...no campo do entretenimento cinematográfico, tudo se passa em torno de dois
regimes diferenciados, ligados à experiência dos espectadores: o regime “sério” e
o regime “trivial”. No primeiro, o sujeito domina cognitivamente o objeto e
vivencia uma experiência considerada “autêntica”. No segundo, ocorre uma
experiência tida por meramente “passiva”, que admite a participação distanciada,
sem envolvimento da cognição subjetiva. Esse duplo regime de experiência, se
por um lado, é capaz de mascarar as tensões que escapam pelas frestas de uma
pretensa unidade do espaço social do lazer, por outro, remete às velhas questões
provocadas pela divisão corpo/espírito, acentuada pelo sistema de representações
com que se configuram as sociedades burguesas. Ocorre que, em defesa da
primazia do espírito e da premissa de que o sujeito detém a capacidade de atribuir
sentido aos objetos, a própria sociedade se esforça para legitimar o valor de uma
experiência da ordem da cognição subjetiva, estimando o regime “sério” e
concedendo um valor menor a uma experiência sem envolvimento efetivo do
sujeito em regime “trivial”. (LYRA; SANTANA, 2006, p. 9).
Segundo os autores, num esforço de legitimação artística, os teóricos do cinema
promoveram como experiências “superiores” o distanciamento intelectual e a capacidade
do sujeito de interpretar as mensagens, produzindo a predominância valorativa do regime
sério na experiência cinematográfica, em detrimento de um regime trivial. No entanto, um
conjunto de mensagens veiculadas por certos filmes permanece às bordas do cânone
cinematográfico “sério”, procurando deliberadamente a reação física do grande público.
Para Lyra e Santana, não é à toa que desses filmes se diz “apelativos”.
Esse apelo, certamente, diz respeito às formas fílmicas e às percepções que
provocam nos espectadores, muito próximas dos jogos “quentes” do corpo e
distantes dos jogos intelectuais “frios”. Por essa razão, são destituídos no
esquema de valoração canônica da experiência, por estarem mais próximos de
uma presentificação que da condição de produção de sentido. Tais contornos
materiais estão presentes na imutabilidade das formas expressivas e
conteudísticas, que (...) garantem, em alto grau, o envolvimento imaginário do
corpo dos espectadores, remetendo a dois grandes eixos na narrativa: ação e
sentimento. (...) os filmes de bordas se perpetuam em repetições que atualizam os
mesmos conteúdos, apresentam um mínimo de informação e um máximo de
previsibilidade e, desse modo, acabam por conformar os gêneros – policiais,
melodramas, comédias rasgadas, comédias românticas, ficção científica, filmes
de horror, filmes pornôs, entre outros. (Ibid, p. 12-13)
Mas, se esses gêneros às bordas da legitimação do cânone – dentre eles, o
horror – têm o alto grau de previsibilidade e de repetição descrito por Lyra e Santana, pode-
se questionar sobre os motivos da reincidência e do prazer com que são consumidos pelo
público. Sem dúvida, como mostram os autores citados, parte desse prazer está no jogo do
reconhecimento, na possibilidade do encontro com determinadas formas visuais e