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No entanto, o poema não é senão isto: possibilidade, algo que só se anima
ao contacto de um leitor ou de um ouvinte. Há uma característica comum a
todos os poemas, sem a qual nunca seriam poesia: a participação. Cada
vez que o leitor revive realmente o poema, atinge um estado que podemos,
na verdade, chamar de poético. A experiência pode adotar esta ou aquela
forma, mas é sempre um ir além de si, um romper os muros temporais, para
ser outro. Tal como a criação poética, a experiência do poema se dá na
história, é história e, ao mesmo tempo, nega a história. [...] O poema é
mediação: graças a ele, o tempo original, pai dos tempos, encarna-se num
momento. A sucessão se converte em presente puro, manancial que se
alimenta a si próprio e transmuta o homem. A leitura do poema mostra
grande semelhança com a criação poética. O poeta cria imagens, poemas;
o poema faz do leitor imagem, poesia. (PAZ, 1982, p. 30).
A escritura, para Barthes, além de caráter de crítica da linguagem, possui
também função utópica, que consiste em desejar, incessantemente, outra economia
de linguagem, que revelará novos sentidos num constante deslocar-se. A literatura
é realista e irrealista ao mesmo tempo: realista por ter o real como objeto de desejo;
irrealista por acreditar ser sensato o seu objeto de desejo; que é impossível, por isso
o seu caráter utópico.
O texto que se escreve na escritura tem de desejar o leitor (flertar com ele),
num movimento corporal, mesmo sem sequer conhecer quem porventura lerá o
texto, sem saber efetivamente onde ele se encontra. O corpo do escritor se
movimentará e se inscreverá no texto (suas pulsões inconscientes) e o corpo do
leitor, durante a leitura, também realizará os seus movimentos. Cria-se um espaço
de prazer e a escritura “produz uma significação circulante que não é de tipo
informativo. A significância não tem nem ponto de partida nem ponto de chegada:
ela circula, disseminando sentidos”. (PERRONE-MOISÉS, 1978, p. 44).
Barthes (2008) diferencia o prazer da fruição (gozo)
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. O prazer é dizível,
confortável e vem da cultura sem romper com ela (textos clássicos e legíveis, por
exemplo). A fruição (gozo) é um texto não dizível, desconfortável (textos radicais da
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Em O prazer do texto, tradução de J.Guinsburg, é utilizada a palavra fruição para traduzir
Jouissance. Leyla Perrone-Moisés, no posfácio do livro Aula, explica que fruição é uma palavra
inadequada no contexto teórico de Barthes, pois jouissance é uma palavra libidinal, no sentido sexual
do termo, expressão emprestada da psicanálise (Lacan). Em contrapartida, Guinsburg acredita que
fruição reproduz poeticamente a palavra original e que esta não encerra o sentido de gozo, embora a
palavra seja mais suave.