2 VULNERABILIDADE SOCIAL
Quando, seu moço, nasceu meu rebento,
não era o momento dele rebentar.
Já foi nascendo com cara de fome,
e eu não tinha nem nome para lhe dar.
Como fui levando, não sei explicar,
fui assim levando ele a me levar.
E na sua meninice ele um dia me disse,
que chegava lá. Olha aí [...].
Olha aí, ai o meu guri, olha aí [...],
e ele chega suado e veloz do batente.
E traz sempre um presente pra me encabular.
Tanta corrente de ouro, seu moço,
que haja pescoço pra enfiar.
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro,
chave, caderneta, terço e patuá.
Um lenço e uma penca de documentos,
pra finalmente eu me identificar,
olha aí, olha aí, é o meu guri.
E ele chega. [...] no morro com o carregamento,
pulseira, cimento, relógios, pneu, gravador.
Rezo até ele chegar cá no alto,
essa onda de assaltos tá um horror.
Eu consolo ele, ele me consola,
boto ele no colo pra ele me ninar.
De repente acordo, olho pro lado e
o danado já foi trabalhar, olha aí [...].
Chega estampado, manchete, retrato,
com venda nos olhos, legenda e as iniciais.
Eu não entendo essa gente, seu moço, fazendo alvoroço demais.
O guri no mato, acho que tá rindo,
acho que tá lindo, de papo pro ar.
Desde o começo, eu não disse, seu moço,
ele disse que chegava lá, olha aí, [...], é o meu guri.
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O meu guri, de Chico Buarque de Holanda, destaca um grupo social que vivencia
uma situação de vulnerabilidade social, agudizada por sua condição de baixa escolarização,
uma educação precária – em muitos casos, interrompida bruscamente para que o jovem
adentre no mercado de trabalho, primordialmente informal – gerada por um contexto sócio-
familiar de risco e de não satisfação de suas necessidades básicas.
Quando chega a noite, logo se escondem, amontoados sob viadutos, praças, prédios
abandonados, estendendo um pedaço de papelão em algum canto, para enfrentarem
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Foto extraída da monografia Meninos de Rua apresentada a Universidade Salgado de Oliveira em 2007.
HOLANDA, Chico Buarque. O meu guri. In: Almanaque. Universal, 1982. Faixa 3 (3 min 54 s.).