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Lígia Luciene Rodrigues
A
P
ERSPECTIVA NO TRABALHO DE
R
EGINA
S
ILVEIRA
:
UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DA PERSPECTIVA
NA ARTE CONTEMPORÂNEA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Artes, do Instituto de
Artes, da Universidade Estadual de
Campinas, para a obtenção do Título de
Mestre em Artes, sob a orientação da
Profa. Dra. Anna Paula Silva Gouveia.
CAMPINAS 2008
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2
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Título em inglês: “The perspective in the work of Regina Silveira: a investigation
on the use of perspective in contemporary art.”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Arts; Fine Arts ; Art Theory ; Art –
History.
Titulação: Mestre em Artes
Banca examinadora:
Profa. Dra. Anna Paula Silva Gouveia (presidente)
Profa. Dra. Maria de Fátima Morethy Couto (titular)
Prof. Dr. Haroldo Gallo (suplente)
Profa. Dra. Daniela Kutschat Hanns (titular)
Profa. Dra. Priscila Almeida Cunha Arantes (suplente)
Data da Defesa: 14-02-2008
Programa de Pós-Graduação: Artes.
Rodrigues, Lígia Luciene.
R618p A perspectiva no trabalho de Regina Silveira : uma investi-
gação sobre a utilização da perspectiva na arte contemporânea /
Lígia Luciene Rodrigues – Campinas, SP: [s.n.], 2008.
Orientador: Anna Paula Silva Gouveia.
Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.
1. Arte moderna.. 2. Artes plásticas 3. Teoria da arte
4. Arte - Historia. I.Gouveia, Anna Paula Silva. II.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III.
Título.
(em/ia)
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3
4
Dedicatória
Dedico aos meus pais
5
Agradecimentos
à orientadora deste trabalho, Profa. Dra. Anna Paula Silva Gouveia
à colaboração do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, aos
professores e colegas do curso de Pós-Graduação em Artes,
em especial à Profa. Dra. Maria de Fátima Morethy Couto
e a todas as pessoas, principalmente aos amigos, que participaram, contribuindo
para a realização deste trabalho, direta ou indiretamente,
meu agradecimento.
6
Resumo
Esta pesquisa teve por objetivo investigar a utilização da perspectiva na
arte contemporânea por meio do trabalho da artista plástica brasileira Regina
Silveira. Uma das preocupações foi analisar as questões que estão por trás da
presença da perspectiva dentro da produção artística atual, como por exemplo, a
crítica à natureza da imagem e seus meios de representação, a manipulação do
ponto de vista, a simulão e a ilusão do espaço e ainda como deformação no
caso das anamorfoses. Todas essas questões foram permeadas pela teoria da
percepção visual e da psicologia da percepção em análises das obras da artista
brasileira, seus trabalhos gráficos (desenhos e gravuras), objetos e instalações a
partir do final dos anos 70 até os mais atuais, como também os chamados
desenhos preparatórios e as maquetes, que são projetos nos quais a artista
desenvolve as idéias de seus trabalhos e são neles que mais se percebe a
manipulação da perspectiva. Também foram analisados trabalhos de outros
artistas que discutiram ou discutem as mesmas questões que a artista brasileira,
como por exemplo, Marcel Duchamp e Jan Dibbets. Essa análise mostrou que
cada período histórico possui sua visão de mundo e uma maneira de dirigir o olhar
para um determinado ponto de vista, portanto uma maneira de utilizar a
perspectiva. Nos dias atuais, a subversão do olhar do espectador e, ainda, a
destruição da estabilidade de sua percepção causada por essa subversão, fazem
da manipulação do ponto de vista a partir do uso da perspectiva, uma atitude
contemporânea no trabalho desses artistas.
Palavras-chave: Regina Silveira, arte contemporânea, perspectiva, artes plásticas.
7
Abstract
This research was intended to investigate the use of perspective in contemporary
art through the work of the Brazilian artist Regina Silveira. One of the concerns
was the issues behind the presence of perspective within the current artistic
production, for example, the critical of the image’s nature, the resources of
representation, the manipulation of viewpoint, the simulation, the space illusion and
the deformation as in the case of anamorphosis. All these questions were related
to the theory of visual perception and the psychology of perception in analyses of
the Regina Silveira’s work, in graphics (drawings and prints), objects and
installations from the end of 70 to the current, but also the called preparatory
drawings and models, that are projects in which the artist develops the ideas of
their work and more if realizes the manipulation of perspective. Were also analyzed
works of other artists who discussed or discuss the same issues as the Silveira, for
example, Marcel Duchamp and Jan Dibbets. The analysis showed that each
historical period has its vision of the world and to deal the look for a particular
viewpoint, so a way to use the perspective. Nowadays, the subversion of the look
of the spectator and, yet, the destruction of stability of their perception caused by
such subversion, make the manipulation of viewpoint a contemporary attitude in
the work of such artists.
Key Words: Regina Silveira, contemporary art, perspective, fine arts.
8
Sumário
Introdução.................................................................................................................9
1. A perspectiva no trabalho de Regina Silveira.....................................................12
1. 1. Deformação da perspectiva: as anamorfas.........................................19
1. 2. A sombra e a ausência: simulão e simulacros.................................30
1. 3. Anos 90 e os trabalhos recentes..........................................................34
1. 4. Os desenhos preparatórios de Regina Silveira....................................42
1. 4. 1. Os desenhos preparatórios em exposição..............................46
2. Diálogos sobre a perspectiva..............................................................................50
2.1. A quebra de paradigmas na arte moderna............................................53
2.2. A perspectiva persistente......................................................................57
Considerações Finais.............................................................................................65
Referências Bibliográficas......................................................................................67
Índice das ilustrações.............................................................................................71
Anexos....................................................................................................................74
9
Introdução
A imagem, seu uso e sua relação com outras formas de registro da
experiência humana têm ocupado lugar central em muitos estudos da História da
Arte e da Cultura. Muitos artistas contemporâneos dedicam-se à investigação
crítica da natureza da imagem e seus meios de representação. Dentre esses
meios, a perspectiva é uma das principais ferramentas empregada na
representação da realidade, que os artistas atuais questionam, utilizando-a como
recurso para esta discussão em seus trabalhos.
A palavra perspectiva deriva do latim spec (visão) e significa “ver através
de”
1
, dessa forma, pode-se defini-la como uma técnica de representação.
Conforme Edmond Couchot
“representar é poder passar de um ponto qualquer de um
espaço em três dimensões a seu análogo (seu transformador”) num espaço de duas
dimensões.”
2
A perspectiva é um fator de realismo proporcionado por essa
representação da terceira dimensão, mas é, antes de tudo, um artifício
fundamentado no uso de certos fenômenos ópticos, um sistema artificial elaborado
com o propósito de criar, no plano pictórico, a ilusão da tridimensionalidade. Além
disso, como afirma Couchot
, “estabelece também uma relação imediata entre o objeto
a figurar, sua imagem e quem organiza o encontro de ambos. A Representação alinha, no
espaço e no tempo, o Objeto, a Imagem e o Sujeito.”
3
Pode-se considerar a perspectiva natural como a forma com que os olhos
percebem as relações espaciais entre vários objetos observados. Esta percepção
é extremamente complexa, visto que, quando o observador se move o ponto de
vista está em permanente alteração e o conhecimento que se tem de um objeto é
uma soma complexa de percepções. Quando o observador se movimenta dentro
de um determinado espaço, processam-se imagens muito diferentes do mesmo
objeto que permitem registrar uma imagem tridimensional num cenário de três
1
Citação de
Albrecht Dürer (1471-1528) - artista do Renascimento alemão. Sua interpretação se
baseia na definição Renascentista e na representação da imagem como secção transversal feita
através da pirâmide visual. Conforme citado por PANOFSKY, Erwin. A Perspectiva como Forma
Simbólica. Lisboa: Editora Edições 70, 1999, p. 31 e 69.
2
COUCHOT, Edmond. “Da Representação à Simulação: Evolução das Técnicas e das Artes da
Figuração” In: PARENTE, André (org.); Trad.: Rogério Luz et alii. Imagem – Máquina: A era das
tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993, p. 40.
3
Idem.
10
dimensões. Na arte contemporânea o espaço da obra de arte não é apenas o do
plano pictórico, ele foi ampliado para o espaço de três dimensões e, em alguns
casos, para o espaço virtual.
A natureza da perspectiva foi objeto de diferentes interpretações teóricas,
nesse texto, duas são destacadas. Uma verifica a naturalidade da perspectiva
como uma maneira direta e não arbitrária, na qual os estímulos visuais são
recebidos e entendidos, negando o recurso curvilíneo, como em Gombrich
4
;
enquanto a outra considera-a uma pura convenção, uma artificialidade,
caracterizando uma certa fase da representação ocidental, como em Panofsky
5
e
Arnheim
6
.
O presente trabalho compreende uma investigação sobre a utilização da
perspectiva na arte contemporânea por meio do trabalho da artista plástica
brasileira Regina Silveira. Uma das preocupações é analisar as questões que
estão por trás da presença da perspectiva dentro da produção artística atual,
principalmente, no trabalho dessa artista.
O período analisado será do final dos anos 70 e início dos anos 80, das
obras de Regina Silveira, como nas séries Anamorfas (1979 -1981), Simulacros
(1984), suas primeiras instalações, sua fase de projeção internacional na década
de 90 e o trabalho mais recente de instalações e outros trabalhos para exposições
mais atuais (2000 - 2004). Será Investigado para análise e comparação o que
a artista chama de desenhos preparatórios, que são os desenhos construtivos,
desenvolvidos como projetos, seja de seu trabalho gráfico, como nas gravuras, ou
nos trabalhos tridimensionais, como nos objetos e nas instalações.
Pretende-se deixar claro, que este trabalho é diferente dos realizados por
Regina Silveira em sua dissertação de mestrado Anamorfas (1981) e sua tese de
doutorado Simulacros (1984), apesar de se amparar nos textos da artista. Pois,
4
GOMBRICH, E. H. Arte e Ilusão Um estudo da psicologia da representação pictórica. Trad.:
Raul de Sá Barbosa. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
5
PANOFSKY, Erwin. Op. Cit. Neste ensaio, Panofsky foi amparado pela psicologia da percepção
de sua época, hoje considerada datada. Pretendia demonstrar que a óptica clássica – aludindo
Euclides e Vitrúvio – teria concebido um mundo visualmente curvo. Segundo tal hipótese, uma vez
que a retina humana é, de fato, uma superfície côncava, tender-se-ia ver 'encurvadas' linhas, na
verdade, retas.
6
ARNHEIM, Rudolf. Arte & Percepção Visual – Uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo:
Pioneira – Edusp, 1996, 10ª Edição.
11
essa pesquisa almeja analisar várias fases do trabalho de Regina Silveira, sob o
aspecto da utilização da perspectiva, além de estudar os trabalhos de outros
artistas, que de diversas formas utilizam, ou utilizaram a perspectiva nos mesmos
contextos que a artista brasileira, para desta maneira melhor entender sua obra.
Nesta dissertação, considera-se que na arte contemporânea a perspectiva
é utilizada como um instrumento de representação e simulação do espaço, mas
igualmente como um comentário sobre os códigos projetivos, como uma
investigação crítica sobre as normas de representação do real, a capacidade de
se criar ilusão. A perspectiva será empregada no sentido dado por Panofsky e
Arnheim, da teoria da percepção visual e da psicologia da percepção, nas quais a
perspectiva constitui uma ambigüidade, a expressão de uma visão, uma
concepção de mundo e uma maneira de dirigir o olhar para um determinado ponto
de vista. E ainda como ferramenta para a deformação, como nas anamorfoses,
muito utilizada na arte contemporânea e no trabalho de Regina Silveira.
Não se pretende aqui escrever uma obra completa sobre a perspectiva,
mas sim apenas analisá-la sob o ângulo da arte contemporânea, que este tema
é muito vasto, é mister delimitar à este trabalho apenas alguns destaques do
percurso histórico da perspectiva.
12
1. A perspectiva no trabalho de Regina Silveira
Regina Silveira, artista plástica gaúcha, nascida em 1939, na cidade de
Porto Alegre, onde obteve sua formação, primeiro em desenho pela Faculdade de
Filosofia de PUC-RS no ano de 1959 e depois em pintura e gravura pela
Universidade Federal de Rio Grande do Sul, até meados de 1961, quando inicia
seus trabalhos com pintura em aulas ministradas por Iberê Camargo, gravura em
aulas de Marcelo Grassman e participa de exposições. Em 1966 realiza uma
exposição individual, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul.
Em 1967 viaja à Europa para estudar História da Arte na Faculdade de
Filosofia e Letras de Madri, como bolsista do Instituto de Cultura Hispânica. Em
Madri conhece o artista espanhol Julio Plaza
7
. Neste ano, Regina Silveira
abandona a pintura e começa a realizar colagens. no final desta década, casa-
se com Julio Plaza e ambos são convidados à lecionar na Universidade de Porto
Rico. ficam até 1972 e Silveira entra em contato com a arte conceitual,
principalmente, a americana que conhece através de viagens à Nova York, como
na exposição coletiva de arte conceitual que aconteceu no Museu de Arte
Moderna de Nova York, o MoMA, em 1970, intitulada Information. Esta mostra
apresentou, entre outros, as obras de dois artistas brasileiros, Cildo Meireles
(Inserções em Círculos Ideológicos: Projeto Coca-Cola) e Helio Oiticica
(Babylonests)
8
. É por meio destes e outros artistas que Regina Silveira percebe a
presença da obra de Marcel Duchamp, no meio artístico americano, com a pop art
e a arte conceitual.
A década de 60 no Brasil foi uma época de grandes mudanças no cenário
artístico. Com o chamado novo realismo ou nova objetividade a arte brasileira
segue as tendências internacionais da pop art e da arte conceitual. Duas
exposições, realizadas no ano de 1967, trazem ao público brasileiro a pop art: a
7
Julio Plaza (1938 2003). Nascido na Espanha, depois de ter vivido em Paris e San Juan (Porto
Rico), onde casa-se com Regina Silveira, radica-se em São Paulo em 1973. Foi importante artista
intermídia, trabalhou com videotexto, slow-scan Tv, holografia, fax e computação digital, sendo
pioneiro no campo da midiarte e influenciando vários artistas. Também foi professor do
Departamento de Artes Plásticas da ECA - USP. Casado com Regina Silveira de 1969 a 1987.
8
MORAES, Angélica de. “R.S.: Óptica de Precisão”. In Por que Duchamp? – Leituras
duchampinianas por artistas e críticos brasileiros. Paço das Artes – Col. Itaú Cultural, 1999, p. 115
e nota 10, p. 124.
13
exposição Nova Objetividade Brasileira organizada por Frederico Morais, no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com artistas nacionais e a 9ª Bienal de
São Paulo, com a participação de importantes artistas estrangeiros, segundo
Mario Pedrosa, metade da mostra era composta por artistas norte americanos
9
.
A partir de 1973, quando retorna ao Brasil e se instala na cidade de São
Paulo, Regina Silveira passa a ter, cada vez mais, uma representação dentro da
produção nacional.
No perfil traçado sobre a produção artística brasileira a partir dos anos 70
por Tadeu Chiarelli no texto Da arte nacional brasileira para a arte brasileira
internacional”, o autor coloca Regina Silveira no grupo de artistas que
“enveredaram para a investigação crítica da natureza das modalidades artísticas
institucionalizadas (pintura, escultura, desenho) e/ou para a investigação sobre os códigos
de representação do real
. Junto com Silveira figuram Carmela Gross, Ivens
Machado, Anna Bella Geiger, com
“produções sempre preocupadas com a subversão
do olhar do espectador”
10
.
Neste período a artista começa uma nova etapa em seu trabalho com a
série de serigrafias intitulada Laberintos (1971), nas quais utiliza as malhas
quadriculadas perspectivadas pela primeira vez (figura 1). Estas malhas onde
“A
imaginação reina”,
como afirma o crítico de arte Walter Zanini e
“cujas relações
resultam sugestivos espaços perspectivados”
11
serão consagradas pela artista em
muitos outros trabalhos.
Nos anos seguintes continua a utilizar as malhas perspectivadas, agora
também com imagens fotográficas, como nas séries Desestruturas Urbanas (figura
2) e Executivas (1974 -1977), De Artificiali Perspectiva (1976), Perspectiva Natural
(1978) e em alguns trabalhos da série Jogos de Arte (1977-1980). Nesse período
torna-se importante artista multimídia, pioneira da deo-arte e da mail art no país
9
PEDROSA, Mario. “Edward Hopper e a Pop’Art” in PEDROSA, Mario. A modernidade cá e lá.
Otília Arantes (org.) São Paulo: Edusp, 2000, pp. 269-265, p. 269. Para mais informações ver:
COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma Vanguarda Nacional – A crítica brasileira em busca de
uma identidade artística (1940-1960). Campinas: Editora da Unicamp, 2004, pp. 198 – 238.
10
CHIARELLI, Tadeu. “Da arte nacional brasileira para a arte brasileira internacional”. In: Arte
Internacional Brasileira. edição. São Paulo: Lemos Editorial, 2002, pp. 27-39, p. 36.
11
ZANINI, Walter. “A Aliança da Ordem com a Magia”. In: MORAES, Angélica de (org.). Regina
Silveira: Cartografias da Sombra. São Paulo: Edusp, 1998, p. 144.
14
e também inicia seu trabalho como professora de curso de graduação de artes
plásticas. No livro, História Geral da Arte no Brasil, Walter Zanini observa:
Em Regina Silveira, depois de longa presença como pintora e gravadora,
multiplicaram-se igualmente os processos de arte-comunicação em que alia uma
qualidade viril da idéia ao perfeccionismo dos processos artesanais e tecnológicos.
Embora o terreno de predileção da artista gaúcha seja o de natureza gráfica, sua
atuação é das mais pessoais entre os artistas do vídeo no país.
12
1. Regina Silveira, sem título, 1971.
Serigrafia da série Laberintos, 23 x 30 cm.
No caso dos trabalhos da série Desestruturas Urbanas (figura 2) a artista utiliza
imagens de cartões postais da cidade de São Paulo, nas quais encaixa pela
primeira vez as malhas perspectivadas sobre uma fotografia. A partir desse
trabalho, Regina Silveira reflete sobre a natureza da perspectiva, percebendo que
tanto a perspectiva como a fotografia possuem o mesmo código visual, pois a
malha perspectivada é perfeitamente compatível com a fotografia
13
.
12
ZANINI, Walter (org.). História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983,
2v., il., p. 786.
13
Cf. Regina Silveira em entrevista concedida a autora em 22 de novembro de 2006 (transcrita
aqui em Anexo I, pp. 76 – 86, p. 79).
15
2. Regina Silveira, Interferências, 1976
Serigrafia sobre cartão postal da série Desestruturas Urbanas.
Museu de Arte Contemporânea, São Paulo
3. Regina Silveira, De Artificial Perspectiva 2, 1976.
Serigrafia, 68 x 50 cm.
A fotografia reforça a percepção da perspectiva linear, o que, segundo
Panofsky, dificulta a aceitação da visão curvilínea
14
, pois na visão direta, mesmo
14
A chamada perspectiva curvilínea, que é defendida por muitos teóricos, como a verdadeira forma
percebida pela visão, já que no olho humano a retina é curva, a imagem representada tem um
aspecto de um panorama todo curvo, parecendo uma visão de 180º. No século XX a perspectiva
curvilínea foi estudada por André Barre e Albert Flocon, autores de La Perspectiva Curvilínea – Del
espacio visual a la imagen construída. Do original francês, La Perspective Curviligne, de 1968.
16
com os olhos fixos num único ponto, percebe-se um campo de visão que irradia
desse ponto abrangendo muito mais espaço do que aquele normalmente visto na
representação bidimensional. No estudo, A perspectiva como forma simbólica,
Erwin Panofsky estabelece a perspectiva como uma construção que reflete uma
idéia de mundo independente, autônomo e, também, coloca como a fotografia
auxilia essa visão:
“De fato, se mesmo hoje em dia, alguns que se aperceberam
da existência das referidas curvaturas, esse fato deve-se, em parte, ao hábito, que o ver
fotografias reforça, da representação perspectiva linear. Esta representação é apenas
compreensível para um sentido muito específico, diria mesmo, um sentido
especificamente moderno do espaço, ou, se quisermos, do mundo”
15
.
Panofsky ainda considera os sistemas perspectivos como historicamente
plurais. Cada um deles efetua-se a partir de uma concepção de espaço e visão,
particularizada pelo tempo. Pode-se afirmar ser a perspectiva um instrumento que
alude à relação do homem com o universo, condiciona o modo de apreciação e o
modo de tomar posse do espaço, provando, pelo caráter dessa ocupação, as
maneiras de existir num determinado período histórico e uma visão de mundo
16
.
Por sua vez Regina Silveira passa a se interessar pela natureza da
perspectiva, começa a questionar, por exemplo, o caráter de convenção e artifício
desse sistema de representação, como um jogo de aparências, questionando sua
artificialidade, ambigüidade e arbitrariedade:
A perspectiva seria a descoberta das aparências do mundo através daquilo que
poderia ser uma visão científica da realidade. Desde o momento em que ela foi
inventada, porém, criou sua contraposição, sua situação de hipótese
questionável. Ou seja: até que ponto a perspectiva não é também uma construção
artificial? Que olhar é esse que equaciona e resolve tudo através apenas de duas
15
PANOFSKY, Erwin. Op. Cit., 1999, p. 36.
16
Panofsky classifica a perspectiva como “objectivação do subjetivo” ou como “passagem da
objetividade artística para o campo fenomenal”. A perspectiva força a um tipo incomum de
identificação do objeto-em-arte e do objeto-no-mundo. Em última análise, é a perspectiva que
viabiliza a metáfora de uma Weltanschawng, uma visão de mundo. Idem, pp. 61 e 66-67,
respectivamente.
17
coordenadas? A perspectiva é uma convenção tão arbitrária quanto todas as
outras.
17
Essa questão se torna um dos aspectos centrais em sua obra, como
descreve a crítica de arte Angélica de Moraes,
“Seu trabalho está baseado na
distorção dos códigos projetivos de representação (perspectiva); na projeção de sombras
como comentários irônicos das relações sociais e das estruturas de poder; em códigos
arquitetônicos e obras para locais específicos.”
18
, aqui se espera analisar como a
artista utiliza a perspectiva, seja criando distorções, ou apoiando-se nos códigos
projetivos geométricos, historicamente estabelecidos como procedimentos exatos.
No início dos anos 90, Regina Silveira recebe bolsas de artista convidada
em instituições norte-americanas e uma canadense. Em 1991 vai para Nova York
com bolsa de um ano concedida pela The John Simon Guggenheim Foundation.
Participa de exposições individuais e coletivas em cidades como Nova York e
Austin e realiza palestras sobre a arte contemporânea brasileira. Já em 1993, volta
à Nova York com bolsa de estudos da Pollack-Krasner Foundation e vai para
Alberta no Canadá, como artista residente da Banff Center for the Arts. No ano
seguinte, ganha bolsa da Fullbright Foundation de Nova York para realizar a
instalação The Saint’s Paradox no Museo del Barrio na mesma cidade. Essas
foram experiências que contribuíram para afirmar a artista como uma importante
representante da arte contemporânea brasileira.
Em toda obra de Regina Silveira é necessário observar o diálogo com as
obras do artista francês Marcel Duchamp, como a crítica Angélica de Moraes
escreve
:
Duchamp é um paradigma para a artista também e especialmente porque é com o
estudo aprofundado das artificialidades da perspectiva que ele arma a parte
essencial de sua obra (O Grande Vidro e Étants Donnés).
A tese duchampiana de
que a perspectiva devolveria o caráter científico à pintura, perdido na atitude
retiniana dos pintores de seu tempo, deu a Regina Silveira o arsenal para,
17
Depoimento de Regina Silveira à Angélica de Moraes. In: MORAES,Angélica de (org.). Op. Cit.
1998, p. 96.
18
Idem, Op. Cit., 1999, p. 115.
18
inclusive, contrapor-se ao modo como se deu a retomada da pintura nos anos
80.
19
Ao lado da produção expressiva, poética e conceitual da artista está a
reflexão em experiências de caráter acadêmico, tanto nos trabalhos de mestrado e
doutorado como na orientação, durante muitos anos, de seus alunos no curso de
graduação e pós-graduação na Fundação Armando Álvares Penteado (1976
1985) e na Escola de Comunicação e Artes da USP (1985 – 2005), ambas
instituições localizadas na cidade de o Paulo, nas quais ajudou a formar
gerações de importantes artistas nacionais. Para Regina Silveira ensinar foi
fundamental para sua vida profissional, pois durante muitos anos conviveu com
diferentes visões poéticas e linguagens:
Acredito mesmo que o ensino realimenta meu processo criativo. Minha atitude
quando ensino é embarcar no projeto do aluno. Procuro entender a visão de arte
que ele tem e como ele poderia produzir o que está querendo fazer. É como se eu
“vestisse” a camiseta dele. Sinto-me muito próxima especialmente porque os
entendo como jovens artistas em formação. Não vejo muita separação entre a
professora e os alunos. Creio que eles são artistas em progresso e com
possibilidades de me abrir conhecimentos e possibilidades que eu mesma possa
explorar.
20
19
Idem. Op. Cit., 1998, p. 25 e seguintes.
20
Depoimento de Regina Silveira à Angélica de Moraes. Idem, Op. Cit., p. 112.
19
1. 1. Deformação da perspectiva: a série Anamorfas
Anamorfose vem de anamorphoo ou de anamorphosis (mudança de
forma)
21
. É a imagem de uma forma no plano pictórico, que tem uma ou mais
partes extremamente deformadas, de modo que, visto de frente não há coerência,
no entanto, visto de um ângulo inclinado, em relação ao plano pictórico, a imagem
é retificada
22
.
A anamorfose foi estudada por Jurgis Baltrusaitis, o primeiro historiador da
arte que se entregou profundamente ao estudo da questão no livro
Anamorphoses, de 1955
23
, e tornou-se conhecida no século XVII, embora as mais
antigas anamorfoses que se tem notícia são de Leonardo da Vinci
24
(figura 4). Há
também outros tipos de anamorfoses, que apenas se retificam se vistas por meio
de espelhos cônicos ou cilíndricos. Nas palavras de Baltrusaitis:
A anamorfose causa a transformação de elementos e de princípios. Ao invés de
reduzir as formas dentro de seus limites visíveis, trata-se de uma projeção de
formas para além delas mesmas, de maneira que elas se dilatam, quando vistas
sob determinado ângulo. Trata-se de uma curiosidade técnica”, mas também de
uma “abstração poética”, e ainda, de um mecanismo da ilusão óptica e uma
filosofia da realidade mutável.
25
21
HOCKE, Gustav R. Maneirismo: O mundo como labirinto. Trad.: Clemente Raphael Mahl. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1974, p. 201.
22
Tradução livre de: TURNER, Jane (Ed.).“Perspective”, in The Dictionary of Art. New York: Ed.
Grove, 1996, Vol. XXIV, pp. 485-495, p. 491.
23
BALTRUSAITIS, Jurgis. Anamorphoses – Les Perspectives Dépravées – II. Paris : Flammarion,
1996 (da reedição ampliada de 1984).
24
Se encontram no Codex Atlanticus (1483-1518) de Leonardo da Vinci. Conforme:
BALTRUSAITIS, Jurgis. Op. Cit., p. 50.
25
Tradução livre de: BALTRUSAITIS, Jurgis. Op. Cit., p. 7.
20
4. Leonardo da Vinci, rosto de criança e olho anamórficos, c. 1485.
Desenho sobre papel, em Codex Atlanticus (1483-1518).
Biblioteca Ambrosiana, Milão.
Um dos exemplos mais conhecidos de anamorfose é a pintura chamada Os
embaixadores, do artista alemão Hans Holbein (figura 5), datada de 1533, na qual
uma forma irreconhecível de um crânio humano, na parte inferior da
composição, em primeiro plano. Esta forma é vista retificada (Figura 6) se
observada de um ângulo inclinado do observador em relação ao plano da pintura.
Em sua importante série de trabalhos intitulada Anamorfas (1979-1981)
26
,
Regina Silveira realiza um estudo sobre as aparências representadas por códigos
projetivos, na qual trata do problema das distorções de imagem desenhadas em
perspectiva, que desenvolve por uma ação gráfica arbitrária que contraria as
normas condicionadas por esse sistema de representação. Na definição da artista
Anamorfas são jogos com a aparência
27
.
26
Esta série se tornou objeto de estudo da artista para sua dissertação de mestrado apresentada
ao Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo e com exposição individual no MAC, Museu de Arte Contemporânea da USP, em setembro
de 1980.
27
SILVEIRA, Regina. Anamorfas. São Paulo: ECA USP, 1980, p. 6. Dissertação de Mestrado.
21
5. Hans Holbein, Jean de Dinteville e Georges de Selve (Os Embaixadores), 1533.
Óleo sobre madeira, 207 x 209,5 cm. The National Gallery, Londres.
6. Hans Holbein, Jean de Dinteville e Georges de Selve (Os Embaixadores), 1533.
(detalhe) – o crânio humano retificado.
Regina Silveira parte de fotografias triviais de objetos do cotidiano, como
tesouras, garfos, pentes e xícaras (figura 7), na qual a escolha por esse tipo de
imagem anuncia-se pelo interesse no
“caráter anônimo e destituído de expressão
autoral ou estética presente nas imagens massificadas que a artista costuma recolher na
mídia impressa”
28
, a partir dessa escolha ela induz um conceito que faz parte de
28
MORAES, Angélica de. Op. cit., 1999 , p. 119.
22
sua concepção poética:
“Meu maior prazer antes de começar a desenhar um projeto é
recolher imagens, momento em que amplio meu repertório e tenho idéias mais
provocadoras.”
29
Este gesto pode ser considerado próximo ao de Marcel Duchamp, que
escolhia objetos industrializados, os quais nomeou ready-mades, para inseri-los
no contexto de objeto de arte. Duchamp afirmava que sua seleção nunca fora
ditada pelo gosto e sim pela indiferença visual sentida por ele em relação ao
objeto escolhido
30
.
Nessa série, composta por desenhos e gravuras
31
, a artista abandona todas
as indicações de volume, de claro-escuro, utilizando apenas o contorno dos
objetos. Com as distorções, que realiza pelo desenho ao empregar as malhas
perspectivadas (figura 8), Regina Silveira cria imagens anamórficas que
demonstram ser a perspectiva um meio convencional de representação, enraizado
culturalmente, que além de criar representações consideradas como a “vio
correta” e realista, serviram para a artista se apoiar na credibilidade desses
códigos projetivos para inventar aparências distorcidas
32
:
“(...) Recorri não só à
perspectiva, mas também a soluções topográficas perspectivadas, de modo a poder
livremente esticar, comprimir e dobrar os contornos dos objetos”
33
.
Contudo, a artista não se refere à uma geometria cartesiana rígida, e sim a
uma geometria livre, constituída por um conjunto pequeno e particular de regras
inventadas, no caso dessa série, suas criações são quase anamorfoses, quase
porque em seu trabalho a imagem não pode ser retificada como acontece com as
anamorfoses, como ela explica:
(...) Mas não é o mecanismo de correção a ponte para conectar “Anamorfas” e
anamorfoses, pois em meu trabalho a correção nunca é possível; a conexão é a
29
Depoimento de Regina Silveira à Angélica de Moraes. Idem.Op. Cit., 1998, pp. 70–72.
30
CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: Engenheiro do Tempo Perdido. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2002, 2ª Edição, p. 80.
31
A série Anamorfas é composta por 44 desenhos feitos em nanquim sobre papel Opaline, em
folhas de 48 x 66 cm; um livro impresso em offset sobre papel Couché, de 14,5 x 21,5, com tiragem
de 100 exemplares; doze litografias, com diferentes tamanhos e tiragens, impressas sobre papel
Rosa Spina; e 10 exemplares de álbum impresso em lito-ofset sobre papel Alemão-Gravura,
formato de 57 x 80 cm. Cf. SILVEIRA, Regina. Op. Cit.,1980, p. 11-12.
32
Idem, p. 1.
33
Idem, p. 11.
23
intenção comum de manipular uma experiência visual centrada na relação
espectador-representação.
34
7. Regina Silveira, Anamorfas (Xícaras), 1980.
Nanquim sobre papel, 50 x 60 cm aprox. Pinacoteca Municipal, Centro Cultural São Paulo.
8. Regina Silveira, Anamorfas – malhas e linhas (Xícaras), 1980
Nanquim sobre papel, 50 x 60 cm aprox. Pinacoteca Municipal, Centro Cultural São Paulo.
As duas imagens (Figura 7 e 8) são desenhos preparatórios para gravura,
do objeto xícara, na figura 8, observa-se as malhas perspectivadas que a artista
usa para distorcer o objeto.
34
Idem, pp. 6-7.
24
A relação espectador-representação que Regina Silveira menciona é muito
recorrente na arte, na qual o artista manipula o ponto de vista, como afirma Arlindo
Machado:
“as técnicas de anamorfose consistem num deslocamento do ponto de vista a
partir do qual a imagem é visualizada, sem eliminar, entretanto, a posição anterior,
decorrendo daí um desarranjo das relações perspectivas originais”
35
.
Esse desarranjo é o que provoca parte da deformação da imagem. Mas, se
o artista quiser representar uma imagem convincente, utilizará a perspectiva
central, também determinada pela localização do ponto de vista, como Arnheim
observa:
A construção geométrica em perspectiva central aproxima-se da projeção que
seria recebida pelo olho num ponto de vista especial. Por isso, a fim de ver o
quadro “corretamente”, o observador teria que assumir a posição correspondente,
ficando de pé do lado oposto do ponto de fuga com os olhos ao nível do horizonte.
Teria também que estar à distância relativa adequada (...). De fato, quando o
observador assume esta posição, ele achará o efeito de profundidade mais
convincente e a forma dos objetos menos distorcida.
36
Com isso, pode-se determinar que tanto a perspectiva central, considerada
como a representação correta, como a anamorfose, são manipulações do ponto
de vista, porém, no caso dessa última acontece a duplicidade dos pontos de vista,
como Regina Silveira afirma
as anamorfoses,
quando corrigidas, dão à percepção
duas superfícies que não coincidem: a superfície real da representação (seu suporte
concreto) e a superfície virtual da ilusão, organizada por um ponto de vista.”
37
Em outras palavras, como descreve Arlindo Machado,
“a anamorfose nasce
de uma duplicidade de pontos de vista na construção de uma imagem, como acontece no
célebre crânio anamórfico de Os Embaixadores (1533) de Hans Holbein.”
38
35
MACHADO, Arlindo. “Anamorfoses cronotópicas ou a quarta dimensão da imagem”. In:
PARENTE, André (org.); Trad.: Rogério Luz et alii. Imagem – Máquina: A era das tecnologias do
virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993, p. 100.
36
ARNHEIM, Rudolf. Op. Cit., p. 274.
37
SILVEIRA, Regina. Op. Cit., 1980, p. 6.
38
MACHADO, Arlindo. Op. Cit., p. 100.
25
Ainda sobre essa série, a artista explica que, como fez uma análise para a
dissertação de mestrado dela, leu muitos tratados sobre perspectivistas que
faziam anamorfoses, como no caso do frei francês Jean-François Niceron, o
tratado chamado La Perspective Curiouse
39
, e seus estudos sobre os esquemas
anamórficos, no século XVII (figura 9). Nessa época as anamorfoses foram
realizadas por muitos artistas, o que foi considerado por Gustav R. Hocke, em seu
livro sobre o Maneirismo, um modismo, segundo ele
“De 1600 a 1660, época áurea
do Maneirismo, a anamorfose gozava de tanto prestigio (...) que provocante e com suas
dissonâncias (...) punha sistematicamente em dúvida a realidade do mundo fenomenal”
40
.
9. Jean-François Niceron, Técnica para a distorção anamórfica de faces, c. 1646.
Ilustração para o livro Thaumaturgus opticus.
Essas leituras feitas por Regina Silveira, são importantes para dar sentido à
sua poética visual, fazendo ligações do seu trabalho com a história da arte,
passada e recente, o que segundo ela:
“se faz através do conceito e nunca da citação
direta”.
41
39
A primeira edição da Perspective Curieuse de Niceron data de 1638 em Paris e possui como
título completo Perspective curieuse ou magie artificielle des effets merveilleux. Esta edição foi
seguida de uma versão em latim, após a morte de Niceron, em 1646, chamada Thaumaturgus
opticus, seu Admiranda optices per radium directum, catoptrices per radium reflectum e que serviu
de base para as publicações póstumas em francês de 1652 e 1663 de La Perspective curieuse.
Para mais informações ver: BALTRUSAITIS, Jurgis. Op. Cit., pp. 55 – 83.
40
HOCKE, Gustav R. Maneirismo: O mundo como labirinto. Trad.: Clemente Raphael Mahl. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1974, p. 203.
41
Depoimento de Regina Silveira à Angélica de Moraes. In: MORAES,Angélica de (org.). Op. Cit.,
1998, p. 98.
26
Naquele texto a artista assinala alguns artistas como fonte de referência e
estudo para essa série de trabalhos, entre os artistas do período renascentista
estão, Leonardo da Vinci por suas reflexões em seus textos e desenhos; Paulo
Ucello pelo múltiplos pontos de vista de suas pinturas; Albrecht Dürer e as
máquinas de desenhar; Filippo Brunelleschi e a descrição de seus dois painéis
perdidos
42
; e o Auto-retrato diante de Espelho Convexo de Francesco Mazzola, Il
Parmigianino de 1523.
A tradição do trompe loeil também é citada por Silveira. Termo francês que
significa enganar os olhos é usado para se referir à pintura que seduz e confunde
o espectador, como no caso dos afrescos nos tetos de igrejas barrocas,
principalmente ao representar partes da arquitetura, com falsas paredes, tetos,
abóbadas e cúpulas, como é o caso do falso domo da Igreja de São Inácio, Roma,
pintada pelo padre Andrea Pozzo em 1685, (figura 10).
10. Andrea Pozzo, Domo Ilusionista, 1685.
Afresco. Igreja de São Inácio, Roma, Itália.
42
Cf. WHITE, John. The Birth and Rebirth of Pictorial Space. Cambridge: The Belknap Press of
Harvard University Press, 1987, pp.113 -130. A perspectiva, baseada em sistemas matemáticos, foi
primeiramente proclamada, não na publicação de um tratado, mas em dois pequenos painéis, hoje
perdidos, executados por Filippo Brunelleschi, um dos painéis seria munido de orifício e espelho
para ver uma pintura-ilusão. Estas informações estão na bibliografia de Brunelleschi, escrita
algumas décadas após a sua morte por Antonio Manetti, “Vita di Ser Filippo Brunellesco”, c. 1485.
27
Gombrich em seu livro Arte e Ilusão, discute a modificação gradual das
convenções tradicionais de esquematização da construção da imagem, sob a
pressão das exigências de cada período. Sobre o trompe l’oeil, Gombrich diz que
para ser bem sucedido, esse tipo de pintura, não depende apenas da observação
cuidadosa, mas também da experimentação com os efeitos pictóricos, além disso,
completa:
“A invenção desses efeitos (...) foi estimulada pela insatisfação de certos
períodos da civilização ocidental com imagens que não chegavam a ser convincentes.”
43
Sobre os artistas do século XX, Regina Silveira menciona a última obra de
Marcel Duchamp Étant Donnés: La chute d’eau. Le Gaz d’éclair age (figura
11a e 11b), realizada entre 1946 e 1966, classificada como uma assemblage e
que está no Museu de Arte da Filadélfia, EUA. A obra é uma cena ilusionista, que
pode ser vista apenas por dois orifícios em uma grande porta, proporcionando
para o espectador um ponto de vista específico, como condição para criar a ilusão
tridimensional. Esse trabalho foi divulgado apenas em 1968, depois da morte do
artista.
11a. Marcel Duchamp, Étant Donnés: 1° La
chute d’eau. Le Gaz d’éclairage, 1946 -
1966. Assemblagem (vista externa da obra).
Museu de Arte da Filadélfia, EUA
11b. Marcel Duchamp, Étant Donnés: 1° La
chute d’eau. Le Gaz d’éclairage, 1946 -
1966. Assemblagem (vista interna da obra).
Museu de Arte da Filadélfia, EUA
43
GOMBRICH, E. H. Op. Cit., prefácio, p. XVI.
28
Na arte contemporânea, os artistas também fazem uso das técnicas da
anamorfose. Jurgis Baltrusaitis consagrou um capítulo da nova edição ampliada
de seu estudo Anamorphoses Les Perspectives Dépravées II, de 1984, para
os artistas do século XX, o que chamou de as anamorfoses dos dias de hoje
44
.
Baltrusaitis cita diversos artistas que trabalham com a anamorfose tanto no plano
pictórico, como em objetos tridimensionais, como é o caso do artista Jan Beutner
45
e a sua anamorfose tridimensional (figura 12a e 12b). Na primeira fotografia do
objeto (figura 12a) observa-se o ponto de vista na qual se percebe a deformação
da anamorfose, e na segunda (figura 12b) o ponto cuja forma é corrigida.
12a e 12b. Jan Beutner, Banco de madeira, 1975.
Caixa de madeira e pregos. Museu de Artes Decorativas, Paris.
Regina Silveira emprega a perspectiva para criar situações nas quais, a
partir de um suporte plano, orienta o olhar do espectador para um pré-determinado
ponto de vista, causando assim, um estranhamento do observador perante a cena
construída. A intenção da artista está na subjetividade que transpassa pelas
imagens criadas, como relata Walter Zanini:
44
BALTRUSAITIS, Jurgis. Op. Cit., Capítulo Résurgences et Renouveaux (que pode ser traduzido
como Resurgir e Renovar), pp. 245290.
45
Além de Jan Beutner, Jurgis Baltrusaitis menciona outros artistas, entre eles: Ljuba Popovic
(1934), Pierre Yves Trémois (1921), Michel Parré (1938-1998), Jiri Kolar (1914-2002), Louis Ducos
du Hauron (1837-1920), Salvador Dali (1904-1989), Hans Hamngren (1934) e Miguel Berrocal
(1933-2006).
29
As malhas, traçadas por regras da perspectiva “artificialis” e por outros sistemas
de construção geométrica do espaço, têm sido combinados, no avanço de sua
carreira, aos impulsos inquietos da sua subjetividade, na intenção de colocar
ambos os conceitos de “estranheza e normalidade no reino da visibilidade” com
resultados que seguramente são de alto nível estético.
46
Esse estranhamento é provocado por alterações nas formas de objetos
comuns, familiares para o espectador:
“Se nossas expectativas permitem interpretar a
imagem fotográfica como visualidade adequada ou “realidade possível”, tratou-se de
testar, por metamorfismos, os limites do reconhecimento da coisa representada, quando
se alteram radicalmente suas características conhecidas de forma e função.”
47
Sobre
esses aspectos Marcio Doctors, no texto que abre o catálogo da exposição da
artista no Paço Imperial no Rio de Janeiro em 2001/2002, diz:
O que a obra de Regina Silveira realiza é a desnaturalização desse espaço
naturalizado pela perspectiva central, utilizando-se dos cânones dessa mesma
perspectiva; só que manipulados de forma a tirar partido daquilo que a perspectiva
tem de mais ilusionista, isto é, a anamorfose, que é a correção das distorções da
visão através de distorções no desenho e que implica um ponto de observação
absolutamente imóvel, senão a imagem nos escapa.
48
Essa série é um marco no trabalho de Regina Silveira, pois abriu novos
caminhos a partir das questões contidas, talvez auxiliada à reflexão acadêmica
decorrente da dissertação de mestrado da artista. O fato é que esse conjunto de
obras sempre é citado quando se pensa no processo e na trajetória do trabalho da
artista, pois dialoga com momentos posteriores de sua produção.
46
ZANINI, Walter. Op. Cit., p. 175.
47
SILVEIRA, Regina.Op. Cit., 1980, p. 1.
48
DOCTORS, Marcio. “A Angústia da Perda da Espessura do Mundo”. Rio de Janeiro: Atelier
Finep, Paço Imperial, 2001, pp. 04-07, p. 05 . Catálogo de Exposição.
30
1. 2. A sombra e a ausência: simulação e simulacro
Além de fotografias de objetos do cotidiano, no conjunto de trabalhos
seguinte à Anamorfas, intitulado Simulacros (1984), que foi objeto de análise em
seu doutorado pela ECA USP em 1984, Regina Silveira também faz uso de
imagens consagradas da história da arte, como por exemplo os Ready-mades de
Marcel Duchamp.
Nessa série composta pelos trabalhos gráficos: Símiles, Topo-Sombras
(figuras 13 e 14) e Dilatáveis; objetos: Enigmas e Topo-Sombras; e as primeiras
instalações ambientais de sua carreira: Projectio I, Projectio II e as In Absentia,
Regina Silveira também utiliza os códigos da perspectiva, dessa vez distorcendo
as formas de objetos e figuras humanas em sombras projetadas. Mas não são
simples projeções de sombras, e sim
sombras radicalmente artificiais. Ela as arma a
partir de distorções projetivas inventadas”
49
,
nas quais, muitas vezes, o observador
não consegue identificar de que objeto é a sombra, reforçando a isso o fato de, na
maioria dos trabalhos, o objeto está ausente, como os intitulados In Absentia
(figuras 15 e 16).
Aqui, continua o jogo de aparências da série Anamorfas, mas a artista
considera seus simulacros como formas aparentes das aparências. O conceito de
simulacro envolve uma discussão sobre igualdade e diferença, semelhança e
disparidade, representação e criação. A representação consiste na adequação
entre a idéia e a coisa, o abstrato e o real, a fim de discernir o verdadeiro do falso.
O simulacro rompe com a representação e torna-se criação. No dicionário,
encontra-se a definição: “Vã representação; aparência sem realidade; exterior
falso ou fingido.
50
A simulação também pode alcançar um grau de perfeição
inexistente no objeto real, o que pode ser considerada uma critica à ausência de
significado que se atribui aos objetos cotidianos
51
.
49
MORAES, Angélica de. Op. cit., 1999, p. 123.
50
AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Delta,
1958, v. 5, p. 4683.
51
Para mais informações sobre os conceitos de simulacro ver: BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e
Simulação. Lisboa: Editora Relógio D’água, 1991. Do original em francês, Simulacres et Simulation
de 1981.
31
13. Regina Silveira, Topo-sombra 3, 1983.
Lito off-set, 50 x 69 cm.
14. Regina Silveira, Topo-sombra 6: esquema
construtivo, 1983.
Desenho de nanquim sobre papel, 50 x 70 cm.
15. Regina Silveira, In Absentia - Para Giselda Leirner, 1982.
Instalação (Tinta sobre papel). Exposição “Arte em Processo”, exibida no MAM de São Paulo.
Em sua primeira instalação (figura 15), uma homenagem à artista Giselda
Leirner
52
, a imagem da sombra de um cavalete de pintura é projetada em preto
52
Segundo Regina Silveira: “Giselda Leirner tinha exibido naquela ocasião uma série de desenhos
com imagens de cavaletes que me impressionaram muito e foram o estopim para a idéia da
instalação.” Cf. depoimento de Regina Silveira à Anlica de Moraes. In: MORAES,Angélica de
(org.).Op. Cit.,1998, p. 109.
32
sobre um papel branco de 80 metros quadrados disposto em fundo infinito”,
ocupando parte da parede e do chão do espaço expositivo. A partir desse trabalho
a artista passa a perceber as várias possibilidades de comportamento das
imagens quando inscritas nessas circunstâncias, passou também a se questionar
e a entender que podia dominar e manipular o ponto de vista, produzindo
impossibilidades e vertigens do espaço, o que segundo a artista era todo um lado
mais perverso que lhe interessava
53
.
Esta primeira realização ambiental proporcionou-me a descoberta inicial das
inúmeras possibilidades que poderia extrair de uma imagem perspectivada,
quando visualizada desde múltiplos pontos de vista por observadores deslocando-
se nas bordas da representação. Também neste trabalho captei o que não havia
visto antes: o caráter reversível da silhueta, que ora se comporta como sombra (de
um cavalete real, ausente, mas suposto num ângulo do desenho) e ora como
achatamento projetivo (a silhueta do próprio cavalete, com toda a profundidade
virtual da figura que servira de base à projeção e dispensando a noção de um
corpo opaco subtraído).
54
16. Regina Silveira, In Absentia M.D., 1983.
Instalação (pedestal de madeira, latex sobre piso). 17a. Bienal de São Paulo.
53
Cf. Regina Silveira em entrevista concedida a autora em 22 de novembro de 2006 (transcrita
aqui em Anexo I, pp. 76 – 86, p. 80).
54
SILVEIRA, Regina. Simulacros. São Paulo: ECA USP, 1984, p. 8. Tese de Doutorado.
33
Na instalação “In Absentia M.D.” (figura 16), apresentada em 1983 para a
17ª Bienal de o Paulo, aparecem projetadas, na cor preta, as silhuetas de dois
dos mais conhecidos Ready-mades de Duchamp, Porta-garrafa (1917) e Roda de
Bicicleta (1913). Segundo Silveira,
“A escolha dos ready-mades de Duchamp foi
determinada pela vontade de aludir a uma poética análoga do artista, cujo comentário aos
códigos de projeção sempre foi um dos fatores de investigação para minha produção
artística.”
55
A monumentalidade da obra que ocupava 200 metros quadrados e
tomava parte do piso e das paredes laterais do espaço, com as silhuetas
projetadas que saiam de típicos cubos, usados como base e pedestal de
esculturas, mas no caso vazios, causavam impacto no espectador, como descreve
Zanini:
As sombras perspécticas partiam de objetos apenas mentalmente presentes e
ilusoriamente colocados sobre bases reais de escultura, convergindo para um
ponto de fuga. O espectador, ao percorrer a orla da instalação desde o ponto
central e correto de observação das silhuetas, dava-se conta das alterações
gradativas que sofriam as imagens, que se transmutavam em uma outra
tridimensionalidade.
56
Esse conjunto de trabalhos, Simulacros, possui também, assim como na
série Anamorfas, um diálogo com a história da arte, principalmente, com os
artistas que fazem uso da perspectiva, sobretudo da tradição ilusionista, como
Regina Silveira descreveu em sua tese de doutorado, citando fontes artísticas
demarcadoras de suas reflexões, como Leonardo da Vinci, Marcel Duchamp,
Giorgio de Chirico, René Magritte, M. C. Escher e Jan Dibbets. Segundo a artista:
No âmbito das realizações artísticas, “Simulacros” dialoga com todas as
representações sustentadas por uma construção em Perspectiva, mantendo ou
não a integridade do sistema; apertando o escopo, seu diálogo mais fluente é com
as obras da tradição ilusionista, na acepção atual de imagens que pretendem
55
Idem, p. 9.
56
ZANINI, Walter, Op. Cit., p. 163.
34
proporcionar a sugestão de um espaço tridimensional como extensão do mundo
real, conectando pela virtualidade o espectador e a representação.
57
A ausência do objeto e a presença de sua sombra deformada e agigantada,
segundo o crítico de arte e curador Agnaldo Farias,
“é uma maneira peculiar de
abordar criticamente os sistemas de representação, isto é, uma metódica demonstração
dos limites estritos dos sistemas elaborados para a representação das coisas.(...) Um
enigma que a artista repõe a partir de confronto entre o espaço real e uma projeção
perspectiva, que de imediato provoca um grande desconforto no espectador.”
58
1.3. Anos 90 e os trabalhos recentes
Na década de 90, com as bolsas recebidas do exterior, principalmente, dos
Estados Unidos, e alguns outros convites, Regina Silveira realizou trabalhos que
passaram a ser marcantes em sua carreira. Como é o caso da instalação
desenvolvida para o Museu del Barrio de Nova York em 1994, The Saint’s
Paradox ( O Paradoxo do Santo, figura 17a e 17b), apresentada na exposição
coletiva Recovering Popular Culture, na qual a artista, convidada a interagir com
uma peça do museu, escolhe a pequena escultura de madeira de São Tiago
montado em um cavalo branco feita por um artista anônimo. A partir daí a artista
brasileira cria um grande impacto visual ao colocar a pequena escultura sobre
uma base e saindo dela uma expressiva sombra perspectivada e agigantada do
monumento dedicado ao Duque de Caxias, famosa escultura de Victor Brecheret
localizada no centro da cidade de São Paulo.
O paradoxo em questão é a relação entre as duas figuras, de São Tiago,
santo protetor dos conquistadores espanhóis e dos índios convertidos e de Duque
de Caxias, general do exército brasileiro que comandou a guerra do Paraguay no
57
SILVEIRA, Regina.Op. Cit., 1984, p. 11 - 12.
58
FARIAS, Agnaldo. Do conceito ao Espaço: Eduardo Coimbra e Regina Silveira. São Paulo:
Instituto Tomie Ohtake, 2002, Catálogo de Exposição, p. 14 e 15.
35
século XIX, criando um comentário sobre a afinidade entre os poderes militar e
religioso na dominação da América Latina no período colonial.
Essa obra, além do forte contexto político, sempre acompanhado de uma
certa ironia, possui uma grande expressividade, que Aracy Amaral chamou de
“barroquismo de resultado exasperado”
59
.
17a. Regina Silveira, The Saint’s Paradox,
1994.
Instalação (tinta industrial sobre chão e
parede, pedestal e pequena escultura).
Museu del Barrio, Nova York.
17b. Regina Silveira, The Saint’s Paradox,
1994. (detalhe) - a pequena escultura de São
Tiago.
Em Vórtice (figura 18), instalação também do ano de 94, feita para
participar da mostra Arte/Cidade em São Paulo, Regina Silveira utiliza um grande
espaço do edifício da Eletropaulo e realiza um de seus primeiros trabalhos no qual
dialoga com a arquitetura do local. Provavelmente esse é um dos trabalhos nos
quais a artista realiza constantes visitas ao local
“para poder pensar como resolver,
porque uma coisa é você estar no espaço, com a escala do seu corpo para perceber
como aquela visualidade vai ser entendida, do que trabalhar por meio de uma
representação e afastada do lugar”
60
.
Ao selecionar quatro janelas do quinto andar do
59
Termo tirado de seguinte trecho: “A personalidade apolínea de Regina Silveira sofre mutação
nessas transposições. Sua racionalidade extrema se altera ao carregar até às últimas
conseqüências distorções que a levam por vezes ao barroquismo de resultado exasperado. Isso é
bem visível tanto na motocicleta projetada na série Veloz como na instalação The Saint’s Paradox
(O Paradoxo do Santo), realizada em 1994 no Museo Del Barrio (Nova Iorque), onde a imagem
popular do Apóstolo o Tiago foi colocada “vis a vis” à sombra do Monumento a Duque de
Caxias, de Victor Brecheret.” AMARAL, Aracy. “Vocação Internacionalista”. In: MORAES, Angélica
de. Op. Cit.,1998, pp. 177-186, p. 183.
60
Cf. Regina Silveira em entrevista concedida a autora em 22 de novembro de 2006 (transcrita
aqui em Anexo I, pp. 76 – 86, p. 76).
36
edifício, multiplicar e reproduzir estas janelas com distorções perspectivadas,
proporciona um deslumbramento deste espaço:
Minha intenção foi construir um espaço virtual vertical que, para um olho situado
na convergência da perspectiva, proporcionasse a ilusão de um abismo
transparente, onde se pudessem ver as janelas dos quatro andares inferiores e
adjacentes ao andar em que a obra se localiza.
61
18. Regina Silveira, Vórtice, 1994.
Instalação (pintura sobre PVC). 11 x 16 x 50m.
Arte/Cidade: A Cidade e seus fluxos, São Paulo.
Outras das obras mais significativas da década de 90 são, também, duas
instalações, Apartamento (figura 19) de sua mostra individual Grafias no Museu de
Arte de São Paulo, Masp, em 1996 e Escada Inexplicável II de 1997 (figura 20),
exposta na coletiva Por que Duchamp? realizada no Paço das Artes, também em
São Paulo, no ano de 1999.
61
SILVEIRA, Regina. “Vórtice”. In: PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções urbanas: Arte/Cidade.
São Paulo: Editora Senac, 2002, pp. 72-75, p. 74.
37
19. Regina Silveira, Apartamento, 1996.
Instalação (pintura sobre PVC). 70 m².
Exposição Individual Grafias ,Masp, São Paulo.
Na instalação Apartamento, vê-se um dialogo com os elementos do
desenho arquitetônico como numa “quase” planta baixa, na verdade um desenho
em perspectiva, deformado e dobrado sobre dois planos, chão e parede do
espaço do museu.
20. Regina Silveira, Escada Inexplicável II, 1997.
Instalação (pintura sobre PVC). 11 x 16 x 50m.
Exposição Por que Duchamp?, 1999, Paço das Artes, São Paulo.
em Escada Inexplicável II
62
, observa-se a imagem de uma escada
achatada, bidimensional, ocupando um canto do espaço expositivo, são três
62
O título dessa obra refere-se à como é chamada uma escada localizada numa Capela de
Loretto, em Santa Fé (Novo México, EUA). A escada em espiral é considerada um enigma
arquitetônico, ligando a nave ao coro da capela, foi construída sem pregos e com instrumentos
38
planos, nos quais, a imagem da escada provoca uma armadilha visual
vertiginosa
63
.
A mostra Por que Duchamp? foi dedicada aos diálogos entre os trabalhos de
artistas e críticos brasileiros sobre Marcel Duchamp
64
. No caso da obra de Silveira,
a crítica Angélica de Moraes foi quem estabeleceu o diálogo entre a artista
brasileira e o artista francês, fazendo uma analogia da obra de Silveira e O Grande
Vidro de Duchamp:
O “vidro” de Regina é a malha Perspéctica que ela usa no processo
de construção de imagem. De modo semelhante ao vidro adotado por Duchamp como
suporte, a malha cria um espaço virtual que ordena toda a percepção da imagem”
65
.
Essa
obra teve um desdobramento em outro trabalho, chamado Descendo a escada, de
2002, uma instalação que consistia na projeção da imagem de Escada
Inexplicável II com um movimento de rotação e som de passos descendo pela
escada, o trabalho também ficava localizado em um canto do espaço da
exposição coletiva Emoção Art.ficial, no Itaú Cultural em São Paulo, mostra sobre
arte e tecnologia.
Em sua produção recente, Regina Silveira continua a explorar a perspectiva
e cada vez mais os trabalhos realizados para lugares específicos, os chamados
site specific art, nos quais a artista realiza intervenções e diálogos relacionados
com a arquitetura dos espaços expositivos. Como em Desapariencia (Taller) de
2004, (figura 21) instalação de 236 metros quadrados que ocupou o espaço
conhecido como El Cubo, na Sala de Arte Publico Siqueiros, Cidade do México,
lugar construído onde foi o jardim da casa do artista muralista mexicano David
Alfaro Siqueiros. Nessa obra a artista explora mais uma vez a forma do cavalete
de pintura, como vista pela primeira vez em In Absentia Para Giselda Leirner de
1983, depois em Desaparência exposto em 1997 no Paço das Artes em São Paulo
e, em 2001, uma outra versão no Torreão, em Porto Alegre. Ao usar esse objeto, a
artista crítica os instrumentos dos estúdios tradicionais de pintura, desta vez o
rudimentares, na segunda metade do século XIX, e diz a lenda que ela teria sido obra de
misterioso carpinteiro. Cf. MORAES, Angélica de. Op. Cit., 1999, p. 116.
63
Idem.
64
Além de Regina Silveira, participaram desta mostra os artistas: Cildo Meireles, Helio Oiticica,
Waltércio Caldas, Nelson Leirner, Carmela Gross, Nuno Ramos entre outros.
65
MORAES, Angélica de. Op. Cit., 1999, p. 116.
39
contorno do desenho do objeto, totalmente anamórfico, é uma linha imprecisa, daí
o nome Desaparência.
21. Regina Silveira, Desapariencia (Taller), 2004.
Instalação (vinil adesivo sobre chão e parede), 236 m2.
El Cubo, Sala de Arte Publico Siqueiros, Cidade do México, México.
Na exposição de 2003, intitulada ClaraLuz, que ocupou grande parte do
espaço do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo com diversas obras
feitas como narrativas visuais da própria arquitetura do interior do edifício desta
instituição. A artista além de trabalhar com a sombra, trabalha, especialmente
nessa mostra, com a luz e com a projeção da luz, que se afirmam como um forte
caminho na sua produção atual. Nesses trabalhos a questão da luz é tão presente
e talvez até mais que a perspectiva, mas não se pode deixar de perceber a
relação do ponto de vista existente entre ambas, como a citação a seguir do
escritor francês Jacques Rivière melhor exemplifica:
A perspectiva é uma coisa tão acidental quanto a iluminação. É o sinal não de
determinado momento no tempo, mas de determinada posição no espaço. Indica
não a situação dos objetos, mas a situação de um espectador [...] daí, em última
análise, a perspectiva ser também o sinal de um instante, instante este em que
40
certa pessoa ocupa certo ponto. E o que é mais, tal como a iluminação, ela os
altera, dissimula sua verdadeira forma.
66
22. Regina Silveira, Double, 2003.
Instalação (projeção, madeira, pintura
automotiva e vinil)
Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo
23. Regina Silveira, Equinócio, 2002
Instalação (projeção, madeira, pintura
automotiva e vinil)
Galeria de Arte do Sesi, São Paulo
Em alguns trabalhos a luz aparece em formas perspectivadas como em
Double (figura 22) criando uma comparação visual entre um cubo real e a ilusão
de um cubo projetado sobre o plano da parede do espaço de exposição. Esta
mesma “aparição” de objetos tridimensionais foi utilizada por Silveira
anteriormente, em 2002, com a esfera de Equinócio (figura 23) na exposição
coletiva Estratégias para Deslumbrar, organizada pelo Museu de Arte
Contemporânea da USP na Galeria de Arte do Sesi em São Paulo.
em Luz/Zul (figura 24), obra é ligada a um elemento arquitetônico do
edifício do CCBB, a janela, na qual a palavra luz é escrita em um adesivo de vinil
translúcido e colada sobre ela. Na parede ao lado a luz natural do dia é simulada e
projeta o desenho da palavra luz perspectivada, como se fosse a luz do dia,
criando assim uma ficção da luz real.
66
RIVIÈRE, Jacques. Sur les tendences actuelles de la peinture. Revue d’Europe et d’Amérique, 1,
384-406., 1912. In: HOCKNEY, David. O Conhecimento Secreto – Redescobrindo as técnicas
perdidas dos grandes mestres. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p. 197.
41
24. Regina Silveira, Luz/Zul, 2003
Instalação (projeção de gobo metálico e recorte em vinil adesivo translúcido).
Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo.
Com esses trabalhos recentes, percebe-se um diálogo mais forte da obra
de arte com o seu lugar, o que não deixa de ser uma reconquista do espaço como
contexto e, também, uma forma de apropriação da arquitetura, criando obras
específicas, muitas vezes em grande escala, que resultam em uma perplexidade
perceptiva do espectador diante daquele lugar.
42
1. 4. Os desenhos preparatórios de Regina Silveira
O desenho é peça essencial do processo de trabalho de Regina Silveira,
através deles a artista desenvolve suas idéias e todos possuem o caráter
preparatório para suas obras. Na maioria das vezes, o processo acontece em
folhas de papel milimetradas, nas quais a imagem é pensada e repensada até
ganhar corpo como desenho ou maquete para depois ser transformada em
gravura, objeto ou instalação.
Com o desenho a artista realiza um exercício de imaginação. Essa ação
tem em si um caráter projetivo, um sentido de ser prelúdio a qualquer modo de
expressão:
Meus desenhos são uma perseguição do mundo das idéias, um acercamento de
determinados tipos de soluções para visualidades. É quando estou desenhando
que me sinto mais à vontade e, ao mesmo tempo, mais provocada. Raras vezes,
nos últimos anos, fiz desenhos que fossem uma finalidade em si mesmos. Eles
são algo que eu gostaria de chamar de gráficos que conduzem a outros meios, a
outros tipos de realizações no papel (como é o caso da gravura) ou no espaço
tridimensional (como as instalações e os objetos). São desenhos preparatórios.
São o lugar da invenção, uma espécie de depósito de idéias.
67
Os chamados desenhos preparatórios fazem parte dos projetos para as
obras da artista, seja para os trabalhos gráficos ou para as instalações que realiza,
muitas vezes, para lugares específicos, Regina Silveira sempre passa pelo
procedimento do desenho:
“Cada uma das séries da tese [Simulacros], por suas
especificidades técnicas, responde a diferentes operações de execução. A única etapa
comum é a dos desenhos preparatórios, em diversas fases: dos esboços iniciais aos
desenhos perspectivados em escala reduzida, e destes aos esquemas construtivos, já no
mesmo tamanho do original a ser produzido.”
68
67
Depoimento de Regina Silveira à Angélica de Moraes. In: MORAES,Angélica de (org.). Op.
Cit.,1998, p. 62.
68
SILVEIRA, Regina.Op. Cit., 1984, p. 34.
43
Durante o processo de criação e elaboração de sua obra, muito pode ser
alterado, mas a maioria das mudanças acontece na etapa do desenho, que possui
uma essência construtiva:
“Meus projetos sofrem mudanças maiores na etapa do
desenho, que é a fase da concepção mais profunda da obra. Nesse momento, ele pode
transformar-se radicalmente.”
69
Todo o projeto fica definido no desenho, podendo a
obra ser montada e finalizada por assistentes da artista
70
, como também ser
encomendada digitalizações dos desenhos preparatórios e das maquetes, tudo
que ajude na realização do trabalho, mas que não torne diferente o projeto
71
.
Em muitos trabalhos, como na série Anamorfas, a artista afirma que os
desenhos preparatórios registram todas as operações visuais realizadas, assim
como os percursos do pensamento, as alternativas, as escolhas. Em muitos
desenhos ela utiliza a malha quadriculada perpectivada, a qual recorre para
deformar, esticando, comprimindo e dobrando os contornos dos objetos, alterando
o tamanho da malha quadriculada livremente:
“Minha ação gráfica foi sempre de livre
escolha, tanto na seleção dos pontos de vista como no deslocamento, diminuição,
aumento e retificação das medidas nas quadrículas.”
72
Portanto, apesar da artista se basear nos códigos perspectivistas para
distorcer as imagens, ela acaba criando uma “regra” para isso, que considera
intuitiva:
“Contudo não estou me referindo à uma geometria cartesiana seca ou rígida,
mas a uma geometria livre, constituída por um conjunto pequeno e particular de regras
inventadas. Com esta geometria eu venho fazendo vários tipos de distorções topológicas,
que consistem em dobrar, esticar, e curvar malhas, imagens e espaços.”
73
Quando questionada pela crítica de arte, Angélica de Moraes, se a malha
quadriculada perspectivada seria um modo de exercer autocontrole sobre sua
habilidade de desenhista, Regina Silveira nega, dizendo que
a malha não é
policiamento. É um modo de mapear a forma. A malha me serve para realizar distorções e
69
Depoimento de Regina Silveira à Angélica de Moraes. In: MORAES, Angélica de (org.), Op. Cit.,
1998, p. 69.
70
Segundo depoimento da própria artista, muitas maquetes e desenhos manipulados em
computador são realizados por seus assistentes. Idem.
71
Cf. Regina Silveira em entrevista concedida a autora em 22 de novembro de 2006 (transcrita
aqui em Anexo I, pp. 76 - 86, p. 79).
72
SILVEIRA, Regina. Op. Cit, 1980, p. 11.
73
Idem, In: http://www2.uol.com.br/reginasilveira/bio_3.htm. Acesso em 12/04/2005 às 15:04.
44
ocupar espaços. Uso o desenho como instrumento de conhecimento e não como
expressão de virtuosismo técnico”
74
.
25. Regina Silveira, The Saint’s Paradox, 1994
Desenho Preparatório. Museu del Barrio, Nova York.
No caso dos desenhos preparatórios para as instalações, muitas vezes,
esta malha passa a ser um papel milimetrado, escolhido pela artista, pois segundo
ela a quadrícula desse tipo de papel a ajuda a pensar graficamente
75
. Esse papel
se torna o suporte do desenho, mas que recebe outras malhas sobrepostas,
distorcidas, curvas ou inclinadas (figura 25).
No desenho preparatório para a instalação Escada Inexplicável II de 1997
(figura 26), tem-se um exemplo claro do processo de trabalho da artista. Sempre a
partir da escolha de uma fotografia qualquer do objeto real, Silveira constrói um
desenho, seja a partir da exploração de pontos de fuga, seja criando e
manipulando distorções da perspectiva e/ou do ponto de vista. Nos casos das
instalações para lugares específicos, a fotografia é do próprio lugar, como a artista
declarou:
“Muitas vezes o meu desenho é feito em cima de fotografias do lugar. Então o
74
Depoimento de Regina Silveira à Angélica de Moraes. In: MORAES, Angélica de (org.), Op. Cit.,
1998, p. 63.
75
Cf. Regina Silveira em entrevista concedida a autora em 22 de novembro de 2006 (transcrita
aqui em Anexo I, pp. 76 - 86, p. 77).
45
desenho preparatório vira anotações gráficas encima de fotografias. Escolho um ponto de
vista no lugar da intervenção.”
76
.
26. Regina Silveira, Escada Inexplicável II,
1997. Desenho Preparatório sobre fotografia,
45 x 63 cm. Coleção da artista.
27. Regina Silveira, Escada Inexplicável II,
1997. Desenho Preparatório, 69 x 99 cm.
Coleção da artista.
Em outro desenho (figura 28a), no caso um objeto, uma cadeira, que a
artista “deforma”, observa-se a utilização de esquemas da perspectiva central
(Figura 28b detalhe), além de colocar uma figura humana para, provavelmente,
pensar na manipulação de um determinado ponto de vista
77
e ângulo de visão,
para depois construir o objeto (Figura 29).
28a
.
Regina Silveira, Dobra 2, 1994 – 2001
Desenho preparatório, 45,5 x 65,5 cm.
28b. Regina Silveira, Dobra 2, 1994 – 2001
Desenho preparatório (detalhe).
76
Idem.
77
Segundo a artista são nos desenhos preparatórios que ela tem o controle do ponto de vista.
Idem.
46
29. Regina Silveira, Dobra 2, 2000.
Recorte de madeira com dobradiças, 90 x 220 x 220 cm
1. 4. 1. Os desenhos preparatórios em exposição
Muitas vezes, para as instalações de Regina Silveira, além dos desenhos
preparatórios, é nas maquetes (figura 31), que é possível ter uma percepção mais
próxima da obra transferida para o espaço tridimensional. Pode-se considerar que,
os desenhos preparatórios, assim como as maquetes, são processos da criação
artística que se configuram como obra em si. Tanto que nos últimos anos, a
artista realizou algumas exposições, nas quais o trabalho apresentado eram os
desenhos preparatórios e / ou as maquetes para suas obras.
Uma das razões para a explicação deste tipo de mostra pode ser o fato de
muitos de seus trabalhos serem temporários, são obras efêmeras feitas para
determinados lugares e com um determinado tempo de duração, por isso muitos
dos registros destes trabalhos são, além das fotografias que documentam a obra
realizada, seus próprios projetos, principalmente nos casos de trabalhos que não
chegaram a ser realizados.
Na verdade, Regina Silveira participa de mostras com maquetes de seus
trabalhos em instalações desde 1995, na ocasião da exposição individual
47
realizada em Nova York
78
. A artista observa que foi primeiro fora do Brasil onde
percebeu interesse dos museus em seus projetos
79
, mas atualmente no país o
número desse tipo de exposição cresceu, talvez pelo fato da tendência aos
estudos da critica genética
80
. Dentre as exposições recentes, duas aconteceram
no Centro Cultural São Paulo. A primeira com desenhos preparatórios, maquetes,
modelos digitais e amostras de projetos recentes para arquiteturas específicas em
espaços públicos ou privados (muitos dos quais não foram realizados), dentro da
Segunda Mostra do Programa de Exposições da instituição no ano de 2004
81
. A
segunda, na mesma instituição, no ano de 2006
82
, com os 44 desenhos
preparatórios para a série Anamorfas (1979-1981), doados pela artista, à
Pinacoteca Municipal, pertencente ao CCSP.
30. Vista geral da exposição Compêndio de 2007.
Maquetes e desenhos preparatórios de Regina Silveira em exposição.
Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG
Em outra exposição, que ocorreu em 2002-2003
83
, no Instituto Tomie
Ohtake, também na cidade de o Paulo, em conjunto com o artista Eduardo
78
Exposição “Mapping the Shadows”, na LedisFlam Gallery, da série de exposições simultâneas
“Art from Brazil”, em Nova York. Cf. MORAES, Angélica de (org.), Op. Cit., 1998, p. 248.
79
Regina Silveira percebe isso no episódio dos desenhos preparatórios para a exposição Gone
Wild, para o Museu de Arte Contemporânea de San Diego, em 1997. Para mais ver entrevista da
artista concedida a autora em 22 de novembro de 2006 (transcrita aqui em Anexo I, pp. 76 – 86, p.
78 ).
80
Idem, em Anexo I, pp. 76 – 86, p. 77. A crítica genética é, numa definição simples, a ciência que
estuda como as idéias nascem. Ela é aplicada nas pesquisas sobre arte, mas principalmente sobre
literatura, ao examinar manuscritos.
81
Exposição de 16 de junho a 18 de julho de 2004, no Centro Cultural São Paulo, São Paulo.
82
Exposição de 13 de maio a 27 de agosto de 2006, no Centro Cultural São Paulo, São Paulo.
83
Exposição de 18 de outubro de 2002 a 5 de janeiro de 2003, no Instituto Tomie Ohtake, São
Paulo.
48
Coimbra, intitulada Do conceito ao Espaço: Eduardo Coimbra e Regina Silveira, a
artista apresentou maquetes de instalações ou obras para lugares específicos em
espaços públicos ou privados.
Esse tipo de mostra, na qual o projeto é objeto principal em exposição, é
cada vez mais comum. Regina Silveira afirma sempre ter considerado seus
desenhos preparatórios como parte do projeto para suas obras, por isso, raras
vezes ela realizou desenhos com a finalidade em si mesmos. Mas podem-se
observar trabalhos em gravura, nos quais a artista praticamente reproduz o
desenho preparatório, como em Ralador, de 1990 (figura 32) ou em Lâmpada, de
1995 (figura 33), ambas litografias.
31. In Absentia (Stretched), 1992.
Maquete de madeira, 15 x 35 x 15 cm - escala 1 para 20.
The Queen's Museum of Art, NY.
Para Agnaldo Farias, curador da exposição e autor do texto do catálogo,
essa questão não é exatamente uma novidade, pois no final dos anos 60, com
os desdobramentos da arte conceitual,
Esboços, esquemas, textos, documentações
de fatura variada e até mesmo instruções dirigidas ao leitor da obra, que a partir daí
convertia-se em alguém que garantia a existência da obra passaram a ter um peso muito
49
maior quando o substituíam a obra de arte compreendida como um objeto, isto é, algo
dotado de dimensão física.”
84
Regina Silveira é uma artista que demonstra ser a idéia ou o conceito as
partes fundamentais da obra de arte e muitas vezes até o aspecto mais importante
do trabalho. E percebe-se aqui que todo esse processo, da elaboração e do
desenvolvimento da idéia e do conceito, é realizado, no caso da obra de Silveira,
no desenho.
32. Regina Silveira, Ralador, 1990.
Litografia sobre papel. 50 x 70 cm.
33. Regina Silveira, Lâmpada, 1995.
Litigrafia sobre papel. 50 x 70 cm.
84
FARIAS, Agnaldo. Op. Cit., p. 13.
50
2. Diálogos sobre a perspectiva
Na Antiguidade Clássica, observam-se elementos iniciais da perspectiva -
apesar dessa denominação aparecer no século XV - principalmente, nos
afrescos de Pompéia e no tratado De Architectura (Da Arquitetura) do arquiteto
romano Vitruvius (século I a.C.). Esse tratado pode ser considerado o único
testemunho que justifica
“a suposição de ter existido na Antiguidade uma perspectiva
em pintura, matematicamente representada”
85
.
No entanto, não nada que ligue as
técnicas artísticas de representação com as teorias geométricas ópticas gregas,
particularmente, a Óptica de Euclides (295 a.C.), sendo considerada a perspectiva
ocidental anterior ao Renascimento, como perspectiva não-científica.
Na Europa pré-renascentista e no Oriente empregavam-se métodos
intuitivos de representação da tridimensionalidade, hoje chamada de Perspectiva
Isométrica, Intuitiva ou não-científica. Por exemplo, o pintor e arquiteto italiano
Giotto (c. 1267–1337) foi um dos primeiros a dar importância à representação do
espaço, colocando personagens representados de costas, ou ainda espaços
vazios, sem a figura humana, o que foi inovador.
no final da Idade Média e no Renascimento, a perspectiva começou a se
desenvolver por meio do conhecimento sistemático sobre a óptica e a geometria
euclidiana:
“(...) a perspectiva pictural está ligada à “ciência de Perspectiva”, um setor ao
qual a pesquisa acadêmica se dedicou intensamente no final da Idade Média, e que
poderíamos chamar de Óptica.”
86
,
fazendo com que
os artistas se aproximassem
dos matemáticos, e transportassem este conhecimento para a pintura, além de
proporcionar à eles sucesso frente aos mecenas e ao público. Pode-se
acrescentar a frase acima de Baxandall, a afirmação de Martin Kemp:
A
perspectiva linear, com suas bases em levantamento topográfico, na óptica medieval e na
geometria euclidiana, era a justificativa mais óbvia do pintor para a fama intelectual.”
87
A perspectiva linear, baseada a princípio num único ponto de vista fixo e
central, desenvolveu-se na arte, na Itália no início do século XV, quando foi citada
85
PANOFSKY, Erwin. Op. Cit., nota 19, p. 88.
86
BAXANDALL, Michael. O Olhar Renascente – Pintura e Experiência Social na Itália da
Renascença. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1991, p. 200.
87
KEMP, Martin. Leonardo da Vinci. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 142.
51
pelo arquiteto Filippo Brunelleschi (1377-1446), descrita por Leon Battista Alberti
(1404-1472) em seu tratado Da Pintura (1435) e pintada num afresco chamado A
Trindade na igreja Sta. Maria Novella, em Florença, cerca de 1420, pelo pintor
Masaccio (1401-1428).
Alberti desenvolve a teoria da perspectiva linear e a formação da “janela
perspectivista” a partir de um raio formado por linhas retas projetas da base do
objeto e tem como ponto de convergência o olho, a regra da pirâmide visual. Esse
raio é interseccionado por um plano paralelo à base do objeto e do plano pictórico,
resultaria no tamanho do objeto conforme sua distância em relação ao olho. Nas
palavras de Alberti:
“os pintores devem saber que com suas linhas circunscrevem uma
superfície as formas das coisas vistas, como se essa superfície fosse de vidro translúcido
e atravessasse a pirâmide visual a uma certa distância, com determinadas luzes e
determinada posição de centro no espaço e nos seus lugares. (...) Não será, pois, a
pintura outra coisa que a intersecção da pirâmide visual representada com arte por linhas
e cores numa dada superfície (...)”
88
Durante o Renascimento, muitos artistas também eram teóricos e
escreveram seus tratados e estudos sobre a pintura, além do já mencionado
Codex Atlanticus (1483-1518), Leonardo da Vinci escreveu outros, como o Codex
Urbinas Latinus 1270, (1500-1505). Além dele, Piero della Francesca, escreveu
De Prospetiva Pingenti (1469) e Dürer, Institutionum geometricarum libri
quatuor...(1525), só para citar alguns.
Os artistas renascentistas encaravam a perspectiva artificial com algum
pragmatismo. Incorporavam-no quando lhes era útil, mas eram flexíveis. Por
exemplo, John White afirma que o artista renascentista florentino Paulo Uccello
continuou a utilizar pontos de fuga mutáveis muito depois de dominada a
perspectiva artificial
89
. É irônico o fato de que Uccello, o qual tanto se preocupava
com a teoria perspética, viesse a criar obras como o fresco de Sir John Hawkwood
e o Dilúvio de Santa Maria Novella ambos baseados num desenho
minuciosamente perspectivado, mas com elementos incompatíveis com o sistema,
com complexos jogos entre superfície e profundidade e multiplos pontos de vista.
88
ALBERTI, Leon Batista. Da pintura. Campinas: Editora da Unicamp, 1992, p. 82-83.
89
WHITE, John. Op. Cit., 1987, pp. 202-210.
52
Após o Renascimento, o Maneirismo “consciente”, como é chamado por
Gustav Hocke o período entre os anos de 1520 e 1650,
“quanto àquele lapso de
tempo entre o fim do Renascimento e o Barroco tardio”
90
,
apresenta inúmeros artistas
que trabalham com deformações, de um estilo que procura fugir e libertar-se dos
critérios do Classicismo, numa época em que os artistas, principalmente italianos,
acreditavam tratar-se de um labirinto poético, um mundo
“repleto de desordens e de
angústias, razão pela qual ele não mais se deixa retratar pelas regras do Classicismo (...)
Foi em Florença onde, pela primeira vez, se tentou representar por uma maniera pessoal,
este mundo repleto de desconcertos”
91
época na qual, como foi dito aqui, a
anamorfose tornou-se moda.
No período Barroco, aconteceram algumas experimentações no campo da
representação perspectivista, que utilizavam diferentes pontos de vista para
observar o mesmo objeto,
caracterizadas por uma concepção dinâmica do espaço,
observado e descrito através de uma visão policêntrica”
92
, essas experiências
resultaram nas perspectivas anamórficas e ilusionistas. É desta época, no século
XVII, o já citado tratado La Perspective Curiouse, no qual Niceron realizou estudos
sobre os esquemas de anamorfoses.
Do século XVI ao XVIII, muitos tratados sobre a perspectiva foram escritos,
alguns sobre a perspectiva não-linear, imitadora dos efeitos de distância por meio
da cor e da luminosidade (claro-escuro), designada como perspectiva aérea, que
consiste nas imagens ópticas transmitidas pelas superfícies das coisas, que ao
atravessarem o espaço, enfraquecem, não os ângulos dos objetos ficam
menores, conforme ensina a perspectiva linear, mas também perdem intensidade.
A partir da metade do século XIX, os códigos de representação naturalistas
caíram em relativo desuso após a ascensão da fotografia e com o impressionismo.
Artistas como Turner, Constable, Courbet, Manet e Monet começaram a rejeitar os
princípios da perspectiva tradicional e se interessavam em capturar o brilho natural
da luz e da cor. Aos poucos, no período de transição para a arte moderna, a
90
HOCKE, Gustav R. Op. Cit., p. 19 e seguintes.
91
Idem.
92
MASSIRONI, Manfredo. Ver pelo desenho aspectos técnicos, cognitivos, comunicativos.
Lisboa: Edições 70, 1996, pp. 63 - 64.
53
pintura deixa de ser a “janela perspectivista”, deixa de ter a transparência de uma
janela, como exemplifica Alberto Tassinari no caso da pintura de Cézanne:
Para a pintura de Cézanne as coisas ocorrem de modo diverso. Em parte ela é o
vidro transparente através do qual se vêem as coisas. Em parte ela obstaculiza tal
transparência pela trama das pinceladas. Se o espaço da obra de Cézanne é sem
dúvida moderno, pertence ainda à fase de formação de arte moderna. Parte
transparente, parte opaco, o plano da pintura é também em parte naturalista e em
parte sua destruição.
93
2.1. A quebra de paradigmas da arte moderna
No século XX, com a arte moderna iniciou-se a ruptura do espaço
organizado, os artistas experimentavam diversas maneiras de representar o
espaço, muitas vezes distorcendo os códigos da perspectiva.
A pintura deixou de ser mimética, ou seja, recusou a função de copiar e
reproduzir a realidade, da maneira como era feita nos moldes clássicos e
naturalistas. Este não era mais o objetivo dos artistas, pois com o
desenvolvimento tecnológico e o advento da fotografia, a imagem passa a ser
registrada fielmente, sem a necessidade das habilidades manuais do artista.
“A
luta da arte moderna por um espaço artístico não perspectivo, se não se desvencilhou do
espaço, o deixou como um tema relevante somente para este ou aquele artista e não em
sua generalidade.”
94
Nas vanguardas artísticas o Cubismo pode ser considerado o primeiro
movimento radical na transformação da arte, tornando-a um espaço autônomo,
livre de discursos e diversas interpretações. Os cubistas trabalhavam com os
elementos formais da pintura, o espaço torna-se um impasse visual, com uma
perspectiva fragmentada, deformada e decomposta
. “... mais do que um modelo, o
cubismo foi o primeiro exemplo irrefutável de que a arte moderna era algo diverso do
93
TASSINARI, Alberto. O Espaço Moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p. 30.
94
Idem, op. cit., p. 19.
54
naturalismo. (...) A enorme importância do cubismo reside na sua concepção do
espaço.”
95
No entanto, há movimentos nos quais a perspectiva ainda é utilizada,
mesmo que apenas em alguns casos isolados, como no movimento surrealista,
em que é usada para criar imagens oníricas de um mundo insólito e absurdo.
“...os
surrealistas manipularam a estrutura espacial para reforçar o sentido fantástico. Giorgio
de Chirico, em particular, fez isto, introduzindo contradições de perspectivas em suas
paisagens arquitetônicas.”
96
Na abolição total de perspectiva, como é o caso da pintura abstrata de
Kandinsky, para quem a arte se aproxima da expressão do mundo espiritual, sem
a necessidade de recorrer à medião de objetos reais,
“A perspectiva desaparece
porque não mais nenhum mundo exterior a projetar, uma vez que o próprio fluxo
psíquico, englobando o mundo, se espraia sobre o plano da tela”.
97
No pensamento de José Ortega y Gasset
,
o início do século XX é o período
da desumanização da arte, isto é, a arte não mais representa os objetos reais,
como o vistos, é a experiência estética e a subjetividade que ficam em
evidência:
“Longe de o pintor ir mais ou menos entorpecidamente à realidade, vê-se que
ele foi contra ela. Propôs-se decididamente a deformá-la, romper seu aspecto humano,
desumanizá-la.”
98
O mesmo é chamado por Anatol Rosenfeld de “desrealização”,
como explica:
“O termo desrealização’ se refere ao fato de que a pintura deixou de ser
mimética, recusando a função de reproduzir ou copiar a realidade empírica, sensível”
, ele
considera que isto acontece tanto nas vanguardas não-figurativas, como nas
figurativas
“mesmo estas correntes deixaram de visar a reprodução mais ou menos fiel
da realidade empírica. Esta, no expressionismo, é apenas usada para facilitar a
expressão de emoções e visões subjetivas que lhe deformam a aparência(...)”
99
.
Num ensaio datado de 1910, Ortega y Gasset afirma que
muito mais
importante determinar o que se deve pintar: como se deve pintar é questão secundária,
95
Idem, op. cit., p. 34.
96
ARNHEIM, Rudolf. Op. Cit., p. 286.
97
ROSENFELD, Anatol. “Reflexões sobre o romance moderno”. In: Texto / Contexto. São Paulo:
Editora Perspectiva, 1969, p. 87.
98
ORTEGA Y GASSET, José. A desumanização da arte. São Paulo: Editora Cortez, 1991, p. 41.
99
ROSENFELD, Anatol. Op. Cit., p. 76.
55
adjetiva, empírica, que acorrerão para responder com respostas divergentes cem escolas
e mil pintores”.
100
Mas pode-se dizer que a questão do espaço foi o grande problema do
século XX, como Nelson Aguilar demonstra,
“Colocava-se a questão: como criar um
espaço a partir de um suporte de duas dimensões? E que espaço? A questão não era
somente técnica. Punha em causa a própria espacialidade, sua estrutura e sentido
originário, isto é, como forma dimensional do estar no mundo, que o artista tem por tarefa
erigir “em obra”.”
101
Alguns tratados da época moderna discutem a teoria de uma perspectiva
não-linear, por exemplo, Panofsky cita o estudo de El Lissitzky de 1925, ao
articular que do pensamento moderno partem acusações de que a representação
perspectivada é instrumento de um racionalismo limitado e limitador
102
.
Sobre o espaço moderno, Alberto Tassinari, divide o período da arte
moderna em duas fases, a de formação que vai até 1955 e a seguinte, de
desdobramento, que compreende toda a arte contemporânea até os dias atuais.
A partir da década de 1960, aparece a tendência neofigurativa, que significa
um retorno à figuração, mas não é um retorno à representação naturalista ou à
utilização da perspectiva no modo Renascentista, e sim uma nova maneira de se
utilizar a imagem. Com lições tiradas da pintura abstrata, da fotografia, dos meios
100
ORTEGA Y GASSET, José. “Adão no Paraíso”. In: Adão no Paraíso e Outros Ensaios Estéticos.
São Paulo: Editora Cortez, 2003, p. 51.
101
AGUILAR, Nelson Alfredo. “Mário de Andrade: percurso crítico de Anita a Vieira da Silva”.
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, vol. 30. São Paulo, 1989, pp. 129 – 147, p. 129.
102
No texto reproduzido a seguir, Panofsky cita alguns trechos do texto de El Lissitzky: “A
perspectiva mais antiga é caracterizada como tendo “limitado o espaço, tornando-o finito,
encerrando-o, e concebido o espaço “de acordo com a geometria Euclidiana, como
tridimensionalidade gida”. E são estes elos que a arte mais recente tem tentado quebrar. Em
certo sentido, fez-se explodir todo o espaço “pela distorção do centro de visão” (“Futurismo”) ou
então deixou de se procurar representar distâncias em profundidade “de modo extensivo, através
de reduções. O que se visava era, de acordo com os critérios psicológicos mais modernos, criar
uma ilusão “de modo intenso”, fazendo contrastar superfícies cromáticas, cada uma com uma
posição e um cambiante diversos, só assim se ganhando valores espaciais diferentes (Mondrian e,
sobretudo, o “Suprematismo” de Malevich). Crê o autor poder adiantar uma terceira sugestão: a
conquista de um “espaço imaginário” por meio de corpos determinados mecanicamente, os quais,
através deste movimento, pela sua rotação ou oscilação, produzem figuras determinadas (por
exemplo, uma vara em rotação produz um círculo aparente, ou, em outra posição, um cilindro
aparente, etc.). Desta forma, e na opinião de El Lissitzky, a arte é elevada à posição de uma
pangeometria não-euclidiana (enquanto, na realidade, o espaço desses corpos “imaginários em
rotação é tão “euclidiano como qualquer outro espaço empírico).” In PANOFSKY, Op. Cit., nota
73.
56
de comunicação, da reprodutibilidade da imagem, enfim, da crescente cultura de
massa da época, os artistas buscavam se aproximar da vida cotidiana. No caso
dos artistas que utilizavam a perspectiva, muitas vezes, faziam uso de uma
imagem apelativa para o grotesco e para o fantástico, realizavam ainda operações
nas quais fragmentavam e faziam a justaposição, além da decomposição e da
distorção de imagens.
No final da década de 60 surgiu a arte conceitual, também chamada de arte
como idéia ou arte da informação, na qual a idéia ou o conceito de uma obra é
mais importante que a própria obra. Influenciados por Marcel Duchamp, que na
época do dadaísmo mudou radicalmente as convenções das artes visuais, ao
deslocar os objetos de seu contexto familiar e apresentá-los como arte. Duchamp
questionou as regras da arte, incluiu o intelecto, o corpo e o espectador na criação
e recepção da arte e privilegiou o conceito em favor de concepções tradicionais de
estilo e beleza, influenciando, assim, os artistas conceituais que trabalhavam em
diferentes meios, como vídeos, performances, fotografias, instalações, propostas
escritas, mapas ou fórmulas matemáticas etc
.
Os artistas atuais encontram uma espacialidade estável, conquistada e
podem caminhar para qualquer direção dentro de um campo expandido, como
esclarece Tassinari:
Diante de uma espacialidade já formada em sua estrutura básica,
o artista contemporâneo trabalha num campo pleno de possibilidades, contudo não mais
sujeito a mudanças tão radicais como as que a arte moderna teve de realizar para formar-
se.”
103
A arte conceitual foi dentre as tendências das décadas de 60 e 70, a que
adotou uma postura mais radical e é a que permanece hoje mais ativa na memória
e na influência dos artistas, pois suas idéias continuam por trás de boa parte da
produção contemporânea.
103
TASSINARI, Alberto. Op. Cit., p. 12. Para mais informações sobre a conceituação da idéia de
“campo expandido” ver: ARCHER, Michael. Arte Contemporânea – Uma História Concisa. São
Paulo: Martins Fontes, 2001, cap. 2: O campo expandido. E sobre o “campo expandido” para a
escultura ver: KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da Escultura Moderna. o Paulo: Martins Fontes,
1998.
57
2.2 A perspectiva persistente
Aqui foi citado as afinidades de Regina Silveira com as obras de Marcel
Duchamp, para quem a perspectiva era muito importante, e cujo assunto estudou
nos tratados dos teóricos perspectivistas, provavelmente quando trabalhou na
Biblioteca Sainte-Geneviève, em Paris nos anos de 1913 e 1914
104
. Segundo
Duchamp, um de seus trabalhos mais conhecidos, O Grande Vidro
105
constituiu
“uma reabilitação da perspectiva, que havia sido completamente ignorada, desacreditada.
A perspectiva, para mim, tornou-se absolutamente científica. (...) Uma mistura de história,
anedota, no bom sentido da palavra, com representação visual, dando menos importância
à visualidade, ao elemento visual, que era usado geralmente na pintura. (...) Tudo estava
se tornando conceitual, quer dizer que dependia de outras coisas que não a retina”.
106
Além de O Grande Vidro de Duchamp e do mencionado Etant Donnés,
vale citar também seu pequeno vidro, cujo título A regarder d’un oeil, de près,
pendant presque une heure (Para ser olhado de um olho, de perto, durante quase
uma hora) de 1918, é uma referência às recomendações de Leonardo da Vinci
para se conseguir uma perspectiva correta.
Para os artistas contemporâneos à Silveira, em sua maioria os envolvidos
na vertente conceitual, é comum a manipulação de imagens fotográficas, pois
essa se torna instrumento privilegiado para questionar o meio da arte:
O interesse de Regina Silveira pela fotografia surge nos anos 70, momento em
que a imagem mecânica desperta a atenção crescente dos artistas plásticos pela
possibilidade de gerar ficções ou de investigar os sistemas de informação, as
teorias da percepção e do conhecimento.
107
104
Cf. CLAIR, Jean. “Duchamp and the classical perspectivists”. Artforum. Nova York, março, 1978,
pp. 40-49, p. 40 e seguintes. Esta biblioteca, criada pela Ordem de Santa Genoveva, possui um
acervo rico em tratados sobre a perspectiva, como os de Niceron, Abraham Bosse, Emmanuel
Maignan, Père du Breuil, Athanasius Kircher e também uma rara edição do primeiro tratado sobre
perspectiva impresso na Europa em 1509, De Artificiali Perspective de Jean Pélerin Viator.
105
O título dado por Marcel Duchamp à obra é, em francês: La Mariée mise à nu par les
celibataires, meme (A noiva sendo desnudada pelos celibatários, mesmo), 1915-23, feita com tinta
óleo e fios de chumbo entre duas placas de vidro, é conhecida por O Grande Vidro, está localizada
no Museu de Arte da Filadélfia, EUA.
106
CABANNE, Pierre. Op. Cit., p. 64-65.
107
FABRIS, Annateresa. Sombras Simuladoras”. In: MORAES, Angélica de (org.), Op. Cit., 1998,
p. 189.
58
Além de se tornar uma importante artista dentro do cenário brasileiro,
Regina Silveira teve destaque no cenário internacional a partir da década de 90,
como já foi dito anteriormente, onde seu trabalho dialoga com o de diversos
artistas. Os conceituais Jan Dibbets e Justen Ladda, são mencionados por Walter
Zanini no texto “A Aliança da Ordem com a Magia”, que fez parte do catálogo da
exposição de Regina Silveira intitulada Regina Silveira In Absentia (Streched)
(figura 31 maquete), realizada no conjunto de mostras Contemporary Currents
pelo The Queens Museum of Art, de Nova York, em 1991
108
. No texto Zanini afirma
que ambos os artistas, contemporâneos de Regina Silveira atuam em
“faixa
próxima”
109
com a artista brasileira.
34. Jan Dibbets, Perspective correction - my studio II, 3 – square with cross on floor, 1969.
Fotografia em preto e branco, 120 x 110 cm. Coleção Fundação Serralves.
O artista conceitual holandês Jan Dibbets discute em seu trabalho as
questões da percepção visual. Na série Perspective correction (Perspectiva
corrigida) de 1969, o artista faz experimentos com fotografia, e através dela,
testemunha as transformações da perspectiva, criando, como por exemplo na obra
Perspective correction - my studio II, 3 square with cross on floor (figura 34), a
108
Este texto de Walter Zanini está reproduzido na íntegra In: MORAES,Angélica de (org.). Op.
Cit., 1998, pp. 125-175.
109
Idem, p. 175.
59
imagem de um quadrado com uma cruz, que parece estar em pé, em relação ao
observador, mas que na verdade, como o título da obra indica, está no chão. Ao
fixar um ponto de vista, um trapézio - forma que é desenhada no chão do estúdio
do artista - fica com o formato de um quadrado correto em relação à fotografia,
mas em desacordo com o sentido da perspectiva do espaço fotografado,
causando um desconforto no observador, pois parece sair da parede e levantar-se
do chão. Assim, o artista mostra que a fotografia pode ser ilusória como a pintura
e o desenho
110
e, como observar uma fotografia reforça a representação da
perspectiva linear
111
.
35. Jan Dibbets, Four Courts Dublin, DB, 1983.
Série Comets. Colagem, fotografia e litografia, 73,7 x 80,3 cm.
em seus trabalhos da década de 80, Jan Dibbets realiza, como na série
Comets (figura 35), colagens com fotografias tiradas por ele de diferentes ângulos
de um mesmo espaço arquitetônico, como cúpulas, paredes e chão de catedrais.
A partir de múltiplos e diferentes pontos de vista, numa trajetória circular em
intervalos regulares, Dibbets cria, com processos de transgressão da perspectiva
110
ARCHER, Michel. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Ed. Martins Fontes,
2001, p. 95.
111
Cf. frase de Panofsky já citada “...fato deve-se, em parte, ao hábito, que o ver fotografias
reforça, da representação perspectiva linear.In: PANOFSKY, Erwin. Op. Cit., 1999, p. 36.
60
e justaposições, uma imagem panorâmica circular de um ambiente cuja
perspectiva é impossível, a qual ele completa com linhas em litografia que
reforçam esse movimento circular.
Como igualmente no trabalho Octogonais de Bianka de 1982, outro
exercício sobre a poética do ponto de vista, desta vez de uma abertura no alto de
um templo octogonal, na cidade de Kassel, Alemanha, na qual o artista realiza
uma colagem fotográfica usando uma visão de baixo para cima desse espaço.
Silveira entra em contato com esse trabalho, em particular, quando ele é exposto
na XVII Bienal de São Paulo em 1983, sob curadoria geral de Walter Zanini.
36. Jan Dibbets, Saenredam-Zadkine VII, 2003
Fotografia colorida e grafite sobre papel.
Museu Zadkine, Paris.
Dos trabalhos mais recentes de Dibbets vale destacar a série realizada para
o museu francês Zadkine, em 2003, na qual o artista faz uso dos mesmos
procedimentos da série Comets, mas nesse caso, trabalha com a arquitetura do
espaço do próprio museu ao fotografar lugares internos e externos, nos quais,
mais tarde, a exposição foi realizada, e a partir daí cria as suas perspectivas
impossíveis. Essa atitude é muito próxima à tomada pela artista brasileira ao
realizar o trabalho Vórtice (figura 18), por exemplo.
61
Regina Silveira refere-se às pesquisas de Jan Dibbets em texto de seu
doutorado Simulacros, no que diz respeito ao interesse comum de ambos no
questionamento da idéia tradicional da arte e da busca por códigos que coloquem
em xeque a percepção sensorial imediata. Como analisa Annateresa Fabris:
Ambos dirigem várias interrogações aos modos convencionais de visão e fazem a
desconstrução sistemática e analítica de imagens e pontos de vista a partir de um
meio convencional como a fotografia. O que interessa primordialmente aos dois é
discutir a percepção enquanto forma abstrata e artificial. Por isso mesmo, lançam
mão de uma imagem já construída sobre a qual criam jogos espaciais
freqüentemente impossíveis e claramente derivados de manipulações e
justaposições.
112
Outro artista que trabalha com a questão do ponto de vista e a justaposição
de imagens é David Hockney, em seus trabalhos fotográficos que criam
montagens panorâmicas de ambientes internos ou externos, como é o caso de
Pearblossom Highway (figura 37), uma colagem fotográfica de 1986 feita numa
paisagem desértica dos Estados Unidos. Nessa obra percebe-se que o artista se
aproximou dos objetos para captar sua imagem, alguns vistos de cima, outros de
frente e foi montando de maneira que tudo se tornou uma única imagem, como um
plano pictórico. Na análise do próprio Hockney:
(...) Pontos de vista múltiplos criam um espaço bem maior do que pode ser
alcançado por um único. Nossos corpos talvez aceitem um ponto de vista central,
mas nossa imaginação movimenta-se rente a tudo, exceto ao horizonte remoto,
que tem de estar perto do alto do quadro.
Embora “Pearblossom Highway” pareça ter um ponto de vista central fixo,
nenhuma das fotografias que o compõem foram tiradas do que se poderia dizer
“lado de fora” da imagem. Movimentei-me pela paisagem, construindo-a devagar
de diversos pontos de vista.
113
112
FABRIS, Annateresa. Op. Cit., p. 190.
113
HOCKNEY, David. Op. Cit., 2001, p. 94.
62
Nessa afirmação de Hockney pode-se observar a questão do processo da
visão humana, a complexidade da percepção e os vários pontos de vista de um
observador para se construir uma imagem.
37. David Hockney, Pearblossom Highway, 11-18 de abril de 1986, 1986
Colagem Fotográfica. 181,6 x 271,8 cm.
The J. Paul Getty Museum, Los Angeles.
O artista alemão, Justen Ladda (figura 38), também aplica a regra da ilusão
criada pela manipulação de um ponto de vista em suas instalações, como a
questão da percepção de um objeto, no caso um esquadro quadrado, que na
realidade está ausente.
38. Justen Ladda, Square, 1980. Instalação.
Ben Maltz Gallery, Los Angeles, EUA.
63
Durante a pesquisa foi levantado um considerável número de artistas que
usaram ou ainda trabalham com a perspectiva. Além dos casos citados, como
Jan Dibbets e Justen Ladda, ainda o italiano Giulio Paolini, e alguns artistas
que, assim como Silveira, participaram da exposição que aconteceu na cidade de
Le Mans, França, intitulada Persistante Perspective (Persistente Perspectiva). A
exposição que ocupou o Museu da Escola Superior de Belas Artes da cidade, em
2004, contou com a presença de 19 artistas, como os consagrados da arte pop e
conceitual, David Hockney, Sol LeWitt, Donald Judd, Roy Lichtenstein, Jan
Dibbets, e mais Christian Baboum e François Morellet.
Essa exposição organizada por Claude Lothier, artista e professor da
instituição francesa, reuniu obras de artistas modernos e contemporâneos, todas
permeadas pela questão da perspectiva, contrapondo a idéia comum do
banimento da utilização da perspectiva pela modernidade
114
. Na grande maioria
dos trabalhos desses artistas, pode-se observar a utilização da fotografia como um
meio para se colocar a discussão da representação e a perspectiva como objeto
de reflexão.
39. Vista parcial da exposição Persistante Perspective de 2004
com a obra Escada Inexplicável II de Regina Silveira ao fundo.
École Supérieure des Beaux-Arts du Mans, Le Mans, França
114
Cf. carta da organização da Exposição Persistante Perspective à Regina Silveira. Ver aqui em
Anexo II, p. 87.
64
A questão da manipulação do ponto de vista é fundamental para entender a
representação e a percepção do espaço, e é essencial ao discutir essa percepção
enquanto aspecto abstrato e artificial da perspectiva. A subversão do olhar do
espectador e, ainda, a destruição da estabilidade de sua percepção causada por
essa subversão fazem da manipulação do ponto de vista uma atitude
contemporânea no trabalho desses artistas. Visto que aqui, considera-se a
hipótese de Panofsky de que cada período histórico possui sua vio de mundo,
portanto uma maneira de utilizar a perspectiva,
“é fundamental apurar se os períodos
e áreas da Arte possuem ou ignoram a noção de perspectiva e também definir que noção
é essa.”
115
Sobre esse aspecto, Regina Silveira observa em sua análise ao conjunto de
obras da tese de doutorado:
“Mesmo diversas quanto a meios e funções, todas estas
obras manipulam criticamente os códigos da Perspectiva Linear e são, sobretudo,
reflexões sobre o Ponto de Vista, o lugar de olhar representações, ou mais amplamente, a
posição para avaliar o mundo visual à nossa volta.”
116
Atualmente a relação entre obra e espectador mudou, ela não é mais uma
observação passiva como se pensava antes:
“(...) Observar a arte não significa
“consumi-la” passivamente, mas tornar-se parte de um mundo ao qual pertencem essa
arte e esse espectador. Olhar não é um ato passivo; ele não faz que as coisas
permaneçam imutáveis”.
117
É nesse olhar que o artista encontra meios para abordar
as questões relativas à vida contemporânea, pois agora mais do que nunca a arte
é um território para a reflexão do mundo, ela age como iniciadora e ponto central
dessas investigações.
É evidente o diálogo estabelecido entre Regina Silveira e esse artistas, pois
além de possuírem a evidente filiação conceitual, tratam a perspectiva como uma
idéia e reforçam a figura do artista como um intelectual.
115
PANOFSKY, Erwin. Op. Cit., p. 42.
116
SILVEIRA, Regina.Op. Cit., 1984, p. 21.
117
ARCHER, Michel.Op. Cit., 2001, p. 235.
65
Considerações Finais
Ao iniciar essa pesquisa, a escolha em analisar o trabalho de Regina
Silveira, sob o aspecto da utilização da perspectiva, pareceu óbvia. Muito pela
expressividade da artista e de seu trabalho no cenário nacional a partir do final dos
anos 60 até os dias de hoje, mas também por acreditar ser importante realizar
uma pesquisa no Brasil sobre uma artista brasileira.
Sempre de uma maneira expressiva e muito irônica, Regina Silveira crítica
o problema da representação e da desmistificação do status da imagem em seu
trabalho, como aponta Adolfo Montejo Navas:
Assim como a representação sempre tem uma raiz política, uma nervura
ideológica, a investigação crítica de muitas obras de Regina não faz outra coisa
senão desvelar a superfície racional da representação, ironicamente, com uma
aplicação que alia poesia e racionalismo, geometria e imaginação, materialidade e
imaterialidade. (...) A ironia artística da obra de Regina Silveira inscreve-se na
formulação desta crítica como recurso de desmistificação do status da imagem e
de suas armadilhas culturais, assim como de desliteralização imagética.
118
Hoje, artista em tempo integral, Regina Silveira encara a arte como cosa
mentale
119
. Seu trabalho é muito mais abrangente do que a simples investigação
dos códigos de representação por meio da perspectiva, e sim uma exploração do
mundo da imagem e dos meios de produção dessa imagem. Mas em praticamente
quatro décadas de carreira, a questão da perspectiva é essencial em seu trabalho
e estabelece uma forte conexão em toda sua obra.
Meu interesse principal como artista, durante as duas últimas décadas, tem sido o
modo pelo qual percebemos imagens e espaços, particularmente quando essas
imagens e espaços foram transformados por distorções de perspectiva. Este
118
NAVAS, Adolfo Montejo. “Fantasmagoria da Luz”, catálogo da exposição ClaraLuz, p.63-64.
119
Termo tirado a partir da famosa frase de Leonardo da Vinci “La pittura è cosa mentale” (A
pintura é uma coisa mental), a qual, em sua época significou uma afirmação do intelecto para o
que era habitualmente considerado coisa estritamente manual.
66
processo tem implicado minha contínua consideração sobre a natureza e as
funções da representação visual, e também sobre como as imagens distorcidas e
os espaços se relacionam com a percepção e a memória. Isto explica porque uma
grande parcela de meu trabalho se caracteriza por ambiguidades visuais,
metamorfoses e paradoxos.
120
Ao explorar as distorções da perspectiva pode-se perceber o que é possível
fazer com as imagens que o espectador tem registrado como a imagem das
coisas reais. Essa exploração cria essas aparências enganosas, ambigüidades
visuais, metamorfoses e paradoxos, e faz do trabalho de Regina Silveira um forte
representante da expressão da arte como idéia dentro da produção nacional.
120
SILVEIRA, Regina. “Armadilhas do Espaço”. In: http://www2.uol.com.br/reginasilveira/bio_3.htm.
Acesso em: 12/04/2005 às 15:04
67
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71
Índice das ilustrações
Capa – figura superior. Regina Silveira, Escada Inexplicável II, 1999. Desenho
preparatório. In: MORAES, Angélica de. Op. Cit., 1999, p. 118.
Capa – figura inferior. Regina Silveira, Escada Inexplicável II, 1999. Instalação.
Paço das Artes, São Paulo. In: MORAES, Angélica de. Op. Cit., 1999, p. 117.
1. Regina Silveira, série Laberintos. In: MORAES, Angélica de (org.). Regina Silveira:
Cartografias da Sombra. São Paulo: Edusp, 1998, p. 149
2. Regina Silveira, Interferências. In: MAC USP – São Paulo:
http://www.mac.usp.br/projetos/arteconceitual/silveira.htm. Acesso em 23 out 2005 às
12:25.
3. Regina Silveira, De Artificial Perspective 2. In: MORAES, Angélica de (org.).
Regina Silveira: Cartografias da Sombra. São Paulo: Edusp, 1998, p. 158
4. Leonardo da Vinci, Desenho Anamórfico. In: KEMP, Martin. The Science of Art –
Optical themes in western art from Brunelleschi to Seurat. New Haven and London: Yale
University Press, 1990, p. 138.
5. Hans Holbein, Os Embaixadores. In: HOCKNEY, David. O Conhecimento Secreto
– Redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres. São Paulo: Cosac & Naify
Edições, 2001, p. 56.
6. Hans Holbein, Os Embaixadores (detalhe crânio retificado). In: Idem, p. 57.
7. Regina Silveira, série Anamorfas. In: SILVEIRA, Regina. Anamorfas. São Paulo:
ECA USP, 1980, Dissertação de Mestrado, p. 40.
8. Regina Silveira, série Anamorfas. In: SILVEIRA, Regina. Anamorfas. São Paulo:
ECA USP, 1980, Dissertação de Mestrado, p. 39.
9. Niceron, Thaumaturgus Opticus. In: BALTRUSAITIS, Jurgis. Anamorphoses – Les
Perspectives Dépravées – II. Paris: Flammarion, 1996, p. 46 e 47.
10. Pozzo, Domo Ilusionista. In: KEMP, Martin. Op. Cit., 1990, p. 210.
11a. Duchamp, Etant Donnés (vista externa). In: TOMKINS, Calvin. Duchamp: uma
biografia. São Paulo: Cosac & Naify, 2004, p. 502.
11b. Duchamp, Etant Donnés (vista interna). In: Idem, p. 503.
12a. e 12b. Jan Beutner, Banco de madeira. In: BALTRUSAITIS, Jurgis. Op. Cit.,1996, p.
260.
13. Regina Silveira, Topo-sombra 3. In: MORAES, Angélica de. Op. Cit., 1998, p. 162.
14. Regina Silveira, Topo-sombra – esquema construtivo. In : Idem, p. 61.
72
15. Regina Silveira, In Absentia – Para Giselda Leirner. In: PINACOTECA DO
ESTADO. A Lição. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2005. Catálogo de
Exposição de Regina Silveira, p. 57.
16. Regina Silveira. In Absentia M. D. In: Idem, p. 58.
17a. Regina Silveira, O Paradoxo do Santo. In: MORAES, Angélica de. Op. Cit., 1998,
p. 235.
17b. Regina Silveira, O Paradoxo do Santo (detalhe). In: BANCO DE BRASIL. Regina
Silveira ClaraLuz. São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2003, Catálogo de
Exposição, p. 83
18. Regina Silveira, Vórtice. In: PINACOTECA DO ESTADO. Op. Cit., p.61.
19. Regina Silveira, Apartamento. In: MORAES, Angélica de. Op. Cit., 1998, p. 172.
20. Regina Silveira, Escada Inexplicável II. In: PINACOTECA DO ESTADO. Op. Cit.,
p.65.
21. Regina Silveira, Desaparencia (Taller). In: Idem, p.77.
22. Regina Silveira, Double. In: BANCO DE BRASIL. Op. Cit., p. 27.
23. Regina Silveira, Equinócio. In: PINACOTECA DO ESTADO. Op. Cit., p.75.
24. Regina Silveira, Luz/zul. In: BANCO DE BRASIL. Op. Cit., p. 21.
25. Regina Silveira, O Paradoxo do Santo (desenho preparatório). In: MORAES,
Angélica de (org.).Op. Cit., 1998, p. 232.
26. Regina Silveira, Escada Inexplicável II (desenho preparatório - fotografia). In:
MORAES, Angélica de. Op. Cit., 1999, p. 118.
27. Regina Silveira, Escada Inexplicável II (desenho preparatório). In: Idem.
28a. Regina Silveira, Dobra 2 (desenho preparatório). In:
http://www2.uol.com.br/reginasilveira/objetos_3.htm. Acesso em: 30 jun 2005, às 17:46.
28b. Regina Silveira, Dobra 2 (desenho preparatório – detalhe). In:
http://www2.uol.com.br/reginasilveira/objetos_3.htm. Acesso em: 30 jun 2005, às 17:46,
(detalhe).
29. Regina Silveira, Dobra 2. In: BANCO DE BRASIL. Op. Cit., p. 80.
30. Regina Silveira, vista geral de exposição. In: MAP - Museu de Arte da Pampulha -
Belo Horizonte. http://reginasilveira.uol.com.br/compendio.php Acesso em: 29 out 2007,
as 16:39.
31. Regina Silveira, In Absentia – Stretched (maquete). In: MORAES, Angélica de. Op.
Cit., p. 171.
32. Regina Silveira, Ralador. In: MORAES, Angélica de (org.).Op. Cit, p. 64.
73
33. Regina Silveira, Lâmpada. In: BANCO DE BRASIL. Op. Cit., p. 79.
34. Jan Dibbets, Perspective Correction. In: http://www.synesthesie.nl/pub/dibbets.htm.
Acesso em: 06 set 2005, às 16:14.
35. Jan Dibbets, Four Courts Dublin. In:
http://www.exporevue.com/magazine/fr/dibbets.html. Acesso em 06 set 2005, as 16:47.
36. Jan Dibbets, Saenredam-Zadkine VII. In:
http://www.exporevue.com/magazine/fr/dibbets.html. Acesso em 06 set 2005, às 16:47.
37. David Hockney, Perablossom Highway. In: HOCKNEY, David. Op. Cit., p. 95.
38. Justen Ladda, Square. In: "The Presence of Absence: New Installations":
http://www.otis.edu/BMG_Site/Images/7_19L.jpg. Acesso em: 31 out 2005, às 18:34.
39. Exposição Persistante Perspective, vista parcial. Foto do acervo de Claude Lothier,
École Supérieure des Beaux-Arts du Mans, Le Mans, França
74
Anexos:
I. Entrevista com a artista
II. Cópia da carta da organização da Exposição Persistante Perspective à
Regina Silveira
75
I. Entrevista com Regina Silveira
121
No seu processo de trabalho, a concepção da idéia sempre passa pelos
desenhos preparatórios?
Ultimamente o desenhos preparatórios se transformaram rápidamente por causa
dos processos digitais, então aqueles desenhos no papel milimetrado tem variado
mais, eles existem enquanto rabisco, enquanto anotação, enquanto estudo de
possibilidade, mas um momento em que até mesmo eles passam por um
scaner e continuam no computador, e muitas vezes voltam, então estes desenhos
ainda tem esse vai e vem, e alguns já são feitos diretamente nos processos
digitais. Mas eu sempre preciso que eles sejam de alguma maneira graficados, eu
não sou uma artista que trabalha manejando materiais, não é daí que nasce a
minha invenção, eu preciso das imagens, eu preciso fazer maquetes com
imagens, a expressão do desenho persiste em outros meios.
Então as maquetes e os desenhos são maneiras de você visualizar como
ficaria isso no espaço?
É. Agora mesmo está aí na sua frente uma maquete do meu trabalho no Museu do
Vale do Rio Doce, em Vitória (Ficções). As maquetes eu sempre faço de um modo
muito provisório antes de eu poder realizá-las. especialmente nestes últimos
trabalhos em que o diálogo com a arquitetura e com o lugar, eles são como
ensaios prévios. A maquete terminada conclusiva que fica como um documento é
outra coisa. Esta é uma maquete preparatória, digamos assim. Tantas vezes ela
substitui o desenho preparatório. Nesta maquete, por exemplo, tem ali a imagem
que está no lugar onde será uma animação digital, um filme, eu tenho que produzir
uma imagem que se aproxime desta percepção para entender o que vai acontecer
com este espaço, como isso será percebido, então eu preciso desta âncora, desta
prévia.
Isso principalmente com trabalhos para locais específicos?
Especialmente. E este trabalho busca também muitas vezes um outro tipo de
história que são peças no lugar. Faço visitas ao lugar para poder pensar como
resolver, porque uma coisa é você estar no espaço, com a escala do seu corpo
para perceber como aquela visualidade vai ser entendida, do que trabalhar por
meio de uma representação e afastada do lugar. Já fui à Vitória e vou voltar agora
para entender como vou fazer, por exemplo, estas luzes perspectivadas no
chão. Qual o tamanho que elas tem que ter? Essas coisas você só sabe quando
põe os pés no lugar.
E além disso ainda pode ocorrer uma surpresa depois com o trabalho
pronto?
Exatamente. Claro que sim, porque o lugar transformado transforma o que a gente
percebe também, tem este cruzamento. Muitas vezes o trabalho é feito para
121
Entrevista realizada pela autora em 22 de novembro de 2006, no ateliê da artista, no Bairro do
Sumaré, em São Paulo. Nesta transcrição foi mantido o tom coloquial da entrevista.
76
confrontar para se opor aquele espaço e muitas vezes ele tem que se aliar. No
Palácio Cristal em Madrid, eu tive que me aliar ao esplendor daquele espaço de
vidro. Eu tive que me associar aquela luz, usar a luz. Então você tem que ter
estratégias, estratégias para cada lugar. Você está desenhando no próprio
espaço. Muitas vezes o meu desenho é feito em cima de fotografias do lugar.
Então o desenho preparatório vira anotações gráficas encima de fotografias.
Escolho um ponto de vista no lugar da intervenção.
Regina Silveira, Lumen, 2006
Instalação.
Palácio de Cristal do Museu de Arte Reina
Sofia, Madri
São os desenhos preparatórios e as maquetes os meios nos quais você
alcança as solões da perspectiva? É através deles que esse pensamento
acontece?
Claro, porque eles são modelos pequenos de coisas que eu realizo as vezes muito
grandes. São neles que eu tenho controle do ponto de vista, vamos dizer assim, e
da perspectiva para que eu possa exercer melhor por meio de modelos reduzidos.
Por exemplo, eu olho plantas dos lugares, eu construo pequenas maquetes, eu
faço todas estas explorações antes da realização no real. Então eles são uma
etapa prévia. Mas eu enfatizo que eles não precisam ser e continuar a ser como
aqueles que eu tenho toneladas aqui, sobre o papel milimetrado, tanto que
continua existindo papel milimetrado e eu anoto coisas ali, mas é que eu não
preciso necessariamente desta geometria nos trabalhos que tenho feito
ultimamente... aqui ela está espacializada, ela está aplicada de uma maneira
diferente, misturada com coisas que são mais do que nada ópticas e outros tipos
de percepção e que em todos os trabalhos está presente.
Por que você fez a escolha pelo papel milimetrado?
Porque ele aquela quadricula que me ajuda a pensar graficamente. Houve a
um tempo que eu encontrei um papel milimetrado perspectivado em Nova York,
com ele dava para criar pequenos palcos perspectivados, que vo podia
desenhar ali e parecia que estava ambientado num espaço. Eles eram muito
interessantes enquanto blocos de anotações, ou para situar posições num espaço.
77
E atualmente você participou de algumas exposições nas quais os seus
desenhos preparatórios foram os objetos em exposição, como na última que
aconteceu no Centro Cultural São Paulo.
Mas essa exposição era focada neste estágio da concepção da idéia. E temos
que lembrar que neste momento uma pessoa como a Inês, que dirige o núcleo de
artes plásticas do Centro Cultural São Paulo, foi minha assistente durante muitos
anos e acompanhou muito deste trabalho. Então, esta série Anamorfas, deu
origem a uma quantidade enorme de trabalhos e o que está ali mostrado, as
gravuras, entram como um complemento, mas a ênfase é no desenho. Mas
aqueles desenhos são desenhos passados a limpo, eles são desenhos feitos à
nanquim, todos eles, e são como desenhos geométricos passados a limpo. São na
verdade 44 desenhos ali, onde tem as duas versões, o contorno e a malha. Destes
eu escolhi 12 para fazer as gravuras. Mas aqueles expostos são o conjunto inteiro
das idéias possíveis com aqueles objetos.
E está cada vez mais comum este tipo de exposição, além de estudos de
artistas tem também exposições de croquis de arquitetos...
Está na moda o making off, também porque existem estudos específicos da área
da crítica genética. Mas durante muito tempo eu não mostrei, durante muito tempo
se pensava que mostrar os desenhos preparatórios era dar dicas demais, era
banalizar a própria invenção, mostrar como foi feito, como se ele tivesse um
caráter didático. Então durante muito tempo não se mostrou. Hoje em dia estes
desenhos passaram a ter, digamos assim, um lugar que eles não tinham antes
nas coleções de museus brasileiros, porque no exterior isto sempre existiu, lá eles
sempre tiveram valor. Um exemplo que eu sempre gosto de contar e que eu acho
engraçado, são dos desenhos preparatórios daquela instalação que eu fiz em San
Diego (Gone Wild, no Museu de Arte Contemporânea de San Diego, Califórnia).
Eu levei todos para lá, porque naquele momento eu tinha feito inúmeros desenhos
até chegar àquele resultado e que pode finalmente ser passado para um desenho
de computador que proporcionou a ampliação e a fatura das máscaras para
pintura, porque aquilo ainda foi recortado e pintado com tinta e a Inês ainda foi
me ajudar a pintar junto com um grupo grande de auxiliares lá em San Diego, mas
eu levei estes desenhos preparatórios e resolvi dar para o museu. Mas os
desenhos aqui no estúdio eram desenhos que estavam por baixo das coisas, as
vezes eram pisados, eram mal guardados, porque eles eram funcionais, eles
existiam para aquilo. Mas eu dei esses desenhos e eles me voltaram para
confirmação e assinatura por parte do registro do museu numa espécie de
bandeja, com luvas brancas e com luvas brancas para mim, para eu tocar nos
meus próprios desenhos, para poder assinar, datar e reconhecer. Então eu
entendi naquele momento que eles estavam separados de mim, que eles
viraram outra coisa. E para mim foi uma surpresa enorme, porque o valor de
desenho preparatório como registro da idéia para aquela instituição e a diferença é
que eles tinham para mim um valor funcional, e para o museu eram um processo
de uma coisa terminada em si. Eu continuo pensando assim, que eles são as
etapas.
78
Regina Silveira, Gone Wild, 1997
Desenho preparatório, 67 x 42 cm
Coleção Museu de Arte Contemporânea
de San Diego
A questão das ferramentas, utilizar o computador, digitalizar as imagens ou
o lápis e o papel. Você continua utilizando lápis e papel? São todos
ferramentas que você coloca à sua disposição?
Aqui tem de tudo, tem desde pis de cor, tem o que você precisar para poder
entender como trabalho vai ser realizado. Porque as vezes vai ser realizado como
uma fotografia, um gobo dicróico etc, mas você tem que te uma anotação dela,
então tem fotocópia, tem cópia de impressão, tem cola, tem todos os materiais
possíveis... Uma coisa que eu acho que é como trabalhamos hoje, a gente tem
esta mistura, essa coisa hibrida no processo, eu acho que nada está excluído. Eu
não sou uma expert digital, de maneira nenhuma, eu encomendo minhas coisas,
quando são mais sofisticadas, mas eu acho que ganha velocidade, ajuda a vencer
grandes dimensões, planejamento, ganha precisão, ganha uma execução mais
limpa, ao invés de estar pintando eu posso usar um adesivo. Então são
ferramentas que não tornam diferente o projeto mas ajudam um tipo de realização.
E ao mesmo tempo que ajudaram a dar permanência à muitos trabalhos
efêmeros, por exemplo, o trabalho de San Diego desapareceu, foi pintado em
cima, mas ele renasceu, ele existe digitalizado e já foi mostrado em outras
situações, em outros lugares de outras maneiras. Isso virou uma potencialidade
para a realização de outros trabalhos também.
Como surgiu a perspectiva em seu trabalho?
Quando eu coloquei esta pergunta? Porque toda a investigação é uma pergunta. A
gente tem que saber exatamente qual é a pergunta, porque é ela que desencadeia
todo um processo que pode durar uma vida inteira.
A perspectiva eu acho que nasce quando eu realizei uma série de imagens da
“Desestruturas urbanas”, quando eu a partir de cartões postais da cidade de São
Paulo, eu enxertei naquelas imagens caixas, labirintos, um material que eu
vinha preparando, mas eu tive que entender qual era a perspectiva que
organizava aquelas imagens fotográficas dos cartões postais. Então eu fazia um
processo complexo que era ampliar com os recursos foto-mecânicos disponíveis
naquele momento, porque não existia xerox” ainda. Então fazia fotolitos
ampliados dos cartões postais, então eu tinha um imagem maior do tamanho da
serigrafia que eu ia fazer, e assim com uma malha de perspectiva eu reconstituía
toda a gráfica, toda a geometria da imagem, daquela captura, então eu sabia qual
79
era o grau de compreensão, se eu queria estender uma malha sobre ela, ela tinha
que ser perfeitamente ajustada, adequada, para eu poder revestir a imagem. Eu
chamava até então este trabalho de “Interferências”, porque achava que eram
interferências sobre a imagem fotográfica, interferências paradoxais, até o
momento em que a pergunta foi, mas elas o estão interferindo, elas são
exatamente da mesma natureza que a fotografia. O que é essa perspectiva? Esse
foi o primeiro esclarecimento, que não era uma interferência, é claro que era uma
interferência semântica, eu estava isolando, estava deslocando, mas a malha era
perfeitamente compatível, os dois sistemas estão juntos, a perspectiva e a
fotografia. Aquela foi a primeira questão que eu me coloquei, qual é a natureza da
perspectiva? Porque eu separava estas duas coisas. E a segunda pergunta foi
quando eu comecei a me interessar pela natureza da perspectiva, aparece uma
imagem que eu vi do Pirenne, sobre Óptica, a perspectiva e a visão, e mostra uma
imagem básica de gráfica de computador que mostra um cubo desenhado
disposições progressivas por um programa qualquer de computador. E ficando
maravilhada com aquilo a minha pergunta foi o que aconteceria se um pequeno
objeto estivesse colocado dentro deste cubo, o que aconteceria com a imagem
deste objeto. Assim eu pensei numa pequena xícara de café, que foi o meu
primeiro trabalho com isso, eu tentei fazer aquilo que eu estava vendo naquela
imagem, tentei produzir isso através de uma distorção da malha geométrica onde
eu utilizava apenas o contorno do desenho tirado de uma imagem fotográfica.
Para mim, naquele momento o que eu estava abarcando não era o mundo das
coisas mas o mundo das imagens das coisas. Eu nunca poderia pegar a xícara
em si e tentar utiliza-la, e sim trabalhar através da sua planificação na imagem.
Essa foi a pergunta decisiva e juntando as duas coisas é que começou a
exploração do que as distorções da perspectiva poderiam fazer com as imagens
que temos registradas como imagens das coisas reais, do nosso conhecimento
das coisas, então como isso poderia ser revertido, trocado, transformado, é assim
que começa este uso da perspectiva no caso que se aproxima das explorações
que não tem a ver com a exatidão, com a visão real e normal, mas sim com
impossibilidades e paradoxos que são coisas que me interessam mais.
E a questão da manipulação do ponto de vista sempre existiu também, ou a
partir das instalações?
A manipulação do ponto de vista foi como eu entendi que existia a
reperspectivação do olhar. É que entra a perspectiva natural que está ligada à
representação mas que de alguma maneira mostra as coisas em gradação de
diminuição, mostra uma compressão do espaço. Como é que isso afetava as
imagens em perspectiva? Isso eu entendi quando fiz a minha primeira instalação.
A minha primeira instalação foi uma lição, em ver como aquela silhueta alongada
de quase dez metros daquele cavalete, de repente ficava mais curta, ficava em pé.
Então a fotografia me ajudava a registrar, eu via através de fotos feitas do trabalho
como ele mudava de acordo com o ponto de observação, enfim, de como ele se
oferecia ao olho. Era cambiante. Então isto me ensinou e me colocou diversas
perguntas sobre a relativização do ponto de vista. De como eu podia dominar e
manipular o ponto de vista e produzir novamente impossibilidades, vertigens do
espaço e todo este lado mais perverso que me interessava.
80
Regina Silveira, In Absentia Para Giselda
Leirner, 1982.
Instalação (Tinta sobre piso e parede).
Museu de Arte Moderna, São Paulo
A fotografia é muito utilizada por artistas que trabalham atualmente com a
manipulação do ponto de vista. Na exposição Persistente Perspective, que
você participou em Le Mans na França em 2004, muitos artistas mostraram
fotografias...
Mas eu nunca fiz fotografia, eu sempre me apropriei de fotografias. Raramente eu
fotografei alguma coisa para o meu trabalho. Quando eu uso a fotografia como
motivo fotográfico, eu encomendo uma bela fotografia. Uma daquelas serigrafias
[da série Anamorfas] foram feitas com fotografias tomadas por Gerson Zanini, mas
todas elas saíram de cartões postais e de todos aqueles objetos, poucos foram
fotografados a meu pedido. De qualquer maneira não eram fotos para se imporem
como fotografias, no caso como fotos artísticas, nunca existiu este aspecto no
meu trabalho. Até aquele trabalho dos enigmas, que tem o telefone, são fotos
super normais, com um aspecto banal, era uma captura banal do objeto para
poder ter uma plataforma mais neutra. Nesta exposição em Le Mans teve pintura,
objetos, máquinas ópticas, instalações. Agora, a fotografia durante muito tempo
esteve desplugada das artes visuais, tem os processos fotográficos nas gravuras,
por exemplo, mas eu acho que este tempo passou, mas na verdade acho que o
grande momento que a fotografia entra como obra, sem ter qualidades fotográficas
é na arte conceitual, não se pode chamar Jan Dibbets como um fotográfo, mas ele
usava a fotografia como seu instrumento de pensar. E a fotografia é uma ficção
também, ainda mais agora quando ela se mistura com o digital, agora ela se
tornou um completo meio ficcional.
Nos trabalhos atuais nos quais você trata a questão da luz, você acha que é
da mesma maneira que trabalha a perspectiva, além de alguns trabalhos
terem também a perspectiva?
Alguns trabalhos não tem a questão da perspectiva, porque na verdade a questão
da perspectiva é um dos aspectos que ficou enfatizado durante um tempo e que
se tornou o modo como se qualificava o meu trabalho, depois teve um momento
que foi a sombra, na verdade tem todos estes componentes, da perspectiva, da
sombra, da luz, são os componentes da natureza da imagem. Então eu acho que
continuo interessada na imagem, nos seus efeitos, na sua relação com o real e
sempre essas implicações da política da representação, essa é a poética do meu
trabalho. Então não necessariamente eu preciso estar pensando em conversões e
81
situações da perspectiva, estou pensando no modo como se relaciona com todos
estes dados. A luz então é uma coisa primordial, ela é a natureza da imagem, ela
é a fonte de tudo o que vemos, e a luz e a sombra estão relacionadas com a
origem da pintura, as silhuetas, enfim, toda esta história é a história da
representação, que eu não encaro como a verdade, mas como uma pergunta.
Este trabalho para Vitória [ instalação para o Museu da Vale do Rio Doce], por
exemplo, é para um espaço muito grande e tem uma entrada muito forte de luz e
serão colocadas umas portas falsas que irão obliterar esta luz, e este trabalho
será a entrada de luz como se não houvesse a parede, como se existisse um
buraco e esta luz entrasse forte por esta abertura e se chamará “Vaza luz”. Uma
das portas é a real, onde se a paisagem, mas vou colocar um vidro para as
pessoas não passarem e seum vidro com controle de luz. Ela vai ser uma vista
igual à esta [mostra na maquete] e esta vista será feita como um backlight da
imagem da paisagem e as outras portas serão como cópias, todas elas serão
como réplicas da porta real e terá estas projeções perspectivadas da luz no chão
por gobos, como se fossem reais. Isso vai criar toda uma falsidade da visão.
A luz que passa pela porta real também será controlada?
Vai ser controlada também, a passagem das pessoas também, porque as pessoas
não poderão passar por esta porta, e eu acho que a luz também, porque estou
gostando da idéia de usar um artifício na frente da porta, porque é claro que a luz
natural vai mudar o ambiente, vai ficar dia, noite, vai chover. Mas eu ainda não sei
se eu quero isso ou se quero que seja como um motivo, como vista, por isso eu
tenho que pôr um vidro e deixá-la emoldurada. Assim as pessoas irão vê-la como
um motivo, apesar dos outros pontos de vista da paisagem externa. E lá na outra
parede lateral, aquela escada não existe e a porta também não, é uma parede
cega, eu vou mandar construir uma escada igual àquela [mostra na maquete] que
abre para um espaço cego, este lugar está cheio de espaços cegos, e nesta
porta é que se origina um filme, seuma ão que ocupará toda essa parede de
10 metros, onde sairá o dia pela porta depois a porta engole o dia e sai a noite.
Então tudo se relaciona com o que está fora e entra, vaza para dentro do
edifício, por isso o nome “Vaza luz”, mas a exposição toda se chama “Ficções”,
são ficções da luz.
Então é este trabalho que eu estou descrevendo agora, porque ele tem que ser
apresentado para a produção, isso são hipóteses de realização, porque nada
disso está feito ainda, tudo existe como anotação. Essa é uma imagem que eu
tomei quando estive lá, a outra imagem do dia saiu de uma projeção anterior sobre
uma empena de um trabalho chamado “Mil dias em uma noite” de 2003 [“Mil e Um
Dias em Uma Noite” de 2003 foi uma projeção de 26 x 10 metros, realizada sobre
a fachada lateral (empena) do Hospital Matarazzo, na cidade de São Paulo], então
é uma retomada deste trabalho que só foi mostrado durante uma noite e os outros
são novos e nascem da provocação do lugar ou seja, daquilo que me interessou
mais no lugar e para fazer vencer toda essa grande extensão. A única coisa que
tem perspectiva são as luzes, que estão representadas em perspectiva no chão do
espaço. É com a luz que começam as estratégias que são as últimas coisas que
eu tenho feito e que tem me implicado, como no Palácio Cristal em Madrid, que no
caso da perspectiva em si, só tinha perspectivado a palavra “luz” que foi no domo.
82
As imagens do teto de vidro são diferentes tomadas do espaço, do próprio espaço
fotografado e montado.
Regina Silveira, Mil e Um Dias em Uma
Noite, 2003.
Projeção parede lateral de edifício, 26 x 10 m,
Hospital Matarazzo, São Paulo.
O trabalho na Pinacoteca (Observatório, 2006, para o Projeto Octógono,
Pinacoteca do Estado de São Paulo) não tem perspectiva, a história ali é outra, é
pensar o espaço de uma maneira cósmica, como se pensa o espaço engolido por
aquele poço, porque o que está dentro do poço é como um furo, eu pensei
naquela “garrafa de Klein” que é um espaço curvo, nos buracos negros e toda esta
coisa do espaço eu pensei naquele poço em relação com o planeta que está em
cima, então é como se a Pinacoteca tivesse o chão furado, para o espaço de
baixo. Não é um reflexo da lua no poço e sim um planeta, como se fosse uma
astro no teto e outro astro no poço, e o lugar onde está o observador como uma
prancha flutuante no meio do cosmo.
Esses trabalhos com a luz eles possuem um aspecto fantasmagórico assim
como acontece com a sombra, com a questão da ausência e com as
deformações da perspectiva?
Isso me interessa e sempre me interessaram as fantasmagorias, espécies de
aparições e de imagens dessa natureza, que se afastam do real de muitas
maneiras, o ficções, imagens ficcionais. A imagem da noite entrando pela porta
naquele projeto é uma completa ficção.
Causar o estranhamento, um desconforto no espectador é algo que você
sempre buscou no seu trabalho?
Sim, essas vertigens de espaço, são coisas que podem mudar o olhar, os modos
de percepção normais do real, eu acho que sempre se convertem em diferenças.
Como quando eu fiz o “Super X” voar a noite, você vê aquilo como uma aparição e
o que é o público da rua, é um público que tem um olhar anestesiado e entende
aquilo como uma aparição fugaz, mas de algum modo muda alguma coisa, entra
na vida da pessoa como uma ficção, uma fantasia.
Como no caso deste trabalho “Ficções” aparece esta questão?
Exatamente, por isso que está me dando muito trabalho pensar o que eu fo com
o real, que é aquela porta, que no momento eu ainda não decidi o que vai
83
acontecer ali, se as pessoas vão passar por ela ou não, eu preciso controlar esta
passagem. Tem que ter este controle do que é percebido da visualidade. Acho até
que eu vou filtrar a luz ali, para que a pessoa fique mais impedida de chegar perto,
como a pessoa que vai fazer o seu passeio por fora, porque tem a faixa de luz no
chão, ela vai passar em frente a luz e vai perceber que aquilo é uma cena, se
torna palcos, pequenos palcos iluminados. Eu acho que vou realmente obliterar
com transparência e vou controlar a luz, para poder fazer valer esse efeito de
cena, uma ficção. Essa iluminação faz com que este espaço quando ele está tudo
apagado fica muito escuro, então tem uma teatralidade nesta história toda.
O local é um galpão?
Ele era uma estação de trem da companhia de minérios da Vale do Rio Doce. Era
uma antiga estação, por isso ele tem esse tamanho todo. Eu até tentei colocar
outras obras maiores que dessem conta deste lugar, mas o lugar ele realmente
pede uma intervenção. Quando eu fui pela primeira vez, fui direto para este
lugar onde estava essa porta aberta, realmente era todo um ambiente cheio de
luz, que me fez pensar como a luz poderia entrar, penetrar e vazar para dentro
deste lugar, como uma caixa fechada, uma caixa de ar, como um nada, então
como que ela saiu? Isso me deixa maluca durante uns meses, o meses
pensando em como isso será.
E como surge um convite para expor? A maioria dos trabalhos atuais
surgiram num convite para um lugar específico...
Isso para mim sempre foi muito provocador, não são coisas que atrapalham a
invenção, mesmo porque eu fico pensando em coisas que de repente eu aplico
aqui ou ali. Mas é que cria uma situação que para mim é enigmática, é uma
charada para tais medida, para tal condição”, o que fazer ali, como mudar. Então
esse que é o pesadelo, como você resolve isso? Mas esses convites tem
acontecido, meu último trabalho foi uma encomenda, que eu acabei de fazer lá em
Taipei. Claro que não são encomendas feitas como eram no Renascimento, você
deve ter lido como eram as cartas de encomendas, elas tinham detalhes
impressionantes de como deveriam ser as figuras e eles tinham que trabalhar com
base naquela receita toda.
Regina Silveira, Irruption Series (Saga),
2006
Vinil adesivo sobre fachada de edifício, 1500
m2 aprox.
Bienal de Taipei, Taiwan.
84
E hoje em dia como é? É um espaço que lhe oferecem?
É um espaço, é uma sugestão também, como neste trabalho para a Bienal de
Taipei o curador me sugeriu, ele pensou que eu poderia fazer alguma coisa sobre
o edifício, sobre a fachada. Ele começou a mandar plantas e modelos digitais para
eu ver que o museu tem a forma de uma letra, uma caligrafia que significa poço.
Tudo isso me veio junto e para o curador também, o convite para que eu fizesse
isso se baseava no fato de o museu sempre procurar colocar uma obra grande no
saguão de entrada ou na fachada mesmo, isso havia acontecido antes lá, e ele
se lembrava da minha fachada para a Bienal de o Paulo de 1998, viu um
trabalho que usa muito a perspectiva, que eu fiz lá no México, na Sala Siqueiros
(Desapariencia (Taller), 2004, vinil adesivo, 236 m2, El Cubo, SAPS Sala de Arte
Publico Siqueiros, Cidade do México, México), que é um estúdio, semelhante
aquele que eu fiz em Porto Alegre (Desaparência, 2001, vinil adesivo, 360 x 412 x
397 cm, Torreão, Porto Alegre, RS, Brasil.), que expandido, tomando todo o
espaço da sala Siqueiros.
Regina Silveira, Desapariencia (Taller),
2004.
Instalação (vinil adesivo sobre chão e
parede), 236 m2.
El Cubo, Sala de Arte Publico Siqueiros,
Cidade do México, México.
Ele, o curador, viu isto daí e outras coisas e me convidou. Então eu desenvolvi um
trabalho para o próprio edifício em um mês. Eu tive que ir aTaipei, olhar e sentir
na escala do corpo para ver até onde eu tinha que ocupar. Então, é assim que
acontece a encomenda. Nesta daqui (Ficções para o Museu da Vale do Rio Doce),
não me foi pedido trabalhar com o espaço, aqui foi eu que decidi, foi oferecido o
lugar para fazer uma exposição. Isso pode acontecer espontaneamente ou não.
Como no Palácio Cristal em Madrid, não foi pedido para que eu trabalhasse com o
edifício, mas o edifício ali é um desafio brutal, ele se meche o tempo inteiro porque
ele é só transparência.
Regina Silveira, Entrecéu, 2007.
Exposição Ficções.
Instalação (Vinil adesivo, Projeção de
vídeo), 900 .
Museu Estação do Vale do Rio Doce,
Vitória, ES.
85
Mas era para acontecer a exposição naquele edifício?
Sim, naquele edifício, mas não precisava mexer junto com o edifício. Isso foi
minha decisão, as vezes essa decisão é a própria circunstância que cria.
Eu quero lhe mostrar este trabalho que eu fiz na Sala Siqueiros, que é uma
perspectiva que sai de um modelo em 3D que o Paulo Bueno me ajudou a fazer,
que é uma perspectiva que reveste todo o espaço que é chamado de El Cubo,
porque ele tem 10 metros por 10 metros e 7 metros de altura, é uma construção
muito alta. E eu fiz como um ateliê de pintura gigante, um lugar onde se ensina,
mas crítico porque está tudo desaparecendo, o suporte geométrico da linha. foi
a última vez que eu usei essa questão do ponto de vista como o ponto forte, que
na verdade era aéreo e numa espécie de mezanino que você passava de um setor
a outro do museu e ali era onde você tinha a visão de um todo, sem quebras.
Uma visão geral do trabalho?
É, a visão total do trabalho. Esse trabalho é parte dessa série de estudos que eu
fiz para o Torreão em Porto Alegre.
86
II. Cópia da carta da organização da Exposição Persistante Perspective à
Regina Silveira
87
D
ISSERTAÇÃO DE
M
ESTRADO EM
A
RTES
A
P
ERSPECTIVA NO TRABALHO DE
R
EGINA
S
ILVEIRA
:
UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DA PERSPECTIVA
NA
A
RTE
C
ONTEMPORÂNEA
Lígia Luciene Rodrigues
Orientação:
Profa. Dra. Anna Paula Silva Gouveia
I
NSTITUTO DE
A
RTES
U
NIVERSIDADE
E
STADUAL DE
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