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de crime, exigindo que as condutas passíveis de criminalização tenham
determinado conteúdo, que revele a lesão, efetiva ou potencial, a bens
jurídicos fundamentais para a manutenção da vida em sociedade e que, por
isso, as diferenciem daquelas que não poderão constituir objeto de tutela
penal.
Dissemos também que os princípios
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informadores do modelo de Estado exercem influência direta sobre o
sistema jurídico-penal vigente na sociedade organizada por ele.
Assim, é inevitável a conclusão de que, num
Estado Democrático de Direito
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, como aquele em que a República
Federativa do Brasil
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se constitui
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, determinados princípios decorrentes
do aludido modelo de Estado mantêm direta e estreita relação como o
objeto de nosso estudo, ou seja, o bem jurídico-penal, enquanto essência do
conceito material de crime a que nos referimos.
Aliás, falando a este respeito, Marco Antonio
Marques da Silva diz que “os princípios que norteiam o direito penal e o
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Adotamos aqui o conceito trazido por Celso Antonio Bandeira de Mello quando diz que “princípio é,
pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental
que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata
compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica que lhe dá sentido harmônico”.
Prossegue o referido Professor asseverando que “violar um princípio é muito mais grave que transgredir
uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo
o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e
corrosão de sua estrutura mestra”. Curso de Direito Administrativo, p. 53.
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No mesmo diapasão se manifesta Luiz Luisi quando diz que “as Constituições que são expressão do
Rechtsstaats as normas concernentes ao direito penal se traduzem em postulados que, em defesa das
garantias individuais, condicionam restritivamente a intervenção penal do Estado. Nas Constituições de
nossos dias estas instâncias de resguardo dos direitos individuais em matéria penal persistem vigorosas,
mas nelas se encontram uma série de preceitos que implicam no alargamento da atuação do direito penal
de moldes a ampliar a área de bens objeto de sua proteção. Ou seja: de um lado nas Constituições
contemporâneas se fixam os limites do poder punitivo do Estado, resguardando as prerrogativas
individuais; e de outro lado se inserem do direito penal para novas matérias, de modo a faze-lo um
instrumento de tutela de bens cujo resguardo se faz indispensável para a consecução dos fins sociais do
Estado”. Luisi, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais, p. 12.
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Artigo 1°, “caput”, da Constituição Federal.
216
Alberto Silva Franco leciona que “A Constituição Federal de 1988 deu forma, na República Federativa
do Brasil, a um tipo de Estado que recebeu a denominação de ‘Estado Democrático de Direito’. A
conjugação dos três vocábulos – Estado, Democracia e Direito – poderá, à primeira vista, parecer que o
Poder Constituinte só levou em conta, na formulação do modelo jurídico, o Estado liberal, não dando
nenhuma relevância ao Estado social. Essa impressão inicial, decorrente da denominação dada ao modelo
de Estado brasileiro, não é, contudo, correta. A simples leitura do Capítulo II, Titulo II da Constituição
Federal é suficiente para demonstrar que o legislador constituinte, ao lado dos direitos e deveres
individuais e coletivos, explicitou os direitos sociais, como direitos e garantias fundamentais. Destarte, a
denominação ‘Estado Democrático de Direito’ diz menos do que a própria Constituição Federal enuncia
em suas regras, pois o Poder Constituinte escolheu, na realidade, para o Brasil, um modelo de Estado que
se acomoda, por inteiro, ao conceito de Estado Social e Democrático de Direito”. Franco, Alberto Silva.
Crimes Hediondos, p. 48.