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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
ADILSON FERNANDES DE SOUZA
A INTEGRAÇÃO ENTRE O SISTEMA NACIONAL DE
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE) E O SISTEMA
ÚNICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) NA PROMOÇÃO
DOS DIREITOS DE ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO
DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
SÃO PAULO
2010
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ADILSON FERNANDES DE SOUZA
A INTEGRAÇÃO ENTRE O SISTEMA NACIONAL DE
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE) E O SISTEMA
ÚNICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) NA PROMOÇÃO
DOS DIREITOS DE ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO
DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em Serviço Social, sob orientação da
Prof. Dra. Myrian Veras Baptista.
SÃO PAULO
2010
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ADILSON FERNANDES DE SOUZA
A INTEGRAÇÃO ENTRE O SISTEMA NACIONAL DE
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE) E O SISTEMA
ÚNICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) NA PROMOÇÃO
DOS DIREITOS DE ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO
DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
Banca Examinadora:
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
SÃO PAULO
2010
Dedico este trabalho a todos os profissionais
que conjuntamente construímos um saber e uma
prática comprometida com a transformação da
realidade de diferentes segmentos em situação
de risco social.
AGRADECIMENTOS
À Dra. Myrian Veras Baptista pela tranquilidade e todo o acúmulo de
conhecimento que direcionaram a produção deste trabalho.
Às Professoras Maria Lucia Martinelli e Andrea de Almeida Torres, que
trouxeram contribuições significativas para a finalização deste trabalho, por ocasião
do exame de qualificação.
À minha família:
Minha querida mãe Hermínia, baiana e referência de fortaleza e obstinação;
Meu pai Luiz (in memoriam) como exemplo de coração aberto para a vida e amigos;
Meus irmãos: Alzira, única mulher que certamente cuidou de todos nós; Luiz,
que substituiu a ausência do pai por muitos anos; Wilson (in memoriam), exemplo de
simplicidade, felicidade e amor sincero; Ailton, união, força com princípios bem
consolidados e Hamilton, professor que eu não consigo imaginá-lo fazendo outra
coisa senão ensinar.
Aos meus sobrinhos que sempre estiveram junto comigo durante toda minha
trajetória com muito carinho e, finalmente, aos sobrinhos-netos vindos desta família.
Aos amigos das várias empreitadas profissionais que, apesar da diferença das
situações enfrentadas, sempre tivemos o mesmo objetivo de fazer o melhor para o
público atendido.
Agradeço a todos em nome de Rubens Xavier Martins, Roseli Souza, Élida
Hobi, Tânia Bárbaro, Antonia Efigênia, Monica Zagallo, Luciana Martins, Sueli
Aparecida, Noeli Buono, Marisa Fortunato, Eiko Iha, Cristiane Melasso, Tânia
Espinosa, Danilo Costa, Maria Eli Bruno, Monica Cukierkorn, Roseli Gouvea, Célia
Verna, Juraci de Oliveira, Isabel Cristina, Roberto, Ana Claudia Bellottti, Carmem
Argarati, Marcos Souza, Edna Souza, Lucia Patrocinia, Ana Maria da Silva, Marcos
Valdir, Fabio, Elizete, Fátima Ferreti, Silvana, Norma, Janice, Célia, Márcia Fontes...
Aos amigos Soraia Nahas, Sonia Zucatto, Lucia Bella, Margarete Martins,
Ivanete Passos, Tuca, Sergio Garcia, Iná Gonçalves, Craudinho, Paula, Dan, Tio,
Luiz Nunes, Silvana Moura, Jefrei, Cecília, Mario...
À Dra. Berenice Maria Gianella.
Em especial para a amiga Sandra Maria Machado que me apresentou o
Serviço Social ainda na década de 80.
À CAPES Coordenadoria para Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino
Superior, pela concessão da bolsa de mestrado.
ULTIMATUM
“Mandado de despejo aos mandarins do mundo
Fora tu, reles esnobe plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas,
Charlatão da sinceridade e tu da juba socialista
E tu qualquer outro.
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles, todos.
Monte de tijolos com pretensões de casa,
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir.
Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular,
Que confundis tudo!
Vós anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
Para quererem deixar de trabalhar.
Sim, todos vós que representais o mundo, homens altos,
Passai por baixo do meu desprezo.
Passai aristocratas de tanga de ouro, passai frouxos.
Passai radicais do pouco!
Quem acredita neles?
Mandem tudo isso para casa descascar batatas simbólicas
Fechem-me isso tudo a chave e deitem a chave fora.
Sufoco de ter somente isso à minha volta.
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo.
Nenhuma ideia grande,
Nenhuma corrente política que soe a uma ideia grão!
E o mundo quer a inteligência nova,
A sensibilidade nova.
O mundo tem sede de que se crie.
O que aí está a apodrecer a vida, quando muito, é estrume para o futuro.
O que aí está não pode durar porque não é nada.
Eu, da raça dos navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da raça dos descobridores,
Desprezo o que seja menos que descobrir um novo mundo.
Proclamo isso bem alto, braços erguidos,
Fitando o Atlântico e saudando abstratamente o infinito.”
Interpretação Poética de Maria Bethânia do texto de Álvaro
de Campos, 1917 – heterônimo de Fernando Pessoa.
RESUMO
Este trabalho tem o objetivo de analisar a integração entre o Sistema Nacional
de Atendimento de Medidas Socioeducativas (SINASE) e o Sistema Único da
Assistência Social (SUAS) na atenção aos adolescentes em cumprimento de
medidas socioeducativas de internação e em meio aberto.
Para esta avaliação, iniciei com um resgate histórico da atenção social
destinada a crianças e adolescentes carentes, abandonados e com atos infracionais,
o que me permitiu verificar a manutenção de práticas que desconsideram os direitos
de pessoa em desenvolvimento, assegurados legalmente apenas em 1990 com o
advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.069, 13/07/90).
Analisei também a questão da prisão, especificamente para adultos, que
certamente vem influenciando o sistema socioeducativo destinado a adolescentes
que tenham praticado ato infracional.
O processo de pesquisa foi realizado no município de Bragança Paulista, o
qual é sede de uma unidade de internação da Fundação Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA-SP).
Nesse município, o atendimento das medidas socioeducativas em meio aberto
é municipalizado, em consonância com o preconizado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE) e pelo Sistema Único da Assistência Social (SUAS).
ABSTRACT
The main goal of this study is to verify the integration between the National
System of Socioeducative Support (SINASE, in Portuguese) and the Unique System
of Social Assistance (SUAS, in Portuguese) in the care of teenagers receiving
socioeducative support under arrest and in the open system.
For this evaluation I started with a historic recall of the social attention given to
poor children and teenagers, abandoned and with infractional practice, what led me
to realize the on going practices that disconsider the rights of people still in
development. Those rights were assured only in 1990 with the advent of the Child
and Teenager Law (ECA, in Portuguese – Law 8.069, 07/13/1990).
I have also analyzed the prison system for adults, which certainly influences
until the present days the socioeducative system destinated to teenagers and minors
envolved with delicts.
This research process has been performed in the city of Bragança Paulista,
where we can find an unity of the Socioeducative Support Center for Teenagers
Foundation (Fundação CASA-SP, in Portuguese)
In this place, the socioeducative support in an open system is under the
management of the city, according with the recommended by the Child and Teenager
Law (ECA), the National System of Socioeducative Support (SINASE) and the
Unique System of Social Assistance (SUAS).
KEYWORDS: Socioeducative – Infractional – Child – Teenager
LISTA DE SIGLAS
CASA – Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
CIB – Comissão Intergestores Bipartite
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
ONG – Organização Não-Governamental
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SUAS – Sistema Único da Assistência Social
SUMÁRIO
Introdução...................................................................................................................11
Capítulo I - Histórico da problemática que envolve crianças e adolescentes no no no
no Brasil: a discussão ainda urgente e necessária............................................15
Capítulo II – Instituições punitivas: educar ou punir...................................................36
Capítulo III Da doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção integral
integral: caminhos e descaminhos.....................................................................45
Capítulo IV – A adolescência e atos infracionais: trajetória e direitos........................71
Capítulo V – O sistema socioeducativo paulista a partir de junho de 2005...............81
Capítulo VI – Procedimentos metodológicos de coleta de dados..............................89
Capítulo VII – Procedimentos de análise de dados.................................................100
Considerações Finais...............................................................................................116
Referências Bibliográficas........................................................................................124
11
INTRODUÇÃO
É histórica a preocupação social em resolver a problemática da infância e da
adolescência ligada aos atos infracionais no Brasil. Apresento na próxima parte
deste trabalho um estudo relacionado a essa história, incluindo leis que trataram
desta questão, desde o Império até o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA
(lei 8.069, 13/07/90).
Neste estudo ficou presente uma diferenciação clara entre “menores” e
crianças, os quais ocupavam denominações diferentes de acordo com sua condição
social e financeira. Até o advento da atual Carta Magna (CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 05 DE DEZEMBRO DE 1988), eram
tratados como “menores” aqueles que apresentavam carência, abandono ou autoria
de ato infracional. Esta terminologia estava bastante vinculada a práticas de
“vadiagem” e “gatunagem”.
Com o advento do ECA (Lei 8.069, 13/07/90), resultante da grande luta popular
dos agentes atuantes com este público, foram redirecionados os olhares para os, até
então, “menores” que passaram a ser vistos, principalmente por nós “perseverantes
sociais”, como crianças e adolescentes em situação peculiar de desenvolvimento e
sujeitos de direitos.
Esta nova concepção deve ser motivo de debate constante para
esclarecimento da problemática para a população brasileira. Esta necessidade fica
evidente quando se vê, em situações de violência com envolvimento de
adolescentes, que a mídia tende a se posicionar, considerando que as coisas
acontecem porque os adolescentes não são suficientemente responsabilizados e
que, para tanto, haveria necessidade de uma ação no sentido da redução da
maioridade penal como forma de bloquear ou resolver tais situações.
Nesses posicionamentos não são consideradas as situações de violência
sofridas pelo adolescente a quem se imputa o ato infracional, frequentemente
marcado pela falta de acesso aos bens e serviços da sociedade.
12
Uma sociedade que ainda pensa que galgar melhores condições sociais e
financeiras é simplesmente o resultado de um caminhar isolado, sem apreender que
as questões sócio-históricas, resultantes das relações de classe, são determinantes
na vida de todos e de cada um dos sujeitos de nossa sociedade.
Os adolescentes que hoje cumprem medidas socioeducativas, não se
diferenciam dos adolescentes moradores, na sua grande maioria, de núcleos de
extrema pobreza e vulnerabilidade social.
É preciso neste momento esclarecer o conceito de vulnerabilidade social
adotado neste trabalho e, para isto, recorro a Sandra Djambolakdjia Torossian e
Nelson Estamado Rivero, no livro Políticas Públicas e Assistência Social: diálogo
com as práticas psicológicas (56:2009):
“Considera-se que a vulnerabilidade social não se define
pelo índice de pobreza, mas se faz necessário olhar para
a inclusão ou não da população em relação aos serviços
e políticas públicas. Assim, a noção de vulnerabilidade
apresenta-se carregada, múltipla de significados e
produzindo variados sentidos, os quais podem contribuir
tanto para a homogeneização e manutenção da
população num lugar de risco, quanto para construir
estratégias de empoderamento dos sujeitos na construção
de potência de vida. Para essa última alternativa ser
possível, é necessário problematizar a construção dos
diferentes olhares em relação às situações de
vulnerabilidade, desconstruindo sentidos cristalizados que
apontam para as condições de carência como condições
de impossibilidade de vida.”
Quando do lançamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo -
SINASE (Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006)
verificava-se que, no Brasil, tínhamos 39.578 adolescentes em cumprimento de
medidas socioeducativas.
13
Este mero o significa que estes eram os nossos “únicos adolescentes
problemáticos” no âmbito nacional. Podemos afirmar que estes adolescentes foram
flagrados cometendo o ato infracional, portanto cumprem uma medida
socioeducativa, porém existem milhares de adolescentes que vivem nas mesmas
situações, mas que não foram flagrados pela polícia em práticas infracionais.
Nos dias atuais, este número não deve ser muito diferente porque ainda não
ocorreram mudanças significativas na realidade, uma vez que esse fato é muito
recente e mesmo as políticas públicas mais abrangentes, ligadas ao Sistema Único
da Assistência Social (SUAS), estão ainda em fase que poderiam ser consideradas
preliminares de implementação.
É preciso considerar, portanto, que pela ausência ou ineficiência de políticas
setoriais de formação e proteção, ainda famílias abandonadas à própria sorte
pelas esferas públicas. Esta situação traz o trabalho informal como grande
alavancador da garantia do sustento dessas famílias e de seus jovens.
Dentre as alternativas de sobrevivência que se lhes apresentam, não podemos
negar a presença do mundo do crime, especificamente o tráfico de drogas, que alicia
crianças, adolescentes e adultos, possibilitando uma forma mais rápida de geração
de renda. Esta, muitas vezes, pode se configurar como a única alternativa de
trabalho viável no espaço e nas condições em que vivem.
No Brasil, existem hoje núcleos populacionais sustentados pelo tráfico, o qual
substitui grande parte das políticas estatais, neles ausentes, o que leva a que os
traficantes assumam uma legitimidade, política e de poder junto àquela comunidade.
Este fato evidencia-se pela constatação do aumento do índice de entrada de
adolescentes na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo de o Paulo
(CASA-SP) com envolvimento com tráfico de drogas, em substituição a outros
índices históricos que contemplavam outras modalidades de infração, por exemplo,
o roubo. O aumento do tráfico em relação ao roubo merece ser melhor observado
para que possamos ter entendimento mais completo sobre este dado, a fim de
possibilitar políticas preventivas e protetivas com maior conhecimento da realidade
do público a ser atendido.
Neste momento podemos afirmar que o tráfico pode estar gerando “postos de
trabalho” para os adolescentes que se encontram em situações menos favoráveis na
escala social.
14
Este fato ocorre por possibilitar a manutenção da distribuição de drogas ilícitas
sem colocar os adultos em risco nesta tarefa. Isto é importante para o tráfico porque
as consequências destes atos são diferentes quando cometidos por adultos ou
quando por adolescentes.
Como resultado, a exploração infanto-juvenil aparece em um crescente, de
forma assustadora. Esta afirmação não tem intencionalidade de rever a situação
jurídica estabelecida para adolescentes, na perspectiva de utilizar os fatos
apontados como exemplo justificador da redução da maioridade penal, e sim de
trazer mais um dado da precariedade de atenção que se encontra o jovem brasileiro,
colocando-os sob o risco descrito abaixo.
(...) Após descreverem os passos da constituição de
diferentes grupos de extermínio, levantam a hipótese de
uma “limpeza social” aceita, legitimada ou até mesmo
estimulada pela “massa” (no sentido de Arendt) – que
atingiria uma população considerada “supérflua”. Estar-
se-ia construindo no país um senso comum de que os
jovens das classes menos privilegiadas, de baixa
escolaridade e sem maiores qualificações profissionais
constituiriam um excesso populacional socialmente sem
raízes e economicamente supérfluo, candidato à
delinquência e, portanto, sem utilidade numa sociedade
moderna, civilizada e competitiva. A esses indesejáveis se
somariam os desempregados e menos qualificados,
também considerados supérfluos na medida de sua
menor participação no mercado. (Filho, 2004:119)”
Partindo de minha própria experiência, digo que não podemos trabalhar com os
adolescentes a partir de conceitos, mas sim deles como sujeitos reais, atrelados a
uma realidade cio-histórica: é preciso compreender a conjuntura à qual eles estão
submetidos, sabendo que suas singularidades e suas características adolescentes
devem ser respeitadas.
15
Capítulo I - Histórico da problemática que envolve crianças e
adolescentes no Brasil: a discussão ainda urgente e necessária
Para adentrar ao Sistema de Garantia de Direitos organizado para crianças e
adolescentes, é necessário trazermos uma parte da história que envolve a
problemática da juventude carente, abandonada e com vinculação com a
criminalidade no país.
Foto de uma unidade do complexo Imigrantes (sem data)
Arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação CASA (Cepdoc)
16
Com este objetivo, este texto apresentará as terminologias adotadas em cada
momento histórico que se mencionado. O destaque será nas leis que
determinaram o modelo de atenção aos jovens carentes e infratores, tal junção em
função da proximidade no trato a essas duas questões, as quais em grande parte
recebiam a mesma preocupação e formas semelhantes de enfrentamento por parte
dos poderes vigentes em cada época.
Desde já é preciso apresentar a questão social como uma, senão a mais forte e
única, causadora do aumento da problemática que determinou o caminho trilhado
pelas populações à margem da sociedade, totalmente sem acesso aos bens
historicamente construídos pelo homem nas suas diversas possibilidades.
Como afirmado por Luiz Eduardo W. Wanderley (2008:59):
“A questão social foi nomeada, explicitamente, nos anos
de 1830, quando se tomou consciência da existência de
populações que foram, ao mesmo tempo, agentes e
vítimas da revolução industrial”.
No que tange a questão da juventude, recorro a Marco Antonio Cabral dos
Santos (2004:210), onde aponta como era grande a preocupação na cidade de São
Paulo, ainda em 1898, com o grande número de menores criminosos que
constantemente ameaçavam a ordem pública e a tranquilidade das famílias
paulistanas. Para ilustrar o fato apresentamos um soneto intitulado “O Vagabundo”
de autoria de Amélia Rodrigues, o qual tinha a intencionalidade de alertar a
sociedade, com destaque às mulheres, do perigo e ameaça que as ruas escondiam.
Tal soneto foi publicado no Álbum das Meninas, revista literária e educativa
dedicada às jovens brasileiras, de propriedade de Anália Emilia Franco.
O vagabundo
O dia inteiro pelas ruas anda
Enxovalhando, roto indiferente:
Mãos aos bolsos olhar impertinente,
Um machucado chapeuzinho a banda.
17
Cigarro à boca, modos de quem manda,
Um dandy de misérias alegremente,
A procurar somente
Em que as tendências bélicas expanda
E tem doze anos só! Uma corola
De flor mal desabrochada! Ao desditoso
Quem faz a grande e peregrina esmola
De arrancá-lo a esse trilho perigoso,
De atirá-lo p’ra os bancos de uma escola?
Do vagabundo faze-se o criminoso!”
Dandy é um estilo de moda japonês inspirado na era vitoriana. Costumava-se
denominar dandy, em português, como um homem de boa renda e fantástico senso
estético, e que não pertencia à pobreza. Hoje em dia, o estilo também geralmente
sofre influências do gótico, do punk, e de roupas masculinas clássicas de outras
épocas.
Em inglês era o cavalheiro perfeito, um homem que escolhe viver de maneira
superficial. Como uma máscara, ou um símbolo, ele nega seus sentimentos e
questionamentos humanos para viver uma vida de aparências. Esta definição
permite nos inferir que a utilização do termo tratando-se de menores infratores é
como se fosse opção de levar a vida na miséria e para sobreviver lesar os cidadãos
honestos, sem preocupações ou questionamentos de ordem moral e ética.
As crianças e adolescentes, autores de ato infracional, estiveram presentes em
todas as legislações desde o Império até a Constituição de 1988, onde até então,
eram tratados como menores, terminologia bastante vinculada com práticas de
“vadiagem”, “gatunagem” ou por serem comprovadamente filhos de pobres, família
que poderia ser considerada desabilitada para educar os filhos de acordo com os
padrões morais vigentes na época, necessitando assim de intervenção judiciária.
(Livro História das Crianças no Brasil – Organização de Mary Del Priore).
A preocupação com a delinquência de menores proporcionou a formulão de Leis
específicas para tratar deste mal que aumentava na sociedade, colocando em risco a
18
manutenção de uma moral e bons costumes predominantemente ditada pela burguesia.
Destaque-se nesta direção o projeto do Deputado Alcindo Guanabara,
considerado por Irene Rizzini (2002:19), como o primeiro a tratar diretamente da
regulamentação para a infância, tratada como “moralmente abandonada e
delinquente”. Especificamente sobre os atos infracionais, destaca que a
regulamentação da idade criminal, passando de 9 (Código Penal) para 12 anos, e,
entre 12 e 17 para os que obrarem sem discernimento. Aqueles que agissem sem
discernimento seriam recolhidos às chamadas “escolas de reforma”.
Foto de uma unidade do complexo Imigrantes (sem data)
Arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação CASA (Cepdoc)
19
A criação de instituições para menores na parte urbana da cidade; um
estabelecimento que deveria ter a denominação de “depósito de menores”, na zona
suburbana do Distrito Federal, “Escolas de Prevenção” para os moralmente
abandonados; “Escola de Reformacom duas secções independentes: uma secção
industrial para os menores processados absolvidos e uma secção agrícola para os
menores delinquentes condenados.
Estas foram grandes contribuições para a afirmação do Código de Menores, o
qual tinha a intencionalidade de deter a situação dos delinquentes, pervertidos ou
abandonados, frente à sociedade.
Esta construção traz ainda, em seu bojo um conteúdo forte de origem jurídica e
policial, o qual vai se distanciando do modelo penal pelo projeto de João Chaves em
1912, onde tem o início das discussões mais específicas para os menores, inclusive
propondo a criação de juízes e tribunais dirigidos para esta causa, o que vem
acontecer em 1923, tendo Mello Mattos como primeiro juiz, chamado de “Mellinho
das crianças”.
Estava presente, neste momento, a pretensão de controle absoluto da infância
e juventude, onde pelos apelos sociais, pela ordem moral e cívica estabelecida
ficava totalmente a cargo do Juiz definir o caminho a ser trilhado pelos abandonados
ou delinquentes, sem a preocupação com o núcleo familiar na perspectiva de apoio
e proteção necessária para reordenar suas trajetórias de vida.
A criança e o adolescente autores de atos infracionais, carentes e
abandonados, constituem-se na história do Brasil, claramente marcados sobre os
olhares da elite que não buscaram resolver as causas da problemática, mas sim, de
encontrar formas de distanciar este problema dos olhares sociais.
Apresentava-se, então, a urgência da intervenção do Estado, educando ou
corrigindo “os menores” para que se transformassem em cidadãos úteis e produtivos
para o país, assegurando a organização moral da sociedade.
Em continuidade da apresentação da problemática, uma linha do tempo é
necessária para contribuir com a reflexão, nesta com maior destaque para o Estado
de São Paulo e aos aspectos jurídicos, sociais e executivos considerando a
ortografia presente em cada época:
20
SÉCULO XIX
1822 José Bonifácio escreve representação à Assembleia Constituinte do
Brasil, projeto que dispunha sobre a proteção à infância, assinalando no artigo 18: A
escrava, durante a prenhez e passado o terceiro mês, não será obrigada a serviços
violentos e aturados; no oitavo mês será ocupada em casa, depois do parto terá
um s de convalescença e, passado este mês, durante um ano, não trabalhará
longe da cria.
1824 – Constituição do Império, outorgada em 25 de março.
1827 Projeto do Código Criminal apresentado em sessão de 04 de maio pelo
Deputado Bernardo Pereira Vasconcelos.
1828 Império, em 10 de janeiro pede relação de todos os collegios e casas
de educação existentes nas províncias e dá provincias relativas aos mesmos
estabelecimentos.
1829 Parecer aos Projetos do digo Criminal offerecido pelos Srs.
Vasconcelos e Clemente Pereira, em 31 de agosto.
1830 – Lei de 16 de Dezembro, manda executar o Código Penal. Código
Criminal do Império do Brasil. “Artigo 10: Também o se julgarão criminosos os
menores de quatorze annos”. Em termos históricos este Código Criminal como
primeira lei do Império, pode ser considerado um grande avanço, pois até então
vigoravam as Ordenações do Reino de Portugal, cujas medidas punitivas foram
abolidas por serem consideradas bárbaras. Para as punições não se faziam
diferenciações entre adultos e menores.
1835 – Lei nº 4, 10 de Junho, Determina as penas com que devem ser punidos
os escravos, que matarem, ferirem ou outra qualquer offensa physica contra seus
senhores, etc. e estabelece regras para o processo.
1846 Decreto nº 407, de 23 de setembro, Dispensa as Leis de amortização a
favor do Recolhimento de Santa Theresa da Cidade de São Paulo, e do Convento
de Santa Theresa desta Corte.
1850 Decreto 678 de julho, regulamento para a Casa de Correção do
Rio de Janeiro.
21
1852 – Aviso de 17 de Julho, Ao Presidente da Província de São Paulo Declara
que as disposições do Art. 10 do Código Criminal, são também aplicáveis aos
escravos menores.
1859 Aviso de 20 de outubro, Declara que a menor, filha de pai incógnito, e
que tem mãi viva, he orphã em face das Leis do paiz.
1871 Lei 2040 de 28 de setembro, Declara de condição livre os filhos de
mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação
e outros, e providência sobre a criação e tratamento daquelles filhos menores e
sobre a libertação annual de escravos. Com a promulgação da Lei do Ventre Livre
aumenta o número de abandonados.
1875 Decreto 5849 de 9 de Janeiro, Approva o Regulamento do Asylo de
meninos desvalidos.
1888 Lei 3.353 de 13 de maio, Declara extincia a escravidão no Brasil.
Abolição da escravatura, pessoas abandonadas à própria sorte e a pobreza faz
crescer de forma gigantesca o número de abandonados e infratores.
1890 – Decreto nº 439 de 31 de Maio, Estabelece as bases para a organização
da assistência à infância. Decreto 847 de 11 de Outubro, Promulga o Código
Penal. Decreto 1030 de 14 de Novembro, Organiza a Justiça Federal. Artigo 27.
Não são criminosos: & Os menores de 9 annos completos; & Os maiores de
nove e menores de 14, que obrarem sem discernimento;”
1891 O decreto Lei 1313 de 17 de Janeiro, regulariza o trabalho dos
menores nas fábricas da capital federal e institui limite de idade e fixação de jornada
de trabalho; Constituição de 24 de Fevereiro- Dos cidadãos brasileiros. Secção. Das
qualidades do cidadão brazileiro.
1892 Aviso de 22 de Março, Como se deve proceder quanto aos menores
vagabundos.
1893 Surge a Sociedade Propagadora de Instrução Popular, depois
denominada Liceu de Artes e Ofícios e após o Instituto Ana Rosa com o intuito de
oferecer proteção aos órfãos, ministrando-lhes instrução primária e preparo
profissional; Decreto nº 145 de 11 de Julho, Autoriza o governo a fundar uma colônia
correcional na própria Fazenda da Boa Vista, existente na Parahyba do Sul, ou onde
melhor lhe parecer e dá outras providências.
22
1894 Pelo Dr. Candido Mota surgiam críticas à situação de jovens infratores
recolhidos na Penitenciária do Estado de São Paulo, propondo instituições
destinadas à assistência e recuperação de jovens;
1895 Criada a Casa dos Expostos por ato da Santa Casa da Misericórdia de
São Paulo em função do aumento de crianças atendidas pela “RODA”, suprindo a
deficiência da proteção dada pelas amas pagãs para alimentar crianças durante a
adaptação que futuramente foi denominada asilo “Sampaio Vianna”;
1897 Decreto 2.457 de 08 de Fevereiro, Organisa a Assistência Judiciária
no Districto Federal.
1899 – Criado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância no Rio de
Janeiro; Decreto 628 de 28 de Outubro, Amplia a acção penal por denúncia do
Ministério Publico, e dá outras providências.
Durante este século, percebe-se claramente a preocupação em deter a
problemática da questão da criança e do adolescente em situações de abandono,
carência e autoria de atos infracionais.
Leis, programas e serviços apareceram para dar suas respostas, as quais se
preocuparam mais em propiciar um distanciamento de realidades, as quais
estavam definidas pelas concepções vigentes de criança e de menor.
Preocupou-se, ainda, em vários momentos com a regularização do trabalho de
menores nas fábricas e como punir os considerados “vagabundos”. Intensifica-se a
criação de locais para atendimento como colônias correcionais, casa dos expostos
com o surgimento da RODA em função do grande número de abandonados.
A Igreja Católica teve grande participação neste processo com subsídios
concedidos pelo governo federal.
Especificamente de autores de atos infracionais, apenas no final do século
iniciaram-se as preocupações em separar a permanência de crianças e
adolescentes nos mesmos locais de reclusão para adultos.
Nesta direção, teve início o Instituto de Proteção e Assistência à Infância no
Rio de Janeiro, trazendo algumas esperanças para o século XX.
23
SÉCULO XX
1902 A chácara, que deu lugar ao extinto complexo Tatuaem São Paulo,
apresentava cerca de 20.000 metros e pertencia a Thomas Luiz Álvares teve
autorizada a implantação do Instituto Disciplinar e uma Colônia Correcional
destinada a menores infratores; Lei 947 de 29 de dezembro, Reforma o serviço
Policial no Distrito Federal.
1903 – Decreto nº 4.780 de 02 de Março, Approva o regulamento para a Escola
Correccional Quinze de Novembro. Decreto 441 de 26 de Julho, Crea o Officio
Geral da Assistência. Decreto nº 442 de 26 de Junho, Aletra algumas disposições do
decreto nº 282, que dá Regulamento ao Ensino Profissional.
1904 Decreto 1.154 de 07 de Janeiro, Autoriza o Governo a ceder ao
Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro um dos próprios
nacionaes existentes nesta capital ou a dar ao mesmo Instituto, mensalmente 500$
para aluguel de casa.
1906 – Sessão de 31 de Outubro, Sr. Alcindo Guanabara, vem sujeitar à
consideração da Câmara um projeto de lei regulando a situação da infância
moralmente abandonada e delinquente.
1908 Decreto 6.863 de Fevereiro, dá novo regulamento à Casa de Detenção
do Distrito Federal. Decreto nº 6.694 de 19 de Julho, Dos Casos de Internação.
1909 Iniciaram-se convênios com Instituições particulares, ampliando a
assistência às crianças e adolescentes no Estado de São Paulo, extensiva ao sexo
feminino;
1910 – Decreto nº 8.233 de 22 de Setembro, Approva o regulamento do
patronato official dos liberados ou egressos definitivos da prisão no Distrito Federal.
1911 Decreto 8.824. A de 07 de Julho, Manda provisoriamente depositar
na Colônia Correcional de Dous Rios as praças dos corpos de Marinha que tiverem
de cumprir pena correcional e da outras providências.
1912 Projeto 94 e 17 de Julho, Providências sobre a Infância abandonada
e criminosa, Projeto João Chaves.
1915 Instituto Disciplinar cria Escola Preliminar Operária Noturna destinada a
jovens, de ambos os sexos, filhos de operários ou necessitados;
24
1917 A Lei 1801 aumenta para 14 anos o limite para o trabalho na fábrica
e reduz a jornada de trabalho para 06 (seis) horas;
1918 Decreto 12.893 de 28 de fevereiro, Autoriza o Ministro da Agricultura
a crear patronatos agrícolas, para educação de menores desvalidos, nos postos
zootechnicos, fazendas-modelo de criação, núcleos coloniaes e outros
estabelecimentos do Ministério.
1923 Decreto 16.272 de 20 de dezembro, Approva regulamento da
assistência e proteção aos menores abandonados e delinquentes.
1924 – Decreto 16.388 de 27 de Fevereiro, Approva o regulamento do
Conselho de Assistência e Protecção dos Menores; Decreto 16.444 de 02 de
Abril, Decreto 16.444 de 02 de Abril, Aprova regulamento do Abrigo de Menores
no Distrito Federal; Lei 2.059 de 31 de Dezembro, Dispõe sobre o processo de
menores delinquentes. Criado o Juízo Privativo de Menores da Comarca da Capital
(SP) para assistência e proteção aos jovens menores de 18 anos, de ambos os
sexos, abandonados ou “pervertidos” (vadios, mendigos), bem como instituído o
processo de julgamento de delinquentes maiores de 14 anos e menores de 18 anos,
regulamentado pelo Decreto Lei 3828 de 25/03/1925 que também cria o Conselho
de Assistência e Proteção do Menor;
1926 – Decreto nº 5.083 de 01 de Dezembro, Institue o Código de Menores.
1927 - Decreto 17.943 de 12 de Outubro, Consolida as leis de Assistência e
Proteção aos menores.
1932 Decreto 21.518 de 13 de Julho, Aprova o novo regulamento do
Instituto Sete de Setembro; Decreto 22.042 de 03 de Novembro, Estabelece as
condições do Trabalho dos menores na indústria; Decreto nº 22.213 de 14 de
Dezembro, Da responsabilidade criminal, das causas que dirimem a criminalidade e
justificam os crimes. “Artigo 27: Não são criminosos os menores de 14 annos.”
1933 Decreto nº 22.494 de 24 de Fevereiro, Reduz à metade os prazos da
prescripção penal aos menores delinquentes de mais de 18 anos e menos de 21
anos, na data da perpetração de crime ou contravenção.
1934 - A Constituição Federal institui normas para a assistência social pública,
cabendo aos municípios, estados e união, o estímulo à educação, amparo, à
maternidade e à infância;
25
1935 Lei nº 65 de 13 de Junho, Exame de menores processados; Decreto
423 de 12 de Novembro, Promulga quatro Projetos de Convenção, approvados pela
Organização Internacional do Trabalho, pelo Brasil adaptados, a saber: Convenção
relativa ao emprego das mulheres antes e depois do parto; Convenção relativa ao
trabalho nocturno das mulheres; Convenção que fixa a idade mínima de admissão
das crianças nos trabalhos industriaes nocturnos das crianças nas indústrias.
1937 Constituição de 10 de Novembro. Dos direitos e garantias individuais;
Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Da Organização Nacional.
1938 Decreto Lei 525 de 01 de Julho, Institue o Conselho Nacional de
Serviço Social e fixa as bases da organização do serviço social em todo país;
Decreto 3.342 de 30 de Novembro, Promulga a Convenção sôbre a idade mínima
para admissão de menores no trabalho marítimo (revista em 1936) firmada em
Genebra, por ocasião da 22º Sessão da Conferência Internacional do Trabalho.
1940 Decreto-Lei 2.024 de 17 de Fevereiro, Fixa as bases da organização
da proteção à maternidade, à infância e à adolescência em todo país. “Menores de
18 anos - Artigo 23 Os menores de 18 anos são penalmente irresponsáveis,
ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”
1941 - Criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Esta fase dividia a
infância em duas categorias: o menor e a criança. O menor estava ligado à criança
negra, pobre, que estava fora da escola e associado a questões infracionais. A
criança era o filho da classe média; Decreto 7.270 de 29 de Maio, Dispõe sobre o
registro de nascimento de menor abandonado e outras providências; Decreto-Lei
nº 5.452 de 09 de Dezembro, Lei de introdução ao Código Penal.
1943 – Decreto-Lei 5.452 de 01 de Maio, Da Proteção do Trabalho do
Menor; Decreto-Lei 5.697 de 22 de Julho, Dispõe sobre as bases da organização
do serviço social em todo país a que se refere o decreto-lei nº 525 de 01 de Julho de
1938; Decreto-Lei 6.026 de Novembro, Dispõe sobre as medidas aplicáveis aos
menores de 18 anos pela prática de fatos considerados infrações penais e outras
providências.
1944 Decreto-Lei 6.865 de 11 de Setembro, Redefine a competência do
Serviço de Assistência a Menores, cria e transforma funções gratificadas e dá outras
providências; Decreto nº 16.575 do mesmo dia e ano, Aprova o Regimento do
Serviço de Assistência a Menores do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
26
1946 Decreto-Lei nº 8.621 de 10 de Janeiro, Dispõe sobre a criação do
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial e outras providências; Decreto-Lei
8.622 do mesmo dia e ano, Dispõe sobre a aprendizagem dos comerciários,
estabelece deveres dos empregados e dos trabalhadores menores relativamente a
essa aprendizagem e outras providências; Constituição do Brasil de 18 de
Setembro, Da Ordem econômica e social; - Volta a tornar obrigatória a assistência à
maternidade, à infância e pela primeira vez a educação passou a ser dever do
Estado e direito de todos. Institui-se o ensino gratuito obrigatório e a organização do
sistema educacional;
1948 Lei-106 de Julho Dispõe sobre a transferência do Comissariado de
Menores para o Juízo Privativo de Menores da Capital.
1949 Lei 833 de 21 de Outubro, Dispõe sobre o reconhecimento de filhos
ilegítimos; Lei 560 de 27 de Dezembro, Criação do Serviço de Colocação
Familiar, junto ao Juízo de Menores.
1952 – Decreto nº 31.546 de 06 de Outubro, Dispõe sobre o conceito de
empregado aprendiz.
1954 Lei 2.252 de 01 de Julho Corrupção de menores; Lei 2.375 de
21 de Dezembro, Dispõe sobre a inscrição no Registro Público da emancipação por
outorga do pai e mãe.
1955 Projeto de Lei 561/55 do “Instituto Nacional de Assistência a Menores”
I.N.A.M.
1957 Lei 3.133 de 08 de Maio, Atualiza o Instituto da adoção prescrita no
Código Civil.
1959 – Portaria nº 5-M de 05 de Janeiro, Dispõe sobre a colaboração de
particulares no que se refere à assistência social prestada pelo Serviço de
Assistência a Menores, aos menores abandonados e desvalidos.
1960 Projeto 1.926-A, Dispõe sobre medidas aplicáveis aos menores de
18 anos pela prática de fatos definidos como infrações penais, e outras
providências; tendo pareceres: da Comissão de Constituição e Justiça, pela
constitucionalidade; contrário, da Comissão de Orçamento, e , da Comissão de
Finanças, com substitutivo.
1964 Lei 4.440 de 27 de Outubro, Institui o Salário-Educação e outras
providências; Projeto nº 1.712, Autoriza o Poder Executivo a criar a Fundação
27
Nacional do Bem-Estar do Menor, a ela incorporando o patrimônio e as atribuições
do Serviço de Assistência a Menores, e dá outras providências.
1965 Portaria 13 de 03 de Fevereiro, Serviço de Assistência a Menores.
Estabelece que a retribuição “per capitaa ser paga às instituições particulares que
mantenham, sob regime de internato, menores encaminhados pelo SAM; Lei
4.655 de 02 de Junho, Legitimação Adotiva; Decreto nº 56.575 de 14 de Julho,
Aprova os Estatutos da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor; Decreto
4.884 de 09 de Dezembro, Concede à Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor o
auxílio de CR$ 6.000.000.000 (seis bilhões de cruzeiros); autoriza a abertura do
crédito especial para atender a essa finalidade, e outras providências; Decreto
67.324 de 02 de Outubro Altera os Estatutos da Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor; Decreto º 56.276 de 10 de Maio Instalam o Conselho Nacional da
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e outras providências; Composição
do Conselho Nacional seguia a seguinte disposição:
- Seis representantes do Poder Executivo, designados pelo Presidente da
República, pelos Ministros da Justiça e Negócios Interiores, Educação e Cultura,
Trabalho e Previdência Social, Agricultura e Saúde;
- O representante do Ministério da Saúde deverá ser o Diretor do
Departamento Nacional da Criança;
- Um representante da Ordem dos Advogados do Brasil, designado por seu
Conselho Federal;
- Um representante de cada uma das seguintes entidades:
- Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE.
- Conselho Federal dos Assistentes Sociais – CFAS.
- Legião Brasileira da Assistência – LBA.
- Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC.
- Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI.
- Serviço Social Internacional – SSI.
- União das Associações Familiares – UNIAF.
- Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural – ABCAR.
- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
- Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB.
28
- Confederação Evangélica do Brasil.
- Confederação das Entidades Representativas da Coletividade Israelita do
Brasil.
- Mais três pessoas de notório saber, no campo da proteção à família e ao
menor, escolhidas em lista de nove, a ser submetida por esses representantes ao
Presidente da República, que as designará.
1967 Lei 5.258 de 10 de Abril Dispõe sobre medidas aos Menores de 18
anos pela prática de fatos definidos como infrações penais eoutras providências;
Lei º 5.274 de 24 de Abril, Salário-Mínimo de que trata o capítulo III, do Título II da
Consolidação das Leis do Trabalho – “Um Salário Mínimo para o menor”.
1968 Decreto 62.125 de 16 de Janeiro, Promulga o Acordo entre Fundo
das Nações Unidas para a Infância e o Govêrno dos Estados Unidos do Brasil; Lei nº
5.439 de 22 de Maio, Altera a Lei 5.258, de abril de 1967, que dispõe sôbre
medidas aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatores definidos como
infrações penais e outras providências; Discussão prévia do Projeto 410-A, de
Dezembro, que cria, por intermédio do Departamento Nacional da Criança, do
Ministério da Saúde, Centros de Recreação, Atendimento e Assistência Infantil.
1969 Decreto Lei 593 de 27 de Maio, Autoriza o Poder Executivo a instituir
uma fundação destinada a prestar assistência à maternidade, à infância e à
adolescência; Emenda Constitucional 1 de 17 de Outubro, Da Ordem econômica
e social; “Artigo 33 O menor de dezoito anos é inimputável”. “Artigo 34 Os
menores de dezoito anos ficam sujeitos às medidas educativas, curativas ou
disciplinares determinadas em leis especiais”.
1970 – Decreto nº 66.280, Dispõe sôbre condições para o trabalho de menores
de 12 a 14 anos; Nesta década cria-se o atendimento à Liberdade Vigiada na
Secretaria de Promoção Social de São Paulo que iniciou funcionamento no
recolhimento provisório de menores;
1971 Lei 5.675 de 12 de Julho, nova redação ao art. 77 do Decreto
5.083 de 01 de Dezembro de 1926 que instituiu o Código de Menores.
1973 Lei 6.016 de 31 de Dezembro, Altera dispositivos do Decreto-Lei nº
1.004 de 21 de Outubro de 1969, que institui o Código Penal; Decreto 74.009 de
01 de Maio, Nesta década cria-se o atendimento à Liberdade Vigiada na Secretaria
29
de Promoção Social de São Paulo que iniciou funcionamento no recolhimento
provisório de menores;
1974 - Dispõe sobre a vinculação de entidades e dá outras providências; Lei
6.037 de 02 de Maio, Estende às Fundações Nacional e Estaduais do Bem-Estar do
Menor a isenção de que tratam a Lei nº 3.577 de 04 de Julho de 1.959;
1975 Decreto-Lei 164 de 03 de Julho, Gratuidade do Juizado. Dispõe
sobre custos de atos relativos a menores; Decreto-Lei 1.422 de 23 de Outubro
Dispõe sobre o salário-educação.
1976 Projeto de Resolução 81 de 09 de Abril, Aprovam o Relatório as
Conclusões Parlamentar de Inquérito destinada a Investigar o problema da Criança
e Adolescente Carente do Brasil; Institui-se a FEBEM-SP e com diretrizes da
FUNABEM a Liberdade Vigiada passa para a Diretoria Técnica 1 FEBEM/área de
infratores.
1977 Lei 6.439 de 01 de Setembro, Institui o Sistema Nacional de
Previdência e Assistência Social e dá outras providências.
1979 Decreto 83.149 de 08 de Fevereiro, aprova o Estatuto da Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor FUNABEM; Lei 6697 de 10 de Outubro,
Entrou em vigor o Código de Menores em 08 de Fevereiro de 1980, que delimitou
sua ação na assistência, proteção e vigilância, a menores de 18 anos que se
encontravam em situação irregular. Esta Lei estabeleceu legalmente o critério que
definiu a pessoa de 18 anos, ou como criança e adolescente ou como “menor”.
1984 Reformulação FUNABEM cria as casas da juventude quando a
liberdade assistida iniciou descentralização na Grande o Paulo criando posto de
atendimento em Osasco, Mogi das Cruzes, Guarulhos e Mauá, tendo ainda para a
capital o Posto Tatuapé.
1986 Portaria 3.658 de Janeiro, Determina que o INAMPS preste
Assistência médico-ambulatorial e hospitalar odontológica e farmacêutica, por
intermédio de estabelecimentos próprios, em convênio ou controlados em todo o
país, aos menores assistidos pela FUNABEM; Decreto-Lei 2.318 de 30 de
Dezembro, Dispõe sobre fontes de custeio da Previdência Social e sobre a
admissão de menores nas empresas; Intensifica-se o processo de descentralização
da Liberdade Assistida na FEBEM-SP com aproximadamente 2.000 jovens
atendidos;
30
1987 - Decreto 94.338 de 18 de Maio, Regulamenta o art. 4. Do Decreto-Lei
2.318, de 30 de Dezembro de 1986, que dispõe sobre a iniciação ao trabalho do
menor assistido e institui o Programa Bom Menino, criado no governo Sarney, cuja
lógica era a discriminação pela pobreza, rotulada de "situação irregular". A título de
iniciação ao trabalho, o legislador autorizava o adolescente à execução de tarefas
simples, sem nenhum compromisso com a qualificação profissional. Pela ótica do
programa, a relação de trabalho estabelecida entre o "menor assistido" e a empresa
tomadora de seus serviços não se enquadrava na proteção do Direito do Trabalho.
O adolescente trabalhava como qualquer outro empregado da tomadora, mas sem
direitos trabalhistas, em troca do benefício de "frequentar um local de trabalho" e,
assim, adquirir experiência em atividades como office-boy, empacotador, contínuo
etc.
1988 - Constituição da República Federativa do Brasil. “Art. 228. São
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial.”
1989 Projeto de Lei do Senado 193, Dispõe sobre o Estatuto da Criança e
do Adolescente, e dá outras providências.
1990 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) construção coletiva
envolvendo sociedade civil organizada, representada por diferentes setores, somado
às esferas de governamentais, trazendo denúncias sociais que culminaram na
organização e fortalecimento do sistema de proteção, respeito e garantia de direitos
a crianças e adolescentes no Brasil, colocando em pauta a prioridade absoluta na
formulação de políticas públicas;
1991 - Instituído o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
– CONANDA – Lei Federal nº 8242 de 12 de outubro;
1992 - Instituído o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONDECA – Lei nº 8074 de 21 de outubro;
Um dos marcos do início deste século foi a criação do Instituto Disciplinar e
uma Colônia Correcional destinada a menores infratores, dando início ao extinto
complexo do Tatuapé em São Paulo, já marcando alguma aproximação com a
política estabelecida no final do século XIX. Intensificaram-se as discussões em
torno da infância e da juventude “roubadas socialmente” na perspectiva da
31
assistência e da proteção, com maior proximidade das áreas da saúde e do direito.
Marcado por diversas práticas de atendimento segregadoras e muita preocupação
jurídica com a problemática.
Em todo o cenário detalhado acima considero o resumo histórico a criação do
Código de Menores, o qual se preocupou, no mínimo em oferecer organização para
o processo e garantir direitos. Foi também discutida, em vários momentos, a
necessidade da criação de uma fundação de âmbito nacional, a instituição de um
Conselho Nacional de Menores para o estabelecimento de uma política especial. Ao
final do século com marcas democráticas e a participação efetiva de diversos
segmentos atuantes com crianças e adolescentes proporcionaram discussões
visando à revisão dos modelos de atenção vigentes.
SÉCULO XXI
2004 - Aprovação da Política Nacional de Assistência e Desenvolvimento
Social – PNAS - Norma Operacional Básica – NOB/SUAS.
2006 - Lançamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE).
2006 - Lei 12469/06 altera denominação da Fundação Estadual do Bem-Estar
do Menor FEBEM-SP para Fundação CASA-SP Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente.
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) objetiva o enfrentamento da
pobreza, a garantia dos mínimos sociais, o provimento de condições para atender às
contingências sociais e a universalização dos direitos sociais. A assistência social é
vista como política pública, como espaço de caráter continuado. Encontra-se no
mesmo patamar de importância da saúde e previdência social formando o tripé da
seguridade social.
O SINASE, enquanto construção de política pública objetiva à garantia dos
direitos humanos e a inclusão social, foi organizado em um instrumento normativo
ordenado por princípios, regras e critérios de caráter jurídico, político, pedagógico,
financeiro e administrativo que devem direcionar as ações do sistema e
32
principalmente de seus gestores.
O SINASE objetiva as mudanças propostas pelo ECA em relação à gestão do
sistema socioeducativo, com ênfase na confirmação da natureza pedagógica desta
intervenção.
A alteração da denominação de FEBEM para Fundação CASA veio
tardiamente, considerando-se que estávamos com 17 anos do ECA, o qual altera
terminologias adotadas durante a vigência do Código de Menores. Esta alteração
veio pelo reordenamento institucional provocado pela gestão à frente da Fundação.
Foto de uma unidade do complexo Sampaio Viana (sem data)
Arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação CASA (Cepdoc)
33
Percebem-se claramente os avanços em relação à situação da criança e da
juventude, durante a trajetória política, administrativa e financeira na construção do
Brasil, país que traz em sua última Constituição o respeito e concretização de
direitos individuais e coletivos. É importante frisar que esta preocupação, até a
concretização do ECA, focou-se em resolver a situação das crianças e adolescentes
abandonados ou autores de atos infracionais na lógica da reabilitação, de forma
descontextualizada da situação social em que os mesmos encontravam-se, ou seja,
considerando como desvios passíveis de cuidados e tratamento de responsabilidade
total do Estado.
Também percebemos o avanço instituído, pela preocupação em discutir a
problemática, independente das formas escolhidas para enfrentar a questão.
Destaque-se nesta direção a implementação da Política Nacional do Bem-Estar
do Menor, a qual dentre as possibilidades da época preocupou-se em estabelecer
diálogo com diferentes atores sociais representados por programas estatais e
composições da sociedade civil.
Estabelece, nesta perspectiva, um grau de detalhamento do atendimento às
crianças e adolescentes carentes, abandonados ou autores de atos infracionais.
Infere-se que os representantes técnicos desta política buscaram estabelecer
uma construção próxima da realidade dos atendidos de acordo com o cenário
político, social e financeiro instaurado na época, mas procurando romper com
modelos vigentes.
A situação da criança e do adolescente durante o regime militar agravou-se no
Brasil devido ao acelerado processo de urbanização do país.
No final da década de 60, o Brasil se torna um país urbano, com 55,92 por
cento da população morando nas cidades, o que consolida o êxodo rural iniciado 30
anos antes.
Na década de 70, após o “milagre econômico” do general Emílio Médici, a
população urbana no Brasil era de 52 milhões de habitantes, enquanto a população
rural era de 41 milhões de pessoas.
Arrancados do campo pela mecanização da lavoura, muitos trabalhadores
rurais tornaram-se párias urbanos. Engrossaram as favelas e cortiços das grandes
cidades, expondo suas famílias à marginalidade.
34
Foi com base nesse diagnóstico que o pediatra Mário Altenfelder criou a
FUNABEM que, em cada Estado, seria representada pela FEBEM (Fundação
Estadual de Bem-Estar do Menor).
Ainda em 1977, o então Secretário da Promoção Social de São Paulo e
Presidente do Instituto Interamericano da Criança, rio Altenfelder, foi ao Uruguai
chefiando a delegação brasileira que participou da Reunião do Conselho Diretor do
IIC (Instituto Interamericano da Criança) e do XV Congresso das Crianças.
Neste momento defendeu a proteção integral ao menor. A seguir, parte do
discurso:
“Cada um dos setores (saúde, educação, habitação,
treinamento de pessoal, etc.) que pretendiam monopolizar
o chamado “problema do menor” descobriu que ele
continha apenas parte do problema. Que o menor só seria
protegido se as diversas assistências e promoções
alcançassem a integralidade do todo o a saúde,
não a educação, o a recreação, o a
profissionalização, não amor e compreensão, mas
saúde, educação, recreação, profissionalização, amor e
compreensão como condicionantes da segurança social
do menor. A comunidade é permanente e os governos,
passam. Quanto mais independente a comunidade do
governo, mais duradoura será a ação social”
Neste discurso, guardando-se os avanços obtidos na reflexão e prática com
atendimento a crianças e adolescentes, socialmente construídos pelos atores sociais
e a universidade, nos remete na atualidade a discussão da intersetorialidade,
questão que ainda se faz necessária estar na agenda política de todas as esferas de
governo, pelo convencimento e articulação que desde 1977, data deste discurso,
caminhamos em pequenos passos nesta direção.
A sociedade brasileira, enquanto participante de uma Democracia, assiste e
vivencia toda esta situação e muito pouco faz para transformar esta realidade.
35
A participação política ainda é muito pequena e a preocupação com o todo é
mais distante ainda, a mundialização possibilita acesso a todos os bens de mercado
e isto estimula cada vez mais a competição exacerbada, visando aos lucros
pessoais que refletem o egoísmo no dia a dia.
Finalizo recorrendo a Robert Castel (2008:231):
“A nova questão social, hoje, parece ser o
questionamento dessa função integradora do trabalho na
sociedade. Uma desmontagem desse sistema de
proteções e garantias que foram vinculadas ao emprego e
uma desestabilização, primeiramente da ordem do
trabalho, que repercute como uma espécie de choque em
diferentes setores da vida social, para além do mundo do
trabalho propriamente dito”.
As pessoas, que hoje se encontram em situação de vulnerabilidade e risco
social, necessitam de ações articuladas das políticas setoriais para reverter este
quadro, mas a imediata vontade política na direção da intersetorialidade deve ser
implementada se quisermos de fato construir um país mais humano, fraterno e com
condições dignas de vida para todos.
36
Capítulo II - Instituições punitivas: educar ou punir
Este trabalho discute a questão da criança e do adolescente no Brasil com
ligações com as práticas infracionais, apresentando diferentes cenários históricos,
políticos e sociais, os quais interferem diretamente no modus operandi de
intervenção estatal junto a esta população.
No capítulo anterior, foi registrado um breve histórico da problemática no Brasil
com momentos marcantes que, ao final, contribuíram, mesmo que com grande
dificuldade e repressão, para a construção de um novo modelo de atenção
explicitado pelo ECA.
No próximo capítulo iniciarei a apresentação da organização das políticas
públicas para o enfrentamento da problemática no país, estabelecendo
aproximações entre sistemas de atendimentos destinados aos sujeitos considerados
como vítimas sociais enquadrados em situações de vulnerabilidade e risco.
Para esta continuidade, considero fundamental, resgatar as discussões sobre a
punição e os espaços destinados para este fim.
Para tanto, utilizarei diferentes autores e seus diversos posicionamentos
explicitando as preocupações existentes.
Para iniciar esta apresentação, recorro à história de Hammurabi
1
, conhecido
também como Hammu-rapi ou Khammurabi, nascido supostamente por volta de
1.810 a.C e falecido em 1.750 a.C.
Hammurabi foi o sexto rei da dinastia babilônica. Foi responsável por um dos
mais antigos conjuntos de leis escritas. Esse destaque é feito, pois a prática de
escrever leis, durante vários períodos da história, não existiu: as leis e regras eram
traçadas e transmitidas apenas entre as gerações mandantes, o que possibilitava
sua utilização de acordo com os interesses do poder em vigor.
1
Wikipédia – enciclopédia livre: "A solução das disputas", pelo historiador Luiz Marques para a revista História Viva, nº 50.
Oppert & Menant (1877). Documents juridiques de l'Assyrie et de la Chaldee. Paris.
Kohler, J. & Peiser, F.E. (1890). Aus dem Babylonischen Rechtsleben. Leipzig.
Falkenstein, A. (1956–;57). Die neusumerischen Gerichtsurkunden I–III. München.
37
O objetivo deste código era homogeneizar o reino juridicamente e garantir uma
cultura comum. No seu epílogo, Hamurabi afirma que elaborou o conjunto de leis
"para que o forte não prejudique o mais fraco, a fim de proteger as viúvas e os
órfãos" e "para resolver todas as disputas e sanar quaisquer ofensas."
Nesse Código estavam previstas punições das mais diversas em função dos
atos ou crimes cometidos.
Algumas partes da Torah, nome dado aos cinco primeiros livros do Tanakh
(também chamados de Hamisha Humshei Torah) e que constituem o texto central do
judaísmo, abordam aspectos mais apurados de algumas seções do código de
Hamurabi que têm a ver com o direito de propriedade.
Devido a isso, alguns especialistas sugerem que os hebreus tenham derivado
sua lei daquele antigo Código. No entanto, o livro Documents from Old Testament
Times (Documentos da época do Velho Testamento) diz: "Não existe fundamento
algum para se assumir qualquer empréstimo pelos hebreus dos babilônios. Mesmo
se os dois conjuntos de leis diferem pouco na prosa, eles diferem muito no espírito".
Naquele momento, a tortura ainda não era utilizada para obter confissões e sim
para punições por atos praticados em desacordo com a ordem estabelecida.
Recorro à Dra. Ligia Mori Madeira, socióloga que, em texto publicado na
Panóptica, ano 1, número 8 (202:2007), expressou o seguinte:
“Em todas as sociedades e ordenamentos jurídicos da
história, há informações sobre o uso do corpo como forma
de fazer sofrer e punir aqueles que são considerados
criminosos ou desviantes da moral e dos valores
tradicionais. Assim, vemos que a ideia do sofrimento
corporal transcende a história humana, mas é sem dúvida
na Idade Média, sob a atuação da Igreja Católica, que a
tortura ganha força e legitimidade.
Destaca ainda, a Reforma Gregoriana que, por intermédio do Papa Gregório
VII, teve como objetivo a centralização da Igreja criando estratégias para criação de
um poder político.
38
Também registra a criação do Tribunal do Santo Ofício ou Tribunal da
Inquisição, o qual teve a intencionalidade de punir os hereges e todos aqueles
contrários às normatizações impostas pelo poder da religião católica, os quais
poderiam, não apenas ser excomungados, mas também mortos.
Ao longo dos séculos seguintes os hereges passaram a ser considerados
inimigos do Estado. Foram encetadas buscas e punições corporais contra essas
pessoas.
As práticas horrendas e cruéis de tortura e morte ocorridas naquele tempo são
conhecidas por todos, sempre em nome da religião, camuflando a real intenção de
manutenção do poder.
Também se insere na perspectiva da manutenção do poder, os grandes
massacres da história: a “matança dos inocentes” nos tempos de Herodes, o
holocausto, o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki e outros.
A questão da manutenção do poder que determinava aquelas práticas
determinou também práticas excludentes no advento do capitalismo, pois a questão
entre capital e trabalho ficou mais explicitada, com os papéis melhor definidos
quem eram os que mandavam, os que enriqueciam e concentravam as grandes
riquezas e quem eram os que trabalhavam para garantir seu sustento de forma
assalariada.
Esta nova forma de política social, inserida no contexto do empoderamento
econômico determinou grandes alterações nas relações entre a sociedade e o
Estado durante os séculos. A lógica do capital passou a dominar e a determinar a
maioria das intervenções nas várias áreas do conhecimento e dos relacionamentos
humanos. Segundo Foucault, no livro Microfísica do Poder (1998:130):
“Este momento corresponde à formação, ao mesmo
tempo rápida e lenta, no século XVIII e no fim do fim do
século XIX, de um novo tipo de exercício do poder. Todos
conhecem as grandes transformações, os reajustes
institucionais que implicaram na mudança de regime
político, a maneira pela qual as delegações de poder no
ápice do sistema estatal foram modificadas.”
39
A questão social automaticamente determinou diferenciações socioeconômicas
que refletiram na construção de diferentes níveis de classes sociais, as quais no
capítulo anterior foram amplamente discutidas. Como exemplo dessa diferenciação,
lembro a questão expressa nas diferentes terminologias de referência: ao tratar da
criança, a referência o os filhos de famílias de classe dia ou abastada e, ao
tratar de menor, a referência é a criança advinda da classe pobre.
Estes fatos criaram, entre outras questões, formas de comunicação e de visão
social totalmente diferenciadas, apresentando códigos de comunicação específicos,
direitos e acessos pré-determinados, enfim normatizando as diferenciações sócio-
histórico-culturais.
Tendo por base esse quadro de relações de poder, pretendo especificamente
tratar da questão da reclusão, lembrando que apenas ao final do século XIX
iniciaram-se as discussões sobre a separação de crianças, adolescentes e adultos
nos locais de reclusão no Brasil.
As prisões historicamente constituem-se como espaços para causar aos
indivíduos, privações, crueldades, humilhações, castigos e diversas outras formas
de punição, além da supremacia da disciplina, vigilância e segurança sobre seus
corpos (Torres 2005:25).
Essas ideias vêm em complemento das análises realizadas por Foucault (1998
ou 1979:131) sobre a prisão:
“Minha hipótese é que a prisão esteve, desde sua origem,
ligada a um projeto de transformação dos indivíduos.
Habitualmente se acredita que a prisão era uma espécie
de depósito de criminosos, depósito cujos inconvenientes
se teriam constatado por seu funcionamento, de tal forma
que seria dito ser necessário reformar as prisões, fazer
delas um instrumento de transformação de indivíduos. Isto
não é verdade: os textos, os programas, as declarações
de intenção estão para mostrar. Desde o começo a
prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto
a escola, a caserna ou o hospital, e agir com precisão
sobre os indivíduos. O fracasso foi imediato e registrado
40
quase ao mesmo tempo que o próprio projeto. Desde
1.820 se constata que a prisão, longe de transformar os
criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar
novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na
criminalidade.”
Como apontado por Foucault e no capítulo anterior deste trabalho, o termo
“depósito”, traz embutida a lógica segregadora na perspectiva de afastamento de
“criminosos” do convívio social.
A natureza da prisão se modifica: a essência do sistema punitivo e sua
finalidade de manter o preso encarcerado tem agora o caráter de isolar e recuperar
o infrator (Torres- 2005:26).
Resta saber quem são estes criminosos. Alguns autores entendem que o
avanço da criminalidade e da violência pode estar vinculado à distância que temos
em relação a alcançar o welfare state, fato que tem determinado diferenças nas
possibilidades de vida para cada cidadão.
As atitudes do poder judiciário, por vezes, vem determinando trajetórias em
instituições punitivas de jovens que vivem, independentemente de suas vontades,
situações de alto risco, na maioria das vezes, em locais onde o menores as
possibilidades de acesso às políticas e serviços públicos e maiores as proximidades
com o mundo do crime.
Em vários destes casos, as responsabilidades deveriam recair sobre as esferas
de governo, que deixam a desejar na qualidade e no alcance das políticas públicas
preventivas e protetivas para a infância e a juventude.
“Os jovens são, assim, as principais vítimas da violência
criminal, seja devido às consequências dos conflitos
travados com a polícia, da ação de grupos de extermínio
ou de rixas entre quadrilhas. A capacidade de vitimizar
pessoas cada vez mais jovens dos estratos populares, de
forma tão banalizada e invisível, apresentou-se como um
41
dos aspectos mais relevantes da violência da
criminalidade dos anos 1990” (Fraga. 2004:86).
Recorro neste momento ao texto “A contribuição de David Garland: a sociologia
da punição”, organizado por Fernando Salla, Maitê Gauto e Marcos César Alvarez
(2006:03):
“Embora a questão da punição não seja um foco
prioritário em sua obra, Bauman foi um dos primeiros
autores a estabelecer uma interessante relação entre o
perfil fortemente globalizado da economia a partir dos
anos 1970, a reorganização do Estado e uma nova
composição das políticas de punição. De um lado, uma
ampla mobilidade do capital e dos capitalistas, volatilidade
dos investimentos, deslocamentos de capitais financeiros
e mesmo de bases industriais por todos os cantos do
planeta. De outro lado, os párias gerados por essa
economia e pela desmobilização do Estado de Bem-Estar,
as massas largadas à própria sorte que buscam nas
estratégias de sobrevivência, nem sempre legais, um
lugar ao sol. Marginalizados, que serão cada vez mais
imobilizados nos guetos, nas periferias, circunscritos à
miséria de sua existência, e que passarão a frequentar
prisões que se revitalizam nesse período, voltando a ser
territórios definidos e cada vez mais severos de punição:
‘A prisão é a forma última e mais radical de confinamento
espacial’ (Bauman, 1999:114).”
A reclusão de adolescentes com envolvimento em práticas infracionais, em
uma dimensão sócio-histórica, apresenta-se como uma tentativa de frear a infração.
Os conceitos que compõem a interpretação da medida de intervenção
colocam-na como possibilidade de “reabilitaçãoe de transformação desses jovens
em cidadãos honestos e dignos.
42
Essa interpretação desconsidera automaticamente a realidade à qual os
mesmos estão submetidos, com suas possibilidades e também com suas grandes
limitações historicamente construídas, uma vez que as formas sociais de exclusão
estão fundamentalmente ligadas aos interesses de classes e, de forma velada, a
contenção camufla uma opção por apartar da sociedade estas pessoas.
A prática de depósitos de crianças e de adolescentes com envolvimento em
práticas infracionais, ou mesmo por estarem em situação de carência e abandono,
traz a esses seres marcas de dissociação com a realidade, atuando mais como uma
intervenção de apelo moral, desconsiderando as reais necessidades do público
atendido.
No momento de privação de liberdade, estes fatores se expressam a partir de
códigos sociais diferenciados. Cabe à instituição responsável pela reclusão percebê-
los para que sua ação atinja o objetivo de transformar/alterar/ressignificar tal
realidade, cujas marcas são a exclusão e o condicionamento social.
Para tanto, essa ação dificilmente acontecerá de forma significativa se for feita
de maneira isolada e descontextualizada das demais políticas públicas, as quais
trazem também suas contribuições para a garantia dos direitos desse segmento
social.
Atuar com adolescentes com envolvimento com práticas infracionais implica em
conhecer, desde o momento inicial do processo socioeducativo, as realidades e a
cultura a que estão acostumados para, a partir daí, iniciar o trabalho educativo.
Recorro a Goffman:
“É característica dos internados que chegam à instituição
com uma ‘cultura aparente’ (para modificar uma fase
psiquiátrica) derivada de um ‘mundo da família’ uma
forma de vida e um conjunto de atividades aceitas sem
discussão até o momento de admissão na instituição”.
O tempo de permanência de adolescentes em instituições de reclusão deve ser
o menor possível e efetivar-se apenas em situações realmente necessárias, em
razão das circunstâncias, da gravidade do ato infracional cometido e da capacidade
do adolescente de cumpri-la, de acordo com o definido pelo ECA em 1990.
43
Durante a sua permanência em privação de liberdade, devem ser observadas
as questões que constituem sua realidade: sua situação familiar, sua capacidade de
acesso às políticas públicas, suas relações com a comunidade e suas reais
possibilidades de construção de uma vida digna.
Esta alteração de rota da trajetória do adolescente não deve ser encarada
apenas como uma responsabilidade da instituição na qual o mesmo está recluso:
ações intersetoriais devem ser realizadas a partir das diferentes esferas de poder,
tendo em vista reordenar as ações institucionais superando os limites da instituição
total e dando lugar à perspectiva da Incompletude Institucional e do trabalho em
rede.
Estas questões precisam ser recuperadas para viabilizar o sistema
socioeducativo brasileiro em consonância com os demais sistemas que compõem as
garantias de direitos de crianças e adolescentes: o sistema educacional, de saúde,
de assistência social e outros que se mostrarem de interesse.
É com essa viabilização que poderão ser revertidos os altos índices de
vulnerabilidade, resultados da falta de investimentos ou da utilização dos
recursos em políticas preventivas e protetivas para a criança, o adolescente e a
juventude.
A essa ausência ou distribuição de investimentos somam-se o rigor
estabelecido pelo Poder Judiciário em seus julgamentos e a falta de acolhimento dos
egressos pela sociedade. Esses fatos vêm criando um “agrupamento social”
derivado do sistema socioeducativo que está sendo absorvido com maior
propriedade pelo mundo do crime.
A complexidade da ação socioeducativa proposta pelo SINASE tem suas
raízes nos dois diferentes ângulos da violência, contidos na configuração dos atos
infracionais:
A violência cometida contra uma pessoa que determinará ao violador uma
punição que considere a gravidade do ato.
A violência sofrida por este violador, marcado pelas possibilidades que lhe
foram negadas em diferentes momentos de sua vida, distanciando-o socialmente de
outros caminhos teoricamente possíveis, mas para ele basicamente inacessíveis.
O fato de apontar esses ângulos não vem na direção de justificar os atos
cometidos, seja contra a pessoa - seja contra o patrimônio - mas sim trazer à tona
44
que o adolescente violador da lei, na maioria das vezes, em sua história de vida, foi
violado pelo Estado em seus direitos fundamentais.
A igualdade de condições de vida digna deve ser constantemente lembrada
para que, de fato, se possa garantir a esses adolescentes os direitos constitucionais
expressos na nossa Carta Magna e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A violência é um fenômeno mundial e preocupações nesta direção são
crescentes. Ela não é determinada especificamente pela pobreza.
Vários são os exemplos vistos diariamente nesta direção. A preocupação deste
trabalho é garantir a defesa de condições igualitárias de vida aos adolescentes
inseridos no sistema SINASE.
45
Capítulo III – Da doutrina da situação irregular para a doutrina da
proteção integral: caminhos e descaminhos
A Constituição Federal de 1988 buscou consolidar a democracia no Brasil,
depois de mais de 20 anos de regime militar, quando os direitos individuais foram
restringidos.
Direitos, garantias e liberdades individuais, que foram assegurados na
Constituição de 1946, mas desrespeitados a partir da vigência do regime militar.
Apesar de parecer contraditório, este processo foi fundamental na construção
da Constituição Cidadã, em 1988, que privilegia a dignidade da pessoa humana.
Nesta perspectiva, estão assegurados direitos e garantias para o cidadão,
apesar de alguns autores e políticos considerarem que esta Constituição representa
uma “colcha de retalhos”, os quais em função da necessidade de justiça social em
diversas frentes mobilizaram diferentes grupos com o objetivo comum de garantir
avanços para as lutas sociais nas quais estavam envolvidos.
Neste momento é preciso recorrer a Yazbec (1993:17) quando aprofunda a
identidade subalterna, “com legado gramsciano, por dar conta de um conjunto
diversificado e contraditório de situações de dominação de classes que se inserem
os usuários das políticas sociais”.
Vivemos uma insuficiência de políticas setoriais frente às necessidades
apresentadas e referenciadas pelos grandes bolsões de pobreza a que grande parte
da população tem que se submeter.
Nesta realidade temos uma violação dos direitos constitucionais à medida que
não temos políticas fundamentais oferecidas de forma universalizada a toda
população brasileira.
Como exemplos desta violação, podemos verificar, inicialmente, de um lado, a
educação, base de sustentação e de formação humana, que organiza seus
atendimentos em forma de conteúdos distantes da realidade dos seus alunos, que
propiciam que estes não encontrem os seus objetivos na escola.
46
De outro, temos a oferta do mundo do crime que alicia os jovens e torna
praticamente impossível a permanência dos alunos na sua instituição.
Num segundo aspecto, temos a saúde, que apesar dos avanços marcados nas
últimas décadas, está distante de oferecer atendimento preventivo para toda a
população, nas diversas modalidades de suas ações, e as políticas de geração de
trabalho e moradia que caminham a passos pequenos rumo ao oferecimento de
vidas dignas a todos que necessitam desta ação.
Os mais desfavorecidos economicamente ainda o vistos como criadores de
sua realidade.
Não se considera a falta de acesso a que foram submetidos, e sim a falta de
vontade pessoal de crescer e subir na classe social, como normalmente mencionado
“o pobre é preguiçoso e não quer trabalhar.”
Foto de uma unidade do complexo Sampaio Viana (sem data)
Arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação CASA (Cepdoc)
47
Não se tem uma discussão mais acurada sobre a questão social que determina
nosso modo de funcionamento na sociedade, voltada para a produção e distribuição
de riqueza.
Em função da distribuição de riqueza temos a situação social em colapso, com
as políticas de atenção insuficientes para a demanda, causando o despreparo das
frentes de trabalho, que não acompanham a evolução tecnológica; sem apoio de
programas de requalificação profissional, ampliando desta forma, o contingente de
desempregados no país.
Somam-se a estes fatos, a exploração dos mercados informais, que se tornam
necessários para que o jovem consiga uma forma, mesmo que precária, de garantia
do seu sustento e de seus familiares.
Nesta realidade, iniciaremos o aprofundamento da questão que envolve as
crianças e os adolescentes no Brasil e suas formas de enfrentar o dia-a-dia da
sobrevivência.
Percebemos avanços na direção de romper com a história vivida desde o
Império, porém estas marcas se perpetuam até hoje dentro do complexo sistema
socioeducativo no Brasil.
O movimento denominado “A Criança é Constituinte”, garantiu a inclusão do
artigo 227 na Constituição Federal, o qual abriu as portas para a futura construção
de uma Lei específica que garantisse os direitos das crianças e adolescentes, O
Estatuto da Criança e do Adolescente aprovado pela Lei nº 8.069 de 13 de Julho de
1990.
O artigo 227 da nova Carta Magna traz o princípio de que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
exploração, crueldade e opressão.”
48
Os adolescentes autores de ato infracional, tema deste trabalho, têm com a
formulação e aprovação do ECA, o rompimento definitivo com o Código de Menores
marcado por ações de controle exacerbado da ordem blica e ao modelo
assistencial, repressivo e correcional amplamente difundido nas Instituições Totais.
É preciso registrar que toda esta construção pauta-se na Constituição Federal
e nos acordos Internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que neste trabalho
apresentaremos os princípios das Regras de Beijing pelo grau de detalhamento e
preocupação nas diversas fases que envolvem o cometimento de ato infracional.
Convenção Riad-Beijing Adotadas pela Resolução 40/33 da Assembleia
Geral da ONU, em 29 de Novembro de 1.985, orienta a organização das Regras
Mínimas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, nesta direção
apresenta:
Primeira Parte – Princípios Gerais
01 - Orientações Fundamentais.
02 - Alcance das Regras e Definições Utilizadas.
03 - Ampliação do Âmbito de Aplicação das Regras.
04 - Responsabilidade Penal.
05 - Alcance das Faculdades Discricionárias.
06 - Direitos dos Jovens.
07 - Proteção da Intimidade.
08 - Cláusula de Salvaguarda.
Segunda Parte – Investigação e Processamento
09 - Primeiro Contato.
10 - Remissão de Casos.
11 - Especialização Policial.
12 - Prisão Preventiva.
Terceira Parte – Decisão Judicial e Medidas
13 - Autoridade Competente para Decidir.
14 - Relatórios de Investigação Social.
15 - Princípios Norteadores da Decisão Judicial e das Medidas.
49
16 - Pluralidade das Medidas Aplicáveis.
17 - Caráter Excepcional da Institucionalização.
18 - Registros.
19 - Necessidade de Profissionalismo e Capacitação.
Quarta Parte – Tratamento em Meio Aberto
20 - Execução Efetiva das Medidas.
21 - Prestação de Assistência Necessária.
Quinta Parte – Tratamento Institucional
22 - Objetivos do Tratamento Institucional.
23 - Aplicação das Regras Mínimas para o Tratamento dos Prisioneiros,
Aprovadas pelas Nações Unidas.
24 - Uso Frequente e Imediato da Liberdade Condicional.
25 - Sistemas Semi-Institucionais.
Sexta Parte - Pesquisa, Planejamento Formulação de Políticas e Avaliação
26 - A Pesquisa como Base do Planejamento e da Formulação e Avaliação de
Políticas.
O ECA traz definições que visam garantir o princípio da pessoa em situação
peculiar de desenvolvimento e no caso das crianças e adolescentes, considera:
Art.103 Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou
contravenção penal.
Art. 104 o penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo Único Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do
adolescente à data do fato.
Art. 105 Ao ato infracional praticado por criança corresponderão às medidas
previstas no art. 101, o qual detalha:
50
Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, que versa sobre
Medidas de Proteção, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as
seguintes medidas:
- Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante assinatura de termo de
responsabilidade;
- Orientação, apoio e acompanhamento temporários;
- Matrícula e frequência obrigatórias em um estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
- Inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e
ao adolescente;
- Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
- Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
- Abrigo em entidade;
- Colocação em família substituta;
Parágrafo Único O abrigo é media provisória e excepcional, utilizável como
forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação
de liberdade.
Percebe-se a preocupação das autoridades com as circunstâncias que
envolvem o ato infracional, entendendo a criança e o adolescente nestas condições
sujeitos de uma sociedade e de seus mecanismos de exclusão.
Destaca-se também o aparecimento da família como sujeito de necessidade e
cuidados que devem ser objeto de preocupação e intervenção estatal. Como
princípio busca-se o resgate dos laços familiares e comunitários, frisando-se que o
conceito de família deve ser ampliado para além de vinculação consanguínea,
considerando os arranjos familiares possíveis durante a vida e o sentimento de
pertencimento do adolescente envolvido nesta situação.
Trazer à tona a discussão dos direitos assegurados a este segmento
populacional, provocou diferentes manifestações no surgimento do ECA. o é raro
ainda nos dias atuais ouvirmos afirmações de que o ECA apenas propiciou direitos e
51
não dita deveres para os “marginaizinhos” ou “aprendizes do crime”. Estas
afirmações podem fincar-se, de forma inconsciente, na manutenção de uma
sociedade que busca preservar aqueles que têm melhores condições econômicas,
afirmando que as classes subalternas estão nesta condição por opção.
Foto de uma unidade do complexo Imigrantes (sem data)
Arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação CASA (Cepdoc)
Neste contexto, ainda vivemos hoje a implementação do ECA, passados 20
anos de sua instituição, em que segmentos comprometidos com a causa fazem
movimentos na direção de garantir a Proteção Integral, focada diretamente no
Sistema de Garantia de Direitos.
A seguir, um quadro comparativo entre os avanços alcançados com o ECA, em
detrimento do Código de Menores:
ASPECTO
CONSIDERADO
CÓDIGO
DE MENORES
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE
Base Doutrinária Direito tutelar do menor. Os
menores eram objeto de medidas
judiciais quando se encontravam
em uma situação irregular, assim
definida legalmente.
Proteção Integral: a lei assegura os
direitos de todas as crianças e todos os
adolescentes, sem discriminação de
qualquer tipo.
52
A concepção
político-social
implícita
Tratava-se de um instrumento de
CONTROLE SOCIAL da infância e
adolescência. vítimas das omissões
e transgressões da família, da
sociedade e do Estado em seus
direitos básicos.
Trata-se de um instrumento de
DESENVOLVIMENTO SOCIAL, voltado
para o conjunto da população e da
juventude do país, garantindo uma
PROTEÇÃO ESPECIAL àquele segmento
considerado pessoal e socialmente mais
sensível.
Visão da Criança e
do Adolescente
Menor em situação irregular, objeto
de medidas judiciais.
Sujeito de direitos em condição peculiar
de desenvolvimento.
Posição do
Magistrado
O código não exigia nenhuma
fundamentação de decisões relativas
à apreensão e ao confinamento de
menores. Era subjetivo.
Garante à criança e ao adolescente o
direito à ampla defesa, com todos os
recursos a ela inerentes. Limita os
poderes absolutos do juiz.
Em relação à
apreensão
Era antijurídico. Ele preconizava a
PRISÃO CAUTELAR, hoje existente
para adultos.
Restringe a apreensão apenas a dois
casos: Flagrante delito de infração penal
e ordem expressa e fundamentada pelo
juiz.
Objetivo Dispunha sobre assistência a
menores entre 0 e 18 anos, em
situação irregular, e entre 18 e 21
anos, nos casos previstos em lei,
através da aplicação de medidas
preventivas e terapêuticas.
Garantia de direitos pessoais e sociais,
através da criação de oportunidades
para facilitar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social em
condições de liberdade e dignidade.
Efetivação em
termos de política
social
As medidas previstas restringiam-
se ao âmbito da Política Nacional
do Bem-Estar do Menor, Seguraa
Pública e Justiça de Menores.
Políticas sociais básicas, políticas
assistenciais, serviços de proteção e de
defesa das crianças e dos adolescentes
vitimizados, proteção jurídico-social.
Princípios
Estruturadores da
política de
atendimento
Políticas sociais compensatórias
(assistencialismo) e centralizadas.
Municipalização das ações, participação
da comunidade organizada como um
todo na formulação das políticas e no
controle das ações.
Direito de Defesa Considerava que o menor acusado
de infração penal era defendido
pelo curador de menores (promotor
público).
Garante ao adolescente a quem se
atribua autoria de infração penal direito
a defesa técnica por um profissional
habilitado (advogado).
Mecanismos de
Participação
Não abria espaços à participação
de outros atores que limitassem os
poderes da autoridade policial,
judiciária e administrativa.
Prevê criação de instâncias colegiadas
de participação (os conselhos paritários)
nos níveis federal, estadual e municipal.
53
Vulnerabilidade
socioeconômica
Os menores carentes, abandonados
e infratores deveriam passar todos
pelas mãos do Juiz.
Os casos de situação de risco pessoal e
social são atendidos por instância sócio-
educacional colegiada (Conselho Tutelar).
Internação Medida aplicável a crianças e
adolescentes por motivo de pobreza
(manifesta incapacidade dos pais
para mantê-los), sem um tempo e
condições determinados.
Medida aplicável a adolescentes
autores de atos infracionais graves,
obedecidos os princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à sua
condição peculiar de desenvolvimento.
Caráter social Penalizava a pobreza através de
mecanismos como: a cassação do
pátrio poder, imposição de medida
de internação das crianças e dos
adolescentes pobres.
A falta ou insuficiência de recursos
deixa de ser motivo para perda ou
suspensão do pátrio poder. Através do
Conselho Tutelar, desjudicionaliza os
casos exclusivamente sociais.
Crimes e infrações
contra crianças e
adolescentes
Era omisso a esse respeito. Pune o abuso do pátrio poder, das
autoridades e dos responsáveis pelas
crianças e adolescentes.
Fiscalização do
cumprimento da lei
Não havia fiscalização do Judiciário
através de nenhuma das instâncias
governamentais. Da mesma forma,
os órgãos do poder executivo não
executavam, via de regra, uma
política nítida de participação e
transparência.
Prevê participação ativa da comunidade
e, através dos mecanismos de defesa e
proteção dos interesses difusos e
coletivos, pode levar as autoridades
omissas ou transgressoras ao banco
dos réus.
Internação
Provisória
Era aplicada como medida mais
rotineira.
haverá internação provisória em
caso de um crime cometido com grave
ameaça ou violência à pessoa.
Funcionamento da
Política
A política era traçada pela
FUNABEM e executada nos
Estados pelas FEBEMs e por seus
congêneres, com apoio técnico e
financeiro do órgão nacional.
Ao órgão nacional caberá apenas a
função de traçar as normas gerais e
coordenar a política no âmbito nacional.
Estrutura FUNABEM, FEBEMs, Justiça de
Menores, Segurança Pública, pro-
gramas municipais e comunitários.
Conselhos Paritários, Fundos e Coorde-
nações técnicas em todos os níveis, ou
seja, União, Estados e Municípios.
Elaboração Elaborado por um seleto grupo de
juristas.
Elaborado pelo movimento social em
favor da criança e adolescente, com
apoio técnico-judiciário de competente
grupo de juristas da magistratura, dos
ministérios públicos e da FUNABEM.
54
Percebe-se que o ECA assegura direitos a crianças e adolescentes envolvendo
e responsabilizando família, estado e sociedade civil no respeito aos preceitos
legais, trazendo a concepção de pessoas em situação peculiar de desenvolvimento.
Neste momento abre-se a necessidade de responsabilização de todas as políticas
setoriais para a questão da prioridade absoluta e não apenas a assistência social.
A definição de procedimentos jurídicos e verificatórios para os casos de
infrações traz o novo conceito que ainda hoje é perseguido pelas instâncias de
execução das medidas e, fundamentalmente, pela esfera judiciária.
O judiciário ainda é tema de grande discussão no país, pois não temos na
realidade as varas da infância e juventude presentes em todos os municípios, fato
que ainda determina interpretações errôneas frente aos casos recebidos. Ainda
existe uma aproximação, por parte de alguns juízes, ao Sistema Penal, interpretando
o Estatuto de forma aproximada à Lei de Execução Penal, destinada a adultos.
O direito à defesa é outra grande conquista estabelecida, mesmo que ainda
também não vigore na totalidade do país, infelizmente ainda estamos distantes
desta realidade.
No 16º aniversário do ECA, foi realizado o lançamento do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE), fruto de uma construção coletiva ao longo
da implantação do ECA pelas questões enfrentadas, que apontavam a necessidade
de maior sistematização da lei de garantia dos direitos das crianças e adolescentes
autores de ato infracional. É histórico que os centros destinados à privação da
liberdade estavam totalmente absorvidos pelo modelo apreendido durante a vigência
do Código de Menores, na lógica segregadora embutida nesta ação.
Primava-se pela manutenção da ordem nestes locais na perspectiva de reprimir
para alcançar um modelo correcional mais efetivo, com pouco ou quase nenhum
diálogo com a realidade de vida dos internos, salvo pela prática comprometida e
isolada de profissionais atuantes nestes centros de atendimento.
O rompimento com estas práticas na busca de uma nova intervenção em que
se asseguram os direitos dos adolescentes na continuidade de formação escolar, no
direito à saúde, ao lazer, à cultura, à manutenção de seus vínculos familiares e
comunitários, foi motivo de grande preocupação para a construção do SINASE
55
enquanto referencial de uma nova forma de conceber o atendimento socioeducativo
e colocar em prática os princípios constitucionais absorvidos pelo ECA.
Foto de uma unidade do complexo Sampaio Viana (sem data)
Arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação CASA (Cepdoc)
A construção desta política pública, objetivando a garantia dos direitos
humanos e a inclusão social foi organizada em um instrumento normativo ordenado
por princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e
administrativo que deve direcionar as ações do sistema e principalmente de seus
gestores.
O SINASE objetiva as mudanças propostas pelo ECA em relação à gestão do
sistema socioeducativo com ênfase na confirmação da natureza pedagógica desta
intervenção.
56
Princípios do Atendimento Socioeducativo:
- Respeito aos direitos humanos;
- Responsabilidade solidária da Família, Sociedade e Estado pela promoção e
a defesa dos direitos de crianças e adolescentes;
- Adolescente como pessoa em situação peculiar de desenvolvimento, sujeito
de direitos e responsabilidades;
- Prioridade absoluta para a criança e o adolescente;
- Respeito ao devido processo legal;
- Excepcionalidade, brevidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento;
- Incolumidade, integridade física e segurança;
- Respeito à capacidade do adolescente de cumprir a medida; às
circunstâncias; à gravidade da infração e às necessidades pedagógicas do
adolescente na escolha da medida, com preferência pelas que visem ao
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários;
- Incompletude institucional, caracterizada pela utilização do máximo possível
de serviços na comunidade, responsabilizando as políticas setoriais no atendimento
aos adolescentes;
- Garantia do atendimento especializado para adolescentes com deficiência;
- Municipalização do atendimento;
- Descentralização político-administrativa mediante criação e a manutenção de
programas específicos;
- Gestão democrática e participativa na formulação das políticas e no controle
das ações em todos os níveis;
- Corresponsabilidade no financiamento do atendimento às medidas
socioeducativas;
- Mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos
diversos segmentos da sociedade;
O SINASE, objetiva ainda a necessidade da relação de todas as esferas de
governo, trazendo a intersetorialidade e a incompletude institucional como princípios
norteadores de toda a ação socioeducativa.
57
Não é possível mais pensarmos o Sistema Socioeducativo apenas pelas
responsabilidades de cada esfera de governo, de forma estanque e desintegrada.
Estamos atuando com adolescentes cidadãos com referências geográficas e
familiares e é preciso o envolvimento de todas as políticas setoriais para o
enfrentamento desta realidade vivenciada.
As medidas socioeducativas executadas em meio aberto ou quando da
finalização de uma restrição de liberdade promovem um grande desafio ao
orientador de medida, pois o mesmo deve propiciar ações/atividades diferenciadas
das quais levaram os adolescentes ao sistema, mas no mesmo ambiente onde foi
cometido o ato infracional.
Tal intervenção o pode acontecer de forma isolada, é preciso envolvimento
de todas as esferas de governo no cofinanciamento do projeto e fundamentalmente
na articulação da rede socioassistencial.
Cabe à esfera Federal na gestão do SINASE:
- Coordenar o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo;
- Formular e executar a política nacional de atendimento socioeducativo,
exercendo funções de caráter geral e de suplementação dos recursos necessários
ao desenvolvimento dos sistemas estaduais, distrital e municipais;
- Elaborar o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, com a
colaboração dos Estados, Distrito Federal e Municípios;
- Construir e gerenciar, por meio da Subsecretária de Promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, um sistema
nacional de cadastro e informação que possibilite o monitoramento e a avaliação dos
sistemas, no que se referem às políticas, programas, ações (nacional, estaduais e
municipais) voltados ao atendimento dos adolescentes submetidos a processo
judicial de apuração de ato infracional e sob medida socioeducativa;
- Prestar assistência cnica aos Estados, consórcios intermunicipais e
Municípios na construção e na implementação do Sistema Socioeducativo, nele
compreendidas as políticas, planos, programas e demais ações voltadas ao
atendimento de adolescentes submetidos a processo judicial de apuração de ato
infracional (atendimento inicial) e/ou sob medida socioeducativa;
58
- Colher informações sobre a organização e funcionamento dos sistemas,
entidades e programas de atendimento e oferecer subsídios para sua qualificação;
- Estabelecer diretrizes gerais sobre a organização e o funcionamento de
programas de atendimento e sobre as condições mínimas das estruturas físicas e
dos recursos humanos e materiais dos programas e unidades destinadas ao
cumprimento das medidas de internação e semiliberdade;
- Instituir e manter processo de avaliação dos sistemas, entidades e programas
de atendimento;
- Organizar e coordenar o Sistema de Informações da Criança e do
Adolescente – SIPIA II;
- Disponibilizar, aos Estados, consórcios intermunicipais e Municípios, as
informações obtidas do SIPIA II/INFOINFRA, com vistas a subsidiar o
aprimoramento da política de atenção aos direitos de crianças e adolescentes;
Cabe aos Estados na gestão do SINASE:
- Coordenar o Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo;
- Elaborar o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo, em cooperação
com os Municípios;
- Prestar assistência técnica aos municípios na construção e na implementação
do Sistema Socioeducativo, nele compreendidas as políticas, planos, programas e
demais ações voltadas ao atendimento ao adolescente que se atribui ato infracional
desde o processo de apuração, aplicação e execução de medida socioeducativa;
- Instituir, regular e manter o seu Sistema de Atendimento Socioeducativo,
respeitadas as diretrizes gerais fixadas pela União;
- Criar, manter e desenvolver os programas de atendimento para a execução
das medidas de semiliberdade e internação, inclusive de internação provisória;
- Editar normas complementares para a organização e funcionamento do seu
sistema de atendimento e dos sistemas municipais;
- Estabelecer com os municípios, as formas de colaboração para o atendimento
socioeducativo em meio aberto;
- Prestar assistência técnica e suplementação financeira aos municípios e às
organizações da sociedade civil para a regular oferta de programas de meio aberto.
59
Cabe aos Municípios na gestão do SINASE:
- Coordenar o Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo;
- Instituir, regular e manter o seu sistema de atendimento socioeducativo,
respeitadas as diretrizes gerais fixadas pela União e pelo respectivo Estado;
- Elaborar o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo;
- Editar normas complementares para a organização e funcionamento dos
programas de seu sistema;
- Fornecer através do Poder Executivo os meios e os instrumentos necessários
ao pleno exercício da função fiscalizadora do Conselho Tutelar;
- Criar e manter os programas de atendimento para a execução das medidas
de meio aberto;
- Estabelecer consórcios intermunicipais, e subsidiariamente em cooperação
com o Estado, para o desenvolvimento das medidas socioeducativas de sua
competência.
Comuns às três esferas na gestão do SINASE:
- Estabelecer normas sobre o atendimento socioeducativo mediante edição de
leis, decretos, resoluções (expedidas pelos Conselhos dos Direitos Setoriais),
portarias, instruções normativas e demais atos normativos e administrativos;
- Financiar, conjuntamente com os entes federativos, a execução de programas
e ações destinados ao atendimento inicial do adolescente em processo de apuração
de ato infracional ou que esteja sob medida socioeducativa;
- Garantir publicidade de todas as informações pertinentes à execução das
medidas socioeducativas;
- Garantir transparência dos atos públicos pertinentes à execução das medidas
socioeducativas;
- Fornecer via Poder Executivo, os meios e os instrumentos necessários ao
pleno funcionamento dos respectivos Conselhos dos Direitos da Criança e do
Adolescente, respeitando os princípios da paridade e do caráter deliberativo e
controlador que regem tais órgãos;
60
- Elaborar e aprovar junto ao competente Conselho dos Direitos da Criança e
do Adolescente o Plano de Atendimento Socioeducativo;
- Atuar na Promoção de políticas que estejam em sintonia com os princípios
dos direitos humanos e contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e
intolerância correlata;
- Implementar programas em parceria com a sociedade civil organizada, ONGs
e instituições afins com o propósito de garantir direitos das populações e grupos
discriminados, desfavorecidos ou em situação de vulnerabilidade social;
Comuns aos Estados, Distrito Federal e Municípios na gestão do SINASE:
- Monitorar, supervisionar e avaliar o sistema, a política, os programas e as
ações – sob a responsabilidade do ente federativo ou por ele delegado – voltadas ao
atendimento do adolescente desde o processo de apuração do ato infracional até a
aplicação e execução de medida socioeducativa;
- Fornecer, via Poder Executivo, os meios e os instrumentos necessários ao
pleno funcionamento do Plantão Interinstitucional nos termos previstos no art. 88, V,
do ECA;
- Proporcionar formação inicial e continuada sobre a temática “Criança e
Adolescente” para os servidores públicos e as equipes das entidades conveniadas
no atendimento ao adolescente em conflito com a Lei, especialmente às equipes de
atendimento e de órgãos responsáveis pela execução de políticas de saúde,
educação, segurança e outras destinadas aos adolescentes;
- Submeter ao competente Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente
os programas socioeducativos executados diretamente pela administração pública;
- Implantar e alimentar cotidianamente, por meio de todos os órgãos estaduais
e entidades conveniadas, o SIPIA II/INFOINFRA;
- Viabilizar o acesso das entidades de defesa dos direitos da criança e do
adolescente e de direitos humanos em geral às Unidades de atendimento
socioeducativo que estejam sob sua responsabilidade.
O princípio da incompletude institucional aprofunda a necessidade de ações
articuladas entre as esferas de governo com suas diversas políticas públicas em
61
relação direta com a sociedade civil organizada quebrando o conceito ultrapassado
de instituições totais. Nesta perspectiva não podemos compreender as definições de
competências apresentadas de forma desintegrada e sim de relacional,
estabelecendo as interfaces necessárias nas áreas técnicas, organizacionais,
financeiras e principalmente compartilhando a responsabilidade da boa gestão do
sistema socioeducativo nacional.
Ainda como escopo do SINASE, apresenta a preocupação e orientação na
gestão dos programas socioeducativos, a qual está pautada pela gestão participativa
buscando o envolvimento dos diferentes atores que atuam no sistema
socioeducativo.
Propõe a organização de um Grupo Gestor que é composto pelo dirigente geral
ou responsável pela instituição que é o principal articulador da Política Estadual,
uma equipe diretiva com caráter gerencial composta por profissionais de diferentes
áreas e diretores de unidades e/ou programas de atendimento socioeducativo que
são os coordenadores diretos dos programas de atendimento.
A gestão participativa tem por objetivo a participação da comunidade
socioeducativa, composta pelos profissionais executores de medidas e adolescentes
cumprindo medidas socioeducativas, devendo atuar de forma transversal em
diferentes aspectos do processo desde o planejamento, avaliação e
redirecionamento se for preciso.
Esta forma de intervenção estabelece a Doutrina da Proteção Integral,
garantindo o direito aos adolescentes de protagonizar sua história enquanto
cumprem a medida.
O SINASE, ainda apresenta estruturas mínimas para a composição das
equipes profissionais que desenvolverão os atendimentos para os adolescentes, de
forma diferenciada para cada medida socioeducativa de acordo com o número de
atendidos.
Para além da composição, foca-se na formação continuada destes
profissionais, garantindo a atualização, troca de experiências que certamente
refletirão nas bases do projeto político de atenção aos adolescentes.
Para equipes de atendimento aos adolescentes em medidas socioeducativas
em meio aberto consideram-se 20 (vinte) adolescentes para acompanhamento e
monitoramento de cada técnico.
62
Para a Internação a equipe para atender até 40 (quarenta) adolescentes é
composta pelo Diretor, Coordenador Técnico, dois Assistentes Sociais e dois
Psicólogos, Pedagogo, Advogado e demais profissionais necessários para o
desenvolvimento das ações de saúde, escolarização, esporte, cultura, lazer,
profissionalização e administração. Para as equipes de semiliberdade no
atendimento para 20 (vinte) adolescentes considera-se como quadro básico o
Coordenador Técnico, Assistente Social, Psicólogo, Pedagogo, Advogado, dois
socioeducadores em cada jornada e um Coordenador Administrativo.
Os parâmetros apresentados objetivam um novo ethos de atendimento e para
isto a estrutura arquitetônica também foi alvo de avaliação neste sistema. A
diminuição do número de adolescentes por unidade de atendimento, em qualquer
medida, representa maiores possibilidades de intervenções das equipes
psicossociais e pedagógicas, as quais devem estabelecer integração para a garantia
da implantação do Plano Individual de Atendimento (PIA) que deve ter o início de
sua construção na chegada do adolescente à medida com a participação e
envolvimento direto da família.
É preciso alargar o conceito de família para acessar todas as possibilidades
presentes para os adolescentes.
As diretrizes pedagógicas apresentadas devem nortear as intervenções
profissionais com maior qualidade e respeito às condições de pessoa em
desenvolvimento e desta forma embasar o Projeto Político Pedagógico de
intervenção em cada unidade de atendimento.
Diretrizes Pedagógicas do Atendimento Socioeducativo:
- Prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos meramente
sancionatórios;
- Projeto pedagógico como ordenador de ação e gestão do atendimento
socioeducativo;
- Participação dos adolescentes na construção, no monitoramento e na
avaliação das ações socioeducativas;
- Respeito à singularidade do adolescente, presença educativa e
exemplaridade como condições necessárias na ação socioeducativa;
63
- Exigência e compreensão, enquanto elementos primordiais de
reconhecimento e respeito ao adolescente durante o atendimento socioeducativo;
- Diretividade no processo socioeducativo;
- Disciplina como meio para a realização da ação socioeducativa;
- Dinâmica institucional garantindo a horizontalidade na socialização das
informações e dos saberes em equipe multiprofissional;
- Organização espacial e funcional das unidades de atendimento
socioeducativo que garantam possibilidades de desenvolvimento pessoal e social
para o adolescente;
- Diversidade étnico-racial, de gênero e de orientação sexual norteadora da
prática pedagógica;
- Família e comunidade participando ativamente da experiência socioeducativa;
- Formação continuada dos atores sociais.
Para o pleno desenvolvimento das ações socioeducativas espera-se que sejam
considerados os seguintes aspectos físicos:
- Condições adequadas de higiene, limpeza, circulação, iluminação e
segurança;
- Espaço adequado para a realização de refeições;
- Espaço para atendimento técnico individual e em grupo;
- Condições adequadas de repouso para os adolescentes;
- Salão para atividades coletivas e/ou espaço para estudo;
- Espaço para o setor administrativo e/ou técnico;
- Espaço e condições adequadas para visita íntima;
- Espaço e condições adequadas para as visitas familiares;
- Área para atendimento de saúde/ambulatórios;
- Espaço para atividades pedagógicas;
- Espaço com salas de aulas apropriadas contando com sala de professores e
local para funcionamento da secretaria e direção escolar;
- Espaço para a prática de esportes e atividades de lazer e cultura devidamente
equipados e em quantidade suficiente para o atendimento de todos os adolescentes.
- Espaço para a profissionalização.
64
O SINASE, atualmente vem se mostrando um referencial para a construção
definitiva de um novo sistema socioeducativo, que de fato realize a proteção integral
nas suas várias facetas, ou seja, no atendimento digno ao adolescente cumprindo
medida socioeducativa, no respeito e apoio aos seus familiares, na oferta e
reinclusão dos adolescentes nas políticas blicas que privaram historicamente sua
participação, na unificação de um modelo de atenção no âmbito nacional, primando
pela qualidade e participação efetiva das três esferas de governo tanto na
elaboração de políticas de atendimento direto, na necessidade da articulação da
rede socioassistencial e fundamentalmente no cofinanciamento deste sistema.
Seguindo os princípios da intersetorialidade e da incompletude institucional,
não podemos pensar o SINASE de forma descontextualizada da política social
expressa no país, caso contrário nós correremos um grande risco de aproximação
do modelo das Instituições Totais, não pela forma de atenção direta aos
adolescentes em conflito com a lei, mas pela dissociação da realidade e
necessidades contidas em sua vida.
Os adolescentes em conflito com a lei vivem esta situação e não significa que
toda sua trajetória tem tais marcas. É necessário analisarmos individualmente os
casos para que os apoios necessários sejam oferecidos, inclusive aos familiares que
trazem demandas que também devem ser orientadas pelo sistema socioeducativo.
Por esse motivo, torna-se fundamental estabelecer a aproximação com o
Sistema Único da Assistência Social (SUAS), realidade no país pela unificação da
Política Nacional de Assistência Social expressa pelas três esferas de governo.
No que se refere à criança e adolescente retomamos o artigo 227 da
Constituição Federal:
Artigo 204: "As ações governamentais na área de assistência social serão
realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195,
além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
- Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas
gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às
esferas estaduais e municipais, bem como a entidades beneficentes e de assistência
social;
65
- Participação da população, por meio de organizações representativas na
formulação e no controle das ações em todos os níveis.
Estabelece como princípio da sua política a criança como sujeito de direitos,
como pessoa em formação e desenvolvimento, estabelecendo diretamente a
aproximação com o ECA e o SINASE.
Nesta perspectiva imprime o princípio constitucional da prioridade absoluta na
proteção e socorro, atendimento nos serviços blicos, políticas sociais, na
destinação de recursos blicos, na justiça, entre outros. Desta ótica obtemos a
proteção integral, abrangendo seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e de dignidade.
A lei redefine o papel da União, dos Estados e Municípios no campo da
assistência social, organizando um sistema público articulado com vistas à definição
e execução da política nacional de assistência social.
Isto vincula o funcionamento desse sistema blico à existência de uma rede
de entidades e organizações de assistência social (privada) Art. 3º, à participação
da sociedade civil e à necessidade de integração com as demais políticas sociais
(Art. 2º § único).
Foto de uma unidade do complexo Sampaio Viana (sem data)
Arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação CASA (Cepdoc)
66
Objetiva o enfrentamento da pobreza, a garantia dos mínimos sociais, o
provimento de condições para atender as contingências sociais e a universalização
dos direitos sociais. A assistência social é vista como política pública, como espaço
de caráter continuado. Encontra-se no mesmo patamar de importância da saúde e
previdência social formando o tripé da seguridade social.
Como direitos básicos de cidadania encontram-se:
- Proteção Social: sobrevivência, acolhida, convívio, autonomia;
- Ter igualdade de acesso aos serviços;
- Ser tratado com dignidade e não ser exposto a situação vexatória;
- Ter garantido o direito a informações sobre o serviço, mesmo que realizado
em parceria com entidade social;
- Ter direito a escolha;
- Ter acesso às informações do uso do dinheiro público.
Como diretrizes:
- Descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo;
- Participação da população, por meio das organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;
- Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de
assistência social em cada esfera de governo.
O enfoque municipalista privilegia o nível local como lócus da execução das
ações de assistência social, realizadas diretamente ou através da rede de entidades
conveniadas, observando-se as diretrizes e orientações emanadas pelo Conselho
Nacional de Assistência Social, bem como a criação das condições para a promoção
da articulação e integração da rede de entidades sociais.
67
A pactuação entre esferas de governo para sua implantação requer que
municípios coordenem a elaboração dos projetos em conformidade com as
prioridades do Plano Municipal de Assistência Social, aprovado pelo Conselho
Municipal de Assistência Social.
Usuários da Política Nacional de Assistência Social:
- Famílias, indivíduos e grupos que se encontram em situações de
vulnerabilidades e riscos;
- Por apresentar perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento
e sociabilidade;
- Por estar em situação de ciclo de vida vulnerável;
- Por apresentar identidade estigmatizada em termos étnicos, culturais e
sexuais;
- Por estar em situação de desvantagem pessoal resultante de deficiências;
- Por estar em situação de exclusão pela pobreza e/ou no acesso às demais
políticas públicas;
- Por fazer uso de substâncias psicoativas;
- Por sofrer diferentes formas de violência, advindas do núcleo familiar, grupos
e indivíduos;
- Por apresentar inserção precária ou o inserção no mercado de trabalho
formal e informal;
- Por apresentar estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que
podem representar risco pessoal e social.
Funções da Assistência Social:
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Proteção Social Básica:
- Prevenir situações de risco, através do desenvolvimento de potencialidades e
aquisições, fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
- Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social
decorrente da pobreza, privação e ou fragilização de vínculos afetivos – relacionais e
de pertencimento social.
- Ações: benefícios, programas e projetos.
- Deve ser prestada na totalidade dos municípios brasileiros pelos Centros de
Referência em Assistência Social (CRAS).
Proteção Social Especial:
A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial
destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e
social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso
sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas,
situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras.
Deve ser estruturada em municípios de médio e grande porte e nas metrópoles
ou ainda pelo Governo Estadual, por prestação direta ou assessoramento a
consórcios, pelo Centro de Referência Especializado em Assistência Social
(CREAS).
Proteção Social Especial de Média Complexidade:
Famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares
e comunitários não foram rompidos. (serviço de orientação e apoio sociofamiliar,
plantão social, abordagem de rua, cuidado no domicílio, serviço de habilitação e
69
reabilitação de pessoas com deficiência, medidas em meio aberto LA e PSC -
CRAS).
Proteção Social Especial de Alta Complexidade:
Os serviços de proteção social especial de alta complexidade são aqueles que
garantem proteção integral moradia, alimentação, higienização e trabalho
protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência e, ou, em
situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e, ou,
comunitário, tais como: Atendimento Integral Institucional; Casa Lar; República;
Casa de Passagem; Albergue; Família Substituta; Família Acolhedora; Medidas
socioeducativas restritivas e privativas de liberdade (Semiliberdade, Internação
provisória e sentenciada); Trabalho protegido.
Conceitos:
Matricialidade sociofamiliar:
O Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) deve prezar a
matricialidade sociofamiliar, fortalecendo seus vínculos internos e externos de
solidariedade, através do protagonismo de seus membros e da oferta de um
conjunto de serviços locais que visam à convivência, socialização e o acolhimento,
em famílias cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos.
Diferentes configurações de família:
- União formada por casamento;
- União estável entre homem e mulher;
- Comunidade de qualquer dos genitores (inclusive mãe solteira) com seus
dependentes – Família monoparental;
- Avós e netos.
- Tio(a)s e sobrinho(a)s, entre outras configurações.
70
Rede de Proteção Social:
Uma comunidade, um coletivo constituído de forma democrática, autônoma e
por vontade expressa de cada um de seus componentes, por organizações
governamentais e sociais que, planejada em conjunto e articuladamente, atendam
ou venham a atender e defender os direitos da população em situação de
vulnerabilidade e risco pessoal e social, executando ou que venham a executar
ações complementares e ou coincidentes, voltadas à garantia dos seus direitos.
A rede de proteção social passa a representar um conjunto de participantes
autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores, de objetivos e interesses
compartilhados capazes de assegurar condições para o atendimento integral dos
usuários e/ou beneficiários das ações da assistência social.
O enfrentamento necessário na questão das medidas socioeducativas deve ser
realizado com esforços somados pelas três esferas de governo, articulando ações,
cofinanciamento e principalmente aproximando os sistemas nacionais previstos para
garantia de direitos nas áreas já existentes.
É impossível pensarmos a implementação do SINASE de forma desconectada
do SUAS. Existem interfaces estabelecidas pelos princípios norteadores dos
sistemas com propostas efetivas de aproximação da realidade social para um
enfrentamento qualitativo que considere as reais necessidades advindas do
distanciamento das políticas públicas que historicamente deixaram suas marcas de
exclusão em grande parte da população brasileira. É preciso integrar ações, o
sistema socioeducativo deve abrir-se para comungar com os municípios, local de
moradia de seus atendidos, para ações mais efetivas e integradas, nos casos de
medidas socioeducativas em meio aberto os CREAS já devem dar esta resposta em
consonância com a executora estadual, garantindo o compartilhamento do
conhecimento acumulado pelos profissionais que sempre fizeram tal atendimento.
O público hoje em medidas restritivas de liberdade será automaticamente o
público a ser orientado pelos CRAS, garantindo sempre a referência e
contrarreferência. É preciso nos conscientizar de que a grande maioria dos
familiares dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas deve
receber atendimentos nas esferas municipais, na questão da assistência social,
portanto torna-se fundamental esta rápida integração.
71
Capítulo IV – A adolescência e atos infracionais: trajetória e direitos
Como afirmado por Maria Lucia Prado Suzuki, em trabalho desenvolvido pela
FEBEM no ano de 2002, sob a orientação de Dr. Munir Cury:
“A adolescência representa uma fase evolutiva do ser
humano caracterizada por alterações biológicas,
psicológicas e sociais. Trata-se de um fenômeno
universal, muito embora as manifestações de conduta
sejam culturalmente diferentes. Portanto, para
compreender o adolescente devemos contextualizá-lo,
considerando questões como gênero, etnia, cultura
regional, particularidades do meio social de referência,
classe social e momento histórico, entre outras.”
Na mesma direção apresento a afirmação de Alex Fabiano de Toledo (2007:19)
em sua dissertação de mestrado “Adolescência e Subalternidade: O ato infracional
como mediação com o mundo”.
“Poderíamos citar várias características que se tornaram,
no senso comum e mesmo no meio científico, sinônimos
ao termo adolescência. No entanto, talvez, o mais forte
destes seja o termo “crise”, “a adolescência como um
período de crise”, a “crise da adolescência”, esta
transformada em uma característica intrínseca e universal
deste período.”
A adolescência tem sido motivo de estudo de várias áreas da ciência na busca
de maior entendimento desta fase da vida.
Várias são as alterações nesta fase, as quais extrapolam as questões
fisiológicas, pois o adolescente vivencia uma transformação para além do seu corpo.
72
Este período é marcado pelo distanciamento afetivo da família, pela busca da
independência e pela forte valorização do grupo formado por seus pares, o que o
leva à procura de conformização com as normas, os costumes e a “ideologia” desse
grupo, trazendo em seu bojo, muitas vezes, uma rebeldia aos valores estabelecidos
pelos pais ou pela sociedade, num conflito entre a independência desejada e a
dependência ainda não rompida. (JOST, 2006:58)
Apesar desta fase provocar alterações gerais não podemos desconsiderar a
realidade na qual estes sujeitos são ativos. Como afirmado por Alex Fabiano
(22:2007):
“A visão sócio-histórica permite a superação da visão
liberal, pois ela parte do pressuposto que o ser humano é
histórico, um ser constituído no seu movimento;
constituído ao longo do tempo, pelas relações e
condições sociais e culturais engendradas pela
humanidade, sendo o ser humano visto a partir da ideia
de condição humana e não de natureza humana.”
É ainda na perspectiva de ‘condição humana’ que Mario Volpi (2005:14)
tomando por base os ditames do ECA, afirma:
“As crianças e adolescentes passam a ser considerados
como pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direitos e
destinatários de proteção integral, o que implica
diretamente na participação nas decisões de seu
interesse e no respeito à sua autonomia, no contexto do
cumprimento das normas legais”.
Ao adolescente a quem se imputa o ato infracional, deve ser garantido o seu
direito e reconhecimento de pessoa em situação peculiar de desenvolvimento, como
consagrado pelo ECA.
O Estatuto estabelece outras formas de intervenção, distanciando-se do
Código de Menores e, principalmente, do Sistema Penal regido pela Lei de
73
Execução Penal, especificamente para homens e mulheres adultos.
O início da trajetória institucional do adolescente no sistema socioeducativo se
faz a partir da força policial. Ao ser flagrado ou ao apresentar indícios de
participação em ato infracional, é lavrado um boletim de ocorrência da situação, que
vai determinar os caminhos a serem percorridos, com base na gravidade da ação
cometida.
O adolescente deve ser apresentado, o mais rápido possível, ao Ministério
Público e permanecer em cela especial, por tempo limitado, dentro das delegacias,
separado dos adultos detidos no espaço. Esta situação também é amplamente
discutida no cenário nacional pelos grupos de defesa de direitos dos adolescentes,
pois, na realidade vivenciada em grande parte dos Estados não existe uma
organização estabelecida para atendimento aos adolescentes de forma a que ele
seja apreendido em lugar separado dos adultos detidos.
Ainda na Delegacia, o mesmo pode ser liberado para a família com o
compromisso de apresentação ao Ministério Público (MP), dependendo da
relevância do ato infracional cometido.
No Estado de São Paulo destaca-se o provimento 1.436/2007, do CONSELHO
SUPERIOR DA MAGISTRATURA, pelo qual a remoção de jovens das cadeias
públicas passou a ser feita pela Fundação CASA a partir da solicitação de vaga
realizada pelos cartórios no Estado. Esta ação diminui em muito a permanência dos
mesmos nestes espaços, garantindo um preceito do estatuto ainda difícil de alcançar
na totalidade do país.
Para salvaguardar os direitos dos adolescentes, em alguns municípios de São
Paulo, contamos com o Núcleo de Atendimento Integrado (NAI), os quais devem
estabelecer a integração das esferas municipal e estadual, com bases definidas de
participação de cada esfera, além dos serviços necessários para os procedimentos
verificatórios da situação e infração dos adolescentes.
Devem contar com profissionais da área psicossocial, policial, representantes
do MP, Juiz de Direito e equipe de segurança. É preciso relatar que os mesmos,
ainda se encontram em fase de aproximação das políticas setoriais e dos
operadores de medida, apresentando, na maioria dos casos, grandes dificuldades
na sua operacionalização.
74
Para os municípios que não têm esta organização, quase a totalidade do
Estado, existe a possibilidade de encaminhamento para as Unidades de
Atendimento Inicial (UAI), que fazem a custódia logo após lavrado o boletim de
ocorrência. Essas Unidades são de responsabilidade da Fundação CASA.
Após a apresentação ao MP, caso não haja liberação, o adolescente segue
para a Unidade de Internação Inicial (UIP), a qual terá o prazo máximo de 45 dias
para custódia e desenvolvimento de estudo técnico e pedagógico mais aprofundado
do adolescente e de seu núcleo familiar, para futura apresentação ao MP.
Com base neste diagnóstico oferecido, o Juiz faz sua deliberação, que poderá
ser de remissão judicial ou de remissão judicial com outra medida, ou de liberação
para a família. As medidas judiciais previstas nos casos de infração juvenil o:
advertência, reparação de danos, prestação de serviços à comunidade, liberdade
assistida, semiliberdade ou internação.
O adolescente deverá responder ao processo na localidade onde foi realizado
o ato infracional e cumprir a medida socioeducativa na mesma localidade ou o mais
próximo possível do domicílio de seus pais ou responsáveis.
Esta prerrogativa visa garantir a continuidade dos vínculos familiares e
comunitários, considerando-se família em uma perspectiva alargada, incluindo todos
os arranjos possíveis.
Do mesmo modo, as medidas socioeducativas devem operar de forma a
contribuir para um melhor retorno do adolescente ao seu convio familiar e
comunitário. Porém, é preciso considerar a realidade da questão e para tanto recorro
a Liduina (2005:108):
“Há algum tempo temos observado que a expressão
proteção integral se popularizou, sendo utilizada como se
fosse uma fórmula mágica na resolução de assuntos
relacionados à criança e adolescente. Sem distinções
pedagógicas, metodológicas, jurídicas ou políticas, vem
compondo os diferentes discursos, seja de âmbito
governamental ou não-governamental, seja de esquerda,
de centro ou de direita. A popularização e/ou banalização
dessa expressão nos tem chamado a atenção porque
75
percebemos que a proteção integral tem sido assumida
como sinônimo de desenvolvimento integral e/ou tem
refletido uma intenção de cuidado, de atenção e proteção.
Tal tipo de interpretação tem provocado um certo
distanciamento de seu elementar significado enquanto
categoria jurídica inovadora que regulamenta o sistema
garantista do ECA. Daí o presente desafio de pensarmos
o paradigma da proteção integral no contexto do ECA e
do momento político que o fez emergir.”
Tal análise aponta que ainda caminhamos pequenos passos na direção de
garantir os direitos a crianças e adolescentes a partir do advento do ECA.
Nesta perspectiva temos que referenciar o Sistema de Garantia de Direitos,
que deve explicitar os direitos das crianças e adolescentes “através de um conjunto
articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios” de acordo com o artigo 86 do ECA (lei 8.069,
13/07/90). O sistema pressupõe ações protetivas.
Temos a abertura de três grandes eixos, são eles:
Promoção de Direitos tem como objetivos específicos a deliberação e
formulação da política de atendimento aos direitos, que prioriza e qualifica como
direito o atendimento das necessidades básicas da criança e do adolescente,
através das demais políticas públicas.
Defesa de Direitos – tem como objetivo específico a responsabilização do
Estado, da Sociedade e da família, pelo não atendimento, atendimento irregular ou
violação dos direitos individuais ou coletivos das crianças e dos adolescentes.
Controle Social deve se reportar à vigilância do cumprimento dos preceitos
legais constitucionais e infraconstitucionais, ao controle externo não institucional da
ação do Poder Público.
Como afirmado por Margarida Bosch García em Um Sistema de Garantia de
Direitos – Fundamentação (1999:100):
76
“O sistema de garantia de direitos se caracteriza por uma
interação de espaços, instrumentos e atores no interior de
cada um dos eixos, e por uma interação complementar e
retroalimentadora entre os três eixos. Esse conjunto de
eixos Promoção, Vigilância e Defesa em conjunto se
articulam também diferentes espaços, instrumentos e
atores, formando uma teia de relações entrelaçadas que,
de modo ordenado, contribuem para o mesmo fim ou
objetivo central definido como garantia de direitos, o
mesmo constitui uma unidade completa. É o sistema em
si mesmo.”
Durante o desenvolvimento deste trabalho, reitero que a fragilidade das
políticas públicas determinam a necessidade da constituição deste sistema de
garantia de direitos, pelas grandes diferenças sociais, políticas e financeiras
presentes no Brasil. Fundamentando, recorro a Yazbec (1993:61):
“A violência da pobreza constitui parte de nossa
experiência diária na sociedade brasileira contemporânea.
Os impactos destrutivos do sistema vão deixando marcas
exteriores sobre a população empobrecida: o aviltamento
do trabalho, o desemprego, a debilidade da saúde, o
desconforto, a moradia precária e insalubre, a
alimentação insuficiente, a ignorância, a fadiga, a
resignação, são alguns sinais que anunciam os limites da
condição de vida dos excluídos e subalternizados da
sociedade
É preciso frisar que as políticas protetivas vêm demonstrando grandes falhas
se considerarmos o grande número de crianças e adolescentes envolvidos com atos
infracionais. Elas o as grandes responsáveis em deter esta sequência cruel, hoje
estabelecida no Brasil, onde o pobre, pela sua falta de opções de sustento para uma
77
vida digna e com sua formação básica precária, pode ser levado ao sistema
socioeducativo e, posteriormente ao sistema penal.
A proteção ao adolescente vem promovendo inúmeras discussões acadêmicas
e abertura de várias ações governamentais e não governamentais de intervenção. A
preocupação central pauta-se na questão da adolescência e criminalidade, pelo
aumento desta tendência em âmbito mundial. Sergio Adorno (99:14) traz quatro
estilos, construídos por estudiosos da realidade, para pensarmos esta problemática:
- Em primeiro lugar, uma acentuada preocupação em cotejar mito e realidade.
O quanto existe de compatibilidade ou de descompasso entre o sentimento geral de
insegurança que, em determinados momentos e em conjunturas determinadas
parece se acentuar, e o efetivo movimento de registros de ocorrências criminais
provocadas por adolescentes e jovens? Afinal de contas, quem são esses
personagens: anjos ou demônios? Vítimas ou algozes? Carentes de proteção social
e legal ou carentes de sanção penal rigorosa? Parte da literatura e do debate
enveredou-se por este caminho. Unindo distintos agentes e agências sociais o
pedagogo e a escola, o sociólogo e as agências de controle social, o religioso e as
instituições filantrópicas, o psicólogo e as instituições de reparação social, o jurista e
as agências de contenção repressiva do comportamento - essas campanhas
pretendiam conter a delinquência juvenil em níveis socialmente suportáveis, mesmo
que, se necessário fosse, se devesse recorrer a meios os mais rigorosos de
restrição de liberdade individual.
- A segunda tendência foi a de concentrar estudos na observação sistemática
da evolução dessa forma de delinquência. Em parte, levantamentos e estudos
realizados na América do Norte e Europa corroboram essas suspeitas coletivas.
Indagando se a violência “epidêmica” dos anos 90 constituía uma distorção
resultante de cobertura proporcionada pela mídia aos acontecimentos violentos do
período ou se refletia real mudança no comportamento de jovens, estudo realizado
pelo Center for Study and Prevention of Violence, da University of Colorado,
observou nos Estados Unidos que: 1) cresceram as taxas de jovens vítimas de
violência, em especial no grupo etário de 12-15 anos; 2) houve discreto aumento,
em torno de 8 a 10%, no envolvimento de adolescentes em algum tipo de grave
78
ofensa violenta; 3) tem se verificado um dramático crescimento nas taxas de
homicídio contra adolescentes, desde 1988 (CSPV, 1994). Tudo indica, por
conseguinte, que a presença de jovens no mundo do crime e da violência revela
duas faces de uma mesma moeda: como autores e vítimas da violência dos outros.
- O terceiro estilo de falar sobre adolescentes e violência é o de abordar suas
causas. Este é seguramente um dos terrenos mais movediços e sujeitos a debates,
não raro influenciados por acirrado clima político-ideológico. Plano do Governo
Federal americano, destinado a enfrentá-la, identifica cinco conjunto de causas: 1)
influências individuais relacionadas à biografia individual, à inserção de grupos, ao
desempenho de lideranças, ao emprego do tempo livre, à saúde mental; 2)
influências familiares associadas, entre outros aspectos, aos conflitos entre pais e
entre pais e filhos, ao suporte financeiro e à educação proporcionados por pais e
parentes, à iniciação sexual e à gravidez precoces; 3) influências escolares que
incluem não apenas inserção e participação regular nas atividades, como também
em programas especiais, tais como o de prevenção ao consumo de drogas e álcool;
4) influência em grupos de pares, particularmente em atividades desportivas, menor
dedicação a trabalho voluntário, menor frequência a programas de mediação e
resolução de conflitos; 5) influências na vida comunitária, inclusive presença em
áreas “isentas de aplicação sistemática de leis”, como zonas que sediam o tráfico de
drogas, o contrabando de armas e o comércio de produtos roubados, a exploração
da prostituição (Donziger, 1996; CSPV, 1994)
- Em quarto lugar, não se poderia ignorar o argumento defendido por
demógrafos que sustêm a influência da youth wave (“onda jovem”), detectada ao
longo desta década, que acontece “quando, como resultado de uma dinâmica
demográfica prévia, os grupos etários entre 15 e 24 anos experimentam um
crescimento excepcional” (Dellasoppa, Bercovich e Arriaga, 1999:170). Esse
argumento sugere que, em virtude da onda jovem, esse grupo etário não apenas
estará à frente de uma série de fenômenos novos – escolarização precoce, inserção
precoce ao mercado de trabalho, uniões conjugais e constituição precoces de
famílias -, formulando, portanto, novos desafios para as políticas sociais, como
79
também provavelmente estarão na dianteira de tantos outros problemas como
delinquência, consumo de drogas, desobediência civil.”
Percebemos que existem formas diferenciadas de pensarmos a questão da
adolescência e criminalidade, porém conhecer a realidade dos atendidos, com as
transformações decorrentes individualmente e socialmente aparece ainda como uma
necessidade para o início do enfrentamento de qualquer problemática.
É preciso sempre termos clareza dos mecanismos de exclusão presentes, que
vêm determinando a presença de jovens nesta esta situação. Seguindo Adorno
(1999:29):
“O perfil dos adolescentes infratores não se distingue
acentuadamente do perfil da população em geral. Pode-
se mesmo arriscar dizer que os adolescentes infratores,
são, na sua maior parte, recrutados entre grupos de
trabalhadores de baixa renda, o que é sugerido pela
análise das variáveis: etnia, escolaridade e atividade
ocupacional. Assim, entre o adolescente infrator e o
adolescente pobre, habitante da periferia das grandes
cidades, poucas distinções os separam;
Como foi afirmado no livro Famílias de Crianças e Adolescentes Abrigados
quem são, como vivem, o que pensam, o que desejam - organizado por Eunice
Teresinha Fávero, Maria Amália Faller Vitale e Myrian Veras Baptista (2008:17):
“Assim, ao longo do percurso de vida, as famílias pobres
tendem a experimentar rupturas (corte nas trajetórias
educacionais, empregos instáveis, trabalhos precários,
alterações de moradias, rompimentos relacionais e
outros) capazes de gerar a saída (temporária ou
definitiva) de seus membros mais jovens, como no caso
dos abrigos de crianças e adolescentes. Nessa condição,
80
os papéis masculinos e femininos se tornam vulneráveis e
realimenta-se o ciclo perverso de rupturas”.
A realimentação destes ciclos geram realidades que se repetem de forma
intergeracional, dificultando cada vez mais a transformação de realidades das
famílias.
81
Capítulo V – O sistema socioeducativo paulista a partir de junho de
2005
Neste capítulo seapresentado o reordenamento do Sistema Socioeducativo
Paulista, iniciado em junho de 2005, tendo a Dra. Berenice Maria Gianella como
Presidente da FEBEM-SP, posteriormente, Fundação CASA-SP (Centro de
Atendimento Socioeducativo ao Adolescente).
A alteração do nome da instituição aconteceu em 22 de dezembro de 2006,
pela Lei Estadual nº 12.469.
O início desta gestão foi marcado pelo colapso do sistema socioeducativo
paulista. Estavam presentes os grandes complexos superlotados de adolescentes, a
centralização do atendimento na capital, a falta de vagas suficientes para a
demanda e a dificuldade em implementar ações psicossociais e pedagógicas.
Este cenário pode ser facilmente demonstrado pela série histórica de rebeliões,
constantes nos dados fornecidos pela própria Fundação, a saber:
ANO NÚMERO DE REBELIÕES
2003 80
2004 34
2005 53
2006 28
2007 5
2008 3
2009 1
Nesta conjuntura, para alteração desta realidade, teve início o planejamento de
ações estratégicas, seguindo o princípio da horizontalidade explicitado pelo SINASE.
A diminuição das rebeliões apresenta-se como um grande avanço no sistema
socioeducativo paulista. Esse avanço possibilitou a maior e melhor participação de
diferentes segmentos sociais e estatais nessa intervenção. Devem ser somados
esforços para construir práticas e caminhos que transcendam os muros da
82
instituição, que concretizem melhores possibilidades na vida dos adolescentes
cumprindo medidas socioeducativas com privação ou restrição de liberdade.
Para a privação de liberdade, foram construídas 47 unidades compactas, para
atendimento de até 56 adolescentes, no período de 2006 a 2009. As vagas são
distribuídas com até 40 adolescentes na internação e a 16 na internação
provisória.
Estas unidades estão localizadas em 30 municípios que apresentam maior
demanda regional de adolescentes inseridos nesta medida socioeducativa. Estes
centros, chamados de unidades-casas (centro de atendimento socioeducativo ao
adolescente) atendem uma abrangência que obedece a circunscrição judiciária.
Este atendimento, apesar de não localizar todos os adolescentes em seu
município de moradia, facilita a maior participação da família no processo, na
medida em que possibilita maior proximidade para visitas. O menor número de
adolescentes nessas unidades deve garantir maior possibilidade de intervenções
personalizadas e integradas, envolvendo as equipes psicossociais, pedagógicas e
de segurança.
No caderno “As Bases Éticas da Ação Socioeducativa referenciais
normativos e princípios norteadores” escrito sob a coordenação geral do Prof.
Antônio Carlos Gomes da Costa, traz várias questões extremamente pertinentes que
devem contribuir para uma mudança substancial de paradigma nesta ação. Destas
questões, destaco (2007:70):
“Por que as FEBEMs não deram certo? O fracasso
histórico dessas organizações em todo o país decorreu da
sua literal incapacidade de romper com as culturas
organizacionais do passado. Nas polícias, nos juizados,
nas curadorias e no sistema de atendimento, as maneiras
de ver, sentir, entender, agir e reagir seguiram sendo
literalmente as mesmas do período anterior, fazendo com
que as mudanças na legislação resultassem numa total
ineficiência dessas organizações.”
83
Somando a reconfiguração do modelo de atenção, iniciaram-se ações
formativas junto a todas as suas unidades de atendimento, sob responsabilidade da
Escola para Formação e Capacitação Profissional.
O objetivo deste processo foi dar início à formação permanente do quadro
funcional esperando-se ressignificar as bases de atuação, distanciado-as das
historicamente apreendidas e utilizadas com maior vigor durante a vigência do
código de menores e ainda adotadas em diferentes centros socioeducativos no
Brasil.
Outro ponto de fundamental importância foi, sem dúvida, a revisão do modo de
gestão destas novas unidades de internação, as quais agora contam também com a
possibilidade da gestão compartilhada com Organizações Não-Governamentais.
Essas organizações devem ter atuação nos municípios-sede da unidade. Nesta
perspectiva, foi reforçada mais uma das orientações oferecidas pelo Governo
Federal no caderno “Os Regimes de Atendimento no Estatuto da Criança e do
Adolescente, perspectivas e desafios” (2006:69):
- Um amplo, profundo e corajoso reordenamento político-institucional dos
sistemas de atendimento em conteúdo, método e gestão.
- O reordenamento em conteúdo deve consistir na produção de parâmetros
claros e precisos para especificação dos regimes de atendimento e sua tradução em
regimentos internos bem estruturados e igualmente claros para todas as unidades,
que passarão a funcionar no marco de uma Lei de Execução das Medidas
Socioeducativas e de um conjunto bem articulado e coerente de normas infralegais
deliberadas pelo CONANDA.
- O reordenamento em termos de gestão, deverá contemplar dois aspectos-
chave:
a - a descentralização dos sistemas de atendimento, procedendo-se a uma
distribuição mais adequada das unidades de atendimento sobre a base territorial de
cada uma das unidades federadas.
b - a adoção de um sistema de gestão compartilhada da ação socioeducativa
com organizações da sociedade civil, ficando as medidas de contenção e segurança
a cargo do Corpo de Segurança de cada unidade federada.
84
Neste momento é preciso registrar um avanço no enfrentamento da questão do
adolescente com envolvimento com práticas infracionais, pela construção deste
material oferecido pelo Governo Federal, enquanto tentativa de ampliar a discussão
e fornecer maiores subsídios para os gestores e profissionais do sistema
socioeducativo no Brasil.
Fica a preocupação com a construção definitiva de um modelo de gestão que
efetive a proteção integral.
O reordenamento em conteúdo, também apresentado, não é suficientemente
detalhado neste material, o que pode contribuir com possíveis equívocos na
reconstrução das práticas socioeducadoras.
É preciso avançar na definição de modelos de gestão comprometidos com a
transformação do sistema e com a reorientação das trajetórias dos adolescentes.
Para tais transformações esperam-se ações qualitativas das áreas psicossocial,
pedagógica e de segurança dentro de uma unidade de contenção.
Preocupa-me reduzir esta ação na construção de regimentos internos que
traduzam apenas regras de funcionamento da unidade e comportamento esperado
dos adolescentes, pendendo para um modelo sancionatório em detrimento do
pedagógico, como bem aprofundado no SINASE.
Avançar em modelos de gestão do sistema deve possibilitar que as unidades
de atendimento construam seus projetos político-pedagógicos totalmente vinculados
à realidade/necessidade dos adolescentes atendidos. Deve ampliar as
possibilidades concretas de oferecimentos pelo sistema socioeducativo, de
aproximação com as famílias e, principalmente, de articulação com as políticas
setoriais, pensando nas formas possíveis de distanciá-los do mundo do crime.
Desta forma, considero a descentralização um marco importante da atuação
socioeducadora por possibilitar uma distribuição mais adequada de unidades a partir
da base territorial.
Esta ação deve possibilitar maior assertividade do ponto de vista gerencial,
uma vez que estabelece a descentralização técnica, administrativa e financeira.
Nessa consideração, aproximo o sistema socioeducativo ao sistema educacional,
em conceito, pela sua inserção da análise da realidade do local de intervenção, o
qual pode trazer desafios e necessidades diferenciadas no seu dia-a-dia.
85
A descentralização deve ser a real possibilidade de aproximar o adolescente
em cumprimento de medida socioeducativa de internação de sua família. Esta
aproximação pode garantir que não se fragilizem os vínculos familiares e
comunitários, prevalecendo o sentimento de pertencimento de cada adolescente e
de cada ente familiar.
De outro lado, quando os vínculos se encontram em situação fragilizada,
deve efetivar ações que trabalhem esta situação, buscando a aproximação dos
mesmos com o auxílio de instrumentos/serviços disponíveis para este fim.
Desta forma, estabelecemos diretamente uma aproximação com a Política
Nacional da Assistência Social, a qual está sendo implementada em todos os
municípios do país.
O Sistema Único da Assistência Social (SUAS)
2
considera o território um fator
de fundamental importância, pois é que os munícipes estão referenciados com
seus pontos de vulnerabilidade que podem e devem ser motivo de enfrentamento de
forma compartilhada pelas políticas setoriais.
Outro aspecto de fundamental importância no reordenamento da Fundação
CASA foi o processo de municipalização das medidas socioeducativas em meio
aberto.
A primeira experiência do Estado foi com a Prefeitura Municipal de São Paulo,
através de convênio tripartite assinado ao final de 2004, envolvendo a referida
Prefeitura, a então FEBEM e a Entidade Executora.
Neste convênio foram enfrentadas grandes dificuldades de operacionalização,
as quais se pautavam pelo desencontro de recursos financeiros das esferas de
governo e pela falta de conhecimento e acúmulo técnico para realização dos
atendimentos por parte do município.
Com o objetivo estratégico de ampliar este movimento de municipalização no
Estado, iniciaram-se ainda em 2005 as discussões internas nos setores
responsáveis por esta ação na FEBEM. Um amplo processo de pesquisa foi
realizado e culminou com o lançamento do material de apoio denominado Caderno
2
É preciso neste momento demarcar o SUAS como uma conquista na organização e implementação de uma política de assistência social em
âmbito nacional, com atribuições estabelecidas para todas as esferas de governo que fundamentalmente asseguram direitos e proteção social.
O SUAS objetiva o enfrentamento da pobreza, a garantia dos mínimos sociais, o provimento de condições para atender às contingências
sociais e a universalização dos direitos sociais. A assistência social é vista como política pública, como espaço de caráter continuado.
Encontra-se no mesmo patamar de importância da saúde e previdência social, formando o tripé da seguridade social
.
86
Temático nº 1 – MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO – HISTÓRICO,
REALIDADE E DESAFIOS, em julho de 2006.
Este caderno preocupou-se em apresentar a demanda de adolescentes
inseridos nas medidas em meio aberto em cada um dos municípios do Estado, além
de trabalhar o conceito de municipalização, o qual será apresentado abaixo:
- Municipalizar significa uma articulação das forças do município como um todo
para prestação de serviços, cujos corresponsáveis seriam a Prefeitura e
organizações da sociedade civil. A municipalização deve ser entendida como
processo de levar os serviços mais próximos à população, e o apenas repassar
encargos para as Prefeituras.
- “Municipalização é a passagem de serviços e encargos que possam a ser
desenvolvidos mais satisfatoriamente pelos municípios. É a descentralização das
ações político-administrativas com adequada distribuição de poderes político e
financeiro, é desburocratizante, participativa, não autoritária, democrática e
desconcentradora do poder.” (Jovchelovitch, 1993).
- A descentralização e a municipalização, com estratégia de consolidação
democrática, estão sempre ligadas à participação e mostram que a força da
cidadania está no município, é onde o cidadão nasce, vive, constrói sua história. É
no município que o cidadão fiscaliza e exercita o controle social.
- A municipalização constitui, ainda, uma fórmula de organizar o trabalho do
Estado, que é gigantesco. Assim, permite também maior racionalidade, agilidade e
eficiência.
- Respeitando-se as diretrizes do ECA, LOAS e as discussões nacionais
frente às políticas de atendimento à criança e ao adolescente, o processo de
municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto estarão embasadas
no SUAS e no SINASE.
Esse material foi amplamente divulgado no Estado pelos Postos de
atendimento das medidas socioeducativas em meio aberto da Fundação CASA,
estrategicamente regionalizados, os quais foram os grandes alavancadores da
discussão da municipalização do atendimento.
Embasados pelos referenciais do SINASE e do SUAS, iniciou-se a ampliação
do processo de municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto.
87
Esse processo de municipalização efetivou-se por meio de termo de convênio
estabelecido pela Fundação CASA diretamente com os municípios, garantindo o
repasse per capita por atendido, juntamente com a assessoria cnica, ação
viabilizada pelos profissionais da instituição que historicamente realizaram tal
atendimento.
Para a assessoria técnica, contaram com a coordenação geral e materiais de
apoio fornecidos pela Coordenadoria Técnica de Medidas em Meio Aberto da
instituição.
Este processo teve bons resultados e em junho de 2006 o Estado contava
com 21 municípios com seu atendimento em meio aberto municipalizado. Até o
primeiro semestre de 2009, contavam com 212 municípios engajados nesta
proposta.
No ano de 2008, a Fundação CASA assinou um convênio com a Secretaria
Especial de Direitos Humanos (SEDH) do Governo Federal para implementação do
SINASE no Estado de São Paulo.
Deste convênio nasceram os encontros regionais para discussão e
aprofundamento do SINASE e do processo de municipalização das medidas
socioeducativas em meio aberto.
Foram realizados onze encontros regionais, para os quais foram convidados os
representantes dos 645 municípios do Estado que atuavam com medidas
socioeducativas, ou na assistência social ou em conselhos de direitos. Em todos os
encontros foram proferidas palestras sobre o SINASE e sobre o SUAS, para
possibilitar maior clareza no momento de formulação de propostas.
Como estratégia de intervenção, foi construída uma carta de intenção de cada
encontro, aprovada pela plenária participante. Em todas as cartas apareceu a
necessidade de aproximar as discussões sobre a municipalização das medidas em
meio aberto dos ditames do SUAS. Com esta unanimidade, iniciaram-se as
aproximações entre a Fundação CASA e a Secretaria Estadual de Assistência e
Desenvolvimento Social (SEADS).
Em 2008 foi criado um Grupo de Trabalho, coordenado pela Fundação CASA e
SEADS, com representação da Frente Paulista de Municípios e dos municípios que
estavam em processo de municipalização em convênio direto com a Fundação
CASA. Neste grupo foram construídos e aprovados todos os encaminhamentos
88
necessários para que o processo de municipalização se aproximasse do SUAS,
estabelecendo ineditamente uma integração com o SINASE.
Foram construídos os parâmetros de atendimento com respeito ao ditado pelo
SINASE, bem como as formas e critérios de cofinanciamento seguindo os
parâmetros do SUAS de repasse fundo a fundo.
Este processo foi finalizado em janeiro de 2010, com todos os municípios do
Estado com demanda de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em
meio aberto, municipalizados e pactuados diretamente com a SEADS para a
execução do atendimento.
Todo esse processo foi aprovado pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB)
da Assistência Social do Estado de São Paulo.
89
Capítulo VI – Procedimentos metodológicos de coleta de dados
Como objeto da pesquisa, foram realizadas análises do atendimento realizado
pela Prefeitura Municipal de Bragança Paulista nas medidas socioeducativas em
meio aberto e de internação.
O município conta com o atendimento municipalizado para as medidas
socioeducativas em meio aberto em consonância com o SINASE e o SUAS, além da
unidade de internação descentralizada sob responsabilidade da Fundação CASA,
em gestão compartilhada com uma organização não-governamental presente no
município.
Para a apreensão da realidade do espaço no qual a pesquisa se realizou, na
continuidade, apresento sinteticamente o município de Bragança Paulista:
Bragança Paulista é um município brasileiro do estado de São Paulo. Localiza-
se a uma latitude 22º57'07" Sul e a uma longitude 46º32'31" Oeste, estando a uma
altitude de 817 metros. Sua população estimada em de julho de 2009 era de
142.746 habitantes.
Registra a história que para cumprir uma promessa, Inácia da Silva Pimentel e
seu marido, Antônio Pires Pimentel, erguem uma capela em homenagem a Nossa
Senhora da Conceição, numa colina à margem direita do Ribeirão Canivete
(pequeno afluente do Rio Jaguari).
A promessa, feita por Dona Inácia, era pela recuperação de Antônio Pires
Pimentel, doente e desenganado pelos médicos. Com o passar do tempo, foi
surgindo ao redor da capela um pequeno povoado, fundado em 15 de dezembro de
1763 com o nome de Conceição do Jaguari.
Em 13 de fevereiro de 1765, o povoado foi reconhecido oficialmente com o
nome de distrito de Paz e Freguesia de Conceição do Jaguari. Alguns dias depois,
Conceição do Jaguari foi elevada à condição de Paróquia, recebendo seu primeiro
vigário.
Em 17 de outubro de 1767, Conceição do Jaguari foi elevada à condição de
vila, com o nome oficial de Vila Nova Bragança, nome esse ligado à tradição
portuguesa, cuja dinastia durante séculos governou Portugal e o Brasil.
90
Em 1797, José Nogueira, Geraldo Nogueira e João Nogueira Bueno, viviam em
Conceição do Jaguari (Bragança Paulista), onde na época existiam apenas 25 casas
habitadas. Nesse ano, vários cidadãos, inclusive os Nogueira, assinaram uma
petição, solicitando a emancipação do lugar.
Em 24 de outubro de 1856, a vila se emancipa de Atibaia recebendo o nome de
Bragança.
Em 30 de novembro de 1944, para diferenciar-se da cidade do Pará de mesmo
nome, Bragança passa a chamar-se Bragança Paulista.
Em função do excelente clima, em 28 de outubro de 1964, Bragança Paulista é
elevada à categoria de estância climática.
Em 1991, os distritos de Vargem e Tuiuti se emancipam de Bragança Paulista.
Em 1994, Bragança Paulista deixa de pertencer à região de Campinas, para
fazer parte da Região de Jundiaí.
Geografia
Área: 513,59km²
Temperatura Média: 22°C
Precipitação anual: 1.600mm
Altitude: da cidade 817m, média 850m, máxima 1.700m (Pico do Lopo)
Hidrografia
Rio Jaguari
Rio Jacareí
Ribeirão Lavapés
Ribeirão Anhumas
Represas Jaguari e Jacareí (integrantes do Sistema Cantareira) com 50km² de
área coberta e 2,5 bilhões de metros cúbicos de água.
Economia
IDH Renda: 0,772
Comércio, escolas e faculdades compõem a maior parcela da economia local,
seguidos por indústrias (celulose, alimentícia e eletrônica) e agricultura.
91
Turismo
Bragança Paulista é um dos 15 municípios paulistas considerados como
estância turística pelo Estado de São Paulo, por cumprirem determinados pré-
requisitos definidos por Lei Estadual. Tal status garante a esses municípios uma
verba maior por parte do Estado para a promoção do turismo regional. Também, o
município adquire o direito de agregar junto ao seu nome o título de Estância
Climática, termo pelo qual passa a ser designado tanto pelo expediente municipal
oficial quanto pelas referências estaduais.
Demografia
População Total: 136.264 (Censo IBGE 2002)
Taxa de Natalidade: 1,88 por mulher
Infraestrutura
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-M): 0,820
Saúde
Expectativa de Vida: 73,08 anos
IDH Longevidade: 0,801
Mortalidade Infantil (até 1 ano): 12,57 para cada mil
Educação
IDH Educação: 0,887
Taxa de Alfabetização: 92,21%
Sujeitos da pesquisa
Para o grupo focal, foram convidados atores do sistema socioeducativo e da
assistência social municipal, com intervenção direta com os adolescentes atendidos,
tanto nas medidas em meio aberto, quanto na internação. O grupo foi realizado com
as pessoas abaixo apresentadas:
- Sandra Regina dos Anjos, psicóloga, encarregada técnica da unidade CASA
de Bragança Paulista, profissional da Fundação CASA;
92
- Ana Maria Cerqueira Acedo, educadora, presidente da ONG COMENOR que
faz a gestão compartilhada da unidade CASA de Bragança Paulista;
- Maria Cristina Vecchio, gerente da unidade CASA de Bragança Paulista,
profissional contratada pela ONG COMENOR para a gestão compartilhada;
- Edna Aparecida Oliveira Toledo, coordenadora geral da COMENOR;
- Vanda Aparecida Silva Florato, coordenadora pedagógica da Unidade CASA
de Bragança Paulista, profissional contratada pela ONG COMENOR;
- Virgínia Ferraz Cunha, assistente social, orientadora técnica da COMENOR,
atuando com adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em meio aberto em
municipalização;
- Magda de Lócio e Silva, assistente social, orientadora técnica da COMENOR,
atuando com adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em meio aberto em
municipalização;
- Margareth Gonçalves da Silva Alvarenga, assistente social do município de
Bragança Paulista, atuando na Secretaria de Assistência Social;
De outra parte, foram realizadas entrevistas com diferentes gestores e
operadores do sistema socioeducativo, representados pela Fundação CASA e
Sistema Judiciário. Para tanto foram entrevistados:
- Dra. Berenice Maria Giannella, presidente da Fundação CASA, mestre em
Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da USP e procuradora do Estado
desde 1987. Esteve à frente da Diretoria-Executiva da Fundação Prof. Dr. Manoel
Pedro Pimentel (FUNAP), onde permaneceu por cinco anos e, desde fevereiro de
2005, ocupava a função de secretária-adjunta da Secretaria Estadual da
Administração Penitenciária (SAP). Assumiu a Presidência da Fundação CASA em 9
de junho de 2005 e foi reconduzida em 13 de maio de 2009 por mais 4 anos.
- Maria Eli Colloca Bruno, diretora técnica da Fundação CASA, assistente
social formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com
especialização em Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública – USP-SP.
- Mônica Moreira de Oliveira Braga Cukierkorn, diretora da Escola para
Formação e Capacitação Profissional da Fundação CASA, graduada em Pedagogia,
EDAC: Educação para Distúrbios da Áudio-Comunicação (1987), mestre em
Educação: História e Filosofia da Educação (1996) e doutora em Educação: História,
93
Política, Sociedade (2005), pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP.
- Edna Lucia Gomes de Souza, membro da equipe de construção do SINASE.
Iniciou sua trajetória com adolescentes ainda em 1979, em Minas Gerais,
superintendente da execução das medidas socioeducativas na Secretaria da Justiça
e Direitos Humanos de Minas Gerais, gerente de projetos da Subsecretaria Especial
de Direitos Humanos, membro da equipe de construção do SINASE, assessora
especial da Fundação CASA-SP, assessora socioeducativa para diversos Estados
Brasileiros.
- Dr. Bruno Paiva Garcia, Juiz de Direito da Vara do Júri, Execuções Criminais
e da Infância e da Juventude da comarca de Bragança Paulista. O mesmo
encontrava-se à frente do Juizado desde dezembro de 2009 tendo, portanto,
conhecimento restrito das estruturas municipais.
- Marisa Fortunato, superintendente pedagógica da Fundação CASA-SP,
graduada em Pedagogia - EDAC: Educação para Distúrbios da Áudio-Comunicação
(1987), mestre em Educação pela Universidade de Sorocaba (UNISO- 2009).
Este trabalho teve a intenção de conhecer e analisar as intervenções que vêm
sendo desenvolvidas para verificação da interação dos sistemas nacionais de
atendimento socioeducativo e da assistência social para o público alvo do sistema
de garantia de direitos. Foram traçados os seguintes objetivos:
Objetivo Geral
- Apreender a articulação existente entre os atores do sistema socioeducativo
com os representantes da política municipal de assistência social.
Objetivos Específicos
- Dimensionar a situação do sistema socioeducativo paulista, partindo dos
depoimentos advindos das entrevistas e do grupo focal.
- Verificar a integração dos servidores estaduais e das ONGs no atendimento
aos adolescentes nos centros socioeducativos.
- Verificar a visão de cada um dos representantes dos diferentes segmentos
que compõem a parceria no atendimento Prefeitura, Fundação CASA e ONGs -
94
sobre as ações que desenvolvem na unidade e nos centros de operação das
medidas de meio aberto.
- Apreender as dificuldades e possibilidades inscritas nesse processo de
integração.
- Conhecer os resultados desse processo em sua eficácia e em seus impactos
no comportamento dos adolescentes.
Objetivos operacionais
- Contribuir para a formação de conhecimentos teórico-práticos que reforcem a
necessidade de aproximação e construção de parceria - rede - entre as esferas de
governo e as organizações da sociedade para a execução das medidas
socioeducativas.
- Apresentar subsídios para a reorganização do Sistema Socioeducativo
Paulista.
Procedimentos de apreensão da realidade
Nesta pesquisa foram utilizados como procedimentos de apreensão da
realidade entrevistas e grupo focal. Estes procedimentos foram desencadeados de
forma conectada ao objeto da pesquisa. Para tanto, foram realizados com
profissionais ligados à execução das medidas socioeducativas, ocupantes de cargos
e funções em diferentes instâncias da intervenção.
“A subjetividade, elemento constitutivo da alteridade
presente na relação entre sujeitos, não pode ser expulsa,
nem evitada, mas deve ser admitida e explicitada e,
assim, controlada pelos recursos teóricos e metodológicos
do pesquisador, vale dizer, da experiência que ele,
lentamente, vai adquirindo no trabalho de campo”. Rosália
Duarte (2004:128).
As entrevistas aconteceram com os atores do sistema socioeducativo, em
âmbito Estadual, (sendo que uma das entrevistadas não está mais fazendo parte da
equipe), que se responsabilizam ou se responsabilizaram pela formulação e
95
execução de políticas de atendimento aos adolescentes que cumprem medidas
socioeducativas por práticas infracionais.
Para este procedimento utilizei-me das referências da Dra. Rosália Duarte
3
no
texto Entrevistas em pesquisa qualitativas (2004: 215):
“Entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja
mapear práticas, crenças, valores e sistemas
classificatórios de universos sociais específicos, mais ou
menos bem delimitados, em que os conflitos e
contradições não estejam claramente explicitados. Nesse
caso, se forem realizadas, elas permitirão ao pesquisador
fazer uma espécie de mergulho em profundidade,
coletando indícios dos modos como cada um daqueles
sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando
informações consistentes que lhe permitam descrever e
compreender a lógica que preside as relações que se
estabelecem no interior daquele grupo, o que, em geral é
mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de
dados.”
O planejamento deste procedimento foi fundamental, pois dele apareceram
com maior claridade as questões relacionadas com o tema da pesquisa que deverão
se posteriormente analisadas. Para isto, novamente recorro a Rosália Duarte
(2004:216):
“A realização de uma boa entrevista exige que o
pesquisador: tenha muito bem definidos os objetivos de
sua pesquisa; conheça, com alguma profundidade, o
contexto em que pretende realizar sua investigação; tenha
introjetado o roteiro da entrevista; tenha segurança e
autoconfiança; tenha algum nível de informalidade, sem
3
Psicóloga, Doutora em Educação e Professora de graduação e Pós-Graduação do Departamento de Educação da
PUC-RIO. Texto Publicado, Educar, Curitiba, nº 24 – Editora UFPR.
96
jamais perder de vista os objetivos que o levaram a
buscar aquele sujeito específico como fonte de material
empírico para sua investigação.”
Grupo Focal
Para a organização do grupo focal, recorri a Bernadete Gatti e Myrian Veras
Baptista (em texto não publicado sobre grupo focal, 2007), no qual referem-se a
diferentes autores que discorrem sobre o tema:
“É um método de pesquisa qualitativa aplicada em grupo.
É uma sessão grupal de pessoas que representam os
sujeitos de estudo e a quem cabe discutir vários aspectos
de um tópico específico” (Westphal, Bógus e Faria, apud
Baptista, 2007). Pode ser considerada como entrevista
diretiva, em grupo de participantes com características
comuns. Nesse sentido, os sujeitos do grupo focal
compõem “um conjunto de pessoas selecionadas e
reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um
tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua
experiência pessoal.”
A pesquisa realizada a partir de grupos focais permite coletar, em pouco tempo
e em profundidade, um volume importante de informações sobre a temática em
estudo. A dinâmica do grupo focal orienta-se pela participação partilhada de todos
os integrantes em uma discussão focalizada, de modo livre e em clima que permita a
expressão de diferentes modos de pensar. A interação entre os participantes pode
levar a elaborações interessantes ou novas e a ideias originais sobre o tema. Pode
também elucidar as opiniões diferenciadas ou divergentes sobre a questão.
Nesse sentido, o grupo focal não busca consenso, mas sim as diferentes
opiniões e atitudes sobre o tema. Detecta, portanto, percepções, representações,
opiniões e atitudes acerca de um assunto, cujos tópicos são fornecidos pelo
pesquisador que coordena a reunião. Para tanto, os sujeitos precisam sentir
97
confiança para expressar suas opiniões e enveredar pelo ângulo que quiserem, em
uma participação ativa (Gatti, op.cit.:12)
O pesquisador deverá iniciar a reunião com um breve agradecimento e com
uma breve exposição de seus objetivos em relação ao encontro, deve também
explicitar o modo como foram selecionados os participantes e perguntar se os
mesmos aceitam que a reunião seja gravada.
O pesquisador deve, ainda, informar sobre a duração do encontro (cerca de
uma hora e meia) e como este será desenvolvido. Quando for o caso, deve propor
uma breve autoapresentação de cada participante.
A discussão deverá se realizar de forma semiestruturada, na qual o
pesquisador fará algumas colocações iniciais e estimulará a participação de todos.
Para tanto, deverá ter consigo um roteiro das questões significativas em relação ao
tema de forma a poder mencioná-las caso a discussão aberta não as abranja.
“Nesse tipo de pesquisa, os entrevistados falam, dividem
opiniões, discutem, trazendo à tona os fatores críticos de
determinadas problemáticas, que dificilmente aparecem
tanto nos questionários fechados, como nas entrevistas
individuais abertas. O grupo focal permite que esses
dados sejam trabalhados, dando espaço para que os
entrevistados sejam experts de seu próprio mundo,
sabendo como descrevê-lo de uma maneira adequada.”
(Abramovay e Rua, s.d.:2).
Para esta fase, conto novamente com as contribuições de Myrian Veras
Baptista, no texto não publicado Análise de Conteúdo: Algumas Aproximações
(2007):
- Levantamento dos discursos que serão objeto de
análise;
- Leitura cuidadosa dos documentos, e das
informações coletadas nas diferentes aproximações,
98
procurando identificar as questões emergentes para uma
primeira classificação de seu conteúdo;
- Classificação das informações procurando estabe-
lecer as categorias de análise, as quais poderão ser
definidas antecipadamente (categorias teóricas) ou
definidas post-facto (categorias empíricas, concretas ou
substantivas), extraídas do próprio material analisado.
- Localização das unidades de conteúdo (ou de
registro), que são os segmentos do conteúdo que
deverão ser colocados sob determinada categoria. Esses
segmentos deverão expressar as proposições ou as
afirmações simples, que podem ser registradas com uma
frase, um parágrafo ou mais.
- Apreensão do significado das informações para
detectar as linhas de análise que estão se delineando e
que devem ser perseguidas.
- Integração dos elementos apreendidos a partir da
análise em uma configuração estrutural do objeto
pesquisado.
Roteiro utilizado na avaliação das entrevistas:
- Quais foram os principais aspectos do reordenamento institucional realizado
pela Fundação CASA-SP?
- Quais foram as maiores dificuldades encontradas na execução das medidas
socioeducativas?
- O que acha do sistema socioeducativo em âmbito nacional?
- Qual é a importância do SINASE para o sistema socioeducativo nacional?
- O que acha da aproximação do SINASE / SUAS?
- Como o trabalho com os funcionários da Fundação vem sendo reorientado,
frente ao SINASE / SUAS?
99
Roteiro utilizado para o grupo focal:
- Após a implantação do SINASE, percebem-se diferenças na execução das
medidas socioeducativas?
- O SINASE contribuiu para uma reorganização mais qualificada do
atendimento?
- Quais são as maiores dificuldades que vêm sendo encontradas na
implementação do SINASE?
- Os profissionais dos centros de atendimento conhecem o SINASE?
- A relação com os municípios vem sendo melhor trabalhada?
- É possível verificar uma integração entre o SUAS e o SINASE?
- Quais são os pontos positivos e negativos dessa integração?
- Qual é o diferencial dos modelos hoje desenvolvidos para a execução das
medidas socioeducativas em São Paulo?
100
Capítulo VII - Procedimentos de análise de dados
As entrevistas e o grupo focal foram realizados com o objetivo de se obter
informações sobre a integração entre os sistemas nacionais de atendimento
SINASE-SUAS, em âmbito municipal, na instância de execução direta das medidas
socioeducativas em meio aberto e de internação.
O município escolhido para tal verificação foi o de Bragança Paulista - SP.
Nesse município, contamos com uma unidade de internação compacta da Fundação
CASA, em modelo de gestão compartilhada com organização não-governamental, e
o programa de atendimento em meio aberto municipalizado.
Iniciarei apresentando o conteúdo das entrevistas, acompanhado
didaticamente pela análise das informações obtidas, partindo da sequência das
questões apresentadas para os entrevistados, mesmo considerando que as
respostas repetem-se e se interligam. Fato que comprova uma lógica institucional
embutida nas ações desenvolvidas.
As informações obtidas nas entrevistas serão apresentadas no contexto da
descrição e análise do processo, sem especificação dos momentos de sua
obtenção, nem dos autores da informação.
Nas entrevistas apareceram as seguintes temáticas, as quais serão detalhadas
a seguir:
- Planejamento Estratégico;
- Comitê Gestor;
- Descentralização do Atendimento;
- Reordenamento Institucional;
- Criação da Escola para Formação e Capacitação Profissional;
- Valorização dos Servidores;
- Alteração do Nome da Instituição;
O Planejamento Estratégico da Fundação CASA-SP teve seu início ainda em
2005, quando da chegada da nova equipe incumbida de reordenar o atendimento
socioeducativo paulista.
101
Focou-se principalmente na internação que, quase diariamente, estava na
mídia por causa das rebeliões, decorrentes de maus tratos e da superlotação das
unidades.
Profissionais das várias áreas de atuação da instituição foram convocados para
participarem de encontros de planejamento. O momento estava destinado para
conhecer a realidade de atuação de cada uma das áreas presentes, com espaço
garantido para apresentação das principais dificuldades na execução.
Destes encontros, os quais vêm acontecendo anualmente, foram definidos a
missão, a visão, os valores e as finalidades da instituição, os quais estão
apresentados abaixo:
Missão
- Executar, direta ou indiretamente, as medidas socioeducativas com eficiência,
eficácia e efetividade, garantindo os direitos previstos em lei e contribuindo para o
retorno do adolescente ao convívio social como protagonista de sua história.
Visão
- Tornar-se referência no atendimento ao adolescente autor de ato infracional,
pautando-se na humanização, personalização e descentralização na execução das
medidas socioeducativas, na uniformidade, controle e avaliação das ações e na
valorização do servidor.
Valores
- Justiça, ética e respeito ao ser humano.
Finalidade
- Cumprir as decisões da Vara da Infância e Juventude;
- Elaborar, desenvolver e conduzir programas de atendimento integral, que
incluem a profissionalização e a reintegração social do adolescente;
- Selecionar e preparar pessoal técnico necessário à execução dos programas
socioeducativos e aprimorar a sua capacidade profissional, mantendo para isso
atividades de formação contínua, aperfeiçoamento e reciclagem de profissionais;
102
- Participar de programas comunitários e estimular a comunidade no sentido de
obter a sua indispensável colaboração para o desenvolvimento de programas de
reintegração social e/ou cultural, educacional e profissional dos adolescentes;
- Manter intercâmbio com entidades que se dediquem às atividades que
desenvolve, no âmbito particular e oficial, celebrando convênios e contratos com as
mesmas, sempre que conveniente e/ou necessário à harmonização de sua política,
ou ao cumprimento de seus objetivos, principalmente para atuar como cogestora nas
novas casas de internação, que serão administradas por ONGs da região da
unidade;
- Propiciar assistência técnica aos municípios que pretendem implantar obras
ou serviços destinados ao mesmo objetivo.
A proposta da Fundação vem sendo construir anualmente o planejamento das
ações, em consonância com as diretrizes estabelecidas institucionalmente e, no
âmbito nacional, ditadas pelo SINASE.
As Divisões Regionais, decorrentes da nova estruturação da Fundação,
desenvolvem seus planejamentos, em conjunto com suas unidades de atendimento,
considerando suas diferentes realidades locais em consonância com as diretrizes
ditadas pela Diretoria Técnica da Instituição. Após esta etapa, os planejamentos são
submetidos ao Comitê Gestor, presidido pela instância maior da Fundação, para
serem avaliados.
Neste momento, devolutivas são realizadas para possibilitar uma maior
integração e unificação dos planejamentos de todas as Divisões Regionais, dando
base ao Planejamento Institucional para cada ano.
É necessário registrar a ascendência deste modelo de planejamento, o qual
supera modelos tradicionais que na sua maioria são organizados em gabinetes sem
nenhum ou com pouco diálogo com a realidade e as necessidades de cada centro
de atendimento.
Seguindo Luciana Pacheco Marques e Sâmya Petrina Pessoa de Oliveira, no
texto Paulo Freire e Vygotsky: Reflexões sobre a educação, apresentado no V
Colóquio Internacional Paulo Freire em Recife:
103
“Para Paulo Freire é preciso considerar a realidade social
que está pautada na trama das relações e das
correlações de forças que formam a totalidade social. É
preciso perceber as particularidades na totalidade, porque
nenhum fato ou fenômeno se justifica por si mesmo,
isolado do contexto social onde é gerado e se
desenvolve.” (2005:02)
O Comitê Gestor, coordenado pela Presidência da Fundação, atendendo a
mais uma orientação do SINASE, envolve nesse planejamento a equipe gerencial de
todas as áreas e apresenta-o como uma nova ferramenta de gestão democrática e
aglutinadora.
A intervenção da Fundação, pelas suas diversas áreas de atendimento
apresentava-se historicamente de forma estanque, considerando que no
organograma da instituição existiam Coordenadorias de Internação, de
Semiliberdade e de Meio Aberto, as quais não tinham concepções e diretrizes
unificadas de intervenção.
Esta situação apresentava no mínimo três formas diferentes de pensar e ver a,
então, FEBEM. Os profissionais de atendimento direto aos adolescentes, em cada
medida socioeducativa, não estabeleciam comunicação contínua, independente de
saber que os adolescentes poderiam flutuar de uma medida para outra. Este fato
determinava desconsiderar a história institucional do adolescente, construída
tecnicamente pelo Plano Individual de Atendimento.
Partindo desta questão central, foi organizada a reestruturação da então
FEBEM - unânime nas entrevistas como um dos pontos fundamentais da
transformação do atendimento socioeducativo paulista.
No ano de 2006 foram criadas dez (10) Divisões Regionais iniciando o
processo de descentralização técnica, administrativa e financeira da Fundação.
Estas Divisões, de encontro com os preceitos do ECA, do SINASE e do SUAS
possibilitaram estar mais próximos de cada uma das unidades de atendimento.
Essa proximidade garante a presença cnica, administrativa e financeira para
suprir as reais necessidades de cada unidade de atendimento.
104
Foto de uma das unidades de atendimento inicial (UAI) - 2005
Ainda em 2006, houve a alteração do nome da instituição para Fundação
CASA. A escolha deste nome foi realizada em um processo aberto para funcionários
e adolescentes, registrando que o nome escolhido pela comissão de trabalho
responsável pelo processo, foi criado por um dos adolescentes que, na época,
cumpria medida de internação, o qual não pode ser identificado pelo sigilo
estabelecido na legislação.
Com este reordenamento institucional, foi imediatamente criada a Escola para
Formação e Capacitação Profissional, a qual teve como objetivo a formação
permanente dos profissionais da instituição em todos os seus seguimentos
profissionais.
Em consonância com o SINASE e com o SUAS, abriu-se um espaço de
formação para atualizar os profissionais da instituição, os quais até então recebiam
tal atenção de forma isolada, ou seja, dependendo da concepção dos dirigentes da
instituição que por lá passaram, sem nenhum ou pouco diálogo prático e teórico com
as necessidades e dificuldades em implantar um novo ethos de atenção.
Outro aspecto registrado, que na minha avaliação é de fundamental
importância, foi a valorização dos servidores concursados, presentes na composição
das equipes gerencias nas unidades e nas equipes centrais, as quais foram
reorganizadas das coordenadorias técnicas mencionadas para Superintendências
de Saúde, Pedagógica e de Segurança.
105
Estas superintendências o responsáveis por planejar e coordenar as
intervenções realizadas por todas as medidas socioeducativas de forma integrada.
Estão ligadas à Diretoria Técnica e têm como missão construir uma nova forma
de conduzir suas práticas, em uma perspectiva dialógica e com respeito aos direitos
dos adolescentes.
Na Superintendência Pedagógica implementaram-se novos cursos de
formação profissional, dialogando com as realidades locais de cada uma das
unidades e com os adolescentes.
Esse diálogo com os adolescentes possibilitam suas escolhas inclusive nas
atividades de esporte, lazer, arte e cultura, possibilitando cursos, práticas e eventos.
Na Saúde, respeitando seus direitos constitucionais e incluindo a todos no
SUS, com previsão de sua saída da instituição. Na Superintendência de Segurança,
promovendo ações preventivas que possibilitem que as unidades estejam em
condições de receber as ações pedagógicas e psicossociais.
Apesar das mudanças ocorridas após a implantação do SINASE, ainda persiste
a dicotomia entre o paradigma da prática do adolescente como mero objeto de
intervenção do Estado e o paradigma do adolescente sujeito de direitos e de
responsabilidades.
Foto de uma das Unidades de Atendimento Inicial (UAI)- 2005
É importante ressaltar que o SINASE foi construído em um processo
democrático e estratégico, em âmbito nacional. Trata de um tema de natureza
106
complexa e desafiadora, que determina uma grande polêmica social sobre o que
deve ser feito para o enfrentamento de situações de violência, principalmente
quando envolvem adolescentes autores de ato infracional.
Este documento foi redigido em um momento em que a realidade nacional de
execução do atendimento socioeducativo vinha sendo analisada em pesquisa
realizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos e pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – 2002.
Esta pesquisa apresentou um diagnóstico do atendimento socioeducativo, no
qual se evidenciavam resquícios de práticas norteadas pela doutrina da situação
irregular e, com clareza, de práticas de violação dos direitos humanos. O SINASE
surge, então, com a premissa básica de constituir parâmetros mais objetivos e
procedimentos mais justos, que evitem ou limitem a discricionariedade.
Sendo assim, o SINASE tem a grande importância de reafirmar as diretrizes do
ECA sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa.
O SINASE, enquanto sistema integrado, articula os três níveis de governo e
estabelece as competências e responsabilidades dos conselhos de direitos da
criança e do adolescente, que devem fundamentar suas decisões em diagnósticos e
em diálogo direto com os integrantes do Sistema de Garantia de Direitos, tais como
o Poder Judiciário e o Ministério Público.
Na realidade, o SINASE deve se constituir em um guia de implementação das
medidas socioeducativas, de caráter intersetorial, que objetiva primordialmente o
desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos princípios dos direitos
humanos, mediante a defesa da ideia de alinhamentos conceitual, estratégico e
operacional em bases éticas e pedagógicas.
Enfim, o SINASE apresenta as condições possíveis para que os adolescentes
em conflito com a lei deixem de ser um problema e passem a ser considerados
como parte da solução desse problema.
Em seu conteúdo, afirma a crença na capacidade da família se organizar e
reorganizar dentro do seu contexto e a partir de suas demandas e necessidades.
Ressalta que as alianças estratégicas são fundamentais para a construção da rede
socioassistencial, indispensável para a inclusão dos adolescentes no convívio social.
A Política Nacional da Assistência Social também traz o olhar multidisciplinar e
intersetorial, focando a complexidade e a multiplicidade dos vínculos familiares.
107
Nesse sentido, incorpora ações, programas, projetos, serviços e benefícios, tendo
como eixo fundamental a concepção da matricialidade sociofamiliar. Reorganiza os
programas, serviços e benefícios sociais e muda radicalmente o modelo de gestão e
a forma de financiamento da assistência social.
Portanto, a aproximação entre o SINASE e o SUAS é uma questão de se fazer
cumprir a lei, respeitando todos os princípios éticos envolvidos independentemente
das crenças e valores dos dirigentes responsáveis pelas execuções das respectivas
políticas públicas.
Trata-se de um dever de todos os envolvidos nessa área de atendimento e da
utilização de uma estratégia que possibilite enxergar o adolescente dentro de uma
visão holística de seu contexto familiar e comunitário.
Porém, é preciso considerar que existem diferenças na lógica estabelecida na
construção do SINASE e do SUAS. dificuldades na complementação necessária
entre os sistemas.
A lógica do SUAS é uma lógica de atendimento municipalizado, organizado por
níveis de complexidade e financiado pelos três níveis de governo, com distribuição
clara de competências, que têm no controle social seu sistema regulador.
O sistema socioeducativo é um sistema basicamente estadualizado (na
internação e internação provisória), sem organização por níveis, fundamentalmente
financiado pelo governo estadual.
Estas diferenças tornam necessária a criação de mecanismos de aproximação,
pois uma interdependência a se considerar. Porém, devem ser levadas em conta
as diferenças de lógicas para que ocorra o sucesso nessa aproximação.
Mesmo com tais considerações, em 2008, a Fundação CASA promoveu um
Seminário Estadual, decorrente de 11 encontros regionais, onde foi assinado um
documento estabelecendo o compromisso da Secretaria Estadual de Assistência e
Desenvolvimento Social (SEADS) em assumir a responsabilidade de coordenar o
programa de execução das medidas em meio aberto, o que representou um grande
avanço na aproximação do SINASE e do SUAS.
Apesar de inaugurar um novo modo de pensar, o sistema socioeducativo, do
ponto de vista das equipes gerenciais, levanta questões que precisam ser
consideradas.
108
Temos uma herança ditatorial bastante arraigada e ainda muito aceita e
praticada sobre a concepção de crianças e adolescentes como meros objetos de
intervenção do Estado, ideia presente em representantes de alguns profissionais
ligados a subsistemas do Sistema de Garantia de Direitos.
Sendo assim, o paradigma correcional e repressor ainda persiste na realização
de muitos trabalhos, apesar dos 19 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e
do SINASE, refletindo a cultura da sociedade, apesar dos investimentos
institucionais realizados.
Foto de uma das Unidades de Atendimento Inicial (UAI) - 2005
Em São Paulo, um grande desafio foi superado com a desativação do
Complexo do Tatuapé, e a criação de pequenas unidades com a presença de
intervenção socioeducativa materializada no projeto pedagógico.
Contudo, ainda se necessária a desativação dos complexos restantes da
Raposo Tavares e do Brás.
Surgem ainda duas grandes questões ligadas ao fato de que,
institucionalmente, por contingências políticas, dificuldade de garantia da
continuidade de uma programação, seja no processo de humanização do
atendimento socioeducativo, seja no processo de implementação de modelos
pedagógicos que confiram individualidade e dignidade, ainda que os mesmos sejam
pensados numa ótica da política pública dos direitos humanos estabelecida pelo
ECA e instituída pelo SINASE.
109
Tais questões aparecem por sabermos que os avanços até então apresentados
estão intimamente ligados com a manutenção da Presidência da Fundação, a qual,
deve ser registrado, bateu todos os recordes, pois os presidentes anteriores e,
consequentemente, suas equipes gerenciais, não ficavam no cargo por mais de dois
anos, prazo curto para promover mudanças de caráter técnico e pedagógico que
resultem em uma transformação institucional.
Apresentam-se dificuldades para o melhor resultado da ação socioeducadora.
São elas:
- Insuficiência de políticas públicas na área de prevenção dos problemas da
adolescência;
- Insuficiência da aplicação de políticas de apoio às famílias;
- Insuficiência de política de saúde, de atenção ao adolescente com doença
mental e aos usuários de drogas lícitas e ilícitas;
- Trabalho desordenado das várias áreas e instituições de atendimento aos
adolescentes e à família: escola, igreja, saúde, conselhos tutelares e de direitos;
- Política de direitos humanos ainda com o ranço do período militar e sem
participação democrática, portanto apenas investigatória e denunciadora, sem
propostas de superação e cooperação;
- Forte influência do regramento jurídico penal nas decisões e condução das
sentenças e na liberação dos adolescentes;
- Dificuldades de superação do modelo repressor nas unidades;
- Perfil de violência doméstica e institucional na formação da criança,
incentivada pela mídia, que foca principalmente os atos de adolescentes violentos e
sem limites;
- Famílias descompromissadas com a educação dos filhos;
- Insuficiência da defensoria pública no cumprimento de seu papel de defesa
dos direitos dos adolescentes.
Com relação ao caráter intersetorial na execução da política pública de
atendimento, proposto pelo SINASE e pelo SUAS, observa-se que a
intersetorialidade, como espaço de compartilhamento de saber e de poder, de
construção de novas linguagens, de novas práticas e de novos conceitos,
atualmente não se encontra suficientemente experimentada.
110
Ela ainda aparece como um processo desafiante a ser exercido para efetivar
articulações entre as instâncias que compõem o Sistema de Garantia dos Direitos.
Na realidade, a maioria dos estados e dos municípios ainda não se
apropriaram dos ensinamentos contidos no SINASE, assim como os do SUAS.
Como se trata de processo histórico, cabe aos órgãos responsáveis investirem
fortemente na formação de pessoal.
Convém ressaltar que o Estado de São Paulo é aquele que mais avançou na
implementação do atendimento socioeducativo s SINASE, apesar de apresentar
ainda demanda em aspectos a serem inovados.
É preciso acrescentar a fragilidade quanto à mobilização e sensibilização da
mídia e da sociedade em geral, no sentido de promover a divulgação do Estatuto da
Criança e do Adolescente e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
para que a doutrina da proteção integral ganhe força e avance como concepção
sustentadora da criança, do adolescente e de suas famílias para alcançarem o
patamar de sujeitos, garantindo-lhes o lugar de cidadãos de direitos.
Uma mudança concreta em São Paulo foi a construção de novos espaços
físicos destinados aos adolescentes, de acordo com os parâmetros arquitetônicos do
SINASE. Contudo, o espaço por si não assegura a transformação do modelo de
gestão do atendimento conforme os princípios, parâmetros e diretrizes
estabelecidos.
Em consonância com os ditames do SINASE, como apresentado, a
Fundação CASA optou pela descentralização das suas unidades de atendimento,
visando garantir que os adolescentes permanecessem o mais próximo possível do
seu local de moradia e referência, desta forma, apostando na maior proximidade
familiar durante o cumprimento da medida.
Para isto foram construídas, até esta data, 47 unidades compactas com
capacidade para até 56 adolescentes. Sendo que, na internação, são previstos até
40 adolescentes e até 16 na internação provisória, acabando com o fantasma da
superlotação, tão presente na nossa memória.
Ainda seguindo o SINASE, estas unidades têm profissionais em mero
compatível para o número de adolescentes atendidos nas áreas de segurança,
pedagógica, psicossocial e de saúde. Destaque-se que os profissionais da Escola
111
formal são professores da Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo, seguindo
os regimes próprios desta Secretaria para a atribuição de aulas.
Automaticamente quebra-se o conceito de depósito, no qual qualquer local é
suficientemente adequado, sem preocupações com a dignidade, para o
cumprimento da medida socioeducativa, permanecendo apenas o objetivo central de
retirar tais adolescentes do convívio social.
Seguindo as normativas do SINASE, em relação ao número reduzido de
atendidos, com diferenciação na planta física, na qual no Estado de São Paulo é de
forma vertical, vem-se recontando uma história de preocupação com os
atendimentos.
Foto de uma unidade compacta para atendimento de 40 adolescentes em medida
socioeducativa de internação e 16 em internação provisória.
Para além da estrutura física adequada é preciso destacar o novo modelo
adotado para a gestão destas unidades.
Optou-se pela gestão compartilhada com organizações não-governamentais
presentes nos municípios, as quais passam por um processo de seleção organizado
pela instituição com critérios que consideram o histórico de intervenção da mesma
com o segmento a ser atendido, além da documentação específica, necessária para
firmar tal convênio.
112
Neste convênio são repassados valores mensais, os quais são controlados por
um setor específico de prestação de contas da Fundação CASA. Esses recursos
devem ser utilizados para os atendimentos aos adolescentes, para o pagamento de
profissionais, para a compra de materiais de consumo e didáticos, alimentação,
vestuário e para o pagamento das demais necessidades que o plano político
pedagógico da unidade necessitar.
Foto de um dos dormitórios da unidade compacta para até 04 adolescentes.
Hoje, das 47 novas unidades, 32 estão neste modelo de intervenção,
presentes em 30 municípios.
A Fundação organizou um material denominado Caderno de Gestão
Compartilhada, onde se definem as competências de intervenção de cada uma das
instâncias envolvidas, ONG e Fundação CASA.
A segurança e a coordenação geral são de responsabilidade da Fundação,
diretamente pelo Diretor da unidade que é o gestor do convênio. Cabe a ele a
verificação da qualidade dos atendimentos realizados para os adolescentes em
todas as frentes.
113
A ONG responsabiliza-se pelo atendimento psicossocial, pedagógico e de
saúde seguindo as diretrizes estabelecidas pelas Superintendências Técnicas da
Fundação.
Um aspecto importante é que as ONGs têm também o papel de articular,
sensibilizar e abrir caminhos para os adolescentes no município de origem,
utilizando-se para isto da rede socioassistencial e das políticas setoriais.
Está presente nesta intervenção a intersetorialidade, além da contribuição
direta da sociedade civil organizada nos atendimentos e no controle social dos
mesmos. Frise-se que este tipo de atuação não é novo na Fundação, acontece
desde os tempos da liberdade vigiada, onde nasceram as primeiras parcerias com
ONGs para atenção aos adolescentes em conflito com a lei.
Grupo Focal
Na discussão do grupo ficou clara a avaliação da evolução do sistema
socioeducativo com o advento do SINASE. Entendem que este sistema organiza,
sistematiza e padroniza as intervenções, tanto em privação como restrição de
liberdade, garantindo a participação da família neste processo.
Abrange a proteção integral ao adolescente e possibilita que os governantes
atentem para esta parcela da população, como munícipes, portanto, sujeito de
direitos.
Define as corresponsabilidades entre as esferas de governo no sistema
socioeducativo, o que abrange os investimentos, os recursos humanos e a
implementação de políticas de atendimento, as quais devem imprimir
intersetorialidade nas ações.
Os governantes públicos apresentam, na grande maioria, a dificuldade em
enxergar a problemática que envolve o adolescente autor de ato infracional e sua
família, oferecendo respostas ainda escassas em relação à necessidade de
implantação de políticas públicas protetivas e preventivas para a juventude.
Avalia-se que o SINASE está mais avançado em relação ao SUAS nos
municípios, pois ainda não se tem total clareza da proteção social, falta ainda
estruturação para a atenção básica e a especial.
114
O SINASE deve ser estudado diariamente nas práticas de atendimento, com
profissionais capacitados continuadamente e com adolescentes conhecedores de
seus direitos e deveres.
É possível verificarmos grandes dificuldades em integrar ações com as demais
políticas setoriais presentes no município, principalmente com a Educação, que vem
afastando os adolescentes da escola formal, quer seja pelo despreparo dos
profissionais em intervir com adolescentes com envolvimento em atos infracionais ou
pelos próprios gestores que não asseguram os direitos destes adolescentes.
Apesar da entidade que faz a gestão compartilhada da internação ser a mesma
que faz a gestão das medidas em meio aberto com o município, percebem-se
dificuldades em integrar CRAS, CREAS, Meio Fechado e Meio Aberto, apesar dos
protocolos de intenção existentes no âmbito municipal.
Percebe-se que esta situação vem sendo melhor trabalhada, mas ainda
apresenta dificuldades de integração também entre os profissionais que realizam as
intervenções, tanto no meio aberto quanto no fechado.
A transição das medidas em meio aberto da Fundação CASA para a Secretaria
Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS) contribuiu para a
abertura da municipalização dentro das políticas públicas, buscando o envolvimento
de todas as áreas.
Outro aspecto positivo neste processo foi a capacitação realizada pela
Fundação CASA para as Diretorias Regionais de Assistência Social (DRADS),
ligadas à Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS), e aos
representantes dos municípios - segmentos que não tinham o conhecimento da
processualidade da execução das medidas socioeducativas em meio aberto.
No caso da internação, na gestão compartilhada, percebemos muita seriedade
das equipes envolvidas, tanto da Fundação CASA quanto da contratada pela ONG.
A relação entre estes profissionais teve um início um pouco conturbado.
Acreditamos que foi por ser uma prática nova para ambas partes, onde a ONG não
tinha experiência com internação e a Fundação CASA tinha pouca experiência em
intervenção em espaços compactos com menos adolescentes.
Com o passar do tempo, esta relação apresenta-se muito melhor. Percebemos
a integração e a coesão entre as equipes. Hoje há uma melhor aceitação de todos
em relação à gestão compartilhada.
115
O investimento em um novo modelo de gestão socioeducativa é visível na
Fundação CASA, tanto pela formação continuada dos profissionais da Fundação e
parceiros das ONGs, quanto pela descentralização em unidades compactas e bem
estruturadas, que possibilitam a proximidade dos familiares dos adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa.
Avalia-se ainda que os investimentos realizados em políticas públicas de
prevenção são insuficientes e que gastamos mais com medidas socioeducativas do
que com as ações que antecipem esta situação.
116
Considerações Finais
O sistema socioeducativo traz marcas de violação dos direitos de adolescentes
atendidos. A efetivação de um sistema garantidor de direitos e comprometido com a
alteração de rota de trajetória de seus atendidos se faz premente no Brasil.
É preciso registrar que o sistema socioeducativo traz marcas visíveis deixadas
pela doutrina da situação irregular, que fere diretamente o ponto central do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) que define os adolescentes como sujeitos de
direitos e em situação peculiar de desenvolvimento.
A ausência do bom funcionamento do sistema de garantia de direitos contribui
para o aumento das dificuldades observadas no sistema socioeducativo. Ainda estão
“desajustadas” as ações do sistema judiciário, dos conselhos de direitos, das
organizações o governamentais atuantes e, finalmente, das políticas públicas de
atenção à criança, à adolescência e à juventude.
Vivenciamos uma conjuntura onde adolescentes estão recebendo medidas
socioeducativas de restrição ou privação de liberdade com o objetivo de proteção.
Tal proteção é em função de necessidades apresentadas pelos adolescentes que
demandam cuidados específicos, os quais o existem em quantidade necessária
na rede de serviços.
Destaque-se nesta direção as problemáticas que envolvem a saúde mental e
os tratamentos de dependência química, as quais apresentam-se como pontos
estranguladores do sistema socioeducativo.
O sistema socioeducativo paulista vem mostrando que é possível reverter uma
situação histórica de violação de direitos. Porém, apesar dos avanços detalhados
neste trabalho, ainda verifica-se a necessidade de avançar em várias outras áreas
que compõem o sistema de garantia de direitos.
Tal fato pode ser verificado pelo aumento de adolescentes que começam a ter
o sistema socioeducativo como futuro certo, onde socialmente pensamos no ato
infracional cometido e não nos motivos que contribuíram para a realização do fato.
Esta realidade está intimamente ligada às possibilidades que hoje são
oferecidas para a juventude, expressas na maioria das vezes por políticas públicas e
ações desintegradas, com baixa qualidade e “desconectadas” das reais
necessidades e realidades do público alvo.
117
Não podemos pensar o sistema socioeducativo descontextualizado da situação
social que enfrentamos hoje no país. É claro que as condições expressas pela
desigualdade, no que tange a questão econômica e social, conduzem parcelas da
população a uma situação de exclusão e vulnerabilidade social. Esta desigualdade
contribui para o crescimento dos índices de inclusão nos sistemas socioeducativo e
penal.
Especificamente, no sistema socioeducativo paulista, várias questões
historicamente contribuíram para a realidade atual e precisam ser refletidas.
Como primeira questão e com o apoio do histórico apresentado em um dos
capítulos que compõem este trabalho, precisamos avaliar a real importância
atribuída a essa questão.
Percebemos que crianças e adolescentes carentes, abandonados e com
práticas infracionais, receberam historicamente atenção com o seu isolamento das
relações e do olhar social. Automaticamente criaram-se “depósitos” com uma
concepção de instituição total com quase nenhum diálogo com as demais políticas
públicas.
As “FEBEMs” no país apresentaram-se como uma proposta de enfrentamento
da questão. Especificamente no caso de São Paulo, as crianças e os adolescentes
carentes e abandonados foram transferidos da FEBEM para a Assistência Social na
década de noventa (1990), ficando a responsabilidade apenas pelos adolescentes
que tinham envolvimento com atos infracionais.
A Fundação CASA-SP faz um enfrentamento de diversas questões que
historicamente não receberam a atenção devida. Podemos destacar: o número
excessivo de adolescentes internos nas unidades, as dificuldades na qualificação
das intervenções e a descontinuidade da formação do seu quadro de pessoal.
É possível verificar que a formação esteve presente em vários momentos da
história da Fundação, porém sem a construção de caminhos que permitissem uma
ação continuada. Esta continuidade foi estabelecida apenas em 2006 com a criação
da Escola para Formação e Capacitação da instituição, seguindo princípios
estabelecidos tanto pelo SINASE, quanto pelo SUAS.
Esta ação deve ser priorizada em qualquer instituição séria que se preocupe
com o público a ser atendido. Porém, também é preciso verificar que, por si só, a
118
formação não dá respostas, pois precisa do comprometimento dos funcionários
atendidos nas transformações das práticas profissionais.
Surge neste momento mais uma questão a ser refletida: a contribuição dos
profissionais na história do sistema socioeducativo.
Hoje são oferecidos na Fundação CASA-SP cursos de formação profissional,
dialogando com a realidade dos atendidos e com seu meio social. Garante também
a escolarização, oferecida pela Secretaria Estadual da Educação, a alimentação em
quantidade e qualidade suficientes, as práticas esportivas e culturais e os
atendimentos médico e odontológico.
Tais ações são obrigatórias no sistema socioeducativo, expresso pelo ECA e
pelo SINASE. É perceptível que as mesmas concretizam, para a maioria dos
adolescentes, o primeiro espaço onde elas lhes são oferecidas, de forma organizada
e sistematizada.
Nesta direção, entendo a afirmação obtida no grupo focal, de que o orçamento
utilizado no sistema socioeducativo é maior do que o destinado para as políticas
preventivas. É inadmissível que em 2010 adolescentes só tenham contato com estas
ações, de forma organizada e sistemática, quando cometem um ato infracional e
passam a cumprir uma medida socioeducativa em privação de liberdade.
A realidade dos núcleos habitacionais marcados pela vulnerabilidade social é
expressa por escassos investimentos públicos em ações integradas entre as
políticas setoriais. Estas aplicações são fundamentais para a garantia da qualidade
das mesmas com vistas à transformação da realidade encontrada.
É comum, entre profissionais dos sistemas socioeducativo e penal,
questionamentos sobre as opções oferecidas ao blico alvo, as quais não o
oferecidas aos seus próprios filhos que vivem em plena liberdade e distanciados de
atos infracionais ou crimes.
Esta fala denuncia automaticamente a debilidade das políticas públicas, tanto
pelo seu poder de abrangência quanto pela qualidade oferecida. Um aspecto que é
preocupante neste ponto é como estes profissionais elaboram tal questão,
considerada uma distorção e uma injustiça social.
Uma possibilidade de confrontar esta realidade pode ser a violência,
entendendo-a, não apenas como física e sim em todas as suas possibilidades de
119
manifestação, onde os adolescentes podem ser considerados culpados desta
distorção: afinal de contas, eles são os “ladrões” que estão sendo bem cuidados.
Não pretendo colocar a culpa de todos os problemas do sistema nos
funcionários, uma vez que os mesmos também são historicamente vítimas no que
compete à sua formação e estrutura socioeconômica. Porém, é certo que eles
trazem contribuições para este fato.
Contribuições pela a manutenção de práticas apreendidas pela concepção da
doutrina da situação irregular, desconsiderando direitos e estabelecendo
aproximações com o sistema penal pelas “sobrepenas”, ou seja, pelos castigos que
somam-se às medidas socioeducativas.
É preciso frisar que esta crítica não é só aos profissionais da segurança
socioeducativa, mas sim a todos, pois historicamente conhecemos mecanismos na
mesma direção utilizados pelas equipes psicossociais, pedagógicas e jurídicas.
Existe um chavão no meio educacional que diz: “quando fecho a porta da
minha sala de aula faço do jeito que quero, pois sou autoridade máxima”.
Pois bem, tenho que concordar que existe um dado de realidade nesta fala,
pois apesar de investimentos em formação continuada dos servidores, oferecimento
de orientações de atendimento e definição de princípios e objetivos, grupos de
profissionais podem desenvolver suas ações pela contramão da história,
desvirtuando normas pré-estabelecidas, dificultando o bom andamento do trabalho
conjunto.
Neste sentido, acredito que alterar os rumos do sistema socioeducativo paulista
não passa apenas pelo reordenamento institucional definindo um novo ethos de
atenção, com espaços melhor preparados para este fim, pois este caminho vem
sendo percorrido e ainda assim precisamos caminhar mais para consolidar a
mudança.
O trabalho em instituições de privação ou restrição de liberdade traz questões
que devem constantemente fazer parte dos questionamentos do grupo profissional,
tais como:
- Como manter o respeito e a autoridade frente aos adolescentes, sem precisar
utilizar força física ou intimidações?
- Como garantir direitos a quem comete ato infracional?
120
- Como desenvolver trabalhos socioeducativos desvinculados de castigos
conhecidos no sistema penal como a “sobrepena”?
- Como possibilitar o protagonismo dos adolescentes que cumprem medida
socioeducativa?
Atualmente, adolescentes vêm sendo recrutados, a cada ano com maior
frequência, a compor os quadros do mundo do crime, especificamente no tráfico de
drogas. Tal fato é evidenciado pelo aumento de adolescentes com entrada na
Fundação CASA por este motivo.
Vivemos um momento sócio-histórico onde esta possibilidade pode configurar-
se em uma opção para geração de renda para sustento próprio e de seus familiares.
Resta-nos saber: por que o aumento desta questão? Por que crianças e
adolescentes aumentam as trincheiras do mundo do crime empunhando armas?
Quais são as outras possibilidades oferecidas a eles?
Os adolescentes hoje atendidos em medidas socioeducativas trazem, na sua
grande maioria, um comprometimento acentuado com as práticas infracionais muito
vinculadas ao mundo do crime, ou seja, estão sendo conduzidos a este caminho.
Desta forma, não cabe apenas às instituições destinadas a executar medidas
socioeducativas transformar esta realidade sozinhas. Falamos de anos de falta de
acesso aos serviços e políticas públicas, de exclusão em várias frentes, onde podem
ser destacadas a escola formal e uma sequência de privações e “descuidados”
básicos, que configuram prejuízos à grande parte da população brasileira.
Este enfrentamento é dever de todos os responsáveis e atuantes em políticas
públicas, enfim, de todos aqueles que têm por desafio a reconstrução desta história.
Neste contexto, a Fundação CASA-SP vem experimentando um modelo de
atendimento de forma integrada com organizações não-governamentais, chamado
de gestão compartilhada.
A gestão destas unidades é realizada de forma compartilhada com
organizações não-governamentais presentes nos municípios onde se instalam as
unidades. Esta aproximação de profissionais da Fundação CASA e de profissionais
das ONGs pode e deve viabilizar a revisão das práticas socioeducativas
apreendidas historicamente.
121
É verdade que os profissionais das ONGs não conhecem o trabalho
desenvolvido na internação, pois na grande maioria das vezes tiveram experiências
com medidas em meio aberto.
Porém, também é verdade que os profissionais da Fundação não têm acúmulo
e ampla experiência com medidas socioeducativas de internação em unidades
compactas com apenas 56 adolescentes e com recursos suficientes para o
desenvolvimento dos trabalhos.
Esta aproximação é salutar e deve oxigenar todo o sistema socioeducativo,
trazendo diferentes posturas, indagações e práticas diferenciadas, as quais também
devem se refletir nas unidades onde existe a gestão plena, ou seja, que opera
apenas com profissionais da instituição.
Quem compõe o sistema socioeducativo?
Do ponto de vista da coordenação, temos os seus gestores, com a
responsabilidade de oferecer todas as possibilidades de reformulação das práticas,
expressas pela formação continuada, pelos melhores recursos de trabalho, pela
valorização dos servidores, enfim, pelas melhores condições de assistência às
necessidades dos adolescentes.
De outra parte, os profissionais de atendimento direto devem comprometer-se
nesta reconstrução, entendendo que a transformação do modus operandi deve
conjugar esforços a partir de outros serviços que deverão continuar a atenção aos
adolescentes “pós-medida” socioeducativa, se de fato estamos comprometidos com
a transformação da realidade dos mesmos.
Os adolescentes, como outro grupo que compõe o sistema, apresentam
necessidade e direito em vivências educativas em todas as modalidades possíveis.
É necessário apresentar possibilidades concretas que contribuam e apresentem
caminhos para a reconstrução de uma vida diferente da atual. Essas ações devem
acontecer para além dos muros da instituição. Novamente devemos pensar nas
ações intersetoriais em todas as esferas de governo.
É preciso considerar que os sistemas nacionais trazem uma contribuição
importante na unificação dos modelos de atenção aos usuários dos serviços.
Não é mais possível pensarmos o enfrentamento das diversas problemáticas
sociais de forma isolada. É preciso estabelecer comunicação entre as ações
122
executadas pelas esferas de governo para almejar resultados que traduzam melhora
nos índices de vulnerabilidade e risco social. Vivemos hoje situações sociais
advindas da falta de integração de políticas públicas.
Como verificado no grupo focal, temos uma aparente melhoria na comunicação
estabelecida entre os profissionais que executam as medidas em meio aberto sob
responsabilidade da esfera municipal e os profissionais que executam a internação
sob responsabilidade da esfera estadual no município de Bragança Paulista.
Esta melhoria já estabelece avanços no enfrentamento da problemática, pois já
aproxima os profissionais executores das medidas, porém ainda é insuficiente para
revertermos o quadro geral estabelecido. A intersetorialidade, para além da
aproximação entre os profissionais das diversas áreas de ação, deve possibilitar
uma melhor utilização dos recursos financeiros, na direção do enfrentamento dos
problemas presentes.
Especificamente sobre os sistemas SINASE e SUAS, ambos precisam integrar-
se na prática para o fortalecimento dos atendimentos e a busca dos demais
parceiros responsáveis pelas políticas setoriais.
O SUAS, como sistema que na prática municipal constrói a ação da
territorialização, deve ser melhor observado e referenciado pelas demais políticas
setoriais. Desta forma, a Assistência Social deve ter um olhar mais aprofundado do
território de intervenção.
Neste olhar, verificar as reais questões que se colocam a esta população, com
seus pontos de estrangulamento e necessidades que devem ser respondidas com
ações setoriais com rapidez, eficiência e qualidade.
Sem a integração das políticas setoriais na atenção aos adolescentes autores
de atos infracionais e seus familiares, toda e qualquer ação te um caráter
compensatório, pois não enfrentará todas as demandas presentes.
Hoje o SINASE e o SUAS vêm construindo práticas no Estado de São Paulo
que fortalecem e contribuem para uma mudança paradigmática no atendimento aos
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e de seus familiares.
Tais mudanças podem ser observadas na execução das medidas em meio
aberto, hoje executadas pelos municípios.
Foi realizado um amplo processo de formação com o objetivo de transferir os
conhecimentos acumulados pelos profissionais da Fundação para os novos
123
executores no âmbito municipal. Antes deste processo, a Fundação atendia os
adolescentes e seus familiares e os mesmos também eram atendidos, na sua
grande maioria, pelos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) ou por
equipamentos com outra nomenclatura utilizada para o serviço sem nenhuma
interlocução interinstitucional.
A municipalização deve possibilitar que os municípios construam seus modelos
de atenção para as medidas socioeducativas em meio aberto de forma conectada
com o enfrentamento das demais problemáticas sociais. Ainda no século XXI,
apresentamos dificuldades na implementação de ações integradas entre esferas de
poder no enfrentamento social necessário.
Os adolescentes atendidos no sistema socioeducativo são os frutos advindos
de uma política econômico-social desigualitária. No mesmo grupo social destes
adolescentes, estão milhares de outros ainda sem comprovação de prática
infracional, mas vivendo nas mesmas condições dos que carregam as medidas
socioeducativas.
Finalizando, é preciso que a obscuridade presente na intersetorialidade
lugar à clareza do fazer coletivo na tão perseguida incompletude institucional.
124
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