173
seria a dos “Iluminados y lideres espirituales”, grupo que divide dois tipos de
personagens, aqueles que em vida dedicaram-se a atividades de caridade, destacando-se
pelo amor ao próximo e virtuosidade, e os que se notabilizaram pela celebridade de suas
carreiras
111
. É comum aparecer nos relatos que abordam a história da vida desse tipo de
santo, passagens e feitos miraculosos, que se transmutam em situações ancoradas no
território do fantástico e do maravilhoso. São exemplos notórios desse tipo de narrativas
relatos que retratam o Pe. Cícero
112
, Frei Damião e, no Rio Grande do Norte, o Pe. João
Maria. Os três clérigos protagonizam no repertório popular uma infinidade de histórias
fantásticas que se fundem na memória do povo dispensando os limites entre realidade e
imaginário
113
.
Quase em sua integralidade os santos iluminados se localizam nas fileiras da
própria instituição, reproduzindo no terreno da religiosidade popular, o modelo
historicamente acionado na hagiografia oficial que elabora um ideal de santidade
111
A categoria forjada por Coluccio (1994) emparelha líderes espirituais e alguns vultos
públicos, entre os quais está Carlos Gardel, eminente músico que se notabilizou pelo seu estilo
musical, o tango, transmutado em identidade nacional argentina. Vítima de trágico acidente
aéreo esse personagem ganhou ainda mais repercussão. No cemitério onde estão depositados
seus restos mortais uma multidão de pessoas, entre elas artistas e cantores, se reúne nos dias 24
de junho para render homenagem ao famoso intérprete. Outro culto argentino que se assemelha
ao de Gardel é o de Gilda (MARTIN, 2007), também cantora vítima de acidente
automobilístico. Em Natal, guardadas as proporções, o cemitério do Bom Pastor igualmente
acolhe as homenagens dos fãs de Carlos Alexandre, cantor brega que se projetou com músicas
que retratavam figuras e atributos relacionados ao universo feminino como “Feiticeira”,
“Ciganinha”, “Índia”, “Sertaneja”, “Traiçoeira” entre outras. Desde sua morte, em 1989,
resultante de acidente automobilístico, alguns “eternos fãs” freqüentam o túmulo do ídolo para
render-lhe homenagens, especialmente no dia de finados, quando vestem camisetas com a
estampa do cantor ou portam LP‟s que recuperam os grandes sucessos e a carreira que
abruptamente foi interrompida em pleno auge. No trabalho de Freitas (2006), contudo, ela
verifica que a freqüência ao túmulo do artista tem se apresentado bem pouco significativa em
relação, por exemplo, ao de Baracho, outro famoso personagem que divide a cena do cemitério
no dia dedicado ao culto dos mortos.
112
Oliveira (2000) resgata algumas das narrativas míticas em torno da figura de Pe. Cícero, num
trabalho que realiza com romeiros em peregrinação para o Juazeiro.
113
Indícios dessas produções são as narrativas das facetas do Pe. Cícero no Vaticano, que não
tem minorado o seu valor pelo fato histórico de o clérigo jamais ter sido recebido pelo pontífice.
No caso de Frei Damião as elaborações em torno da sua personalidade miraculosa promoveram
a imagem de um homem que não andava, mas “flutuava” por entre as multidões nordestinas,
espaço por onde realizou suas missões. Também não comia, nem dormia, negando aos olhos dos
comuns a possibilidade de identificá-lo enquanto homem que carece de necessidades físicas e
fisiológicas tal como qualquer outro humano. Por fim, o Pe. João Maria que ofereceu a partir de
sua trajetória de atenção aos doentes de varíola e aos flagelados da seca, as fontes para se
produzir a imagem do santo padre que curava só de tocar ou ordenar ao corpo enfermo que se
reabilitasse (VAN DEN BERG, 2008).