Se não há produção sem poluição, no entanto, alguns mecanismos são
criados de modo a indicar que, pelo menos quanto ao consumo, o produto não
será transmutado de ‘dádiva’ em ‘veneno’. As normas de produção, as licenças e
os selos de qualidade fazem parte deste artifício chamado ’confiança’ que, no
mais, tenta garantir a reciprocidade positiva das relações. Pois, apenas quando
acreditamos na garantia e na segurança de um determinado bem é que o
consumimos. Confiamos, portanto, que alguém vigia por nós. Este é o caso, por
exemplo, das latinhas de bebida. Confiamos que elas estão salvaguardadas (nos
depósitos) da contaminação. Mas, uma vez que alguém é vítima da leptospirose, a
reciprocidade é rompida e passamos a desconfiar. O exemplo parece simples,
mas se retomarmos os casos de poluição do rio Paraíba do Sul, veremos o quanto
ele se encaixa, menos como metonímia do que como paralelo.
De fato, confiamos que a água das nossas torneiras é potável, pois
acreditamos que foi analisada, e atendeu aos parâmetros exigidos, no caso, às
normas estabelecidas por agências públicas qualificadas. Quando o Paraíba do
Sul foi poluído, ocorreu, então, uma ruptura dos laços de confiança, isto é, a
potabilidade do recurso caiu em descrédito. Daí os dramas sociais de 1982 e
2003. Como, no entanto, uma regeneração da normalidade cotidiana foi surgindo
a partir dos ritos reformadores do banho, no primeiro, e da prisão, no segundo
daqueles episódios, a confiança na qualidade da água foi, aos poucos, se
restabelecendo até que todos passassem a consumi-la novamente.
É claro que este restabelecimento do crédito não foi algo automático. A
manifestação popular, na Praça São Salvador, em 1982, e a ação judicial
impetrada pela O
NG
C
FCN
, em 2003, contra a retomada do abastecimento, foram
momentos do drama em que o conflito tendeu a recrudescer. Do mesmo modo, o
enorme consumo de água mineral, verificado a partir de 2003, tenderia a sugerir
que a desconfiança com relação à água das torneiras permanece. Mas, por que,
então, tomamos banho, escovamos dentes, em casa, e bebemos refrescos, na
rua? Por que acreditamos que aquela água não nos fará mal? Talvez porque, de
algum modo, se tenha restabelecido a crença no padrão técnico utilizado para a