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Abandonando as lides quotidianas das redações, Oswald de Andrade, no entanto,
não deixará de colaborar, ora com assiduidade, ora de forma intermitente, nos
grandes jornais de São Paulo e do País. Assim fez até os últimos anos de vida,
até às vésperas da morte. Nessa longa faina jornalística, atilada e vigilante,
registrou e comentou, de modo crítico, praticamente todos os grandes e
momentosos temas e problemas do seu e do nosso tempo. Muitos desses artigos
célebres, correndo de boca em boca as suas afirmativas insólitas, suas diatribes
abrasivas, seus ditos espirituosos.
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De família de origem fidalga, seu pai, José Oswald Nogueira Andrade, filho de
fazendeiro, trabalhando para o desembargador Inglês de Sousa, conheceu sua filha Inês
Henriqueta Inglês de Sousa e com ela se casou. Da relação tiveram dois filhos. O
primeiro faleceu ainda criança e Oswald passou a ser criado sob exagerada proteção dos
pais, principalmente pela mãe, tão querida por ele. Por ela, Oswald cursou direito.
Porém, não em menos de nove anos de Faculdade do Largo de São Francisco e nunca
exerceu a profissão. Suas lembranças do tempo de estudos nunca foram boas:
Já na escola os deveres eram odiosos para mim. O som da palavra “dever”
sempre me inspirou horror e desgosto. O fútil, ao contrário, os prazeres
transitórios, a vertigem, as voluptuosidades de curta duração, as poesias
revoltadas e grandiloqüentes, as narrativas de viagens reais e imaginárias... as
‘três fontes do mal’ (prazer dos olhos, prazer da carne, vaidades da vida) me
atraíram irresistivelmente. Assim, desde berço, eu tenho negligenciado meus
“deveres” para me entregar às três fontes do mal.
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Fui matricular-me, em Março, no primeiro ano da Faculdade de Direito do Largo
São Francisco e aí tive uma das piores decepções da minha mocidade. Os
veteranos cercaram a mim e a meu colega Inácio Tamandaré Uchoa aos gritos: -
Bicho! Dança, bicho! E fazendo-nos enfiar as calças por debaixo das meias, nos
obrigaram a executar evoluções imbecis. Eu trazia outra idéia da faculdade. Ela
dera três grandes poetas ao Brasil. Castro Alves, Fagundes Varela, Álvares de
Azevedo. [...]. A valentona imbecilidade daquele grupo de trote criou em mim
uma verdadeira alergia por tudo que se processe ‘debaixo das Arcadas’[...]
Apesar de todas as oficiais reconciliações e palinódias, guardo um íntimo horror
pela mentalidade da nossa escola de Direito. Por instinto e depois
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Mário da Silva Brito, “Oswald, democracia e liberdade”, In: Oswald de Andrade, Ponta de Lança, Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972, p. 17.
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Oswald de Andrade apud Maria Eugenia Boaventura, O Salão e a Selva: uma biografia ilustrada de
Oswald de Andrade, Campinas, Unicamp, 1995, p. 16.