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atividade legislativa não era pré-política, mas a representação de um sistema de
alianças entre patrícios e plebeus.
Portanto, ambas as noções, como registra Celso Lafer
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, foram relevantes para
formar a idéia de fundação como o alicerce do agir conjunto, do poder das autoridades.
A ars ou téchne do direito – a atividade legislativa – assume um papel
relevante na criação e manutenção do espaço público, consistindo no desenvolvimento
de um sistema legal positivo fundado na justiça, no jus.
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,
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"Precisamente porque o espaço público é frágil e suscetível de desaparecer no vórtice de
imprevisibilidade dos fatos e dos acontecimentos é que ele precisa ser preservado por meio de
instituições. Por isso, como observa Margaret Canovan, comentando um trecho de The Human
Condition, trata-se de um espaço que precisa ser alicerçado na lei. Neste sentido, Hannah Arendt
vê a lei, na sua concepção grega, como uma atividade do homo faber, ou seja, como um
artesanato dedicado à construção constitucional do espaço público, estabelecendo, deste modo, o
vínculo entre a permanência no tempo da vita activa e o empenho durável dos objetos criados pelo
homo faber.
A ação política da vita activa requer, diz Hannah Arendt, a concordância potencial dos outros. Esta
surge em virtude da estrutura dialógica da política, alicerçada na verdade factual, tendo este diálogo
entre iguais, como objeto, dúbia conflitiva, superáveis pela persuasão que permite o agir conjunto.
É por isso que Hannah Arendt chama a atenção para a acepção romana de lei que, ao contrário
da grega, não era coeva à fundação da polis. Para os romanos, de acordo com Hannah Arendt, a
atividade legislativa não era pré-política. O sentido original de Lex, aponta ela, era o de uma conexão
íntima, ou seja, uma relação que conecta duas coisas ou dois parceiros que circunstâncias
externas juntaram. O próprio povo romano – populus romanus – devia a sua existência não a uma
unidade orgânica, a uma etnia tribal, mas sim a uma aliança perpétua entre patrícios e plebeus.
O império romano, por sua vez, não se esgotava na noção de imperium num sistema de alianças
em que o instrumento das leges foram utilizados para a celebração de tratados, que ampliaram
para outras províncias e outras comunidades os socii, que formavam a Societas Romana.
Este esclarecimento das duas dimensões da atividade legislativa – a da construção constitucional,
pelo homo faber, do espaço público e da obtenção política do acordo para o agir conjunto –
permitiu a Hannah Arendt discutir a fundação, com a qual se inicia o agir conjunto, como o
fundamento que confere autoridade ao poder. Autoridade, lembra Hannah Arendt, deriva do verbo
augere (aumentar), e o que a ação política faz no espaço público da palavra e da ação é
acrescentar, através de feitos e acontecimentos, importância à fundação da comunidade política e
vida às suas instituições." (LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p.33-34).
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FERRAZ JUNIOR, 1994, p.24.
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"A ação se caracterizava em primeiro lugar pela sua ilimitação. Como se tratava de atividade
espontânea, como toda ação era concebida como criação de um fluxo de relações políticas, não
havia como prever a ação. Agir, dizia-se, é iniciar continuamente relações. Por isso, além da
ilimitação, á [sic] ação era imprevisível, não podendo suas conseqüências ser determinadas
logicamente de antemão. Isto explicava a inerente instabilidade dos negócios humanos, das
coisas da política de modo geral, cuja única estabilidade possível era aquela que decorria da
própria ação, de uma espécie de virtude, como por exemplo o equilíbrio e a moderação própria da
prudência. Daí a necessidade da ars ou téchne. Para que essa estabilidade pudesse ser
alcançada, porém, eram necessárias certas condições: as fronteiras territoriais para a cidade, as
leis para o comportamento, a cerca para a propriedade, que eram consideradas limites à ação,
embora a sua estabilidade não decorresse desses limites. Em outras palavras, a polis não era
propriamente um limite físico e normativo, mas um conjunto fugaz de ações. Mas para que a polis,
enquanto teia de relações surgisse, era não só necessária a delimitação física da cidade que era o