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DANIELLE BARROS DE MOURA BENEDICTO
DESAFIANDO O CORO DOS CONTENTES:
Vozes dissonantes no processo de implementação dos Jogos
Pan-Americanos, Rio 2007.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer
Doutor em Desenvolvimento Econômico e
Social/ Universidade de Paris/Panthéon
Sorbonne
Co-Orientadora: Prof. Dr. Fernanda Sánchez
Doutora em Geografia Humana/USP
Rio de Janeiro
2008
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Milhares de livros grátis para download.
B463d Benedicto, Danielle Barros de Moura.
Desafiando o coro dos contentes : vozes dissonantes no
processo de implementação dos Jogos Pan-Americanos, Rio
2007 / Danielle Barros de Moura Benedicto. – 2008.
193 f. : il. (algumas color.) ; 30 cm.
Orientador: Carlos Bernardo Vainer.
C0-Orientador: Fernanda Sánchez.
Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, 2008.
Bibliografia: f. 183-193.
1. Planejamento estratégico – Rio de Janeiro (RJ).
2. Conflito social. 3. Movimentos sociais. 4. Jogos Pan-
Americanos (15. : 2007 : Rio de Janeiro, RJ). I. Vainer,
Carlos Bernardo. II. Sánchez Garcia, Fernanda. III.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. IV. Título.
CDD: 711.4098153
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AGRADECIMENTOS
À minha família pelo apoio, carinho, incentivo (emocional e financeiro) e paciência,
mesmo nos momentos onde o cansaço superava a razão e os tênues limites da boa
educação.
Ao meu orientador Carlos Bernardo Vainer pelo respeito aos meus longos períodos
de silêncio mesclados com os meus períodos de produção: Liberdade com algumas
doses de pressão e provocações, pode descrever esta orientação.
À minha co-orientadora Fernanda Sánchez pela sua postura sempre solidária. Pela
força, incentivo e confiança. Um exemplo de mulher. Um exemplo de profissional.
Amizade essencial neste processo.
Aos professores Gilmar Mascarenhas e Henri Acselrad pelos comentários e
recomendações feitas durante a qualificação.
Aos professores do IPPUR pela troca de conhecimentos. Aos funcionários da
mesma instituição, pelos laços de amizade e carinho construídos logo de início, que
fazem com que nos sintamos parte de uma grande família, que acostumamos
chamar de “ippuriana”. Em especial à nossa querida Zuzu!
Aos professores Glauco Bienenstein, Sônia Ferraz e Juarez Duayer, da escola de
arquitetura e urbanismo da UFF. A dedicação e comprometimento com o ensino e a
defesa da Universidade Pública são admiráveis.
Aos pesquisadores Pedro Novais, Alberto de Oliveira e Fabrício Leal pelas trocas de
idéias e amizade construída durante a pesquisa “Grandes Projetos Urbanos: O que
se pode aprender com a experiência brasileira?”.
Aos participantes do Projeto “O Plano Diretor como instrumento na luta pela
moradia” e, em especial, aos participantes das oficinas realizadas em Vargem
Grande e Jacarepaguá que contribuíram em grande medida para o desenvolvimento
de algumas das reflexões contidas nesta dissertação.
Aos participantes do Comitê Social do Pan. Em especial a Bruno Lopes que se
tornou um bom amigo e parceiro de projetos. À Maria Luiza, Luiz Mário, Zezé,
Joylce, Martin e Inalva por compartilharem seus conhecimentos e ideais comigo.
Ao amigo Silvio Leal pela confiança e incentivo de sempre. Apoio-técnico 24 horas
ao meu computador e, principalmente, apoio intelectual nas horas de desespero.
À Camilla Lobino e Mariana de Moraes pela cumplicidade de todas as horas. Ao
apoio, gargalhadas, sarcasmo e ironia que marcaram e marcam a nossa relação.
Aos amigos Leléo, Fernanda, André, Marcelo, Julio, Igor, Camila e Marcellinha da
turma de mestrado 2006 que animaram o nosso curso. E ao nosso saudoso
cinemotin!
À Simone Polli pela amizade e apoio mesmo distante. Dividindo idéias, ideais,
angústias e inquietações.
Ao grande Soninho pela amizade e parceria construída para além dos corredores do
IPPUR. Seu comprometimento com as lutas urbanas é certamente digno de
admiração.
À Liah e Vivy por agüentarem pacientemente minhas lamúrias e surtos de
inquietação! À Marquelli, Fernanda e Tainara por partilharem as angústias e alegrias
do dia-a-dia.
À Bruninha, Marquito, André, Marcelo e Renato grandes amigos que, por muitas
vezes, foram portadores de informações extra-oficiais. Obrigada pela confiança.
À Cris, por ter se “enterrado” comigo nos corredores “insalubres” da Biblioteca
Estadual ajudando no registro das reportagens antigas. Uma amizade de tantos
anos não deveria permitir abusos deste tipo!
Ao querido Fabin, “o amigo da Camilla”, por compartilhar comigo um pouco da sua
imensa sensibilidade sociológica. Ao Marcin “namorado da Camilla” pela revisão
solidária do abstract.
À equipe do Escritório Técnico de Políticas Territoriais e Regularização Fundiária
pelo apoio e compreensão nessa reta final da dissertação. Luís, Laís, Cecília,
Camila e Alex aquele abraço!
Enfim, a todos que de alguma forma contribuíram para a construção e finalização
deste projeto e que, inconscientemente ou conscientemente, incentivaram novos.
RESUMO
A problemática sobre a qual se descortina esta dissertação diz respeito às
conseqüências político-simbólicas e prático-materiais da adoção do modelo de
planejamento dito estratégico a partir da reação e articulação dos diferentes grupos
sociais impactados direta ou indiretamente por estas intervenções. A partir do estudo
de caso dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007 procurou-se reconhecer as vozes
dissonantes que desafiaram e desafinaram o aclamado e instrumental “coro dos
contentes”, reconstruindo as subjetividades urbanas, mediante a afirmação da
existência do conflito que denuncia a reprodução de uma cidade injusta e desigual.
Neste contexto, direciona-se o estudo para as disputas argumentativas em torno da
legitimidade das ações e discursos associados à realização de um grande evento
esportivo, onde o legado emerge como um dos principais elementos disputados
pelos sujeitos sociais envolvidos. Ao longo deste trabalho procurou-se demonstrar
como os diferentes discursos, representações e ações da resistência afetaram não
somente a implementação do projeto dos Jogos como também colocaram em
questão os processos de reestruturação urbana ensejados pelo modelo de gestão
da cidade do Rio de Janeiro desde a década de 90.
Palavras-chave: Grandes eventos; Conflito urbano; Denúncia pública; Legitimidade.
ABSTRACT
This dissertation examines the political-symbolic and practical-material
consequences of adopting the so called strategic planning model from the
perspective of the reaction and articulation of different social groups directly or
indirectly impacted by these interventions. From the case study of the Pan American
Games, Rio 2007, we sought to recognize the dissonant voices that challenged and
untuned the acclaimed and instrumental "chorus of the happy", and that reconstructs
the urban subjectivities, by affirming the existence of the conflict that denounces the
reproduction of an unjust and unequal city. In this regard, the study directs to
argumentative disputes around the legitimacy of the actions and words associated
with the completion of a major sporting event, where the legacy emerges as a key
element disputed by the social subjects involved. Throughout this work we sought to
demonstrate how the various speeches, representations and actions of resistance
not only affected the implementation of the project of the Games but also put in
question the processes of urban restructuring undertaken by management in Rio de
Janeiro since the 90s.
Keywords: Major events; Urban conflict; Public denounce; Legitimacy.
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS
ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas
ABIH - Associação Brasileira de Indústria de Hotéis
ACIR - Associação Comercial e Industrial do Recreio
ACP – Ação Civil Pública
ACRJ – Associação Comercial do Rio de Janeiro
ACSP - Association of Collegiate Schools of Planning
ADEMI - Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário
AEIS - Área de Especial Interesse Social
AEIU - Área de Especial Interesse Urbanístico
AMETE - Associação de Moradores do Entorno do Engenhão
ASDUERJ - Associação de Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
CBA - Confederação Brasileira de Automobilismo
CCPA - Canadian Centre for Policy Alternatives
CDDH Bento Rubião - Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião
CEDAE - Companhia Estadual de Água e Esgotos do Rio de Janeiro
CEF - Caixa Econômica Federal
CMI – Centro de Mídia Independente
CMP – Central de Movimentos Populares
COB - Comitê Olímpico Brasileiro
CODT - Centro Olímpico de Desenvolvimento de Talentos
COHRE - Centre on Housing Rights and Evictions
COI - Comitê Olímpico Internacional
COJO – Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos
COJO - Comitê Organizador para os Jogos Olímpicos
CON - Comitê Olímpico Nacional
CO-RIO – Comitê Organizador dos Jogos Pan-americanos Rio 2007
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CSP - Comitê Social do Pan
DCE - Diretório Central dos Estudantes
DEM – Partido dos Democratas
DOCOMOMO - Documentação e Conservação do Movimento Moderno.
EBTE - Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S.A
ETTERN - Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza
FAM-RIO - Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro
FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador
FBVM - Federação Brasileira de Vela e Motor
FEEMA - Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
FGV- Fundação Getúlio Vargas
FIFA - Fedération Internationale de Football Association
FIRJAN - Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
FLUMITRENS - Companhia Fluminense de Trens Urbanos
FPAPD - Fórum Poular de Acompanhamento do Plano Diretor do Rio de Janeiro
FPORJ - Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro
FRERJ - Federação de Remo do Estado do Rio de Janeiro
FTERJ - Federação de Triatlon do Estado do Rio de Janeiro
GPDU - Grandes Projetos de Desenvolvimento Urbano
GPU - Grande Projeto Urbano
IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IOCC - Impact on Community Coalition
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
ITERJ - Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro
IVE - Instituto Virtual dos Esportes
MUCA – Movimento Unificado dos Camelôs
MUP - Movimento de União Popular
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
ODEPA - Organização Desportiva Panamericana
OMP - Oficina Municipal de Planejamento
ONG – Organização Não-Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
OPEP - Organização dos Paises Exportadores de Petróleo
PACS - Políticas Alternativas para o Cone Sul
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PECRJ - Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro
PEU – Plano de Estruturação Urbana
PFL – Partido da Frente Liberal
PL – Partido Liberal
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PPP - parcerias público-privadas
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PV – Partido Verde
RBC - Rio Barcelona Consultores
RFSA - Rede Ferroviária Federal S.A
SERLA - Superintendência Estadual de Rios e Lagoas
SINTUPERJ - Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas do Estado
do Rio de Janeiro
TCU - Tribunal de Contas da União
TUBSA - Tecnologias Urbanas Barcelona S.A
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFF - Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UGF - Universidade Gama Filho
UNE - União Nacional dos Estudantes
USP – Universidade de São Paulo
VLT - Veículo Leve sobre Trilhos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................12
CAPÍTULO 1
1 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DAS CIDADES..........................................21
1.1 CONTEXTO TEÓRICO-CONCEITUAL .............................................................. 21
1.2 OS IMPACTOS DA TRANSIÇÃO DO MODO DE REGULAÇÃO
CAPITALISTA NA GESTÃO URBANA.................................................................23
1.3 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DAS CIDADES.........................................28
1.4 O PROJETO URBANO COMO ESTRATÉGIA DISCURSIVA
E MERCADORIA “VEDETE” NA GESTÃO DAS CIDADES................................ 34
1.5 OS GRANDES EVENTOS E A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO...................... 38
1.6 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS .......................................................................... 44
CAPÍTULO 2
2 CONSTRUINDO O “SENTIMENTO” OLÍMPICO..................................................46
2.1 OS GRANDES EVENTOS ESPORTIVOS E SUA TRANSFORMAÇÃO
EM MERCADORIA VEDETE................................................................................47
2.2 OS GRANDES EVENTOS ESPORTIVOS NA CIDADE
DO RIO DE JANEIRO...........................................................................................55
2.2.1 Marco Referencial: A Gestão Estratégica da Cidade............................55
2.3 EM BUSCA DO “OURO PERDIDO”: AS PROPOSTAS PARA
SEDIAR EVENTOS ESPORTIVOS DE GRANDE PORTE NA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO............................................................................61
2.3.1 Rio 2004..................................................................................................63
2.3.2 Rio 2007..................................................................................................72
2.3.3 Rio 2012..................................................................................................76
2.4 RIO 2007: O PROJETO EXECUTADO SOBRE A ÓTICA DAS
CANDIDATURAS E PROPOSTAS ANTERIORES...............................................83
2.5 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS. ......................................................................... 88
CAPÍTULO 3
3 O PAN 2007 E OS CONFLITOS URBANOS..........................................................91
3.1 DETERMINANDO AS PRIORIDADES INSTITUCIONAIS...................................91
3.2 EXPRESSÕES DE CONFLITOS: A CIDADE DIVERSA E DESIGUAL...............95
3.2.1 Mobilizações Internacionais: um breve panorama................................97
3.2.2 Mobilizações relacionadas ao Pan 2007...............................................99
3.3 AS VOZES DISSONANTES QUE ECOAM PELA CIDADE:
ABORDAGEM SOBRE OS PRINCIPAIS CONFLITOS ..................................105
3.3.1 Vila Pan-Americana e Complexo do Autódromo –
especulação imobiliária, ações de despejo e conflito ambiental...................105
3.3.2 O caso do “Engenhão”.........................................................................121
3.3.3 O caso da Marina da Glória.................................................................128
3.3.4 Estádio de Remo da Lagoa.................................................................134
3.3.5 As medidas de Segurança para o Pan: a operação
no Complexo do Alemão.......................................................................137
3.3.6 Outros conflitos e manifestações..........................................................142
3.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS..........................................................................134
CAPÍTULO 4
4 CONFLITOS EM TORNO DA LEGITIMIDADE...................................................149
4.1A IMPORTÂNCIA DO LEGADO PARA A LEGITIMAÇÃO
DO PROJETO..........................................................................................................149
4.2 A DENÚNCIA PÚBLICA COMO UMA “TECNOLOGIA DE
PROTESTO”.......................................................................................................151
4.2.1- O Comitê Social do Pan e a denúncia pública.......................................153
4.3 AS REPERCUSSÕES DA CRÍTICA NO PROCESSO DE
IMPLEMENTAÇÃO DOS JOGOS: O LEGADO EM QUESTÃO.........................158
4.3.1 Primeiro Momento (2003-2004): A cidade ensolarada!........................159
4.3.2 Segundo Momento (2005-2006): A cidade acalorada!.........................161
4.3.3 Terceiro Momento (2007): A cidade incendiada!..................................165
4.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS.........................................................................174
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................177
6 REFERÊNCIAS.....................................................................................................182
12
INTRODUÇÃO
No âmbito das formas recentes de valorização do capital, as cidades têm
sido pensadas e produzidas de modo a torná-las protagonistas da dinâmica
econômica atual por meio da adequação de suas formas de gestão e produção.
Competitividade, “empresariamento urbano”, planejamento estratégico (por projetos),
intervenções pontuais, entre outros enunciados, passam a compor o rol das
iniciativas a serem adotadas pelos administradores urbanos.
Dentro do conjunto de ações que caracterizam o planejamento estratégico
destacam-se iniciativas como: a formação de parcerias entre o setor público e a
iniciativa privada; a implementação de novos instrumentos e instituições voltados
para o governo urbano; a desregulação e/ou flexibilização do aparato legal da cidade
e a redução da escala de intervenção/gestão urbana, através de projetos de grande
impacto no ambiente construído das cidades, denominados por Ascher (1994, p. 92)
como “master project
1
”. Este tipo de gestão de cidade pode ser caracterizado pela
transformação da mesma – mediante a realização de grandes projetos urbanos
associados, muitas vezes, à realização de grandes eventos -, em uma mercadoria
vendável, moldada de acordo com as necessidades de acumulação. Onde os
grandes projetos urbanos -GPU’s - constituem a materialização deste processo.
A organização de grandes eventos passa a ser um dos instrumentos mais
utilizados pelos governos escorados na possibilidade de ganhos econômicos e de se
criar uma imagem favorável das cidades-sede e do governo promotor destes
eventos.
O marketing urbano
2
, neste sentido, assume um papel relevante atuando
na construção de imagens-síntese capazes de vender a cidade como “espaço de
consumo” e, principalmente, como “consumo de lugar”; atuando também na
1
Ascher aborda a questão dos “projetos muito grandes” cujo “princípio [...] é realizar um acontecimento, um
programa de vários equipamentos ou um grande equipamento cujo impacto beneficie econômica e
simbolicamente a cidade inteira e, até mesmo, a região ou o país [...]. Classicamente, as exposições
internacionais e os jogos olímpicos desempenharam tal papel. Além de promoverem a imagem da cidade, além
dos equipamentos urbanos que legam à mesma, tais projetos deixam, ainda, traços que têm um forte poder
simbólico” (ASCHER, 1994, p. 92).
2
ASWORTTH e VOOGD em “Selling the city: marketing approaches in public sector urban planning entendem o
marketing urbano como uma técnica de planejamento capaz de criar, mediante um conjunto de procedimentos e
estratégias, um espaço urbano adaptado aos desejos e necessidades reconhecidas e determinadas por alguns
grupos, com o objetivo de criar condições para a eficiência operacional das funções sociais e econômicas nas
áreas de interesses.
13
construção de representações capazes de garantir o consenso necessário para dar
legitimidade ao projeto.
Diante de tal fato, acredita-se que a representação
3
da cidade poderia
estar assumindo uma maior importância frente ao objeto que ela representa. Como
aponta Jose Ortega y Gasset “no serian los hechos que conmueven a los seres
humanos, sino las palabras sobre esos hechos
4
“. Neste contexto, as “tecnologias do
espírito
5
” apoiadas para a construção de um futuro radioso assumem protagonismo
na re-significação das subjetividades urbanas, construídas sobre a lógica capitalista
da valorização do consumo, do espetáculo e da alienação.
Tendo como princípio que “a redução sintética da cidade a uma imagem
mercadoria constitui um ato de violência (simbólica) que desconhece e apaga as
múltiplas outras imagens e representações possíveis da cidade” (SÁNCHEZ, 2003,
p. 19) e que “recusa a existência da diversidade que funda a própria existência da
cidade” (idem) como arena dos conflitos urbanos
6
, a problemática sobre a qual se
debruça esta pesquisa, diz respeito às outras múltiplas imagens e representações da
cidade apagadas pela imagem-síntese da cidade-mercadoria consensual.
Identificar e registrar as outras representações da cidade, as vozes
dissonantes que desafinam o aclamado “coro dos contentes” reconstruindo as
subjetividades urbanas a partir da existência do conflito e da reprodução de uma
cidade injusta e desigual, explicitando outras imagens da cidade escamoteadas
pelos “image-making” (ARANTES, 2000) do consenso é um dos objetivos do
trabalho.
Um dos principais argumentos apresentados pelos governos de cidades
postulantes a sediar um evento desta envergadura são os “legados” tanto tangíveis
como intangíveis, que eles podem trazer para as comunidades locais por meio da
implantação de melhorias estruturais na rede de transportes, moradia, novos postos
3
Pedro Novais relaciona representação à produção de efeitos na realidade social. Citando Bourdieu, o autor
aponta que “as representações são enunciados performáticos que pretendem que aconteça aquilo que
anunciam” (Bourdieu 1998, p. 118). Neste sentido, “pode-se dizer que as representações do espaço manifestam
interesses no espaço ao mesmo tempo que expõem uma espacialização de interesses[...]” (NOVAIS, 2000, p.
146).
4
Tradução: “não seriam os feitos que comovem os seres humanos e sim as palavras sobre esses feitos”
(TORRES, 1999, p. 108). In: Estudos Olímpicos.
5
ACSELRAD, H. in COMPANS, R.; 2005, p. 11.
6
“A luta poderá ser caracterizada como urbana na medida em que, ocorrendo numa base territorial circunscrita
às cidades, coloque em xeque a questão da terra, habitação ou dos bens de consumo coletivo [...] Suas
reivindicações podem ser pontuais quanto aos objetivos e aos locais da cidade ou, ao contrário, adicionar
organizações díspares que passam a lutar por benefícios múltiplos e coletivos” (KOWARICK, 2000, p. 64).
14
de trabalho, dentre outros. Entretanto, alguns estudos apontam que os cálculos
realizados pelos empreendedores desses projetos estão direcionados em grande
medida apenas para o agenciamento econômico de alguns setores de acumulação
associados aos diferentes mercados (do turismo, fundiário, imobiliário, dos serviços
ligados aos esportes, da cultura). Os impactos físicos e financeiros passam a ser
priorizados nos estudos, secundarizando estudos sobre os possíveis impactos
sociais e culturais.
Neste contexto, procurar-se-á identificar alguns dos impactos sociais, e
conseqüentemente os conflitos sociais gerados por eles, relacionados à realização
desses grandes eventos, tendo, como estudo de caso, os Jogos Pan-Americanos,
Rio 2007. Os conflitos em torno da legitimidade deste grande projeto/evento são,
deste modo, o objeto de pesquisa desse trabalho e de alguma forma, as estratégias
de resistência empreendidas pelos opositores.
Estas disputas serão analisadas por meio do discurso e das ações: (1) da
resistência social mobilizados desde o anúncio da realização dos Jogos na cidade
do Rio de Janeiro em 2003; e (2) dos promotores desse grande evento
7
.
Neste contexto, algumas questões são levantadas nesta pesquisa:
Quais os principais atores sociais que emergiram nesse processo de
reestruturação urbana através de um grande evento e como esses atores
construíram as estratégias de difusão e afirmação de suas idéias seja para a
legitimação do projeto, visando a produção do consenso, seja para seu
questionamento, buscando a afirmação política do dissenso?
Em que medida esses discursos, representações e ações afetaram os atuais
processos de reestruturação urbana?
Cabe explicitar os caminhos metodológicos realizados para tentar
responder as questões levantadas neste trabalho.
O primeiro contato com o tema foi em 2004 durante a graduação em
arquitetura e urbanismo, como bolsista de iniciação científica do Grupo de Pesquisa
sobre Grandes Projetos Urbanos –GPDU - na Universidade Federal Fluminense. Um
7
Entendendo que o discurso oficial constitui uma linguagem autorizada (BOURDIEU:1992), “[...] Pode-se dizer
que a linguagem, na melhor das hipóteses representa tal autoridade, manifestando-a e simbolizando-a”
(BOURDIEU, p. 87)
15
dos últimos estudos realizados no grupo foi sobre a realização dos Jogos Pan-
Americanos na cidade do Rio de Janeiro na perspectiva dos conflitos.
Em 2005, ocorreu a articulação do GPDU com o Comitê Social do Pan
8
-
CSP. Neste período, participei de algumas mobilizações organizadas pelo grupo
como o seminário “Que Pan nós queremos?”, além de palestras relacionadas ao
tema.
Ao entrar no mestrado em 2006, a participação no CSP foi limitada ao
acompanhamento dos e-mails trocados pelo grupo e na participação em algumas
das manifestações promovidas. Nestes e-mails eram trocadas reflexões, atas das
reuniões e reportagens.
A participação no projeto intitulado “O Plano Diretor como instrumento na
luta pela moradia”, coordenado pelo professor Adauto Lúcio Cardoso, em 2007,
ampliou os horizontes da pesquisa. Mediante as oficinas de capacitação que faziam
parte do projeto houve a aproximação com alguns dos movimentos sociais urbanos
do Rio de Janeiro trazendo uma nova perspectiva para o trabalho, reconhecendo
uma outra multiplicidade de atores que passaram a discutir o Pan.
As oficinas foram realizadas em 4 áreas da cidade: Centro, Campo
Grande, Alto da Boavista e Vargem Grande/Jacarepaguá. Participei como uma das
coordenadoras da oficina de Vargem Grande/Jacarepaguá: Nestas oficinas tive a
oportunidade de interagir com pessoas que estavam vivenciando diretamente os
impactos do Pan, como os moradores da Vila Autódromo, Vila Recreio II, Santa
Luzia, ex-moradores do Canal do Cortado, de Cooperativas organizadas para a
construção de moradias populares, participantes do Movimento de União Popular -
MUP, da União de Moradia Popular – UMP - e da Central de Movimentos Populares
- CMP.
Não obstante, a integração com as outras oficinas e os seminários
conjuntos realizados em função do projeto, permitiram visualizar como os diferentes
moradores da cidade percebiam o Pan-Americano e as principais críticas em relação
a ele. A participação nas diferentes manifestações (e em alguns processos de
ocupação) e as conversas informais com os diferentes atores envolvidos na luta
8
Um dos primeiros grupos de resistência articulado em função dos Jogos Pan-Americanos.
16
urbana carioca ampliaram bastante a percepção das redes de resistência que
estavam sendo construídas e como a discussão sobre o Pan se inseria nelas.
O acompanhamento das audiências públicas na Câmara dos Vereadores
da comunidade da Vila Autódromo, do Canal do Anil, sobre as remoções, sobre o
Plano Diretor e dos esportes contribuíram para as reflexões sobre o embate político
e social.
A presença em seminários e palestras que tinham a cidade como tema
possibilitou perceber como o Pan estava sendo inserido nestas discussões, tendo
em vista as mesas que surgiram especificamente para discutir o Pan e seus
impactos sociais.
As entrevistas realizadas para o trabalho também foram importantes. Pela
limitação do tempo, as mesmas foram realizadas por e-mail, contando com alguns
dos integrantes do Comitê Social do Pan bem como com a entrevista do prefeito
César Maia.
Objetivando manter um acervo sobre as representações simbólicas do
evento construídas pela mídia oficial e sobre o conteúdo das informações difundidas
à população, foram realizadas pesquisas no Jornal o Globo
9
no acervo da Biblioteca
Estadual do Rio de Janeiro, com o recorte temporal de 2003 a 2007. Esta pesquisa
resultou num banco de dados com todas as reportagens e comentários existentes no
jornal, que envolvessem os Jogos Pan-Americanos, ou os Jogos Olímpicos que de
alguma forma pudessem embasar a pesquisa.
Não obstante, foram levantadas algumas reportagens realizadas em
outros jornais, mas não da forma sistemática como as realizadas no Jornal o Globo.
Tais pesquisas foram feitas no acervo do Laboratório de Pesquisa do GPDU,
pesquisas na internet, no observatório de conflitos urbanos e no conjunto de e-mails
trocados no grupo virtual do CSP. E ainda, o levantamento das reportagens
realizadas pela mídia não-oficial, principalmente no Centro de Mídia Independente -
CMI.
O objetivo desta pesquisa foi o de localizar os diferentes discursos dos
atores envolvidos nesses processos, e contextualizar os principais conflitos que
ocorreram em função do Pan.
9
Este Jornal foi escolhido por ser um dos jornais de maior circulação na cidade do Rio de Janeiro.
17
No que diz respeito à pesquisa bibliográfica pode-se dizer que a mesma
teve várias vertentes. Inicialmente comecei retomando a discussão acerca do
“empresariamento urbano”, do planejamento estratégico e dos grandes projetos
urbanos, de modo que fosse possível compreender o contexto político-social em que
estes projetos e eventos são propostos. Neste momento, contei com a bibliografia da
disciplina sobre Grandes Projetos Urbanos e Planejamento Estratégico e do material
gerado pela pesquisa nacional sobre “Grandes Projetos Urbanos: o que se pode
aprender com a experiência brasileira?”.
Num segundo momento, a pesquisa bibliográfica foi voltada para as
pesquisas referentes aos grandes eventos esportivos, onde um texto ia levando a
outro a partir da garimpagem das referências bibliográficas. A maioria das pesquisas
foi realizada pela internet, contando com textos disponíveis na rede e, em outros
casos, quando a bibliografia não estava acessível, mas era considerada relevante, a
mesma foi adquirida.
Não obstante, o acompanhamento das produções de alguns dos grandes
centros de estudos olímpicos internacionais permitiu vislumbrar o que está sendo
pesquisado atualmente sobre os Jogos.
Pôde-se constatar mediante esta pesquisa a existência de um número
muito reduzido de trabalhos voltados para os impactos sociais dos grandes eventos
esportivos, quanto mais para os conflitos que emergem em função da realização dos
mesmos. Como aponta Heidi Haugen (2003), raros são os trabalhos que exploram a
análise dos discursos referentes à realização dos Jogos Olímpicos, apesar da
análise representar uma importante contribuição às pesquisas que compreendem os
grandes eventos como um fenômeno social.
As pesquisas realizadas sobre Barcelona à época da realização do Fórum
Universal das Culturas (2004) e o material bibliográfico trazido por Fernanda
Sánchez (UFF) diretamente de lá; as pesquisas realizadas na internet sobre os
conflitos sociais ocorridos no Canadá em função dos Jogos do Inverno; e o material
trazido pelo professor Gilmar Mascarenhas (UERJ) de Santo Domingo acerca dos
conflitos ocorridos nos Jogos Pan-Americanos em 2003, indicam que pesquisas de
campo nos locais onde ocorrem esses eventos são bem mais promissoras para se
ter acesso às produções que tratam sobre os conflitos sociais em grandes eventos,
pois muitos desses materiais não são divulgados e alguns deles não estão
disponíveis na internet.
18
Sobre a pesquisa na internet, cabe ressaltar que muitas das páginas na
internet dos grupos de resistência não estão mais ativas, e com elas perde-se a
perspectiva de interação e troca de informações entre os grupos de resistência.
Num terceiro momento a pesquisa bibliográfica foi voltada
especificamente para o caso da cidade do Rio de Janeiro e a realização de Grandes
Eventos Esportivos, de modo que se pudesse entender o contexto político social em
que os grandes projetos/eventos passam a ser explorados como uma estratégia de
gestão urbana. Neste sentido, realizou-se uma pesquisa sobre as diversas
candidaturas às quais a cidade do Rio de Janeiro se submeteu, mediante a coleta de
dados no acervo do Comitê Olímpico Brasileiro - COB.
E por fim, foi realizado um breve levantamento sobre bibliografia referente
a conflitos sociais urbanos e conflitos em torno da legitimidade de grandes projetos.
Pôde-se contar com a revisão de algumas referências existentes no plano de
trabalho da disciplina “Globalização e Movimentos Sociais II” ministrada pelos
professores Carlos Vainer, Henri Acselrad e Lygia Sigaud em 2003 no Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional -IPPUR, e algumas das referências
contidas no relatório do Observatório dos Conflitos Urbanos coordenado pelos
professores Carlos Vainer e Henri Acselrad.
* * *
O trabalho foi organizado em quatro capítulos. O primeiro capítulo
correspondeu à análise dos conceitos relacionados ao “empresariamento urbano”,
planejamento estratégico focando a abordagem principalmente nas pesquisas que
associam esse tipo de planejamento à realização de grandes eventos e grandes
projetos.
O segundo capítulo teve como objetivo resgatar a história dos Jogos
Olímpicos modernos e sua transmutação em um grande “espetáculo esportivo”.
Neste capítulo também, foram revisitadas as diferentes candidaturas da cidade do
Rio de Janeiro para sediar grandes eventos esportivos no que diz respeito às
principais propostas de equipamentos e localização, o discurso oficial contido nas
diferentes documentações consultadas, de modo que fosse possível identificar as
principais alterações ocorridas ao longo das três propostas de candidatura e,
19
sobretudo, as influências destas candidaturas no projeto do Pan 2007, realmente
executado.
No terceiro capítulo procurou-se explicitar os principais conflitos
urbanos ocorridos durante o período de organização e realização dos Jogos e a
emergência de uma resistência social em função dos “acontecimentos” e “não-
acontecimentos” relacionados à realização deste grande evento.
No quarto capítulo foram expostas algumas dessas disputas ocorridas
no campo argumentativo, organizadas temporalmente, tendo o legado como
elemento comum no discurso dos grupos em disputa de modo que fosse possível
perceber como os discursos referentes ao grande evento foram construídos e
reconstruídos de acordo com os fatos e interesses envolvidos.
20
CAPÍTULO 1
Apresentação
O modelo é por definição aquele em que não há nada a modificar, aquele
que funciona com perfeição; ao passo que a realidade, vemos bem que ela
não funciona e que se esfrangalha por todos os lados; portanto,
resta
apenas obrigá-la a adquirir a forma do modelo, por bem ou por mal
(CALVINO, 1995, p. 98).
O presente capítulo aborda a produção de grandes eventos associados à
realização de projetos e intervenções urbanas de grande porte como um dos
elementos estruturais de maior destaque presentes no chamado “empresariamento
urbano”.
Adotou-se neste trabalho a perspectiva crítica de David Harvey assumida
em seu trabalho “Do gerenciamento ao empresariamento urbano: a transformação
da administração urbana do capitalismo tardio” (1996) onde aponta como
característica marcante deste modelo a formação de parcerias público-privadas,
orientadas, em grande medida, por enunciados como competitividade e
produtividade onde os fins estariam subordinados aos interesses das forças do
mercado. Entretanto, em outros trabalhos de outras correntes são adotadas
denominações diferentes para designar este modelo, muitas vezes, enaltecendo
suas positividades e reforçando suas singularidades nos modos concretos de sua
aplicação nas localidades a partir das diferentes conjunturas. Denominações como,
por exemplo: “gerenciamento público urbano” por Ascher, “governança urbana” por
Le Galés, “mercantilismo local” por Parkinson e Fainstein & Fainstein,
“empreendedorismo competitivo” por Moura e “empreendedorismo público urbano”
por Borja e Castells.
A análise aqui estabelecida parte do entendimento do protagonismo
assumido pelo planejamento estratégico e pelos governos locais na gestão e
produção das cidades, que dentro de um receituário padrão, elege a inserção de
grandes projetos urbanos e grandes eventos como carros-chefe do discurso
empregado por políticos e promotores, em coalizões pró-crescimento, como
elementos capazes de garantir o desenvolvimento das cidades e sua inserção na
rede de cidades globais.
21
O objetivo deste capítulo é apresentar e discutir algumas referências
teóricas a fim de fundamentar a reflexão sobre grandes eventos e reestruturação
urbana para, ao segundo capítulo, retomarmos essa reflexão em novo patamar,
centrado na realização de um “grande” evento esportivo na cidade do Rio de
Janeiro, na figura dos Jogos Pan-Americanos 2007.
1- O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DAS CIDADES
1.1 - Contexto teórico-conceitual
Diante de uma situação de crise, emergem novos modelos. A transição do
modelo fordista-keynesiano para o novo modelo de regulação capitalista dito
acumulação flexível
10
pode ser lida como uma resposta à crise que emergia ao
final da década de 60.
Segundo Harvey (1996), o papel dos governos locais na questão urbana
sofreu uma grande transformação ao decorrer dos anos 80 e 90 passando de uma
etapa de gerência para uma fase empreendedora ou empresarialista. Esta mudança
de paradigmas estaria diretamente relacionada à reestruturação do capitalismo
iniciada na década de 70 frente à falência do modo de regulação fordista-
keynesiano.
O padrão fordista-keynesiano vigente constituía uma espécie de pacto
entre o grande capital corporativo e o trabalho organizado intermediado pela ação
estatal. O modelo keynesiano pode ser caracterizado por um Estado intervencionista
e regulador, atuando como intermediário entre o capital e o trabalho, objetivando a
expansão capitalista. As corporações negociavam com os sindicatos planos de
aumento de produtividade e recebiam em troca salários maiores. Já o Estado tinha
papel efetivo no controle dos ciclos econômicos mediante políticas fiscais e
monetárias garantindo o crescimento econômico e almejando o pleno emprego.
Aliado a isso havia o forte sistema assistencial e previdenciário assegurando a
reprodução do trabalho e atuando como um complemento ao salário. Na equação
capital-trabalho-estado, o crescimento da produtividade no setor produtor de bens de
consumo era acompanhado por um aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores.
10
Para efeitos desta análise, utilizamos o entendimento de David Harvey em A Condição Pós-Moderna (1992, p.
140), quanto à passagem, em crise, do modelo “rígido” ao modelo “flexível” de acumulação capitalista.
22
Harvey (1989) aponta o final da década de 60 como o ponto de inflexão
onde a crise começou a se manifestar, caracterizada por uma decadência da
rentabilidade do capital nas grandes corporações, gerando inflação nos Estados
Unidos. A expansão do fordismo em inúmeros países do terceiro mundo, num
processo de substituição de importações, somados a uma forte inserção no mercado
internacional das nações desenvolvidas recuperadas da devastação econômica
gerada pela Segunda Guerra Mundial, tais como: Japão, Alemanha e demais países
da Europa Ocidental, resultaram numa grande competitividade enfraquecendo a
hegemonia norte-americana.
No início da década de 70 a crise é ampliada com a resolução da OPEP
11
de aumentar os preços do petróleo, somada à iniciativa dos países árabes de
embargar as exportações de petróleo para o Ocidente, durante a guerra árabe-
israelense em 1973.
As taxas de lucratividade continuamente decrescentes, a existência de um
mercado de ações moribundo nos Estados Unidos, associados a uma alta contínua
da inflação nos países desenvolvidos levou ao surgimento de um forte movimento no
sentido de reduzir o poder regulatório dos Estados nacionais na economia.
Neste contexto o liberalismo econômico gradativamente voltou à pauta,
defendendo uma reação à rigidez do modelo keynesiano e, conseqüentemente, ao
seu “funcionamento defeituoso” na garantia do desenvolvimento econômico.
O termo rigidez sintetizava um dos elementos chaves da crise estrutural
em evidência na época. Haviam problemas relacionados aos investimentos em
capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa
engessando a possibilidade de flexibilidade de planejamento e presumindo
crescimento estável em mercados de consumo variado. A rigidez presente na
alocação e nos contratos de trabalho também era outro ponto crítico. Além disso,
havia os compromissos do Estado de Bem Estar Social, cada vez mais acentuados,
num momento onde a inflexibilidade na produção restringia a expansão da base
fiscal para os gastos públicos.
Segundo a base teórica neoliberal o poder excessivo dos sindicatos e a
pressão crescente sobre os gastos estatais, particularmente aqueles relacionados às
políticas sociais, corroíam as bases para a acumulação de capitais e a geração de
11
Organização dos Paises Exportadores de Petróleo.
23
poupanças para posterior reinvestimento. Seus seguidores, em geral, defendem uma
forte desregulamentação da economia, uma sensível diminuição dos gastos sociais
do Estado, redução do poder do Estado de fixar ou controlar preços, diminuição
generalizada de tributos, flexibilização dos processos e relações trabalho e políticas
de privatizações. Os teóricos desta corrente consideravam que a economia mundial
voltaria a se equilibrar tão logo os governos deixassem de nela interferir.
Diante do novo paradigma a cultura do efêmero, do descartável e a
valorização do capital simbólico passam a ser à base desse modelo emergente,
ancorado na aceleração dos ritmos de inovação comercial, tecnológica e
organizacional.
A estandardização da produção em massa, característica do padrão
fordista, torna-se mais flexível e a diferenciação passa a ser a palavra de ordem na
competição pelos mercados. Iniciativas atreladas à desregulamentação dos
mercados, financeirização e globalização do capital emergem como pensamento
hegemônico.
Quanto às relações de trabalho, novas formas mais flexíveis de contrato:
terceirizações, subcontratações, trabalho a tempo parcial, etc - tornam-se cada vez
mais freqüentes. Redução de direitos trabalhistas e aumento da informalidade
também aparecem como conseqüência das mudanças.
As novas tecnologias somadas às mudanças na organização das linhas
de produção possibilitaram uma maior dispersão geográfica das empresas.
Conseqüentemente, as mesmas puderam se deslocar para locais onde as relações
trabalhistas ou demais condições de produção fossem mais favoráveis à
acumulação.
1.2 - Os impactos da transição do modo de regulação capitalista na gestão
urbana
Diante desta mudança estrutural do capitalismo configuram-se novas
formas de produção e apropriação do espaço das cidades. Frente à crise de
arrecadação, ao aumento do desemprego e da violência urbana, muitos governos
locais se lançam em projetos e estratégias de desenvolvimento econômico para
atrair o dito capital “sem fronteiras”.
24
Com o advento da chamada economia globalizada, surge uma nova linha
de gestão urbana cuja base está no preceito do surgimento de uma intensa
competição entre cidades e regiões em diversas escalas, incluindo a global. As
cidades passam a ser lidas e geridas como empresas
12
e ao mesmo tempo tornam-
se uma mercadoria a ser vendida e “a mercadotecnia da cidade, vender a cidade,
converteu-se [...] em uma das funções básicas dos governos locais [...]” (BORJA;
FORN, 1996, p. 33).
A cidade tornada empresa, planejada e gerida “estrategicamente”, tem sua
lógica expansiva baseada na renovação de alguns fragmentos da cidade através, do
que tem sido chamado comumente de “acupuntura urbana”. Este termo foi utilizado
inicialmente pela Oficina Municipal de Planejamento – OMP - em 1981, durante a
elaboração do Plano Geral de Madrid. Neste primeiro documento batizava-se como
“urbanismo de acupuntura” as intervenções físicas pontuais realizadas na cidade.
Oriol Bohigas popularizou o termo, durante sua gestão à frente do órgão de
planejamento urbano da cidade de Barcelona ao iniciar uma série de intervenções
urbanas que propunha a construção de obras consideradas importantes para cada
bairro da cidade. Tais ações reforçaram a idéia de reconstrução da cidade através
de intervenções fragmentadas. Essas pequenas atuações locais (que após 1986
serão marcadas por profundas mudanças de escala e complexidade devido a
preparação da cidade para sediar os Jogos Olímpicos de 1992) eram denominadas
"acupuntura urbana", "metástase benigna" ou mesmo "gotas de azeite", termo que
Bohigas gostava de usar por passar certa idéia de osmose: "Quando se melhora um
espaço público, os privados, que estão a sua volta, também melhoram, como uma
gota de azeite que vai se espalhando por um papel poroso" (SÁNCHEZ, 2003, p.
227).
Esta gestão de cidades passa a ter como base uma visão empresarial por
parte do Estado, emergindo como principal característica desse período o que
HARVEY (1996) intitulou de “empresariamento urbano”. Este modelo de gestão
constitui “uma ‘nova’ forma de ver, pensar e administrar as cidades, buscando
adequá-las às – pretensas – oportunidades oferecidas pela atual dinâmica de
12
“[...] poderíamos dizer que as cidades são como empresas que competem para atrair investimentos e
residentes, vendendo em troca localizações vantajosas para a indústria, o comércio e todo o tipo de serviços
(BENACH apud SÁNCHEZ, 2003, p. 363).
25
acumulação caracterizada pela seletividade de investimentos” (SÁNCHEZ et al,
2005, p. 03).
Neste contexto, o governo municipal passa a atuar como um dos
principais agentes no complexo espectro de coalizões sócio-políticas que se unem
para gerir a cidade, reorganizando suas feições e estrutura, adequando-as aos
imperativos do capitalismo globalizado de corte neoliberal.
Este período é marcado, neste sentido, pela mudança de atitude dos
governos locais que passam de meros gestores dos serviços públicos e recursos
advindos, em grande medida, do governo federal ou de programas internacionais de
crédito, a empreendedores, empresários, promotores numa busca incessante e, em
muitos casos a qualquer preço, de investimentos e investidores para as suas
cidades procurando maximizar a atratividade local para o mundo capitalista e suas
benesses.
De acordo com David Harvey:
Particularmente nos últimos anos, parece ter surgido um consenso geral
em todo o mundo capitalista avançado de que
benefícios positivos têm que
ser obtidos por cidades que assumem um comportamento empresarial em
relação ao desenvolvimento econômico (HARVEY, 1996, p. 49 – grifo
nosso).
Nesse contexto, a “cidade-empresa” precisa ser administrada com
eficácia. E eficácia, em tempos de globalização e neoliberalismo, deve ser lida em
termos de lucros e desenvolvimento econômico. Para tanto, se faz necessário ter
produtos diferenciados e competitivos, capazes de atingir os diversos nichos do
mercado e consumidores “solventes”.
Há, no entanto coexistindo e confundindo-se com a metáfora da “cidade-
empresa”, a metáfora da “cidade-mercadoria”, resultado das transformações do
processo de produção e concretização da sociedade urbana, como um “lugar do
consumo e [ao mesmo tempo] o consumo do lugar”.
No entanto, como indaga Carlos Vainer:
A cidade, porém, reconhecerão mesmo seus mais convictos vendedores, é
certamente a mais complexa de quantas mercadorias jamais existiram.
Nestas condições, o que é que, afinal de contas, se vende quando se
vende uma cidade? (ARANTES; VAINER; MARICATO, 2000, p. 78).
26
O próprio autor reconhece que “a resposta não é fácil, pois, na verdade,
ela depende de quem se tem em vista como comprador” (ARANTES; VAINER;
MARICATO, 2000, p. 78). Entretanto, ao que parece, o que estaria sendo
efetivamente vendido é “uma imagem” (real e/ou construída) da cidade. Borja e
Castells em seu trabalho “Local y Global” determinam como ação primordial do
planejamento estratégico a “constru(ção) e/ou modifica(cão) (d)a imagem que a
cidade tem de si mesma e no exterior” (1997, p.150).
Esta construção e/ou mudança de imagem ou, como diria Fernanda
Sánchez (2003), esta “reinvenção das cidades” para o mercado mundial, é feita
através da atuação massiva do marketing urbano.
Kotler, Haider e Rein, especialistas em marketing público, recomendam
que a utilização do marketing urbano para a “venda” das cidades deve incluir as
seguintes ações:
(a) a criação e a divulgação de uma imagem ‘de marca’ positiva e sólida
para a cidade; (b) a construção e/ou divulgação de grandes atrações
turísticas, como monumentos, shoppings, centros de convenções, de
entretenimento, estádios, eventos culturais e esportivos etc.; (c) a oferta de
infra-estrutura de qualidade em termos de transportes, abastecimento de
água, energia, escolas, segurança pública, opções de recreação e lazer,
restaurantes e hotéis etc.; (d) o aprimoramento e a divulgação das
habilidades e hospitabilidade da população (KOTLER et al, 1993, p. 37-44).
Essa incorporação do marketing como instrumento de gestão urbana só é
possível a partir da transmutação da cidade em metáforas como da cidade-empresa
e cidade-sujeito, ou como chamaram Borja e Castells (1996) “cidades como atores
políticos”. Tais metáforas permitem que a cidade possa assumir determinadas
atribuições como competir, formular estratégias, atrair compradores, vender e,
também, ser vendida.
Enunciados como competitividade, planejamento estratégico (por
projetos), intervenções pontuais, marketing urbano, entre outros, passam a compor o
rol das iniciativas a serem adotadas pelos administradores urbanos dos mais
diversos matizes político-ideológicos para “inserir as cidades no mercado global”
13
através da imagem de uma cidade desenvolvida e sem conflitos.
13
Esta passa a ser uma meta recorrente dos governos locais, um objetivo ordenador das ‘ações estratégicas’
que concentram na cidade mercadoria a possibilidade de ‘transcender as crises’ produzidas pela reestruturação
econômica e construir um futuro de progresso e recuperação econômica sintonizado com as exigências da nova
ordem mundial, de modo a viabilizar o crescimento econômico em novos parâmetros (SÁNCHEZ, 2003, p. 50).
27
Segundo Acselrad (2004, p. 30), um novo modo de regulação urbana
seria gestado por meio da fusão das políticas do lugar e as políticas de produção
com os seguintes traços: (i) a reprodução do capital é menos coordenada pelo
Estado e as empresas privadas locais assumem um papel pró-ativo no
desenvolvimento econômico. (ii) competição inter-urbana pela exploração das
vantagens competitivas, consumo do lugar e atração de eventos. (iii) competição
inter-urbana pelo controle financeiro e comunicacional; (iv) aplicação de recursos
públicos em desenvolvimento econômico e na estruturação da cidade em detrimento
das questões sociais.
Em síntese, a transição de modelos de regulação teve grande influência
na modificação das políticas urbanas dentre as quais se destacam:
Abandono do ideário modernista pautado na concentração do
planejamento e desenvolvimento em planos urbanos de larga
escala cujos fundamentos eram a racionalidade, funcionalidade e a
eficiência. Em substituição é adotado o conceito de tecido urbano,
como algo fragmentado, e o projeto urbano torna-se a referência,
intervindo apenas em áreas pontuais da cidade numa espécie de
“acupuntura”
urbana.
Subordinação da política urbana ao desenvolvimento econômico. O
alvo principal deixa de ser a qualidade de vida ou mudanças
sociais, e a atenção se volta para a atração de investimentos,
empresas, negócios, criação de empregos e ampliação da
arrecadação municipal.
Flexibilização da legislação urbanística, do uso e controle do solo,
com a finalidade de atrair e favorecer a ação de capitais privados.
Instituição de parcerias público-privadas para elaboração, execução
e gestão de projetos, programas, equipamentos e serviços urbanos.
Cada vez mais a iniciativa privada assume funções anteriormente
de exclusividade da administração pública.
Grande destaque ao “marketing” urbano, focado na criação e
promoção, tanto externa quanto interna, de uma imagem forte e
28
positiva para a cidade, com o objetivo de torná-la competitiva e
capaz de atrair investimentos.
Disputa inter-urbana para sediar grandes eventos, apontados como
um dos motores do desenvolvimento urbano e da reestruturação
espacial.
Ascensão do Plano Estratégico como referência do pacto entre
administração pública e o capital empresarial de modo a inserir o
município no mercado global de cidades, na competição pelo capital
transnacional.
O regime de acumulação dito flexível provoca uma série de mudanças na
forma de gestão urbana, não retirando o Estado dos processos de regulação, mas
fazendo com que este, passe a atuar segundo os critérios próprios dos
empreendedores capitalistas. Trata-se de mecanismos de captura do aparelho do
Estado, de instaurar consensos simbólicos e de controle social compatíveis com os
requisitos do capitalismo dito flexível.
1.3 - O Planejamento Estratégico das cidades
Segundo Carlos Vainer (2007, p. 20), o planejamento estratégico pode ser
lido como a “senha dos novos tempos”, uma das palavras-chave acionadas para
legitimar e garantir a adoção de “modelos” ditos eficientes de se produzir e gerir
cidades. Simplesmente ao se acionarem determinados termos e suas respectivas
cargas simbólicas e políticas como “estratégico”, “empreendedor”, “competitivo”
afirmamos determinada orientação discursiva e adentramos no mundo sintonizado
com os anseios e desejos das forças do mercado.
O planejamento estratégico emerge, neste contexto, como o principal
instrumento do empresariamento urbano, constituindo um capítulo particular na
história de difusão de modelos de políticas competitivas, incrementada
principalmente na década de 1990.
Vainer encontrou uma maneira inovadora e criativa de demonstrar as
transformações sofridas pelo planejamento urbano e regional nos últimos 30 anos ao
fazer um resgate da trajetória intelectual de Manuel Castells.
29
Inicialmente, na década de 70, Castells era reconhecido como porta-voz
de uma radicalidade que rejeitava a existência de uma sociologia que mascarava e
tornava ininteligível a cidade, locus das relações contraditórias (e conflituosas) de
reprodução da força de trabalho” (VAINER, 2007, p. 19). No entanto, nos idos de
1990, por meio da publicação do texto O mundo mudou: pode o planejamento
mudar? (CASTELLS, 1990), palestra proferida na Conferência Anual da ACSP
14
em
Austin, Castells externaliza sua “nova” visão de mundo. Neste texto dos anos 90,
Castells expõe as principais reflexões que irão subsidiar seu pensamento
reforçando, principalmente a idéia de que
“neste mundo, marcado pela soberania do capitalismo globalizado, não
restava aos lugares senão tentarem resistir ao movimento dos fluxos, e
para dar eficácia a esta resistência deveriam recorrer ao planejamento
estratégico” (VAINER, 2007, p. 19).
Com o resgate e uma análise crítica referente à trajetória de Castells,
Vainer consegue expor com clareza o movimento intelectual que muitos pensadores
tiveram nesse período, que segundo o próprio autor, “conferiram à palavra estratégia
e à expressão planejamento estratégico lugar de honra no jargão dos planejadores”.
(VAINER, 2007, p. 20), uma espécie de língua franca passe-par-tout.
E se o mundo mudou, a análise da trajetória de Castells indica claramente
que os planejadores urbanos também mudaram. Hoje, observamos uma alteração
significativa nas qualificações técnicas destes profissionais que atuam muito mais
como gestores do espaço urbano do que propriamente planejadores.
Os profissionais que atuam no espaço urbano demandam, cada vez mais,
de capacidade e agilidade para trabalhar com a volatilidade do mercado. Neste
sentido, o planejamento deve ser de curto prazo, bem como “a arte de obter ganhos
imediatos deve ser desenvolvida sempre que possível (HARVEY, 1992, p. 259).
Assim, a capacidade de negociação e de mediar interesses torna-se importante
característica dos “gestores do espaço urbano”.
De modo geral, o planejamento estratégico consiste num método ou
processo baseado em prever, identificar e mobilizar potenciais disponíveis e
14
ACSP - Association of Collegiate Schools of Planning - é a associação norte-americana de escolas de
planejamento.
30
condições favoráveis, tendo por objetivo direcionar “ações táticas”
15
, definir linhas
estratégicas e implementar programas e projetos, visando a obtenção de resultados
favoráveis ao desenvolvimento econômico e à atração de investimentos para a
cidade.
Tem sua aceitação facilitada e marcada pela consciência de crise do
modelo de produção e pela incerteza em relação ao futuro, paralelamente à
existência de um grupo forte de certezas, como a globalização da economia, a
inevitabilidade da competição entre as cidades e a necessidade do estabelecimento
de novas relações entre os setores público e privado. O que está em jogo não é a
compreensão do que é a cidade, de quais são as relações nela possíveis, ou o que
é uma cidade justa, mas, sim, o que torna a cidade mais eficaz, produtiva,
competitiva. Uma cidade marcada pela sua capacidade de participar do que vem
sendo convencionalmente chamado de “guerra dos lugares”.
Neste contexto:
Se durante um largo período o debate acerca da ‘questão urbana’ remetia,
entre outros, a temas como crescimento desordenado, reprodução da força
de trabalho, equipamentos de consumo coletivo, movimentos sociais
urbanos, racionalização do uso do solo, a nova questão urbana teria agora
como nexo central à problemática da competitividade urbana (ARANTES;
VAINER; MARICATO, 2000, p. 76).
De acordo com Vainer (2000), pode-se dizer que o modelo está baseado
na co-existência dos seguintes elementos: consenso em relação às propostas,
edificado a partir de uma espécie de sensação de crise e na manipulação de um
sentimento de orgulho cívico para com a cidade, a “cidade tornada pátria”; na
necessidade de um marketing urbano agressivo; e, nas parcerias público-privadas -
PPP.
Como apresentado no início do capítulo, as transformações e mudanças
de paradigmas se dão em grande medida a partir de uma situação de crise (real ou
imaginada/construída) que precisa ser superada. As cidades, neste sentido,
estariam passando por um processo de decadência, sobretudo econômica,
15
Segundo Gary Hamel, o planejamento estratégico não é estratégico. De acordo com o autor, planejar tem a
ver com programar, enquanto, estratégia tem a ver com criação e descoberta. Neste sentido, o que se vê na
maioria das cidades (no caso específico, o autor aplica essa leitura às empresas) é um ritual motivado pelo
calendário, reducionista e baseado em regras simples. Assume que o futuro será basicamente como o presente,
e, conseqüentemente, os limites do setor como uma constante. Uma estratégia constituiria inventar um espaço
de competição novo, e não a postura de se adaptar e planejar de acordo com os limites do setor, ou com os
modelos pré-existentes. O que o autor chamou de planejamento estratégico burocrático (HAMEL, 1998).
31
evidenciada pela ampliação e aparecimento de algumas características específicas
como: déficits orçamentários, colapso no setor industrial, aumento dos índices de
pobreza e criminalidade, esvaziamento das funções originais de alguns setores da
cidade, etc. Jeudy (2005) reforça que esta situação de crise, para além destas
características já explicitadas, é facilmente reconhecida e justificada pelos
promotores de grandes projetos a partir da comparação entre a cidade que se quer
transformar (destacando seus piores aspectos) com a cidade “símbolo de sucesso”
(que atuaria como uma intervenção modelar).
A contínua reafirmação deste cenário de degradação urbana pelos
governos locais tem como objetivo reforçar e reproduzir um “discurso competente”
(CHAUÍ, 1997) com um forte componente de construção de uma certa idéia de crise,
com grande apelo no imaginário da população.
A consolidação dessa sensação de crise, por sua vez, constitui a base
discursiva para legitimar ações e práticas que se dizem capazes de reverter esse
quadro. Emerge, então, um conjunto de estratégias para “melhorar a localidade” em
crise, tais como: investimentos em infra-estrutura, implantação de grandes projetos,
promoção de eventos e ênfase nos “produtos” que a cidade tem a oferecer, como
atrações culturais, belezas naturais, etc. Com base na adoção das estratégias
mencionadas, o Estado, em articulação com os interesses de agências de
publicidade, promotores imobiliários, proprietários fundiários e grandes empresários,
procura produzir uma imagem urbana positiva a ser difundida para o mundo e
absorvida pela população.
A construção deste “modelo” opera necessariamente com sínteses,
seletivas e parciais, que dão relevância a alguns aspectos e omitem outros,
respondendo ao universo especial de interesses dos sujeitos e aos objetivos
desejados. Trata-se da luta pela hegemonia do chamado “discurso forte”
(BOURDIEU, 1998, p.136 apud SÁNCHEZ et al 2005, p. 07).
Este “discurso forte” está estreitamente ligado às práticas e ações do
marketing urbano. Este último constitui um dos instrumentos estruturais do
planejamento estratégico, pois é através dele que se cria uma imagem competitiva
das cidades, concomitantemente à construção de um consenso, visando à adesão
ampla por parte da população.
32
O consenso é extremamente importante neste processo de difusão de
uma imagem positiva do lugar, pois cria uma idéia de cidade sem conflitos, onde
“todos” apóiam o projeto de cidade que está sendo construído através de uma
cooptação oriunda de uma “ilusão coletiva” como indica Lopez Sánchez:
A homologação do ‘todos’ como uma maioria normalizada de cidadãos
pretende redundar na opacidade ou desaparecimento das contradições
metropolitanas e no seqüestro do antagonismo, já que a constituição desta
maioria normalizada será utilizada para invalidar os fluxos sociais não
capturados pela ilusão coletiva (LOPEZ SÁNCHEZ, 1993, p. 00).
Verifica-se, nestes casos, que as lideranças políticas protagonistas dos
projetos investem, particularmente, em construções discursivas de lealdades
afetivas, para reverter um aparente quadro de crise. Em virtude desta associação,
trabalhada no plano simbólico, afetivo, entre a liderança política, os cidadãos e o
lugar, parece haver um significativo ganho de poder para tais lideranças.
Como veremos mais à frente, o dito consenso e/ou a ausência do conflito,
são elementos essenciais para a legitimação das práticas estratégicas, daí a
importância do “marketing urbano” e de seus especialistas, os quais ocupam
posições importantes nos novos arranjos institucionais e nas coalizões locais do
novo padrão de gestão urbana.
No bojo do processo de “empresariamento urbano”, a formação de
parcerias entre o setor público e a iniciativa privada constitui um dos principais
pilares das novas feições e estrutura do governo urbano sintonizado na
competitividade.
Tais parcerias têm como objetivo a otimização do aproveitamento de
oportunidades de investimento e financiamento consubstanciadas em diversas
formas de valorização e acumulação, particularmente aquelas ligadas ao capital
imobiliário, à indústria do turismo, da cultura e do entretenimento.
Para Compans (2005):
Embora recobrindo os mais diversos formatos organizacionais, a expressão
‘parceria público-privada’ tem sido utilizada para designar coalizões entre
instituições governamentais e empresariais na consecução de objetivos
comuns específicos – tais como a promoção econômica da cidade, a
realização de grandes eventos culturais ou esportivos, a gestão de recursos
hídricos e minerais etc – envolvendo um certo nível de engajamento
operacional e/ou financeiro e uma expectativa compartilhada de repartição
de benefícios (COMPANS, 2005, p. 115).
33
Neste sentido, centros históricos renovados, complexos empresariais,
mega-empreendimentos culturais e esportivos, dentre outros, fazem parte das ações
pró-crescimento empreendidas pelos governos locais. Para garantir o sucesso das
iniciativas de renovação representadas pelos grandes projetos, a proposta
arquitetônica e urbanística de impacto tornou-se um trunfo garantido às custas de
uma arquitetura de griffe, que é caracterizada pela autoria do projeto arquitetônico
por um arquiteto de renome do star-system internacional ou regional; ou, pela
utilização de nomes e/ou marcas de grandes personalidades com trânsito global no
que se refere aos campos de legitimação da produção da arquitetura e do
urbanismo, imprimindo, mediante a assinatura do projeto, a imagem de sucesso na
edificação ou marco – simbólico - urbano.
A assinatura arquitetônica transformada em emblema, marca dos GPDU’s
entendidos enquanto produtos passa a acompanhar os edifícios-âncora da
renovação dos lugares. Alguns prefeitos, inclusive, passam a listar em seus
discursos o repertório de edificações assinadas por grandes arquitetos,
como sinal indicador do processo de internacionalização que a cidade
abraça (SÁNCHEZ et al 2005, p.12).
A receita é quase sempre a mesma: combinação de investimentos
públicos e privados para a construção de novos equipamentos culturais e de
serviços, ampliação do número de empreendimentos com fins habitacionais
próximos aos centros financeiros e comerciais e criação de áreas públicas junto à
costa marítima ou às margens de rios.
Alguns autores destacam o caráter flexível e ágil deste modelo de gestão
compartilhada para viabilizar projetos de grande complexidade ou como forma de
gerir os serviços públicos com mais “eficiência”. Em contrapartida, do ponto de vista
dos atores privados essa aliança possibilita flexibilizar a legislação e a burocracia
reduzindo os riscos dos empreendimentos, muitas vezes assumidos pelo setor
público.
Enquanto os custos são distribuídos por toda a população, os benefícios
dos investimentos públicos favorecem mais claramente os proprietários e
promotores imobiliários do que o poder público e a população local. Dada a
dificuldade de avaliação do impacto dos grandes empreendimentos no
processo de desenvolvimento urbano ou dos benefícios ou prejuízos
intangíveis relacionados aos projetos, a disputa sobre o sucesso ou
fracasso econômico dos projetos costuma situar-se muito mais no campo do
34
discurso do que na avaliação das contas públicas (NOVAIS et al 2007,
p.15).
Assim, poderíamos dizer que critério de avaliação do sucesso do projeto não
passa necessariamente pela efetiva melhoria da qualidade de vida, mas pelo
reconhecimento internacional do projeto, pela atração de capitais e eventos.
1.4 - O Projeto Urbano como estratégia discursiva e mercadoria “vedete” na
gestão das cidades
A intervenção nas cidades por meio de grandes projetos urbanos passou
a ganhar uma nova importância, a partir dos anos 90. O “Master Project” foi
ocupando progressivamente o espaço reservado ao “Master Plan”, sendo
apresentado por diversas cidades como a “grande” estratégia para o
desenvolvimento e articulação do tecido urbano.
Os Grandes Projetos Urbanos – GPUs -, também reconhecidos como
Grandes Intervenções Urbanas ou Megaprojetos constituem hoje, uma das
expressões mais difundidas de estratégias urbanas de revitalização sendo, em sua
maioria, promovidos pelos atores empenhados em garantir o crescimento econômico
e a inserção da “urbes” no panorama competitivo de cidades.
Certos fragmentos do território urbano passam a ser alvo de um novo
ciclo de refuncionalização, no qual predominam imagens de riqueza e decadência
históricas expostas às “experiências inovadoras”, com o objetivo manifesto de
reintegrar estas áreas “degradadas e vazias” ao espaço sócio-econômico das
cidades modernizadas.
A análise dos modelos de grandes projetos que antecederam esse
período da “Renascença Urbana” por meio de grandes projetos é importante, uma
vez que tais intervenções denotam relações semelhantes de origem, de conceito, de
custo, de impacto, entre outros, e, contribuem para o refinamento conceitual
necessário a respeito dos GPUs.
Choay (1985) observou em seu trabalho que o urbanismo, em sua relação
estreita com o capitalismo, se consolida como um dos principais meios dentre os
vários segmentos acionados pela classe burguesa para exercer seu domínio e atuar
35
na formulação de discursos e práticas que irão viabilizar, progressivamente, a
constituição de cidades marcadas pela segregação funcional e sócio-espacial. Um
dos exemplos mais contundentes deste tipo de urbanismo refere-se ao “modelo
haussmanniano
16
” de “embelezamento urbano”, responsável pela transformação da
capital francesa em uma “cidade moderna”.
Este “modelo” foi replicado em várias cidades brasileiras. Sendo um caso
emblemático a transformação da capital carioca pela abertura da Avenida Central
17
em 1906, promovida pelo então prefeito Pereira Passos. A “Belle Époque Tropical”
tentava reproduzir os boulevards franceses e todo um estilo de vida europeu,
inclusive no seu caráter excludente. Os domicílios populares e cortiços - com toda
sua “sujeira” e confusão – foram banidos da cidade para que a burguesia emergente
pudesse caminhar sem constrangimentos, por um Rio de Janeiro que queria ser
Paris (BENCHIMOL, 1990).
Estas transformações tinham como objetivo principal remodelar os
grandes centros urbanos de modo que operassem a favor da indústria, da
centralização, da racionalidade e tudo que representasse a modernidade e o futuro.
Paralelamente, pode-se reconhecer como grandes projetos urbanos, as
grandes feiras e mostras internacionais realizadas no final do século XIX e início do
século XX. Estas atuaram como meio altamente eficaz para as principais cidades,
sobretudo da Europa, realizarem uma explícita “autopromoção”, materializada na
imponência e monumentalidade dos pavilhões e centros de exposição
18
que
funcionavam como verdadeiros ícones das grandes transformações urbanas e
síntese do poder que estas simbolizavam.
Dentre os grandes projetos urbanos, podemos incluir também os grandes
eventos esportivos, principalmente, os Jogos Olímpicos da modernidade. Por
demandarem uma série de equipamentos e infra-estrutura para a sua realização,
associado à existência de um sentimento de “fraternidade entre os povos”,
16
Aplicado na segunda metade do século XIX, por George Eugène Haussmann, na cidade de Paris, foi
responsável pela transformação da cidade através da abertura de grandes e largas avenidas para permitir fluxos
cada vez mais intensos de mercadorias, pessoas e informações; assim como contribuiu para excluir as camadas
sociais de menor poder aquisitivo do centro da cidade. Além de consolidar os ideais característicos da
Modernidade – processo de emancipação, idéia de progresso, valorização exarcebada do novo e triunfo da
técnica, racionalidade/funcionalidade etc - tais transformações contribuíram também para atender a demanda de
uma nova ordem capitalista, relacionada à classe dos especuladores do solo urbano.
17
Atual Avenida Rio Branco.
18
Coincidentemente, esses pavilhões e centros de exposição eram obras realizadas por grandes arquitetos de
renome da época, um tipo de “arquitetura de griffe”.
36
promovido pelo esporte
19
, tais eventos vêm sendo utilizados como uma importante
estratégia para a implementação de grandes projetos urbanos como veremos no
decorrer do trabalho.
No exemplo brasileiro, como apontam Ultramari e Rezende, o termo
“Grandes Projetos”, ou, neste caso, “Grandes Obras”, toma força nos anos 70,
durante o período militar, com um caráter mais geopolítico, de tomada ostensiva de
territórios até então não ocupados e [...] ‘sujeitos‘ ao domínio de forças estrangeiras”
(2007, p. 10). Assim, em nome dessa lógica, capital estatal e privado implantam a
prática dos grandes projetos.
Essas grandes intervenções aliadas ao imaginário nacionalista
transmitiam a idéia de “progresso” e integração de regiões atrasadas
economicamente no contexto nacional. Assim, prosseguem os autores:
Adotando a prática dos grandes projetos com magnitude de tamanho,
escala e complexidade, o poder central esperava: a) estimular novos
processos urbanos que transformariam as cidades e trariam o
desenvolvimento a todo o país; e b) atender a uma política de ordenação do
território nacional que buscava diminuir as disparidades existentes. É nesse
contexto que o regime militar brasileiro iria promover grandes obras,
algumas inclusive conhecidas pelo adjetivo de faraônicas por seu tamanho
e complexidade (ULTRAMARI; REZENDE, 2007, p. 10)
.
No espaço urbano, esses anos conheceram grandes obras viárias, de
transporte e de saneamento, constituindo uma época em que a política urbana fora
feita com intervenções de base para um país com rápida urbanização.
A partir do final dos anos 80, com a crise do plano urbanístico
compreensivo abre-se espaço para uma nova etapa no planejamento urbano
marcada pela valorização estratégica do projeto e das operações urbanísticas em
grande escala, confirmando a alternativa que combina as “vantagens da
flexibilidade” dos projetos com a eficácia da gestão seletiva e focalizada.
Paralelamente, a introdução do planejamento estratégico e a gestão
estratégica de cidades vêm contribuindo em grande medida para consolidar a visão
dos grandes projetos como motores do desenvolvimento urbano.
19
Os últimos Jogos Olímpicos em Atenas 2004 receberam 201 países, sendo que a FIFA (do francês, Fedération
Internationale de Football Association) possui 202 federações filiadas para participarem da Copa do Mundo de
2010. Estes dois eventos possuem mais países inscritos do que a ONU - Organização das Nações Unidas - com
seus 191 países membros.
37
Entre as vantagens que o enfoque na realização de projetos apresentaria
em relação ao plano físico-territorial clássico, os seus promotores destacam:
a) a maior eficácia, dado que o recorte territorial reduzido possibilitaria a
coordenação entre atores públicos e privados; b) maior facilidade para
captar recursos, uma vez que favoreceria a formação de parcerias púbico-
privadas e a negociação com investidores; c) maior agilidade para proceder
a adaptações diante das mudanças conjunturais; d) maior visibilidade à
ação pública; e) menor prazo de execução, ajustando-se melhor aos ritmos
dos mandatos e ao calendário eleitoral, e, dessa maneira, contribuindo ara o
engajamento dos atores locais nos empreendimentos (COMPANS, 2005, p.
125).
No seu emprego corrente, a noção de projeto urbano indica a pretensão
de incitar processos de desenvolvimento.
Os Projetos Urbanos são apresentados por seus proponentes como sendo
capazes de prover soluções a um conjunto de problemas sociais e
econômicos, culturais e ambientais com que se deparam as aglomerações
urbanas nesse início de milênio. Essa pretensão, apoiada na referência a
uma variedade de instrumentos de escrutínio e intervenção na realidade,
supõe uma visão de cidade que recusa o embelezamento paisagístico como
única estratégia de ação (NOVAIS, 2007, p. 05).
E, de fato, as práticas do planejamento territorial são sintonizadas com as
representações dominantes a respeito da organização e da dinâmica sociais. Por
meio das operações em torno aos grandes projetos, seus gestores propõem-se a
romper as barreiras da “estagnação espacial” conseqüente das transformações das
condições da ocupação original de certos fragmentos urbanos aonde são
promovidos os projetos de renovação. Toma-se como certo que essas intervenções
serão capazes de incitar processos de desenvolvimento urbano, provendo soluções
a um conjunto de problemas sociais e econômicos, culturais e ambientais com que
se deparam as aglomerações urbanas.
No entanto, o conceito de Grande Projeto Urbano é disputado:
Para uns, trata-se de mais uma estratégia de dominação levada adiante no
âmbito do planejamento e das intervenções sobre o território (MOULAERT,
RODRÍGUEZ et al., 2003). Para outros, uma forma para enfrentar a
alienação que acompanha os processos recentes da expansão capitalista
(BORJA e CASTELLS, 1997, ASCHER, 2001). Os posicionamentos da
literatura com relação aos GPUs poderiam ser classificados em 2 grupos
que se enfrentam: os apologistas, que entendem os GPUs como práticas
adequadas ao mundo contemporâneo, e os críticos, que põem o acento
sobre seus efeitos perversos (NOVAIS, 2007, p. 08).
38
Entretanto, entre o posicionamento dos apologistas e dos críticos, não se
pode negar o papel que os projetos urbanos assumem no processo de renovação
das cidades. A intervenção urbanística torna-se a protagonista absoluta desta
dinâmica apoiada em investimentos em grandes infra-estruturas de transporte e por
políticas de promoção econômica, itens decisivos para consolidar o processo de
regeneração metropolitana e construção de novas centralidades.
A produção destas áreas com “nova” centralidade se apóia na
combinação de usos produtivos, residenciais, comerciais, culturais e de lazer que se
integram a um outro conjunto de elementos: arquiteturas emblemáticas, centros de
convenções, infra-estruturas culturais e turísticas, parques temáticos, festivais e
outros eventos internacionais com uma finalidade propagandística e de marketing
urbano.
Efetivamente, os grandes projetos constituem hoje uma das expressões
mais visíveis e difundidas de “estratégias urbanas de revitalização perseguidas por
cidades à busca de crescimento econômico e competitividade” (SWYNGEDOUW et
al, 2001, p. 02). Sendo a expressão material de uma lógica de desenvolvimento que
vê no mega-projeto e no marketing de lugares um diferencial decisivo para gerar
crescimento futuro e apoiar uma luta competitiva para atrair investimentos de capital.
1.5 - Os Grandes Eventos e a Sociedade do Espetáculo
Os “Mega-eventos” ou “Grandes Eventos”, de acordo com Roche (2000),
são eventos de grande escala com um caráter dramático, capacidade de atração da
massa popular e importância internacional. Tipicamente, eles são organizados a
partir de coalizões entre governos nacionais, empresas, organizações não-
governamentais nacionais e internacionais, etc. De acordo com a amplitude e
impactos advindos com a promoção desses mega-eventos, os mesmos podem se
tornar importantes elementos da cultura pública – local e global.
Hiller (1998) procura caracterizar os mega-eventos a partir da sua
duração e dos impactos causados na cidade. Para tanto, elabora um modelo de
análise dos impactos dos mega-eventos baseado em análises pré-evento, durante o
evento e pós-evento. Segundo o autor:
39
Mega-eventos são por definição eventos de curta duração ou com uma
duração estabelecida que dependendo da natureza e do perfil do evento
geram diferentes tipos de análises das conseqüências em termos de
relações de causa e efeito, como: o incremento do turismo, melhorias da
infra-estrutura urbana, ou benefícios intangíveis como o orgulho cívico, a
construção de uma imagem internacional, etc (HILLER, 1998, p. 47 -
tradução minha).
Neste sentido, Gotham (2004) reconhece em seu trabalho que festivais,
paradas, eventos esportivos, exposições mundiais, dentre outros eventos, têm
atraído a atenção de urbanistas, sociólogos, economistas e outros pesquisadores
20
.
Roche (2000), no entanto a partir da revisão de literatura sobre os mega-
eventos, critica a perspectiva de pesquisa assumida em muitos trabalhos. Segundo o
autor, ao analisarem isoladamente alguns impactos e aspectos dos mega-eventos,
estes trabalhos deixam de expor algumas contextualizações que seriam importantes,
como por exemplo: a história do desenvolvimento urbano da cidade, assim como
uma análise crítica referente à política urbana estabelecida para o planejamento e
realização do evento. A partir daí, ele aponta quatro elementos que poderiam ter
suas pesquisas intensificadas e aprofundadas em análises futuras sobre os mega-
eventos: descrição do tipo de cidade; exame da natureza da participação popular no
planejamento urbano e no planejamento do mega-evento; identificação da natureza
da liderança política; e identificação das estratégias de regeneração urbana e
reinvenção de imagens que a cidade pode estar usando.
Compreendendo a existência de variadas escolas teóricas com
perspectivas de pesquisa bem diferenciadas, Gotham (2005) indica, ainda que
superficialmente, as principais abordagens sobre os mega-eventos. Algumas,
segundo ele, apontam para os benefícios econômicos contabilizados pela cidade e
ampliados pela exposição “extra-local”. Outras, atentas sobretudo para os benefícios
imateriais, advogam em favor dos ganhos decorrentes do turismo, geralmente
associado à realização de grandes eventos, fortalecendo os conteúdos e
significados de identificação coletiva. Outras interpretações, advindas de escolas
mais críticas, expressam preocupação com a proliferação destes eventos,
reconhecendo-os como instrumentos de dominação empregados pelas classes
hegemônicas, que podem ser utilizados tanto para o “bem” como para o “mal”.
20
Desta perspectiva, Roche (2000) alerta para o fato dessa mesma fragmentação permitida pelo tema, operando
em consonância com um número indistinto e sem parentesco de disciplinas e áreas de estudo, dificultar a
possibilidade de construção de uma análise multidimensional acerca do tema.
40
Ampliando e/ou atraindo investimentos para a cidade sede do evento; como,
também, “mascarando” os problemas cotidianos da cidade, mudando o foco da
atenção local para o “espetáculo urbano” (GOTHAM, 2005).
Hoje, os “espetáculos” são produzidos e administrados por organizações
burocráticas voltadas especialmente para o desenvolvimento da atividade turística.
Várias formas, tipos e tecnologias de espetáculo passam a ser difundidas através de
uma forte estratégia de marketing baseada, em grande medida, na produção e
propagação de imagens midiáticas reforçadas pela associação com a “grande” obra
arquitetônica. Daí a necessidade de profissionais especializados ligados ao
marketing e à mídia para a construção de uma imagem forte da cidade. Na
perspectiva de dar à imaterialidade uma materialidade que fará parte do senso
comum, funcionando em caráter modelar.
Tudo isso seria em parte explicado pela crescente necessidade de
visibilidade da cultura que segundo Henri Pierre Jeudy: uma experiência
cultural que não é tornada visível não existe. Esta visibilidade responde a
uma necessidade de legitimação das ações empreendidas. Não se trata
somente de conquistar um público, mas de engendrar efeitos de difusão que
permitem prosseguir a ação de lhe conferir uma figura de exemplaridade
(JACQUES, 2004, p. 12-13).
A cultura e o lazer são transformados em matéria-prima para o marketing
urbano, resultando em “estratégias culturais” orientadas para o desenvolvimento
econômico a partir da sua transmutação em mercadoria. Parafraseando Moloch
(1976) a cidade deixa de ser entendida como “máquina de crescimento”, passando a
responder as demandas capitalistas como “máquina de entretenimento”. O que
Sánchez, em 1997, chamou de “cidade-espetáculo” e, mais tarde, Jacques (2004, p.
23) chamou de mercantilização espetacular das cidades”.
No seu trabalho, “A sociedade do espetáculo”, Guy Debórd (1997)
procurou desenvolver e desvendar o conceito “espetáculo”, resultando em diversas
significações. De um lado, o espetáculo refere-se a um tipo particular de evento
público caracterizado por um perfil extravagante inserido no espaço urbano. Por
outro lado, o espetáculo está referido como uma representação teatral, produzida e
controlada visualmente, constituindo uma antítese da experiência espontânea. Em
resumo, de acordo com Debórd: “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas
uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (DEBORD,1997, p. 04).
41
Ao fim e ao cabo, o conceito de “espetáculo” expressa uma das
importantes feições culturais do novo estágio da urbanização capitalista,
caracterizado por uma cidade onde a propaganda, o entretenimento e a cultura de
massa e outras indústrias culturais, cada vez mais, definem a forma da vida
cotidiana, ao mesmo tempo, que obscurecem os efeitos alienantes do capitalismo.
A aparência fetichista de pura objetividade nas relações espetaculares
esconde o seu caráter de relação entre homens e entre classes: parece que
uma segunda natureza domina, com leis fatais o meio em que vivemos. Mas
o espetáculo não é produto necessário do desenvolvimento técnico, visto
como desenvolvimento natural. Ao contrário, a sociedade do espetáculo é a
forma que escolhe seu próprio conteúdo técnico.
Se o espetáculo, tomado
sob o aspecto restrito dos ‘meios de comunicação de massa’, que são sua
manifestação superficial mais esmagadora, dá a impressão de invadir a
sociedade como simples instrumentação, esta instrumentação nada tem de
neutra: ela convém ao automovimento total da sociedade. Se as
necessidades sociais de uma época na qual se desenvolvem essas técnicas
só podem encontrar satisfação na sua mediação, se a administração dessa
sociedade e qualquer contato entre os homens só se podem exercer por
intermédio dessa força de comunicação instantânea, é porque essa
‘comunicação’ é essencialmente unilateral; sua concentração equivale
acumular nas mãos da administração do sistema de meios que lhe
permitem prosseguir nessa precisa administração. A cisão generalizada do
espetáculo é inseparável do estado, isto é, da forma geral da cisão na
sociedade, produto da divisão do trabalho social e órgão da dominação de
classe (DEBÓRD, 1997, p. 24 - grifo nosso).
Sendo o espetáculo um instrumento de dominação de classe mediado e
controlado pelos meios de comunicação de massa, a alienação que resulta deste
processo de massificação pode ser entendida como uma ferramenta importante para
garantir o controle social. “Pão e circo’ é uma fórmula antiga e consagrada de
controle social” (HARVEY,1992, p. 88)
A efemeridade e a comunicabilidade instantânea no espaço tornam-se
virtudes a serem exploradas e apropriadas pelos capitalistas para os seus próprios
fins. Sob esta perspectiva, a aparência parece tomar o lugar da essência, revelando
a fragilidade da vida cotidiana. Ou ainda, nas palavras de Debórd (1997, p. 17), essa
lógica representa “[...] uma evidente degradação do ser para o ter”, que a produção
e o consumo alienantes de imagens condicionaram a “[...] um deslizamento
generalizado do ter para o parecer”. Ou como demonstra Harvey (1992, p. 261) ao
utilizar uma citação de um consultor de imagem americano: “Você deve fingir até
conseguir!”. Não importa se falamos de cidades ou de pessoas, hoje estamos
imersos numa “constelação de imagens” (JEUDY, 2005, p. 85) alienantes e
alienadas.
42
É precisamente a alienação que adquire relevância central na reflexão de
Debórd (1997) sobre a sociedade do espetáculo. Esta centralidade pode ser
evidenciada, neste fragmento:
O espetáculo na sociedade corresponde a uma fabricação concreta da
alienação.
A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o
que resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa do seguinte
modo: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita
reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos
compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao
homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus
próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por
ele. È por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois
o espetáculo está em toda parte (DEBÓRD, 1997, p. 30 - grifo
nosso).
Em sua obra “Sociedade dos Indivíduos” (1987) Norbert Elias retoma a
questão do processo civilizador e sua influência na relação indivíduo-sociedade.
Tendo em vista que o “processo de socialização
21
” é alterado e/ou recriado de
tempos em tempos, este conjunto de normas e costumes estará sempre sendo
colocado à prova, e o indivíduo sempre sendo avaliado pelos “outros” (ao invés da
relação “eu-nós” defendida por Norbert Elias nos aproximamos cada vez mais da
relação “eu-outros”, como membros totalmente estranhos “obrigados” a conviverem
juntos). Este fato talvez possa explicar o desconforto que alguns cidadãos sentem
”nas suas relações uns com os outros” tendo sempre que controlar seus instintos,
seus afetos, uma constante tensão frente aos “ditames e proibições sociais”
(ELIAS,1994, p. 103).
Na cidade-espetáculo, onde a imagem de perfeição e excepcionalidade
faz parte do plano simbólico, a vida cotidiana é transformada num grande espetáculo
que se pode (e se quer) comercializar mundialmente. Protagonista deste
espetáculo, o capital transforma as cidades em cenários e os cidadãos em meros
figurantes, atores secundários de um roteiro rotineiro que fingem desconhecer, ou
então em simples espectadores. Cumpre-se na cidade-espetáculo o aspecto
contemplativo que concebe o mundo como representação e não como atividade. “A
integração ao projeto de cidade tem o poder de recuperar indivíduos isolados, como
indivíduos isolados juntos e a multidão atomizada é submetida às manipulações de
um aparente ‘todos’” (SÁNCHEZ, 2003, p. 497).
21
Conceito utilizado por Peter e Brigitte Berger em 1975, para definir o processo por meio do qual o indivíduo
aprende a ser um membro da sociedade (In FORACHI; MARTINS, 1977).
43
Entretanto, nem “todos” os cidadãos conseguem (e/ou podem) participar
deste espetáculo – quer seja como personagem, quer seja como espectador. Afinal
se “encaixar” no personagem “cidadão-modelo” construído pelos especialistas em
vender cidades não é nada fácil. O espetáculo produzido para consumidor solvente
determina quem poderá ser espectador-figurante, e quem deverá ser excluído da
cidade renovada por não se encaixar em nenhum dos papéis disponíveis (e/ou
aceitáveis).
Articulando espetáculo e alienação, as imagens que visam a valorização
de lugares são particularmente ordenadas e tecnicamente trabalhadas por
profissionais de marketing resultando em diferentes formas de divulgação
publicitária, tendo em vista obter maior visibilidade neste mercado tão disputado que
é o das cidades. Tais construções imagéticas corroboram uma estandardização das
técnicas e dos lugares, conformando um modelo “pré-fabricado” que pode ser
aplicado em qualquer lugar.
Quando a produção e veiculação de imagens destinam-se à atividade
turística, as estratégias de marketing desenvolvidas procuram realçar uma dupla
“realidade”, ou melhor, uma dupla imagem: de um lado está o cotidiano, que se
apresenta como modus vivendi exigente e opressor, do outro está o tempo livre,
enaltecido como necessidade compensadora, paralelamente à aversão criada ao
tempo do trabalho, cujo sentido é reduzido a características como cansaço, rotina e
alienação.
O cotidiano apresenta-se, não raro, associado a rotinas maçantes,
caracterizadas pelos rituais que repetimos com poucas mudanças ao longo dos
anos. Eis o contexto no qual o turismo, o lazer e a cultura são apresentados como
elementos capazes de retirar as pessoas dessa rotina maçante, trabalhados por
meio da produção de espaços de desejo, modos e estilos de vida a serem
conhecidos e consumidos, e necessidades até então desconhecidas.
A produção dos espaços urbanos espetacularizados é ampliada e
estimulada de modo a atender esta demanda crescente pelo consumo do
entretenimento, resultando em experiências urbanas estandardizadas,
pasteurizadas. O crescimento do número e do tamanho de áreas destinadas ao
44
turismo, com a criação de parques temáticos, renovações de “waterfronts
22
,
exposições e feiras de negócios, mega-eventos esportivos e culturais, shoppings e
museus só vêm a confirmar esta tendência.
1.6 - Considerações Parciais
Neste capítulo apresentamos uma breve caracterização do modelo de
“empresariamento urbano”, concentrando a discussão especialmente no
planejamento dito estratégico e na execução de grandes projetos de renovação
urbana associados à realização de grandes eventos.
Explorando as características deste “modelo”, que como diz a epígrafe
inicial, “é por definição aquele em que não há nada a modificar, aquele que funciona
com perfeição” (CALVINO,1995, p. 98), procuramos reconhecer as estratégias
utilizadas pelos governos locais e promotores urbanos para moldar esta “realidade
imperfeita”, obrigando-a “ a adquirir a forma do modelo, por bem ou por mal”.
Apesar da realidade não ser a mesma para “todos”, as estratégias
adotadas para validar o modelo quase sempre são as mesmas. Primeiramente, cria-
se e/ou reforça-se uma situação de falta de recursos para investimentos, de crise
urbana: “A cidade precisa ser salva!”. Em segundo lugar, obtém-se o consenso
(ainda que não seja real) acerca da crise, a fim de legitimar as medidas “pró-
salvação” e “pró-sucesso” elaboradas pelos especialistas em cidades. Estas
medidas passam pela criação de uma imagem da cidade, pela realização de
grandes obras, pela preparação da cidade para atração de possíveis investimentos.
A cidade ao ser adaptada ao modelo assume um duplo papel: o de
cidade-empresa e, ao mesmo tempo, o de cidade-mercadoria. A cidade-empresa
tem nas parcerias público-privadas sua principal característica, além da adoção de
uma gestão urbana dita “eficiente“, que resulta em uma corrida a qualquer preço
pelo lucro em detrimento a outras necessidades sociais. A cidade–mercadoria, em
contrapartida, conta com a criação de “cenários espetaculares” e grandes eventos
22
Atualmente representam as áreas portuárias ou ribeirinhas contíguas às zonas centrais da cidade que
passaram por um processo de renovação e valorização urbana, a partir da inserção de novos usos e/ou
equipamentos. Projetos como grandes museus, condomínios residenciais de alto luxo, centros gastronômicos e
de comércio, dentre outros, compõem o conteúdo programático destas intervenções. Puerto Madero, na
Argentina, Docklands, em Londres, Estação das Docas e Mercado Ver-o-Peso, em Belém do Pará, etc., são
exemplos deste tipo de projeto urbano em waterfronts.
45
(não menos espetaculares) de modo a serem consumidos por usuários solventes,
dispostos a pagar pelo entretenimento transformado em “mercadoria vedete” dos
novos tempos. A “cidade-espetáculo
23
” (SÁNCHEZ, 1997) pode ser compreendida
como uma síntese paradigmática deste período.
Grandes projetos arquitetônicos, além dos grandes eventos, passam a ser
reproduzidos, de forma universal, em cidades com características e contextos
políticos, econômicos e sociais completamente diferentes. Esta difusão do modelo
promovida pelos governos locais e seus consultores especializados, como uma
receita que pode ser (re) utilizada sem “contra-indicações” tem, no entanto,
apresentado diversos “efeitos colaterais”.
As contradições presentes neste modelo que exclui partes da cidade e
amplia as desigualdades (de toda ordem), não foram exploradas neste capítulo. Elas
serão retomadas no terceiro capítulo, juntamente com os principais conflitos que
emergiram durante os Jogos Pan Americanos realizados na cidade do Rio de
Janeiro, procurando reconhecer uma relação entre eles.
O objetivo deste primeiro capítulo foi introduzir a questão do grande
evento como uma das estratégias utilizadas pelos governos locais e promotores
urbanos para empreender e justificar a renovação de algumas partes da cidade num
curto espaço de tempo. No segundo capítulo retomaremos a questão do grande
evento, focando especificamente na realização de grandes eventos esportivos e no
caso particular da cidade do Rio de Janeiro.
23
Segundo Otília Arantes, nesse planejamento urbano associado à realização de grandes eventos “[...] qualquer
megaevento vem a calhar, não importa de que natureza seja – desde que não se perca a ‘ocasião’” ou ainda
“vive-se à espreita de ocasiões....para fazer negócios! Daí a indiferença do evento ocasional (até de uma
calamidade natural pode nascer a ‘ocasião’[...]” (ARANTES, 2000, p. 62-63). Um exemplo recente de uma
dessas “ocasiões” foi o evento global “Live Earth” realizado em julho de 2007. Grandes shows foram promovidos
em 8 grandes cidades do mundo (Sydney, Tóquio, Xangai, Johanesburgo, Londres, Hamburgo, Nova Jersey e
Rio de Janeiro)
contra o aquecimento global (aliás, esse tema tem sido recorrente nos último meses). Com o
slogan “Concertos por um clima em crise” os promotores deste evento fazem uso das mesmas estratégias já
explicitadas ao longo deste trabalho: sentimento de crise, consenso e por aí vai.
46
CAPÍTULO 2
Apresentação
Hoje, os Jogos Olímpicos são os megaeventos de escolha das
agendas de desenvolvimento dos governos municipais e nacionais.
Megaeventos intencionam atrair investimentos turísticos e, mais
importante, reconhecimento da mídia nacional e internacional para a
cidade sede (ANDRANOVICH et al 2002, p. 114 apud MYAMOTO,
2007, p. 100)
O presente capítulo tem como objetivo fazer um resgate histórico das
diversas tentativas de inserção da cidade do Rio de Janeiro no circuito global de
produção e realização de grandes eventos esportivos realizadas desde início dos
anos 90.
Tais tentativas se enquadram num contexto histórico político específico
marcado pela administração do prefeito César Maia
24
, na qual identifica-se a disputa
entre a gestão democrática e a gestão estratégica da cidade, tendo sido, esta última,
tornada dominante ao longo dos anos pela municipalidade.
O primeiro movimento teórico-metodológico realizada neste capítulo
consiste em realizar um breve resgate crítico acerca do processo de conversão dos
eventos esportivos em grandes espetáculos e, concomitantemente, em estratégia
urbana capaz de promover a “regeneração” das cidades-sede, dando início a uma
“corrida global” em busca dos grandes eventos esportivos, particularmente, os Jogos
Olímpicos, que passam a ser perseguidos pelos governos e coalizões nas cidades.
No caso do Rio de Janeiro, o recorte temporal para abordar tal processo
de disputa para sediar grandes eventos far-se-á a partir da análise das propostas de
candidatura à cidade-sede das Olimpíadas de 2004 e das Olimpíadas de 2012. Tais
projetos guardam em si uma relação direta com o modelo de cidade que se
pretendia construir. A análise deles pode elucidar a compreensão do modelo
relacionado aos Jogos Pan Americanos realizados em 2007 na cidade do Rio de
Janeiro assim como das disputas sociais entorno de tal modelo.
24
O prefeito César Maia está praticamente há 16 anos no poder, a saber: 1993-1996, 2001-2004, 2005-2007. A
gestão de 1997-2000 estava a cargo de Luiz Paulo Conde, ex-secretário de urbanismo na gestão César Maia e
candidato apoiado pelo mesmo. No entanto, durante a administração Conde a aliança política entre os dois
políticos foi rompida.
47
2 – CONSTRUINDO O “SENTIMENTO” OLÍMPICO
2.1 – Os grandes eventos esportivos e sua transformação em mercadoria
vedete
O objetivo desta seção não é fazer uma análise aprofundada sobre
grandes eventos esportivos, mas sim tentar caracterizar minimamente a
transmutação destes eventos em “mercadoria vedete” das gestões municipais sendo
utilizados freqüentemente sob a alegação da suposta ampliação da atração de
investimentos e turistas para a cidade, mediante a renovação de áreas degradadas
com o objetivo de (re) inseri-la no mercado de terras urbanas valorizadas.
O foco nos Jogos Olímpicos deve-se, em grande medida, ao fato de
existir um maior número de pesquisas abordando sua origem e transformação ao
longo do tempo se comparado a pesquisas referentes aos Jogos Pan Americanos
25
,
onde este tipo de análise é praticamente inexistente. Esta associação, no entanto,
não é inválida, uma vez que os Jogos Olímpicos são “modelos” de referência e
inspiração para a organização de eventos esportivos de menor porte. O resgate
histórico aqui realizado tem por objetivo compreender o processo de transformação
da competição esportiva em um grande evento e reconhecer seus principais
impactos na política e morfologia urbana.
O professor Gilmar Mascarenhas
26
caracteriza três momentos dos Jogos
Olímpicos. Segundo ele, nos primeiros 30 anos (1896-1928) os Jogos eram
marcados por sua pouca visibilidade sendo, na maioria das vezes, considerados um
“hobby” para os jovens mais “abastados”.
O segundo momento (1932-1980) seria caracterizado, sobretudo, pela
presença do Estado na organização dos Jogos. Sua importância, abrangência e
principalmente sua rentabilidade passaram a ser reconhecidas por políticos e
governantes. Agora, mais que no início do século, os Jogos exigiam uma maior infra-
estrutura e uma maior dedicação por parte dos governantes.
25
Roche (2000) citando Hall classifica os Jogos Pan Americanos como um evento especial, estando logo abaixo
de eventos como Jogos Olímpicos e Copas do Mundo, que são classificados como mega-eventos. Um evento
especial se diferencia de um mega-evento por englobar um mercado nacional e um mercado global-regional,
atraindo o interesse da mídia nacional e internacional, ao contrário dos últimos cuja abrangência é global.
26
Esta classificação foi apresentada pelo professor Gilmar Mascarenhas no seminário “Encontros Pós Pan”,
realizado em 01/10/2007.
48
Enquanto, no terceiro momento (1984-2004), percebe-se uma redução da
presença do Estado na organização dos Jogos; espaço que passa a ser ocupado
por grandes empresas que vêem na realização dos Jogos uma importante estratégia
de marketing e de ampliação dos lucros, ampliando as estruturas necessárias para a
realização do evento transformando os Jogos num grande espetáculo.
Outro fator que contribuiu para o “gigantismo” dos Jogos foi o advento da
TV que ampliou o número de espectadores ávidos para assistirem aos “grandes
espetáculos” esportivos.
O processo de escolha da sede para os Jogos Olímpicos também ganhou
novos contornos, quando as cidades postulantes passaram a lançar mão de um forte
esquema político e comercial incluindo a participação direta de dirigentes.
Esta fase também marca um outro momento da organização dos jogos,
quando diante dos prejuízos financeiros causados pela realização dos Jogos
Olímpicos de Montreal (1976) e Moscou (1980), apenas Los Angeles se candidatou
a cidade postulante. O governo bancou a candidatura e montou um Comitê
Organizador com o propósito de obter os fundos necessários junto à iniciativa
privada para a realização do evento sem prejuízos para o comitê ou para a
comunidade. Inaugurava-se um novo modelo de gerenciamento e organização dos
Jogos Olímpicos.
Chalkley e Essex (2002) determinam quatro fases para caracterizar os
Jogos Olímpicos.
As primeiras décadas dos Jogos (1896-1904), segundo os autores, foram
caracterizadas por intervenções de pequena escala que pouco impactavam a
paisagem urbana.
Na segunda fase (1908–1932), o evento começou a crescer em escala,
passando a ser melhor organizado, envolvendo usualmente a construção de novas
edificações destinadas à realização das competições. Segundo Muñoz (apud
MASCARENHAS, 2005, p. 23) somente a partir de 1932 pode-se falar, embora
timidamente, em “urbanismo olímpico”, quando os jogos foram utilizados como uma
oportunidade de reerguimento da economia local na cidade de Los Angeles, muito
abalada pela crise de 1929.
Durante a terceira fase (1936–1956), a construção de instalações
esportivas emergia como uma das grandes bandeiras das cidades-sede, símbolo do
desenvolvimento e das possibilidades de transformação urbana advindas com a
49
realização dos Jogos. Este período seria caracterizado, sobretudo pela presença do
Estado na organização e promoção dos Jogos.
A partir de 1960, início da quarta fase, os jogos passaram a ser
freqüentemente utilizados para promover e implementar programas e políticas
urbanas de grande escala, com impactos muito mais substanciais sobre a paisagem
e o meio ambiente urbano das cidades-sede.
Os Jogos mais significativos da quarta fase foram os Jogos de Los
Angeles em 1984, demonstrando como as Olimpíadas poderiam ser um sucesso
financeiro sem se tornar um fardo para as cidades. Bem como, os Jogos de
Barcelona em 1992, que ilustraram que tipo de transformações urbanas poderiam
ser alcançadas a partir da realização dos Jogos. O incremento da competição
interurbana após o evento de 1992 marca o reconhecimento, pelos empresários e
gestores públicos, dos “benefícios” que se poderia obter sediando as olimpíadas.
O que fica claro a partir da análise destas periodizações, ainda que
existam algumas divergências entre elas, é que os Jogos Olímpicos de 1984 em Los
Angeles constituem um marco relevante à análise, pois os mesmos imprimiram uma
nova dinâmica na organização dos Jogos. Era a confirmação do empresariamento
como modelo de planejamento urbano dito eficiente ou profissional.
Atente-se para os deslocamentos político-institucionais: nestes Jogos
Olímpicos, o Comitê Olímpico Internacional - COI, pela primeira vez, não firmava
contrato com o poder público local, e sim com um comitê organizador composto
basicamente por empresários: o Comitê Olímpico dos EUA. O COI e o Comitê
Olímpico dos EUA assumiram toda a responsabilidade financeira sobre o evento,
que ficou conhecido como os “Jogos Capitalistas” (NIXON, 1988 apud
ANDRANOVICH et al 2001; MASCARENHAS, 2005), entendido no sentido de um
evento altamente lucrativo e conduzido com mínima interferência do poder público.
“Los Angeles mostrava ao mundo como atrair capital e atenção para a cidade
através da organização de um evento esportivo” (ANDRANOVICH et al 2001, p. 06).
Seul (1988) e Barcelona (1992) são outros exemplos do uso dos Jogos
Olímpicos como “poderosa” alavanca para a afirmação de um certo modelo de
desenvolvimento urbano assentado nas parcerias público-privadas e na renovação
seletiva de setores urbanos por meio de grandes projetos. Ambas as coalizões
locais investiram fortemente na implementação de projetos urbanísticos de elevada
50
envergadura, redefinindo centralidades e constituindo novos marcos na evolução
urbana, além de projetarem mundialmente a imagem destas cidades,
proporcionando efeitos multiplicadores a curto e médio prazo (SÁNCHEZ, 2003;
MASCARENHAS, 2005).
Outras edições também podem ser ressaltadas por acrescentarem ou
reforçarem alguns aspectos do grande evento esportivo apropriado como uma das
estratégias do empresariamento urbano. Conhecida como “Jogos Coca-Cola
(ANDRANOVICH et al 2001; MASCARENHAS, 2005), a experiência em Atlanta
(1996) consolida o modelo de organização dos Jogos baseado na parceria público-
privada, concentrado no esforço de retomada do crescimento econômico e nas
estratégias de renovação urbana. Estes Jogos também ficaram conhecidos pela
efemeridade de sua estrutura e logística. Quase todas as instalações eram
temporárias ou foram destruídas após os Jogos. Como aponta Rubio (2005, p. 15):
Essa edição dos Jogos Olímpicos entrou para a história pelo efêmero:
contrariando um preceito básico do Movimento Olímpico herdado da
Antigüidade grega, que era o legado, o que se viu em Atlanta foi o imediato
esquecimento dos dias de competição. Grande parte das instalações
utilizadas para sua realização deixou de existir assim que as atividades do
evento se encerraram. Em outras situações foram vendidas como souvenir
como foi o caso da grama do campo de futebol. Os Jogos Olímpicos nunca
haviam sido tão grandes. Foram 11 milhões de ingressos vendidos em todo
o mundo, além de 3,5 bilhões de espectadores que acompanharam as
competições pela televisão. O número de atletas 10.788 só não foi maior
porque se considerou prudente limitar o número de competidores em nome
da qualidade do espetáculo.
Em Sydney (2000) e Atenas (2004) os gastos públicos voltaram a
consistir no principal aporte financeiro à realização do evento. No entanto, Rubio
(2005) aponta que os Jogos não podiam retroceder naquilo que haviam conquistado
de mais precioso, pelo menos para os empresários, que eram as suas vertentes
mais lucrativas: o aquecimento do setor imobiliário, as indústrias do turismo e do
entretenimento e a publicidade em torno ao evento.
E, na realidade, nisto eles não retrocederam! Cada vez mais, os Jogos
Olímpicos vêm sendo disputados pelos governos e coalizões público-privadas
reconhecidos como um “bom negócio para todos”. Na postulação aos Jogos
Olímpicos de 2012, 9 cidades
27
disputaram o posto de cidade sede. E, para o ano de
27
A saber, Havana (Cuba), Istambul (Turquia), Leipzig (Alemanha), Londres (Inglaterra), Madri (Espanha),
Moscou (Rússia), Nova York (Estados Unidos), Paris (França) e Rio de Janeiro (Brasil).
51
2016, 7 cidades
28
disputaram o posto, sendo que, pela primeira vez, o Rio de
Janeiro é selecionado como uma das 4 cidades
29
finalistas.
Pôde-se perceber nesse breve resgate da história dos Jogos Olímpicos
que, no decorrer do século XX, o esporte e, particularmente, os grandes eventos
esportivos, foram se transformando em fenômeno sócio-cultural marcado por um alto
grau de complexidade, apropriados e inseridos na lógica capitalista, constituindo um
capítulo particular na história mais geral do planejamento e das políticas urbanas,
daí sua relevância analítica.
Convertidos em “espetáculo”, os grandes eventos esportivos, como os
Jogos Olímpicos, passam a ser disputados nas diversas cidades do mundo, como
estratégia capaz de garantir a renovação das cidades, por meio da implementação
de grandes projetos urbanos.
Andranovich, Burbank e Heying (2001) reconhecem que a atração de
eventos como Jogos Olímpicos constituem produtos deliberados de uma estratégia
desenvolvida pelos governos locais para impulsionar o crescimento da economia
local – chamada pelos autores de “estratégia do mega-evento”. Organizar e sediar
um evento de grande porte como as Olimpíadas ou uma Copa do Mundo passam a
ser centrais para a viabilização dessa estratégia, uma vez que os gestores das
cidades não estão em busca apenas das receitas a curto prazo como o turismo, mas
sim, na mudança da imagem da cidade e da estrutura físico-territorial das parcelas
urbanas tomadas como essenciais às estratégias de renovação (ESSEX e
CHALKLEY, 1998 apud ANDRANOVICH et al 2001, p. 04).
Pois, como apontam os autores:
Sediar os Jogos Olímpicos permite justificar um vasto leque de ações
desenvolvimentistas, mesmo que elas tenham pouca relevância para o
evento esportivo, porque sediar os jogos diz respeito em como colocar a
cidade no cenário mundial (ANDRANOVICH et al 2001, p. 29 – Tradução e
grifo
nosso).
Para justificar o comprometimento de tais recursos, os atores
protagonistas das cidades-sede têm de apresentar claras vantagens de acolher o
evento em termos de uma reestruturação urbana de impactos duradouros. Estes
28
Rio de Janeiro (Brasil), Baku (Azerbaijão), Chicago (Estados Unidos), Doha (Qatar), Madri (Espanha), Praga
(Tchecoslováquia) e Tóquio (Japão).
29
O resultado da cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016 está agendado para 2 de outubro de 2009 e,
juntamente com o Rio de Janeiro, concorrem as cidades de Chicago, Madri e Tóquio.
52
impactos associados à realização de mega-eventos tem sido classificados em
diversos estudos como benefícios ou impactos tangíveis e intangíveis. Segundo
Andranovich, Burbank e Heying: “Os jogos ocorrem em apenas um curto espaço de
tempo, mas prometem muitos benefícios, tanto tangíveis, quanto intangíveis”
(ANDRANOVICH et al 2001, p. 01).
A análise dos benefícios tangíveis tem sua ênfase sobre a infra-estrutura
física deixada pela acolhida ao mega-evento (ESSEX; CHALKLEY, 2002; HILLER,
1998; ANDRANOVICH et al 2001, D’ARCY, 2006), tomando a forma dos
equipamentos construídos para abrigar o evento, como arenas esportivas, vilas de
atletas ou espaços de exposição, além dos investimentos em infra-estruturas
públicas, particularmente infra-estrutura de transporte para apoiar o evento, incluindo
a implantação de novos sistemas de metrô, novos aeroportos e anéis viários, como
benefícios potenciais do mega-evento.
Já as análises sobre os benefícios intangíveis tratam seu impacto sobre a
atividade econômica e sobre a posição internacional assumida pela cidade. O
primeiro, segundo D’Arcy (2006), pode ser aparentemente fácil de se avaliar, em
termos de investimentos tanto no plano interno como externo, impactos na dinâmica
empresarial e residencial no uso do solo, incremento no turismo, dentre outros. No
entanto, determinar o horizonte temporal de análise deste impacto tem sido, de
certa forma, problemático (NOVAIS et al. 2006). Nos termos do segundo impacto
potencial, a avaliação pode ser muito mais complexa, devido a alguns aspectos
como: a chamada cidade "internacional" é uma representação reiteradamente
acionada no discurso legitimador dos projetos de reestruturação estratégica; o fato
da cidade “atrair” o evento, também poder ser considerado como um prova de uma
posição internacional reforçada, ou de uma bem sucedida estratégia de
internacionalização, no que se refere à geopolítica dos grandes eventos e aos seus
respectivos legados nas diversas dimensões (SÁNCHEZ; BIENENSTEIN, 2006).
Para que essa estratégia do “mega-evento” seja plenamente efetivada, os
benefícios tangíveis e intangíveis têm sido amplamente divulgados pelos gestores
públicos, de modo que haja o necessário envolvimento e engajamento da população
tanto no que se refere à compreensão da necessidade das obras e investimentos
para a realização do evento, que geram transtorno e desconforto, mas também dos
benefícios que virão com a “reestruturação urbana” e com a construção da “nova“
53
imagem da cidade, os quais podem gerar um forte sentimento de cidadania e de
pertencimento à cidade “restaurada”. Assim, pode-se afirmar que a idéia de sediar
os Jogos passa a ser utilizada pelos gestores das cidades para justificarem e
encorajarem uma variedade de projetos de desenvolvimento que não seriam
politicamente viáveis se fossem discutidos num contexto cotidiano (ANDRANOVICH
et al 2001, p. 34). Desse modo, a manipulação do caráter extraordinário do grande
evento constrói um ambiente político propício à afirmação da chamada
“oportunidade histórica para uma grande transformação”.
Apropriado pela indústria cultural, o esporte como megaevento toma
grandes proporções, sendo altamente lucrativo para alguns grupos. Pilatti (2006, p.
15) reconhece que a valorização do esporte e das atividades corporais está
associada à constituição de um novo patamar do mercado, onde a utilização do
tempo livre passa a ser apropriada pelo mercado capitalista, e as práticas esportivas
e atividades corporais são transformadas em bens e serviços mercantilizados que
precisam ser consumidos.
Seja na forma de espetáculo esportivo, seja como práticas corporais
individualizadas, é inegável o fato de que, nas últimas duas décadas, o
esporte (e a atividade física, de um modo geral) tem se constituído num vasto
e sempre crescente campo de investimento econômico. Tal crescimento está,
como não poderia deixar de ser, associado aos mass media e ao surgimento
de uma imensa rede de produção industrial de equipamentos, artefatos,
academias, eventos e mega-eventos [...] (GIOVANNI apud PILATTI, 2006, p.
14).
Rubio (2005) destaca em seu trabalho que os três principais focos de
atuação da indústria cultural contemporânea, em associação com os interesses de
gestores públicos, em ordem progressiva, são o turismo, a mídia (em especial a
televisão)
30
e o franchising da organização de eventos.
Ao lado do crescimento desta indústria do entretenimento, a indústria dos
esportes cresceu muito, sendo, cada vez mais elaborados, cada vez mais
espetaculares e, ao mesmo tempo, cada vez mais ajustados ao formato exigido pela
30
Segundo a coluna "Radar", da revista "Veja", os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Londres
(2012) foram comprados por US$ 30 milhões pela Rede Record, mais de duas vezes o que a Globo teria pago
pelos jogos de Pequim (2008) http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u113728.shtml (consultado em
16/11/2007).
Os Jogos Olímpicos de Sydney tiveram orçamento de US$ 2,3 bilhões, dos quais US$ 828 milhões de
patrocinadores e US$ 954 milhões de direitos de transmissão por rede de televisão. O restante foi proporcionado
com vendas de ingressos e de produtos com marcas do torneio. Em 1995, a audiência já atingia nível recorde,
com o número de espectadores em alguns jogos ultrapassando 100.000 pessoas. Foi o ano dos Jogos Olímpicos
em Sydney, pelo qual a NBC pagou US$ 1,2 bilhões para televisionar.
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT699197-1655-2,00.html (consultado em 16/11/2007)
54
mídia” (PILATTI; VLASTUIN, 2004, p. 02). Segundo os autores, a televisão
multiplicou a platéias de milhares para criar a audiência e o mercado de milhões,
assim:
o esporte foi metamorfoseado definitivamente pelo dinheiro. Modificou-se
tudo que foi necessário para seu novo formato, desde o ideal até as regras.
Uma nova equação foi produzida: espetáculo esportivo mais mídia é igual a
lucros milionários (PILATTI; VLASTUIN, 2004, p. 02).
Bourdieu (1997) ao analisar a produção televisiva dos Jogos Olímpicos
reconstrói a idéia do “espetáculo esportivo” como:
instrumento de comunicação’ isto é, o conjunto das relações objetivas
entre os agentes e as instituições comprometidos na concorrência pela
produção e comercialização das imagens e dos discursos sobre os Jogos:
o Comitê Olímpico Internacional (COI), progressivamente convertido em
uma grande empresa comercial com orçamento anual de 20 milhões de
dólares, dominado por uma pequena camarilha de dirigentes esportivos e
de representantes das grandes marcas industriais (Adidas, Coca-Cola etc.),
que controla a venda dos direitos de transmissão (avaliados, para
Barcelona, em 633 bilhões de dólares) e dos direitos de patrocínio, assim
como a escolha das cidades olímpicas (BOURDIEU, 1997, p. 125-126).
Assim, o poder das organizações esportivas passa ser medido pelo
sucesso televisivo e publicitário adquirido durante a organização e realização de
seus eventos. O “espetáculo esportivo” compreendido como um produto que deve
ser consumido pelo maior número de pessoas possível, produz uma lógica que
acaba determinando valores distintos para as diferentes modalidades esportivas
(criando diferentes nichos de mercado para serem vendidos e/ou consumidos). Em
outros termos, quanto maior a demanda por um determinado esporte, maiores
serão os lucros econômicos correlatos. Não são somente as modalidades
esportivas que estão em disputa, mas também as empresas patrocinadoras que
competem por novos consumidores. Quanto maior o sucesso do evento, maiores os
lucros dessas empresas que estão inseridas nesta “vitrine global”, visto que o
esporte vende de tudo e vende de vários modos: vende moda, estilo de vida,
equipamentos, idéias e necessidades. Inserido nesta dinâmica, o esporte é
paulatinamente despojado de seu espírito elementar, transformando-se apenas num
grande espetáculo a ser consumido!
Entretanto, não só de lucros milionários vivem os grandes eventos
esportivos, visto que a estratégia do mega evento também pode significar um grande
55
risco - como todo tipo de projeto de desenvolvimento voltado para o consumo - pois
requer que a cidade primeiro atraia o evento para então dar início ao projeto de
reestruturação urbana, necessitando nesse sentido, qualificar de alguma forma seu
espaço urbano de modo a tornar-se “competitiva” na disputa pelo evento. Além
disso, como alertam Andranovich, Burbank e Heying (2001, p. 44), existem outros
riscos para as cidades-sede associados propriamente à realização do evento como
um boicote, ou um escândalo, que não podem ser antecipadamente previstos pelos
planejadores. Há também, a possibilidade do evento não ser suficientemente
“excitante” para gerar um grande número de visitantes, ou uma imagem positiva da
cidade para dar início ao processo de “consumo do lugar”. Ademais, apesar das
“cidades sede sempre almeja[rem] a realização dos melhores jogos de todos os
tempos” (ANDRANOVICH et al 2001, p. 02), existe sempre a probabilidade disso
não acontecer, ou os custos referentes à construção desses ”melhores jogos de
todos os tempos” resultarem num ônus muito grande para a cidade-sede. Neste
sentido, o sonho olímpico acaba se transformando no pesadelo olímpico!
Efetivamente, os gestores locais não são capazes de controlar o alcance
que seus projetos de cidade irão conseguir sediando grandes eventos esportivos.
Eles podem fazer algumas escolhas e determinar algumas ações objetivando atingir
determinadas metas para o desenvolvimento urbano e econômico da cidade, as
quais afetam a vida de seus residentes, direta ou indiretamente. No entanto, apesar
dos impactos dessas escolhas, que atingem diferentes dimensões do espaço social
as mesmas não são discutidas democraticamente entre cidadãos e gestores locais
(NOVAIS et al, 2006).
A alocação de grandes fontes de recursos, sobretudo públicos, na
construção de centros de convenções, estádios ou parques temáticos ao invés dos
investimentos em escolas públicas, hospitais e habitações sociais ou transporte de
massa levam quase sempre a questionamentos acerca da legitimidade dos
processos de tomada de decisão referentes aos grandes eventos.
2.2 – Os grandes eventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro
2.2.1 - Marco Referencial: A Gestão Estratégica da Cidade
O contexto político-institucional no qual emerge, na cidade do Rio de
Janeiro, um modelo de gestão urbana empresarial é marcado por um lado pela
56
vigência ainda recente de uma nova ordem constitucional, concebida por um ideário
reformista no bojo do processo de redemocratização do país e, por outro lado, pela
ascensão do neoliberalismo no plano nacional, significando o aumento da
competição entre estados e municípios pela atração de investimentos, negócios e
empresas introduzindo novas prioridades na pauta da ação pública local.
No Rio de Janeiro tal contexto começa a se configurar a partir do ano de
1993, quando passa a haver uma forte coerência entre escolhas de investimento,
redefinição do papel do poder público municipal e de sua relação com a sociedade
local, com o claro objetivo da ampliação das vantagens competitivas que garantam a
atratividade econômica da cidade (COMPANS, 2004, p.19).
Esse modelo de planejamento, em que o governo local promove o
desenvolvimento econômico com a participação do setor privado na gestão de
serviços e equipamentos públicos; se persegue o consenso social em torno das
“estratégias” de investimentos; e, aonde é aplicada uma racionalidade empresarial,
foi protagonizado na cidade do Rio de Janeiro durante a administração do prefeito
César Maia
31
. Eleito em 1992 pelo PMDB, seu discurso enfatizava o agravamento de
uma situação de “crise” urbana, proclamando a busca pela eficácia administrativa,
pelo restabelecimento da “ordem urbana” e pelo incentivo às atividades econômicas
como prioridades do seu governo.
Para tanto, César Maia se inspira na experiência “bem sucedida” de
reestruturação urbana e econômica da cidade de Barcelona, fortalecida
principalmente a partir da realização dos Jogos Olímpicos de 1992. Atraído pelos
“resultados positivos” de Barcelona, o Prefeito procura conhecer essa experiência e
analisar a viabilidade de sua reprodução no município através da organização do
seminário “Rio-Barcelona: estratégias urbanas”, realizado entre 18 e 20 de maio de
1993, contando com a participação de convidados catalães que proferiram palestras
sobre as “estratégias” adotadas pelo Ayuntamiento de Barcelona para empreender a
“revitalização” da cidade e que haviam participado ativamente da elaboração do seu
31
Iniciou suas atividades políticas na União Nacional dos Estudantes (UNE), o que lhe valeu o exílio no Chile em
1969. Em 1981 filia-se ao PDT e integra o grupo que apoiou Leonel Brizola, cuja eleição foi garantida quando
descobriu uma tentativa de fraude eleitoral conhecida como o "escândalo da Proconsult". Foi convidado por
Brizola para ser Secretário da Fazenda durante o período de 1983 a 1986. Neste último ano conquistou uma
cadeira na Câmara Federal, sendo reeleito em 1990. No ano seguinte rompeu com o PDT para ingressar no
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Apoiado pela coligação Pensa Rio, que reunia o PMDB e
o Partido Liberal (PL), foi eleito prefeito do Rio de Janeiro em 1992 derrotando a então deputada federal Benedita
da Silva, do PT.
57
Plano Estratégico como: Jordi Borja e Manuel de Forn, que integravam a Empresa
de Consultoria TUBSA (Tecnologias Urbanas Barcelona S.A).
O objetivo da administração César Maia, neste sentido, era o de adaptar a
experiência catalã – de formação de parcerias com grupos privados, de elaboração
de um plano estratégico, de promoção de grandes projetos urbanos e grandes
eventos culturais e esportivos internacionais, especialmente os Jogos Olímpicos - à
cidade do Rio de Janeiro, visando alcançar um processo similar de dinamização
econômica. No quadro a seguir procura-se demonstrar como os grandes eventos e
os grandes projetos passaram a fazer parte da gestão urbana da cidade do Rio de
Janeiro:
Alguns meses depois da realização do seminário, a Prefeitura firmaria
contrato com essa empresa para prestar consultoria sobre a elaboração do “Plano
Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro” (PECRJ), por meio do qual se
estabeleceria a participação ativa do setor empresarial no governo municipal.
O convênio para a elaboração do Plano Estratégico da Cidade do Rio de
Janeiro foi firmado em novembro de 1993, entre a Prefeitura da Cidade, a
Associação Comercial (ACRJ) e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
(Firjan). O plano seria financiado por um Consórcio Mantenedor constituído por 51
empresas e associações empresariais além de contar com a consultoria catalã.
A elaboração do Plano Estratégico da cidade, segundo Compans (2005)
só viria a fortalecer o projeto político de César Maia ao mesmo tempo que colocaria
a cidade nos eixos da “mercadotecnia urbana” (VAINER, 2000). Inicialmente pela
necessidade de se construir uma “nova” imagem pública do Prefeito - que sofria
Figura 01: Seleção de alguns grandes projetos urbanos propostos e/ou realizados na gestão César Maia. Fonte: Danielle
Barros, 2008.
58
duras críticas por não conseguir diminuir a violência e reestabelecer a “ordem
urbana”, principais bandeiras de luta de sua campanha política – como um político
“realizador”, moderno e eficiente. A outra questão diz respeito à articulação com os
segmentos empresariais para a elaboração do Plano Estratégico que, por meio da
definição de ações de grande impacto num curto espaço de tempo, poderia
satisfazer as motivações políticas do Governo Municipal.
Neste contexto, em 11 de novembro de 1995, foi homologado o PECRJ,
que ficou conhecido como “Rio Sempre Rio”. Sua estrutura principal era composta
por sete linhas estratégicas, a saber: “O Carioca do Século XXI”, “Rio Acolhedor”,
“Rio Participativo”, “Rio Integrado”, “Portas do Rio”, “Rio Competitivo” e, por último,
“Rio 2004: Pólo Regional, Nacional e Internacional”.
Apesar dos promotores defenderem a ampla participação popular e
institucional na elaboração do PECRJ, uma análise mais profunda sobre os
participantes e financiadores do plano permite compreender que grupos realmente
participaram e se beneficiaram com ele
32
.
Na estratégia “Rio 2004: Pólo Regional, Nacional e Internacional”, por
exemplo, o objetivo é desenvolver uma série de projetos com prazos definidos e
efeitos sobre a imagem interna e externa da cidade, de modo torná-la um pólo de
atratividade regional, nacional e internacional. O Plano estabelece como marco o fim
do ano de 2004, quando seriam colhidos os resultados expressivos dos projetos nos
campos da atratividade cultural, do esporte e de eventos. A realização dos Jogos
Olímpicos de 2004 na cidade do Rio de Janeiro era encarada como o evento capaz
de alavancar o desenvolvimento da cidade como um todo, sendo neste sentido, uma
das principais estratégias contidas no plano. Assim, era a estratégia mais estratégica
do todas!
Como aponta Rose Compans (2005, p. 192), “mais oportuno ainda ao
projeto político do governo César Maia só mesmo o volume de capital investido para
a realização dos Jogos Olímpicos” que no caso carioca - se comparado com
Barcelona
33
- equivaleria a quase quarenta e cinco vezes o total de investimento
32
Para saber mais sobre o tema consultar trabalho de Carlos Vainer “Os Liberais também fazem Planejamento
Urbano?” In: Arantes, O; Vainer, C; Maricato.E. “A cidade do Pensamento único: Desmanchando consensos"
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p.105-119
33
Em Barcelona os investimentos para promover grandes projetos urbanos de renovação urbana e infra-
estrutura giravam em torno de 10 bilhões de dólares (COMPANS, 2005, p. 192)
59
anual
34
na cidade, que na época corresponderia a 230 milhões de dólares. Assim,
não por acaso, o projeto-chave do Plano Estratégico do Rio eram, então, as
Olimpíadas 2004. Grande parte da candidatura olímpica incorpora no seu projeto as
estratégias propostas no Plano Estratégico da Cidade
35
.
Alguns elementos da trajetória política de César Maia devem ser
pontuados. Em 1996 César Maia abandonou o PMDB, ingressando no Partido da
Frente Liberal
36
- PFL. Em janeiro de 1997 foi substituído na Prefeitura pelo seu ex-
secretário de urbanismo Luiz Paulo Conde o qual se elege com apoio ostensivo de
Maia. Em 1998, foi candidato pela mesma legenda ao governo do estado do Rio de
Janeiro, tendo sido derrotado pelo candidato pedetista Anthony Garotinho. Em 1999
Conde rompe com César Maia e um ano depois disputa e conquista pela segunda
vez a prefeitura carioca, desta vez pelo Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, contra o
seu ex-aliado Conde (que tentava a reeleição), pelo PFL.
Em 2000, é anunciada oficialmente a candidatura da cidade do Rio de
Janeiro à sede dos XV Jogos Pan Americanos a serem realizados em 2007.
Durante seu segundo mandato (2001–2004), César Maia dá continuidade
ao processo de inserção da cidade do Rio de Janeiro no cenário internacional
elaborando em 2002, o segundo Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro,
batizado como “As Cidades da Cidade”.
Neste Plano a cidade foi dividida em 12 regiões e, para cada uma delas,
foi formulado um objetivo central e produzido um plano estratégico próprio, os
“planos estratégicos regionais”. Neste plano são determinadas algumas diretrizes
que se assemelham muito com o primeiro plano estratégico elaborado para a
cidade, ao estabelecer: o foco no cidadão e na região; as soluções consensuais; a
diversidade da cidade; a articulação dos planos regionais e as possibilidades de
desenvolvimento a partir das potencialidades locais (PECRJ, 2002).
Neste mesmo ano, a cidade do Rio de Janeiro é eleita cidade-sede dos
Jogos Pan-americanos Rio 2007, dando início também à corrida pelos Jogos
Olímpicos de 2012. Pode-se dizer que as estratégias definidas no segundo Plano
34
Informação contida no Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro de 1998.
35
A maioria dos projetos propostos na candidatura Olímpica estava presente no Plano Estratégico da Cidade,
como por exemplo, o Projeto de Despoluição da Baía de Guanabara e Sepetiba, a revitalização da área central
da Cidade, a instalação do Parque Tecnológico na Ilha do Fundão, além de diversas melhorias na infra-estrutura
de transportes, dentre outros.
36
Atualmente constitui o Partido dos Democratas (DEM).
60
Estratégico acabam sendo reproduzidas nas candidaturas para sediar os eventos
esportivos já referidos, principalmente no que diz respeito às regiões da Barra da
Tijuca e de Jacarepaguá.
Destaca-se, na Barra da Tijuca, a estratégia que propõe a melhoria da
infra-estrutura e a diversificação da oferta de equipamentos e atividades de cultura e
lazer na região, por meio da criação de salas de teatro, parques temáticos e
estruturas para competições esportivas “respeitando a vocação da região”.
Já para Jacarepaguá a principal estratégia consiste no fortalecimento e
transformação da região no grande centro de eventos nacionais e internacionais da
cidade que, segundo o escopo do plano, aconteceria por meio da potencialização do
setor de turismo de eventos. Para tanto, algumas ações deveriam ser
implementadas, como: elaboração de um Plano Estratégico para o setor de turismo
de eventos; melhoria na utilização do autódromo de Jacarepaguá; elaboração de um
Plano de Marketing; estímulo à captação de eventos para a área; definição e
implantação de eventos públicos (shows, campeonatos, exibição de filmes etc.) nas
lagoas, praças e áreas livres; melhoria da infra-estrutura de serviços e comércio
voltados para eventos; estudo de novas áreas para a realização de eventos; e, por
fim, a revisão da legislação visando permitir a implantação de hotéis e pousadas na
região.
Tais propostas estão plenamente de acordo com os projetos de
reestruturação urbana previstos nas diferentes candidaturas olímpicas, como
veremos na próxima seção. O fato que queremos destacar aqui é que, em todas
estas candidaturas olímpicas, os planos estratégicos foram as grandes matrizes
orientadoras das propostas, determinando os locais de competições e equipamentos
a serem construídos de acordo com as estratégias e o suposto modelo urbanístico
estabelecidos.
61
A realização dos Jogos Pan-Americanos na cidade do Rio de Janeiro foi o
carro-chefe da campanha eleitoral de César Maia, e antevia-se a possibilidade do
mesmo ser o Prefeito capaz de trazer os Jogos Olímpicos de 2012 para cidade.
Novamente concorrendo pelo PFL, César Maia é reeleito em 2004 no primeiro turno
para cumprir seu terceiro mandato No seu terceiro mandato (2005–2008) César
Maia dá início a construção de vários equipamentos esportivos para a realização dos
Jogos Pan-americanos de 2007.
2.3 - Em busca do “ouro perdido”: As propostas para sediar eventos
esportivos de grande porte na cidade do Rio de Janeiro
Serão abordadas, nas três subseções seguintes, algumas das propostas
elaboradas pelo Comitê Olímpico Brasileiro – COB - para a cidade do Rio de Janeiro
vislumbrando sediar grandes eventos esportivos. Os eventos aqui descritos serão:
candidatura à cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2004, candidatura (vencedora) à
cidade-sede dos Jogos Pan-Americanos 2007 e a aspiração à cidade-candidata aos
Jogos Olímpicos de 2012
37
. Ver cronologia esquemática dos fatos relacionados às
candidaturas.
37
Segundo o “Manual de Procedimentos Jogos Olímpicos 2012”: “CIDADE POSTULANTE - é uma cidade que
busca a aprovação do COB, via eleição, para ser designada como Cidade Aspirante à sede dos Jogos Olímpicos
junto ao COI. CIDADE ASPIRANTE - é uma cidade eleita pelo COB para participar do processo de aceitação de
candidatura do COI para sede dos Jogos Olímpicos. CIDADE CANDIDATA - é uma cidade aceita pelo COI para
Figura 02: Quadro das diretrizes/propostas presentes nos Planos Estratégicos da cidade do Rio de Janeiro
semelhantes às propostas feitas nas candidaturas Rio 2004, Rio 2007 e Rio 2012. Fonte: Danielle Barros, 2008.
62
O trabalho consiste em reconhecer, a partir da leitura dos documentos
oficiais (acessíveis) relativos aos três eventos citados, os elementos e características
apresentados como possíveis catalisadores de renovação e transformação urbana e
o discurso empregado na construção destas candidaturas tendo em vista a
legitimação necessária a tal candidatura mediante o enaltecimento do potencial da
cidade para sediar o grande evento.
Por meio da identificação e análise destes elementos pretende-se
desvendar também as fragilidades contidas nas propostas recusadas que, ao fim e
ao cabo, acredita-se terem influenciado as propostas (re) formuladas e (re)
apresentadas posteriormente.
Bittencourt (1999, p. 301) aponta que dentro do processo de seleção das
cidades postulantes são considerados critérios e tendências para avaliação da
cidade, como por exemplo:
1) instalações poliesportivas existentes e sua adaptação;
2) criação de um novo projeto olímpico;
concorrer à eleição de cidade sede aos Jogos Olímpicos. CIDADE SEDE - é uma cidade que foi eleita para ser a
Sede dos Jogos Olímpicos” (COB, 2002:11).
Figura 03: Cronologia das candidaturas do Rio de Janeiro à cidade-sede de Grandes Eventos Esportivos. Fonte:
Danielle Barros, 2008.
63
3) repasse das instalações para a população;
4) apoio da população civil;
5) estrutura de turismo e de lazer;
6) preocupações e ações relativas ao meio ambiente;
7) mentalidade ecológica;
8) sistema de transporte urbano, interurbano e internacional;
9) facilidade de telecomunicações;
10) segurança, mobilidade e evasão;
11) raio de realização dos eventos, deslocamentos e trajeto público;
12) alinhamento do projeto urbano com o projeto olímpico.
A maioria das candidaturas, analisadas neste trabalho, aborda esses
temas. No entanto, alguns temas adquirem mais importância e destaque do que
outros em determinadas candidaturas. O fato é que esses critérios de avaliação
acabam, de certa forma, estruturando a construção dos documentos e das
propostas, como veremos nas seções seguintes.
2.3.1 - Rio 2004
Remete-se ao ano de 1995
38
a aspiração da cidade
do Rio de Janeiro à cidade-sede dos Jogos Olímpicos de
2004, com a apresentação da proposta de candidatura ao
Comitê Olímpico Internacional - COI. Neste mesmo ano,
durante a elaboração do Plano Estratégico da Cidade, a
realização dos Jogos Olímpicos de 2004 emerge como uma
das principais estratégias contida no escopo do plano em prol
do desenvolvimento urbano.
O anteprojeto para o Rio 2004 foi elaborado por uma firma de consultoria
chamada Rio Barcelona Consultores - RBC - que mantinha em sua equipe técnica
especialistas em planejamentos estratégicos internacionais como: Manuel de Forn e
Jordi Borja.
O material consultado referente à proposta Rio 2004 está organizado em
4 volumes da seguinte maneira: (1) as razões pelas quais a cidade do Rio de
Janeiro deveria sediar os Jogos Olímpicos e seus impactos nas “múltiplas”
38
Em maio de 1995 é fundada a Sociedade RIO 2004, composta por agentes públicos e privados, para promover
a candidatura do Rio para sediar os Jogos. Em setembro de 1995, o Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro,
Carlos Arthur Nuzman, solicita oficialmente ao COI a inscrição da Candidatura RIO 2004. Em dezembro de 1995,
o anteprojeto de candidatura é apresentado ao Comitê Executivo da RIO 2004 e ao Comitê Olímpico Brasileiro,
que aprovam em linhas gerais as propostas. Em janeiro de 1996, a RIO 2004 publica e apresenta oficialmente o
Anteprojeto de candidatura
(RBC, 1996, p. 09-v1).
Figura 04: Símbolo Rio 2004.
Fonte: COB, 1996.
64
dimensões; (2) as potencialidades da cidade e estruturas existentes para sediar os
Jogos; (3) a proposta com sua distribuição pela cidade, justificativas e investimentos
necessários; (4) e, finalmente, um estudo de sua viabilidade técnico-financeira,
tendo em vista a situação da cidade a partir de um diagnóstico abordando questões
como saúde, segurança, tecnologia, meio ambiente, dentre outros.
Na apresentação do primeiro volume do documento, o consenso acerca
da candidatura da cidade do Rio de Janeiro é ressaltado mediante o enaltecimento
do desejo do Brasil, e especialmente do carioca, em sediar os Jogos Olímpicos.
Pois, segundo o documento “A iniciativa conta com o apoio do mundo do esporte,
das instituições, da sociedade carioca e do país em geral”, e seu principal objetivo
consistia em “[...] atrair para a cidade o maior acontecimento desportivo universal,
para oferecer ao mundo uma realização inesquecível dos Jogos Olímpicos, a partir
das possibilidades e anseios da cidade e do país” (RBC, 1996, p. 02-v1).
O primeiro volume foi fundamentado nas chamadas 10 Razões para que
os Jogos Olímpicos de 2004 fossem realizados na cidade do Rio de Janeiro, o
chamado RIO 2004. Por sua vez, essas dez razões se desdobravam em uma série
de justificativas. Neste volume também eram apresentados, ainda que brevemente,
os principais impactos (positivos) do evento, caso a cidade conseguisse sediar um
evento desta envergadura.
No campo das 10 razões, a primeira a ser destacada consistia em
“Queremos ser olímpicos”, onde questionava-se o fato do continente sul americano
jamais ter sediado os Jogos Olímpicos. Paralelamente, eram resgatadas as
tentativas anteriores empreendidas nos anos de 1936 e 1960, pela cidade do Rio de
Janeiro para sediar o evento.
A “vocação olímpica do Brasil” também aparece neste item como uma das
justificativas para sediar os Jogos. No entanto, esta vocação aparece curiosamente
associada aos lucros que os investidores poderiam obter com a divulgação midiática
do evento: “Os jogos despertam uma expectativa e uma paixão popular
consideráveis no Brasil. As audiências televisivas e o acompanhamento pela
imprensa escrita assume proporções formidáveis” (ibidem, p.11- grifo nosso).
A segunda razão “Todos
Queremos os Jogos Olímpicos” além de reforçar
o consenso listando os apoios políticos, empresariais e institucionais em deferência
65
ao projeto olímpico, chamava a atenção pela construção de um “todos”, celebrado e
justificado pela afirmativa de não existir nenhuma “oposição significativa” em relação
ao projeto de candidatura olímpica, onde “o apoio popular é praticamente unânime e
facilmente constatável” (ibidem, p.13).
A terceira razão “Os protagonistas do futuro querem os Jogos Olímpicos”
procurou valorizar os legados advindos com a realização dos jogos:
A cidade vê o projeto olímpico como uma oportunidade de renovação do
tecido urbano, para recuperar e reconstruir novas infra-estruturas e elevar a
qualidade de vida (ibidem, p.14 - grifo nosso).
Os Jogos olímpicos são desejados como um fator de integração social,
unindo todos os brasileiros em torno de um projeto comum, e deixando uma
herança palpável de reequilíbrio territorial na cidade do Rio de Janeiro
(idem).
O Brasil deseja melhorar sua imagem internacional através do
acontecimento olímpico, oferecendo uma percepção mais real, mais amável
e mais positiva do país (idem - grifo nosso).
Na quarta razão “Temos um bom projeto” os pontos valorizados foram: a
redução das distâncias entre os locais de competição pela concentração dos
equipamentos na cidade do Rio de Janeiro; a (pré) existência de boa parte dos
equipamentos necessários para a realização do evento
39
; e, a constituição de
parcerias público-privadas para viabilização do projeto “refletindo assim a realidade
de uma economia mista” (ibidem, p.15).
Na quinta razão “Temos uma sociedade eminentemente esportiva” o
esporte é destacado pela sua prática na vida cotidiana, pelo êxito obtido pelo futebol
e por alguns desportistas brasileiros como Pelé, Ayrton Senna, Zico, entre outros
que segundo o documento possuem “verdadeira projeção universal” (ibidem, p.16).
Na sexta razão “Temos capacidade organizativa” foram valorizados todos
os eventos desportivos realizados na cidade, assim como os eventos internacionais
de grande porte como: a visita do Papa em 1960, a reunião do FMI em 1967 e a
ECO-92.
Já na sétima razão Temos capacidade de recepção” foi destacado o bom
funcionamento das redes de aeroportos, estradas e auto-estradas brasileiras mesmo
39
Segundo o documento, das 36 instalações necessárias para a realização dos Jogos Olímpicos de 2004, 23
delas já existiam, necessitando apenas de investimentos em reformas e adaptações.
66
com o fluxo de turistas intensificado; e, paralelamente, foi ressaltada a capacidade
da rede hoteleira carioca.
“Temos uma cidade preparada” era a oitava razão. Nela foram
apresentados alguns elementos que segundo o documento capacitavam a cidade
para receber o evento, dos quais destacamos a referência: à “grande” rede de
transportes urbanos
40
(metrô, ônibus urbanos, trens e táxis) e aos planos de
despoluição da Baía de Guanabara, Sepetiba e Lagoa Rodrigo de Freitas, que
segundo os promotores da candidatura indicam que o meio ambiente tem prioridade
nas políticas públicas executadas na cidade. “A proposta urbana foi harmonizada
com grandes projetos de impacto ambiental em curso como a recuperação da Baía
de Guanabara” (ibidem, p. 49).
Na penúltima razão “Temos um grande país” foram destacadas as
características físico-territoriais, populacionais e a estabilidade monetária adquirida
pelo país desde a implantação do Plano Real.
A última razão “Temos um ‘jeito’ e um palpitar especial” finalizou o
conjunto de razões para o RIO 2004 destacando o “jeitinho” brasileiro e,
principalmente carioca de receber (“quente e acolhedor”), com o seu “caráter festivo
e criativo”, como características admiradas no “mundo inteiro”. Não obstante, no
documento procurou-se valorizar a beleza natural do país, associando-a com a
beleza natural do povo. A cidade do Rio de Janeiro tornava-se um lugar “único”,
como pode ser percebido na seguinte justificativa:
A beleza natural, tanto dos espaços físicos como dos tipos humanos,
conferem ao Brasil, e ao Rio de Janeiro em especial, uma magia que
poucos lugares detêm (ibidem, p. 23).
O objetivo de ter percorrido todos estes 10 itens
41
é que os mesmos
fazem parte da estratégia argumentativa utilizada, praticamente, em todas as
candidaturas analisadas nesta pesquisa. Mesmo que não apareçam pontuados da
mesma forma o texto justificativo perpassa por todas essas questões.
40
A infra-estrutura referente à rede de transportes urbanos era apresentada como algo que funcionava
perfeitamente na cidade. A qualidade das vias e dos veículos não foram comentados.
41
E, ao que parece, não é algo comum somente aqui no Brasil, pois diversos movimentos sociais contrários à
realização de grandes eventos esportivos pontuam também 10 motivos para a não realização dos Jogos.
67
Neste documento são apresentados ainda os impactos (positivos) dos
Jogos Olímpicos na cidade organizados em “múltiplas” dimensões. Na dimensão
econômica-social destacava-se o papel dos investimentos diretos na cidade como
indutores de efeitos multiplicadores como, por exemplo, à geração de empregos e
redistribuição de renda, além do estímulo ao desenvolvimento de novas atividades e
à inovação tecnológica. Na dimensão “promoção da cidade” destacava-se que a
realização de um grande evento como os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro poderia
melhorar a auto-estima dos brasileiros e a imagem externa da cidade.
Os impactos urbanos, no entanto, são os que ganham maior destaque no
texto do documento, pois seriam aqueles que poderiam ser percebidos mais
rapidamente. Os Jogos Olímpicos eram apontados como um possível agente
catalisador que poderia “realizar em um período de tempo relativamente curto um
conjunto de intervenções indispensáveis para o desenvolvimento econômico e o
estímulo funcional da cidade” (idem).
A estruturação do evento no Rio de Janeiro estava ancorada na
distribuição geográfica das instalações em seis grandes áreas denominadas
genericamente, como “parques olímpicos”, a saber: Fundão, Barra da Tijuca, Lagoa-
Copacabana, Maracanã, Glória-Botafogo e Vila Militar-Campo Grande. Praticamente
todas as competições seriam realizadas no Município do Rio de Janeiro, com
distâncias médias entre os “parques olímpicos” de aproximadamente 21km, com
exceção da prova de canoagem em corredeira que seria realizada no Rio Macaé,
em Lumiar.
No mapa esquemático a seguir estão localizadas as seis grandes áreas
contidas na proposta Rio 2004 e as instalações a serem utilizadas em cada uma
delas.
68
A distribuição de atividades em diferentes partes da cidade: Zona Norte.
Zona Oeste, Zona Sul e Centro enaltecia a integração destas áreas como
possibilidade de criação e/ou reforço de novas centralidades urbanas, o que
segundo o documento consistiria em dar um salto da cidade histórica para a cidade
metropolitana” (ibidem, p. 49). Segundo o documento, a distribuição eqüitativa dos
equipamentos com garantia de acessibilidade a todos os parques afetaria
igualmente zonas opostas da cidade, garantindo assim o “equilíbrio urbano”. A
proposta olímpica, em seus objetivos manifestos, apresentava-se como capaz de
”generalizar os benefícios e estendê-los a todo o tecido urbano” (RBC, 1996, p. 19-
v2).
No documento são apontados dois objetivos que norteariam as escolhas
dos parques olímpicos, a saber: “oferecer um cenário imemorável para a realização
dos Jogos Olímpicos da XXVIII Olimpíada e consolidar o desenvolvimento
estratégico da cidade” (RBC, 1996, p. 59-v1). Pode-se dizer então, que a criação
deste “cenário” para atender às demandas necessárias à realização dos Jogos
estava inserida no conjunto de diretrizes do Plano Estratégico da Cidade do Rio de
Janeiro – PECRJ - elaborado para a cidade.
Figura 05: Mapa esquemático com a localização das principais instalações propostas na candidatura Rio 2004. Fonte:
Danielle Barros, 2008 elaborado sobre Mapa IPP 2007.
69
Considerando as propostas contidas no referido PECRJ e as políticas de
revitalização de áreas centrais que emergiam neste período, a área central histórica
da cidade não poderia ser desconsiderada no projeto. Tanto que no escopo do
projeto era defendida a criação de um “eixo cultural olímpico” que concentraria as
instalações de cunho cultural localizadas entre o centro e a zona sul, de modo que
se operasse um processo de recuperação do patrimônio monumental da área
apesar das mesmas não conterem instalações esportivas ou serem palco de
competições.
Como será visto nesta seção, algumas instalações esportivas
(permanentes e temporárias) presentes nesta proposta, permaneceriam nas
postulações subseqüentes da cidade do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Pan-
Americanos (2007) e Olímpicos (2012). A principal peculiaridade, no entanto, em
relação às outras candidaturas é a concentração de algumas edificações na Ilha do
Fundão, que constituiria o centro nevrálgico dos jogos, onde estavam previstos: o
estádio olímpico, o hospital olímpico, o centro internacional de rádio-televisão -
CIRTV, o centro principal de imprensa – CPI - o centro aquático e, principalmente, a
vila olímpica.
A apropriação futura de alguns equipamentos e readequação de outros
podem ser considerados pontos fortes presentes nesta proposta. Não obstante, a
capacidade de irradiar desenvolvimento a partir da Vila Olímpica também é
enaltecida, assim como sua integração a outros projetos.
O planejamento de um empreendimento do porte de uma Vila Olímpica
gera, ademais, importantes expectativas em relação ao futuro que
certamente induzirão à aceleração dos trabalhos de saneamento e
despoluição das águas da Baía de Guanabara, desse modo assegurando a
visibilidade das sugestões aqui formuladas e a proteção do meio ambiente
(RBC, 1996, p. 245-v3)
.
No documento emitido pelo comitê organizador para postulação de
cidade-candidata aos Jogos Olímpicos foi relatado que a implantação da Vila
Olímpica na Ilha do Fundão seria a consolidação do Plano Geral para a Cidade
Universitária do Brasil, através da criação de uma área residencial para 10.000
estudantes e 300 professores e suas famílias. A densificação e diversificação de
usos na ocupação da sub-utilizada região, assim como sua reurbanização, poderia
70
gerar um processo de revitalização, incorporando-a a “normalidade urbana” (RBC,
1996, p. 19-v2).
Paralelamente à possibilidade de dar continuidade e/ou acelerar a
realização de outros projetos, a segurança também é apontada neste documento
como uma das justificativas para a concentração da Vila Olímpica e dos demais
equipamentos na Ilha do Fundão
.
A vila Olímpica e o núcleo central dos Jogos Olímpicos situam-se em uma
ilha onde torna-se muito fácil o controle de acessos. Facilidade e eficácia
tem sido a norma que, sob o ponto de vista da segurança, tem impulsionado
a seleção de todos os lugares (RBC, 1996, p. 16-v2 – grifo nosso).
Considerando que a Ilha do Fundão é totalmente cercada por favelas,
sobretudo o Complexo da Maré chama a atenção que ao longo de todo o documento
as favelas do Rio de Janeiro não tenham sido citadas. Estas só aparecem no último
volume, em letra miúda, inseridas dentro de um quadro síntese com as principais
intervenções
42
.
O tema da segurança também seria utilizado nas postulações seguintes,
como elemento determinante para justificar a transferência de grande parte dos
equipamentos e da Vila Olímpica para a Barra da Tijuca. Entretanto, cabe ressaltar
que a Barra já vinha adquirindo, neste anteprojeto de candidatura, uma centralidade
construída também no plano das representações. Talvez por ser uma das principais
áreas de expansão da cidade era alvo do que foi chamado de “intervenções
direcionais”, que segundo o documento consistia em realizar intervenções que
qualificassem “positivamente as áreas urbanas em crescimento ou expansão, como
a Vila Militar e a Barra da Tijuca, com equipamentos que precedam os crescimentos
residenciais, de forma que a nova parte da cidade já disponha de serviços e
equipamentos equilibrados e homologáveis em relação ao restante da cidade”
(ibidem, p. 20). Assim, propunha-se para a Barra da Tijuca a localização dos
“centros desportivos mais importantes dos Jogos Olímpicos.
A implantação da Vila Olímpica na Barra da Tijuca, pleiteada nas
candidaturas posteriores, já vinha sendo anunciada nesta postulação. Pois, a
42
Neste quadro são referenciadas as intervenções em favelas que estariam sob responsabilidade da Prefeitura e
deveriam ser realizadas com prioridade máxima: segunda fase de operação de Nova Holanda e João
Nascimento; remoção e assentamento dos moradores da Favela da Ilha do Governador; remoção e
assentamento dos moradores das Favelas da Vila do João e Roquete Pinto; e por último, a urbanização e
atuação nas favelas localizadas na zona olímpica de Jacarepaguá (RBC, 1996, p. 211-v4).
71
construção de conjuntos residenciais para abrigar juízes e árbitros e de uma vila de
imprensa para abrigar 7.500 residentes numa área de 180 ha no entorno do Centro
Metropolitano
43
indica este direcionamento (ibidem, p. 61). No documento era
previsto inclusive, que o crescimento urbano no entorno dos equipamentos
asseguraria a “alta” rentabilidade dos mesmos.
As “operações induzidas” seriam outro tipo de intervenção presente no
anteprojeto de candidatura. Consistiam principalmente, em operações de renovação
urbana de áreas consideradas degradadas e/ou sub-utilizadas que, segundo era
relatado no documento, buscavam criar “novas áreas de excelência com níveis de
qualidade meio-ambiental, desenho urbano, grau de centralidade e acessibilidade
superiores aos da maioria das áreas urbanas existentes” (ibidem, p. 24).
A ampliação e melhoria da acessibilidade à cidade eram estruturais na
proposta de candidatura, uma vez que interligaria os diversos parques olímpicos.
Havia no documento submetido ao COI, referência à construção da Linha Amarela e
à expansão das linhas de metrô para a Lagoa e para a Ilha do Fundão, assim como
melhorias na rede viária. Sendo este um dos principais legados deixados pelos
jogos: a infra-estrutura de transportes!
Em 1998, o Rio de Janeiro foi eliminado da disputa aos Jogos Olímpicos
de 2004. Neste mesmo ano, a cidade do Rio de Janeiro seria convidada pelo COB
para representar o Brasil nas disputas pelos XV Jogos Pan-Americanos. O
insucesso da postulação, entretanto, enterraria definitivamente algumas das
ambiciosas promessas contidas no documento de postulação, como a
reestruturação urbana da Ilha do Fundão. As aspirações seguintes aos Jogos
Olímpicos de 2012 e ao Pan 2007 seguiriam parâmetros razoavelmente diversos de
localização dos equipamentos e escalas de intervenção.
43
O projeto do Centro Metropolitano da Baixada de Jacarepaguá foi proposto por Lúcio Costa, correspondendo a
uma área de quatro milhões metros quadrados. O plano original de Lúcio Costa para o Centro Metropolitano
previa apenas a instalação de comércio, serviço e lazer. No entanto, o decreto 3.046, de 1981, modificou o
gabarito e permitiu construções residenciais. A proposta atual para a área é que a mesma seja ocupada por
prédios de até 35 andares e salas comerciais. Atualmente, metade do terreno, cujo acesso se dá pela Avenida
Abelardo Bueno, pertence à construtora Carvalho Hosken. Enquanto, a outra metade é dividida entre outros
proprietários.
72
2.3.2 - Rio 2007
A experiência acumulada pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro com
a postulação à cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2004 fez com que o COB
convidasse diretamente o Rio de Janeiro em 1998
44
, para concorrer à cidade-sede
dos Jogos Pan Americanos de 2007. E, em 2002, a candidatura da cidade do Rio de
Janeiro é apresentada oficialmente à ODEPA - Organização Desportiva
Panamericana.
A grande novidade do projeto de candidatura ao Pan 2007 em relação à
postulação Rio 2004 consiste na ausência da Ilha do Fundão como Parque Olímpico
e a grande concentração de equipamentos na Barra da Tijuca. Além disso, este
evento ganha destaque por realizar consecutivamente ao XV Jogos Pan Americanos
de 2007, os primeiros Jogos Para-Pan-Americanos da história.
No âmbito desta pesquisa cabe ressaltar inicialmente, a indisponibilidade
de documentos gráficos e textuais referentes à postulação a sede dos XV Jogos
Pan-Americanos
45
. Para a construção desta seção utilizamos como referências o
Dossiê Rio Cidade Candidata (2002) e os relatórios iniciais com os estudos de pré-
viabilidade técnica e econômica dos Jogos Pan-Americanos de 2007 da Fundação
Getúlio Vargas – FGV - (2001) contratados preliminarmente para a elaboração do
dossiê de candidatura.
44
Neste mesmo ano era anunciada a eliminação da cidade do Rio de Janeiro da disputa à cidade sede dos Jogos
Olímpicos de 2004.
45
Os documentos relacionados à candidatura e organização dos Jogos Pan Americanos não estavam disponíveis
na biblioteca do COB. Durante o período da pesquisa, a informação obtida com os bibliotecários responsáveis
era de que os documentos haviam sido recentemente enviados pelo COB necessitando ainda serem catalogados
e disponibilizados ao público. No entanto, cabe também informar que muitos outros documentos relacionados às
outras candidaturas também não foram encontrados na biblioteca. Segundo os bibliotecários os documentos
podem ter sido perdidos durante a mudança de localização da biblioteca.
Figura 06: Símbolo criado para a candidatura do Rio de Janeiro à cidade-sede dos XV Jogos Pan-Americanos. 1) Capa do
Dossiê de Candidatura; 2) Ampliação da Logomarca. Fonte: COB, 2002.
73
No documento elaborado pela FGV (2001) a candidatura à cidade-sede
do Pan-Americano na cidade do Rio de Janeiro é apresentada como um pré-
requisito para a posterior candidatura aos Jogos Olímpicos de 2012. Este fato talvez
explique a semelhança das propostas entre as duas candidaturas, o que será
abordado ao longo destas seções.
Anterior ao Dossiê de Candidatura (2002), este estudo apresenta alguns
dos principais temas, assim como propostas e diretrizes preliminares que deveriam
embasar a construção do Dossiê.
As diretrizes gerais apontadas no documento são: a) dimensionamento
das infra-estruturas desportivas fixadas de acordo com as demandas do Município;
b) possibilidade de negociação das áreas privadas disponíveis, com a contrapartida
da urbanização pública; c) análise das experiências nacionais e internacionais de
candidatura; d) deixar um legado de integração urbana pelo esporte das zonas
menos favorecidas às mais favorecidas da cidade (FGV, 2001 - sem página).
Já a concentração dos eventos em determinados locais estaria
subordinada especificamente à: disponibilidade de áreas; infra-estrutura básica
disponível; programação de recuperação ambiental; níveis aceitáveis de segurança;
posicionamento central em relação à geografia do município; e por último, à
programação de investimentos na melhoria da acessibilidade (FGV, 2001 - sem
página).
Neste sentido, são selecionadas seis “zonas” para a implantação das
instalações do Pan, num raio de 40 km de distância, a saber: Zona 1, Barra da
Tijuca e Jacarepaguá; Zona 2, Campo Grande e Bangu; Zona 3, Vila Militar e
Campo dos Afonsos; Zona 4, Maracanã; Zona 5, Marina da Glória; Zona 6, Lagoa e
Copacabana. No documento também era considerada a utilização de áreas fora da
cidade para a realização das competições de canoagem e futebol, que seriam
chamadas de regiões complementares.
74
No mapa esquemático a seguir estão localizadas as seis zonas propostas
no estudo elaborado pela FGV (2001) e as respectivas instalações presentes em
cada uma das zonas:
Quanto às demais áreas da cidade, chama à atenção a proposta de
construção de um Ginásio na Zona Portuária da cidade para a realização das provas
de basquete, sob responsabilidade da RFSA. Nas Candidaturas Rio 2004 e
subseqüentes – Pan 2007 (dossiê de candidatura) e Rio 2012 – não havia a
proposta de construção de instalações esportivas na área central. Esta representa
uma clara tentativa de imprimir nova dinâmica urbana à área central voltada para o
esporte.
A proposta de realização das partidas de futebol em outras cidades do
país como, Fortaleza, Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Maceió e
Recife também destoam bastante das outras candidaturas.
Em relação aos investimentos em infra-estrutura destaca-se o grande
número de projetos relacionados à melhoria dos transportes e da acessibilidade da
cidade. As principais intervenções presentes no documento são: no sistema
rodoviário propunha a ligação Campo Grande-Fazenda Modelo, a construção do
Figura 07: Mapa esquemático com a localização das principais instalações propostas no estudo elaborado pela FGV (2001)
para a candidatura Rio 2007. Fonte: Danielle Barros, 2008 elaborado sobre Mapa IPP 2007.
75
túnel da Grota Funda e a duplicação da Avenida das Américas; em relação ao
sistema ferroviário era proposta a melhoria do conforto dos vagões; no que diz
respeito ao sistema metroviário, era discutida a implantação da Linha 6 Ilha do
Governador-Cebolão, a transformação da linha C em metrô e a implantação da
Linha 4 (Botafogo-Cebolão) ou o metro mar (Galeão-Porto-Copacabana-Ipanema-
Ayrton Senna).
O Dossiê Rio Cidade Candidata (2002) apesar de bastante superficial,
discorre sobre alguns temas exigidos pela ODEPA e COI lembrando bastante a
abordagem e estruturação presente no anteprojeto da candidatura Rio 2004. Se
comparado ao documento produzido pela FGV (2001), o dossiê apresenta algumas
diferenças significativas no que diz respeito à escala de intervenção bem mais
reduzida.
No mapa esquemático a seguir estão localizadas as cinco áreas
propostas no Dossiê de Candidatura (2002) e as respectivas instalações presentes
em cada uma das áreas:
Figura 08: Mapa esquemático com a localização das principais instalações propostas no Dossiê de Candidatura aos XV Jogos
Pan-Americanos (2002). Fonte: Danielle Barros, 2008 elaborado sobre Mapa IPP 2007.
76
Algumas modificações no projeto frente à proposta inicial da FGV (2001)
chamam a atenção como: as modificações no Parque Olímpico do Autódromo
Nelson Piquet, a retirada da proposta de construção da Vila dos árbitros e da
imprensa, além do aproveitamento de grande parte das edificações desportivas
existentes na cidade sendo necessário apenas a construção de 5 grandes
equipamentos, curiosamente, mantinha-se a concentração de todos os novos
equipamentos necessários para a realização dos Jogos na Barra da Tijuca (4 deles
localizados no Complexo do Autódromo e a Vila Pan-americana a 3km de distância
do mesmo).
A respeito da infra-estrutura de transporte alguns projetos são citados no
documento, ainda que de forma bastante superficial. Para o sistema viário aponta a
necessidade de se construir o Anel Viário, a Via Light, a Conexão Barra da Tijuca e
Lagoa Rodrigo de Freitas, e por fim a estrada RJ-109 (todos os projetos
apresentados em tópicos sem maiores detalhes). No sistema ferroviário, cita o
processo de melhoria e modernização dos trens metropolitanos
46
. E por fim, no
sistema metroviário permanecem as mesmas propostas das candidaturas anteriores:
a construção das linhas Botafogo-Barra da Tijuca e Aeroporto Internacional-
Jacarepaguá-Barra da Tijuca.
O projeto do Pan 2007 que foi realmente executado não é o mesmo
descrito no Dossiê de Candidatura apresentado em 2002. Muitas modificações
ocorreram nos projetos, nas propostas de localização, no legado para a cidade (em
todas as dimensões) e, principalmente, no ônus que os Jogos significariam para a
cidade.
2.3.3 - Rio 2012
Considerando as poucas informações oficiais disponíveis em relação à
candidatura da cidade do Rio de Janeiro à cidade-sede dos Jogos Pan Americanos
2007, a análise da postulação aos Jogos Olímpicos 2012 talvez possa elucidar com
mais clareza a proposta elaborada para a realização do Pan 2007, uma vez que a
proposta Rio 2012 baseava-se fortemente na organização prevista para os Jogos
Pan-americanos.
46
Este projeto na época do Dossiê de Candidatura já estava em andamento, sendo financiado pelo Banco
Mundial – BID.
77
Para a construção desta seção utilizamos como referências: o Folder “Rio
2012 Cidade Postulante” (2003), o Documento “Rio de Janeiro Cidade Postulante
Jogos Olímpicos 2012” (2003), composto por três volumes, e o Documento “RIO
2012: Candidature Olympique de Rio de Janeiro” (2004).
A candidatura aos Jogos Olímpicos de
2012 possui uma peculiaridade quando comparada
às outras candidaturas brasileiras. É a primeira vez
que o Comitê Olímpico Brasileiro solicita ao Comitê
Olímpico Internacional, um seminário para que o
processo de candidatura aos Jogos Olímpicos fosse
explicado antes que as cidades brasileiras
efetivamente se candidatassem
47
.
O seminário, realizado em março de
2002, contou com a participação de representantes
de diversas cidades brasileiras interessadas em
sediar os Jogos e especialistas em assuntos como
marketing, economia e mídia esportiva que
participaram, em sua grande maioria, da
organização dos Jogos Olímpicos de Sydney 2000.
Além de clarificar o processo de candidatura, o
seminário serviu como evento preparatório para a
elaboração da candidatura aos Jogos Olímpicos de
2012, pois, como aponta Nuzman (2002), o evento
ajudou o COB a definir o caderno de encargos que
deveria ser observado e/ou seguido pelas cidades
que pretendessem receber eventos de grande porte.
Durante a realização deste seminário, seis cidades brasileiras
demonstraram interesse em sediar os Jogos Olímpicos de 2012: Brasília, Curitiba,
Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo e Rio de Janeiro. Ao fim do seminário,
47
Segundo Carlos Arthur Nuzman (2002), presidente do COB, tal iniciativa serviria para as cidades
compreenderem a complexidade de se realizar um grande evento esportivo como esse, pois segundo ele, os
“Jogos Olímpicos não são uma aventura”, demandam investimentos muito altos e compromisso político-
financeiro com a realização do evento (Jornal Lance, Caderno Especial - p.3. 22/03/2002).
Figura 09: Logomarca criada para a
candidatura Rio 2012. Fonte: COB, 2003.
78
somente as duas últimas cidades aqui mencionadas mantiveram o desejo de se
candidatar aos Jogos Olímpicos, iniciando uma disputa acirrada entre as mesmas.
Em janeiro de 2003, aconteceu o seminário “Cidades Brasileiras
Postulantes aos Jogos Olímpicos de 2012”, onde os projetos das duas cidades
postulantes foram apresentados oficialmente. Para este seminário foi produzido um
caderno sobre a postulação Rio-2012, no qual César Maia afirma na página de
apresentação que o mais importante nesse processo de candidatura “é a escolha da
cidade mais competitiva que nos leve à vitória”. Todavia, cabe ressaltar que a cidade
mais competitiva, segundo o próprio César Maia, é a cidade do Rio de Janeiro uma
vez que:
O fato da cidade ter sido candidata anteriormente é importante para saber o
que são as olimpíadas e que papel jogam. Os erros numa disputa são
superados na outra. O Rio foi cidade-candidata para as olimpíadas de 2004.
[...] Aprendemos e nos capacitamos a tornar a candidatura do Rio
competitiva em quaisquer tipos de eventos esportivos internacionais. O
COB acompanhou de perto este amadurecimento. E por isso mesmo não
teve dúvida ao evitar disputas pré-desgastantes quando chegou o momento
de escolher a sede dos Jogos Pan-Americanos 2007. Convidou diretamente
a cidade do Rio de Janeiro” (Comitê de Candidatura RIO 2012- Folder,
2003, p. 02-03 – grifo nosso)
Um dos pontos fortes desde o início da campanha da cidade do Rio de
Janeiro à cidade-sede foi sua experiência em sediar grandes eventos como a Eco-
92, o Encontro de Comitês Olímpicos Nacionais, em 2000
48
e a futura realização dos
Jogos Pan-Americanos Rio 2007. Juntamente com a experiência carioca em
organizar e sediar grandes eventos, eram enunciados os ganhos que os Jogos
teriam caso fossem sediados na cidade do Rio de Janeiro, como: a garantia dos
investimentos, a tecnologia de ponta do Rio de Janeiro (focada especificamente no
sistema de telecomunicações), a solidariedade dos cariocas, o transporte e meio
ambiente, e, finalmente, a garantia de um atendimento médico de porte.
Em contrapartida, no documento também eram listados os ganhos
positivos que a cidade conseguiria sediando os Jogos Olímpicos de 2012, a saber:
cultura ambiental, transporte público, reestruturação urbana, educação e esportes e,
por último, crescimento econômico e social.
48
Jornal Lance, Caderno Especial - p.3. 22/03/2002.
79
César Maia relatava também neste documento que a escolha da cidade
do Rio de Janeiro pelo COI para receber a tocha olímpica entre as 3 cidades que
não sediaram os jogos olímpicos indicava “uma clara insinuação de que [a cidade]
teria grandes chances de o ser” (Comitê de Candidatura RIO 2012- Folder, 2003, p.
03).
Tendo em vista todos esses elementos que a cidade do Rio de Janeiro
tinha a oferecer como sede dos Jogos Olímpicos Rio 2012, somado a escolha da
cidade pelo COI para receber a tocha olímpica; o Rio de Janeiro seria, com certeza,
a “cidade mais competitiva” na disputa pelos Jogos! E foi! Em julho de 2003, a
cidade foi eleita aspirante aos Jogos Olímpicos de 2012 na Assembléia do COB
recebendo 23 votos contra os 10 votos recebidos por São Paulo, além de 1 voto em
branco.
Esta “vitória
49
”, antevista por César Maia, é atribuída a dois motivos: ao
fato da Prefeitura do Rio de Janeiro ter conseguido formar uma parceria com o COB
para a construção do documento de candidatura e pela localização da maioria dos
equipamentos desportivos, na Barra da Tijuca. Curiosamente, como na candidatura
de 2004, a justificativa de localização estava construída também sobre o tema da
segurança, sendo conceituado neste documento como “segurança unificada”.
Sob o comando do COB em nossa cidade foi produzindo um documento
que reunia mais do que projetos e valores fáceis de serem colocados no
papel. Reunia argumentos. Um deles, a facilidade de decidir com 2 atores
básicos e suficientes: o COB e a Prefeitura. Outro a localização: à Barra da
Tijuca. Quem ouviu a defesa do Rio pode ter estranhado quando o tema
segurança pública foi um dos escolhidos para justificar a escolha da sede
do Pan 2007. Foi mostrada a Barra da Tijuca em suas dimensões, uma área
plana facilmente controlável, com poucas vias de acesso e com visibilidade
ampla do alto, através de vôos eletrônicos monitorados ou diretos. E com
taxas de criminalidade similares a qualquer cidade do mundo desenvolvido
(Comitê de Candidatura RIO 2012- Folder, 2003, p. 02-03).
Mantendo muitas das propostas de utilização de equipamentos já
existentes na cidade e propostos no Dossiê de Candidatura aos Jogos Pan
Americanos de 2007, chamam a atenção a inserção de algumas áreas novas e a
retirada de outras como: a retirada de grande parte dos estádios; a utilização do
Morro do Outeiro e do Complexo Rio Water Planet que não constavam em
nenhuma das candidaturas anteriores, sendo este último relevante por evitar a
49
Durante a elaboração deste documento, ainda não havia sido anunciada a cidade que representaria o Brasil na
candidatura olímpica.
80
realização de provas fora da cidade; e, por fim, a transferência do estádio de
atletismo do Complexo do Autódromo para o bairro de Engenho de Dentro na Zona
Norte do Rio, que, segundo o documento de postulação, seria um equipamento
indutor da renovação urbana na região. A Vila Pan-americana permaneceria
localizada na Barra da Tijuca
50
.
No mapa esquemático a seguir estão localizadas as áreas propostas na
candidatura Rio 2012 e as respectivas instalações presentes em cada uma das
áreas.
Essa proposta de localização e utilização dos equipamentos desportivos é
a que mais se assemelha ao Projeto do Pan 2007 realmente executado. Daí a
importância de se estudar esta candidatura com mais cuidado, visto a
indisponibilidade de material oficial referente à candidatura aos Jogos Pan-
americanos.
O documento “Rio de Janeiro Cidade Postulante Jogos Olímpicos 2012”
(2003), segue uma estrutura padrão, comum às outras candidaturas já analisadas.
Esta estrutura, onde são listados alguns dos elementos analisados pelo comitê de
50
Sendo implantada num terreno de 480.000 m² com dimensões de 580m x 500m, ocupando uma área de
290.000 m², com capacidade para 15.360 pessoas distribuídas em 48 edifícios de apartamentos com 10 andares
mais pavimento térreo, sendo 4 apartamentos por andar (com capacidade para 8 pessoas cada apartamento).
Figura 10: Mapa esquemático com a localização das principais instalações propostas na candidatura do Rio de Janeiro a
cidade-se sede dos Jogos Olímpicos de 2004. Fonte: Danielle Barros, 2008 elaborado sobre Mapa IPP 2007.
81
avaliação do COI, está baseada num documento produzido pelo próprio COI e no
documento construído pelo COB a partir das discussões ocorridas no Seminário
sobre os Jogos Olímpicos realizado em 2002 abordando o procedimento olímpico de
candidatura.
O apoio aos Jogos, quase sempre, é um dos primeiros temas a serem
abordados nesses documentos de candidatura. Para esta postulação
especificamente, foi realizada uma pesquisa qualitativa de opinião
51
pelo Comitê de
Candidatura Rio 2012, referente ao apoio da população à candidatura olímpica.
Foram ressaltados os seguintes pontos como consensuais:
1. Na adequação da cidade para receber /comportar uma Olimpíada, o que
representa ganhos em termos de infra-estrutura. Tais como saneamento,
transporte, segurança, limpeza, iluminação, etc.
2. No aspecto que envolve os eventos esportivos propriamente ditos:
construção de novos estádios, vilas olímpicas, hotéis.
3. Além de estimular a remodelagem da cidade com projetos e obras de
caráter permanente, os Jogos Olímpicos também vão incentivar o turismo e
a geração de inúmeros empregos (Comitê de Candidatura RIO 2012-
Documento, 2003, p. 19- v1).
No documento também é ressaltada a importância da realização das
Olimpíadas na cidade para a promoção do projeto político da Prefeitura de
democratização dos esportes, resultando no que foi reconhecido como um legado
social para cidade. Além da promoção social, o esporte também é encarado nesta
candidatura como um veículo para o desenvolvimento urbano. Neste sentido, a
decisão da construção do Complexo Olímpico na Barra da Tijuca é justificada da
seguinte forma:
A decisão de construir um moderno complexo Olímpico na Barra da Tijuca é
prova inequívoca do compromisso e da estratégia do governo municipal que
privilegia o esporte como veículo de promoção social inserido no processo
de desenvolvimento urbano da cidade. A proposta do governo municipal é
fomentar investimentos públicos e privados nesta área de expansão da
cidade, fazendo com que esses eventos se tornem um vetor de estímulo ao
planejamento integrado do uso do solo e à melhoria das condições
ambientais, de transporte público e de infra-estrutura esportiva (Comitê de
Candidatura RIO 2012- Documento, 2003, p. 21- v1).
A questão da difusão de uma imagem positiva da cidade e da
possibilidade de atração de investimentos para o Rio também aparece de forma
51
Discussões em grupos realizadas num total de 8 reuniões. No documento, no entanto, não foi citado o número
de participantes destas reuniões, sendo somente informado que os moradores provinham de diferentes partes da
cidade.
82
recorrente no documento. A organização dos jogos olímpicos é colocada como uma
oportunidade única de difundir,em escala mundial, a imagem da cidade do Rio, do
seu Estado e do Brasil, apresentando suas belezas naturais, sua riqueza cultural e
sua excelência em organização de eventos desta envergadura” (Comitê de
Candidatura RIO 2012- Documento, 2003, p. 22 –v1) representando “tanto para o
município do Rio de Janeiro como para o Brasil, novas oportunidades de negócios e
importantes investimentos em políticas públicas” (ibidem, 2003, p. 84).
Dentre alguns projetos que poderiam ser implementados a partir da
realização dos Jogos Olímpicos eram destacados na área ambiental: a despoluição
da Baía de Guanabara - PDBG; a galeria de cintura da Lagoa Rodrigo de Freitas; a
recuperação do emissário submarino de Ipanema; o sistema de esgotamento
sanitário na região da Barra da Tijuca e Jacarepaguá; e, por fim, o sistema de
esgotamento sanitário nos bairros do Recreio dos Bandeirantes, Vargem Grande e
Vargem Pequena.
E, no que diz respeito às obras de infra-estrutura de transporte, as
principais intervenções explicitadas no documento seriam: a expansão do metrô
através da ligação Botafogo-Barra da Tijuca e Galeão-Barra da Tijuca; a implantação
de um sistema de bondes na área central (na época da postulação o estudo de
viabilidade do projeto estava em fase de licitação); melhoria das estradas e ferrovias
da cidade; e, por fim, a ligação hidroviária entre os aeroportos do Galeão e Santos
Dumont, e Praça XV-Barra da Tijuca, além da instalação de uma estação hidroviária
em frente ao terminal rodoviário Novo Rio.
O tema da proteção ambiental destacava uma série de projetos para
programas ambientais e de proteção ambiental, sobretudo a proposta dos eco-
limites
52
. Ressalte-se, único ponto da candidatura onde é abordada, ainda que
superficialmente, a questão das ocupações informais e seu crescimento
desordenado. Como impactos ambientais positivos dos Jogos Olímpicos na cidade
do Rio de Janeiro são destacados alguns pontos sendo que muitos deles fogem da
questão propriamente ambiental:
52
Em julho de 2001, a prefeitura iniciou um programa de instalação de delimitadores (trilhos de ferro interligados
por cabos de aço) para impedir que as favelas continuassem a se expandir sobre áreas verdes. Até então, os
delimitadores eram postos apenas em áreas do Favela-Bairro. Batizadas de Eco-Limites pelo então secretário
municipal de Meio Ambiente e idealizador do projeto Eduardo Paes, as primeiras cercas foram instaladas na
Rocinha.
83
1. Geração de empregos em áreas de construção civil, comunicação,
informática, serviços, comércio e esportes.
2. Requalificação de áreas da cidade, com melhoramento da infra-estrutura
esportiva, de transportes, habitação, segurança, saúde, comunicações e
saneamento.
3. Revitalização de áreas protegidas, áreas ajardinadas e praças.
4. Desenvolvimento de oportunidades para o aprimoramento de novas
tecnologias voltadas para o desenvolvimento sustentável.
5. Aumento da auto-estima do cidadão carioca, o que se traduziria no
desenvolvimento de uma cultura de preservação do patrimônio natural e
cultural da cidade, assim como a manutenção da limpeza de áreas públicas
(Comitê de Candidatura RIO 2012- Documento, 2003, p. 53- v1).
A realização dos Jogos Pan-americanos na cidade do Rio de Janeiro era
considerada pelos promotores da candidatura como uma “vantagem competitiva”
para a cidade. Pois o legado adquirido com a realização dos Jogos Pan Americanos
reduziria significativamente os investimentos necessários para a organização e
realização dos Jogos Olímpicos.
A candidatura aos Jogos Olímpicos Rio 2012 foi mais um fracasso na
empreitada da cidade do Rio de Janeiro em sediar um grande evento esportivo da
magnitude de uma Olimpíada. A cidade não teve sua candidatura aceita pelo COI
para integrar o grupo de cidades candidatas, sendo eliminada logo na primeira fase
em maio de 2004, indicando a permanência das fragilidades contidas nos projetos
anteriores, no que diz respeito à segurança, infra-estrutura desportiva e de
transportes.
2.4 – RIO 2007: o projeto executado sobre a ótica das candidaturas e propostas
anteriores
O projeto para os Jogos Pan-Americanos Rio 2007, ao longo do tempo,
foi se assemelhando à candidatura olímpica Rio 2012 como visto na seção anterior.
O evento passou a ser encarado como um passaporte para a cidade do Rio de
Janeiro sediar os Jogos Olímpicos de 2012.
Figura 11: 1) Logomarca criada para os Jogos Pan-Americanos Rio 2007; 2) A logomarca nas ruas; 3) César Maia no carnaval
de 2007 ao lado da mascote dos Jogos, o solzinho Cauê; 4) Tema dos Jogos Pan-Americanos Rio 2007. Fonte: Montagem
Danielle Barros, 2008 com imagens disponibilizadas na internet.
84
O discurso construído para a legitimação do evento e seus projetos
valorizava em grande medida os legados que os jogos trariam para a cidade,
principalmente os referentes às melhorias viárias.
Pode-se dizer então, que as propostas feitas no Dossiê de Candidatura
(2002) para os Jogos Pan-Americanos foram sendo alteradas de forma que o ”Pan
do Rio” crescesse em escala (o que significou também ampliação dos custos) para
alcançar o consenso em torno dos benefícios advindos com o evento e tivesse mais
chance na candidatura para as Olimpíadas de 2012.
Assim, os equipamentos construídos e utilizados nos Jogos Rio 2007
foram praticamente os mesmos propostos na candidatura de 2012, distribuídos em
quatro grandes áreas: Barra da Tijuca, Maracanã, Pão de Açúcar e Deodoro. Como
pode ser visto no mapa a seguir:
Figura 12: Mapa esquemático com a localização das principais instalações propostas nona candidatura Rio 2012 Note-se a
semelhança com o projeto executado no Pan 2007. Fonte: Danielle Barros, 2008 elaborado sobre Mapa IPP 2007.
85
No que diz respeito às obras de infra-estrutura de transporte, as principais
intervenções explicitadas durante o processo de implementação do Pan foram: a
expansão do metrô com as ligações Botafogo-Barra da Tijuca e Galeão-Barra da
Tijuca; a implantação do veículo leve sobre trilhos (VLT), o chamado Transpan; o
alargamento das avenidas das Américas, Ayrton Senna e Salvador Allende; a
duplicação da auto-estrada Lagoa-Barra; o anel viário; a abertura do túnel da Grota
Funda e a melhoria das estradas e ferrovias da cidade.
Ao perceberem que a questão viária era um tema que sensibilizava e
mobilizava a população os promotores do evento passaram a divulgar este conjunto
de propostas para a melhoria do sistema de transportes que teriam sua instalação
acelerada em função da realização dos Jogos Pan-Americanos. Foram executadas
efetivamente as obras de ampliação da avenida Salvador Allende, o anel viário na
Barra da Tijuca, próximo à Vila Pa-Americana e a melhoria da estação ferroviária do
bairro de Engenho de Dentro. Ao fim do evento, a população teve que se contentar
apenas com corredores especiais para o transporte da família pan-americana e com
o bom-senso da população para utilizar os transportes públicos durante os 15 dias
do evento, para evitar “o caos no trânsito”, que profeticamente era anunciado pelos
estudiosos do assunto e que acabou não acontecendo.
Figura 13: Mapa esquemático com a localização das principais instalações utilizadas e/ou construídas para os Jogos Pan-
Americanos, Rio 2007. Fonte: Danielle Barros, 2008 elaborado sobre Mapa IPP 2007.
86
O legado social foi um outro tema valorizado pelos promotores do evento
sendo a Agenda Social um dos seus principais símbolos. A Agenda Social consistia
em uma série de 43 metas sociais a serem alcançadas até 2007, divididas em 6
grandes eixos: Crianças e Adolescentes, Jovens, Idosos, Mulheres e Gênero,
Portadores de Deficiência e População em extremo risco social, além dos programas
sociais propostos como os guias cívicos e o projeto medalha de ouro. Ao longo do
processo de implementação do Pan, a Agenda Social foi reduzida a um conjunto de
14 metas e muito pouco do que estava proposto foi realizado. Considerando que
faltaram verbas para a finalização das obras, o que dizer então para os projetos
sociais que não possuíam a mesma visibilidade de uma obra arquitetônica?
Orçado inicialmente em aproximadamente 696 milhões de reais, os
custos do Pan também foram objeto de muitas alterações ao longo do processo de
implementação dos Jogos. Os custos saltaram para aproximadamente 3,8 bilhões
de reais, incluído neste valor os investimentos das três esferas de governo.
Objetivamente, a realização do Pan-Americano na cidade do Rio de
Janeiro foi repleta de contradições. O período que antecedeu a realização dos
Jogos foi marcado pelo atraso na finalização das obras, pela falta de verbas (tendo
em vista o estouro do orçamento previsto), pelas disputas jurídicas e políticas (em
torno das concessões de uso, consórcios, financiamentos, “paternidade” dos
projetos, etc.) pela privatização de espaços públicos, dentre outras questões. E,
durante o Pan, podem ser citados os problemas ocorridos com os ingressos (que
não foram entregues no prazo e a existência de ingressos repetidos) e em algumas
das instalações temporárias como no Morro do Outeiro e na Cidade do Rock. Neste
último, por exemplo, algumas competições tiveram que ser canceladas pela total
inviabilidade de uso da estrutura após uma chuva ocorrida na cidade.
O objetivo desta seção, no entanto, não é descrever as características de
todos os equipamentos construídos e/ou utilizados no pan-americano e seus
problemas. O objetivo aqui, é apresentar alguns desses “desvios” que ocorreram ao
longo da implementação do projeto tendo em vista as candidaturas e propostas
anteriores. As contradições na execução de alguns dos projetos e seus respectivos
conflitos serão desenvolvidos com mais detalhe no capítulo 3.
Resumidamente apresenta-se este quadro síntese com as principais
propostas feitas nas diferentes candidaturas e o que foi realmente executado para o
87
Pan. De modo, objetiva-se que as diferenças e semelhanças presentes nas diversas
candidaturas possam ser percebidas com mais facilidade. Assim o quadro consta de
uma coluna referente às instalações esportivas a serem utilizadas e construídas em
cada área da cidade para que fossem perceptíveis as variações de concentração, as
propostas relacionadas à acessibilidade, os custos do evento subdivididos em
investimentos gerais e em infra-estrutura esportiva
53
.
53
Os valores foram atualizados para o mês de julho de 2007 e convertidos em reais (IPEADATA).
Figura 13: Quadro Comparativo com alguns itens das candidaturas da cidade do Rio de Janeiro a cidade-sede de grandes
eventos esportivos e o projeto do Pan, realmente executado. Observe-se que todos os valores referentes a custos foram
atualizados para o mês de julho de 2007. Fonte: Danielle Barros, 2008.
88
2.5 - Considerações Parciais
Neste capítulo procurou-se demonstrar a apropriação dos eventos
esportivos pela indústria do entretenimento e sua transformação na “mercadoria
grande evento”. Convertidos em “espetáculos esportivos”, universalmente
comercializáveis, estes acabam se tornando um importante elemento para a
afirmação do chamado “empresariamento urbano”.
O trabalho identifica o marco dessa transição do “evento esportivo” em
“espetáculo esportivo” nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984), que ficaram
amplamente conhecidos como os “Jogos Capitalistas” pelo seu caráter
extremamente empresarial de gerência e organização. Assim, grandes projetos
urbanos e arquitetônicos, parcerias público-privadas e um agressivo marketing
urbano associados à realização do mega-evento esportivo passam a fazer parte das
políticas públicas na década de 90, assumindo um importante papel nas agendas
“pró-desenvolvimento” dos governos municipais.
Por seu lado, a inserção do “grande evento esportivo” na agenda
municipal do Rio de Janeiro é paralela à história política do prefeito César Maia na
administração da cidade como também à afirmação de um novo ideário e de um
novo modelo de política urbana. A elaboração dos Planos Estratégicos I e II da
Cidade insere, definitivamente, o tema dos grandes eventos, em particular os Jogos
Olímpicos, na agenda pública municipal, como uma das principais estratégias para
se alcançar o desenvolvimento urbano, econômico e social da cidade segundo uma
pauta claramente neoliberal de tratamento das questões urbanas, econômicas,
sociais e ambientais.
Contando com diversas consultorias internacionais a Prefeitura dá início à
corrida pelos Jogos tentando sediar os Jogos Olímpicos de 2004, 2012 e
conseguindo finalmente, sediar os Jogos Pan Americanos de 2007.
Neste capítulo procurou-se descrever e analisar as diferentes
candidaturas no que diz respeito as propostas de equipamentos e localização,
assim como o discurso oficial presente nas diferentes documentações consultadas,
principalmente no que diz respeito aos legados, de modo que fosse possível
perceber ao se comparar as três candidaturas, as principais alterações de partido e
89
propostas referentes a cada candidatura e, sobretudo, as influências das mesmas
no projeto do Pan 2007 (realmente executado).
No terceiro capítulo procurar-se-á explicitar como alguns “acontecimentos”
e “não-acontecimentos” relacionados ao Pan contribuíram para a emergência de
alguns dos principais conflitos ocorridos durante o período de organização e
realização dos Jogos.
E, no quarto capítulo, será abordado o campo de disputas argumentativas
em torno do legado construído entre os atores vinculados à afirmação/adesão aos
Jogos, aqueles identificados com a adesão crítica ao evento e aqueles que
construíram mais diretamente a resistência ao evento.
90
Capítulo 3
Apresentação
Citadino é aquele que mora na cidade, cidadão é aquele que investe na cidade
enquanto espaço de sua constituição como ator político. Então, bem-vindo o
conflito (VAINER, 2007
54
).
Propõe-se neste capítulo identificar os principais conflitos que emergiram na
cidade do Rio de Janeiro em função da realização dos Jogos Pan-Americanos, da
perspectiva de análise de processos, de modo que seja possível identificar os grupos
que questionaram a legitimidade do projeto e os principais elementos geradores do
conflito.
Efetivamente, apesar de todas as anunciadas conquistas resultantes da
organização dos Jogos, verifica-se que muito pouco do que foi apresentado no Dossiê
de Candidatura como “legado” para os cidadãos foi executado. Analisando o legado do
Pan 2007, acredita-se que as promessas de campanha tiveram antes, e talvez
unicamente, o objetivo de garantir o sucesso da candidatura para sediar o evento do
que qualquer intenção real de promover uma “regeneração urbana” e uma “melhor
qualidade de vida” na cidade, como foi reiteradamente anunciado. E, talvez, esta
desproporção entre promessas e realizações esteja na origem de alguns conflitos
relacionados ao evento.
A elaboração deste capítulo parte de uma abordagem que considera os
Jogos Pan-Americanos simultaneamente como um grande evento esportivo e um
grande projeto urbano, inserido dentro de uma agenda política voltada para uma gestão
que se pretendeu estratégica da cidade, isto é, baseada na expectativa de
aproveitamento das oportunidades que tal evento supostamente traria para a cidade.
Acredita-se que este tipo de gestão, associada aos principais elementos que a
caracterizam – parcerias público privadas, grandes projetos, a legitimação do
consenso
55
possa ter relação direta com os conflitos urbanos que se pode associar ao
Pan 2007. Tais conflitos, como se verá, parecem estar orientados mais a uma crítica ao
54
Em entrevista à revista Lowndes (2007).
55
Cf. Capítulo I.
91
tipo de planejamento e projeto urbano realizados na cidade do que propriamente à
negação do evento esportivo.
3- O PAN 2007 E OS CONFLITOS URBANOS
3.1 – Determinando as prioridades institucionais
[...] convertem as melhores intenções no seu avesso, realizando, não por
desvio mas por finalidade interna, o contrário do que prometiam (ARANTES,
2000, p. 11).
Quando a cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como sede dos XV Jogos
Pan-Americanos, muito foi dito sobre os benefícios sociais, econômicos, ambientais,
esportivos e culturais que o evento traria para a cidade. A campanha Rio 2007, cada
vez mais, ia se assemelhando à proposta feita para as Olimpíadas Rio 2012, ampliando
a magnitude das intervenções. O Pan do Rio de Janeiro, pelo menos no plano
discursivo, ganhava a dimensão de uma Olimpíada.
Os Jogos foram sendo anunciados como uma oportunidade única para a
cidade do Rio de Janeiro mostrar sua capacidade de organizar grandes eventos com
“eficiência” e, ainda por cima, obter efetivos retornos. Os jogos proporcionariam,
segundo os promotores do evento, a melhora da infra-estrutura urbana e da imagem da
cidade. Poderia até mesmo, caso o evento fosse bem sucedido, “ganhar o passaporte”
para sediar uma olimpíada. O Rio de Janeiro, na representação da crise relacionada à
violência, à desordem urbana, às favelas, poderia, com os Jogos, mudar sua imagem
tanto interna quanto externa, tendo sempre como referência os casos “bem sucedidos”
de Barcelona e Sydney.
Findo o Pan 2007, os legados efetivos foram bastante reduzidos. Os ganhos
com infra-estrutura urbana, os projetos sociais, a valorização da prática esportiva,
dentre tantas propostas, foram simplesmente relegados a segundo plano, ou deixados
totalmente de lado.
Diante desta constatação, uma questão vem à tona: o que fez com que
certas escolhas tenham sido reorientadas?
O tipo de planejamento urbano realizado na cidade do Rio de Janeiro e sua
gestão dita estratégica talvez possam explicar tal reorientação. Os elementos e
92
reflexões alinhadas no primeiro capítulo podem, agora, ajudar a ler o que se passou
com os XV Jogos Pan-Americanos, realizados na cidade do Rio de Janeiro.
Uma das primeiras características referente ao modelo estratégico é a gestão
da cidade como uma empresa. A cidade, neste contexto, é vista como um espaço sem
conflitos, cuja função é garantir antes de tudo, o lucro de seus proprietários. A cidade,
no entanto, não tem um único dono. A cidade possui uma gama imensa de “acionistas”
distintos, cujos interesses também são distintos e que deveriam ser atendidos,
respeitando os princípios da constituição de uma cidade justa e igualitária, onde os
ganhos, em termos de benefícios da urbanização, são disputados.
Na cidade gerida como empresa, os interesses dos parceiros privados quase
sempre se opõem aos interesses da coletividade. São feitas concessões,
flexibilizações, supressões em favor desses parceiros. “Ao invés de respeitar as regras,
ele impõe regras” (VAINER, 2007
A
). Resultam daí as principais críticas às parcerias
público-privadas e sua relação com a produção do espaço urbano. Críticas estas que
são reforçadas quando se analisam os elementos motivadores dos principais conflitos
relacionados aos Jogos na cidade do Rio de Janeiro. Grande parte dos equipamentos
foi construída mediante estas parcerias e, em outras situações, totalmente com dinheiro
público para logo depois serem privatizados.
De acordo com Vainer (2007), Novais Lima et al (2007), Sánchez (2003) e
Mascarenhas (2006;2007) este modelo de atração de investimentos por meio de
grandes eventos/projetos, baseado na parceria público-privado, acaba concentrando
em alguns pontos da cidade os benefícios urbanos. As intervenções no espaço urbano
tendem a ter um caráter pontual, assim como os possíveis efeitos positivos sobre as
configurações sócio-espaciais. Coerente à sua lógica, o setor privado não costuma se
interessar por investir em projetos de baixa ou nenhuma rentabilidade. Esta tendência
se explicitou no modo como foi direcionada a maioria dos projetos ligados ao Pan no
Rio de Janeiro. Embora alguns dos locais de prática esportiva do evento tenham sido
situados na zona oeste e na zona norte, ficou clara a concentração de investimentos
em áreas historicamente privilegiadas pelos investimentos públicos como a Barra da
Tijuca.
93
Estas ações pontuais, pouco articuladas e concentradas territorialmente
acabam, muitas vezes, desencadeando conflitos. E, nos Jogos Pan-Americanos do Rio,
não foi diferente: na Vila Olímpica, no Estádio de Remo, na Marina da Glória, no
Estádio Olímpico, no Complexo do Autódromo, dentre outros que serão tratados mais à
frente.
Daí a importância do consenso e da difusão do legado, na legitimação destes
grandes eventos, de modo a fazer com que interesses distintos apareçam como
interesses comuns. Efetivamente, mediante a difusão da idéia de um grande legado
para um “todos” – não muito definido -, os cidadãos “apoiaram” a idéia do Pan 2007.
Além de fortalecer os laços de solidariedade e cooperação entre as nações, os
Jogos Pan-Americanos trazem consigo uma oportunidade ímpar para o
desenvolvimento econômico e social do nosso país. Todas as obras de infra-
estrutura que estão sendo feitas no Rio de Janeiro ficarão como um importante
legado para o nosso país, colocando o Brasil de vez na rota dos grandes
eventos esportivos (MINISTÉRIO DOS ESPORTES, 2006 – grifo nosso).
Neste discurso, as obras de infra-estrutura são as que ganharam relevância,
seguidas pela questão da inclusão social e da valorização do esporte. As melhorias no
transporte, especialmente com a implantação da Linha 4 do Metrô, que ligaria a Zona
Oeste à Zona Sul, tão valorizadas durante a campanha, não saíram do papel e se
tornaram mais uma promessa não cumprida.
A valorização da prática esportiva e dos atletas também foi uma grande
promessa da campanha Pan 2007. O que se viu, no entanto, foi um grande número de
esportistas permanecendo sem patrocínio e investimentos. Houve protestos por parte
de alguns atletas tanto antes como durante o evento. O ganho esportivo, ao que
parece, foi apenas uma metáfora utilizada para sensibilizar “alguns corações”. Os
investimentos em equipamentos esportivos, centros de treinamento, vilas olímpicas
foram bastante questionados. Estes mesmos equipamentos esportivos, onde foram
investidos alguns milhões de reais, estão, atualmente, ameaçados de terem seu uso
alterado para atividades mais lucrativas do que as atividades esportivas
56
. Esse é o
56
“O velódromo que usou madeira da Sibéria pode ser transformado em casa de shows. O governador do Rio,
Sérgio Cabral, já apresentou o projeto de demolir o tradicional parque Julio Delamare, que recebeu as partidas de
pólo aquático. A idéia também colocaria abaixo o estádio de atletismo Célio de Barros - ambos fazem parte do
Complexo do Maracanã, como o ginásio Maracanãzinho. ’Esses espaços não são tombados e podem ser
94
caso do Velódromo
57
, do Parque Maria Lenck, da arena multiuso. Não obstante, outros
equipamentos que foram utilizados no Pan já eram privatizados antes do evento,
havendo conflitos em torno do seu uso, distante do projeto de atender a uma
determinada prática esportiva; e mais próximo de serem convertidos em grandes
shoppings localizados em áreas valorizadas da cidade.
As vilas olímpicas, grande trunfo para o processo de inclusão social por
meio do esporte, também tiveram seu número bastante reduzido até a realização dos
Jogos, além dos investimentos terem sido muito pequenos se comparados aos
investimentos totais no Pan. De acordo com o relatório Rio Estudos nº 151 (2005),
foram investidos aproximadamente 78 milhões de reais de 2001 a 2005, entre a
construção, gestão e manutenção das sete Vilas Olímpicas da cidade. E o Centro
Olímpico de Desenvolvimento de Talentos – CODT
58
- sequer foi construído
O tratamento da questão social associada ao evento elucida bem o modo
como as políticas sociais foram utilizadas para legitimar o projeto. A Prefeitura lançou
em seu Diário Oficial uma agenda social referente aos Jogos Pan-americanos 2007 e à
candidatura do Rio aos Jogos Olímpicos de 2012. Dos 43 itens listados, a maioria se
referia à expansão de programas sociais. Esta agenda listava entre outros itens: a
expansão da educação infantil, o aumento de alunos que concluem o ensino médio,
redução da mortalidade infantil, a ampliação do Programa Favela Bairro, a estruturação
convertidos em equipamentos que completariam o Maracanã, como estacionamento, shopping e outros’[...]Já César
Maia quer transformar outras construções feitas para esportes bem específicos em "locais mais rentáveis". Sua
proposta é fazer do parque aquático Maria Lenk um local para jogos de tênis e espetáculos musicais.’Estamos
pensando em criar uma base para que sejam disputados jogos de tênis, além de shows. A natação não é rentável’
[...]O prefeito, porém, tem também outra idéia para o Velódromo, construído próximo ali em área que correspondia ao
autódromo de Jacarepaguá. Mesmo com o déficit de locais especializados em receber eventos de ciclismo [...] a
prefeitura do Rio quer aumentar a capacidade de público e fazer um tratamento acústico para transformar o local em
casa de shows”.
http://averdadedopanoretorno.blogspot.com/search/label/legado%20do%20pan (consultado em 10/02/08).
57
O projeto do velódromo já vinha sendo criticado, até mesmo por pessoas que brigaram pelo equipamento e
discutiram as possibilidades de construção junto à prefeitura. Julio Alfaya, presidente da Federação de Triatlon do
Estado do Rio de Janeiro (FTERJ), participou ativamente deste processo e chegou a seguinte constatação: “Lamento
informar e assumir publicamente que minha visão desta história de velódromo mudou um pouco. Não porque não
considere mais importante esta conquista, mas essencialmente pelo preço que, pelo que tudo indica, teremos que
pagar por ela. Acho que, de certa forma, estamos sendo ‘usados’ para os propósitos questionáveis da Prefeitura,
pois no fundo mesmo, pelo pouco que entendemos de obras, projetos e similares, sabemos que os R$ 18 milhões
são um exagero. Às vezes as lutas não justificam os preços a serem pagos. Sejamos desportistas mas sejamos,
acima de tudo, responsáveis e coerentes e vamos deixar de defender um descalabro destes, na forma em que foi
proposto. Queremos o velódromo sim, mas a custos compatíveis com a realidade de nosso povo e de nossa cidade,
e pelo menor custo de manutenção após os Jogos”. http://triathlonbr.blogspot.com (consultado em 29/06/06).
58
O projeto atenderia a 6.000 (seis mil) crianças por dia e seria implementado numa área de 100.000 m² (cem mil
metros quadrados), no mesmo terreno do Engenhão, reutilizando galpões remanescentes da antiga oficina de trens
da Rede Ferroviária Federal.
95
da rede de atendimento para a população de rua para a cobertura total e garantia de
atenção às crianças até 14 anos de forma que 100% estejam acolhidas em programas
inclusivos até 2007.
O fato é que boa parte dos itens já deveriam constar como objetivo
fundamental de qualquer administração pública de uma cidade desigual como o Rio.
Ressalte-se também que a agenda social do Pan divulgada pela Prefeitura não incluía
nenhum item relacionado diretamente aos Jogos. Estava prevista também a atuação
nas comunidades, por meio de programas como o “guia cívico”
59
e até mesmo com o
programa de voluntariado, que ao fim, apesar de terem sido realizadas algumas
atividades e até mesmo treinamento, acabou excluindo boa parte dos moradores das
comunidades pobres
60
.
Ao longo do processo, a agenda social teve seu escopo reduzido a 14
metas
61
, e mesmo assim, muito pouco delas foi realizado, como apontou o Fórum
Popular do Orçamento no boletim de março de 2007. Por exemplo, o número de
matrículas nas pré-escolas, que deveria chegar a 120 mil em 2007, não passou dos 95
mil. Na área da Saúde, previa-se a expansão do Programa Saúde da Família a 1,8
milhão de famílias. Em 2007, no entanto, o programa atendia a pouco mais de um terço
desse número.
3.2 - Expressões de Conflitos: a cidade diversa e desigual
Os conflitos relacionados à realização de grandes eventos esportivos não
são recentes; a grande maioria dos conflitos, contudo, não questionava propriamente a
legitimidade dos Jogos na escala local
62
. A partir da década de 80, começam a
59
O projeto Curso de Guias Cívicos foi um dos programas de inclusão social promovido pela Senasp (Secretaria de
Segurança Pública). A iniciativa pretendia formar dez mil jovens entre 14 e 24 anos, moradores de 149 comunidades
na área do Pan, para trabalhar como "promotores de normas de convivência cidadã". Os jovens receberam aulas de
cidadania, turismo e língua estrangeira por quatro meses, recebendo uma bolsa auxílio de R$ 175, para trabalhar
durante julho e agosto no Pan.
60
Houve denúncias de que os moradores de algumas comunidades pobres foram impedidos de trabalhar nos Jogos
Pan-Americanos, apesar de terem participado do processo de capacitação. A justificativa dada pelos promotores do
evento foi de que havia o risco de que ocorressem confrontos entre os jovens de comunidades rivais durante o
evento.
61
Cf. Capítulo 2
62
A ocorrência de protestos e manifestações durante a realização de grandes eventos e, particularmente, nos Jogos
Olímpicos, não é uma experiência recente. Pode-se citar, por exemplo, as manifestações estudantis ocorridas nos
Jogos Olímpicos de 1968, no México, que reprimidas pela polícia acabaram resultando no que foi chamado de
96
aparecer manifestações voltadas, principalmente, para interpelar o impacto local do
grande evento e avaliar os limites do seu efetivo legado. Os grupos questionam, dentre
várias questões, o caráter autoritário do processo decisório sobre o evento, expresso na
- exclusão da participação popular e na falta de transparência na divulgação das
informações, principalmente no que diz respeito aos custos, tanto sociais quanto
econômicos, dos projetos.
A elite política, assim como a sociedade civil, também se organiza para
defender um conjunto de interesses relacionados ao grande evento esportivo que, em
muitos casos, convergem com os interesses de grupos de investidores privados que
buscam a maximização do capital. A atuação desta elite política é diversa e está
relacionada principalmente, ao papel que eles assumem na preparação dos grandes
eventos esportivos (RAEDER, 2008).
O conflito, neste contexto, é latente e sempre presente no projeto (apesar do
celebrado consenso), visto que está relacionado a diferentes atores que possuem
interesses diversificados.
Tendo em vista as mobilizações que vêm ocorrendo em função da realização
de um grande evento esportivo, os movimentos têm se articulado de duas formas
63
: 1)
organização da sociedade civil pré-existentes que se organizam para protestar
questionar a alocação dos recursos, ou contra intervenções que ferem direitos de
parcelas da população; 2) movimentos que são estruturados especificamente a partir
das decisões/ações tomadas pelos organizadores do grande evento (RAEDER, 2008).
Analisar a atuação dos movimentos sociais nos grandes eventos esportivos é
importante na medida em que tal atuação pode revelar as contradições existentes
nesse modelo de planejar as cidades Para além das crises localizadas, no entanto, os
Massacre de Tlatelolco. Estes Jogos também foram marcados pelo protesto de dois atletas negros norte-americanos
Tommie Smith e John Carlos, que após receberem suas medalhas no pódio, levantaram seus braços esticados com
as mãos cobertas por luvas negras e punhos fechados, em protesto pela segregação racial e apoio aos movimentos
negros em seu país. Após seu ato, transmitido ao vivo pela televisão
para o mundo todo, os dois foram expulsos da
delegação americana e da vila olímpica. Manifestações e protestos sempre ocorreram ao longo da história dos Jogos
Olímpicos. No entanto, a ascensão do neoliberalismo e a aplicação da gestão estratégica na organização dos Jogos,
determinam um novo momento neste conjunto de protestos. Tais manifestações passam a ter um caráter
eminentemente urbano, cujo foco passa a ser, também, o questionamento da política urbana adotada para a
implantação destes grandes eventos e, por isso, apresentam formas de ação e resultados ainda pouco estudados e
potencialmente diferentes.
63
Considere-se que a existência de um tipo de articulação não elimina a outra.
97
conflitos urbanos podem também expressar o potencial de transformação resultante da
mobilização social.
3.2.1 – Mobilizações Internacionais: um breve panorama
O objetivo desta seção é mostrar, ainda que brevemente, algumas das
diferentes articulações e mobilizações que ocorreram em diferentes países em função
da realização de grandes eventos esportivos.
A partir da década de 80, surgem em diversas cidades do mundo,
movimentos sociais que procuram resistir à chamada “indústria olímpica”. Estes
movimentos vêm atuando principalmente na denúncia das ações arbitrárias
empreendidas pelos organizadores dos jogos, assim como na denúncia dos impactos
negativos destes eventos nas diversas cidades-sede. Mas não somente nas cidades-
sede, visto que em algumas cidades que se apresentaram como candidatas aos Jogos
Olímpicos ocorreram mobilizações sociais contrárias à realização do megaevento
64
.
A candidatura de Toronto aos Jogos de 1996, foi acompanhada pelo
surgimento de um forte grupo de resistência aos Jogos: Bread Not Circuses Coalition.
Este movimento atuou ainda contra outras candidaturas aos Jogos, dentro e fora do
Canadá: Melbourne 1996, Toronto 2008, Vancouver 2010.
64
Este foi o caso de Amsterdã (Holanda), candidata aos Jogos de 1992, que teve a atuação do grupo chamado No
Olympics Amsterdam na produção de um relatório (The People’s Bidbook), apontando os problemas decorrentes dos
Jogos, entregue ao presidente do COI em fevereiro de 1986. Em Calgary (Canadá), sede dos Jogos de inverno de
1988, um grupo chamado Human Action to Limit Taxes (HALT) foi formado para protestar contra os elevados custos
envolvidos na proposta de sediar o evento (LENSKYJ, 2000, p. 116-117 apud RAEDER, 2008).
Figura 14: Protestos em Vancouver, Canadá, contra os Jogos Olímpicos de 2010. Fonte: Montagem Danielle Barros, 2008
com imagens disponibilizadas na internet.
98
Além desses grupos, algumas ONGs também passaram a criticar os grandes
eventos esportivos: Impact on Community Coalition - IOCC, Canadian Centre for Policy
Alternatives - CCPA, Centre on Housing Rights and Evictions - COHRE. São
organizações que têm participado dos debates sobre as intervenções urbanas
realizadas por conta dos Jogos Olímpicos
65
. Existem, no entanto, ONGs que operam
no sentido contrário, promovendo e legitimando os jogos.
O mesmo ocorre com os institutos universitários. Existem grupos de
intelectuais que produzem materiais críticos em relação à realização dos grandes
eventos esportivos e seus impactos, como existem aqueles que, em oposição, operam
em sua defesa, elaborando relatórios técnicos que valorizam somente seus impactos
positivos
66
.
Além de manifestações locais, produção de manifestos e abaixo assinados, a
Internet tem sido uma das principais armas de protesto utilizada pelos movimentos
sociais procurando agir de forma integrada e em escala global.
Em alguns casos, a Internet tem desempenhado importante papel na
divulgação dos protestos e lutas. Utilizada, muitas vezes, como único instrumento de
protesto, caracteriza o potencial democrático deste ambiente, ao dar oportunidade para
que apenas um intelectual possa levar suas idéias a um grande número de pessoas a
um custo muito baixo, considerando as facilidades tanto de acesso à rede como de uso
de ferramentas virtuais como os blogs
67
. Ressalte-se também a publicação de livros
68
65
“Essas entidades atuam, por exemplo, na elaboração de documentos que contém aspectos críticos a respeito do
ordenamento territorial promovido em grandes eventos esportivos. O trabalho realizado pelo COHRE (2007) é
exemplar neste sentido e conta com publicações (que abordam especialmente a temática do direito à moradia desde
os Jogos de Seul 1988) no âmbito do projeto intitulado: Mega-Events, Olympic Games and Housing Rights. Pode-se
afirmar que, em alguma medida, estas entidades atuam como intelectuais orgânicos de maneira a contestar uma
ordem que não lhes favorece” (RAEDER, 2008).
66
Percebe-se atualmente a proliferação de Centros de Estudos Olímpicos em diversas cidades do mundo
(coincidentemente todas foram cidades-sede). Estes institutos muitas vezes trabalham prestando consultoria ao
Comitê Olímpico Internacional, tendo alguns de seus trabalhos e pesquisas financiados pelo mesmo. Apesar de
algumas produções críticas serem encontradas nestes centros a grande maioria trabalha numa perspectiva acrítica.
Olympic Studies Centre (Barcelona, Spain), International Centre for Olympic Studies (Ontario, Canada), Centre for
Olympic Studies (Sydney, Australia), Beijing Sport University (China), IOC Olympic Studies Centre (Lausanne), LA84
Foundation (previously the Amateur Athletic Foundation, Los Angeles, USA) e German Sport University Cologne
(Cologne, Germany) são alguns dos grandes Centros de Estudos Olímpicos.
67
Muitos dos grupos críticos citados neste trabalho foram identificados a partir de pesquisas na internet denotando a
grande capacidade de integração que os diferentes grupos podem ter mediante a utilização da rede virtual.
68
Ressalte-se a publicação de livros críticos em função do Fórum Universal das Culturas em Barcelona, das
Olimpíadas de Sydney 2000, das Olimpíadas de Atenas, 2004 e dos Jogos Pan-Americanos 2003, em Santo
Domingo.
99
Figura 15: Logomarca do Comitê Social
do Pan. Fonte: CSP, 2005.
por parte dos intelectuais e coletivos críticos à realização dos grandes eventos
esportivos explicitando algumas das suas contradições.
3.2.2 - Mobilizações relacionadas ao Pan 2007
Nesta seção serão identificados alguns atores sociais que se organizaram e
mobilizaram em função do Pan-Americano, centrando principalmente na figura do
Comitê Social do Pan - CSP.
Em 2003 os Fóruns do Orçamento
Participativo e do Acompanhamento do Plano Diretor
do Rio de Janeiro iniciavam o debate sobre os Jogos
Pan-Americanos pautados em pesquisas
orçamentárias e urbanísticas sobre sua
implementação. A partir de abril 2005, os Fóruns
passaram a se articular com a Federação das
Associações de Moradores do Rio de Janeiro - FAM-Rio,
Instituto Virtual dos Esportes - IVE, o Instituto Brasileiro
de Análises Sociais e Econômicas - IBASE, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos
Bento Rubião - CDDH Bento Rubião e grupos de pesquisa, departamentos e institutos
universitários
69
, dentre outros atores, enquanto Comitê Social do Pan. Como pode ser
visto no gráfico a seguir:
69
Pode-se citar o Laboratório de Pesquisa sobre Grande Projetos de Desenvolvimento Urbano da Universidade
Federal Fluminense - GPDU/UFF, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano - PPUR/UFRJ, por meio do
Laboratório de Pesquisa ETTERN, Departamentos de Geografia e Serviço Social da UERJ, dentre outros. Aqui
também como em outros países existem os Centros de Estudos e grupos de pesquisa voltados para a promoção e
legitimação dos grandes eventos esportivos, como o Centro de Estudos Olímpicos da Universidade Gama Filho, o
Núcleo de Estudos Olímpicos da PUC/RS, o Núcleo de Estudos do Movimento da USP, dentre outros.
100
Agregando cada vez mais atores sociais (que procuravam um espaço de
discussão sobre o Pan e/ou se sentiam ameaçados pelas intervenções), o CSP
começou a responder criticamente pelo PAN em diversos canais de comunicação.
A Ong Políticas Alternativas para o Cone Sul - PACS
70
, que trabalha com a
composição de redes para o fortalecimento comunitário, foi um importante ator na
formação do Comitê. O PACS centralizou a articulação do CSP gerindo a comunicação
entre os participantes por meio do fórum de debates, assim como concentrou as
informações referentes aos Jogos (pelo menos as disponíveis), divulgando as matérias
jornalísticas e artigos sobre o tema; difundindo os estudos realizados pelos
pesquisadores e denúncias públicas, tanto na página da internet ou mediante a
produção de material visual e publicação dessas informações. Também mobilizou
recursos para o Seminário do Comitê “Que Pan nós queremos?”, realizado em agosto
de 2005, e recursos para apoiar o ato do 1º de Maio, realizado em 2007.
70
O PACS, segundo definição da organização “vem trabalhando pela articulação, união e visibilidade de experiências
inovadoras e de propostas alternativas, que se afirmam e podem impulsionar transformações”. Acreditam também,
que “expostas e partilhadas, tais experiências podem ser objeto de análise, de crítica e de reformulações, abrindo
concretamente novos caminhos, criando outros possíveis” (AGUIAR, 2005, p. 01).
Figura 16: Esquema gráfico dos principais grupos que fizeram parte do Comitê Social do Pan. Fonte: Danielle Barros, 2008.
101
Resumidamente, o Comitê Social do Pan atuou em quatro frentes: 1) difusão
das informações sobre o tema; 2) abertura de espaços para a participação dos
moradores; 3) interlocução com pesquisadores que subsidiassem uma ação política
crítica; 4) parceria com os grupos impactados negativamente pelos Jogos, por meio de
“ações de protesto”, como no caso das ações junto ao Ministério Público.
O Comitê agregou até o início do Pan-Americano diversos grupos e suas
estratégias de resistência foram diversificadas. Organizou e participou de
manifestações e passeatas como também atuou junto ao Ministério Público,
acompanhando diretamente alguns casos.
Dentre as atividades realizadas pelo Comitê Social do Pan, no período de
2006 e 2007
71
, pode-se fazer o seguinte balanço, conforme a seguinte Tabela:
Cabe ressaltar aqui o papel que a internet assumiu na divulgação dos
conflitos. Um importante centro de difusão das informações, além do CSP, foi o blog “A
71
Infelizmente não foi conseguido um conjunto suficiente de informações que subsidiasse a construção do quadro de
ações do CSP para o ano de 2005.
Figura 17: Algumas das publicações apoiadas e/ou produzidas pelo PACS. (1) (2) (3) Cartilha produzida pelo CSP após o
seminário “Que Pan Nós queremos? (4) Publicação Pan-Americano de 2007: grande negócio para quem? (5) Publicação PACS
especial 20 anos. Fonte: Montagem Danielle Barros, 2008 - arquivo pessoal.
Figura 18: Tabela quantificando as principais atividades realizadas pelo Comitê Social do Pan. Fonte: Danielle Barros, 2008.
102
Verdade do Pan
72
” que disponibilizou informações de diversos canais explicitando as
contradições do projeto “RIO 2007”.
A mídia alternativa também exerceu um importante papel na consolidação de
uma rede crítica ao Pan, visto que o espaço ocupado pelos conflitos na grande mídia
era praticamente nenhum
73
.
Assim como outros grupos de resistência que surgiram em cidades que
sediaram um grande evento esportivo, o CSP conseguiu produzir algumas publicações
críticas. Os integrantes do CSP tiveram a idéia de elaborar uma publicação baseada na
experiência do Rio de Janeiro, a partir do seminário “Encontros pós-pan”. Também
previram enviar carta à cidade Guadalajara, alertando sobre os possíveis impactos na
cidade e vida cotidiana. Nenhuma das duas ações foi concretizada.
O CSP foi o movimento que esteve mais focalizado nos impactos dos Jogos,
podendo ser classificado como um “movimento estruturado para operar ações a partir
das decisões tomadas pelos organizadores do grande evento”, apesar de ser também
uma associação de movimentos e organizações já existentes que se rearticularam
exigindo transparência no processo de implementação do projeto e maior participação
popular, assim como uma alocação mais justa dos recursos.
No entanto, o CSP, não foi o único grupo a se mobilizar em função do Pan-
Americano. Ressalte-se que ocorreram manifestações promovidas por diferentes
grupos sociais. Estas manifestações e grupos são mais difíceis de monitorar, tendo em
vista suas diferentes pautas de luta que num dado momento convergiram para a
questão do Pan-americano. Assim podemos caracterizá-las como instituições já
existentes da sociedade civil que se (re)organizaram para protestar em favor de uma
alocação mais adequada dos recursos, ou contra intervenções que feriam direitos de
parcelas da população.
72
O site foi bruscamente tirado do ar, após sofrer ameaças de Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico
Brasileiro e do Comitê de Organização dos Jogos Pan-Americanos (CO-RIO). Nuzman também tentou processar a
responsável pelo blog, Diana, e um professor de educação física, Homero Blota, que divulgara carta que denunciava
as relações pessoais existentes entre Nuzman e as empresas contratadas (sem licitação). Posteriormente, veio-se a
saber que tanto Diana como Homero Blota eram pseudônimos. Sem conseguir processar ninguém, Nuzman partiu
para o ataque das pessoas que publicaram a carta do dito professor, numa tentativa de calar as vozes dissonantes
do consenso.
73
O Jornal O Dia e a Folha de São Paulo foram os que mais publicaram reportagens críticas em relação ao Pan.
Ressalte-se, também, que somente no ano de 2007, quando o escândalo do orçamento do Pan (que havia
decuplicado) ficou inviável esconder e, principalmente, não criticar. Foi então que as reportagens começaram a
assumir um caráter mais crítico em relação ao evento.
103
Para tratar das mobilizações ocorridas em função dos Jogos Pan
Americanos, é interessante resgatar o trabalho produzido por Lopes, Barros e Marques
(2007) onde foram identificadas 45 (quarenta e cinco) manifestações
74
, que segundo os
autores estariam relacionadas ao Pan ou seriam resultado de uma possível rede de
movimentos sociais articuladas em função do evento.
No trabalho de Lopes, Barros e Marques (2007) foram consideradas
manifestações relacionadas ao PAN: atos de rua, passeatas, lançamento de manifestos
públicos, dentre outros, que tiveram o PAN como objeto, ou seja, aqueles que
reclamavam a respeito das obras e seus impactos sociais e ambientais, prioridades de
investimentos, denunciavam corrupção referente às verbas direcionadas aos Jogos,
contra as remoções forçadas em áreas a serem utilizadas nas obras ou críticas à
política de segurança pública para o período do PAN.
Registradas também foram as manifestações que pudessem indicar a
construção de uma possível rede de articulação de entidades e movimentos sociais.
Entre essas, além das manifestações que tiveram o PAN como objeto, estavam
também listadas as manifestações que tiveram o PAN como arena, isto é,
manifestações realizadas durante o PAN ou em algum local do, ou próximo ao evento,
buscando espaço na mídia nacional e internacional presente, ou em busca de maior
pressão sobre órgãos públicos e empresas comprometidos com os Jogos
75
. E
manifestações que seriam fruto dessa rede de movimentos sociais, articuladas em
função do Pan-americano.
Como se vê no quadro síntese, no início dessa articulação as manifestações
eram mais diretamente ligadas ao evento (tendo o PAN como objeto ou arena). Com o
passar dos meses, as manifestações articuladas ou apoiadas por essa rede passaram
a ter outros eixos de luta, sem vinculação direta com o PAN, porém o fator principal a
74
O registro dessas quarenta e cinco manifestações presente no trabalho de Lopes, Barros e marques (2007) não
significa que outras, também relacionadas ao tema, não tenham ocorrido. O recorte temporal do registro das
manifestações presentes no trabalho parte do dia 23 de abril de 2006 a 10 de outubro de 2007.
75
No período dos Jogos ocorreram diversas manifestações no Rio de Janeiro, como paralisações e greve de policiais
e professores por aumentos de salários, de controladores de vôo etc que buscavam, em meio ao evento, pressionar
o governo e/ou as empresas para obter suas vitórias. Houve também manifestações que aproveitavam do momento
do evento para aparecer para a imprensa nacional e internacional. Essas manifestações, que tiveram o PAN apenas
como arena, não foram registradas nesse estudo, a não ser aquelas que expressavam a construção de uma rede de
articulação entre movimentos sociais.
104
ser observardo é que, mesmo após a realização do jogos, essa articulação continuou
existindo.
Figura 19: Principais manifestações que ocorreram, relacionadas aos Jogos Pan-Americanos, classificadas por período e objeto.
Fonte: Barros, Lopes, Marques, 2008.
105
Nesta seção procurou-se abordar os principais grupos que se articularam em
função do Pan-americano, reconhecendo seus diferentes tipos. Na próxima seção
serão explorados os principais conflitos
76
que emergiram em função dos Jogos
abordando principalmente as ações que deram origem ao conflito e as formas de
enfrentamento adotadas.
3.3 – As vozes dissonantes que ecoam pela cidade: abordagem sobre os
principais conflitos
3.3.1 - Vila Pan-Americana e Complexo do Autódromo – especulação imobiliária,
ações de despejo e conflito ambiental
A Barra da Tijuca foi o centro nevrálgico dos Jogos Pan-Americanos Rio
2007, concentrando a maioria das obras, dentre elas a Vila Pan-Americana e o
Complexo do Autódromo
77
. Estas instalações devido à sua escala e raio de intervenção
causaram um grande impacto arquitetônico e urbanístico na paisagem da região, mas
principalmente representaram um ponto de inflexão na relação estabelecida com as
comunidades (pobres) vizinhas a estes empreendimentos.
Uma série de denúncias surgiu ao longo do processo de concepção e
construção destes equipamentos. As denúncias abrangiam desde a forma de
financiamento, custos dos equipamentos, processos licitatórios, destinação pós-evento,
modificações do projeto original, problemas na execução das obras até o embate direto
com as comunidades locais, frente ao processo de limpeza urbana que ia se
estabelecendo na região.
A localização dos equipamentos na Barra da Tijuca já foi um primeiro ponto
de conflito e, posteriormente, a implantação destes equipamentos e suas relações com
o entorno imediato.
76
Seleções feitas a partir do discurso utilizado pelos grupos questionavam e que criticavam o grande evento e
mediante as entrevistas realizadas pela autora. Sabendo-se, é claro, que houve muitos outros conflitos e protestos
que sequer foram abordados, neste trabalho e até mesmo pelos grupos críticos, como por exemplo, os protestos
ocorridos na Cidade de Deus, em Curicica e em Guadalupe.
77
Os equipamentos estão localizados efetivamente no bairro de Jacarepaguá, no entanto, por motivos de valorização
imobiliária, esta parte do bairro, ao longo do tempo, foi anunciada como localizada na Barra da Tijuca.
106
O questionamento sobre a localização da Vila Pan-Americana na Barra da
Tijuca tinha como referência a proposta apresentada na candidatura da cidade do Rio
de Janeiro aos Jogos Olímpicos de 2004, que previa a localização da Vila na Ilha do
Fundão. O argumento legitimador na época era de que a mesma poderia irradiar um
processo de desenvolvimento naquela região desvalorizada da cidade, como já
explicitado no capítulo anterior.
A localização da Vila na Barra da Tijuca, no entanto, contraria toda esta
teoria, e, segundo os críticos ao projeto, contribuiu apenas para que o processo de
especulação imobiliária aumentasse na região. E de fato, pesquisa realizada em 2005
pelo Grupo de Pesquisa IPPUR e GPDU-UFF constatou o processo de valorização da
área associado ao crescente número de empreendimentos no entorno da Vila Pan-
Americana. Tal tendência da região também foi identificada em estudo apresentado à
municipalidade pelas arquitetas Rose Compans e Cláudia Curi (2006a; 2006b)
78
, e
reconhecida em relatórios da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado
Imobiliário - ADEMI (2005, 2006, 2007). Nesses trabalhos, a área da Barra da Tijuca
aparece com um crescimento superior de licenciamentos se comparado a períodos
anteriores, e até com o que foi licenciado no restante da cidade. O ano de 2005 marca
este período de crescimento quando se iniciam as obras da Vila Pan-Americana.
Segundo o relatório de Rose Compans e Cláudia Curi (2006):
As regiões da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá tiveram um crescimento de
50% na área de construção licenciada na comparação com o ano anterior
[2004] (...). A realização dos Jogos Pan-Americanos - resultando na construção
da Vila Pan-Americana e na expectativa de valorização ainda maior da região -
aliado ao prosseguimento da execução de grandes projetos residenciais como
o Península Green, foram os fatores responsáveis por este resultado (esta
performance), bem como, o recém-aprovado Projeto de Estruturação da
Taquara.
A participação dos grandes empreendimentos – considerados aqueles com
área superior a 10.000 m2 – no total da área de construção licenciada na AP 4,
dá bem a dimensão do porte de incorporação que predomina nos lançamentos
imobiliários da região. Juntos, estes empreendimentos somaram em 2005 mais
do que 1,3 milhão de m², correspondendo a 86% da área licenciada total na
Área de Planejamento 4, e a 45% de tudo o que foi licenciado no Município.
Somente na região abrangida pela 4ª GLF (Barra da Tijuca) os grandes
empreendimentos foram responsáveis por 86% do total da área de construção
licenciada no ano passado (COMPANS, R; CURI, C. 2006ª, p. 05-06).
78
Este trabalho encontra-se disponível no Armazém de Dados da Prefeitura.
107
O processo de implantação e construção da Vila Pan-Americana
79
caraterizou-se por um conjunto de informações controversas e manobras políticas para
viabilização do projeto.
A primeira delas diz respeito ao número de edificações a serem construídas.
Inicialmente, o projeto seria composto por 25 prédios de três pavimentos (tendo em
vista a legislação urbanística da área). Ao longo das negociações para a implantação
do projeto com a Agenco
80
, o número de prédios foi reduzido para 17 e, a legislação
alterada
81
, ampliando o gabarito das edificações para dez pavimentos.
Outras questões, no entanto, foram alvo de críticas:
1- A construção de um empreendimento privado com grande aporte de recursos
financeiros públicos oriundos, uma parte deles, do Fundo de Amparo ao Trabalhador
82
-
FAT, usado habitualmente em empreendimentos voltados para a classe de baixa renda,
e da Caixa Econômica Federal - CEF. Ressalte-se também as irregularidades
encontradas no empréstimo feito à construtora
83
.
79
De acordo com os números divulgados na mídia, o custo da vila envolveu R$ 189,3 milhões, aportados pela Caixa
Econômica Federal; R$ 25 milhões, de direito de uso sobre os imóveis; R$ 52,9 milhões, gastos em obras de infra-
estrutura no entorno do empreendimento; R$ 31,8 milhões, em serviços de hotelaria, governança e lavanderia; e R$
32,3 milhões, na montagem do restaurante.
80
Firma possuidora do terreno e responsável pela construção da vila.
81
Leis Complementares n. 60 e n. 61.
82
Que é destinado ao “custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial e ao
financiamento de programas de desenvolvimento econômico “(SALLES,
2007
A
).
83
“Sem realizar concorrência, a Caixa Econômica Federal – CEF - abriu linha de financiamento de R$ 189 milhões
com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT- para a empreiteira Agenco construir a Vila dos Jogos Pan-
Americanos do Rio (...) A operação contrariou a opinião de técnicos da própria Caixa e tornou-se objeto de
investigação da Diretoria de Fiscalização do Banco Central e da Polícia Federal. (...) Um dos papéis aos qual o
Estado teve acesso, o parecer GEANP 035/04, de 15 de abril de 2004, concluiu que a Agenco não detinha condições
Figura 20: Projeto da Vila Pan-Americana e a Vila executada. Fonte: Montagem Danielle Barros, 2008. Imagens
disponibilizadas na internet.
108
2- O acordo firmado entre a Prefeitura e a Construtora, segundo o qual a primeira se
comprometia a realizar as obras de infra-estrutura do entorno e do terreno da Vila. Este
tipo de investimento em um empreendimento privado foi bastante questionado. Ao
longo do processo, a Prefeitura se negou a dar continuidade às obras de urbanização
da Vila, alegando um duplo favorecimento à empresa Agenco, pois César Maia alegava
desconhecer o aporte de 25 milhões de reais oriundos do Ministério dos Esportes pelo
aluguel das edificações durante o evento e cita que a mudança de gabarito já tinha sido
uma medida compensatória para a empresa. Apesar da alegação do Prefeito de que
desconhecia o aporte de R$ 25 milhões, o Ministério do Esporte afirmou ter informado a
Prefeitura desde 2004 sobre o acordo que previa o pagamento de valores, a título de
aluguel, da Vila Pan-Americana para a utilização da estrutura pelas delegações
esportivas. Assim como, a lei referente à mudança de gabarito na área não mencionava
que a autorização deveria ser uma contrapartida para a construtora. Tendo em vista a
recusa por parte da Prefeitura em dar continuidade às obras de urbanização, a União
assumiu a responsabilidade por elas de modo a garantir “o bom andamento” do evento.
3- O pagamento de aluguel pela utilização da estrutura da Vila pelo Ministério dos
Esportes durante a realização dos Jogos, para compensar a construtora pelo tempo em
que os imóveis seriam ocupados pelos atletas. Tal pagamento mostrou-se "bem mais
que o valor de um apartamento com vista para o mar, no mesmo bairro, e com 260 m²,
praticamente o dobro do tamanho médio dos da Vila
84
”.
4- A construção da Vila sob um terreno de solo turfoso. O porte das edificações (de 10
pavimentos) aliado à qualidade do solo, ampliou o custo das obras, uma vez que as
mesmas necessitaram de estruturas com cerca de 45 metros de profundidade, além de
necessitarem de um monitoramento constante. As obras de infra-estrutura externa, a
cargo da Prefeitura, tiveram seu orçamento inicial elevado de 25 milhões de reais para
53 milhões.
financeiras de arcar com o financiamento inicialmente pedido, no valor de R$ 350 milhões. Segundo o parecer, a
construtora também não havia apresentado estudos que justificassem o empréstimo”
http://www.licitacao.net/noticias_mostra.asp?p_cd_notc=3235
(consultado em 10/03/08).
84
Segundo o secretário especial Ruy Cézar o terreno da construtora se valorizou em “50 vezes”. Fonte:
http://canais.ondarpc.com.br/gazetadopovo/esportes/conteudo.phtml?id=589706. (consultado em: 13/05/2007).
109
5- A falta de sinalização no entorno da Vila Pan-americana, que resultou em um
acidente fatal com um dos operários da obra. Diante da ausência de infra-estrutura no
trabalho, visto os acidentes que estavam ocorrendo, os funcionários organizaram
greves reivindicando melhores condições de trabalho.
No caso do Complexo do Autódromo
85
as principais críticas se dão no âmbito
da descaracterização da única pista existente na cidade para a prática esportiva do
automobilismo.
O conflito teve início em 2004 com a sanção da Lei Municipal 3.758/04, que
autorizava a concessão de uso da área do Autódromo e de seu entorno a terceiros. A
lei determinou a preservação das funções principais do Autódromo, ou seja, as
práticas do automobilismo e do motociclismo. Em dezembro deste mesmo ano, a Rio
Sport Plaza ganhou a concorrência do Autódromo. Tendo feito a concessão do local, a
Prefeitura sancionou uma lei complementar modificando a legislação referente à
85
Também chamado de “Cidade dos Esportes”.
Figura 21: (1) (2) Algumas das edificações propostas para a Cidade dos Esportes; (3) Vista do autódromo com as novas
edificações propostas para os Jogos Pan-Americanos. Fonte: Montagem Danielle Barros, 2008. Imagens disponibilizadas na
internet.
Figura 22: Edificações construídas para o Pan no Complexo do Autódromo. Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro, 2007. Imagens
disponibilizadas na internet.
110
construção de edificações na área do Autódromo e do seu entorno, ampliando o
gabarito para 22 andares, além de permitir a construção de residências
multifamiliares, unidades comerciais e de serviços.
A construção de residências e outros equipamentos na área do Autódromo
com certeza desvirtuaria a atividade fim do Autódromo, sendo este um dos principais
argumentos dos advogados da Confederação Brasileira de Automobilismo - CBA: “O
terreno do Autódromo é do Estado. Ao cedê-lo para a Prefeitura, esta comprometeu-
se a manter as atividades fins do local. Não dá para ignorar isso quando o espaço é
transferido para terceiros
86
”.
As obras da arena poliesportiva construída no Autódromo geraram uma série
de protestos, promovidos principalmente pelo grupo SOS Autódromo e pela
Confederação Brasileira de Automobilismo.
86
Advogados da CBA em entrevista a Ronaldo Herdy. In: HERDY, Ronaldo. Pé no freio: CBA luta contra obras no
autódromo do Rio de Janeiro. Revista Consultor Jurídico, 03/03/2006.
http://conjur.estadao.com.br/static/text/42384,1 (consultado em 13/05/2007).
Figura 22: Vista Aérea do Complexo do Autódromo com o conjunto de prédios propostos ao lado da favela da Vila Autódromo.
Fonte: Danielle Barros, 2008. Foto aérea: IPP/ sd.
111
O projeto apresentado pelo Rio Sport Plaza para o local foi recusado pela
CBA, por não seguir as normas por ela estabelecidas e pela Federação Internacional de
Automobilismo. Segundo o presidente da CBA, Paulo Scagliore:
O Memorial de Incorporação do Parque Olímpico é tão falho que não informa
onde, na área do autódromo, seriam locadas as arenas olímpicas e muito
menos alerta sobre a necessidade de se observar as normas da CBA e da
Federação Internacional de Automobilismo (apud HERDY, 2006).
A interrupção das etapas desportivas previstas no calendário de
automobilismo do Rio de Janeiro para 2006 foi outro ponto de inflexão, tendo em vista
que as pistas não poderiam ser utilizadas em virtude das obras. Em acordo judicial
realizado em audiência pública, a Prefeitura se comprometia a liberar as pistas para a
realização da competição; não houve, no entanto, tal liberação e a CBA entrou com um
recurso contra a Prefeitura e a Empresa Municipal de Urbanização Riourbe, visando a
suspensão das obras e a aplicação de multa devido à não observância do acordo
judicial.
Para além dos embates com a comunidade automobilística, seguiram-se
questionamentos referentes:
1- À viabilidade econômica das obras no “Complexo Olímpico do Autódromo” (parque
aquático, arena multiuso e velódromo) que, assim como a Vila Pan-Americana, estavam
sendo realizadas em um terreno alagadiço, implicando num acréscimo no custo das
obras realizadas com recursos públicos.
Figura 23: Panfleto da Manifestação promovida pelo SOS Autódromo. Fonte: SOS Autódromo, 2006.
112
2- A destinação dos equipamentos do Complexo, uma vez que a política municipal
tendia a privatizá-lo (como já o fez com tantos outros equipamentos públicos). Apesar
de o consórcio Rio Sport Plaza (que exploraria comercialmente a área do Complexo em
troca do financiamento das obras) não ter funcionado, a insistência nas PPPs garantiu a
continuidade do processo de privatização e valorização de áreas mediante sua
exploração
87
.
Em janeiro de 2008, o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, anunciou
a demolição do Autódromo de Jacarepaguá para a construção do Centro Olímpico
Nacional de Treinamento. Durante o anúncio, Nuzman garantiu que a iniciativa teria a
concordância da CBA, e que o presidente da CBA, Paulo Scagliore, se comprometera a
assinar um contrato no qual liberaria a transferência do Autódromo para um outro local
no Rio de Janeiro
88
.
Neste sentido, os críticos ao projeto acreditam que o que está por trás desta
decisão é a transformação da área do Autódromo numa área destinada à valorização
imobiliária. Sem a prerrogativa de ter de manter a atividade fim do Autódromo, o plano
inicial de construção de prédios multifamiliares e hotéis poderá ser concretizado. Novos
empreendimentos em frente à Lagoa de Jacarepaguá, provavelmente, estão por vir.
Assim como, provavelmente, novos conflitos, se não com os automobilistas, certamente
com os moradores da Vila Autódromo.
Em ambos os casos, tanto no Complexo do Autódromo quanto na Vila Pan-
Americana, a instalação destes novos equipamentos implicou num processo de
“limpeza urbana”. As comunidades do entorno destes equipamentos foram as mais
afetadas, passando a ser alvo de remoções, justificadas pela realização do Pan.
87
Concorrência – CEL/PRÓPRIOS/CN - 05/2007. Processo: 04/550.740/2007. Objeto: “Concessão de uso e fruição
com estipulação de encargos da arena multiuso, pelo prazo de 40 (quarenta) anos, do tipo maior oferta”.
Concorrência – CEL/PRÓPRIOS/CN - 06/2007. Processo 04/550.377/2007. “Concessão de uso para exploração
comercial da área localizada dentro do autódromo Nelson Piquet (próxima ao velódromo), composta de parte da
maior porção da área do autódromo localizado na avenida do autódromo s/nº – Jacarepaguá – Rio de Janeiro, pelo
prazo de 40 (quarenta) anos, do tipo maior oferta”. Concorrência – CEL/PRÓPRIOS/CN - 07/2007. Processo:
04/550.449/2007. Objeto: “Concessão de uso para exploração comercial da área composta de parte da maior porção
da área do autódromo Nelson Piquet e parte da maior porção da área remanescente de paa, localizada na avenida
do autódromo s/nº – Jacarepaguá – Rio de Janeiro, pelo prazo de 40 (quarenta) anos, do tipo maior oferta”.
007.http://doweb.rio.rj.gov.br/sdcgibin/om_isapi.dll?infobase=27072007.nfo&jump=35.06&softpage=_recs (consultado
em: 15/11/2007)
88
As áreas oferecidas se localizam em Deodoro e Santa Cruz.
113
Cabe ressaltar que a imprensa da cidade do Rio de Janeiro iniciava em 2005
um processo de legitimação das remoções, com uma campanha no jornal “O Globo” e
também na emissora de televisão, chamada “Ilegal! E daí?”. A campanha alardeava em
tom catastrófico o crescimento desordenado das favelas, às quais eram atribuídos
todos os transtornos existentes na cidade “formal”. A Barra da Tijuca, não ficou de fora
deste processo, tendo ao longo destes anos diversas de suas comunidades ameaçadas
de remoção e, em alguns casos, removidas.
A campanha ganhou novo ânimo em 2007, orientada principalmente na
relação das favelas com as instalações do Pan:
As principais instalações dos Jogos Pan-Americanos convivem com a poluição.
Lixões clandestinos, assoreamento de rios e lagoas, despejo de esgoto sem
tratamento nos corpos hídricos e crescimento desordenado de favelas foram
observados por uma equipe do Globo [...] (MOTTA, 2007).
Sob a justificativa do Pan, várias comunidades foram ameaçadas de
remoção
89
. Relacionadas especificamente com a instalação da Vila e do Complexo do
Autódromo, podemos destacar o caso de quatro comunidades, a saber: Canal do
Cortado, Arroio Pavuna, Vila Autódromo e Canal do Anil. Duas delas conseguiram
resistir às intensas tentativas de remoção (Canal do Anil e Vila Autódromo) enquanto
outras duas foram removidas (Arroio Pavuna e Canal do Cortado).
A história de luta da Vila Autódromo não é recente, porém se intensificou em
1995, com a gestão do Prefeito César Maia. Segundo Inalva Mendes, moradora da
comunidade, começou com a campanha de remoção na Barra, liderada pelo então sub-
prefeito da região, Eduardo Paes
90
. Nesse período foram removidas as comunidades
Via Parque e Marapendi; a terceira da lista, de acordo com Inalva, era a Vila
Autódromo. O texto para justificar a retirada da comunidade alegava que a mesma não
poderia ficar no local porque causava “dano ambiental, estético, visual e turístico”
89
Outras comunidades foram ameaçadas de remoção na região tendo como justificativa a realização dos Jogos Pan
Americanos. Denúncias de moradores contabilizam aproximadamente 28 comunidades.
90
Logo após a gestão Eduardo Paes (atualmente PMDB. Já passou pelo PV, PFL, PTB, PSDB), assumiu a
subprefeitura Luiz Guaraná (PMDB), hoje presidente da comissão de assuntos urbanos na câmara. Na época que
esteve à frente da subprefeitura manteve a mesma postura de Eduardo “(...) As invasões, que eram até então uma
constante, foram coibidas e o comércio irregular que tomava conta de nossas ruas, calçadas e praças sofreu
constante fiscalização”. Hoje a subprefeitura da Barra está sobre a gestão de André Duarte (DEM).
http://www.camara.rj.gov.br/vereador/cada2005/luiz_guarana/luizguarana_perfil.html. (consultado em: 10/01/2008).
114
(MENDES, 2007)
91
. O juiz mandou demolir 3 casas próximas à lagoa, e considerou que
o restante da comunidade poderia permanecer no local.
Em 2004, a discussão sobre a remoção da Vila Autódromo veio novamente à
tona, enquanto corria o processo de licitação para as obras no Autódromo. Segundo os
moradores, a justificativa dada pelos representantes da prefeitura para o cadastramento
dos moradores e levantamento de suas residências era a realização de obras de
saneamento na comunidade, mas, na verdade, o que se preparava era sua remoção:
O último ataque – e estávamos despreparados – foi sinistro. Chegou lá uma
assistente social da Secretaria de Habitação, Maria Helena Salomão. Diante de
cerca de 500 pessoas, disse que faria um cadastro para fazer saneamento
básico. Nós não deixamos. Começou a nos questionar e resolvemos levar a
discussão para a associação: ‘Mas não é remoção?’. Sabíamos de experiências
passadas sobre cadastros para remoção, e isso é ilegal. Todos nós, desejosos
de saneamento, concordamos com o cadastramento. Ela cadastrou todo
mundo. Depois, as casas foram fotografadas, medidas. Isso de um dia para
outro, rapidinho. Começamos a achar estranho. Para saneamento básico, é
preciso licitação, projeto, verba. Usaram de mentira
para cadastrar todo mundo
para remoção (MENDES, 2007).
O argumento era a necessidade de espaço para a construção das
instalações para os Jogos. A comunidade resistiu, conseguindo evitar as remoções. Em
2005, a Câmara Municipal decretou parte da Vila como área de especial interesse
social
92
. Dentro do contexto político da época, esta foi uma grande vitória que,
obviamente, não ocorreu sem muita luta. Houve manifestações em frente à Prefeitura
do Rio de Janeiro; audiências públicas; atos, como a missa realizada por Dom Eusébio
91
Inalva Mendes em entrevista à Revista Democracia Viva do IBASE. Considere-se que no Relatório de Impacto
Ambiental apresentado para a construção da vila pan americana, foi feita a mesma acusação para justificar a
implantação do empreendimento. De acordo com o relatório, a construção do empreendimento impediria que a área
fosse ocupada por comunidades carentes causando
dano ambiental, estético, visual e turístico”.
92
Projeto 75-A/2004
Figura 24: Visita da Comissão de Direitos Humanos na Vila Autódromo. Fonte: CSP, 2006.
115
Scheid na Vila Autódromo, encerrada com uma caminhada pela região; reuniões com
órgãos como o ITERJ - Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro, a SERLA -
Superintendência Estadual de Rios e Lagoas, dentre outros.
A remoção das 67 famílias da comunidade Arroio Pavuna de uma área
localizada entre o terreno destinado à construção do Centro Metropolitano da Cidade do
Rio de Janeiro (onde parte do terreno pertence à Carvalho Hosken
93
) e o Condomínio
Rio 2 (sendo também a Carvalho Hosken responsável pela construção deste
empreendimento), constitui um caso emblemático, pois caracteriza a participação das
grandes construtoras e especuladores imobiliários nos processos de remoção
empreendidos na Barra da Tijuca.
De acordo com os líderes comunitários, vereadores e integrantes do
Movimento de União Popular -MUP
94
, as famílias “teriam sido indenizadas com cheques
administrativos pagos por empresas particulares, a maioria deles da construtora
Carvalho Hosken” (ENGELBRECHT, 2006). As remoções, no entanto, estavam sendo
promovidas pela Prefeitura e não havia nenhum respaldo legal
95
que justificasse a
participação da construtora no processo de indenização das famílias. Observe-se que a
participação da construtora neste processofoi percebida, quando os moradores ao
chegarem à prefeitura, receberam a indenização com os cheques administrativos da
construtora
96
.
Há denúncias também referentes às ameaças sofridas pelos moradores, no
que diz respeito ao processo de negociação das indenizações junto à Secretaria de
Habitação. Segundo um morador da comunidade, ao chegarem para negociar suas
indenizações, os moradores eram recebidos da seguinte forma: “se vocês quiserem
aceitar, tudo bem; se não quiserem, vamos tirar do mesmo jeito. Aí deram os cheques e
93
A Carvalho Hosken foi uma das maiores doadoras de campanha do prefeito César Maia.
94
O MUP surgiu em 2005, como uma resistência ao PEU Vargens, mobilizando as 30 comunidades da região que
não constavam no plano e teve um papel importantíssimo no processo de resistência aos despejos promovidos na
região. Tal iniciativa acabou reforçando a capacidade de organização e resistência das comunidades da região, visto
que suas assembléias chegaram a reunir mais de mil pessoas. Alguns membros do MUP passaram a participar de
outros fóruns, como o Comitê Social do Pan e o Conselho Popular, ampliando as redes de relacionamento deste
grupo que sempre estiveram à margem das lutas urbanas, devido a dificuldade de participar das reuniões dos outros
fóruns que na maioria das vezes ocorrem no centro da cidade e à noite.
95
Não houve uma ação de reintegração de posse; a área não foi declarada de utilidade pública pela municipalidade.
96
Segundo informações da Arquiteta M.Sc.Fátima Tardin, assessora do Vereador Eliomar Coelho, e Maria Lúcia
Pontes defensora pública do ITERJ, esta última tendo acompanhado diretamente os casos do Canal do Cortado,
Arroio Pavuna, Vila Autódromo e Canal do Anil.
116
24h para gente sair. Teve gente que não aceitou, mas a Guarda Civil entrou, tirou as
coisas e derrubou as casas” (apud SALLES, 2007
A
).
Processo semelhante aconteceu com a comunidade Canal do Cortado,
composta por 46 famílias, localizada no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio
de Janeiro. As indenizações mais uma vez teriam sido pagas por particulares, nesse
caso a empresa Rio Massa Engenharia Ltda., pertencente ao Grupo Polimix. Conforme
artigo publicado num canal de mídia independente sobre o processo de negociação das
indenizações e retirada das famílias:
[....] o morador vai até a Prefeitura [...] e pega o cheque. No caso do Canal do
Cortado, os valores são de R$ 11 mil, R$ 7 mil, R$ 4 mil e até R$ 3,5. A casa
mais ‘bem avaliada’ foi vendida [indenizada] por R$ 15 mil. Sempre com uma
contrapartida: exige-se que o morador assine um documento em que ele se
compromete a não acionar a Justiça e declara que não tem mais nada a
reclamar sobre o negócio. [...] Ao retornarem da Prefeitura, no centro da cidade,
os moradores do Canal do Cortado que aceitaram os termos da Prefeitura
viram-se diante de uma cena chocante. Seus pertences estavam sendo
recolhidos por um caminhão de lixo da Comlurb, a Companhia Municipal de
Limpeza Urbana (SALLES, 2007
B
).
O que está em jogo aqui não é somente a remoção de comunidades pobres,
mas a parceria e conivência da Prefeitura com a iniciativa privada neste processo de
remoção. Assim, pode-se dizer que são as incorporadoras que decidem quais
comunidades querem “eliminar” de acordo com os seus interesses e projetos. O
professor Jadir Brito no seminário “Cidade Direito de todos”, realizado em abril de 2007
na sede da OAB, reforça esta denúncia “a prefeitura está de braços dados com as
imobiliárias, aplicando, com o argumento da construção de obras para o Pan-
Americano, a remoção étnica e da pobreza. Ou seja, dos negros e dos pobres”.
Figura 25: Remoção da Comunidade do Canal do Cortado, detalhe de um dos cheques que foram utilizados para pagar as
indenizações dos moradores em nome da Rio Massa. Fonte: Fazendo media, 2006. Montagem Danielle Barros, 2008.
117
A comunidade do Canal do Anil, com aproximadamente 1.500 famílias,
localizada em Jacarepaguá ao lado da Vila Olímpica, também foi ameaçada de
remoção.
De acordo com a Prefeitura, a favela do Canal do Anil era considerada uma
área de risco por estar em terreno instável, sujeita a inundações e situado numa faixa
marginal de rio, além de ser uma área de proteção ambiental. Para o local, a Prefeitura
planejava a remoção de 542 famílias e a construção de uma via - a “Via Canal”. A
Associação de Moradores do Canal do Anil, porém, de posse de um laudo técnico
elaborado pelo ITERJ, afirmava que apenas 9 famílias estariam residindo em área de
risco e de proteção ambiental na comunidade.
Em audiência pública específica para a discussão do caso do Canal do Anil,
realizada na Câmara dos Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro, em 22 de maio de
2007, os moradores denunciaram que as remoções na comunidade eram resultado de
um acordo feito entre a Prefeitura e a Agenco, em que a retirada da comunidade do
local seria uma das cláusulas contratuais. Segundo os representantes do Movimento
União Popular, O Anil está à margem do centro imobiliário e ao lado da Vila do Pan,
por isso querem removê-lo” (SOUZA, 2007).
A Prefeitura, como em outros casos, demarcou as casas de
aproximadamente 542 famílias como se fosse para um processo de regularização
fundiária e implantação de infra-estrutura, quando na verdade, o objetivo era a sua
remoção.
No início do ano, a equipe do Programa Morar Sem Risco da Prefeitura visitou
542 das cerca de 1.500 casas da comunidade. Maria Helena Salomão,
responsável pelo projeto, avisava aos moradores: ‘Parabéns, vocês foram
sorteados por um programa do governo para investimentos em infra-estrutura’.
Assim, as portas das casas eram abertas e os imóveis eram cadastrados pela
Prefeitura, que marcava as fachadas com um número pintado de azul (SALLES,
2007
A
).
O caso do Canal do Anil reforça a estratégia utilizada pela municipalidade
para legitimar suas ações, aproveitando-se das carências das comunidades para ter
acesso às residências e atualizar os cadastros para remoção. Um morador do Canal do
Anil fez a seguinte consideração “me senti como se fosse uma das sete pragas do Egito
118
com as pessoas pichando a minha casa!“ (em referência aos números inscritos nas
portas e paredes das casas)
97
.
Quando a comunidade mobilizada começou a pressionar as autoridades, um
jogo de “empurra” das responsabilidades foi se estabelecendo. Na mesma audiência
pública sobre o Canal do Anil, onde estavam representantes da municipalidade e da
União, cada um tentava negar que tivesse dado a ordem para a remoção. O
representante da União dizia que o dinheiro enviado para a Prefeitura não era para
pagar indenizações, mas sim para urbanizar a área. A Prefeitura defendia a remoção
em razão de estarem as pessoas em área de risco
98
. Segundo Cléia Folly, moradora do
Canal do Anil e integrante do Conselho Popular, no entanto, constava no contrato da
Agenco com a Prefeitura a remoção da Comunidade do Anil, de que tanto a União
quanto a Prefeitura estavam cientes.
A resistência do Canal do Anil foi emblemática, pois mostrou o grau de
mobilização das comunidades da região assim como as redes que foram se
estabelecendo reforçadas pelo Pan-americano.
Como símbolo de luta e resistência, o ato de 1º de maio (Dia do Trabalhador)
de 2007 foi realizado no Canal do Anil, com a participação de diversas entidades e
cerca de mil e duzentas pessoas. Articulado, principalmente, pelo Conselho Popular, o
MUP, a Pastoral de Favelas e a Central de Movimentos Populares, o ato foi marcado
por uma caminhada saindo da comunidade do Canal do Anil até a Vila Olímpica.
Segundo Cléia, uma das organizadoras da manifestação:
o ato é significativo já que são trabalhadores resistindo ao apartheid social
provocado pelas obras do Pan. Nosso ato é de resistência. Estamos mostrando
que a comunidade está organizada para lutar contra os interesses do setor
imobiliário aliado à prefeitura
(in SOUZA, 2007).
97
Audiência Pública sobre as Remoções no Canal do Anil – 22/05/07.
98
Moradores do Canal do Anil, durante a audiência pública na Câmara dos Vereadores (22/05/07) denunciaram que
foram obrigados, pelo representante da prefeitura, a assinar um documento declarando que residiam em área de
risco.
119
Apenas dois dias após o encerramento dos Jogos Pan-Americanos, os
moradores do Canal do Anil tiveram, novamente, notícias da Prefeitura. Era 1º de
agosto, de manhã, quando a Prefeitura, representada pela sub-prefeita de
Jacarepaguá, acompanhada por funcionários responsáveis pelas demolições e pela
Guarda Municipal, surpreendeu os moradores do Canal do Anil. Entre as mais de 542
casas que foram marcadas para serem demolidas, a Prefeitura começou a demolição
de cerca de 50, cujos moradores “supostamente
99
” teriam negociado e “vendido”.
99
Emprega-se aqui o termo “supostamente”, porque a negociação dessas casas foi negada por muitos moradores e
a prefeitura não apresentou, no ato das demolições, nenhum documento que comprovasse tal fato.
Figura 26: Ato do Primeiro de Maio de 2007 no Canal do Anil. Detalhe para os protestos contra as remoções: cartazes, cartões
vermelhos para as ações arbitrariedades e a luta pela moradia simbolizada pelas casas de madeira empunhadas pelos
manifestantes. Fotos: Danielle Barros, 2007.
Figura 27: Resistência às remoções no Canal do Anil (primeiro de agosto de 2007). Fonte: CMI, 2007.
120
Alguns telefonemas dos militantes da localidade foram suficientes para que,
em pouco tempo, um grupo de representantes de mais de 15 entidades estivesse no
local para protestar contra as remoções/demolições. Com os protestos, além das 4
casas demolidas pela manhã, apenas mais 1 foi demolida na parte da tarde. No
mesmo dia foi realizada reunião da plenária de movimentos sociais, e o caso do Canal
do Anil foi o centro da discussão.
Nova mobilização foi marcada, contando com um número bem maior de
militantes e entidades. No dia 2 de agosto, as tentativas de demolições da Prefeitura
não lograram êxito. Manifestantes, moradores do local e representantes de mais de 30
entidades (sindicais, estudantis, culturais, de luta por moradia, pela terra, de direitos
humanos etc), enfrentaram a Guarda Municipal e, com a ajuda de dois Deputados
Federais,
impediram a demolição de novas casas.
No dia 3 de agosto, a organização dos moradores e dos representantes das
diversas entidades havia crescido. As barricadas erguidas nas ruas onde se
localizavam as casas ameaçadas de demolição demonstravam o espírito de resistência
existente. Antes do previsível confronto, uma liminar obtida na Justiça por advogados
do Conselho Popular suspendeu as demolições.
Os conflitos relacionados às remoções na região da Barra da Tijuca
prometem se intensificar. O fim dos Jogos, certamente não significou o fim dos conflitos,
como pode ser visto no caso do Canal do Anil. Os interesses nestas terras valorizadas
não são recentes, e operadores do mercado imobiliário
100
, com o apoio da Prefeitura,
100
Em novembro de 2007, foi divulgado em uma reportagem do Jornal do Brasil, que o empresário Alfredo Lopes,
presidente da Associação Brasileira de Indústria de Hotéis - ABIH-RJ - e da Associação Comercial e Industrial do
Figura 28: (1) Barricadas montadas pelos moradores no Canal do Anil; (2) família sobre os escombros da moradia demolida;
(3) charge criada pelo cartunista Latuff, representando os interesses que, segundo ele, estão envolvidos na tentativa de
remoção do Canal do Anil. Fonte: Fazendo media, 2007. Montagem Danielle Barros, 2008.
121
aproveitam as oportunidades dos grandes projetos e eventos para legitimar suas ações
de “limpeza urbana”.
Há, na Barra da Tijuca, uma tentativa de se criar uma aliança entre as
comunidades ameaçadas de remoção. Assim, quando houve a tentativa de remoção do
Canal do Anil, diversas comunidades da região estenderam faixas de apoio e
solidariedade ao Canal do Anil, reforçando a resistência. O ato do 1º de Maio de 2008
também foi na Barra da Tijuca, no Canal do Anil. Constituiu-se em caminhada até a
Cidade da Música, numa clara crítica aos investimentos feitos nestes grandes projetos
que não repercutem em nada nas comunidades da região que vivem à margem do
processo.
3.3.2 – O caso do “Engenhão”
O projeto apresenta problemas desde a sua concepção. Não houve, por
exemplo, uma audiência pública com os moradores antes da aprovação. Assim
como não foi realizado o Estudo de Impacto de Vizinhança, previsto no Estatuto
das Cidades, mas que a prefeitura insiste em não adotar para obras de grande
impacto. E no caso do Engenhão, nem é preciso um estudo para determinar o
impacto negativo que a obra terá no sistema viário da região (VILHENA, 2006;
in MONTEIRO, 2006).
O Estádio Olímpico João Havelange
101
está localizado no bairro Engenho de
Dentro (motivo pelo qual é chamado de “Engenhão”), no Rio de Janeiro, em um terreno
de 200 mil metros quadrados concedido pelo Governo do Estado e pela Companhia
Fluminense de Trens Urbanos – Flumitrens - ao COB pelo período de 25 anos
(renováveis por igual período).
Recreio (Acir) estava preparando um levantamento detalhado sobre o avanço das favelas na Barra da Tijuca, no
Recreio e em Vargem Grande. Observe-se que Alfredo Lopes vem promovendo na internet uma campanha para a
“desfavelização” da cidade. A partir destas ações ficam mais claros quais são os interesses que estão envolvidos no
processo de remoção de favelas. http://www.ademi.webtexto.com.br/paraimpressao.php3?id_article=12346
(consultado em 10/03/08)
101
O Estádio foi concebido em 1995, pelo arquiteto Carlos Porto (ex-funcionário da RioUrbe), para a candidatura do
Rio às Olimpíadas de 2004. Em 2003, o projeto foi retomado e reestruturado para os Jogos Pan Americanos de
2007.
122
As obras foram iniciadas em setembro de 2003, com previsão de término
para o segundo trimestre de 2005. Estas obras, no entanto, se estenderam até junho de
2007, em função de problemas de ordem técnica, financeira, política e social.
Com capacidade para 45.000 lugares e previsão de ampliação para 60.000,
o estádio foi projetado visando também atender outros eventos esportivos do circuito
internacional, como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.
As obras apenas se intensificaram em 2005, ano para o qual estava prevista
conclusão, ampliando os problemas na região e fortalecendo, conseqüentemente, os
questionamentos por parte da população. Preocupados com os problemas que
poderiam aparecer com a implantação do Estádio, moradores da região fundaram, em
14 de Abril de 2005, a Associação de Moradores do Entorno do Engenhão - AMETE.
A construção do estádio João Havelange foi polêmica desde o início. Um dos
primeiros conflitos se deu em relação à localização da edificação, o bairro do Engenho
de Dentro, na zona norte da cidade, muito denso e consolidado. A justificativa utilizada
para a implantação do novo equipamento na região estava embasada na estagnação
do crescimento urbano do bairro que, segundo os promotores do projeto, poderia ser
revertida com a construção do estádio, o qual promoveria uma “renovação urbana” da
área. Como podemos ver na fala do Secretário Especial do Pan, Ruy Cézar:
[...] a construção do Estádio João Havelange está tirando o bairro de uma
estagnação de décadas, provocando uma dinamização de diversas atividades,
entre elas a construção civil, que começa a se desenvolver na região. Isto terá
Figura 29: (1) Cortes esquemáticos do estádio; (2) Maquete eletrônica do estádio; (3) Projeto construído. Fonte: Montagem
Danielle Barros, 2008. Imagens disponibilizadas na internet.
123
um efeito contaminador para os bairros vizinhos, trazendo novos investimentos
e desenvolvimento
102
(apud TEIXEIRA, 2007).
Num certo sentido, é possível afirmar que temos aqui um perfeito exemplo da
transposição, para a escala do bairro, da mesma lógica que sugere que grandes
projetos vão dinamizar uma cidade. Por outro lado, de maneira absolutamente
transparente, o Secretário Especial do Pan explicitava a direta relação do evento com
os interesses imobiliários.
Ao longo do processo de implantação do estádio, novos conflitos foram
surgindo. Cabe ressaltar que, apesar das diferenças entre os locais e os projetos dos
equipamentos executados para o Pan, as relações conflituosas mantiveram certa
semelhança.
Como no caso da Vila Olímpica e do Complexo do Autódromo, a legislação
no entorno do “Engenhão” foi alterada de modo a tornar a região mais lucrativa para os
investimentos privados, numa reprodução do ‘urbanismo ad hoc” que acompanha,
quase sempre, os grandes projetos. 51 ruas, de sete bairros próximos ao estádio, foram
transformadas em área de Especial Interesse Urbanístico
103
, redefinindo o zoneamento
e ampliando o gabarito de 2 para 18 pavimentos, mudando o uso de industrial para
misto e permitindo a construção de unidades habitacionais com apenas 30 m
2
de área
construída
104
.
Análises recentes sobre o crescimento da produção imobiliária na região
indicam que esta “flexibilização” dos parâmetros urbanísticos da área e a implantação
do estádio não contribuíram significativamente para atração/valorização das demandas
habitacionais. Desde 2003, ano que se iniciaram as obras do estádio, os licenciamentos
na área de Planejamento 3, que inclui o bairro do Engenho de Dentro, permaneceram
estáveis tendo apenas um pico no ano de 2006. No entanto, picos semelhantes a este
102
Secretário Especial para o Pan, Ruy Cezar Miranda Reis, em entrevista concedida à Gazeta Esportiva.net em
15/02/2007.
103
Projeto de Lei n.º 1481/2003 que cria a Área de Especial Interesse Urbanístico, AEIU, do Engenho de Dentro.
104
Esta “flexibilização” da legislação, segundo os críticos do projeto, poderá implicar em fortes impactos locais caso
haja demanda do mercado imobiliário. O conseqüente aumento da densidade demográfica certamente causará
impacto negativo no trânsito visto que as ruas do bairro são predominantemente estreitas para tal demanda.
124
ocorreram também em 1997 e 1999, antes mesmo de qualquer obra do Pan 2007
(LIMA, 2007).
Segundo a publicação Rio Estudos da Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, nº 258 (2007), no primeiro trimestre de 2006, foram licenciadas apenas 4
edificações, num total de 1172 m² no bairro do Engenho de Dentro. Já no primeiro
trimestre de 2007, foi licenciada apenas uma edificação no bairro, embora os números
apontem para um aumento significativo da área licenciada, cerca de 8106 m². Desse
total, 281 m² correspondiam ao uso residencial e 7824 m² ao uso não residencial.
Novos investimentos imobiliários têm ocorrido especificamente na área mais
próxima ao Norte Shopping em função da sua recente dinamização, e não propriamente
pela construção do Estádio Olímpico, como aponta o presidente da AMETE, Aníbal
Antunes
105
:
Realmente houve investimento imobiliário, na construção civil, mas a área em
que foram feitos os maiores investimentos é a área da Dom Hélder Câmara,
antiga Avenida Suburbana, que é um investimento alto da Klabin Segall que são
989 apartamentos, mas não por causa do estádio e sim por ser a Dom Hélder
Câmara uma via de acesso boa, estar próxima ao Norte Shopping, e não por
causa do estádio. Se você fizer uma pesquisa e avaliar quem quer morar do
lado de um estádio de futebol, você vai ver se isso valoriza qualquer ‘imóvel’.
Você pode tirar como exemplo o Maracanã. Quando se vai aos apartamentos
ao lado do Maracanã, a maioria deles é toda gradeada, as pessoas tem medo
de sair à rua nos dias de jogos. Então, essa valorização não é real. As casas
não valorizaram em cima da construção do estádio, de jeito nenhum! Houve
uma melhoria na pavimentação das ruas, mas isso não que dizer que melhoria
na pavimentação valorize tanto seu imóvel. [...] E novos lançamentos que foram
feitos aqui, todos eles ao redor do Norte Shopping, nada ao redor do estádio e
sim em cima de um Shopping que está crescendo, está expandindo [...]
(ANTUNES, 2007
apud LIMA, 2008).
As propostas de melhorias viárias que não se realizaram foram os principais
alvos de críticas, tendo em vista que a estrutura viária do bairro e as dimensões das
vias, segundo estudiosos de engenharia de trânsito
106
, não comportariam a demanda
decorrente da implantação do estádio. No que se refere à acessibilidade, as propostas
inicialmente previstas abrangiam “mudanças na ligação do estádio com o Méier, com a
construção de uma passarela sobre a linha férrea, um viaduto na Rua da Abolição e a
duplicação o viaduto do Castro Alves, no Méier, além da reforma do acesso à Linha
105
Entrevista concedida a Julio Lima em 2007.
106
Professores Ricardo Esteves (FAU/UFRJ), Licínio Portugal (COPPE/UFRJ).
125
Amarela sobre a rua Henrique Scheid e a dragagem do rio dos frangos
107
”. Entretanto,
dentre as propostas apresentadas como forma de solução para os possíveis impactos
causados, foi apenas construída a passarela sobre a via férrea (com rampa de acesso
apenas do lado do estádio) e alguns “pouquíssimos quilômetros de pavimentação em
algumas ruas, na verdade foi uma ‘recapeagem’ [...] e toda promessa feita por eles
[poder público] nenhuma foi implementada de verdade” (ANTUNES, 2007 apud LIMA,
2008).
A desapropriação de 14 residências no entorno do estádio, com
indenizações de até R$ 15.000, e a extinção de algumas de áreas de lazer da região,
também foram foco de conflito, tendo em vista o discurso dos promotores de que não
haveria desapropriações na área.
Pode-se citar também, a divulgação na mídia da remoção da favela Belém-
Belém, localizada no entorno do Engenhão. Composta por 150 barracos erguidos entre
os trilhos do antigo pátio de manobras do Centro de Manutenção da Flumitrens
108
, a
favela Belém-Belém estava na lista de favelas a serem removidas. Os moradores
acreditam que a remoção se daria pelo fato de a favela ser visível do alto das
arquibancadas do Estádio Olímpico João Havelange.
Conflitante também foi a relação com as edificações no entorno do estádio.
Pode-se dizer que as mesmas “dificultaram” o bom andamento das obras. Emblemático
foi o caso da Escola Técnica Estadual Silva Freire, que estava sendo danificada pelas
obras do estádio (certa vez uma viga caiu sobre a quadra da escola
109
) e submetida a
pressão para transferência para Deodoro, pois o projeto original do estádio previa
ocupação de parte da sua área. Entretanto, a mobilização da comunidade - alunos,
professores e moradores - através de passeatas e ato público, conseguiu garantir a
permanência da centenária Escola no local, havendo a perda, no entanto, da quadra da
escola que deu lugar a um dos acessos do estádio.
107
“Melhorias nas vias de acesso ao Engenhão custarão R$ 97 milhões”. O Dia, 13/11/2005.
108
Companhia Fluminense de Trens Urbanos.
109
Obra ameaça escola – O Dia, Geral,10/07/2006.
http://www.cbpf.br/~caruso/secti/publicacoes/clippings_mensal/julho/10_07.html#15
(consultado em 27/09/07).
126
As mesmas necessidades de áreas demandadas pelas obras do estádio
também implicaram na tentativa de remoção do Museu do Trem da Rede Ferroviária
Federal, assim como a demolição de oficinas e galpões ferroviários. Tal fato gerou
conflito jurídico mediante liminar feita pelo Ministério Público Fluminense visando
embargar a remoção visto que, de acordo com a promotoria, as estruturas são
tombadas pelo patrimônio histórico-cultural municipal
110
.
No que se refere aos aspectos de natureza ambiental, verificaram-se,
principalmente durante as obras, problemas relacionados à poluição do ar e à poluição
sonora advindas do transporte de saibro, da retirada de entulho, e ao movimento de
máquinas durante a madrugada. De acordo com o representante da AMETE, “os
elementos de isopor utilizados nas peças de concreto não [eram] protegidos. O vento
espalha[va] partículas de isopor granulado, que poluem o ar, assim como a poeira
provocada pelo transporte irregular de saibro, terra e entulho da obra. Os caminhões
[deixavam] um rastro de poeira e sujeira por onde [passavam]” (ANTUNES, 2007 apud
LIMA, 2008)
A promessa de utilizar os moradores do bairro como mão-de-obra na
construção do Estádio também foi uma grande ilusão. Foi prometido que 50% da mão-
de-obra seria composta por moradores do entorno do estádio, contudo esse número
não chegou a 2%. A grande maioria dos funcionários veio de fora do estado do Rio de
Janeiro em busca de oportunidades de trabalho na capital carioca atraída pela
“grandiosidade” dos Jogos.
Os operários do estádio, assim como de outros equipamentos esportivos
construídos em função do Pan, também entraram em greve em determinado período
reivindicando melhores condições de trabalho e salários.
110
Tais procedimentos alteraram o projeto de expansão do estádio que previa quatro acessos e possibilidade de
expansão para 60000 lugares de forma a atender exigências para copa do mundo de 2014.
127
E, por fim, a privatização do estádio e o abandono do projeto do Centro
Olímpico de Desenvolvimento de Talentos – CODT também foi foco de críticas. O
CODT teria o objetivo de “atender gratuitamente menores carentes, meninos de rua e
estudantes de escolas públicas, até 17 anos, oferecendo a oportunidade de descobrir
talentos tanto no campo esportivo, quanto social, cultural e profissional”
111
assim como
“criar programas e recursos de treinamentos e competição que permitam desenvolver
atletas que possam vir a integrar seleções nacionais e obter êxito internacional”.
Entretanto, a construção deste equipamento que teria uma função social não foi
priorizada. A demolição de galpões para atender o projeto original do estádio, assim
como a falta de tempo, segundo os promotores do projeto, inviabilizaram a instalação
do equipamento.
A construção do CODT não foi prioridade no período pré-pan e, inclusive,
parece estar descartada
112
. Segundo o presidente da AMETE: “[...] a área anexa ao
estádio ainda pertence ao COB, mas a empresa que está vindo administrar o Botagogo,
que é a TDZ, já está com um projeto para não mais construir o CODT e fazer um pólo
gastronômico de bares e restaurantes anexos ao Engenhão, mais uma vez não
atendendo à população local nas suas necessidades quanto à área de lazer, esporte,
às pessoas carentes e tudo mais” (apud LIMA, 2008).
Como se pode perceber, uma série de conflitos emergiu em função da
construção do estádio João Havelange resultando na mobilização de um conjunto de
111
Disponível em: http://www.engenhao.com/site/16/pg2.asp. (consultado em: 01/06/2007).
112
Em janeiro de 2008, o presidente do COB anunciou que o centro de Treinamento seria construído na Barra da
Tijuca, no Complexo do Autódromo. http://rjtv.globo.com/Jornalismo/RJTV/0,,MUL258835-9097,00.html
(consultado
em 10/03/08).
Figura 30: Protesto dos trabalhadores do Engenhão por melhores condições de trabalho. Fonte: UOL, 2007. Montagem Danielle
Barros, 2008.
128
atores. Dentre estes grupos pode-se destacar o papel da AMETE. Mantendo uma
estreita relação com o Comitê Social do Pan, este coletivo realizou uma série de
manifestações na região. Suas críticas estavam embasadas principalmente na ausência
de um estudo de Impacto de vizinhança do equipamento, e na certeza por parte dos
moradores do impacto negativo que o estádio teria no cotidiano do bairro.
3.3.3 – O caso da Marina da Glória
Pelo seu tombamento [...] o Parque do Flamengo ficará protegido da ganância
que suscita uma área de inestimável valor financeiro, e da extrema leviandade
dos poderes públicos quando se tratar da complementação ou permanência de
planos. Uma obra que tem como finalidade a proteção da paisagem e um
serviço social para o grande público obedece a critérios ainda muito pouco
compreendidos pelas administrações e pelos particulares (SOARES, M. C. M
113
.
in OLIVEIRA; BARROSO, 2006).
O principal conflito que surgiu com a proposta de implantação do Complexo
Marina da Glória para o Pan-Americano foi a possibilidade de parte de um dos mais
importantes parques urbanos do mundo de uso público – o Aterro do Flamengo – ser
submetido aos interesses da iniciativa privada, com a implantação de equipamentos
que desvirtuariam a proposta inicial para a área. Parte da sociedade civil, apoiada por
alguns órgãos técnicos, receosos com a descaracterização do parque, se mobilizou em
diversas frentes para impedir a continuidade das obras.
A proposta elaborada para o Complexo Marina da Glória comprometeria,
segundo os críticos ao projeto, a integridade da concepção original do parque, visto que
esta última não previa qualquer tipo de fechamento ou interrupção do continuum visual
e funcional do parque, que seria aberto à utilização de todos. O projeto do Complexo
Marina da Glória, um dos equipamentos de apoio à realização dos Jogos Pan-
Americanos, caracterizava-se, neste contexto, mais como um grande complexo de
negócios e turismo – composto por centro de convenções, centro de exposições, clube
privado, shopping center, garagem para 2.000 veículos e outras atividades - do que
propriamente um equipamento esportivo para um evento com duração de 15 dias.
113
Maria Carlota de Macedo Soares, a Lota, foi nomeada em 1961 pelo governador do antigo Estado da Guanabara,
Carlos Lacerda, coordenadora do projeto do parque dando assessoria ao Departamento de Parques da Secretaria de
Viação e Obras e à Superintendência de Urbanização e Saneamento - SURSAN.
129
Embora não seja recente, o processo de disputa sobre os usos e os projetos
para a área da Marina da Glória, talvez tenha ganhado visibilidade dada à realização
dos Jogos. O histórico da Marina da Glória demonstra que este conflito teve início em
1996, quando a Prefeitura do Rio de Janeiro assinou um contrato de concessão com a
EBTE - Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia S.A, pelo prazo de 10
anos. O referido contrato dizia respeito apenas à melhoria das instalações, serviços e
atividades já existentes na área e a segurança das instalações. Acessoriamente, era
facultada ao contratado a realização de projetos complementares, que deveriam,
contudo, ser aprovados pela Prefeitura, pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - e demais órgãos competentes.
Em 1998 os conflitos se intensificaram. A EBTE apresentou o “Anteprojeto de
Revitalização da Marina da Glória”, elaborado pelo arquiteto Paulo Casé, que, se
implantado, representaria uma expansão significativa da área física da marina, além da
mudança do programa original proposto para a área com a instalação de um complexo
náutico de lazer e turismo. Diante de tal proposta, completamente contrária ao projeto
inicial do parque e da marina
114
, o IPHAN posicionou-se contrariamente à intervenção,
reafirmando os termos do tombamento
115
que considera “non edificandi todos os
terrenos cuja ocupação não tenha sido prevista no referido Plano” (Comissão Especial
do Parque do Flamengo - IAB/RJ, 2006).
Em 2006, a discussão sobre o projeto de revitalização da Marina da Glória
voltou novamente à tona, agora sob a justificativa da realização dos Jogos Pan-
Americanos. O projeto assinado pelos escritórios dos arquitetos Paulo Casé, Roberto
114
Originalmente, o terreno para onde se expande o projeto do arquiteto Paulo Casé, foi pensado para dar lugar a
um ripado para plantas ornamentais, um aquário e um pavilhão de flores (além da área de piquenique já existente).
Embora este fosse o projeto de 1965, as intervenções ainda estavam para ser feitas e nunca haviam saído do papel.
O tombamento do parque, no entanto, incluía o item "obras a executar". Com o passar dos anos, a prefeitura
construiu ali instalações da Parques e Jardins e da Rioluz, descaracterizando os planos originais (OLIVEIRA;
BARROSO, 2006).
115
O Parque foi tombado em 20 de abril de 1965, pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, tendo em vista proteger o espaço da especulação imobiliária. Sendo inscrito no livro de Tombo
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do IPHAN em 28 de julho de 1965. A Marina da Glória foi inaugurada em
1977, com o intuito de ser uma Marina Pública que permitiria democratizar o uso de áreas de atracação por
pequenas embarcações. Apesar do tombamento do Parque ser anterior a inauguração da marina, o projeto da
mesma já constava na Planta Geral do Parque do Flamengo que foi apresentada no processo de tombamento.
Assim, não há ato que a exclua da área tombada, seu espelho d’água inclusive, está incluído no perímetro de
tombamento do Parque. Em 1984, no entanto, a Marina que até então estava sob administração do poder público,
passa a ter associações e parcerias de outras representações na forma de contratos e coalizões. Outras construções
se sucederam, com a ampliação do uso do solo e da ocupação prevista apesar das tentativas do IPHAN em evitar o
desvirtuamento do projeto original (BARRA; BATISTA, 2006).
130
Garcia Rosa e Márcio Ribeiro, seguia praticamente o mesmo programa de
necessidades do projeto apresentado em 1998, sendo, neste sentido, objeto de novas e
duras críticas.
O projeto proposto por estes arquitetos previa a construção de um centro de
convenções, um centro de exposições, instalação de um clube privado, terminal
turístico com plataforma de 200m, com uma altura correspondente a um edifico de 6
andares, sobre a Baía da Guanabara, um Shopping Center, grandes estacionamentos e
garagem de veículos com mais de 41.000 m². Além disso, previa a construção de uma
divisória de 2 m de altura sobre a murada que contorna a Marina da Glória, de modo a
garantir uma segurança maior para os barcos dispostos na enseada da Glória
116
.
Houve, neste sentido, uma nova recusa do projeto por parte do IPHAN, tendo
em vista que os problemas apontados anteriormente permaneciam. Segundo o IPHAN
"o projeto apresentado está superdimensionado, maior do que é necessário para as
competições de vela. Ele tem uma parte náutica e outra não, isso ultrapassa as
necessidades dos Jogos”. E ainda: "Para se ter uma idéia, 80% do projeto é voltado
para lanchas e 20% para veleiros. No Pan não tem prova para lancha
117
”. No entanto,
116
O projeto foi apresentado pelo escritório de Paulo Case estrategicamente em ângulos que não permitiam uma
avaliação da escala da intervenção sob o olhar do pedestre, sendo todas as vistas de topo. Além disso, poucos
foram os canais que apresentaram a volumetria proposta pelo projeto.
117
CASTELLAR, Michel. Iphan quer obra minimalista na Marina. Jornal do Comércio, 24/10/2006.
Figura 31: (1) Vista do projeto proposto para a Marina da Glória e a garagem de barcos (Veja, 2003); (2) Projeto da Garagem
de barcos (Revista Náutica, 2003); (3) Projeto do arquiteto Paulo Casé , todas as vistas do projeto são de topo impedindo uma
clara visualização do impacto da edificação (Paulo Casé, 2006). Fonte: Paulo Casé, 2007. Montagem Danielle Barros, 2008.
131
tendo a proximidade do Pan 2007 como argumento, as obras na Marina da Glória
começaram a sair do plano das idéias para o das execuções.
Procurando frear o ritmo acelerado em que se encontravam as obras na
Marina, a sociedade civil se organizou e protestou, com manifestos de repúdio à
postura da EBTE, subscritos por entidades, artistas, jornalistas, arquitetos. Esta ação
acabou tendo um papel relevante na articulação o S.O.S Parque do Flamengo e o
Comitê Social do Pan.
A favor do projeto, outros grupos também se manifestavam incluindo
políticos, empresários do setor turístico e atletas. Em carta aberta às autoridades, a
Federação Brasileira de Vela e Motor – FBVM - apontava a necessidade das obras na
marina para o bom desempenho do esporte nos Jogos Pan-americanos.
O projeto náutico da Marina da Glória, por sua localização estratégica,(...) e
pelas suas novas instalações e equipamentos, que proporcionarão conforto e
qualidade de serviços aos atletas, é crucial para o sucesso das competições de
vela do Pan (Federação Brasileira de Vela e Motor, 2006)
118
Neste mesmo ano, o contrato com a EBTE foi renovado por mais trinta anos,
tendo o diretor da EBTE declarado à imprensa em março de 2006 que o projeto por
eles proposto realizar-se-ia independentemente dos Jogos Pan-americanos
119
.
Após algumas mobilizações e manifestações no aterro do Flamengo,
organizadas pelo SOS Parque do Flamengo e pelo Comitê Social do Pan, alguns
órgãos técnicos começaram a se manifestar publicamente, como a Associação
Brasileira de Arquitetos Paisagistas - ABAP e o Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB,
fortalecendo e legitimando a luta destes grupos.
118
Assinam o documento: Alan Adler – Mundiais de Star e de J24, prata em PAN; Axel Schmidt – Tri-campeão
mundial de Snipe, ouro e prata em PAN; Erick Schmidt – Tri-campeão mundial de Snipe, ou e prata em PAN; João
Signorini – Tripulante do Brasil 1; Kiko Pelicano – Bronze olímpico e tripulante do Brasil 1; Lars Grael – Dois bronzes
olímpicos; Marcelo Ferreira – Dois ouros e um bronze olímpicos, bi-campeão Mundial de Star; Marcos Soares – Ouro
olímpico; Maurício Santa Cruz – Mundiais de Snipe e de J24 e prata em PAN; Nelson Falcão – Bronze olímpico e
Mundial de Star; Pedro Bulhões – Ouro em PAN; Robert Scheidt – Dois ouros e um prata olímpicos, octa-campeão
mundial de Laser e três ouros em PAN; Ronie Senft – Prata olímpica, ouro e Bronze em PAN; Torben Grael – Dois
ouros olímpicos, um prata olímpico e dois bronzes olímpicos, Tático do barco Prada na America's Cup e comandante
do Brasil.
119
ademi.webtexto.com.br/tousarticles.php3?id_rubrique=52 (consultado em 27/09/07).
132
O IAB montou uma comissão temporária, em 3 de agosto de 2006,
denominada Comissão Especial do Parque do Flamengo, que contou com a
participação
120
de coordenadores e integrantes de várias comissões permanentes do
IAB/RJ, de associados interessados e outros colaboradores para subsidiar e aprofundar
os estudos e levantamentos para que o Conselho do Instituto pudesse se posicionar
diante do caso. Após reuniões com os arquitetos autores do projeto e/ou representantes
deles, e a realização de estudos e pareceres técnicos o Conselho Deliberativo do
IAB/RJ posicionou-se contrário às obras na Marina pelas razões abaixo:
(i) o desrespeito ao instituto do Tombamento, como instrumento de preservação
de bens culturais e paisagísticos, associado à
(ii) ausência de parâmetros urbanísticos para o local, sem que se verificasse
nenhuma iniciativa de proposição de legislação específica, criando com isso
ambiente favorável à
(iii) concepção e desenvolvimento de programa de necessidades de magnitude
e escala incompatíveis com a delicadeza necessária à qualquer intervenção
pretendida no conjunto urbano-paisagístico do Parque do Flamengo,
ressalvando contudo que não se esgota a busca por alternativa viável que
contemple o atendimento às premissas de dar provimento às demandas dos
Jogos Pan-americanos de 2007, bem como às de Revitalização da Marina da
Glória (Comissão Especial do Parque do Flamengo - IAB/RJ, 2006).
120
Armando Mendes (coordenador),Claudia Girão, Dina Lerner, Dora Alcântara, Eduardo Barra, Fernando Chacel,
Flavia Boghossian, Geronimo Leitão Mendes, Graziela Faini, Helena Galiza, Helena Rego, Jacques Hazan, Julio
Bentes, Letícia Hazan, Lia Motta, Luiz Paulo Leal, Marcelle da Silva Araújo, Marco Leão Gelman, Noemia Barradas,
Paulo Saad, Renato Gama Da Rosa, Sabino Barroso, Sergio Morais.
Figura 32: (1) Panfleto do SOS Parque do Flamengo; (2) Recolhimento de assinaturas no Parque do Flamengo para impedir a
continuidade das obras na Marina da Glória, em 2006. Fonte: CSP, 2006.
133
A ABAP também emitiu um parecer contrário à implantação do Complexo
Turístico Marina da Glória, assinalando que projetos como o proposto para a Marina
desvirtuam e ferem a concepção original do parque e, principalmente, desrespeitam a
legislação de preservação de bens culturais e o instrumento de tombamento. Ainda que
tardios, visto que as obras na Marina já tinham sido iniciadas, estes documentos deram
maior visibilidade a questões relevantes referentes ao projeto da Marina da Glória que
deslegitimaram sua implantação. Tais documentos também deram subsídio às ações
civis públicas movidas posteriormente, que resultaram no embargo das obras.
Interessante foi a possibilidade de passar a discussão do projeto da esfera
cível para a criminal. O analista ambiental do IBAMA, Hélio Ribeiro dos Santos, que
assinou o parecer autorizando a obra na Marina da Glória, foi preso por corrupção em
agosto de 2006. Este fato, segundo o advogado Heitor Correa, “torna a obra de
revitalização da Marina da Glória ilegal também em relação ao órgão público e enseja a
abertura de um processo criminal pelo Ministério Público especificamente contra a
EBTE ou Município do Rio de Janeiro pela apresentação de documento falso pelo
licenciamento de obra em área de preservação ambiental” (in OLIVEIRA, A. Fórum de
Debates Minha Cidade - Portal Vitruvius, em 13/09/2006).
O desajuste entre o projeto para a Marina da Glória examinado e aprovado
pelo órgão de licenciamento ambiental – FEEMA – Governo do Estado do Rio de
Janeiro e o projeto apresentado ao Conselho Deliberativo do IAB como pretendido para
execução também trouxe questionamentos sobre a legitimidade e transparência do
processo. Além disso, os pareceres apresentados relativos aos aspectos físicos,
bióticos e sócio-econômicos foram considerados insuficientes pelo Conselho
Deliberativo do IAB para definir corretamente os reais impactos do projeto na área de
influência da Marina da Glória. O documento assinala ainda a ausência de estudos
referentes: 1) ao incremento do volume de tráfego resultante do empreendimento; 2) a
volumetria das novas edificações.
Diante do impasse sobre a implantação do projeto do Novo Complexo Marina
da Glória e a proximidade dos Jogos Pan-Americanos, o CO-RIO optou pela utilização
de estruturas temporárias durante a competição. No entanto, as estruturas para a
134
garagem que seria construída para o evento permanecem sob a baía de Guanabara,
assim como as disputas jurídicas sobre os desdobramentos do projeto para o complexo
Marina da Glória permanecem em curso.
Certamente impedir a continuidade das obras constituiu uma grande vitória
para o movimento social, principalmente pela repercussão que a resistência teve,
inclusive e sobretudo, na grande mídia!
3.3.4 - Estádio de Remo da Lagoa
O projeto é inaceitável. Queremos a revitalização do estádio, mas voltada para
o esporte (Zezé Barros in: CERQUEIRA, 2006).
Semelhante ao caso da Marina da Glória, as disputas e os conflitos em torno
da ocupação e do uso do espaço do Estádio de Remo da Lagoa não são recentes e
são resultado de um tipo de gestão que tem como diretriz central “privatizar” espaços,
até então, públicos, tornando-os um negócio.
Em 1995, mesmo ano da cessão de uso da Marina da Glória à EBTE, o
Município do Rio de Janeiro transferiu a posse do Estádio de Remo à Glen
Entertainment Comércio Representações e Participações Ltda. Esta, no entanto, era
uma ação ilegal, visto que em 1994, o Estado do Rio de Janeiro firmou um termo de
cessão de uso do Estádio de Remo da Lagoa com o Município do Rio de Janeiro que
proibia ao cessionário ceder, transferir, arrendar ou emprestar a terceiros o imóvel
objeto da cessão.
A ilegalidade da transação resultou em uma ação civil pública (ACP,
processo nº 2003.001.054921-8), de autoria do Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro, contra o Estado do Rio de Janeiro, o Município do Rio de Janeiro e a Empresa
Glen Entertainment, com o pedido final de que fosse declarada a nulidade da permissão
de uso do Estádio de Remo da Lagoa e seus termos aditivos, ante a inexistência de
licitação, condenando-se a Glen a devolver a área do estádio ao patrimônio público
independentemente de qualquer indenização.
A empresa Glen foi condenada, em primeira instância, a devolver o Estádio
de Remo ao patrimônio público, mas recorreu da decisão. O Estado ajuizou ação de
135
reintegração de posse, na qual obteve liminar em 12 de setembro de 1996, e,
reintegrado na posse do estádio, celebrou com a Glen instrumento particular de
transação sem prévia licitação. Assim, a Glen recebeu a posse do estádio em 1997 com
direito a explorá-lo comercialmente por 10 anos
121
.
Neste mesmo ano, a Glen apresentou o projeto de melhoria e adaptação do
estádio, denominado Complexo Lagoon, que previa a instalação de sete salas de
cinema, doze lanchonetes, dois restaurantes, um banco 24 horas, estacionamento para
430 carros e um espaço para eventos com 1.400 metros quadrados.
A transformação de um espaço destinado à prática de esportes em um
shopping center de pequeno porte é a principal crítica ao projeto, seguida de um
questionamento sobre os impactos na rede viária.
O projeto do Complexo Lagoon também é criticado por descaracterizar uma
obra exemplar da arquitetura moderna brasileira, projetada pelo arquiteto Benedicto de
Barros, em 1954 e tombada por Lei Ordinária pela Câmara Municipal
122
. De vários
pontos de vista, constitui, pois, um conflito bastante semelhante ao da Marina da Glória.
Vários grupos se mobilizaram para protestar contra o Projeto Lagoon. De
acordo com LOBO (2006):
Já protestaram contra a redução do espaço de remo pelo Projeto Lagoon, da
Glen Entertainment, a FRERJ – Federação de Remo do Estado do Rio de
Janeiro; o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro – COB, Carlos Artur
Nuzman; o dirigente desportivo João Havelange; os clubes Flamengo;
Botafogo; Guanabara; Escola Naval e Piraquê; o Ministério dos Esportes, os
grandes campeões de Remo, o Comitê Social do Pan e a Procuradoria do
Estado do Rio de Janeiro.
Já protestaram contra a sobrecarga do tráfego da área, já congestionada pelo
acesso à Barra da Tijuca, todas as Associações de Moradores do entorno e
adjacências da Lagoa, o Ministério do Transporte e o Ministério do Meio-
Ambiente.
121
Uma peculiaridade dessa concessão está no fato de a mesma estar submetida à conclusão das obras. Assim, a
concessão só teria início após o término das obras do Complexo Laggon, quando a concessionária poderia explorar
efetivamente o espaço. Esta ressalva também é válida para o pagamento do aluguel pela concessionária. A
cobrança do aluguel só teria início depois de concluídas as obras de adaptação do estádio ao seu projeto de
exploração comercial, não fixando prazos para essas obras acabarem. Quer dizer: enquanto tiver alguma obra sendo
tocada, a Glen usa o estádio sem pagar nada e a concessão nunca acaba (BARROS, 2006B).
122
A Câmara de Vereadores, por meio da Lei nº 4149/2005, tombou o Estádio de Remo da Lagoa, considerado
exemplar referencial da arquitetura moderna brasileira. Estão preservadas as características arquitetônicas originais
dos três blocos edificados e garante-se a participação de entidades desportivas e ligadas ao remo para consultoria
técnica-esportiva em todas as etapas do desenvolvimento do projeto de restauração e revitalização do imóvel. A lei
do tombamento permite adaptações no conjunto edificado para adequações às funções esportivas e para atividades
comerciais de suporte, de pequeno porte, desde que não haja perda da harmonia do projeto original.
136
Já protestaram contra a destruição do estádio tombado Oscar Niemeyer, os
membros do Docomomo
123
-Brasil e do Docomomo-Rio e uma centena de
arquitetos e urbanistas de todo o país.
Em 2006 foram realizadas três manifestações no Estádio de Remo, abaixo-
assinados em defesa do estádio. Os militantes apontavam, no entanto, a omissão da
grande mídia em abordar o tema favorecendo, na maioria das vezes, os interesses da
Glen Entertainment, "vendendo" para a população uma imagem de modernidade nos
planos de utilização do estádio. Daí a importância do papel desempenhado pela mídia
alternativa no processo de difusão das informações.
Para contrapor-se ao Projeto do Complexo Lagoon, a FRERJ apresentou um
contraprojeto de revitalização para o Estádio de Remo, elaborado em conjunto com os
clubes cariocas de remo. Este projeto foi elogiado em parecer técnico elaborado pela
Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento do Ministério do Esporte, além de
atender às exigências da Lei de Tombamento.
Reconhece-se neste conflito também uma disputa entre duas instituições que
gerenciam a atividade esportiva do remo. Visto que o relacionamento entre a Glen e a
atividade esportiva foi transferido da Federação de Remo do Estado do Rio de Janeiro,
que defendia e defende o local como área pública para os esportes, para a
123
Associação de intelectuais em prol da Documentação e Conservação do Movimento Moderno.
Figura 33: Manifestação em frente ao estádio de remo, em 2006. Fonte: CSP, 2006.
137
Confederação Brasileira de Remo que, segundo os atletas, não tem apoiado os
interesses do esporte no Rio de Janeiro
124
.
Até o início do Pan, permaneciam os conflitos em torno do projeto do Estádio
de Remo. A impossibilidade da continuidade das obras fez com que fossem erguidas
estruturas temporárias para a realização das competições. As estruturas temporárias,
no entanto, segundo Barros (2006), constituíram apenas um dispêndio de verbas que,
infelizmente, não legaram nada ao esporte do remo.
Assim, as disputas sobre o destino do Estádio de Remo ainda prometem
muitos conflitos, visto que nenhuma resolução definitiva foi tomada. A Glen continua
cessionária do estádio, assim como os recursos contra a empresa, a Prefeitura e o
estado continuam tramitando.
3.3.5 - As medidas de Segurança para o Pan: a operação no Complexo do Alemão
Infelizmente, parece que o Rio 2007 será lembrado mais pelos seus mortos do
que pelos jogos. As mesmas forças policiais que pretendem dar segurança ao
Pan são responsáveis por invasões de comunidades. No Brasil, o chamado
espírito olímpico é fatal! (CARVALHO; DELGADO, 2007).
As medidas de segurança adotadas em nome do Pan, também resultaram
em conflitos urbanos, principalmente no caso emblemático da ocupação do Complexo
do Alemão.
O Complexo do Alemão é um conjunto de 21 favelas localizadas entre os
bairros da Penha e Bonsucesso, atravessando outras comunidades (Ramos, Olaria e
Inhaúma), e tem uma população de aproximadamente 160 mil moradores.
Enquanto a relação da operação no Complexo do Alemão com a realização
dos Jogos Pan-americanos foi amplamente negada pela grande mídia, movimentos
sociais e comunidades de favelas cariocas enxergavam a tentativa de se criar uma
“sensação de segurança” para o evento a partir do que Fausto de Oliveira (2007)
nomeou de “sufocação com violência”.
124
“O presidente Rodney Bernardes, empresário e ex-remador, está no comando da CBR há 16 anos e é impossível
separar a fase ruim dos últimos anos da direção da instituição.(...) A grande maioria dos remadores, principalmente
do Rio de Janeiro, critica a direção da CBR. As acusações vão desde a má administração do dinheiro até
nepotismo”. (Lydia Gismondi, atleta do Botafogo 04/10/07) http://poresporte.blogspot.com/2007/10/remo-um-jejum-
sem-fim.html
138
Segundo o professor Ignácio Cano
125
, a mega-operação no Complexo do
Alemão foi uma tentativa do governo de afirmar sua força:
Não tenho dúvida que os governos queriam passar a impressão de fortaleza e
não de fraqueza para a imprensa. Isto não seria feito durante a realização do
Pan-americano; então, resolveram fazer uma mega-operação antes do evento
para poder dizer que eles tinham agido com planejamento e contundência, e
também para dar uma demonstração de força (apud COTTA; CELESTINO,
2007).
No final de maio, o governador do Rio, Sergio Cabral, já havia anunciado a
abrangência da ação policial que se daria às vésperas do Pan. Em entrevista à Rede
Globo, ele justificava a repressão como necessária para o “desenvolvimento social”. E
avisava: "A nossa ação é uma ação permanente e ela vai se intensificar". Em junho de
2007 as ações realmente se intensificaram, tendo como ápice a ocupação do Complexo
do Alemão. Em entrevista ao jornal “O Globo”, em meio às operações no Complexo do
Alemão, o secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano
Beltrame, informava que iria "[...] estender à Rocinha e a outras quatro favelas do Rio a
mesma estratégia de uso da força empregada no Complexo do Alemão". Diante deste
quadro, os grupos de resistência se mobilizaram rapidamente, buscando impedir que
operações deste tipo se repetissem
126
.
Iniciada no dia 27 de junho de 2007 e se estendendo por longos 90 dias, a
operação no Complexo do Alemão resultou em, pelo menos, 44 mortos
(CARVALHO;
DELGADO, 2007)
. Nas informações oficiais divulgadas pela grande mídia, consta que, no
primeiro dia da operação, 19 pessoas foram mortas, todas elas traficantes. Denúncias
recebidas pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB - indicam que estas 19 pessoas
teriam sido cruelmente exterminadas. A despeito dessa informação, os moradores do
Complexo do Alemão apresentam os seguintes relatos:
Ninguém aí morreu em combate, moço! Todos os mortos estavam rendidos,
entregues, mãos na cabeça, outros até ajoelhados ou deitados no chão. Foram
125
Ignácio Cano, professor do laboratório de análise da violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro -
LAV/UERJ.
126
Em meio à primeira plenária para organização do ato na abertura do PAN, foi passado o informe do massacre
policial no Morro do Alemão. Em conseqüência, foi escrito um manifesto e, no dia seguinte, realizou-se um ato em
frente à Secretaria de Segurança do Governo do Estado. Esse ato, mesmo sem divulgação (a não ser na própria
plenária de organização do ato do PAN), contou com a representação de mais de 20 entidades e movimentos,
inclusive de sindicatos, estudantes, movimentos culturais etc (LOPES; BARROS; MARQUES, 2007).
139
executados, alguns deles com requintes de crueldade. Se fizerem busca nos
matos aqui próximo, vão encontrar outros mortos.
Eu ouvi os traficantes gritando logo no início da invasão da polícia: 'Vaza! Vaza!
Num dá pra bater de frente, é muito polícia!' Alguns escaparam pelo mato.
Olha, moço, eu ouvi um policial rindo e dizendo que aquilo tava muito fácil,
parecia até caçada de pato!
(apud CAMPOS, 2007).
O processo de naturalização e legitimação da violência policial como solução
para o controle da criminalidade e a criminalização da pobreza e dos movimentos
sociais foram temas amplamente discutidos e difundidos neste período principalmente
pelos movimentos sociais e intelectuais, como podemos perceber no fragmento do texto
“Os Mortos do Pan”, escrito por Sandra Carvalho e Fernando Delgado, respectivamente
diretora e pesquisador do Centro de Justiça Global
127
:
Às execuções cometidas por esquadrões da morte (no passado), pelo tráfico,
pelas milícias e grupos de extermínio, soma-se esse elevado padrão de
letalidade policial, onde a execução sumária adquire um caráter supostamente
‘legal’ ao ser registrada como auto de resistência. Entramos na era do Caveirão,
afinal. O Estado não esconde mais sua violência. Ele se orgulha. A polícia
invade as comunidades a bordo de blindados com símbolo de caveira
anunciando ‘Eu vou pegar sua alma’. Trata-se do projeto de criminalização da
pobreza, que associa o morador de favelas à criminalidade e assume o número
de mortos como um resultado positivo, como critério de eficiência policial
(CARVALHO; DELGADO, 2007).
E ainda:
Que vergonha! Pela criminalização da população negra e pobre; por utilizar
violência policial como suposta solução de enfrentamento da criminalidade; por
gastar bilhões com o Pan, enquanto milhões de pessoas moram em barracos;
por executar seus cidadãos: que vergonha! (CARVALHO; DELGADO, 2007).
A grande mídia assumiu neste contexto, um papel importantíssimo no
processo de “naturalização do extermínio
128
” e na instituição do número de mortos
como critério de avaliação da eficiência policial.
A investigação sobre a operação policial no Complexo do Alemão estava
sendo realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil, cujo presidente João Tancredo, era um dos principais responsáveis pela
investigação. Diante da repercussão do caso e das cada vez mais constantes
127
Organização brasileira de defesa dos direitos humanos.
128
Vera Malaguti em entrevista a Mateus Alves para o jornal “Correio da Cidadania”.
140
denúncias da comunidade sobre a atuação dos policiais na ocupação do Complexo, em
oposição ao apoio da grande mídia e de uma parte da população que seria difícil
estimar, a Comissão da OAB foi destituída e João Tancredo exonerado do cargo 21
dias após o início da operação do Complexo. Esta ação representou uma grande perda
para os movimentos sociais e, principalmente, para os moradores do Complexo do
Alemão:
A exoneração de Tancredo foi lamentável. Acho triste, pois quando vemos
alguém que quer defender a comunidade em público e ela é praticamente
expulsa do cargo é muito ruim, porque ele foi prejudicado. Houve um erro em
tudo isso. Isso é falta de humanidade (Lúcia de Fátima Cabral, diretora da
Associação de Moradores da Grota, no Complexo do Alemão apud BATISTA;
ASSIS, 2007).
A saída do João Tancredo é de uma atrocidade que não tem tamanho. Uma
instituição como a OAB que retira um representante antenado com os
movimentos sociais significa poder ficar com o campo livre para não fazer nada,
para ficar na retórica, para não se movimentar. Isso nos faz refletir o quanto o
tráfico de drogas é realmente poderoso, não no varejo, mas no colarinho branco
e nas instituições públicas (Alan Pinheiro, coordenador do Grupo Social Cultural
Raízes em Movimento apud COTTA; CELESTINO, 2007).
Durante a discussão sobre a operação no Complexo do Alemão, percebe-se
a tentativa por parte dos movimentos sociais de associar as ações ocorridas na
ocupação do Complexo a medidas supostamente voltadas para garantir a segurança
durante a realização dos Jogos Pan-americanos. Esta estratégia dos movimentos
sociais esteve, em alguns casos, baseada no resgate da história de outros eventos
(esportivos ou não) que resultaram em ações violentas contra a população.
Mega-eventos iguais ao Pan têm históricos violentos.[...] No dia da abertura dos
Jogos Pan-Americanos de 2003, a polícia da República Dominicana atirou em
um grupo de sindicalistas que organizavam uma ‘Tocha contra a Fome’. Em
2006, o Vietnam fez uma campanha de ‘limpeza social’ com detenções em
massa, recolhimento forçado de crianças e outros abusos contra sua população
de rua, tudo por causa do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico.
Existem outros exemplos. No Rio de Janeiro, além das violações de direitos
durante a ECO 92, a cada Carnaval a ‘Operação Verão’ traz seus excessos
policiais. No dia-a-dia, autoridades municipais e estaduais vêm realizando uma
‘limpeza social’ silenciosa, através, por exemplo, do recolhimento arbitrário de
crianças na ‘Operação Turismo Seguro’ e na destruição de pertences dos
moradores de rua na ‘Operação Cata-Tralha’ (CARVALHO; DELGADO, 2007).
141
Alguns vão mais além, especulando sobre o que estaria em jogo nesta
operação e qual era a informação que queria ser passada pelo estado:
Suponho que o objetivo desta tomada é abrir negociação com a bandidagem.
De que forma? Simples. Dias antes dos Jogos Pan-americanos, você invade o
maior complexo de favelas do estado. Fica ali dentro, não prende ninguém,
mas, dá um prejuízo enorme nas bocas de fumo. Aí dois recados são dados: 1º
recado - Se durante os jogos Pan-Americanos vocês deixarem os gringos em
paz, a gente sai daqui assim que o Pan acabar e vocês voltam à vida normal,
caso contrário, nas Bocas de fumo daqui, vocês não venderão nunca mais
nada. 2º recado -- Esse vai para as outras favelas, o estado tá abafando o pai
de todas as favelas, ou seja, vocês são muito menores, portanto muito mais
fáceis de serem dominadas, então nem tentem dar uma de PCC em São Paulo,
senão a gente vai aí também ok? (Márcio Motta, radialista, 2007
129
).
A ocupação no Complexo do Alemão repercutiu nacional e
internacionalmente, gerando reações contraditórias. Chama a atenção, como
repercussão no exterior, a manifestação em frente à Embaixada Brasileira em Berlim
130
,
onde um grupo de aproximadamente 30 pessoas, formado por alemães e brasileiros
vindos de diferentes países europeus,, denunciaram e protestaram contra a violência
policial nas favelas do Rio de Janeiro durante os Jogos Pan-americanos. Apoiados pela
Rede Contra Violência e fazendo coro com instituições como a Anistia Internacional,
eles distribuíram panfletos e deram esclarecimentos ao público que passava pela
Embaixada. Além de denunciarem o número de mortos e a tentativa do governo em
impedir as investigações sobre a operação policial no Complexo do Alemão,
protestaram contra a forma distorcida e preconceituosa com que a mídia estava
apresentando a discussão, criminalizando as favelas.
Como resultado do ato, o vice-embaixador se comprometeu a encaminhar
um pedido de esclarecimentos ao Departamento de Direitos Humanos do Itamarati.
129
http://videos.aonde.com/video/-4mJdnVyKc4/viol%C3%8Ancia-urbana---complexo-do-alem%C3%83o---rj.htm
(consultado em 10/03/2008).
130
Ocorreu no dia 24 de julho de 2007, poucos dias antes do fim dos Jogos Pan-americanos.
142
3.3.6 - Outros conflitos e manifestações
Nesta subseção serão expostas algumas manifestações que possuem uma
abrangência mais geral, sendo fruto de um conjunto de conflitos localizados e, de certa
forma, de uma política urbana excludente.
O seminário “Que PAN nós queremos?”, realizado em agosto de 2005, pode
ser considerado uma das primeiras atividades de protesto e alerta referente aos
impactos do PAN. O seminário contou com a participação de representantes de
movimentos populares e universidades, de parlamentares, do Fórum Popular do
Orçamento, do Fórum Popular de Acompanhamento do Plano Diretor da Cidade do Rio
de Janeiro, do Ibase, do Pacs, do CDDH Bento Rubião e de outros especialistas e/ou
interessados na discussão, num total aproximado de 200 pessoas. O seminário colocou
na mesma sala, o que é raro pessoas do entorno do Engenhão, da Vila Autódromo, do
Remo, de ONGs e de Universidades para discutir e pensar propostas para um tema
comum.
Ao final, resultado das oficinas realizadas no evento, aprovou-se a Agenda
do Comitê Social do PAN, com o seguinte lema: “Jogos PAN-Americanos para todos:
transparência – participação - justiça social - esportes”. No seminário, já estavam
presentes preocupações com as modificações urbanísticas, que viriam atender setores
empresariais da construção civil e incorporadores de terras.
Figura 34: Seminário “Que Pan nós queremos?” (1) Mesa de abertura; (2) Apresentação de um dos grupos de trabalho do
seminário; (3) Cartazes levados pelos participantes do seminário. Fotos: Danielle Barros, 2005.
143
Desde então as manifestações foram mais pontuais – concentradas nas
áreas diretamente impactadas, adquirindo um caráter mais geral, envolvendo outros
atores, somente em 2007 com a proximidade do Pan.
Pode-se citar o Seminário “Cidade um Direito de Todas as Pessoas”,
realizado em abril de 2007. Nesse seminário, uma das mesas teve como pauta de
discussão o PAN e seus futuros legados. A necessidade de organização de um amplo
ato crítico à organização dos Jogos foi uma das deliberações do seminário, que
identificou os legados do evento como perversos para os setores mais pobres da
população e apontou a articulação de um grande número de movimentos em torno do
debate sobre a cidade como um dos poucos possíveis legados positivos do PAN para
os trabalhadores.
Assim como no caso do Seminário “Cidade um Direito de Todas as
Pessoas”, outras reuniões e encontros ocorridos em 2007 começaram a identificar o
PAN como um momento politicamente favorável para manifestações. Pode-se citar, por
exemplo, as greves e manifestações dos servidores públicos.
No período que antecedeu a realização dos Jogos, ocorreram diversas
manifestações no Rio de Janeiro, como paralisações e greves de policiais e professores
por aumentos de salários, de controladores de vôo, etc, que buscavam, em meio à
proximidade do evento, pressionar o governo e/ou as empresas para obter suas
vitórias. O “Pandemônio Social da UERJ” realizado no dia 10 de julho de 2007, também
pode ser incluído como uma dessas manifestações. Mais de 30 grandes faixas
reclamando do “pandemônio” na saúde, educação e segurança, em português, inglês e
Figura 35: Manifestação do Seminário Cidade Direito de todas as pessoas. Fotos: Danielle Barros, 2007.
144
espanhol, foram afixadas no entorno da UERJ para chamar a atenção dos turistas que
estariam na cidade durante os jogos. Organizado por representantes do Sindicato dos
Trabalhadores das Universidades Públicas do Estado do Rio de Janeiro – Sintuperj - e
da Associação de Docentes - Asduerj, juntamente com o Diretório Central dos
Estudantes – DCE - da instituição, a reivindicação era por melhores condições de
trabalho e mais verbas para a instituição.
Por fim, pode-se citar o Ato do dia 13 de julho, simbolicamente realizado no
dia da abertura do Pan, em frente à Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Organizado
por 50 entidades foi o maior ato organizado em função do Pan, com aproximadamente
1.500 pessoas. Contando com diferentes entidades, o ato ficou marcado por tensas
disputas internas, que acabaram levando à divisão da manifestação, que deveria
encerrar-se com uma caminhada em direção à Candelária. Parcela dos manifestantes
discordou daquela orientação e dirigiu-se para o Maracanã, na convicção de que o local
da cerimônia de abertura era o espaço mais adequado para que os objetivos da
manifestação fossem atingidos e para que esta alcançasse o máximo de visibilidade.
Figura 36: Uma das faixas do protesto “Pandemônio Social” na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Fonte: CMI, 2007
Figura 37: Ato de 13 de julho, dia da abertura dos Jogos, em frente à prefeitura do Rio de Janeiro. Fotos: Danielle Barros e
CMI, 2007.
145
Teve grande repercussão, inclusive na grande mídia, a utilização do símbolo
do Pan, o sol Cauê, como símbolo do protesto, uma vez que uma espécie de caricatura
do símbolo apresentava a mascote com um fuzil ao lado do Caveirão. Antes dos Jogos
também foram realizadas pichações com a mascote do Pan segurando o fuzil em vários
pontos da cidade; camisetas com estas imagens também fizeram parte do conjunto de
manifestações.
Ressalte-se, neste caso, que esta utilização do símbolo do Pan foi
duramente criticada pelos promotores do evento, que, invocando a lei de direitos
autorais, ingressaram com ação judicial, buscando criminalizar os autores da caricatura,
numa tentativa de deslegitimar o protesto. Foi iniciada neste período uma “caça as
bruxas”, ou seja, aos criadores deste “contra-símbolo
131
” e seus difusores. Note-se, no
entanto, que a subversão de significados da mascote-símbolo, de cidade-sol-
acolhedora à cidade-fogo-violenta levava consigo a tentativa, política, de subverter a
ordem simbólica e promover o questionamento do grande evento pelos cidadãos.
3.4 – Considerações Parciais
Verificou-se até aqui, que a excepcionalidade e temporalidade dos
megaeventos garatem aos gestores locais uma “certa” legitimidade para realizar ajustes
sócio-espaciais na cidade, a fim de adequá-la para a realização do evento com
“eficiência e qualidade”. Adequar a cidade nesses moldes, no entanto, significa
necessariamente, produzir um espaço que atenda aos ciclos de valorização do capital,
incorrendo muitas vezes em violação de direitos. A experiência analítica sobre o
131
Observe-se que este símbolo já estava sendo difundido na internet desde janeiro de 2007.
Figura 38: O contra-símbolo criado pelo cartunista Latuff: a mascote do pan com um fuzil na mão ao lado do caveião. (1)
Camisetas vendidas com o contra-símbolo; (2) Faixa; (3) Pichações que foram realizadas em diversas partes da cidade. Fonte:
CMI, 2007.
146
impacto de grandes projetos e grandes eventos tem demonstrado que estas
“adequações” têm resultado, quase sempre, na valorização de terras urbanas, na
expulsão da população pobre de suas moradias, na privatização de espaços públicos,
no controle social por meio do uso intensivo de forças policiais, dentre outros.
Diante deste quadro de violação dos direitos em função de um grande evento
emerge uma série de conflitos, e no caso do Rio de Janeiro não foi diferente. O prefeito
César Maia, no entanto, considerou que estes tiveram repercussão ZERO” (Entrevista
concecida à autora em março/2008). Os relatos e análises apresentados neste capítulo
sugerem que esta opinião é passível de contestação, sendo indiscutível que os
movimentos sociais tiveram um importante avanço em sua luta e organização no
período.
Figura 39: Mapa esquemático localizando alguns dos conflitos sociais que ocorreram em função da realização dos Jogos
Pan-Americanos, Rio 2007. Fonte: Danielle Barros, 2008.
147
Como visto nas seções anteriores, alguns movimentos alcançaram seus
objetivos e outros parcialmente exitosos. O que parece merecer destaque, porém,
independentemente da “eficácia” das lutas, é que estes conflitos expressaram, de
diversos modos, ações cidadãs, exercícios de construção de cidadania e de sujeitos
coletivos, negações do aparente e forçado consenso acerca dos benefícios do Pan-de-
todos. Eles explicitaram as contradições da metrópole diversa e desigual e, por outro
lado, desvelaram aspectos importantes do modo de se fazer política urbana na
atualidade: os acordos entre poucos atores das coalizões dominantes, a adaptação da
norma pública para legitimar os interesses particulares e específicos, as tentativas de
privatização de territórios urbanos, o repasse de importantes equipamentos para os
grupos privados e a gentrificação de áreas consideradas estratégicas para as
operações de renovação urbana.
Figura 40: Quadro síntese com algumas das conquista/não conquistas da resistência. Fonte: Danielle Barros, 2008.
148
Capítulo 4
Apresentação
Em geral, cada um tentará, portanto, impor sua própria asserção, mesmo
quando naquele instante ela lhe pareça falsa ou duvidosa. Os meios para se ter
êxito são, em certa medida, oferecidos a cada um pela sua própria esperteza e
maldade: é o que ensina a experiência diária no ato de disputar
(SCHOPENHAUER, 2005, p. 05).
O presente capítulo tem como objetivo discutir as disputas argumentativas
que ocorreram em função da realização dos Jogos Pan-Americanos, com foco na
discussão em torno do legado.
Os legados apareceram como o principal objeto de disputa, estando presente
tanto no discurso daqueles que tinham por função e obrigação justificar e legitimar os
Jogos, quanto daqueles que questionavam a forma como o evento vinha sendo
implementado.
Discute-se neste capítulo o modo como os diferentes atores sociais
envolvidos nos conflitos relacionados à realização dos Jogos Pan-americanos
acionaram um quadro discursivo, procurando deslegitimar o discurso e os atos
empreendidos pelos promotores do evento.
Acredita-se, neste sentido, que tais conflitos e disputas argumentativas
possam elucidar o processo de crítica ao modelo de planejamento vigente.
149
4 – CONFLITOS EM TORNO DA LEGITIMIDADE
4.1 – A Importância do Legado para a legitimação do projeto
Como tantas outras cidades que sediaram grandes eventos, a
implementação do projeto Pan-2007 envolveu uma forte estratégia de marketing
urbano, voltada em grande medida para a difusão de uma “nova” e “renovada” imagem
da cidade; mas também para a construção de um “consenso” em torno da necessidade
e legitimidade do projeto.
Como visto no primeiro capítulo, o consenso e o marketing urbano são
condições necessárias para a legitimação destes projetos, que, associados à reiterada
evocação de uma situação de crise urbana, procuram ganhar adesão para o projeto,
apresentado como redentor. A argumentação, neste sentido, parte do anúncio de
benefícios tangíveis e intangíveis, legados para a cidade que deverão ajudar a superar
a “crise” urbana.
Desta forma, pode-se dizer que, a difusão da expectativa de um legado
positivo para a cidade e para os seus cidadãos aparece como uma estratégia de
marketing, central para a legitimação do projeto.
A questão do legado, segundo Poynter (2006), assumiu um papel relevante
na construção das candidaturas olímpicas após a realização dos Jogos de Los Angeles
(1984). Nestes jogos, a comercialização do evento foi ampliada exponencialmente,
sendo o mesmo alvo de severas críticas por parte dos movimentos sociais que exigiam
um legado para a cidade e, principalmente, para os cidadãos.
De modo a proteger as olimpíadas de futuras críticas que pudessem
enfraquecer o projeto olímpico ou deslegitimá-lo, o Comitê Olímpico Internacional - COI,
incorporando as críticas recebidas (mais no campo discursivo do que propriamente da
ação) estabeleceu um conjunto de valores olímpicos que deveriam ser assumidos por
parte das cidades-sede. Mediante esta tentativa de “mascarar” ou compensar a
dimensão comercial dos Jogos, o “legado” assume um papel central nas candidaturas
olímpicas, passando a ser um critério exigido e avaliado pelo COI.
150
O conceito de “legado” decorrente de importantes megaeventos esportivos,
segundo Cashman (2002), está firmemente focado em resultados não-esportivos como
importante fonte de legitimidade para receber os Jogos.
Legado é uma expressão que se refere a uma ampla variedade de edições,
políticas e práticas pré-jogos. Toda cidade olímpica tem alguma forma de
legado: edifícios, monumentos, arte pública, exibições, museus, depósitos,
arquivos, selos, souvenires, lembranças, placas e nomes de ruas. O legado
abrange resultados práticos como ‘os restos dos Jogos’ e os destinos dos locais
olímpicos. O legado inclui também o resíduo ‘sentimental’ dos Jogos Olímpicos,
a depressão pós-jogos e até mesmo o lamento pelo término dos Jogos
(CASHMAN 2002, p. 34 apud MYAMOTO, 2006, p. 13).
Cashman (apud MYAMOTO, 2007) identifica seis principais tipos de legado,
a saber: (a) econômico; (b) relacionado ao ambiente físico; (c) informativo e
educacional; (d) relacionado à vida pública, política e cultura; (e) esportivo; e, (f)
simbólico, associado à memória e história.
No caso do Rio de Janeiro, cidade em que a coalizão dominante há anos
vem tentando fazer vitoriosa uma candidatura olímpica, diferentes legados, tangíveis e
intangíveis, sempre fizeram parte dos dossiês de candidatura e do discurso oficial dos
promotores do evento, como visto no segundo capítulo.
Sendo os Jogos Pan-americanos um evento de menor escala, mas muito
semelhante a uma olimpíada, o mesmo passou a ser encarado pelos seus promotores
e difundido para a coletividade como um passaporte “certeiro” para uma futura
candidatura olímpica.
Os Jogos Pan-Americanos serão uma espécie de vestibular para a nossa
competência em organizar eventos esportivos. O Brasil não medirá esforços
para que os Jogos Pan-Americanos sejam os melhores já realizados nesta
América (Lula em entrevista a Phydia de Athayde, Carta Capital, 2007).
Há 30 anos não se fazem investimentos de porte em equipamentos esportivos
no Brasil. Se o investimento é feito, ele não pode visar só um evento. É
importante que capacite o País para uma Olimpíada, para um Mundial. O Brasil
é candidato a sede dos Jogos Mundiais Militares de 2011, por exemplo. É mais
caro, mas não valeria a pena não fazer (Ricardo Leyser , Secretário do Comitê
Gestor das Ações Governamentais dos Jogos Pan-Americanosn2007, em
entrevista a Phydia de Athayde, Carta Capital, 2007).
151
Sendo o passaporte para uma possível candidatura olímpica, o legado
assume, como em tantas outras candidaturas olímpicas, um papel importante no
discurso dos promotores do evento sendo utilizado como grande elemento justificador
do projeto. Afinal, como disse Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB e do CO-RIO:
“legado é a palavra chave hoje. Não se constrói nada se não dissermos a todos qual
será o legado econômico, humano e social” (NUZMAN em entrevista a Tony Batalha,
Revista Esporte e Vida, 2004, p. 07).
Empregos, incremento do turismo, desenvolvimento, valorização do esporte,
modificação da imagem internacional, modernas infra-estruturas esportivas e de
transporte, entre tantos outros, passaram a fazer parte do discurso dos promotores do
evento e da mídia oficial.
Os Jogos Pan Americanos são o segundo maior evento multiesportivo e irão
gerar milhares de empregos diretos e indiretos, proporcionarão o
desenvolvimento do turismo, do comércio e do próprio setor esportivo. É, sem
dúvida, um evento que vai potencializar em muito o esporte olímpico brasileiro e
com isso atrair mais recursos [...].
Um evento desses modifica a imagem internacional [...].
Fazer o Brasil se tornar uma potência Olímpica não é um sonho, é algo que
está ao nosso alcance e devemos lutar por esse objetivo (NUZMAN em
entrevista a Jean Cláudio. Revista Caçula, 2003, p. 25).
Pode-se dizer, também, que os discursos e promessas, referentes ao legado
olímpico e a legitimação do evento, passaram a ser utilizados pelos grupos opositores
para mostrar que os mesmos não eram realistas. Assim, como observa Poynter:
[...] a crescente significação atribuída a legados não-esportivos tem gerado
muito debate concernente ao impacto social e cultural das Olimpíadas,
identificando vencedores e perdedores como decorrência do inevitável processo
de re-engenharia social que acompanha extensivos esquemas de regeneração
urbana (POYNTER, 2006, p. 14).
4.2 - A denúncia pública como uma “tecnologia de protesto”
Como visto no capítulo anterior, diversos conflitos emergiram em função da
realização dos Jogos Pan-Americanos, demonstrando não terem sido reais o consenso
difundido pela mídia e a conseqüente aprovação do projeto por “todos os brasileiros”.
152
Os grupos opositores deste grande evento se articularam de diferentes formas tendo
em vista as peculiaridades de cada conflito e dos objetivos de cada ação social.
Observou-se, no entanto que, em sua maioria, a resistência atuou fazendo
uso do que Boltanski (1990 apud ARAÚJO, 2007) chamou de denúncia pública; nesta,
a partir de um evento crítico, constitui-se um jogo entre denunciantes e denunciados no
qual cada ator tenta legitimar suas ações.
Neste sistema de denúncias, quem denuncia alguma coisa ou algo deve ser
capaz de convencer as outras pessoas, associando-as a seu protesto. Para isso é
necessário assegurar que lhes diz a verdade, mas também que ela merece ser
explicitada, uma vez que para corrigir uma injustiça é preciso acusar o agente (o ser
individual ou coletivo) responsável por ela. Trava-se um jogo de acusações e tentativas
de responsabilização, onde cada uma das partes envolvidas vai levantar argumentos e
provas para fazer com que seus respectivos interesses ou reivindicações sejam
reconhecidos como justos. Inicia-se uma luta pela verdade: a luta pela justiça neste
contexto, passa a ser uma luta pela verdade (ARAÚJO, 2007).
Para que uma denúncia pública seja aceita, é necessário que o autor desta
denúncia seja seguido por um grande número de pessoas. Assim, a causa que ele
defende tende muitas vezes a ser orientada para a universalidade, havendo o
deslocamento do ‘caso particular’ para o ‘interesse geral’, do singular e pessoal para o
geral e coletivo. O caso deixa de ser uma exceção e passa à condição de regra que
poderá voltar a acontecer (ARAÚJO, 2007).
A determinação e a decisão sobre um caso estarão, desta forma, ligadas às
manobras argumentativas e comprobatórias e aos efeitos de mobilização desenvolvidos
em cada campo. É nesse processo de “justificação” da denúncia, de buscar provar que
uma injustiça foi cometida e necessita ser reparada, que se vão constituindo os sujeitos
políticos, com todas as suas potencialidades e fragilidades.
153
4.2.1 - O Comitê Social do Pan e a denúncia pública
O Comitê Social do Pan - CSP, como assinalado no capítulo 3, foi um dos
primeiros grupos que se articulou para a denúncia pública do que qualificou como
arbitrariedades realizadas em nome dos Jogos Pan-Americanos. Teve como foco
central de suas denúncias o desrespeito aos princípios de justiça social em favor de
interesses particulares. Tais interesses estariam materializando, mediante a realização
do evento, os princípios da cidade-empresa
135
.
O posicionamento do Comitê em relação ao evento, no entanto, não estava
definido desde o início da estruturação do grupo. Não se sabia ao certo se o CSP era
favorável ou contrário à realização dos Jogos. Por ser composto por diversos grupos e
tipos de pessoas, com posições e expectativas diferenciadas em relação ao evento,
havia certa incoerência no discurso de seus membros, criando impasses discursivos
que, num dado momento, precisaram ser resolvidos. Assim, pode-se dizer que o
posicionamento político do CSP em relação à realização do evento foi constituído por
seus atores ao longo do processo de resistência.
O momento em que se discutiu especificamente qual deveria ser o
posicionamento do CSP se deu na elaboração do Manifesto ao Pan, que era um
documento que seria apresentado na Câmara Municipal e serviria de base para a
construção do documento que congregaria as principais discussões realizadas no
seminário “Que Pan nós queremos?”. Neste processo de construção do manifesto o
grupo que ficou responsável pela redação do mesmo não conseguia se entender sobre
o tom a ser dado no documento, devido a divergências ideológicas e políticas. Foi
necessário aprofundar a discussão interna ao grupo, como pode ser visto nos
depoimentos seguintes:
Desde o início do funcionamento do comitê o posicionamento político sobre se
somos a favor ou contra o Pan sempre foi motivo de discussão. Acredito que,
agora, é o momento de nos definirmos de uma vez por todas! Já esgotei e
explicitei meu posicionamento favorável ao Pan. Respeito profundamente quem
tem posição contrária
à minha, mas sei também que uma divergência de fundo
como esta num coletivo como o nosso é dilacerante (Luíz Mário Behnken,
20/09/05 e-mail – grifo nosso).
135
Termo empregado pelos militantes do CSP em entrevistas, manifestos, publicações.
154
Vamos colocar ali [referindo-se ao manifesto] TUDO o que a gente pensa, sem
meias palavras. NADA de afirmar: Somos a favor do Pan
. Isso só servirá para
diminuir a força das nossas palavras (Vírginia Murad, 18/09/05 e-mail – grifo
nosso).
Como visto nas citações acima, no grupo havia pessoas que eram a favor da
realização do evento e viam nele uma possibilidade de a cidade se desenvolver; outros
eram totalmente contrários à realização do evento, não vendo qualquer possibilidade de
mudanças na cidade que ao fim não favorecessem apenas a alguns interesses
minoritários. Neste contexto, em que a exposição do Comitê se ampliava nas arenas
públicas de debate, se fazia necessário definir claramente qual era o posicionamento do
grupo de modo que se estabelecesse uma unidade no discurso de seus membros que
expressasse realmente os objetivos do coletivo o qual representavam.
A partir das discussões realizadas pelo grupo chegou-se à seguinte e criativa
solução:
Essa história de se somos contra ou a favor, na minha opinião, não é
estratégica para o movimento. De que adianta ser contra algo que já está dado,
que não tem volta? [...] Por outro lado, explicitar posições favoráveis nos
deslegitima, afinal, estaríamos corroborando um processo que foi, desde o
início, elaborado em gabinetes de 8 milhões de reais ao ano, arquitetando as
orgias das mega-construtoras deste país, etc” (Jorge Luís Borges, 21/09/05 e-
mail).
Somos contra ou a favor? Eu proponho que respondamos: Não somos contra
nem a favor! O direito de responder a essa pergunta não nos foi dado pelos
nossos governantes, nem pelo COB, nem por ninguém. Portanto, o que nos
resta é lutar para que tudo ocorra da melhor forma possível para todos
(cariocas, visitantes e atletas) e que as condições gerais de vida para a cidade,
após os Jogos, sejam melhores do que antes dos Jogos. Para alcançar este
objetivo vemos que é necessário denunciar as injustiças e irregularidades
cometidas pelo Poder Público, além de questionar organizadores e
empreendedores sobre suas reais intenções e sobre os impactos das
intervenções, principalmente, sobre as comunidades ameaçadas de remoção
ou desestruturação (Jorge Luís Borges, 21/09/05 e-mail – grifo nosso).
E foi neste sentido que o Comitê atuou, sendo “favorável” aos Jogos, ou
melhor, “aceitando” os Jogos, mas não nos moldes que lhe vinham sendo dados por
seus dirigentes e promotores. O objetivo não era inviabilizar o evento, mas garantir que
sua realização gerasse efeitos positivos para a cidade, ou pelo menos, não piorasse as
condições de vida da população carioca.
155
Em sua Carta Básica de Princípios (2005), o Comitê declara que seu objetivo
central é “intervir, criticamente, na implementação dos Jogos Pan-Americanos [...]
abrindo o debate com segmentos da sociedade civil organizada e principalmente com
as populações diretamente afetadas [...] Nossas atenções estão voltadas basicamente
para as intervenções urbanísticas (e seus impactos sócio-ambientais), os processos
orçamentários e os canais de participação da sociedade civil
136
”.
Diante da “ditadura do silêncio” e da “seletividade das informações”
divulgadas oficialmente, impostas pelos promotores do evento, reitera-se o papel do
CSP de lutar pelo acesso às informações referentes aos Jogos por todas as pessoas,
principalmente, no que diz respeito aos gastos e aos impactos das intervenções e, mais
do que isso, pressionar para que a população possa participar ativamente dos
processos decisórios que envolvem estes grandes projetos:
Com o Pan, a Prefeitura busca vender ilusões. E essas ilusões servem também
para mascarar a falta de transparência com que essas intervenções têm sido
apresentadas à população, bem como a maneira como decorre todo o
processo, pois a população precisa saber sobre estes gastos e demais
intervenções institucionais. Do modo como está evoluindo o processo, somente
as pessoas privilegiadas e diretamente envolvidas estão permanentemente
informadas, ficando a opinião pública à mercê somente das notícias publicadas
e das informações constantes de seus ‘sites’ institucionais. (...) O Direito à
Cidade deve ser compreendido como um direito coletivo, por meio da
participação popular e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade na formulação, execução e acompanhamento de grandes eventos
na cidade, ou qualquer outra obra que venha provocar algum tipo de impacto
para a população ou parte dela (TAMBELLINI; MURAD, 2005 – grifo nosso).
Como dito anteriormente, no sistema de denúncia pública trava-se um jogo
de acusações e responsabilizações, onde se acusa o agente responsável pela injustiça.
No caso dos Jogos Pan-Americanos as denúncias foram direcionadas muitas vezes ao
Estado, nos seus três níveis de governo (municipal, estadual e federal), sendo o maior
alvo destas denúncias o prefeito César Maia que, objetivamente, foi a figura central dos
Jogos Pan-Americanos na cidade.
136
http://br.geocities.com/fporj/cartadeprincipios.htm (consultado em 30/03/06).
156
Contudo, como se trata de um jogo onde se acusa, mas também se é
acusado, os promotores do evento partiram para o contra-ataque aos manifestantes,
chamando-os de “anti-pan”, “chatos do pan”, “baderneiros de sempre”. Numa clara
tentativa de desqualificar os denunciantes, caracterizava-os como contrários ao
desenvolvimento que o evento poderia proporcionar. Talvez por isso, os manifestantes
tivessem a necessidade de ressaltar seu posicionamento favorável a realização do
evento, sendo contrários, porém, a forma como esse desenvolvimento estaria sendo
alcançado. Nas palavras do presidente da AMETE: "Nós não somos contra o Pan.
Somos a favor. Mas somos contra o jeito que tudo isso está sendo feito" (Aníbal
Antunes em entrevista a Bruno Doro, UOL Esportes. 24/07/07).
Não obstante, de modo a enfraquecer e deslegitimar os argumentos dos
manifestantes deflagrou-se uma intensa campanha de criminalização dos movimentos
sociais e dos moradores de comunidades pobres, como na caso do Complexo do
Alemão e dos envolvidos nos processos de remoção. Assim, o número de “pessoas de
bem” envolvidas no processo de crítica ao evento seria relativamente pequeno, uma
vez que grande parte dos autores da denúncia pública fazia parte de movimentos
sociais e/ou comunidades pobres. Essa qualificação “das pessoas que contam”
contribuiria e, em alguns casos, determinaria a validação ou não das denúncias
públicas. Como aponta Barros (2008):
É uma luta desigual. Somente com o engajamento da sociedade, talvez haja alguma
chance, mas a divulgação e o marketing dos movimentos sociais são muito fracos e
as notícias são sempre denegrindo os manifestantes, apesar de todos os esforços e
também, apesar da maioria dos grupos estarem capacitados para discutir em
Figura 41: (1) Manifestação no Canal do Anil – bonecos representando o Prefeito César Maia e o Ministro dos Esportes
Orlando Silva; (2) Manifestante caracterizado como o prefeito César Maia; (3) Manifestante com a placa: “Cesar Maia é
burguês com ele pobre não tem vez!” (4) Charge do cartunista Aroeira representando o prefeito César Maia, criticando os
atrasos das obras do Pan. Fonte: Fotos Danielle Barros, 2007. Charge Aroeira, 2007.
157
inúmeros fóruns internacionais (Zezé Barros, membro CSP, em entrevista a
autora 05/05/08grifo nosso).
Apesar de desigual, como afirma Barros (2008), a luta existiu e em alguns
casos obteve êxitos. A denúncia pública foi-se construindo mediante a promoção de
seminários, palestras, manifestações, passeatas e atos públicos, panfletagens,
entrevistas a jornais, rádios e televisão, além de publicações acadêmicas e interlocução
com grupos de resistência internacionais. Neste contexto, reconhece-se a utilização de
4 estratégias de denúncia pública no caso dos Jogos Pan-Americanos, a saber: 1)
depoimentos e palestras em eventos diversos; 2) práticas reivindicativas de justiça,
inicialmente nos lugares impactados diretamente pelas intervenções; 3) denúncias via
meios de comunicação; 4) denúncia internacional (Carta a Guadalajara).
No caso dos Jogos Pan-Americanos, a denúncia pública foi uma importante
estratégia de protesto e também de defesa utilizada pelos diferentes atores envolvidos
na crítica e resistência ao grande evento. Por meio da denúncia pública foi possível
reunir diferentes grupos que se reconheceram como iguais na luta constituindo-se como
sujeitos políticos que, de alguma forma, interferiram (ainda que relativamente) no
processo de implementação do projeto. Tal afirmação pode ser comprovada nas falas
do ex-coordenador do Comitê:
O Comitê foi um ator importante na divulgação das experiências deste tipo de
evento em outros países, em que o legado na maioria das vezes foi negativo,
seja em termos sociais, financeiros e/ou ambientais. Teve papel importante
também na divulgação de irregularidades na implementação do Pan no Rio e se
constituiu como um ponto crítico no meio do grande oba-oba em torno dos
Jogos. Para minha luta o Comitê foi importante, pois me proporcionou
oportunidades de intervir na esfera pública atuando naquilo que acredito. Seja
no apoio à criação de emendas ao orçamento, seja no embargo às obras
faraônicas e irregulares, seja na luta pela permanência e de comunidades
ameaçadas de remoção, seja na divulgação de informações desconhecidas do
grande público que permitiram ampliar (por menor que tenha sido esta
ampliação) a base crítica, não necessariamente contrária, em relação aos
grandes eventos (Bruno Lopes, ex-coordenador do CSP, em entrevista à autora
10/04/08 – grifo nosso).
158
4.3 – As repercussões da crítica no processo de implementação dos Jogos: o
legado em questão
A mobilização popular não se refere à tomada de decisões políticas; ela
acontece apenas na fase de implementação dos projetos (SÁNCHEZ, 2001, p.
44).
No processo de legitimação dos Jogos Pan-Americanos na cidade do Rio de
Janeiro pôde-se identificar 3 momentos referentes às disputas argumentativas,
caracterizados pela influência maior ou menor da resistência na implantação do projeto
dos Jogos. Ressalte-se, no entanto, que tais classificações não são estanques, visto
que fazem parte de um processo social composto por ações variadas. Elas evidenciam
as feições que se repetiram com mais intensidade em cada período.
Tal distinção foi feita a partir dos discursos e das ações da resistência e,
principalmente, a partir da constatação do papel central que o legado assumiu na
justificação das críticas. Isto quer dizer, quanto mais claro ficava para a população que
os legados prometidos não iriam se concretizar, mais força ganhava o discurso da
crítica.
A argumentação sobre o legado, pela resistência, procurou demonstrar a
existência de incoerências no discurso oficial, reclamando por um legado que fosse
mais amplo e menos excludente, que beneficiasse também as camadas pobres da
sociedade. Além disso, o discurso de oposição denunciava os gastos exorbitantes, as
prioridades de investimento atribuídas a projetos considerados desnecessários e em
áreas da cidade privilegiadas, as remoções de comunidades pobres, as violências
Figura 42: Periodização dos Jogos Pan-Americanos a partir do discurso e das ações da resistência. Fonte: Danielle Barros,
2008.
159
policiais como medidas de segurança, a privatização da cidade com as parcerias
público-privadas. Mais que tudo, porém, se questionava a ausência de participação
popular no processo decisório.
4.3.1 – Primeiro Momento (2003-2004): A cidade ensolarada!
O primeiro momento (2003-2004) correspondeu ao período inicial de
divulgação dos Jogos Pan-Americanos, quando houve uma exposição positiva e
ampliada dos legados para a cidade, objetivando conquistar um grande número de
adeptos dispostos a defender o projeto. Começava-se, neste sentido, a construir o
consenso pan-americano, e a representação do “todos”: ’Todos’ os cariocas desejavam
o evento!
Neste contexto, o projeto do Pan começa a crescer em escala e os legados
futuros de toda a ordem são propagandeados como grandes ganhos para a cidade e
para os cidadãos. A cidade, em meados de 2003, tinha sido eleita para representar o
Brasil como cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2012, o que facilitava a divulgação
ampliada dos legados e justificava a ampliação da escala dos projetos, pela
possibilidade radiosa de sediar as olimpíadas.
Portanto é preciso entender que não será o Pan, mas o projeto do Pan que será
levado em conta. O Rio terá de mostrar não apenas como planejar e que
condições tem de construir a Vila Olímpica e toda a sua infra-estrutura na Barra
da Tijuca, mas também a extensão das linhas do metrô e a criação do acesso
desde o Aeroporto Internacional – possivelmente com a implantação do veículo
leve sobre trilhos. Para a cidade, especificamente, os ganhos permanentes a
serem trazidos pelos Jogos Pan-Americanos serão grandemente ampliados
com a decisão favorável do COI. É um objetivo que justifica todos os esforços
(OPINIÃO. O Brasil Candidato. O Globo, p.6, 08/07/03).
Os Jogos de 2007 e a candidatura de 2012 para as olimpíadas passaram a ser
um importante cartão de vistas, que atrairá atenções de todas as partes do
mundo, e sob os holofotes a cidade não poderá decepcionar e muito menos
envergonhar o Brasil (OPINIÃO. Chance ao Rio. O Globo, p.6, 22/07/03).
No período inicial da candidatura Rio 2012 houve uma “certa” união política
entre prefeitura e estado, para a realização de todos os projetos propostos no dossiê de
candidatura, porém, no desenvolvimento da candidatura, as mesmas foram se
desfazendo principalmente, quando se passou a discutir sobre a infra-estrutura de
160
transporte a ser implantada e responsabilidade de cada ator político na execução das
obras.
As críticas à candidatura olímpica e, conseqüentemente, ao projeto pan-
americano foram bastante pontuais neste período que se quer retratar (2003-2004), e
orientavam-se quase sempre à indecisão sobre a infra-estrutura viária a ser empregada
e aos problemas cotidianos da cidade. Como pode ser visto nas citações a seguir:
O Rio ganhou o direito de representar o Brasil na disputa para sediar as
Olimpíadas de 2012. Estou curiosa para saber como o prefeito e a governadora
conseguiram esconder o estado de quase calamidade em que se encontram a
Baía de Guanabara e as lagoas Rodrigo de Freitas e de Marapendi, a miséria
nas ruas, a violência, as praias poluídas. Quem vai operar o milagre de arrumar
realmente a casa para as visitas até 2012? (Patrícia Coelho Fonseca, 08/07/03
– Cartas dos Leitores. O Globo).
Já está começando a preocupar a falta de providências em relação à extensão
do metrô para atender à Barra da Tijuca. Mais um pouco se tornará inviável a
conclusão da obra a tempo de dispormos desse serviço durante os Jogos Pan-
Americanos. E sem o metrô no Pan, lá se vai a olimpíada de 2012. Parece que
estão colocando, mais uma vez, mesquinhas questões políticas, acima do
interesse público (Edízio José Alves, 14/04/04 - Cartas dos Leitores. O Globo).
Quando o Rio de Janeiro foi excluído da disputa olímpica, em maio de 2004,
achou-se que o projeto pan-americano iria perder um pouco da sua magnitude, mas
não foi isso o que aconteceu. Os promotores do evento conseguiram reverter o jogo
mobilizando os “corações cariocas”, com seus “egos” feridos por terem perdido mais
uma disputa a sede olímpica, a fazerem dos Jogos Pan-Americanos os melhores jogos
de todos os tempos, para mostrar ao mundo que o Rio de Janeiro teria condições de
sediar grandes eventos esportivos com eficiência, qualidade e segurança. A
importância do Pan 2007 para a conquista de uma candidatura olímpica pode ser vista
nas seguintes falas:
O Pan, ressalte-se, continua a ser o grande passaporte da cidade e do país
para acolhermos futuras olimpíadas. Não serão mais as de 2012. Mas podem
ser os Jogos seguintes. Ou de 2020. Não importa. O Pan, também por essa
razão, tem de ser um evento impecável (OPINIÃO. Rumo a 2007. O Globo, p. 6,
19/05/04).
A verdade é que ainda não passamos por uma grande avaliação. O vestibular
será o Pan-Americano. Temos que fazer um grande evento e, assim, sermos
bem avaliados para poder competir em igualdade de condições a sede dos
Jogos de 2016. Tenho convicção de que vamos fazer um grande Pan
(Francisco Carvalho. Secretário Estadual de Esportes. O Globo, p.15,19/05/04).
161
No segundo semestre de 2004 os Jogos Pan-Americanos foram discutidos
numa perspectiva de agenda de campanha política, tendo em vista que era um dos
carros-chefe da campanha do Prefeito César Maia, como foi assinalado no capítulo 2.
Não obstante, apareciam noticiados na mídia os atrasos das obras, os impasses para a
instalação da linha do metrô, mas também os legados que os Jogos trariam para a
cidade, como o conjunto de instalações esportivas que a cidade teria disponível, a
influência do esporte na “transformação social” mantendo os jovens (pobres) longe de
práticas violentas, a capacidade dos jogos e dos grandes eventos em renovarem as
cidades-sede, ressaltando principalmente o caso de Barcelona e Sidney, dentre outras
questões.
Assim, pode-se dizer que, não houve neste período (2003-2004) uma
resistência efetiva em relação aos Jogos. As críticas relacionadas ao Pan foram feitas
principalmente pelos candidatos que concorriam à prefeitura do Rio de Janeiro no
segundo semestre de 2004. Numa tentativa de atingir a candidatura do então prefeito
César Maia, apontavam como pontos negativos os atrasos das obras e os problemas
na área de transporte, assim como a “falsa” promessa de construção da linha 4 do
metrô pelo prefeito César Maia. Mas nenhum deles questionava a realização do evento,
ou criticava o projeto.
Neste sentido, este período pode ser caracterizado como um período
“ensolarado” para os promotores do evento, visto que foi um período em que houve
pouquíssimas críticas ao projeto Pan-Americano e, “todos” aparentemente mantinham
expectativas radiosas para a cidade no que diz respeito às oportunidades de
investimento e legados!
4.3.2 – Segundo Momento (2005-2006): A cidade acalorada!
Pode-se dizer que o segundo momento (2005-2006) teve início quando os
projetos do Pan começaram a sair do papel e, em paralelo, foi surgindo uma resistência
aos projetos relacionados ao Pan, resultando numa série de conflitos, principalmente
com os grupos diretamente afetados pelas intervenções. Além disso, o crescimento da
162
escala do projeto e a supressão de algumas promessas de campanha também foram
alvos de críticas.
Logo no início do ano de 2005 começaram a surgir diversas reclamações
referentes ao impacto das obras e à falta de investimento nos atletas, culminando com
a demissão da vereadora Patrícia Amorim do cargo de Secretária Especial de Assuntos
Estratégicos do Pan:
Por enquanto, quem ganha são as construtoras do estádio, os que vão tocar a
reforma do autódromo e outras obras, mas os atletas, que são os protagonistas
do evento vêm sendo postos em segundo plano no projeto do Pan-Americano.
Estão como coadjuvantes (Patrícia Amorim, ex-secretária da Secretaria
Especial de Assuntos Estratégicos do Pan 2007. O Globo, 09/01/05).
Em janeiro de 2005, a Prefeitura sinalizava que não possuía recursos para
dar continuidade às obras, ameaçando a realização do evento na cidade, numa
tentativa de forçar um maior comprometimento e participação das outras esferas de
governo na implementação do Pan-Americano.
Assim, no início de 2005 houve uma intensa disputa política entre as três
esferas de governo. Acusações sobre responsabilidades e investimentos vinham de
todos os lados, com frases do tipo: “O governo federal está cumprindo a sua parte, mas
se a prefeitura não faz a sua...(Guido Mantega, 2005); “O estado tem dinheiro para
emprestar à prefeitura, mas César Maia precisa pedir pessoalmente. Afinal é ele quem
está precisando de empréstimo” (Rosinha Mateus, 2005); “Até agora só a prefeitura tem
investido” (César Maia, 2005). A relação entre as três esferas públicas foi bastante
difícil até o início de 2007, quando Sérgio Cabral assumiu o Governo do Estado do Rio
de Janeiro fazendo a ponte entre Prefeitura, Estado e União.
Neste momento apenas a obra do estádio João Havelange estava em
andamento. O contrato do consórcio para o Complexo do Autódromo ainda estava para
ser assinado e a Vila Pan-Americana teria seus prédios erguidos no segundo semestre
de 2005, pois dependia de investimentos preliminares de infra-estrutura da parte da
Prefeitura.
163
Diante deste quadro de indefinições, ameaças de remoções e custos das
obras ascendentes, surgiu o Comitê Social do Pan, em abril de 2005. Como bandeira
de luta o grupo focou principalmente nos impactos do projeto e questionavam os
legados futuros do evento, tendo em vista que muitos legados prometidos estavam
sendo suprimidos. No manifesto do seminário “Que Pan nós queremos?” realizado em
agosto de 2005 encontram-se denúncias como:
A cidade se endivida cada vez mais com o Pan, deixando de manter e de
investir em ações necessárias às políticas públicas de saúde, educação e
transporte.
Ao fim do Pan, quais os equipamentos serão efetivamente úteis para a
população carioca? Quais ficarão nas mãos de empresas privadas que só
visam o lucro? Quais ficarão abandonados e sem uso por falta de estímulo à
prática de esportes menos populares?
Não haverá melhorias de transporte. As promessas do Metrô – linha 4 e linha 6
– não foram cumpridas e a solução encontrada pela prefeitura será introduzir
faixas de trânsito exclusivas.
Não existem projetos de regularização fundiária nem de obras de saneamento
nas comunidades no entorno das construções voltadas para o Pan. Só o que se
houve falar é sobre remoções.
A preservação ambiental e a construção de equipamentos para o Pan têm sido
usadas entre as desculpas para a remoção de áreas ocupadas por
comunidades de baixa renda, sendo que algumas delas já moram no local
cerca de 50 anos.
Neste manifesto, aponta-se que principal legado do Pan seriam as
concessões dos equipamentos à iniciativa privada, como a Marina da Glória e o Estádio
de Remo da Lagoa; o dinheiro público investido em empreendimentos privados como
foi o Caso da Vila Pan-Americana; a transformação do autódromo Nelson Piquet,
inviabilizando a realização de competições automobilísticas; a não implantação das
linhas de metrô; o sucateamento das vilas olímpicas, dentre outros.
No início de 2006 ocorreram uma série de manifestações e protestos que
questionavam a forma como o Pan vinha sendo executado, discutidos ao longo do
capítulo 3. Ressalte-se que os conflitos só foram ganhando importância e espaço na
mídia oficial em meados de 2006, quando o evento estava cada vez mais próximo.
Pode-se dizer que este foi um período “acalorado” para os promotores do
evento, devido aos conflitos que começaram a eclodir pela cidade onde se questionava
a forma como o projeto vinha sendo executado.
164
O discurso dos promotores do evento, no entanto, mantinha o legado como
elemento legitimador e justificador do projeto. Valorizava-se, neste sentido, o legado a
ser trazido pelos Jogos, assim como, a importância da realização do evento para o
desenvolvimento econômico do país. Como pode ser visto nas seguintes citações:
Todas as obras de infra-estrutura que estão sendo feitas no Rio de Janeiro
ficarão como um importante legado
para o nosso país colocando o Brasil de vez
na rota dos grandes eventos esportivos internacionais (Ministério do Esporte.
Plano de Ações Estratégicas, 2006).
[...] o esforço interministerial para a construção de um legado social
dos Jogos,
levando programas de inclusão e gerando emprego e renda em comunidades
que vivem no entorno das instalações do Pan (Ministério do Esporte. Plano de
Ações Estratégicas, 2006).
Seu impacto é bastante positivo e se reflete em diversos legados
. A infra-
estrutura esportiva será aprimorada e constituirá um importante patrimônio para
a cidade e para o país, servindo para o desenvolvimento do esporte, à
descoberta de novos talentos e à formação de um corpo técnico e de centros de
excelência [...] O turismo será fortemente incentivado com a construção de
novos hotéis e melhoria da infra-estrutura turística de bens e serviços,
contribuindo para a consolidação do Rio de Janeiro como principal destino
turístico das Américas [...] Dentre os benefícios sociais estão a geração de
empregos, alguns temporários e outros que permanecerão após os Jogos e a
implementação e ampliação de diversos projetos de desenvolvimento
sustentável de impacto direto na melhoria da qualidade de vida da população
[...] Um dos legados mais importantes é o investimento no reaparelhamento do
sistema de segurança pública do estado do Rio de Janeiro por meio da
aquisição de equipamentos para modernizar e integrar as forças de segurança,
do treinamento de servidores e do emprego de inteligência policial (Ministério
do Esporte. Plano de Ações Estratégicas, 2006).
Percebe-se também que neste período o discurso dos promotores do evento
começa a se voltar para responder, ainda que de forma incipiente, as críticas colocadas
pelos movimentos de resistência, ressaltando quase sempre a importância de se
realizar um evento como esse, e que a não realização do mesmo seria uma vergonha
para o país, assim como realizá-lo com equipamentos de menor porte, inviabilizaria
uma futura candidatura olímpica bem sucedida.
É possível sugerir que neste momento, meados de 2006, a crítica ganhou
mais força pelas brechas que o projeto deixava. Os atrasos das obras, os custos, a
ausência dos legados e a certeza cada vez maior de que os mesmos não viriam, o
desgaste pelas disputas políticas e o comprometimento do país com investimentos cada
165
vez maiores em um evento com duração de apenas 15 dias favoreciam o discurso dos
movimentos de resistência.
Por mais que a oposição tentasse alertar no ano de 2005, as críticas só se
fizeram ouvir realmente em 2006, conseguindo de alguma forma impedir a realização
de alguns dos projetos, como visto no capítulo 3. Ressalte-se que neste período (2005-
2006) praticamente todas as ações foram promovidas pelo CSP.
4.3.3 – Terceiro Momento (2007): A cidade incendiada!
O terceiro momento (2007) condiz com o período onde se evidencia para a
população carioca que, apesar dos altos investimentos feitos para garantir a realização
do evento, muitos dos legados prometidos não irão se concretizar. Neste contexto, os
conflitos se ampliam. Novos setores e grupos se unem à luta contra o processo de
implementação do megaevento e novas frentes de luta se abrem.
Dentre as reivindicações deste período permanecia a discussão sobre quais
legados ficariam realmente para a cidade e para os cidadãos. Ainda e sempre se
denunciavam os altos investimentos e se reclamavam por justiça social e respeito às
comunidades pobres. Reiteram-se e ampliam-se as críticas à condução arbitrária do
processo, onde, inclusive, a proximidade do evento era invocada para justificar
procedimentos excepcionais.
No início de 2007, as obras do Pan ainda se encontravam bastante
atrasadas. Os investimentos prometidos pelas três esferas de governo em 2006, para a
finalização das obras, só foram se efetivar realmente em 2007. Como dito
anteriormente, as disputas entre estado, governo federal e município estavam
acirradas. Somente quando Sérgio Cabral assumiu o governo do estado do Rio de
Janeiro os investimentos começaram a ocorrer. Mas isso não significou que as disputas
políticas diminuíram. Cada investimento feito por um dos atores envolvidos no processo
de implementação do Pan era acompanhado de uma crítica ao Estado, ao Município ou
à União, dependendo do interlocutor. Cada um reclamava para si a paternidade do
projeto e criticava a ineficiência do outro gestor.
166
O orçamento da empreitada pan-americana cresceu exponencialmente neste
período, tendo em vista a necessidade de investimentos urgentes (e quase sempre sem
licitações) para que as obras fossem terminadas a tempo.
Na tentativa de justificar os altos investimentos feitos em nome do Pan, os
promotores do evento começaram a utilizar frases do tipo: “neste momento, temos que
realizar o Pan” reforçando a excepcionalidade do evento e a necessidade de sua
realização a qualquer custo.
No Brasil tem uma hipocrisia que as pessoas falam: ’Ah tá gastando com o
Pan, poderia fazer uma casa popular, uma creche. Nós precisamos fazer a casa
popular, a creche, mas não podemos prescindir do Pan’
(Lula em entrevista a
Mário Magalhães e Sérgio Rangel, “Enfático, Lula defende gasto com o Pan”.
FS, 08/03/07 - grifo nosso).
Identifica-se também no discurso de legitimação dos investimentos no Pan a
utilização da vergonha - caso o evento não ocorresse ou os equipamentos fossem
executados com uma qualidade inferior. Tal fato pode ser identificado na fala do
Ministro do Esporte Orlando Silva ao criticar o relatório feito pelo Tribunal de Contas da
União - TCU. O relatório questionava os gastos feitos em função do evento, garantindo
que o mesmo poderia ser executado com eficácia e com gastos inferiores caso as
instalações fossem de porte menor, ou então que o número de instalações esportivas
fosse reduzido. Diante de tais críticas o ministro rebate:
Temos que acabar com nossa síndrome de vira-lata [inferioridade]. Não
podemos nos conformar com instalações acanhadas, não podemos passar a
vergonha de chover no ginásio (Orlando Silva, Ministro dos Esportes, em
entrevista a Ricardo Perrone. “Ministro vê síndrome de vira-lata no TCU”. FS,
20/05/07 - grifo nosso).
Outra característica reconhecida no discurso dos promotores do evento
nesta etapa foi a tentativa de reforçar e garantir a legalidade do processo
137
de
implementação do Pan, como pode ser visto nas falas a seguir:
137
Houve o pedido de uma CPI do Pan que foi cancelada por duas vezes! A CPI pretendia investigar os gastos da
prefeitura no evento. “O custo do Pan para os cofres públicos foi quase 800% maior do que o previsto em 2002. Há
cinco anos a União, o Estado e o município do Rio afirmaram por escrito que, juntos, gastariam R$ 409 milhões (em
valores atualizados pela inflação). A conta alcançou R$ 3,7 bilhões. A cota da prefeitura pulou de R$ 239 milhões
para R$ 1,2 bilhão”. Ou seja, muitas pessoas não acreditaram que “foi gasto o que se precisava gastar” e
reclamavam por uma investigação minuciosa do processo.
167
A brochura que contém a planilha orçamentária foi assinada pelos governos
federal, estadual e municipal em 2002. Enviaram cartas dando garantias
financeiras à ODEPA, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, o
governador Garotinho e o hoje ainda prefeito César Maia. Acho totalmente
infundado e absurdo imaginar que estamos gastando dez vezes mais. Mas
nessas alturas do campeonato, nós temos que realizar o Pan (Lula em
entrevista a Mário Magalhães e Sérgio Rangel. “Enfático, Lula defende gasto
com o Pan”. FS, 08/03/07 - grifo nosso).
Os companheiros que são responsáveis pelo Pan gastaram o que precisavam
gastar, fizeram as licitações que precisaram fazer. Agora, quem achou que
gastou demais peça para fazer uma fiscalização (Lula em entrevista a Pedro
Dias Leite.”Para Lula ameaçar greve agora é ‘chantagem’”. FS, 12/07/07 - grifo
nosso).
Como os legados passaram a ser questionados com maior intensidade neste
período, a experiência modelar de Barcelona voltou à tona para justificar o projeto,
reforçando os legados de longo prazo. Segundo José Antônio Alves, que desenhou o
projeto apresentado à ODEPA em 2002:
Não pense que o pessoal de Barcelona gostou do que foi feito à época. Só
foram entender o legado 10, 15 anos depois (José Antônio Barros Alves
responsável pelo projeto de 2002, professor da FGV em entrevista a Eduardo
Ohata, FS, 13/03/07 - grifo nosso).
Já o prefeito César Maia apontava o legado intangível da centralidade latino-
americana do Rio de Janeiro e a ampliação das instalações esportivas como um dos
grandes ganhos promovidos pelo evento:
A recuperação da centralidade latino-americana do Rio, a construção da maior
e melhor rede de equipamentos de esporte, cultura e lazer entre as 10 cidades
do mundo que tem as melhores redes, e a alavancagem para os Jogos
Olímpicos de 2016 (César Maia em entrevista à autora 04/04/08).
No entanto, tais justificativas não explicavam o porquê de algumas
promessas existentes no projeto do Pan (até a promessa passou a ser negada) não
terem sido cumpridas, principalmente a melhoria da infra-estrutura de transporte, um
dos carros-chefe da campanha pan-americana que mobilizaram a população. Para
estas questões as respostas dos promotores do evento eram praticamente
padronizadas:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u340904.shtml (consultado em 20/01/08).
168
Investir em transporte também não é obrigação do Pan. Não prometemos
nada. É uma promessa que alguém fez aí, mas também não é obrigatório para
o Pan. É claro que o ideal é que tivesse havido um investimento maior em
Legado (Ricardo Leyser, em entrevista à Phydia de Athayde, Carta Capital,
2007- grifo nosso).
Não havia essa obrigação para o PAN. Havia a tentativa de buscar recursos
para isso. De qualquer forma pelo menos nas áreas de entorno do Autódromo e
do Engenhão, isso ocorreu. Mas nas demais não havia relação com o PAN.
(César Maia em entrevista à autora 04/04/08 - grifo nosso)
Nos Jogos Pan-Americanos não há exigência de executar projetos de infra-
estrutura na área de transportes. Esse compromisso acontece em candidaturas
olímpicas. Além de algumas coisas tópicas, esses investimentos não puderam
ser feitos (Carlos Roberto Osório em entrevista à Phydia de Athayde, Carta
Capital, 2007- grifo nosso).
Como dito anteriormente, uma das maiores críticas da resistência ao evento
foram os altos custos e a ausência de um legado para a cidade e para a população, que
passaram a fazer parte do discurso da crítica, na tentativa de denunciar a “fraude” que
significou o pan-americano.
Enquanto bilhões foram investidos no Pan e foram para os ricos, a população
do Rio de Janeiro sofre com a falta de educação, falta de saúde e falta de
saneamento. O legado que o Pan traz para a cidade do Rio de Janeiro é, na
verdade, um aumento da violência policial, da criminalização da pobreza e da
criminalização dos movimentos sociais (Cristina Miranda, diretora regional da
Andes em entrevista à Flávia Martin. Agência Brasil 13/07/07- grifo nosso).
Legados positivos não foram muitos.
[...] O ônus do evento foram as
comunidades removidas, o orçamento estourado, as privatizações dos espaços
públicos, a falta de investimentos em transportes, visto o que fora prometido, a
repressão às manifestações, a falta de investimentos na conservação da
cidade, uma vez que os recursos foram canalizados para o Pan (Bruno Lopes,
ex-coordenador do CSP, em entrevista à autora 10/04/08 - grifo nosso)
Uma característica peculiar deste período foi a participação de movimentos
sociais de âmbito nacional nas reivindicações contra o Pan. Associa-se esta
participação à presença intensiva do Governo Federal no projeto do Pan, tornando-se
sócio majoritário do evento. A participação de diversas representações de movimentos
sociais vindos de outros estados para o ato de 13 de julho é um exemplo da nova
coalizão de oposição que se forma. Não obstante, as lutas sindicais reclamando por
melhores salários e condições de trabalho também podem ser entendidas como uma
169
ampliação da discussão do pan-americano e a apropriação do tema por diversas
categorias.
Sobre as ameaças de greve neste período, os promotores do evento
tentaram sensibilizar a população contra as manifestações sindicais, apontando os
efeitos negativos que as greves significariam para o país durante a realização de um
evento internacional, desqualificando o conteúdo das reivindicações dos manifestantes:
O que eu acho ruim é as pessoas esperarem um evento internacional, que não
depende apenas do Brasil, mas de um conjunto de países para fazer
chantagem. [...] Estou vendo categorias em greve em que nós demos, em
média 60% de aumento para uma inflação de 28% no meu primeiro mandato.
Nem eu, no meu tempo em que era dirigente sindical, considerado sectário,
fazia essas reivindicações absurdas
138
(Lula em entrevista a Pedro Dias
Leite.”Para Lula ameaçar greve agora é ‘chantagem’”. FS, 12/07/07 – grifo
nosso).
O símbolo do evento, o solzinho Cauê, também foi alvo de protestos por
parte dos movimentos de resistência. O símbolo do pan-americano, na visão dos
promotores, simbolizaria o sol que brilha para todos, a alegria carioca.
A Mascote Rio 2007 traz todos os conceitos da Marca Rio 2007. E nada melhor
para representar o Rio, o Brasil e as Américas do que um sol. Que tem um
significado sempre positivo em todas as culturas, é associado ao esporte
[energia, medalha, calor da torcida, fogo olímpico etc] e ao espírito de
confraternização e celebração. Ele não tem preconceitos, não distingue raça,
cor ou credo: realmente nasceu pra todos! E é aplaudido no final de mais um
dia de verão pelos cariocas na beira da praia (Nei Valle e Claúdia Gamboa
designers da Mascote – grifo nosso)
139
.
138
Lula ataca os servidores públicos que ameaçavam entrar em greve poucos dias antes da realização dos Jogos
como a Polícia Civil do Rio, a Polícia Rodoviária Federal e a Infraero.
139
http://www.designbrasil.org.br/via/opiniao/imprimir.jhtml?idArtigo=1056 (consultado em 10/03/08).
Figura 43: A mascote do Pan, o solzinho Cauê e a logomarca do evento. Fonte: Montagem Danielle Barros, 2008. Imagens
disponibilizadas na internet.
170
Para a oposição, no entanto, é como se o símbolo se transmutasse na figura
do fogo de Bachelard que tem duas valorações. Segundo Gaston Bachelard o sol/fogo
é o único dentre todos os fenômenos existentesque pode aceitar duas valorações
opostas: o bem e o mal. Brilha no paraíso. Arde no inferno. É doçura e tortura, é um
deus tutelar e terrível, bom e mal” (BACHELARD, 1998:11). Neste contexto, os
opositores aos Jogos procuraram desqualificar o símbolo do evento:
Queremos usá-lo para mostrar o outro lado da história [...] arranhar a imagem
do símbolo dos Jogos. Queremos destruir esta versão de Cauê bonzinho (Maria
de Lourdes do Carmo, MUCA em entrevista a Sérgio Rangel. “Cauê vira alvo de
protestos anti-pan”. FS, 29/06/07 – grifo nosso).
Estamos usando as armas deles. O nosso objetivo é mostrar ao povo que por
trás do Cauê tem muita repressão e dinheiro perdido [...] (Maria de Lourdes do
Carmo, MUCA em entrevista a Sérgio Rangel. “Cauê vira alvo de protestos anti-
pan”. FS, 29/06/07 - grifo nosso).
Vários desenhos da mascote estão espalhadas pelo centro da cidade para
protestar contra o alto custo do evento e as ações da prefeitura. Os protestos
com o símbolo do Pan unem de entidades filiadas a centrais sindicais até
grafiteiros anônimos. [...] A entidade pendurou longas bandeiras com o Ca
estilizado na fachada de um prédio ocupado na rua Primeiro de Março [...] Em
uma delas a mascote aparece de guarda municipal e a frase estampada ‘Cauê
espanca camelôs’. Na outra, o boneco e desenhado próximo de uma favela.
Nesta está escrito: ‘Essa é a vila do povo’. Mais três faixas anti-cauê foram
penduradas no antigo prédio do Instituto Brasileiro do Café, que foi ocupado por
90 famílias há duas semanas (Sérgio Rangel. “Cauê vira alvo de protestos anti-
pan”. FS, 29/06/07 – grifo nosso).
O Pan é um evento para uma minoria
e expõe o que não se reproduz no dia-a-
dia. Queremos que essa diferença social faça parte dos Jogos
(Leonardo
Neryn, missionário em entrevista a Italo Nogueira e Raphael Gomide. FS,
14/07/07grifo nosso).
Figura 44: Críticas ao símbolo do Pan (1) Faixas colocadas na fachada de uma ocupação no centro do Rio de Janeiro; (2)
Manifestante durante o ato de 13 de julho; (3) Charge criada pelo cartunista Latuff, com o solzinho Cauê empunhando um fuzil
ao lado do caveirão. Fonte:CMI, 2007. Montagem Danielle Barros, 2008.
171
As ações do Comitê Social do Pan foram mais reservadas neste momento,
atuando mais com ações junto ao Ministério Público. Os atos que chamaram a atenção
neste período foram promovidos por outros grupos, como por exemplo, sindicatos, o
Conselho Popular, movimentos de luta pela moradia e direitos humanos, dentre outros
que passaram a ter o Pan como bandeira de luta.
Figura 45: (1) Faixas criadas com o contra-símbolo do Pan; (2) Crítica a logomarca do Pan, onde os pássaros são
representados por urubus; (3) Crítica a logomarca do Pan, criada pelo cartunista Latuff, onde os pássaros são trocados por
cruzes representando os mortos do Rio de Janeiro; (4) Crítica ao símbolo do Pan, sugerindo que a mascote deveria ser uma
bala perdida; (5) A Mascote do Pan assim que surgiu foi comparada com os personagens da série “Os Malvados” do cartunista
André Dahmer do JB. Fonte: Montagem Danielle Barros, 2008. Imagens disponibilizadas na internet.
Figura 46: Faixas criticando o Pan espalhadas pela cidade. Fonte: Montagem Danielle Barros, 2008. Imagens disponibilizadas
na internet.
172
É possível sugerir que a ausência do legado prometido, os altos custos do
evento tenham contribuído para ampliar a resistência e críticas ao evento. Assim, a
resistência aponta que um dos grandes legados do Pan foi a formação dos grupos de
resistência que conseguiram, de alguma forma, impedir a continuidade de alguns
projetos e ações, assim como tornar públicas as arbitrariedades cometidas em nome do
Pan.
A formação de grupos de resistência aos desmandos do PAN: como o Comitê
Social do PAN, as manifestação de Associações e Comunidades do entorno dos
espaços dos jogos, as Audiências Públicas solicitadas pela Sociedade Civil
organizada e as manifestações de rua e parcerias com o Ministério Público.
Algumas ações surtiram efeitos além do esperado: como o embargo de obras
ilegais e suspeitas: como a Marina da Glória. A evidência e denúncia de
manipulação para uso privado do espaço público, como no Estádio de Remo da
Lagoa. A evidência da má fé, da incompetência e do mau uso do dinheiro público:
como na Vila do PAN
(Inalva Mendes, moradora da Vila Autódromo e membro do
CSP, em entrevista à autora 08/04/08)
.
Maria Luiza Tambellini (2007) sintetiza os principais legados deixados pelos
Jogos a partir das críticas que foram emergindo ao longo da implementação do evento,
que segundo a professora foram de diversas naturezas e proporções, como:
O legado da cidade dos negócios e do mercado, privatizante e excludente, que
só beneficia o lucro e o mundo empresarial, deixando para a iniciativa privada
todas as vantagens. Utilizando, até mesmo, dinheiro público em obras que
serão “oferecidas” a grupos e empresas esportivas para que as explorem por,
no mínimo 20 anos, tempo em que terão todas as possibilidades de altos
rendimentos e vantagens comerciais;
o legado da ‘cidadania esportiva’, que preconiza a necessidade de oferecer às
comunidades oportunidades de práticas esportivas com a fundamentação de
que essas ações são capazes de tirar jovens e adolescentes da vida perigosa e
das ruas, podendo até lhes propiciar um futuro vitorioso;
o renascimento de legados antigos, que se presumia estarem em desuso: as
remoções de populações moradoras em territórios pobres e informais; o
recolhimento de populações de rua, sejam crianças, adolescentes ou adultos; e
o retorno da concepção de que a questão social deve ser tratada no âmbito da
segurança pública;
o legado das dívidas originadas dos gastos com o PAN, que serão vultuosas e
que serão pagas com impostos, taxas e de quaisquer outras formas de
recolhimentos aos cofres do município, do estado e da União, durante muitos
anos;
o legado da situação de colapso das políticas de Educação, Saúde,
Transporte, Habitação, Infra-estrutura e manutenção da cidade, supondo-se
que a qualidade de vida permanecerá como está, ou mesmo poderá se tornar
pior do que já se encontra;
173
o legado frustrado das metas estabelecidas pela Agenda Social, constante do
Decreto Nº 24227, de 20 de maio de 2004 (TAMBELLINI, 2007).
Podemos dizer que este foi o momento mais produtivo para a resistência,
onde a mesma se fez ouvir com maior intensidade. Vozes dissonantes ecoavam de
diversas partes da cidade. Apesar do dito consenso, o que mais se ouviu nos meses
que antecederam à realização do Pan foram as críticas (pelo menos em alguns meios
de comunicação).
Críticas tardias, da parte de alguns setores sociais e políticos, mas que de
diversas formas desafinaram o coro de contentes, tão defendido pelos promotores do
evento.
Na verdade fiquei por muito tempo chocado como houveram poucos conflitos.
[...] E a população carioca não percebeu isso, não foi na rua. Teve só o Comitê
Social do Pan que reagiu, mas ninguém. [...] o pan só foi se tornar importante, e
entrar na mídia mesmo, em 2007. Todos os anos anteriores, as pessoas não
perceberam o tamanho desse evento e do seu significado e quanto dinheiro foi
passando por ele (Martin Curi, membro do IVE e do CSP, em entrevista à
autora 15/04/08).
Mas como aponta Bruno Lopes, ex-coordenador do Comitê Social do Pan,
ainda pode haver mais efeitos e desdobramentos positivos da mobilização social. Por
mais que os altos investimentos tenham ocorrido, que direitos tenham sido violados e o
legado tenha sido ínfimo, acredita-se que futuramente a experiência do Pan repercuta
de forma positiva no que diz respeito ao controle social dos grandes eventos.
O Pan significava a oportunidade do Rio mostrar que tinha capacidade de
sediar grandes eventos e que a realização destes teria como conseqüência
legados em diversas áreas. Agora o Pan representa um exemplo que não deve
ser seguido. Inclusive, desde que a cidade ganhou o direito de sediar o evento,
a opinião pública mudou bastante. No começo era praticamente totalmente
favorável e quando o Pan estava prestes a ser realizado muitas queixas foram
feitas, principalmente em relação ao Orçamento extrapolado. É verdade
também, que durante os Jogos a maioria das coisas transcorreu sem
problemas. Mas acredito que a lição foi registrada e para os próximos eventos a
‘fiscalização’ por parte da sociedade será maior (Bruno Lopes em entrevista à
autora 10/04/08 - grifo nosso).
174
4.4 – Considerações Parciais
Neste capítulo procurou-se explorar as disputas argumentativas que
ocorreram em torno da realização de um grande evento esportivo e seus reflexos
objetivos na implementação do projeto e, principalmente, nas posições dos atores
envolvidos diretamente com o projeto tanto para a construção do consenso referente à
legitimidade do mesmo; como daqueles que tomaram para si a responsabilidade de
fazer ecoar pela cidade o dissenso a respeito dos efeitos negativos desses grandes
eventos.
Percebeu-se, por meio das pesquisas realizadas para esta dissertação, que
o legado se transformou em um elemento comum nas argumentações tanto dos
promotores do evento quanto dos manifestantes e a denúncia pública emergiu como
uma importante “tecnologia de protesto” utilizada pela resistência.
Observe-se, no entanto, que, apesar da análise ter sido centrada na
discussão do conflito acerca do legado destes grandes eventos, este processo de
legitimação e deslegitimação de argumentos possui diferentes matizes e atores
envolvidos, difíceis de serem reconhecidos, principalmente na sua dimensão política.
Como visto nos capítulos um e dois, os contextos políticos nos quais se desenvolvem
estes projetos são muito complexos e têm inscrições tanto na escala local, como na
nacional e mundial.
Reconheceu-se neste capítulo três momentos do processo de implantação
do evento, caracterizados a partir da existência de uma maior e/ou menor resistência
relacionada ao projeto.
Mediante a associação destas disputas argumentativas, expressas neste
capítulo, aos conflitos que ocorreram em função dos Jogos Pan-Americanos,
apresentados e discutidos no capítulo três, pôde-se identificar, ainda que de forma
preliminar, os principais ganhos de poder, obtidos pela resistência, no decorrer da
implantação do evento. Preliminar, porque estes ganhos de poder ainda precisam ser
avaliados por meio de um estudo mais detalhado das características de cada conflito.
175
Resumidamente, se expressa por meio do seguinte quadro analítico, as
principais considerações a respeito das características dos três momentos de disputa
argumentativa descritos neste capítulo:
Por fim, cabe ressaltar o importante papel que o Comitê Social do Pan
assumiu ao agregar os diferentes atores da resistência em torno de um objetivo comum:
impedir e/ou minimizar os impactos negativos do Pan e denunciar as arbitrariedades
cometidas em nome do evento, e até mesmo valorizar o seu processo de formação na
constituição de seu papel como ator político.
Como visto ao longo do trabalho, houve alguns ganhos de poder por parte da
resistência, impedindo a realização de alguns projetos e ampliando a perspectiva crítica
Figura 47: Quadro síntese com as principais características da periodização sugerida neste trabalho. Fonte: Danielle Barros,
2008.
176
em torno dos impactos sociais deste evento. Porém, como aponta Zezé Barros do CSP,
não foi uma luta fácil tendo em vista seus opositores:
Tenho absoluta convicção de que sem o Comitê Social, as coisas não teriam o
andamento que teve, mas, entretanto considero muito pouco o que fazemos. Os
componentes do grupo abnegado (no qual me incluo) tenta de todas as formas
conseguir que a sociedade seja mais justa, humana e que atenda melhor os
menos favorecidos. Uma luta de sacrifício pessoal. Ninguém pode doar mais
tempo do que doa e deste modo, somos um grupo de idealistas que tentam
manter uma cidade coerente, contra os profissionais que ganham muito bem
para obterem as vantagens as quais somos contra, armar e obter as
concessões almejadas (Zezé Barros, m em entrevista à autora 05/05/08).
177
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numa época em que se ampliam cada vez mais as tensões entre a
exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, as políticas
urbanas, ao incidirem no espaço social, são reveladoras de tais tensões. Inscritos
nessas políticas, os grandes projetos urbanos e os grandes eventos passam,
efetivamente, a ser difundidos como elementos capazes de garantir o equilíbrio entre
a busca pela eficácia econômica e a equidade social. O que se tem percebido, no
entanto, é que, ao invés de se pautarem nos valores de justiça social, tais políticas e
ações têm se pautado pela racionalidade da eficácia, mediante o discurso de que
sob essa orientação adviria o esperado desenvolvimento urbano.
Neste contexto, abordou-se nesta dissertação o caráter conflituoso de
grandes eventos esportivos, a partir do caso dos Jogos Pan-Americanos de 2007 na
cidade do Rio de Janeiro. Procurou-se, neste sentido, identificar e registrar os
movimentos sociais, as vozes dissonantes que desafinaram e desafiaram o
aclamado e instrumental “coro dos contentes” apresentado (ainda que na esfera
simbólica) para garantir a legitimação do evento.
Partindo do entendimento de que o sistema capitalista necessita de
“justificações” para legitimar suas ações - sobretudo, para poder resistir à crítica
“anticapitalista” que geralmente lança mão de convenções de validade universal
relativas ao que é justo e injusto -, seus defensores tendem a mobilizar elementos
cuja legitimidade já se encontra garantida e à qual darão um novo sentido
associando-a às exigências do capital (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2002).
O legado de um grande evento transforma-se num destes elementos, cuja
legitimidade já estaria, de certa forma, garantida, de modo que os impactos positivos
são apresentados quase sempre como superiores aos efeitos negativos. Os projetos
urbanos e grandes eventos passam a ser oferecidos como elementos capazes de
superar a fratura social existente nas cidades, mediante a justificativa do legado que
passa a constituir a representação da cidade una e consensual, aquela que abraça
“todos em busca do bem comum”.
A busca pela legitimidade destes projetos resulta, quase sempre, num
processo de adesão social e estabilização política por meio da neutralização dos
178
conflitos. Desconsidera-se neste caso, que o tecido social no qual se desenvolve o
grande projeto/evento não é inerte e que “o conflito é parte inerradicável da vida
conjunta dos seres humanos é um componente tão fundamental da associação
humana quanto a cooperação” (PAOLI; TELLES, 2000, p. 105). Assim, cada vez
mais, os grandes eventos e os grandes projetos urbanos têm sido alvos de críticas e
palco de inúmeros conflitos urbanos.
No caso da cidade do Rio de Janeiro, muitos dos conflitos analisados
eram anteriores à realização dos Jogos, como nos casos relativos ao Estádio de
Remo da Lagoa, à Marina da Glória, à comunidade da Vila Autódromo e outras
comunidades localizadas na Barra da Tijuca. Com a aproximação dos Jogos a
pressão sobre os movimentos resistentes se intensificou. Afinal, de acordo com os
promotores deste evento, a excepcionalidade do mesmo justificaria o emprego de
medidas extremas para garantir a realização dos projetos.
Observou-se, contudo, que a realização do evento permitiu uma
articulação dos diferentes grupos da resistência que antes atuavam de forma isolada
pela cidade, como no caso dos coletivos que se associaram para constituir o Comitê
Social do Pan. Destaca-se também a articulação dos diferentes movimentos sociais
em torno do que foi chamado de Plenária dos Movimentos Sociais, que resultou num
espaço construído coletivamente para a discussão e articulação das lutas urbanas.
Assim, mediante a realização dos grandes eventos, observa-se a
constituição de arenas públicas nas quais os conflitos ganham visibilidade como
acontecimento político, nas quais os sujeitos coletivos procuram se constituir como
“interlocutores válidos e nas quais os direitos estruturam uma linguagem pública que
baliza os critérios pelos quais demandas coletivas são problematizadas e avaliadas
nas suas exigências de equidade e justiça” (PAOLI; TELLES, 2000, p. 106). Neste
contexto, a denúncia pública emerge como a principal estratégia de protesto,
focalizada principalmente na denúncia da desigualdade urbana. Esta última sugere
uma distribuição desigual das partes do espaço urbano com diferentes qualidades e
injustamente dividido.
Segundo Acselrad (2004, p. 29):
Os movimentos sociais podem ser analisados por sua intervenção nestes
dois níveis do espaço social – o espaço da distribuição do poder e o espaço
da luta discursiva. Estes últimos configuram seu poder de barganha na
179
esfera simbólica, acumulando força no plano da legitimidade e colocando
em causa o conteúdo das noções prevalecentes de justiça (grifo nosso)..
Deste modo, buscou-se reconhecer os sujeitos sociais que se colocaram
contrários aos processos de reestruturação urbana propostos em nome e através do
Pan, bem como os principais elementos geradores de conflito, de forma que as
análises seguissem a temporalidade e peculiaridade dos diferentes conflitos.
Ressalte-se que a presença desses sujeitos na cena política tem a
peculiaridade de atualizar, no registro do dissenso e do conflito, os princípios
universais da igualdade e da justiça, uma vez que essa presença significa a
exigência de uma permanente e sempre renovada negociação quanto às regras de
equidade e à medida de justiça nas relações sociais. “É sobre esse prisma que se
pode dizer que em torno desses sujeitos coletivos abrem-se horizontes de
possibilidades”. (PAOLI; TELLES, 2000, p. 107).
Ao longo deste trabalho procurou-se mostrar como os diferentes
discursos, representações e ações da resistência afetaram os processos de
reestruturação urbana pretendidos e ensejados pela gestão estratégica empreendida
na cidade desde a década de 90. Por mais que as conquistas da resistência
pareçam pequenas frente ao projeto realizado, vale lembrar a observação feita por
Karl Polanyi (1983, p. 63-64) e revisitada por Boltanski e Chiapello (2002, p. 55) ao
reforçar a importância da crítica, mesmo quando os seus efeitos não pareçam tão
claros:
Por que a vitória final de uma tendência teria necessariamente que
confirmar a ineficácia dos esforços destinados a retardar o seu progresso?
Por que não ver que estes esforços vêm alcançando seu objetivo
precisamente por ter conseguido retardar o ritmo destas transformações?
Deste ponto de vista, o que é ineficaz para deter uma evolução não é de
todo ineficaz.
Ao trazer à tona os resultados de uma pesquisa, esta dissertação
procurou trazer para o terreno das cidades reais, as conseqüências práticas da
adoção de um modelo de planejamento que se apresenta com único viável e dos
conflitos que propiciaram a constituição e articulação de novos agentes políticos
coletivos. Procurou-se dar visibilidade a grupos sociais e movimentos que, por
muitas vezes, aparecem não apenas como derrotados, mas também como
condenados à derrota por irrealismo ou radicalismo utópico, mas que, na maioria
180
das vezes, têm conseguido resistir e, através dessa resistência, diminuir o ritmo
acelerado das mudanças impostas pelo modelo capitalista neo-liberal, expresso no
planejamento estratégico e nos grandes projetos urbanos.
Ressalte-se que, no processo de elaboração desta dissertação, muitas
outras questões vieram à tona. Sugerem-se, neste sentido, novos caminhos de
pesquisa e desdobramentos para o trabalho.
A primeira questão refere-se ao levantamento e análise das diferentes
articulações políticas envolvendo as instituições responsáveis pela organização dos
eventos esportivos como o COI, a ODEPA e, especificamente no caso brasileiro, o
COB. Tais instituições influenciam diretamente o projeto e a gestão dos jogos e,
conseqüentemente, pautam a reestruturação urbana das cidades-sede.
A ascensão de Carlos Arthur Nuzman a presidente do COB e a sua
administração do órgão mereceriam uma dissertação à parte, que viria elucidar os
modos de constituição de coalizões dominantes em nossa cidade. Caberia, neste
sentido, avaliar o posicionamento e reposicionamento dos diferentes atores políticos
hegemônicos frente à possibilidade de o Rio de Janeiro vir a sediar outros grandes
eventos esportivos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
No que diz respeito à resistência, outras questões parecem relevantes.
Caberia, por exemplo, revisitar a experiência de Barcelona durante as Olimpíadas de
1992, que transcorreram com pouquíssimas manifestações de oposição ou
descontentamento, seguidas por seu contraponto, quando da realização do Fórum
Universal das Culturas em 2004, efervescente em crítica social e no curso do qual
se veio a questionar a legitimidade do mesmo e a resgatar ou, como referência, os
impactos negativos
1
advindos da realização dos Jogos Olímpicos de 1992. Será que
no Rio de Janeiro o pós-Pan também será caracterizado por um fortalecimento da
crítica ao modelo? Será que o não cumprimento de promessas e os orçamentos
multiplicados por dez terão algum impacto na configuração de uma opinião sobre
este tipo de evento? Qual será a reação dos movimentos sociais diante da eventual
realização de novos eventos.
1
Os manifesto organizado pelo coletivo de resistência ao Fórum Universal das Culturas, refere-se a
reestruturação urbana promovida pelas Olimpíadas como indutor de um processo de ”gentrificação” na cidade,
onde os moradores indesejáveis (leia-se aqueles que não podem pagar pelo espetáculo urbano) são expulsos e
as desigualdades sociais são ampliadas. A cidade, neste sentido, tem seu desenvolvimento voltado para atender
os anseios dos turistas. Os moradores tornam-se meros expectadores de uma cidade–evento onde poucos são
capazes de pagar.
181
Cabe perguntar-se, se assim como em Barcelona, esses sujeitos que
tiveram voz e presença política nos movimentos de resistência recuperarão
experiências de luta e se rearticularão frente à realização de um outro grande evento
e quais serão as estratégias adotadas por parte da resistência tendo como lastro a
experiência Pan-Americana
2
?
Considere-se, neste contexto, a fala de um dos militantes do Comitê
Social do Pan:
Minha luta não se encerra aqui. Afinal, vem a copa do mundo 2014, e talvez
as olimpíadas...então dentro dessas perspectivas, não terminou. Nesse
momento tem menos atividades dentro do Comitê. As pessoas precisam se
recompor (Martin Curi em entrevista a autora 15/04/08).
Como muitos dos conflitos que se diziam relacionados ao Pan, estão
também relacionados ao projeto de cidade que se pretendia e se pretende construir -
baseado nos princípios capitalistas de eficácia racional onde “maximizam-se os
ganhos e minimizam-se as perdas” – os conflitos permanecem, latentes ou
presentes, mesmo com o fim do evento.
Neste sentido, permanecem as ameaças de remoção às comunidades
pobres localizadas na Barra da Tijuca e no entorno do Engenhão; permanecem os
conflitos referentes à privatização e descaracterização do Estádio de Remo da
Lagoa e da Marina da Glória. Permanece vigente a política de segurança pública
empreendida no estado do Rio de Janeiro, que criminaliza os moradores das favelas
cariocas, justificando ações cada vez mais violentas. Diante deste quadro de
espoliação dos direitos, nos quais os conflitos permanecem ativos, a resistência
continua articulada e algumas ações começam a ser esboçadas no período pós-
Pan, a saber:
a) O Ato do Primeiro de Maio de 2008 foi realizado novamente no Canal do Anil,
sendo que desta vez a caminhada foi direcionada para a Cidade da Música,
numa tentativa de protestar e questionar os critérios que determinam as
prioridades de investimentos e os altos custos destes grandes projetos;
2
Diante da epidemia de dengue que assolou a cidade do Rio de Janeiro no início de 2008, a população carioca
começou a relacionar o Pan com a epidemia, colocando a mesma como um dos legados do evento: “o Pan da
Dengue”. Ressalte-se que em 2007, o Rio de Janeiro estava em alerta com a possibilidade de uma epidemia
atingir a cidade durante a realização dos Jogos.
182
b) As ações no Ministério Público referentes aos casos do Estádio de Remo e
da Marina da Glória continuam em andamento e os militantes permanecem
acompanhando estes processos e pressionando as autoridades públicas
envolvidas;
c) O Comitê Social do Pan – CSP - continua mobilizado acompanhando os
diferentes casos e articulações em torno da realização de novos eventos
(como a Copa do Mundo de 2014 e a Candidatura às Olimpíadas de 2016),
de modo a traçar estratégias de luta, dentre outras ações.
Cabe avaliar futuramente os desdobramentos desta articulação social.
Suas conquistas e estratégias no período pré-Pan foram desenvolvidas neste
trabalho, mas o horizonte de possibilidades que se descortina a partir dos “não-
acontecimentos” torna a pesquisa pós-Pan, cada vez mais necessária, uma vez
que os conflitos e os movimentos são reinventados, sugerindo e convidando à
interpelação da “cidade dos contentes”.
183
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