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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI
ADRIANA LORENA MENDES CRISÓSTOMO
A MATERIALIZAÇÃO DO PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA
ESCOLA – PDE, NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE TERESINA:
ASPECTOS E OLHARES QUE SE ENTRECRUZAM
TERESINA/PI
2007
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ADRIANA LORENA MENDES CRISÓSTOMO
A MATERIALIZAÇÃO DO PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA
ESCOLA – PDE, NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE TERESINA:
ASPECTOS E OLHARES QUE SE ENTRECRUZAM
Dissertação de Mestrado apresentada ao
programa de Pós-graduação em
Educação do CCE/UFPI, como exigência
parcial para a obtenção do grau de mestre
em Educação, sob a orientação do prof.
Dr. Luís Carlos Sales.
Orientador: Prof. Dr. Luís Carlos Sales
TERESINA/PI
2007
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ADRIANA LORENA MENDES CRISÓSTOMO
A MATERIALIZAÇÃO DO PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA
ESCOLA – PDE, NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE TERESINA :
ASPECTOS E OLHARES QUE SE ENTRECRUZAM
Dissertação de Mestrado apresentada ao
programa de Pós-graduação em Educação
do CCE/UFPI, como exigência parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Educação,
sob a orientação do prof. Dr. Luís Carlos
Sales.
Em 26 de fevereiro de 2007.
Prof. Dr. Luís Carlos Sales (UFPI) – Orientador
Profª. Drª Maria da Glória Soares Barbosa Lima (UFPI) – Examinadora
Profª Drª Cleânia de Sales Silva – Examinadora
Profª Drª Maria do Carmo Alves do Bomfim - Suplente
Dedico este trabalho ao meu Deus, por ter me inspirado
em todos os momentos, dando-me forças para
prosseguir; ao meu querido esposo João, pelo amor e
estímulo nesses anos de companhia; às minhas filhas
queridas, Luana e Letícia, e a todas as pessoas
queridas e maravilhosas que encontrei no decorrer
desta caminhada.
“... por ser exato, o amor não cabe em si; por
ser encantado, o amor revela-se; por ser
amor; invade e fim”.
Djavan
AGRADECIMENTOS
“... nada a temer, senão o correr da luta
nada a fazer, senão esquecer o medo
sentir no peito a força de uma procura
fugir às armadilhas da mata escura.
Longe se vai sonhando demais, mas
longe se chega assim vou descobrir o que
me faz sentir, eu, caçador de mim.”
Milton Nascimento
No decorrer desta trajetória, muitos foram os temores que tive que vencer,
buscas muitas vezes difíceis que tive que arrancar do peito, as vicissitudes que,
muitas vezes, a vida nos coloca para testar nossa paciência e resignação. Mas,
quando há um objetivo, temos que esquecer o medo, e o melhor de tudo isso é
descobrir que não estamos sozinhos. Por isso que agradecer é, no meu ponto de
vista, o momento mais gratificante.
Agradeço a Deus, a Jesus e a Maria não só por esse trabalho, mas pelo dom
da vida. À minha família, razão da minha vida; ao meu orientador e amigo, Luis
Carlos, pela orientação e compreensão nos momentos em que precisei “fugir da
mata escura”; “à coordenação do mestrado em educação pela oportunidade e
compreensão; aos amigos do peito que tive a bênção de conhecer e conviver
durante este trabalho e que me deram força, ajuda e, principalmente, calor humano.
Que JESUS os abençoe”.
Não poderia esquecer de meus mestres, os quais, sabiamente conduziram as
aulas no período dos créditos, e também aos profissionais da saúde que cuidaram
de mim e continuam cuidando com carinho, competência e dedicação, em especial
ao Dr Werne.
Agradeço de coração às escolas e aos atores e protagonistas que,
carinhosamente, concederam as entrevistas. São eles, nesse trabalho, os
personagens reais e mais importantes, por fazerem a educação “no chão da escola”.
Que nada te perturbe
Que nada te apavore
Tudo passa
A paciência tudo alcança
Quem tem a Deus nada lhe falta
Só Deus basta.
Teresa D’avila
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo examinar o processo de implantação do
Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE, em escolas públicas de Teresina.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa em que se procurou desenvolver um estudo a
partir do olhar dos atores escolares. O plano de Desenvolvimento da Escola – PDE é
um projeto do FUNDESCOLA – Fundo de Desenvolvimento da Escola e tem como
objetivo a gestão baseada na escola, dando ênfase ao planejamento estratégico
semelhante ao da empresa privada. Para corroborar com esta pesquisa, fez-se um
estudo bibliográfico, dialogando-se com autores que trabalham nessa linha, a saber:
Paro, Gentili, Shiroma, Frigotto, Fonseca, Dourado e outros. O presente estudo foi
desenvolvido em quatro escolas da rede pública de Teresina (duas da rede estadual
e duas da rede municipal), tendo sido utilizados como instrumento de investigação, a
pesquisa documental e a entrevista semi-estruturada. Os resultados deste trabalho
remetem para uma reflexão acerca das políticas educacionais, as quais são
financiadas por instituições multilaterais, constatando-se as contradições no que diz
respeito à participação e à autonomia da escola e dos atores escolares que nelas
trabalham, o que deixa implícito uma burocracia que impede uma maior participação
na concepção do Projeto, ficando a escola submetida à mera execução dos
parâmetros pré-estabelecidos longe do ambiente escolar. Conclui-se com este
trabalho que o PDE, como projeto que visa a gestão baseada na escola, ficou na
mentalidade dos atores escolares como um projeto cujo objetivo é somente o
repasse de recurso financeiro, ou seja, a sua essência, o planejamento estratégico,
não foi internalizado pelos que fazem a escola, pois tal planejamento foi associado
com burocracia.
PALAVRAS-CHAVE: PDE, GESTÃO, POLÍTICA EDUCACIONAL
ABSTRACT
The present research had a purpose to examine the implanting process of the School
Development Planning (SDP) in Teresina's public schools. It was a qualitative
research that looked for developing a study from the eyes of those who make the
school (teachers, staff and parents). The SDP project belongs to FUNDESCOLA and
it aims at the management based on the school itself, giving emphasis to strategic
planning such as in private enterprises. To corroborate this research, there was an
appropriate bibliographic study with authors, such as: Paro, Gentili, Shiroma,
Frigotto, Fonseca, Dourado and others with works in the same category. This study
was developed based on four Teresina’s public schools (two state schools and two
district schools). The inquiry instruments used were the documentary research and
the half-structuralized interview. The results of this work cause reflection about the
educational policies, which are financed by multilateral institutions, where evidence
the contradictions in the participation and autonomy of the school and those who
work in it. This implicit bureaucracy, which is far from the school environment, does
not permit more participation in the project concept, only the schools submission to
the mere execution of the preset parameters. It is concluded that the SDP, as project
that aims at the management based on the school itself, was being taken as financial
resourcing only. In other words, the strategic planning had been misunderstood,
therefore, such planning had been associated with the bureaucracy.
KEYWORDS: SDP, MANAGEMENT, EDUCATIONAL
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 11
CAPÍTULO I
GESTÃO ESCOLAR NO CONTEXTO DAS REFORMAS
EDUCACIONAIS DOS ANOS DE 1990: DESCENTRALIZAÇÃO,
AUTONOMIA E PARTICIPAÇÃO........................................................................ 16
1.1 A expansão neoliberal: o fio condutor na
redefinição do papel do Estado.................................................................. 17
1.2 A gestão da educação e da escola básica:
discutindo propostas e tendências ............................................................ 23
1.3 O Banco Mundial e a Gestão Escolar – uma reflexão necessária............ 28
CAPÍTULO II
FUNDESCOLA - PDE: QUE PROGRAMA É ESSE?.......................................... 35
2.2 FUNDESCOLA: uma breve apresentação .................................................. 36
2.3 Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE em foco:
o planejamento estratégico......................................................................... 39
2.3.1 O PDE e seus fundamentos teóricos: administrar escola ou empresa?...... 42
2.4 O processo de implantação e expansão do PDE no Piauí........................ 49
CAPÍTULO III
3.1 PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................... 51
3.1.1 O procedimento e o espaço social da investigação:
as escolas e os sujeitos colaboradores da pesquisa.................................... 53
CAPÍTULO IV
A MATERIALIZAÇÃO DO PDE NA ESCOLA:
ASPECTOS E OLHARES QUE SE ENTRECRUZAM................................... 57
4.1 A materialização do PDE na escola: descrição e análise......................... 57
4.1.1 Preparação do PDE .................................................................................... 58
4.1.2 O PDE suscitando expectativas na escola.................................................. 60
4.2 A Capacitação do PDE: uma retrospectiva em busca de explicações.... 63
4.3 Análise situacional: diagnóstico da escola ............................................... 66
4.4 A participação dos atores da escola no âmbito do PDE:
elementos para sua compreensão.................................................................... 70
4.5 O PDE e a autonomia na escola: uma aspa no meio do caminho ........... 76
4.6 Pontos positivos do PDE: um olhar dos atores escolares....................... 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 84
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 87
INTRODUÇÃO
As reformas educacionais efetivadas no mundo a partir do século XX
apresentam pontos comuns nas políticas educacionais desencadeadas a partir
dessas reformas. Tais políticas envolvem: financiamento, currículo, avaliação,
formação de professores e gestão da educação. Nesse sentido, a década de 1990
definiu no cenário brasileiro uma movimentação intensa em torno das reformas
educacionais como parte de um movimento mundial intrinsecamente ligado à nova
fase do capitalismo, o qual, segundo teóricos como Oliveira, Fonseca e Toshi
(2004), Gentilli (1996), Paro (2001, 2002, 2003), Peroni (1999) entre outros, utilizou
como estratégia para superação de sua crise o neoliberalismo, a globalização e a
reestruturação produtiva. Têm-se, portanto, os serviços de educação, saúde e
habitação, os quais, naquele momento, constituíam a política social que, segundo
Antonio Lima (2004, p. 20), representa um conjunto de ações que surgem como
“atenuantes das desigualdades sociais e oriundas das reivindicações organizadas
pela sociedade civil”.
Nessa perspectiva a gestão da educação se encontra como ponto-chave das
reformas educacionais. O discurso de que o Estado é incapaz de gerir eficazmente a
educação e o argumento de que o setor privado é detentor de maior “eficiência”
fazem com que, na década de 90, se verifique uma tendência, em nível mundial, na
formulação de propostas para o desenvolvimento da gestão educacional,
particularmente no âmbito da educação básica.
Diante dessa realidade, a escola ganha uma centralidade muito grande, ao
ser considerada, conforme expressa Dalila Oliveira (1997, p. 90), como “núcleo da
gestão”, devendo ainda “[...] se configurar democrática em suas ações como
agências prestadoras de serviços que precisa levar em conta os interesses dos
usuários, a quem ela deve servir e para os quais foi criada” (PARO, 2003, p. 81).
Nessa década, presencia-se, portanto, no Brasil, a introdução de propostas voltadas
para a gestão da educação e da escola, com base em estratégias de
descentralização, autonomia e participação.
Historicamente, essas propostas fazem parte da luta dos educadores por uma
educação pública de qualidade. Nesse sentido, torna-se necessário pensar se as
referidas propostas vêm realmente ao encontro dessas lutas ou se trazem consigo
12
uma ressignificação desses conceitos com a finalidade de conseguir o consenso e
desresponsabilizar o Estado de sua obrigação de prover a educação.
Sobre esse aspecto, Shiroma (2002, p. 112) ressalta que a educação não é
uma prioridade real do governo, pois, se assim fosse, não usaria uma política que
reforça sua centralidade “[...] cortando verbas, negligenciando a manutenção da
infra-estrutura adequada, mantendo aviltados salários de professores, enfim, sendo
refratário às condições objetivas das escolas públicas [...]”.
Desse modo, registra-se que foi no desencadear de inúmeras propostas
voltadas para a gestão da escola básica que emergiu o interesse e motivação para
desenvolver este estudo, em meio a momentos de grande surpresa e inquietude, a
exemplo do caso de se presenciar a “chegada” inesperada da proposta do
FUNDESCOLA, a qual veio consubstanciada em seu principal produto: o Plano de
Desenvolvimento da Escola – PDE, fenômeno ocorrido exatamente no ano seguinte
ao que se tinha elaborado o Projeto Político Pedagógico da escola, em 2001.
O PDE foi implantado na escola onde realizávamos um trabalho de
coordenação pedagógica, no ano de 2001, e nessa condição, naquele período,
tivemos a oportunidade de acompanhar a materialização do Plano. Nesse contexto,
surgiram várias indagações que permearam a mente desta pesquisadora, tornando-
se mais evidentes aquelas relacionadas à metodologia do planejamento estratégico
proposta pelo modelo do PDE, sobremaneira nos aspectos relacionados à
participação e à autonomia da escola, tão referenciadas no seu manual de
elaboração. Em meio a essa realidade, naturalmente surgiram as seguintes
indagações: Seria o PDE mais uma das inúmeras propostas que chegam às escolas
com o objetivo de fazer crer que todos os problemas educacionais estariam
resolvidos, bastando para isso que suas orientações fossem seguidas à risca pela
comunidade escolar? Ou seria mais uma reforma para criar na opinião pública a
sensação de movimento e, conseqüentemente, a idéia de inovação? (SACRISTAN,
1996).
O Fundo de Fortalecimento da Escola – FUNDESCOLA - configura-se dentre
as experiências de gestão da escola publica, tanto pelo teor de sua proposta como
pela amplitude geográfica alcançada, como a proposta de maior amplitude nesse
campo (OLIVEIRA, FONSECA, TOSCHI, 2004). Ressalta-se desse modo, a
caracterização do objeto de estudo desta pesquisa, ou seja, o Plano de
13
Desenvolvimento da Escola – PDE, implantação e desenvolvimento nas escolas
públicas de Teresina, em seus diversos aspectos.
Assim, o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) configura-se como um
dos projetos integrantes do FUNDESCOLA, que é um programa resultante de um
acordo de financiamento celebrado entre o MEC (Ministério da Educação e Cultura)
e o Banco Mundial, desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e
municipais dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.
O Programa FUNDESCOLA apresenta como missão melhorar o desempenho
dos sistemas públicos de ensino por meio do fortalecimento das escolas e das
instituições por elas responsáveis. O PDE constitui-se em dos principais produtos do
FUNDESCOLA, tendo em vista a notória ênfase dada ao PDE, como se pode
constatar nas próprias palavras do coordenador geral de gestão educacional ao
referir-se ao processo de fortalecimento da escola: “Esse fortalecimento dá-se
principalmente por meio do processo de desenvolvimento da escola, que inclui a
elaboração e implementação do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE)”
(AMARAL SOBRINHO, 2001, p.15).
De acordo com Amaral Sobrinho (2001), o PDE é definido como um processo
de gerenciamento estratégico, coordenado pela liderança da escola e desenvolvido
de maneira participativa pela comunidade. Apresenta como objetivo o
aprimoramento da gestão da escola para que esta melhore a qualidade do ensino
oferecido, de modo a garantir maior eficiência e eficácia nos processos que se
propõe desenvolver.
Diante do exposto, coloca-se mais um questionamento: de fato, está o Plano
de Desenvolvimento da Escola PDE - fortalecendo e garantindo maior eficiência e
eficácia no processo de organização e gestão das escolas públicas de Teresina?
Assim, para subsidiar o desenvolvimento deste trabalho bem como para um melhor
delineamento do problema exposto, algumas questões nortearam esta pesquisa, a
saber:
Como se deu a construção do PDE nas escolas e quais as expectativas da
comunidade escolar quanto a sua implementação?
O PDE proporcionou maior participação na escola, tornando a gestão mais
democrática?
O PDE trouxe mais autonomia para a escola?
Na avaliação da comunidade escolar, o PDE trouxe melhorias para a escola?
14
Que sugestões ou críticas que a comunidade escolar faz ao PDE e quais as
suas perspectivas em relação à continuidade do PDE na escola?
Na tentativa de responder a esses questionamentos, o presente estudo teve
como objetivo geral analisar o processo de implantação e desenvolvimento do PDE
na escola a partir da perspectiva dos atores escolares. Para alcançar esse objetivo
maior, foram traçados os seguintes objetivos específicos: conhecer as diferentes
formas de adesão e expectativas dos atores escolares em relação ao PDE;
caracterizar o processo de elaboração e implementação do PDE, verificando os
aspectos da participação e da autonomia; identificar a avaliação dos atores
investigados sobre o PDE e seus efeitos na escola a partir de suas perspectivas e
sugestões em relação à continuidade do Plano.
Como referencial teórico de base para uma análise das políticas
educacionais, buscaram-se autores como: Eneida Shiroma; Maria Célia Moraes;
Olinda Evangelista (2004), Lívia Tommasi; Mirian Jorge Warde; Sergio Haddad
(2003), Pablo Gentilli; Tomas Tadeu Silva (2002), Antonio Bosco Lima (2004), entre
outros.
Quanto à administração, gestão e sua relação com as políticas educacionais,
o estudo fundamenta-se na visão de Ferreira (2003), Ferreira e Aguiar (2001),
Oliveira (1997), Paro (2003, 2001, 1995), Paro; Dourado (2001), Peroni (2003) e
Fonseca; Toschi; Oliveira (2004), como forma de melhor conduzir uma análise
específica das escolas gerenciadas pelos planos de desenvolvimento e projetos
políticos pedagógicos. Aliados a estes, encontram-se também presentes o olhar de
outros teóricos que possibilitaram a construção deste texto.
Para a realização deste estudo, optou-se por uma pesquisa qualitativa por
meio de análise de documentos e pesquisa de campo (documentação direta),
utilizando-se entrevistas semi-estruturadas para coleta de dados, promotoras de
uma interação entre entrevistado e entrevistador. Trabalhou-se com um universo de
gestores, supervisores, professores, funcionários e pais de alunos integrantes do
Conselho Escolar, configurado em uma amostra de 28 entrevistados de quatro
escolas, sendo duas da rede pública municipal e duas da rede pública estadual de
Teresina-PI. Assim, o presente trabalho resultou em três capítulos, como delineados
a seguir:
15
Capítulo I - Gestão Escolar no Contexto das Reformas Educacionais dos anos
de 1990: Descentralização, Autonomia e Participação: no geral faz-se uma
abordagem, com base em pesquisa bibliográfica, das políticas educacionais da
década de 1990 em seus diversos aspectos sociopolíticos e econômicos no contexto
da reforma do Estado. Procurou-se enfatizar uma análise da influência do Banco
Mundial na definição das propostas de gestão escolar, tendo em vista que essa
década se configurou como momento ímpar na formulação de propostas no contexto
das políticas educacionais, bucando-se compreender o papel do Estado nesse
contexto.
Capítulo II - FUNDESCOLA - PDE: Que programa é esse ? : apresenta-se
mais detalhadamente o Programa FUNDESCOLA - PDE bem como o seu processo
de implantação e expansão em escolas públicas do Piauí.
Capítulo III – Percurso Metodológico: neste capítulo traçou-se o caminho
metodológico percorrido para o desenvolvimento da pesquisa.
Capítulo IV – A implantação do PDE nas Escolas Publicas de Teresina:
análise a partir do olhar de seus atores: apresenta-se a análise dos resultados da
pesquisa empírica realizada em quatro escolas (duas da rede estadual e duas da
rede municipal de Teresina), à luz dos teóricos citados e outros com os quais se
desenvolveu certa afinidade ao pensar essa realidade e cuja discussão teórica
colaborou decisivamente para o entendimento da implantação do PDE enquanto um
desafio a ser enfrentado.
As considerações finais consubstanciam o esforço de sintetizar as reflexões
realizadas durante todo o processo de desenvolvimento da pesquisa, apoiadas nas
leituras e análises empreendidas para a construção desta dissertação. Nesse
sentido, teve-se como interesse relevante, a perspectiva de colaborar para a
extensão do processo reflexivo acerca das propostas de gestão escolar oriundas
das políticas educacionais, estudando-as no lócus onde estas se materializam: a
escola, bem como a partir das opiniões dos sujeitos que fazem educação no
cotidiano escolar. Espera-se ter contribuído através de seus depoimentos e das
análises aqui referenciadas com elementos que possam subsidiar futuras propostas
que venham realmente promover a escola como espaço de construção para uma
educação pública de qualidade.
CAPÍTULO I
GESTÃO ESCOLAR NO CONTEXTO DAS REFORMAS
EDUCACIONAIS DOS ANOS DE 1990: DESCENTRALIZAÇÃO,
AUTONOMIA E PARTICIPAÇÃO
A especificidade da administração da educação como campo teórico
e praxiológico se define em função da natureza peculiar da
educação como prática política e cultural comprometida com a
promoção dos valores éticos que orientam o exercício pleno da
cidadania na sociedade democrática.
Benno Sander.
O tema descentralização tem sido objeto de inúmeras políticas públicas no
decorrer da história da educação brasileira, entretanto, foi na década de 1990, que
se verificou, especificamente no governo de Fernando Henrique Cardoso, uma
ênfase maior à descentralização como uma das estratégias utilizadas nas políticas
educacionais, especialmente no campo da gestão escolar. Aliada a essa estratégia,
a autonomia e a participação passaram a fazer parte também do discurso governista
e, conseqüentemente, das políticas educacionais implementadas no período.
Discutir a gestão descentralizada como estratégia das políticas educacionais
requer empreender uma contextualização dessas diretrizes ditas como
“descentralizantes”, relacionando-as a um contexto maior da reforma do sistema
educacional embasada numa proposta de implantação de novos modelos de gestão
da educação e da escola. Daí a necessidade de situar as reformas educacionais do
Brasil ocorridas nos anos de 1990 no próprio contexto de redefinição do papel do
Estado, buscando compreender o papel dos organismos internacionais,
especialmente o Banco Mundial, nas políticas educacionais, especificamente no
âmbito da gestão da educação e da escola. Portanto este capítulo sintetiza a
17
intenção de compreender, a partir de uma revisão bibliográfica, essa teia de relações
que materializa o fenômeno em análise.
1.1 A expansão neoliberal: o fio condutor na redefinição do papel do Estado
A década de 1990 do século passado definiu, no cenário brasileiro, uma
movimentação intensa em torno das reformas educacionais. Esse processo,
entretanto, não é verificado apenas no Brasil, fazendo parte de um movimento
mundial intrinsecamente ligado à nova fase do capitalismo, o qual, segundo Vera
Peroni (2000), vive atualmente uma crise estrutural empregando como estratégia de
superação dessa crise uma orientação pautada no neoliberalismo.
O neoliberalismo é um movimento que teve sua origem logo após a Segunda
Guerra Mundial, na Europa e na América do Norte, onde se situavam os principais
países do mundo capitalista. Para Perry Anderson (1995, p.9), o neoliberalismo, na
sua origem, tem a seguinte configuração:
Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar [...] trata-se de um ataque
apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado
por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à liberdade,
não somente econômica, mas também política.
A proposta que dá origem ao neoliberalismo está no texto “O Caminho da
Servidão”, de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Em 1947, momento em que as
bases do Estado na Europa do pós-guerra efetivamente estavam se construindo,
não somente na Inglaterra, mas em outros países, Hayek compartilhou as novas
idéias de mudanças com aqueles que seguiam sua orientação ideológica, em uma
reunião na pequena estação de Mont Pélerin, na Suíça. A partir dessa reunião, foi
fundada a “Sociedade de Mont Pélerin”, uma espécie de franco-maçonaria neoliberal
altamente organizada, que se reunia internacionalmente a cada dois anos, ‘’[...]’’com
o propósito de combater o Keynesianismo
1
e o solidarismo reinantes e preparar as
1
Modelo de um Estado intervencionista e de bem-estar social, legados das ideias de Keynes.
18
bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro”
(ANDERSON,1995,p.10).
Interpretando o pensamento de Hayek e de seus companheiros, Anderson
(1995) afirma que tais idéias estavam fundamentadas no argumento de que o novo
igualitarismo daquele período, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a
liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a
prosperidade de todos. No entanto, suas proposições só ganharam terreno fértil a
partir da chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973,
momento em que todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa recessão, a
qual, pela primeira vez, combinava baixas taxas de crescimento com altas taxas de
inflação ( fenômeno conhecido como estagflação).
Segundo Anderson (1995, p.11), as raízes da crise do modelo econômico
Keynesiano estavam localizadas
[...] no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais
geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de
acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os
salários e com sua pressão parasitária para que o Estado
aumentasse cada vez mais os gastos sociais.
Anderson admite então que o remédio era claro: “manter um Estado forte em
sua capacidade de romper o poder dos sindicados e no controle de dinheiro, mas
parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas” (p.11).
Para Gaudêncio Frigotto (2001), a adoção das teses neoliberais e a
implementação econômica e político social têm início no contexto da crise do
capitalismo avançado, na década de 70, e da crise do colapso do socialismo real,
tendo como líderes deste modelo Margaret Tatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan,
nos Estados Unidos. Para o autor, mesmo com o fracasso econômico da aplicação
do Estado mínimo (desregulamentação, privatização e instauração da liberdade pura
do mercado), o ideário neoliberal, espalhou-se pelo mundo. Nessa perspectiva,
Frigotto (2001,p.11-12), argumenta :
O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial são os
intelectuais coletivos que implementam e supervisionam os
processos que convencionaram denominar de ajuste das economias
à nova ordem mundial globalizada.
19
Nesse sentido, é importante refletir sobre a proposição de Estado mínimo
adotada pela ideologia neoliberal. Para Harvey (1992, p.160), o estado mínimo
proposto é mínimo apenas para as políticas sociais, pois, na realidade, o Estado é
máximo para o capital, na medida em que sua função é ampla e de visível volume
de responsabilidade:
É chamado a regular as atividades do capital corporativo, no
interesse da nação, tem, ainda, de criar “um bom clima de negócios”
para atrair o capital financeiro transnacional e conter (por meios
distintos dos controles de câmbio) a fuga de capital para “pastagens
mais verdes”.
Mesmo resgatando os pressupostos liberais, a diferença entre liberais e
neoliberais é explicada por Maria Abádia da Silva (1999), para a autora, a diferença
refere-se ao fato de que os últimos distanciam-se dos seus mentores originais, como
Adam Smith e Stuart Mill, ao defenderem que serviços sociais básicos e funções de
segurança pública também sejam transferidos para a esfera privada, para a
dinâmica do mercado, a exemplo da defesa da privatização de serviços nas áreas
de saúde, educação, previdência social e serviço penitenciário. A autora emprega,
para fundamentar-se com sua interpretação, a atualidade das palavras de Karl Marx
no 18 Brumário de Luiz Bonaparte: “Disse Hegel, em algum lugar, que todos os
grandes fatos e personagens da História se reproduzem, por assim dizer, duas
vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: uma vez como tragédia e outra como
farsa”.
Comporta nesse sentido relembrar as preocupações de Marx com os
acontecimentos históricos a fim de enriquecer a visão sobre a veracidade do
discurso neoliberal, pois, como afirmam pesquisadores e historiadores, estamos
vivendo uma nova fase do capitalismo e nos parece que não se apercebem que é só
uma nova fase, o que significa dizer que o sistema capitalista, o qual sempre se
fundamentou na exploração do homem pelo homem, continua encontrando novas
fórmulas de manter seus objetivos, criando mecanismos cada vez mais sofisticados
que atuam em forma de disfarces fortalecendo o papel do capital em detrimento da
valorização do ser humano. Assim deixa transparecer o próprio neoliberalismo,
20
quando anula as conquistas sociais em beneficio do capital que,na realidade é um
só, não importa se aqui ou em qualquer outro país.
No que se refere ao caso brasileiro, e já especificando a educação, Peroni
(2003, p.22) constata, ao longo de seu estudo, “que as mudanças ocorridas n/a
política educacional dos anos 1990 deveriam ser entendidas como parte da
materialidade da redefinição do papel do Estado”.
Esse debate torna-se necessário para que possamos compreender as
orientações das reformas educacionais implementadas para a gestão da educação e
da escola, haja vista a sua intrínseca relação com a proposta de reforma
administrativa implementada pelo governo brasileiro a partir de 1990.
Essa redefinição aconteceu, na prática, no governo de Fernando Henrique
Cardoso, o qual, como Presidente da República, a exemplo de Fernando Collor e de
Itamar Franco, iniciou um processo constitucional de reorganização do Estado
brasileiro a fim de adequá-lo às “novas” necessidades do capitalismo, ou seja, ser
um país competitivo dentro da ótica do mercado que exigia uma minimização do
Estado, principalmente na interferência econômica e na aplicação de políticas
públicas. Nesse sentido, o próprio Poder Executivo, através do Presidente Fernando
Henrique, propõe para o Brasil o PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO
DO ESTADO (PDRAE).
Na apresentação do Plano Diretor, o Presidente Fernando Henrique afirma
que
[...]a crise brasileira da última década foi também uma crise do
Estado. Em razão do modelo de desenvolvimento que Governos
anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funções básicas
para ampliar sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além
da gradual deterioração dos serviços públicos, a que recorre, em
particular, a parcela menos favorecida da população, o agravamento
da crise fiscal e, por conseguinte, da inflação. Nesse sentido, a
reforma do Estado passou a ser um instrumento indispensável para
consolidar a estabilidade e assegurar o crescimento sustentado da
economia. Somente assim será possível promover a correção das
desigualdades sociais e regionais (BRASIL, MARE, 1995, p.9).
Essa redefinição do papel do Estado no Brasil, nos anos de 1990, conforme o
Plano Diretor do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE,1995),
propõe uma reforma que visa transferir para o setor privado as atividades que
21
podem ser controladas pelo mercado, condizente assim com o diagnóstico do então
governo de Fernando Henrique Cardoso, quando afirma que, a crise no Brasil, na
última década, é uma crise do Estado e não do capital. De acordo ainda com esse
documento,
A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da
redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável
direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção
de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e
regulador desse desenvolvimento (BRASIL,1995, p17).
Um outro elemento de análise do documento MARE, relevante para uma
compreensão das propostas de gestão da educação e da escola, refere-se à
questão das mudanças que o PDRAE (1995) propõe nos padrões da administração
pública. Nesse sentido, a alternativa do Plano Diretor para romper com a
administração pública burocrática foi a implantação da administração pública
gerencial, a qual define que “a reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada
predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços
públicos e pelo desenvolvimento de um cultura gerencial nas organizações “
(BRASIL, MARE,1995, p.22).
Ainda conforme o Plano Diretor, na administração pública gerencial, a
estratégia volta-se:
1- Para a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir
em sua unidade;
2- Para a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos,
materiais e financeiros que lhe forem colocados à disposição para que possa
atingir os objetivos contratados e
3- Para o controle e a cobrança a posteriori dos resultados (BRASIL,1995, p.125).
É importante compreender, conforme Benno Sander (1981,1995), que a
administração da educação no Brasil [...] está inserida no contexto da administração
pública, seguindo, portanto, o curso do desenvolvimento histórico da América Latina
no contexto de suas relações internacionais. Compreender essa relação de
22
interdependência se faz necessário para melhor visualizar as propostas de gestão
da educação e da escola no próprio contexto de redefinição do papel do Estado e da
reforma administrativa proposta pelo MARE, quando este deixa clara a proposição
de uma “cultura gerencial nas organizações” pautada pelos valores de eficiência,
eficácia, qualidade e controle nas organizações. Nessa perspectiva, Licìnio Lima
(2001, p. 122) argumenta que
,
Ao eleger a racionalidade econômica, a otimização, a eficácia e
eficiência como elementos nucleares, os programas de
modernização têm tomado por referência privilegiada a atividade
econômica, a organização produtiva e o mercado, exportando a idéia
de empresa para o seio da administração pública. A empresa
significa, neste contexto, um modelo a seguir [...] assentes na
ideologia do mercado, as tendências neoliberais especialmente
presentes a partir da década de oitenta, colocaram o setor público no
banco dos réus. Os programas de reforma, tomando a iniciativa
privada como modelo, forçarão a administração pública a uma gestão
racional, perspectivando-a como um serviço dirigido aos cidadãos
enquanto clientes e consumidores.
Nesse sentido, tendo como parâmetro a orientação do Plano Diretor de
Reforma do Aparelho do Estado, é possível compreender que, na gestão da
educação e da escola, esse modelo de gestão empresarial passa a ser, portanto, o
ideal a ser perseguido sob a égide da tão propalada “qualidade total”. É importante
discernir que a descentralização, autonomia e participação contempladas nas
orientações da reforma do Estado não deixam de ser uma forma de o governo
transferir para a sociedade tarefas que até então estavam sob sua responsabilidade.
Tudo isso indica que, na prática, a lógica é descentralizar as
responsabilidades e centralizar o controle por parte do órgão central. Na gestão da
educação, e especificamente da escola, tais propostas são materializadas no
contexto das reformas educacionais dos anos 1990, seguindo orientações que, por
sua vez, seguem as orientações de organismos internacionais, principalmente do
Banco Mundial, haja vista que este banco tem se configurado, conforme Frigotto,
[...] como o grande definidor da filosofia, dos valores, das políticas
educacionais e das concepções de conhecimento, não só para o
Brasil, mas também para o conjunto de nações que devem se ajustar
ao rolo compressor da globalização. No plano ético-político, a
23
educação deixa de ser um direito para, paulatinamente, transformar-
se em um serviço, uma mercadoria (1996, p.89).
A visão ético-político da educação a partir desse rolo compressor da
globalização, argumentado por Frigotto, será analisada amplamente no capítulo
dedicado à prática da política educacional no seio da escola.
1.2 A gestão da educação e da escola básica: discutindo propostas e
tendências
A proposta de discutir a redefinição do papel do Estado é no sentido de
melhor situar a gestão da educação e da escola. Como já foi explicitado no início
deste capítulo, a década de 1990 definiu, no cenário brasileiro, uma movimentação
muito grande em torno das reformas educacionais, movimento ocorrido não só no
Brasil, mas também em nível mundial. Nesse contexto maior, que teve como ponto
basilar a reforma do Estado, observam-se diretrizes comuns nas políticas
educacionais implementadas a partir dessas reformas, por exemplo: avaliação,
currículo, financiamento, formação de professores e gestão escolar.
O campo da gestão da educação e da escola revelou-se como ponto chave
das reformas educacionais. O discurso de que o Estado é incapaz de gerir
eficazmente a educação e o argumento de que o setor privado é detentor de maior
“eficiência” fizeram com que, a partir da última década do século XX, houvesse,
segundo Oliveira, Fonseca e Toschi (2004), o fortalecimento de uma tendência
mundial de formulações de propostas para o desenvolvimento da gestão
educacional, particularmente no âmbito da educação básica.
Nessa perspectiva, para Oliveira, Fonseca e Toschi ( 2004, p.21)
São recorrentes os apelos para a eficiência e a eficácia do sistema
educacional e, particularmente, da escola; as instituições públicas
são exortadas a trilharem novos caminhos organizacionais, na linha
da ‘autogestão’, e que as aproximem das congêneres do setor
privado.
24
Nesse contexto, a escola ganha uma centralidade muito grande, passando
a ser considerada, como bem expressa Dalila Oliveira (1997), “núcleo da gestão”. O
que se presencia, portanto, na década de 1990, e já especificando o caso brasileiro,
é a introdução de propostas voltadas para a gestão da educação e da escola as
quais trazem no seu bojo estratégias de descentralização, autonomia e participação.
É importante assinalar que as propostas de descentralização, autonomia e
participação, fazem parte, historicamente, da luta da comunidade educativa por uma
educação pública de qualidade e, por conseguinte, por uma gestão democrática,
como atesta Libâneo (2001, p.79)
A participação é o principal meio de assegurar a gestão democrática
na escola, possibilitando o envolvimento de profissionais e usuários
no processo de tomada de decisões e no funcionamento da
organização escolar.
Tal participação proporciona uma dinâmica maior nas relações da escola com
a comunidade, estreitando uma aproximação quase sempre distante, entre
comunidade escolar, alunos e pais, visto que, movidos e motivados pelo sentido da
participação, os profissionais da educação juntamente com a comunidade deverão
encontrar terreno fértil para exercitar esse novo sentido da gestão democrática.
Evidentemente, não é possível esquecer, como compreendem os mais diversos
educadores brasileiros, a exemplo de Paulo Freire em sua obra Pedagogia da
Autonomia (1996), a intrínseca relação que se faz necessário haver entre os
objetivos da gestão democrática e a realidade social de pais e alunos dentro do
contexto do desenvolvimento brasileiro nas suas mais amplas relações culturais.
Um dos elementos fundamentais na montagem estratégica do PDE diz
respeito ao processo de descentralização, que está vinculado a um amplo conjunto
de mudanças, sendo um dos princípios aprovados na Constituição de 1988, no bojo
de uma ampla reforma do Estado, já citada anteriormente. A visão proposta pela
Constituição de 1988 orienta o cumprimento do princípio estratégico da
descentralização da administração em nível federal, estadual e municipal, sendo
posta em prática através das reformas do MARE. Nesse sentido, o princípio
constitucional atingiu também profundamente a educação brasileira nos mais
variados aspectos no âmbito das relações escolares. O princípio da
25
descentralização, segue entretanto, através do governo brasileiro, uma orientação
proposta pelo Banco Mundial para a educação em nosso país.
Dalila Oliveira (1997) assinala que, na década de 1990, pôde ser percebida
uma mudança nas orientações presentes nas reformas educativas no Brasil, tanto
no âmbito federal como estadual e municipal. Para ela, essas reformas estão, na
sua grande maioria, congruentes com os compromissos assumidos pelo Brasil na
Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em março de 1990, em
Jontiem, Tailândia, bem como na Declaração de Nova Delhi, em dezembro de 1993,
objetivando o atendimento à demanda de universalização do ensino básico. Tais
orientações irão exigir novos modelos de gestão do ensino público, baseadas em
formas mais flexíveis, participativas e descentralizadas na administração dos
recursos e das responsabilidades.
Entretanto, a autora argumenta que essas proposições
Constituem em orientações administrativas, cujo referencial é a
realidade desenvolvida nas empresas privadas, são modelos
alicerçados na busca de melhoria da qualidade na educação
entendida como um objetivo mensurável e quantificável em termos
estatísticos, que poderá ser alcançado a partir de inovações
incrementais na organização e gestão do trabalho na escola
(OLIVEIRA,1997, p.90-91).
Nesse contexto, a qualidade em educação passa a ser vista como um
problema de gestão, ou seja, os problemas educacionais deixam de ser
questionados como problemas políticos e sociais e passam a ser considerados
como problemas puramente técnicos.
Numa visão crítica, Tomaz Tadeu da Silva (1996, p.170) afirma que a
concepção de qualidade em educação, na perspectiva neoliberal, está filiada “à
defesa da colonização da educação pelas perspectivas e pelos interesses
empresariais e gerenciais e que, em sua presente mutação, atende pelo nome de
‘Gerência da Qualidade Total ‘(GQT)”.
Assim, na retórica neoliberal, segundo o autor, “a educação é vista a partir de
uma ótica econômica, pragmática, gerencial e administrativa”, constituindo-se,
assim, numa visão antagônica à concepção democrática, posto que “há também
uma tradição democrática de qualidade em educação, desenvolvida por educadores
26
e educadoras envolvidos/as na teoria e na prática educacionais”. Comungamos com
o autor quando ele afirma que essa tradição está baseada numa “concepção
sociológica e política da educação e sua noção de qualidade está estreitamente
vinculada ao combate às desigualdades, às dominações e às injustiças de qualquer
tipo”(SILVA,1996, p.170).
As confrontações realizadas por Silva (1996) refletem o contexto real da
educação, especialmente da gestão escolar, e servem para reflexão e constatação
das contradições existentes na formulação das políticas educacionais em geral, em
que as propostas que fazem parte das lutas históricas de educadores progressistas
são secundarizadas em nome de uma lógica que desconsidera a função social da
educação e tenta transformá-la em uma mercadoria como outra qualquer. Quanto a
isso, bem adverte Paro (2001, p.18) “os objetivos da escola não são apenas
diversos, mas antagônicos ao da empresa capitalista.”.
Numa semelhante visão analítica, Pablo Gentili (1996, p.17-18) faz uma
crítica contundente à retórica neoliberal em educação, ao destacar que
na perspectiva neoliberal os sistemas educacionais enfrentam, hoje,
uma profunda crise de eficiência, eficácia e produtividade, mas do
que uma crise de quantidade, universalização e extensão. Para o
neoliberalismo, os sistemas educacionais contemporâneos não
enfrentam [...] uma crise de democratização, mas uma crise
gerencial.
É possível entender, com Gentili, as orientações da reforma administrativa do
sistema escolar, especialmente aquelas que tomam como fundamentos os princípios
empresariais, ou seja, os princípios da chamada “qualidade total”. Ainda segundo o
autor, a reforma administrativa do sistema escolar orienta-se “pela necessidade de
introduzir mecanismos que regulem a eficiência, a produtividade, a eficácia, em
suma: a qualidade dos serviços educacionais” (GENTILI,1996,p.18).
Nessa perspectiva, Licínio Lima também é esclarecedor quando observa que
A obsessão pela eficácia, pela eficiência e pela qualidade, ainda que
recente no universo educativo, é uma obsessão tipicamente
tayloriana presente por diversas formas na teoria da burocracia, na
escola das relações humanas, nas perspectivas sistêmicas e
contingenciais etc. A novidade residirá, apenas, na insistência com
que é referida no sector educativo, ganhando foros de inovação. A
reedição de programas, de métodos e de técnicas que têm feito
27
carreira na administração de empresas sobretudo, a partir da década
de sessenta, agora no contexto educativo, é mais um sinal a
confirmar a adopção de um modo de racionalidade econômica
(LIMA,2001, p.128).
Nesse sentido, segundo Oliveira, Fonseca e Toschi (2004, p.28), “as
propostas de gestão educacional podem incorporar diferentes sentidos ideológicos
que induzem a diferentes práticas, dependendo da matriz teórica que as
fundamenta”. Essas considerações são relevantes para que possamos compreender
as diferentes concepções e propostas que foram introduzidas no Brasil.
Várias propostas implementadas no Brasil foram voltadas para a gestão
escolar, entre elas, O Projeto Político Pedagógico (PPP), institucionalizado nos
instrumentos legais brasileiro, tal como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB (Lei n. 9394/96), a qual prevê que o estabelecimento de ensino deve
elaborar e executar sua proposta pedagógica, cabendo a participação dos docentes
no processo. Já o Plano Nacional de Educação – PNE (Lei n. 10.172/01), no inciso l,
do artigo 13, também considera o PPP como elemento essencial da gestão e
autonomia escolar.
No plano operacional, algumas propostas voltadas para a gestão escolar
foram implementadas no âmbito da educação básica inseridas, tanto através de
iniciativas nacionais, como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), como
outras, de origem internacional, implementadas por meio de acordos de co-
financiamento entre o Banco Mundial e o Governo brasileiro. Nessa última categoria
destacam-se os seguintes projetos: Pró – Qualidade, desenvolvido nos anos 90, em
Minas Gerais; Educação Básica para o Nordeste, visando ao fortalecimento das
escolas em nove estados da região Nordeste, e Municipalização do Estado do
Paraná, além de um amplo programa voltado para a gestão das escolas
fundamentais dos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, denominado
Fundo de Fortalecimento da Escola ou Fundescola (OLIVEIRA, FONSECA e
TOSCHI, 2004).
Tudo isso indica que, no contexto de propostas para a democratização da
gestão da educação básica, existem concepções não apenas diversas, mas,
sobretudo, antagônicas entre si. No âmbito deste nosso trabalho, podemos afirmar,
sem sombra de dúvida, que o FUNDESCOLA – PDE (objeto de estudo de nossa
28
pesquisa) se constitui em matriz teórica antagônica ao Projeto Político Pedagógico
que foi idealizado por muitos educadores brasileiros.
A proposta histórica de democratização da educação se relaciona com o
próprio processo de luta pela democracia no Brasil durante todo o período da
chamada “guerra fria” e da luta contra o regime militar. Isso implica que milhares de
educadores no Brasil inteiro, juntaram-se à luta de milhões de brasileiros pelo
restabelecimento da democracia e do ensino público gratuito de qualidade idéia que
não é nova entre os educadores brasileiros. Tal fato indica que a proposta do
FUNDESCOLA - PDE para a gestão escolar vai de encontro à própria legislação
educacional brasileira, bem como aos interesses de educadores progressistas, pois
sua concepção fere os princípios democráticos do Brasil, já que se regulamenta por
normas governamentais orientadas na sua grande maioria por interesses de
agências internacionais. A esse respeito, comunga-se com Fonseca, quando essa
autora esclarece que
De um lado, especialmente no âmbito acadêmico, desponta uma
concepção democrática que respeita a construção coletiva e a
identidade da escola, sua cultura e caráter, buscando superar a
gestão dos meios e produtos, apelando para iniciativas inovadoras,
orientadas por valores humanos e que levem em conta as vivências
e sentimentos, condições de vida e de trabalho, cultura e qualificação
dos professores. Uma outra vertente, oriunda de financiamento
internacional, especialmente do Banco Mundial, ancora-se numa
concepção gerencialista e eficientista de gestão (2002 ,p.140).
1.3 O Banco Mundial e a Gestão Escolar – uma reflexão necessária
A participação do Banco Mundial nas diretrizes das políticas públicas e,
especialmente, das políticas educacionais dos países em desenvolvimento é um fato
notório. A essa participação, entretanto, vem sendo discutida e analisada
criticamente por vários estudiosos. Sendo o Fundescola-PDE um programa
resultante de um acordo de financiamento entre o MEC e o BM, consideramos
relevante realizar uma discussão sobre o Banco Mundial, com a intenção de
compreender as suas diretrizes para as políticas educacionais e, especialmente,
para a gestão da escola básica.
29
Nas últimas décadas, as definições para a economia mundial e especialmente
para a América Latina foram implantadas a partir do conjunto das políticas de
financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. O BM foi
fundado em 1944 durante a Conferência de Brettom Woods, realizada nos Estados
Unidos, como estratégia do capitalismo para ajudar na reconstrução dos países
arrasados pela Segunda Guerra.
Com sede em Washington, o Grupo Banco Mundial é composto por um
conjunto de instituições que são lideradas pelo Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), abrangendo mais quatro agências: a
Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), a Corporação Financeira
Internacional (IFC), Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre
Investimentos (ICSID) e a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais
(MIGA). Além dessas agências, em 1992, o Banco Mundial assumiu a administração
do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), aprovado pela Eco 92 (SOARES,
2003).
O Grupo Banco Mundial conta atualmente com 181 países membros com
uma Junta de Governadores composta pelos Ministros da Fazenda de todos os
países membros; com uma Diretoria Executiva composta por 24 membros, que
representa todos os países; um presidente, três diretores-gerentes e 24 vice-
presidentes. A Diretoria Executiva é composta conforme o peso dos votos de cada
participante, e o peso do voto é determinado pela participação acionária no banco:
EUA (16,53%), Japão (7,93), Alemanha (4,52%), França (4,34%) e Reino Unido
(4,34%) detêm cerca de 40% dos votos (BANCO MUNDIAL, 2000 apud CRUZ,
2005, p. 36-37).
Isso indica que, levando em consideração a distribuição das cotas, “os
Estados Unidos exercem grande influência na gestão do Banco Mundial desde a sua
criação, pois seus estatutos estabelecem que o peso de voto é proporcional à
participação de capital” (CRUZ, 2005, p.37). Assim, a liderança dos Estados Unidos
se concretiza também com a ocupação da presidência do banco e pelo poder de
veto que aquele país possui (SHIROMA, 2004).
No Brasil, o Banco Mundial inicia sua cooperação técnica e financeira na
primeira metade da década de 1970, incluindo a assessoria aos órgãos centrais de
decisão, em áreas de política, planejamento e gestão, bem como o desenvolvimento
de projetos setoriais específicos. Se, anteriormente a esta década, os projetos do
30
banco limitavam-se ao financiamento de infra – estrutura e energia, a partir de 1970,
os projetos voltam-se para o incremento da produtividade, principalmente no setor
da agricultura, considerado então como um dos fatores de contenção do
crescimento da pobreza. No campo social, a educação, que não era privilegiado no
projeto de financiamento do banco, passa a ter acesso também aos créditos dessa
agência (FONSECA, 2003).
Na década de 1970 a inclusão do Brasil nos planos educacionais do Banco
Mundial demonstra a sua importância estratégica num momento delicado do conflito
da guerra-fria (conflito indireto em nível mundial entre Estados Unidos e União
Soviética, tendo como exemplos a implantação do regime militar na América Latina,
as disputas espaciais, as diversas guerras em andamento patrocinadas pelos dois
países), quando cada país (em nível mundial) tinha que escolher o seu lado político,
a favor ou contra as grandes potências capitalistas do ocidente lideradas pelos
Estados Unidos.
Assim, a ação do Banco Mundial indica que a educação brasileira ficou à
mercê do capital internacional. Nesse sentido, conforme Shiroma (2004, p. 34)
[...] não surpreende que se houvesse adotado uma perspectiva
‘economicista’ em relação à educação, confirmada no Plano de
Desenvolvimento Econômico e Social (1967-1976), para o qual a
educação deveria assegurar “a consolidação da estrutura do capital
humano do país, de modo a acelerar o processo de desenvolvimento
econômico”. [...] Não surpreende assim, também, que durante o
regime militar, o planejamento da educação tivesse sido exercido por
economistas. O que parece ter feito escola nos anos de 1990!
No contexto da década de 1980, além da crise política brasileira que se
refletia na luta pelo fim do regime militar, o país enfrentava uma crise econômica
com quadros de inflação e endividamento externo, chegando a uma dívida que, de
3,5 bilhões de dólares registrados em 1964, passara para 95 bilhões de dólares em
1983, com uma inflação de 200%. É o início de uma nova ordem constitucional para
o Brasil, com o fim do Regime Militar em 1985 e a promulgação da Constituição de
1988 (KOSHIBA,1996, p. 360). É, portanto, nesse contexto de crise e endividamento
que o BM e o FMI desenvolveram, na década de 80, novas políticas de reforço
econômico. A aplicação desses recursos, na economia brasileira, estava sendo feita
no sentido de ajustar nossa economia na direção das políticas neoliberais.
31
O Banco Mundial definiu, nessa década, um financiamento denominado
Crédito de Base Política, destinado à promoção de políticas de ajustamento entre os
países em desenvolvimento e afetados pelo desequilíbrio econômico que
caracterizou a década de 80 (FONSECA, 2003).
Segundo Tommasi (1996), o interesse do Banco Mundial no setor educacional
se justifica pela influência crescente que esse organismo vem tendo sobre a
definição das políticas educacionais nos países em desenvolvimento. Para a autora,
o BM “considera a educação como instrumento fundamental para promover o
crescimento econômico e a redução da pobreza” (p.195). Nesse sentido, o Banco
Mundial encontrou no Brasil, principalmente no governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, o apoio necessário para a penetração e sedimentação de suas
propostas educacionais, a partir da reforma do Estado brasileiro ( MARE, 1995),
que, conforme já citamos, trata-se de uma ampla modificação do Estado, visando
ajustar a administração pública brasileira aos princípios doutrinários do
neoliberalismo. Essa mudança profunda na administração do país causou impacto
na educação, visto que
A estratégia de ação do Banco Mundial no Brasil é apoiar
investimentos que “encorajam o crescimento econômico e o
desenvolvimento social num contexto de estabilidade
macroeconômica” (TOMMASI, 1996, p.197).
Nos dois governos do Presidente Fernando Henrique, foi adotado no âmbito
econômico, o Plano Real, objetivando conter a inflação, obter estabilidade
econômica e criar reservas financeiras para pagar os juros da dívida externa,
contando com as modificações da própria reforma do aparelho de Estado.
Seguindo seu objetivo estratégico em relação ao Brasil e encontrando aqui
terreno fértil a partir das ações do governo, o Banco Mundial passa então a encarar
a educação não somente como um instrumento de redução do índice de pobreza no
mundo, mas, especialmente, como um fator primordial à formação do capital
humano (CRUZ, 2005, SHIROMA, 2000 e FONSECA, 2003).
A opção do Banco Mundial pela educação básica (primária e secundária),
estabelece uma resolução que objetiva a redução da pobreza e o aumento da
produtividade. Percebe-se o atrelamento da educação subjugada às necessidades
32
das forças produtivas que visam ao lucro máximo. Esses objetivos estão descritos
nos manuais do Banco Mundial.
É importante analisar o papel do Banco Mundial na formulação das políticas
educacionais, especialmente os vínculos estabelecidos com a Gestão Escolar. A
descentralização, a autonomia e a participação parecem ser os elementos chave
das estratégias do Banco.
Seguindo os pressupostos neoliberais para a educação, ou seja, a
transferência da lógica mercantil para a educação, ao eleger a livre concorrência
como princípio fundamental de garantia da eficiência e da qualidade dos serviços
educacionais e o mérito existente na empresa para a educação (GENTILI,1996), o
Banco Mundial deixa explícita sua concepção de educação e de gestão educacional,
qual seja: ao transferir a lógica do mercado para as relações educacionais, o BM
procura remeter, conforme Coraggio (2003), ao entendimento da escola como
empresa, dos alunos e pais enquanto consumidores e da aprendizagem como
produto, não levando em consideração os outros aspectos da realidade educacional.
Para esse autor, ao enquadrar a realidade educativa em seu modelo econômico, “o
BM não estabeleceu somente uma analogia entre sistema educativo e sistema de
mercado, mas uma correlação entre educação e mercado, daí o entendimento do
seu viés economicista em relação à educação” (p.102). É nesse sentido também que
Frigotto (1996) analisa que, no plano ético-político, a educação deixa de ser um
direito social para, paulatinamente, transformar-se em um serviço, uma mercadoria.
Assim, a descentralização proposta pelo Banco Mundial pode ser
evidenciada, conforme Gentili (1996), como uma forma de descentralizar
determinadas ações, especialmente aquelas que transferem a gestão e a
responsabilidades financeiras para com a manutenção das escolas e a gestão,
podendo essa ação caracterizar-se mais como desconcentração, posto que o
Governo Federal permanece centralizador no que diz respeito às grandes diretrizes
educacionais, à elaboração do Currículo Nacional, à política de avaliação e
formação de professores, deixando às demais esferas do sistema o papel de mero
executor de ações dentro de parâmetros já previamente definidos.
Ainda discutindo a vertente descentralização, outros autores também têm
analisado a forma como esta se efetiva. Conforme Juan Casassus (1990,1995), as
experiências das propostas de descentralização em curso na América Latina
apontam em geral para processos de desconcentração visto que, para o autor, as
33
propostas de desconcentração remetem a processos que têm como objetivo
assegurar a eficiência do poder central, enquanto que a descentralização constitui-
se num processo que visa assegurar o poder local, ou seja, para Casassus, a
desconcentração pode ser desenhada como uma fecha que vai de cima para baixo,
enquanto na descentralização a flecha vai de baixo para cima. Se formos verificar as
propostas de gestão educacional implementadas na década de 1990, especialmente
aquelas oriundas de agências internacionais, como o BM, por exemplo, podemos
verificar a pertinência das análises de Casassus.
A categoria participação ganha centralidade nas propostas de gestão
educacional oriundas do Banco Mundial. Nesse sentido, vale ressaltar como o tema
é concebido por esse banco. A orientação do BM é para uma maior participação dos
pais e da comunidade nos assuntos escolares, tal participação vista como uma
condição que facilita o desempenho da escola como instituição estendendo-se a três
âmbitos: contribuição econômica para sustentação da infra-estrutura escolar, os
critérios de seleção da escola e um maior envolvimento na gestão escolar (TORRES
2003). Nessa perspectiva, segundo a autora, “a noção de ‘participação’ (da família,
da comunidade) na educação está cada vez mais fortemente contaminada pelo
aspecto econômico” (p.136, 137).
O que fica aí evidenciada é uma concepção técnica de participação, ou seja,
a participação é vista dentro de um caráter meramente instrumental, o que vai de
encontro à concepção democrática de gestão, posto que, numa perspectiva de
gestão democrática da escola, a participação constitui-se como um de seus
elementos essenciais e deve implicar, conforme Paro (2003, p.16) , “a participação
da comunidade” salientando porém que esta deve incluir “participação nas
decisões”, ou seja, a participação não deve ficar restrita à execução, apesar de o
autor considerar que “isto não elimina, obviamente, a participação na execução; mas
também não a tem como um fim, e sim como um meio, quando necessário, para a
participação propriamente dita, que é a partilha de poder, a participação na tomada
de decisões”.
Assim como a participação, o tema autonomia também ganha destaque nas
propostas de gestão educacional oriundas do BM. Faz-se necessário, no entanto,
compreender como a autonomia na educação é concebida por este banco.
Para Silva M. A da (2004), o conceito de autonomia na educação concebido
pelos arautos do Banco Mundial está vinculado ao conceito de flexibilidade, de
34
descentralização e de eficiência. Traduz-se, assim, segundo a autora, na
capacidade de competir de acordo com as regras do mercado, com a disposição
para flexibilizar programas, projetos e cursos, num ajuste aos tempos e aos ditames
do mercado, passando a assumir um posicionamento firme de que qualquer
investimento em educação tenha um retorno imediato. Nessa perspectiva, ainda
segundo a autora:
Pode-se afirmar que a autonomia preconizada insiste na manutenção
das estruturas hierárquicas e verticais, tendo por finalidade afirmar os
privilégios de poucos, autoridade de poucos e as decisões, também
tomadas por poucos. A tendência é empurrar as escolas públicas
para a auto-sustentação, parcerias com setores privados ou da
comunidade local. Alguns técnicos do Banco Mundial afirmam que os
recursos estão mal aplicados; portanto, trata-se de intensificar o
controle sobre os recursos e de construir administrações mais
enxutas e eficientes, preconizando, assim, um gerenciamento mais
racional e eficiente (SILVA. M A, 2004, p.110).
Comungamos com a análise das concepções de autonomia escolar do BM,
realizada pela autora, quando ela argumenta que o conceito de autonomia escolar é
ressignificado pelo Banco Mundial, posto que, no seio da comunidade educativa, a
autonomia expressa uma compreensão bastante diferenciada da concepção do BM,
ou seja, a autonomia é compreendida com a capacidade que a instituição tem para
assumir e tomar decisões, ou seja, é compreendida enquanto práxis política e social
das e nas instituições educacionais; é elemento constitutivo de gestão democrática,
sendo, portanto, princípio norteador da educação de qualidade que os movimentos
sociais organizados tanto almejam. Nessa concepção, o projeto político pedagógico
é recolocado no centro das discussões como instrumento democrático pelo qual a
escola poderia tomar suas decisões (SILVA. M A, 2004).
É, portanto, diante desse contexto de discussões e de propostas para a
gestão escolar, que interesses antagônicos provenientes de matrizes teóricas
também antagônicas têm travado um embate de forças, num movimento dialético de
luta dos contrários. Assim, para um maior esclarecimento do objeto de estudo de
nossa investigação, o próximo capítulo apresenta o Programa Fundescola e,
especificamente, seu componente nuclear, o PDE - Plano de Desenvolvimento da
Escola, como proposta de gestão escolar compartilhada entre o MEC e Banco
Mundial.
CAPÍTULO II
FUNDESCOLA - PDE: QUE PROGRAMA É ESSE?
A obsessão pela eficácia, pela eficiência e pela qualidade, ainda que
recente no universo educativo, é uma obsessão tipicamente
tayloriana presente por diversas formas na teoria da burocracia, na
escola das relações humanas, nas perspectivas sistêmicas e
contingenciais, etc. A novidade residirá apenas, na insistência com
que é referida no sector educativo, ganhando foros de inovação. A
reedição de programas, de métodos e técnicas que têm feito carreira
na administração das empresas, sobretudo, a partir da década de
sessenta, agora no contexto educativo, é mais um sinal a confirmar a
adoção de um modo de racionalidade econômica.
Licínio Lima
Neste capítulo, procura-se caracterizar o Programa Fundescola,
apresentando suas concepções, objetivos, componentes e abrangência, enfatizando
um de seus produtos principais: o Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE
(objeto de estudo deste trabalho). Vale ressaltar, segundo Oliveira, Fonseca e
Toschi (2004), que o programa Fundescola se situa dentre as experiências de maior
abrangência em termos de gestão, seja pelo teor da proposta, seja pela sua
amplitude geográfica. Considera-se, desse modo, que a análise empreendida por
esses autores tem bastante fundamento, tendo em vista que o projeto antecessor do
Fundescola (o Projeto Nordeste) restringia-se somente à região Nordeste do Brasil.
Para a construção deste capítulo, tomou-se por base documentos do
MEC/FUNDESCOLA/PDE, estudos de autores que discutem a temática, bem como
o considerável volume de informações das secretarias estadual e municipal de
educação de Teresina-Piauí sobre o processo de implantação e expansão do PDE
nas escolas piauienses.
36
2.2 FUNDESCOLA: uma breve apresentação
O Fundescola - Fundo de Fortalecimento da Escola - é um programa
resultante do acordo de financiamento celebrado entre o MEC e o Banco Mundial
(BM), desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais de
Educação. O programa estabelece um conjunto de ações para o ensino público
fundamental regular, em zonas de atendimento prioritário (ZAP I e II) localizadas em
microrregiões definidas pelo IBGE, - nos estados do Norte, Nordeste e Centro-
Oeste.
O programa apresenta como missão central o compromisso de melhorar o
desempenho dos sistemas públicos de ensino fundamental nas regiões mais
carentes do país, por meio do fortalecimento das escolas e das instituições públicas
por elas responsáveis. Para concretização de seus objetivos, conta com uma
estrutura coordenada de gerenciamento cujo objetivo é melhorar os resultados
educacionais das crianças matriculadas em escolas públicas do ensino fundamental
(localizadas em áreas atendidas pelo projeto). O interesse maior do referido
programa é beneficiar o contingente de crianças que se encontra na faixa etária
regular de ingresso à escola. Nesse sentido, busca-se ampliar as oportunidades
desse acesso, bem como prover ações que assegurem a permanência dessas
crianças na escola, atitude que revela ação de fomento ao aprimoramento de gestão
tanto no âmbito escolar como no contexto das secretarias estaduais e municipais de
Educação.
Segundo o Manual de Operação e Implementação do Projeto (BRASIL/MEC/
FUNDESCOLA, 2002), o Fundescola foi concebido com base nos seguintes
princípios: da eqüidade, que enfatizada a busca da igualdade de oportunidades,
levando em consideração o grande número de carentes educacionais e de áreas
educacionais críticas; da efetividade, enfatizada como alcance máximo dos
resultados, conjugando critérios de eficiência (realizar o máximo com o mínimo de
meios) e eficácia (realizar a coisa certa, atuando nas causas fundamentais dos
processos) e da complementaridade, que privilegia o desenvolvimento de ações
que funcionam em sinergia com outras iniciativas e programas governamentais de
educação.
37
Vale ressaltar, pois, que a ênfase do FUNDESCOLA em acesso e
permanência, qualidade e gestão é apoiada e reforçada por um conjunto de
instrumentos normativos e operacionais, entre eles a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, LDB 9394/96, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), o Programa Dinheiro
Direto na Escola (PDDE) e o Sistema Nacional de Avaliação e Educação Básica
(SAEB).
De acordo com o boletim técnico do FUNDESCOLA, o primeiro dos três
contratos de empréstimos do governo Federal com o Banco Mundial foi assinado em
7 de junho de 1998. O primeiro acordo dá início ao Fundo de Fortalecimento da
Escola, a ser realizado em três etapas, de junho de 1998 a dezembro de 2009, no
valor total de US$ 1,3 bilhão, uma parte proveniente do Banco Mundial com uma
contrapartida do governo federal. De junho de 1998 a junho de 2000, esteve em
vigor o Fundescola I - a primeira etapa do programa - no valor de US$ 125 milhões.
Em dezembro de 1999, entrou em vigor o Fundescola II, no valor de US$ 402
milhões, com vigência até dezembro de 2004. O Fundescola III é a terceira etapa do
programa e foi preparado em duas fases: Fundescola IIIA, de maio de 2002 a junho
de 2006, e Fundescola IIIB, de julho de 2006 a dezembro de 2010. Estão previstos
recursos na ordem de US$ 773.000.000, sendo US$ 320.000.000 para o Fundescola
IIIA; e US$ 453.000.000 para o Fundescola IIIB (BRASIL, 2002).
O programa FUNDESCOLA constitui-se, assim, de um conjunto de três
projetos: I, II e III. O Fundescola I financiou o início das atividades do programa em
dez microrregiões das regiões Norte e Centro-Oeste; o Fundescola II deu
continuidade às atividades do primeiro e incorporou nove microrregiões das capitais
dos estados do Nordeste e oito microrregiões adicionais do Norte e Centro-Oeste.
No total, o Fundescola II planejou atingir, prioritariamente, 4.7 milhões de crianças
matriculadas em 13.500 escolas de 247 municípios, localizados em 27
microrregiões, o que corresponde a 29% dos alunos da escola fundamental pública
(The Word Bank, 1999 apud OLIVEIRA, FONSECA e TOSCHI, 2004, p.40).
Nesse sentido, foram definidas como alvos prioritários para a destinação de
recursos, as regiões mais pobres do Brasil, ou seja, as regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste e, dentro delas, as microrregiões mais populosas, definidas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e as escolas onde se concentra
a maioria dos pobres (OLIVEIRA, FONSECA e TOSCHI, 2004, p.40).
38
É importante ressaltar que, tendo em vista tratar-se de um programa de
financiamento com o BM, o FUNDESCOLA conta com avaliação do referido banco.
Em outras palavras, ao definir os acordos de empréstimos com o Brasil, o BM
realiza, antes, uma série de estudos de pré-investimentos. Oliveira, Fonseca e
Toschi (2004) analisam que é preciso levar em consideração que qualquer acordo
firmado com o Banco Mundial traz, definidas a priori, condicionalidades que
fundamentam a negociação com autoridades nacionais. Nesse sentido, destaca-se o
Appraisal Report, (1) o qual estabelece prazos, montantes de recursos,
metodologias e rotinas, além da distribuição de recursos por ações prioritárias. Ainda
segundo os referidos autores
Não obstante, se o Banco acenar com a possibilidade de
negociação, a fixação de condicionalidade é prerrogativa do
emprestador. A história dos acordos antecedentes BRASIL/ BM
mostra uma tendência, senão à aceitação quase irrestrita da
condicionalidade, pelo menos ao compartilhamento entre governo
brasileiro e o Banco, no que se refere aos conceitos e às
metodologias mais nucleares (OLIVEIRA, FONSECA E TOSCHI,
2004, p.38).
O FUNDESCOLA desenvolve suas ações em parceria com as secretarias
estaduais e municipais de Educação, integrando vários projetos, entre eles: Padrões
Mínimos de Funcionamento das Escolas, Levantamento da Situação Escolar;
Proformação; Mobiliário e Equipamento Escolar. Projeto de Adequação dos Prédios
Escolares (PAPE); Escola Ativa, Gestão da Aprendizagem Escolar (GESTAR),
Programa de Apoio aos Secretários Municipais de Educação (PRASEM),
Microplanejamento; Planejamento Estratégico da Secretaria (PES), Projeto de
Melhoria da Escola (PME) e Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE).
Segundo Oliveira, Fonseca e Toschi (2004), para cumprir seus objetivos, o
Programa propõe-se a desenvolver ações de fortalecimento da escola por meio de
convênios com os municípios, mediante adesão dos mesmos. Nesse sentido, os
autores analisam que, para tanto, estados, municípios e escolas devem adotar a
metodologia de planejamento estratégico, consubstanciada no modelo do PDE, que
leve à racionalização, à eficácia e à eficiência da gestão e do trabalho escolar. As
análises destes autores vão ao encontro das análises de Lima (2001), quando este
autor discorre a respeito da obsessão pela eficácia, pela eficiência e racionalidade
39
presentes na reedição de programas educativos que têm como fundamentos os
métodos e técnicas da administração empresarial.
O FUNDESCOLA visa, ainda, ao desenvolvimento institucional das
secretarias de educação, para que estas tenham o foco das ações na escola e no
aluno. Assim, o PDE parece ser o projeto principal do Fundescola, constituindo-se
no planejamento estratégico da escola, considerando-se que as ações de uma
escola devem ser pensadas em conjunto, pois “[...] a atividade de planejar é
atividade intrínseca à educação por suas características básicas de evitar o
improviso, prever o futuro” (PADILHA, 2003, p. 45).
2.3 Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE em foco: o planejamento
estratégico.
O PDE é definido como um processo gerencial de planejamento estratégico
coordenado pela liderança da escola e elaborado de maneira participativa pela
comunidade escolar. O projeto apresenta como objetivo o aprimoramento da gestão
da escola para que esta melhore a qualidade do ensino oferecido, garantindo maior
eficácia e eficiência nos processos que desenvolve (AMARAL SOBRINHO, 2001,
p.15). Nesse processo, a escola é tida como responsável pela melhoria da qualidade
de ensino na medida em que, com o PDE, faz um diagnóstico de sua situação,
definem seus valores, sua missão, onde quer chegar, seus objetivos estratégicos,
bem como as estratégias, metas e planos de ação para alcançá-los.
As escolas que participam do processo são selecionadas mediantes os
seguintes critérios:
Pertencer a município integrante das ZAP;
Ter mais de 200 alunos no ensino fundamental;
Ter unidade executora;
Ter um diretor atuante, com forte liderança;
Ter condições adequadas de funcionamento.
O processo de planejamento para a elaboração e implementação do plano em
cada escola desdobra-se em cinco etapas: preparação, análise situacional, definição
40
da visão estratégica e do plano de suporte estratégico, execução e monitoramento e
avaliação.
No nível federal (MEC), o FUNDESCOLA vem sendo administrado pela
Direção Geral do Programa (DGP). A Coordenação de Gestão Educacional (CGE) é
responsável pela coordenação de todo o processo do PDE. Nos estados, o
acompanhamento do projeto envolve a Coordenação Estadual Executiva (COEP) e
a Gerência de Apoio à Escola (GAE), responsável pela supervisão e articulação das
ações de elaboração do Plano e PME, com outras ações do Fundescola. No
município, é instituído o Grupo de Desenvolvimento da Escola (GDE), responsável
pelo acompanhamento do PDE junto às escolas da rede municipal. Para auxiliar no
trabalho de assistência técnica e monitoramento do processo, foram contratados
pela DGP assessores técnicos que trabalham junto à GAE e GDE.
A gestão do PDE, no âmbito das escolas, é realizada por uma equipe
denominada equipe de sistematização do PDE, composta pelo diretor da escola,
coordenador do PDE e líderes de objetivos estratégicos. Essa equipe é responsável
por implementar o PDE e direcionar os fundos transferidos pelo Fundescola para as
diferentes ações e metas que são organizadas e que passam a compor o Projeto de
Melhoria da Escola (PME).
Assim, a autonomia escolar, no contexto do FUNDESCOLA é realizada por
um fundo repassado para a escola com vistas a estimular o quadro administrativo a
tomar decisões que afetem materialmente a escola e, por conseguinte, levam a
responsabilizar-se pelos resultados de suas decisões. É, portanto, sob o discurso de
fortalecimento da escola nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste que o PDE é
considerado como principal item financiável do Fundescola (BEZERRA,2003).
De acordo com os dados do Manual de Operação e Implementação do
Projeto (BRASIL/ MEC/ Fundescola, 2002), a execução dos PME não deve
ultrapassar o período de um ano, e o limite de recursos para cada escola
beneficiada é proporcional ao número de alunos conforme segue a Tabela 1:
41
TABELA 1 : Financiamento PME – PDE - FUNDESCOLA
Número de alunos por escola
Total em R$
De 100 a 199 alunos
R$ 4.400,00
De 200 a 500 alunos
R$ 6.200,00
De 501 a 1000 alunos
R$ 10.000,00
De 1001 a 1500 alunos
R$ 12.000,00
Acima de 1.500 alunos
R$ 15.000,00
Fonte:MOIP´(BRASIL/MEC/FUNDESCOLA, 2002)
As escolas em convênio com o FUNDESCOLA desdobram-se nas seguintes
modalidades: implantação, expansão e consolidação I, II, III. É interessante verificar
que o percentual de participação do FUNDESCOLA decresce a cada ano, o que
aumenta a participação do Estado e do Município. É o que demonstram os dados da
Tabela 2.
Tabela 2 : Percentuais de Financiamento Fundescola/Estado/Município
Modalidade Fundescola Estado/Município
Ano de Financiamento
Implantação 100% 0%
Expansão 70% 30%
Consolidação 1 50% 50%
Consolidação 2 30% 70%
Consolidação 3 30% 70%
Fonte: MIOP (BRASIL/MEC/FUNDESCOLA, 2002)
42
2.3.1 O PDE e seus fundamentos teóricos: administrar escola ou empresa?
O PDE pode ser considerado como o principal projeto do FUNDESCOLA, já
que é visível nos próprios documentos do Programa a ênfase dada na “escola com
foco no aluno”.
É importante considerar, que o PDE, como proposta de gestão escolar
resultante de uma concepção compartilhada entre o MEC e o BM, apresenta as
dimensões descentralização, autonomia e participação, tendo como respaldo as
orientações da legislação educacional brasileira. Entretanto, é importante assinalar
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei n. 9.394/96) bem
como o Plano Nacional de Educação – PNE (Lei n. 10.172/01) propõem a gestão
democrática. Nesse sentido, para a consecução da gestão democrática, a LDB, em
seu Inciso I Artigo 13, estabelece como tarefa da instituição de ensino a elaboração
e execução de sua proposta pedagógica ou Projeto Político Pedagógico (PPP),
ressaltando a importância da participação dos docentes no processo. O PNE
também considera o PPP elemento essencial da gestão e autonomia escolar,
propondo a participação dos profissionais da educação e da comunidade escolar em
conselhos escolares ou equivalentes.
Diante dessas considerações, é possível inferir que o modelo de gestão
proposto pelo Programa FUNDESCOLA, através do PDE, vai de encontro à própria
legislação educacional brasileira, já que a mesma não regulariza a elaboração de
um plano estratégico denominado PDE e sim o PPP. Assim, comungamos com o
entendimento de Santos e Gomes (2001), ao observarem que essa política de
reestruturação da escola, cuja expressão mais acabada é o PDE, apresenta
profundas contradições com o Projeto Político Pedagógico da escola, já que este
último representa o pensamento progressista em educação e constitui-se como
elemento essencial de gestão democrática. Nesse sentido, o Projeto Político
Pedagógico não se confunde com o PDE (SANTOS; GOMES, 2001).
Ao analisarem os documentos que expressam a concepção do Fundescola
(MARRA; BOF; AMARAL, 1999; BRASIL. MEC/FUNDESCOLA, 2002, 2003),
Fonseca, Oliveira e Toschi (2004, p. 37) concluem que esses documentos mostram
que a gestão educacional incorpora um sentido peculiar que não alcança o caráter
democrático outorgado pelos textos legais, posto que, para os autores, “a visão
43
estratégica do programa incide sobre a organização racional do sistema, a partir da
aquisição, pelos agentes escolares, de ‘atributos gerenciais’, de ‘ferramentas de
gestão’ e de ‘treinamento’”.
Nos documentos que expressam e regem as concepções do PDE, foi possível
verificarmos uma profunda relação entre as concepções da Administração Por
Objetivos (APO) e as concepções contidas no Manual de Operação e
Implementação do Projeto (MOIP/ BRASIL/MEC/FUNDESCOLA, 2002), quando este
discrimina as orientações gerais para o Projeto FUNDESCOLA II, ou seja, o aporte
teórico que rege todas as etapas de implantação do PDE são fundamentadas na
teoria da administração empresarial conhecida como Teoria Neoclássica, a qual, a
partir da década de 1950, deslocou seu foco das chamadas atividades meio, para
objetivos ou finalidades da organização. O enfoque baseado no processo e nas
atividades meio foi substituído por outros, com base nos resultados e objetivos
alcançados (fins) (CHIAVENATO, 2000, p.271).
Ainda conforme o autor, na Teoria Neoclássica não bastava mais seguir as
idéias de Taylor, segundo o qual, fazer corretamente o trabalho levaria a uma
eficiência. Aqui, a ênfase é a realização de um trabalho mais relevante aos objetivos
da organização, para alcançar a eficácia. O trabalho deixou de ser um fim em si
mesmo para constituir um meio de obter resultados, reformulação que representa
uma revolução na Administração e uma mudança no panorama administrativo em
função do fato de que as pessoas e a organização, dentro desta antiga visão,
estavam mais preocupadas em trabalhar do que em produzir resultados
(CHIAVENATO, 2000, p.271).
Começou-se aqui a apontar algumas semelhanças na forma de administração
da elaboração e implementação do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE),
visto inicialmente a partir dos seus dois grandes componentes os quais se
subdividem, conforme o MOIP (V-I, p.19/20), em Visão Estratégica e Plano de
Suporte Estratégico:
1- A Visão Estratégica: identifica a escola e estabelece os seguintes critérios:
Os valores definidos pela comunidade;
A visão de futuro da escola, ou perfil de sucesso que deseja alcançar no
futuro;
A missão, propósito ou razão de ser da escola;
44
Os objetivos estratégicos, ou seja, os grandes alvos a serem alcançados
num período de 2 a 5 anos.
2- O Plano de Suporte Estratégico: a escola define, a partir de seus objetivos
estratégicos, o conjunto de estratégias, metas, e planos de ação que transformarão
a visão da escola em realidade.
Eis a ligação fundamental entre a APO, advinda da administração
empresarial, e a concepção administrativa do FUNDESCOLA/PDE, que prioriza, em
todas as suas instâncias e momentos de realização, metas como a eficácia,
participação e produção de resultados.
Essas relações se estreitam quando observamos os componentes estruturais
definidos pelo Programa para a implantação do PDE:
O processo de planejamento para elaboração e implementação do
plano de cada escola desdobra-se em cinco grandes etapas:
preparação, análise situacional, definição da visão estratégica e do
plano de suporte estratégico, execução, monitoramento e avaliação.
(MOIP, V-I, p.20)
As grandes etapas de planejamento de cada escola, citadas no MOIP, se
identificam com as características da APO, assim:
A APO é um processo pelo qual gerentes e subordinados identificam
objetivos comuns, definem as áreas de responsabilidade de cada um
em termos de resultados esperados e utilizam esses objetivos como
guias para sua atividade. A APO é o método pelo qual as metas são
definidas em conjunto pelo gerente e subordinado, as
responsabilidades são especificadas para cada um em função dos
resultados esperados, que passam a constituir os padrões de
desempenho sob os quais ambos serão avaliados. Analisando o
resultado final, o desempenho do gerente e do subordinado podem
ser objetivamente avaliados e os resultados alcançados são
comparados com os resultados esperados (CHIAVENATO, 2000,
p.272).
Para reforçar ainda mais essa relação, apresentamos as seguintes
características do processo participativo e democrático da APO, conforme
Chiavenato (2000, p. 273):
45
1- Estabelecimento Conjunto de Objetivos entre o Gerente e o
Subordinado:
A APO utiliza o estabelecimento conjunto de objetivos: o gerente e
seu subordinado participam ativamente do processo de estabelecer
e fixar objetivos. Trata-se de um processo de negociação entre
ambos.
2- Estabelecimento de Objetivos para cada Departamento ou
Posição:
[...] Os objetivos podem ser denominados metas, alvos ou
finalidades, porém a idéia básica é a mesma: determinar os
resultados que o gerente e o subordinado deverão alcançar. Os
objetivos devem ser quantitativos (numéricos) e com tempo
determinado.
3- Interligação entre os Vários Objetivos Departamentais: Os
objetivos devem ser estreitamente correlacionados.
4- Ênfase na Mensuração e no Controle de Resultados:
A partir dos objetivos traçados, o gerente e seu subordinado
passam a elaborar os planos táticos adequados para alcançá-los da
melhor maneira. Em todos os planos táticos e operacionais, a APO
enfatiza a quantificação, a mensuração e o controle. Torna-se
necessário mensurar os resultados atingidos e compará-los com os
resultados planejados.
5- Contínua Avaliação, Revisão e Reciclagem dos Planos:
Todos os sistemas de APO envolvem a avaliação e revisão regular
do processo efetuado e dos objetivos alcançados, permitindo que
providências sejam tomadas e novos objetivos sejam fixados para o
período seguinte.
6- Participação Atuante das Gerências e Subordinados:
Há intensa participação do gerente e subordinado. Todavia, quando
o gerente estabelece os objetivos, vende-se aos subordinados,
mensura-os e avalia o progresso, o processo torna-se muito mais
um controle por objetivos do que propriamente Administração por
Objetivos
.
7- Apoio Intensivo do STAFF:
A implantação da APO requer o apoio intensivo de um staff treinado
e preparado. A abordagem do tipo “faça-o você mesmo” não é
aconselhável em APO, pois ela exige coordenação e integração de
esforços, o que pode ser feito pelo staff (grifo do autor).
Além das semelhanças entre o nível operacional da APO e os dois grandes
componentes do PDE (Visão Estratégica e Plano de Suporte Estratégico), ambos
constituídos como função estratégica de obtenção de resultados com prazo
determinado, essas semelhanças se fortalecem ainda mais com os objetivos
inclusos nas metas dos Resultado Esperados e da própria aplicação da Estratégia
de Implantação, a qual orienta todo o processo de planejamento e implementação
46
do plano que envolve, segundo o MOIP (V-I, p.20/21), em nível de estados, uma
estrutura técnico-operacional, com a Coordenação de Gestão Educacional da
Direção Geral do Programa, com as secretarias estaduais e municipais de educação
e das escolas selecionadas nas etapas das ZAP.
Auxiliando a Coordenação Geral do Programa, tem-se a Coordenação de
Gestão Educacional, responsável pela coordenação de todo o processo do PDE nas
secretarias e ainda a GAE e o GDE, responsáveis pelo acompanhamento da
implementação, ou seja, elaboração, execução e avaliação do PDE. No âmbito da
escola, a gestão do PDE é coordenada por uma equipe denominada equipe de
sistematização do PDE.
Assim, destaca-se a formulação burocrática na visão empreendedora de
obtenção de resultados, pois dessa maneira, todo o plano, suas metas e ações são
acompanhados sempre pela exigência estratégica do MOIP de obtenção de
Resultados Esperados.
A concepção do FUNDESCOLA/PDE aparece nas diversas pesquisas dos
estudiosos brasileiros como um projeto de uma amplitude socioeconômica, política
e, por que não dizer, cultural? Essas amplitudes passam por uma complexidade
fundamentada em varias teorias da administração. Autores citados nesta analise,
destacam de diversas formas a influência que essas teorias administrativas têm
sobre a educação no Brasil, mostrando historicamente sua transposição para a
educação brasileira.
Além das teorias já citadas, que influenciaram a educação no Brasil,
destacamos a importância que o Manual do MOIP, no aspecto da mudança cultural
nos órgãos gestores e na própria escola, como ponto de partida para o sucesso do
FUNDESCOLA, apontando como elementos construtores dessa nova cultura, entre
outros, a missão da escola, que se fundamenta em
Melhorar o desempenho dos sistemas públicos de ensino
fundamental nas regiões mais carentes do país, por meio do
fortalecimento das escolas e das instituições publicas por elas
responsáveis, com base em uma estrutura coordenada de
gerenciamento, inserida em um contexto de mobilização e controle
social (MOIP, 2002, p.9
).
47
A visão da missão do Projeto FUNDESCOLA/PDE toma esse mesmo sentido
na própria forma de elaboração do Plano de Desenvolvimento da Escola, sendo
observada no Caderno de Transparências do FUNDESCOLA/PDE, toda uma
estratégia que condiz com os objetivos da missão definidos pelo manual do MOIP
(ANO, 21), que é a “declaração do que é a escola, sua razão de ser, seus clientes e
serviços que presta”, a qual nos remete para a noção de VALORES, que aparecem
como pontos importantes na estratégia de divulgação e implantação do PDE nas
escolas, quando afirmam a “idéias fundamentais em torno das quais se constrói a
escola. Representam, assim, as convicções dominantes, as crenças básicas, aquilo
que a maioria das pessoas da escola defende e acredita (BRASIL. MEC. MANUAL
COMO ELABORAR O PDE (2002, p. 19).
É importante observar que o manual sobre a elaboração do PDE, supracitado,
define sobre o que a escola pretende ser no futuro e incorpora as ambições da
escola, descrevendo o quadro futuro que a escola deve atingir. Assim, observa-se
um conjunto de ações inseridas na Visão Estratégica de implantação do PDE,
contidas no Manual do FUNDESCOLA: Como Elaborar o PDE, mostra que toda a
lógica de implantação do PDE passa em primeiro lugar por uma mudança na
mentalidade, ou seja, por uma mudança cultural, sendo que a comunidade escolar,
por aceitação desses novos princípios culturais, adere voluntariamente ao Projeto
PDE.
O Manual de apresentação do PDE (Caderno:Como Elaborar o PDE na
Escola, p.19) faz referência à categoria dos Valores, mostrando “que incluem as
convicções dominantes, as crenças básicas, aquilo que a maioria das pessoas da
escola defende e acredita,” e suas determinações em busca do êxito, da eficácia e
da eficiência, requerem, como consta no próprio MOIP (2002), uma mudança
cultural no âmbito especifico da escola. A agregação desses novos valores culturais
de gestão e de pedagogia por parte da escola, se constituindo no elemento chave do
sucesso do Projeto, nos relembram diversos depoimentos sobre a maneira como o
PDE foi implantado nas diversas escolas pesquisadas, seu impacto e seu
desenvolvimento assimilado de diversas formas. Todos tinham em comum esse fato
novo, que exigia, por parte de todos os setores da escola, a partir daquele momento,
uma mudança na concepção administrativa e pedagógica, pois estabelecia, a partir
da missão da escola, o desenvolvimento de um trabalho comum centrado no
compromisso coletivo da comunidade escolar visando à aplicação dos objetivos
48
propostos em suas metas a fim de atingir os resultados esperados, conforme
orientação e exigência do Manual do MOIP.
Esses valores podem ser percebidos nos documentos técnicos da escola e
também em alguns depoimentos (cuja análise apresenta-se no terceiro capítulo) dos
atores desse processo, reforçando a necessidade de estratégias que possibilitem a
transformação na visão desses profissionais, pois, só através da mudança da
mentalidade, o Projeto PDE pode atingir seus objetivos, ou seja, os resultados
esperados.
O processo de implantação do PDE nas escolas pesquisadas revela uma
forma de administração bastante exigente, além das que já foram discutidas,
anteriormente planejada a partir de uma complexa lógica de administração
empresarial que envolve diversos modelos administrativos. Assim, como forma de
implementação da mudança cultural no seio da escola, o FUNDESCOLA/PDE
utiliza-se mais especificamente de um outro atributo, o movimento de DO
(Desenvolvimento Organizacional), que surgiu a partir de 1962 como sendo “um
conjunto de idéias a respeito do homem, da organização e do ambiente, no sentido
de facilitar o crescimento e desenvolvimento das organizações” (CHIAVENATO,
2000, p. 440). O autor ainda afirma que “o conceito de DO está relacionado com os
conceitos de mudanças e de capacidade adaptativa da organização à mudança. Isso
levou a um novo conceito de organização e de cultura organizacional”
(CHIAVENATO, 2000, p.443).
Assim, o MOIP e o Caderno do FUNDESCOLA/PDE: Como Elaborar o PDE
na Escola apresentam a mudança cultural e de valores que se relacionam com o
conceito de Cultura Organizacional.
Os diversos aspectos da cultura organizacional funcionam como se fosse um
iceberg, pois os aspectos formais e abertos ficam na parte visível, enquanto os
aspectos informais, ocultos na parte inferior, dão conta da percepção, sentimentos,
atitudes que, agindo juntos, representam um conjunto de hábitos, crenças, valores e
tradições, os quais dão sentido ao conceito de cultura organizacional
(CHIAVENATO, 2000, p.445).
O que o Projeto PDE fez através de sua estratégia de implantação nas
escolas foi fazer aflorar esses valores culturais, colocando-os em pé de igualdade
com os aspectos formais da administração, objetivando atingir a eficácia, a
eficiência e os resultados esperados. Assim, o incentivo, a motivação, a
49
propaganda, a missão e as novas noções de valores sobre a escola são parte
integrante desta nova cultura educacional (aspectos informais), que se transforma
juntamente com os aspectos formais, nos pilares da estruturação de todo o
Programa do PDE.
Diversos comentários surgiram sobre o processo de implantação do PDE nas
escolas: uns criticam, denunciando a imposição desta nova cultura; outros afirmam
que foi aceita pela comunidade escolar quando aderiu ao PDE.
Em todo caso, persistimos no objetivo de mostrar a importância da mudança
cultural proposta pelo PDE na forma de administrar. Tomemos as palavras de
Chiavenato (2000, p. 345-346) como exemplares quando afirma que
Mudar a estrutura organizacional não é suficiente para mudar uma
organização. A única maneira viável de mudar uma organização é
mudar a sua cultura, isto é, os sistemas dentro dos quais as pessoas
vivem e trabalham.
É nesse sentido que observamos, nos documentos do PDE e em
depoimentos, que, para haver a implantação do PDE, era necessário criar um clima
organizacional propício à mudança, ou seja, criar “uma atmosfera psicológica
característica de cada organização (CHIAVENATO, 2000, p.344). Nesse caso, era
necessário criar esse clima a partir das secretarias até atingir as escolas, para que
houvesse uma mudança de atitude no conjunto e esta se manifestasse
especialmente na escola, lócus principal da implantação e do objetivo de sucesso do
PDE.
2.4 O processo de implantação e expansão do PDE no Piauí
No Piauí, o FUNDESCOLA e particularmente o PDE, tIveram início em 1999.
O Projeto teve adesão das secretarias estadual e municipal de educação. A seleção
das escolas seguiu os critérios estabelecidos no Fundescola II, ou seja, ficou
definido que o PDE deveria alcançar as escolas que tivessem a partir de 200 alunos.
Inicialmente, o PDE foi implantado na Zona de Atendimento Prioritário I (ZAP I), ou
seja, em Teresina e seu entorno (Grande Teresina) e, posteriormente, na ZAP II.
50
Na fase de implantação, o PDE contou com 100% de financiamento do
FUNDESCOLA; na sua expansão, com 70% e 30% do Estado e Município; na fase
de consolidação I, o financiamento foi de 50% do FUNDESCOLA e 50% do Estado e
Município; na fase de consolidação II, o financiamento foi de 30% do FUNDESCOLA
e 70% do Estado e Município. Os dados da Tabela 3 demonstram o número de
escolas do estado e do município de Teresina com PDE, numa série histórica de
1999 a 2004.
TABELA 3: Número de escolas com PDE – 1999-2004
ESCOLAS 1999-2000 2000-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004
Estaduais ZAP I 24 32 40 20
10
Estaduais ZAP II - - 18 14
5
Municipais ZAP I 16 25 81 5
3
Municipais ZAP II - - 32 16
13
TOTAL 40 57 171 55 31
Fonte: Estado do Piauí. SEE/COEP/GAE, 2004
Pelos dados da tabela 3, é possível observar que, nos anos de 2001/2002,
houve um aumento considerável do número de escolas que implementaram o PDE,
principalmente as escolas municipais da ZAP I (Teresina e seu entorno). Segundo
informações da Coordenação do Programa da Secretaria Estadual de Educação
(SEE), o PDE foi universalizado nas escolas municipais de Teresina. Os anos de
2003/2004, segundo a Tabela 3, mostram uma redução da expansão do PDE. A
explicação, segundo a gestora, deve-se ao fato de que, enquanto nas escolas
municipais, o PDE foi universalizado, nas escolas estaduais, a seleção tem que
seguir os critérios do Programa.
De acordo com os dados da Tabela 3, no período de realização da
pesquisa, o PDE estava implantado em 354 escolas do estado do Piauí, das quais,
163 são escolas estaduais da ZAP I e II e 191 são escolas municipais da ZAP I e II.
Este capitulo teve como objetivo a descrição do Programa
FUNDESCOLA/PDE. No próximo será feita uma descrição do percurso metodológico
utilizado nesta pesquisa.
CAPÍTULO III
PERCURSO METODOLÓGICO
Tendo por base o referencial teórico que fundamentou esta pesquisa, bem
como os objetivos traçados para desenvolvê-la, optou-se por uma abordagem
metodológica qualitativa, em busca de uma análise da materialização do Plano de
Desenvolvimento da Escola – PDE. A opção por esta abordagem deve-se ao fato de
ela apresentar características que vêm ao encontro da perspectiva do estudo
proposto, dentre elas o fato de ela dar voz aos sujeitos da pesquisa, permitindo que
eles manifestem suas opiniões, crenças, valores e representações sociais. Além
desse aspecto, comporta acrescentar:
[...] no que se refere à pesquisa qualitativa, pode-se dizer que os
dados são coletados através da descrição feita pelos sujeitos [...] Na
pesquisa qualitativa, uma questão metodológica importante é a que
se refere ao fato de que não se pode insistir em procedimentos
sistemáticos que possam ser previstos, em passos ou sucessões,
como uma escada em direção à generalização (MARTINS, 2000, p.
58).
Portanto, se procurou, neste capítulo, dar ênfase aos procedimentos adotados
para a realização desta pesquisa, ou seja, seu percurso metodológico, bem como
relatar, a partir dos dados coletados, à luz dos tóricos pesquisados, a experiência
das escolas investigadas quanto à implantação e desenvolvimento do PDE.
A intenção não foi limitar-se tão somente aos dados quantitativos e priorizar
as opiniões dos atores sociais que, cotidianamente, como bem observado por Paro
(2001), fazem educação no “chão da escola”. Nessa perspectiva de análise
52
qualitativa, desenvolveu-se ampla reflexão a partir dos olhares dos sujeitos
interlocutores do estudo.
Iniciou-se esta investigação pela pesquisa bibliográfica ou de fontes
secundárias, procurando-se conhecer os diversos aspectos que envolvem o Plano
de Desenvolvimento da Escola – PDE em seu contexto sociopolítico. Empreendeu-
se uma investigação da documentação direta, ou pesquisa de campo, que “[...]
constitui-se, em geral, no levantamento de dados no próprio local onde os
fenômenos ocorreram [...]” (LAKATOS; MARCONI, 2002, p. 83). Esses dados foram
obtidos por meio da técnica de entrevista denominada observação direta intensiva.
No que se refere aos documentos analisados, estes são documentos oficiais
do MEC/FUNDESCOLA/PDE, das secretarias estadual e municipal de Educação,
bem como de documentos do tipo técnico a exemplo do PDE, elaborado pelas
escolas pesquisadas, livro de ata, dentre outros.
Essa análise foi de extrema importância e objetivou captar maiores
informações sobre a concepção, estruturação, financiamento e implantação do
Programa, bem como seu processo de implementação e desenvolvimento nas
escolas, podendo-se “[...] comprovar a grande diversidade de documentos e a
abrangência que oferece o estudo desses documentos. Todos os elementos
mencionados constituem uma fonte, quase inesgotável, para a pesquisa social
(RICHARDSOSN, 1999, p. 228).
Assim, num movimento dialético, procedeu-se à análise de documentos sobre
o Programa FUNDESCOLA/PDE bem como a constantes visitas às secretarias
estadual e municipal em busca de maiores informações sobre a implantação do PDE
no Estado do Piauí.
Realizou-se também, como já citado, uma pesquisa de campo (documentação
direta), utilizando-se entrevistas semi-estruturadas para coleta de dados,
promovendo uma interação entre entrevistado e entrevistador, visto que essa técnica
favorece certa flexibilidade, podendo-se obter um clima de confiança e estímulo às
respostas, que foram dadas livre e espontaneamente. Na verdade, entende-se por
entrevista semi-estruturada, segundo Trivinos,
[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados
em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em
53
seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas
hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas
do informante [...] começa a participar na elaboração do conteúdo da
pesquisa. [...] Essas perguntas fundamentais que constituem, em
parte, a entrevista semi-estruturada, no enfoque qualitativo, não
nasceram a priori. [...] são resultados não só da teoria que alimenta a
ação do investigador, mas também de toda a informação que ele já
recolheu sobre o fenômeno social que interessa [...] (TRIVIÑOS,
1995, p. 146)
Quanto ao roteiro de entrevistas, este foi previamente testado e teve como
objetivo captar as expectativas e opiniões dos sujeitos sobre o PDE e seus efeitos
na escola, sendo considerado neste trabalho como instrumento de excelência, pois,
a partir da sua elaboração científica e da sua aplicação, foram obtidas informações
que deram a fundamentação e o respaldo necessários à concretização dos objetivos
da pesquisa.
3.1. O procedimento e o espaço social da investigação: as escolas e os
sujeitos colaboradores da pesquisa
Os procedimentos adotados para o desenvolvimento desta pesquisa
constaram, no primeiro momento, de um levantamento prévio das escolas
selecionadas, com vista a facilitar o primeiro contato com a direção das escolas e
atender ao objetivo desta pesquisa, que constituiu-se em analisar o processo de
implementação e desenvolvimento do PDE na escola, em uma perspectiva da
comunidade escolar. Para tanto, as escolas foram selecionadas a partir dos
seguintes critérios: pertencerem à rede estadual e municipal de ensino, com tempo
de implantação do PDE, e oferecerem ensino fundamental de 1ª a 4ª série. Foram
selecionadas duas escolas da rede estadual e duas escolas da rede municipal de
Teresina.
Na condição de colaboradores da pesquisa foram escolhidos os seguintes
segmentos da comunidade escolar: diretor(a); vice-diretor(a), supervisor(a) escolar,
funcionários(as), professores(as) e pai/mãe representante do conselho escolar,
caracterizando-se, portanto, uma amostra de 28 atores da escola, conforme a seguir
quatro diretores(as)
quatro vice-diretores(as)
54
quatro supervisores(as) escolar
oito professores(as)
quatro funcionários(as) – secretario(a)
quatro pais membros do conselho escolar
Vale ressaltar, neste trabalho, a preocupação de preservar tanto a identidade
das escolas como a dos atores que colaboraram com a pesquisa. Nesse sentido,
denominou-se as escolas com nomes fictícios, a saber: Escola Estadual Leste,
Escola Estadual Norte, Escola Municipal Leste e Escola Municipal Norte.
Essas escolas podem ser consideradas de médio porte, apresentando
condições favoráveis de funcionamento, com salas adequadas no que diz respeito
ao espaço físico, luminosidade e ventilação, contando também com instalações
elétricas, hidráulicas e sanitárias em bom estado de funcionamento. Todas as
escolas localizam-se em bairros com uma densidade demográfica bastante alta. Os
professores possuem, na sua grande maioria, curso superior, sendo alguns
portadores de especialização, assim como a equipe gestora. Todas as escolas
pesquisadas possuem um Conselho Escolar, demonstrando um certo nível de
aproximação entre a escola e a comunidade.
Seguindo a trilha da pesquisa de campo, dando continuidade à exposição
iniciada anteriormente, procura-se prosseguir a narrativa do desenvolvimento deste
trabalho, detalhando melhor o nosso percurso metodológico, pois seria injusto iniciar
essa trajetória e não mencionar a imensa contribuição das discussões realizadas no
transcorrer das disciplinas, tendo em vista que o contato direto com professores (as),
com os (as) colegas de turma do mestrado e, sobretudo, com o orientador desta
pesquisa, proporcionou momentos ricos de discussões, configurando-se em valiosos
momentos de reflexão e delineamento deste trabalho. Acrescenta-se que, foi
durante as aulas, que se pôde iniciar a pesquisa bibliográfica. Pode-se dizer, com
certa segurança, que esses momentos em sala de aula marcaram o início do
desenvolvimento desta pesquisa.
Como já foi ressaltado, este trabalho tomou como universo investigativo
quatro (4) escolas, sendo duas da rede municipal e duas da rede estadual de
Teresina. Nesse sentido, a entrada no “chão da escola” constituiu-se como a etapa
55
em que iniciamos o estudo empírico. Pode-se caracterizar essa etapa como uma
continuidade do movimento dialético de uma pesquisa que estava objetivando,
naquele momento, associar teoria e prática, ou seja, verificar in loco a materialização
do PDE. Assim, neste momento, foi possível utilizar o instrumento que, nesta
pesquisa, se privilegiou: a entrevista com os sujeitos que estão cotidianamente na
escola.
Esse momento inicial, que parecia fácil a princípio, não foi tão fácil assim,
pois, apesar de a pesquisadora ter sido muito bem recebida em todas as escolas
investigadas, percebeu-se um certo receio das pessoas em conceder entrevista. Foi
freqüente entre alguns sujeitos a negação em concedê-la, alegando não saberem
nada sobre o PDE, o que constituiu-se em um primeiro dado relevante da pesquisa,
demonstrando o desconhecimento dos principais atores desse processo.
Em alguns casos, foi perguntado se não poderiam ser concedidas as
informações em forma de questionário a ser levado para casa. Reconhecendo a
importância da entrevista, procuramos mantê-la como padrão, pois, segundo
Nogueira (2006, p.31), esta constituiu-se
um encontro interpessoal, de maneira que os protagonistas
demonstram também suas subjetividades e, ao mesmo tempo,
constitui momento de construção de um novo conhecimento, mas
nos limites da representatividade da fala, considerada indispensável
à pesquisa.
Procurou-se, assim, criar um clima de confiança e empatia com os sujeitos
colaboradores, o que possibilitou o desenvolvimento do trabalho. As entrevistas
foram realizadas nas próprias escolas, respeitando sempre a disponibilidade dos
entrevistados e o consentimento dos mesmos. É importante destacar que, em todas
as escolas pesquisadas, foi explicado para os sujeitos o objetivo da pesquisa.
Durante a estada no “chão da escola”, teve-se acesso aos documentos
técnicos referentes ao PDE, ou seja, os diversos formulários que a escola precisa
preencher, os planos de suporte estratégico onde constam os objetivos, metas e
ações a serem desenvolvidas e financiadas, livro de ata do PDE e outros
documentos, como o Projeto Político Pedagógico, entre outros. Vale ressaltar que se
tinha sempre em mãos um diário de campo onde transcreveram-se os dados
relativos aos documentos, bem como alguns acontecimentos vivenciados no
56
cotidiano escolar. O acesso aos documentos levou em consideração também o
consentimento dos gestores da escola.
Ao analisarem-se os dados, percebeu-se um complexo e encantador
momento de interação entre sujeito e objeto numa perspectiva qualitativa. Quando
se propôs a realizar este estudo dentro de uma abordagem qualitativa, abordagem
essa que tem como uma de suas características oportunizar ao pesquisador a
escolha de vários instrumentos de coleta de dados, tinha-se a consciência de que o
momento da análise dos dados apresentar-se-ia de forma dinâmica e diversificada, o
que iria requerer da pesquisadora muita dedicação, compromisso e, sobretudo,
paciência, tendo em vista que “analisar os dados qualitativos significa trabalhar todo
material obtido durante a pesquisa, ou seja, os relatos de observação, as
transcrições das entrevistas, as análises de documentos e as demais informações
disponíveis” (LUDKE; ANDRÉ,1986, p. 45).
Nesse sentido, a análise dos dados levou em consideração os padrões
relevantes da pesquisa, objetivando destacar os principais achados do estudo. Para
isso, foram feitas leituras e releituras do material coletado, utilizando a análise de
conteúdo, tanto para interpretar o discurso dos sujeitos da pesquisa quanto para
compreender as mensagens dos documentos coletados. Segundo Bardin (1977, p.
39), ao trabalhar com a análise de conteúdo, “o analista tira partido do tratamento
das mensagens que manipula para inferir conhecimentos sobre o emissor da
mensagem ou sobre seu meio ou exemplo”.
Coerentemente com uma pesquisa qualitativa, procurou-se realizar a coleta e
análise dos dados sempre com a intenção de favorecer uma conjugação integrada
desses dados, de maneira que pudesse possibilitar uma melhor compreensão do
estudo realizado. Como movimento dialético, procurou-se concatenar as análises
dos dados com o referencial teórico que fundamenta este estudo. A proxima
subseção apresenta essa intenção.
CAPÍTULO IV
A MATERIALIZAÇÃO DO PDE NA ESCOLA: ASPECTOS E
OLHARES QUE SE ENTRECRUZAM
4.1 A materialização do PDE na escola: descrição e análise
Para elaborar e implementar o PDE, as escolas têm que seguir as etapas
contidas no manual Como Elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola.
Segundo Amaral Sobrinho (2001, p. 17),
A metodologia utilizada para a elaboração e implementação do PDE
segue os princípios do planejamento estratégico, onde a liderança da
escola assume a responsabilidade pelo direcionamento e a
coordenação do processo de elaboração do Plano de
Desenvolvimento, abrindo o processo à participação efetiva de todos
os segmentos da escola e da comunidade escolar, na busca de
melhoria de desempenho dos alunos.
Segundo as orientações do manual - é importante assinalar que o mesmo se
constitui de uma diretividade explícita; são definidas, no processo de planejamento
estratégico, cinco etapas a serem realizadas pelas escolas que aderem ao PDE, as
quais classificadas em:
1) Etapa de preparação - a escola se organiza para a elaboração do PDE,
define os passos a serem seguidos, identifica responsabilidades, promove
o estudo do manual do PDE e divulga o processo a toda a comunidade
escolar.
58
2) Etapa da análise situacional ou diagnóstico da escola - a equipe escolar
promove um levantamento de dados e informações gerais sobre a
qualidade da escola em seus diferentes aspectos, refletindo-se sobre o
que está sendo feito e o que deve ser feito para melhorar o desempenho
da escola e o sucesso dos alunos. Esse diagnóstico é que subsidia a
equipe escolar na elaboração da visão Estratégica e do Plano de Suporte
Estratégico da escola.
3) Etapa da definição da Visão Estratégica e do Plano de Suporte Estratégico
- a equipe escolar se reúne para elaboração da Visão Estratégica (valores,
visão de futuro, missão e objetivos estratégicos) e do Plano de Suporte
Estratégico (estratégias, metas e planos de ação).
4) Etapa da execução - etapa em que os planos de ação da equipe escolar
são colocados em prática.
5) Etapa de acompanhamento e controle - a equipe escolar promove o
gerenciamento e verificação da execução dos planos de ação, bem como
a adoção das medidas necessárias para a solução de problemas, quando
necessário (AMARAL SOBRINHO, 2001, p.17).
Torna-se necessária, para um melhor entendimento dessas diferentes etapas
do PDE, uma análise mais detalhada destas materializações na escola. Assim, tendo
por base os dados da pesquisa realizada em quatro escolas públicas de Teresina,
procurou-se caracterizar a maneira como tais etapas se concretizaram e os aspectos
relevantes da investigação.
4.1.1 Preparação do PDE
Essa configura o momento em que a liderança da escola, ou seja, os
segmentos escolares que foram selecionados para participar do curso de
capacitação promovido pelo Programa (no caso de Teresina, ficaram definidos três
segmentos: diretor, supervisor e um professor) fazem a divulgação do PDE na
59
escola. Seria o momento da “sensibilização” e “motivação” da comunidade interna e
externa da escola sobre a importância do PDE.
De acordo com os dados da pesquisa, a divulgação do PDE nas escolas foi
realizada através de diversos procedimentos, desde reunião com a comunidade,
estudo do manual do PDE, confecção de cartazes ilustrando os valores, missão da
escola, visão de futuro e objetivos estratégicos, pinturas no muro da escola com o
logotipo do PDE, até confecção de camisetas.Todo esse “marketing” em torno da
divulgação do PDE para a comunidade fazia parte também das orientações do
Programa, como evidencia o depoimento de um sujeito entrevistado:
Eles (equipe central) sugeriram para confeccionar camiseta, botar
carro de som para conscientizar a comunidade sobre o PDE para
que tivesse mais sucesso na escola (VICE-DIRETORA, ESCOLA
ESTADUAL LESTE).
Esse depoimento revela, de forma eloqüente, a necessidade de apoio público
ao sucesso de programas e projetos concebidos externamente à escola. No caso
específico do PDE, a ênfase da propaganda junto à comunidade é um aspecto de
análise interessante. Por que tanta preocupação com a “sensibilização” da
comunidade? Será que é pelo fato de as políticas educacionais já estarem caindo no
descrédito diante de tantas descontinuidades? Ou será que é pelo próprio caráter
inovador com que elas costumam se apresentar, configuradas em programas e
projetos que buscam passar para o imaginário da comunidade a salvação de todos
os problemas da educação? Sacristan (1996, p. 52), em suas análises a respeito das
reformas educacionais, argumenta que
Reformar evoca movimento, e isso encontra ressonância na opinião
pública e nos professores. [...] Cria-se a sensação de movimento,
gerando expectativas e isso parece provocar por si mesmo a
mudança. O simples anúncio do movimento chega a ser apresentado
como inovação.
Em relação ao PDE, as afirmações de Sacristan parecem se confirmar. No
acesso ao livro de ata de uma das escolas pesquisada, pudemos verificar, pela
escritura do seu texto, a ênfase desse sentimento de inovação e mudança com a
implementação do PDE na escola:
60
Ata da terceira reunião realizada no pátio interno [...] às dezesseis
horas do dia trinta de setembro de mil novecentos e noventa e nove,
com a presença da comunidade escolar, pais de alunos, professores
e demais funcionários da Escola, com a presença do Grupo de
Sistematização que mais uma vez faz ciente a todos os presentes
sobre a importância do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) e
funcionamento do mesmo, com metas que fundamentam a nova
Escola Pública, mais democrática, solidária e participativa (LIVRO
DE ATA, ESCOLA ESTADUAL LESTE, 1999, p. 2).
4.1.2 O PDE suscitando expectativas na escola
As expectativas em relação ao PDE tanto quanto a sua forma de adesão a ele
pelos diversos segmentos, sujeitos desta pesquisa, constituiu-se em objeto de
análise. Quanto a isso, pudemos verificar, pelos depoimentos de diversos
segmentos das escolas pesquisadas, que o Projeto suscitou muitas expectativas:
Ah! Eu tinha, sim, muitas expectativas, eu achava assim... porque depois eu
fiquei mais ansiosa, porque ao meu ver a gente ia ter uma mudança pra melhor
com o PDE... (VICE-DIRETORA ESCOLA MUNICIPAL LESTE).
Tinha sim! Porque foi divulgado e pela divulgação esperávamos um bom
resultado. Melhoria para o professor ter mais habilidade em suas atividades, só
tinha como ajudar o professor a desenvolver suas atividades (VICE-DIRETORA -
ESCOLA ESTADUAL LESTE).
Eu lembro, assim, quando começaram as discussões, até antes de ser
implantado, a possibilidade de implantação dele (PDE), a questão, a própria
expectativa de todo mundo em melhorar com relação ao dinheiro que ia ser
recebido para investimento em material, que tinha muito aquela questão das
escolas da Prefeitura, aquela questão do auge, mas que nem sempre
correspondia à realidade. Então só o fato de a própria escola, da própria direção
junto com os professores definirem que material poderia adquirir a partir do
dinheiro que pudesse ser recebido, já gerou uma expectativa positiva em relação
ao PDE. Minha expectativa maior foi também em relação a isso. Pensar num
trabalho que eu acredito e a possibilidade de gente ter um problema muito sério
de falta de materiais. Às vezes a gente pensava em fazer um determinado
trabalho e se sentia impossibilitada (PROFESSORA - ESCOLA MUNICIPAL
LESTE).
Tinha. Era mudança mesmo. Com relação à aprendizagem do aluno e também
com o aperfeiçoamento do professor (PROFESSORA - ESCOLA ESTADUAL
LESTE).
Sim, com certeza. As expectativas eram de que teríamos mais recursos
didáticos, por que com os recursos didáticos, as professoras têm uma
61
possibilidade de maior desempenho por que aflora a criatividade (VICE-
DIRETORA- ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
As expectativas positivas em relação à implementação do PDE na escola
podem ser explicadas pelo fato de o programa transferir recursos financeiros
diretamente para a escola, já que historicamente, as escolas públicas convivem com
a falta de recursos. O fato de saber que um Programa irá transferir recursos gera na
comunidade escolar uma expectativa de que muita coisa pode mudar, tendo em
vista que as dimensões administrativa e pedagógica da escola não têm condições
de se efetivar sem recursos financeiros. Os diversos depoimentos dos sujeitos
revelam essas expectativas em relação ao PDE.
Outro fator que pode ter suscitado tantas expectativas em relação ao PDE
pode ser a própria forma de apresentação do Projeto, feita pelos responsáveis em
capacitar os membros da escola, selecionados para conduzir o processo de
elaboração e implementação do PDE, forma que pode ser evidenciada pelo
depoimento de uma professora que participou da capacitação:
Eu tive expectativas que foram geradas a partir da capacitação, de
tanto eles (capacitadores) falarem dos benefícios do PDE, porque na
capacitação tudo é possível, fácil, não são questionadas as possíveis
dificuldades que surgirão no decorrer do processo. Todo mundo fica
eufórico com as novidades (PROFESSORA-ESCOLA MUNICIPAL
NORTE).
Os dados da pesquisa revelaram também que o PDE teve um acolhimento
significativo por parte da maioria dos atores escolares, o que pode ser confirmado
pelos depoimentos a seguir:
Olha, foi muito bom ele (PDE) ter vindo aqui pra escola. Foi muito bem recebido
(SECRETÁRIA - ESCOLA ESTADUAL LESTE).
O PDE foi recebido muito bem, todo mundo gostou, apoiou. Foi muito importante
para o colégio (PROFESSORA - ESCOLA ESTADUAL LESTE).
Receberam assim com muita aceitação, porque foi divulgado e entendido que
era melhoria para a escola e para a aprendizagem. Eu acho que foi um avanço
em... pra subsídio (VICE-DIRETORA - ESCOLA ESTADUAL LESTE).
A comunidade recebeu o PDE foi assim com satisfação... Precisou a gente
procurar estratégias para incentivar o lançamento do PDE. Teve muitas
estratégias de incentivo e, aos poucos, nós procuramos introduzir cada
62
professor, cada funcionário, os segmentos da escola pra ver a escola com outra
visão (VICE-DIRETORA - ESCOLA MUNICIPAL LESTE).
Foram feitas reuniões com as famílias e o corpo docente, discente,
administrativo, e receberam muito bem a idéia, porque foi divulgado que, com o
PDE, a escola receberia recursos financeiros para adquirir mais equipamentos,
livros e outros recursos didáticos (PROFESSORA - ESCOLA MUNICIPAL
NORTE).
Fica claro, pelos depoimentos, que o PDE obteve boa adesão pela maioria
dos membros das escolas. Para Oliveira, Fonseca e Toschi (2004, p.190), outro fator
que influencia atitudes acolhedoras a projetos como o PDE “explica-se peio fato de
que o desenvolvimento de um projeto de porte internacional significa prestígio para o
quadro de direção que o acolhe”, esmo que isso signifique falta de um conhecimento
sobre a proposta. Sobre esse aspecto, é importante relativizar a respeito da adesão
e expectativas de outros sujeitos pesquisados em relação ao PDE.
A forma inusitada com que o PDE foi implantado na escola causou entre
alguns membros, um efeito contrário, ou seja, não suscitou expectativas positivas, e
sim um certo grau de descontentamento É o que revelam os depoimentos que
seguem:
[...] o PDE chegou como se fosse assim de pára-queda aqui na escola, é o PDE,
é o dinheiro que vem pra escola para comprar material, mas não teve esse
estudo antes, pra que o PDE? Qual a finalidade? Objetivo? Não teve, não ficou
claro na nossa cabeça em termos de unidade escolar [...] eu acho assim, eu não
tive muitas expectativas justamente por isso que eu te falei porque a gente não
sabia muito pra que o PDE (PROFESSORA – ESCOLA ESTADUAL LESTE).
Essa opinião também foi corroborada por uma supervisora de outra escola
pesquisada:
Primeiro a Secretaria fez o levantamento do número de alunos, porque eles
escolheram pelo número de alunos para inserir o PDE. Nossa escola foi uma das
que foram escolhidas porque tinha muitos alunos na época, mas também não
vieram fazer aquele questionamento na escola, pedir opinião, qual era a
necessidade, por isso que eu me refiro que ele, PDE, caiu de pára-quedas. Eu
acho que estes programas deviam vir primeiro na escola conversar com os
professores, porque eles têm uma cartilha que diz o que comprar e o que não
deve com o dinheiro, aí fica meio difícil a gente realizar uma coisa assim
direitinho... (SUPERVISORA-ESCOLA ESTADUAL NORTE).
63
Consideramos esses dois depoimentos relevantes, pois demonstram, de
forma explícita, como as propostas que são concebidas a partir de decisões externas
não levam em conta a história da escola e tampouco a opinião de seus membros. A
sugestão da supervisora é bastante interessante e podendo servir de subsídios para
os formuladores das políticas educacionais. A falta de conhecimento sobre os
fundamentos teóricos do Projeto foi também um fato constatado na pesquisa, o que
instigou a nossa curiosidade em saber como foi oferecido o curso de capacitação
para a elaboração e implementação do PDE.
4.2 A Capacitação do PDE: uma retrospectiva em busca de explicações
O curso de capacitação para a implantação do PDE foi realizado em Teresina
em hotéis de luxo como Rio Poti Hotel e Hotel Metropolitan. Comungamos com o
entendimento de Rosa e Khidir (2004, p.158), ao analisarem que “o fato de o PDE,
por exigência do Programa, ter sido apresentado em ambientes considerados
luxuosos [...] deixa implícita a intencionalidade de criar no imaginário dos
participantes a idéia de que ‘tudo seria resolvido’ com a implantação do Plano”. O
depoimento de uma professora, ao falar de suas expectativas evidencia, de certo
modo,“essa intencionalidade implícita”. Nesse sentido, consideramos relevante citá-
lo novamente:
Eu tinha expectativas que foram geradas a partir da capacitação. De
tanto eles (capacitadores) falarem dos benefícios do PDE, porque na
capacitação tudo é possível, fácil, não são questionadas as possíveis
dificuldades que surgirão no decorrer do processo. Todo mundo fica
eufórico com as novidades... (PROFESSORA - ESCOLA
MUNICIPAL NORTE).
De acordo com os depoimentos dos atores escolares que participaram do
curso, é possível inferir que a capacitação oferecida se restringiu aos aspectos
técnicos, sem uma fundamentação teórica do modelo de gestão e planejamento
sustentadores do projeto PDE:
Participei, ela (capacitação) ocorreu no Metropolitan Hotel. O curso foi
prejudicado pelo grande número de participantes para um espaço pequeno e
64
inadequado. Foram trabalhadas mostragens de cada etapa do PDE, mas de
forma muito rápida e, às vezes, até superficial, deixando muitas dúvidas quanto
à estrutura do Projeto (SUPERVISORA - ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
Eu participei. Foram dados todos os passos de como elaborar o PDE na escola.
Foram feitas oficinas, e o resto ficou por conta do discurso e das leituras. O
curso proporcionou a situação ideal, por isso ele foi muito bom. Na confrontação
com a situação real surge o conflito e a sensação de impotência, porque eu acho
que as pessoas ou os idealizadores do Projeto não estão vivendo dentro das
escolas. Por que é nela (escola) que surgem as adversidades (PROFESSORA -
ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
Nós tivemos, o próprio livro (manual) que a gente recebeu, esquematiza cada
passo, cada estratégia que você deve seguir ou formular de acordo com as
necessidades da escola. Esse curso foi interessante mandar para elaboração do
PDE (VICE DIRETORA-ESCOLA MUNICIPAL LESTE)
...Olha a gente fez. O grupo que foi fazer aquele curso. Eu participei, só que é
um curso de 40 horas. Administração, planejamento estratégico a gente não
aprende em 40 horas. Foi dado só, você conhece aquele livro (manual) do PDE?
(perguntou para nós), então, pegaram aquele livro ali mesmo e tiraram algumas
transparências pra gente ver, discutir e preencher aqueles formulários, lá no livro
tem a oficina... (PROFESSORA - ESCOLA MUNICIPAL LESTE).
De acordo com os depoimentos, observa-se, no curso de capacitação para
gestores, a transmissão de conhecimentos mínimos acerca dos aspectos político-
econômicos e seus reflexos na concepção da educação brasileira. Os gestores
ignoram os fundamentos teóricos do PDE, a origem e as condições contratuais em
que é concebido esse projeto de tanta penetração no Brasil.
O mesmo acontece quando os gestores multiplicadores levam o curso de
montagem do PDE para a comunidade escolar. Novamente, ali no âmbito da escola,
observa-se o mesmo fato, o desconhecimento. Mesmo assim, a grande expectativa
gerada principalmente junto aos professores foi quanto à possibilidade de realização
de velhos sonhos planejados e nunca colocados em pratica por falta de recursos. É
interessante lembrar, através das memórias de ações anteriores à implantação do
PDE, que a comunidade escolar sempre trabalhou com base no planejamento, visto
então como condição para o desenvolvimento correto do trabalho escolar.
Assim, cabe lembrar que a prática do planejamento é velha aliada de gestores
e professores. O grande desafio estava no fato de que a comunidade sonha com
uma escola melhor, mas encontra de imediato dois problemas cruciais: de um lado,
a questão financeira, as verbas para a educação que nunca chegam na escola e
65
adiam constantemente a possibilidade de materialização do sonho planejado, do
outro, as condições de vida dos alunos, o que não pode deixar de ser considerado
como elemento chave do processo ensino-aprendizagem, posto que seria
inoportuno e errado ignorar a influência da educação externa, ou seja a educação de
sua casa e do mundo ao seu redor e os reflexos comportamentais a partir da vida
espiritual dessa mesma educação externa, cujo desdobro no mundo escolar remonta
a uma ligação constante com a realidade cotidiana desse mundo.
Sem recursos para realizar seus sonhos, os educadores sentiram
constante desânimo e desmotivação. Por outro lado, o peso da realidade não
mensurado como um dos critérios nas análises dos resultados leva a uma conclusão
sempre igual, a de que o professor é o grande responsável pela precariedade do
ensino no Brasil.
Isso mostra a falta de conhecimento da maioria dos segmentos escolares
sobre o PDE. Ora, como compreender uma proposta em um tempo tão curto de
formação? Se é que podemos chamar isso de formação. A maneira como o PDE foi
apresentado, em forma de manual, deixa implícito que à escola cabe apenas
executar o que já foi pensado e planejado antes, sem a participação e opinião de
seus integrantes, bem como sem se levar em conta a realidade de cada escola.
Tentar homogeneizar uma proposta sem levar em consideração as especificidades
de cada escola é considerá-la, no mínimo, uma instituição sem história. Pior ainda,
quando essa proposta transporta métodos e técnicas empresariais para o interior da
escola. É importante assinalar que, de todos os segmentos entrevistados, apenas
um sujeito revelou um conhecimento sobre os fundamentos teóricos da proposta do
PDE:
[...] O PDE traz uma visão muito empresarial e uma filosofia capitalista. Ele não
vê que as peculiaridades da escola, às vezes, se chocam com essas
características. Essa característica empresarial, ela vê a escola como uma
empresa, onde está em primeiro lugar produção x lucro e esquece a função
humanística e social da escola.O próprio vocabulário do PDE difere do da escola
(SUPERVISORA-ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
O depoimento da supervisora demonstra uma consciência critico reflexiva a
respeito do PDE e de seu modelo empresarial. Reflexões como essas podem
significar um ponto de partida, no sentido de que a escola e seus integrantes, ao se
depararem com propostas externas, possam refletir se realmente essas propostas
66
vão ao encontro de suas concepções de educação, pois aí está o verdadeiro sentido
da reflexividade docente, da “pedagogia da autonomia”, tão bem expressa por Paulo
Freire (1996).
A diretividade do PDE se confirma também através da assinatura da “Carta de
Adesão” por parte da escola, a qual é assinada ainda na etapa de preparação do
Plano. Com a assinatura dessa carta, a escola assume o compromisso em elaborar,
implementar e executar o PDE conforme as orientações do Programa. Esse dado
pode ser ilustrado em um trecho registrado em ata da primeira reunião do PDE,
coletado em uma das escolas pesquisadas:
Ata da primeira reunião realizada na (nome da escola) aos dezessete
dias do mês de setembro de mil novecentos e noventa e nove, às
quatorze horas na diretoria da referida Unidade para preenchimento
da Carta de Adesão e elaboração do cronograma de realização das
atividades do Plano de Desenvolvimento da Escola-PDE (LIVRO DE
ATA-PDE. ESCOLA ESTADUAL LESTE, 1999. p. 1).
O registro de todas as ações desenvolvidas durante o processo de
implantação e desenvolvimento do PDE, através de fotos, relatórios, livro de ata, ao
mesmo tempo em que possibilita à escola uma preservação de sua história e
memória, por outro lado, demonstra, de forma implícita, a intenção de controle por
parte do Programa nessas ações, já que esses registros também fazem parte das
exigências do seu processo de elaboração e desenvolvimento. Portanto, nessa
égide do controle pelo trabalho alheio perde-se o caráter educativo de preservação
da memória da escola, passando a fazer parte apenas de uma exigência externa no
sentido de “ver para crer”. Tanto é que em uma das escolas pesquisadas não foi
possível ter acesso a quaisquer documento pelo fato de estes não estarem mais na
escola. Analisamos, portanto, apenas os documentos disponíveis nas escolas
pesquisadas.
4.3 Análise situacional: diagnóstico da escola
A segunda etapa do PDE, denominada de Análise Situacional, questionário
compreende três questionários a serem respondidos pela escola. O questionário 1
corresponde ao Perfil e Funcionamento da Escola e inclui a caracterização e
67
levantamento de dados estatísticos e numéricos da escola como: dependências,
matrícula, aproveitamento dos alunos, disciplinas críticas, distorção idade-série,
desempenho acadêmico, recursos humanos e análise e avaliação de projetos
desenvolvidos pela escola.
Na análise desses documentos, verificamos como projetos desenvolvidos: “A
aceleração de estudo, ”Projetos de leitura e escrita”, “Oficinas de Matemática
envolvendo a informática”. O levantamento das disciplinas críticas foi unânime nas
escolas, ou seja, foram consideradas como disciplinas críticas “Matemática e Língua
Portuguesa”. O documento também revelou que a distorção idade - série é uma
situação concreta nas escolas.
No questionário 2, denominado Análise dos Fatores Determinantes da
Eficácia Escolar, são contemplados os seguintes fatores: efetividade do processo de
ensino-aprendizagem, clima escolar, envolvimento dos pais e da comunidade,
desenvolvimento do patrimônio humano, gestão participativa de processos,
instalações e materiais. Com esse questionário, a equipe escolar se reúne e discute,
com o objetivo de fazer uma auto-análise da escola, baseada nos requisitos e nas
características que correspondem a cada fator pré-estabelecido no questionário. É
uma espécie de auto-avaliação que varia dentro de uma escala de pontuação que
vai de 1 a 5. Nesse questionário, pudemos verificar que as escolas registraram uma
pontuação 3, 4 e 5.
O tempo para que a escola pudesse fazer uma auto-análise sem “achismo”,
como recomenda o Programa, parece que não foi suficiente. Conforme o
depoimento de um sujeito pesquisado:
Na época, eu era de sala de aula. O que a gente participou mesmo foi dos
questionários, porque vinha um monte de questionário pra gente responder...
Teve também um tempo muito curto pra esses questionários, eram muitas
perguntas, no final, a gente já marcava de qualquer jeito, por que não dava
tempo a gente socializar, questionar com os colegas, então, terminou a gente
atropelando igual eles que fizeram lá. E a gente dizia: “marca aí o melhor”. Um
questionário interessante que precisava de muita reflexão pra saber se
realmente estávamos marcando o que era melhor na escola e se a escola estava
realmente inserida naquilo ali (SUPERVISORA - ESCOLA ESTADUAL NORTE).
A noção de tempo para a escola, a partir da implantação do PDE, sofreu uma
mudança brusca, mascarada e suprimida pelas novas noções de tempo trazidas
pelo PDE através de suas metas, o qual de certa forma, tornou-se imperceptível,
68
pois tudo pareceu ser sugado para os objetivos do novo projeto. Maria Abadia da
Silva observa muito bem a nova noção de tempo na educação brasileira:
A ausência de distinção entre o tempo da escola, portanto, tempo
destinado à aquisição e decantação de saberes e conhecimentos e o
tempo do mercado, rotativo insaciável, alucinante. A escola deixou
de ser o tempo de socialização, do aprender, do dividir, do construir
afetos, desejos, sonhos, valores e alegria, para ser o tempo do
mercado, lugar para fabricar objetos humanos ajustados para servir
ao mercado. A lei selvagem que ronda a educação exige formação
rápida para o fazer e executar, atendendo satisfatoriamente às
demandas de um mercado insaciável (CADERNO CEDES, 1992,
p.12).
Na seqüência, no questionário 3, é feita uma avaliação estratégica da escola.
De acordo com as orientações do manual, este questionário é respondido somente
pelos membros do grupo de sistematização do PDE. Trata-se de um instrumento
que capta a percepção sobre as variáveis que afetam ou podem afetar o
desempenho da escola. As forças e fraquezas correspondem à análise do ambiente
interno; as oportunidades e ameaças correspondem à análise do ambiente externo.
Após o estabelecimento das forças, oportunidades, fraquezas e ameaças, as
escolas precisam fazer a interação entre essas variáveis.
Torna-se interessante observar que, de acordo com o documento do PDE,
são consideradas como alguns exemplos de ameaças situações reais como greves,
falta de autonomia, baixo nível dos alunos que ingressam, como se a escola fosse
um organismo neutro, à parte da realidade concreta.
Após análise do questionário 3 do PDE das escolas investigadas verificou-se
que assim se posicionam seus atores sociais:
Como forças
:
currículo organizado; gestão democrática e participativa, qualificação de
professores (ESCOLA ESTADUAL LESTE);
existência do PDE; funcionários flexíveis à implementação de inovações na
escola, recursos financeiros disponíveis (ESCOLA ESTADUAL NORTE);
quadro docente completo; escola bem equipada; formação acadêmica
(ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
69
Como ameaças:
conselho escolar pouco participativo; professores estagiários; e baixa auto
estima das famílias (ESCOLA ESTADUAL LESTE);
não valorização dos profissionais da educação; aluno carente com pouco
preparo (ESCOLA ESTADUAL LESTE);
exposição das crianças às drogas e violência ; desestruturação da família...
(ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
Na análise de conteúdo, pode-se verificar que as escolas mesclaram suas
bases axiológicas com as do manual do PDE. Um exemplo é o antagonismo em
colocar como ameaça “aluno carente com pouco preparo”. Ora, como considerar
uma ameaça um problema social concreto, razão da existência da escola?
Um outro aspecto que se aproxima das orientações do Programa e que foi
colocado no quesito oportunidades foi o “intercâmbio com entidades públicas e
privadas”, o que deixa implícita a responsabilidade da escola em procurar parcerias,
principalmente privadas, para alocação de recursos, o que demonstra que o Estado
procura cada vez minimizar suas responsabilidades.
Observa-se também a visão estratégica presente no PDE. Seria esta uma
nova necessidade na gestão? A que interesses se busca atender com essa visão?
Seguindo os conceitos do planejamento estratégico: valores, visão de futuro, missão
e objetivos estratégicos, as escolas iniciaram a etapa número 3, denominada Etapa
da visão Estratégica e do Plano de Suporte Estratégico (percebe-se a presença
constante do estratégico no PDE, como citado no capítulo II).
Na sistematização dos documentos que evidenciavam a visão estratégica
definidas pelas escolas, pode-se verificar o conteúdo empresarial imposto pelo
modelo de gestão do PDE, principalmente, na linguagem típica da “Qualidade Total”.
Assim, mais uma vez, a escola foi impelida a contradizer-se, tendo em vista ter que
optar entre o que é e o que pensa e internalizar o que lhes foi imposto como padrão
de gestão consubstanciado através do PDE. Para efeito de explicitação dessa
evidência segue a Visão Estratégica definida por uma das escolas pesquisadas:
70
Valores
1-“Excelência: valorizamos nossos clientes buscando oferecer um trabalho de
qualidade e excelência”.
2- “Respeito pelo indivíduo: respeitamos a individualidade e os direitos de cada
pessoa”.
3-“Criatividade: valorizamos a criatividade e a inovação do profissional e clientes
da escola” (PDE, ESCOLA ESTADUAL LESTE –VISÃO ESTRATÉGICA).
Nessa perspectiva, torna-se importante lembrar que, na democracia liberal,
preza-se o individualismo, que se fundamenta no princípio de liberdade e no qual a
igualdade de oportunidades está vinculada, “[...] segundo a capacidade de cada
indivíduo, e não à igualdade real da sociedade” (VIEIRA, 1992, p. 70), podendo-se
visualizar essa característica na visão estratégica da escola investigada de acordo
com o seu PDE.
Busca-se na próxima subseção uma análise do PDE em relação à
participação da comunidade escolar na sua elaboração.
4.4 A participação dos atores da escola no âmbito do PDE: elementos para
sua compreensão
Para a análise da participação dos diferentes segmentos escolares (atores da
escola) no âmbito do PDE, utilizaram-se as fontes consultadas durante a pesquisa
de campo: documentos, relatos de entrevistas dos diversos atores da escola
(professores, coordenador do PDE, direção, secretária).
A discussão sobre o papel da participação na gestão escolar é de extrema
importância e tem instigado vários estudos, até porque é impossível pensar numa
gestão democrática sem incluir a participação como um de seus elementos
essenciais.
Vários autores têm se dedicado ao estudo da participação na gestão da
escola e sugerido a compreensão do seu real significado para que ela possa
realmente se efetivar. No entendimento de Paro (2003, p. 16), “a gestão democrática
deve implicar necessariamente a participação da comunidade”. Salienta, porém, que
essa deve incluir “participação nas decisões”, ou seja, a participação não deve ficar
restrita à execução, apesar de o autor considerar que “isto não elimina, obviamente,
71
a participação na execução; mas também não a tem como um fim e sim como meio,
quando necessário, para a participação propriamente dita, que é a partilha do poder,
a participação na tomada de decisões.”
Libâneo (2002, p. 79) também compreende a participação como “principal
meio de assegurar a gestão democrática da escola, possibilitando o envolvimento
dos profissionais e usuários no processo de tomada de decisões e no funcionamento
da organização”.
Para Lima (2001, p. 73-81), “a participação só existe verdadeiramente como
prática”. Nesse sentido, o autor classifica a “participação praticada” de acordo com a
seleção dos seguintes critérios: democraticidade, regulamentação, envolvimento e
orientação, que resultariam, respectivamente, em diferentes formas de participação:
direta e indireta; formal e informal; ativa e passiva; convergente e divergente. O autor
afirma que “através de um processo de conjunção de diferentes formas e tipos de
participação será possível estudar e qualificar a participação praticada pelos atores
na organização”.
Não obstante a importância delegada à participação no processo de
democratização da gestão da escola, tendo em vista o seu caráter ético político e
pedagógico, propulsora que é, inevitavelmente, de relações sociais mais solidárias,
horizontais, respeitosas e por que não dizer, elemento essencial de enfrentamento
às estruturas de poder historicamente seladas na sociedade, onde a tomada de
decisões (ficou?) sempre reservada aos “intelectuais técnicos”, a prática da
participação parece conter, ainda, impedimentos, talvez porque as estruturas de
poder ainda estejam consolidadas a tal ponto que seus ranços e mazelas ainda se
fazem presentes.
A escola, como espaço também de relações sociais, não foge, infelizmente, a
essa realidade. Tudo isso indica que, no plano prático, a participação na escola
encontra ainda problemas e impedimentos para se efetivar, configurando-se mais
concretamente com uma não-participação. Vários autores têm confirmado essa
premissa, pelo resultado de pesquisas sobre a participação na escola. Paro (2003,
p. 16), ao analisar a participação da comunidade na gestão da escola pública, afirma
que esta “[...] encontra um sem número de obstáculos para concretizar-se...”.
Ao delinear os condicionantes internos da participação, o autor aponta como
impedimentos o caráter hierárquico da distribuição da autoridade na escola (o
centralismo da gestão); a ausência de condições materiais e de trabalho, que
72
impossibilita a existência de canais apropriados para a participação de todos
segmentos escolares; os diferentes interesses políticos - sociais existentes entre os
grupos que, na escola, se relacionam e suas diferentes concepções de participação,
e a visão negativa da comunidade pelos que atuam na escola.
Além desses condicionantes internos da participação, o autor aponta outros
obstáculos presentes na comunidade e que são determinantes para uma não-
participação. Sinteticamente, esses determinantes se revelam nas condições de vida
e trabalho, na postura de ‘fechamento’ por parte da escola com relação a qualquer
tipo de participação, no constrangimento dos pais das camadas populares em
relacionar-se com pessoas de nível socioeconômico e cultural diferente do seu e,
ainda, no medo de represálias que possam ocorrer aos filhos, caso haja alguma
interferência dos pais na escola (PARO, 2003, p. 43-50).
Consideramos as análises aqui empreendidas importantes para uma melhor
compreensão da concreticidade do cotidiano escolar com vistas a não se sucumbir
ao discurso acrítico de que a participação tem condições de se efetivar somente por
meios de técnicas de gestão. A participação como elemento propulsor da gestão
democrática deve ser concebida como um processo contínuo, que se realiza,
através da tomada de consciência de todos os segmentos que compõe a escola e a
sociedade como um todo. Constitui-se, assim, num aprendizado coletivo pois, como
sugere Freire (1997, p. 119), “é decidindo que se aprende a decidir”. E, para que
isso se torne realidade, comunga-se também com o pensamento de Fonseca,
Carneiro e Sousa (2004, p. 122) ao sugerirem que
“a divisão de responsabilidades, entre os segmentos escolares deve
ser acompanhada do acesso amplo às informações; da repartição
eqüitativa do poder decisório; da possibilidade de que todos possam
influir na definição e no controle dos objetivos e na solução coletiva
dos problemas”.
Nesse sentido, refletir sobre a participação no contexto da gestão escolar é
de extrema relevância, tendo em vista que a essa participação tem ocupado lugar de
destaque não só nas pesquisas e debates como também na própria Legislação
Educacional Brasileira. Nesse ponto, é importante ressaltar o papel que a
participação recebe na Lei n. 9.394/96 (BRANDÃO, p.56), quando a referida Lei,
outorga que
73
Art. 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão
democrática do ensino público na educação básica, de acordo com
suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes [...].
Vale destacar que a LDB outorga a participação, referindo-se ao Projeto
Político Pedagógico e aos Conselhos Escolares, instrumentos considerados por
muitos autores
1
, como fundamentos de uma gestão democrático-participativa, sendo
objeto também de vários estudos.
Assim, percebe-se que a LDB não prevê a participação tendo como foco de
análise o Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE, projeto integrante do Fundo
de Fortalecimento da Escola - FUNDESCOLA, Programa do Ministério da Educação
e Cultura (MEC) co-financiado pelo Banco Mundial (BM) e desenvolvido em parceria
com as secretarias estaduais e municipais dos Estados do Norte, Nordeste e Centro-
Oeste. O programa apresenta-se visando ao fortalecimento da escola e de sua
relação com a comunidade.
Assim, sendo o PDE um processo de gerenciamento estratégico coordenado
pelo grupo de sistematização (composto pelo diretor, vice-diretor, professor, pai ou
responsável, coordenador da escola, entre outros escolhido pela escola, sendo
composto por seis a sete pessoas) e desenvolvido de maneira participativa pela
comunidade, relembra-se aqui que esse plano tem por objetivo o aprimoramento da
gestão da escola para que esta melhore a qualidade do ensino oferecido, garantindo
maior eficácia e eficiência nos processos que desenvolve.
Como já foi citado no capítulo anterior, para participar do processo de
seleção, as escolas devem atender a alguns critérios como: pertencer ao município
integrante das ZAP (Zonas de Atendimento Prioritário); ter mais de 200 alunos no
ensino fundamental; ter unidade executora; ter um diretor atuante, com forte
liderança; ter condições adequadas de funcionamento, sendo que o Programa
transfere recursos diretamente para as escolas.
A gestão do PDE, no âmbito das escolas, é realizada por uma equipe
denominada “equipe de sistematização do PDE”, composta pelo diretor da escola,
1
DOURADO - LIBÂNEO – PARO
74
coordenador do PDE e líderes de objetivos estratégicos. Tal equipe é responsável
em implementar o PDE e direcionar os fundos transferidos, para financiar as ações e
metas organizadas no Projeto de Melhoria da Escola (PME), segundo o Manual de
Operação e Implementação do Projeto (MOIP) (BRASIL / MEC / FUNDESCOLA,
2002).
Segundo os atores escolares, para elaborar e implementar o PDE, as escolas
têm de seguir as etapas contidas no seu “manual”. De acordo com Amaral Sobrinho
(2001, p. 17).
a metodologia utilizada para a elaboração e implementação do PDE
segue os princípios do planejamento estratégico, onde a liderança
formal da escola assume a responsabilidade pelo direcionamento e a
coordenação do processo de elaboração do plano de
desenvolvimento, abrindo o processo à participação efetiva de todos
os segmentos da escola e da comunidade escolar, na busca de
melhoria do desempenho dos alunos.
No que diz respeito à participação dos atores da escola na elaboração e
implementação do plano, os depoimentos são reveladores para a compreensão da
“prática participativa” na escola no âmbito do PDE:
Em parte foi razoável, porque geralmente era uma coisa assim [o PDE], não era
do conhecimento de todos, e a gente teve dificuldade em reunir todo o corpo
docente pra trabalhar, mas, na maioria das vezes, as pessoas faziam de tudo
para que tivesse bons resultados (COORD. DO PDE).
Eu avalio que a participação foi muito pouca, a gente não ficou sabendo
realmente o que era o PDE. [...] A gente ouvia falar desse programa PDE e a
coordenadora da escola começou a desenvolver o projeto, mas nós não tivemos,
assim, uma participação efetiva, né? Na elaboração das ações. [...] Quem tomou
todas as decisões foi à direção junto com a coordenação da escola, porque,
quando a gente foi ver, o projeto já estava elaborado, não teve essa participação
da Unidade escolar. (professora) no plano - líder de objetivos estratégicos) Os
professores, o diretor. Ela [supervisora] lia o projeto pra gente, lia e dizia quais
eram as funções de cada um, o que eu ia fazer, o outro professor ia fazer, cada
um qual era sua função. [...] Quando era pra comprar alguma coisa pra o colégio
a gente tomava conhecimento de tudo. A supervisora chegava e fazia reunião
aqui com a gente e dizia o que era pra ser desenvolvido (PROFESSORA,
ESCOLA ESTADUAL LESTE).
Participei, porque teve um questionário que era pra secretária responder. Eu
lembro que ela [diretora] deu um questionário. [...] A minha participação foi só
esta, pra mim responder meu questionário, aí as reuniões entre as professoras,
eu não participava não, eu participava das reuniões com os pais. Agora não tem
que fazer um planejamento, não é? Um plano de ação? Não tem que
desenvolver o plano? Eu não participava, não. Porque a diretora só dizia assim:
75
“você tem que responder esse questionário aqui” e eu respondia,
(SECRETÁRIA, ESCOLA ESTADUAL LESTE).
A partir dos depoimentos, é possível inferir que os resultados parciais da
presente investigação sinalizam para alguns impedimentos à participação efetiva dos
segmentos escolares no âmbito do PDE. Segundo o entendimento dos segmentos
escolares, a centralidade da gestão bem como o pouco conhecimento do PDE foram
considerados como elementos-chave para a não-participação, mesmo entre os
segmentos que se consideraram “participantes”. Esses impedimentos vão ao
encontro tanto de fatores indicados por Paro (2003), no que diz respeito ao
centralismo da gestão, como também aos fatores indicados por Fonseca, Carneiro
Sousa (2004) quanto ao desconhecimento do Programa por parte da maioria dos
segmentos escolares, incluindo-se também os pais, já que estes limitavam-se a ouvir
as informações em reuniões pontuais sobre o PDE, segundo demonstra o
depoimento de uma professora:
Eu não sei quais foram os pais, mas teve a participação dos pais. Através de
reuniões, a diretora fazia reunião e participava o que estava acontecendo, né?
(ESCOLA ESTADUAL ZONA LESTE).
É interessante observar também as diferentes concepções de participação
existentes entre os interlocutores. Se, para uns, a participação só se realiza com a
tomada de decisões; para outros, participar é executar ações, não necessitando
tomar parte das decisões.
A sugestão da professora sobre os benefícios do PDE é interessante e pode
ser considerada como objeto de reflexão para a importância do papel da
participação na escola, como se pode perceber em sue depoimento:
Eu acho que trouxe e poderia ter trazido ainda mais se tivesse tido uma
participativa mais efetiva...(ESCOLA ESTADUAL ZONA LESTE).
Observa-se que a participação na escola ainda é um fato emblemático, pois
essa instituição ainda se caracteriza como prática não participativa. Parece que a
“partilha do poder, a participação na tomada de decisões” (PARO, 2001, p. 16) ainda
é uma barreira que precisa ser quebrada, pois mesmo se legitimando como algo
positivo, ainda não conseguiu mudar atitudes. Não cabe aqui criticar
76
posicionamentos, apontar culpados ou mesmo sucumbir ao pessimismo, mas ao
apontar a participação como um elemento da escola que ainda não se concretizou,
possibilitam-se reflexões e práticas que contribuam para essa efetivação.
É a escola, junto com seus integrantes, que precisa se desenhar como
gestão democrático-participativa, acreditando na capacidade de todos os seus
segmentos, extrapolando a racionalidade técnica, a burocratização, e abrindo
espaço para o aprendizado contínuo e coletivo de tomada de decisões, o que,
obviamente, não se consegue somente com técnicas de gestão, mas com o
reconhecimento dos que pisam cotidianamente no “chão da escola”, pois são essas
pessoas que podem e devem participar nas definições das políticas educacionais
desde a sua concepção.
Caso contrário, como participar no sentido próprio da palavra, se se
desconhecem as concepções, objetivos e finalidades dessas propostas? Como
afirma FERREIRA (2003, p. 111), “é a intencionalidade do que se quer fazer que
define a direção da ação e as formas de organizar a execução. É a intencionalidade
- que se expressa nos objetivos - que irá nortear aquilo que se apresenta como
desejado e necessário”.
Nesse sentido, o aprendizado pode começar na escola, mas não deve limitar-
se ao seu espaço, já é que preciso que a participação se torne também elemento
propulsor de uma sociedade mais democrática, justa e solidária.
Se a escola faz parte deste conjunto de relações sociais mais amplas, a
caminhada em busca desses objetivos deve começar com a construção de um
projeto político pedagógico consciente, coletivo e identificatório. Procura-se no
próximo item uma análise da autonomia no âmbito da elaboração e implantação do
PDE, conforme a visão dos atores sociais.
4.5 O PDE e a autonomia na escola: uma aspa no meio do caminho
A denominação dessa subseção explica-se por ter se deparado com a
seguinte expressão dos depoentes: “autonomia entre aspas”, conforme pode-se
perceber nos depoimentos abaixo:
(...) trouxe entre aspas né ? Porque nem sempre tem que seguir aquelas
normas, (deu ênfase à palavra norma) da SEMEC e lá nunca dá aquela abertura,
77
é, sempre tem alguma coisa que não pode ser autônoma. (VICE-DIRETORA:
ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
É perceptível observar nesses depoimentos que o item autonomia no PDE
deixou a desejar no seio da escola, para que esta pudesse realmente, junto com
seus atores, obter autonomia para decidir e tomar decisões. Nesse sentido, o tema
autonomia escolar passa a ser foco de discussão não só entre educadores como
também passa a constituir interesse constante nas propostas das políticas
educacionais, principalmente nas que têm como objetivo a gestão baseada na
escola.
Inicialmente, para uma melhor compreensão, faz-se necessário análise
teórica sobre o tema autonomia.
Quando esse termo nos vêm à cabeça, naturalmente nos remete a uma idéia
de auto-governo (governar a si próprio), talvez porque seja esse o sentido
etimológico da palavra autonomia. No entanto, o termo autonomia se enquadra em
uma diversidade de significados que se diferenciam de acordo com as idéias a que
ela venha a favorecer. Assim, a autonomia encontra significados diferentes entre
burocratas, humanistas, filósofos e educadores, passando a ser concebida,
historicamente, para significar descentralização, negação do Estado, criação de
conselhos e exercício de cidadania ( MARTINS, 2002).
Nos finais da década de 1970, houve uma disseminação da idéia de
autonomia e autogestão como projeto de formação educacional. Nesse sentido,
estava projetada a necessidade de conquista de sua própria autonomia diante dos
mecanismos burocráticos e centralizadores que configuravam o planejamento da
área educacional. Assim, para que a educação formal tivesse seu papel construído
no sentido de uma sociedade realmente democrática, as escolas deveriam construir
seu projeto pedagógico de forma autônoma. Essa construção desencadearia ações
com possibilidades de romper com o tecnicismo o racionalismo, a divisão técnica do
trabalho, a fragmentação do conhecimento, enfim, com a fusão entre quem planeja e
quem executa.(MARTINS, 2002).
No que diz respeito ao PDE como um projeto de gestão da escola, nos
depoimentos, as dúvidas quanto à autonomia escolar propriamente dita surgem,
conforme também o depoimento a seguir:
78
Nesta questão da autonomia, nós temos autonomia entre aspas, aliás de tudo
por, tudo né ? O gestor tem autonomia entre aspas. Tudo nós dependemos é...
tem muitas questões que nós dependemos da SEMEC, no caso, a gente faz o
Plano do PDE, a gente leva pra lá, mas têm coisas que você não pode fazer,
quenão pode comprar por que tem que levar pra lá pra elas darem o aval
(DIRETORA:ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
Perguntada se já havia acontecido de a escola planejar ações definidas como
prioritárias e estas terem sido negadas, a depoente assim respondeu:
Já, aí ? Não pode, não pode. Então a gente deixa pra lá e vê outras coisas... Eu
acho muito, muito complicado, todos os recursos em geral, a questão da
aplicação desses recursos, exigências que são enormes, enormes mesmo. Eu
particularmente não gosto. (DIRETORA: ESCOLA MUNICIPAL ZONA NORTE).
Esse depoimento é interessante e serve como reflexão para que possa ser
verificado como a autonomia escolar ainda é submetida, na prática, a uma hierarquia
que pode ser constatada também no depoimento de outro ator da escola:
[...] A autonomia da escola esta atrelada às diretrizes da SEMEC, por isso ela é
relativa (PROFESSORA DA ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
No entanto, para certos segmentos, houve uma certa autonomia com o
advento do PDE:
A autonomia aumentou porque a partir do momento que temos recursos
(financeiros), a autonomia tende a crescer. Tivemos a autonomia de decidir os
recursos didáticos a serem desenvolvidos. Houve um acompanhamento da
SEMEC (VICE-DIRETORA: ESCOLA MUNICIPAL ZONA NORTE)
Para a depoente supracitada, o fato de a escola dispor de mais recursos
financeiros é um fator que aumenta a autonomia, o que vai ao encontro do
depoimento da diretora da mesma escola:
Olha, dinheiro sempre traz autonomia para a escola, o problema é como
gerenciá-lo. A autonomia de investir, elaborar um projeto e definir ações de
acordo com nossa realidade. Nós tivemos autonomia no PDE, se mais não fez, é
porque o recurso não dá (DIRETOR: ESCOLA MUNICIPAL ZONA NORTE).
79
Se trouxe mais autonomia, ele trouxe também mais burocracia, porque eles
(direção) ficaram mais presos à prestação de contas, de comprar materiais;
ficando a parte pedagógica somente a cargo da pedagoga. Houve sobrecarga da
direção na parte administrativa (PROFESSORA: ESCOLA MUNICIPAL ZONA
NORTE)
Eu acho que o PDE não mudou muito na questão da autonomia, até por que o
seu desenvolvimento teve sempre a ingerência e controle da SEMEC e MEC.
Eles definiam as ações que podiam ou não ser financiadas. Nós tivemos uma
autonomia vigiada (SUPERVISORA: ESCOLA MUNICIPAL ZONA NORTE).
Importante observar, pelos depoimentos que é impossível pensar em
autonomia se não se incluir a dimensão financeira e, o que é mais importante, ter
consciência de que é a escola que sabe, no seu cotidiano, o que deve fazer e o que
precisa para o seu bom desenvolvimento. Claro que isso não descarta o controle dos
gastos do dinheiro público, mas o controle deve-se restringir somente a esse
aspecto, e não se estender ao campo pedagógico.
Um outro fator importante, já discutido no item participação, é justamente o
desconhecimento dos projetos existentes na escola por parte da comunidade
escolar, o que impede que a escola exerça com consciência sua autonomia. O
depoimento de um pai demonstra isso:
Eu acho que a pouca participação da comunidade escolar é a falta de interação,
eu não sei nem como os pais conhecem o PDE (PAI; MEMBRO DO CONSELHO
ESCOLAR. ESCOLA MUNICIPAL ZONA NORTE).
Nesse sentido, embora as duas dimensões, autonomia e participação,
estejam enfatizadas no PDE, pelo menos no conteúdo dos documentos e no
discurso governamental, na prática, ainda existe uma forte intervenção hierárquica e
a escola ainda convive com uma autonomia relativa.
Na concepção de proposta pedagógica com autonomia, a LDB deixa implícito,
no seu art. 15, que tem como elemento o Projeto Político Pedagógico (PPP). Já a
autonomia concebida pelo PDE, conforme os depoimentos, ainda está inserida num
cenário distinto, que varia de instituição para instituição, marcado por contradições e
com bastante diversidade por depender de órgãos internacionais de financiamento,
a exemplo do Banco Mundial. Quanto a esta questão, afirma Neves (2004, p.99):
80
A autonomia da escola é, pois, um exercício de democratização de
um espaço público: é delegar ao diretor e aos demais agentes
pedagógicos a possibilidade de dar respostas ao cidadão (aluno ou
responsável) a quem servem, em vez de encaminhá-lo para órgãos
centrais distantes, onde ele não é conhecido e, muitas vezes, não é
atendido.
4.6 Pontos positivos do PDE: um olhar dos atores escolares
De acordo com um dos objetivos deste trabalho, nesta subseção, enfoca-se o
olhar dos atores escolares sobre a implantação do PDE nas escolas pesquisadas.
Busca-se, neste momento, investigar as subjetividades dos atores escolares sobre o
PDE. Procura-se também verificar as perspectivas e as críticas dos entrevistados
quanto à continuidade ou não do PDE na escola. Essa combinação está totalmente
reservada ao olhar dos atores escolares, até porque eles foram os protagonistas
reais de todas as fases de implantação do PDE nas escolas.
Quando perguntados se o PDE havia trazido uma melhoria para a escola,
quais as perspectivas de continuidade do PDE, bem como que sugestões, teriam os
atores assim se posicionaram:
Eu acho que trouxe, porque com o PDE, foi comprado recursos áudio -visuais, material
didático e pedagógico para melhorar o dia-a-dia da sala de aula, houve cursos de
capacitação sobre avaliação (apesar da iniciativa ter sido boa, deixou muito a desejar);
cada professor ganhou um armário, a escola foi pintada. [...] Eu acho que deveria ser
um programa permanente, ou seja, que houvesse continuidade. Eu acho também que
deveria ser menos limitado, que deixasse a cargo da escola o que deveria se comprado
de acordo com suas necessidades, prestando contas logicamente (PROFESSORA:
ESCOLA MUNICIPAL NORTE)
A partir do PDE, a escola, ela [...] veio a melhoria da formação dos professores com
cursos de capacitação; também passou-se a trabalhar coletivamente. Melhorou a
participação de pais e responsáveis. A avaliação de desempenho da escola tornou-se
uma realidade e a escola pode adquirir recursos técnicos e didáticos, tornando as aulas
mais interessantes (SUPERVISORA:ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
É interessante que ele [PDE] continue, é pouco, seis mil e duzentos reais, mais isso
é dinheiro que vem acrescentar alguma coisa, melhora. Eu espero que continue.
Exatamente como eu falei, nos desse a possibilidade de a escola conduzir, a escola
conduz em parte, a escola tivesse a possibilidade de conduzir esses recursos,
colocando da melhor forma possível nas necessidades permanentes da escola,
algumas coisas, a escola deveria ter autonomia de gerir esses recursos, seria mais
interessante, eu acho que atenderia melhor a necessidade da escola.(DIRETORA:
ESCOLA MUNICIPAL LESTE)
81
Eu acho que melhorou na estrutura física da escola, porque foi feito reparos,
comprados equipamentos, recursos didáticos. Eu acho que houve um maior
conhecimento do programa por parte da comunidade, no início ao se reunir e traçar o
plano e as metas no coletivo. Se houvesse mais interação, o Conselho poderia trazer
as idéias dos pais para as reuniões (PAI: MEMBRO DO CONSELHO ESCOLAR-
ESCOLA MUNICIPAL NORTE)
Outra questão interessante é sobre as opiniões a respeito da descontinuidade
do PDE, pois, como afirmam os depoimentos de alguns atores escolares, ele tem um
sentido no que diz respeito mais à questão financeira, ficando o planejamento em
segundo plano.
Eu acho que o PDE trouxe um grande avanço pra escola, muitas melhorias. Se
ele PDE tivesse continuado, eu acho que tinha crescido muito a escola
(SUPERVISORA: ESCOLA ESTADUAL NORTE).
Sim, trouxe. Nesse sentido da aprendizagem, melhorando nosso rendimento
desde que ele [PDE] entrou, melhorou a cada ano, houve um índice bastante
razoável de melhoria e deu mais oportunidades aos professores trabalhar, assim
como os alunos, com mais incentivo, com mais garra, até também melhorou
bastante. A crítica que eu tenho é sobre aquela prestação de conta, né? É
terrível mesmo, que você, às vezes nem dá conta, tem que ver lá, saber como é
que faz aquilo. Minha crítica é só sobre a prestação de contas. Eu acho que ele
[PDE] deve continuar, porque ele está melhorando a escola. (VICE-DIRETORA:
ESCOLA MUNICIPAL LESTE)
O PDE beneficiou na aquisição de materiais de grande utilidade (como filmadora;
aparelho de TV; gravador, etc. E outros recursos pedagógicos como mapas,
material dourado, coleções de literatura, softs para informática, capacitação de
professores, na organização do trabalho, a sistematização das ações melhorou,
o professor passou a utilizar formas de planejar, de organizar para melhor
desempenho de suas funções. A critica é a respeito da descontinuidade do
Programa, porque é gritante, deveria ter continuidade independente de governo,
ou seja, da implantação à consolidação sem interrupções (DIRETOR: ESCOLA
MUNICIPAL NORTE)
Eu acho que deveria continuar, sofrendo as mudanças de cada época de acordo
com a realidade de cada época. Porque, além de trazer benefícios em termos
financeiros, na aquisição de equipamentos, tem a questão da dinamização das
ações de recursos humanos. Então o PDE, ele traz essa cultura, essa
necessidade de trabalhar diferente (DIRETOR: ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
No aspecto financeiro, o PDE foi positivo. No aspecto didático, porque a partir
dos recursos didáticos a gente tem como desenvolver melhor os projetos. A
integração do grupo, porque as ações do PDE, elas estão interligadas umas às
outras, um grupo depende do outro vai reforçando o elo de integração. Vai trazer
contribuição para a o ensino-aprendizagem. A minha sugestão seria de que o
Programa tenha continuidade e aconteça como aqui na escola. Foi implantado
em 2001 e só foi retomado agora em 2005. Você tem um planejamento de ações
para um determinado período e, dependendo do recurso financeiro, e ele não
chega, isso atrapalha o desempenho das ações. Eu acho que o PDE deve
82
continuar. Por que tudo aquilo que vem somar no processo de ensino –
aprendizagem é um trabalho de equipe e que é necessário também o financeiro
(VICE-DIRETORA: ESCOLA MUNICIPAL NORTE)
Não como eu esperava, ele (PDE) trouxe benefícios, mas, pela propaganda, eu
esperava mais. Eu acho que o PDE é abstrato demais, eu tenho como sugestão
é que o corpo docente pudesse ter mais encontro para inteIrar-se mais sobre o
PDE, quem sabe se todos nós passássemos a conhecer mais o projeto, ele
pudesse produzir benefícios para a escola. Os idealizadores do Projeto não
estão vivendo dentro da escola, porque é nela que surgem as adversidades
(PROFESSORA: ESCOLA MUNICIPAL NORTE).
O repasse do recurso, que é importante para a escola, porque ela se torna
independente. A questão da qualificação do professor através dos cursos de
capacitação para melhorar o desempenho do aluno. Como sugestão, que não de
repassar o aluno para a escola. Eu acho que o PDE deve continuar, diante do
que já falei, eu acho que ele deve continuar (SECRETÁRIA: ESCOLA
MUNICIPAL NORTE).
Diante dos depoimentos apresentados acima, percebe-se que a maioria dos
entrevistados ressaltam os aspectos positivos do PDE, podendo-se inferir que o que
mais pesou como aspecto positivo foi o fato do Projeto transferir dinheiro para a
escola, ou seja, o que foi mais ressaltado no PDE foi a parte financeira. Saliente-se
que a dimensão financeira é importante para que as demais dimensões do trabalho
escolar se concretizem. Se tal dimensão não é tudo para o bom desenvolvimento da
escola, com certeza é uma dimensão importantíssima.
Nesse aspecto, os depoentes também foram unânimes em relatar a
burocracia e falta de continuidade do projeto na escola, bem como o tardiamento do
repasse, prejudicando as ações da escola.
No que se refere às perspectivas da continuação do PDE na escola, os
olhares dos atores foram bastante parecidos, contudo, com a ressalva de que o PDE
tenha continuidade conforme o previsto e necessário, e não apenas como uma
novidade que chega para, depois, a escola ter que arcar com a responsabilidade
sozinha, corroborando o pensamento de Paro (2002), que diz que a escola não pode
ser largada sozinha no seu fazer cotidiano e ter que partir em busca de parcerias.
Pois como bem afirma Teresinha Rios, [...]“autonomia não quer dizer solidão”.
Para finalizar esse item, as considerações que podem ser feitas são de que,
de acordo com os vários depoimentos, o PDE tem uma complexidade muito grande,
e isso talvez torne difícil sua compreensão e sua prática de maneira mais “eficiente”
já que este é o seu carro chefe: eficácia e eficiência. A escola, juntamente com seus
83
atores, precisa de tempo maior para estudá-lo, analisá-lo, o que fica difícil já que ele
precisa ser feito e executado no período de aulas. Destacamos, mais uma vez, ser
imprescindivel que se leve em conta o olhar, a opinião daqueles que fazem o
cotidiano da escola antes de trazer projetos prontos e acabados de uma esfera
distante do cotidiano escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo como proposta educacional a descentralização da gestão, tanto na
dimensão financeira quanto na pedagógica para o sistema escolar, a política
educacional vigente vem instituindo, através de programas de co-finaciamento com
instituições de crédito financeiro, a exemplo do Banco Mundial, uma série de
propostas de gestão que se enquadram no tipo empresarial, em que a produtividade
e o serviço ao cliente são fundamentais. Nesse contexto, articulado ao governo
central, estadual e municipal, o Banco Mundial tem imposto programas que
especificam um novo modelo de gestão, enquadrando a escola como um espaço
gerencial-operacional.
É importante assinalar, que esse processo se enquadra no modelo neoliberal
que ganhou força no Brasil, na década de 1990.
Os acordos com o Banco Mundial, através dos programas, citados no
decorrer desse trabalho, são, na verdade, pacotes feitos para serem cumpridos de
acordo com as normas pré-estabelecidas pelo referido Banco. O PDE constitui-se
como um desses acordos que têm como objetivo uma gestão do tipo empresarial,
definindo como modelo o planejamento estratégico.
É importante assinalar que o FUNDESCOLA-PDE não é o único programa
firmado com Banco Mundial na região Nordeste. Outros já o antecederam, porém,
desses vários programas, o Fundescola pode ser considerado o mais importante
pela extensão geográfica abrangente e pela amplitude de sua proposta.
Neste trabalho, procurou-se estudar especificamente o PDE, dentre os outros
projetos que integram do Fundescola. O PDE pode ser considerado o carro-chefe do
programa, pois tem como objetivo o fortalecimento da gestão. Contudo, mesmo com
todo o aparato técnico, ele fere, na sua concepção de planejamento escolar, a
própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394/96, a qual é
85
muito clara quanto aos aspectos definidores dos princípios da gestão democrática
no ensino público brasileiro. Isso é constatado através do abandono do PPP, Projeto
Político Pedagógico, pelas escolas pesquisadas, quando planejam outra estratégia
fundamentada em valores que não são oriundos de um processo histórico de debate
sobre a educação brasileira.
Procurando analisar o trabalho realizado, a partir do olhar dos atores
escolares, é possível inferir que o PDE suscitou muitas expectativas na comunidade
escolar. Não obstante, nas opiniões desses atores, percebeu-se que as categorias
analisadas deixaram a desejar em alguns aspectos.
O modo como o PDE foi implantado, sem o devido tempo da escola reunir-se
com mais tranqüilidade, deixou o quesito participação muito a desejar, precisando
ser repensado e redefinido pelas autoridades que implantaram o PDE nas escolas.
Outro fator importante foi a questão da autonomia, já que parece que o
programa não da liberdade para a escola “caminhar com suas próprias pernas”. Nos
depoimentos, a escola sempre apareceu com “umas aspas no meio do caminho”, o
que não deixa de ser preocupante, já que são os atores sociais quem que devem
decidir o que é melhor para que a escola, em virtude de serem eles melhores
conhecedores da realidade em que atuam. Contudo, essa autonomia é sempre
relativa, ou seja, para escola, fica somente com a tarefa de executar as ações pré-
estabelecidas pelo sistema hierárquico.
Os olhares dos atores escolares em relação aos pontos positivos e
perspectivas do PDE, demonstram satisfação, principalmente no que diz respeito ao
recurso financeiro que ele traz. Todavia, a dimensão pedagógica fica prejudicada
devido à burocracia e à falta de flexibilidade por parte do Projeto para que a escola
possa tomar suas decisões, de acordo com suas necessidades.
Nesse sentido, o PDE se apresenta como um projeto que, ao mesmo tempo
que proporciona mais recursos financeiros para a escola, pressupõe uma burocracia
e questões que vão de encontro às reais necessidades da escola, com o foi
constatado nos depoimentos dos atores escolares. As dificuldades em implantar e
executar o PDE por conta de se ter que seguir um manual, deixa a escola sem
tempo de pensar outros aspectos, tornando-se um trabalho a mais para angariar
recurso financeiro. Desse modo, é importante que, ao se pensar num programa ou
projeto a ser implantado na escola, se procure, antes de tudo, ouvir os agentes
86
escolares, os que estão cotidianamente na escola, para que não ocorram problemas
que possam atrapalhar o bom funcionamento do trabalho escolar.
Interessante também é observar que, politicamente, o PDE não traz nenhum
indicativo para a elaboração e execução de um projeto político pedagógico que traga
mais autonomia, para que a escola possa assumir a responsabilidade de forma
cooperativa e solidária, já que a participação teve pouco significado nesse projeto.
Fica aí a velha dicotomia imposta, alguém que planeja para outros executarem, o
que dificulta o trabalho no sentido amplo da palavra, pois como pensar em
autonomia se não se pensá-la para todos?
Nesse sentido, é importante pensar na organização e gestão da escola com o
conhecimento e a adoção dos princípios básicos de uma concepção de gestão
democrático-participativa, na qual o planejamento seja realmente participativo e,
acima de tudo, haja um diálogo entre todos os segmentos. É necessário que
primeiro passo seja dado na própria escola, da ação-reflexão-ação por parte dos
atores escolares, o que se pode inferir que já está sendo iniciado.
Outro aspecto relevante, revelado na pesquisa, refere-se ao fato de que
nenhum dos atores fez qualquer referência à origem do financiamento do PDE, não
havendo nenhuma crítica relacionada ao Banco Mundial e suas diretrizes aplicadas
ao ensino público brasileiro, como demonstra fartamente a pesquisa bibliográfica.
Nesse sentido, pode-se inferir que, na lógica dos acontecimentos, há um possível
distanciamento ou desconhecimento dos principais acontecimentos ligados à
educação e à realidade brasileira, demonstrando problema de formação, os quais
não dão tempo suficiente para que os professores possam fazer uma reflexão mais
profunda acerca das suas nuanças.
Nesse sentido, conclui-se este trabalho com a intenção de ter colaborado
para uma melhor compreensão do objeto de estudo, PDE, a partir das categorias
que se escolheu para analisar. Não obstante, é importante ressaltar que não é um
trabalho conclusivo e que muitas passagens podem ser mais bem analisadas, mas,
espera-se que este trabalho tenha colaborado para a análise e reflexão das políticas
educacionais e sua materialização nas escolas.
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