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De qualquer forma, como herdeiro “universal”, Rubião, não sem ironia, é o herdeiro
do fracasso e da desilusão. Assim, ao invés de fazer jus à principal sentença da
filosofia Humanitas, de Quincas Borba, “Ao vendedor, as batatas”, Rubião é aquele
que perde as “batatas” herdadas. E perde porque reifica, porque acredita na
ideologia do vencedor, cínica por excelência, embora seja um cinismo já bastante
diferente daquele da Grécia antiga, por ser o cinismo que despreza a opinião
pública, porque é o seu próprio centro, o centro de uma opinião pública ela mesma
cínica, em sua indiferença em relação ao sofrimento do “perdedor”.
Seguindo esse raciocínio, a do cinismo da classe senhorial, ou o da perspectiva da
filosofia Humanitas, Rubião não poderia mesmo obter sucesso como herdeiro
“universal”. E não poderia porque é o perdedor de antemão, por não deter o cinismo
que a classe proprietária diariamente confecciona para justificar seus privilégios.
Rubião é o provinciano que acredita na opinião pública, tanto que quer,
ingenuamente, ocupar o seu centro, motivo pelo qual sai do interior do Brasil, após
ter se enriquecido com a herança recebida, para viver no Rio de Janeiro, centro não
menos provinciano, de irradiação da opinião pública “universal”, se considerarmos
que, como capital, Rio de Janeiro era a capital de um país periférico, provincial.
Ainda assim, ainda que não seja o verdadeiro pretendente da herança senhorial, isto
é, do oportunismo onipresente da classe proprietária, por ocupar o outro pólo da
trama, o daquele que é o enganado, o ingênuo, o provinciano, numa palavra, por ser
aquele que reifica, Rubião se torna, por excelência, o herdeiro universal – agora sem
aspas -, porque nos envolve a todos, ricos e pobres, a saber, a herança universal da
loucura de um mundo cindido; de senhores e escravos, colonizadores e colonizados.