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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
OS MÚSICOS TRANSEUNTES
DE PALAVRAS E COISAS EM TORNO DE UNS BATUTAS
Luís Fernando Hering Coelho
Orientador: Dr. Rafael José de Menezes Bastos
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social da Universidade Federal
de Santa Catarina como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor em Antropologia
Social.
Florianópolis, outubro de 2009.
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RESUMO
Este trabalho trata de um estudo antropológico sobre duas viagens do grupo musical carioca
Os Oito Batutas: à Argentina, entre dezembro de 1922 e março/abril de 1923, e ao sul do
Brasil (estados de Santa Catarina e Paraná), em agosto e setembro de 1927. Com base em
pesquisa de fontes primárias em arquivos, sobretudo jornais da época, o estudo mapeia as
estratégias de inserção dos músicos, indicando algumas categorias em termos das quais
foram compreendidos nos diferentes contextos. São explorados, assim, dois horizontes de
representações sobre o Brasil mediadas musicalmente, um no exterior (Argentina) e outro
numa região do país periférica em relação à capital. O quadro interpretativo é
complementado com considerações sobre as temporadas de outros artistas negros
estrangeiros na Argentina – a jazz-band de Sam Wooding em 1927 e a dançarina Josephine
Baker em 1929 – e algumas produções bibliográficas iniciais sobre o tango e o samba.
Expressões-chave: Os Oito Batutas, Brasil e Argentina, Antropologia e História, Relações
Musicais.
ABSTRACT
This work is an anthropological study on two trips of the carioca (from Rio de Janeiro city)
musical group Os Oito Batutas: to Argentina, between December 1922 and March/April
1923, and to the south of Brazil (states of Santa Catarina and Paraná), in August and
September 1927. Being based on research on primary sources in archives, mainly
newspapers, the study tries to map some of the strategies the musicians adopted for
insertion in the different artistic contexts, also indicating some categories in terms of which
they had been understood. So, two sets of musically mediated representations about Brazil
are explored: one in a foreign country and another in a peripheric region in Brazil. The
interpretative framework is complemented with considerations on the tours of other foreign
black artists on Argentina - the Sam Wooding’s jazz-band in 1927 and the dancer Josephine
Baker in 1929 - and some early bibliographical productions about tango and samba.
Key-Expressions: Os Oito Batutas, Brazil and Argentina, Anthropology and History,
Musical Relations.
AGRADECIMENTOS
Há muitos a quem agradecer. Primeiramente, agradeço à minha primeira família –
meus pais e irmãos –, por tudo, e à minha segunda (em ordem cronológica) família
(nuclear, ainda com apenas um membro além de eu mesmo) – a Paola –, por pôr beleza no
mundo, pela doce companhia e por ser meu GPS.
A todos os que tem estado presentes em minha formação antropológica,
especialmente os professores do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social da UFSC e colegas do PPGAS e – com especial
gratidão e carinho – do MUSA, Núcleo de Estudos Arte, Cultura e Sociedade na América
Latina e Caribe.
Aos professores Acácio Tadeu de Camargo Piedade e Héctor Leis, pelas
contribuições em sua participação na banca de qualificação do projeto de pesquisa que deu
origem a esta tese.
Aos amigos, especialmente o compadre Sílvio Mansani e família.
Aos meus alunos, por mostrarem que ser professor é necessariamente ser estudante.
À Capes e CNPq agradeço pelas bolsas de estudos que foram fundamentais para a
condução do tabalho no Brasil e na Argentina. Várias outras instituições (principalmente
arquivos e hemerotecas) e pessoas colaboraram para a realização desta pesquisa. Sem poder
nomeá-las todas, gostaria de citar alguns nomes em especial.
Em Buenos Aires: Alejandro Balazote, Edgardo Carrizo, Ruben Orqueda, Enrique
Binda. Em Río Cuarto: Carlos Mayol Laferrere. Em Córdoba: Efraín U. Bischoff.
No Rio de Janeiro: Alexandre Hering Coelho, Samuel Araújo, Pedro Aragão,
Humberto Franceschi. Em Curitiba: Leon Barg (in memoriam).
Da Inglaterra (por e-mail): John Cowley.
Aos professores Anthony Seeger, Samuel Mello Araújo Júnior, Alícia Norma
González de Castells, Oscar Calávia Sáez e Sonia Weidner Maluf, por aceitarem fazer parte
da Banca Examinadora e pela generosidade de suas contribuições. Se várias delas não
puderam ser plenamente incorporadas de imediato, estão registradas para desenvolvimentos
futuros.
Finalmente, um agradecimento especial ao professor Rafael José de Menezes Bastos
pela confiança, generosidade, apoio e constante exemplo de excelência e elegância no
exercício da mirada antropológica sobre o mundo.
Por certo, é minha a responsabilidade pelas escolhas e imperfeições fatalmente
encontradiças neste trabalho.
SUMÁRIO
L
ISTA DE FIGURAS................................................................................................................10
A
PRESENTAÇÃO....................................................................................................................12
P
RELÚDIO: DUAS CARTAS....................................................................................................16
C
APÍTULO 1: ARGENTINA, DEZEMBRO DE 1922 – MARÇO/ABRIL DE 1923
O Desembarque e a Cidade.......................................................................................20
Buenos Aires: Teatro Empire, Teatro Maipo, e um baile no Coliseo.......................28
Rosario: Éden Park e Cine San Martín…………………………………………….56
Córdoba: Café (ou Cine) del Plata............................................................................60
Intervalo: Rosita e Macareno, bailarinos, e a preparação para o carnaval................64
Río Cuarto: Teatro Cine El Plata, Teatro Municipal. Josué de Barros, “profesor de
ciencia y autosugestión hipnóticas”, se faz enterrar vivo..........................................67
De volta a Buenos Aires: bailes de carnaval no Teatro Buenos Aires......................79
Música e dança em La Plata, enterro em Río Cuarto................................................80
Victor 73.826 – 73.835..............................................................................................94
En el Bajo………………………………………………………………………..…99
Chivilcoy: Teatro Español, o fim do caminho........................................................101
Figuras.....................................................................................................................108
I
NTERLÚDIO: DE VOLTA AO RIO........................................................................................120
CAPÍTULO 2: SANTA CATARINA E PARANÁ, AGOSTO E SETEMBRO DE 1927
Florianópolis (27 e 28 de agosto de 1927)..............................................................129
Itajaí (29 e 30 de agosto de 1927)...........................................................................143
Blumenau (01, 02 e 03 de setembro).....................................................................147
Joinville (05 a 09 de setembro)...............................................................................150
Curitiba (15 a 21 de setembro)................................................................................155
Figuras.....................................................................................................................163
C
APÍTULO 3
Primeiros movimentos: Cine Palais e interior do Brasil (1919-1921)....................166
Paris, 1922...............................................................................................................170
Argentina, 1922-23.................................................................................................176
C
APÍTULO 4: ANTROPOLOGIA: EM ARQUIVOS, E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA
Trobriands de papel.................................................................................................182
Antropologia e História...........................................................................................187
C
APÍTULO 5: BRASIL E ARGENTINA..................................................................................203
CAPÍTULO 6: O SAMBA, O TANGO. E O JAZZ.
Sam Wooding na Argentina (1927)........................................................................221
A Vénus de Ébano (1929).......................................................................................229
Livros: Cosas de Negros e La Historia del Tango..................................................240
Os primeiros livros sobre o samba..........................................................................247
Figuras.....................................................................................................................255
C
ONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................259
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................268
A
NEXOS...............................................................................................................................279
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapa da Argentina............................................................................................108
Figura 2 – Mapa da província de Córdoba..........................................................................109
Figura 3 – Mapa da província de Buenos Aires..................................................................110
Figura 4 – Empire Theatre, Buenos Aires (s.d.).................................................................111
Figura 5 – Teatro Maipo, Buenos Aires (1928)..................................................................111
Figura 6 – Aspecto da região central de Buenos Aires (Calle Florida, 1923)....................112
Figura 7 – Interior de um cabaret portenho (1924).............................................................113
Figura 8 – Teatro Coliseo, Buenos Aires (s.d.)...................................................................113
Figura 9 – Humberto Cairo (1925)......................................................................................114
Figura 10 – Teatro Cosmopolita, Buenos Aires (s.d.).........................................................115
Figura 11 – Avenida Corrientes, Buenos Aires (1935).......................................................116
Figura 12 – Cine El Plata, Río Cuarto (s.d.).......................................................................117
Figura 13 – Teatro Municipal, Río Cuarto (s.d.).................................................................117
Figura 14 – Teatro Municipal, Río Cuarto (2007)..............................................................118
Figura 15 – Teatro Español, Chivilcoy (2007)....................................................................118
Figuras 16 a 19 – Selos de discos gravados pelos Oito Batutas em Buenos Aires (1923).119
Figura 20 – Mapa da região sul do Brasil...........................................................................163
Figura 21 – Bar-Café Java, Florianópolis (s.d.)..................................................................164
Figura 22 – Teatro Guarany, Itajaí (s.d.).............................................................................164
Figura 23 – Hotel Holetz, Blumenau (s.d.).........................................................................165
Figura 24 – Clube Joinville, Joinville (s.d.)………………………………………………165
Figura 25 – Crítica, 08/12/1922………………………………………………………......203
10
Figura 26 – Uma jazz-band argentina (1926).....................................................................255
Figura 27 – O “jazz negro” (Comoedia, 01/10/1926).........................................................255
Figura 28 – Sam Wooding e sua orquestra (1925)..............................................................256
Figura 29 – Sam Wooding e sua orquestra (Última Hora, 16/04/1927).............................256
Figura 30 – Lomuto e sua orquestra (1933)........................................................................257
Figura 31 – Osvaldo Fresedo e sua orquestra (1933)..........................................................257
Figura 32 – Josephine Baker em Buenos Aires (1929).......................................................258
Figura 33 – Josephine Baker em Córdoba (1929)...............................................................258
11
APRESENTAÇÃO
O mote deste trabalho é um par de viagens do grupo musical carioca Os Oito
Batutas à Argentina entre dezembro de 1922 e março/abril de 1923 e aos estados de Santa
Catarina e Paraná, no sul do Brasil, nos meses de agosto e setembro de 1927. Trata-se de
um grupo de músicos populares que se formou na cidade do Rio de Janeiro em 1919
convidado para tocar, conforme se usava na época, na sala de espera de um renomado
cinema. Entre seus integrantes estavam nomes que se tornariam ícones da música popular
brasileira do século XX, em sua vertente carioca, como, para citar os mais célebres,
Pixinguinha e Donga. Na medida em que os Oito Batutas ganhavam renome, iam ficando
também no centro de discussões que tinham como temas centrais a composição étnica da
nação e o lugar que a música popular que faziam poderia ter na “cultura” brasileira. Tais
disputas eram especialmente sensíveis num Brasil que tentava obter seu lugar no “concerto
das nações” e onde as opiniões se dividiam entre defensores do “branqueamento” da nação
ou da valorização da mestiçagem e da herança africana do país e, com relação à música,
entre os que consideravam a arte dos Oito Batutas como autêntica e legítima representante
da música popular nacional e aqueles que a repudiavam por entendê-la como lasciva e de
mau gosto.
Os Oito Batutas são um tema recorrente na musicografia brasileira. Apesar disso, e
em relação direta com o lugar simbólico a que foram alçados na construção desta tradição
musical, a sua história e as disputas em torno dela seguem, em certa medida, imersas numa
espécie de névoa que resulta da construção de uma memória de caráter seletivo. Disto
ressalta a importância da busca de fontes primárias que permitam a reconstrução dos
contextos históricos e simbólicos em questão.
12
Este trabalho é, em grande medida, um rastreamento das andanças daqueles músicos
nas referidas viagens, fundamentalmente a partir do que ficou dito sobre eles nos jornais de
época. Se isto nos aproxima dos Oito Batutas, permitindo ter alguma idéia sobre seu modo
de atuação, também nos afasta deles, pois os discursos recuperados freqüentemente revelam
mais sobre categorias dos universos simbólicos de seus próprios autores do que sobre os
Oito Batutas “em si mesmos”. Creio que isto não se constitui como um problema, mas, ao
contrário, permite deslocar um pouco as perspectivas mais essencialistas indicando que o
que os Oito Batutas pudessem ser era também determinado pelo que se “pensava” que eles
fossem ou deveriam ser. Um mapa das categorias em função das quais foram pensados nos
diferentes contextos e indicações sobre como elas se articulavam, é o que este trabalho
tenta esboçar. O esboço ganha contornos mais definidos na comparação com a recepção
que tiveram, na Argentina, outros artistas negros nos anos 1920: a jazz-band de Sam
Wooding e a dançarina Josephine Baker.
Os capítulos 1 e 2 correspondem às “etnografias” das viagens à Argentina (Capítulo
1) e ao sul do Brasil (Capítulo 2). O Capítulo 3 procura fazer um balanço do material
estudado sobre estas viagens no contexto da trajetória do grupo desde a sua formação. O
Capítulo 4 trata do fato da palavra “etnografia” aparecer aqui entre haspas, com a
tematização de aspectos metodológicos e teóricos da relação entre antropologia e história.
O Capítulo 5 considera aspectos da história comparada de Brasil e Argentina, buscando
apontar para elementos das relações entre os dois países que não ficam explícitos nos
materiais recolhidos sobre os Oito Batutas. Finalmente, o Capítulo 6 aborda as turnês
argentinas de Sam Wooding e Josephine Baker acima referidas, bem como produções
bibliográficas de fins dos anos 1920 e inícios da década de 1930 que estão entre as
13
primeiras e tematizar o tango e o samba, gêneros musicais cujo processo de nacionalização,
respectivamente na Argentina e no Brasil, se consolida no período histórico em questão.
A pesquisa na Argentina foi realizada entre fevereiro e novembro de 2007
1
. Neste
período, estabeleci-me em Buenos Aires, onde me dediquei à maior parte do trabalho em
arquivos. Na medida em que não encontrava na Capital Federal materiais das cidades do
interior do país pelas quais os Oito Batutas passaram, viajava para estas cidades sempre que
um contato telefônico prévio indicava a existência de materiais e a possibilidade de acesso
a arquivos locais. Estas viagens se deram nos meses de agosto e setembro de 2007, tendo
permanecido em média três dias em cada uma das cidades de Córdoba, La Plata, Río
Cuarto e Chivilcoy.
Segue abaixo a relação dos principais locais onde efetuei a pesquisa na Argentina:
Buenos Aires: Biblioteca Nacional, Hemeroteca del Congreso de la Nación;
Hemeroteca del Consejo Deliberante de La Ciudad; Bibliotecas Tornquist y Prebisch del
Banco Central de la República Argentina, Instituto Nacional de Musicologia Carlos Vega;
Instituto Nacional de Estudios de Teatro (INET); Biblioteca de la Sociedad General de
Autores de la Argentina (ARGENTORES); Biblioteca de la Sociedad Argentina de Autores
y Compositores de Música (SADAIC); Biblioteca de Música de la Universidad Católica
Argentina (UCA); Archivo General de la Nación (AGN); Biblioteca del Archivo Histórico
Municipal de Buenos Aires; Centro de Documentación Teatro y Danza del Complejo
Teatral de Buenos Aires; Centro de Estudios Migratorios Latinoamericanos (CEMLA).
Chivilcoy: Instituto Histórico de Chivilcoy.
La Plata: Hemeroteca da Biblioteca Pública de la Universidad Nacional de La Plata.
1
Agradeço ao CNPq pela bolsa de doutorado-sanduíche (Processo 210120/2006-1) que viabilizou esta etapa
da pesquisa.
14
Córdoba: Biblioteca Mayor de la Universidad Nacional de Córdoba, Hemeroteca de
la Legislatura.
Río Cuarto: Archivo Historico Municipal.
Os jornais mostraram-se, de fato, a principal fonte de informação, onde algum
rastreamento sistemático se fez possível. A busca por outros documentos, como programas
de espetáculos, possíveis papéis relacionados a contratações e/ou pagamentos recebidos
pelos Oito Batutas referentes a apresentações ou às gravações realizadas pelo grupo na
Argentina, fotos, enfim, mostrou-se bastante infrutífera, até onde pude levá-la, com relação
a registros específicos sobre os Oito Batutas.
De volta da Argentina, ao longo do primeiro semestre de 2008, recolhi o material
que figura no Capítulo 2 em jornais conservados na Biblioteca Pública do Estado de Santa
Catarina (em Florianópolis) e Biblioteca Pública do Estado do Paraná (em Curitiba). Uma
breve passagem pelo Rio de Janeiro no segundo semestre de 2008, com trabalho focalizado
sobretudo na Biblioteca Nacional
2
, permitiu reunir os dados com os quais tento “costurar”
os capítulos 1 e 2 nas seções Prelúdio e Interlúdio, bem como no Capítulo 3.
2
Além da Biblioteca Nacional, consultei no Rio de Janeiro também os arquivos de Almirante, no Museu da
Imagem e do Som e de Mozart Araújo, no Centro Cultural Banco do Brasil. Chama a atenção, nestes
arquivos, sobretudo no de Almirante, a quase ausência de materiais que relacionem os Oito Batutas ao mundo
do jazz. Esta é uma questão que necessita ser examinada mais a fundo, e cuja verdadeira dimensão só poderá
ser avaliada quando se conte com a consolidação de uma pesquisa exaustiva sobre os Oito Batutas na
imprensa carioca em fontes primárias, especialmente no período posterior a 1923.
15
PRELÚDIO: DUAS CARTAS
Em meados de abril de 1923, Alcino Santos Silva, então cônsul do Brasil em
Buenos Aires, recebia em seu gabinete, proveniente da cidade do Rio de Janeiro, uma carta,
assinada pelo empresário artístico José Segreto. Seu conteúdo era o seguinte
1
:
“Rio de Janeiro, 14 de abril de 1923.
Exmº Snr. Dr. Alcindo dos Santos Silva [sic]
BUENOS AIRES
Saudações Affectuosas
Venho implorar os bons officios de V. Ex., para, na qualidade de
Consul do Brazil nessa Capital, interessar-se, em meu favor, no sentido de
evitar, ahi, uma pendencia judiciaria entre mim e o sr. Umberto Cairo,
empresario do theatro Empire.
É o caso que o sr. Cairo, ha tempo, propoz, por intermedio do Sr.
Consul argentino no Rio de Janeiro, um contracto com a ‘troupe’ musical
de ‘Os 8 batutas’, para um estagio de 30 dias, no seu theatro, mediante o
pgamento de vinte contos de réis (20:000$000) e as passagens de ida e
volta, conforme, mesmo, os telegrammas trocados entre sua empreza e o
sr. Octavio Vianna, que ahi se encontra. Succedeu, porém, que, naquella
occasião, a ‘troupe’ referida estava contractada por mim e a ella se
juntavam dois bailarinos, conhecidos pelo nome de ‘Les Juts’ [sic]. Ora,
estando presa a um contracto commigo, a ‘troupe’ de ‘Os 8 batutos’ [sic]
não pôde fazer negocio com o sr. Umberto Cairo, que, não obstante,
teimava por attrahil-a a essa capital. Examinando bem o caso, e achando
que o negocio não me seria desvantajoso, telegraphei, então, áquelle
emprezario pondo-me á sua disposição para um entendimento. E depois
de muitas ‘demarches’, ficou resolvido, por proposta do sr. Cairo, que a
‘troupe’ iria, accrescida de ‘Les Zuts’ [sic], mediante o pagamento de
vinte e quatro contos (24:000$000) e mais as passagens. Fechado o
negocio, com a sciencia do Sr. Consul argentino, fiz embarcar, para ahi,
os musicos, devolvendo ao sr. Cairo o adeantamento de cinco contos
(5:000$000), que elle enviara, antes, directamente á ‘troupe’. Estava
claramente entendido, pelos telegrammas e cartas que entre nós foram
trocadas, que a ‘troupe’ teria permanente assistencia no theatro Empire. O
sr. Umberto Cairo, porém, prevalecendo-se de minha ausencia, entendeu
1
Agradeço ao Sr. José Luiz Barros de Miranda, do Escritório de Representação do Ministério das Relações
Exteriores no Rio de Janeiro, que, muito gentilmente, localizou, a meu pedido, as referidas cartas nos
arquivos desta instituição, providenciando para que me fossem enviadas suas imagens, cujo conteúdo aqui
reproduzo. As imagens constam no Anexo I.
16
de fazel-a excursionar, com evidente desrespeito ao nosso contracto. O
chefe da ‘troupe’, sr. Octavio Vianna, que levava instrucções minhas,
insurgiu-se, como era de seu dever, contra esse desrespeito do sr. Cairo,
nascendo, dahi, uma desintelligencia entre ambos, desintelligencia que
veio determinar a ruptura do contracto por parte do sr. Cairo, que, usando
de processos reprovaveis, pretendeu liquidar as contas mediante o
pagamento de 2.500 pesos (dois mil e quinhentos), que é emquanto
avaliou o preço dos 19 dias de trabalho! É evidente a má fé daquelle
emprezario.
Ora, sr. Consul, eu, como socio de uma empreza de grande renome,
qual é a Paschoal Segreto, que V. Ex. conhece, desejo fugir a toda e
qualquer sorte de pendencia com collegas. Venho, pois, pedir-lhe,
encarecidamente, que, chamando ahi o sr. Cairo, o faça saber, por meios
pacificos, que a sua conducta está sendo muito irregular. E eu proponho-
lhe, então, o seguinte accordo:
- Pelo nosso contracto, teria elle de pagar-me 7.500 pesos (sete mil
e quinhentos), que, ao cambio de 3.20
0
, da nossa moeda, ascenderiam a
24:000$000 (vinte e quatro contos)
- Como, porém, Les Zuts não puderam actuar nos programmas,
devido a uma indisposição do chefe do casal, - resolvo receber, apenas,
6.000 pesos (seis mil) ou, sejam, 20:000$000 (vinte contos), da nossa
moeda.
Parece-me, sr. Consul, que estou sendo muito coherente, pois era
essa exactamente a quantia que o sr. Cairo offerecia, por intermedio do Sr.
Consul argentino e, mesmo, por telegrammas, á ‘troupe’ de ‘Os 8
batutos’, antes de entrarmos em negociações.
Quanto ao facto de só haver a ‘troupe’ trabalhado 19 dias, a culpa é
do proprio sr. Cairo, que pretendeu burlar o contracto, obrigando-a a
excursões, quando isso não fôra previsto nas nossas negociações.
Queira V. Ex. ter a bondade de informar o Sr. Cairo de que, ainda
mesmo se chegarmos a esse accordo, eu ficarei com grande prejuizo, pois,
alem de dez contos aproximadamente, que adeantei aos meus patricios
para os preparativos de sua viagem, importancia quase identica despendi,
aqui, com a manutenção de suas familias.
Espero, sr. Consul, que V. Ex., tomando na devida consideração
este meu pedido, demova o Sr. Umberto Cairo do proposito em que se
acha de empenhar-se em luta judiciaria commigo, obtendo que elle, afinal,
venha a concordar em como a razão está do meu lado.
Se o sr. Cairo chegar a essa conclusão, peço-lhe, sr. Consul, que
obtenha com que elle me remeta, directamente, o excedente do nosso
contracto, na importancia de 3.500 pesos (tres mil quinhentos), visto
como, em seu poder, deve existir vales ou recibos da quantia maior, que
lhe teria passado o sr. Octavio Litleton Vianna, meu representante
naquella ‘troupe’.
Queira mais, sr. Consul, ter V. Ex. a bondade de informar o sr.
Cairo de que, se resolver mandar-me esse dinheiro, que me deve, o faça
para o seguinte endereço:
José Segreto
Empreza Paschoal Segreto
Rua Espirito Santo nº11
17
Rio de Janeiro.
Grato, antecipadamente, pela intervenção que V. Ex. irá ter nesse
caso, tenho grande prazer em subscrever-me
De V. Ex.
Patricio e ad
dor
José Segreto”
A resposta do cônsul está datada de 26 de abril, e dá, ao preocupado empresário, a
seguinte notícia:
“Consulado Geral do Brasil em Buenos Aires, 26 de abril de 1923.
Exp. 127
Exmo. Senhor José Segreto
Rua Luiz Gama, 11. Rio de Janeiro.
Logo que recebi a sua carta, procurei fallar com o senhor
Humberto Cairo, o que não consegui, como também um funccionario
deste Consulado Geral não obteve entender-se com elle em seu theatro,
onde por diversas vezes o procurou em meu nome.
O Sr. Cairo abertamente esquivou-se sempre a um encontro
comnosco. Em vista disso, resolvi não insistir em fallar-lhe, levando o
facto ao conhecimento de V. S.
Sentindo muito não ter podido lhe ser agradável, prevaleço-me do
ensejo para reiterar a V. S. os protestos de minha estima e consideração.
(Ass.) Alcino Santos Silva”
As negociações e a fatal querela entre o empresário brasileiro José Segreto e o
argentino Humberto Cairo – como se viu, diplomaticamente intermediadas – tiveram por
objeto uma temporada na Argentina de um grupo de músicos – formado no Rio de Janeiro
em 1919 – chamado Os Oito Batutas, além da dupla de dançarinos Les Zuts. O nome do
grupo musical é hoje muito conhecido no universo da música popular brasileira. Sua
história se mistura com as biografias de alguns dos grandes nomes desta tradição e tem sido
18
objeto de pesquisas e discussões em trabalhos de diferentes escopos e naturezas, seja
jornalística, memorialística, historiográfica, antropológica. Quando foram à Argentina, os
Oito Batutas já estavam acostumados com a estrada – fosse ela de trilhos, terra ou água: já
tinham levado sua arte a várias cidades brasileiras e àquela que era, então, em larga parte do
imaginário ocidental, a cidade por excelência: Paris. A existência dos Oito Batutas, sua
atuação e presença, catalizou desde o primeiro momento, como se sabe, acaloradas
discussões em torno do tipo de música que faziam e qual poderia ser seu estatuto na
representação daquilo que naquele momento se tratava de inventar – como é necessário que
se faça constantemente –, para dentro e para fora, como o Brasil. O fato de serem, em sua
maioria, negros, também gerou controvérsias, que tomavam um matiz próprio numa época
em que um determinado conceito de raça marcava de forma especial o pensamento social.
Preocupações também tão fundamentais como as de natureza pecuniária igualmente
estiveram em jogo na trama da trajetória dos Oito Batutas – como evidencia o conteúdo
epistolar acima referido – com empresários eventualmente convocando cônsules com vistas
à boa condução e termo de seus interesses internacionais.
Este trabalho almeja acrescentar um ponto ao conto dos Oito Batutas, na esperança
de poder contribuir para a compreensão de parte desta arena de disputa de significados que
se encarna na trajetória do grupo. Para tanto, o estudo tomará como base o que ficou dito
nos jornais que se ocuparam dos músicos, em sua passagem pela Argentina e, anos depois,
pelo sul do Brasil.
19
CAPÍTULO 1
ARGENTINA, DEZEMBRO DE 1922 – MARÇO/ABRIL DE 1923
O
DESEMBARQUE E A CIDADE
De acordo com os arquivos do CEMLA – Centro de Estudios Migratorios
Latinoamericanos, de Buenos Aires – entre os doze brasileiros que desembarcaram no porto
da capital argentina no dia 07 de dezembro de 1922, provenientes da cidade do Rio de
Janeiro no navio italiano Duca Di Aosta, dez pessoas declararam a profissão de “músico”
ou “artista”
1
. Seus nomes e idades declaradas constam assim: Antonio Gonçalves (33),
Sofia Gonçalves (26), Antonio Rivas (35), Aristides de Oliveira (25), Octavio Litleton (35),
Ernesto dos Santos (36), João de Oliveira (24), Jose Bargos de Barros (34), Nelson Santos
Alves (37), Alfredo da Roca Viana (24). Obedeço aqui a grafia dos nomes tal como consta
nos “Certificados de Arribo à América”
2
emitidos pelo CEMLA, mantendo os eventuais
erros de ortografia dos registros originais. Entre os nomes citados, três são de músicos que
ficaram mais conhecidos por seus apelidos no universo da música popular brasileira. São
eles (com a grafia correta dos nomes, que tem também pequenas variações nas diversas
referências bibliográficas que os mencionam) China (Otávio Liplecpon Vianna), Donga
(Ernesto dos Santos Alves) e Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho). Dos dez nomes
listados pode-se afirmar com relativa segurança, como se verá, que os dois primeiros –
Antonio e Sofia Gonçalves – são dos integrantes de uma dupla de dançarinos chamada Les
1
Os brasileiros que declararam outras profissões foram: Eufemia Albanese, 37 anos, cozinheira; Giacomo
Battista, 32 anos, comerciante.
2
Cf. Anexo II. Obtive os dados pessoalmente em 27 de maio de 2007 em consula à base digital do CEMLA,
localizado na Avenida Independencia 20, cidade de Buenos Aires. Atualmente esta base reúne os dados de
entrada de estrangeiros no país entre os anos de 1882 e 1931. Uma vez localizados os dados na base, são
emitidos os certificados, que reproduzem o que consta nos registros originais. Para mais informações
sobre o CEMLA, conforme a página na internet:
http://www.cemla.com/home.php (acessada em
13/08/2009).
20
Zuts. Os outros oito correspondem à formação do grupo musical carioca Os Oito Batutas. A
composição do grupo de músicos baseada nos arquivos do CEMLA não coincide
completamente com aquela apresentada por Cabral (2007: 103) para esta mesma turnê, que
é a seguinte: Pixinguinha (flauta e saxofone), J. Tomás (bateria), Donga (violão e banjo),
China (violão e voz), Nélson Alves (cavaquinho e cavaquinho-banjo), José Alves
(bandolim e ganzá), J. Ribas (piano) e Josué de Barros (violão). A formação dada por Silva
e Oliveira Filho (1998: 76) para a temporada argentina dos Oito Batutas corresponde à de
Cabral (op. cit.). Estas duas últimas têm sido as principais referências utilizadas na
literatura sobre os Oito Batutas com relação à formação do grupo em seus diferentes
momentos
3
. A comparação entre os registros do CEMLA e a formação dada pelos autores
citados pode ser mais bem visualizada no quadro abaixo:
CEMLA Cabral (op.cit.), Silva & O. Filho (op. cit.)
Antonio Gonçalves (Les Zuts) -
Sofia Gonçalves (Les Zuts) -
Aristides de Oliveira José Alves
João de Oliveira J. Tomás
Antonio Rivas J. Ribas
Octavio Litleton* China (Otávio Liplecpon Vianna)
Ernesto dos Santos* Donga (Ernesto dos Santos Alves)
Jose Bargos de Barros* Josué de Barros
Nelson Santos Alves* Nélson Alves
Alfredo da Roca Viana* Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna
Filho)
Para os cinco nomes marcados com asterisco na coluna da esquerda, a concordância
entre as duas listas parece imediatamente evidente, considerando-se pequenas omissões e
3
Estes dois livros foram originalmente escritos para um concurso de monografias sobre Pixinguinha
promovido pela FUNARTE em 1977, num contexto de “renascimento do choro” permeado pelo
surgimento de publicações, relançamentos, festivais e shows. No concurso, o livro de Cabral foi agraciado
com o primeiro lugar, tendo o de Silva e Oliveira Filho recebido menção honrosa (Martins, 2009: 34-41).
O primeiro recebeu três edições, em 1978, 1997 e 2007; o segundo, duas, em 1979 e 1998. O lugar destas
obras na musicografia da música popular brasileira ultrapassa sua referencialidade em questões específicas
como as diferentes formações dos Oito Batutas, aqui focalizada, constituindo-se antes como espécies de
mitos originários sobre o grupo e sobre Pixinguinha.
21
equívocos na escrita, de ocorrência provável tendo-se em conta que os dados teriam sido
declarados pelos viajantes aos oficiais de imigração em língua estrangeira, no momento do
desembarque. Com relação ao nome registrado pela imigração como Antonio Rivas, deve-
se notar que o “v” na pronúncia espanhola de “Rivas” soa muito parecido com o “b” da
pronúncia portuguesa de “Ribas”, podendo-se supor que se trata da mesma pessoa, com a
possível omissão de alguma parte do nome, como aconteceu com outros integrantes. Não
disponho de outros dados sobre Antonio Rivas/J. Ribas. Sobre o que consta na coluna do
CEMLA como João de Oliveira, trata-se, com toda probabilidade, de João Thomaz de
Oliveira, como se pode depreender do verbete “J. Thomaz” no Dicionário Cravo Albin da
Música Popular Brasileira
4
, que registra o nome completo do músico e cita sua
participação nos Oito Batutas. O ponto mais problemático na comparação entre as duas
listas é a disparidade entre o que aparece como Aristides de Oliveira na lista do CEMLA e
José Alves em Cabral (op. cit.) e Silva e Oliveira Filho (op. cit.). O nome de José Alves,
citado também como José Alves de Lima, aparece em diferentes fontes como integrante da
formação original dos Oito Batutas, tendo feito também parte da excursão do grupo à
França
5
. Como vimos, ninguém declarou este nome ao desembarcar do navio que levou os
Oito Batutas à Argentina. Em seu lugar, consta o nome de Aristides de Oliveira quem, de
acordo com Cabral (op. cit.: 108), que o cita como Aristides Júlio de Oliveira, teria se
incorporado ao grupo durante a temporada, regressando depois ao Brasil junto de Donga,
Nelson Alves e J. Tomás (sic)
6
. Com isto, e o necessário adendo de que Aristides Júlio de
Oliveira não se incorporou ao grupo durante a temporada, mas chegou a Buenos Aires junto
4
http://www.dicionariompb.com.br/detalhe.asp?nome=J.+Thomaz&tabela=T_FORM_A&qdetalhe=art,
consultado em 13/08/2009.
5
Cf. Bessa (2005: 67, 82), Menezes Bastos (2005: 178), Martins (2009: 2, 52), entre outros.
6
Note-se que, a julgar por esta incorporação de um membro durante a temporada, mencionada por Cabral,
os Batutas, que nasceram “Oito” e foram sete em Paris, teriam ido para a Argentina novamente “Oito” e
voltado “Nove” (mesmo que em duas levas distintas, como provavelmente aconteceu).
22
com os demais, temos como mais provável a seguinte composição dos Oito Batutas em sua
temporada argentina: Alfredo da Rocha Vianna Filho (Pixinguinha)
7
, Otávio Liplecpon da
Rocha Vianna (China)
8
, Ernesto Joaquim Maria dos Santos (Donga)
9
, Josué Borges de
Barros
10
, Nelson dos Santos Alves
11
, João Thomaz de Oliveira, J. Ribas/Antonio Rivas
(considerando que os dois nomes se refiram à mesma pessoa) e Aristides Júlio de
Oliveira
12
. Aristides Júlio de Oliveira, de alcunha o Moleque Diabo, era banjoísta. Assim,
esta correção na informação sobre os quadros dos Oito Batutas na Argentina, com a “troca”
de José Alves por Aristides Júlio de Oliveira, implica numa mudança da instrumentação do
grupo, agora com um banjo a mais e sem o bandolim e o ganzá do primeiro.
Pois bem, no momento em que eles desembarcam do Duca Di Aosta, jornais de
Buenos Aires já vinham anunciando há alguns dias, exatamente para aquela quinta-feira, 07
de dezembro de 1922, o que seria o debut de uma nova e interessante atração no teatro
Empire (ou “Empire Theatre”), um dos inúmeros teatros com cinematógrafo
13
localizados
no centro da cidade. No dia 03, por exemplo, La Nación
14
faz constar o seguinte, na entrada
7
Compositor, instrumentista (flauta, saxofone), arranjador e regente. Rio de Janeiro 23/04/1897 – Rio de
Janeiro 17/02/1973 (Marcondes, 1998: 633-636).
8
Cantor, instrumentista (violão, piano) e compositor. Rio de Janeiro 16/05/1888 – Rio de Janeiro
27/08/1927 (Marcondes, 1998: 198).
9
Compositor, instrumentista (cavaquinho, violão, banjo). Rio de Janeiro 05/04/1890 – Rio de Janeiro
25/08/1974 (Marcondes, 1998: 247-248).
10
Compositor, instrumentista (violão) e cantor. Salvador 16/03/1888 – Rio de Janeiro 30/11/1959
(Marcondes, 1998: 73).
11
Instrumentista (cavaquinho) e compositor. Rio de Janeiro 1895 – Rio de Janeiro 1960 (Marcondes, 1998:
28).
12
Instrumentista (banjo, violão, bandolim) e compositor. Rio de Janeiro (?) – Rio de Janeiro 05/02/1938
(Marcondes, 1998: 526).
13
O cinematógrafo recebia também, pelo menos na Argentina, o curioso nome de biógrafo.
14
O primeiro número de La Nación, que circula até hoje como um dos principais jornais argentinos,
apareceu em Buenos Aires em 4 de janeiro de 1870, fundado pelo general Bartolomé Mitre (1821-1906),
que foi presidente do país de 1862 a 1868 (Ulanovsky, 2005: 22 e passim; Fernandez, 1943: 118-122). A
presidencia de Mitre foi marcada pela organização administrativa do Estado argentino, com um viés
liberal, modernizador e defensor da centralidade de Buenos Aires, e dos interesses de sua burguesia
mercantil, no contexto político e econômico nacional (Onega, 1999: 680-683). Saítta (1998: 31-32)
remarca que uma das características principais de La Nación
nas primeiras décadas do século XX era a
forte presença de escritores renomados nos quadros de sua redação, o que convertia o jornal num
23
dedicada ao Empire, em sua seção “Teatros y Espectáculos”: “Reserve su localidad para el
jueves 7, gran debuto de Los 8 batutas y Los Zuts, famosa orquesta y pareja de bailes
típicos brasileños”. O jornal Última Hora
15
deste mesmo dia, aparentemente fazendo
alguma confusão entre o que seria propriamente a orquestra e o que seria a dupla de
bailarinos, anuncia: “La famosa orquesta típica brasileña, 'Les Zuts' se presentará el jueves
en el Empire Theatre, donde con seguridad llevará mucho público”. Conforme vai se
aproximando a data da estréia, a expectativa é aumentada pela ênfase cada vez maior na
espetacularidade da atração esperada, como podemos notar nos termos empregados por La
Nación já no dia 04: “Retire su localidad para el jueves próximo, presentación del
extraordinario y original espectáculo: Los 8 batutas y Les Zuts”. Até o dia da estréia,
repetem-se anúncios de semelhante conteúdo.
importante veículo de divulgação e legitimação literária. Na época em foco, La Nación perde em
importância no mercado editorial argentino apenas para o poderoso La Prensa
, fundado em 1869 por José
Clemente Paz. Dados de 1913 apresentados por Saítta (op. cit.: 33) revelam uma tiragem diária de 160.000
exemplares para La Prensa
, contra 100.000 de La Nación. Adianto aqui que não encontrei em La Prensa
uma única menção aos Oito Batutas.
15
Última Hora era um vespertino, fundado pelo jornalista Adolfo Rothkoff em 1908 (Saítta, 2000: 439).
Ulanovsky (op.cit.: 63) cita equivocadamente a sua data de fundação como 1917. Saítta (op. cit.: 448-449)
caracteriza Última Hora
como um jornal popular, em oposição à chamada “prensa seria”. O segundo
segmento é representado por jornais como La Nación
, “cuyos interlocutores principales, a quienes el
matutino explica cuál es la mejor manera de plantear y resolver los problemas del país, están ubicados en
las estructuras del poder social, político o económico, en la conducción del Estado, de los partidos
políticos de oposición, de los altos cargos de las fuerzas armadas, en la conducción de entidades
corporativas empresariales o sindicales, en la dirección de instituciones culturales”. Já o segmento da
imprensa popular dividia-se em dois diferentes “modelos de interpelação”: um, representado, por
exemplo, por La Razón
e La Tarde, adotava o modelo dos grande jornais em direção aos setores médios e
populares, caracterizando-se por um cuidadoso acabamento formal e um texto que valorizava a
objetividade da informação, “sin interpelaciones directas al lector, al que se dirije através de un lenguaje
neutro y un tono didáctico; se muestra respetosa de las buenas costumbres, la moral social y las
festividades religiosas, y reseña los sucesos policiales con distancia y sin sensacionalismo”. A outra
vertente da imprensa popular, na qual se enquadram, por exemplo, Crítica
e Última Hora, é caracterizada
pela interpelação direta ao leitor, com o uso de uma linguagem mais coloquial, uma disposição gráfica
com profusão de caricaturas, ilustrações e títulos de alto impacto visual. Seguindo com Saítta (op. cit.),
enfim, “Estos diários adoptan la actitud típica del recién llegado que, si bien acepta las reglas de
funcionamiento que rigen el campo al cual se incorpora, desarrolla ciertas estrategias de subversión que
alteran o redefinen los principios ya establecidos. Mientras La Razón y La Tarde mantienen el trato cordial
de los diarios tradicionales, a los que se refieren en términos elogiosos, Última Hora y Crítica encuentran
en el uso de la ironía y el sarcasmo un estilo proprio con el cual disputarles su posición dominante dentro
del campo periodístico”.
24
***
Vamos, neste capítulo, acompanhar a temporada argentina dos Oito Batutas e,
subsidiariamente, de seus colegas de palco – a dupla de dançarinos Les Zuts e, em parte da
turnê, o grupo Los Guanabarinos –, percorrendo em ordem cronológica a cobertura
jornalística produzida sobre estes artistas brasileiros naquele país, desde o dia de sua
chegada, em 07 de dezembro de 1922, até o momento em que suas pistas nos jornais se
perdem, na pequena cidade de Chivilcoy, interior da província de Buenos Aires, em fins de
março de 1923. Breves comentários e dados contextuais irão aparecendo ao longo do texto
quando necessário (e quando existam dados disponíveis). Alguns dos pontos levantados
serão foco, adiante, de considerações mais detidas. De momento, convido o leitor a ler
comigo os jornais, a refazer aquela jornada no que dela ficou cristalizado nas já amareladas
– umas, às vezes carcomidas e despedaçadas, outras, microfilmadas – páginas. Esclareço
alguns dos fatores que me levaram a citar integralmente a maior parte do material
jornalístico que compõe este capítulo e o próximo: grande porção deste material permanece
inédita ou, quando publicada, o foi de maneira fragmentada; por outro lado, trata-se de um
corpus relativamente muito pequeno quando comparado, por exemplo, à massividade de
discursos que um antropólogo recolhe num trabalho de campo “clássico”, passível,
portanto, de se fazer caber dentro de um capítulo em sua forma “original”; finalmente,
espero poder transmitir um pouco da minha experiência – de novato – de tentar mergulhar
no passado através de umas janelas de papel, em busca dos rastros de uns músicos. Mas,
comecemos com alguns números e notas sobre aquela Buenos Aires onde eles
desembarcaram.
25
De acordo com o Anuario Estadístico de la Ciudad de Buenos Aires 1915/1923, a
população total da capital argentina em 1923 era de 1.793.776 habitantes
16
. O movimento
contabilizado em salas de espetáculos da cidade – incluídos aí teatros, cinematógrafos e
circos – é, apenas naquele ano, de 26.020.607 espectadores, representando um produto
bruto de $ 22.206.794,26 pesos. A cidade é, naquele momento, um grande e importante
centro urbano, com um mundo do espetáculo rico e variado e um público ávido por divertir-
se, numa época em que a televisão é, no máximo, um sonho distante, o rádio ensaia seus
primeiros passos, o cinema – que permanecerá mudo por mais alguns anos – já é uma
indústria internacional que movimenta grandes somas de dinheiro e seduz o público com
suas estrelas
17
, e a indústria fonográfica cresce vigorosa
18
. Em Buenos Aires, os teatros e
16
Como termo de comparação, a cidade do Rio de Janeiro contabilizava, três anos antes, uma população de
1.157.873 habitantes (Sevcenko apud Bessa, 2005: 17).
17 Uma interessante aproximação ao universo do cinema exibido em Buenos Aires entre fins da década de
1910 e inícios dos anos 1930 se encontra em Quiroga (1997), que reúne as crônicas cinematográficas deste
autor trágico e apaixonado pelo chamado, na época muda, “teatro del silencio”, publicadas originalmente
em revistas e jornais. Horacio Quiroga (Salto, Uruguai, 31/12/1878 – Buenos Aires, 31/12/1937) associou
à sua atividade literária – centrada na produção de contos e novelas – uma dedicação pioneira e intensa à
crítica cinematográfica, num interesse que incluiu também a tentativa frustrada de criar, em 1917, junto
com Manuel Gálvez, uma empresa cinematográfica própra para filmar roteiros de sua autoria. (Martínez,
1997). A literatura de Quiroga é sobretudo fantástica e trágica, permeada por temáticas como a morte, a
crueldade, a loucura, a perseguição e a alucinação, temas recorrentes também na sua própria biografia.
Entre suas principais influências está a obra do norte-americano Edgar Allan Poe. Entre seus livros mais
célebres estão Cuentos de amor de locura y de muerte (1917), Los Desterrados (1926) e o derradeiro Más
Allá (1935). Cf. Romano (1991). A sedução pelo cinema aponta para outro aspecto importante da
personalidade de Quiroga – e também muito presente no imaginário sobre a modernidade na cultura
argentina das primeiras décadas do século XX –, aquilo que Beatriz Sarlo chamou de suas paixões
técnicas, que incluíam a fotografia, a química, a cerâmica, a engenharia, a construção de máquinas. Cf.
Sarlo (2004). Há uma relação fundamental entre a instituição do cinema e a estruturação das grandes
metrópoles na virada para o século XX, de modo que “A metrópole moderna e a instituição do cinema
surgem praticamente no mesmo momento. Sua justaposição fornece várias chaves sobre a estética
pragmática pela qual experimentamos a cidade não apenas como cultura visual, mas acima de tudo como
um espaço psíquico” (Donald apud Sevcenko, 1998a: 522).
18
A partir dos anos 1920, superada uma fase inicial de consolidação e expansão onde os desafios eram
principalmente de natureza técnica – como o da pesquisa de materiais e produção em massa de máquinas
relativamente complexas – a indústria fonográfica passa a ter como fator crucial para a sua sobrevivência a
manutenção de catálogos de gravações que interessem aos ouvintes-compradores. Neste processo, a
música popular passa a ocupar um lugar cada vez mais central. Cf. Millard (1995: 74 e passim). Contudo,
é importante notar que o caráter de mercadoria fonográfica de modo algum é exclusivo e característico
apenas da música popular, sendo que, no momento em que se estabelece, “a fonografia captura, constitui e
constrói (e, então, ela não se define meramente como um veículo, mas como um processo) toda a
musicalidade do planeta e não somente, portanto, aquilo que hoje chamamos de música popular”
26
cinematógrafos contam-se então às centenas, espalhados pela região central e também pelos
bairros, oferecendo uma variedade caleidoscópica de filmes e espetáculos que vão de
óperas encenadas por grandes companhias de reputação internacional ao chamado género
ínfimo do teatro de variedades e das revistas cênicas
19
, passando por gêneros como a
zarzuela, a opereta e o chamado “teatro por horas”, ou género chico
20
, com sainetes
21
,
dramas e comédias de curta duração. Vale notar que, nos cinematógrafos, a exibição de
filmes era geralmente intercalada com uma ou mais atrações “ao vivo” no palco – os
números de varietés
22
– que poderiam ser dançarinos(as), cantores(as), malabaristas,
mímicos, etc
23
. O público era tão internacional quanto as atrações, considerando-se que a
(Menezes Bastos, 2007a: 05, grifos no original).
19 Sobre o teatro de revistas em Buenos Aires, conforme Davila & Orozco (1999) e, com breves
considerações também sobre as varietés, Gorlero (2004: 58-64). A falta de um fio condutor argumental de
desenvolvimento dramático, característica tanto da revista quanto das varietés, exclui estes gêneros da
importante cronologia da ópera, opereta, zarzuela e comédia musical em Buenos Aires feita por Dillon &
Sala (1997).
20 O género chico (literalmente, “gênero pequeno”), não obstante sua alegada origem espanhola, encontra
um importante desenvolvimento em terras argentinas no início do século XX, sendo que a história do
tango está profundamente associada a este gênero dramático (Marco et alli 1974). Para um estudo das
publicações peródicas – focalizado na revista Bambalinas – ligadas ao género chico rio-platense nas
primeiras décadas do século XX, conforme Mazziotti (1990). Davila e Orozco (1999: 384) dão a seguinte
definição: “Género chico: denominación que comprende las obras teatrales – con música o sin ella – en
um acto, que se presentan aisladamente, esto es, en funciones por horas. El género chico, nacido en 1869,
se originó en la creencia de haber remedado a los cafés conciertos. Hicieron así piezas en un acto, breves,
casi improvisadas: sainetes, pasillos, parodias, juguetes, revistas, disparates, bocetos, etc. Sus actores eran
comúnmente festivos y su música popular y callejera”.
21
O sainete está relacionado, em sua origem, ao entremés espanhol. Trata-se, por volta do século XVIII, de
uma peça breve, geralmente de caráter cômico, encenada no intervalo ou no final de peças maiores.
Evolui, no século XIX, para uma peça autônoma de maior duração, que pode ter um ou mais atos. Sobre o
sainete, suas origens e as inovações sofridas pelo gênero em terras argentinas, conforme Marco et alli
(1974: 306-324). Davila e Orozco (op. cit.) dão a seguinte definição: “composición teatral de breve
extensión y carácter jocoso y burlesco, donde por lo común se ridiculizan defectos y malas costumbres del
pueblo. Sus interlocutores suelen ser gentes vulgares; su asunto picaresco y muy sencillo, su estilo, el
llamado ‘bajo cómico’”.
22 Trata-se o termo “varietés” de um “galicismo que logró internacionalizarse y que implicaba un género que
los españoles calificaron peyorativamente como 'ínfimo', ubicándolo en último término tras los
denominados 'género grande' – drama, comedia, zarzuela en tres o más actos – y 'género chico' – sainetes,
entremeses y piezas de duración menor” (Soza Cordero 1999: 27). Segundo Davila e Orozco (op. cit.),
trata-se de um “tipo de espectáculo incluido dentro del llamado ‘género ínfimo’, cuya variedad de matices
abarca el circo, la pantomima, la danza, el canto, el monólogo, la parodia, la bufonada y todo tipo de
manifestación escénica breve que escape a un encasillamiento determinado”.
23 Uma das melhores – entre as poucas – descrições sobre o mundo do espetáculo em Buenos Aires nos anos
1920 se encontra em Pujol (1994). Sosa Cordero (1999) dá, à maneira de crônica, um panorama bastante
27
Argentina foi um dos países do mundo que mais acolheu imigrantes da Europa Ocidental
entre os séculos XIX e XX
24
. Considerando-se, entre outros fatores, que boa parte da
Europa no início da década de 1920 ainda se recuperava de uma destruidora guerra, os
palcos de Buenos Aires eram uma opção atraente para artistas de diferentes especialidades
e latitudes. E eles não vinham apenas do outro lado do Atlântico em busca de oportunidades
naquela que era então, quem sabe, uma das capitais mais visadas do Hemisfério Sul
25
.
Vinham também de mais perto, como foi o caso dos Oito Batutas.
BUENOS AIRES: TEATRO EMPIRE, TEATRO MAIPO, E UM BAILE NO COLISEO
O Empire Theatre, o já referido local de estréia dos Oito Batutas na Argentina,
ficava no cruzamento das ruas Corrientes e Maipú, tendo sido inaugurado em 1912 – no
mesmo lugar que ocupara antes o antigo teatro Ateneo, de 1909 – e demolido em 1932
(Ragucci, 1992: 15). Llanes (1968: 58) afirma que a sala “Fue en su tiempo uno de los más
elegantes cines de esta capital; y en él actuaron cantores y cancionistas consagrados en la
canción del tango”. Sosa Cordero (1999:30) coloca o “aristocrático” Empire, junto com o
Maipo e outras salas, entre as “catedrais” do gênero de varietés nos anos 1920.
detalhado do universo das varietés. Carrera (1971) e Elguera & Boaglio (1997) são interessantes para
recompor o “sabor” da época, carecendo, no entanto, de um maior rigor historiográfico e analítico. Dentro
da imensa bibliografia sobre o tango – nem sempre muito rigorosa com relação às fontes e freqüentemente
pouco interessada em desnaturalizar a si mesma – pode-se consultar, especificamente sobre os anos 20,
Byrón et alli (1977). Lamas & Binda (1998), focalizando o período que vai até 1920, oferecem um estudo
mais documentado – sobretudo na hemerografia de época – e mais crítico com relação ao mainstream das
narrativas sobre a história do tango.
24 Para uma tabela comparativa do afluxo migratório para Brasil e Argentina entre 1872 e 1959, conforme
Fausto & Devoto (2004: 177).
25
De modo geral, a situação econômica da Argentina em torno de 1923 é de grande destaque no contexto
latino-americano. Em 1925, para citar apenas um indicador, o PIB per capita argentino, de 3.919 dólares,
é o maior da América Latina, seguido pelo do Chile com 2.876 dólares. Neste mesmo ano o PIB per capita
brasileiro era de 980 dólares (Maddison apud Fausto & Devoto, 2004: 151). De acordo com Fausto &
Devoto, “No período considerado, a Argentina define-se como um país em franco desenvolvimento, cuja
produção, condições climáticas, nível de renda têm mais a ver com a Austrália, o Canadá ou a Nova
Zelândia do que com a América Latina 'tropical'” (Fausto & Devoto, op. Cit.: 150).
28
Como vimos, naquele 07 de dezembro de 1922 a iminente estréia dos artistas
brasileiros não passa desapercebida para alguns dos principais jornais de Buenos Aires.
Vejamos os termos em que são anunciados:
“Empire – Los debuts de hoy – La empresa Cairo que en su afán de
ofrecer novedades a su público desafía hasta las iras de la canícula,
reforzará hoy su espectáculo con dos novedades para nuestro público.
Los Números de Varietés que debutarán hoy, son la orquesta típica
brasileña 'Los 8 batutas' y los bailarines 'Les Zuts'. Veremos de lo que se
trata y mañana lo contaremos” (Crítica
26
, BsAs, 07/12/1922).
“Empire Theatre – Corrientes y Maipú. U. T. 204, Avenida.- Hoy, en la
selecta, a las 18.30, y noche a las 23, el gran debuto: Los 8 batutas y Les
Zuts, famosa orquesta y pareja de bailes procedentes de los principales
teatros de Paris, Londres y Brasil; a las 16.30 y 21.30: Miss Du Pont en
Ensueños Desvanecidos; a las 17:30 y 22:20, estreno Vitagraph: Flor de
Irlanda, por Pauline Starke; a las 18.30 y 22.20, estreno Universal: La
revoltosa, Los 8 batutas y Les Zuts” (La Nación, BsAs, 07/12/1922)
27
.
“Debuts en el Empire – Ayer llegaron de Brasil los componentes de la
orquesta típica denominada Los 8 Batutas, y la pareja de bailarines Los
Zuts, que hoy se presentarán en el Empire” (La Razón
28
, BsAs,
07/12/1922).
“Las 8 Batutas – En el Empire debutará esta tarde el nuevo número que ha
contratado en Europa el empresario Cairo.
No sabemos cómo es. Solo sabemos que ha sido muy elogiado en las
grandes capitales y que si lo trae Cairo tendrá muchas cosas atrayentes.
Cairo conoce el negocio, su público y antes de hacer un anticipo, lo
mediata no las siete horas que declara el profeta árabe, sino catorze...”
(Última Hora, BsAs, 07/12/1922).
Destes trechos, podemos notar, conforme detalhado por La Nación
, que os Batutas e
Les Zuts trabalhavam no Empire em sessão dupla, às 6:30 da tarde e às 11:00 da noite.
26
Crítica, fundado por Natalio Botana em 1913, enquadrava-se, junto com Última Hora, na vertente mais
“subversiva” da chamada imprensa popular. Conforme acima, nota 10. Para um estudo de grande fôlego
especificamente sobre o jornal Crítica na década de 1920, conforme Saítta (1998).
27 Note-se, além dos Oito Batutas e Les Zuts, a programação cinematográfica, com a qual eles
compartilhavam o cartaz. Optei por manter nas citações estas demais atrações para que se possa ter uma
idéia melhor do contexto em que apareciam os Oito Batutas. Para facilitar a leitura, sublinhei, quando
conveniente, as referências específicas aos Batutas nos trechos transcritos. Os títulos de filmes vão em
itálico.
28
La Razón, foi fundado em 1905 por Emilio R. Morales e vendido em 1911 a José Cortejarena.
Enquadrava-se na vertente mais “conservadora” da imprensa popular da época. Cf. Saítta (2000: 448-449).
29
Crítica os menciona como um “reforço” ao espetáculo. Última Hora chama a atenção para o
que seria um especial tato do empresário da sala – Humberto Cairo – para o conhecimento
do gosto de seu público e o conseqüente oferecimento de atrações conformes. Note-se, nas
citações destes dois últimos jornais, a linguagem mais coloquial e direta, característica de
seu modo de enquadramento no campo jornalístico da época, conforme indicado mais
acima. Sobre a mencionada contratação dos Batutas por Cairo na Europa, não tenho
quaisquer pistas adicionais, mas ela é ao menos verossímil, considerando-se que pouco
tempo antes os músicos haviam passado quase meio ano por lá, onde poderiam ter se
cruzado com o tal empresário, caso este andasse então pelas mesmas terras, possibilidade
sobre a qual não tenho informação. Sobre a atuação nos palcos de Londres citada por La
Nación – da qual não conheço registro algum além deste –, pode não passar de um recurso
propagandístico, muito comum nos anúncios de espetáculos da época, onde a alegada
passagem por tais e tais melhores palcos do mundo, movida sem dúvida pelo afan de
suscitar o interesse do público, nem sempre encontrava sua âncora na dureza dos “fatos”,
mas muito mais no ensejo de ver bem nutrida a bilheteria. Note-se que a menção de Paris
(por ali, sim, os Batutas haviam passado meses antes) e Londres como os centros que,
distantes, serviam como critério máximo de legitimação das qualidades artísticas, era muito
comum para diferentes tipos de espetáculos.
Comento ainda que, naquele dia 07, aparecem ao total em La Nación
, que divulgava
diariamente uma das mais completas programações de espetáculos, 16 teatros, 6 variedades
e circos e 33 cinematógrafos, sendo o Empire um entre estes últimos. A citação completa
do anúncio do Empire permite notar que os Batutas e Les Zuts eram uma atração entre uma
programação variada de filmes ao longo da tarde e noite. Os músicos e dançarinos
brasileiros dividiam a función com o filme La Revoltosa, dos estúdios Universal.
30
Outro ponto para o qual gostaria de chamar a atenção desde já é para os indícios,
que irão se repetir ao longo da viagem, de que os Batutas e Les Zuts são ali, enquanto
atração artística, um produto a mais entre dezenas de opções num mercado concorrido,
onde a conquista do público – a venda de ingressos, enfim – é o ponto chave. Mas, vejamos
como reagiu a imprensa à estréia dos Oito Batutas e Les Zuts em Buenos Aires. Aliás, os
Batutas estrearam na data prevista, mas Les Zuts, não.
“EMPIRE – Debutaron ayer com éxito 'Los Ocho Batutas'. Como estaba
anunciado, ayer debutó en el Empire Theatre este número de atracción
que ya se había aplaudido mucho en los teatros de París y Londres, por su
exotismo y originalidad.
'Los Ocho Batutas' que tal es su nombre, es un conjunto de músicos que
cultivan la música popular brasileña con muchísima gracia costumbrista,
dando color y vida a su interesante repertorio. Contribuye en gran forma
al éxito de su número la vestimenta de la gente humilde brasileña con sus
adornejos multicolores y con sus gritos primitivos que imprimen a la
musica ese sabor netamente populachero y le da esa nota exótica que
desperta nuestra atención y nos mueve a la curiosidad. Sus raros
instrumentos es otra de las causas por la cual algunas cosas ya conocidas
en otras orquestas nos han resultado nuevas, no sópor [sic] su ritmo, sino
también por sus sonidos.
Constituye esta orquesta un pedazo de la vida popular brasileña sin
afectación teatral de ningún género, dado que su composición ha sido más
bien obra de la casualidad que de la premeditación.
No son músicos que han estudiado para vivir de la música; son simples
cultores de la musa arrabalera como lo eran nuestras antiguas orquestas
típicas con su bandoneón, que un día surgieron por la moda y tuvieron una
vida próspera devido al éxito que lograron.
Es por eso que el numeroso público que anoche llenaba la sala del Empire
los colmó de aplausos, no sólo en su repertorio musical, sino también en
sus bailes y cantos. Es de lamentar la repentina enfermedad de 'Loes Zuts'
[sic], que privó al público de sus bailes, pues dicen ser lo más interesante
de la troupe. Posiblemente se presentará hoy o mañana más tardar, pues
no es seria la dolencia” (Crítica, BsAs, 08/12/1922).
“Fue muy aplaudido el conjunto brasileño en el Empire Theatre –
Conforme lo habíamos anunciado, se presentó ayer en las secciones de la
tarde y de la noche del Empire Theatre el conjunto de músicos típicos
brasileños que ha conquistado vasto prestigio con el nombre de 'Os oito
batutas'.
Los ocho ejecutantes que componem esa pequeña orquesta característica
eran directores de sendas
29
compañías semejantes, y según es natural,
29
Com relação ao signficado deste termo, o dicionário online da Real Academia Española dá o seguinte:
sendos, das. 1. adj. pl. Uno o una para cada cual de dos o más personas o cosas”
31
eximios interpretes de instrumentos populares. Abandonaron un día sus
respectivas organizaciones, y reunidos, formaron esta, que por tal
circunstancia tomó el nombre de 'los ocho batutas'.
Ayer pudo comprobarlo nuestro público: son, en efecto, notables
ejecutantes de la música autóctona brasileña, de las danzas y canciones
tropicales en que se han mezclado, con extraños resultados, las cadencias
voluptuosas del fado portugués, proveniente de las melodias mozárabes,
con los ritmos furiosos de los bailes africanos. Una especie de
sensualismo casi salvaje se junta en esos movimientos violentos, que
acompaña lánguidas frases llenas de melancolía – parecen, en verdad,
impregnadas de una dulce crueldad, amargas como las 'saudades' y
vehementes de pasión, - coincidencia del amor y la muerte.
Y con ello, el timbre particular de los instrumentos populares: el 'violão
baxo', suerte de gran guitarrón de voz ronca y profunda; el 'cavaquinho',
pequeña bandurria semejante al 'charango' de nuestras provincias del
norte; la 'ghanza', parecida al 'candombe' de nuestra antigua negrería; el
'reco-reco', el bandolín y los banjos. Y, unida a estos, la flauta metálica
europea, ejecutada admirablemente...
La impresión que se recibe de esse conjunto es agradable y rara al mismo
tiempo; se diría que se escucha una poesía fuerte y hermosa en una lengua
desconocida, puesto que llega a subyugarnos por su ritmo, por sus
acentos, por su ardor, y se nos escapa el sentido íntimo, el fondo
espiritual, desde que ignoramos su raza.
El público recibió al conjunto con marcadas muestras de interés,
aplaudiéndolo largamente” (La Nación, BsAs, 08/12/1922).
“'Los 8 batuas', debutaron con éxito – Es un espectáculo interesante por lo
exótico y lo típico. Son las canciones y los bailes de 'Los 8 batutas'
expresiones ruidosas y alegres del pintoresco espíritu del pueblo
brasileño.
El público del Empire – muy numeroso – gozó de una hora muy divertida.
Las músicas y bailes de 'Los 8 batutas' no serán tal vez un espectáculo
elegante y espiritual pero tienen el encanto y la gracia de lo raro y lo bufo.
'Los 8 batutas' fueron muy aplaudidos” (El Telégrafo
30
, BsAs,
08/12/1922).
“Los Ocho Batuques – El nuevo número que ha contratado el empresario
Cairo y que ayer debutó en el Empire, es un número de luto. Sus
componentes son negros. Y el que no lo es, pasa de moreno cargado...
Tocan instrumentos que no son ni guitarras ni bandurrias. Se quedan entre
los dos, matizando sus rasgueos com panderetas, rasquetas y otros
elementos de música puestos de moda por los jazz band. No falta más que
la bocina del automóvil y el rallador de queso...
Batuqueros se llaman y batuque meten.
(http://buscon.rae.es/draeI/SrvltConsulta?TIPO_BUS=3&LEMA=senda, consultado em 15/08/2009), ou
seja, o autor do texto indica que cada um dos integrantes dos Oito Batutas teria sido antes diretor de sua
própria e semelhante orquestra.
30
Nas fontes de que pude dispor, não localizei informações sobre este jornal.
32
El número es pintoresco. Ejecutan música que si no emociona entretiene.
Solo se lamente que todos sean negros. Son demasiado hombre y poca
mujer.
Por desgracia, ayer no pudo debutar la pareja de baile anunciada. Se
enfermó a la tarde, quitando esse matiz al programa, que resultó por eso
demasiado hombruno.
A los que le gustan las cosas raras, y las notas de color, les recomendamos
al Empire.
Nosotros, con franqueza, hubiéramos preferido menos negros, menos
ruido, más bailoteo y más polleras. Para negruras demasiadas tiene la
vida...” (Última Hora, BsAs, 08/12/1922).
De saída, n
o texto de Crítica, chama a atenção a percepção – compartilhada de modo
geral pelos outros comentaristas – do espetáculo numa chave de exotismo, que tem
categorias como naturalidade, exuberância e primitivismo como alguns nexos centrais
associados ao que se concebe como brasileiro. A vestimenta
31
, os gritos primitivos e o
aspecto “raro”
32
da instrumentação – mesmo os instrumentos já conhecidos trazem coisas
que resultam novas, “não só por seu ritmo, mas também por seus sons” – estão no foco da
atenção do comentarista. Parte da vida popular brasileira apareceria no espetáculo “sem
afetação teatral”, a composição da orquestra sendo reputada como obra de uma casualidade
que se pode ler como espontaneidade, enquanto oposta ao que poderia ser o resultado de
premeditação e planejamento. Está aí implícita uma oposição entre o “espontâneo” e o
“cultivado” como fatores delimitadores da fronteira entre uma arte “popular” e uma
“erudita”, algo que se constitui num senso comum de ampla pertinência, não apenas na
Argentina, é certo, mas também no Brasil
33
e na “cultura ocidental”, até os dias de hoje
34
.
31
A maneira pela qual os trajes dos músicos chamam a atenção dos espectadores parece indicar que os Oito
Batutas apresentam-se inicialmente em Buenos Aires com a mesma indumentária “sertaneja” com que se
caracterizavam em suas primeiras apresentações no Brasil, no início de sua trajetória
32
Termo que aponta para o aspecto extraordinário, pouco comum, de alguma coisa ou situação.
33
Neste sentido, parece-me interessante notar que na oposição, abertamente valorativa, feita por Mário de
Andrade entre popular e popularesco, noções como espontaneidade e autenticidade têm um peso especial
na definição do primeiro termo, o segundo apontando mais para o que seria o inautêntico, compreendido
como o afastamento indevido de uma essência, numa espécie de corrupção ou simulacro. A música
33
No caso do comentário em foco, tal idéia de espontaneidade parece incluir também um
popular, que para Mário de Andrade significava aproximadamente o que hoje definiríamos, no Brasil,
como folclórica, é que deveria constituir, segundo o intelectual, as bases para uma verdadeira música
artística nacional brasileira. A bibliografia sobre este tema é grande, mas gostaria aqui apenas de evocar o
fato, ressaltado por Martins (2009: 14-15), de que em seu Ensaio Sobre a Música Brasileira (Andrade,
2006), Mário de Andrade ouve como popularesca – opinião negativa não-consensual nas valorações
brasileiras sobre os Oito Batutas – a música dos Oito Batutas. O livro é original de 1928, quando os Oito
Batutas, já próximos do fim de sua trajetória, eram largamente conhecidos no Brasil como uma jazz-band.
34
O tema é certamente vasto, e tem sido bastante debatido. De um modo geral, alinho-me a Middleton
(1990), que classifica a maioria das tentativas correntes de definição do “popular” em duas grandes
vertentes, cada uma com suas próprias limitações de alcance: uma que ele chama de positivista,
caracterizada por uma abordagem quantitativa interessada sobretudo em coisas como os números de
circulação comercial da música; outra, chamada de essencialista, de caráter mais qualitativo, está mais
preocupada justamente com a localização de essências. As origens de tais essências costumam ser
alocadas em dois pontos distintos, conforme a tendência teórico-valorativa predominante: “de cima”,
apontando para um popular concebido como de massa, ou comercial, onde algumas palavras-chave são
imposição, manipulação e standardização, ou “de baixo”, onde a essência é remetida a um “povo” pensado
em termos de categorias como autenticidade, espontaneidade, etc. Middleton nota que, em ambos os casos
da vertente essencialista, as essências são alocadas em função de um Outro ausente: o não-popular,
definido por exclusão e geralmente mantido numa região de sombra analítica. Enfim, o ponto de vista
mais adequado, para o autor, é o de que a música popular (ou de qualquer tipo) pode ser adequadamente
descrita apenas quando observada no contexto do que ele chama de campo musical total (whole musical
field), sempre em movimento, atravessado por diferentes linhas de força sócio-culturais e onde os gêneros
musicais não são essências, mas tendências ativas. Estas tendências estão sempre sujeitas à mudança e à
ressignificação em função de processos que Middleton propõe analizar através da noção gramsciana de
articulação. Nesta, sem que se perca de vista o potencial determinante do nível “infraestrutural”, remarca-
se a existência de uma autonomia relativa das “superestruturas” – no nosso caso, a música. Em tal
perspectiva, evita-se uma visão determinística unidirecional em favor da percepção do caráter recíproco
das relações entre estes níveis. Assim, se o elemento “cultural” não é inerentemente determinado pelo
econômico, guardando sua lógica própria, nem por isso ele deixa de sofrer sobredeterminações através de
processos de articulação fatalmente ligados à estruturação social. Em síntese, “This is no more to say that,
within the operation of articulation processes, production and consumption are inextricably tied together”
(Middleton, op. cit.: 11). O funcionamento de tais processos leva à emergência – sempre disputada e de
duração finita, mas também sempre podendo se tornar altamente significativa e “convincente” num
determinado horizonte social – de constelações específicas de sentido. Middleton cita Elvis Presley como
exemplo de uma destas constelações, indicando o modo como tanto sua música quanto a recepção dela foi
mudando em função de processos de articulação. Esta postura me parece interessante sobretudo por que
tem a lucidez antropológica – sem que seu autor seja antropólogo de formação – de enfatizar o fato de que
se as categorias têm alguma essência, ela é fundamentalmente relacional, e sua compreensão exige o
mergulho no contexto e no universo nativo de significados. Penso que a noção de articulação, no campo da
música, ajuda a pensar a relação entre a expressão musical (o “som da música”) e o contexto de sua
produção e consumo, na busca de onde e como, neste meio-de-campo, possa estar ancorado o significado.
O tema é crucial na etnomusicologia, pelo menos a partir da formulação dilemática de Merriam (1964)
(conforme Menezes Bastos, 1995). Enfim, se os princípios de articulação, atados a fatores como posição
social, atuam na música pela “combinação de elementos em novos padrões ou pela atribuição de novas
conotações a eles” (Middleton, op. cit.: 08, tradução minha), trata-se neste trabalho, talvez, de apontar para
a operação de princípios desta natureza sobre a produção de significados a partir da arte dos Oito Batutas,
especificamente na Argentina em 1922-23 e no sul do Brasil em 1927. No caso da Argentina estamos, no
momento em que se interpõe mais esta nota, buscando apontar para algumas categorias em termos das
quais os Oito Batutas puderam então ser pensados, ou seja, o modo como o sentido de sua arte – e sua cor
– é refratado ao mergulhar num meio específico. Tal mapeamento incluirá a consideração sobre a adoção
de estratégias específicas, por parte dos músicos, em função dos diferentes campos de possibilidades (Cf.
Velho, 1999) pelos quais transitaram. Ficará evidente que se pode trocar “Elvis” por “Os Oito Batutas”
nesta formulação: “Elvis – that particular musical agglomeration – never belonged to anyone in particular,
then; he – it – was there to be fougth for” (Middleton, op. cit.: 11).
34
elemento de “autenticidade” ao conceber o espetáculo como a manifestação de “um pedaço
da vida popular brasileira”
35
. Assim, a habilidade exibida pelos músicos não seria fruto de
um cultivo deliberado e metódico (“estudo”), mas do fato de serem eles, como teriam sido
os integrantes das antigas orquestras típicas argentinas, “simples cultores de la musa
arrabalera”, ou seja, artistas inspirados pela musa dos arrabaldes, daquilo que está nas
franjas do mundo urbano. Este último ponto se reveste de especial interesse: aqueles
músicos brasileiros são percebidos, em sua suposta espontaneidade e naturalidade, como
comparáveis aos das antigas orquestras típicas argentinas
36
. Ou seja: o Brasil
contemporâneo, lido através de sua musicalidade tida como mais representativa, é
comparável a uma Argentina já antiga, tudo em chave musical. Note-se, finalmente, o
testemunho dado por Crítica
do sucesso do grupo e a notícia de que, apesar de os bailarinos
Les Zuts não terem participado da estréia, houve, além do repertório “musical” (leia-se,
provavelmente, “instrumental”), cantos e danças.
35
Aqui, uma categoria chave seria a de gracia costumbrista, que aparece na sexta linha da citação de Crítica,
acima. Marco et alli (1974: 338-359), ao estudarem as “expresiones teatrales costumbristas” definem o
gênero como “presentación de formas de vida que puede o no llevar implícita una crítica”. Na Argentina,
fixa-se, a partir de 1890, originalmente com a preocupação de refletir as formas de vida da chamada
campaña bonaerense, como mais uma manifestação do género chico, entre revistas, sainetes, zarzuelas. As
obras de costumbrismo teatral podem ser de diversos tipos, mas o que creio relevante aqui é a definição do
costumbrismo como apresentação de formas de vida (leia-se vida social), com uma inspiração rural em
sua origem. Acho que é neste sentido que se pode ler a “gracia costumbrista” atribuída pelo cronista de
Crítica
aos Oito Batutas: tratava-se da apresentação de uma forma exótica de vida social. A categoria
costumbrista aparece em estudos argentinos contemporâneos, como é o caso de sua incidência em
Garramuño (2007, 181-182 e passim), onde tem aproximadamente a mesma significação, indicando aquilo
que aparece como típico na representação de determinada cultura ou sociedade, como marca daquilo que a
torna particular a partir de um ponto de vista específico.
36
Note-se que, nos anos 1920, a orquesta típica argentina é uma instituição consolidada e legitimada no
universo da música popular naquele país, ligada fundamentalmente ao tango. Em 1923 orquestras
altamente profissionalizadas – como a de Osvaldo Fresedo, então uma das mais renomadas – estão em
ambientes freqüentados por camadas sociais médias-altas. Cf. Sierra (1985), Salas (2004: 134-140). Um
outro ponto ineteressante: numa foto da orquestra de Fresedo reproduzida por Sierra (op. cit.: 95) e datada
de 1924, a formação instrumental é a seguinte: 3 bandoneões, três violinos, baixo, piano e bateria. O
agrupamento dos três últimos instrumentos constitui o que se consolidaria como uma formação “clássica”
dos grupos de jazz.
35
O cronista de La Nación coloca, ao lado da naturalidade com que os músicos
executam os instrumentos populares, a notícia – de onde terá vindo? – de que a orquestra
que ali se apresenta é formada por diretores de orquestras semelhantes. A música autóctona
brasileira aparece como mistura das “cadencias voluptuosas do fado português” (este com
uma alegada genealogia árabe, por sua vez) e os “ritmos furiosos dos bailes africanos”,
numa versão da “fábula das rês raças”
37
com um terceiro (o índio) excluído. Indicando,
quem sabe, a raiz da sedução que aqueles músicos exercem sobre o público, aparece uma
verdadeira patologia na liberdade quase poética que o cronista se permite ao descrever suas
impressões. Mas, de onde virá esta percepção de um “sensualismo quase selvagem” que se
junta a “movimentos violentos” e “lánguidas frases cheias de melancolia” que parecem
impregnadas de uma “doce crueldade”? Os Oito Batutas se comportaram de fato como
selvagens no palco? Ou sua presença e atuação teriam antes servido como um catalizador
para a imaginação do inspirado cronista, dando asas à sua pena? Seja como for, transparece
nestas linhas uma reação arrebatada, seduzida por uma poesia da qual não pode captar o
sentido íntimo, “desde que ignoramos su raza”. Note-se ainda o interesse organológico, na
descrição da instrumentação onde os instrumentos “exóticos” são comparados a seus
similares “nacionais” - o ganzá, por exemplo, se parece com o candombe “de nuestra
antigua negrería”
38
. A menção ao virtuosismo de Pixinguinha na flauta é algo que se
repetirá ao longo da turnê, sendo que não aparece, aqui, menção ao saxofone. Pode-se notar
aqui, mesmo sem sabermos o nome do cronista, a inclinação literária que marcava a
redação de La Nación, mencionada acima. Aliás, mesmo situando-se, como vimos acima,
37
Cf. DaMatta (2000: 58-85). Note-se que esta versão da fábula é compatível com aquela que caracteriza
boa parte da musicografia brasileira (Menezes Bastos, 2007:07).
38 Novamente, como em Crítica, o Brasil remetido a uma Argentina passada. Sobre a ideologia de
remetimento do negro ao passado, na Argentina, conforme Domínguez (2009).
36
em pólos opostos e concorrentes do campo jornalístico, cada um sendo por sua vez um dos
principais representantes de seu lado do campo, La Nación e Crítica apresentam impressões
iniciais bastante confluentes sobre os Oito Batutas.
El Telégrafo se soma aos testemunhos do sucesso da noite de estréia, também
localizando na causa do interesse gerado pelo espetáculo o exótico e o típico
39
. O encanto
gerado é compreendido numa chave do raro
40
e bufo, em oposição ao que seria “espiritual”
e “elegante”. Aflora aqui também a imaginação do que seja o brasileiro, suscitada pelo
contato com a performance destes embaixadores musicais não oficiais: “Son las canciones
y los bailes de 'Los ocho batutas' expresiones ruidosas y alegres del pintoresco espíritu del
pueblo brasileño”.
Por fim, entre os jornais que se manifestaram naquele dia sobre a estréia dos Batutas
em Buenos Aires, temos acima transcrito o texto de Última Hora
, que se limita a
exteriorizar uma posição profundamente preconceituosa e racista, onde os Oito Batutas são
desqualificados por 1) serem negros, 2) serem homens e 3) fazerem uma música
considerada demasiadamente ruidosa, ou seja, para resumir repetindo os anseios do
cronista, seria preferível “menos negros, menos ruido, más bailoteo
41
y más polleras
42
”.
Fica a impressão de exotismo – a música, enfim, entretém, por pitoresca. Interessante aqui é
a ausência de qualquer menção ao Brasil ou a alguma brasilidade: o preconceito racial
agora não se acopla explicitamente a categorias nacionais. Por outro lado, numa apreciação
que não aparece nas outras três críticas aqui em comentário, o exotismo e caráter ruidoso
39
Creio que este “típico” pode ser lido como “característico”, tanto no caso das orquestas típicas argentinas
quanto no caso da tipicidade – brasileira – dos Oito Batutas.
40
No sentido de “não usual”, apontado acima na nota 27.
41
O dicionário online da Real Academia Española dá o seguinte significado para o verbo bailotear: “bailar
mucho, y en especial cuando se hace sin gracia ni formalidad”
(http://buscon.rae.es/draeI/SrvltConsulta?TIPO_BUS=3&LEMA=bailoteo, consultado em 15/08/2009).
42
Pollera, aqui, pode ser traduzido como “saia”, indicando, portanto, mulheres.
37
dos instrumentos é associado aos “elementos de música puestos de moda por los jazz
band”. A cor e o som dos Oito Batutas encontra aqui uma possibilidade de “explicação” um
pouco diferente daquela que permeia as outras três críticas: mais do que um Brasil
primitivo e exótico, o que aparece é um jazz negro e, para piorar, demasiadamente
masculino
43
. A presença massiva do jazz – fundamentalmente como um conjunto de
gêneros de música dançante de origem norte-americana como fox-trot, one-step, shimmy e
charleston e, de uma maneira geral, como um modo de fazer música muito associado ao uso
de instrumentos percussivos e metais (o saxofone junto) e freqüentemente avaliado como
ruidoso e barulhento – na Argentina, assim como em boa parte do Ocidente, desde pelo
menos fins da década de 1910, é imediatamente verificável na leitura dos jornais da época.
Esta presença se dava tanto nos infinitos bailes dos anos 20, geralmente animados, na
Argentina, por duas orquestras, um típica criolla (de tangos) e uma jazz-band, quanto nos
catálogos da indústria discográfica, alimentados por orquestras estranjeiras e nacionais
44
.
43
Como indicado acima, o universo das varietés era extremamente variado, podendo incluir atrações de
diversos tipos. De acordo com Davila e Orozco (op.cit.: 14), a fascinação pelo género se intensifica em
Buenos Aires a partir de 1914, abarcando um público também bastante diversificado. As autoras remarcam
que “nem sempre” o auditório estava composto por famílias, “ya que se consideraba que muchas de las
representaciones artísticas eran indecentes y lascivas”. Isto nos dá elementos para compreender a decepção
do cronista de Última Hora com a falta de mulheres no espetáculo como a frustração de uma expectativa
característica de uma parte do público especialmente interessada na contemplação do belo sexo. Parece-
me que, pelo menos no momento em que os Oito Batutas passam por lá, esta última não seria a
“especialidade” de casas como o Empire e o Maipo. Isto certamente nos leva a questões amplas e
importantes que redundam, talvez, no que seria uma “topografia moral” daquele mundo do espetáculo,
com perguntas, por exemplo, sobre como se relacionavam ali as profissões de dançarina e prostituta. Sem
pode aqui fazer este mapeamento, posso afirmar que o tema cetamente era controverso na época, algo que
se deduz, por exemplo, do fato de vários estabelecimentos gastarem tinta nos anúncios insistindo na
adequação de suas atrações “para famílias”.
44 Há pouco trabalho sistemático sobre os inícios do jazz na Argentina – tema algo eclipsado pela história do
tango tal como ela se constitui a partir dos anos 1930 –, com exceção do que existe sobre este assunto nos
trabalhos de Pujol (1994, 1999, 2004) e da exploração seminal de Deschner & Zaffore (1987). É
interessante notar que uma história mais sistemática e “oficial” do jazz na Argentina se constitui somente a
partir dos anos 30 – época em que se começa a publicar revistas especializadas como Sincopa y Ritmo
juntamente com a consolidação da história “oficial” do tango – que tem um de seus mais importantes
marcos em Bates (1936) – compreendidas ambas a partir de então, cada vez mais, como antagônicas, pelo
menos dentro de uma das principais correntes de narrativas sobre a história da música popular argentina.
Acontece algo parecido com relação à história do jazz no Brasil, pelo menos no que diz respeito à relativa
escassez de estudos aprofundados sobre seus primeiros anos, eclipsados, quem sabe, pelo empenho em
38
Mas, o que chama a atenção aqui é que, na Argentina, os Oito Batutas, mesmo que, por
hipótese, apresentando-se em sua transformação sertaneja, podiam ser englobados, neste
caso como alvo de crítica, no universo da jazz-band.
A atuação dos Batutas no Empire Theatre totalizará 10 dias, indo até 17 de
dezembro, quando repentinamente são anunciadas suas últimas funções naquela sala. A
partir do dia 19 passarão a se apresentar num teatro chamado Maipo, a poucas quadras de
distância. Mas, sigamos um pouco mais os anúncios sobre suas apresentações no Empire.
No dia 08 de dezembro, mesmo dia em que saem as críticas acima transcritas sobre
sua estréia, os artistas brasileiros continuam sendo anunciados nas carteleiras dos jornais.
Em La Nación
, por exemplo, a chamada aparece do seguinte modo:
“EMPIRE THEATRE – Corrientes y Maipú. U. T. 204, Avenida. - Exito
extraordinario y sin precedentes en este teatro de la sensacional y original
atracción Los 8 batutas y Les Zust, una verdadera maravilla en su género.
Quedó plenamente confirmada la fama y sus grandes éxitos obtenidos en
París, Londres y Río. Una hora de espectáculo interesante y divertidísimo.
- Hoy, dos grandes estrenos: a las 18.20 y 23.20 La revoltosa, Los 8
batutas y Les Zust. A las 17:30 y 22:20, estreno Fox William Rosselen:
Los hombres de Zanzíbar. A las 16:30 y 21:30: Flor de Irlanda por
Pauline Starke. A las 15.30: Max Linder en Sea Vd. mi eposa y vámonos
a casar” (La Nación, BsAs, 08/12/1922).
No dia 09, La Nación continua anunciando o grupo em semelhantes termos, sendo
que acrescenta “Hoy, presentación del cuadro de bailes y cantos, una verdadera maravilla
en su género”, indicando, provavelmente, a efetiva entrada no programa, com dois dias de
atrazo, dos bailarinos Les Zuts
45
.
constituir uma música nacional (com a respectiva necessidade de invenção de um Outro maldito) que
permeia boa parte da produção bibliográfica sobre a música popular quando esta toma corpo no país. Cf.
Calado (1990: 221-257). Sobre os primeiros momentos do jazz no Brasil, com a interessante hipótese de
um “primeiro contato” dos Oito Batutas com esta musicalidade na cidade de São Paulo em 1919, num
possível encontro com a Harry Kosarin Jazz-Band, conforme Ikeda (1984).
45
Este fato iria contra a afirmação da carta de José Segreto ao cônsul brasileiro em Buenos Aires, transcrita
acima, de que Les Zuts não chegaram a atuar.
39
Neste mesmo dia, sai em Última Hora, o mesmo jornal que acima vimos ter
publicado aquela nota de cunho tão preconceituoso, o seguinte texto:
“IGUALITO QUE AQUI – Las 8 batutas, conjunto brasileño que ha
debutado en el Empire logrando interesar al público, está formado por
ocho directores de orquestas típicas brasileñas. Cada uno abandonó la
dirección de su cuadro musical para constituir un conglomerado fuerte e
idóneo.
El fenómeno resulta para nosotros exótico. Aquí, de cada elenco se
disgregan cada año por la parte baja ocho caballeritos que se erigen en
cabeza de compañías que ya en el bosque, ya en los tablados de barrio,
viven precariamente a costa de la mutilación de las obras que caen en sus
manos.
Divulgamos lo caso por si los cómicos criollos quieren servirse de él
como ejemplo. Si no lo hacen, peor para ellos” (Última Hora, BsAs,
09/12/1922).
Como vimos, a notícia de que a formação dos Oito Batutas seria o resultado da
reunião de diretores de orquestras semelhantes havia sido dada por La Nación
no dia 08.
Aqui, em que pese suas declarações do dia anterior, o cronista de Última Hora
toma este
“fato” - reputando agora o grupo como “un conglomerado fuerte e idóneo” - como um
exemplo a seguir pelos “cómicos criollos” que, segundo o jornal, tenderiam a seguir o
caminho inverso, desmembrando-se de suas companhias para constituir outras, cuja
proliferação em direção aos bosques e bairros é associada, pelo jornal, a uma queda da
qualidade artística. É curiosa esta mudança de perspectiva, de um dia para o outro, num
mesmo jornal, sobre os Oito Batutas. Sem deixar de ser negros, homens e ruidosos – focos
das críticas que receberam do periódico no dia anterior – são citados, num segundo
momento, como exemplo de um conglomerado forte e idôneo. Quem sabe, isto possa se
explicar em parte pelo alinhamento específico de Última Hora
dentro do campo da
imprensa portenha de então, que apontaria para um interesse maior em englobar os “fatos”
numa perspectiva polêmica e controversa do que em sustentar pontos de vista bem
definidos.
40
A renovação do cartaz cinematográfico é constante. Além disso, no dia 11 volta ao
palco do Empire uma atração já conhecida do público. Em La Nación, ela aparece
anunciada da seguinte forma:
“Reaparecerá hoy en el Empire la cancionista Evan Stachino – Se
efectuará hoy la reaparición en el Empire de la Srta. Evan Stachinno,
aplaudida tonadillera
46
mejicana que hasta hace unos dias consituyó uno
de los principales atractivos de esta sala.
La Srta. Stachino reanudará su actuación con un programa variado en el
que figuran sus más aplaudidas tonadillas y nuevos cantos populares
mejicanos” (La Nación, BsAs, 11/12/1922).
Não pude obter maiores informações sobre Evan Stachinno além das que constam
no anúncio. Sua “reaparição” no Empire, contudo, não deixa de evocar a hipótese de uma
pronta reação do empresário da sala – quem sabe? – àquelas reclamações do cronista de
Última Hora
sobre o excesso de figuras masculinas no palco. Não sei precisar em que
medida a presença da tonadillera no programa tornaria aquelas sessões menos
recomendáveis para “famílias”.
No dia 12, é de se destacar o seguinte trecho da programação do Empire publicada
por La Nación
: “Última semana a precios reduzidos de la famosa atracción Los 8 batutas y
últimas tres funciones de Evan Stachino, ambas atracciones han renovado completamente
su repertorio”. Note-se o constante apelo para a novidade do repertorio
47
. O anúncio de
aumento de preço para as apresentações dos Oito Batutas – tendo em mente a lei de oferta e
demanda – reforça a impressão inicial de que o espetáculo teria sido bastante concorrido.
46
Davila e Orozco (op. cit.: 26) nos dão a seguinte definição de tonadilla: “canción alegre y ligera.
Composición breve, de versos de arte menor, con temas amorosos, satíricos o picarescos. Acción escénica
de cortas dimensiones, destinadas a ser cantadas y bailadas. La tonadilla se originó en el siglo XVIII, y era
una especie de intermedio musical en las representaciones teatrales, generalmente cantada y bailada por
cuatro actrices de la compañía, lujosamente ataviadas y situadas en el proscenio”.
47 Este apelo à novidade neste universo de arte “popular” como era o das varietés, parece contrastar com o
modo como são avaliadas as obras do setor da arte dita “séria”, “erudita”, “culta”, etc. As óperas
apresentadas no Colón seriam, aqui, o ponto culminante deste segundo setor, sendo as performances
julgadas, neste caso, muito mais em termos do quanto se aproximam de um modelo considerado ideal (e
fixo) do que pela quantidade de “novidade” que possam aportar.
41
No dia 13, é ainda La Nación que anuncia uma novidade notável: a incorporação ao
número dos Oito Batutas e Les Zuts da troupe Los Guanabarinos.
“EMPIRE THEATRE – Corrientes y Maipú. U. T. 204, Avenida.-
Extraodinario éxito de Los 8 batutas, hoy debuto de la troupe Los
Guanabarinos, quienes ejecutarán cantos y danzas regionales
conjuntamente con Los 8 batutas. Ultimas funciones de Evan Stachino,
estreno de nuevas canciones. Hoy estreno notable Fox: Un hombre
infortunado, por William Farnum.- Función completa: tarde, platea 2.60 $;
palcos con 4 entradas, 12 $; noche, platea 3 $; palcos, 15 $”. (La Nación,
BsAs, 13/12/1922).
Com relação à tal “troupe Los Guanabarinos” - e/ou “Troupe Guanabarina”, ou
ainda “Troupe Guanabara” -, pode-se saber que já eram nomes conhecidos do público
argentino quando os Batutas desembarcam por lá. Sosa Cordero (1999), ao dar uma breve
explicação sobre o significado da plavara “troupe”, cita justamente a “Troupe Guanabara”
como um exemplo célebre, trazendo mais uma evidência de que o nome seria amplamente
conhecido do público portenho:
“La voz gala 'troupe' – cuadrilla, tropel – calificaba a los conjuntos de
canto y danza superiores en número a los tríos. Conformaban a vezes una
pequeña compañía capaz de ofrecer espectáculos de mayor duración y
variedad. Recordamos entre aquellas 'troupes' a Los Chivos, Royal,
Michalowitz, Los Morocco. Otras redujeron sus actuaciones a la
temporada del Casino, por lo que van incluidas en el capítulo dedicado a
dicha sala.
Por lo novedoso del repertorio así como por el lujo de su
presentación, merece especial mención la Troupe Guanabara, consagrada
a lo brasileño, difundidora de las famosas 'maxixes' 'O matuto' y 'Amapa',
cuyo desempeño garantizaba siempre una nota de calidad en los
programas” (Sosa Cordero 1999:45)
48
.
Ou seja, esta que se incorpora aos Oito Batutas e Les Zuts em seu sétimo dia de
apresentações em Buenos Aires, é uma companhia artística que já trabalhava, com sucesso,
48 Os dois maxixes citados por Sosa Cordero já eram conhecidos do público argentino de longa data.
“Amapá”, de J. Storoni, estava disponível em gravação de 1919 pela orquestra Telephone, no disco
Telephone 3144. “O Matuto”, de Marcelo Tupinambá, havia sido gravado ainda antes, pela célebre
orquestra típica de Roberto Firpo, em disco Odeón 615, de 1917. Agradeço ao Prof. Enrique Binda, da
Academia Nacional del Tango, por fornecer-me gentilmente estes dados e gravações de sua coleção.
42
na Argentina sob o signo do brasileiro, que Soza Cordero associa ao maxixe. Sobre este
ponto, Sérgio Cabral apresenta o seguinte:
“A partir de alguns dias depois da estréia, os Oito Batutas, em suas
apresentações, passaram a contar, de vez em quando, com a companhia de
um conjunto de brasileiros denominado Los Guanabarinos, integrado
pelos cantores e dançarinos Francisco Pepe, Aurora Gonçalves, Raul Pepe
e Lolita Guerra, além de uma dupla chamada Os Zuitos, especialista em
maxixe (...). Quem sabe se esta dupla não seria uma versão para os
argentinos de outra dupla especialista em maxixe, que ficou muito
conhecida no Rio de Janeiro com o nome de Les Zuts? Em seu livro
Maxixe, a dança excomungada, o grande cronista do carnaval do Rio, Jota
Efegê, dá grande destaque à dupla Les Zuts, liderada pelo dançarino, ator
e compositor Francisco Marques, parceiro de Caninha num de seus mais
famosos sambas, Essa nega qué me dá. Francisco Marques, que fez par
com diversas dançarinas (Sônia, Laura e outras), recebeu o título de ‘rei’ e
‘campeão’ do maxixe, tantos concursos de dança venceu. Jota Efegê não
faz qualquer referência à viagem à Argentina e acaba por informar que o
dançarino morreu no Hospital Nacional dos Alienados, no Rio, no dia 26
de janeiro de 1924” (Cabral, op. cit.: 104-105).
Como veremos adiante, a formação dada por Cabral a Los Guanabarinos coincide
exatamente com a que será anunciada pelo jornal El Argentino
, de La Plata, quando este
noticia a estréia dos Oito Batutas naquela cidade em 21/02/1923. Contudo, tendo por base
os dados do CEMLA citados no início do capítulo, notamos que Aurora Gonçalves, foi a
única destas quatro pessoas que ingressou na Argentina junto com os Oito Batutas. Como
vimos, o “décimo elemento” da lista do CEMLA declarou o nome de Antonio Gonçalves,
que não coincide com o nome do “líder” de Les Zuts no Brasil – Francisco Marques – dado
por Cabral com base em Jota Efegê e, que segundo eles, morreria pouco mais de um ano
depois, no Hospital dos Alienados, no Rio. Por sua vez, o nome de Antonio Gonçalves não
aparece em nenhuma das escassas menções dos jornais argentinos sobre a troupe que
acompanhava os Batutas. O que estes novelos difíceis, quiçá impossíveis, de desenrolar
totalmente indicam é, pelo menos, que quando os Oito Batutas passam pela Argentina, há
43
artistas que já atuam há algum tempo naquele mercado do espetáculo, com “cantos e
danças” brasileiros.
Outras pistas que encontrei sobre troupes do tipo Guanabara na Argentina ajudam a
complicar o cenário. Assim, voltando um pouco no tempo, encontramos pistas da atuação
de uma troupe Guanabarina no teatro Maipo, um mês antes da chegada dos Oito Batutas à
Argentina. O jornal El Telégrafo
anunciava, precisamente em 05/11/1922, o seguinte, em
sua seção “El Cartel”: “MAIPO - (...) - Hoy, gran éxito de la troupe Guanabarina: fados y
maxixas; ...”. Pouco mais de um mês depois, já com os Batutas em Buenos Aires, o mesmo
jornal publica esta curiosa nota:
“EXCESOS CONDENABLES – Entre los 'Guanabara' y 'Los
Guanabarinos' desdoblamiento de una murga de bailarines y cantores
portugueses se ha planteado en lucha terrible.
Circulan por ahí unos volantes que horrorizarían hasta un carbonero del
'Guardia Nacional' por el estilo del lenguaje.
El mejor de los días se produce una tragedia. La Montenegro sola es capaz
de pelearse hasta con el Escuadrón de Seguridad” (El Telégrafo, BsAs,
22/12/1922).
Na data desta nota, conforme logo veremos, os Oito Batutas não estarão mais sendo
anunciados no Empire, mas sim no teatro Maipo, já sem menção a qualquer participação da
troupe Guanabarina, o que nos leva a crer que em dezembro de 1922 a colaboração entre as
duas companhias se limitou ao palco do Empire. Pois bem, a nota dá conta do que parece
ser um desentendimento entre uma troupe chamada Guanabara e outra chamada
Guanabarina, ou então da cisão em duas de uma única troupe original. O desentendimento
teria ganho caráter público pela circulação de volantes dos quais, mesmo sem que possamos
conhecer o conteúdo, podemos estimar que seriam escritos numa linguagem grosseira ou
imprecatória. Não pude obter informações sobre La Montenegro, cujo caráter aguerrido é
evocado pela nota. É interessante que os bailarinos e cantores envolvidos sejam designados
44
como portugueses. Tudo indica a existência de certa proximidade, no universo de
categorias nativas em exame, entre português e brasileiro, ou o que seria uma preocupação
atenuada em diferenciar estas duas coisas, algo bem diverso da preocupação oposta, de
justamente distanciá-las, crucial para certos setores no Brasil a partir da República. Daí
também a participação aparentemente não problemática de fados
49
e maxixes
50
dentro de
um mesmo repertório “típico” brasileiro em terras argentinas. Uma nota de La Argentina
que reproduzo logo a seguir exemplifica este ponto, com o interesse adicional de que trata-
se de um jornal argentino citando uma fonte chilena.
49
Segundo Menezes Bastos (2007a), a cristalização do fado como gênero musical nacional português na
passagem do século XIX para o XX corresponde a um desenvolvimento local de um sistema luso-
brasileiro do lundu-modinha, cuja contra-parte brasileira é caracterizada por uma profusão de rótulos –
“polca-lundu, polca-tango, habanera-tango-lundu, tanguinho, tango brasileiro, fado idem e outros mais” –,
ambas tendo entre si uma relação estrutural de transformação por inversão. Como temos visto, a
percepção desta profusão é operante, nos idos de 1923, no ponto de escuta argentino sobre o sistema
musical luso-brasileiro, com a possibilidade de uma distinção “frouxa” entre as categorias “brasileiro” e
“português”. De acordo com Tinhorão (1994: 49-50), o termo “fado” indicava originalmente uma dança,
ou conjunto de danças, de origem afro-brasileira praticadas no Rio de Janeiro desde fins do século XVIII.
Da Colônia, estas danças difundiram-se em direção à Metrópole onde sua música passaria por um
processo de transformações que desembocaria, em Lisboa, no século XIX, no fado canção, logo alçado à
categoria de gênero musical nacional daquele país. Ainda segundo Tinhorão (op. cit.: 54), “ao contrário do
que estava destinado a ocorrer em Portugal, não apenas essas cantigas do fado iam desaparecer sem deixar
memória no Brasil (...), mas a própria dança, recuando para pequenos centros da área rural ou da periferia
das cidades, não ultrapassaria o fim do século XIX, em contraste com o anterior lundu, até hoje dançado
às umbigadas em alguns pontos da Amazônia”.
50
O maxixe é uma música de dança (pares enlaçados) cujo surgimento aponta para a cidade do Rio de
Janeiro, mais especificamente no bairro da Cidade Nova, em fins do século XIX. De caráter
marcadamente urbano, resulta de uma série de transformações sofridas pelo lundu em seu encontro com a
polca, a valsa, o tango brasileiro e a habanera. Sobre este processo, cf. Menezes Bastos (2007: 17-19;
2007a) e Sandroni (2001: 62-83). Nas primeiras décadas do século XX o maxixe é largamente conhecido
no contexto internacional, sendo caracterizado por Menezes Bastos (op. cit.: 06) como a terceira onda
internacional de música popular brasileira. Em Montevideo e Buenos Aires, a análise de partituras
impressas mostra que as orquestras de baile dos anos 1920, em pleno reinado do tango, “incluíam também
em seus repertórios vários gêneros brasileiros
: fados, maxixes, baiões, sambas e marchas” (Domínguez,
2009: 77, grifos meus). Acrescente-se que tais gêneros (ou rótulos) estavam presentes também em
gravações de orquestras argentinas pelo menos desde a década anterior. Sérgio Pujol (1999: 74) situa o
período de maior popularidade da dança do maxixe na Argentina entre 1914 e 1922, esquecido depois,
segundo o autor, “em favor do samba”. O autor remarca a diferenciação do maxixe, em sua difusão
internacional, em dois tipos: “la maxixe popular – frenética y procaz como el tango canyenge de los
compadritos – y la maxixe ‘de salón’, que es la que se ensenã y pratica en las capitales. Se leerá en un
manual de baile de los 30: ‘Nosotros acojimos a la maxixe no para bailarla como en el Brasil, sino que
hemos hecho de ésta um baile de fantasía”.
45
A meados de janeiro de 1923 quando, como veremos, os Batutas atuavam na cidade
de Rosario, El Telegrafo dá conta da presença de Los Guanabarinos (agora, brasileños
51
)
em Mar del Plata: “Continua actuando con buen éxito en el teatro Odeón, de Mar del Plata,
la troupe brasileña Los Guanabarinos” (El Telegrafo, 14/01/1923). Em fevereiro, quando os
Batutas estarão em La Plata, “Los Guanabara”, junto com uma dupla de bailes modernos
chamada “Los Undarz”, fazem sucesso do outro lado da Cordilheira:
“LOS GUANABARA Y LOS UNDARZ – Esta troupé, de viejos
conocidos nuestros, están teniendo éxito al otro la de la cordillera.
Un colega chileno refiriéndose a ellos dice lo siguiente:
A pesar del éxito conseguido por la troupe Guanabara en el Esmeralda,
hoy es el último día de actuación del brillante conjunto. Compromisos
impostergables exigen que su despedida sea mañana.
El programa de hoy es una variado poutpourri en el cual hay cuadros
típicos brasileños y portugueses, fados, maxixas, batuques, etc.,
presentados con decorados magníficos que reflejan la famosa bahía de Río
de Janeiro o el interior de las selvas tropicales.
La pareja de bailes modernos, 'Los Unders' [sic], ha obtenido, por su
parte, un éxito completo. Su auténtico shymmie, por ejemplo, es obligado
a repetirse día a día. Como ya lo hemos dicho, 'Los Undars' bailan esta
danza conforme se bailaba en los cabarets neoyorkinos antes que fuera
prohibida a causa del abuso de algunas figuras que hacían ciertos
bailarines” (La Argentina, BsAs, 20/02/1923).
Finalmente, e recuando agora pouco mais de um ano, mencione-se que o jornal La
Razón, da cidade de Chivilcoy, em sua edição de 18/09/1921, permite saber que já naquela
data “Los Guanabara” atuavam no palco do Teatro Español daquela cidade
52
.
Ou seja, os indícios apontam para a possibilidade de que houvesse mais de uma
troupe chamada Los Guanabara/Los Guanabarinos, dedicada(s) à música portuguesa e/ou
brasileira em atuação na Argentina (e, como vimos, também em outros países da América
Hispânica, como o Chile) nos anos 1920, algo possivelmente associado a uma cisão num
grupo original. Infelizmente, não pude ir muito além nos detalhes a este respeito. Contudo,
51
Note-se, neste sentido, que o mesmo jornal, na nota de 22/12/1922 acima citada, referia-se ao grupo como
português.
52 Este mesmo seria o último teatro onde os Batutas seriam anunciados na Argentina, em fins de março de
1923, conforme se verá adiante.
46
pode ser que a inclusão de fados no repertório “típico” dos Oito Batutas tenha relação com
a junção de Los Guanabarinos à troupe.
Voltando agora aos primeiros dias dos Oito Batutas em Buenos Aires, temos que no
dia 14 de dezembro a programação do Empire aparece assim anunciada em La Nación
:
“EMPIRE THEATRE – Corrientes y Maipú. U. T. 0204, Avenida. - Hoy,
última función de despedida de la celebrada cancionista mejicana Evan
Stachino (programa selecto). Exito grandioso del nuevo programa
estrenado ayer por la famosa atracción Los 8 batutas, quienes
conjuntamente con la célebre troupe Las guanabarinas, cantan y danzan
nuevos fados y maxixas, una hora de espectáculo original, variado y
divertidísimo. El estreno de hoy: Kazan, superproducción Vitagraph en 8
actos. - Por secciones; función entera, tarde 2.60 $; noche, 3 $.
En breve, un gran debuto” (La Nación, BsAs, 14/12/1922).
La Nación anuncia as atrações do Empire em termos semelhantes até o dia 16 de
dezembro. No dia 15, o jornal Última Hora
, para quem o sucesso dos Batutas
definitivamente parece não cair muito bem, noticia as atrações do Empire nos seguintes
termos:
“EN EL EMPIRE – Anoche se despidió del público del Empire, la
elegante cancionista mejicana señorita Evan Stachino, que hoy se
presentará en el Maipo.
El programa del Empire queda circunscripto a 'Las ocho batutas', el
conjunto brasileño que debutó días atrás con amable succeso y que gusta
ahora decididamente por el esfuerzo de la troupe denominada 'Los
Guanabarinos'” (Ultima Hora, BsAs, 15/12/1922).
A nota reconhece, mas minimiza, o sucesso dos Oito Batutas, que estaria sendo
sustentado pelo “esforço” de Los Guanabarinos.
No dia 17, La Nación
anuncia, num espetáculo “especial para niños”, a última
apresentação dos Oito Batutas e Los Guanabarinos no palco do Empire Theatre:
“EMPIRE THEATRE - Corrientes y Maipú. U. T. 204, Avenida. - Traiga
usted sus niños, hoy damos un espectáculo para ellos, sumamente
divertido e interesante.
Hoy, en selecta, a las 18.30 y noche, a las 23.10, conjuntamente con el
notable estreno Goldwyn de Luxe: El as de corazones, por Leatrice
Yoyce, Lon Chaney y otras estrellas, se presentará la cantante de aires
rusos y romanzas en francés, la elegante y distinguida condesa, Srta.
47
Schonvaloff. A las 17.30 y 22.20, últimas funciones de Los 8 batutas,
quienes, conjuntamente con la troupe Los Guanabarinos, ejecutan un
selecto y nuevo programa de maxixas, fados y cantos, espectáculo
interesantísimo y divertido y especial para niños, en esta sección se exhibe
un film cómico notabilísimo. A las 16.30 y 21.30, el gran éxito de Jackie
Coogan en Ranita. A las 15.20, a pedido general, la monumental obra: La
vuelta al nido, si aún no ha visto usted esta magnífica obra, no deje de
verla, jamás la olvidará. - Función completa, tarde y noche: platea, 3 $;
palcos con 4 entradas, 15 $” (La Nación, BsAs, 17/12/1922).
Vale remarcar a ênfase dada pelo anúncio na realização de uma função especial
para crianças, justamente no dia em que os Oito Batutas se despedem do palco do Empire,
sendo que a tonadillera Evan Stachino já não figurava na programação daquele dia.
Infelizmente parece-me muito difícil ir além da mera especulação a este respeito. Seria uma
tentativa de Humberto Cairo de fisgar, com os Batutas e Los Guanabarinos, uma outra fatia
do mercado diante de uma eventual queda na bilheteria do Empire?
Seja como for, a partir do dia 18 de dezembro, Os Oito Batutas passam a ser atração
do teatro Maipo, situado a poucas quadras do Empire e também, na época, sob a direção de
Humberto Cairo. O Maipo, destinado a se tornar em pouco tempo o local mais célebre do
teatro de revistas de Buenos Aires, havia sido inaugurado em 14 de agosto de 1922 na rua
Esmeralda 443. Nesta época, aquele endereço já era amplamente associado ao mundo do
espetáculo: ali funcionaram o Scala, inaugurado em 07 de maio de 1908 e fechado em
dezembro de 1912, e o Esmeralda, inaugurado em 1º de outubro de 1915 e fechado em 13
de agosto de 1922, para renascer, no dia seguinte, sob a direção de Humberto Cairo, com o
nome que leva até hoje. Contribui para a aura “mítica” do lugar o fato de que foi ali, ainda
no Esmeralda, que se deu o debut formal do dúo Gardel-Razzano, acompanhado pelo
violonista José Ricardo, em 16 de setembro de 1916. Em 14 de outubro de 1917 o dúo
daria, naquele mesmo palco, a primeira audição do tango Lita, que depois, com o título de
Mi Noche Triste, passaria a ser considerado o primeiro tango-canção. Desde novembro de
48
1915 a sala contava com cinematógrafo (Szwarcer, 2003). Reproduzo abaixo o anúncio da
noite de inauguração do teatro Maipo:
“MAIPO (ex-Esmeralda) Esmeralda 443 – U. T.: 1982. Avda. Empresa
Humberto CAIRO. Hoy INAUGURACION con un extraordinario
programa cinematográfico. Gran orquesta bajo la dirección del maestro
Carlos MACCHIAVELLI y los tres estrenos: Nati, la Bilbainita, bailarina
española; Teresita Zazá, celebrada coupletista; Mario Pardo, célebre
cantor nacional a tres guitarras” (La Prensa, 14/08/1922, apud Szwarcer
2003:35).
De acordo com Ragucci (1992:16), a capacidade do Maipo era de 692 lugares. É
ainda este autor que nos informa que o teatro sofreria dois incêndios, em 1928 e 1943
53
.
Pois bem, a partir do dia 18 de dezembro, quando os Oito Batutas já não aparecem
na programação do Empire publicada nos jornais, a atração que os substitui naquela sala,
passando a dividir os espetáculos com os filmes, é uma cantora, chamada Srta. Schonvaloff,
cujo iminente debut já era anunciado no dia 17. A partir do dia 19 os artistas brasileiros
serão atração do recém inaugurado Maipo. Desde o dia 18 já podemos saber, contudo, que
o campo de atuação dos Oito Batutas na Argentina não vai se restringir a palcos de teatros e
que sua bandeira não será exclusivamente a da tipicidade brasileira. Vejamos:
“BAILE DE INOCENTES – La comisión de fiestas del Círculo de la
Prensa, está preparando con mucho entusiasmo el gran baile de Inocentes,
que tendrá lugar el 28 del corriente en el Coliseo.
Mlle. Maud Cernys y el bailarín Casimiro Aín, pareja de bailes modernos,
ha prometido su concurso, teniendo a su cargo diversos números. Han
sido contratadas dos orquestas: una típica dirigida por el maestro Berto y
el conjunto denominado 'Los Ocho Batutas', que ejecutará un variado
programa de one-step, fox-trots, maxixes y shimmys.
Las localidades, a precios relativamente económicos, serán puestas en
venta en esta semana” (La Fronda, BsAs, 18/12/1922)
54
.
53 Ainda segundo Ragucci (op.cit.), o Maipo substituiria o Esmeralda apenas em 1924. A data é equivocada,
segundo se vê nos dados levantados por Szwarcer (2003) e por mim mesmo nas notícias sobre os Batutas,
que confirmam que em dezembro de 1922 o teatro já se chamava Maipo.
54
No dia 23, o baile voltará a ser anunciado pelo jornal, sem citar agora as atrações, mas divulgando os
preços das entradas (La Fronda
, 23/12/1922). No dia 24 o baile é novamente anunciado, também sem
referência aos Batutas, mas comunicando que “La orquesta típica de Berto estrenará la noche de la fiesta
diversos tangos y fox trop [sic], especialmente escritos para el baile que organiza esta institución
celebrando el día de inocentes” (La Fronda
, 24/12/1922).
49
Em tempo voltaremos a falar deste baile, mas remarque-se, desde já, os gêneros
musicais que integram o repertório prometido por Los Ocho Batutas: one-steps, fox-trots,
maxixes e shimmys.
***
Quando sobem ao palco do Maipo, os Batutas já não são uma novidade na cidade,
sendo que passam a merecer uma cobertura muito mais discreta do que aquela dada à sua
estréia no Empire, dias antes. Com efeito, no dia 19, a programação do Maipo publicada em
La Nación
limita-se ao seguinte:
“MAIPO – Esmeralda 443 – Gran éxito de Los 9 [sic] Batutas (fados y
maxixas). Estrenos cinematográficos” (La Nación, BsAs, 19/12/1922).
Semelhante aviso se repete, neste jornal, até o dia 25. El Telégrafo, também no dia
19, publica:
“MAIPO (ex Esmeralda) – Empresa H. Cairo. - Hoy, gran éxito de Los 3
[sic] Batutas (fados y maxixas). Estrenos cinematográficos” (El Telegrafo,
BsAs, 19/12/1922).
Note-se a confusão com relação ao número de Batutas: nove segundo La Nación,
três segundo El Telégrafo
, podendo-se crer que se tratam de erros tipográficos, bastante
comuns no material consultado, especialmente quando se trata de nomes artísticos. No
repertório, “fados y maxixas”.
No dia 20 de dezembro, é Crítica
quem nos fala mais circunstancialmente sobre o
que se passa no palco do Maipo:
“DEBUTAN DOS BUENAS BAILARINAS EN EL MAIPO – El calor
no es óbice para que Cairo se amilane frente a las contrariedades de la
boletería, el hombre se las pasa cambiando y mejorando su programa. Al
éxito que van teniendo 'Los 8 batutas' ha enriquecido su espectáculo con
los populares y excelentes bailarines clásicos Kety Galantha y María
Chabelska, artistas que gozan entre nosotros de muchas simpatías, cosa
que pudieron probarlo anoche con motivo de su debut, logrando tener una
seción sumamente concurrida.
50
Sólo es de lamentar que no aprendan bailes nuevos y se concreten sólo a
interpretar lo conocido, no obstante esto fueron muy aplaudidos” (Crítica,
BsAs, 20/12/1922).
No dia seguinte, Última Hora nos dá a informação de que Los Guanabarinos
continuam junto com os Batutas no Maipo, reduzindo, no entender do jornal, a
“primitividade” do espetáculo e deixando-o mais “moderno”. O anseio por mais mulheres e
danças no número dos Oito Batutas, manifestado nas páginas deste periódico dias antes,
parece encontrar aqui alguma satisfação. As bailarinas Gala Chabelska e Ekatinina
Galantha, que dividiam o cartaz com os artistas brasileiros, são avaliadas pelo cronista de
Última Hora
, a quem já podemos ter como porta-voz dos interesses de um segmento
masculino do público, como artistas e como mulheres. Segundo o jornal, agradam em
ambos os quesitos, ficando apenas uma pequena restrição com relação à aparência de
bulldog de uma das bailarinas... Vemos, portanto, repetir-se aqui um modo de crônica,
recorrente especialmente em Última Hora
, que, mesmo reconhecendo o mérito dos artistas,
não perde a oportunidade de exercitar a ironia.
“LOS ESPECTÁCULOS DEL MAIPO – En esta elegante sala de la calle
Esmeralda se ha presentado la pareje [sic] de bailes clásicos formada por
Gala Chabelska y Ekatinina de Galantha, artistas que separados o unidos,
han tenido destacada actuación en los escenarios del género.
Gustan mucho, agasajándoseles como artistas y como mujeres; pues son
rostros agradables, no obstante ese cierto parentesco con la raza bulldog
que denuncia el perfil de la Chabelska. Además, no bailan de oído, como
tanto camelo suelto, que a fuerza de ayudas han llegado al Colón. La
Chabelska, en particular, es siempre interesante danzando.
Comparten con ellas el cartel Los ocho batutas, ese conjunto típico
brasileño, al que se han unido Los Guanabarinos. Con este refuerzo el
número ha perdido ese sabor tan primitivo que le hacia extremadamente
monocorde. Algo modernizado, resulta además. Por otra parte, entre Los
Guanabarinos hay una bailarina de danzas brasileñas que se mueve con
una soltura no exenta de distinción, que no es corriente hallar en estos
números” (Última Hora, BsAs, 21/12/1922).
De acordo com os jornais, os Oito Batutas seguem como atração do Maipo até o dia
26 de dezembro. Dois dias depois, atuarão como orquestra de baile, antes de deixar Buenos
51
Aires para tentar a sorte no interior do país. Voltarão à capital somente no carnaval, a
meados de fevereiro, com pelo menos um integrante a menos.
Note-se que 26 de dezembro era o vigésimo dia da estadia inicial dos Oito Batutas
em Buenos Aires. Considerando-se que no dia 18 eles não aparecem na programação do
Empire, passando a ser anunciados no Maipo apenas a partir do 19, é precisamente em 26
de dezembro que se completa o décimo nono dia de apresentações, número que coincide
com aquele mencionado na carta de José Segreto para a duração do contrato, aparentemente
encerrado de maneira antecipada e conflituosa, entre os Oito Batutas e Humberto Cairo.
Temos, então, como altamente provável, o fato de que no dia seguinte ao Natal de 1922
apresenta-se aos nossos músicos a necessidade de encontrar uma alternativa à proposta que
os havia “atraído”, para usar a expressão do próprio Segreto, à Argentina.
Seja como for, vimos acima que em 18 de dezembro La Fronda
já antecipava a
realização do baile de inocentes
55
, promovido pelo Círculo de la Prensa
56
, previsto para o
dia 28 na sala do Teatro Coliseo
57
. No dia do baile, encontramos o acontecimento sendo
anunciado pelo mesmo La Fronda
e por Última Hora, assim:
“EL BAILE DE INOCENTES – Se realizará esta noche a las 11, en el
teatro Coliseo el baile de Inocentes, organizado bajo los auspicios del
Círculo de la Prensa y en benefício de su Caja Social.
55
O Día de los Santos Inocentes, a 28 de agosto, evoca, na Espanha e outros países de língua espanhola, a
passagem bíblica da matança de crianças ordenada pelo rei Herodes. A comemoração da data, como no
caso do baile aqui em foco, não necessariamente se remete à substância religosa de sua origem. É também
um dia de brincadeiras de enganação, como o 1º de abril no Brasil.
56
O Círculo de La Prensa de Buenos Aires é uma importante associação de jornalistas fundada em 1891. Cf.
Fernandez (1943: 197-202).
57
O Teatro Coliseo Argentino, inaugurado em 1905, foi projetado pelo arquiteto Carlos Nordmann com a
intenção inicial de servir a espetáculos circenses, sendo que seu uso acabou se direcionando mais para o
teatro e a ópera. A sala, com capacidade para 2550 pesssoas, se celebrizou pela ótima acústica e por ter
sido o lugar de onde pela primeira vez se transmitiu por rádio uma ópera completa: Parsifal, de Richard
Wagner, em 27 de agosto de 1920. O teatro ficava em frente à Plaza Libertad, na rua Charcas 1125
(Llanes, 1968: 51-52). O Coliseo existe hoje no mesmo local, em prédio novo, no endereço da atual rua
Marcelo T. de Alvear 1125.
52
La Comisión de Fiestas se ha empeñado, una vez más por el buen éxito
del festival y ha trabajado con entusiasmo a fin de que el acto adquiera el
brillo y prestigio que le son ya característicos.
Espontáneamente la casa de los cuellos Tres V. V. V. ha hecho una
donación de diez libras esterlinas, en el deseo de contribuir en esa forma
al mejor éxito de la fiesta. También ha ofrecido adornar en forma original
y artística todos los palcos y obsequiar con un número de cornetas de
metal que se distribuirán a la concurrencia.
Prestarán su concurso los conocidos profesores de baile señores Casimiro
Ain y Mlle. Maud Gernys y Juan Carlos Herrera y la señorita Gaby
58
.
La ornamentación de la sala ha sido hecha con gran profusión de luces y
guirnaldas de flores naturales, presentando un aspecto sumamente
interesante, lo mismo que el hall del teatro.
Amenizará el baile dos orquestas dirigidas por el maestro A. P. Berto. Una
típica criolla y outra Jaz band [sic], de las 8 batutas que tocarán en forma
continuada.
Se ha establecido que se otorgará un único premio y que consistirá en las
diez libras esterlinas, antes mencionadas y serán entregadas a la mejor
pareja de bailarines.
Asistirán todos los artistas de la capital a dar mayor realce a la fiesta.
Los palcos y entradas están en venta en la secretaria del Círculo, Florida
478, hasta las 6 p. m., después se deben adquirir en la boletería del teatro.”
(La Fronda, BsAs, 28/12/1922).
Última Hora, por sua vez, resume as mesmas informações. Vejamos o texto
completo:
“BAILE DE INOCENTES – Recordamos que hoy a las 23, se realizará en
el Teatro Coliseo el Gran Baile de Inocentes organizado bajo los auspicios
del Círculo de la Prensa y en benefício de su caja social.
La comisión de fiestas se ha empeñado una vez más por el buen éxito del
festival y ha trabajado con entusiasmo a fin de que el acto adquiera el
brillo y prestigio que le son ya característicos.
Prestarán su concurso los conocidos profesores de baile señores Casimiro
Ain, Mile Maud Cornys, Juan Carlos Herrera y la señorita Gaby.
Amenizarán el baile dos orquestas dirigidas por el maestro A. P. Berto.
Una típica criolla y otra Jaz band [sic], de los 8 Batutas, que tocarán en
forma continuada.
Se ha establecido que se otorgará un único premio y que consistirá en diez
libras esterlinas a la mejor pareja de bailarines.
Asistirán todos los artistas de la capital a dar mejor realce a la fiesta.”
(Última Hora, BsAs, 18/12/1922).
58 É interessante notar que Gaby era o nome da companheira francesa do bailarino brasileiro Duque (Antonio
Lopes de Amorin Diniz, 1884-1953), natural da Bahia, professor de dança célebre no Rio Janeiro,
divulgador do maxixe nos salões parisienses e um dos principais articuladores da viagem dos Oito Batutas
a Paris em 1922. Não há indicações de que Duque tenha acompanhado os Oito Batutas à Argentina.
Tampouco há evidências que permitam confirmar a interessante hipótese de que a “profesora de baile” que
aparece nesta citação de La Fronda
seja a mesma Gaby de Duque. Sobre Duque, Gaby e a divulgação do
maxixe em Paris já em 1911, cf. Franceschi (2002: 155-157).
53
Chama a atenção o esmero dos preparativos, sendo divulgadas as providências de
ornamentação do salão, bem como a expectativa pela presença de professores de dança e
artistas renomados. O concurso de danças, com divulgação do valor do prêmio, também é
motivo de atenção especial das notas. Com relação às orquestras, é curiosa a menção de que
ambas, a típica criolla e a jazz-band dos Oito Batutas, seriam dirigidas pelo maestro A. P.
Berto
59
. Mas, vejamos os comentários que o baile mereceu no dia seguinte:
“Se realizó anoche el baile del Círculo de la Prensa – Revistió brillantes
contornos el gran baile de inocentes celebrado anoche en el Coliseo, bajo
el patrocinio del Circulo de la Prensa. Desde muy temprano, la amplia
sala, profundamente adornada e iluminada, se vió concurridísima. En los
palcos, totalmente ocupados, se notaba la presencia de conocidas actrices
de la escena nacional y extranjera, luciendo vistosos trajes y los clásicos y
llamativos mantones de manila, que ponían una nota de color y alegría al
ambiente.
Dos orquestas, una dirigida por el maestros [sic] Berto y la de 'Los ocho
batutas' amenizaron la fiesta, siendo bien aprovechadas las piezas que
ejecutaron por las numerosas parejes [sic] de bailarines, aficionados y
profesionales, que, se habían dado cita para optar al premio de diez libras
esterlinas, destinado a la mejor pareja.
En la mayor animación se prolongaba esta madrugada la danza”
. (La
Fronda, BsAs, 29/12/1922).
Note-se que agora a menção à direção de Berto é restringida à sua própria orquestra,
quem sabe, precisando uma informação eventualmente equivocada, dada no dia anterior.
De todo modo, parece-me de importância central o desaparecimento, na referência aos Oito
Batutas, da menção a qualquer tipicidade brasileira, sendo eles agora convertidos em tão
somente uma competente orquestra de baile, uma jazz-band cujas peças, assim como os
59
Augusto Pedro Berto (1889-1953), compositor, bandoneonista e diretor da mencionada orquestra típica,
contava naquela época com uma larga carreira no mundo musical de Buenos Aires, tendo sua orquestra
uma importante reputação, sobretudo ligada ao teatro e também à gravação de discos. Há menção de uma
viagem de Berto ao Brasil, provavelmente em 1926, onde teria acompanhado a companhia teatral de
Angelina Pagano em uma temporada na cidade de São Paulo (Zucchi, op. cit.: 295). A historiadora
Virgínia Bessa (comunicação pessoal) pôde confirmar que, de fato, a companhia de Angelina Pagano
esteve em temporada em São Paulo, no teatro Sant’Anna, entre 13 e 22 de março de 1926. Não consegui
novos dados sobre a efetiva participação de Berto nesta temporada. Seguindo ainda as referências sobre a
história do tango, no mesmo ano, Berto e sua orquestra empreendem uma longa viagem ao exterior,
acompanhando uma compahia teatral encabeçada pela atriz Camila Quiroga. Para informações
biográficas, artísticas e discográficas sobre Berto, conforme Zucchi (op. cit.: 281-312), Ferrer (1977: 291),
Assunção (1998: 158-159).
54
tangos da típica, foram “bem aproveitadas” pelos dançarinos no salão. Isto aponta para uma
transformação importante no seu modo de apresentação e no seu enquadramento naquele
universo cultural. De fato, como vimos, tudo indica que a primeira imagem assumida pelos
Oito Batutas na Argentina, nas salas do Empire e do Maipo, foi a de uma tipicidade
brasileira, figurada no repertório, na indumentária e nos aspectos coreográficos, tipicidade
esta que parece ter sido enquadrada, do ponto de vista da recepção, num esquema onde
aparece de maneira um pouco ambígua a distinção entre “brasileiro” e “português”. Esta
ambigüidade apareceu marcada, como vimos, sobretudo com relação à atuação de Los
Guanabarinos, naquela época já muito conhecidos na Argentina. Com os fragmentos de que
disponho, não se pode saber como teria acontecido o “acerto” para a atuação dos Oito
Batutas no baile – parece-me improvável que se tratassem ainda de agenciamentos do
empresário Humberto Cairo, considerando as já citadas indicações de que a ruptura entre
ele e o grupo se teria dado logo após o Natal. Então que outros canais teriam aberto esta
possibilidade para os músicos brasileiros? Difícil saber, mas, note-se que, como é
necessário supor, a pessoa que os contratou para atuar no baile deveria estar informada da
capacidade de adequação do grupo para aquela situação, de seu potencial de transformação
de um conjunto típico brasileiro que tocava para dançarinos no palco, em jazz-band,
responsável pela movimentação musical dos corpos no salão de danças. Nos jornais e
arquivos consultados, como em garimpagem no setor de fotos do Archivo General de la
Nación, não encontrei imagens desta memorável noite em que, provavelmente pela
primeira vez, os Oito Batutas dividiram o palco com uma orquesta típica em Buenos Aires,
num baile elegante na noite dos inocentes.
Com estas dançantes notícias, chegamos ao fim do que pude recolher sobre a
presença dos músicos brasileiros na cidade de Buenos Aires em dezembro de 1922. Vemos
55
que suas primeiras atuações foram em teatros/cinematógrafos respeitáveis (ou que, no
mínimo, tentavam construir e manter tal reputação). O Empire, com sua prematura morte, e
o Maipo, vivo até hoje, ficariam na memória, de qualquer modo, como lugares importantes
na história da música popular argentina, num tempo em que ela ainda era indissociável do
mundo do teatro e das variedades. Se nestas duas casas os Oito Batutas eram
principalmente (ou assim se desejava que fossem) acompanhadores de dançarinos no palco,
sua despedida desta primeira etapa em Buenos Aires se dá num baile, freqüentado, tudo
leva a crer, por estratos sociais de elite e onde seu público teria sido formado
fundamentalmente por dançarinos no salão, engajados em concurso para escolher a melhor
dupla. Com estes inícios aparentemente tão alentadores, os motivos exatos de terem optado
por deixar Buenos Aires partindo para o interior permanecerão algo obscuros, além da
indicação, mais ou menos certa, de que o contrato que inicialmente os mantinha na capital
fora rompido. De qualquer modo, o fato é que muitos artistas, nacionais e extranjeiros,
assim o faziam, confirmando a existência de um circuito de atividade artística importante
fora de Buenos Aires. Sem saber como teriam passado o Natal e o Revéillon de 1922,
vamos reencontrar notícias dos Oito Batutas a partir de 05 de janeiro, já não na Capital
Federal, mas na cidade de Rosario, provincia de Santa Fé.
R
OSARIO: ÉDEN PARK E CINE SAN MARTÍN
Em Rosario
60
, o jornal La Capital
61
de 04 de janeiro de 1923 anuncia assim a
programação do Eden Park
62
:
60 Situada a 300 Km a noroeste de Buenos Aires, subindo o curso do rio Paraná, Rosario é, já na época em
questão, um importante centro portuário, a maior cidade da província de Santa Fé e – excetuando-se
Buenos Aires, cuja centralidade já não tem paralelos no país – uma das mais importantes da Argentina.
Segundo o Censo Nacional de 1914 (INDEC, SD), Rosario contava então com uma população de 222.592
56
“Eden Park – Hoy dos grandes funciones, por la tarde, a las 17 y por la
noche a las 21. Gran orquesta de 20 profesores. Funcionarán todas las
diversiones y juegos. En escena gran éxito Rowland malabarista
excéntrico y Kitty Grenelle, bailarina inglesa. Entrada general por la tarde
0.20. Noche 0.30.
Viernes, 5 grandioso debut 'Los 8 baturros'
63
[sic] costumbrse [sic]
brasileras y de la pareja carioca
64
'Os Suitz' [sic], gran número de
atracción” (La Capital, Rosario, 04/01/1923).
No dia 05, sai neste mesmo jornal um aviso pago, sobre as atrações a debutar no
Eden Park, agora anunciando corretamente “Los 8 batutas”, e ainda “Os Suitz” para Les
Zuts.
No dia seguinte, La Capital anuncia a seguinte programação para o Eden Park:
“Eden Park – Hoy dos grandes funciones; por la tarde, a las 17 y por la
noche a las 21.
Gran orquesta de 20 profesores. Funcionarán todas las diversiones y
juegos. En escena gran éxito 'Los 8 batutas', costumbres
65
brasileras y de
la pareja carioca Os Suitz, gran número de atracción. Entrada general por
la tarde 0.30 con derecho al teatro, noche 0.50, con derecho al teatro” (La
Capital, Rosario, 06/01/1923).
Semelhante anúncio se repete neste jornal até o dia 11 de janeiro, sendo que a partir
do dia 08 os preços anunciados das entradas são reduzidos para 0.20 tarde e 0.30 noite
66
.
hab. (a população da Capital Federal neste mesmo momento é de 1.575.814 hab.). Sobre o panorama
artístico e do espetáculo em Rosario, incluindo algumas informações sobre o período histórico em questão,
conforme Zinni (1995, 1996, 1997).
61
Com seu sugestivo nome, este jornal, em circulação até hoje, foi fundado por Ovidio Lagos em 15 de
novembro de 1867. O periódico adotou diferentes alinhamentos políticos, mas seu surgimento estava
alavancado na idéia central de promover Rosario a capital do país, num alinhamento ao primeiro grupo no
contexto da oposição entre federalistas e unitários, estes últimos defendendo a centralidade de Buenos
Aires (Cf. Ulanovsky, 2005: 15-16).
62 O Eden Park, inaugurado em 1918, ficava na Avenida Pellegrini 1251 e era um local de diversões ao ar
livre onde se ofereciam espetáculos teatrais, de variedades e musicais, aparentemente muito em moda e
bastante freqüentado quando da passagem dos Oito Batutas por lá (Zinni, 1996:07-08). Tudo leva a crer
que era um tipo de ambiente mais próximo do circo do que da ópera, conforme o modelo de polarização
social do consumo artístico da época em Buenos Aires, proposto por Pasolini (1999). Note-se que, em
casos como sua passagem pelo Coliseo em Buenos Aires, discutida acima, os Oito Batutas aproximavam-
se mais do segundo pólo.
63
No anúncio seguinte o erro já aparece corrigido.
64
“Carioca”, na Argentina de então, como eventualmente acontece ainda hoje, não aponta necessariamente
para alguém natural do Rio de Janeiro, podendo ter o sentido geral de “brasileiro”. Me parece que algo
semelhante eventualmente acontece no Brasil, onde “portenho” pode às vezes ser usado em referência a
qualquer pessoa ou coisa de origem argentina, não necessariamente de Buenos Aires.
65
Sobre o sentido de “costumbres”, remeto o leitor à nota 29, sobre a “gracia costumbrista”.
66 Note-se que são preços muito inferiores ao que se pagava para ver e ouvir os Batutas em Buenos Aires,
57
No dia 11, junto com a última apresentação dos Oito Batutas e “Os Suitz”, o Eden Park
anuncia para “Mañana grandioso debuto del trío Los Alcazar's
67
, bailes y cantos”, sendo
mantidos os preços “rebaixados” de 0.20 e 0.30. No mesmo dia 11 e no mesmo periódico, é
anunciado para “Mañana en escena: grandioso debuto 'Los 8 batutas', costumbres brasileñas
y de la pareja de bailes carioca Os Suitz”, no palco do Cine San Martin
68
(La Capital,
Rosario, 11/01/1923).
No dia previsto, a programação da sala é anunciada da seguinte forma:
“Cine San Martín – A las 14.30: 'El alma ausente', 50 partes; 'Dientes de
acero', 25 partes; 'La falsa hija', por Emma Gormann. Platea 0.30.
A las 18: 'Las apariencias engañan', 45 partes, por Marie Prevost; en
escena debuto 'Los 8 batutas', costumbres brasileñas.
Platea 0.50.
Noche: 'Dientes de acero', por R. Denny; 'La falsa hija', 50 partes
69
; 'Las
aparencias engañan', drama; en escena 'Los 8 batutas'. Platea 0.60.
Mañana, grandioso estreno 'Destino' o 'La venganza del mendigo'” (La
Capital, Rosario, 12/01/1923).
Note-se o aumento dos preços das entradas com relação ao que se cobrava no Éden
Park, e outro dado que chama a atenção: não são anunciados “Os Suitz”. Os Oito Batutas
seguem sendo anunciados assim, em sessão dupla (como de costume), e sem “Os Suitz”, no
Cine San Martín até o dia 14 de janeiro – uma temporada mais curta do que aquela no Éden
Park, portanto.
sendo que o teatro Empire, por exemplo, chegou a cobrar $3,00.
67 Cordero (1999: 42) menciona o Alcázar entre os “tríos lírico-danzantes” de maior renome entre o público
porteño na época. Sua atuação no Éden Park de Rosario serve como indício de que o roteiro seguido pelos
Oito Batutas fora da cidade de Buenos Aires era uma alternativa usual para artistas atuantes nos palcos da
Capital Federal.
68 Sobre o Cine San Martín tenho a seguinte referência: “El Gran Café de la Bolsa – que con el tiempo
devendrá en Cine San Martín – ubicado en la calle San Martín 681, es un gran café con cinematógrafo que
tiene funciones todas las noches y matinée todos los días. Según sus empresarios es 'el salón más amplio
de Sud América y en condiciones de absoluta seguridad e higiene', poseyendo, además, 'instalaciones
frigoríficas y luz eléctrica próprias'” (Zinni, 1995: 14).
69
Era usual a divisão dos filmes em diversas partes em seqüência.
58
Assim, apenas três dias depois de seu debut naquela sala, o Cine San Martin
anuncia, em sua programação publicada em La Capital, a despedida dos Oito Batutas. A
programação completa da sala daquele dia foi a seguinte:
“Cine San Martín – A las 14.30 – 'Amor y gasolina', cómica 'Las
aventuras de Robinson Crusoe', estreno del 5, 6, 7 y 8 episodios.
'Actualidades no. 2'. 'Barranca abajo', 50 partes.
Platea 0.40.
A las 18 – 'Alias dedos de dama', 45 partes por Bert Lytell. En escena,
despedida de 'Los 8 batutas', costumbres brasileras.
Platea 0.60.
Noche – 'Amor y gasolina'. 'Barranca abajo', por M. Selenska.
'Actualidades no. 2'. 'Alias dedos de dama', comedia dramatica. En escena
despedida de 'Los 8 batutas'.
Platea 0.70.
Mañana debuto – 'Agustín y Hartley', excéntricos saltarines cómicos. 'A
raza vieja sangre nueva' estreno” (La Capital, Rosario, 14/01/1923).
Note-se a natureza da atração que substitui os Oito Batutas no palco do Cine San
Martín: “excéntricos saltarines cómicos”, evidenciando o caráter caleidoscópico do mundo
das varietés.
A última menção à passagem dos Oito Batutas por Rosário que pude encontrar não
vem de um jornal desta cidade, mas de El Telégrafo
, de Buenos Aires. Na seção
“Telegraficas”, que dá notícias curtas sobre o panorama artístico do interior do país,
aparece a seguinte nota:
“En el teatro de La Comedia, de Rosario, están actuando con éxito 'Los 8
batutas', pintoresco conjunto de cantos y bailes típicos del Brasil que
conocimos aquí en el Empire” (El Telégrafo, BsAs, 15/01/1923).
Ainda durante o exame dos jornais portenhos, esta foi a nota que me levou a buscar
pistas dos Oito Batutas em Rosario a partir de janeiro de 1923. Como vimos acima, de fato
os encontrei, atuando no Eden Park e no Cine San Martín, contudo não encontrei em La
Capital qualquer menção aos músicos brasileiros no tal teatro La Comedia na data citada
59
por El Telegrafo. La Capital foi o único jornal de Rosario ao qual tive acesso
70
. Assim,
permanece o mistério sobre este possível terceiro local de apresentação dos Oito Batutas
em Rosario. Considero a possibilidade de que a notícia das apresentações dos Oito Batutas
em Rosario tenha chegado algo tardiamente à redação de El Telegrafo
em Buenos Aires, e
não está excluída a possibilidade de um engano com relação ao nome do teatro onde se
estariam dando as apresentações. Seja como for, após sua última apresentação no Cine San
Martín, em Rosario, os Oito Batutas não tardariam a seguir viagem, endireitando mais 400
Km para noroeste: a partir do dia 18 de janeiro são anunciados, com pompa, na cidade de
Córdoba, capital da província de mesmo nome.
C
ÓRDOBA: CAFÉ (OU CINE) DEL PLATA
De fato, naquele 18 de janeiro de 1923, a programação publicada do Cine del
Plata
71
, em Córdoba
72
, inclui o anúncio do debut iminente dos Oito Batutas, da seguinte
forma:
70 Diferentemente dos jornais de Córdoba, Río Cuarto, Chivilcoy e La Plata, além de Buenos Aires, que
consultei em arquivos e hemerotecas das próprias cidades, a única instituição que guarda, em Rosario, o
material hemerográfico da época em tela estava fechada, e seu acervo indisponível, durante meu período
de campo. Afortunadamente, a Biblioteca Nacional, em Buenos Aires, conserva La Capital
, de Rosario,
que pude então consultar ali.
71 Na impossibilidade de encontrá-lo pessoalmente quando de minha estadia em Córdoba, seguindo uma
sugestão que recebi da diretora do Arquivo Histórico da cidade, comuniquei-me por carta desde Buenos
Aires com o historiador Efrain U. Bischoff, nascido em 1912, reconhecida autoridade sobre a história de
Córdoba, que respondeu amavelmente ao meu contato. O professor não soube dar notícia sobre a
passagem por lá dos Oito Batutas (quando ele contava com dez anos de idade), mas sobre o Café del Plata,
que chegou a freqüentar, escreveu-me: “Cuando a fines de la década de 1910, el gobierno de la
municipalidad, quiso tener un informe de cómo se encontraban dichas salas, se comisionó al ingeniero
Marcelo Garlot y a otros funcionarios, quienes respondieron con detalles del funcionamento de esas salas.
Es así que el señor Risler, de la Dirección de Edificación, informaba acerca de la confitería donde se
ofrecía biógrafo, expresando: '...En esta condición puedo citar el Café del Plata, donde de noche y de tarde
a la hora del vermouth hay una aglomeración imensa de público; llegan momentos en que no hay pasillos
ni lugar donde moverse. Imagínese lo que sucedería en caso de incendio o accidente con todas esas mesas,
sillas, botellas, vasos, etcétera'”. Ainda segundo Bischoff, o Del Plata chegou a intitular-se “el mejor salón
de Córdoba” e foi, a seu tempo, “la catedral del varieté”. Efetivamente incendiou-se nos anos 1930, tendo
sido reinaugurado em 6 de dezembro de 1946 (Bischoff, 2007, comunicação pessoal).
72 Capital da província homônima e situada a aproximadamente 700Km de Buenos Aires, Córdoba é também
60
“Mañana viernes 19, se producirá el debut más sensacional por la
magnitud de su conjunto artístico, aplaudido en todos los teatros de
América del Sud, 'Los Batutos' [sic], troupe brazileira de cantos, bailes y
música típica de aque [sic] país. Seleccionados componentes que el
gobierno del Brasil brindara a la delegación argentina en las fiestas del
centenario y que tanto elogiara la prensa en general.
Con el debut de 'Los Batutos' [sic], el público de Córdoba tendrá ocasión
de admirar la originalidad del verdadero arte regional brasilero” (La Voz
del Interior
73
, Córdoba, 18/01/1923).
Note-se a interessante menção ao fato de que os Batutas teriam sido apresentados à
delegação argentina durante as comemorações do centenário da independência do Brasil
que, aliás, tiveram uma atenção relativamente ampla da imprensa argentina. Segundo as
fontes disponíveis, os integrantes dos Oito Batutas, então recém-chegados de Paris, de fato
fizeram parte de uma orquestra organizada por Pixinguinha para participar das
comemorações do Centenário, um grande acontecimento, com uma exposição que teve
lugar no espaço criado pelo arrasamento do Morro do Castelo
74
, onde vários prédios foram
construídos especialmente para o evento, na região central da cidade do Rio de Janeiro. A
orquestra apresentou-se no pavilhão da General Motors durante os dias da Exposição
75
.
Não encontrei, na bibliografia, qualquer menção a uma apresentação “oficial” dos Batutas a
uma importante cidade da Argentina. Sua importância histórica como centro universitário está relacionada
à presença de ordens religiosas como a Companía de Jesus. Ali foi criada a primeira universidade da
Argentina, em 1613. Em 1918 a cidade foi palco de um movimento estudantil que resultou na Reforma
Universitaria de Córdoba (sobre a reforma, cf. Chiroleu, 2000). O Censo Nacional de 1914 registra na
cidade uma população total de 134.935 hab. (INDEC, SD). Sobre a vida teatral em Córdoba no início do
séc. XX – com exclusão das varietés –, conforme Frega et alli (2004).
73
Jornal fundado em 15 de março de 1904 e que segue em circulação (Ulanovsky, op. cit.: 52). Era um
periódico politicamente alinhado ao radicalismo e seu primeiro diretor foi Juan D. Nasso Prado. Outro
jornal importante que circulava na época na cidade de Córdoba era Los Princípios, fundado em 1894 sob a
direção de Juan M. Yániz y Paz, “con el sagrado deber de difundir sanas ideas y principios de orden”,
conforme seu primeiro editorial (Bischoff, 1970, Tomo III, p.187). Consultei Los Princípios para o período
da temporada dos Batutas em Córdoba, sem encontrar qualquer referência à troupe brasileira.
74
A destruição do Morro do Castelo, que teve na preparação da Exposição do Centenário uma de suas
principais justificativas, foi um episódio até hoje cercado de controvérsias. Envolveu o desalojamento da
população que vivia no Morro, no contexto de um afã de modernização urbanística que mudou bastante a
paisagem da Capital Federal nas primeiras décadas do século XX. Para um interessante estudo, ricamente
ilustrado, sobre este episódio, conforme Santos (2000). O prédio onde funciona hoje a sede da Praça XV
do Museu da Imagem e do Som é um remanescente dos pavilhões construídos para a Exposição do
Centenário.
75
Cf. Cabral (op. cit.: 102-103). Silva e Oliveira Filho (op. cit.: 70) incluem a informação de que os Batutas,
durante a Exposição, ter-se-iam apresentado também na Embaixada Americana.
61
representantes argentinos. O único dado que talvez aponte neste sentido é a afirmação feita
pelo empresário José Segreto, na sua já citada carta ao cônsul brasileiro em Buenos Aires,
de que as primeiras negociações entre o empresário argentino Humberto Cairo e os Oito
Batutas (especificamente na pessoa de China, segundo Segreto) teriam contado com a
intermediação do cônsul argentino no Brasil. Não é descartada, portanto, a hipótese de que
um primeiro contato entre este cônsul e os Batutas tenha acontecido na Exposição. Da
mesma forma, não encontrei quaisquer indícios de alguma eventual participação dos Oito
Batutas em eventos oficiais na Argentina envolvendo relações diplomáticas entre os dois
países
76
.
Mas, voltando a Córdoba, temos que, no dia seguinte, o anúncio da estréia,
publicado na seção “Teatros” do mesmo jornal, já leva corrigido o nome do conjunto, e dá
notícia de que os Batutas seguem acompanhados por Les Zuts:
“LOS 8 BATUTAS – Hoy debutarán en El Plata – En el salón del Cine-
Bar-El Plata debutará esta noche un número originalíssimo, denominado
'Los 8 Batutas'. Dicha atracción se especializa en los bailes y canciones
típicas brasileras, consistentes en fados, zapateados, gatos
77
y maxixas.
Acompañan a 'Los 8 Batutas' la pareja de bailarines 'Zust', compuesta por
Sofía de González y Tomasito, los cuales se dedican a las maxixas
fantasías de salón y números de cabaret” (La Voz del Interior, Córdoba,
19/01/1923).
76
Neste sentido, é interessante notar que, em sua viagem a Paris, os Oito Batutas tinham contado com o
apoio, entre outras figuras influentes, do então Ministro das Relações Exteriores brasileiro, Lauro Müller,
e do milionário Arnaldo Guinle. Embora aquela viagem não tenha tido um caráter oficial de representação
diplomático-cultural, as controvérsias veiculadas na imprensa em torno dela, em grande parte a tomaram
como se fosse (Cf. Menezes Bastos, 2005). Não encontrei vestígios de alguma provável participação, seja
de Müller, seja de Guinle, na ida dos Batutas à Argentina. Minhas consultas à Embaixada e ao Consulado
brasileiros naquele país redundaram sempre na orientação de que quaisquer documentos que pudessem
existir a este respeito estariam guardados no Brasil. Foi desta forma que cheguei – e somente a elas – às
duas cartas citadas no Prelúdio, obtidas no Escritório de Representação do Ministério das Relações
Exteriores no Rio de Janeiro, através da colaboração do Sr. José Luiz Barros de Miranda.
77
O gato é um gênero tradicional de música e dança característico da região do noroeste argentino,
especialmente da província de San Juan, fronteiriça com o Chile. A música é cantada a uma ou duas vozes
com acompanhamento de violões ou, mais raramente, apenas instrumental, com acordeom e violão. Os
dançarinos formam pares separados. Cf.
http://www.fundacionbataller.org.ar/enciclopedia_visual/paginas/ritmos_folkloricos.php, consultado em
23/08/2009.
62
Note-se a diferença nos nomes dos dançarinos, que haviam sido declarados como
Sofia Gonçalves e Antonio Gonçalves às autoridads imigratórias. Outro ponto importante
que aparece neste anúncio é a qualificação do maxixe (que troca de gênero em espanhol,
virando “maxixa”) como uma “fantasia de salão”. Já vimos acima, inclusive, menções à
inclusão do maxixe entra as danças com as quais se realizavam concursos
78
. Não sei a que
vem a inclusão, na nota, de gatos no repertório dos Oito Batutas.
Ainda no dia 19, a seção “Espectáculos” dá a programação completa do Cine del
Plata, com destaque para os Batutas:
“Cine del Plata – Para las funciones de hoy se ha confeccionado un
interessante programa de notables films y más del sensacional debut de la
troupe 'Los Batutos' interesante número de varietés en cantos, bailes y
música regional del Brasil.
En la sección café, 'El telón de seguridad', drama en 7 actos por Norma
Talmadge.
En la seción vermouth, 'La línea del corazón' drama en 7 actos por Leah
Baird y el muy interesante debut de 'Los Batutos', número de bailes,
cantos música regional [sic].
Por la noche, 'Noticiario Universal' natural en 1 acto; 'La línea del
corazón' y a continuación se presentarán nuevamente 'Los Batutos'” (La
Voz del Interior, Córdoba, 19/01/1923).
Os Batutas seguem em Córdoba, em cartaz nas seções vermouth e noite
79
do Cine
El Plata, até o dia 23 de janeiro, sendo que no dia 20, na seção noite, anuncia-se uma
renovação do repertório. No cabo da temporada, a programação daquela sala de espetáculos
aparece assim:
“Cine del Plaza [sic] – En las funciones de hoy, se pasará el siguiente
programa de films:
En seción café, 'Elegancia a plazos', cómica en 1 acto y 'Bajando los
humos', comedia en 6 actos por Wanda Hawley.
En seción vermouth, 'Bien por bien', drama en 3 actos, por Neal Hart. 'La
señal de peligro', drama en 3 actos por Helen Gibson, y última función de
78
Neste ponto, há uma diferença com relação ao contexto europeu, onde o maxixe, não era classificado
como uma dança “standard”, ou seja, apropriada para concursos (Menezes Bastos, comunicação pessoal).
79
A seqüência café – vermouth – noite parece marcar uma periodização seqüencial da jornada de
espetáculos. Não disponho de mais dados sobre a que horas do dia correspondem estas seções.
63
'Los Batutas' [sic] celebrado número de cantos, bailes y música regional
brasileña.
Por la noche, 'Elegancia a plazo', muy cómica en 1 acto; 'El emporio
balneario', cómica en 2 actos; 'Bien por bien', drama en 3 actos por Neal
Hart; 'La señal del peligro', notable drama en 3 actos por Helen Gibson y
por última vez se presentarán 'Los Batutas' número de cantos, bailes y
música regional del Brasil” (La Voz del Interior, Córdoba, 23/01/1923).
Note-se que os artistas brasileiros são anunciados apenas como “Los Batutas” (sem
o “8”). Esta designação do grupo, sem precisar o número de integrantes, permanecerá
aparecendo assim nos jornais até que a troupe deixe a província de Córdoba, depois de
passar por Río Cuarto, e reapareça na de Buenos Aires. Com isto, estão todas as referências
que pude obter sobre os Batutas – e Les Zuts – na cidade de Córdoba. De maneira
semelhante aos registros da passagem do grupo por Rosario, nota-se que não houve, além
dos anúncios de caráter publicitário, um maior interesse dos jornais locais em fazer críticas
e comentários à maneira daqueles que apareceram na imprensa portenha quando de sua
estréia no Empire.
I
NTERVALO: ROSITA E MACARENO, BAILARINOS, E A PREPARAÇÃO PARA O CARNAVAL
Após a temporada dos Batutas, em Córdoba o Cine El Plata complementa sua oferta
cinematográfica com a atração “Las Crisálidas” - “notable pareja de cantos y bailes
internacionales” (La Voz del Interior, Córdoba, 24/01/1923). Aliás, quando os Batutas
estrearam em Córdoba no dia 19 de janeiro, substituíram, no palco do Cine el Plata, uma
outra dupla de cantos e bailes, chamada Rosita y Macareno. Esta dupla estará de volta
àquele palco lá por fins de janeiro, depois da passagem dos Batutas por lá. A fim de ter uma
noção destas idas e vindas das atrações pelos palcos, tão características do universo das
varietés, e também como maneira de aproximarmo-nos um pouco mais daquele mundo,
64
demos uma última olhada no que se passava no Cine El Plata de Córdoba, numa data em
que os Batutas já andariam por outros lugares.
“Cine del Plata – En este siempre popular y concurrido cine bar se ha
confeccionado para las funciones de hoy un interesante programa de
notables films.
Todos los días en la sección vermouth por la mañana se harán
exhibiciones de tango y shimmy por la notable pareja de bailes 'Rosita y
Macareno', artistas cuya familiarización y gentileza con nuestro público,
los ha llevado al más allá de los éxitos, siendo un verdadero suceso su
estadía en el Plata.
Para los futuros concursantes de los bailes de carnaval es una oportunidad
que no deben despreciar.
En la seción café, se pasarán: 'Deberían dormir los serenos', cómica en 1
acto y 'Dos semanas con un goce de sueldo' comedia en 6 actos por Bebé
Daniels.
En la seción vermouth, 'La mujer domina', cómica en 2 actos; 'El país de
las esperanzas', notable drama en 6 actos por Alice Brady y actuarán a
continuación 'Rosia y Macareno', eminentes bailarines y la pareja de
cantos y bailes internacionales 'Las Crisálidas'.
Por la noche, 'Deberían dormir los serenos', muy cómica en 1 acto; 'La
mujer domina', cómica en 2 actos; 'El país de las esperanzas', notable
drama en 6 actos por Alice Brady, actuando los números de varietée de la
seción vermouth a continuación” (La Voz del Interior, Córdoba,
30/01/1923).
É ainda a renovada presença de Rosita y Macareno no El Plata de Córdoba, depois
de uma temporada de cinco dias dos Batutas, que nos traz preciosas indicações sobre a
intensa procura do público pelos ensinamentos coreográficos dos dançarinos, em função da
fascinação pela dança e sua performance – competitiva – nos bailes. O carnaval seria,
provavelmente, o momento do ano onde tudo isto se intensificava. Vejamos:
“ROSITA Y MACARENO – Un filón a explotar – Desde ayer la pareja
de bailes denominada Rosita y Macareno, actúa en las seciones vermouth
del Plata, dando exhibiciones de tango y de shimmy, a efectos de
encarrilar a los aficcionados a Terpsícore, que se proponen presentarse en
los bailes de carnaval.
Rosita y Macareno, dos simpáticos muchachos son los encragados de ese
malabarismo coreográfico que se llama Shimmy, el cuál según aseguran
los entendidos es una derivación de los 'tiritadores del corso'...
Con motivo de la novedad apuntada el vermouth de la mañana en el
[palavra ilegível. Provavelmente “Plata”] constituye un suceso, dado el
enorme número de aficionados” (La Voz del Interior, Córdoba,
31/01/1923).
65
O popular casal de dançarinos ampliava seu repertório de danças, incluindo o
maxixe entre shimmys, fox-trots e tangos:
“Rosita y Macareno – En El Plata, siguen actuando con un éxito rotundo,
la pareja de bailes del epígrafe una de las más celebradas de este salón.
En el vermouth de la mañana, este número actúa bailando Shimmys,
tangos, maxixas, fox-trot etc, a efectos de dar exhibiciones a los bailarines
de Carnaval.
Hay número para rato, pues El Plata se ve repleto de aficionados a los
bailables de carnestolendas” (La Voz del Interior, Córdoba, 01/02/1923).
Para finalizar as referencias a estes bailarinos, gostaria ainda de reproduzir o texto
que anuncia sua última apresentação, a noite de seu “benefício”
80
, que sai com uma foto
dos artistas, no dia 09 de fevereiro.
“EN EL PLATA – Se benefician hoy Rosita y Macareno – Hoy se
beneficia en la Confiteria del Plata la pareja de bailes Rosita y Macareno,
elemento que ha merecido los más elogiosos y sinceros aplausos por su
lucida actuación.
Esta pareja ha sido uno de los números que más éxito ha obtenido en este
acreditado café, demostrando ser verdaderos cultores en el difícil arte
coreográfico pues lo mismo se lucen en bailes clásicos, como en el
cadencioso y monorrítmico tango o en deconcertante y epiléptico shimmy,
al igual que en una 'pataita'
81
.
Estas cualidades que muy poco elemento de su clase que nos han visitado
han poseído constituyen de por sí un factor más que suficiente para
asegurar a la sala un lleno completo pues las últimas exhibiciones dadas al
mediodía han contribuído eficazmente a marcar rumbos para los
candidatos que piensan disputar los premios en los próximos concursos
carnavalescos, circunstancia ésta que de por sí sola y sin mayores
comentarios habla respecto a sus méritos indiscutibles.
Dados los antecedentes apuntados, no es aventurado augurar a los
beneficiados un exitazo obteniendo así lo que en justicia se merecen, pues
estamos convencidos de que el público sabe apreciar los méritos de los
buenos artistas, como ha podido demostrarlo lo hecho significativo de que
en las secciones vermouth del Plata estaban repletas de concurrencia
deseosa de presenciar las exhibiciones” (La Voz del Interior, Córdoba,
09/02/1923).
80
O “benefício”, bastante comum no mundo teatral de então, era uma sessão especial para o levantamento de
fundos com algum fim específico, que poderia ser desde a doação para instituições de caridade até, como
comumente acontecia, para os próprios artistas – notavelmente no fim da temporada – ou, mesmo, em
favor do caixa do teatro. Cf. Pasolini (op. cit.: 271, nota 89).
81
Não conheço o significado deste termo.
66
Os Oito Batutas, aprentemente, não mereceram tantas lôas e saíram de cartaz, na
cidade de Córdoba, silenciosamente. Quando, ao iniciar fevereiro, as demonstrações
matinais de Rosita e Macareno causam furor na capital da província, vindo ao encontro de
um público ávido por preparar coreograficamente seus corpos para o carnaval, os Batutas já
se encontram mais ao sul, precisamente na pequena cidade de Río Cuarto, que assistiria,
além das performances musicais do grupo, um curioso sucesso envolvendo um de seus
integrantes.
R
ÍO CUARTO: TEATRO CINE EL PLATA, TEATRO MUNICIPAL. JOSUÉ DE BARROS,
PROFESOR DE CIENCIA Y AUTOSUGESTIÓN HIPNÓTICAS”, SE FAZ ENTERRAR VIVO.
Geralmente, é difícil, pela falta de registros, a descrição do ambiente físico das
casas de espetáculos onde os Batutas se apresentaram, problema que se acentua quando se
trata de cafés e outros estabelecimentos de menor importância cuja memória, quando existe,
é muito fragmentada. Em Río Cuarto
82
, os Oito Batutas apresentar-se-iam inicialmente num
local chamado também El Plata, homônimo daquele pelo qual passaram na capital da
província. Temos do lugar uma pitoresca descrição que aparece numa reportagem intitulada
“Notas de Río Cuarto”, publicada em La Voz del Interior
, de Córdoba, em 23 de janeiro de
1923. Transcrevo a seguir o trecho onde o “enviado especial” da capital descreve o El Plata
de Río Cuarto, onde poucos dias depois estariam atuando os Batutas.
“El salón El Plata – La nota triste – De la sencillez y poca aspiración por
el lujo de los 'imperialistas', es un vivo ejemplo, un galpón de lata y
madera, sucio y destartalado, a donde la gente asiste por la tarde y por la
noche a ver los espectáculos del teatro y del cine. Este café es El Plata,
situado frente a la plaza principal, y obligado centro de reunión.
Realmente no existen ordenanzas municipales, o el señor intendente a
82 Em comparação com aquelas por onde os Batutas já haviam passado na Argentina, Río Cuarto, situada
260 Km ao sul da cidade de Córdoba, e apesar de ser já naquela época a segunda maior cidade da
província, aproximava-se mais de uma pequena cidade do interior. Sua população, segundo e Censo
Nacional de 1914, era de 29.574 hab. (INDEC, SD).
67
pesar de sus buenos propósitos, no ha hecho cumplir las existentes, pues,
este café no solo es cine y teatro, sino que abarca todas las actividades
posibles. Se requiere una ordenanza que rija su competencia, y otra que
vele por su higiene. Es el salón de moda. Teatro de la sala de espectáculos
– por las cuales se cobra subidos precios – se hayan distribuidas
profusamente mesitas de servicio. Los mozos van y vienen sonando los
platillos y las tazas sin cuidarse de las representaciones. La gente fuma,
haciendose el aire irrespirable, y como no hay salivaderos...
Exactamente como en el Far-West” (La Voz del Interior, Córdoba,
23/01/1923).
Segundo Mayol Laferrere (sd., fasc. 05: 14), o Café El Plata – cujo nome mudaria
para Cine El Plaza em 1928 – era freqüentado, nos anos 1920, por famílias, diferenciando-
se de outros ambientes, como o Café y Bar España, de público majoritariamente masculino.
Contrastando com a nota de La Voz del Interior
acima transcrita, este autor situa a sala do
El Plata como local de importantes acontecimentos artísticos na cidade durante aquela
década: entre 1923 e 1929 atuaram em seu palco companhias como a Lírica Italiana, de
Desidério Caravaglia, as teatrais de Luis Arata e José “Pepe” Podestá, a de Sainetes e
Comédias de María Ester Podestá e Segundo Pomar, a Companhia Nacional, de Blanca
Podestá e Mário Danieri; no mesmo período, apresentaram-se ali músicos como Pedro
Maffia, Roberto Firpo e Libertad Lamarque.
É neste salão que os Batutas debutam em Río Cuarto em 1º de fevereiro de 1923,
como nos dá conta o jornal local El Pueblo
83
:
“EL PLATA – El interesante debut de mañana – Un número que sin
conocerlo ya ha conquistado generales simpatías, es el que debutará
mañana en este favorecido salón. Tratase de un conjunto de cultores del
arte nativo brasileño, que nos harán conocer con todo su sabor típico las
canciones y danzas populares del país hermano.
La música brasileña y portuguesa, ya ha conquistado el éxito que merecía,
pues se ha impuesto tras breve espacio de tiempo.
Los 'fados' son tal vez las canciones y danzas que más nos han atraído, no
obstante, a pesar de guardar cierta unidad de sentimiento, la música
83
El Pueblo, alinhado ao partido democrata, era um dos principais jornais de Rio Cuarto desde a segunda
metade da década de 1910. Quando da passagem dos Batutas pela cidade, este jornal mantinha uma
relação de competição com outro, chamado Justicia, fundado em maio de 1921 (Mayol Laferrere, sd.,
fascículo 4: 10). Ambos deram cobertura aos Batutas e ao enterro de Josué de Barros.
68
brasileña gana a la portuguesa en vivacidad; tal ocurre con las canciones
del Norte, tan variadas como deliciosas, de las cuales la Trope [sic]
Guanabara nos dio a conocer un atrayente repertorio.
'Los Batutas' que tal es el nombre de la troupe que mañana hará su debut,
está formada por diez artistas de ambos los sexos.
Desde ya le auguramos un éxito rotundo” (El Pueblo, Río Cuarto,
31/01/1923).
É interessante notar como aparecem no texto a música brasileira e a portuguesa:
tratadas inicialmente no singular – “La música brasileña y portuguesa, ya ha conquistado...”
– e logo depois diferenciadas, no momento em que o cronista pondera que, apesar de
guardar certa unidade de sentimento com as canções e danças do fado, a música brasileira
“ganha à portuguesa em vivacidade”, sendo as “canções do Norte” tomadas como exemplo
de tal vivacidade. E aqui reaparece em nosso horizonte a Troupe Guanabara que,
aparentemente sem acompanhar os Batutas neste trecho da viagem, já havia antes passado
por Rio Cuarto dando a conhecer este repertório. Note-se também a informação de que a
troupe é formada por dez artistas, o que permite supor, sem que se possa afirmar, que todo o
grupo que desembarcara em Buenos Aires quase dois meses antes seguia na viagem para o
interior. Além de El Pueblo
, citado acima, o outro periódico local consultado, Justicia,
também noticia a estréia de Los Batutas – sem “Ocho”, note-se – no dia 1º de fevereiro,
publicando anúncios pagos. Justicia
diz: “Teatro Cine El Plata – Hoy, Noche: Sensacional
debut de la gran troupe Los Batutas”.
No dia seguinte à estréia, ambos os jornais dão conta do que teria sido um êxito. Em
Justicia
, os artistas brasileiros aparecem num anúncio do Cine El Plata nos seguintes
termos: “Éxito por los aplaudidos Cantantes y Bailarines Los Batutas”.
El Pueblo
se detém um pouco mais em comentar o acontecimento:
“El Plata – Debut de 'Los Batutas' – Anoche presentáronse ante numeroso
público, este conjunto de cultores del arte nativo brasileño.
Con excepción de una maxixa y unos sapateados, el resto del programa lo
ocupó la orquesta típica, cuyos números fueron muy aplaudidos.
69
Creemos que si esta troupe alternara la parte musical con un repertorio de
danzas típicas, ganaría mucho, pues tal como se nos presentó, resulta un
tanto chocante con nuestro ambiente.
Apesar de lo expuesto, si hemos de juzgar por los prolongados aplausos
que se les tributaron, no cabe otra cosa que decir, que el éxito fue rotundo.
'Los Batutas' trabajarán hasta el domingo inclusive” (El Pueblo, Río
Cuarto, 02/02/1923).
É de se notar o aparente desfalque com relação aos números de danças, que teriam
sido limitados a “una maxixa y unos sapateados”. Pode-se inferir que, assim como
aconteceu na estréia em Buenos Aires no dia 07 de dezembro, os músicos estrearam em Río
Cuarto sem os dançarinos. A falta de danças no palco é lamentada pelo autor da nota
jornalística que, contudo, registra os “prolongados aplausos” tributados pelo público.
Assim, esta nota ecoa, sem o tom grosseiro e preconceituoso daquela, parte da frustração do
cronista do portenho Última Hora
em 08/12/1922.
O anúncio pago aparece pela última vez em Justicia
no dia 03. No dia 04, domingo,
aparece em El Pueblo
o seguinte artigo, não assinado:
“Sobre la música típica brasileña – Los que hayan concurrido estas noches
al café El Plata habrán tenido la oportunidad de escuchar, aires, música y
orquesta típica brasileña. Como no hay nada mejor que refleje el carácter
de un pueblo, que sus costumbres y manifestaciones del arte popular
típico
84
, la orquesta 'Los Batutas' nos muestran [sic] detrás de sus ritmos,
notas y contorsiones, el espíritu de aquel pueblo y su estado evolutivo
social.
No hay que pretender juzgar a un pueblo sobre las obras de su elemento
diferenciado, es grave error, pues es lógico que entre tantos millones de
habitantes, haya un grupo sobresaliente. El mejor juicio es tomado del
conjunto de su masa popular y como venidas de tal origen, tomamos las
producciones que nos han hecho escuchar 'Los Batutas'.
Todo el programa que compone esa música típica, es un grito de vuelta al
África. Es el canturreo monótono y primitivo mezclado de las
contorsiones eróticas típicas de las crudezas africanas. No tiene nada esta
música popular brasileña que refleje un estado de refinamiento del alma,
84 Note-se que a idéia de que nada reflete melhor o caráter de um povo do que seus costumes e a arte
popular, de origens românticas, tinha pertinência num amplo horizonte cultural que se estendia em
diversas direções no tempo e no espaço. No prefácio de Martins Castello ao livro Samba, de Orestes
Barbosa, em sua primeira edição de 1933, lê-se, por exemplo, logo no início: “Porque nada melhor para
definir um povo do que a sua música. É ela que nos mostra, através dos seus ritmos e dos seus motivos, a
verdadeira alma da gente que a criou” (Barbosa, 1978: 09). É certo que, neste último caso, a alma do
mesmo povo é valorada de maneira positiva, ao contrário do que faz o cronista rio-cuartense.
70
se concreta toda ella a un simple ritmo de candombe y de zapateado,
unido a los gestos, contorsiones y muecas de los que ejecutan y bailan.
La melodía no existe y hasta los sonidos sacados de los banjos son
ásperos. Es verdad que el banjo es un instrumento difícil y que 'Los
Batutas' lo manejan con suma habilidad, pero sus notas pueden arrancar
solamente entusiasmo a los que tengan aún vibrante en su alma, el amor al
batucaje.
Nuestro tango, que aunque no lo sea, es ya considerado como una
manifestación de la música típica de este país, es una danza agresiva y
erótica, pero une a estos dos graves defectos el mérito de ser un manantial
de melodía, pero la música que 'Los Batutas' nos muestran como típica de
aquellos lugares, es simplemente una manifestación selvática.
En fin, nuetro pueblo que no tiene aún una música arraigada por largas
generaciones y es un pueblo novelero, puede encontrar en esta mueca el
placer que dan las cosas nuevas, y estos aires de 'jazz' despertar curiosidad
momentánea o entrever en esta música sincopada las características de un
pueblo vecino, pero que ella sea una manifestación de arte, hay mucho
trecho” (El Pueblo, Río Cuarto, 04/02/1923).
De saída se vê que o artigo é permeado por um evolucionismo de cunho racialista
que então marca boa parte não apenas das reflexões “intelectuais” sobre a sociedade e o
homem de modo geral, mas boa parte do senso comum do Ocidente “civilizado”
85
. É neste
sentido que se percebe a África – e o negro – como um ponto de origem que, irrompendo
na arte dos Batutas – tento fixar-me aqui ao ponto de vista do cronista – não pode
representar senão uma inversão de sentido na teleologia da civilização. Assim, “canturreos”
monótonos e primitivos, contorsões eróticas, cruezas e selvageria são o pólo oposto,
sensual, africano, de um “estado de refinamento da alma” que caracterizaria o ponto onde o
próprio observador se coloca, ou que ao menos divisa como ideal. Deve haver, pondera o
cronista, no Brasil, um “elemento diferenciado”, um grupo que se sobressaia – no sentido
de uma elite que se afaste de tanto primitivismo –, mas o que mostram os Batutas, aceitos
como legítimos representantes, é “o espírito daquele povo e seu estado evolutivo”. Note-se
que tal estado evolutivo está presente, potencialmente, na sociedade do observador,
considerando-se que aqueles sons podem arrancar algum entusiasmo dos que, ali, tenham
85
Cf. Schwarcz (1993, 2000).
71
ainda vibrante em sua alma o amor à batucajem”. De certa forma, pode-se imaginar que o
autor esteja contrariado diante do que pode ter sido um sucesso dos Batutas na estréia em
sua cidade, pois parece ter de justificar a concorrência ao El Plata imputando uma espécie
de ingenuidade e superficialidade ao público, atraído este por novidades e movido pelo que
seria uma curiosidade momentânea, em nada comparável à capacidade de apreciar uma
“manifestação de arte” legítima. Desponta também aí a palavra “jazz”, equacionada a este
mundo percussivo, sensual, selvagem.
O tango argentino surge também, de maneira interessante, como ponto de
comparação: mesmo sendo uma dança agressiva e erótica (e o autor é mesmo relutante
quanto à sua representatividade enquanto música típica da Argentina), une a estes “graves
defeitos” o mérito de ser um “manancial de melodia”, enquanto que na música dos Batutas,
simplesmente “a melodia não existe”, não passando aqueles sons de uma manifestação
selvagem. Diríamos então que há aí um sistema de oposições: de um lado estão categorias
como melodia, branco, refinamento da alma, de outro, percussão, negro, sensualidade
selvagem. Isto remete aos significados mapeados por Menezes Bastos (2002) na construção
da própria memória da música brasileira, que elege seus elementos formadores também
dentro de um esquema bipartido: de um lado, melodia, harmonia, inteligibilidade, “branco”,
de outro, ritmo, sensualidade, “negro”, o “índio” ocupando aí um lugar meramente residual.
Os Batutas mostram, então, desde o ponto de vista e de escuta manifestado na
crônica, um Brasil essencialmente, e negativamente, africano. Resta aqui apenas um dos
elementos da fábula das três raças, numa percepção diferente daquela manifestada pelo
cronista de La Nación
em 08/12/1922 que, recordemos, reservava o lugar do português –
voluptuoso! – na formação da música brasileira. Note-se ainda que este último lia a
sensualidade que percebia nos Oito Batutas numa chave antes sedutora e poética, muito
72
diferente de sua simples e pura negação, enquanto estado evolutivo inferior (atuando, é
certo, como elemento fundamental na legitimação da posição desejada por aquele que o
critica) manifestada pelo espiritualista rio-cuartense.
Não passe por alto, enfim, um interessante indício: apesar de não conseguir ouvir
como melodias os sons que saem dos banjos dos Batutas, sem por isso poder deixar de se
curvar diante da habilidade dos instrumentistas, a menção destes instrumentos – os únicos
que nomeia – no plural aponta para a presença no gupo de pelo menos mais um banjoista
além de Donga, sendo então um possível testemunho da efetiva presença entre eles do
Moleque Diabo
86
.
Talvez não seja ocioso notar, antes de seguirmos, que de forma alguma a crítica da
qual estivemos tratando representa de maneira unívoca o que seria um ponto de vista
“argentino” sobre o “Brasil”. Trata-se, sim de um repertório de significados que podia ser
mobilizado, e de fato fazia sentido, em largos setores sociais, tanto na Argentina, quanto no
Brasil e alhures. Tenha-se em mente as críticas que os Batutas receberam de seus patrícios,
muitas vezes em termos bastante parecidos aos do cronista rio-cuartense, com a diferença
de se alocarem numa chave intra e não inter-nacional, diferenciadoras, neste caso, de outras
coisas, que não brasileiros e argentinos. Neste sentido, a comparação que sugeri entre os
pontos de vista expressos em La Nación
(08/12/1922) e, agora, em El Pueblo, mostram
matizes bastante diferentes na percepção e valoração argentina da alteridade brasileira,
mesmo que sempre exótica e sensual (e, como também temos visto, às vezes meio
misturada com a portuguesa).
***
86
Tal era o apelido do banjoísta Aristides Júlio de Oliveira, cujo desembarque em Buenos Aires junto com os
demais integrantes dos Oito Batutas em 07/12/192 está documentada pelo CEMLA (cf. acima).
73
Lembro o leitor de que a esta altura os Batutas estão há quase dois meses na
Argentina, há mais de um mês circulando pelo interior, afastando-se sempre da Capital
Federal. Mas, enquanto ainda labutam na distante Rio Cuarto, sua volta à província de
Buenos Aires já vai, de algum modo, sendo arquitetada. É o que podemos saber se,
seguindo a linha do tempo, dermos, num parêntesis, um salto no espaço, de quase 800 Km,
para encontrar no dia 06 de fevereiro, na cidade de La Plata, capital da província de Buenos
Aires, uma antecipação sobre a estréia a acontecer dali a quase duas semanas:
“En el Avenida Hall – Los ocho batutas – La empresa de este cine ha
contratado por sólo cinco funciones a estos famosos artistas brasileños, los
cuales presentan números de música típica brasileña. Completan el
espectáculo que presentan cuatro personas que bailan y cantan al unísono
de la orquesta, ofreciendo un espectáculo lleno de color y ambiente.
Proceden de los principales teatros de Londres y París, habiendóse
presentado últimamente en el Empire Theatre de la metrópoli, en donde
conquistaron un sonado éxito.
Este número actuará en los cines Ideal y Avenida, posiblemente desde el
miércoles 21 del corriente” (El Argentino, La Plata, 06/02/1923).
Note-se a reincorporação do “Oito” ao nome e a notícia de que o espetáculo é
completado por quatro pessoas que bailam, indicando, talvez, uma renovada participação de
Los Guanabarinos. De fato, estes números não serão o único indício de novas alterações na
composição do grupo quando este desfizer o caminho que o levou até Córdoba. Pelo menos
um de seus integrantes ficaria em Río Cuarto por um tempo mais prolongado, dedicando-se
a outro ramo profissional. Precisamente naquele dia 21 de fevereiro, marcado como data do
debut dos Batutas em La Plata, o músico Josué de Barros, anunciado como “profesor de
ciencias y de autosugestión hipnóticas”, estaria se fazendo enterrar vivo na esquina das ruas
Cabrera e Buenos Aires. Antes disso, no entanto, os Batutas ainda teriam um novo trabalho
– musical – na cidade. O carnaval se aproximava e os bailes, ao que parece, absorviam a
mão de obra de tantas orquestras quantas estivessem dispostas a animá-los.
74
As notícias sobre a atuação dos Batutas no carnaval da pequena Río Cuarto são as
seguintes:
“Bailes de Carnaval - (...). Finalmente la empresa del Teatro Municipal
87
,
a última hora también se ha animado a dar 6 bailes, empezando el sábado
próximo.
Para dichos bailes ha contratado la orquesta típica brasileña que actuara
recientemente en 'El Plata'. (...)” (El Pueblo, Río Cuarto, 07/02/1923)
88
.
“Vida Social – Bailes de Carnaval
Teatro Municipal – La sala del Teatro Municipal ha sido debidamente
arreglada para los bailes que se efectuarán en los 6 dias de carnaval.
La orquesta típica 'Los Batutas' dejarán oír sus mejores repertorios.
También habrá valiosos premios a las mejores parejas de baile” (Justicia,
Río Cuarto 10/02/1923).
No dia 15 de fevereiro, momento em que os Batutas, alguns deles, pelo menos, já
estariam se despedindo de Río Cuarto, pois no dia 17 aparecerão novamente na Capital
Federal – a 700 Km de distância, vencidos provavelmente de trem –, a sua iminente estréia
em La Plata é novamente anunciada por um jornal local:
“CINE AVENIDA HALL – En breve: en el Ideal y Avenida Hall. Un
sensacional debut – LAS OCHO BATUTAS. Una absoluta novedad para
La Plata. Número formado por los ocho mejores directores de orquesta
brasileños” (El Dia, La Plata, 15/02/1923).
Neste mesmo dia começa – enfatizo que isto se passa no mesmo momento em que
os Batutas, desfalcados em pelo menos um membro, estariam deixando a cidade – a ser
anunciada em Río Cuarto aquela que seria uma grande novidade. Sigamos a saborosa
87
Não disponho da data de fundação do Teatro Municipal de Río Cuarto, que segue hoje funcionando no
mesmo prédio. Mayol Laferrere (op. cit. fasc. 05: 14) informa que, já nos anos 1920, o palco do Municipal
recebia importantes atrações, entre companhias líricas, de dramas e comédias, argentinas e internacionais.
Segundo este autor, no Municipal, assim como no Café del Plata, também se projetavam filmes.
88
A leitura dos jornais argentinos mostra que, na época, a realização de bailes de carnaval nos teatros era
prática corriqueira em Buenos Aires e, como evidenciam estas citações de Río Cuarto, também no interior
do país. No Rio de Janeiro isto também acontecia, se bem que eventualmente pudesse ter um caráter de
novidade, como indica o seguinte anúncio da revista Gazeta Theatral, nº 561, de 22/01/1923: “Carnaval no
Palacio – O público recebeu com agrado a notícia de que poderá divertir-se alegremente dentro de um
theatro, á noite, como se estivesse dentro da estonteante atmosphera de um club carnavalesco.
Proporcionar-lhes-á essa delicia o Palácio Theatro com os seus ‘reveillons artísticos que serão iniciados a
25 do corrente. O deus da Folia despertará alli do seu somno de um anno e pela boca dos artistas mais
chics, ao som das orchestras mais finas, divertirá o seu pubico favorito, que é o da cidade leal e heróica de
Estácio de Sá”.
75
cobertura do aconteciento. Em 1ª página, Justicia anuncia (a informação equivocada de que
Josué já estava enterrado naquele momento seria corrigida no dia seguinte):
“Uno que se entierra vivo – No es ninguna novedad eso de enterrarse
vivo, permanecer varios meses bajo tierra, y levantarse después como
quien sale de tomarse un helado en cualquier confitería.
Pero sí es novedad, que ese fenómeno lo veamos en Río Cuarto.
El profesor de ciencias y autosugestión hignóticas [sic], José Borges
Barros, se halla en nuestra ciudad, dispuesto a realizar un experimento.
El señor José Borges Barros, está enterrado, hasta quince días, no
tomando alimento alguno.
Oportunamente daremos a conocer mayores detalles sobre este
experimento” (Justicia, Río Cuarto, 15/02/1923).
O tal “experimento” logo vira destaque na imprensa local, que cobre atentamente o
evento desde seus preparativos, sob uma ótica onde bom humor e ironia misturam-se aos
interesses mais propriamente “científicos”:
“Espectáculo sensasional – quince días enterrado vivo – El señor Josué
Borges Barros, profesor de ciencias y autosugestión hipnóticas, se
encuentra entre nosotros, dispuesto a efectuar uno de sus más
sensacionales experimentos, consistente en permanecer enterrado bajo
tierra durante 15 días, a dos metros de profundidad, sin tomar
absolutamente ningún alimento líquido, sólido ni de clase alguna.
Este profesor, ha sido el único entre sus connacionales brasileños, que ha
podido resistir los quince días de entierro, aunque por razones fáciles de
comprender, entre nosostros reducirá la duración a menos días.
De veras que quisiéramos que nos enseñara los secretos de tan estupendo
experimento, ya que con ello quedaría resuelto uno de los problemas más
difíciles de solucionar: el de las subsistencias.
Pasarse quince días sin comer ni trabajar, es algo que sobrepasa a todos
los paraísos naturales y artificiales.
Oportunamente daremos la fecha y el local donde se llevará a cabo tan
notable prueba” (El Pueblo, Río Cuarto, 15/02/1923).
“El que se entierra vivo – Existe mucha expectativa por el espectáculo de
fakirismo que tendrá lugar en Río Cuarto y del que nos ocupamos en el
número de ayer.
El señor Josué Borges de Barros gestiona el local de la Sociedad
Española, para sepultarse vivo, habiéndose designado dos médicos los
doctores Conrado Ferrer y Pedro Pury, los cuales han aceptado, para
controlar el fenómeno.
La sepultura estará permanentemente custodiada hasta el momento de la
resurrección” (Justicia, Río Cuarto, 16/02/1923).
76
“El experimento de fakirismo – El señor Josué Borges de Barros, de quién
nos ocupáramos en nuestra última edición, está haciendo gestiones para
efectuar su experimento de fakirismo, en el local de la Sociedad Española,
actualmente ocupada por el Club Sportivo 'Estudiantes', toda vez que el
amplio patio se presta para un espectáculo de esta naturaleza.
Con el objeto de que nadie pueda atribuir a truco el experimento científico
que el señor Borges de Barros se propone realizar, ha solicitado de
algunos médicos locales que ejerzan el control debido, tanto en el
momento del enterramiento como en el desentierro.
Los doctores Pedro Pury y Conrado O. Ferrer, han aceptado dicho control.
Además, la 'tumba' será debidamente custodiada durante los días en que el
experimentador permanezca enterrado vivo.
Esta prueba, el señor Borges de Barros la ha realizado en las principales
ciudades del Brasil, con el mayor éxito.
Por ser la primera vez que se realizará en Río Cuarto, ha despertado el
más vivo interés y no dudamos que han de ser muchos los curiosos que
deseen presenciarla” (El Pueblo, Río Cuarto, 16/02/1923)
89
.
Enquanto isso, em La Plata, a expectativa pela estréia dos Oito Batutas aumenta:
“En los biografos – LAS OCHO BATUTAS – Mucho interés ha
despertado el anuncio del debut de este número en el Ideal y Avenida Hall,
que posiblemente tendrá lugar el miércoles 21 del corriente. Asegura la
empresa que se trata de una vaireté que ha de llamar justamente la
atención del público, pues además de su gran originalidad ofrece números
de una belleza e interés no común.
'Las ocho batutas' son los mejores directores de orquesta brasileños y su
repertorio se compone de maxixes, fados, cateretes, etc. siendo matizados
89
A biografia de Josué de Barros é em si mesma muito interessante, e uma breve consideração sobre ela
permitirá saber desde já que este tipo de “experimento” não era algo tão inusitado em sua trajetória.
Segundo Castro (2005:42-43), em 1912 Josué – baiano de nascença e que ficaria célebre como
descobridor e “professor” de Carmen Miranda no fim dos anos 20 – já havia viajado à capital francesa
como acompanhador, ao violão, do cantor Arthur Castro Budd, incentivados por ninguém menos que o
bailarino Duque. Na volta da viagem, que teria acabado frustrada, o violonista teria passado uma
temporada na Alemanha, tendo realizado gravações fonográficas. Ainda sem fazer parte dos Batutas,
quando estes viajam para Paris em 1922, Josué de Barros está, no Rio de Janeiro, ocupado com coisas
como o projeto – que por pouco não levou a cabo – de saltar de um avião amparado por um guarda-chuva
gigante. No ano seguinte, convidado por Pixinguinha, parte para Buenos Aires como integrante dos Oito
Batutas. Segundo Castro, ele teria permanecido no país trabalhando como faquir, na companhia de sua
mulher, após volta dos demais músicos ao Brasil, dado que não pude averiguar. Como veremos logo, o
desfecho da proeza em Rio Cuarto, conforme pude levantar nos jornais locais, não coincide com aquele
descrito por Castro: “Josué pretendia bater o recorde do faquirismo local, chegando a dez dias dentro da
garrafa [o ataúde seria uma garrafa de vidro gigante]. Quando estava a ponto de igualar a marca, a mulher
do chefe de polícia fez com que o libertassem – não por compaixão, mas porque o recorde pertencia a um
argentino” (Castro, op. cit.). Não sei se, como afirma aqui El Pueblo
, o número já havia sido apresentado
no Brasil, mas, a fiar-se em Cabral, Josué e sua esposa teriam, depois da Argentina, realizado performance
semelhante em São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará. Em 1933 uma vez mais Josué parte para Buenos
Aires, agora acompanhando a já famosíssima Carmen Miranda numa de suas diversas temporadas
portenhas e, de novo, não volta ao Brasil após o término da tournée, ficando para trabalhar, agora não
como faquir, mas sim como músico, aceitando um convite para integrar um conjunto de brasileiros que
tocava em rádios e na boate Embassy, na calle Florida. Mandou então chamar sua família e ficou na
capital argentina pelos seis anos seguintes, retornando ao Brasil em 1939 (Castro, op.cit.:101).
77
los números de música por un grupo de cantantes y bailarinas que ofrecen
piezas exóticas que han de llamar poderosamente la atención de los
habitués.
El éxito que ha conseguido este número en el Empire Theatre de la
capital, hace prever la repetición en esta ciudad de la acogida que
obtuviera en la antedicha sala bonaerense” (El Dia, La Plata,
17/02/1923)”.
É deste mesmo dia uma nota que, em Río Cuarto, permite saber que por estas
alturas os músicos brasileiros já haviam de fato sido substituídos nos bailes de carnaval do
Municipal:
“Últimos días de Carnaval - (...). En el Teatro Municipal, en vez de la
típica brasileña, actuarán las orquestas típicas criollas Nuci y Castro,
compuestas de: 2 violines, 2 bandoneones y 3 guitarras, con bateria
completa, con lo cual el señor Marinosci hace un 'tour de force', a fin de
que el público pueda divertirse deleitando. (...)”
90
(El Pueblo, Río Cuarto,
17/02/1923).
O mesmo jornal segue atento os preparativos para o enterro de Josué de Barros, não
sendo ainda foco de notícia a sua vinculação com o grupo de músicos brasileiros.
“El enterrado vivo – Parece que han surgido algunas dificultades para que
el señor Borges de Barros pueda efectuar su experimento de fakirismo en
el local de la Sociedad Española; no obstante, esperase poder subsanar
tales inconvenientes, pues el intrépido brasileño está resuelto a enterrarse
por unos dias.
Ayer estuvo en nuestra casa y nos hizo una detallada relación científica de
su experimento, y en verdad, que sería una verdadera lástima que por falta
de local no pudiese realizarlo entre nosotros.
Una vez 'resuscitado', el señor Borges de Barros explicará al público, la
forma como se puede pasar tantos días, sin acordarse de comer, ni de
dormir; lo que equivale a decir, sin el peligro de vérselas con el casero,
con el sastre, el sapatero y toda la récula de acreedores que tanto suelen
molestarnos cuando no los necesitamos.
Por todo lo expuesto, el espectáculo que pronto nos será dado a conocer,
no puede resultar más emocionante y sensacional” (Idem).
90 Note-se a incorporação de bateria – elemento diacrítico da jazz-band – à formação “clássica” da orquestra
típica.
78
D
E VOLTA A BUENOS AIRES: BAILES DE CARNAVAL NO TEATRO BUENOS AIRES
Sempre seguindo a ordem cronológica, saltamos agora para o que, naqueles dias de
fevereiro, se anunciava sobre a passagem dos Batutas, vindos de Río Cuarto, pelos bailes de
carnaval na cidade de Buenos Aires, onde ocuparam o palco de um teatro com o mesmo
nome da capital.
“POR EL BUENOS AIRES
91
– Se reanudan esta noche en este teatro los
bailes de disfraz organizados por la empresa Rey. Toca el turno en el
orden de concursos al popularizado shimmy, en los secretos del cual hay
muchas parejas que se van a sacar chispas en reñida justa.
Dos números de atracción serán, el vistoso número final de 'La perfecta
casada', en el que, como se sabe, interviene todo el plantel femenino de La
Comedia y el señor Francisco Pepe, especialmente contratado por la
empresa Rey, quien presentará su pintoresca orquesta típica brasileña 'Los
Ocho Batutas', que durante los intervalos interpretará un selecto repertorio
de músicas y danzas genuinamente brasileñas” (Última Hora, Buenos
Aires, 17/02/1923).
“Los bailes en los teatros - (...). La reunión efectuada en el Buenos Aires
ofreció como novedad la actuación de la orquesta típica brasileña 'Los
Ocho Batutas', contratada para amenizar los intervalos de los bailes
finales. (...)” (La Nación, Buenos Aires, 18/02/1923).
“Bailes en los teatros - (...). En el teatro Buenos Aires se efectuó la
anunciada piñata de los bailes y verbenas españolas y se realizaron
concursos de shimmy y de machicha
, amenizados por una selecta orquesta
y por el conjunto denominado Ocho Batutas.
A este teatro concurrieron la mayor parte de las artistas que actualmente
actúan en las diversas casas de espectáculos de la capital, o [sic] que
contribuyó en mucho a la animación y alegría que caracterizó a esta fiesta.
(...)” (La Fronda, Buenos Aires, 19/02/1923).
Francisco Pepe, dançarino, era um dos integrantes de Los Guanabarinos
92
. É curiosa
a maneira como os Os Oito Batutas são citados por Última Hora
como sendo a sua (dele)
orquestra. Já temos elementos para saber que Los Guanabarinos eram bastante conhecidos,
tanto em Buenos Aires quanto no interior. Assim, é possível que Francisco Pepe tenha
atuado no agenciamento das apresentações do grupo quando este volta à província de
91
O teatro Buenos Aires foi construído em 1909 e demolido em 1937 em função da obras de abertura da
Avenida 9 de Julio. Contava com 1187 lugares. Cf. Llanes (1968: 56-5), Ragucci (1992: 15).
92
Cf. Cabral (op. cit.: 104-105).
79
Buenos Aires. O nome do dançarino voltará a aparecer nos jornais quando o grupo estiver
em La Plata.
Chama a atenção ainda, na nota de La Fronda
sobre os bailes de carnaval no teatro
Buenos Aires, novamente a inclusão do maxixe, junto com o shimmy, como dança de
concurso.
M
ÚSICA E DANÇA EM LA PLATA, ENTERRO EM RÍO CUARTO...
No dia 20 de fevereiro finalmente se anuncia, em La Plata
93
, para o dia seguinte, o
debut dos Oito Batutas, em duas casas:
“Las ocho batutas – Como se anuncia, mañana tendrá lugar en el
Ideal y Avenida, la primera presentación de este renombrado número de
varieté que viene precedido de una excepcional reclame periodista y de
artículos elogiosísimos de la más alta crítica porteña a raíz de sus varias
temporadas en el escenario del Empire Theatre, la sala que mejores
números ha presentado hasta la fecha.
En Londres y en París, ha actuado con singularísimo éxito, mereciendo
siempre, las más altas calificaciones. En el Rivera Indarte, de Córdoba, y
Opera, de Rosario, actuó en espectáculo completo mereciendo siempre la
labor de los excelentes artistas, crónicas llenas de beneplácito.
En esta ciudad, en la que el público gusta tanto de todas las hermosas
manifestaciones de la música brasileña como el fado
94
, los cateretes,
zambas, maxixas, etc., la actuación de esta troupe ha de ser todo un gran
éxito, al igual que lo sucedido en la capital” (El Argentino, La Plata,
20/02/1923).
“MAÑANA – presentación en los teatros Ideal y Avenida Hall, de una
sensacional troupe. Una absoluta novedad para esta ciudad. 'LOS OCHO
BATUTAS'. El más notable y variado de los conjuntos presentados en La
Plata en su género. Número formado por los ocho más renombrados
directores de orquestas típicas brasileñas. Repertorio de cateretes, fados,
maxixes, zambas, tanginhos y canciones populares. Números de cantos y
danzas exóticas, etc.” (El Día, La Plata, 20/02/1923).
93 Fundada em 1882, La Plata foi construída especialmente para ser a capital da província, dada a
federalização da cidade de Buenos Aires. Situa-se a 56 Km a sudeste da Capital Federal e sua população
contabilizada no Censo Nacional de 1914 era de 90.436 hab. (INDEC, SD). Estava entre os centros
urbanos mais importantes.
94 Novamente, a inclusão do fado entre as “manifestações” de música brasileira.
80
“En los biógrafos – Las ocho batutas – Como está anunciado, mañana
hará su presentación en este cine este afamado número de gran variedad
de repertorio, pues además de figurar una orquesta típica sobresaliente
ofrece números de cantos y bailes.
La crítica seria, de la capital federal, ha elogiado de una manera amplia las
muchas presentaciones de esta atracción en el aristocrático escenario del
Empire Theatre sala en la que impera la selección más absoluta de todo lo
que se refiera a espectáculos de este género.
La empresa del Ideal que ha contratado este número por sólo cinco
funciones, esto es, desde mañana hasta el domingo, obtendrá un merecido
éxito tanto artístico como de público, cuando más que como se nos
asegura, Las ocho batutas es un espectáculo interesante bajo todo punto de
vista. Actuará tarde y noche en las dos salas de la empresa Anselmino: el
Ideal y el Avenida” (Idem).
Enquanto os Oito Batutas são anunciados de maneira tão entusiástica e hiperbólica –
indicando, quem sabe, a positiva ação propagandística local de um empresário – na capital
da província de Buenos Aires, voltemos a Río Cuarto, onde seguem os preparativos para o
enterro de Josué de Barros, que a esta altura já contava com local onde realizar a façanha.
“El hombre enterrado vivo – Por fin, el profesor Borges de Barros, ha
encontrado lugar donde sepultarse vivo.
El experimento sensacional tendrá lugar en el amplio local de la calle
Buenos Aires y Cabrera, mañana miércoles a las 17 horas.
El experimento será controlado por los médicos, doctores Pedro Pury y
Conrado Ferrer.
La sepultura será custodiada durante el tiempo que el señor Borges Barros
permanezca bajo tierra.
La sepultura está abierta ya y puede ser visitada por quienes gusten.
El señor Borges de Barros, partirá hoy en un coche, desde 'El Plata',
recorriendo las principales calle [sic] llevando el féretro.
El señor Borges de Barros abonará cinco mil pesos a quien descubra
alguna trampa en su experimento” (Justicia, Río Cuarto, 20/02/1923).
“El experimento sensacional – Mañana será 'enterrado' el prof. Borges de
Barros – Después de vencer los inconvenientes para conseguir local
apropriado, ha quedado resuelto que el experimento sobre fakirismo que
ha de realizar el Prof. Brasileño Borges de Barros, consistente en
permanecer enterrado a dos metros de profundidad, dentro de un ataúd,
durante algunos días, se lleve a cabo en el gran patio que sirvió de comité
político, ubicado en la calle Buenos Aires y Cabrera.
El anuncio de este espectáculo ha despertado el más vivo interés y no cabe
la menor duda que ha de ser presenciado por numeroso público.
Todas las personas que lo deseen, pueden visitar la tumba que se está
preparando.
81
El acto del entierro, tendrá lugar mañana miércoles a las 17 horas, para lo
que habrá entradas especiales; luego el público podrá visitar la tumba, ya
que desde la superficie podrá ver parte del cuerpo sepultado.
El día de la 'resurreción', el Prof. Borges de Barros, explicará la forma
como deve educarse el cuerpo humano para resistir una prueba de esta
naturaleza” (El Pueblo, Río Cuarto, 20/02/1923).
Já se nota mais claramente a intenção comercial da empreitada. Ademais, vai
ficando evidente, na cobertura jornalística do enterro, uma grande capacidade de
articulação e um fino planejamento por parte de Josué: busca do local adequado, visitas a
redações de jornais falando sobre a proeza, exibição pública do féretro em carro aberto
saindo do El Plata no dia do enterro, oferecimento de um belo prêmio em dinheiro a quem
descubra qualquer tentativa de golpe e o anúncio antecipado de que os vivos poderão ver,
da superfície, parte do corpo sepultado.
Em La Plata, chega o dia da estréia dos Oito Batutas:
“Teatros – En el Ideal y Avenida – Como está anunciado en las funciones
de hoy de este cine se realizará el debuto de los renombrados artistas 'Los
Ocho Batutas'.
Como hemos dicho, en anteriores ocasiones, se trata de un espectáculo
lleno de color y ambiente, siendo el repertório sumamente eclético, como
que toma todas las manifestaciones más prominentes del arte escénico.
Canto, bailes y música.
Cada uno de los componentes de este número, han dirigido anteriormente
orquestas típicas proprias, habiéndose reunido para ofrecer un espectáculo
único y con la mayor verdad y belleza en todos los detalles. A ese cuidado
se debe el éxito extraodinario obtenido en el Empire Theatre de la Capital;
Rivera, Indarte de Córdoba y Opera del Rosario. El repertorio que goza de
tanta popularidad entre nuestro público, tanto en los que conocen música
como los simples aficionados a oírla, se componen de cateretes, maxixes,
zambas, tanguihos [sic] y canciones en cuya interpretación son
verdaderamente insuperables.
Además prestan mayor variedad al repertorio los números de cantos y
bailes al son de la orquesta, que presentan cuatro artistas de singular valía,
dirigidos por el popular brasileño Francisco Pepe y secundado por Aurora
Gonçalves, Raúl Pepe y Lolita Guerra
95
, que en conjunto forman un total
de doce personas en escena.
La actuación de 'Los ocho batutas', en el Ideal y Avenida ha de ser un
éxito completo tanto artístico como de público.
95
Trata-se dos integrantes de Los Guanabarinos. Cf. Cabral (op. cit.: 104-105).
82
El programa cinematográfico como principal novedad ofrece: La mujer
que Dios cambio, espléndida película de la Paramount estreno y que está
interpretada por un conjunto de primer orden” (El Argentino, La Plata.
21/02/1923).
“Las ocho batutas – Su presentación en el ideal – De acuerdo con lo que
hemos venido anunciando, hoy debutarán en los cines Ideal y Avenida
Hall, actuando por la tarde y por la noche, los artistas que lleven el
nombre de 'Las ocho batutas'. Estos eran, como ya lo hemos dicho,
directores de varias orquestas típicas brasileñas y resolvieron unirse para
formar el número de atracción que actualmente constituyen.
Desde entonces han actuado en distintos países, siempre con notable
éxito. En la República Argentina se han presentado ante los públicos de la
Capital Federal, Córdoba y Rosario, habiendo conquistado aprobación
general.
Teniendo en cuento estos antecedentes, puede descontarse que 'Las ocho
batutas' obtendrán en nuestra ciudad un nuevo y seguro triunfo. Por otra
parte conjuntamente con ellos se presentará un conjunto formado por
quatro artistas, que bajo la dirección de Francisco Pepe ejecutarán
diversos bailes exóticos, canciones y músicas populares.
Se trata sin duda de un número original, fuera de todo lo que hemos visto
en nuestros escenarios últimamente y que llega hasta nosotros después de
haber conquistado a lo más calificados públicos, acreditando en forma
honrosa sus indiscutibles méritos.
Hoy podrá juzgar nuestro público del mérito de estos interesantes artistas”
(El Día, La Plata, 21/02/1923).
Note-se que, além dos Oito Batutas são anunciados como parte do espetáculo quatro
dançarinos. Se entre estes quatro ainda estava o casal que, na chegada à Argentina, declarou
os nomes de Sofia e Antonio Gonçalves (supostamente a dupla de bailarinos Les Zuts), eles
terão adotado agora novos nomes. A citação de El Argentino
menciona a presença de 12
pessoas no palco, levantando a possibilidade de que Josué de Barros tenha sido substituído.
Aliás, em Rio Cuarto, chega o dia do esperado enterro:
“El espectáculo de hoy – El enterrado vivo – Hoy, previo un paseo con
féretro, por varias de nuestras principales calles, se sepultará a dos metros
de profundidad, el profesor brasileño, señor Josué Borges de Barros.
El emocionante espectáculo, tendrá lugar a las 5 de la tarde en el local de
la calle Buenos Aires esquina Cabrera.
El señor Borges de Barros va a estar una temporada sin comer, beber,
jugar a las quinielas ni oír descargas de revólver.
Es el primer espectáculo de esta naturaleza que tiene lugar en nuestro país.
No cabe duda que el público no desperdiciará la oportunidad que se le
brinda (Justicia, Río Cuarto, 21/021923).
83
“Esta tarde a las 17 horas, el professor Borges de Barros llevará a cabo el
sensacional experimento de fakirismo, sepultándose dentro de un ataúd, a
dos metros de profundidad, en cuya situación permanecerá algunos días.
Este espectáculo, que por primera vez se realiza en nuestro país, ha
despertado el más vivo entusiasmo, máxime, si tenemos en cuenta las
circunstancias de seriedad que lo rodean.
Como lo anticipáramos, en el momento del enterramiento, el Señor
Borges de Barros será examinado por los doctores Pedro Cury y Conrado
O Ferrer, quienes volverán a examinarlo el día de la 'resurrección'.
Como complemento de la seriedad de tan interesante prueba, el señor
Borges de Barros ofrece la bonita suma de cinco mil pesos a quien
descubra un truco, pues se trata de un experimento absolutamente
científico” (El Pueblo, Río Cuarto, 21/02/1923).
No dia 22 de fevereiro temos, em La Plata, as primeiras reações ao debut dos Oito
Batutas e os dançarinos que os acompanham:
“Los ocho batutas – El debut de ayer – El público que asistió ayer a las
funciones en que hacía su debut el conjunto denominado Los ocho
batutas, tuvo ocasión de corroborar los favorables conceptos que aquél
había sugerido.
Los agradables números musicales, ejecutados por la troupe, llenos de un
vivo colorido regional y de un típico [palavra ilegível], le valieron a 'los
batutas' la expresión general de calurosos aplausos. Tienen aquellos aires
de evocación y de 'saudade' y en las notas musicales vibran reflejos de la
vida carioca.
'El canto de la selva', ejecutado por un flautista es una admirable imitación
de los trinos de pájaros característicos de Brasil.
Arrancaron prolongados aplausos especialmente la Serenata nortista y el
Caterete típico.
Los ocho batutas vuelven a presentarse hoy en los cines Ideal y Avenida”
(El Dia, La Plata, 22/02/1923).
Percebe-se que os jornais de La Plata replicam algo dos comentários da imprensa
portenha, como a qualificação dos Batutas como diretores de orquestra e a evocação da
palavra “saudade” na descrição da impressão causada por sua música, que apareceram em
La Nacion
em dezembro. A caracterização do grupo é, novamente, centralizada no típico
brasileiro.
Em Río Cuarto, o experimento de Josué de Barros gera nos jornais uma atenção
mais circunstanciada do que qualquer apresentação dos Batutas:
84
“El acontecimiento de ayer – El hombre que se entierra vivo. - Afluencia
de publico. - Rebaja de las entradas. - Su saludo e invitación al pueblo. -
A una enorme conglomeración de concurrencia dio lugar el acto del
entierro del muerto que aun está vivo.
En las casas vecinas al corralón donde se había preparado la fosa se
estacionaron un sin número de vecinos.
El público ávido de ver un espectáculo tan asombroso no faltó a la hora de
la cita.
El profesor Borges de Barros después de dar un paseo en coche por varias
calles de nuestra ciudad, se dirigió al lugar donde se efectuará el entierro;
allí un numeroso público estaba estacionado en la calzada.
Antes de entrar en el ataúd fue minuciosamente examinado por los
doctores Pury y Ferrer, los que declararon encontrarlo en perfecto estado
de salud.
Tanto el ataúd como los caños respiratórios y demás accesorios fueron
prolijamente examinados por el público asistente al espectáculo.
El profesor Borges de Barros se llevó para el otro mundo cigarrillos,
fósforos, cartas, revistas, diarios, novelas, papel y lápiz; pues cree que
pasará ratos alegres con San Pedro y quiere mostrarle a los de allá lo que
escriben los que están en este mundo. Probablemente se divertirá mucho.
Al despedirse de los que quedaron sobre la Tierra les prometió que a su
resurrection les diría los mistérios que en el otro mundo existen (si es que
los descubre).
Dentro del ataúd y en la parte de la tapa tiene colocado un aparato
telefónico y una instalación eléctrica, el aparato le sirve para en caso de
sufrir algo dar aviso a los que están sobre la tierra, y la instalación
eléctrica para que el público pueda verlo desde la superficie.
El profesor de Barros permanecerá en su entierro de acuerdo con la
afluencia de público, si éste continúa visitándolo a menudo promete
quedarse hasta 15 días.
Se ha resuelto rebajar las entradas a un peso para facilitar en esa forma
que todo el pueblo pueda ir a verlo.
Del pueblo depende la estadía del profesor en su encierro.
Esta mañana a las 12 horas hemos tenido la oportunidad de hablar
telefónicamente con el prof. y nos manifestó que se encuentra
cómodamente, pues allí nadie le molesta, no tiene necesidad de ir al hotel,
a la confitería, no juega ni toma, con los amigos, no sinte por la noche los
disparos de las ametralladoras y en fin, que aquello es una célebre
quietud.
Nos dijo que por intermedio de nuestro diario diéramos un saludo al
pueblo y que le invitáramos a verlo por la ínfima suma de un peso moneda
nacional.
Se siente completamente bien y espera que el público será consecuente
con él y en lugar de 7 le obligará a quedarse 15 días” (Justicia, Río
Cuarto, 22/02/1923).
“El experimento de Fakirismo – Enorme expectativa pública. - Antes de
'enterrarse' el Sr Borges de Barros es minuciosamente examinado. - Las
azoteas circunvecinas atestadas de curiosos. - Detalles del entierro. - El
público puede visitar al 'enterrado' todos los días hasta el de la
85
resurrección – Como era de suponer la notica del 'enterramiento' del
Profesor señor Josué Borges de Barros había despertado la curiosidad de
todos y desde mucho antes de la hora anunciada ya se hallaba congregado
un numeroso público en la calzada y veredas circunvecinas, como
asimismo en los balcones y azoteas de las casas circundantes, los que
balconeaban a lo espectáculo 'de arriba'.
A fin de hacerse conocer de nuestro público el señor Borges de Barros
paseó por las calles de nuestra ciudad procedido de músicas de cornetas y
tambores, llegando hasta nuestra casa, en donde se despidió del personal
de redacción hasta el día de la 'resurrección'.
Poco después de las 19 horas se ultimaban los preparativos para el
experimento en el local de calle Buenos Aires esquina Cabrera, el que se
veía atestado de público, ansioso de convencerse 'de visu' de que real y
verdaderamente el señor Borges de Barros era encerrado en la caja
mortuoria y que se trataba de una experiencia científica y no de un vulgar
'truco'.
A fin de inspirar mayor confianza sobre la seriedad del espectáculo, fue
examinado por los médicos doctores Pury y Ferrer, constatando estos que
se trataba de una persona cuya constitución orgánica no presenta
características particulares.
Llegado el momento de cerrar la caja se procedió a un examen minucioso
de la misma por parte del público como asimism de todos los objetos que
el señor Borges lleva consigo, consistentes en diarios, revistas, libros,
colchón, almohadas. El público había obsequiado al señor Borges con
varios atados de cigarrillos y cajas de fósforos para que no se aburra
durante el encierro.
El cajón lleva en la parte interna superior un aparato telefónico y dos
lamparitas elétricas. Esto último permite que el público pueda verlo desde
la superfície. Además, por medio de un ventilador a intervalos se cambia
el aire en el ataúd. Cualquier accidente que la ocurriese que hiciera
necesario un auxilio exterior el teléfono lo sacaria de apuros. El mismo
aparato le servirá para enterarse del interés que tenga el público en
visitarlo, del cual depende la duración del entierro, que como mínimo será
de cinco días y como máximo de quince.
La entrada para dichas visitas ha sido fijada en un peso” (El Pueblo, Río
Cuarto, 22/02/1923).
Enquanto isso, no mundo dos vivos, os Oito Batutas seguiam em cartaz em La
Plata. Surge, nos anúncios abaixo, o nome da troupe Guanabarina. A opinião da imprensa
local segue muito favorável, com destaque para a flauta de Pixinguinha
96
:
“En el Ideal y Avenida – Gran éxito de 'Los ocho batutas' – Con el éxito
de siempre, siguen actuando en estas salas los aplaudidos artistas del
nombre del título. Como se sabe, la troupe está formada por intérpretes
96
Chama a atenção o fato de que em nenhum momento, nem ao destacar a virtuosidade do flautista, a
imprensa argentina tenha se preocupado em citar os nomes dos integrantes dos Oito Batutas. Ou seja,
diferentemente dos integrantes de Los Guanabarinos, eles não eram lá, de fato, “nomes”, por
desconhecidos.
86
musicales de piezas típicas, matizándo-se el espectáculo con los directores
de la renombrada troupe Guanabarina, señor Raúl y Francisco Pepe y dos
excelentes bailarinas. El conjunto que se ofrece, bajo todo punto de vista,
es bueno. Individualmente hay elementos de éxitos excepcionales y uno
de ellos es, fuera de toda duda, además de los señores Pepe, el flautista,
que en su 'Canto de la selva', que ayer repitió, entre grandes aplausos, se
nos demuestra como un músico de una habilidad extraordinaria.
Hoy ofrecerá un programa completo de estrenos.
El programa cinematográfico es el siguiente: 'Qué quieren los hombres',
del programa Rialto, de Louis Weber y 'La bella de Alasca', por Jane
Novak.
Mañana se estrena 'Sala, dormitorio y baño', por un buen conjunto de
estrellas, además de otros dos films estrenos de gran mérito” (El
Argentino, La Plata, 23/02/1923)
“Sigue el éxito de Las ocho batutas – En las funciones de ayer en el Ideal
y Avenida Hall, volvió a presentarse este aplaudido número típico
brasileño, obteniendo un éxito mayor que en las del debut.
El público gusta cada vez más, de algunos números de la troupe que no
fueron, en las presentaciones anteriores, ofrecidos con todos los elementos
con que la atracción cuenta, habiéndose presentado al efecto una nueva
pareja de artistas que completan el espectáculo, haciéndolo de más vida y
espectaculosidad.
Así, por ejemplo, el fado y la maxixe, cobraron mayor interés y visualidad
con la interpretación que el conjunto les dió anoche, mereciendo ser
repetido a insistentes pedidos del público que llenaba la amplia sala.
Bajo todo punto de vista, 'Las ocho batutas' han conseguido aplausos
excepcionales, en los dos salones, prodigados por un público, en gran
parte entusiastas de la muy atractiva música brasileña.
La orquesta, especialmente el flautista, fueron largamente aplaudidos en
todos los números que presentaron.
En las funciones de hoy presentarán un programa completamente nuevo”
(El Dia, La Plata, 23/02/1923).
Naquele mesmo 23 de fevereiro, os jornais de Río Cuarto seguiam acompanhando o
experimento de Josué de Barros:
“El 'sepulcro' de la calle Buenos Aires y Cabrera – Aun permanece
enterrado en su sepulcro el profesor brasilero Borges de Barros.
En la tarde de ayer unos cuantos concurrieron a verlo.
El sacrifício del profesor de Barros merece la consideración del público.
Algunas personas de la campaña han venido a visitarlo en su lóbrego
encierro.
Hablando con él nos dijo que se sentía completamente bien.
Después de preguntarnos qué dice el pueblo de él, nos dio otro saludo
para los que se han dignado visitarlo” (Justicia, Rio Cuarto, 23/02/1923).
87
“El ayunador Borges de Barros – hablando con el muerto-vivo - Ayer
hicimos una breve visita a la ‘tumba’ del brasileño Borges de Barros,
quien durante las últimas horas ha sido muy visitado en su prolongado
velorio.
Nos manifestó que se sentía algo incómodo por cuanto el cajón era
demasiado angosto, pero que por lo demás no le había ocurrido ninguna
novedad digna de especial mención.
Al manifestarle que los ‘no enterrados’ sufríamos los efectos de una calor
bochornoso, nos dijo que en la profundidad donde se encuentra, la
temperatura es más agradable.
A medida que el tiempo avanza, el experimento adquiere mayor interés, y
no cabe la menor duda que una gran parte del público ha de desfilar ante
la tumba, ubicada en el local que sirvió de comité, en la calle Buenos
Aires y Cabrera.
El precio de entrada ha sido definitivamente fijado en un peso para los
mayores y 50 centavos los menores” (El Pueblo, Rio Cuarto, 23/02/1923).
Em La Plata, segue o “éxito” dos Oito Batutas, com renovação completa do
repertório:
“En el Ideal y Avenida – Gran éxito de ‘Los ocho batutas’ - Siguen
actuando en estas salas los notables artistas, los cuales renuevan
diariamente a la vez que el repertorio, los aplausos que el público les
prodiga.
Hoy variarán completamente el programa, reapareciendo Raúl Pepe en
números independientes.
El programa cinematográfico es el siguiente: “Sala, dormitorio y baño”,
por Katherine Kilham; “El avaro”, por John Gilbert, y “Más allá de las
sierras”, por Ralph Kellar” (El Argentino, La Plata, 24/02/1923)
“Ideal y Avenida - Gran éxito de Los ocho batutas - Como un éxito
siempre creciente sigue presentándose en estas salas la notabilísima
atracción procedente del Empire y que ha venido ofreciendo una serie de
espectáculos sumamente interesantes y originales.
En las funciones de ayer renovaron completamente su repertorio,
ofreciendo números de mayor belleza que los anteriores, lo cual les valió
grandes aplausos.
Se presentó también el excelente machietista Raul Pepe que volverá a
ofrecer su número en los espectáculos de hoy.
El programa cinematográfico se compone de estrenos solamentes y que se
titulan: Sala, dormitorio y baño, graciosísima comedia por Catherine
Kilhamm; El avaro, magistral creación del renombrado actor dramático
John Gilbert y Mas allá de las sierras por Rafh Kellard.
Mañana se estrenan dos interesantes películas” (El Dia, La Plata,
24/02/1923).
88
Em Río Cuarto, desanimado com a baixa bilheteria e torturado pelo calor, Josué de
Barros resolve desenterrar-se prematuramente. Finalmente, nas páginas de El Pueblo, vem
então a público sua ligação com os Oito Batutas, e o que seria o motivo real do enterro:
tentar compensar o fracasso financeiro do negócio do grupo na cidade.
“La resurrección del muerto vivo - Hoy a las 19 horas tendrá lugar la
resurrección del profesor de Barro [sic].
El profesor Borges resucitará a causa de la impresión que le causó la
escasez de público que concurrió a verlo.
Y es que nuestro público no se interesa por los muertos ¡Quiá! A los
muertos lo dejan en paz y santas pascuas.
Y por esa causa el profesor Borges dejará la fosa hoy a las 19 horas”
(Justicia, Rio Cuarto, 24/02/1923)
“El ayunador brasileño - El segundo dia de encierro resultale muy
incómodo. - ¿Por qué se sujetó al experimento? - El calor asfixiante que
reinó durante el día de ayer, hizo casi insoportable el experimento a que el
brasileño Josué Borges de Barros se sometiera.
El aire que daba el ventilador, llegaba muy caliente al fondo del ataud, lo
que agravaba la situación del paciente, pues se nos informa que estaba a
una temperatura febril de 41 grados. Hubo la necesidad de variar la
colocación del referido ventilador, colocándolo más cerca de la caja, así se
logró refrescar un poco la asfixiante temperatura.
El publico no se ha manifestado muy curioso. Seguramente que curiosidad
existe, pero no la acompaña el desprendimiento, y el peso moneda
nacional que se cobra por la entrada, es más fuerte que la curiosidad.
Hasta anoche, la boletería acusaba una entrada insignificante, en relación
al gasto que el experimentador lleva hecho.
En todo esto, hay una circunstancia ignorada por el público, y que a
nuestro juicio tiene más valor que el mismo experimento.
Es sabido, que el señor Borges de Barros vino a esta con la orquesta típica
brasileña ‘Los Batutas’, a cuyo conjunto el negocio les fue
malísimamente, tanto, que ni para los gastos de hotel hicieron. En tal
afligente situación, el señor Borges de Barros, con un rasgo de ‘fidalgo’,
quiso quedarse en rehenes, resolviéndose a ejecutar el peligroso
experimento, creyendo que habría una buena entrada, lo que le permitiría
pagar la deuda contraída por él y sus compañeros, como igualmente para
seguir viaje. Tal es a nuestro entender el valor real del sacrificio a que el
brasileño se ha sometido, pero, sería inhumano, pretender que lo
prolongara por más tiempo, si en vez de resolver el problema económico
que lo motivara, no ha de hacer por los gastos que su ‘entierro’ ocasiona
diariamente.
Ayer nos dijo, que a seguir el público con tan poco interés, posiblemente
en el día de hoy daría por terminado su experimento.
No ha faltado quien ha pretendido restar mérito a la prueba del
prolongado entierro y ayuno absoluto, pero no creemos que quien tal cosa
89
manifestaba, fuese capaz de permanecer ni siquiera 24 horas en tal
situación.
Como fuerza de voluntad, tiene más mérito que si se tratara de un
experimento de fakirismo real, pues de acuerdo a los secretos de las
ciencias orientales, quienes por tales medios permanecen
prolongadamente en estado cataléptico, nada sufren en su
organismo; en cambio, los ayunadores, como ocurre con el señor
Borges de Barros, sufren todas las consecuencias fisiológicas que es
de imaginarse.
Por lo expuesto, creemos que el señor Borges de Barros es digno de que
se le preste ayuda, pero si tal ayuda no surge, sería inhumano permitir que
prolongara su sacrificio.
NOTA: - Escrito lo que antecede y en momentos de cerrar la presente
edición, nos comunican que el señor Borges de Barros, en vista del
desinterés del público, ha resuelto desenterrarse hoy a las 6 de la tarde.
Quienes hayan puesto en cuarentena las afirmaciones que hemos hecho en
párrafos anteriores; podrán salir de dudas asistiendo al acto de la
‘exhumación’, ya que de visu podrán convencerse de que, realmente, es
como hemos dicho.
No dudamos, que la curiosidad se hará más patente hoy a las 6 horas de la
tarde, que durante los días anteriores” (El Pueblo, Rio Cuarto,
24/02/1923).
No dia seguinte, já com Josué de Barros de volta ao mundo dos vivos, temos, em La
Plata, as últimas notícias sobre a curta temporada dos Oito Batutas na cidade, enfatizando
uma vez mais o sucesso do grupo, bastante motivado pelos números de dança e pela
virtuosidade do flautista:
“En el Ideal y Avenida – Nuevo repertorio por Los 8 batutas - Con el
éxito del primer día, siguen actuando en estas salas los artistas del
epígrafe, que cosechan diariamente largos aplausos por la honrosa labor
que ofrecen en sus interesantísimos y variados números.
Las ocho batutas y los señores Pepe, ofrecerán al público, en las funciones
de hoy, en ambas salas un nuevo programa. Intercalarán más números de
canto y baile, maxixes, fados y tanghinos, al son de los instrumentos de
los batutas, constituirán un verdadero suceso y cuánto más si los
populares hermanos Pepe y las inteligentes bailarinas, ponen todo su
interés para triunfar como en las veces anteriores.
No podemos olvidar en esta corta crónica la actuación del flautista de la
troupe, artista que es una verdadera maravilla por la claridad y la cantidad
de variaciones que ejecuta en el dificilísimo instrumento. La actuación de
este músico merece todos los aplausos posibles.
El programa cinematográfico es el siguiente:...” (El Argentino, La Plata,
25/02/1923)
90
“Ideal y Avenida – Sigue el gran éxito de Los ocho batutas - Con el más
amplio de los éxitos se presenta diariamente en estas salas, los aplaudidos
artistas del epígrafe. Como hemos informado, en crónicas anteriores, se
trata de interpretes consumados en los géneros diversos que presentan, así
en la música como en los cantos y bailes.
Presta aún más variedad al número la actuación del notable actor Raúl
Pepe que interpreta los tangos más en boga. Anoche cantó el tango Madre,
que fue aplaudido entusiastamente por el público que llenaba la sala.
Hoy variarán en repertorio, incluyendo en el mismo, números de maxixe,
fados y shimy, cantados y bailados al son de la orquesta que componen
Los ocho batutas.
El programa cinematográfico está compuesto de las siguientes películas:
(…)” (El Dia, La Plata, 25/02/1923).
É também deste mesmo dia a última notícia sobre o melancólico desfecho do
“experimento” de Josué de Barros em Rio Cuarto:
“Desentierro del Prof. Borges de Barros - Como lo anunciáramos, en vista
del poco interés demostrado por el público riocuartense, ayer a las 18
horas fue sacado de su entierro, el Prof. Josué Borges de Barros, quien se
había propuesto permanecer varios días en absoluto ayuno dentro del
ataúd.
Asistieron al acto de la ‘exhumación’ algunos curiosos y entre ellos
ayudaron a desenterrarlo.
Una vez fuera de su encierro, el señor Borges de Barros fue examinado
por el doctor Toscano, quién comprobó el estado de excesivo debilidad
del experimentador.
Es de lamentar que una prueba a todas luces peligrosa y que ocasiona
perjuicios físicos al que a la misma se somete, haya dado resultados tan
negativos, en lo que a la parte económica se refiere, máxime si tenemos en
cuenta las circunstancias de que nos hicimos eco en nuestra última
edición” (El Pueblo, Rio Cuarto, 25/02/1923).
Temos, então, a esta altura, o seguinte cenário. Conforme os jornais de Rio Cuarto
finalmente acabam revelando, Josué de Barros teria ficado para trás, como uma espécie de
“refém” ou fiador de dívidas contraídas pelo grupo durante sua estadia na cidade em função
de que o negócio musical lhes teria ido muito mal. Não tenho indícios sobre a dimensão
real e as causas de semelhante fracasso, e seria ocioso, com os dados que pude reunir,
especular muito neste sentido, mas convém lembrar que, sempre de acordo com o que se
pôde mapear nos fragmentos jornalísticos, os Batutas estrearam no Café El Plata (em Rio
91
Cuarto) em 1º de fevereiro, sendo que já no dia 03 a sua atuação naquela casa deixa de ser
divulgada. É do dia 04 aquela crítica tão desfavorável, discutida acima, publicada em El
Pueblo. Seis dias depois, no dia 10, sábado de carnaval, é anunciada sua atuação nos bailes
de Teatro Municipal, e no fim de semana seguinte, dia 17 de fevereiro, sua substituição.
Naquele mesmo fim de semana (no dia 18, mais precisamente), como vimos, os Oito
Batutas estão de volta a Buenos Aires, tocando nos bailes de carnaval no Teatro Buenos
Aires. Pelas datas, então, a troupe teria estado ociosa durante boa parte do tempo que
permaneceu em Rio Cuarto. Considerando-se as despesas com hospedagem e alimentação
para dez pessoas, é compreensível que se tenha acumulado uma dívida. Como também
vimos, com os Batutas ainda em Rio Cuarto, já era anunciada sua estréia em La Plata,
provavelmente articulada localmente por Francisco Pepe, de Los Guanabarinos.
Considerando-se que necessariamente os músicos, em Rio Cuarto, estariam mantendo
contato com o “articulador” – fosse ele Pepe ou não –, em Buenos Aires, devendo
logicamente estar cientes dos compromissos assumidos (o baile de 18 de fevereiro na
Capital Federal e a temporada em La Plata logo em seguida) tiveram necessariamente que
deixar Rio Cuarto. Estando empenhados ali por dívidas, um dos seus deixou-se ficar, com o
desfecho que acabamos de conhecer. Esta “explicação”, mesmo que verossímil, já começa a
entrar no terreno da conjectura, certamente pouco lucrativo aquí. Fato é que, assim como a
coisa lhes parece ter ido bem aos Batutas em La Plata – aparentemente em função da
renovada associação com Los Guanabarinos – lhe foi mal a Josué de Barros em Rio Cuarto.
Com o “experimento” frustrado logo em seu início, os jornais locais contentam-se em
concluir a breve novela do fakir revelando a sua verdadeira motivação, desesperada e
altruísta, diferente daquela inicialmente anunciada pelo protagonista. Neste sentido,
colocando o foco por um minuto no modo de enquadramento dos “fatos” pelos jornais,
92
vemos uma estrutura de sentido onde o fim da história coincide com a revelação da
“verdade”
97
. Josué, com seu experimento, abriu para si nas páginas diárias argentinas, um
espaço de protagonismo, mesmo que breve e precocemente frustrado, que os Oito Batutas
em momento algum encontraram, seja na Capital, seja no interior. Se cabe aquí alguma
resposta, ela pode ser bastante simples: por mais exóticos e sedutores que fossem, os
Batutas, atuando como músicos, ocupavam um lugar de sentido já mais ou menos
delimitado. Podiam, enfim, agradar ou desagradar, mobilizando eventualmente ânimos
acalorados em um ou outro sentido. Mas Josué, o fakir, irrompe como atração na chave da
renúncia e do sacrifício: sem comer, enterrado vivo por dias! Se o público – movido
fundamentalmente pela curiosidade e um superficial gosto pela novidade, como apontava o
duro crítico da música popular brasileira nas páginas de El Pueblo
em 04/02/1923 –
finalmente não se dispôs a pagar o valor de $1,00 para adultos e $0,50 para crianças para
ver o enterrado vivo, não é menos notável a maneira como os próprios jornais foram
seduzidos pela novidade prometida pelo fakir, dedicando-lhe inicialmente generosas
primeiras páginas e clausurando e abandonando rapidamente o caso quando ele se revelou
um “mero” músico endividado. Se, anos depois, iria correr tanta tinta, no Brasil, em torno
do trânsito dos Oito Batutas entre os mundos do jazz e da música brasileira, naquele
contexto esta era uma parcela do real bem menos interessante do que um homem enterrado
vivo no centro da cidade, ao menos para os jornais. Não saberemos, neste trabalho, se e
quando Josué de Barros voltou a se juntar aos Batutas.
***
97
Cf. Mouillaud (2002: 41).
93
V
ICTOR 73.826 – 73.835
Ao desaparecimento dos Oito Batutas dos cartazes de La Plata, mais ou menos
simultâneo ao sumiço de Josué de Barros dos jornais de Río Cuarto, segue-se um período
de aproximadamente um mês – entre 27 de fevereiro e 27 de março – para o qual perdi todo
e qualquer rastro jornalístico dos artistas brasileiros na Argentina. A busca exaustiva nos
jornais de Buenos Aires deste período não revelou qualquer indício dos Oito Batutas.
Busquei também na imprensa de Mar del Plata – uma importante cidade balneária no litoral
sul da província de Buenos Aires, para onde convergiam muitos músicos e outros artistas
em busca de público na temporada de verão – também sem resultados.
Em terras argentinas, o grupo de músicos brasileiros realizou uma série de
gravações – ao todo, 20 músicas, em 10 discos de 78 r.p.m.
98
– para o selo Victor, fato que é
bastante mencionado na literatura sobre o grupo. Durante minha estadia naquele país, não
pude encontrar qualquer informação nova sobre estas gravações. Já na fase final de redação
deste trabalho, através da colaboração do Dr. John Cowley na Inglaterra, a quem devo estas
importantes informações, pude ter acesso aos conteúdos das fichas originais de gravação
daqueles discos, que fazem parte de material ainda inédito que está sendo reunido e
organizado pelo projeto Encyclopedic Discography of Victor Recordings, que vem sendo
conduzido por uma equipe sediada na Universidade da Califórnia com o objetivo de formar
uma base de dados eletrônica das gravações feitas pela Victor Talking Machine Company
desde 1900
99
. Com isto, foi possível saber as datas das gravações e também ter uma
indicação bastante consistente de que este episódio envolveu novamente uma relação entre
98
Estas gravações foram disponibilizadas comercialmente no Brasil em CDs: Barg (sd), com todas as vinte
faixas, e Almeida Braga & Hime (sd), com doze das vinte. As músicas estão também disponíveis no
acervo digitalizado de fonogramas do Instituto Moreira Sales, podendo ser ouvidas na internet mediante
pesquisa online em
http://acervos.ims.uol.com.br/php/index.php?lang=pt (acessado em 27/08/2009).
99
Cf. http://victor.library.ucsb.edu/ (acessado em 27/08/2009).
94
os Oito Batutas e o bandoneonista e diretor de orquestra Augusto Pedro Berto, com quem
tinham dividido o palco do Coliseo em 28 de dezembro de 1922. Conforme a tabela
preparada pelo Dr. Jonh Cowley a partir das fichas de gravação
100
, duas informações são de
especial interesse aqui: as datas das gravações e o fato de que consta, nas fichas, o nome
“A. Berto” como publisher para todas as faixas. Com relação às datas, pode-se saber que as
sessões de gravação foram realizadas nos dias 2, 5, 7 e 8 de março de 1923, ou seja, dentro
do período em que os Oito Batutas “desaparecem” dos jornais, segundo o que pude
levantar. Parece-me bastante consistente a suposição de que o “A. Berto” que aparece nas
fichas de gravação refira-se a Augusto Pedro Berto. Além deste indício, deve ser levado em
conta o contato inicial entre Berto e os Batutas mais de dois meses antes, no já referido
baile de inocentes, e o fato de que Berto, meses depois, gravaria com sua própria orquestra
quatro maxixes, no que parece ser uma “herança” de seu encontro com os Batutas. Logo
iremos a estes maxixes, mas antes uma breve consideração sobre o que o papel de publisher
pode nos indicar sobre a relação entre Berto, os Oito Batutas e a Victor argentina em torno
daquelas gravações. Originalmente, o termo aponta, desde o século XIX, para a pessoa
encarregada da distribuição e administração dos direitos autorais referentes à produção e
comercialização de partituras, ou seja, uma espécie de intermediário entre compositores e o
mercado. No caso das gravações dos Oito Batutas em 1923, o mais provável é que Berto
tenha atuado na organização das sessões de gravação – papel então também designado pelo
termo publisher –, recebendo para isto um pagamento. Esta era uma prática comum nas
empresas gravadoras na época, sobretudo quando se tratavam de gravações por músicos
ainda não estabelecidos no mercado fonográfico em questão
101
. Berto já tinha então um
100
Cf. Anexo III.
101
Agradeço ao Dr. John Cowley também pelo esclarecimento a este respeito.
95
contato profissional de alguns anos com a Victor argentina, tendo gravado discos para a
companhia entre 1917 e 1920 e, depois, entre 1922 e 1924
102
. Assim, parece verossímil que
a intermediação de Berto tenha vindo ao encontro de diferentes interesses, fazendo-os
convergir na produção daqueles discos: o seu próprio, com os rendimentos garantidos pela
atuação como publisher, o da companhia Victor, com a possibilidade de contar com um
repertório novo e interessante em seu catálogo, e o dos Oito Batutas, que certamente
também receberam seu quinhão. Não tenho informações sobre quanto cada uma das partes
envolvidas lucrou com o negócio.
***
Na discografia de Augusto Pedro Berto que consta em Zucchi (op. cit.: 300-305),
composta, em sua maior parte, de tangos, mas contendo também gêneros como polca-
marcha, mazurca, valsa e two-step, constam estas quatro “maxixas”:
Victor 77.104 – A: Yayá! Fructa de conde (Noir)
B: Papagaio come milho (F. A. da Rocha)
Victor 77.183 – A: Meu Passarinho (Obdulio Vianna)
B: Foi ella que deixou (L. M. Sampaio)
Os dados das fichas de gravação originais, todas datadas de 16 de julho de 1923, são
os seguintes
103
:
BA 153-2
104
Victor 77.104 – A: Yayá! Fructa de conde (maxixe)
BA 154-2 B: Papagaio come milho (samba maxixe)
BA 335-2 Victor 77.183 – A: Meu Passarinho (samba maxixe)
BA 336-2 B: Foi ella que deixou (samba maxixe)
102
Cf. Zucchi (1998: 300).
103
Devo também estes dados ao Dr. John Cowley.
104
Esta coluna corresponde aos números das matrizes, não fornecidos por Zucchi (op. cit.).
96
Temos, com isto, um terceiro fato que parece envolver o encontro dos Oito Batutas
com Augusto Pedro Berto. Depois de terem as orquestras dividido o palco na animação de
um baile (18/12/1922) e de Berto ter atuado como intermediário nas gravações argentinas
dos Oito Batutas (2, 5, 7 e 8/03/1923), o diretor argentino grava, com sua própria orquestra,
um repertório de maxixe e sambas-maxixes (16/07/1923) que inclui uma das músicas
gravadas pelos próprios Batutas: Meu Passarinho (disco 73.826-A, com os Oito Batutas;
disco 77.183 com a orquestra de Berto), rotulada como samba no caso dos Batutas, e como
samba-maxixe no caso da orquestra de Berto.
Temo não poder ir muito adiante, em qualquer “conclusão” a respeito desta
seqüência de eventos, além de apontar para a própria evidência de que estão conectados, e
para um par de temas que levantam. Surge como hipotética “explicação” da realização das
gravações dos Oito Batutas na Argentina a possibilidade de compreendê-la como uma
confluência de interesses das três partes – Oito Batutas, Victor Company, Augusto Pedro
Berto – cuja concretização foi ao mesmo tempo motivada e possibilitada por uma
conjuntura específica. Nesta conjuntura, dir-se-ia que: os Oito Batutas precisavam de
dinheiro, a Victor Company precisava manter um catálogo interessante e constantemente
alimentado com “novidades”, Augusto Pedro Berto uniu as duas pontas, levando seu
quinhão. Meses depois, ele mesmo “tempera”, por assim dizer, seu repertório emulando
aquela musicalidade tão... brasileira.
A intercambialidade dos rótulos samba e maxixe, entre tantos outros
105
, parece
bastante operante ali. Já citamos Meu Passarinho, que era tanto simplesmente samba como
samba maxixe. Yayá, Fruta de Conde, um maxixe na gravação da orquestra de Berto, é
105
Cf. Sandroni (op. cit.), Menezes Bastos (2007, 2007a).
97
classificada como tango na gravação brasileira de Bahiano (disco Odeon 122.455)
106
.
Papagaio come milho, um samba maxixe na gravação de Berto, era um samba na gravação
brasileira pelo mesmo Bahiano (disco Odeon 122.205)
107
. Na base de dados do Instituto
Cravo Albim, o título Foi ela que me deixou figura como samba, em gravação de João Petra
de Barros, no disco Victor 34.964, de 1942
108
. Não sei se se trata da mesma música gravada
como Foi ella que deixou pela orquestra de Berto. Enfim, os exemplos desta
intercambialidade de rótulos no mundo da música popular brasileira, que se mantém
operante até a consolidação do samba como gênero nacional nos anos 1930
109
, podem ser
multiplicados à exaustão. Da mesma forma, Berto não foi de modo algum um pioneiro na
gravação de gêneros brasileiros por orquestras argentinas, podendo-se citar como exemplos
de gravações anteriores às suas as versões da orquestra de Roberto Firpo para O Matuto,
maxixe de Marcelo Tupynambá, em 1918 (disco Odeon 615)
110
e de Pelo Telefone, célebre
samba registrado por Donga, em 1920 (disco Odeon 622)
111
. Nos dados das gravações de
Berto segundo a discografia de Zucchi (op. cit.), chama ainda a atenção a mudança no
primeiro nome de China, de Otávio para Obdulio, na atribuição da autoria de Meu
Passarinho. Talvez esta mudança tenha alguma relação com o fato de a mesma música ter
sido gravada em Buenos Aires, pela mesma gravadora, por duas orquestras diferentes, com
puocos meses de intervalo.
106
Cf. acervo de fonogramas do Instituto Cravo Albim, coleção José Ramos Tinhorão, em
http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/ (consultado em 28/08/2009).
107
Idem, coleção de Humberto Franceschi.
108
Ibidem, coleção de Humberto Franceschi.
109
Vale lembrar que este samba gênero nacional é o samba de segundo tipo, ou “do Estácio” na classifiação
estabelecida por Sandroni (op. cit.), com marcadas diferenças musicais e simlicas com relação ao tipo
de samba até então compatível com rótulos como maxixe e tango.
110
Cf. Lefcovitch (1997: 894).
111
Cf. Lefcovitch (op. cit.: 914).
98
Se as palavras samba e maxixe, enfim, podiam ainda apontar para as mesmas coisas,
tanto no Brasil quanto na Argentina, algo diferente parece ocorrer com o tango. Um indício
disto é que Até a volta, maxixe de Marcelo Tupinambá, uma das músicas gravadas pelos
Oito Batutas na Argentina (disco Victor 73.835-B)
112
, foi rotulada, no disco, de tanginho. A
comutabilidade de rótulos maxixe – tango, possível no Brasil, já dificilmente o seria na
Argentina nos idos de 1923, quando o segundo já é reconhecido como argentino por
excelência.
Como já indiquei, além das gravações para a Victor, nada encontrei sobre as
atividades dos Oito Batutas na Argentina entre fins de fevereiro e fins de março de 1923.
Contudo, resta mencionar ainda um par de rastros da troupe, um na cidade de Buenos Aires
e outro na pequena Chivilcoy, no interior da província, antes de finalizarmos o capítulo,
fatalmente imersos na bruma que ainda rodeia o fim daquela viagem, seus reais motivos e
as providências tomadas pelos integrantes naquelas derradeiras circunstâncias.
E
N EL BAJO
Na biografia de Pixinguinha por Sérgio Cabral
113
, uma das principais referências
sobre o tema, está a reprodução de um programa do Teatro Cosmopolita, de Buenos Aires,
onde figura uma chamada para o debut, naquela casa, de “Os Batutas – Cantos, bailes y
costumbres brasileras. Procedentes del Empire Theatre”, junto com a divulgação de outras
atrações, incluindo um revista chamada ¡Modelos Vivientes! e Tina Giorgis, “cantante
excentrica napolitana”. O programa publicado por Cabral evidencia, na passagem dos
Batutas (sem o “Oito”) por aquele palco, um fato do qual não encontrei indícios na
112
Cf. Anexo III.
113
Cabral (op. cit.: 109).
99
hemerografia que pude consultar. Como durante o mês de dezembro os músicos brasileiros
estiveram, como vimos, com a agenda cheia na cidade de Buenos Aires, quando ainda
cumpriam o contrato com Humberto Cairo, parece-me bastante provável que sua passagem
pelo Cosmopolita possa ter acontecido durante o mês de março, tendo passado
desapercebida pelos jornais. Além do mais, Buenos Aires fica a meio caminho entre La
Plata (onde os Batutas “desapareceram” no fim de fevereiro, após uma temporada de
aparente sucesso na cidade), e Chivilcoy (onde tornariam a “aparecer”, em fins de março) e
parece mais verossímil que, enfrentando eventuais dificuldades, eles preferissem, àquela
altura, buscar ocupação em Buenos Aires a empreender novas viagens. Fica o mistério em
relação à data exata em que passaram pelo Cosmopolita. Erguido em 1900, numa zona da
cidade conhecida como el bajo
114
, e demolido em 1945
115
, tudo indica que o local contava
com uma reputação algo pior – por suas atrações e seus freqüentadores – do que o Empire e
o Maipo, e é fato que tinha muito menos visibilidade nos jornais. Situado na rua 25 de
Mayo 440, ficava numa região mais próxima do porto. Nos termos de Llanes, referindo-se
ao Cosmopolita e a seu vizinho Teatro Roma,
“Todo era en estos teatros de categoria inferior, con mucho de los cafés
atendidos por camareras, que se repetían a lo largo de la calle 25 de Mayo
como bajo la recova del viejo Paseo de Julio (actual avenida Leandro N.
Alem). Con todo, no es posible apartarlos de la historia de los teatros en la
ciudad de Buenos Aires, por que con sus funciones, malas o regulares,
contribuyeron al entretenimiento de la juventud alegre y bullanguera de
los más apartados barrios, la que colmaba tales salones en las noches del
sábado y domingo, preferentemente, dado que en ellos imperaba el suceso
revisteril de género alegre que tocaba en la procaz. (...) [o Cosmopolita]
resultó el teatro de la marinería y de los tripulantes de los barcos de
ultramar surtos en nuestro puerto” (Llanes, 1968: 49).
114
Cf. Byrón (1977: 834).
115
Ragucci (1992: 14).
100
Sosa Cordero
116
cita o Cosmopolita e o Roma, como as salas onde o “varieté
picaresco” alcançava maior popularidade. Sobre o Cosmopolita, informa o autor:
“El Cosmopolita, suerte de barracón abigarrado, prospera como sala de
variedades en los primeros años del siglo, durante los cuales desfila por su
tablado toda la familia varietesca, incluso algunas artistas criollas que
logran nombradía, ... A comienzos de la segunda década la fama del
Cosmopolita languidece un tanto, reavivándose, luego, en pleno apogeo
del género 'ínfimo', con renovadas atracciones de neto corte escatológico”
(Sosa Cordero, 1999: 62-63).
Enfim, tanto as considerações de Llanes quanto as de Sosa Cordero permitem
imaginar que o Cosmopolita estaria mais próximo daquilo que eventualmente se poderia
chamar de “submundo” da noite de Buenos Aires, não sendo, talvez, por acaso que Sosa
Cordero termina o breve capítulo dedicado ao Cosmopolita e seus congêneres com a
seguinte ponderação:
“En pleno auge, el varieté llegó hasta las casas de tolerancia en los
extramuros, adaptado, naturalmente, a las exigencias del medio. Y no se
crea que tan sólo los artistas 'déplacés' integraban los programas. No. Más
de una figura proyectada ulteriormente hacia la popularidad, tuvo por
cuna artística aquellos lugares...” (Soza Cordero, op. cit.: 65).
Assim, os Oito Batutas teriam perambulado, quem sabe, também por ambientes da
noite portenha não tão preocupados em sustentar uma imagem adequada para “famílias”.
C
HIVILCOY: TEATRO ESPAÑOL, O FIM DO CAMINHO
A pista dos Oito Batutas reaparece, neste rastreamento, em 25 de março de 1923, na
pequena cidade de Chivilcoy
117
, distante 164 Km a sudoeste da Capital Federal, na
116
Sosa Cordero (1999: 62-63).
117 A população da cidade de Chivilcoy, segundo o Censo Nacional de 1914 (INDEC, SD) era de 12.438 hab.
Assim, ela teria sido a menor cidade em que os Oito Batutas se apresentaram na Argentina.
101
província de Buenos Aires. Naquele dia, dois dos diários da cidade dão conta da estréia do
grupo, prevista para dali a dois dias mais, no Teatro Español:
“Los Batutas - El martes debutará en el Teatro Español el grupo orquestal
y coreográfico así titulado, compuesto de cinco músicos, tres bailarinas y
dos bailarines.
Esta troupe brasileña, con su misma composición, salvo una o dos figuras,
ha recorrido este continente y el de Europa, cosechando triunfos por
donde quiera que ha pasado.
Su éxito en algunos centros de arte ha sido colosal. Grandes
personalidades de la lírica, la literatura y la política han hecho
comentarios entusiastas y la prensa ha estrenado sus elogios, algunos
firmados por los críticos de renombre universal.
Los Batutas son músicos de raza, intuivos [sic] e inspirados en los
movimientos del alma popular.
Ejecutan con pasión y saben conmover siempre la sensibilidad del oyente.
En los puntos de Europa en que se desconocen las modalidades del pueblo
americano, han causado sensación, más que por su exotismo, por la
profunda emotividad de un arte que parece surgido de las fibras del
corazón sin pasar por el tamiz de una idea metódica.
Causará una impresión honda en nuestro público al presentarse el martes
en la escena. La empresa del Español realiza un esfuerzo loable al
proporcionarnos ese número de arte y debemos reconocerlo de antemano”
(El Hombre Libre, Chivilcoy, 25/03/1923).
“Los 8 batutas – Se presentarán el martes en el Teatro Español - Un
número de indiscutible significación artística, cuya adquisición señala un
meritorio e inteligente esfuerzo de la empresa Delle Donne – Franco, se
presentará pasado mañana en el Español, debutando por la noche y
prosiguiendo luego en ronda y noche durante toda la semana.
Nos referimos a ‘Los 8 batutas’, conjunto típico de música y bailes
brasileros e internacionales, que después de una brillante actuación en Río
durante la exposición del centenario, acaba de cerrar en el Empire de
Buenos Aires una excelente tournée, significando esta breve actuación en
Chivilcoy un paréntesis a su temporada de invierno en nuestra metrópoli.
‘Los 8 batutas’, como su nombre lo indica, está formado por directores de
compañías semejantes, eximios interpretes todos ellos de instrumentos
populares, cuja actuación de conjunta resulta así insuperable. Su
instrumental está formado por flauta, mandolín y guitarra, para el
repertorio típico de música brasilera del norte, y de una jaz band para el
repertorio internacional. Su elenco viene integrado por 3 mujeres y dos
hombres, del cuerpo de baile y coro. Entre sus músicos, viene un flautista
que, según las referencias, es una maravilla imitativa del trino de los
pájaros. El repertorio está constituido por fados, zambas, catereles [sic],
maxixas, fox trots, tangos, etc., entre estos los más modernos, como
‘Melenita de oro’
118
y ‘El huérfano’
119
que se cantarán en el debuto. Los
118
Tango de Carlos Vicente Geroni Flores, gravado por sua orquestra em disco Victor 73.516-B, no ano de
1923.
119
Tango de Anselmo Aieta, gravado pela orquestra de Roberto Firpo em disco Odeon 6151-A, no ano de
102
números de música brasileña los ejecutan con trajes característicos del
norte carioca, y los de música internacional con trajes de salón.
Es este conjunto algo semejante al del profesor Chazarreta, que nos visitó
el año pasado, pero con la novedad de que lo agreste ha sido teatralizado,
aumentando así su atracción.
El ‘Libro de oro’ que ‘Los 8 batutas’ llevan consigo, y que hemos tenido a
la vista, contiene juicios autógrafos, llenos de elogio, firmados por
personalidades como Allonso Costa, Aimone di Savoia, Bernardes,
Desdato, Carniero, D’Aragao, d’Oliveira, Dempsey, Mendes d’Almeida,
la princesa Andressy, dos Santos, etc. etc.
No dudamos que su actuación en Chivilcoy ha de señalar una
espectaculosa novedad, al cuyo alto valer artístico responderá nuestro
público” (El Tribuno, Chivilcoy, 25/03/1923).
Note-se que, conforme informa El Hombre Libre
, o grupo vinha composto por cinco
músicos, além de três bailarinas e dois bailarinos, que El Tribuno
cita como corpo de baile.
Há, então, o indício de que, de fato, parte dos músicos já teria voltado ao Brasil. Não
obstante, são citados como “Los Batutas” por um dos jornais, e como “Los 8 Batutas” por
outro. Infelizmente, os jornais não mencionam o nome dos artistas, não se podendo ter
certeza maior do que a suposição, enfim, de que se tratava de alguns (cinco, conforme El
Hombre Libre) dos integrantes dos Oito Batutas e dos dançarinos Los Guanabarinos.
Tratam-se estes textos de anúncios que antecipavam a estréia da troupe na cidade,
sendo notável a maneira pomposa e chamativa pela qual a atração é anunciada, certamente
fruto de positiva ação propagandística. Neste sentido, ressalta, junto com a ênfase no
caráter popular dos músicos, a observação marcada por El Hombre Libre
, de que, em
prévias apresentações na Europa, o grupo teria “causado sensação, mais que por seu
exotismo, pela profunda emotividade de uma arte que parece surgida das fibras do coração
sem passar pelo processamento de uma idéia metódica”. Mesmo tendo em mente que não
se tratam, aquí, de críticas, mas muito mais de propagandas, é interessante notar a maneira
pela qual estes textos parecem dialogar com as críticas recebidas anteriormente pelos
1922.
103
Batutas na Argentina: algumas categorias semelhantes são mobilizadas, mas num arranjo
onde o grupo aparece com um matiz distinto. “Popular” e “espontâneo”, sim, mas artístico,
de uma emotividade profunda. O ouvinte será comovido em sua sensibilidade, e não pelos
restos, eventualmente ainda encrustrados em sua almas, de um amor à batucajem, como
queria o ácido cronista de Rio Cuarto. As fibras do coração tomam, no texto de El Hombre
Libre, o lugar que em outros periódicos foi ocupado por um exotismo sensual e primitivo.
O que se promete é, enfim, um número de arte.
A “significação artística” do número é enfatizada também pelo texto publicado em
El Tribuno
, que nos dá também outras indicações decisivas para a possibilidade de esboçar
um quadro interpretativo da jornada argentina dos Oito Batutas. Trata-se, segundo o
periódico em tela, de um “conjunto típico de música y bailes brasileros e internacionales”.
O repertório está bipartido em “típico de música brasilera del norte”, instrumentado por
“flauta, mandolín y guitarra” e “internacional”, que conta com uma “jazz band”
120
, o
primeiro executado com “trajes característicos”, o segundo com “trajes de salón”. Tangos
(argentinos) “dos mais modernos” – de fato, composições lançadas naquele mesmo ano ou
no anterior no mercado fonográfico argentino – não ficam de fora.
El Tribuno
assinala ainda a virtuosidade – imitativa de cantos de pássaros – do
flautista, e compara a troupe à de Andrés Chazarreta
121
, já conhecida do público de
Chivilcoy, com a diferença de que, no caso dos Batutas, “el agreste ha sido teatralizado”,
provavelmente desejando-se indicar uma maior elaboração dos “costumes” populares na
120
Note-se que, naquele contexto, o termo “jazz-band” poderia indicar tanto um conjunto instrumental quanto
apenas o instrumento tido como seu maior diacrítico: a bateria.
121
Andés Chazarreta (Santiago del Estero, 1876 – 1960), músico, compositor, pesquisador, professor,
considerado o “patriarca do folclore argentino”. Entre 1911 e 1936 percorreu o país com seu Conjunto de
Arte Nativo, integrado por bailarinos, cantores e instrumentistas, divulgando gêneros da música folclórica
do país. O grupo obteve grande sucesso apresentando-se no Teatro Politeama, na Capital Federal, em
1921. Cf.
http://www.andreschazarreta.com.ar/home.html (consultado em 29/08/2009).
104
sua adaptação artística para o palco. Quanto ao curioso “livro de ouro” dos Oito Batutas,
assinado por “autoridades” de nomes não menos curiosos, não obtive informações
adicionais.
Estes dois últimos indícios que pude recolher em fontes primárias sobre os Oito
Batutas na Argentina encontram-se em jornais em péssimo estado de conservação,
arquivados atualmente no Arquivo Histórico de Chivilcoy. Infelizmente, a diligência e o
cuidado dispensados atualmente a estes arquivos pela equipe da instituição não puderam
reverter um processo no qual, em outros momentos históricos, a preservação de tais fontes
não foi alvo de semelhante preocupação.
Contamos, no entanto, com dados apresentados por Cabral (op. cit.) que indicam
que os Oito Batutas de fato agradaram em Chivilcoy. O autor reproduz citações – as quais
eu mesmo não pude localizar – dos mesmos El Tribuno
e El Hombre Libre, além de um
terceiro jornal chamado La Razón
e um quarto chamado La Tarde, que testemunham o que
parece ter sido um sucesso da trupe naquela cidade
122
, com lôas tecidas ao flautista
(citando-se, agora sim, seu nome: Alfredo Viana) e referencias à lotação da sala nas
apresentações. Infelizmente, Cabral não cita as datas dos trechos reproduzidos. Afirma o
autor que a temporada no Español deveria terminar em 02 de abril. Considerando-se que a
data dos trechos jornalísticos acima transcritos – 25 de março de 1923 – caiu num domingo
e que, conforme anunciado, o grupo debutaria na terça-feira seguinte (dia 27) devendo
seguir em cartaz por toda a semana, a data prevista para o encerramento, dia 02 de abril
(uma segunda-feira), conforme Cabral, parece verossímil. Ainda seguindo Cabral, devido
ao sucesso do grupo uma função adicional foi realizada no dia 03, marcando o fim da
jornada argentina dos Oito Batutas. Para Cabral, foi então que teria acontecido um
122
Cf. Cabral (op. cit.: 106-108).
105
desentendimento no seio do grupo, resultando na volta imediata ao Brasil de parte dos
músicos, sendo que outra parte teria permanecido na Argentina, enfrentando dificuldades
até finalmente conseguir voltar para casa – através de uma suposta intervenção do
Consulado Brasileiro em Buenos Aires, da qual não encontrei evidências – depois de alguns
dias. Tanto em Cabral quanto em algumas outras referências que tratam do tema, teria sido
neste momento que Josué de Barros, numa tentativa desesperada de levantar fundos para a
viagem, enterrou-se vivo em Rio Cuarto. Sem poder resolver definitivamente estas
questões, podemos talvez, mudar um pouco seu arranjo, situando-as à luz dos dados
considerados neste capítulo.
Como vimos, Josué de Barros não se enterrou em Rio Cuarto (que dista centenas de
quilômetros de Chivilcoy) ao final da temporada, mas aproximadamente em sua metade. O
motivo de seu enterramento, habilmente agenciado, não teria sido o de levantar fundos para
a viagem de volta ao Brasil, mas sim o de honrar dívidas contraídas pelo grupo na cidade
do interior cordobês. Ademais, enquanto o violonista se enterrava em Rio Cuarto, os
Batutas se apresentavam em La Plata, a mais de 700Km de distancia, ou seja, tudo leva a
crer que o enterramento foi um empreendimento que não contou com a companhia dos
demais músicos. Finalmente, os textos que reproduzi dos jornais de Chivilcoy de
25/03/1923 permitem inferir que a esta altura o grupo já não contava com alguns de seus
membros.
Assim, pouco resta que possa sustentar a coincidência do enterramento de Josué de
Barros com a cisão do grupo e o fim da temporada argentina, da maneira como estes fatos
têm sido agrupados nas principais narrativas desta história. Ficamos, enfim, sem saber a
maneira exata pela qual se deu o desfecho, a forma e motivações da célebre “briga” e as
datas em que cada um dos artistas deixou a Argentina.
106
Para finalizar este capítulo, gostaria apenas de remarcar, entre tudo o que foi aqui
comentado, o interessante caráter metamórfico
123
dos Oito Batutas em função das variações
no campo de possibilidades que se lhes ia abrindo, ou fechando, na medida em que
avançava, ou retrocedia, sua perambulação por território argentino. De teatros-
cinematógrafos relativamente mais “bem conceituados” a lugares de moral mais
“duvidosa”. Da tipicidade brasileira à atuação como jazz-band. De palcos habituados à
ópera e ao drama àqueles de parques de diversões. De uma arte sedutora, às vezes odiada
justamente por sê-lo, seriam os Oito Batutas pensáveis, neste sentido, como uma espécie de
grande signo saussuriano em trânsito, no interior do qual a relação entre significante e
significado constante e sutilmente deslizava, refazendo-se sempre em função das diferentes
conexões possíveis entre palavras e coisas e da agência do próprio signo em função delas.
123
Inspiro-me aqui nas noções de metamorfose e campo de possibilidades propostas por Velho (1999).
107
Figura 1 – Mapa da Argentina, onde se pode ver, do itinerário dos Oito
Batutas, a localização das cidades de Buenos Aires, Rosário, Córdoba e
La Plata. Fonte: Aeberhard
,
Benson
,
Phili
p
s
(
2004
)
.
108
Figura 2 – Mapa da província de Córdoba, onde se pode ver a localização das cidades
de Córdoba e Río Cuarto (ao sul). Fonte: Aeberhard, Benson, Philips (2004).
109
Figura 3 – Mapa da província de Buenos Aires, onde se pode ver a localização d
a
Capital Federal e das cidades de La Plata (a leste) e Chivilcoy (a oeste). Fonte:
Aeberhard, Benson, Philips (2004).
110
Figura 4 – Empire Theatre, Buenos Aires. Não há data na foto original, mas o fato de esta
r
em cartaz o filme The Sheik’s Wife, com Rodolfo Valentino, indica que se trata do ano de
1923. Fonte: AGN.
Figura 5 – Teatro Maipo, Buenos Aires, na noite do incêndio de 1928. Fonte: AGN.
111
Figura 6 – Aspecto da região central de Buenos Aires, Calle Florida, 1923. Fonte: AGN.
112
Figura 7 – Interior de um cabaret portenho, 1924. Fonte: AGN.
Figura 8 – Teatro Coliseo Argentino, Buenos Aires, sd. Foto de Harry G. Olds. Fonte: AGN.
113
Figura 9 – Humberto Cairo, 1925. Fonte: AGN.
114
Figura 10 – Teatro Cosmopolita, Buenos Aires, sd. Fonte: AGN.
115
Figura 11 – Obras de alargamento da Avenida Corrientes (e construção da linha B do metrô), cujo
leito passou a ocupar o lugar onde existiu o Empire Theatre, Buenos Aires, 1935. Fonte: AGN.
116
Figura 12 – Cine El Plata, Rio Cuarto, sd. Fonte: Archivo Histórico Municipal de Rio Cuarto.
Figura 13 – Teatro Municipal, Rio Cuarto, sd. Fonte: Archivo Histórico Municipal de Río Cuarto.
117
Fi
g
ura 15 – Teatro Es
p
añol
,
Chivilco
y,
2007. Foto do autor.
Figura 14 – Teatro Municipal, Rio Cuarto, 2007. Foto do autor.
118
Figuras 16 a 19 – Selos originais de dois dos dez discos gravados pelos Oito Batutas para a Victor
argentina em 1923. Gentileza Sr. Leon Barg – Revivendo Discos.
119
INTERLÚDIO: DE VOLTA AO RIO
Em inícios de abril de 1923, a imprensa carioca dá conta da volta dos Oito Batutas –
de alguns deles, ao menos – ao cenário musical do Rio de Janeiro, registrando suas rápidas
providências para a retomada das atividades na cidade. Apresento nesta parte alguns textos
jornalísticos que permitem ter uma idéia das intenções e projetos daqueles músicos depois
de sua volta da Argentina. Estes textos foram recolhidos, em sua maioria, num período de
pesquisa de duas semanas na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, entre agosto e
setembro de 2008
1
.
Em 05 de abril de 1923 aparece na Gazeta de Notícias
, a seguinte nota:
“A musica popular
Já noticiamos que, tendo-se dissolvido, na Argentina, o popular grupo de
musicistas brasileiros denominado ‘Oito batutas’, quatro delles
regressaram ao Rio e aquí se reuniram a quatro novos companheiros,
formando um outro grupo. Este, querendo apresentar-se ao público
carioca, solicitou ao Círculo de Imprensa o seu patrocinio nesse sentido.
Acquiescendo, a directoria do Circulo obteve obsequiosamente o salão do
Centro Paulista, onde os oito músicos darão amanhã, ás 5 horas da tarde,
uma audição a imprensa.
Por essa occasião, o novo grupo receberá o nome com que vae ser
baptizado.
Os aggremiados do Círculo e os jornalistas em geral podem
comparecer com suas familias á interessante audição” (Gazeta de
Notícias, Rio de Janeiro, 05/04/1923).
No dia seguinte, o Correio da Manhã
, comenta o evento:
“Os novos ‘8 batutas’ reappareceram hontem – Uma audição para
a imprensa, no Centro Paulista
Os ‘8 batutas’, que tanto renome ganharam, popularizando a
musica... americana, foram ter a Buenos Aires, e lá se exhibiram em
vários concertos, logrando retumbante successo.
Mas, como em negócios de música e, mórmente, de músicos, a
harmonia é coisa que raras vezes se mette em compasso, os ‘8 batutas’
entraram em desavença.
1
Não se tratou, neste caso, de um levantamento exaustivo. Uma pesquisa de maior fôlego sobre os Oito
Batutas no Rio de Janeiro está sendo empreendida por Lacerda (2009), no âmbito de um trabalho de
mestrado. Martins (2009), em estudo recentemente concluído sobre o mesmo tema, não se baseia em
pesquisa exaustiva da hemerografia em fontes primárias.
120
Litigaram, dissolveram-se, afinal.
Uns dois ou tres ‘batutas’ sómente puzeram-se de accordo e
pensaram em constituir novo blóco, de retorno ao torrão patrio. Aqui
chegados, lutaram com difficuldades não poucas, porque a juncção de
instrumentos heterogeneos, para os effeitos do jazz-band, não se consegue
senão por uma escrupulosa escolha de elementos, cuja competencia
musical fosse cabalmente comprovada.
Formou-se, pois, a nova jazz-band successora da outra, balda,
porém, ao naipe sonante, que é a molla real do mundo – e vulgarmente
conhecida como – dinheiro em caixa.
Os rapazes não desanimaram, por isso; ao contrario, cheios de
‘harmonia’ e bôa vontade, puzeram mãos à obra, ensaiaram, diariamente,
longamente, porfiadamente até que um vasto repertório não ficasse bem
sabido.
Antes, porém, de se lançarem aos requestos do favor público
quizeram offerecer á Imprensa e a alguns convidados as primazias de uma
audição, no salão do Centro Paulista, na tarde de hontem.
A audição teve magnífico éxito, através do seguinte programma:
1º - Non, non, jamais les hommes; 2º - Von and Ten, fox-trot; 3º -
Morfina, valsa; 4º - Buddha sorri, fox-trot; 5º - Valle feitil, tango; 6º -
Trouble, fox-trot; 7º - Tatú subiu no páo; 8º - Polka comica; 9º - Solo de
violão; 10º - Embolada do Norte; 11º - Cantos, por José Monteiro.
Os noveis ‘8 batutas’ são assim constituídos: cantor popular, José
Monteiro; banjistas, Ernesto dos Santos e Nestor dos Santos Alves;
pistonista, José Cyrino; trombonista, Euclydes Galdino; saxophonista, J.
B. Paraíso; pianista, Fausto Mozart Corrêa. O sr, João Thomaz de Oliveira
é encarregado da ‘bateria’, verdadeiro arsenal de pancadaria musical, que
produz effeitos curiosíssimos.
A musica desses ‘8 batutas’ tornou-se tão suggestiva, que alguns
convidados de sexo opposto não resistiram à tentação de dar umas
pernadas ao rhytmo do Fox-trot” (Correio da Manhã, Rio de Janeiro,
06/04/1923).
Vemos, nestes dois trechos, o registro, sem datas precisas, da volta de parte do
grupo, empenhado em rapidamente compor uma jazz-band, “batizar-se” e lançar-se ao
público. A Gazeta de Notícias
, mencionando a dissolução do grupo na Argentina, fala do
retorno de quatro integrantes, enquanto que o Correio da Manhã
noticia que somente “uns
dois ou três” puseram-se de acordo para formar o novo cojunto. Este último jornal, apesar
de qualificar a temporada em Buenos Aires (desconsiderando, assim, as apresentações pelo
interior da Argentina) como tendo sido de “retumbante sucesso”, trata com certa ironia o
episódio da dissolução, sem dar maiores detalhes sobre o acontecido e limitando-se a
121
naturalizar os músicos em geral como especialmente propensos a “entrar em desavença”.
Chama a atenção também, no texto do Correio da Manhã, as reticências na caracterização
dos Oito Batutas como popularizadores da música americana. Esta proposital hesitação na
maneira de colocar a qualificação parece assumir a presença da música “americana” no
repertório do grupo como uma possibilidade em face de (no mínimo) uma outra (que seria a
brasileira): parece-me que fica subentendida aí a capacidade do grupo de transitar entre
estes registros, apropriando-se de diferentes repertórios, o que é evidente desde antes da
viagem à Argentina, especialmente no intervalo entre esta e a anterior temporada em Paris,
de onde o grupo voltou equipado de saxofone e “jazz-band” (bateria)
2
. Assim, a “nova”
jazz-band, francamente empenhada em lograr adequada formação instrumental, não é
novidade absoluta, mas sucessora da “outra”.
Conforme os nomes dos integrantes dados pelo Correio da Manhã
, daqueles que
haviam ido à Argentina participavam deste novo grupo apenas Donga (banjo), João
Thomaz de Oliveira (bateria) e Nelson
3
dos Santos Alves (banjo), sendo a formação
completada por José Monteiro (canto), José Ciryno (piston), Euclydes Galdino (trombone),
J. B. Paraíso (saxofone) e Fausto Mozart Corrêa (piano)
4
. No repertório, gêneros
“brasileiros” e “estrangeiros”, mas o destaque do autor da nota vai para o fox-trot, marcador
de uma “sugestividade” musical adquirida pelo grupo, diante da qual o sexo oposto não
resistiu a “dar umas pernadas”.
Mais um dia, e voltamos a ter notícias do debut do novo grupo, que de fato seria
batizado de Oito Cotubas, com a Gazeta de Notícias
:
2
Cf. Cabral (op. cit.: 101-102), Menezes Bastos (2005: 179-180).
3
Equivocadamente grafado “Nestor” pelo jornal.
4
Esta formação coincide com aquela dada por Cabral (op. cit.: 111) para os Oito Cotubas, que é como logo
iria se chamar este novo grupo.
122
“Musicas populares
No salão do Centro Paulista, obsequiosamente cedido, deram
ante-hontem, á tarde, a sua 1ª audição, sob o patrocínio do Circulo de
Imprensa, os oito musicistas populares que acabam de formar um grupo
no genero do que se denominava ‘Oito Batutas’, e que ha pouco foi
dissolvido na Argentina, de onde regressaram quatro dos seus
componentes, agora incorporados áquelle novo grupo.
Perante bôa concorrencia, no meio da qual se viam diversas famílias, os
habeis musicos patrícios executaram bellos numeros de musica popular,
sendo applaudidíssimos.
Houve danças animadas, que se prolongaram até ás 7 horas da
noite.
O novo grupo pediu que o Círculo de Imprensa o baptisasse, e os
socios desse gremio, que se achavam presentes, resolveram dar-lhe a
denominação de ‘Oito Cotubas” (Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro,
07/04/1923).
Com isto, fica indicada a origem do nome de Oito Cotubas para este grupo
“dissidente” dos Oito Batutas. Menezes Bastos
5
ressalta a origem tupi do termo cotuba,
cujo significado é “corajoso”, indicando uma provável relação entre a escolha deste nome –
que, como vimos, não teria sido feita pelos próprios músicos, mas pelos sócios do Círculo
de Imprensa do Rio de Janeiro – e o ethos da facção formada por Donga e os demais em
face dos acontecimentos na Argentina. Deve-se notar ainda que o termo parecia ser corrente
na época, talvez especialmente com relação à atividade musical. Isto se pode inferir de sua
utilização nas exclamações e comentários feitas por locutores nas gravações de música
popular nas primeiras décadas do século XX, onde expressões como “Entra, cotubas!
aparecem como que incitando o início da performance, após o anúncio do título da música e
do nome da casa gravadora, como era de praxe
6
. Segundo Cabral
7
, os Oito Cotubas
obtiveram logo um contrato muito bem pago com o Cabaré Fênix, na Capital.
5
(2005: 188, nota 14).
6
Isto sobretudo com relação às gravações feita pela Casa Edison, de Federico Figner. Cf. Almeida Braga &
Hime (sd).
7
(op. cit.: 112).
123
É digna de nota ainda a data em que os Oito Cotubas estreiam no Rio de Janeiro: 05
de abril de 1923, ou seja, apenas dois dias depois daquela que teria sido a última
apresentação dos Batutas na Argentina, no Teatro Español de Chivilcoy. Se considerarmos
o tempo da viagem e, uma vez no Brasil, o prazo necessário para arregimentar os novos
integrantes, preparar o repertório e gerir a estréia junto ao Círculo de Imprensa, torna-se, de
fato, altamente improvável que Donga, João Thomaz de Oliveira e Nelson dos Santos
Alves ainda estivessem junto dos Oito Batutas em suas derradeiras apresentações na
Argentina. Como vimos no Capítulo 1, os jornais de Chivilcoy anunciavam, no fim daquela
temporada, uma formação de jazz-band para o repertório internacional. Se o grupo
remanescente já não contava em seus quadros com a bateria de João Thomaz de Oliveria –
quem, por hipótese já estaria no Rio participando da formação dos Oito Cotubas –
provavelmente tenha contado com um substituto local. Seja como for, parece-me que o
ponto mais interessante neste cenário é notar que: se o desdobramento Oito Cotubas, uma
vez de volta ao Rio, rapidamente tomou as providências necessárias para constituir-se e
explicitamente anunciar-se e apresentar-se como jazz-band – que não excluía de seu
repertório, por exemplo, as emboladas do norte – Os Oito Batutas remanescentes na
Argentina adotavam, em suas últimas apresentações, a forma de uma orquestra dupla, com
trajes e instrumentação específicos para o repertório típico e para o repertório
internacional, que não excluía os últimos tangos de moda. Não há evidências, portanto, que
apontem para a possibilidade de que qualquer um dos dois grupos estivesse, naquele
momento, na Argentina ou no Brasil, orientando sua prática em função de alguma bandeira
nacionalista que se poderia traduzir em restrições com relação ao repertório ou à
instrumentação.
124
Sobre aqueles que, nesta história, se demoraram mais em terras estrangeiras,
aparecem indícios na imprensa carioca em torno de dois meses mais tarde do que a estréia
dos Oito Cotubas, em 05 de abril. Não disponho de dados sobre as datas exatas da volta dos
músicos, seja de um grupo ou de outro, para o Brasil
8
, e nem encontrei, nos jornais
consultados, detalhes sobre a formação dos “novos” Oito Batutas, apenas estes indícios de
sua efetiva atuação no Rio ao longo do segundo semestre de 1923:
No Jornal do Brasil
de 05/06/1923, noticia-se que naquela data os Oito Batutas
“reapparecerão”, no Trianon, na primeira sessão de um “Acto variado em que tomam parte
os primeiros artistas de todos os teatros”. Neste mesmo dia, o Correio da Manhã
também
noticia o evento, agregando que tomará parte nas apresentações “a troupe musical dos ‘Oito
Batutas’, que acaba de chegar de Buenos Aires”. A Noite, em 23/08/1923, dá a saber que os
Oito Batutas seriam uma das atrações em uma festa no Lyrico, marcada para o dia seguinte.
Segundo Cabral, com base no Jornal do Brasil
, a primeira notícia sobre a presença
de Pixinguinha no Rio depois da ida à Argentina já havia circulado em 31 de maio de 1923,
dando conta de que “os Oito Batutas, reorganizados sob a direção de Pixinguinha, China e
Palmieri, vão reaparecer breve ao público carioca”
9
. Este mesmo autor dá, para a
apresentação no Trianon em 05 de junho, acima citada, a seguinte formação: Pixinguinha
(flauta e sax), Palmieri (bandolim), China (voz e violão), J. Ribas (piano), Bonfiglio de
Oliveira (piston), Euclides Galdino (trombone), Eugênio de Almeida Gomes, o Submarino
(bateria) e Luís Americano (sax). Ou seja, daqueles músicos dos quais possuímos o registro
de desembarque em Buenos Aires em 07 de dezembro de1922, restam aqui Pixinguinha,
China e J. Ribas. É notável a semelhança da formação instrumental entre estes novos Oito
8
Silva e Oliveira Filho (op. cit.: 75) dão a data do visto de saída do Consulado Geral do Brasil em Buenos
Aires constante do passaporte de Pixinguinha: 06 de abril de 1923.
9
Jornal do Brasil, 31/05/1923 apud Cabral (op. cit.: 112).
125
Batutas e os Oito Cotubas. De fato, Cabral remarca a intenção manifesta, também de
Pixinguinha, de que a banda se caracterizasse efetivamente como uma jazz-band. Os novos
Oito Batutas, além de atuações em eventos como os acima indicados, teriam logo obtido
um contrato para tocar no cabaré Assírio, no subsolo do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro
10
.
A cisão, no entanto, durou pouco. Em agosto de 1923 vinha a público a notícia da
reunião de alguns dos antigos membros dos Oito Batutas numa formação agora chamada
Bi-Orquestra Os Batutas. O fato era anunciado numa reportagem do jornal A Notícia
,
intitulada “A música barulhenta – Domínio da jazz-band”, que incluía entrevistas de
diversos músicos em torno do fenômeno da intensificação da “onda do jazz” na cidade, que
por então estaria sendo notado, no que seria uma mudança de estilo das orquestras
brasileiras, “há pouco mais de um ano”
11
. O fenômeno incluía, portanto, outras orquestras
além dos Batutas, como a Jazz-Band Sul-Americano
12
, de Romeu Silva. Entre os músicos
entrevistados por A Notícia
estava China, que falou justamente sobre a formação da Bi-
Orquestra, declarando que “se tratava, ao mesmo tempo, de uma jazz-band e de um
10
Pode-se conhecer este célebre local de apresentações dos Oito Batutas numa visita ao Teatro Municipal,
ou em fotos pela internet em
http://www.theatromunicipal.rj.gov.br/visita_virtual/restaurante.htm#
(acessado em 31/08/2009).
11
A Notícia, agosto de 1923, apud Cabral (op. cit.: 113-115). Nas diferentes edições do livro citado,
aparecem duas datas distintas para a publicação desta reportagem, da qual o autor cita diversos trechos. Na
primeira edição (Cabral, 1978: 50-51), a reportagem é datada de 26 de outubro de 1923. A data é alterada
para agosto de 1923 (sem especificação do dia) na segunda edição (Cabral, 1997: 99-110), permanecendo
assim na terceira (Cabral, 2007: 113-115). Quando de minha estaia no Rio de Janeiro, não tive acesso, na
Biblioteca Nacional, ao jornal A Notícia para agosto de 1923, pois o periódico não está microfilmado e a
cópia em papel estava indisponível para consulta, por danificada. Naquele momento, não me ocorreu
examinar a edição de 26 de outubro, conforme a referência mais antiga de Cabral. Posteriormente,
solicitei, através do serviço de atendimento à distância da Divisão de Informação Documental da
Biblioteca Nacional, a pesquisa pelo título da reportagem em ambas as datas citadas por Cabral. Recebi
daquele instituição a informação de que a reportagem não consta na edição de 26 de outubro de 1923 do
jornal A Notícia
. Até o momento em que escrevo esta nota, não recebi parecer definitivo sobre a pesquisa
para o mês de agosto, que, segundo o técnico que me tem atendido, encontra-se em andamento.
12
Sobre este agrupamento e outros, no contexto de um estudo sobre a introdução do saxofone no choro,
conforme Velloso (2006).
126
conjunto capaz de tocar choros, sambas etc”
13
. A primeira apresentação da Bi-Orquestra os
Batutas é datada de 24 de agosto de 1923, num festival promovido pelo jornal A Noite no
Teatro Lírico
14
.
O arranjo bi-orquestral, sobretudo na animação de bailes, mas também em
restaurantes e outros ambientes, era muito comum em Buenos Aires
15
na época em que os
Oito Batutas passaram por lá, indicando já uma tendência de especialização das orquestras
de tango e/ou de jazz em termos daquilo que Sérgio Pujol denomina “el bilingüismo
musical argentino”
16
. Pujol mapeia este “bilingüismo”, de início, na própria incorporação
criativa de elementos do jazz
17
por orquestras de tango, como a de Roberto Firpo e mesmo
a de Osvaldo Fresedo, numa relação de “cordialidad entre géneros de música popular”
18
que alguns anos depois (entrada a década de 1930) seria colocada em questão por parte da
“gente do tango”, que cerraria fileiras diante do que passaria a ser compreendido como uma
invasão de ritmos estrangeiros. Assim, nos anos 1920, o trânsito entre as duas linguagens
poderia tanto ser feito por uma única orquestra, quanto materializar-se na atuação de
orquestras especializadas em cada uma delas. Esta é uma das faces do ambiente musical
que os Oito Batutas encontram na Argentina. Como vimos, vinte dias depois de iniciarem
sua atuação na capital do país, assumem a forma jazz-band para animar um baile ao lado da
típica de Augusto Pedro Berto. No final da turnê, sua efetiva bi-orquestralidade é
testemunhada pelos anúncios da imprensa de Chivilcoy. Neste sentido, parece que a Bi-
13
Cabral (op. cit.: 115).
14
Cabral (op. cit.: 117).
15
Refiro-me especificamente a esta cidade por ser aquela com cujo ambiente musical da época mais tive
contato através da leitura dos jornais.
16
Pujol (2004: 55).
17
Pujol (op. cit.: 54) remarca que, nos anos 1930 – e creio que possamos também pensar nestes termos para
os anos 1920 –, a idéia de jazz que tinham os diretores de orquestras argentinos se aproximava mais da
música de Paul Whiteman do que da orquestra de King Oliver.
18
Idem.
127
Orquestra os Batutas que se anuncia no Rio de Janeiro em agosto de 1923 resulta de um
processo que tem um início bastante marcado com a viagem dos músicos a Paris
19
e, de
certa forma, amadurece em terras argentinas. Notável é a reversibilidade desta identidade
orquestral e a convivência aparentemente não dilemática – ou, no mínimo, possível e
efetiva, tanto do ponto de vista dos músicos quanto de seu público –, em seu interior, da
música típica nacional e do repertório internacional.
Os Oito Batutas de fato atuarão neste registro durante alguns anos. Veremos a
seguir como este modelo estará incorporado quando o grupo alcançar o sul do Brasil em
1927.
19
Cf. Menezes Bastos (2005).
128
CAPÍTULO 2
SANTA CATARINA E PARANÁ, AGOSTO E SETEMBRO DE 1927
Dando agora um salto de aproximadamente quatro anos, vamos reencontrar o grupo
no sul do Brasil em 1927. Vejamos o que os jornais deixam saber desta outra viagem
1
, cujo
estudo permitirá propor um quadro interpretativo mais completo, na comparação com o
rastreamento de suas andanças pela Argentina.
F
LORIANÓPOLIS (27 E 28 DE AGOSTO DE 1927)
No dia 18 de agosto de 1927 o jornal O Estado
2
anunciava, com quase dez dias de
antecedência, a chegada de uma nova atração aos palcos da capital de Santa Catarina
3
:
1 O itinerário dado por Cabral (op. cit.: 137) para esta viagem é o seguinte: Florianópolis, Blumenau,
Joinville, Curitiba e Porto Alegre. Como veremos ao longo deste texto, os jornais ratificam tal informação,
faltando, no itinerário dado por Cabral, apenas a passagem do grupo por Itajaí, entre Florianópolis e
Blumenau. Quanto à formação do grupo a estas alturas, Cabral declara o seguinte: “A propaganda falava
em Oito Batutas, mas, na verdade, viajaram nove: Pixinguinha (flauta e saxofone), Donga (violão, violão-
banjo e cavaquinho), Aristides Júlio de Oliveira (bateria), Alfredo de Alcântara (pandeiro), Esmerino
Cardoso (trombone), Bonfiglio de Oliveira (piston), Mozart Correia (piano), João Batista Paraíso
(saxofone) e Augusto Amaral, o Vidraça (ganzá)” (Idem: ibidem). As eventuais menções de nomes dos
integrantes do grupo que pude recolher nos jornais são as seguintes: “Alfredo Vianna, director do
conjuncto, o admiravel flautista e saxofonista e Euclides Araujo Penna, saxophonista e clarinetista”
(República, Florianópolis, 30/08/1927). Note-se ainda que numa foto do grupo publicada em O Estado
, de
Florianópolis, no dia 27 de agosto, contam-se sete músicos.
2
Florianópolis contava com atividade de imprensa desde 1831, ano da fundação de O Catharinense. O
jornal O Estado
foi fundado em 13 de maio de 1915 por Henrique Rupp Júnior e Ulysses Costa. Em 1925,
passa para as mãos de Victor Konder (Itajaí, 21/02/1886-Rio de Janeiro, 06/08/1941), cuja família
manteria relações de proximidade com o governo Washington Luís. Adolfo Konder, irmão de Victor,
governou o estado de Santa Catarina de 1926 a 1930, período em que Victor ocupou o Ministério de
Viação e Obras Públicas do governo federal. O Estado
era, portanto, politicamente alinhado ao governo
central na época em questão, e se destacava por possuir uma estrutura técnica e administrativa
relativamente avançada em comparação com seus concorrentes locais. Seguindo uma tendência de
internacionalização encabeçada pela imprensa carioca e paulistana desde os anos 1910, O Estado
contaria
com distribuidores na Europa (Paris e Londres) desde 1920, passando a fornecer assinaturas para o
exterior em 1926, mesmo ano em que credenciava agentes para anúncios, publicação de matérias e
assinaturas em São Paulo e no Rio de Janeiro. As edições seguiam para a Europa pelo Correio Aéreo
Condor, cujo representante em Florianópolis era a firma Carlos Hoepcke S.A., que atuava também no
transporte marítimo (Mata, 1996: 06-15).
3
Florianópolis está situada na Ilha de Santa Catarina, a aproximadamente 917 Km ao sul da cidade do Rio
de Janeiro (Cf. ferramenta de cálculo da distância entre cidades da Associação Brasileira de
Concessionárias de Rodovias, disponível em http://www.abcr.org.br/geode/index.php, consultado em
05/10/2009. Salvo indicação em contrário, as demais informações sobre distâncias entre cidades deste
129
“Diversões – Os Oito Batutas – A empresa Victor Busch & Cia
4
. acaba de
contractar a vinda do originalissimo conjuncto artistico dos 'Oito Batutas',
capítulo são tomadas da mesma fonte). Segundo o Recenseamento Geral do Brasil de 1920, a população
do município naquele ano era de 41.338 habitantes, sendo 40.252 brasileiros e 1.024 estrangeiros (IBGE,
1920: 599). A população da cidade do Rio de Janeiro, segundo o mesmo senso, era então de 1.157.873
pessoas. Santos (1995: 113-121) localiza duas obras de engenharia como os principais símbolos da
“chegada da modernidade” a Santa Catarina: a construção do trecho local da ferrovia São Paulo-Rio
Grande (1908-1910) e a ligação da Ilha de Santa Catarina ao continente através da ponte Hercílio Luz,
inaugurada em 1926. A construção da ferrovia,explorada pela Brazil Railway Company, sediada em
Portland, nos Estados Unidos, associada a uma disputa de limites territoriais entre Santa Catarina e Paraná,
ficou especialmente marcada como um dos os fatores desencadeantes da Guerra do Contestado (1912-
1916), evento histórico complexo que teve conseqüências trágicas sobretudo para a população do Planalto
Norte e do Vale do Rio do Peixe (Santos, op. cit.: 95-103). Com relação ao cenário urbano da capital nos
anos 1920, Araújo (1999) apresenta um interessante estudo onde o discurso sanitarista aparece como uma
das faces de uma campanha de modernização que envolvia, e eventualmente encobria, interesses políticos
e econômicos de determinados setores da sociedade. Este processo teve como um de seus marcos centrais
a abertura da avenida Hercílio Luz – inicialmente chamada Avenida do Saneamento – entre 1919 e 1922,
tendo sido caracterizado por uma distribuição desigual dos benefícios das obras de urbanização e pela
intensificação de desigualdades sociais, inclusive com a expulsão de centenas de famílias pobres que
viviam na região central da cidade e que iriam então iniciar a ocupação dos morros e regiões periféricas.
Apesar das semelhanças deste processo com o que ocorreu em cidades como o Rio de Janeiro na virada
para o século XX (Sevcenko, 1993), Araújo remarca, no caso da capital catarinense, a incidência pouco
significativa de fatores como a explosão demográfica que intensificou os problemas sanitários em cidades
como São Paulo e Rio de Janeiro na época. Neste sentido, as epidemias de malária e ancilostomíase, um
problema real que se manifestava em Nossa Senhora do Desterro desde o século XVI, foi, de certa forma,
colocado repentinamente em foco na instituição de uma política sanitária de caráter policial que
desembocava na estigmatização de parte da população e de seus costumes. Como um cenário mais amplo
deste processo no âmbito regional, estava a figuração da população do litoral em geral como sendo
especialmente marcada por uma tendência à indolência e a uma incapacidade moral que não condizia com
os anseios de modernização do estado (Araújo, 1989). No período em questão, o porto da capital – que
contava com um canal de acesso pouco profundo – experimenta um processo progressivo e irreversível de
ofuscamento como fator principal de ligação comercial da cidade com outros centros urbanos ao norte e ao
sul, papel que passa a ser cada vez mais protagonizado por Itajaí e São Francisco do Sul. Florianópolis
nunca chegará a ser conectada à malha ferroviária do estado, e o transporte rodoviário desenvolve-se
lentamente. Téo (2007: 101-102) relaciona estes fatores ao que seria um certo “provincianismo” que
marca a capital – sobretudo no período entre-guerras – quando comparada a centros como Rio de Janeiro e
São Paulo. Exemplo disto seria a criação da Academia Catarinense de Letras – registrada oficialmente em
1924 – , voltada ao Parnasianismo e ao Realismo, no momento mesmo em que acontece a Semana de Arte
Moderna em São Paulo (: 112). De maneira relacionada a estas raízes históricas, Lacerda (2007) localiza,
no contexto contemporâneo da cidade e mais especificamente com relação aos praticantes locais do gênero
musical chôro, o que se caracteriza como uma ideologia da modernidade tardia, onde opera uma
concepção da cidade como estando em vias de modernizar-se, sempre atrasada com relação a outros
centros, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo. O autor aponta para a existência de importantes
implicações sociais, urbanísticas, culturais, econômicas, ambientais, ecológicas desta ideologia no cenário
local atual. Remarque-se, finalmente, que data de 1922 – quando a cidade contava com 41.338 habitantes
– a fundação da União Operária de Florianópolis, que inauguraria seu teatro próprio em 1º de maio de
1931. Para um estudo aprofundado sobre este tema, conforme Collaço (2004).
4
Victor Ricardo Busch (05/06/1896 – 03/09/1953) foi sócio fundador e o primeiro presidente (de 1926 a
1940) do Lira Tênis Clube, fundado em 1926 em Florianópolis e em atividade até hoje. Cf.
http://www.liratenisclube.com.br/galeria/ex-presidentes.htm (consultado em 03/09/2009). Agradeço à
senhora Gisela Busch Wanderley, sua filha, pela informação sobre suas datas de nascimento e falecimento.
Não disponho de detalhes sobre a Victor Busch & Cia., mas tudo leva a crer que sua atuação no campo
artístico-cultural era bastante conhecida em Florianópolis e outras cidades do estado na época. Numa foto
do acervo de Lygia Santos publicada em Silva e Oliveira Filho (op. cit.: 110-111) figura a trupe com a qual
os Batutas viajaram ao sul em 1927. Victor Busch aparece junto ao grupo (o homem sentado, à direita). É
130
que, no 'Restaurante Assyrio', do Rio de Janeiro, tem feito grande
successo.
É o mais admiravel “Jazz-Band” que se tem feito ouvir no Brasil, tendo
feito grande sensação em Paris, no 'Theatro das Variedades', onde se
exhibiu.
Com esse conjuncto, que proporcionará alegres surpresas ao nosso
público, virão vários outros artistas, entre os quais se destacam Rapoli, o
encyclopedico alemão 'jongleur' e imitador de maestros; Phil Ascot
impagavel excentrico sapateador americano; e o applaudido 'Trio Gondy',
que já esteve nesta capital, mas que se exhibirá em numeros
completamente novos.
Serão apresentadas as mais modernas dansas [sic] americanas, o
Charleston, o Shimmy e o Fox-trot, executados, com extraordinaria
perfeição e graça, por um dansarino [sic] negro americano.
A estreia se fará no dia 27 do corrente.
Vamos ter, pois, bellos espectaculos de variedades e deliciosas horas de
arte, graças ao esfôrço apreciavel dos srs. Victor Busch & Cia” (O Estado,
Florianópolis, 18/08/1927).
No dia 24, Folha Nova
5
dá notícia da vinda dos artistas:
“Varieté-Tournée – Os Oito Batutas e o Trio Gondy – Está marcado para
sabbado, 27 do corrente, no Theatro Alvaro de Carvalho, um grande
espectaculo de variedades, em que tomarão parte alem do brilhante elenco
musical dos Oito Batutas, os applaudidos dansarinos Delsol and Vala que
trabalharam no Cassino Copacabana com grande successo.
O trio Gondy apresentar-se-á em novos trabalhos de alta acrobacia e
plastica e o fino jougleur [sic] e grande imitador Rapoli executará lindos
numeros da sua especialidade.
Será como se ve, uma noitada cheia. Dada a fama de que vem precedidos
os artistas que tomarão parte no espectaculo de sabbado e a varidedade
dos numeros a desempenhar, alguns dos quaes constituirão verdadeiras
surprezas, pode-se desde já prever o successo que coroará os esforços da
Empreza Victor Busch. Ao mesmo tempo será uma festa de alta elegancia,
um verdadeiro acontecimento mundano.
provável que a foto tenha sido tirada em Florianópolis, mas não pude confirmá-lo.
5
Folha Nova foi fundado em 1926 pelo médico, advogado e jornalista Crispim Mira (Joinville, 13/09/1880
– Florianópolis, 05/03/1927). De atuação polêmica no meio político e jornalístico da capital catarinense,
Mira foi agredido a chicotadas e baleado na redação de seu jornal em 17 de fevereiro de 1926, por um
grupo liderado por Alécio Lopes, filho de Tito Lopes, então diretor da Companhia de Melhoramento dos
Portos da Capital, vinculada ao Ministério de Viação e Obras Públicas. Mira morreria dias depois, em
decorrência dos ferimentos. Os agressores foram julgados na comarca do município de São José (vizinho a
Florianópolis), absolvidos, e o processo extraviado. (Domingos, 2005). Mantendo uma postura crítica,
Folha Nova
seria empastelado e sua oficina destruída no final dos anos 1920 (Mata, op. cit.: 52). Sem
poder aprofundar aqui o estudo da imprensa florianopolitana e catarinense no período em questão, creio
importante notar, com o que fica indicado nestas notas, que não se tratava de um ambiente pacífico. Ao
contrário, percebe-se que era permeado por disputas políticas e econômicas que poderiam ser bastante
ferozes, eventualmente envolvendo interesses conectados a esferas mais altas do poder. Como se verá, as
manifestações destes jornais sobre os Oito Batutas não revelam, nas opiniões emitidas sobre o grupo,
qualquer rebatimento de polarizações político-ideológicas.
131
É de louvar a boa vontade de Victor Busch que procura, de modo tão
significativo, proporcionar a culta sociedade florianopolitana, noitadas tão
agradaveis e brilhantes.
É de esperar, pois, que o publico corresponda a esse esforço enchendo o
casarão da praça Pereira e Oliveira, gozando as finas horas de arte, que o
sabbado vindouro promete” (Folha Nova, Florianópolis, 24/08/1927).
Dois dias antes da estréia, O Estado
traz mais detalhes, deixando mais claro que os
Oito Batutas alcançam terras catarinenses como parte de um espetáculo de variedades
intitulado Varieté-Tournée:
“Varieté-Tournée – Para o proximo sabbado, 27 deste mês, nos está
reservada uma noite cheia de surpresas e attracções. É que está assentada,
para esse dia, a estréa da excellente Companhia de Variedades,
contractada pela Empresa Victor Busch, para uma temporada nos Estados
de Santa Catharina e Paraná. Conforme já tivemos occasião de noticiar,
faz parte desta Companhia o 'Jazz-Band Oito Batutas', um dos mais
apreciados e originais conjunctos de artistas brasileiros, que constituem a
orchestra preferida da alta sociedade carioca. Estes nossos patricios
estiveram ultimamente em Paris, onde foram alvo da admiração e
symphatia por parte do público dessa grande metrópole européia. Os 'Oito
Batutas' nos apresentarão numeros de variedades esplendidas, que muito
irão divertir a nossa platéia.
Um dos numeros mais interessantes do programma de sabado são,
indubitavelmente, as danças fantasistas acrobaticas, interpretadas pelo
célebre casal de dançarinos Delsol and Vala. Estes artistas foram
expressamente contractados em Londres pela conhecida Empresa Seguiu
[sic] para uma temporada aos principais theatros de variedades da
America do Sul. Ultimamente elles se tem exhibidos com indescriptivel
exito no Casino Copacabana, da Capital da República. Conforme é
notório, essa elegante casa de diversões só aceita artistas de primeira
ordem e de geral conceito mundial. Teremos, pois, occasião de appreciar
o que ha de mais fino e difficil na arte coreographica.
Com prazer constatamos que também fazem parte da 'Varieté-Tournée' os
tres robustos e symphaticos moços, pertencentes ao afamado 'Trio Gondy'.
Esse harmonioso conjuncto nos apresentará trabalho de equilibrismo e de
acrobacia inteiramente novos para a nossa capital. Numeros desse genero
sempre agradam, por mais exigente que seja a platéa, pois são executados
com rara elegancia, arte e suave rythmo.
Rapoli é outro artista de real mérito que vamos admirar na noite de
sabbado. Actor encyclopédico de vasto renome, elle allia á sua arte de
'jongleur' e imitador de maestros e musical, um fino e são humor. Os
trabalhos de Rapoli muito têm agradado, ultimamente, ao publico carioca.
Por fim temos ainda a referir-nos a alguns numeros de danças modernas,
como o 'Charleston', 'Shimmy' e 'Foxtrot', que certamente vão constituir o
encanto da nossa 'jeunesse dorée'.
132
Com um programma escolhido dessa ordem a Empresa Victor Busch
poderá contar, sem dúvida, com um exito completo para a sua louvavel
iniciativa” (O Estado, Florianópolis, 25/08/1927).
Na leitura destes anúncios, de saída alguns pontos chamam a atenção: os Oito
Batutas alcançam o Brasil meridional como parte de um espetáculo de variedades cuja
composição permanecerá fixa, como veremos, ao logo da turnê, o que contrasta com o
modo aparentemente mais ad hoc de suas apresentações na Argentina anos antes. O grupo
de músicos é agora sistematicamente anunciado como jazz-band. O espetáculo é anunciado
como um evento de gala, destinado a proporcionar “finas horas de arte”, sendo a excelência
das atrações que o compõem em grande parte atestada pela passagem por palcos
importantes do cenário artístico nacional e internacional. O ambiente elegante do Rio de
Janeiro e a cidade de Paris aparecem como centros de referência importantes com relação
aos Batutas. Sobre a sua passagem pela Argentina, contudo, não se dá notícia.
Seguindo o rastreamento, temos que naquele mesmo 25 de agosto aparece n'O
Estado, e também no já desaparecido jornal República, um convite do Lyra Tennis Club
com o seguinte conteúdo:
“Lyra Tennis Club Florianópolis – Convidamos os srs. socios e suas
exmas. familias para assistirem á soirée dançante, que se realizará
sabbado, 27 do corrente, ás 22 horas, abrilhantada pelo jazz-band Oito
Batutas. Dará ingresso a esta festa o recibo do mês de Agosto.
Florianópolis, Agosto de 1927. A Directoria” (O Estado, Florianópolis,
25/08/1927)
6
.
Na véspera da estréia, República não deixa de dar atenção ao esperado
acontecimento, noticiando a iminente chegada dos artistas no navio Commandante Alvim e
manifestando preocupação com relação à capacidade do TAC para receber o grande público
esperado:
6 O convite é publicado diariamente até o dia do evento. Em Folha Nova o convite também é publicado, a
partir de 24 de agosto.
133
“Varieté-Tourneè – A sensacional estréa de amanhã – Pelo 'Commandante
Alvim' esperado hoje do norte chegará a esta capital, vinda directamente
da capital da Republica, a excellente Companhia de Variedades,
contractada pela Empreza Victor Busch para uma temporada nos Estados
de Santa Catarina e Paraná.
Conforme está anunciado, este magnifico conjuncto de artistas, que se têm
exhibido, com verdadeiro exito, nos principaes theatros de variedades do
mundo, estreará amanhã á noite no Theatro Alvaro de Carvalho. Já
tivemos occasião de nos referir aos estupendos numeros que nos serão
apresentados no programma de amanhã.
A calcular pelo vivo enthusiasmo que reina no nosso meio pela
Varieté-Tornée, julgamos ser pequeno o nosso theatro para accolher toda
a assistencia, que na noite de amanhã affluirá ao esplendido espectaculo
de estréa” (Republica, Florianópolis, 26/08/1927)
7
.
Neste mesmo dia, Folha Nova manifesta o seguinte, apresentando uma discordância
quanto ao nome do navio que traria a troupe:
“Os Oito Batutas e a Troupe de Variedades – A bordo do Commandante
Capella chegaram hoje a esta capital os distinctos musicistas que compõe
[sic] o elenco dos Oito Batutas que tantos triumphos tem obtido no paiz e
no extrangeiro. Veio tambem a troupe de Variedades contractada pela
Empreza Victor Busch para trabalhar no Theatro Alvaro de Carvalho,
onde amanhã estrearão, com o conjuncto admiravel da genuina musica
brasileira. Está de parabens o publico florianopolitano. Folha Nova
visitando os distinctos componentes da caravana musical, deseja-lhes feliz
permanencia nesta capital” (Folha Nova, Florianópolis, 26/08/1927).
Finalmente chega o esperado sábado, e Republica publica em sua seção Theatro:
“Theatro – Varieté Tornée – Estréa-se hoje, no 'Alvaro de Carvalho' a
troupe de Variedades, contractada pela empreza Victor Bush.
Com numeros os mais festejados dos music-halls, a 'Varietè-Tournée'
apresentará ao nosso publico interessantes bailados e danças modernas,
acrobacia, etc.
O conhecido conjuncto typico os 'Oito Batutas', orchestra de grande exito
no Rio, a qual se fez ouvir alcançando formidavel sucesso, em Pariz, é
também parte do programma de hoje, sem duvida de muita originalidade e
belleza.
O nosso velho theatro terá por isso, de certo, uma casa á cunha e o nosso
publico um espectaculo excellente” (Republica, Florianópolis,
27/08/1927).
7 Neste mesmo dia é publicado no jornal um anúncio pago com o seguinte conteúdo: “Theatro Álvaro de
Carvalho – Amanhan! Sensacional Estreia! Várieté-Tournée – Ás 8 horas da noie – Exito extraordinario!
Preços populares” (Republica, Florianópolis, 26/08/1927).
134
O Estado, por sua vez, neste mesmo sábado 27, publica, na seção “Diversões”, uma
foto dos Batutas (onde se contam sete pessoas, em traje social)
8
e a seguinte nota:
“VARIEDADES – Acham-se, desde ontem, nesta capital, os artistas
contractados pelo Sr. Victor Busch para trabalharem no cine theatro
Variedades. A 'Varieté Tournée' (tal é o nome desse conjuncto artístico)
vai obter, hoje, completo successo.
O seu programma de estreia divide-se em duas partes, sommando, ao
todo, 15 differentes numeros, entre os quais ha partituras de solo e de
orchestra, poses plasticas, bailados, imitações comicas, canções, etc.
Tomam parte nesse espectaculo 'Os Batutas', Miss Nata, Delsol, James
Black, Rapoli, o trío Gondy, etc.
Será uma noite original e agradabilissima para os que desejam divertir-se
ás direitas” (O Estado, Florianópolis, 27/08/1927).
Como vimos acima, o Jazz Band Oito Batutas animaria, naquela mesma data, a
soirée dançante do Lyra Tennis Club. O Estado
, apesar da informação aparentemente
equivocada de que a Companhia atuaria no cine theatro Variedades, nos dá breves
indicações sobre o programa. Mais adiante, quando a temporada alcançar a cidade de
Blumenau, poderemos conhecer em detalhes o programa, que será publicado num jornal
local. Em Florianópolis, no dia seguinte à estréia da Varieté-Tournée, os leitores são
informados do “extraordinário sucesso” do espetáculo no TAC, sendo já também anunciada
a segunda e última apresentação da companhia na cidade:
“Theatro – Varieté-Tornée – O extraordinario successo do espectaculo de
ontem e a despedida, hoje, de Florianópolis – Com uma bôa e selecta
assistencia, estreou-se, hontem, no Theatro Alvaro de Carvalho, a
excellente Companhia de Variedades, contractada pela Empresa Victor
Bush.
Foi uma noitada cheia de originalidade e fino humor. Todos os trabalhos,
executados com impeccavel perfeição e gosto artistico, agradaram
sobremaneira. Podemos dizer sem receio de algum equivoco que a nossa
plateia nunca teve um espectaculo de numeros de variedades tão
attrahentes, tão alegres. Todos os artistas que compõem a Varieté-Tournée
8
Trata-se da mesma foto reproduzida por Silva & Oliveira Filho (1998: 112), provavelmente usada na
época pelo grupo para fins de divulgação, existindo a possibilidade de que aqueles que nela figuram não
sejam exatamente os mesmos componentes do grupo na temporada aqui em tela. Sem especificar data e
local da foto, os autores identificam assim os músicos que ali aparecem: Não identificado (contrabaixo),
Bonfiglio de Oliveira (trompete), Benedito (bateria), Martins (piano), Donga (violão), Pedrinho
(instrumento não especificado), Pixinguinha (flauta).
135
merecem figurar em um elenco de primeira ordem, capaz de agradar as
mais exigentes platéias dos grandes centros. Os Batutas nos
proporcionaram durante toda a funcção horas de indizível prazer e a nossa
platéia não se cansou em ovacional-os. Delson and Nata, o elegante casal
de dançarinos fantasistas e acrobaticos, exhibiram-se nos mais difficeis e
mais artisticos trabalhos da arte choreographica.
Rappoli apresentou-nos um lindo espectaculo de variedades, em que
demonstrou ser de facto um artista encyclopédico de real valor.
Durante mais ou menos 40 minutos elle deliciou a assistencia com
magnificos numeros de jongleur, imitador de maestros.
O Trio Gondy, como sempre, brilhou nos seus admiraveis trabalhos de
equilibrismo e acrobacia. A maior parte destes numeros ainda não
conheciamos, de sorte que os acompanhamos com grande interesse e
enthusiasmo.
Tudo, pois, contribuiu para o maior exito da representação de ontem.
Hoje, domingo, teremos mais duas funcções, uma matinée, ás 3 horas da
tarde, e um grandioso espectaculo, com novo programma, á noite.
Com o espectaculo desta noite a Varieté-Tournée despede-se de
Florianopolis, seguindo a Companhia, amanha, para Blumenau”
(Republica, Florianópolis, 28/08/1927)
9
.
Como logo veremos, a Companhia, a caminho de Blumenau, deter-se-ia na cidade
de Itajaí para um par de apresentações. Note-se, no texto acima transcrito, que, se todas as
atrações causaram agrado, os Oito Batutas se destacaram especialmente, aparentemente
causando uma profunda impressão no público de Florianópolis. Esta impressão teria
tornado o grupo bastante requisitado, e os músicos parecem ter atendido a quantos convites
puderam para apresentar sua sedutora arte. Com efeito, no dia 27, além da apresentação
com a Varieté-Tournée no TAC, os Oito Batutas (como jazz band) amenizaram a soirée
dançante do Lyra Tennis Clube, algo que já estava acertado com antecedência, como revela
o fato de o convite ter começado a circular os jornais, como vimos, pelo menos desde o dia
25, antes mesmo da chegada dos músicos à cidade. No dia seguinte, além da seção dupla do
espetáculo de variedades no TAC, mencionada acima por República
, a música dos Batutas
se fez ouvir em outros lugares do centro da cidade. No dia 28 o Bar Central anuncia, como
9 O jornal publica no mesmo dia um anúncio pago com o seguinte conteúdo: “Theatro Alvaro de Carvalho –
Hoje! Varieté-Tournée – Domingo – Grande Companhia de Variedades – Ás 3 horas da tarde Grandiosa
Matinée – Ás 8 horas da noite Ultimo espectaculo – Novo Programma! Surprezas! Despedida de
Florianópolis” (República, Florianópolis, 28/08/1927).
136
parte de seu esforço para “corresponder sempre e cada vez mais á preferencia do publico”,
a performance dos músicos cariocas no estabelecimento, entre 22:00 e 24:00 horas:
“Diversas – Os 'Oito Batutas' no Bar Central. - O 'Bar Central' antigo
'Café Royal' dos srs. A. Tolentino & C. Ltd. O qual com os seus novos
proprietarios, foi radicalmente reformado, tornando-se um
estabelecimento de primeira ordem é já agora centro de reunião preferido.
No sentido de corresponder sempre e cada vez mais á preferencia do
publico os seus proprietarios têm contractado para o 'Bar' excellentes
conjuntos de musicistas, que, durante á noite, executam bellos e
modernissimos repertorios.
Assim é que hoje das 22 ás 24 horas a applaudida orchestra typica 'Os
Oito Batutas', que actualmente se está exhibindo com grande exito no
'Alvaro de Carvalho' tocará no 'Bar Central', deliciando os seus
frequentadores com as suas originaes e modernissimas partituras”
(Republica, Florianópolis, 28/08/1927).
No dia seguinte à segunda apresentação da Varieté-Tournée em Florianópolis, o
jornal Folha Nova
publica uma das mais entusiasmadas reações, contemplando sobretudo
os músicos:
“Varieté Tournée – Os Batutas e a Troupe de Variedades – Sabbado. Está
anunciado a estréa dos Oito Batutas, arrastados até aqui, pelo esforço de
Victor Busch.
Noite magnifica. Limpo o ceu, onde scintilla, em fulgurações, o eterno
Cruzeiro do Sul.
Calmo e tepido o ambiente.
Na praça Pereira de Oliveira estacionava uma grande multidão ansiada,
dando a noção exacta da importancia da noitada artistica. Oito Horas. O
velho Theatro Alvaro de Carvalho vive uma das suas noites gloriosas.
Rumores de vozes harpejantes. Frou-frons, risos limpidos como chistal
[sic], aromas trescalantes. Sobe o panno. Tudo emudece. Entram os oito
batutas.
Oito? Contámos. São nove.
Mas qual delles não é batuta? O annuncio mencionava oito. Investigámos;
não foi possível descobrir o mysterio.
Apurámos o ouvido. São musicos admiraveis, sem os costumeiros
pieguismos que tanto enfeiam a arte admiravel de Mozart. Musica forte,
cantante, que fére o ouvido, recolhendo as harmonias sonoras do
conjuncto. Muito viço e frescar nos sambas deliciosos; pedaços de alma
nas emboladas nortistas, ingenua e tranquilla, como um regato que apenas
murmura, a toada sertaneja.
É essa a música dos Oito digo nove Batutas (elles que nos perdoem o
augmento).
Cheia de vibrações coruscantes como a propria natureza do Brasil,
apaixonada como a alma ingenua do caboclo, variada como os nossos
campos eternamente verdes, espelhante como as aguas tranquillas das
137
nossas enseadas encantadoras, illuminada com a via lactea, forte, pura e
rescendente como a vitalidade sem par da terra amada do Brasil. Tão
harmonioso e homageneo [sic] é o conjuncto, tão eximios e brilhantes são
os Oito batutas, que seria arriscado destacal-os nominalmente. Mas
perdoem-nos a irreverencia: Pixinguinha é o trunfo do blóco. Nem por
outra razão os companheiros o elegeram ban, ban, ban do grupo. É
completo. Flautista, saxofonista pianista, elle maneja com igual brilho o
instrumento que tem á mão. A flauta do Pixinguinha guarda nos
escaninhos da sua contextura, harmonias mysteriosas... É um prodigio de
execução e de technica. Ouvindo-o, a nossa memoria evoca a figura
brilhante do inditoso catharinense Patapio Silva, o incomparavel
sonorisador da Serenata Oriental e de tantos [sic] otras produções
gloriosas
10
. E está feito seu elogio no simile apontado. Nenhuma gloria
mais alta. Os seus companheiros completam a triba... dando-lhe
extraordinario relevo.
Será necessario acrescentar que elles foram applaudidos? Se o publico
exige, eu direi que elles receberam tantos applausos, que de tão quentes e
sinceros bem se poderia chamal-os uma consagração.
Nós só temos a magoa de não vel-os aqui per omnia secula...
Convem destacar por ser justo, o trabalho de Rapoli. É um artista de
recursos.
Pistonista distincto e sobrio, abilidade pasmosa, jougleur [sic]
aperfeiçoado. A imitação dos grandes maestros elle executou com graça e
verdade, dando-nos no final, com a sua farta cabelleira e seus lougos
bigodes, uma razoavel apparencia do insigne maestro brasileiro Carlos
Gomes, o cinzelador immortal do Guarany. Incarnando Souppé, Rapoli
desenvolveu excellente trabalho, pondo á vista do publico o typo do
alcoolista que era o grande musico e que por isso mesmo, e de quando em
vez, costumava arremessar a batuta pesada por cima de algum musico
que estivesse cochillando...
É um numero o sr. Rapoli. Por isso mereceu francos applausos do publico.
Da matinée de hontem e do espectaculo da noite, como dos demais
artistas, daremos na nossa edição de amanhã, circumstanciada noticia”
(Folha Nova, Florianópolis, 29/08/1927).
Se nos lembramos aqui das crônicas argentinas sobre os Oito Batutas lá em 1922-
23, notamos, talvez, que o Brasil que agora é lido nestes músicos é um Brasil diferente,
visto de dentro. Se aparece aqui em alguma medida o elemento selvagem e sensual que
cativou e desconcertou o público argentino, o olhar que o constrói certamente não é o
mesmo. Quiçá tenha agora menos peso, ou um peso diferente, o sentido de exotismo. O
10
Patápio Silva (Itaocara, RJ, 1880 – Florianópolis, SC, 1907) foi um flautista e compositor reconhecido
desde cedo no ambiente musical brasileiro por sua virtuosidade. Venerado hoje como um dos grandes
nomes da história do choro, morreu na capital catarinense em conseqüência de uma difteria enquanto
realizava uma turnê por Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina (Paes, sd). Sua equivocada
naturalização como catarinense, que aparece no trecho citado, é recorrente ainda hoje.
138
ponto, de constatação simples, é que, na Argentina, os Oito Batutas representam um Outro.
Um Outro sensual, exótico, primitivo, desconhecido, às vezes ameaçador, fortemente
tributário de suas raízes africanas, um Outro que, por vezes, foi comparado a estágios já
ultrapassados da civilização argentina. Por outro lado, no momento do qual nos ocupamos
agora, os Oito Batutas representam o Mesmo, na medida em que seu público se concebe
como brasileiro. Um mesmo cuja musicalidade sedutora é sentida como tributária de uma
natureza exuberante, vasta.
Voltando aos jornais florianopolitanos, veremos que a passagem dos Oito Batutas
pelo Bar Central, citada mais acima, seria comentada pela imprensa dias depois. Mas os
artistas cariocas seriam mencionados também em outras seções, além das teatrais. São
mencionados no dia 30, em República
, na seção O Nosso Bilhete, que trazia uma espécie de
crônica diária assinada por um João A. Pennas
11
. Transcrevo abaixo o texto integral.
“O Nosso Bilhete – João Izetti (Superint. do B.N.C) – Não o conheço, é
certo, mas nem por isso me falha admiração pela fórma por que age.
Aliás, a instituição bancária que superintende tem na terra de Dias Velho
energias serenas e devotadas, como Octavio Bessa, Guido Bott e tantos
outros.
Do que tem prestado de valioso ás actividades, desnecessario mencionar.
É transacção límpida.
É apparelhamento que se recommenda, através duma engrenagem que não
pede exemplos na sua vida funcional.
Demais, tem cooperado para o embellezamento de várias cidades
catharinetas.
Veja-me o prédio de Laguna.
Um primor, que a competencia technica de Jacob Goettmann concebeu e
executou.
Mas, referindo-me ao seu modo de acção, eu, que não desamo
sensibilidades artisticas, ante-ontem, no Bar Central, senti, ou, melhor,
ouvi o seu comentario, respeito aos 'oito batutas', alguns dos quaes saidos
do Assyrio.
Verdade, verdade, o instrumento já vulgar que é o saxophone, me não
offerecia novidades.
11
Trata-se provavelmente de um pseudônimo. Não disponho de dados sobre o autor da nota, mas é
interessante notar que é, de todo modo, uma nota assinada. Das referências aos Batutas nos jornais
argentinos, nenhuma apareceu assinada
139
Todavia, a execução de trechos diversos, collocaram-no á altura do
violoncello, com nuances imprevistas.
D'ahi a sua espontanea admiração e o meu calado beneplacito.
E mais.
As canções regionaes.
Trovas que cheiram a folha esmagada, mattas virgens, a regatos que
escorrem á sombra, pressurosos.
Coisas da nossa terra, alma deste immenso coração que é o Brasil, e que
vibra na garganta do passaro ou nas cordas da viola...
Não fossemos nós profundos na emoção, até a lágrima da saudade, que é
gota maravilhosa caída d'alma!
Com o meu saudar,
João A. Pennas (República, Florianópolis, 30/08/1927).
Sem poder saber a quem se dirige, e com que motivos, o início do “bilhete”, a
referência aos Batutas se impõe, repetindo, agora num outro jornal, dois registros dignos de
nota: o saxofone, por bem tocado, “coloca-se à altura do violoncelo”, assim como, no dia
anterior, o cronista de Folha Nova
enquadrava a música dos Oito Batutas no horizonte da
arte de Mozart. Da mesma forma, repete-se a referência a um Brasil de matas virgens e
imenso coração, do qual as canções regionais executadas por aqueles músicos (cariocas)
são a expressão. Chama a atenção também a renovada referência, mais do que ao Rio de
Janeiro, especificamente ao Assyrio, o renomado cabaré-restaurante do subsolo do Teatro
Municipal da Capital Federal. Diga-se, aliás, que quando sai esta crônica, os Oito Batutas,
junto com toda o troupe de Varieté-Tournée já não estavam em Florianópolis, mas sua
passagem continuava ecoando na imprensa da capital. Tanto é que, ainda neste mesmo dia,
República
faz referência à atuação dos músicos, acontecida dois dias antes, não apenas no
Bar Central, mas também no Café Java
12
. Vejamos:
12
O Café Java ficava localizado na Praça XV de Novembro, no centro de Florianópolis. Esta região era
circundada pelos antigos bairros da Toca, da Tronqueira, da Figueira e da Pedreira, cuja população de
“pescadores, lavadeiras, biscateiros, carregadores, cavoqueiros, trabalhadores do porto, marinheiros, etc.”
já teria sido, em fins da década de 1920, em grande parte expulsa para regiões mais periféricas, em função
da campanha de urbanização e saneamento aludida acima (nota 3). Cf. Araújo (op. cit.: 106-108), Mortari
e Cardoso (1999: 92). É provável que se tratavam, portanto, de ambientes mais freqüentados por camadas
médias e altas, espaços sociais da geografia de Florianópolis talvez equivalentes ao da Avenida Central no
Rio de Janeiro (Sevcenko, 1998).
140
“Diversas – O jazz-band 'Oito Batutas' no Java. – O magnifico jazz-band
'Oito Batutas' tocou, domingo, no Cafe Java, que teve enorme
concorrencia.
Durante algunmas horas, aquelle admiravel conjuncto de musicos
executou lindas peças do seu repertorio, merecendo enthusiasticos
applausos.
As suas musicas typicas, de uma fina originalidade, agradaram muito.
Alfredo Vianna, director do conjuncto, o admiravel flautista e saxofonista
e Euclides Araujo Penna, saxophonista e clarinetista foram alvos de
grandes ovações dos presentes, entre os quaes contavam-se numerosas
familias.
Nas immediações do Java, era enorme a multidão de ouvintes”
(República, Florianópolis, 30/08/1927)
Os Batutas no Bar Central. Constituiu um acontecimento mundano, de
grande repercussão, a exhibição nesta capital, do applaudido jazz-band 'Os
8 batutas'.
E a prova inequivoca desse sucesso está na grande concorrencia do nosso
publico em todas as occasiões em que se fez ouvir o original e excelente
conjuncto.
Os proprietarios do 'Bar Central' srs. A. Tolentino & C., no afan de cada
vez mais agradar aos seus frequentadores, contractaram na noite de ante-
hontem, o esplendido ' jazz', que das 22 horas até 1.30 da madrugada de
domingo, deliciou com o seu modernissimo repertorio a uma assistencia
numerosa e selecta.
O amplo e confortavel salão do 'Central' e o elegante reservado se
achavam replectos de cavalheiros e familias da nossa sociedade, que
applaudiram com enthusiasmo os esplendidos sambas, caeretês [sic],
tangos, fox-trots e charleston, que os 'Oito Batutas' executaram
magistralmente.
Foi sem duvida uma noitada magnifica a que os srs. A. Tolentino & C.
proporcionaram ao nosso mundo elegante, no seu moderno
estabelecimento, que se transformou em ponto predilecto de reunião”
(Idem, ibidem).
Deste último trecho chama especialmente a atenção a relação de gêneros incluídos
no seu “modernissimo repertorio”, que aparecem enfileirados, sua vizinhança
aparentemente não apresentando contradição ou ameaças de contaminação: “sambas,
caeretês [sic], tangos [argentinos?], fox-trots e charleston”
13
. Tanto o Central quanto o Java
remarcam a presença de famílias, atestando o que seria a “boa extração” da audiência.
13
Sevcenko (1992: 89-92), com foco na cidade de São Paulo em inícios da década de 1920, apresenta
evidências adicionais da ampla pertinência do modo de classificar gêneros como maxixe, tango, fox-trot,
one step, sob um qualificativo único de danças modernas.
141
O regime de trabalho na turnê parecia de fato ser intenso. Porque, conforme
veremos, na noite do dia 29 a companhia já se apresentava em Itajaí, sendo que os Batutas
haviam animado a noite do centro de Florianópolis até a madrugada anterior. Interessante é
notar que, segundo o jornal, além da função no TAC, os Oito Batutas ainda tocaram em
mais dois estabelecimentos no mesmo dia. O anúncio pago publicado em República
no
domingo 28 de agosto noticia que o segundo e último dia de apresentações da Varieté-
Tournée em Florianópolis, no TAC, se daria em duas sessões: Uma matinée à 15:00 e o
último espetáculo às 20:00. No Bar Central, segundo a nota acima reproduzida, teriam
estado das 22:00 à 1:30 da madrugada. Considerando-se que o espetáculo durava
aproximadamente uma hora, parece improvável que os músicos tenham se apresentado no
Café Java à noite. Pode ser que o tenham feito pela tarde, entre uma e outra sessão no TAC.
Bem, desta cobertura da passagem dos Oito Batutas e “Cia” por Florianópolis,
vislumbra-se já a maneira como se configurará a atuação dos músicos nesta temporada: nos
teatros, como parte do espetáculo de variedades; em salões de bailes e cafés-bares, como
jazz band.
Antes de deixar os jornais da capital do estado e seguir a trilha da trupe pelo
interior, mencionemos uma última vez o Folha Nova
, num elogio ao empresario Victor
Busch, publicado, com uma foto sua, mais de um mês depois da passagem dos célebres
artistas por Florianópolis. No elogio, os Oito Batutas aparecem com destaque como um dos
“acertos” do empresário, e os ecos da passagem do grupo pela capital se deixam ouvir (é
meu o sublinhado em “progresso”):
“Um emprezario digno – Victor Busch – Victor Busch é um verdadeiro
paradigma de operosidade na classe commercial de Florianopolis.
Espirito moço, apto a bem comprehender, as necessidades estheticas de
nossa população, já, mais de uma vez, elle canalizou para nossos palcos,
companhias ou artistas que nos deliciaram assaz.
142
Haja em vista, ha pouco atraz, aquelles estupendos OITO BATUTAS,
cujas musicas irreverentes são ouvidas a cada instante ao piano das casas
particulares ou no assobio da pequena gaiata.
Introduzindo em nossos cinemas os bem escolhidos Programma Urania,
mais uma vez Victor Busch fez jús a nossos encomios. Ninguem poderá
negar a excellencia dos films que a UFA nos tem apresentado.
Varieté, Pedro o Corsario. A princeza e o violinista. Sonho de valsa e
outros tantos, fizeram acolher a nossos cinemas o que de mais selecto
temos, logrando casas replectas.
Publicando hoje o cliché de Victor Busch, FOLHA NOVA presta ao
criterioso emprezario uma homenagem de apreço e admiração pelo muito
que faz e fará pelo progresso
de Florianopolis” (Folha Nova,
Florianopolis, 12/10/1927).
ITAJAÍ (29 E 30 DE AGOSTO DE 1927)
De Florianópolis, a troupe seguiu viagen para Itajaí
14
, onde daria duas apresentações
no Theatro Guarany. Assim como na capital, os artistas já eram esperados desde vários dias
antes. Em 20 de agosto, O Pharol
já noticiava a chegada dos Oito Batutas e do Trio Gondy:
“Vêm ahi 'Os Oito Batutas' – Está marcado o próximo dia 29 do corrente
para a estrea, no Theatro Guarany, do excellente Trio Gondy, que levará
aqui um unico espectaculo apresentando bem organizado programma de
gymnastica rhytmica e sueca e acrobacia moderna.
Acompanha esta troupe o formidavel Jazz-Band 'Os Oito Batutas', que
durante muito tempo constituiu o encanto do restaurante Assyrio, no Rio,
tendo tambem alcançado notavel successo em Pariz” (O Pharol, Itajaí,
20/08/1927).
No dia 31 de agosto, numa coluna de sua primeira página, o mesmo jornal nos faz
saber que, de fato, tratava-se de toda a troupe da Varieté-Tournée, e que teria alcançado
grande sucesso também nesta outra cidade catarinense. Como não poderia deixar de ser, os
Batutas abrilhantaram, na noite da segunda apresentação, um baile, no Cine-Victoria.
“Varieté Tournée – Que duas esplendidas noites de belleza e arte
proporcionou á população itajahyense o selecto conjuncto Varieté-
Tournée, ora percorrendo nosso Estado, graças á iniciativa dos srs Victor
Busch & Cia., de Florianópolis!
14
Itajaí fica no litoral de Santa Catarina, a aproximadamente 92 Km ao norte de Florianópolis. A população
da cidade em 1920 era de 33.327 pessoas, sendo 32.339 brasileiros e 923 estrangeiros (IBGE, 1920: 602).
143
Os dois espetaculos levados a effeito nas noites de hontem e ante-hontem
no Guarany conquistaram pleno successo estando as localidades, desde
cedo, completamente tomadas.
A grande attracção do conjuncto, 'Os Batutas', o famoso Jazz Band
brasileiro, cujo valor nos era confirmado pelo exito alcançado na Europa,
onde não lhe faltaram os applausos da platea parisiense, o centro de
consagração do universo, confirmaram, em toda a linha, o seu indiscutivel
valor. Todos os numeros apresentados foram applaudidissimos, sendo
varios delles bisados. Os 'batutas' nada deixaram a desejar: Execução
perfeita, peças vibrantes e enthusiasticas, repertorio selecto e vasto.
Merecedores de fartos applausos foram tambem os trabalhos do excellente
Trio Gondy, cujas poses plasticas e rhytmicas e perfeitos e excellentes
numeros de acrobacia gymnastica constituiram o que de melhor temos
aqui apreciado no genero.
Outro artista de valor que, embora já conhecido da nossa platea,
conquistou relativo successo, foi o velho Rapoli, incomparavel nos seus
numeros de athletismo, na sua imitação dos maestros de renome.
Os 'batutas', provocaram, em ambos os espectaculos, enthusiasticos
applausos com os seus inesqueciveis numeros de musica sertaneja e
canções nordestinas.
Muitas foram as familias que dos municipios visinhos e dos districtos
vieram á cidade assistir a estes espectaculos.
Na noite de segunda-feira, após o espectaculo, realizou-se no Cine-
Victoria um baile de quota, que, abrilhantado por aquelle jazz-band
transcorreu animadissimo, prolongando-se atè á madrugada”
15
(O Pharol,
Itajaí, 31/08/1927).
15
Esta avaliação positiva de O Pharol sobre os Oito Batutas, contrasta com o que o mesmo jornal opinava
sobre as danças modernas em 1921, em texto que reproduzo aqui a partir de Braun Neto (2001). É
interessante porque nos traz um tipo de avaliação moral que, apesar de comum em diferentes contextos
com relação a estas danças, não transparece no material jornalístico de 1927 sobre os Oito Batutas aqui em
exame. Note-se a castidade das filhas como o valor que se considerava especialmente ameaçado.
Referindo-se à notícia de uma condenação daquelas danças pela igreja, manifestava-se assim o periódico:
“As danças condenadas são quatro: o maxixe, de origem brasileira; o tango, de
origem argentina; o fox-trot e rag-time, de procedência norte-americana. Há
outras danças modernas que não precisam de condenação porque o próprio bom
gosto e a moda já se incumbiram de condenar, enxotando-as dos salões, como o
apas de l’ouro, o one-stop [sic], a polka chalaup, a valsa dos apaches e algumas
outras. As famílias que conheciam essas danças eram só aquelas que
freqüentavam certo gênero condenável do teatro nacional, como as revistas do
ano e as operetas indígenas.
De repente, sem saber porque o maxixe dos capoeiras e da garotada das ruas, dos
carnavalescos entrou de súbito em nossos salões e conquistou simpatias gerais.
Em nossos salões onde se reúne a sociedade mais fina, dança-se francamente o
maxixe com todos os seus movimentos lascivos, com todas as suas atitudes
recordativas da sua baixa origem.
Não se compreende como um chefe de família, que criou suas filhas sob um
rigoroso regime de moral, guadando-lhe [sic] a castidade, concita em entregá-las
a homens que se vão unir a elas corpo a corpo, rosto a rosto e descançá-las,
apertá-las e faze-las suas durante aquele breve desvario.
Realmente não se compreende.
Abaixo as danças modernas. O tango Argentino, o fox-trot e o rag-time são
144
É interessante que sejam remarcados, na composição do repertório da “Jazz Band
brasileira”, os números de música sertaneja e canções nordestinas (não aparece, por
exemplo, o chôro, e o samba aparece eventualmente, em alguns dos anúncios). O modo da
apresentação musical do Brasil opera aqui num horizonte que parece ainda não polarizado
pelo samba carioca. Se, com isto, tenderíamos a concordar com Vianna (op. cit.) sobre a
consolidação desta polarização apenas a partir dos anos 1930, por outro lado, o fato de
vários dos Batutas serem negros, como o tão elogiado Pixinguinha, em momento algum
aparece como um “problema” nos jornais dos sul do país aqui em tela, aliás, o fato não será
foco sequer do mais breve comentário em nenhum dos registros que encontrei, seja positiva
ou negativamente. Temos, então, uma musicalidade que, enquanto brasileira, aponta para
bem mais ao norte do Rio de Janeiro – por certo a Capital Federal é o centro de referência
interno, assim como Paris pode ser do Universo, mas as raízes daquilo que se concebe
como a música brasileira estão firmadas também alhures, no interior
16
– e cuja conjugação
com a negritude de seus mais exímios praticantes não parece ser tida como dilemática, tal
como o foi, anos antes, quando o próprio Rio de Janeiro e a cidade de Recife foram os
principais centros de discussão sobre a adequação ou não da atuação daqueles músicos
negros em ambientes refinados da Capital Federal e mesmo em Paris. Tentando precisar um
pouco: como vamos vendo, os Oito Batutas são percebidos, no sul do Brasil, como
tributários de uma musicalidade que tem uma face cosmopolita, moderna, associada ao
mundo do jazz e outra brasileira, ainda não marcadamente centrada no samba carioca como
indecentes e condenáveis como o maxixe” (O Pharol, Itajaí, 14/05/1921 apud
Braun Neto, op. cit.: 77).
16
Talvez não seja ocioso lembrar que não se trata aqui de examinar o que poderia ser o “estatuto ontológico”
destas afirmações, mas sim a sua presença e atuação na composição do imaginário social do qual tento
aqui mapear uns fragmentos. É certo que isto não implica numa oposição ligeira entre real e imaginado: o
que possa ser, por exemplo, o Brasil, é real apenas enquanto imaginado. Cf. Geertz (1980).
145
seu gênero representativo por excelência. À semelhança do que parece ter acontecido com a
imprensa de São Paulo desde as primeiras aparições do grupo por lá ainda em 1919, o fato
de serem negros não gerou, em Santa Catarina e no Paraná em 1927, tantas polêmicas
quanto no Rio ou no Recife. Tento circunscrever a evidência de que a cristalização, num
único grupo, da forma músicos-negros-brasileiros-cosmopolitas-refinados-modernos-
tradicionais recebia, em diferentes lugares do que seria um mesmo Brasil, avaliações
diferentes. Especificamente na região e ano em foco neste capítulo, a forma citada teria sido
aparentemente aceita sem maiores dilemas.
Retomando o tema de que o aspecto brasileiro da música dos Oito Batutas faz
vibrar, como temos visto, nos cronistas catarinenses, a corda de um Brasil profundo e
pitoresco, ao som de “música sertaneja e canções nordestinas”, nota-se a pertinência, aqui
no sul, de um quadro de representações equivalente ao que operava no Rio de Janeiro:
“Até o final dos anos 30, no Rio de Janeiro, centro dos discursos sobre a
música popular no Brasil, as músicas do interior do país eram
classificadas indistintamente como música sertaneja. Desta forma,
cateretês do interior do centro-sul ou emboladas nordestinas eram
classificadas conjuntamente” (Oliveira, 2009: 123).
Com isto, podemos situar melhor aquilo que pode parecer, de um ponto de vista
contemporâneo, uma eventualmente desconcertante “mistura de gêneros” no repertório dos
Batutas, conforme temos visto não apenas no sul do Brasil em 1927, mas também na
Argentina em 1922-23. Estão aqui, de fato, bastante misturados não apenas os gêneros do
interior, mas também estes com os da capital, como o samba, e outros, de fora, como o
fox-trot e o charleston. É óbvio que quando os cronistas acionam a chave da brasilidade,
estes últimos não estão incluídos, mas sua presença no repertório não parece suscitar aquela
espécie de escândalo classificatório que passaria a constituir uma chave importante de
146
leitura das relações de gêneros (musicais) no Brasil dentro de poucos anos mais. O grupo, e
o Brasil que ele representa tem, nesta “mistura de gêneros” uma legitimidade nacional e
internacional ao mesmo tempo.
Antes de seguir viagem, notaria ainda que o Brasil pitoresco evocado no espírito dos
cronistas pela música dos Oito Batutas é uma imagem de origem sobretudo literária,
cunhada numa vertente do pensamento nacionalista nas letras brasileiras enraizada no
romantismo do século XIX. Tal vertente, conforme sua caracterização por Afrânio
Coutinho, enfatiza precisamente o “pitoresco, presente no regionalismo, no qual identifica o
verdadeiro caráter nacional”
17
.
B
LUMENAU (01, 02 E 03 DE SETEMBRO)
Depois de apresentar-se em Itajaí nos dias 29 e 30 de agosto, a Varieté-Tournée
afasta-se do litoral, alcançando, no vale do Itajaí, a cidade de Blumenau
18
, onde se
apresentaria no Frohsin Theater nos três primeiros dias de setembro. De fato, pelo menos
desde 26 de agosto a atração já era anunciada. Nesta data, um anúncio pago sai no jornal
Der Urwaldsbote
– editado em alemão – anunciando as datas das apresentações e trazendo
uma foto do Trio Gondy e informações sobre esta e outras atrações do espetáculo. Sobre os
Oito Batutas lê-se o seguinte:
“Grosse Sensation! - Jazz-Band Oito Batutas – Original amerikanische
Jazz-Band. - Erstklassiges Stimmungsorchester! - Das populärste
Salonorchester Brasiliens, welches sich in den höheren
Gesellschaftskreisen Rio's allgemeiner Beliebtheit erfreut”
19
(Der
Urwaldsbote, Blumenau, 26/08/1927).
17
Cf. Oliveira (1990: 78).
18
Blumenau fica a aproximadamente 53 Km a oeste de Itajaí (144 Km de Florianópolis). Em 1920 foram
contados na cidade 72.213 habitantes (quase o dobro de Florianópols, portanto), sendo 65.172 brasileiros e
7.001 estrangeiros (IBGE, 1920: 590).
19 “Grande sensação! - Jazz Band Oito Batutas – Original Jazz Band americana – Orquestra espirituosa e de
primeira classe! - A orquestra de salão mais popular do Brasil, que se alegra pela satisfação dos mais altos
147
No mesmo anúncio se dá aviso da realização de um grande baile, animado pelos
Oito Batutas:
“Nach jeder Vorstellung: Grosser Ball – unter Mitwirkung des Jazz Band
Oito Batutas”
20
(Idem).
No dia 30, o anúncio sai novamente, com nova foto do Trio Gondy, que recebe
destaque. Os textos referentes aos Oito Batutas e ao baile são os mesmos do dia 26.
No dia da estréia, 1º de setembro, é outro jornal da cidade, o Blumenauer Zeitung,
também editado em alemão, que publica, em anúncio pago, o programa da apresentação:
“Programm:
I. Teil [1ª Parte]
1. Marsch 'Meu Passarinho' Jazz Band 'Os Batutas'
2. Fox-Trot 'Positively Absolutely' Delsol and Nata
3. Fox Blue 224 – Effeito de Pistão Jazz Band 'Os Batutas'
4. Dança Americana Miss Nata
5. Eléctrico – Sólo de Saxofone Euclides
6. Tango Argentino 'Roxo' Trio dos Batutas
7. Dança excentrica 'Lucky Day' Mr. Delsol
8. Courdy Fox Jazz Band 'Os Batutas'
9. One Step Delsol and Nata
10. Samba 'Não posso comer sem molho' Jazz Band 'Os Batutas'
11. Fantasia do 'Charleston' James Black
Pause
II. Teil [2ª Parte]
12. Poses plasticas – Trio Gondy
13. Grande espectaculo de variedades por RAPOLI – Jongleur, Athleta
Classico, Virtuoso de Pistão, Imitador de Maestros e Musical, Célebre
Artista Encyclopédico.
14. Apresentação de novos e modernos trabalhos de Equilibrismo e
Acrobacia pelo festejado TRIO GONDY.
15. Canções Sertanejas – Conjuncto Regional dos 'Batutas'” (Blumenauer
Zeitung, Blumenau, 01/09/1927).
Neste mesmo anúncio se dá notícia do baile do sábado, dia 3:
círculos sociais do Rio”. Agradeço a Alexandre Hering Coelho pela ajuda com a tradução deste e dos
outros trechos em alemão.
20 “Depois de cada apresentação: Grande baile - com a participação da Jazz Band Oito Batutas”.
148
“Sonnabend, den 3. September, abends 10½ Uhr – Grosser Familienball
im Salão Holetz – Orchester: OS BATUTAS – das berühmteste
Stimmungsorchester Südamerikas”
21
(Idem).
No dia 02 de setembro, Der Urwaldsbote
publica anúncio pago da segunda
apresentação da Varieté-Tournée na cidade, enumerando apenas as atrações e anunciando
também o baile animado pelos Batutas, com preços diferenciados para damas:
“Nach dieser Vorstellung flodet morgen Abend ein Grosser Familienball
im Salão Holetz statt. Einttritspreise: Herren 5$000, Damen 3$000.
Orchester: 'Os Batutas'. Karten im Vorverkauf bei Herrn Rudolf Kleine”
22
(Der Urwaldsbote, Blumenau, 02/09/1927).
Não pude localizar crônicas e críticas aos Batutas nestes jornais de Blumenau,
apenas estes registros de caráter mais propagandístico. Assim, difícil é saber com mais
profundidade o impacto do grupo sobre este público tão específico, uma colônia alemã do
sul do Brasil, onde a compreensão sobre o que pudesse ser o brasileiro tinha um matiz
bastante particular. Giralda Seyferth (1981) estuda em profundidade o modo como incidia
no pensamento social destas colônias uma identidade étnica teuto-brasileira centrada em
categorias como Deutschtum – “germanidade” – e Volksgemeinschaft – “comunidade do
povo alemão” –, que remetiam a uma ideologia nacionalista “que colocava o direito de
sangue como determinante da nacionalidade acima do Estado e da cidadania” (: 49). De
acordo com esta ideologia, estas colônias se concebiam muito mais como extensões da
Pátria-Mãe (a Alemanha) do que como elemento formador de um Brasil que se figurasse
como uma nação nova. Os jornais de Blumenau aqui citados
23
Der Urwaldsbote
24
e
21 “Sábado, dia 3 de setembro, às 10:30 da noite – Grande baile familiar no salão Holetz – Orquestra: Os
Batutas – a orquestra espirituosa mais famosa da América do Sul”.
22 “Depois desta apresentação acontecerá amanhã à noite um grande baile familiar no Salão Holetz. Preço do
ingresso: cavalheiros 5$000, damas 3$000. Orquestra: Os Batutas. Ingressos antecipados com o Sr. Rudolf
Kleine”.
23
Segundo Seyferth (op. cit.: 50), ambos eram adversários políticos nos contextos local e estadual, sem
deixarem de partilhar a defesa dos princípios do Deutschtum.
24
Der Urwaldsbote circulou entre 1898 e 1941, tendo mantido sempre uma orientação coerente com o
germanismo mais puro. Sua radicalidade – era a favor “da endogamia dos teuto-brasileiros, do
149
Blumenauer Zeitung
25
– foram os mais importantes de uma série de periódicos tributários
desta ideologia publicados em diferentes cidades do estado, em alemão, entre 1881 e 1941
– com uma interrupção entre 1917 e 1919 –, quando foram definitivamente proibidos pelo
governo federal. Sem saber ler em alemão, não pude explorar estes jornais em profundidade
maior do que a localização das referências aos Batutas aqui citadas.
Note-se, finalmente, que no programa publicado pelo Blumenauer Zeitung
no
primeiro dia de setembro, Meu passarinho, de autoria de China, seja caracterizada como
“marcha”. Esta foi uma das faixas gravadas pelos Oito Batutas na Argentina, pouco mais de
quatro anos antes. No disco Victor 73.826-A, onde apareceu, figurava como “samba”.
Note-se ainda que a Jazz Band Os Batutas figura como protagonista principal de vários
números do programa, tocando a “marcha” Meu Passarinho, o samba Não posso comer
sem molho, e gêneros internacionais. No número 15, de “canções sertanejas”, o grupo
figura como Conjunto Regional dos Batutas. Ou seja, parece estar em plena atividade a
capacidade do grupo de transitar pelos repertórios.
J
OINVILLE (05 A 09 DE SETEMBRO)
De Blumenau, a troupe toma novamente a direção do litoral e chega a Joinville
26
,
onde se apresenta de 05 a 09 de setembro. Como de praxe, a atração é anunciada com
pangermanismo, da atividade dos bugreiros, da oficialização da língua alemã, e contra as instituições
republicanas e a política nacional em geral” (Seyferth, op. cit.: 52) – fez com que fosse constantemente
combatido pela totalidade da imprensa em língua portuguesa do estado. Sobre os bugreiros e o contato
entre índios e brancos na região do Vale do Itajaí, conforme Santos (1973), Wittmann (2007).
25
O Blumenauer Zeitung circulou entre 1881 e 1938. Sua posição ideológica variou bastante, do
engajamento na defesa da causa republicana aliada a um germanismo moderado nos primeiros anos até a
atuação como o maior divulgador das idéias nazistas e integralistas nos anos 1930.
26
Joinville fica na região norte de Santa Catarina, próxima do litoral. Está a aproximadamente 86 Km de
Blumenau e 159 Km de Florianópolis. Tinha, em 1920, 42.854 habitantes, sendo 39.201 brasileiros e
3.616 estrangeiros (IBGE, 1920: 605).
150
vários dias de antecedência, o que revela o caráter planejado da viagem. Numa das colunas
da primeira página do Jornal de Joinville de 22 de agosto se podia ler o seguinte:
“'Os Oito Batutas' – Está marcada para o dia 29 do corrente, no Theatro
Guarany, de Itajahy, a estréa do Trio Gondy, ex-artistas do Circo Dudú,
que tanto successo alcançaram em Florianópolis.
Acompanha a 'troupe' o formidavel jazz band 'Os Oito Batutas', que
durante muito tempo constituo [sic] o supremo encanto do luxuoso
restaurant-cabaret Assyrio do Rio, tendo também alcançado enorme exito
em Paris.
É quasi certo que esta 'troupe' venha a esta cidade. Esperemos...” (Jornal
de Joinville, 22/08/1927).
Três dias depois, o mesmo jornal confirma a expectativa de que os artistas venham à
cidade, anunciando ainda, com data incerta, apenas o Trio Gondy e Os Oito Batutas:
“Trio Gondy – Sua próxima estréa em Joinville – Deverá estrear-se dentro
de poucos dias, provavelmente no Palace Theatro, o famoso Trio Gondy,
que tanto successo alcançou ultimamente em Florianopolis e Itajahy.
É a empreza Victor Busch que vae trazel-o á Joinville, esta mesma
empreza que nos proporcionou a opportunidade de apreciarmos o 'ballet'
Sascha Morgova e outras tantas Companhias de valor.
O Trio virá acompanhado do formidavel 'jazz-band' brasileiro 'Os Oito
Batutas', que enorme exito alcançou no Rio e em Paris.
Em tempo, teremos melhor occasião de detalhar esta boa nova” (Jornal de
Joinville, 25/08/1927).
Em 29 de agosto resta ainda alguma confusão a respeito da composição da troupe:
“Troupe de Variedades – Deverá chegar por estes dias a esta cidade, como
já noticiamos, uma 'troupe' de variedades, que fará provavelmente sua
estréa no Palace.
A 'troupe' é composta do 'jazz band' 'Os Oito Batutas' e do Trio Gondy,
desse fazendo parte os artistas Rapoli, artista encyclopedico, Jongleur,
imitador de maestros celebres e Phil Ascot, sapateador americano.
É facil de prever o sucesso dessa 'troupe' entre nós” (Jornal de Joinville,
29/08/1927).
Em 1º de setembro, a notícia do sucesso da trupe em Florianópolis chega, com
algum atraso, às páginas do jornal joinvilense. Segue a confusão com relação à composição
exata dos números do espetáculo.
“Trio Gondy – Estão causando grande successo em Florianópolis,
segundo lemos nos ultimos jornaes que nos chegaram, os espectaculos do
151
famoso Trio Gondy, do qual faz parte o colossal jazz-band 'Os Oito
Batutas'.
No grande Theatro Alvaro de Carvalho da metropole catharinense tem
tido enchentes consecutivas, tal os maravilhosos trabalhos executados
pelo Trio.
A estrea do mesmo entre nos ainda não está marcada; provavelmente até
dia 9 do corrente, teremos aqui esses applaudidos artistas” (Jornal de
Joinville, 01/09/1927).
Dois dias depois, uma coluna inteira do Jornal de Joinville é ocupada, sob o título
de “Trio Gondy”, pelo texto que segue, indo intercaladas entre seus parágrafos fotos de três
integrantes dos Oito Batutas
27
.
“Finalmente teremos opportunidade de assistir segunda-feira proxima, no
Palace Theatro, a estréa sensacional do famoso Trio Gondy e da
maravilhosa troupe musical 'Os Oito Batutas', que tantos applausos tem
obtido nas platéas mais cultos [sic] do paiz.
Sobre 'Os Oito Batutas' disse a 'Folha Nova', de Florianópolis:
'É uma delicia ouvil-os. Nenhum elogio se pode fazer aos brilhantes
interpretes da genuina musica brasileira, do que dizer-se que elles foram
apreciadissimos em Paris'.
E esta introducção deu margem a uma serie enorme dos maiores elogios,
todos judiciosos, que attestam o valor do Trio e dos 'Os Oito Batutas'. O
jornal 'Republica', da capital do Estado, disse também o seguinte, quando
da estréa dos afamados artistas: [segue citando parte do texto publicado
por República
em 28 de agosto (cf. Acima)]” (Jornal de Joinville,
03/09/1927).
Neste mesmo dia 03 aparece, no mesmo jornal, um anúncio pago que traz os
detalhes sobre a atração a estrear em Joinville. Seu conteúdo é o seguinte:
“Varieté Tournée – Empreza Victor Busch & Cia. - Grande, sensacional
Estréa – Segunda-feira, 05 de setembro no Palace Theatro – Os Oito
Batutas e Trio Gondy
Delsol and Nata, elegante casal de dançarinos fantasistas e acrobatas.
SUCESSO!
RAPOLI, um artista encyclopedico de real valor.
Os Oito Batutas, do Rio, o triumpho musical de Paris, que nos
proporcionarão indizíveis horas de prazer!!
James e Black, no Charleston, revolucionarão os assistentes” (Jornal de
Joinville, 03/09/1927).
27 Trata-se de retratos de Pixinguinha, Bonfiglio de Oliveira e Donga, não identificados pelo jornal.
152
E finalmente chega o dia da estréia da Varieté-Tournée em Joinville. Na primeira
página do Jornal de Joinville destaca-se uma foto do Trio Gondy, que vai com o seguinte
texto
28
:
“Conforme noticiamos sabbado ultimo, deverá fazer sua estréa hoje, ás
8,30 da noite, no confortavel Palace Theatro, o famoso Trio Gondy e a
magistral 'troupe' musical brasileira 'Os Oito Batutas', que por espaço de
largos annos, obteve estrondosos successos no luxuoso cabaret-restaurant
Assyrio, do Rio de Janeiro. 'Os Oito Batutas' estiveram também em Paris,
que os applaudiu, applausos esses que valeram por uma verdadeira
consagração.
Recentemente, Florianópolis delirou. E que memoraveis noitadas
proporcionaram o Trio e a 'troupe' ao culto publico da capital!
Basta dizer que os artistas foram, durante o tempo que lá estiveram
realizando magnificos espectaculos, objecto de todas as conversas. As
mais bellas criticas teceram-lhes a imprensa. E que mais se dirá?
De resto, o Sr. Victor Busch, que é um homem culto, não podia senão
contractar cousa bôa; foi elle, e os leitores, por certo, ainda estão
lembrados, quem nos fez conhecer o 'ballet' Sascha Margowa, a
Companhia Allemã Urban e outras tantas de valor, cujos nomes nos
escapam neste momento.
Podemos garantir o successo desta estréa. Os componentes do Trio Gondy
são artistas de facto, e exhibir-se-ão em bailados gymnastica e
equilibrismo.
'Os Oito Batutas' executarão magnificos 'charlestons', maxixes, sambas,
etc.
Aguardemos a noite de hoje, que será, sem dúvida, brilhantissima” (Jornal
de Joinville, 05/09/1927).
No dia seguinte, o Trio Gondy e Os Oito Batutas ocupam novamente uma coluna de
primeira página do Jornal de Joinville
, que dá conta do sucesso do espetáculo:
“Theatro – O Trio Gondy e Os Oito Batutas – Perante numerosa e selecta
assistencia, o Trio Gondy e os Oito Batutas fizeram sua estréa entre nós,
ao Palace.
O successo foi completo. A grande assistencia não poupou applausos aos
números executados. A 'troupe' musical esteve 'collosso'.
Delsol e Nata, o elegante casal de dançarinos excentricos, 'one-steparam' e
'fox-trotaram' muito bem, motivo pelo qual a platéia não lhes poupou
palmas calorosas.
James Black apareceu numas variações do 'charleston'.
O publico gosou immenso.
James dança com uma agilidade espantosa.
Pediram-lhe 'bis' e o pedido foi promptamente attendido.
28 Ver anúncio pago no mesmo dia. Ali, a atração anunciada é efetivamente a Varieté Tournée, e não apenas o
Trio Gondy e Os Oito Batutas, como insiste o redator das notas.
153
Na segunda parte do programma, o Trio Gondy, em pôses plásticas,
encantou-nos sobremaneira.
Elles são possuidores de compleixão athlética magnífica. Nos exercicios
acrobaticos, maravilharam-nos. Não ha exaggero de nossa parte. Temos
plena certeza que foi das melhores a impressão que os citados artistas
deixaram no espirito do publico.
Rapoli, que ha uns dez annos esteve entre nós, é o artista fino de sempre; é
innegavelmente um 'virtuose' do pistão, sobre ser um athleta na acepção
plena da palavra.
No numero de imitação de maestros célebres, é onde se pode melhor
apreciar seu valor artístico.
Assim, Rapoli imitou Wagner, Offenbach, Carlos Gomes e outros tantos,
cujos nomes nos escapam agora, com perfeição admirável. Sua estréa
entre nós (dizemos estréa porque muita gente ainda não o conhecia) foi
felicissima.
Enfim, o espectaculo de hontem foi magnifico; infelizmente falta-nos
espaço para dizer melhor do trabalho de cada artista.
'Os Oito Batutas' estiveram á altura da reputação que gozam.
O agrado foi geral.
Para o espectaculo de hoje, annuncia-se novos numeros de valor.
Após o espectáculo, seguir-se-á um baile, o qual, segundo estamos
informados, será abrilhantado com a presença dos 'Os Oito Batutas' em
seus devidos postos” (Jornal de Joinville, 06/09/1927)
29
.
Na mesma coluna, logo abaixo, aparece a seguinte nota:
“Club Joinville – O Club Joinville abrirá amanhã os seus salões para um
baile commemorativo á magna data de 7 Setembro.
O baile será abrilhantado pelo magnífico jazz-band 'Os Oito Batutas', ora
em 'tournée' artística entre nós” (Idem)
30
.
E diariamente a atração segue sendo anunciada e comentada. No dia 07 de setembro
o Jornal de Joinville
não circulou. No dia seguinte, os artistas vindos do “norte” voltam às
suas páginas.
“O Trio Gondy e os Oito Batutas – Mais dois magnificos espectaculos nos
proporcionaram, ante-hontem e hontem, no Palace, o Trio Gondy e os
Batutas cariocas.
Em ambos os espectaculos a assistencia foi numerosa e selecta,
principalmente hontem, apesar do mao [sic] tempo reinante.
Todos os artistas colheram mais applausos do que mesmo na estréa; os
numeros appresentados foram attrahentes, motivo pelo qual, ao final de
cada um, estrugiam grandes applausos.
29 No mesmo dia aparece anúncio pago da Varieté Tournée.
30 O baile, com a presença do “magnífico jazz-band 'Os Oito Batutas'”, é anunciado no mesmo jornal, neste
mesmo dia, em outra nota intitulada “As festas de amanhã”.
154
Não destacaremos, aqui, este ou aquelle artista, porque todos, sem
excepção, estiveram á altura dos seus méritos.
Segundo sabemos, haverá amanhã mais um espectaculo, que será o
último” (Jornal de Joinville, 08/09/1927).
Sobre o baile, podemos saber que alcançou altas horas da madrugada:
“7 de Setembro – Esteve lindo o baile realizado no Club Joinville, em
homenagem á data. O baile prolongou-se até ás 5 horas da manhã,
abrilhantado pelo jazz-band 'Os Oito Batutas' do Rio de Janeiro” (Idem)
31
.
Finalmente, no dia 09 de setembro encontramos a última de tão elogiosas notas do
Jornal de Joinville
sobre os artistas da Varieté-Tournée:
“Palace-Theatro – O espectaculo de hoje – A esforçada Empreza Victor
Busch & Comp., nos proporcionarà [sic] hoje á noite, no Palace, mais um
extraordinario espectaculo, a preços populares, que constará de números
novos e divertidos.
Dizer mais alguma cousa sobre o trabalho dos artistas que compõem a
'tournée-varieté', é repetir, parece-nos, uma serie de elogios, já agora
perfeitamente dispensaveis, porquanto o nosso público já poude aquilatar
bem do valor dos artistas ora entre nós.
Diremos, entretanto, que o espectaculo de hoje foi organizado a capricho
pela sympatica empreza, por ser o ultimo a ser realizado aqui, o que quer
dizer que temos só a noite de hoje para condignamente applaudir esse
esforço” (Jornal de Joinville, 09/09/1927).
C
URITIBA (15 A 21 DE SETEMBRO)
De Joinville, a trupe tomará rumo norte, indo alcançar, não muito longe, a capital
paranaense
32
. Lá também sua estréia era anunciada com bastante antecipação:
“Palcos e Cinemas – Troupe de Variedades – Pouco depois de desocupar
o Palacio a Companhia de Operetas que ora trabalha ali em pleno
successo, deverá estrear naquella casa de diversões uma excellente Troupe
de Variedades, composta de diversos elementos artísticos.
Compõe essa troupe o Jazz-band 'Os Oito Batutas'; Rapolli, artista
encyclopedico; Jongleur, imitador de maestros célebres e Phil Ascot,
sapateador americano.
31 No dia 08 aparece ainda um anúncio pago que anuncia, para o dia seguinte, “a pedido geral”, a realização
de uma última apresentação na cidade. O anúncio é repetido no dia 09.
32
Curitiba está a aproximadamente 117 Km ao norte de Joinville (288 Km de Florianópolis). Contava, em
1920, com uma população de 78.986 habitantes, sendo 67.235 brasileiros e 11.612 estrangeiros (IBGE,
1920: 290).
155
É facil de prever o successo que está reservado a essa Troupe, visto que é
uma das melhores desse genero até hoje vindas a esta capital” (Diario da
Tarde, Curitiba, 26/08/1927).
“Palcos & Telas – Variete Troupe [sic] – Fará a sua estréa na próxima
quinta-feira, no Theatro Palacio, a Companhia de Variedades da qual
fazem parte 'Os Batutas', Trio Gondy, Jongleur, o imitador dos celebres
maestros, Rapoli, James Black, o elegante casal de dansarinos [sic] Delsol
e Nata e outros artistas.
Essa Companhia, em cujo elenco figuram artistas que ha pouco
alcançaram estrondoso successo em Paris, está destinada a conquistar
durante a sua temporada no Palacio, os mais francos e ruidosos successos”
(Gazeta do Povo, Curitiba, 12/09/1927).
“Palcos & Telas – Grande Companhia de Variedades – Conforme ja
divulgamos estreará quinta feira proxima no Theatro Palacio a grande
Companhia de Variedades que a Empreza Mattos Azeredo acaba de
contractar com a Empreza Victor Busc [sic], para uma temporada naquelle
theatro.
O mais admiravel Jazz-band que se tem feito ouvir no Brasil, tendo feito
grande sensação em Paris, no 'Theatro das Variedades', onde se exhibiu.
Com esse conjuncto, que proporcionará alegres surpresas ao nosso
publico, virão varios outros artistas, entre os quaes se destacam Rapoli, o
encyclopedico alemão 'jongleur' e imitador de maestros; Phil Ascot,
impagavel excentrico sapateador americano; e o applaudido 'Trio Gondy'
que já esteve nesta capital, mas que se exhibirá em numeros
completamente novos.
Serão apresentadas as mais modernas dansas americanas, o Charleston, o
Shimmy e o Fox-trot, executados, com extraordinaria perfeição e graça,
por um dansarino negro americano” (Gazeta do Povo, Curitiba,
13/09/1927).
É interessante notar que, sendo negros se não todos, pelos menos boa parte dos
integrantes dos Oito Batutas, este tema é relevado como “atração” apenas com relação ao
dançarino norte-americano.
Na véspera da estréia, a Gazeta do Povo
anuncia ainda com mais vagar as atrações:
“Palcos & Telas – Grande Companhia Variedades – A sensacional estréa
de amanhã no Palacio – Está definitivamente assentada para amanhã á
noite no Palácio a estréa da grande Companhia de Variedades 'Varieté-
Tournée', que sob a Empreza Victor Busch vem conquistando brilhantes
triumphos nas praças do Sul do Paiz.
Esta 'troupe' é composta de excellentes artistas, a maioria dos quaes
gozam de grande fama mundial.
'Delsol and Nata', os elegantes dançarinos, cujos clichés estampamos na
nossa edição de hoje, têm assombrado as mais exigentes plateias das
grandes capitaes européas com as suas artisticas danças fantasistas e
156
acrobaticas. Ultimamente elles se têm exhibido com enorme exito no
'Casino Copacabana', o mais elegante 'Musik-Hall' da Capital Federal.
Rapoli é sem duvida o artista mais popular dos theatros de variedades da
Europa. Elle alia a sua difícil arte de imitar os grandes genios da musica á
agilidade de perfeito 'jangleur'. Como virtuoso de pistão elle nos
proporcionará momentos de suprema arte.
Um dos numeros mais interessantes do espectaculo de amanhã serão, sem
duvida, os magnificos trabalhos de acrobacia de mão e equilibrismo que
nos apresentarão os tres robustos moços pertencentes ao 'Trio Gondy'.
São tres athletas completos, na verdadeira acepção da palavra, que
executam todos os seus trabalhos com arte, elegancia e perfeição.
E os 'Batutas'. Estes vão certamente revolucionar Curityba. O terrível
'Jazz-Band' das elegantes festas cariocas nos apresentará amanhã a noite
um programma dos mais escolhidos. O repertório dos 'Oito Batutas' é
inesgotavel e, no decorrer da presente temporada, teremos occasião de
ouvir diariamente novas musicas e canções, no que ha de mais actual na
evolução moderna.
Entre os 'Batutas' ha alguns elementos que merecem especial menção.
Eugenio Vianna, mais conhecido por 'Pixinguinha', é o mais festejado
flautista regional brasileiro. Ernesto dos Santos, o 'Donga' dos cariocas,
goza de geral admiração nos centros musicaes do Rio. É a elle que
devemos os estupendos 'sambas' que todos os anos marcam época de
successo no Carnaval
33
.
Quem conhece o 'Bambo do Bambu', uma das ultimas composições de
Ernesto dos Santos poderá avaliar o valor artistico do distincto musico.
Bomfilho de Oliveira é outro elemento de real valor dos 'Batutas'. Trata-se
sem favor algum do mais apreciado pistonista do Centro musical do Rio.
Com elementos taes os 'Batutas' certamente estão fadados a conquistar
bellas victorias em Curityba”
(Gazeta do Povo, Curitiba, 14/09/1927).
Note-se a referência a alguns dos integrantes dos Batutas. Com relação a
Pixinguinha, trocam-lhe o primeiro nome, de Alfredo para Eugenio. É interessante sua
qualificação como flautista regional, que condiz com a vertente pitoresca do nacionalismo
literário descrita por Afrânio Coutinho
34
. Donga é conhecido pelos seus sucessos
carnavalescos. Além deles, o jornal menciona Bomfilho [geralmente escrito Bonfiglio] de
Oliveira, célebre trompetista [“pistonista”] que fez parte da formação dos Oito Batutas
neste período. Note-se que são as mesmas personalidades que tiveram seus retratos
publicados pelo Jornal de Joinville
em 03 de setembro.
33 Sobre o importante protagonismo de Donga na produção de sambas como sucessos carnavalescos – do
qual o seu registro como autor de “Pelo Telefone” em 1917 é o caso mais famoso – conforme Sandroni
(2001: 128).
34
Cf. Oliveira (1990: 78).
157
No dia seguinte ao da estréia, o jornal curitibano também não poupou elogios ao
espetáculo:
“Palcos & Telas – Palacio Theatro – A estréa da Companhia de
Variedades – Constituiu um completo successo, como era de se esperar, a
estréa hontem, da Companhia de Variedades, no Palacio Theatro, que teve
uma casa á cunha.
Todos os numeros foram geralmente applaudidos e muitos mereceram os
mais enthusiaticos encomios, tendo o publico bisado sob geraes
applausos.
Rapoli, o artista de fama mundial apresentou-se com numeros magnificos,
quer como transformista, musico, quer como athleta estupendo.
Jongleur e eximio virtuose do piston, deliciou a grande assistencia, com
optimos numeros de musica, arrebatando a plateia.
Del Sol and Nata, bailarinos admiraveis, deram-nos momentos de
indiziveis contentamentos, em seus numeros de bailados simplesmente
attrahentes.
O Trio Gondy de athletas, é um numero que bem pode encher um
espectaculo.
Numero finissimo de athletismo elastico, em que os tres artistas, revelam
uma admiravel linha de distincção.
Foi um dos numeros que mais agradaram.
Os insuperaveis OITO BATUTAS, estiveram na altura de um principio...
Todos os componentes dos Batutas, são bons e seria dificil destacar um
dos demais.
Os choros, as emboladas nortistas, os sambas brasileiros, os 'charleston',
tudo enfim agradou sobremaneira, o publico que os applaudiu
delirantemente.
Assim, constituiu um verdadeiro succeso a estréia da Companhia de
Variedades, que, estamos certos, vae fazer época no Palacio Theatro.
- Hoje novos e interessantes numeros, por toda a Companhia” (Gazeta do
Povo, Curitiba, 16/09/1927).
Também em Curitiba os Oito Batutas foram requisitados para um refinado baile
social, neste caso o da Festa da Primavera do Grêmio das Violetas, cuja data teria sido
inclusive antecipada para poder contar com a presença dos atarefados músicos.
“O Sarau do Gremio das Violetas – A orchestra dos Batutas tomará parte
– Está marcado para a próxima quarta-feira, dia 21, a festa com que o
symphatico e queridissimo Gremio das Violetas commemorará a entrada
da Primavera.
A festa que estava annunciada para o proximo sabbado foi antecipada para
depois de amanhã devido ao facto da presente estada, nesta capital, do
bizarro jazz 'Os Batutas' e querer a directoria approveital-a para o festival.
158
Assim é que as danças de quarta feira, no salão do Curitybano, se farão ao
som do barulhento
35
conjuncto orchestral, que tanto successo tem
alcançado entre nós.
A festa começará com uma parte artística, da qual constam os seguintes
numeros:
I – Saudação á Primavera, poesia do dr. Seraphin França, pela brilhante
declamadora conterranea Risoleta Machado Lima.
II – Tarantela de Primavera, dançada por dez meninas do curso da Mme.
Clory.
III – Bailado de Rosa e Violeta, pelas meninas Simone.
A segunda parte constará do grandioso sarau, tocando por essa occasião o
extraordinario jazz dos 'Batutas'.
Durante o sarau será escolhida a Musa da Primavera, dentre as senhoritas
presentes, fazendo-se ainda a classificação das casas de flores que vão
concorrer á exposição floral.
A commissão julgadora se acha assim constituída: Dr. Virmond Lima e
exma senhora; dr. Pamphilo de Assumpção e exma senhora; Hildebrando
de Araújo e exma senhora.
Os premios para os merecedores dos dois concursos serão expostos,
amanhã, na montra do Louvre.
São as seguintes as casas de flores que concorrerão: Floricultura
Edelweiss; Floricultura Alberti Willy Cremer; Floricultura Violeta;
Floricultura Vitolilo e Loja Flora Paraná.
35 O qualificativo de “barulhento”, aqui, não parece ter um sentido pejorativo, assim como “bizarro” e,
citado acima, “terrível”. Estes termos parecem, antes, indicar neste contexto algo desejável na música. Dir-
se-ia que estamos aqui, em torno desta musicalidade, num horizonte estético – portanto, de sentido e
percepção – onde se acoplam sutilmente o prazer e a dor, com uma pertinência ampla. Neste sentido,
podemos juntar aos elogiosos qualificativos de “barulhento”, “bizarro” e “terrível”, o agrado do cronista
do florianopolitano Folha Nova
, em 28 de agosto, com aquela música “forte” que “fére” os ouvidos, ou
mesmo do portenho La Nación que, quatro anos antes, se extasiava com a “doce crueldade”, a
coincidência do “amor e da morte” que lhe evocava a música dos Oito Batutas (cf. Cap. 1). É certo que
nossa localização cronológica aqui é sempre a dos roaring twenties. Sem pretender ingenuamente que se
tratava de um horizonte de sentido de estrutura monolítica em lugares tão diferentes quanto, digamos,
Nova Iorque, Buenos Aires, Curitiba e Florianópolis (as duas últimas, na época, pequenas cidades em
comparação com as duas primeiras, metrópoles), é interessante notar como o termo jazz era pertinente em
contextos diferentes com um sentido relativamente estável – cuja valoração oscilava entre os pólos da total
sedução e da condenação categórica – e mais amplo do que aquele que tem hoje, quando aponta para algo
que se pensa num registro mais estritamente musical. Seu sentido, na época que nos ocupa, parece ser
muito mais amplo e polissêmico do que hoje, abarcando, naquele então, além de uma musicalidade
específica – ela mesma bastante diversificada, veja-se as diferenças entre orquestras como a de King
Oliver e o “jazz sinfõnico” de Paul Whiteman –, um modo de vida essencialmente urbano, considerado
“moderno”, muito associado à velocidade e ruído das grandes cidades e incluindo elementos como a
liberação feminina. No universo norte-americano, este modo de vida é então associado sobretudo à figura
do flapper (Shaw, 1987). Para Shaw (op. cit.: 08), o “batismo” dos anos 20 como The Jazz Age se deve ao
título do livro Tales of the Jazz Age, de F. Scott Fitzgerald – ele mesmo, assim como sua mulher Elza, a
personificação do flapper -, lançado nos Estados Unidos em 1922. Ainda seguindo Shaw, a música
designada como jazz estava nesta época marcadamente “in a state of flux and controversy”. O curioso, no
caso concreto aqui em tela, é ver que esta musicalidade podia ter uma avaliação muito favorável num
contexto como o do baile de comemoração da entrada da primavera do Gremio das Violetas, na Curitiba
de 1927, onde o “barulhento” jazz band podia conviver, no mesmo espaço, por exemplo, com a “Tarantela
de Primavera, dançada por dez meninas do curso de Mme. Clory”.
159
A Festa da Primavera das Violetas foi dedicada, pela directoria do
Gremio, á cuja frente se encontra Mme. Seraphin França, a fidalgo e
veterano Club Curitybano.
A directoria do Gremio marcou para senhoras e senhoritas traje claro, com
enfeites de flores naturaes, e para cavalheiros smoking ou linho branco,
avisando aos socios e convidados que a festividade terá início ás 21 horas,
improrrogavelmente” (Gazeta do Povo, 19/09/1927).
Pelo jornal do dia seguinte ao baile, podemos ter uma idéia de como foi a festa:
“A Festa da Primavera – O Gremio das Violetas alcança ruidoso triumpho
– Nada faltou para o coroamento da pomposa Festa da Primavera,
realizada hontem, nos salões do Club Curitybano, pelo querido e gentil
Gremio das Violetas. Até mesmo o tempo, fazendo um opportuno
parenthesis no desfiar de dias chuvosos e frios, nos deu hontem um
lindissimo dia dourado por um magnífico sol de Setembro e uma deliciosa
noite de estrellas...
A festividade foi brilhante. Desde a chegada ao Palacio do Club todo
ornamentado, com o carinho que a Casa Alberti sabe ter em trabalhos
dessa natureza, tiveram os convidados agradavel surpreza.
No salão principal foram dispostas com arte mezinhas, enfeitadas com
corbeilles de flores e pequenos focos de luz, e onde foi feito o serviço de
buffet e servido o delicioso panaché.
Por todo o luxuoso salão viam-se lindissimas corbelhas, figurantes no
concurso ao qual concorreram todas as nossas casas de flores. Guirlandas
entrelaçavam-se em toda a escadaria e no rebordo das galerias. Todo o
ambiente regorgitava de flores, a ellas se juntando o encanto das gentis
representantes do nosso mundo feminil elegante.
Ás 21 horas em ponto foi dado o início á parte artística.
Risoleta, a nossa formosa e brilhante declamadora é a primeira a
apparecer, dizendo saudação á primavera, de Seraphin França.
A seguir é dançada, por um grupo de lindas creanças do curso de Mme.
Clory a Tarantela da Primavera com geraes applausos da enorme
assistencia, que enchia todas as dependencias das galerias e uma parte do
salão.
As meninas Simões, intelligentes e graciosas, alcançaram grande successo
no numero de bailado – A Violeta e o Cravo.
Risoleta retorna ao salão para declamar Sobre um Pecegueiro, de Paulo
Setubal. A graça de sua maneira de dizer foi realçada com o vestir
Risoleta delicada toilette cor de rosa, enfeitada com flores de pecegueiro.
Logo a seguir foi feito, pela comissão composta dos srs. drs. Wirmon
Lima e exma senhora., Pamphilo de Assumpção e exma senhora, Benigno
Lima e exma senhora, Hildebrando de Araujo e exma senhora, o
julgamento do concurso aberto entre as nossas casas de flores.
A comissão concedeu á Loja Flora Curitybana, que concorreu com uma
formosa allegoria floral á primavera, e menção honrosa ás Floriculturas
Edelweiss, Vitoldo – allegoria ao Jahu – e Alberti.
Foi procedida depois a escolha da Musa da Primavera, que recaiu na
senhorita Risoleta Machado Lima que, como dissemos, vestia linda
toilette cor de rosa com enfeites de flores de pecegueiro.
160
Mereceram a admiração não só da commissão, mas também da
assistencia, ainda as toilettes das senhoritas Fernandina Marques, Alice
Dias e Josephina Cavalcanti.
Terminada essa parte principiou o serviço de buffet, delicioso e bem feito,
e a movimentação irriquieta dos pares ao som do bizarro jazz do 'Os
Batutas'.
O enthusiasmo foi extraordinario. Os saxophones despertam todas er [sic]
pernas para a cadencia rythmada dos maxixes e dos tangos.
Só ás quatro horas da manhã de hoje terminou a festa que marcou para o
Gremio das Violetas mais uma retumbante victoria.
De nossas columnas enviamos os nossos cumprimentos a Mme. Seraphin
França e senhorita Cecy Murray, directoras do formoso Gremio, por mais
esse triumpho alcançado e somente comparado ao sumptuoso baile
passadista, tal foi o encanto e belleza que presidiram a Festa da
Primavera” (Gazeta do Povo, 22/09/1927).
De Curitiba, os Batutas seguiriam para Porto Alegre antes de regressar ao Rio
36
. O
rastreamento que pude fazer neste trabalho não atingiu este ponto mais austral da
temporada. Chegamos a Curitiba tendo acompanhado os Oito Batutas e sua trupe numa
turnê que deixa a impressão de uma empreitada, para usar um termo dos próprios jornais da
época, “vitoriosa”. Simplesmente não se encontram críticas desfavoráveis nos jornais. As
apresentações e viagens pareciam seguir sem sobressaltos, no que se pode ler também o
indício de uma temporada bem planejada e administrada. Fica-nos a imagem de uns Oito
Batutas em plena forma, atuando em espetáculos de variedades ao lado de outros artistas de
agrado do público e também como um jazz-band muito requisitado para animar bailes – ao
que tudo indica, freqüentados por camadas sociais médias e altas – e, como ficou registrado
em Florianópolis, cafés e bares, freqüentados por “famílias”.
A impressão que fica é de que um determinado modo de atuação, ensaiado na
Argentina em 1922-23, é posto em prática, por um grupo profissionalmente já mais
maduro, no sul do Brasil em 1927. Temos neste modo de atuação um grupo de artistas
altamente versátil – tratando-se de músicos, esta versatilidade se traduz no trânsito por e
36
Cf. Cabral (op. cit.: 137).
161
domíno de um repertório bastante diversificado, a ser ajustado de acordo com as
características específicas de cada atuação e, aparentemente o fator central, o gosto do
público – agenciado por um empresário profissional e bem articulado. O próximo
movimento deste mapeamento será o de retomar alguns aspectos das viagens descritas neste
capítulo e no anterior, buscando compor um quadro interpretativo em vista de questões
pertinentes ao contexto mais amplo da trajetória dos Oito Batutas desde a formação do
grupo.
162
Figura 20 – Mapa da região sul do Brasil, onde se pode ver a localização das cidades de
Florianópolis, Itajaí, Blumenau, Joinville e Curitiba. Fonte: Antunes, 1997.
163
Fi
g
ura 21 – Ba
r
-Café Java, Pra
ç
a XV de Novembro, Florianó
p
olis, s.d. Fonte: IHGSC.
Figura 22 – Teatro Guarany, Itajaí, s.d. Fonte: IHGSC.
164
Figura 23 – Hotel Holetz, Blumenau, s.d. Fonte: IHGSC.
Figura 24 – Clube Joinville, Joinville, s.d. Fonte: IHGSC.
165
CAPÍTULO 3
As jornadas dos Oito Batutas pela Argentina em 1922-23 e pelo sul do Brasil em
1927 inserem-se numa trajetória bastante marcada pela mobilidade, tanto no espaço
geográfico quanto no musical. Nesta trajetória, o grupo – cuja composição mudou
sensivelmente diversas vezes – revela uma grande plasticidade ou potencial de
transformação. A história dos Oito Batutas tem sido tratada por diferentes autores, em
diferentes registros
1
. Não pretendo aqui recontá-la linearmente, mas considerar de maneira
esquemática alguns de seus pontos, na tentativa de elaboração de um quadro interpretativo
à luz dos dados aportados nos capítulos anteriores. O filtro de leitura, que se impõe a partir
dos dados, é precisamente a indagação sobre o caráter da citada mobilidade e potencial de
transformação.
P
RIMEIROS MOVIMENTOS: CINE PALAIS E INTERIOR DO BRASIL (1919-1921)
O grupo Os Oito Batutas apareceu no Rio de Janeiro em 1919, formado a partir de
integrantes de um bloco carnavalesco chamado Grupo do Caxangá, especialmente para
tocar na sala de espera do elegante Cine Palais, no centro da cidade
2
, sob demanda do
gerente do estabelecimento, Isaac Frankel, que foi também quem batizou o conjunto. Sua
primeira formação foi: Flauta (Pixinguinha), violão (Donga, China, Raul Palmieri), canto
(China), cavaquinho (Nelson Alves), bandola (Jacó Palmieri), reco-reco (Jacó Palmieri),
1
Conforme, entre os trabalhos de maior fôlego, a inserção da história dos Oito Batutas – num registro
memorialista que eventualmente toma um caráter épico e hagiográfico (Cf. Menezes Bastos, 2005) – em
biografias de Pixinguinha por Silva & Oliveira Filho (1998) e Cabral (2007). Entre as abordagens
historiográficas estão os trabalhos de Bessa (2005) e Martins (2009).
2
O endereço do Cine Palais era Avenida Rio Branco 145/149.
166
bandolim (José Alves de Lima), ganzá (José Alves de Lima)
3
. Se para os músicos
apresentar-se na sala de espera do Palais representava um importante índice de status
profissional, ao mesmo tempo o fato polarizou discussões acaloradas na sociedade carioca
em torno de dois temas fundamentais: o fato de parte dos integrantes serem negros e o tipo
de música que tocavam. As discussões iniciais em torno dos Oito Batutas giravam, então,
em torno de dois eixos de sentido interligados. No primeiro destes eixos, num Brasil ainda
“pré-gilbertofreireano”
4
, o conceito de raça marcava de forma especial as discussões sobre
a constituição da nação
5
, a negritude daqueles músicos sendo elemento avaliado
negativamente por setores que alimentavam ideologias como a do “branqueamento”. No
segundo eixo, aparecia como fator de incômodo o próprio repertório musical do grupo,
considerado por alguns setores como de baixa extração, mau gosto e pouco valor artístico,
acusações típicas, na época, contra gêneros como o maxixe
6
, por exemplo. A legitimidade,
ou não, da presença destas cores e sons num lugar como o Cine Palais era, então, o nó
central das discussões que dividiam detratores e apreciadores dos Oito Batutas, projetando-
se sobre o grupo uma guerra simbólica – e, portanto, bastante real – cujo objeto central de
disputa era o modo mesmo de constituição do que poderia e deveria ser, para uns e outros,
o Brasil. Ortiz (1985) localiza as noções de meio e raça como categorias-chave do solo
3
Cf. Cabral (op. cit.: 51).
4
Cf. Vianna (1995).
5
Cf. Schwarcz (1993, 2000).
6
Recupero rapidamente um ponto que me parece interessante a respeito do maxixe. Sua genealogia na
musicografia brasileira tende, muitas vezes, a realçar seu aspecto “nacional”, focalizando sua posição como
“herdeiro” do lundu e “precursor” do samba. Discursos da época, dos quais se poderia citar como caso
modelar aquele apresentado no Capítulo 2, nota 14, do jornal
O Pharol de 14/05/1921, mostram que esta
dança podia ser compreendida simultaneamente em chave nacional – sendo então atacada por sua suposta
“baixa origem” social – e internacional – sendo classificada, como “dança moderna”, junto com o fox-trot, o
tango argentino e o ragtime, atacadas, agora todas elas juntas, especialmente pelo seu suposto potencial de
profanação da moral e dos corpos (principalmente os femininos). A coisa se passava de maneira muito
semelhante em outros nós locais do sistema, cujo caso argentino, por exemplo, tentei ilustrar no Capítulo 1.
Assim, a chave nacional aqui citada parece, de um ponto de vista distanciado, encontrar sua substância
sobretudo como realização local da chave internacional. Sobre esta imbricação mútua, conforme Menezes
Bastos (1999, 2007, 2007a).
167
epistemológico da intelectualidade brasileira entre os séculos XIX e XX, marcando uma
orientação geral de cunho evolucionista e determinista que juntava “o positivismo de
Comte, o darwinismo social, o evolucionismo de Spencer” (op.cit.:14). Dentro desta
tendência, que, segundo o autor, marca o pensamento de autores como Euclides da Cunha,
Sílvio Romero e Nina Rodrigues, o mestiço constitui um “problema” já desde o século
XIX, sendo seu equacionamento buscado inicialmente em termos da idéia de raça enquanto
um determinante biológico mesmo, e a sua solução sendo vislumbrada através de um
projeto de branqueamento que, via imigração européia, por exemplo, gradualmente
eliminaria as “taras da mistura”, algo concebido, do ponto de vista daquelas “elites”
intelectuais, como indispensável à construção do Brasil como uma nação moderna viável.
Também segundo Ortiz, é com Gilberto Freyre que a substância da idéia de mestiço migra
efetivamente do horizonte biológico da raça para o da cultura, um passo para a
transformação do “problema” em traço positivo da identidade nacional brasileira
7
.
Detratores e apreciadores dos Oito Batutas, portanto, dividiam-se em termos desta linha de
demarcação. Para os primeiros, aqueles músicos e sua música representavam justamente o
grande “obstáculo” a ser superado no caminho da construção do Brasil como nação
moderna e estavam, portanto, “fora do lugar” ao atuar em um cinema “chique” da Avenida
Rio Branco. Para os segundos, ao contrário, os Batutas apontavam para o futuro, sua
presença em espaços refinados como aquele sendo índice justamente da especificidade
positiva do país.
Em meio a estas discussões, que tinham a imprensa como um de seus principais
palcos, o grupo seguia seu caminho, apresentando-se em diferentes locais da Capital
7
Sobre a relação da positivação do mestiço em Gilberto Freyre e o entronamento do samba como gênero
musical nacional, conforme Vianna (1995).
168
Federal e logo empreendendo sua primeira viagem de fôlego. Com efeito, entre 1919 e
1921, fez várias excursões pelo Brasil – contando com a promoção e o financiamento de
Arnaldo Guinle
8
e a supervisão de Villa-Lobos
9
– em viagens nas quais alternavam-se
apresentações e pesquisas sobre o “folclore musical” de diferentes regiões, o itinerário
alcançando, na faixa leste do país, de Curitiba a Recife. Esta alternância entre apresentações
e pesquisas nas primeiras viagens do grupo é um fator interessante, tendo-se em mente que,
na época, as intensas discussões sobre o caráter da verdadeira “identidade nacional”
Brasileira apresentavam uma forte tendência a buscá-lo – de maneira marcante em sua
chave musical – nas “tradições populares” do mundo rural e do interior do país. Tal era,
por exemplo, o discurso que permeava a Semana de Arte Moderna de 1922 e as idéias de
Mário de Andrade sobre a distinção entre música popular e popularesca
10
. Pensar os
Batutas como pesquisadores, como protagonistas na produção do conhecimento sobre a
música, remete à tese de Menezes Bastos (1995: 41 e passim) sobre o campo artístico
musical como local de nascimento das musicologias.
Bessa (2005: 46-47) indica que nestas excursões nacionais entre 1919 e 1921, o
termo choro (ou chorinho) é cada vez mais adotado para delimitar o gênero das peças nos
programas das apresentações. Com isto, a autora considera a existência de uma busca, pelos
próprios músicos, de um caráter típico brasileiro ligado a este gênero, mas enfatiza que,
mais do que uma simples adoção de um substituto para rótulos estrangeiros como a polca,
nas gravações desta época é verificável a constituição do choro como uma nova linguagem,
8
“um milionário, membro de uma das famílias mais ricas do país na época; mecenas musical, apoiou
financeiramente não apenas os Oito Batutas como também Villa-Lobos, que em gratidão dedicou-lhe o
Chôros No 5 (Alma Brasileira).” (Sandroni, 2001: 116). Sobre Guinle, conforme também Menezes Bastos
(2004: 08-09).
9
Os resultados destas pesquisas estão hoje arquivados no IEB-USP.
10
Neste sentido, é interessante notar que se, em seus primeiros movimentos, os Oito Batutas podiam
aproximar-se bastante do universo do popular, em 1928 Mário de Andrade (2006) referir-se-á ao grupo
localizando-o sobretudo no horizonte do popularesco. Cf. Martins (2009: 10-15).
169
para além de um mero “modo de tocar”, sobretudo nas performances do flautista
Pixinguinha. As análises da autora delineiam a progressiva “transformação dos gêneros
europeus em chôro” (Bessa, op.cit.: 47), levada a cabo por Pixinguinha e músicos de seu
entorno. Não obstante, é importante notar, como também remarca Bessa, a grande
variedade de gêneros e plasticidade do repertório e dos modos de apresentação dos Oito
Batutas desde esta primeira fase. Em passagens por São Paulo, por exemplo, os músicos
trocam o terno e gravata que usavam no Cine Palais por chapéu de palha e lenço no
pescoço
11
, apresentando-se como representantes da “autêntica música brasileira”, num
espetáculo chamado “Uma Noite no Sertão”.
P
ARIS, 1922
Em fevereiro de 1922 os Batutas
12
partem para Paris para uma temporada de seis
meses no Dancing Shéhérazade, tendo como principal articulador o dançarino brasileiro
Duque
13
, que vivia na capital Francesa com grande êxito profissional como divulgador do
maxixe. O financiador era, de novo, Arnaldo Guinle e, apesar de não representar
propriamente uma embaixada diplomática oficial
14
, o projeto contava ainda com o
entusiasmo e a colaboração do político e diplomata brasileiro Lauro Müller.
11
Esta indumentária remete à do Grupo do Caxangá.
12
Viajaram apenas 7 músicos. Cf. Cabral (1997:72), Menezes Bastos (2004:01, nota 1).
13
“Duque” era o apelido do dançarino Antonio Lopes de Amorim Diniz (Bahia, 1884 – Rio de Janeiro, 1953).
Cf. Menezes Bastos (2004: 07-08). Segundo Pixinguinha, foi para Duque e sua companheira francesa Gaby,
ainda no Brasil, que, pela primeira vez, os Oito Batutas tocaram para alguém dançar (Fernandes, 1970: 23). O
compositor relata que, enquanto na sala de espera do Cine Palais o público ficava “ouvindo os chorinhos”
(eventualmente deixando de ir assistir aos filmes), o contato com Duque e a subseqüente ida para a França
está intimamente ligado à dança. Sobre Duque e Gaby, declarou ainda Pixinguinha: “Foi ele [Duque] quem
pediu ao Arnaldo Guinle para nos levar até Paris, pois ficou vidrado pela nossa música, que ele interpretava
nos pés. Ele sentia a música quando nós dávamos uns 4 compassozinhos. Da mesma forma a Gaby. Esta era
uma francesa que sentia e compreendia o nosso ritmo”. (Pixinguinha, in Fernandes, 1970: 23).
14
Não deixa de ser interessante pensar nos músicos como embaixadores que, “extremamente versáteis,
ocupando importantes interstícios nas sociedades urbanas heterogêneas, eles forjam novos estilos e
170
No repertório do grupo, que era recebido em Paris como “tipicamente brasileiro”,
havia principalmente sambas (do tipo “amaxixado”, ou primeiro tipo
15
), choros e maxixes.
A vida musical em Paris, à época, é muito intensa, com músicos de várias partes do mundo
atuando na cidade. Nas narrativas
16
a respeito da temporada dos Oito Batutas, no entanto, a
grande ênfase é em suas relações com os músicos de jazz, que de fato “invadiam” a cidade
com suas big-bands. O contexto Parisiense é então fortemente marcado pelo primeiro pós-
guerra, com profundas transformações sociais
17
. O cenário de atuação dos Oito Batutas na
cidade é o da vida noturna, de um público fascinado pelo exotismo – muito associado à
negritude africana – e demandante dos prazeres, na busca daquilo que Prévost denominou
“la revanche de l’amour sur la mort”
18
. A identidade do grupo é ali associada a um universo
de “danças exóticas” sendo que, de acordo com Menezes Bastos, os registros parisienses
permitem afirmar que no período final da temporada dos Oito Batutas em Paris, em julho
de 1922, o maxixe, assim como o tango, era muito bem conhecido na cidade, sendo usado
mesmo como elemento de contraste em relação à música francesa
19
.
Busco aqui refazer, esquematicamente, o interessante quadro interpretativo sugerido
por Menezes Bastos (2005) para a viagem dos Batutas a Paris. Passo essencial para a
construção do nome de Pixinguinha como “primus inter pares da música popular
brasileira”, a jornada aparece como tendo sido marcada também por uma intencionalidade,
por parte de seus promotores, no sentido de fazer representar o Brasil, exatamente através
comunidades de gostos, negociando diferenças culturais por meio da manipulação musical de associações
simbólicas.” (Waterman apud Hannerz, 1997: 33, nota 15).
15
Cf. Sandroni (2001).
16
Cf. Fernandes (1970), Marcondes (1998: 584), Menezes Bastos (2000, 2004), Silva e Oliveira Filho (1998),
Cabral (2007), Tinhorão (1991).
17
A I Grande Guerra extendeu-se de 1914 a 1918 e teve o seu final marcado, na França, pelo desembarque de
grandes contingentes de soldados aliados norte-americanos. Os músicos de jazz, com as big-bands, vieram na
esteira dos soldados. Conforme Martin e Roueff (2002).
18
Prévost apud Martin e Roueff (2002: 96).
19
Cf. Menezes Bastos (2004: 11; 2005: 182).
171
daquela música, no contexto cultural internacional, cujo centro legitimador era Paris. Se o
maxixe, àquela altura, já era bem conhecido no ambiente musical parisiense, o tango
argentino também o era, sendo ambos usados como diacríticos em relação à música
francesa canônica e relacionados de maneira próxima – como tipos “vizinhos” de danses
nouvelles – por aquele público. O autor caracteriza a temporada dos Batutas em Paris como
uma efetiva campanha que, construída em torno da percussividade do samba, contribuiu
para uma maior diferenciação entre a musicalidade brasileira e aquela representada pelo
tango argentino, que o maxixe permitia conceber como mais próximas, ambas relacionadas
ao “mundo dos brancos”. Tal campanha, então, antecipava, em Paris, a legitimação do som
do samba e da cor do negro como legitimamente brasileiros, e mesmo como seus
representantes mais “autênticos”, cuja consolidação aconteceria no Brasil anos mais tarde
20
.
É ainda em Paris que esta música brasileira dos Batutas é apresentada tomando como pólo
contrastivo justamente o jazz – então em franco processo de catolicização no Ocidente
21
–,
o que lhe alça a um plano mundial de significação musical, para além de sua restrição à
América Latina.
Pujol, também remarcando a presença do maxixe, ao lado do cakewalk e do tango,
na capital francesa, delimita o favoritismo deste gênero brasileiro precisamente entre 1914
e 1922, sendo que depois “será olvidada en pos del samba” (1999: 74). É interessante notar
esta concordância entre os dois autores – que chegam a ela por caminhos distintos – sobre a
data de “substituição” do maxixe pelo samba no imaginário internacional sobre a música
popular brasileira, que contribui para dar consistência à idéia de que o processo descrito por
Vianna (op. cit.) no horizonte nacional teve raízes anteriores no horizonte internacional.
20
Cf. Vianna (op.cit.).
21
Cf. Menezes Bastos (1995).
172
Pois bem, o regresso dos Batutas de Paris em agosto de 1922, bem como sua
atuação na Cidade Luz, acabou se tornando o nó de uma outra discussão em torno daqueles
músicos, centrada agora em torno do que se chamou a “influência do jazz” na música
(brasileira) dos Oito Batutas. Esta questão não se apresentou de forma tão imediata e
premente quanto aquelas acima aludidas em torno da cor e do som dos Batutas, mas
configurou-se, em grande medida, na produção bibliográfica posterior sobre o grupo, de
maneira mais sensível a partir dos anos 1970. A literatura tem oscilado, a este respeito,
entre pontos de vista um pouco diferentes. Há o reconhecimento da tal “influência”,
localizando-a sobretudo no aspecto da necessidade profissional, que não se impôs apenas
sobre os Batutas, em vista da moda de jazz band que, de fato, intensifica-se em cidades
como o Rio de Janeiro nos anos 1920. Nesta chave de leitura, a “influência” não seria,
enfim, um fator de desestruturação da brasilidade dos Oito Batutas ou de Pixinguinha
22
. Há
argumentações que, com uma base pretensamente histórica, orientam-se mais no sentido de
“provar” a inexistência da “influência”, ou de simplesmente inverter sua direção. Neste
caso, uma chave de leitura essencialmente ufanista e nacionalista acaba por atuar
justamente na reificação do horizonte de sentido onde precisamente a idéia de “influência”
pode vicejar e dar frutos. A ideologia aqui – tendo como único recurso a inversão valorativa
dos termos que polarizam a discussão – aparentemente nada pode além de alimentar o
monstro que tanto a assusta: não há “influência”, a brasilidade de, por exemplo, Pixinginha,
tem uma espécie de “blindagem”, sendo incorruptível por algo como o jazz
23
. Neste mesmo
plano, há um terceiro viés, entre outros possíveis, que tende a contornar a questão
minimizando a importância da viagem dos Batutas a Paris, buscando fechar a discussão,
22
Cabral (2007: 111-134), Martins (2009).
23
Silva e Oliveira Filho (1998: 65-114).
173
por um lado, com a verificação de que eles foram, lá, apenas um exotismo entre inúmeros
outros disponíveis e, por outro, negando a importância da “influência” através de sua
restrição aos aspectos, tidos como superficiais, da instrumentação e da indumentária
24
.
Numa analogia com paradigmas antropológicos, dir-se-ia que todas estas leituras – que, é
certo, nunca pretenderam ser antropológicas, por isso o caráter apenas analógico da
observação – compartilham, em alguma medida, de uma ótica “culturalista”: a
“aculturação”
25
dos Batutas pelo jazz é afirmada ou negada, mas o horizonte onde ela tem
um sentido e um valor – centrados na idéia mesma de “influência” – nunca é ultrapassado.
Chartier (2001: 115-117), numa postura que se alinha a discussões antropológicas mais
recentes sobre a noção de cultura, enfatiza que os fenômenos de troca no contato entre
universos simbólicos – ou “sistemas de representações e práticas” – distintos têm sempre
um caráter negociado e de mão dupla, mesmo que invariavelmente atravessados por
assimetrias de poder. A esta concepção de aculturação como processo recíproco, Chartier
conjuga a reflexão sobre a idéia de apropriação, partindo das distintas maneiras como ela é
concebida, de um lado, por Michel Foucault e, de outro, por Paul Ricoeur
26
. Para o
primeiro, a noção de apropriação delimita a vontade, por parte de um grupo qualquer, de
controlar a formação e circulação de discursos, impedindo que outros tenham acessos a
estes discursos monopolizados; tal definição remete-se, assim, à própria etimologia do
termo como propriedade, controle e monopólio. Já para Ricoeur, trata-se, ao contrário, de
apreender, no circuito hermenêutico, as maneiras pelas quais os sujeitos atualizam,
modificando-os, os sentidos dos textos dos quais se apropriam. Com relação a esta segunda
24
Cazes (1998: 59-64).
25
Para um estudo sobre o conceito de cultura na antropologia, incluindo o exame de diferentes posturas a
respeito da mudança cultural, conforme Laraia (2005). No Brasil, um caso especialmente influente de
contribuição para a renovação do debate acerca do contato e da mudança cultural foi a teoria da friccção
interétnica cunhada por Roberto Cardoso de Oliveira (1998).
26
As obras referidas por Chartier são Foucault (1970) e Ricoeur (1986).
174
vertente, Chartier enfatiza a importância de que os fenômenos estudados não sejam
mantidos num horizonte universal ou abstrato, mas sempre relacionados com os conteúdos
sócio-históricos que lhes são específicos. O autor propõe, assim, uma abordagem de síntese
entre as duas propostas, onde “atribuir um conteúdo sócio-histórico ao conceito
hermenêutico de apropriação deve ir vinculado a uma visão na qual a apropriação provenha
de uma tensão entre as vontades de conquista e as vontades de controle e monopólio”
(Chartier, op. cit.: 117). Esta discussão traz instrumentos interessantes para pensar as
relações entre a atuação dos Oito Batutas e aqueles que disputavam o que o grupo poderia
ou deveria ser. Num primeiro horizonte, abre-se a possibilidade de perceber o trânsito do
grupo por diferentes repertórios – do qual seu contato com o jazz tem sido o ponto mais
controvertido – numa chave ativa (de apropriação) e não passiva (de “influência”). Isto
implica em efetivamente conceber aqueles músicos como pessoas integrais, inteligentes,
capazes de discernimento, conscientes – na medida em que se pode sê-lo – da configuração
sócio-cultural onde viviam, suas possibilidades, barreiras e armadilhas e, ainda, dotados de
um senso estético aberto e apurado, e não como ingênuos e frágeis repositórios passivos de
uma pureza qualquer, a ser tutelada e protegida dos perigos do contato. Por outro lado, a
querela entre detratores e apreciadores mencionada mais acima tem como um aspecto
fundamental a disputa pelo monopólio do sentido – sobre o que são coisas como o
brasileiro, o Brasil, a música nacional – enfatizada na concepção foucaultiana de
apropriação. Se estas disputas se deram – e seguem se dando – sobretudo em torno dos Oito
Batutas, há um outro plano, sobre o qual os dados desta pesquisa praticamente não puderam
lançar nova luz, que diz respeito às disputas internas do grupo. Sobre isto, creio que o que
de mais relevante se apontou aqui foi a aparente, diria, “pressa”, demonstrada por Donga e
os demais formadores dos Oito Cotubas, em apropriar-se, na volta ao Rio de Janeiro em
175
1923, do espaço que havia sido aberto pelo grupo original, mas agora na forma mais
moderna de jazz-band. Como vimos no Capítulo 1, passos semelhantes foram seguidos por
Pixinguinha e os demais, sendo que logo o grupo voltou a aglutinar-se.
De todo modo, se as jazz-bands já estão presentes em cidades como São Paulo e Rio
de Janeiro desde pelo menos a década de 1910
27
, dificilmente se pode imaginar que este
universo se tenha revelado “de repente” em Paris para os Batutas. Minha impressão é de
que o que se teria aberto para eles, em Paris, teria sido algo como uma perspectiva renovada
e intensificada de um universo musical marcadamente cosmopolita que lhes abria veredas
interessantes que não seriam necessariamente intransitáveis pelo fato de serem eles
“brasileiros”.
A
RGENTINA, 1922-23
Com relação à viaem à Argentina, como vimos, a sua motivação parece ter sido de
caráter exclusivamente profissional: foram em função de um contrato oferecido por um
empresário local. Não encontrei, com relação a esta jornada, indícios da atuação de figuras
como Guinle, Müller ou Duque. Inclusive as negociações iniciais parecem ter sido feitas
diretamente entre o empresário Humberto Cairo e os músicos (na pessoa de China), à
revelia, num primeiro momento, até mesmo do empresário dos artistas no Rio de Janeiro.
Quando aparece a atuação diplomática, nas cartas mencionadas no Prelúdio, ela surge como
fator aparentemente subordinado aos interesses empresariais de José Segreto. Estes são,
grosso modo, os dados disponíveis quanto à motivação e agenciamento inicial da viagem.
Sobre a atuação dos Oito Batutas naquelas terras, vimos que sua forma de entrada, nas
apresentaçõs no Empire e no Maipo, é a da tipicidade brasileira, caracterizada em
27
Ikeda (1984), Calado (1990).
176
instrumental, indumentária e repertório. São os mesmos Batutas que apresentavam um
Brasil profundo, folclórico, “indígena” às platéias de São Paulo, por exemplo, no mesmo
ano de sua formação. O repertório, segundo o que se pôde depreender dos jornais,
corresponde plenamente àquela diversidade de rótulos que marca o horizonte da música
popular brasileira no período
28
, sem um destaque notável com relação ao samba
29
. Como
um espetáculo de variedades, apareciam acompanhando dançarinos que dividiam com eles
o palco. De fato, vimos que a atenção do público era em grande parte orientada pela parte
dançada do espetáculo, aparecendo protestos quando esta se via desfalcada. Aliás, a leitura
dos jornais permite suspeitar que a relação entre músicos e dançarinos – demandada pelo
gosto e a expectativa do público – teria sido algo instável naquela temporada. Poucos dias
após o abrupto término da temporada no Maipo, os Oito Batutas aparecem como jazz-band
animando um baile ao lado de uma típica argentina, em 28 de dezembro de 1922 no baile
de Inocentes promovido pelo Círculo de la Prensa no teatro Coliseo. Este é o primeiro
indício de um potencial de trânsito dos Oito Batutas entre as formas típica brasileira e jazz-
band
30
. A primeira forma parece seguir sendo o carro-chefe da atuação do grupo na jornada
pelo interior do país, tipicamente acompanhando dançarinos no palco. A segunda aparece
como uma possibilidade acionada eventualmente: no citado baile do Coliseu e, depois, em
bailes de carnaval em Rio Cuarto e de novo em Buenos Aires, acompanhando dançarinos
na pista.
28
Sandroni (op. cit.), Menezes Bastos (2007, 2007a).
29
Há, neste ponto, uma diferença com relação àquela busca de ênfase no rótulo samba em detrimento do
maxixe que Menezes Bastos (2005) verifica na temporada de Paris. Neste sentido, cabe notar que, na
Argentina, o rótulo zamba remete a um gênero nacional de música folclórica bastante distinto do samba
brasileiro, daí talvez o fato de os cronistas locais não se referirem tanto aos sambas dos Oito Batutas, para
evitar confusão.
30
Vale remarcar que a forma jazz-band não excluía do repertório o maxixe. Da mesma forma, algumas das
críticas às apresentações dos Oito Batutas na forma típica brasileira inseriam-nos no mundo barulhento do
jazz. Ou seja, parece que, do ponto de vista do público argentino da época, estas duas coisas não estavam
sempre tão necessariamente estanques.
177
Como vimos no Capítulo 1, a recepção da música dos Oito Batutas na Argentina
envolveu alguma controvérsia. Tudo indica que foi, de fato muito apreciada, tendo
encantado boa parte do público
31
. Neste sentido, parece-me que as crônicas deixam
transparecer o fato de que a maneira pela qual aquele grupo soava era de fato nova para boa
parte da audiência argentina, apesar de que o maxixe era já conhecido de larga data no país.
As categorias, aqui, apontaram positivamente para o sensual e o exótico daquela música
brasileira. Mas houve também quem não gostou e, neste caso, os Batutas foram alvo de
ataques em termos semelhantes e diferentes daqueles mobilizados por seus antagonistas no
Brasil. Com relação ao fato de serem negros, as opiniões negativas (e mesmo algumas das
positivas) – nutridas num pensamento racialista e evolucionista semelhante ao seu
congênere brasileiro – invariavelmente remetiam o tema para fora (o Brasil atual) ou para o
passado (a Argentina antiga). A presença viva da herança africana não se apresentava como
uma questão interna, mas como marca de um Outro contrastivo e, assim, constituidor do
Mesmo: um Brasil “africano” ainda alguns passos atrás da Argentina na marcha da
civilização. Mas esta não é a única representação sobre o Brasil que surge na imprensa
argentina em função dos Oito Batutas: várias crônicas ressaltam também a presença do
elemento português, seja na chave de uma “fábula das duas raças” (onde brasileiros =
portugueses + africanos) seja também na eventual ausência de uma necessidade imperiosa
de identificar qual a exata diferença entre um português e um brasileiro.
De todo modo, e recupero aqui um ponto que me aparece de interesse central, a bi-
orquestralidade dos Oito Batutas, que desponta aos poucos na Argentina em contextos
31
Como busquei indicar no Capítulo1, o público dos Oito Batutas na Argentina teria sido variado: “famílias”
em locais como o Empire em Buenos Aires (inclusive com uma função “especial para crianças”) e diversos
dos teatros por onde passaram no interior; um público predominantemente masculino em locais como o
Maipo e o Cosmopolita em Buenos Aires; classes sociais mais altas como no caso do baile no Coliseo em
Buenos Aires.
178
diferentes, parece estar incorporada ao espetáculo no fim da turnê, quando os jornais de
Chivilcoy anunciam duplo repertório, dupla instrumentação e dupla indumentária. Tudo
indica que estava aí o embrião da Bi-Orquestra Os Batutas
32
que seria fundada meses
depois no Rio de Janeiro, depois da temporária separação do grupo em Cotubas e Batutas.
Sobre a separação, e sua origem em terras argentinas, ete trabalho traz poucos acréscimos
conclusivos além do que se pôde esclarecer sobre as “reais” circunstâncias do enterro de
Josué de Barros em Rio Cuarto, no meio da temporada: um membro deixado para trás como
fiador de dívidas contraídas pelo grupo. Os anúncios de Chivilcoy indicam que a esta altura
o grupo já estaria sem alguns de seus membros, provavelmente aqueles que, de volta ao
Rio, rapidamente tomariam as providências para organizar, constituir e apresentar ao
público a nova orquestra, batizada então de Os Oito Cotubas e explicitamente caracterizada
como jazz band
33
. Como também vimos, os remanescentes dos Oito Batutas, de volta ao
Rio, também se organizam na forma jazz-band. Quando as orquestras se re-aglutinam, o
“Bi” é adicionado ao nome, indicando a possibilidade de transformação. A possibilidade de
transformação, ou o trânsito entre repertórios seguirá marcando a prática da orquestra pelos
anos seguintes, mesmo depois que o “Bi” tenha saído do nome.
Com isto, gostaria de retomar por um instante a reconstrução da passagem dos Oito
Batutas por Santa Catarina e Paraná em 1927 feita no Capítulo 2. Do ponto de vista do
agenciamento, esta surge como uma temporada muito menos permeada de contratempos e
“desinteligências” do que a da Argentina. A atuação do empresário Victor Busch parece ter
sido eficiente e bem coordenada, e não há indícios de atritos entre o empresário e os
artistas. Integrados a uma troupe de variedades, os Oito Batutas excursionam pelo Sul
32
Cabral (op. cit.: 113-117).
33
Cf. o Interlúdio.
179
recolhendo muitas críticas elogiosas e sendo muito requisitados para animar bailes e cafés
além das atuações no espetáculo Varieté-Tournée
34
. São jazz-band, ou típica brasileira, ou
os dois. Podem encantar pela opulência do Brasil que fazem soar ou pelo nervosismo que
seus fox-trots imprimem nos pés dos dançarinos: um ou outro são função da relação entre
músicos e público. E aqueles que opinaram sobre os Oito Batutas em Santa Catarina e no
Paraná, invariavelmente de maneira favorável, não deixaram transparecer preocupações
purificadoras com relação à “música brasileira” e o “jazz”.
***
Deixamos, no trecho aqui percorrido, os Oito Batutas em fins de setembro de 1927
no sul do Brasil. A imagem que fica é a de um grupo de músicos extremamente competente
e capaz de transitar com desenvoltura num universo musical variado e cosmopolita.
Daquilo que podemos perceber das impressões que ficaram nos jornais, diríamos que os
mundos da tipicidade brasileira e da música concebida como moderna não eram ainda
necessariamente mutuamente excludentes.
Apresentando-se esporadicamente em fins da década de 1920, os Oito Batutas
fazem suas últimas aparições em 1931
35
. Numa bela análise da trajetória de Pixinguinha,
Bessa (2005) aponta para o que caracteriza como o fracasso do modo de inserção moderno
e cosmopolita ensaiado naquelas décadas pelos Oito Batutas e pela atuação de músicos
como Pixinguinha no mundo do teatro de revistas. A análise de Bessa relaciona tal fracasso
a um processo de museificação precoce de Pixinguinha cuja figura, consolidada como ícone
da música popular brasileira nas décadas seguintes, fica, de maneira aparentemente
paradoxal, imobilizada sob o peso da tradição que passa a carregar. Tudo isto parece ter a
34
O público desta turnê teria sido formado sobretudo por famílias de classe média e alta.
35
Martins (2009).
180
ver com a incompatibilização entre o que deveria ser a tradição da música popular brasileira
e o que poderia ser encarado, na música popular, como moderno. Conforme aponta Bessa, o
caso de Pixinguinha é paradigmático a este respeito, pois desemboca, em plena fase criativa
do compositor e arranjador, numa restrição do mercado musical ao que, vindo do
depositário da tradição, soasse demasiadamente “moderno”.
O ocaso dos Oito Batutas, com uma musicalidade de caráter aberto e cosmopolita
que a escrita da tradição tem eclipsado, coincide com o início do período de consumação,
no Brasil, do samba como gênero musical nacional
36
. Este processo não se dá sem disputas
no próprio universo nativo sobre o quê exatamente seria o samba: como mostra Sandroni
(2001), aquele que se fixa como o gênero nacional tem importantes transformações
musicais e simbólicas com relação ao samba “amaxixado” praticado até então, inclusive
pelos Oito Batutas e que passa a ser, com relação ao samba moderno, o “passado”. Seja
como for, esta “vitória” do samba como música negra e nacional trazia implícita, como
derrota – retomando aqui o argumento de Bessa –, a inadequação do trânsito dos mais
nobres representantes da tradição pelo terreno do moderno. Temos, com isso, a
cristalização de um horizonte de sentido que estará plenamente operante décadas depois
quando a bossa-nova, por exemplo, encontrará muitas dificuldades para ser pensada como
brasileira e compatível com o jazz.
36
Cf. Vianna (op. cit.).
181
CAPÍTULO 4
ANTROPOLOGIA: EM ARQUIVOS, E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA
T
ROBRIANDS DE PAPEL
A partir de discussões como as publicadas em um número da revista Estudos
Históricos dedicado exclusivamente a tratar da relação entre antropologia e arquivos
1
,
percebe-se a divisão do problema em pelo menos duas dimensões fundamentais, que são
também duas maneiras possíveis de se ler o título do volume - “Quando o campo é o
arquivo”. A primeira destas dimensões situa-se num horizonte sobretudo epistemológico e
pode ser sintetizada, creio, na indagação sobre qual o estatuto dos arquivos como fontes de
dados para o trabalho antropológico ou, ainda, quais as implicações de se tomar fontes
arquivísticas como discursos nativos. Este ponto assume um relevo especial e
potencialmente controverso dado o caráter fundante do trabalho de campo malinowskiano
para a disciplina
2
e aponta diretamente para o tema das relações entre antropologia e
história. A segunda dimensão tem um caráter mais imediatamente político – sem
desconsiderar sua face epistemológica, da mesma forma que não se pode esquecer o lado
político da primeira dimensão – e fica mais explícita com uma pequena inversão nos termos
da sentença, que então ficaria assim: “quando o arquivo é um campo”. Tendo-se em mente
o caráter concorrencial do campo, no sentido de Bourdieu
3
, descortina-se aí o tema da
apropriação e da agência dos próprios “nativos” sobre os arquivos e tudo o mais que os
“antropólogos” têm feito com os seus ditos
4
. Nenhuma das duas dimensões é um tema novo
1
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 36, julho-dezembro de 2005.
2
Cf. Castro e Cunha (2005).
3
Cf. Ortiz (1983).
4
Sobre o tema, conforme Clifford (1997), sobretudo o capítulo 7.
182
na antropologia. A segunda parece ter se tornado mais sensível com a chamada crise “pós-
moderna”, especialmente nos anos 1980, e desembocou tanto em contribuições críticas
fundamentais quanto em posturas paralizantes e, no limite, negadoras da possibilidade
mesma de qualquer antropologia, eventualmente tributárias da dificuldade de ultrapassar
uma concepção reificada da distinção entre “nativo” e “antropólogo”, o discurso do
segundo sendo então dissolvido diante da irrupção crítica, concorrencial, do primeiro.
Desenvolvimentos teóricos mais produtivos têm focalizado a possibilidade mesma da
construção do conhecimento antropológico como função da irredutibilidade entre pontos de
vista distintos, “nativo” e “antropólogo” sendo tomados como termos de uma relação que
os constitui
5
. Não será o caso aqui de desenvolver este ponto, mas apenas de retomar,
partindo dele, o primeiro horizonte delineado mais acima – “quando o campo é o arquivo”.
Parece-me que o caráter potencialmente controverso desta questão – relacionado ao
aparente absurdo do que seria uma antropologia “sem nativos” ou, como se coloca mais
freqüentemente “sem campo” – surge, em grande parte, como um falso problema, na
medida em que se possa efetivamente compreender a antropologia sobretudo como uma
postura epistemológica, mais do que sua naturalização como o encontro com o exótico “em
carne e osso”. Se é inegável a centralidade do trabalho de campo “clássico” na constituição
da antropologia, sendo fundamental o tipo de postura que se construiu através dele na
história da disciplina, reduzir esta àquele é um estreitamento de horizontes injustificável
6
.
Se com isto insisto num ponto que já tem sido bastante repisado, é apenas porque me
5
Cf. Viveiros de Castro (2002).
6
Tenho aqui em mente sobretudo a distinção feita por Lévi-Strauss (2008 [1949]: 14) entre etnografia e
etnologia. A primeira indica justamente o trabalho de campo como atividade de observação e análise; a
segunda, designando precisamente o que se chama de antropologia na academia brasileira, aponta para o
horizonte de reflexão mais amplo da disciplina, constituído pela elaboração teórica num quadro comparativo.
Adiante me deterei por um momento no tema da relação entre antropologia e história a partir de Lévi-Strauss,
mas o ponto é, desde já, que o passado não precisa estar excluído do quadro comparativo.
183
parece ainda valer a pena remarcar que a colocação “Mas o pesquisador ‘x’ não fez campo
pode ser perfeitamente pertinente como denúncia de uma eventual inadequação entre
objetivos e métodos, mas dificilmente pode ter consistência enquanto critério de negação
tout court da “validade antropológica” de uma pesquisa. Se os nativos que habitam as
“aldeias-arquivos” são informantes dos quais se pode dizer que “bons ou maus (...) são
completamente avessos às nossas súplicas, e nem nossos ‘belos olhos’, nem nossas
‘miçangas’ têm o poder de seduzi-los”, se “rebeldes, eles não se prestam a fazer nada além
do que já fizeram, e da maneira como lhes foi possível fazer”
7
, resta a possibilidade de
tentar fazer-lhes as perguntas certas.
Então, tendo sido o campo deste trabalho baseado em viagens a Trobriands
8
de
papel, é necessária alguma consideração sobre a natureza de sua topografia, antes de voltar
ao tema da relação entre antropologia e história.
Uma página de jornal não é um campo inerte que serviria simplesmente como
suporte de um conteúdo a ser comunicado. Neste sentido, Braga (2002: 327), inspirando-se
em reflexões de Maurice Mouillaud, destaca que, numa perspectiva topográfica, desenha-se
na superfície do jornal um campo de forças, dado que “as regiões da página não são apenas
justapostas, mas podem ser apreendidas por relações polêmicas
9
. Nas reflexões do próprio
Mouillaud sobre este tema, tomam relevo dois pontos principais. Por um lado, a disposição
gráfica do jornal – o que ele chama seu “dispositivo” (Mouillaud, 2002)
10
– não é
7
Carrara apud Becker (2008: 18).
8
A referência aqui são as ilhas Trobriand, palco do trabalho de campo a partir do qual Malinowski (1964
[1922]) escreveu seu clássico Argonautas do Pacífico Ocidental.
9
Mouillaud apud Braga (op. cit.), grifo no original.
10
Na verdade, a noção de dispositivo usada por Mouillaud parece ser mais ampla. O dispositivo da língua
escrita, por exemplo, inclui o fato de ela poder ser realizada através de um teclado ou pela mão deslizando
sobre o papel. “Descrevemos os dispositivos como sendo matrizes (muito mais do que suportes) em que se
vinham inscrever os textos. Neste sentido, o dispositivo (livro, jornal, canção, disco, filme, etc...) existe antes
do texto, ele o precede, comanda sua duração (a duração de uma canção ou de um filme é um a priori de sua
184
indiferente ao seu conteúdo – o sentido – e vice-versa. O modo jornalístico de
enquadramento dos fatos, com seu dispositivo impresso, tem uma importância fundamental
no processo mesmo de construção da realidade social, destacadamente nas primeiras
décadas do século XX
11
. Neste sentido, afirma Mouillaud:
“O jornal pertence à rede de informações que começou a tecer-se em
torno de nosso globo no século passado e que o envolve em um fluxo
imaterial que está em perpétua modificação (Le trafic des nouvelles,
segundo Palmer e Boy-Barret). Uma rede que não impõe ao mundo
apenas uma interpretação hegemônica dos acontecimentos, mas a própria
forma do acontecimento” (Mouillaud, 2002: 32).
Para este autor, a “colocação em fatos” é uma forma de hegemonia mais invisível e
mais radical do que a própria interpretação dos fatos. Há, na produção da informação, um
caráter imperativo: neste sentido, o que é visto não é apenas o que pode, mas o que deve sê-
lo. Por outro lado, e de forma relacionada a este primeiro ponto, no mesmo movimento de
criação da notícia existe a criação de uma região de sombra, definida por um “não poder
ver ou saber”, ou um “dever não ver ou saber”, de modo que “parece-nos que toda e
qualquer informação engendra o desconhecido, no mesmo movimento pelo qual informa”
(Mouillaud, 2002a: 39).
Com estas referências em mente, penso que se poderia considerar a existência de
uma homologia entre o modo de enquadramento dos textos e anúncios sobre os Oito
produção) e a extensão (um romance se inscreve entre um número mínimo e máximo de páginas que,
evidentemente, variaram ao longo da história)” (Mouillaud, op. cit.: 33). A direção oposta também é
verdadeira, como nota o autor: “Em outro sentido, o texto precede o dispositivo”. Enfim, sintetizando: “Se o
texto e o dispositivo são, por sua vez, o gerador um do outro, sua relação é uma relação dinâmica” (: 34).
Mouillaud não cita, nos textos consultados, o filósofo francês, mas o sentido que dá à noção de dispositivo
parece-me compatível com aquela que o termo assume na obra de Foucault, onde se refere “al conjunto de
todas aquellas instancias extra-discursivas que emergen a partir de um cierto régimen de concomitancia y
proximidad con el discurso que las condiciona y de las cuales depende su funcionamento” (Albano, 2007: 83).
Sobre o significado da noção de dispositivo em Foucault, conforme também Deleuze (1990) (tradução de
Wanderson Flor do Nascimento, consultada em
http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/art14.html
(02/10/2009).
11
Um papel que, nas últimas décadas, vem sendo cada vez mais ocupado pelo rádio, a televisão e a internet.
185
Batutas nos jornais e o modo de inserção do próprio grupo no dispositivo das cidades.
Assim, se jamais saberemos pelos jornais, por exemplo, em que lugares os músicos se
hospedaram, quanto ganharam e o que faziam numa cidade como Buenos Aires enquanto
não estavam tocando – estas e outras perguntas que se possam acrescentar definem uma
“região de sombra” dada pela natureza das fontes – podemos – como o fizemos nos
capítulos precedentes – ter uma idéia da importância relativa que assumiram nos diferentes
contextos artísticos (na parte destes contextos que figura nos dispositivos jornalísticos, é
claro), conhecer algumas das categorias em termos das quais foram “interpretados”
naqueles diferentes contextos (o que, muitas vezes, nos deu mais notícia de certas
representações sobre coisas como o Brasil do que exatamente dos Batutas), saber que
trabalharam em locais de peso diferente no “mapa moral” (mencione-se o contraste entre o
teatro Empire, na região central, e o Cosmopolita, na região do porto)
12
de Buenos Aires e
conhecer algumas de suas estratégias de atuação artística. Assim – para arriscar uma
imagem que talvez não seja de todo infeliz –, como se o jornal fosse uma partitura da
cidade – precária, como toda partitura –, da qual podemos nos servir na ausência de uma
“gravação original”, nunca saberemos, por exemplo, como era o timbre, mas podemos ter
uma idéia das melodias e das vozes que ali se cruzavam. A importância do mundo do
espetáculo em Buenos Aires tem um correlato nas duas páginas inteiras que o tema ocupava
em alguns dos periódicos mais importantes. Neste espaço, os Oito Batutas nem passaram
desapercebidos e nem causaram um furor extraordinário. Ocuparam, sem extrapolá-lo, o
lugar de uma atração de variedades que comprovadamente agradou boa parte do público,
tendo gerado também reações negativas aqui e ali, como acontecia com centenas de outras
12
Cf. Capítulo 1.
186
atrações de vários lugares do mundo naquele mesmo espaço
13
. O relevo que tomaram no
espaço jornalístico do sul do Brasil em 1927
14
foi consideravelmente maior, o que se
compreende diante do fato de serem estes cenários artísticos e urbanos muito menores e
menos abastecidos de “novidades”. De novo com relação à Argentina, vale lembrar o fato,
discutido no Capítulo 1, de que os Oito Batutas em momento algum ocuparam uma
primeira página, como o fez Josué de Barros em Chivilcoy, sendo neste sentido que não
extrapolaram o lugar que lhes cabia como uma atração de variedades. Como temos visto,
em várias referências aos Oito Batutas se fez menção aos termos jazz ou jazz-band,
enquadrando-os num horizonte de sentido que, apesar de sempre associado à música,
freqüentemente extrapolava as seções “exclusivamente” musicais para ingressar – como
metáfora? – em considerações mais gerais sobre temas como a política ou as condições da
vida contemporânea, freqüentemente com um caráter humorístico. Eram freqüentes as
charges envolvendo o jazz
15
. Por certo, isso acontece, naquele momento, em boa parte do
“mundo ocidental” – o jazz é um dos assuntos do dia
16
.
A
NTROPOLOGIA E HISTÓRIA
O tema da relação com a história é um ponto sensível na antropologia desde seus
inícios. Se fizermos o sempre fecundo exercício de voltar aos clássicos, veremos que ele
13
Neste sentido, é interessante pensar no efeito do deslocamento de fragmentos de seu dispositivo original e
inserção em outro. Um pequeno anúncio da presença dos Oito Batutas em determinado teatro, entre dezenas
de outros de mesmo tamanho na página de um jornal dedicada a divulgar a programação do dia na cidade, ao
aparecer isolado e significativamente ampliado na página de um livro pode tornar-se uma “evidência” um
tanto quanto inexata da dimensão de seu sucesso. É o caso do (originalmente pequeno) anúncio publicado por
Cabral (2007: 109).
14
Cf. Capítulo 2.
15
Por exemplo, uma charge com a qual topei mais de uma vez representava um grupo de políticos conhecidos
reunidos numa jazz-band como instrumentistas. A associação era claramente entre o aspecto “caótico” da
música e seu correspondente na política.
16
Nos jornais parisienses da época da passagem dos Batutas por lá, acontecia algo parecido, mas geralmente
as charges e textos tendendo mais para acusações explícitas (muitas, racistas) do que para mero joking
(Menezes Bastos, comunicação pessoal).
187
tem uma pertinência ampla na antropologia de, para ficar apenas com algumas das
referências mais centrais, Frazer, Mauss ou Boas. Guardadas as grandes e importantes
diferenças entre Frazer e Mauss, creio que podemos localizar como uma espécie de pano de
fundo comum uma concepção não-dicotômica da relação entre fatos “do passado”
(“históricos”) e “do presente” (“etnográficos”). Em Frazer
17
- a personificação do
pensamento evolucionista na antropologia - esta postura não dicotômica é garantida por
uma concepção naturalizada e teleológica da história como uma linha evolutiva dotada de
uma necessidade e um sentido próprio. O grande “dado” de Frazer é esta história ela
mesma, a antropologia sendo uma arrumação das sociedades humanas dentro de uma única
e grande diacronia que se projeta sobre o espaço. Já em Mauss
18
– sempre banhado pelas
águas evolucionistas das quais poucos escaparam, em certa parte do mundo, entre fins do
século XIX e inícios do século XX
19
, mas apontando já decisivamente para uma superação
do primado da história teleológica e conjectural do evolucionismo – o “dado” é antes de
tudo o nativo, o “melanésio desta ou daquela ilha”. Este nativo pode ser acessado de
diferentes formas, estando na mesma panela analítica os dados históricos e etnográficos.
Esta antropologia percorre as mais diversas províncias etnográficas e históricas na busca de
princípios sociológicos gerais – o da reciprocidade – ou categorias (universais) do espírito
humano – a noção de pessoa. Agora já se vislumbra muito mais o corte sincrônico que
constituirá a crítica, quase já totalmente fatal por volta da Segunda Guerra, à antropologia
evolucionista, e que se manifesta inauguralmente, sempre guardadas as devidas distâncias,
17
Conforme seu clássico The Golden Bough, publicado em doze volumes entre 1890 e 1935. Em português há
apenas uma edição bastante resumida (Frazer, 1982).
18
Conforme os textos reunidos em Mauss (2003), numa compilação original de 1950 que contém textos
aparecidos entre 1904 e 1938.
19
Cf. Lewontin apud Goldman (1999: 227).
188
em Malinowski
20
(o trabalho de campo intensivo como constituidor do conhecimento
antropológico) ou Radcliffe-Brown
21
(a antropologia como a explicitação, em corte
sincrônico, dos mecanismos de funcionamento da sociedade, dados os papéis de cada uma
de suas partes). Voltando a Frazer e Mauss, notamos que se para o primeiro o ponto de
chegada da antropologia era a arrumação das sociedades de acordo com seu grau evolutivo
respectivo dentro de uma história teleológica, para o segundo – e aqui é determinante a
colaboração entre Mauss e Durkheim
22
– é muito mais a evidenciação de categorias do
pensamento, consideradas suas dobras coletivas e individuais. Talvez se possa dizer que
estas duas tendências analíticas encontram um primeiro esboço, ou a primeira intenção, de
síntese na obra de Boas
23
quem, crítico ferrenho do evolucionismo como princípio
explicativo geral, apontava para a necessidade da conjugação do mapeamento de
desenvolvimentos históricos particulares com a explicitação de processos psicológicos
gerais para a compreensão da cultura.
Estes desenvolvimentos são mapeados por Claude Lévi-Strauss num texto não por
acaso intitulado História e Etnologia, original de 1949 e inserido como introdução no
primeiro volume de seu Antropologia Estrutural
24
. Nos movimentos iniciais da reflexão, o
autor coloca o problema da seguinte forma:
20
Cf. Malinowski (1964 [1922]).
21
Cf. Radcliffe-Brown (1973 [1952]).
22
Cf. Durkheim e Mauss (1984 [1901]).
23
Conforme os textos reunidos em Boas (2004), publicados originalmente entre 1896 e 1932.
24
Lévi-Strauss (2008 [1949]). A data de publicação original de Antropologia Estrutural é 1958. Num volume
da Revista de Antropologia especialmente dedicado à obra de Lévi-Strauss, o tema de sua relação com a
história é abordado por Schwarcz (1999) e Goldman (1999). Schwarcz baseia seu estudo no mesmo texto de
Lévi-Strauss aqui em referência e outro, bem posterior e com o mesmo título de História e Etnologia, que
resultou de uma conferência do antropólogo francês em 1983. Em linhas gerais, a ênfase da autora recai no
modo pelo qual Lévi-Strauss tomaria a história como universo contrastivo para legitimar a sua própria
abordagem antropológica. Sem subscrever o estereótipo de um Lévi-Strauss anti-historicista, Schwarcz não
deixa de remarcar o lugar “residual” que a história ocupa em seu modelo. A autora indica brevemente
possibilidades de integraçãoteórica entre estrutura e história nas reflexões do antropólogo Marshall Sahlins e
do historiador Carlo Ginzurg. Já o texto de Goldman se caracteriza mais como “uma crítica às leituras
189
“o problema das relações entre as ciências etnológicas e a história, que é
ao mesmo tempo, seu drama interior revelado, pode ser assim formulado:
ou nossas ciências se vinculam à dimensão diacrônica dos fenômenos, isto
é, à sua ordem no tempo, e se tornam incapazes de fazer-lhes a história, ou
buscam trabalhar como os historiadores, e a dimensão temporal se lhes
escapa. Pretender reconstituir um passado cuja história não temos meios
de atingir ou querer fazer a história de um presente sem passado, drama da
etnologia num caso, da etnografia no outro. De todo modo, esse é o
dilema no qual seu desenvolvimento, ao longo dos últimos cinqüenta
anos, pareceu ter freqüentemente encurralado uma e outra” (Lévi-Strauss,
2008: 15).
Antes de mais nada, é interessante notar a aguda consciência de Lévi-Strauss para o
fato de que o dilema entre etnologia e história é o mesmo que se rebate no interior da
primeira. De acordo com minha interpretação do texto, o primeiro lado do dilema seria
característico do evolucionismo e do difusionismo enquanto primeiras tentativas de
“totalização” etnológica
25
, sendo importante lembrarmos aqui que o texto ao qual nos
referimos data originalmente de 1949 e lança sua mirada sobre a antropologia “dos últimos
cinqüenta anos”, ou seja, vale como um balanço profundo do primeiro meio século,
aproximadamente, de existência da disciplina enquanto tal. Se tanto o evolucionismo
quanto o difusionismo ao “vincularem-se à dimensão diacrônica dos fenômenos” acabam
por produzir o que seria uma “pseudo-história”, por conjectural e ideológica, a tentativa de
trabalhar efetivamente “como os historiadores” e o impasse no qual ela desemboca quando
feita a partir de materiais etnográficos é materializada na obra de Boas, justamente pelo
rigor crítico com o qual tenta empreendê-la. A história que Boas logra atingir, na avaliação
lévisstraussiana, é aquela do instante fugidio, uma micro-história, tendo-se em mente que
reducionistas de sua [a de Lévi-Strauss] obra” que, de fato, são bastante comuns. Goldman indica que a
reificação de pares conceituais como sociedades frias e quentes em termos de “sem história” e “com história”
provém muito menos de formulações do próprio Lévi-Strauss do que das próprias críticas dirigidas a sua obra.
O ponto central do artigo está em mostrar como a crítica lévistraussiana à “história dos historiadores” abre
uma interessante perspectiva para que se considere uma historicidade múltipla correlata da diversidade
cultural.
25
Sobre a diferença entre etnologia e etnografia em Lévi-Strauss, conforme acima, nota 6.
190
“O conhecimento dos fatos sociais só pode resultar de uma indução, a
partir do conhecimento individual e concreto de grupos sociais localizados
no espaço e no tempo. Indução que, por sua vez, só pode resultar da
história de cada grupo. E o objeto dos estudos etnográficos é tal que essa
história permanece inatingível na imensa maioria dos casos” (Lévi-
Strauss, op. cit.: 21).
Se os evolucionistas, ao voltarem-se sobre a diacronia, perdem de vista a história – a
não ser aquela conjectural que inventam ao fazer de toda a diversidade sócio-cultural um
longo e árduo caminho para chegar a eles mesmos – e se Boas, ao voltar-se para a história
não consegue ir além do instante fugidio nas sociedades com as quais trabalha, com
Malinowski a etnologia “definitivamente desiste” da história em favor de uma explicação
funcional absolutamente sincrônica. Mas, tomando como exemplo o caso das chamadas
sociedades dualistas e indicando o papel fundamental dos fatos históricos na sua
estruturação, Lévi-Strauss insiste em que “a etnologia não pode, portanto, permanecer
indiferente aos processos históricos e às expressões mais conscientes dos fenômenos
sociais”
26
. A relação entre consciente e inconsciente é, enfim, a chave na qual Lévi-Strauss
lerá, aqui, a relação entre a antropologia e história, concebidas como abordagens
complementares:
“Os etnólogos caminham para a frente, buscando, através de um
consciente que nunca deixam de considerar, chegar cada vez mais perto
do inconsciente a que se dirigem. Os historiadores, por sua vez, avançam,
por assim dizer, em marcha a ré, mantendo o olhar fixo nas atividades
concretas e particulares, das quais só se afastam para encará-las sob um
ângulo mais rico e mais complexo. Verdadeiro Janus de duas faces, de
qualquer modo é a solidariedade entre as duas disciplinas que permite
manter a visão da totalidade do percurso” (Lévi-Strauss, op. cit.: 39).
É importante marcar que a diferença entre as disciplinas, nesta leitura
lévistraussiana, é sempre de orientação, e não de objeto.
26
Lévi-Strauss (op. cit.: 37).
191
Num outro texto fundamental, compilado no mesmo volume, Lévi-Strauss
27
marca
de maneira mais incisiva a sua própria concepção de estrutura social, com profundas
implicações na orientação da antropologia que se desenvolve a partir daí. Não sendo aqui o
objetivo fazer um exame minucioso da história dos matizes tomados pela noção de história
no pensamento de Lévi-Strauss, creio ser suficiente notar a maneira pela qual a sua
concepção de estrutura incide no problema, pois, nas palavras do próprio autor, “é preciso
captar essa noção de estrutura antes de tudo, se não quisermos ser tragados por um
fastidioso inventário de todos os livros e artigos relativos a relações sociais, cuja lista
excederia os limites deste capítulo”
28
. A estrutura, segundo a definição modelar dada no
texto ora em tela, aplica-se a modelos mentais de explicação dos fatos sociais que a)
apresentem caráter de sistema, b) pertençam a grupos de transformações, c) sejam de forma
que qualquer alteração em um de seus elementos permita prever o modo como reagirá o
modelo e, d) cujo funcionamento possa dar conta de todos os fatos observados
29
. Dir-se-ia
que está aí, numa pílula, a origem da imagem de Lévi-Strauss como anti-historiador,
eventualmente construída e aceita de maneira mais ou menos ligeira. Ao contemplar ilhas
de estrutura, indicando sua compreensibilidade, o antropólogo francês atraiu para si a
denúncia de que, em sua perspectiva, não existiria nada de visível, no horizonte do real,
além destas ilhas, flutuando sempre iguais a si mesmas num mar de caos. Se o projeto da
antropologia estrutural ficava definido e marcado em A Noção de Estrutura em Etnologia,
neste mesmo texto história e antropologia são diferenciadas nos seguintes termos: a
primeira produz modelos estatísticos, trabalhando com um tempo cumulativo, estatístico e
27
Lévi-Strauss (2008a [1953]).
28
Lévi-Strauss (op. cit.: 301).
29
Idem.
192
não-reversível. A segunda, produzindo modelos mecânicos, trabalha com um tempo
mecânico, não-cumulativo e reversível.
De maneira geral, então, pode-se dizer que o termo história tem em Lévi-Strauss,
uma dupla acepção. De um lado, ela é entendida como um recorte epistemológico, uma
disciplina acadêmica preocupada com a sistematização e estudo dos fatos no tempo – a
historiografia. De outro lado, a compreensão lévistraussiana sobre o que seja a história
como realidade ontológica é categórica: nada além do puro devir, privado de qualquer
causalidade interna definível a priori – numa palavra, o domínio da contingência
30
, sobre o
qual diferentes culturas elaboram historicidades múltiplas. A argumentação sobre este
segundo ponto está concentrada no livro O Pensamento Selvagem
31
, sobretudo em seu
capítulo final, História e Dialética, numa discussão com o argumento sartreano do primado
da razão dialética. Ali, baseado no pressuposto da necessidade de quantificação dos fatos,
com o estabelecimento da descontinuidade e do contraste como medidas da possibilidade
do próprio pensamento, Lévi-Strauss argumenta que qualquer tentativa de se abordar a
história como um desenrolar contínuo dotado de um sentido imanente é um
empreendimento “condenado a uma regressão ao infinito”, uma vez que o fato histórico não
corresponde em si a uma realidade objetiva, constituindo-se apenas a partir do recorte do
historiador. Como um fato não tem sentido a menos que possa ser comparado com outros, o
código do historiador se constitui como um conjunto de classes de fatos, ou datas. Assim, a
30
Idéias como mudança, desorganização, abertura e, no limite, caos – no sentido de um aumento inexorável
da entropia, como coloca Almeida (1999) – , correspondem à concepção lévistraussiana da história como o
domínio da contingência e da indeterminação. Aliás, retomando brevemente a distinção mencionada acima
entre sociedades frias e quentes, remarque-se que ela não busca realizar uma separação ontológica entre
sociedades com história e sociedades sem história, mas é de ordem lógica e visa apenas a constituição
analítica de dois pólos ideais (sem que haja qualquer sociedade situada exclusivamente em um deles) que
apontam para a valorização (“êmica”, note-se) da mudança e da abertura (pólo quente) ou da permanência e
imutabilidade fundadas num passado arquetípico (pólo frio).
31
Lévi-Strauss (2002 [1962]).
193
historiografia seria, ela mesma, um sistema de classificação. A sensação de continuidade
nos relatos históricos é construída na narrativa, a partir dos critérios escolhidos por cada
historiador em particular para ordenar, em seqüência, os fatos. Note-se que esta postura é
coerente, pelo menos em parte, com aquela apresentada pelo autor anos antes em História e
Etnologia. De qualquer forma, o que é importante enfatizar a respeito da posição
lévistraussiana é que não há realidades ontologicamente distintas a que correspondam a
história, por um lado, e a antropologia, por outro. A antropologia, partindo sempre dos
fatos, busca delimitar padrões implícitos de organização dentro desta diversidade –
domínios estruturados, cuja determinação a priori, antes de sua atualização é impossível
32
–, enquanto que a história busca organizá-los em termos de seus sentidos explícitos para
alguém. Deste modo, o objeto da antropologia lévistraussiana são justamente as ilhas de
estrutura encontráveis no mar caótico da história. A mudança estrutural permanece ali
como um tema residual.
Num argumento que tem desenvolvido aproximadamente ao longo dos últimos 30
anos
33
, Marshall Sahlins propõe o que chama de uma antropologia estrutural histórica
34
,
que aponta para uma perspectiva de integração teórica entre estrutura e história . Note-se
que a noção de estrutura focalizada por Sahlins é relacionada sobretudo ao modelo
32
Uma concepção abrangente dentro do estruturalismo de Lévi-Strauss é a de que o mundo dos fenômenos é
feito de atualizações possíveis de uma virtualidade. As estruturas localizam-se neste plano virtual, e só podem
ser alcançadas a posteriori, partindo-se das diferenças sistemáticas, etnograficamente encontráveis, entre suas
diferentes atualizações. Conforme o Posfácio ao Cap. XV: “Estamos por demais conscientes da
impossibilidade de saber de antemão onde, e em que nível de observação, terá começo a análise estrutural.”
(Lévi-Strauss, 2008b [1956]). E, no Pensamento Selvagem: “A verdade é que o princípio de uma
classificação nunca se postula, somente a pesquisa etnográfica, ou seja, a experiência, pode apreendê-lo a
posteriori.” (Lévi-Strauss, 2002 [1962]:75).
33
Cf. Sahlins (1981, 1990[1987], 2006[2004]).
34
Sahlins (1990: 93). Para aplicações desta abordagem ao estudo da música popular brasileira, conforme
Menezes Bastos (2007a), Lacerda (2009).
194
lingüístico de Saussure
35
, que está também na base da antropologia estrutural
lévistraussiana. Trata-se, na origem, de estruturas de significados, portanto; “mapas” de
leitura e compreensão do mundo cuja coerência e possibilidade mesma de operação
baseiam-se no fato de que os elementos destas estruturas só adquirem sentido em suas inter-
relações, daí o caráter sistemático do conjunto. Da diferença saussuriana entre langue (a
estrutura “abstrata”, sincrônica, da língua) e parole (a língua falada e “viva”, manifestando-
se na diacronia) vem, junto com a possibilidade de compreender as estruturas de
significação, a dificuldade de conciliar teoricamente o caráter permanente da estrutura
(langue) e o caráter dinâmico de sua realização (parole). Em Lévi-Strauss, a estrutura pode
ser descrita por operações de abstração a partir dos conjuntos de suas atualizações (é isto
35
Cf. Saussure (2001[1915]). As referências a Saussure estão dispersas ao longo das obras de Sahlins citadas,
mas concentram-se especialmente na primeira formulação mais sistemática do argumento, em Sahlins (1981:
03-08 e 67-72). Saussure (2001) conceitua o signo lingüístico como uma “entidade psíquica de duas faces”
intimamente unidas: o conceito ou significado e a imagem acústica ou significante. O princípio fundamental
da arbitrariedade do signo lingüístico indica o caráter não-determinado da vinculação entre significante e
significado: nada, na “natureza”, determina a relação entre a imagem acústica mesa e o objeto – ou classe de
objetos – a que ela se refere. O Capítulo II de seu Curso de Lingüística Geral trata justamente do problema da
mutabilidade e da imutabilidade do signo e a aparente contradição aí implicada: formada por um conjunto de
signos arbitrários, a língua é, contudo, impossível de ser alterada pela vontade de qualquer um de seus
falantes. Por outro lado, a constante atualização da langue como parole conduz a um permanente
deslocamento da relação entre o significado e o significante”. Assim, “Uma língua é radicalmente incapaz
de se defender dos fatores que deslocam, de minuto a minuto, a relação entre o significado e o significante. É
uma das conseqüências da arbitrariedade do signo” (: 91). Mas, quais são esses fatores? É neste ponto que
Saussure vacila: “As causas da continuidade estão a priori ao alcance do observador; não ocorre o mesmo
com as causas de alteração através do tempo. Melhor renunciar, provisoriamente, a dar conta exata delas, e
limitar-se a falar, em geral, do deslocamento das relações; o tempo altera todas as coisas; não existe razão
para que a língua escape a essa lei universal”. Seguindo a argumentação do lingüista, interessa-me notar a
dualidade fundamental entre sincronia e diacronia que marca, para o autor, tanto a sua disciplina quanto a
economia política, uma vez que em ambas se está diante da noção de valor: “nas duas ciências, trata-se de um
sistema de equivalência entre coisas de ordens diferentes: numa, um trabalho e um salário; noutra, um
significado e um significante” (: 95). Na lingüística, pela natureza mesma dos fenômenos estudados, é
necessária a divisão entre seu aspecto sincrônico (o sistema) e diacrônico (sua mudança no tempo), mas,
sendo inegável a existência de processos pelos quais a língua “evolui”, ao mesmo tempo o lingüista “só pode
penetrar na consciência dos indivíduos que falam [ou seja, descrever o funcionamento do sistema] suprimindo
o passado” (: 97). É necessária, para Saussure, a distinção entre os estados e as sucessões e aqui chegamos,
quem sabe, ao coração da irredutibilidade da dualidade conforme ele a concebe, com tantas implicações para
as ciências humanas e sociais. “A oposição entre os dois pontos de vista – sincrônico e diacrônico – é absoluta
e não admite compromissos”. Ou seja, são dois pontos de vista sobre uma mesma realidade, mas que
permanecem irreconciliáveis na teoria de Saussure, sendo este o ponto que Sahlins busca superar, em termos
da relação entre história e estrutura, sem tirar de Saussure o crédito de ser, como vimos acima, o primeiro a
admitir que a aritrariedade fundamental do sistema lingüístico não exclui seu caráter histórico.
195
que se faz, por exemplo, nas Estruturas Elementares do Parentesco e nas Mitológicas, com
diferentes conjuntos de fenômenos), mas o tema de como a própria atualização não apenas
“reflete”, mas rebate-se dialeticamente sobre a estrutura, modificando-a, tende a
permanecer na sombra. Por certo, Lévi-Strauss não é cego com relação a este ponto, e daí a
recorrente ênfase que coloca na necessidade de uma relação complementar entre
antropologia e história, nos termos que vimos mais acima. Lévi-Strauss, aliás, localiza
agudamente o ponto ao enfatizar que a significação dos termos, que não lhes é intrínseca,
depende de sua posição na estrutura do sistema e, por outro lado, da história e do contexto
cultural em que estão inseridos. Pois é a tentativa de integração das duas faces da moeda
que conduz Sahlins na formulação de sua antropologia estrutural-histórica. Porém, aqui já
não se trata de anunciar um trabalho colaborativo entre domínios mantidos estanques, mas
sim de “fazer explodir o conceito de história pela experiência antropológica da cultura” e, a
partir da experiência histórica, “explodir o conceito antropológico de cultura – incluindo a
estrutura”
36
. Na busca desta explosão mútua, Sahlins propõe algumas noções fundamentais.
Inicialmente, diferencia estruturas prescritivas de estruturas performativas. As primeiras,
dentro da concepção clássica de Radcliffe-Brown, determinam práticas a partir de relações
dadas. As segundas, estabelecem novas relações a partir das práticas. O ponto crucial está
nas desproporções entre as palavras e as coisas, ao “ruído” que existe sempre entre sistemas
conceituais (“cultura”) que se aplicam a um mundo “real” sempre potencialmente refratário
à maneira como é pensado (a contingência). Neste embate, formam-se as estruturas da
conjuntura, conceituadas por Sahlins como “um conjunto de relações históricas que,
enquanto reproduzem as categorias culturais, lhes dão novos valores retirados do contexto
36
Sahlins (1990: 19).
196
pragmático”
37
. Mas, além deste risco objetivo que a estrutura (ou cultura, o que aqui dá no
mesmo) corre ao acontecer no mundo, há também um fator de ordem subjetiva, que diz
respeito ao fato de que o uso dos símbolos pelos sujeitos nunca é “puro significado”, mas
acontece sempre de acordo com interesses específicos
38
. Ou seja, à “dureza do mundo”
somam-se as intenções dos homens na origem da dinâmica cultural.
Sinteticamente, então, o desenvolvimento proposto por Sahlins a este respeito tem
seu núcleo no caráter bidimensional da noção saussuriana de valor do signo lingüístico,
determinado tanto pela relação entre significante e significado quando pela posição do
significante dentro do sistema, ou seja, por suas relações com todos os demais elementos
equivalentes. A idéia do risco sofrido pelas categorias em face de um mundo que nunca é
completamente redutível a elas e da ação humana que nunca é puro significado, aponta para
os processos de “deslizamento” da relação entre significantes e significados (ou, sentido e
referência – a formação de novos sentidos nas estruturas performativas – alterando assim o
próprio conteúdo do signo. Com o conteúdo alterado, o signo necessariamente alterará suas
relações com os demais, implicando em mudança estrutural. Temos, com isto, uma postura
dialética, para além de determinismos materiais ou culturais. Supera-se, sobretudo, a
concepção de permanência e mudança como “contrários lógicos e ontológicos”. O processo
de permanência da cultura é o mesmo de sua mudança, orientado no mesmo sentido.
Com Sahlins, o olhar antropológico retoma a diacronia e, a depender das fontes de
que possa dispor, pode exercer-se com legitimidade na espessura do passado. A própria
37
Sahlins (op. cit.: 160).
38
“All such inflections of meaning depend on the actor’s experience of the sign as interest: its place in an
oriented scheme of means and ends” (Sahlins, 1981: 68).
197
noção de estrutura é mergulhada no tempo
39
e, sem poder determinar a história, organiza-a,
ao mesmo tempo em que é por ela alterada.
Os interesses dos sujeitos, acima apontados como fatores de ressignificação, são
culturalmente determinados, não podendo ser compreendidos, numa perspectiva
antropológica, como enraizados em qualquer utilitarismo universal. Em Cultura e Razão
Prática
40
, publicado originalmente anos antes de Ilhas de História, o autor mostrava o
estatuto cultural da razão prática. Ou seja, ao se falar de universos simbólicos, não se está
apontando para derivações secundárias de determinações práticas (as necessidades)
naturais. A própria concepção do que sejam as necessidades é mediada pela cultura. O
simbólico não reflete, mas constitui o material na mesma medida em que é por ele
constituído. Vimos como este ponto de vista é elaborado em Ilhas de História no sentido
duplo da historicização da estrutura e da “culturalização” da história.
Num trabalho mais recente, Sahlins (2006) leva mais adiante o argumento, fazendo
uma crítica da historiografia “a-cultural”, produtora de esquemas ordenados em função de
um homem imaginado como estando sempre impelido por um tipo de auto-interesse
econômico “universal”. Mostra, assim, a insuficiência de uma história sem antropologia, ou
seja, de uma historiografia que não esteja suficientemente atenta para o papel constitutivo –
e sempre histórico – da cultura. Sem querer aqui refazer o argumento do livro em foco,
gostaria de reter duas de suas idéias que, creio, podem ser úteis para pensar o caso “Oito
Batutas na Argentina”.
A primeira destas idéias é a distinção entre história-tradição e história-dialética. A
primeira se trata, dentro de uma lógica diacrônica, da constituição teleológica do “atual”
39
“Há uma noção mais geral de estrutura, necessariamente temporal, pela qual a contradição é de uma vez
resolvida e restituída à inteligibilidade” (Sahlins, 1990: 17).
40
Sahlins (2003).
198
pela narrativa de um passado auto-centrado. A segunda remete a sistemas de diferenças
onde as unidades (aqui, tipicamente “sociedades”) “em competição [definem-se] como
contraposições uma à outra”
41
. Note-se que não estamos aqui num universo comparativo
“meramente” estrutural, onde a unidade demonstrada no nível da estrutura deixa em plano
subordinado a pesquisa de seus nexos históricos. Neste sentido é que o caminho apontado
aqui é diferente, e muito mais circunscrito, do que aquele seguido por Lévi-Strauss nas
Mitológicas. Lá, a evidenciação da pertinência continental de determinadas estruturas
aponta para a existência de relações históricas que ficam por explorar
42
. No caso de Sahlins,
ao focalizar, por exemplo, universos bem mais restritos como o das relações entre Atenas e
Esparta na Guerra do Peloponeso, as análises estrutural e histórica estão completamente
imbricadas. Pois bem, a concepção de história-dialética é aplicada por Sahlins no estudo
das relações entre sociedades efetivamente em guerra: Atenas e Esparta na Guerra do
Peloponeso e os reinos de Bau e Rewa na Polinésia no séc. XIX. Referindo-se ao primeiro
caso, afirma o autor:
“Assim, cada povo provava que era, ao mesmo tempo, igual ao outro e
melhor que ele; o mesmo que o outro e diferente dele. Deve-se prestar
atenção a tais processos relativamente sincrônicos de oposição
complementar. História-dialética: o passado é mais que apenas um outro
país” (Sahlins, 2006: 16).
41
Sahlins (2006: 15-16).
42
Cf. Lévi-Strauss (2004 [1964]: 27). Aliás, é neste ponto que se aproximam e se afastam o pensamento do
antropólogo francês e do historiador Carlo Ginzburg (2001 [1989]). Ao estudar a profunda uniformidade das
confissões dos acusados de feitiçaria pela inquisição entre os séculos XV e XVII de um extremo a outro da
Europa, Ginsburg situa-se num horizonte análogo ao dos mitos americanos explorado por Lévi-Strauss. É, no
entanto, o próprio historiador que remarca também as diferenças: a primeira “consiste na recusa da função,
circunscrita e marginal, que Lévi-Strauss atribui à historiografia: a de responder, mediante a verificação de
uma série de dados de fato, às questões propostas pela antropologia” (Ginzburg, op. cit.: 35). A segunda
diferença remarcada por Ginzburg, que me parece não obscurecer a postura respeitosa e interesada de um
leitor sério de Lévi-Strauss, aponta para contrastes entre a natureza dos registros de que um e outro dispõem,
os materiais de História Noturna pertencendo “a um âmbito situado entre a profundidade abstrata da estrutura
(privilegiada por Lévi-Strauss) e a concretude superficial do evento” (idem). Sem poder ir aqui além de
apenas mencionar o interesse desta abordagem complementer do tema, pelo lado da história – que me foi
remarcado pelo orientador deste trabalho e é indicado por autores como Schwarcz (1999), de quem sigo a
pista sobre Ginzburg – e que certamente inclui outros autores, como Braudel (1992 [1969]), gostaria de deixar
registrado o interesse pelo tema como possibilidade de desenvolvimentos futuros.
199
Esta idéia de culturas que se relacionam em termos de se conceberem
contrastivamente ao mesmo tempo como sendo melhor e igual, o mesmo e diferente do
outro, caracterizando os processos sincrônicos de oposição complementar descritos por
Sahlins, parece ser uma maneira interessante de pensar as relações “simbólicas” entre
Brasil e Argentina na maneira como elas aqui têm aparecido mediadas pelos Oito Batutas.
Como vimos no Capítulo 1, se a noção de exotismo desponta como categoria recorrente na
compreensão de Brasil explicitada nas opiniões argentinas sobre os Oito Batutas, uma de
suas possíveis derivações era justamente do tipo de oposição complementar, onde a
valoração negativa do outro alavanca a positiva de si mesmo.
Gostaria, finalmente, de reter de Sahlins (2006) a abordagem do problema da
natureza do sujeito histórico, formulado em torno da polarização indivíduo/sociedade. O
quê significaria afirmar que Os Oito Batutas fizeram história na Argentina? Como podemos
pensar, neste caso, o processo de deslizamento de relações entre sentidos e referentes no
encontro entre aqueles músicos e os palcos, os empresários, os públicos, as ruas argentinas?
Sahlins formula o problema de maneira extremamente interessante, aproximando a
ação coletiva da idéia de tendência e a individual da idéia de ruptura, num paralelo com a
diferenciação feita por Thomas Kuhn entre a ‘ciência normal’ e as ‘mudanças de
paradigma’, a primeira sendo descrita como progressiva e cumulativa e as segundas como
momentos de ruptura e transformação
43
. De modo relacionado a esta distinção, Sahlins
elabora outra, onde são contrastados dois tipos de ação: conjuntural, quando o ator é
“circunstancialmente selecionado (...) pelas relações existentes numa conjuntura histórica
43
Sahlins (2006: 123-132).
200
particular” e sistêmica, onde o poder lhe é prescrito pela posição que ocupa numa ordem
institucional duradoura
44
.
Pensemos, agora, nos Oito Batutas. O grupo, na medida em que atua de acordo com
o lugar estrutural que lhe é reservado em cada contexto específico, tem um tipo de ação
sistêmica onde, mais do que a imposição de ressignificações no quadro conceitual que os
recebe, o que parece ter um peso maior é a elaboração de estratégias de metamorfose em
vista do campo de possibilidades
45
que se lhes apresenta, ou seja, tinham de “dançar
conforme a música”, na medida em que eram um item a mais na praça do mercado artístico.
Neste sentido, vendiam a tipicidade brasileira, mas também podiam vestir a casaca do jazz-
band ou mesmo executar os últimos tangos de moda. Isto não implica em afirmar que sua
relação com a música que faziam fosse “leviana” ou “meramente comercial”. A constatação
de que podiam transitar com sucesso entre diferentes repertórios é, antes de tudo, um elogio
à sua excelência musical. A pergunta sobre se eles “gostavam” de tocar fox-trots, se pode
ter alguma relevância, é, aqui, irrespondível. O fato é que tocaram, e muito. O que se pode
afirmar sobre este caráter sistêmico da ação dos Oito Batutas é, enfim, que contribuíram,
dentro e fora do país, para a “densificação” do feixe de significados de um Brasil musical,
negro e exótico, que assumia diferentes matizes de acordo com os diferentes contextos e
interesses de quem se engajava na apreciação e disputa daqueles significados. Um
momento de ação conjuntural parece aflorar no acontecido a Josué de Barros em Río
Cuarto: naquele momento, irrompe nos jornais o ator individual e, sendo sua origem
brasileira citada desde o início, ela não é focalizada em termos do exótico ou do típico ou
44
Idem (:148-152).
45
Cf. Velho (1999).
201
da cor de sua pele, as atenções voltando-se decididamente para o experimento “científico”
do enterramento vivo.
O caráter do lugar estrutural ocupado pelos Oito Batutas na Argentina fica mais
nítido quando comparado a outras situações – equivalentes e diferentes – de passagem de
artistas estrangeiros pelo país ainda na década de 1920, tema que será retomado adiante.
202
CAPÍTULO 5
BRASIL E ARGENTINA
Neste capítulo serão examinados aspectos das relações históricas entre Brasil e
Argentina, bem como de sua inserção no contexto internacional nos planos econômico,
político, social e cultural. O objetivo inicial é o de estabelecer o cenário mais abrangente
dentro do qual se situa o período deste estudo. Assim, partirei de uma revisão da história
comparada dos dois países baseada em Fausto & Devoto (2004), tendo em mira, como
ponto de chegada, considerações sobre as relações musicais
1
entre os dois países e suas
incidências sobre a construção dos imaginários nacionais.
Figura 25 – Crítica, 08/12/1922.
1
Cf. Menezes Bastos (1999, 2007a).
203
A figura acima é reproduzida do jornal Crítica, na época, um dos principais diários
de Buenos Aires
2
, em sua edição do dia 08 de dezembro de 1922. Apresenta quatro quadros
do caricaturista Taborda, então colaborador permanente do periódico. Tratava-se de fatos
da ordem do dia, enunciados por frases curtas e ilustrados com caricaturas. Apesar da
dificuldade para se ler – esta foto foi tomada da tela da máquina leitora de microfilmes – o
ponto de interesse aqui é o quadro do canto esquerdo inferior onde, sob o desenho de dois
macacos num galho, um tocando uma corneta militar e outro empunhando uma espingarda,
lê-se: “El Brasil insinua su supremacía militar”.
Reproduzo de início esta imagem para evocar um certo espanto que experimentei
logo no início da pesquisa nos arquivos argentinos, quando me deparei, nas páginas de
Crítica e de outros jornais, com este aspecto tenso, em chave militar, das representações
sobre o Brasil. A figuração dos brasileiros como macacos é recorrente nas caricaturas de
Taborda da época, não apenas em torno de questões militares
3
. Tenho impressão de que
Crítica era especialmente mordaz e irônico na sua abordagem do tema, mas o que era
eventualmente denominado “El Imperialismo Brasileño” pairava também nas páginas de
outros jornais, como
La Nación, que tinha uma linha editorial “oposta” à de Crítica. Sem
poder aqui aprofundar o tema, trago este aspecto à tona na intenção de marcar um outro
horizonte da imaginação argentina sobre o Brasil, operante nos anos 1920 e que fica
encoberto no material recolhido sobre os Oito Batutas. Neste sentido, convido o leitor a re-
ver, no Capítulo 1, o comentário do mesmo
Crítica, bastante favorável, sobre a estréia dos
músicos brasileiros em Buenos Aires, publicado exatamente naquela mesma edição de 08
de dezembro.
2
Sobre este jornal, cf. o Capítulo 1, nota 10.
3
Ou seja, Taborda costumava figurar quaisquer brasileiros como macacos, não apenas os soldados.
204
De fato, em 1922 este aspecto das relações entre Brasil e Argentina se enquadrava
num processo histórico que remontava a bem antes.
“Así, hacia principios del siglo XX, el Cono Sur fue escenario de un
interesante juego de alianzas, cuyos principales protagonistas en discordia
fueron los cancilleres [Estanislao S.] Zeballos y Río Branco. Dicha
competencia argentino-brasileña contó con dos instrumentos: la búsqueda
de aliados en los países del Cono Sur, que se ubicaron dentro de la órbita
de una u outra potencia subregional
4
, y la carrera armamentista. Estos
instrumentos apuntaron a su vez a dos objetivos: la supremacía
subregional y el aislamiento del contrincante” (Cisneros y Escudé, 1999:
119).
Com efeito, o período de aproximadamente 1908 até as vésperas da Primeira Guerra
Mundial – chamado “la diplomacia de los acorazados” – foi caracterizado, no plano militar,
por uma efetiva corrida armamentista – sobretudo no âmbito naval – entre Brasil e
Argentina. Diante da política externa brasileira conduzida pelo Barão do Rio Branco
5
, o
chanceler argentino
6
estava convencido de que as autoridades do país vizinho preparavam
uma guerra contra o seu. Fator decisivo neste processo foi a compra, pelo Brasil, em 1906,
de três encouraçados do tipo dreadnought, os mais avançados da época. Em 1908, Zeballos
apresentou ao governo argentino um plano que incluía a apresentação de um ultimato a Rio
Branco, instando-o à divisão da esquadra com a Argentina. O plano previa, em caso de
negativa do governo brasileiro, a mobilização da esquadra argentina, de 50.000 reservistas
e, mesmo, a “ocupação do Rio de Janeiro”
7
. A mobilização não se efetivaria, mas há
indícios de que o plano teria encontrado ressonâncias favoráveis em outros segmentos do
governo argentino:
4
Além de Argentina e Brasil, o Chile completava o quadro das três potências regionais da época.
5
José Maria da Silva Paranhos Júnior (Rio de Janeiro, 20/04/1845 – Rio de Janeiro, 10/02/1912). Foi ministro
das relações exteriores do Brasil de 1902 até o ano de sua morte.
6
Estanislao S. Zeballos (Rosario, 27/07/1854 – Liverpool, 04/10/1923). Foi ministro das relações exteriores
da Argentina nos períodos de 1889 a 1892 e 1906 a 1908.
7
Cf. Cisneros y Escudé (1999: 122), que se baseiam numa carta de Zeballos a Roque Sáens Peña, datada de
Buenos Aires, 27 de junho de 1908.
205
“Según Zeballos, el plan fue aprobado por unanimidad por el gabinete,
conviniéndose en que el canciller debía presentar la documentación
secreta y el plan de exposición al Congreso para solicitarle los fondos a
los efectos de la movilización” (Cisneros y Escudé, op. cit.: 122).
Contudo, o caráter secreto daqueles encaminhamentos ganhou divulgação
imediatamente nas páginas do jornal
La Nación
8
, abertamente hostil a Zeballos, gerando
um forte movimento de oposição na opinião pública e determinados setores do governo, ao
qual se juntou uma intervenção diplomática britânica contra Zeballos, encarado como um
“elemento de distúrbio na paz subregional”. Zeballos foi, afinal, afastado da chancelaria
pelo presidente Figueroa Alcorta em junho de 1908. O afastamento teria gerado opiniões
favoráveis no Rio de Janeiro e em Montevideo, enquanto que os governos de Chile,
Paraguai e Bolívia teriam expressado descontentamento e preocupação.
Mesmo com o afastamento de Zeballos, o fim da “diplomacia dos encouraçados”
seria marcado pela morte de Rio Branco em 1912, substituído por Lauro Müller
9
, sob cuja
condução da política externa Brasileira a fase mais aguda da crise estaria superada em
1914.
Entre as ressonâncias favoráveis que a política de Zeballos encontrava na Argentina,
não estavam ausentes argumentos que abriam mão de teorias raciais na defesa da
8
No âmbito jornalístico argentino, então fortemente caracterizado por disputas políticas, o jornal La Prensa
opunha-se, com relação à questão “Brasil”, a La Nación, alinhando-se, portanto, à posição de Zeballos na
defesa de uma política externa mais incisiva.
9
Lauro Müller (Itajaí, 1863 – Rio de Janeiro, 1926) ocuparia o cargo até 1917. Sua carreira pública incluiu,
além deste, cargos de governador de estado de Santa Catarina, deputado federal, senador, ministro de Estado.
Atuou na modernização urbana da Capital Federal em inícios do séc. XX. Lauro Müller era admirador dos
Oito Batutas e foi um dos promotores da viagem do grupo a Paris em 1922 (Cf. Menezes Bastos, 2005).
Segundo os autores consultados, Lauro Müller teria promovido uma política mais prudente e relativamente
menos agressiva que a de seu antecessor. A caracterização de Rio Branco dada numa nota por Cisneros y
Escudé vale a pena ser citada na íntegra: “El Barón deo Branco representó la continuación del Imperio en
Plena República brasileña. Gozó de continuidad vitalicia en el cargo y de otros poderosos atributos más
próprios de un régimen imperial que de uno republicano, pero que resultaron muy funcionales a los intereses
del gobierno brasileño. Manejó a su antojo los presupuestos y, ni el Congreso ni los medios de prensa se
opusieron a sus proyectos de engrandecimiento de la República brasileña. Es más: Río Branco llegó a dirigir
una red periodística que fue más allá de las fronteras brasileñas, llegando a los países limítrofes” (Cisneros y
Escudé, op.cit.: 135, nota 35)
206
hegemonia argentina, justificada por uma pretensa superioridade racial do país em relação
ao Brasil
10
.
Sem poder aprofundar aqui um assunto tão complexo, que necessita tratamento
cuidadoso, penso ter apontado para um processo que permite re-situar aquele meu espanto
inicial diante das referências militaristas ao Brasil na imprensa argentina dos anos 1920:
elas efetivamente indicam um aspecto importante, potencialmente conflitivo, das relações
históricas entre os dois países.
***
Fausto e Devoto (2004) apresentam uma história comparada de Brasil e Argentina
entre 1850 e 2002, cujos principais pontos passo a destacar, com foco no período que vai
até 1930.
A cidade de Buenos Aires já a partir do século XIX revela uma tendência para
constituir-se como centro unificador do país, sendo a sua “porta para o mundo” e mantendo
com o resto da Argentina uma relação bastante desproporcional em fatores como
urbanização, densidade populacional e concentração de riquezas. A sua defnição como
centro político foi, não obstante, algo bastante disputado até o final do século XIX,
sobretudo nos conflitos entre unitários e federalistas. No Brasil apresenta-se desde logo
uma configuração diferente: em inícios do século XIX o país apresenta uma rede de cidades
mais equilibrada e distribuída que a Argentina. Salvador e Rio de Janeiro, então com
dimensões populacionais equivalentes à de Buenos Aires, integravam melhor as regiões
sem favorecer a emergência de um único centro unificador.
10
Cisneros y Escudé (1999: 125-126). É certo que esta questão não pode ser simplificada em termos de um
“racismo argentino” consensual em relação ao Brasil. As teorias raciais eram amplamente discutidas na
época, e acionadas para defender diferentes pontos de vista. Dentro do próprio Brasil eram um fator
importante de “classificação” da população e negociação de identidades. Sobre este ponto, conforme
Schwarcz (2000).
207
Ao longo do século XIX a imigração é um fator importante, sobretudo na
Argentina. Em 1872 a cidade do Rio de Janeiro contabilizava 30% de estrangeiros em sua
população, contra os 50% da capital argentina na mesma época. De fato, a imigração
européia tem um grande impacto, sobretudo em Buenos Aires, nos aspectos demográfico,
econômico, político e cultural. Por outro lado, o sistema escravista teve conseqüências bem
mais profundas no Brasil.
Em torno de 1850, os dois países, cada um a seu modo, alcançam alguma unificação
política, já havendo então no Brasil um amplo reconhecimento de um poder estatal, ao
passo que na Argentina ocorria o que os autores denominam a “habituação a um estado de
coisas”, com a relativa estabilização de uma Confederação de fato, tutelada por Buenos
Aires. Data de 1862 a posse de Bartolomé Mitre (1821-1906), o primeiro presidente
reconhecido por todas as províncias, tendo ocupado o cargo até 1864. Se nesta época o
governo imperial goza de certa estabilidade no Brasil, é importante notar que até 1880 o
governo central na Argentina ainda não tinha uma capital, nem instituição financeira, nem
emitia moeda, de modo que “no momento de consolidação do Estado nacional, a Argentina
simplesmente carecia de um aparelho estatal” (: 85). Com a federalização de Buenos Aires
em 1880, a cidade passa a ser reconhecidamente a capital do país e o aparelho estatal se
instrumentaliza progressivamente. Este ano marca também o início de uma escalada
vertiginosa do desenvolvimento econômico argentino, num processo que não encontraria
paralelos na América Latina na passagem para o século XX (: 58-60). Num esquema
comparativo amplo, então, enquanto a Argentina se destaca no período por seu
desenvolvimento econômico, o Brasil conta, por outro lado, com um aparelho estatal
comparativamente mais estabilizado, isto apesar de sua marcada impossibilidade de se fazer
presente efetivamente por todo o imenso território. Tal sistema estatal brasileiro era
208
marcado pela “usurpação do direito dos cidadãos de influir, nem digamos nas políticas, mas
até na eleição de seus representantes” (: 67), algo que caracterizaria o período das
oligarquias. Até 1880, o Brasil apresenta um sistema político comparativamente mais
estável, mas com governos centrais comparativamente menos estáveis que os argentinos.
Com relação aos vínculos entre elites econômicas e políticas, estes foram muito
mais diretos no Brasil, ao passo que na Argentina tendiam a distribuir-se em grupos de
interesses distintos. No caso brasileiro, o tema da escravidão influenciou de maneira
especial a articulação entre política, sociedade e economia, diferentemente do que acontecia
na Argentina.
Durante o período de consolidação dos Estados nacionais nos dois países, a
imigração européia era avaliada de maneiras marcadamente diferentes em cada caso. Na
Argentina, sua função principal seria a de instrumento civilizador na chamada “conquista
do deserto”, com a busca de efetivação do avanço das fronteiras nacionais sobre regiões
originalmente ocupadas por povos indígenas contra os quais se fazia a guerra de
expansão
11
. Já no caso brasileiro, era muito forte, em certos setores, a concepção da
imigração como meio de branqueamento e europeização da população.
Um episódio importante na história comum dos dois países neste período foi o da
Guerra da Tríplice Aliança, ou Guerra do Paraguai (1864-1870), onde Brasil, Argentina e
Uruguai aliaram-se contra o Paraguai de Solano López. Dentre as várias conseqüências da
Guerra, especialmente devastadora para o Paraguai, destaca-se o endividamento contraído
11
A campanha de conquista do “deserto”, com seu período mais intenso entre 1876 e 1881, foi movida
sobretudo pela busca de terras férteis ao sul de Buenos Aires para alimentar o crescente mercado agro-
exportador (Onega, 1999: 685-686). As terras não eram desertas, mas ocupadas por povos indígenas, daí a
caracterização da campanha como guerra.
209
por Brasil e Argentina em função do financiamento de sua atuação no conflito pela
Inglaterra.
A situação na virada para o século XX é assim sintetizada por Fausto e Devoto:
“Atrás do Brasil em 1850, a Argentina estava à frente dele em
1890, o que revela mudanças na velocidade relativa que atravessariam
toda a história comum
12
. O ritmo era marcado por um elemento sobre o
qual nenhum dos dois, exportadores de bens primários, tinha controle, ou
seja, os preços internacionais de seus produtos. Também por dois
elementos que escasseavam: capitais e braços.
Mas, tomando-se um quadro mais amplo, os primeiros anos do
século XX iriam corresponder a um grande avanço econômico em ambos
os países até 1914, mais acentuado na Argentina do que no Brasil. Ao
mesmo tempo, do ponto de vista político, o sistema oligárquico, sujeito a
menores pressões, sobreviveria no Brasil até 1930, enquanto na Argentina
seria rompido a partir da Lei Sáenz Peña, de 1912” (: 145).
Note-se que as relações mútuas de política externa no período, cuja clave militarista
indiquei acima, não entram no foco principal da história comparada de Fausto e Devoto.
Com a proclamação da República em 1889, o Brasil havia deixado de ser, no
contexto americano, uma monarquia entre repúblicas, passando a adotar, assim como a
Argentina, a República Federativa como sistema político, inspirada no modelo
estadunidense. Comparando as Constituições argentina de 1853 e brasileira de 1891, os
autores chamam a atenção para semelhanças em fatores como a adoção do sistema
presidencialista e o estabelecimento da divisão entre os poderes da República. A liberdade
de cultos é garantida no caso da Argentina, embora a religião católica seja considerada a
oficial. No caso do Brasil, é estabelecida a separação entre Igreja e Estado.
12
É de fato curioso notar esta formulação em termos de “atrás” e “à frente”, indicadora de uma concepção
historiográfica teleológica. De modo interessante, é um tipo de pensamento que está presente também, por
exemplo, nas próprias opiniões sobre os Oito Batutas nos jornais argentinos dos anos 20, que eventualmente
mobilizavam argumentos em torno do relativo “adiantamento” ou “atraso” sócio-cultural de um país em
relação a outro, a concepção dominante ali sendo a de uma Argentina relativamente mais evoluída (cf.
Capítulo 1).
210
Na virada do século, a cidade de Buenos Aires, capital federal desde 1880
13
,
apresenta um processo rápido de crescimento econômico, aumento da população e
complexificação social. Entre 1895 e 1929, sua população salta de 664.000 para 2.300.000
pessoas. A caracterização da cidade como pólo sem outro paralelo no país se mantém, ao
contrário do Brasil, onde o Rio de Janeiro não tinha o mesmo peso relativo tão acentuado.
Em 1922, ano em que Os Oito Batutas chegam à Argentina, Marcelo T. de Alvear,
candidato alinhado a Hipólito Yrigoyen, líder do Partido Radical, proveniente das elites
tradicionais, é empossado presidente da república. Neste mesmo ano, entre os eventos
importantes no Brasil estão a fundação do PCB, o início das rebeliões tenentistas – que
seriam decisivas na derrubada das oligarquias depois de 1930 – e a eleição do mineiro
Arhtur Bernardes para a presidência do país. A supremacia das oligarquias até 1930 deu ao
Brasil a marca de uma participação política comparativamente mais restrita em relação à
Argentina, onde a lei Sáenz Peña havia estabelecido o voto secreto e obrigatório em 1912 (:
150).
O motor da economia em ambos os países no período em tela foi a exportação de
produtos primários, agropecuários no caso argentino e agrícolas – fundamentalmente o
café, produto que oferecia menos segurança no mercado internacional do que a carne e o
trigo argentinos – no caso brasileiro, dentro do modelo denominado “hacia afuera”,
marcando uma grande dependência econômica em relação ao mercado internacional. Neste
aspecto, é importante notar que o desenvolvimento argentino no período, bastante centrado
na produção de carne e trigo, destaca-se muito dentro do cenário latino-americano, com
altos índices de PIB, renda per capita e nível de vida (: 151-155). Às vésperas da Primeira
13
Sobre o processo de construção, em seus aspectos “material” e “cultural” desde a concepção inicial de
como deveria ser a Capital Federal, do espaço público metropolitano de Buenos Aires, conforme Gorelik
(2004).
211
Guerra Mundial, o volume do comércio exterior argentino é seis vezes superior à média
latino-americana e o PIB per capita do país é comparável aos da Alemanha e países baixos,
sendo superior aos da Espanha, Itália, Suíça e Suécia. Entre 1913 e 1928, as exportações
argentinas representavam de 40 a 43 por cento do total sul-americano, sendo a Inglaterra o
seu principal comprador, ao passo que o principal cliente das exportações brasileiras no
período são os Estados Unidos. A relação econômica da Argentina com a Inglaterra é muito
forte nas primeiras décadas do século XX. Este país era também o principal fornecedor de
produtos importados tanto para o Brasil quanto para a Argentina justamente até 1922-23,
sendo que a partir destes anos os Estados Unidos passam a ocupar prioritariamente este
lugar
14
. Não obstante, em 1913, 67% dos capitais estrangeiros na Argentina eram ingleses,
materializados na instalação de frigoríficos e ferrovias, por exemplo
15
. Durante a Primeira
Guerra, a carne argentina foi uma importante fonte de alimentação para os soldados
ingleses e americanos, sendo que já em 1906, 44% da carne comida na Grã Bretanha vinha
da Argentina.
A principal relação de produção interna na Argentina, no período, é o arrendamento
de terras, sendo que ali o acesso dos colonos à propriedade e à ascenção social foram mais
14
Especificamente para o caso brasileiro, Tinhorão faz uma associação direta entre a crescente predominância
de capitais norte-americanos a partir da Primeira República (1889) e o progressivo consumo, aqui, de gêneros
musicais provenientes daquele país (ragtime, cake-walk, one step, two step, blackbottom no início do século;
fox-trot e charleston a partir da I Guerra e shimmy, swing, boogie-woogie e be-bop até a II Guerra). Nas
palavras do autor, “A passagem da monarquia para a república de 1889, anunciando o advento político das
camadas urbanas ligadas ao movimento do Partido Republicano de 1870, iria marcar coincidentemente, no
plano econômico, igual passagem do Brasil da esfera de dependência dos capitais ingleses [...], para o dos
capitais norte-americanos, através de um silencioso processo que se consolida durante a primeira Guerra
Mundial, e se torna ostensivo em 1921 com o primeiro empréstimo oficial de cinqüenta milhões de dólares
pedido pelo governo brasileiro aos banqueiros Dillon, Read & Co., de Nova York” (Tinhorão, 1998: 207).
15
Apesar do peso relativamente mais forte na Argentina, os interesses de empresas inglesas e norte-
americanas estavam presentes também no Brasil desde a segunda metade do século XIX, como é o caso da
São Paulo Railway, de capital inglês, que começa a funcionar em 1866 levando o café da cidade de São Paulo
ao porto de Santos (: 163).
212
rápidos do que no Brasil, onde as relações dos colonos com os proprietários eram mais
verticais
16
.
A imigração para o Brasil era subsidiada, ao passo que na Argentina não. Entre
1881 e 1930, chegaram ao Brasil 1.800.000 imigrantes, e 3.800.000 à Argentina. Associado
à imigração massiva aparece, no “plano das idéias” o tema racial. Na Argentina, teorias
racistas são acionadas, por exemplo, para explicar aumentos nos níveis de criminalidade a
partir de 1910 e, no Brasil, a teoria do branqueamento aceita inicialmente o mestiço como
uma “fórmula transitória”
17
. Na Argentina, a política de integração dos imigrantes e seus
descendentes à ordem nacional se deu em três vetores principais: expansão do ensino
16
No caso brasileiro, onde a distribuição de terras é historicamente marcada de maneira especial por uma
espécie de “simbiose” entre a estrutura estatal e interesses privados específicos, ressalta o exemplo da Lei 601
de 18/09/1850, a chamada Lei de Terras. Tal dispositivo resultava de uma política ativa, explícita e
sistemática de manutenção dos interesses da grande propriedade, consolidando um modelo que se constituiu
como “obstáculo jurídico central ao desenvolvimeto da pequena propriedade agrícola no Brasil, durante o
século XIX, tornando-se um empecilho histórico à democratização do solo, com decorrências futuras para o
país” (Mendes, 2009: 179).
17
Nesta forma de pensar, o mestiço era concebido como uma parte necessária do caminho entre a mistura de
raças e o branqueamento da população, imaginado como seu ponto de chegada. Neste sentido, Ortiz localiza
as noções de meio e raça como categorias-chave do solo epistemológico da intelectualidade brasileira entre os
séculos XIX e XX, marcando uma orientação geral de cunho evolucionista e determinista que juntava “o
positivismo de Comte, o darwinismo social, o evolucionismo de Spencer” (1985: 14). Dentro desta tendência
que, segundo o autor, marca o pensamento de autores como Euclides da Cunha, Sílvio Romero e Nina
Rodrigues, o mestiço constitui um “problema” já desde o século XIX, sendo seu equacionamento buscado
inicialmente em termos da idéia de raça enquanto um determinante biológico mesmo, e a sua solução sendo
vislumbrada através de um projeto de branqueamento que, via imigração européia, gradualmente eliminaria as
taras da mistura, algo concebido, do ponto de vista daquelas “elites” intelectuais, como indispensável à
construção do Brasil como uma nação moderna viável. Também segundo Ortiz, é com Gilberto Freyre que a
substância da idéia de mestiço migra decisivamente do horizonte biológico da raça para o da cultura, um
passo para a transformação do “problema” em traço positivo da identidade nacional brasileira. Como irá
demonstrar Vianna (1995), apontando também para o caráter decisivo da obra de Freyre, a consolidação da
imaginação nacional no Brasil, associada a partir de inícios da década de 1930 a uma idéia de autenticidade de
raízes mestiças, deixa – num processo que tem a consagração do samba carioca como um de seus grandes
ícones – de ter no multiculturalismo um “problema” para convertê-lo na própria solução da questão.
Remarque-se que, para Menezes Bastos (2005), a viagem dos Oito Batutas a Paris constituiu uma antecipação
desta inflexão simbólica no âmbito internacional. É importante notar, contudo, que nem todas as leituras sobre
o mestiço no Brasil antes de Gilberto Freyre eram negativas. Em obras como O preconceito de raça no Brasil,
de 1916, e A política no Brasil, de 1920, Álvaro Bomilcar explicitamente se recusava a ver na mestiçagem o
problema da nação, aproximando-se, neste aspecto, do pensamento de intelectuais como Manuel Bonfim e
Alberto Torres. Nesta linha de pensamento, o “problema da nação” tendia a ser localizado mais na herança
lusitana. Neste aspecto, surge ainda como ponto interessante o fato de que, no segundo livro mencionado,
datado de quando os Oito Batutas já atuavam – gerando controvérsias na imprensa – há um ano no cenário
carioca e de outras cidades, Bomilcar dirige sua acusação contra “a hegemonia portuguesa no comércio e na
imprensa” (Oliveira, 1990: 138).
213
público – com destaque para a educação cívica – serviço militar obrigatório e a reforma
política. No Brasil, o uso efetivo das escolas e do serviço militar como instrumentos de
nacionalização foi mais restrito. Comparativamente, o Brasil é, no período, um país mais
rural, com uma população mais dispersa e um relativamene baixo nível educacional. Fausto
e Devoto destacam como uma das conseqüências do influxo migratório a geração em cada
país de uma disposição em “duas culturas” “como realidade material e como formulação do
imaginário nacional” (: 183).
No período, os movimentos sociais são mais significativos na Argentina – que passa
a contar com uma classe média, bem como uma classe operária, relativamente mais
articulada e influente -, sendo relativamente amortecidos no Brasil pelas relações de
dependência que impunham uma maior sujeição aos segmentos dominados (: 183-184).
Entre 1917 – ano da Revolução Russa – e 1921 os movimentos de trabalhadores crescem
nos dois países. O ano de 1919 é importante, com grandes greves operárias em São Paulo e
no Rio de Janeiro e a chamada Semana Trágica em Buenos Aires, movimento grevista que
se tornou sangrento nos confrontos com a polícia e terminou numa forte repressão cujo alvo
não foram, enfim, os operários, “mas a comunidade russo-judaica, acusada de estar à frente
de uma conspiração comunista” (: 188). Ainda a respeito da organização da classe
trabalhadora, os autores afirmam que o “mito” de sua importância como ator político
independente nos anos anteriores a 1930 hoje está desfeito, e indicam que:
“Como conclusão geral, ressalta comparativamente a maior força
do movimento operário argentino, seja em termos organizacionais, seja
em capacidade de mobilização ou de formulação ideológica. Com essa
importante rassalva, convém não exagerar as semelhanças do caso
argentino com o da classe trabalhadora européia. Tanto no Brasil quanto
na Argentina, ao longo dos anos em consideração, existiam grandes
cotingentes de massa – operários industriais ou não – quase intocados pela
organização sindical, pelos partidos, ou, quando organizados, propensos à
214
conciliação de classes. Os casos de Vargas e Perón iriam demonstrar
exemplarmente essa constatação” (: 189).
Com respeito aos sistemas políticos e aos graus de participação, o Brasil se
caracteriza efetivamente como uma república oligárquica entre 1890 e 1930, cenário que é
diferente do argentino, onde em 1912, com a lei Sáenz Peña, foi introduzido o voto secreto
e obrigatório para os homens maiores de 18 anos em dia com o serviço militar, bem como a
representação das minorias na câmara dos deputados, na proporção de dois para um.
Estrangeiros e mulheres não votavam. Entre 1916 e 1930 o Partido Radical, aglutinado em
torno da figura de Hipólito Yrigoyen, governa a Argentina. O partido tinha ao mesmo
tempo uma base social mais ampla do que seus concorrentes e uma dose de clientelismo,
ficando a meio caminho entre os velhos partidos oligárquicos e uma estrutura democrática
mais ampla.
O socialismo democrático nunca passou de um estágio incipiente nos dois países (:
195). Na Argentina, houve formações de direita sem paralelo no Brasil, como a Liga
Patriótica e a Liga Republicana, “combinando idéias tradicionalistas e nacionalistas,
apimentadas com uma intensa xenofobia” (: 197). A Liga Patriótica nasceu como resposta à
emergência do movimento operário e aos acontecimentos da Semana Trágica, enquanto que
a Liga Republicana foi criada em 1929 em oposição ao radicalismo de Yrigoyen.
O Estado argentino investe comparativamente mais em educação a partir de meados
do século XIX, numa preocupação bem maior com a integração dos imigrantes na
construção da identidade nacional do que a que havia no Brasil de então. Segundo apontam
os autores, a formação e origem socioeconômica dos imigrantes que se dirigiram a cada um
dos países era diferente, contando, os que iam à Argentina, com um capital educacional
relativamente mais desenvolvido (: 201-202).
215
Se o capital estrangeiro – exemplificado pelo controle inglês das ferrovias, vitais
para a economia Argentina – e o endividamento eram duas das principais formas de relação
de ambos os países com o mundo exterior, é interessante notar que a importância de um
país como a Alemanha surge no treinamento e equipamento dos exércitos, sobretudo na
Argentina, mas também no Brasil (: 208-209). Vale notar que os vínculos com a Alemanha
foram mais duradouros no caso da Argentina, que permaneceu neutra na Primeira Guerra
Mundial, ao passo que a entrada do Brasil no conflito, alinhado aos aliados, determinou um
corte em suas relações com a Alemanha e uma aproximação política com a França
18
.
Ainda com relação às Forças Armadas, como já se disse, na Argentina elas
representavam um dos pilares de agremiação dos descendentes de imigrantes e forjamento
de uma identidade nacional, o que, entre outros fatores, permitiu que não ocorresse na
Argentina um fenômeno como o tenentismo no Brasil, caracterizado pela dissidência dos
quadros médios da hierarquia militar. Na Argentina, a divisão sócio-política entre os
partidários e adversários de Yrigoyen foi fator que repercutiu nas Forças Armadas
ocasionando o surgimento de facções mais definidas na cúpula militar (: 214).
Com relação à ideologia e ao pensamento político, os autores localizam o ideário
liberal – com os princípios de soberania popular, representação individual e garantias
individuais – como referência dominante em ambos os países no período, de forma mais
acentuada na Argentina, marcando o ideário das elites na busca da formação de uma
identidade nacional e corporificação do Estado, sendo assumidos majoritariamente como
legítimos pela elite civil e pelos formadores de opinião, provenientes da classe média
18
Segundo Oliveira (1990: 118-119), que dá um panorama da polarização dos intelectuais cariocas em torno
do conflito na Europa, data de 1915 a formação da Liga Brasileira pelos Aliados, presidida por Rui Barbosa e
que contava entre seus quadros com Graça Aranha e Olavo Bilac. Entre os defensores brasileiros da posição
alemã, em número bem menor, estavam Capistrano de Abreu e Lima Barreto.
216
letrada. Este tipo de postura implicava em maiores críticas aos regimes oligárquicos,
havendo importantes diferenças entre os liberalismos dos dois países (: 220-221).
No Brasil, o fortalecimento do positivismo de inspiração comtiana
19
em meio aos
discursos anti-liberais, favoreceu idéias autoritárias (sobretudo no Rio Grande do Sul) ao
longo do século XX. O nacionalismo autoritário desenvolve-se aos poucos tanto no Brasil
quanto na Argentina, com certa defasagem com relação ao seu desenvolvimento na Europa
Ocidental, mas ganhando força especialmente depois da Grande Guerra.
No âmbito das relações internacionais, é notável que a Argentina permanece
“umbilicalmente” ligada à Inglaterra entre 1890 e 1930 na área do comércio exterior, sendo
ressaltada pelos autores a “solidez dos laços culturais” entre os dois países, a ponto de os
argentinos se considerarem os “ingleses de América” (: 227-228). É interessante notar que
os autores não fazem qualquer menção à ligação cultural entre Argentina e França, tão
enfatizada por outros autores, e que teria sido fundamental no início do século XX, também
na conformação do universo simbólico do tango. No caso do Brasil, apesar de o país
também depender da City londrina, tinha o principal mercado de seus produtos nos Estados
Unidos, já interessados, nesta época, numa hegemonia americana. Enquanto as relações
entre Estados Unidos e o Estado brasileiro eram amistosas, com a Argentina eram mais
permeadas de restrições.
As relações comerciais recíprocas entre os dois países são bem menos intensas do
que as de cada um deles com Inglaterra e Estados Unidos, sendo que havia disputas em
torno, por exemplo, da compra de trigo pela Brasil, não de sua vizinha Argentina, mas dos
Estados Unidos.
Fausto e Devoto sintetizam as relações políticas mútuas da seguinte forma:
19
Cf. Ortiz (1985).
217
“não obstante a retórica, a pompa de algumas visitas presidenciais
recíprocas, a tônica das relações Brasil – Argentina no período
considerado foi caracterizada por uma contida rivalidade, aspirando
ambos os países a uma posição de liderança dos ‘irmãos menores’. Nesse
contexto, a Argentina teve um comportamento pautado por maior
independência com relação aos Estados Unidos, enquanto o Brasil
inclinou-se a uma estreita aproximação com este país, visando obter um
precioso aval para alcançar a hegemonia, aliás jamais lograda, no
complicado cenário da América do Sul” (: 235).
O cenário político internacional na década de 1920 tem a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918) como um marco importante, bem como, na outra ponta da década, a crise
econômica de 1929, que marca, entre outras coisas, uma queda abrupta do PIB e das
imigrações para ambos os países. Dentro deste contexto, fenômenos importantes no Brasil
são a crescente presença do Rio Grande do Sul no panorama político, que culmina com a
indicação de Vargas para a presidência da República em 1929, a emergência (tardia, em
comparação com a Argentina) de uma classe média urbana e a crescente insatisfação dos
militares, sendo que a partir de 1922 as rebeliões tenentistas passam a fazer uma oposição
frontal ao regime oligárquico (: 236-237).
Na Argentina, com a eleição de Yrigoyen – “o mais popular dirigente radical de
toda a história argentina” (: 238) – em 1916, a tendência havia passado a ser de um
radicalismo personalista, com traços populares e reformistas. Entre 1916 e 1930 cresce uma
polarização entre partidários e opositores de Yrigoyen, sendo que ele é derrubado em seu
segundo governo por um golpe militar em 1930, mesmo ano da deposição de Washington
Luís e nomeação de Getúlio Vargas para o governo provisório no Brasil.
O quadro geral que emerge a partir deste resumo é o de dois países concorrentes
entre si em vários aspectos, que têm na virada para o século XX um período de
consolidação de seus estados nacionais e uma vinculação econômica determinante, em cada
218
um deles, com os Estados Unidos e a Europa Ocidental (sobretudo a Inglaterra), dentro do
modelo “hacia afuera”. Chama a atenção a maior urbanização, a economia mais forte e o
relativo nível socioeconômico mais alto na Argentina (sobretudo em Buenos Aires).
***
Com isto, gostaria de retomar, por um minuto, as idéias de Sahlins (2006) de
história dialética e oposição complementar, indicando que também no nível mais “infra-
estrutural” das relações internacionais elas se mostram inspiradoras para pensar o par
Argentina-Brasil, aqui focalizado especificamente em torno dos anos 1920, como um
momento de um processo de duração mais larga. Menezes Bastos (1999) tem chamado a
atenção para o aspecto de oposição irredutível entre rivais que caracteriza as relações
musicais entre Brasil e Argentina enquanto polarizadas em torno da dupla samba – tango
20
.
O quadro esboçado neste capítulo permite pensar as décadas de 1910 e 1920, e sobretudo a
primeira, como especialmente marcadas por uma “guerra fria” entre os Estados, numa
relação competitiva e de mútua desconfiança que não chega efetivamente às vias de fato do
confronto armado, mas onde a concorrência e o contraste têm uma importância flagrante
21
.
Esta oposição política e econômica parece preceder cronologicamente a consolidação do
imaginário da Argentina como país do tango e do Brasil como país do samba
22
. Neste
sentido, as posturas de Sahlins e Menezes Bastos são confluentes na medida em que
apontam decisivamente para o caráter constitutivo, e não secundário, da oposição. Como
vimos no Capítulo 1, a evocação negativa de um Brasil primitivo e negro era uma das
chaves possíveis de serem acionadas pelo críticos argentinos dos Oito Batutas. Mas, se ela
20
Num estudo sobre as relações futebolísticas entre Argentina e Brasil conforme elas aparecem na imprensa
contemporânea, Helal (2007) contribui para mostrar que este aspecto está bastante presente, com um matiz
próprio, também no universo deste esporte.
21
Tal oposição revela, de fato, um caráter triangular, tendo em conta as relações umbilicais de Argentina e
Brasil com as potências do Atlântico Norte acima indicadas.
22
Tenha-se em vista a datação da fase mais tensa da “diplomacia de los acorazados” entre 1908 e 1914.
219
surge às vezes com força brutal, não é a única possível. A visão de um país exótico,
sensual, desconhecido e sedutor emerge também sem estar automaticamente acoplada a
uma valoração negativa
23
. Por outro lado, a cor negra dos Batutas também pôde ser alvo de
ataques e ironias
24
sem uma associação direta ao fato de serem Brasileiros. O caráter de
uma associação conclusiva de causa e efeito entre a herança negra e o “fato” do relativo
estado de atraso evolutivo do Brasil – num ponto de vista cuja sustentação dependia já da
ideologia de uma Argentina “branca” –, tomando a música popular como seu índice
indiscutível, aparece de forma transparente no ensaio sobre a “música típica brasileña”,
veiculado em
El Pueblo, de Rio Cuarto em 04/02/1923. Assim, se o samba e o tango se
fazem, de maneira “definitivamente” mutuamente excludente a partir da década de 1930,
esta polarização parece arrematar um quadro que, pelo menos no imaginário argentino, é,
ainda nos anos 1920, mais multifacetado. Neste sentido, é interessante notar também que as
“representações” sobre o maxixe, na Argentina dos anos 1920, podiam incluir uma certa
indiferenciação entre Brasil e Portugal, que seria tornada muito mais improvável quando
aquele gênero cede seu lugar simbólico ao samba. Já em Paris, como mostra Menezes
Bastos (2005), o maxixe podia ser pensado como compatível com o tango, uma
possibilidade de mistura que caberia ao mesmo samba reverter
25
. Então, nos anos 1920-30,
a transição maxixe-samba, enquanto realiza uma diferenciação entre Brasil e Argentina em
Paris, o faz, na Argentina, entre Brasil e Portugal.
23
A chave positiva de leitura, também possível, está relacionada, num contexto mais amplo, à entronização da
música e dança negras norte-americanas em Paris, em torno de figuras como Josephine Baker.
24
Vide, por exemplo, no Capítulo 1, a crítica de Última Hora de 08/12/1922.
25
Conforme Menezes Bastos (op. cit.), a viagem dos Oito Batutas a Paris em 1922 teve o caráter de uma
verdadeira campanha neste sentido.
220
CAPÍTULO 6
O SAMBA, O TANGO. E O JAZZ.
A proposta deste capítulo é a da buscar encontrar alguns dos sentidos articulados em
torno do samba, do tango e do jazz a partir do estudo de materiais de diferentes naturezas –
a saber: coberturas jornalísticas de turnês artísticas, artigos em revistas especializadas de
jazz, livros versando sobre temas da música popular – no Brasil e na Argentina, mais
localizadamente no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, no período de, aproximadamente,
entre fins da década de 1920 e meados da década seguinte. Se tango e samba entram aqui
como as “encarnações musicais” de Argentina e Brasil, o jazz incide também como um
elemento fundamental, na medida em que estava presente na prática de grupos musicais, no
consumo das audiências e no universo simbólico e valorativo de argentinos e brasileiros já
de maneira intensa desde os anos 1920.
Assim, consideraremos, através dos jornais, duas outras temporadas de músicos
negros na Argentina: a da jazz-band Sam Wooding (1927) e a de Josephine Baker (1929),
passando à década de 1930 com o exame de algumas das obras que inauguram a produção
livresca sobre o tango na Argentina e o samba no Brasil, quais sejam: Cosas de Negros
(1926), de Vicente Rossi e La Historia del Tango (1936), dos irmãos Héctor e Luiz Bates,
para o primeiro caso, e Na Roda do Samba (1933), de Francisco Guimarães (Vagalume) e
Samba (1933), de Orestes Barbosa.
S
AM WOODING NA ARGENTINA (1927)
No ano de 1927, poucos meses antes de os Oito Batutas iniciarem em Florianópolis
sua turnê pelo sul do Brasil, e quatro anos depois da passagem dos músicos brasileiros pela
221
Argentina, debutava em Buenos Aires uma orquestra que seria referida como um dos
primeiros contatos do público argentino com o chamado jazz negro
1
. A orquestra de Sam
Wooding, que atuava em Nova York desde o início dos anos 1920, integra-se, em 1925, a
um espetáculo de revista chamado Chocolate Kiddies, especialmente formada para
empreender uma turnê na Europa. Além de atuar na revista, o grupo excursionou de
maneira independente pela Alemanha, Suíça, França, Suécia, Espanha, Turquia, Romenia,
Itália, Tchecoslováquia, Holanda, Bélgica e Rússia, antes de desembarcar em Buenos Aires
em abril de 1927
2
. Para Pujol (2004: 24-27), a de Sam Wooding foi uma das primeiras – e
musicalmente a melhor, porque “de formación más compacta y de mejores solistas” –
orquestras que deram a conhecer ao público argentino um tipo de jazz posterior ao ragtime,
mais sincopado e muito marcado pela improvisação.
Seria o próprio Humberto Cairo, ainda em plena atividade como empresário do
Empire e do Maipo, a trazer a orquestra de Sam Wooding para a Argentina, aparentemente
com um contrato firmado numa viagem do empresário à Europa. O grupo estréia no Empire
no dia 08 de abril de 1927, em sessão dupla – às 18:30 e 23:00 – e, seguindo o mesmo
roteiro inicial dos Oito Batutas em dezembro de 1922, passa a atuar também no Maipo a
partir do dia 11, integrando uma revista chamada La Mejor Revista
3
. Os jornais já vinham
anunciando há vários dias o que seria o debut de, como se anunciava em
La Nación em 03
de abril, “el jazz más formidable del mundo”, ou, ainda no mesmo jornal, dois dias depois,
1
López (1973) apresenta uma breve descrição do itinerário da orquestra de Sam Wooding na Argentina.
Deschner & Zaffore (1987: 27) também fazem uma breve referência à passagem da orquestra, com um roteiro
que incluiu, além de Buenos Aires, também Rosario e La Plata.
2
Cf. http://www.redhotjazz.com/woodingo.html, consultado em 12/12/2008. É interessante notar a
semelhança deste modo de excursionar da banda – integrada a um espetáculo de variedades ou a uma revista e
fazendo apresentações independentes – com a turnê dos Oito Batutas pelo sul do Brasil em 1927.
3
O espetáculo no Maipo acontecia às 22:15. Como as duas salas ficavam a aproximadamente duas quadras
uma da outra, calculo que era possível deslocar-se, mesmo a pé, do Empire para o Maipo e de volta ao Empire
para cumprir com todos os espetáculos.
222
“el mejor jazz de negros americanos”. Nos anúncios era invariavelmente ressaltado o fato
de que se tratava de um grupo de músicos negros, ou de color.
Façamos um apanhado da reação de alguns dos principais jornais portenhos às
primeiras apresentações da orquestra:
“Es un espectáculo la troupe de color Sam Woody – La troupe
Sam Woody, formada por ejecutantes de color, se presentó ayer en el
Empire ante una sala repleta.
Este conjunto mejora a cuantos recordamos haber visto y oido en
escenarios locales. Cada instrumentista es un musico de responsabiblidad
y actúa con suma armonía dentro de ese conjunto que diríase destinado a
cultivar cuanto ruído se acerque a la más endiablada desarmonía.
La jazz Sam Woody tiene um repertorio muy variado. Todas las
piezas gustaron, pero se celebró con particular efusión una en que se
imitan los ruídos del tren en marcha. Bonita la composición y hábil el
desempeño de los ejecutantes” (
Última Hora, 10/04/1927).
“En el Maipo se presentó la ‘jazz-band’ Sam Woody –
Interviniendo en la obra titulada ‘La mejor revista’, efectuó anoche su
presentación en el teatro Maipo la ‘jazz-band’ Sam Woody, que ofreció
diversas ejecuciones de su repertorio de música norteamericana, entre las
cuales obtuvieron la más franca aprobación del auditorio la descriptiva de
un tren en marcha y las de carácter humorístico.
Además vários de los instrumentistas de este conjunto, que se
distingue por el ajuste de su labor, expusieron sus habilidades como
bailaines y contorsionistas excéntricos” (
La Nación, 12/04/1927).
“La jazz Sam Woody debutó con gran éxito en el Maipo – Un
notable grupo de musicos americanos, de rara eficacia, componen la jazz-
band Sam Woody – En uno de los cuadros de ‘La mejor revista’ se
presentó anoche en el Maipo la jazz-band Sam Woody compuesta por diez
ejecutantes que desarrollan um interesante y sonado repertorio de música
americana.
Este conjunto, que utiliza en sus ejecuciones una diversidad de
instrumentos que concurren al carácter exótico de sus concertaciones fué
largamente aplaudidas [sic] por el publico en forma especial celebró una
composición descriptiva de la marcha de un ferrocarril y otras
composiciones en que alternadas son las notas humoristicas con trozos
vertidos con singular disciplina. El batería, que expone en su labor
habilidades de equilibrista, San [sic] Woody, expresivo pianista y los
ejecutantes de saxofón que además ofrecieron bailes deslocados y
atrabiliarios merecieron particulares demostraciones de la concurrencia
que recogió a través de la labor de este ‘jazz’ la impresión de haberse
trasladado en momento, à los ‘boites’ del barrio negro de la fantástica
ciudad del Norte” (
El Telegrafo, 12/04/1927).
223
“La Jazz Sam Woody debutó en el Maipo – El debut de una
estrella no habría llevado al Maipo un público más numeroso que el que
atrajo anoche la presentación de la jazz band Sam Woody.
El conjunto de ejecutantes de color que la forman, obtuvo en el
nuevo escenario um éxito rotundo. El público del Maipo es más efusivo
que el del Empire y no tuvo a menos aplaudir hasta que los artistas
repitieron las piezas hasta completar la media docena. Las dos últimas
composiciones, de carácter francamente cómico, fueron ruidosamente
celebradas.
A este atractivo habrá que agregar el que significa el trío Gómez,
los reyes de las danzas aragonezas, que deben embarcar el 20” (
Última
Hora, 12/04/1927).
De início, chama a atenção a crítica bastante favorável de
Última Hora, o mesmo
que em 08 de dezembro de 1922 publicara aquele parecer tão negativo com relação aos
Oito Batutas por serem homens, negros e barulhentos. Agora, pouco mais de quatro anos
depois, nenhuma destas características incomoda o cronista. Ao contrário, a negritude e o
caráter “ruidoso” da música da jazz-band de Sam Wooding são fatores atrativos. Não sei se
se trata aqui da mesma pessoa que opinou sobre os Batutas, mas de qualquer modo é
notável a inversão da valoração. Neste sentido, convido o leitor a re-ver, no Capítulo 1, a
citada crítica deste jornal aos Oito Batutas. Lá, os “elementos puestos de moda por los jazz
band”, aos quais o cronista associava sobretudo as percussões usadas pelos brasileiros,
mereceram um parecer irônico e debochado. Se, com relação aos Batutas, o caráter
pitoresco, como ponto favorável, era relutantemente admitido, o jazz de Sam Wooding
agrada na medida em que seus intrumentistas, músicos de “responsabilidade”, cultivam
com harmonia, como se afirma no trecho de 10 de abril, “quanto ruído se aproxime da mais
endiabrada desarmonia”. Esta formulação, mesmo que vertida para o papel sem maiores
preocupações por parte de seu autor, tenha talvez um caráter modelar: é agradável a
desarmonia harmonicamente produzida. Isto encontra ressonância com a cobertura
jornalística sobre os Oito Batutas no sul do Brasil, estudada no Capítulo 2, quase
224
simultânea a estes sucessos que focalizamos agora em Buenos Aires. No corte sincrônico
que é permitido por esta comparação, parece que, em 1927, a recepção da música da jazz-
band Sam Wooding na capital argentina mobilizava categorias semelhantes àquelas usadas
pelo público do sul do Brasil – em cidades muito menores e, a princípio, menos
“cosmopolitas” – com relação aos Oito Batutas (em sua forma jazz-band), todas apontando
para um universo onde o que deveria ser, musicalmente, “ruim” – o ruído, o barulho, o
bizarro – é, por isso mesmo, “bom”. Se isto faz algum sentido, é necessário que se faça um
par de observações: a negritude da jazz-band Sam Wooding, se parece ser bem recebida de
modo mais unânime na Argentina do que o foi a dos Oito Batutas anos antes, nem por isso
deixa de ser lida como um elemento fundamentalmente exótico. Por outro lado, ao contrário
do som, a cor dos músicos não desponta como elemento de interesse, seja positivo, seja
negativo, nos jornais que trataram dos Oito Batutas no sul do Brasil naquele mesmo ano.
Finalmente, observe-se que o modo jazz-band era uma das duas apresentações possíveis
dos Oito Batutas, ao lado da típica brasileira, estando o grupo, em 1927, no momento de
pleno amadurecimento de um processo gestado pelo menos desde 1922, como vimos nos
primeiros capítulos deste trabalho. Evidentemente, o equivalente a estes dois modos se
aglutinava num só (jazz-band e “típica americana”) no caso de uma orquestra como a de
Sam Wooding. Seja como for, a maneira como os Oito Batutas aparecem nos jornais do sul
do Brasil parece bastante “sintonizada” com a forma de atuação da orquestra de Sam
Wooding – então, aparentemente uma das mais cosmopolitas do mundo – naquele mesmo
momento.
É importante – para que se possa avaliar bem o peso da “novidade” representada
pela orquestra de Sam Wooding – notar que, como em boa parte do Ocidente, o tipo de
musicalidade conhecido como jazz estava muito em voga em Buenos Aires por estes anos.
225
Talvez se possa dizer até que, pelo menos na capital argentina, o jazz formava, junto com o
tango, algo como uma matriz bipartida que se impunha sobre todo o universo da música
popular
4
. Esta matriz, acrescentadas a música folclórica ou “nativa”, de um lado, e a
“grande música” de concerto, de outro, parecia esgotar o campo musical então em voga
5
. O
que fosse a música brasileira – fundamentalmente o maxixe –, apesar de bem conhecida,
aparece aí de forma algo residual e freqüentemente como parte do repertório das jazz-
bands, que pareciam monopolizar o exotismo em música. Entre as inúmeras jazz-bands de
residentes argentinos que atuam em Buenos Aires naqueles dias em cinemas, restaurantes,
dancings, estão grupos como a Iribarren Red Hot Panamerican Jazz, liderada por Eleutério
Iribarren, que dividia o palco do cinema Electric Palace (Lavalle 836) com a orquesta
típica de Pedro Maffia
6
. A jazz de Iribarren era anunciada como “la más completa y
original (4 blancos y 4 negros)”. A poucos metros do Electric Palace, em Lavalle 921,
ficava o requintado Select Lavalle, que anunciava, “exclusivamente para familias”, os
melhores filmes, amenizados pelas orquestras “más famosas de Buenos Aires”: a típica de
Júlio de Caro, a jazz-band Gordon Stretton e a clásica de Carlos Almiral
7
. Já no Gran Cine
4
Como vimos no Capítulo 1, esta matriz já está bastante configurada no momento da passagem dos Oito
Batutas pela Argentina.
5
Assim, teríamos uma matriz quadripartida: tango – jazz – “grande música” – música folclórica. O
agrupamento dos dois primeiros elementos sob a categoria de música popular nos remete à formulação de
Vega (1979), onde esta última é substituída pela de mesomúsica. Segundo a definição do musicólogo
argentino, “La mesomúsica es el conjunto de creaciones funcionalmente consagradas al esparcimiento
(melodías con o sin texto), a la danza de salón, a los espectáculos, a las ceremonias, actos, clases, juegos, etc.,
adoptadas o aceptadas por los oyentes de los países que participan de las expresiones culturales modernas.
Durante los últimos siglos el mejoramiento de las comunicaciones ha favorecido la dispersión de la
mesomúsica de tal manera, que hoy sólo se exceptuan de su influjo los aborígenes más o menos primitivos y
los grupos nacionalizados que aún no han completado su ingreso a las comunidades modernizadas. Pero como
la mesomúsica nos es una música definitivamente occidental sino una 'música común', pueden existir focos
excéntricos con dispersión por extensas áreas” (: 05).
6
Anúncio em La Nación, 04/04/1927.
7
Faltaria, para completar a matriz quadripartida dos gêneros musicais, apenas um grupo de música nativa,
como o de Andrés Chazarreta, o mais famoso.
226
Florida, podia-se apreciar a Gran Jazz Carabelli
8
. Note-se ainda que em 1927 Osvaldo
Fresedo, bandoneonista e um dos grandes nomes da história do tango, já tinha em
Rivadavia 2327 o bar que, décadas mais tarde, em 1956, seria palco do encontro da sua
típica com o célebre trompetista de jazz Dizzy Gillespie.
Mas se o termo jazz-band poderia indicar a música produzida por bem comportadas
orquestras em sessões “familiares” de cinemas requintados, sua associação ao ruído e a uma
modernidade nervosa era também muito recorrente. Um interessante exemplo é este texto
publicados em
Última Hora em 13/04/1927:
“A la ‘Jazz-Band’ le ha dado una pataleta - ¿Quién dijo que la
‘jazzband’ está en su período agónico? Ah, fue uno de los familiares del
Sumo Pontífice. Decía la palabra del Papa, y el Papa, como es bien
sabido, tiene sobre la tierra la exclusiva de la infalibilidad. ¿No estaria en
error esta vez el representante del Eterno Padre? El caso es que, según
menta el cable, la ‘jazz-band’ acaba de hacer en Nueva York una
demostración de super vitalidad. Una orquesta compuesta por seis pianos
comunes, uno eléctrico, tambores de cobre, xilofones, pitos, matracas,
campanillas eléctricas, una máquina de coser, motores, dos latas vacías y
una hélice de madera, hizo oir una composición extrafuturista titulada
‘Balet Mechanica’. El progreso es evidente, pues hasta hoy no se ha visto
ni oído una bateria tan completa. Con todo, la ‘jazzband’ tiene aun un
gran margen de perfectibilidad. Todavia no ha introducido en sus recursos
sinfónicos el aullido del perro pisado en la cola, ni el estruendo de la caída
de un mozo con una pila de platos, ni el grito pelado de una mujer
apaleada, ni el fracaso de un choque de autobuses. Como se advierte, aun
no es tiempo que se muera. Pero he aquí, precisamente, que su
demostración de buena salud es el síntoma más alarmante. Si siguiera
siendo tranquilamente lo que hasta hoy ha sido, podría vivir mucho
tiempo. En cámbio, sus rápidos avances la precipitan hacia el final.
Cuando se le hayan agotado las fuentes, cuando ya no quede ruido nuevo
que introducir, se morirá de muerte natural o violenta, de consunsión o de
rabia. En medio de uno de sus ataques epilépticos, le dará una pataleta que
se la llevará al otro mundo. Su Santidad lo ha hecho decir por uno de sus
familiares, y Su Santidad es infalible” (Última Hora, 13/04/1927).
8
As gravações da jazz band de Adolfo Carabelli desta época para a Victor são relativamente fáceis de
conseguir. Seus discos originais são itens relativamente pouco valorizados – justamente por “fáceis de
conseguir” – entre os colecionadores, o que indica grande tiragens na época de lançamento. Ademais, é por
estas gravações que podemos ter idéia de como soava o jazz que o público portenho estava acostumado a
ouvir ao vivo na cidade na segunda metade da década de 1920. Sobre Carabelli, ver Pujol (2004: 27-29).
227
De todo modo, vemos que o exotismo, a excentricidade e a valorização do elemento
negro que aparecem nas crônicas sobre a orquestra de Sam Wooding já eram, em parte,
usuais em Buenos Aires nos idos de 1927. Mas, sua música e coreografia apareciam ao
público portenho como especialmente atraentes, diferentes do que ali se conhecia como
jazz. Quiçá um dos elementos críticos neste sentido seja justamente a habilidade
demonstrada nas improvisações, como sugere Pujol acerca daquele grupo, e como
transparece nas linhas de alguns cronistas da época.
El Telegrafo (14/04/1927), por exemplo, enfatizava que a orquestra agradava por
ser “conjunto musical verdaderamente prodigioso por la amplia labor que realiza cada uno
de sus componentes, y la animada melodía que imprimen a las composiciones que
ejecutan”. Já
Última Hora, no mesmo dia, noticiava:
“Continúa siendo muy concurrido el teatro Maipo a cuyas revistas ha
agregado um motivo de inusitada animación la orquesta de negros
contratada recientemente, que en rigor de verdad es una de las atracciones
que más celebra el público acaso por la nerviosidad que la música
norteamericana sabe poner en los nervios”.
Em Buenos Aires, a orquestra de Sam Wooding apresentar-se-ia ainda no dancing-
restaurant Ta-Ba-Ris, na região central da rua Corrientes, que então oferecia a seus clientes
orquestras renomadas, como a típica de Francisco Canaro, a jazz Armani e atrações de
variedades como dançarinos acrobáticos e focas inteligentes.
Várias das notas sobre a jazz-band de Sam Wooding incluíam fotos do grupo. De
especial interesse é uma que foi publicada em
Última Hora em 16/04/1927, onde fazem
pose dez músicos com seus instrumentos: além de piano, banjo e bateria, vê-se uma
vigorosa seção de metais e saxofones. De fato, contam-se na foto muito mais instrumentos
do que músicos, permitindo verificar a afirmação de alguns jornais de que os
228
instrumentistas tocavam vários instrumentos. O título e legenda da foto são os seguintes:
“Una jazz de actualidad - Actúa con gran éxito en Buenos Aires, simultáneamente en el
Maipo, el Empire y el Ta-Ba-Ris. En todas partes es muy aplaudida. Y con justicia. La jazz
Sam Wooding es de lo más eficaz que se ha oído hasta la fecha” (
Última Hora,
16/04/1927)
9
.
A orquestra de Sam Wooding segue em cartaz no Maipo e/ou Empire até por volta
de 20 de maio, totalizando aproximadamente um mês e meio de intensa atividade nas casas
de Humberto Cairo. Em 22 de maio, dois dias depois de desaparecer dos cartazes do Maipo
e do Empire, a orquestra debuta no Casino, em sessão dupla, às 15:00 e 20:45 horas, em
sessões cujas outras atrações eram “las focas sabias y ninfas” e “la revista de los perros”.
Segundo López (1973), de 06 a 12 de junho a orquestra apresentou-se no Gran Cine
Florida (Florida 271). Em 14 de junho debutam no Palace Theatre em Rosario, com um
contrato firmado com Max Gluksman, tendo permanecido na cidade até meados de julho.
López cita ainda a passagem da orquestra por La Plata, sem dar quaisquer detalhes. Não
tenho dados sobre a data em que Sam Wooding e sua orquestra deixaram a Argentina.
A V
ÉNUS DE ÉBANO (1929)
A esta altura, Buenos Aires ainda esperaria mais dois anos para conhecê-la “ao
vivo”, mas Josephine Baker já passeava pelas colunas dos jornais portenhos. Os cronistas
tematizavam sua grande e controvertida fama na Europa, o alto preço de seu cachê (250
dólares diários, segundo
El Telegrafo, 08/04/1927), o exotismo e a sensualidade de suas
roupas (e a eventual falta delas) e danças e, claro, a cor de sua pele. E também não faltava
9
Conforme figuras ao final do capítulo.
229
quem desdenhasse. Última Hora, ainda em 1927, discorria com ironia e incredulidade, em
sua seção de teatros e espetáculos, sobre a possibilidade da vinda da estrela à Argentina:
“Lo que es Josefina Baker, la bailarina negra – Hemos oído un
comentário, segun el cual se gestionaba la venida a esta de la excéntrica
Josephine Baker.
Bueno. Aunque eso de dar consejos resulta peligroso y no es
simpático, se nos ocurre esta vez opinar.
Si hay un empresario que quiere jugarse unos quantos miles de
pesos en una aventura, mejor será que traiga outra cosa, que las hay y en
abundancia, en el viejo mundo.
Josefina Baker es estrella en Paris, donde gusta todo lo exótico;
Spadaro agrada porque es italiano y Jenny Golder porque es inglesa.
La Baker era el único número bueno de una revista negra que el
publico aplaudió durante un año entero por puro snobismo.
Es una mujer joven, de facciones simpáticas, boca inmensa con
hermosos dientes, mucha gomina en el cabello para disimular la ‘mota’,
un interesante color chocolate claro y un cinturón de bananas por toda
vestimenta. Eso es Josefina Baker, y nada más.
No canta, y cuando lo hace luce una hermosa voz de mono joven.
Baila como cualquiera de nuestras segundas tiples y luce, eso sí, un
desnudo que pone expressiones sumariamente originales en la cara de los
apopléticos americanos que concurren al Folies Bergere.
En el mes de diciembre del año pasado, pese a la bola de flores
que caía del techo conteniendo a la original excéntrica, pese el piso de
espejo sobre el cual bailaba, terminaba los números con costadísimos
aplusos de claque, y el cabaret ‘Chez Josephine Baker’, regenteado por
ella si no há cerrado ya sus puertas, está prolongando su agonia.
Josephine Baker con ‘tetoniére’?…Nos quedamos con Tita
Merello.
Y vayan estas opiniones a título de simple curiosidad. A lo mejor
viene la Baker y llena el teatro hasta las arañas. Cosas más raras se han
visto” (Última Hora, 08/04/1927).
Pois bem, em 09 de maio de 1929, junto ao éxito da troupe Negros Cubanos em
seus palco, o Astral anuncia, na cartelera de
La Nación: “Mañana se embarcará en Génova
en el Conte Verde, para nuestro puerto, la célebre estrella JOSEPHINE BAKER”.
No dia 20 daquele mês,
La Razón publica uma nota sobre Josephine onde o autor
tenta defini-la, nos seguintes termos:
“Josefina Baker.
¿Es un hombre? ¿Es una mujer? Lleva los labios pintados de negro;
su piel es de color banana; sus cabellos, cortos, están pegados al cráneo
230
como si llevase un casco de piel de bacalao; su voz es sobreaguda; está
agitada por un temblor incesante, mercurial, epiléptico; su cuerpo se
retorce como el de un reptil, o mas exactamente, parece un saxofón en
movimiento, del cual salieren los sonidos de la orquesta; gesticula y se
contorsiona, bizca los ojos, hincha las mejillas, se desarticula, y,
finalmente se marcha a cuatro patas con las piernas rigidas, la parte
posterior más alta que la cabeza, como una girafa joven.
¿Es horrible, es encantadora, es negra, es blanca; tiene pelo o un
cráneo pintado de negro? Nadie lo sabe. No hay tiempo para saberlo.
Vuelve como se va, veloz como un aire de ‘one-step’; no es una mujer, no
es una bailarina; es una cosa transparente y fugitiva, como su musica, el
ectoplasma, por decirlo, asi, de los sonidos que oyen...” (La Razón,
20/05/1929).
Em 28 de maio, o mesmo jornal publica – sob o título “Josefina Baker, con su danza
personalisima, simboliza el vertigo del siglo” – as primeiras impressões de quem foi
pessoalmente esperar a Vênus desembarcar do navio. Chama a atenção do cronista sua
desenvoltura, elegância, tudo contradizendo as notícias que até então tinham chegado de
longe pelo cable. Sua cor não é nem negra nem branca, seu rosto é belo, seus dentes
perfeitos. Sua expressão é jazz:
“He aqui la mujer que en su danza exotica, personalisima,
simboliza el vértigo del siglo.
La Baker encarna el dinamismo y la vertiginosidad que
caracteriza nuestra época de los triunfos de la mecánica y de la velocidad.
Josefina, que en la escena se desarticula en contorsiones artísticas
– sin olvidar el ritmo de la música de sus danzas – para dar la sensación y
el colorido de sus bailes fantásticos de velocidad y animación, en la vida
privada es lo mismo.
Al conversar lo hace con tal desenvoltura, y acompaña a sus
palabras con tantos gestos – con la cara, con las manos, con los pies, etc. –
que se diria que imaginativamente está ensayando sus danzas...
No puede contenerse un minuto. Mientras dice uma frase amable
al cronista – que quizá le ha hecho una pregunta impertinente – saluda con
cariño a un compañero de viaje que se despide, acaricia el perro de outra
artista, y dispone el traslado de su equipaje.
Ella es así y entiende la vida a base de complicaciones que la
distraen y la divierten a la vez.
Habla en jazz, ordena en jazz, saluda en jazz...” (La Razón,
28/05/1929).
No fim da reportagem, o repórter totalmente “conquistado”, arremata:
231
“En resumen – Josefina Baker es uma mujer seria, que volcará
sobre Buenos Aires – avido siempre de emociones – el exotismo de su
arte moderno.
El fantasma de la mujer desnuda en escena no aparecerá por
ninguna parte, ni habrá motivo para escándalos.
Su ligereza de ropa – imprescindible para algunas interpretaciones
– no podrá indignar a nadie, ya que hemos visto hasta el cansancio las
bataclanas de la Rasimi y Volterra.
¿Acaso la desnudez de los boxeadores ha impedido que las
mujeres concurran en gran numero a las peleas de importancia?
Y, desde el punto de vista exótico, ¿no hemos tolerado a
Marinetti?
10
(La Razón, 28/05/1929).
Na reportagem acima, da qual transcrevi apenas trechos, já chama a atenção algo
que, em comparação com a cobertura jornalística dos Oito Batutas em 1922 e da orquestra
de Sam Wooding em 1927, surge marcadamente diferente no modo em que Josephine
Baker é inscrita nos jornais: desde o início, a voz dela mesma aparece, ou é representada,
nos textos. Pergunta-se a Josephine sobre sua arte, sobre o que acha do público, sobre o que
acha do que acham dela, sobre o que espera de Buenos Aires. Nos jornais, Josephine, ao
contrário dos músicos dos Oito Batutas ou da orquestra de Sam Wooding, aparece como
um sujeito e como um interlocutor. Com relação a estes últimos, vale lembrar que o único
momento em que algum membro do grupo foi tratado de maneira semelhante foi no caso do
enterro de Josué de Barros em Río Cuarto. E, recorde-se, naquele momento, sua associação
ao grupo de músicos não era mencionada. Os jornais riocuartenses queriam saber de Josué
detalhes a respeito da façanha e, depois, como se sentia dentro do caixão. Com o desfecho
decepcionante do episódio, revelada então sua vinculação ao grupo, Josué imediatamente
desaparece, seja como sujeito, seja como objeto, das páginas dos jornais. Já não teria
nenhuma “mensagem do além” para trazer.
10
Provavelmente o repórter esteja se referindo a Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), escritor italiano
ligado às origens do Futurismo, um dos mais radicais movimentos estéticos de vanguarda de inícios do século
XX. Marinetti esteve na América do Sul em 1926, quando deu conferências na Argentina, Uruguai e Brasil
(Sarco, 2004).
232
No dia 30/05/1929, o cronista de La Razón parece algo desconcertado em sua
descrição da apresentação de Josephine no Astral. Descreve a curiosidade e impaciência do
público, cuja reação à apresentação não teria sido a de uma automática ovação, mas de uma
conquista quase que involuntária, sobretudo quando, findo o espetáculo, a dançarina voltou
ao palco e tomou a palavra para agradecer. Na interpretação do cronista, não é
propriamente uma habilidade de bailarina o que distingue Josephine, mas sua habilidade em
representar na dança o aspecto selvagem inerente à sua raça. É esta articulação entre o
aspecto selvagem, a feminilidade e a doçura transmitidas por Josephine que parece
conquistar os cronistas.
“(...) gustan sus charlestons descoyuntados, se pueden reir sus ‘trubailles’
excéntricas, pero donde convence – a nuestro juicio – esta mujer es...
cuando se siente mujer. Entonces ya es lo mismo que sea negra o blanca”
(La Razón, 30/05/1929).
Josephine também cantou,
“Con una pequeña voz muy agradable, muy bien manejada, con expresión
deliciosa, insinuando con el gesto, con el ademán y con las expresivas
miradas de sus grandes ojos bellísimos, varias canciones americanas.
Porque Josefina Baker tiene el encanto de una coqueteria muy femenina y,
a un mismo tiempo, muy... salvaje. (‘Pardon’)” (idem).
No repertório de canções, incluiu, no bis, o tango Haragán, de Enrique Delfino,
que, segundo o cronista, lhe valeu a conquista definitiva do auditório. A crônica termina
assim:
“Cuando el publico se decidió a salir de la sala, permaneció en la calle
para esperar a esta mujer, a quien, indudablemente, un día erigirán los
negros un monumento. ¿A caso no ha influido en el actual prestigio
social...y musical y coreográfico de la raza?...” (idem).
O cronista de
Crítica, também na edição do dia 30, anota o grande interesse do
público, que se acumulava nas proximidades do teatro desde horas antes do início do
233
espetáculo. Para ele, a bailarina despertou, por antecipação, a curiosidade do público a um
grau máximo, “Como no habia ocurrido nunca, con los más talentosos artistas: con los
genios de la escena” (
Crítica, 30/05/1929). Transcrevo abaixo a descrição do cronista de
Crítica da performance de Josephine Baker em sua noite de estréia em Buenos Aires:
“Cuando se descorrió la tela, la sala hervía de impaciencia, como si
fuera a estallar. Los acordes de la jazz y la luz de los focos que
alumbraban un paisaje africano tranquillizó a los inquietos espectadores,
que se dispusieron a develar el misterio de la exótica bailarina negra que
había conquistado a Europa.
Danza Salvaje
Después de una breve canción a cargo del ‘chansonnier’ señor
Casaravilla, en un promontorio que presenta el terreno, aparece Josefina
Baker. La vestimenta escasa que usa la bailarina, permite apreciar la línea
elegante de su cuerpo. Es alta, delgada y de carnes ceñidas. El color de su
piel no es negro, como podría suponerse. Más bien se acerca a un tono de
marfil viejo. Avanza con las manos en alto, en un gesto de invocación,
haciéndolo con movimientos lentos y armoniosos. Luego se acerca, casi
arrastrándose como un felino al explorador, que se supone ha desatado su
instinto salvage y comienza la danza. La Baker tiene aguzado el sentido
de la plasticidad, de modo que logra en cada movimiento, efectos
artísticos de un buen gusto innegable. Y cuando la danza llega a su mayor
intensidad, la bailarina negra, sin perder nunca su linea de arte, sin caer en
efectos vulgares y groseros, logra imprimirle una sensación de
maravillosa sensualidad. Por un momento el espectador se asombra. ¿A
qué extremos llevará esa furia sensual que desata en la danza selvaje? Los
nervios se crispan. Se espera la hecatombe. Se tiene la sensación de que el
teatro se desploma. Las caderas y el vientre de Josefina continúan
haciendo un juego endemoniado...
¿Tendrá la negra el divino don de la medida? Un movimiento más
acentuado, un pequeño gesto la llevará a la pornografia perfecta.
Pero la Baker, que tiene indudablemente un verdadero
temperamento de artista, conserva su danza dentro de una línea impecable
de arte. Y la danza adquiere entonces una sensualidad maravillosa.
La sala estalla en los primeros aplausos.
El público
¿Ha logrado la Baker con la danza salvaje adueñarse del público y
convencerlo plenamente que su celebridad no es obra del azar?
Creemos que no. Los espectadores están asombrados.
Desconcertados. Se advierte, una suerte de estupor en el publico, por esa
audacia de la Baker en su muestra de refinado sensualismo. Y, sin
embargo, el público no ignoraba los escándalos y también el succeso de
esos bailes.
234
Danza de las Plumas
Josefina. La Vénus de ébano, como han dado en llamarla algunos
comentaristas, se nos muestra en la Danza de las plumas en outro aspecto
de su temperamento. Este baile es un motivo cómico-grotesco. Si en la
Danza selvaje habia lobrado electrizar al público con una suerte de intenso
sensualismo, en este outro consigue hacerlo reir con sus caricaturas. Su
cuerpo adquiere por momentos formas grotescas tan extraordinarias que
arrancan caracajadas al auditorio. Su silueta estilizada pierde la elegancia
anterior y se transforma en avestruz, en um bicho raro, en todo, menos en
una mujer...
Ahora la Baker ha triunfado, gañandose por completo las simpatías
del público.
Canciones
A la Danza de las plumas se succede un cuadro titulado
‘Canciones’. Después de verla actuar en este número se puede tener
noción de los valores de la extraordinária bailarina negra.
No tiene más que un hilo de voz cuando canta, pero su mimica es
tan expresiva, sus movimientos tan finos y delicados, señoriales y
aristocráticos, que no deja ya duda ninguna sobre su vigorosa
personalidad. La Baker no ha triunfado en razón del color de su piel. La
curiosidad de los europeos no pudo detenerse en su exotismo exterior para
consagrarla. Quienes aseguraban que el éxito de la Baker residia en el
detalle de su raza, puede ahora rectificar el erróneo juizio. La bailarina
negra es en realidad una artista de talento.
El outro aspecto de la bailarina
En el espectaculo ofrecido ayer por Josefina Baker se pudieron
valorar los diversos matices que alcanzan sus originales interpretaciones.
Desde el motivo salvage, impregnado de intenso sensualismo, hasta la
canción delicada y sentimental, como contraste. No escapa tampoco a su
visión de artista la nota humorística y el nervio y la agilidad acrobática del
charleston.
En esos cuatro aspectos con que se mostró anoche, se aprecía a una
bailarina de temperamento poco común, que ha sabido crearse un arte
personalísimo. Claro está que sus bailes escapan a las escuelas clásicas y
al virtuosismo de la técnica. En la Baker se debe buscar la expresión de un
artista que siente, a su manera, sin interesarle cuanto le aconseja o le
indica la tradición.
El público
Si lo espectadores que asistieron anoche el debut de la Baker,
quedaron después de la danza salvaje un tanto desconcertados, cuando el
espectáculo llegó a su termino, no fueron parcos en demostrar su
aprobación. Como no ocurre nunca en nuestros teatros, el publico quedó
en la platea media hora en pié, ovacionando a la bailarina negra.
235
Y el telón se levantó así por diez o quinze veces, hasta que la Baker
cantó un trozo de ‘Haragán’ y repitió un charleston.
En la calle, quinientas personas estacionadas frente al Astral
esperaron la salida de la bailarina para festejarla.
Sin embargo, una buena parte del público que aplaudía no había
salido aún de una clara sensación de sorpresa. No concretaba aún su
opinión definitiva: ‘¿qué es esto? ¿bueno? ¿malo? ¿extraordinário?’, se
decía” (Crítica, 30/05/1929).
A agenda de Josephine em Buenos Aires incluiu, além dos palcos, visita e entrevista
à Radio Buenos Aires (
La Razón, 08/06/1929), visita à redação de Crítica, com farta
cobertura fotográfica publicada pelo jornal em 30/05/1929. Mereceu poemas publicados em
jornais, e o próprio presidente, Bernardo Yrigoyen, envolveu-se em uma polêmica em torno
da tentativa de proibir que Josephine se apresentasse “desnuda” (
Crítica, 31/05/1929),
intenção que foi devidamente respondida por ela, com muita polidez, nas páginas de
Crítica
11
.
Neste ponto, deixamos o rastro nos jornais bonaerenses por Josephine Baker. De
acordo com Pujol (2004: 38), além do Astral, ela se apresentou, na capital, também no
Fénix, no Empire e no Florida, neste último, acompanhada pela jazz de Eduardo Armani.
Depois de uma passagem por Rosário, ela estréia na cidade de Córdoba em 30 de outubro.
No dia do debut de Josephine Baker em Córdoba, ela ocupa uma página inteira de
La Voz del Interior, com fotos, entrevista, e a reprodução de uma dedicatória sua para o
jornal, autografada. A epígrafe da página diz: “Con el Jazz-Band de su Alegría, se Asomó
por los Ventanales de sus Grandes Ojos, el Alma de la Negra Josephine, sobre la Ciudad de
los Campanarios”. Novamente, os temas da reportagem são o caráter selvagem de suas
danças, a euforia do povo para vê-la no hotel onde ficou hospedada, sua sedutora
11
No dia seguinte, o mesmo jornal entrevista a dançarina, transcrevendo da seguinte forma seu comentário à
preocupação de Yrigoyen: “El señor Yrigoyen no me ha visto bailar todavía. Si lo hiciera, comprobaria que lo
han informado equivocadamente respecto a mis condiciones y a la forma de presentarme al público” (Crítica,
01/06/1929).
236
feminilidade, sua gentileza, inclusive seu frívolo gosto literário por novelas, tomado como
mais uma prova de sua absolutamente normal feminilidade. Josephine permanece em
Córdoba até o dia 08 de outubro, quando, segundo noticiava
La Voz del Interior
(09/10/1929), seguiria de trem para Mendoza e dali para o Chile. Assim, totalizou pouco
mais de quatro meses nos palcos argentinos.
Pois bem, o que pode ressaltar da comparação, neste lapso de seis anos, entre os
Oito Batutas e Josephine Baker, passando pela orquestra de Sam Wooding, na Argentina,
entre 1922-23 e 1929? Inicialmente chama a atenção a mobilização incomparavelmente
maior de ânimos e atenções provocada por Josephine Baker em comparação com o que se
discutiu em torno dos Oito Batutas. Estes eram vistos sobretudo em termos do que seria
uma “encarnação” do Brasil. Josephine, apesar de eventualmente referida como ‘yanqui’,
parecia não ser concebida senão como uma encarnação de si mesma enquanto sublimação
de uma essência selvagem e refinada ao mesmo tempo. Os Oito Batutas podiam, conforme
a necessidade, tornar-se uma jazz-band ‘genérica’ para animar um baile. Josephine era a
própria personificação do jazz. O caráter de protagonismo sobre a própria arte aparece, nos
jornais, muito mais forte em Josephine do que nos Oito Batutas. Ela era, enfim e antes de
mais nada, uma mulher sedutora. Os Oito Batutas ficaram limitados ao seu exotismo e/ou
ao serviço musical ‘genérico’ em bailes. Sobre a cor negra, se ela foi eventualmente alvo de
ataques com relação aos Batutas, teve uma recepção mais consensualmente positiva – sob a
ótica do exótico – com relação à orquestra de Sam Wooding. No caso de Josephine, no
entanto, os cronistas se vêem levados a “re-interpretar” a cor de sua pele. A sedução de sua
figura é tal que força a uma reorientação das associações dadas, tendencialmente racistas na
origem, entre categorias e valores. Por certo, o “simples” fato de ser mulher tem um peso
237
importante para que se compreenda esta recepção tão destacada que Josephine Baker teve
nos jornais argentinos: as vozes ali manifestadas são predominantemente masculinas, como
provavelmente a grande maioria de seu público. Se mobilizamos a noção weberiana de
carisma, conforme a apreciação de Geertz sobre sua apropriação por Edward Shils
12
,
podemos tentar compreender a dançarina como um fenômeno onde determinadas
qualidades pessoais encontram-se próximas a um destes “centros ativos da ordem social”
caracterizados como “um ponto ou pontos de uma sociedade, onde as idéias dominantes
fundem-se com as instituições dominantes para dar lugar a uma arena onde acontecem os
eventos que influenciam a vida dos membros desta sociedade de uma maneira
fundamental”
13
. Sem poder levar adiante um exame detalhado de como o universo de uma
artisticidade ligada a um mundo essencialmente noturno e sensual se configurava como um
destes “centros” na cultura argentina da época, tenho, não obstante, a impressão de que os
textos jornalísticos aqui examinados são eloqüentes a respeito de qual seria a “substância”,
o centro de força do fascínio exercido por Josephine Baker, já indicado acima: nela
aglutinavam-se, de maneira completa e acabada, os sentidos do moderno e do primitivo, sua
perfeita fusão sendo garantida pela materialização num corpo sensual de mulher. Não seria
à toa que, na tentativa de entender e explicar Josephine Baker, os cronistas, buscando
pontos de referência, oscilavam entre as “selvas da África” e o futurismo italiano de
Marinetti, repleto de máquinas e eletricidade. Assim, um senso comum que era bastante
permeado por um evolucionismo social unilinear, via-se às voltas com um signo, sedutor,
que imprimia uma curvatura no vetor da história, unindo suas pontas. A unidade
contraditória que Josephine figurava à perfeição colocava numa pílula os sentidos que
12
Cf. Geertz (1997: 182-185).
13
Geertz (op. cit.: 184).
238
circulavam algo dispersos em torno do que se designava como jazz. Se o aspecto
“primitivo” se materializava nas danças e na cor de seu corpo, o aspecto “moderno” estava
dado em sua relação, “impronunciada mas fortemente presente”
14
com os Estados Unidos,
via Paris.
Garramuño (2007) estuda a apropriação simbólica do tango na Argentina e do
samba no Brasil entre os anos 1920 e 1930 como um processo de positivação de um
primitivismo que, originalmente renegado, passa a ocupar o centro da construção
imaginária da nação, como um de seus principais identificadores. Esta inflexão no sentido
do primitivo e sua compatibilização com a idéia de modernidade seria justamente o passe
de entrada identitário destas nações latino-americanas no contexto “cultural” internacional.
A autora estuda este processo como um horizonte simbólico amplo que ultrapassa o
universo musical para entrar como elemento importante de elaboração pelas vanguardas
artísticas locais na sua busca de, ao mesmo tempo, compatibilizar-se e diferenciar-se com
relação aos centros europeus (sobretudo Paris). Estas “modernidades primitivas”, que
passam a ter o samba e o tango como elementos centrais, permeiam, então, as obras de
artistas como Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo,
Heitor Villa-Lobos, Radamés Gnatalli.
À luz do que vem sendo aqui discutido, poder-se-ia sugerir que, se esta aglutinação
de “opostos”, mesmo que aparentemente sempre guardando um resíduo de ambigüidade,
pôde ser efetuada de modo legítimo pelas vanguardas representadas por nomes como os
acima citados, no caso de um grupo de músicos populares negros como os Oito Batutas, a
coisa era diferente. Afinal, não há um ar de paradoxo em pensar os Oito Batutas, eles
mesmos, como protagonistas de uma vanguarda musical? Ou restaria a estes sujeitos, antes
14
Utilizo os termos do Prof. Rafael José de Menezes Bastos, que chamou minha atenção para este ponto.
239
de tudo, o lugar de elemento englobado
15
pelas vanguardas que desfrutavam a legitimidade
de ser nacionais e cosmopolitas a um só tempo, alavancando a própria modernidade com os
primitivismos então convertidos em – e doravante cultuados como – raízes? Deixo aqui as
perguntas, a serem retomadas logo, nas considerações finais.
L
IVROS: COSAS DE NEGROS E LA HISTORIA DEL TANGO
Em 1926 foi publicado, na cidade de Córdoba, pelo uruguaio naturalizado argentino
Vicente Rossi
16
, o livro Cosas de Negros, conhecido como uma das primeiras referências
literárias sobre o tango, mas que também se ocupa, em diversos momentos, do jazz.
Rossi inicia seu livro de maneira curiosa, contando uma espécie de “história
universal” da sujeição do homem “negro” ao “branco”, naturalizando-a, de certa forma, e
lançando as raízes da escravidão ao próprio Gênesis. A denúncia da profunda injustiça que
permeia esta ordem de coisas segue como uma espécie de fio condutor do livro, cujo ponto
de chegada é mostrar como o negro, de certa forma, se liberta do jugo através de uma
musicalidade e de uma alegria que lhe são intrínsecas e, numa espécie de reversão, em
outro nível, de sua sujeição inicial, conquista o mundo com sua música e dança.
Rossi descreve o surgimento e desenvolvimento da musicalidade “negra” no Río de
La Plata, desde os primeiros candombes, cujo apogeu teria sido no Uruguai entre 1875 e
1880 (: 62) até o tango, passando pela milonga. Caracteriza os negros trazidos da África
15
Cf. Dumont (2000).
16
Rossi nasceu em 23 de março de 1871 em Santa Lua, Uruguai, e morreu em 23 de novembro de 1945 na
cidade de Córdoba, Argentina. Era filho de pai genovês e mãe argentina. Radicou-se no país de origem
materna em 1898. Foi escritor, tipógrafo, editor e crítico, com uma importante atuação na imprensa periódica.
Sua lista de publicações inclui, além de Cosas de Negros, livros, artigos e ensaios com temas diversos, do
teatro à filologia (Cf. “Estudio Preliminar” e “Bibliografía de Vicente Rossi” por Horacio Jorge Becco em
Rossi, 2001: 09-32). A obra de Vicente Rossi alcançou visibilidade em diferentes âmbitos, como
testemunham as referências a ele feitas por autores como Jorge Luis Borges na sua Historia del Tango, de
1930, (Borges, 2000: 166) ou o brasileiro Artur Ramos, em seu As Culturas Negras no Novo Mundo, de 1937
(Ramos, 1979: XXIII).
240
como o único motor econômico da colônia, e também como seres ingênuos e primários,
dotados de uma natural dignidade, forte moralidade e sincera religiosidade.
Mais do que entrar nos pormenores da “historiografia” de Rossi, creio que aqui seja
interessante buscar algumas categorias que operam nas entrelinhas de seu texto, tomado
aqui como um discurso nativo datado de 1926.
Para Rossi, o brilho dos candombes originais vai se apagando na medida em que
desaparecem os últimos africanos do solo rioplatense. Mas, esses “derradeiros negros”,
“Rien como si supieran de lo ‘irónico’ y de lo ‘estoico’, y
sospecharán que dejaban la herencia de sus dislocamientos y cantables,
que prolongarían su dinastia en los grotescos reyes carnavalescos, y su
típica alegria en los fugaces reinados de los grandes salones.
El blanco a debido darse cuenta alguna vez de que con el negro se
había hecho a sí mismo una broma muy pesada” (: 74).
Em sua história, Rossi aponta para o que seria uma musicalidade da diáspora negra
na América. Faz referências ao Brasil e a Cuba, como nesta interessante passagem:
“El folklorista Pichardo, que escribió allá por el año 1834, nos
dejó algunos datos sobre los ‘cabildos’ afro-cubanos, y se ve que ofrecían
tanta analojía con los candombes rioplatenses que convencen de que en
ese exponente la raza negra manifestaba una modalidad típica africana,
evocada por igual en todas las rejiones en que pobló, con las inevitables
variaciones que el ambiente y las costumbres le obligaban a aplicar” (:
91).
Tal diáspora impregnou a América de valores que acabaram sendo apagados pela
história oficial, e Rossi denuncia as doutrinas do branqueamento ao mesmo tempo em que
localiza precisamente no tango, na “maxixa” e no shimmy uma reversão musical desta
ordem:
“Los mismos que temeron al color negro, los que han temblado
con solo pensar que en la historia de su region figurase esa intervencion
racial; los que cepillando motas castañas o rubias han sentido los
escalofríos de la sospecha de una lejana ascendencia africana, no pudieron
241
resistir el contajio de la alegría del negro, y a ella se entregaron, y
aliviaron sus preocupaciones.
Vamos con estas páginas por el camino que recorrieron el Tango,
la Machicha y el Shimmy, para formarse, surjir y conquistar a ese mundo
civilizado que vive esclavizado en sus proprias artimañas; y en esta
andanza solo el negro criollo y rioplatense puede servirnos de guía”
(Rossi, op.cit.: 104-105).
O tango, para Rossi, é criação rioplatense e tem sua origem na milonga de
Montevideo, adotada nos palcos teatrais de Buenos Aires e fixada na partitura. Por sua vez,
a milonga é caracterizada pelo autor como um modo de tocar
17
, em Montevideo – bastante
influenciado por uma musicalidade antilhana, vinda de navio – o repertório exótico de
valsas, polcas, mazurkas, chotis, habaneras (: 147).
No fim, após seu período de gestação no Río de la Plata, o tango (que é “a milonga
consagrada no pentagrama”) conquista Paris, por volta de 1910, sendo que a Argentina
passa a ser mais conhecida, por lá, através de sua música nacional do que por coisas como
dados sobre a expansão das linhas férreas ou os números de suas colheitas (: 168). Entre as
“causas” da aceitação do tango pela classes altas de Buenos Aires estaria nada menos do
que um exemplo brasileiro:
“En enero de 1907, durante uma fiesta oficial en Rio de Janeiro,
en honor del ex presidente arjentino señor Roca, graves personajes y
damas brasileras bailaron la Machicha, y nada menos qu la muy orillera
‘Vem aca mulata’, lo que animó a varias señoritas allí presentes, de
regreso de Francia, a bailar um tango” (: 156).
O maxixe é bastante presente no texto de Rossi, chegando a ser caracterizado, em
dado momento, como “el tango del suburbio brasilero” (: 169).
No mundo da música, enfim, é onde o negro opera sua revanche, e ela se materializa
especialmente, para Rossi, na conquista da Europa pelo tango:
17
O gênero choro, no Brasil, é definido da mesma maneira, como um modo de tocar repertórios de origem
estrangeira, por Tinhorão (1997: 107-125; 1998: 193-203).
242
“En un dia no lejano, si antes Asia no la devora, Europalandia
tendrá que ser, de hecho, fatalmente conquistada por América, y, con toda
seguridad, los primeros conquistadores saldrán del Rio de la Plata” (:
182).
Enfim, o que me parece mais interessante reter do livro de Rossi é a clara
equivalência que o autor postula entre o tango e o maxixe, cada um, por seu turno, “cosas
de negros”, na Argentina e no Brasil.
No capítulo final, intitulado “La ingeniosidad del negro”, Rossi retoma o elogio da
musicalidade negra em toda a América: Estados Unidos, Brasil, Antilhas, Rio da Prata. O
caso do Brasil, novamente:
“La Maxixe, de fama mundial, que en el Plata pronunciamos
Machicha, es el tango brasilero creacion del negro.
Portugalandia adeuda al africano (su industria y familiar de otrora)
sus mejores cantos y danzas; los hermosos Fados son saudades de la
sujerente cadencia jenuina de su criollo negro. El lusitano conservaba la
herencia del projenitor marroquí en su Sarabanda y en la característica de
su arte popular, pero la del negro se impuso sobre aquella, y prevalece en
la península como prevaleció en América el canto y danza brasileros
(Rossi, op. cit.: 224).
O livro é encerrado com um elogio da jazz-band onde a música “do negro” é oposta
à “do branco”: a do segundo “refleja todas sus debilidades y pasiones, por eso canta, reza,
blasfema, llora, ruje y acaricia. La del negro solo ríe, a veces disimulando una suave
nostaljita;...” (: 226).
Finalmente,
“El jazz-band de los negros norteamericanos testifica lo que
dejamos dicho. Nada mas curioso que esse conjunto de difíciles y
delicados instrumentos malabareando sin batuta las notas musicales en
atrevidos compases que, empeñados en no dejarlas reunir en armonía,
crean una melodía nueva; las sacuden como calidoscopio de juguetería
formando siempre figuras perfectas; las mutilan, las violentan, las afinan o
enronquecen, las disgregan o apeñuscan, y surge siempre una singular
extraña cadencia insospechada que parece irritar a la banda, como si en
efecto buscara afanosa um verdadero desconcierto; la ‘batería’ en la que el
negro ha reunido los ruidos de la selva nativa, ensordece en aparente
243
desacuerdo con los instrumentos clásicos a que acompaña; y el extraño
contrapunto no cede, como la corriente de agua corre y corre perseverante
sin que ningun accidente del terreno la detenga, porque los salva
adaptándo-se a todos.
La música de un jazz-band es uma melodia verdiana debatiéndose
en um torbellino wagneriano. Juguetona como el negro mismo, sube a
crescendos rotundos y baja a diminuendos infinitesimales.
La ‘cultura artística’ suele ser en el blanco pose y efectismo; en el
negro es habilidad injénita, y con su Jazz-band lo prueba: tifon de notas o
cascabeleos de ruidos desarticulados, en tropel sobre un plan melódico
que los aúna, así como barullentos escolares loqueando en las filas van
entrando a clase en perfecto orden.
Y tras esta gimnasia musical desorbitada de innegable belleza, el
maestro negro confirma el simplismo de su injenio repentista, y revela su
espíritu innovador con finales cortantes, secos, que desperan la técnica
arcaica de los interminables finales clásicos” (Rossi, op. cit.: 227).
Posição muito diferente com relação ao jazz será aquela defendida, dez anos depois,
pelos irmãos Hector e Luis Bates, em seu clássico “La Historia del Tango – Sus Autores”,
de 1936
18
. Como notam Lamas e Binda (1998) em seu fartamente documentado El Tango
en la Sociedad Porteña: 1880-1920, o livro dos irmãos Bates é um dos primeiros e
principais marcos da criação de um mito do tango argentino que consiste,
esquematicamente, na seguinte seqüência: 1) uma origem “maldita” em bordéis e casas de
má reputação da periferia de Buenos Aires entre fins do século XIX e inícios do século XX;
2) um período de “purificação” implicando numa ascendência social, aperfeiçoamento
musical e consagração em Paris em torno da década de 1910, e 3) a posterior aceitação
pelas elites nacionais e consagração como gênero musical nacional argentino. Lamas e
Binda focalizam sua crítica sobretudo na tese da origem maldita do tango, mostrando sua
aceitação em bailes de carnaval e no repertório de bandas militares já quando mal
começado o século XX. Deixando a possibilidade de desenvolvimento deste ponto (e sua
18
A publicação do livro tinha sido precedida por uma série de programas radialísticos apresentados pelo
próprio Héctor Bates e transmitidos pela Rádio Fenix, de Buenos Aires. Em sua edição nº 392, de 21 de
setembro de 1935, a revista La Canción Moderna noticiava a comemoração, com uma recepção, da
transmissão do centésimo programa.
244
tentadora comparação com o caso do samba no Brasil) para desenvolvimentos futuros,
gostaria de focalizar aqui alguns pontos do livro dos irmãos Bates.
O primeiro ponto é que citam bastante o livro de Vicente Rossi numa argumentação
contra as idéias de Carlos Vega sobre a origem espanhola (com o tango andaluz) do tango
rioplatense, com o corolário, sempre firmemente defendido por Vega, da ausência do
“elemento negro” na formação do tango rioplatense
19
. Alinhando-se, neste ponto, a Rossi,
os Bates concebem o tango como um híbrido cuja linha melódica e a força emotiva vêm da
habanera, a coreografia vem da milonga e o ritmo vem do candombe. Na história do tango
contada pelos irmãos Bates são elementos importantes a idéia de uma progressiva
moralização das letras e lugares onde se praticava o gênero, junto com sua evolução
musical (concebida de um ponto de vista naturalizado e teleológico). Apesar de alinharem-
se a Rossi, contra Vega, com relação às origens do tango, os irmãos Bates têm uma postura
inversa à de Rossi em relação ao seu entusiasmo pelo jazz. Assim, permeia o livro uma
postura nacionalista onde o jazz materializa uma ameaça. Se, em Rossi o tango é uma
criação original rioplatense, com flagrantes raízes uruguaias, este “localismo” termina
englobado por uma “militância” em favor do negro, em última instância, do negro
americano (do sul, do centro, do norte). O jazz é, em Rossi, algo como a quintessência de
uma musicalidade negra que domina, seduzindo-o com sua alegria, o próprio dominador
(ora, o “homem branco”, hora, mais especificamente, o europeu). Já nos Bates, o jazz,
inimigo num registro nacionalista, carente de valor próprio musical, dominou o mundo
através do poder econômico, diferentemente do tango, que o fez por seu valor próprio.
Vejamos:
19
Para uma discussão sobre este tema, conforme Dominguez (2009: 52 e passim).
245
“El ‘jazz’ no dominó al mundo por la fuerza de su ritmo, de su
melodía, de su música: fué imposto por los yanquis; lo ‘metieron’ por los
ojos, por los oídos, bajo la amenaza de razones comerciales. Y el mundo
se vió en la obligación de aceptarlo, porque era peligroso provocarle un
desaire a la gran nación del norte.
El tango, no; el tango conquistó el mundo por la sugestión que
emanaba de él mismo. Y, ¿por qué no decirlo?, él há sido nuestro más
grande embajador” (Bates, op. cit.: 61).
Assim, no livro dos Bates, a música quase desaparece na discussão sobre o jazz em
favor de um nacionalismo que não vê no gênero musical senão a manifestação de um país
concebido em bloco como o Grande Outro. O texto tem o ar de uma cruzada em favor de
um tango que se vê (ou, melhor dizendo, que é visto como) ameaçado. Por exemplo, na
seção de perfis biográficos de músicos que se segue à pimeira parte do livro, depois de
introduzir a Osvaldo Fresedo
20
– que nesta época dialogava bastante com a linguagem
20
Entre seus números 393 (28/09/1935) e 401 (23/11/1935) a revista La Canción Moderna, que circulava
desde 1926, publicou uma série de entrevistas com músicos argentinos cujo tema era precisamente Tango
versus Jazz. Em cada número da revista, um músico célebre era convidado a opinar sobre cada um dos
gêneros. A intenção manifesta da série de reportagens era ressaltar o tom polêmico que a questão assumia
então. Foram entrevistados tanto músicos de tango, quanto de jazz. Os entrevistados, por edição, foram os
seguintes, alternando-se sempre um de tango e um de jazz: Francisco Canaro (393), Eduardo Armani (394),
Osvaldo Fresedo (395), Raúl Sánchez Reinoso (396), Roberto Firpo (397), Rudy Ayala (398), Francisco
Lomuto (399. Grande parte deste número da revista é ocupada pela cobertura da chegada a Buenos Aires das
irmãs Miranda: Carmen e Aurora, com o Bando da Lua. As cantoras brasileiras, fartamente fotografadas,
centralizarão as atenções de boa parte das edições seguintes), Adolfo Ortiz (400) e, por fim, Edgardo Donato
(401). As posições eram muitas vezes expressas em tom aguerrido, como em “El tango es musicalmente
infantil” (Rudy Ayala) ou “El tango podría igualar al jazz y si es posible superarlo” (Roberto Firpo). A
postura externalizada por Osvaldo Fresedo é mais conciliatória e, para voltar ao termo, cosmopolita. Sua
entrevista é intitulada “Quedarse con el tango de antes seria matarlo”. Nesta frase, Fresedo – então cabeça de
uma das orquestras típicas mais conceituadas de Buenos Aires, com a qual já tinha excursionado longamente
ao exterior – resume sua opinião de que o jazz – por seu nível de desenvolvimento na instrumentação e na
harmonia – tem um valor exemplar para a “evolução” musical do tango, que nestes quesitos estaria ainda
tateando. À pergunta “?Por qué incorporó composiciones de jazz a su repertório?”, responde com segurança:
“Porque adoro todo lo que sea música; para mí la música no tiene fronteras. Por eso figuran en mis audiciones
foxtrots, rumbas, maxixas, marchas y toda composición que me agrade y agrade a mis oyentes”. No final da
entrevista, diante de uma certa ironia do entrevistador com relação ao seu gosto pelo jazz “apesar” de ser um
músico de tango, Fresedo arremata: “No me he dedicado al tango exclusivamente, sino a la música...”. Como
vimos, esta postura de Fresedo – que não sente a necessidade de ancorar-se apenas na justificativa de que “o
mercado assim o exige”, baseando largamente seu gosto pelo jazz em suas próprias preferências e concepções
musicais, ou seja, “porque a mí me gusta” – merecerá a crítica de Bates (op. cit.). Por estes tempos, idos de
1935-36, os Oito Batutas, enquanto grupo, já não estarão atuando. Mas, creio que exista algo – talvez muito –
desta postura “fresediana” naquilo que Bessa (2005) chamou de a escuta aberta de Pixinguinha, uma
orientação musical cosmopolita que, no caso do músico brasileiro, teve implicações diferentes do que aquelas
encontradas por Fresedo.
246
jazzística – como um dos maiores do tango, nome que “sigue inconmovible en su pedestal
de aplausos”, agregam:
“Pero en su afán de presentarnos una orquesta moderna, el tango
ha pasado a ocupar un lugar de segundo orden en su ‘típica’, que dejara de
ser tal para convertirse en una ‘jazz’. Tal es el motivo que nos induce a
lamentar, en primer término, el cambio experimentado, y en segundo, la
pérdida que sufriera nuestra música popular al alejarse de ella uno de
quienes más capacidad había demostrado para realizar la evolución
instrumental del tango, aguardada durante tanto tiempo. Ahora estamos de
nuevo como al princípio; más atrás, si se quiere, por cuanto un
estancamiento en estas cosas es un signo de retrogradación” (Bates, op.
cit.: 190).
Um nacionalismo semelhante àquele que informa a posição dos irmãos Bates em
1936 irá permear parte da literatura produzida no Brasil sobre as origens do samba.
Fechando o percurso , vamos agora voltar a atenção para algumas das obras seminais desta
produção.
O
S PRIMEIROS LIVROS SOBRE O SAMBA
Francisco Guimarães, o Vagalume, abre o seu Na Roda do Samba, publicado no Rio
de Janeiro em 1933, manifestando a proposta de, “separar o joio do trigo”, intentando
revelar a verdade sobre o samba, baseando-se para isto no seu status de testemunha direta
dos fatos.
Segundo Vagalume, o samba nasceu na Bahia e desenvolveu-se, “civilizou-se” no
Rio de Janeiro. Depois de ter sido repudiado, debochado e ridicularizado, tornou-se, “hoje”
“uma das melhores indústrias pelos lucros que proporciona aos autores e editores”
(Guimarães, 1978: 28). Nesta passagem, já surge o que será um dos principais fios
condutores do livro de Vagalume: a denúncia da apropriação indevida de sambas.
247
Ligado a outros gêneros por uma árvore genalógica - “irmão do batuque e parente
muito chegado do cateretê; é primo do fado e compadre do jongo...” (Guimarães, op. cit.:
29) -, o samba nasce no morro, “no coração amoroso de um homem rude” e morre na
vitrola, “No esquecimento, no abandono a que é condenado pelos sambistas que se prezam,
quando ele passa da boca da gente da roda, para o disco da vitrola. Quando ele passa a ser
artigo industrial – para satisfazer a ganância dos editores e dos autores de produções dos
outros” (: 30-31).
Um dos principais alvos da crítica às apropriações indébitas de sambas que
Vagalume faz ao longo do livro é o sambista Sinhô, conhecido como o Rei do Samba -
músico talentoso, dotado de boa memória, Sinhô foi, segundo Vagalume, um dos principais
responsáveis pelo ingresso do samba no mundo do teatro de revistas. Outro que não passa
incólume é Donga: seu Pelo Telefone tendo sido “pescado” na casa da tia Asseata [sic] (:
33).
Muitas vezes o texto assume o tom de um grande crônica, avaliando e comparando
sambas deste ou daquele compositor, mapeando, de certo modo, o cenário musical daquele
momento. Nesta trama, Sinhô, que volta e meia é reputado como ladrão de sambas, surge
também como o Rei de fato: “INDUBITAVELMENTE o ‘Sinhô’ fez jus à sua elevação a
REI e soube reinar” (: 61).
Mas nota-se também nas linhas de Vagalume que, junto com a degeneração
comercial do samba, há uma descaracterização musical, o samba vai perdendo sua essência.
Neste sentido, parece haver ali uma certa polarização entre o samba bahiano e o samba
carioca. Quando ele se refere à “gente do outro tempo” aparecem as casas das tias baianas e
os candomblés. A casa da tia Asseata aparece ainda como um ponto intermediário entre o
morro e outros âmbitos:
248
“Os sambas na casa de Asseata eram importantíssimos, porque, em
geral quando eles nasciam no alto do morro, na casa dela é que se
tornavam conhecidos na roda. Lá é que eles se popularizavam, lá é que
eles sofriam a crítica dos catedráticos, com a presença das sumidades do
violão, do cavaquinho, do pandeiro, do reco-reco e do ‘tabaque’ (: 88).
De um modo geral, o livro de Vagalume aparece como se fosse escrito para uma
platéia específica, tomando partido dentro do que seria uma rede local de relações sociais
marcada pela competição, intrigas, troca de acusações e panos quentes, declarações de
amizade e admiração. Mal se ensaia um ponto de vista distanciado e analítico com relação
ao universo sócio-musical onde o escritor se encontra imerso. As acusações de apropriação
indevida têm, muitas vezes, destino certo, o potencial disruptivo e degenerador da indústria
fonográfica chama-se, por exemplo, Federico Figner
21
(que, de fato, controlava estes
negócios no Rio de Janeiro na época).
Pixinguinha, por exemplo, é um dos “nomes de valor da geração moderna”, o
“homem da flauta mágica”, mas não gosta de trabalhar e, se é bom flautista, é melhor
flauteador. Donga também não escapa: de linhagem nobre, nascido na roda do samba, é
também um
“esforçado e um resultado de si próprio. O Donga é o precursor da
indústria do samba. Foi quem abriu caminho a toda esta gente que hoje
forma um exército de 'Sambestros'... Trocou o violão pelo banjo, já foi à
Argentina, já se exibiu em Paris, mas, ao que parece, resolveu dorir sobre
os louros, depois que esticou o cabelo...” (: 92).
No capítulo intitulado “A decadência da vitrola” (: 117-124), Vagalume critica a
utilização do aparelho em bailes, em detrimento dos músicos “ao vivo”. Mas, prevê
(equivocadamente, hoje sabemos), que será breve seu reinado, pois será desbancada pelo
rádio (: 120).
21
Sobre Figner, pioneiro da indústria fonográfica no Brasil, conforme Franceshi (2002).
249
Em suma, a críica de Vagalume parece denunciar um mundo onde, tendo-se tornado
o samba um produto de valor, os canais de comercialização tornam-se fechados, privilégio
de poucos. É neste sentido, parece-me, que, na visão do autor, a vitrola profanou o samba:
“Pela falta de escrúpulos dos editores, pela ganância de alguns autores e principalmente
pelo monopólio exercido por certo grupinho, que constitui a comissão julgadora daquilo
que deve ser gravado ou que entre em concurso” (:123).
A segunda parte do livro é dedicada à “vida nos morros”. Vagalume descreve, à
maneira de crônicas, a vida cotidiana em diferentes morros da cidade, lugares de onde
emana, segundo ele, a essência do samba.
O livro tem, enfim, um tom de manifesto, um alerta para a urgente necessidade de
que o samba seja “salvo”. Esta necessidade de salvar o samba se dá num embate entre o
samba “autêntico”, cuja origem está nos morros, e um outro, degenerado pelo sucesso
comercial. De um lado, a gente simples do morro, de outro, empresários, autores e músicos
gananciosos e inescrupulosos. A grande ameaça aqui é o mundo do mercado, com suas
injustiças e favorecimentos, que põe em xeque um tipo de sociabilidade associada à
tradição, da qual o samba verdadeiro é a melhor expressão.
No mesmo ano da primeira edição do livro de Vagalume, surge, também no Rio de
Janeiro, Samba, de Orestes Barbosa.
Barbosa situa-se imediatamente num universo mais cosmopolita do que Vagalume.
Interessa-lhe marcar a existência de um Brasil de feição própria, formação nova, diferente
da soma de seus constituidores – no que se nota uma postura “gilbertofreyreana”. Logo de
saida, interessa-lhe marcar, dentro da especificidade do Brasil, as especificidades regionais,
250
e mais especificamnte a carioca: “Não é carioca o baião. Não é carioca o batuque. Não é
carioca o cateretê” (: 11).
O Rio de Janeiro, no texto de Barbosa, é o local de onde o autor olha para fora do
país e vê sua própria especificidade. É o lugar onde o brasileiro ultrapassou o português – e
aqui aparece o primeiro outro do livro de Barbosa. O fado, por exemplo, nasceu no Brasil,
mas era tão português que foi para Portugal e lá ficou
22
(: 22).
No texto, por entre trechos de letras de sambas, considerações sobre personalidades,
divagações filosóficas, a meio caminho entre uma literatura muito pessoal e a crônica, o
samba carioca aparece decididamente situando o Brasil no concerto das nações: “Desse
modo, das misturas que o Rio tem, vem a sua música própria – o samba, que é tão nosso
como a romanza é italiana, o tango é argentino e a cançoneta é de Paris” (:15).
E, quanto à entrada definitiva do samba no mercado fonográfico, a postura de
Barbosa é bem diferente do tom apocalíptico de Vagalume. É o produto nacional
conquistando o mercado interno: “o samba é carioca e, por isso mesmo, venceu a valsa, e
tem quase liquidado o fox de importação...” (: 14).
Enquanto Vagalume dita uma relação entre estes gêneros em termos de parentesco,
Barbosa se esmera em estabelecer as distinções:
“O samba, que não é batucada, nem choro, nem lundu, nem cateretê, nem
rumba (que é antilhana e vive também no Rio Grande do Sul), surge
característico no carnaval, ao lado das marchas, que são sambas com uma
ligeira modificação” (: 23).
Por outro lado, Estados Unidos e Argentina, com suas respectivas músicas, são
exemplos a serem seguidos:
22
Há, em Barbosa, com relação aos portugueses, ecos de uma vertente do nacionalismo que via na superação
da herança lusitana o ponto chave do desenvolvimento nacional do Brasil republicano. Cf. Oliveira (1990).
251
“O passado de outros povos não interessa ao Brasil.
Se a América do Norte cultuasse a velhice da Inglaterra e se a
Argentina adubasse, com o mofo espanhol, a sua civilização, esses dois
países não se teriam imposto à admiração do mundo, criando as suas artes
singulares, a sua ciência admirável e, na música, o fox e o tango que o
velho mundo, zangado embora, foi obrigado a aceitar.
O Brasil, de começo, rifou logo o fado.
Fez muito bem” (: 33).
Sobre os Oito Batutas, Barbosa afirma que o grupo foi, “há vinte anos”, o
“precursor da vitória da música popular”. Aqui, mais uma posição simétrica e inversa de
Barbosa em relação a Vagalume: se, para o segundo, nomes como Donga e Pixinguinha
tinham nas mãos a possibilidade de contribuir decisivamente na luta para salvar o samba
autêntico, na pena de Barbosa eles são sobretudo testemunhas de um passado:
“O flautista mágico do Urubú Malandro e o autor do Pelo
Telefone foram lutadores incansáveis, e aí estão hoje no Grupo da Velha
Guarda, com a cabaça rodeada de rosários, que tem um som próprio; o
omelê, espécie de tom-tom japonês, e o prato e faca – uma faca e um prato
cheio de rebarbas que faz uma harmonia especial.
A Guarda Velha está organizada assim: Pixinguinha, Donga,
Walfrido Pereira da Silva, Wantuil, Luiz Americano, Oswaldo Viana,
João da Bahiana e Bomfiglio de Oliveira.
Dos Oito Batutas restam apenas, em pleno êxito, os dois
primeiros e aquele cavaquinho, os quais não deixam morrer a lembrança
do grupo que foi, há vinte anos, o precursor da vitória da música popular”
(: 36).
Barbosa é um grande entusiasta de Francisco Alves, Mário Reis, Aracy Côrtes, que
formam o “triângulo de ouro do gênero musical cuja vitória deu motivo a este livro
consagrador” (: 48). De outra parte, os protagonistas do texto de Barbosa são, em grande
medida, o próprio Brasil e o Carioca, um aparentemente função do outro: o brasileiro
“tritura tudo”, faz uma nova síntese das influências estranjeiras, e o carioca é o grande
triturador interno:
“A nossa personalidade vai se definindo nitidamente dia a dia,
especialmente a do carioca que, recebendo todas as influências do mundo,
252
impõe a sua natureza a todos, absorvendo e plasmando o que é do Brasil e
do exterior.
Um sulista, com seis meses no Méier, muda até o modo de falar.
Para um nortista, bastam três meses de Penha para acariocá-lo de
uma vez” (: 65).
Se há grandes Outros no texto de Barbosa, o principal é, sem dúvida, o português.
No sentido de diferenciar-se, é necessário combater a tradição dos outros, e para isto,
voltam novamente os exemplos de Estados Unidos e Argentina, criadores de suas músicas:
“É preciso criar a orquestra típica do samba, diferente da do tango e do
fox. A Argentina e os americanos do norte fizeram assim...” (: 69).
Menezes Bastos (2007) argumenta que o Brasil se configura como uma entidade de
duas faces. Uma delas focaliza exatamente sua diversidade interior, pulverizada em
localidades tidas como paroquiais. A segunda, voltada para fora, constrói o país como
integrante do “concerto das nações”. A relação entre as duas, dinâmica e hierárquica, é de
colônia-metrópole, permeada pela disputa do lugar da capital. A simetria das posturas de
Orestes Barbosa e Vagalume, indicada já por Sandroni (2001: 134-137) e delineada acima,
assume um matiz interessante neste quadro, na medida em que revela dois olhares
diferentes justamente sobre o lugar da capital (recorde-se que o contexto histórico aqui é
anterior a 1960). Barbosa olha animadamente para o exterior desde um Rio de Janeiro que
centraliza e cataliza as diferenças, inventando um Brasil. Já na ótica de Vagalume, o Rio de
Janeiro dos anos 1930 é sobretudo o palco da degeneração do samba no mundo de compra e
venda da fonografia, no que se nota uma desconfiança com relação ao mecanismo que
instala o país na modernidade. Claro que a interpretação de Vagalume deve ser ela mesma
interpretada dentro do contexto social e ideológico do autor, e dificilmente pode ser
tomada, enquanto tal, como um modelo explicativo, o que certamente não é a intenção aqui.
253
Mas, de todo modo, este “mal-estar na civilização” de Vagalume, sua denúncia do “roubo
do samba” quiçá possa de fato apontar para a percepção de algo como um engodo, latente
na invenção da Nação.
254
Figura 26 – Uma jazz-band argentina, a de Fernando Cóspito, 1926. Fonte: Carrizo (2004).
Figura 27 – O “jazz negro”. Fonte: Comoedia ano 1 nº 13, 01/10/1926.
255
Figura 28 – Sam Wooding e sua orquestra nos estúdios da Vox Phonograph, Berlim, 1925.
Fonte:
http://www.redhotjazz.com/woodingoinfo.html (acessado em 22/01/2009).
Figura 29 – Sam Wooding na Argentina. Foto publicada em Última Hora, 16/04/1927.
256
Figura 30 – Lomuto e sua orquestra, 1933. Notar a “cozinha”: bateria, baixo, piano. Fonte: AGN.
Figura 31 – Osvaldo Fresedo (o terceiro na primeira fila) e sua orquestra, 1933. Fonte: AGN.
257
Figura 32 – Josephine Baker recepcionada na Alliance Française de Buenos Aires, 1929. Fonte: AGN.
Figura 33 – Josephine Baker é recepcionada em Córdoba, 1929. Fonte: Boxaidós et alli (2005).
258
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar, gostaria de retomar brevemente alguns pontos do percurso. Num
instantâneo sobre toda a trajetória dos Oito Batutas, surge a imagem de um grupo que se
constitui em trânsito, progressivamente se “conectando” ao ambiente contemporâneo da
música popular internacional, cuja configuração é determinada pelo jazz como o novo
katholon musical do Ocidente
1
. Esta conexão ficou aqui evidenciada principalmente pela
apropriação do repertório internacional e pelo progressivo ajustamento e compatibilidade
com a percepção das audiências sobre o que era uma jazz-band. É certo que quando
falamos dos Oito Batutas, falamos de um grupo de músicos profissionais que efetivamente
“ganhavam a vida” com a sua arte, ou seja, dependiam da possibilidade de atender às
demandas do público. Parece-me, contudo, que este fato não esgota, como “explicação
final”, a flexibilidade e o caráter transeunte da prática musical dos Oito Batutas tal como
aqui busquei caracterizá-la. Tentativas de explicar o tema das “influências” sobre o
repertório de um grupo como os Oito Batutas que se satisfazem em apontar o mau-gosto de
um público alienado ou a atuação de um mercado onipotente sobre massas silenciosas e
passivas, há tempos têm tido suas insuficiências evidenciadas por diversos autores. Os
gêneros contemporâneos de música dançante internacional, junto com aqueles reconhecidos
como brasileiros, fizeram parte sistemática do repertório dos Oito Batutas ao longo de anos,
e o grupo era conhecido e requisitado por sua excelência na execução destes repertórios.
Seria por demais reducionista buscar esgotar as determinações do horizonte de prática
musical aqui mapeado tão somente no gosto e na demanda do público, tomado como se este
vivesse num mundo estético distinto e estanque com relação àquele dos próprios músicos.
1
Menezes Bastos (1999).
259
Na tentativa de deslocar um pouco as indagações, foi justamente para os contornos do
universo estético onde se encontravam produtores e consumidores, indicando algumas
categorias em função das quais aquele universo poderia fazer sentido para eles, que busquei
apontar.
Refazendo esquematicamente a trajetória dos Oito Batutas, pode-se dizer que a
viagem do grupo à França em 1922 é um ponto de inflexão no processo de legitimação
daqueles músicos, de sua “raça” e sua arte, como brasileiros, focalizada numa campanha de
conexão desta brasilidade com o samba
2
. Vale relembrar que um dos anúncios do grupo em
Paris frisava que os Oito Batutas não eram uma jazz-band, pois não tinha nem piano, nem
bateria
3
. Poucos meses depois, na viagem à Argentina, estes instrumentos, cuja ausência era
diacrítica em Paris, estão incorporados ao grupo. Na Argentina, o “carro-chefe” continua
sendo a brasilidade, com um repertório variado de gêneros brasileiros e bastante associado
às danças “para ver” (com bailarinos no palco). A menção ao maxixe é recorrente nos
textos jornalísticos argentinos sobre os Oito Batutas, não havendo, nestes discursos,
elementos que permitam afirmar que o grupo continuava ali engajado da mesma forma na
campanha pelo samba
4
. Mas, junto a este “carro-chefe” brasileiro, vimos, ao longo daqueles
quatro meses, o grupo assumir eventualmente o modo jazz-band, cujas principais diferenças
com relação ao modo brasileiro eram o repertório, a indumentária e o fato de fazer música
não para bailarinos no palco (dança “para ver”) mas para dançarinos no salão. Este ponto é
ilustrado de maneira modelar pelos anúncios dos jornais de Chivilcoy, no fim da turnê,
2
Menezes Bastos (2005).
3
Cabral (2007: 88).
4
Neste sentido, vale lembrar que os agenciadores da viagem a Paris (Duque, Guinle e Müller) aparentemente
não estiveram envolvidos na viagem à Argentina. Não obstante, note-se que, das vinte músicas gravadas pelo
grupo em Buenos Aires, a distribuição dos rótulos é a seguinte: 6 sambas, 6 maxixes, 3 polcas, 1maxixe-
samba, 1 choro, 2 marchas e 1 tanguinho. Ou seja, o samba divide com o maxixe a maior representatividade
entre os rótulos. Isto pode indicar que o grupo seguia, sim, adotando cada vez mais o samba como rótulo,
mesmo que isto não fique especialmente explícito nos jornais argentinos.
260
onde a configuração do espetáculo num modo bi-orquestral sem aglutinação do repertório
“internacional” com o “típico” é evidente.
Depois do nebuloso desfecho da aventura argentina, reencontramos, no Rio de
Janeiro, o grupo original dividido em duas “facções” (Os Oito Cotubas e Os Oito Batutas),
cada uma delas, por sua vez, incorporando novos instrumentistas. Esta divisão não reproduz
aquela em repertórios estanques do modo bi-orquestral ensaiada na Argentina, mas revela,
em ambos os grupos, um engajamento em constituir-se enquanto jazz-band. Ou seja, não há
evidências, nos dados de que aqui se dispôs, de uma divisão ideológica materializada na
prática do grupo em termos de “contra” ou “a favor” do jazz e/ou da música brasileira
naquele momento. Pouco depois, os dois grupos voltam a se unir, incorporando o
qualificativo “Bi-Orquestra” ao nome Os Batutas. Nisto se revela, rebatida sobre o próprio
nome do conjunto, a importância, do sentido de dualidade do repertório e o que parece ser
seu caráter irredutível. É como se a dualidade reconhecida na coisa forçasse, por um
momento, o reconhecimento da bipartição no seu nome. Digo por um momento porque o
“Bi-Orquestra” não figurará por muito tempo no nome do grupo.
Com isto, podemos voltar por um segundo ao sul do Brasil em 1927. O que os
jornais indicam ali é a persistência da percepção dual do repertório, já sem o “Bi” no nome:
se os Oito Batutas encantaram pela brasilidade de sua música, encantaram também como
jazz-band. Se os repertórios não se unificam, se seguem compondo um quadro dual, esta
dualidade não parece ser dilemática. O mundo do jazz e o da música brasileira, apesar de
apontarem para universos de símbolos e de coisas reconhecidamente diferentes, não têm o
elemento conflitivo como um fator de peso na percepção de sua concomitância. O trânsito
dos músicos pelos repertórios encontra na percepção do público uma correspondência que
era, quiçá, uma das chaves de seu sucesso. Isto, me parece, é o que se pode depreender dos
261
registros de Santa Catarina e Paraná, tudo indicando uma legitimidade dos Oito Batutas, e
do Brasil, ao mesmo tempo nacional e internacional. Não sei se este quadro teria a mesma
pertinência no Rio de Janeiro de fins dos anos 1920, mas a este respeito vale notar que as
primeiras críticas, no mundo carioca, à incorporação de elementos do jazz na música de
Pixinguinha, datam já deste período
5
.
Com relação a este tema, enfim, a composição de um quadro interpretativo mais
completo e consistente depende, além da complementação, em fontes primárias, dos
“discursos nativos” sobre os Oito Batutas e sua música para os demais períodos de sua
trajetória, a consolidação de uma musicologia abrangente, profunda e comparativa de sua
arte num horizonte que necessariamente deverá extrapolar os registros musicais dos Oito
Batutas em si, relativamente escassos, mas inserir seu estudo no contexto da produção de
Pixinguinha e outros e, é claro, do jazz que se fazia na época. Isto é tema para um ainda
longo trabalho colaborativo. O ponto em questão é a necessidade de unir o estudo dos
discursos sobre a música ao dos discursos musicais como medida da possibilidade de uma
compreensão adequada do fenômeno.
***
Duas palavras sobre o Brasil que emerge dos jornais argentinos e do sul do país em
função dos Oito Batutas. No caso da Argentina, surge como um fator amplamente
consensual a presença de categorias em torno do exótico, do pitoresco matizado com tintas
de alegria e espontaneidade, que podem assumir uma inflexão positiva ou negativa. No
extremo negativo, temos posturas como aquela veiculada pelo jornal rio-cuartense
El
Pueblo em 04/02/1923, onde se conjugam a negritude, o primitivismo, a sensualidade, a
5
Isto sobretudo nas investidas do crítico Cruz Cordeiro publicadas na revista Phono-Arte desde 1928.
Conforme, entre outras, Bessa (2005: 167).
262
música ruidosa na caracterização de um país em estado evolutivo comparativamente
inferior – o termo de comparação é a “selva africana”. Se isto aponta para uma maneira de
atacar algo que é percebido em bloco como um concorrente (que, se não o fosse não
precisaria ser atacado), sendo dado, na percepção do cronista, que o Brasil é assim, o
discurso é também bastante semelhante ao daquele setor da “intelectualidade” brasileira
que se opunha, desde “dentro”, aos Oito Batutas e sua música como representantes da
nação, estando ambos embasados num mesmo substrato ideológico evolucionista e
racialista mas, é claro, com interesses simétricos e invertidos com relação ao Brasil. O pólo
positivo da recepção argentina tem como um de seus discursos modelares a crônica
publicada em
La Nación em 08/12/1922, onde os mesmos homens e as mesmas músicas,
percebidos também na chave de um sensualismo quase selvagem, agora fascinam e
arrebatam. Aqui, se permanece um sentido do exótico e do primitivo, o valor conjugado a
estas categorias parece ser simplesmente o inverso daquele atribuído pelo crítico rio-
cuartense.
O Brasil figurado pelos seus habitantes do sul em torno dos Oito Batutas, emerge
tanto num registro mais ufanista, de elogio da vastidão, exuberância e riqueza da natureza
do país – o “exótico interno” –, como no florianopolitano Folha Nova em 29/08/1927,
quanto num outro registro onde a brasilidade em si sai de foco para dar lugar à legitimação
do grupo em termos de sua associação a um universo urbano e refinado cujo ícone maior,
no contexto nacional, seria o restaurante Assírio, no Rio de Janeiro.
Nestas considerações, é importante que não se perca de vista o caráter das principais
fontes aqui estudadas, que imediatamente coloca os limites do horizonte interpretativo:
fundamentalmente, textos jornalísticos, dos quais não se pôde atingir, a não ser de raspão,
dimensões importantes, como as próprias relações sociais implicadas no modo como foram
263
produzidos em cada caso, bem como os atores específicos cujas vozes se materializavam
nos textos. Mas trata-se efetivamente de discursos que alcançavam visibilidade, tinham
ampla circulação, exprimiam pontos de vista e intenções que certamente não eram
consensuais, mas eram possíveis e faziam sentido dentro de suas configurações culturais
específicas, bem como orientavam posicionamentos e opiniões. É neste sentido que o
horizonte de sentidos esboçado mantém sua consistência num nível relativamente amplo,
mas não por isso irrelevante. Um nível, note-se, onde parte da “explicação” dos Oito
Batutas está, por exemplo, em Josephine Baker.
***
Finalmente, gostaria de retomar um par de elementos que emergem da comparação
entre as recepções argentinas dos Oito Batutas, da jazz-band de Sam Wooding e de
Josephine Baker. Indiquei que, no mesmo ano de 1927, percebe-se no modo de atuação dos
Oito Batutas no sul do Brasil uma grande semelhança com aquele da orquestra de Sam
Wooding em Buenos Aires, reservadas as diferenças entre os contextos urbanos. A inserção
em espetáculos de variedades ou revistas associada à atuação como jazz-band em locais de
diferentes naturezas (bares, restaurantes, clubes) parece marcar a prática dos dois grupos.
Sobretudo, o modo como os Oito Batutas se caracterizam como jazz-band parece, como
indicado, muito “sintonizado” com o modelo de cosmopolitismo da orquestra de Sam
Wooding. Diferenças importantes estão no fato de que, no caso da jazz-band norte-
americana, o que poderia ser seu repertório “típico nacional” era, ao mesmo tempo, naquele
momento, internacional por excelência, de maneira a estarem unidos dois pólos que, no
caso dos Oito Batutas, como vimos, configuravam um espaço musical e simbólico pelo
qual os músicos transitavam por meio de apropriações. Outra diferença marcante é que a
jazz-band de Sam Wooding tinha na negritude de seus membros um dos principais
264
atrativos, na chave do exótico, no ambiente artístico de Buenos Aires. Este fator brilha por
sua ausência no caso dos Oito Batutas no sul do Brasil, o fato de serem negros não
sobressaindo como objeto de atenção nos jornais. Este é um tema que seria interessante
explorar mais adiante, com um aprofundamento na história cultural local. Se os Oito
Batutas puderam circular, como músicos da Capital Federal, por ambientes distintos de
Florianópolis, onde estavam, naquele momento, os músicos negros da cidade? A passagem
do grupo por cidades como Blumenau e Joinville, tão pesadamente marcadas pela ideologia
demonstrada por Seyferth (1981)
6
, a depender da localização de outras possíveis fontes
ainda não exploradas, e com a necessidade de ler em alemão para uma exploração mais
profunda dos jornais já localizados, também desponta como um tema interessante.
***
Estivemos, ao longo deste trabalho, constantemente às voltas com uma polarização
que pode ser expressa no par moderno/primitivo. A pertinência desta polarização no
pensamento social ocidental, suas inflexões e implicações, tem sido estudada numa vasta
bibliografia, que aponta para diferentes possibilidades de conceituação e intepretação do
problema. Nos materiais aqui trabalhados, esta polarização – tomada, é ocioso lembrar,
como uma ideologia do universo nativo em questão – se rebate numa bipartição do
repertório de um grupo “nacional periférico” como os Oito Batutas. Esta bipartição é
complexa. Tome-se, por exemplo, o maxixe: uma dança nacional e moderna ao mesmo
tempo, o que impede o equacionamento termo a termo das oposições nacional/internacional
e primitivo/moderno. Foi neste mundo musical – “ainda” indiferenciado ou, melhor,
diferenciado em outros termos – que os Oito Batutas empreenderam sua aventura. Contudo,
é interessante notar que o gênero que definitivamente se consolida como nacional por
6
Cf, Capítulo 1, pp. 147-148.
265
excelência, no Brasil, é o samba, este sim com uma carga muito maior de “primitivismo”,
agora (a partir dos anos 1930) positivado como “autenticidade”. A partir daí é como se
progressivamente a conguência termo a termo de nacional/internacional e primitivo
(autêntico)/moderno fosse se estabelecendo, compondo um universo simbólico onde a
proximidade ou mistura destas categorias cada vez mais toma o aspecto de um paradoxo. A
consolidação deste universo, me parece, tende a fechar os caminhos por onde os Oito
Batutas viajavam. Por outro lado, Josephine Baker causou tanto furor na Argentina por unir
o poder de sedução à impossibilidade de ser pensada em termos de primitivo e moderno
como opostos. Ela era as duas coisas juntas ao mesmo tempo, sem mediação.
Outra possibilidade de conjugação destes opostos é aquela estudada por Garramuño
(2007) e referida aqui no Capítulo 6, cuja tônica é a apropriação do primitivismo (enquanto
autenticidade) por vanguardas artísticas que, em diferentes linguagens, assumiriam a linha
de frente na construção de nacionalidades que, periféricas, tinham neste substrato primitivo
justamente seu passe de ingresso na modernidade. Note-se que, neste caso, o primitivo era
apropriado de um Outro interno, sua compatibilização com o moderno sendo mediada pelas
vanguardas, que se legitimavam justamente nesta mediação. Sugeri que esta apropriação,
diferentemente da síntese lograda por Josephine Baker, se dá na forma de um englobamento
hierárquico do primitivo pelo moderno.
Lise Waxer, em seu The City of Musical Memory, sugere que o “enigma” da
constituição da cidade colombiana de Cali como a capital mundial da salsa, gênero musical
cuja origem distante aponta para as Antilhas e Nova Yorque, tem a ver com a busca de uma
identidade cosmopolita por uma população largamente marginalizada no processo de
construção da nação, de modo que, “In the case of Colombia (...) the necessity to index
cosmopolitan identity has been made all the more urgent by the historical placement, in
266
national discourse, of black people on the margins of time and space” (Waxer, 2002: 24).
Trata-se, por certo, de um período histórico e um contexto social diferente dos que foram
tratados aqui. Mas introduzo, ampliando ainda mais o horizonte já “no apagar das luzes”,
esta última referência porque ela me parece inspiradora para seguir pensando o fato de que
a possibilidade de conectar-se musicalmente a identidades cosmopolitas, sendo os
mediadores de sua própria modernidade, é uma vereda que se torna mais difícil de transitar
para um grupo como Os Oito Batutas, no justo momento em que o samba inicia seu reinado
no Brasil.
267
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ANEXO I: Correspondência entre o empresário José Segreto e o cônsul Alcino Santos
Silva (Arquivos do MRE, Escritório de Representação no Rio de Janeiro)
ANEXO II: Certificados de arribo a América (CEMLA, Buenos Aires)
ANEXO III: Lista das gravações efetuadas pelos Oito Batutas para a Victor argentina
em março de 1923, conforme levantamento a partir das fichas originais de gravação
feito pelo Dr. John Cowley.
ANEXO IV: Lista de jornais e revistas consultados na Argentina
Jornais:
Cidade de Chivilcoy: consulta a exemplares “soltos” (sem continuidade de datas), no
Archivo Histórico do Instituto Histórico de Chivilcoy, dos seguintes diários da
cidade, entre 1909 e 1923:
La Tarde, La Razón, El Tribuno, El Hombre Libre.
Cidade de La Plata: consulta a exemplares em coleções completas encadernadas, na
hemeroteca da Biblioteca Pública de la Universidad Nacional de La Plata:
El Dia
(01/02 a 06/03/1923) e
El Argentino (01 a 28/02/1923).
Cidade de Córdoba: consulta a exemplares de coleções completas encadernadas.
Biblioteca Mayor de la Universidad Nacional de Córdoba:
Los Princípios (01 a
31/01/1923),
La Voz del Interior (01 a 31/01/1923). Hemeroteca de la Legislatura:
Los Principios (01 a 12/10/1929), La Voz del Interior (01 a 12/10/1929).
Cidade de Río Cuarto: consulta a exemplares de coleções completas encadernadas no
Archivo Historico Municipal:
Justicia (01/01 a 15/03/1923); El Pueblo (01/01 a
15/03/1923).
Jornais consultados na cidade de Buenos Aires (Biblioteca Nacional, Biblioteca del
Congreso de la Nación, Archivo General de la Nación, Biblioteca del Instituto
Nacional de Estudios de Teatro, Hemeroteca de la Legislatura de la Ciudad de
Buenos Aires, Biblioteca Prebisch – Banco Central de la Republica Argentina):
Crítica: 01/12/1922 a 08/04/1923; 28/03 a 11/04/1927; 20/05 a 04/06/1929.
Diario del Plata: 01/12/1922 a 10/04/1923.
El Deber (Rosario, semanal): 06 a 27/01/1923; 10/02/1923; 14/07/1923.
El Diario: 01/12/1922 a 12/04/1923; 01 a 12/04/1927.
El País: 20 a 26/02/1900; 16 a 25/02/1901; 08 a 17/02/1902; 21 a 29/02/1904; 27/02 a
01/03/1906.
El Pueblo: 26/11/22; 01 a 31/12/1922.
El Telégrafo: 01/10/1922; 05/11/1922 a 11/04/1923; 01/04 a 04/06/1927.
La Acción: 29/11/22; 01/12/1922 a 12/04/1923.
La Argentina: 01/12/22 a 10/04/23.
La Capital (Rosario): 01 a 31/01/1923.
La Epoca: 02/01/1923 a 31/03/1923.
La Fronda: 01/12/1922 a 07/04/1923; 01 a 31/04/1927.
La Nación: 01/12/1922 a 08/04/1923; 30-31/12/1923; 01 a 30/04/1927.
La Prensa: 01 a 16/12/1922; 01/03 a 07/04/1923; 01 a 10/04 e 01 a 31/05/1927.
La Razón: 01/12/1922 a 31/03/1923; 20/04 a 30/06/1929.
La Voz Argentina (Palermo): 21/01/22; 22/07/22; 29/07/22; 11/11/22 a 30/12/22.
La Voz del Interior (Córdoba): 17/01 a 18/02/1923; 01 a 31/03/1923.
La Tierra (Rosario): 01 a 31/01/1923.
Ultima Hora: 01 a 02/10/22; 25/11/22; 01/12/22 a 31/03/23; 02 a 23/04/1927.
La República: 01 a 31/12/22; 02 a 05 e 24 a 31/01/1923; 01 a 28/02/1923; 01/03 a
09/04/1923.
La Protesta: 01 a 31/12/1922.
La Vanguardia: 01 a 31/12/1922.
Revistas:
Atlántida: no. 12, tomo IV (1911); no. 235 (05/10/1922); no. 244 (07/12/1922) a 260
(29/03/1923).
Caras y Caretas: no. 222 (03/01/1903); no. 226 (31/01/1903); no. 227 (07/02/1903); no. 229
(21/02/1903); no. 230 (28/02/1903); no. 231 (07/03/1903); no. 234 (28/03/1903);
no. 850 (16/01/1915); 14/08/20; no. 1143 (26/08/1920); no. 1260 (25/11/1922) a
1299 (25/08/1923); no. 1370 (03/01/1923) a 1372 (17/01/1923); no. 1396
(04/07/1925) a 1398 (18/07/1925).
El Hogar: no. 390 (23/03/1917); no. 685 (01/12/1922) a 702 (30/03/1923).
Mundo Argentino: no. 573 (11/01/1922); no. 619 (29/11/1922) a 623 (27/12/1922).
Teatro Popular: nos. 127 a 133 (1922).
El Teatro Argentino: nos. 1, 2, 6, 8, 15 (1919).
Comoedia: Año 1 n°s 1 a 6 e 13 a 17; año 2 n° 23.
La Canción Moderna: n°s 392 (21/09/1935) a 401 (23/11/1935).
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