de Macedo, no livro Orixás,
Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?, por causa da presença constante desse tema no
discurso e nas práticas da IURD; pelo sucesso dessa publicação, com mais de quatro milhões
de exemplares vendidos; em função da polêmica provocada pelo discurso desse livro
demonizador das religiões afro-brasileiras e mediúnicas.
1
O termo iurdiano (a) é usado para identificar os que freqüentam assiduamente a Igreja Universal do Reino de
Deus (IURD), os que passam pelo rito de iniciação do batismo por imersão e ao que mantém uma identificação,
mesmo que parcial, com o sistema de crenças e práticas. o aqueles que colaboram financeiramente, através de
doações em diversas espécies (roupas, alimentos, imóveis, etc.), ajudam como voluntariado nas instituições e
programas sociais, freqüentadores dos templos. CAMPOS (1997).
11
Escolhemos esse objeto também porque estamos convencidos de que o discurso
literário, como o livro Orixás, Caboclos e Guias..., são instrumentos que contribuem para
compreensão dos mecanismos utilizados pela IURD para atrair fiéis e para legitimar e reforçar
a sua identidade no campo religioso brasileiro. Esse livro também tem colaborado para
criação de estigmas e para colocar em descréditos outras religiões consideradas concorrentes
da IURD, originando no cenário religioso uma “guerra santa”, tal postura fez dessa Igreja um
exemplo entre os pentecostais, e isso aparece bem no discurso de Macedo: “essa luta é
renhida e, embora não andemos atrás dos demônios, eles andam à nossa procura para nos
afastar de Deus. São inimigos dEle e do ser humano; daí a necessidade da luta. Essa luta com
satanás é necessária para podemos dar o devido valor à salvação eterna, pois não vitória
sem luta” (MACEDO, 2001:29).
Elemento motivador da escolha desse objeto foi o uso por Macedo de elementos
relacionados à criação de estereótipos negativos às religiões afro-brasileiras, às mediúnicas e
seus seguidores. Também porque ao se relacionar as deidades e entidades das religiões afro-
brasileiras com os demônios da visão cristã-judaíca, atribuindo ao demônio a responsabilidade
por todos os infortúnios, desgraças e caos presentes na sociedade inevitavelmente acaba-se
por atingir os fiéis dessas crenças e práticas. Consideramos também para a escolha que tal
discurso produzido por Macedo objetiva uma visão de mundo que atribui à mulher a condição
de estar mais suscetível ao domínio e aos desígnios do demônio.
Queremos demonstrar que esse discurso reforça os estigmas e as imagens negativas a
respeito do sexo feminino, que já se encontram presentes no imaginário coletivo da sociedade,
mas assim aparece nesse discurso como formas de se reforçar os processos de desigualdades
entre os sexos feminino e masculino. Outras formas de estigmatização e depreciação são
apresentadas por Macedo colocando de forma pejorativa opções sexuais como sendo atitudes
geradas sob ação de entidades consideradas por ele “demoníacas”, tais como: “prostitutas,
homossexuais e lésbicas, sempre são indivíduos possuídos por pombagiras „Maria-molambo‟
etc.”. (MACEDO, 2001:43).
As leituras e releituras que fizemos desse livro foram feitas a partir de algumas
perguntas cujas respostas procuramos registrar e sistematizar no decorrer da pesquisa. Entre
as questões relacionadas a esse texto literário podemos citar: qual seria a razão de tanto
sucesso dessa publicação entre os iurdianos? Sendo o discurso contido no livro tão agressivo
às religiões afro-brasileiras e kardecistas, por que o público tem se identificado tanto com essa
12
leitura? Procuramos também compreender, a forma como o discurso elaborado e transmitido
por um líder religioso é interpretado e acolhido pelos fiéis, bem como os motivos desse
discurso ser agressivo, justamente com as religiões que são doadoras de seus próprios
referenciais simbólicos. Fez-se necessário, como parte integrante da análise do discurso,
identificar a relação entre o discurso contido no livro e o discurso religioso, presente nos ritos
e cultos diversos da IURD, a saber, no modo mais explícito, objetivado nas “sessões de
descarrego”.
2
Outra possibilidade analítica que esse discurso prevê é a incorporação e
legitimação da prática de intolerância religiosa por parte dos pastores, obreiros e fiéis.
Relacionada às questões aqui expostas outras perguntas que foram sendo
formuladas como imprescindível para a compreensão do discurso ediurdiano
3
. Quem é Edir
Macedo? Que livro é Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios? Que visão dos cultos
afro-brasileiros e do Espiritismo kardecista esse livro apresenta?; Que intenções tem Macedo
com a publicação desse livro?; Por que o autor estigmatiza os cultos afro-brasileiros com mais
força do que outros grupos religiosos de porte protestante? Por que apesar de demonizar os
cultos afro-brasileiros, ele não nega seus rituais ressignificando-os em sua Igreja? De que
forma a análise de discurso pode nos ajudar na compreensão do crescimento da IURD no
Brasil e no mundo?; O discurso de Macedo é o discurso da IURD em jornais, programas
televisivos e nos cultos realizados em seus templos?; Quem são os inimigos e os adversários
de Macedo? Que importância eles têm para a criação da identidade iurdiana?
Supomos que o discurso de Macedo, conseqüentemente da IURD, considerado por nós
como intolerante, é mais rigoroso contra o Candomblé a Umbanda e o catolicismo popular do
que com relação aos outros sistemas religiosos. A razão deste rigor estaria relacionada à
necessidade da IURD em criar uma identidade própria, que a diferencie dos sistemas
religiosos dos quais ela muito se aproxima. Isso porque, ela toma emprestado dessas
religiões, crenças, rituais, práticas mágicas e ritos diversos, com os quais compõe o seu
próprio sistema religioso. As representações que Macedo tem elaborado e explicitado em seu
discurso, a respeito do mal e do demônio, no livro Orixás, Caboclos, Guias..., apresenta
novidades e rupturas com modelos de estigmatização existentes e utilizadas por outras
2
Sessão de descarrego é uma reunião específica, que ocorre na terça-feira, e destina-se a exorcizar e combater o
diabo, tido como causador de todos os males.
3
O termo “discurso ediurdiano” é um neologismo que propomos para designar o discurso elaborado e
pronunciado por Edir Macedo e compartilhado pelos bispos e fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus.
13
religiões. Portanto, o discurso empregado nessa literatura possivelmente seja um instrumento
utilizado para des-construir a imagem, a identidade e a eficácia de seus concorrentes,
mantendo-se ela como um empreendimento de sucesso entre as demais religiões. Assim
sendo, o discurso de Macedo também pode ser analisado como uma forma de coação e de
manipulação, tentativas de se obter vantagens e adesão do público ao qual ele destina. Por
meio da análise do discurso pretende-se também, compreender como o discurso elaborado e
transmitido por Macedo é interpretado no discurso religioso e acolhido pelos fiéis nas relações
cotidianas. Nesse sentido foi proposta a análise de significados e de que eficiência assume o
discurso de um líder religioso no imaginário de seus leitores; explicar como o discurso
contido num dos livros de Macedo pode ser utilizado como instrumento de construção
identitária por parte de lideranças e seguidores; avaliar como esse discurso é representativo na
elaboração de concepções que os fiéis fazem a respeito das imagens e representações do
demônio.
Quanto às crenças, ritos e símbolos das religiões afros, a IURD se diferencia dos
demais evangélicos, pois, muitos deles, não reconhecem qualquer eficácia positiva ou
negativa nas práticas da igreja. Edir Macedo e a IURD reconhecem, porém atribui-lhe um
sinal negativo. A tática utilizada por Macedo e pela IURD é negar-aceitando, isso é
ressematizando-as
4
, e até mesmo supervalorizando os bens simbólicos dessas religiões. Esta
realidade é constatada observando como procede na IURD à utilização do sal grosso, sessões
de descarrego, utilização de vestuários brancos, o uso de velas, arruda, rosas, cânticos, óleos e
unção dos fiéis. Esses são alguns dos elementos que muito aproxima a IURD das religiões
combatidas por ela. Outra característica está no perfil do público freqüentador da IURD e das
religiões afro-brasileiras que apresentam visões de mundo muito similares. Entre algumas
singularidades encontramos: a busca por soluções mágicas, crença na intermediação de
espíritos e valorização no uso de objetos considerados “sagrados”, cuja função pode ser
terapêutica ou protecionista.
4
O conceito de ressematização utilizado por nós refere-se ao que Ari Pedro Oro (in: SILVA, 2007:33)
explicita: o processo de ressematizar ocorre quando conteúdos das religiões de origem, vindas de fora, são
alterados por conteúdos das localidades e dos grupos que os adotam.
14
Essa cosmovisão é sempre povoada pela presença de espíritos intermediadores, de
práticas mágicas e crenças sincréticas, ela faz parte de sistemas religiosos afro-brasileiras,
assim como das demais religiões mediúnicas. Ao tomar posse dessas crenças e de seus
referenciais simbólicos a IURD, para criar e legitimar uma identidade que a diferencie dessas,
tem operado com seus sistemas de classificação e de representação do mal através do discurso
de demonização. Por isso, esse estudo também pretende aprofundar o conhecimento da
realidade do atual cenário religioso brasileiro, e visa explicar e analisar uma literatura
considerada um fenômeno de venda entre os evangélicos pentecostais, que é o discurso de
Edir Macedo no livro Orixás, Caboclos e Guias... uma literatura religiosa que tem suscitado
práticas de intolerância e estigmatização.
Como resposta ao discurso demonizador desse livro, algumas vítimas tem apresentado
denúncias e abertura de processos judiciais contra o autor e a editora do livro. Há por
exemplo, processos no Ministério Público que solicitam a proibição da venda e distribuição
do livro, embasado no argumento que este livro fere os direitos adquiridos pela Constituição
brasileira de 1988, garantindo em todo território nacional a liberdade de culto. Buscou-se
construir esse texto, assim como o fizemos durante a pesquisa nos manter dentro da
perspectiva das ciências sociais aplicada ao estudo dos fenômenos religiosos. Assim,
procuramos utilizar teorias das representações sociais e usar bibliografia que nos permitisse
compreender os elementos centrais e referenciais do discurso de Edir Macedo.
Na perspectiva das ciências sociais, tomamos por referências as construções teóricas
de Erving Goffman (1988) ao tratarmos da construção de mecanismos de acusação e
estigmatização. Para escrevermos sobre o modo como a IURD constrói sua identidade
religiosa pentecostal, trabalhamos com o conceito de identidades fragmentadas como
característica de uma sociedade pós-moderna, desenvolvido por Stuart Hall (2005). Nossa
análise do discurso, a respeito do discurso de Macedo e da IURD, tomou referencial teórico os
conceitos e teorias de Análise de Discurso apresentado por Eni P. Orlandi (1999), visando à
compreensão de como o discurso produz sentidos, como ele está investido de significância
pelos sujeitos. Quanto a Análise da Retórica e o poder da retórica na construção da autonomia
e, convencimento de públicos espectadores, nossa referência foi, Tereza Lúcia Halliday (1987
e 1996).
O referencial teórico usado para compreender as bases sociais das formas de
classificação, empregadas no uso da lingüística e do poder da retórica na literatura, foi
15
inspirado em Pierre Bourdieu (2008). A teoria de Bourdieu se fundamenta na crítica do
modelo saussuriano e seus pressupostos. Ao tratar do discurso demonizador e da intolerância
religiosa, os trabalhos de pesquisa desenvolvidos por Vagner G. da Silva (2002, 2005, 2007),
Ricardo Mariano (1995, 2003, 2005), Ari Pedro Oro (1999, 2003), entre outros autores da
sociologia e antropologia, nos estimularam a pensar nos impactos e impasses que o discurso
de intolerância religiosa provoca no campo religioso brasileiro. a noção de dramatização
presente nos cultos e ritos religiosos, e a supervalorização do emotivo no discurso e
performance religiosa, criando a noção de “templo e teatro”, tendo em vista a exacerbação do
discurso a respeito do demônio, das religiões afro-brasileiras e mediúnicas são conceito
utilizado por Leonildo S. Campos (1997) que orientou esse trabalho.
A metodologia utilizada na investigação empreendida foi a pesquisa bibliográfica e a
observação participante. Quanto à pesquisa bibliográfica em primeiro lugar se fez necessário
primeiramente uma leitura da fonte primária composta pelas três edições do livro Orixás,
Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?, editados respectivamente em 1993, 2001 e 2006.
Priorizou-se essas três edições porque a pesquisadora não teve acesso as demais edições do
livro de Edir Macedo publicados anteriores ou posteriores a estas aqui informadas. Por outro
lado, no decorrer da pesquisa julgou-se suficiente as edições citadas porque elas forneceram
os dados suficientes para compreensão do objeto da pesquisa que é o discurso de Edir Macedo
sobre os cultos afro-brasileiros.
Não interessou para a pesquisa a discussão da autoria desse livro se ele é de J. Cabral
e não de Edir Macedo. Porém, o orientador desta pesquisa, Leonildo Silveira Campos,
conheceu pessoalmente o pastor José Cabral de Vasconcelos, que por anos trabalhou para a
Igreja Universal como teólogo e escritor. Campos a partir de informações que lhe foram
passadas por Cabral trabalha com a hipótese de que o conteúdo do livro Orixás Caboclos e
Guias. Deuses ou Demônios?, se aproxima muito dos escritos e preocupações de J. Cabral,
especialmente no período em que ambos foram colegas na docência de Filosofia na
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Nesse caso, para Campos, uma
identificação de Cabral com esse livro de uma forma muito íntima.
Todo o levantamento bibliográfico teve por objetivo desvendar, recolher e analisar as
principais contribuições de pesquisas já realizadas sobre esta temática. Este processo foi
realizado por meio do levantamento de contribuições em livros, trabalhos científicos
publicados em artigos, teses, dissertações, revistas, jornais e vídeos, sites na internet. A
16
bibliografia contemplou temas como: análise de discurso; análise de retórica; biografia de
Edir Macedo; estudos a respeito da Igreja Universal do Reino de Deus; intolerância religiosa;
candomblé; umbanda; kardecismo; campo religioso; formação identitária; processos de
estigmatização e sistemas acusatórios. Na observação participante, o ápice foi à participação
em alguns cultos na IURD, com maior freqüência nas sessões de descarrego, em um dos
templos localizado em Ribeirão Pires. Além dessa participação nos valemos também de
escutas de programas televisivos, radiofônicos, a visualização de documentários em CDs e
Vídeos referentes à programação da IURD e das religiões afro-brasileiras. Outras impressões
e aproximação com o objeto de pesquisa deu-se a partir de diálogos informais com membros
da IURD, da umbanda e do kardecismo, moradores de Ribeirão Pires e Santo André.
O desenvolvimento deste estudo foi organizado e agora é apresentado em três
capítulos. No primeiro capítulo um breve ensaio biográfico de Edir Macedo, autor do livro
Orixás, Caboclos e Guias... Destacamos alguns elementos que consideramos significativos
para a compreensão de sua trajetória religiosa. O trânsito religioso entre catolicismo,
espiritismo, umbanda e pentecostalismo, fato esse que não é uma particularidade do principal
líder religioso da IURD, mas foi resultado de uma adesão familiar. Foi na Igreja Nova Vida
que Macedo tornou-se um evangélico pentecostal. O modelo pentecostal norte-americano
trazido pelo pastor Robert McAlister (1931-1993), fundador da Igreja Nova Vida, influenciou
sensivelmente o futuro discurso e a cosmovisão de Macedo a respeito do bem e do mal, do
demônio e das religiões afro-brasileiras e mediúnicas. Nesse sentido, Macedo não tem sido
muito criativo no discurso a respeito do demônio e das religiões afros. Sua retórica,
basicamente tem sido uma repetição das crenças e discursos de McAlister. Nesse ponto, o
discurso de Macedo aparece como uma continuidade, do que fora dito por outros lideres
pentecostais. Ao compararmos o livro Mãe-de-Santo, de McAlister e o livro Orixás, Caboclos
e Guias..., de Macedo, não seria exagero dizer que o segundo é praticamente um plágio do
primeiro.
No segundo capítulo, o leitor encontra uma análise mais detalhada do livro Orixás,
Caboclos e Guias... Levamos em consideração o conteúdo, o uso de imagens, e as técnicas de
design gráfico, assim como os mecanismos e estratégias de marketing de venda, utilizado por
Macedo e pela editora da IURD. As considerações de produção do pensamento e do livro de
Macedo apareceram em alguns retalhos reunidos em uma biografia autorizada O Bispo. A
História Revelada de Edir Macedo (TAVOLARO, LEMOS, 2007). Detalhes que a primeira
17
vista aparecem imperceptíveis ganham visibilidade e surgem como registros importantes para
compreender mudanças de discurso, relacionado aos processos judiciais contra Macedo e a
IURD. Assim aparece no livro de sua autobiografia: “o último desses processos, com pedido
para suspender a venda do livro, instaurado pelo Ministério Público da Bahia na última
decisão da Justiça, em setembro de 2006, liberou a circulação da obra” (TAVOLARO, 2007:
138). Processos anteriores já haviam requerido a proibição e circulação do livro, na edição de
2001, na capa do livro está expressa a seguinte mensagem: “Finalmente liberado pela
Justiça!”. Para este estudo, foi feita uma apreciação de três edições do livro publicadas
respectivamente nos anos de 1993, 2001 e 2006. Foram destacadas similaridades e diferenças
significativas presente nessas três edições, detalhes como o uso de imagens numa edição e que
foram retiradas de outras, assim como mudanças na assinatura do prefácio e acréscimo de
capítulos.
O capítulo terceiro apresenta uma análise do discurso de Macedo, na perspectiva da
criação de mecanismos de acusação e estigmatização tendo como resultado práticas de
intolerância religiosa. Procurou-se identificar quais são as imagens do demônio, e quais são as
imagens das religiões afros e mediúnicas que o texto apresenta caracterizando-as por
estereótipos negativos. Foi ressaltado o uso do discurso de Macedo para justifica a “guerra
santa” contra as entidades que ele considera, “representantes do demônio”. Nesse capítulo
perguntou-se: qual a relação desse discurso demonizador com a construção da identidade
religiosa iurdiana, e com o sucesso da IURD entre as demais igrejas cristãs? Buscou-se
também apresentar as razões pela qual uma obra literária religiosa, se torna uma referência
nos estudos dos processos de intolerância e de agressão religiosa.
O confronto e as tensões entre o agressor e o agredido decorrente do discurso de
Macedo e da IURD a respeito das religiões afro-brasileiras e mediúnicas podem ser
compreendidos por “um estado de guerra” (Oro in: SILVA, 2007). A arma que Macedo usa
contra o que ele considera por “inimigo” é a palavra, ou seja, a retórica ao discurso agressivo
e estigmatizador. Nesse sentido, foi investigado também como as religiões afro-brasileiras e
mediúnicas têm respondido ao discurso demonizador e ás práticas de intolerância motivadas
por esse discurso literário iurdiano. As respostas que tem sido dada, pelas vítimas ao discurso
demonizador podem ser compreendidas como uma reação positiva de enfrentamento. Porém,
aos que consideram que ainda pouca visibilidade nesse enfrentamento, pode-se também
18
justificar que o “silêncio” das vítimas pode também ser uma estratégia para melhorar sua
própria imagem e legitimidade social” como afirma Oro (in: SILVA, 2007:67).
No Brasil apesar da pluralidade de crenças que compõem o cenário religioso o
cristianismo ainda permanece como religião majoritária, segundo o Censo de 2000 os fiéis
cristãos estão contemplados em dois grandes grupos: 73,8% são católicos e 15,4% são
evangélicos. A intolerância religiosa desde a chegada dos primeiros cristãos-católicos que
foram os colonizadores europeus tem sido uma constante. Neste sentido o discurso de Edir
Macedo a respeito das religiões afro-brasileiras, que consideramos como intolerante, é um
discurso que há 500 anos tem se repetido nas igrejas cristãs. Em alguns períodos o discurso de
demonização das religiões afros e mediúnicas foi mais agressivo entre os católicos, em outro
entre protestantismo clássico, porém é no neopentecostalismo iurdiano que esse discurso
torna-se o discurso central de uma Igreja, como é o caso da Igreja Universal do Reino de
Deus.
19
Capítulo 1
As origens religiosas do autor de
“Orixás,
Caboclos e Guias”. Deuses ou Demônios?:
Edir Macedo
Este capítulo apresenta a trajetória de Edir Macedo, visto aqui como autor de um
discurso religioso, que se consubstanciou no livro “Orixás, Caboclos e Guias...”, e na
pergunta portadora de uma retórica desafiante e polemista: “Deuses ou Demônios?”. Para uma
melhor compreensão do autor, de uma obra literária e suas concepções teológicas, achamos
por bem começar nossas investigações com as origens religiosas de Edir Macedo, um carioca,
filho de pais que vieram do nordeste, nascido em Rio das Pedras (RJ), em 1945. Macedo era
católico até a adolescência, como o restante de sua família. No decorrer dessa fase da vida
freqüentou centros espíritas, até que no início dos anos 1960 começou a freqüentar as reuniões
do pastor canadense Walter Robert McAlister (1931-1993). O discurso contra o Espiritismo
ou contra toda e qualquer crença na comunicação com deidades, entidades ou espíritos
diversos tem ocupado grande parte do programa de doutrinação e evangelização de Edir
Macedo. É possível que a insistência nessa temática esteja relacionada as experiências que
ele fez como freqüentador de religiões mediúnicas antes de sua conversão ao pentecostalismo.
20
No livro O Bispo. A História Revelada de Edir Macedo encontrou-se a seguinte
afirmação de Edir Macedo quanto ao Espiritismo:
“Eu não acredito. Freqüentei um centro espírita três vezes por semana
quando era adolescente no Rio de Janeiro. Passei por inúmeras consultas
com um médico espírita chamado Santo Neto, que mais tarde virou deputado
federal. Ele fazia cirurgias espirituais para os mais variados tipos de doenças.
Na época eu tinha verrugas espalhadas por todo o corpo. Eram uns caroços
enormes que me incomodavam bastante. Quando cheguei diante do tal
médium ele me perguntou qual era minha maior verruga. Depois que mostrei
disse que iria fazer desaparecer tudo em 7 dias. Todo vestido de branco, fez
o sinal da cruz sobre a verruga e repetiu algumas palavras de reza. Após uma
semana todas desapareceram de fato. Tempos depois voltaram maiores e em
maior quantidade”. (TAVOLARO, LEMOS, 2007:233).
Portanto, a trajetória de Edir Macedo começa no catolicismo, passa por religiões
mediúnicas e desemboca no pentecostalismo. A adesão da família de Macedo ao
pentecostalismo se deve ao aparecimento no Rio de Janeiro do pregador canadense McAlister.
Inicialmente McAlister pregava somente pela Rádio Copacabana por meio do programa “A
voz da Nova Vida”. Alguns meses depois passou a reunir os seus primeiros fiéis no auditório
da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Somente em 1964 seria inaugurado o primeiro
templo. Nesse período a família de Edir Macedo se integrou na nova Igreja e ali ele
permaneceu até 1975, quando saiu com outros fiéis para fundar uma pequena igreja chamada
“Cruzada do Caminho Eterno”. Dois anos após surgiu a Igreja Universal do Reino de Deus.
Chamamos a atenção para três momentos importantes na formação de visão de mundo de
Macedo: o período de Edir Macedo católico quando assimilou a visão de mundo de origem
popular nordestina de sua família; a passagem ainda que rápida pelo Espiritismo, e finalmente
a adesão ao pentecostalismo de McAlister. A sua passagem pelo que ele chama de Espiritismo
e às vezes Umbanda foi assim descrito na sua autobiografia autorizada:
O exame desses momentos da biografia de Macedo é importante para se entender a
influência da religiosidade popular brasileira, especialmente em suas vertentes católicas, afro-
brasileiras e kardecistas. O que teria acontecido entre as origens religiosas de Macedo e a
publicação da edição do livro que aqui analisamos? Como ligar a retórica contundente,
polêmica e maniqueísta de Macedo às suas experiências religiosas anteriores? Pressupomos
ao longo deste capítulo que Macedo usa o discurso contra as concepções e religiosidades
populares não somente para ganhar adeptos dessas expressões religiosas, mas para dotar a sua
Igreja de uma identidade aparentemente muito diferente desses movimentos, mas que, ao
21
mesmo tempo, se revela muito parecida. Valeria aqui também a expressão “os diferentes se
atraem e os semelhantes se repelem”.
1.1 Edir Macedo e suas origens religiosas
Edir Macedo tem um perfil de líder carismático associado ao de um religioso de
sucesso. A sua ascensão e permanência no complexo campo religioso no Brasil, e a expansão
de seu empreendimento para Europa, Ásia, África, e Américas, sobretudo na América Latina
apontam para a eficiência de suas pregações e visões de mundo. Para caracterizar o que é líder
portador de um carisma, baseamos no conceito weberiano. Para Weber ao der carismático é
atribuído “um caráter sagrado, um valor exemplar, com poderes ou qualidades sobrenaturais
legitimado por seus liderados”, (WEBER, 1991:158-159). No caso de Macedo, a legitimação
de sua liderança e carisma pode ser compreendida por meio da fidelidade de alguns milhares
de seguidores. Segundo o site oficial da IURD,
5
registros de aproximadamente oito
milhões de fiéis em 2007 (sic).
Autores como Ricardo Mariano reconhece que “o crescimento institucional da
Universal, desde o princípio, foi dos mais acelerados(MARIANO, 2003:58), no entanto,
certo exagero nas declarações do número de seguidores apresentado pela IURD. Ainda que a
quantidade correspondente de fiéis apresentado pela IURD não condiz com a realidade da
pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a imagem que os fiéis
construíram de Macedo e da IURD é representado sempre num nível superior a realidade. É
possível que as informações disponibilizadas no site da Igreja Universal do Reino de Deus
tenham a intenção de impressionar o leitor ao anunciar um número mais elevado de fiéis em
relação aos números apresentados pelas pesquisas do IBGE. Neste sentido, consideramos que
se as informações disponibilizadas no site da IURD fazem parte de uma estratégia de
marketing para atrair mais fiéis. Ao apresentar um número relevante de fiéis seguidores a
IURD estaria passando uma idéia ao leitor que ela é uma igreja muito bem freqüentada, e ao
mesmo tempo legitimando-a como uma igreja evangélica de sucesso entre as demais.
5
Disponível em: http://www.igrejauniversal.org.br. Acessado em 12/09/2009.
22
Consideramos esta possibilidade ao levarmos em conta os dados do IBGE de 2000 segundo o
quadro nº 1:
6
Quadro 1. Distribuição da população segundo a religião ou crença, no Brasil em 2000
Ora, o Templo Maior localizado no centro de São Paulo com capacidade para acolher
6.128 pessoas sentadas foi inaugurado em 1999. As grandes construções dos templos
iurdianos revelam que Edir Macedo aposta num grande número de seguidores para a sua
Igreja. Para isso ele investe pesado no marketing, e na produção da imagem de uma igreja que
responda a todas as necessidades materiais e espirituais dos indivíduos. Os efeitos produzidos
pelas construções que ostentam poder, beleza, riqueza, prosperidade é sem dúvida uma forma
de seduzir e atrair pessoas e que tem sido bem utilizado pela IURD.
6
Quadro 1 - A alteração da cor em destaque (vermelho) na coluna referente a Igreja Universal do Reino de
Deus é da autora deste trabalho (vide pág. 22)
religião ou crença
Total
por situação domiciliar
por sexo
urbana
rural
homens
mulheres
contingente
%
contingente
%
contingente
%
contingent
e
%
contingente
%
(total)
169.872.856
100,00
137.925.238
100,00
31.947.618
100,00
83.602.317
100,00
86.270.539
100,00
Igrejas evangélicas
(total)
26.184.941
15,41
22.736.910
16,48
3.448.031
10,79
11.444.063
13,69
14.740.878
17,09
·
de missão (total)
6.939.765
4,085
6.008.100
4,356
931.665
2,916
3.062.194
3,663
3.877.571
4,495
·
·
Batista
3.162.691
1,862
2.912.163
2,111
250.528
0,784
1.344.946
1,609
1.817.745
2,107
·
·
Adventista
1.209.842
0,712
1.029.949
0,747
179.893
0,563
538.981
0,645
670.860
0,778
·
·
Luteranas
1.062.145
0,625
681.345
0,494
380.800
1,192
523.994
0,627
538.152
0,624
·
·
Presbiteriana
981.064
0,578
904.552
0,656
76.512
0,239
427.458
0,511
553.606
0,642
·
·
Metodista
340.963
0,201
325.342
0,236
15.620
0,049
146.236
0,175
194.727
0,226
·
·
Congregacional
148.836
0,088
125.117
0,091
23.719
0,074
64.937
0,078
83.899
0,097
·
·
outras
34.224
0,020
29.630
0,021
4.593
0,014
15.642
0,019
18.582
0,022
·
de origem pentecostal
(total)
17.617.307
10,37
15.256.085
11,06
2.361.222
7,391
7.677.125
9,183
9.940.182
11,52
·
·
Assembléia de Deus
8.418.140
4,956
6.857.429
4,972
1.560.711
4,885
3.804.658
4,551
4.613.482
5,348
·
·
Congregação Cristã
no Brasil
2.489.113
1,465
2.148.941
1,558
340.172
1,065
1.130.329
1,352
1.358.785
1,575
·
·
Universal do reino de
Deus
2.101.887
1,237
1.993.488
1,445
108.399
0,339
800.227
0,957
1.301.660
1,509
·
·
Evangelho
quadrangular
1.318.805
0,776
1.253.276
0,909
65.529
0,205.5
214
545.016
0,65264
45
773.789
0,897
·
·
Deus é amor
774.830
0,456
649.252
0,471
125.577
0,393
331.707
0,397
443.123
0,514
·
·
Maranata
277.342
0,163
266.539
0,193
10.803
0,034
117.789
0,141
159.553
0,185
·
·
Brasil para Cristo
175.618
0,103
159.713
0,116
15.904
0,050
76.132
0,091
99.485
0,115
·
·
Casa da bênção
128.676
0,076
120.891
0,088
7.785
0,024
51.557
0,062
77.119
0,089
·
·
Nova vida
92.315
0,054
91.008
0,066
1.307
0,004
35.352
0,042
56.964
0,066
·
·
outras
1.840.581
1,084
1.715.548
1,244
125.033
0,391
784.359
0,938
1.056.222
1,224
23
Macedo é o quarto filho da família. Nasceu com uma deficiência na mão esquerda,
uma pequena atrofia nos dedos, o indicador e o polegar não possuem movimentos normais
como os demais dedos conforme aparece em fotografias e em sua autobiografia
(TAVOLARO, LEMOS,2007:13). Macedo declarou que em decorrência dessa atrofia na mão
ele se considerava o “patinho feio” da família e afirma que durante anos tal defeito gerou
complexos de inferioridade e, em conseqüência disso, ele se tornara o mais tímido entre os
irmãos. Foi, no entanto, com o apoio da família que ele superou o complexo desse defeito de
nascença. E mais do que a superação de sua deficiência, Macedo fez desse defeito um sinal da
bênção divina em sua vida. Ele afirma que hoje, as pessoas imploram para que ele imponha
sua mão defeituosa sobre suas cabeças (Ibid.: 59).
A infância e adolescência de Edir Macedo em nada se diferem das demais famílias
migrantes nordestinas, que se deslocaram para a região Sudeste na esperança de conquistar
melhores condições de vida. Seu primeiro emprego foi num bar de propriedade da família no
bairro de São Cristóvão. Sem condições para pagar um funcionário, o pai solicita a ajuda de
Edir Macedo que por tal razão precisou parar os estudos aos 11 anos. Somente aos 16 anos
conseguiu concluir o ginásio. Seu segundo emprego foi num escritório administrativo. Em
1963, graças a um pedido de seu pai ao então governador Carlos Lacerda, Macedo iniciou sua
carreira como funcionário público na Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj). Esse
“favor”, concedido pelo governador foi devido à amizade que ele mantinha com Henrique, pai
de Macedo, que trabalhara para Lacerda em diversas de suas campanhas eleitorais. Iniciou
neste trabalho servindo café para a diretoria. Aos poucos ganhou a confiança e simpatia dos
superiores, conseguiu diversas promoções, até alcançar o posto de chefe da tesouraria, cargo
de confiança da presidência da Loterj (ibid.: 78). Em 1970, acumulou dois empregos,
trabalhando meio período na Loterj e outro como pesquisador no censo econômico no IBGE.
Chegou a completar 16 anos de carreira como funcionário público, quando deixou o cargo
para dedicar-se integralmente ao ministério religioso. Macedo sempre teve facilidade com os
números, iniciou o curso universitário de Matemática por duas vezes, mas não chegou a
concluí-lo.
Macedo casou-se com Ester Eunice Rangel Bezerra, moça de família tradicional de
evangélicos, no dia 18 de dezembro de 1971. Com Ester, Macedo teve duas filhas, Cristiane e
Viviane. Moisés, o filho caçula, é adotivo e lhe foi entregue numa reunião na Igreja da
Abolição. A e entregou-lhes o filho alegando não ter condições de criá-lo. Viviane é
24
casada com Júlio Freitas, que é pastor e responsável pela Igreja Universal onde moram na
Espanha. Cristiane também é casada com um pastor, Renato Cardoso, eles moram na
Inglaterra e administram ali a Igreja Universal desde 2003. Já o filho caçula Moisés, passa a
maior parte do tempo nos Estados Unidos, se preparando para cuidar dos negócios da família.
A residência fixa do Bispo é nos Estados Unidos, porém ele possui residência em Portugal,
Inglaterra, Brasil e em alguns outros países onde templos da Igreja Universal do Reino de
Deus.
Em sua autobiografia (TAVOLARO, LEMOS, 2007:55 e 233) Macedo aborda por
duas vezes as origens religiosas de sua família reforçando a informação que seu pai teve uma
educação católica e chegou a ser maçon. Edir diz ter freqüentado vários centros espíritas em
companhia do pai. Por exemplo, afirma que durante certo período freqüentou um centro
espírita três vezes por semana, no Rio de Janeiro, em busca de cura de várias verrugas
espalhadas pelo corpo, mas que não obteve resultado positivo. Desde a juventude, Macedo
revela ter sido atormentado pelo medo de que o inferno fosse o seu destino final após a morte.
Esse medo o motivara a busca pelo caminho religioso. Desencantou-se com a tentativa de
participar na Igreja Católica após uma missa de adoração ao Senhor Morto. Já as experiências
nos centros espíritas marcaram muito mais a vida de Macedo e que o levou a escrever:
Nos centros espíritas, terreiros, salões ou templos onde se pratica o
espiritismo, muitas vezes a verdade misturada com o erro e os poucos
acertos dos guias são suficientes para enganar os seus adeptos. Quando eu
era criança, meu pai nos ameaçava ao tentar descobrir alguma arte que eu e
meu irmão praticávamos, dizendo que ia perguntar aos espíritos no centro.
Ficávamos com muito medo porque sabíamos que os espíritos quase sempre
acertavam”. (MACEDO, 2006:79).
Na pesquisa não foi possível ter acesso a informações que mostrassem qual era a
origem dos centros espíritas freqüentados por Macedo, isto é, se eles eram kardecistas,
umbandistas ou do candomblé. Alguns pesquisadores como Ricardo Mariano, Ari Pedro Oro
e Paul Freston tem afirmado que a passagem de Macedo em seu trânsito religioso entre a
Igreja Católica e o pentecostalismo foi mediado pelos meios umbandistas. Afirma-se que:
“Macedo, quando criança, freqüentava junto com o pai, um centro espírita, que, como se
soube posteriormente, era, na verdade, uma tenda de umbanda. É, pois, um ex-umbandista o
maior adversário declarado dos cultos afro-brasileiros” (MARIANO in: SILVA, 2007:136 e
137). Assim também outros pesquisadores defendem essa tese, como Freston (1994:131) ao
afirmar que: “Edir Macedo, de origem católica e com passagem pela umbanda, havia se
25
convertido à Nova Vida, na qual ficou por mais de uma década” e segundo Oro, Macedo
converteu-se ao pentecostalismo em 1963, aos dezoito anos, na igreja Nova Vida. Antes
disso, freqüentou a Igreja Católica e a umbanda” (Oro in SILVA, 2007:31).
É provável que as experiências que Macedo teve em suas passagens pelo catolicismo,
espiritismo
7
e pentecostalismo formaram o pano de fundo para as suas concepções e para a
prática exorcista da Igreja que ele fundou. O cristianismo resulta de um encontro entre
diferentes culturas e sistemas religiosos. Para Peter Burke (2005:28), “práticas hibridas podem
ser identificadas na religião, na música, na linguagem, no esporte, nas festividades e alhures”
(BURKE, 2003:28). Isso porque, “as formas hibridas resulta em encontros múltiplos e não
como o resultado de um único encontro, quer encontros sucessivos adicionem novos
elementos à mistura quer reforcem os antigos elementos” (ibid.: 31).
Ronaldo de Almeida (2003:340-41) define a IURD como uma igreja que se situa “a
um meio caminho entre os evangélicos e as religiões afro-brasileiras, uma igreja que construiu
seu repertório simbólico, suas crenças e ritualística, incorporando e resemantizando pedaços
de crenças de outras religiões, mesmo de seus adversários”; Patrícia Birman, a designa como
uma igreja da “bricolagem” (Birman, 2001:59). Considerando o seu hibridismo, bricolagem e
religião de fronteira, Oro, a define como: uma igreja “religiofágica”; literalmente “comedora
de religião” (in: SILVA, 2007:30).
O encontro de Macedo com o pentecostalismo, de acordo sua autobiografia autorizada
(TAVORALO, LEMOS, 2007:80-81) se deu por intermédio de sua irmã mais velha, Elcy,
que teve o primeiro contato com a Igreja Nova Vida. Elcy sofria de crises de bronquite
asmática. Ao ouvir pelo rádio uma pregação do pastor canadense fundador da Igreja Nova
Vida passou a freqüentar os cultos assiduamente. Foi nessa Igreja, através da oração do pastor
Robert McAlister que Elcy declara ter sido totalmente curada. Foi ela que iniciou Macedo na
leitura e meditação da Bíblia até o momento em que ele aceitou ir participar dos cultos.
Macedo tinha então 18 anos quando iniciou sua participação na Igreja Nova Vida.
O fundador da Igreja Nova Vida, pastor Walter Robert McAlister (1931-1993)
era
oriundo do pentecostalismo clássico. Ele era filho e neto de pastores. Sua origem religiosa
7
Campos, ao entrevistar o bispo Tito Oscar, da Igreja Nova Vida, pastor de Macedo desde a adolescência, dele
registrou que nunca teve informações concretas dessa passagem de Edir Macedo pelo espiritismo.
(Entrevista
realizada por Leonildo S. Campos com o Bispo Tito Oscar da Igreja Nova Vida, em 25/11/2004. Fita em poder
de Campos).
26
está na Assembléia Pentecostal do Canadá.
8
Conservava o estilo pentecostal das igrejas
americanas, nas quais o culto era acompanhado de manifestações de curas, libertação, batismo
no Espírito Santo e glossolalia. McAlister implantou uma grande obra de evangelização que
ficou conhecida como Cruzada da Nova Vida. Apesar do pai pastor e de toda a tradição
familiar no pentecostalismo, McAlister se converteu apenas aos 17 anos. Trabalhava como
inspetor de seguro de carro, e tinha por função calcular quanto cada carro iria pagar de seguro.
Deixou esse trabalho, para dedicar-se aos estudos, durante três anos, em uma escola bíblica, a
Eastern Pentecostal Bible College, em Peterborough, norte de Toronto e passou a dedicar-se
inteiramente ao ministério da evangelização.
9
McAlister esteve pela primeira vez no Brasil em 1958 para participar de uma
campanha evangelística no Maracanãzinho, Rio de Janeiro. Foi neste evento que ele
considerou ter recebido o chamado de Deus para tornar-se missionário em terras brasileiras.
Após passar por São Paulo, se instalou definitivamente no Rio de Janeiro. A Igreja Nova Vida
nasceu de um programa de rádio, por ele animado, a Voz da Nova Vida, transmitido pela
Rádio Copacabana. A primeira transmissão foi no dia de agosto de 1960. O sucesso de sua
pregação alcançou um grande número de público, sendo McAlister ao lado de Manuel de
Melo
10
os primeiros a organizarem uma igreja depois de um bem sucedido programa de rádio.
Em 1967 a Igreja Nova Vida adquiriu sua própria emissora, a Rádio Relógio. Devido o
crescimento da audiência de seus programas, que enfatizavam principalmente a cura das
enfermidades, McAlister publica seu primeiro livro Perguntas e Respostas sobre a Cura
Divina, que ele distribuía para alguns ouvintes em seu programa radiofônico. Para dar conta
da grande audiência radiofônica e atender melhor as pessoas que o procuravam, McAlister
abre primeiramente um escritório e em seguida vê-se obrigado a expandir seu local de
atendimento. O espaço encontrado foi no auditório no andar do edifício da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI). A primeira reunião foi em 13 de maio de 1961. Devido o local
não ser apropriado para a realização de alguns ritos, como o batismo, anos depois, em 1965,
foi inaugurado o primeiro templo da Igreja Nova Vida, em Bonsucesso, Rio de Janeiro.
8
Igreja Nova Vida, igreja pentecostal, fundada em 1960 no bairro Botafogo Rio de Janeiro.
9
Igreja Nova Vida do Grajaú. Disponível em: http://www.invgrajau.org.br/. Acesso em 10/08/2009.
10
LIMA. José Hélio. Manoel de Mello e Silva (1929-1990), líder pentecostal que fundou, em meados do ano de
1956, a Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo e fez do rádio o seu principal aliado na divulgação das
suas mensagens e atividades do grupo. Disponível em: http://www2.metodista.br/unesc. Acessado em 20/12/09.
27
McAlister com seu espírito expansionista iniciou um programa que se chamava
Coisas da Vida. À medida que o programa era transmitido notou-se um aumento no
número de membros participantes na Igreja. Neste período ele criou a Escola Ministerial,
espaço de formação de pastores, pois o rápido crescimento exigia a ordenação de novos
ministros. Outra característica da Igreja Nova Vida foi à produção de livros e revistas como
meio de evangelização, doutrinação e marketing da instituição. A primeira revista Palavra de
Nova Vida (que circulou de 1964 a 1966) chegou a ter uma tiragem de 20 mil exemplares.
McAlister também se destacou como escritor evangélico. Alguns de seus livros publicados
foram: As Dimensões da cristã; Os Alicerces da Fé; As Alianças da Fé; A Experiência
Pentecostal; Medo; Crentes Endemoniados: a Nova Heresia e o livro Mãe-de-Santo.
11
As pregações de McAlister tinham como base a crença em que "Jesus salva, cura,
liberta e batiza com o Espírito Santo". Os mesmo pontos usados pela também canadense
Aimee McPherson (1890-1944), fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular (1923 -
Angelus Temple), em Los Angeles, Califórnia (EUA). Aimee também é autora de vários
livros e inúmeros hinos. No Brasil, em 1951, Harold Williams, iniciou uma igreja pentecostal
em São João da Boa Vista. Em 1953 realizou campanhas evangelísticas e de cura em São
Paulo. Segundo Mendonça (2008), o “movimento das tendas” foram as primeiras atividades
que deu origem a Igreja Quadrangular e outras igrejas pentecostais que posteriormente foram
surgindo no cenário religioso. McAlister adotava a visão de Aimee que centralizava a sua
pregação no slogan: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre”, Porém, McAlister
acrescentava que tudo deve se basear na fé, pois "com fé, tudo é possível" e que "nada é
impossível ao que crê". Robert McAlister faleceu em 12 de dezembro de 1993, em
decorrência a uma doença cardíaca. A Igreja Nova Vida fundada por ele, a despeito de
algumas divisões internas ainda tem certa visibilidade no cenário religioso brasileiro.
12
Estamos dando amplo destaque a Igreja Nova Vida pelo fato dela e o seu pastor,
Robert McAlister, terem exercido fortes influencias em Edir Macedo e R. R. Soares. O seu
estilo de Igreja e a ênfase na mídia televisiva marcariam a trajetória dos novos
empreendedores da IURD e da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD). Após um ano
11
Igreja Nova Vida de São Cristóvão. Disponível em: http://www.invsc.org.br . Acesso em 10/08/2009
12
Segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2000, o número dos que se declararam participantes da Igreja
Nova Vida era de: 92.315 pessoas.
28
participando na Igreja Nova Vida, Macedo afirma ter ocorrido o que ele chama de
“conversão”. A partir desse momento Macedo declara ter encontrado as razões de sua fé.
Desde então, Macedo teria passado por grandes mudanças na sua carreira religiosa até se
tornar na maior liderança de uma igreja pentecostal no porte da IURD. A participação de
Macedo na Igreja Nova Vida e a influência da metodologia pastoral do pastor McAlister, são
elementos primordiais para compreendermos o discurso, o método de doutrinação e o perfil
expansionista que é hoje uma marca específica do bispo Edir Macedo e do missionário R. R.
Soares. Da sua passagem pela Igreja Nova Vida, Macedo mantém crenças tradicionais e
práticas de discurso, como o batismo com o Espírito Santo, a glossolalia e a cura divina. Entre
esses elementos herdados do pentecostalismo estão também o discurso a respeito do mal e do
demônio, que exerce uma influência cada vez maior na formação de valores e conceitos de
“proximidades” e “estranhamentos”, provocadores a nosso ver de intolerância religiosa. Dos
novos pentecostais, Macedo herda a teologia da prosperidade, ministérios de libertação de
pessoas “oprimidas pelo demônio”, a utilização de objetos ungidos nos cultos, assim como a
centralização do poder eclesiástico na figura do fundador.
13
Por pentecostalismo entendemos o movimento religioso que se originou nos Estados
Unidos no início do século XIX. Segundo Campos (2005) importantes transformações
históricas ocorridas no território norte-americano e na Europa contribuíram para o
aparecimento e florescimento do movimento pentecostal que posteriormente expandiu-se para
outras partes do mundo. Os traumas e desafios do pós Guerra Civil; libertação dos escravos e
transformação nas relações trabalhista; desigualdades sociais e raciais; crises do mundo
agrário no sul do país favorecendo o êxodo para as cidades do norte em decorrência do
processo de expansão industrial; a crise na Europa contribuindo para uma presença massiva
de imigrantes europeus na América, entre outros fatores são exemplos que podemos citar
como elementos que favoreceram o surgimento de movimentos denominado reavivamento
espiritual. A respeito desse movimento e suas características “há relatos de manifestações
físicas e psíquicas, como êxtases, visões de vultos e glossolalia, atribuídas à ação divina”.
Ora, “tais transformações ocorridas no contexto social, cultural, econômico e religioso norte-
americano, nos ajuda na descrição e compreensão das formas assumidas pelo pentecostalismo
em suas origens e expansão (CAMPOS, 2005:104). Campos apresenta os precursores do
13
A Igreja Universal do Reino de Deus. Sua Teologia e sua Prática. Comissão Permanente de Doutrina da Igreja
Presbiteriana do Brasil, 1997. Pág. 20.
29
pentecostalismo descrevendo-os assim: podemos citar dois personagens e lugares, duas datas
e situações, que usualmente são apresentados como marcos inaugurais ou referências
históricas do moderno movimento pentecostal: Charles Fox Parham e William Joseph
Seymour; 1901 e 1906; Topeka (Kansas) e Los Angeles (Califórnia).
O modelo do pentecostalismo norte-americano surgiu a partir da experiência realizada
por Charles Parham e seus alunos, na Escola Bíblica Betel em Topeka, Kansas em 1901.
Nestas reuniões de orações, coordenada por Parham, o fenômeno da glossolalia foi
identificado como a primeira evidência do batismo com o Espírito Santo. Motivado por esta
experiência de Topeka, o jovem pastor batista, William. J. Seymour, passou a reproduzi-la em
reuniões de oração realizadas num antigo templo metodista em Los Angeles. Convencidos de
que a experiência da glossolalia acontecida em Pentecostes, logo após a Ressurreição de Jesus
Cristo, era a principal evidência do “derramamento” do Espírito Santo, o grupo de Seymour
passou a ser uma referência entre os evangélicos de Los Angeles. A Rua Azuza Street, onde
esse grupo se reunia entrou para a história como “a Meca do pentecostalismo” (CAMPOS,
1997:36), ou seja, o centro de irradiação desse novo jeito de experimentar a ação do Espírito
Santo. O movimento se estendeu para outras partes do mundo, através dos testemunhos e
experiências dos missionários protestantes norte-americanos.
No Brasil, esse movimento chega através do ítalo-americano Louis Franciscon (1886-
1964) que em 1910 deu início ao que seria depois a Congregação Cristã do Brasil, em São
Paulo. Logo em seguida, oriundos de entre os batistas chegaram os suecos Daniel Berg (1884-
1963) e Gunnar Wingren (1879-1933), fundaram em Belém (PA) no ano de 1911 a Igreja
Assembléia de Deus. Essas foram às primeiras igrejas pentecostais implantadas no Brasil,
pelos imigrantes. A segunda geração de pentecostais se originaram a partir de lideranças
brasileiras. Nos anos 50 e 60 inicia-se a grande explosão desse movimento em diferentes
denominações como: A “Igreja Pentecostal Brasil para Cristo” (1956), sendo fundador o
pastor Manuel de Melo (ex-membro da Assembléia de Deus) e, em 1961, Davi Miranda que
funda a “Igreja Deus é Amor”. Na década de 80, um novo estilo de igreja vai se configurando
no competitivo e complexo cenário religioso. Mantendo em seu corpus doutrinário as mesmas
características das demais igrejas pentecostais, mas se distinguindo pela forte centralização de
poder nas mãos do líder e uma ênfase na Teologia da Prosperidade, surgem as igrejas: “Igreja
Universal do Reino de Deus”, Igreja Internacional da Graça de Deus”, “Comunidade Sara
30
Nossa Terra” e “Igreja Renascer em Cristo”, que passaram a ser denominadas por
“neopentecostais”.
No livro, autobiografia autorizada de Edir Macedo, consta que os rituais de descarrego
são campeões de público e a principal atração da Universal. Macedo afirma ter se inspirado
num antigo pastor da “Casa da Bênção”, uma igreja neopentecostal que nos anos 70 liderava
os chamados cultos de libertação espiritual, (TAVOLARO, LEMOS,2007:137). É
interessante que Macedo apenas menciona sua passagem pela Igreja Nova Vida como ponto
inicial de sua experiência religiosa, mas não faz nenhuma referência ao pastor McAlister ou
quaisquer influências que ele possa ter recebido sobre a construção de seu perfil de pastor ou
bispo neopentecostal. Para vários estudiosos do pentecostalismo, entre eles Antônio Gouvêa
Mendonça, a própria cultura brasileira constitui-se num terreno fértil para o desenvolvimento
de igrejas pentecostais e neopentecostais. Sendo que, “a mistura de culturas, ibero-latino-
católica, a indígena e a negra, resultou um imaginário de um mundo composto por espíritos e
demônios bons e maus, por poderes intermediários entre os homens e o sobrenatural e por
possessões”. No Brasil o neopentecostalismo, seria muito mais um ajuste entre religião e
magia (MENDONÇA, 2008:138). Mendonça faz referência a E. Durkhein (1989) ao afirmar
que “não há religião sem magia”, e para retomar os conceitos de magia e religião ao lado de
anomia. Pois diante das mazelas e do caos existentes no cotidiano da vida, as religiões podem
perder a credibilidade na tarefa de mantenedoras do cosmo. É nesta perspectiva que “a magia
com sua visão mais compartimentada do universo, permite ajustes imediatos e parciais”
(MENDONÇA: 139). Assim o neopentecostalismo, em destaque o iurdiano, caracteriza-se
pela manipulação da magia através de correntes de oração, uso de água-benta, sal grosso,
óleo, flores etc, e nesse sentido, o exorcismo torna-se um instrumento para reorganizar o
universo dos “compradores” de bens simbólicos.
Macedo permaneceu na Igreja Nova Vida por um período de 12 anos (de 1963 até
1975), e segundo Mariano, passou a considerá-la “uma contrariedade com seu elitismo de
classe média, deixou-a para fundar a Cruzada do Caminho Eterno. Dois anos depois ocorreu
uma nova cisão, Macedo e Romildo Ribeiro Soares saíram para formar, a Universal do Reino
de Deus(CAMPOS: 1997 e MARIANO, 2004). Atualmente Macedo é dono de um império
fabuloso formado e por megatemplos, emissoras de rádio e TV, editor entre outros
empreendimentos empresarial. Possui luxuosas propriedades e bens materiais que lhes
garantem uma posição de destaque entre os homens mais ricos do país. “Um grande volume
31
de negócios também gira em torno da igreja no Brasil. Construtoras, seguradoras, empresas de
táxi aéreo, agências de turismo, mídia, consultorias”, etc. (TAVOLARO, LEMOS, 2007:245).
Quanto às relações entre religião e mega negócios, o uso do dinheiro arrecadado pelas igrejas,
várias denúncias contra a IURD, como por exemplo, uma matéria apresentada
recentemente pela revista Veja (19/08/2009, pag. 85-94), com o título: “Cheque ao Bispo. O
Ministério Público de São Paulo acusa Edir Macedo e mais nove integrantes da Igreja
Universal do Reino de Deus de usar o dinheiro de doações de fiéis para fazer negócios e
engordar o próprio patrimônio”.
Mas ao mesmo tempo em que ocupa um lugar privilegiado no setor religioso,
financeiro e empresarial, Macedo é também uma das figuras mais polêmicas no cenário
religioso-midiático brasileiro. É dono de um extenso currículo de acusações por estelionato,
charlatanismo, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica, crimes
contra a Fazenda Pública, sonegação fiscal, curandeirismo, seqüestro de bens, vilipêndio,
crime contra a ordem tributária. Contribuem para tal lista, acusações por incêndio criminoso,
comparação indevida entre homossexuais e criminosos, racismo, incitação ao crime,
exploração da boa do povo, intolerância religiosa, preconceito religioso, calúnia e
difamação. Porém, nenhuma dessas acusações tem desestruturado seu projeto empresarial e
religioso, ou causado maiores problemas para o funcionamento de seu império. Não se nega
que tais escândalos tenham provocado algumas crises no meio iurdiano, mas até o momento
nada houve que tenha impedido a sua ascensão e sucesso no cenário religioso do país.
1.2 Edir Macedo: do coreto do Méier às catedrais “da Fé”
As primeiras pregações de Macedo tiveram como cenário um coreto situado no Jardim
do Méier, no subúrbio carioca. Como instrumentos iniciais de sua pregação, Macedo
utilizava-se de um teclado, microfone, caixa de som e uma Bíblia. No início a aglomeração se
dava por causa da curiosidade dos transeuntes que paravam por uns instantes para ouvir o
novo pregador da Praça do Méier. Aos poucos alguns foram retornando nos sábados
seguintes, atraídos pelas palavras de Macedo (TAVOLARO, LEMOS,2007:109). Naquele
momento ninguém poderia imaginar que em poucos anos esse pequeno grupo de pessoas ao
redor de um pregador desconhecido, iria se tornar numa das maiores igrejas evangélicas da
atualidade. Acompanhava-o seu cunhado Romildo Ribeiro Soares (R.R. Soares), casado com
32
Madalena, irmã caçula de Macedo. Nos primórdios era o cunhado que animava os cultos e,
por vezes passava a palavra a Macedo.
Foi, portanto, em torno de pequenos grupos que Macedo iniciou a sua prática de
pregador. Essa experiência como pregador contribuiu para que Macedo juntamente com seu
cunhado, R. R. Soares, e Roberto Augusto Lopes, fundasse em julho de 1977 a Igreja
Universal do Reino de Deus. Em 1980 a expansão dessa Igreja era algo extraordinário,
tornando-se uma referência entre as demais igrejas evangélicas. Ari P. Oro (in SILVA,
2007:31), considera a IURD “o mais impressionante fenômeno religioso do Brasil nos últimos
anos”. Para ele, “do catolicismo, a IURD incorporou as noções de milagre, inferno, pecado,
demônio e também sua forma de organização episcopal”. Edir Macedo e Roberto Augusto
Lopes se consagraram mutuamente bispos em 1981.
A respeito da separação de Macedo e Lopes, Campos (1997) e Tavolaro (2007) são
unânimes em afirmar que a consagração de Macedo como bispo da IURD ocorreu após a
saída de R. R. Soares em 1980. O fato se deu em decorrência de uma discórdia no
direcionamento da Igreja, que contava então com 15 pastores. O grupo se dividiu entre os
apoiadores de Macedo e os apoiadores de Romildo Ribeiro Soares. Em assembléia
extraordinária para decidir quem seria o novo comandante da Universal, Macedo ganhou por
12 votos a três para R. R. Soares. Após esta ocorrência RR. Soares deixa a IURD e funda sua
Igreja, que atualmente é denominada Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD). Desde
então os dois pouco se falam, e o sentimento de disputa entre fiéis aparece bem nítido nessa
declaração de Macedo: Ele vai aonde eu vou. Busca gente em nossa igreja em vez de pregar
lá fora, onde há tantas pessoas sofridas. Mas não tem problema” (TAVOLARO, 2007:115).
Neste mesmo ano 1980 a política expansionista de Macedo tornou-se
internacionalmente conhecida ao abrir o primeiro templo da IURD, em Mount Vernon, Nova
York, Estados Unidos, a Universal Church of the Kingdom of God. Nos anos seguintes outros
templos foram abertos, na Argentina, Portugal, México e África do Sul. Segundo dados
obtidos no site na Universal “em 2007, trinta anos após sua fundação a IURD tinha cerca de
oito milhões de fiéis somente no Brasil, 9.600 pastores, mais de 4.700 templos instalados em
172 países”.
14
Considerando que é possível haver certo exagero nas informações apresentadas
pela IURD, ainda assim, não podemos deixar de concordar que os templos continuam sendo
14
Disponível em: http://www.igrejauniversal.org.br. Acessado em 12/09/2009.
33
erguidos.
Porém, se compararmos a proporção numérica de seguidores e dos templos, a Igreja
Assembléia de Deus (AD) continua sendo a maior igreja evangélica do Brasil. “Os
assembleianos somavam em 2006 um total de 8,6 milhões de fiéis e possuíam 180.000
templos” conforme LINHARES (2006). Campos (1977:418 ss) assinalou em seu livro que a
IURD já estava em dezenas de países. Em alguns dele, como Portugal e África, o crescimento
era muito grande.
A essa altura podemos perguntar: o que distingue e torna a IURD um fenômeno? Foi
o seu rápido crescimento em tão pouco tempo em comparação a AD (1911), cuja existência
no campo religioso brasileiro completará cem anos? No final dos anos 1990, a IURD
começou a construir mega templos chamados de “Catedral da Fé”. A primeira foi inaugurada
em 1998, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo. Atualmente cerca de 15 Catedrais
somente no Brasil. Tais templos se destacam por sua estrutura imponente como a “Catedral
Mundial da Fé” no Rio de Janeiro. Outros templos em forma de catedrais, também foram
edificados em outros países onde a IURD se faz presente, como por exemplo, a Catedral
inaugurada recentemente, no final do ano de 2009 em Johanesburgo capital na África do Sul.
Douglas Tavolaro e Lemos (2007), fazem referência ao novo projeto e, certamente o
mais audacioso de Macedo. Já está em andamento a construção de mais um mega templo, na
região do Brás, um dos bairros mais populares de São Paulo. Será um templo retangular, com
150 metros de comprimento e 100 metros de largura. Tal dimensão supera as de um campo de
futebol oficial, e o tamanho do maior templo católico de São Paulo, que é a Catedral da Sé.
Serão mais de 80 mil m² de área construída num quarteirão inteiro que mede 28 mil metros. A
sua altura será de um prédio de 18 andares, quase duas vezes a altura da estátua do Cristo
Redentor. A fachada do altar será revestida de pedras importadas de Israel. Candelabros e
uma arca dourada, de tamanhos ampliados, adornarão o templo. Quando terminado, o templo
terá capacidade para acolher 13 mil fiéis sentados. O modelo que inspirou Macedo é o famoso
templo de Salomão, nele, segundo Macedo “haverá um investimento de 200 milhões de
reais”. (TAVOLARO, LEMOS, 2007:64).
Ao que nos parece, Macedo pretende visibilizar melhor a sua Igreja nas cidades por
intermédio de grandes templos, com isso minimizam-se os outros. Como resultado disso,
temos de concordar com as palavras dos acadêmicos: “o sucesso da IURD não é o de uma
seita fechada em si mesma, mas sim o de conquistadores da de um novo estilo que não têm
medo de se mostrar participantes à altura da sociedade que pretendem libertar” (ORO,
34
CORTEN, DOZON, 2003:18). Macedo em Tavolaro e Lemos (2007:265), abre aos
entrevistadores sua história de vida, seus empreendimentos econômicos, suas conquistas,
desencantos, adversidades e problemas relacionados à política, à justiça e à religião. Por
último apresenta sua pretensão de construir um templo que deixe sua marca na história do
campo religioso brasileiro. Neste ponto, Macedo foi questionado pelos jornalistas com a
seguinte pergunta: Edir Macedo, chegou aonde quer chegar? o bispo se calou por alguns
instantes, e a sua resposta se resumiu em: “Esta informação eu não posso dar.
Macedo ocupa uma posição de líder religioso bem sucedido entre os evangélicos,
apesar da intensa lista que o torna portador de um caráter delituoso. No entanto, ainda assim,
Macedo mantém sua integridade intacta e legitimada pela multidão de fiéis e colaboradores
que permanecem inabaláveis ao seu redor. O respeito e a veneração dos fiéis iurdianos em
torno de sua figura carismática parecem corresponder a que Bourdieu explica sobre o poder
das palavras:
O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a
ordem ou de subverter - é a crença na legitimidade das palavras e daquele
que as pronuncia, crença cuja produção, não é da competência das palavras.
O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada,
irreconhecível, transfigurada e legitimada de outras formas de poder”
(BOURDIEU, 2007:15).
Ora, é justamente o discurso de Macedo, um líder religioso carismático e irreverente,
que estamos analisando nesta dissertação. Por isso a trajetória de vida desse líder é importante
para o entendimento e análise tanto do discurso como da retórica usada por ele. Por esse
motivo escolhemos seu discurso mais apologético em: Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou
Demônios? Em relação a esse discurso, pesquisadores como, MARIANO (1996); CAMPOS
(1997); BIRMAN (2001); ALMEIDA (2003); ORO (2004), SILVA (2007); entre outros, têm
apontado o uso de uma linguagem extremamente agressiva a religiões mediúnicas. As
motivações que justificam esse discurso de Macedo são elementos que serão apresentados ao
longo desse estudo.
No estudo da eficiência e eficácia do discurso de Macedo e de sua Igreja devemos
também levar em conta a centralidade do poder de seu líder religioso. Faz parte da rotina
diária e semanal do bispo Macedo reunir-se com seus pastores e bispos. É ele quem define a
liturgia, os sermões, os programas, a retórica a serem usadas no púlpito de seus templos no
mundo todo. Macedo viaja freqüentemente para os outros países, onde estão presentes os
35
templos que são filiais mantendo assim sob o seu controle a direção do empreendimento,
garantindo que sua mensagem seja apresentada fielmente pelos pastores, obreiros, e
reproduzida pelos fiéis. O fato dele estar presente como organizador ou diretor dos meios de
comunicação e de publicações, tem garantido a unidade entre o discurso do der e o discurso
da instituição. Não é por acaso que Ricardo Mariano faz uma significativa abordagem sobre o
peso da autoridade e a abrangência do discurso de Macedo enquanto figura central e
centralizadora da IURD:
O governo eclesiástico da Universal é centralizado em torno de seu líder
carismático. Sua estrutura de poder é vertical, despótica até. A instância
máxima da igreja é o Conselho Mundial de Bispos, em segundo o Conselho
de Bispos do Brasil e na base da pirâmide hierárquica, pelo Conselho de
Pastores do Brasil. Na prática, porém, o bispo primaz, escudado em seu
poder vitalício e ancorado no discurso de que o próprio Deus o escolheu para
exercer tal autoridade, que não pode ser questionada, decide e comanda
(MARIANO, 1999:63).
Essa centralidade do poder de Macedo na IURD foi confirmada na fala de um pastor,
numa entrevista concedida a Leonildo Silveira Campos,
“A Igreja Universal está estruturada ao redor do bispo Macedo. Ele é um
homem que tem tudo em suas mãos dentro da Igreja. Ele vive e respira a
Igreja 24 horas por dia (..) todo mundo adora o bispo Macedo. Ele uma
ordem aqui e lá no extremo do Brasil, mesmo na igreja (templo) mais
distante, a ordem é conhecida e obedecida. A unidade da IURD é garantida
pela autoridade única e centralizada do bispo Macedo. Assim temos uma
Igreja que é mais unida do que a própria Igreja Católica (..) Macedo é uma
espécie de líder autoritário, que pratica o “autoritarismo” no bom sentido da
palavra” (CAMPOS, 1997:391) .
O discurso de Edir Macedo, tal como todo discurso, não é desprovido de segundas
intenções. Muito pelo contrário, ele exerce um poder simbólico sobre seus receptores, que
segundo Bourdieu é um poder quase mágico, que permite obter o equivalente daquilo que é
obtido pela força física ou econômica” (BOURDIEU, 2007:7). Deste modo, parece-nos que a
dominação exercida por Macedo é um dos importantes pilares que tem garantido o sucesso, a
unidade institucional e a força de sua liderança centralizadora. Esses mecanismos também
estão evidentes no controle que o próprio Macedo mantêm sobre os meios de comunicação,
tanto na imprensa escrita como nas emissoras de radio e de televisão.
A extensa programação em emissoras de rádio e canais de TV mantidos pela IURD é
uma estratégia desenvolvida por Macedo desde o final da década de 70. Ele seguiu os passos
do pastor McAlister, que empregava os meios de comunicação nos anos 60 como forma de
36
propagação da fé. Assim de modo semelhante Macedo também tem expandido seus métodos
de evangelização, doutrinação e marketing. Outras formas de mídia utilizadas por Macedo são
as ginas na internet, os jornais, as revistas, os livros, e as produções de CDs. Todo esse
instrumental tem por finalidade facilitar ao indivíduo o contato com o sagrado via IURD. Esse
discurso também tem funcionado como um marketing pessoal que o tem diferenciado das
demais igrejas neopentecostal e levado também a um processo mimético.
Para os iurdianos, de acordo com a biografia de Macedo, em uma versão que pode ser
encontrada no portal Arca Universal, ele é o escritor evangélico com mais de 10 milhões de
livros vendidos, divididos em mais de 34 títulos.
15
Destacam-se entre suas publicações os
best-sellers Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios? e, Nos Passos de Jesus, ambos
com mais de quatro milhões de exemplares vendidos no Brasil. Macedo colabora com seus
artigos em jornais que atingem a média de 2,5 milhões de exemplares editados somente no
Brasil como Jornal Semanário Folha Universal. Nessa mesma linha encontram-se as revistas
Plenitude e Obreiro da . Outra atividade ligada ao uso do discurso, desenvolvida por
Macedo, é o radialismo. Macedo se apresenta como comentarista de programas em várias
redes de televisão e rádio, no Brasil e no exterior, destacando-se a Rede Record de Televisão
e a Rede Aleluia de Rádio. Macedo é também, o idealizador e fundador da Editora Gráfica
Universal, hoje incorporada pela Universal Produções. É presidente do Conselho da Rede
Record, Rede Mulher e Rede Família de Televisão.
No que tange à organização eclesial, tratando-se sobre o regimento de pastores,
Tavolaro e Lemos (2007), relatam a metodologia rígida e o caráter centralizador utilizado por
Macedo na condução das reuniões que realiza com seus pastores. A audiência é comparada ao
de uma corporação militar. Eles descrevem como os pastores e suas esposas, com muita
disciplina mantêm toda a atenção centralizada na figura do bispo. Todos permanecem
sentados em fileiras, sem ousarem iniciar qualquer tipo de conversa, sem olhar para os lados.
Nenhuma distração é admitida, a repreensão em público a alguém que se esqueceu de desligar
o celular é algo temido por todos. Outro detalhe citado por seus biógrafos é a preocupação
com a uniformidade das ordens dada por Macedo, que é transmitida em rede para todos os
pastores.
15
Portal Arca Universal. Disponível em: http://www. arcauniversal.com.
http://www.bispomacedo.com.br/minhabiografia.jsp Acessado em 01/10/2009.
37
A reunião se realiza na Catedral de Santo Amaro, mas é exibida,
simultaneamente, para o restante do Brasil e vários países, por sistema de
videoconferência. Todos estão automaticamente ligados nas orientações do
bispo, pastores das igrejas da Europa, EUA, América Latina, México,
assistem ao mesmo tempo. Esta concentração, sob o comando de Macedo,
diz respeito ao tema religioso, determinado para se pregar aos fiéis, e que
deve ser repassado exatamente igual em todos os lugares” (TAVOLARO,
LEMOS, 2007:101).
Administrar e controlar uma instituição deste porte, com milhares de pastores, revela
que Macedo possui uma liderança de sucesso. Fazer com que suas ordens sejam acatadas por
todos igualmente, demonstra a força de sua retórica. A rigidez e centralização com que
controla seus subordinados podem ser também constatadas na forma de exclusão dos
membros da Igreja. No ano de 2007, Romualdo Pancero, que durante 18 anos exercera o
ministério de bispo da IURD, recebera ordem para desligar-se da Igreja por motivo de
adultério. Depois de pedir perdão publicamente aos demais bispos aos quais foi relatado o
motivo de sua “punição”. Macedo justificou tal procedimento com o seguinte discurso: “a
palavra é disciplina. Qual a instituição não tem leis? Qual igreja, qual empresa, qual país? Se
não há disciplina moral, não há disciplina espiritual” (ibid:106).
A retórica e o discurso, ou seja, um bom uso da palavra ajuda Macedo a conseguir
tanta obediência. Assim, o antigo pregador da Praça do Méier, possui desde muito tempo
uma forte intimidade com as táticas do discurso endereçado a um grupo pequeno ou a uma
multidão de pessoas, como ocorreu no Aterro do Flamengo, em abril de 2004, quando ele
falou para um público de 1,5 milhão de fiéis. Sua retórica insiste na associação que os fiéis
devem fazer entre fé e inteligência, razão e emoção. A fé, para ele, nunca deve ser fruto da
emoção, mas da razão. Macedo faz questão de afirmar que sua experiência com Deus não é
emocional, mas prática, e que tem sido esta que tem garantido a ele ser um homem bem
sucedido. Com isso ele coloca a fé fora da irracionalidade das emoções e a insere no contexto
da razão institucional, conforme ele mesmo afirma: “a deve ser inteligente e não emotiva.
Essa é a mensagem. Por favor, pastores, muita atenção para isso. A religião é que usa a
emoção para iludir as pessoas. Nós não. Nós usamos a racional” (TAVOLARO, LEMOS,
2007:248).
Uma análise desse discurso de Macedo e da maneira como ele articula os termos
e razão nos indicam como isso pode ser correspondido. Para Halliday a retórica é um
instrumento intencional e de poder, que um comunicador faz da linguagem e de outros
símbolos para influenciar ou persuadir públicos selecionados” (HALLIDAY, 1987:100). Os
38
testemunhos apresentados através de programas de rádio, TV e nas reuniões da IURD tem
demonstrado que um grande número de fiéis são atraídos para a Igreja pelo audacioso
discurso que a prosperidade é um sinal da bênção de Deus. Por outro lado, há um discurso que
está muito presente na literatura, na doutrina, no sermão dos pastores e na fala dos fiéis. É o
discurso sobre a presença e a atuação dos maus espíritos no mundo e na vida das pessoas.
Todavia a IURD elabora um discurso em que o mais relevante ou a novidade está na relação
que se faz do demônio com as entidades espirituais cultuadas pelos afro-brasileiros.
Procuramos então nesse item chamar a atenção para a ligação que entre o discurso do livro
e a expectativa de seus leitores.
Esse discurso apresenta um diferencial quando se trata das religiões afro-brasileiras e
kardecista. Por que esse discurso de demonização das religiões afros se torna tão presente
no repertório do bispo Macedo e da IURD? Por que um dos livros considerados um best-
seller, de autoria de Macedo, é justamente o que possui o discurso mais agressivo sobre as
religiões afro-brasileiras e kardecistas? Onde podemos localizar, na trajetória de Edir Macedo,
a origem dessa associação entre os cultos afros, práticas umbandistas e kardecistas e os
demônios? Durante os 12 anos que Macedo esteve sob a influência do pastor canadense
Robert McAlister, é possível que o livro Mae-de-Santo, o tenha inspirado e levado Macedo a
se preparar para um dia articular o mesmo discurso, o qual iria se amadurecer em Orixás,
Caboclos e Guias...
1.3 “Mãe-de-Santo” – um livro que inspirou Macedo
Pressupõe-se nesta pesquisa que a influência de McAlister sobre Edir Macedo se deu
além das pregações, incluindo-se aqui o livro escrito em 1968, intitulado Mãe-de-Santo, cuja
capa aparece na figura 1. Há entre o livro escrito por Macedo e o que foi escrito por
McAlister em 1968 significativos traços de continuidade. Em ambos a presença e ação de
espíritos malignos são identificados com o panteão afro-brasileiro. No livro de Macedo e no
de McAlister uma sistematização de uma visão de mundo na forma literária, também
presentes no cotidiano dos pastores, obreiros e fiéis. Em outras palavras, o discurso literário
de Edir Macedo está explicitamente relacionado ao discurso dos pastores nos cultos, na mídia,
nas práticas rituais, em outras publicações do autor e da Igreja, assim como na vida cotidiana
de cada um dos fiéis.
39
Figura 1. Capa do livro Mãe-de-Santo.
Bourdieu (1992:36), ao afirmar que “a religião contribui para a imposição dissimulada
dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento do mundo” nos ajuda a
compreender o alcance do discurso do livro de Macedo, e a razão dele estar tão presente tanto
no discurso institucional como no cotidiano dos fiéis. Também no discurso de demonização
dos deuses de outras religiões elaborado por judeus e cristãos, o discurso foi direcionado aos
deuses gregos, romanos, muçulmanos e pagãos. As mesmas práticas e discurso de
estigmatização e demonização do “outro” estiveram presentes na caça as bruxas ou as “filhas
do demônio” nas práticas da Igreja Católica. Esse discurso de demonização também foi
referência para identificar em certos períodos da história a determinados grupo sociais, como
o comunismo, à esquerda, os movimentos de contracultura, enfim a figura do “bode
expiatório” esteve sempre rondando o imaginário dos cristãos, e fazendo parte de seu
repertório, de seus discursos mais fervorosos.
Em parte esse processo de estigmatização do outro decorre da necessidade do homem
de produzir um mundo de sentido e de ordem. Por isso leva à manutenção da crença no
demônio, o “desordeiro”, a causa do caos. CAMPOS (2007), afirma que, se “não pessoas
que „tenham parte com o diabo‟ é preciso criá-las, através desta gica de separação entre o
bem e o mal”. Assim, os grupos sociais traçam o contorno de sua identidade. No Brasil, as
religiões indígenas e africanas séculos têm sido alvos deste processo de estigmatização e
demonização. Entre os pentecostais o discurso de demonização das religiões afro-brasileiras
tornou-se mais agressivo em meados da década de 60 e seu ápice pode ser localizado nos anos
40
70 e 80. Esta agressividade tornou-se mais expressiva com a entrada da IURD (1977) no
cenário religioso brasileiro. O demônio e sua identificação com as religiões afro-brasileiras é
um tema freqüente nas pregações e discurso de Edir Macedo tanto no púlpito como em seus
escritos. O livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?, é um bom exemplo disso.
Para Vagner Gonçalves da Silva (SILVA, 2007:195), “um dos indícios iniciais do
acirramento da demonização das religiões afro-brasileiras, caracterizados como „batalha
espiritual‟ pode ser identificado na publicação do livro Mãe-de-Santo (1968), do missionário
canadense Walter Robert McAlister”. Na intenção de melhor situar o leitor dentro da temática
que abordamos do discurso de Edir Macedo a respeito das religiões afro-brasileiras
apresentamos, neste capítulo, uma comparação entre o discurso presente em Orixás, Caboclos
e Guias... e o livro Mãe-de-Santo. Os dois livros deixam a impressão ao leitor que Macedo
quase que reproduziu o conteúdo da obra de McAlister. No entanto, o livro Orixás, Caboclos
e Guias..., lançado em 1988, 20 anos depois do livro Mãe-de-Santo, continua sendo um
sucesso com a marca de quatro milhões de exemplares vendidos, enquanto o outro
praticamente ficou esquecido.
O conteúdo do livro, Mãe-de-Santo está dividido em três partes. A primeira parte do
livro trata da visão de McAlister sobre as religiões afro-brasileiras e com os seguintes temas:
1) Superstição ou realidade?; 2) Como começou o candomblé no Brasil; 3) A doutrina de
Candomblé e Umbanda; 4) O ritual de Umbanda; 5) Primeiro contato com D. Georgina. A
leitura deixa transparente a limitação desta apresentação e a dificuldade cultural de McAlister
de compreender o campo religioso afro-brasileiro. Suas análises são feitas numa perspectiva
de um branco, portador de uma cultura de origem européia e pentecostal. Portanto, é um
olhar carregado de preconceitos, marcado pelo desconhecimento cultural e religioso do objeto
apresentado. Esta limitação é admitida por ele mesmo em seu texto quando afirma:
“Vindo eu do Canadá, pais predominantemente evangélico, ouvi falar das
artes de magia negra e considerei ser aquilo algo dos tempos medievais, ou
das selvas africanas; portanto nunca acreditei nos poderes atribuídos aos
feiticeiros (...)”. Chegando ao Brasil, tomei conhecimento da crença
chamada macumba, e achei muito interessante esse aspecto folclórico do
povo brasileiro” (McALISTER, 1968:11).
Assim, pois, comecei a enfrentar essa monstruosidade considerada apenas
crença folclórica e comecei a usar o Nome de Jesus em oração para libertar
os oprimidos desses “caboclos e “orixás” que nada mais são do que
espíritos malignos e demoníacos (grifo nosso). Hoje reconheço no
Candomblé e na Umbanda a maior ameaça espiritual jamais enfrentada por
41
um povo (...). ”Que Deus salve o Brasil dessa praga, que Deus liberte o
povo que merece bem mais do que estar sobre os laços, humanamente
inquebrantável, do poder de satanás” (Ibid.: 12 e 13).
A visão que McAlister elabora das religiões afro-brasileiras parte dos testemunhos de
ex-freqüentadores, principalmente de pais e mães-de-santo, que passam a freqüentar a sua
Igreja. Quanto a uma pesquisa mais acadêmica ele mesmo declara não ter encontrado material
suficiente, principalmente sobre o Candomblé. Toma por base a literatura de Jorge Amado e
artigos que recolheu das revistas Realidade
16
e “O Cruzeiro”.
17
. McAlister afirma ter
buscado material informativo para melhor compreender o Candomblé e as religiões afro-
brasileiras que tinha significativa presença na cidade do Rio de Janeiro, porém, segundo
afirma, em suas buscas encontrou poucas respostas ou então, podemos supor que ele
contentou-se com o que obteve por informação. Compreendemos que a pesquisa de McAlister
era de cunho religioso e não sociológico ou antropológico, no entanto, ele poderia ter
encontrado em outras fontes informações que também poderiam auxiliá-lo. Nesse período
pesquisado por McAlister havia sido produzido no Brasil importantes obras no campo
científico, histórico e antropológico, como por exemplo, os estudos de Roger Bastide, entre
eles O candomblé da Bahia: rito nagô e As religiões africanas do Brasil (1958) e a obra de
Manuel Raimundo Querino (1851-1923), primeiro historiador a dedicar-se aos estudos da
cultura e religião afro-brasileira. Entre as obras produzidas por Quirino podemos citar: A raça
africana e os seus costumes na Bahia, In Anais do V Congresso Brasileiro de Geografia,
Salvador (1916) e O colono preto como fator da civilização brasileira (1918)
No entanto ainda que McAlister também não tenha feito nenhuma citação das obras de
Raymundo Nina Rodrigues (1862-1905) e talvez não tinha nenhum conhecimento delas, as
concepções que ele elabora a respeito das religiões afro-brasileiras parecem coincidir com as
idéias divulgadas por este médico baiano no final do culo XIX e início do século XX. Nina
Rodrigues é um dos primeiros a denunciar o sincretismo entre o candomblé e o catolicismo, e
a incapacidade dos africanos de ascender à civilização, por serem considerados incultos
16
J. S. Faro. A revista da Editora Abril, lançada em 1966, Realidade é sempre vista como um marco na história
da imprensa brasileira e suas características são apontadas como tendências que deixaram um traço de qualidade
que a produção jornalística não chegaria a repetir depois que a revista deixou de existir. Disponível em
http://www.eca.usp.br/alaic/Congreso1999. Acessado em 20/10/09.
17
Lançada em 1928 , a revista de Assis Chateaubriand, O Cruzeiro foi a primeira publicação a chegar a todo o
território brasileiro e, logo de início, conseguiu rodar cerca de 50 mil exemplares. O Cruzeiro teve vida longa;
sua última edição saiu em julho de 1975. Disponível em: http://www.acessasp.sp.gov.br/. E
http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro . Acessado em 20/10/09.
42
demais. Segundo Isaura Maria P. Queiroz, Nina Rodrigues foi o “grande idealizador do
desenraizamento dos traços culturais africanos” e seu pensamento estava dentro do “projeto
de embranquecimento do país” (QUEIROZ, 1988:74). Ou seja, foi ele um dos primeiros a
elaborar um discurso discriminatório, estigmatizador e excludente da cultura afro-brasileira.
Seus conceitos ultrapassaram as fronteiras do Brasil e na Europa encontrou entre alguns
intelectuais a legitimidade e o apoio para divulgar suas idéias. Esse projeto de Nina
Rodrigues desencadeou uma perseguição mais rigorosa aos cultos afros que eram
compreendidos como um conjunto de superstições e práticas de feitiçarias. Aos
seguidores das religiões afro-brasileiras foram atribuídos vícios contrários aos valores
morais e éticos que regiam a sociedade da época e a prática de crimes”. Por tais razões foi
legitimado todo tipo de perseguição aos que praticassem tal culto e a autorização para a
polícia destruir os terreiros denunciados pela população.
No livro Mãe-de-Santo, na sua segunda parte, é apresentada a história de vida de uma
ex-mãe-de-santo, Georgina Aragão dos Santos Franco, sua experiência com o Candomblé e
Umbanda e sua conversão ao pentecostalismo. A apresentação do testemunho de Georgina
tem os seguintes títulos: 1) As primeiras experiências chocantes com o Candomblé; 2)
Raspagem de cabeça, experiência traumática; 3) Minha vida como cartomante no Rio de
Janeiro; 4) Despachos, oferendas e banhos; 5) Santa de casa não faz milagre; 6) “O câncer
me trouxe para Deus”; 7) A luta entre Deus e o diabo; 8) Confrontação no terreiro; 9)
Milagres na Bahia; 10) Traidora? Ou serva de Deus? Georgina inicia seu testemunho de
conversão contando sua iniciação na Umbanda e depois pelo Candomblé. Ela afirma ter sido
escolhida para ser mãe-de-santo desde o ventre materno, para seguir um destino que segundo
ela nada lhe trouxe de felicidade. No dia de seu nascimento recebeu das mãos de uma parteira
africana as marcas de sua herança de mãe-de-santo. As decepções de Georgina com as
religiões afro-brasileiras estão traduzidas logo no início de seu testemunho, Então, esta é a
minha história. Não é uma narrativa muito alegre, até o dia em que eu conheci Jesus Cristo
como meu Salvador e Libertador” (McALISTER, 1968:33).
O testemunho de Georgina é apresentado por McAlister como “a revelação dos
segredos” da iniciação ao Candomblé e Umbanda. Os ritos de iniciação e passagem até
Georgina se tornar uma mãe-de-santo são revelados como algo que faz parte de um segredo
que deveria ser mantido somente entre o grupo da elite sacerdotal dessas religiões e nunca
deveria ser exposto ao público. Georgina, diz revelá-los para que as pessoas sejam
43
esclarecidas sobre a verdadeira intenção dessas religiões, e que segundo ela, porque quem
trabalha no Candomblé tem que usar o diabo, se bem que tudo no Candomblé, na Umbanda e
no Espiritismo, em geral, seja obra do diabo(Ibid.: 48). Toda a narrativa tem por intenção
colocar em descrédito o sistema religioso e convencer os leitores que as religiões afro-
brasileiras, a umbanda e o kardecismo são “obras de Satanás”, e que somente a conversão
total para Jesus Cristo poderá “libertar” os indivíduos dos “poderes demoníacos”.
“Quão cega eu era, durante tantos anos, em pensar que estava servindo a
Deus e ajudando o meu próximo, quando, na realidade, estava fazendo o
jogo que o diabo quis: escravizando-me à vontade dos orixás e fazendo
serem escravos todos os que eu tentava ajudar” (Ibid.: 72).
“Sinto-me na obrigação de revelar esses segredos que o verdadeiro Deus me
revelou, pois tenho certeza de que se a luz da verdade iluminar o caminho,
muita gente do Candomblé e da Umbanda irá deixar logo de tais coisas” (...).
O povo acha que os orixás o deuses, mas não entende que realimente são
forças do mal que querem entrar em sua vida para controlá-la e finalmente a
destruir (Ibid: 76).
Na terceira parte do livro, McAlister retoma a intenção de publicá-lo para “libertar o
povo” que se encontra “oprimido” pelos poderes das trevas demoníacas e para que estes
alcancem a plenitude da salvação convertendo-se ao cristianismo. McAlister encerra esta obra
apresentando aos leitores “seis passos para a libertação”. Os temas apresentados neste capítulo
são: 1) Candomblé: Substituto Diabólico; 2) Advertências Bíblicas contra a Feitiçaria; 3)
Palavra urgente para os adoradores de Candomblé e Umbanda. Antes de apresentar os “seis
passos para a libertação” McAlister adverte seus leitores com as seguintes palavras:
“Mas, faço esta advertência: se você continuar nessas coisas a sua vida
complicar-se-á cada vez mais, será cada dia mais infeliz e cada vez mais
inseguro com os poderes malignos desses espíritos, e seu desejo de salvação
cada vez mais remoto. Eu te digo ainda mais, e nisso tenho o apoio de
médicos e psiquiatras de toda parte do mundo: que você está se arriscando a
sofrer um colapso nervoso e mental que poderá levá-lo a um sanatório para o
resto da vida. Uma autoridade neste assunto declarou que o espiritismo, em
todas as suas formas, é uma fabrica de loucos” (Ibid: 90).
Para SILVA (2007:197), a identificação deste livro de McAlister com os temas
centrais da “batalha espiritual” está evidente nas seguintes elocuções: 1) Identificação das
divindades do panteão afro com o demônio; 2) libertação pelo poder do sangue vivo de
Jesus em oposição ao sangue seco ou fético da iniciação ou oferenda; 3) a conversão; 4)
reconhecer que as divindades existem, mas que na verdade são espíritos malignos que
ameaçam o povo brasileiro. Afirma SILVA (2007:198) que “McAlister foi pioneiro neste tipo
44
de produção literária, e também, o primeiro a utilizar a possessão in loco dos fiéis, durante sua
pregação evangélica, como peça de enfrentamento dos demônios supostamente presente nos
cultos afros”.
Concluímos este item, reafirmando que McAlister foi um dos principais mentores na
formação de Edir Macedo e Romildo Ribeiro Soares (R. R. Soares). A identificação do
discurso, da metodologia da pregação, das práticas rituais, da justificativa da existência do
mal no mundo e da identificação do demônio com as religiões mediúnicas são muito
explicitas entre McAlister e Edir Macedo. O livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou
Demônios?, revela-nos que o “discípulo” não somente imitou como também reproduziu
fielmente as idéias de seu mestre, e até o superou .
1.4 Analogias entre os discursos de McAlister e Macedo
No intuito de apresentarmos algumas similaridades entre o discurso de McAlister e o
discurso de Macedo, apresentamos no quadro 2, algumas citações que aparecem nos dois
textos que consideramos significativos para a demonstração de hipótese que norteia este
trabalho.
Quadro 2 . Comparação de discursos.
TEMA
McAlister
Macedo
A quem a
leitura do livro
é dedicada
“Então, às vitimas do Candomblé e
Umbanda, este livro é dedicado”....”Este
livro será lido por grande número de
pessoas que pela primeira vez vão sentir
desejo, como na vida de Georgina, de
ficar libertas dos males e da frustração
constante desses sacrifícios e
obrigações. É para você que quero falar
neste último capítulo”. “Este povo é
sincero, apesar de estar errado e
sofrendo as conseqüências”. “Eu tenho
uma palavra importante para dizer-lhe:
NÃO TENHA MEDO, Deus estacom
você. Você nada vai sofrer se deixar o
orixá ou preto velho. Muito pelo
contrário. Vai começar a viver uma vida
feliz”. (1968: pgs. 13 e 89, 90)
Dedico esta obra a todos os pais-de-
santo e mães-de-santo do Brasil, porque
eles, mais que qualquer pessoa,
merecem e precisam de um
esclarecimento. São sacerdotes de
cultos como umbanda, quimbanda e
candomblé, que estão, na maioria dos
casos, bem-intencionados. Sentir-me-ei
recompensado se pelo menos uma
pessoa, através da leitura desse livro,
abandonar a vida errante, enfronhada
nas falsas religiões, e se tornar um
verdadeiro cristão”. “Quero ver
milhares de pessoas, que antes eram
escravas ou “cavalos” dos demônios,
por intermédios dessas palavras e da
ação do Espírito Santo em suas vidas
tornarem-se verdadeiras servas de Deus
Altíssimo” (2006: pgs. 10 e 11).
45
O processo de
sincretismo
religioso
O Candomblé e a Umbanda vieram para
o Brasil no coração dos escravos,
encontraram aqui os índios. e as
afinidades de sofrimento uniu os dois
povos. Para evitar o risco de uma
inquisição pela Igreja Católica essa
gente humilde começa a dar a seus
deuses o nome de santos e anjos.
Durante centenas de anos tem o povo
misturado uma crença à outra, do que
resultou uma espécie de crença que
realmente desafia qualquer
identificação. Misturam Umbanda com
esoterismo. Em muitos lugares a
doutrina européia de Alan Kardec,
mistura-se à prática da Macumba. Até a
doutrina hindu do Karma é aceita por
parte dos que também invocam os
poderes de exu. (1968: pgs.17,18).
“O povo brasileiro herdou, das práticas
religiosas dos índios nativos e dos
escravos oriundos da África, algumas
religiões que vieram mais tarde a ser
reforçada com a doutrina espiritualista,
esotérica e tantas outras que tiveram
com mestres Franz Anton Mesmer,
Alan Kardec e tantos outros médiuns
famosos. Houve com o decorrer do
tempo um sincretismo religioso, ou
seja, uma mistura curiosa e diabólica de
mitologia africana, indígena brasileira,
espiritismo e cristianismo, que criou e
favoreceu o desenvolvimento de cultos
fetichistas como a umbanda,
quimbanda e o candomblé”
(MACEDO, 2006: pgs. 13).
Identificação
das entidades
dos cultos afros
com o demônio
“O poder do diabo é real”. “Depois de
falar com centenas delas, vítimas dessas
forças malignas, eu vejo em tudo isso a
mão do diabo que ainda hoje vem para
roubar, matar e destruir a humanidade”
(ibid.:13 e 15); “Antes de fazer o
pedido, o suplicante, através da mãe ou
pai-de-santo, tem que satisfazer o exu,
que é o espírito do diabo, também
considerado mensageiro do orixá” (pg.
23); “Vi pessoas cuja mente não
suportava mais o contato com esses
poderes do inferno, representados pelos
exus e orixás” (pg. 24); - “Agora sei que
a pessoa se torna endemoninhada porque
o que chamamos de orixás são
demônios”. (pg. 38); “Mas como
disse, os orixás nunca fizeram bem
algum em meu favor e isto me trouxe a
conclusão de que não podem ser deuses
porque tudo estava na base do jugo”
(pg.75)
“Devemos, entretanto, afirmar, desde o
início, que os demônios existem.
Atuam na humanidade com a finalidade
de destruí-las e afastá-las de Deus.
(ibid.: 13 e 14); Na realidade, orixás,
caboclos e guias, sejam quem forem,
tenham o nome mais bonito, não são
deuses; Os orixás, caboclos e guias, na
realidade nunca fazem bem em favor de
seu cavalo” (pg. 16); Os próprios orixás
e caboclos confessam diante da
multidão que não passam de demônios,
cuja missão é enganar, arrasar e
destruir os seus cavalos “(pg. 17).
Crítica as
demais igrejas
A igreja também tem culpa. Parte da
explicação da popularidade dessas
religiões é que a Igreja de Jesus Cristo
não tem satisfeito as necessidades do
povo. Este, vendo a política religiosa e a
insinceridade da igreja oficial, tomou o
seu destino em suas próprias mãos,
deixando os líderes a brincar de
polêmicas doutrinárias em suas
“A Igreja tem de agir. Se o povo de
Deus não agir contra os demônios, eles
começaram a atuar dentro das igrejas.
As igrejas chamadas clássicas ou
tradicionais, com os anos deram lugar à
tradição dos homens, são exemplos de
igrejas que podemos chamar de fracas.
Creio que um demônio chamado
“exu tradição” que penetra
46
catedrais. O povo precisa de cura e a
igreja lha negou. O povo precisa de
conforto e a igreja não lho tinha para
dar. A igreja só teve para alimentá-lo
palavrório vazio e não o poder
transformador do Evangelho. Sim a
Igreja cabe levar grande parte da culpa
pelo crescimento do fanatismo do
espiritismo no Brasil” . (1968: pg.14).
sorrateiramente, obrigando os membros
da igreja a atenderem tão somente para
usos, costumes e normas eclesiásticas,
de modo que entra a fraqueza espiritual
da comunidade e que estas se esquecem
dos princípios elementares da fé.
(2006:pg. 122).
Passos para a
libertação
McAlister apresenta uma lista de seis
passos para a libertação: 1) a uma
igreja Evangélica onde se prega o
Evangelho de Cristo e aceite a Jesus
como o seu Salvador pessoal; 2) Não
volte nunca mais ao centro ou ao
terreiro; 3) Faça amizade com o povo de
Deus. Os membros da igreja vão ajudar
você durante os primeiros dias e meses
da sua salvação; 4) Adquira uma Bíblia
e leia-a; 5) Fale com Deus diariamente,
em oração; 6) Testemunhe aos outros
sobre a mudança em sua vida.
Macedo apresenta uma lista com 10
passos para a libertação: 1) Aceitar de
fato o Senhor Jesus como único
Salvador; 2) Participar das reuniões de
libertação; 3) Ser batizado; 4) Buscar o
batismo com o Espírito Santo; 5) Andar
em santidade; 6) Ler a Bíblia
diariamente; 7) Evitar as más
companhias; 8) Freqüentar reuniões de
membros da igreja; 9) Ser fiel no
dízimo e nas ofertas; 10) Orar sem
cessar e vigiar.
Fonte: Valdelice Conceição dos Santos
Podemos então perceber que são muitos os pontos de identificação entre ambos os
discursos. Vejamos outros exemplos: o emprego das citações bíblicas que condenam a prática
de ocultismo, adivinhações entre outras práticas e rituais tidas como não cristãs. Neste caso a
Bíblia torna-se um instrumento legitimador do discurso depreciativo das religiões mediúnicas.
Outros temas que se entrelaçam são os rituais de iniciação, as oferendas ou comidas votivas, a
formação da liderança religiosa e a manutenção de um grupo especializado no domínio dos
bens simbólico entre outras questões. Ora, se fossemos expor todos os pontos em comum
entre as duas literaturas tornaria nossa exposição muito exaustiva. Porém, nosso interesse
nessa apresentação foi fazer um diálogo entre os dois livros na tentativa de perceber que o
discurso literário de Macedo nada tem de inovador, apresenta-se como um prosseguimento do
discurso depreciativo e de demonização contra as religiões mediúnicas presente mais
tempo no meio pentecostal. As fronteiras entre as duas literaturas não estão muito delimitadas
o que revela uma continuidade do discurso e da cosmovisão do pentecostalismo, seja de
McAlister ou não, e do neopentecostalismo da IURD. Nesse caso concordamos com Peter
Burke, que afirma “não existir uma fronteira cultural nítida ou firme entre os grupos, e sim,
pelo contrário, um continuum cultural” (BURKE, 2003:14).
47
Como esta prática de utilização de sistema acusatório não é de modo algum
especificidade dos evangélicos, encontramos na análise do discurso de Edir Macedo no livro
Orixás, Caboclos e Guias..., semelhanças com outra literatura que trata do tema da
demonização e perseguição aos “seguidores de Satanás”. A impressão que o discurso de
Macedo nos causou foi de que o autor possui também grande familiaridade com a visão
contida em um livro que fez muito sucesso na Idade Média entre os cristãos católicos, o
Malleus Maleficarum, ou O Martelo das Feiticeiras. O discurso de Macedo alarga as
concepções que se perpetuaram entre alguns cristãos, onde os demônios continuam sendo o
“outro”, sejam eles os judeus, os muçulmanos, os pagãos, os homossexuais, as mulheres, os
diferentes, ou mais recentemente, os que não aceitam o “cristianismo neopentecostal
iurdiano”.
Destaca-se do livro Malleus Maleficarum, algumas ações do demônio que muito se
aproximam das idéias dessa ação defendidas por Macedo (2006:25). O demônio procura fazer
o máximo de mal aos homens a fim de apropriar-se do maior número possível de almas. Por
ser um espírito e lhe faltar a corporeidade de que o ser humano é privilegiado, o demônio
ataca o seu corpo para dominá-lo, agir por meio deste e subju-lo a perdição eterna. No
período da caça as bruxas, no qual o Malleus Maleficarum deteve tanta influência, uma das
questões que estava em litígio era o papel da mulher na sociedade, e legitimar a estrutura do
patriarcado. Esta literatura também exerceu um forte controle sobre o comportamento de
homens e mulheres na sociedade. O “bode expiatório” nesta literatura foi mais explicitamente
o sexo feminino. O discurso contra a mulher será justificado através da crença que ela é o
canal escolhido pelo demônio para agir no mundo, por ser ela considerada mais vulnerável
aos prazeres sexuais. As ferramentas utilizadas para legitimar a estigmatização, perseguição e
morte de tantas mulheres, foram o discurso escrito e falado. “Para tornar legítima a repressão
aos agentes do demoníaco, cada sociedade desenvolve uma lógica para dar legitimidade ao
discurso acusatório” (CAMPOS, 2007:70).
Aproximadamente cinco séculos após aqueles eventos, a caça aos demônios e a sua
legião de servidores abateu-se com mais rigor sobre os seguidores das religiões mediúnicas e
das práticas mágicas diversas. O panteão afro-brasileiro e o espiritismo kardecista foram
eleitos com mais intensidade por Edir Macedo, como sendo estes, o canal escolhido em que o
demônio e seus sequazes têm agido para levar a humanidade à perdição total. Na Idade Média
a Igreja Católica declarava ser o único instrumento eleito pelo próprio Deus para destruir
48
Satanás e os aproximadamente 7.409.027 demônios, que segundo o “demonólogo” Johan
Wier, agiam divididos em 79 legiões.
Para Macedo, o catolicismo não respondeu devidamente a sua função de “caçadores de
bruxas e demônios”, e afirma ser esse o principal motivo da existência da IURD, a libertação
de pessoas endemoniadas(MACEDO, 2006:9). O discurso de Macedo parece confirmar o
que escreveu CAMPOS ao afirmar que “a IURD é um empreendimento que nasceu sob a
égide da „guerra santa‟, cuja separação maniqueísta entre Deus e o diabo divide todas as suas
atividades e estratégias” (CAMPOS, 2007:358). Ora, os sistemas de acusação adotados pelos
inquisidores da Idade Média e os de Edir Macedo são muito semelhantes. Nas sessões de
descarrego, por exemplo, adota-se o “interrogatório” que se conclui com a condenação do
espírito que ali se manifesta. Uma prática utilizada por McAlister. É bem possível que a
Fogueira Santa de Israel seja uma ressignificação das fogueiras da inquisição, onde se
queimava o inimigo do bem estar material e espiritual. Certamente não é a Declaração dos
Direitos Humanos que impede Edir Macedo de enviar os que ele considera “seguidores de
Satanás” para uma fogueira. É bem possível que ele prefira -los bem vivos, e atuantes nas
listas de dizimistas e ofertantes de sua Igreja.
Ao se fazer referência aos livros Mãe-de-Santo e o Malleus Maleficarum, percebe-se
haver uma analogia entre essas literaturas e o livro Orixás, Caboclos e Guias..., e permite que
se identifique a maneira como o discurso sobre o demônio mantém um contínuo processo,
marcado no entanto por rupturas e continuidades na história das religiões. Desta forma
pudemos averiguar que tipo de representações Edir Macedo tem elaborado e explicitado em
seu discurso a respeito do mal e do demônio. Podemos ver como ele opera os mecanismos de
acusação geradores de intolerância. A partir dessas proximidades entre o “velho” e o “novo”
modelo de inquisição ocorreu-nos que a publicação desta literatura de Edir Macedo pretende
ser um instrumento eficiente para des-construir a imagem, a identidade e a eficácia de seus
concorrentes, neste caso, as religiões afro-brasileiras e o espiritismo kardecista. Por que esse
discurso de demonização das religiões afro-brasileiras tem persistido durante tantas décadas?
Nossa investigação pretende apontar se alguma correspondência entre o discurso de
demonização com o desejo da IURD afirmar-se como igreja cristã e manter-se como um
empreendimento religioso de sucesso entre os demais grupos neopentecostais.
49
1.5 O sucesso da IURD e o discurso apologético de Macedo
Ao longo da pesquisa foi possível também observar que o sucesso da Igreja Universal
se deve em grande parte ao vigor de seu discurso apologético. Ronaldo de Almeida atribui à
colocação de maior evidência da IURD no campo religioso evangélico devido a “criação de
um estilo próprio, ampliando sua participação nos meios de comunicação, realizando grandes
concentrações populares e na exacerbação do tripé, cura, exorcismo e prosperidade
financeira” (ALMEIDA, 1996:15, 16). O ingrediente que colabora para o crescimento da
IURD, segundo ele, se encontra no tipo de discurso que ela elabora para atender às “demandas
mundanas imediatas”. Como apoiadores desse discurso encontra-se a inserção de bispos da
IURD no campo político. Ari Pedro Oro (in SILVA: 2007), ao tratar dessa questão, adverte
sobre a ação eficaz da presença de um corpo jurídico formado por membros da própria Igreja
que atua a favor nas diversas instâncias e, sobretudo, na contratação de advogados de renome,
como do advogado criminalista e ex-Ministro da Justiça do Brasil, Márcio Thomáz Bastos.
Para Mariano (in Oro: 2007), o crescimento da IURD está relacionado a diversos fatores entre
os quais a “construção de imensas catedrais” nas grandes metrópoles, ressaltando sua
“imagem arquitetônica de supermercado da fé” e que o seu “extraordinário sucesso” tem
sobressaído muito mais entre os fiéis, do que a imagem de Macedo e da IURD nos diversos
envolvimentos nas “páginas policiais”. Campos também trata dessa temática, atribuindo o
sucesso da IURD à utilização de técnicas de propaganda ou marketing religioso.
“Por isso insistimos em que a propaganda é, para a Igreja Universal, o
elemento fundamental no processo de expansão, até porque, por meio dela é
que se cria e se alimenta o mercado. Daí o porquê da afirmação que, sem
rádio e televisão, a IURD jamais teria atingido o sucesso atual no País. A
mídia faz com que as barreiras geográficas, sociais e ideológicas, sejam
rompidas e os produtos iurdianos sejam colocados para um público
necessitado, que lhe paga o preço pedido, porque se trata de alcançar a
felicidade, o bem estar físico e espiritual. Para eles, esses bens são tão
preciosos, que não dinheiro que os pague, como nos disse um de seus
fiéis” (CAMPOS, 1997:222).
A aplicação da idéia de marketing, utilizada por Macedo e pela IURD aparece em
autores como Campos (1997) e Rocha e Paixão (2009). Esses autores ao darem o significado
etimológico de marketing, ou market”, admitem que embora não se “limite apenas ao
mercado está intrinsecamente ligado a ele”. Marketing é compreendido como uma ciência que
“estuda o comportamento dos mercados”. Relacionado à utilização de marketing está à
propaganda (promoção), que é uma das quatro ferramentas, conhecidas como “quatro Ps”, que
50
compõe o tipo de relação comercial estabelecido pelo marketing. As outras três ferramentas
são: produto, preço e praça (local). Rocha e Paixão trabalham com os conceitos “propaganda”
e “marketing” dentro do contexto religioso, diferenciando-os do conceito puramente
mercadológico. Afirmam que o conceito de marketing não é totalmente apropriado aos
conceitos religiosos embora a utilização de seus instrumentos seja útil. Essa distinção deve ser
esclarecida levando-se em conta que o conceito de marketing está relacionado à relação
puramente comercial onde um produto ou um serviço é trocado por dinheiro e sua
funcionalidade está centrada na satisfação do cliente. Rocha e Paixão compreendem que,
“diferente de uma empresa, a igreja não busca satisfazer a vontade de uma clientela, mas
“cumprir a vontade de Deus”, portanto sua lógica é comunitária, qualitativa e espiritual”
(ROCHA; PAIXÃO,2009:33, 34)).
Outra visão relacionada ao crescimento da IURD é apresentada por Cyntia R. J. Lima
e Eduardo Refkalefsky (in MELO, GOBBI, ENDO 2007), que defendem a seguinte teoria:
“O rápido crescimento da IURD, não deve ser explicado pelo uso de técnicas
de Comunicação e Marketing. Ao contrário, este crescimento se deve a um
profundo conhecimento da religiosidade brasileira pelo líder da IURD. Esta
religiosidade se caracteriza pela pluralidade de elementos religiosos
provenientes de ameríndio, africanos e europeus, e encontra na Umbanda a
sua melhor expressão”. “Se a estratégia da IURD pudesse ser resumida numa
frase, seria o mencionado, “posicionamento contra a Umbanda” (LIMA;
REFKALEFSKY, in MELO, GOBBI, ENDO, 2007: 52).
Lima e Refkalefsky explicam em seus estudos que entre as diversas explicações para o
crescimento da IURD, está em primeiro lugar o fato da “umbanda representar melhor do que
qualquer outra religião, culto ou doutrina, os elementos da Matriz Religiosa Brasileira
(MRB). As igrejas evangélicas, desde sua chegada ao Brasil estabeleceram inimizade com as
religiões onde predominavam a MRB considerando-as, sobretudo, responsáveis pelo “atraso
sócio-econômico-político-cultural” brasileiro, o que eles traduziram por “superstição,
fetichismo e idolatria” (LIMA, REFKALEFSKY ibid: 53). Os elementos que caracterizam a
MRB geralmente são diagnosticados por grupos evangélicos tanto nas religiões afro-
brasileiras como no espiritismo Kardecista, assim como no catolicismo popular. Desde o
início a oposição entre esses seguimentos foi unânime entre todo o evangelismo no Brasil.
Para José Bittencourt Filho (2003) os elementos que compõem a matriz religiosa
brasileira são: o catolicismo ibérico e a magia européia trazida pelos colonizadores; a religião
e a magia africana e indígena; o espiritismo kardecista e o catolicismo romanizado. Jaziel
51
Guerreiro Martins (2005) ao assimilar o conceito de matriz religiosa brasileira de Bittencourt
afirma que a umbanda é a religião que mais se aproxima dos referenciais simbólicos, dos ritos
e das crenças presentes na MRB. Pois a umbanda é religião que melhor sintetizou o
sincretismo presente nesta matriz religiosa. E a assimilação desses elementos que compõe a
MRB está muito mais presente na religiosidade popular, que ao mesmo tempo, representam a
grande massa de indivíduos que compõe o campo religioso brasileiro.
Diferentemente das demais igrejas, a IURD, ao invés de somente combater as religiões
afro-brasileiras e mediúnicas, como seguimento da MRB, ela recupera a cosmovisão destas e
as ressignifica. Prática que foi considerada por ORO (in: SILVA, 2007:30), definindo-a como
“comedora de religião”. O que a distingue entre essas práticas é que ao apropriar-se dos
referencias simbólicos ela lhes confere outro significado
18
. A IUDR nega o “poder” das
entidades e deidades afros, demonizando-as e justificando assim o combate que se trava
contra elas. “Mantêm as mesmas características da umbanda na doutrina e na prática, porém
faz um juízo de valor entre o trabalho “bom” feito pela IURD, e do “mal” feito pelos terreiros
(LIMA; REFKALEFSKY, in MELO, GOBBI, ENDO, 2007:54). Deste modo, o sucesso de sua
expansão explica-se também por essa estratégia de assimilação e ressignificação dos bens
simbólicos de seus concorrentes.
Maria das Dores Campos Machado e Patrícia Birmam também trabalham com esse
conceito, relacionando os referenciais simbólicos das religiões de matriz africana como a
mola-propulsora do diferencial e sucesso dos cultos e ritos da IURD, favorecendo o trânsito
religioso. Assim sendo, para Birman, “o culto neopentecostal depende da cultura de possessão
pré-existente nos segmentos populares da sociedade brasileira” (BIRMAN: 1997 e 2003; apud
MACHADO: 2007) e para Machado,
Confrontando os neopentecostais com os grupos afro-brasileiros, percebe-
se que é justamente a magia do primeiro, que favorece a passagem dos fiéis
que vem dos terreiro de umbanda e do candomblé para uma religiosidade
considerada mais ética. A teologia do mal, pregada pela IURD, se alimenta
das entidades do panteão afro-brasileiro, desvalorizadas e associadas a
diversas formas de malefício” (MACHADO, 2007:17).
Macedo se beneficia e se diferencia do discurso apresentado pelas demais igrejas
evangélicas porque ele não se opõe às crenças da maioria da população do País. Esta
18
Exemplos: distribuição de rosas, banhos com água fluidificada, sabonetes abençoados para descarrego,
distribuição de balas e doces abençoados, os rituais de descarrego, o acarajé-de-Jesus, entre outros.
52
metamorfose ritualística, ou esse hibridismo que configura as práticas da IURD, contribui
para uma melhor aceitação pelos praticantes da continuidade religiosa da idéia de que há uma
Matriz Religiosa Brasileira, que ao se identificarem nos cultos iurdianos, aderem facilmente a
sua pregação contribuindo com sua expansão no campo religioso. “Se a IURD privilegiasse
apenas os dons ou carismas do Espírito Santo, seria mais uma igreja evangélica a fazê-lo”
(LIMA; REFKALEFSKY, 2007: 55).
José Transferetti e Maria Érica de Oliveira Lima (2007) apresentam uma discussão
sobre as estratégias utilizadas pelas instituições religiosas para manterem-se neste complexo e
disputado campo religioso brasileiro, por meio de produção de bens simbólicos. A diversidade
religiosa produz um intenso trânsito religioso, por outro lado, um crescente número de
indivíduos em busca de produção de bens simbólicos que respondam às necessidades
existenciais mais variadas. Transferetti e Oliveira Lima, definem que “a Instituição religiosa
se estrutura por regras e por coerção. O poder coercitivo revela-se na manutenção de sua
ordem interna e externa e também nos combates às instituições concorrentes”
(TRANSFERETTI, LIMA, in MELO, GOBBI, ENDO: 2007,35). Nessa disputa para a
manutenção das instituições religiosas e garantia de sucesso e legitimidade prevalece o
emprego da produção de bens simbólicos como a utilização do poder discursivo por meio de
técnicas e instrumentos de comunicação de massa.
No início dos anos 90, os evangélicos no Brasil não passavam de 9% da
população. Com o aumento da procura dos fiéis por novas religiões,
atrelados aos seus problemas pessoais, crises existenciais e financeiras,
inseguranças, as novas igrejas investiram em comunicação, superexposição
pela mídia televisiva, novos programas religiosos, enfim, tudo isso
contribuiu para o aumento de outras religiões, e consequentemente,
produtos. O cenário religioso de bens simbólicos passa pela produção de
novos pastores, igrejas, estratégias comunicacionais, marketing, levando os
fiéis ao consumo da palavra cristã e divina, além de produtos como DVDs,
CDs, livros de auto-ajuda, etc. (ibid: ,41 e 47).
A utilização de recursos midiáticos, as estratégias de comunicação e o poder
discursivo, como um meio eficaz para garantir a permanência e sucesso das instituições
religiosas, tem sido apontado por muitos pesquisadores. Para Christa Berge, “na disputa por
fiéis valem as mesmas noções do mercado”. (BERGE, in MELO, GOBBI, ENDO, 2007:30-
31). Embora a utilização da mídia televisiva seja um instrumento imprescindível para alcançar
a grande massa, não se pode deixar de valorizar o discurso presente em revistas, jornais e
livros. Edir Macedo e a IURD tem utilizado muito proveitosamente desse recurso, que LIMA
53
e REFKALEFSKY, apresentam como um instrumento valioso para atender as expectativas do
“mercado”. Para esses autores, Macedo procura produzir “livros pequenos, bem escritos e
fáceis de ler, a quantidade, porém, suprem de informação os leitores mais interessados e os
fiéis mais integrados à Igreja” (LIMA; REFKALEFSKY, in MELO, GOBBI, ENDO,
2007:58).
Conclusão
A trajetória religiosa de Macedo tendo em vista a sua participação na Igreja Nova
Vida, cujo modelo de evangelismo se baseia na prática proselitista, no constante combate as
forças maléficas, e a “guerra santa”, aparecem como elementos constitutivos na doutrina da
Igreja fundada posteriormente por ele. Portanto, essas concepções defendidas por Macedo,
ajudam-nos a compreender a visão maniqueísta, sua e da IURD, e o discurso que
consideramos intolerante às religiões afros e mediúnicas. A influência do pastor Robert
McAlister e da sua obra, o livro Mãe-de-Santo, parecem ter contribuído para a produção do
livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?. Uma análise das duas literaturas
revelou identificações muito similares na visão que McAlister e Macedo reproduziram a
respeito do demônio e da concepção que trazem das religiões mediúnicas.
Como o discurso do líder religioso não está dissociado ao discurso da própria
instituição religiosa, a análise do discurso presente nos textos de Edir Macedo também nos
ajudou na compreensão dos mecanismos de intolerância utilizados pela IURD para agregar
fiéis e deslegitimar aqueles que ela considera seus concorrentes. O sucesso do livro Orixás,
Caboclos e Guias..., que desde a sua publicação em 1988 permanece na lista dos mais
vendidos na editora da IURD, pode estar relacionado ao sucesso do discurso empregado nos
diversos cultos e em outras publicações iurdianas. Com a análise do livro Orixás, Caboclos e
Guias..., procuramos trazer ao leitor a discussão e a ressaltar a importância de dar “cada vez
mais importância aos processos de encontro, contato, interação, troca e hibridização cultural”
que também ocorreu no meio religioso, usando-se aqui conceitos de Burke (2003:16). Ao
mesmo tempo a nossa intenção foi a de mostrar a relação existente entre o texto, a literatura e
o discurso institucional dentro das fronteiras culturais em que se movem o discurso e a
retórica de Edir Macedo. Uma análise do discurso de Macedo contribuirá para quem sabe, no
surgimento de maiores reações críticas à sua atuação e às conseqüências de sua retórica.
Deve-se pensar também nos meios pelos quais “aqueles que detêm o poder justificam sua
54
existência, vantagens, ação e permanência” (HALLYDAY, 1997:93) no caso do cenário
religioso. Deste modo queremos sugerir que a IURD tende a construir retoricamente sua
legitimidade em detrimento de outros grupos religiosos.
Nessa perspectiva, no próximo capítulo será apresentado uma análise mais concisa do
discurso de Macedo no livro Orixás, Caboclos e Guias... Buscamos compreender ainda como
na produção da obra literária torna-se importante a propaganda e utilização de técnicas de
marketing na distribuição e venda de um livro. Assim também se garante o sucesso de um
livro no mercado livreiro. Relacionamos a tais mecanismos de venda o uso do poder
lingüístico e simbólico dentro do próprio texto, assim como a utilização de técnicas de design
e a recorrência ao uso de imagens e algumas mudanças feitas na editoração do texto como a
eliminação da assinatura do prefácio em algumas edições.
55
Capítulo 2
O livro de Edir Macedo:
a face “amorosa” da intolerância
Neste segundo capítulo o objetivo é apresentar no livro Orixás, Caboclos e Guias..., a
forma como ele foi arquitetado e dividido em capítulos, destacar a importância do uso ou a
ausência de fotografias, o emprego de design nas capas sem perder o foco que é a analise de
seu discurso que a nosso ver esconde uma prática intolerante. Observamos ainda que nesse
texto traços e aspectos ideológicos que fizeram escola no cristianismo, desde os livros
publicados durante o período conhecido por Santa Inquisição. Daí o título deste capítulo.
Aparentemente o autor deseja demonstrar “amor”, “compaixão” e desejo “de salvar” os seus
leitores ainda, a seu ver, “cativos do diabo”, mas, o resultado é, a nosso ver, um texto
carregado de estigmas, de intolerância para com os cultos africanos e as religiões mediúnicas.
Qual é o limite entre o discurso “amoroso” e o obscuro inquisitorial e intolerante? É o
que pretendemos demonstrar neste capítulo. No anterior analisamos o autor, neste segundo
capítulo a mensagem que esse autor pretende comunicar aos seus leitores. Devemos, contudo,
nos lembrar das palavras de Bourdieu (2007), que se o emissor elabora uma mensagem, ela é
codificada para caminhar pelo canal desejado, e no final do processo ela decodificada pelo
leitor segue o desejo do emissor.
56
No primeiro capítulo foram reunidas informações sobre as origens religiosas de Edir
Macedo. Nele destacou-se a sua conversão ao pentecostalismo na Igreja Nova Vida até tornar-
se o bispo primaz da IURD. Em decorrência a sua rápida ascensão e de sua Igreja no campo
religioso brasileiro percebemos a importância de se buscar uma melhor compreensão das
práticas empregadas por Macedo para tornar a IURD um empreendimento de sucesso e uma
Igreja que diferencie a IURD das demais igrejas neopentecostais. Ao se escolher como objeto
de análise o discurso de Edir Macedo especificamente o que aparece em uma das literaturas
mais editadas pela IURD, se fez para mostrar como um discurso religioso pode se transformar
em um discurso intolerante. Por isso buscou-se neste capítulo apresentar uma análise mais
detalhada do discurso de demonização das religiões afro-brasileiras e mediúnicas no livro
Orixás, Caboclos e Guias... Ora, uma leitura mais atenta desse livro permitirá aos leitores
identificar que não neutralidade nas palavras de Edir Macedo, assim como não
neutralidade em nenhum discurso. Muito pelo contrário, nele e em outros, há sim, uma
intencionalidade bem demarcada, o que determina a forma como o livro pode ser lido e
compreendido pelos leitores.
A respeito da intencionalidade das palavras e intenções presente num discurso
podemos recordar as palavras de Pierre Bourdieu ao afirmar que: “não existem palavras
neutras, palavras inocentes, cada palavra, cada locução ameaça assumir dois sentidos
antagônicos conforme a maneira que o emissor e o receptor tiverem de interpretá-la”
(BOURDIEU, 2008:26, 27). Por outro lado essa leitura mais cuidadosa dos textos de Edir
Macedo pode mostrar a importância da legitimidade que os enunciados necessitam para serem
consideradas “autoridades” no assunto. Concorda-se com Bourdieu ao afirmar que um
discurso está condenado ao fracasso se não for anunciado por alguém que tenha adquirido o
“direito” ou o “poder” de anunciá-lo (ibid.: 89).
2.1 O discurso religioso-ideológico de Edir Macedo
O livro Orixás, Caboclos e Guias... se apresenta diante do analista como um discurso
coerente e pouco ideológico. Pretende ser um bloco monolítico, trazendo para o leitor uma
mensagem clara é irrecusável de que Edir Macedo pensa ser o cerne da tradição, isto é, em
toda a sua pureza. Porém podemos perguntar: estamos ou não diante de um discurso
ideológico? O discurso de Macedo pode ser considerado ideológico, pois ele procura por meio
do exercício de retórica esconder as suas práticas, impedindo o debate, afirmando
57
antecipadamente o lugar destinado ao que ele estigmatiza e diaboliza. Ao fazermos uma
análise do discurso de Edir Macedo, aceitamos a definição de Campos (1997) a respeito do
papel da retórica na comunicação, propaganda e marketing da IURD. Para Campos é por meio
da retórica e ideologias, que certas concepções de mundo tendem a ser construídas sempre
com o objetivo de agregá-las e influenciá-las.
“Na retórica iurdiana palavras fortes usadas para designar a vida
pregressa dos fiéis, que era uma vida destruída, derrotada, difícil, dominada,
arrasada, fechada e bloqueada por demônios. O ponto mais baixo atingido
pela pessoa em sua queda recebe o nome de fundo do poço, quando então o
indivíduo estava possesso de demônios. (...) A única saída para quem está no
fundo de poço é a libertão, quando então o indivíduo é chamado a tomar
posse da salvação. (...) As obras malignas foram desfeitas, os demônios
foram amarrados e a vida transformada”. (CAMPOS, 1997:308).
Por sua vez, Halliday (1987) afirma que o “discurso é parte importante da construção
de uma realidade mediada por palavras e símbolos”. Nesta perspectiva o discurso da vida
“derrotada”, ”destruída”, o “fundo do poço”, para Macedo e conseqüentemente para a IURD é
uma realidade relacionada à ação dos demônios. Por isso, escolhemos analisar o discurso de
demonização das religiões afro-brasileiras e mediúnicas a partir do livro Orixás, Caboclos e
Guias... Justamente porque esse livro identifica as religiões mediúnicas com os demônios e
suas ações na vida dos indivíduos. Essa perspectiva está presente na maioria dos cultos, rituais
e publicações (revistas, jornais, livros) da IURD. Mesmo a nível litúrgico, como Campos
observa, a “luta contra o demônio ocupa em termos de tempo, uma significativa parte do ritual
litúrgico iurdiano” (CAMPOS, 1997:337).
No livro aqui analisado Edir Macedo procura se apresentar como um especialista em
demonologia. Daí ter escrito o livro Orixás, Caboclos e Guias... e, posteriormente um outro
pequeno livro O Diabo e seus Anjos. Em nosso estudo sobre o discurso contido na literatura
iurdiana a respeito das religiões afro-brasileiras escolhemos como objeto de análise um
exemplar da 15ª edição do livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?, publicado
no ano de 2006. Porém fez-se necessário recorrer às edições de 1993 e 2001 porque elas
apresentam importantes similaridades e significativas diferenças, ampliando deste modo nossa
compreensão sobre o discurso demonizador utilizado para construção identitária da IURD e
para delimitar fronteira entre sistemas religiosos por meio dos quais ela constrói seus
referenciais simbólicos.
58
A análise que aqui se empenha a fazer comparando-se três edições do livro de
Macedo editados em 1993, 2001 e 2006 tem por objetivo captar e entender o alcance do
discurso de Edir Macedo nesta obra e ao mesmo tempo compreender a relação do autor
com o texto, e do texto com o leitor. Será que os leitores do livro Orixás, Caboclos e
Guias..., perceberam as mudanças ocorridas no texto, nas capas e no uso das imagens? Tais
mudanças contribuíram para aumentar a venda do livro? O autor, ou a Editora, informam
aos seus leitores que houve mudanças nas edições deste livro? Qual o efeito estético na
mudança da capa do livro da edição de 1993 para as edições de 2001 e 2006? Nas edições
de 2001 e 2006 foi acrescentada a “conclusão” logo após o último capítulo o que não
aparece na edição de 1993. Que reação provoca nos leitores a exposição de fotos de rituais
das religiões afro-brasileiras acompanhados de uma legenda que os identificam com o
demônio? Essa identificação causa: medo, indignação, estranheza, raiva? Ou elas apenas
contribuem para legitimar o discurso do autor que se intitula um especialista na
identificação e libertação das pessoas “vítimas” do demônio?
Através da pesquisa percebeu-se que diferentes possibilidades de explicação para o
para o sucesso do discurso de Edir Macedo tanto entre os fiéis iurdianos como entre os de
fora da Igreja. Uma das explicações pode estar relacionada à autoridade que Edir Macedo
exerce dentro de sua instituição religiosa como bispo primaz e como um dos principais
fundadores da IURD, ou seja, o lugar que ele ocupa na hierarquia da Igreja traz ao seu
discurso uma legitimidade que outros não tem. Daí o alcance positivo entre os fiéis. Deste
modo, o discurso de Edir Macedo pode ser analisado como um via de mão dupla ao contribuir
e ao mesmo tempo ser contribuído pelo sucesso de sua Igreja. A utilização da retórica para a
manutenção do sucesso de uma instituição, seja ela política ou religiosa, tem sido um tema de
interesse para alguns pesquisadores, como nos aponta CAMPOS (1997:299):
“A retórica continua sendo usada com muito sucesso, inclusive nas religiões
empresariais e nas empresas religiosas conforme estudos de Jean Cohen
(1975), J. Dubois (1974), Chaim Perelman e Lucie Obrchts-Tyteca (1996),
Kenneth Burke (1969, 1975), Karlyn K. Campbell (1982), Tereza Lúcia
Halliday (1987,1988, 1996) e tantos outros, que têm retomado os estudos da
retórica”.
Ao tratar do discurso ou retórica como instrumentos de poder e legitimação, Tereza
Halliday (1987) afirma que para um discurso organizacional obter legitimidade ele necessita,
sobretudo “apresentar credenciais de competência, empatia e idealismo” e que além de sua
utilidade também deve ser “compatível com os interesses de seus locutores”. Ou seja, para
59
essa autora, a retórica é uma palavra que se refere a atos de comunicação que ocorrem em
resposta a certas situações as quais exigem, inspiram ou encorajam um certo tipo de discurso.
Assim sendo, o discurso e a comunicação são indissociáveis da retórica. Devemos ainda levar
em conta o modo como Edir Macedo, e conseqüentemente a IURD tem empregado o discurso
escrito, falado e principalmente sua própria mídia para divulgar as suas concepções. Para
Campos devemos analisar os procedimentos retóricos da IURD que “ao construir uma
realidade a ela propícia, legitima-se num contexto social no qual há, pouco mais de três
décadas, era totalmente desconhecido, e ainda hoje, é objeto de desconfiança” (CAMPOS,
1997:300).
Por meio da análise do discurso de Edir Macedo expresso em seu livro Orixás, Caboclos
e Guias..., foi possível averiguar as relações que existem entre o discurso do livro e o discurso
religioso usado nas sessões de descarrego, nos cultos, nos rituais diversos, assim como na
vida cotidiana dos fiéis. Em decorrência desse nosso interesse, surgiram algumas perguntas
que foram sendo respondidas no desenvolvimento da pesquisa: o que o texto quer dizer?
Como o texto diz e para quem ele quer dizer? Como o discurso de Edir Macedo, a respeito das
religiões afro-brasileiras e mediúnicas, apresentado no livro, intervém na compreensão que os
fiéis elaboram e representam da cosmovisão mediúnica? Qual a relação de poder que se
constitui entre o produtor do discurso e seus leitores?
Orlandi (2002), afirma ser possível através da análise do discurso compreender como as
relações de poder são significadas e simbolizadas. Deste modo, ela define que “o discurso é o
lugar em que se pode observar a relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a
língua produz sentidos por e para os sujeitos” (ORLANDI, 2002:17). Ao tratar das relações de
força produzidas pelo discurso, Orlandi também considera que:
“Finalmente, temos a chamada relação de forças. Segundo essa noção,
podemos dizer que o lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do
que ele diz. Assim , se o sujeito fala a partir do lugar do professor, suas
palavras significam de modo diferente do que se falasse do lugar do aluno. O
padre fala de um lugar em que suas palavras têm uma autoridade
determinada junto aos fiéis etc. Como nossa sociedade é constituída por
relações hierarquizadas, são relações de força, sustentadas no poder desses
diferentes lugares, que se fazem valer na comunicação. A fala do professor
vale (significa) mais do que a do aluno”. (ORLANDI, 2002:39).
A imagem e a importância que se atribui ao lugar onde se encontra o sujeito produtor
do discurso está relacionada ao modo como nossa sociedade se organiza e é regida por
60
relações de poder. Por isso, para Orlandi, “na análise do discurso não se menospreza a força
que a imagem tem na constituição do dizer” (ibid.: 42). Portanto as palavras, ou seja, o
discurso está sujeito a mudança de sentido a partir do lugar e da posição daqueles que as
empregam e das ideologias que sustentam suas crenças e opções político-social-religiosa.
Compreender esses mecanismos discursivos nos permite apurar o modo como um discurso
literário de cunho religioso, como o utilizado por Macedo, legitima a prática dos fiéis e a
concepção que trazem sobre o significado e ação do demônio, e a relação entre forças
demoníacas com práticas das religiões afro-brasileiras e mediúnicas.
2.2 O poder no discurso de Macedo
Os recursos lingüísticos, retórico e imagético, utilizados por Edir Macedo para que
livro Orixás, Caboclos e Guias..., mantenha sua permanência na lista dos best-seller, são
recursos facilmente explicáveis pela lógica do marketing empresarial, que objetiva manter seu
produto em plena ascensão no mercado regido pelo sistema capitalista. Por outro lado, o
discurso de Macedo nesta literatura é revestido de um poder simbólico e de um poder
lingüístico a tal ponto que exerce múnus centralizador e catalisador de práticas e temas
específicos dos iurdianos, como por exemplo, a prática da “guerra santa” contra as religiões
afro-brasileiros e mediúnicas. A eficácia do seu discurso nos parece obter continuidade nos
demais discursos pronunciados nos cultos, nos meios de comunicação e na doutrinação
cotidiana dos fiéis. Observando-se tudo pode-se admitir que o discurso de Macedo e de sua
Igreja tente ser coerente e isento de práticas idealísticas.
A especificidade do discurso de autoridade, reside no fato de que não basta
que ele seja compreendido (em alguns casos ele pode inclusive não ser
compreendido sem perder o poder), é preciso que ele seja reconhecido
enquanto tal para que possa exercer seu efeito próprio. Tal reconhecimento
somente tem lugar como se fora algo evidente sob determinadas condições,
as mesmas que definem o uso legítimo: tal uso deve ser pronunciado pela
pessoa autorizada a fazê-lo, o detentor do cetro (skeptron), conhecido e
reconhecido pela sua habilidade e também apto a produzir esta classe
particular de discursos, seja sacerdotes, professores, poeta, etc”
(BOURDIEU,2008:91).
A pesquisa nos livros e artigos escritos por Edir Macedo, especialmente em Orixás,
Caboclos e Guias..., comprovou serem as suas concepções instrumentos eficazes de
doutrinação e de construção identitária da IURD. O discurso de demonização das deidades e
entidades das religiões afro-brasileiras e mediúnicas, contidas nesse livro, tem sido
reproduzido em diversas publicações e, sobretudo, aparece como o discurso central nos cultos
61
e ritos da IURD, e mais explicitamente, nas sessões de descarrego. O lugar que ocupa o
discurso desse livro no cotidiano da instituição religiosa e na vida dos fiéis demonstrou que
seu conteúdo dispõe de um poder simbólico e lingüístico que o torna uma referência para a
análise do domínio discursivo de Macedo.
Para Bourdieu “as relações de comunicação, além de se configurarem por “relações de
poder simbólico” perpassa também pelas relações de “trocas” como ocorre no processo de
mercantilização de um produto, ou seja, relações de oferta e procura entre emissor e receptor”
(BOURDIEU: 2008,24). Neste sentido, as práticas da IURD têm sido apontadas por alguns
pesquisadores como, Campos e Mariano, como “mercantilização do sagrado” (CAMPOS,
1997:165). Mariano mesmo reforça o que tem escrito Ari P. Oro ao afirmar que “o modelo
empresarial adotado pela liderança da IURD resulta na fetichização do dinheiro e na
mercantilização do sagrado” (MARIANO, 2003:240 in: ORO, CORTEN, DOZON). Deste
modo, a produção literária religiosa também tem participado desse mercado consumidor e se
caracteriza pela “oferta ou mercantização de bens simbólicos”, buscando atender a um público
cada vez mais exigente e ávido por soluções mágicas, priorizando seus interesses e
necessidades.
O livro Orixás, Caboclos e Guias..., busca atender justamente a este público de
“consumidores do sagrado”, e Edir Macedo é apresentado como a pessoa qualificada para
atender as exigências de uma demanda própria de tempos de incertezas e de fronteiras de
sentido porosas. O discurso sobre o demônio parece-nos ser um produto que possui um
público desejoso por consumí-lo, como consta no prefácio da edição de 2001:
Muita coisa tem sido escrita sobre demônios. Não são poucos os livros em
circulação no mercado evangélico que tratam do assunto, de tanta
importância para aquele que deseja ver o bem do seu próximo. Não
conhecemos, entretanto, um livro com a veracidade, a impetuosidade e a
coragem deste que temos a satisfação de prefaciar. Realmente, estava
faltando, para esclarecimento de nosso povo, um livro do estilo Orixás,
Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?, e poucas pessoas estão tão bem
qualificadas para falar desse assunto quanto o bispo Macedo”. (MACEDO,
2001:7).
A venda de mais de quatro milhões de exemplares revela o sucesso desse livro no
mercado de produtos religiosos. Fábio Lucas, em seu estudo sobre Literatura e Comunicação,
afirma que, “desde o século XVIII cristalizou-se o preceito de que ser moderno é estar em dia
62
com os acontecimentos e procurar refleti-los na obra de arte. Já no mundo moderno, ou seja, o
do século XX a modernidade se liga ao princípio da metamorfose”. Assim:
“na literatura, observa-se que a noção de bem está ligada, na cultura, a uma
entidade divina, responsável pelo equilíbrio e a ordem do universo. Em
outras palavras o bem se associa ao princípio da ordem, assim como o mal
está ligado à desordem e contestação. A conclusão é de que a literatura
moderna, privilegiando a originalidade e o discurso autônomo, tende sempre
para o lado da desordem, da diferença, do exclusivismo, da vanguarda.
Enfim, milita ao lado do mal” (LUCAS, 2001:47).
Apropriando-se do conceito de Lucas, que “o discurso autônomo tende a militar ao
lado do mal”, buscou-se no livro aqui analisado, identificar qual a visão que o autor tem de
mal e a identificação que ele faz do demônio e o panteão afro-brasileiro. Buscamos em nosso
estudo compreender quais as implicações desse discurso trazidas ao campo religioso em
decorrência do que nós consideramos como atitudes intolerantes. Interessou-nos também,
analisar como se apresentam as mudanças ocorridas no texto literário editados em anos
anteriores e posteriores a processos que implicaram em indenizações na justiça. Coube
também em nossa pesquisa justificar a importância desse discurso literário na construção da
legitimidade e na formação identitária de um grupo religioso, no caso da IURD.
Lucas compreende o processo de massificação da literatura como algo decorrente do
que ele chama de “filosofia do consumismo”, que retira da escrita e da leitura o lugar
“sagrado” a que ela pertencia. Para Lucas, mudança de lugar ocupado pela literatura é
característica “do interesse mercantil, da lógica produtiva, onde as condições de recepção são
estruturadas por interesse e necessidades outros que não a verdade, onde cada produto cultural
se apresenta mediatizado entre a mercadoria e a forma estética” (LUCAS,2001:72). Esta
concepção de Lucas pode ser apropriada ao relacioná-la com uma frase utilizada na capa do
livro Orixás, Caboclos e Guias..., Mais de 3 milhões de exemplares já vendidos acompanhado
da frase: Finalmente liberado pela justiça” logo após a liberação para a venda dos livros
que haviam sido retirados de circulação do mercado por ordem judicial.
A censura a determinadas literaturas ocorreu em vários momentos da história das
sociedades. No Brasil, a repressão a determinados livros foi muito mais evidente no período
da Inquisição (séculos XVI e XVII) desencadeada pela Igreja Católica. Mas houve casos
posteriores durante a última Ditadura Militar que tivemos (1964-1985). Alguns livros não
somente foram tirados de circulação, mas, por vezes destruídos. São muitos e diversos os
conteúdos, títulos e temas tratados nestas obras estigmatizadas e banidas que geralmente
63
correspondiam a questões religiosas, políticas, econômicas, culturais, éticas e ideológicas.
Muitos desses livros estiveram na lista dos “livros proibidos” e só se tornaram célebres após a
ocorrência de sua censura por parte de algum “órgão oficial”.
Encontramos numa lista disponibilizada pela Wikipédia
19
uma listagem de
aproximadamente 200 livros que passou por censuras de Instituições como o Estado e a
Igreja. Constam nesta lista, livros nacionais e literaturas internacionais. Esses livros em
algum momento da história estiveram na “lista dos livros proibidos”. Alguns nomes são bem
conhecidos do público brasileiro: Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley; A Idade da
Razão, de Jean-Paul Sartre; A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe; The Color
Purple, de Alice Walker; Decameron, de Boccaccio; Evangelho segundo Jesus Cristo, de
José Saramago; Hamlet, de William Shakespeare; Holocausto: Judeu ou Alemão?, de
Siegfried Ellwanger Castan”; O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec por Index Librorum
Prohibitorum; Il Mio Diario Di Guerra, de Benito Mussolini; Versos Satânicos, de Salman
Rushdie; A Última Tentação de Cristo, de Nikos Kazantzakis. E entre os 200 títulos de
livros dispostos nesta lista encontramos a literatura por nós analisada neste estudo, o livro
Orixás, Caboclos & Guias - Deuses ou Demônios?, de Edir Macedo.
Verificou-se ainda com essa apresentação de uma lista de livros que processos de
estigmatização ou de censura à determinados livros ocorreram nas sociedades
independentemente de estarem identificados com os períodos da Inquisição ou com regimes
ditatoriais. É o caso do livro Orixás. Caboclos e Guias..., publicado pela primeira vez no
Brasil em 1988.
20
Somente após a liberação da venda desse livro pela Justiça, aparece em
destaque na capa a quantidade de exemplares vendidos. Certamente essa informação visa
garantir ao consumidor, ou leitor que ele está adquirindo uma obra de grande aceitação do
público. Por outro lado, ao apresentar a justificação: liberada pela justiça significa dizer
que ela é uma leitura que não contraria as leis predispostas à publicações segundo o próprio
Poder Público e Judicial, portanto, está legalizada para ser consumida, ou seja, é uma fala
autorizada e digna de crédito” (BOURDIEU,2008:57).
19
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_livros_censurados. Acessado em 02/11/2009.
20
Mesmo ano da promulgação da Nova Constituição Brasileira (1988).
64
Pierre Bourdieu trata desta relação de comunicação existente entre o emissor e o
receptor, como uma “troca lingüística”, frase essa que se expressa na lógica do mercado
como “troca econômica”:
“Esta relação se estabelece em meio a uma determinada relação de força simbólica
entre um produtor, provido de um dado capital lingüístico, e um consumidor (ou um
mercado), capaz de propiciar um certo lucro material ou simbólico. Em outros termos
o discurso não são apenas (a não ser excepcionalmente) signos destinados a serem
compreendidos, decifrado; são também signos de riqueza a serem avaliados,
apreciados, e signos de autoridade a serem acreditado e obedecidos”
(BOURDIEU,2008: 53).
Para que o discurso tenha total aceitabilidade pelos indivíduos a qual ele se destina, é
necessário haver, sobretudo uma legitimidade do emissor e do discurso pronunciado por este.
Ao tratar-se de uma literatura de cunho religioso, o peso do discurso carrega um poder
simbólico, e neste caso para Bourdieu, “a eficácia simbólica da linguagem religiosa fica
ameaçada quando deixa de funcionar o conjunto dos mecanismos capazes de assegurar a
reprodução da relação de reconhecimento que funda sua autoridade” (BOURDIEU, 2008:60).
Esta preocupação com a legitimidade do discurso proferido por Macedo, aparece bem
explícita no Prefácio assinado pelos editores na edição de 2001. O fato da Editora Gráfica
Universal Ltda, ser um empreendimento da IURD favorece a legitimação do discurso de Edir
Macedo, que aparece revestido de autoridade institucional, religiosa, pois foi escrito um
produto por um profundo conhecedor do assunto:
“Esse homem, que Deus levantou nesses dias para uma obra de grande vulto no
cenário evangelístico nacional e mundial, conhece todas as artimanhas demoníacas.
Seu freqüente contato com praticantes do espiritismo, nas diversas ramificações, faz
com que seja um grande conhecedor da matéria. Cremos ser impossível a um
praticante do espiritismo ler este livro e continuar na sua prática. Acreditamos também
ser difícil a um cristão ler este livro e continuar a professar uma descuidada e
estagnada. (MACEDO,2001:7,8).
Dar legitimidade ao discurso de um autor faz parte de uma estratégia utilizada por uma
pessoa ou organizações, que segundo Halliday, se constitui na “busca por aceitação”. Deste
modo, “as opiniões emitidas por uma organização tem a função legitimizante de apresentá-la
como alguém que sabe o que está dizendo, logo, é digno de confiança” (HALLIDAY,
1987:22). O próprio Edir Macedo no livro Orixás, Caboclos e Guias..., ao aconselhar os
leitores a não freqüentarem as religiões afro-brasileiras e mediúnicas, legitima seu discurso,
prevenindo o leitor que o próprio demônio pode tentar impedi-lo de realizar a leitura dada a
importância de seu livro.
65
Meu amigo leitor, nunca foi e jamais será um bom negócio o envolvimento como os
guias. (...) Essa religião tão popular no Brasil, é uma agência onde se tira o passaporte
para a morte e uma viagem para o inferno. O diabo sabe que este livro está abrindo os
seus olhos e poderá roubá-lo ou tentar convencê-lo a não crer ou não aceitar as
verdade que ele contém. Tome a decisão neste momento e comece a viver
abundantemente (MACEDO,2006:75,76)
Deste modo, como afirma Bourdieu, “não se pode especialmente compreender os
efeitos simbólicos da linguagem sem levar em conta o fato, mil vezes atestado, de que a
linguagem é o primeiro mecanismo formal cujas capacidades geradoras são ilimitadas, pode-
se, portanto, enunciar tudo, na e pela linguagem” (BOURDIEU, 2008:28). Por isso, a análise
do discurso de Edir Macedo trás para o campo da discussão a idéia de que uma literatura
desencadeia. por estar revestida de um poder simbólico e por sua significância para os sujeitos
que a produzem e para os que dela se apropriam.
2.3 Marketing e discurso religioso
Até que ponto marketing e discurso religioso no caso de Edir Macedo, se
interpenetram? Pensando nessa questão procurou-se nesta pesquisa incluir no discurso uma
breve apresentação dos recursos técnicos utilizados pela IURD para reforçar o impacto do
discurso escrito nos livros por eles editados, especialmente no livro Orixás, Caboclos e
Guias... Interessou-nos compreender as técnicas utilizadas para a elaboração da arte gráfica e
outros recursos visuais utilizados para reforçar o discurso do autor, como por exemplo, o uso
de imagens. A utilização de marketing comercial para garantir o sucesso de venda de livros
num mercado tão concorrido não poderia ser deixado de lado na análise do livro Orixás,
Caboclos e Guias.... Logo na análise da capa desse livro é possível identificar como a
utilização da arte do design gráfico foi um recurso utilizado como estratégia de marketing de
venda. Os leitores desse como de outros livros sabem que as capas de livros exercem uma
importante função, não somente de anunciar seu conteúdo, mas ao mesmo tempo, de causar
impacto, estímulo, gosto, sabor e o desejo ao leitor em adquirir esta ou aquela obra.
A análise de mudanças nas capas de livros geralmente nos indica a necessidade de
diferenciação entre livros e autores. Para as estratégias de marketing, as técnicas utilizadas na
modificação das capas estão relacionadas à descoberta pelo marketing do Design Gráfico, que
se constitui num conjunto de estudos a respeito da melhor maneira de se atrair o leitor por
meio da capa a ser visualizada por ele no processo da compra. Se num determinado período
da sociedade, adquiria-se um livro valendo-se unicamente da importância do autor,
66
atualmente a esse dado deve-se somar a preocupação estética para chamar a atenção do leitor.
Para PAIXÃO, design, é “a aplicação do conhecimento da arte em algo a ser produzido em
escala” (ROCHA; PAIXÃO, 2009:66). A origem do conceito e a utilização de design
surgiram na história após a Revolução Industrial, quando a “produção dos objetos de uso
cotidiano migrou da manufatura para industrialização” (ibid: 66). Essa mudança ocorrida no
meio de produção de bens trouxe como conseqüência a simplificação ou eliminação de
detalhes, cores e formas que se sobressaiam na produção artesanal. Resgatar e aprimorar os
detalhes são a função exercida pelo técnico em design. Essa técnica utilizada na produção e
apresentação de capa de livros tende a intencionar o leitor em adquirir a obra a partir do seu
contato imediato com a textura, o formato e a arte da mesma.
Foi Willians Morris (1896-1934) que deu inicio ao desenvolvimento de importantes
pesquisas, cujo objetivo era recuperar a beleza, a forma e os detalhes que o processo de
mecanização não mais permitia. Morris cria o “Movimento das Artes e Ofícios”. Este
“Movimento influenciou o Desenho Industrial, ou seja, o design de objetos e inaugurou o
pensamento da arte aplicada a objetos diversos” (Ibid: 67). Portanto, Morris, no século XX,
deu origem as grandes escolas de Design. Na década de 20, a escola de Bauhaus, do arquiteto
alemão Walter Gropius, renovou o pensamento da arte aplicada na arquitetura, urbanismo e
desenho industrial, “surgindo a partir daí uma categoria de profissionais, artistas-técnicos ou
designers” (Ibid: 67).
O design tornou-se desde então uma ferramenta que motiva e interfere na decisão da
compra de um produto. O processo de industrialização atual não leva tanto em conta a
durabilidade e funcionalidade de seus produtos com o mesmo comprometimento em que
procura destacar a beleza, a estética e apresentação do mesmo. Quanto à produção de livros,
os olhos dos consumidores têm exigido uma apresentação cada vez mais qualitativa. Na
elaboração do design da capa de um livro, todos os detalhes são projetados de modo a chamar
a atenção do leitor. As cores, as formas, as ilustrações ou imagens, os contrastes, o tipo de
letra utilizado no título do livro, no nome do autor e da editora, o sombreamento das palavras
ou das imagens, todos esses são elementos que tendem a tornar a obra mais atrativa aos olhos
do consumidor. Todos têm por função provocar estímulos no inconsciente e no imaginário do
leitor.
A utilização de imagem é outro recurso que aparece com muita freqüência nos livros.
A imagem possui um atributo funcional, uma boa arte gráfica ressalta a mensagem que está
67
impressa nas páginas internas do livro. Esta preocupação com a arte, com o impacto da
projeção simbólica do que as imagens representam para um público especificamente
consumidor de bens religioso estão muito bem dispostos na capa do livro Orixás, Caboclos e
Guias... Percebemos em nosso estudo que os editores da Gráfica Universal Ltda
empreenderam uma atenção especial com a utilização das imagens e do design das capas. As
modificações ocorridas entre algumas publicações revelam mudanças externas e internas, na
emissão e recepção do discurso literário, que motivaram o autor e a editora a se utilizarem
desse recurso. Destacamos modificações significativas no design das capas do livro Orixás,
Caboclos e Guias..., e também alterações no uso de imagens e no discurso contido na edição
de 1993 que o difere de outras edições. Nos livros editados em 2001 e 2006 apresentam-se
pequenas modificações prevalecendo a utilização da mesma arte gráfica. O design dessas
capas apresenta um significativo valor simbólico e imagético. Não foi mero acaso a escolha
das cores de fundo em preto e vermelho, que, para as religiões afro-brasileiras, representam a
cor de exu (e pombagira) a divindade mais estereotipada e estigmatizada pelos iurdianos.
No cenário montado para ilustrar a capa estão dispostas a imagem de um caboclo; a
imagem de um orixá; oferendas utilizadas em despacho; representação do sincretismo
existente entre as religiões afro e do catolicismo popular na imagem de São Jorge. A própria
disposição dos elementos simbólicos, e principalmente a utilização da imagem de uma caveira
disposta bem no centro do cenário, sem dúvida ativa a imaginação do leitor despertando um
sentimento negativo, de medo, terror, morte ou algo funesto. A configuração desta arte
reproduz a idéia pejorativa dos rituais das religiões afro-brasileiras que circula entre a maioria
dos cristãos e que Edir Macedo bem soube explorar neste contexto. As imagens utilizadas no
livro Orixás, Caboclos e Guias..., contrastam com a qualidade das imagens do livro Mãe-de-
Santo de McAlister, o que nos leva a supor que no período em que ele foi publicado não havia
tanta preocupação por parte do autor ou da editora em explorar as imagens como parte
integrante do discurso.
O exame de três exemplares editados em anos diferentes, 1993, 2001 e 2006, nos deu a
possibilidade de registrar mudanças no design gráfico da capa, na cor utilizada nas imagens e
na cor de fundo, na escolha da imagem central, na disposição e na cor do título, nas imagens
utilizadas para ilustrar o discurso interno do livro. Procuramos, sobretudo, compreender o
sentido e o valor simbólico da permanência de algumas ilustrações e citações discursivas. As
representações simbólicas das ilustrações aparecem intrinsecamente relacionadas ao contexto
68
e ao discurso contido na literatura. Deste modo, a utilização de imagens exerce uma função
de instrumento de mediação onde as palavras estão ocultas nas imagens ali disposta. Orlandi
se apóia em Pêcheux para afirmar “no discurso o que conta em relação ao seu contexto, não
são os falantes como tais, mas as imagens de seus lugares, ou seja, são as formações
imaginárias que presidem o discurso” (ORLANDI, 1984/1985:265).
Outra modificação não menos importante foi a alteração da assinatura do prefácio. Por
que houve tais mudanças? Qual a importância de certas informações contidas numa edição e
excluídas em outras? Quais as motivações que estão por detrás dessas diferenças? Por que o
nome de Jose Cabral de Vasconcelos (J. Cabral), que assinava o prefácio da edição de 1993,
foi retirado das demais edições?. Procuramos relacionar essas diferenças que foram surgindo
nas edições dos livros com possíveis acontecimentos relacionados com a forma como o
discurso de Edir Macedo fora acolhido por alguns e rejeitado por outros.
As informações encontradas nos sites da IURD registram que num período de 30 anos,
Macedo publicou e vendeu uma quantidade superior a dez milhões de livros (sic)
apresentados em mais de 34 títulos, e que esta produção continua se expandindo. Uma
peculiaridade que interessa para nosso estudo é que o livro Orixás Caboclos e Guias..., desde
sua publicação em 1988, permanece no catálogo da Editora entre os mais vendidos. Uma vez
que dispomos de instrumentos para problematizar e analisar o discurso literário utilizado por
uma instituição religiosa, permitirá também, que façamos uma reavaliação do próprio
produtor, ou emissor do discurso assim como do receptor ou leitor. A análise de um livro de
cunho religioso contribui para a formação de sujeitos/leitores ativos e não mais passivos do
discurso produzido por uma pessoa ou por uma instituição.
2.4 O uso de imagens no livro Orixás, Caboclos e Guias...
Na edição de 2006 do livro Orixás, Caboclos e Guias..., foram utilizadas 16 imagens
relacionadas a rituais, objetos e entidades das religiões afro-brasileiras e imagens de médiuns
que se fazem presente nas sessões do Espiritismo kardecista. Todas essas imagens são
acompanhadas por legendas apresentando o seu significado. Neste espaço da legenda o autor
buscou reforçar ainda mais o discurso de demonização contido no corpo texto. Para Goffman
(1988) “a visibilidade atribuída ao sujeito estigmatizado torna-se um fator ainda mais crucial”.
A utilização de imagens reforça os processos e mecanismo de acusação e demonização
utilizados pelo autor.
69
Figura 2
Outras associações que
Fotografias de entidades das religiões afro-brasileiras e de seus seguidores assim como
as práticas mediúnicas do kardecismo são utilizadas no livro Orixás, Caboclos e Guias....,
relacionando-as à aparição de doenças e sofrimentos na vida dos indivíduos. Doenças essas
que podem ser ou não identificadas pela medicina. Ao identificar os sinais de possessões
demoníacas com o aparecimento de doenças, Macedo apresenta uma lista de 10 itens
apontando esses itens como os dez sinais de possessões: 1) nervosismo; 2) dores de cabeça
constante; 3) insônia; medo; desmaios ou ataques; desejo de suicido; doenças que os médicos
não descobrem as causas; visões de vultos ou audição de vozes; vícios; depressão (MACEDO,
2006:60).
“O fato é que realmente tudo o que existe de ruim neste mundo tem sua
origem em satanás e seus demônios. São eles os causadores de todos os
infortúnios que atingem o ser humano, direta ou indiretamente... Durante
todos esses anos, nas nossas igrejas temos aprendido com testemunhos
incontáveis, que os demônios são os principais causadores de doenças. (..).
Toda pessoa endemoniada, no entanto, possui doenças que não encontram
explicações médicas ou naturais. (...). As doenças espirituais são aquelas que
apresentam sintomas de enfermidades sem que os médicos consigam
localizar ou diagnosticar as suas causas. O médico faz todos os exames
cabíveis e depois afirma que ela não tem absolutamente nada.” (ibid: 93;
95;99)
Para Macedo, distúrbios mentais também estão relacionados a ação de demônio. Neste
caso, as enfermidades podem até ser diagnosticadas, porém sua presença no indivíduo está
relacionada a ação do demônio. Outras manifestações demoníacas são associadas a distúrbios
70
morais, empobrecimento, infelicidade, morte e condenação total ao inferno. Para ele, os
demônios:
“Gostam de atacar o sistema nervoso provocando insônia, dores de cabeça,
úlceras nervosas, medos, dores no corpo, desmaios constantes e uma lista
interminável de doenças. Conheço uma senhora que ficou louca após ter se
envolvido com os exus, caboclos e outros guias. Essas facções do espiritismo
(umbanda, quimbanda e candomblé), colocam sobre seus adeptos os mais
pesados fardos e receitam as mais estranhas obrigações para aqueles que
procuram seus favores. Tais obrigações têm as mais diversas finalidades:
matar, destruir casamentos, prejudicar a vida financeira, etc. Empregos,
encontros amorosos, morte de inimigos e coisas desse tipo são conseguidos
em consultas com exus ou pretos-velhos. Na maioria das vezes, além da
pessoa perder dinheiro, tempo ou moral, corre o risco de perder também a
vida” (MACEDO, 2006: 98;99;104;105).
Na perspectiva das Ciências Sociais, autores como Marcel Mauss (1981), Durkheim
(1989) e Peter Berger (1985) concordam com a idéia de que o discurso que diz respeito a
anjos e demônio é uma das formas de se colocar ordem em uma realidade confusa, integrando
no nível existencial ou de discurso, o ideal de vida boa ou no mínimo aceitável. Encontramos
em Erving Goffman (1988) uma significativa contribuição para a compreensão dos sistemas
de acusações e estigmatização e de reprodução de identidades deterioradas. Os sistemas de
acusação e criação de estigmas, para CAMPOS, “servem para classificar indivíduos como
prejudiciais à manutenção da ordem social” (CAMPOS, 2007:67). Esses sistemas de acusação
e estigmatização são muito bem elaborados e reproduzidos no discurso de Macedo para com
as religiões consideradas suas concorrentes.
Neste estudo o conceito “estigma” está sendo empregado como referência a um
atributo depreciativo que se utiliza para designar ou acusar um indivíduo ou um sistema
religioso. Esse conceito tem sido utilizado por Erving Goffman, em Estigma notas sobre a
manipulação da identidade deteriorada (1988). O livro Orixás, Caboclos e Guias..., reproduz
um discurso de estigmatização e demonização o exacerbatório como não encontradas em
outras publicações religiosas lançadas nesses últimos 30 anos no Brasil. Por que esta
intolerância e estigmatização se configuram de modo tão acentuado para com as religiões
afro-brasileiras? Para Gilberto Velho (1981) assim como para Goffman (1998) os sistemas de
acusação e o de criação de estigmas servem para delimitar fronteiras sociais ameaças. Nessa
mesma perspectiva Campos (2007) também tem relacionado os sistemas de acusação de
estigmas a necessidade de delimitação de fronteiras sociais. Portanto, pressupomos que Edir
Macedo, ao apresentar um discurso demonizando os exus, caboclos, guias e as entidades
71
espirituais presentes no kardecismo tem reproduzido os sistemas de classificação de
identidades deterioradas. Estudos têm apontado que as religiões afro-brasileiras, seguidas do
catolicismo popular, das práticas mágicas diversas estão entre as que mais se configuram
como concorrentes da IURD e de sua constituição identitária (CAMPOS, 1997; ORO, 2005;
PIERUCCI, 2000; PRANDI 2003; SILVA, 2007). Portanto a própria identificação da IURD
com essas práticas religiosas, favorece a produção, por parte do iurdianos, de um discurso de
demonização de seus doadores de referenciais simbólicos e identitários.
Macedo justifica a publicação do livro Orixás, Caboclos e Guias..., como uma mera
pretensão de denunciar as manobras satânicas que procuram destruir a humanidade
utilizando-se de sistemas religiosos como o kardecismo, a umbanda, o candomblé e outras
seitas similares‟. Ele também afirma que sua intenção é colocar a descoberto as verdadeiras
intenções do demônio que se fazem passar por orixás, exus, erês e, ao mesmo tempo,
ensinar a fórmula para que as pessoas se libertem do demônio que os domina. Deste modo,
ele deixa evidente com seu discurso literário que ele pretende esclarecer, principalmente os
pais-de-santo e mães-de-santo, incitando-os abandonarem a vida errante, enfronhada nas
falsas religiões e, deste modo possam tornarem-se participantes do “grupo do bem”, os
cristão iurdianos.
A IURD entra para o cenário religioso num momento em que o mundo estava divido
em duas grandes potências que guerreavam entre si. A década de 80 até início dos anos 90 foi
um período marcado por sistemas de perseguição e acusação entre as potências dos Estados
Unidos (EUA) e União Soviética (URSS) conhecida por “Guerra Fria”.
21
Para os capitalistas
estadunidense o demônio vinha do leste europeu enquanto que os socialistas soviéticos
apontavam para os Estados Unidos como a encubadora, gestora e exportadora dos demônios
que estavam destruindo o resto do mundo por meio do sistema capitalista. Assim como na
21
“A influência soviética na Europa oriental logo após a Guerra Mundial, foi vista com temor por W.
Churchill, que criou em 1946, o célebre conceito de “cortina de ferro” para identificar os países europeus sob o
poder da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Definia-se na Europa a formação de um bloco
capitalista ocidental, favorável aos Estados Unidos (EUA), e de uma aliança de países na região oriental,
vinculada à URSS. Gradativamente esse quadro político se reproduziria por todo o planeta, dividindo o mundo
em dois blocos geo-políticos (Oeste X Leste) e ideológicos (capitalismo X comunismo). Cada vez mais, os
EUA e A URSS preparavam-se para isolar o “inimigo” e para o enfrentamento. Por isso nesse quadro tenso de
bipolarização, os dois países iniciaram uma verdadeira corrida armamentista, desenvolvendo principalmente a
tecnologia atômica para o uso militar, ou seja, as armas nucleares. A constante ameaça de utilização dessas
desse armamento para destruição do “inimigo” empregada por essas duas potências, ficou conhecida na História
como Guerra Fria”. MORAES. José Geraldo Vinci. Caminhos das Civilizações. Histórias Integradas Geral e do
Brasil.São Paulo: Atual Editora, 1998. pág. 440.
72
Guerra Fria, a ameaça de que o “inimigo” quer nos destruir a qualquer momento é um
discurso constante no livro Orixás, Caboclos e Guias.... Uma das formas empregadas por
Macedo para justiçar a publicação desse livro é afirmar que a obra literária foi escrita para
atender a solicitação de milhares de pessoas que ansiavam por uma edição que fosse tão
eficaz contra os maus espíritos”.
No livro, Macedo justifica a criação de seus sistemas de classificação e de
representação do mal contra as religiões afros e mediúnicas para que não haja qualquer
identificação por parte do público leitor, entre as similaridades encontradas nas crenças e ritos
da IURD:
“Em muitas de nossas reuniões, efetivamente, vemos um quadro
assombroso; uma verdadeira amostra do inferno. Se alguém chegar à igreja
no momento em que as pessoas estão sendo libertas, poderá até pensar que
está em um centro de macumba, e parece mesmo”. (...). “Como podem
baixar esses espíritos em uma igreja, uma casa de Deus? É importante, antes
de mais nada, termos ciência de que os espíritos infernais manifestados nas
pessoas não foram encontrados na igreja: estavam dentro delas.
Freqüentaram terreiros; tomaram passes; fizeram obrigações ou foram
vítimas de algum trabalho; chegaram à igreja carregadas de demônios e ao
receberam a oração da fé, com sinceridade diante de Deus, os demônios que
estavam em seus corpos não resistiram e foram forçados a se revelarem, para
serem expulsos” (MACEDO,2006: 108).
Foi possível dar conta nesta análise que o estilo discursivo de Macedo busca garantir
seu sucesso no campo religioso ao longo de apenas três décadas. Assim a figura de Edir
Macedo como líder religioso tem surpreendido a muitos principalmente pela capacidade de
convencimento de seu discurso. Esse convencimento tem contribuído para que a IURD tenha
se tornado um objeto atraente para o estudo do fenômeno religioso no Brasil. O aumento no
número de fiéis possibilitou a aquisição de Canais de TV, emissoras de rádio, jornais, revistas,
livros, publicações diversas, produção de CDs, e uma excelente informação tem sido usada
para atrair e facilitar o contato com a IURD. Todavia com esse discurso literário ela consegue
radicalizar o discurso intolerante e discriminatório presente em menos grau em outros grupos
neopentecostais, criando assim, uma identidade evangélica diferenciada das demais.
Os estudos apresentados para a compreensão e reflexão de constituição da identidade
do indivíduo moderno e das instituições, nos indicam que uma crise de identidade que
permeia o campo religioso devido o impacto da pós-modernidade. Para Hall (2005) uma
identidade pessoal ou institucional ressalta de um processo de interação e não de existência de
uma essência. Trabalhamos com a possibilidade, apresentada por Hall, de que a questão da
73
identidade se torna um tema muito importante quando a identidade se encontra em crise. Por
crise, compreende-se, quando algo que se supunha ser fixo, estável é deslocado pela
experiência da instabilidade e das incertezas. Logo as sociedades modernas são caracterizadas
por seu modelo descentralizado, desunificado, a identidade do sujeito, de modo semelhante, é
marcada pela mobilidade. Não há, portanto, uma identidade fixa, permanente. Deve
acrescentar-se ainda que a identidade iurdiana está marcada pela complexidade de sua própria
composição ao incorporar elementos de cultos diversos. Ari Pedro Oro (in SILVA, 2007)
define a IURD como uma religião de “bricolagem, sincrética, religiofágica”, o que nos
permite concluir que tal situação possibilita considerarmos a IURD e incluí-la dentro de um
sistema de classificação de identidades contraditórias e flexíveis sugeridas por Hall.
Para Erving Goffman (1988) é na sociedade que se estabelecem os meios de
categorização dos indivíduos. Tal categorização será definida por normais aceitáveis ou por
anormais indesejáveis. Essa caracterização geralmente se configura pela produção de
estigmas. Para ele estigma é um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo. O
estigma tende a criar um sentimento de descrédito e desvalorização do individuo ou da
instituição estigmatizada. Portanto, identificar as deidades, as entidades e os seguidores do
candomblé e umbanda com o demônio é uma das formas mais exacerbadas de se destruir a
imagem e a identidade dessas religiões. Ao mesmo tempo é uma estratégia de manutenção da
identidade iurdiana e coesão dos fiéis em torno desse discurso. Para Bourdieu, “o poder sobre
o grupo a que se pretende dar existência enquanto grupo é, ao mesmo tempo, um poder de
fazer o grupo impondo-lhe princípios de visão e de divisão comuns, e, portanto, uma visão
única de sua identidade e uma visão idêntica de sua unidade” (BOURDIEU, 2008:11).
Segundo o discurso literário de Edir Macedo, a obra de libertação das pessoas do
domínio de Satanás, é um poder que Jesus concedeu a ele e a todos aqueles que crêem em
Jesus. Por isso, combater as religiões afro-brasileiras e mediúnicas é, sobretudo, cumprir a
vontade de Deus e a realização de um projeto divino.
“Jesus não deu autoridade apenas a alguns privilegiados, absolutamente,
não! Deus não faz acepção de pessoas. O que os apóstolos Pedro e Paulo
fizeram, nós também podemos fazer! O mesmo Espírito que estava sobre
eles também está sobre mim; posso todas as coisas nAquele que me
fortalece. Se o Senhor Jesus expeliu um legião de demônios, eu também
posso fazer isso! Ele curou os enfermos, libertou os oprimidos, abençoou as
pessoas, e mandou que eu e você fizéssemos isso também, „João 14,12‟.”
(MACEDO, 2006:113)
74
O sucesso mercadológico do livro Orixás, Caboclos e Guias..., deve-se, sobretudo, a
legitimidade que esse discurso alcança entre os leitores evangélicos. O discurso de
demonização das religiões afro-brasileiras e mediúnicas só exerce um poder de alcance
porque os leitores atribuem “poder” e “veracidade” ao mesmo. , porém, um fator que não
pode ser excluído dessa análise do discurso de Macedo, é a crise, a constante tensão existente
nas fronteiras internas do campo religioso de onde emerge o neopentecostalismo, as religiões
afro-brasileiras e mediúnicas.
“O poder constituinte da linguagem (religiosa ou política) ou dos esquemas
de percepção ou pensamento por ela propiciados fica tanto mais visíveis em
situações de crise: estas situações paradoxais, extra-ordinárias, requerem um
discurso extra-ordinário, capaz tanto de nivelar os princípios práticos do
ethos aos princípios explícitos, geradores de respostas (quase) sistemáticas,
como ainda de exprimir tudo o que pode haver de inaudito e de inefável na
situação criado pela crise” (BOURDIEU, 2008:119).
Aqui se trata do que Bourdieu (2008) designa por eficácia do discurso ou linguagem
autorizante e autorizada. O poder da linguagem, no entanto, não se encontra propriamente
dentro do próprio sistema lingüístico, e sim, de algo externo a ela, ou seja, “o princípio da
eficácia da palavra vem de fora”. A linguagem é colocada a serviço da autoridade que a
possui e dela se apropria. Isto ocorre com a legitimidade dos discursos institucionais, que se
apresentam como a “fala oficial”. Assim para Bourdieu, “as características estilísticas da
linguagem dos sacerdotes e professores e, de modo mais geral, dos quadros de quaisquer
instituições, tais como a rotinização, a estereotipagem e a neutralização, derivam de posição
ocupada num campo de concorrência por esses depositários de uma autoridade delegada”
(BOURDIEU, 2008:87).
Para Orlandi “com o estudo do discurso observa-se o homem falando” (ORLANDI,
2002:15). O discurso iurdiano, neste sentido, procura produzir efeitos como todo e qualquer
discurso humano. Deste modo, a Análise de Discurso para Orlandi, visa fazer compreender
como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de
interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois, eles intervêm no real
sentido do mundo.
A análise do discurso de Macedo permite ainda a compreensão de como o discurso
elaborado por um líder religioso é interpretado no nível institucional e acolhido pelos fiéis.
Aqui vale também a afirmação de Bourdieu que, o acesso aos instrumentos legítimos de
expressão e, portanto, a participação no quinhão de autoridade institucional, está na raiz de
75
toda a diferença, irredutível ao próprio discurso” (BOURDIEU, 2008:89). Daí a nossa
afirmação de que este livro tem sido utilizado como um “manual de instrução” ou, livro de
doutrinação, para que os fiéis iurdianos compreendam, assimilem e reproduzam a
demonologia e demonopraxis criada por Macedo. Com isso também, uma forma eficiente
de legitimação das práticas de intolerância religiosa. Por sua vez, as representações que Edir
Macedo tem elaborado e explicitado em seu discurso a respeito do mal e do demônio em
Orixás, Caboclos, Guias...., apresenta novidades e rupturas com modelos de estigmatização já
existentes e utilizadas por outras religiões.
2.5 Comparando capas de várias edições
Na escolha do objeto para a pesquisa que fizemos recolhemos de várias edições do
livro Orixás, Caboclos e Guias..., elementos para comparar as várias edições em relação ao
design da capa, ilustrações e conteúdos. O exercício foi proveitoso, pois pudemos confirmar
que houve mudanças nas edições correspondentes aos anos de 1993, de 2001 e 2006. Tais
mudanças ocorreram não no design gráfico mas, também na eliminação de alguns textos e
no acréscimo de outros.
Em 1993 o livro Orixás, Caboclos e Guias...., trazia impresso na última capa o nome e
a relação de livros que faziam parte da Coleção “Reino de Deus”. Anunciava-se livros como
Nos passos de Jesus (Bispo Macedo); A dose mais forte (Renato Maduro; Apocalipse Hoje
(Bispo Macedo); O Espírito Santo (Bispo Macedo); O poder sobrenatural da (Bispo
Macedo); Vida com Abundância (Bispo Macedo); A libertação da Teologia (Bispo Macedo).
Essas informações não são encontradas nas edições de 2001 e 2006. A edição de 1993 se
diferencia das edições posteriores em vários aspectos: tamanho, cor e imagem da capa,
prefácio, introdução e a utilização em maior quantidade de imagens de cultos e ritos afro-
brasileiros. Para Vagner Gonçalves da Silva, a produção de uma literatura de divulgação
religiosa, seja por meio de livros ou jornais, passou a ser um traço característico importante
das igrejas neopentecostais, muitas delas constituindo para isso suas próprias editoras”
(SILVA,2007:2004).
Já na edição de 2001, no anúncio da última capa observa-se apenas uma mensagem em
destaque: Neste milênio, invista na sua vida espiritual! Seguida da propaganda de apenas um
livro publicado em CD Rom, o livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios, A
Editora aparece como Universal Produções e também a uma alternativa do leitor comprar
76
através de televendas. Em 2006, repete-se a mensagem “Neste milênio, invista na sua vida
espiritual!” e são divulgados três livro: Mensagem que edificam (Edir Macedo); O poder
sobrenatural da (Edir Macedo) e o livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios
em CD Rom (Edir Macedo), todo o material é também acessíveis por televendas.
Uma observação mais atenta e a comparação entre as capas dos livros (figuras 3) nos
fornecem mais elementos para o entendimento das mudanças e das possíveis rupturas havidas
no aspecto visual do livro em várias edições.
Figura 3 capa dos livros Orixás, Caboclos e Guias......
(edição de 1993) (edição de 2001) (edição de 2006)
Essa exposição das capas nos permite visualizar nitidamente as diferenças
correspondentes em cada capa. Na edição de 1993 a imagem central é um castiçal com uma
vela quase branca acessa sob uma superfície que aparenta ser um móvel ou altar. Nas cores de
fundo se sobressai um tom azul quase esverdeado. O título do livro aparece em letras de cor
branca e na tarja vermelha em letras amarelas a mensagem: Mais de 1.500.000 de exemplares
já foram vendidos, seguida de Sucesso Absoluto!.
Aqui cabe recordar a afirmação de Amarildo Carnicel que “as imagens não são
exatamente o que se vê, o que se pensa que é real, são tão polissêmicas quanto as palavras”
(CARNICEL,2002:43). As imagens também nos transmitem uma mensagem quase
instantânea que confere uma comunicação instantânea. Por isso as imagens oferecem uma
gama de interpretações através de suas cores, formas, disposições e até mesmo pela intenção
em que ali foi disposta. Carnicel propõe analisar uma foto a partir de cinco conceitos:
77
negociada; consentida; não-consentida; predatória e denuncia. Na fotografia negociada, os
fotografados, são estimulados pelo fotógrafo. Quanto a utilização de um objeto, existe todo
um exame de posições e planos possibilitando melhores condições técnicas. Na foto
negociada o indivíduo quer ser fotografado ou o fotógrafo quer fotografar o objeto desejado.
“Esta foto mais do que tudo é produzida para ser observada” (ibid: 46). Na foto consentida,
assim como na negociada, o fotografado permite que sua imagem seja captada pela máquina,
porém é ele que domina a posição que deseja ser captado. Diferente da foto negociada, onde o
fotógrafo é quem manipula seu alvo.
A foto, predatória, seria aquela que o fotógrafo capta a imagem sem o consentimento
da pessoa ou do objeto. A foto denúncia não se difere muito da predatória, geralmente elas
tendem a expor denuncias das mazelas da sociedade. São fotos cuja intenção é instigar o olhar
de quem as observa a produzir uma reflexão ou incômodo. As fotos utilizadas nas capas do
livro Orixás, Caboclos e Guias..., nos anos de 2001 e 2006 representam entidades, deidades e
rituais das religiões afro-brasileiras. Podemos classificá-las como “fotos não consentidas”
segundo o conceito de Carnicel, pois deduzimos que elas não foram utilizadas com a
aprovação prévia das instituições religiosas as quais elas pertencem. Porém, outras fotos
utilizadas no interior do texto se enquadram mais nesse conceito de não consentida, ao
observamos a preocupação com a manipulação delas pela gráfica, utilizando-se de jogos de
luz, sombra e o recurso de uma tarja para dificultar o reconhecimento da mesma, como
podemos observar nas imagens expostas a seguir na figura nº 4.
Figura 4
(Imagem utilizada na edição de 1993) (Imagem utilizada nas edições de 2001 e 2006)
78
Para Carnicel (2002), o elemento fotografado é produto da escolha ideológica do
fotógrafo. Essa concepção torna-se válida para a utilização de imagens diversas. Assim como
a fotografia, as imagens fazem parte de um processo de criação e cuja função é transmitir uma
mensagem cultural/ideológica. Observa-se que tanto no uso de palavras como de imagens
não há neutralidade. Portanto as imagens também estão carregadas de intencionalidades.
Nesse sentido, as mudanças nas capas das edições de Orixás, Caboclos e Guias..., denunciam
a agressividade do discurso de Edir Macedo em relação as religiões afro-brasileiras.
a capa da edição de 2001 foi completamente modificada em relação a capa da
edição de 1993. Houve uma mudança radical na utilização de cores e imagens. Predomina no
fundo as cores preta e o vermelha que se sobressaem ao centro da capa onde algumas imagens
dos cultos e rituais afro-brasileiro estão dispostos. A mesma capa é reproduzida na edição de
2006. As modificações se dão nas legendas e mensagens nela exposta. Na edição de 2001, o
nome do livro está centralizado e com destaque para a palavra Orixás. O título Orixás,
Caboclos e Guias está escrito em cores alaranjadas e Deuses ou demônios? aparece em
letras de tamanho menor e de cor branca. No canto direito do livro, logo acima do tulo,
acima do título, aparece em destaque uma mensagem escrita em cor vermelha e fundo
amarelo, Em letras maiores Finalmente, liberado pela justiça. No canto direito da capa abaixo
das imagens aparece outra mensagem em destaque envolta num fundo amarelo, contrastando
com as cores preta e vermelha: Mais de 3 milhões de exemplares vendidos. Para a impressão
dessa mensagem foram utilizadas três cores, as letras menores que iniciam a mensagem „mais
de‟ são brancas, 3 milhões’ de cor vermelho, esta centralizado e em tamanho maior que as
demais letras, e, „de exemplares vendidos’ são letras menores e também em vermelho.
Para Wagner G. Silva, o livro Orixás, Caboclos e Guias.., “retoma a estrutura e os
temas centrais do livro Mãe-de-Santo, indo ainda mais além, num tom muito mais agressivo
de condenação e alerta sobre os perigos que correm os que cultuam o panteão mencionado”
(SILVA,2007:200). Assim, para Silva, o que torna a publicação de Macedo mais convincente
é a utilização dos objetivos, ou imagens das religiões afro-brasileiras, o que passa uma idéia
pejorativa das mesmas, assim para esse autor é notório,
“a utilização de uma farta ilustração que se vale do próprio status da
dimensão estética e ritualística das religiões afro-brasileiras para julgá-las
como demoníacas. Na capa, uma foto do orixá Oxalá (paramentado de
branco) é reproduzida sobre um fundo vermelho e preto (cores de Exu),
tendo à sua frente a imagem de um caboclo, de São Jorge, fios de contas,
quartinhas etc. Ao centro, uma caveira é rodada por velas acesas em círculo.
79
Obviamente trata-se de uma montagem de peças na forma estilizada de um
despacho e, por isso mesmo, seu poder imagético é bastante sugestivos,
sobretudo pelas associações que induz com coisas funestas (a caveira),
ameaçadoras ( o caboclo com a sua clave erguida em posição de combate e
misteriosas (os elementos litúrgicos)” (SILVA (org): 2007,201:202).
Os teóricos que estudam o espaço gráfico também nos ajudam na compreensão da
estratégia usada pelos editores de Orixás, Caboclos e Guias... Rocha e Paixão, por exemplo,
registram que: “além dos motivos óbvios para o qual as fontes são criadas, ou seja, para
leitura, elas ainda têm a função de ser uma parte integrante do projeto gráfico, (ROCHA e
PAIXÃO,2009:91). Os autores também advertem que a utilização de fontes diferenciadas
também são tratadas como imagens, seja “no título” como no “corpo” do texto corrido
exercendo uma função “publicitária. Assim como, a utilização de cores diferenciadas são
importantes para atingir o objetivo pretendido com um texto. A utilização de cores quentes
como amarelo, vermelho ou coral, aguçam a fome, remetem a sensualidade, a cor preta, por
sua vez, inspira a idéia de mistério, de algo oculto ou funesto. Ao contrário, as cores mais
claras como azul e verde transmitem uma mensagem de tranqüilidade, equilíbrio, suavidade.
Quanto a capa de edição 2006 notamos que foi retirada a mensagem relacionada a
liberação da justiça ou ao número de vendagem dos exemplares. Certamente esta mensagem
não se fazia mais importante no contexto social em que foi editada. Para finalizar essa
análise das capas, observamos que nas edições de 2001 e 2006, na última capa foi impressa
uma mensagem aos leitores, motivando-os a leitura e explicando o porquê dela tão
importante, principalmente para os praticantes do espiritismo e para os leitores cristãos.
2.6 Fotografias: práticas religiosas demonizadas
O uso de fotografias no processo de estigmatização pela produção literária também
mereceu a nossa atenção na pesquisa. Observamos o seguinte: na edição de 1993 foram
utilizadas 27 fotografias de rituais das religiões afro-brasileiras. Foi reproduzida quatro
matérias de noticiários de jornais, denunciando práticas relacionadas a cultos afro-brasileiro e
uma foto de um culto identificado como culto de libertação da IURD . na de 2001,
aparecem apenas 13 fotos dos rituais, 12 fotos a menos do que a edição anterior, uma foto da
imagem de Iemanjá e duas fotos de pessoas ligadas ao espiritismo, como a do médium
Daniel Douglas Home e do médico Adolf Fritz. Na edição de 2006 são repetidas as mesmas
fotos da edição de 2001, com as mesmas legendas. Nas edições de 2001 e 2006 a última foto
que aparece no livro é a de um culto da IURD, identificado como culto de louvor e
80
batismo no Espírito Santo, diferentemente da edição de 1993 que identifica a foto do evento
como sendo culto de libertação.
Apenas uma imagem se repete nas três edições. É a primeira imagem que aparece no
livro. Nela visualizamos um convite para cerimônia do candomblé e como destaque aparece
no centro do convite um tridente, identificado com o diabo cristão. Acompanha esta imagem a
seguinte legenda: Convite para uma cerimônia do candomblé: a cor normalmente usada para
tal convite é a vermelha; o tridente do diabo revela o intuito do ritual. Nenhumas das
imagens utilizadas na edição de 1993 aparecem nas edições dos anos de 2001 e 2006. Em
1993, um conjunto de 20 fotos em que aparece sempre uma mesma pessoa. Trata-se da
preparação de uma filha-de-santo para receber o “santo”. O impacto maior causado por estas
fotos, segundo Vagner G. Silva (2007), está na intenção do autor de deturpar o ritual tirando-
lhe o caráter „sagrado‟, banalizando algo que é restrito apenas aos iniciantes dos cultos afro-
brasileiro. Silva captou bem a questão ao afirmar que
“Mas o impacto maior decorre da reprodução fotográfica de inúmeras cenas
de rituais secretos de iniciação, como o orô (momento do sacrifício animal
sobre a cabeça do iniciado). Essas cenas são de fato o „calcanhar de Aquiles‟
dos cultos afros, sobretudo quando retiradas de seu contexto, visando criar a
imagem dessas religiões como „sangrentas‟, „selvagens‟ ou „primitivas”
(SILVA, 2007:202).
Figura 5
(As imagens foram copiadas da edição de 1993)
81
As fotos (figura %) trata do ritual preparatório para a e-de-santo “receber o santo”.
Para Pierre Verger (1981), a reclusão do iniciado a um determinado lugar faz parte de todo o
ritual sagrado que o povo africano, iorubá ou nagô, seguem com muita seriedade. Este ritual
simboliza a passagem para o além, ou seja, entre a antiga existência profana e a nova vida,
consagrada ao deus. Quando da cerimônia de purificação ou Afèjèwè (batismo de sangue dos
neófitos), após a raspagem da cabeça, é feita uma incisão no alto do crânio, onde é colocado
posteriormente o òsù (oxu) seguindo-se a cerimônia do derramamento do sangue de animais
sobre a cabeça do neófito. Os descendentes daqueles povos continuam reproduzindo estas
cerimônias em seus terreiros. Esse é para eles um momento sagrado, a consolidação da
verdadeira união entre os homens e seus deuses, entre o sagrado e o profano. Tal cerimônia
foi assim descrita por Verger:
“Para cada noviço são sacrificados primeiro os animais: galos, pombos,
tartarugas, galinhas-d‟andola e caracóis. O sangue é derramado ao mesmo
tempo sobre a cabeça do iniciado e sobre a machadinha de pedra, suporte do
axé de Xangô, estabelecendo a ligação entre o futuro elégùn e Xangô. Os
corpos dos animais decapitados são apresentados ao noviço, que chupa um
pouco do sangue; pode acontecer que ele aperte em seus dentes o pescoço do
galo com tal força, que arranque um pedaço e mastigue, lentamente, por
alguns momentos. Marca-se a cabeça do noviço, bem como o peito, as
costas, os ombros, as mãos e os pés como sangue dos animais sacrificados.
Porém, o ponto culminante da cerimônia de batismo de sangue é aquele em
que um carneiro é sacrificado Após ser degolado e seu sangue amparado em
uma cabaça, uma parte é derramada no ojùbo e outra na cabeça do noviço,
escorrendo por todo o corpo. Em seguida com as penas das aves sacrificadas
cobrem-se-lhes a cabeça, o rosto e os diversos pontos de seu corpo, que
foram marcados com sangue. A cabeça do animal é separada do corpo,
acima do noviço prostrado sobre um pilão. Acontece então que Xangô
manifesta sua aceitação aos sacrifícios e a consagração do novo elégùm,
apossando-se dele, „montando‟ nele (VERGER,1981:39;40).
Edir Macedo, ao emitir seu juízo de valor e classificar tais rituais de demoníacos não
somente pratica, a nosso ver, um total desrespeito a essas crenças como também tem emitido
um discurso de intolerância religiosa, o que pode motivar seus seguidores a reproduzirem essa
intolerância quer seja de forma verbal ou até na forma de violência física. São vários os
processos considerados como exemplo de intolerância no discurso e prática da IURD contra
as religiões afros. A condenação do livro Orixás, Caboclos e Guias..., e o pedido da
Procuradoria da República para que se retirasse de circulação essa literatura, considerando seu
caráter ofensivo contra as religiões afro-brasileiras faz parte de outras iniciativas e vários
outros processos judiciais apresentados contra a IURD. Entre eles encontra-se um processo
por uso indevido de imagens nesse livro analisado, conforme informação de Silva:
82
“No Rio de Janeiro a Justiça condenou em 2004, a Iurd e a Editora Gráfica
Universal, responsável pela publicação do livro Orixás..., a pagar 120 mil
Reais pelo uso indevido da imagem do adolescente Ricardo Navarro, que
aparece numa foto, na época com quatro anos de idade, tocando atabaque no
terreiro de sua avó, a ialorixá Palmira de Iansã, em Mesquita. Segundo a
legenda da foto: “Essas crianças, por terem sido envolvidas com os orixás,
certamente não terão boas notas na escola e serão filhos problemas‟ na
adolescência”. A ialorixá havia processado a editora 10 anos pelo uso
da imagem de três crianças em seu terreiro, que aparece no livro e no jornal
Folha Universal para ilustrar uma matéria intitulada “Filhos do Demônio”. A
gráfica foi condenada a pagar vinte salários mínimos para as famílias das
três crianças. Uma dessas crianças, hoje adolescente, lembra que na época
foi alvo de chacota na escola: “Eu fui chamada de macumbeira, que vivia em
religião de demônio” (SILVA, 2007: 21)
Essas fotos não aparecem em nenhuma das três edições que foram analisadas em nossa
pesquisa. Outra imagem utilizada no livro que extrapola as fronteiras das religiões mediúnicas
é a identificação que Macedo faz de Iemanjá com a Virgem Maria associando-a com os
demônios conforme exemplo da figura nº 6:
Figura 6
Aqui se concretiza o que bem escreveu Carnicel, “não importa para que se destina uma
produção fotográfica, a imagem congelada sobre a superfície do papel será sempre resultado
do assunto que o fotógrafo elegeu (CARNICEL,2002:52). A utilização da imagem esta,
portanto, relacionada a escolha ideológica de quem a utiliza.
83
2.7 Mudanças no prefácio e na conclusão do livro
No decorrer da pesquisa observamos também que houve mudanças nas várias edições
no prefácio e na conclusão do livro Orixás, Caboclos e Guias..., são bastante significativas na
análise desse livro. Na edição de 1993 o prefácio é assinado por J. Cabral, teólogo e pastor,
que neste período era um grande colaborador da IURD. Nas edições de 2001 e 2006 foi
eliminada parte do texto que compunha o prefácio de 1993. Na edição de 2001, o prefácio
está assinado pelos editores ena edição de 2006 não há menção de qualquer assinante. Ora
o prefácio num livro é como se fosse a porta de entrada de uma casa. A sua leitura nos abre o
caminho para adentramos no assunto que o autor deseja nos colocar a par. É no prefácio que o
leitor toma conhecimento do conteúdo, dos capítulos, do formato, e de dados sobre o autor, ao
lado de outras informações que o prefaciador julgue importante para a compreensão do
conteúdo a ser lido. O prefácio faz parte do “corpus do texto”, e tem a função de criar
expectativa, de aguçar o desejo pela leitura do livro.
O prefaciador não está limitado a escrever apenas elogios e menções positivas ao
texto, cabe neste momento também apontar discordâncias, incômodos que possam ser
causados pela exposição das idéias do autor. De preferência, o prefaciador deve ser alguém
muito afinado com o discurso contido na obra, com as idéias do autor e com a importância da
obra para a vida do leitor e da sociedade. Porém, nem sempre isso acontece, algumas vezes o
prefaciador é um intelectual que é pago para desempenhar essa função, ou então, pode ser
algum outro escritor de renome, indicado pelo editor, e que certamente dará maior
credibilidade e legitimidade à obra.
Parte do texto que compunha o prefácio assinado por J. Cabral na edição de 1993 dava
ênfase à presença e atuação do demônio sobre a vida das pessoas. Percebe-se também que o
prefaciador busca legitimar em seu discurso toda a ação de Edir Macedo na sua “guerra”
contra o demônio. Ao mesmo tempo J. Cabral buscava convencer o leitor que o desinteresse
pela leitura é motivado pela ação dos demônios, que “não querem que o leitor se instrua e se
liberte do julgo satânico”, por isso, ler o livro até o fim é vencer a luta contra o inimigo de
Deus. Esse discurso certamente possui um poder persuasivo sobre o leitor.
Por sua vez, o prefaciador de um livro é também considerado alguém que legitima o
escrito e o discurso pronunciado por este. Quando esse prefaciador é trocado por outro,
podemos deduzir que ele não corresponda mais a escolha ideológica do autor. Esta
84
modificação foi observada tendo em vista a exclusão de J. Cabral como prefaciador do livro
Orixás, Caboclos e Guias..., nas edições de 2001 e 2006. O fato de ele ser retirado das demais
edições pode estar relacionado ao afastamento de J. Cabral da IURD, na investigação não foi
possível constatar os motivos do afastamento de J. Cabral. Outra explicação para o caso pode
estar relacionado aos processos judiciais que foram efetuados devido a agressividade do
discurso. A primeira alternativa nos parece mais evidente. Pois, apesar das mudanças
ocorridas na utilização do uso de imagens de pessoas e rituais das religiões afro-brasileiras
após os processos contra a Editora da IURD, quanto ao discurso intolerante presente na
literatura, não registramos nenhuma mudança significativa.
Quadro nº 3 - Textos do prefácio da edição de 1993 e que foram retirados das edições de 2001
e 2006.
“Vivemos na época do
demonismo: os demônios
atuam em todas as
camadas da sociedade e
tentam de todas as
maneiras perverter o
homem e afastá-lo de
Deus. Desde as religiões
confessadamente
demonólatras até aquelas
que atuam
disfarçadamente, os
demônios têm agido no
seio da humanidade e não
luta mais importante
para os cristãos do que
contra as potestades do ar,
contra o diabo e seus
anjos”.
“O Pr. Macedo tem se
empenhado
ferrenhamente, por
muitos anos, na obra de
libertação. Quem o
conhece pessoalmente
se contagia com a sua
ardente fé, pois dedica
toda a sua vida a lutar
contra os demônios, por
quem tem repugnância,
raiva...”
“Todas as áreas do
demonismo são postas
a descoberto neste
livro; todos os truques
e enganos usados pelo
diabo e seus anjos
para iludir a
humanidade são
revelados. O leitor
será esclarecido
acerca da origem da
doença, das
desavenças, dos vícios
e de todos os males
que assolam o
homem.”.
“Creio que os
demônios farão tudo
para que esse livro
não seja lido até o
fim; farão tudo para
que ele não seja
divulgado, farão tudo
para que suas
verdades não sejam
acreditadas, porém
tenho também a
certeza de que Deus,
através do Espírito
Santo, tudo fará para
que ele cumpra com
a sua finalidade, que
é despertar as
pessoas que estão
enganadas,
enlaçadas,
escravizadas pelo
diabo e seus anjos,
para uma vida de fé,
de bênção, de paz, de
prosperidade”.
Fonte: Valdelice Conceição dos Santos
85
Outra mudança ocorrida no texto foi a inclusão de uma conclusão intitulada por
Atitudes em relação a satanás após o capítulo 20 que apareceu na edição de 2001 e 2006.
Nesse pequeno texto o apresentados oito passos, ou atitudes para a pessoa se libertar da
ação do maligno. Primeira atitude: Você deve se apropriar de todos os seus direitos.
Cobre as promessas de Deus, viva uma vida vitoriosa e abundante, o aceite derrotas”.
Wilson Gomes escreve que: a mola das assembléias e da vida do fiel iurdiano em geral, é a
idéia de posse. Os fiéis devem tomar posse daquilo que é necessário para uma vida feliz”
(GOMES, 1993:146). Para ele, a categoria mais fundamental da filosofia e teologia, implícitas
no discurso e nas práticas da IURD é a “posse”. Para Vagner G. Silva, tanto o rito de
expulsão como os mecanismos de obtenção da graça é um retorno ao ritual mágico, presente
nas religiões afro-brasileiras e que a IURD se apropria “na literatura religiosa neopentecostal
proliferam títulos que aludem à necessidade do fiel se colocar como alguém que “exige seus
direitos”, que “toma posse da bênção, neste sentido ao mesmo tempo em que combatem o
feitiço, não descartam a magia implícita em suas liturgias” (SILVA, 2007: 107).
A segunda atitude é: Mantenha sempre seu autodomínio. O „eu‟ do fiel deve ser
mantido sobre o domínio de Cristo por meio do Espírito Santo. Terceira Atitude: Exerça
vigilância constante. Os diabos são ativos e tentam o tempo todo tragar alguém. Quarta
Atitude: Exerça resistência em qualquer situação. Exerça uma atitude de confiança contra o
adversário, pois por mais forte que ele seja é possível vencê-lo. Quinta atitude: Aproprie-se de
toda a Armadura de Deus. O Espírito Santo se coloca a disposição para ajudar quem a Ele
recorrer. Nestes cinco passos temos um resumo bem elaborado da demonologia iurdiana. E,
para Jaziel Guerreiro Martins (2005), a demonologia é a matéria principal que garante a
permanência e o sucesso da IURD.
“Quando se entra no universo da IURD, percebe-se a existência de um
aspecto que está sempre presente na experiência religiosa dos fiéis e que,
sem esse elementos, não existira o grande crescimento da Igreja Universal,
aliás, ela nem mesmo existira: é a demonologia com seus variados aspectos,
principalmente o fenômeno do exorcismo.” (MARTINS,2005:182).
Alguns autores atribuam o sucesso iurdiano a tríade, exorcismo-conversão-cura,
outros Encaram a teologia da prosperidade como o segredo de tal sucesso. Para Martins,
conversão, cura e prosperidade estão intrinsecamente relacionados a demonologia. Para ele “é
preferível falar de um eixo principal, a demonologia, que explica e justifica a existência dos
outros elementos verificáveis na IURD” (ibid: 188). Porque a literatura do tipo Orixás,
Caboclos e Guias..., e Mãe-de-Santo, respectivamente de Macedo e McAlister tem sucesso?
86
Porque uma permanência do discurso sobre o demônio e sua identificação com sistemas
religiosos como os afros e os mediúnicos? É claro que pode-se duvidar dos números da
tiragem total do livro Orixás, Caboclos e Guias.... Concordamos com Wagner G. Silva ao
afirmar que “pode haver certo exagero na divulgação da venda de milhares de exemplares,
porém „não é desprezível seu poder de fogo” (SILVA, 2007:204). Para Silva, a produção de
literaturas de divulgação religiosa aparece como um “traço característico importante das
igrejas neopentecostais”.
Conclusão
Ao longo deste capítulo procurou-se demonstrar como o discurso de Macedo, que
considerado um discurso intolerante, contra as religiões afro-brasileiras e mediúnicas está
presente no livro Orixás, Caboclos e Guias..., e em outros textos de sua autoria como, por
exemplo, no livro O Diabo e seus anjos (1995), assim como nos diversos cultos, ritos da
IURD. No primeiro capítulo apresentamos as origens religiosas de Edir Macedo. O objetivo
foi ligar o autor às condições sócio-culturais vividas por ele. Assim como relacionar a
influência do livro de McAlister, Mãe-de-Santo na produção de Orixás, Caboclos e Guias...
No segundo capítulo apresentamos uma análise mais detalhada do discurso de demonização e
as mudanças que ocorreram nas edições deste livro entre os anos de 1993, 2001, 2006.
As mudanças ocorridas no design das capas, na utilização de imagens ou a exclusão
delas em algumas edições, assim como mudanças ocorridas no prefácio do livro colaborou
para compreendermos todos os mecanismos técnicos e editoriais utilizados como reforços
para o discurso demonizador de Edir Macedo. No terceiro capítulo analisamos que imagens
do demônio o autor apresenta no livro Orixás, Caboclos e Guias..., como a representação do
demônio e a associação deste com o panteão afro e religiões mediúnicas tem sido
recepcionado no cenário religioso. Faz parte desse estudo relacionar o discurso de Macedo
com práticas de intolerância religiosa.
87
Capítulo 3
A retórica de intolerância de Edir Macedo
No Brasil, a questão da intolerância religiosa está presente na sua forma de discurso
desde a chegada dos primeiros colonizadores portugueses em território brasileiro. No período
em que o Brasil foi invadido por Portugal, era habitado por uma população nativa de
aproximadamente 5 milhões de indígenas, segundo BEOZZO (1977). Percebeu-se desde o
primeiro encontro entre os povos nativos e os portugueses que a diferença cultural, a língua
falada, a forma de organização social-política-econômica e a crença religiosa eram
explicitamente diferenciadas. Quanto ao projeto de evangelização dos portugueses a cruz
representando a Igreja Católica Romana e a espada representando a Coroa Portuguesa foi
implantada juntamente no mesmo projeto de exploração e conquista. Desde os primeiros
contatos dos missionários com a população aborígene as crenças indígenas foram
identificadas por idólatras, heréticas e diabólicas.A catequização dos indígenas, ou seja, a
imposição do cristianismo católico deu-se a partir do discurso depreciativo e estigmatizador
para com as crenças dos nativos. A imposição do catolicismo esteve sempre atrelada a
imposição do domínio político e econômico da Coroa Portuguesa.
88
Um dos modelos adotados para a evangelização dos indígenas foi a chamada redução.
A redução era um modelo de evangelização e ao mesmo tempo auxiliava no controle
hegemônico da população indígena. As visões que predominavam a respeito do indígena eram
que não “havia no indígena nenhum valor recuperável, e por isso, era necessário começar de
novo: com novas línguas, nova cultura, novos costumes e nova religião” (DUSSEL in
HOORNAERT, 1982:10). Para a imposição desse modelo evangelizador não faltou o uso de
violência discursiva assim como o uso da violência física para que os indígenas se
convencessem e se submetessem a ele.
Quando a mão-de-obra indígena passa a ser substituída pelos escravos negros
africanos, ocorre novamente o processo de rejeição e estigmatização contra essa nova cultura
que se instala no Brasil. A negação de toda a cultura afro-brasileira é tratada com requintes
de crueldade, os processos de estigmatização e depreciação foram muito mais explícitos do
que contra a cultura aborígene. O negro não era visto como ser humano, mas como “peça de
mercadoria”. Se os escravizados eram apenas matéria de mercadoria, não se reconhecia nos
negros qualquer expressão de sentimentos, valores ou crenças. Contrariando essa concepção
dos dominadores os negros africanos traziam muito fortemente arraigados à sua cultura os
cultos e as crenças próprias que os diferenciavam tanto dos indígenas como dos portugueses e
brasileiros. Ainda que tratado como mera mercadoria, muito dos escravizados eram obrigados
a receberem o batismo cristão. Para Pierre Bourdieu os sistemas simbólicos como a religião
deriva sua estrutura da aplicação do sistema de divisão, organizando o mundo natural e social,
recortando classes antagônicas, por meio da lógica de inclusão e exclusão, associando e
desassociando, integrando e desintegrando” (BOURDIEU, 2007:44), como ocorreu no
processo de sincretismo entre as crenças indígenas, africanas e o catolicismo. A própria
identidade do povo brasileiro constituída a partir das culturas européias, indígenas e africanas,
caracteriza-se por esse movimento de absorção e negação observada por Bourdieu.
A identificação das entidades e deidades das religiões afro-brasileiras com o demônio
cristão ocorreu desde a chegada das crenças africanas em solo brasileiro, área de
predominância do domínio cristão-católico. Assim como ocorreu com as crenças indígenas, os
cultos africanos foram subjugados e condenados em nome da fé católica. Maria Isaura Pereira
Queiroz traduz de maneira bem sincrética as concepções branca-européia e cristã-católica que
prevaleciam no Brasil colonial tendo em vista a depreciação dos cultos indígenas e afro-
brasileiros:
89
(...) A noção de identidade dos brancos passava por outros canais: ligava-se
às concepções de superioridade biológicas, econômica, cultural da raça
branca, que integrava as camadas superiores da sociedade colonial; unia-se a
lembrança da vida civilizada‟ que haviam gozado na mãe-pátria e que
procuravam copiar no exílio tropical. Enquanto os cultos aborígenes e afro-
brasileiros ligavam índios e negros a suas civilizações de origem, o
catolicismo servia de traço de união dos colonos portugueses com a
metrópole, e numa perspectiva mais ampla, mas sempre marcada por um
sólido sentimento de superioridade, com Roma, origem da civilização
Ocidental europeu, e ainda com a Santa Madre Igreja, sede da única religião
verdadeira” (QUEIROZ, 1988:64).
Para Geoval Jacinto da Silva (1999: 12) a implantação do cristianismo no Brasil
através da proposta pastoral da Igreja Católica Romana deu-se a partir de um “processo de
evangelização marcado por um discurso de sentido universalista que, em nome da fé,
desconhecia fronteiras” e cuja postura era marcada por um sentido “guerreiro”. Enfim, era um
projeto “marcado pela agressividade”. Uma identificação desse modelo de evangelização de
imposição da cristã é “a forte ausência de tolerância, permitindo assim que grandes
conflitos fossem gerados no início do projeto de evangelização em toda a América Latina”
(Ibid.: 12).
Posteriormente a chegada das religiões protestantes no Brasil também provaram “o
gosto amargo” da intolerância religiosa. Os católicos não pouparam discursos e práticas de
resistência ao “novo modelo” de cristianismo que foi trazido pelos missionários protestantes.
O catolicismo não isentou a esses novos cristãos a identificação com o demônio ou com as
obras de Satanás. A estigmatização aos crentes protestantes foi marcada também pelas
questões civis, como por exemplo, o não reconhecimento do casamento entre protestantes, a
necessidade da criação de escolas próprias e até mesmo cemitérios para que os protestantes
pudessem enterrar seus mortos que não poderiam ocupar as terras dos cemitérios católicos.
Porém ao se tratar das relações com religiões não cristãs, o protestantismo foi tão intolerante
quanto o catolicismo. Predominou entre os protestantes a mesma visão católica a respeito dos
cultos e crenças indígenas, afro-brasileiras e mediúnicos.
Observa-se ao longo da história das igrejas evangélicas que a concepção de
inferiorização, depreciação e negação das crenças não-cristãs irá se reproduzir nos discursos
dos Pentecostais e Neopentecostais. Portanto, o discurso de Edir Macedo contra os cultos
afros e mediúnicos tem sido uma constante na história do cristianismo no Brasil. Macedo é
herdeiro dos pensamentos e concepções que há muito está arraigado nas doutrinas cristãs,
sejam elas no catolicismo ou no protestantismo brasileiro. O diferencial da IURD em relação
90
as outras igreja cristãs é a forma como ela se apropria e ressignifica os símbolos e crenças das
religiões que ela ataca com o discurso demonizador, e por se o demônio uma figura que ocupa
um lugar central no discurso iurdiano
O nosso interesse pelo discurso de Macedo, demonizando os cultos afro-brasileiros, tal
como aparece no seu livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?, surgiu diante de
uma leitura na qual procuramos relacioná-lo com o que pudemos perceber em alguns
programas de rádio e de TV. Uma análise mais aprofundada nos mostrou que estávamos
diante de um discurso agressivo às religiões afro-brasileiras e kardecistas. Uma pergunta nos
motivou no decorrer da pesquisa: por que tantas pessoas se identificam com um discurso
como esse, portador de tanta violência simbólica. Seria esse discurso resultante ou causador
do sucesso da Igreja Universal do Reino de Deus em relação às demais igrejas pentecostais?
O texto do livro também apresentou outras questões que foram analisadas, como o uso de
imagens de ritos e de frequentadores dos cultos afro-brasileiros. Diante da exposição dessas
fotos passamos a analisar em que proporção a utilização de imagens e a criação de
estereótipos influenciam os leitores a reproduzirem representações tidas como falsas pelas
religiões mediúnicas e contribuem para criar e reforçar práticas de intolerância religiosa.
Após observações participativas de alguns cultos em templos da IURD, especialmente
das “sessões de descarrego”, a leitura de algumas publicações e a conversar com alguns
membros dessa Igreja, nos fez compreender o quanto o discurso anti-demoníaco do livro
Orixás, Caboclos e Guias..., se faz presente no conjunto de representações dos iurdianos.
Assim pudemos também relacionar o imaginário dos fiéis com o discurso da Bíblia. Por isso
Macedo e seus pastores, utilizam-se das Escrituras cristãs do Novo Testamento para
fundamentar, justificar ou legitimar o discurso demonizador. No entanto, um fato
interessante observado por Ari P. Oro (in: SILVA, 2007:67): a IURD não elabora um
discurso contra as religiões afro-brasileiras como também se apropria de seus bens
simbólicos. Para Oro as práticas da IURD se tornam uma manifestação “religiofágica” e
“exacerbatória”. Por sua vez Ronaldo de Almeida (2003:340) registra que: “paradoxalmente a
IURD ficou parecida com sua inimiga”. para Cecília Mariz (1997:96) é justamente “a
proximidade” entre esses dois sistemas religiosos que possibilita o amplo “trânsito religioso”
entre neopentecostais e religiões afro-brasileiras.
91
3.1 A Intolerância no discurso de Macedo
Mas em que se fundamenta o discurso de Edir Macedo e o que nos leva a considerá-lo
“intolerante”? O que é intolerância? O conceito de intolerância religiosa, por nós utilizado,
está relacionado aos atos de violência e preconceito contra tudo aquilo que se apresenta como,
o diferente, o outro ou o concorrente. A intolerância é entendida também como uma atitude
mental, verbalizada e praticada quando se desrespeita as diferenças culturais, sociais ou
crenças religiosas. Ora, por que esta intolerância se configura de modo tão acentuada para
com as religiões afro-brasileiras nesse discurso? Em seus estudos Ricardo Mariano tem
defendido a idéia de que os ataques às religiões afro-brasileiras “ocorrem por estas serem as
maiores concorrentes da IURD no mercado de soluções simbólicas e de prestações de serviços
religiosos” das pessoas. (MARIANO, 1995:108).
A intolerância fundada em sentimentos e crenças religiosas, desde o princípio das
civilizações está presente nas relações humanas de diversas formas. Inúmeras guerras e
matanças de seres humanos sejam de forma limitada ou nas guerras mais amplas quase
sempre há a destruição de símbolos religiosos, de templos, de bibliotecas ou provocam
assimilação de novas visões de mundo nos povos dominados. A Idade Média foi um período
desses em que a intolerância religiosa se tornou visível com requintes de violência,
principalmente contra os judeus, árabes e os cristãos considerados “heréticos”. no início
dos tempos modernos a perseguição dos protestantes, das bruxas ou feiticeiras e dos livres
pensadores, pode ser apresentada como exemplos históricos de intolerância.
A intolerância em geral se manifesta em atitudes de ódio sistemático e agressividade
irracional contra indivíduos, grupos de outras nacionalidades, raças, etnias, opção sexual ou
aos partidários de outras religiões. Infelizmente, apesar dos grandes avanços ocorridos em
nossa civilização há pelo menos trezentos anos, particularmente por meio do desenvolvimento
intelectual e técnico-científico dos séculos XIX e XX, tudo isso, não foi capaz de produzir
algo que eliminasse a intolerância da convivência entre povos e nações. Portanto, a
intolerância é uma questão que continua muito presente em nossa história. Como afirma
Umberto Eco, “é como se nos dois últimos séculos, e ainda antes, esse nosso mundo tivesse
sido percorrido por sopros de intolerância, esperança e desespero, todos juntos” (ECO,
2003:193).
92
Podemos aqui reforçar o conceito de intolerância, usando-se para isso a noção de
“violência simbólica”, corrente nas análises de Pierre Bourdieu. Podemos citar dois tipos
diferentes de violência, a violência física como: agressões físicas, assassinatos, roubos,
violência sexual, entre outras e, a violência simbólica presente nas relações de poder, podendo
essas se caracterizarem como violência verbal, discriminação por raça, cor, gênero, por
imposição cultural de dominadores sob seus dominados, e outros. Segundo Bourdieu (2007),
a violência simbólica sucede através de um poder quase “invisível” que não se nomeia, que
dissimula as relações de força existente entre dominadores e dominado. Quase sempre a
vítima desse processo, o oprimido não se percebe como tal, considerando a ação do
dominador como natural e por vezes inevitável. A sociedade, a escola, o Estado e os meios de
comunicação são Instituições que podem exercer essa violência simbólica. Assim para
Bourdieu (2007:146):
“Todas as estratégias simbólicas por meio das quais os agentes procuram
impor a sua visão das divisões do mundo social e da sua posição nesse
mundo podem situar-se entre dois extremos: o insulto, idios logos pelo qual
um simples particular tenta impor o seu ponto de vista correndo o risco da
reciprocidade; a nomeação oficial, acto de imposição simbólica que tem a
seu favor toda a força do coletivo, do consenso do senso comum, porque ela
é operada por um mandatário, do Estado, detentor do monopólio da violência
simbólica legítima".
Nesse sentido violência física e simbólica se constituem duas faces de uma mesma
moeda. Logo, a própria “sessão de descarrego” pode ser encarada como um ato de violência
contra a vítima. Nessa perspectiva, podemos analisar o livro Orixás, Caboclos e Guias....,
como também sendo ele portador de um discurso e de representações das religiões afro-
brasileiras que contribuem com tais formas de violência simbólica e intolerância. Violências
físicas e simbólicas são ocorrências freqüentes na sociedade, um exemplo significativo
ocorreu na primeira década deste nosso século, ora encerrado, presenciamos o ciclo de
violência e intolerância decorrentes ao ataque terrorista aos Estados Unidos, em 11 de
setembro de 2001. Nessas condições, basta ser muçulmano para correr o risco de se tornar
uma pessoa suspeita de terrorismo. Aliás, Antônio Ozaí da Silva (2004) nos mostra que “em
nome da segurança, o homem aceita racionalmente a intolerância do Estado contra outros
povos e culturas. O resultado disso é a generalização, a confusão entre a parte e o todo e o
aparecimento de um processo em que as ameaças à ordem interna, precisam ser eliminadas.
Todavia a história tem sido marcada pelo aparecimento de resistências ou de busca de
tolerância como respostas a atitudes irracionais, xenófobas, preconceituosas e intolerantes.
93
Uma das formas de resistência tem sido feita por meio de manifestações artísticas. autores
que se posicionam contra a intolerância nos seus mais diversos aspectos: religioso, político,
nacionalista ou ideológico. Ozaí da Silva apresenta alguns autores que tem trazido para o
campo da literatura a discussão a respeito da intolerância. Entre outros são lembrados autores
como Umberto Eco, com seu livro Em nome da rosa; Dostoiévski em Os Irmãos Karamázov
ou George Orwell, em 1984 ou Revolução dos Bichos.
Ao lado dessas formas de resistências praticadas pelos escritores surgem, ainda que
timidamente, organizações civis como Organizações Não Governamentais (ONGs), que
defendem a adoção de leis e normas jurídicas para extinguir as mais diversas formas de
manifestações de intolerâncias, institucionalizadas ou não. Vagner G. da Silva (2007:24) tem
abordado o tema da intolerância contra as religiões afro-brasileiras em seus escritos,
enfatizando a necessidade de que esse debate esteja presente na agenda do Estado, da
academia, de políticos de advogados, promotores públicos, instituições religiosas e na
sociedade de um modo geral. SILVA inclui o seu livro Intolerância Religiosa. Impactos do
neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro, como uma forma de reagir à tal
situação. Ele vê o seu livro como um:
“esforço coletivo de analisar, sob vários pontos de vista, o impacto do
crescimento das igrejas neopentecostais, com seus discurso e práticas de
ataque e intolerância religiosa, no campo religioso afro-brasileiro e do Cone
Sul e em outras áreas da vida social (direitos civis e discriminação por
orientação sexual). A preocupação com este conflito surgiu, inicialmente,no
âmbito da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), com a instauração
da Comissão de Relações Étnicas e Raciais (Crer), em 2002”. (SILVA,
2007:24)
Essa temática aparece também em Ordep Serra
22
em uma entrevista gravada em vídeo
e disponível no site do Youtube, tratando da intolerância contra os cultos afro-brasileiros
declara:
“Eu considero tão perigoso para o Brasil a intolerância religiosa quanto o
crime organizado. São coisas parecidas, pois há uma destruição da teia social
dos laços democráticos. E ainda pior, no caso do Brasil, é quando a gente
está vendo que a intolerância se tornou o cavalo de batalha do racismo. O
racismo e a intolerância caminham na contramão da humanidade, da
civilização e do progresso. No Brasil, de modo particular as religiões afro-
brasileiras são os grupos que mais tem sido atingidos pela intolerância
religiosa”.
22
Ordep José Trindade Serra é antropólogo, pesquisador, professor da Universidade Federal da Bahia. O vídeo
sobre Intolerância Religiosa se encontra disponível em: http://www. Youtube.com. Acessado em : 20/5/09.
94
Ora, Serra (2009) entende que a intolerância religiosa é uma das formas mais violentas
da intolerância, “pois fere ao homem no seu aspecto moral mais profundo ao rejeitar sua
concepção ontológica, gerando reações muitas vezes imprevisíveis”. Wagner G. da Silva, por
sua vez, considera que “uma fraca reação das vítimas dos ataques da Universal” (SILVA:
2007,53). Quanto a essa reação considerada por SILVA como “fraca” não podemos deixar de
considerar os direitos tardiamente conquistados pelas religiões afro-brasileiras de professarem
publica e livremente suas crenças e práticas.
No Brasil, aos afro-descendentes o direito de manifestar livremente sua fé, foi
garantido a partir da Constituição de 1988. No texto Constitucional um capítulo que
assegura aos brasileiros o direito e a forma de manifestar livremente a sua religião. Porém, o
fato da Constituição lhes assegurar esse direito não impediu que práticas de intolerância
religiosa continuassem a fazer parte do cotidiano dessas religiões. Tais práticas desconhecem
o conteúdo do Art. 20 da Lei 9.459, de 1997, que considera crime seja a discriminação e o
preconceito o ato de: praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,
cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Baseado nessa lei alguns processo contra a
IURD foram iniciados e acabaram sendo julgados favoravelmente. A respeito de um deles
lemos no jornal A Tarde on line (21/8/09) uma notícia intitulada: Decisão contra Igreja
Universal é mantida no STJ:
“A ialorixá Jaciara dos Santos teve um dia agitado, nesta quinta-feira, 20,
por conta do preparo de oferendas para os orixás com o objetivo de
agradecer e comemorar. O motivo da festa foi o fim de mais um round no
processo que, em conjunto com os outros herdeiros de Gildásia dos Santos e
Santos, sua mãe biológica e de quem é sucessora no terreiro Abassá de
Ogum, move contra a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). Embora a 4ª
Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tenha rejeitado o recurso dos
advogados da família para aumentar o valor da indenização, a ialorixá e sua
assessoria jurídica entendem que a festa tem de ser mantida, pois, ao julgar o
recurso, a instituição ratificou sua decisão do ano passado, que condenou a
igreja a pagar a indenização no valor de R$ 145,2 mil aos herdeiros, além de
publicar no jornal Folha Universal o teor da sentença. O mérito da ação foi
então mantido. A decisão saiu na última terça-feira”.
A iniciativa da família da Ialorixá Gildásia dos Santos e Santos e a decisão da justiça
quanto ao pagamento de indenização paga pela Igreja Universal foi muito positiva para que
95
outras iniciativas fossem tomadas. Essa atitude possibilitou que outras pessoas que se
sentiram ou venham a se sentir prejudicadas pelo uso de palavras, discursos ou práticas de
intolerância religiosa façam o uso da denúncia.
3.2 A demonização no discurso de Macedo
A pesquisa feita sobre intolerância do discurso de Macedo leva a pensar que o saber
comunicar, o que comunicar e para quem comunicar tem sido um dos recursos de maior
sucesso empregado por Edir Macedo e na Igreja. Macedo, ao dirigir e dedicar o discurso de
seu livro Orixás, Caboclos e Guias... a todos os pais-de-santo e mães-de-santo do Brasil,
considera que todos eles mais que qualquer pessoa, merece e precisam de um esclarecimento”
(MACEDO, 2006:10), e o livro é um recurso que responde a essa necessidade de informação.
Ao dirigir-se aos pais e mães-de-santo Edir Macedo deixa bem claro qual é o seu público
alvo. O seu público alvo seria formado por sacerdotes e sacerdotisas e pelos freqüentadores e
simpatizantes das religiões afro-brasileiras e mediúnicas, ou então aos que compartilham essa
visão de mundo. Esse público, ainda que não possua um número suficientemente significativo
de fiéis para disputar em equivalência ao total de seguidores da IURD, oriundos do
catolicismo ou do grupo de evangélicos, não deixa de ser o “calcanhar de Aquiles” de sua
argumentação.
A esta altura pode-se perguntar: por que a IURD bate tanto nos cultos afros se esses,
conforme os números do Censo do IBGE têm muito menos adeptos do que os pentecostais?
Pressupõe-se que Macedo tenha em mente, as seguintes intenções: determinar o público alvo
à quem ele dedica seus escritos, e desqualificar os seguidores das religiões por considerá-los
“ignorantes”. Essa perspectiva fica clara na afirmação: “eles merecem e precisam de um
esclarecimento”. Por outro lado, ao deslegitimar e estigmatizar as práticas das religiões
mediúnicas, ele busca estabelecer uma identidade própria para a IURD, à qual ele atribui uma
situação diferenciada no campo religioso. Como afirma Silva (2007:11) o panteão afro,
”sobretudo a linha ou categoria de Exú, associada ao diabo cristão” tem sido um dos alvos
principais desse combate de Macedo. A estigmatização de alguns grupos ocorre, segundo
Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, quando um indivíduo ou “um grupo dominante, faz crer a
si e aos próprios execrados que tais estigmas são (ou podem ser) verdadeiros”
(GUIMARÃES,2002:172). Daí porque, ainda segundo Guimarães (2002) um dos modos
utilizados para estigmatizar um grupo é atribuir-lhes conceitos de inferioridade, considerando-
96
responsáveis pela anomia (desorganização social e familiar), delinqüência e atitudes quase-
animais, ou não inteiramente pertencentes à ordem social.
Ricardo Mariano, (in: SILVA: 2007) considera que “os grupos minoritários são os
mais atentos e sensíveis para identificar procedimentos de exclusão e perseguição”. O modo
como a intolerância é aprendida e combatida são por vezes complexos, e variam segundo o
contexto onde o indivíduo ou grupo por ela atingido, está inserido. Deste modo, Mariano
(2007:121) tem afirmado que: “a definição e interpretação (por parte dos agentes sociais em
geral e dos poderes públicos) dos atos que caracterizam ou configuram a intolerância religiosa
varia muito de um contexto histórico para o outro e de uma sociedade para outra, bem como
de um grupo religioso”. Dessa maneira, Macedo, ao atribuir as religiões afro-brasileiras e
mediúnicas a categoria de “obras do demônio”, cria um estigma que é atribuído aos
seguidores desses sistemas religiosos, contribuindo assim para práticas de intolerância
religiosa.
Ao fazer uma análise do combate aos cultos afro-brasileiros por Macedo e pela IURD,
Mariano afirma que “para Macedo, a melhor defesa contra os demônios é o ataque, e em
obediência ao líder eclesiástico, pastores obreiros e fiéis, partem para ofensiva” (MARIANO
in SILVA, 2007:137). Em momento algum, no livro Orixás, Caboclos e Guias.., Macedo
defende a agressão física dos “possuídos pelo demônio”. Porém, é possível que alguns
leitores sintam-se sugestionados a pratica da violência física, estimulados pela mensagem
implícita no texto. Observemos o que escreve Macedo:
“Amigo leitor, comece hoje mesmo a exercer a autoridade que Jesus lhe
confere. Não abra mão de seus direitos; não deixe de lado o que o Senhor lhe
concedeu; agarre-se com unhas e dentes às bênçãos de Jesus e pise na
cabeça dos exus
23
e Cia. Ilimitada! Quando você ordena a um demônio que
saia de um corpo, o Espírito Santo confirma a autoridade de que você está
investido. Pode chamar o chefe dos demônios que está dominando aquele
corpo; o que está na casa da pessoa, nos parentes ou em quem quer que seja,
que eles têm de obedecer! (MACEDO,2006:129 e 130).
Alguns exemplos de agressão física por parte de fiéis iurdianos são apresentados por
Silva a partir de noticiário jornalístico:
... no Rio de Janeiro, umbandistas do Centro Espírita Irmãos Frei da Luz
foram agredidos com pedradas pelos freqüentadores de uma IURD, situado
23
Grifo nosso.
97
ao lado desse Centro, na Abolição. Uma adepta da Tenda Espírita Antônio
de Angola, no bairro do Irajá, foi mantida por dois dias em cárcere privado
numa igreja evangélica em Duque de Caxias, com o objetivo de que esta
renunciasse à sua crença e se convertesse ao evangelismo” (SILVA,
2007:12).
A retórica, a nosso ver, tem sido utilizada pela IURD como um instrumento de poder,
para impor sua ideologia e cosmovisão. Macedo e seus pastores desenvolveram a arte de
“utilizar as palavras como se fossem armas de guerra” (CAMPOS, 1997:311). Nas sessões de
descarrego, antes da “oração forte” para a “libertação da opressão dos demônios”, o pastor
leva os fiéis a pronunciarem em alta voz algumas palavras chaves como “sai satanás”, “sai,
sai, saaai!”, “queima” ou “tá amarrado”. Após alguns segundos, repetindo essas palavras
como se fosse um mantra, muitos dos presentes começam a entrar (ou a dramatizar) um
estado de transe, transformando o culto num verdadeiro espetáculo teatral. A respeito das
performances, dramatização ou teatralização presentes nas liturgias e rituais religiosos,
Campos (1997) apresenta um minucioso estudo descritivo e analítico da maneira como o
sagrado é dramatizado na Igreja Universal do Reino de Deus.
O desfecho do discurso demonizador seja identificado como “guerra santa” ou por
“intolerância religiosa”, traz alterações significativas ao campo religioso brasileiro. -se
continuidade então as perseguições que as religiões afro-brasileiras tem sofrido muitas
décadas por parte de cristãos, sejam eles católicos ou evangélicos. Ela tem se destacado entre
as demais igrejas cristãs pelo número de publicações produzidas a respeito desse tema. Oro
(2007) faz referência a pesquisa feita neste campo por Ronaldo de Almeida.
“A primeira publicação da Igreja Universal do Reino de Deus foi a revista
Plenitude, criada pouco tempo depois de sua fundação e, desde o seu
primeiro número, o ataque à Umbanda e ao Candomblé imperaram como
matérias principais. A Folha Universal, que substituiu posteriormente a
revista (sic), traz todas as semanas diversas reportagens a respeito dos males
causados por estas religiões” (ALMEIDA,1996:55).
A IURD, na concepção de Oro, é uma Igreja em que “o exorcismo e a demonização
das entidades afro-brasileiras ocupa um lugar central no seu discurso e em sua ritualística
cotidiana” (ORO in SILVA, 2007:35). Também podemos notar que esse discurso ganha maior
amplitude quando ele sai da esfera privada dos templos e passa à pública graças aos meios de
comunicação, como aponta Vagner G. Silva:
“Dos púlpitos, esse ataque estende-se para os programas religiosos (“Fala
que Eu te Escuto”, “Ponto de Luz”, “Pare de Sofrer”, “Show da Fé” etc.)
98
transmitidos pela Rede Record (de propriedade da IURD) e por outras
emissoras que tem seus horários comprados pelas igrejas neopentecostais.
Em muitos desses programas são exibidas “reconstituições de casos reais”
ou dramatização nas quais símbolos e elementos das religiões afro-
brasileiras são retratados como meios espirituais para obtenção unicamente
de malefícios: morte de inimigos, disseminação de doenças, separação de
casais ou amarração amorosa, desavença na família etc.” (SILVA, 2007:11).
Edir Macedo, afirma no livro aqui analisado que a prática da mediunidade ou a
solicitação e a intercessão para se alcançar algum benefício por meio de guias, orixás e
caboclos é “pecado contra Deus” e que isso impossibilita alcançar à felicidade, à
prosperidade e a alcançar a salvação (MACEDO,2006:34). Ora esse mesmo discurso é
repetido constantemente pelos pastores e fiéis, o que demonstra o poder, a influência e a
coerência entre os fiéis e o autor. Por isso mesmo podemos considerar o discurso de Macedo
dentro da perspectiva apontada por Pierre Bourdieu, como uma manifestação do poder das
palavras” que se torna muito mais “o poder delegado do porta-voz cujas palavras (quer dizer,
de maneira indissociável, a matéria de seu discurso e sua maneira de falar) constituem no
máximo um testemunho entre outros de garantia de delegação de que ele está investido”
(BOURDIEU,2008:87). Nessa mesma linha de raciocínio Tereza Halliday argumenta que a
“retórica é um instrumento intencional e de poder, que um comunicador faz da linguagem e
de outros símbolos para influenciar ou persuadir públicos selecionados a fim de que ajam,
creiam e sintam, em situações específicas tidas como “problemáticas” da maneira como o
comunicador deseja” (HALLIDAY,1987:100).
No entanto, para Silva (2007), essa retórica que contém ataques da IURD contra às
religiões afro-brasileiras, é uma estratégia de proselitismo, sem deixar de ser ao mesmo
tempo “conseqüência do papel que as mediações mágicas, e experiência do transe religioso
presente no sistema neopentecostal”. Compreendemos assim que o discurso demonizador de
Macedo, está também relacionado à necessidade que a IURD tem de delimitar as suas
fronteiras. Isso se deve a proximidade da cosmovisão dessas religiões com o que ocorre nos
cultos, ritos e símbolos utilizados pelos iurdianos. A necessidade de criar uma identidade
própria para diferenciar-se daquelas que lhe são tão semelhantes, encontra no processo de
estigmatização e demonização, o meio eficaz para combatê-las e deslegitimá-las.
99
3.3 Imagens do demônio no discurso de Macedo
O livro Orixás, Caboclos e Guias..., e outros escritos de Macedo a respeito desse tema
exteriorizam uma maneira simplificada de se olhar para as religiões mediúnicas. Essa visão
aparece muito bem reproduzida em vários pontos nesse discurso por nós analisado. Para ele,
as religiões afros e todas as religiões mediúnicas possuem uma finalidade, estar a serviço do
diabo e tem por objetivo desviar as pessoas do “projeto de Deus”. Trata-se, pois, de uma
concepção dualista, pois um constante conflito entre Deus e o Diabo. Esta dualidade é
perpassada pela constante batalha espiritual entre o bem e o mal. Macedo compreende que
Deus permite a atuação dos demônios para que, desta maneira, a fidelidade do homem seja
provada. Aliás, ele chega a ser tão radical na convicção desta presença do maligno que afirma
estarmos vivendo na “era do demonismo”. Fazendo do diabo o motivo até da presença do
vírus da gripe, da AIDS ou de uma doença qualquer no corpo humano.
Daí estar o discurso literário de Macedo, afirmando, o tempo todo, que umbanda,
candomblé e espiritismo kardecista, são obras de Satanás e seus demônios. Eles são os
causadores de todos os infortúnios que atingem o ser humano direta ou indiretamente. O
julgamento de Macedo é peremptório: no Brasil há, “em seitas como vodu, macumba,
quimbanda, candomblé e umbanda, os demônios são adorados, agradados ou servidos como
verdadeiros deuses” (MACEDO, 2006:14). Para combater as atividades “demoníacas” ele
afirma ter escrito esse livro especialmente para os pais-de-santo e mães-de-santo. O objetivo
é, portanto, catequético, ou na sua visão um ato de “libertação”. Ele crê que por meio de seu
discurso as pessoas sejam esclarecidas e deixem de “servir ao demônio” e “as obras de
Satanás”. Macedo argumenta que o demônio tem oprimido e se servido de seus corpos,
utilizando-os como “cavalos”, “burrinhos” ou “aparelhos”. Seu desejo é que, a leitura do livro
provoque uma ação libertadora “das garras” e “enganos do demônio”, e que estes convertidos
a membros da IURD passem a viver uma vida liberta, vitoriosa e próspera como verdadeiros
filhos de Deus.
Ao empreender uma “guerra santa” contra as religiões afro-brasileiras, Macedo crê
estar cumprindo uma missão que lhe foi designada por Deus, e que a IURD foi “levantada”
para um trabalho especial, que se salienta pela libertação de “pessoas endemoniadas”. Daí o
porque do combate incansável aos sistemas religiosos do candomblé e da umbanda. Pois, na
visão “ediurdiana”, os orixás, caboclos e guias, cultuados por essas religiões, na realidade são
100
“demônios”, que têm por finalidade enganar, matar e destruir a humanidade. Na identificação
das entidades das religiões afro-brasileiras com o demônio, Macedo considera que os seus
exus, caboclos, preto-velho, omulu, erê, são manifestações das “forças do inferno”, e que não
resistem à ordem dada pelos pastores de saírem do corpo de suas vitimas. Por isso nas
“sessões de descarrego
24
os demônios caem de joelho, os exus rolam no chão” (MACEDO,
2006:128).
No discurso de demonização das entidades e deidades do panteão afro-brasileiro,
Macedo acusa as pombagiras (exus femininos) de serem causadoras de câncer de útero, de
ovários, frigidez sexual e outras doenças (MACEDO, 2006:25). A manifestação dessas
entidades leva à práticas sexuais ilícitas e outras situações ligadas a sensualidade
pecaminosa. Ele também atribui à prática da prostituição, do homossexualismo e do
lesbianismo à possessões por espíritos de pombagiras como “marias-molambos” entre outras
(Ibid.: 47). Ao fazer essa associação pejorativa à entidade Pombagira, pressupomos que
Macedo queira atingir o público feminino freqüentador de sua Igreja. Como na grande
maioria das instituições religiosas, na IURD, as mulheres são as que representam o maior
contingente de fieis e freqüentadoras dos templos. Se argumentarmos nessa perspectiva
podemos perguntar se as intenções de Macedo ao atribuir as deidades e entidades femininas
das religiões afros, a causa de doenças específicas à mulheres, não seria uma forma de
responsabilizar as mulheres por isso? Em nossa observação participativa ou quando
assistimos programas de TV ou ouvirmos programas de rádio temos a nítida impressão que a
maioria dos testemunhos de possessões e obsessões são dadas por mulheres. Nas “sessões de
descarrego”, as mulheres são as que mais “caem” possuídas por “demônios”.
Anotamos, durante a leitura do livro Orixás, Caboclos e Guias..., na edição de 2006,
todas as vezes que Macedo apresentou exemplos de casos de possessões demoníacas.
Ficamos surpreendidos com o número de vezes em que os exemplos recaem sobre a mulher,
20 vezes (ver páginas: 17,39,51,66,68,79,91,93,99,103,104,108, (2 casos) na116 e (2 casos)
na 117 (2x), 118, 126,130,148), o exemplo de homens endemoniados encontramos apenas,
seis citações (páginas: 42,65,89, 107,108 e 117). Em seu discurso Macedo retratar a mulher
como uma “vítima fácil” à ser possuída pelo demônio. Essa imagem que ele tem, e que
reproduz da mulher, aparece em outro livro de sua autoria, dedicado especialmente a elas, O
24
“Sessão de descarrego” é uma reunião específica, que ocorre na terça-feira, e destina-se a exorcizar e combater
o diabo, tido como causador de todos os males.
101
perfil da Mulher de Deus, no qual ele afirma que o maior problema da mulher que não tem
temor a Deus não é o gênio ruim ou o mau temperamento, mas quando ela se torna
instrumento de Satanás. Trata-se daquela que trama projetos diabólicos e não descansa
enquanto não os executa” (MACEDO,2009:24).
Ouvindo um dos programas da IURD, levados ao ar pela Rádio São Paulo/AM
25
fizemos as seguintes observações: num período de 90 minutos de programação, cinco
mulheres telefonaram para o apresentador, Pastor João, e contaram estar sofrendo de:
depressão, câncer de colo de útero, conflitos no casamento, miomas, problemas de infecção
nas trompas e ovários, problemas com vícios de drogas e álcool dos filhos e maridos. No caso
dessas mulheres, o pastor explicou serem esses problemas provocados por espíritos de
pombagiras e outras obsessões, por serem vítimas de bruxarias, e por terem freqüentado em
algum momento centros espíritas. Para uma das mulheres o pastor solicitou que ela
informasse a data do nascimento, decorridos alguns segundos, o pastor declara existir a
presença do mal, naquela senhora. Determina que ela compareça naquela mesma tarde num
templo da IURD levando uma garrafa com água, para que fosse feita uma “oração de
libertação” e, chegando em casa ela deveria jogar a água nos quatro cantos para executar um
“descarrego” na casa.
O apresentador do programa aconselhou a todas as mulheres que para vencer o
demônio que as afligia elas deveriam “tomar uma atitude” e participarem, naquele mesmo dia
de uma “sessão de libertação”, com distribuição do “elemento sagrado”, que ocorreria no
Templo Maior, localizado no bairro do Brás em São Paulo, assim como, continuar
participando fielmente, de um templo da IURD mais próximo de suas casas. Outras quatro
mulheres testemunharam terem sido curadas, após freqüentar uma reunião da IURD. As
mulheres declaram terem sido curadas de doenças como: perturbações mentais,
impossibilidade de gerar filhos (esterilidade segundo elas comprovada por meio de exame
médico), infecção na urina, gastrite crônica, amarração do casamento (traições que causaram
quase a separação), problemas na coluna que a impedia de se locomover, e vida derrotada
(uma delas morava na rua), tudo isso iria desaparecendo com a freqüência na IURD.
Todas essas mulheres diziam terem sido curadas e libertas dos espíritos que as
afligiam e que tornavam suas vidas derrotadas, enfermas e destruídas. Porém, após “aceitarem
25
Caderno de Campo, programa Ponto de Luz, Rádio São Paulo FM transmitido em 20/10/09. Anotações.
102
Jesus”, freqüentarem as reuniões na IURD e, serem “fiéis no dízimo”, experimentaram uma
“vida transformada pelo poder de Deus”.
No final das apresentações de testemunho naquele programa, o pastor confirmou, que
seria somente por meio da oração de libertação, que é possível se livrar de bruxarias,
“macumbarias” (sic), possessões, obsessões, é que a pessoa poderia desfrutar de uma vida
próspera e feliz. Ecoa em suas palavras o que Macedo escreve: “enquanto o ex-macumbeiro
não se libertar totalmente da influência dos espíritos, não conseguirá sucesso na vida
espiritual” (MACEDO, 2006:142). A vitória alcançada, para aquelas mulheres, estava
relacionada a libertação do demônio e a participação nos ritos em um templo da IURD. Para
os que apresentaram problemas o pastor indicava que deveriam participar de uma reunião na
IURD, sem deixar de ir naquele mesmo dia para adquirir o “elemento consagrado” e para
fazer o “descarrego” na casa da pessoa.
No final de 90 minutos de programação, somente dois homens se apresentaram
solicitando ajuda para a vida financeira. Nenhum dos homens apresentou qualquer problema
de enfermidade. Das 11 pessoas que pediram orações ou deram testemunhas de curas, seis se
declararam católicas, três espíritas e duas ex-frequentadoras da IURD. Apresentamos esse
exemplo para indicar que há possibilidade de se fazer uma análise do discurso da IURD numa
perspectiva de gênero. E, utilizando gênero como categoria analítica e hermenêutica,
diríamos que o discurso de Macedo, contribui tanto para a construção de estereótipos
negativos do sexo feminino como delimitar os papeis e símbolos sexuais na instituição
religiosa.
Os estudos sobre a demonologia têm apontado à presença desta crença em povos do
Egito, Pérsia, Mesopotâmia e Grécia (Jean Delumeau, 1993; Margarida Oliva, 2007; Carlos
Roberto F. Nogueira, 1986, Jaziel Guerreiro Martins, 2005). Posteriormente o contato desses
povos e culturas com o judaísmo, influenciou os hebreus na elaboração de crenças que
justificassem a presença do mal no mundo. Herança desse contato e assimilação de diferentes
culturas são encontrados no Antigo Testamento tais como crenças em deidades, anjos
decaídos e demônio. Crenças essas que o povo hebreu assumiu como “verdades de fé”. Para
Nogueira (1986), a confluência entre os hebreus e a demonologia dessas culturas vizinhas,
contribuiu para que no judaísmo se assimilassem a idéia do mundo bipolar onde duas forças
antagônicas, o bem e o mal, estavam em constante embate”. Desta forma, para o Nogueira,
“uma parte das doutrinas demonológicas, incorporadas as tradição helênica, penetrou entre os
103
hebreus, associando-se as tradições orais, inovando as crenças judias de espíritos
malfazejos. Diversas representações dessa figura do mal adquirirão legitimidade, com
diversos nomes e eficácia social, que vão mudando segundo os contextos sociais e políticos”
(NOGUEIRA,1986:14).
Porém foi na Idade Média que a história do diabo adquiriu uma nova e duradoura
consistência, mantendo sua permanência na sociedade atual. Essas construções e
representações do demoníaco nas crenças, discursos e configurações, que marcam de modo
tão significativo a sociedade ocidental revela por sua vez a inaptidão do humano de viver e se
relacionar com situações caóticas e com a ausência de ordem e de sentido. “Será só na Idade
Média que a teologia cristã voltará a prestar atenção, à figura do diabo, desta vez incluindo-o
até no dogma e como eficaz ferramenta de terror e dominação” (RIVERA, 2007:43).
Situações variadas que configuraram o cenário da história medieval como, conflitos, guerras,
pestes, fome, mortalidade contribuíram para a consolidação da crença no demônio e na sua
atuação sobre a sociedade. A Igreja cristã, que naquele período exercia o papel de única
mediadora entre Deus e o homem, souberam aproveitar da figura do demônio para fortalecer e
dar sentido ao seu discurso de dominação sobre a sociedade, utilizando-se do medo da ação
do mal como instrumento de coesão de seus fiéis.
Para Delumeau (1993), a Idade Média foi um terreno fértil para germinar e florescer
tal crença no demônio e na sua atuação sobre a sociedade devido a frágil e instável situação
pela qual passava esta sociedade. Marcada por pestes, conflitos, guerras, heresias, o medo, foi
um instrumento bem utilizado pela Igreja Católica para manter seus fiéis coesos, paralisados e
dependentes de seus mecanismos de intermediação entre o Sagrado e o Profano para livrar a
sociedade dessas mazelas e catástrofes, cujo provocador de todo caos era o demônio. O
demônio era o inimigo iminente do cristianismo e por uma ameaça à sociedade cristã. A
Igreja Católica como defensora oficial do Cristo no mundo, era também a única capaz de
produzir mecanismos e instrumentos de defesa contra seu maior inimigo, o demônio, que
atentava contra a vida dos fiéis. Daí o surgimento de sistemas inquisitoriais e de rituais
oficiais de exorcismo.
Na sociedade ocidental medieval, nem todos professavam a cristã-católica, embora
o discurso teocêntrico do catolicismo tenha sido foi uma referência para entender o mundo
religioso o social, político e ideológico deste período. Ainda subsistiam camadas não
cristianizadas no ritmo dessa cultura católica. A partir da consolidação dos Estados modernos
104
e da difusão das idéias iluministas o universo medievo, povoado de religiosidade sustentado
pela Igreja Católica, foi sendo desconfigurado. Essa dessacralização da sociedade é um
processo que se daria ao longo dos séculos seguintes. No entanto, quanto à crença no
demônio, e os discursos religiosos elaborados sobre este, percebe-se que houve mudanças
apenas no modo de identificá-lo e pouco se avançou no mecanismo utilizado para expurgá-lo
ou exorcizá-lo da mentalidade ocidental.
Embora a identidade do demônio foi sendo repensada e re-configurada de acordo com
as mudanças políticas, econômicas, sociais, culturais e ideológicas, em momento algum, o
demônio deixou de existir para parcelas da população. A permanência de situações
catastróficas, crises e conflitos têm sido justificados por muitos, principalmente nos discursos
religiosos, como obra ou influência da ação demoníaca. Outro olhar que contribui para
compreendermos a permanência do discurso do demônio é apresentado por Campos
(2007:64), “é bom acrescentar que em termos de produção e de circulação, todo discurso ou
ato retórico, inclusive o que se afirma sobre o demoníaco, surge dentro de um contexto social,
onde a disputa pelo poder é um elemento importante. Mas a eficiência de sua difusão,
reprodução e circulação dependem de condições sociais apropriadas, bem como da
cumplicidade por parte daqueles que sofrem seu impacto. Neste sentido, a adesão do público
ao discurso de Macedo provem da eficiência de sua retórica.
O demônio costuma ser identificado como o “outro”, o diferente, o concorrente. Nesse
sentido, o demônio pode ser uma crença religiosa, um estilo de vida, um partido político, um
instrumento de dominação. Reforçar no outro o negativo, e creditar-lhe poder de destruição da
humanidade, ainda continuam sendo uma arma usada para identificar e combater tudo o que
ameaça as pessoas. O campo religioso, conceito usado por Bourdieu (2003:34), aparece, no
Brasil, como um local privilegiado de conflito, de disputa, de práticas de intolerância e de
exercício de poder discursivo, como principal meio de provocar adesão das massas
consumidoras dos bens simbólicos.
O conflito que se desenvolve no campo religioso é também causado por indivíduos
ávidos por garantir o seu sucesso e estabilidade financeira, psicológica e social. As pessoas
aceitam e reproduzem o discurso sobre o demônio quando usado pela instituição religiosa
como mantenedora da ordenação do mundo. É esse discurso que se tornou o ápice motivador
do modelo de evangelismo da IURD. Ao elaborar um discurso demonizando as entidades e
105
deidades das religiões afros Edir Macedo e a IURD estimulam o trânsito religioso dos
seguidores dessas crenças para compor a fileira dos fiéis iurdianos .
O discurso do demônio tão presente na IURD, revela a essência de uma disputa pelo
poder no campo religioso, onde ela talvez pretenda exercer um poder hegemônico. Campos
auxilia na compreensão dos mecanismos de acusação e do discurso de demonização utilizado
pela IURD. Para ele os desafios apresentados pelo processo de secularização e pluralismo
religioso, tem sido determinante, entre os protestantes históricos para a criação de sistemas
acusatórios e diabolização dos diferentes grupos religiosos que disputam sua legitimidade e
permanência no campo religioso brasileiro” (CAMPOS: 2007,99). Embora CAMPO se refira
aos sistemas acusatórios utilizados pelos protestantes históricos, compreendemos que os
mesmos têm sido utilizados pelos pentecostais e neopentecostais como os da IURD. A
preocupação com o fortalecimento da identidade cristã e a necessidade de “delimitação das
fronteiras denominacionais” continuam desencadeando processos de demonização,
estigmatização e intolerância religiosa (ibid,99).
Nesta disputa por permanência e legitimidade no campo religioso brasileiro, Macedo
recuperou o discurso sobre o demônio e a identificação deste com as religiões afro-brasileiras
e mediúnicas. Tal discurso já tinha sido muito bem utilizado por McAlister, na década de 60 e
70 (McALISTER, 1968:17). Essa recuperação e atualização da representação religiosa do mal
têm grande importância na identificação da IURD entre os neopentecostais. Tal qual
McAlister, na visão de Edir Macedo:
“O povo brasileiro, herdou as praticas demoníacas das práticas religiosas dos
índios nativos e dos escravos oriundos da África, de algumas religiões que
vieram mais tarde a ser reforçadas com doutrinas espiritualistas, esotéricas.
O que houve foi um sincretismo religioso, uma mistura curiosa e diabólica
de mitologia africana, indígena brasileira, espiritismo e cristianismo que
criou ou favoreceu o desenvolvimento de cultos fetichistas como a umbanda,
a quimbanda e o candomblé”. (MACEDO, 2000: 13).
Na mesma linha defendida por Campos, Maria Clara Ramos Nery, ao fazer uma
relação entre os mecanismos de demonização como formas de reavivamento de práticas de
intolerância religiosa, reativadas no campo religioso nacional, se apoiando em conceitos de
Ari Pedro Oro, relaciona a demonização com a competitividade, confronto e estratégias de
arregimentação de fiéis,
106
a demonização é um recurso estratégico, diante de um "confronto belicoso"
(ORO, 1997) estabelecido no campo religioso nacional, que explicitamente
adota a IURD para reverter em seu favor forças que lhe são antagônicas (o
poder que dispõem no imaginário coletivo principalmente as entidades
espirituais afro-brasileiras) num contexto de confronto religioso para a
conquista de adeptos. A demonização é, como nos afirma Ari Oro (1997)
"um recurso simbólico posto em prática por religiões que competem entre si
para arregimentar fiéis e para se impor legitimamente" (NERY, 1997:81).
A teologia e práticas iurdianas destacam-se pela exacerbação da imagem do demônio
muito semelhantes as formas utilizadas no período medieval. O demônio para essa igreja é um
ser que pode se tornar visível a qualquer momento nos cultos e principalmente nas “sessões de
descarrego”. Seus fiéis afirmam categoricamente -lo visto e os obreiros e pastores travam
batalhas espirituais e até físicas com as forças do maligno. Porém, o que mais se afirma nesse
discurso é a presença do diabo em forma de doenças; de brigas; desentendimentos entre
casais; entre pais e filhos; na dependência de drogas; no desemprego; na péssima condição de
vida financeira; nos acidentes automobilísticos. Enfim o demônio fala, age e se revela o
tempo todo na vida das pessoas.
Essa visão oferece o que Peter Berger (1985) caracteriza como uma teodicéia, formada
por representações que dão sentido a vida a qual sem ele seria percebido como caótica.
Quando analisa a influência dos demônios sobre as pessoas, Macedo busca oferecer sentido à
vida das pessoas, assim ele registra que:
“Até certo ponto, os demônios têm domínio sobre seus seguidores; quando,
entretanto, estes desejam de todo coração abandoná-los, ao o Espírito Santo
toma a frente e passa a interceder pelos mesmos, levando-os até os pés do
Senhor para salvá-los. É por causa deste domínio limitado que os demônios
têm levado muitas pessoas ao hospício; primeiro porque têm prazer na
destruição do ser humano; segundo porque, atuando em uma mente
destruída, estão a salvo de uma rejeição consciente”. (...).“Os demônios
agem sem piedade, transtornam a mentalidade do ser humano; se alojam no
seu cérebro e convidam outros da mesma falange para tomarem parte na
destruição. Há casos em que uma verdadeira legião se aloja na mente de uma
pessoa para possuí-la e desgraçá-la” (MACEDO: 2006, 88:98).
Macedo conseqüentemente elaborou um discurso de estigmatização e demonização
das religiões afro-brasileiras e mediúnicas e, ao mesmo tempo, um discurso que legitima a
ação de combate contra essas religiões. Agindo dessa maneira Macedo e a IURD
reconfiguram, de modo significativo, o atual campo religioso brasileiro. Portanto, por meio
do discurso e da retórica dessa instituição religiosa os fiéis são convencido a aderirem a visão
de mundo elaborada na forma de uma crença, passando a atuar num espaço aglutinador que os
107
protege de qualquer estrutura que lhes ofereça perigo espiritual ou carnal. Aderir à IURD, é
portanto, revestir-se de uma armadura que defende o fiel de todos os tipos de situações em
que o demônio tenta enganá-los com falsas doutrinas e outras adesões. Isso se confirma na
afirmação de Macedo a respeito das religiões afro-brasileiras e do espiritismo kardecista:
“Com nomes bonitos e cheios de aparatos, os demônios vêm enganando as
pessoas com doutrinas diabólicas. Chamam-se orixás, caboclos, pretos-
velhos, espíritos familiares, espíritos de luz, etc.”. (...) “Quando satanás
ganha um convertido para o espiritismo, seu passo seguinte é alimentá-lo
com suas próprias doutrinas, que são mentiras absurdas. Doutrinas,
ensinamentos, cerimônias, reuniões de caridade e tantas outras coisas são
artifícios usados pelos demônios para prender os incautos. Daí para frente é
quase impossível evitar contatos mais íntimos com os espíritos, que levam
essas pessoas ao ponto de abrirem a vida, totalmente, à ação de satanás e
seus demônios.”(...)“O amado leitor pode notar, que quando um espírita quer
deixar o espiritismo, sem a devida proteção do Espírito Santo, os demônios
atual de tal maneira que procuram levá-lo ao desespero, à loucura, ou a
morte. “Tenho certeza de que o Espírito do Senhor nos tem dirigido, razão
pela qual estamos pisando na cabeça de satanás. “Em nossas reuniões, os
demônios são humilhados e até mesmo achincalhados, numa prova de que o
Senhor es conosco”. (...) “As pessoas são libertas e se tornam novas
criaturas para Deus” (MACEDO, 2006: 80; 81; 89; 123).
Patrícia Birman afirma que a IURD "fez do combate à possessão (de entidades afro-
brasileiras) o centro de sua atividade ritual e o instrumento maior de conquista de novos
adeptos" (BIRMAN, 1986: 93). Ou seja, a IURD busca através do discurso de demonização
das religiões afro-brasileiras construir uma identidade que, no entanto, se mostra ameaçada
pelas religiões que como ela, oferecem experiências emocional e mágica. Tal conexão
provoca o surgimento de uma interdependência entre o discurso literário de Macedo e a
pregação da Igreja que ele ajudou a fundar.
“O diabo tem tentado confundir o povo e até certo ponto tem sido bem-
sucedido. O Brasil, por exemplo, tem mais de um terço da sua população nas
suas garras. São mais de 40 milhões de espíritas (sic) que estão enganados e
precisam conhecer a verdade revelada por Jesus. O que sobra da
população brasileira, ora vive consultando os guias, nos terreiros, ora vive
amedrontada e escondida”. (...) “As pessoas, normalmente, agem como as
águas, que procuram sempre o caminho mais fácil para o seu escoamento.
Procuram um caminho mais fácil, mais rápido e menos complicado para
resolverem seus problemas e, por causa disso, muita gente está atolada no
mais profundo lamaçal. Na verdade, todos os que procuram soluções a curto
prazo, sem se importar coma as conseqüências, acabam se deparando com o
diabo. É aqui que entra a umbanda, a quimbanda, o candomblé e as religiões
e práticas espíritas de modo geral, que o os principais canais de atuação
dos demônios, principalmente em nossa Pátria” (MACEDO,2006:71;
101;102).
108
A expressão (sic), inserida por nós acima, indica o exagero do discurso de Macedo
(2006:71) que aponta para existência de 40 milhões de brasileiros no espiritismo. Ora,
segundo dados do Censo de 2000, o Brasil tinha na época 2,2 milhões de pessoas que se
declararam espíritas. A presença de espíritas kardecistas no campo religioso brasileiro para
alguns pesquisadores, é uma presença bastante significativa. Bernardo Lewgoy (2006) faz a
esse respeito, a seguinte afirmação: “logo após o catolicismo e o protestantismo, o espiritismo
é a terceira força religiosa no Brasil. Se comparado à umbanda (cerca de 400.000) e ao
candomblé (118.000) ou ainda a outras religiões “afro” (cerca de 9.500), ele é a “primeira
força no campo mediúnico”.
Assim como a IURD, o Espiritismo kardecista, embora seja tido como uma religião
que transita entre a magia e o racionalismo, não deixa de ser também “prestadora de serviço”
a um público consumidor de bens simbólicos. Porém seus modos operantes em muito se
distancia das técnicas utilizadas pela IURD. Essa é uma visão do Espiritismo kardecista que
tem sido apresentada por Lewgoy (2006:176) ao afirmar que os espíritas muito embora
sejam produtores e fornecedores de bens simbólicos ou, uma “religião de serviço” se
distingue de outros serviços religiosos tidos por marcadamente mercantista”. Para Lewgoy
“uma religião que presta serviço de cura tem, obviamente, suas
crenças disseminadas por um universo maior do que os seus
praticantes declarados. Mesmo combatendo a magia com forte vigor
racionalista, é difícil não interpretar como religião de serviço (no
sentido de Prandi, 1996) a relação com uma clientela que acorre aos
centros espíritas em busca da cura espiritual de problemas de
relacionamento e de saúde. No entanto, sendo gratuito, o serviço
prestado nem de longe se encaixa numa descrição mercantilizada, pois
a restrição ao lucro pelos serviços mediúnicos é praticamente um
dogma entre os Kardecistas (LEWGOY, 2006:176).
As religiões que são mais identificadas pela IURD como “cultos ao demônio” são
aquelas em que uma maior presença da cosmovisão mágica, mediúnica, terapêutica e as
religiões populares. Ao fazer uso de palavras e imagens, Macedo, buscou a nosso ver, ao
escrever o livro Orixás, Caboclos e Guias..., adquirir a adesão absoluta de seus leitores para a
manutenção e funcionamento de seus sistemas de acusações, classificações e estigmatização.
Ao apresentar um discurso tão depreciativo e estigmatizador das religiões afros e mediúnicas,
Macedo e a IURD, têm respondido a algumas ações judiciais por pais-de-santo, mães-de-
santo, ou por alguma ONGs que atua em defesa dos direitos humanos e da liberdade do culto.
109
Vagner Gonçalves da Silva (2007) informa alguns dos casos em que o discurso de
intolerância ou a agressão física deram-se de modo tão violento, que num dos casos a vítima
veio a falecer. “Edir foi processado pelo Conselho Nacional Deliberativo da Umbanda e dos
Cultos Afro-brasileiros por vilipêndio a culto religioso, calúnia e difamação”
26
. Outro
episódio foi do “chute na santa”, motivou uma ação de vários seguimentos da sociedade
brasileira. O autor da agressão foi condenado com base no artigo 208 do Código Penal
(vilipêndio a objeto de culto religioso e estímulo ao preconceito religioso), a dois anos e dois
meses de prisão
27
”. Também o “programa “Ponto de Luz” da Igreja Universal do Reino de
Deus, teve seu horário de exibição alterado (reclassificação etária), ficando proibidas ás
referências pejorativas às religiões afro-brasileiras”.
28
Em São Paulo as redes de televisão (Record, Rede Mulher e outras) que apresentam
programas ofensivos (“Sessão de Descarrego e “Mistérios” etc.) foram condenadas a exibir
em sua programação o direito de resposta dos representantes das religiões afro-brasileiras. A
ação foi movida pelo Ministério Público Federal e outros (Instituto Nacional de Trabalho e da
Desigualdade Ceert).
29
O caso mais emblemático de reação é o da Mãe Gilda (Gildásia dos
Santos e Santos), que teve sua imagem usada numa edição de 1999 da Folha Universal ao
lado da matéria: Macumbeiros Charlatões Lesam a Bolsa e a Vida dos Clientes O Mercado
de Enganação Cresce no Brasil, mas o Procon Está de Olho”, posteriormente, o terreiro desta
mãe-de-santo foi invadido por membros da Igreja Deus é Amor. Mãe Gilda entrou com uma
ação judicial contra seus agressores, mas, em conseqüência desses ocorrido, segundo a
família, faleceu aos 65 anos de infarto fulminante.
Em 2004 a Justiça condenou a Igreja Universal e sua gráfica a indenizar a família da
ialorixá em 1, 372 milhões de reais, pelo uso indevido de sua imagem. Em 2005, a sentença
proferida em julgamento de segunda instância reduziu este valor para 960 mil reais, o teto
praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado”.
30
26
Noticiado em: O Globo, 1º/8/1989, O Estado de São Paulo, 27/08/1992, Cf. Ricardo Mariano, op. Cit, p. 120,
(2007:18).
27
Folha de S. Paulo, 1/5/1997
28
A Tarde, 10/01/2005
29
Folha de S. Paulo, 27/05/2005
30
A Tarde, 12/1/2003; 7/1/2005.
110
3.4 Um discurso da intolerância: uma retórica que se repete
Pressupõe-se que o uso do discurso acusatório por Macedo e pela IURD tem
conseqüências sérias no cenário religioso. Ricardo Mariano (in SILVA: 2007), por exemplo,
analisa o significado do discurso intolerante às religiões afro-brasileiras e mediúnicas por
pentecostais, a partir da “perspectiva dualista, da interpretação bíblica que hipertrofia a
relação agonística entre Deus e o diabo”. Segundo Mariano é na teologia pentecostal que
Macedo se fundamenta para estabelecer as suas seguintes práticas:
“1)Disseminar a crença na ação e no poder maléficos do diabo e dos
demônios sobre a humanidade; 2) realizar rituais exorcistas; 3) evangelizar
tendo como foco a missão concomitantemente conversionista e salvacionista
e de combate às forças demoníacas e a seus agentes e representantes
terrenos. Em suas doutrinas tais missões são indissociáveis. Essas ações,
estão baseadas numa forte determinação de retomar ensinamentos e práticas
do cristianismo primitivo e, conforme sua escrita interpretação blica da
vontade divina e das ações de Cristo”.
Ora a IURD se “autoproclama pentecostal” (ORO in. SILVA (2007). Portanto, ela
insere em práticas e teologias típicas do pentecostalismo conforme as referências citadas
acima por Mariano. Porém, ao utilizar-se de “símbolos e objetos mediadores com o sagrado”
(velas, óleo, sal grosso, arruda, roupas, água, fotos, e outros), correntes de oração, e ao
“incorporar as noções de milagre, inferno, pecado e imagens do demônio”, ela se aproxima
mais das práticas mediúnicas e do catolicismo e, se distancia das demais igrejas pentecostais e
evangélicas no geral. A IURD, para arregimentar “os desencantados” com as instituições
religiosas, inventou um novo estilo de ser evangélico a partir de crenças e práticas específicas
por onde afluem elementos diversos da religiosidade brasileira e de seus mitos. Faz parte
integral desse reencantamento
31
iurdiano o uso de discurso e retóricas centralizados
estigmatizando seus concorrentes.
Ao tentar fazer de sua Igreja uma instituição que se diferencia das demais evangélicas,
Macedo encontrou nos mecanismos de estigmatização; no sistema de “bricolagem” (Birmam:
2001); na dinâmica da competitividade; na teologia da prosperidade e, no uso da figura do
demônio o “bode expiatório” para justificar as falhas humanas e os males que afligem a
31
Usamos aqui o termo “reencantamento” no sentido dado por Júlio Cesar Benedito (2006:34)
“Reencantamento” é uma expressão empregada para designar a busca humana, pelo mundo simbólico,
transcendental, carregado de deuses que possam dotar a vida dos “desencantados” , pessoas cansadas do
racionalismo, e do secularismo da vida moderna, de sentido, de racionalismo.
111
sociedade. Daí o sucesso de seu discurso. Ao ressignificar os cultos afro-brasileiros
misturando “espetáculo e crença religiosa”, “templo e teatro” (Campos: 1997), a IURD se
diferencia de suas concorrentes, atraindo seguidores ávidos pela experiência com o
misticismo e a magia, que fazem parte tanto do contexto das religiões afros e mediúnicas
como do mundo catolicismo ou evangélicos. A particularidade da IURD é não somente
produzir um discurso demonizador do panteão afro brasileiro mas, sobretudo, ao apropriar-se
e “ressimbolizar” ou “ressematizar” os símbolos e ritos dessa religiosidade.
Portanto o livro Orixás, Caboclos e Guias..., além de ser um livro sobre demonologia
e demonização do panteão afro-brasileiro, utiliza o discurso demonizador para agregar novos
seguidores. Para os freqüentadores e simpatizantes das religiões afros e mediúnicas, Macedo
(2006) faz um convite para que deixem de serem enganados pelo “demônio” e junte-se a
fileira dos vencedores participando de sua Igreja
“Participe de uma reunião de libertação em nossas igrejas e o Senhor Jesus
Cristo libertará o dessas práticas condenadas por Deus, as quais nada têm de
religião. Em muitos casos, não passam de engodo e fingimento, para tirar o
seu dinheiro, a sua saúde e a sua paz, sem nada dar em troca. Vamos, meu
amigo leitor; levante-se, saia do lodo em que se encontra e venha para a
maravilhosa companhia de Jesus. Junte-se a milhares de pessoas que foram
alcançadas pela mão misericordiosa de Cristo, as quais agora estão
anunciando a verdade”. (MACEDO, 2006:19).
Para os luteranos, metodistas e fiéis de outras igrejas evangélicas, ele adverte: “a Igreja
tem de agir. Já vivemos o clima da pregação protestante com Lutero; o da pregação avivalista
com John Wesley, e, agora temos de sair da mera pregação pentecostal para a pregação plena
que promova um verdadeiro avivamento do Espírito de Deus”. (MACEDO, 2006,:120).
Trazemos alguns exemplos de como o discurso do livro Orixás, Caboclos e Guias...,
tem se repetido em outras publicações de Macedo e da IURD. O tema do demônio também se
encontra em outros quatro livros. Somos todos filhos de Deus? Uma reflexão sobre a situação
espiritual da humanidade no dias de hoje (MACEDO: 2007). Nesse livro identificamos uma
significativa similitude com Orixás, Caboclos e Guias.., que aparece logo na capa com a
indicação de que esse livro é um “Best-seller! + de 800 mil exemplares vendidos. Na
apresentação do Sumário, no capítulo 4, item 2, intitulado: Nascidos da carne são
apresentados os seguintes temas: Por que o demônio pode possuir um crente?, esse é o
mesmo título e temática do capitulo 15 do livro Orixás, Caboclos e Guias..., e em seguida, o
112
título: Sintomas de possessão demoníaca, que aparece como o capítulo 8 do livro Orixás,
Caboclos e Guias....
Outro livro de Macedo que trabalha a mesma temática é O diabo e seus anjos (1995).
Esse livro pretende ser um tratado de demonologia, mas não deixa de identificar práticas de
espiritismo e de praticantes das religiões afro-brasileiras (denominado no livro por
“macumbeiros) com ações demoníacas. No livro O perfil da mulher de Deus (2009) ele faz
várias alusões a ação do demônio em possíveis atitudes das mulheres com relação a si
próprias, ao esposo e filhos e a relação pessoal, da mulher com Deus. Já o livro Doutrinas da
Igreja Universal do Reino de Deus (1999),encontramos no capítulo 4 o tulo: Satanás e no
capítulo 5, Os demônios Esse livro traz de maneira reduzida as explicações sobre a origem, as
ações, os tipos de manifestações e os sinais de possessão que no livro Orixás, Caboclos e
Guias..,. estão trabalhados do capítulo 1 ao 8. Esses livros, entre outros escritos por Macedo
apresentam uma continuidade do discurso a respeito do demônio, muito embora não
reproduzam na totalidade a relação do demônio com os cultos afros. . Em muitos outros
livros, o discurso a respeito do demônio, aparece ao longo do texto, não estando
explicitamente indicados como título de capítulos.
Conclusão
A retórica de Edir Macedo no livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?,
é um discurso que se repete na práxis cotidiana da IURD. Atribuir ao demônio os males que
afligem a sociedade, é uma forma de dar sentido, um modo de explicar e dar razões às
experiências de sofrimento, tragédias e misérias diversas que o ser humano vivência no seu
dia-a-dia. Para reorganizar o mundo (projeto de Deus) e eliminar o caos (projeto do diabo) os
iurdianos acreditam ser necessário recorrer às crenças mágicas, a mitos e ritos específicos.
Essa necessidade de dar ordem e sentido ao mundo, essa impossibilidade de se defrontar com
o caos foi colocada pela filósofa Susanne K Langer (1971) e retomado por Clifford Geertz
(1989).
A experiência do Sagrado, nos templos da IURD, ocorre através da mediação de
símbolos, ritos, crenças, específicas do catolicismo popular, das religiões afro-brasileiras e das
mediúnicas. As razões para que a IURD tome posse dos bens simbólicos das religiões que ela
mais combate, está relacionada ao público com quem ela interage.
113
A tradição católica, com suas rezas, novenários, o uso da água benta, dos bentinhos e
santinhos protetores, ramos bentos, são vistos como formas de expressar a e a relação do
fiel com Deus. Essas mesmas expressões na IURD tomam a forma de “correntes de oração”,
distribuição do “óleo sagrado”, e a valorização de todos os tipos objetos usados para “proteger
e abençoar o fiel”. De modo semelhante ocorre com os símbolos e com as crenças que ela
ressignifica das religiões afros e mediúnicas. A utilização de ervas, como a arruda,
distribuição de rosas, água imantada, e principalmente a crença na presença e atuação
constante dos espíritos na vida dos indivíduos.
A IURD permanece como uma igreja de status, no campo religioso evangélico, no
Brasil, devido a metodologia com que ela atraí o seu público, cujo imaginário está repleto das
crenças, advindas do catolicismo, candomblé, umbanda e kardecismo. O mesmo se diga de
Macedo, pois, certamente, o que ele materializa em sua retórica literária, é resultado,
sobretudo, da sua experiência pessoal, de suas passagens por esses mesmos sistemas
religiosos com que ele trava constante batalha. Segundo ele mesmo afirma na sua
autobiografia autorizada, a respeito do livro Orixás Caboclos e Guias., “Escrevi minhas
práticas pessoais nessa área espiritual. O livro tem ajudado muita gente”. (MACEDO,
2007:138)
Nas últimas três décadas, nenhum outro livro religioso, no Brasil, esteve tão em
evidência por produzir um discurso tão agressivo e disseminador de intolerância religiosa,
como é o caso do livro Orixás, Caboclos e Guias..., Diante de tal fenômeno parece haver,
como afirma Ari Pedro Oro (2007) “relativo conformismo das religiões afro-brasileiras”,
assim como pouco interesse por parte do sistema judicial em aplicar as devidas penalidades
aos que praticam intolerância religiosa. O impacto que o discurso demonizador da IURD tem
causado no campo religioso brasileiro, no entanto, tem trazido para a discussão acadêmica e
para diferentes seguimentos da sociedade como Ministério Público, políticos, lideranças
religiosas e ONGs que atuam no campo dos Direitos Humanos, um novo olhar sobre a
discussão a respeito da intolerância religiosa.
Muito embora, como aponta Silva (2007), as manifestações, as discussões e as práticas
concretas para eliminar todo e qualquer tipo de discurso ou prática de intolerância religiosa,
no Brasil, ainda é um movimento muito tímido. Deve-se também, levar em conta, que os
mais afetados por esse discurso, os seguidores das religiões afro-brasileiras e mediúnicas
encontram pouca adesão, para essa discussão, dentro do próprio grupo, devido a fragmentação
114
desses sistemas religiosos. E, em decorrência às perseguições e estigmatização que as
religiões afros têm sofrido na sociedade brasileira, também certa resistência de outras
igrejas assumir essa luta contra a intolerância religiosa.
Nessa perspectiva, nossa pesquisa pretende ser uma contribuição positiva, trazendo
para a academia, a reflexão e análise de discurso, como possibilidade de ampliar a pouca
produção de material acadêmico que trate de obras literárias como possíveis instrumento de
legitimação identitária de um grupo religioso; por produzir um discurso intolerante e
disseminador de violências simbólicas desencadeando em violências físicas e por reproduzir
mecanismos de estigmatização e perseguição, a outros grupos religiosos, como é o caso do
livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demonios?.
115
Considerações Finais
Nesta pesquisa procurou-se analisar o livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou
Demônios?, a luz dos impactos e impasses causados por ele e pela IURD. O discurso e a
retórica de Edir Macedo, nesse livro, tratam as crenças e deidades das religiões afro-
brasileiras e mediúnicas como se fossem entidades demoníacas. Assim os mecanismos que
ligam as crenças e o discurso do escritor, as crenças e discursos dos leitores (fiéis iurdianos e
outros) tentam se mostrar eficazes na construção de uma identidade religiosa nova no cenário
brasileiro. Fato esse comprovado no modo como o mesmo discurso é reproduzido nos
diversos cultos e ritos, com certa particularidade, nas sessões de descarrego, em outras
literaturas e no discurso apresentado em programas radiofônicos.
Edir Macedo apresenta uma visão maniqueísta que se expressa em dicotomias como:
diabo/mal diabo/problemas diabo/caos e Deus/solução Deus/prosperidade Deus/saúde
Deus/bem. O fato de Macedo produzir um discurso que forma e aparência ao mal é
também um modo de tornar eficaz o combate contra o inimigo (diabo/religiões afros e
mediúnicas) a ser derrotado. Ao dar novos nomes aos orixás, caboclos, guias, encostos,
considerando-os os mesmos demônios da tradição judaico-cristã, Macedo está atribuindo ao
“demônio” uma identidade, um rosto, dando visibilidade ao que até então era considerado
invisível. Macedo compreende os demônios como entidades espirituais que precisam de corpo
humano para se expressarem e “sem os quais não pouco podem fazer” (MACEDO, 2006: 6) e,
apresenta uma explicação das relações de sincretismo ocorrida entre catolicismo e religiões
afro-brasileiras para reforçar o caráter demoníaco das crenças afros,
“Daí o nome dos demônios estarem associados a santos, que na realidade
nada tem a ver com eles. Na umbanda, por exemplo, São Jorge representa
Ogum; a virgem Maria representada Iemanjá, a Santíssima Trindade
representada demônios como Zambi, Oxalá. Basicamente, eles o os exus
116
(espíritos atrasados) ou orixás que afirmam ser adiantados” (MACEDO,
2006:44)
Por outro lado, os médiuns e mães-de-santo ou pais-de-santo, apesar de serem
estigmatizados e combatidos, recebem um discurso de vitimização. Na visão de Macedo eles
são vítimas dos demônios dos quais devem se libertar. No livro, após a descrição dos modos
como estes se colocam a serviço do demônio, Macedo, relata a participação desses mesmos
indivíduos na sua Igreja, como sinal da vitória de Jesus sobre Satanás. Essa descrição
funciona como uma solução apresentada por ele, para que pais-de-santo, mães-de-santo, e
demais freqüentadores saíam da situação de “vítimas de satã”, para se tornarem protagonistas
freqüentando os templos da IURD . Em algumas passagens, Macedo (2006:18) chega a citar
que os ex-pais-de-santo e ex-mães-de-santo depois de convertidos passam a ser “mais
fervoroso que os cristãos de nascença”. Afinal, Macedo não quer perder os seguidores desses
sistemas religiosos, e sim arrebanhá-los. Eles são considerados “inimigos” e “demônios”
somente enquanto participantes dos grupos religiosos considerados concorrentes, da IURD.
Com essa intenção Macedo dirige aos pais-de-santo e mães-de-santo as seguintes palavras:
são pessoas bem intencionadas e religiosas passam anos e anos
acreditando de todo coração nos poderes dos orixás e dos pretos-
velhos. (...) Muitas pessoas piedosas são enganadas pelo demônio. As
almas da mãe-de-santo, por exemplo, é vendida ao orixá. (...) Na
nossa igreja temos centenas de ex-pais-de-santo e ex-mães-de-santo,
que foram enganadas pelos espíritos malignos durantes anos
(MACEDO, 2006:17).
O discurso de demonizão de Macedo favorece o discurso da prosperidade também
utilizado por ele e por sua Igreja. Se a miséria, a doença, a pobreza podem ser consideradas
por sinais de possessão demoníaca ou interferência de espíritos malignos na vida da pessoa, a
posse de bens materiais, ou seja, “ter” é visto como sinal de bênção de Deus e, por
conseguinte, a escassez de bens materiais, morais ou espirituais são interpretadas como obra
do demônio. Esse discurso, sem dúvida, tem atraído uma significante parcela da população.
Não basta ter um carro, ser abençoado é possuir vários carros “zero”; não é o bastante, ter
uma casa, é preciso ter apartamento na praia e casa de campo; não é suficiente ter emprego, é
preciso deixar a condição de empregado e tornar-se empregador. Estar em comunhão com
Deus é, representado pela quantidade de “posses” que o indivíduo desfruta. Ser pobre, doente,
desempregado, ter poucas posses, é estar a serviço do demônio ou ser vítima de sua ação.
117
Na introdução do livro, Macedo faz a seguinte declaração, “espero que este livro não
se transforme num pomo de discórdia e também não seja considerado meramente polêmico ou
discriminatório. Se assim acontecesse eu me sentiria arrependido de tê-lo escrito” (MACEDO,
2006:10). É considerado então, como resultado final da análise feita do discurso de Macedo
no livro Orixás, Caboclos e Guias... que o seu discurso e a sua retórica, assim como o
discurso e retórica de sua Igreja e dos féis iurdiano são sim, polêmicos e discriminatórios. E,
quando surge discordância ao seu discurso por se ele intolerante, discriminador e xenófobo,
Macedo e a IURD buscam de muitas maneiras negar a agressividade e estigmatização da
retórica utilizada contra as religiões afro-brasileira e mediúnicas. Verificou-se também que
não há nenhum interesse em modificar, amenizar ou rejeitar esse discurso de demonização aos
cultos afros e as religiões mediúnicas. Ao contrário, a divulgação do livro Orixás, Caboclos e
Guias..., continua sendo apresentado nas diversas publicações da IURD sendo inclusive
apresentada numa nova versão. Atualmente a obra Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou
Demônios?, é também encontrada numa versão em Cd Rom. Macedo, ao lançar a versão Cd
ROM busca facilitar os meios de se fazer a leitura de um texto atraindo mais leitores.
Presume-se também que o discurso literário, como o livro Orixás, Caboclos e Guias...
tem uma relevante permanência no cotidiano dos iurdianos utilizado tanto para doutrinação
como um meio eficaz de impor as ideologias de Macedo e da IURD sem que sejam
questionados ou reprovado pelos fiéis. Exorcizar, retirar o “demônio” das pessoas e libertar a
vida delas da influência dos orixás, caboclos e guias tem sido uma missão abraçada por
Macedo, pelos pastores, pelos obreiros e fiéis iurdiano. Como o próprio Macedo afirma, essa
prática é o que movimenta a vida espiritual e religiosa dele e de sua Igreja, “lidamos com esse
tipo de coisa alguns anos, e três ou quatro vezes por dia, de segunda a segunda, estamos
preocupados em libertar as pessoas de toda a obra do diabo” (MACEDO, 2006:38). A
consistência e a continuidade desse discurso parece caracterizar o objeto dessa pesquisa, o
livro Orixás, Caboclos e Guias..., de uma especificidade singular, entre as demais literaturas
religiosas editadas nas últimas três décadas, período em que foi lançado esse livro.
Pressupondo que o texto corresponda a uma maneira de estudar as relações entre a IURD e os
cultos afro-brasileiros, acredita-se que essa literatura iurdiana, seja um material de pesquisa
que merece receber uma melhor atenção e estudo por parte da academia. Esse foi o desafio
aceito ao propor essa discussão na presente pesquisa.
118
Com essa pesquisa procurou-se também demonstrar como ocorre a permanência desse
discurso na fala dos pastores em programas de rádios e TV, nos relatos e testemunhos dos
fiéis, no uso de velas, ervas, roupas, distribuição de rosas, de objetos consagrados, nos rituais
de “libertação” e mais explicitamente nas sessões de descarrego. Os discursos a respeito do
demônio e das religiões de crenças mediúnicas aparecem também em outras publicações
como livros e revistas da IURD. Portanto, a insistência de um discurso tão demonizador,
contribui para que a IURD não somente construa uma identidade religiosa diferenciada das
demais igrejas evangélicas, mas também faz dela uma referência nessa temática. Sendo assim,
a IURD tem atraído um número significativo de público que busca cada vez mais um tipo de
igreja que ofereça uma religiosidade que se destaque por produzir e divulgar experiências
mágicas diversas.
Ao colocar o seu discurso em forma de livro, Macedo utiliza-se de mecanismo de
domínio dos processos discursivos reforçando o discurso religioso com bases morais e
doutrinárias, ressaltando a demonologia e demonopráxis da IURD. Concordamos com a
afirmação de Pêcheux (1995) que “não há discurso sem sujeito, e nem sujeito sem ideologia”,
o livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?, pode também ser analisado como
um instrumento eficaz para convencer e transmitir ideologias que favoreça a expansão da
IURD no cenário religioso. Nesse sentido, este estudo procurou trazer para a discussão
acadêmica que a análise de discurso de uma literatura religiosa pode ser uma referência para
se estudar uma instituição religiosa, seus mecanismos de construção identitaria, legitimação e
expansão no cenário religioso.
119
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