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LUISA VIDESOTT
NARRATIVAS DA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA
MÍDIA, FOTOGRAFIAS, PROJETOS E HISTÓRIA
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola
de Engenharia de São Carlos – Universidade de
São Paulo como requisito parcial para obtenção
do título de Doutor.
Doutoranda
Luisa Videsott
Orientador
Prof. Dr. Carlos Roberto Monteiro de Andrade
EESC – USP 2009
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Crédito da imagem da capa: Marcel Gautherot. Congresso Nacional em construção, 1960
Fonte: Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro. www.ims.uol.com.br.
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AGRADECIMENTOS
Esse trabalho, como é explicado melhor na sua introdução, encontra-se suspenso entre
duas línguas, dois mundos culturais. Quando resolvi voltar para escola, encontrei antes de tudo a
disponibilidade e a confiança do meu orientador, o professor Carlos Roberto Monteiro de Andrade,
que desde os primeiros encontros me ajudou a conhecer este universo de idéias, organizações,
história, discursos, sonhos, aspirações e utopias para mim estrangeiro e alheio. Além disto, sua
disponibilidade para me orientar presenteou-me com cinco anos de vida “despreocupada” de
estudante. Ao longo desses anos de trabalho comum, junto também aos colegas do grupo de
pesquisa Urbis, do qual Carlos de Andrade é coordenador, socorreu-me no difícil processo de
tradução, conversão e contextualização das diferentes problemáticas, desde a bibliografia até o
valor das palavras. Sobretudo, ele e os amigos do Urbis sempre levaram a sério os meus
estonteamentos, às vezes ingênuos.
Agradeço os professores da EESC que me escutaram e ajudaram, mesmo quando falava
muito mal o português, e continuaram a escutar-me apesar dos meus erros terríveis e da minha
pronúncia.
Gostaria de dar a conhecer o aporte do Prof. Daniele Vitale e do Instituto Politécnico de
Milão. Ao longo destes anos de permanência no Programa de Pós-Graduação do Departamento
de Arquitetura e Urbanismo da EESC, voltei com certa freqüência para a Itália, onde realizei
aprofundamentos bibliográficos que contribuíram para a pesquisa (como indicam as referências
bibliográficas) e onde participei das atividades da Escola de Doutorado do Politécnico de Milão.
Lá, Daniele Vitale me ofereceu aconselhamentos, indicações e sugestões, atuando efetivamente
como estimulante co-orientador da minha pesquisa.
RESUMO
O trabalho descreve e contextualiza as matérias que descrevem a construção de Brasília
realizadas durante o período da edificação da cidade e publicadas pelas revistas ilustradas
Brasília, Manchete e O Cruzeiro e pelos cinejornais; esse últimos eram meios de comunicação de
massa, direta ou indiretamente controlados pela Novacap, particularmente por Juscelino
Kubitschek, Oscar Niemeyer e Israel Pinheiro. Apresenta também os relatos sobre a arquitetura e
a cidade em construção dirigidos aos arquitetos e que foi viabilizado pelas publicações periódicas,
sobretudo pela revista Módulo e pela seção de Arquitetura e Urbanismo da revista Brasília. O
objetivo é indagar a qualidade e o caráter da participação daqueles meios de informação na
elaboração de uma imagem pública da construção da Capital.
Sua metodologia apóia-se naquela aplicada à análise das obras de arte visuais e leva em
conta a observação de que as próprias obras de arte são também representações controladas,
instrumentos para a construção de mitos e/ou para fixar o imaginário coletivo em monumentos. Ao
mesmo tempo utiliza-se das indicações de método que orientam o uso da fotografia dos meios de
comunicação de massa na reconstrução histórica.
O papel da comunicação visual foi determinante na construção de uma imagem coletiva da
cidade, do seu plano, das suas arquiteturas. As fotografias nas revistas colaboraram para propalar
uma certa narrativa acerca da colonização do interior do País como construção de assentamentos
em territórios vazios; mas também acerca da arquitetura como abstração artística e sobre os
construtores da Capital como agentes e mediadores da integração nacional. Frisa ainda que as
próprias estratégias de narração da linguagem visual, junto aos depoimentos orais e as
informações que as próprias fotografias revelam, são os rastros que permitem a recuperação de
outras memórias.
A
BSTRACT
This work describes and brings into context the story of the construction of Brasilia produced,
during the edification of the city, by the news-real and by the popular magazines Brasília,
Manchete, and O Cruzerio, mass media that were subjected, directly or indirectly, to the influence
of Novacap, and in particular to that of Juscelino Kubitscheck, Israel Pinheiro e Oscar Niemeyer.
The work also presents the survey of the architecture and of the construction of the city carried out
by the periodical Modulo, edited by Oscar Niemeyer and by the Arquitetura e Urbanismo’s section
of the magazine Brasília. The aim of this work is to investigate the qualities and the features of the
participation of the mass media referred above in the elaboration of the public conception of the
construction of the Nuova Capitale.
The methodology is based on that applied to the analysis of visual artworks, and on the
observation that the works of art are themselves controlled representations, apt to create myths
and/or to stamp the collective imagination into monuments. The methodology also exploits the
techniques concerning the employment of the mass media’s photography in the historical
reconstruction.
This work highlights the decisive role of visual communication in the construction of the
popular image of the city, its project and its architecture. In particular, the use of photography in the
magazines contributed to the divulgation of an important tale on the colonization of the inside of the
country, which is interpreted as a process of creation of new settlements in a desert territory. In this
tale, architecture is interpreted as an artistic abstraction; people working on the construction of the
new capital are viewed as agents and dealers of the integration of the different racial identities of
the country. However, it is important to underline that precisely the narrative strategies of the visual
language, together with oral witnesses and with the information preserved by the photography, are
the traces that permit to recover other memories.
RIASSUNTO
Il testo descrive e contestualizza il racconto relativo alla costruzione di Brasilia realizzato
durante il periodo della edificazione della città, dai cinegiornali e dalle pubblicazioni delle riviste
popolari Brasilia, Manchete e O Cruzeiro; mezzi di comunicazione di massa influenzati,
direttamente o indirettamente dalla Novacap, in particolare dal Presidente Juscelino Kubitschek,
da Istrael Pinheiro e da Oscar Niemeyer. Presenta anche un resoconto sull’architettura e sulla città
in costruzione realizzato dal periodico di Oscar Niemeyer Modulo e dalla sezione “Arquitetura e
Urbanismo” della rivista Brasilia. L’obiettivo è indagare le qualità e il carattere della partecipazione
di questi mezzi di informazione all’elaborazione di un’immagine pubblica della costruzione della
Nuova Capitale.
La metodologia appoggia in quella applicata all’analisi delle opere d’arte visuali e
nell’osservazione che le opere d’arte sono anch’esse rappresentazioni controllate, strumenti per
costruire miti e/o per fissare l’immaginario collettivo in monumenti. Si avvale anche delle
indicazioni di metodo che orientano all’uso della fotografia dei mass media nella ricostruzione
storica.
Il ruolo della comunicazione visuale fu determinante nella costruzione dell’immagine
popolare della città, del suo progetto e delle sue architetture. In particolare la fotografia nelle riviste
collaborò a divulgare un racconto importante sulla colonizzazione all’interno del Paese come
fissazione di insediamenti in un territorio deserto, sull’architettura come astrazione artistica, sui
costruttori della capitale come agenti e mediatori dell’integrazione delle diverse identità nazionali.
Sottolinea tuttavia che, proprio le strategie narrative del linguaggio visuale, assieme alle
testimonianze orali e alle informazioni che le fotografie conservano, sono le tracce che permettono
il recupero di altre memorie.
S
UMÁRIO
INTRODUÇÃO pág. 13
Capítulo 1
SINAL DA CRUZ pág. 21
A
NOVA CAPITAL: NARRATIVAS, FOTOGRAFIAS, PROJETOS E HISTÓRIA pág. 91
Capítulo 2
A FLOR AGRESTE pág. 95
U
MA ARQUITETURA PARA BRASÍLIA: NARRATIVAS, FOTOGRAFIAS, PROJETOS E HISTÓRIA pág. 180
Capítulo 3
O CANDANGO, HERÓI DE BRASÍLIA pág. 187
O
CONSTRUTOR DE BRASÍLIA: NARRATIVAS, FOTOGRAFIAS, PROJETOS E HISTÓRIA pág. 275
Considerações finais
NARRATIVAS, FOTOGRAFIA E HISTÓRIA, QUESTÕES DE MÉTODO pág. 279
REFERÊNCIAS pág. 297
13
INTRODUÇÃO
O objeto da pesquisa é a construção de Brasília, assim como foi representada nas revistas
populares Manchete e O cruzeiro, nos cinejornais e pela revista Brasília, que era o órgão da
Divisão de Divulgação da Novacap, e n revista Módulo de Oscar Niemeyer, De fato, a construção
de Brasília (meta síntese de JK), da mesma forma que qualquer empreendimento político do
século XX (século dos meios de comunicações de massa), foi objeto de uma intensa campanha
publicitária. Talvez, como sugere Lucia Borges, o maciço envolvimento de imprensa que
acompanhou a edificação da cidade incorporasse à história da cidade os episódios por elas
contados sob uma perspectiva que visava a viabilização da cidade
1
.
Assim nasceu a hipótese de que desconstruir a “história instituída que revestiu com
tonalidades épicas tudo o que está relacionado à construção da cidade”
2
ajudaria a analisar
melhor sua proposta urbanística e arquitetônica original. Achamos importante conhecer melhor o
ambiente – os atores, as condições e as intenções – onde foram construídas as narrativas das
propagandas, pois elas também pertencem à história da cidade e também porque, segundo
Adrián Gorelik, aquela dinâmica específica modernidade/modernização, “dava um sentido preciso
aos imaginários urbanos na América Latina”
3
. Mais ainda, verificar os conteúdos e caracterizar os
tons da própria propaganda permitiria aproximar-se de uma dimensão menos “heróica” e mais
“histórica” da fundação da cidade, ou seja, auxiliaria a avaliar, como sugere também Lucia Borges,
se e como essa “história instituída”
4
foi incorporada à história da cidade.
Dois trabalhos recentes enfrentam de forma mais aprofundada os conteúdos da
propaganda presidencial sobre a construção da nova capital e descrevem as substâncias dessas
representações da construção da capital. Esses trabalhos contribuem também para entender as
intenções ocultas [disfarçadas] das matérias das revistas populares e dos cinejornais, e até para
avaliar melhor as reflexões de Oscar Niemeyer e de Lucio Costa cobre a construção da cidade.
O primeiro que mencionamos é de Viviane Ceballos: “E a história se fez cidade....: a
construção histórica e historiográfica de Brasília”, um trabalho de dissertação sob a orientação da
professora Maria Stella Bresciani da Unicamp, que avalia a criação de uma historicidade anterior à
construção da cidade; essa historicidade não só daria “visibilidade à pluralidade instituinte da
imagem de Brasília”, mas também a positivisaria, “de tal forma como se fosse sacralizada”. As
reflexões da autora ajudam, justamente, a entender as projeções e as expectativas da classe
média mais intelectualizada com relação à construção de uma capital finalmente nacional. O
1
Borges, Lucia O grande cenário, Subsecretaria de Engenharia do Senado Federal, lumab@senado.gov.br
2
“buscar a perspectiva que inclui como fundamento das propostas de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer - e não como
contingência – a colocação de Brasília como “meta síntese” no Programa de Metas de Juscelino Kubitschek.” Borges,
Lucia O grande cenário, Subsecretaria de Engenharia do Senado Federal, [email protected]
3
Gorelik, Adrián. Lo moderno en debate: ciudad, modernidad, modernización. In: Miranda, Wander Melo (org)
Narrativas da modernidade, Belo Horizonte: Autentica Editora, 1999.
4
Borges, Lucia O grande cenário, Subsecretaria de Engenharia do Senado Federal, lumab@senado.gov.br
14
segundo trabalho é de Georgette Medleg Rodriguez – que participou, vale a pena mencionar, do
levantamento dos depoimentos orais para o programa de preservação da memória da construção
da capital, promovido pelo Distrito Federal entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90. Sua
pesquisa explora “ideologia, propaganda e ideário social na construção de Brasília” e aproveita os
depoimentos orais e as cartas dirigidas ao Presidente e a Israel Pinheiro para fundamentar e
descrever o imaginário popular que, durante a edificação da cidade, se cristalizou ao redor de
Brasília e dos poderosos que a estavam construindo. Este segundo trabalho, uma dissertação
orientada pela professora Teresa Cristina Kirshner da UnB, descreve também as preocupações
que permeavam o ambiente sócio-cultural da classe média menos abastada.
Contudo, esses trabalhos não enfrentam a comunicação visual, limitando-se a indagar o
aspecto verbal das propagandas e, portanto, não levam em conta as conseqüências que as
fotografias e as interlocuções entre palavras e imagens tiveram na constituição de um imaginário
coletivo. Além disto, pouco investigam a exploração maciça que a propaganda fez da paisagem da
cidade e de suas arquiteturas, e que marcou as fotografias das revistas e dos cinejornais. Cabe
frisar que, justamente a partir dos anos 40, a comunicação de massa no Brasil foi veiculada
sobretudo pelas revistas ilustradas, as quais dispuseram de um novo poder de persuasão
decorrente do uso maciço da comunicação visual. Aliás, no ambiente brasileiro, de acordo com a
avaliação de Helouise Costa
5
, o fotojornalismo fez a fortuna – também comercial – das revistas
ilustradas e, “antecipando-se e até mesmo preparando a sociedade brasileira para o surgimento
da televisão, unificou o país”
6
. Interessa-nos ressaltar a hipótese de que as revistas populares
ilustradas contribuíram de maneira importante à coesão cultural e à integração nacional, e
também que seu poder na conformação de uma opinião pública foi fortemente vinculado à
“passividade” do consumidor frente às imagens e “à credibilidade total do leitor na imagem
fotográfica”
7
.
O objetivo foi indagar de forma crítica os conteúdos das diversas representações
veiculadas pelas matérias da mídia e destacar os discursos acerca das arquiteturas e do plano da
cidade. Paralelamente ficou evidente que, mais que as palavras, as fotografias compuseram uma
representação tanto importante quanto homogênea sobre a construção da capital. Apresentamos,
portanto, um trabalho que descreve as representações visuais da construção da Capital
veiculadas pela mídia.
O material iconográfico, inclusive as propagandas, produzido sobre a construção da cidade
de Brasília é imenso e variado. Entre os anos 1956 - 1960 (54 números semanais) apenas a
revista Manchete realizou 38 reportagens, algumas com mais de 10 páginas, uma edição especial
5
Costa Helouise. “Pictorialismo e imprensa: o caso da revista O Cruzeiro, 1928-1932”. In: Annateresa Fabris org.
Fotografias, usos e funções no século XIX. São Paulo: Fapesp/Eca USP, 1995. Costa Helouise, Um olho que
pensa: estética moderna e fotojornalismo. Tese de doutorado. São Paulo, FAU/USP, 1998.
6
Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo, Cosac&Naify, 2004.
7
Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. Op.Cit.
15
(no dia 30 abril de 1960) que relata a inauguração da cidade, e um número comemorativo especial
avulso (no dia 21 abril de 1960) que narra, sobretudo por meio de fotografias, quase quatro anos
de história da construção da cidade. A revista O Cruzeiro foi menos assídua em termos de
fotorreportagens (11), mas difundiu diversas avaliações críticas (13) sobre as modalidades de
execução do empreendimento. Realizou, assim, um número razoável de matérias sobre a
construção de Brasília e publicou também uma edição especial para a inauguração da Capital. A
Novacap publicou mensalmente, em sua revista Brasília, a história da edificação da cidade,
registrando todas as fases da realização dos edifícios representativos e da cidade em geral;
patrocinou a produção de mais de 50 cinejornais; colaborou para a edição de um número especial
da revista em quadrinhos Epopéia, e sua Divisão de Divulgação realizou uma obra imensa de
documentação fotográfica da construção da cidade.
Os sujeitos são numerosíssimos: o Presidente, sua família (especialmente sua mãe, mas
também a sua mulher Sarah), Oscar Niemeyer, Israel Pinheiro, os canteiros, operários, crianças e
mulheres, os convidados ilustres, os padres e as freiras, gestos e olhares, os meios de transporte,
as habitações, os restaurantes coletivos, as máquinas e os carros, os materiais de construção, a
Cidade Livre, os sistemas de andaimes, etc. Numerosos são também os panos de fundo e os
ambientes: a poeira, a vegetação, as estradas, as escavações, as árvores cortadas, os vestidos, o
mobiliário, as normas de segurança no trabalho, os equipamentos em geral, aqueles dos
consultórios médicos, as ferramentas de trabalho nos canteiros, as paisagens das cidades
satélites, por fim, as fotomontagens, as fotografias não publicadas (o Arquivo Público do DF e o
Instituto Moreira Salles guardam um patrimônio de milhares de instantâneos), as intervenções e
os artifícios dos fotógrafos, as intenções, as emoções e as reações dos sujeitos fotografados.
A revista Módulo publicou os projetos, os planos do concurso e as fotografias das
arquiteturas executadas; raramente publicou fotografias das obras em construção. Dispomos
ainda de um grande número de fotografias que fogem a nossa tentativa de sistematização.
Tendo em vista a relação e as interlocuções entre propagandas, arquitetos e arquiteturas,
preocupam-nos as trocas que, através da comunicação visual, se instituíram entre os discursos
sobre o plano e sobre as arquiteturas com os diversos formatos de publicidade. Observamos que
os discursos da mídia visavam, mais ou menos explicitamente, a esconder, desvalorizar ou
colocar na sombra o processo que começa com os desenhos de anteprojeto para chegar à
execução das obras. Isso nos levou a levantar e registrar qualquer informação que permitisse
preencher esse vazio.
A comunicação visual em geral, inclusive a fotografia, presta-se, ou melhor, contribui
ativamente para a construção de interpretações direcionadas dos acontecimentos, selecionando
aqueles aspectos da realidade que interessa divulgar e construindo suas histórias.
16
Vale a pena frisar que a história das artes visuais é também uma história de
representações controladas e/ou de aparelhamentos de mitos e/ou de fixações da história em
monumentos: a narração da vida e da figura de São Francisco em Assis pintada por Giotto, de
acordo com as indicações dos próprios franciscanos, é um exemplo soberbo entre inúmeros
outros tão importantes. Para mencionar alguns exemplos brasileiros, Jorge Coli
8
observa essa
finalidade mitificadora na obra de Victor Meirelles, “Primeira Missa no Brasil” e Annateresa Fabris
descreve/explica a mitificação da figura do trabalhador nos painéis do ciclo da história econômica
do Brasil pintados por Candido Portinari no Ministério da Educação e Cultura de Rio de Janeiro. A
comunicação visual é a que melhor se presta à veiculação de uma interpretação de um
determinado evento; é a mais prestativa, em função da sua acessibilidade por parte da maioria
das pessoas e “em função da credibilidade que as imagens têm junto às massas”
9
. A linguagem
visual, por comunicar para além dos limites das línguas escrita e falada, alcança mais facilmente
seus públicos. Contudo, embora aparentemente simples e acessível a todos, não é por todos
compreendidas da mesma maneira ou com a mesma profundidade; ela pode ocultar discursos
mais complexos, assim como as ideologias, os lugares comuns, as tradições, o patrimônio cultural
de um grupo, enfim, o conjunto das representações que caracterizam as heranças culturais.
Enfim, as imagens preservam as intenções dos autores e dos clientes: o ponto de vista do
fotógrafo ou da perspectiva de um quadro, os enquadramentos, os recortes, as iluminações, a
escolha dos sujeitos e a hierarquização dos elementos, etc. dependem tanto do artista quanto dos
seus patrocinadores. Essas qualidades e finalidades sobrevivem ao tempo, e nessa sobrevivência
baseia-se grande parte da eficácia da metodologia crítica da história da arte visual. Vestiários,
expressões, gestos, ambientes, composições, sombras e claro-escuros, cores, primeiro plano e
fundo, etc., da mesma maneira que, dialogando entre si, constroem os discursos e a beleza das
imagens, tornam-se sinais, indicadores dos conteúdos que as próprias imagens visam divulgar. Por
essas razões, também as fotografias não podem ser consideradas apenas como “provas” de uma
realidade acontecida, mas como “reservas de indícios do historiador educado à leitura “em
transparência” até do documento mais luminoso”
10
. Os instantâneos, depois de terem sido agentes
para relatar uma história, podem tornar-se fontes para indagar o passado e instrumentos para
contar outras histórias. Nessa metodologia e nessas avaliações baseia-se o trabalho.
Além disto, usar as fotorreportagens como fonte para a pesquisa histórica coloca o
problema de entender o conjunto de relações entre suas qualidades e as informações que elas
veiculam, e também o uso que o próprio meio de comunicação de massa fez delas. Quando a
fotografia é usada instrumentalmente e/ou divulgada na mídia, junto com as legendas e
8
Coli, Jorge. Primeira missa e invenção da descoberta. e A pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a invenção de
uma história visual no século XIX brasileiro. In: Coli, Jorge. A descoberta do homem e do mundo. São Paulo:
Companhia das letras, 1998 pág.375-413.
9
Kossoy, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia -SP, Ateliê Editorial, 2000.
10
D’Autilia Gabriele. Op.Cit.
17
manchetes, pode construir facilmente narrativas paralelas; ao mesmo tempo, ela “importa” outras
narrativas: se os meios de comunicação organizam a difusão das próprias mensagens, “cada um
que recebe a fotografia, pode aceitar as mensagens estabelecidas, mas também construir a sua
própria mensagem”
11
e, portanto, atribuir livremente aos relatos visuais dos instantâneos os
conteúdos que consegue ou prefere ler ou que julga mais idôneos para divulgar suas próprias
mensagens.
O fascínio e a complexidade das linguagens visuais dos meios de comunicação reside
justamente nessa labilidade e liberdade de manipulação e fruição. Mais ainda, esteticamente as
fotografias das revistas ilustradas brasileira eram belíssimas e extremamente sedutoras,
qualidades que achamos importantíssimas para a eficácia da comunicação. Com essas
premissas, o trabalho visa também a acrescentar a fotografia – da mesma maneira que outras
artes visuais – ao campo da pesquisa histórica sobre arquitetura e urbanismo.
O instantâneo das fotorreportagens (em branco e preto, repetido pelos cinejornais, alterado
nas fotomontagens...) tornou-se, portanto, o objeto privilegiado das nossas reflexões. Queríamos,
porém, sublinhar que a nossa pesquisa procura apresentar o processo de observação das
imagens, o murmúrio de insatisfação diante das incongruências de algumas imagens mais do que
as conclusões que podem ser deduzidas de sua análise; além disto, bastaria ordenar os
instantâneos de outra forma, para criar outras infinitas oportunidades para reflexões e
possibilidades de elaboração. O nosso trabalho não consiste na reconstrução sistemática da
propaganda sobre a construção de Brasília: os capítulos de análise são estruturadas a partir de
algumas figuras, altamente simbólicas e maciçamente exploradas pelas propagandas, que nos
incomodaram: justamente a insatisfação frente às representações e a redundância das mesmas
que guiou as nossas perguntas e inquietações.
O texto que virá em seguida encontra-se suspenso entre duas línguas: o italiano e o
português, mas também entre dois universos culturais. Beatriz Colomina explica bem, no prefácio
para o seu texto “Privacy and Publicity”, a condição de quem provém de um outro idioma – que é
também uma outra cultura, outras ideologias e outras lógicas para compor as hierarquias dos
problemas – e escreve em uma língua e de uma cultura que não é a própria. Concordo com sua
descrição de que, na transição de uma língua para a outra, desmancha-se o controle sobre as
palavras e, conseqüentemente, sobre os raciocínios gerados pelas mesmas: “era como se, junto
com a linguagem, estivesse deixando para trás o modo geral de olhar para as coisas e de
escrever sobre elas, de maneira que, mesmo quando pensamos saber aquilo que estamos para
escrever, no momento em que começamos a escrever a língua nos toma e nos leva para passear
por conta própria. E se a linguagem não nos pertence, estamos definitivamente em um território
11
D’Autilia Gabriele. L’indizio e la prova. La storia nella fotografia. Milano, Bruno Mondatori, 2005
18
estrangeiro: tinha começado a me mover como uma nômade através dos discursos em um
território não oficial”
12
.
Por isso, nosso trabalho é fortemente ancorado às imagens: frente às dificuldades para
entender e escrever com as palavras, ainda por cima em mundos culturalmente afins, a linguagem
visual, mesmo que mais viscosa, escorregadia e ambígua, que aquela verbal, me pareceu mais
“universal”; sobretudo, me ofereceu um acesso mais imediato às representações, pois a
linguagem visual aceita o mesmo código e método de análise; um método, deve-se esclarecer,
que pertence à minha experiência profissional de professora de história da arte em escolas
italianas de segundo grau.
De forma geral, o objetivo das narrativas da mídia foi atrair em direção à fronteira: tanto
como exploração de novos horizontes geográficos, quanto como desafio dos limites criativos,
quanto como lugar das inúmeras possibilidades de trabalho e de uma vida melhor. Observam-se
todavia, ao longo do período analisado (de 1956 até 1960) mutações nos sus conteúdos. Devido à
complexidade e amplitude de um tipo de análise, que confronta as representações da mídia com
as fontes documentais, as memórias, as fotografias não publicadas, etc., enfim com as fontes
mais diferenciadas, escolhemos de aprofundar a leitura de três imagens. Trata-se de imagens
verbais e visuais recorrentes nos discursos sobre a cidade e sua construção. Essas dão o nome
aos três capítulos da tese; são imagens importantes, compartilhadas por todos os meios de
comunicação estudados e que procuram como que “naturalizar” e “universalizar” representações
específicas da construção da Nova Capital, inclusive do seu plano e das suas arquiteturas.
Estes ícones são descritas e explicadas, ou melhor, interrogadas, junto às modalidades
com as quais foram viabilizadas pelas matérias das revistas e dos cinejornais.
Contemporaneamente, porém, são analisadas a partir de suas próprias contradições internas,
mediante o confronto com relatos paralelos – depoimentos orais, outras fotografias, textos,
ensaios, notícias dos cotidianos, etc. – e conforme a seqüência com a qual as diferentes
problemáticas emergiram durante nossas investigações e reflexões.
As representações que nomeiam cada capítulo deste trabalho, já dissemos, foram
escolhidas entre as inúmeras produzidas em torno de Brasília. Suas descrições, cabe ressaltar,
não esgotam suas possibilidades narrativas. Descrever e analisar as fotografias, cabe repetir,
sobretudo aquelas exploradas pelos meios de comunicação de massa, requer um trabalho
interdisciplinar extremamente abrangente, decorrente tanto da ambigüidade estrutural do meio
fotográfico quanto da amplitude das questões levantadas pelas palavras e pelas seqüências com
as quais são paginadas, que direcionam suas leituras.
Antecipamos também que o trabalho não se esgotou: a pesquisa continuou “abrindo-se”
para novas e sempre mais interessantes inquietações e campos de investigação. Aliás, cada
12
A autora è espanhola e escreve em inglês. Colomina Beatriz. Privacy and Publicity. Modern Architecture as Mass
Media. Cambridge, Massachusetts; London, England: The University Press, 1994.
19
capítulo poderia tornar-se um plano de trabalho para elaborar novas teses, mais específicas e
aprofundadas, e muitas outras imagens, que não encontramos ou que não tivemos tempo para
contextualizar e documentar, poderiam acompanhar aquelas aqui propostas.
A seqüência dos capítulos proposta no sumário não nasce e não quer construir uma
narrativa linear: cada imagem é analisada como se construísse uma representação autônoma e
independente, mas ao mesmo tempo compartilha e explora figuras que estão presentes nas
outras. Nos diversos capítulos, as imagens servem como pretexto para a reflexão e para
documentar; cada imagem fotográfica delimita um sub-capítulo, podendo também estimular outras
contribuições. Como já foi dito, é a minha insatisfação uni-las: a justificativa na tradição colonial do
sinal da cruz, matriz da cidade, que a premissa do texto de Lucio Costa propõe me parecia um
“anacronismo” não disponível para a cidade que, na idade moderna, devia nascer supostamente
de premissas, mesmo que um pouco determinísticas, de planejamento sócio-econômico do
território; incomodava-me sobretudo o registro lingüístico do texto, a “naturalização” realizada
pelas palavras de questões historicamente e culturalmente mais complexas e, de forma geral, a
idéia de que o Brasil era um território vazio e começou a existir a partir da fundação de cidades.
As opiniões sobre as arquiteturas de Oscar Niemeyer me pareciam formalistas e/ou
nacionalistas demais e, sobretudo, exageradamente propensas a declarar e exaltar a gênese
apressada dos artefatos. Contemporaneamente, a minha atenção foi capturada pelos emblemas
da leveza e da “naturalidade milagrosa” atribuídas à arquitetura de Brasilia e pelo fato das
narrativas da revista Módulo, como as diagramações, paginações e fotomontagens da revista
Brasília visarem evidenciar a coerência entre os riscos (a intuição) e a arquitetura construída,
omitindo completamente o processo que, dos desenhos de anteprojeto, consente chegar à
execução das obras.
O candango, enfim, supostamente o candango é o operário das obras, o trabalhador cujas
qualidades éticas - heroísmo, otimismo, ousadia, capacidade de adaptação, inventiva,
perseverança, etc. - resolvem e realizam a cidade. Sempre supostamente, é para celebrar essas
qualidade que foi colocado um monumento na praça dos Três Poderes. Todavia a figura do
operário de Brasília nas narrações sobre a construção da cidade, me parecia exaltar
demasiadamente o papel do herói ou a condição de vítima, como se o trabalhador não possuísse
identidade própria.
O capítulo “O Sinal da cruz”, no qual se indaga o “gesto primeiro” que marca o nascimento
de Brasília, no entender do projeto de Lucio Costa, procura a continuidade histórico-cultural e
ideológica das imagens evocadas pelas palavras da introdução do relatório de Lúcio Costa com os
mitos fundadores do Brasil e com o repertório de lugares comuns já desfrutados pela “Marcha
para o oeste”. O texto busca a estabelecer um diálogo entre as imagens que se aproveitam do
20
sinal da cruz, ao falar da(s) fundação(ções) das cidades e da construção de Brasília; promove
interlocuções com reflexões propostas em outros textos sobre as estratégias de ocupação dos
territórios na América Latina e com as propostas dos planos pilotos premiados no concurso de
1956/57.
O capítulo “A flor agreste” descreve a imagem midiatica das arquiteturas monumentais de
Brasília; indaga, sobretudo as fotografias e a comunicação visual das revistas Módulo e Brasília,
levando em conta a possível colaboração ativa das mesmas, tanto no processo de construção da
imagem institucional das arquiteturas da Capital, quanto na propagação de uma idéia específica
de arquitetura defendida por seu autor. Com a contribuição dos depoimentos orais do Arquivo
Público do DF, o capítulo traz outras leituras da gênese do projeto arquitetônico.
O capítulo “O candango, herói de Brasília” descreve a imagem dos trabalhadores e indaga
os efeitos importantes que a mesma teve com relação à constituição de uma opinião pública
favorável à edificação da Capital. Para a sua análise, a imagem confronta-se com a reconstrução
histórica da gênese da estátua Os Candangos e com as alterações ocorridas no nome da própria
obra de Bruno Giorgi; confronta-se também com a representação mitificada do trabalhador dos
painéis de Cândido Portinari no MEC, com as propagandas comerciais, com as fotografias não
publicadas do Arquivo Público do Distrito Federal, com as memórias em geral. Essas fontes
permitem também contradizer a idéia de Brasília como êxito da intervenção de pouquíssimos
atores extraordinários e chama atenção para a atuação dos profissionais da Divisão de Arquitetura
e Urbanismo da Novacap.
O capitulo conclusivo da tese é dedicado às reflexões metodológicas sobre a fotografia da
mídia e ao seu uso na pesquisa histórica. De forma geral, as análises das representações
mostram que as diversas estratégias comunicativas da mídia contribuíram para construir e
divulgar para a opinião pública narrativas ideológicas acerca da construção da nova capital. Até
poderíamos falar de construção de mitos midiáticos e de exploração de mitos da identidade
nacional. Interessa porém evidenciar o papel importante das fotografias: de fato, esse estudo
revela que a linguagem visual da mídia, melhor que as palavras, colocou a construção da cidade e
as suas arquiteturas no jogo dos conflitos políticos e culturais e dos interesses econômicos. Ao
mesmo tempo, o complexo registro fotográfico de que hoje dispomos, isto é, os instantâneos que
foram publicados junto com aqueles que foram descartados, preserva uma memória e hoje
permite abrir novos caminhos às pesquisas.
21
SINAL DA CRUZ
22
Crédito da imagem da abertura: Indalécio Wanderley. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1/12/1956.
23
S
INAL DA CRUZ
Riscos do plano piloto de Lucio Costa.
Fonte: Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho 1957.
No texto de Lucio Costa Brasília. Relatório do trabalho com que concorreu ao concurso
para o Plano Piloto de Brasília, no qual se classificou vitorioso
1
, podemos reconhecer duas partes
distintas: uma introdução de caráter geral explica as condições e as finalidades da construção da
Capital e apresenta o programa, incluindo também uma dedicatória a José Bonifácio. A segunda
parte é a descrição dos diversos componentes urbanísticos da cidade; a explicação inicia com a
escolha e a justificativa para o cruzamento dos dois eixos viários qual alicerce da cidade.
Dedicaremos a nossa atenção à primeira parte, pois nela reside o programa, e dela decorre a
sucessiva elaboração do plano.
O registro da narração é poético, de modo especial justamente nessa primeira parte. O
autor evoca teorias e reflexões de outros – por exemplo: a capital não é apenas uma urbs, mas
uma civitas – obrigando o leitor a reconstruir os conteúdos de suas citações ou deixando que
cada um preencha essas palavras com seus significados preferidos. Chama em causa a
independência (evoca desde súbito a figura de José Bonifácio), e reforça as projeções e os
orgulhos nacionalistas; evoca a tradição colonizadora do País realizada por meio da implantação
de cidades, mas também, e simultaneamente, seu imaginário de predestinação: a cidade é gesto
desbravador, nos moldes da tradição colonial, mas logo si tornará um foco de cultura entre os
mais lúcidos e sensíveis do país. Estimula a repensar em posturas éticas (o urbanista deve achar-
se imbuído de dignidade e de nobreza de intenções) e leva o leitor a raciocinar junto com ele por
1
Costa, Lucio. Brasília. Relatório do trabalho com que concorreu ao concurso para o Plano Piloto de Brasília, no qual se
classificou vitorioso. [1957] In: Edgar Graeff. Org. Lucio Costa: Sobre Arquitetura. Porto Alegre: Centro de Estudantes
Universitários de Arquitetura, 1962.
24
representações e figuras, imaginários e imaginações
2
; dependendo disto, a solução para o plano
piloto estava já pronta: um sinal da cruz.
Ao descrever a futura cidade, acende ainda mais a imaginação: emite julgamentos sobre
os “tempos modernos” – “
o automóvel deixou de ser o inimigo inconciliável do homem,
domesticou-se, já faz, por assim dizer, parte da família”;
faz viver o centro da cidade
chamando à memória os lugares simbólicos e os pitorescos de outras cidades-arquétipos
(“o Mall, dos ingleses”, “Piccadilly Circus, Times Square e Champs Elysées”; “a Rua do
Ouvidor, as ruelas venezianas, as loggias”)
e descreve o “parque federal” como representação
física e construída da Constituição e do funcionamento dos poderes o Estado: os poderes
fundamentais da República são três e autônomos, a Igreja é separada do Estado, o Ministério da
Educação deve ficar próximo ao setor cultural, etc.
Cabe relembrar que esse texto é dirigido a um júri, composto na maioria por arquitetos,
que ao mesmo tempo representa os interesses do presidente da República. Além disto, compete
com outros projetos e talvez é por essas razões que a linguagem visa a seduzir e convencer, além
de descrever uma cidade ideal. Seja como for, isto é, que a estratégia comunicativa vise a aliciar
ou a assinalar uma solução possível, como indica o próprio autor, este texto, tão poético e
imagético, tornou-se um anteprojeto, foi traduzido (aparentemente sem revisões) em projeto, e
logo em uma cidade. Lucio Costa tornou-se enfim, segundo sugere Milton Braga, “entre os
arquitetos brasileiros, referência quanto ao modo de se propor idéias e apresentar projetos”
3
.
2
Gorelik, Adrián. Imaginarios urbanos e imaginación urbana. In: Miradas sobre Buenos Aires. Historia cultural y
critica urbana. Siglo Veintiuno editores Argentina, 2004.
3
Braga Milton Liebentritt de Almeida. O concurso de Brasília. Os setes projetos premiados. São Paulo: dissertação
de mestrado apresentada à FAU USP, 1999.
25
Esquema do plano piloto da equipe
de Boruch Milman João Henrique
Rocha e Ney Fontes Gonçalves
Esquema do plano piloto da equipe
dos irmãos Roberto
Esquema do plano piloto da equipe
de Rino Levi, Roberto Cerqueira
Cesar, L.R. Carvalho Franco e Paulo
Fragoso
Fonte: Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho 1957.
Os outros
4
planos concorrentes representam os mais diversos perfis de cidade ideal.
Concebidos ao mesmo tempo e com as mesmas finalidades pelos profissionais da época,
representam o clima cultural e profissional no qual o próprio projeto da capital vinha sendo
elaborado; os premiados incluem também os ideais e os critérios do júri.
A descrição e a análise do alcance do mundo ideal e das utopias que esses planos
carregam poderiam esgotar uma tese. Assim, nos limitaremos a apresentar brevemente os
relatórios, detendo-nos nas suas premissas.
A memória descritiva do plano de Boruch Milman, João Henrique Rocha e Ney Fontes
Gonçalves consiste em um texto de 55 páginas datilografadas
5
. Abre-se com uma justificativa de
três parágrafos e com o índice. As nossas avaliações baseiam-se no original, conservado no
Fundo Novacap no Arquivo Público de Brasília. A introdução explica que as justificativas do
relatório são sucintas, pois os autores teriam a oportunidade de “defender oralmente, frente a
camisa<o julgadora” seus pontos, e as escolhas gerais do plano baseavam-se nos “ensinamentos
e resoluções” dos CIAM. A escrita tende a ser objetiva, destacada: ao escolher as palavras,
elimina os adjetivos; ao descrever suas premissas, retrata-as de forma prática, distanciada. A
longa gestação histórica do projeto, o objetivo de realizar uma grande urbe, assim como a
4
Cabe ressaltar o aspecto da dispersão desse conjunto de documentos; vale anotar que não existem livros que
divulguem essas fontes. A memória descritiva de Lucio Costa é repetidamente publicada em textos de sua autoria, os
relatórios do plano de Carlos Ghilardini/Contrutécnica (5° lugar) e de Cascaldi, Vilanova Artigas, da Cunha Vieira, de
Camargo e Almeida foram publicado avulsos; somente a revista Arquitetura e Engenharia, números 43, 44, 45 de 1960,
publicou os textos integrais e ainda não temos acesso às memória descritivas integrais dos outros planos concorrentes.
Esse aspecto, a dificuldade em acessar essas fontes de forma integral e/ou em uma única publicação, restringe, em
nossa opinião, as possibilidades de avaliação crítica do porte e do alcance do próprio concurso. A tese de mestrado de
Tavares, Jéferson Cristiano. Projetos para Brasília. São Carlos: EESC/USP 2004, é o primeiro trabalho que reúne
todos os projetos que concorreram na seleção para o Plano Piloto e comenta todos as memórias descritivas.
5
Milman, Boruch; Rocha, João Henrique; Gonçalves, Ney Fontes. Relatório Justificativo do concurso para o plano
piloto. Fundo Novacap. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal.
26
eqüidistância geográfica do sítio da futura capital em relação às fornteiras nacionais, ou as
qualidades orográficas da região, ou as razões de ordem econômica, tornam-se todas premissas
e referências “técnicas”.
Analisaremos, em seguida, a cópia do relatório, publicada na revista Arquitetura e
Engenharia n. 46 de 1960, do plano de Rino Levi, Roberto Cerqueira Cesar, L.R. Carvalho Franco
e Paulo Fragoso, que dividiu o terceiro prêmio com aquele dos irmãos Roberto. A apresentação
abre-se com considerações sobre a escolha do locar e ressalta o fato do terreno ser praticamente
plano. Prossegue destacando as características da cidade que, segundo sugere o Edital,
“obedece à intenção de ordenar sua primordial finalidade” político-administrativa. Acrescenta-lhe,
porém, o objetivo de realizar o bem estar físico e espiritual de sua população. A estrutura do texto
é organizada por itens, evidenciados por subtítulos; o registro lingüístico é enxuto.
A memória descritiva dos irmãos Roberto é muito extensa. A nossa fonte é novamente a
revista Arquitetura e Engenharia, n. 45, de 1960. Abre-se com a descrição da Metrópole e
descreve os objetivos da criação da capital e do Distrito Federal. O registro lingüístico, de forma
geral, faz economia de adjetivos ou figuras retóricas, mas se ressente das estratégias lapidárias
(frases curtas e verbos no tempo imperativo) típica dos manifestos de vanguarda e característica
também da Carta de Atenas. Da mesma forma que na Carta de Atenas, as observações são
generalizadas e determinam soluções também genéricas, mas a concatenação causa-efeito da
estrutura textual afirma que as soluções propostas, além de necessárias, são as únicas possíveis.
Por exemplo: “A arquitetura da maioria das grandes capitais preocupou-se com detalhes de
exibição do poder civil e militar. São uns cenários para o governo e o poder econômicos cercados
por uma massa de população desorganizada e sem condições adequadas para uma vida urbana
satisfatória. A capital que projetamos é uma capital para uma nação que coloca os verdadeiros
valores da vida humana acima da pura exibição monumental ou do gosto da complicação
mecânica. É uma cidade para cidadãos e não para escravos. (...) A cidade deve ser um todo
equilibrado, proporcionado”. O registro lingüístico imperativo das explicações, juntamente com as
referências teóricas e as figuras retóricas por elas evocadas, transforma o texto em instrumento
de afirmação ideológica e de sedução. Porém, não consegue a concisão poética das palavras e
omite as tradições culturais e as identidades nacionais, limitando-se a projetar a cidade no futuro,
realizado graças a seu plano, e abandonado as tradições.
27
Esquema do plano piloto da equipe
de Henrique Mindlin e Giancarlo
Palanti.
Esquema do plano piloto da equipe
Construtécnica, liderada pelo
arquiteto Milton Ghilardini.
Esquema do plano piloto da equipe
de Carlos Cascaldi, João Vilanovas
Artigas, Mario Wagner Vieira da
Cunha e Paulo de Camargo e
Almeida.
Fonte: Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho 1957.
Os próximos três planos colocaram-se, ex aequo, em quinto lugar.
O Relatório Justificativo de Henrique Mindlin e Giancarlo Palanti é breve
6
: 12 páginas
datilografadas. As nossas observações baseiam-se no original, conservado no Fundo Novacap,
no Arquivo Público de Brasília. Diferentemente dos demais, abre-se com uma nota polêmica,
citando as controvérsias que cercaram a criação da Novacap e a abertura do concurso, e
acusando o próprio edital de formular o problema por “pontos fracos”. O texto, porém, logo depois
renuncia às discussões em nome da colaboração na realização de um “grande sonho a caminho
da realidade”; justifica as escolhas gerais do plano com base em um “ideal de cidade diferente,
digna de nosso tempo e do futuro” que é “em todo o mundo (...) já fixado, no consenso geral”.
Chama à memória os conteúdos éticos (paciência, honestidade) do urbanista e do (humilde)
histórico, que leva ao pleno estabelecimento de uma cidade nova, pois o próprio processo de
consolidação de um núcleo urbano depende das interlocuções com análogo e paralelo processo
de formação dos seus cidadãos. Finalmente, declara oferecer uma proposta de cidade ideal que
se apóia em teorias internacionais, mas também nos valores morais, e que visa a estabelecer
relações humanas e sociais mais justas. Os valores e as referências anunciadas são supra-
históricas e supra-nacionais: a cidade ideal, aparentemente, não tem nação nem tempo. O registro
textual, infelizmente, é contorcido, talvez por causa da proveniência cultural do autor
7
; o fato é que
6
Mindlin, Henrique e Palanti, Giancarlo. Relatório Justificativo do concurso para o plano piloto. Fundo Novacap. Brasília:
Arquivo Público do Distrito Federal.
7
O autor do texto é Giancarlo Palanti: Sanchez, Aline Coelho. A obra e a trajetória de Giancarlo Palanti: Brasil e
Itália, São Carlos, dissertação de mestrado apresentada à EESC USP, 2004. O arquiteto é italiano. Contudo, embora a
sintaxe dessa língua permita construções que antepõem os complementos e/ou as frases secundárias ao sujeito e/ou à
frase principal, a estrutura desse texto é decididamente complexa, mesmo em italiano.
28
a sintaxe (frases muito longas, cheias de incisos e de frases secundárias) compromete a leitura,
isto é, a apreensão de seus conteúdos, bem como sua eficácia comunicativa.
O Relatório Justificativo da equipe Construtécnica, liderada pelo arquiteto Milton Ghilardini
consiste em um pequeno ensaio integrado por uma bibliografia
8
. A equipe, como consta na versão
publicada como livro avulso que tomamos como referência, contava com outros seis integrantes:
quatro arquitetos e dois engenheiros. O relatório abre-se com uma dedicatória – uma citação em
inglês – que, a nosso ver, norteia as escolhas realizadas: “A nova ciência do urbanismo pautará,
não as maneiras de se construir as cidades, mas as modalidades com as quais os benefícios da
vida, em todas suas implicações e manifestações, poderão ser espalhados na terra afora”
9
. O
relatório justificativo inicia com uma menção ao terceiro item do Edital, que delimita a abrangência
do Plano Piloto (traçado básico da cidade e relatório justificativo), em obediência à qual elabora-se
o próprio plano. Passa depois a analisar os conteúdos e as finalidades dos recentes alcances da
disciplina urbanismo, apresenta um levantamento da área do Distrito Federal, e, finalmente,
descreve o agenciamento do plano, ressaltando, justamente com a impostação do texto, que o
próprio plano nasce da observação do processo de causas e efeitos que se articula entre o núcleo
urbano e a região. A ação do urbanista, de acordo com a dedicatória, é “clínica”, é técnica e
curativa; sua atuação não mexe com a história do País, com suas tradições, costumes,
contradições, controvérsias, etc. Acredita no poder do plano para solucionar todos os aspectos da
vida humana, sejam eles matérias ou espirituais, graças à intervenção objetiva e asséptica dos
técnicos que o elaboram. Quase um espelho dessa utopia determinística que entrega o
planejamento aos poderes da técnica, o texto usa poucos adjetivos, retrata as soluções de forma
destacada e coloca uma citação de 1956 em inglês, declarando a filiação do projeto não só a um
campo disciplinar internacional e atualizado, mas também a uma vertente urbanística tecnicista.
O relatório da equipe liderada por Carlos Cascaldi, João Vilanovas Artigas, Mario Wagner
Vieira da Cunha e Paulo de Camargo e Almeida, é muito extenso
10
. Observamos aqui sua versão
fotocopiada e encadernada em forma de livro da biblioteca da FAU de São Paulo: são 105
páginas escritas em uma fonte pequena e com espaço muito reduzido entre as linhas. O
frontispício apresenta o quadro responsável pelo plano: quase todos os seus integrantes são
professores da USP. O grupo é composto por oito arquitetos, os quatro diretores acima
relembrados, outros quatro colaboradores (entre eles, Julio Katinsky), e por um conselho especial
de nove especialistas, curadores dos diferentes aspectos do plano: energia elétrica, planejamento
8
Mindlin, Henrique e Palanti, Giancarlo. Relatório Justificativo do concurso para o plano piloto. Fundo Novacap. Brasília:
Arquivo Público do Distrito Federal.
9
“The new science of urbanism will be concerned, not with the way of building cities, but with the manner in which the
advantages of life in all its implications and manifestations, may spread over the land. The planner may be called upon to
deal clinically with cities, hut the ultimate task is to bring within the reach of every human being the material resources,
the technical convenience, the labor-saving devices, the philosophies, the sciences, and the poetry of living”. Carol
Aronovici, N.Y., 1956. In: Constutécnica / Milton Ghilardini, Relatório Justificativo do concurso para o plano piloto. São
Paulo: Construtécnica, 1957.
10
Cascaldi, Carlos; Artigas, João Vilanova; Cunha Mario Wagner Vieira da; Almeida, Paulo de Camargo. Relatório
Justificativo do concurso para o plano piloto. São Paulo: S.N., 1957.
29
regional, história, agricultura e abastecimento, legislação, higiene e assistência hospitalar, higiene
e saneamento, saúde pública. Já a composição e a abrangência do grupo – diferentes daquelas
das outras equipes premiadas, formadas apenas por arquitetos e engenheiros – revelam que este
trabalho baseou-se em um outro tipo de premissas. A introdução aponta os aspectos exógenos e
os endógenos da implantação da cidade capital e apresenta também suas repercussões no plano
econômico e social. Destaca-se o fato de todas as finalidades do plano serem formuladas no
tempo futuro e serem articuladas à obrigação, expressa pelo verbo dever: a capital deverá
reorganizar a sua volta a Nação; a capital deverá ter e propiciar um clima de trabalho favorável
para as atividades de negócios administrativos e políticos; enfim: “a cidade deverá criar uma nova
orientação de pensamento nacional e representar um esforço de rompimento com as
características coloniais da economia do País, elevando as condições de vida da população do
interior”
11
. A linguagem evoca e impõe, estabelece e hipoteca o futuro.
11
Idem. Ibidem.
30
Indalécio Wanderley, A nova Capital. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 1/12/1956.
Em conclusão, as premissas trazem à tona as mais variadas utopias e os mais diversos
temas de discussão sobre o alcance dos instrumentos do planejamento. Todavia, se as
imaginações são diferentes, todos compartilham um mesmo imaginário
12
; todos fundamentam o
programa da cidade no crédito dela ser expressão de um ideal e o instrumento para a construção
do melhor futuro para o país. Alguns aplicam um modelo abstrato e avulso do tempo e do espaço;
outros vêem no plano a possibilidade de corrigir os erros de um passado de contradições e
desigualdades. A memória descritiva de Lucio Costa, entre as concorrentes, é a única que atribui
12
Para o uso das palavras imaginação e imaginário, fazemos referência à definição articulada por: Gorelik, Adrián.
Imaginarios urbanos e imaginación urbana. In: Miradas sobre Buenos Aires. Historia cultural y critica urbana. Siglo
Veintiuno editores Argentina, 2004.
31
explicitamente à capital a função de construir a nova identidade da Nação e, sobretudo, a tarefa
de formar seu cidadão.
Todos, enfim, pensam a nova urbe como instrumento de antropização
13
e de modernização
de uma região atrasada, de conquista e anexação de novos territórios à nação. A fotografia acima
reproduzida foi publicada na revista O Cruzeiro de dezembro de 1956. A mesma matéria publica
também as primeiras arquiteturas de Oscar Niemeyer para a Nova Capital. A fotorreportagem, em
seu conjunto, descreve a beleza do sítio e as condições dos acampamentos dos pioneiros –
barracões e construções toscas em madeiras que abrigam a vida dos primeiros pioneiros.
Podemos avaliar a matéria como expressão dos anseios e das expectativas da opinião
pública. Aliás, justamente nesse mesmo momento [dezembro de 1956], vinham sendo
desenvolvidos os projetos para o plano piloto de Brasília. Talvez, a matéria conte o mesmo
imaginário incorporado nos projetos.
A imagem descreve o marco de madeira colocado em 1955 no Sítio Castanho que, na
legenda, representa a cruz junto à qual foi celebrada a primeira missa de Brasília. Na fotografia,
destacam-se os meios de transporte atuais, que vieram a substituir aqueles usados nas antigas
expedições: o avião declara que a exploração e a colonização agora possuem novas ferramentas,
mais modernas. A própria diagramação declara que as máquinas modernas viabilizarão melhor a
nova etapa de reconhecimento e incorporação de outros territórios e identidades à nação: o
instantâneo aparece ao lado da manchete A Nova Capital que abre a reportagem. As viagens de
descoberta conservam suas antigas finalidades – “conquistar a natureza, dominar a barbárie,
ganhar e vencer espaços para o conhecimento e a civilização, desbravar fronteiras”
14
– mas
possuem agora máquinas mais eficazes, que asseguram a vitória.
O diálogo entre a desordem do mundo selvagem e a ordem da civilização permeia e
determina os planos pilotos para a nova capital: a implantação da cidade já demandava, nas
palavras dos relatórios justificativos, obras de transformação de algumas das características da
região: “a função primordial da região é a alimentação da Capital”
15
; “o solo de Brasília é de
qualidade medíocre, podendo, no entanto, ser recuperado com tratamento adequado”
16
.
13
Tradução do italiano antropizzazione. O verbete indica o conjunto das “transformações das características de um
território ou de uma paisagem, anteriormente intocados, decorrentes da intervenção do homem. Dicionário Garzanti
Italiano, editora Garzanti, 2007.
14
Naxara, Marica R.C. “Encantos” e “Conquistas” do Oeste: desvendar fronteiras e construir um lugar político. In:
Gutierrz Horacio, Naxara, Márcia R.C., Lopes, Maria parecida de Sousa org. Fronteiras, paisagens, personagens
identidades. Franca: UNESP, São Paulo: Olho d’Água. 2003.
15
Roberto M.M.M. Relatório Justificativo do concurso para o plano piloto. In: Arquitetura e Engenharia n. 45, 1960.
16
Levi, Rino; César, Roberto Cerqueira; Franco, L. R. Carvalho; Fragoso, Paulo. Relatório Justificativo do concurso para
o plano piloto. In: Arquitetura e Engenharia n. 46, 1960.
32
Oscar Pereira da Silva. Fundação da cidade de são Paulo, 1903. São Paulo, Pinacoteca do Estado.
Theodoro Braga. Fundação da cidade de Belém do Pará,1908. Belém Museu de Arte.
33
O interesse pelos mitos e rituais de fundação é trazido à tona pelas palavras da memória
descritiva de Lucio Costa: ao evocar o poder do sinal da cruz para assinalar um lugar e determinar
sua posse, ele chama à memória, deliberadamente, um imaginário importantíssimo que explica,
justifica, afirma, relata, abençoa, sacramenta, historiciza, mitifica a posse de um lugar. O ato, que
busca absorver a história, é fortemente simbólico: destrói uma história e torna histórica uma
genealogia mítica. A posse do lugar torna-se cidade, urbs e civitas
17
, como ele ama evocar ainda
na premissa do relatório, lugar físico, mas também suas leis. Vale a pena lembrar que, no ritual
sagrado da fundação da cidade romana e etrusca o aruspice
18
delimitava o temenos da futura
cidade com uma enxada, após ter perguntado o parecer ou a permissão aos deuses.
19
O
temenos, ou confins, marcava e ao mesmo tempo determinava a posse, estabelecendo um
espaço sagrado, no interior do qual valiam regras diferentes, e para ingressar no qual se
precisava de permissão, uma permissão tão importante e sagrada, que custou a vida de Remo,
como já havia custado aquela de Abel.
Cabe observar que esse conjunto de citações, heranças, representações, etc, já estava no
ar e foi incorporado, desde o início, na publicidade do presidente Juscelino Kubitschek e nas
retóricas das comunicações de massa. Ao criar e evocar rituais, a propaganda reforça os mitos;
sobrepondo e fundindo as datas cruciais da História do Brasil, a própria história perde sua função
de depositária da memória e da identidade coletiva e institui uma outra reminiscência, que
transforma a realização da Capital na realização de um mito de origem. Cabe frisar que as
palavras do Relatório de Lucio Costa aproveitam e sugerem a mesma fala mítica: evocando José
Bonifácio, patriarca da independência, articulam a edificação da nova capital à fundação do Brasil
independente, mas de acordo com a tradição colonial; em outras palavras, Brasília torna-se ato de
nascimento da nação, mas também ato de autocolonização, civilização, autodescoberta e
fundação da nação.
17
“aliud urbem significare, aliud civitatem: urbs enim est solum aedificia et moenia ab orbe quo loco cingitur apellata;
civitas autem congregatio hominum iure sociatorum et eisdem legibus viventium”
. “uma coisa é a urbs, outra a civitas:
urbs, então, é somente o conjunto dos edifícios e dos muros e recebe o nome do lugar circundado pelos muros, civitas,
ao invés, é a agregação de homens associados pelo direito e que vivem nas mesmas leis” Leonardo Bruni, 1535, lettera
a Niccolò Piccoli , Epistolas III, 9, in: Franco Pignatti, www.italica.rai.it/rinascimento/categoria/città.htm
.
“There is an old and useful distinction between the civic and the urban. Latin, as Fustel-de-Coulange observed in his
great work on the ancient city, distinguishes between the terms civitas e urbs. Families or tribes who joined together
because they shared the same religious beliefs, social organization, form of government and modes of production
created civitas, a community that was not necessarily related to any particular place or construction. But, when such a
unit chose a particular site and founded a city in which to dwell (…) an urban settlement resulted. So urban space
became the territory of the civic formation and civic principles determined the spatial configuration of the city. Choice of
site, performance of the foundation ritual, and organization of the layout were seen as such fundamentally important acts
that they were traditionally ascribed to the community’s gods and mythic heroes”. William Mitchell, City of Bits, in:
www.headmap.org/index/headmapb/softarch/landimpl/civitas.html
.
18
Os aruspices e os áugures eram os sacerdotes que, na religião itálica e etrusca, cuidavam da relação entre homens
e deuses, ou seja, liam os sinais da vontade dos deuses nos vôos dos pássaros ou nas vísceras dos animais
sacrificados. Ver também: Rykwert, Joseph. A idéia de cidade. (1976) São Paulo, Perspectiva – Estudos, 2006.
19
Illich, Ivan H2O e le acque dell’oblio. Umbertide (PG): Macro Edizioni, 1988.
34
Fonte: Brasília n. 1.
Rio de Janeiro: Janeiro de 1957.
Fonte: Kubitschek, Juscelino. Por que construí Brasília.
Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1975.
Visita do Presidente de Portugal em Brasília.
Fonte: Brasília n. 6. Rio de Janeiro: Junho de 1957.
Capa da revista Brasília n. 6.
Rio de Janeiro: Junho de 1957.
35
A revista Brasília era o órgão de divulgação da Novacap. Mensalmente ela documentou, a
partir de janeiro 1957, a construção da cidade, publicou os discursos presidenciais, as fotografias
dos progressos das obras, o Boletim do Conselho Diretor da própria Novacap, as contribuições
esporádicas de intelectuais, economistas, poetas, arquitetos, etc. A Divisão de Divulgação da
Novacap e a sua revista Brasília foram também incumbidas da promoção da propaganda
intelectual no estrangeiro
20
. Depois da inauguração da cidade, a Divisão continuou redigindo a
publicação (não mais mensal), até 1963.
A profusão desse tipo de fotografias – as pessoas e a cruz – induz a interpretar os
instantâneos como a citação das representações que celebram as fundações das cidades
brasileiras: evoca claramente partes das pinturas, aqui relembradas, que descendem da tela de
Victor Meireles, Primeira Missa no Brasil de 1861. Chama a atenção o fato de que todos esses
atos, ao estabelecer uma genealogia e uma justificativa sagrada para a existência das cidades
brasileiras, são associados ao estabelecimento de uma cruz, isto é, a um ritual católico. Cabe
frisar que duas das imagens da montagem acima proposta pertencem ao número de junho de
1957, sendo que o número precedente havia sido dedicado inteiramente à celebração da Primeira
Missa Oficial de Brasília, que teve repercussões importantes, como observaremos em seguida, na
imprensa popular e nos discursos gerais ao redor da construção da cidade. Elas incorporam e
juntam também os conteúdos presentes no desenho do plano vencedor.
Vale a pena destacar que o próprio sinal da cruz, andaime da cidade e evocação de um
mito/ritual de fundação, acompanha-se na Memória Descritiva de Lucio Costa a seu aparecimento
improviso – “a solução surgiu, por assim dizer, já pronta” –, insinuando-se, nessa
imagem/representação, parte importante da construção de um relato acerca da fundação da
cidade. Além de evocar os ritos, evoca seus mitos: na tradição da Antigüidade Clássica, de fato, “a
fundação de uma cidade inicia com o chamado divino do seu fundador, geralmente em sonho”
21
.
“Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se,
novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa,
tanto mais é a repetição de si mesmo”
22
. A observação de Marilena Chauí nos estimula a
relembrar a cronologia e a procurar reconstruir o ambiente cultural no qual vinha sendo elaborado
o projeto da capital.
Iniciaremos pelas falas veiculadas pelas revistas populares ilustradas, pois elas eram
importantes meios de comunicação de massa e suas falas refletem o clima da época.
20
A Divisão de Divulgação da Novacap providenciava também para que os governos estrangeiros, através das
embaixadas brasileiras no exterior, recebessem informações acerca da construção da Capital. Entrevista com o doutor
Raimundo Nonato da Silva, diretor da revista Brasília e da Divisão de Divulgação da Novacap. A entrevista foi realizada
em 14 de outubro de 2008 no Instituto Histórico Geográfico do Distrito Federal. Ver também: Silva, Raimundo Nonato
da. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1992.
21
“Nella tradizione classica, la fondazione di una città comincia con la chiamata divina del suo fondatore, generalmente
in sogno”. “Na tradição clássica, a fundação de uma cidade inicia com a chamada divina do seu fundador, geralmente
no sonho”. Illich, Ivan. H2O e le acque dell’oblio. Umbertide (PG): Macro Edizioni, 1988.
22
Chauí, Marilena. Brasil, Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,
2000.
36
Aguiar, Wilson. A nova Capital. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 1/12/1956.
Para dar uma medida do envolvimento popular desencadeado pela construção da capital,
deve-se observar a sua imagem proposta pelos meios de comunicação de massa da época,
sendo que os mais difusos eram as revistas ilustradas Manchete e O Cruzeiro.
Esse pequeno texto é um trecho da reportagem que apresentou as primeiras arquiteturas
para a Nova Capital. Ele estimula os anseios de participação popular da construção da nova
capital, relata também as relações, específicas do panorama brasileiro, entre as revistas de massa
e seus públicos.
O nome escolhido pela antiga Comissão de Planejamento e Mudança da Capital era Vera
Cruz
23
, homenagem à descoberta/fundação do Brasil, e o nome Brasília foi definido
24
com a lei
2.874, de 19 de setembro de 1956. Todavia, a revista O Cruzeiro no final de 1956 – número 1 de
dezembro – propôs que os leitores participassem da escolha do título para a nova capital
25
.
Cabe abrir um parêntese sobre a Lei 2.874, de 19 de setembro de 1956 e o seu alcance.
Como consta no Diário de Brasília, que, porém, inicia a relatar a história da capital somente em 15
de setembro de 1956, a Lei 2.874 “autoriza o governo” a constituir a Novacap e a “construir o
sistema de transportes e comunicações do Distrito Federal”. Segundo a Manchete, esse sistema
23
Tavares, Jéferson Cristiano. Projetos para Brasília. São Carlos: Dissertação de mestrado apresentada à EESC/USP
2004.
24
Diário de Brasília. 1957-1960. Rio de Janeiro: Serviço de documentação da Presidência da República. 1960.
25
O Cruzeiro, Rio de Janeiro: 1/12/1956.
37
já tinha sido planejado
26
; depoimentos orais confirmam que já estava sendo executada a
barragem do rio Paranoá e que, pelo menos desde agosto 1956: mudaram-se ao Planalto
operários e empreiteiras, como, por exemplo, a Rabello
27
. De açodo com o Diário Oficial, além do
Catetinho, no início de novembro de 1956, já tinha-se “o seguinte o resultado: construção de 80
km de rodovias dentro da área da futura capital, construção de pontes, levantamento de casas de
madeira para os trabalhadores e construção do aeroporto em desenvolvimento”
28
.
A Lei ratificaria, portanto, providências que já haviam sido tomadas
29
. Apesar disto, ela
permitiu que o presidente Juscelino Kubitschek tomasse decisões – “outras providencias” –
importantes através dos Decretos-Lei. Ele aproveitou-se desses instrumentos extinguindo poucos
dias depois (24 de setembro) a Comissão de Planejamento e sancionando a transferência dos
seus bens (dos seus projetos) para a Novacap. Sobretudo, constituiu por decreto lei a Sociedade
por Ações da Companhia Urbanizadora, para agilizar os trabalhos da Novacap; o faro dela ser
Sociedade Poe Ações permitiu-lhe de emitir obrigações que envolvessem as terras da União, de
contratar empréstimos no exterior, etc., em suma, de gerir o dinheiro público, como consta no
Boletim da diretoria anexado a cada número da revista Brasília.
Talvez, a revista O Cruzeiro, ao propor um plebiscito para escolher o nome da nova capital
(que já havia sido definido), quisesse assinalar seu desacordo com as modalidades de atuação do
governo. Raimundo Nonato da Silva, antigo diretor da Divisão de Divulgação da Novacap, órgão
oficialmente representante a atuação do governo a respeito da construção da capital, a revista dos
Diários Associados representava os pontos de vistas da oposição
30
. Todavia, se de um lado “os
lordes da UDN, que eram o Aliomar Baleeiro, o Carlos Lacerda, e o Josafá Marinho, jamais (...)
queriam a mudança da capital” alguns membros da própria UDN, “eram da mudança da capital.
Existia um grupo na UDN, chamado Grupo Mudancista, que era dirigido pelo deputado Emival
Caiado, apesar da UDN ser contra a mudança”
31
, e que apoiava a construção da nova capital.
Ao mesmo tempo porém, cabe observar que essa matéria visa a envolver o público,
atitude jornalística que revela um aspecto peculiar da atuação das revistas populares brasileiras.
De acordo com Helouse Costa, de fato, “o nosso moderno fotojornalismo fez do leitor um co-
participante. Ele podia sugerir temas para as reportagens, indicar o fotografo que deveria fazê-las
e tinha quase sempre o seu pedido atendido”
32
. Emerge, portanto, a existência de um diálogo
26
“Já [maio de 1956] estão planejadas todas as comunicações ferroviárias e rodoviárias da nova capital, adaptadas ao
Plano Geral de Viação Nacional (...) a “Transbrasíliana” considerada a espinha dorsal do país abrirá regiões esquecidas,
aproximando os brasileiros do norte e do sul e permitindo a retomada da marcha para o oeste”. Manchete. 19/5/1956.
27
Beú, Edson. Expresso Brasília A história contada pelos candangos. Brasília, LGE Editora 2006.
28
Diário de Brasília. 1956-1957. 12 de novembro de 1956, pág. 42.
29
Tavares, Jéferson Cristiano. Projetos para Brasília. São Carlos: Dissertação de mestrado apresentada à EESC/USP
2004.
30
“Oh, a O Cruzeiro era UDN”. Raimundo Nonato da Silva, ex diretor da Divisão de Divulgação da Novacap, em
entrevista à autora.
31
Melo, Natalino Cavalcante de. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal,
1990.
32
Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo, Cosac&Naify, 2004.
38
entre revistas ilustradas e leitores que nos instiga a observar melhor as ressonâncias da história
da construção da capital divulgada por esses meios de informação.
Merecem assim uma breve nota de apresentação as qualidades da comunicação visual
das revistas populares. A revista O Cruzeiro foi fundada em 1928 e foi o meio de comunicação de
massa que importou o fotojornalismo no Brasil
33
. Nos anos 40 renovou completamente suas feição
gráfica, justamente em decorrência da inserção das fotografias nas reportagens. Manchete
34
foi
fundada em 1952 pelos Bloch Editores. Rapidamente alcançou o estatuto de revista popular e de
massa, declarando, a par de O Cruzeiro, mais de 500.000 fascículos semanais
35
, sedes e
colaboradores no país afora. Colaboravam à redação dessas revistas diversos intelectuais; assim,
freqüentemente elas colaboraram à discussão dos mais diversos assuntos culturais e políticos.
Do ponto de vista gráfico, a paginação de ambas as revistas é clara, privilegia o corte
vertical e as fotografias. O Cruzeiro oferece uma maior presença de textos enquanto a informação
na Manchete é realizada quase exclusivamente pelas imagens. Vale a pena antecipar que as
fotografias de ambas as revistas são de qualidade estética e técnica elevada e estabelecem um
fala poderosa; elas provêem também, um acervo interessantíssimo, construindo uma história por
imagens tanto do País quanto da edificação da futura capital. Com relação a essa última, temos
fotografias mais “estáticas” ou “oficiais”, que descrevem os diversos monumentos, e as mais
“pitorescas”, que relatam trabalhadores comemorando, aspectos do cotidiano na Cidade Livre e
em Taguatinga, a criançada brincando nos campos, as pessoas mudando para Brasília depois da
inauguração, etc. Destacamos também que a atividade dos fotojornalistas da revista Manchete e
da revista Brasília compôs um poderoso e vastíssimo acervo de imagens que retratam o
trabalhador da capital e constroem uma imagem específica à qual dedicaremos o capítulo os
Candangos.
33
A comunicação visual da revista O Cruzeiro é objeto da tese de Costa Helouise, Um olho que pensa: estética
moderna e fotojornalismo. Tese de doutorado. São Paulo, FAU/USP, 1998.
34
Manchete foi fundada em 1952 pelos Bloch Editores: “uma revista semanal que primava pela qualidade de impressão,
pelas belas imagens e pelos artigos de alguns dos pensadores mais respeitados e admirados”
[http://televisionado.wordpress.com]. Assinavam regularmente, entre outros: Rubem Braga, Henrique Pongetti, Sergio
Porto, mais conhecido sob o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, Ibrahim Sued, jornalista contratado em 1960 para curar
a publicação do programa dos festejos da inauguração da nova capital, Rubem Braga, Ida Uchoa, Humberto Bastos,
Helena Sangirardi. Enviavam esporadicamente suas intervenções: Pedro Calmon, Lucio Costa e Mario Barata, entre
outros. Desde suas primeiras publicações, Manchete demonstrou uma atenção específica para a arquitetura moderna
no Brasil. Quando a visita de Max Bill ao Brasil provocou as conhecidas polêmicas, seus espaços editoriais foram
utilizados por Lucio Costa
34
para esclarecer/afirmar alguns pontos cruciais de suas divergências com o arquiteto suíço.
Logo depois, a revista participou do debate, apresentando um balanço da arquitetura moderna brasileira através das
entrevistas com alguns arquitetos [Manchete. Rio de Janeiro: 27/07/1953]. Por ocasião da viagem de Oscar Niemeyer
[Manchete. Rio de Janeiro: 04/06/1955] à Alemanha e à então União Soviética (1955), a revista dedicou amplas
reportagens à discussão sobre a arquitetura moderna brasileira e às observações da delegação de arquitetos nacionais
que viajaram junto com Oscar Niemeyer [Manchete. Rio de Janeiro: 17/12/1955]. O teor dessas intervenções visa a
ressaltar a qualidade da arquitetura brasileira e a fama internacional de Oscar Niemeyer. Ao destacar o papel da
divulgação no debate acerca da arquitetura brasileira, cabe observar a colaboração entre a revista e a equipe que iria
projetar e executar a nova capital.
35
O Cruzeiro declara 580.000 cópias em 1957 e Manchete 500.000 em 1959. Pelas notas de apresentação de cada
número, podemos aprender também quais foram os diversos estágios no melhoramento das técnicas de impressão.
39
Cabe assinalar que, quando comparado ao perfil da revista O Cruzeiro, aquele da
Manchete é menos conservador e elitista; seus repórteres freqüentemente utilizam-se de um
registro lingüístico quase coloquial
36
, optando por palavras de uso mais comum e, na sintaxe, por
uma construção que simula a “liberdade” da língua falada. Todavia, os conteúdos das matérias
(em termos de preocupações e de justificativas) deixam entender que o ponto de observação,
tanto sobre o País quanto sobre a construção da capital, pertence e representa a classe média,
inclusive a nova classe média surgida da política desenvolvimentista, com suas preocupações,
suas perguntas, seus níveis de alfabetização e seu mundo de valores
Arquitetura e Engenharia n. 36. Rio de Janeiro
: Julho-Agosto de 1955.
Os anseios de participação coletiva da construção da capital permeavam também o meio
profissional dos arquitetos e dos urbanistas. Em agosto de 1955, no pano de fundo a campanha
eleitoral e as discussões que animavam os governadores a debater sobre a transferência da
capital, as revistas Módulo e Arquitetura e Engenharia manifestavam suas preocupações com a
construção da Nova Capital. Cada uma, com sua distinta forma editorial, publicou suas
apreensões com relação à participação e ao envolvimento dos profissionais nacionais da
36
“Os jornais brasileiros conservaram a linguagem de elite que os caracterizava, mudaram no aspecto morfológico,
utilizando a imagem fotográfica e transformando a diagramação, mudaram a estrutura do texto, mas conservaram a
linguagem de elite, (...) que reflete as experiências de fala dos grupos superiores da cultura brasileira e torna-se por isso
mesmo de compreensão inacessível ao cidadão médio”. De Melo, José Marques. Comunicação, opinião,
desenvolvimento. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília. Editora Vozes, 1975.
40
arquitetura e do urbanismo na elaboração do plano para a cidade. Isso permite relembrar que,
justamente em 1955, Affonso Eduardo Reidy e Roberto Burle Marx, então membros da Comissão
de Planejamento da Futura Capital, tinham proposto se convidar Le Corbusier para coordenar a
elaboração do plano urbanístico para a Nova Capital.
A revista de Oscar Niemeyer, utilizando-se da seção do Noticiário, relembra a aprovação,
ocorrida em julho de 1952 na assembléia geral do Instituto dos Arquitetos do Brasil, de um
regulamento para os concursos de arquitetura, que visava a “proteger os interesses da classe e o
desenvolvimento da boa arquitetura”. A matéria é pretexto para noticiar o encaminhamento de
uma carta do então presidente do IAB, Paulo Antunes Ribeiro, ao Presidente da República, na
qual questionava-se a posição dos profissionais com relação ao planejamento da futura capital.
Na revista Arquitetura e Engenharia, Eduardo Guimarães dedica seu editorial à questão da
participação dos técnicos nacionais no planejamento da futura capital, e uma meia página da
revista à publicação integral do Manifesto ao chefe do governo assinado pelos arquitetos do IAB,
com o propósito de garantir a “participação de seus membros e representantes no planejamento
da futura capital do país”. Chama a atenção o fato de que a mesma informativa ao presidente da
República na revista Módulo seja uma “carta”, quase como uma mensagem pessoal, enquanto
em Arquitetura e Engenharia é um “manifesto”, expressão pública de um grupo, os profissionais
que reclamam a possibilidade de tomar parte do planejamento da cidade. As duas revistas
expressam posturas muito diferentes, que dizem respeito às modalidades de defesa dos
interesses em jogo, questão que poderia abrir o caminho para outra pesquisa.
Cabe observar melhor as duas matérias de 1955, publicadas no pano de fundo da
campanha eleitoral, da discussão sobre a designação do sítio e das polêmicas levantadas pelo
convite a Le Corbusier.
Ao defender a necessidade dos concursos públicos de arquitetura, a revista Módulo coloca
em pauta a questão das arquiteturas da nova capital – “os concursos visando proteger o
desenvolvimento da boa arquitetura” – enquanto a revista Arquitetura e Engenharia expressa suas
preocupações com o tema mais geral do “planejamento da cidade”. Cabe observar que a
execução da nova capital comportava necessariamente a ocupação e infra-estruturação dos
territórios do interior, sendo que uma intervenção na área ao redor da cidade já havia sido
elaborada pela Comissão pública da Mudança da Capital, ratificando e concluindo o projeto de
realização da barragem e do lago. Contudo, a questão do planejamento regional não é explicitada
nas observações das revistas Módulo e Arquitetura e Engenharia, que dedicam sua atenção à
cidade, uma colocando em pauta os problemas do plano urbano e a outra aqueles das
arquiteturas
37
.
37
Cabe observar, porém, que muitos profissionais, ao elaborar seus planos, dedicaram atenção e propuseram soluções
para a problemática relação entre a cidade, as suas necessidades em termos de recursos e abastecimentos, e o
território, não obstante o Edital do próprio concurso colocasse de forma superficial e opcional o assunto a ser
desenvolvido.
41
Anteprojeto de Vera Cruz. Apud: Carlos Newton. Nova capital: só falta mudar. Manchete. Rio de Janeiro:19/05/1956.
Na imprensa popular, durante o ano de 1955, não existem manchetes que relatem o
compromisso oficial de Juscelino Kubitschek, em campanha eleitoral, com a construção da nova
capital. Todavia, em maio de 1955, a revista Manchete publica uma matéria, assinada por
Humberto Bastos, informando que houve em Goiás uma reunião de governadores para discutir a
mudança da Capital e comentando favoravelmente a conjuntura econômica que decorreria da
construção da nova capital. Os governadores dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato
42
Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Goiás, reunidos para debater a mudança da
Capital “assinaram um convenio no qual é prevista a transferência imediata da capital”
38
. A
reunião delata a existência de inúmeras questões (e interesses) de natureza econômica que
rodeavam a construção da capital antes da eleição de Juscelino Kubitschek. No pano de fundo da
campanha eleitoral, a reunião adquire importância política em termos de apóio ao candidato à
presidência da república, que assumirá a construção da capital como prioridade econômica e
política de sua atuação. Adquire também outro valor, se pensarmos que justamente em meados
de 1955 ocorreu o processo de determinação do local para a edificação da Cidade, e que o Sítio
Castanho no Planalto Central foi preferido ao Triângulo Mineiro, por Israel Pinheiro e Juscelino
Kubitscheck
39
.
Voltando à matéria de Humberto Bastos, o autor lembra o quarto artigo da Constituição e o
caso positivo da construção de Goiânia, um “esforço de pioneiro” bem sucedido. Solicitando a
mudança da Capital, ilustra as conjunturas favoráveis dela decorrentes: ela “não é um simples
gesto administrativo de respeito à constituição, é, isto sim, a solução para problemas cruciais de
caráter econômico, militar, demográfico, social, geográfico, administrativo e financeiro.”
40
No texto
já encontramos alguns dos assuntos privilegiados pelas propagandas que apoiaram a realização
de Brasília, sobretudo a retomada da poética e da retórica do pioneirismo. Essas últimas figuras,
aliás, pertencem à história cultural brasileira e informaram a propaganda de ocupação do interior
do País, desde a implantação de cidades novas (Goiânia, Maringá, entre outras) até a construção
das ferrovias. Mas interessa aqui salientar o fato de Brasília, desde o início, ser incumbida da
tarefa de resolver os “problema cruciais” do País.
Logo depois da posse, o presidente Juscelino Kubitschek concedeu entrevista exclusiva à
revista Módulo, publicada no numero 4 de março de 1956, da qual cabe transcrever um trecho: “A
futura Capital Federal será, no meu entender, a grande realização coletiva da arquitetura, da
técnica e das artes plásticas brasileiras, que dará testemunho do espírito e da capacidade da
presente geração de técnicos e artistas (...)”. O presidente, isto é, o cliente, estava enviando sua
mensagem aos arquitetos e reiterando sua preocupação com o caráter simbólico da cidade
capital, caráter que, em sua opinião, seria resolvido justamente por meio das arquiteturas e das
artes plásticas.
Além disto, vale a pena refletir sobre o significado da entrevista do Presidente Juscelino
Kubitschek à revista Módulo, na qual Brasília é considerada “testemunho do espírito e da
capacidade da presente
[grifo nosso] geração de técnicos e artistas”. Talvez, o episódio revele a
existência de inquietações específicas de alguns profissionais com relação às qualidades
urbanísticas e arquitetônicas do anteprojeto de Vera Cruz. Talvez o próprio Presidente não
gostasse das qualidades estéticas e simbólicas do mesmo.
38
Repórter Manchete. “10 notícias”. Manchete. Rio de Janeiro: 18/05/1955.
39
Tavares, Jéferson Cristiano. Projetos para Brasília. São Carlos: Dissertação de mestrado apresentada à EESC/USP
2004.
40
Bastos, Humberto. Goiânia: persistência e imprevidência, Manchete. Rio de Janeiro: 18/5/1955.
43
A este ponto, é inevitável mencionar os acontecimentos imediatamente sucessivos, isto é,
a contratação de Oscar Niemeyer e as ambigüidades do concurso para o Plano Piloto.
Graças a suas relações privilegiadas com Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer aceitou,
talvez em defesa da “boa arquitetura”, sem concursos, a responsabilidade pelo projeto dos
edifícios do poder da nova capital, a função de diretor da Divisão de Arquitetura da Novacap e o
encargo
41
de colaborar a elaborar o Edital para o concurso do Plano Piloto. Assumiu também
papel na composição do júri do concurso para a seleção do Plano Piloto da futura Capital; sua
presença interfere, evidentemente, no significado da competição.
No mesmo momento, também as revistas populares debatiam a mudança da capital. Em
17 de março de 1956, na revista o Cruzeiro, Dinah Silveira de Queiroz, em Diálogos da Razão
(seção presente semanalmente entre 1955 e 1956) propõe discutir a mudança da capital. A
matéria imagina um bate-papo entre dois interlocutores, o Acusador e o Defensor; a escritora
esforça-se para apresentar argumentos a favor e contra o assunto. Todavia, nenhuma das partes
tem dúvidas sobre a necessidade de mudar a Capital para fora do Rio, pois “a certeza de que
precisamos (...) de mudar a capital (...) passou a ser indiscutível na sua essência”
42
. Um ano
depois, em junho de 1957, no fervor do início oficial da construção da cidade, as palavras de
David Nasser estigmatizarão o mesmo debate: “assunto polêmico desde seu surgimento, [a
mudança da capital] é alçada a “verdade natural” em razão de sua recorrência ao longo da história
brasileira, e assim pouco debatida até então”
43
. Talvez, a observação do jornalista nos comunique
quanto, nessa altura [1957], a propaganda tivesse alterado as discussões políticas sobre a
mudança.
41
Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília. A trajetória profissional de Nauro Esteves. Brasília: Dissertação
de Mestrado apresentada à UnB, 2004.
42
Queiroz, Dinha Silveira de. Diálogos da Razão. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 17/3/1956.
43
Nasser, David. Enquanto Brasília não vem. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 22/6/1957.
44
Carlos Newton. Nova capital: só falta mudar
Manchete. Rio de Janeiro: 19/05/1956.
Gervasio Batista. Deus também quer a mudança da
Capital. Manchete. Rio de Janeiro: 02/06/1956.
Em 19 de maio de 1956, a revista Manchete publica o anteprojeto da Nova Capital
assinado por Raul Pena Firme, Roberto Lacombe e José de Oliveira Reis, elaborado pela então
Comissão de Planejamento e de Mudança da Capital Federal. Acompanha os desenhos o título
significativo: Nova capital: só falta mudar. Duas semanas mais tarde, no início de junho de 1956,
Manchete retoma o assunto colocando outro título significativo: Deus também quer a mudança da
Capital; publica uma fotorreportagem sobre as paisagens do Planalto, lembra a profecia de João
Bosco e publica algumas fotografias da missão Cruls.
As fotografias enfatizam a amenidade do sítio, as cachoeiras e a suave vegetação ciliar.
As legendas declaram que a abundancia de água suavizará a vida da futura cidade; o repórter que
acompanha o presidente e aquele da Manchete até flagram momentos de descanso e
brincadeiras no rio, pés e mãos na água. A profecia de Dom Bosco promete que nessa terra
correrá leite e mel. As fotografias das paisagens confirmam que o Planalto é um lugar rico e
delicioso. Os instantâneos da Comissão Cruls integram essa mensagem com a poética da viagem
de descobrimento e conquista do interior: a imagem do grupo às margens do rio sugere até que se
encontre prestes a embarcar para uma bandeira. Considerando a intensa campanha de imprensa
que o Presidente Juscelino Kubitschek realizou, principalmente por meio da revista Manchete e
dos cinejornais, essas matérias, seus títulos carregados e evocativos, a exumação da profecia e
da expedição Cruls, deixam a entender que ele já estava aparelhando, desde maio de 1956, a
campanha de imprensa favorável à construção da nova capital em um tempo absolutamente
reduzido. É de se estranhar, portanto, o “silêncio” da imprensa que seguiu a essas publicações:
somente depois da publicação
45
Foto da expedição Cruls.
Apud: Manchete. Rio de Janeiro: 02/06/1956
no Diário Oficial do Edital do Concurso para o Plano Piloto, encontramos novas notícias
nas revistas populares sobre a construção da cidade, apesar das importantes providências que
foram tomadas e apesar do papel oposicionista que a O Cruzeiro aparentemente desenvolvia.
De fato, devemos esperar até outubro de 1956 para encontrar mais notícias na imprensa
semanal popular sobre a construção da cidade, e até dezembro de 1956 para encontrar
informações na revista Módulo. Naquele intervalo, porém, foi criada a Novacap com seus imensos
poderes de atuação (lei 2.874 de 19 de setembro de 1956
44
); foi desmanchada a velha Comissão
(Decreto de 24 de setembro de 1956
45
) e abandonado o seu projeto; foi oficialmente aberto o
concurso para o Plano Piloto (30 de setembro de 1956
46
); e Oscar Niemeyer acabou sendo
contratado diretamente e sem concurso por Juscelino Kubitschek, dispensando-se o IAB
47
, sendo
que sua equipe colaborou desde agosto
48
de 1956 na elaboração do edital para o Plano Piloto da
Nova Capital. Aliás, achamos que seria importante tentar reconstruir melhor esse intervalo de
tempo.
44
Diário de Brasília. 1957-1960. Rio de Janeiro: Serviço de documentação da Presidência da República. 1960.
45
Diário de Brasília Op.cit.
46
Diário de Brasília Op.cit.
47
As ocorrências e as polemicas que rodearam o estabelecimento do concurso são detalhadas na tese de mestrado de
Braga, Milton Liebentritt de Almeida. O concurso de Brasília. Os sete projetos premiados. São Paulo: Dissertação de
mestrado apresentada à FAU USP, 1999.
48
Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília. A trajetória profissional de Nauro Esteves. Brasília: Dissertação
de Mestrado apresentada à UnB, 2004.
46
Repórter Manchete. O general Lott se rende a uma flor. Manchete. Rio de Janeiro: 20/10/1956.
Uma pequena nota de seis de outubro da revista Manchete informa laconicamente da
“nomeação do Sr. Israel Pinheiro para a presidência da Comissão Urbanizadora da Nova Capital”
e não deixa de comentar que tal nomeação foi recebida favoravelmente também pela UDN.
Aos 13 de outubro de 1956, Manchete informa: “Juscelino Kubitschek deu inicio à
mudança”. A matéria inaugura a campanha editorial intensa que a revista dedicou à construção e
transferência da capital. Na ocasião, publica as fotografias aqui reproduzidas (que foram re-
47
publicadas com freqüência) da viagem de Juscelino Kubitschek ao sítio da nova capital.
Reconhecemos duas figuras chave: o ministro Teixeira Lott e Israel Pinheiro. O texto informa que
“as primeiras barracas de construção estarão erguidas já na próxima semana”, sugerindo a idéia
de que a as obras iniciavam naquele momento. Mas, como vimos, a infra-estruturação da região e
do sitio já estava sendo realizada.
Na semana seguinte, 20 de outubro, é publicado um flagrante do foto-repórter Armando
Rozário retratando o ministro da guerra, Teixeira Lott, com uma flor na mão. Evidentemente a foto
foi batida durante a visita ao Planalto, que havia sido objeto de uma reportagem da semana
anterior. A matéria é composta por uma grande fotografia, que ocupa uma página e meia,
apresenta um campo manchado de flores e é acompanhada pela manchete “o general Lott se
rende a uma flor”, e por um segundo instantâneo que flagra o próprio general, farda, óculos
escuros e chapéu, com uma flor na mão. A legenda frisa a comoção do austero militar diante do
milagre da natureza e da paisagem virgem e suave da área da nova capital.
Contemporaneamente, a imagem nos faz lembrar que o General Lott, com o “golpe preventivo”
49
do dia 11 de novembro de 1955, interveio militarmente para assegurar a posse de Juscelino
Kubitschek e que foi, durante cinco anos, uma espécie de fiel da balança
50
do equilíbrio e dos
malabarismos políticos do próprio Juscelino. De fato, o presidente tinha sido eleito
51
, aos três de
outubro de 1955, com “uma margem estreita. Ele obteve 36% dos votos”
52
.
Finalmente, em 27 de outubro de 1956, apareceu na Manchete o editorial do diretor da
revista, Henrique Pongetti, dedicado a Brasília. O texto soa como lembrete, talvez aos arquitetos e
urbanistas concorrentes da competição para o Plano Piloto: “Para a concepção da capital
geográfica do país, - (...) coração eqüidistante de todos os anseios e de todas as caminhadas – eu
imaginei um recrutamento da capacidade e do senso artístico de todos os nossos especialistas”,
escreve Pongetti. E continua: “Ninguém perdoaria uma urbanização medíocre e uma arquitetura à
vontade”
53
.
49
Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo, Edusp, 1994.
50
Durante as greves operárias de 1957, O General Lott apoiou as reivindicações do direito de voto para os analfabetos.
Fausto, Boris, op.cit.
51
Ele tinha sido eleito mais ou menos pela metade da população nacional, sendo que em 1955 os analfabetos não
tinham direito ao voto. Fausto, Boris. Op.cit.
52
Fausto, Boris, op. cit..
53
Pongetti, Henrique. Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 27/10/1956.
48
Propaganda Brasmotor. Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 8/2/1956.
Em novembro de 1956, encontramos a primeira matéria da revista O Cruzeiro que se
refere às obras de edificação de Brasília.
Na página de abertura
54
, o editorial, que tece a apologia de doze bandeirantes, é ocasião
para exaltar sentimentos patrióticos. O pretexto é agradecer a doze jovens entre os 19 e 21 anos
de idade, os caçulas da Nação, por deslocar-se para terras longínquas para construir uma escola.
Significativamente nunca se nomeia diretamente Brasília, mas os doze, construindo uma escola,
“preparam-se também para fundar uma cidade”. O texto exalta o espírito de aventura e de
sacrifício, a gratuidade do trabalho quando visa ao bem comum; define as qualidades éticas que
guiam o pioneiro: o heroísmo, a santidade, a generosidade, a nobreza, a justiça e o amor; explora
o tema do pioneiro que leva consigo a civilização – “lá, as gentes são pobres, não há escolas, não
há progresso, não há quase civilização, e o homem vive por instinto (...)”
55
. A matéria em geral,
seu registro lingüístico, a qualidade das citações, nos descreve tanto o perfil cultural elitista do
54
Bernard, Florence. “Os doze bandeirantes”. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 24.11.1956
55
Bernard, Florence. Idem.ibidem.
49
leitor quanto a posição da revista com relação ao empreendimento da construção da nova capital.
Não nomeia Brasília, contudo declara-se favorável à edificação da cidade, por representar um
instrumento da expansão territorial e da “modernização”.
Enfim, nos fornece um “catálogo” de valores, que conotam – assim como já haviam
conotado em passado – o bandeirante como símbolo da nação: “o pioneiro é indômito e corajoso,
desbravador dos sertões e incorporador de territórios considerados indispensáveis para a
formação do Brasil”
56
.
Bernard, Florence. Os doze bandeirantes. Editorial. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 24/11/1956.
“Já nos anos 30, a manutenção do mito do bandeirante serviu para a construção de um
lugar político específico para São Paulo no pensar o Brasil”
57
. Nos anos 50, durante a construção
da capital, o mito serviu, em nossa opinião, para a definição de outros lugares políticos: sustentou
os poderes econômicos (a figura do bandeirante já caracterizava os comerciais das revistas
populares), amenizou as reivindicações dos construtores da capital e até colaborou para a
sobrevivência política do próprio Juscelino Kubitscheck: nos comerciais e nas propagandas
presidenciais, durante a edificação da capital, como demonstraremos no capítulo “O candango,
herói de Brasília”, a imagem do bandeirante foi substituída por aquela do candango, construtor de
Brasília.
56
Naxara, Marica R.C. “Encantos” e “Conquistas” do Oeste: desvendar fronteiras e construir um lugar político. In:
Gutierrz Horacio, Naxara, Márcia R.C., Lopes, Maria parecida de Sousa org. Fronteiras, paisagens, personagens
identidades. Franca: UNESP, São Paulo: Olho d’Água. 2003.
57
Naxara, Marica R.C. Op.cit.
50
Foto Peter Scheier. Cartaz da propaganda eleitoral de 1960.
Fonte: Faria, Edgar; Se, Silvio; Civita, Richard; Civita, Roberto. Nosso Século. São Paulo: Abril, 1980.
O mito do bandeirante permeou de fato a figura política de Oscar Niemeyer: na imagem
Pública dele proposta nas revistas populares, reconhece-se a apologia do pioneiro, que,
aproveitando as palavras de Marica Naxara é instrumento da “iluminação que somente o
progresso poderia portar”
58
. As palavras e as imagens adotadas pelo presidente Vargas para
valorizar Goiânia voltam nas propagandas em promoção e defesa da construção de Brasília.
Nas páginas das revistas populares e nos cinejornais – na propaganda do Presidente –
Brasília assume a tarefa da concretização/prosseguimento da ocupação do Oeste e do
deslocamento da população do litoral para o interior. Ao mesmo tempo, incorpora as
representações, analisadas em seguida, das áreas ocupadas como “selvagens”, “desertas” e
“prometidas”, representações que pertencem ao imaginário coletivo, pois já foram utilizadas em
outros processos de colonização
59
. Chama a atenção, portanto, o fato das cidades, tradicionais
instrumentos de colonização, serem propaladas como atos constitutivos da identidade nacional e
58
Naxara, Marica R.C. Op.cit.
59
Naxara, Marica R.C. Op cit.
51
de re-descoberta do Brasil, isto é, como instrumentos da afirmação da identidade de um país
independente, a autocolonização sendo afirmação de uma nova identidade.
Assim exprimia-se Vargas: “Goiânia é como que a própria expressão, em termos
urbanísticos do Brasil Novo, do Brasil que se re-descobriu, do Brasil Unificado num só corpo e
num só espírito, (...) do Brasil que se ergue do berço esplêndido e começou, já, a cavalgada da
glória. (...) Nela (Goiânia) mais que em outro ponto qualquer, se encontram os dois Brasis – o do
litoral e o do sertão – nela se está formando a célula do Brasil integral”
60
. Assim, a propósito da
nova capital, em 1955 expressava-se Humberto Bastos: “É realmente admirável constatar esse
esforço continuado, esse esforço de pioneiro, esse esforço que revela uma grande fé neste país.
Dentro do pauperismo que marca a vida dessa grande região [Goiás] é uma alegria ver Goiânia
nascendo, crescendo, progredindo com linhas modernas como o melhor sinal da persistência
contrabalançando a imprevidência de quantos governantes não tiveram força nem senso de futuro
para concretizar a idéia da mudança da Capital da Republica”
61
. Assim exprimia-se Juscelino
Kubitschek: “Com a nova capital há de vir, querendo Deus, um tempo de abundância e de genuína
fraternidade que permita indistintamente a todos os brasileiros a fruição dos bens da cultura e do
progresso”
62
.
Cabe observar que nas palavras de Juscelino Kubitschek as representações sobre a
cidade capital são estendidas à fundação de uma sociedade mais justa e – poderíamos pensar – à
incorporação de ideais democráticos. Essas últimas são figuras importantes das memórias
descritivas também dos projetos premiados no concurso para o plano piloto. Em nossa opinião,
são as figuras que governam o plano de Lucio Costa (isso se torna evidente nas metáforas da
organização do eixo monumental e da Praça dos Três Poderes), que incorpora a tarefa de tornar-
se instrumento para representar e construir visualmente a soberania popular.
A cidade é motor da civilização, do progresso e da modernização, inclusive econômica, do
País, e esse mapa acompanha, explica e afirma a necessidade estratégica da sua edificação. O
gráfico esclarece também a função estratégica e necessária à integração e à formação da
identidade nacional. Em textos publicados em 1960 em O Cruzeiro, não obstante aponte
restrições
63
à execução do plano, Gilberto Freyre reafirma essa função fundamental da nova
capital: “Em Brasília, como em Goiânia, brasileiros de um novo tipo, mais puramente nacional, já
estão nascendo desse conúbio para o serviço do Brasil. Brasília (...) representa a perspectiva de
60
Getúlio Vargas apud: Chaul, Nasr Fayad Marcha para o Oeste. In: Luiz Sergio Duarte da Silva. (Org.) Relações
cidade-campo: fronteiras, Goiânia, Editora UFG, 2000.
61
Bastos, Humberto. “Goiânia: persistência e imprevidência. Manchete, RIO DE Janeiro: 18/05/1955.
62
Juscelino Kubitschek. Apud: Pastore, José. Brasília: a cidade e o Homem. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1969.
63
Cabe frisar que Gilberto Freyre foi convidado pelo próprio “Juscelino Kubitscheck, seu amigo pessoal, para opinar
sobre como estava decorrendo, ainda a meio, a construção de Brasília”. Ele lamenta que suas sugestões não só não
foram ouvidas, mas também impedidas de serem publicadas. Talvez, justamente essas intervenções na revista O
Cruzeiro sejam resumos dos trabalhos do livro Brasis, Brasil, Brasília que ele acabou publicando com 15 anos de
atraso. Freyre, Gilberto. Rurbanização: que é?. Recife: Ema- Editora Massangana, 1982, pág. 99-108.
52
um Brasil verdadeiramente inter-regional no seu modo de ser nação”
64
. A ocupação e a infra-
estruturação territorial e regional não provocaram debates na imprensa popular, nem naquela
especializada (Módulo), foi levantado o problema do impacto das modificações e alterações
decorrentes da construção da cidade. Pelo contrário, modernização, industrialização, integração,
civilização e colonização são todos sinônimos de agentes de progresso e do bem estar coletivo.
“A Capital do Brasil levará a civilização, cultura e progresso ao interior do país"
65
, confirmavam os
cinejornais.
Brasília n. 6. Rio de Janeiro: Junho de 1956.
Essa convergência de significados veio à tona na promoção
66
do programa “marcha para
o oeste” e foi amplamente retomada pelas propagandas de apóio à construção de Brasília; talvez,
como observa David Nasser em junho de 1957, o início oficial da construção da nova capital já
tinha-a cristalizado como mito, isto é, como naturalização de um raciocínio, inquestionável, sobre
as necessidades (mas também as modalidades) do desenvolvimento do País.
Questionando a prioridade que a edificação da capital recebeu nas metas do governo, em
relação às reformas e aos empreendimentos sociais, David Nasser observava: “Brasília é uma
realidade que entusiasma o pioneiro que existe dentro de nós todos”
67
. Com isso, ele chama a
atenção justamente para os mitos da identidade cultural e nacional que amenizaram as
discussões sobre a edificação da capital.
64
Freire, Gilberto. Ainda sobre Goiânia. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 2/4/1960.
65
Sálvio Silva. Cinejornal: O presidente de Portugal em Brasília. In: Alvim, Clara de Andrade. (Org,) Os cine-jornais
sobre o período da construção de Brasília. Brasília: MEC – SEC – SPHAN/pro Memória, 1989.
66
Fayad, Chaul Nasr. Marchas para o Oeste, em: Luiz Sergio Duarte da Silva org. Relações cidade-campo:
fronteiras, Goiânia, Editora UFG, 2000.
67
Nasser, David “Enquanto Brasília não vem”, O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 22/6/1957.
53
Repórter Manchete. Brasília sem Palácios e sem favelas. Manchete. Rio de Janeiro: 16/2/1957.
Voltando ao registro das matérias das revistas populares, desde final de novembro até a
primeira missa de maio de 1957 quase não temos textos sobre a construção de Brasília. Cabe
assinalar a publicação da maquete das primeiras arquiteturas para a nova capital em O Cruzeiro
do dia um de dezembro de 1956 e no primeiro número da revista Brasília, em janeiro de 1957.
Nessa ocasião, o texto de O Cruzeiro relembra as etapas fundamentais da história da
interiorização da capital e lança o plebiscito para a escolha de seu nome que, como já
comentamos, não teria êxito. A revista Manchete, no dia 16 de fevereiro de 1957, publica um
plano para Brasília de autoria de Mattos Pimenta, propondo “uma cidade sem palácios e sem
favelas, sobre pilotis”
68
. Cabe abrir um parêntese, pois a matéria é muito interessante. Ela
apresenta desenhos, aqui reproduzidos, e revela aspectos do debate da época acerca do
urbanismo, colocando em pauta a questão dos âmbitos profissionais e da definição dos territórios
68
Repórter Manchete, Brasília sem palácios e sem favelas. Manchete. Rio de Janeiro: 16/2/1957.
54
da disciplina. Vamos transcrever: “O pior é que se formaram várias correntes do 'pensamento
técnico' hermeticamente fechadas aos não iniciados, como se os conceitos do urbanismo
moderno fossem, realmente, tão esotéricos que sobre ele um homem de cultura não pudesse
sequer arriscar uma opinião sensata. O fato é que Brasília surge sem nenhum dos graves
inconvenientes naturais às metrópoles que cresceram vegetativamente, sem planos e sem
características próprias, aos sabores das necessidades demográficas e dos caprichos da sua
topografia (...)”
69
.
Planta do projeto de Lucio Costa. Fonte: Módulo n. 8. Rio de Janeiro: julho de 1957.
Em março de 1957, o plano de Lucio Costa ganha o primeiro prêmio: um milhão de
cruzeiros
70
. As revistas populares não comentam a vitória de Lucio Costa nem a escolha do Plano
69
Repórter Manchete, Op.cit.
70
Pedrosa, Mario. Reflexões em torno da nova capital. In: Arantes, Otilia, Org. Mario Pedrosa, Acadêmicos e
Modernos.Textos escolhidos. São Paulo, Edusp, 1998. No Rio de Janeiro o salário mínimo de 1956 até 1958 foi de
3.800 cruzeiros. O salário mínimo mais baixo do país, no Piauí e no Rio Grande do Norte, em 1958, era de 1.250
cruzeiros. In: Manchete. Rio de Janeiro: 29/11/1958 pág. 100.
55
Piloto. No ambiente dos arquitetos a decisão do júri levanta polêmicas
71
e não somente pela
rapidez com a qual a comissão consegue avaliar os 26 projetos apresentados (três dias), a lógica
das questões pragmáticas prevalecendo sobre os interesses de qualquer outra natureza, mas
também pela pouca clareza nos discernimentos: “Diante a discrepância de critérios no
desenvolvimento das propostas, o júri convenceu-se de que se tratava de um concurso de idéias e
não de detalhes”
72
, em que “interessava a concepção geral, sua clareza e unidade, avaliada à luz
dos atributos definidos”
73
.
O texto de Costa é imediatamente, e facilmente, publicado e republicado. Às vezes são
omitidos os croquis
74
, talvez devido às dificuldades, em termos de custos, que a reprodução dos
desenhos criava na época, talvez pelo formato da própria apresentação do plano: “ele fez aqui,
desenhou a nanquim, depois ele saiu para comprar cartão, colou com durex atrás o texto, o cara
bateu lá na cidade, o texto do Plano Piloto datilografado e coisa. (...) eram oito, cada cartão tinha
oito folhinhas, misturando texto e a folhinha dos fios, e os croquis foram desenhados a nanquim
em papel ofício. (...) Bom, o original dos croquis eu não consegui até agora descobrir onde pode
estar. Eu inclusive procurei por causa do livro dele. O texto que tem, também é esse, é desse
original, manuscrito e foto. Mas deve ter uma cópia também datilografada”
75
.
Vale a pena dedicar um parêntese às diferentes estratégias editoriais da Revista Módulo
ao apresentar os resultados do concurso. O periódico de Oscar Niemeyer, n. 8, em uma edição
especial, publica todos os projetos premiados, as atas da comissão e as avaliações do júri. Ao
diagramar a memória descritiva de Lucio Costa, amplia em páginas inteiras os seus esboços. Não
publica a perspectiva. Dos outros concorrentes apresenta somente as pranchas, com breves
legendas.
O exemplo da revista Arquitetura e Engenharia, de Geraldo Godoy Castro, é diferente. Ela
reporta desenhos, mas também os relatórios de todos os concorrentes, diluindo a exposição, em
decorrência da amplitude dos elaborados, em três números. A diagramação e a paginação são o
mais homogêneas possível, facilitando a comparação entre os diversos planos premiados. Publica
também a perspectiva aqui reproduzida. “Então, o Arthur Lício era incumbido na época, ele já
trabalhava na Novacap com o Oscar, de receber as plantas, os documentos, e o Lúcio foi o último
a entregar, quase fora da hora, e entregou aquela planta, o relatório, e ia entregar também uma
perspectiva aqui
76
. E não entregou essa perspectiva que faz parte do desenho original dele, ia
fazer parte de uma revista de engenharia. Isso foi publicado também no jornal Correio da Manhã
71
Braga, Milton Liebentritt de Almeida. O concurso de Brasília. Os setes projetos premiados. Dissertação de
mestrado apresentada à FAU USP, 1999. Tavares, Jéferson Cristiano, Projetos para Brasília. Dissertação de mestrado
apresentada à EESC-USP 2005.
72
Nota oficial da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, Habitat 40-42, março-abril 1957. apud: Braga,
Milton Liebentritt de Almeida. Op.cit.
73
Braga, Milton Liebentritt de Almeida. Op.cit.
74
Uma cópia do texto datilografado de Lucio Costa, sem croquis, está no Fundo Novacap do Arquivo Público do Distrito
federal em Brasília.
75
Costa, Maria Elisa Modesto Guimarães. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito
Federal, 1991.
76
Dr. Sérgio Porto mostra a revista Arquitetura e Engenharia, nº 44.
56
na época, o Jaime Maurício
77
era um grande interlocutor do Lúcio”
78
. Cabe destacar que o número
do projeto de Lucio Costa é 22 de 26; supostamente o número devia respeitar a progressão das
entregas, mas isso não coincide com as informações dos depoimentos, inclusive o de Maria Elisa
Costa
79
, no qual consta que Lucio Costa entregou seu projeto por último.
A diversidade de tratamento editorial realizada pelas revistas dos profissionais de
arquitetura e urbanismo, sobretudo a omissão das memórias descritivas dos outros projetos na
revista Módulo, contribuíram, suspeitamos, para gerar tratamentos diferenciados na avaliação dos
planos pilotos premiados. Por exemplo, o livro de Norma Evenson, entre os pouquíssimos que
descrevem e comentam o conjunto dos planos premiados na competição, baseia-se
exclusivamente na documentação da Módulo e ignora, portanto, os textos e as justificativas dos
outros planos selecionados. Junto com isso, já comentamos logo no início, a dispersão da maioria
dos planos concorrentes impediu a avaliação crítica do conjunto dos projetos do concurso. Suas
propostas foram como que esquecidas. Mas seus conteúdos (textos e desenhos) representam,
como mostra a dissertação de Jéferson Cristiano Tavares
80
, um balanço crítico importante do
estado da arte do pensamento urbanístico da época e uma significativa contribuição para entender
a evolução do mesmo no Brasil.
Miniatura de um manuscrito dos gramáticos do século VI.
Fonte: Vercelloni, Virgilio. Atlante storico dell’idea europea della città ideale. Milano: Jaka Boock, 1994; tav. 11.
E surgiu o sinal da cruz, “por assim dizer, já pronto”
81
, lógica e rigorosa conseqüência
daquele partido colonizador adotado por Lucio Costa na premissa a seu plano piloto.
77
Jaime Mauricio era repórter de O Correio da Manhã.
78
Porto, Sérgio. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
79
Maria Elisa Costa apud: Tavares, Jéferson Cristiano. Projetos para Brasília. São Carlos: Dissertação de mestrado
apresentada à EESC/USP 2004.
80
Somente em 2005 o trabalho de Jéferson Cristiano Tavares conseguiu reunir todos os projetos elaborados para A
Nova Capital desde o início do século passado, inclusive o conjunto de desenhos e relatórios que concorreram no
concurso para o plano piloto.
81
Costa Lucio. Brasília, Relatório do trabalho com que concorreu ao concurso para o Plano Piloto de Brasília, no qual se
qualificou vitorioso. [1957]. In: Edgar Graeff. Org. Lucio Costa: Sobre Arquitetura. Porto Alegre: Centro de Estudantes
Universitários de Arquitetura, 1962
57
Carlos Eduardo Comas Dias sugere para prestar atenção à forca comunicativa do sinal da
cruz; suas observações dependem da atmosfera nacionalista que rodeava a implantação da
cidade: “em tempos de nacionalismo intenso, homenagear Cabral sugere menos que homenagear
José Bonifácio, articulador da ruptura com Lisboa e conselheiro do Império. Não importa. A cruz
reaparece no Plano Piloto vitorioso de Lucio Costa”
82
. Exuma de uma vez, o símbolo da fundação
da nação, a cruz da primeira missa de Victor Meirelles, e o título de Vera Cruz do projeto de 1955.
A frase “Trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda
desbravador, nos moldes da tradição colonial. E o que se indaga é como (...) uma tal cidade deve
ser concebida”
83
estimula a procurar os conteúdos daquela pratica de colonização que define. A
citação da prática colonialista, desse lado do Atlântico a portuguesa e a espanhola, de alastrar
domínios e poderes mediante a fundação das cidades chama à memória a táctica dos antigos
romanos. Aliás, estudos contemporâneos à fundação de Brasília sinalizavam justamente o quanto
a natureza da urbanização e a conquista da América Latina dependesse e reproduzisse as
modalidades e as contradições intrínsecas ao modelo de antropização aplicado pelos antigos
romanos.
Vamos reconstruir o impacto no território daquelas cidades antigas nascidas do mesmo
sinal da cruz:
“O processo de colonização e romanização dos territórios conquistados pela sociedade
romana, virtualmente o mundo inteiro baseava-se em uma específica concepção da cidade ideal,
que devia concretamente fundar e gerir aquela civilização. (...) Nesta idéia de cidade e de
território, que a justifica e a alimenta, a natureza era concebida como lugar a ser transformado
radicalmente, de acordo com as específicas exigências de antropização daquela sociedade. Não
interessavam as precedentes relações homem-natureza, formadas e consolidadas pelas
civilizações milenares, destinadas a sucumbir à nova concepção do mundo. (...) Nunca tinha
ocorrido, antes desta, uma transformação assim radical do ambiente.”
·
A analogia entre a tábua latina e o risco de Lucio Costa que gera Brasília (e a ocupação do
Planalto Central) é marcante; a descrição dos seus conteúdos, também: a “concepção urbanística
da cidade propriamente dita (...) não é uma decorrência do planejamento regional, mas a causa
dele”
84
. Ela substituirá o que preexistia com uma nova civilização, tornando-se “um foco de cultura
dos mais lúcidos e sensíveis do País”
85
.
82
Comas, Carlos Eduardo Dias e Almeida, Marcos Leite. Brasília quadragenária. A paixão de uma
monumentalidade nova. Trabalho apresentado e cedido pelo próprio autor durante seminário “Tópicos Especiais.
Precisões: Arquitetura Moderna Brasileira 1936-45. São Carlos: EESC-USP, segundo semestre de 2006.
83
Lucio Costa, Op.cit.
84
Lucio Costa, “Memória descritiva do Plano Piloto, 1957”, em Lucio Costa: registro de uma vivencia, São Paulo,
Empresa das Artes, 1995.
85
Lucio Costa, “Memória descritiva do Plano Piloto, 1957”, em Lucio Costa: registro de uma vivencia, São Paulo,
Empresa das Artes, 1995.
58
Fonte: Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho 1957.
Um cruzamento como andaime do traçado viário, isto é, como fundação da cidade nova,
pertence a diversos dos planos pilotos apresentados no concurso
86
; entre os premiados, o de
Henrique Mindlin e Giancarlo Palanti
87
apresenta afinidades esmagadoras com o plano vencedor,
não só com seu traçado viário. A cidade é, como para Lucio Costa, um cruzamento suavizado
pelo andamento curvilíneo dos dois eixos; esses últimos servem e separam respectivamente as
funções monumental e residencial. Esse signo, que marca e constrói a cidade aparentemente da
mesma maneira que no plano vencedor não é, porém, defendido pelas qualidades literárias e
pelos poderes evocativos da escritura, nem tampouco pelas razões da identidade e história pátria.
Henrique Mindlin e Giancarlo Palanti preconizam que a cidade provocaria o futuro
desenvolvimento da região, delegando, porém, a elaboração de um plano regional a outras
instâncias. Verde público e parques dentro da cidade respondem às exigências da Carta de
Atenas e àquelas de embelezamento urbano e de representação.
O desenho urbano do segundo plano classificado
88
, da equipe de Boruch Milman, João
Henrique Rocha, Ney Fontes Gonçalves é entregue a poucos eixos ortogonais que demarcam as
demais áreas funcionais da cidade e contornam o centro governamental. O relatório admite o
papel da cidade como motor da economia regional; preocupando-se com o sossego da capital,
prevê o estabelecimento de cidades satélites, solução já adotada no plano de Vera Cruz de
Lacombe, Pena Firme e Oliveira Reis e assumida pelo governo “qual principal meio de se criar
86
Tavares, Jéferson Cristiano. Projetos para Brasília. São Carlos: Dissertação de mestrado apresentada à EESC/USP
2004.
87
Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho 1957.
88
Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho 1957.
59
núcleos para suportar o crescimento do Plano Piloto”
89
. As cidades satélites desse plano são
cidades lineares “ao redor das auto-estradas”
90
. No complexo, a proposta reitera a idéia padrão de
que o planejamento do território seria determinado pelas necessidades decorrentes da capital.
Um esquema viário de poucos eixos ortogonais organiza o plano da equipe de Rino Levi,
que divide o terceiro e quarto premio com os irmãos Roberto
91
. O projeto não leva em conta um
plano regional. O verde público, como nos projetos até aqui relembrados, é interpretado como
elemento de embelezamento urbano. Com relação aos elementos preexistentes, a memória
descritiva coloca, contudo, o problema da preservação dos cursos de água que alimentam o lago
e para essa finalidade propõe a criação de parques e jardins. Assim, o parque ao redor da lagoa
não desenvolve somente as funções da Carta de Atenas, sociais, educativas e de saúde pública
física e moral, mas também aquela de preservação da fonte principal do bem estar coletivo na
Capital. Mesmo manifestando uma preocupação com a preservação ambiental
92
, as motivações
do cuidado decorrem justamente do bem-estar da cidade e não se estendem para além da
preservação das águas. As necessidades de abastecimento da cidade e de estética urbanas
levam à substituição da vegetação nativa por outra mais “eficiente”: “o solo de Brasília é, em geral,
de qualidade medíocre, podendo, no entanto, ser recuperado com tratamento adequado”
93
.
A malha ortogonal torna-se cidade também no desenho da equipe da Construtécnica de
Milton Ghiraldini. O relatório
94
, “apesar da defesa do planejamento como plano de ordenação
territorial, (...) centra-se basicamente no plano urbano”
95
. Alinhando-se à maioria dos projetos
premiados, suas diretrizes de planejamento rural são indicações para a implantação de um
cinturão verde que nasce das necessidades de abastecimento da metrópole
96
.
O plano dos irmãos Roberto baseia a cidade em um traçado viário que nega as grelhas e
os cruzamentos e em uma solução projetual muito distinta. Detalha as características físicas,
climáticas, populacionais, etc. da região na qual irá se inserir a cidade e apresenta um plano
detalhado que se insere nesse contexto, assumindo a cidade como motor e governo do território.
Nas avaliações do júri, a proposta apresenta “o melhor e mais completo estudo sobre utilização da
terra de todo o concurso”
97
; porém, a solução visa resolver somente a problemática do
abastecimento da cidade. Nesse plano também, “o planejamento rural e as formas de exploração
dos recursos naturais, planejamento agrícola, é confundido com o planejamento regional”
98
. A
memória, todavia, coloca em pauta a pretensão de atingir um equilíbrio entre as exigências da
89
Tavares, Jéferson Cristiano. Op. cit.
90
Tavares, Jéferson Cristiano. Op.cit.
91
Módulo n. 8. Rio de janeiro, Julho 1957.
92
Tavares, Jéferson Cristiano.Op.cit e Braga, Milton Liebentritt de Almeida. O concurso de Brasília. Os setes projetos
premiados. São Paulo: Dissertação de mestrado apresentada à FAU USP, 1999.
93
Levi, Rino; César, Roberto Cerqueira; Franco, L. R. Carvalho; Fragoso, Paulo. Relatório Justificativo do concurso para
o plano piloto. In: Arquitetura e Engenharia n. 46, 1960.
94
Constutécnica / Milton Ghilardini, Relatório Justificativo do concurso para o plano piloto. São Paulo: Construtécnica,
1957.
95
Braga, Milton Liebentritt de Almeida. Op.cit.
96
Tavares, Jéferson Cristiano. Op.cit.
97
Módulo n. 8. Rio de janeiro: Julho 1957.
98
Tavares, Jéferson Cristiano. Op.cit.
60
capital e a exploração agrícola do território: “a região que circunda a Capital tem por função
primordial a alimentação da Capital e não a produção de alimentos exportáveis, os quais, poderão
ser cultivados fora dos limites da unidade”
99
. Parece que o plano, levando em conta uma ampla
literatura sobre as causas das patologias urbanas, procura um equilíbrio entre produção, bem-
estar coletivo e exploração, insinuando contemporaneamente uma reflexão sobre os limites do
que é necessário ao processo de transformação e integração do território à Nação.
Oscar Pereira da Silva. Fundação da cidade de são Paulo, 1903. São Paulo, Pinacoteca do Estado.
O plano de Cascaldi, Vilanova Artigas, de Camargo e Almeida
100
apóia-se em uma malha
ortogonal. Antes de tratar do plano piloto, o relatório
apresenta um plano regional detalhado.
Aborda a região, o clima, a vegetação, a zona rural, a zona agrícola, o sistema rodoviário e
ferroviário; dedica um capitulo à higiene; preocupa-se com o abastecimento de água, mas também
com a dispersão dos resíduos; quanto às problemáticas das culturas agrícolas e pecuárias,
propõe a preservação das principais áreas de vegetação. Enfim, no conjunto, preocupa-se com o
impacto da cidade no ambiente, na tentativa de propor um equilíbrio entre o desenvolvimento
urbano e os recursos ambientais. Coloca em pauta o problema do alcance do processo de
exploração e colonização e manifesta a preocupação com a relação que a cidade institui com o
território nacional já a partir da sua construção. Cabe frisar que esse plano foi o único a levar em
99
Roberto M.M.M. Relatório Justificativo do concurso para o plano piloto. In: Arquitetura e Engenharia n. 45, 1960.
100
Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho 1957.
61
conta a questão da imigração da mão-de-obra e a propor sua integração na economia regional,
uma vez que a cidade tivesse sido construída. Prevê, como outros planos, etapas para a
edificação da capital, mas seus limites temporais decorrem, diversamente dos demais, justamente
das possibilidades do Distrito Federal de absorver a população imigrada para executar as obras,
rumo ao fim da praga social nacional do trabalho rural itinerante
101
.
Victor Meirelles. Primeira missa no Brasil, 1861. Rio de Janeiro, Pinacoteca do Estado.
Todos os planos reconduzem, em última instância, à utopia de construir o lugar ideal onde
se possa realizar a perfeição da vida humana.
Porém cada plano de cidade, civitas e urbs, é uma interpretação do diálogo entre Homem
e Natureza e as representações do preexistente (tanto a Natureza quanto as populações já
residentes) determinam o imaginário do qual depende a idéia da cidade. Cabe, portanto tentar
entendê-los. Recuperemos a obra de Victor Meirelles, pois ela representa o ícone-arquétipo do
nascimento do Brasil. O quadro foi executado por Victor Meirelles em Paris em 1859 e foi
101
O governo de Juscelino Kubitschek flanqueou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) ao já
existente Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNCS); Fausto Boris releva as esperanças levantadas pela
criação da nova Superintendência, mas também sua pouquíssima eficácia.
62
inspirado no texto de Pero Vaz Del Caminha, publicado pela primeira vez no Brasil em 1817
102
.
Naquele momento, tanto a publicação, como o texto “correspondia(m) perfeitamente à solicitação
de historiadores e literatos que construíam então o passado brasileiro através da história e da
literatura”
103
. Além de tornar presentes aqueles acontecimentos remotos, a carta dedicava sua
atenção ao encontro e à associação entre os índios e os portugueses. Omitindo os escravos
negros, que necessariamente participaram da descoberta, a tela de Victor Meirelles
104
tornou
índios e portugueses os dois ancestrais legítimos para a recente nação, os elementos humanos
nobres que descrevem a nação. “Mais do que isso, a carta juntou, fazendo desenrolar essa fusão
com clareza inaudita, pagãos e católicos. (...) Assim sob a égide católica, associam-se numa cena
de elevação espiritual as duas culturas. Criava-se ali o ato de batismo da nação brasileira”
105
. O
projeto do quadro de Meirelles era “instaurar um momento harmônico e espiritual, onde se
concentravam mundos opostos. (...) Esta imagem do descobrimento dificilmente poderá vir ser
apagada ou substituída. Ela é a primeira missa no Brasil. São os poderes da arte fabricando a
História”
106
.
Interessa destacar a ambigüidade da eucaristia: a almejada comunhão dos indígenas
absolve, no plano das representações, a ocupação dos territórios; aprova, torna sacra e viabiliza a
ocupação maciça de extensas áreas supostamente vazias, ignorando suas identidades e
peculiaridades. A interpretação do território como de ninguém o transforma em Terra Prometida,
representação que incrementa as projeções dos portugueses
107
, e afirma que a colonização é o
recebimento de uma herança. Mas a presença dos indígenas é um assunto que percorre de forma
contraditória a história do País e, como observaremos mais adiante, também a história da
fundação da capital.
A obra de Meireles retorna nas representações sobre as origens das cidades brasileiras,
emprestando seus conteúdos míticos e uma genealogia nobre à implantação das demais
comunidades urbanas. Todavia, essas obras, ao confundir a descoberta com a criação de
assentamentos urbanos, outrossim, assumem e divulgam o conceito de que fundar cidades
representa um “gesto desbravador”
108
, tática quase que militar de ocupação e antropização dos
territórios.
102
Coli, Jorge. A pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a invenção de uma história visual no século XIX brasileiro,
Adauto Novaes org., A descoberta do homem e do mundo, São Paulo, Companhia das letras, 1998 pág. 375-413.
103
Schwactz Moritz, Lília, Os Institutos Históricos Geográficos “Guardiões da História Oficial” em: Lilia Moritz Scwarctz,
O espetáculo das raças, São Paulo, Companhia das letras, 1993 pág. 99-140.
104
Coli, Jorge A pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a invenção de uma história visual no século XIX brasileiro,
e “Primeira missa e invenção da descoberta”, em: Adauto Novaes org. , A descoberta do homem e do mundo, São
Paulo, Companhia das letras, 1998 pág. 107-121; 375-413.
105
Coli, Jorge. Op,cit.
106
Coli, Jorge Op.cit.
107
Fernandes, Manoel de Sousa Neto. A ciência geográfica e a construção do Brasil. Em: Terra Livre, São Paulo
n.15 pág. 9-20 junho 2000.
108
Costa, Lúcio. Memória descritiva do Plano Piloto. em: Lúcio Costa, Registro de uma vivencia, São Paulo, Empresa
das artes, 1995, pág. 283-295.
63
Gervasio Batista e Fulvio Roiter.
Brasília: segunda primeira missa.
Manchete. Rio de Janeiro,11/05/1957
Rodolfo Amoedo Fundação de Rio de Janeiro, 1923.
Rio de Janeiro, Palácio Pedro Ernesto.
Flavio Damm, Ergue-se a cruz no Planalto.
O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 18/05/1957.
Pedro Peres, A santa cruz, 1875.
64
Aos três de maio de 1957, reza-se no Planalto a primeira missa de Brasília. Ela batiza o
início dos trabalhos de construção da cidade, logo depois da escolha do plano piloto. Portanto,
Brasília inicia-se oficialmente, depois de concluída a seleção do seu plano, com a celebração de
um ritual; recebe seu batismo e a sacralidade cônsona à dimensão do empreendimento. Cabe
relembrar, a cerimônia não foi a primeira celebração católica do Planalto, mas foi a primeira
organizada para repercutir na imprensa e nas propagandas. Ressuscitando a missa de Frei
Henrique de Coimbra, torna sagrado, antes de tudo, o nascimento de um novo Brasil. Aliás, essa
“segunda primeira missa” é propalada nas revistas populares qual verdadeira descoberta do
Brasil, pois nessa ocasião a própria Nação atua nos interesses de si mesma. A retórica não é
nova, a propaganda de Vargas, já vimos, tinha divulgado a fundação de Goiânia como re-
descoberta do país.
A missa é celebrada com grande estardalhaço de coreografia e muito ruído da imprensa,
inclusive dos cinejornais; amarra, ainda mais, a construção da nova capital à história-mito das
origens da Nação.
A evocação do quadro de Victor Meirelles pelas matérias da Manchete e da O Cruzeiro é
imediata. Para a Manchete, o fotógrafo bate sua foto colocando duas meninas de costas e
evidenciando a cobertura de madeira e lona. A manchete sublinha que na “segunda primeira
missa” não faltaram os índios. Expõe também a foto de um índio Carajás, que, como que
“fantasiado” para a ocasião, “trazido de Bananal deu uma nota pitoresca ao ato solene”
109
. O
Cruzeiro intitula “Ergue-se a cruz”
110
, chamando à memória a obra de Pedro Peres. Na
fotorreportagem, duas pessoas sentadas sobre um tronco dão às costas ao fotografo. O tronco
traz à memória as condições rústicas e toscas dos pioneiros, mas também o assento dos índios
da primeira missa de Meirelles. Outro instantâneo utiliza-se dos chapéus de plumas de alguns
índios (os índios Carajás da Manchete), para criar uma cortina entre nós expectadores e o evento.
Isso leva a repensar no grupo de índios que, na tela de Meirelles e de Pedro Peres, em primeiro
plano e disposto horizontalmente, nos introduz ao drama espiritual. Essas composições, onde as
figuras também fazem a mediação entre nós e o acontecimento; citam, recriam e atualizam
justamente a cena da descoberta e suas demais manipulações.
O “sinal da cruz” de Lucio Costa, “já pronto”, entra na primeira missa de Brasília,
desencadeando e informando imediatamente uma propaganda visual importante, até nos
cinejornais. Finalmente, oferecerá suporte e imagens à Sinfonia da Alvorada, composta por Tom
Jobim e Vinicius de Moraes justamente para homenagear Brasília, a pedido do próprio Juscelino
Kubitscheck
111
.
109
Mercadante, Luiz Fernando Brasília: segunda primeira missa, Manchete. Rio de Janeiro: 11/5/1957.
110
Drummond, Olavo. Ergue-se a cruz no Planalto, O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 18/5/1957.
111
“Em junho de l960, recebi uma telefonada de Brasília. Induzido por êsse querido amigo que é Oscar Niemeyer, o
Presidente Kubitschek, também um velho amigo, convidava-nos [Vinicius de Moraes e Tom Jobim] para criar, com os
técnicos da firma francesa "Clemançon", especializada na matéria , um espetáculo "Son et Lumière" para a Praça dos
Três Poderes, à maneira dos que são feitos nos principais castelos francêses e em vários outros grandes monumentos
65
“Nas campinas celestes rebrilhavam mais próximas as estrelas
e o Cruzeiro do Sul resplandecente
parecia destinado a ser plantado em terra brasileira:
a Grande Cruz alçada sobre a noturna mata do cerrado para abençoar o novo
bandeirante
O desbravador ousado O ser de conquista O Homem! (...)
Sim, ele plantaria (Citação de Oscar Niemeyer) " uma cidade de homens felizes, (...)”
E que fosse como a imagem do Cruzeiro no coração da pátria derramada.
(Citação de Lucio Costa)
"…nascida do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos
que se cruzam em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz"
112
Brasília n. 6. Rio de Janeiro: Junho de 1957.
do mundo, como a Acrópole, as Pirâmides e tantos mais, para fins de atração turística. Moraes, Vinicius de.
Apresentação da Sinfonia da Alvorada na capa do LP. http://www.jobim.com.br/dischist/sinfalv/alvorada_vintext.html
112
Moraes, Vinicius de. Sinfonia da Alvorada. www.letras.mus.br
66
A foto foi publicada, talvez pela primeira vez, na revista Brasília n. 6, de junho de 1957,
com a legenda: “Cruzamento da Avenida Monumental com o Eixo Rodoviário de Brasília”. As
estradas, que cortam a vegetação, vêm do infinito e vão para o infinito. Esse instantâneo se
ressente evidentemente da premiação do plano piloto de Lucio Costa e dos fastos da celebração
da primeira missa. A fotografia visa repetir e amplificar a imagem do gesto número um que
originou a cidade, “ato colonizador nos moldes da tradição colonial”, e conseqüentemente o
desenho da cidade: o sinal da cruz que “assinala ou toma posse de um lugar”
113
.
Na foto, o sítio, aparentemente, tem uma orografia plana, mas a distância do solo não
permite enxergar os desníveis; reconhecemos um pequeno espelho de água no alto, à esquerda.
Contudo, não podemos evitar de pensar que a fotografia do cruzamento – esqueleto e andaime da
cidade a ser construída – poderia representar, de fato, qualquer outro cruzamento de trilhas na
região.
Chamamos à memória as imagens da região que já vimos: a revista Manchete já tinha
publicado em junho de 1956 uma reportagem sobre a paisagem do Planalto; as revistas Módulo e
O Cruzeiro publicaram imagens análogas em dezembro do mesmo ano. Algumas são fotos aéreas
da área da futura capital: os retratos do sítio onde se constrói a Capital e, por extensão, o
Planalto, são sempre diferentes, a fotografia do avião devolvendo imagens dificilmente
comparáveis. Apesar das dificuldades, não triviais, para reconhecer a “realidade” subjacente à
fotografia tomada do avião, o aspecto que aqui importa ressaltar é a ênfase no cruzamento: as
estradas que cortam a vegetação em uma paisagem aparentemente intocada e despovoada.
A fotografia indica também que se iniciara uma comunicação visual acerca da construção
da nova capital, a qual, explorando o conteúdo de verdade implícito nas fotografias, procurava
demonstrar a aderência das realizações ao projeto original. Aliás, importa também o fato dessa
fotografia ser reproposta nas publicações mais recentes
114
e nos guias
115
da cidade, como crédito
da fundação da cidade conforme seu desenho original. Enfim, ela começa a discordar daquelas
representações do Planalto que comentamos no início do capítulo; a representação da conquista
prevalece sobre a representação da paisagem suave e propícia das primeiras reportagens sobre o
Planalto. Desponta, na fotografia, a interpretação da Natureza como “trasbordante, capaz de gerar
o excesso dos sentimentos e sensações do corpo e do espírito no expectador”; interpretação esta
que permeava as narrativas
116
das viagens de exploração, conquista e descoberta da região
centro-oeste do País ao longo dos séculos XIX e XX.
113
Costa Lucio. Brasília, Relatório do trabalho com que concorreu ao concurso para o Plano Piloto de Brasília, no qual
se qualificou vitorioso. [1957] In: Edgar Graeff. Org. Lucio Costa: Sobre Arquitetura. Porto Alegre: Centro de
Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962.
114
Andreoli, Elisabetta e Forty, Adrian. Arquitetura Moderna Brasileira. New York: Phaidon Limited Press, 2004.
115
Braga, Andrea Da costa. (Org.) Guia de urbanismo, arquitetura e arte de Brasília. Brasília: Fundação Athos
Bulcão, 1997.
116
Naxara, Marica R.C. “Encantos” e “Conquistas” do Oeste: desvendar fronteiras e contruir um lugar político. In:
Gutierrz Horacio, Naxara, Márcia R.C., Lopes, Maria parecida de Sousa org. Fronteiras, paisagens, personagens
identidades. Franca: UNESP, São Paulo: Olho d’Água. 2003.
67
Repórter Manchete. No timão do barco financeiro, foi colocada uma edição mineira do personagem voltaireano:
José Maria Alkimin. Manchete. Rio de Janeiro: 1/2/1958.
68
Um grande ramo contorcido e escuro de uma árvore abatida emoldura a figura de uma
mulher que se protege do calor e do sol com um guarda-chuva. Em primeiro plano, o tronco divide
a imagem; destacando o primeiro plano do fundo, junto à linha do horizonte ele define três
direções de observação. A vertical, que encontra o céu, divide quase na metade geométrica a
imagem; a horizontal estabelece uma relação importante entre o vazio do céu e o análogo vazio
da terra; a terceira, que repete a diagonal geométrica da fotografia, aprofunda a imagem e
prolonga a percepção de vastidão. Enxergamos assim a estrutura de madeira e lona e a cruz, à
esquerda, que flagram a estrutura erguida para a celebração da cerimônia de maio de 1957. A
fotografia é publicada no número da Manchete de fevereiro de 1958, dia primeiro, mas trata-se da
publicação tardia de um instantâneo da primeira missa. Dialoga com uma matéria que suaviza as
conseqüências econômicas da construção da capital e afirma que as medidas tomadas pelo
Ministro da Fazenda irão resolver os problemas econômicos nacionais. O Planalto, nessa
fotografia, recebe uma representação diferente.
Relembremos que o ambiente do planalto central sempre seduziu os viajantes pelo seu
fascínio e imensidão; chegou a comover as primeiras expedições: “essa planície imensa, de
superfície tão suavemente sinuosa, é riquíssima de cursos de água límpida e deliciosa que
manam da menor depressão do terreno. Essas fontes, como os grandes rios que regam a região,
são protegidas por admiráveis capões aos quais nunca deveria golpear a machada do homem,
senão com a maior circunspeção...”
117
. As mesmas características emocionaram o Presidente, os
repórteres e, como mencionamos, até a dureza do coração militar do general Lott.
A partir de 1958, nos relatos fotográficos do Planalto perderam-se as cachoeiras, a mata
ciliar, as florestas, as brincadeiras com a água, as evocações dos relatos dos viajantes realizadas
pelas primeiras fotorreportagens de 1956. A poeira e a aridez acompanharam as noticias sobre a
construção da capital e os seus sonhos de progresso. A erma imensidão e o impacto da obra do
homem seduziram aqueles que, em seguida, para lá se deslocaram para colaborar na construção
de Brasília: “Essas árvores, troncos retorcidos aqui do cerrado, coisa que era muito abundante em
função das máquinas que desbastava tudo. Então assim com meia hora você andava no cerrado,
você encontrava troncos, galhos de árvores com... (incomp.) retorcido, assim maravilhoso! Folhas,
aquelas folhas oleosas, aqui do cerrado, ou mesmo folhas secas grandes, vistosas, dava assim,
primeira vista parecia que era envernizada, mas não era”
118
.
Cabe também assinalar que a partir de 1958, os trabalhos de terraplenagem e de
preparação do sítio para a edificação da cidade tinham alterado radicalmente a paisagem do local.
Muito embora o instantâneo acima reproduzido tenha sido publicado tardiamente, comunica um
relato “verdadeiro” sobre a configuração da paisagem. A legenda é reforça a necessidade da
implantação da cidade e dialoga com o que afirma os motivos que levariam olhar com confiança
117
Trecho da carta do botânico Auguste Glaziou enviada ao cientista belga Luiz Cruls, chefe da expedição que
reconheceu o local para a nova capital. Apud: Beú, Edson. Expresso Brasília A história contada pelos candangos.
Brasília: LGE Editora 2006.
118
De Faria, Gomes. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1990.
69
para o futuro. Ao colocar em primeiro plano a árvore caída e a mulher com o guarda-chuva,
descreve e ressalta a falta de vegetação e o calor, “documentando” ao mesmo tempo que as
obras estavam procedendo rapidamente. Isso levanta a questão do livre reaproveitamento das
fotorreportagens nas revistas ilustradas (peculiaridade da informação na imprensa de massa) e
leva-nos a refletir sobre os possíveis critérios que presidiam o processo de inserção das imagens
nas revistas. Importante também frisar a complexidade do título da matéria; a ironia da evocação
do positivismo até os limites da estupidez do Cândido de Voltaire, ao mesmo tempo chama
atenção para a linguagem do semanal e de seu público, que aqui parece decididamente elitista.
Esta fotografia, enfim, não documenta, mas narra: tudo nela relata o vazio, a solidão, o
calor, a dureza do clima, a ausência de vida. Ao frisar o descampado, constrói uma poesia sobre a
imensidão e da falta de tudo, e incrementa a valentia, a coragem e a ousadia dos construtores da
nova Capital que enfrentam o inóspito do Planalto. Institui também a noção de que o lugar onde
estava se construindo a cidade, antes dela aparecer, era deserto.
Nivelamento da Praça dos Três Poderes. Fonte: Brasília n. 9. Rio de Janeiro, Setembro de 1957.
70
71
Ao longo do ano de 1957, as obras de construção da cidade, uma vez retirada a
vegetação, tornaram a área uma extensa fonte de poeira. Aliás, a poeira e o ar seco, mais do que
as chuvas, conotam as memórias tanto dos operários, como dos arquitetos que trabalharam na
execução das obras; os textos das revistas, as ironias dos desenhistas, as fotografias de Marcel
Gautherot, Mario Fontenelle e dos demais fotorepórteres tornam epopéias as lutas cotidianas
contra a poeira: “Então a cidade ficava um deserto, isso aqui era insuportável a vida em Brasília.
Hoje é um paraíso isso aqui, hoje tem verde, tem grama, tem o lago, tem umidade”
119
. O ar seco
do Planalto e a terra fina e roxa levantada pela passagem das máquinas e pelos ventos alimentou
a representação do sítio como deserto.
A Praça dos Três Poderes, por exemplo, necessitou de muita movimentação de terra,
justamente para alcançar aquela posição supra-elevada que devia distinguir a sua contraposição
simbólica com a paisagem ao redor
120
, e também com o resto da cidade. Mas o ponto mais alto
do sítio é o lugar onde se estabeleceu a Torre da Televisão. Aliás, o plano de Mindlin e Palanti lá
situava o Capitólio, para dar maior respaldo ao núcleo simbólico da cidade. Lucio Costa, visando a
um destaque mais emblemático, desenhou uma plataforma urbana inteiramente construída em
suas três dimensões, que se arremessa em direção ao lago e estabelece, assim como o próprio
projetista afirma, um diálogo importante e distinto entre a ordem e o conforto da cidade e a
desordem e o inóspito do cerrado, entre a clareza geométrica do terrapleno e a imprevisível e
misteriosa confusão da natureza ao redor. Ao mesmo tempo a sua posição isolada separa os
ícones da República, os três poderes, do resto da cidade e alcança a majestade necessária à
representação da capital.
Algumas fotografias da revista Brasília, de setembro e de novembro de 1957, documentam
o enorme trabalho de deslocamento de terra necessário para a criação da praça e ao nivelamento
das pistas do eixo monumental.
A movimentação até causou manifestações junto ao Parlamento. Em outubro de 1957, o
senador Alencastro Guimarães “requer que o Poder Executivo informe, (...) sobre o serviço de
terraplenagem efetuados em Brasília, formas contratadas e concorrência para as mesmas”
121
. No
livro Lucio Costa: sobre arquitetura, encontramos um texto de 1958 que se destina, de acordo com
o título, a esclarecer a questão da relação entre Topografia e Urbanismo. Aprendemos que é uma
carta (dirigida a Israel Pinheiro e publicada justamente no Correio da Manhã de outubro de 1958,
dia 27,) resultante do “requerimento formulado pelo Diretor da Faculdade Nacional de Arquitetura,
então no exercício de mandado de Deputado Federal, solicitando dados técnicos (...)
119
Pereira, Manoel da Silva. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal,
1990.
120
“No meu espírito, quando tive essa intenção de marcar a posição da Praça era, em parte, com o objetivo de acentuar
o contraste da parte civilizada, de comando do país, com a natureza agreste do cerrado. Propunha que esta viesse ao
encontro do arrimo triangular que caracteriza a praça dos Três Poderes” Costa Lucio. Apud: Gorovitz, Matheus.
Brasília, uma questão de escala. São Paulo: Projeto, 1985.
121
O texto integral do requerimento é publicado no DCN2 do dia 02/02/1957, Página 2505. www.sicon.br.
72
especialmente movimento de terra na Praça dos Três Poderes e Esplanada central”
122
. O teor
polêmico da carta e a exploração dos sentimentos e orgulho nacionais são evidentes: “não se está
a fazer em Brasília uma capital de província, mas a nova capital de um País, que ainda será uma
grande nação”
123
.
Terraplenagem da Praça dos Três Poderes. Fonte: Brasília n. 11. Rio de Janeiro: Novembro de 1957.
Na carta agora relembrada, Lucio Costa apresenta os terraplenos como funcionais para a
economia geral das obras e os justifica com base na necessidade de reaproveitar as terras das
escavações da estação rodoviária e do cruzamento dos eixos habitacional e monumental.
Todavia, a criação dessa praça como que suspensa, aberta como um terraço para o lago e os
parques, não necessitou apenas da construção de muros de arrimo para elevá-la do cerrado ao
redor e assim recolher a terra movimentada pela realização do cruzamento; foi necessário
também liberar o vértice sul da própria praça, pois a topografia do sítio o englobava nos seus
desníveis. O relevo aerofotogramétrico publicado na Brasília n. 9 de setembro de 1957 mostra
uma área clara ao redor da própria praça e documenta a raspagem de terra que ocorreu para que
122
Costa Lucio. Topografia e Urbanismo. [1958]. In: Edgar Graeff. Org. Lucio Costa: Sobre Arquitetura. Porto Alegre:
Centro de Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962.
123
Costa Lucio. Op.cit.
73
a plataforma alcançasse a sua geometria límpida e o devido destaque, físico e simbólico. Na
imagem, a cor clara representa as áreas desmatadas e registra também a modificação geral da
paisagem realizada até aquele momento.
Brasília n. 9. Rio de Janeiro: Setembro de 1957.
O arquiteto Sergio Porto, que integrava a equipe de Lucio Costa e acompanhou esses
trabalhos, confirma
124
que a mancha clara dessa fotografia corresponde à área rebaixada ao redor
da Praça dos Três Poderes. Infelizmente não detalhou o calibre vertical da cota que foi retirada.
124
“Quanto ao movimento de terra (raspagem) junto ao Triângulo dos Três Poderes ele se deu no seu lado sul. Isto
pode ser visto na foto que você encaminhou e onde se percebe uma área retangular esbranquiçada neste ponto. Não
me recordo mais dos dados numéricos desse movimento de terra, mas o recurso da raspagem ao redor do vértice do
triângulo resultou em enorme economia de tempo e de custos na execução das obras”. Porto Sergio. Conversação
privada.
74
Esquema do Eixo Monumental Fonte: Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho 1957.
O esquema de Lucio Costa aqui reproduzido leva em conta uma topografia sumária:
enxergamos os desníveis oeste-leste: o maior entre a torre da televisão e o início da área
propriamente monumental do eixo, e os menores demarcados pela linha dos muros de arrimos; o
esboço não evidencia os relevos na direção norte-sul. O plano inicialmente concebido, ao qual
pertence esse desenho, ocupava uma área diferente. Em decorrência das observações
levantadas pelo júri do concurso, o inteiro
125
plano piloto foi deslocado de 800 metros para leste,
em direção ao lago. Talvez, esse esboço indique que a intenção originária era elevar a Praça
apoiando seu vértice sul na cota existente; talvez, leve em conta outra situação topográfica, mais
favorável à construção dos terraplenos.
A raspagem que, segundo Sergio Porto, “resultou em enorme economia de tempo e de
custos na execução das obras”
126
, foi a solução encontrada em curso de obra, a necessária
adaptação do esboço inicial às intervenções do júri e às condições emergentes de sua realização.
Aliás, a transposição dos riscos e da memória descritiva em projeto, isto é, o cálculo das
coordenadas dos eixos monumental e habitacional na topografia do local, foi realizado pelos
arquitetos Augusto Guimarães e pelo topógrafo Joffre Mozart Parada
127
. Talvez, o próprio Augusto
Guimarães, devido a suas responsabilidade e à sua importante atuação na projetacão da cidade,
tenha sugerido essa mediação para economizar obras e dinheiro.
Retomemos as palavras de Lucio Costa, pronunciadas em 1958 em defesa da
movimentação de terra e da construção dos terraplenos. Trata-se de “obras fundamentais (...) de
modo tal que a ordenação clara e harmônica do partido adotado se revele, de fato, uma
125
“O deslocamento de cerca de 800 m em direção ao Lago do Paranoá foi do conjunto do Plano Pilôto e não apenas
do Eixo Residencial. Esta medida é feita ao longo do Eixo Monumental em direção ao sentido leste da cidade. É
como se a Estaca Zero (cruzamento dos dois eixos) "baixasse" em direção ao futuro Lago, mantidos os eixos principais
da cidade nas suas inclinações originais”. Porto Sergio. Conversação privada.
126
Idem, ibidem.
127
Guimarães Filho, Augusto. Depoimento - Programa de História oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal,
1989.
75
decorrência delas”
128
. Entendemos que o partido adotado para o lugar emblemático da Capital não
decorre simplesmente do aproveitamento da situação do local, mas de alterações do sítio
necessárias à exaltação do valor simbólico e representativo da cidade, já que “não se está a fazer
em Brasília uma capital de província”.
Vamos recuperar o projeto de Oscar Niemeyer, talvez ele concorra a informar o “partido
adotado”.
“Maquete das primeiras arquiteturas para a Nova Capital”. Módulo n. 6. Rio de Janeiro: Dezembro de 1956.
Em dezembro de 1956, a revista Módulo, a revista O Cruzeiro e a revista Arquitetura e
Engenharia publicaram o primeiro projeto de Oscar Niemeyer para Brasília e chama atenção a
simultaneidade com a qual a imprensa, inclusive aquela popular, publicou as arquiteturas da Nova
Capital. As diversas matérias divulgaram a fotografia da mesma maquete. O texto de O Cruzeiro
não comunica nada acerca do projeto, mas a publicação da fotografia da maquete com grande
ressalto editorial, naquele momento, indica uma preocupação com o alcance da difusão das idéias
arquitetônicas para a futura Capital. Talvez, naquele momento fosse necessário comunicar para
um público o mais numeroso possível os padrões arquitetônicos que iriam condicionar os projetos
urbanos. Se pensarmos que naquele período os projetos urbanísticos da futura capital estavam
sendo elaborados, podemos assumir que a divulgação contemporânea na imprensa especializada
128
Costa Lucio. Topografia e urbanismo. Op.cit.
76
em arquitetura e naquela popular foi uma mensagem endereçada também aos arquitetos que
pretendiam participar do concurso para o Plano Piloto da Capital
129
.
O texto que acompanha a publicação da maquete na Arquitetura e Engenharia, de fato,
discute as modalidades do concurso; aliás, nesse mesmo número, a revista divulga o edital do
concurso para o Plano Piloto. Sobre o modelo tridimensional pergunta “se os concorrentes terão
de considerá-los [os edifícios que compõem a maquete] dentro de seus projetos” e timidamente
polemiza com do fato da escolha de Oscar Niemeyer ter sido efetuada do alto, diretamente do
presidente
130
.
O texto da Módulo afirma que o edifício que mais se destaca na composição da maquete,
que define de Palácio, será o “marco, ou ponto de partida para as novas construções”. Salienta
também que o próprio Palácio está ainda em fase de aprimoramento e que sua localização no
plano da cidade seria decidida pelos concorrentes. Em fevereiro de 1957, a revista Módulo
apresenta uma nova maquete; desta vez é a versão definitiva do projeto para a Residência do
Presidente da República. A segunda arquitetura é evidentemente uma evolução da primeira. Em
forma de breve comunicação (os textos da Módulo são sempre muito breves), a matéria responde
também às perguntas do jornalista redator da Arquitetura e Engenharia n. 42 acima transcritas.
Confirma que o palácio presidencial deveria constituir-se em “marco e padrão técnicos e artísticos
da cidade” que estava nascendo.
131
Olhemos melhor portanto às qualidades formais daquela arquitetura, talvez tenham servido
como “ponto de partida” para escolher o desenho urbano vencedor do concurso; talvez, revelem
em que medida Lucio Costa as incorporou ao partido adotado no plano piloto.
Na revista Módulo, a fotografia da maquete evidencia quatro edifícios dispostos em um
parque; nas outras duas revistas, o enquadramento do instantâneo recorta uma parte do modelo
tridimensional e ressalta o edifício central da composição. Esse ultimo é e cercado de palmeiras
imperiais que o distinguem dos demais e acentuam o valor inédito da sua arquitetura. Essa última
é realçada do solo e apóia sobre colunas de pontas finas para o baixo. A fachada é vazada. As
mesmas qualidades são aprimoradas na versão definitiva da residência do presidente, que ganha
mais concisão de volumes e um maior grafismo no desenho da fachada.
Chama a atenção o fato dos edifícios apoiarem em um solo plano. As maquetes não
definem a topografia do sítio e as arquiteturas implantam-se em uma superfície horizontal e
asséptica. Mesmo considerando que a área escolhida para o “parque” e/ou para a residência
presidencial fosse plana, a reconstrução tridimensional não leva em conta os possíveis, mesmo
129
A revista Módulo não declarava a sua tiragem, portanto não conseguimos imaginar o alcance da sua distribuição;
todavia, justamente o envolvimento da O Cruzeiro, cuja difusão cobria o território nacional, e de Arquitetura e
Engenharia nos induz considerar a hipótese de que ela tivesse uma distribuição limitada às grandes cidades, porém
importante em um ambiente específico.
130
“e, mais, como uma espécie de modelo para as edificações futuras – já asseguradas, segundo alguns, ao arquiteto
de confiança do sr. Juscelino Kubitscheck, Oscar Niemeyer”Em torno do concurso para o plano piloto para a nova
capital. In: Arquitetura e Engenharia n. 42. Rio de Janeiro: novembro-dezembro 1956.
131
“O palácio residencial devendo constituir marco e padrão técnicos e artísticos da cidade que nasce” Niemeyer Oscar.
Palácio residencial de Brasília. Módulo n. 7. Rio de Janeiro: fevereiro de 1957.
77
que pequenos, acidentes e irregularidades do terreno. Os projetos são também seus solos: eles
nascem de planos absolutamente lisos e as arquiteturas, seus equilíbrios e sua concisão,
dependem deles. Oscar Niemeyer confirma: “procurei um partido compacto e simples, onde a
beleza decorra apenas de suas proporções e da própria estrutura. (...) Uma solução de ritmo
continuo e ondulado, que confere à construção leveza e elegância, situando-a como que
simplesmente pousada no solo”
132
.
Entendemos, assim, que o marco técnico e artístico da área monumental da Capital
necessita dos terraplenos desenhados por Lucio Costa, isto é: depende da preparação e
modificação dos espaços nos quais aquele marco irá se inserir; as “obras fundamentais” de
terraplenagem são necessária a fim da “ordenação clara e harmônica do partido adotado” se
desvendar uma “decorrência delas”
133
. Em outras palavras, ao apreender que os planos
horizontais são partes integrantes e necessárias do programa arquitetônico adotado para a cidade
que nasce, percebemos o quanto o plano de Lucio Costa incorporou a proposta arquitetônica
divulgada em dezembro de 1956 e logo confirmada em fevereiro de 1957 ao desenho da área
monumental da Nova Capital.
A necessidade de uma alteração prévia do sítio que acolheria a cidade chama a memória a
tradição ideal e ideológica criada pelas práticas de colonização dos ibéricos no continente latino-
americano.
A função das cidades na América Latina tradicionalmente foi estratégica e de conquista,
tanto territorial como cultural. No processo de conquista do Continente Sul-americano, a cidade
teve um papel militar e militante. A cidade, com ou sem sua grade ordenada e regular, impôs de
maneira abstrata
134
e precisou representar
135
um sistema de relações alheias às regiões
conquistadas e funcionou de fato como posto avançado, economicamente artificial
136
e
ideologicamente acessível somente à classe dominadora, possivelmente letrada, que nada
compartilha com as populações e as culturas submetidas.
132
Niemeyer, Oscar. Apud: Palácio residencial de Brasília. Módulo n. 7, Rio de Janeiro: fevereiro de 1957.
133
Costa Lucio. Topografia e urbanismo. Op.cit.
134
“Desde a destruição de Tenochtitlàn (1521) até a construção de Brasília (1960) a cidade latino-americana tem sido
basicamente um parto da inteligência – um produto intelectual – e pertence a um ciclo da cultura universal no qual a
cidade foi o sonho de uma ordem.” Rama, Angel. La ciudad letrada. In: Richard Morse y Jorge Enrique Hardoy
(comps.), Cultura urbana latinoamericana. CLACSO, Buenos Aires, 1985.
135
“La ciudad planeada en forma geométrica, que funciona como avanzada metropolitana y agente colonizador,
también ofrece instituciones agrarias funcionalmente semejantes. El latifundio, controlado por un único propietario, que
es de origen urbano, se convierte en la agencia por medio del a cual se organiza al os trabajadores; [...] e determina a
relación del trabajador y la naturaleza de la justicia” Morse, Richard. La ciudad artificial. In: Estudios Urbanos XIII, 67-
8. Sevilla, abril-mayo 1957.
136
“A rede de cidade devia criar um império colonial no sentido estrito do vocabulário, isto é um mundo dependente e
sem expressão própria, periferia do mundo metropolitano.” [...] Mantivera e acentuara seu papel ideológico, [...]
proporcionando uma imago mundi, uma explicação da conjuntura e um projeto adequado às expectativas de cada área.
América como Nova Europa”. Romero, José Luis. América Latina: as cidades e as idéias. Rio de Janeiro: UFRJ,
2004.
78
O fato de dispor de espaço
137
supostamente livre foi o outro conceito chave que guiou a
colonização da América Latina. Esse preconceito não foi simplesmente o caráter fundamental da
exploração de qualquer recurso humano e natural, mas também configurou o papel das cidades.
Nas áreas onde não existiam culturas urbanas, o território foi facilmente considerado como de
ninguém
138
; no caso existissem culturas urbanas refinadas e complexas, essas últimas foram
consideradas culturalmente alienas e, portanto, perigosas. O vazio se impôs como condição
necessária a ser alcançada para iniciar a colonização
139
, isto é, para manifestar uma presença e
mobilizar os motores de uma nova economia.
O preconceito do nada (a “América como o produto da migração de população que se
ventura de sociedades amadurecidas em um continente vazio”
140
) integrava, até meados do
século passado, os lugares comuns que acompanhavam as avaliações e as representações que o
Brasil e a América Latina tinham de si mesmos. A idéia da terra ser de ninguém acompanhava,
havia tempo, as representações sobre o interior do Brasil. “Couto de Magalhães, ainda em 1945
utiliza com freqüência a expressão deserto com o significado de local despovoado, ainda por
civilizar”
141
. Vamos, assim, transcrever as palavras de Mario Pedrosa, pronunciadas em Brasília
em 1959, durante o Congresso Extraordinário da Associação Internacional dos Críticos de Arte:
“Uma das características dos países americanos, e em particular do Brasil, é a de ser um país
construído, um país feito. (...) Aqui, do lado do Atlântico, culturalmente estava-se por assim dizer a
zero. É por isso que somos um país que começou por plantar cidades”.
142
Vale relembrar que também os planos pilotos premiados no concurso de 1956/57 pensam
a cidade como um motor de desenvolvimento, em um contexto específico de colonização do
Planalto a partir das exigências, como escreve Artigas em seu relatório, “de fixação do homem
branco”. Algumas equipes demonstram terem utilizado diversos recursos, desde as referências
bibliográficas até os estudos da geografia humana, para justamente entender o contexto e, talvez,
tentar reverter a representação prévia da cidade como instrumento abstrato, ou ideológico, ou
militante de colonização. Todavia, ela é estudada, mesmo no caso da equipe mais cuidadosa de
137
“Space, rather than time, became the leading factor of the American experience.” Morse, Richard. Some
characteristic of Latin American urban history. In: The American Historical Review, vol. 67 n. 2 jan. 1962, pág. 317-
338.
138
Ao atravessar o Atlântico, os conquistadores “dispuseram de oportunidades únicas em uma terra virgem de um
continente enorme, cujos valores foram ignorados com cegueira antropológica, aplicando o principio da tabula rasa”.
Rama, Angel. La ciudad letrada. In: Richard Morse y Jorge Enrique Hardoy (comps.), Cultura urbana latinoamericana.
CLACSO, Buenos Aires, 1985.
139
“Conseqüentemente, um inabalável preconceito levou-os a operar como se a terra conquistada estivesse vazia –
culturalmente vazia – e povoada por indivíduos que podiam, ou deviam, ser arrancados de sua trama cultural para
serem incorporados ao sistema cultural dos colonizadores, mas mantidos fora do sistema econômico por eles
implantado” Romero, José Luis. Op.cit.
140
“migration of people, whatever their cultural heritage and motivations, who venture forth from a mature society into an
empty continent. Morse, Richard. Some characteristic of Latin American urban history. In: The American Historical
Review, vol. 67 n. 2 jan. 1962, pág. 317-338. Tradução nossa.
141
Naxara, Marica R.C. “Encantos” e “Conquistas” do Oeste: desvendar fronteiras e construir um lugar político. In:
Gutierrz Horacio, Naxara, Márcia R.C., Lopes, Maria parecida de Sousa org. Fronteiras, paisagens, personagens
identidades. Franca: UNESP, São Paulo: Olho d’Água. 2003.
142
Pedrosa, Mario. Intervenção no Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte, sobre o tema: Cidade
nova – a Síntese das Artes. Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília de 17 a 25 de setembro de 1959; Atas do
Congresso, Fundo MASP 8910.
79
Artigas, a partir de critérios, digamos, urbanos: a vida na região é avaliada em termos de
vitalidade urbana, serviços e comércios, transportes e estradas, absorção da migração, enfim,
“como possibilidade de fixação do homem branco”. Nenhum plano porém levou em conta a
população indígena que habitava aquele lugar.
80
A imagem ao lado é a fotografia da abertura da reportagem da O Cruzeiro de março de
1959 estigmatiza os trabalhos de construção da rodovia Belém-Brasília. O título, Nossa Senhora
da Selva abençoa a Belém-Brasília, informa que houve, novamente, uma cerimônia religiosa. A
missa foi celebrada com a participação de muitas autoridades, para comemorar a conjunção das
frentes norte e sul, que saíram dos dois pontos extremos da estrada. Um monge, de costas, pisa
nos troncos caídos; na cabeça um boné, sapatos ao invés das sandálias. A vegetação é baixa e o
céu livre, pois o primeiro desmatamento já abriu as trilhas. O texto insinua a dureza dos trabalhos,
a força e a resistência da mata contra a obra do homem. O olhar do frade é dirigido para o
horizonte, a postura ereta, confiante. O instantâneo fala de expectativas que estão sendo
realizadas e ao mesmo tempo de um futuro certo. Ela parece evocar e ser corolário visual de um
imaginário importante que as viagens, as explorações bandeirantes, as propagandas de conquista
do oeste projetaram sobre os territórios do interior. “Conquistar o interior é conquistar a natureza e
dominar a barbárie, ganhar e vencer espaços para o conhecimento e a civilização, desbravar
fronteiras. Conquista técnica e conquista humana de uma natureza vista, vivida e representada,
na sua tropicalidade, como luxuriosa, dominante e envolvente e, sobretudo, invencível”
143
.
A idéia de que a cidade nova implementará o progresso e reassegurará o futuro está
presente, como já vimos, nas apologias do presidente, nas matérias das revistas populares, no
próprio projeto da capital e nas memórias descritivas dos planos pilotos concorrentes.
Conjuntamente, a evocação do sonho-visão de Dom Bosco, a celebração da segunda Primeira
Missa no Planalto e os mitos de matriz portuguesa agregam àquela expectativa de um futuro
seguro o valor da predestinação.
Vamos assim relembrar outras representações que descrevem a América: Eldorado,
Atlântida, Utopia, Civilidade do Ouro, etc. Os mitos que explicam as Américas, englobam um
passado ideal e perdido e hipotecam o futuro, creditando ainda mais a promessa de felicidade e
perfeição. Brasília
144
seria a ocasião para construir, hoje e concretamente, um mito antiqüíssimo,
uma “realidade” destinada a transformar, no sentido de melhorar, o futuro da humanidade. Esses
mesmos mitos mesclam-se às teorias (e ideologias) urbanísticas e arquitetônicas do Movimento
Moderno, antes de tudo com relação ao presumido poder do plano em direcionar e vigiar
145
o
futuro rumo a uma sociedade ideal e mais justa. Cabe assinalar que essa visão positiva,
entrelaçada de mitologias e nostalgias, não pertencia somente às propagandas políticas e
comerciais necessárias à viabilização da construção de Brasília ou aos planos concorrentes
apresentados no concurso;
143
Naxara, Marica R.C. “Encantos” e “Conquistas” do Oeste: desvendar fronteiras e construir um lugar político. In:
Gutierrz Horacio, Naxara, Márcia R.C., Lopes, Maria parecida de Sousa org. Fronteiras, paisagens, personagens
identidades. Franca: UNESP, São Paulo: Olho d’Água. 2003.
144
Gorelik, Adrian. Das vanguardas à Brasília. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
145
Tafuri, Manfredo; Progetto e utopia, Bari, Laterza, 1976.
81
Ubiratan de Lemos. Nossa Senhora da selva abençoa a Belém Brasília. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 7/03/1959.
A frase seguinte de Giulio Carlo Argan, ao inaugurar os trabalhos do Congresso
Extraordinário da Associação Internacional dos Críticos de Arte, em Brasília, em setembro de
1959, revela que um mesmo imaginário mítico e otimista investia naqueles anos, pós-segunda
guerra mundial, a América Latina como um todo: “vamos testemunhar a execução de uma grande
82
obra de arte no continente de maiores possibilidades para o futuro. (...) Obras que concluídas
darão ao mundo moderno uma grande capital”
146
.
Cabe abrir um breve parêntese sobre a importante presença da Igreja católica nas
imagens e nas propagandas que se referem a Brasília, sem, porém, aprofundar a análise. O
assunto precisaria, em nossa opinião, de pesquisa mais específica, considerando-se que os
interesses da Igreja na construção da capital – da mesma forma que aqueles da especulação
imobiliária – influenciaram a execução do plano piloto
147
.
Brasília n. 19. Rio de Janeiro: Julho de 1959.
146
Argan, Giulio Carlo. Intervenção no Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte, sobre o tema: Cidade
nova – a Síntese das Artes. Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília de 17 a 25 de setembro de 1959; Atas do
Congresso, Fundo MASP 8910.
147
“Então 'cê tinha aquelas entrequadras que eram do governo, eram pertencentes ao público e aí surgiu a situação
seguinte: de repente chegam para você uma dona dum colégio dizendo "eu quero fazer um colégio", e aí você dança.
Você compromete a área cuja vocação normal seria ser mantida pelo ensino público ou você joga a escola para fora do
lugar que ela devia estar. É um problema delicado.” (…) “junto com isso tinha atividades de igreja, seitas, o diabo a
quatro, mil coisas assim, então surgiu esse tal Setor de Grandes Áreas, além das outras... do fim das moradias. Isso pra
mim é uma coisa muito séria, quer dizer, eu acho que compromete. Eu não sei como resolver, acho que não tinha jeito,
dentro da estrutura de Brasília não tinha como, mas é uma coisa chata, (...)”.Costa, Maria Elisa Modesto Guimarães.
Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1991.
83
Essa página dupla da revista da Novacap de julho de 1958 estabelece claramente duas
comunicações paralelas: as palavras informam sobre os demais acontecimentos ocorridos durante
o mês, as fotografias destacam o mais importante: “84 bispos e arcebispos do Brasil participaram
em Goiânia da quarta reunião ordinária da Conferencia Nacional dos Bispos e visitaram Brasília a
convite do Presidente da República. Chefiavam a caravana o arcebispo de Goiânia e, também de
Brasília, D. Ferdinando Gomes e D. Helder Câmara (...)”. A fotografia dos prelados no alto à direita
é significativamente acompanhada por um instantâneo, em baixo à esquerda, no qual o guindaste
forma um sinal da cruz com as vigas levantadas.
O ano de 1958 foi dramático para os trabalhadores rurais, para o País, e para os trabalhos
de construção da capital, e a igreja esteve envolvida no drama político e social. A seca do
Nordeste, mais áspera que o normal, solicitou milhares de retirantes a se deslocarem para o
Planalto em busca de melhores condições de sobrevivência. Os movimentos de trabalhadores
rurais
148
reivindicaram uma reforma agrária e Dom Helder Câmara representou a figura de
referência do movimento. Outrossim, cabe relembrar o importante compromisso de uma parte da
Igreja para encontrar uma solução estrutural para o problema dos trabalhadores itinerantes. As
tensões estimularam, no início de 1959, a revista O Cruzeiro a dedicar algumas reportagens à
questão da reforma agrária, e a própria revista aproveitou para radicalizar as críticas ao governo.
Contemporaneamente, ainda em junho de 1958, iniciava-se a promover uma CPI sobre os gastos
e a gestão financeira da Novacap
149
. Talvez, a reunião do episcopado brasileiro em Goiás se
justificasse com base nessa situação contraditória e difícil. A visita aos canteiros de obra da
capital foi igualmente ocasião para que o presidente Juscelino Kubitschek assegurasse à Igreja
católica a construção de seus conjuntos paroquiais nas áreas residenciais da futura capital
150
.
148
Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.
149
Diário da Tarde. Belo Horizonte. 10/06/1958. Frente nacionalista exige maior rigor na fiscalização das verbas da
união. CPI para apurar as denuncias de Alberto Bittencourt contra a administração do sr Israel Pinheiro.
150
Repórter Brasília. Diário de Brasília. Brasília n. 19. Rio de Janeiro, julho 1958.
84
Ubiratan de Lemos. Nossa Senhora da selva abençoa a Belém Brasília. O Cruzeiro: Rio de Janeiro: 7/03/1959.
85
Esse instantâneo com o presidente que dirige o trator pertence à fotorreportagem da O
Cruzeiro, dedicada à construção da rodovia Belém-Brasília. Ao flagrar os tratores, o texto da
legenda frisa a oposição da vegetação: “eis como a selva resiste ao impacto dos tratores”
151
; ao
retrair uma arvore de grande porte, as palavras sublinham a dureza da luta: “O Garboso Jatobá
resistiu 45 minutos ao trator presidencial (...)”
152
.
Uma retórica específica acompanha agora nas propagandas de Brasília o aspecto da
urbanização/metropolização dos territórios: as representações visuais da natureza selvagem e as
legendas das fotografias evidenciam um diálogo complexo e contraditório, que alterna encanto e
medo; a floresta e o interior do país são inimigos bravos, com uma identidade forte. Precisam ser
domados, amarrados, domesticados, incorporados às demais identidades nacionais.
Interessa, porém, registrar a existência, anterior a essa explosão de propagandas, de
olhares diferentes sobre o interior do país, sobre as modalidades de sua exploração e
incorporação à nação. As reflexões de Padre Lebret
153
e de Gilberto Freyre
154
, que datam entre
1955 e 1957, assim como alguns relatórios dos projetos premiados no concurso para o plano
piloto de Brasília, dialogaram de maneira diferente com a questão da colonização e enxergaram
os territórios internos como oportunidade de um crescimento econômica, social e culturalmente
orgânico da Nação. Mas interessa ainda mais contrapor àquela apreciação da inclusão como
combate e/ou fagocitose, uma idéia de anexação como conhecimento. A viagem de 1934 de
Agenor Couto de Magalhães ao longo do Rio Araguaya, de acordo com Márcia Naxara
155
, é a
ocasião para estabelecer justamente um relacionamento diferente com as regiões indômitas do
interior, para produzir representações, imaginários e imaginações diferentes sobre a ocupação do
interior. O relato da expedição “à procura de uma alma, ou um espírito capaz de fazer entender a
nacionalidade, a brasilidade”
156
, enriquecido por 182 fotografias da paisagem e do caminho
percorrido, foi publicado em 1944 com o título sedutor de Encantos do Oeste. O olhar do autor, ao
151
Silva, Arlindo. Nossa senhora da Selva abençoa a Belém-Brasília. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 7/3/1959.
152
Silva, Arlindo. Op. cit.
153
Gilberto Freyre refere sobre estudos, congressos e publicações que debatiam, justamente entre 1955 e 1957, o tema
da ocupação e urbanização, ou rurbanização (neologismo do próprio Gilberto Freyre), do território nacional. Refletia-se
sobre os critérios, os limites, os erros históricos da colonização, e também sobre as potencialidade das áreas ainda não
exploradas. Padre Lebret, para “deter o êxodo do campo para as cidades ou para o programa de auto-colonização da
Amazônia, propunha a criação de cidades-basseiras, contrariadas, para serem estáticas, justamente pelo programa de
rurbanização elaborado naqueles anos por Gilberto Freyre. Freyre, Gilberto. Rurbanização: que é?. Recife: Ema-
Editora Massangana, 1982, pág. 99-108.
154
“Como cidades novas, não eram nem Goiânia nem Brasília um puro problema de arquitetura ou sequer de urbanismo,
mas de ecologia. De ecologia tropical. Deveriam, por isso, estar-se levantando, não apenas como obras de arquitetos,
mas de arquitetos ligados a ecologistas e a cientistas sociais que juntos desenvolvessem uma sistemática de integração
das novas cidade num espaço natural, social e cultural caracteristicamente tropical, atendendo-se, o mais possível, ao
futuro das cidades como cidades modernas no trópico e dentro de um país já com tradições válidas, quer de adaptação
de valores europeus a condições tropicais de vida, quer de assimilação de valores tropicais a um tipo de civilização
predominantemente, mas não exclusivamente européia. Aberta, por conseguinte, a outras influências, a outras
perspectivas”. Freyre, Gilberto A propósito de Brasília. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 19/3/1960.
155
Naxara, Marica R.C. “Encantos” e “Conquistas” do Oeste: desvendar fronteiras e construir um lugar político. In:
Gutierrz Horacio, Naxara, Márcia R.C., Lopes, Maria parecida de Sousa org. Fronteiras, paisagens, personagens
identidades. Franca: UNESP, São Paulo: Olho d’Água. 2003.
156
Naxara, Marica R.C. Op.cit.
86
repercorrer e documentar fotograficamente os caminhos dos ancestrais
157
[das bandeiras que
saiam de São Paulo rumo ao ouro de Goiás], “não é o do desbravador do sertão: (...) ao pensar o
processo civilizatório, acena para o potencial turístico existente na região (...) qual forma de
incorporação e de conhecimento territorial, em continuidade à integração outrora iniciada”
158
.
Propaganda comercial Caterpillar, Fonte: Manchete: Edição Histórica. Rio de Janeiro: 21/4/1960.
Todavia, justamente entre 1958 e 1959, a progressão das obras e a batalha contra as
adversidades, simbólicas e reais, que pontuaram a construção da capital, juntamente com as
contradições econômicas e sociais e com as lutas entre as propagandas dos que eram favoráveis
ao governo da oposição política ao governo de Juscelino Kubitschek, foram tão importantes e
persistentes, que imediatamente algumas empresas delas se aproveitaram, como documentamos
aqui, para alcançar uma maior eficácia nos seus específicos diálogos com seu público de
consumidores.
157
Naxara, Marica R.C. Op.cit.
158
Magalhães, Agenor Couto de. Apud: Naxara, Marica R.C. Op.cit.
87
Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 11/4/1959.
Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 2/5/1959.
Nas revistas populares, a insistência e a abrangência da publicidade favorável a Brasília
como instrumento de colonização do interior do País, fundiram o “grande sonho a caminho da
realidade” com as modalidades da própria colonização. Se outras modalidades do
empreendimento (a questão do dinheiro, sobretudo) foram objeto das contestações da oposição, o
impacto ambiental da construção da capital não repercutiu nas discussões políticas e foi
levantados apenas em poucas tímidas intervenções
159
. A modernização das regiões do interior,
em termos de abertura de novas estradas e de conquista de novos territórios para exploração, foi
contraditória; subtraiu território justamente aos indígenas através de uma operação que,
aparentemente, não levou em conta a possibilidade de negociar com os donos daquelas terras as
intervenções importantes que o governo pretendia realizar.
159
Brasília vive alheia ao problema do conservacionismo. Visão voltada apenas para as obras de cimento e ferro –
Brasília, a suntuosa arquitetônica e os mocambos - A vegetação dos cerrados – Fogo, vento e chuva numa guerra
encarniçada contra a natureza desprotegida e esquecida – Um exemplo e uma advertência. Fuad Atala”. Correio da
Manhã. Rio de Janeiro: 14/02/1959.
88
.
Manchete Edição Histórica. Rio de Janeiro: 21/4/1960.
Na celebração da primeira missa de Brasília, os indígenas foram colocados em primeiro
plano, tanto nos textos quanto nas fotografias; o convite talvez não fosse simplesmente um fato de
cenografia visando a reconstruir o quadro de Victor Meirelles. Em 1949, ao ser eleito, o Presidente
Dutra apresentou-se à nação junto com um índio, em uma fotorreportagem da dupla Jean
Manzon-David Nasser, da qual apresentamos aqui um instantâneo
160
. A redundância das imagens
provoca dúvidas, estimularia até mais pesquisa sobre as relações que iam se estabelecendo e
aprimorando entre as duas nações, no sentido de povos.
Assim, chama a atenção o perfil dúplice dos indígenas descrito pelas matérias das revistas
populares. Depois da celebração da primeira missa, ato no qual a presença dos indígenas absolve
e viabiliza, no plano das representações, a ocupação dos territórios, nas matérias relativas à
construção das grandes rodovias, os próprios indígenas apareceram entre os inimigos da obra, a
par das cobras escondidas e da febre amarela, da falta de medicamentos e médicos, de
fornecimentos de comida e equipamentos, etc.
160
Apud: Costa Helouise, Um olho que pensa: estética moderna e fotojornalismo. São Paulo: Tese de doutoramento
apresentada à FAU/USP, 1998.
89
Jean Manzon. Eleição do presidente Dutra.
O cruzeiro. Rio de Janeiro: 18/6/1949.
Na reportagem da Manchete sobre a construção da rodovia Acre-Brasília, os índios são
descritos como os inimigos da grande obra de civilização: como as onças que vivem na floresta,
precisam ser afastados com fogos de artifícios, precisa-se da opinião dos “experts” para se lhes
aproximar
161
e “como na epopéia da ponte sobre o rio Kwai (...) comportam-se como os japoneses
e criam incidentes com os brancos”
162
. Matéria de cotidiano até atribui a morte de Bernardo
Sayão, o engenheiro que liderou justamente a construção da rodovia Acre-Brasília a um ataque de
“índios selvagens”
163
; o mesmo artigo acrescenta informações sobre o salário dos tratoristas e
polemiza observando que a verdade sobre as batalha com os “silvícolas” não vem ao público
quando se trata de operários.
Na edição especial para a inauguração de Brasília, confeccionada com as fotografias das
reportagens realizadas ao longo da construção da cidade, Manchete publica novos instantâneos
da primeira missa e volta a enfatizar a presença dos índios. Acrescenta-lhe, porém, a legenda:
161
Murilo Melo Filho, A estrada do Pacifico. Manchete. Rio de Janeiro, 2/7/1960.
162
Murilo Melo Filho. Op.cit.
163
O construtor da “transBrasíliana” engenheiro Sayão teria sido morto pelos silvícolas. Teria sido chacinado por índios
selvagens, às margens da rodovia Transiberiana, o engenheiro Luiz Sayão. (...) Esclarecem nossos informantes que
“são comuns” os incidentes dessa natureza, “sendo raro o dia em que não desaparecem um ou dois operários” e
afiançam que a verdadeira versão só não vem ao público “quando se trata de trabalhadores”. Disseram mais que
abandonaram seus empregos, na Belém Brasília, por causa dos índios acrescentando que a remuneração para
tratoristas, por exemplo, é esplendida: 25 mil cruzeiros mensais”. Folha de Minas. Belo Horizonte, 01/02/1959. De
acordo com O globo, cotidiano de Rio de Janeiro, de 4/171959, o salário mínimo da época era de 3.200 Crz.
90
“feras? Há muito não são mais
164
, nota que suaviza e tranqüiliza; talvez a matéria não só se
ressinta das contradições levantadas pelo impacto da construção das rodovias mas também
assegure aos futuros moradores da Capital a tranqüilidade e a segurança da região. Segundo a
memória de José Moscardi, fotografo da revista Acrópole, quando ele foi fotografar o Palácio da
Alvorada (em 1958?) ainda “havia muito mato e apareceram até alguns índios”
165
.
Mais incertezas
ainda decorrem da nota de O Cruzeiro, surpreendentemente, em 1962, publica que os indígenas
se comem uns aos outros
166
.
164
Manchete, Edição Histórica. Rio de Janeiro, 21 de abril de 1960.
165
“Quando [José Moscardi sênior e Manfredo Grunenwald, filio de Max Grunenwald, então diretor comercial da revista
Acrópole] estavam fotografando o Palácio da Alvorada ainda havia muito mato, e apareceram até alguns índios” José
Moscardi jr., depoimento. In: Um pouco de história: a saga arquitetônico-fotográfica dos Moscardi. Publicada
originalmente em PROJETODESIGN, Edição 323 Janeiro de 2007. www.arcoweb.com.br/artigos.html
166
Repórter O Cruzeiro. Conversa com o leitor. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 13.1.1962.
91
A NOVA CAPITAL
NARRATIVAS, FOTOGRAFIAS, PROJETOS E HISTÓRIA.
Brasília n. 41. Rio de Janeiro, abril de 1957.
Nas comunicações das mídias, a magnitude das intervenções necessárias à realização do
eixo monumental e à construção da rede de infraestruturas incorporou à imagem da Nova capital
a antropização dos territórios; recuperou e atualizou representações e imaginários que pertencem
à história cultural e à identidade do Brasil. As referências à história nacional, de fato, são
fundamentais na elaboração dos discursos proferidos acerca da construção de Brasília; as
revistas populares ilustradas, em continuidade com a propaganda presidencial, exploraram e os
92
imaginários da identidade nacional. A descoberta do Brasil implica a retórica das fundações das
cidades como instrumentos de civilização e progresso; os bandeirantes à conquista de terra para
além dos limites dos tratados justificam a colonização; a independência mexe com a construção
da identidade nacional; o sonho profético de Dom Bosco, evocado pela revista Manchete logo no
início de 1956, sacraliza o empreendimento. Essas figuras da história pátria informaram as
matérias, textos e fotografias, das revistas populares e serviram de apoio para justificar e/ou
propalar a obra.
A revista O Cruzeiro privilegiou os valores éticos e tradicionais do povo brasileiro e o tema
da conquista do interior; desde o início enfatizou a edificação da Capital como instrumento
necessário para o País, para a interiorização, ocupação, colonização, integração, etc. Nas
matérias publicadas, focalizou a construção das rodovias, a implantação das cidades satélites, a
luta entre o homem e a natureza para a difusão da civilização. Ao mesmo tempo dedicou pouco
interesse à construção do Plano Piloto da Capital.
A revista Brasilia, órgão de Difusão da Novacap, foi o porta-voz oficial do Governo.
Reforçou com as imagens os diversos passos da edificação da cidade e todos os discursos
presidenciais. Não publicou relatos sobre a construção das rodovias.
Os discursos, as imagens e os textos da Manchete foram fortemente permeados de
otimismo
167
, foram seduzidos pela vertigem do progresso; suas reportagens escoltaram e
documentaram a construção da Capital, interessando-se, sobretudo, pela edificação do Plano
Piloto. Nas suas fotorreportagens, a imensidão do Planalto, os horizontes longínquos e a solidão,
permearam de poesias a magnitude da obra e as transformações na paisagem.
O plano urbanístico incorporou as mesmas idéias e as mesmas referências. O texto de
Lucio Costa, em sua homenagem a José Bonifácio e em sua evocação da epopéia da descoberta
e da conquista do interior do continente, é o único, entre as memórias descritivas dos planos
concorrentes e premiados, que justifica e apóia o projeto da Capital justamente com base nessas
histórias. O relatório em si representa uma fonte de imagens e representações, que foram
incorporadas e desfrutadas pelas propagandas institucionais, nos cinejornais sobretudo, mas
também por aquelas comerciais. Sobretudo, o sinal da cruz que gera o desenho da cidade
imediatamente juntou-se às outras retóricas sobre a cidade de fundação e sobre a identidade
nacional. Aliás, é muito difícil entender qual evocação veio primeiro e qual criou as outras; talvez
seja mais importante reconhecer quanto a própria memória descritiva foi eficaz em criar ícones,
mesmo que com as palavras ao invés de desenhos. Sob o ponto de vista do registro
comunicativo, a memória descritiva de Lucio Costa se distingue das demais. Sua poesia e
eficácia evocativa que caracterizam de forma única o texto repercutindo-se no próprio plano,
talvez tenham seduzido o júri a escolhê-lo.
167
“A orientação política de nossa revista” está “em oposição a todo aquele que apenas vê nuvens negras no amanhã
brasileiro” Sirotsky, Nahum “Conversa com o leitor”, Manchete. Rio de Janeiro: 17/8/1957, pág. 1.
93
Cabe destacar o papel das fotografias: elas corroboraram e sancionaram a retórica das
falas presidenciais, suas necessidades de sobrevivência política, e contrastaram os ataques dos
oposicionistas, amarrando a todos nas figuras importantes do imaginário nacional sobre conquista
e colonização.
Evidenciamos a transformação das representações do Planalto: inicialmente era uma
região de natureza amiga, uma área saudável e rica em cachoeiras. As fotografias enquadraram
as paisagens pitorescas, a vegetação mais rica e florida, exaltando principalmente a água. A
mesma vegetação logo deu lugar a um cenário de árvores secas, e o Planalto tornou-se um
deserto inóspito. As fotografias, aproveitando e explorando as condições materiais criadas pelos
próprios trabalhos de construção da cidade, exaltaram os troncos retorcidos e a poeira levantada
pelos caminhões, os descampados, e sustentaram as retóricas institucionais, de acordo com as
quais as máquinas e o homem, juntos, estavam vencendo e domesticando os inimigos, o cerrado
agreste e a floresta amazônica. Os instantâneos mostraram o desenvolvimento dos principais
passos do empreendimento e as características do processo, mas criaram também o vazio.
Os discursos de palavras e imagens veiculados pelas revistas populares e pelos
cinejornais tornaram Brasília um assentamento que deve impor-se sobre a dimensão selvagem,
contrapor a civilização à ignorância e à brutalidade. Nessas falas, a segunda natureza necessária
à vida do homem, isto é: a cidade e suas rodovias constroem suas reações com o mundo de
forma asséptica, somente depois de ter criado um novo sítio, depois de terem sido arrasadas e/ou
afastadas as preexistências. A própria concepção do plano urbanístico colabora na afirmação
dessa representação: o programa colonizador que informa o projeto e as plataformas suspensas,
necessárias tanto à simbologia da Capital quanto à inteireza das suas arquiteturas, revelam e
corroboram um mesmo imaginário e uma mesma imaginação.
Porém a cidade, civitas e urbs, é justamente a reprodução do diálogo entre Homem e
Natureza e cada específica representação da Natureza tem implicações no projeto urbano, tanto
quanto a do Homem. Caberia refletir sobre as conseqüências dessas propagandas realizadas ao
redor de Brasília. Naquele clima cultural, talvez elas colaborassem para o esquecimento das
novas e diversas representações das relações entre seres humanos e natureza que iam se
justamente naquele período.
O conjunto de transformações necessárias à construção da capital acabou com a paisagem
peculiar do sítio
168
, com a vegetação, a fauna, o sistema de riachos, as cachoeiras e as nascentes.
A construção da barragem, apresentada como o elemento estratégico para o conforto urbano em
geral, engoliu uma região vastíssima; a edificação provocou uma migração interna assustadora, a
168
Beú, Edson. Expresso Brasília A história contada pelos candangos. Brasília: LGE Editora 2006.
94
construção da rede das rodovias causou até batalhas com a população residente. Todavia, na
época da construção de Brasília, como estigmatiza a Sinfonia da Alvorada, a antropização era
sinônimo de progresso, modernidade, fim do atraso. Vale a pena portanto, transcrever as palavras
de Jorge Laclette, representante oficial de Lucio Costa no Congresso Internacional Extraordinário
de Críticos de Arte. “O que deve espantar é essa região inculta com um esqueleto de cidade que
se ergue; é este apenas o espanto diante da vontade de fazer e da capacidade técnica. (...) Nós
esperamos que no futuro vejam aqui, não apenas uma realização do esforço e de técnica, mas sim
uma realização de cultura e civilização, com uma cidade completa”
169
.
Se os discursos apresentados foram elaborados até para resistir às acusações ideológicas e
as da política, mesmo às interesseiras, sobre a realização da cidade; valeria a pena pensar se a
força persuasiva dos assuntos sobre a colonização do interior e, sobretudo, a eficácia das
propagandas e o alcance das revistas populares ilustradas, suas fotorreportagens, colocaram na
sobra a procura de diferentes e novas representações que o País então elaborava de si mesmo e
especificamente sobre o seu interior
170
.
169
Laclette, Jeorge. Intervenção no Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte, sobre o tema: Cidade
nova – a Síntese das Artes. Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, de 17 a 25 de setembro de 1959; Atas do congresso,
Fundo MASP 8910.
170
Naxara, Marica R.C. “Encantos” e “Conquistas” do Oeste: desvendar fronteiras e contruir um lugar político. In:
Gutierrz Horacio, Naxara, Márcia R.C., Lopes, Maria parecida de Sousa org. Fronteiras, paisagens, personagens
identidades. Franca: UNESP, São Paulo: Olho d’Água. 2003.
95
A flor agreste
96
Crédito da imagem da abertura: Manchete. Rio de Janeiro: 22/4/1961.
97
A
FLOR AGRESTE
Propaganda Simca Chabord.
Fonte: Manchete. última capa. Rio de Janeiro: 1960.
Propaganda Crush.
Fonte: Manchete. Rio de Janeiro, 24/8/1963.
Os perfis característicos dos edifícios do poder de Brasília muito rapidamente tornaram-se
emblemas, isto é, de acordo com Gillo Dorfles
1
, signos institucionalizados, como os sinais de
trânsito ou as marcas industriais. Desde 1957, isto é, desde a publicação do projeto da Residência
do Presidente, as linhas de suas colunas ingressam nas propagandas comerciais das mais
variadas firmas: bancos, companhias aéreas, fabricas de automóveis. Uma vez inaugurado o
palácio, seu peristilo acolheu os serviços de moda e providenciou o cenário para coroar as Miss e
para propalar os carros mais modernos. Também o Conjunto do Congresso não tardou a
transformar-se em sinal eficaz e popular; eles representaram um conjunto de valores vernáculos
e, ao mesmo tempo, um novo e moderno estilo de vida, tornando-se, justamente por isso, marcas
franqueadas. Em 2002, Ronaldo Costa Couto ressaltava a projeção nacional e internacional que o
Brasil [sua identidade] alcançou graças à construção da Nova Capital: “afinal, ela é o símbolo
maior da nova identidade nacional, do País em desenvolvimento que emerge rapidamente no
mundo moderno. Uma cidade futurista no imenso, distante e negligenciado interior, capaz de
chamar a atenção internacional”
2
. Símbolos, enfim, e hoje ainda vivos e atuais. O conjunto das
propagandas comerciais aqui reproduzidas revela que conteúdos importantes e massificados
aceleradamente juntaram-se às arquiteturas da Capital. Com a função de promover a identidade
pátria, tornaram-se eficazes também para vender produtos.
1
Dorfles, Gillo. Nuovi riti - Nuovi miti. [1964]. Milano: Skira editore, 2003.
2
Couto, Ronaldo Costa. Brasília Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro: Record, 2001.
98
Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 26/1/1963.
Os perfis dos prédios tornaram-se linhas estilizadas; aproveitadas e reaproveitadas
transformaram-se em símbolo de modernidade, requinte, boa qualidade, beleza, etc., válidas para
propalar qualquer produto.
A fotografia reportada nessa página retrata a homenagem que a cidade de Lisboa
prestou
em janeiro de 1963 a Juscelino Kubitscheck, não mais presidente do país, mas ainda figura
diplomática de referência devido, talvez, à expectativa de uma sua reeleição
3
. Gostaríamos de
frisar o fato de que essa homenagem provém de Portugal, pois o episódio relembrado em seguida
esclarece o cuidado do Presidente com a propaganda da atuação de seu governo e com a
construção de uma imagem internacional e esplêndida da cidade. A entrega das credenciais
3
Antes de sair da presidência, segundo consta nas matérias das revistas populares de 1960, o próprio Juscelino iniciou
uma campanha política visando a sua reeleição à presidência; a propaganda adotou o slogan: JK 65.
99
diplomáticas a Portugal ocorreu nos canteiros de obra de Brasília justamente durante a cerimônia
de inauguração do Palácio da Alvorada, no dia 30 Junho de 1958. “Ao retardar a entrega de
credenciais, o que eu queria era prestar uma homenagem especial a Portugal. Pretendia reatar o
vínculo histórico. Assim como devíamos aos portugueses o nosso descobrimento, seria justo que
seu representante diplomático testemunhasse, em pleno século XX, aquele ato de posse da terra,
o qual, em termos de desenvolvimento econômico, significava, sem duvida, outro 21 de abril”
4
.
Juscelino Kubitscheck promoveu uma intensa propaganda diplomática ao redor da
realização da nova capital. As visitas dos chefes de Governo estrangeiros seguiram-se em um
ritmo cerrado durante a construção da cidade, terminando, muitas delas, em empréstimos
consideráveis de dinheiro para ajudar na sua edificação, como assinala a leitura do Boletim da
revista Brasília, órgão da Divisão de Divulgação da Novacap.
As apreciações positivas dos visitantes estrangeiros sempre foram amplificadas pelas
imprensas populares e pelos cinejornais; ressaltaram e propalaram no Brasil afora a
excepcionalidade do empreendimento. A Divisão de Divulgação da Novacap e a sua revista
Brasília foram incumbidas justamente da promoção da propaganda intelectual no estrangeiro
5
.
Enfim, uma réplica do Palácio da Alvorada é o projeto do pavilhão do Brasil na IV Feira
Mundial de Nova Iorque
6
de 1960; Brasília, aliás, pois o Palácio da Alvorada representa a cidade
toda, é o crédito internacional do Brasil.
4
Kubitschek, Juscelino. Por que construí Brasília. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1975.
5
A Divisão de Divulgação da Novacap providenciava também para que os governos estrangeiros, através das
embaixadas brasileiras no exterior, recebessem informações acerca da construção da Capital. Entrevista com o doutor
Raimundo Nonato da Silva, diretor da revista Brasília e da Divisão de Divulgação da Novacap. A entrevista foi realizada
em 14 de outubro de 2008 no Instituto Histórico Geográfico do Distrito Federal. Ver também: Silva, Raimundo Nonato
da. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1992.
6
Repórter Manchete. Em Nova Iorque; Alvorada é o tema. Manchete Rio de Janeiro: 30 de abril de 1960; pág. 36.
100
A partir de 1958, na imprensa de massa nacional, Brasilia, suas arquiteturas monumentais,
tornou-se uma espécie de unidade de medida das experiências arquitetônicas no mundo todo. Em
1958, na apresentação de Chandigar, a revista Manchete significativamente adota o título: A Índia
tem sua Brasília
7
. Por sinal, a fotorreportagem é lindíssima; visando propalar a cidade indiana
como salto para a modernização e fim do atraso, os instantâneos exaltam os trabalhadores locais,
que transportam tijolos ajudados por mulos. Os prédios em construção são a cenografia; formam
uma textura abstrata de quadrados pretos em um fundo branco. Seguindo a mesma retórica que
rodeava naquele momento a construção de Brasília, as palavras que acompanham as imagens
descrevem Chandigar como “o símbolo da Índia livre ligado às tradições do passado (...). A nova
capital cresce no nada, (...) em uma terra, como a nossa, voltada para o amanhã”
8
. Aliás, as
fotografias publicadas omitem as mulheres, que trabalharam mais do que os homens
9
em
qualidade de operárias da construção civil nos canteiros de obra de Chandigar.
Em 1960, a apresentação da maquete do projeto de Frederick Gibbert, vencedor do
concurso para a catedral de Liverpool, edifício que se inspira na catedral de Brasília, é motivo para
afirmar que “Niemeyer faz escola”
10
.
O conjunto das propagandas
11
presidenciais, amplificadas pela imprensa popular e pelos
cinejornais, culminam em 1960 na letra da Sinfonia da Alvorada:
Niemeyer –"...como uma flor naquela terra agreste e solitária…"
Uma cidade erguida em plena solidão do descampado.
Niemeyer –"...como uma mensagem permanente de graça e poesia..."
Uma cidade que ao sol vestisse um vestido de noivado
Niemeyer –"... em que a arquitetura se destacasse branca, como que
flutuando na imensa escuridão do planalto..."
12
7
Chinwalla, R. J. A Índia tem sua Brasília”. Manchete. Rio de Janeiro: 27.12.1958.
8
Idem. Ibidem.
9
Casciato Maristela. O modernismo ocidental na Índia pós-colonial: o trabalho da equipe de Chandigar. Comunicação
especial, Rio de Janeiro, VIII DoCoMoMo, 1-4 de setembro de 2009.
10
Repórter Manchete. Mundo em Manchete. Manchete. Rio de Janeiro: 10.9.1960.
11
A composição da obra foi encomendada desde 1958 a Tom Jobim e Vinicius de Moraes; foi concluída em setembro
de 1960. Moraes Vinicius de. Depoimento/apresentação. Capa do LP: Sinfonia da Alvorada.
http://www.jobim.com.br/dischist/sinfalv/alvorada_vintext.html
. Mais informações in: Brasília será Sinfonia. Manchete.
Rio de Janeiro: 24/09/1960.
Tom Jobim e Vinicius de Moraes foram pagos pela Novacap, aos todos, 3.000.000,00 de cruzeiros. A própria Novacap
define o contrato “de publicidade”. “Relação dos contos assinados pela Novacap no período de 16/1/1958 até
31/12/1960” In: Atas da C.P.I. chamada de “Construção de Brasília” criada com resolução n. 37 de 1960 [DCN
25/08/1960] para “examinar organização e regulamentação dos serviços públicos de Brasília, estado das habitações
necessárias aos deputados, etc.”. Brasília: Arquivo da Câmara. Caixa n. 9. Para uma comparação, lembramos que em
1957, o primeiro prêmio para o plano piloto consistiu em 1.000.000,00 de Cruzeiro. Apud: Pedrosa, Mario. Reflexões em
torno da nova capital. In: Arantes, Otilia, Org. Mario Pedrosa, Acadêmicos e Modernos.Textos escolhidos. São Paulo,
Edusp, 1998. Lembramos também que no Rio de Janeiro o salário mínimo de 1956 até 1958 foi de 3.800 cruzeiros; o
salário mínimo mais baixo do país, no Piauí e no Rio Grande do Norte, em 1958, era de 1.250 cruzeiros. In: Manchete.
Rio de Janeiro: 29/11/1958; pág. 100.
12
Moraes, Vinicius de e Jobim, Tom. Sinfonia da Alvorada. www.letras.mus.br.
101
R.J. Chinwalla. A Índia tem sua Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 27/12/1958.
102
Claudius. “Souvenir” de Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 31/10/1959.
Ao tornarem-se emblemas, as arquiteturas sofreram um processo de afastamento de seus
ambientes originais. Todavia, ao apreciar esses edifícios-símbolo, isto é, o Conjunto do
Congresso, o Palácio da Alvorada, o Planalto e o Supremo, nos parece, ao contrário, muito difícil
desenredá-los dos espaços urbanos que os acolhem.
Os vazios da Praça dos Três Poderes, as extensões que ajeitam o Eixo Monumental, os
gramados da esplanada dos ministérios e da fachada do residência do Presidente, os parques ao
redor e, de maneira geral, todas as distâncias que ajustam e rodeiam o Plano Piloto, concorrem
para informar e amplificar as linhas únicas e as proporções contidas dos edifícios. Os vazios dos
prédios e os horizontes longínquos do Planalto enredam-se nas perspectivas desimpedidas
delineadas pelo plano urbanístico; vácuos, horizontes e perspectivas são requisitos necessários
para os prédios alcançarem sua plenitude e leveza, e vice-versa, para aqueles ambientes
despejados e livres adquirirem significado. Ou seja, na imagem da capital, as arquiteturas e os
espaços urbanos são corolários um do outro e a força expressiva dos projetos de Oscar Niemeyer
depende dos espaços criados por Lucio Costa.
Retomaremos, em seguida, as duas publicações que anunciaram o programa dos edifícios
as da capital, com o propósito de observar os planos pilotos concorrentes e entender se foram
avaliados a partir das relações que teriam instituído com as arquiteturas de Oscar Niemeyer.
103
Fonte: Módulo n. 6. Rio de Janeiro: Dezembro 1956.
Em dezembro de 1956, a revista Módulo n. 6 publica o programa arquitetônico da futura
capital. O edifício central da maquete, o mais importante, é cercado por palmeiras imperiais; é
vazado e realçado do solo. Sua feição depende de um peristilo de colunas onduladas; no lado
interno ao parque, apresenta uma rampa muito pronunciada. Supostamente em entrevista
13
,
Oscar Niemeyer especifica que os edifícios já projetados localizam-se “no limite da área a ser
destinada propriamente à futura sede de Governo”
14
; define quais prédios já lhe haviam sido
encomendados e indica que “apenas o palácio, que está sendo delineado, aguardará a escolha da
localização adequada, em meio de um grande parque, pois a construção dos demais está
praticamente iniciada”
15
. Ele comunica também alguns parâmetros para desenvolver o plano da
nova capital. Lê-se: “trata-se de uma cidade de caráter administrativo, em que certos setores
como a indústria e a agricultura terão papel restrito. Sua população, por exemplo, não deveria, na
minha opinião, ultrapassar um limite predeterminado, a fim de manter suas características
primordiais de uma cidade dessa natureza”.
Chama a atenção o fato de que a matéria da Módulo provoque conjecturas sobre uma
espécie de parque federal, que acolheria o palácio. Chama a tenção a ressalva sobre a
preocupação da Novacap para “não criar limitações àqueles que estão concorrendo ao concurso
para o Plano Diretor da nova capital”. Deve-se relembrar que o encargo das arquiteturas foi
atribuído pelo presidente diretamente a Oscar Niemeyer, sem consultar órgãos de governo e sem
concursos. Porém, o IAB (Instituto de Arquiteto do Brasil), ao qual ainda pertencia naquele
momento Oscar Niemeyer, desde 1955
16
vinha atuando para garantir que a escolha dos
profissionais que iriam colaborar no projeto da nova capital se realizasse através de uma
13
Módulo n. 6. Rio de Janeiro: Dezembro de 1956.
14
Idem. Ibidem.
15
Idem. Ibidem. pág. 12.
16
As queixas e o papel dos profissionais com relação ao convite a Le Corbusier para colaborar no planejamento da
nova capital são relatados nas dissertações de Milton Braga e Jéferson Cristiano Tavares. Braga, Milton Liebentritt de
Almeida. O concurso de Brasília. Os setes projetos premiados. São Paulo: Dissertação de mestrado apresentada à
FAU USP, 1999. Tavares, Jéferson Cristiano. Projetos para Brasília. São Carlos: Dissertação de mestrado
apresentada à EESC/USP, 2004.
104
competição e que, sobretudo, a mesma competição fosse aberta aos profissionais brasileiros
17
.
Nauro Esteves
18
, chefe do escritório particular de Oscar Niemeyer, conta que já nos primeiros
meses de 1956 o presidente contratou Oscar Niemeyer para desenhar as arquiteturas da nova
capital. Conta que Oscar Niemeyer, ao organizar sua equipe, envolveu o próprio Nauro Esteves,
que assim participou dos estudos para elaboração do Edital. No final de 1956
19
veio também a
noticia oficial da participação do próprio Oscar Niemeyer do júri da competição. A pressa do
presidente
20
, o edital
21
e a própria competição levantaram inúmeros protestos, que se repercutiram
até nos relatórios de alguns concorrentes.
Fonte: O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1/12/1956.
A instituição da competição pública para a seleção do plano piloto diretor apresenta-se,
assim, quase como uma espécie de negociação com os profissionais que almejavam participar da
construção da nova capital. Nesse estágio a matéria da Módulo parece um meio para dialogar
com os concorrentes: ao preocupar-se em dar a conhecer o partido das futuras construções,
17
“Sem desmerecer dos técnicos que iniciam já os primeiros trabalhos do planejamento da nova Capital, parece nos
lícito que seja dada aos nossos arquitetos urbanistas, cujo renome ultrapassa nossas fronteiras, a oportunidade de
colaborarem no empreendimento que se pretende realizar”. Manifesto ao Chefe do Governo. In: Arquitetura e
Engenharia. Rio de Janeiro: agosto de 1955 e in: Módulo n. 2, Rio de Janeiro: agosto de 1955. Noticiário.
18
Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília. A trajetória profissional de Nauro Esteves. Brasília: Dissertação
de Mestrado apresentada à UnB, 2004.
19
Idem.Ibidem.
20
O prazo para entrega das pranchas, reduzido em seis meses, foi também objeto de protesto e negociações. O prazo
para avaliação dos projetos, ainda mais restrito [três dias para ler 26 relatórios e para estudar avaliar e escolher 26
projetos], foi causa do voto contrário de Paulo Antunes Ribeiro, representante do IAB, e de inúmeros protestos,
relatados nas dissertações de Jéferson Cristiano Tavares e Milton Braga.
21
Nas palavras do então presidente do IAB, Ary Garcia Roza: “O edital não é consoante com o proposto pelo Instituto
de Arquitetos. O Instituto não foi ouvido após a redação final”
. Essa nota polemica acompanha justamente a
apresentação na revista Arquitetura e Engenharia das primeiras arquitetura de Oscar Niemeyer para a Nova Capital.
105
talvez os ajudasse e ao mesmo tempo os convidasse a adequar seus projetos às arquiteturas por
ele desenvolvidas e já aprovadas pelo presidente.
Cabe frisar algumas incongruências dessas matérias. A maquete de 1956 publicada na
revista Módulo apresenta um parque de quatro prédios que, supostamente, estão fora da área
“destinada propriamente à futura sede de Governo”
22
. No texto, porém os prédios que já se
encontram em obra diminuem para três. O mais importante espera por sua localização em um
parque na cidade depois da seleção do plano piloto. A fotografia da mesma maquete publicada
pelas O Cruzeiro e Arquitetura e Engenharia já elimina o edifício mais afastado, à beira da lagoa,
e apresenta um conjunto de três construções.
Uma segunda maquete é publicada em fevereiro de 1957 na Módulo e, anteriormente, em
janeiro de 1957 no primeiro número da Brasília, órgão oficial da Novacap. O projeto apresenta ao
público a Residência do Presidente, que já estava em construção, segundo afirma a própria
Módulo, pelo menos desde novembro de 1956. A matéria da revista Brasília de janeiro de 1957
apresenta ambas as maquetes; a fotografia do primeiro modelo abre o artigo, e o instantâneo
igualmente elimina a área da primeira suposta mansão do Presidente da República.
Na primeira maquete a moradia presidencial era um edifício desdobrado em dois corpos
contrapostos e colocado em um jardim particular à beira do lago, próximo do Palácio dos
Despachos. Na segunda, a residência oficial do chefe de estado apropria-se das formas
exclusivas do projeto inicial, enquanto o texto confirma a extensão das mesmas morfologias à
paisagem urbana. Na alteração do programa da residência presidencial podemos até suspeitar a
participação de Juscelino Kubitschek, que era o cliente privilegiado do arquiteto: ele pode ter
colaborado na idéia de basear o caráter da cidade nova naquele arquétipo.
Ao publicar a primeira maquete, então, Módulo, O Cruzeiro, Arquitetura e Engenharia
divulgam, juntas, um projeto superado: aparentemente, o texto da própria Módulo confirma que o
Palácio já não pertence àquele conjunto urbano representado pelo modelo, mas anuncia que suas
características formais terão implicações na paisagem urbana da futura Capital. O novo projeto
preserva, de fato, os caracteres importantes do programa arquitetônico do primeiro, e justamente
neles centra-se a atenção do texto das revistas Módulo e Brasília. Eles frisam, de fato, que o
programa arquitetônico não muda: o original, aparentemente, depende das colunas de ponta fina
para o alto e para a base e dele decorrerão também os Palácio do Planalto e do Supremo.
22
Módulo n. 6. Rio de Janeiro: dezembro de 1956.
106
Na descrição da Nova Capital de Lucio Costa, a área representativa dos Poderes, isto é, o
trecho de Eixo Monumental que conjuga a Torre da Televisão à Praça dos Três Poderes, é uma
paisagem didascálica, que visa exprimir e representar a democracia (“sendo a cidade o berçário
do povo, não do monarca”
23
) de acordo com a Constituição, além de levantar e apresentar
também temas éticos e civis. A própria paisagem desenvolve, outrossim, a tarefa de “ensinar” aos
visitantes o papel e as relações entre os diversos Poderes.
Os poderes da Republica são três. Conseqüentemente, o “coração da cidade”
24
que
carrega o sentido da capital é um triangulo eqüilátero: a própria forma evidencia as autonomias e
as recíprocas independências dos poderes. A casa eleita diretamente pelo povo é a mais exposta,
sinalizada por um elemento vertical que dialoga diretamente com o quarto poder, já que a torre da
televisão conclui a representação da capital federal
25
ao longo do eixo monumental. Aliás, cabe
frisar que a própria torre é colocada no ponto topográfico mais alto e o plano já a projeta,
conferindo-lhe ênfase espacial e feição estética distintas; talvez visasse assinalar o fato da
imprensa ser o “controle” do povo na atuação do parlamento. Finalmente, a catedral, católica,
“isolada em uma praça autônoma”
26
, afirma a autonomia do Estado Laico de quaisquer Igrejas;
alinha-se, na verdade, aos demais prédios do eixo monumental, como o teatro e, hoje em dia, o
museu da cidade e a biblioteca, recém construídos.
Ao descrever e justificar, com as palavras, a ordenação urbana, Lucio Costa risca os
volumes dos edifícios e os espaços que os rodeiam; suas proporções e seus diálogos parecem
depender do “marco e padrão estético” já aprontado por Oscar Niemeyer no Palácio da primeira
maquete de 1956 e refinado no palácio da Alvorada. Com base nesse marco e padrão, rebaixa
qualquer outra construção à função de moldura para a simbologia cívica emergir. A amplitude dos
espaços, os vazios, os terraplenos, as perspectivas, são medidos com base nas qualidades
estéticas dos anteprojetos, já divulgados pela imprensa especializada e de massa. Relembra
Maria Elisa Costa: “Mas ao mesmo tempo, eles sacaram, ele [Lucio Costa] e o Oscar, que,
23
Lucio Costa, www.casadeluciocosta.org. vídeo.
24
O papel da Praça dos Três Poderes, na economia do eixo monumental e da cidade capital projetada por Lucio Costa
como um todo, nos parece uma reflexão e uma resposta/interlocução com a discussão do tema do “coração da cidade”
que foi objeto do CIAM de Hoddesdon em 1951. “De fato, [em 1951] o Movimento Moderno enfrenta uma das mais
vistosas lacunas dos seus andaimes, incorporando ao organismo urbano os caracteres que tornam algumas áreas da
cidade “corações da cidade”, os gânglios vitais da atividade cívica”. In: Belfiore Emanuela. La costruzione dello spazio
pubblico nella città contemporanea. Genova Convegno Nazionale INU, Il ruolo del progetto urbano nella
riqualificazione della città contemporanea. 22-23 giugno 2006.
www.inu.it/download_eventi/genova_2006/definitivi/Belfiore.pdf
. A mesma autora observa que “dentre dos noventa e
nove pontos da carta de Atenas nunca aparece o termo espaço público, que tornou-se irrelevante com relação aos
elementos da cidade moderna: “o sol, o espaço o verde”. (...)”. Acrescenta também que se (re)afirmou nesse momento a
cidade qual sede da comunidade e qual expressão das diferentes relações sociais que conotam tanto a estrutura urbana
quanto a sua comunidade; a noção de espaço público conjuga a “imagem da cidade” e a identidade da sua comunidade,
a qualidade urbana e a urbanidade. Afirmou-se, sobretudo, a idéia de mais corações da cidade, [aliás, o plano piloto
dos irmãos Roberto retoma justamente essa idéia] os quais devem ser localizados em lugares estratégicos e apresentar
“um determinado número de espaços abertos delimitados por edifícios e coligados ao centro principal por meio de
comunicações”, flexíveis para melhor se adaptar à uma sociedade em transformação e ao mesmo tempo rígidos, para
oferecer algo que permaneça no tempo.
25
Depois da torre o eixo continua, mas coordenando as sedes dos órgãos do DF, a prefeitura, a polícia central, o corpo
dos bombeiros e a assistência pública. Itens 12 e 13 da Memória descritiva do Plano Piloto. [1957]. In: Edgar Graeff.
(Org.) Lucio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962.
26
Costa, Lucio. Op.cit.
107
sobretudo no Plano Piloto, a estrutura da cidade tinha que ter uma escala que eles chamam de
escala monumental, que qualquer pessoa, vindo da maior metrópole chegasse naquela
cidadezinha e desse uma parada. Aquilo tinha que ser capital de saída porque senão voltava para
casa”
27
.
Fonte
28
: Brasília n. 3. Rio de Janeiro: Março de 1957.
Assim expressou-se o júri ao premiar Lucio Costa: o plano é “o único para uma capital
administrativa do Brasil”
29
, querendo significar que era o único desenho urbano que satisfazia à
representatividade da nação.
27
Costa, Maria Elisa Modesto Guimarães. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito
Federal, 1991.
28
Essa perspectiva, de acordo com o depoimento de Sérgio Porto, não foi apresentada no concurso para o plano piloto,
mas foi redigida para ser publicada. A revista Arquitetura e Engenharia n. 44 e a revista Brasília n. 3 divulgaram-la. A
revista Módulo n. 8 de julho de 1957, dedicada aos planos premiados na seleção, publicou o texto escrito, os riscos e a
planta da cidade.
29
Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Junho de 1957.
108
Supostamente “sumário”
30
, o plano vencedor na realidade é um projeto urbano no qual a
cidade emerge pensada qual única, grande arquitetura. Detalhada e ritmada nos edifícios de
Oscar Niemeyer, a ela as próprias construções de Oscar Niemeyer irão se dobrar. Aliás, nenhum
dos outros planos premiados detalha até esse ponto a área de representação dos poderes
federais. A nobreza e a monumentalidade decorrem também da importante atenção que o
desenho dedica às dimensões e aos gabaritos dos “outros” edifícios urbanos, aqueles residenciais
e os de serviços e negócios, que serão, depois de concluída a construção da cidade, escondidos
pela vegetação.
Entendemos que a proposta de Lucio Costa não seja plano urbanístico, mas desenho
urbano, devido à atenção com que ele detalha alguns aspectos da cidade: à falta de medidas
lineares contrapõe-se o cuidado com as proporções, com os gabaritos e com as perspectivas; a
ausência de indicações específicas sobre a densidade habitacional, por exemplo, nas diferentes
quadras é resolvida pelo detalhamento da função da arborização; ao apuro do resultado estético e
didático do Eixo Monumental concorre o detalhamento até do mobiliário urbano – os “painéis
luminosos de reclame” nas fachadas dos prédios da área de diversão, a numeração urbana, as
lápides singelas dos cemitérios. Contudo, o plano não detalha os serviços públicos urbanos, metrô
ou o transporte coletivo de superfície, e faltam estimativas gerais, por exemplo, dos tempos
necessários aos demais deslocamentos a pé ou de carro. A função “arquitetônica” da vegetação
urbana revela mais ainda essa postura: ela é encarregada de construir, do mesmo modo que as
obras, a paisagem: os gramados, seus valores simbólicos e visuais, caracterizam a cenografia e
respaldam a monumentalidade do eixo. As árvores de porte escondem os demais edifícios das
áreas residenciais. Desta forma, o Eixo (vazio supra-elevado) e a Praça dos Três Poderes (terraço
suspenso pelos muros de arrimo) parecem emergir de um parque, de uma vegetação ordenada e
controlada que se opõe àquela torta e seca do cerrado da região circundante. As palmeiras
imperiais selam os momentos espaciais mais significativos; os parques separam a parte do eixo
monumental destinada aos órgãos públicos de administração do DF; a vegetação da orla da
lagoa, “que se pretende manchada de arvoredo e campo”, visa a comover os hóspedes ilustres na
chegada do aeroporto e a providenciar um lugar ameno para o lazer público. A importância da
vegetação na economia da paisagem urbana é confirmada pelo próprio autor: “o que ainda falta, e
me exaspera, são as cortinas verdes compostas por árvores de copa pesada, previstas para dar
aconchego e definir espacialmente cada quadra”
31
.
30
“Inúmeros projetos apresentados poderiam ser descritos como demasiadamente desenvolvidos; o de n. 22, ao
contrário, parece sumário. Na realidade, porém, explica tudo o que é preciso saber nesta fase; e omite tudo que é sem
propósito”. Apreciação do júri do Concurso para o Plano Piloto. In: Tamanini Fernando. Brasília, Memória da
construção. Parte 2, Documentário. Brasília, Projecto Editorial, 2003.
31
Costa. Lucio. Carta ao senador Catete Pinheiro. In: Gorovitz, Matheus. Brasília, uma questão de escala. São Paulo:
projeto, 1985.
109
Luisa Videsott. Superquadra Sul, novembro de 2005.
Ao planejar a capital, Lucio Costa não aplica os instrumentos do urbanista
32
. Quando
declara, logo no início do Relatório, não ser um técnico e não querer competir, parece indicar
justamente que a sua proposta não é um plano, tentando, desta forma, chamar a atenção para a
diferença que existe entre o pensamento do urbanista e aquele do arquiteto, e indicado, ao
mesmo tempo quais eram as condições da competição.
32
Em entrevista em 1961, o próprio Lucio Costa, perguntado sobre as contradições da fundação de Brasília, esclarecia
sua idéia de urbanismo e afirmava que Brasília foi realização de uma “conjuntura especialíssima” e que é “exemplo de
como não se deve fazer uma cidade”. “O urbanista deve limitar-se a criar as condições para que o desenvolvimento
regional e urbano se processe organicamente, e a guiá-lo para que o crescimento natural ocorra no melhor sentido, de
acordo com as necessidades de vida e as circunstâncias”. Costa Lucio. Sobre a construção de Brasília. In: Edgar Graeff
(Org.) Lucio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962.
110
Entre os premiados, o projeto de Lucio Costa é o único que não propõe uma solução que
pudesse competir volumétrica e estilisticamente com os prédios leves, relativamente pequenos e
“flutuantes” de Oscar Niemeyer e de Juscelino Kubitscheck. Aliás, em função daquele “marco
padrão e artístico” projeta justamente tanto a área dos poderes federais quanto a cidade inteira.
Os outros planos pilotos premiados, ao contrário, apresentaram soluções muito distintas,
mas limitadamente aos caracteres da urbs, e revelam o anseio de contribuir para a construção e o
perfil da Capital. Todos isolam uma área para os palácios do poder – o Capitólio e os parques
federais – talvez por levar em conta justamente as indicações inicialmente divulgadas pela revista
Módulo. Assim fazendo, criam um descompasso estilístico e de volumes, se pensarmos a cidade
em termos de desenho urbano e/ou de projeto arquitetônico, entre os projetos de Oscar Niemeyer
e o remanescente da cidade. As avaliações do júri confirmam que a escolha do plano vencedor
dependeu justamente das incongruências eventualmente levantadas pelo encontro de tão
diversas arquiteturas.
O plano de Rino Levi, Roberto Cerqueira César, Luis R. Carvalho Franco e Paulo Fragoso
previa prédios de apartamentos de oitenta andares, onde o tema da leveza era resolvido
privilegiando a sutileza, a transparência e a permeabilidade aos ventos; nos comentários do júri,
entre as críticas, lemos: “do ponto de vista plástico, são os edifícios de apartamentos que dão
feição à capital – não os edifícios governamentais”. O projeto dos irmãos Roberto é muito distinto,
e não só arquitetonicamente: as unidades poligonais/circulares constroem o verdadeiro vulto da
cidade; os comentários do júri, entre as críticas colocam: “o ideograma da unidade urbana é valido
para qualquer cidade numa região plana; não é especial para Brasília; não é para uma capital
nacional”. Os demais planos apresentaram áreas residenciais de blocos de apartamentos entre 10
e 18 andares; os comentários do júri criticam “as zonas residenciais demasiado uniformes”
(equipe Carlos Cascaldi) ou a ausência do “caráter de uma capital” (equipe Milton Ghiraldini). O
relatório de Borouch Milmann, João Henrique Rocha e Ney Fontes Gonçalves
33
explicitamente
ressaltou a “contribuição arquitetônica que [os blocos] emprestam à cidade”; aqui as críticas do júri
penalizam a formalização do centro comercial “numa série rígida se superblocos de tamanho
igual”. Talvez o plano de Mindlin e Palanti, situando o Capitólio na área mais elevada da cidade e
definindo uma área residencial de prédios de 10 andares no máximo, estabelecesse um dialogo
menos competitivo com os desenhos de Niemeyer. Mas os comentários do júri avaliaram que
suas qualidades plásticas eram insuficientes.
33
Milman, Boruch. Rocha, João Henrique. Gonçalves, Ney Fontes. Relatório Justificativo do plano piloto. Fundo
Novacap. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal.
111
Rino Levi, Roberto Cerqueira César, L. R. Carvalho Franco e Paulo Fragoso.
Carlos Cascaldi, João Vilanova Artigas, Mario Wagner Vieira da Cunha e Paulo de Camargo Almeida.
Constutécnica / Milton Ghilardini.
Fonte:
Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho de 1957.
112
O júri procurou escolher o desenho urbana apto a representar a capital com base naquele
“marco e padrão artístico” definido por Oscar Niemeyer e Juscelino Kubitschek; premiou também o
anteprojeto que viabilizasse o prazo de inauguração restrito, almejado pelo presidente, que já
tinha entregue a sua sobrevivência política à inauguração da cidade dentro do prazo do seu
mandato. Aliás, mesmo nesses termos, o plano de Lucio Costa parece ser o único que levou em
conta a conjuntura política. Circunstância que impôs, cabe frisar, condições específicas para a
execução do projeto, e até restrições importantes
34
ao desenho urbano original.
O conjunto dos projetos publicados nas revistas Módulo, Arquitetura e Engenharia, e
parcialmente na Brasília, permite observar o quanto o anseio à ordem como rarefação migra dos
espaços vazios e das grandes distancias que caracterizam a urbe às perspectivas e às maquetes
que antecipam a paisagem urbana. Aliás, apesar do mapa do sítio estar a disposição de todos os
concorrentes, as bases dos modelos tridimensionais são planas, perfeitamente horizontais. A
sutileza dos prédios, que alcança a vertigem nos edifícios de 80 andares da equipe de Rino Levi,
percorre todas as pranchas, quase repetissem a audácia das colunas de ponta fina da maquete
publicada nas revistas.
As formas geométricas elementares fundamentam a maioria dos desenhos urbanos, até tornar-se,
no caso do projeto dos irmãos Roberto, a repetição serial de uma mesma célula. Os desenhos
premiados não só são todos ajustados a um único “estilo moderno” em sistemas viários
fundamentados no uso extensivo do carro, mas são também baseados em critérios geométricos
de ordenação arquitetônica; talvez dessa forma os concorrentes entendessem respeitar, a leveza
e a concisão do marco inicial. Voltemos à análise daquele marco, “o marco e padrão técnicos e
artísticos da cidade que nasce”
35
.
34
“Aconteceu que as estruturas metálicas dos ministérios, foram encomendadas numa firma americana, e dessa então
eram 11 ministérios, havia parece que um empréstimo, a Novacap ia fazer. Nas discussões, se daria ou não daria ou
era para fazer, não sei o quê, chegaram à conclusão que para os 11 ministérios, daria mas eles não podiam ter a
dimensão que estava inicialmente projetada”. Porto Sergio. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília, Arquivo
Público do Distrito Federal. 1989.
35
Módulo n. 7. Rio de Janeiro: fevereiro de 1957.
113
Irmãos Roberto.
Boruch Milman, João Henrique Rocha e Ney Fontes Gonçalves.
Henrique Mindlin e Giancarlo Palanti.
Fonte:
Módulo n. 8. Rio de Janeiro: julho de 1957.
114
Módulo n. 7. Rio de Janeiro: Fevereiro de 1957.
Publicando pela primeira vez a Residência do Presidente da República na Módulo, Oscar
Niemeyer explica a gênese de sua obra com uma seqüência de três riscos de colunas. Os riscos
visam a ressaltar que, apesar de criar novas formas, o programa das artes permanece o mesmo;
as medidas e as proporções da arquitetura dependem da sua finalidade de servir à vida do
Homem. “O homem comum é o exilado de nosso tempo e de nossa cidade”; ele é “um estranho
bicho que tem alma e sentimento, e fome de justiça e de beleza, e que deve ser consolado e
estimulado”
36
. Quase repetindo o texto escrito para o lançamento do primeiro número da Módulo
em 1955, os esquemas visuais afirmam que, desde a Antigüidade, as artes se moldaram no ser
humano visando a consolá-lo e estimulá-lo, satisfazendo a seus anseios de beleza e justiça. Para
apresentar o marco de Brasília, a matéria da Módulo retoma o mesmo raciocínio: “procuramos
adotar princípios de simplicidade e pureza que no passado caracterizaram grandes obras da
Arquitetura”
37
.
Os esboços operam uma síntese importante de informações, indicando a ascendência do
elemento estrutural de Brasília na Antigüidade clássica. Talvez, o arquiteto, assim como Lucio
Costa remeteu às fundações romanas com seu sinal da cruz, procurasse construir um passado
áulico para a cidade, uma espécie de genealogia “nobre” e “antiga”. Ao mesmo tempo, porém,
citam a apologia de Le Corbusier de 1934, que contrapondo a fotografia do Parthenon junto a um
carro, descreve-os como expressão máxima de funcionalidade e beleza, isto é, de modernidade. A
associação visual de Le Corbusier sela a apologia da técnica e da modernidade mas, ao mesmo
tempo, abstrai estes conceitos da história, dos lugares, das necessidades, etc. aquela de Oscar
Niemeyer explica, com uma pretensão quase determinista e, novamente, a-histórica, a evolução
36
A revista e o título. Módulo n. 1, Rio de Janeiro: março de 1955 pág. 2.
37
Modulo n. 7. Rio de Janeiro: Fevereiro de 1957.
115
da arquitetura da Antigüidade em arquitetura moderna. Apesar de serem muito redutivas e até
ingênuas, essas narrações abandonam o enredamento da história, favorecem a esquematização
da didática e demonstram com sucesso conceitos muito mais refinados e complexos. Não
podemos deixar de apontar para suas estratégias: elas visam à persuasão e à demonstração, não
à informação; suas formas são imperativas e visivelmente devedoras àquelas dos manifestos das
vanguardas, mas divulgadas pelos meios de informação de massa, elas exploram também a
passividade do leitor frente à comunicação visual. Enfim, a série das três colunas de Oscar
Niemeyer resolvem a história com uma “naturalidade” que incomoda.
Vamos nos deter mais um pouco na observação das páginas do número 7 da Módulo. O
artigo tem oito páginas, ao todo, com meia coluna de texto escrito, em uma diagramação tripartida
vertical. Deve-se sublinhar que os primeiros números da revista tinham um formato maior, de
quase 40 x 30 centímetros.
Fonte: Módulo n. 7. Rio de Janeiro. Fevereiro de 1957.
A paginação insere inúmeros esboços, que descrevem principalmente as colunas e suas
inserções nas fachadas; alguns são diagramados de maneira a preencher a página inteira ou
duas meias páginas duplas horizontais. Em particular, o esquema de uma coluna alcança o
tamanho de uma folha, tamanho que confere excessivo realce ao esboço. Talvez isso antecipe a
116
exploração que foi realizada em cima de suas funções icônicas e de propaganda. As páginas
remanescentes publicam os preliminares; eles ressaltam também as interlocuções entre o perfil
ondulado da fachada e o desenho em caracol da capela. Alguns croquis, supostamente em
perspectiva, descrevem as fachadas, enfatizam os peristilos, a passarela que leva ao hall central,
que é um grande vão vazio. Aliás, o salão de acesso ao Palácio proposto nesses desenhos é
muito diferente daquele definitivo. Uma escultura, talvez duas figuras sentadas, é colocada no
espelho de água que complementa a fachada. Não encontramos plantas e cortes; as fachadas do
edifício são respectivamente descritas pela maquete (a anterior) e pelos riscos (a posterior), mas a
vista dela é incompleta: os fragmentos e a regularidade do perfil das colunas sugerem a
possibilidade da repetição do módulo até o infinito; aparentemente não importa detalhar algumas
partes dos desenhos, mas privilegiar os aspectos visuais e as percepções dela. O texto da
primeira página insinua a apresentação das plantas, mas a matéria não atende ao anúncio.
Frente a tamanha explosão de informações visuais, procuramos, sem sucesso, como já
dissemos anteriormente, por medidas, números, desenhos técnicos e outras informações que
permitissem uma aproximação de outros aspectos desses projetos. Sabemos, pelo subtítulo, que
a estática do edifício e o cálculo dos concretos são resolvidos por Joaquim Cardozo, e que as
instalações são projetadas por Afrânio Barbosa da Silva. Todavia, o ponto de vista sobre a
arquitetura, proposto pela paginação e pela matéria em geral, é que ela seja um produto da
criatividade, abstraído do contexto (já ressaltamos a idéia asséptica de ambiente veiculada pelas
maquetes dos planos concorrentes premiados). O mesmo pressuposto insere-se em uma linha de
pensamento, compartilhada por outros arquitetos da época, que avalia a arquitetura de forma
independente tanto do sítio, quanto do processo de sua produção.
Mesmo assim, como a Módulo é, supostamente, uma revista de informação para os
profissionais da arquitetura e do urbanismo, queríamos conferir plantas e cortes para entendermos
melhor a solução encontrada. Não localizamos, outrossim, nenhuma medida em detalhamento
dos esboços, nem seriam divulgadas as pranchas técnicas do Palácio da Alvorada na publicação
dedicada à comemoração da inauguração da cidade em 1960. A própria paginação informa
claramente que a exposição das plantas e dos cortes não interessa ao autor dos projetos; não
interessa informar, mas divulgar uma idéia de arquitetura muito definida.
Isso chama a atenção para um discurso mais amplo sobre estratégias editoriais na
divulgação da arquitetura moderna. Cabe relatar que, no século passado, de maneira marcante no
período entre as duas guerras mundiais, proliferou a divulgação de livros e de revistas de
arquitetura; a maioria delas era dedicada à arquitetura contemporânea e se utilizava de fotografias
em forma extensiva. Algumas publicações chegaram a substituir os desenhos e as informações
“técnicas” das plantas e das seções simplesmente com o relato fotográfico. É o caso do livro de
Walter Gropius, Internationale Architektur, cujo exemplo foi amplamente imitado; no texto
introdutório o autor explica que a publicação é um catálogo de imagens (fotografias) da arquitetura
117
moderna, catálogo que confere mais espaço à evidência externa dos edifícios, visando satisfazer
a um público mais amplo e não especializado. Promete a sucessiva publicação de plantas e
interiores, mas a promessa não seria mantida
38
.
Maquete do primeiro conjunto de construções para a Nova Capital. (detalhe)
Indalécio Wanderley, A nova Capital. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1/12/1956.
Maquete da Residência do Presidente.
Fonte: Brasília n. 1. Rio de Janeiro, janeiro de 1957.
38
Giovanni Fanelli. Storia della fotografia di architettura. Bari: Laterza, 2009.
118
Análogas escolhas editorias distinguem muitas revistas de arquitetura da época. A maioria
delas era, vamos frisar, meios de persuasão e de demonstração, quase que de auto-legitimação
da nova arquitetura moderna e cada uma visou a afirmar uma idéia própria acerca da arquitetura.
Algumas privilegiaram seu papel de fonte primária de conhecimento e atualização da profissão, e,
portanto, acrescentaram às fotografias informações técnicas, escritas e visuais; outras preferiram
dirigir-se a um público mais amplo, não necessariamente especializado em arquitetura,
incrementando a comunicação baseada na evidência fotográfica
39
.
Voltando às colunas e ao projeto de Brasília, a ênfase nas colunas justifica-se quando
consideramos a sua evolução naquelas dos Palácios da Praça dos Três Poderes. O marco inicial
da concepção dos prédios para a Nova Capital, portanto, como afirma o próprio arquiteto, é nas
colunas. Porém, justamente a grande proeminência com a qual elas são publicadas atrai a
atenção do leitor para o elemento formal das fachadas e a desvia dos volumes da própria
arquitetura. É quanto observaremos em seguida.
Como mostram as duas imagens, com relação ao primeiro protótipo de 1956, a segunda
maquete, com relação à primeira, é privada da supra-elevação do teto, dos balcões e da
separação em dois andares do lado direito; desaparecem também a rampa, o parlatório e sua
expressiva elevação (1,30 m
40
) do solo e o peristilo adquire um número maior de colunas.
Eliminados o balcão e a rampa, a fachada torna-se mais sintética. Retirados os terraços à direita,
o segundo andar recua e o peristilo alcança seu característico vazio. Perdendo a distinção do arco
em baixo, a parábola das colunas domina o desenho com uma seqüência serial de formas
matemáticas. O teto plano e o chão liso preservam a pureza da colunata. O edifício, no seu
conjunto, alcança a feição de um volume puro, geométrico e compacto. Enfim, o primeiro projeto
passa por uns processos importantes de depuração, que o transforma radicalmente.
39
“A história do uso das fotografias de arquitetura nas revistas ainda não foi escrita, nem sabemos como eram
organizados seus acervos iconográficos (...)” As informações desse parágrafo in: Fanelli, Giovanni. Storia della
fotografia di architettura. Bari: Laterza, 2009.
40
Módulo, n. 6. Rio de Janeiro: Dezembro de 1956.
119
A fotografia aqui proposta foi publicada na revista O Cruzeiro do dia primeiro de dezembro
de 1956; à luz dessa memória, o instantâneo fixa, talvez involuntariamente, justamente uma parte
do processo criativo que o próprio arquiteto desenvolvia a partir das maquetes e das fotografias
das maquetes e que descreveremos em seguida.
Indalécio Wanderley, A nova Capital. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1/12/1956.
De acordo com Sergio Porto
41
, colaborador da equipe de urbanismo da Novacap, Oscar
Niemeyer utiliza(va)-se das maquetes como instrumentos de avaliação de seus projetos. No
depoimento prestado ao Programa de História Oral do Arquivo Público do Distrito Federal, Sergio
Porto relata que o processo de revisão consistia na destruição dos modelos tridimensionais, a
41
Porto, Sergio. Depoimento. Programa de história Oral. Brasília: Arquivo Publico do Distrito Federal, 1989.
120
própria desmontagem revelando ao arquiteto os defeitos e as incongruências dos projetos. Esse
procedimento, ainda de acordo com o mesmo depoimento, era conduzido em solidão
42
.
O depoimento revela que os modelos não são (eram) somente instrumentos de
propaganda, mas etapas fundamentais do processo de aprimoramento do projeto. Em entrevista
ao professor Joubert Lancha
43
e à autora, Serio Porto detalha melhor que a “destruição” dos
consistia em uma demolição para verificar as soluções de distribuição dos espaços e/ou volumes
internos, nem tampouco para a avaliação estrutural dos prédios. Explica que o “estrago”, assim
era vivida a intervenção de Oscar Niemeyer por parte dos maqueteros
44
, consistia em “retirar” os
elementos incoerentes e/ou redundantes e assim refinar as formas. Confirma que isto ocorreu
com o teto do Palácio de 1956 e com a passagem entre as duas cúpulas no teto-plataforma do
Congresso, que comentaremos adiante.
Entendemos, portanto, que as duas maquetes documentam o próprio processo de
depuração que permitiu encontrar a solução arquitetônica final e, ao mesmo tempo, ajudou a
alcançar análoga concisão na elaboração dos outros edifícios do poder de Brasília. É um processo
de revisão que decorre do despojamento da proposta inicial. O problema da síntese é objetivo
importante da pesquisa artística de Oscar Niemeyer; em Depoimento
45
, texto publicado na Módulo
em fevereiro de 1958 e no Jornal do Brasil em julho de 1958 [republicado no número de maio de
1960 da revista Zodiac], ele repete e esclarece quanto já tinha declarado em 1957
46
: a procura de
“concisão e pureza, e de maior atenção para os problemas fundamentais de arquitetura” norteou a
elaboração das obras de Caracas e Brasília.
Concisão e pureza, explica ainda o mesmo depoimento, encontram suas demonstrações
nas “geometrias compactas e simples”; os problemas fundamentais de arquitetura interessam “as
convergências de unidade e harmonia entre os edifícios, e ainda, que estes não mais se
exprimam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na
concepção plástica original”
47
.
42
Quando precisou da aprovação da parte de arquitetura do projeto da Estação Rodoviária de Brasília, Sérgio Porto foi
procurar Oscar Niemeyer. “Aí ele sentou comigo, pacientemente, coisa rara, porque o Oscar, ele faz aquilo sozinho,
ninguém pode se intrometer, ele não admite intromissão, faz a maquete, quebra a maquete toda. Não sei se você
conhece o processo dele? Sabe? Quebra, porque ele vê as coisas, os defeitos muitas vezes ele reconhece ou vê na
maquete. Então é aquela maquete muito bem feita, ele vai e quebra (incomp.). Porto, Sérgio. Idem. Ibidem.
43
A entrevista foi realizada no Rio de Janeiro aos 2 de setembro de 2009. Depois da revisão e avaliação do próprio
depoente será publicada em revista.
44
"Eu já assisti uma cena dum maquetista que se esmerou para fazer a primeira maquete para o Oscar, ele sentou,
conversou, de repente ele começou a quebrar a maquete. O sujeito não estava sabendo, ficou horrorizado, e aí tiveram
que explicar que esse era um processo”. Porto, Sergio. Idem. Ibidem.
45
Niemeyer, Oscar. Depoimento. Módulo n. 9. Rio de Janeiro: fevereiro de 1958. O mesmo texto é publicado in:
Pedrosa, Mario. O depoimento de Oscar Niemeyer. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 24 e 24 julho de 1958. In: Xavier,
Alberto. (org.) Depoimento de uma geração. São Paulo: Cosac&Naify, 2003. E in: Niemeyer, Oscar. Depoimento.
Zodiac n. 6. Rapporto Brasile. Milano: maio de 1960..
46
“procurei um partido compacto e simples, onde a beleza decorra apenas de suas proporções e da própria estrutura”.
Niemeyer, Oscar; apud: Palácio residencial de Brasília. Módulo n. 7. Rio de Janeiro: Fevereiro de 1957.
47
Idem.Ibidem.
121
Oscar Niemeyer. A imaginação na arquitetura. Módulo n. 15. Rio de Janeiro, outubro de 1959.
No número 15 da Módulo, de outubro de 1959, Oscar Niemeyer explica a solução dos
peristilos do Palácio do Supremo e do Planalto; na verdade a matéria é intitulada A imaginação na
arquitetura e compõe-se de muitos esboços, convidando a uma apreciação das característica
visuais dos projetos arquitetônicos.
Os croquis publicados, alguns deles são aqui reproduzidos, são esquemas de percepções
visuais e perspectivas que têm seus pontos de vistas dentro dos peristilos. As mesmas
perspectivas serão repetidas pelas fotografias de Marcel Gautherot ao descrever os prédios
acabados. Talvez a convite do arquiteto, o aparelho/os olhos do fotógrafo se colocarão em
1959/60 justamente no mesmo ponto de vista dos esquemas aqui publicados. Mas voltemos ao
texto.
Ele explica que a imaginação é a capacidade do arquiteto de se colocar “mentalmente (..)
na situação de um visitante que a estivesse percorrendo [a arquitetura] de forma atenta e
crítica”
48
. E acrescenta: no caso do Supremo e do Planalto, “a forma da estrutura das próprias
colunas teve sua origem nessa especulação visual, conforme os desenhos indicam”
49
.
Ao falar da suposta habilidade do arquiteto de se projetar na situação futura da arquitetura
construída, Oscar Niemeyer escreve sobre uma “viagem” empreendida também graças às
fotografias. Novamente Sergio Porto, na mesma entrevista acima relatada, fornece as pistas para
esta declaração. Ele ressalta, e com muita ênfase, a necessidade de que o “fotógrafo de maquete”
seja muito hábil, pois seus instantâneos representavam para o arquiteto um importante momento
de averiguação. A “visita virtual” ao projeto, descrita na matéria A imaginação na arquitetura,
adquire assim um significado mais importante e preciso: revela, ou confirma, que a aproximação
de Oscar Niemeyer da própria arquitetura é um percurso crítico de abstração, principalmente
48
Niemeyer, Oscar. A imaginação na arquitetura. Revista Módulo n. 15. Rio de Janeiro: outubro de 1959.
49
Idem. Ibidem.
122
visual. Como iremos detalhar melhor adiante, as fotografias das maquetes contribuíam para
revelar ao arquiteto, da mesma forma que a demolição das mesmas, os elementos excedentes.
Com a colaboração dos instantâneos, ele sintetiza os elementos, transforma as arquiteturas
[aquelas de Brasília, em discussão aqui] em invólucros geométricos, singelos e lisos que precisam
apoiar-se em superfícies igualmente lisas para alcançar suas concisões.
Em seguida, nos deteremos nas informações visuais do relatório de Lucio Costa, pois
talvez ajudem detalhar os projetos da Praça dos Três Poderes.
Lucio Costa. Esboço para a Praça dos Três Poderes
Fonte: Módulo n. 8. Rio de Janeiro julho de 1957.
Oscar Niemeyer. Maquete da Praça dos Três Poderes
Fonte: Brasília n. 15. Rio de Janeiro, março de 1957.
Chama a atenção a coerência entre os edifícios de autoria de Oscar Niemeyer e os croquis
do relatório de Lucio Costa que traçam o Conjunto do Congresso e a própria praça dos Três
Poderes; repare-se nos paralelepípedos esboçados por Lucio Costa, colocados onde hoje
encontram-se o Planalto e o Supremo, e nas proporções daquele primeiro desenho de 1956 para
a Nova Capilar, bem como dos edifícios decorrentes dela. Parecem demonstrar que Lucio Costa
aplicou as comunicações e publicações da revista Módulo e que aproveitou o protótipo para medir
e/ou esclarecer o seu projeto urbano.
A autoria oficial do conjunto do congresso é de Oscar Niemeyer, mas a forma do edifício,
assim como relata o próprio arquiteto
50
, depende consideravelmente do desenho urbano de Lucio
Costa. Não é fácil entender quem primeiro desenhou o edifício. Ao explicar o projeto para o
Congresso, Oscar Niemeyer comenta: “o rebaixamento da cota do bloco de serviços, serviu de
modo que a cobertura coincida com a cota da esplanada, servindo de suporte para as cúpulas dos
50
Niemeyer, Oscar. Apud: Gorovitz, Matheus. Brasília, uma questão de escala. São Paulo: Projeto, 1985.
123
auditórios. Desimpedida a vista, a praça se reintegra ao eixo monumental”
51
. Dessa forma
confirma seu respeito para as perspectivas e as simbologias prescritas pelo plano vencedor; um
plano que, cabe salientar, se preocupava justamente com a vista livre do eixo monumental e com
o vazio da própria Praça dos Três Poderes.
A solução do conjunto insinuada pelos croquis de Lucio Costa, quando confrontada com o
projeto elaborado por Niemeyer, revela ainda mais continuidades: faltando só a cúpula virada, os
esboços detalham o comprimento, a abóbada que emerge da plataforma, o desenvolvimento
vertical das torres. Sobretudo o croqui de Lucio Costa revela o importante diálogo urbano,
metafórico e visual, da cúpula com os espaços urbanos remanescentes, tanto com os
paralelepípedos das outras duas Casas quanto com a torre da televisão do outro lado do eixo
monumental. Oscar Niemeyer ao apresentar a maquete do Congresso, na Módulo de julho de
1957, descreve: “os dois plenários são os elementos fundamentais, pois nele é que se resolvem
os grandes problemas do país. Dar-lhes maior ênfase foi o nosso objetivo plástico, situando-os em
monumental esplanada onde suas formas se destaquem como verdadeiros símbolos do poder
legislativo”
52
. Enfatizando as duas câmaras, o edifício chama a atenção do expectador para que
ele tome ciência da existência das duas salas onde se trava a discussão política e democrática;
isto é, para que ele apreenda, através das formas arquitetônicas, o próprio funcionamento da
República. A frase declara ao mesmo tempo o respeito ao programa cívico e didático elaborado
para a Capital com as palavras do Relatório do plano piloto vencedor.
Seção longitudinal do Conjunto do Congresso. Fonte: Módulo n. 9. Rio de Janeiro: fevereiro de 1958.
51
Niemeyer, Oscar. Ibidem.
52
Módulo n. 9. Rio de Janeiro: fevereiro de 1958.
124
Seção transversal do Conjunto do Congresso. Fonte: Módulo n. 9. Rio de Janeiro, fevereiro de 1958.
A maquete do Congresso, desde sua primeira publicação em 1957
53
, representa o
conjunto como uma plataforma ininterrupta de ponta a ponta e com duas calotas soltas na planície
de concreto. O corte longitudinal do conjunto do Congresso publicado na revista Módulo n. 9 em
fevereiro de 1958 assinala as bancadas para o público da Câmara e do Senado nas duas cúpulas,
e o plenário (salão de estar para deputados e senadores) no primeiro piso. A ligação entre as
salas da Câmara e do Senado se dá no terceiro pavimento mediante um corredor que cria, de
acordo com a secção publicada, uma elevação da parte central da esplanada. Mas esta
protuberância não aparece nas fotografias da maquete, nem nas duas secções transversais.
Essas últimas exibem um reajuste dos pés direitos do primeiro piso e da espessura da laje do teto,
que incorporam o corredor no volume do edifício. Ao incorporar o corredor, porém, a nova solução
curva o teto do edifício; a protuberância agora é uma imensa área encurvada; mais ainda, o
arqueamento é muito pronunciado e não existe nas fotos do prédio realizado, nem da maquete.
Um trabalho recente [2009
54
] divulga o corte transversal que corresponde à arquitetura
realizada; a secção mostra que o reajuste dos pés direitos internos foi rebaixado mais ainda para
permitir a passagem interna entre as duas Câmaras; a nova solução realizou uma superfície
externa, ainda encurvada, mas quase horizontal
55
. Cabe referir mais um detalhe: Sergio Porto
alega que Augusto Guimarães solicitou Oscar Niemeyer a retirar o bloco correspondente à
passagem externa do teto; relembra também que o conjunto passou por três reelaborações das
53
Brasília n. 7. Rio de Janeiro, Julho de 1957.
54
Silva, Elcio G. e Sanchez, José Manoel M. Arquitetura monumental de Brasília. Documentação e Historiografia.
VIII DoCoMoMo, Rio de Janeiro: 1-4 de setembro 2009. Também: Silva, Elcio G. e Sanchez, José Manoel M.
Congresso Nacional: da documentação técnica à obra construída. In: MDC. Revista de arquitetura e Urbanismo
Brasília: março de 2009. www.mdc.wrq.br/2009/03/09 .
55
“O topo è tão fino que ninguém imagina construir, internamente, a galeria do público que liga os dois plenários,
escreveu Oscar Niemeyer”. In: Portfólio do fotógrafo Milan Alram. A cidade do futuro meio século depois. Piauí n. 34.
São Paulo: julho 2009, pg 47.
125
distribuições internas dos espaços e, como mostra o trabalho de Elcio Silva e José Manoel
Sanchez,
56
por três estudos de seus volumes. Considerando o tipo de uso que o arquiteto carioca
fazia das maquetes, entendemos que desde logo ele arrancou do modelo a protuberância do teto
e assim mandou fotografá-lo para sua aparição púbica; entendemos que a solução mais
adequada ao programa de concisão e pureza geométrica foi fruto de um processo de aproximação
progressiva e que a reflexão acerca desse percurso não é objeto de divulgação.
Fonte: Brasília n. 49. Brasília: Janeiro de 1961.
Voltando à descrição do edifício do Congresso, o primeiro pavimento, além dos plenários,
prevê um salão de acesso do público, sala de café e parlatórios para os senadores e os
deputados; o piso semi-enterrado hospeda o hall para deputados e senadores, garagens, gráfica
e arquivos, salas para as comissões. Os locais da Câmara e o Senado assim como as salas e os
auditórios das Comissões no nível semi-enterrado são sem janelas, luz e ar são artificiais; as
sessões e as reuniões não têm contato com o exterior; os arquivos, a tipografia e os demais
serviços, ainda no subsolo, ao lado do hall dos senadores, dão para a garagem. O trabalho
político, de informação e de preservação da memória desempenha-se então em ambientes
sepultados, ligados por uma circulação complexa, em alguns casos paralela àquela do público de
visitantes e da imprensa. Ao percorrer esses espaços em busca de informações e documentos,
tivemos a impressão (devida também ao comprimento do edifício – 200 metros) de um labirinto. É
como se o poder – democrático – se apoiasse numa rede de relações, atuações e conhecimentos
56
Silva, Elcio G. e Sanchez, José Manoel M. Arquitetura monumental de Brasília. Documentação e Historiografia.
VIII DoCoMoMo. Rio de Janeiro: 1-4 de setembro 2009. e: Silva, Elcio G. e Sanchez, José Manoel M. Congresso
Nacional: da documentação técnica ò obra construída. In: MDC. Revista de arquitetura e Urbanismo Brasília: março
2009 mdc.www.arq.br/2009/03/09
.
126
inalcançáveis para o visitante e o observador externo. Chama a atenção também o percurso de
chegada ao Conjunto do Congresso. Sua entrada é rebaixada de dois pisos com relação às pistas
do Eixo Monumental e ao nível da Praça dos Três Poderes, de maneira que seu teto plano
permanece no nível da praça dos Três Poderes
57
, e somente as duas cúpulas da Câmara e do
Senado dialogam com as Casas do Supremo Tribunal e do Governo. Alcança-se assim a
simbologia desejada para a Capital: a concisão de volumes exalta os dois emblemas da
democracia e suas interlocuções com os demais edifícios do poder. A solução arquitetônica geral
e o aterro de grande parte do conjunto realizam a apreensão didática e visual desde o exterior e
impedem de visualizar a complexidade de relações e comunicações que atuam no interior, mas
principalmente, instigam a perguntar melhor de suas razões.
Para realizar os níveis do terreno conjeturadas pelo plano piloto de Lucio Costa, as pistas
laterais do Eixo Monumental foram elevadas mediante a movimentação de terra. A própria Praça
dos Três Poderes foi criada artificialmente: “aquele foi tudo aterrado ali, a Esplanada dos
Ministérios, tá entendendo? Era um buraco. Toda a terra da estação rodoviária desceu pra aquela
área abaixo. Porque ali tudo era buraco.”
58
A parte central da Esplanada foi nivelada até as
proximidades do Conjunto, e o prédio do Congresso foi encaixado transversalmente aproveitando
o volume livre, talvez economizando transportes e movimentações de terra. Os depoimentos
59
de
Augusto Guimarães e Sergio Porto providenciam mais detalhes sobre o desenvolvimento desse
trecho do projeto do Eixo. Augusto Guimarães propôs criar estacionamentos subterrâneos para
prover a área de infra-estruturas necessárias ao uso extensivo do carro (que constava do
programa do plano) e economizar a terra, mas sua proposta perdeu-se na pressa da edificação da
cidade.
57
“O rebaixamento da cota do bloco de serviços de modo que a cobertura coincida com a cota da esplanada, serve de
suporte as cúpulas dos auditórios. Desimpedida a vista, a praça se integra ao eixo monumental”. Gorovitz, Matheus.
Brasília, uma questão de escala. São Paulo: Projeto, 1985.
58
Silva, Delcides Abadia. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1990.
59
Guimarães Augusto e Porto Sergio. Depoimentos. Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito
Federal, 1989.
127
Planta do segundo pavimento do Palácio do Supremo
Fonte: Acrópole 256/257. São Paulo, 1960.
Planta do primeiro pavimento do Palácio do Planalto
Fonte: Acrópole 256/257. São Paulo, 1960.
No Tribunal, a sala da corte, a biblioteca, os arquivos e a maioria das salas são
completamente fechados; dois muros paralelos e ininterruptos, afastados das paredes
envidraçadas, percorrem o comprimento do edifício e recriam a composição espacial da planta do
templo grego: deixando abertos os lados menores do retângulo central, liberam o espaço central –
o naos – para qualquer solução distributiva e repartição funcional. Novamente, porém, o trabalho
público dos servidores do Estado desenrola-se apartado, sem contatos externos; aqui também um
piso enterrado providencia o ingresso dos juizes e aquele da garagem, mas também abriga o
arquivo e as salas dos empregados. No Planalto, a composição privilegia o ingresso e a fachada
longitudinal da praça; o vazio caracteriza o interior, com um volume livre até o terceiro piso que
ocupa quase a totalidade da planta. Desta maneira, salas e escritórios do primeiro e segundo
andar, distribuídos ao longo das fachadas envidraçadas – aquela posterior e as duas menores –
formam o pátio interno que monumentaliza a escada e os corredores internos. No quarto
pavimento, acomodam-se os demais serviços e salas de escritórios, a maioria vivendo de luz
artificial e ar condicionado. Um piso semi-enterrado acolhe as garagens e um anexo com os
dormitórios dos empregados e dos soldados, as salas para dispensa, correio, telégrafo. No
Alvorada, as áreas dos demais serviços e aquelas dos empregados, inclusive os quartos de
dormir, ficam no subsolo; na parte acima do solo, a amplitude do desenvolvimento tridimensional
dos espaços públicos contrasta com pé direito baixo dos locais privados do Presidente, imposto
pela laje de cobertura, ou seja, pelo gabarito do volume geral.
Os caminhos que descem no subsolo e os pisos enterrados chamam a atenção para o
contraste entre a clareza, a transparência e a abstração dos invólucros fora do solo e as partes
importantes do programa, que são enterradas ou fechadas. A fotografia aqui reproduzida mostra,
por sua vez, que as colunas de ponta fina na base, servindo somente para aliviar uma parte da
128
carga do balanço da cobertura, têm uma função quase unicamente plástica, pois a estrutura dos
edifícios sustenta-se em razão de outras providências.
Palácio do Planalto. Fonte: Acrópole n. 256/257. São Paulo: 1960.
Cabe sinalizar que temos experiência direta somente do conjunto do Congresso e do
Palácio da Alvorada: do primeiro visitamos todos os acessos, até os planos enterrados – as salas
dos arquivos – e os mais longínquos anexos, e tivemos acesso exclusivamente ao térreo a à
capela do Alvorada, devido às normais restrições para a visitação pública. Com relação aos outros
edifícios, baseamos as reflexões apenas no estudo das seções e das plantas.
129
Seção do Palácio do Supremo
Fonte: Módulo n. 10.
Rio de Janeiro, agosto de 1950.
Seção do Palácio do Planalto
Fonte: Módulo n. 10. Rio de Janeiro, agosto de 1950.
Seção do Palácio da Alvorada
Fonte: Acrópole 256. São Paulo: 1960.
Os cortes dos edifícios nos mostram pavimentos inteiros abaixo da cota do solo, partes
consideráveis das exigências dos programas completamente enterradas e escondidas à
apreensão visual. Talvez o Planalto e o Alvorada, comparados ao Congresso e ao Supremo,
apresentem soluções mais felizes quanto à iluminação e à continuidade interior/exterior, todavia
todos apresentam uma certa discrepância entre a aparente despreocupação com os espaços que
nós percebemos do exterior e a presença de espaços enterrados e destinados a abrigar as
funções do cotidiano. Ao observar conjuntamente os cortes notamos que as construções não
iniciam no nível da praça mas no andar térreo, quase fossem maison dom-ino encaixadas no solo
e com profundas sacadas externas. Mais uma vez Sergio Porto
60
, com um sintético esboço
confirmou que a estrutura desses palácios depende da caixa interna e não dos peristilos. O aterro,
escondendo parte considerável da construção, nos permite perceber exclusivamente as colunas
sem apóio; dessa maneira os prédios são percebidos como objetos suspensos no plano horizontal
da praça.
Desta forma, entendemos o quanto esses edifícios dependam dos planos artificiais
realizados pelo terraplenagem. O conjunto de seções aqui reproduzido confirma que os terrenos
planos e lisos pertencem ao “marco e padrão artístico” da cidade, tanto quanto as morfologias
rítmicas, onduladas e elegantes das suas arquiteturas. Evidenciam que o “partido compacto e
60
Porto Sergio em entrevista conjunta ao professor Juber Lancha e à autora no dia 2 de setembro de 2009.
130
simples, onde a onde a beleza decorra apenas de suas proporções e da própria estrutura. (...)”
61
e
que a “solução de ritmo continuo e ondulado, que confere à construção leveza e elegância,
situando-a como que simplesmente pousada no solo” incorporam o aterro e, sobretudo,
dependem das superfícies horizontais.
O fato do partido desses projetos depender dos planos artificiais corrobora a hipótese de
que o Plano Piloto de Lucio Costa levou em conta estas qualidades incorporando-as ao partido do
próprio projeto urbano; para elas previu terraços e espaços contemplativos e vazios, limpos e
suspensos. A Esplanada e a própria Praça dos Três Poderes foram projetadas para que essas
estruturas alcançassem a leveza proposta e, ao mesmo tempo, construíssem as metáforas, as
simbologias e a paisagem cívica desejada.
Os Palácios do Supremo e do Planalto foram construídos, como o Congresso, em uma
área que foi artificialmente construída. No entanto, o projeto matriz – o palácio da Alvorada – que
apresenta as mesmas características, supostamente não foi edificado em uma área objeto de
movimentação de terra. Vamos conferir a documentação visual sobre a edificação do Palácio da
Alvorada.
A imagem ao lado em cima é uma cópia de uma fotografia do arquivo pessoal de Sergio
Porto. Provavelmente o instantâneo foi realizado por Mario Fontenelle e seu original talvez possa
ser encontrado no Arquivo Público do DF. A imagem descreve o Palácio da Alvorada em fase de
construção. Repare-se nos níveis do solo e naqueles da construções: as bases das colunas
apóiam nos andaimes de madeira, provavelmente sobre pilares e/ou prolongamentos da estrutura
do piso enterrado. Em primeiro plano, reconhecemos o andamento curvilíneo do teto da frente
menor do edifício. A imagem documenta que, naquele ponto, o terreno era marcado por uma
suave encosta, a qual foi nivelada acrescentando-lhe terra. O enquadramento do instantâneo
mostra uma construção sólida, enraizada no solo, sobretudo desproporcionada, faltando-lhe seu
plano horizontal; confirma também que o equilíbrio formal e a concisão arquitetural dependem
justamente do nível do solo ao redor da construção. A segunda fotografia descreve a fachada do
Palácio do Alvorada e os trabalhos de nivelamento do terreno em frente.
O edifício foi enterrado aproximadamente de 1,40 m., como afirma a memória
62
de Sergio
Porto. Encontramos confirmação sobre o fato de que houve uma consistente movimentação de
terra ao redor da Alvorada no depoimento de um caminhoneiro
63
; todavia, o testemunho, ao
complementar as outras memórias, não ajuda a explicar os muitos outros porquês: não
61
Niemeyer, Oscar. Apud: Palácio residencial de Brasília. Módulo n. 7, Rio de Janeiro: fevereiro de 1957.
62
Porto Sergio em entrevista conjunta ao professor Jubert Lancha e à autora no dia 2 de setembro de 2009.
63
“Também trabalhei do começo ao fim na barragem do Paranoá. Aí nessa época foi quando surgiu, tava construindo o
Palácio da Alvorada, eu já trabalhava com máquina DW-21, aí eu fazia o transporte de terra, terra preta vegetal, da
barragem do Paranoá para aquele jardim do Palácio da Alvorada. Inclusive dava uma volta numa máquina por dia, pelo
Núcleo Bandeirante, pra levar até o Palácio da Alvorada, por dia, uma máquina! Uma viagem por dia!”. Delcides, Abadia
Silva. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal [1990].
131
entendemos porque foi necessário transportar terra ao invés de, por exemplo, simplesmente
nivelar o terreno existente. Deixando essas informações sobre a execução das obras para futuras
pesquisas, observemos a informação visual acerca da construção.
Palácio do Alvorada em construção.
Fonte: Arquivo pessoal de Sergio Porto.
Fonte: Brasília n. 14. Rio de Janeiro: Fevereiro de 1958.
Chamam, portanto nossa atenção as problemáticas dos aspectos visuais da arquitetura,
pois tomarmos noção de que a leveza e os volumes puros, concisos e compactos dos prédios
132
monumentais de Brasília são devedores à compressão dos espaços internos, às partes
enterradas dos edifícios, à criação de sítios “artificiais” a seu redor. A abstração dos projetos e do
plano carregam consigo, como já observamos, um corpo de referências e um imaginário que
pertencem ao clima cultural da época. Vamos observar, portanto, em que medida as fotografias de
arquitetura e as revistas contribuíram, difundindo um repertório visual, para formar um código de
imagens e formas e para afirmar conceitos e figuras específicos.
Nos relatos visuais que descrevem o projeto da Capital, chama a atenção a profusão de
imagens que exaltam os criadores ao redor de uma maquete. Este tipo de representação integra e
pertence aos retratos do vulto “oficial” da cidade. Os cinejornais durante o primeiro ano de
construção abrem suas apresentações com Israel Pinheiro ou Oscar Niemeyer que explicam os
mapas da cidade para hóspedes ilustres, corretores de imóveis, membros do Clube de
Engenharia, etc. A revista Brasília, na seção Diário de Brasília, repete as mesma informações e
freqüentemente publica os instantâneos dessas pequenas cerimônias. Nestas imagens, as
autoridades assistem à apresentação das plantas e das maquetes. Trata-se, pela sua
redundância, de um código muito explorada, que visa destacar o fato de Brasília ser uma cidade
medida, planejada, técnica. Plantas, desenhos, maquetes e suas explicações confirmam que a
idéia de cidade é anterior a sua construção, e o resultado de um trabalho de preparação segundo
roteiro e métodos determinados.
Quase sempre as pessoas estão “em posa”, confirmado assim sua atenção aos discursos,
mas também sua participação na construção da imagem. Muitas imagens são estáticas, nelas as
pessoas observam satisfeitas os projetos, confiantes em sua realização. Transmitem, de acordo
com um código comum no meio internacional dos profissionais da época, uma mensagem
importante acerca da racionalidade do planejamento, do qual aspiram a viabilizar uma imagem de
eficiência.
Muitos instantâneos elegem como protagonistas Israel Pinheiro ou Oscar Niemeyer ou,
mais raramente, Lucio Costa. Os criadores descrevem; indicando explicam os projetos para um
público que assiste. Mas o protagonista da narrativa é justamente o projeto, o modelo. Nestas
imagens chamam a atenção as mãos: os dedos apontados ou as mãos que mexem nos prédios
dão existência ao próprio desenho e exacerbam o conjunto de idéias sobre o poder do plano e do
projetista para direcionar o futuro.
A maioria desses instantâneos de pessoas recolhidas ao redor das maquetes circulou
através da revista Brasília, alcançou as bibliotecas, os colégios, as universidades nacionais e as
embaixadas brasileiras no exterior e serviu, portanto, também nas relações diplomáticas
64
. A
64
A lei 2.874 de 1956, criando a Novacap, obrigava a sociedade a “divulgar mensalmente os atos administrativos da
Diretoria e os contratos por ela celebrados” [in: Revista Brasília n. 1]. Tratava-se, portanto, de publicar um Boletim. O
prof. Nonato da Silva foi contratado para sua elaboração, em decorrência de sua experiência como jornalista e de sua
amizade com o prof. Ernesto Silva. Além disso, devido a sua estadia na Itália, o professor Silva conhecia todas as
línguas neolatinas [italiano, francês, espanhol, romeno] e duas línguas mortas [latim e grego]; foi-lhe requerido ajudar
133
revista Brasília visava à propaganda e à informação no meio intelectual
65
e no estrangeiro e era
um dos instrumentos da mobilização destinada à projeção internacional da imagem de Brasília.
Brasília n. 12. Rio de Janeiro: Dez.. de 1957.
Fonte Couto, Ronaldo Costa.
Brasília Kubitschek de Oliveira.
Rio de Janeiro: Record, 2001.
também nas relações públicas com o estrangeiro, que na época tinha muita curiosidade sobre a construção da cidade,
em especial sobre a formação do lago e a questão imobiliária. Com essas duas finalidades formou-se a Divisão de
Divulgação da Novacap, que durante cinco anos escreveu a história de Brasília, para sua divulgação interna e externa,
com exposições nacionais e internacionais. A divisão, ela era ligada diretamente ao gabinete do presidente doutor Israel
Pinheiro. Desde o primeiro número a revista apresenta uma estruturação por seções: as notas, que informam sobre a
“atualidade” da construção da cidade, a “marcha da construção”, relato fotográfico das obras, “arquitetura e urbanismo”,
que apresenta os planos urbanísticos e arquitetônicos em estudo, “opiniões”, a seção que ganharia mais páginas ao
longo do tempo, e o “boletim” no final. Sua finalidade da revista era lançar e sustentar a construção de Brasília: difundir
imagens e relatos da construção da cidade e, sobretudo, mostrar o andamento das obras através da documentação
fotográfica. Apresentava, portanto, regularmente uma seção denominada “A marcha da construção” realizada pelo
fotógrafo Mario Fontenelle, que devia documentar a construção da Capital. Essas imagens hoje pertencem ao Arquivo
Público do Distrito Federal. Os primeiros quatro números foram realizados tomando emprestadas fotografias das
revistas Manchete e Cruzeiro e da Agencia Nacional; a impressão foi realizada no IBGE do Rio de Janeiro, cuja sede
estava, porém, longe do centro da cidade. A partir do número 5, a revista adquiriu uma nova feição gráfica, graças à
requisição de dois estudantes de arquitetura, Hermano Montenegro e Amando Abreu, cujos nomes assinam o layout da
capa; passou-se a utilizar um novo tipo de papel e mudou-se também a casa impressora: a partir de então, a editora
Bloch imprimiu os fascículos até o ultimo número da primeira série.
As informações sobre a revista Brasília foram recolhidas durante entrevista da autora com o doutor Raimundo Nonato
da Silva diretor da revista e da Divisão de Divulgação da Novacap. A entrevista foi realizada em 14 de outubro de 2008
no Instituto Histórico Geográfico do Distrito Federal. Ver também: Silva, Raimundo Nonato da. Depoimento - Programa
de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1992.
65
A revista não tinha uma grande difusão. Era gratuita e destinadas aos assinantes: 5.000 cópias no interior,
bibliotecas, universidades, colégios, e 1.000 cópias no exterior, principalmente as embaixadas; sendo
empreendimento
estadual e visando uma informação super partes, a Divisão de Divulgação não aceitava propagandas comerciais ou
políticas; da mesma forma, os fascículos não eram enviados para os expoentes políticos, como governadores ou
prefeitos. Nunca a revista foi às bancas de jornais: os custos de publicação pertenciam à Novacap, e os colaboradores
da Divisão de Divulgação eram funcionários da mesma. O boletim, no final de cada fascículo, difundia as atas da
diretoria da Novacap, os contratos etc. Raimundo Nonato da Silva, em entrevista à autora.
134
Brasília n. 13. Rio de Janeiro: Jan. de 1958.
Fonte: Kubitschek, Juscelino. Por que construí
Brasília. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1975.
Em 1958
66
, com o propósito de apresentar as obras ao mundo, o próprio Presidente fundou
o Centro Estudos Brasília para que colaborasse com a Divisão de Divulgação da Novacap na
promoção da construção de Brasília; Juntos (o C.E.B. e a Divisão de Divulgação) cuidaram de
organizar uma Exposição Brasília em diferentes cidades européias e norte-americanas
67
. O
noticiário da Módulo e as matérias da própria Brasília permitem traçar um panorama dessas
atividades que alcançaram o ato de maior expressividade no Congresso Extraordinário da
Associação Internacional dos Críticos de Arte organizado em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro
em setembro de 1959
68
.
66
“Iniciada em 22 de fevereiro [1958] a exposição “Brasília” em Zurique, estendeu-se até 5 de março, tendo sido, dada
a grande afluência de visitantes, prorrogada por mais uma semana. A repercussão alcançada na imprensa, no rádio, na
televisão e no cinema pela mostra do plano piloto e das fotos da maquetes dos principais edifícios públicos da nossa
futura capital, deixa crer que raro foi o setor deste país [a Suíça] que não tomou conhecimento da obra histórica ora em
fase de construção” “o Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores, com a colaboração do Centro de
Estudos Brasília, da Novacap, tem organizado exposições da construção da nova capital brasileira em diferentes
países. Na Suíça, na Itália, na Inglaterra, e na Bélgica (...) na França e na Argentina. Para as próximas semanas: em
Nova Iorque, Lima e outras cidades”. O CEB, por sua parte, participou dos preparativos do Congresso Extraordinário da
Associação Internacional dos Críticos de Arte, realizado em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro em setembro de 1959.
Aliás, nesse contexto, podemos entender o próprio Congresso como uma expressão da propaganda cultural em prol da
construção da capital. Noticiário. Módulo n. 11. Rio de Janeiro: dezembro de 1958.
67
Noticiário. Módulo n. 11. Rio de Janeiro: dezembro de 1958.
68
O Centro de Estudos Brasília (CEB), foi criado pelo Presidente em 1958 [Módulo n. 9] e operava com sede no prédio
do Ministério de Educação e Cultura no Rio de Janeiro, colaborando com a Divisão de Divulgação da própria Novacap
135
Mão de Le Corbusier explica o Plan Voisin
Fonte: Lamer-Schutze, Petra org.,
Teoria dell’architettura. Colônia: Taschen, 2003.
O Embaixador do Brasil na Itália e sua senhora
Comparecem à abertura da Exposição Brasília em Milão
Brasilia n. 13. Rio de Janeiro. Jan. de 1958.
Visita de Mies Van der Rohe à Novacap
Brasilia n. 12. Rio de Janeiro: Dez. de 1958.
Walter Ulbricht e a maquete da Weberwiese em Berlin
Fonte: Lamer-Schutze, Petra org.,
Teoria dell’architettura. Colônia: Taschen, 2003.
Os instantâneos aqui propostos evocam composições análogas nas quais projetistas e
clientes admiram e/ou explicam os modelos tridimensionais dos novos planos e citam um
imaginário e sua imaginação
69
, que foram característica do zeitgeist de uma época. Uma época
que acreditava na intrínseca positividade do desenvolvimento técnico; debatia do poder do
para a organização de congressos, convites de arquitetos e artistas estrangeiros, exibições nacionais e no exterior.
Nesse momento surgiu também a idéia de discutir a construção da capital através de um encontro internacional de
profissionais da arquitetura e do urbanismo em São Paulo e Brasília, com a participação de convidados estrangeiros e
sob o patrocínio da Unesco [Módulo n. 9]. Ao longo de ano de 1958, a idéia do encontro abrange a proposta de discutir
Brasília qual síntese das artes, envolvendo os críticos de arte da Associação Internacional de Críticos de Arte (A.I.C.A.).
[Módulo n. 11]. O dia 21 de janeiro de 1958 [Brasília n. 13 e Módulo n. 9] com a presença do Presidente da República,
foi inaugurada, graças ao Centro Estudos Brasilia e à Divisão de Divulgação da Novacap, a Exposição Permanente de
Brasília, no salão de exibições do Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro. O CEB organizou, ao longo de
1958, no Auditório do Ministério da Educação e Cultura um calendário de palestras, dentre do qual a Módulo sinaliza a
pronunciada pelo ministro Meira Pena – Exemplos Históricos de Mudança de Capital – e a do crítico de arte Mario
Pedrosa, sobre o tema: “A cidade nova e a síntese das artes”; o título da palestra antecipando, é evidente, o tema do
futuro Congresso que vinha sendo elaborado. Centro de Estudos Brasília. In: Noticiário. Módulo n. 11, Rio de Janeiro:
dezembro de 1958.
69
Gorelik, Adrián. Imaginarios urbanos e imaginación urbana. In: Miradas sobre Buenos Aires. Historia cultural y
critica urbana. Siglo Veintiuno editores Argentina, 2004.
136
método científico também quando aplicado às artes, e principalmente quando empregado no
planejamento econômico e urbano. Uma época que acreditava no papel do Estado, e Brasília é
empreendimento do Estado, como administrador do progresso social, econômico, cultural. A
cidade, pensada para todos, sem discriminação, redefiniria esse Estado e essa Sociedade,
tornando-os igualitários e comunais.
Lembremos, assim, que quando as fotografias entram nos meios de comunicações de
massa incorporam e se enriquecem de mais conteúdos e mensagens. Nas revistas ilustradas e
nos cinejornais, a fotografia é incluída em um texto e sua leitura direcionada pelas palavras e pela
diagramação; manchetes e legendas, sobretudo, estabelecem os diálogos mais importantes com
os leitores. Além disso, os instantâneos nas revistas ilustradas, superando as barreiras das
fronteiras nacionais, difundem informações para além dos limites lingüísticos.
Todavia, se as fotografias nos meios de comunicação de massa exportam mensagens e
mentalidades, também as importam; se, por um lado, os diversos media organizam a difusão das
próprias mensagens, por outro, “quem recebe a fotografia, pode aceitar as mensagem
estabelecidas mas também construir a sua própria”. As fotografias nas revistas repetem códigos
internacionais sobre os quais podem operar uma re-semantização visando seus objetivos. Mas
também quem as recebe pode interpretar a mesma imagem
70
com base em seus imaginários e
não necessariamente aceitando ou compreendendo plenamente sua mensagem. Endentemos
assim que essas fotografias foram veículos importantes, tanto para divulgar no mundo o projeto de
Brasília, quanto para incorporar à classe intelectual brasileira, sobretudo através da revista
Brasília e dos cinejornais, conteúdos importantes acerca do imaginário e da imaginação da
modernidade.
Vamos analisar o perfil das arquiteturas realizado pela linguagem visual das revistas
Módulo e Brasília.
Devido à relativa escassez de publicações da revista Módulo, (as saídas não são
regulares) temos um conjunto consistente de esboços e fotografias de maquetes (todos os
números de 1956 até 1960 apresentam matérias sobre os projetos de Brasília) e um repertório
restrito de fotografias das obras em construção. Até Marcel Gautherot, levantou a questão em seu
depoimento
71
ao Programa de História Oral do Distrito Federal. Enquanto isso, a publicação
mensal e regular da revista Brasília, junto a seu interesse pela edificação da cidade expressa na
seção Marcha da Construção, viabilizou um número enorme de fotografias das obras. A fotografia
70
D’Autilia Gabriele. L’indizio e la prova. La storia nella fotografia. Milano, Bruno Mondatori, 2005
71
“Por exemplo, da parte da construção de obra, praticamente nenhuma, só duas ou três que eram, a meu ponto de
vista, muito bonitas, não é? A construção do Congresso, por exemplo, tem um aspecto muito, bonito. Agora, fora disso,
nunca foram publicadas. Houve uma publicação pequena na inauguração, foi numa revista francesa, publicaram, mas
muito pouca coisa”.Gautherot, Marcel André. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do
Distrito Federal. 1990.
“Marcel Gautherot. É! Ele fazia a maior parte das fotografias de arquitetura, das coisas que estavam sendo construídas,
quando começou o Palácio da Alvorada, aquelas coisas se iniciando e ele ia a Brasília tirar as fotos, nos fornecia, a
gente via e escolhia as fotos e paginava.
137
de Marcel Gautherot aqui proposta repete os esboços iniciais publicados junto com a
apresentação dos peristilos dos Palácios do Supremo e do Planalto
72
. Os esboços, naquela
ocasião, eram acompanhados por um texto de Oscar Niemeyer intitulado A imaginação na
arquitetura. Nesse momento o arquiteto esclarecia que a imaginação é a capacidade do arquiteto
de antever a coerência espacial, sua composição e concisão. Capacidade que é confirmada pelo
instantâneo. Este último afirma a realização da obra conforme o devaneio do projetista: a objetiva
da máquina fotográfica é nos peristilos, ele repete os pontos de vistas escolhidos nos esboços do
arquiteto.
Oscar Niemeyer. A imaginação na Arquitetura.
Módulo n. 15 . Rio de Janeiro: Julho de 1959.
Marcel Gautherot, Palácio do Supremo, 1961.
Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br
.
Ao mesmo tempo a fotografia informa que os entendimentos entre fotógrafo e arquiteto
eram muito profundos
73
. O próprio fotógrafo entendia, e talvez compartilhasse, as questões
intrínsecas desses desenhos, suas abstrações e sínteses. Aliás, esse instantâneo não é cortado
pela diagramação da revista; supostamente o autor alcança seus objetivos comunicativos acerca
da arquitetura sem intervenção posterior.
Conforme os depoimentos de Hermano Montenegro e de Raimundo Nonato da Silva, a
revista Brasília valia-se da colaboração de Marcel Gautherot e, principalmente, da colaboração
72
Niemeyer, Oscar. A imaginação na arquitetura. Revista Módulo n. 1. Rio de Janeiro: outubro de 1959.
73
E o Gautherot, que já tava acostumado a fotografar as coisas em Brasília, conhecia Oscar. Então, evidentemente,
sabia o ângulo, sabia o tipo de céu, essas coisas. Então, a gente jogava um pouco com os dois. Teve um outro depois
que, mas que colaborou um pouco, eram dois irmãos gêmeos, muito bons, era Franceschi, eram os irmãos Franceschi.
Montenegro, Hermano Gomes. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal,
1989.
138
regular de Mario Fontenelle. Oscar Niemeyer, porém, não gostava do trabalho de Fontenelle
74
. No
depoimento de Lucio Costa, Mario Fontenelle “era uma figura”, afirmação que, no contexto,
revelava uma opinião positiva da pessoa.
Mário Fontenelle era um mecânico de aviões, foi para Brasília com Juscelino Kubitschek e
passou a fotografar a cidade
75
. Marcel Gautherot, ao invés, era arquiteto; vindo da França, teve
uma prolongada colaboração com Lucio Costa fotografando as obras para o Patrimônio; depois
colaborou também com Oscar Niemeyer, que conheceu por ocasião da construção do Hotel de
Ouro Preto
76
. Seu olho de arquiteto, provavelmente, sabia evidenciar melhor as qualidades e as
características das arquiteturas conforme o próprio Lucio Costa ou Oscar Niemeyer desejavam
ver; é inevitável pensar que a preferência de Oscar Niemeyer pelo trabalho de Gautherot se
focasse na capacidade do construtor de imagens de relatar a construção do arquiteto. Por isso,
suas imagens são fontes importantes que podem ajudar a nos aproximar tanto da obra do
arquiteto quanto da estratégia de sua divulgação buscada pelo próprio autor, ou seja, o possível
aproveitamento das “omissões” que um enquadramento, ou uma luz ou até o próprio aparato
técnico providenciam, para exaltar aspectos formais e/ou conceituais dos edifícios.
Brasília n. 9. Rio de Janeiro:Setembro de 1957.
Fonte: Tamanini, L. Fernando.
Brasília: memória da construção. Vol 1.
Brasília: Projecto Editorial 2003, segunda edição.
A fotografia do palácio da Alvorada em construção que aqui propomos é publicada na
Brasília; é um recorte: a imagem inteira é publicada no livro de Fernando Tamanini.
74
“Na parte de arquitetura, nós tínhamos um fotógrafo muito bom, que era o Gautherot. (...) Tinha um fotógrafo oficial
da Divisão de Divulgação, que não era um bom fotógrafo, mas a gente tinha que botar fotografia dele também, porque
ele era oficial da divisão própria, (...) Fontenelle. É boa pessoa até, mas em fotografia era uma pessoa, realmente, muito
inferior ao Gautherot Montenegro, Hermano Gomes. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público
do Distrito Federal, 1989.
75
Para comemorar o seu aniversário de 90 anos (Fontenelle nasceu no Piauí em 27 de maio de 1929 e morreu em
1986) o Museu Vivo da Memória Candanga e o Arquivo Público do Distrito Federal em Brasília lançaram 15 postais com
suas fotografias sobre a construção da cidade e organizaram um debate sobre a obra de Fontenelle com a participação
dos fotógrafos Joaquim Paiva e Orlando Brito, do arquiteto Silvio Cavalcante e do jornalista Jarbas Marques.
http://imagesvisions.blogspot.com/2009/05/brasilia-presta-homenagem-mario.html.
76
Gautherot, Marcel. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1990.
139
Provavelmente é um instantâneo Mario Fontenelle, do Arquivo Público do Distrito Federal. A
diagramação da fotografia visivelmente esforça-se para repetir as linhas e as proporções da
maquete, isto é: do original do projeto. O contrato de Fontenelle com a Novacap destinava-se a
documentar a história da construção da cidade. Entendemos, assim, que Oscar Niemeyer não
gostava
77
da obra de Fontenelle, pois seus registros fotográficos, isto é, o ponto de vista, o
enquadramento, até talvez os equilíbrios formais do próprio instantâneo não procuravam respeitar
e devolver a feição geométrica e a concisão formal que o arquiteto desejava realizar com a sua
obra. Mediante a comparação das imagens, tomamos também conhecimento de uma informação
visual da revista da Divisão e Divulgação da Novacap que visa a espalhar uma seleção de
informações sobre a arquitetura, inclusive durante sua construção.
Esse tipo de intervenção que altera as informações dos instantâneos é freqüente na revista
da Novacap. A Brasília redigia mensalmente a seção Arquitetura e Urbanismo, para a qual, de
acordo com as declarações de Raimundo Nonato da Silva,
eram entregues à redação as
maquetes com os projetos de Oscar Niemeyer ou os desenhos de Lúcio Costa, acompanhados
por relatórios de autoria dos mesmos
78
. Por causa dessa sua parte comprometida com arquitetura,
o professor Raimundo Nonato Silva via a publicação como que “acasalada” com a Módulo de
Oscar Niemeyer; a Módulo, ainda de acordo com o professor Nonato da Silva, seguia os moldes
da italiana Domus. O mensal publicava também a seção Marcha da Construção, que fornecia
exclusivamente a documentação visual do progresso das obras. As duas imagens que propomos
aqui pertencem a essa seção. As páginas são, supostamente, uma seqüência objetiva e “técnica”
de instantâneos e legendas. Elas colocam em destaque as obras, isto é, os prédios, as
maquinarias e a ordem da organização geral dos canteiros. Os operários são sujeitos secundários
nessa narração, que privilegia as visitas oficiais e dos convidados importantes aos canteiros.
Hermano Montenegro
79
era o diagramador da revista Brasília e também redator da seção
Arquitetura e Urbanismo. Ele defende que o boneco da revista era objeto da revisão e da
aprovação de Oscar Niemeyer
80
. Ao esclarece os vínculos de dependência, sobretudo a respeito
77
Até Oscar reclamava: "Poxa, essas fotografias tão péssimas aqui." (incomp.) Não era o ângulo que ele queria
Montenegro, Hermano Gomes. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal,
1989.
78
“tudo o que saía da revista era em consonância com o Lúcio Costa e o Oscar Niemeyer”. Nonato Raimundo da Silva,
Idem. Ibidem
79
Em 1959 depois de formado, integrará a Divisão de Arquitetura da Novacap.
80
“E o Oscar trabalhava no Ministério da Educação e Cultura, que era muito perto, de modo que eu ia a pé mostrar a ele
a revista, a capa que eu tinha imaginado e pra ele dar o aprove. (...) Eu escrevia, também, alguns textos sobre
arquitetura. Tinha partes da própria Novacap, de outros setores da Novacap. E aí eram artigos que eram feitos por outras
pessoas, que eu apenas enquadrava e fazia toda a paginação”. “Eu estudante e entrei na Novacap na Divisão de
Divulgação e comecei a fazer a revista Brasília (...) Tinha uma parte de arquitetura e urbanismo, eu fazia a capa junto
com outro arquiteto, também, fazia o layout, enfim, e me dedicava mais a parte de arquitetura e urbanismo. Fotografias
que eram feitas éramos nós colocávamos as legendas, nós fazíamos o texto e daí o meu contato com o Oscar Niemeyer,
ainda estudante, porque eu tinha que entrevistá-lo, fazer algumas perguntas a ele e colocar na revista. (...) O Oscar
Niemeyer nessa época ainda estava no Rio, trabalhava no Ministério da Educação e Cultura. E eu trabalhava no prédio
da Almirante Barroso, que era ali próximo. Então, meu contato com ele era constante e daí a minha ligação também com
a revista Módulo (...) E às vezes eles reclamavam, porque eu furava a revista, eles diziam que eu publicava matérias
antes de sair na Módulo. Houve uma certa briga por causa disso, mas uma briga cordial, não teve nada. E o Oscar, eu
levava sempre antes da revista ser editada, eu levava a boneca da revista para o Oscar verificar e dar o seu aprove. E
140
da feição gráfica, confirma a atenção do arquiteto carioca para as modalidades de apresentação
de suas obras; ao relembrarmos que o alvo dessa publicação era também o público das
embaixadas brasileiras no exterior, entendemos que Oscar Niemeyer preocupava-se igualmente
com a imagem de suas arquiteturas no estrangeiro.
“Fachada posterior do Palácio da Alvorada, em fase de acabamento.
Abaixo maquete do mesmo edifício permitindo uma comparação entre o projeto e a realidade.”
Legenda e página do número 14 da revista Brasília. Rio de Janeiro: Fevereiro de 1958.
houve umas coisas que eu fiz, ele gostou, algumas cartas, algumas apresentações, de uma maneira muito diferente ele
achou interessante e chegou a elogiar. Mas aí como o contato era grande …. O Oscar foi para Brasília em 58 com toda a
equipe de arquitetura pra lá e eu continuei no Rio até me formar. Depois de formado eu então fui para Brasília já com a
promessa dele de que seria integrado à Divisão de Arquitetura”. Montenegro, Hermano Gomes. Depoimento. Programa
de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
141
A revista Brasília aproveitava diversas estratégias comunicativas visuais para repetir e
repercutir sempre a mesma idéia: a cidade, suas arquiteturas, reproduz a idéia inicial, isto é,
aderem aos esboços de seus autores. Freqüentemente paginava os instantâneos dos palácios
edificados junto com as suas maquete. No caso mostrado aqui, a fotografia do Alvorada é tomada
suficientemente de longe para reproduzir as proporções da fotografia da maquete; apesar dos
caminhões em primeiro plano, a composição geral da imagem não compromete a
correspondência entre os edifícios das duas fotografias e assim testemunha que o projeto foi
executado de acordo com seu modelo original.
Página dupla da revista Brasília n. 19. Rio de Janeiro: Julho de 1958.
142
Freqüentemente, as capas da revista da Novacap eram o resultado de fotomontagens; a
sobreposição dos riscos de Niemeyer ou de Lucio Costa às fotografias das obras realizadas foi
muito explorada. Aliás, o layout aqui proposto parece traduzir visualmente a opinião que Oscar
Niemeyer defendia em 1993, com 86 anos: “De um traço nasce a arquitetura. E quando ele é
bonito e cria surpresa, ela pode atingir, sendo bem conduzida, o nível superior de uma obra de
arte”
81
. A outra imagem é a copia da contracapa que a revista reutilizou varias vezes em seguida.
Sobrepondo a fotografia de um candango chegando a pé a Brasília, [já publicada em 1957] com
as recentes fotografias dos prédios de uma superquadra, evidencia umas retóricas importantes,
que foi divulgada também pela revistas populares, acerca dos tempos extraordinários de
realização da cidade.
Se relembrarmos que o alvo da revista eram as bibliotecas, as universidades, os colégios e
as embaixadas brasileira no exterior
82
, entendemos melhor a função estratégica de suas capas:
mesmo que simplesmente expostas nas estantes ou nos gabinetes dos representantes
diplomáticos, seu frontispício teria transmitido informações importantes sobre a construção da
capital. A finalidade era lançar e sustentar a construção de Brasília: difundir imagens e relatos
positivos da construção da cidade e, sobretudo, mostrar o andamento das obras através da
documentação fotográfica
83
.
Esse esquema de paginação marcou a divulgação do mensal justamente entre 1958 e
1959. A sua redundância parece até colaborar para divulgar mensagens específicas em resposta
às muitas polemicas
que cercavam, naquele momento, o governo de Juscelino Kubitschek, isto é,
a construção da Capital. Em 1958, demitiu-se o então Ministro da Fazenda, José Maria Alkimin
84
;
a
impressão de papel-moeda para enfrentar os problemas financeiros naquele ano causou uma
forte inflação; em meados de 1959, JK rompeu com o FMI
85
. Em outubro de 1958, disputaram-se
também as eleições para 10 governadores e para a renovação do Parlamento, e a oposição
iniciou a aparelhar a organização de uma CPI a respeito de enxertos de verbas orçamentárias,
81
Cabe lembrar todavia, que o próprio Oscar Niemeyer acrescentava à mesma asserção que a arquitetura previamente
exige “a integração do arquiteto com os problemas do trabalho a executar”. Só depois do conhecimento dos “problemas
de natureza do terreno, de ambiente, de sentido econômico que ela representa, de orientação, etc.”
surge a “solução”
que precisa de exame sucessivo para verificar “se atende ao programa fornecido, se os técnicos do concreto armado
aceitam o sistema estrutural imaginado, se o dimensionamento corresponde às seções fixadas, se tudo pode funcionar
bem. Niemeyer, Oscar. Conversa de arquiteto. Rio de Janeiro: Editora Revan, UFRJ Editora, 1993.
82
Raimundo Nonato da Silva, em entrevista à autora, realizada em 14 de outubro de 2008 no Instituto Histórico
Geográfico do Distrito Federal.
83
Idem. Ibidem.
84
A política econômica dos nacionalistas insistia na necessidade de só aceitar empréstimos de capital estrangeiro com
muitas restrições, pois, omitindo as outras considerações, a remessa de lucro iria para o exterior, mas o governo de JK
assumiu abertamente a necessidade de atrair capitais estrangeiros, concedendo-lhes grandes facilidades
; o déficit do
PIB passou de menos de 1% em 1954 para 2% em 1956 e 4% em 1957; o balanço de pagamentos que fora quase
equilibrado em 1955 e 1956 apresentou em 1957 um déficit de 286 milhões de dólares; a inflação atingiu seu nível mais
alto em 1959, com uma variação de 39,5%. Boris Fausto, no livro História do Brasil, e Ronaldo Costa Couto, no livro
Brasília Kubitschek de Oliveira, e as revistas populares noticiam sobre a impressão de papel-moeda para enfrentar os
problemas financeiros; em meados de 1959 JK romperá com o FMI. Fausto Boris alega que “Carlos Lacerda
encabeçou o pedido de constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar irregularidades na
contratação das obras de Brasília”. Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.
85
Fausto, Boris. Op. cit e Couto, Ronaldo Costa. Brasília Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro: Record, 2001.
143
acusando a gestão de Israel Pinheiro
86
. Entre as polêmicas, de acordo com um depoimento de
Lucio Costa
87
, estava justamente a correspondência entre o plano inicial e sua realização.
Para viabilizar as obras, a própria Novacap acrescentou novas propagandas através dos
cinejornais: contratou Jean Manzon (colaborador da revista Módulo) e o cinegrafista Sálvio Silva
88
,
amigo de Israel Pinheiro
89
e proprietário da Libertas Filme de José e Sálvio Silva, sucessivamente
transformada em “Alvorada Filmes” e “S.S.S. Produções”. Os cinejornais foram um meio de relato
86
Em 1958, na revista Manchete apareceram algumas matérias que mostram preocupação com a pobreza dos
trabalhadores das obras de Brasília. Talvez espelhassem os murmúrios e as negociações que visavam ao
estabelecimento de um CPI para apurar a construção de Brasília. Diário de Noticias. Rio de Janeiro, 10/06/1958. Se
constituída uma CPI sobre o orçamento da PDF; inquérito de Dulce Magalhães relativamente a enxertos de verbas
orçamentárias. Diário da Tarde. Belo Horizonte. 10/06/1958. Frente nacionalista exige maior rigor na fiscalização das
verbas da união. CPI para apurar as denuncias de Alberto Bittencourt contra a administração do sr Israel Pinheiro. A
Gazeta. São Paulo. 7/05/1958 Quanto está custando Brasília?Tribuna da imprensa. Rio de Janeiro. 22/05/1958
Governo não pode desmentir os escândalos de Brasília.
87
“Não é verdade ter eu admitido que os realizadores de Brasília desfiguraram quase por completo minha idéia. Pelo
contrário. (...)” Manchete. Rio de Janeiro: 15/6/1963 pág. 28.
88
“em 1958 fizemos o primeiro filme colorido sobre Brasilia. Havia uma pressão muito grande contra a construção de
Brasilia. Quando o filme ficou pronto, o Dr. Israel me chamou e disse “olhe, Sálvio, vá dar um giro por Minas Gerais
exibindo esse filme, eu lhe dou um cartão de apresentação para os prefeitos. É preciso mostrar o que está acontecendo
em Brasília, porque a pressão é muito grande contra a construção”. Depoimento de Sálvio Silva. Apud: Alvim, Clara de
Andrade, org. Alvim, Clara de Andrade. Os cine jornais sobre o período da construção de Brasília. Catálogo
Funarte. Brasilia: MEC – SEC –SPHAN/pro Memória, 1983.
Parte dos cinejornais analisados e fichados nessa publicação pertencem hoje ao Arquivo Público do Distrito Federal,
onde são digitalizados e disponibilizado para pesquisa. No Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, são guardadas as
cópias, em fita VHS, de vários cinejornais realizados pela Imprensa Nacional. O arquivo não disponibiliza cópias para
pesquisa.
89
Alvim, Clara de Andrade. (Org,) Os cine-jornais sobre o período da construção de Brasília. Brasília: MEC – SEC –
SPHAN/pro Memória, 1989.
144
privilegiado: enfatizaram o ritmo de trabalho e a magia com a qual as obras tomavam formas. De
forma geral representaram uma forma importante de demonstrar o desenvolvimento das obras e as
características do processo e, sobretudo, de responder às indagações e críticas do País.
Talvez, as tensões políticas e a incorporação de novas representações realizadas pelos
diversos meios de comunicação também contribuíssem a exacerbar e radicalizar os discursos
elaborados pela revista Brasília.
Fotomontagem na contracapa da revista Brasília n. 25-29. Rio de Janeiro: Janeiro-Abril de 1959.
145
Repórter Manchete. Queremos que a arquitetura de Brasília seja pura e simples. Manchete. Rio de Janeiro: 13/9/1958.
As revistas populares, suas diagramações, a ênfase em certas informações e a omissão
de outras, as qualidades das fotografias, etc. contribuíram para a propagação e afirmação de uma
imagem “querida” das arquiteturas de Brasília. A propaganda colaborou também na construção de
um perfil “querido” de seus autores: Juscelino Kubitschek adotou a figura pública do pioneiro
bandeirante, Israel Pinheiro a do organizador tenaz e autoritário, Lucio Costa se subtraiu à
propaganda. Oscar Niemeyer ofereceu-se freqüentemente à imprensa: as palavras e as
fotografias, sobretudo da Manchete, construíram a sua imagem pública como pioneiro tanto na
vida de fronteira como na criação artística. As reportagens fotografaram seu alojamento, seu
vestiário simples e informal, sua vida cotidiana no abrigos precários da cidade em construção.
Transformaram-no em um Candango
90
: seu compromisso nos canteiros de obras fez dele um
herói da construção da cidade. Entregando-se aos fotógrafos, ele apresenta a si mesmo como
generoso trabalhador para o bem estar de seu país e, ao mesmo tempo, como um explorador de
novos horizontes e fronteiras artísticas. Essa retórica contém uma parte de verdade, pois durante
a construção da cidade Oscar Niemeyer passou a ser funcionário da Novacap e em 1958
91
mudou-se para os canteiros de obra, renunciando aos confortos da vida da cidade maravilhosa e
90
A discussão dessa figura que pertence à imagem da construção da capital, o objeto do capítulo O candango , herói de
Brasília.
91
Niemeyer,Oscar. Minha experiência em Brasília. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1961.
146
aos dinheiros procedentes dos outros compromissos de trabalho. Interessa, porém, ressaltar que,
além de pioneiro, as matérias da imprensa de massa construíram um retrato do arquiteto como
gênio. A partir de 1958, observamos o uso livre e despreocupado da palavra gênio ao se referirem
a Oscar Niemeyer e aos edifícios de Brasília, nos comerciais e nas matérias de cotidianos e das
revistas ilustradas (sobretudo na Manchete, mas também, embora em termos menos gritantes, na
O Cruzeiro). Essa pequena matéria de O Jornal do Rio de Janeiro, de 9 de janeiro de 1959,
resume o teor das demais: “Passeando solitário por entre as exíguas palmeiras dos jardins do
Palácio da Alvorada, Oscar Niemeyer faz dançar em seu cérebro de gênio, simples e humilde, as
colunas que sustentarão os edifícios de Brasília”.
A questão do gênio convida a relembrar que o tema da função do artista-gênio na História
foi objeto de algumas intervenções de Lucio Costa na imprensa de massa; a participação dos
intelectuais da época, inclusive o próprio Lucio Costa, à redação das revistas populares ilustradas
justifica um parêntese sobre as repercussões de seus discursos. Lucio Costa enfrenta o tema do
papel da criatividade na história cultural com o texto Razões da nova arquitetura, de 1936, que foi
publicado na Revista da Diretoria de Engenharia
92
. Quase construindo um sistema determinístico,
o texto identifica nos artistas
93
e, sobretudo, no artista de gênio, o fulcro da alavanca que permite
a passagem de uma época cultural para outra. Define a criatividade com o verbo captar e atribui
aos artistas o poder da mediunidade
94
.
92
Apud: Xavier, Alberto. (org.) Depoimento de uma geração. São Paulo: Cosac&Naify, 2003.
93
A criatividade dos artistas conduz a “vencer as encostas, levando-nos de um plano já árido a outro, ainda fértil”.
Costa, Lucio. Razões da nova arquitetura. [1936] In: Xavier, Alberto. Org. Depoimento de uma geração. São Paulo:
Cosac&Naify, 2003, pág. 48.
94
Os artistas são “antenas”: “inconscientemente quase”, “captam essa vibração coletiva e a condensam” nas obras de
arte; eles são médium capazes de capturar a totalidade da história. Porém, somente uma entre as inúmeras propostas
dos artistas “inelutavelmente” realiza o “equilíbrio”, “conforme com a nova realidade” que se impõe: a do artista de gênio.
O gênio destaca-se dos muitos outros que, “tendo apenas talento” limitar-se-ão em adaptar as novas descobertas,
“respeitando, porém, a trilha que a mediunidade dos precursores revelou”. Todas as citações entre aspas nesse trecho
são do mesmo texto: Costa, Lucio: Razões da Nova Arquitetura. [1936]. Op. cit.
147
Repórter Manchete. Queremos que a arquitetura de Brasília seja pura e simples. Manchete. Rio de Janeiro: 13/9/1958.
Em 1951, Lucio Costa retoma a questão com o texto Muita construção, alguma arquitetura
e um milagre. A reflexão, desta vez, é publicada no Correio da Manhã
95
, isto é, em um meio de
informação mais popular. Lucio Costa aqui discute o tema da arquitetura como obra de arte; ao
comentar a construção do prédio do Ministério da Educação e Cultura, consagra como gênio
Oscar Niemeyer, sendo ele “a personalidade capaz de captar as possibilidades latentes” daquele
“momento”; a figura que “soube estar presente na ocasião oportuna e desempenhar integralmente
o papel que as circunstâncias propícias lhe reservaram”. E conclui que daquele momento em
diante “um ritmo diferente” havia se imposto e “uma nova era” estaria assegurada.
95
O texto foi publicado no dia 15 de junho. In: Graeff Edgar (Org.) Lucio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre:
Centro de estudante universitários de arquitetura, 1962.
148
Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/1960.
Quase ressoando essas meditações, essa pequena matéria de 1960 na Manchete assim
comentava a obra de Niemeyer em Brasília: graças aos projetos para a Capital, Oscar Niemeyer
desvinculou-se definitivamente da figura de Le Corbusier; (...) o Planalto, desbravado por JK,
constituiu a grande mágica oficina de apuração estética, dentro da qual ele encontrou-se a si
mesmo e, ao encontrar-se a si mesmo, deu novo sentido à arquitetura universal
96
.
O fato de o jornalista repetir, ou parafrasear, as observações de Lucio Costa de poucos
anos anteriores evidencia tanto a continuidade de representações e interpretações quanto as
repercussões dos discursos teóricos nos meios de informação de massa. Podemos até supor que
o texto de 1951, devido a mídia na qual foi publicado, não só alcançou um público maior, mas
também serviu de referência para os jornalistas das revistas populares elaborarem suas matérias.
Paralelamente, uma rica série de imagens envolvendo Oscar Niemeyer foi publicada pelas
revistas ilustradas durante a construção da capital. Sua redundância estimula uma reflexão sobre a
relação que se institui entre o fotorrepórter e o sujeito fotografado, esse último participando
ativamente da confecção da própria imagem para a mídia. Ao chamar a atenção para as
fotografias que, durante a construção da capital, construíram a imagem pública de Oscar Niemeyer
deve-se frisar que foram divulgadas, sobretudo entre 1958 e 1959, e parecem mais uma vez
instrumentos para contrastar as polêmicas política que circundavam a construção da cidade e
proteger o governo de Juscelino Kubitschek.
96
Caio de Freitas. Niemeyer: poema em concreto-armado. Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/1960.
149
Supostamente simplórios, mas extremamente complexos, os instantâneos, sobretudo os
retratos, são justamente entre os instrumentos mais atuantes entre as informações visuais da
mídia. Ao descrever Oscar Niemeyer nos canteiros de obra em Brasília, por exemplo, os
instantâneos da revista Manchete, simulam que ele é flagrado, pego de surpresa; a diagramação
das páginas reforça a idéia da fotografia “roubada”. Ao mesmo tempo parece que os muitos
retratos recortam sobre ele uma espécie de “retórica visual do gênio”, funcional também para a
propaganda presidencial.
Relembremos que o termo fotorreportagem – imagem que reporta aspectos do mundo –
indica, a rigor, qualquer fotografia batida em tempo real no lugar de um acontecimento
97
; o termo
distinguia o registro mecânico do “estado vivente”
98
da realidade da dita fotografia de ateliê, na
qual as situações são construídas artificialmente, visando, geralmente, melhores qualidades
estéticas. Mas os retratos fotográficos das revistas populares mesclam a fotografia de ateliê com a
naturalidade e a imediatez da fotorreportagem, valendo-se da participação dos retratados. Esse
tipo de comunicação visual, em virtude tanto da natureza intrínseca à própria fotografia quanto de
seu uso nos meios de comunicação de massa, coloca o público na condição de acreditar que
aquela apresentação é/foi efetivamente “a realidade”; isto é, coloca o leitor em uma situação de
passividade, o aniquila diante da leitura crítica das próprias imagens
99
, impedindo-lhe de
reconhecer onde termina a comunicação do instantâneo, isto é, a ocorrência e o humano, e onde
inicia a construção de uma mensagem especifica, visando a promover uma sensação, uma
emoção, uma personagem pública, ou até o sensacionalismo. O público receptor, especialmente
no caso das fotorreportagens, é dessa forma “condenado”
100
à passividade, passividade que
provocou, justamente em 1957, as reflexões de Roland Barthes
101
acerca do poder da informação
de massas e das propagandas para criar mitos.
97
De Paz, Alfredo. Fotografia e società; dalla sociologia per immagini al reportage contemporaneo. Napoli, Liguori
editore, 2001.
98
Eric Salomon, um dos pais do fotojornalismo europeu, evidenciava o esforço do fotorrepórter de relacionar a realidade
[evento ou personagem] “arrebatando-a” a fim de sintetizar-la em uma imagem só e dentro da rapidez dos
acontecimentos. “A Atividade de um fotógrafo de imprensa que queria ser mais que um artesão é uma luta continua pela
imagem.” [Erich Salomon] apud: Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São
Paulo, Cosac&Naify, 2004.
99
Kossoy, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia –SP: Ateliê Editorial, 2000.
100
D’Autilia Gabriele. L’indizio e la prova. La storia nella fotografia. Milano: Bruno Mondatori, 2005.
101
Ao introduzir o trabalho sobre as estratégias comunicativas no século XX, Roland Barthes declara seu incômodo
para com o “fato de não conseguir tolerar a “naturalidade” com a qual, sem cessação, a imprensa, a arte, o sentido
comum, revestem nossa realidade; uma realidade que, pelo fato de ser aquela na qual vivemos, não é menos histórica”.
Ele esclarece que este incômodo provem da “confusão entre Natureza e História a cada ocasião, no relato sobre nossa
atualidade”. Junto ao aborrecimento derivado da desordem crítica entre Natureza e História, Barthes declara também
que o objetivo do trabalho Mythologies é comprovar “na exposição decorativa do óbvio, o abuso ideológico nele
escondido.” A tradução em italiano que nos utilizamos porta o título de “Miti d’oggi”, que revela, desde o título, o
interesse do texto para com as dinâmicas comunicativas da contemporaneidade. O ensaio é de 1957; a primeira edição
italiana é de1974. Barthes, Roland. Miti d’oggi, Torino: Einaudi, 1994.
150
Gervásio Batista. A capital da esperança.
Manchete. Rio de Janeiro: 19/09/1959.
Repórter Manchete. Nina Scampolò, de Roma, veio
cobrir a inauguração na nova capital.
Manchete. Rio de Janeiro: 23/4/1960.
Os fotojornalistas, graças também à extrema permeabilidade da própria fotografia e à
circulação das informações visuais realizadas pela mídia, valiam-se de uma linguagem visual
comum, mas também elaborada e refinada. Seu estatuto profissional de free lance desvinculava-
os da dependência de um especifico cabeçalho. Muitos deles mudaram de uma revista para outra,
espalhando e favorecendo trocas e empréstimos de códigos e arranjos visuais. Peter Scheier foi
fotógrafo da O Cruzeiro e depois da Habitat
102
; Marcel Gautherot foi colaborador da O Cruzeiro, da
Módulo e recenseou o patrimônio arquitetônico para o Isphan
103
; Gervásio Batista, chefe da
divisão dos fotógrafos da Manchete, foi discípulo de Henri Cartier-Bresson
104
e foi diretor da
revista Fatos&Fotos; Kasmer, fotógrafo da Módulo, provavelmente
105
é Kazmer Fejer, assinante
do manifesto “Ruptura” com Geraldo de Barros e outros. Jean Manzon nos anos 40 trabalhava
para a O Cruzeiro; aqui publicou
106
uma serie de fotorreportagens de cunho, digamos surrealistas:
102
Gouveira, Sonia Maria Milani. O homem, o edifício e a cidade por Peter Scheier. São Paulo: Dissertação de
mestrado apresentada à FAU-USP, 2008.
103
Gautherot, Marcel. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1990.
104
Até 2007, Gervásio Batista era atuante como fotógrafo. Ele foi o diretor da fotografia de Fatos&Fotos, fundada em
1961. A nota sobre sua aprendizagem com Henry Cartier Bresson encontra-se na sua biografia publicada pela wikipedia
e precisaria de pesquisa para sua confirmação.
105
Infelizmente não temos registros definitivos sobre o trabalho de Kasmer Fejer como fotógrafo.
106
Costa Helouise, Um olho que pensa: estética moderna e fotojornalismo. São Paulo: Tese de doutoramento
apresentada à FAU/USP, 1998.
151
colagens realizadas com recortes de instantâneos em escalas diferentes, retratos com olhos
dilatados pela lente de aumento, vitrines com a repetição do mesmo membro, etc. Mais
interessante ainda, publicou a fotorreportagem Portinari intimo (21 agosto 1943), fragmentando o
vulto do pintor por trás de seus pinceis e evidenciando seu olhar e a intensidade de sua
expressão. As fotorreportagens da Manchete parecem então explorar e incorporar, evocar e
equivocar outras imagens, inclusive um repertorio específico de retratos fotográficos dos artistas
surrealistas no mundo afora. Junto aos textos, que remodelavam e citavam as teorizações de
Lucio Costa, os instantâneos transformaram, naquele momento, o arquiteto em emblema do
gênio; trivializaram e depreciaram as teorizações sobre o papel da criatividade na produção
artística.
Em seguida, nos deteremos nas imagens e narrativas fotográficas da revista Módulo e
Brasília, à procura de suas mensagens para o mundo dos arquitetos e dos artistas.
152
Oscar Niemeyer não gostava muito do trabalho de Mario Fontenelle. Confrontaremos,
portanto, alguns instantâneos, procurando entender quais características visuais descrevem
melhor as obras de Oscar Niemeyer de acordo com seu próprio autor.
Antes de analisar as imagens, cabe colocar algumas informações. A fotografia de
Fontenelle aqui reproduzida pertence ao Arquivo Público do Distrito Federal e foi cedida, já
digitalizada, diretamente à autora. Antes dos negativos de Fontenelle e do material da Divisão de
Divulgação da Novacap serem guardados no Arquivo Público, ficaram durante anos descuidados
e maltratados
107
e grande parte se perdeu; portanto nossa apreciação limita-se às qualidades
composicionais da imagem, sendo que não podemos avaliar as qualidades “técnicas”, como o uso
das luzes, os contrastes, etc. A fotografia de Marcel Gautherot pertence ao Instituto Moreira
Salles do Rio de Janeiro e foi retirada diretamente daquelas disponibilizadas pelo site da
fundação; o patrimônio do acervo adquirido pelo Instituto procede diretamente do laboratório de
Gautherot e podemos, portanto, imaginar melhores condições gerais de conservação.
A fotografia de Fontenelle é tomada entre as colunas do Planalto mas no nível do chão, a
de Gautherot entre aquelas do Supremo, ma no nível do peristilo: por encontrar-se em níveis
diferentes, as objetivas dos fotógrafos enquadram a praça e as arquiteturas de forma desigual.
Porém, os arranjos são similares: aproveitam-se das linhas plásticas dos pilares para
enquadrar o espaço urbano e as torres gêmeas do Congresso. Escolhemos essas duas imagens,
apesar de existirem outras mais parecidas, pois suas autorias são conhecidas: a revista Brasília e
a revista Módulo nem sempre cuidavam de colocar a assinatura do fotógrafo.
A foto de Gautherot exaspera os brancos e pretos: a iluminação transforma as colunas e as
torres em lâminas e geometrias; exacerba as distancias com a grande-angular enquanto o ajuste
conserva ininterrupta a linha dos pilares até a junção com o teto. Exaltando a sutileza e a elegância
das pontas, poupa o volume “compacto e simples” do edifício. O horizonte, no centro da imagem, é
livre, as linhas e os vazados do Palácio correspondem às formas geométricas do conjunto do
Congresso, inclusive com fragmentos de abóbadas. No núcleo da imagem, a arquitetura confronta-
se com o espaço: o céu e a paisagem despovoada constroem um panorama urbano metafísico.
Enfim, a imagem fixa a abstração da relação objeto-espaço; evidencia a leveza dos pilares e a
estética do concreto.
Também a fotografia de Fontenelle ressalta as linhas sinuosas das colunas, mas a
proeminência escura do andar térreo do edifício impede a percepção do volume total do mesmo.
Do ponto de vista da descrição da arquitetura, o instantâneo sacrifica o Planalto: seu volume é
bruscamente interrompido pela sombra escura da laje e a ponta fina da coluna é cortada pelo
enquadramento. O ponto de vista da objetiva muda a relação entre o edifício e seu espaço urbano.
No centro da imagem, emergem os outros prédios da praça, o corpo vertical do Congresso e
aquele horizontal do Museu fechando a linha do horizonte; aparecem também carros estacionados,
107
Raimundo Nonato da Silva em entrevista à autora.
153
descrevendo assim um espaço urbano mais “normal” e relatando o dia-a-dia da cidade que se
instala junto com suas arquiteturas “revolucionárias”
108
.
Foto Mario Fontenelle
Palácio do Planalto, 1960.
Fonte: Arquivo Público do DF.
Foto Marcel Gautherot
Palácio do Supremo, 1958 (?).
Fonte: Instituto Moreira Salles www.ims.uol.com.br
.
108
Para descrição das arquiteturas de Brasília, os adjetivos que recorrem nas matérias das revistas populares são:
extraordinárias, inéditas, revolucionárias, geniais.
154
Quanto às duas fotografias do Congresso, novamente não sabemos exatamente como
avaliar o ajuste do foco e os contrastes de branco e preto. A imagem de Fontenelle foi escaneada
diretamente da revista Brasília, que imprimia em papel de má qualidade; além disso, devemos
lembrar que estes instantâneos podiam se objeto de recortes por parte do diagramador. O
instantâneo de Gautherot, assim como o anterior, foi baixado do site do Instituto.
Conjunto do Congresso em construção
Fonte: Brasília n. 28.
Rio de Janeiro: Abril de 1959.
Foto Marcel Gautherot
Conjunto do Congresso em construção, 1959.
Fonte: Instituto Moreira Salles www.ims.uol.com.br
.
Parece que as fotografias de Fontenelle, de forma geral, são menos incisivas. Talvez ele
procurasse amortecer os contrastes das luzes do Planalto em prol das nuances, em favor das
pessoas, enquanto Gautherot evitava os cinzas e destacava os brancos e pretos absolutos e as
sombras cortantes.
155
A perspectiva central e a partição ortogonal da imagem de Fontenelle evidenciam o
homem passeando na rampa; temos até a impressão que o fotógrafo pediu para ele avançar em
direção à máquina fotográfica. O arranjo cria uma composição estática, na qual as figuras
humanas catalisam toda a nossa atenção; o enquadramento frontal simplifica a arquitetura, que
dessa forma não tem movimento nem profundidade. O corte da foto de Gautherot, pelo contrário,
ressalta os planos inclinados da passarela; contrapõe o globo da cúpula à vertical das torres
gêmeas, ângulos retos e agudos às linhas curvas, os negros retangulares à direita com o redondo
claro à esquerda; volume redondo é retomado pela abóbada e ecoa no chapéu do homem de
costas; a passarela prossegue através da janela para além do muro preto, a própria janela,
retalhando um quadrado claro no campo preto, aprofunda o horizonte e a própria construção; a
figura caminhando de costas – talvez, também ele a tenha convidado a caminhar – convida nosso
olhar a percorrer as formas do prédio e, em geral, a construção nos aparece uma composição de
volumes geométricos puros.
Brasília n. 33. Rio de Janeiro: Setembro de
1959.
Marcel Gautherot. Palácio do Supremo, 1961
Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br.
Apresentamos também esta dupla de fotografias. A primeira é publicada na revista Brasília;
os contrastes menos incisivos, as gradações dos cinzas, a ausência de sombras nítidas deixam
156
entrever a assinatura de Mario Fontenelle. A segunda é de Marcel Gautherot, retirada do site do
Instituto Moreira Salles.
Interessa evidenciar o quanto os autores repetissem os mesmos arranjos e
enquadramentos, experimentassem as soluções realizadas pelos colegas. Desta maneira, os
retratos dos edifícios representativos da Capital se parecem uns com os outros até formar quase
que uma única imagem.
Todavia, a observação mais cuidadosa revela as diferenças: no instantâneo de Gautherot
a sombra diagonal do pilar e a objetiva mais ampla aprofundam a imagem e incrementam nossa
percepção de vazio e leveza. Na outra imagem, as nuances e a objetiva inferior aproximam o
fundo da imagem enquanto as sombras horizontais dos pilares no peristilo compõem uma grade
com as verticais das próprias colunas e devolvem uma idéia mais sólida e estática da arquitetura.
Provavelmente Gautherot era melhor fotógrafo de arquitetura que Fontenelle, seu olho, por
ser ele mesmo arquiteto, interpretava e exaltava a abstração dos volumes puros dos prédios,
enquanto o olho de Fontenelle era mais atraído pela idéia de que aquele enorme canteiro de obra
se tornaria cidade. Interessa destacar a coerência interna das imagens de Gautherot, o fato dos
instantâneos realizarem composições abstratas com os volumes arquitetônicos e as figuras
humanas perfeitamente coerentes em si, até independentemente da realidade que supostamente
retratam. Entendemos que este tipo de abstração e concisão interessava a Oscar Niemeyer.
Flavio Damm. Maquete do conjunto dos primeiros projetos para a Nova Capital.
Fonte: Módulo n. 6. Rio de Janeiro. Dezembro de 1956.
157
A Módulo n. 6 apresenta e amplifica em duas páginas duplas a maquete dos primeiros
prédios para a Nova Capital. Relembramos as dimensões da revista: as fotografias ocupam mais
de metade do espaço disponível para a diagramação; elas têm um formato longitudinal muito
expressivo, quase 20 x 60 centímetros. A primeira página dupla apresenta a fotografia da maquete
do “parque” de construções para a Nova Capital; o instantâneo é acompanhado por um outro que
retrata o modelo tridimensional de um ponto de vista a pino.
Nesses instantâneos, o modelo perde sua tridimensionalidade e assemelha-se a um
quadro abstrato; o branco e preto retira as eventuais cores e achata todas as referencias. A
imagem aprofunda ainda mais a abstração do projeto, sobretudo evoluindo e exacerbando o
afastamento entre arquitetura e ambiente físico, que já havia sido articulado e enunciado através
do plano liso do solo da maquete. Sobre esse solo, Niemeyer explicaria logo em seguida
109
que os
edifícios deviam levitar.
A dupla seguinte isola e detalha o modelo tridimensional do palácio, do qual fornece
também uma vista da fachada; o ponto de vista perpendicular à frente do edifício e quase
proporciona o detalhamento de uma secção. Mas o fato dela ser uma fotografia opera uma re-
semantização importante da imagem; o fundo preto e a bicromia, mais do que informar sobre a
fachada, detalham as justaposições e a composição das formas no instantâneo. As massas do
balcão e da rampa dialogam com o ritmo e a forma dinâmica das colunas, contrapõem-se às
linhas retas do solo e do teto; enfim, a fotografia denuncia mais continuidades com um quadro
abstrato do que com um desenho técnico de arquitetura. Aliás, no instantâneo realizado com o
ponto de vista perspéctico, a composição evidencia uma escultura solta no parque; no
delineamento da fachada, aparece uma estátua, cortada, de uma figura humana em pé.
Os instantâneos a pino indicam interlocuções com os processos de abstração realizados
pelas artes visuais, pintura e fotografia, que vamos observar melhor à frente.
109
“Uma solução de ritmo continuo e ondulado, que confere à construção leveza e elegância, situando-a como que
simplesmente pousada no solo”. Niemeyer, Oscar. Apud: Palácio residencial de Brasília. Módulo n. 7, Rio de Janeiro:
fevereiro de 1957.
158
Em janeiro e fevereiro de 1958, a revista Brasília, cujas matérias, como já dissemos,
dependiam da aprovação de Oscar Niemeyer
110
, publica na seção Arquitetura e urbanismo, sob os
títulos Exposição permanente de Brasília e As artes em Brasília, duas matérias que explicam as
diretrizes gerais para as artes plásticas da futura capital
111
. Essas matérias inserem-se nas
discussões sobre síntese das artes na cidade nova
112
: naquele momento já estava se organizando
o próprio Congresso Internacional da Associação Internacional de Críticos de Arte e não por
acaso a seção Arquitetura e Urbanismo daqueles dois números foi dedicada à relação entre artes
e cidade nova.
O artigo As artes em Brasília, cujo texto se aproveita de uma sintética lição de história da
arte [mas uma história reescrita para a ocasião], justifica o papel decorativo da pintura e da
escultura nas demais realizações arquitetônicas e urbanas desde a antiguidade. As fotografias
publicam as obras já escolhidas pela Novacap para decorar: o Palácio da Alvorada [estudo de
mural de Portinari e uma escultura de Ceschiatti para o espelho d’água da fachada], a capela do
Palácio [estudo de vitrais de Athos Bulcão], o Hotel [escultura de Edgar Duvivier], a capela de
Nossa Senhora de Fátima [estudos de murais de Volpi] e, sem destinação, uma escultura de
Bruno Giorgi.
O artigo Exposição permanente de Brasília, junto com a afirmação de que a capital, porque
cidade nova, seria a síntese das criatividades artísticas brasileiras e a expressão do “ideal estético
brasileiro”, declara uma concepção hierárquica das artes visuais,
na qual a arquitetura tem o papel
fundamental de conferir o ritmo e o significado às outras. Essa interpretação se justifica pela
110
O diretor da Divisão de Divulgação da Novacap, Raimundo Nonato da Silva, em depoimento à autora, afirma a
dependência das matérias sobre arquitetura e urbanismo da aprovação de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Hermano
Montenegro, diagramador da revista na época, descreve de qual forma as matérias sobre arquitetura e urbanismo eram
vinculadas à revisão crítica de Oscar Niemeyer, inclusive suas paginações. “O Oscar Niemeyer nessa época ainda
estava no Rio, trabalhava no Ministério da Educação e Cultura. E eu trabalhava no prédio da Almirante Barroso, que era
ali próximo. Então, meu contato com ele era constante e daí a minha ligação também com a revista Módulo (...) E às
vezes eles reclamavam, porque eu furava a revista, eles diziam que eu publicava matérias antes de sair na Módulo.
Houve uma certa briga por causa disso, mas uma briga cordial,o teve nada. E o Oscar, eu levava sempre antes da
revista ser editada, eu levava a boneca da revista para o Oscar verificar e dar o seu aprove”. Montenegro, Hermano
Gomes. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989. O diretor da
Divisão de Divulgação da Novacap, Raimundo Nonato da Silva, em depoimento à autora, confirma a dependência das
matérias sobre arquitetura e urbanismo da aprovação de Oscar Niemeyer e Lucio Costa.
111
A Exposição Brasília “pretende dar ao público uma idéia do desenvolvimento dos trabalhos de construção da futura
capital, (...) concretização de uma esperança alimentada por todos os representantes da cultura brasileira, a fase atual
de um ideal estético brasileiro, através da consolidação, na nova urbe, racionalmente planejada, das diferentes artes
visuais. (...) Procura-se realizar uma síntese parcial, a mais perfeita possível, das artes visuais no melhor estado em que
se encontram no atual estágio de desenvolvimento de nossa cultura”. Seção arquitetura e urbanismo. Exposição
permanente de Brasília. Brasília n. 13. Rio de Janeiro: janeiro de 1958.
“Em Brasília, as artes brasileiras, em conjunto, enfrentarão seu primeiro grande desafio, fato a que já está atenta a
opinião crítica internacional”. Seção arquitetura e urbanismo. As Artes em Brasília. Brasília: Rio de Janeiro, fevereiro de
1958.
Essas matérias não tem assinaturas, mas, de acordo com os depoimentos de Raimundo Nonato da Silva e de Hermano
Gomes Montenegro, desde abril de 1957 os artigos sobre arquitetura e urbanismo da revista Brasília eram elaboradas,
quase exclusivamente, pelo próprio Hermano Montenegro, arquiteto ainda estudante, que irá integrar a equipe do
Departamento de Arquitetura e Urbanismo em Brasília em 1959, logo depois de formado.
112
Mario Pedrosa, durante o ano de 1958, ministrou uma palestra sobre o tema: A cidade nova e a síntese das artes;
Centro de Estudos Brasília. Noticiário Módulo n. 11. Rio de Janeiro: dezembro de 1958.
159
avaliação favorável ao estado da arte da arquitetura moderna brasileira e pela estimativa de que
“não possuímos uma pintura desse nível, nem escultura, nem muito menos artes decorativas”
113
.
As duas matérias são uma ocasião para lançar algumas mensagens aos artistas plásticos
eventualmente chamados a colaborar nas obras para a nova capital, para que “se dispam de seus
próprios interesses para ajudar Lucio Costa e Oscar Niemeyer a realizar (...) a integração em
nossa época, das diversas formas artísticas de uma cultura”
114
.
Luisa Videsott. Escultura de Ceschiatti (detalhe) na frente do Palácio do Alvorada, setembro de 2009.
Nesse lembrete aos artistas, entra o eco de outras discussões. Remete certamente às
nevrálgicas intervenções de Mario Pedrosa, ao seu projeto construtivo e às suas considerações
acerca da função da arquitetura moderna na procurada síntese das artes, às quais Otilia Arantes
dedica uma ampla reflexão crítica. Nos parece, todavia, que a idéia da síntese das artes de Mario
113
Exposição permanente de Brasília. Brasília n 13. Rio de Janeiro: janeiro de 1958.
114
Exposição permanente de Brasília.Op. cit.
160
Pedrosa
115
, mesmo tendo a nova arquitetura como ponto decisivo e uma sociedade utópica como
objetivo a ser perseguido, difira daquela da revista Módulo
116
justamente no que diz respeito ao
papel organizador das artes preconizado para a arquitetura. Módulo propõe que as intervenções
dos diversos artífices, pintores, escultores, decoradores, etc. sejam coordenadas
hierarquicamente pelos arquitetos.
A pintura e a escultura desenvolvem umas funções gregárias, decorativas, que visa à
exaltação dos espaços. A construção de Brasília, “síntese das artes”, parece concluir um percurso
de aceitação da linguagem não-figurativa para as obras de arte cívicas, isto é, para os
monumentos e as demais obras públicas. Se pensarmos, acompanhando Anateresa Fabris, que,
de forma geral, “a idéia de modernidade não possuía [no final dos anos 30] contornos muitos
nítidos, tanto no plano da criação quanto naquele da reflexão”
117
, poderíamos defender que em
Brasília as esculturas e as obras de arte plástica em geral [isto é: as escolhidas pela Novacap
118
]
acabaram coroando esse debate sobre a linguagem abstrata dos monumentos, mantendo e
consolidando o papel de dirigente da arquitetura e do projeto urbano. Talvez afirme uma vertente
“decorativa” da escultura quando a serviço da arquitetura; talvez feche um discurso em aberto
desde a polêmica sobre O Homem Brasileiro
119
, onde estava justamente em debate a estilização
na “grande escultura”, mas é inevitável notar a relação entre a linguagem estilizada e/ou
abstracionista das obras figurativas e os perfis e o ritmo das colunas dos prédios do poder de
Brasília. É inevitável enxergar o quanto as esculturas emprestem suas formas às arquiteturas. Ao
observarmos o perfil das estátuas de Giorgi, “Os Candangos” ou “Meteoro”, ou daquela de
115
Pedrosa atribui à arquitetura a função de obra-síntese, resultado de forças criativas e sociais, expressão coletiva,
principalmente conjunta e simultânea, das interlocuções entre as artes. A idéia da síntese das artes ser o êxito de um
projeto artístico que decorre da participação de arquitetos, escultores e pintores no desenvolvimento do próprio projeto
urbano de uma cidade nova, será remarcada freqüentemente nas comunicações dos convidados participantes
do
Congresso Extraordinário da A.I.C.A. de 1959. No final de 1957, ao comentar a intervenção de Lygia Clark na Bienal de
São Paulo (setembro-novembro de 1957), deixa clara sua idéia de síntese das artes como convergência e diálogo de
intenções criadoras, unidas em um programa comum. Escreve: Lygia Clark“ficou obcecada pelos problemas ditos de
“integração das artes”. (...) Pintora, não se conformava, porém, com o lugar de ajudante ou de complemento que lhe dá
o arquiteto, quando se decide a chamar pintor ou escultor para decorar um muro ou preencher um canto de espaço
vago. Para ela, o pintor e o escultor deveriam ser chamados a colaborar com o arquiteto, em pé de igualdade, desde a
planta no chão. O mural é uma sobrevivência injustificada, e deve ser substituído pela modulação planimétrica. Essa
modulação se há de fazer com a linha combinada à cor, e considerada a parede não isoladamente, mas em função do
espaço, dos vãos, do teto, do piso, do material em que é feita”. In: Pedrosa, Mario. Lygia Clark, ou o fascínio do espaço.
In: Arantes, Otilia (Org.). Mario Pedrosa. Acadêmicos e Modernos.Textos escolhidos. São Paulo: Edusp, 1998.
116
Depara-se nas matérias da Módulo, desde meados dos anos 50, o consenso de que a arte visual, a pintura antes de
tudo, para ser moderna devia ser abstrata. Em setembro de 1956, Antonio Bento [Módulo n.3] afirmava que “a
integração da pintura na arquitetura só poderá ser feita satisfatoriamente, nos tempos modernos, sob o signo da arte
abstrata”; No fundo trata-se de voltar às suas forças elementares, e com elas construir algo de universal e humano”
[Módulo n. 5]. Essas reflexões serviram de base para essa matérias da revista Brasília de janeiro de 1958, que vamos
apresentar melhor à frente. Frisamos que essa matéria de Saldanha compõe o sumário do número da Módulo que
apresenta o projeto definitivo do Palácio da Alvorada junto a uma fotorreportagem de Marcel Gautherot sobre as
esculturas, troncos de árvores tortos, produzidas pela natureza. Vale dizer: a leitura conjunta desse sumário seria,
sozinha, a amostra das idéias sobre abstração da redação da Módulo. Uma nutrida série de intervenções sucessivas,
ainda nas páginas da revista Módulo
, reafirma, ao longo dos anos 1957-1959, o silogismo de que modernidade é
abstracionismo; em 1959 estabelece qual moderna, brasileira e nacional a arte neoconcreta [Módulo n. 13]..
117
Fabris, Anateresa. Recontextualizando a escultura modernista. In: Itaú Cultural (Org.). Tridimensionalidade, arte
brasileira do século XX. São Paulo: Cosac&Naify, 1999.
118
Desde final de 1957, a Novacap escolheu as esculturas a serem colocadas junto aos Palácios da Capital. Brasília n.
12. Rio de Janeiro: dezembro de 1957. Módulo n 10. Rio de Janeiro: agosto 1958.
119
Fabris, Anateresa. Op.cit.
161
Ceschiatti, na frente do Palácio da Alvorada, enxergamos claramente as correspondências de
linhas, ritmos e volumes que as próprias esculturas instituem com os edifícios e não podemos
deixar de pensar que foram ali colocadas justamente para enfatizar as analogias entre o
abstracionismo escultural e o arquitetônico.
Todavia, distinguimos também que a própria arquitetura tem suas figuras em um mundo de
imagens que depende da relação mútua, de trocas e empréstimos formais e conceituais, com as
outras artes visuais. Aliás, o texto de janeiro de 1958
120
acima citado coloca vários conceitos
interessantes. Assinalamos nosso incômodo, sem, porém ter aqui espaço para aprofundá-lo, com
a afirmação de que uma má pintura abstrata tem a vantagem de ser “simplesmente passiva”. Mais
interessante para os efeitos das nossas reflexões é a afirmação de que o ponto de vista visual é
mais “objetivo” e, particularmente, a declaração da existência de interlocuções importantes entre
os processos criativos da arquitetura e das artes visuais: “é criando novas formas, apontando
novos caminhos, que a pintura e a escultura se impõem à arquitetura”
121
. Observemos agora as
comunicações visuais, pois são mais “objetivas”, que a matéria de janeiro de 1958 proporciona
acerca da arquitetura
122
.
No artigo Exposição permanente de Brasília, o texto é mais extenso; demarca a opinião que
a arquitetura moderna brasileira, “primeira de nossas artes a realmente atingir um nível universal”;
(...)“aproxima-se, sozinha, por seus próprios meios plásticos, da escultura” e “sabe usar, ela
mesma, quanta cor lhe apraz”
123
. Suas conjeturas são acompanhadas e sustentadas pela
“fotografia de uma superquadra de Brasília”
124
. O instantâneo é de Humberto Franceschi, fotógrafo
da Módulo, e depende de um ponto de vista a pino sobre o modelo tridimensional; reconhecemos
com uma certa fatiga, o projeto da superquadra Sul 308.
A arte em discussão nesse artigo é arquitetura; pintura e escultura são objeto do número
sucessivo. As fotografias apresentam: uma maquete da Praça dos Três Poderes, um instantâneo
com Oscar Niemeyer que explica o Palácio da Alvorada para o Presidente e esta fotografia de
uma superquadra. Na diagramação, o instantâneo, como já vimos, ocupa uma folha e meia. O
ponto de vista perpendicular, eliminando os volumes e as sombras, reduz o modelo – isto é, a
projeção simbólica de um trecho de cidade – a uma composição abstrata de formas geométricas
retangulares e amebóides.
120
Exposição permanente de Brasília. Brasília n. 13. Rio de Janeiro: janeiro de 1958.
121
“A arte abstrata excita sensações mais íntimas, de maneira que essa arte se faz julgar de um ponto de vista visual,
mais “objetivo”. Uma má pintura abstrata tem pelo menos a vantagem de ser simplesmente passiva, desprovida de
significado. Será raramente tão desagradável como as pinturas figurativas do mesmo vel. (...) Em Brasília estarão em
cheque, como nunca, as qualidades realizadoras do povo brasileiro, (...). E criando novas formas, apontando novos
caminhos, que a pintura e a escultura se impõem à arquitetura: e não falando alto, fazendo escândalo, destruindo o
equilíbrio, o sentido de estrutura e totalidade sem o qual, o melhor edifício é, ao ser realizado, uma obra frustrada”.
Idem. Ibidem.
122
Exposição permanente de Brasília.Op. cit.
123
Idem. Ibidem.
124
Este é o texto da legenda; ela declara também a autoria do instantâneo. Exposição permanente de Brasília. Op.cit.
162
Humberto Franceschi. Maquete de uma superquadra de Brasília.
In: Seção Arquitetura e Urbanismo. Exposição permanente de Brasília. Brasília n. 13. Rio de Janeiro: Janeiro de 1958.
Na economia geral da matéria, a fotografia a pino da maquete de uma superquadra é
escolhida para reforçar os conteúdos do texto e não para informar sobre o planejamento da
capital. No entanto, ela cumpre uma operação importante de abstração e de transformação
semântica do objeto representado, que interessa justamente à nossa reflexão. O texto ao lado, de
fato, afirma que pintura e artes visuais apontam
125
novos caminhos para as artes e que a
referencia é a pintura abstrata. Seu caminho está emprestando também à arquitetura novos
programas, como, por exemplo, a síntese, a coesão, a concisão, a própria abstração. Todavia, o
meio visual que melhor transmite o fato da arquitetura alcançar esse programa é a fotografia. Essa
ultima fixa, isola, recorta, achata, enfim, como já vimos, pode transformar um projeto em um jogo
de formas independentes e soltas.
125
“As formas na arquitetura não nascem arbitrariamente. Disciplinam sua criação forças exteriores independentes da
vontade do artista. Este coordena, dispõe, cria ritmos, com elementos que, em última análise, estão subordinados a
exigências de ordem construtiva, técnica e programática. E, além disso, há uma subordinação geral desses elementos à
escala humana. Mas, no fundo, a criação artística obedece aos mesmos impulsos presentes nas outras artes. O que dá
maior força, mais clareza, mais convicção e comunicabilidade à arquitetura moderna é a coerência formal que preside
suas criações. Nas obras mais significativas atinge uma pureza plástica que supera a todos os padrões clássicos:
consegue uma unidade de composição que destrói o conceito clássico das fachadas como componentes destacáveis de
um todo. De certo modo a arquitetura moderna absorve os atributos da escultura, para tornar-se mais expressiva, mais
humana. Na pintura abstrata, tal como se apresenta agora, as forças exteriores que sobre ela atuam como elementos
de disciplina e coesão não se mostram com a mesma transparência”. Saldanha, Francisco. Apud: Módulo n. 7. Rio de
Janeiro: fevereiro de 1957.
163
Fotografia sem assinatura. Maquete de uma superquadra de Brasília.
Seção Arquitetura e Urbanismo. Brasília n. 9, setembro de 1957.
A comparação evidencia o quanto a ótica é capaz de transformar o significado das
imagens: o segundo instantâneo devolve as três dimensões e aparece, supostamente, menos
ambíguo que o primeiro. Todavia, a fotografia, evocando uma visão do aéreo, denuncia mais
problemáticas semânticas e hermenêuticas, tanto da maquete quanto da imagem: o isolamento do
modelo de um contexto qualquer (uma mesa, uma parede, um quarto, etc.), anula as medidas e
as proporções e impede a apreensão dos parâmetros que permitem normalmente julgar o valor do
projeto. Demonstra também a existência de mais um diálogo entre arquitetura e artes visuais:
aquele com a fotografia, diálogo no qual uma empresta à outra as forças e os limites de seus
processos criativos e da suas possibilidades de comunicação.
Na fotografia a pino, o ponto de vista perpendicular, eliminando os volumes e as sombras,
reduz a maquete, a projeção simbólica de um trecho de cidade, a uma composição abstrata, de
formas geométricas retangulares e amebóides. O arranjo das formas angulosas e amebóides
(correspondentes a jardim, edifícios, vegetação, espelhos de água, etc,) responde às regras
composicionais internas à imagem e não às exigências do local. Como já vimos, justamente essa
abstração e/ou finalização da arquitetura a si mesma provocou o protesto dos contemporâneos.
164
Lázlo Moholy-Nagy, 1925.
Fotograma.
Fonte: De Paz, Alfredo. La fotografia come simbolo del
mondo. Bologna: CLUEB, 1993.
Lázlo Moholy-Nagy,1928.
Fotografia tomada da Torre do Rádio em Berlim.
Fonte: De Paz, Alfredo. La fotografia come simbolo del
mondo. Bologna: CLUEB, 1993.
A maquete da superquadra de Brasília no instantâneo de Franceschi ou a calçada e o
acesso à torre do Rádio de Berlim na vista de Moholy-Nagy – ambas caracterizadas pelo ponto de
vista a pino, sofrem o mesmo processo de afastamento da concretude e denunciam o fato dos
artistas – arquitetos, fotógrafos, pintores, escultores – raciocinarem justamente sobre meios e
processos de abstração, explorando-os para refinar as próprias visões e composições. Cabe
destacar, porém, que as condições técnicas dos aparatos e das publicações da imprensa
periódica dos anos 30-60 condicionavam ainda um acervo de imagens nas quais a cor é ausente.
A popularização das fotografias em cores mudará esse panorama, com repercussões também na
fotografia de arquitetura.
Gregori Warchavchik, aparentemente incomodado com esses discursos excessivamente
abstratos sobre arquitetura e pelo “abandono da escala humana”
126
, publicou na revista Acrópole,
significativamente em fevereiro de 1958, um artigo sobre Importância e diretivas da arquitetura
126
Warchavchik, Gregori. Importância e diretivas da arquitetura Brasileira. [Acrópole 1958]. In: Martins, Carlos Alberto
Ferreira. Org. Gregori Warchhavchik. Arquitetura do Século XX e outros escritos. São Paulo: Cosac&Naify, 2006.
165
Brasileira. Algumas de suas observações parecem justamente responder à fotografia aqui
reproduzida. Ele escreve: “Indo mais longe, podemos considerar que há uma tendência muito
generalizada para se esquecer mesmo o ponto visual humano. Seria uma influencia da visão
aérea ou da tentação que as maquetes estabelecem, de se apresentarem projetos à maneira de
“tapete abstratos”? A quem passa na rua, ainda mais quando sob uma marquise, escapa
completamente o “tapete abstrato” a que procurou dar sua obediência o projeto ... Torna-se
invisível o artístico desenho, sem função nem composição. O desenho poderia servir de controle
mas a arquitetura não deve subordinar-se àquele como base construtiva”
127
.
A comparação das fachadas das maquetes de Oscar Niemeyer evidencia o procedimento
de depuração sofrido pelo projeto, mas as fotografias, justamente seus branco e preto, permitem
também enxergar, de acordo com as discussões sobre as artes, um processo de abstração
operado com os parâmetros das artes visuais. “A arte abstrata é geometria plana feita de
variações morfológicas infinitas em perfeita harmonia com o edifício que é geometria no espaço”,
afirmava Francisco Saldanha no número 7 da Módulo. Aliás, seu artigo completava o sumário da
revista junto com uma reportagem sobre as “esculturas da natureza” fixadas nos instantâneos de
Marcel Gautherot e com a apresentação da maquete da Residência do Presidente.
Na fotografia do modelo tridimensional da versão definitiva do Palácio da Alvorada as
linhas horizontais e sutis do teto, do andar intermédio e do terreno dialogam com as finas verticais
das palmeiras imperiais e fazem de contraponto ao ritmo ondulado das colunas e da capela. À
acumulação de elementos na parte direita da imagem responde o agrupamento dos troncos das
plantas. Na comparação, chama a atenção a purificação da composição do segundo instantâneo
quando comparado com o primeiro. Parece então que a depuração arquitetônica que compacta os
volumes e os reduz a sólidos geométricos puros no espaço é um procedimento de síntese que
interage profundamente com os equilíbrios formais das visões bidimensionais providenciadas
pelas fotografias. Entendemos ainda mais a importância do fotógrafo de maquete.
Entretanto, é justamente o instantâneo o meio que opera a abstração e a transformação
semântica do objeto representado. A fotografia, as experimentações com os fotogramas, as
fotomontagens, etc., transformando o sujeito representado em um elemento independente do seu
ambiente, contribuíram de forma importante à pesquisa dos artistas plásticos. Ajudaram-nos no
abandono progressivo do naturalismo e, simultaneamente, colaboraram com a aceitação pelo
público das obras feitas de distorções e de oposições de cores, de formas e volumes soltos. Cabe
investigar se as mesmas transformações envolveram o mundo da arquitetura.
127
Warchavchik, Gregori. Op. cit.
166
Fonte: Módulo n. 6. Rio de Janeiro: Dezembro de 1956.
Fonte: Módulo n. 6. Rio de Janeiro: Dezembro de 1956.
167
Muitas pesquisas artísticas, suas reflexões e conseqüentemente seus alcances, basearam-
se no fato da fotografia providenciar, naquele momento, somente imagens em branco e preto. A
bicromia, retirando parte importante das informações, nivelou ainda mais as diferenças entre as
diversas composições e linguagens. Nas imagens propostas (algumas entre as inúmeras
possíveis) os brancos e os pretos não são mais sombras dos prédios ou volumes iluminados,
muros, cerca, calcada e jardim, mas formas soltas em arranjos harmônicos sobre o papel
sensível. São manchas dialogando entre si e procurando um equilíbrio por si.
Cabe levar em conta que, tanto no Brasil
128
quanto no mundo afora, muitos artistas
seguiam uma pesquisa que tinha por fim a imagem ou a arquitetura por si mesma. Arquiteturas e
paisagens urbanas foram os sujeitos privilegiados dessa procura de novos meios expressivos.
Como mostra essa imagem, os diálogos entre pintores e fotógrafos, também no Brasil, foram
momentos extraordinários de pesquisas e interlocuções artísticas. A fotografia explora a linha, o
contraponto, os planos e os detalhes dos modernos edifícios; quadro e instantâneo, juntos
evoluem “para o concretismo, o abstracionismo, o grafismo”
129
; os enquadramentos, as
iluminações, as fotomontagens percorrem os limites entre abstrato e verossímil.
As paisagens urbanas tornaram-se os sujeitos preferidos das experimentações, pois as
arquiteturas seriais do primeiro pós-guerra ofereciam justamente geometrias mais puras e se
prestavam à realização de imagens mais geométricas e menos densas. Paralelamente, as
possibilidades da fotografia de ver mais do que os olhos ofereciam novos horizontes de
indagações; essas imagens levavam os artistas plásticos a abandonar os efeitos pictóricos, para
trabalhar com a eficácia das oposições de formas e cores puras, desestruturando os objetos,
secionando os movimentos. Análogas e contemporâneas experiências compartilhavam uma
mesma tendência à abstração: os poetas isolando as palavras e desligando-as dos textos, os
músicos soltando as notas da composição tradicional, etc.
Participam dessas possibilidades lingüísticas as potencialidades do aparelho fotográfico.
As investigações fotográficas exploravam as possibilidades técnicas dos aparelhos
130
, do papel
sensível, da química do desenvolvimento, a fim de realizar imagens esteticamente e
artisticamente bem sucedidas, belas e significativas. As luzes, as contraluzes, secionando cidades
e ambientes, devolvem mais uma interpretação utópica e abstrata da modernidade; o imaginário
128
Um mapa da imprensa brasileira dedicada à fotografia é descrito no livro de Mônica Junqueira de Camargo e Ricardo
Mendes; um estudo do panorama da fotografia moderna é proposto pelo livro de Helouise Costa e Renato Rodrigues,
que aponta para a existência de dois ambientes de fotógrafos aparentemente conflitantes, um em São Paulo e outro no
Rio de Janeiro, um desenvolvendo uma pesquisa artística destinada à arte pela arte outro desenvolvendo o
fotojornalismo. O uso da fotografia nas revistas especializadas em arquitetura è apresentado no livro recente de
Giovanni Fanelli, que avalia porém somente as revistas européia e norte-americanas. O livro de Robert Elwall, entre
outros assuntos, descreve as relações entre fotógrafos de arquitetura e arquitetos.
129
Camargo, Mônica Junqueira de e Mendes Ricardo. Fotografia Cultura e fotografia paulistana no século XX. São
Paulo: Secretaria Municipal de Cultura 1992.
130
“Se a iluminação é, em geral, utilizada para dar amônia à cena fotografada, garantindo-lhe veracidade, no caso do
contraluz ocorre a quebra da unidade da cena (...). Disso resultam composições em que se sobressaem massas e
volumes recordados, aludindo à bidimensionalidade da cópia fotográfica, enfatizando jogos de linhas e planos e
descentrando o interesse pelos objetos em si”. Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no
Brasil. São Paulo, Cosac&Naify, 2004.
168
atrás dela emerge contemplativo em todos seus aspectos: formais, composicionais, temporais,
humanos. Como ressalta também Robert Elwall, “o mesmo tipo de visão gerou a fotografia
moderna e a arquitetura moderna: ambas são baseadas na abstração”
131
.
Fotogramas, fotomontagens, montagens com pinturas e objetos, instantâneos com pontos
de vistas do alto ou a pino, as fotografias tomadas do avião, as contraluzes, os filtros para eliminar
as sombras, etc. separam os demais objetos do mundo real. Com o uso desses recursos técnicos,
procurava-se tornar as instantâneas obras independentes (e os fotógrafos competiam para o
reconhecimento do estatuto artístico da fotografia). Todavia, justamente esses recursos
transformaram o elemento arquitetônico em mero gerador de composições geométricas,
destacado-o de seus ambientes e suas razões de ser. Arquiteturas e cidades regressaram à
condição de objeto de interesse por seus perfis e massas, pelos vazios, pelos brancos e pretos
que abasteciam as imagens e não por suas relações com o ambiente. Enfim, as fotografias,
exasperando os brancos e pretos, “ensinaram” a ver, pensar e representar por elementos
abstratos. Essas imagens contribuíram para o estabelecimento de um back-ground homogêneo da
linguagem visual, comum a todas as pesquisas artísticas, inclusive à arquitetura.
131
Robert Elwall. New Eyes for Old: architectural photography. In: Twentieth Century Architecture 8. Susannah
Charlton, Elain Harwood and Alan Powers org. British Modern. Architecture and design in the 1930s. London, The
Twentieth Century Society, 2007.
169
Roberto Yoshida. Metrópole, 1951.
Fonte: Costa, Helouise e da Silva e Rodrigues Renato. A fotografia moderna no Brasil.
São Paulo: Cosac&Naify, 2004.
170
Le Corbusier. Proposta para os arredores de Buenos Aires.
Fonte : Colomina, Beatriz. Privacy and publicity. Modern Arquitetcture as mass media. Cambridge, Massachusset.
London: The MIT Press, 1994
Robert Elwall, crítico inglês estudioso de fotografia de arquitetura, coloca a questão das
influências sofridas por um certo imaginário utópico do moderno, devido às qualidades estéticas e
formais das fotografias de arquitetura em branco e preto divulgadas pelas revistas especializadas.
Sua proposta crítica não é inédita, mas descende de uma variegada discussão sobre arquitetura
moderna que animou o clima inglês na segunda metade do século XX
132
. Assim, vamos lembrar a
eloqüente observação de Michael Rothenstein, publicada em artigo na Arquitectural Review de
junho de 1946: “Os arquitetos modernos imitam os fotógrafos: constroem com luzes e sombras,
com branco e preto”
133
. Vamos lembrar também que a proposta de Le Corbusier para os arredores
de Buenos Aires foi a repetição serial de um protótipo, no caso a Villa Savoye, um prisma
geométrico para se ver no espaço
134
.
132
De acordo com a provocação de Geoffrey Jellicoe, “os arquitetos modernos queriam ver a casa qual branco pássaro
descido do céu e pousado nos verdes dos gramados” Apud: Elwall, Robert. New Eyes for Old: architectural
photography. In: Susannah Charlton, Elain Harwood and Alan Powers org. British Modern. Architecture and design in
the 1930s. Twentieth Century Architecture n. 8. London: The Twentieth Century Society, 2007.Ver também as matérias
da revista Arquitectural Review.
133
Rothenstein Michel. Colour and Modern Arquitecture, or the Photographic eye. In: Architectural Review, n. 99, junho
de 1946. Apud: Elwall Robert. New Eyes for Old. Architectural photography. In: Susannah Charlton, Elain Harwood and
Alan Powers Org. British Modern. Architecture and design in the 1930s. Twentieth Century Architecture 8 London,
The Twentieth Century Society, 2007.
134
“Architecture is nothing but ordered arrangement, noble prisms, seen in light”. Le Corbusier. Apud: Colomina, Beatriz.
Privacy and publicity. Modern Arquitetcture as mass media. Cambridge, Massachusetts. London: The MIT Press,
1994, pág.114.
171
Marcel Gautherot. Conjunto do Congresso, 1960.
Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ism.uol.com.br
.
José Yalenti. Evanescentes, 1945.
Fonte: Costa, Helouise e da Silva e Rodrigues Renato.
A fotografia moderna no Brasil.
São Paulo: Cosac&Naify, 2004.
Fatigamos em distinguir entre as finalidades das imagens aqui propostas: a de esquerda é
de Marcel Gautherot e representa o Conjunto do Congresso em Brasília 1960 ; outras, como os
próprios títulos revelam, depende de uma pesquisa de abstração visual que procura estimular
outros entendimentos da realidade e do mundo interior. Porém, o fato das composições e dos
arranjos das imagens procurar a abstração e ao mesmo tempo dialogar com a arquitetura provoca
uma contaminação recíproca. As fotografias causaram uma profunda alteração nas comunicações
acerca das arquiteturas e das paisagens urbanas: os sujeitos das composições não só informaram
as reproduções e as representações; nelas se fundiram e, assim, alcançaram novas identidades.
Estranhamos, de fato, o vazio em matéria de vida e ações, de pessoas ou de objetos do
dia-a-dia realizado precisamente pelos arranjos dos instantâneos que retratam arquiteturas entre
os anos 1930 e 1970. Mesmo quando aparecem figuras humanas
135
, como no caso das
135
Giovanni Fanelli diferencia a revista inglesa no panorama das contemporâneas, justamente por seu aproveitamento
de pessoas nos arranjos da fotografa. In: Fanelli Giovanni, Storia della fotografia di architettura, Bari: Laterza, 2009.
172
fotografias acima reproduzidas, elas servem como contrapontos formais e estéticos, exaltando a
pureza e a perfeição dos espaços e dos volumes arquitetônicos. Ao falar de momentos de vida
absolutamente contingentes, não descrevem o uso “real” nem o cotidiano das arquiteturas e/ou
das paisagens urbanas retratadas. Ao figurar mais como unidade de medida dos edifícios, as
silhuetas, presas à economia dos arranjos, tornam-se ausências, como os manequins de De
Chirico; os instantâneos viram quadros metafísicos, os códigos da modernidade misturam-se,
popularizam-se, as provocações das vanguardas tornam-se estilos, modas e modismos.
Desta forma, porém, ambientes, arquiteturas e cidades tornam-se objetos desligados dos
seus contextos espaço-temporais, históricos; elementos independentes de suas funções, meros
produtores de composições abstratas. Já em 1934, Philip Morton Sand denunciava o processo de
abstração da arquitetura e chamava em causa a fotografia. Ele se perguntava se a arquitetura
moderna tivesse gerado a fotografia moderna ou vice-versa
136
e já colocava a importância dos
diálogos entre os ideais e os processos criativos dos arquitetos com o corpo de referências visuais
que a própria arquitetura moderna criava de si mesma. Françoise Choay, no início dos anos 90,
apontava que alguns arquitetos do Movimento Moderno
137
, para “erradicar as formas tradicionais
arquitetônicas do passado”, pensavam a modernidade “simbolizada por objetos (silos,
transatlânticos, ....) antes que por processos ou novos sistemas de relações”. Dessa forma, ainda
de acordo com a filósofa francesa, a arquitetura e, especialmente, a cidade teriam alcançado o
estatuto de artifício desligado de seus ambientes e “de todas as dependências e articulações
contextuais”
138
.
Todavia, esse processo adquire mais acuidade e complexidade histórica se pensarmos na
função atuante da fotografia, pois ela interage com a procura de novos horizontes criativos e, ao
mesmo tempo, difunde novos padrões estéticos.
.
136
Apud: Robert Elwall. New Eyes for Old: architectural photography. In: Elain Harwood and Alan Powers (Org.). British
Modern. Architecture and design in the 1930s. Twentieth Century Architecture 8. London: The Twentieth Century
Society, 2007.
137
Cabe frisar que Françoise Choay, ao articular essas reflexões, adverte serem baseadas nas teorias do CIAM/Carta de
Atenas, mas, antes de tudo, nas interpretações/visões/propostas de Le Corbusier para a Cidade Radiosa e para o Plan
Voisin. Choay, Françoise. El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad. In: Ramos, Ángel Martín (Org.). Lo urbano.
Barcelona: Edición UPC ETSAB 2004.
138
Choay, Françoise. Op.cit.
173
Villa Shwob, 1920.
Fonte: Colomina, Beatriz. Privacy and publicity.
Modern Arquitetcture as mass media. Cambridge,
Massachusset. London: The MIT Press, 1994.
Villa Shwob, publicada in: Esprit Nouveau, 1921.
Fonte: Colomina, Beatriz. Privacy and publicity.
Modern Arquitetcture as mass media. Cambridge,
Massachusset. London: The MIT Press, 1994.
Cabe assim relembrar que a publicação das fotografias pela industria editorial foi o
resultado de um processo lento e complexo; as revistas dedicadas exclusivamente à arquitetura e
destinadas à comunicação entre os arquitetos iniciaram a circular nos Estados Unidos desde os
anos 80 do século XIX
139
. O fenômeno das revistas de arquitetura explodiu a partir dos anos 20,
quando a reprodução dos instantâneos nas publicações de grande tiragem alcançou uma certa
qualidade e conveniência
140
. É neste momento, por exemplo, que os artistas, as vanguardas e os
arquitetos do Movimento Moderno iniciaram a valer-se deste meio de difusão para divulgar novas
idéias. Os arquitetos usaram-nas também para propalar as próprias obras; as vanguardas
artísticas em geral exploraram de forma extensiva todas as estratégias de comunicação visual,
desde as fotomontagens e as colagens até as possibilidades da arte gráfica e da tipografia, desde
a composição das palavras como formas gráficas, até as onomatopéias, etc.
141
.
Já dissemos que o ambiente artístico foi efervescente e rico em termos de interlocuções
entre os diferentes campos das pesquisas artísticas, mas entendemos melhor seu alcance se
pensarmos que a comunicação ao seu interno foi facilitada de forma inédita justamente pelas
139
Na Europa, desde o início do século XX, o uso das fotografias junto as revista estreou vinculado as publicações de
ampla tiragem dedicadas às arquiteturas documentando o patrimônio artístico existente, espécie de enciclopédias
visuais para o grande público. Fanelli Giovanni. Storia della fotografia di architettura. Bari: Laterza, 2009.
140
O uso da estampa a meia-tinta e da reprodução das fotografias “a retino” tornaram mais econômicos os processos
de impressão, permitindo assim a circulação das revistas. Fanelli Giovanni. Op.cit.
141
O panorama das inovações técnicas e mecânicas da reprodução das fotografias para a imprensa è descrito e
documentado por: Fanelli Giovanni, Storia della fotografia di architettura, Bari: Laterza, 2009.
174
revistas, pelos manifestos e, em geral, pelos meios de comunicação providenciados pelas novas
técnicas de impressão.
O alcance da difusão dessas comunicações visuais era o mundo. Alguns arquitetos, já
antes da popularização das revistas ilustradas, providenciavam a divulgação das próprias obras
mediante a confecção de portfólios, cadernos de fotografias soltas, que iniciaram a circular no final
do século XIX e foram bastante utilizados até os anos 20 do século passado. Os próprios
portfólios foram fonte de referências e contribuíram para a divulgação das obra dos arquitetos,
sobretudo as modernas
142
; foram objeto de controle dos arquitetos quando queriam divulgar uma
imagem específica das próprias obras. Quando surgiram as revistas, suas fotografias obviamente
tornaram-se objeto dos mesmos cuidados; institui-se uma prática de controle por parte dos
arquitetos que, normalmente, elegiam um fotógrafo (freqüentemente arquiteto
143
) como interprete
das próprias obras.
Giuseppe Terragni. Axonométria da Casa del Fascio, 1928-1936.
Fonte: Fanelli Giovanni. Storia della fotografia di architettura. Bari: Laterza, 2009.
Com relação à imagem pública das obras, de Brasília, Oscar Niemeyer cuidava da
divulgação da sua produção, pelo menos nas publicações que conseguia controlar, explorando
todas as possibilidades da diagramação, corrigindo as fotografias mal sucedidas e dando maior
respaldo aos croquis e às maquetes. No meio brasileiro a ele contemporâneo, vale a pena relatar
a prática de Rino Levi, que destruía
144
os negativos que não aprovava. As imagens aqui
reproduzidas revelam intervenções no próprio negativo: na fotografia da Villa Schwob [1916] de Le
142
Fanelli Giovanni. Op.cit.
143
Elwall, Robert. Building with light. London: Merrell, 2004.
144
José Moscardi jr., Depoimento. In: Um pouco de história: a saga arquitetônico fotográfica dos Moscardi.
Publicada originalmente em PROJETODESIGN, Edição 323 Janeiro de 2007. www.arcoweb.com.br/artigos.html
.
175
Corbusier publicada em L’Esprit Nouveau n. 6 de 1921, a paisagem foi rasgada a fim de exaltar as
geometrias e tornar a arquitetura um objeto livre e abstrato
145
; na da Casa del Fascio de Terragni
em Como, publicada por Alberto Sartoris, a intervenção repinta as nuvens, retira objetos e
sombras no plano da estrada, com o propósito de exaltar o diálogo entre as duas fachadas e
estabelecer as semelhança da fotografia com uma axonometria. Deve-se dizer também que a
prática de retocar as fotografias da imprensa era comum: os editores das revistas efetuavam
freqüentemente essas intervenções manuais nas fotografias para eliminar elementos de referência
espaço-temporal e social e poder assim reutilizar os clichês em outras publicações
146
.
Foto Mazzoletti. Casa del Fascio. Como, 1936.
Fonte: Fanelli Giovanni. Storia della fotografia di
architettura. Bari: Laterza, 2009.
A mesma fotografia, mas alterada. In: Alberto Sartoris
Encyclopédie de l’ architecture nouvelle.
Vol. 1 Milano, 1957.
Apud: Fanelli Giovanni. Storia della fotografia di
architettura. Bari: Laterza, 2009.
Isso reforça tanto a importância do tipo de comunicação visual veiculado pelas revistas e
pelos livros de arquitetura, quanto a abrangência das intervenções póstumas que as próprias
145
Colomina, Beatriz. Privacy and publicity. Modern Arquitetcture as mass media. Cambridge, Massachusetts.
London: The MIT Press, 1994.
146
Fanelli, Giovanni. Storia della fotografia di architettura. Bari: Laterza, 2009.
176
fotografias e publicações consentem; informa também que as finalidades dessas alterações
dependem do autor da publicação e demandam cada vez novas pesquisas para seu
desvelamento.
Da mesma maneira, o uso das fotografias de arquitetura nos processos criativos dos
arquitetos é especifico de cada perfil profissional; a experiência de Oscar Niemeyer com os
instantâneos das maquetes e com os próprios modelos tridimensionais indica que é necessário
pensar nos diálogos que cada artista, eventualmente, estabelece com a fotografia. Para cada
arquiteto, ela pode ser tanto fonte de informações e sugestões, como meio de propaganda da
própria obra e da própria idéia sobre arquitetura. No caso de Oscar Niemeyer, parece ser também
instrumento de aprimoramento do projeto, sobretudo na busca de coesão e abstração formal.
De acordo com alguns estudos recentes
147
, a fotografia de arquitetura, de forma específica,
atuou uma sua própria operação de re-semantização dos objetos retratados, interferindo com
conseqüências importantes justamente no modo de ver e pensar arquitetura e cidade. Provocou,
ao mesmo tempo, graças à popularidade das revistas ilustradas, uma diversa percepção da
própria arquitetura e até atualizou
148
os padrões estéticos dos públicos. Para os efeitos desta
pesquisa, interessa destacar a participação das revistas populares ilustradas brasileira nesse
percurso de afirmação da linguagem abstracionista junto ao grande público; talvez, as revistas
colaborassem, junto com a construção da capital, isto é, com suas obras de arquitetura abstratas
exaltadas por esculturas estilizadas, para a afirmação, aceitação e popularização
149
de um padrão
artístico diferente.
Os instantâneos das fotorreportagens não foram bem sucedidos somente em termos de
comunicação sensacionalista, mas também por suas imagens tecnicamente refinadas e
extremamente comunicativas. Formalmente perfeitas, as fotografias das revistas populares
ilustradas respeitam padrões de ordem, simetria, equilíbrio, composição e ritmo. Não ignoram as
geometrias, as perspectivas carregadas e os arranjos das imagens divulgadas nas revistas
internacionais, inclusive aquelas especializadas em arquitetura.
147
Colomina, Beatriz. Privacy and publicity. Modern Arquitetcture as mass media. Cambridge, Massachusset.
London: The MIT Press, 1994. Elwall, Robert. New Eyes for Old: architectural photography. In: Susannah Charlton, Elain
Harwood and Alan Powers org. British Modern. Architecture and design in the 1930s. Twentieth Century Architecture
n. 8. London: The Twentieth Century Society, 2007. Elwall, Robert. Building with light. London: Merrell, 2004. Fanelli
Giovanni. Storia della fotografia di architettura. Bari: Laterza, 2009.
148
Robert Elwall. New Eyes for Old: architectural photography. In: Elain Harwood and Alan Powers (Org.). British
Modern. Architecture and design in the 1930s. Twentieth Century Architecture 8. London: The Twentieth Century
Society, 2007.
149
Robert Elwall dedica um ensaio à atuação dos fotógrafos da revista Architectural Review e à influência da própria
revista na afirmação de um padrão estético moderno para a classe média inglesa nos anos 1930-1960. Robert Elwall.
Op cit.
177
Luciano Carneiro. Um fato em foco.
O Cruzeiro.
Rio de Janeiro, 23/5/1959.
Marcel Gautherot, Conjunto do
congresso (detalhe), 1959
Fonte: www.ims.uol.com.br.
Repórter Novacap. Conjunto do
Congresso em construção.
Brasília n. 28. Abril de 1959.
No Rio de Janeiro, a difusão das revistas populares, seus papeis híbridos com relação à
informação como ação cultural, ajudou a misturar a linguagem e as intenções da fotografia de
reportagem com aquelas da fotografia artística. Ao propalar a construção da capital, os repórteres
da Manchete exploram as qualidades estéticas e formais dos edifícios representativos da Nova
Capital, seus volumes limpos e sem elementos salientes, as luzes límpidas e as sombras
cortantes do Planalto, os esqueletos seriais dos Ministérios. Os instantâneos evidentemente
compartilham as pesquisas artísticas
150
, os truques, as intervenções com os filtros, as
solarizações e os contraluzes, etc., fazendo dialogar as sombras, as árvores e a poeira com os
seres humanos e as construções; distância com proximidade; cheio com vazio; retas com curvas;
branco com preto; nuances com contraluzes. Exaltam, às vezes com a mesma perfeição artística
de Marcel Gautherot, os aspectos metafísicos das obras em construção ou dos projetos da
150
Os ensaios aqui citados também apontam as interlocuções entre fotografia artística e fotojornalismo no Brasil. Costa,
Helouise e da Silva e Rodrigues Renato. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac&Naify, 2004. Camargo,
Mônica Junqueira de e Mendes Ricardo. Fotografia Cultura e fotografia paulistana no século XX. São Paulo:
Secretaria Municipal de Cultura 1992.
178
Capital. Cada instantâneo não só constitui uma narração riquíssima, mas mantém-se atraente e
sedutor, mesmo ao retratar a miséria e a exploração.
O estatuto profissional de free lance dos fotógrafos, a migração de alguns nomes de uma
revista/instituição para a outra, o sucesso e a divulgação das revistas populares explicariam a
troca importante de informações visuais e o estabelecimento de um back-ground homogêneo na
linguagem fotográfica acerca da arquitetura, entre revistas especializadas, pesquisas artísticas e
fotojornalismo. Helouise Costa e Renato Rodriguez individuam, de fato, importantes interlocuções
entre a fotografia artística e aquela de jornalismo. Destacam que o próprio fotojornalismo
151
no
Brasil ditou novos padrões estéticos também para as pesquisas artísticas dos clubes fotográficos,
chegando até a dissolver suas experiências
152
. Mônica Junqueira e Ricardo Mendes descrevem a
luta para a institucionalização da fotografia como arte mediante exposições e a fundação de
revistas dedicadas; eles ainda ressaltam interlocuções significativas entre as pesquisas artísticas
e o fotojornalismo
153
.
151
Também no Brasil, o fotógrafo da imprensa era um profissional liberal; trabalhava em regime de free lance,
documentando, como no caso de Marcel Gautherot, tanto o patrimônio arquitetônico quanto as festas populares, ou,
como os demais fotorepórteres, relatando tanto o dia-a-dia da política, quanto a vida artístico-cultural. Eles incorporaram
freqüentemente os novos horizontes comunicativos das revistas estrangeiras, inclusive as fotomontagens e as
deformações óticas, ou os novos achados dos colegas “artistas”.
152
“a partir do final dos anos 50, no entanto, fatores externos ao foto-clubismos vieram alterar essa situação, refinando
os rumos da modernidade e determinando-lhe uma nova existência crítica. A consolidação de um fotojornalismo
modernizado e atuante nas revistas ilustradas colocou novos questionamentos para a prática fotográfica como um todo,
ditando novos padrões. Os padrões do fotojornalismo passaram a ser aceitos genericamente como norteadores da
experiência fotográfica. Um novo figurativismo começa a tomar conta da cena, ao mesmo tempo em que os resquícios
pictorialistas e a produção acadêmica são definitivamente soterrados no âmbito do Cine Foto Clube Bandeirante”. Em
1959 o crítico de arte Frederico Morais identifica uma produção fortemente influenciada pela linguagem do
fotojornalismo: “Para os repórteres fotográficos, a corrente de maior público [...] a arte fotográfica se caracteriza
fundamentalmente pela oportunidade do fato escolhido e também angulação, enquadramento, composição.
Oportunidade e composição irão dar à fotografia seu sentido humano, poético ou mesmo caricatural. A esses,
evidentemente, o elemento figurativo é essencial e, particularmente, a figura humana”. “Em suma: a incompatibilidade
da experiência foto-clubista moderna com o desenvolvimento de uma linguagem ligada ao fotojornalismo fez com que
os fotógrafos bandeirantes se valessem da figuração para dar uma sobrevivida ao modernismo. (...) Entretanto, se a
estratégia utilizada permitiu o prolongamento do modernismo, representou, no contexto geral, a sua própria dissolução
como proposta artística”. Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. Op. cit.
153
Mônica Junqueira de e Mendes Ricardo. Op. cit.
179
Gervásio Batista. A capital da esperança.
Manchete. Rio de Janeiro: 19/09/1959.
ì
Marcel Gautherot.Construção da cúpula do Congresso, 1959.
Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br
.
Além das mudanças dos fotógrafos de um cabeçalho para outro, as próprias fotografias,
uma vez publicadas, eram veículos de informações e sugestões: o sucesso de um arranjo
condicionou justamente outros fotógrafos a imitá-lo. Como já dissemos, a fotografia nos meios de
comunicação de massa exporta idéias e mensagens, mas também incorpora feições já
publicadas; às vezes, as atualiza, dobrando-as a novos conteúdos. Já dissemos também o quanto
o ambiente que produzia cultura, inclusive artística e fotográfica, fosse restrito – as sedes das
revistas populares ilustradas encontravam-se no Rio de Janeiro, situação que configura a
facilidade das interlocuções culturais e a permeabilidade dos diversos ambientes.
180
UMA ARQUITETURA PARA BRASÍLIA:
NARRATIVAS, FOTOGRAFIAS, PROJETOS E HISTÓRIA.
Marcel Gautherot.
Módulo n. 15. Rio de Janeiro, outubro de 1959.
As estratégias de comunicação visual da revista Módulo, privilegiando alguns aspectos das
obras e do trabalho do arquiteto às custas de outros, exaltaram as qualidades plásticas que
marcam e distinguem os edifícios representativos da Nova Capital; atribuíram máxima importância
editorial aos anteprojetos e, sobretudo, descuidaram da coerência das informações visuais
propostas na mesma página. Depois de realizadas as obras, suas páginas forçam a fruir quase
que exclusivamente dos riscos e das fotografias.
181
Tanto as narrativas da revista Módulo, como as diagramações, paginações e
fotomontagens da revista Brasília visam evidenciar a coerência entre os riscos (a intuição) e a
arquitetura construída, omitindo completamente o processo que, dos desenhos de anteprojeto,
consente chegar à execução das obras. Esses discursos sobre arquitetura como produto de um
processo de abstração e depuração formal são importantes na construção de uma imagem
coletiva sobre as construções de Brasília, pois eles migraram para as qualidades estéticas das
fotografias das diferentes revistas ilustradas. De fato, as fotografias que retratam os edifícios do
poder e a área monumental durante a sua edificação ressaltam o rigor das geometrias: os
esqueletos dos prédios, os andaimes e as grades dos ferros do concreto armado.
Freqüentemente, saturadas de contrastes, elas dependem do uso da grande-angular que reduz a
presença das figuras humanas e pretende dar continuidade aos discursos propostos nos textos e
nos esboços sobre o rigor e a concisão formal dos próprios desenhos. Junto com isso, a
arquitetura da nova capital é apresentada como concepção genial e súbita que nasce de um ato
criativo completo e acabado em si, milagroso e natural ao mesmo tempo.
A Divisão de Divulgação da Novacap produziu uma informação especifica acerca dos
projetos dos edifícios representativos de Brasília, destinada a um público interessado e culto.
Conjuntamente, para fomentar o interesse no ambiente internacional, A Divisão organizou
inúmeras exposições, realizando assim uma consistente propaganda internacional ao redor da
construção de Brasília. A secção Arquitetura e Urbanismo da revista Brasília
154
era realizada com
as maquetes, os desenhos e os relatórios que Oscar Niemeyer e Lucio Costa entregavam
diretamente à revista; a secção Marcha da construção era realizada com as fotografias de Marcel
Gautherot e, principalmente, com aquelas de Mario Fontenelle. Oscar Niemeyer vigiava essa parte
da revista e às vezes o diagramador recortava os instantâneos para retirar as informações
indesejadas. Essas intervenções visavam a reforçar as continuidades entre os riscos iniciais e/ou
as maquetes e as obras em construção e/ou realizadas. As justaposições das maquetes com as
fotografias dos prédios realizados, a sobreposições dos esboços de anteprojeto com as fotografias
das obras concluídas e os enquadramentos seletivos dos instantâneos das obras em construção
procuraram afirmar uma idéia de arquitetura que nasce de um gesto criador, de um ato que já
contém em si a perfeição e que aparentemente soluciona todos os problemas. Além disto, quando
inserida no clima conflitante que acompanhou a construção da cidade, a declaração realizada pela
linguagem visual da revista Brasília adquire contornos políticos e instrumentais cujas
conseqüências poderiam ser objeto de ulteriores avaliações.
154
A biblioteca da EESC possui, verdadeira raridade, a coleção completa dessa publicação até 1963.
182
Repórter Manchete. Milagre em Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 15/4/1961.
A revista O Cruzeiro não publicou com muita freqüência reportagens exclusivas dedicadas
à construção da cidade; evidenciando maior interesse do que a Manchete nas cidades satélite,
183
repetiu, porém, comentários favoráveis à organização do sistema viário do Plano Piloto e às
qualidades extraordinárias e formidáveis dos edifícios representativos da capital, sobretudo em
ocasião das reportagens sobre as visitas dos hospedes ilustres e estrangeiros ao País. A revista
Manchete, produziu um consistente acervo de matérias acerca da construção da cidade; nos
textos acentuou a rapidez dos trabalho de construção e a maravilha dos resultados. Construiu
também um perfil público de Oscar Niemeyer como pioneiro e como gênio.
As fotorreportagens das revistas populares compartilham uma mesma impostação;
ressoando as soluções estéticas realizadas pelos colegas, divulgaram as mesmas informações
visuais e construíram uma imagem homogênea dos projetos de Oscar Niemeyer para a Nova
Capital. Repetindo os pontos de vista, aproveitando as luzes e os horizontes do Planalto e as
sombras dos próprios prédios, acentuaram as formas geométricas, os volumes compactos e as
linhas sinuosas dos perfis dos edifícios e propalaram imagens que redundam em abstracionismo e
grafismo.
Considero enfim importante destacar o fato das fotorreportagens sobre arquitetura – tanto
aquelas realizadas pela mídia popular quanto as fotos dos fotógrafos digamos artistas, como
Marcel Gautherot - explorar e aplicar padrões estéticos e composicionais homogêneos; essas
imagens acabaram por veicular uma representação uniforme e como que padronizada das
arquiteturas e das paisagens urbanas da nova capital.
184
Foto: Repórter Novacap.
Fonte: Veja Edição Especial Brasília 50 anos, Novembro de 2009.
Foto: Indalécio Wanderley. Fonte: O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 1/12/1956.
Os modelos tridimensionais foram extensamente utilizados nas exposições, bem como nas
páginas da revista Brasília: eles representaram um importante instrumento de comunicação
internacional, funcional para a propagação de uma idéia de Brasília como empreendimento
moderno, excepcional e planejado.
As maquetes foram objeto de muitas das nossas perguntas. Algumas parecem ter
encontrado resposta, outras poderiam tornar-se hipóteses para novas pesquisas. É o caso da
influência dos projetos de Oscar Niemeyer no desenho do Plano Piloto de Lucio Costa. Duas
diversas maquetes foram publicadas durante o período destinado à elaboração dos projetos para
o plano urbanístico da nova capital, mas as explicações que as acompanharam sempre
185
confirmaram duas justificativas importantes: os modelos apresentados servem como unidade de
medida para a cidade em construção e seu programa é a leveza.
Conjuntamente, a recorrência insistente das fotografias das maquetes na mídia induziu a
pensar em suas funções: de fato, os modelos tridimensionais foram meios de propaganda, mas
também, e isso me parece importante, instrumentos ativos no processo de depuração e
sintetização do desenho arquitetônico; suas fotografias em branco e preto, de fato, permitem
aplicar às formas arquitetônicas processos de abstração formal característicos das artes visuais.
No entanto, as superfícies horizontais das maquetes, a omissão dos acidentes do terreno e,
sobretudo, a pureza abstrata das linhas e das formas do modelo realizada pelas fotografias em
branco e preto nos mostraram que a leveza dos edifícios depende da impressão visual que eles
transmitem; o fato de que os edifícios aparecem quase sem apoios depende tanto dos corpos
enterrados, quanto do gramado em frente à entrada do Palácio da Alvorada, como da extensão da
Praça dos Três Poderes. Como as arquiteturas alcançam o partido procurado graças aos planos
horizontais artificialmente criados e aos aterros, nasce a hipótese de se verificar em que medida
os terraços da Praça dos Três Poderes, sua projeção para o Lago e, sobretudo, a elevação das
cotas naturais do terreno, sejam diretrizes formais dominantes do projeto, a escolha prévia que
constitui a síntese formal do espaço urbano.
Em conclusão, a comunicação visual da mídia veiculou discursos importantes acerca da
arte de fazer arquitetura, narrativas que hoje são objeto de revisão crítica. Nossa pesquisa,
analisando momentos e instrumentos da afirmação dessas narrativas, pode contribuir para esses
tipos de pesquisas. Além disso, o trabalho pretende chamar atenção para o uso que hoje
podemos fazer daquelas fotografias e daquele tipo de comunicações visuais.
186
187
O Candango, herói de Brasília
188
Crédito da imagem da abertura: Manchete. Rio de Janeiro: 7/5/1960.
189
O
CANDANGO
1
, HERÓI DE BRASÍLIA
“Brasília só pode estar ai como a vemos e já deixando entender o que será amanhã,
porque a Fé em Deus e no Brasil nos sustentou, a todos nós, a esta família aqui reunida a vós
todos 'candangos' a que me orgulho de pertencer.”
2
. Esse trecho do discurso inaugural de
Juscelino Kubitschek abre hoje a visita ao Museu da Memória Viva Candanga
3
em Brasília. Ao
seu lado está uma fotografia (aqui reproduzida): um grupo de trabalhadores corre rindo, olhando
para o fotógrafo, levantando os braços e os chapéus. No fundo vê-se um prédio das superquadras
residenciais em construção.
1
Parte das informações desse capítulo acerca da palavra candango, da obra de Bruno Giorgi, das contaminações com
as outras obras de arte e com os comerciais, à procura do reconhecimento da identidade e do perfil social do
trabalhador de Brasília, já foram publicadas no artigo Os Candangos, publicado pela autora na revista eletrônica do
programa de pós-graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP; Risco n. 7, 2008.
www.arquitetura.eesc.usp.br/revista_risco.
2
Juscelino Kubitschek, Discurso inaugural 20.4.1960, painel. Brasília: Núcleo Bandeirante. Museu Vivo da História
Candanga.
3
O termo é usado como adjetivo e declinado na forma feminina, mas o Dicionário Aurélio Século XXI propõe para o
verbete somente o substantivo masculino. O nome completo da Instituição é: Museu Vivo da Memória dos Candangos
Incansáveis e Esquecidos.
Fotografia exposta no Museu da Memória Viva Candanga.
190
O museu, a fotografia e o discurso, juntos e articulados, introduzem à memória “oficial” da
construção da capital. O propósito do museu é conservar a memória do período da construção da
cidade; expõe toscos objetos do cotidiano e a reconstrução dos ambientes e dos interiores das
habitações e dos pequenos comércios da cidade bandeirante. É instalado em um conjunto
arquitetônico de casas de madeira, o antigo Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira; o conjunto
foi tombado em 1985, logo depois do plano piloto e do Catetinho. Aliás, chama a atenção a
rapidez com a qual realizou-se esse processo de preservação da própria capital como obra de
arte, da memória da sua construção e o critério de escolha dos lugares destinados à salvaguarda.
Cabe frisar: a fotografia e o discurso do presidente, juntos, fornecem logo na abertura a
chave de leitura da exposição: um presidente se auto-definindo candango juntando-se aos
operários das obras; os trabalhadores representados como uma corporação feliz; guardar aquelas
condições e ambientes especialíssimos que todas as memórias orais não deixam de relatar, e
expor com uma fotografia a felicidade de trabalhar para a construção da nova capital representa a
tentativa de preservar aquela especialíssima “atmosfera de epopéia”
4
que acompanhou os anos
da construção da cidade até a sua inauguração.
Falando em candangos, cabe também lembrar a estátua de Bruno Giorgi, “uma homenagem aos
que trabalharam na construção de Brasília”
5
colocada na Praça dos Três Poderes. A obra
homenageia com a mesma palavra/imagem a todos os construtores; chama a atenção porém o
fato da estátua, que nasceu com o nome “Guerreiros”, ter mudado de apelido e significado quando
colocada na Praça dos Três Poderes de Brasília, talvez devido ao fato dos operários se
reconhecerem
6
naquelas figuras frágeis e miscigenadas, colocadas no vazio da Praça dos Três
Poderes. De fato, já em agosto de 1960, a revista Módulo interpretava a obra qual símbolo dos
operários de Brasília.
Chama também a atenção o fato da estátua, desde 1960, entrar no olimpo dos ícones de
Brasília – junto com o Palácio da Alvorada, o conjunto do Congresso e a Catedral, aparecendo
assim nas propagandas comerciais.
Talvez a reconstrução dessas transformações e dos ambientes, ajude a entender melhor a história
da construção da capital e das identidades em discussão.
4
Bruand, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editoria Perspectiva, 1999.
5
Ainda hoje, a estátua é apresentada dessa forma. Secretaria de Estado, do DF
www.sc.df.gov.br/paginas/museus/museus10
6
Maria Pace Chiavari, www.comunitaitaliana.com.br/mosaico/mosaico. Apud: Videsott, Luisa. Os Candangos. In:
Revista Risco n. 7 www.arquitetura.eesc.usp.br/revista_risco/.../02_art02_risco7.pdf. Ver também: Módulo n. 19
, agosto
de 1960.
191
Jader Neves. Somos todos candangos. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1960.
192
Nossa atenção foi capturada pelas coincidências, os nomes que falam de transformações
e substituições de identidades; vale a pena, portanto, pesquisar a história das representações
visuais e iconográficas.
No ensaio “linguagem e mito”, Ernst Cassirer discute a função do nome e a sua relação
com a realidade. Ele reúne palavras, mitos e as artes, em virtude de seu poder para definir a
realidade nomeado-a; em outras palavras, ao batizar a realidade, a palavra, o mito e as artes têm
o poder de separá-la entre objetos e processos, entre durável e transitório. Juntamente com isso,
porém, a linguagem tem o poder de introduzir uma forma de suspensão – “a linguagem preserva-
se no equilíbrio precário entre a esfera nominal e a esfera verbal”
7
– suspensão que Cassirer
denomina krisis, justamente do verbo grego “distinguir” ou “decidir”. Desta forma, a própria palavra
– o mito – preservaria também a complexidade da realidade que tentou congelar e retirar das
transformações do tempo e da História. Nossa tarefa, portanto, é interrogar os mitos para
aproximar sua complexidade.
Portanto, vamos traçar um breve histórico da palavra candango. Para o verbete, o
dicionário Aurélio indica: “1. Designação que os africanos davam aos portugueses; 2. Individuo
ruim, ordinário; 3. Pessoa que tem mau gosto. 4. Designação dada aos operários das grandes
obras da construção de Brasília (DF), de ordinário vindo do N.E.; 5. p. ext. Qualquer dos primeiros
habitantes de Brasília (DF)”.
De acordo com James Holston,
“antes da construção de Brasília, [a palavra candango] foi durante séculos uma palavra
geral de depreciação. Segundo a maior parte das autoridades, é uma corrupção de candongo,
uma palavra da língua quimbundo ou quilombo, dos bantos do Sudoeste de Angola. Era o termo
pelo qual os africanos se referiam, pejorativamente, aos colonizadores portugueses. Como tal,
veio ao Novo Mundo com os escravos angolanos. (...) A palavra tornou-se o termo geral para as
pessoas do interior em oposição às do litoral, e especialmente, para os trabalhadores itinerantes
pobres que o interior produziu em grande quantidade. Com esses trabalhadores o termo chegou a
Brasília”
8
.
Durante a edificação da cidade, a palavra mudou de significado, passando finalmente a
indicar, de maneira genérica, qualquer pessoa comprometida com a construção da Capital do
Brasil.
Em 1958, nas revistas populares O Cruzeiro e Manchete o termo precisa de apresentação
e significa solteiro
9.
Em 1959, de acordo com o redator da Manchete, a palavra indica o
“trabalhador comum”, “o operário que chegou a Brasília à aventura”
10
.
7
Cassirer, Ernst. Linguaggio e mito. Milano: Il Saggiatore, 1961.
8
Holston, James A cidade modernista, uma critica de Brasília e sua utopia, São Paulo: Companhia das Letras,
1993, pág. 209-210.
9
Damatta, Gasparino e Alli, Orlando. Canaã, Paralelo 20. Manchete. Rio de Janeiro: 12/7/1958.
10
Magalhães Junior, R. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1959.
193
Vale a pena frisar que a dimensão da ventura, ao evocar pioneiros e bandeirantes, começa
a enriquecer a palavra com um determinado imaginário sobre à Nação. Em 1960, ainda nas
matérias das revistas populares, o termo indica todos os que trabalham para erguer Brasília,
compreendendo dessa forma o Presidente JK, Oscar Niemeyer, Israel Pinheiro, os profissionais
(médicos, jornalistas, bancários, etc.), os Japoneses convocados para implementar a agricultura
na região, os comerciantes da Cidade Livre, os trabalhadores dos canteiros de obras, os
retirantes, os caminhoneiros que entregam qualquer provisão, os desbravadores das rodovias,
etc. Em suma, o termo define, de maneira geral, o pioneiro que mudou para o Planalto pois
confiou no Sonho-Brasília, e ganha o estatuto de sinônimo de pioneiro, desbravador, homem do
progresso, homem comum brasileiro, operário de Brasília, etc.; contem e desfruta os valores da
coragem, da ousadia, da perseverança, da fé, da dedicação ao trabalho, da tensão por superar o
conservadorismo. Resume, enfim, todas as boas qualidades da identidade nacional e entra nos
títulos oficiais, nas falas do Presidente JK.
Durante os anos de 1958 e 1959, os operários da obras da nova capital alcançaram as
manchetes das revistas populares e foram os sujeitos privilegiados das fotorreportagens –
publicadas e não – e das propagandas comerciais; foram apresentados como protagonistas de um
milagre, as provas viventes de que o impossível acontece. Paralelamente, a própria palavra
candango, nas revistas populares, assume visivelmente outros significados; eliminando as
diferenças e as memórias, incorpora outros significados e passa a designar um conceito ou um
imaginário, e não mais uma classe social. Por ocasião da inauguração da cidade batiza o
presidente, o staff da Novacap, brinquedos, carros, produtos industriais.
194
Propaganda Bandeira – Fábrica de Brinquedos
Fonte: O Cruzeiro. Rio de Janeiro: agosto 1961.
Paralelamente, mas não sabemos explicar precisamente quando, alguns trabalhadores dos
canteiros de obra assumem o nome de peão. Segundo um testemunho: “Esse nome, o que
chamava de pião, é porque Juscelino chamava o povo candango, né? Que até eu mesmo cansei
de ver ele mesmo dizer que era nós candango. Ele dizia era assim, num era só candango, não.
(...) Esse nome apareceu qui mesmo em Brasília porque pião é uma pessoa lá pro norte que é
amansador de animal. Aqui é homem de obra, em vez de chamar operário”
11
.
Acerca dos conteúdos da palavra candango: desde o início, a designação exclui o universo
das mulheres: candango não é um termo feminino [ver o Dicionário Aurélio Século XXI] e, assim,
não existe a mulher “candanga”. E se já no primeiro ano de construção da cidade as mulheres
eram pouquíssimas, não foi com o tempo e as migrações que o termo passou a inclui-las; quando
surgiu o termo peão, elas foram reintegradas pela congregação trabalhadora. De acordo com o
dicionário Aurélio Século XXI, de fato, pião e peão são sinônimos que indicam, entre outros perfis
de trabalhadores, o servente das obras, e possuem o feminino: peoa e peães.
Cabe destacar a representação da identidade racial: a metamorfose operada pela
propagandas e palas imagens acabou tirando do vocábulo o universo dos negros; nas fotografias
das revistas populares, nos cine-jornais, nos comerciais da época, até nas imagens da “memória
póstuma”, como, por exemplo, nas fotografias escolhidas para o painel de abertura do Museu da
11
Bicalho de Sousa, Nair Heloisa. Construtores de Brasília. Estudo de operários e sua participação política.
Petrópolis: Editora Vozes, 1983.
195
Memória Viva Candanga em Brasília, o trabalhador de Brasília sempre é homem e é uma
miscigenação. Diferente é a realidade relatada pelas fotografias de Mario Fontenelle e de Marcel
Gautherot, pelos livros de memórias, pelos depoimentos orais, pelas entrevistas dos
filmes/documentários.
Ainda tendo como referência a palavra candango, depois da inauguração, nas matérias da
revista Manchete entre 1961 e 1963, o termo indica qualquer pessoa que dê sua contribuição para
que a vida em Brasília comece. De modo geral, o “povo brasileiro” que contribui para o bem do
País. Em 1963, o termo é usado para designar genericamente quem muda de lugar (não
necessariamente indo pra Brasília
12
) e/ou empreende nova atividade.
As transformações observadas, uniformizando as identidades raciais (nas imagens) e as
realidades sociais (na palavra candango), denunciam um processo de uniformização e absorção
das diferenças que se aproxima à mitificação. Acolhendo, de fato, a definição de mito como relato,
imagem, palavra, que tem o poder de harmonizar as aberrações e resolver as incongruências da
lógica ou da realidade – Lévi-Strauss diria que “a finalidade de um mito é fornecer um modelo
lógico capaz de vencer uma contradição”
13
– as atualizações da imagem oficial dos construtores
da Nova Capital, transforma-os em congregação social e culturalmente homogênea, que
incorpora ideal e ideologicamente as variedades e, possivelmente, suas incoerências. Essa
operação, aliás, descreve também as finalidades de muitas obras de arte visuais, mas ao mesmo
tempo, da mesma maneira que as palavras, as obras de arte preservam os rastros das realidades
que as geraram. Vale a pena, portanto, interrogando antes de tudo as representações visuais,
reconstruir o ambiente no qual formaram-se e construíram-se as primeiras representações da
construção da cidade. Em nossa opinião, de fato, tal reconstrução torna-se um instrumento
necessário para a avaliação críticas dos episódios e das leituras que seguirão.
12
Repórter Manchete. Um operário estrela como romancista. Manchete 21/12/1963.
13
Lévi-Strauss, Claude. Mito e significato. Cinque conversazioni radiofoniche. (Il Saggiatore, 1980) Milano: NET 2002.
196
Justino Martins, Jacinto de Thornes, Nicolau Drei, Gervasio Batista, Jader Neves, Jankiel e Gil Pinheiro. Manchete.
Brasília Edição Histórica. Rio de Janeiro: 21.4.1960.
197
“No dia da inauguração, houve uma grande transformação. Cessou grande parte do
encanto. A cidade perdeu as características igualitárias que os pioneiros lhe deram.(...) Encerrava-
se a fase heróica e afetiva. Começava o cotidiano, com suas vulgaridades”
14
. Quase
desapareceram das revistas populares as notícias sobre a construção de Brasília, as imagens dos
canteiros e de seus heróicos trabalhadores.
De acordo com Manuel Mendes
15
, com a inauguração da cidade, candango passou a ser
“um gentílico para identificar as pessoas que nascem ou vivem em Brasília”. Cabe destacar,
também que no meio da classe média surge outro apelido para diversificar as identidades
arrasadas pelo uso publicitário da palavra candango. De acordo com Manuel Mendes e Dinah de
Queiroz, piotários – contração de pioneiro e otário - designava “os que vieram antes da fundação
de Brasília (...) desde que vantagens dos apartamentos e conforto eram destinados aos recém
vindos, enquanto outros acamparam e depois trouxeram suas famílias para casas de madeira”
16
.
Hoje, em Brasília Plano Piloto, essas palavras saíram do vocabulário do cotidiano:
buscando informações para chegar ao Museu da Memória Viva Candanga, notei que o apelido
candango hoje não significa quase nada, a ponto dos mais jovens nunca terem ouvido falar.
Com a passagem do poder para o presidente Jânio, os trabalhos nos canteiros de obras
quase pararam: a falta de verbas impediu que as obras continuassem com o mesmo ritmo.
Impediu também que se confirmassem as expectativas propaladas pelo presidente JK de que
Brasília seria a capital de um futuro melhor. As carências de uma cidade ainda canteiro de obras,
a insegurança com relação ao futuro devido às demissões em massa acabaram em protestos
difusos, promovidos em sua maioria pela massa de desempregados da construção civil e pelos
funcionários transferidos do Rio de Janeiro. Para estes, Brasília passou ser “seqüência de dês:
desconforto, desilusão, desânimo, e desespero”
17
. Cabe relembrar que um quadro da situação
conflitante entre 1960 e 1964, com particular atenção à situação dos trabalhadores da construção
civil, é descrito no livro de Nair Bicalho de Sousa e no filme “Brasília, contradições de uma cidade
nova de Joaquim Pedro de Andrade.
Em 1964, depois do golpe militar, os padrões da construção de Brasília mudaram
novamente, mudaram seus objetivos, seus conteúdos, seus clientes, as modalidades das
negociações.
Estas três realidades – os anos da edificação, os primeiros anos de vida na capital antes
do golpe militar a os novos panoramas depois do golpe – são muito diferentes e repercutem
provavelmente de maneira deferente nas análises e nas avaliações críticas que foram produzidas
a respeito da construção da cidade.
14
Pinheiro, Israel Os mil dias de Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 4/5/1963.
15
Mendes, Manuel. Meu testemunho de Brasília. Brasília, Editora Thesaurus, 2006.
16
Dinah de Queiroz, apresentação do livro de Mendes,Manuel. Meu testemunho de Brasília. Op. cit.
17
Costa Couto, Ronaldo. Brasília Kubitschek de Oliveira, Rio de Janeiro: Record Editora, 2001.
198
Iniciaremos analisando o monumento símbolo dos construtores da capital, a estátua de
Bruno Giorgi na Praça dos Três Poderes de Brasília, tentando aproximar a/as identidade/es por
ele representada/as. A apologia do candango feliz, sugerida pela fotografia, parece de fato
conflitante com a representação deles sugerida pela fragilidade do monumento.
Cartão Postal Exclusividade: Itamar M.Sousa.
199
Com oito metros de altura, a estátua “Os Candangos” de Bruno Giorgi, colocada na Praça
dos Três Poderes, é uma composição frontal de dois corpos humanos estilizados, em pé. As
figuras se sustentam uma à outra, cada uma trazendo uma vara-lança, das quais apenas uma
apóia-se no chão. O grupo é quase simétrico, exageradamente sem espessura, com pouca massa
e muitos vazios. Sutis e magros, com ossos salientes, os corpos não têm sexo e são completados
com cabeças furadas por um só grande olho vazio. Enfim, os vultos, pequenos e sem traços, tanto
brancos, quanto pretos, como indígenas, adaptam-se à representação da miscigenação racial.
O conjunto alcança um equilíbrio instável: do ponto de vista “técnico” surpreendem a base
pequena e estreita, quando confrontada com os oito metros da altura do grupo, a posição e a
anatomia inaturais dos pés: unhas animalescas de ponta aberta a 90° para o exterior dos corpos.
A estátua é de 1957 e foi apresentada na Bienal das Artes Plásticas de São Paulo em
novembro de 1957
18
com o nome original Guerreiros; desde dezembro daquele ano foi escolhida
pela Novacap
19
– por Lucio Costa ?
20
, amigo de Bruno Giorgi
21
– para ser colocada na futura
Capital.
Isolando a metade superior, o perfil criado pela sucessão de varas, braços levantados e
cabeças, a alternância de retas e curvas, vértices e parábolas ecoam as linhas plásticas dos
demais prédios do poder da praça dos Três Poderes. Parece até que a composição tenha sido
escolhida para exaltar as arquiteturas de Oscar Niemeyer. Assim escreve a revista Módulo de
agosto de 1960: “o ritmo dos braços e cabeças rimam com o das colunas dos palácios e geram
contrastes e semelhanças”.
Marcel Gautherot. Palácio do Supremo
Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br
Luisa Videsott. Monumento aos Candangos (detalhe),
novembro de 2005.
18
Repórter O Cruzeiro. Cinco mil pessoas visitam semanalmente a grande mostra de São Paulo. O Cruzeiro. Rio de
Janeiro: 16/11/1957. E também: Catálogo das obras da Bienal das Artes Plásticas de 1957.
19
Brasília n.12. Rio de Janeiro: Dezembro de 1957.
20
Chiavari, Maria Pace. Biografia di Bruno Giorgi. In: Mosaico Italiano, www.comunitaitaliana.com.br/mosaico/mosaico.
21
Segundo consta no Depoimento de Bruno Giorgi no Arquivo Público do Distrito Federal.
200
A análise integral da estátua, porém, da cabeça aos pés, revela, para além da analogia
visual com as arquiteturas ressaltadas pela matéria da Módulo, um outro tipo de correspondência,
anterior à arte moderna: aquela existente entre a ação e a postura das figuras; a própria
gestualidade, uma certa simetria, que remete às composições clássicas severas, cujos ritmos
lentos exprimem conteúdos éticos; seu apelido original, Guerreiros, que induz a uma reflexão
sobre a conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal; sua
colocação junto aos Palácios do Poder, que instiga questões políticas a respeito das “armas”
apropriadas para o debate democrático.
Antes da inauguração da cidade
22
chegou à Praça dos Três Poderes; vamos, portanto
esclarecer alguns detalhes da sua colocação, pois ela colabora para o significado geral da obra:
suas simbologias e seus conteúdos explicam as intenções daqueles que a escolheram para
integrar o projeto urbano.
maquete do Palácio do Planalto. Fonte: Brasília n. 10. Rio e Janeiro: Outubro de 1957.
As maquetes
23
de Oscar Niemeyer, que apresentam os Palácios e a praça dos Três
Poderes, mostram que a colocação da estátua havia sido pensada para a fachada do Planalto,
entre o púlpito e a rampa.
Cabe destacar que o modelo tridimensional publicado na Módulo e na O Cruzeiro em
dezembro de 1956, que apresentam oficialmente as primeiras arquiteturas para a Capital, definia
como prédio central da composição o “Palácio dos Despachos”; o edifício era completado por um
parlatório e por uma estátua, significativamente uma dupla de figuras, abraçadas ou de mão
22
A revista Veja de 7 de agosto de 1985 publica uma matéria dedicada à estatua, inclusive uma foto de Marcel
Gautherot documentando a sua instalação na Praça dos Três Poderes. O repórter data a colocação em 1957.
Evidentemente essa datação é impossível; todavia é muito provável, devido ao fato da estátua entrar nos comerciais
que a mesma já estivesse na praça dos Três Poderes antes da inauguração da cidade. No acervo de Marcel Gautherot,
publicado pelo site do Instituto Moreira Salles, sede do Rio de Janeiro, tem uma fotografia da instalação da estatua na
praça dos três poderes, que a ficha data em 1960, mas não especifica o mês.
23
Brasília n. 16. Rio de Janeiro: Abril de 1958.
201
dadas, e em pé. Se não podemos defender que a estatua é a mesma, podemos, porém prestar
atenção às formas e à idéia de colocar na frente da sede do Governo um grupo escultural; talvez
servisse de contraponto às linhas arquitetônicas do edifício, talvez fosse correlato ao significado
político e simbólico do próprio Palácio, as silhuetas remetendo a figuras humanas.
No modelo definitivo do Planalto, publicado em abril de 1958 pela revista Brasília, o lugar
da escultura – desta vez certamente a de Bruno Giorgi – era o completamento da sua fachada;
além dos retornos estéticos (por ressaltar a arquitetura), com seu nome originário e as posturas
severas, a escultura expressaria evidentemente significados éticos; seu patronímico e as
evocações das diferentes identidades nacionais, junto à destinação originária, construiriam uma
mensagem importante, afirmando a defesa da democracia por parte do seu povo.
Porém, a estatua ganhou uma nova colocação e um novo apelido.
A mudança de destinação da obra coloca evidentemente problemas de compreensão; seu
arranjo definitivo no vazio da Praça dos Três Poderes interrompeu o diálogo inicialmente previsto
com o palácio do Governo e com a estátua da Justiça do outro lado, em frente ao Supremo; torna-
se interessante e significativo, porém, que a obra passe, como os sujeitos que representa, por um
processo de atualização de identidade; cada mutação opera uma apropriação de significados e,
necessariamente, a espoliação de outros, sendo que a transformação abrange, às vezes, uma
mais ampla gama de significações, incorporando e preservando memórias. Entendemos também
que a substituição de nome e conteúdos foi rápida, podendo assinalar tal rapidez a importância
das propagandas na construção/mitificação de uma imagem/identidade dos construtores da
capital.
A revista Módulo n. 19, já em agosto de 1960, mesmo mantendo o nome original, descreve
a estátua como “o símbolo do operário que construiu Brasília”.
Mario Barata, em 1985, escrevia confirmando a matéria da Módulo: “a mudança de título
se impôs ao verificar-se que os únicos “guerreiros” que atuaram em combate em Brasília foram os
seus construtores ao aceitarem o desafio de erguerem a capital no cerrado vazio do planalto
Central.”
24
Cabe destacar a generalização da palavra construtores: trata-se dos operários, do
Presidente, da equipe da Novacap, dos arquitetos?
24
Barata, Mario Monumentos de Bruno Giorgi. In: Skultura/inverno/1985, São Paulo: Skultura Galeria de arte, 1985.
202
Marcel Gautherot. Instalação da estatua Os Guerreiros na Praça dos Três Poderes.
Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br
Bruno Giorgi: “Também o Oscar veio comigo lá na Praça dos Três Poderes e escolhemos
o lugar. Eu queria encostar esses dois guerreiros lá de um lado. E o Oscar Niemeyer disse: 'Não
vamos botar no meio'”. Então tinha um supercaminhão aí com os Guerreiros pendurados num
guindaste. Então, esses guerreiros passearam na Praça dos Três Poderes por todo lado”
25
.
A colocação precoce no vazio da Praça dos Três Poderes, que desliga a obra da função de
representação de um específico Poder, ajudaria a esclarecer por que, desde 1960, prestou-se a
diferentes interpretações tornando-se ícone e sinônimo da Nova Capital; justificaria, por exemplo,
25
Giorgi, Bruno. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
203
a sua repetição nas mais diversificadas propagandas comerciais daquele ano. Explicaria também
o suposto processo de identificação entre trabalhadores e Monumento e, antes de mais nada, a
interpretação da revista Módulo de agosto de 1960. Enfim dispensaria sua evidente
transposição/evocação na letra da Sinfonia da Alvorada de Vinicius de Moraes e Tom Jobim: “os
trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de
pedra...”
26
Bruno Giorgi, em 1989, relembrava:
“Eu fiz os guerreiros que foram fundidos aqui no Rio de Janeiro. E eu tinha feito uma
maquete de um metro e meio aí eles aprovaram, a comissão aprovou, inclusive o Oscar
Niemeyer aprovou. Então depois eu ampliei aqui, fiz com 9 metros de altura. Depois tem um
pequeno pedestal, depois tem dois elementos que se abraçam que chamam de guerreiro,
mas o meu sonho era fazer uma homenagem ao candango. Tanto que depois veio pôr nome
de candango. Isso aqui é um monumento aos candangos.”
Entrevistadora: Então a inspiração deles foi realmente os candangos?
Bruno Giorgi: “Foi os candangos. E como são dois, todo mundo batizou por guerreiro,
mas não tem nada que ver com guerreiros. São guerreiros de araque aquilo ali. É porque
candangos são duas figuras trabalhadores, podem ser três como esse aqui... todo
trabalhador, para mim, naquele período era candango”
27
.
As contradições com as outras fontes
28
são evidentes; além disso em 1957 o nome
candango ainda não era popular e a epopéia da construção da Capital ainda estava no começo.
O depoimento de Bruno Giorgi – recolhido em 1989 por Georgette Medleg Rodriguez – e
as declarações de Mario Barata – de 1985 – evidentemente absorveram representações e
discussões póstumas.
Todavia, como já observamos, os nomes designam, indicam, descrevem, às vezes
autoritariamente, re-colocam ou re-inventam a realidade. O novo nome Candangos – sincretismo
de figuras da identidade nacional – esclarece melhor, por exemplo, os paus da dupla de Giorgi,
desde que uma das varas da estátua, apoiando-se no chão, mais do que uma arma é um bastão
que ajuda o viandante no caminho; dessa forma recolhe a história da mudança para o Planalto
Central; integra as figuras sociais dos trabalhadores das obras, sazonais e itinerantes, os
retirantes, representando as magrezas e os ossos salientes suas misérias e espoliações.
26
www.letras.mus.br.
27
Giorgi, Bruno. Depoimento. Programa de História Oral do Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
28
A revista O Cruzeiro, em matéria de 16 de novembro de 1957 dedicada à Bienal das Artes, fotografa e comenta a
grande estátua brônzea de Bruno Giorgi, “Guerreiros”, colocada na hall.
204
Propaganda IBOPE
Fonte: revista PN . Rio de Janeiro: 18/4/1960.
205
As revistas populares dedicaram grande espaço editorial com fotografias lindíssimas e de
grande formato à descrição dos trabalhadores das obras da capital. Aliás, eles foram os
protagonistas desses anos heróicos ao lado de Oscar Niemeyer e Juscelino Kubitscheck. Cada
aspecto do dia-a-dia foi relatado, minimizando os problemas decorrentes da convivência e da
precariedade das condições do cotidiano e exaltando a dedicação ao trabalho e a capacidade de
adaptação criativa às dificuldades. A Manchete apresentou Brasília antes de mais nada como a
conquista de um horizonte de vida melhor. Um horizonte relatado pela fotografia de abertura,
iterado pelas propagandas políticas, pelos cinejornais e pelos comerciais.
Essa publicidade comercial da Castrol Lubrificantes, por exemplo, coloca em primeiro
plano justamente a imagem do operário que construiu Brasília; as letras e a capela do Palácio da
Alvorada: aquele homem realizado e sereno fez Brasília, e graças à fé no seu país. As revistas
populares ressoavam: “o candango será absorvido pela capital organizada e será operário
penteado, roupa limpa, sapato novo, dinheirinho no banco. Com o desaparecimento da poeira
vermelha o candango perderá o aspecto heróico e se transformará em folclore”
29
. Os cinejornais
ecoavam: “Os operários se dedicam à sua tarefa com entusiasmo e dedicação”
30
. O Presidente,
em seu livro, sela: “O Candango era uma imagem nova no cenário brasileiro. Sem saber ler,
realizava com perfeição o trabalho que lhe competia na comunidade operária da nova capital.
Este batia rebites, aquele carregava tijolos, outro temperava o concreto. Cada um no seu setor e
todos ajustados a um mesmo ritmo de produção”
31
.
Todas juntas, essas falas amenizam na verdade o grave problema da absorção da mão de
obra não qualificada provocado pela migração interna ao Planalto central e ao mesmo tempo
transformam o trabalhador das obras – sazonal, itinerante e sem carteira de trabalho – em
operário, a produção fabril sendo evocada pelas expressões de JK “comunidade operaria”,
“ajustados ao mesmo ritmo de produção” e pelo capacete da imagem aqui proposta.
A mudança do Nordeste a Brasília e do Plano Piloto às cidades satélites não foi isenta de
episódios de violência. Os filmes
32
, os livros de memórias (do presidente e dos trabalhadores), os
depoimentos orais compõem uma narrativa muito ampla sobre ao assunto, situando o momento
mais tenso entre 1958 e o início de 1959. Cabe assinalar uma crônica, talvez inédita, que
denuncia as modalidades das viagens nos paus-de-arara. O semanal Binômio, de Belo Horizonte,
n. 243 e seguintes
33
, de fevereiro e de março de 1959, noticia que, para pagar as despesas da
29
de Thornes, Jacinto O candango herói de Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 7/5/1960.
30
Silva, Sálvio. Brasília, Cinejornal n. 8. In: Alvim, Clara de Andrade. (Org,) Os cine-jornais sobre o período da
construção de Brasília. Brasília: MEC – SEC – SPHAN/pro Memória, 1989.
31
Kubitscheck, Juscelino. Porque construi Brasília. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1963.
32
Andrade, Joaquim Pedro de. Brasília, contradições de uma cidade nova. Narrador: Ferreira Gullart. Ministério da
cultura e Petrobrás, Filme do Serro, 1969. Restauração: Cinemateca Brasileira-Trama. De Carvalho, Vladimir.
Conterrâneos velhos de Guerra. Rio de Janeiro: Rio Filme, 1982.
33
Binômio, número 243 de 2 de março de 1959. Sob o título: Venda de nordestinos para Brasília, o semanal Binômio
denuncia um “tráfico” de paus-de-arara destinados aos canteiros de obras de Brasília, ao trabalho braçal no Norte de
Minas ou em Campo Grande. O alvo da denuncia foi o seguinte: para acertar o preço da passagem em paus-de-arara,
os futuros operários de Brasília, ou trabalhadores de outras destinações, ficavam devendo dinheiro à empreiteira que
pagava suas viagens. Em troca de trabalho sem remuneração, eles recebiam condições de viagem precárias, um
206
viagem (transporte e comida pala ele e para a família), muitos desses despojados vendiam seus
salários antecipadamente ao transportador e/ou às empreiteiras, e acabavam trabalhando
praticamente de graça por muitos meses. Enfim, mercados lícitos e ilícitos brotaram ao redor da
capital – o livro de Ronaldo Costa Couro relata truques para escapar à fiscalização da Novacap
nas obras – e o mundo melhor anunciado pelas propagandas embatia-se com outras realidades
contraditórias.
Retirando a canteira de trabalho
Recebendo as vacinações
Audi, George. Brasília, cidade humana. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 26/03/1960.
O trabalho contratado pela Novacap era vinculado à carteira assinada e às condições de
saúde. O livro de memórias de Edson Beú relata as modalidades e os requisitos necessários para
obtenção da carteira assinada; emerge assim que era relativamente rápido (15 dias) e certo para
os trabalhadores obterem-na e que durante a construção da capital, no período da “gestão JK”, a
carteira de trabalho, a carteira de votante e o “apoio à transferência”
34
foram objetos de transação.
A reportagem da O Cruzeiro aqui amostra o atendimento, as vacinações e a regularização da
posição dos trabalhadores.
Edson Beú, no mesmo livro, descreve também a outra face da mesma realidade; fala da
existência de uma organização paralela, os gatos, empreiteiras clandestinas que atuavam
alojamento e emprego; “os vendidos” – escreve Binômio – “vão receber 40 Cr$ por dia sete meses após a compra”.
Para melhor documentar o sistema de exploração, Binômio “comprou” um casal de paus-de-arara, denunciou alguns
dos responsáveis, envolveu a Televisão Tupi (que elaborou uma reportagem para o programa “fim da noite”, de Murilo
Neri) a Manchete, a O Cruzeiro, a Mundo Ilustrado, e o casal foi apresentado ao presidente JK pelos repórter Roberto
Drummond e Antonio Cocenza. Todavia, nem Manchete nem O Cruzeiro dedicaram qualquer reportagem ao assunto. O
trafico de nordestinos era feito por nordestinos – ainda documenta a Binômio: eles “iludem” propalando que “em Brasília
há emprego à vontade e não existe ninguém pobre”; “imprimem folhetos (falsos): Garanto arranjar emprego de mais de
3 mil cruzeiros por mês”. O salário mínimo era de 3.200 cruzeiros, segundo consta no Globo, RJ, do dia 4 de janeiro de
1959.
34
Bicalho, Nair Heloisa de Sousa. Construtores de Brasília. Estudo de operários e sua participação política.
Petrópolis: Editora Vozes, 1983.
207
livremente na região. “Com custos operacionais menores, pois não assinavam carteira de
trabalho, os gatos pagavam mais do que outras firmas. Além de ganhar mais, os operários podiam
fazer horas extras à vontade, culminando com as viradas. (...) e as obras tocadas pelos gatos
seguiam um ritmo mais acelerado do que as construtoras legalmente constituídas”
35
. Em outros
depoimentos, operários apontam para as estratégias das empreiteiras para fraudar a lei
trabalhista. Em depoimento no filme Brasília, contradições de uma cidade nova de Joaquim Pedro
de Andrade, para citar um exemplo, um entrevistado declara que uma empreiteira, quando um
operário estava perto de concluir os três meses necessários para assinar a carteira, despedia-o
para contratá-lo em outra filial e manter desta maneira seu salário mais baixo.
O nome peão, adotado pelos obreiros aparentemente em substituição ao apelido de
candango, talvez descreva a “alta rotatividade dos trabalhadores das obras”
36
também em termos
de alta mobilidade de contratações e demissões.
35
Beú, Edson. Espesso Brasília. Brasília: LGE Editora, 2006.
36
Bicalho, Nair Heloisa de Sousa. Construtores de Brasília. Estudo de operários e sua participação política.
Petrópolis: Editora Vozes, 1983.
208
Orlando Alli. Os primeiros pobres de Can. Manchete. Rio de Janeiro: 19/07/1958.
209
Essa fotografia da revista Manchete espalha uma confortante idéia de estabilidade dos
alojamentos operários na Cidade Bandeirante. Aliás, o Núcleo Bandeirante foi saneado somente
em setembro de 1960
37
; divulgando sua legenda uma cotidianidade repleta de promessas, isto é,
de esperanças e de futuros. Todavia, as construções de madeira da Novacap eram destinadas às
famílias dos funcionários; e a revista Manchete escreve:
“As Companhias têm bons alojamentos para seus empregados solteiros e casas para os
casados. Isso não acontece com a NOVACAP. Nesta os solteiros (“candangos”) queixam-se
amargamente. Seus três alojamentos (“Candongolândia”) são divididos em quartos com sete
camas, mas há muitas camas espalhadas pelos corredores pouco ventilados. Os casados vivem
em barracas de lona (“Lonolândia”) mas gostariam de ter seus barracos de madeira, como os
outros. Os que não conseguiram alojamento construíram pequenos barracos, cobertos com sacos
de cimento”
38
.
Por outro lado, o conjunto de imagens e palavras remete uma parte da verdade: “entre as
precárias condições de trabalho na construção, onde o risco de morte é um dado cotidiano, e a
sobrevivência miserável no campo, os operários vivem em Brasília os limites de seu acesso ao
mercado de trabalho”
39
. Muitos deles, nordestinos na grande maioria, abandonaram condições
duríssimas de vida e trabalho; a mudança para Brasília bancava, de fato, a possibilidade de
melhorar tanto suas condições de subsistências, como aquelas das famílias.
40
Aproveitando as
palavras de Heloisa Helena Pacheco Cardoso, nas memórias dos trabalhadores “Brasília passa a
ser olhada como uma obra fantástica, (...) não pela arquitetura (...), mas porque representou um
elo de ligação entre um passado de privações e um presente construído por lutas, por conquistas,
pelos trabalhadores”
41
. A imagem de obra fantástica reflete mais do que uma verdade, desde que
a Novacap contratava com carteira assinada; vacinava, cuidava da saúde pública, promovia
cursos para a escolarização dos adultos analfabetos, urbanizava as cidades satélites,
proporcionava moradias – barracos de madeira – enfim, intervinha também qual estado social
junto à população carente.
Enfim, a incongruência marca quaisquer relatos sobre a edificação da cidade. Voltemos
portanto à analise das mensagens visuais à procura de outras informações sobre o perfil dos
construtores e a construção da Capital.
Iniciaremos tentando entender a complexa fisionomia da congregação dos trabalhadores
braçais, desde que essas primeiras notas chamaram à tona a questão da mão de obra itinerante e
da transferência ao Planalto.
37
Melo Filho, Murilo. Somos todos candangos. Manchete. Rio de Janeiro: 10/09/1960
38
Gasparino Damata e Orlando Alli, Canaã, Paralelo 20, Manchete. Rio de Janeiro: 19/7/1958.
39
Bicalho de Sousa, Nair Heloisa. Construtores de Brasília. Estudo de operários e sua participação política.
Petrópolis: Editora Vozes, 1983.
40
Pacheco Cardoso, Heloisa Helena. Narrativas de um candango em Brasília. Revista Brasileira de história, São
Paulo, n.47, julho de 2004.
41
Pacheco Cardoso, Heloisa Helena. Op. cit.
210
Candido Portinari, Retirantes, 1944, detalhe.
Luisa Videsott. Monumento aos Guerreiros/Candangos,
novembro de 2005.
211
Notamos nas telas de Portinari Retirantes de 1944
42
as varas, a magreza, o equilíbrio
instável da obra de Bruno Giorgi: a mesma frontalidade da composição, a mesma fragilidade dos
corpos, o mesmo olhar vazio, a mesma precariedade dos equilíbrios, a mesma presença
importante dos bastões. O sincretismo entre o nome originário e a tela de Portinari explica melhor
aqueles paus dos guerreiros de Bruno Giorgi, tanto como armas antigas dos indígenas, quanto
como símbolos da luta cotidiana pela sobrevivência.
Cabe chamar a atenção para os pés da estátua de Bruno Giorgi, devido igualmente à
importância que eles assumem na história e na história da arte do Brasil, remetendo tanto aos
escravos que caminhavam descalços quanto à apologia dos pés em Portinari.
A dupla de bronze parece citar os símbolos das deformidades físicas e sociais dos
trabalhadores e dos despojados do pintor de Brodósqui; mas desta vez são animalescos,
(lembram pés de galo) fixados em uma posição contrária às leis da anatomia; junto com uma
única vareta, eles são as limitadas possibilidades das figuras permanecerem eretas.
Simultaneamente, como raízes, parecem agarrar o solo; relatam um pertencer e um brotar
da terra, uma história de exploração – os pés nus e deformes dos negros dos Retirantes de
Portinari – e de pertença às raízes indígenas do Brasil.
Os pés deformes e os rostos desprovidos de identidades acabaram informando a poesia
de Vinicius de Moraes “pés de raízes, rostos de couro”, escreve na Sinfonia da Alvorada. A poesia
transforma a deformidade física e social dos retirantes um fincar raízes, a luta épica que o homem
empreende para se assentar em um lugar. “o Homem. Viera para ficar; permanecer, vencer as
solidões. E os horizontes, desbravar e criar, fundar. E erguer.”
43
.
Vamos assim observar a figura dos trabalhadores nas propagandas presidenciais, nos
cinejornais, nos comerciais, nas fotografias das revistas populares ilustradas.
42
Bruno Giorgi trabalhou para o MEC, realizou o grupo Juventude Brasileira nos jardins do prédio. A convite de Gustavo
Capanema instalou um ateliê na Praia Vermelha no Rio em 1946; dividiu com Portinari, também de descendência
italiana, o mesmo meio cultural e artístico, além do compromisso antifascista. Até os anos 60 sua pesquisa artística é
figurativa, à procura de uma linguagem mista de modernidade, arcaísmo, nativismo, etc. Ver os textos de: Maria Izabel
Branco Ribeiro e Ferriera Gullar in: Itaú Cultural, (Org.) Tridimensionalidade, arte brasileira do século XX, São Paulo,
Cosac&Naify, 1999.
43
www.letras.mus.br
212
Repórter Novacap. Brasília n. 4. Rio de Janeiro: Abril de 1957.
Cabe chamar a atenção para a insistência do próprio Juscelino Kubitscheck em destacar
seu papel de trabalhador.
Uma fotografia, talvez a mais significativa, pendurada hoje no Arquivo Público de Brasilia,
descreve o presidente despachando e trabalhando sentado a uma tosca mesa de madeira, talvez
no Catetinho. Ele veste um terno, mas os pés estão nus: os pés – novamente! – são o fulcro da
representação, humanizam e popularizam a figura do estadista e, sobretudo, chamam à memória
a tradição visual realizada por Portinari nos murais do MEC, nos quais os pés contam a difícil
história da inserção do ex-escravo no moderno mundo do trabalho
44
.
44
Fabris, Annateresa. Portinari pintor social. São Paulo; Editoria perspectiva/Edusp, 1990. Schwartzman, Simon;
Bousquet Bomeny, Helena Maria; Ribeiro Costa, Vanda Maria. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra/FGV,
2000.
213
Propaganda Castrol Lubrificantes .
Fonte: Sued, Ibrahim. Brasília 21.4.1960, Programa Oficial dos festejos da inauguração de Brasília, elaborado pelo
jornalista Ibrahim Sued, atendendo à solicitação da Comissão das Solenidades de Instalação do Governo da Nova
Capital, presidida pelo Doutor Oswaldo Maria Penido. Brasília: Eduardo Casali Editor, 21.4.1960.
Outra, (outras) publicada(s) pelas revistas populares flagra(m) o presidente no cotidiano,
beijando a esposa ou a mãe, ou antes de dormir, já de pijama e sentado na cama; outras retraem-
no qual trabalhador braçal, dirigindo um trator, ou empurrando uma carriola; numerosas
fotografias, já comentada no capítulo “A flor agreste” descrevem Oscar Niemeyer passeando nos
canteiros de obras, ou entre as colunas do Alvorada, ou perto de seu alojamento de madeira, ou
no seu pobre escritório aprontando a nova capital, enfim, Manchete apresentou também seu
rústico quarto em uma casinha de tábuas.
Em conclusão, a transformação do trabalhador das obras em “candango” emprestou,
necessariamente seus conteúdos também para essas representações dos homens públicos de
Brasília, e vice-versa.
214
Jader Neves. Brasília–Acre. A estrada do Pacifico. Manchete. Rio de Janeiro: 2/7/1960.
215
É muito difícil portanto lidar com a reconstrução histórica da complexa situação dos
canteiros de obras de Brasília. As matérias das revistas populares sugerem, entre as linhas, vez
por outra realidades diferentes, porém as informações precisam de muita pesquisa para suas
apreciações.
Os depoimentos – a história oral de maneira geral – falham por causa das alterações que
ocorrem na memória; temos relatos, entrevistas e documentários, mas ainda falta integrá-los com
as documentações de arquivo e muitas dessas últimas foram perdidas. Um exemplo: os incidentes
de trabalhos. O hospital do Núcleo Bandeirante, com seus registros, queimou durante um incêndio
– alguém alega que o fogo foi doloso, outros relembram que incêndios eram freqüentes na Cidade
Livre, especialmente no período da seca. O que importa frisar é que não temos acesso a essa
documentação. Segundo um depoimento, quando os feridos eram graves, eram transferidos para
outras cidades
45
, pois o pequeno hospital de Brasília não tinha condições para acolhê-los e curá-
los; assim, por exemplo, os feridos do tiroteio de fevereiro de 1959 nos alojamentos da construtora
Pacheco Fernandes, foram transferidos para o hospital de Belo Horizonte
46
. Segundo uma matéria
da Manchete
47
, hansenianos e tuberculosos eram afastados, sendo a permanência em Brasília
condicionada à boa saúde. O depoimento do médico Edson Porto descreve as condições
precárias e as soluções improvisadas para cuidar dos trabalhadores nos alojamentos e nos
restaurantes. Enfim, cada memória aporta mais um detalhe, porém juntamente com as
contradições, como já observamos no caso de Bruno Giorgi. Além disso, o caráter de “vida de
fronteira” que acompanhou a construção da Capital durante o governo JK – e que JK cuidou de
atiçar – ou a desilusão e a raiva que tomaram conta dos trabalhadores, com a passagem do poder
para o presidente Jânio – isto é, com as maciças demissões decorrentes do corte radical nas
verbas para a construção da Capital – transformam os relatos em heranças riquíssimas. Porém,
seria necessário muito tempo para finalizar a pesquisa de reconstrução histórica com base nesses
relatos.
Portanto, nos limitaremos à pesquisa das imagens e obras de arte, pois a linguagem visual
preserva as memórias, mesmo quando constrói uma narrativa “oficial”.
45
Mazzola, Philomena Leporoni. Depoimento Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal,
1988.
46
Os feridos do tiroteio nos alojamentos da Pacheco Fernandes, de fevereiro de 1959, foram transferidos no hospital de
Belo Horizonte. Binômio número 243 de 2 de março de 1959.
47
Magalhães Junior, R. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1959.
216
Candido Portinari, Ferro. Rio e Janeiro, MEC.
Gervásio Batista. A capital da esperança.
Manchete. Rio de Janeiro: 19/09/1959.
Chama a atenção o fato de que, ao descrever os trabalhos e os trabalhadores dos
canteiros de obras em Brasília, quase a totalidade das fotografias publicadas nas revistas
ilustradas, inclusive aquelas da revista Brasília, evocam a atmosfera suspensa dos murais de
Cândido Portinari para o Ministério de Educação e Cultura do Rio de Janeiro.
217
Foto: Marcel Gautherot. Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br
Com relação ao passado recente, o momento cultural do Estado Varguista foi o mais
próximo àquele da construção da Capital, e o mais rico em termos de produção de ideais,
ideologias e de propagandas envolvendo as artes visuais, a identidade nacional mas também as
comunicações de massas, mesmo que incipientes. Vale a pena lembrar que muitos nomes que
compuseram as mensagens simbólicas da Nova capital são ligados à organização do próprio
MEC. Entre outros: Raimundo Nonato da Silva, colaborador da área de ensino e depois diretor da
revista Brasília; Vinicius de Moraes, que foi censor do Departamento de Imprensa e Propaganda
218
Candido Portinari, Algodão. Rio de Janeiro, MEC.
Gervasio Batista. A capital da esperança.
Manchete. Rio de Janeiro, 19/09/1959.
do Estado Novo, trabalhando na revisão dos cinejornais
48
, depois colaborador da revista
Módulo; Henrique Pongetti, responsável da reformulação da seção de cinema do Departamento
de Imprensa e Propaganda entre 1942-1943
49
, foi um dos fundadores da revista Manchete, da
qual sempre foi colaborador, além de diretor no período inicial. O conjunto de personagens e de
experiências com a educação e a divulgação estabelece uma possível continuidade de ideários
entre o Ministério da Educação e as propagandas sociais realizadas sobre a construção de
Brasília.
Ressoando os painéis do MEC, a linguagem das fotorreportagens torna-se simbólica,
articulada acima de poucas figuras esculturais e destinadas à melhor apresentação dos espaços e
das arquiteturas. Fixados em gestos-chave, os corpos são adaptados à exaltação do papel do
trabalhador, ecoando a ordem dos canteiros, sublinhando a racionalidade dos trabalhos, numa
espécie de continuidade harmônica entre homens, tarefa executada e ambiente. A preocupação
com a narração é pequena, talvez domine a pretensão de exaltar a beleza da construção da nova
capital citando os murais do Rio de Janeiro, obra-chave da construção da figura ideal do
trabalhador braçal e do homem brasileiro, isto é, como vamos aqui relembrar, da identidade
nacional. Do ponto de vista dos conteúdos, as fotorreportagens são narrações riquíssimas - até
48
Tomaim, Cássio dos Santos, Janela da alma Cinejornal e estado novo – fragmentos de um discurso totalitário. São
Paulo: Anablume Fapesp, 2006.
49
Tomaim, Cássio dos Santos. Op.cit.
219
Candido Portinari, Garimpo. Rio de Janeiro, MEC.
Repórter Novacap. Brasília n. 39.
Rio de Janeiro: Março de 1960 (detalhe).
porque não conseguem retirar dos panos de fundo muitas informações complementares;
do ponto de vista estético, são agradáveis e sedutoras, mesmo ao relatar a miséria e a
exploração.
Conforme as análises de Anateresa Fabris e de Maria Cecília França Lourenço, os
conteúdos elaborados nos painéis do MEC não remetem simplesmente à definição do papel social
do trabalhador braçal no Estado Moderno, mas constroem a fisionomia geral do trabalhador e do
povo brasileiro, isto é a identidade nacional. E acrescenta: “o povo, no getulismo, não é universal,
mas sim aquele comportado, trabalhador e bem-nutrido, plenamente satisfeito e conformado à
situação.”
50
Vale dizer: o ciclo de Portinari operou uma reinvenção do trabalhador brasileiro, resolvendo
no plano da arte e do mito as contradições – a inserção do escravo no sistema trabalhista – que
não encontravam solução na vida real. Da mesma maneira, as fotografias das revistas ilustradas
poderiam ter ajudado a solucionar no plano das iconografias e dos mitos, como já observamos ao
falar das propagandas, contradições não resolvidas, prosseguindo, porém, o caminho rumo à
construção da identidade nacional.
50
França Lourenço, Maria Cecília. Operários da Modernidade. São Paulo: Hucitec Edusp, 1995.
220
De acordo com as análises de Ernest Gellner
51
, a construção da identidade nacional nas
sociedades industriais é a recuperação/destruição e massificação do passado – de um certo
passado – para convertê-lo em identidade nacional e, nesse processo, as artes desenvolvem um
papel crucial, de participação e de oposição. Portanto, se um certo passado é destruído, outro é
preservado, se as obras de arte participam, outras se opõem; em outras palavras: fotografias,
propagandas, ideologias, relatos, obras de arte, etc. observados no conjunto talvez permitam
reconstruir um fragmento da história.
Candido Portinari, Erva Mate.
Rio de Janeiro, MEC
Repórter Manchete. Queremos que a arquitetura de
Brasília seja pura e simples.
Manchete. Rio de Janeiro: 13/9/1958.
51
Gellner, Ernest. O advento do Nacionalismo e sua interpretação: os mitos da nação e da classe. In: Gopal
Ballakrishnan (Org.) Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro; Contraponto, 2000.
221
Gervasio Batista. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/09/1959.
Os instantâneos, em branco e preto, da mesma maneira das figuras de Portinari nascem
de um processo de sintetização e de limpeza dos detalhes e conferem à realidade uma dimensão
sem tempo; estratégia padronizada, o fundo homogêneo – o céu e o horizonte imenso do Planalto
– permite comprimir o espaço em poucos planos sintéticos e aptos à exaltação dos gestos e de
seus locais. Os canteiros são ordenadíssimos, os alojamentos nas redes funcionais; as roupas
são quase um emblema, uma farda independente das necessidades e das normas de segurança;
as sombras cortam decididamente e o branco e preto transforma as arquiteturas, os esqueletos da
222
futura capital, em cenografias narrativas, teatrais, afastando-as do fato de ser o objeto de tanto
suor; as ações são fixadas em gestos, quase a lembrar a repetitividade mecânica do trabalho
fabril. Já ressaltamos o fato de as propagandas comerciais e políticas integrarem o trabalhador
itinerante ao mercado de trabalho, ou o fato de a palavra candango colocar o Presidente e os
dirigentes da Novacap no mesmo plano dos trabalhadores, tornando-os “homens comuns”, graças
também à conduta de fraternização que JK e Oscar Niemeyer fizeram questão de manter durante
a execução das obras.
As revistas Manchete, O Cruzeiro e Brasília assim como os cinejornais estandardizaram no
nível nacional esse tipo de informação veiculada pela comunicação visual, espalhando idênticas
notícias nas diferentes regiões do Brasil, adiantaram-se na divulgação de uma idéia organizada e
eficiente dos trabalhos na Capital, dando continuidade, vale a pena ressaltar, aos análogos
conteúdos já veiculados pelos panos de fundo dos painéis de Portinari.
A acessibilidade e a aparente simplicidade da narrativa visual – talvez determinante para a
popularidade das próprias revistas ilustradas – contribuiu para uniformizar as aspirações da classe
média, cujos sonhos de modernidade aderiam à perspectiva de um país industrializado, rumo à
derrota do subdesenvolvimento; valorizavam as representações de eficiência técnica,
organização, urbanização, mecanização, racionalidade, etc.
Seria possível, portanto, defender que os meios de comunicação de massa durante a
construção da cidade até a sua inauguração consolidaram uma retórica sobre a figura do
trabalhador de Brasília como pilar do novo futuro moderno do Brasil, como já havia acontecido no
estado Varguista, por obra de Portinari, porém com atualizações.
223
Orlando Alli. Canaã, paralelo 20.
Manchete. Rio de Janeiro: 12/07/1958.
Orlando Alli. Os primeiros pobres de Can.
Manchete. Rio de Janeiro:19/07/1958.
Jader Neves. Brasília–Acre. A estrada do Pacifico.
Manchete. Rio de Janeiro: 2/7/1960.
Repórter Manchete. Queremos que a arquitetura de
Brasília seja pura e simples. (detalhe).
Manchete. Rio de Janeiro: 13/9/1958.
224
Nos murais de Portinari, os poucos rostos que olham para o espectador-testemunho não
descrevem uma personagem mas uma condição (...). Graças ao ciclo da história do Brasil do
MEC, o ex-escravo virou trabalhador e cidadão e o cotidiano do trabalho virou compromisso ético
para o bem-estar coletivo
52
. Mesmo que esse comentário se adapte muito bem à descrição das
fotografias e dos cinejornais, o homem brasileiro de Portinari não se transpõe inteiramente para as
reportagens: a renovação da sua identidade manifesta-se, sobretudo, nos olhares e nos sorrisos.
Vamos lembrar que a postura, desde os retratos dos imperadores romanos, até os caipiras de
Almeida Jr ou até mesmo o Mestico de Portinari, é um veiculo comunicativo e simbólico muito rico
e forte; portanto, não pode passar despercebido o fato de que os operários de Brasília ganham
um outro olhar com relação ao trabalhador idealizado dos painéis de Cândido Portinari para o
Ministério de Educação e Cultura.
Já ressaltamos que as propagandas integram o trabalhador itinerante pobre ao mercado
de trabalho, que a palavra candango coloca o Presidente e os dirigentes da Novacap no mesmo
plano dos trabalhadores, tornando a todos “homens comuns”, graças também à conduta de
fraternização de JK e de Oscar Niemeyer e à imagem política-midiática do próprio presidente.
Todavia, aqueles pés nus do cavouqueiro da reportagem da Manchete de julho de 1958, ou a
figura de chapéu apoiada à casa de madeira, ou o leitor na rede no meio da mata amazônica, ou
Niemeyer passeando entre as vigas, essas imagens nos induzem a perguntar até que ponto
sejam o resultado de intervenções e pedidos dos fotorrepórteres, preocupados em vender seus
trabalhos para publicações – pois, afinal de contas, eles viviam da venda de seu serviços e as
publicações populares procuravam agradar aos leitores.
Cabe chamar a atenção também para os muitos instantâneos onde os sujeitos olham para
o fotógrafo e sorriem; talvez isso tenha uma relação com o meio, isto é com o desconforto do
aparelho fotográfico, talvez seja um estratagema dos fotógrafos para realizar fotografias mais
agradáveis. Esse fato, em nossa opinião, repercute nas imagens das propagandas comerciais: na
grande maioria delas os operários idealizados olham para o espectador.
52
Fabris, Annateresa. Portinari pintor social. São Paulo; Editoria perspectiva/Edusp, 1990. Schwartzman, Simon;
Bousquet Bomeny, Helena Maria; Ribeiro Costa, Vanda Maria. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra/FGV,
2000.
225
Jader Neves. Brasília–Acre. A estrada do Pacifico.
Manchete. Rio de Janeiro: 2/7/1960.
Jacinto de Thornes. O Candango herói de
Brasília. Manchete. Rio de Janeiro, 7/5/1960.
Fonte: Couto, Ronaldo Costa.
Brasília Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro: Record, 2001.
Nicolau Drei, Gervasio Batista, Jader Neves,
Jankiel e Gil Pinheiro. Nova era Brasília.
Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/1960.
226
“O candango é otimista, eufórico, cheio de entusiasmo. (...) acredita em Brasília acima de
todas as coisas, acha que trabalha pelo bem do país e não considera alguma tarefa impossível a
ser executada no prazo previsto.”
53
Esse retrato fotográfico dos candangos é repetido mais de uma vez: temos os
desbravadores das rodovias, que correm rindo, levantando chapéus, garrafas e ferramentas,
temos outros correndo em direção ao fotógrafo e, atrás de si, o Palácio do Supremo (ao invés do
prédio das quadras residenciais), temos homens levantando os braços nas caçambas dos
caminhões, temos os novos moradores das superquadras, não excluídas as crianças, que
avançam sorrindo para o olho da máquina fotográfica [ou o futuro]; temos o Presidente JK que
parabeniza o futuro levantando o chapéu, e a foto de um menino jornaleiro publicada na
Manchete, edição especial de 21 de abril de 1960, sorrindo para o olho mecânico e levantando um
cotidiano. Essa ampla série de fotografias fala da felicidade de trabalhar para Brasília: exprime
uma propaganda que é também uma realidade, e narra uma verdade que é também uma mentira.
Revela a estratégia de propaganda visual. Chama a atenção a imitação do mesmo
esquema composicional da imagem, sua repetição em múltiplas ocasiões, informando com a
mesma chave de leitura sobre situações muitos diferentes: moradias, trabalho nas obras,
construção de rodovias, inauguração da cidade, venda de jornais. A série traz consigo a suspeita
de que os fotorrepórteres, copiando um ao outro, articularam um código, e nos leva a olhar com
maior atenção para a atuação dos fotojornalistas, levantando a suspeita de que os próprios
colaboraram, junto com outros atores, na composição desse relato “oficial” eufórico e épico da
construção da cidade.
53
Magalhães Júnior, R. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1959.
227
Mario Fontenelle . Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal.
228
Quando confrontada com as fotografias de Mario Fontenelle (aqui reproduzidas), que
retrata um grupo de novíssimos operários das obras, levantando ferramentas e canecas no pano
de fundo de um canteiro edilício, a série enriquece-se de mais significações e sugere outras
reflexões.
Esses dois instantâneos de “operários dos canteiros de obras na esplanada dos
ministérios” não alcançam a mensagem procurada desde que os “atores” olham uns para os
outros e não conseguem entregar seus sorrisos para a máquina fotográfica. As imagens, pelo
contrário, informam sobre as condições “reais” da vida nas obras: a turma é muito jovem, talvez ali
estejam alguns menores de idade. Os instantâneos narram pobreza – repare-se nos chapéus
confeccionados com papel de jornal cotidiano, nas calças rasgadas, nas ferramentas de trabalho
nas canecas e nos garfos guardados como objetos pessoais; contam histórias de obreiros
juveníssimos, talvez eles fugissem – como narram os depoimentos orais – de um mundo sem
perspectivas, de condições de miséria, em troca de uma idéia de futuro e de um destino melhor;
falam de adolescentes que se aproveitam da situação contingente – a visita do fotógrafo – para
brincar entre si e tirar uma folga.
Esclarecem e confirmam, porém, a dinâmica da montagem daquelas imagens recorrentes
que escreveram, nas páginas oficiais, a história – não só visual – de Brasília. Imagens onde os
trabalhadores cumprimentam sorrindo, levantando objetos e fazendo barulho; onde os
trabalhadores olham diretamente para o espectador, comunicando a confiança no futuro e a
felicidade de trabalhar para um Mundo Novo.
Para entender melhor o porte dessas intervenções vamos voltar para o clima jornalístico da
época, clima que coincidiu com aquela efervescência cultural e econômica que acompanhou a
emergência da classe média. Nas décadas de 40 e 50
54
, de acordo com o modelo europeu e
americano, as revistas ilustradas passaram a incluir a fotografia como elemento instituidor da
informação; nesse esquema, os serviços de crônica e atualidade – fotografias e textos – eram
realizados pelos mesmos nomes e/ou pelas mesmas duplas: na década de 40, Jean Manzon e
David Nasser foram o par mais famoso da O Cruzeiro; nas matérias observadas da Manchete
1954-1964 – recorrem: Gasparino Damatta e Orlano Alli, Gil Pinheiro e Jader Neves – de vez em
quando esse dois nomes fotografavam e mesmo escreviam – às vezes Jader Neves assinava
junto a Murilo Melo Filho.
54
Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac&Naify, 2004.
229
Nicolau Drei, Gervasio Batista, Jader Neves, Jankiel e Gil Pinheiro.
Nova era Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/1960.
230
O fato de a notícia ser elaborada verbal e visualmente pelo mesmo autor ou pela mesma
dupla, tornou a fotografia um “elemento ativo da construção do relato. (....) Estabeleceu-se uma
dinâmica entre a fotografia e os textos, cada um tentando deter para si o privilegio na definição
dos acontecimentos. Essa muda disputa caracterizou o nosso moderno fotojornalismo que fez do
leitor um co-participante. Ele podia sugerir temas para as reportagens, indicar o fotógrafo que
deveria faze-las e tinha quase sempre o seu pedido atendido. O repórter fotográfico, para fazer
valer suas intenções ideológicas, desenvolveu sobremaneira a visão fotográfica”
55
. O livro de
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva detalha também de alterações atuadas nos
instantâneos pelos fotojornalistas brasileiros: “a percepção de que o real pode ser moldado
arbitrariamente, ao mesmo tempo em que fundou o fotojornalismo moderno no Brasil, inebriou
alguns fotógrafos que passaram a fraudar suas reportagens”
56
. Alguns deles, por exemplo,
enriqueciam com bonecos ou chupetas as cenas dos crimes policiais. Para chocar
emocionalmente e vender..... “Esse comportamento teve espaço devido à rápida expansão do
fotojornalismo no Brasil, à credibilidade total do leitor na imagem fotográfica e à ganância de
lucros. A partir das fraudes e do surgimento da televisão, o declínio das revistas ilustradas e
conseqüentemente do fotojornalismo foi inevitável”
57
. As imagens de Mario Fontenelle, o fotografo
da Nocavap, não publicadas na revista Brasília, e hoje preservadas no Arquivo Púbico do DF,
confirmam que as fotografias participaram de forma maciça e importante na construção de um
relato oficial, sincero e manipulado, heróico, eufórico, e dramático sobre a edificação da capital.
Contudo, vale frisar, o culpado das mistificações não foi só o fotógrafo. Desde que não
existe comunicação sem intenções e, sobretudo, sem um receptor e um cliente, com as suas
identidades e suas características, vale a pena distinguir entre as alterações provocadas pelos
repórteres, visando seus ganhos (a maioria deles trabalhava em regime de free-lance) e as
operadas, em cima das próprias imagens, voluntária ou involuntariamente, pelas propagandas
oficiais, pelas equipes dirigentes das revistas populares, pela diretoria da Novacap, cuja Divisão
de Divulgação visava o apóio à construção da cidade e a estabilidade política do Presidente.
55
Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. Op.Cit.
56
Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. Op.Cit.
57
Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. Op.Cit.
231
Propaganda Esso.
Fonte: PN. Rio de Janeiro: 18/4/1960.
Nesse comercial da Esso, chama a atenção a iterada citação da obra de Portinari: a mão
maciça e deforme, o signo gráfico que constrói os bicípites e o braço, a força que emana da figura
toda; repensando também no comercial da Castrol Lubrificantes reproduzido acima, chamam a
atenção aqueles olhares confiantes dirigidos ao espectador, olhares que desta vez não pertencem
às figuras de Portinari, mas se inspiram nos retratos fotográficos das reportagens.
Físico estatuário, mãos grandes, até deformadas, veste uma indumentária moderna (no
sentido etimológico da palavra) e apertada, mas possivelmente não é aquela característica dos
candangos de Brasília: “os candangos tem como indumentária: calça caqui ou de brim coringa,
sapatos grosseiros ou botas curtas, camisa, algumas vezes lenços ao pescoço, chapéu de palha
ou feltro. Os sapatos estão sempre empoeirados, as roupas de trabalho manchadas pelo
232
vermelhão da piçarra, o cabelo empastado de pó a pele ressequida e tostada de sol”
58
. Para
proteger a cabeça tem um capacete, para dizer que é um trabalhador de canteiro de obras e que
as obras são executadas atendendo às normas sobre segurança, mas o conjunto contrasta com
uma certa apologia proposta pelas fotografias e pelos cinejornais.
Apesar disso, o Candango Esso tem uma vara na mão (e não martelo ou colher de
pedreiro), ferramenta-estigma que, graças às imagens de Portinari, pertence ao retirante
nordestino. Talvez seja o signo-lembrança do fato dos construtores da capital serem migrantes;
talvez seja simplesmente a citação, publicitariamente eficaz, da estátua de Giorgi: a obra reinava
na Praça dos Três Poderes e já estava sendo usada por outros comerciais, e o apelido de
candango já era [1960] comercialmente, maciçamente desfrutado.
A figura da Esso, ao afirmar a nova figura social do operário que nasce graças à edificação
da nova capital, conjuga a imagem pública de pioneiro/homem comum do presidente com as
heranças dos escravos e o drama do retirante, resolvendo, no plano das iconografias, as
incongruências da realidade. O olhar confiante e a citação da vara estimulam mais dúvidas, pois
não podemos esquecer a precariedade do equilíbrio e o antinaturalismo dos pés da escultura de
bronze e as intervenções dos fotógrafos e das fotorreportagens.
Vamos, portanto, procurar mais informações acerca das migrações ao Planalto.
Cabe abrir um parêntese para as figuras dos “flagelados”; elas são tratadas e re-tratadas
nas telas de Portinari a partir dos anos 30 até os 60: qualquer reflexão iconográfica sobre o Brasil,
seus trabalhadores e seu povo não pode se esquecer dessas referências. Compõem o acervo de
Portinari: Despejados, (1934) Retirantes (1936), Retirantes (1944) e Criança morta (1944). Na
avaliação de Annateresa Fabris, estas telas relatam uma história de esperanças e desilusões e/ou
a passagem do pintor de Brodósqui de uma visão “otimista” dos quadros de 1934-36 para a mais
“apaixonada e despojada”
59
de dez anos mais tarde. Os retirantes são sujeitos de uma nova série
em 1958, na qual, de acordo com Annateresa Fabris, a linguagem é incerta e confere às telas um
caráter de exercício mais do que de obras acabadas.
60
“Os Retirantes de 1958 não têm nem a
calma majestade daqueles da década de 30 nem a trágica intensidade daqueles da década de 40.
As figuras revelam (...) um artista (...) não tão seguro do que quer veicular através de sua arte. (...)
Portinari está tentando repintar um tema a que já dera uma grande intensidade humana, mas o faz
sem convicção: suas figuras repetem gestos antigos, revestem-se de uma dor que não consegue
esconder um vazio emotivo e não podem ser nem mesmo resgatadas pela palheta mais
vibrante.”
61
58
Magalhães Júnior, R. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1959.
59
Fabris, Annateresa. Portinari pintor social, São Paulo, Editoria perspectiva/Edusp, 1990.
60
Fabris, Annateresa. Oc. Cit.
61
Fabris, Annateresa Oc. Cit.
233
Cândido Portinari. Retirantes, 1958.
Em 1959 Mario Barata escrevia, refletindo sobre a construção de cidades novas e o
relativo controle do incremento populacional por meio da criação de cidades satélites:
“No caso de Brasilia, em sua fase de construção, já se criaram barreiras aos imigrantes em
busca de trabalho, só se permitindo, aos menos em certo período, entrada por terra, na região, a
pessoa portadora de carta de chamada individual ou locação de trabalho. Na verdade esse tipo de
barreiras funcionam e funcionaram imperfeitamente, mas o fenômeno indica que uma cidade nova
enfrenta a triste perspectiva de tornar-se menos um exemplo, do que um quisto aristocrático,
produzido por uma sociedade hierárquica ou dividida em ricos e pobres e ameaçada de
submersão rápida ante as condições reais do país”
62
.
62
Barata, Mario. Totalidade artística e posição das artes industriais e artesanato na cidade nova. Relação apresentada
ao Congresso Extraordinário Internacional de Críticos de Arte: Cidade Nova – Síntese das artes. Brasilia, São Paulo,
Rio de Janeiro, setembro de 1959. In: Habitat n. 57. Dezembro de 1959.
234
A coincidência nas datas indica que estavam emergindo contradições com relação à
condição dos operários da construção de Brasília.
Iniciamos repensando os números: aos doze de novembro de 1956 o Diário de Brasília
63
calculava a população operária de Brasília em 232 pessoas; em novembro de 1958 o
Departamento de Imigração contava a população do ainda inexistente Distrito Federal em 45 mil
pessoas com um acréscimo de 3 mil por mês
64
.
Mario Fontenelle. Retirantes chegando a Brasília, 22/3/1958. Fonte: Arquivo Público do DF.
63
Diário de Brasília 1956-57. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Presidência da Republica, 1960.
64
Murilo Melo Filho. Brasília demonstra que o impossível acontece. Manchete. Rio de Janeiro: 29/11/1958.
235
Isto é: houve uma migração interna impressionante, enorme, que provocou descompassos
e contradições por si só. Segundo consta nas revistas populares, em 1959
65
o 95% da população
trabalhadora de Brasília era analfabeta; aliás, ainda de acordo com as revistas, o título de eleitor
66
era objeto de troca no mercado dos favores; enfim, parte daquela população analfabeta, que
resolveu não voltar para seus lugares de origem, não elegeu seu governo em 1960
67
. Em 1958
uma grande seca arruinou o Nordeste, milhares de retirantes chegaram ao Planalto (5.000 de uma
só vez no mês de maio
68
), atraídos pelas propagandas sobre a construção e pelas experiências
dos que já haviam emigrado. A maioria deles não tinha profissão para reivindicar, nem tampouco
experiências de trabalho nos canteiros de obras, aspecto que, junto com o analfabetismo (e à
impossibilidade de praticar os direitos de cidadão) teria repercussões importantes, em nossa
opinião, tanto durante a edificação da cidade quanto nos protestos que seguiram a sua
inauguração. Para o recrutamento de mão de obra as diferentes empreiteiras utilizavam suas
redes de informações, sobretudo os serviços de alto-falantes
69
, acrescentando novas
representações (até difundindo informações falsas
70
) à propaganda presidencial; nessas
mensagens, de forma geral, Brasília era propalada como lugar onde “há emprego à vontade e não
existe ninguém pobre”
71
.
Relembremos que o fenômeno dos retirantes destacava-se, pela sua gravidade, no
panorama econômico e político do Brasil. O problema dos trabalhadores rurais itinerantes, de
maneira geral, como relembramos ao observar o plano de Vilanova Artigas, De Camargo e
Almeida e Cascaldi, representava uma das chagas sociais de mais complexa solução. Durante os
períodos das secas, sobretudo no Nordeste, os sertanejos migravam do campo para as cidades
ou para outras regiões (pela sua importância, essa deslocação da população até produziu sua
palavra apropriada
72
). A regularidade do fenômeno e a pobreza da população já tinham gerado a
fundação de um Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNCS), ao qual o governo de
Juscelino Kubitschek flanqueou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) da
qual participavam, entre outros, membros do Estado-Maior das Forças Aradas. Escreve Fausto
65
Magalhães Júnior, R. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1959.
66
Nas matérias da Manchete ou nos depoimentos orais do Programa de História Oral do Distrito Federal encontramos
insinuações da existência de um mercado de títulos de eleitor, junto com certa insistência, nas páginas das revistas,
sobre o problema do analfabetismo do País em geral e sobre a necessidade de um plano de escolarização capilar. Ver,
por exemplo, Magalhães, Júnior R. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19.9.1959.
67
Os representantes do Distrito Federal no parlamento foram eleitos em final de 1960, logo depois da inauguração da
cidade e da transferência do Governo.
68
Damata, Gasparino e Alli,Orlando. Os primeiros pobres de Canaã. Manchete. Rio de Janeiro: 19/7/1958.
69
Os livros de memórias e os depoimentos orais e a dissertação de mestrado de Georgette Medleg Rodriguez sobre as
propagandas do período da construção de Brasília (Ideologia, propaganda e imaginário social na construção de
Brasília. Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas da UnB, 1990) relatam justamente esse tipo de
informação oral e as expectativas de um trabalho estável e de uma vida melhor que a imagem de Brasília criou no meio
da classe pobre. A existência da propaganda oral é confirmada pelas revistas populares: “Todos os trabalhadores
disponíveis em Manaus, Belém, São Luis foram recrutados pelo rádio e serviço de alto-falantes”. Melo Filho, Murilo e
Neves, Jader. “Brasília–Acre. A estrada do Pacifico”, Manchete. Rio de Janeiro: 2.7.1960.
70
Binômio, semanal de Belo Horizonte, n. 243 e 244 de 2 e de 9/03/1959.
71
Binômio, semanal de Belo Horizonte, Op.Cit.
72
Retirante: bras: Sertanejo que, sozinho ou em grupo, emigra para outras regiões nacionais, fugindo à seca, nas
regiões áridas do N.E. Aurélio Século XXI.
236
Boris, que o novo órgão nasceu “cercado de esperanças em sua maioria não concretizadas”
73
.
Isto é, o problema existia há tempo e não encontrava uma solução política adequada. E cabe
destacar que o programa de Metas de JK, como será relembrado no próximo capítulo, não
destinava recursos específicos à solução da questão agrária. A forca das propagandas, que, como
vamos observar aqui, resolveria o problema no plano das representações, adquire, portanto, maior
relevância justamente em decorrência da fraqueza das medidas sócio-políticas realizadas.
Marcel Gautherot. Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br
Voltemos ao ano de 1958.
“O dia 28 de maio de 1958 foi dramático para a cidade dos Bandeirantes, no local hoje
chamado de invasão. Os 5 mil flagelados que invadiam aquele recanto da cidade e muitos
operários que ali construíram barracos sem permissão da Novacap foram intimados a retirar-se.
(...) Um belo dia souberam que a polícia da Novacap viria desalojá-los. Mais que depressa,
73
Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.
237
armaram-se de facas, serrotes e martelos, prontos para o que desse e viesse. Os policiais
esbarraram em uma fileira compacta de homens silenciosos empunhando uma faixa com os
dizeres “Vila Sarah Kubitschek” e a bandeira nacional desfraldada. De repente houve gritos e
protestos, os operários dizendo que tinham dinheiro para comprar o terreno e queriam construir
um lar para a família. Os flagelados, com as mulheres chorando e maldizendo da sorte,
apresentando os filhos já nascidos ali mesmo, no mato.”
74
Foram encaminhados para a cidade
satélite de Taquatinga
75
, hospedados em “barracos limpos a oito quilômetros da futura capital”
76
.
Vêm à memória as poesias de Portinari (publicadas em 1964): “os retirantes vêm vindo
com trouxas e embrulhos / vêm da terras secas e escuras; pedregulhos / doloridos como fagulhas
de carvão aceso”
77
.
A precariedade dos aprovisionamentos de alimentos frescos e carne foi um dos problemas
mais graves enfrentados pelas empreiteiras e provocou epidemias, diarréias
78
e protestos
79
. Junto
com isso, a inexperiência profissional dos migrantes criou notáveis problemas de inserção na
grande “cadeia de montagem” que estava construindo a cidade, problemas que também as
revistas populares indiretamente noticiam
80
. O mundo melhor anunciado pelas propagandas sobre
a Nova Capital, depois de quase um século de expectativas (se contarmos o tempo a partir da
primeira constituição), chocava-se com a realidade. Talvez, aquela indecisão observada por
Annateresa Fabris nas telas do pintor de Brodósqui, proclame justamente a impossibilidade de se
expressar diante das contradições que, justamente em 1958, estavam emergindo com muita
intensidade e sem encontrar soluções.
A propaganda presidencial e os meios de informação de massa apropriaram-se de forma
extensiva justamente da figura dos flagelados e dos nordestinos
81
, talvez para compensar, no
plano das palavras e para um público que não compartilhava aquelas realidades, as
incongruências acima destacadas. Manchete amenizou o problema da escolarização e do
analfabetismo da população trabalhadoras dos canteiros de obra de Brasília
82
; O Cruzeiro teceu a
74
Gasparino Damata e Orlando Alli. Canaã, Paralelo 20. Manchete. Rio de Janeiro: 19/7/1958.
75
Kubitscheck, Juscelino. Porque constrói Brasília. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1963.
76
Gasparino Damata e Orlando Alli. Canaã, Paralelo 20. Manchete. Rio de Janeiro: 12/7/1958.
77
Portinari, Deus de Violência. In: Poemas de Candido Portinari, (1964). Apud: Fabris, Annateresa. Portinari pintor
social, São Paulo, Editoria Perspectiva, 1990.
78
Porto, Edson (médico). Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
79
Beù, Edson. Expresso Brasília. A história contada pelos candangos. Brasília: LGE Editora 2006.
80
“Alimentar mais 5 mil bocas e dar trabalho a cerca de mil homens que só sabiam cuidar de lavoura e gado seria
impraticável, prejudicial ao andamento das obras”. Damata, Gasparino e Alli,Orlando. Os primeiros pobres de Canaã.
Manchete 19/7/1958.
81
“(…) ao despertar uma consciência nova no pais. Brasília constituiria um exemplo. Levas e levas de sertanejos das
caatingas do Nordeste ou de mateiros das margens do Amazonas, que haviam passado fome nas regiões em que
haviam nascido, estavam transmudados em operários no Planalto”. Kubitschek, Juscelino. Por que construí Brasília.
Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1975.
82
Entre os trabalhadores, “90% são analfabetos. Possuem porém grandes qualidades de inteligência. Adaptam-se com
rapidez às mais diversas tarefas (...) Tentada em 200 classes para 5 mil alunos (5000/200 = 25 alunos por classe), a
alfabetização de adultos tem dado resultados precários. Faltam recursos para a alfabetização em massa. E os operários
preferem trabalhar mais para aumentar o salário. Fatigados ouvem sem atenção. A freqüência é muito irregular. Brasília
em proporção à sua população e à área habitada tem a maior concentração de analfabetos do mundo (...) A 12 deste
mês [setembro 1959] será diplomata a primeira turma de candangos ali alfabetizados: cerca de 300. Uma gota d’água
238
apologia dos trabalhadores empenhados na construção das rodovias associando-os aos antigos
bandeirantes
83
.
Jader Neves. Brasília–Acre. A estrada do Pacifico. Manchete. Rio de Janeiro: 2/7/1960.
no oceano. Continuará a haver ali uns 45 mil que não o são”.Magalhães Júnior, R. A capital da esperança. Manchete .
Rio de Janeiro: 19/9/1959.
83
“Cerca de 3 mil homens rudes, nordestinos e maranhenses na sua maioria, estão escrevendo na selva nas frentes de
trabalho, uma página empolgante de história do Brasil. Dir-se-á que estão novamente descobrindo o Brasil. Como no
tempo das bandeiras, à medida que as turmas avançam vão deixando atrás de si sementes de colonização, tomando
posse da terra e construindo casas à beira do sulco recém rascado. (...) A própria localidade de Gurupí nasceu com a
estrada. Não existia há dois anos. Tem hoje cerca de 6 mil habitantes. Silva, Arlindo Nossa Senhora da Selva abençoa
a Belém Brasília. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 7/3/1959.
239
Os trabalhos de construção das rodovias representam uma outra realidade e uma outra
identidade absorvida pelas propagandas presidenciais, porém ela é muito distinta daquela dos
acampamentos da Nova Capital, a começar pelas condições ainda mais extremas dos
aprovisionamentos
84
e pelas condições gerais de saúde
85
e solidão.
Compõem-se panoramas distintos que, conforme o alcance da nossa pesquisa, ainda não
foram objetos de revisões críticas. A eles acrescentam-se também problemáticas relacionadas à
conquista e/ou à auto-descoberta do País. A fotografia aqui reproduzida foi proposta na Manchete,
número especial comemorativo da inauguração, em 21 de abril de 1960; ela evoca e imita análoga
composição publicada pela O Cruzeiro, já comentada no capítulo “Sinal da cruz”, onde a figura de
um monge de costas olha para o caminho recém desbravado. Também aqui a composição (a
beleza da imagem) descreve a luta vitoriosa do homem com a floresta, mas a rigidez dos gestos
dos desbravadores insinua a suspeita de uma manipulação concordada com os operários: quase
todos andam na mesma direção, supostamente abrindo um caminho; nem faltam os chapéus,
estigmas da farda dos trabalhadores de Brasília. Aliás, é um dos pouquíssimos instantâneos
publicados onde aparecem os negros.
Nas obras da Transamazônica ou da Acre-Brasília, o “primeiro desmatamento” para abrir
as brechas aos tratores era feito manualmente: o próprio presidente JK, em seu livro, chama
esses homens de núcleos-suicidas
86
; a matéria do cotidiano
87
já comentada no capitulo “Sinal da
cruz”, que denuncia os conflitos com os indígenas, também revela as condições extremas desse
tipo de trabalho e as contradições levantadas por essas obras.
Como resume Pedro Arantes recentemente: “a grande maioria dos construtores,
conhecidos como “candangos”, era composta por trabalhadores rurais empobrecidos ou sem-
terra e de baixa qualificação. (...) A construção da capital representou, nesse sentido, o ponto
culminante da desqualificação do trabalho na construção civil”
88
.
O problema da mão de obra pouco especializada não investiu somente a hierarquia dos
pedreiros – do servente ao chefe – ma o inteiro âmbito do canteiro; a falta de encanadores,
84
Nada menos que dez campos de pousos tiveram de ser abertos no meio da mata para frota de 30 aviões
mobilizados na tarefa de abastecer e apoiar as turmas avançadas; os “Catalinas” jogavam alimentos de pára-quedas.”
Melo Filho, Murilo e Neves, Jader “A estrada do Pacifico”, Manchete. Rio de Janeiro: 2.7.1960.
85
“A batalha contra os mosquitos é talvez a mais difícil para aquele pugnado de pioneiros. Apesar da vacinação previa,
eles têm de lutar permanentemente contra as moléstias endêmicas que assolam aquela região, onde nunca estivera
qualquer médico. Há necessidade de manter também a vigilância contra a febre amarela do tipo silvestre, que (...)
liquida suas vítimas em 24 horas de tremedeiras”. Melo Filho, Murilo e Neves, Jader Op.cit.
86
“E’ que, “em qualquer lugar, poderia estar uma cobra escondida, encontrar-se um formigueiro, haver um foco de
carrapatos. Dai a razão por que esses vanguardeiros eram chamados o grupo suicida.” Kubitschek, Juscelino. Por que
construí Brasília. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1975.
87
Folha de Minas, BH, 01/02/1959. “O construtor da “transBrasíliana” engenheiro Sayão teria sido morto pelos
silvícolas. Teria sido chacinado por índios selvagens, às margens da rodovia Transiberiana, o engenheiro Luiz Sayão.
(...) Esclarecem nossos informantes que “são comuns” os incidentes dessa natureza, “sendo raro o dia em que não
desaparecem um ou dois operários” e afiançam que a verdadeira versão só não vem ao público “quando se trata de
trabalhadores”. Disseram mais que abandonaram seus empregos, na Belém Brasília, por causa dos índios
acrescentando que a remuneração para tratoristas, por exemplo, é esplendida: 25 mil cruzeiros mensais”. De acordo
com O globo, RJ, de 4/171959, o salário mínimo da época era de 3.200 Crz.
88
Arantes, Pedro Fiori. “Reinventando o canteiro de obra”. In: Andreoli, Elisabetta e Forty, Adrian (Org.) Arquitetura
moderna brasileira. London: Phaidon Press Limited, 2004.
240
eletricistas, marceneiros
89
, autistas
90
, etc, representaria para os migrados a possibilidade de
aprender uma nova profissão e melhorar os horizontes de vida. Aqui vai um anúncio do cotidiano
Ultima Hora de 23/5/1958. “O IPASE precisa de bombeiros e eletricistas com prática de obras de
construção civil, para trabalharem em Brasília. É inútil apresentar-se sem habilitação. Os
interessados serão atendidos diariamente das 8 às 18 horas à rua Santa Luzia 723 8° andar sala
815. condições a combinar”.
Carecia-se também de arquitetos e engenheiros formados, desenhistas e maqueteiros:
vários integrantes da Divisão de Urbanismo e Arquitetura da Novacap, de acordo com seus
depoimentos, entraram no escritório dirigido por Oscar Niemeyer e na equipe organizada por
Augusto Guimarães e Lucio Costa antes da sua formatura; muitos foram também os estagiários
estrangeiros.
Lucio Costa. Planta de Brasília. 1957.
Fonte: Módulo n. 8. Rio de Janeiro: Julho de 1957.
Oscar Niemeyer. Maquete do Palácio do Supremo.
Fonte: Brasília n. 19. Rio de Janeiro. Outubro de 1957.
A reconstrução do processo de absorção e expulsão de situações, perfis sociais e
profissionais, condições de vida, etc. operado pelas representações das obras de arte e das
propagandas, e também pelas críticas posteriores e pelos próprios depoimentos orais, interessa o
âmbito das nossas disciplinas arquitetura e urbanismo, pois estas representações estão
justamente falando – por trás da resignificação da figura do trabalhador – da imagem que a
propaganda divulgou acerca dos trabalhos de construção da cidade nova, envolvendo seu projeto.
Talvez até mesmo os trabalhos e o projeto passassem por um processo análogo. Cabe
portanto um breve parêntese para contrapor àquela narrativas o trabalho da Divisão Urbanismo e
Arquitetura da Novacap. A D.U.A. constava de 123 nomes
91
de colaboradores (dos quais somente
7 mulheres): uma centena “esquecida” de profissionais contratados pela própria Novacap, para
89
Andrade, Joaquim de. Brasília, contradições de uma cidade nova. Narrador: Ferreira Gullart. Ministério da cultura
e Petrobrás, Filme do Serro, 1969 (?). Restauração: Cinemateca Brasileira-Trama.
90
Beú Expresso Brasília.
91
Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília: a trajetória profissional de Nauro Esteves. Dissertação de
mestrado. Brasília. FAU UnB, 2004.
241
“colocar no chão” os anteprojetos de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, à qual, recentemente,
algumas pesquisas vêm dedicando suas atenções. Esses trabalhos, junto aos depoimentos orais
do Arquivo Público de Brasília, concorrem para construir a mesma história, mas de outros pontos
de vista. Junto aos profissionais contratados pela Novacap, atuavam os arquitetos e os
engenheiros colaboradores das diferentes construtoras; os arquitetos estagiários, muitos deles
estrangeiros, que “porventura eram atraídos pela oportunidade de presenciar, até mesmo de
participar, da construção de uma cidade inteira, planejada nos moldes do modernismo”
92
. “Essas
pessoas vinham com recomendações assim diretamente pra Oscar Niemeyer, e muitos foram
então admitidos e passaram um período lá.”
93
. Enfim, um pequeno exército de profissionais que
construíram a cidade; o resgate de sua memória poderia até tornar a cidade uma expressão
coletiva e desmentir a imagem da obra como demonstração individual de Oscar Niemeyer e
Juscelino Kubitscheck, com a participação de poucos outros.
Lucio Costa. Figura n. 8 do Relatório. 1957.
Lucio Costa. Esboço da Praça dos Três Poderes.
O desenho vencedor de Lucio Costa deu as idéias gerais para a cidade, mas o projeto foi
realizado por uma grande equipe, parte dela subordinada a Lucio Costa parte subordinada a
Oscar Niemeyer. Niemeyer era formalmente o diretor da D.U.A. – Divisão de Urbanismo e
Arquitetura da Novacap – mas de fato coordenava o desenvolvimento dos projetos nas obras; de
acordo com Sergio Porto
94
, sua atuação até ultrapassou as competência da Divisão de
arquitetura, alterando parte do plano piloto na execução dos Ministérios e das primeiras
superquadras. Niemeyer tornou-se funcionário público e, a partir de 1958, passou a maior parte do
tempo em Brasília. A transferência da Divisão de Arquitetura e Urbanismo, uma vez que foi
92
Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília: a trajetória profissional de Nauro Esteves. Dissertação de
mestrado. Brasília. FAU UnB, 2004.
93
“Eu me lembro do Benito [italiano] e do Piero [Batini, também italiano] porque eram muito atuantes, me lembro
também de um argentino, o Frondizi. E que tiveram uma participação ativa nos nossos trabalhos”. Campello, Glauco de
Oliveira. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
94
Sergio Porto, arquiteto integrante da equipe de Lucio Costa, em entrevista realizada no dia 2 de setembro de 2009,
no Rio de Janeiro, na casa do arquiteto, pela própria autora, junto com o professor Joubert José Lancha. A entrevista
será publicada depois da revisão do próprio depoente.
242
aparelhado um escritório, ocorreu em 1958, no dia 18 de agosto
95
; de 1956 até agosto de 1958,
portanto, os projetos foram desenvolvidos no Rio.
O escritório da Divisão de Urbanismo sempre permaneceu no Rio de Janeiro; inicialmente
foi hospedado em um “barracão do prédio do I.A.P.I., na rua Almirante Barroso 54”
96
e logo foi
transferido para o MEC. Lucio Costa não aceitou ser funcionário da Novacap, mas segundo Maria
Elisa Costa
97
, o próprio Juscelino Kubitscheck definiu o esquema – “obra era com Oscar, projeto
com Lucio” – e o próprio Lucio Costa entendia que era melhor ter apenas um chefe nos canteiros
para não causar problemas. O arquiteto Sergio Porto
98
releva também que Lucio Costa deixava
Oscar Niemeyer assumir as responsabilidades das obras.
Na Divisão de Urbanismo, foram trabalhar arquitetos muito jovens, quase todos recém-
formados, e alguns estagiários, oriundos da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade
do Brasil, atual FAU da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Aliás, a contratação de
juveníssimos arquitetos, ainda não formados, se impôs em decorrência da carência de mão-de-
obra profissionalizada
99
. No início dos trabalhos eram três arquitetos: Maurício Dias da Silva,
Salomão Tandeta e Noel Saldanha Marinho; quatro estagiários: Sérgio Porto, Jayme Zettel, José
Anchieta Leal e Jorge Ribeiro Laclette; e um desenhista: Fernando Coni Campos. Após formados,
os estagiários continuaram a trabalhar como arquitetos. Também vieram para o grupo mais três
arquitetos: Elias Kaufmann, Maria Elisa Costa e Harry James Cole
100
. Jorge Laclette representou o
plano de Lucio Costa ao Congresso Extraordinário da Associação Internacional dos Críticos de
Arte em setembro de 1959. Lucio Costa cotidianamente, no final da tarde, visitava o escritório,
onde revisava a transposição das indicações do plano piloto – em sua maioria palavras – em
projeto. A equipe trabalhava em regime de meio expediente. Sergio Porto frisa ainda o fato de
nunca ter sido necessário virar a noite: “em 1.112 dias desde a formação da Divisão até a
inauguração, em 700 dias de trabalho efetivo, omitindo os sábados e os domingos”
101
, a divisão
conseguiu completar seu trabalho.
95
Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília: a trajetória profissional de Nauro Esteves. Dissertação de
mestrado. Brasília. FAU-UnB, 2004.
96
Guimarães Filho, Augusto. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal,
1989.
97
Entrevista com Maria Elisa Costa realizada por Jéferson Cristiano Tavares. Conversação Privada. Ver também:
Tavares, Jéferson C. Projetos Para Brasilia. São Carlos: Dissertação de mestrado apresentada à EESC/USP 2004.
98
Sergio Porto, Entrevista. Op. cit.
99
Sergio Porto, Entrevista. Op. cit.
100
Guimarães Filho, Augusto. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal,
1989. À trajetória profissional de Harry James Cole, é dedicada a tese de doutorado de Lucchese, Cecilia. Em defesa
do planejamento urbano: ressonâncias britânicas e a trajetória de Harry James Cole. São Carlos: Tese de
doutorado apresentada ao departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP, 2009.
101
Sergio Porto, Entrevista. Op. cit.
243
Repórter Novacap. Brasília n. 6. Rio de Janeiro: Junho de 1957.
“Nós tínhamos um relatório admirável, relatório tão bem escrito e comovente, que todo
mundo conhece, e aquela planta na escala 1:25.000. E tínhamos um levantamento
aerofotogramétrico na escala 1:2.000. Nossa tarefa consistiu em pegar aquela planta em escala
reduzida e colocá-la na escala maior e tirar dela os elementos construtivos”
102
.
A primeira tarefa da Divisão de Urbanismo foi a transposição de escala do plano piloto – de
1:25.000, dos desenhos de Lucio Costa, para 1:2.000, do relevo fotogramétrico e dos mapas.
Depois vieram a definição do marco zero do cruzamento e a definição das coordenadas do
sistema viário e das superquadras na topografia do local, deles dependendo o desenvolvimento
de qualquer obra. A equipe era coordenada por Augusto Guimarães com a supervisão de Lucio
Costa. Guimarães tornou-se funcionário da Novacap com responsabilidade de chefe da Divisão de
Urbanismo
103
, tendo sido o único funcionário da Novacap indicado por Lucio Costa
104
. Na medida
102
Guimarães Filho, Augusto e Porto Sérgio Op.cit.
103
"Doutor Lúcio fez um concurso e ganhou primeiro lugar. Eu fiquei surpreso. Mais surpreso ainda fiquei quando
alguns dias depois ele me convidou para trabalhar no desenvolvimento do projeto de Brasília, dizendo que eu seria o
seu representante pessoal, seria a segunda pessoa dele.” Guimarães Filho, Augusto. Depoimento - Programa de
História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
104
Maria Elisa Costa, conversação privada. Sergio Porto, entrevista realizada no dia 2 de setembro de 2009, no Rio de
Janeiro, na casa do próprio arquiteto, conjuntamente pelo professor Joubert José Lancha e pela autora. A entrevista
será publicada depois da revisão do próprio depoente.
244
em que ia aprimorando as informações, o grupo de Rio de Janeiro mandava as coordenadas via
telefone
105
ou rádio
106
à equipe de campo em Brasília. Cada arquiteto da equipe de urbanismo
ficava quinze dias em Brasília acompanhando a obra, em um revezamento
107
, desempenhando as
comunicações entre as duas divisões.
O cálculo analítico das curvas dos eixos residenciais foi o mais dramático, relembra Sergio
Porto, dele dependendo a locação do marco zero e da plataforma rodoviária, a implantação do
eixo monumental e da cidade toda. O marco zero da cidade foi calculado por Augusto Guimarães
Filho e o chefe de topografia, Joffre Mozart Parada
108
e Jayme Zettel
109
, e passado por rádio para
o canteiro de obra. A definição das cotas do eixo monumental e das plataformas da Praça dos
Três Poderes; a demarcação das quadras, da largura e do greide das ruas, dos trevos e alças de
acesso; a definição do tamanho das unidades de vizinhança e das superquadras; a locação das
redes de infra-estrutura, dos equipamentos comunitários... Todo o detalhamento do Plano da
Cidade, enfim, foi trabalho da equipe do Rio de Janeiro.
Quando Lucio Costa estava ausente, Augusto Guimarães tomava as decisões
110
. “E jamais
a obra faria qualquer locação que não fosse autorizada por nós aqui. Qualquer ponto tinha as
coordenadas, a cota, etc. Às vezes a frente de trabalho se deslocava e a planta não tinha ainda
chegado. Nós tínhamos uma comunicação pelo rádio, cheio de estática, uma coisa horrorosa,
acho que era VHF. Tinha esse rádio e nós dávamos as coordenadas, e às vezes a única coisa
que a gente /.../fixava os parâmetros da avenida, nunca era na planta. ‘Fixa aí, e me diz qual é
para eu registrar aqui’.”
111
Sérgio Porto
112
desmente parcialmente o fato de que a equipe de Brasília esperasse pelas
coordenadas do grupo do Rio de Janeiro; aliás, lamenta que a localização dos prédios nas
primeiras superquadras foi feita por Nauro Esteves alinhada e não solta como desejava Lucio
Costa. Ele conta como e por que as dimensões dos Ministérios foram reduzidas em relação ao
esboço de Lucio Costa; fala da construção dos terraplenos e das soluções propostas por Augusto
Guimarães, que visavam favorecer a circulação de pedestres e diminuir a movimentação de terra.
Tais soluções perderam-se na pressa da execução da cidade e nos mal-entendidos com o
pessoal dependente da Saturnino de Brito (e de todas as empreiteiras por ela sub-contratadas),
encarregada das redes subterrâneas. Sempre Sergio Porto refere de estacas que romperam as
próprias redes: uma – explica – quebrou um fio da alta tensão. Lamenta as vendas dos lotes, que
105
Esteves, Nauro. Depoimento In: Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília: a trajetória profissional de
Nauro Esteves. Dissertação de mestrado. Brasília: FAU-UnB, 2004.
106
Guimarães Filho, Augusto. Op.cit.
107
Porto, Sergio e Guimarães Filho, Augusto. Depoimentos - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do
Distrito Federal.
108
Guimarães Filho, Augusto. Op.cit.
109
Zettel, Jayme. Depoimento - Programa de História oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
110
“Doutor Lúcio era o consultor, evidentemente que a última palavra era sempre dele, mas nominalmente eu era o
chefe da Divisão de Urbanismo, chefiando esse grupo de rapazes.” Guimarães Filho, Augusto. Depoimento - Programa
de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
111
Guimarães Filho, Augusto. Op.cit.
112
Porto, Sérgio. Op.cit.
245
não estavam no plano de Lucio Costa, o loteamento inesperado da península, da orla da lagoa, o
surgimento das áreas das mansões.
Jayme Zettel
113
conta que as superquadras foram desenvolvidas por Augusto Guimarães.
O desenho básico consistia nos prédios de seis pavimentos soltos em uma grande quadra com
uma área comum, mas ressalta que foi Guimarães quem definiu quantos apartamentos cada bloco
tinha que ter, quantos prédios e qual a densidade que a quadra teria, as dimensões da quadra,
qual o tamanho da escola elementar tendo em vista o cálculo de quantas crianças ela atenderia.
Ainda Jayme Zettel observa “a habitação tava resolvida - tinha superquadra, tinha o comércio,
essa coisa muito definida, muito clara no plano. Mas tinha toda uma outra relação de atividades
econômicas, terciárias e tudo, seja de banco, sede bancária, sede... porque não era exatamente
já, o Setor Bancário, no sentido que o doutor Lucio pensou”
114
. E tinha também o setor de grandes
áreas, que apareceu em decorrência do incremento das asas, o problema das igrejas, a área de
horta da cidade que foi substituída por casas populares, a questão da invasão da orla da lagoa, a
dos clubes: “entre 61 e 65, o crescimento de Brasília era um negócio alucinante. Quer dizer, o que
imigrava de gente, as necessidades de você ir adaptando. Aí havia (...) pressão popular, (...) tinha
a pressão imobiliária”
115
.
Maria Elisa Costa confirma as alterações ocorridas por causa das pressões da
especulação imobiliária e das “atividades de igreja, seitas, o diabo a quatro, mil coisas assim;
então surgiu esse tal Setor de Grandes Áreas, além das outras... do fim das moradias”
116
. “Os
Institutos de Previdência realmente tiveram papel importante na construção da cidade. Cada um
deles arcou com a responsabilidade de comprar quadras ou quadra de projeções e construir os
respectivos prédios de apartamentos”
117
. O próprio Presidente Juscelino Kubitscheck forçou os
Institutos a construírem em Brasília, abandonando os investimentos planejados nas outras
cidades, e concentrando suas propriedades na mesma quadra. Sobre o assunto, Sergio Porto
confirma e comenta: “uma vez adotada a decisão que tá errado, é fazer blocos todos no mesmo
lugar pras mesmas pessoas, criando quistos na cidade que não era pra ter... não era pra ser
assim”
118
.
“Na verdade Brasília, ela foi se arrumando, porque as necessidades dela foram
obrigando”
119
e um pequeno exército de profissionais assinou esses projetos intermediários e
colaborou no desenvolvimento dos anteprojetos até suas fundações e vistoriando os canteiros de
obras. Algumas alterações ao plano original de Lucio Costa (o loteamento da península, a área
das mansões a concentração das mesmas categorias profissionais nas superquadras etc.) e/ou a
113
Zettel, Jayme. Op. cit.
114
Jayme Zettel. Op.cit.
115
Jayme Zettel. Op.cit.
116
Costa, Maria Elisa Modesto Guimarães. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito
Federal, 1991.
117
Ronaldo Costa Couto, Brasília Kubitschek de Oliveira. São Paulo Rio de Janeiro: Editora Record, , 2001, pág. 248
118
Porto Sergio. Op.cit
119
Jayme Zettel. Op.cit
246
perda de algumas ocasiões (as passagens subterrâneas para os pedestres, os estacionamentos
em troca da movimentação de terra no eixo monumental, os anexos dos ministérios criando
ligações e espaços para bares e lojas, o redimensionamento dos próprios ministérios, por causa
da falta de verbas para as estruturas metálicas
120
, etc.) ocorreram antes da inauguração; outras
(invasões, formação de clubes, etc.) parecem decorrer do embate entre o plano inicial e as novas
realidades – interesses e forças políticas – migradas ao Planalto, com seus hábitos, relações
sócias e estilos de vida.
Repórter Novacap. Oscar Niemeyer no barracão-escritório em Brasília. Brasília n. 7. Julho de 1957.
Em Brasília, o escritório da D.U.A. ficava em um barracão de madeira no Plano Piloto,
perto da Praça dos Três Poderes
121
. A estrutura era frágil e pouco protegia dos frios das noites e
do inverno do Planalto, dos ventos e da poeira. A poeira destruía os desenhos; não tinha ar
condicionado; no inverno vivia-se de luvas
122
. Tais condições – o vento, o frio, a poeira – recorrem
nas memórias dos depoentes e contribuem para informar aquela atmosfera épica que caracteriza
a história da construção da capital.
120
Porto, Sergio. Op.cit.
121
Garcia, Cristiana Mendes. Op.cit.
122
Garcia, Cristiana Mendes. Op.cit.
247
“Nessa época [1956-58] a equipe em Brasília era constituída por vinte e cinco a trinta
pessoas, contando desenhistas, arquitetos e estagiários”
123
; dentre eles: Nauro Esteves e Sabino
Barroso, já colaboradores do escritório particular de Oscar Niemeyer em Copacabana, que
tornaram-se também funcionários da Novacap. Na data da inauguração da capital, a equipe dos
funcionários da D.U.A. contava de 123 integrantes; dentre eles: Athos Bulcão, Ana Maria
Niemeyer Soares, Artur Lício Pontual, Hermano Montenegro, Glauco de Oliveira Campello, Ítalo
Campofiorito, Roberto Lacombe
124
.
Nauro Esteves, além de desenvolver os esboços de Oscar Niemeyer conferia e aprovava
todos os projetos, os da iniciativa privada e os do Governo, os da Divisão de Arquitetura e os da
Divisão de Urbanismo; ele manteve sua função de coordenador até ao anos 70, não obstante as
mudanças da administração, sem se afastar do plano original, conservando sempre o estilo da
cidade
125
. Glauco de Oliveira relembra: “E pouco mais adiante em 1959, 60, Oscar, diante daquele
volume de trabalho, distribuiu alguns projetos com os arquitetos que participavam da equipe. E
então foi a primeira ocasião que eu tive a oportunidade de realizar um projeto individual no âmbito
daquela equipe. Foi o Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek, o primeiro bloco do Centro de
Recuperação, foi projetado em 59 pra 60, então quando eu estava me formando. Mas a minha
atividade fundamental era de desenvolver os projetos, detalhando, olhando os pormenores, e
acompanhar as obras, sobretudo na fase de conclusão”
126
. Sérgio Porto conta a história do
desenvolvimento do projeto da Plataforma Rodoviária, “que começou a ser desenvolvida pelo
José de Anchieta Leal”
127
e foi terminada por ele, com a supervisão tanto de Lucio Costa, pela
parte de desenho urbano, quanto de Oscar Niemeyer pela parte de arquitetura.
Junto à Novacap atuava o escritório de Joaquim Cardozo, engenheiro calculista que, para
atender aos pedidos da D.U.A., organizou uma equipe à parte: dois engenheiros [um deles, Victor
Fadul
128
, tornou-se funcionário da Novacap] e cinco desenhistas. Participaram outros engenheiros,
por exemplo, Bruno Contarini, que calculou, junto com Sérgio Marques de Souza, o projeto da
Plataforma Rodoviária desenvolvido por Sergio Porto
129
. O saneamento da cidade, como outras
obras que foram subempreitadas, ficou a cargo do escritório de Saturnino de Brito Enfim,
poderíamos também relembrar as diferentes autorias dos prédios de apartamentos das
superquadras e das demais realizações, compondo, mesmo que e superficialmente, um quadro do
alcance das colaborações necessárias à realização da capital.
123
Garcia, Cristiana Mendes. Op.cit
124
Revista Brasília n. 40. Edição especial 21/4/1960; Garcia, Cristiana Mendes. Op.cit
125
Garcia, Cristiana Mendes. Op.cit.
126
Campello, Glauco de Oliveira. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal,
1989.
127
Porto, Sérgio. Op.cit.
128
“Quando o Oscar mandou formar uma equipe para fazer todos os cálculos dele. Essa equipe o Cardozo formou com
o pessoal que já trabalhava com ele que era eu e o Samuel Rawet. E tinha, em princípio, três desenhistas, depois
conseguimos mais dois. Era um trabalho muito puxado para a gente, porque não tinha hora para parar. Muitas vezes a
gente amanhecia o dia trabalhando para poder entregar as plantas ao construtor em tempo e hora.” Fadul, Victor.
Depoimento - Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1990.
129
Porto, Sérgio. Op.cit.
248
Cabe um parêntese sobre a extensão da Novacap: em 1960, conforme a lista da Divisão
de Pessoal, contava com dois chefes de gabinete: Maria Augusta Rebouças e Adelina Cruz
Rodrigues da Cunha; com a Secretaria do Presidente e Diretores, composta de 29 nomes; com
dezenas de departamentos com mais de 1.300 dependentes ao todo.
Em conclusão, uma multidão de profissionais quase esquecidos pela história “oficial” da
edificação da capital, da mesma forma que muitos outros trabalhadores.
Oscar Niemeyer passava as idéias esboçadas e os estudos preliminares para os arquitetos
da sua equipe, que procediam à elaboração dos anteprojetos e os levavam aos calculistas, entre
os quais Joaquim Cardozo, e “tudo se fazia, as vezes, de um dia para o outro”
130
.
No barracão da Novacap, perto da Praça dos Três Poderes, “nós não tínhamos como
deixar de ser rápidos porque a gente punha na prancheta de manhã e de tarde, se não tivesse
pronto, ele era perdido praticamente no dia seguinte, tal a poeira que impregnava no papel. Então,
nós tínhamos uma espécie de produção da poeira”
131
. As difíceis condições do cotidiano do
trabalho nos canteiros de obra perpassam as memórias; a poeira emerge qual elemento de maior
desconforto em todas as narrações, aquelas dos operários, dos arquitetos e engenheiros
132
, dos
empreiteiros e das mulheres
133
.
“Não foi fácil o trabalho, mas foi extremamente agradável, sobretudo porque havia uma
equipe de gente... que projetava a figura principal da construção de Brasília, que era o presidente
Juscelino, a generosidade dele, a alegria, a confiança que ele dava. Era esse o espírito de todos
nós que trabalhávamos em Brasília. Custa crer que esse espírito se tenha perdido. Nós
supúnhamos que ele fosse eterno, esse espírito. Mas não foi”
134
.
Todos, então, desenhavam a partir das idéias; nas duas Divisões, os “criadores” atuavam
com base nos treinados entendimentos com os respectivos colaboradores; os últimos, porém,
permaneceram anônimos, executores sem atuação própria
135
. Suas memórias relatam as
condições de trabalho da própria D.U.A. nos canteiros de obras, vez por outra esclarecem as
datas, os nomes dos colaboradores, a importância das atuações individuais, etc., as dificuldades
das relações entre engenheiros, arquitetos, empreiteiras, mãos de obras, etc. Estimulam a
130
Garcia, Cristiana Mendes. Op.cit.
131
Esteves, Nauro. Depoimento. In: Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília: a trajetória profissional de
Nauro Esteves. Dissertação de mestrado. Brasília. FAU-UnB, 2004.
132
“Estive em Brasília pela primeira vez, em 1956, final de 56 quando ainda estava sendo feita a terraplenagem. É uma
recordação que eu tenho até hoje porque, se não me falha a memória, o avião parou em Anápolis ou em Goiânia, e
viemos para cá de carro. Naquela época, eu fiquei com o cabelo tão vermelho, tão vermelho, da terra, da poeira que se
levantava, e da terraplenagem, que ao voltar para o Rio de Janeiro, lá permaneci uma semana ruivo, porque a tinta não
saía”. Bandeira, Luis Alberto Dias L. Vianna Moniz. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público
do Distrito Federal, 1990.
133
“E tinha uma coisa muito interessante em Brasília: a poeira, que graças a Deus era vermelha, de maneira que você
ficava coberto de poeira da cabeça aos pés. E ficava ótimo, porque ficava bronzeada. Agora, uma coisa você não podia
fazer, que eu fiz uma vez, não podia passar a mão no rosto porque aí virava índio. Fazia aqueles dedinhos assim. Então
o segredo de lidar com Brasília, era você não se tocar, não fazer isso, ó, espanar”. Sant’Anna, Eleonora Morandi
Quadros de. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
134
Guimarães Filho, Augusto. Op.cit.
135
Vamos dar notícia de que Augusto Guimarães Filho, com o suporte do amigo e colega Sergio Porto, já escreveu seu
livro de memórias, atualmente à espera de publicação.
249
imaginar um ambiente rico, entusiasmante e difícil: “muitos desistiram, muitos voltaram, a gente
ficava numa fossa danada, a gente ficava sozinho aqui”
136
. Sobretudo, deixam emergir as
vivencias emocionais; essas emoções juntam-se aos análogos sentimentos de todos os
participantes da construção da cidade e concorrem à construção de uma narrativa épica acerca
dos trabalhos nos canteiros de obras.
Vamos observar a imagem do plano e da sua execução nas matérias das revistas e dos
cinejornais, uma vez que integram justamente a figura mítica e heróica do candango e interessam
ao nosso campo de reflexão específico.
136
Esteves, Nauro. Depoimento (1996) apud: Garcia, Cristiana Mendes. Construindo Brasília: a trajetória
profissional de Nauro Esteves. Dissertação de mestrado. Brasília: FAU UnB, 2004.
250
A revista Brasília e os cinejornais
137
tiveram um caráter oficial e privilegiaram as
representações das obras, das personalidades, das “oficialidades”. A figura do operário pouco
aparece, enquanto foi divulgado um discurso poderoso sobre os trabalhos de construção da
capital. As revistas Manchete e O Cruzeiro dedicaram suas atenções à questão social e da
integração nacional; todavia, as figuras dos operários, dialogando com os cenários, emprestam
suas poses estáticas à imagem organizada e eficiente dos trabalhos na Capital. As fotografias, da
mesma maneira dos painéis de Portinari, ao reinterpretar a história do trabalho no Brasil,
acrescentam discursos acerca da industrialização do setor das construções: as vigas
ordenadamente empilhadas, a paisagem das obras pontuada de maquiarias, os andaimes
transformam os prédios em construção em malhas geométricas e no conjunto as imagens, trazem
à tona os sonhos de transformar, racionalizar, industrializar, limpar o ciclo de produção das
construções.
Os cinejornais do ano de 1957 sempre introduziram as notícias relativas à capital com
Israel Pinheiro apresentando sua planta e suas maquetes para um público de técnicos: desde os
corretores de imóveis, até os membros dos clubes de engenharia e os hóspedes estrangeiros; o
discurso geral aponta para uma cidade construída a partir de mensurações e cálculos onde
plantas, números e modelos confirmam a racionalidade do empreendimento. Na seção “A marca
da construção” da revista Brasília, a mensagem sobre a edificação da cidade nova evidencia um
projeto que é quase um auto-empreendimento, uma engrenagem que se auto-sustenta e se auto-
produz; dá máximo relevo à instalação de uma fábrica de cimento nos arredores do Plano Piloto,
às cavas de areia, às quatro fábricas de cerâmica, às de alvenarias, etc. “De sol a sol os homens
empenham-se nesta realização pioneira. Da cooperação e do entendimento entre
administradores, engenheiros, técnicos e operários, resulta maior produtividade”
138
. Este comento
verbal do Cinejornal n.7 da Libertas Filme para a Novacap ressalta, mais uma vez, a
representação da organização fabril finalmente alcançada pelo setor das construções; um sonho
de modernidade como pré-fabricação, industrialização, tecnicidade, assépticidade, etc. que
caracterizava também o clima internacional da época.
O Presidente faz questão de justificar a construção da cidade como empreendimento
autofinanciável, como um empreendimento que devolverá os gastos aos cofres do Estado, e
parece repetir o slogan de Le Corbusier de 1929: “Urbanismo é ganhar dinheiro”
139
. O plano de
Lucio Costa é apresentado como racional, funcionalmente organizado com um esqueleto fixo e
permanente e seu sistema de circulação por grandes avenidas de mão única é objeto de grandes
louvores e tudo aponta para tecnicidade, eficiência e harmonia das relações produtivas.
137
Ver o parágrafo sobre cinejornais da Novacap e a entrevista a Sálvio Silva, in: Alvim, Clara de Andrade (Org.) Os
cine jornais sobre o período da construção de Brasília. Brasília: MEC – SEC –SPHAN/pro Memória, 1983.
138
Silva Sálvio. Cinejornal Brasília n. 7. In: Alvim, Clara de Andrade. (Org,) Os cine jornais sobre o período da
construção de Brasília. Brasília: MEC – SEC – SPHAN/pro Memória, 1989.
139
Le Corbusier, Nona conferência (1929) In: Le Corbusier. Precisões. São Paulo: Cosac&Naify, 2004.
251
Repórter Novacap. A marcha da construção. Brasília n. 26. Rio de Janeiro: Fevereiro de 1959.
252
A descrição dos trabalhos de construção da Capital e das rodovias aspira a viabilizar uma
imagem quase asséptica de cidade racional; para confirmar que Brasília é a obra mais técnica e
moderna do mundo, suas arquiteturas e seu plano são realizados com os recursos mais novos e
atualizados entre aqueles disponíveis. Ali são utilizadas máquinas especializadas conforme o tipo
de trabalho a ser executado: as fotografias das revistas e, sobretudo, os cinejornais ressaltam o
movimento dos tratores, dos caminhões, das perfuradoras, das betoneiras. Elogiam a rapidez e a
beleza das obras; a capacidade de trabalho do operário brasileiro. As estruturas metálicas dos
ministérios e sua construção, desde o amontoado de vigas até a montagem dos esqueletos dos
prédios, suas ordens alinhadas ao longo do enorme vazio da esplanada, são objeto privilegiado
das matérias dos cinejornais e das sugestivas fotografias de Mario Fontenelle e de Marcel
Gautherot. Essas imagens acentuam as maquinarias sofisticadas, os guindastes, as roupas
técnicas, os capacetes e as luvas dos soldadores, os operários suspensos nas arquitraves.
Merece destaque o tema das redes – o abastecimento de água e de produtos alimentícios
frescos, o sistema viário e de esgotos e o de distribuição da eletricidade. A implantação do
cinturão verde e a riqueza de nascentes são vistas como garantia de boa qualidade da vida futura:
a cidade terá abundante água potável, alimentos frescos e eletricidade. Quanto mais se aproxima
a inauguração da cidade, tanto mais os cinejornais frisam os aspectos da pecuária, da avicultura e
da criação de gado leiteiro, ressaltam a boa qualidade dos legumes. Contudo, o sistema de
fornecimento de produtos agrícolas não estava disponível durante a construção da cidade. Mais
do que isso, o conjunto de intervenções dependentes da construção da capital, como é observado
no capítulo Sinal da Cruz, acabou com a paisagem peculiar do sítio, com o sistema de riachos,
cachoeiras e nascentes propalado pelos primeiros cinejornais e pelas primeiras matérias das
revistas populares, com a vegetação, a fauna, etc. A construção da barragem, o elemento
estratégico do conforto urbano em geral, engoliu uma área vastíssima, talvez até habitada; as
terraplenagens da área monumental – “a técnica oriental milenar dos terraplenos garante
coesão”
140
– precisaram, para sua realização, de grande movimentação de terra e da construção
de enormes muros de arrimo.
Parece que, afinal, Brasília é a conclusão lógica de um processo estigmatizado pela
antevisão de um futuro radioso, o que levava os arquitetos entrevistados pela revista Manchete, já
em 1953, a assim se pronunciarem: “ultrapassando obstáculos impostos pela nossa indústria
incipiente, pela falta de competente mão de obra, por processos antiquados de construção e pela
ausência de técnicos especializados, a chamada Arquitetura Moderna Brasileira se impôs de
maneira insofismável”
141
.
140
Costa, Lucio. Brasília, Relatório do trabalho com que concorreu ao concurso para o Plano Piloto de
Brasília, no qual se qualificou vitorioso. [1957]
In: Gaeff, Edgar (Org.) Lucio Costa: sobre arquitetura. Porto
Alegre: Centro dos estudantes universitários de arquitetura, 1962.
141
Jeorge M. Moreira e Aldary H. de Toledo apud: Manchete. Rio de Janeiro: 27 de junho de 1953.
253
Repórter Novacap. Brasília n. 19. Rio de Janeiro: Julho de 1958.
Jankiel. Belo Horizonte-Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 20/6/1959
254
As palavras louvam a eficiência do planejamento e os confortos da futura cidade; as
imagens acentuam os equipamentos técnicos e a organização e constroem, enfim, uma
mensagem de trabalho serial, organizado e mecânico, o mais possível comparável ao trabalho
industrial. Induzem a pensar naquele almoço de operários em Nova Iorque de Charles Ebbets
durante a construção do Rockefeller Center em 1932, ou nas seqüências fonográficas em forma
de filme que documentam a construção da Bauhaus realizadas por Walter Gropius em 1926-28.
Cabe relembrar que as revistas e as publicações monográficas dos profissionais da
arquitetura e do urbanismo dedicadas à arquitetura contemporânea, desde os anos vinte do
século XX, acentuaram o gosto por uma linguagem cinematográfica: compondo conjuntos de
imagens e até deixando a margem preta e furada da película, justamente para exacerbar a idéia
da seqüência e sublinhar a modernidade da nova arquitetura. Nessa estratégia alinha-se, por
exemplo, o livro Amerika, Bildbuch eines architeckten de Eric Mendelsohn de 1926. Esse tipo de
divulgação, como é também sublinhado no capítulo “A flor agreste”, privilegiava a imagem
reduzindo ao mínimo o texto e as informações, a ponto de “as informações que dizem respeito ao
objeto se eclipsar em prol da impressão fortemente emocional da experiência visual pura”
142
.
Enfim, as notícias a respeito da execução das obras de Brasília, como aquelas sobre suas
arquiteturas e seu plano, uniformizam-se no mesmo sonho de modernidade e na primazia da uma
comunicação visual.
142
“Le informazioni concernenti l’oggetto si eclissano a favore dell’impressione fortemente emotiva di un’esperienza
visiva pura”. Haus, A. Charpente de la nouvelle vision. Lázlo Moholy-Nagy, Siegried Giedion et le pont transbordeur, In :
Le pont Transbordeur et la Vision Moderniste. Catálogo da exibição, Marseille: 1991. Apud : Fanelli Giovanni. Storia
della fotorafia di Architettura. Bari: Laterza, 2009.
255
Repórter Novacap. Brasília n. 23.
Rio de Janeiro: Novembro de 1958.
Walter Gropius. Documentário sobre a construção da
Bauhaus.
Fonte: Lamer-Schutze, Petra org.,
Teoria dell’architettura. Colônia: Taschen, 2003
256
Aliás, a fotografia ao lado era um cartão postal. O cuidado do Presidente com a
propaganda sobre a construção de Brasília envolveu todos os meios de informação visual.
Agora, era grande coisa era os esqueletos (incomp.) de construção. Conheci isso em 59.
Trabalhando dia e noite, máquina de soldar, aquele... parecia que cê ficava louco de ver aqueles
fogos. Você parava ali, na altura da rodoviária, que era um imenso buraco, né? Ali era um
imenso buraco que os tratores escavando aquilo ali, pra fazer aquela caída que se atravessa pra
ir pra Norte, por baixo. Então ali aquele buraco! Terra, muita, muita terra mesmo! Você parava
por ali assim, e dava uma olhada na Esplanada dos Ministérios, sempre à tardezinha, à noite.
Meu Deus do céu! Parecia fogos de artifício. Era o cidadão trabalhando, peão, gente caindo,
muita gente morrendo. Não cuidava muito da segurança, tinha que fazer. E foi fazendo.”
143
Essa memória traz à tona o tema dos incidentes de trabalho; nas matérias da revista
Manchete evidenciam-se (raramente) preocupações com o problema da segurança nos canteiros
de obra
144
e da ordem pública
145
; normalmente o otimismo da revista ameniza tanto o primeiro
problema quanto o segundo e as informações veiculadas pelas fotorreportagens são mais
incisivas e atentas que os conhecimentos publicados nos textos.
As revistas – fotografias, legendas e textos, mas também paginação e diagramação –
privilegiam um relato heróico, participado, emocional. A rapidez do empreendimento e as milhares
de pessoas envolvidas conferem-lhe um caráter de maravilha e de surpreendente alegria. Os
depoimentos orais, também, não deixam de relembrar as pequenas/grandes participações, a
euforia e o espanto de viver em um enorme canteiro, vivo e barulhento 24 horas por dia. Enfim um
conjunto de emoções e de maravilhas que acha novamente seu lugar poético na Sinfonia da
Alvorada.
Ah, as grandes estruturas!
– Tão leves, tão puras...
Como se tivessem sido depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho-
pungente do planalto, em meio à música inflexível, à música lancinante, à música
matemática do trabalho humano em progressão ...
O trabalho humano que anuncia que a sorte está lançada e a ação é irreversível.
143
De Faria, Gómez. Depoimento. Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
144
“O maior numero de óbitos resulta de incidentes ocorridos, em geral, nas estradas. As pistas asfaltadas, (…)
convidam os motoristas imprudentes e improvisados a excessos de velocidade. Até pouco, não havia Polícia de
Tráfego. Os desastres se sucediam, especialmente com jipes, morrendo de 10 a 20 pessoas por mês. Taxa altíssima,
diminuirá com a construção de trevos e as obras de asfaltamento pois desaparecerão as densas nuvens de pó
vermelho.” Magalhães Júnior, R. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1959.
145
“Em três anos só houve em Brasília 5 crimes de morte. Ocorrem brigas em geral motivadas por jogos ou excesso de
alcoólicos. Mas quando a coisa é grave e alguém tenta tirar carta de valente recebe um convite a sair da cidade (com os
desordeiros foram afastados 20 hansenianos e 18 tuberculosos) O convite é uma forma de expulsão. O valente não
encontra trabalho e tem que sumir. A permanência em Brasília está condicionada ao bom comportamento. Furtos,
raríssimos, senhoras e moças são respeitadas. Não há “transviados” nem crime de sexo. Para isso contribui por um
lado o desgaste físico dos trabalhadores e por outro o bairro alegre da Cidade Livre onde 2.300 vivandeiras
confraternizam com o exercito de operários (...)”. Magalhães Júnior, R. A capital da esperança Manchete. Rio de
Janeiro: 19/9/1959.
257
Para construir uma cidade branca e pura.
146
Foto Colombo - Cartão Postal
146
Moraes, Vinicius de. Sinfonia da Alvorada, dezembro 1960. Letras retirada do site Letras.mus.br www.letras.mus.br
258
Alguns aspectos do dia-a-dia foram censurados, sobretudo pelos cinejornais. Israel
Pinheiro proibiu ao cineasta José Silva de filmar a Cidade Livre “A Cidade Livre, por exemplo, só
pude filmar de cima. O Israel não queria que filmasse ali”
147
, pois esse tipo de produção era
realizado justamente para opor outro relato às falas, propagandas e acusações da oposição.
“Esses cinejornais constituíram uma forma importante de demonstrar o desenvolvimento dos
principais passos e as características do processo e, sobretudo, uma maneira de responder às
indagações e críticas do País, inquietado pela discussão das medidas tomadas pelo governo; dos
recursos destinados à mudança e à construção da Nova Capital em ritmo acelerado; de sua
concepção; enfim, das vantagens e desvantagens daquele esforço gigantesco”
148
. Assim relata
Sálvio Silva: “em 1958 fizemos o primeiro filme colorido sobre Brasilia. Havia uma pressão muito
grande contra a construção de Brasilia. Quando o filme ficou pronto, o Dr. Israel me chamou e
disse “olhe, Sálvio, vá dar um giro por Minas Gerais exibindo esse filme, eu lhe dou um cartão de
apresentação para os prefeitos. É preciso mostrar o que está acontecendo em Brasília, porque a
pressão é muito grande contra a construção”
149
.
147
Depoimento de José Silva, in: Alvim, Clara de Andrade. (Org.) Os cine-jornais sobre o período da construção de
Brasília. Brasília. MEC – SEC –SPHAN/pro Memória, 1983. Ver também: Luiz Sergio Duarte da Silva, História dos
bairros de Goiânia. In: Duarte da Silva, Luiz Sergio (Org). Relações cidade-campo: fronteiras, Goiânia, Editora UFG,
2000, pág. 148 e seg.
148
Alvim, Clara de Andrade. (Org.) Op.cit.
149
Depoimento de Sálvio Silva. In: Alvim, Clara de Andrade. (Org.) Op. cit..
259
Luciano Carneiro. Um rebelde na cidade revolucionaria. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 23/5/1959.
260
Igualmente, não foram publicadas as fotorreportagens dos assentamentos provisórios
realizada por Marcel Gautherot, hoje disponíveis no site do Instituto Moreira Salles do Rio de
Janeiro. Andréa Cristina Silva e Leila Beatriz Ribeiro dedicam um breve trabalho, apresentado no
XIII Encontro de História Anpuh-Rio em 2008 com o título Imagem do silêncio, imagens
silenciadas, às reportagens “esquecidas” sobre as construções precárias e efêmeras dos
operários de Sacolândia e Lonalândia. Essas imagens documentam a espinhosa problemática dos
assentamentos dos construtores da Capital; talvez este fosse o aspectos mais “censurado” da
imagem pública da edificação da cidade, pois entra em conflito com aquela imagem de
modernidade que as narrativas procuram construir – “Este filme relata fielmente como tudo em
Brasília foi planejado para que a cidade não sofra as dificuldades das grandes cidades”
150
. Mas
esses instantâneos desmentem, justamente com as ferramentas da comunicação visual, o fato da
Capital “oferecer facilidade em oposição às dificuldades do Rio de Janeiro e São Paulo”
151
e,
sobretudo, estar resolvendo o problema das favelas.
Por fim, a organização e a imagem da racionalidade eram garantidas por um sistema de
vigilância – “a Novacap criou a mantém um Corpo de Polícia, que assegura completa ordem em
Brasília e “Núcleo Bandeirante”
152
que freqüentemente ia além das suas atribuições e exerceu
um verdadeiro sistema de repressão, vigiando o dia-a-dia dos trabalhadores
153
. Assim relatam os
depoimentos orais – “Quando eram desmascarados, os mutreteiros eram mandados embora,
imediatamente. E ficavam marcados. A censura moral era muito grande
154
; as revistas populares
– “O valente não encontra trabalho e tem que sumir. A permanência em Brasília está condicionada
ao bom comportamento”
155
; e os cotidianos, visando chamar a atenção – “Far West em Brasília –
Capital do Crime”, “torrente de sangre e cachaça
156
; alguns livros de memórias e filmes
documentários. Os Depoimentos do Programa de História Oral do Arquivo Público de Brasília
dedicam sempre uma parte das entrevistas justamente a esse tema e acabam noticiando
exclusivamente a chacina de carnaval de 1959 nos alojamentos da Pacheco Fernandez.
150
José Silva. Cinejornal n. 21 Produção e abastecimento em Brasília. In: Alvim, Clara de Andrade. (Org,) Os cine-
jornais sobre o período da construção de Brasília. Brasília: MEC – SEC – SPHAN/pro Memória, 1989.
151
José Silva. Op.Cit.
152
Gasparino Damata e Orlando Alli. Canaã, Paralelo 20. Manchete. Rio de Janeiro: 12/7/1958.
153
Beú, Edson. Espesso Brasília. Brasília: LGE Editora, 2006.
154
Martins, José Roberto de Paiva. Depoimento, apud: Ronaldo Costa Couto. Brasília Kubitschek de Oliveira. São
Paulo Rio de Janeiro: Editora Record, 2001, pág. 251.
155
Magalhães Júnior, R. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1959.
156
Última Hora de 14/6/1958.
261
Marcel Gautherot. Sacolandia, 1959.
Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br
Todavia, se foi “construída” uma imagem oficial da edificação de Brasília a ser divulgada
pelos cinejornais, cabe refletir sobre as motivações e as finalidades dessa “censura”; talvez, como
sugere Lucia Borges, “a cidade-símbolo da modernização do país tivesse que ser moderna”
157
. A
cidade bandeirante, os acampamentos das construtoras, os restaurantes e a comida, as
condições gerais da construção das rodovias e
157
Borges, Lucia. O grande cenário. Subsecretaria de Engenharia do Senado Federal, [email protected]v.br
262
a realização da Nova Capital, de fato, eram bem pouco “modernas” aos olhos de uma
opinião pública – e de uma classe média que ainda vivia longe dessas realidades – à procura da
inserção do Brasil no “concerto das nações civilizadas”
158
.
“Porque você não podia admitir que o miserável ainda fosse existir, isso é uma coisa
muito importante. Quer dizer, não é um preconceito é uma impossibilidade, (...) porque era uma
aberração você admitir que se morasse em favelas. Era uma coisa tão revoltante você imaginar
isso
159
. A voz de Maria Elisa Costa esclarece, sem precisar de mais comentários, os conflitos e
os ideais em jogo.
Hoje, as fotografias do Arquivo Público que não foram publicadas pela revista Brasília
compõem, como já vimos, um importante estoque para a memória visual da edificação da capital
e estão sendo parcialmente aproveitadas neste trabalho para dialogar com a imagem “oficial” da
cidade. O patrimônio de instantâneos demonstra que a própria Divisão de Divulgação
preocupou-se de forma geral com a memória, relatando os acampamentos das construtoras e a
Cidade Bandeirante; o cotidiano das edificações e os estados de progresso das obras. A
interlocução entre os relatos oficiais e os instantâneos do Fundo Novacap, outrossim, torna-se
subsídio para acrescentar outra memória, outros documentos para sua historiografia. Os
instantâneos que não foram divulgados permitem ampliar as observações, como já vimos,
revelando aspectos da realidade que não encontraram lugar nas falas oficiais; colaboram para se
acharem traços dos ambientes e das situações; vez por outra revelam as manipulações
operadas pelos fotógrafos, subjugados às leis do mercado das informações, e desvendam
aspectos da relação – fugaz – entre o fotógrafo e os fotografados. O fato da redação da revista
Brasília e dos cinejornais – isto é, a Novacap – terem privilegiado algumas imagens e recusado
outras, de fato, nos ajuda a definir melhor o registro das intervenções e a enxergar os critérios de
escolha das representações a serem propaladas. Para citar Carlo Ginzburg
160
, as fotografias,
tanto isoladamente quanto juntas, são uma reserva de indícios que permitem decifrar a
opacidade da realidade.
158
Gomes, Marco Aurélio A. de Figueiras. Cultura urbanística e contribuição modernista. Brasil anos 1930-1960. In:
Cadernos PPG-AU/FAUBA, Ano 3, edição especial 2005, Salvador, Editora da Universidade Federal da Bahia, 2005.
159
Costa, Maria Elisa Modesto Guimarães . Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do
Distrito Federal, 1991.
160
Ginzburg, Carlo. Spie. Radici di un paradigma indiziario. In: Ginzburg, Carlo. Miti, emblemi, spie. Torino: Einaudi,
1986.
263
Repórter Manchete. Uma força mistérios impulsiona a
cidade na virada do apronto.
Manchete. Rio de Janeiro: 12/4/1960.
Repórter Novacap.
Brasília n. 24. Rio de Janeiro: Dezembro de 1958.
264
Repórter Novacap.
Brasília n. 24. rio de Janeiro: Dezembro de 1958.
“Modelo da igreja do Palácio da Alvorada, construído no
canteiro para estudo sendo derrubado depois”.
Apud: Mendes, Manuel. Meu testemunho de Brasília.
Brasília: Thesaurus Editora, 2006.
Enfrentamos também “omissões” que dizem respeito à realização das obras. As próprias
obras foram objeto de louvores e propagandas e parte de suas histórias foi colocada à sombra.
Uma pequena anotação desponta no texto de Mario Pedrosa ao comentar a obra de Volpi
realizada em 1958 na Capela de Nossa Senhora de Fátima: Volpi teria demonstrado sua
habilidade e maestria executando o afresco “nas piores condições técnicas, na azáfama de sua
construção, com dia marcado para inaugurar, e materiais mal preparados (areia ainda impura e
cal muito recentemente queimada ”
161
.
As fotografias também deixam rastros que narram a construção das obras e que permitem
novas investigações e pesquisas.
O primeiro instantâneo representa uma coluna solta do palácio do Planalto, sem as
fundações. A fotografia é publicada na seção A marcha da construção da revista Brasília e a
legenda declara que as colunas do palácio estavam em fase de concretagem. De acordo com
Sergio Porto, que já conhecia a fotografia, a coluna foi construída, em tamanho natural, para medir
e encomendar os mármores do revestimento.
161
Pedrosa,Mario. Volpi e a arte religiosa. Módulo n. 11. Rio de Janeiro: Dezembro de 1958.
265
A entrevista com Sergio Porto foi uma ocasião feliz para melhor definir algumas
informações, mas, infelizmente, aconteceu muito recentemente; forneceu explicações às nossas
perguntas, ao mesmo tempo em que levantou novas interrogações que poderão orientar novas
investigações.
Por exemplo, essa estratégia tão pragmática na encomenda dos mármores para o Palácio
do Planalto foi aplicada também em outras ocasiões? Decorreu do fato dos próprios mármores
terem sido encomendados já recortados pelo fato do Brasil não ter uma tradição construtiva com
revestimento de pedra em geral? Por não ter tecnologias e ferramentas para recortar o próprio
mármore? Foi a solução mais rápida e funcional porque, como relata Nauro Esteves, os desenhos
não sobreviviam à poeira? Ou foi resultado da falta de mão-de-obra especializada?
A segunda fotografia descreve o modelo da capela do Palácio da Alvorada, de acordo com
a legenda, realizado experimentalmente “no canteiro de obra para estudo, sendo derrubado
depois”
162
. Sergio Porto, em nossa entrevista, não forneceu informações, pois ele não
acompanhou a construção do Alvorada nem tinha visto a fotografia. Talvez o modelo servisse de
teste também para encomendar e/ou estudar os revestimentos.
162
Mendes, Manuel. Meu testemunho de Brasília. Brasília: Thesaurus Editora, 2006.
266
As mulheres são as grandes ausentes da narrativa sobre a construção da cidade. Este
instantâneo flagra um café da manhã nos alojamentos do Instituto de Aposentadoria e Pensões
dos Bancários (I.A.P.B.) em fevereiro de 1958 e por meio dele tomamos conhecimento que sua
realidade que foi “censurada” pelas reportagens das revistas ilustradas e dos cinejornais. Aliás,
ainda não foram dedicadas pesquisas à contribuição e ao papel das mulheres na construção da
nova capital; elas ingressaram nos relatos
163
sobre a cidade somente depois da inauguração. Ao
longo das nossas indagações, todavia, recolhemos alguns rastros das suas presenças e
procuraremos a apresentá-los em seguida, sem qualquer pretensão de esgotar a pesquisa, mas
apenas pro que, talvez, integrem o perfil dos candangos.
No ambiente dos profissionais, arquitetos e engenheiros, as mulheres eram poucas: dentre
os 124 nomes contratados pela D.U.A., apenas 7 são de mulheres – e nem todas trabalhavam em
Brasília. Entre elas, Maria Elisa Costa, que, como vimos, residia no Rio de Janeiro e não
sabemos se participava do revezamento
164
da equipe nas obras, como seus colegas. Em Brasília,
também no plano piloto, durante a construção as mulheres eram praticamente afastado.
“Realmente nessa época mulher não ia”
165
, confirma Eleonora Morandi, cuja família tinha uma
firma de máquinas de terraplenagem e que logo se mudou para o Planalto. As memórias frisam os
raros encontros com elas
166
, as matérias das revistas populares ressaltam a falta de crimes
sexuais que a aparição súbita de uma senhora poderia provocar em um ambiente rude e
masculino. Mas neste instantâneo, aparentemente, a mulher – papeis na mão a indicar uma
profissão não manual – compartilhava o cotidiano das obras.
No ambiente dos trabalhadores, operários qualificados ou retirantes, as esposas são
presentes em todos os relatos; elas são parte integrante das representações das famílias dos
migrantes.
As mais interessantes são as mulheres, suas atividades e desempenhos, no meio da
Cidade Bandeirante: elas cuidavam das lojas, do pequenos comércio e das pensões, distribuíam
comida e hospedavam os recém chegados, “a maioria lavava roupa, faziam doces para vender,
elas abriram uma cantina para vender as comidas e não tinham as comidas. Elas compravam
aquelas marmitas e vendiam as marmitas”
167
. Havia também as casas de prostitutas, as mulheres
que se improvisavam parteiras e que ajudavam as outras, as que cuidavam dos adolescentes
163
Barney, Elvira. Mulheres Pioneiras de Brasília. Brasília: Thesaurus Editora, 2001.
164
“Isso eu me lembro, que em Brasília tinha ela [Eleonora Morandi] e a Anna Maria Niemeyer, que eram as duas
mulheres... ” Zettel, Jayme. Op.cit.
165
Eleonora Morandi de Sant’Anna mudou-se para os canteiros de obra desde final de 1957; ela relembra: “cheguei lá,
comprei calça de homem, blusa de homem, cortei a manga, enrolei, pra poder sobreviver naquilo”. Sant’Anna, Eleonora
Morandi Quadros de. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
166
“Sozinhos no mato, olharam pra mim com cada olho. Coitados, deviam estar tendo uma visão, uma moça aparecer a
essa hora em Brasília”. Sant’Anna, Eleonora Morandi Quadros de. Op.cit.
167
Mazzola, Philomena Leporoni. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal,
1988.
267
Mario Fontenelle. Operários da obra do IAPB, 17/2/1958. Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal.
268
sozinhos, etc., aquelas que “acompanharam a cara-metade, comendo o pão que o diabo
amassou”
168
.
Anna e Petrônio. SQS 208, janeiro de 1958.
Fonte: Mendes, Manuel. Meu testemunho de Brasília. Brasília: Thesaurus Editora, 2006.
Todas desenvolvem um papel solidário, aparentemente “secundário”, enfrentando as
mesmas situações com olhares e atitudes diferentes e narrando as mesmas realidades de um
168
Barney, Elvira. Mulheres Pioneiras de Brasília. Brasília: Thesaurus Editora, 2001.
269
ponto de vista diferente. Algumas memórias revelam que, do casal, foram as mulheres a tomar a
decisão de se mudar para o Planalto em busca de oportunidades e futuro.
“ (VM) - E como que eram as casas das mulheres? (PM) - Barracos de tábua, cheio de
cortinas... (VM) - Enfeitado? (PM) - Enfeitado! Ah! Se era!”
169
Observando a evolução da palavra candango, os painéis de Portinari, os cinejornais e os
relatos das revistas ilustradas, reparamos nas várias elipses destinadas à representação da
construção da capital: do perfil dos Candangos faltam os negros e as mulheres; dos relatos sobre
o andamento das obras são excluídos os acidentes de trabalho. As fotografias publicadas pelas
revistas ilustradas e as imagens divulgadas pelos cinejornais, foram então escolhida entre muitas
e de acordo com um programa: exaltar a edificação da cidade como processo de modernização
do País. Essas informações são desmentidas justamente pelas fotografias e pelos registros das
memórias em geral. O candango, a figura épica do construtor de Brasília – operário/a ou
arquiteto/a e engenheiro/a; cineasta, fotógrafo/a ou jornalista; médico/a, especulador ou
empreiteiro; padres, doentes, crianças, prostitutas; guardas ou ladrões, etc. – é uma figura só,
uma massa uniforme da qual emergem somente os criadores. Mesmo assim, a representação
narra uma parte da realidade, sendo que os criadores foram os responsáveis pela aprovação das
diferentes saídas.
169
Mazzola, Philomena Leporoni. Op.cit.
270
Para a inauguração da Capital, em 1960, Claudius
170
comenta Brasília como a cidade que
surge no meio do nada segundo uma lógica inexplicável e baseada em três tempos: Lucio Costa
marca a terra com sulcos, Lucio Costa e Niemeyer semeiam e aguam, Lucio Costa e Niemeyer
admiram a safra. Os quadrinhos são cheios de informações.
No primeiro, o desenhista descreve a fundação de Brasília. Com poucas linhas, nos
oferece a essência do plano: os dois eixos, o reto e o arqueado, perdem-se no horizonte enquanto
Lúcio Costa, pequeninho e poderoso, sem calças e sem a sua bolsinha, vindo do infinito e indo
até o infinito, traça na Terra o esqueleto da cidade. Lúcio Costa cumpre o “gesto fundador” da
nova Capital. A imagem remete tanto àquele sinal da cruz do relatório para o Plano Piloto, quanto
ao ritual sagrado da fundação da cidade.
Na segunda imagem, Oscar Niemeyer participa da criação da cidade, aguando as
sementes jogadas por Lucio Costa. Poderíamos até digressionar sobre o papel de Costa na
afirmação da arquitetura moderna no Brasil, como mestre de Niemeyer ou como a verdadeira
mente do plano de Brasília. Observando a estrutura da imagem, é interessante observar que a
ação desenvolve-se de direita para esquerda, em um sentido pouco “natural” porque contrário ao
da escritura: quer sublinhar o aspecto artificioso da situação?
171
Terceiro tempo: brota Brasília (a esplanada dos ministérios e o conjunto do Congresso),
como que da noite para o dia. Nossas personagens carequinhas admiram satisfeitas o resultado
dos seus trabalhos. Os prédios dos ministérios, como soldadinhos, introduzem o Congresso:
depois de dois quadrinhos quase que vazios, surpreende a plenitude do terceiro: nesta surpresa
está toda a magia e a ironia do relato do figurinista. A terceira imagem parece evocar e sintetizar
todas as manchetes e as matérias que acompanharam os três anos da construção de Brasília.
“Deus também quer a capital”
172
. Brasília é “demonstração que o impossível acontece”
173
;
“Canaã”
174
, a Cidade que “em menos de dois anos brota do chão como um milagre da
natureza”
175
.
170
Claudius, Brasília em três tempos. Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/1960.
171
Esse esquema narrativo chama à memória as imagens do Debret da “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil”, nas
quais as pessoas procedem pela direita, quando o pintor francês quer ressaltar o aspecto grotesco das circunstâncias.
Naves, Rodrigo. A forma difícil, ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora Ática, 2001.
172
Repórter Manchete, Deus também quer a mudança da Capital. Manchete. Rio de Janeiro: 2/6/1956.
173
Melo Filho, Murilo Brasília demonstra que o impossível acontece. Manchete. Rio de Janeiro: 29.11.1958.
174
Damata, Gasparino e Alli, Orlando. “Canaã, paralelo 20”, Manchete. Rio de Janeiro: 12/7/1950.
175
José Silva. Brasília, cinejornal n. 10. In: Alvim, Clara de Andrade. (Org,) Os cine-jornais sobre o período da
construção de Brasília. Brasília: MEC – SEC – SPHAN/pro Memória, 1989.
271
Claudius. Brasília em Três Tempos. Fonte: Manchete. Rio de Janeiro: 30/04/1960.
272
Como a ironia de Claudius coloca em evidência, a transposição dos riscos de Lucio Costa
e Oscar Niemeyer em projetos executivos foi mais um passo de mágica. Novamente as memórias
dos testemunhos da D.U.A. aportam novas narrativas e a Brasília da investigação teórica revela-
se a realização – às vezes por improvisação – de uma grande equipe de indivíduos até hoje
anônimos; desvenda-se a concretização de específicas soluções que não foram “planejadas”,
desde aquelas necessárias para “colocar a cidade no chão”, até aquelas das miudezas da
cotidianidade, desde as decisões tomadas no canteiro, até as pressões da política e das
especulações.
“As mansões suburbanas foram desenvolvidas à revelia da Divisão de Urbanismo. O
doutor Lucio foi... tomou conhecimento... e entendeu que nós [a Divisão de Urbanismo] não
devíamos intervir. (...) Rigorosamente nada em Brasília, deixou de ter a opinião e a posição do
autor do plano, doutor Lucio Costa. Muita coisa, eu como testemunho de coisas que vejo, não
aconteceram por uma dicotomia entre ele e o Oscar. Isso é uma coisa sabida pelas pessoas, quer
dizer, são pessoas que se respeitam, mas que existem muitíssimas diferenças. (...) O responsável
é o Oscar Niemeyer”
176
.
Essa última observação aponta para as divergências entre Oscar Niemeyer e Lucio Costa
– até mesmo a falta de comunicação (como Sergio Porto confirma na recentíssima entrevista à
autora) – ficando um em Brasília, o outro no Rio de Janeiro, um compartilhando, o outro
recusando-se de participar de qualquer aspecto da construção da cidade, e revela mais um
caminho para aproximar a complexidade da história do projeto para a Nova Capital. Revela-nos
também uma postura de defesa da figura e da obra de Lucio Costa.
Suspeitamos que essa atitude vá além das possíveis tensões entre as duas equipes – uma
trabalhando em condições de urgência nos canteiros de obras e outra em regime de meio
expediente no Rio de Janeiro.
Com a inauguração da cidade, isto é, com a transferência e as lutas que se travaram a
partir do final de 1960 – e JK preparava sua candidatura nas eleições de 1965 – a construção da
cidade assumiu mais contornos políticos que também contribuíram desarticular o plano original.
Apareceram novas realidades sócio-culturais e muito diferentes daquelas envolvidas até
a inauguração. A classe média, até forçadamente transferida ao Planalto (os novos candangos),
ganhou visibilidade na imprensa popular, sobretudo na revista O Cruzeiro. Tendo a possibilidade
de manifestar publicamente os próprios desconfortos e as desilusões, criou repercussões
políticas e realizou compromissos, sobretudos ganhou melhorias nos salários, nas condições dos
alugueis e/ou nas compras das moradias.
A Cidade Bandeirante tornou-se um assentamento definitivo devido à promessa que JK
fez aos moradores do Núcleo em setembro de 1960 e às obras de urbanização – “rede de
176
Porto Sergio. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1989.
273
esgoto água, hospitais e asfalto”
177
– que iniciaram justamente naquela época. A fotografia de
Jader Neves da Manchete de 10 de setembro de 1960, Somos todos candangos, relembrada em
abertura desse capítulo, justamente noticia a feliz decisão de deixar o assentamento onde surgiu
e não transferi-lo “para mais adiante a fim de que o tom de pioneirismo e desbravamento que se
encerra em seu aspecto desataviado e rude não enfeasse a moderna arquitetura de Brasília”
178
.
Outras motivações, de caráter mais pragmático, acompanham a decisão: os candangos da
Cidade Livre representavam uma realidade importante em termos de força política. No Núcleo
Bandeirante, onde em 1960 “o comercio é isento de imposto, não há delegacia do Imposto sobre
a Renda, (...) nada de nota fiscais de licencia para locação, de alvarás (...) tudo livre. (...) Mesmo
casas comerciais de tradição no Rio de Janeiro e em São Paulo abriram ali suas filiais.”
179
, “os
habitantes (..)sabem que sua importância política e eleitoral crescerá ainda mais depois de 3 de
outubro, quando começar a campanha para a eleição de três senadores e sete deputados
federais por Brasília”
180
.
Os protestos e as desilusões dos peões, relatados também pelos filmes documentários:
Brasília, contradições de uma cidade nova e Conterrâneos velhos de guerra, são outro capítulo
importante da história de Brasília depois da inauguração. Em um quadro geral de tenções
políticas, o problema do analfabetismo, isto é, o problema da impossibilidade da participação
democrática para a reivindicação dos direitos básicos talvez tenha sido a razão principal pela qual
os protestos resolveram-se segundo essas narrativas, de maneira desfavorável para a classe
trabalhadora migrada ao Planalto. E cabe lembrar que Jango, antes de deixar o poder, estava
justamente agenciando o voto para os analfabetos.
Juntamente com isso, vale a pena refletir se a figura do operario-herói das propagandas
entrou nesses diversos formatos protestos. Como explica Nair Bicalho de Sousa, em seu livro Os
construtores de Brasília, durante os anos da construção da capital uma forma de ajuste
compensou os peões durante o governo JK, pois este precisava de todo apóio para a
transferência da Capital. O ajuste foi feito mediante a relativa facilidade de obtenção da carteira
assinada, a escolarização, a assistência médica, as casas nas cidades satélites, enfim, com a
possibilidade do retirante se tornar operário e para comprovar que o Candango era definitivamente
uma figura social nova. Talvez, muita raiva nascesse também do embate violento entre as velhas
relações e negociações com as novas realidades.
177
Melo Filho, Murilo. Somos todos candangos. Manchete. Rio de Janeiro: 10/09/1960.
178
Melo Filho, Murilo. Somos todos candangos. Manchete. Rio de Janeiro: 10/09/1960.
179
Magalhães Júnior, R. Vida e morte da Cidade Livre. Manchete. Rio de Janeiro: 14.5.1960.
180
Melo Filho, Murilo. Somos todos candangos. Manchete. Rio de Janeiro: 10/09/1960.
274
Lê-se em Manchete
181
que Lúcio Costa foi convocado para uma Comissão de Inquérito
sobre o Distrito Federal. Vamos transcrever: “Do arquiteto e urbanista Lucio Costa, indignado
contra as notícias que deturparam seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o
Distrito Federal: “Não é verdade ter eu admitido que os realizadores de Brasília desfiguraram
quase por completo minha idéia. Pelo contrário. O que espanta em Brasília não é o que falta, mas
o que já tem. E me pergunto como foi possível a esses dois homens tão diferentes – Israel
Pinheiro e Oscar Niemeyer, fazer em tão pouco tempo, com tamanha fidelidades ao risco original,
o que lá está. O que eles e seus colaboradores fizeram não tem preço. Merecem a gratidão de
todos os brasileiros, inclusive do Dr. Gudin”
182
.
Aliás, aqui os realizadores são Oscar Niemeyer e Israel Pinheiro, a equipe de Lucio Costa
e seu trabalho de transposição da memória descritiva em projeto nem sendo nomeados.
A instalação das CPIs devia preocupar e/ou causar ressentimentos justamente nas
equipes que acompanharam os lideres na edificação da cidade; até mais do que ressentimentos,
pois o inquérito os colocava na condição de indagados de supostas fraudes, desde as financeiras
até aquelas relativas à realização do projeto inicial
183
. Voltemos rapidamente às tensões e aos
ressentimentos, às indagações, acusações, protestos que vieram depois da inauguração da
Capital: eles envolveram também o meio dos arquitetos.
Justamente essas contradições confirmam a importância da reconstrução desse contexto
de vivencias, representações e propagandas com a finalidade de entender suas repercussões nas
opiniões e nas críticas posteriores. Enfim, mais uma vez, reconstruir as propagandas e aquela
atmosfera de epopéia, suas contradições e expectativas, revela-se importante para entender o
projeto original e suas críticas.
181
Repórter Manchete. Posto de escuta. Manchete. Rio de Janeiro: 15.6.1963. pág. 28
182
Idem, pág. 29.
183
Ver nas Referências mais informações sobre a CPI.
275
O
CONSTRUTOR DE BRASÍLIA:
NARRATIVAS, FOTOGRAFIAS, PROJETOS E HISTÓRIA
Mario Fontenelle. Operários próximos ao Congresso Nacional, 3/9/1959.
Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal.
Os meios de comunicação de massa transformaram em heróis, titãs, gênios ou campeões
de generosidade os construtores da capital, isto é, qualquer pessoa envolvida na execução do
projeto, desde seus autores até os executores, desde o presidente, os artistas, os engenheiros, os
colaboradores da Novacap, até os comerciantes, os trabalhadores dos canteiros de obras, os
retirantes nordestinos, etc. Os canteiros de obra, contraponto indispensável à figura do
trabalhador, foram apresentados como organizados, mecanizados, ordenados. As fotografias
radicalizaram o discurso sobe a industrialização do setor das construções e do empreendimento
Brasília de maneira geral. Aliás, novamente observamos uma estandardização significativa do
código visual que foi adotado para apresentar a construção da cidade.
Desta forma, o Candango, figura principalmente masculina, tornou-se uma cristalização
supra-histórica dos valores, das ideologias e dos mitos que descrevem a cidade. Ele justificou as
propagandas a proclamarem o ingresso dos trabalhadores dos canteiros de obras no moderno
276
mundo do trabalho organizado e institucionalizado e ao mesmo tempo a declarar que a cidade
estava sendo realizada da forma mais moderna e organizada possível.
Estas representações sobre trabalhadores e trabalhos dependeram também das
mudanças de cenários políticos; elas responderam às conjunturas difíceis e influenciaram o relato
oficial da história do projeto da cidade; repercutiram-se nas críticas, positivas e negativas,
posteriores, nos protestos e nas caminhadas, nas representações da política, etc.
As reportagens das revistas populares e os depoimentos orais contam, vez por outra, os
inúmeros truques com os quais os menores de idade conseguiam trabalhar também para a
Novacap; as condições precárias das moradias; as soluções encontradas pelas empreiteiras para
escamotear a lei trabalhista, o horário de trabalho, as fiscalizações imprecisas, as precárias
condições de saúde alimentar e conforto, as situações dos alojamentos, etc. Permitem reconstruir
o perfil dos trabalhos e dos trabalhadores braçais, sobretudo aqueles sem qualificação.
Todavia, as matérias dos mídias e as propagandas comerciais não revelam praticamente
nada sobre a atuação dos colaboradores e funcionários da Novacap e sobre os empregados dos
escritórios e das empreiteiras que desempenharam suas atividades de organização,
aprovisionamento, projetação, etc. As reportagens também não falam dos profissionais da
arquitetura e do urbanismo que realizaram partes importantíssimas dos projetos, atribuindo a
paternidade da cidade e de sua execução, tout court, a Oscar Niemeyer e Juscelino Kubitschek.
As memórias dessa corporação de arquitetos e engenheiros jogam uma outra luz sobre a
elaboração e a realização do projeto: relatam suas alterações, suas imprecisões, as acomodações
às verbas disponíveis; apontam os responsáveis pelas alterações no projeto, defendem seus
próprios mestres, responsabilizam os diferentes nomes pelos diferentes “erros”; narram
dificuldades e falhas nas comunicações e nas execuções das obras. Cada um desses relatos,
portanto, demandaria mais avaliações e pesquisas.
Novas pesquisas poderiam também avaliar em que medida as representações
incorporaram o universo feminino. De fato, como deixa supor a própria denominação Candango,
as mulheres, desde as operarias até as arquitetas ou empresárias, aparentemente não integram
as representações dos construtores da Capital, sobretudo aquelas visuais. Supostamente, elas
não trabalhavam nas obras.
Além disto, é importante observar que todos participaram, cada ator ou grupo de atores, de
seu ponto de vista e com base em suas vivências, aspirações, tensões, sonhos de vida melhor, da
construção e/ou “aprovação” de um mesmo relato heróico e no aproveitamento das mesmas
representações para alcançar seus respectivos objetivos: reivindicações e/ou consensos políticos,
melhorias no tratamento econômico, experiência profissional, lucros, etc.
277
Enfim, em cada memória os anos da edificação da cidade foram ocasião única e irrepetível
de experiências profissionais, vivências emocionais e/ou de melhoramento das condições de vida.
Todavia, o caráter de epopéia que acompanhou a construção da Capital durante o governo JK; a
raiva que escoltou o governo do presidente Jânio, devido às maciças demissões decorrentes do
corte radical nas verbas para a construção da Capital e ao choque da classe média ao colidir com
uma cidade que nada havia de maravilhoso; a aflição que seguiu ao golpe militar, que arrebatou
de todos o sonho de Brasília como cidade e capital da democracia, transformam os depoimentos
em heranças riquíssimas, tornando cada atuação individual um pequeno ato de heroísmo, que
necessita porém de muito trabalho de pesquisa para ser aproveitado na reconstrução histórica.
Os instantâneos dos prédios e da cidade viabilizam uma atmosfera atemporal, que emerge
das composições geométricas, mas também da rigidez dos gestos das pessoas. Essas últimas,
suas posturas estatuárias, emprestam suas suspensões à arquitetura. Observamos uma mesma
estratégia composicional e técnica ao retratar os espaços e os volumes arquitetônicos, a figura
humana ou as massas de trabalhadores: a grande-angular enfatiza os maquinários e/ou as obras
e reduz as dimensões das figuras humanas; elas se tornam quase formiguinhas, contrapontos
composicionais. Uma forma de abstração é maravilhosamente utilizada ao retratar os prédios em
construção, principalmente os Ministérios. A própria luz do meio-dia ou a contraluz, o horizonte
achatado e continuo e a intensa luminosidade do Planalto reduzem os esqueletos dos prédios de
Brasília em construção a um jogo composicional de brancos e pretos, que exalta as formas e as
superfícies e oculta as gradações e as imperfeições. Certa contraluz brinca com a suspensão do
tempo, desviando o olhar daquilo que é concreto. Assim como para a lindíssima fotografia de Otto
Betmann, que retrai o almoço dos trabalhadores de Nova Iorque no braço de uma grua, a beleza
das imagens de Mario Fontenelle, Marcel Gautherot, Nicolau Drei e da equipe de fotojornalistas da
Manchete, ao descrever as arquiteturas de Oscar Niemeyer, os canteiros de obras e seus
trabalhadores, deslocam a atenção do observador para outras seduções, para um sonho de
modernidade que tem seus horizontes no mundo.
278
279
NARRATIVAS
F
OTOGRAFIA E HISTÓRIA, QUESTÕES DE MÉTODO
“A história, da mesma maneira que a fotografia, faz sobreviver o passado, as pessoas, os
lugares, as vicissitudes. Porém, a fotografia o faz com a imediatez da imagem. Ela é ambígua e
sua natureza é a causa de sua popularidade: todos conseguem lê-la. Para o historiador esse fato
é ao mesmo tempo um problema e uma vantagem: ele deverá ler a fotografia e relatar através
dela, e assim dirigir-se-á a um público que será ao mesmo tempo de leitores e de espectadores.
Não somente sua interpretação pessoal chegará ao destinatário, mas também seu método.”
1
A simultaneidade entre o acontecimento e o seu registro constitui a essência da fotografia –
cujo sinônimo é instantâneo; da coincidência entre imagem e ocorrência decorre a complexidade e
a ambigüidade da mesma: sua comunicação oscila entre o território das certezas, quando é a
prova de que algo aconteceu, e do encanto, pois, como observa Gabriele D’Autilia
2
, a possibilidade
de fixar o instante é vivida como mágica
3
. Vale a pena enfatizar esse aspecto do meio, pois revela
de imediato a duplicidade intrínseca de sua natureza. A fotografia é fruída tanto como amostra
“objetiva”, quanto como produto de um feitiço; ela pede atenção da nossa racionalidade e
simultaneamente solicita a nossa irracionalidade.
A história da fotografia é a própria história da modernidade e de sua dimensão coletiva.
Desde sua afirmação popular, aproximadamente na metade do século XIX, a fotografia identificou-
se com a história da contemporaneidade: ela informou e condicionou as artes e a cultura, mas
também a política, a sociedade, a formação das mentalidades, etc. Uma análise das reflexões de
Walter Benjamin, Susan Sontag, Roland Barthes e Pierre Bourdieu sobre fotografia e seus usos,
tanto como instrumento de conhecimento (inclusive de criação artística) quanto como dispositivo
para construir e divulgar ideologias e saberes, é o objeto do primeiro capítulo do livro Fotografia e
Società de Alfredo De Paz, ao qual remetemos para maiores aprofundamentos
4
.
Interessaram-nos principalmente as problemáticas relativas ao uso
5
dos instantâneos e
das fotorreportagens na pesquisa histórica, talvez a aplicação desses últimos contribuísse
também para a historiografia da arquitetura. Produto da cultura positivista, “incumbida até de
1
D’Autilia Gabriele. L’indizio e la prova. La storia nella fotografia. Milano, Bruno Mondatori, 2005.
2
D’Autilia Gabriele. Op. cit.
3
A “ontologia” da fotografia é objeto também de um interessantíssimo ensaio de Roland Barthes Bathes, Roland. La
camera chiara. Torino, Einaudi, 1880.
4
De Paz, Alfredo. Fotografia e società; dalla sociologia per immagini al reportage contemporaneo. Napoli: Liguori
editore, 2001.
5
Gabriele D’Autilia indaga a complexidade metodológica do aproveitamento das fotografias – desde a fotografia social
até os cinejornais - na investigação histórica. D’Autilia Gabriele. L’indizio e la prova. La storia nella fotografia. Milano,
Bruno Mondatori, 2005.
280
substituir os livros de história e de apresentar uma visão direta do presente como do passado”
6
, as
fotografias nem sempre são “provas”, confirmação de que certa realidade aconteceu, todavia,
acompanhando Gabrilele D’Autilia elas são “reservas” de indícios para o historiador educado à
leitura “em transparência” até do documento mais luminoso”
7
.
De fato, a fotografia é vinculada à subjetividade do seu produtor e à casualidade do seu
ponto de observação: e fala menos do fato o do acontecimento em si, do que das “mentalidades,
emoções, hábitos, afetos, etc, de tudo o que de mais impalpável a história transmite”
8
. Quase uma
ironia, observa ainda Gabriele D’Autilia, os instantâneos que foram aproveitados pela pesquisa
histórica, acabaram fazendo emergir uma multiplicidade de elementos que até então eram panos
de fundo, iniciando pelos “excluídos de sempre: operários, camponeses, crianças, mulheres,
idosos, os ambientes e os objetos da cultura material”
9
. A abrangência multidisciplinar
10
dos
conteúdos da imagem fotográfica aproxima a leitura das fotografias à análise das imagens -
quadros, murais, afrescos, estátuas, arquiteturas, etc. – cuja leitura promove os mais variados
conhecimentos, desde os técnicos até os filosóficos, os religiosos, os histórico-políticos e literários.
Todavia, o que diferencia a fotografia das artes visuais “tradicionais” é a quantidade e Gabriele
D’autilia aponta para a problemática da abundância – até redundância da produção fotográfica;
esta qualidade estrutural do meio talvez seja um dos aspectos metodologicamente mais
comprometedores da apreciação e do uso da fotografia no relato histórico.
Também Boris Kossoy
11
, ao apresentar a natureza da fotografia aponta para a sua
maleabilidade. Seu ponto de partida é o status de “testemunho da verdade” do instantâneo; mas
ele indica a facilidade com a qual o próprio instantâneo se presta “aos mais diferentes e
interesseiros usos dirigidos”
12
. E acrescenta que, quando explorada pelos meios de comunicação
de massa, a fotografia abusa do desamparo do público: de um lado equivoca a propensão em
acreditar que “os conteúdos das fotografias são expressão da verdade”
13
, e do outro aproveita o
despreparo geral frente à compreensão das representações iconográficas em geral. Kossoy solicita
a pensar que “não é a imagem, mas o próprio conceito de verdade que exige uma reflexão
pontual”
14
.
Gabriele D’Autilia sugere portanto, diferenciar entre as finalidades com as quais foram
feitas as imagens e o uso que a História, (ou as diferentes narrativas) fez delas. Ele destaca que o
aproveitamento historiográfico dos instantâneos, uma vez que esse últimos foram utilizados pelos
6
D’Autilia Gabriele. Op. cit.
7
D’Autilia Gabriele. Op.Cit.
8
D’Autilia Gabriele. Op. Cit.
9
D’Autilia Gabriele. Op. Cit.
10
Boris Kossoy interessa-se à contradição intrínseca ao significado do signo-fotografia do qual depende a complexidade
de sua aproximação, enquanto Gabriele D’Autilia aponta para as qualidades do significante e para as possibilidades
oferecidas ao historiador; ambos porém concordam em “considerá-las, [os instantâneos] quaisquer que sejam os
conteúdos das imagens, sempre como fontes históricas de abrangência multidisciplinar”
10
.
11
Kossoi, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia – SP – Ateliê Editorial, 2000.
12
Kossoy, Boris. Op.cit.
13
Kossoy, Boris. Op. Cit.
14
D’Autilia Gabriele. Op. Cit.
281
meios de comunicação de massa, coloca mais problemas metodológicos. Acompanhando
Boltanski, a aproximação semiológica às fotografias dos mídias è insuficiente, “pois é necessário o
estudo do ambiente, das relações entre jornalistas e fotógrafos, do complexo de preceitos e vetos
que compõe o estilo do jornal e que é a resposta desse último às exigências do público”
15
.
Os semanários e as publicações periódicas de forma geral, visavam aprofundar as
informações que o cotidiano já passara “em tempo real”; nesse contexto a fotorreportagem, mais
do que relatar o evento, interpretou, contextualizou, descreveu os ambientes, os hábitos, as
relações pessoais; então, “reconstruiu” uma realidade posando-a, construiu uma forma/imagem da
“realidade” que, supostamente apresentando o presente, o projetou para o futuro.
Enfim, os instantâneos dos meios de comunicação incorporam facilmente arranjos já
propostos e divulgados por outro mídia e as imagens transformam-se em códigos visuais
portadores de conteúdos. As composições podem ser utilizadas pelas qualidades estéticas e
passar por um processo de re-semantização que depende das finalidades e das intenções dos
editores das publicações
16
. Isso leva resumir as atuações e o perfil das revistas ilustradas
brasileiras nos anos da construção de Brasília.
A
CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA
NAS REVISTA ILUSTRADAS
Na revista Manchete a construção de Brasília foi um fato de crônica visualmente relatado
em cada estágio de sua edificação: documentou a edificação da cidade com amplas
fotorreportagens, de fotografias de grande formato e entrevistas com os testemunhos;
freqüentemente apareceu o próprio Oscar Niemeyer. A linha editorial da publicação apoiou o
governo de Juscelino Kubitscek, não discutiu suas escolhas, aliás, foi quase uma espécie de
instrumento “pessoal”
17
da propaganda presidencial. Suas narrativas visam a amenizar as
contradições.
O Cruzeiro publicou menos matérias; seus interesses foram mais abrangentes:
focalizaram-se na construção das rodovias; o plano piloto foi apresentado também junto com a
15
Boltanski, “A retorica da figura”; apud: D’Autilia Gabriele. L’indizio e la prova. La storia nella fotografia. Milano,
Bruno Mondatori, 2005.
16
D’Autilia, Gabeiele. Op. cit.
17
Em maio de 1960, Justino Martins, o diretor naquele momento, declara: “essa revista foi um dos poucos órgãos da
imprensa brasileira a acreditar sem reservas no êxito da mudança da capital”. Martins, Justino “conversa com o leitor”,
Manchete, 7.5.1960 pág. 1. Em entrevista à autora, o professor Raimundo Nonato da Silva, antigo diretor da divisão de
Divulgação da Novacap, confirma que a Manchete foi um órgão de imprensa dedicado, tanto em apoiar a construção de
Brasília quanto em difundir um relato favorável ao seu empreendimento. A entrevista com o doutor Raimundo Nonato as
Silva sobre à atuação da revista Brasília, da Divisão de Divulgação da Novacap, foi realizada em 14 de outubro de 2008
no Instituto Histórico Geográfico do Distrito Federal.
Confirmam também Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva, Manchete, se fez “veículo da ideologia do
desenvolvimentismo no Brasil. (...) exaltou em suas páginas o governo Juscelino Kubitschek, acompanhando
sistematicamente suas realizações e de modo particular a construção de Brasília”; ostentou a construção da capital,
desde o primeiro momento, como a viabilização do futuro radioso do País. Costa, Helouise e da Silva, Renato
Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo, Cosac&Naify, 2004.
282
instalação e o funcionamento das cidades satélites. De forma geral proporcionou a idéia de que a
nova capital ofereceria padrões de vida melhores do que as duas maiores cidade da época: Rio
de Janeiro e São Paulo. Não defendeu de forma maciça qualquer realização da Novacap como
fez a Manchete. As críticas mais intransigentes ao Presidente e às modalidades de realização do
seu plano de metas foram assinadas por David Nasser nos primeiros momentos (1956 e 1957) e
por Gilberto Freire
18
em 1960. Esses textos apresentam conteúdos muito diferentes com relação
àqueles das fotorreportagens: de um lado as severas avaliações sócio-políticas e do outro os
louvores pela conquista dos territórios do interior. As fotorreportagens apoiaram a construção da
Nova Capital, explorando os valores pátrios e a necessidade política da conquista de novos
territórios, rumo à construção da nação. Talvez a O Cruzeiro temesse repercussões negativas nos
favores do público, devido à concorrência e à propaganda maciça realizada pela Manchete e pela
publicidade presidencial.
O Presidente Juscelino Kubitschek fez com que os cinejornais projetassem, no país afora,
noticias positivas sobre a construção da cidade; a Agência Nacional no Rio de Janeiro produziu os
próprios, a Novacap encomendou a Jean Manzon 38 gravações sobre Brasilia, e Sálvio Silva – da
Alvorada Filme – contratado pessoalmente por Israel Pinheiro, realizou 25 gravações
19
. Os
cinejornais constituíram mais uma forma de demonstrar características da construção da Nova
Capital e, sobretudo, uma maneira de responder às indagações do País
20
. Os conteúdos dos
cinejornais, seus repertórios de imagens refletem-se naqueles da revista Brasília. Ambos eram
produtos do mesmo patrocinador e visavam o mesmo objetivo: divulgar um relato positivo sobre a
construção da capital e
A revista Brasília divulgou os discursos presidenciais e o boletim das atas da Novacap,
bem como todos os discursos oficiais e as avaliações políticas favoráveis à edificação da cidade e
privilegiou um público alfabetizado
21
e sua finalidade era lançar e sustentar a construção da nova
18
Gilberto Freyre intervem mais de uma vez nesta revista defendendo o conceito que Brasília, como Goiânia, ser o
lugar para onde convergiria a população do Brasil e onde iria se formar uma nova compagine social, étnica e cultural.
Nesta perspectiva contesta a falta de planejamento social que acompanhou e arruinou o projeto de construção da
capital.
19
De acordo com o catálogo Funarte [Alvim, Clara de Andrade. (org.) Os cine jornais sobre o período da construção
de Brasília. Brasilia. MEC – SEC –SPHAN/pro Memória, 1983] fichando os cinejornais sobre a construção de Brasilia,
até 1983 22 latas contendo filmes eram guardadas na Novacap; 41 latas de material eram de propriedade do Instituto
Histórico Geográfico, mas hoje não estão mais ali: aparentemente foram entregue ao Arquivo Público do DF. 25
cinejornais de propriedade do Memorial JK e produzidos pela Nocavap foram adquiridos pessoalmente pelo presidente
ao cinegrafista José Silva e posteriormente doados ao Memória JK por dona Sarah. Sucessivamente foram doados ao
Arquido Público do DF; parte deles são digitalizados e disponibilizados para os pesquisadores.
20
Alvim, Clara de Andrade. (org.) Op. cit.
21
Relembremos que a finalidade da revista Brasília era difundir imagens e relatos e, sobretudo, mostrar o andamento
das obras através da documentação fotográfica. Com essa última finalidade, apresentava regularmente a seção
denominada “a marcha da construção”. Para isso, foi contratado o fotógrafo Mario Fontenelle, cujas imagens hoje
pertencem ao Arquivo Público do Distrito Federal. A revista era gratuita e destinada aos assinantes: 5.000 cópias no
interior – bibliotecas, universidades, colégios – e 1.000 cópias no exterior – principalmente as embaixadas; em se
tratando de um empreendimento estatal e visando a uma informação super partes, a Divisão de Divulgação não
aceitava propagandas comerciais ou políticas; da mesma forma, os fascículos não eram enviados para expoentes
políticos, como governadores ou prefeitos. Nunca a revista foi às bancas de jornais: os custos de publicação cabiam à
283
capital. A sua informação sobre a construção da cidade e a arquitetura nasceu vinculada à
documentação fotográfica e à comunicação visual; as fotorreportagens sobre as obras em
construção foram acompanhadas somente por legendas que deixam ao leitor a fruição das
imagens, seja em decorrência da facilidade e da rapidez de acesso ao código visual, seja porque
o alvo de sua divulgação era também internacional.
A revista Módulo, vinculada à figura artística de Oscar Niemeyer, por privilegiar o dialogo
com as artes, elaborou e difundiu uma narrativa importante sobre a gênese criativa dos projetos e
dedicou menos sua atenção à construção das obras.
Durante a construção de Brasília, as revistas populares participaram intensamente das
discussões artísticas e políticas. As Manchete, O Cruzeiro, Brasília
22
e Módulo eram sediadas no
Rio de Janeiro e, de maneira muito evidente, jornalistas fotógrafos e patrocinadores influenciaram-
se reciprocamente, tanto na escolha dos conteúdos dos textos, quanto nas feições das
fotografias. Freqüentemente, as reportagens da semana nas duas revistas de massa eram
dedicadas aos mesmos assuntos e refletiam sobre as mesmas tensões e preocupações políticas.
Repetidamente, as matérias da revista Brasília consistiam em reelaborações ou até antecipações
das reflexões da Módulo sobre arquitetura e artes visuais. A classe média, intelectual ou não, à
qual esses produtos editoriais eram dirigidos participava da vida pública exercendo o direito de
voto; o fato do direito de voto
23
dividir o país pela metade entre alfabetizados e analfabetos, e o
fato das informações escritas serem elaboradas e plenamente
24
fruídas por uma porcentagem
muito restrita da população
25
, são elementos significativos que é preciso levar em conta para
Novacap, e os colaboradores da Divisão de Divulgação eram funcionários da mesma. O boletim, no final de cada
fascículo, difundia as atas da diretoria da Novacap, os contratos etc. A Divisão de Divulgação cuidou também da
produção dos cinejornais sobre a construção da cidade. Em 1958, a divisão aumentou incorporando também o pessoal
do Rádio Nacional. Finalmente, organizou a publicação da coleção Brasília: Brasília; Diário de Brasília; Brasília e a
opinião nacional; Brasília e a opinião estrangeira; Antecedentes Históricos; Congresso Nacional e Brasília.
As informações aqui apresentadas foram recolhidas durante entrevista com o professor Raimundo Nonato da Silva,
realizada em 14 de outubro de 2008 no Instituto Histórico Geográfico do Distrito Federal. Mais informações sobre a
atuação profissional do professor Silva encontram-se no depoimento prestado para o Programa de História Oral do
Arquivo Público do Distrito Federal (1997).
Ver também: Alvim, Clara de Andrade. (org.) Op. cit.
22
A sede da Brasília permaneceu no Rio de Janeiro até 1959. Fotógrafos e colaboradores viajavam regularmente até os
canteiros de Brasília e traziam de volta material fotográfico para publicação. Depois da mudança para Brasília, em 1959,
a revista continuou ainda sendo editada no Rio pela editora Bloch, pois em Brasília não havia condições e recursos para
sua produção e distribuição, da qual cuidava o senhor Fernando Chinaglia, (a mesma agência que distribuía a revista
Módulo, grifo nosso). Nonato, Raimundo da Silva em entrevista à autora.
23
O voto tornou-se um direito dos analfabetos somente em 1984, depois da ditadura militar. Fausto, Boris. História do
Brasil. São Paulo: Edusp, 1994
24
“Embora atingindo a massa (público heterogêneo, anônimo disperso), os meios de comunicação social são meios de
elite (...) e estão sob o domínio da elite dirigente (...): além de ser, por suas próprias características, um meio de elite, a
imprensa esteve sob censura prévia durante três séculos. Esse controle governamental sobre as atividades de
impressão significou o domínio da elite dirigente, em função de cujos interesses as obras (...) eram editadas”. De Melo,
José Marques. Comunicação, opinião, desenvolvimento. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília. Editora Vozes, 1975
25
Talvez em conseqüência da formação intelectual dos colaboradores, o registro lingüístico das revistas populares
ainda nos anos 50 era elitista; acompanhando José Marques de Melo, apesar das “modernizações” que visavam a uma
expressividade mais simples e coloquial, as revistas ilustradas apresentavam uma linguagem e conteúdos que refletiam
as experiências e as falas dos grupos de cultura superior. “os jornais brasileiros conservaram a linguagem de elite que
os caracterizava, mudaram no aspecto morfológico, utilizando a imagem fotográfica e transformando a diagramação,
284
entender o sucesso e o alcance das informações das revistas ilustradas. Conjuntamente é
expressivo o fato da população brasileira com um nível de escolarização superior representar,
naquela época, uma porcentagem infinitésima
26
da população nacional: ela freqüentemente
colaborava com as revistas, tanto com as populares O Cruzeiro e Manchete, assim como com as
Módulo e Brasília.
Esse ambiente circunscrito de artistas, intelectuais, políticos, educadores, jornalistas,
fotógrafos, quase todos centrados no Rio de Janeiro, falava uma mesma linguagem letrada.
Embora dividido em frentes políticas diferentes e conflitantes, defendendo os interesses da velha
e da nova classe média, da classe média urbana ou rural, esse grupo participava da vida artística
e política. Portanto, é em um ambiente culto que se inscrevem nossas reflexões sobre essas
comunicações.
A
S FOTOGRAFIAS SOBRE A CONSTRUÇÃO DE BRASILIA
DAS REVISTAS MANCHETE, O CRUZEIRO, MÓDULO E BRASÍLIA
É importante frisar o quanto a comunicação visual das revistas ilustradas brasileiras
utilizou-se da mesma linguagem visual ao narrar a construção de Brasília, os instantâneos em
branco e preto e as estratégias de paginação são como que padronizados. O número elevado de
imagens construídas praticamente da mesma forma e/ou portadoras do mesmo conteúdo levanta
a hipótese de uma intencionalidade narrativa: Gabriele d'Autilia observa que cada fotografia, já em
si mesma, nasce “intencionalmente como monumento, e quer construir uma memória, familiar ou
coletiva”, mas a verificação da existência de uma vontade narrativa coloca novos problemas. De
um lado, deve-se esclarecer as finalidades e as justificações que tornaram necessário impor
forçosamente ao futuro uma representação específica do presente; por outro, apresenta-se a
possibilidade de que as mesmas representações contenham uma verdade, porque cada
documento é, ao mesmo tempo, verdadeiro – mesmo aqueles falsos – e falso, e “as fotos de
propaganda política são, muitas vezes, objetivamente falsas”.
No caso da construção de Brasília, a insistência do mesmo código visual, denuncia que
muitas dessas representações foram o êxito das necessidades de viabilização do
empreendimento; igualmente evidencia as interlocuções entre os diversos atores envolvidos na
mudaram a estrutura do texto, mas conservaram a linguagem de elite, (...) que reflete as experiências de fala dos
grupos superiores da cultura brasileira e torna-se por isso mesmo de compreensão inacessível ao cidadão médio” De
Melo, José Marques. Comunicação, opinião, desenvolvimento. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília. Editora Vozes,
1975.
26
A taxa de escolarização da população nacional era de 26,15%. Aqueles que se matriculavam no ensino primário eram
3,53% da população em idade escolar (de 5 a 19 anos) e os que se matriculavam no ensino médio representavam 2,5%
da mesma. Nos anos 60 a taxa passou para 33,37%, as matrículas no ensino primário para 28,8% e aquelas no ensino
médio para 4,54% das crianças e dos adolescentes. Lourenço Filho, M. B. Redução das taxas de analfabetismo no
Brasil entre 1900 e 1960: descrição e análise. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 44, n. 100,
p. 250-272, out./dez. 1965; Fundação IBGE, Séries Estatísticas Retrospectivas, 1970.
285
produção de relatos sobre a construção da cidade. As fotorreportagens, de fato, incorporando as
representações visuais da história nacional, construíram a figura heróica do candango juntando a
poética das bandeiras e do pioneirismo, e suportaram e renovaram a idéia de que a fundação da
cidade nova ocorre em um espaço deserto; exasperando alguns aspectos das obras, criaram uma
imagem de eficiência, de planejamento técnico e de industrialização dos canteiros edilícios. Para
tanto, interviram todas as manipulações decorrentes do uso da fotografia nos mídia
27
: desde as
intervenções dos fotógrafos no ato da realização dos instantâneos, até as fotomontagens, desde
as seleções da imagens e a escolha do momento mais oportuno para as suas publicações até os
recortes, as censuras, o dimensionamento das próprias fotografias nas paginações, etc.
I
NDÍCIOS
Entretanto, segundo sugere Gabriele D’Autilia, os instantâneos, depois de construírem um
relato da história, ou fixar uma memória, podem tornar-se fontes para indagar o passado e
instrumentos para ler outras histórias. Nas mídias, fotografias, palavras, slogans, publicidades,
memórias, juntas, colaboram para interrogar e desmembrar as montagens criadas pelos próprios
meios de comunicação de massa, para recolher suas informações e ao mesmo tempo suas
poesias.
Quero chamar a atenção para a sedução estética das fotografias: o encanto de um
instantâneo, da mesma forma que uma obra de arte tradicional, provoca um deslizamento da
atenção do observador do objeto em si para as percepções estéticas e as seduções emotivas, isto
é, para outros registros comunicativos. Também Gabriele D’Autilia e Roland Barthes observam
que a fotografia nunca permite um distanciamento emocional. Pelo contrário, é sempre forte o
envolvimento da subjetividade do observador. Quando a fotografia é aproveitada pela propaganda
ou pela informação de massa, é licito pensar que suas qualidades estéticas sejam em parte
responsáveis pela manipulação dos conteúdos veiculados.
Portanto, cabe declarar também que, para a análise e a indagação da propaganda sobre a
construção de Brasília, escolhi as fotografias que mais me seduziram por sua beleza.
27
Remetemos, para maiores aprofundamentos, ao livro de Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silvasobre as
condições dos fotorrepórteres e do fotojornalismo no Brasil. “A percepção de que o real podia ser moldado
arbitrariamente, ao mesmo tempo em que fundou o fotojornalismo moderno no Brasil, inebriou alguns fotógrafos que
passaram a fraudar suas reportagens. (...) Esse comportamento teve espaço devido à rápida expansão do
fotojornalismo no Brasil, à credibilidade total do leitor na imagem fotográfica e à ganância de lucros. A partir das fraudes
e do surgimento da televisão, o declínio das revistas ilustradas e conseqüentemente do fotojornalismo foi
inevitável”Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo, Cosac&Naify,
2004.
286
No caso da história da construção de Brasilia, os instantâneos não publicados, porque
incertos do ponto de vista da eficácia comunicativa ou porque desfavoráveis à imagem que ia
sendo construída, revelam-se fontes de informações importantes. Aliás, raramente o historiador
tem acesso aos acervos das revistas e a suas fotografias não publicadas, isto é, aos parâmetros
de suas escolhas, aos critérios de suas censuras e aos objetivos de suas seleções. Cabe,
portanto destacar a importância dos acervos de fotografias da época: eles são formidáveis e
extraordinárias documentações; seus registros colaboram para o reconhecimento dos ambientes e
das identidades, para a memória da edificação da cidade e de suas arquiteturas.
Começamos, portanto, a “desmistificar o significado aparente” e a indagar as montagens
propostas pelas fotografias.
F
ELICIDADE
Nos retratos coletivos dos Candangos, o gesto de agitar algo ao vento com o braço
levantado e a felicidade por colaborar para a construção da nova capital contam uma operação
ideológica destinada a resolver, no plano das palavras, das imagens, dos discursos e das
representações, as importantes contradições da realidade social e política do Brasil.
Observamos que as imagens de Marcel Gautherot não concorrem para transformar os
operários de Brasília em uma congregação feliz. Os instantâneos com os retratos dos operários
alegres e despreocupados – os operários que acenam na caçamba dos caminhões, ou os
trabalhadores que correm, rindo, em direção ao olho mecânico do fotógrafo – são assinadas
sobretudo por Mario Fontenelle e pelos fotógrafos da Manchete. Como os outros fotógrafos,
Marcel Gautherot fixa as geometrias dos edifícios, as superfícies vastas e lisas das arquiteturas,
as grandes laje estendidas de concreto, as estruturas transparentes dos ministérios, mas quando
descreve de perto o trabalho, coloca em destaque a seriedade dos operários, às vezes enquadra
a tristeza de seus olhares, e abre brechas para que possamos refletir de outra forma sobre a
história e a construção da cidade.
287
O
LHARES
Nicolau Drei, Gervásio Batista, Jader Neves, Jankiel e
Gil Pinheiro. Nova era Brasília.
Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/1960.
Candido Portinari, Enterro na rede, 1944.
A montagem aqui proposta compara duas diferentes interpretações do tema da morte. O
instantâneo enquadra um grupo de operários que transporta uma maca, a legenda nos diz que se
trata de um colega que caiu de um edifício e que a pressa pela inauguração impede até de chorar
a morte. O quadro de Portinari, ao contrário, faz da dor o motivo dominante da representação, o
gesto da figura cita e exaspera o desespero selvagem da Madalena em “Lamentação pelo Cristo
Morto” de Donatello. O arranjo das duas figuras não nos permite identificá-las, nem desfrutar
outras semelhanças.
Todavia, exatamente a justaposição das imagens nos ajuda a aprofundar o estudo da
fotografia e colocar em destaque suas incongruências internas. Duas pessoas riem, outras duas
olham para a câmera; o sorriso incomoda, não combina com a morte. As pessoas que olham para
a objetiva nos lembram que, frequentemente, se estabelece uma relação entre fotógrafo e
fotografados, e que desta relação, involuntariamente, permanecem rastros nas fotografias: o
sorriso daqueles que transportam a maca nos faz pensar no embaraço diante da câmera, os
olhares e a despreocupação geral insinuam o fingimento e denunciam a intervenção do
fotorrepórter.
Observamos melhor: a foto é publicada em 30 abril de 1960, o edifício é o Planalto,
supostamente finalizado no dia da inauguração, 21 de abril. Talvez a foto tenha sido feita durante
uma reportagem anterior; mas pode ser uma montagem: debaixo daquela lona, só existiam
288
entulhos e o eco distante, e já inócuo, de outros mortos caídos dos andaimes. Finalmente, as
incongruências entre as duas imagens nos coloca diante da história do fotojornalismo brasileiro;
uma história constelada também de fraudes
28
e manipulações nas próprias imagens.
Os olhares dirigidos para o espectador dos operários de Brasília influenciaram as
propagandas comerciais e juntamente as reclames tornaram-se indícios que nos permitiram “ver”
expressões análogas nos retratos fotográficos dos operários de Brasília. Essas expressões,
aproveitadas pelas palavras da propaganda política, foram provável instrumento ideológico para
“provar” o começo de um destino melhor que se encaminhava graças à nova capital. Todavia, ao
denunciar uma forma de participação, estimulam a pensar que para muitos candangos –
retirantes, comerciantes, empreendedores, operários, arquitetos, jornalistas, artistas, e para o
próprio Presidente – a construção da nova capital representou a ocasião para construir uma
realidade individual e coletiva melhor, mas sobretudo abriu os horizontes para o futuro, pelo
menos deu – não menos importante – a ilusão de ter um futuro.
I
RONIA
A ironia das charges publicadas nas revistas populares foi outro indicador de
incongruências e muitas vezes estimulou perguntas e a busca por respostas. Lembremos,
portanto, que foi justamente a ironia que nos levou a olhar melhor para o discurso sobre
arquiteturas e trabalho realizado pelas fotorreportagens (fotografias e cinejornais) durante a
construção da cidade.
As representações não limitam-se a esconder contradições, e/ou a fazer a propaganda do
sonho dos arquitetos em industrializar e “depurar” o ciclo produtivo do setor das construções. Elas
omitem muitos outros atores, que foram extremamente importantes durante a construção da
cidade. Em particular, esquecem os perfis profissionais e as colaborações dos arquitetos e
engenheiros que tornaram possível a construção da cidade, projetando a partir de esboços,
colaborando para transformar as soluções iniciais em ante-projetos, adaptando o projeto à
realidade material de sua realização.
Esses perfis profissionais, devido ao número elevado das pessoas envolvidas e à extensão
de sua participação, são neste momento objeto de pesquisas específicas; pesquisas que
enfrentam a fragmentação dos documentos e das memórias e a dispersão dos próprios
profissionais em outras realidades; alguns, estrangeiros, voltaram a seus países de origem.
Sobretudo, o fato de que o interesse nesta participação seja hoje um fenômeno incipiente não
permite ainda articular um balanço nem acrescentar à pesquisa novas perguntas.
28
Costa, Helouise e da Silva e Rodrigues Renato. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac&Naify, 2004.
289
F
OTOGRAFIAS TOMADAS DO AVIÃO
Nicolau Drei, Gervásio Batista, Jader Neves, Jankiel e Gil Pinheiro. Nova era Brasília.
Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/1960.
As fotografias aéreas configuram um amplo e importante capítulo da história por imagens
da construção da capital, mas merecem um comentário à parte. Elas não podem ser identificadas
com as perspectivas do alto ou com as imagens reduzidas a duas dimensões que consideramos
anteriormente: este tipo de imagem “sai” do sistema cartesiano
29
porque lhe falta a definição clara
29
Se nella percezione e nella rappresentazione tridimensionale tutti i dati dipendono dalla medesima struttura
ortogonale, fissa e rigorosa, nella visione aerea, al contrario, tale rapporto fluttua, gira e vaga in direzioni diverse senza
più dipendere da una struttura fissa. In senso proprio una visione aerea è priva di dimensione semantica in quanto la sua
coerenza risulta sempre tale da qualsiasi punti di vista la si guardi.” “Da visão aérea do mundo, o mais importante é a
definição de um modo de perceber e representar o espaço radicalmente diferente daquele transmitido pela perspectiva
monocular clássica e renascentista, isto é, uma nova maneira do sujeito relacionar-se com o mundo. Se na percepção e
na representação tridimensional todos os dados dependem da mesma estrutura ortogonal, fixa e rigorosa, na visão
aérea, ao contrário, esta relação flutua, gira e vagueia nas diferentes direções sem mais depender de uma estrutura
fixa. Propriamente, uma visão aérea é desprovida de dimensão semântica, pois sua coerência é sempre a mesma,
independentemente do ponto de observação.” De Paz, Alfredo. La fotografia come simbolo del mondo. Storia,
sociologia, estetica. Bologna: Editrice CLUEB 1993. (tradução nossa).
290
do(s) ponto(s) de vista, coordenada fundamental da construção da perspectiva geométrica
monocular mas também das deformações e das ilusões óticas.
De acordo com Alfredo De Paz, a fotografia tomada do avião faz emergir uma problemática
hermenêutica
30
que não se refere à dificuldade para reconhecer os objetos quando observados de
grandes alturas, mas ao fato de que as dimensões escultórias da realidade são transmitidas de
maneira sensivelmente ambígua, não sendo diferenciadas em relação à concretude do real. Ou
seja, determina-se uma fratura entre o ponto de vista do qual a fotografia é tomada e o ponto de
vista de quem a aprecia. O registro icônico-mimético do real, do qual a fotografia não poderia por
definição prescindir, transforma a realidade em um texto independente, disponível para ser
apreciado e interpretado. A própria realidade, assim transformada, necessita de novos e
específicos instrumentos de decodificação e análise.
As fotos aéreas, portanto, subvertem a própria natureza da fotografia: a aparente
linearidade entre o registro da realidade e a própria realidade é colocada em crise pela ausência
de pontos de referência estáveis e pela complexidade do processo de compreensão da imagem: a
ductilidade e a adaptabilidade do instantâneo tomado do avião para qualquer uso e interpretação
e, sobretudo, os processos necessários de decodificação e interpretação abriram as pesquisas
artísticas ao abstracionismo com conseqüências que acreditamos importantes sobre a arquitetura.
Acreditamos que, para avaliar corretamente as conseqüências deste processo de
abstração no ambiente artístico brasileiro, seja necessário preventivamente reconstruir a relação
histórica dos artistas nacionais – e dos produtores de imagens em geral – com a perspectiva
monocular clássica e renascentista. Quando De Paz afirma que a fotografia aérea decompõe e
subverte radicalmente a relação entre ser humano e mundo, evoca também a história da arte
visual e os estudos críticos sobre a perspectiva de matriz européia; mobiliza os axiomas e as
construções teóricas que ligam as representações às ideologias, em um determinado contexto
histórico e cultural e, com base nele, avalia o impacto desta nova visão do mundo. Ao mesmo
tempo, a reflexão de De Paz faz pensar que os mesmos estudos não sejam necessariamente
coerentes com o mundo cultural brasileiro, e que a transposição das suas observações
necessitem de uma avaliação do contexto no qual cairiam. Por essa razão, não enfrentamos a
análise das fotografias tomadas do avião, não obstante componham uma parte importante da
história visual da construção de Brasília.
30
“E além desta suspensão, liberdade e mobilidade que a fotografia aérea permite, há outro aspecto que devia
interessar aos fundadores do abstracionismo; este aspecto diz respeito ao fato de que a fotografia aérea, ao contrario
das fotografias “normais”, “terrestres”, muda a realidade em um texto a ser fruído e interpretado”. De Paz, Alfredo. La
fotografia come simbolo del mondo. Storia, sociologia, estetica. Bologna: Editrice CLUEB 1993. (tradução nossa).
291
O
BRAS
Marcel Gautherot. Congresso Nacional em construção.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
www.ims.uol.com.br.
Nas fotos que descrevem a cidade durante sua construção, a imagem das arquiteturas se
funde com a narração sobre o trabalho e a organização dos canteiros. A grande-angular enquadra
os canteiros, exalta as distâncias, os espaços, as geometrias dos edifícios e diminui as pessoas;
às vezes, as torna invisíveis. Poucas figuras retratadas em gestos estáticos em primeiro plano
descrevem o trabalho e transmitem a toda a imagem, aos canteiros distantes ou às novíssimas
arquiteturas, uma atmosfera ascética e sem tempo. Nas fotografias das paisagens urbanas de
Brasília assinadas por Marcel Gautherot (antes e após sua inauguração) também predomina o uso
da grande-angular; a objetiva afasta os edifícios, os reduz em tamanho, exaspera os espaços
vazios e força a imagem a contar a leveza do programa de Oscar Niemeyer para as arquiteturas
da Nova Capital.
Além disto, essas fotos formam um arquivo que vai além da função de documentação e
narram uma história que diz respeito ao canteiro e também à arquitetura: as armações metálicas
dos edifícios em construção, os desenhos geométricos dos andaimes, as contraluzes que afinam
os sistemas de traves e descrevem texturas no fundo branco, as tramas de redes e ferros que
recobrem os terrenos nos canteiros e/ou as cúpulas da Câmara e do Senado, a vela estendida do
292
telhado da igreja de Nossa Senhora de Fátima, ou as parábolas das colunas do Palácio da
Alvorada, servem como cenário às posições firmes e seguras dos trabalhadores. Igualmente
transmitem idéias de ordem e modernidade aplicando um código fotográfico comum às revistas de
arquitetura da época, código no qual as figuras humanas serviam de contraponto e/ou unidade de
medida para apreciar melhor os volumes, o rigor e a pureza dos ambientes.
A
S MAQUETES E AS SUAS FOTOGRAFIAS
A repetição insistente de fotografias nas quais as pessoas olham, esquadrinham,
manipulam, brincam com os modelos tridimensionais, nos instigou a buscar um sentido para estas
imagens para além da propaganda, e a tentar desmistificar as encenações em torno de seu uso e
significado. Como soubemos de testemunhas, a observação e eventual “destruição” das maquetes
representava, para Oscar Niemeyer, uma etapa para a verificação da coerência do projeto. As
fotografias dos modelos de Oscar Niemeyer, portanto, não se limitam a fazer circular figuras e
modelos, nem servem para verificar a inserção de novos projetos nos contextos urbanos, mas
condicionam o processo de produção do projeto de arquitetura. Assim fomos olhar melhor os
instantâneos dos modelos tridimensionais.
As fotografias das maquetes publicadas nas revistas Módulo e Brasília consistem
freqüentemente de instantâneos feitos com pontos de vistas zenitais; um fundo preto anula
qualquer referência espacial e as fotografias dos modelos tridimensionais dos complexos
arquitetônicos transformam-se em arranjos abstratos e bidimensionais. Ao eliminar sombras e
claro-escuros, ou seja, a terceira dimensão, descolam a imagem da “realidade” que a produziu e
obrigam a rever as técnicas de interpretação da mesma; perdida a relação entre mimese e ícone,
a leitura da representação revela-se um indicio para aproximar-se das pesquisas e aspirações do
autor das mensagens visuais.
Pretos e brancos reúnem as formas de acordo com regras internas à imagem e induzem a
procurar justificações em outros contextos culturais, aqueles da pesquisa sobre o abstracionismo
conduzidas pelas artes visuais, da pintura e da fotografia da época. A comparação entre as
fotografias das fachadas das duas primeiras versões das arquiteturas para a nova capital revela,
por exemplo, que a síntese e a concisão formal alcançadas pelas arquiteturas de Brasília são fruto
de um percurso criativo, sobretudo visual, e realizado também graças à abstração e à
bidimensionalidade intrínsecas à natureza da fotografia.
A comparação entre as imagens publicadas e os depoimentos orais, entre as omissões
das comunicações visuais na revista Módulo, os textos do próprio arquiteto e o conjunto das
matérias sobre arte abstrata publicadas na revista Módulo e Brasília ajudam a entrever a
importância das fotografias no percurso de definição do desenho do arquiteto. O branco e preto
das imagens, ajudando e estimulando a pensar por formas livres, informa que os processos de
293
abstração comuns às artes visuais e à fotografia artística interagem com os processos de síntese
e depuração dos projetos de arquitetura de Oscar Niemeyer.
F
OTOMONTAGENS
As fotomontagens realizadas para as páginas externas da revista Brasília, com os esboços
de Oscar Niemeyer sobrepostos às fotografias das obras realizadas, ou a profusão de páginas
diagramada mediante a justaposição das fotografias das maquetes com os instantâneos das
obras concluídas, forçam a imagem-monumento ou a página da revista a transmitir-nos a
eficiência organizativa de quem realizou a obra respeitando a vontade de seu criador e
conjuntamente uma interpretação da arquitetura que privilegia sobremaneira o ato criativo.
Todavia, a insistência do estratagema nos provoca a indagar sobre o significado aparente
e a tentar contextualizar sua construção ideológica. A revista da Novacap tinha uma função
declaradamente de propaganda; isso nos diz que a coerência entre os desenhos iniciais e as
obras realizadas era um tema importante, usado em favor da imagem de Brasília.
Nos interessou porém o fato de que Oscar Niemeyer controlasse a informação divulgada
pela revista Brasília sobre as arquiteturas da nova capital e a possibilidade de que as imagens nos
falassem de sua idéia de arquitetura. Uma idéia que não só privilegia o ato criativo como momento
que guarda em si a perfeição e a solução de todos os problemas, mas que também considera
secundário e pouco importante o processo de realização da própria obra, a começar do contexto
no qual a obra se insere para terminar com sua realização material. Isso nos lembra que esta idéia
era comum a outros arquitetos da época; muitos pensavam a arquitetura como um fato concluído
em si mesmo, como um manufato que, uma vez completo e resolvido, poderia ser exportado e
aplicado a qualquer situação.
294
A
S FOTOGRAFIAS DE ARQUITETURA DE BRASÍLIA
Marcel Gautherot. Conjunto do Congresso, 1960.
Fonte: Instituto Moreira Salles. www.ims.uol.com.br.br
Repórter Manchete. Já começou o ballet da limpeza para
o grande dia. Manchete. Rio de Janeiro, 23/4/1960.
A fotografia de arquitetura possui seus próprios códigos, ainda pouco sistematizados pela
crítica e a historiografia sobre a arquitetura. As duplas de imagens dos edifícios de Brasília
analisadas no capítulo “A flor agreste”, evidenciam como o enquadrameto e a luz transformam a
mensagem sobre a arquitetura. As distorções da ótica e os truques de correção, a luz zenital ou
rasante, embaçada pelas nuvens ou exasperada pelo sol a pino, sobrepõem-se ao sujeito e
mudam o nosso modo de percebê-lo: tornando a imagem mais estática ou dinâmica, isolando-a ou
inserindo-a no contexto, marcando ou eliminando as sombras, nos fazem “ver” uma arquitetura
mais simples ou complexa, mais “tradicional” ou “moderna”.
Vimos Le Corbusier e Alberto Sartoris manipular o contexto de um edifício, cancelar o
fundo, redesenhar as nuvens, retirar os rastros do contingente para exaltar o volume livre ou as
continuidades com as representações do desenho. O aproveitamento de estratégias de
comunicação visual semelhantes por arquitetos diferentes revela que a mensagem sobre
arquitetura veiculada pelas fotografias depende dos contextos (livros ou revistas) e das finalidades
295
comunicativas de cada arquiteto, de suas idéias sobre arquitetura, assim como de seus interesses
pela produção de livros ou revistas.
Nos diz igualmente que a fotografia é um instrumento permeável e dúctil, que acolhe
facilmente manipulações e soluções já experimentadas por outros, interpretando-as e repropondo-
as de imediato, justamente porque circula por revistas e por meios de comunicação de massa.
Enfim, os arranjos das fotografias de arquitetura, os contrastes de sombras e luzes, os
enquadramentos, a escolha da objetiva, a função da figura humana na economia das
composições etc., que cada arquiteto escolhe para a apresentação da própria obra ajuda a
“historicizar” a figura artística de cada arquiteto, isto é, a situá-la em um clima criativo particular e
específico, um clima do qual participaram as pesquisas artísticas realizadas com a fotografia e os
códigos internacionais da época para a fotografia de arquitetura.
Em conclusão, Manchete, O Cruzeiro, Brasília e Módulo, cada uma com seu estilo,
compuseram relatos intencionais sobre a construção da Nova Capital, graças também aos
fotógrafos que emprestaram uns aos outros as escolhas dos sujeitos, dos enquadramentos e dos
arranjos dos instantâneos. Desta forma divulgaram narrativas visuais propícias ao
empreendimento, ainda mais homogêneas do que aquelas escritas. Todavia, a fotografia (de
reportagem ou não) carrega em si as idéias, os interesses e as sensibilidades dos diversos
fotógrafos, os diálogos específicos que cada repórter alimenta com os sujeitos/objetos retratados,
as ambições e os sonhos das pessoas fotografadas, etc. Ela se ressente do clima da época, das
sugestões e dos códigos visuais que as mídias veiculam, imita e incorpora as obras de arte,
contribui para as pesquisas artísticas contemporâneas, contamina-se com as propagandas
comerciais, etc. Enfim, graças à repetição dos arranjos e ao branco e preto das imagens da
época, os relatos visuais sobre a construção de Brasília e sobre suas arquiteturas emergem
como uma única representação contínua, não obstante essa mesma representação seja o
resultado da participação coletiva.
É importante destacar que no caso dos relatos visuais sobre a construção de Brasília
enfrentamos a repetição das composições fotográficas nos diversos mídias, tanto nos eruditos
quanto nos populares. Graças ao fotojornalismo, a edificação da Capital foi propalada com
sucesso qual momento simbólico de manifestação da identidade nacional, mas também qual ato
político-econômico imprescindível para concretamente realizar o projeto de integração da Nação,
isto é: para uniformizar os comportamentos cíveis e os hábitos de consumos. A linguagem visual
propalada pelas revistas populares ilustradas que foram objeto de nossa pesquisa pode ter
contribuído à transmissão e à aceitação de novos estilos de vida e de distintos padrões estéticos;
talvez, as fotorreportagens colaborassem de forma importante para a difusão da própria
arquitetura moderna junto à classe média nacional, em expansão naquele momento, e de um
modo distinto de se fazer arquitetura junto aos profissionais da arquitetura e do urbanismo. Esse
296
assunto escapa às finalidades imediatas de nossa pesquisa, mas poderia ser objeto de outras
indagações.
As nossas análises evidenciam o quanto as fotografias e os discursos dos mídias se
revelem, atualmente, fontes documentais e/ou reservas de indícios para reconstruir tanto o
ambiente no qual se elaborou e concretizou o projeto da cidade, quanto as fases de realização
das obras. De fato, para serem incorporadas aos mídias, as fotografias revelam também as
informações que a própria narrativa intencional queria obliterar e oferecem-se como novos
“documentos” para a pesquisa histórica. Ou seja, as omissões dos meios de comunicação social,
assim como suas declarações, ajudam a entender melhor as atuações dos diferentes
patrocinadores e podem contribuir para a reconstrução das idéias e dos ideais de uma época.
R
EFERÊNCIAS
A
S REVISTAS ILUSTRADAS, SEUS PÚBLICOS E AMBIENTES pág. 299
P
RINCIPAIS FOTORREPORTAGENS SOBRE A CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA
NAS REVISTAS MANCHETE E O CRUZEIRO pág. 305
A
DIVISÃO DE DIVULGAÇÃO DA NOVACAP E A REVISTA BRASÍLIA pág. 307
O
S CINEJORNAIS SOBRE A CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA pág. 312
B
RASÍLIA, CORAÇÃO DO BRASIL
NÚMERO ESPECIAL DE EPOPÉIA, JORNAL EM QUADRINHOS pág. 314
A
RQUIVO FOTOGRÁFICO pág. 317
S
INFONIA DA ALVORADA pág. 319
C.P.I
S pág. 326
D
EPOIMENTOS DO PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL DO ARQUIVO PÚBLICO DO DF pág. 332
F
ILMES pág. 333
B
IBLIOGRAFIA pág. 333
298
299
AS REVISTAS ILUSTRADAS
SEUS PÚBLICOS E AMBIENTES
A revista O Cruzeiro
1
foi fundada em 1928; foi responsável pela introdução do
fotojornalismo no Brasil nos anos 40 e viveu em situação de quase monopólio até os anos 50.
Nessa mesma década, a expansão da classe média, a progressiva urbanização da população
brasileira
2
e o estabelecimento das instituições democráticas influenciaram o formato dos meios
de comunicação: os jornais [cotidianos, semanais, revistas] “modernizaram” suas gráficas e seus
estilos: os títulos tornaram-se mais vibrantes e suas mensagens passaram a ser acompanhadas
por fotografias; criaram-se também os suplementos literários, para os quais colaboravam
expoentes da inteligência artística e literária (o Jornal do Brasil contou, por exemplo, com a
colaboração de Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade
3
); por fim, multiplicaram-se as
publicações de jornais em quadrinhos e de fotonovelas. Em 1952 foi fundada a revista Manchete,
que rapidamente alcançou o mesmo sucesso da O Cruzeiro em termos de notoriedade e vendas.
Em 1955 foi fundada a revista Módulo e em 1957 a Brasília. O fato da Novacap ter eleito como
meio de informação uma revista ilustrada indica também a popularidade e a eficácia comunicativa
daquele meio.
Durante a década observada – de 1954 até 1964 – a revista declarou uma tiragem média
de 550.000 cópias semanais, enquanto a segunda teria vendido de 550 a 580.000 cópias por
semana. Pelas notas de apresentação de cada número é possível aprender sua história, a filosofia
da informação adotada e os diversos estágios de melhoramento das técnicas de impressão, bem
como as aquisições de equipamentos para favorecer a rapidez da informação. A revista
Manchete, por exemplo, adquiriu no final dos 50 um helicóptero próprio.
Inicialmente as edições eram em branco e preto, mas entre os anos 1958 e 59,
apareceram as primeiras páginas em cores em ambas as revistas: começou com um inserto
central de quatro páginas, depois surgiram alguns oitavos com os títulos em cores primárias
intercalados aos títulos em branco e preto. E finalmente, ainda intervalados com os oitavos em
branco e preto, vieram oitavos em cores. Nessas páginas coloridas apareciam também
propagandas comerciais. Isso faz lembrar que essas revistas conjugavam finalidades éticas e
sociais (a informação) com finalidades comerciais e com os interesses particulares de seus
proprietários, e que suas comunicações precisavam de credibilidade frente ao público e também
aos patrocinadores.
1
Costa, Helouise e da Silva e Rodrigues Renato. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac&Naify, 2004.
2
Até o final dos anos 30, somente 16% da população era urbana. Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp,
1994. Nos anos 50, a porcentagem da população urbana subiu para 36% e nos anos 60 para 44% www.ibge.gov.br
3
Martins, Wilson. História da Inteligência brasileira. São Paulo: Editora Cultrix-Edusp. 1979, volume 7 pág. 217-302.
Cotado in: Rastelli, Enrico. Org. Nosso Século. 1945/1960 A Era dos Partidos. São Paulo: Abril Cultural. 1980.
300
Com relação à informação para os analfabetos
4
ou para um público mais disperso no
território, ainda durante o período entre 1957 e 1960 existiam distintos tipos de comunicações:
alcançavam-se as populações rurais mediante folhetos e/ou almanaques, “veículos que chegavam
até elas e cujo prestígio e credibilidade eram conhecidos”
5
. Esses meios eram produzidos por
pessoas, ocasiões e interesses específicos
6
; as diferentes empreiteiras, por exemplo, os serviços
de transporte
7
, etc, usavam-nos para as próprias finalidades.
De acordo com os depoimentos
8
, com os livros de memórias
9
e com algumas matérias da
Manchete
10
, ainda na época da construção de Brasília, os sistemas de alto-falantes realizavam
uma informação mais pontual e oral: parte dela foi explorada para alcançar a população
“marginalizada” e, sobretudo, para o recrutamento da mão-de-obra. As mensagens apresentavam
Brasília como lugar onde “há emprego à vontade e não existe ninguém pobre”
11
. Não podemos
medir exatamente o alcance dessas propagandas, mas os depoimentos orais do Arquivo Público
do Distrito Federal e o estudo de Georgette Medleg Rodrigues
1213
compõem um mapa dos sonhos
e das representações de Brasília no imaginário dos trabalhadores. Brasília foi vista como o abrigo
para uma nova vida e entendemos que essas mensagens contribuíram para motivar a mudança
para o Planalto, aproveitando e consagrando (até vulgarizando-a) a imagem da Nova Capital
como Terra Prometida. De acordo com os estudos de Heloisa Helena Pacheco Cardoso
14
e de
Nair Bicalho de Souza
15
, essas representações tiveram profundas conseqüências no plano sócio-
cultural e político, mas pouco influíram nas representações sobre arquitetura.
Diferente é o caso das revistas populares. Sobretudo porque utilizavam-se das fotografias
e das imagens em geral, enquanto outros formatos de informação e propagandas eram em sua
4
Nos anos 50, 53,9% dos homens e o 60,6 % das mulheres eram analfabetos. De acordo com o Censo de 1950, apud:
Fausto, Boris. Op.Cit. Ver também as tabelas no apêndice.
5
“O almanaque gozava de alta credibilidade dentro das populações rurais: o IBGE, em 1950, publicou um almanaque
especial para ajudar o trabalho durante o censo da população; o Serviço Sanitário publicou em 1946 o Almanaque da
Saúde”. De Melo, José Marques. Comunicação, opinião, desenvolvimento. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília.
Editora Vozes, 1975.
6
Esses meios “foram descobertos como veículo para a publicidade e a propaganda por parte de comerciantes,
industriais e políticos e também foram aproveitados para a catequese”. De Melo, José Marques. Comunicação,
opinião, desenvolvimento. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília. Editora Vozes, 1975
7
Alguns que improvisaram transportes coletivos, visando seus próprios lucros, chegaram até a imprimir “folhetos
falsos”. Binômio, semanal de Belo Horizonte, n. 243 e 244 de 2/9.03.1959.
8
Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal.
9
Beú, Edson. Expresso Brasília A história contada pelos candangos. Brasília: LGE Editora 2006.
10
“Todos os trabalhadores disponíveis em Manaus, Belém, São Luis foram recrutados pelo rádio e serviço de alto-
falantes”. Melo Filho, Murilo e Neves, Jader. A estrada do Pacifico. Manchete 2/7/1960.
11
Binômio, semanal de Belo Horizonte, n. 243 e 244 de 2/9.03.1959.
12
Medleg Rodrigues, Georgette. Ideologia, propaganda e imaginário social na construção de Brasília. Brasília:
Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas da UnB,
novembro 1990.
13
Georgette Medleg Rodriguez recolheu muitas das entrevistas do Programa de História Oral do Distrito Federal.
14
“Brasília passa a ser olhada como uma obra fantástica”, (...) não pela sua arquitetura” (...) mas porque “representou
um elo de ligação entre um passado de privações e um presente construído por lutas, por conquistas, pelo
trabalhadores”. Pacheco Cardoso, Heloisa Helena. Op. cit.
15
Bicalho, Nair Heloisa de Sousa. Construtores de Brasília. Estudo de operários e sua participação política.
Petrópolis: Editora Vozes, 1983.
301
maioria orais. Igualmente porque, aparentemente, o mesmo ambiente cultural e intelectual
produzia e lia essas revistas. Aliás, a própria revista Manchete manifestou, desde sua fundação,
grande interesse na arquitetura moderna e valeria a pena observar melhor sua participação e
desempenho
Além disto, elas tinham sedes e correspondentes no Brasil afora; apoiavam-se em uma
rede de informação e distribuição nacional e eficiente e conseguiram difundir, na década
observada e até a popularização da televisão
16
, uma informação, sobretudo visual, homogênea
em todo o País, pelo menos na maioria das capitais da federação. Seu alvo era a classe média,
tanto aquela menos alfabetizada quanto a intelectual, uma freguesia que podia enfrentar os custos
desses produtos editoriais ou que os recebia graças às relações de caráter privado.
Elas atuavam dentro de uma indústria editorial fragmentada. As Manchete e O Cruzeiro
esforçaram-se justamente para cobrir essa lacuna
17
: elas compreendiam serviços de ciência,
literatura e cultura em geral, comerciais e crônicas. Cabe destacar que, durante séculos, Rio de
Janeiro centralizou os poderes e as instituições culturais e também concentrou o controle sobre os
meios de informação. Juscelino Kubitschek, para a sua estabilidade política, almejou e realizou
certa homogeneidade e nacionalização das informações relativas ao seu governo. Igualmente, ele
interveio por meio dos decretos-lei
18
na criação das redes do rádio e da televisão pública de
Brasília, conferindo concessões e poderes à Novacap para a suas rápida implantação. Dessa
forma também criou as condições para a informação se uniformizar e para os jornalistas
adquirirem a preparação e a experiência necessária
19
.
Talvez, a carência na distribuição dos produtos culturais mais “tradicionais”, livros e
ensaios ou revistas especializadas, justifique o fato da inteligência nacional dos intelectuais
brasileiros
20
usarem as revistas populares para divulgar suas opiniões, talvez para informar um
16
“Antecipando-se e até mesmo preparando a sociedade brasileira para o surgimento da televisão, o fotojornalismo
unificou o país” Costa, Helouise e da Silva, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo,
Cosac&Naify, 2004
17
“A revista é o estado intermédio entre o jornal e o livro. (...) Uma revista é um instrumento de educação e de cultura:
onde se mostrar a virtude, animá-la; onde se ostentar a beleza, admirá-la; onde se revelar o talento, aplaudi-lo; onde se
empenhar o progresso, secundá-lo. O jornal dá-nos da vida a sua versão realista, no bem e no mal. A revista reduz-la à
sua expressão educativa e estética. (...) Uma revista deve ser como um espelho leal onde se reflete a vida nos seus
aspectos edificantes, atraentes e instrutivos. Uma revista deverá ser, antes de tudo, uma escola de bom gosto”. O
Cruzeiro, N.1, 10.11.1928 http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro
.
Uma reportagem da revista Manchete de 26 de novembro de 1960 oferece um balanço sobre a indústria editorial no
Brasil, ressaltando como Norte e Nordeste sejam pobres de leitores, também porque os livros não chegam nas livrarias;
indiretamente, relata a centralidade cultural das grandes cidades, do Rio de Janeiro em especial, no sistema jornalístico
e cultural. Manchete 26.11.1960
18
Acessando o serviço SICON do portal sobre legislação, no sito do Senado Federal, temos acesso aos textos dos
decretos-leis promulgados durante as diferentes legislaturas. www.senado.gov.br
.
19
A trajetória profissional de Natalino Cavalcante, uma entre as muitas que podemos conhecer através dos
depoimentos do Arquivo Público do DF, é emblemática: o jornalista – que era professor e dono de uma escola particular
em Salvador em meados dos anos 50 – conta que iniciou naquela cidade sua atividade de correspondente junto ao
Serviço Cultual de Som Rui Barbosa, uma rede de alto-falantes. Descreve que se profissionalizou justamente
trabalhando em Goiânia para a propaganda sobre a nova capital. Seu depoimento – sua vivência – revela que os meios
de informação mudaram nesses anos, adquirindo um estatuto mais “moderno” e eficiente, padronizando e
nacionalizando as informações. Melo, Natalino Cavalcante de. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília,
Arquivo Público do Distrito Federal, 1990.
20
Fazendo uma síntese das informações espalhadas nos capítulos, na década observada – 1954 a 1964 - colaboravam
regularmente em O Cruzeiro, entre outros: Gilberto Freyre, David Nasser, Pedro Calmon, João Gilberto Leite Barbosa,
302
público o mais amplo possível. Assim, lembremos que Gilberto Freyre, que em 1960 colaborava
regularmente com a revista O Cruzeiro, nela publicou suas opiniões sobre os erros no
planejamento da nova capital
21
; lembremos também que o próprio Lucio Costa aproveitou-se
esporadicamente da revista Manchete para participar das polêmicas sobre arquitetura moderna, e
que a divulgação dos primeiros projetos para a Nova Capital no prazo para a elaboração do
concurso para o plano piloto, foi entregue à revista O Cruzeiro, além das revistas Módulo e
Arquitetura e Engenharia. Chama também a atenção o fato de que vários nomes
22
atuantes e/ou
formados no bojo da experiência artística, ideológica e cultural do Ministério de Educação e
Cultura tenham participado, direta ou indiretamente, dos colofões das revistas Manchete, Módulo
e Brasília
23
e da produção dos cinejornais. Ou seja, seus pontos de vista, suas filosofias da
Teófilo de Andrade, Raquel de Queiroz, cada um cuidando de uma seção em linha com sua pesquisa e seu papel como
intelectual ou jornalista. Assinavam regularmente as matérias na Manchete: Rubem Braga, Henrique Pongetti, primeiro
diretor responsável da publicação e, mais tarde, como simples colaborador, Sergio Porto, mais conhecido sob o
pseudônimo Stanislaw Ponte Preta
, Ibrahim Sued, jornalista contratado em 1960 para organizar o programa dos
festejos da inauguração da nova capital, Ida Uchoa, Humberto Bastos, Helena Sangirardi. Assinalamos na Manchete a
assinatura esporádica de Pedro Calmon, Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Mario Barata. Os nomes dos fotógrafos foram
lembrados nas legendas das fotografias inseridas nas considerações dos capítulos precedentes; eles assinam a maioria
das fotografias reproduzidas nas páginas desta tese.
21
Freyre Gilberto. A propósito de Brasília. O Cruzeiro, 19/3/1960; Ainda sobre Goiânia. O Cruzeiro, 2/4/1960;
Candango trouxe esperança. O Cruzeiro, 15/5/1950; A propósito de Brasília. O Cruzeiro, 23/7/1960. As teses
publicadas na revista O Cruzeiro de são re-propostas em: Freyre Gilberto. Rurbanização: que é?. Recife: Ema- Editora
Massangana, 1982, pág. 99-108. Nessa intervenção Gilberto Freyre lamenta também uma forma de censura indireta
que lhe impediu de publicar de forma mais institucionalizada as críticas às modalidades de realização da Nova Capital.
22
Além de Lucio Costa e Oscar Niemeyer; Bruno Giorgi e Roberto Burle Marx.
Henrique Pongetti é um dos fundadores e dos colaboradores da revista Manchete, da qual foi também diretor por um
período. Trabalhava na secção de cinema do DIP, assim como Vinicius de Moraes, embaixador, amigo pessoal de
Oscar Niemeyer, durante ao anos 50 e 60 colaborador da Módulo e co-autor da sinfonia da Alvorada (encomendada
pelo próprio Juscelino Kubitschek) junto com Tom Jobim; durante o Estado Novo Vinicius de Moraes foi censor do
Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, e revisava dos cinejornais. Tomaim, Cássio dos Santos, “Janela da
alma” Cinejornal e estado novofragmentos de um discurso totalitário. São Paulo: Anablume, Fapesp, 2006.
Vale relembrar, o DIP e seus dirigentes dependiam diretamente do Presidente da República e durante o Estado Novo
exerceram funções bastante extensas, controlando rádio, cinema, teatro, literatura e imprensa, e “agiram junto à
imprensa estrangeira no sentido de evitar que fossem divulgadas informações nocivas ao crédito e à cultura do país”.
Fausto, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.
Por falar em cinema, propaganda e educação, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) “de 1936 a 1966,
produziu curtas e médias metragens voltados para educação popular e divulgação de ciência e tecnologia. A exibição
dos seus filmes era realizada em escolas, instituições culturais e nos cinemas, antes da projeção de longas metragens
do circuito comercial. O INCE foi fundado em 1936 com o objetivo de criar uma "imagem" para o Brasil, assim como
outras instituições como o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico Nacional e o Museu Nacional de Belas-Artes. O
grande arquiteto de sua implantação foi o antropólogo Edgar Roquette-Pinto. Ele já vinha desenvolvendo atividades no
sentido de alargar os caminhos da comunicação do país”. Alegria, João, Um sonho, um belo sonho. In: Revista
dialogo educacional, Curitiba, v.5, n. 15; ago 2005 p. 11-
26. www.inep.gov.br/pesquisa. João (Alegria) é Alves dos Reis
Junior; é Assessor da Presidência da Multirio – Empresa Municipal de Multimeios do Rio de Janeiro e Doutorando em
Educação pela PUC-Rio.
A implantação do rádio, as incursões do Marechal Rondon pelo interior do Brasil e a Revista Nacional de Educação, são
alguns dos exemplos de obras das quais este empreendedor participou. In: Moncaio, André.
www.revistamoviola.com/2007/09/27/os-documentarios-do-ince-e-humberto-mauro
. O instituto contou com a
colaboração de nomes como Pedro Calmon, Portinari, Villa-Lobos, Roquete Pinto e Humberto Mauro. Humberto Mauro
esteve no INCE entre 1937 e 1958. www.mnemocine.com.br.
Vamos lembrar que Pedro Calmon, nos anos 50, além de ser reitor da Universidade de Rio de Janeiro, publicava
semanalmente na revista O Cruzeiro e colaborava esporadicamente também para a revista Manchete. No mesmo DIP
encontramos o nome de Henrique Pongetti, responsável da reformulação da secção de cinema do Departamento de
Imprensa e Propaganda entre 1942-1943, apontado, “por dar uma nova feição ao cine jornal brasileiro (...) resultando
em documentários” Tomaim, Cássio dos Santos, “Janela da alma” Cinejornal e estado novo – fragmentos de um
discurso totalitário. São Paulo, Anablume Fapesp, 2006.
23
Nonato Raimundo da Silva, o diretor, foi contratado para a elaboração da revista Brasília em decorrência de sua
experiência como jornalista, de seu conhecimento das línguas estrangeiras e de sua amizade com o prof. Ernesto Silva.
A gráfica e os textos sobre arquitetura eram realizados por Hermano Gomes Montenegro, também arquiteto da
Novacap. Sua gráfica foi renovada por Arthur Licio Pontual, também colaborador da Módulo.
303
informação e seus relatos dialogaram e contribuíram para a publicação de uma narrativa popular e
para a construção de uma imagem pública da edificação da capital.
Na década observada (1954-1964), os fascículos semanais da O Cruzeiro mantiveram
sempre uma parte consistente de textos; publicavam novelas em capítulos e, sobretudo,
veiculavam as reflexões críticas sobre os acontecimentos da semana política e cultural quase
sempre sem imagens. Isso faz com que a revista pareça dividida em duas partes: uma escrita,
inclusive em caracteres de tamanho reduzido, e uma de fotorreportagens, nas quais as
fotografias, suas seqüências e suas dimensões, articuladas aos títulos, às legendas curtas e
incisivas, criam uma comunicação paralela e até independente. Nos fascículos da Manchete, os
instantâneos prevaleciam sobre as palavras em qualquer tipo de serviço jornalístico,
estabelecendo também neste caso um diálogo quase que separado das palavras, mas a
publicação como um todo parece visualmente mais homogênea: nela predominam sempre as
fotografias. Os textos das reportagens da revista Manchete também manifestam um registro
lingüístico menos formal e refinado, e seus conteúdos aparecem menos cultos e eruditos quando
confrontados com aqueles da revista O Cruzeiro. Até os quadrinhos satíricos são mais simples e
imediatos.
Manchete e O Cruzeiro não se expressaram a favor do voto para os analfabetos; ambas
defenderam a idéia política de incrementar a escolarização fundamental para fortalecer a
democracia, mas seus discursos não parecem apontar para as contradições políticas da situação
do analfabetismo: por exemplo, nunca foi questionado o plano de metas de JK que destinava
somente 4,3% dos investimentos à educação
24
.
A análise dos instantâneos das revistas ilustradas brasileiras revela certa complexidade nas
referências e nos conteúdos incorporados às fotografias; a própria matriz intelectual dos
colaboradores e dos fundadores das revistas ajudaria a entender a extensão de um vocabulário
culto também à linguagem visual. Parece até que, nas décadas de 40 e 50, da mesma maneira
que os intelectuais das palavras, os fotógrafos aproveitaram-se desses mídias populares para
expressar as próprias pesquisas visuais e para divulgar as próprias reflexões/aspirações artísticas;
talvez, também para eles, Manchete e O Cruzeiro estivessem entre os raros meios que lhes
permitiam manifestar-se e, ao mesmo tempo, dialogar com os colegas
25
.
24
Outra frente combatia para o voto aos analfabetos: o PC, que durante o governo JK obteve uma forma de
reintegração na política saindo da ilegalidade e organizando as manifestações operárias, reivindicou-o durante as
greves de 1957, ganhando até o apóio do General Teixeira Lott; mas o assunto recebeu sua visibilidade na mesa
política e institucional somente durante o governo de Jango, e logo foi derrotado. Boris Fausto.
25
O segundo capítulo do livro de Mônica Junqueira e Ricardo Mendes é dedicado às revistas de fotografia e às
fotografias nos cotidianos. Mônica Junqueira de e Mendes Ricardo. Fotografia Cultura e fotografia paulistana no
século XX. São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura 1992.
304
Interessa destacar que os primeiros números da revista Brasília foram realizados com
fotografias emprestadas
26
das revistas O Cruzeiro e Manchete. Essa última forneceu também a
documentação visual para a redação da revista em quadrinhos Epopéia e para as outras
publicações da editora Bloch, isto é, tanto para as revistas semanais da época, quanto para os
livros de memórias do presidente JK. Por fim, particularmente os instantâneos da revista Manchete
foram repetidos muitas vezes e com as mais diferentes funções, constituindo por um tempo
prolongado o repertório visual e popular da construção da Capital.
Manchete e O Cruzeiro, empreendimentos nacionalmente estabelecidos, organizados e
acreditados, difundiram, pelo menos para a classe média e através das fotorreportagens, uma
informação favorável à construção da cidade: elas alcançaram esses sucessos graças à
comunicação visual, que juntou à informação de massa o público menos alfabetizado. Nas suas
matérias a Nova Capital elevou-se ao estatuto do Amanhã do Brasil e do Mundo, foi a
concretização do Progresso, da Civilização, a demonstração otimista que o impossível acontece, a
afirmação frente ao mundo das capacidades do povo brasileiro, a cidade revolucionária, até,
enfim, a realização dos desejos de Deus, Canaã a terra prometida; na sua imagem popular
misturaram-se velhas propagandas e novas representações.
26
Raimundo Nonato da Silva em entrevista à autora.
305
PRINCIPAIS FOTORREPORTAGENS SOBRE BRASÍLIA
NA REVISTA MANCHETE
Bastos, Humberto. Goiânia: persistência e imprevidência. Manchete. Rio de Janeiro: 18/5/1955.
Carlos Newton. Nova capital: só falta mudar. Manchete. Rio de Janeiro: 19/05/1956.
Silveira Joel e Gervasio Batista. Deus também quer a mudança da Capital. Manchete. Rio de Janeiro: 02/06/1956.
Repórter Manchete. O general Lott se rende a uma flor.: Manchete. Rio de Janeiro: 20/10/1956.
Pongetti, Henrique. Brasília. Editorial.: Manchete. Rio de Janeiro: 27/10/1956.
Repórter Manchete. Brasília sem Palácios e sem favelas. Manchete. Rio de Janeiro: 16/2/1957.
Mercadante, Luiz Fernando. Gervasio Batista e Fulvio Roiter. Brasília: segunda primeira missa. Manchete, Rio de
Janeiro: 11/05/1957.
Repórter Manchete. No timão do barco financeiro, foi colocada uma edição mineira do personagem voltaireano: José
Maria Alkimin. Manchete. Rio de Janeiro: 1/2/1958.
Damata, Gasparino e Orlando Alli. Canaã, paralelo 20. Manchete Rio de Janeiro: 12/07/1958.
Damata, Gasparino e Orlando Alli. Os primeiros pobres de Canaã. Manchete Rio de Janeiro: 19/07/1958.
Damata, Gasparino e Orlando Alli. O desbravador também tem fé. Manchete. Rio de Janeiro: 19/07/1958.
Repórter Manchete. Queremos que a arquitetura de Brasília seja pura e simples..Manchete. Rio de Janeiro: 13/9/1958.
Melo Filho, Murilo e Victor Gomes. Brasília demonstra que o impossível acontece. Manchete. Rio de
Janeiro:29/11/1958.
Repórter Manchete. Brasília, nem tudo é legal. O Senador Paulo Abreu não quer tanta pressa nas obras. Manchete.
Rio de Janeiro: 6/12/1958.
R.J. Chinwalla. A Índia tem sua Brasília. Manchete. Rio de Janeiro: 27/12/1958.
Flores, Aurélio e Jankiel. Belo Horizonte-Brasília. Manchete.Rio de Janeiro: 20/6/1959.
Magalhães Júnior, R. e Gervasio Batista. A capital da esperança. Manchete. Rio de Janeiro: 19/09/1959.
Martins, Justino e Otto Stupokoff. Últimos lançamentos da moda têxtil para a primavera 1969/60! Manchete. Rio de
Janeiro: 3/10/1959.
Gomes, Pedro e Jader Neves e Nicolau Drei. Todos os caminhos levam a Brasília. Manchete. Rio de Janeiro:
16/4/1960.
Repórter manchete. Uma força mistérios impulsiona a cidade na virada do apronto. Manchete. Rio de Janeiro:
12/4/1960.
Justino Martins, Jacinto de Thornes, Nicolau Drei, Gervasio Batista, Jader Neves, Jankiel e Gil Pinheiro. Brasília Edição
Histórica. Rio de Janeiro: Manchete. Rio de Janeiro: 21.4.1960
Nicolau Drei, Gervasio Batista, Jader Neves, Jankiel e Gil Pinheiro. Nova era Brasília. Manchete. Rio de Janeiro:
30/4/1960.
Caio de Freitas. Niemeyer, poesia em concreto armado. Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/1960.
Claudius. Brasília em três tempos. Manchete. Rio de Janeiro: 30/4/960.
Jacinto de Thornes. O Candango herói de Brasília.: Manchete. Rio de Janeiro: 7/5/1960.
Melo Filho, Murilo e Jader Neves. Brasília–Acre. A estrada do Pacifico. Manchete. Rio de Janeiro: 2/7/1960.
Magalhães Júnior, R. Vida e morte da Cidade Livre. Manchete. Rio de Janeiro: 14/05/1960
Melo Filho, Murilo e Jader Neves. Somos todos candangos. Manchete. Rio de Janeiro: 19/9/1960.
___, JK rumo ao Bananal. Manchete. Rio de Janeiro: 28/05/1960.
Pinheiro, Israel “Os mil dias de Brasília”. Manchete. Rio de Janeiro: 4.5.1963.
306
PRINCIPAIS FOTORREPORTAGENS E TEXTOS SOBRE BRASÍLIA
NA REVISTA O CRUZEIRO
Wilson Aguiar e Indalécio Wanderley, A nova Capital. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 1/12/1956.
Bernard, Florence. Os doze bandeirantes. Editorial. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 24/11/1956.
Drummond, Olavo e Flavio Damm, Ergue-se a cruz no Planalto. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 18/05/1957.
Repórter O Cruzeiro. Brasília, quer dizer amanhã. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 8/06/1957.
Nasser, David. Enquanto Brasília não vem. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 22/06/1957.
De Queiroz, Rachel. Brasília. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 5/03/1959.
Silva, Arlindo e Ubiratan de Lemos. Nossa Senhora da selva abençoa a Belém Brasília. O Cruzeiro. Rio de Janeiro:
7/03/1959.
Luciano Carneiro. Um fato em foco. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 23/5/1959.
Luciano Carneiro. Um rebelde na cidade revolucionaria. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 23/5/1959.
Audi, George. Brasília, cidade humana. O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 26/03/1960.
Repórteres O Cruzeiro. Conheça Brasília por dentro. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 28/05/1960.
Ubiratan de Lemos. De Cabral a JK, Bananal volta ao Brasil. O Cruzeiro. Rio de Janeiro:4/06/1960
Freyre, Gilberto. A propósito de Brasília. O Cruzeiro, 19/3/1960; Ainda sobre Goiânia. O Cruzeiro Rio de Janeiro:
2/4/1960; Candango trouxe esperança. O Cruzeiro Rio de Janeiro: 15/5/1950; A propósito de Brasília. O Cruzeiro. Rio
de Janeiro: 23/7/1960.
307
A DIVISÃO DE DIVULGAÇÃO DA NOVACAP
A revista Brasília não pertence, a rigor, ao gênero dos meios de comunicação de massa
em decorrência da limitação da sua difusão. Nem era uma produção comercial: nunca publicou
propagandas comerciais, sua distribuição era gratuita. Mas era a publicação mensal produzida
pela Divisão de Divulgação da Novacap; a cada número publicava o relato fotográfico sobre a
construção da cidade e o Boletim dos Atos da Novacap, que era também uma Sociedade por
Ações: é a estas características que se deve o nosso interesse na revista.
As informações aqui apresentadas foram recolhidas durante entrevista com o professor
Raimundo Nonato da Silva, realizada em 14 de outubro de 2008 no Instituto Histórico Geográfico
do Distrito Federal. Mais informações sobre a atuação profissional do professor Silva encontram-
se no depoimento prestado para o Programa de História Oral do Arquivo Público do Distrito
Federal (1997). Recentemente, o professor prestou depoimento também para o Museu de
Imagem e Som.
A
REVISTA BRASÍLIA
27
A lei 2.874 de 1956 criava a Novacap e obrigava a sociedade a “divulgar mensalmente os
atos administrativos da Diretoria e os contratos por ela celebrados (...)”. Tratava-se, portanto de
publicar um Boletim. O prof. Nonato da Silva foi contratado para sua elaboração, em decorrência
de sua experiência como jornalista e de sua amizade com o prof. Ernesto Silva. Além disso, o
professor Silva conhecia todas as línguas neolatinas [italiano, francês, espanhol, romeno] e duas
línguas mortas [latim e grego]; foi-lhe requerido, portanto, ajudar também nas relações públicas
com o estrangeiro, que na época tinha muita curiosidade sobre a construção da cidade, em
especial sobre: a formação do lago e a questão imobiliária. Com essas duas finalidades formou-se
a Divisão de Divulgação da Novacap, “a qual presidi durante cinco anos, fazendo toda a história
de Brasília, para sua divulgação interna e externa, com exposições nacionais e internacionais. A
divisão era ligada diretamente ao gabinete do presidente doutor Israel Pinheiro”
28
.
Antes de ser contratado pela Novacap para chefiar a Divisão de Divulgação, Raimundo
Nonato da Silva trabalhava no Ministério de Educação e Cultura; no dia 23 de novembro de 1956
foi oficialmente requisitado ao MEC e se tornou funcionário público da Novacap.
Ainda no final de 1956, viajou até aos canteiros da capital e propôs integrar o Boletim a
outras informações, adequando o formato das páginas aos padrões das revistas ilustradas. Dessa
27
Algumas das informações que descrevem a revista são atualizadas com base nos depoimentos do Programa de
História Oral do Arquivo Público do Distrito Federal.
28
Silva, Raimundo Nonato da. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal,
1992.
308
forma, a publicação, juntamente, podia responder às perguntas que vinham sendo colocadas e
informar, de maneira mais abrangente, sobre a atuação da Novacap e a construção da cidade.
Assim nasceu a revista Brasília.
Com essas palavras de apresentação saiu o primeiro número, em janeiro de 1957: “À
administração da companhia ao providenciar aquele dispositivo [a obrigatoriedade de divulgar
mensalmente os atos administrativos], pareceu de conveniência aditar ao Boletim, a que a lei se
refere, algumas páginas iniciais, com a forma usual e comum de Revista, acompanhando-se nesta
um noticiário, principalmente fotográfico, sobre a marcha da construção da nova capital e as
informações de interesse, relativas ao mesmo empreendimento, de modo a manter o público
sempre a par do que está realizando e do que se pretende fazer. Assim as seções que já neste
primeiro número apresentamos, mostrando as obras em andamento, os planos urbanísticos e
arquitetônicos em estudo, noticiário, opiniões etc. Quanto ao Boletim propriamente dito, este
constituirá a parte final com a matéria que lhe é pertinente”
29
.
Desde o primeiro número a revista apresenta uma estruturação por seções: as “Notas”,
que informam sobre a cotidiano da construção da cidade, a “Marcha da construção”, relato
fotográfico das obras, “Arquitetura e Urbanismo”, que apresenta os planos urbanísticos e
arquitetônicos em estudo, “Opiniões”, a seção que irá ganhar mais páginas ao longo do tempo, e o
“Boletim” no final.
A finalidade da revista era lançar e sustentar a construção de Brasília: difundir imagens e
relatos da construção da cidade, e antes de mais nada, mostrar o andamento das obras através
da documentação fotográfica. Com essa última finalidade, apresentava regularmente a seção
denominada “a marcha da construção”. Para isso foi contratado o fotógrafo Mario Fontenelle,
cujas imagens, belíssimas, hoje pertencem ao Arquivo Público do Distrito Federal.
Os primeiros quatro números apresentam um projeto gráfico diferente e somente a partir
do número 14 a responsabilidade da publicação é formalmente assumida por Nonato da Silva.
Assim o ex-diretor justifica essa transformação: “Inicialmente não assinava, pois a revista era
produção gratuita da Novacap e os nomes não apareciam. Além disso, não quis envolver
diretamente minha amizade com o professor Ernesto Silva. Logo surgiu, porém, um problema com
a qualidade e o preço do papel: foi portanto necessário formalizar a revista, para se utilizar do
papel de melhor qualidade, que era importado - o papel nacional era muito fraco – e mais
barato.”
30
Esses primeiros fascículos foram realizados tomando emprestadas fotografias das
revistas Manchete, O Cruzeiro e da Agência Nacional; a impressão foi realizada no IBGE do Rio
de Janeiro, cuja sede estava porém longe do centro da cidade. Ainda nesses primeiros quatro
números, os textos são organizado em três colunas, de vez em quando ressaltados por molduras
pretas ou separados com marcas pretas. As fotografias apresentam um formato bastante
29
Brasília n. 1. Rio de Janeiro: Janeiro 1957; pág. 1.
30
Nonato da Silva em entrevista à autora.
309
pequeno; já no número 4, na seção “a marcha da construção”, a paginação, diferente do restante
da revista, em duas colunas, abre espaço para imagens maiores.
A partir do quinto número, a revista adquiriu uma nova feição gráfica passou a se utilizar de
um melhor tipo de papel e se mudou também a casa impressora: a partir de então, a editora Bloch
estampou os fascículos até o ultimo número da primeira série, em 1963.
Com relação ao projeto gráfico da publicação, de acordo com o professor Raimundo
Nonato da Silva, ele foi renovado graças à requisição de dois estudantes de arquitetura, Hermano
Montenegro e Amando Abreu, cujos nomes assinam o layout da capa mas somente a partir do
número. De acordo com o depoimento do próprio Hermano Montenegro, a renovação da gráfica
da revista foi estudada por Arthur Licio Pontual, nesse mesmo período contratado pelos mesmos
fins na revista Módulo; e próprio Hermano Montenegro manteve depois a nova paginação e foi
responsável dos textos da seção de arquitetura e urbanismo da revista. Ele informa também sobre
as influências exercidas por Oscar Niemeyer na elaboração dessa parte da publicação.
Com a nova feição gráfica desapareceram as molduras pretas, a compaginação adquiriu
uma feição mais homogênea e as fotografias dimensões maiores. A mudança mais significativa
envolveu a capa: a gráfica do nome “Brasília” – em letras minúsculas - passa de um caráter
tipográfico [quase um garamond] cursivo e característico das revistas dos anos 30 e 40, para outro
que, mais em linha com a estética dos anos 50, inspira-se ao sans serif Euristile de letras
quadradas com os ângulos arredondados, a evocar dinamicidade, tecnologia e modernidade;
desaparece também a tira em cor diferente que separa o título da revista assim a fotografia, ou um
campo de cor homogênea, toma conta da inteira página da capa.
Com relação às matérias, a seção de “notas” nos primeiros números informa sobre meios
de transportes, serviço de rádio para comunicações, a lista dos inscritos ao concurso para o Plano
Piloto, os contratos de cessões de terra de Goiás para a União, etc. Sucessivamente passa
noticiar os mais variados acontecimentos, quais a visita aos canteiros de obra dos estagiários do
ISEB, as publicações de livros, os eventuais telegramas de aceitação de encargos diplomáticos, a
visita do presidente do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, enquanto que, com um formato
maior, informa-se sobre as inaugurações das obras, as atuações das pioneiras sociais, e todas as
“oficialidades” que pontuaram, também nas revistas populares de massa, a propaganda
presidencial em apoio a Brasília durante sua construção.
As imagens, devido às finalidades “oficiais” da revista, privilegiam os hospedes ilustres e
as autoridades; relatam, de acordo com as matérias, toda a “história institucional” da construção
de Brasília e contemporaneamente compõem um retrato interessantíssimo do presidente
Juscelino em qualidade de candango/pioneiro. As fotografias que documentam a edificação dos
monumentos e da cidade em geral são o assunto privilegiado da revista e – da mesma forma que
os cinejornais – documentam a “marcha da construção” com instantâneas da armazenagem nos
canteiros de obras, das máquinas para industrialização das construções, da usina do Paranoá,
310
das redes subterrâneas de água, luz, esgoto, das fábricas de materiais de construção - tijolos e
materiais cerâmicos – e das cavas de areia estabelecidas perto dos canteiros das obras, das
granjas recém implantadas nos arredores da cidade, etc... A maioria dessas imagens são grande-
angulares, devido provavelmente às dimensões das obras a serem apresentadas, assim os
operários, em escala reduzida, quase desaparecem.
Para redação da seção “arquitetura e urbanismo” eram entregue à redação da Brasília as
maquetes com os projetos de Oscar Niemeyer ou os desenhos de Lúcio Costa, acompanhadas
por relatórios de autoria dos próprios; os textos eram aproveitados para escrever matérias que
acompanhavam as imagens. Algumas vezes as matérias aparecem assinadas por Oscar
Niemeyer e/ou Lúcio Costa. Em decorrência da dedicação da seção central da revista à
arquitetura e urbanismo, o professor Nonato Silva pensava a Brasília como “acasalada” com a
Módulo de Oscar Niemeyer; em entrevista à autora, declara: “tudo o que saía da revista era em
consonância com o Lúcio Costa e o Oscar Niemeyer”. Sobre a dependência dessa parte de
revista da opinião e aprovação de Oscar Niemeyer, o depoimento de Hermano Montenegro
fornece ainda mais indicações.
Aos poucos, outros autores começaram a colaborar, enviando matérias, poesias,
avaliações, reflexões, (quase) todas assinadas.
A sede da revista permaneceu no Rio de Janeiro até 1959. Fotógrafos e colaboradores
viajavam regularmente até os canteiros de obras e traziam de volta material fotográfico para
publicação. Depois da mudança da Redação para a capital, em 1959, a publicação continuou
sendo editada no Rio pela editora Bloch, pois em Brasília não havia condições e recursos para
sua produção e distribuição.
Dessa última, cuidava o senhor Fernando Chinaglia. A revista era gratuita e destinadas aos
assinantes: 5.000 cópias no interior – bibliotecas, universidades, colégios – e 1.000 cópias no
exterior – principalmente as embaixadas; sendo empreendimento estadual, a Divisão de
Divulgação não aceitava propagandas comerciais ou políticas; da mesma forma, os fascículos não
eram enviados para expoentes políticos, como governadores ou prefeitos. Nunca a revista foi às
bancas de jornais: os custos de publicação pertenciam à Novacap, e os colaboradores da Divisão
de Divulgação eram funcionários da mesma.
Visando a apresentação das obras no mundo, a Divisão de Divulgação, junto ao Grupo
Trabalhos para Brasília, cuidou de exposições em diferentes cidades européias e norte-
americanas, sobre as quais temos indicações nas Notas publicadas no final de cada fascículo. De
acordo com o Noticiário da Módulo n. 11 a divisão participou da organização do Congresso
Extraordinário da A.I.C.A. em setembro de 1959.
O Boletim, no final de cada fascículo, difundia as atas da diretoria da Novacap, os
contratos etc. Trata-se de uma fonte de informações rica que, junto ao caderno dos contratos
311
assinados pela Novacap e aos outros documentos guardados nas caixas da C.P.I sobre a
construção de Brasília no Arquivo da Câmara em Brasília e aos depoimentos recolhidos por
Ronaldo Costa Couto em seu livro Brasília Kubitscheck de Oliveira de 2001 concorreria a
documentar o desempenho da própria Novacap com relação aos gastos, aos empréstimos, à
emissão de obrigações, à veda dos lotes, aos sistemas de pagamento etc.
A Divisão de Divulgação cuidou também da produção de cinejornais sobre a construção da
cidade: os filmes eram em 36 mm para os cinemas das cidades maiores e em 8 mm para as
cidades pequenas; Jean Manzon fez 32 gravações
31
para a Companhia Urbanizadora de Nova
Capital. Em 1958, a divisão aumentou incorporando também o pessoal do Rádio Nacional.
Organizou a publicação da coleção Brasília: Brasília; Diário de Brasília; Brasília e a opinião
nacional; Brasília e a opinião estrangeira; Antecedentes Históricos; Congresso Nacional e Brasília.
Para memória e documentação, a Divisão de Divulgação fez um trabalho de arquivamento
de recortes de jornais cotidianos nacionais e estrangeiros com matérias referentes à construção
da cidade. Hoje, a maioria desses volumes – os originais - acham-se no Instituto Histórico
Geográfico do Distrito Federal, “que é a legítima sucessora da antiga e primitiva Divisão de
Divulgação da Novacap”
32
. Porém, infelizmente, a série, que se compunha de 74 livros, hoje não é
mais completa: inicia em 1958 e chega até março de 1962, faltando os livros referentes de
fevereiro até maio de 1959. Colaboravam no trabalho de fichamento dos cotidianos, sob a direção
de Nonato Silva, Nélio Pinheiro, Hermano Montenegro, Armando Abreu, Marlene Bruno da Silva,
Poesia Campos Seixas e Petrônio Canabrava. Vamos transcrever aqui algumas manchetes e
matérias que não foram utilizadas no desenvolvimento desse trabalho, também visando devolver a
abrangência dos assuntos que a coletânea facilitaria pesquisar.
31
Raimundo Nonato da Silva em depoimento à autora.
32
Silva, Raimundo Nonato da. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal,
1992.
312
OS CINEJORNAIS SOBRE A CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA
CINEJORNAIS DA NOVACAP
DO ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL
As primeiras imagens de Brasília
Corte vertical da Selva Amazônica
Brasília n. 16
Brasília n. 15
Brasilia n. 16
Repórter na tela
Novacap 25 Anos
CINEJORNAIS E DOCUMENTOS SONOROS
DO ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO
Catalogo TV Tupi
No/fil 103 VHS 145 1:09:35 21.3.1960 Imagens da cidade livre após o incêndio. Repórter Esso
No/fil 96 VH6 145 1:04:28 JK fala aos repórter durante sua campanha eleitoral
No/fil 158 VH6 146 0:39 21.01.58 JK inaugura o MAM no Rio
No/fil 302 VH6 146 0:59 31.01.1958 JK fala à nação sobre o plano de metas no Palácio do Catete
Catalogo filme da Agencia Nacional.
EH/FIL 0172
VHS 282
0:10:50 Cine jornal informativo
n.32/56
Comissão delibera a mudança da capital
EH/FIL0180
VHS
1:14:25 Cine jornal informativo
n.44/56
JK visita o local da construção.
EH/FIL0192
VHS 56
1:52:51 Cine jornal informativo
n.14/57
Exposição dos projetos para primeiro plano piloto
EH/FILM 0195
VHS 57
0:04:29 Cine jornal informativo
n.17/57
Inaugurando o aeroporto de Brasília
EH/FILM 199
VHS 166
0:02:57 Cine jornal informativo
n.1/58
Primeira escola de Brasília
EH/FILM 200
VHS 57
0:27:25 Cine jornal informativo
n.2/58
Médicos em Brasília
EH/FILM 201
VHS 57
0:34:29 Cine jornal informativo
n.3/58
Batida a primeira estaca do Palácio do Congresso
EH/FILM 205
VHS 349
1:43:06 Cine jornal informativo
n.12/58
Foster Dulles sobrevoa o Palácio da Alvorada e
planta árvores – visita as obras
EHS/FIL 0207
VHS 57
Cine jornal informativo
n.14/58
Gronchi a Brasília
313
EH/FIL 0209
VHS 349
Cine jornal informativo
n.16/58
Belém - Brasília
EH/FIL 0211
VHS 355
0:53:12 Cine jornal informativo
n.18/58
JK e Pinheiro inauguram obras Belém –Brasília
EH/FIL 212
VHS 57
1:20:12 Cine jornal informativo
n.20/58
Aspectos da construção da cidade
EH/FIL0213
VHS 57
1:29:30 Cine jornal informativo
n.21/58
Caminhos De Brasília. Construção da rodovia Rio
– Brasília
EH/FIL 0218
VHS 270
1:16:53 Cine jornal informativo
n.10/59
Presidente da Indonésia visita em Brasília o
Palácio da Alvorada e o local da futura Embaixada
EH/FIL 0224
VHS 58
0:25:55 Cine jornal informativo
n.21/59
Entregue o Catetinho ao Patrimônio
EH/FIL 0225
VHS 349
1:40:11 Cine jornal informativo
n.1/60
O presidente do México sobrevoa Brasília
EH/FIL 0226
VHS 349
1:51:26 Cine jornal informativo
n.1/60
Dia de trabalho em Brasília
EH/FIL 0226
VHS 349
1:58:36 Rancho pioneiro de turismo na Ilha em Bananal
EH/FIL 227
VHS 58
0:35;45 Cine jornal informativo n.
6/60
Obras da Brasília – Acre
EH/FIL 228
VHS 118
0:49:27 Cine jornal informativo
n.12/60
Inaugurações em Brasília
EH/FIL 0397
* VHS 53
0:31:28 Jornal S:N: [XIX]
1958
JK decora operário (sem áudio)
Agencia Nacional
Sonoros
n.93 reportagem sobre a primeira missa celebrada em Brasília [2 fitas cassete; 89’]
n.482 JK discurso na entrega do premio Operário Padrão Laranjeiras, 30.01.1957 [6’]
n.489 JK discurso após a instalação do governo federal em Brasília 25.4.60 [8’]
n.352 Mensagem de João XXIII pela inauguração de Brasília [8’]
n.479 JK discurso do presidente inaugurando uma rodovia 3.4.57 [9’]
n.529 Programa de metas [4’]
314
315
“BRASÍLIA, CORAÇÃO DO BRASIL
NÚMERO ESPECIAL DE EPOPÉIA REVISTA EM QUADRINHOS
Em janeiro de 1959 saiu o número especial da revista mensal em quadrinhos Epopéia com
o título “Brasília, coração do Brasil”.
O leiaute da capa é a composição de uma alegoria muito simples: retratos de personagens
históricas estão ao redor de um mapa do Brasil, no centro geográfico do qual apóia-se uma coluna
do Palácio da Alvorada; a direita, no alto, em dimensões redobradas o retrato de Juscelino
Kubitschek domina as representações de um bandeirante, um jesuíta, um inconfidente, um
retirante, um operário. Na contracapa junto à apresentação da editora - a Editora Brasil-America
Limitada de São Cristóvão “especializada em publicações para rapazes, mocas e crianças” - o
elenco das publicações informa que a série “epopéia” é pensada para adultos, dedicada à vida
das grandes figuras da história brasileira: Rondon, Oswaldo Cruz, Anchieta, Machado de Assis,
Mauá, entre outros. Informa também que todas as revistas em quadrinhos publicadas pela editora
“de gênero recreativo e que levam o marco EBAL são redigidas e recomendadas por professores
obedecendo a normas de ética jornalística e educacional.” Ainda na contracapa, são apresentadas
as obras consultadas para redação do número especial sobre a construção de Brasília; algumas
fotografias e a advertência: “antes de serem entregue à imprensa, os originais desta história de
Brasília em quadrinhos foram examinados pelo presidente Juscelino Kubitschek, durante
audiência especial (...). Também tomaram conhecimento dos desenhos e dos textos, entre outras
autoridades, o Dr. Ernesto Silva, Diretor da Novacap, e que fez algumas anotações do próprio
punho em várias páginas; o arquiteto Oscar Niemeyer, alguns representantes do grupo de
engenheiros do Professor Lucio Costa e o engenheiro Mauro Vinhas de Queiroz do Conselho
diretor da revista Módulo. (...) As fotos foram gentilmente cedidas pela revista “Manchete”.
Entre as obras consultadas vamos citar: o relatório Cruls; a vida de Dom Bosco do
Marques Filipo Crispolti; “Brasil, capital Brasília” de Osvaldo Orico; “A localização da Nova Capital”
do I.B.G.E.; os números 8, 9 e 10 da revista Módulo e os números de 1 até 18 da revista Brasília.
Então, todos colaboraram para difusão de mais um relato sobre a construção de Brasília,
inclusive as imagens fotográficas da revista Manchete.
Os textos são assinados por Nair da Rocha Miranda, a capa e os desenhos são de autoria
de Ramón Llampayas; a prima página de cinco quadrinhos: “no principio era o mar”, inicia com a
criação da conformação geológica do Planalto, explica a formação dos grandes rios e termina com
uma perspectiva a vôo de pássaro do Plano Piloto – a perspectiva do projeto de Lucio Costa para
o concurso. Começa depois um conto de índios e bandeirantes, lutas, usurpações e conquistas;
rapidamente os quadrinhos passam a detalhar a evolução da idéia de mudar a capital para o
interior do Brasil, iniciando com a proposta dos Inconfidentes; a narração detalha os tempos e as
motivações da mudança para o interior: segurança nacional, salubridade do clima,
316
descentralização da população; a cada personagem histórica, inclusive a Dom Bosco, è dedicada
uma página de quadrinhos e è evidente, no complexo, a procura de “criar uma historicidade para
Brasília que antecede a sua construção”
33
.
A segunda parte é dedicada à realização da cidade; omitindo os precedentes e sntes de
tudo a atuação dos governos de Vagas, à página 19 a narração detalha a eleição do presidente
JK e continua aprofundando todas as providências por ele tomadas para realizar a capital; duas
folhas de quadrinhos são dedicadas ao concurso para o plano piloto; as sucessivas reproduzem
os desenhos de Lucio Costa e Oscar Niemeyer descrevendo a praça do três poderes e os
trabalhos de terraplenagem para seu nivelamento, os edifícios monumentais, os prédios
residenciais, o setor bancário, etc.; o fascículo encerra-se na página 34. Os desenhos dos prédios
copiam as maquetes publicadas na Módulo e na Brasília; cabe uma antecipação: a perspectiva do
futuro palácio do Planalto inclui a estatua de Bruno Giorgi “Os Candangos” assim como foi
apresentada na capa do n. 12 [ dezembro de 1957] da revista da Novacap e na Módulo n. 10 de
agosto de 1958. As imagens do sitio, da paisagem do Planalto, dos trabalhos de terraplenagem,
da cidade bandeirante, das escolas para crianças, do restaurante do SAPS, etc. copiam as
fotografias publicadas na Manchete e na Brasília.
O registro da linguagem è formal, a impostação das frases e o vocabulário são os próprios
dos livros escolares e necessitam de um bom nível de alfabetização; por exemplo: a explicação do
plano piloto è uma composição de trechos do próprio relatório de Lucio Costa; a apresentação do
concurso repete textualmente as avaliações e as considerações da comissão julgadora,
publicadas na revista Módulo n. 8.
33
De Ceballos, Viviane Gomez. “E a história se fez cidade”: a construção histórica e historiográfica de Brasília.
Dissertação de mestrado. Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, 2005.
317
ARQUIVO FOTOGRÁFICO
As fotografias das revista ilustradas Manchete, O Cruzeiro e Brasília, dedicadas à
construção da Nova capital, relatam: as personalidades e as visitas oficiais, os festejos e as
inaugurações; os trabalhos de máquinas e de operários; as paisagens de arvores e sombras; a
poesia do horizonte infinito do Planalto e a “poesia” da poeira dos canteiros de obras; o Sítio
Castanho antes, durante e depois da construção da cidade; as arquiteturas no diálogo com as
árvores tortas do cerrado, o dia-a-dia da edificação; o presidente JK, seu jeito humano e íntimo de
se relacionar com familiares e hóspedes ilustres; o presidente JK em sua personagem de pioneiro,
explorando o sitio da futura capital, experimentando as novas máquinas e o trabalho de
concretagem; Oscar Niemeyer pioneiro das novas arquiteturas e Oscar Niemeyer ao trabalho;
Oscar Niemeyer e Lucio Costa apontando os dedos para as miniaturas de suas criações; o diário
da cidade bandeirante, as mudanças dos primeiros moradores das superquadras e os meninos
brincando; o funcionamento do sistema de saúde e o conforto das cidades satélites; o contraste
entre os carros novos e os paus-de-arara, entre as motocicletas e as carroças; a modernidade das
autopistas e o atraso das estradas de terra. Um morto, a vitima de um acidente de trabalho, uma
vez só na Manchete.
Acrescentamos ao conjunto das matérias das revistas populares ilustradas os quadrinhos
satíricos; eles ironizaram alguns dos rituais coletivos e/ou estigmatizaram os momentos chave da
construção da capital. Adicionamos também as propagandas comerciais, que aproveitaram-se de
instantâneos das fotorreportagens e, freqüentemente, dos emblemas de Brasília: esculturas,
arquiteturas, pessoas.
Investigamos, por fim, os instantâneos do vasto acervo do Arquivo Público do Distrito
Federal que não foram publicados pela revista Brasília nem pela revista Módulo. Compõe o
“Fundo Novacap” do Arquivo Público de Brasília uma memória visual de “6.357 negativos e cópias
contato, 1.712 ampliações fotográficas, 2.463 diapositivos e 1.114 rolos de microfilmes”
34
. A
maioria dos negativos é assinada por Mario Fontenelle e foi encomendada pela Divisão de
Divulgação da Novacap. Alguns são assinados por Marcel Gautherot, que fez alguns
35
trabalhos
para a Novacap; outros por Humberto e José Franceschi, fotógrafos da Módulo. Outros ainda são
marcados Foto Colombo e tornaram-se cartões postais.
Este outro, extenso patrimônio de documentação visual descreve os diferentes aspectos
da vida em Brasília Plano Piloto e na Cidade Livre durante a construção da Capital com grande
variedade de sujeitos e de angulações: trabalhadores de todas as raças, mulheres (pouquíssimas)
participando do cotidiano dos acampamentos das construtoras, a chegada dos retirantes e dos
trabalhadores, a pé ou com meios de transporte improvisados; campos e jogos de futebol, as
luzes dos trabalhos noturnos e a distribuição de comida; os barracos improvisados de lona e
34
http://www.arpdf.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAVE=9966.
35
Gautherot, Marcel André. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1990
318
papelão, os retratos, etc. A observação dos documentos visuais desse arquivo denuncia com
clareza a vontade da Divisão de Divulgação de construir uma cuidadosa documentação do dia-a-
dia da edificação da cidade.
O “Fundo Novacap” do Arquivo Público do DF e o arquivo de Marcel Gautherot, hoje junto
ao Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, constituem atualmente a memória visual da
construção da capital. As fotografias – lindíssimas – desses dois arquivos, devido também à
elevada qualidade estética e formal, são reproduzidas em diferentes formatos e nas mais diversas
publicações, desde livros, artigos de revistas e até as páginas webs. O Arquivo Público e o
Instituto Moreira Salles, por sua vez, facilitam sua difusão: o arquivo em Brasília disponibiliza a
reprodução digitalizada das fotografias; o Instituo Moreira Salles disponibiliza uma seleção de
imagens na internet.
319
SINFONIA DA ALVORADA
http://www.jobim.com.br/dischist/sinfalv/alvorada_vintext.html
A idéia de escrevermos uma Sinfonia celebrando Brasília não é nova. Em fevereiro de l958, eu
acidentado num hospital de Petrópolis, conversei pela primeira vez com Antonio Carlos Jobim
sôbre o assunto. Ainda no correr dêsse mesmo ano, alguns dos temas musicais aqui constantes
já haviam sido compostos pelo jóvem Maestro.
Houve logo, é claro, quem falasse em obra "encomendada" e outras tolices do gênero, o que feriu
certas suscetibilidades de Jobim. E a tarefa ficou postergada para dias mais inteligentes. Até que,
de volta do meu pôsto em Montevidéu, em junho de l960, recebi uma telefonada de Brasília.
Induzido por êsse querido amigo que é Oscar Niemeyer, o Presidente Kubitschek, também um
velho amigo, convidava-nos para criar, com os técnicos da firma francesa "Clemançon",
especializada na matéria , um espetáculo "Son et Lumière" para a Praça dos Três Poderes, à
maneira dos que são feitos nos principais castelos francêses e em vários outros grandes
monumentos do mundo, como a Acrópole, as Pirâmides e tantos mais, para fins de atração
turística.
Era a oportunidade. Brasília já deixara de ser um sonho para transformar-se numa realidade de
âmbito mundial. A cidade empreendida por Kubitschek e criada por Niemeyer sôbre o plano-pilôto
de Lúcio Costa, outro grande e caro amigo, erguia suas brancas e puras empenas nas antigas
solidões do planalto central de Goiás, em extensões apascentadas pela vetustez da terra e pela
proximidade do infinito, numa paisagem de oxigênio, silêncio e saudade das origens. O lugar mais
antigo da terra, como gosta de dizer Jobim, povoava-se ràpidamente; e malgrado as pragas de um
grupo de ressentidos, os que preferem governar o país nas proximidades das buates, a cidade
crescia num ritmo alegre de trabalho e confiança, com turmas a se revezarem de sol a sol . De
nada valia o pio das aves de mau agouro da imprensa e de alhures, contra o ímpeto maravilhoso
320
do trabalhador brasileiro, que acorreu de todos os cantos do país, sobretudo do Norte, para erguer
aquelas estruturas adiante do Tempo e para coabitar pacìficamente numa "cidade-livre" levantada
do dia para a noite com restos de material de construção: uma autêntica cidade de "far-west", só
que sem os tiros e bandidos do cinema.
Esboçado o plano da obra, partimos para Brasília afim de estruturar temas e poemas em contato
humano com a cidade. Hóspedes do "Catetinho", hoje tombado como monumento histórico,
olhávamos de nossa sala-de-trabalho - a mesma em que o Presidente Kubitschek assinou seus
primeiros atos na nova capital - a silhueta quase sobrenatural da cidade na linha extrema do
horizonte, recortada contra auroras e poentes de indizível beleza. De madrugada, enquanto
víamos congelar-se no ar frio o jato ascencional do Boeing-707, escutávamos tambem o piar das
perdizes e dos jaós, entre as surdas rajadas intermitentes do vento do altiplano.Havia em nós
essa tristeza que nasce da beleza, e pavilhávamos os capões de mato com a sensação do
irremediável do tempo. Jobim, caçador experimentado e velho piador de pássaros, arremetia mais
longe do que eu. Eu voltava, a partir do lindo ôlho dágua do pequeno bosque, para os meus
intermináveis passeios na alpendrada do "Catetinho", onde ficava a pensar o texto da Sinfonia e a
esperar a comida simples e gostosa que nos dava "a patrôa" de Luciano, o caseiro: o mais antigo
funcionário de Brasília. Apraz-me dizer nunca ouvi, ao longo das horas em que Antonio Carlos
Jobim mergulhava no mato, um só tiro pertubar o silêncio das velhas planuras. É minha impressão
que o músico perdeu a coragem de chumbar seus coleguinhas alados, mesmo quando constituam
ótimo comestível, como é o caso das perdizes.
Dez dias ficamos assim no "Catetinho", nesse dolce far niente de fazer uma Sinfonia, com
sentinela à porta, pois a princípio os numerosos turistas punham sempre o nariz na vidraça para
constatar como íamos de trabalho. De vez em quando dávamos um pulo à cidade para ver os
amigos Oscar Niemeyer, José (Juca) Ferreira de Castro Chaves, João Milton Prates - os bravos
pioneiros de Brasília, os homens que, com o Presidente Kubitschek, primeiro puseram o pé no
planalto. João Milton Prates, herói da FAB, antigo pilôto e amigo de JK, grande e bom amigo
nosso, êsse vinha sempre nos ver, com vitualhas e licores, e tomava pela obra em progresso um
interêsse quase criador. Um dia exibiu-nos, de sua carteira, a histórica promissória de 500 contos,
firmada por êle e Niemeyer, com a qual puderam erguer em dez dias o incomparável "Catetinho".
Ao grande Presidente e a todos êsses homens que não têm frio nos olhos, mas cujos olhos se
umedeceram ao ouvirem pela primeira vez ao piano os temas iniciais da "Sinfonia da Alvorada", -
a nossa comovida gratidão, não só pela confiança que tiveram em nós como pelo exemplo que
nos deram de ânimo, modéstia e espirito de luta.
Falei em piano. É fato. João Milton Prates providenciou-nos um piano que veio de Goiânia.
Ajudados por Luciano e três candangos, nós o subimos a braço para o "Catetinho", com mais
mêdo de que seus degraus cedessem ao pêso do que de um enfarte do miocárdio. Naturalmente,
pois o "Catetinho" é hoje um monumento histórico, e a estátua do Fundador de Brasília parecia
apreensiva, sôbre o seu pedestal no terreiro em frente, com os resultados de nossa operação.
Temos um último e mais íntimo agradecimento a fazer: da parte de Antonio Carlos Jobim, a
Thereza Hermanny Jobim, sua mulher, e Celso Frota Pessôa, um padastro que é mais que um
pai, que deu mão forte a um jóvem estudante de arquitetura cuja verdadeira vocação era a
música; de minha parte, a minha mulher Maria Lúcia Proença de Moraes. A "torcida" dos três, sem
embargo de uma constante vigilância crítica, nos foi sempre do maior estímulo nesse
empreendimento em que dois sentimentos são determinantes: amor pela obra e confiança no
futuro de Brasília e do Brasil.
Rio, Janeiro de 1961. Vinicius de Moraes
321
Setembro, sertão no estio. Frio sêco. Altitude aproximada: 1.200 metros. Ar transparente, céu azul
profundo, primavera e pássaros se namorando. Campos gerais, chapadões dos gerais. Cerrado e
estirões de mata à beira dos rios. Horizonte: 360º. No fundo do "Catetinho" há um capão de
árvores altas por onde passa um córrego de água boa e fria. Seguindo-se a água, sai-se num
campo onde fui muitas vezes escutar o pio das perdizes. Silêncio nos campos claros batidos de
sol. De repente, de perto, como um grito, vem o piado do macho chamando a fêmea. Silêncio. E
de longe chega a resposta. É uma conversa que parece vir do fundo dos tempos. Aquêles dois
pontos de som escondidos no capim se procuram, aproximam-se, encontram-se e cantam juntos.
Uma nuvem passa e sua sombra corre pelos campos. O vento faz ondas nos penachos do capim:
dourado, verde, dourado...
Neste ambiente foi composto "O Planalto Deserto".
A música começa com duas trompas em quintas, que evocam as "antigas solidões sem mágoa"
de que nos fala Vinicius de Moraes e a magestade dos campos sem arestas que há milênios se
aquietaram. O espírito do lugar prevalece. Duas flautas comentas lìricamente as infinitas côres
das auroras e poentes, sôbre um fundo harmônico de cordas em tremolo. O mistério das coisas
anteriores ao homem é exposto numa luz clara e transparente: "Onde se ouvia nos campos gerais
do fim do dia o grito da perdiz, a que respondia o pio melancólico do jaó". Às vêzes, à beira
d'água, surge a trama vegetal dos galhos e lianas . O timbre da orquestra escurece. O infinito
horizonte se enche das côres do crepúsculo e se escuta mais uma vez o tema do Planalto.
A 2a. parte aborda o Homem: seu espírito de conquista, sua violência, sua fôrça, seus desejos e
seus sofrimentos para atingir o altiplano. Enquanto escrevia a música desta parte, formou-se em
meu espírito a seguinte imagem: uma carroça vai penosamente se arrastando serra acima . O
Homem instiga os animais. A marcha acelera-se e surge o Canto, a que responde a Natureza,
calma e isenta de desejos. Mas o Homem quer as coisas. Seu braço forte, riscado de grossas
veias, ergue-se a uma lâmina afiada corta os ramos dessa Natureza imparticipante. O picadão se
aprofunda sertão a dentro. O Homem haveria de plantar sua cruz no Planalto.
Na 3a. parte os modernos pioneiros retomam o trabalho dos velhos bandeirantes. O projeto da
nova capital é planificado e torna-se necessário, para levar a efeito "a gigantesca tarefa", convocar
"todas as fôrças vivas da nação". "A Chegada dos Candangos" conta da vinda desses homens de
olhos puxados e zigomas salientes; homens que em toda sua pobreza ainda encontram um jeito
de rir e cantar. Homens sem os quais Brasília não existiria.
Segue-se a 4a. parte: "O Trabalho e a Construção". Evitamos a música concreta para caracterizar
o trabalho (ruído de serras, estacas etc.) porque isso nos pareceu óbvio. O trabalho é visto de
maneira mais subjetiva. A música começa com um fugato que retrata o inicio da ação. A sorte está
lançada. A inexorabilidade da ação é posta em evidência. O fugato desenvolve-se de maneira
matemática. A tônica é o centro de tudo: as tonalidades satélites vão e vêm mostrando suas côres
puras, mas tudo reverte à ofuscante tônica central. Há um plano de construção e êsse plano é
rigorosamente respeitado. Por vêzes o trabalho cessa para dar lugar à contemplação da obra já
feita, e três trompas aparecem sugerindo a graça e leveza líricas do Palácio da Alvorada diante da
"grande planície ensimesmada", de que nos fala Vinícius. Mas o trabalho tem de prosseguir.
Surge um rítmo marcato nas vozes masculinas e no piano, aqui usado como instrumento de
percussão. Depois os arcos tomam a si o mesmo motivo e às vezes, eventualmente, se
lamentam, como a dizer que nenhum trabalho é feito sem sofrimento. Os instrumentinos e logo os
metais retomam o marcato, a sugerir o sol no zenite reverberando nas superfícies brancas, ferindo
os olhos dos homens que trabalham. Novos temas arquitetônicos aparecem, cortados por uma
frase de inusitado lirismo: pois o trabalho é tambem amor e poesia. Volta uma vez mais o tema do
Palácio da Alvorada e tudo se encaminha para um desfecho inevitável. As tonalidades satélites
mostram novamente suas côres, mas a tônica domina tudo. Os fatos se precipitam e o trabalho e
322
a poesia dão-se as mãos. Algumas celebrações, alguma grandiosidade e o trabalho se conclui de
repente numa frase triste, enunciada pela voz humana . Os homens voltam para suas casas na
melanconia do poente. Um canto-chão diz de suas solidões, de suas tristezas, de suas mulheres
ausentes. As cordas tomam a si o canto-chão, enquanto o texto fala dessa saudade dos homens
por suas mulheres. Surgem pela primeira vez na Sinfonia vozes femininas que contrapontam
intuitivamente com as vozes masculinas. Depois em bocca chiusa volta o canto-chão nas vozes
masculinas retomando o tema da solidão. Um acorde de orquestra transporta ao tom relativo
menor e vem a treva total. Surge, independente do Homem, o tema do "Planalto Deserto", da
primeira parte.
Segue-se, na 5a. parte, o Coral final, comemorativo da realização. Vinícius usou além da palavra-
sentido, a palavra-som, o que causa muitas vêzes um efeito surpreendente. O Brasil aparece em
toda a sua nostalgia e grandeza. Uma nova civilização se esboça. Herdeiro de todas as culturas,
de todas as raças, tem um sabor todo proprio.
Rio, Janeiro de 1961 Antonio Carlos Jobim
LETRA
RETIRADA DO SITE LETRAS.MUS.BR WWW.LETRAS.MUS.BR
No príncipio era o ermo, Eram antigas solidões sem mágoa.
o altiplano, o infinito descampado
No princípio era o agreste: o céu azul, a terra vermelho-pungente
E o verde triste do cerrado.
Eram antigas solidões banhadas de mansos rios inocentes por entre as matas recortadas.
Não havia ninguém. A solidão mais parecia um povo inexistente dizendo coisas sobre nada.
Sim, os campos sem alma pareciam falar, e a voz que vinha das grandes extensões, dos fundões
crepusculares
Nem parecia mais ouvir os passos dos velhos bandeirantes, os rudes pioneiros que,
em busca de ouro e diamantes, ecoando as quebradas com o tiro de suas armas,
a tristeza de seus gritos e o tropel de sua violência contra o índio, estendiam
as fronteiras da pátria muito além do limite dos tratados.
– Fernão Dias, Anhanguera, Borba Gato, Vós fostes os heróis das primeiras marchas para o
oeste, da conquista do agreste e da grande planície ensimesmada!
Mas passastes. E da confluência das três grandes bacias dos três gigantes milenares:
Amazonas, São Francisco, Rio da Prata ; do novo teto do mundo, do planalto iluminado partiram
também as velhas tribos malferidas e as feras aterradas.
E só ficaram as solidões sem mágoa o sem-termo, o infinito descampado onde, nos campos
gerais do fim do dia se ouvia o grito da perdiz aA que respondia nos estirões de mata à beira dos
rios o pio melancólico do jaó.
E vinha a noite. Nas campinas celestes rebrilhavam mais próximas as estrelasr e o Cruzeiro do
Sul resplandecente parecia destinado a ser plantado em terra brasileira:
a Grande Cruz alçada sobre a noturna mata do cerrado para abençoar o novo bandeirante
323
O desbravador ousado O ser de conquista O Homem!
II / O HOMEM
Sim, era o Homem, era finalmente, e definitivamente, o Homem.
Viera para ficar. Tinha nos olhos a força de um propósito: permanecer, vencer as solidões
e os horizontes, desbravar e criar, fundar e erguer.
Suas mãos já não traziam outras armas que as do trabalho em paz. Sim, era finalmente o
Homem: o Fundador. Trazia no rosto a antiga determinação dos bandeirantes, mas já não eram o
ouro e os diamantes o objeto de sua cobiça. Olhou tranqüilo o sol crepuscular, a iluminar em sua
fuga para a noite os soturnos monstros e feras do poente.
Depois mirou as estrelas, a luzirem na imensa abóbada suspensa
pelas invisíveis colunas da treva.
Sim, era o Homem...
Vinha de longe, através de muitas solidões, lenta, penosamente. Sofria ainda da penúria
dos caminhos, da dolência dos desertos, do cansaço das matas enredadas
a se entredevorarem na luta subterrânea de suas raízes gigantescas e no abraço uníssono
De seus ramos. Mas agora viera para ficar. Seus pés plantaram-se
na terra vermelha do altiplano. Seu olhar descortinou as grandes extensões sem mágoa
No círculo infinito do horizonte. Seu peito encheu-se do ar puro do cerrado.
Sim, ele plantaria
No deserto uma cidade muita branca e muito pura...
Citação de Oscar Niemeyer
– "... como uma flor naquela terra agreste e solitária…"
- Uma cidade erguida em plena solidão do descampado.
Niemeyer
– " ... como uma mensagem permanente de graça e poesia..."
- Uma cidade que ao sol vestisse um vestido de noivado
Niemeyer
– " ... em que a arquitetura se destacasse branca, como que flutuando na imensa escuridão do
planalto..."
– Uma cidade que de dia trabalhasse alegremente
Niemeyer
– "…numa atmosfera de digna monumentalidade..."
– E à noite, nas horas do langor e da saudade
Niemeyer
– " ... numa luminação feérica e dramática..."
– Dormisse num Palácio de Alvorada!
Niemeyer
– " ... uma cidade de homens felizes, homens que sintam a vida em toda a sua plenitude, em toda
a sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas puras..."
– E que fosse como a imagem do Cruzeiro
No coração da pátria derramada.
Citação de Lucio Costa
– "…nascida do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos que se
cruzam em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz."
324
III / A CHEGADA DOS CANDANGOS
Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo.
Para tanto, era necessário convocar todas as forças vivas da Nação, todos os homens que, com
vontade de trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer, num tempo novo, um novo Tempo.
E, à grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de
todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz,
rostos de couro e mãos de pedra, e que, no calcanho, em carro de boi, em lombo de burro, em
paus-de-arara, por todas as formas possíveis e imagináveis, começaram a chegar de todos os
lados da imensa pátria, sobretudo do Norte; forarn chegando do Grande Norte, do Meio Norte e do
Nordeste, em sua simples e áspera doçura; foram chegando em grandes levas do Grande Leste,
da Zona da Mata, do Centro-Oeste e do Grande Sul; foram chegando em sua mudez cheia de
esperança, muitas vezes deixando para trás mulheres e filhos a aguardar suas promessas de
melhores dias; foram chegando de tantos povoados, tantas cidades cujos nomes pareciam cantar
saudades aos seus ouvidos, dentro dos antigos ritmos da imensa pátria...
Dois locutores alternados
– Boa Viagem! Boca do Acre! Água Branca! Vargem Alta! Amargosa! Xique-Xique! Cruz das
Almas! Areia Branca! Limoeiro! Afogados! Morenos! Angelim! Tamboril! Palmares! Taperoá!
Triunfo! Aurora! Campanário! Águas Belas! Passagem Franca! Bom Conselho! Brumado! Pedra
Azul! Diamantina! Capelinha! Capão Bonito! Campinas! Canoinhas! Porto Belo! Passo Fundo!
Locutor no 1
– Cruz Alta...
Locutor no 2
– Que foram chegando de todos os lados da imensa pátria...
Locutor no 1
– Para construir uma cidade branca e pura...
Locutor n 2
– Uma cidade de homens felizes...
IV / O TRABALHO E A CONSTRUÇÃO
– Foi necessário muito mais que engenho, tenacidade e invenção. Foi necessário 1 milhão de
metros cúbicos de concreto, e foram necessárias 100 mil toneladas de ferro redondo, e foram
necessários milhares e milhares de sacos de cimento, e 500 mil metros cúbicos de areia, e 2 mil
quilômetros de fios.
– E 1 milhão de metros cúbicos de brita foi necessário, e quatrocentos quilômetros de laminados,
e toneladas e toneladas de madeira foram necessárias. E 60 mil operários! Foram necessários 60
mil trabalhadores vindos de todos os cantos da imensa pátria, sobretudo do Norte! 60 mil
candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar,
empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas...
– Ah, as empenas brancas! -
– Como penas brancas...
– Ah, as grandes estruturas!
– Tão leves, tão puras...
Como se tivessem sido depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho-pungente do
planalto, em meio à música inflexível, à música lancinante, à música matemática do trabalho
humano em progressão ...
O trabalho humano que anuncia que a sorte está lançada e a ação é irreversível.
325
Cantochão
E ao crespúsculo, findo o labor do dia, as rudes mãos vazias de trabalho e os olhos cheios de
horizontes que não têm fim, partem os trabalhadores para o descanso, na saudade de seus lares
tão distantes e de suas mulheres tão ausentes. O canto com que entristecem ainda mais o sol-
das-almas a morrer nas antigas solidões parece chamar as companheiras que se deixaram ficar
para trás, à espera de melhores dias; que se deixaram ficar na moldura de uma porta, onde
devem permanecer ainda, as mãos cheias de amor e os olhos cheios de horizontes que não têm
fim. Que se deixaram ficar muitas terras além, muitas serras além, na esperança de um dia, ao
lado de seus homens, poderem participar também da vida da cidade nascendo em comunhão com
as estrelas. Que viram, uma manhã, partir os companheiros em busca do trabalho com que lhes
dar uma pequena felicidade que não possuem, um pequeno nada com que poder sentir brilhar o
futuro no olhar de seus filhos. Esse mesmo trabalho que agora, findo o labor do dia, encaminha os
trabalhadores em bando para a grande e fundamental solidão da noite que cai sobre o planalto…
" Deste planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas
decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta
alvorada com fé inquebrantávele uma confiança sem limites no seu grande destino."
(Brasília, 2 de outubro de 1956)
Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira
V / CORAL
I II III
Coro Coro Coro
Masculino Masculino Misto
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
Brasília Brasília Brasília
BRASIL! BRASIL! BRASIL!
VI
Terra de sol
Terra de luz
Terra que guarda no céu
A brilhar o sinal de uma cruz
Terra de luz
Terra-esperança, promessa
De um mundo de paz e de amor
Terra de irmãos
Ó alma brasileira ...
... Alma brasileira ...
Terra-poesia de canções e de perdão
Terra que um dia encontrou seu coração
Brasil! Brasil!
Ah... Ah... Ah...
B r a s í 1 i a!
Dlem! Dlem!
Ô ... ô... ô... ô
326
C.P.Is
As matérias “contra Brasília” nas revistas populares intensificaram-se em 1958 e logo
desapareceram, frente ao sucesso da iminente inauguração. Na revista O Cruzeiro, vamos
relembrar os comentários de David Nasser de 1957 e algumas precisões de Gilberto Freire de
1960 já comentadas ao longo da tese e fichadas na bibliografia.
Na revista Manchete apareceram algumas matérias em 1958 se preocupando com a
pobreza dos trabalhadores; todavia, visando, talvez, amortecer justamente o impacto das
alegações sobre irregularidades ou sobre as condições dos trabalhos, nos anos 1958-1959 nas
páginas da Manchete, Brasília adquiriu outro valor positivo: foi “a-cidade-que-nunca-parou”
36
, o
marco de um novo uso do tempo. O “ritmo de Brasília”
37
foi positivamente enxergado como o
ritmo do desenvolvimento e das coisas acontecerem
38
. “Prevalece uma espécie de “vale tudo” só
importando realmente uma coisa: realizar o máximo no prazo mínimo. As empresas construtoras
têm mãos livres. A maior economia que se faz em Brasília é a de tempo. E, se o tempo é dinheiro,
ganha-se muito com o regime de carta branca”
39
. Respondendo em 1958 em entrevista ao
jornalista da Manchete sobre a possibilidade de que o sucessor à Presidência não goste da
transferência para Brasília, JK declara: “Não admito a hipótese. Ninguém poderá mais deter o
prosseguimento da cidade. O próprio Sr. Jânio Quadros já disse que tomaria posse até mesmo
num barraco em Goiás”
40
. Chama atenção também o fato de em 1958 JK já concordar com Jânio
Quadro a sucessão à presidência da República, talvez colocando na balança das contratações
justamente a construção da cidade e o prosseguimento dos trabalhos de consolidação da
transferência da capital.
Vez por outra, as revistas populares e as matérias de cotidianos informam sobre C.P.I,
mas as cobranças das alegações foram adiadas para depois da inauguração da Capital,
aparentemente em decorrência do raciocínio de que não era conveniente parar ou atrapalhar os
trabalhos, uma vez iniciada a obra e movimentados tão grandes recursos humanos e econômicos.
Apesar disso, as “acusações” foram relativamente poucas: talvez, o fato da cidade ser uma
realidade – a realização de um projeto compartilhado pela maioria da classe média e dos eleitores
– fosse suficiente para esvaziar a força das argumentações. Assim confirmaria a declaração de
1960 do deputado Clemens Sampaio, que depois de ter assinado em 13 de maio de 1959
41
o
pedido de construção de uma C.P.I. justifica assim a revoca de sua assinatura: “Senhor
Presidente, 1. considerando o fato da desatualização dos objetivos do requerimento que pede a
36
Melo Filho, Murilo. As togas desafiam a poeira. Manchete. Rio de janeiro: 9/7/1960.
37
Repórter Manchete. São Pulo no caminho de Brasília. Manchete. Rio de janeiro: 9/1/1960. Repórter Manchete.
Conversa com o leitor, Manchete. Rio de Janeiro: 20/1/1962. pág.1
38
Bóscoli, Ronaldo Brasília, aeroporto do século. Manchete. Rio de janeiro: 2/7/1960.
39
Magalhães Júnior, R. A capital da esperança. Manchete. Rio de janeiro: 19/9/1959.
40
Melo Filho, Murilo Brasília demonstra que o impossível acontece. Manchete. Rio de janeiro: 29/11/1958.
41
Diário do Congresso Nacional, Secção I ano XV n. 140 pág. 5757.
327
constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Brasília; 2. considerando a
profunda repercussão Nacional e Internacional conquistada pela sua inauguração, chamado o
“acontecimento do século”; 3. Considerando a faculdade regimental que me confere o direito de
cancelar minha assinatura em documentos, desde que o faça em tempo hábil, Solicito de V. Ex.
as necessárias providências no sentido de ser considerada cancelada ou retirada minha
assinatura no documento em apreço. Salas das Sessões, 2 de maio de 1960”
42
.
Vale a pena lembrar que Ronaldo Costa Couto
43
tentou uma aproximação à reconstrução
da complexa questão do dinheiro, questão que poderia acrescentar indícios para reconstrução da
história da edificação da Capital. Não obstante os levantamentos das matérias dos jornais
cotidianos, das revistas ilustradas, dos arquivos da Câmara e do Senado, inclusive as C.P.Is,
integrados por muitos depoimentos orais, as inquinações sobre custos da Cidade quanto sobre a
proveniência do dinheiro permanecem sem respostas certas, também no texto de Costa Couto.
David Nasser já em 1957
44
apontava para a ausência de Diário Oficial para contabilizar as
obras de Brasília. Sem Diário Oficial não tem controle financeiro, ele alega, e “o Tribunal de
Contas só examinará as verbas publicadas no “Diário Oficial””
45
. A falta de um registro das obras
de Brasília que tivesse um valor jurídico é confirmada pelos Contadores da Caixa Econômica
Federal
46
encarregados de avaliar os gastos da Novacap; a informação é retomada por Ronaldo
Costa Couto
47
. Além disso, o último autor acrescenta que foi estampado dinheiro ex novo para
enfrentar os custos da construção da cidade.
A notícia sobre emissão de notas novas, é “escondida” também nas páginas da Manchete:
quando, em 1958 o Governo foi pressionado para antecipar de um ano a revisão dos salários
mínimos por causa da inflação, as comissões de Salário Mínimo alegaram a perda de valor de
compra do cruzeiro devido à emissão de moeda
48
.
Na manchete do 12 de julho de 1958 se lê: “a Novacap é responsável por tudo quanto se
faz em Brasília (...) só em funcionários, operários e obras gasta por mês Cr$ 15 milhões e 500 mil.
(15.500.000 vezes 42 meses de janeiro 1957 até maio 1960 = 661 milhões). Ma as rendas estão
aumentando: as vendas de terrenos dão muito dinheiro – só no mês passado alcançaram Cr$ 300
milhões, segundo um funcionário da Companhia.”
49
Conforme a revista o Cruzeiro dos 7 de maio
de 1960: “o debutante DF já custou 26 bilhões de cruzeiros e é autofinanciável (observe-se a
super-valorização dos terrenos)”
50
. Falando em entrevista aos jornalistas da Manchete, em
42
Diário do Congresso Nacional, Secção I ano XV n. 140 pág. 5757.
43
Costa Couto, Ronaldo Brasília Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro e São Paulo: Record Editores, 2001.
44
Nasser, David “Enquanto Brasília não vem”, O Cruzeiro. Rio de janeiro. 22/6/1957.
45
Nasser, David idem.ibidem.
46
Relatório n. 1 da Subcomissão de Contadores da Caixa Econômica Federal de 13/12/1962, pág. 9. Caixa n. 9, C.P.I.
“Construção de Brasília”. D.C.N. 7/9/1960. Arquivo da Câmara.
47
Costa Couto, Ronaldo. Op.cit
48
“Em conseqüência da inflação, em 1958 cada nota de Cr$ 100 passou valer apenas Cr$ 75. E o processo
inflacionário “comeu” Cr$ 1.200 em cada salário de Cr$ 5 mil.” Repórter Manchete., No timão do barco financeiro,
Manchete 1/2/1958.
49
Damata, Gasparino e Orlando Alli, Canaã, Paralelo 20, Manchete. Rio de janeiro: 12/7/1958.
50
Repórter O Cruzeiro. O futuro já tem capital: Brasília. O Cruzeiro. Rio de janeiro: 7/5/1960.
328
novembro 1958 o Presidente declara: “A Novacap no final de todas as obras gastará Cr$ 6
bilhões. Como existem 80 mil lotes que estão sendo vendidos a uma média de Cr$ 300 mil –
houve um na zona bancária que custou Cr$ 25 milhões ao banco comprador -, teremos uma
receita total de Cr$ 24 bilhões”
51
. Em outras palavras, Brasília não cria problemas à balança
comercial, ela é empreendimento auto-financiado. E, ainda por cima, irá devolver dinheiro aos
cofres públicos.
Todavia, ainda em janeiro de 1960 foram emitidas obrigações para um valor de 200 bilhões
de cruzeiros
52
, sendo que o dinheiro arrecadado com a venda dos lotes era insuficiente para
completar as obras. A informação é do Boletim da Novacap, publicado a cada mês na revista
Brasília: aqui tomamos ciência dos empréstimos e das emissões das obrigações, a das ações
financeiras que a Novacap podia intraprender sozinha, sem aprovação do Parlamento: graças a lei
2874/56, democraticamente aprovada, que instituía a Novacap, a própria tinha liberdade em
aceitar e negociar empréstimos em dinheiro do estrangeiro, vender lotes do Distrito Federal,
negociar os valores das obras, emitir Obrigações, alterar os limites das áreas destinadas aos
vários ministérios
53
, etc, ou seja a Companhia teve a possibilidade de intervir de forma direta na
balança financeira do Estado, sem passar para o debate nos outros órgãos estaduais
competentes, sem respeitar orçamentos prévios, etc.
Matérias noticiando sobre as intenções de criação de uma CPI.
Diário de Noticias. Rio de Janeiro, 10/06/1958. Será constituída uma CPI sobre o
orçamento da PDF; inquérito de Dulce Magalhães relativamente a enxertos de verbas
orçamentárias.
Diário da Tarde. Belo Horizonte. 10/06/1958. Frente nacionalista exige maior rigor na
fiscalização das verbas da união. CPI para apurar as denuncias de Alberto Bittencourt contra a
administração do sr Israel Pinheiro.
A Gazeta. São Paulo. 7/05/1958 Quanto está custando Brasília?
Tribuna da imprensa. Rio de Janeiro. 22/05/1958 Governo não pode desmentir os
escândalos de Brasília.
51
Entrevista com Juscelino Kubitschek. Apud: Melo Filho, Murilo Brasília demonstra que o impossível acontece.
Manchete. Rio de janeiro, 29/11/1958.
52
Atos do Conselho de Administração da Novacap, em: Boletim da revista Brasília, Revista da Companhia
urbanizadora da nova capital, n. 37 janeiro 1960.
53
Boletim dos Atos da Diretoria e do Conselho de Administração da Novacap, revista da Companhia Urbanizadora da
Nova Capital do Brasil, números: 34,40,41,42,43,44,45-48 Em outubro de 1959, aos doze dias, a Diretoria da
Companhia (Novacap) reúne-se e aprova “a proposta apresentada pelo The First National City Bank of New York no
sentindo de, através do Banco do Brasil S.A. realizar operação de crédito com a Novacap, mediante a modalidade de
“swap” e nas seguintes condições: a) valor do empréstimo, 5.000.000 de dólares; b) juros 6.5% ao ano; c) prazo: 2
anos; d) carência: 1 ano; e) garantia: nota promissória da Novacap. Dois dias depois em reunião, o Conselho de
administração aprova a proposta. Atos da Diretoria, Boletim da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, em:
Brasília, Revista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, ano III, n. 34, outubro 1959.
329
O Cruzeiro: “a oposição cobra desde já o inquérito parlamentar contra a Novacap e exige,
como prometido, que a comissão se constitua dentro do monumental palácio que é o ponto central
de Brasília”
54
.
Manchete
55
que Lúcio Costa foi convocado em uma Comissão de Inquérito sobre o Distrito
Federal. Vamos transcrever: “Do arquiteto e urbanista Lucio Costa, indignado contra as notícias
que deturparam seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Distrito Federal:
“Não é verdade ter eu admitido que os realizadores de Brasília desfiguraram quase por completo
minha idéia. Pelo contrário. O que espanta em Brasília não é o que falta, mas o que já tem. E me
pergunto como foi possível a esses dois homens tão diferentes – Israel Pinheiro e Oscar
Niemeyer, fazer em tão pouco tempo, com tamanha fidelidades ao risco original, o que lá está. O
que eles e seus colaboradores fizeram não tem preço. Merecem a gratidão de todos os
brasileiros, inclusive do Dr. Gudin.”
56
Nos arquivos da Câmara e do Senado fomos pesquisar as datadas entre 1960 e 1962.
ARQUIVO DA CÂMARA
C.P.I. chamada de “Construção de Brasília”
foi criada com resolução n. 37, dia 13 de maio de 1960 com base no requerimento apresentado
junto ao Congresso em maio de 1959 para “examinar organização e regulamentação dos serviços
públicos de Brasília, estado das habitações necessárias aos deputados, etc.”., [DCN 25/08/1960]
Diário do Congresso Nacional Seção 1, Código 112.928
57
.
A comissão não concluiu os trabalhos; suas atas são guardadas no arquivo da Câmara.
Trata-se de 9 caixas de arquivo, a maioria das quais contem cartas: de aceitação de encargos, de
convocação para serem ouvidos, de confirmação da participação do depoimento, etc.
Desde a primeira reunião, do dia 1 de setembro de 1960, a comissão foi desdobrada em
três subcomissões.
1. Uma, constituída por especialistas em Administração e Economia, foi encomendada de
avaliar: “d) os custos das utilidades necessárias ao consumo, forma de abastecimento e mercado
abastecedor, sua distancia, capacidade produtiva e transportes utilizados”.
2. Outra, composta por engenheiros foi encarregada de levantar: “a) o estado das
habitações necessárias aos parlamentares e servidores públicos; b) a existência de
abastecimento d’água, saneamento, esgoto, telecomunicações internas e externas,
estabelecimento de ensino de curso primário e médio, hospitais, pronto socorro, hotéis acessíveis
às diversas classes sociais; c) o custo médios do preço de construções para aquisição de casa
própria, forma e condições de financiamento (instituições financeiras, prazo e juros); d) os custos
54
Repórter O Cruzeiro. O Cruzeiro, Rio de janeiro 14/5/1960, pág. 109.
55
Repórter Manchete. Posto de escuta. Manchete. Rio de janeiro, 15/6/1963.
56
Idem, ibidem.
57
www.senado federal/ biblioteca, SICON, pesquisa: CPI Distrito Federal.
330
das utilidades necessárias ao consumo, forma de abastecimento e mercado abastecedor, sua
distancia, capacidade produtiva e transportes utilizados”.
3. A terceira, constituída por Contadores, foi incumbida de levantar os gastos da
construção da capital e os recursos financeiros utilizados.
A subcomissão dos engenheiros trabalhou no Rio de Janeiro.
A caixa n. 9. guarda os trabalhos da subcomissão dos contadores; ela entregou seu
relatório em 1962. Á página dois lemos: “logo constatamos a inexistência do livro “Diário” que é
instrumento básico de segurança de qualquer sistema de escrituração mercantil”, o relatório
observa também: “embora muito precariamente, pode-se estimar que a Novacap investiu em Bens
de Servidão Pública, Edifícios, Granjas. Cidades Satélites, Residências, Instalações e Serviços
Elétricos e de Radio–telefonia aproximadamente CR$ 31 bilhões”
58
.
Na caixa achamos o caderno dos “Contratos Assinados pela Novacap no período de
16/1/1958 até 31/12/1960” e que foi entregue pela própria Novacap à Comissão de Inquérito.
Apresenta um relato da contabilidade, com os nomes dos beneficiários e as somas em dinheiro
recebidas, faltando porém os anos de 1956 e 1957.
C.P.I Sistema Educacional de Brasília. No dia 2 de abril de 1963 foi constituída uma CPI a
fim de apurar as irregularidades do sistema educacional; consta no Diário do Congresso Nacional,
Seção 1 [Senado] Código 114.285
59
. A Comissão concluiu os trabalhos pelo projeto de resolução
n. 53/64 (DCN de 16/06/1964 aprovado pela Câmara através da Resolução n. 137/65 (DCN
29/06/1965). Não fomos investigar as documentações.
Comissão Permanente para estudar o Distrito Federal.
SF PRS 00009/1962
“Aos 30 de maio de 1962, fica criada da Comissão de sete membros, dita Comissão do
Distrito Federal, constituída na forma estabelecida no Regimento Interno, justificada pelo senador
Lino de Matos”, devido aos “problemas de administração do D.F. no que dependem de legislação
federal”, desde que “cabe ao Senado, em caráter privativo, aprovar ou não os nomes dos
Prefeitos da Capital quando lhe são submetidos pelo Presidente da República”. A Comissão
continuou trabalhando até final de 1964 e deliberando sobre: a lei do Senado (agosto de 1963)
sobre a delimitação das zonas industriais no D.F.; (novembro de 1963) sobre os problemas de
ensino de Brasília, que já tinham sua C.P.I e os déficit da Sociedade de Abastecimento de
Brasília; na mesma reunião a comissão promulgou parecer contrario às normas para efetivação da
58
Relatório n. 1 da Subcomissão de Contadores da Caixa Econômica Federal de 13/12/1962, pág. 9. Caixa n. 9, C.P.I.
“Construção de Brasília”. D.C.N. 7/9/1960. Arquivo da Câmara.
59
www.senado federal/ biblioteca, SICON, pesquisa: CPI Distrito Federal.
331
venda dos apartamentos dos Institutos de Previdência; expressou -se (abril de 1964) sobre a
aquisição dos governos estrangeiros dos imóveis para residência dos agentes diplomáticos;
sobre o projeto de dei (outubro de 1964) da Câmara que proibia “o uso da expressão Brasília
pelas sociedades mercantis de natureza imobiliária” (mas o projeto foi rejeitado pelo voto contrário
dos senadores Antonio Carlos e Enrico Rezende). Enfim suas atas narram a história da
consolidação da cidade, mas não encontramos indícios que possam confirmar que foi essa a
Comissão que pediu o parecer de Lucio Costa.
ARQUIVO DO SENADO
C.P.I. para avaliar os danos no Bloco 50 da Asa Norte.
A comissão foi criada com Resolução do Senado Federal - RSF - n. 11 de 1962 com base
no pedido inscrito no Diário do Congresso, Segunda Seção, de 14/06/1962. Foi solicitada pelos
moradores do bloco 50 da Asa Nord, funcionários do Senado, por causa das fissuras que se
abriram nas paredes do prédio. Aos 15 de outubro de 1962 foi prorrogado por mais 60 dias o
prazo para apurar as responsabilidades pelos defeitos de construção. Diário do Congresso
Nacional, Seção 2, Código 114.083
60
A matéria è muito pobre, mas a documentação è integrada por um relevo fotográfico dos
danos denunciados. A relação dos engenheiros apurou que “o prédio não oferece perigo quanto
as fundações, mas no bloco 50 os pilares não estão na antiga posição”. As famílias foram
retiradas e hospedadas em hotel. A companhia construtora responsável era a Cápua S.A. de Rio
de Janeiro e São Paulo que trabalhava por conta do I.A.P. dos Comerciários.
60
www.senado federal/ biblioteca, SICON, pesquisa: CPI Distrito Federal.
332
DEPOIMENTOS
Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito
Federal.
Abelardo Coimbra Bueno, engenheiro. [1990]. Trabalhou na construção de Goiânia e acompanhou a construção de
Brasília.
Alfred Gassner, cineasta [1988]
Ary Garcia Roza, presidente do Istituto dos Arquitetos [1989]
Atahualpa Schmitz da Silva Prego,empresário. [1987] Participou e acompanhou as trabalhos de desmatamento.
Augusto Guimarães Filho, chefe da Divisão de Urbanismo da Novacap. [1989].
Bruno Giorgi, ecultor [1989]
Delcides, Abadia Silva, operário [1990].
Eduardo Gomes de Farias. Cantor. [1990].
Edson Porto- médico. [1989].
Eleonora Morandi Quadros de Sant’ Anna. Empresária. [1989].
Gervasio Carlos Batista, fotógrafo e jornalista da Manchete. [1991]
Giorgio Veneziani – empresário. Forneceu as mármores dos palácios de Brasília [1989]
Gomes de Faria, cantor. [1990]
Hermano Gomes Montenegro, jornalista e fotógrafo. [1989]. Trabalhava na revista Brasília, órgão do departamento de
divulgação da Novacap.
Jayme Zettel, arquiteto. Trabalhava na equipe de Lucio Costa. [1989].
Lucio Costa. [1988].
Luis Alberto Dias Lima de Vianna Moniz Bandeira, jornalista político. [1990]
Manoel Pereira da Silva, operário da construção civil. [1990]
Manuel Pessoas Mendes, responsável do almoxarifado do IAPI, [1991] Foi jornalista, escreveu o livro de memórias
“Meu testemhunho de Brasília” publicado em 1978.
Marcel Gautherot. [1990]
Maria Elisa Modesto Guimarães Costa. [1991]
Natalino Cavalcante de Melo, jornalista. [1990]
Nicolau Drei, jornalista e fotógrafo da Manchete. [1990]
Nonato da Silva, jornalista e chefe da divisão de divulgação da Novacap [1992]
Oscar Niemeyer. [1989]
Philomena Leporoni Mazzola, operária.
Severino Manoel dos Santos, da Guarda Policial de Brasília. [1990]
Sebastião Bispo dos Santos, operário da construção civil. [1990].
Sérgio Porto, arquiteto. [1989]. Integrava a equipe da D.U. de Lucio Costa.
Victor Fadul, desenhista da equipe de Joaquim Cardoso. [1990].
Vladimir Carvalho da Silva, cineasta. [1990].
333
FILMES
Andrade,Joaquim Pedro de. Brasília, contradições de uma cidade nova. Narrador: Ferreira Gullart. Ministério da
cultura e Petrobrás, Filme do Serro, 1969 (?). Restauração: Cinemateca Brasileira-Trama.
De Carvalho, Vladimir. Conterrâneos velhos de Guerra. Rio de Janeiro: Rio Filme, 1982 (?).
Tendlr. Sílvio. Os anos JK. Terra filme.
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Extraordinário de Críticos de Arte, sobre o tema: Cidade nova – a Síntese das Artes. Brasília, São Paulo, Rio de
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