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Maria Cristina da Silva Galvão
"Nós somos a História da Educação":
Identidade institucional e excelência escolar no Colégio Pedro II
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação do Departamento de Educação da
PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para
obtenção do título de Doutor em Educação.
Orientador: Profª. Zaia Brandão
Rio de Janeiro
Agosto de 2009
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510363/CA
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Maria Cristina da Silva Galvão
"Nós somos a História da Educação":
Identidade institucional e excelência escolar no Colégio Pedro II
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação do Departamento
de Educação do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Profª. Zaia Brandão
Orientadora
Departamento de Educação - PUC-Rio
Profª. Isabel Alice Oswald Monteiro Lelis
Departamento de Educação – PUC-Rio
Profª. Alícia Maria Catalano de Bonamino
Departamento de Educação – PUC-Rio
Profª Lea Pinheiro Paixão
UFF
Profª. Ana Maria Fonseca de Almeida
UNICAMP
Prof. Paulo Fernando C. de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de
Teologia e Ciências Humanas
Rio de Janeiro, 14 de agosto de 2009
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510363/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e
do orientador.
Maria Cristina da Silva Galvão
Graduada em Pedagogia (Magistério das Matérias Pedagógicas
do 2ºgrau, Administração Escolar para exercício nas Escolas de
1º e 2º Graus, Supervisão Escolar para exercício nas escolas de
1º e 2º Graus) pela UFF em 1981; Especialista em Filosofia da
Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação
(IESAE/ FGV) em 1987; Mestre em Educação pela UFRJ em
2003. Atuação desde 1977 no magistério da rede pública de
ensino: professora da rede municipal da cidade do Rio de
Janeiro durante dez anos (1977 a 1987) e da rede federal
(Colégio Pedro II) de 1984 até a presente data. Experiência na
área de Educação, com ênfase em Sociologia da Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: educação básica,
escola pública, trajetória escolar, clima escolar, identidade
institucional e qualidade do ensino.
Ficha Catalográfica
CDD: 370
Galvão, Maria Cristina da Silva
“Nós somos a história da educação”: identidade
institucional e excelência escolar no Colégio Pedro II /
Maria Cristina da Silva Galvão ; orientadora: Zaia Brandão.
– 2009.
293 f. : il. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Educação)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
Inclui bibliografia
1. Educação – Teses. 2. Identidade institucional. 3.
Clima escolar. 4. Qualidade de educação. 5. Escola
pública. I. Brandão, Zaia. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III.
Título.
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Uma dedicatória
Dedico esta tese a vivacidade dos semblantes das
crianças e pré-adolescentes que se dirigem
diariamente para as escolas públicas brasileiras, com
seus únicos cadernos e por vezes com uniformes
rotos ou incompletos. Fico imaginando as possíveis
condições precárias de suas escolas, seus
professores com duas ou três jornadas de trabalho,
seus tempos vagos... E fico vislumbrando o dia em
que terão uma escola pública de qualidade, um
aprendizado sem interrupção e um futuro digno que
possa vir a justificar a alegria com que enfrentam
toda a adversidade do nosso sistema público de
ensino.
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Agradecimentos
A Ismael da Silva, meu pai, poeta tardio que se foi no começo desse doutorado,
deixando um vazio só preenchido pelos livros que ele tanto amava.
A Ieda Alves, minha mãe, batalhadora na luta por vagas (para os cinco filhos) em
boas escolas públicas.
Ao meu filho Daniel, pelos momentos de Clarice, Saramago, Quintana ...
Ao Roberto, meu companheiro de alegrias e estudo, muito estudo.
A Zaia, meu muito obrigado pela escuta e pelo exemplo de sabedoria despida de
vaidade.
Ao grupo de pesquisas em Sociologia da Educação – SOCED, pelo apoio e pelos
embates maravilhosos.
A todos os profissionais e alunos do Colégio Pedro II que participaram dessa
pesquisa e me emocionaram com o seu amor pelo Colégio.
Aos familiares e amigos que eu tanto perturbei com minhas demandas.
Aos professores do programa de Pós-Graduação em Educação da PUC - Rio, pela
atenção e competência.
E, finalmente, às minhas queridas amigas da turma de 2005, que com sua amizade
tornaram esta empreitada muito mais leve: Ana Lúcia, Eloiza, Lobélia, Marcela e
Solange.
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Resumo
Galvão, Maria Cristina da Silva; Brandão, Zaia. Nós somos a História da
Educação”: Identidade Institucional e excelência escolar no Colégio
Pedro II. Rio de Janeiro, 2009, 293 p. Tese de Doutorado – Departamento
de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Esta pesquisa situa-se no centro das indagações sobre os objetivos da
educação institucionalizada e sobre o cumprimento, por parte da escola, daquilo
que oficialmente ela promete – a democratização do conhecimento escolar. Foram
investigadas as condições de produção do ensino considerado de qualidade em
nosso sistema escolar público, através do estudo de caso da Unidade Humaitá II,
que integra a rede de 13 Unidades Escolares do Colégio Pedro II, instituição
considerada um marco na educação brasileira porque sua história se origina na
própria história social, política e cultural do país, sendo uma escola percebida
como lócus de produção de elites escolares na perspectiva do imaginário social.
Para investigar a identidade institucional dessa escola pública de prestígio,
assumiu-se a hipótese de que o rendimento dos alunos é diretamente influenciado
pelo clima do estabelecimento, recorrendo-se a aspectos atribuídos ao clima
escolar e que foram destacados como fatores que outorgam diferenciação de
qualidade às escolas. A noção de clima se mostra como um fator primordial para o
estudo da identidade dos estabelecimentos de ensino. Concebidas como
organizações sociais, as escolas distinguem-se entre si, com seus modos próprios
de funcionamento e seus sistemas sociais de relações. O trabalho de campo foi
realizado ao longo de 2007 e 2008 e os dados foram coletados através dos
seguintes procedimentos: observação nos espaços coletivos, observação em salas
de aula, entrevistas semi-estruturadas (formais e informais) com professores,
alunos e funcionários e pesquisa em documentos. Para operacionalização do
conceito de clima escolar e análise das investigações, foram tomados como
referência teórico metodológica os autores Antonio Nóvoa, Leila Mafra, Luc
Brunet, Olivier Cousin, Pascal Bressoux , Teixeira Lopes e Manuel Jacinto
Sarmento. A partir da análise do material empírico foi possível identificar, no
contexto institucional da escola investigada, a configuração singular do conjunto
de características que constituem sua imagem de excelência. O sentimento de
pertencimento e a identificação dos integrantes da escola com o universo
identitário do Colégio Pedro II, a diversidade na origem social dos estudantes,
bem como a formação e o comprometimento dos docentes são as singularidades
institucionais que distinguem a Unidade Escolar Humaitá II, possibilitando à
maior escola pública brasileira fornecer um bom atendimento de Ensinos
Fundamental e Médio e ser detentora de desfechos escolares socialmente
valorizados.
Palavras-chave:
Identidade institucional; clima escolar; qualidade da educação; escola
pública.
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Abstract
Galvão, Maria Cristina da Silva; Brandão, Zaia (Advisor). We are History's
Education : Institucional identity and school excellence in Colégio Pedro
II. Rio de Janeiro, 2009, 293 p. Thesis – Departamento de Educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This study is inserted in current investigations about the goals of formal
education and about the fulfillment of the promise schools make: social rise to all
students. Focusing on our public school system, we investigated the conditions
under which quality teaching is produced. This investigation consisted of a case
study referring to Humaitá II, one of the thirteen branches of Colégio Pedro II, a
teaching institution which is considered a landmark in Brazilian education, as the
history of this school is closely related to the very history of the country, in social,
political and cultural terms. Also, this school is seen by Brazilian population as a
producer of social elites. We started with the hypothesis that students` proficiency
is directly influenced by the atmosphere surrounding the school they attend. We
focused on some of the aspects related to this atmosphere – the ones that were
highlighted as capable of making a difference in terms of quality teaching. The
notion of school atmosphere appears as a crucial factor to the study of school
identity. As a social organization, each school has its own way of operating and its
own social relation system. The field work was conducted in the years of 2007
and 2008 and data was collected in the following ways: observation of classrooms
and other collective spaces, documental research and semi-structured interviews,
both formal and informal, with teachers, students and other school workers. In
order to use the concept of school atmosphere properly and analyze the data, we
took the works of Antonio Nóvoa, Leila Mafra, Luc Brunet, Olivier Cousin,
Pascal Bressoux, Teixeira Lopes and Manuel Jacinto Sarmento our theoretical and
methodological reference. Through the analysis of the empirical data it was
possible to identify the singular configuration that the Humaitá branch has, that is,
the set of characteristics that account for its public image of excellence. These
characteristics are: the identification of the members of the school with the
identitary universe of Colégio Pedro II, the feeling of belonging to this universe,
the variety of social origins of its students and the qualification and commitment
of its teachers. All of these constitute the institutional singularity of the Humaitá
branch and make it possible for Colégio Pedro II, the biggest Brazilian public
school of elementary and secondary levels, to provide quality teaching and
socially valued school results.
Keywords
Institutional identity; school atmosphere; quality education; public school.
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Sumário
1. Questões preliminares........................................................................14
2. A escola e seus agentes.....................................................................23
2.1. A entrada no campo e primeiras impressões.....................................23
2.2. O cotidiano escolar em sua dimensão espacial.................................29
2.3. Os agentes escolares.........................................................................41
2.3.1. O perfil do efetivo docente...............................................................43
2.3.2. Os professores entrevistados..........................................................49
2.3.3. O perfil do efetivo de servidores técnico-administrativos................61
2.3.4. Os servidores técnico-administrativos entrevistados......................63
2.3.5. Os alunos........................................................................................67
3. O processo ensino-aprendizagem .................................................. 82
3.1. Alguns aspectos do currículo.............................................................82
3.2. O trabalho de Língua Portuguesa . ...................................................84
3.3. Os projetos inter/transdisciplinares. .................................................96
3.4. A Educação Musical .......................................................................105
3.5. O trabalho de Informática ...............................................................116
3.6. A sala de aula .................................................................................121
3.7. Avaliação / provas / recuperação.....................................................146
3.8. Algumas considerações sobre o processo ensino-aprendizagem
da Unidade Escolar Humaitá II .............................................................154
4. O cotidiano escolar em sua dimensão social.............................159
4.1. Relações famílias e escola ............................................................159
4.2. Relações alunos e escola............................................................... 170
4.2.1. As regras e a conformação das relações......................................175
4.2.2. Escola: um lugar para se estudar / um lugar para fazer amigos /
um lugar para não se esquecer...............................................................181
4.2.3. O protagonismo discente na trama escolar...................................184
4.2.4. Ser parte de um lugar....................................................................191
4.3. Relações interpares qualificando o ambiente de trabalho .............196
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5. Identidade institucional e excelência escolar ................................213
5.1. A não dissociação do jovem e do aluno .........................................214
5.2. A diversidade enquanto valor institucional .....................................220
6. Ponto de chegada: “Nós somos a História da Educação” ..........222
6.1. O tom emocional de uma escola pública de excelência .................222
6.2. A dimensão exterior de uma identidade institucional
O reconhecimento de uma grandeza ....................................................232
7. Referências bibliográficas................................................................237
8. Anexos ...............................................................................................250
8.1. As escolhas teórico-metodológicas................................................. 251
8.2. Programação do Seminário Machado de Assis no Humaitá II.........269
8.3. Cartaz do documentário sobre “Esaú e Jacó” (9º ano)....................271
8.4. Programação do I Seminário de Estudos de Literatura e Leitura do
Colégio Pedro II na Unidade Centro........................................................272
8.5. “Marmota Fluminense” - Jornal do centenário da morte de Machado
de Assis...................................................................................................274
8.6. Jogral do Grupo Fazendo Arte.........................................................275
8.7. Carta do 3º ano do Ensino Médio.....................................................276
8.8. Cartaz do Cineclube do Grêmio Humaitá.........................................278
8.9. Cartaz do Festival da Canção do Colégio Pedro II – 2008..............279
8.10. Transcrição da entrevista com a coord. de Língua Portuguesa ....280
8.11. Roteiro das entrevistas com docentes e técnicos..........................290
8.12. Carta dos professores do Departamento de Sociologia.................291
8.13. Convite de formatura do 3º ano do Ensino Médio..........................293
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Lista de Siglas
1) CPII – Colégio Pedro II
2) SOCED – Grupo de pesquisa em Sociologia da Educação
3) SEPEC - Setor de Pesquisa, Extensão e Cultura
4) DG – Direção Geral ou Diretor Geral
5) HI – Unidade Escolar Humaitá I
6) HII – Unidade Escolar Humaitá II
7) SCI – Unidade Escolar São Cristóvão I
8) SCIII – Unidade Escolar São Cristóvão III
9) RPs – Reuniões pedagógicas
10) SESOP - Setor de Supervisão e Orientação Pedagógica
11) ADCPII – Associação de Docentes do Colégio Pedro II
12) SINDSCOPE – Sindicato dos Servidores do Colégio Pedro II
13) PPP – Projeto Político Pedagógico
14) COCs – Conselhos de Classe
15) P1 – a outra escola pública pesquisada pelo SOCED
16) EF – Ensino Fundamental
17) EM – Ensino Médio
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Lista de Tabelas
1. Situação funcional dos docentes / Comparação Colégio Pedro II x
Unidade Escolar Humaitá II ....................................................................43
2. Professores do Ensino Regular e do Humaitá II, segundo o gênero....46
3. Idade dos professores da Unidade Escolar Humaitá II / 2007 .............47
4. Freqüência dos professores por anos de trabalho no Colégio Pedro II47
5. Formação acadêmica dos professores efetivos do Colégio Pedro II
e da Unidade Escolar Humaitá II - 2007 ..................................................48
6. Relação candidato / vaga para concurso público para a carreira do
magistério do Ensino Básico do Colégio Pedro II / 2008 ........................54
7. Distribuição de docentes da Educação Básica com formação superior e
pós-graduação na escola, na cidade do Rio de Janeiro, na Região
Sudeste e no Brasil .................................................................................56
8. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica / 2007- IDEB
Ensino Fundamental nos Anos Finais .....................................................68
9. Número de Matrículas no Ensino Fundamental / Anos Finais .............69
10. Desempenho dos alunos do 9º ano da Unidade Humaitá II – 2007 ..71
11. Composição do 6º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do
Ensino Médio da Unidade Humaitá II / 2007 ............................................73
12. Relação Candidato / Vaga para admissão de alunos no Colégio
Pedro II 2008 / 2009 ................................................................................75
13. Relação Candidato / Vaga para admissão de alunos na Unidade
Escolar Humaitá II ...................................................................................75
14. Alunos da Unidade Escolar Humaitá II participantes do Projeto
Refazer / 2007 .......................................................................................162
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Lista de Quadros
1 – Colégio Pedro II – Quantitativo discente por modalidade de ensino e
ano.............................................................................................................17
2 - Colégio Pedro II / Unidades / Modalidades de Ensino / 2009..............18
3 - Unidade Humaitá II / 2007 / Demonstrativo dos quantitativos de
alunos, docentes e técnicos......................................................................41
4 – Humaitá II / 2007 / Distribuição de docentes e técnicos por cargos....42
5 - Distribuição do efetivo discente da Unidade Humaitá II / 2007............67
6 - Taxas de reprovação do 9º ano do Ensino Fundamental – Rede
Municipal / Colégio Pedro II / Unidade Humaitá II em 2007......................71
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Lista de ilustrações
1 – Planta 1 - Pátio interno da Unidade Escolar Humaitá II......................34
2 – Primeira foto da performance a partir da leitura de O Alienista, 3º ano
do Ensino Médio / 2008.............................................................................86
3 - Segunda foto da performance a partir da leitura de O Alienista, 3º ano
do Ensino Médio / 2008............................................................................86
4 - Primeira foto da apresentação do Grupo Fazendo Arte / 2008............99
5 – Segunda foto da apresentação do Grupo Fazendo Arte / 2008..........99
6 - Terceira foto da apresentação do Grupo Fazendo Arte /
2008............99*
7 - Foto de alunos no laboratório de Informática do Humaitá II..............120
8 – Desenho feito por uma aluna do 2º ano da Unidade Humaitá I........193
9 – Planta 2 - Sala dos professores e copa do Humaitá II.....................198
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1
Questões preliminares
Quando, de forma convergente, nos referimos à “escola como objeto de
estudo” não é seguro para mim que estejamos todos a falar da mesma
coisa. De que falamos então?
(...) a escola, enquanto objeto social, não corresponde a um objecto de
estudo (...) mas sim a múltiplos objectos de estudo, consoante a
multiplicidade de olhares teóricos de que for alvo. Deste ponto de vista, a
cada investigação concreta corresponde um específico objecto de estudo,
construído com base num olhar teórico particular (entre vários possíveis)
sobre um segmento da realidade, recortado de forma não arbitrária.
(Rui Canário, 1996, p.127)
Escola pública, direito do cidadão, dever do Estado. A Constituição Federal
determina que o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito para todos, seja
considerado explicitamente direito público subjetivo. Os governantes podem ser
responsabilizados juridicamente pelo seu não oferecimento ou por sua oferta
irregular. O direito à educação abrange o acesso e a permanência no Ensino
Fundamental, além da garantia do padrão de qualidade como um dos princípios
segundo o qual deve se estruturar o ensino (Cury, 2002). Recentemente, a
Educação Básica em nosso país vem sofrendo várias alterações, com grande
enfoque no Ensino Fundamental
1
.
Ao longo dos meus 32 anos de magistério no sistema público de ensino,
atuando neste nível de ensino, nas redes municipal e federal, o tema “desempenho
escolar na escola pública brasileira” sempre se colocou como questão central das
minhas indagações. Para desenvolver este projeto, optei por aprofundar a
investigação sobre as condições de produção do ensino considerado de qualidade
em nosso sistema público, tendo como referência alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental.
A pesquisa sobre as condições de produção do ensino considerado de
qualidade em nosso sistema público, tendo como referência os alunos do 9º ano
do Ensino Fundamental é o problema desta investigação.
1
Como alterações legais mais recentes temos a obrigatoriedade do início do Ensino Fundamental
aos seis anos de idade e duração de 9 (nove) anos para esta modalidade de ensino.
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Questões preliminares
15
Durante o curso de mestrado avaliei a experiência de democratização do
acesso ao Colégio Pedro II (CPII), realizada por meio do sorteio de vagas para a
classe de alfabetização
2
. A partir do quadro fornecido por Pierre Bourdieu, de
análise das relações entre o sistema de ensino e a estrutura social, investiguei
trajetórias escolares dentro desta instituição pública, considerada de excelência.
Dentre os vários recortes da pesquisa, acompanhei o percurso escolar de 178
alunos que foram sorteados em 1990 e constituíram, naquele ano, dez turmas da
classe de alfabetização. Verifiquei que, passados 12 anos, por motivos diversos
(jubilação, evasão, trancamento de matrícula e pedidos de transferência), 33%
dos alunos deste grupo ou não concluíram sua escolaridade ou estavam fazendo
isso fora do Colégio Pedro II.
Aliada a esta experiência do mestrado, o meu ingresso no SOCED (Grupo de
Pesquisas em Sociologia da Educação da PUC – Rio), coordenado pela professora
Zaia Brandão, e que vem há cerca de uma década desenvolvendo uma série de
pesquisas sobre os processos de escolarização em escolas de prestígio da cidade do
Rio de Janeiro, representou mais uma motivação para a construção e efetivação desta
pesquisa. Como membro do SOCED desde o primeiro semestre de 2005, tenho
vivenciado todas as etapas que compõem uma pesquisa com a perspectiva de
articular as dimensões macro e micro sociais no campo da Sociologia da Educação.
Tive oportunidade de me familiarizar com o acúmulo de material teórico e empírico,
produzido por um grupo que é confrontado permanentemente com a necessidade de
ampliação do campo das referências, de reformulação de hiteses teóricas, de
precisão de terminologias e conceitos e de desenvolvimento de novas interlocuções.
Assinalo a importância que o SOCED tem conferido no seu boletim eletrônico à
valorização do trabalho de construção do material empírico e ao caráter sempre
provisório e, portanto, inacabado da pesquisa.
Nos anos de 2002 e 2004, o grupo produziu um material empírico,
inicialmente a partir de respostas ao survey, composto de 1489 questionários,
encaminhados para alunos, famílias e professores, que fora aplicado na 8ª série de
2
Em janeiro de 2003, defendi no programa de Pós-graduação em Educação da UFRJ a dissertação
intitulada A jubilação no Colégio Pedro II, que exclusão é essa? Minha investigação foi
desdobrada em algumas etapas, sendo que, em uma delas, pesquisei por meio de quais
mecanismos escolares uma parcela dos alunos sorteados saía do Colégio antes de terminar a
Educação Básica.
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Questões preliminares
16
nove escolas
3
, dentre as quais estava a Unidade Escolar Humaitá II do Colégio
Pedro II. No ano de 2005, o SOCED disponibilizou para as nove escolas,
conforme o combinado na negociação do trabalho de pesquisa, os resultados do
survey, cotejados com as características do conjunto das outras oito escolas e
algumas análises feitas pela equipe. Este material foi apresentado em reunião e
debatido com as instituições que apresentaram interesse nessa interlocução.
No ano de 2006, a equipe retornou a três dessas escolas para observar o
cotidiano escolar (o ambiente institucional e algumas salas de aula), objetivando
o aprofundamento da análise das singularidades institucionais e sua interação
com os processos de escolarização. Foi organizado um corpus de pesquisa, com
análise de algumas questões dos questionários e estudos monográficos derivados
do trabalho de campo. Este estudo mais detalhado sobre o dia a dia das escolas
incluiu, entre outros procedimentos, observação de aulas da 8ª série e entrevistas
com profissionais da escola: professores desta série, membros da equipe
pedagógica, funcionários e gestores
4
.
Incorporando esta proposta, decidimos por uma investigação mais
detalhada no Colégio Pedro II, retornando, portanto, à Unidade Escolar Humaitá
II para desenvolver uma análise institucional mais apurada.
Por que a escolha do Colégio Pedro II? Porque se trata da maior escola
pública brasileira no atendimento ao Ensino Fundamental e Médio, com 11 707
estudantes (matriculados em 2009, do 1º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano
do Ensino Médio), encontrando-se em processo de expansão, inclusive para
outros municípios do nosso estado.
3
O recorte feito pelo grupo não pretendeu atestar que as escolas investigadas seriam realmente as
melhores do Rio de Janeiro, mas sim que consolidaram a imagem de melhores, aparecendo
anualmente nos rankings dos vestibulares das principais universidades. São, portanto, percebidas
como lócus de produção de elites escolares, na perspectiva do imaginário social. Procurou-se
contemplar diferentes tipos de escolas (confessionais, públicas, alternativas e bilíngues), com o
objetivo de abranger diferentes perfis de elites (culturais, profissionais, econômicas, artísticas...).
4
Foram feitas 41 entrevistas e efetuadas mais de 120 horas de observação. Atualmente o SOCED
dá continuidade ao seu programa de pesquisa sobre os processos de produção de qualidade de
ensino com base nas referências de desempenho das escolas divulgadas pelas avaliações nacionais
(Prova Brasil e ENEM); procurando ampliar o peso do setor público em relação à amostra
anterior (representado apenas por duas escolas federais,) incorporou escolas da rede municipal do
ensino (mais abrangente, assim como mais representativa do sistema público de ensino
fundamental).
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Questões preliminares
17
Quadro 1- Colégio Pedro II – Quantitativo discente por modalidade de ensino e ano
Etapas de ensino 2007 2008 2009
1º segmento 2744 2791 2456 Ensino
Fundamental
2º segmento 4100 4185 3967
Regular 4195 4142 4242
Informática 256 383 341
Integrado
Meio Ambiente 73 124 132
Proeja*
1
598 486 569
Ensino Médio
Subsequente*
2
210 - -
Total de alunos
12176 12111 11707
Fonte: Secretaria de Ensino do Colégio Pedro II
*
1
Cursos de técnico em montagem e manutenção de computadores e técnico em
manutenção auto-motiva.
*
2
Funcionou experimentalmente em 2007, jovens que já tinham o Ensino Médio
concluído fizeram um ano de Informática.
O ingresso de alunos no Colégio Pedro II dá-se, anualmente, no 1º ano do
Ensino Fundamental, no 6º ano e na 1ª série do Ensino Médio. Para ingressar no
1º ano os alunos participam de um sorteio. Este processo de acesso dá à clientela
das classes iniciais do Ensino Fundamental uma caracterização
socioeconômicacultural bem diversificada, já que são atendidos desde filhos de
desempregados e pescadores a filhos de médicos e militares. No 6º ano e no 1º
ano do Ensino Médio, o ingresso se dá por meio de concurso.
O reconhecimento social deste Colégio faz com que, anualmente, o número
de candidatos inscritos para os sorteios ou concursos de admissão das treze
Unidades Escolares ultrapasse em muitas vezes o número de vagas oferecidas.
Em 2007, 1 123 professores atendiam a este corpo discente, que supera em
número o total de alunos de várias redes municipais do país
5
.
O retorno a este estabelecimento de ensino propiciou enfocar os processos
de produção da qualidade de ensino
6
de uma das Unidades Escolares dessa escola
pública, percebida como lócus de produção de elites escolares
7
, nos colocando na
5
Santa Rosa dos Purus (AC), Vila Pavão (ES), Areia de Baraúnas (PB), Cocal da Telha (PI),
André da Rocha (RGS), Lavinia (SP) e Pugmil (TO) são exemplos de alguns municípios onde a
soma das matrículas da Creche, Pré-escola, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação
Especial e Educação de Jovens e Adultos fica aquém do total de matrículas do CPII.
6
Na perspectiva do projeto do SOCED, qualidade de ensino refere-se às representações sociais
que construíram o prestígio da instituição.
7
No Projeto do SOCED utiliza-se a expressão elites escolares porque os alunos das escolas que
participam da pesquisa estão entre os mais bem preparados do ponto de vista escolar.
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Questões preliminares
18
contramão dos dados estatísticos que demonstram a baixa efetividade do nosso
sistema de ensino.
O Colégio Pedro II, tradicional instituição pública da rede federal de
ensino, foi fundado em 1837. Durante o maior período de sua existência, atendeu
às séries correspondentes ao antigo Ginásio e atual Ensino Médio. Foi o primeiro
colégio público, laico, humanitário, propedêutico, formando no curso secundário
bacharéis para o ingresso no ensino superior.
Atualmente, compreende um complexo educacional com 13 Unidades
Escolares que funcionam em prédios próprios, localizados em seis bairros da
cidade do Rio de Janeiro - Centro, Engenho Novo, Tijuca, Humaitá, São
Cristóvão e Realengo - e nos municípios de Duque de Caxias e Niterói.
Quadro 2 - Colégio Pedro II / Unidades / Modalidades de Ensino / 2009
Modalidades de ensino
Fundamental Médio
Unidades
Escolares
Ano de
Fundação
1º ao 5º 6º ao 9º
Centro 1837 x x
S. Cristóvão II 1888 x
Humaitá II 1952 x x
E. Novo II 1952 x x
Tijuca II 1957 x x
S. Cristóvão I 1984 x
Humaitá I 1985 x
E. Novo I 1986 x
Tijuca I 1987 x
S. Cristóvão III 1999 x
Realengo 2004 x
Niterói 2006 x
D. de Caxias 2008 x
Fonte: Site do Colégio Pedro II (2009)
Almanaque Histórico (2007)
Azevedo (2005)
Apesar do Colégio ter 172 anos, o ensino do 1º ao 5º ano só foi iniciado
25 anos. Em 1983, pelo edital, tomou-se conhecimento do concurso público para
contratar professores para atuar nas primeiras séries do antigo 1º grau. Em 1984,
foi criada, em São Cristóvão, a primeira Unidade Escolar I, que atenderia da
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Questões preliminares
19
classe de alfabetização à 4ª série. Desde então, o ingresso para a classe de
alfabetização (atual 1º ano) se dá por meio de sorteio. Essa experiência foi
ampliada para as demais Unidades Escolares: Humaitá (1985), Engenho Novo
(1986) e Tijuca (1987).
A pesquisa que desenvolvemos na Unidade Humaitá II continuou com o
foco na 8ª série (atual 9º ano) porque esta, além de estar articulada com o
programa de estudos do SOCED sobre a escolarização das elites (que possui, em
relação à 8ª série, um elenco de nove instituições pesquisadas), tem como
universo preferencial os alunos que estão há pelo menos quatro anos no
estabelecimento de ensino, uma vez que interessa a este estudo captar as
disposições escolares adquiridas naquela escola.
Além da justificativa acima, sabemos que um dos momentos fortes do
percurso dos alunos, em que se medem os efeitos da escola, se dá no final de um
determinado ciclo de ensino, ao se verificar a transição para um nível superior ou
para o mercado de trabalho (Bosker & Schereerens, 1992).
Esclareço que leciono no Colégio Pedro II há 25 anos e argumento que,
apesar de ser professora desta instituição, as situações pesquisadas são novas para
mim, tendo em vista que sempre regi as séries iniciais do Ensino Fundamental na
Unidade São Cristóvão I. Fazer parte do quadro de docentes do CPII, portanto,
não me dava, a priori, o domínio de todos os aspectos do ensino que vem sendo
desenvolvido em suas Unidades Escolares.
Esta pesquisa é credora do investimento em estudos, feito durante todo o
curso de Doutorado. Leituras desenvolvidas durante quatro anos e meio de
convívio acadêmico inviabilizam reconhecer o débito direto ou indireto para com
vários autores. Muitos colaboraram na construção do arcabouço teórico-
metodológico: Barroso, 1996; Bonamino, 2004; Bourdieu, 1983, 1989, 1997,
1998, 2003, 2007; Brandão, 2000, 2003, 2004, 2005, 2007 e 2009; Canário
(1996); Forquin, 1995; Mafra, 2003); Tura, 2003, etc. Alguns foram
fundamentais para a definição do recorte que permitiu mapear e interpretar as
estratégias - responsáveis pela aquisição de habitus favoráveis aos bons
desempenhos - produzidas e reproduzidas pela instituição investigada. Bressoux
(2003), Brunet (1995), Cousin (1993), Nóvoa (1995), Sarmento (2003) e Teixeira
Lopes (1997), entretanto, foram os autores emblemáticos para a trajetória de
delimitação e análise do objeto de estudo dessa pesquisa. Além deles, foram
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Questões preliminares
20
importantes os artigos publicados na mídia sobre o Colégio e sobretudo as fontes
de pesquisa da História do Colégio Pedro II, as quais recorri durante toda a
análise do material empírico.
A densa exploração bibliográfica experenciada no SOCED, com destaque
para o equipamento conceitual proposto por Bourdieu e a participação nas
reuniões do GT Sociologia da Educação da ANPEd – propiciaram um importante
fluxo de referências teórico-metodológicas, que deram-me segurança para operar
com a abrangência e imprecisão do conceito de clima escolar - núcleo conceitual
desta pesquisa.
Objetivando um maior conhecimento dos processos intraescolares que
contribuem para a constituição e manutenção da imagem de excelência da Unidade
Humaitá II, busquei destacar aspectos da sua identidade
8
institucional, investigando
as características do clima escolar que repercutiriam no desenvolvimento dos
habitus (escolares) favoráveis ao bom desempenho que marcam a trajetória dessa
tradicional instituição no cenário do Sistema Escolar Brasileiro.
A noção de clima escolar apresenta dificuldades de estabelecimento de
parâmetros para o seu estudo, tendo por isso mesmo motivado intensos debates
acadêmicos
9
. A bibliografia passa por vários termos que apresentam similaridade
na sua significação: “clima institucional”, “atmosfera”, “ethos escolar”, “cultura
escolar”, “cultura organizacional escolar”, “cultura institucional”, entre outros.
Os estudos dos estabelecimentos escolares, os estudos das escolas eficazes, a
sociologia das organizações, a psicologia social, são alguns dos recortes
temáticos que recorrem a noção de clima, buscando.um conceito que permita
“juntar as características isoladas para integrá-las num conjunto que lhes confere
sentido” (Bressoux, 2003, p.51).
Os pressupostos teóricos que balizam a noção de clima escolar sugerem
extensa lista com observações empíricas para tornar o conceito operacionalizável.
Bressoux (2003) a partir da revisão de diversas pesquisas
10
, assinala que o
8
Somente a partir de um conhecimento aprofundado dos processos de constituição da identidade
do estabelecimento podemos colocar corretamente o problema de seu efeito. O estabelecimento
dispõe de uma identidade que se apropria dos elementos que lhe são injetados do exterior, volta a
trabalhá-los, reformula-os por uma espécie de metabolismo que ainda fica por definir (Forquin,
1995).
9
Na bibliografia final, o leitor encontra citados toda as referências consultadas sobre a questão.
10
Brookover et al. (1970), Cohen (1985), Grisay (1989), King (1983), Rowan et al. (1991),
Tagiuri (1968) e Weick (1976, 1982).
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Questões preliminares
21
conceito de clima é problemático porque, tratando-se de uma variável latente, é o
resultado da interação de um conjunto de variáveis. Destaca ainda a possibilidade
de existir não um único clima na escola, mas vários.
Em se tratando de um conceito bastante abrangente e impreciso, sabíamos
da impossibilidade de investigar todas os possíveis indicadores do clima escolar.
Para operar com o conceito de clima escolar, foram escolhidos, inicialmente, três
aspectos¹¹ dentre os atributos apontados nos estudos sobre o tema:
a percepção dos agentes sobre o ambiente institucional;
as relações estabelecidas na escola;
as características do corpo docente.
Durante o período exploratório de nossa pesquisa, a atenção foi dirigida
para todas as possibilidades de entendimento e apreensão do lugar ocupado pela
escola investigada na vida de seus agentes. A necessidade de tradução do que fora
observado na Unidade Humaitá II, após dois meses de entrada no campo e após a
realização de algumas entrevistas, me levou a ampliar a matriz inicial de
observação. Somente o mergulho na empiria, concomitantemente com a revisão
de literatura, permitiria eleger os fatores que melhor expressariam o cotidiano da
escola investigada. Deste modo, foram enxertados alguns subitens aos aspectos
iniciais, ampliando a matriz de observação da pesquisa com a incorporação de
novas categorias.
A matriz de observação adotada com os novos aspectos inclusos:
- Relações estabelecidas na escola.
- Percepção dos agentes sobre o ambiente institucional.
- Características do corpo docente.
- Características do corpo discente
- O senso de pertencimento
- O universo identitário da Unidade.
11
Estes aspectos constam nas investigações que remetem aos indicadores para o estudo dos
estabelecimentos de ensino e do clima escolar, das características do clima favoráveis ao sucesso
escolar e à eficácia. São citados pelos seguintes estudiosos: Forquin, 1995; Bressoux, 2003;
Brunet, 1992; Nóvoa, 1992 e Cousin, 1993.
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Questões preliminares
22
Inspiradas no mestre Bourdieu (2007), decidimos por remeter aos anexos
as escolhas teórico-metodológicas (Anexo 1). Adotamos assim, uma ordem de
exposição o mais próxima possível do andamento da pesquisa e apresentamos
progressivamente, na ordem em que foram efetuadas, as operações que
permitiram extrair sentido do material empírico recolhido ao longo da pesquisa
(idem, p.461).
No capítulo seguinte iniciaremos o relato e a análise do trabalho de
campo, efetuado ao longo de dois semestres não consecutivos
12
. Foram ao todo
145 horas de observações na escola, entre as quais 10 horas e 40 minutos em
salas de aula, 13 horas de entrevistas, 2 horas e 30 minutos de conversas
informais com alunos e 17 horas de atividades em outras Unidades Escolares do
Colégio
13
.
12
Em virtude da dependência de concessão de licença para estudos à pesquisadora, possibilitando
a realização do trabalho de campo.
13
Algumas observações aconteceram em outras duas Unidades Escolares do CPII: Unidade
Centro (Seminário de Estudos de Literatura e Leitura do Colégio Pedro II), Unidade São
Cristóvão (formatura do 9º ano de 2007, entrevista com a Diretora Geral e idas à Secretaria de
Ensino, Setor de Engenharia, Setor de Planejamento e Controle e SEPEC – Setor de Pesquisa,
Extensão e Cultura).
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2
A escola e seus agentes
Apenas um diário de pesquisa poderia dar uma idéia justa das
inumeráveis escolhas, todas tão humildes e derrisórias, tão difíceis e
decisivas, logo, das inumeráveis reflexões teóricas, muitas vezes ínfimas
e indignas do nome de teoria tomado no sentido comum, que é preciso
operar, durante anos, a propósito de um questionário difícil de
classificar, de uma curva inesperada, de uma questão mal colocada, de
uma distribuição à primeira vista incompreensível, para chegar a um
discurso que será tanto mais bem sucedido quanto melhor esquecer os
milhares de retornos, de retoques, de controles, de correções que o
tornaram possível ao afirmar, em cada uma de suas palavras, o alto teor
de realidade que o distingue do, igualmente não falso, ensaísmo.
Contentamo-nos, então, em apresentar, a seu tempo, no próprio
transcorrer da exposição dos resultados, as informações indispensáveis
para compreender e controlar os desdobramentos da análise....
(Bourdieu, 2007, p.466)
2.1
A entrada no campo e primeiras impressões
A chegada à Unidade Escolar Humaitá II foi precedida por três idas ao
prédio da Direção Geral do Colégio que se localiza no bairro de São Cristóvão,
onde, além de encontrar-me com a chefe do Setor de Pesquisa, Extensão e Cultura
– SEPEC
14
, tive também que fazer contato com o chefe do Setor de Planejamento
e Controle e com o chefe dos Recursos Humanos. Vivenciei verdadeira
empreitada para cadastrar o projeto e iniciar o trabalho de campo na Unidade
Escolar Humaitá II (HII).
Relato alguns detalhes dos encontros e exigências que me foram feitas
porque entendo que esta tramitação já põe em destaque características desta
escola. No primeiro encontro que tive com a chefe do setor, após folhear o meu
14
O SEPEC foi criado em 2004, no início da gestão que então vigorava no Colégio. Dentre seus
objetivos deve incentivar e ampliar a participação dos alunos em projetos e programas de iniciação
à pesquisa científica e de atividades extensionistas, e, conforme divulgado no site da escola,
estabelecer regras, procedimentos e orientações quanto ao cadastramento de projetos de pesquisa,
extensão e cultura em desenvolvimento no CPII. A partir de sua criação, toda e qualquer atividade
de pesquisa no Colégio deveria ser precedida do cadastramento neste setor.
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A escola e seus agentes
24
projeto, ela me disse que eu teria que refazer e detalhar mais para que pudesse
cadastrá-lo
15
.
Claramente me foi dada uma extensa tarefa: adequar meu projeto às
exigências que estavam sendo feitas (roteiros e quadros) e descobrir todos os
setores do HII com os respectivos funcionários e o quantitativo de cada segmento
escolar. Incluindo, ainda, discriminar decisões que eu considerava que não
deveriam ser tomadas a priori (totais de entrevistados), porque o andamento da
pesquisa deveria ir definindo mais precisamente as etapas seguintes. Sendo meu
objetivo primordial iniciar o trabalho de campo, não havia como não acatar as
exigências e proceder às modificações. A tarefa seria facilitada porque eu
conhecia as pessoas que podiam me dar as informações necessárias e sabia onde
trabalhavam. Refleti o quão mais difícil se mostraria este momento para um
pesquisador que não conhecesse os meandros do Colégio. Fui aos dois setores
sugeridos, esperei, retornei, telefonei e, finalmente, consegui os dados
16
.
Voltei ao SEPEC com o projeto modificado, conforme as exigências que
me foram feitas no 1º dia (21/8/07)
17
. Ainda não foi neste dia que se deu o
cadastramento para o início da investigação, pois a professora solicitou retificação
de outras questões. Desta vez, a forma de apresentação dos objetivos foi alvo da
inquisição da chefe do setor. Eles deveriam ser numerados para serem citados ao
lado de cada procedimento listado. Resolveu interferir também no conteúdo dos
objetivos do projeto porque discordou totalmente de que fossem efetuadas
comparações da Unidade Humaitá II com o Colégio Pedro II como um todo.
No meu retorno ao setor, no dia 10/09/07, entreguei a 3ª versão do projeto,
incluindo a retificação dos quatro objetivos que haviam incomodado. O texto foi
15
Mandou que retirasse algumas partes teóricas da introdução e da metodologia porque nada
daquilo interessava e deveria redimensionar a amostra. Eu deveria, também, fazer um roteiro
completo de observação dos espaços escolares e das aulas, assim como roteiros de entrevistas.
Tinha que pôr o total de entrevistas por segmento. Aleguei da dificuldade em informar o total de
entrevistas por segmento, visto desconhecer os quantitativos de docentes e funcionários da
Unidade Humaitá II. Ela disse que eu deveria me dirigir ao Chefe dos Recursos Humanos e ao
Chefe de Planejamento para pegar estas informações.
16
Quantitativos de alunos, docentes e funcionários e listagem dos setores da Unidade com total de
funcionários por setor.
17
Na metodologia incluí uma ficha de observação dos espaços escolares, baseei-me nas
informações sobre os setores do HII, que me foram cedidas pelo Chefe dos Recursos Humanos.
Acrescentei também um roteiro de observação de aulas e roteiros de entrevistas; fiz um quadro de
entrevistas com o quantitativo de entrevistados. Conforme havia sido solicitado, discriminei as
duas etapas da pesquisa, uma com os procedimentos de investigação de 2007 e outra com os
procedimentos de 2008. Coloquei os nomes das colaboradoras eventuais na pesquisa com as
respectivas formações e experiências profissionais.
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A escola e seus agentes
25
novamente folheado pela professora e, como continha todas as retificações
referentes à forma e conteúdo que haviam sido impostas, foi finalmente
aprovado
18
.
Apesar da Secretária de Ensino do Colégio, com quem eu tivera um
encontro bem rápido no corredor (no primeiro dia em que me dirigi ao setor),
afirmar que o cadastramento seria uma coisa simples, levei 23 dias (21/08/2007 a
14/09/2007) nesta tramitação. E não poderia ser de outra forma: caso não acatasse
os pedidos, poderia demorar mais ainda para chegar à Unidade onde pesquisaria
porque teria que recorrer a outros órgãos ou pessoas para interferirem neste
processo.
Referindo-se a processos de negociação com a escola e/ou com a
administração central ou regional de uma rede pública de ensino, Tura (2003)
destaca que os trâmites burocráticos e de relações pessoais e institucionais são
etapas essenciais para o bom andamento de um trabalho de campo. Eu estava
iniciando o percurso da pesquisa e avaliei que não seria de bom alvitre ter uma
contenda neste momento. Numa avaliação momentânea poderíamos dizer que a
chefe do setor talvez quisesse ter tudo sob completo controle, para que nada
escapasse, daí as exigências de diversas retificações. Houve, no entanto,
interferência nos objetivos do projeto que estava sendo cadastrado e certamente a
motivação para isto não foi apenas burocrática.
Carvalho (2003ª) salienta a importância de se considerar nas análises de
uma investigação, as interpretações a respeito do investigador e da pesquisa, e
refere-se a uma das identidades a ela atribuída em pesquisa desenvolvida numa
escola pública de São Paulo (1996 a 1998), qual seja a de autoridade intelectual
19
,
decorrente da sua condição de pesquisadora, professora universitária e
doutoranda. Nesta primeira etapa da minha investigação, não creio ter sido
atribuído a minha pessoa este lugar, interpreto toda a ingerência que houve sobre
18
Imediatamente a responsável pelo setor fez contato por telefone com a diretora do HII para
agendar minha primeira ida à Unidade. Informei toda a minha disponibilidade e minha
apresentação ficou marcada para 14/9/2007 (6ª feira), às 15 horas. Ela mandaria uma cópia do meu
projeto para a direção da Unidade Escolar.
19
Nesta mesma pesquisa, Carvalho detectou outras duas formas básicas de relacionamento com
ela: foi-lhe atribuído também o lugar de estagiária e de psicóloga. A autora considera que a
presença do pesquisador no interior da escola e da pesquisa dentro do cotidiano escolar são
questões pouco presentes nos estudos sociológicos sobre a instituição escolar desenvolvidos no
Brasil. No seu texto “Um lugar para o pesquisador na vida cotidiana da escola” (2003),
demonstra, através de exemplos, a potencialidade da incorporação deste tema.
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A escola e seus agentes
26
o texto do projeto, como insegurança e consequente necessidade de afirmação de
uma autoridade e de um cargo. No final do ano seguinte tive contatos com a
pessoa que substituiu a professora na chefia deste setor e vivenciei um processo
inverso na recepção de um pesquisador. Conversamos muito sobre escolas
públicas, sobre pesquisas e sobre o Colégio, e claramente minha ida ao setor foi
então vista como uma oportunidade para se trocar idéias sobre a educação em
geral e sobre questões acadêmicas.
Considerando que o processo de pesquisa é uma prática social situada num
contexto histórico-cultural, atravessada por relações de poder, conforme outros
aspectos da sociedade, assumo que nossas reflexões devem incluir as respostas
que os sujeitos dão à própria pesquisa e ao pesquisador. Criamos, assim, novas
fontes de informação e novas possibilidades de compreensão de nossos
interlocutores. Estas ponderações (reações dos sujeitos) encontram-se nos
preâmbulos dos relatórios de pesquisa, mas normalmente não são incluídas como
elementos a serem considerados nos processos de análises e conclusões (Carvalho,
2003ª).
Conforme proposição da autora citada no parágrafo anterior, por estar
justamente focada nas particularidades da escola, procurei atentar para as reações
ao meu respeito e a respeito da pesquisa desenvolvida, não necessariamente em
sua dimensão psicológica, mas especialmente como manifestações de sua inserção
social e institucional. Posso, assim, a partir destes primeiros contatos, demarcar
uma característica desta instituição, às vezes, menos por diretrizes e mais por uma
questão de personalidade de ocupantes de cargos, o atendimento e
encaminhamento de ocorrências do dia a dia, principalmente com pessoas que não
fazem parte dos quadros do estabelecimento, podem assumir a forma de
desestímulo para os solicitantes.
Superada esta etapa, dirigi-me, no dia acordado (14/09/2007 – 6ª feira),
para a Unidade Escolar Humaitá II, atenta à linguagem e postura adequadas,
decidida a iniciar com “o pé direito” o processo de negociação com a escola. Esta
acolhida também foi cercada de reveses, resumindo: tive que ficar ratificando
junto ao guarda da portaria e a uma das assessoras da direção que eu realmente
havia marcado uma hora com a diretora. Após algum tempo fui recebida
20
, a
20
A diretora foi até a antessala, não fui convidada a entrar. Ela me viu de relance e percebi que me
reconhecera.
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A escola e seus agentes
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diretora foi até a antessala onde eu estava esperando, sentou-se ao meu lado no
sofá e disse que não poderia me atender naquele dia, que estava com muitos
problemas. Pareceu-me que havia esquecido o nosso encontro. Perguntei se havia
lido meu projeto
21
, ela disse que não. Posteriormente, vim a saber que aquele fora
um dia especialmente difícil para a Unidade, pois os alunos do 3º ano do Ensino
Médio tinham começado uma brincadeira de guerra dágua, como uma das muitas
formas de despedida do Colégio. Não sei de todos os desdobramentos, mas parte
da escola ficara alagada.
Soube também que, antes da minha chegada, a diretora tivera uma queda
de pressão e quando estávamos conversando a luz acabou, o que é ruim em
qualquer estabelecimento de ensino. Além de tudo, era dia do seu aniversário e
havia uma pequena comemoração programada, não era um bom dia mesmo para
me receber.
Quando a luz acabou, fiquei uns 15 minutos no escuro
22
, na companhia de
Pedro de Araújo Lima, Marquês de Olinda, Regente do Império, que criou o CPII,
e Bernardo Pereira de Vasconcelos, que, na qualidade de Ministro da Justiça e do
Império, referendou o ato do Regente. Quando a luz voltou (dava para escutar a
gritaria dos alunos), dirigi-me à diretora, que apareceu rapidamente na porta da
antessala das assessoras, e consegui agendar um outro dia, combinamos para 5ª
feira da semana seguinte, às 15 horas.
Na escuridão, num tempo que me pareceu uma eternidade, tentara refletir
sobre o que estava acontecendo. Deveria controlar a minha ansiedade, mas não
pude deixar de avaliar que todo diretor de escola, de posto de saúde, gerente de
banco, enfim, deve ter uma agenda que certamente pode sofrer alterações. Penso
que era o caso da direção dar conta do que tinha programado para este dia e
desmarcar aquilo que não fosse possível cumprir. Além disso, sendo nosso
primeiro encontro, não houve nenhum empenho em passar, através de discurso ou
de comportamento, um sentimento de receptividade.
21
Conforme relatei anteriormente, a chefe do SEPEC se encarregou de enviar uma cópia do projeto
para a direção da Unidade.
22
No corre-corre para se tentar resolver a falta de luz, alguém fechou a porta da antessala, fazendo
com que eu ficasse na mais completa escuridão porque não havia janelas no recinto. Havia
reparado nos retratos na parede do Marquês de Olinda e de Bernardo Pereira de Vasconcelos
(Ministro da Justiça e do Império). Nas Unidades Escolares do Colégio costumamos encontrar
retratos do Imperador Pedro II e de algumas figuras do segundo império. No “Pedrinho” de São
Cristóvão há também um retrato do Imperador ainda menino.
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A escola e seus agentes
28
Não ter sido contatada para adiarmos esse encontro, despertou em mim
não apenas indagações, mas um estranhamento em relação àquela realidade com a
qual tivera contato. Assim se deu ao longo de todo o trabalho de campo, até
mesmo o supostamente familiar numa escola, pode tornar-se bastante original aos
olhos de um pesquisador.
A dinamicidade do campo foi se evidenciando nas condições do encontro
seguinte, bem diversas do primeiro contato. No meu segundo dia na Unidade,
comuniquei ao mesmo guarda que estava no portão interno na semana anterior,
que tinha uma entrevista com a direção. Dessa vez, sem fazer contato por telefone,
ele mandou que eu entrasse. Chegando à sala da assessoria, apresentei-me a uma
moça e logo depois ela me mandou entrar na sala da diretora, que neste segundo
contato estava com um ar muito melhor. Não sei se havia lido o projeto, mas
pediu que eu falasse um pouco da pesquisa, e assim o fiz. Com certa alegria,
informou que me passaria para uma das suas assessoras, esta pessoa seria meu
contato na instituição. Achei que estava ganhando de presente uma aliada nesta
empreitada, pois, antes mesmo de conversar com ela, sabia que havia terminado o
doutorado em 2006 e que era, portanto, uma pessoa que valorizava a pesquisa.
Após nosso primeiro encontro, creio que entendi a alegria da diretora: ela
não queria lidar diretamente com essa questão da pesquisa para não assumir mais
preocupações. A solução encontrada foi muito boa porque a professora indicada
para ser meu contato demonstrou ter sentido prazer com essa tarefa. Quatro dias
depois, fizemos uma visita em toda a área externa e fui apresentada a alguns
funcionários e a um grupo de professores da tarde. Comprovou-se que o
pesquisador não deve se deixar levar pelas primeiras impressões, sejam agradáveis
ou não. A boa vontade da assessora para com as questões da pesquisa contrastou
flagrantemente com a pouca receptividade da diretora no primeiro dia.
O distanciamento que vivenciei, após uma imersão de 47 dias neste
estabelecimento de ensino, possibilitou-me descrever parte do sistema de relações
sociais desta instituição
.
Em seções mais a frente serão dados destaques às
características da direção e as suas relações com as equipes escolares. Por
enquanto registro o hábito, que presenciei por duas vezes, da direção promover a
comemoração do seu aniversário. Neste primeiro dia (14/09/2007), cheguei um
pouco antes do recreio, e, junto comigo, chegaram dois bolos que pareciam
esperados pelo guarda. De acordo com o que vivenciei no ano seguinte, intuo que
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A escola e seus agentes
29
chegara justamente no momento de arrumação da mesa de comemoração do
aniversário da diretora. Em 2008, também no recreio da tarde, fora arrumada uma
bonita mesa na sala dos professores com doces e salgados para comemorar o seu
aniversário. Neste dia estavam presentes duas professoras aposentadas e uma ex-
diretora da Unidade, também aposentada.
Pelo seu investimento nas comemorações do seu aniversário, na festa
junina de 2007 e no almoço comemorativo do final de 2007, percebi que a diretora
sente-se muito bem em momentos festivos. Momentos esses onde detectei a
presença de ex-professores e ex-alunos do Colégio. É uma atitude
(organizar/promover o festejo do seu aniversário com integrantes da comunidade
escolar), dentre outras, que revela um sentimento de identificação e pertencimento
da direção em relação à escola. Mais a frente, veremos a efetiva incidência da
presença de ex-integrantes da comunidade em atividades variadas da escola,
ocorrência que representa um traço cultural, uma marca do estabelecimento.
2.2
O cotidiano escolar em sua dimensão espacial
Os espaços escolares têm pois a sua própria linguagem (...)
É uma linguagem eminentemente ‘silenciosa’ que o
investigador poderá tornar ‘ruidosa’, através de estratégias
metodológicas adequadas. (Teixeira Lopes, 1996, p.101)
23
A Unidade Escolar Humaitá II localiza-se numa rua de intenso movimento
no bairro do Humaitá, na zona sul do Rio de Janeiro. Originalmente seria
construída onde hoje encontramos a casa de espetáculos “Canecão”. No dia 2 de
dezembro de 1937, com a presença do Exmo. Sr. Presidente da República, Getúlio
Vargas; de Ministros de Estado, do Prefeito do Distrito Federal e diversas
autoridades, foi lançada na Praia Vermelha, nos terrenos do Hospício Nacional de
Alienados, antigo Hospício de D. Pedro II, hoje UFRJ, a pedra fundamental do
futuro edifício do Colégio Pedro II. Esta foi uma das iniciativas incluída no
extenso programa das comemorações do centenário de fundação do Colégio, no
23
O autor destaca a observação direta estruturada como a estratégia metodológica adequada para
este intento.
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A escola e seus agentes
30
ano de 1937. O projeto teve que ser suspenso devido ao encarecimento da
construção civil, no início da Segunda Guerra Mundial.
Em 1951 foi retomada a proposta de instalar-se uma Unidade do Colégio
na zona sul, e o lugar escolhido foi o bairro do Humaitá, na rua de mesmo nome.
No dia 2 de dezembro de 1952, o Presidente Getúlio Vargas (eleito) inaugurou a
nova sede, denominada de Seção Sul
24
. Bem próxima a esta Unidade, além da boa
estrutura comercial, temos a Cobal do Humaitá (antiga garagem de bondes), com
os boxes de frutas, verduras e legumes dividindo o espaço com diversos bares e
restaurantes. A Companhia Brasileira de Alimentos tem agora o status de “point”
gastronômico do bairro.
É usual encontrarmos os alunos maiores lanchando ou fazendo refeições
numa grande lanchonete que fica na primeira esquina à direita de quem sai do
Colégio. Mais uns metros à frente, está o Espaço Cultural Sergio Porto, onde são
programadas atividades de música, dança, artes plásticas, teatro e seminários, com
o objetivo de divulgar o que há de mais contemporâneo na área cultural.
O bairro do Humaitá tem posição geográfica vantajosa, limita-se com os
bairros de Botafogo, Lagoa e Jardim Botânico e suas ruas têm como pano de
fundo a Floresta do Corcovado. É considerado um bairro de transição entre seus
vizinhos, a Unidade fica próxima de algumas concorridas salas de cinema e de
pontos turísticos bastante procurados da cidade: Lagoa Rodrigo de Freitas, Jardim
Botânico, Parque Lage, além do Museu do Índio, Museu Villa Lobos, Fundação
Casa de Rui Barbosa, Casa da Espanha, etc. A instituição pesquisada localiza-se,
portanto, numa área com oferta de lazer e cultura e com moradores
predominantemente da classe média.
A Rua Humaitá tem mão única, é servida por mais de 30 linhas de ônibus
que a ligam às zonas norte e sul, preferencialmente. Trata-se de uma via de grande
circulação de veículos, há um ponto de ônibus e um sinal de trânsito bem
próximos à Unidade. A calçada de pedestres que fica em frente à escola é
particularmente estreita, o que acaba sendo um convite para adentrarmos ao pátio
externo do Colégio. Não podemos dizer que haja um muro neste estabelecimento
porque há um muro bem baixo com uma grade alta, desta forma a fachada exterior
do prédio é totalmente visível para os transeuntes que por ventura passem em
24
Na mesma data foi inaugurada a Seção Norte, hoje Unidade Escolar Engenho Novo II.
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A escola e seus agentes
31
frente. O portão que dá para a rua está sempre aberto, o que possibilita, a qualquer
pessoa, acesso a esse pátio que possui bancos de madeira numa parte coberta
(onde encontramos também dois murais com diversos avisos) e uma parte maior
descoberta.
Nos horários de entrada dos turnos, poucos alunos detêm-se na calçada.
Enquanto não é liberado o portão de acesso
25
ao pátio interno da Unidade, o pátio
externo fica repleto de estudantes, que, em pé ou sentados nos bancos e até
mesmo no chão, conversam animadamente. Uns chegam a pé, outros de van, de
carro; muitos vêm de ônibus.
É interessante a observação dos alunos do Colégio no ponto de ônibus da
Rua Humaitá: o convívio de estudantes do 1º ano do Ensino Fundamental ao 3º
ano do Ensino Médio aparenta ser muito salutar para todas as faixas etárias. Do
ponto de vista da socialização dos alunos, podemos dar um destaque positivo para
a convivência de estudantes dos 6 aos 18 anos ou mais, trajando, inclusive, o
mesmo uniforme, regra que acentua a sensação de se sentir parte da escola e de se
identificar com o que ela representa
26
, conforme verificamos nos depoimentos:
“Ir ao Colégio Pedro II a cada dia, vestir o uniforme que, para muitos, era o
manto sagrado, fez com que víssemos o mundo e as pessoas de um modo
diferente. Somos o que somos graças ao CPII”. (Ramiro Cruz, ex-aluno –
1972/1976, Almanaque Histórico, 2007, p.38).
“Eu sempre gostei de usar uniforme. Me sentia muito orgulhosa. (...) acho que
o uniforme serve de identificação. Se você está na rua e vê alguém com o
mesmo uniforme acaba criando uma identidade, uma empatia inicial (...) Não
importa o nível social a que você pertence. Todos ficam iguais”. (Fátima
Bernardes, ex-aluna e jornalista da TV Globo, idem, 2007, p.128).
Outro ex-aluno quando indagado o que diria para as alunos que estão
entrando no Colégio:
25
Uma grade de ferro até o teto, com um portão que fica sempre trancado, impede que os alunos
entrem e transitem pela escola antes do horário do seu turno. Todos os estranhos têm que se
identificar. Este portão dá acesso ao pátio interno central da Unidade. O controle de entrada e saída
é feito por guardas terceirizados que ficam sentados ou de pé, próximos a uma mesa com cadeira.
Na convivência do dia a dia percebe-se que os (as) guardas conhecem grande parte dos alunos.
26
Uma grade de ferro até o teto, com um portão que fica sempre trancado, impede que os alunos
entrem e transitem pela escola antes do horário do seu turno. Todos os estranhos têm que se
identificar. Este portão dá acesso ao pátio interno central da Unidade. O controle de entrada e saída
é feito por guardas terceirizados que ficam sentados ou de pé, próximos a uma mesa com cadeira.
Na convivência do dia a dia percebe-se que os (as) guardas conhecem grande parte dos alunos.
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32
“Mantenham o espírito crítico e a mente criativa que sempre foram marcas dos
estudantes do Pedro II. Podem ter certeza que depois de formados, quando
vocês virem alguém vestido com o clássico uniforme vão lembrar de bons
momentos” (Alexandre F. S. Mattos, 20 anos, idem, 2007, p.149).
A questão do uniforme dos alunos foi trazida à tona por dois funcionários
que foram entrevistados meses após esta minha observação. A funcionária do
Laboratório de Informática, quando inquirida sobre os fatores que constituem a
excelência da Unidade, expôs que o Colégio Pedro II tem um perfil bem diferente
das outras escolas públicas porque atende a uma clientela de várias camadas
sociais. E concebe que o uniforme dilui essa diferença:
A gente já verificou isso com nossos alunos que acham importante o uso do
uniforme pra diluir essa diferença social. E por conta disso, claro, entre outras
coisas, isso também faz com que os meninos sintam menos essas diferenças, já
que eles convivem no mesmo espaço, tendo o mesmo tipo de formação.
Um dos inspetores do 9º ano afirmou achar o Pedro II de Niterói uma coisa
linda, pois gosta de ver o cuidado que os alunos têm com o uniforme [seus olhos
brilharam], muito diferente do que acontecia no HII.
A Unidade tem aparência externa bem cuidada, não encontramos
pichações e o chão está sempre limpo. As instalações são compostas por dois
prédios construídos de lado para a rua, com um pátio no meio, que, como o
terreno, tem a forma de um comprido retângulo, e os prédios também têm esse
formato. Várias salas, setores, pátios menores, vestíbulos, etc., localizam-se de
ambos os lados deste pátio e se ligam a ele.
O prédio à esquerda de quem entra na Unidade possui quatro andares e o
prédio à direita, três. Rampas e um elevador localizados no prédio à esquerda, dão
acesso aos pavimentos com salas de aula. Duas escadas dão acesso aos andares do
prédio à direita
27
, onde ficam os diversos setores da escola.
27
A ala da esquerda (mais nova), com quatro andares, concentra quase a totalidade dos espaços
para as atividades discentes, ou seja, laboratórios’, salas de aula (exceto três salas do 6º ano), Sala
de Música, biblioteca, audiovisual e Sala de Educação Artística. Na ala da direita (mais antiga),
com três andares, encontram-se todos os setores escolares, com seus respectivos funcionários e
professores, são eles: SESOP – Setor de Supervisão e Orientação Pedagógica, Departamento de
Pessoal, Secretaria, Coordenação, Direção, etc. No 3º andar desta ala ficam também as três salas
do 6º ano, uma sala de aula para apoio e a Sala de Informática. Os prédios do HII comunicam-se
porque há passagens no final, em cada pavimento, ligando os andares das duas edificações. No
final do pátio interno, encontram-se o espaço (com totó e pingue-pongue) para os alunos em tempo
vago, o refeitório, a cantina e a quadra de esportes. Contornando a quadra de esportes, chegamos à
Unidade Humaitá I.
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A escola e seus agentes
33
Observando o ambiente físico e humano dos estabelecimentos e a
linguagem espacial e iconográfica da arquitetura dos prédios, da delimitação dos
espaços, da decoração dos ambientes, acumulamos indícios para delinear o clima
da instituição.
O significativo tempo de observação do cotidiano do estabelecimento
28
nos possibilitou a avaliação de que a edificação da Unidade Humaitá II, apesar de
não ter sido toda concluída na mesma época, apresenta uma excelente solução. As
grandes janelas envidraçadas das salas de aula (2º, 3º e 4º andares) do prédio à
esquerda ficam voltadas para o pátio interno, que tem uma boa parte descoberta.
Nos 2º e 3º andares da ala da direita ficam os diversos setores da escola, com
portas para corredores, um corredor por andar. Estes corredores não têm paredes
até o teto, eles têm uma espécie de muro de 1,35m.
Estando no SESOP, sala dos
professores, Laboratório de Informática, etc., vemos as aulas sendo dadas no
prédio do outro lado, o mesmo acontecendo para quem está nas salas de aula, que
veem a movimentação nos setores do prédio em frente. Quem se posiciona em
qualquer andar das duas alas, tem possibilidade de visualizar também o pátio
interno, que é a passagem para todos que entram na escola. Mais do que um local
de passagem, o pátio interno faz às vezes de uma área de convivência, onde todos
se encontram e eventualmente param para travar uma conversa (professores,
alunos, funcionários, visitantes, etc.).
28
Ferreira (2007), investigando o que determinado estabelecimento representava para a formação
de algumas crianças (ex-alunos e ex-alunas de uma escola infantil) que retornavam,
frequentemente, a essa instituição, demarcou que superficialmente, é impossível reter os
significados que o espaço escolar pode conter. É necessário que se aproxime e experencie suas
rotinas e as relações ali travadas. Tarefa que requer mais tempo e mais envolvimento do
observador com o seu cotidiano e espaços.
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34
Planta 1: Pátio Interno
L DO PÁTIO INTERNO LADEADO POR DOIS
PAVIMENTOS
No cenário da Unidade Humaitá II, o pátio interno é uma espécie de centro
nervoso, lembra “o centro de uma vila”, o que acaba amenizando o estilo
impessoal da arquitetura da Unidade.
GRADE GRADE GRADE
LABORA
TÓRIO 1
LABORA
TÓRIO 2
LABORA
TÓRIO 3
LABORA
TÓRIO 4
LABORA
TÓRIO 5
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SECRETARIA
DEPARTAMENTO
DE
PESSOAL
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MURAL
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A escola e seus agentes
35
Outro aspecto que logo se destaca neste “pátio-centro” são os murais que
ficam nas paredes que o ladeiam, pois estão arrumados com trabalhos de Artes,
feitos por todas as séries. Próximo ao portão, deparamo-nos com dois murais, um
de cada lado da entrada e mais uns quatro que se localizam até a metade do pátio.
Estão sempre repletos de trabalhos de Artes dos alunos, feitos com variadas
técnicas
29
.
Cabe esclarecer que há regras para a utilização das paredes da escola
30
.
Em todos os meses em que passei na Unidade, não vi, em nenhum momento, estas
regras serem descumpridas. Como consequência, os murais do térreo, com os
trabalhos de Artes arrumados com capricho, dão um efeito plástico muito bonito
ao local, que é limpo e conservado, contando ainda com arbustos e umas três
árvores. Os murais são um dos fortes símbolos que são exibidos nos espaços de
educação formal, são mensagens silenciosas que “estão ali estampadas, sem que
os sujeitos deem conta do seu conteúdo” (Ferreira, 2007, p.113). Esta é uma
marca do Humaitá II, a prática de expor, efetivamente, os trabalhos de Artes dos
seus alunos na parte mais movimentada da escola.
A cena composta por esta utilização dos murais revela uma apropriação de
um espaço, atendendo a desejos e estratégias de seus agentes. Segundo Teixeira
Lopes (1997), apesar das práticas rotinizadas no espaço escolar estarem inseridas
numa instituição e, por conseguinte, submetidas a lógicas reprodutivas, a inter-
relação que se dá entre o ambiente físico e a apropriação social desse ambiente
“condicionará as práticas socioculturais, abrindo-lhes ou fechando-lhes
possibilidades, mas atualizando sempre os constrangimentos institucionais a que
se encontram sujeitas” (p. 58).
29
Releituras de máscaras africanas (6º ano), desenhos com lápis de cera (7º ano), paisagens
desenhadas com lápis pastel (8º ano), desenhos em meia folha de papel ofício, inspirados em
Mondrian (9º ano), etc. Em 2007 chamava a atenção, em especial, um mural com releituras
plásticas de ícones da História da Arte Mundial, da pré-história até a contemporaneidade (Vênus
das Cavernas, Monalisa, Sopa Campbell, Abapuru, etc). No final de 2008, foi montada uma
exposição no átrio da secretaria e da sala da direção. Os trabalhos dos alunos estavam muito
interessantes, foram feitas esculturas com materiais que iriam para o lixo. Como os trabalhos
estavam pintados e muito bem feitos, tive que observar com calma para perceber os materiais que
tinham sido usados: CDs, pincéis, pregos, canudos, galhos, lâmpadas, pedaços de mola, cabides,
pregadores, etc.
30
Há murais nas salas de aula e nos espaços de circulação de cada andar. Nos corredores do prédio
onde se localizam os setores há murais com vidro e cadeado. Nas áreas próximas ao pátio interno,
os cartazes e avisos em geral, em folhas ofício, por exemplo, só podem ser colocados em dois
lugares: (a) na parede em torno do elevador (usado apenas por docentes) e próxima à rampa de
subida dos alunos e (b) na parede em torno da vidraça de comunicação com a secretaria.
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A escola e seus agentes
36
Os fatos descritos a seguir se inter-relacionam com o uso do espaço no
térreo, relatado nos parágrafos anteriores:
(a) Estando na sala dos professores, sempre que aparecia oportunidade,
trocava ideias com os presentes que estivessem próximos. Em agosto de 2008
conversei com dois professores de Artes. Um era efetivo e lecionava justamente
para o 9º ano, perguntei o que estava sendo trabalhado na série, naquele período, e
ele falou com muito entusiasmo do modernismo e de quanto os alunos gostavam
das aulas. Sua opinião sobre a qualidade do trabalho efetuado pelo Colégio
apontava a “harmonia e o entendimento entre as disciplinas, sentidas pelos
alunos, o que parte, talvez, da coordenação, como uma confluência de ideias”. A
outra era uma professora contratada, com mestrado em História da Arte, que, além
de lecionar, era responsável pela restauração de uma igreja de Tiradentes (MG) e
também falou entusiasticamente sobre este trabalho
31
. (b) Na reunião realizada no
2º trimestre de 2008, com os responsáveis pelos alunos do 9º ano que não
obtiveram bom resultado, foi apresentado, pela orientadora, o perfil de cada
turma, que fora escrito pelos próprios alunos
32
. A Unidade possuía seis turmas de
9º ano, e, dentre os pontos positivos citados pelos alunos, quatro turmas deram
destaque às aulas de Artes.
Alunos do 9º ano, com os quais conversei informalmente, quando
indagados sobre o que mais gostavam na escola, referiram-se ao recreio, ao
grêmio e amigos, às aulas de Português, Educação Física e Artes. “A aula de
Artes também é muito boa. A aula de Artes você faz uma máscara sabe?! Você
31
Na seção em que for tratado mais especificamente o perfil dos docentes deste estabelecimento,
será dada ênfase a certa peculiaridade observada no grupo de professores entrevistados e/ou
contatados informalmente, trata-se da excelente formação acadêmica e da experiência profissional
anterior à entrada no Colégio, que não raro são experiências bastante interessantes na área, ou não,
da educação. Quanto à formação, esta peculiaridade também se aplica a maior parte dos
funcionários que participaram da pesquisa.
32
Faz parte da dinâmica dos COCs da escola, um primeiro momento, onde dois alunos
representantes de cada turma falam sobre o trimestre que está terminando. Os alunos explicam
como está a turma, do que mais gostaram e do que menos gostaram, em seguida saem e vem a hora
do café. No último momento do COC, discute-se o rendimento dos alunos. Devido a esta prática,
em todo final de trimestre, a orientadora das séries se encontra com alunos representantes de cada
turma, que trazem as análises feitas pelo grupo em relação ao período que finda. Neste encontro
com a orientadora, prepara-se a entrada no COC, com o objetivo de dar ciência aos participantes
do perfil que a turma traçou para si e dos pontos positivos e negativos enfocados pelos alunos.
Estas informações foram repassadas para os responsáveis presentes a esta reunião (no dia
10/09/2008) que tratava do 2º trimestre do ano.
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A escola e seus agentes
37
passa tipo, a pessoa fica parada, você passa vaselina na cara da pessoa e começa
a colocar gaze engessada pra fazer uma máscara”.
Aliando-se a esses relatos voltados para a disciplina Artes, a Unidade
possui também o Grupo Fazendo Arte, que funciona como atividade
extracurricular, atendendo, a cada ano letivo, a alunos desde o 9º ano do Ensino
Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio, além de ex-alunos. Trata-se de uma
proposta interdisciplinar
33
que visa levar o aluno a efetivamente vivenciar textos,
desenvolvendo a expressividade, a criatividade e, consequentemente, a
autoconfiança.
O entusiasmo dos professores de Artes, o correspondente interesse dos
alunos por essas aulas, aliado ao respeito, à admiração e à boa receptividade da
comunidade à proposta do Grupo Fazendo Arte, que trabalha com variados
conhecimentos (recorrendo a Língua Portuguesa, Música, Artes, etc.) para
desenvolver seus espetáculos, são referências para a constituição da identidade
institucional do HII, manifestamente explícita em parte da configuração do espaço
escolar (murais na entrada da escola).
Entendendo que os elementos da cultura organizacional da escola podem
ser separados em zonas de invisibilidade e visibilidade, os aspectos apontados
integram uma zona de visibilidade. Da zona de invisibilidade fazem parte as bases
conceptuais e pressupostos invisíveis: valores, crenças e ideologias. A proposta de
utilização dos murais e a organização do pátio interno são elementos que
compõem as manifestações visuais e simbólicas porque são passíveis de serem
identificados através da observação visual. A disciplina de Artes, integrando o
currículo da escola, pode ser classificada como uma manifestação conceptual, e as
aulas de Artes apontadas pelo 9º ano, juntamente com a proposta do Grupo
Fazendo Arte, seriam uma manifestação comportamental porque esta categoria
inclui todo o processo ensino-aprendizagem e todos os elementos suscetíveis de
influenciar os atores de uma organização (Nóvoa, 1995)
34
.
33
A carga horária oficial não é suficiente para dar conta do trabalho completo, que é
complementado nos fins de semana, por exemplo.
34
Adaptando um esquema de Hedley Beare (1989), Nóvoa sistematizou alguns elementos da
cultura organizacional da escola em zonas de visibilidade e invisibilidade. Os elementos-chave das
dinâmicas instituintes e dos processos de institucionalização das mudanças organizacionais
estariam na zona de invisibilidade social. Na zona de visibilidade estariam, por exemplo, o plano
de estudos, as metáforas utilizadas pela direção ou pelos professores para justificarem as suas
ações, a arquitetura, os equipamentos, o vestuário, logotipos, a prática pedagógica, avaliações,
normas, rituais, festas, etc.
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A escola e seus agentes
38
Estando esta investigação centrada na identidade dos estabelecimentos de
ensino, procura-se partir dos conceitos de contingência e singularidade porque o
que está em jogo não é a identificação de um conjunto de fatores isolados, e sim a
configuração singular de um conjunto de características
35
.
Cheguei no início do recreio da manhã, quando passei pelo 2º andar do prédio
onde ficam as salas administrativo-pedagógicas, reparei (não era a 1ª vez) que na
hora do recreio, alguns alunos do Fundamental ficam sentados pelo chão deste
corredor e também nas escadas. Havia, inclusive, quatro alunas sentadas no chão,
bem próximas à porta da sala dos professores. Não deixa de ser peculiar, eles se
sentirem à vontade em ocupar este espaço, onde em princípio não é um local
liberado para as atividades regulares dos alunos.... Achei tal fato interessante, até
porque o espaço que eles podem utilizar durante o recreio é bem vasto: pátio
grande interno, vários outros pátios pequenos, cantina, refeitório, biblioteca,
espaço com jogos, etc. (Anotações do caderno de campo, 18/09/08 – 5ª feira).
Conforme relatei, alguns alunos ficam por ali, conversando, tocando
violão, alguns de pé, outros sentados no chão ou na escada e, certamente, por
estarem tão à vontade não se trata de um lugar que desperte estranheza. Não os vi
agirem assim nos corredores das salas de aula, talvez porque não possam ficar por
lá na hora do recreio. De qualquer forma, há muitos outros espaços na escola,
onde eles ficariam, inclusive, fora da vista dos professores, coordenadores e
orientadores. Reparo também que não é um costume dos alunos do Ensino Médio
ocupar este corredor na hora do recreio ou nos tempos vagos
36
.
35
Pensar na dinâmica dos alunos nos espaços escolares, remete-nos, também, a Teixeira Lopes
(1997), que ao investigar práticas culturais estudantis em escolas urbanas, propõe um modelo de
análise dessas práticas estudantis nos espaços escolares e defende também a contingência espacial
das práticas sociais no espaço das escolas, recusando qualquer tipo de determinismo ao espaço
físico. O autor discute a utilização cotidiana que os alunos fazem do espaço escolar; concebendo
que esta utilização deve ser entendida como uma forma de fazer e usar a escola, reproduzindo
“uma ordem pré-existente de acordo com seus projetos, interesses e estratégias. A espacialidade
associa-se então, a uma pluralidade de leituras e interpretações do espaço” (p.59). O autor
investigou alunos do 11º ano – do ano letivo de 1992/93 - de quatro escolas secundárias do Porto,
diferenciadas pela sua localização geográfica, pelas áreas sociais de recrutamento e por
apresentarem diferentes modalidades de ensino (via de ensino e via técnico-profissional). A
maioria dos alunos possuía a idade média de 16,76 anos.
36
Segundo Teixeira Lopes (1997) que investigou o espaço escolar cruzando a perspectiva
interacionista de Goffman com as reflexões teóricas de Giddens, a escola possuirá centros de
atração e repulsão para os jovens; locais que despertam estranheza e distância e locais próximos e
familiares; locais de solidariedade e de estigmatização e segregação; locais que se dominam e onde
se é dominado; locais que se “conquistam” e locais que se “defendem”; locais de “repressão” e
locais de “emancipação”; locais “facultativos” ou “optativos” e locais de presença obrigatória;
locais de “desejo” e locais que não se desejam; locais fora do espaço (utopia) e locais
incongruentes e fragmentários (heterotopias)
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A escola e seus agentes
39
Teixeira Lopes (1997) pondera que os afetos, assim como as simbologias,
vivências e memórias “territorializam” o espaço e o transformam num campo
semântico, aberto a uma multiplicidade de leituras e detentor de diversas
linguagens, que são relacionadas com a ação social dos agentes. O autor esclarece
que as formas como os alunos sentem, usam, pensam e representam o espaço,
concedem sentido à metáfora do espaço enquanto texto social
37
.
Intentando apreender algumas dimensões da maneira como os alunos do
HII leem o espaço em questão, recorro a observações relacionadas aos setores que
se localizam neste corredor (SESOP, sala dos professores e auditório
38
). Constatei
em várias ocasiões que o acesso à sala dos professores não é dificultado aos
alunos, pois eles não são invasivos, cumprimentam e pedem licença, mas entram
sempre para saber notas ou por qualquer outro motivo e não são rechaçados,
apesar dos professores estarem ocupados ou descansando.
Ilustro com outro exemplo que chama atenção. Por ocasião das
apresentações do Grupo Fazendo Arte, a copa da sala dos professores
39
se
transforma em camarim. Isto significa que durante uns 15 dias por ano, os
professores perdem sua privacidade na utilização da sua copa e banheiros. Em
todo o tempo em que passei na escola não presenciei nenhuma reclamação sobre
essa socialização do espaço dos professores dos professores. Sendo que nesse
período as aulas continuam normalmente.
37
Na outra escola pública (denominada P1) pesquisada pelo Soced, detectou-se uma apropriação
do espaço de maneira descontraída: sala dos professores frequentada por estudantes durante o
recreio, a sala de uma das direções servindo de local de descanso para alunos e até mesmo um
banheiro conjunto para professores e alunos. Nesta escola mantinha-se uma atmosfera de ordem,
“na qual a informalidade dos relacionamentos aparecia como um traço institucional” (Medeiros,
p.46), havia, portanto, um investimento na informalidade, não sendo este o caso do Humaitá II.
38
O auditório fica fechado porque não é utilizado no dia a dia, é um espaço onde vi acontecerem
reuniões de professores, de pais, mesa-redonda com ex-alunos e apresentações do Grupo Fazendo
Arte.
39
Há uma espécie de copa que fica ao lado da sala dos professores (ver Planta 2) e que se
comunica com o palco do auditório da Unidade, onde são feitas as apresentações do grupo. Nesta
copa tem uma pia, alguns armários e um bebedouro. Nela ficam os dois banheiros usados pelos
professores. Este espaço fica tomado por araras, com todo o figurino dos alunos, fica tomado
também pelos participantes e seus diversos colegas que entram para cumprimentar, festejar,
comentar a apresentação, etc. A agitação neste período é total porque todo o Grupo Fazendo Arte,
juntamente com os amigos, passam a dividir o espaço com os professores. Eu mesma, que
presenciei duas apresentações do grupo, tive que, nas duas ocasiões, ficar esperando a vez para
poder utilizar o banheiro.
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A escola e seus agentes
40
Quanto ao SESOP
40
, sua porta está sempre aberta e os funcionários e
professores mostram-se receptivos às solicitações dos alunos que por lá transitam
normalmente, conforme registrado no meu caderno de campo:
Certa vez, alguns alunos chegaram perguntando por uma funcionária, como não a
encontraram, começaram a escrever um bilhete no quadro de giz que há na sala:
[Nome da funcionária] sempre está no colégio, mas nunca aqui”. De repente ela
chega, ri e não se incomoda com a brincadeira dos alunos. Eles queriam ver as
fotos da turma, ela mostra e alguns compram. Quando saem, ela continua a
trabalhar e não apaga o bilhete. Outros alunos, também do 3º ano, estavam
conversando com ela e brincam perguntando se podem ir ao almoço de
confraternização de final de ano, porque veem um cartaz no mural convidando
para este evento com os servidores. Ela fala para eles irem procurar a diretora
(29/11/2007 – 5ª feira).
Percebia-se que o setor se constituía numa referência para os alunos, os do
9º ano procuravam as orientadoras e participavam de algumas reuniões até mesmo
na hora do recreio. Em conversa informal com uma das orientadoras do 9º ano, ela
declarou que “vê seu trabalho como um elemento de ligação entre família, escola
e professor. Se o aluno está com problema tem que ver como ele está com a
família. Se a turma está com problema com o professor tem que conversar o
professor com a coordenação”.
O corredor onde se localizam esses setores pode ser classificado como
uma região de fachada
41
onde os agentes estão submetidos a um controle social
mais rigoroso, devendo apresentar um comportamento adequado, determinadas
posturas, cortesia, decoro, etc. Parte dos estudantes escolhe este lugar para seus
momentos livres (onde ficam em total interação sem atentar para os passantes),
em detrimento da sala de jogos (com três mesas de pingue-pongue e duas de totó),
pátio, refeitório, grêmio e outros lugares, que seriam exatamente as regiões de
bastidores, que possibilitam um afrouxamento das exigências e regras, um
repouso da máscara, o desligamento, enfim, da fachada.
40
O SESOP se localiza no final deste corredor. Este setor compreende duas salas bem amplas,
com diversas mesas. Há uma porta interligando estas duas salas: na sala cuja entrada fica na ponta
do corredor trabalham as orientadoras das séries e na outra trabalham as técnicas em assuntos
educacionais.
41
Teixeira Lopes (1997) recomenda apurado cuidado da definição do que, numa escola urbana,
constitui “fachada” ou “bastidor”, cita, inclusive, Giddens, que não concorda com a simplificação
presente na associação que Goffman realiza entre “fachada/ocultação” e
“bastidores/desocultação. No caso desta investigação acreditamos que se aplicam os contornos
propostos por Goffman, porque se trata, de fato, de um exemplo de hierarquias abrandadas numa
“região de fachada”.
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A escola e seus agentes
41
Em virtude, talvez, das disposições produzidas nas relações, diferentes
significados são concebidos para um espaço projetado prioritariamente para a
circulação das pessoas. O que seria só passagem transmuda-se em local de
convivência, recreação, relaxamento e de provável desligamento face à fachada.
Evidencia-se, assim, que as formas de apropriação do espaço escolar não
dependem apenas da sua conformação arquitetônica, as relações que os estudantes
do HII estabelecem com o lugar em questão são mediadas pela experiência de
convivência afetiva com alguns agentes escolares, que os potencializa para
subverterem este espaço, transformando-o criativamente num ambiente de
convivência e fruição informal.
2.3
Os agentes
42
escolares
Quadro 3 – Unidade Humaitá II / 2007 / Demonstrativo dos quantitativos
de alunos, docentes e técnicos
Alunos Docentes Técnicos
1304 114 65
Fonte: Setor de Recursos Humanos da Unidade Humaitá II
Secretaria da Unidade Humaitá II
A Unidade Humaitá II atende a 1304 alunos matriculados do 6º ano do
Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio
43
. Conta com 114 docentes em
efetivo exercício (seis estão cedidos ou de licença), o que dá uma média de 11,4
alunos por professor. Do contingente de professores da Unidade,
aproximadamente 22% (30) estão ocupando cargos administrativos pedagógicos, e
42
Integrada ao desenho de investigação desenvolvido pela equipe do Soced, esta pesquisa busca
um maior conhecimento do trabalho pedagógico das escolas que repercutem no desenvolvimento
de habitus (escolares) facilitadores das trajetórias de sucesso, de forma que incorporamos o termo
agente conforme utilizado por Bourdieu. Segundo Brandão (2003), Bourdieu prefere utilizar o
termo agente ao invés de ator social, porque ele (o agente) age “acionado” pelo interior
(disposições interiorizadas) ao mesmo tempo que age sobre o exterior. Nesta perspectiva, visa
também contrapor-se ao caráter prioritário atribuído ao “sujeito” nas relações com as “estruturas”.
43
No mesmo terreno da Unidade Humaitá II, está a Unidade Humaitá I, que atende do 1º ao 5º ano
do Ensino Fundamental. Os prédios ocupam o mesmo terreno, mas não ficam próximos um do
outro, possuindo entrada por ruas diferentes.
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42
dentre os 65 técnicos, 7 ocupam a chefia de setores. Estes dados estão
discriminados a seguir:
Quadro 4 – Humaitá II / 2007 / Distribuição de docentes e técnicos por cargos
Docentes
Direção 1
Diretores Adjuntos 3
Assessoria 2
Coordenadores de série 7
Coordenadores de Disciplinas 17
Servidores Técnico-administrativos
Cargos de chefia
Biblioteca 1
Departamento Médico 1
Disciplina 2
Setor de Recursos Humanos 1
Secretaria 1
Sesop 1
Fonte: Página eletrônica da Unidade Humaitá II
Setor de Recursos Humanos do Colégio Pedro II
Além dos setores discriminados no Quadro 4, a Unidade possui outros seis
setores ocupados por técnicos: audiovisual, serviços gerais, merenda, portaria e
laboratório de informática. No gabinete da direção da Unidade, além da secretária
da direção, há mais duas secretárias que trabalham com os adjuntos e com as
assessoras e uma recepcionista.
Deduzimos que 71% dos docentes lotados na Unidade exercem somente a
regência
44
de 42 turmas (24 das séries finais do Ensino Fundamental e 18 do
Ensino Médio).
44
Os coordenadores de disciplinas também dão aulas com carga reduzida.
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A escola e seus agentes
43
2.3.1
O perfil do efetivo docente
“Se eu não fosse imperador, seria professor”.
(Frase escrita na blusa de alguns professores das Unidades Escolares Humaitá I,
Humaitá II e São Cristóvão I)
Procuramos dialogar com algumas leituras estatísticas para compor o perfil
dos agentes escolares; recorremos a alguns estudos do INEP
45
, a publicações
conjuntas do MEC, INEP, UNICEF e Undime
46
e ao acúmulo da reflexão
empreendida pelo Soced
47
. Levamos também em conta, aspectos relacionados à
história institucional do Colégio onde está inserida a Unidade Escolar pesquisada.
A situação Funcional
Tabela 1 - Situação funcional dos docentes/Comparação Colégio Pedro II x Humaitá II
Colégio Pedro II Humaitá II
N % N %
EFETIVOS 886 79% 101 84%
CONTRATADOS 237 21% 19
16%
TOTAL 1123 100% 120 100%
Fonte: Secretaria de Ensino do Colégio Pedro II - 2007
Até 1998, o Colégio não possuía professores de contrato temporário, a
instituição deveria recorrer a este expediente em situações de afastamento em
função de aposentadorias, demissões ou falecimentos, até essas vagas serem
ocupadas por professores concursados. Todavia, os professores contratados
45
Estudo exploratório sobre o professor brasileiro com base nos resultados do Censo Escolar da
Educação Básica 2007, Resumo técnico do censo da Educação Superior/ 2009, Sinopse Estatística do
Professor/2007, Avaliação da Educação Básica: em busca da qualidade e eqüidade no Brasil/ 2005.
46
Aprova Brasil: O direito de aprender - Boas práticas em escolas públicas avaliadas pela Prova
Brasil/2007 e Redes de aprendizagem - Boas práticas de municípios que garantem o direito de
aprender.
47
Os 1489 questionários encaminhados pelo SOCED, em 2004, foram respondidos por 850 alunos,
397 pais e 144 professores. Na Unidade Humaitá II, 17 docentes do 9º ano (antiga 8ª série) de
2004, responderam ao questionário.
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A escola e seus agentes
44
começaram a cobrir vagas sem a recomposição do quadro efetivo
48
. Um dos
problemas decorrentes desta situação é a distribuição irregular da carga horária do
professor, pois enquanto alguns trabalham 24 tempos, que é a carga-horária
máxima definida pelos regimes de trabalho vigentes na instituição, outros
possuem uma carga horária menor, ou não ministram nenhum tempo de aula
(Azevedo, 2005).
A partir de dados solicitados ao Setor de Recursos Humanos do Humaitá
II, verificamos que esta Unidade Escolar possuía 120 docentes no ano de 2007.
Deste contingente, seis estavam afastados
49
. De forma que, num universo de 114
docentes trabalhando na Unidade, temos 83%
50
(95) que são do quadro de
servidores efetivos – tendo ingressado através de Concurso Público de Provas e
Títulos - e 17% (19) que são servidores que passaram por processo seletivo com
direito à contratação temporária até dois anos.
Conforme está demonstrado na Tabela 1 (Situação funcional dos
docentes/Comparação Colégio Pedro II x Humaitá II), em 2007, 21% dos
professores do Colégio Pedro II eram contratados temporariamente, no Humaitá II
este percentual diminui para 16%. Mas, a Unidade teve um problema em 2008,
decorrente da não manutenção do mesmo professor durante todo o ano letivo. Na
medida em que conseguem ser aprovados em concursos para outras instituições,
os professores não efetivos pedem rescisão de contrato. Foi o que aconteceu com
um dos professores do 9º ano de 2007: voltou a pegar turmas desta série em 2008,
mas, tendo sido aprovado para a Universidade Federal do Pará, não hesitou em
mudar de emprego
51
.
48
Mais à frente serão relatadas iniciativas da ADCPII – Associação de Docentes do Colégio Pedro
II e do Departamento de Sociologia, questionando os critérios da Direção Geral para a definição de
vagas constantes no edital para concurso de docentes de 2007.
49
Dos seis docentes afastados, três estão trabalhando no próprio Colégio – na Secretaria de Ensino
e no Campus de São Cristóvão, dois estão cedidos para outras instituições (UERJ e
CEFET/Campos) e um está com licença sem vencimentos.
50
As porcentagens apresentadas foram arredondadas.
51
Presenciei alunos do 9º ano reportando-se a esta questão em dois encontros da orientadora com
representantes de turma, para preparar a entrada deles no COC
51
do segundo trimestre de 2008.
Eles combinaram de expor a dificuldade que estavam encontrando com a professora que havia
substituído o professor que viajara para trabalhar no estado do Pará. Ele era muito querido pelos
alunos e parece que estava havendo um problema de adaptação com a nova professora. Os
responsáveis pelos alunos foram notificados deste problema em uma reunião de fim de trimestre, e
tomaram ciência de que este assunto fora levado ao COC pelas seis turmas do 9º ano. Este foi um
dos problemas que presenciei, devido à rotatividade imposta pelo contrato temporário.
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A escola e seus agentes
45
Vários problemas podem ser destacados em função deste vínculo
provisório do docente com o seu local de trabalho. Devido ao foco desta pesquisa,
optou-se por ressaltar as consequências desta situação na formação identitária do
professor. O saber profissional no professor regular possui uma dimensão
identitária que contribui para definir um compromisso durável com a profissão.
No professor contratado, essa dimensão identitária é menos forte, porque, apesar
de existir o compromisso com a profissão, as condições de emprego por ele
vivenciadas o colocam numa situação mais difícil nesse aspecto
52
.
A estabilidade do corpo docente e da equipe administrativa é, portanto,
apontada como um fator que influencia a construção de políticas institucionais de
sucesso (Cousin, 1998) e o baixo grau de flutuação de professores é um dos
aspectos detectados como influentes, por exemplo, sobre o clima escolar (Gomes,
2005).
No entanto, para demarcar a configuração particular da Unidade
pesquisada, registramos um trecho do discurso que o professor contratado - que
deixou o HII no meio do ano de 2008 -, fez na cerimônia de formatura do 9º ano
de 2007. Ele foi um dos três professores escolhidos pelos alunos para ser
paraninfo das turmas
53
, suas palavras traduzem um pouco a autoimagem
institucional que impregna os profissionais que atuam no Colégio - ainda que seja
temporariamente - de altas expectativas e crença na capacidade dos estudantes de
serem bem sucedidos:
Na verdade, hoje é um marco bastante grande na vida desses jovens que estão
aqui presentes. Os alunos receberam a preparação adequada. (...) O corpo
docente está com uma sensação de dever cumprido por ter dado educação
pública de alta qualidade para as pessoas que estão aqui. E eu tenho certeza
que todos os formandos terão um futuro promissor. (...) Seja qual for o
caminho (...) eu tenho certeza de que será um caminho de sucesso. (...) Fizemos
o máximo para que esses jovens tivessem a melhor formação.
52
Estudando as relações entre os saberes profissionais dos professores, o tempo e o aprendizado
do trabalho, Tardif (2000ª) identificou nos professores regulares um domínio progressivo das
situações de trabalho - abrangendo os aspectos didáticos e pedagógicos, o ambiente da organização
escolar e as relações com os pares e com os outros atores educativos. Já entre os professores
contratados, o domínio do trabalho demora mais a ser realizado, por causa das numerosas
mudanças que eles enfrentam. O autor abordou também aspectos psicológicos e psicosociológicos
presentes na situação dos professores em regime de contrato provisório.
53
Os outros dois escolhidos eram professores que trabalhavam no Colégio há mais de 25 anos, um
deles estava, inclusive, se aposentando.
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A escola e seus agentes
46
Enfim, optou-se por analisar o perfil do quantitativo de professores
efetivos (95) que estavam atuando na Unidade, porque são os profissionais que, de
fato, acompanharam as trajetórias escolares dos alunos do 9º ano de 2007. Nas
tabelas que se seguem, foram retirados do cálculo das porcentagens os 19
docentes contratados temporariamente e os seis efetivos que estavam trabalhando
em outras Unidades.
Gênero
O Estudo Exploratório sobre o Professor Brasileiro (2009)
54
, elaborado
pelo INEP a partir da sistematização dos dados coletados em 2007, traçou o perfil
dos professores brasileiros da Educação Básica. Na questão de gênero, indica que
a predominância feminina vai se modificando à medida que se caminha da
Educação Infantil (creche/98% e pré-escola/96%) para o Ensino Médio (64%) e
para a Educação Profissional (47%).
Considerando-se todas as etapas e modalidades da Educação Básica, num
universo de 1.882.961 docentes, apenas 18% dos professores que estavam em
regência de classe são homens (340.036), enquanto 82% são mulheres
(1.542.925). Nos anos finais do Ensino Fundamental da Região Sudeste, o alto
percentual (74%) de mulheres se mantém, já no efetivo do Humaitá II,
trabalhando com os alunos do 6º ao 3º ano do Ensino Médio, 67% são mulheres.
Tabela 2 - Professores* do Ensino Regular e do Humaitá II, segundo o gênero
Gênero
Localização
Total Masculino Feminino
SUDESTE (6º ano do EF N
ao 3º ano do EM)
%
463.132
130.220
28%
332.912
72%
HUMAITÁII (6º ano do EF N
ao 3º ano do EM) %
95
31
33%
64
67%
Fontes: Estudo Exploratório sobre o Professor Brasileiro/2007 e Setor de Recursos Humanos da Unidade
Humaitá II/2007
*Professor é o sujeito que estava em sala de aula, na regência de turmas e em efetivo exercício na data
de referência do Censo Escolar (BRASIL/MEC/INEP, p.17, 2009).
EF = Ensino Fundamental EM = Ensino Médio
54
O Estudo exploratório sobre o professor brasileiro (2009) foi elaborado pela Diretoria de
Estatísticas Educacionais do INEP a partir dos dados do Censo Escolar da Educação Básica de
2007 e apresenta um perfil das professoras e dos professores brasileiros da Educação Básica e dos
aspectos relativos à formação docente.
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A escola e seus agentes
47
Constatamos que na nossa investigação a predominância de mulheres nas
salas de aula do Humaitá II concorda com os estudos em escala nacional e
regional e apresenta percentuais próximos aos detectados na outra escola pública –
denominada P1 - que participou da pesquisa do SOCED.
Idade e experiência docente
Tabela 3 - Idade dos professores da Unidade Humaitá II / 2007
Idade N %
Até 24 anos - 0
De 25 a 29 anos 17 7
De 30 a 39 anos 11 12
De 40 a 49 anos 48 51
50 anos ou mais 28 30
TOTAL
94 100
Fonte: Setor de Recursos Humanos da Unidade Escolar Humaitá II
Obs. O total desta tabela é de 94 professores porque teve que ser desconsiderada uma data de nascimento
que trazia o ano de ingresso no Colégio.
Tabela 4 - Frequência dos professores por anos de trabalho na Unidade Humaitá II
Anos de trabalho na escola
N
%
Há 5 anos ou menos 25 26
De 6 a 15 anos 37 39
De 16 a 25 anos 27 28
Há mais de 25 anos 6 6
TOTAL
95 100%
Fonte: Setor de Recursos Humanos da Unidade Escolar Humaitá II
Entre os professores que compunham o quadro de docentes do HII em
2007, tínhamos 81% com 40 anos de idade, ou mais, e 35% com mais de 16 anos
de trabalho na instituição. Dos docentes (144) que participaram do survey do
SOCED em 2004, 68% tinham 40 anos de idade, ou mais, e 30% trabalhavam
16 anos, ou mais, nas suas escolas. O grupo de professores do Humaitá II
caracteriza-se, assim, como mais maduro que o grupo das instituições de prestígio
que compuseram a investigação do SOCED. Da mesma forma, quanto ao tempo
de trabalho na escola, os docentes do HII que trabalham há mais de 16 anos na
instituição (35%) compõem um percentual maior que o das escolas (30%) do
survey /2004.
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A escola e seus agentes
48
Cotejando os percentuais da Unidade Humaitá II com os dados do Estudo
exploratório sobre o professor brasileiro/2007 (ver nota 41, neste capítulo),
inferimos que o quadro de docentes do HII apresenta um percentual (81%) bem
acima do percentual de professores da Região Sudeste com mais de 41 anos
(46%) e tem praticamente o dobro do percentual dos professores brasileiros que
atuam na Educação Básica (41%) e que estão nesta mesma faixa etária.
Este mesmo estudo aponta que a média de idade dos professores da
Educação Básica é de 38 anos. Nesta faixa encontram-se apenas 12% dos
professores do Humaitá II.
A descrição e análise do processo ensino-aprendizagem da Unidade,
presente no próximo capítulo, evidencia a importância da estabilidade e
experiência dos docentes desta escola para a qualidade cognitiva e operativa da
aprendizagem dos alunos.
A formação acadêmica
Tabela 5 - Formação acadêmica dos professores efetivos do Colégio Pedro II
e da Unidade Humaitá II - 2007
Colégio Pedro II Unidade Humaitá II
Mais alta titulação
N % N %
Normal 2 0,2 - -
Superior 189 21 31 33
Especialização 344 38,7 25 26
Mestrado 306 34,4 29 30,5
Doutorado 49 5,5 10 10,5
TOTAL 890
100
95
100
Fonte: Setor de Recursos Humanos da Unidade Escolar Humaitá II
Revista Contemporânea de Educação – UFRJ - 2008
A porcentagem de pós-graduados do Colégio Pedro II é de 78,5 % e da
Unidade Humaitá II é 67%. Segundo Portella (2008), no intervalo dos últimos
dois anos houve um aumento significativo de professores do Colégio que vêm
passando de especialistas a mestres. E dentre os professores hoje licenciados ou
especialistas há uma parcela significativa com mestrado ou doutorado em curso.
Analisando a formação acadêmica do efetivo de professores (95) do
Humaitá II em 2007, identificamos que há uma proximidade nos percentuais dos
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A escola e seus agentes
49
professores que possuem a graduação (33%) e o mestrado (30,5%) como os cursos
de mais alta titulação.
A escola pública (P1) que integrou o survey do SOCED/2004 apresentou
56% dos professores com mestrado, e, juntamente com o Colégio Pedro II e
outros estabelecimentos que compõem a rede federal da Educação Básica e
Profissional
55
, são instituições que possuem o mesmo plano de carreira, cuja
estruturação estimula a qualificação dos docentes.
Integrar a rede federal de ensino viabiliza melhores salários, porém,
diferenças na política institucional entre as duas escolas públicas que responderam
ao questionário indicam que na P1 os docentes têm melhores condições para
darem prosseguimento na trajetória acadêmica
56
, devido a sua dinâmica interna de
concessão de licenças para estudo.
No Colégio Pedro II, os cursos de mestrado e doutorado funcionam como
uma modalidade de formação continuada para docentes, uma vez que a “maioria
dos professores-mestres e/ou doutores permanece na Educação Básica durante seu
curso e, após terminá-lo, voltam integral ou parcialmente a ela” (Portella, 2008).
2.3.2
Os professores entrevistados
Formação acadêmica
No quesito formação acadêmica dos entrevistados, num universo de nove
professores, temos dois com Doutorado, três com Mestrado, dois com cursos de
Especialização e dois com Graduação, ou seja, 78% possuíam qualificações
(especialização, mestrado e doutorado) além das exigidas para o exercício da
profissão.
Ao falarem sobre a sua formação, os entrevistados colocaram igualmente
em destaque (exceto um professor) as experiências com o magistério e os cursos
feitos. A ênfase na formação pela prática, na sala de aula – aprender seu ofício
55
As Escolas Agrotécnicas e Técnicas Federais, Centros Federais de Educação Tecnológica, CAPs
das Universidades Federais, INES e IBC
56
A escola P1 é um colégio de aplicação de uma universidade e possui mecanismos de
investimento na especialização dos professores: redução da jornada de trabalho, licenças, etc.
(Cerdeira, 2008).
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A escola e seus agentes
50
“frente a frente com os alunos” - tem sido constatada internacionalmente, tanto
entre os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, como também
junto aos professores dos outros níveis da Educação Básica. Por serem
construídos sob o domínio dos professores, os saberes da experiência seriam
valorizados em contraposição aos demais saberes (Carvalho, 2003ª, p.211).
A eterna discussão sobre o peso relativo da teoria e da prática no exercício
da função de ensinar e na perspectiva da formação não é muito produtiva; a ênfase
praticista, que tem dominado a cultura profissional dos professores, não contribui
para o crescimento da profissão, tanto mais necessária num mundo que está longe
de ser um mundo de conhecimento para todos (Roldão, 2007).
A autora prefere falar em ação de ensinar, ao invés de prática docente, em
ação inteligente, assentada num domínio seguro de um saber, que emerge dos
vários saberes formais e do saber experiencial.
Os professores entrevistados não enfatizaram, em nenhum momento, a
exterioridade da Universidade diante da sua experiência e seus saberes, o que não
surpreende, haja vista as informações colhidas sobre sua formação acadêmica e
experiência anterior ao ingresso no CPII. Podemos considerar que os saberes
“elaborados e definidos fora do corpo docente, por outras instituições e outros
atores – intelectuais acadêmicos e dirigentes da educação” (Carvalho, 2003,
p.212) -, não são percebidos pelo grupo de professores entrevistados, como
exteriores.
Para a nossa realidade, destaca-se a importância da formação docente no
aprendizado das crianças e dos jovens. Segundo dados do INEP, comprovou-se
que quando o professor possui formação superior, a média dos estudantes no
Sistema de Avaliação é de 172 e quando a formação é de nível médio, cai para
157 pontos.
Em estudo feito em 33 estabelecimentos de ensino - a partir dos resultados
da Prova Brasil/2005 - que ficaram com notas acima da média nacional na
avaliação que mediu o desempenho em Leitura e Matemática de alunos da 4ª e 8ª
séries do Ensino Fundamental de escolas públicas urbanas, verificou-se que “a
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A escola e seus agentes
51
grande maioria dos professores do Ensino Fundamental nas escolas pesquisadas já
concluira ou estava cursando o ensino superior” (UNICEF/INEP/MEC, 2007)
57
.
Trajetória escolar e profissional
Quanto à trajetória escolar e profissional dos entrevistados: três são ex-
alunos do Colégio, cinco se graduaram em universidades públicas federais, um em
universidade pública estadual, dois fizeram o curso superior em universidades
privadas (laica e confessional) e um não declarou sua instituição de graduação.
Comparando com os professores das escolas de prestígio pesquisadas pelo
SOCED, concluímos que os dois grupos frequentaram, na mesma proporção,
estabelecimentos de excelência do Ensino Superior no Brasil, que possuem o
ingresso bastante concorrido. Entre os entrevistados do Humaitá II, 75% se
formaram em universidades públicas, da mesma forma que na amostra do Soced
(75%).
Quanto à experiência anterior ao ingresso na Unidade: três professores
atuaram em áreas distintas da educação (comissária de bordo, bancária e
jornalista), cinco exerceram o magistério no Ensino Superior e quatro atuaram
como pesquisadores. Cinco trabalharam nas redes estadual e municipal de ensino;
um trabalhou em outra escola da rede federal e alguns (cinco) tiveram experiência
na rede particular. O Colégio Pedro II não foi o primeiro local de trabalho de
nenhum deles, o grupo passou por instituições de outras redes e modalidades de
ensino, o que certamente lhes facultou experiências bastante diversificadas.
Todos os que trabalharam nas redes municipal e estadual de ensino,
pediram exoneração quando foram aprovados para o CPII.
A experiência em outras redes de ensino
Dos nove professores entrevistados, três deram aula na rede de ensino
municipal e dois na rede estadual, todos se reportaram a este período como muito
difícil.
57
Uma publicação do MEC (maio de 2008) indica, no entanto, que do total de 1,8 milhão dos
professores da Educação Básica, 20,3% (382.577) não têm formação para dar aulas e 31,5%
(594.273) não têm curso superior.
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A escola e seus agentes
52
Dois entrevistados pontuaram um sentimento forte de desvalorização e
desrespeito com a figura do professor, um fizera o primeiro concurso em grande
escala realizado pelo estado da Guanabara (em 1962) e trabalhara durante 30 anos.
Este professor explana que “o magistério da Guanabara e do Rio de Janeiro se
autodesmoralizou”. A outra fora professora por uns dois anos do município,
durante o governo Brizola, onde considerava haver um menosprezo em todos os
sentidos. Identifica que havia um sentimento coletivo de depreciação. Ambos
demarcaram que não era apenas uma questão salarial, mas de falta de respeito.
Não apenas em termos de salário, mas em termos da opinião do professor e em
termos da importância do professor dentro do processo docente. Então eu
estava me sentindo muito mal, com uma autoestima muito baixa.
Alguns problemas indicados por esses professores, nestas redes de ensino:
falta de limpeza, quantidade de alunos em sala de aula, ameaças externas, política
de não reprovação e impossibilidade de oferecer o ensino que os alunos mereciam.
Uma das entrevistadas fora professora do município, numa escola da Ilha do
Governador, e largara porque não aguentava carregar seu violão para a escola.
Percebia que os alunos queriam mais, gostavam das aulas, mas não bastava fazer
instrumentos de lata ou garrafa”. Exemplifica que os alunos pensavam: “será
que eles não teriam direito ao violão, ao piano”? Quando foi pedir exoneração do
município, nem tinha passado ainda para o CPII. As pessoas diziam para ela não
fazer isso. Ela acha que a Música na escola tinha que ser encaminhada de maneira
diferente, como um espaço de criatividade.
Fica demarcada também a opção de alguns professores pelo exercício do
magistério na Educação Básica do Colégio Pedro II, apesar de terem tido
experiência com o Ensino Superior.
Alguns optam por atuar nos dois segmentos de ensino
58
, característica
registrada, inclusive, por ocasião da comemoração do centenário do Colégio:
58
Na sua entrevista, a Diretora Geral, que trabalha no Colégio há 37 anos, deu alguns exemplos de
professores que tinham vínculo com Universidades. Werner, que foi Diretor do Instituto de
Química da UERJ muitos anos e seu professor no 1º ano científico, na Unidade Centro. Haroldo
Lisboa da Cunha, reitor da UERJ durante sete anos (seu professor no 1º ano da faculdade) e
Diretor no Colégio Pedro II. E o professor Chediak, que foi Vice-reitor Acadêmico da Santa
Úrsula e Diretor Geral do CPII de 1989 a 1992.
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A escola e seus agentes
53
“Contam-se às mãos cheias os professores ilustres do Brasil, tanto no ensino
secundário como no superior, que palmilharam estes mesmos corredores e
passaram pelos mesmos bancos desta casa” (Jornal do Comércio, 2/12/1937,
Memória Histórica).
Outros atuam em redes distintas (pública e privada), integrando os quadros
de professores de outras escolas de prestígio da cidade do Rio de Janeiro,
conforme depoimentos colhidos nas entrevistas:
Todos dão aula no Santo Inácio, São Bento, entendeu? Em colégios
tradicionalíssimos e caríssimos para a classe alta do Rio de Janeiro. Eu tenho
um colega que trabalhou no British School, e largou o British School quando
passou pro Pedro II. (...) O que eu vejo aqui com os professores? Os mesmos
professores que dão aula em colégios de elite estão dando aula aqui. E que dão
aula na universidade, dão aula na PUC, na UFRJ. Nós temos vários colegas
que atuam em concursos.
E talvez um conjunto de professores mais experientes. Os professores do
Humaitá, os professores do Centro, durante muito tempo, eram os professores
que trabalhavam nas escolas dos santos, Santo Agostinho, Santo Inácio, Santo
isso, Santo aquilo. Então, bons professores do mercado, eles aliavam a
experiência do Pedro II com o particular.
Ilustrando estas informações sobre a experiência dos professores do CPII
em escolas confessionais da cidade do Rio de Janeiro, podemos dizer que este
intercâmbio é, de fato, bastante antigo. Lembramos que por ocasião do primeiro
centenário do Colégio, os beneditinos fizeram questão de registrar numa obra
comemorativa, a atuação relevante e ativa que tiveram nos primórdios desta
instituição
59
. Os padres redigiram um artigo, onde são citados sete nomes de
monges, elevados por decretos imperiais a importantes cargos no Colégio. Estes
nomes estão no “Dietário” da Abadia São Bento do Rio de Janeiro.
Os entrevistados fizeram concurso para o CPII em épocas distintas, seu
tempo de docência no Colégio varia de três (duas professoras) a 37 anos (a
Diretora geral). Seis exerceram e/ou exercem função de coordenação
60
.
59
MARINHO, Ignesil e INNECO, Luiz. O Colégio Pedro II – cem anos depois. Rio de Janeiro:
Villas Boas & C., 1938.
60
Dos nove professores entrevistados, três são Coordenadores de Área (Língua Portuguesa,
Geografia e Música) e regentes de turmas. Duas dessas Coordenadoras são substitutas dos Chefes
do Departamento de suas disciplinas. Uma professora ocupou a Secretaria de Planejamento (ligada
à Direção Geral) durante oito anos, sendo atualmente assessora da Direção do Humaitá II, a última
entrevistada foi diretora da Unidade Centro e ocupa, desde julho de 2008, a Direção Geral do
Colégio.
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A escola e seus agentes
54
A passagem dos professores por diferentes funções dentro da escola foi um
fator interessante relacionado à trajetória profissional comum às três escolas (uma
confessional, uma pública – P1 e uma alternativa) que foram objeto dos estudos
do SOCED.
O professor num contexto de valorização identitária
“O Pedro II se entranhou em mim, sabe?
Eu me sinto representante, como professora aposentada, representante do Pedro
II. O Pedro II é uma coisa, é uma entidade muito importante.
Quem me quiser mal, fale mal do Pedro II perto de mim.
Não sei explicar, é uma coisa assim, é um sentimento forte, resultado de vivências
intensas”.
(Professora aposentada da Unidade Humaitá II)
Tabela 6 - Relação candidato/vaga para concurso público para a carreira do
magistério do Ensino Básico do Colégio Pedro II / 2008
DISCIPLINA CANDIDATOS VAGAS RELAÇÃO C/V
Português 836 6 139,3
História 800 6 133,3
Inglês 293 4 73,3
Filosofia 200 4 50
Sociologia 320 8 40
1º segmento 797 20 39,9
Matemática 478 16 29,9
Física 204 8 25,5
Francês 93 6 15,5
Desenho 77 10 7,7
TOTAL 4098 89 46,6
Fonte: Secretaria de Ensino do Colégio Pedro II.
Na tabela acima fica explicitada a grande procura de candidatos para
disputar as vagas oferecidas para a carreira do magistério do Ensino Básico no
Colégio Pedro II. Segundo o edital de vagas para 2009, o concurso prevê quatro
etapas: (a) prova preliminar; (b) prova escrita discursiva; (c) prova de aula; e (d)
análise de títulos com caráter classificatório. Os pretendentes ao regime estatutário
federal com estabilidade participam de uma disputa acirrada para se classificarem
para as vagas oferecidas. E, via de regra, os aprovados e classificados passam a
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55
integrar a elite docente do país, porque trabalharão numa instituição onde os
profissionais são bem qualificados, com condições de trabalho e remuneração
acima da média em relação à da sua categoria profissional, condição identificada
nas escolas de elite do Rio de Janeiro, estudadas pelo SOCED.
A experiência e a excelente formação dos professores foram elementos
enfatizados por cinco entrevistados como o diferencial do Colégio, pois seu
processo de admissão de docentes é, segundo eles, “bastante pesado, seleciona
professores de qualidade”.
Em janeiro de 2009, durante sua entrevista, a Diretora Geral atestou não só
a qualidade dos aprovados, mas a grande procura pelos concursos para docentes:
“Nós acabamos de fazer um concurso que tinha quatro mil e tantos candidatos
para você selecionar, entraram ao todo cento e quatorze, cento e treze, cento e
doze. É porque quem entra tem um nível intelectual muito bom”
61
.
Se cotejarmos os dados de formação acadêmica do corpo docente da
Unidade Humaitá II com as estatísticas elaboradas pelo INEP a partir do Censo
Escolar da Educação Básica 2007, observaremos a distância dos padrões de
formação. Enquanto nas séries finais do Ensino Fundamental do Brasil/2007
existem 196.006 professores (27%) que ainda não possuem a habilitação legal
requerida para atuar nesta etapa do ensino, o percentual de docentes com
doutorado (10,5%) que trabalham na Unidade Escolar Humaitá II se aproxima –
segundo os dados do censo da Educação Superior/2007- do percentual de docentes
do Ensino Superior da rede privada que possuem esta titulação (12%).
Lembremos que a rede privada é responsável por 90% (2032) do total das
Instituições de Ensino Superior (2281) do país.
A exigência do concurso público com análise de títulos impede que haja,
no Humaitá II, professores que não sejam qualificados para atuarem no Ensino
Fundamental e Médio. Devemos, então, compará-los com os professores da
Educação Básica que possuem graduação e pós-graduação.
61
No survey aplicado na P1 - a outra escola pública que, juntamente com o CPII, participou da
pesquisa do Soced a partir de 2004 e que também integra a rede federal de ensino - detectou-se que
24% dos professores tinham curso de Especialização, 56% possuíam Mestrado e 4%, Doutorado.
Medeiros (2007), que desenvolveu seu trabalho de campo neste estabelecimento, referiu-se à
titulação dos professores do CPII como bastante próxima à dos docentes da P1 e ressaltou “a
excepcionalidade dessas duas escolas públicas em nosso sistema escolar” (idem, p.45), onde os
professores são estimulados a buscarem a qualificação em decorrência dos planos de carreira
dessas instituições.
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56
Tabela 7 - Distribuição de docentes da Educação Básica com formação superior e pós-
graduação na escola, na cidade do Rio de Janeiro, na Região Sudeste e no Brasil
Localização
Brasil Sudeste Rio de Janeiro Humaitá II
Titulação
N % N % N % N %
Curso Superior
948.419 73,3 470.794 79,5 74.225 78,3 31 33
Especialização
322.640 25 109.871 18,6 17.266 18,2 25
26
Mestrado
19.080 1,5 9.629 1,6 2.772 3 29
30,5
Doutorado
2.757 0,2 1.613 0,3 528 0,5 10
10,5
Total
1.292.896 100 591.907 100 94.791 100 95 100
Fonte: Sinopses Estatísticas da Educação Básica/Inep-2007
Setor de Recursos Humanos da Unidade Humaitá II-2007
A Tabela 7 demonstra a excepcionalidade da formação acadêmica dos
docentes da Unidade Humaitá II; apresentando percentuais maiores do que
aqueles dos grupos de docentes da Educação Básica do estado do Rio de Janeiro,
da Região Sudeste e do Brasil, em todas as titulações em nível de pós-graduação.
O contingente de docentes do Humaitá II apresenta dez vezes mais professores
formados em nível de mestrado e vinte vezes mais professores com doutorado,
quando confrontados com o total de professores do Estado do Rio de Janeiro.
A trajetória acadêmica aparece, assim, como uma marca de distinção deste
estabelecimento. Reconhecemos que se os professores são estimulados à
qualificação em virtude do acesso imediato a rendimentos maiores, o investimento
na formação também reverte positivamente para o ensino ministrado na escola.
Um exemplo deste retorno está relatado na seção sobre o processo ensino-
aprendizagem do HII. Refiro-me ao Projeto de Leitura “Cem anos sem Machado
de Assis”?– que envolveu todas as Unidades Escolares do Colégio Pedro II, com
os respectivos professores de Língua Portuguesa, assim como todos os alunos do
6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. Este evento foi
concebido, proposto e coordenado por uma professora de Língua Portuguesa do
HII, que dedicou seus estudos do mestrado e doutorado a Machado de Assis
62
.
62
Esta professora poderia se sentir ameaçada, devido a presença na escola de uma outra
pesquisadora do SOCED, que estava justamente investigando os hábitos de leitura dos alunos do
HII e fazendo grupos focais sobre esse tema. Ela se mostrou tranquila e, mesmo regendo turma e
coordenando o projeto de leitura de Machado de Assis, que estava em período de finalização, não
ficou ansiosa. Ao contrário, partilhou os resultados de uma pesquisa que fez com docentes sobre
quantos livros leram no último ano (em sua opinião, o nível de leitura era baixo entre os
professores), percebia-se que seu desejo era ter uma troca sobre o assunto em questão.
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57
Os dados coletados no Humaitá II, em parte aqui expostos, indicam que a
instituição possui um bom contingente de professores experientes, estáveis e
satisfeitos
63
com o trabalho. A formação inicial e continuada deste corpo docente
integra parte das condições objetivas que propiciam as práticas pedagógicas que
fazem da Unidade uma instituição considerada de excelência. Todavia, o ensino
ministrado no HII não tem apenas na formação dos seus professores o seu fator de
sucesso. Outro fator marcante no perfil do grupo é o regime de trabalho que os
rege, já que a maior parte opta pelo regime de dedicação exclusiva (DE) e assim
fica com apenas um vínculo empregatício e recebe uma gratificação de 50% do
salário.
A carga horária máxima em sala de aula definida por esse regime de
trabalho é de 24 tempos hora/aula, mas é raro ter um docente com esta carga de
trabalho, normalmente ela é menor (em torno de 22 tempos hora/aula nas séries
iniciais do Ensino Fundamental e 18 tempos hora/aula nas séries finais deste
segmento). Lecionar em apenas um local propicia a estabilidade das equipes, o
fortalecimento das relações interpessoais, um melhor desempenho profissional,
satisfação no trabalho, etc. Adicionando-se a esses fatores o salário recebido, que
também foi indicado pelos entrevistados como uma atração porque os
profissionais possuem “um plano de carreira muito semelhante ao da
universidade, e ele oferece uma possibilidade de ganho ao professor, (...) dá um
estímulo ao aperfeiçoamento, ao crescimento profissional, (...) seduz e incentiva o
estudo”. Estas seriam algumas condições que fariam o Colégio se igualar “aos
melhores colégios que a cidade tem e que o país tem”. Indubitavelmente, são
fatores que contribuem para a construção de um clima de excelência.
Tais condições de trabalho não representam a realidade de todos os
professores que lecionam na Educação Básica. Ao examinarem a questão do
abandono do magistério público na rede de ensino do Estado de São Paulo,
focalizando o período 1990-1995, Lapo e Bueno (2003) detectaram nos
depoimentos coletados alguns aspectos provocadores de insatisfação no trabalho.
Dentre eles está a falta de incentivo ao aprimoramento profissional. As análises
evidenciam também os baixos salários, as precárias situações, a insatisfação no
63
Levando-se em consideração que o tempo de permanência dos professores no trabalho pode ser
considerado como um indicador de satisfação (Brandão et al., 2005), a satisfação dos servidores do
HII, em geral, com o trabalho, evidenciou-se bastante nas entrevistas e depoimentos informais.
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58
trabalho e o desprestígio profissional como os fatores que mais contribuem para
que os professores deixem a profissão docente.
Uma jornada de trabalho adequada e salário que proporcione tranquilidade
aos trabalhadores estão na pauta de discussões que devem levar a iniciativas para
mudar as condições de trabalho dos docentes que atuam nas modalidades de
ensino aqui pesquisadas. Há um projeto de lei instituindo o regime de dedicação
exclusiva para os professores da rede básica pública
64
.
A formação docente foi tema recorrente nas entrevistas com os
professores
65
e funcionários, pois todos destacam a experiência e a excelente
formação dos professores como determinante do caráter de excelência da
instituição, o que tem possibilitado o desenvolvimento de “projetos muito legais e
isso tudo cria um clima muito bom”.
Vejo o corpo docente que é de excelente qualidade, são pessoas que estão
sempre procurando se atualizar, estudar, fazer suas pós-graduações, um corpo
docente que tem mestrado, doutorado. E pessoas que são, de uma forma geral,
atuantes politicamente ou pelo menos dentro da sua área de disciplina...
Além da ênfase no trabalho de Informática desenvolvido pelo Colégio, a
funcionária do setor apontou a formação dos professores, quando indagada sobre
os fatores que determinam o caráter de excelência do Colégio. Por ter contato com
os coordenadores do estado, através de projeto de pesquisa da UFRJ, considera
que pode atestar que:
Uma das coisas que diferencia a equipe do Colégio Pedro II das equipes das
outras escolas públicas, na esfera estadual e municipal, é a formação do
professor.
A formação do professor do Colégio Pedro II é bastante sólida.
64
Este projeto foi objeto de debate, na quarta-feira (17/6/2009), em audiência na Comissão de
Educação do Senado. A CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação -, que
participou desta audiência pública sobre regime de dedicação exclusiva, avalia que a proposta é
interessante, mas enfatiza: “Sua implementação deve estar inserida dentro de soluções globais que
abrangem várias necessidades para melhoria da educação” (CNTE, 2009).
65
Ressalto um dado importante para a contextualização das entrevistas realizadas, assim como
aconteceu em relação à observação das aulas, quando então não houve recusa por parte dos
professores abordados, o mesmo se deu com os professores aos quais solicitei uma entrevista. Fiz
esta solicitação a cinco dos oito professores regentes que tinham permitido a observação de suas
aulas e estes aceitaram de pronto o meu pedido. Este grupo também não se opôs a gravação das
entrevistas – mesmo sendo avisados no instante em que começaríamos o procedimento.
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A escola e seus agentes
59
Quanto à frase que inicia este capítulo: “Se eu não fosse imperador, seria
professor”, atribuída ao Imperador Pedro II e ostentada na blusa de professores
das Unidades Humaitá I, Humaitá II e São Cristóvão I, 172 anos após a sua
fundação e decorridos 120 anos desde a última vez que o imperador Pedro II
participou de uma cerimônia no Colégio
66
, demarca uma das peculiaridades da
instituição que é o seu poder simbólico. Poder lavrado na memória marcada por
um tempo de glória - como espelha outra frase atribuída ao imperador: “No Brasil
há duas posições invejáveis – a de Senador do Império e a de Professor do
Colégio Pedro II” – e que se renova no compromisso e orgulho dos que passam
por qualquer uma das suas Unidades.
O depoimento de uma professora aposentada da Unidade Humaitá II é
mais um indício da força do senso de pertencimento que os professores adquirem
quando exercem o magistério no Colégio Pedro II. Alguns não se aposentam
mesmo quando possuem condições para tal e se o fazem, costumam retornar ao
Colégio para participar de algumas atividades (almoço, assembleias, aniversários,
eventos pedagógicos, etc.), como fez a professora aposentada com a qual tive uma
conversa informal no Seminário sobre Machado de Assis, em outubro de 2008.
Reproduzo a fala desta professora, asseverando que representa a experiência de
muitos outros professores aposentados:
Acho que foi uma coisa assim meio milagrosa que aconteceu comigo. Eu cheguei
aqui no Pedro II no final da minha carreira de magistério. A minha intenção era,
na verdade, melhorar a minha aposentadoria. E por isso eu fiz o concurso e
passei, e passei bem. Comecei a trabalhar e fui trabalhando, fui trabalhando...
Eu poderia me aposentar daí a dois anos e fiquei dez. E hoje eu sinto, é como se
eu tivesse trabalhado durante 20, 30 anos. O Pedro II se entranhou em mim,
sabe? Eu me sinto representante, como professora aposentada, representante do
Pedro II. O Pedro II é uma coisa, é uma entidade muito importante. Quem me
quiser mal, fale mal do Pedro II perto de mim.
Não sei explicar, é uma coisa assim, é um sentimento forte, resultado de
vivências intensas, de muito aprendizado aqui nesta casa, foi uma coisa muito
importante (...) Foi a coroação da minha carreira do magistério, eu acho que
coroei da melhor forma possível (...) Muito importante foi esse Colégio na minha
vida. Tem sido.
66
É interessante registrar que na tarde de 14 de novembro de 1889, após presidir a banca
examinadora do concurso de Inglês, o Imperador retirou-se do Externato, seguindo para Petrópolis,
para não mais voltar ao estabelecimento. Quando desceu da cidade serrana, desceu destronado, a
caminho do exílio. Portanto, o último ato público a que assistiu o Imperador, foi uma cerimônia no
Externato do Colégio Pedro II (Gabaglia, em artigo no Jornal O Estado de São Paulo, de 2 de
dezembro de 1937)
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A escola e seus agentes
60
Canário (2005) demarca que as pessoas são determinadas por aquilo que
fazem. O autor pontua que na era da modernidade o trabalho profissional se
estabeleceu como uma das fontes essenciais de produção identitária. Esta
produção identitária resulta do confronto da dimensão individual com as
dimensões coletivas de ação profissional. Os agentes escolares da Unidade
Humaitá II se inserem em um contexto de valorização identitária que deve ser
compreendido em sua dimensão histórica. Uma cultura mais madura e dominante,
que resguarda as glórias do passado, “torna-se mais importante para alimentar a
autoestima e o sentido de defesa da organização, do que para servir aos objetivos e
finalidades próprios” (Paiva, 2006, p.18). Ingressar no Colégio Pedro II como
professor confere uma distinção marcada por uma linha de continuidade entre o
passado e o presente, cunhada pela história secular, tradição e inserção da
instituição na vida nacional
67
:
Estabelecimento padrão de ensino secundário do país onde hauriram os
conhecimentos básicos da sua cultura as figuras exponenciais do saber humano
do Brasil (Diário de Notícias, 2/12/1937).
Professores dos mais sábios, em todos os tempos, nas salas do Colégio Pedro II,
trouxeram aos seus alunos a utilidade dos seus ensinamentos, através de uma
linguagem rica e pura e proveitosa (Jornal da Democracia, 2/12/1937).
Seu corpo docente, constituído por uma equipe de educadores selecionados
entre os mestres mais notáveis e aptos ao exercício de uma cátedra, representa
uma garantia segura para o encaminhamento e preparo dos meninos
adolescentes (Jornal Vanguarda, 17/12/1937).
As histórias sobre os professores do Colégio mereceriam uma investigação
específica, a aura magnificente desta escola é preservada na memória de todos que
por lá passaram. Inúmeros professores do Colégio destacaram-se em diversas
áreas da cultura nacional
68
. Podemos citar: Joaquim Manoel de Macedo (professor
de Geografia e História do Brasil), Gonçalves Dias (professor de Latim), Homem
de Mello (professor de História Geral), Sylvio Romero (professor de Filosofia),
Capistrano de Abreu (professor de Geografia e História do Brasil), Euclydes da
Cunha (professor de Filosofia), Paulo de Frontin (professor de Mecânica e
67
Essas são algumas manifestações que ocuparam dezenas de artigos em sessenta e nove jornais,
quando da comemoração do centenário do Colégio, em dezembro de 1937.
68
Summer (Diário de Noticias, 1937) afirma que o Imperador além de ser um vigia das atividades
do Colégio, pôs sempre na nomeação de seus professores a maior seriedade, dando-lhes inclusive a
mesma importância que atribuía aos Senadores.
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A escola e seus agentes
61
Astronomia), Coelho Neto (professor de Literatura), Quintino do Vale (professor
de Português) e Barão do Rio Branco e Augusto dos Anjos, dos quais não
consegui saber as disciplinas que lecionavam.
Como veremos a seguir no perfil dos funcionários, a identidade
institucional que transparece no orgulho e compromisso com a escola, perpassa
todos os seus integrantes.
2.3.3
O perfil do efetivo de servidores técnico-administrativos
“Então, assim, eu acho que é difícil falar do Pedro II e não vestir a camisa.
Eu sou muito apaixonada pelo Pedro II e eu aprendi muito aqui”.
(Funcionária do Setor de Supervisão e Orientação Pedagógica)
O perfil dos servidores técnico-administrativos do HII foi organizado a
partir de dados solicitados ao Setor de Recursos Humanos da Unidade Escolar, à
Coordenadoria de Recursos Humanos do Colégio e a partir das entrevistas formais
e informais efetuadas com funcionários. Assim como foi feito na elaboração do
perfil docente, são feitas referências a aspectos relacionados à história
institucional do Colégio onde está inserida a Unidade Escolar pesquisada.
A Unidade Humaitá II possui 65 funcionários e todos são efetivos,
diferentemente do grupo de docentes, onde 16% são contratados. O percentual de
mulheres em funções técnico-administrativas (69%) ficou bem próximo do
percentual de professoras (67%).
Mais da metade dos funcionários (52%) tem o Curso Superior como a
mais alta titulação e 41,5% fizeram o Ensino Médio. Um bom contingente (77%)
tem de 16 a 25 anos de trabalho na escola. Os que têm 50 anos ou mais
representam 52% do grupo e 43% estão com idade entre 40 e 49 anos.
Trata-se de um grupo que apresenta características relativamente
homogêneas no tocante à formação acadêmica, idade e tempo de trabalho na
instituição. Possuem um bom capital escolar e estão há mais tempo que os
professores na instituição, sendo, portanto, o percentual de estabilidade na equipe
de funcionários bastante elevado (77%).
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A escola e seus agentes
62
São 31 assistentes em administração - o que representa 48% do grupo -,
seis psicólogos, três médicos, três técnicos em nutrição e dietética e três
datilógrafos. Os outros cargos
69
são ocupados por um ou dois funcionários.
Foram entrevistados três funcionários: um inspetor do 9º ano, uma
funcionária do Laboratório de Informática e uma funcionária do SESOP (Setor de
Supervisão e Orientação Pedagógica)
70
.
Contrariamente à acessibilidade dos docentes em conceder-me
entrevistas, deparei-me com a dificuldade de ter a participação dos funcionários
do SESOP, pois, embora reconhecendo que estive mais presente na sala dos
professores do que neste setor, também me preocupei em estabelecer uma
aproximação com estes agentes escolares. No entanto, das seis funcionárias que
abordei, apenas uma aceitou e o fez prontamente. Três alegaram falta de tempo e
desmarcaram as entrevistas, uma parecia estar com medo, enviando-me olhares
bastante desconfiados, e outra resolveu não ser entrevistada, na hora em que
tínhamos marcado
71
.
Na prática de pesquisa podemos nos deparar com recusas às nossas
solicitações de participação. Zago (2003) pontua que razões de caráter pessoal
podem justificar tais atitudes, como, por exemplo, temor da repercussão que o
depoimento possa causar. Mas, se a falta de tempo for mesmo o motivo alegado
69
Assistente de alunos (2), técnico em assuntos educacionais (2), bibliotecária (2), técnico em
enfermagem (2), administrador (2), auxiliar de serviços gerais (1), auxiliar administrativo (1),
auxiliar operacional (1), técnico em assuntos operacionais (1), contínuo (1), vigilante (1),
pedagoga (1), dentista (1) e enfermeiro (1).
70
Setor que nasceu da junção do antigo SOE (Setor de Orientação Educacional) com o ex-STEA
(Setor Técnico de Ensino e Avaliação), ambos foram transformados no SESOP (Setor de
Supervisão e Orientação Pedagógica). Este setor reúne os profissionais prioritariamente envolvidos
com o processo pedagógico, atende a alunos, pais e professores.
71
Relato do caderno de campo (Unidade Humaitá II, 16º dia: 09/11/2007 - 6ªfeira): Ela chega à sala
dos professores para tomar um lanchinho, eu comento: “Tá na hora”. De repente ela não estava mais
presente. Vou para a sala dela e espero até uns 20 minutos, ela chega e proponho irmos para uma
salinha que fica nos fundos do SESOP. Quando sentamos, ela me olha com um olhar de interrogação
e pergunta: “O que é que você está fazendo mesmo? Você é estagiária”? Na primeira vez em que
estive no setor, ela estava presente e nós tínhamos conversado. Expliquei tudo de novo e ela não fez
cara de nada, nem que achava interessante ou desinteressante. Espantou-se com o gravador, expliquei
que mostraria a transcrição ou que não gravaria, apenas anotaria o que ela falasse e mostraria também
esse texto para ela. Nada adiantou, ela achou que eram muitas perguntas e disse que tinha um pai
para atender às 11 horas. Eu disse que se ela falasse apenas cinco minutos, já me interessava porque
ela tinha trabalhado muito tempo com o 9º ano. Não teve jeito. Sugeri que ela pensasse, não disse que
sim nem que não, parecia ter se livrado de uma peste egípcia.
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A escola e seus agentes
63
por três das convidadas, não me surpreende, já que para a maioria dos professores,
e alguns funcionários, trabalhar no CPII é correr contra o tempo
72
.
2.3.4
Os servidores técnico-administrativos entrevistados
“Quando eu entro aqui, eu me transformo, eu visto a camisa do Colégio Pedro II”.
(Inspetor do 9º ano)
No quesito formação, o inspetor de alunos tinha estudado até o Ensino
Médio, a funcionária do Setor de Informática era graduada em Arquitetura e
Urbanismo e pós-graduada em Análise de Sistemas e a terceira servidora tinha se
graduado em História, na UFRJ.
Quanto à experiência anterior, a funcionária da Informática tinha trabalhado
em empresas, desenvolvendo programas e dando capacitação para otimização
desses programas, especialmente com banco de dados. A que trabalhava no
SESOP ingressara no Colégio na época em que cursava a graduação e não se
referiu a nenhum emprego anterior ao CPII. Atualmente, concomitante ao trabalho
no Colégio, leciona para o Ensino Médio na rede estadual do Rio de Janeiro. O
inspetor de alunos tinha trabalhado anteriormente no Inamps.
Os três entrevistados trabalhavam há mais de 16 anos no Colégio. A
funcionária do SESOP estava no HII há 14 anos, mas trabalhava no Colégio desde
1985, portanto, há 22 anos. Passara por outra Unidade (São Cristóvão) e por
outros setores: setor de pessoal, coordenação de turno, secretaria e, por fim,
SESOP. Também dera aulas por três meses.
O inspetor do 9º ano trabalhava na Unidade HII há 17 anos e a funcionária
do Laboratório de Informática chegara ao Colégio Pedro II em 1987. Tendo, em
2007, uma experiência de 20 anos na instituição, desenvolvera vários projetos em
Informática Educativa.
72
Uma integrante do Soced que participou por quatro dias em atividades de pesquisa no HII,
concordou inteiramente comigo quando comentei que o PII cansava, nós também, enquanto
pesquisadoras, conforme observamos alguns professores na lida do dia a dia, sentimos as
atribulações para levarmos a cabo nossas tarefas.
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A escola e seus agentes
64
Alguns funcionários exercem funções diferentes do cargo em que estão
situados, por exemplo, a Unidade possui apenas dois assistentes de alunos, mas
tem 16 funcionários no setor de disciplina. O inspetor do 9º ano, que foi um dos
funcionários entrevistados, tem o cargo de datilógrafo e trabalha diretamente com
os alunos. Mesma situação acontece na biblioteca da escola, que conta com sete
funcionários, possuindo duas bibliotecárias.
O primeiro concurso para o provimento de servidores técnico-
administrativos do Colégio foi realizado em 2004. Até então o ingresso desses
servidores não se dava através de concurso público
73
. No governo de Fernando
Collor foram extintos vários órgãos públicos, o que resultou num inchaço do
quadro de servidores técnico-administrativos, já que, com isso, o Colégio recebeu
um quantitativo considerável de servidores que atuavam em órgãos que não eram
ligados à Educação. Para algumas Unidades isto pode se tornar um problema,
tendo em vista que os funcionários podem reivindicar exercer funções delimitadas
ao seu cargo e não aceitarem desvio de função (Azevedo, 2005)
74
.
Nos contatos feitos no HII, não tomei conhecimento de servidores
técnico-administrativos insatisfeitos com sua função, acrescento que a Unidade
possui um excelente corpo de funcionários do ponto de vista da experiência e
formação. Assim como os professores, eles contam com um plano de carreira bem
estruturado, o que certamente valoriza o profissional e incentiva a formação.
A existência de planos de carreira, cargos e salários foi citada como fator
de sucesso no estudo realizado durante os meses de outubro e novembro de 2007,
em 37 redes municipais de escolas de Ensino Fundamental, a partir dos resultados
da Prova Brasil/2005 e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB). Nas redes que contam com planos de carreira bem estruturados, este fator
foi considerado importante para a garantia da aprendizagem
75
.
73
Somente a partir da Constituição de 1988 a realização de concurso público passou a ser
obrigatória para a ocupação de cargos públicos e ficou definida a forma de contratação desses
servidores.
74
Nos quadros do CPII não está previsto o cargo de servente, portanto, em algumas Unidades,
funcionários da firma de limpeza prestam serviços ao Colégio e recebem alguma remuneração
extra. Percebi funcionárias da limpeza fazendo café para os professores na copa da sala dos
professores e na sala da coordenação, que fica ao lado das salas das adjuntas e das assessoras da
direção.
75
O estudo tinha como objetivo identificar as características das redes municipais em que o direito
de aprender está sendo assegurado. Foram entrevistados dirigentes municipais de Educação,
coordenadores pedagógicos, professores, alunos, pais, funcionários e conselheiros.
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A escola e seus agentes
65
A funcionária do SESOP avalia que, em termos de escola pública, sem
dúvida, o Colégio “é disparado na frente. (...) A gente sabe que as equipes são,
em geral, excelentes. Os professores são muito bons, os funcionários são muito
bons, os alunos são muito bons”.
Personagens singulares
A organização escolar inclui pessoas diferentes, situadas de diversas
maneiras, suas percepções da qualidade do ambiente influenciam todos os
membros de maneira significativa. Estas percepções agem sobre a qualidade geral
das relações e interações entre os diferentes integrantes da escola.
A conversa informal que mantive com dois inspetores de alunos, quando
passava por um dos corredores das salas de aula, ilustra as considerações do
parágrafo anterior. Abordei os inspetores para me apresentar, e, quando expliquei
que estava investigando a contribuição da Unidade Humaitá II para a constituição
e manutenção da imagem de excelência do Colégio, seus olhos brilharam e ambos
mostraram-se muito receptivos a nossa conversa. São ex-alunos do próprio
Humaitá II, ela fez Serviço Social e ele cursa a faculdade de Matemática. Sentem-
se muito orgulhosos de estar ali, amam o que fazem.
Diversos cronistas
76
, no dizer de Escragnolle Doria, “vivendo ou não na
Casa Ilustre disseram a história de sua gente” (Anuário do Colégio Pedro II, 1944,
p.112) e desvendaram o passado do Colégio, relatando inúmeros episódios
reveladores da convivência de inspetores com os alunos:
Houve um inspetor do Pedro II que se chamava Clovis Dottori, o qual se tornou
professor e publicou vários livros (Almanaque Histórico, 2007, p. 137).
“Ingressei nesta tendo como inspetor o Sr. Francisco During, bacharel em letras
diplomado em Paris e que nos auxiliava muito nos estudos. Sua austeridade era
proverbial e os alunos o acatavam muito. Durante todo o estudo, que à tarde ia
das 5 às 8 horas da noite (...), os seus olhos não se despregavam dos alunos,
76
Segundo Fernando Segismundo (1987), os primeiros cronistas que se ocuparam do Colégio
Pedro II foram Baltasar da Silva Lisboa em Anais do Rio de Janeiro (1789), Monsenhor Pizarro
nas suas Memórias Históricas do Rio de Janeiro (10 volumes), 1820/1822 e Joaquim Manuel de
Macedo. Seguindo-se Moreira de Azevedo, Vieira Fazenda, Raja Gabaglia e Escragnolle Doria em
1913/ 1914 (Galvão, 2003).
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A escola e seus agentes
66
sendo inflexível com os vadios” (Paranhos da Silva
77
, Anuário do Colégio
Pedro II, vol. X, 1944).
“Quando nos recolhemos aos dormitórios tudo ignorávamos, mas, ao despontar
do dia, o inspetor Olívio Fernandes do Nascimento Rosas, ex-aluno da Escola
Militar e muito benquisto, despertou-me dando ciência do que ocorrera (...)
resolvidos a pedirmos uma providência ao grande Marechal Deodoro (...)
ganhamos a partida (...) cancelaram-se as expulsões impostas” (idem, 1944).
Os atuais inspetores de alunos provavelmente não tiveram acesso a esses
detalhes históricos dos que os antecederam no trato com os alunos, pois são
detalhes que carecem de pesquisas para serem conhecidos - acontecimentos
rotineiros, acontecidos há mais de 100 anos, não costumam ser comentados nos
corredores da escola. No entanto, há uma similitude entre os depoimentos atuais e
as crônicas do século passado, uma realização pessoal advinda da convivência –
uma espécie de essência compartilhada, um sentido de permanência e
continuidade. São aspectos subjetivos, relativos ao contexto institucional e que
permeiam a identidade pessoal dos integrantes do Colégio, perceptíveis, por
exemplo, na conversa com os inspetores citados, que ao partilharem alguns
episódios envolvendo os estudantes, demonstraram intensa satisfação com a
função que exercem e com o Colégio. Acrescentando-se o fato de serem ex-
alunos, irmanam-se com tudo que sentem os alunos que têm sob sua vigia:
É difícil tirar esse uniforme, é uma tatuagem. Os alunos ficam vindo aqui dois
anos depois que se formaram. Não é só no concreto que você vai encontrar esse
aspecto que dá qualidade, é no afetivo. Ser aluno do Pedro II é alguma coisa
diferente.
Podemos dizer que a instituição na qual a Unidade Humaitá se insere
propicia um ethos, onde cada um compartilha significados e valores da
comunidade escolar, neste contexto de essência partilhada, que pertence a muitos
ou a todos, o sentido da identidade pessoal pode ser resumido ao que “permanece
sempre na vizinhança de si mesmo” (Ewald & Soares, 2007).
77
Aluno do Colégio no início do século XX, Bacharel do Colégio Pedro II e ex-diretor do
Internato (indicado pelo Barão do Rio Branco e mantido no cargo por seu sucessor, o presidente
Nilo Peçanha) em Reminiscência do Internato – artigo publicado no Correio da Manhã em 28 de
novembro de 1937.
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A escola e seus agentes
67
2.3.5
Os alunos
Imaginar uma aula de Português assistida por alunos como Gonçalves Dias,
Manuel Bandeira, Alceu Amoroso Lima e Pedro Nava, sentados lado a lado,
só mesmo pensando no Colégio Pedro II. (Jornal do Brasil, 1991)
Tal como foi feito nas seções, aqui também estabelecemos um diálogo
com aspectos relacionados à história institucional do Colégio e com alguns
estudos do INEP elaborados em 2007: Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica, Censo Escolar - Sinopses Estatísticas da Educação Básica e Indicadores
Demográficos e Educacionais dos Estados e Municípios.
Dados fornecidos pela Secretaria da Unidade, pela Secretaria de Ensino,
depois denominada Diretoria de Ensino do CPII, relatório elaborado pelos alunos
do 9º ano de 2007 (para a disciplina de Geografia) e informações coletadas
durante o trabalho de campo foram as fontes utilizadas para a elaboração do perfil
dos alunos do Humaitá II, no ano de 2007.
O quantitativo discente do Colégio Pedro II, em 2007, era de 12176
alunos. Deste contingente, 1304 estavam matriculados na Unidade Humaitá II. Na
escola investigada tínhamos, portanto, 11% do total de alunos do Colégio. Este
quantitativo está distribuído, conforme indica o quadro seguinte:
Quadro 5 - Distribuição do efetivo discente da Unidade Humaitá II / 2007
Etapas/Modalidades Ano
6º 180
7º 198
8º 183
Ensino
Fundamental
165
Subtotal 726
1º 200
2º 214
Ensino Médio
3º 164
Subtotal 578
Total 1304
Fonte: Secretaria da Unidade Escolar Humaitá II do Colégio Pedro II
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68
O aumento do número de alunos do 9º ano do EF para o 1º ano do Ensino
Médio se dá em função do concurso para admissão de alunos nesta série. Em 2007
e 2008 foram oferecidas, respectivamente, 51 e 68 vagas, na Unidade Humaitá II,
para o concurso de admissão de alunos ao 1º ano do Ensino Médio.
Na Unidade investigada, o 9º ano é a série com menor número de
estudantes do Ensino Fundamental, assim como o 3º ano é a série com menos
alunos no Ensino Médio. No caso do Ensino Fundamental, observa-se retenção na
7ª série.
Analisando a Tabela 8, recorreremos ao IDEB
78
para fazermos um
cotejamento do desempenho dos alunos do Humaitá II com os alunos da rede
pública do município do Rio de Janeiro e de todo o Brasil.
Tabela 8 - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica / 2007- IDEB
Ensino Fundamental nos Anos Finais
79
Brasil*
Município do Rio de Janeiro**
487
Total
Rede Federal Rede Pública Rede
Estadual
Rede
Municipal
HII
3,8
6,1 3,5 2,5 4,3
5,7
Fonte: Inep - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica / 2007
*Os resultados de UF, Região e Brasil podem ser calculados para as redes federal, estadual,
municipal, pública (federal, estadual e municipal), privada e total.
**Os resultados dos municípios podem ser calculados para as redes municipal, estadual e
pública (estadual e municipal).
Visualizamos na Tabela 8 que o IDEB (5,7) da Unidade investigada ficou
acima do IDEB de toda a rede pública do Brasil (3,5), assim como ficou acima
dos índices das redes estadual (2,5) e municipal (4,3) localizadas no município do
Rio de Janeiro.
Situou-se abaixo - apesar de próximo - do IDEB da rede federal de ensino
(6,1) do país, cabe destacar que este indicador de qualidade está restrito a apenas
0,1% do total de alunos do Brasil neste segmento. Conforme consta na Tabela 9
(Número de Matrículas no Ensino Fundamental nos Anos Finais) que vem a
seguir, o efetivo discente dos anos finais do Ensino Fundamental da rede federal
78
É um indicador utilizado como meta do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e de
todos os programas educacionais do Ministério da Educação. É calculado a partir dos dados sobre
aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep: o
Saeb, para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil, para os municípios.
79
Para o Ensino Fundamental, o IDEB é calculado por etapa, ou seja, anos iniciais e anos finais.
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69
(17.071) representa apenas 0,1% do total de alunos do Brasil (14.339.905)
matriculados neste segmento. No município do Rio de Janeiro o percentual de
matrículas neste segmento, na rede federal de ensino, passa para 1,98% do total de
alunos da cidade porque no estado do Rio de Janeiro estão 14 (36%) dos 39
estabelecimentos de Ensino Fundamental da rede federal
80
.
Tabela 9 - Número de Matrículas no Ensino Fundamental / Anos Finais
Brasil
Município do Rio de Janeiro
Total
Rede
Federal
Total Rede
Federal
N % N %
14.339.905
17.071
0,1
327.447
6.508
1,98
Fonte: Censo Escolar / 2007 - Sinopses Estatísticas da Educação Básica
Indicadores Demográficos e Educacionais dos Estados e Municípios
Não se pode ignorar a importância da dependência administrativa nos
resultados escolares, os bons índices das escolas federais não estão restritos às
regiões Sul e Sudeste, espalham-se por todas as regiões do país e acabam por
segmentar todo o sistema público de ensino
81
. Também não estão restritos aos
anos finais do Ensino Fundamental, ainda tomando por base o IDEB, dez escolas
federais estão no ranking dos 20 melhores estabelecimentos (4ª série) do estado
do Rio de Janeiro
82
.
De forma que quando nos referirmos aos fatores que intervêm para definir
a heterogeneidade da oferta escolar no Brasil, temos que incorporar à influência
das disparidades regionais, sociais e econômicas do país, “um outro vetor que
estrutura essas desigualdades de experiência escolar” (Rocha & Perosa, 2008) e
que está relacionado à dependência administrativa dos estabelecimentos de ensino
da rede pública.
Assim como se dá a comparação entre o sistema público e privado, de
forma oficial e não oficial, nos exames sistêmicos e na divulgação dos rankings
80
Segue-se ao estado do Rio de Janeiro, Minas Gerais com quatro estabelecimentos e Rio Grande
do Sul com três estabelecimentos.
81
Dentre as 20 melhores escolas do país que possuem o 9º ano, doze são federais e se espalham
pelas seguintes unidades da federação: Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Ceará, Distrito Federal,
São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, nesta ordem
82
As quatro Unidades Escolares I do Pedro II, que atendem do 1º ao 5º ano do Ensino
Fundamental, estão entre as sete primeiras colocadas do estado do Rio de Janeiro: Unidade
Humaitá I (1º lugar), Unidade Engenho Novo I (2º), Unidade Tijuca I (5º) e Unidade São
Cristóvão I (7º).
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70
entre escolas (idem, 2008), da mesma forma temos as comparações entre as redes
de ensino dentro do sistema público. Todas as vezes em que são divulgadas as
notas do ENEM, discute-se o melhor desempenho de alunos das escolas federais,
dos colégios de aplicação e dos colégios militares, em detrimento dos alunos da
rede estadual de ensino. Não foi diferente no primeiro semestre deste ano, quando
tivemos manchete do jornal O Globo com os seguintes dizeres “Na rede pública,
escolas federais se mantêm como ilhas de excelência”
83
.
As discussões postas na Câmara, no Senado e na sociedade, sobre o
ingresso nas universidades federais e estaduais e nas instituições federais de
ensino técnico de nível médio, puseram os alunos oriundos das escolas federais na
ordem do dia. Os meios de comunicação divulgaram a proposta de que os alunos
que cursam o Ensino Fundamental e Médio em escolas federais não poderiam se
candidatar às reservas de vagas para oriundos de escolas públicas
84
, nas
universidades.
Os resultados de cada estabelecimento são calculados a partir do
desempenho obtido pelos alunos que participaram da Prova Brasil/Saeb e das
taxas de aprovação globais, calculadas com base nas informações prestadas no
Censo Escolar. O mesmo procedimento é feito para cada município, unidade da
Federação e Brasil. De modo que “cada uma dessas unidades de agregação tem
seu próprio IDEB e metas estabelecidas ao longo do horizonte do PDE, ou seja,
até 2021” (INEP, 2008). Em 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica nos anos finais do Ensino Fundamental da Unidade Humaitá II (5,7) ficou
1,0 abaixo do que estava projetado para este estabelecimento receber em 2007
(6,7). A meta estabelecida para o HII é alcançar, em 2021, o índice de 7,9.
A julgar pelo desempenho dos alunos dos anos iniciais do Ensino
Fundamental da Unidade Humaitá I, que com 7,2 foi a escola classificada em
primeiro lugar na cidade do Rio de Janeiro, a Unidade Humaitá II não terá
dificuldade em alcançar esta meta, porque estes alunos compõem em torno de
42% do quantitativo que lá ingressa no 6º ano.
83
Dos 20 estabelecimentos públicos com maiores notas do Enem 2008, nada menos que 18 são
mantidas pelo governo federal (Weber, 2009).
84
O projeto de lei da Câmara (PLC 180/08), que tramita em conjunto com outras três propostas do
Senado, dispõe que para ingressar na universidade pelo sistema de cota, os alunos deverão ter
cursado o Ensino Médio integralmente nas escolas públicas. No caso das escolas técnicas, deverão
ter cursado o Ensino Fundamental integralmente nas escolas públicas. A proposta também
determina que metade dessa cota seja reservada para alunos oriundos de famílias com renda de até
um salário mínimo e meio per capita.
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71
Detalhando este raciocínio, considerando-se que o IDEB combina dois
indicadores - indicadores de fluxo (promoção, repetência e evasão) e pontuações
em exames padronizados –, se os alunos do Humaitá I mantiverem o bom
desempenho que demonstraram
85
, provavelmente modificarão o fluxo da Unidade
Humaitá II e continuarão com boas pontuações nos exames padronizados
86
.
Tabela 10 - Desempenho dos alunos do 9º ano da Unidade Humaitá II - 2007
TOTAL
Reprovados Jubilados Evadidos Transferidos Aprovados
165 N
%
18
11
6
3,6
1
0,6
4
2,4
136
82,4
Fonte: Secretaria da Unidade Escolar Humaitá II do Colégio Pedro II
A taxa de aprovação do 9º ano da Unidade (82,4%) ficou abaixo da taxa de
aprovação do 9º ano da rede municipal (96,7%), em 2007. Os reprovados da
Unidade estão em duas coluna (reprovados e jubilados). Vamos comparar a taxa
de reprovação desta série com as taxas do município e do Colégio.
Quadro 6 - Taxas de reprovação do ano do Ensino Fundamental –
Rede Municipal / Colégio Pedro II / Unidade Humaitá II
87
em 2007
Município do Rio de
Janeiro
Colégio Pedro II Unidade escolar Humaitá II
3,3
15,2
14,6
Fonte: Inep / Indicadores Demográficos e Educacionais – 2007
Secretaria de Ensino do Colégio Pedro II
Secretaria da Unidade Escolar Humaitá II do Colégio Pedro II
Este quadro demonstra que a taxa de reprovação do 9º ano da rede
municipal (3,3), é bem menor do que as taxas apresentadas pelo Colégio Pedro II
(15,2 e 14,6).
85
Os dados do Ideb-2007 demonstraram que no ranking das 20 melhores escolas do país, o estado
do Rio de Janeiro foi representado somente pela Unidade Humaitá I que figurou entre os
representantes da 4ª série, aparecendo em 20º lugar.
86
Certamente que se trata de especulação porque tem que haver uma complementaridade entre os
indicadores e, como veremos no Quadro 6 que vêm após a Tabela 10 (Desempenho dos alunos do
9º ano da Unidade Humaitá II – 2007), 14,6% dos alunos do 9º ano da Unidade Humaitá II foram
reprovados em 2007.
87
Nos índices gerais discentes do ano letivo de 2007, divulgados pela Secretaria de Ensino do
Colégio, o 9º ano da Unidade Humaitá aparece com uma taxa de reprovação de 16,77. Optou-se
por trabalhar com os dados fornecidos pela secretaria da Unidade porque foram elaborados por
profissionais que lidam com essas informações diariamente. Olhei as listagens dos alunos,
juntamente com a secretária da Unidade, e, certamente, são mais factíveis do que as estatísticas
elaboradas por uma instância maior do Colégio, que depende do envio de informações de terceiros.
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72
O 9º ano não é a série que menos reprova no município do Rio. Algumas
séries do Ensino Fundamental, apresentam taxas de reprovação menores: 4º ano
(3,0), 2º ano e 7º ano (2,3), 8º ano (2,0) e 5º ano (1,4). As séries que apresentam
taxas de reprovação maiores - 6º ano (10,9) e 3º ano (13,5) não alcançam as taxas
do Colégio Pedro II e da Unidade Humaitá
88
.
Aliando os resultados do Quadro 6 com o fato de a instituição aplicar,
desde os seus primórdios (há 172 anos), o expediente da jubilação em seus
alunos
89
, cabe indagar se a reputação que a maior escola pública brasileira - no
atendimento ao Ensino Fundamental e Médio, com 12.176 estudantes (em 2007) -
possui se deve ao rigor da seleção que promove no ingresso e no decurso da
escolaridade.
Tendo sido criada em 1984, em São Cristóvão, a primeira Unidade
Escolar I
90
, para atender da antiga classe de alfabetização (atual 1º ano) à 4ª série
(atual 5º ano) do Ensino Fundamental, a admissão de alunos passou a ser feita
através do sorteio de vagas, somente para a série inicial deste segmento. Neste
sentido, mais precisamente no nosso caso, interessa saber se alunos oriundos da
Unidade Humaitá I, e que ingressam no Colégio através do sorteio de vagas,
permanecem cumprindo os 12 anos de escolaridade (1º ano do Ensino
Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio) que a escola oferece.
Num dos recortes da pesquisa que desenvolvi no mestrado, acompanhei a
trajetória escolar de 178 alunos que foram sorteados em 1990 e que constituíram,
naquele ano, as dez turmas da classe de alfabetização da Unidade Escolar São
Cristóvão I. Verifiquei que após doze anos, 67% deste grupo se mantinham no
Colégio, matriculados da antiga 6ª série ao 3º ano do Ensino Médio. Por motivos
diversos (jubilação, evasão, trancamento de matrícula e pedidos de transferência),
88
A aprovação automática fora implementada no município do Rio de Janeiro pelo governo César
Maia desde 2000 e vigorou até o início da atual gestão. Para o professor da faculdade de Educação
da UFRJ, Roberto Leher, a medida que vigorou no Rio, implementando de forma tecnocrática a
aprovação automática, era bem diferente da filosofia do sistema de ciclos, que prevê a avaliação
continuada dos estudantes (Lima, O Globo, 2008). Oliveira e Araújo (2005) discutem se as
políticas de aprovação automática, ciclos e progressão continuada surtem o efeito de melhoria da
qualidade de ensino. Para os autores, o seu grande impacto observa-se, de fato, nos índices
utilizados até então para medir a eficiência dos sistemas de ensino, não incidindo diretamente
sobre o problema - ver Glória e Mafra (2004) e Arelaro (2005).
89
Através deste processo, os alunos – do 3º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino
Médio - que repetem duas vezes a mesma série, são jubilados do Colégio.
90
As aulas para as séries iniciais do Ensino Fundamental foram iniciadas há 25 anos. A
necessidade de ampliação da rede de Ensino Básico nos centros urbanos foi a justificativa para o
Colégio implantar o então 1º segmento do 1º grau. As Unidades Escolares I passaram a ser
informalmente denominados de “Pedrinhos” e as demais de “Pedrões”.
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33% dos alunos do grupo que fora sorteado para a classe de alfabetização de 1990
estavam concluindo ou não sua escolaridade fora do Colégio.
Podemos verificar na Tabela 11 que decorridos 17 anos do ingresso deste
grupo de alunos de São Cristóvão I, que foi objeto da investigação citada,
auferimos resultados diferentes com os alunos sorteados que da Unidade Humaitá
I, que seguiram para a Unidade Humaitá II.
Tabela 11 - Composição do 6º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio
da Unidade Humaitá II / 2007
Séries
Total Sorteados Concursados Transferidos Repetentes
6º ano
N
%
183
89
49%
77
42,1%
6
3,3%
3
1,6%
3º ano
N
%
164
69
42,1%
87
53%
8
4,9%
-
Fonte: Secretaria da Unidade Escolar Humaitá II do Colégio Pedro II
As turmas do 6º ano da Unidade Humaitá II são compostas por alunos que
ingressam através dos concursos de admissão para esta série, por alunos que
ingressaram através de sorteio de vagas
91
(oriundos da Unidade Humaitá I), por
alunos transferidos e repetentes. Analisando o percentual de alunos sorteados que
compunham o 6º ano do Ensino Fundamental e que compunham o 3º ano do
Ensino Médio em 2007, podemos deduzir que no máximo 6,9% dos alunos que
ingressaram através de sorteio de vagas podem ter saído do Colégio. Não sabemos
quantos alunos do grupo de sorteados ainda estão matriculados em outras séries,
com defasagem no seu percurso.
De qualquer forma, trata-se de um contingente bem menor que os 33% de
alunos citados anteriormente (da Unidade São Cristóvão), que ingressaram em
1990 na mesma condição e que não conseguiram cumprir o percurso escolar.
Ainda comparando com a pesquisa realizada durante meu mestrado, pela
importância do resultado, quero referir-me a mais uma etapa da investigação, que
foi a caracterização de um grupo de alunos do 3º ano do Ensino Médio da
Unidade São Cristóvão III. Dos 103 respondentes (cinco turmas) do questionário
que visava identificar o perfil dos alunos que estavam terminando o percurso
91
A quantidade de alunos do 5º ano do Pedrinho do Humaitá I que segue para o 6º ano do Humaitá
II não se altera muito porque a Unidade Humaitá I possui quatro turmas por série.
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escolar no Colégio, 100 preencheram a questão sobre a série em que haviam
ingressado na escola.
Na amostra de cinco turmas que representava 29% das 17 turmas do 3º ano
do Ensino Médio de São Cristóvão, constatamos que apenas sete alunos haviam
ingressado no Colégio através de sorteio. Encontramos, assim, no 3º ano do EM
(2001/São Cristóvão) apenas 7% de alunos oriundos do Pedrinho, com o
agravante de que, em São Cristóvão, as 5ªs séries eram compostas
aproximadamente por 60% de alunos oriundos das Unidades Escolares I.
Esses foram dados recolhidos em 2002, em São Cristóvão. Em 2007,
registramos mais uma vantagem para a Unidade Humaitá II porque, de acordo
com a Tabela 11 (Composição do 6º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do
Ensino Médio da Unidade Humaitá II / 2007), podemos dizer que a permanência
dos estudantes sorteados ao longo do percurso escolar indica a democratização na
composição do seu alunado
92
. Principalmente porque a partir de 2005, 50% das
vagas dos concursos de admissão ao 6º ano do Ensino Fundamental e 1º ano do
Ensino Médio passaram a ser dirigidas para alunos oriundos de escolas públicas, o
que trouxe mais diversidade ao corpo discente de todo o Colégio.
Uma elite discente no município do Rio de Janeiro
“O nosso passado diz quem somos e quem seremos. (...)
As mudanças são constantes, contudo não são radicais a ponto de anular a herança
cultural e a tradição completamente”.
(Aluno Rodrigo Balbé - turma 803/2006, Unidade Centro, Almanaque Histórico, 2007)
O prestígio do Colégio na sociedade carioca faz com que, anualmente, o
número de candidatos que se inscrevem para os sorteios ou concursos de admissão
das 13 Unidades Escolares ultrapasse em mais de dez vezes o número de vagas
oferecidas, como veremos na tabela a seguir:
92
O acesso através de sorteio dá a clientela das classes iniciais do Ensino Fundamental uma
caracterização socioeconômicacultural bem diversificada. O ingresso no 6º ano e no 1º ano do
Ensino Médio, através de provas consideradas bem difíceis, privilegia aqueles que têm um maior
poder aquisitivo e/ou que tiveram acesso a escolas com um ensino de boa qualidade e que, por
suas condições de vida, têm como perspectiva a continuidade dos estudos.
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Tabela 12 - Relação Candidato / Vaga para admissão de alunos
no Colégio Pedro II - 2008 / 2009
Série
Candidatos Vagas Relação Candidato /
Vaga
1º ano do Ensino
Fundamental
3.871 359 10,78
6º ano do Ensino
Fundamental
5.878 330 17,81
1º ano do Ensino Médio
7.981 786 10,15
Total
17.730
1.475
12,02
Fonte: Diretoria de Ensino do Colégio Pedro II
Tabela 13 - Relação Candidato / Vaga para admissão de alunos na
Unidade Escolar Humaitá II 2007 /2008
Séries
Vagas Inscritos Relação C / V
6º ano do Ensino Fundamental
80 521 6,51
1º ano do Ensino Médio
61 368 6,0
Total
141 889
6,3
Fonte: Secretaria da Unidade Escolar Humaitá II do Colégio Pedro II
A relação candidato/vaga para o concurso de admissão ao 6º ano do
Ensino Fundamental é maior que a demanda para outras séries, tanto no cômputo
geral do Colégio quanto na Unidade Humaitá II. No final de 2008, o Colégio
ofereceu 1475 vagas e teve inscrições de 17730 candidatos, ou seja, uma demanda
de 12,02. Para termos uma idéia do significado desta relação precisamos atentar
para as listas de relação candidato/vagas divulgadas pelas universidades mais
procuradas.
Na UFRJ
93
, por exemplo, apenas em cinco dos 108 cursos que ofereceram
vagas para o vestibular de 2009, registrou-se uma relação candidato/vagas maior
que a do Colégio Pedro II (12,02), mais precisamente nos seguintes cursos:
93
http://download.globo.com/vestibular/UFRJ2009_Rela%C3%A7aoCandidatoVagaap%C3%B3soT
HE-VESTIBULAR2009-UFRJ.pdf. Acesso em 3 de julho de 2009.
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Administração (12,18), Comunicação Social (13,80), Engenharia Química
(14,42), Geologia (23,33) e Medicina (34,97)
94
.
No Humaitá II, a relação candidato/vaga para admissão de alunos em 2008
foi menor que a relação geral de candidato/vaga do Colégio. Segundo um
levantamento estatístico - feito pelos alunos do 9º ano de 2007 - sobre a
procedência dos alunos do Humaitá II, a escola não se configura como um colégio
de bairro, porque mais de 2/3 dos alunos têm moradia fora do que os alunos
denominaram de área foco (Botafogo e Humaitá).
O relatório elaborado pelos alunos demarca que a Unidade é procurada por
estudantes (83%) que residem principalmente na zona sul do Rio de Janeiro. No
entanto, 61 bairros foram citados pelos responsáveis dos alunos (não foram
contabilizados os alunos residentes nos municípios vizinhos). Há alunos (8,4%)
que vêm de bairros afastados – três bairros do centro da cidade e oito bairros do
entorno da área da Tijuca, apesar de disporem de outra Unidade do Colégio
relativamente mais próximas de sua residência. Outros (6,4%) vêm de bairros um
pouco mais afastados – dez bairros da Baixada de Jacarepaguá, incluindo os
próximos à Barra da Tijuca. Alguns (2,4%) vêm de bairros muito distantes
(Paquetá, Irajá e Deodoro) – 22 bairros do eixo da Central e Avenida Brasil. No
contingente de alunos da zona sul, encontram-se os que residem nos morros de
Santa Teresa, Vidigal e Rocinha, que, de acordo com o relatório dos alunos,
muitos informam como São Conrado.
No survey/SOCED participaram 62 pais do 9º ano de 2004, da Unidade
Humaitá II. Mais da metade (53,2%) desses pais indicou a proximidade da escola
como um fator importante para a decisão de matricular o filho no Colégio.
Todavia, este levantamento efetuado pelos alunos de 2007 evidencia a grande
dispersão da demanda pelo Colégio.
Além do relatório muito bem elaborado pelos alunos do 9º ano de 2007,
como um trabalho para a disciplina Geografia, tive acesso a uma outra produção
discente: as turmas da 8ª série (9º ano) de 2006, de todo o Colégio, participaram
94
Na UFF, cuja relação geral da busca por vagas foi de 8,71, teve apenas 16 cursos, em 108, com
procura por vagas maior que a demanda do Colégio Pedro II. Na Universidade Federal de São
Paulo, foram 7 cursos em 99, nesta mesma situação.
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A escola e seus agentes
77
de um projeto
95
, cujo objetivo era “estudar a educação no Brasil, especificamente
no Colégio Pedro II, relacionando-a ao Rio de Janeiro e ao mundo no qual
vivemos” (Ribeiro & Nunes, 2007)
96
. A organização de um livro com os melhores
trabalhos, denominado de Almanaque Histórico, representou o terceiro momento
do projeto. Este livro foi editado pela Folha Dirigida, seu lançamento aconteceu
na Unidade Centro, em dezembro de 2007
97
. Nas palavras do presidente da Folha
Dirigida, a pesquisa retratou, sob o enfoque do aluno, a trajetória de um Colégio
“que se tornou ícone da nossa Educação” (Martins, 2007, p.5).
O estudo da memória do Colégio Pedro II ultrapassou o universo da
disciplina História e se desenvolveu em outras disciplinas, como Francês e
Música, e o Departamento de Informática. O empreendimento alcançou seu
objetivo maior, que foi “pensar a escola como agente transformador ao trabalhar
com a identidade, a alteridade e o ensino partindo do aluno como integrante da
História, de uma História viva, pois incorporada a sua realidade” (...) (Ribeiro &
Nunes, 2007).
O relato desta atividade toma importância nesta seção sobre o perfil
discente, porque, conforme apontam as professoras da coordenação do projeto, ao
trabalharem com fontes documentais (cadernetas, fotos, uniformes, livros, etc.) e
com a “História Oral” (pesquisa com inspetores, ex-alunos que hoje são
professores, profissionais de várias áreas que passaram pelos bancos escolares do
Colégio), além de desenvolverem o espírito de pesquisa, os alunos valorizaram o
espaço da instituição e, principalmente, criaram vínculos com o referencial por
eles construídos.
Argumento que esses vínculos não foram criados, mas, sim, reforçados,
porque o clima do Colégio já expressa essa marca que é a identificação da
instituição com o seu passado e consequentemente com a história da cidade e do
país. É preciso atentar para o fato de que estudar em um Colégio, cuja identidade
95
Este projeto contou com uma equipe formada pela coordenadora do NUDOM (Núcleo de
Documentação e Memória - responsável pelo acervo histórico do Colégio Pedro II, localizado na
Unidade Centro), pela chefe do Departamento de História, por estagiárias da UFF e um professor
de cada Unidade II, que são as que atendem as séries finais do Ensino Fundamental (Centro, São
Cristóvão, Engenho Novo, Humaitá e Tijuca).
96
Professoras que assinam a introdução do Almanaque Histórico – Colégio Pedro II e a História
da Educação no Brasil - organizado por alunos das cinco Unidades citadas. Neste texto, as
professoras esclarecem que o quadro teórico-metodológico que embasou o projeto teve como
referência principal os suportes da História Cultural e da micro-história.
97
Houve também uma exposição de material coletado ao longo da pesquisa e grande festa com
relato de ex-alunos
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A escola e seus agentes
78
tem uma perspectiva fundadora porque participou de “importantes momentos da
formação da Civilização Brasileira” (Almanaque Histórico, p.22, 2007) e que tem
como ex-alunos grandes nomes da vida política e literária do país, tem influência
direta sobre as percepções e atitudes dos estudantes.
Os alunos do 9º ano da Unidade Humaitá II, mesmo aqueles provenientes
de camadas menos providas de capital (econômico, cultural, social), estão, de
alguma forma, referidos às elites
98
. Contudo, os estudantes parcialmente
retratados nesta seção foram denominados de elite discente porque desfrutam de
uma experiência institucional singular.
Os alunos do Humaitá II têm trajetórias escolares de 12, 9 ou 4 anos –
dependendo da série em que ingressaram - em um estabelecimento cujo ethos
escolar, forja uma identidade que distingue o Colégio Pedro II de todas as outras
escolas do país. Uma identidade que se constrói a partir do passado e é
incorporada sem esforço - praticamente por osmose - pelos que convivem neste
ambiente escolar. Fixa-se como segunda natureza na formação, representação e
prática social dos seus alunos, como constatamos em vários momentos e
encontramos explicitada na introdução do Almanaque Histórico, onde Rodrigo
Balbé, aluno da 8ª série do Centro, esclarece que durante cinco meses os
estudantes da 8ª série de todas as Unidades coletaram objetos e depoimentos de
pessoas que são e foram ligadas ao Colégio. O aluno destaca a importância do
passado, lembrando que nenhum dia é igual ao outro, mas pontuando que o tempo
guarda histórias, memórias e imagens do passado. Assevera que há de se olhar
para trás para pegar os bons exemplos, ver os maus caminhos e não os trilhar, para
adquirirmos a sabedoria e “aprender com o passado e saber conviver com as
diferenças” (p.21, 2007).
Olhando para trás, esses alunos se deparam com personagens cujos feitos
tiveram grande visibilidade e que passaram por esse estabelecimento ocupando o
mesmo lugar que agora lhes pertence. Entre esses ex-alunos temos quatro
Presidentes da República: Washington Luiz, Rodrigues Alves, Nilo Peçanha e
Hermes da Fonseca; e mais Álvares de Azevedo, Alfredo Taunay, Joaquim
98
O SOCED parte da premissa de que as escolas que investiga são o lócus de escolarização das
elites, compreendendo este termo no seu sentido plural de variedade de tipos de elite: intelectuais,
artísticas, econômicas, profissionais, etc. Usamos a expressão “elites escolares” por avaliar que a
diversidade de instituições com as quais trabalhamos atinge não somente ‘elites’, mas segmentos
médios e populares, que através das trajetórias nessas escolas, acabam obtendo certificados
escolares de elevado capital simbólico e cultural em nossa sociedade.
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A escola e seus agentes
79
Nabuco, Raul Pompéia, Vieira Fazenda, J. G. de Araújo Jorge, Alceu Amoroso
Lima, Evandro Lins e Silva, Joaquim Osório Duque Estrada, Oswaldo Cruz,
Manuel Bandeira, Pedro Nava, Gilberto Braga, Mário Lago, etc.
As crônicas desses ex-alunos, a melhor fonte para tomarmos conhecimento
de detalhes da história deste estabelecimento de ensino, trazem, por exemplo,
relatos das visitas de surpresa do Imperador Pedro II, que foi sempre um assíduo
frequentador do Colégio, acompanhado muitas vezes da Imperatriz, muitas outras
de seus ministros, ou apenas de seu séqüito (Gabaglia, 1937), visitas que eram
feitas não como turista, formalidade ou cortesia (Fialho, 1925) pelo segundo
Imperador brasileiro com “Sina de rei em alma de mestre-escola” (Gastão
Penalva, p. 261, 1944)
99
.
“Escutaria tinir ainda aquela sineta apressada (e quantas vezes a esta ainda me
haverei de remontar), aquela sineta com que o velho hemiplegico Gomes,
porteiro do Imperial Collegio, annunciava nervosa e alarmantemente a
approximação do Imperador” (Fialho, 1925)
100
.
“Alumnos antigos desta casa nos habituavamos todos a ver entrar, sem aviso nos
jornaes, sem piquetes, pela portaria a dentro, o velho Imperador que vinha quasi
semanalmente fiscalizar o funcionamento de seu Collegio” (Almeida, 1925).
“No Colégio, aparecendo de inteira sorpreteza, o imperador ouvia também as
aulas, interrogava os meninos e atravez das respostas acabava advertindo os
professores. Quando o alumno satisfazia as perguntas imperiais jamais deixava
de ser compensado com expressões de animação.
Estude, estude
. O escolar ia
para casa, contava o sucedido a família, d’esta a notícia se propagava pela
vizinhança, a qual começava a olhar com mais respeito “o menino elogiado
pelo imperador” (Doria, 1925)
101
.
99
Depoimentos que constam no Anuário do Colégio Pedro II, volume X, 1944.
100
José Antonio Antunes Fialho, em discurso proferido em nome dos antigos alunos, na sessão
solene comemorativa do centenário natalício do Pedro II.
101
Escragnolle Doria também em discurso na sessão citada na nota anterior.
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A escola e seus agentes
80
Conforme ressaltei na seção sobre o perfil dos funcionários do Colégio, os
atuais alunos também não têm acesso a esses detalhes históricos
102
, a não ser que
se disponham à pesquisa. Podem também tomar ciência através de relatos na
mídia sobre o Colégio, feitos sempre de maneira elogiosa:
Imaginar uma aula de Português assistida por alunos como Gonçalves Dias,
Manuel Bandeira, Alceu Amoroso Lima e Pedro Nava, sentados lado a lado, só
mesmo pensando no Colégio Pedro II (Jornal do Brasil, 1991).
Mas não raramente vivenciam cenas como as relatadas por alunos do 9º
ano em conversa informal, quando comentávamos da grande presença de ex-
alunos na festa junina da Unidade Humaitá I:
Aluno: Eu tenho uma amiga que foi jubilada no ano passado, e ela estava aí
[na festa junina]. Sendo que ainda quer entrar no Colégio de novo, fazer
concurso de 1º ano. Ela gosta do Colégio.
Aluno: Apareceu um senhor de idade lá, ele viu o meu uniforme no ônibus, ele
começou a cantar o hino do Pedro II.
Pesquisadora: O hino ou a tabuada?
Aluno: O hino, a tabuada, ele sabia tudo. Ele sabia tudo, ele adorava o Pedro
II. Eu cantei junto com ele (...).
Aluno: Eu conheço o irmão do marido da minha irmã que estudou no Pedro II
da Tijuca. Ele fala que estava num aniversário e começaram a cantar a
tabuada
103
e ele se emocionou, sabe? Ah, Colégio que passou pela minha vida.
Sempre vai ficar aquele negócio: - Eu estudei no Colégio Pedro II.
Constata-se que o brilho da distinção é conferido ao Colégio não apenas
em documentos históricos e não apenas referido ao tempo em que servia de
102
Notícia publicada no jornal O Globo, em 6 de maio de 2007, nos dá a medida da relevância das
referências históricas no passado de um estabelecimento de ensino. O artigo punha em destaque o
Ginásio Pernambucano, citando-o como o segundo colégio público mais antigo do Brasil, que fora
durante décadas referência no estado de Pernambuco. Tinha obtido nota no Enem superior à media
do país e de colégios particulares (Lins, 2007). Pesquisando na internet, encontramos sua data de
inauguração, os diversos nomes que teve e a comprovação da sua importância que vem assim
descrita: “A importância era tão grande que, por ocasião da construção do novo prédio (onde
funcionaria até os dias de hoje), o Imperador Dom Pedro II veio ver de perto o andamento das
obras da instituição”... (Lima, 2007). O que dizer então de um Colégio que tinha o Imperador
como seu frequentador assíduo?
103
Uma espécie de grito de guerra que é bradado nos momentos e lugares mais imprevisíveis: ao
final do canto de hinos, nos passeios da escola, nas festas de aniversário, em restaurantes, etc. (ver
texto da tabuada no capítulo 6).
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A escola e seus agentes
81
modelo para escolas de todo o país
104
. Essa distinção é perpetuada ao longo da sua
existência
105
, quando anônimos e “pessoas públicas do cenário nacional (políticos
e artistas, em especial) referem-se ao Pedro II como o espaço que frequentaram
em sua vida escolar” (Rocha, 2000) e do qual guardam as mais felizes e calorosas
lembranças.
A Unidade Humaitá II tem a constituição de sua identidade influenciada
pelo sentimento de ser o reflexo de uma proposta educacional exitosa, sentimento
que perpassa os integrantes e promove um ambiente caloroso, onde as pessoas
podem partilhar os seus saberes e as suas capacidades.
Através do processo de constituição identitária da Unidade Humaitá II,
podemos nos referir ao seu efeito estabelecimento (Forquin, 1995), porque
detectamos no trabalho de campo o usufruto por parte dos alunos dessa
configuração escolar singular, caracterizada por buscar uma qualidade social da
educação, exemplificada na fala de uma professora na reunião promovida pelo
SOCED na Unidade:
Eu dou muita aula particular para os alunos do British e do Corcovado. Os
alunos do Pedro II se preocupam mais em estudar. Não estão preocupados em
passar no vestibular. Têm uma formação mais geral; aprendem a ler e a
escrever melhor. (Professora de Geografia do Ensino Médio da Unidade
Humaitá II, 20/2/2008).
104
Até a década de 50 do século passado, era designado “Colégio Padrão do Brasil”, seu programa
de ensino servia como modelo de educação de qualidade para os estabelecimentos da rede privada
que solicitava ao Ministério da Educação o reconhecimento dos seus certificados, argumentando
sobre a semelhança de seus currículos aos do Colégio Pedro II (Almanaque Histórico, 2007). Os
padrões de ensino e aprendizagem do Colégio serviram como modelo para escolas do Brasil
inteiro, validando a titulação de seus alunos (Rocha, 2000).
105
Um convite de formatura do 3º ano de 2007, que estava no mural da entrada do Sesop, chamou
minha atenção, pois nele aparecia o nome do Ministro da Educação, Fernando Haddad, seguido do
nome do Colégio e da Unidade, e o título de Bacharel em Ciências e Letras que os formandos
ainda recebem. Durante um grande período da história do Colégio (até 1910), os formandos
recebiam este título, que foi suprimido por decreto em 1911 e restabelecido pelo presidente
Getúlio Vargas, em 1937, durante o as comemorações do centenário do Colégio. Uma carta de lei,
de 30/08/1843, prescrevia que bastava aos formandos do Colégio Pedro II a apresentação de seu
diploma para a matrícula imediata nas academias do Império.
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3
O processo ensino-aprendizagem
O conhecimento transdisciplinar associa-se à dinâmica da multiplicidade
das dimensões da realidade e apoia-se no próprio conhecimento
disciplinar. Isso quer dizer que a pesquisa tansdisciplinar pressupõe a
pesquisa disciplinar, no entanto, deve ser enfocada a partir da
articulação de referências diversas. Desse modo, os conhecimentos
disciplinares e transdisciplinares não se antagonizam, mas se
complementam. (Santos, 2008, p.75)
Dentre vários aspectos ligados aos processos de escolarização na Unidade
Escolar Humaitá II, terá destaque nesta seção: o trabalho de Língua Portuguesa, os
projetos transdisciplinares desenvolvidos em sala de aula e propostos como
atividade extracurricular (Grupo Fazendo Arte), a Educação Musical, o trabalho
de Informática, a observação de oito aulas do 9º ano, as normas de avaliação e as
atividades de apoio e recuperação oferecidas aos alunos da Unidade.
Para análise das situações registradas, dialogamos principalmente com
Bressoux (2003) e Teixeira Lopes (1997), com autores que pesquisaram o clima
escolar e o efeito estabelecimento (Brunet, 1992; Cousin, 1993) e com autores que
investigaram a sala de aula e/ou variáveis relacionadas ao clima escolar
(Bonamino, 2004; Carvalho, 1999 e 2003; Rosenthal & Jacob, 1968; Sá Earp,
2007; Silva, 2005; Sirota, 1994 e Soares et al., 2002).
3.1
Alguns aspectos do currículo
Dos depoimentos dos professores e funcionários entrevistados emergiram
categorias que traduziam características institucionais, que não haviam sido
definidas a priori e que foram incorporadas ao estudo
106
. Uma dessas
características é o currículo escolar, que na percepção dos professores, juntamente
com outros fatores, determina o caráter de excelência da instituição.
A grade curricular é considerada, pela coordenadora de Língua Portuguesa
da Unidade, como diferenciada de uma boa parte dos outros colégios. Destaca a
106
Desta forma não se efetuou apenas uma produção de material empírico, a entrevista fez parte
“da construção sociológica do objeto de estudo” (Zago, 2003, p. 295).
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O processo ensino-aprendizagem
83
carga horária de Língua Portuguesa, Filosofia, Sociologia e das Línguas
Estrangeiras, como fatores determinantes “para o sujeito se colocar no mundo”.
Analisando o horário do 9º ano de 2007, verificamos que os alunos têm aula
de 2ª a sábado, totalizando 35 tempos semanais que são distribuídos da seguinte
forma: Língua Portuguesa e Matemática (cinco tempos cada), Geografia, História,
Ciências e Desenho (quatro ou três tempos cada)
107
, Francês, Inglês (três tempos
cada) e Educação Física, Artes e Educação Musical com dois tempos semanais.
A professora de Matemática relata que no HII sempre se dá o conteúdo
programado e como ela pega o 9º ano há algum tempo, assegura que, nesta série,
sempre vai além, procurando fazer um leque maior. “Os alunos têm bom
desempenho e o Humaitá II pode ser comparado às melhores escolas”.
Outro destaque é a presença da disciplina Música sempre fazendo parte do
currículo, apesar de não ser obrigatória por lei
108
. A coordenadora da disciplina
analisa que esta posição do Colégio contribuiria para reverter uma determinada
concepção que vige na sociedade de que Música é “uma especiaria, uma firula,
digamos assim, uma rendinha, (...) coisa de aristocrata”.
Música Vocal, na verdade, já constava no primeiro regulamento do
Colégio (1838) e possuía mais tempos na semana do que Ciências, Francês, Inglês
e História Natural
109
.
107
As disciplinas dos dias ímpares (Geografia, História, Ciências e Desenho) revezam-se
oferecendo duas a duas, quinzenalmente, quatro tempos na semana.
108
Em 2007 foi para o Senado, o Projeto de Lei que institui a disciplina de Música em todos os
níveis escolares.
109
Constavam também no 1º regulamento (1837): Música, Latim, Matemática (incluindo
Mecânica e Astronomia), Retórica, Filosofia, Grego, História, Geografia, Gramática Nacional,
Desenho, Ciências Físicas, Francês, Inglês e História Natural (as disciplinas estão listadas em
ordem decrescente da quantidade de tempos semanais). O Ministério do Império, ouvidos o Reitor
e os professores, formava o catálogo de obras a serem adotadas nas aulas. Vale a pena precisar que
no século XIX, as modificações feitas nos regulamentos do Colégio eram determinadas por
decretos. Eram baixados decretos imperiais para nomear reitores e professores, alterar os estatutos
do Colégio, determinar matérias que deveriam ser ensinadas, dar providência sobre o modo de
colação de grau e até mesmo para dispor sobre o enxoval dos alunos.
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O processo ensino-aprendizagem
84
3.2
O trabalho de Língua Portuguesa
Não há nada que possa substituir a leitura de Machado de Assis na escola,
que o diga o Colégio Pedro II!
(Professor Dr. Armando Gens da UFRJ, na mesa redonda
Desafios da formação do eleitor machadiano, em 10/10/2008)
Nesta seção serão expostas as estratégias e recursos utilizados pelo
Departamento de Língua Portuguesa do Colégio Pedro II, para estruturar as
atividades referentes ao projeto de leitura que propôs e desenvolveu ao longo do
ano letivo de 2008.
No segundo semestre de 2008, tive a oportunidade de observar a
preparação e o desenvolvimento do Projeto de Leitura “Cem anos sem Machado
de Assis”?, que foi coordenado por uma professora de Língua Portuguesa do HII,
contando também com coordenadores nas 13 Unidades Escolares e envolvendo
todos os professores de Língua Portuguesa do CPII, assim como todos os alunos
do 6º do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, de todo o Colégio:
“No ano do centenário da morte de Machado de Assis, o Colégio Pedro II não
poderia ficar à margem das homenagens feitas ao grande mestre da literatura
brasileira. Os professores do Departamento de Português/Literaturas abraçaram,
então, o desafio de iniciar nossos jovens leitores no universo da literatura
machadiana. Elaboraram, para tal, um projeto de leitura voltado para toda a
comunidade escolar, do 6º ano ao 3º ano do Ensino Médio. Foram meses de
trabalho coletivo, criando atividades estimuladoras da leitura, estudando a
fortuna crítica do escritor, selecionando textos, lendo e debatendo com os
alunos”. (Site do CPII, 2008)
Após os meses de trabalho com os alunos, o projeto teve, no mês de
outubro de 2008, dois momentos de culminância. O primeiro aconteceu em cada
uma das 13 Unidades do Colégio e previa a apresentação de trabalhos dos alunos.
O segundo momento se deu na semana seguinte, na Unidade Centro, onde foi
programado um Seminário para os docentes e uma exposição dos melhores
trabalhos desenvolvidos em cada uma das Unidades Escolares.
Participei dos dois momentos, sendo que anteriormente assisti a uma aula de
Língua Portuguesa do 9º ano, no Laboratório de Informática do HII, que integrava
as atividades do Projeto Machado de Assis. Relato a seqüência dessas atividades
para exemplificar como a existência de uma relação de colaboração entre alguns
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O processo ensino-aprendizagem
85
integrantes de um estabelecimento de ensino propicia o desenvolvimento de um
clima escolar que qualifica o processo de ensino e aprendizagem.
Primeiramente a aula dada no Laboratório de Informática: a turma tinha 27
alunos e estava terminando de preparar uma apresentação de “Esaú e Jacó”, no
PowerPoint
110
. Os estudantes se organizaram em duplas ou trios, por computador,
. A professora alertou que aquele era o último dia em que eles se dedicariam à
preparação daquele material. Os estudantes se concentraram na atividade, a
professora caminhava pelo laboratório verificando os trabalhos, a turma não
precisou de explicação geral e foram poucos os atendimento individuais.
A culminância do projeto na Unidade Humaitá II previa uma programação
das 9 às 18 horas (anexo 2), com atividades que incluíam trabalhos elaborados por
cada série, a partir da leitura de diversos textos de Machado de Assis: uma
exposição na biblioteca, curtas, documentários, instalações, performances,
trabalhos de informática (blogs), apresentação de peças teatrais e uma mesa
redonda com ex-alunos da Unidade.
Ante a variada oferta de atividades, assisti a um documentário (anexo 3)
do 9º ano – série enfocada na pesquisa. O vídeo mostrava os alunos visitando
lugares do Rio de Janeiro, onde transitaram os personagens do romance “Esaú e
Jacó”: Confeitaria Cavé, Confeitaria Colombo, Teatro João Caetano e Ilha Fiscal.
Usaram vários elementos de humor nas falas dos apresentadores e nos intervalos
que colocaram no vídeo.
Assisti também a apresentação de um esquete, alunos de diferentes turmas
sentaram-se no pátio para ver a performance elaborada pelo 3º ano do EM, a partir
da leitura do conto “O Alienista”. Os estudantes prontamente atenderam ao pedido
de silêncio da coordenadora de Língua Portuguesa, inclusive estávamos num dos
pátios do andar térreo, ou seja, como era uma área aberta, havia barulho externo. Os
personagens discutiam questões sobre a arte, a loucura, a vida, etc. Ressalto a boa
convivência entre as séries, na medida em que os 561 alunos do 6º ano do Ensino
Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio estavam liberados das aulas para
110
Esta tarefa integrava as atividades do Projeto Machado de Assis e seria apresentada no dia
3/10/2008, programado para a apresentação de todas as atividades do HII. A professora me
esclareceu que os alunos aproveitariam as imagens das fotos que fizeram no passeio ao centro da
cidade, onde conheceram o circuito do livro Esaú e Jacó. No ano de 2007 eu já havia ficado com
boa impressão do comportamento das turmas do 9º ano, com esta passagem pelas turmas de 2008 e
com a observação da aula na sala de Informática, ratifiquei a imagem de alunos comportados.
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O processo ensino-aprendizagem
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assistirem as apresentações que escolhessem e transitavam por toda a escola.
Abaixo dois momentos da apresentação do esquete do 3º ano (no pátio e na sala):
Fotografia 1 - Performance a partir da leitura de O Alienista, 3º ano do Ensino Médio
Fonte: Arquivos da coordenação de Língua Portuguesa da Unidade Humaitá II, 3/10/2008.
Fotografia 2: Performance a partir da leitura de O Alienista, 3º ano do Ensino Médio
Fonte: Arquivos da coordenação de Língua Portuguesa da Unidade Humaitá II, 3/10/2008.
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87
Todas as atividades desenvolvidas ao longo deste dia no HII apresentavam
as alternativas encontradas para o estímulo à leitura e também demonstravam os
resultados decorrentes do empenho coletivo para a formação do leitor, conforme
previam os objetivos do projeto. Dentre os aspectos que chamaram a atenção,
além das variadas atividades – instalações a partir de Dom Casmurro (2º ano),
livro para computador a partir de Idéias de Canário (6º e 7º anos), o blog do
Machado no Humaitá (8º ano) –, sobressaia-se o processo de
apropriação/transformação dos espaços, das práticas e dos saberes que dão forma
à vida escolar.
Quanto ao segundo momento de culminância (atividade para os docentes),
o I Seminário de Estudos de Literatura e Leitura do Colégio Pedro II foi proposto
com o objetivo de discutir os principais desafios da formação do leitor
machadiano e abordar as perspectivas da crítica contemporânea em relação à
produção de Machado de Assis. O Colégio recebeu, na Unidade Centro,
professores de todas as Unidades do Colégio
111
para ouvirem e debaterem com
destacados nomes da crítica machadiana, bem como renomados teóricos da
leitura.
Pude presenciar o ‘coroamento’ (expressão utilizada pela coordenadora
geral do evento) de um desafio lançado há um ano para todo o Departamento de
Língua Portuguesa e Literatura do CPII: a implementação do projeto de formação
do leitor machadiano. Aceitando a empreitada, 74 professores de LP
concretizaram a proposta de fazer com que alunos de todo o Colégio, lessem
Machado de Assis, ou seja, 7680 estudantes envolveram-se nas atividades
propostas em cada uma das Unidades Escolares do CPII. Nas palavras da
coordenadora: “Sabem que este projeto é de cada um e por isso ele é de todos.
(...) A participação de todos é fundamental para coroar a realização desse
trabalho que é um prêmio para todo o Colégio, pois aluno que lê é cidadão que
participa”.
O relato da programação deste evento (anexo 4) comprova que, enquanto
contexto organizacional, a escola é local de desenvolvimento pessoal e social, não
apenas para os alunos, mas também para os profissionais que a constituem (Paiva
2006). Conforme lembrou o Chefe do Departamento de Língua Portuguesa e
111
Neste dia, os docentes que quiseram participar, foram liberados das suas aulas.
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88
Literatura: além da apresentação de parte do produto de todo o trabalho
desenvolvido em cada Unidade, aquele era também um momento de capacitação
dos docentes da escola, através das mesas redondas com os estudiosos sobre o
autor. Por meio da liderança de uma professora de Língua Portuguesa do Humaitá
II, todo o Departamento de sua disciplina encampou e concretizou um projeto
ambicioso para lembrar os cem anos da morte de Machado de Assis.
Na abertura do Seminário tivemos discursos da Diretora Geral, do Chefe
de Departamento de Língua Portuguesa e da Coordenadora do projeto. A Diretora
pontuou que a Unidade Centro do Colégio Pedro II voltava a ser a casa de
Machado de Assis, como fora desde a criação da Academia Brasileira de Letras,
até que a Academia tivesse sua própria sede.
Em seguida, os coordenadores de cada Unidade Escolar apresentaram
relatórios sumários do desenvolvimento do projeto nas respectivas Unidades.
Durante a explicação das atividades desenvolvidas, foi demarcado que
normalmente o estudo das obras de Machado de Assis acontece nos 2º e 3º anos
do Ensino Médio porque se convencionou nessas séries o trabalho do realismo.
Uma particularidade, no entanto, que foi avaliada ao final do evento, foi a
participação intensa dos alunos do 6º ano
112
, alguns chegando à escola em 2008 e
já tendo contato com os textos deste autor, em geral considerados tão complexos.
O relato das atividades desenvolvidas ressaltou a especificidade das Unidades
Escolares, onde cada uma das séries trabalhou a partir de uma das obras do autor,
montando exposições, peças teatrais, instalações, performances, recriações de
texto, trabalhos de informática (blogs), documentários, curtas, jornais (anexo
5)
113
, etc.
112
Havia exatamente dois alunos do 6º ano caracterizados de Machado de Assis e Carolina, que
recebiam os participantes do seminário na entrada do Salão Nobre. Estes alunos prepararam uma
performance que foi apresentada em alguns momentos, ao longo do dia.
113
Após o relato do desenvolvimento do trabalho nas Unidades tivemos a seguinte programação:
café da manhã, mesa redonda com o tema – Desafios da formação do eleitor machadiano”,
almoço, visitação aos trabalhos expostos, outra mesa redonda com o tema – “Machado de Assis
narrador e poetae lançamento de livros seguido de chá da tarde. Antes do chá colonial, deu-se a
inauguração da placa comemorativa que marca a Unidade Centro do CPII como sede durante
algum tempo da Academia Brasileira de Letras, local onde Machado de Assis presidiu algumas
sessões solenes no período de 1897 a 1904. Durante o chá assistimos a apresentação dos alunos do
6º ano, representando Machado e Carolina e um duo pianístico com a Secretária de Ensino e uma
professora aposentada. Após este momento tivemos a conferência de encerramento com o tema -
“Machado de Assis afro-descendente” e por fim a premiação dos trabalhos. Soubemos também
que duas alunas do 3º ano da Unidade Tijuca foram premiadas no concurso de Literatura da PUC.
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89
Vários destaques poderiam ser feitos sobre os acontecimentos
presenciados neste dia
114
. Abordando especificamente os processos de
escolarização. Pontuamos que, durante o lançamento de livros, ao lado dos
escritores Sérgio Paulo Rouanet (catedrático da ABL) e Eduardo de Assis
(professor da UFMG), alunos da Unidade Engenho Novo autografavam a edição
de uma coletânea de dez reescritas do conto “A Cartomante”. As novas versões
eram de autoria de alunos da 1ª série do Ensino Médio.
Salientamos também a dedicação dos alunos da Unidade Centro ao
esquete em que representavam o autor e sua amada. Sem dúvida, a atuação do
aluno do 6º ano, na sua representação de Machado de Assis, foi surpreendente.
Totalmente à vontade e feliz no personagem, vestido a caráter, ao final do chá,
ainda nos brindou com palavras de agradecimento ao Colégio e ao apoio recebido
pelos professores. Interessante que, recém-chegado à escola, já percebíamos nas
suas palavras e atos, a deferência por participar daquele evento. Estava tomado da
grandeza da instituição, frisava que era novo, demonstrando compreensão da
importância do tempo na história do Colégio. Total facilidade de expressão,
escolha acertada das palavras, movia-se com desinibição no pomposo Salão de
Leitura: “Sou um exemplo da resistência do homem brasileiro. Todo brasileiro é
um vencedor só pelo fato de estar vivo”. O aluno, com certeza, era uma dessas
jóias que sempre se incorporam ao Colégio Pedro II e que a instituição,
sabiamente, lapida.
A iniciativa do Departamento de Língua Portuguesa e Literatura do CPII
foi, sem dúvida, uma empreitada relevante, principalmente pela inclusão de pré-
adolescentes de 11, 12 anos, que iniciaram por Machado o seu percurso no 2º
segmento do Ensino Fundamental. Abaixo temos comentários de alunos da
Unidade Humaitá II - do 9º ano (alunos 1 e 2) e do Ensino Médio (aluno 3) - sobre
o escritor:
Aluno 1: Ele [Machado de Assis] para e fala: - “Esse personagem, ele é muito
legal, mas ele não é muito legal, mas ele é legal porque eu escrevi ele”. Aí
depois ele [o escritor] vai e faz um capítulo: - “Eu não precisava fazer esse
capítulo, mas eu fiz porque eu estava a fim de fazer”.
114
Voltaremos ao Seminário no capítulo final.
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Aluno 2: Ele [o escritor] para no meio da história e começa outra história. –
“Gente [inaudível], eu gosto de escrever. Mas e o personagem”? Ah, que se
dane o personagem!
Aluno 3: Eu tive que ler o Machado de Assis, só que eu li o Brás Cubas. Eu
pessoalmente não gostei do Machado de Assis, eu achei com um tom muito, sei
lá, metido.
[inaudível - Todos falam ao mesmo tempo]
Aluno 3: Eu acho que ele é irônico (...) Eu não consigo gostar do que ele fala
porque parece sempre que ele está tentando ficar por cima da carne seca.
Não estávamos conversando sobre Machado de Assis, eu havia indagado
se eles achavam que a escola dava uma boa formação cultural e os preparava para
o futuro. Por iniciativa própria, referiram-se ao escritor e teceram suas críticas.
Para leitores, especialistas e interessados em geral, as diversas opiniões que os
alunos do Colégio podem tecer sobre este autor são, sem dúvida, um manancial.
Elas vão ao encontro do objetivo central do seminário, que era enfrentar os
desafios da formação do leitor machadiano.
O empenho dos agentes escolares desta instituição, para envolver mais de
7000 alunos na leitura de contos, crônicas e romances do fundador da Academia
Brasileira de Letras, atesta a existência de um clima escolar capaz de mobilizar a
instituição em torno de projetos pedagógicos
115
. Este clima reflete a cultura desta
escola que se compõe de traços característicos de sua presença na sociedade e
influi no comportamento de todos os integrantes da instituição.
A área de Língua Portuguesa é talvez a mais importante e forte do Colégio,
devido ao trabalho que desenvolve e a atuação dos professores. Sendo assim,
concorre para fazer do Colégio Pedro II uma experiência peculiar para todos os
seus integrantes, ao planejar e desenvolver práticas de ensino de qualidade, que
para além da relação professor/aluno, age sobre o estabelecimento conferindo uma
identidade específica
116
. Acrescento a esta avaliação algumas anotações do diário
de campo sobre o trabalho de Língua Portuguesa, coletadas em entrevista com
115
Na seção sobre o perfil discente, foi relatado um projeto interdisciplinar – coordenado pelo
Departamento de História - que envolveu a comunidade escolar e as turmas da 8ª série/2006 de
todas as Unidades Escolares. Seu objetivo foi estudar a educação no Brasil e no Colégio Pedro II,
relacionando-a ao Rio de Janeiro.
116
Nos dois últimos processos de eleição para a Direção Geral, em 2003 e 2008, os candidatos de
oposição foram os chefes do Departamento de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio.
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91
funcionária, em conversas informais com alunos (1, 2, e 3 são alunos do 9º ano) e
em observação de reunião de responsáveis do 9º ano:
É porque a galera daqui é muito boa. A equipe de Português a gente sabe que é
muito boa. O Colégio todo. É uma das equipes de mais prestígio. Português
certamente é uma das equipes mais combativas. Não dão nada mole, lutam por
espaço. (funcionária do SESOP)
Conversando com os alunos:
Pesquisadora: O que vocês mais gostam na escola?
Aluno 1: O recreio.
Aluno 2: A saída.
Aluno 3: Como assim, o que a gente mais gosta?
Pesquisadora: Qualquer coisa, pode pensar nos setores, pode pensar em aula,
nos espaços. O que vocês mais gostam?
Aluno 1: Do grêmio.
Aluno 3: Minha aula favorita é a aula de Português.
Aluno 1: Grêmio e os amigos.
E quando indagados sobre o que achavam das aulas em geral:
Pesquisadora: Mas a maioria das aulas vocês diriam o quê? São interessantes,
chatas, participativas, dinâmicas? Da maioria das aulas vocês acham o quê?
Aluno 3: Depende. Por exemplo, tinha um professor ano passado que ele
passava teatrinho durante a aula.
[todos se entusiasmam e falam ao mesmo tempo]
Aluno 3: Todo mundo se divertia.
Pesquisadora: Na aula de quê?
Alunos: De História.
Aluno 3: Os professores de Português, eles passam uns trabalhos legais de
filmagem, teatro.
Aluno 1: Documentário.
Devemos atentar para o fato da aula de Língua Portuguesa ter sido citada
em dois momentos da conversa com os alunos, quando indagados do que mais
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gostavam na escola
117
e o que achavam das aulas em geral, com referências
positivas em ambas as respostas. Reportando-nos à pesquisa de Teixeira Lopes
(1997), realizada em quatro estabelecimentos de ensino secundário do Porto, onde
se detectou que os estudantes preferem os tempos não letivos como os intervalos,
quando então ficam à vontade, avaliamos, a partir das respostas desses alunos,
aliadas às outras evidências que serão relatadas, que as aulas no Humaitá II não
são consideradas pelos estudantes como o tempo escolar de que menos se gosta.
Numa reunião com os responsáveis de alunos do 9º ano, a coordenadora de
Língua Portuguesa pôs em prática mais uma das estratégias do Departamento para
reforçar as disposições valorizadas pela disciplina: ter os pais como aliados no
processo de formação de leitores críticos.
Iniciou sua fala transmitindo um verdadeiro prazer em estar com os
responsáveis, agradeceu a presença de todos, disse que estava ali para tentar tirar
as dúvidas. Dispunha-se também para uma outra oportunidade, “estava à
disposição em qualquer outro momento porque sabia das mil tarefas de todos”.
Esclareceu que coordenava todos os professores de Língua Portuguesa da Unidade
e que tinha turmas de 3º ano
118
.
Em seguida situou o trabalho da sua disciplina, explicou que havia um
projeto de Língua Portuguesa para todas as séries, com a finalidade de
desenvolver quatro habilidades: ler, escrever, ouvir e falar.
Não tem tanto foco na nomenclatura gramatical, o que interessa é desenvolver
habilidades que façam do aluno um leitor crítico. A gramática perpassa tudo
isso, mas não é um fim em si mesma. Interessa mais o aluno que saiba
escrever.
117
Também foram citadas as aulas de Educação Física e Artes. A partir de um survey com 2650
alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental, Pacheco (2008) descreveu e analisou o
clima escolar de seis escolas públicas municipais do Rio de Janeiro, de alto e baixo prestígio. Na
pergunta aberta sobre o que os alunos mais gostavam na escola, admitindo-se duas respostas,
chamou a atenção da pesquisadora o destaque dado à Educação Física por cinco escolas. Na escola
onde não houve destaque para a disciplina, não havia espaço físico adequado para a atividade.
118
A presença da coordenadora de Língua Portuguesa fora solicitada pela coordenadora do 9º ano
e pela orientadora desta mesma série (responsáveis pela reunião), para tirar possíveis dúvidas dos
pais dos alunos que não tiveram bom resultado no 2º trimestre de 2008.
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Começa a falar do Projeto de Leitura Cem anos sem Machado de Assis?.
“Trabalha-se de tal modo com o acompanhamento em sala de aula para
fortalecer o que o aluno faz fora. (...) Vai encontrar dificuldades com o texto do
Assis, mas temos que exigir mais”.
Convida os pais para comparecerem à Unidade para a mostra de todos os
trabalhos sobre o autor. “O processo de ensino aprendizagem deve ser ousado. A
cobrança de Língua Portuguesa no Ensino Médio é bem forte”. Neste momento
alguns pais começaram a fazer perguntas, as quais a coordenadora foi
respondendo com muita presteza e calma, conforme se verifica em parte do
diálogo aqui reproduzido:
Pai 1: O que fazer para que nossos filhos caiam dentro da leitura?
Coordenadora: A expectativa é que com o projeto isso suscite interesse.
Mãe 2: Longe de mim fazer uma crítica.
Coordenadora: Mas deve fazer.
Mãe 2: Eu não consegui ler Machado de Assis, eu vim a conhecer e gostar
agora. [Esta mãe está vendo com o filho o que aconteceu consigo, não
conseguiu gostar do escritor quando era mais nova. Diz que o filho acha chato
ler Machado de Assis].
Coordenadora: Não se escolheu qualquer livro para qualquer série. Esaú e
Jacó tem uma ponte muito clara com o que eles estão estudando em História.
Mãe 2: E na hora de avaliar, está se levando em conta o nível do aluno?
Coordenadora: Eu fico agradecida pela colocação. Uma das partes do projeto
é avaliação. O projeto é uma experimentação, todo ano fazemos as
experimentações.
Ainda questionando as escolhas da escola, uma mãe diz que a leitura é
pessoal: “Eu adoro Clarice Lispector, mas tenho uma amiga que não gosta. Eles
[os alunos] poderiam escolher”. A orientadora da série responde que eles [os
alunos] escolhem o tempo todo e que vão querer ler sempre o que for mais
possível. “A escola tem que fazer seu papel. O apelo hoje em dia é tudo visual e
auditivo”. Sua reflexão é completada pela coordenadora de Língua Portuguesa
que explica que há reuniões semanais da equipe e tudo é combinado em grupo.
Acrescenta que fica difícil para os responsáveis acompanharem porque pegam um
exercício ou uma prova fora do contexto da sala de aula e qualquer um pode não
acertar. “É importante que confie na escola. Os professores que estão há mais
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tempo se beneficiam do trabalho de equipe”. Pede que passem na sala dos
professores para ver a programação do 9º ano no dia da Mostra Machado de Assis.
Em seguida, a orientadora da série projeta na tela a previsão de estratégias
da escola com os alunos que tiveram dificuldade no trimestre que findava, assim
como sugestões do que a família poderia fazer para ajudar na superação dessas
dificuldades. Dentre as sugestões constava “criar hábitos de leitura”.
Considerei o tom da reunião “verdadeiro”, no sentido de que não foi um
encontro planejado para constar. A dinâmica pressupunha esclarecimentos de
questões postas pelos alunos ou pelos próprios pais, pressupunha também uma
combinação entre as partes em benefício do aluno.
A coordenadora de Língua Portuguesa se mostrou, o tempo todo, atenta e
receptiva à fala dos pais, que se sentiram à vontade para questionar as escolhas da
escola (tipo de leitura, avaliação, etc.). Abordou a proposta da sua disciplina para
a escola, a formação do leitor crítico, a escolha dos livros de literatura e a ousadia
do processo ensino-aprendizagem. Os pais colocaram questões como: a
importância do interesse pela leitura, a dificuldade com o texto de Machado de
Assis, o que a escola leva em conta ao avaliar o aluno e o que é a leitura. Observei
que, sem abrir mão do que é considerado prerrogativa da escola (escolha do
método, do material, do conteúdo...), abriu-se espaço nesta reunião para a
discussão de temas muito interessantes, além dos que foram exemplificados aqui.
No início da reunião contei 31 responsáveis, o que representava 19% dos
alunos do 9º ano. Não vi nenhum responsável muito bem vestido, a maioria
parecia simples. Enquanto uns traziam questões sobre leitura, outros queriam
saber como deveriam fazer para ajudar os filhos e até netos nas tarefas escolares.
Na reunião não se responsabilizou as famílias e/ou os alunos pelo baixo
desempenho do grupo, no trimestre que findara, algumas limitações da escola
foram partilhadas com o grupo.
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Destaco, no momento, o investimento na participação dos pais
119
no apoio
ao trabalho desenvolvido em Língua Portuguesa, incluindo-os no processo de
construção da qualidade de ensino no Humaitá II
120
.
O projeto de Língua Portuguesa da Unidade Humaitá II para todas as
séries, com a finalidade de desenvolver quatro habilidades: ler, escrever, ouvir e
falar, “habilidades que façam do aluno um leitor crítico”, encontra respaldo na
indicação do SAEB/2003 para a reversão da qualidade de leitura no Brasil. O
SAEB propõe a mudança no eixo do ensino da Língua Portuguesa nas escolas
brasileiras, criando o hábito e gosto pela leitura, desde a mais tenra idade. Isso
demanda voltar-se para o objetivo de construir a competência linguística entre os
estudantes, que “se adquire no desenvolvimento das habilidades de leitura,
produção escrita e fala” (Araújo & Luzio, 2005). Uma escola confessional
investigada pelo SOCED, colégio católico tradicional, que também dá relevância
ao saber acadêmico, oferece quatro tempos semanais em Língua Portuguesa, o
Colégio Pedro II oferece cinco tempos.
Coincidindo com o esclarecimento da coordenadora da disciplina, “a
gramática perpassa tudo isso, mas não é um fim em si mesma”, também a
Avaliação da Educação Básica propõe deixar em segundo plano “a preocupação,
até então dominante no ensino do Português, com a decoreba da gramática, com
suas infindáveis regras, muitas vezes distantes da realidade dos falantes cultos da
língua” (Araújo & Luzio, 2005).
119
*A coordenadora de Geografia usa o termo transdisciplinar para a atividade que integra quatro
disciplinas do 9º ano e a coordenadora de Língua Portuguesa denomina de interdisciplinar a
atividade extracurricular do Grupo Fazendo Arte que trabalha com Literatura, Música, Artes
Visuais, Filosofia, etc.
Na seção em que é abordada mais diretamente a relação família x escola, esta e outras reuniões
estão analisadas mais minuciosamente, o objetivo de citá-la neste momento, foi exemplificar a
predisposição da escola em partilhar com os pais questões da disciplina de Língua Portuguesa,
assim como o projeto de leitura de Machado de Assis.
120
Devido à observação do desenvolvimento do trabalho da disciplina Língua Portuguesa, não
causa surpresa a segurança demonstrada pela coordenadora da disciplina na reunião com os pais.
Cabe também o registro de que ela exerce esta função desde o ano de 2004, estando no seu quarto
mandato, sempre eleita por seus pares.
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96
3.3
Os projetos inter/transdisciplinares*
Identificou-se no contexto institucional da escola investigada, uma
mobilização por parte de alguns integrantes, que propicia o desenvolvimento de
variados projetos. Durante a pesquisa, tivemos a oportunidade de presenciar a
realização de alguns projetos transdisciplinares (aulas integradas com as
disciplinas de Língua Portuguesa, Geografia, Música e História e o Projeto
Fazendo Arte) e o Projeto de Leitura “Cem anos sem Machado de Assis?”. Outros
nos foram narrados pelos integrantes da escola: apresentações de Música, passeios
culturais, projetos de Informática, atividades do grêmio, "Mini-empresa" (ligado
ao SESOP), Iniciação Científica no Museu Nacional, Convênio com a Fiocruz,
alguns outros projetos de DE dos professores
121
, rodas de leitura e debates,
o
Jovens Leitores de Machado que deu origem ao projeto de Machado de Assis, etc.
O Grupo Fazendo Arte
Começando pelo grupo Fazendo Arte, da Unidade Humaitá II, que,
reunindo professores, alunos do 9º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do
Ensino Médio, ex-alunos e responsáveis por alunos e ex-alunos, desenvolve,
desde 1992, um projeto baseado na crença de que a arte – especialmente a arte da
palavra – “pode ser um dos mais fecundos caminhos de luta em prol de uma
Educação libertadora, porque voltada para a possibilidade de transformação
social” (Bayama, 2005). Nas palavras da coordenadora de Língua Portuguesa da
Unidade Humaitá, a experiência do grupo tem confirmado que a fragmentação do
saber dificulta para o aluno a construção ativa de seu conhecimento, o que os leva
a considerar as desvantagens de se trabalharem as disciplinas sem se atentar para
suas relações interdisciplinares. Neste sentido, o grupo desenvolve um trabalho
interdisciplinar (trabalha diretamente com Literatura e Música, mas engloba
121
Como o de Literatura e Artes Visuais, dependendo do ano, mostram aos alunos obras e textos
em diálogo, contextualizam épocas, fazem atividades práticas como oficinas de escultura e visitam
exposições. Trata-se de projeto de DE (regime de Dedicação Exclusiva) elaborado por duas
professoras e se chama Inter-agindo Artes.
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97
também Artes Visuais, História, Filosofia, Educação Física...)
122
. O poder da
palavra falada/cantada é a tônica deste trabalho, que procura sensibilizar não
apenas os alunos, mas também o público para a arte, conscientizando a ambos
acerca de realidades que a nós se apresentam. Trabalham a força da palavra
através de um espetáculo-jogral ou peça-reescritura de texto clássico, sempre
realizados anualmente e sempre montados pela totalidade do grupo, num trabalho
de construção coletiva
123
.
A idealização, coordenação e execução do projeto são, desde seu início,
um trabalho conjunto basicamente de duas professoras do Humaitá II, integrantes
do Departamento de Língua Portuguesa e Literaturas.
Meu primeiro contato com o grupo se deu na festa junina da Unidade
(2007), quando organizou uma das barracas
124
da festa. Encontrei responsáveis
(uma mãe de ex-aluno), alunos, ex-alunos e alguns professores (uma professora
aposentada de Língua Portuguesa) ajudando na atividade. O clima era de alegria,
os que trabalhavam naquele espaço tinham uma ligação direta ou indireta com o
Projeto Fazendo Arte. Havia vários cartazes espalhados pela sala onde líamos:
“Garra, vida, força, sonho, luta, ternura, amor, prazer, corpos, trabalho, fé e
sedução”.
Presenciei as apresentações do grupo em 2007 e em 2008, que sempre
acontecem no auditório da Unidade, vários funcionários (orientadoras,
122
Buscando recuperar a importância do lúdico em Educação, o grupo intitula-se Fazendo Arte.
Neste projeto, procuram realizar coletivamente o trabalho nos seus mais diversos níveis. A
começar pela construção conjunta do conhecimento, pela construção coletiva de algumas noções
que constituem pré-requisitos para o trabalho, “como a noção de que Cultura e Arte, bem como
todas as demais formas de saber, são fenômenos interdependentes” (Bayama, 2005). Reafirmam
que, apesar de seu caráter de discurso hegemônico, as ideologias dominantes constituem não mais
que pontos de vista sobre o mundo e, “tal qual a própria História oficial, podem ser postas em
xeque” (idem). Sustentam a noção de que, a despeito de suas evidentes especificidades, “a
Literatura não é um objeto estético isolado, mas um discurso verdadeiramente polifônico,
privilegiado, portanto, por trazer em seu bojo a multiplicidade de vozes da sociedade que a ajuda a
engendrar” (Id. Ibid.).
123
Tem como premissa uma prática de construção conjunta, porque pressupõe a escolha
democrática de um tema, a pesquisa individual e em grupo sobre o tema definido, a seleção de
textos pertinentes e a costura entre eles – a criação final de um roteiro. Concluídas tais etapas,
passam à parte teatral, onde a partir da divisão das “falas” de cada elemento do grupo que opta por
atuar no palco, montam um sentido visual para o que dizem e cantam, através da construção de
uma espécie de “fio condutor ou narrativo, coreografias, figurino e cenário. Há funções, as mais
variadas, a serem desenvolvidas no palco, na iluminação, na música, no roteiro, na produção, na
direção, no trabalho com o corpo, com a voz... Após isso tudo, vêm os ensaios” (Coordenadora de
LP da Unidade).
124
Todas as outras barracas da festa eram organizadas somente por alunos e esta era a única com
estilo de bazar e estava montada numa sala. Vendiam bijuterias, óculos, bolsas, sapatos, roupas
diversas e objetos de decoração. Os preços estavam em conta, comprei uns óculos escuros por
cinco reais.
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O processo ensino-aprendizagem
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coordenadores, inspetores) e a diretora se envolvem na disciplina e organização
das turmas, antes, durante e ao final do espetáculo.
Antes das apresentações, as professoras que idealizaram o projeto (a atual
Coordenadora de Língua Portuguesa e uma professora aposentada) conversam
com os alunos e o público em geral, que, invariavelmente, ouve bastante atento.
Em 2008, a Coordenadora de Língua Portuguesa relembrou que “o grupo
quer efetivamente estar fazendo algo digno do Colégio e que, para isso, conta
com a energia que vem da plateia”. A professora fala pausadamente,
demonstrando muito entusiasmo, emociona-se quando acusa a presença de uma
professora aposentada que trabalhara durante 15 anos neste projeto e que ainda
continua ajudando. Explica como o grupo se prepara ao longo do ano e pede que a
plateia pense nas questões trazidas pelo texto feito pelo grupo, que está repleto de
metáforas e símbolos. Ratifica que participar do Fazendo Arte não é obrigatório (é
convite) e acrescenta que alguns ex-alunos continuam trabalhando com o grupo.
Pede respeito ao trabalho “que em última instância é feito pra vocês. (...) Quem
sabe o pessoal do Pedrinho, que hoje assiste, não poderá estar um dia no
Fazendo Arte”?
125
Nos dois anos (2007 e 2008) em que assisti as apresentações, foi feita uma
releitura do clássico Alice no país das maravilhas. Na montagem do grupo havia
três Alices e o texto remetia a várias questões: preservação da natureza, respeito
ao outro, morte de criança por desleixo dos pais, autoritarismo, questões
filosóficas, etc. O título escolhido pelo grupo para a sua releitura foi As
maravilhas no país das Alices. Nos dois espetáculos a plateia ficou muito
atenta
126
. Os participantes atuavam muito bem, eram desenvoltos. Os figurinos
eram bonitos e a história muito bem encadeada. No palco havia alunos tocando
piano e guitarra. A seguir, três fotos da apresentação de 2008:
125
Um professor da Unidade Humaitá I (‘Pedrinho’) trouxera uma turma do 5º ano para assistir à
apresentação. Observei que quando chegou com as crianças, fora saudado entusiasticamente pelos
alunos do Ensino Médio que estavam nos corredores e até pelos que estavam em sala de aula.
126
Na saída encontrei a coordenadora de Língua Portuguesa e comentei que havia falado com
alguns alunos e ex-alunos que eu tinha me emocionado durante a apresentação. Ela disse que foi
ótimo eu ter comentado isso com eles porque se dedicam muito.
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Apresentação do grupo Fazendo Arte
Fonte: Arquivos da coordenação de Língua Portuguesa da Unidade Humaitá II, 17/10/2008.
Apresentação do grupo Fazendo Arte
Fonte: Arquivos da coordenação de Língua Portuguesa da Unidade Humaitá II, 17/10/2008.
Apresentação do grupo Fazendo Arte
Fonte: Arquivos da coordenação de Língua Portuguesa da Unidade Humaitá II, 17/10/2008.
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Percebe-se que se trata de um momento especial para a Unidade,
principalmente para os alunos no palco e na plateia. As palavras da coordenadora
antecedendo a apresentação, a receptividade do público (com alunos do 5º ano do
Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio, professores e funcionários) e a
reação dos alunos maiores ao verem um ex-professor, do tempo em que
frequentavam o ‘Pedrinho’, não foram os únicos momentos em que afloraram as
boas relações interpessoais e a identificação com o que a escola representa. Ao
final da apresentação, os alunos que participaram do espetáculo puxaram a
tabuada
127
do Colégio, no que foram acompanhados pelo público presente, fato
muito interessante porque estavam acabando de apresentar um trabalho, fruto do
seu empenho (horas após as aulas, ensaios em finais de semana, etc.) e tiveram a
iniciativa de enaltecer o Colégio e não somente o projeto que já se tornou uma
referência nesta Unidade
128
.
A coordenadora de Língua Portuguesa pontua que os responsáveis
costumam assistir aos espetáculos, geralmente, à noite, quando o grupo faz uma
apresentação para contemplá-los. Considera este momento muito interessante
porque os pais se surpreendem – “e chegam a exprimir isso abertamente, quando
falam com a gente, agradecendo, emocionados”. Destaca que muitos não
compreendem bem o que seus filhos tanto fazem até tarde no Colégio e reclamam,
“já teve até quem proibisse o filho”. Eles não imaginam, de um modo geral, que
os filhos sejam os responsáveis por todas as etapas necessárias para a preparação
do espetáculo e ficam orgulhosíssimos.
Observamos que se caracteriza como um trabalho de resistência e
aglutinação forte, visto contar anualmente com ex-alunos que participam
efetivamente do grupo. Pode ser destacado como um dos aspectos singulares desta
Unidade. Presenciando o envolvimento dos alunos nos ensaios e a participação de
toda a escola nas apresentações, constatamos que o grupo acerta ao eleger como
alvo a alegada alienação e desinteresse dos jovens de hoje pela escola. A reação
do público, que lota o auditório da Unidade nas apresentações anuais, também
127
O grito de guerra dos alunos e ex-alunos do Colégio que diz o seguinte: Ao Pedro II, tudo ou
nada? Tudo! Então como é que é? Tabuada! Três vezes nove: vinte e sete / Três vezes sete: vinte e
um / Menos doze: ficam nove / Menos nove: fica um / Zum, zum, zum! Paratibum! Pedro
Segundôoooooooooooô!
128
Gritaram também os nomes de três professoras (coordenadora de LP, de uma professora de
Matemática do Ensino Médio e de uma professora aposentada) que atuaram mais diretamente com
eles. Alguns alunos se aproximam para abraçar os participantes e todos saem com calma.
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corrobora a aposta do projeto “na arte como um caminho contrário à tendência à
desumanização crescente do mundo atual e como uma forma de luta contra a
falta de reflexão crítica do sujeito” (Bayama, 2005).
Acrescentando mais uma informação sobre a repercussão deste projeto no
Humaitá II, lembro que no dia da segunda apresentação que assisti do Fazendo
Arte, presenciei uma conversa veemente na sala dos professores. Três professores,
sendo dois do 9º ano, estavam justamente elogiando o evento. Uma professora de
Educação Musical dizia que tinha resolvido dedicar-se à Música devido a um
festival que aconteceu na escola em que estudara. Os professores citavam também
os esportes e atividades como a do Grupo Fazendo Arte como vetores para a
formação dos alunos.(Anexo 6: Jogral do Grupo Fazendo Arte).
As atividades transdisciplinares do 9º ano
Relatos feitos por professores de Língua Portuguesa do 9º ano em
conversas informais, na sala dos professores, comprovam que a mobilização
docente também se dá nas atividades regulares de sala de aula. Numa dessas
conversas tomei conhecimento de atividades realizadas em 2007; no 1º trimestre
os alunos trabalharam com “O auto da compadecida” e representaram cenas que
só foram assistidas por suas turmas. No 2º trimestre, trabalharam com “Capitães
de Areia” e montaram peças teatrais que foram assistidas por outras turmas. E,
naquele momento, as disciplinas de Língua Portuguesa, Geografia, Música e
História desenvolviam uma atividade transdisciplinar. Os alunos estavam
trabalhando com o livro e com o filme “Morte e Vida Severina”, subintitulado
Auto de Natal Pernambucano, que relata a difícil trajetória de um migrante
nordestino na luta por uma vida melhor no litoral, de autoria de João Cabral de
Melo Neto. As turmas foram divididas em grupos e cada grupo escolheu uma
música da época da ditadura para trabalhar. Na sequência, os alunos apresentaram
o resultado dos seus trabalhos, que envolveu interpretação do texto da música,
análise da forma, análise do contexto em que foi escrita, investigação da sua
repercussão, vida dos artistas, etc.
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O processo ensino-aprendizagem
102
Assisti a duas dessas apresentações, que foram realizadas fora das salas de
aula, na sala de audiovisual
129
. Em cada uma delas, havia três atentas professoras,
e antes do início dos trabalhos, uma delas teceu várias recomendações sobre o
comportamento
130
da turma, que por sinal estava bem silenciosa. Cada grupo era
responsável por uma ou duas letras de música, e utilizavam papel pardo ou
retroprojetor para expô-las, alguns distribuíram as letras digitadas para a turma
enquanto cantavam as canções
131
ou as reproduziam no aparelho de som.
Cada membro dos grupos tinha sua tarefa na hora da apresentação: faziam
análise literária da música (as figuras de linguagem), falavam de toda a
metrificação do texto (redondilhas, decassílabo, versos, estrofes, quadras, rimas
emparelhadas, etc.), relacionavam as canções com os livros lidos, expunham a
biografia do cantor e contextualizavam as obras. Esta contextualização envolveu:
a conjuntura do governo Sarney, a Constituição de 1988 (pena de morte, tortura,
racismo), as migrações para o Sudeste (porteiros e empregadas domésticas que
são nordestinos), as migrações para o Norte devido ao ciclo da borracha, as
favelas (alto custo de vida, baixos salários), a vida do sertanejo que enriqueceu a
nação (povo guerreiro que sonha com uma vida melhor, as penúrias, o
enfrentamento de outras culturas, a preservação da vida cultural), etc.
129
É uma sala ampla, com cadeiras grandes, de braço, que ficam posicionadas de costas para a
entrada. Há bastante espaço, além do ocupado pelas cadeiras. Possui quatro aparelhos de ar
condicionado, janelões azuis com cortinas pretas, TV 29', caixa de som e uma mesa, com
luminária, para o professor, a ser usada no caso da sala precisar ficar escura.
130
Nada de piadinhas ou comentários para desestruturar quem estivesse na frente, e quem achasse
que iria conversar, deveria mudar de lugar.
131
Pra não dizer que não falei de flores e Disparada (Geraldo Vandré), Alegria Alegria (Caetano
Veloso), Angélica (Chico Buarque), Mais uma vez, Fábrica e Perfeição (Renato Russo), etc.
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O processo ensino-aprendizagem
103
Durante as apresentações, percebeu-se que, realmente, eram produto de um
trabalho de pesquisa, sustentado por várias fontes relacionadas à Língua
Portuguesa, Geografia, Música e História. A autonomia e o trabalho em equipe
foram habilidades desenvolvidas pelos alunos para levarem a tarefa a bom termo.
Pontuo que estavam mobilizados e mantiveram comportamento excelente. As
conversas eram baixas, enquanto os grupos se organizavam para cada
apresentação, não havia dispersão, nem mesmo quando a imagem projetada ficou
ruim, e aplaudiam para incentivar os tímidos e inseguros. Não houve necessidade
de chamar a atenção da turma toda
132
.
Na entrevista com a coordenadora de Geografia, indaguei sobre estas duas
atividades que assistira nas turmas 901 e 903, e ela esclareceu que no primeiro
ano, 2005, a proposta envolvera História e Geografia
133
e que nomeia estas
atividades de transdisciplinares. Repetiram no ano seguinte , 2006, incluindo
Língua Portuguesa. Em 2007, continuaram com as três disciplinas anteriores e
ainda tiveram a adesão dos professores de Música
134
. Explicou que esta atividade
se inicia, de certa forma, por uma identificação dos professores com determinada
proposta de trabalho: “Na verdade, basicamente os projetos partem da iniciativa
dos professores e não de um estímulo ou orientação de um coordenador do
Colégio”
30
.
No primeiro ano que eu fiz, cheguei a me emocionar com o resultado. Como os
alunos conseguiram se envolver com o trabalho e com a música, com a
realidade brasileira e o contexto histórico. Foi muito legal. (coordenadora de
Geografia e professora do 9º ano)
Avalia que o resultado é muito bom, por que:
132
Os meninos pareciam mais quietos, seis meninas, numa roda, conversavam baixinho sobre
coisas distintas do que acontecia na sala. Uma mexia no cabelo da outra, uma escrevia no caderno.
Após a 1ª apresentação, a professora de Geografia foi até o grupo e chamou atenção das meninas.
Durante a 2ª apresentação, outra professora fez ‘psiu’ para o mesmo grupo.
133
Também utilizaram a música popular brasileira do período da ditadura pra tentar trabalhar,
além do conteúdo de História, a realidade brasileira no período estudado. Abordavam a reforma
agrária, a luta pela posse da terra, a questão do desenvolvimentismo e os grandes projetos que
existiam em termos de construção do território brasileiro no período da ditadura.
134
A coordenadora de Música, que também coordenava o 9º ano de 2007, destacou este trabalho,
na sua entrevista, como um dos pontos altos do ano de 2007: Houve uma convergência da
Tropicália como um tema transversal que pegou História, Geografia, Língua Portuguesa e
Educação Musical”.
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O processo ensino-aprendizagem
104
Os alunos conseguem perceber que a realidade não é dividida. Não é que eles
cheguem a perceber, porque aí seria fantástico, imagina? Eles começam a
caminhar numa percepção de que a arte expressa uma realidade em termos
históricos, em termos geográficos
135
.
O planejamento coletivo do trabalho relatado, numa perspectiva de
experimentação e avaliação, é indicado como uma condição necessária para uma
educação de qualidade. Esta indicação foi feita consensualmente, após debate
sobre educação escolar, ocorrido no MEC, em 1998,, a fim de compor os
referenciais para a formação de professores (Pedrosa, 2007).
Franco e Bonamino (2005) apontam que a responsabilidade coletiva dos
docentes pelo aprendizado dos alunos é um fator relevante para a eficácia de um
estabelecimento de ensino. Os autores citam estudos nacionais (Espósito, Davis e
Nunes, 2000 e Lee, Franco e Albernaz, 2004) que detectaram a contribuição
positiva desta estratégia e esclarecem que esses resultados estão em sintonia com
os resultados de pesquisas internacionais.
A leitura das práticas inclui, também, o acesso a material produzido pelas
escolas (organogramas, calendários diversos, grade curricular, avisos, atas,
murais, etc.). Para ilustrar os relatos sobre as atividades transdisciplinares e as
atividades de Língua Portuguesa, descreverei dois avisos que copiei de murais do
Humaitá II, em outubro de 2007. O primeiro referia-se ao anúncio de que uma
aluna da turma 802 que havia sido a vencedora do concurso do jornal “O
GLOBO” para participar da redação de blogs e que escreveria, toda 4ª feira, no
site www.oglobo.com.br/bloguinho. Encontrei este aviso perto do único elevador
da Unidade, numa parede que dá para o pátio externo por onde todos passam para
subirem para as salas de aula, na porta da sala dos professores e num dos murais
desta mesma sala.
O segundo aviso, que também estava afixado ao lado do elevador, era a
divulgação dos finalistas de um concurso promovido pela União Latina, cuja
proposta era terminar um conto do escritor Luis Fernando Veríssimo. Eram 210
inscritos, destes foram escolhidos 38; dos 38 selecionados, 31 eram do Colégio
135
A coordenadora de Geografia nomeia o projeto que envolve quatro das 11 disciplinas do 9º ano
de transdisciplinar. Concordei com sua denominação porque, nas atividades desenvolvidas, os
saberes se reorganizavam em torno de problemas essenciais, afastando-se da lógica clássica
(disciplinar). A proposta concebia o conhecimento como uma rede de conexões, “o que leva à
multidimensionalidade do conhecimento e à distinção de vários níveis da realidade” (Santos, p.75,
2008).
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O processo ensino-aprendizagem
105
Pedro II. Dentre estes 31, havia sete alunos do Humaitá II. E, por fim, dentre os
sete finalistas do concurso, cinco eram do CPII: um do Humaitá II, dois da
Unidade Centro, um do Engenho Novo II e um da Tijuca II.
Segundo Sarmento (2003), estes são documentos performativos, onde se
consagra simultaneamente a ação e a interpretação da ação, seriam a imagem do
que de si próprio se quis. O destaque dado às mensagens destes avisos, expressa
valores do contexto institucional, vinculados à crença no poder da palavra escrita/
falada/ cantada, na medida em que a escola possibilita aos seus alunos a vivência
de textos, levando-os a desenvolver sua criatividade, expressividade e,
consequentemente, autoconfiança
136
.
3.4
A Educação Musical
O trabalho de Educação Musical também é ancorado na autonomia dos
professores. Os projetos não partem do Colegiado de Música, que reúne os
professores de todo o Colégio. Nesta instância não há uma concordância completa
entre os docentes, aprova-se uma diretriz para a disciplina, que é modificada a
cada reunião.
Abordei uma das professoras de Música do 9º ano e, quando começamos a
conversar, ela partilhou comigo seu entusiasmo pelo fato de estar indo para o
Senado, o Projeto de Lei que instituía a disciplina de Música em todos os níveis
escolares. Pela legislação vigente, o que consta no currículo é Educação Artística
e as escolas escolhem entre Artes, Teatro e Música. No começo deste capítulo,
reportamo-nos ao currículo e informamos que, no caso do Colégio Pedro II, a
disciplina Educação Musical sempre esteve presente na grade curricular, embora
ainda não seja obrigatória: “Não existe perfeição, mas para quem já trabalhou no
136
Reportagem veiculada na Revista Megazine do jornal O GLOBO, em 2008, divulgava os
nomes de dez estudantes do Ensino Médio, que formariam o Júri Jovem do Festival Internacional
de Curtas (o Curta Cinema), que exibiu 323 filmes em cinco salas do Rio de Janeiro. Dentre os
dez alunos escolhidos, quatro eram do Colégio Pedro II, dois eram da Unidade São Cristóvão III e
os outros dois não tinham sua Unidade especificada. Apesar de não sabermos se havia algum aluno
da Unidade Humaitá II, este registro é válido porque, além do CPII compor 40% do Júri Jovem do
Festival Internacional de Curtas, os outros seis alunos escolhidos eram oriundos da rede particular
de ensino. Ademais, tudo o que se relaciona a qualquer uma das 13 Unidades Escolares do Colégio
é, imediatamente, incorporado por todas, a distância geográfica entre as Unidades jamais foi
obstáculo para que fatos como esse reforcem a confiança e imagem de distinção incorporada pelos
integrantes da escola.
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106
mundo e trabalha no Pedro II, é o único colégio público que tem Música, tem esse
diferencial na área”.
Em momento posterior a este encontro, durante a entrevista que esta
professora me concedeu, relatou que os alunos do Humaitá II chegam à Sala de
Música querendo se soltar e encarando as propostas como atividades lúdicas, por
isso, é preciso deixar uns dez minutos livres no início das aulas, para depois
começar com as atividades propriamente. Acentuou que defende que não deve se
dar apenas História da Música brasileira no 9º ano, pois a matéria começa no
Império e nem sempre dá para chegar até os dias de hoje. Desta forma, os
professores enfatizam a bossa nova e a jovem guarda; tem uns pontos modais e os
alunos curtem bastante quando começam as aulas de música POP.
Foi conseguido, também, junto à coordenação da disciplina, que se
colocasse a prática de conjunto com esta série, onde os alunos têm alguns
instrumentos disponíveis e podem trazer qualquer instrumento para as aulas
(percussão, violão, etc.). A professora afirma que, apesar de estarem em níveis
distintos, eles gostam.
Tive oportunidade de observar uma aula desta professora, nos 3º e 4º
tempos do turno da tarde (14h30min às 16h00min), no dia 29/10/2007.
Transcrevo o relato do meu caderno de campo, a descrição é fiel à aula, mantive,
inclusive, os comentários que redigi na época, retirando, apenas, dois parágrafos
do início que descreviam os murais da sala:
Sentei ao final da sala e contei 27 alunos. O quadro de giz está em bom estado,
as paredes são pintadas de amarelo claro e a porta é azul. É uma sala bem
iluminada, há seis conjuntos de lâmpadas fluorescentes. Conto cinco
ventiladores no teto. (...)
A professora foi pedindo silêncio, “entrou, sentou”. Avisou que a aula
começaria ali e que depois eles desceriam para a Sala de Música. Lembrou que
voltariam a falar de música de protesto, inserida nos festivais, no movimento de
contracultura.
Começou a falar da canção Caminhando, escreveu o nome correto no quadro
(“Pra não dizer que não falei de flores”) e o nome do autor. Um aluno
perguntou se tinha sido Geraldo Vandré que tinha quebrado o violão. “Não,
aquele que quebrou o violão foi o Sérgio Ricardo”. Explica que Vandré
integrava o movimento oposicionista ao governo militar, era um artista
engajado e foi preso.
Falou também do AI-5, dos decretos-lei e disse que o governo militar foi uma
anomalia dentro da República, sendo a classe artística uma opositora,
principalmente através da música. Lembra do certificado da censura que tinha
que aparecer antes da exibição de filmes no cinema e de qualquer programa de
TV.
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107
Comentário: Neste momento um aluno tocava flauta e a professora não falou
nada, de repente ele parou.
A disposição das carteiras é a mesma da outra sala, seis fileiras com mesas e
cadeiras. Na fila que fica na parede da janela, há cinco alunas meio que
conversando entre si e dois alunos um pouco apáticos. Na segunda fila, o
primeiro aluno está quase deitado em cima da mesa. O resto da turma está
acompanhando a aula, sendo que, na fila da parede, três meninos arrumaram as
carteiras em trio.
A professora pediu que os alunos pegassem a apostila, onde havia um texto
sobre música de protesto e algumas perguntas. Poderiam fazer a atividade em
dupla. Alguns alunos foram se organizando em duplas, cinco meninas ficaram
claramente ociosas, sem fazer nada. Levou um tempo e, de alguma forma,
todos foram se organizando em torno da apostila. Formaram nove grupos ao
todo, eram duplas, trios, quartetos e até quintetos. Quatro grupos não eram
mistos.
O exercício era sobre canções de protesto, a professora explicou a importância
da letra da música “Sabiá”, pois representava uma pessoa que havia saído da
sua pátria. Colocou os nomes dos autores no quadro. Era uma alusão ao poema
”Sabiá”, de Gonçalves Dias. Lembrou que esta canção tirou o primeiro lugar
em determinado festival, sob protestos do público. Minha impressão é que,
neste momento, só uns quatro alunos ouviram este relato.
Em seguida, um aluno faz uma pergunta sobre a alienação dos jovens. Entra
um aluno atrasado e fica sem fazer nada. Um trio sentado no final da fila da
parede (duas meninas e um menino) também parecia não estar fazendo o
exercício, apesar de a apostila estar aberta em cima da mesa. A professora
começou a caminhar na sala e perguntou, justamente a este trio, o que eles
estavam fazendo.
Durante a feitura do exercício, a professora foi solicitada umas três vezes.
Observando os nove grupos, deu-me a impressão que poucos se dedicavam à
tarefa que tinha sido passada, já que, enquanto isso, uma aluna mexia no
celular, um menino tocava flauta e a professora não se manifestava.
Começando a correção, a professora se dirige ao grupo do [nome do aluno]:
“Primeira pergunta. Em que parte da letra de Caminhando o autor fala da
alienação dos jovens”? Duas meninas estão falando muito alto. Por duas vezes
a professora exclama: “Pessoal, alô”! As explicações giram em torno do
conteúdo das duas estrofes da música e do significado do refrão.
Um aluno faz uma pergunta, dois grupos prestam muita atenção. Chegam à
pergunta 3: “Alô, galera, silêncio, por favor, silêncio”!
Comentário
: A professora fez uma excelente preleção sobre a música “Sabiá”,
explicou sua forma velada e metafórica, falou de exílio, etc. Parecia que
ninguém prestava atenção nela, um aluno voltou a tocar flauta.
No entanto, na correção das perguntas (4, 5 e 6) em sequência, a professora se
dirigiu a algumas duplas e vários alunos que pareciam dispersos fizeram
questão de dar suas respostas.
Conforme havia sido avisado no início da aula, chegara a hora de a turma ir
para a Sala de Música. Temos que descer dois andares porque as salas do 9º ano
ficam no 4º andar e a Sala de Música, no 2º. Descemos todos pela rampa, sem
qualquer confusão. Aproveito para conversar um pouco com a professora,
enquanto nos locomovemos, comento dos alunos que observei conversando
durante a maior parte da aula, mas que responderam às perguntas que ela fez.
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108
Ela me conta que no começo ficava desesperada, achando que eles não estavam
entendendo, mas agora vê que eles sabem.
A Sala de Música é grande e arejada, nela encontramos cadeiras de braço
arrumadas numa grande roda, um armário de ferro de duas portas, dois
armários de madeira bem antigos, outro armário de ferro com instrumentos
musicais, uma TV, um aparelho de DVD e um piano.
Há um quadro de giz na parede que fica atrás da mesa do professor. Vemos um
mural no chão (sem uso) e um cartaz com uma flauta e umas notas musicais.
No teto há cinco ventiladores (três estão ligados) e dez pares de lâmpadas
fluorescentes grandes. O chão é de cimento liso amarelo, as janelas ficam na
parede à esquerda do professor, são altas com grandes cortinas azuis.
A professora colocou a letra da canção (Caminhando) no quadro, enquanto isso
cada aluno pegou um instrumento musical no armário e começou a tocar. Eu vi
cinco flautas, um violão, duas pandeirolas, dois pares de claves, um tantã,
várias castanholas, vários ovinhos de madeira, um chocalho, um chocalho feito
de garrafa PET e um pandeiro. Um aluno que estava disperso na sala de aula foi
quem pegou o violão.
Acabando de colocar a música no quadro, a professora pediu que todos
parassem de tocar os instrumentos, o aluno [nome do aluno], que tocava o
tantã, não parou. A professora pegou o cavaquinho e avisou que começariam
com as flautas, mas o tantã, ainda assim, não parou: “Dá um tempo, [nome do
aluno]”! A professora fala um pouco mais alto. Ele levanta a mão numa espécie
de pedido de desculpas. “Puxa, temos que ser duras com vocês”!
Chega perto dos alunos que estão com o tantã e com o pandeiro e toca seu
cavaquinho para eles ouvirem. Explica a levada do tantã, “a gente tem um
compasso terciário”. Explica também para o menino do violão: “Sol, lá menor,
sol, lá menor”. Para os chocalhos: “Um, dois, três”. Há uma menina que não
pegou nenhum instrumento e está ouvindo MP3.
Cinco alunos estão sentados juntos e tocam as flautas, eles leem a partitura que
está na apostila. Tenho a impressão que na sala de aula eles também estavam
próximos. “Atenção, parou”! A professora pede que as flautas parem e dá uma
explicação para o grupo, fala as notas. Um dos alunos deste grupo pergunta se
alguém tem uma apostila porque ali só há uma para três alunos. Enquanto a
professora se acerta com o grupo da flauta, o resto da turma fica incrivelmente
quieto, as conversas são em tom baixo.
Observei que umas cinco meninas que na sala de aula ficaram meio
ociosas,sentaram-se novamente juntas: uma com claves, outra com pandeirola e
três sem instrumento. Uma das meninas que não pegou instrumento estava com
o braço machucado.
“Atenção, pessoal! Percussão, início. Depois a gente canta o refrão”. As
flautas não se entendem novamente, a professora volta a dar uma explicação,
com muita paciência.
E o tantã fica tocando. ”Atenção. Alô, pessoal”! Os alunos que pegaram os
ovinhos de madeira estão um pouco apáticos. Uma aluna fica chamando:
“Professoooooôra. Pode cantar a música toda”? Agora os alunos estão mais
ou menos separados em meninas e meninos. A professora continua acertando a
execução com os flautistas.
Comentário
: Percebo que nesta aula é importante que todos os alunos que estão
com as flautas se entendam e toquem com relativa harmonia. Hoje eles estão
meio que conduzindo toda a turma quando a professora pede que todos cantem
e toquem os instrumentos.
É dado um aviso de que para a 3ª certificação é bom olhar a partitura para ver
compassos e notas. Em cima deles terá várias perguntas.
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Finalmente, depois de vários ajustes, a turma canta a música toda por duas
vezes, todos que estão com instrumentos musicais participam. Bate o sinal, os
alunos guardam os instrumentos no armário de ferro e saem para o recreio.
Converso um pouco com a professora, ela explica que fez um trabalho
paulatino com o menino do tantã e o menino do pandeiro. Dá, justamente, estes
instrumentos nas mãos deles, para que participem. Há aulas que saem
melhores, depende da música e da turma. Há turmas com alunos que tocam
bem piano ou cavaquinho. Naquela turma havia um aluno que tocava bem o
piano, mas preferiu ficar na flauta para aprender.
Fim da 3ª observação de aula
A aula relatada teve dois momentos distintos e, devido às características do
segundo momento, toda a turma teve que se transferir para outra sala, descendo
dois andares do prédio. O que poderia ser obstáculo para alguns professores, na
medida em que a movimentação dos alunos pode trazer dispersão, não se revelou
como um problema para esta professora, que organizou bem a duração das
atividades propostas. Na sala de aula fez uma pequena exposição oral, retomando
o tema (música de protesto da época dos festivais) em estudo, contextualizou a
canção em foco na história do país e forneceu dados da biografia do autor. Em
seguida, com o apoio de uma apostila, os alunos fizeram, em grupos, a
interpretação de duas canções. O exercício foi corrigido e todos seguiram para a
Sala de Música.
Durante a mudança de ambiente, a professora me revela que no começo se
desesperava porque achava que os alunos não estavam entendendo, mas agora
afirma que eles sabem. Confirmo esta avaliação porque em alguns momentos, na
sala de aula, eu tive a sensação de que a maior parte da turma não acompanhava a
atividade. No entanto, quando a professora se dirigiu a algumas duplas, vários
alunos que pareciam dispersos fizeram questão de dar suas respostas.
Neste momento, colocou-se para mim a mesma questão formulada por
pesquisadores do SOCED, no início da investigação sobre as escolas de prestígio
do município do Rio de Janeiro. Buscando entendimento para o que chamaram de
conexão/desconexão dos alunos em salas de aula de turmas de 8ª série, o grupo
aventou a hipótese de estarmos diante de “prováveis modificações dos padrões de
cognição entre os jovens” (Brandão, 2005ª, p.6), quando reportados aos padrões
experimentados pelos professores e gerações anteriores. O grupo de pesquisa
registrou, mais de uma vez, dispersão dos alunos em aulas bem estruturadas e sua
aparente dificuldade em prestar atenção pelo tempo necessário para acompanhar
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110
um segmento da explicação dos professores. Estes continuavam com as atividades
“em meio à zona que rotineiramente entremeava as práticas didáticas, fossem
elas aulas expositivas, exercícios, trabalhos em grupos ou leituras de textos
propostos para o tema da aula” (idem, p.5). Observaram, também
137
, respostas
surpreendentemente ajustadas ao contexto das aulas, onde os alunos estavam
aparentemente desligados, conforme presenciado durante a primeira parte da aula
de Música no HII.
Momentos como esses se repetiram durante a observação de outras aulas
do Humaitá II. Colaborando também para o entendimento destas situações, a
pesquisa desenvolvida por Lelis (2005), com objetivo de revelar o sentido da
experiência escolar para jovens de camadas médias, apurou que atualmente o
aluno precisa dar conta, ao mesmo tempo, de duas lógicas: a lógica escolar e a
lógica midiática. Na investigação de como os adolescentes se relacionavam com
as práticas escolares e com as tarefas cotidianas, foi detectada a "dispersão" como
traço distintivo dos comportamentos diante das práticas escolares.
Dispersão que parece indicar “uma outra forma de se relacionar com o
saber e a aprendizagem escolar, para além dos métodos pedagógicos e estilos de
ensinar dos professores”
138
.
Na chegada e acomodação da turma na Sala de Música, já se pode
constatar o investimento na organização e disciplina, visto não ter havido
nenhuma correria pelo trajeto e nenhuma disputa por qualquer instrumento
musical. Da mesma forma, quando bateu o sinal do recreio, os instrumentos foram
guardados ordenadamente no armário de ferro e os alunos saíram da sala. Em
diversos momentos ao longo da aula, percebi que eram claras as regras de conduta
necessárias para o bom andamento da atividade, diante de qualquer atitude que
não favorecesse o ambiente de trabalho, a professora não precisava fazer
preleções, bastava uma pequena chamada: ”Atenção. Alô, pessoal”!
137
Mais informações sobre a entrada no campo da equipe do Soced em BRANDÃO, Zaia.
Desatenção ou novos estilos de cognição? Boletim Soced, nº1, 2005. Disponível em:
http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/soced.php?strSecao=input.
138
Artigo publicado na Revista Digital, do jornal O GLOBO, relata os resultados de um estudo da
universidade de Melbourne, na Austrália, que averiguou que navegar na internet, por lazer, no
trabalho, aprimora a concentração dos empregados. Pessoas que utilizam a internet num limite de
menos de 20% do tempo de trabalho são mais produtivas, rendem cerca de 10% a mais do que as
pessoas que não têm contato algum com a internet durante o expediente. Seria mais um exemplo
da “lógica midiática, marcada pelo imediatismo, pela instantaneidade, pela rapidez” (Lelis,
op.cit.), atuando também em ambientes de trabalho sem obstaculizar a produção exigida.
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Outro indício de que a turma tinha introjetado a organização e disciplina
necessárias para um ambiente favorável ao ensino e à aprendizagem, foi a própria
dinâmica da aula. Todas as vezes que a turma tocava junta, “seguia” os cinco
alunos que estavam com as flautas, e, por isso, a professora acertava
constantemente a harmonia deste grupo com o cavaquinho que tocava. Dividia-se
entre os flautistas e todos os outros alunos, dando atenção também aos que
estavam com outros instrumentos. Esta condução não era questionada pelos outros
alunos que se mantinham incrivelmente quietos, conversando em tom baixo,
enquanto a professora se acertava com o grupo de flautistas.
Chiarelli & Barreto (2005) nos esclarecem que a prática musical se
relaciona a elementos como som, ritmo, melodia e harmonia, e cada um desses
elementos possui seus atributos correspondentes, que devem ser trabalhados,
como, por exemplo, os atributos do som: a altura (agudo, médio, grave), a
intensidade (forte, fraco), a duração (longo, curto) e o timbre (diferencia as vozes
e os instrumentos). Os autores mostram que, apesar de existirem diversas
definições para Música, de um modo geral, ela é considerada ciência e arte, na
medida em que as relações entre os elementos musicais são relações matemáticas
e físicas. Constata-se, portanto, que diversas áreas do conhecimento podem ser
estimuladas com a prática da musicalização.
A dinâmica utilizada na condução da aula observada comprova o prazer de
ensinar e o compromisso e interesse da professora com o desempenho dos alunos,
pois reiniciava a execução da música (“Atenção, pessoal! Percussão, início.
Depois a gente canta o refrão”), mesmo diante de insistências
(“Professoooooôra! Pode cantar a música toda”?), até que o compasso ficasse
acertado. Ademais, durante toda a orientação da prática de conjunto, dirigia-se a
turma usando o vocabulário específico da disciplina (“A gente tem um compasso
terciário. (...) Sol, lá menor, sol, lá menor”.), numa demonstração clara de que os
alunos tinham domínio deste conteúdo e correspondiam à expectativa da
professora.
Na conversa que tivemos semanas antes da observação desta aula, a
professora esclarecera que havia conseguido, junto à coordenação da disciplina,
que se colocasse a prática de conjunto com o 9º ano. Esta não era, portanto, uma
exigência, a priori, da Unidade. Sua iniciativa denota que assume a
responsabilidade em melhorar o aprendizado dos alunos. Comprovou-se, também,
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a informação que eu obtivera com as próprias professoras de Música: “Fazemos
aulas práticas, com instrumentos, para todo mundo”. Na aula observada, a
professora lidava com uma turma que utilizava dez instrumentos musicais
diferentes.
As boas relações interpessoais se evidenciavam na firmeza e afetividade
que acompanhavam as interpelações feitas pela professora: um aluno levanta a
mão numa espécie de pedido de desculpas e a professora complementa: “Puxa,
temos que ser duras com vocês”! O menino que se desculpara fora o que
escolhera o tantã, ele tinha certa dificuldade de aguardar o momento da execução
em conjunto. Inteirei-me após a aula, de que fora feito um trabalho paulatino com
ele e com o menino do pandeiro, que não se integravam muito às atividades.
Quando foram incentivados a lidar com estes instrumentos, melhoraram sua
participação.
A professora diz que há sempre um grupo mais disperso, acha que os
alunos são bagunceiros, mas são unidos porque vêm juntos há muito tempo, e
considera que se entende muito bem com eles. Há aulas que saem melhores,
depende da música e da turma. A condução variava de turma para turma, diante
do interesse de quatro alunos (que liam bem as partituras) pelas flautas, este grupo
acabou “conduzindo” a prática do dia.
Ratificou-se o entusiasmo e dedicação da professora, quando revelou
querer tornar uma tradição na Unidade ter um show no final do ano, poder criar
um arranjo, fazer uma integração entre as séries. Nenhum aluno foi reprovado no
9º ano, em Educação Musical.
Em 2007, houve uma apresentação no final do ano (14/11/07), e a
professora entrevistada revelou que para alguns alunos foi o dia mais feliz da vida
deles. Felicidade que se desdobra em investimento concreto, porque muitos alunos
do 1º ano fazem um horário extra para a prática de conjunto e trabalham um
repertório iniciado no 9º ano
139
.
139
Quando atentamos para a formação acadêmica desta professora e para a sua experiência anterior
ao Colégio, confirma-se mais ainda a impressão de que se sente realizada com o trabalho no CPII.
Fora professora numa escola da Ilha do Governador e reclamara muito das condições de trabalho
no município do Rio. Atuou 10 anos como jornalista, fez mestrado em indústria cultural, na
UNIRIO e fez, também, doutorado. Começou no PII, em 2005, como substituta e assim ficou
durante dois anos no HII. Em 2006, fez quatro concursos: a) para o PII passou em 4º lugar, havia
oito vagas; b) para a UFES passou em 2º lugar, havia uma vaga; c) para a UFF (área de produção
cultural) passou em 3º lugar e havia duas vagas e d) passou também para a UERJ (aula de folclore
no curso de artes). Acabou escolhendo o CPII.
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O processo ensino-aprendizagem
113
Em sua entrevista, a coordenadora de Música, e também professora do 9º
ano, igualmente demonstrou estar mobilizada com o trabalho da equipe e com o
fato de o Colégio sempre manter esta disciplina na sua grade curricular, “valendo
nota”.
A coordenadora relatou também a luta da geração de professores que
entraram no Colégio na mesma época que ela (1981), para vencer barreiras e
implementar aulas onde o aluno pudesse escolher o instrumento:
Então fazê-los ler uma partitura. Não é música apenas clássica, é música
moderna, a que está tocando na novela, que tá tocando por aí e eles adoram.
Eles gostam, então com a nossa persistência, isso foi uma coisa muito grata a
mim. (...) Porque é desde a época que o Colégio era um seminário de padres. A
música é indissociável do aprendizado de um padre. Assim como ele aprende
Latim, Teologia, a Retórica, a Dialética, ele aprende Música. Ele tem que
aprender (...) É de fato uma honra para nós. Acho que não existe instituição
brasileira que tenha tido ao longo dos anos. O governo tira, coloca Música,
não mantém e tal. Mas aqui sempre teve Música. (...) Eu falo disso e fico até
emocionada, porque essa parte do Pedro II é uma coisa que me gratificou
muito.
A guisa de ilustração, cabe precisar o quanto a Educação Musical esteve
presente nos primórdios do Colégio. A verdadeira origem do Colégio Pedro II é o
Seminário de Órfãos de São Pedro
140
, criado em 8 de junho de 1739, pelo bispo D.
Frei Antonio de Guadalupe, nascido em Portugal, quarto bispo do Rio de Janeiro e
professor da ordem franciscana. Na mudança para a atual Rua Camerino, os
órfãos de São Pedro passaram a ser chamados de Seminaristas de São Joaquim
141
O estabelecimento possuía alunos contribuintes, mas a instituição progredia com
doações e devido aos serviços que os alunos prestavam como coristas e
cantochanistas em muitas igrejas e conventos. Os seminaristas recebiam também
gratificação em dinheiro para acompanhar os enterros de pessoas importantes e
devotas. Ostentavam seus hábitos brancos, o que, segundo Joaquim Manuel de
Macedo
142
, valia-lhes a alcunha de “carneiros”, e tinham no peito grandes cruzes
140
Ao lermos a provisão de criação deste Seminário, constatamos que havia grande preocupação
com os órfãos da cidade; este estabelecimento, sujeito ao regulamento do Colégio dos Órfãos do
Porto, ficou conhecido como Seminário de São Pedro e os alunos como Órfãos de São Pedro.
141
O Seminário de Órfãos de São Pedro funcionava num sobradinho na Rua de São Pedro, nas
costas da Igreja do Príncipe dos Apóstolos. Além de se localizar no centro da cidade, era
insuficiente por falta de acomodações. Quase 30 anos após a sua fundação, o Seminário mudou-se
para a Capela São Joaquim, localizada no começo da Rua do Vallongo, depois Imperatriz, hoje
Camerino. Os órfãos de São Pedro tomaram, então, o titulo de órfãos de São Joaquim e, mais
tarde, Seminaristas de São Joaquim.
142
Macedo apud Annuário do Collégio Pedro II, Volume I, 1914.
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O processo ensino-aprendizagem
114
vermelhas. Tinham a incumbência de cantar o Miserere, durante o saimento
fúnebre, e, nas igrejas, de entoar o Libera-me durante a encomendação do corpo.
“Assim, quando o príncipe regente D. João veio para o Brasil e quis celebrar
com pompa régia a Semana Santa, mandou buscar no Seminário São Joaquim
alguns educandos peritos em canto-chão que vieram servir o corpo da Capella
Real” (Lisboa, 1937)
143
.
Os atuais alunos da Unidade Escolar Humaitá II desconhecem esta
particularidade na área musical dos seminaristas da instituição, que deu origem ao
Colégio, mas, possuem suas próprias particularidades que detectamos em nossa
conversa sobre a aparência e espaços da escola:
Pesquisadora: Pra vocês, qual o melhor espaço da escola? Onde vocês gostam
mais de estar?
Aluno 1: Sala de música.
Aluno 2: Portão da frente.
Aluno3: Ah, acho legal, assim, biblioteca, audiovisual, quadra, arquibancada.
Pesquisadora: Por que a biblioteca é um bom espaço?
Aluno3: Porque você fica lá com os amigos estudando, às vezes conversando.
Aluno 2: Eu fico escutando heavy metal e lendo o recreio inteiro.
Pesquisadora: E a sala de música, por que é um lugar bom?
Aluno 2: Porque a gente faz barulho lá.
Aluno 1: É, porque é legal, porque tem práticas conjuntas.
Aluno 3: Na aula de música da nossa série, a gente tem uma prática, a gente
toca o instrumento que quer.
Aluno 1: É, é mais livre.
Aluno 2: É, é livre até demais.
Pesquisadora: Quem tem violão pode trazer?
Aluno 1: É, eu trago o violão porque o Colégio, além da aula de Música, tem a
prática de conjunto. Tipo, você é bom num instrumento, aí chega e fala, ‘Você
não quer tocar com a gente, sabe’?! Aí é bom porque desenvolve essa parte
musical, essa parte mais criativa.
143
T. 6, p. 358, Annaes de Baltazar Lisboa (apud Annuario n.º1 do Colégio Pedro II, 1914).
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115
Aluno 3: Essas coisas que eu acho legal no Colégio, essas coisas tipo coral,
festa junina daqui, que organiza as equipes. Assim, uma coisa pra você se
entrosar no Colégio, fazer amigos.
Analisando a conversa com os alunos, percebemos que eles incorporam a
sala de música e a biblioteca aos tempos/espaços escolares de convivialidade
(Teixeira Lopes, 1997) e ludicidade, como são a quadra de esportes e sua
arquibancada e o momento do recreio.
Numa concepção do espaço escolar como lugar internamente
regionalizado, a Sala de Música pode ser classificada como uma região de
fachada porque exige um comportamento mais apropriado e se revela como um
lugar de controle social mais cuidadoso. A quadra de esportes e o pátio do recreio
seriam regiões de bastidores que permitem um desligamento face à fachada,
seriam locais onde se relaxam as exigências e regras. Contudo, tanto o
desvendamento quanto a ocultação podem se fazer presentes nos dois cenários,
mas não dilui a especificidade de cada região – namorar numa região frontal é
diferente de namorar numa região de retaguarda (idem, 1997).
Os alunos citados relacionam a prática de conjunto das aulas de Música
com a criatividade e como “coisa legal no Colégio, (...) tipo coral, festa junina.
(...) Assim uma coisa pra você se entrosar no Colégio, fazer amigos”. Nossa
pesquisa indica que independentemente de estarem ou não em maior vigilância,
tendo que adequar ou não seu comportamento, suas posturas corporais e
linguagem, o que conta para esses alunos é a possibilidade de convívio intenso e
prazeroso que encontram no espaço escolar, não apenas nos momentos não
letivos. Diferentemente dos estudantes secundaristas descritos por Teixeira Lopes
(1997), que valorizam o pavilhão gimnodesportivo, o campo de jogos e os espaços
externos à escola (o café/pastelaria/rua) – num “movimento muito mais profundo
de recusa da escola” (idem, p.119)- os alunos do HII demonstram - como já
havíamos constatado nas suas respostas sobre as aulas de Língua Portuguesa -
gosto pelo espaço escolar, aceitação da escola
144
e a incorporação de um forte
sentimento de pertencimento à instituição.
144
Nas respostas dos alunos do HII foram citados também o grêmio e os amigos. Quando
tratarmos especificamente das relações, analisaremos o quanto todo o contexto escolar é
valorizado pelos discentes como um espaço de convívio e de constituição de amigos.
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116
Quanto aos estudantes presentes à aula observada, estavam, sem dúvida,
num ambiente intelectualmente desafiador
145
e lúdico. Chiarelli & Barreto (2005)
demarcam o papel da Música na educação, não apenas como experiência estética,
mas também como facilitadora do processo de aprendizagem e como instrumento
para tornar a escola um lugar mais alegre e receptivo, como deve ser para esses
alunos que destacaram a prática de conjunto que acontece no 9º ano do HII. De
acordo com a perspectiva das autoras, a música é concebida como um universo
que “conjuga expressão de sentimentos, ideias, valores culturais e facilita a
comunicação do indivíduo consigo mesmo e com o meio em que vive”.
3.5
O trabalho de informática
Como já relatei anteriormente, assisti a uma aula de Língua Portuguesa no
Laboratório de Informática, onde os alunos do 9º ano terminavam uma tarefa que
integrava às atividades do Projeto Machado de Assis. A turma estava organizada
em duplas para cada computador e demonstrava bastante familiaridade com o seu
uso. O Laboratório de Informática possui duas salas: uma bastante ampla e outra
menor. Na sala maior há 33 computadores e, segundo a coordenadora da série,
ainda chegariam mais sete. O chão das salas é todo coberto com piso de borracha,
contei na sala maior quatro aparelhos de ar condicionado. O setor conta com um
técnico terceirizado que me explicou que as janelas são vedadas. Na aula que
assisti, além da professora da turma e do técnico de informática, estava presente a
coordenadora do 9º ano. É usual que ela esteja presente durante as aulas na sala de
Informática porque é uma das responsáveis por esse setor.
Entrevistei uma funcionária que conheci na primeira reunião com os pais
(novembro de 2007), ela estava dando o suporte material (power point) para o
encontro que estava sendo dirigido pelas orientadoras. Aceitou prontamente o
meu pedido de conceder-me a entrevista, pareceu-me que se entusiasmara por ver
145
É um indicador de altas expectativas e uma das características de escolas bem sucedidas
(Bonamino 2005),
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O processo ensino-aprendizagem
117
uma possibilidade de divulgar o trabalho que realizara no Colégio (na Unidade
São Cristóvão) e que desenvolvia no Humaitá II
146
.
Explicou que planeja as atividades que acontecem no setor e recebe turmas
dos três turnos da Unidade, neste mesmo espaço. Está no Humaitá II há cinco
anos, mas chegou ao CPII em 1987. Assim, participou dos primeiros programas
de Informática na Educação do Colégio, que se iniciaram na Unidade São
Cristóvão. Falou muito do seu trabalho, demonstrando entusiasmo com sua
função. Seu olhar seria, por assim dizer, mais setorizado, voltado especificamente
para as suas atividades. Não vê distinção em relação ao seu trabalho e o trabalho
dos docentes, pareceu não ter problemas de relacionamento com os professores,
conforme demonstrou a outra funcionária entrevistada e que trabalhava no Sesop.
Quando foi transferida para o CPII, já era pós-graduada em Análise de Sistemas e
trabalhara em empresas, desenvolvendo programas e dando capacitação para a
otimização desses programas, especialmente com banco de dados.
Argumentou que o Colégio Pedro II sempre foi a vitrine do MEC: “Todas
as primeiras experiências aconteciam aqui”. Lembra que vivenciou o pioneirismo
da instituição, quando foram designadas algumas pessoas para fazerem um curso
de capacitação em Informática Educativa nas escolas. No ano seguinte, em março
de 1987
147
, foi aberta a primeira turma do curso técnico profissionalizante de
processamento de dados.
Em 2004, quando já estava no Humaitá II, a Unesco resolveu fazer um
concurso formado por três pilares chamados de diálogo, intercâmbio e diálogo
intercultural. O primeiro pilar é o concurso entre escolas que dura dois anos, eles
começam no meio do ano, e são mais de duas mil e quinhentas crianças inscritas,
com 126 escolas:
Na primeira versão, nós fomos o único Colégio da América do Sul classificado
para essa final, lá em Barcelona. E aí eu fui com um dos meninos, que era o
embaixador do grupo”. (...) A dupla do Pedro II era a Bielorrússia. (...) Nós fomos
muito felizes com esse parceiro, (...) os nossos meninos tiveram uma afinidade
146
A funcionária forma com a coordenadora do 9º ano uma das equipes do setor. O Laboratório do
HII tem duas equipes, uma dos dias pares e outra dos dias ímpares.
147
O CPII iniciou-se na Informática em 1982, através do Projeto Educon, da Secretaria Especial de
Informática da Presidência da República (SEI), foi privilegiado com a única vaga destinada a uma
instituição de ensino federal (Almanaque Histórico, 2007). A funcionária declarou que o CPII,
“era a única escola que estava começando a ter computadores. (...) As escolas estaduais não
tinham absolutamente qualquer trabalho porque não tinham computadores. Nenhum outro tipo de
escola pública tinha isso. E o Colégio Pedro II abriu esse centro com cinco computadores, dos
quais três eram em comodato. Era praticamente sucata de outros lugares”.
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O processo ensino-aprendizagem
118
norme. (...) Porque a gente recebe um guia do bom diálogo dos organizadores, um
guia de atividades de como é que a gente pode fazer para que surjam
determinadas questões que possam aproximar as pessoas. Que eles possam refletir
sobre a paz no mundo, o que é preciso para a paz no mundo, a questão de ética, os
valores, como são diferentes no lugar do outro, culturalmente, como é que a gente
vai conviver com pessoas dessa cultura tão diferente.
O projeto da Unesco já está na 3ª versão, o Setor de Informática tem por
norma escolher alunos que estão no 9º ano e na 1ª série do EM, fazendo uma mistura
de várias turmas. Os professores indicam a quantidade que eles quiserem, a
entrevistada observa que é muito interessante porque “dá uma misturadinha de faixa
etária diferente, com hábitos diferentes, com coisas diferentes”. As atividades do
projeto são fora do horário da aula, é uma atividade extra. Os pais são avisados
através de uma carta-convite, é uma opção dos alunos quererem ficar ou não. Acentua
que eles ficam e à medida que vão fazendo a dinâmica, vão se entusiasmando:
E o que mais empolga é quando eles percebem que o que eles aprenderam aqui,
dentre outras coisas, de língua estrangeira, é imediatamente aplicável. (...) Os
meninos ficam empolgadíssimos quando começam, na inscrição, a entrar em
contato com meninos do mundo todo, meninos da Croácia, meninos do Egito.
A funcionária esclareceu o trabalho de inclusão que o setor se empenha em
realizar com os que não possuem computador em casa ou que subutilizam os
equipamentos, usando basicamente para troca de comunicação simultânea e jogos.
“Se a gente pedir uma outra coisa diferente disso, eles não sabem fazer”: mandar
um anexo de trabalho, fazer provas, fazer inscrição do Enem, inscrição do
vestibular, usar Word, Excel, PowerPoint... O setor incentiva que o aluno faça seu
trabalho de casa no laboratório, ensina que ele tem que colocar fonte, “que sem
fonte aquilo é uma cópia, o professor não tem que aceitar”. Ensina a desenvolver
pesquisa, formular um projetinho. Enfatizou também o fato dela e da outra
responsável pelo laboratório, que trabalham três dias na semana, ficarem de olho
para perceber aqueles meninos carentes que não têm computador em casa.
Estimulam que frequentem o laboratório, o máximo possível, nos horários que
eles não estão em aula:
A gente arranja sempre um cantinho, um buraquinho para encaixar. E a gente
sabe que nós temos alunos de classe média, classe média alta, mas a gente tem
alunos também carentes. E aí, pra que eles não fiquem diferentes dos outros, a
gente faz uma vista grossa, sim, com relação ao uso de correio eletrônico, para ver
blog, para que ele fique igual aos outros, (...) se não ele fica um peixe fora d’água.
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O processo ensino-aprendizagem
119
Apesar da administração da rede do Colégio reclamar “que só usam para
ficar navegando em You Tube, em páginas de Orkut, Orkut é até bloqueado”,
ressalta que “têm que arrumar um espaço para que esses meninos possam ver o
que é”. Preocupa-se com a possibilidade de um grupo de alunos estar falando
sobre uma coisa que está no You Tube e aquele que não tem ficar à margem.
“Então a gente faz muita questão de ficar de olho, de olho mesmo”.
Percebemos na preocupação desta funcionária, em colocar recursos à
disposição de alunos para que eles supram a falta de conhecimento e informações
específicos, que são valorizados pela escola, pela rede social que ela mantém,
uma clara intenção de colaborar com seu desempenho educacional. Para Pierre
Bourdieu (1998), a aprendizagem dos conteúdos e códigos escolares será mais
facilitada para aqueles alunos que detêm (porque herdaram através da dinâmica
familiar) os conhecimentos e referências culturais apropriados, isto é, uma cultura
familiar próxima do arbitrário cultural identificado pela escola como cultura
legítima. Podemos dizer que o incentivo para que os alunos que não têm acesso à
Informática usem o laboratório, disponibilizando-o, sempre que possível,
caracteriza-se como uma ação que contribui para a democratização do ensino, na
medida em que facilita aqueles desprovidos de determinado capital cultural, a
posse de conhecimentos e informações específicas, sem os quais, poderiam limitar
sua escolaridade.
E, conforme atesta Bressoux (2003), quando discorre sobre a expansão
das pesquisas sobre o efeito-escola: a escola não somente revela as desigualdades
sociais do sucesso escolar, em função de seu peso específico pode “melhorar as
aquisições de um grande número de alunos, em particular daqueles originários das
classes sociais desfavorecidas” (p.20).
Paralelo a estas atividades com os estudantes, há “um trabalho de
formiguinha”, de capacitação de professores, para que utilizem cada vez mais o
computador em suas aulas. Fazem um trabalho de sensibilização, mostrando para
eles, efetivamente, como é que funciona, para tirar o medo deles. “E a gente
conseguiu levar professores que já estão na casa há mais de trinta anos, que
nunca tinham pisado no laboratório. Quem procura bastante, são as equipes de
Língua Estrangeira e de Música”.
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120
Alunos no Laboratório de Informática da Unidade Humaitá II
Fonte: Arquivos da coordenação de Língua Portuguesa da Unidade Humaitá II,
outubro de 2008.
Quando comento que achei o Laboratório bem grande e com muitos
computadores, ela explica que há razoável doação de equipamentos, por parte dos
professores e dos pais. Mas não crê que o bom trabalho do setor advenha do número
de computadores, mas do trabalho de sensibilização que é feito junto aos professores.
Apesar dessa disponibilidade para a capacitação dos professores, relatada
pela funcionária, um dos professores entrevistado, que está no magistério desde
1962, não vê possibilidade de incorporar a Informática nas suas aulas.
Eu tenho uma deficiência. Eu não domino a informática. (...) A Internet hoje
tem informações fabulosas. Mas, talvez por causa da idade... Os professores,
hoje, mais novos, podem entrar. Eles entram com informações sobre a Internet
que eu acho que uma determinada categoria de aluno gosta. Mas não sei... é
uma deficiência que eu tenho. Se tivesse que começar hoje o magistério, eu
poderia avançar. Eu sinto falta da informática, eu não domino
148
.
Uma outra professora entrevistada declarou ser da geração dos que ficam
tentando aprender a usar, “a instrumentalizar a Informática na aula”. Mas fez
uma crítica: “O Colégio ainda não está facilitando muito esse aprendizado. Ainda
está vindo muito do próprio professor. (...) Há um tempo atrás, teria havido um
148
Mesmo quando argumentei que percebera uma disponibilidade muito grande do Setor (mostrar
o caminho das pedras) para com os professores que quisessem utilizar o Laboratório, ele fez
questão de frisar seus limites: “Veja bem, essa é uma insuficiência minha, eu não domino a
Informática. E vejo colegas o tempo todo trabalhando com Informática. (...) Eu vejo, hoje em dia,
umas técnicas de data show, coisa e tal. Eu não domino nada disso”. Por fim, acabou
argumentando que qualquer coisa que se tentar avançar de novo nas escolas brasileiras, se fará
aquilo sozinho. Apesar de ter aprendido que ditica é aumentar sua produtividade de trabalho, ali
[no Humaitá II] é aumentar o seu trabalho. “Então essa novidade pode ser teoricamente
poupadora de trabalho, mas na prática não é”.
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121
movimento para que o professor aprendesse, mas que não cresceu”. Esclarece
que tece críticas porque tem que “modernizar muito e tem que democratizar mais
esse acesso. Nós precisamos ainda de mais preparo”.
Segundo os depoimentos dos parágrafos anteriores, apesar de
sensibilizados, os professores estão carecendo de apoio para dominarem os
recursos da Informática. De qualquer forma, destaca-se o trabalho de inclusão
digital realizado com os alunos no Laboratório do HII. A entrevistada diz que não
tem como achar todas as agulhas no palheiro, mas dá exemplos de meninos que
não estão mais na escola e que tiveram a oportunidade de começar ali. Temos,
abaixo, um relato deste trabalho, que traduz o compromisso enfatizado pela
funcionária entrevistada:
Tinha uma menina, que veio de uma escola pública, do estado, passou na
quinta série, ficou aqui na escola. A gente descobriu que morava na Rocinha,
uma família paupérrima. A família voltou para o Nordeste. A menina continuou
pedindo, pelo amor de Deus, para os pais, para continuar aqui na escola. Ela
já estava nos dois últimos anos, passava a tarde toda e estudava à noite, ficava
a tarde toda conosco lá. Ela aprendeu editor de texto, aprendeu PowerPoint.
(...) Ela se esmerou tanto, caprichou tanto, que hoje ela trabalha com
produção de vídeo, de som. Ela começou fazendo, começou a trabalhar com
isso antes de entrar na PUC, pois, agora, ela está na PUC, através do ProUni.
Ela está fazendo Comunicação.
3.6
A sala de aula
Escreve aí, não há, no Rio de Janeiro, melhor Colégio que o Pedro II.
(08/11/2007 – Aluna do 9º ano durante a observação da aula de Geografia da sua turma)
Na observação de aulas do 9º ano, procurou-se abranger o maior número
possível de disciplinas em diferentes turmas. O 9º ano da Unidade Humaitá II
possuía, em 2007, 174 alunos organizados em seis turmas (três turmas em cada
turno) e uma grade curricular com 11 disciplinas. Foram observadas oito aulas de
seis disciplinas diferentes
149
em cinco turmas. Nosso foco era o clima escolar e
certamente não se pretendeu dar conta da multiplicidade dos aspectos presentes no
cotidiano das salas de aula.
149
Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História, Música e Inglês.
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122
Em sua síntese sobre as pesquisas referentes ao efeito-escola e ao efeito-
professor, com referências principalmente anglo-saxãs, Bressoux (2003) postulou a
detectação de fatores que pudessem explicar as variações das aquisições dos alunos
em função da escola ou da sala de aula em que são escolarizados. O autor considerou
que havia trabalhos suficientes colocando em relação os comportamentos dos
professores com as aquisições dos alunos para a aceitação da idéia de que “o efeito
sala de aula advém em grande parte do efeito-professor” (p.27).
Atentei na observação das aulas, para as características de clima, indicadas
pela literatura, como favoráveis ao sucesso escolar
150
, foram observados e
anotados aspectos relativos à organização e disciplina na sala de aula, ao interesse
dos professores (expectativas e objetivos) pelo trabalho dos alunos e à qualidade
das interações entre os alunos e entre os professores e a turma. Sem perder de
vista que as salas de aula não são vistas como uma identidade isolada, mas como
uma parte do sistema que as engloba. Assim, o funcionamento da sala é afetado
pelo funcionamento da escola que é vista como uma unidade (idem, 2003).
As aulas assistidas tiveram a duração de uma hora e meia, o que
corresponde a dois tempos de aula na organização do horário da Unidade Humaitá
II. Foi necessária a negociação de cada observação com os professores, pessoal e
individualmente. Paulatinamente, a cada dia que chegava a Unidade, durante o
período exploratório, procurava ir conhecendo os espaços coletivos do HII (pátio
central, entrada e saída dos alunos, pátios menores, corredores, etc.) e investia na
aproximação com professores, coordenadores e funcionários, presenciando e
mantendo conversas informais.
Dois meses após minha chegada à Unidade, assisti à primeira aula do 9º
ano. Nesse ínterim, procurava também conhecer outros agentes escolares
151
. Sei
que essas apresentações e conhecimentos se constituem em uma etapa que dura
150
Vários autores (alguns citados por Bressoux, Brunet e Cunha) se reportam às características do
clima favoráveis ao sucesso escolar. Para fim de observação nas salas de aula, destacamos: a
harmonia nas relações interpessoais (Comer, 1980; Eller & Walberg, 1979; Gamoran et al.
2000; Phi Delta Kappan, 1980 e Purkey & Smith, 1983), prazer de ensinar (Commer, 1980 e
Weber 1971), uma boa comunicação (Silverman, 1970), objetivos bem definidos e expectativas
dos professores (Aguerre, 2004; Eller & Walberg, 1979; Gomes, 2005; Good, 1987; Lee &
Burkam, 2003; Phi Delta Kappan, 1980; Purkey & Smith, 1983; Teddlie et al, 1989 e Weber,
1971) e organização e disciplina (Edmonds, 1979; Hallinger & Murphy, 1986; Purkey & Smith,
1983; Rutter et al. 1979 e Teddlie et al. 1989).
151
A coordenadora do 9º ano, os 11 coordenadores de disciplina que atuavam com esta série, os
inspetores, o pessoal dos recursos humanos, o pessoal da secretaria, setor de informática, pessoal
da limpeza, guardas terceirizados, chefes da disciplina do 1º turno, bibliotecária do 1º turno, outros
assessores e adjuntos que trabalhavam próximos a direção, etc.
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123
todo o tempo da pesquisa, minha preocupação maior era que pessoas que
começassem a me ver duas ou três vezes por semana, soubessem o que eu fazia na
escola.
Durante este período, percebi que, numa escala de participação na
investigação, numa escolha entre minha presença em sala de aula e conceder-me
uma entrevista, seria mais tranquila a aceitação por parte dos professores do 9º
ano, de uma observação de aula em suas salas. E, de fato, todos os professores que
foram abordados aceitaram prontamente a presença do pesquisador em suas
turmas. Um deles, inclusive, deixou bem claro: “É a primeira vez que deixo isso
acontecer”!
Trata-se de uma peculiaridade deste corpo docente, que divergiu da
experiência relatada por Carvalho (1999) sobre a pesquisa empírica que realizou
numa escola primária: “A sala de aula parece ser um recesso quase inviolável para
a maioria dos professores, constituindo-se um espaço considerado particular que
eles não desejam partilhar com outros adultos” (p.100). A pronta aquiescência dos
professores do 9º ano do HII, em relação à pesquisa, representa uma singularidade
do grupo, principalmente porque não houve interferência/ajuda da direção da
Unidade ou da coordenação. Dois professores aceitaram, inclusive, que eu
entrasse nas suas turmas no mesmo dia em que fiz a solicitação. Isto demonstra,
pelo menos, certo nível de segurança e desprendimento, porque estes professores
não empreenderam nenhuma preparação especial no seu planejamento, nem junto
aos seus alunos, apesar da presença de um pesquisador nas suas salas. Além disso,
quatro dos oito professores, cujas aulas observei, quiseram imediatamente saber a
minha opinião. Tal atitude desprecavida se confirmou diante do posterior convite
feito e aceito por esses professores, para concederem uma entrevista.
Apresentarei um sucinto esboço dos professores que aceitaram minha
presença nas suas salas, no 2º semestre de 2007. Assisti a oito aulas, sendo que
duas dessas aulas eram atividades transdisciplinares (quatro disciplinas
envolvidas: História, Geografia, Língua Portuguesa e Música). Foi feito contato
com nove professores - sete mulheres e dois homens. Tratava-se de um grupo
experiente, sete tinham 50 anos ou mais e dois tinham entre 30 e 36 anos. Seis
eram professores efetivos do Colégio, dois, aprovados em concurso, estavam em
estágio probatório e um era professor com contrato temporário. Cinco possuíam o
mestrado como a mais alta titulação e um tinha especialização.
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124
As salas de aula do HII são de tamanho regular, suas turmas do 9º não têm
mais que 30 alunos. Para ser mais precisa, em 2007, possuíam 25, 26, 27, 28, 29 e
30 alunos
152
, respectivamente. Esta série fica bem acomodada, mas em cada sala
há apenas o mobiliário básico: mesas e cadeiras de madeira com estrutura de
ferro. A arrumação de todas as salas é em fileiras. Não encontramos estantes ou
armários, o quadro ainda é o de giz. Os murais não são muito sedutores, não
podemos dizer que o ambiente seja preparado de forma que atraia os alunos e
incentive a aprendizagem. Há lâmpadas fluorescentes e ventiladores no teto e,
como deve ser toda sala de aula, é arejada e com ótima luminosidade. Quem passa
pelos corredores pode visualizar o professor e parte das turmas porque todas as
portas das salas de aula possuem um retângulo com vidro na parte superior, uma
espécie de janelinha
153
. As salas do 9º ano e do 1º ano do Ensino Médio se
localizam, propositalmente, no mesmo corredor para facilitar uma convivência
dos mais novos com os mais velhos.
Dinâmica das aulas
Conforme explicitado no início desta seção, o objetivo primordial do
procedimento era investigar nas salas de aula as características do clima
favoráveis ao sucesso escolar. Deste modo, foram observados e anotados aspectos
relativos à organização e disciplina das salas de aula, às expectativas e ao
interesse dos professores pelo trabalho dos alunos e à qualidade das interações
entre professores e a turma.
Antes da abordagem desses itens, será feita uma contextualização da
dinâmica das aulas
154
; das oito aulas assistidas, apenas quatro se passaram
totalmente em salas de aula: Inglês, Matemática, História e Geografia. Na aula de
152
No CPII, as turmas do 1º turno recebem numeração ímpar e as do 2º turno têm numeração par.
No HII temos seis turmas do 9º ano, as da manhã são 901, 903 e 905 e as da tarde, 902, 904 e 906.
153
O 4º reitor do Colégio Pedro II, Barão de Pacheco, que dirigiu o Colégio de 1855 a 1872,
ordenou que se fechassem as aberturas, espécies de óculos com placas metálicas crivadas
existentes nas portas das salas de aula e dormitórios onde os alunos podiam ser vistos, sem o
perceberem. Suprimiu também os castigos corporais, entre eles, a palmatória (Leão de Aquino em
esboço biográfico sobre Dr. Manoel Pacheco da Silva escrito especialmente para o Anuário n.º 9
do Colégio Pedro II).
154
Ao tomar a sala de aula como foco de pesquisa, com o objetivo de compreender o seu
funcionamento cotidiano, estamos constituindo o cotidiano como fato social, e, segundo Sirota
(1994), “constituir o cotidiano em fato social é atribuir ao detalhe de cada instante, à banalidade, à
repetitividade de todos os dias, o sentido e a força dos grandes eventos que cristalizam os pontos
de inflexão dos itinerários sociais” (p.10).
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125
Inglês, após a correção de exercícios, os alunos trabalharam com o livro,
primeiramente em duplas, fazendo orações com pronomes relativos e, como
terceira atividade do dia, fizeram a interpretação de uma poesia, também do livro.
O tempo da aula de Matemática foi todo dedicado à correção de dez exercícios de
geometria plana - áreas de regiões poligonais. Na aula de História, os alunos,
organizados em grupos, trabalharam com jogos que eles próprios tinham
construído com o tema África – Colonização até os dias atuais. Apenas a aula de
Geografia foi dada através de uma exposição oral sobre o México.
Ao longo dessas quatro aulas, os professores não sentaram em nenhum
momento, dois deles se movimentavam constantemente entre as carteiras. Os
recursos utilizados foram folhas digitadas de exercício, apostilas, livro, jogos e
mapas geográficos, os alunos não copiaram tarefas do quadro de giz. A dinâmica
dessas aulas nos remete a um estudo patrocinado pela Unesco, em 2003,
comparando escolas do Chile, Cuba e Brasil, que indicou diferenças significativas
nas salas de aula dos três países. Uma dessas diferenças apontou que os estudantes
brasileiros gastam um tempo expressivamente maior do que os chilenos copiando
instruções, já que poucas escolas brasileiras usavam atividades preparadas,
recurso muito comum no Chile e em Cuba (Sá Earp, 2007). As aulas observadas
contrariaram os resultados do estudo, no que tange à diferença relatada.
Registraram-se atrasos de alunos no início de duas aulas: a aula de História
iniciava às 13h, e, na turma que possuía 28 alunos, às 13h08min só havia 8
alunos presentes, às 13h15min chegaram mais cinco alunas. Também na aula de
Geografia, após o recreio e última do dia, os alunos foram chegando aos poucos.
Iniciava-se às 16h, mas às 16h36min havia nove alunos na sala. O professor ficou
na porta esperando, às 16h40min já havia 20 alunos (a turma tinha 29 alunos) e a
aula começou com muito barulho no corredor.
Este tipo de interferência de acontecimentos externos às turmas, como
barulho no corredor, ocorreu em três aulas: Geografia, Matemática e Inglês
155
.
155
Em duas delas tratava-se de aulas nos dois últimos tempos da tarde. No caso de Geografia, o
barulho se deu na volta do recreio, e no caso de Matemática, o barulho começou dez minutos antes
de bater o sinal da saída, devido a alunos de outras turmas liberados antes do horário. A aula de
Inglês, por ocupar, nas quartas-feiras, o segundo e terceiro tempos da manhã, expunha a turma à
movimentação que acontecia ao final do segundo tempo. Trata-se de uma exceção, pois o horário
do 9º ano é organizado com as disciplinas ocupando dois tempos seguidos, e como cada dia tem
seis tempos de aula, há uma espécie de intervalo quando termina a segunda aula do dia, quando é
tocado o sinal de 8h30min, avisando que o 2º tempo terminou, começando um pouco de barulho
no corredor.
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126
Quanto às aulas que aconteceram em outros espaços, tivemos a aula de
Música,
a aula de Língua Portuguesa que foi dada no Laboratório de Informática e as duas
aulas transdisciplinares, onde os alunos apresentaram trabalho em grupos
156
,
realizaram-se na Sala de Audiovisual.
Alguns aspectos dessas atividades – aula no laboratório de Informática,
aulas transdisciplinares e aula de Música - foram analisados nas seções
anteriores
157
. Conforme acontecera nas salas de aula, os professores também não
sentaram durante todas as atividades, exceto nas aulas transdisciplinares, onde os
grupos de alunos apresentaram seus trabalhos e as professoras ficaram nas últimas
cadeiras da sala.
Comparativamente com as quatro aulas que aconteceram nas próprias salas
de aula, estas não tiveram nenhuma espécie de interrupção, talvez porque não
ficassem próximas aos corredores onde se localizam as salas de aula.
Estudantes atrasados no horário da entrada e na volta do recreio,
juntamente com anúncios da direção ou outro setor da escola, são fatores que
interferem diretamente sobre o trabalho docente, embora o professor não tenha
autonomia para administrá-los (Pedrosa, 2007)
158
. Não houve interrupção das
aulas devido a avisos da direção/ coordenação ou solicitações de outros discentes.
Como os casos de atrasos e barulho no corredor aconteceram apenas em três aulas
das oito observadas, não consideramos que sejam problemas típicos do cotidiano
escolar que interfiram no andamento das aulas que apresentaram um bom clima
acadêmico
159
.
As salas do HII, utilizadas para as últimas atividades relatadas, eram
espaçosas, bem conservadas e equipadas para os fins a que se destinavam. Nas
diversas atividades escolares observadas: aula de Informática, apresentações do
156
Os alunos estavam trabalhando com o livro e com o filme “Morte e Vida
Severina” (ver subitem 1.2.2).
157
Nos subitens 3.2, 3.3 e 3.4.
158
Em sua pesquisa, Pedrosa supunha que a escola possui um bom clima acadêmico se, apesar dos
problemas típicos do cotidiano escolar, conseguir ter como prioridade a qualidade dos serviços
escolares e, mais especificamente, a ênfase no ensino e aprendizagem. Deste modo, o clima
acadêmico da escola e da sala de aula, “pode ser entendido como a prevalência do ensino sobre os
demais objetivos que a escola possui” (p.18).
159
O clima acadêmico é um conceito utilizado em avaliação de sistemas escolares e se relaciona ao
caráter mais específico do processo ensino-aprendizagem. Na pesquisa de Pedrosa (2007) são
apresentadas cinco dimensões do clima acadêmico: colaboração docente, uso do tempo, clima
disciplinar, recursos didáticos e expectativas do professor em relação ao aluno.
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127
Seminário Machado de Assis, atividades do Grupo Fazendo Arte, aula de Música,
aula de Geografia e aulas transdisciplinares, constatamos o uso de recursos
pedagógicos e didáticos. Nestas últimas, para interpretar e analisar a forma e
contexto das canções, os grupos utilizaram cartazes com as letras das músicas,
folhas ofício com essas mesmas letras digitadas, retro projetor, CDs e aparelho de
som. Percebia-se que os estudantes estavam habituados a trabalhar nestes
ambientes (Sala de Música, Laboratório de Informática e Sala de Áudio-visual)
porque se mostraram familiarizados com os computadores, recursos de mídia
audiovisual e com os instrumentos musicais.
Apesar de o espaço físico ser pouco citado nos estudos sobre clima
escolar
160
, entendemos que não apenas o espaço físico, mas os recursos escolares
em geral (infraestrutura, adequação do espaço físico, recursos financeiros e
pedagógicos) são aspectos que devem ser levados em conta nos processos de
constituição das identidades institucionais. Sem esquecermos, obviamente, que
apenas a existência dos recursos escolares não representa uma condição suficiente
para que eles façam a diferença.
Se as condições das redes de ensino dos países desenvolvidos asseguram
que os recursos escolares não são fatores determinantes para a análise do
desempenho dos alunos, para as pesquisas nacionais
161
importam as referências à
questão da infraestrutura das escolas (Soares et al., 2002). Segundo Franco &
Bonamino (2004), a literatura nacional recente sobre as características das escolas
eficazes
162
demarca que no Brasil os equipamentos (conservados e usados de
modo coerente) e o prédio escolar importam na análise da eficácia e equidade
escolar.
160
Tagiuri (cuja taxinomia foi adotada por Anderson, 1982) define o clima como um conceito que
reúne o conjunto das características do ambiente de uma organização e cita a “ecologia” como uma
das dimensões de um ambiente. A ecologia se refere aos aspectos materiais da escola: tamanho,
equipamentos, decoração dos locais, limpeza, manutenção e número de alunos por sala. Bressoux
(2003) se coloca contrário à adoção desta dimensão porque considera que é o sistema social de
relações entre indivíduos e a cultura da escola que se tenta definir pela noção de clima.
161
Ver também Albernaz, A., Ferreira, F. e Franco, C. (2002), em investigação da contribuição de
diferentes variáveis escolares, onde foi apontado que as diferenças na quantidade e qualidade dos
insumos escolares ainda respondem por uma parcela significativa da diferença de desempenho
entre as escolas brasileiras.
162
Espósito, Davis e Nunes, 2000; Franco, Albernaz e Ortigão, 2002; Franco, Sztajn e Ortigão,
2004; Lee, Franco e Albernaz, 2004; Soares, Mambrini, Pereira e Alves, 2001.
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128
Organização e disciplina nas salas de aula
163
Começamos pela organização e disciplina porque foi o aspecto que mais se
sobressaiu durante as observações das aulas. Bressoux (2003) assinala que “os
fatores associados ao desempenho das escolas são, em parte, aqueles associados
ao desempenho das salas de aula” (p.50).
Tendo conhecido o dia a dia das séries finais do Ensino Fundamental
apenas como aluna, esperava, devido a alguns relatos de professores, encontrar,
em classes do 9º ano, alunos muito agitados e um tanto indisciplinados. Encontrei
turmas calmas, regidas por professores que, cada um a seu jeito, mantinham o
domínio das classes. Observei que os alunos se distribuíam pelas carteiras de
acordo com suas preferências, suas escolhas não eram limitadas pelos professores,
de modo que, dentre as seis fileiras de carteiras, algumas ficavam com cinco
alunos e outras com apenas um. Havia grupos dispersos que não conseguiam ficar
o tempo todo ligados nas atividades, mas não tinham atitudes desafiadoras nem
impediam o andamento das aulas. Reproduzo anotações do meu caderno de
campo para caracterizar alguns destaques no modo de proceder dos docentes para
manterem a disciplina
164
:
O professor (A) dava aula para as seis turmas do 9º ano e sabia o nome de
todos os alunos. Não se sentava, andava um pouco pela classe, jamais levantava a
voz, não falava muito, arregalava os olhos e fazia algumas intervenções certeiras -
sem stress. Suas intervenções sempre traziam o resultado esperado, que era a
finalização da brincadeira, conversa ou desatenção:
Começa a correção, um aluno está virado para trás, conversando com uma
menina (Celina). O professor pede a uma aluna que leia a primeira frase que
escreveu e a coloca no quadro, faz o mesmo com uma frase de outro aluno:
Pera aí que a Celina está atrapalhando a gente e nem sabe que eu estou
falando com ela. Celina começa a prestar atenção
.
O professor continua de pé, observando a turma trabalhar. Duas meninas
conversam, ele pergunta o que elas fizeram. Fernanda jura que fez a primeira
questão. Repentinamente ele se volta para um conversador que só fica virado
para trás: Não é, Ronaldo? Nesta hora o aluno abre o livro
.
163
Na síntese desenvolvida por Bressoux (op.cit.), são citados alguns autores que elegem o clima
disciplinar como um dos fatores associados aos melhores desempenhos (Edmonds, 1979; Hallinger
et Murphy, 1986; Teddlie et al. 1989; Rutter et al., 1979 e Purkey et Smith, 1983).
164
Alguns professores receberam identificação alfabética e os alunos envolvidos nas situações
receberam nomes fictícios.
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129
Enquanto escrevia no quadro as frases que alguns alunos iam falando: Repete
que o Fábio não está permitindo que eu escute. E, dirigindo-se ao aluno,
pergunta se é um ectoplasma que está presente. O aluno sorri
.
Terminada a correção, o professor avisa que farão um trabalho em duplas,
manda abrir o livro em determinada página e fazer cinco orações usando o
pronome relativo. A turma se organiza em duplas sem nenhum tumulto, eles
escolhem as duplas com que trabalharão, só fizeram quatro duplas mistas.
O professor caminha pela sala tirando dúvidas. A turma trabalha muito bem, as
conversas nas duplas são em tom baixo. Parecem nem terem dado conta da
minha presença, só uns três me olharam furtivamente e sorriram com os olhos.
O professor continua caminhando pela sala, verificando as frases que os alunos
estão fazendo. Como o barulho do corredor aumenta, ele vai até a porta da sala
e fala algo com os inspetores que estão na mesa do corredor.
Discorrendo sobre os fatores explicativos dos efeitos sala de aula e efeito-
professor, Bressoux (2003) explicita que o professor deve olhar de perto o
trabalho dos alunos, circulando pela sala e dando explicações rápidas àqueles que
precisarem. Ao circular pela sala, enquanto a turma realizava o exercício
pedido
165
, o professor (A) mantinha os alunos envolvidos na tarefa. Ademais, os
alunos sabiam exatamente o que fazer durante o exercício e havia certa rotina
instalada na sala (por exemplo, maneira de solicitar o professor). Enfim, apenas
após a correção desta tarefa, o professor passou para a terceira e última atividade
da aula, que era um exercício de compreensão de uma poesia do livro.
Contrariamente ao professor anterior, a professora (B) é muito agitada e
não para de falar um só instante, numa só “tacada” reclama da paralisação prevista
para a semana seguinte
166
(avisa que dará aula normalmente), pergunta quem
faltou, pede para pegarem a folhinha e o caderno para corrigirem os exercícios e
manda prestar atenção. A cada exercício corrigido, pergunta, reiteradamente, se
alguém está com dúvida. “Todo mundo está entendendo? A turma sempre
dizendo: “Hum, hum”.
O quadro de giz vai ficando cheio com a correção, nada escapa a
professora. Um aluno fala para outro: “Para de comer, cara”! E a professora, que
não deixa passar nada: “Deixa ele comer, eu quero que preste atenção, comer é
165
Fazer cinco orações usando o pronome relativo, sendo que uma delas deveria ter um pronome
relativo que pudesse ser omitido.
166
Conforme aviso colocado num dos murais da sala dos professores, haveria uma marcha a
Brasília na semana seguinte, no dia 24/10/07 (4ªf). A assembleia dirigida pelo Sindscope
(Sindicato dos Servidores do Colégio Pedro II) deliberara por paralisação de três dias: 23, 24 e
25/10/07.
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130
outro departamento”. Em seguida, começa a desenhar no quadro, um aluno ri
alto, ela retruca imediatamente: “Conta pra gente, pra gente rir também”. E num
outro momento: “Olha só! Para! Para”! A conversa cessa. Só dois alunos ficam
conversando e ela vê: “Olha, não vou mandar mais calar a boca”! Os dois param
imediatamente. Ao longo da aula, continua a reclamar da paralisação e um aluno
pergunta:
- Só você que vai dar aula?
- Não, outros vão dar aula. Segunda–feira eu vou dar [nome do conteúdo],
quarta-feira eu vou dar [nome do conteúdo]. Não tem sentido isto, o pessoal
quer ir a Brasília, vai. Tá no final do ano, chegando as provas.
- Dá aula o dia todo!
E, quase no final da aula, alguém pergunta:
- Quanto tempo falta para bater o sinal?
- Dez minutos.
- Viu? Dez minutos e a gente não consegue dar aula. Absurdo! Fico
imaginando o que a inspetora [nome da inspetora] está fazendo que não para
com o barulho do corredor – exclama a professora.
Vai até a porta e manda os alunos que estavam no corredor conversarem em
outro lugar.
Chegou a bater com o apagador na mesa e, em outro momento: “Não vou
mandar ninguém prestar atenção, vou mandar sair da sala”. Não registrei
nenhuma ocasião de silêncio total, a metade da turma chegava a ficar dispersa,
principalmente, quando ela dava explicações individuais ou para pequenos
grupos. Presenciei duas cenas que passaram despercebidas à professora. Dois
alunos, sentados no final da sala, trocaram de tênis, um outro ficou atiçando (em
voz baixa) colegas que estavam sentados a alguns metros e, por um momento,
presenciei certa troca de impropérios. O mentor das desavenças chamou um para a
briga, que respondeu, tenso: “Lá fora”. Fiquei temerosa pelo que poderia
acontecer, mas logo depois o “desafiado” se pôs a rir e fiquei imaginando que era
apenas uma espécie de jogo entre eles.
Teixeira Lopes (1997) argumenta que os afetos e vivências territorializam
o espaço, que se transforma num campo semântico aberto a várias leituras e
linguagens que são relacionadas com a ação social dos agentes. Para estudar “as
representações através das quais os discentes urbanos leem, organizam e
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131
reproduzem/transformam o espaço escolar”
167
(p.102), utiliza a terminologia de
regiões frontais (salas de aula, corredores, pátios, cantina, refeitório, etc.) e
regiões de retaguarda (lugares menos visíveis e expostos ao controle social
permitindo comportamentos tidos como inadequados para as regiões frontais
recantos, áreas mais afastadas dos locais de circulação, etc.). Na aula relatada,
observamos, tal como aconteceu na investigação do autor, o fenômeno de
fragmentação interna de uma região. Por um momento curto, criou-se na aula uma
micro região de retaguarda dentro de uma região frontal. Nesse instante, alunos
trocaram seus tênis e outros simularam ou contornaram o início de uma briga.
O fato é que no meio dessa relativa agitação, a professora (B) corrigiu dez
exercícios, fez várias perguntas sobre o conteúdo para toda a turma, e, algumas
vezes, repetia a mesma questão. Só passava para a correção do exercício seguinte
depois de assegurar-se de que não havia dúvidas: “Todo mundo está
entendendo”? “Você está copiando”? “Quero saber se alguém tem alguma
dúvida”!
E, exceto por uma pergunta que foi respondida apenas por um aluno,
para todas as outras havia sempre um grupo respondendo e acertando, quando
não, metade da turma (ou mais) o fazia.
Ensinar em pequenas etapas, certificando-se se o conteúdo foi bem
compreendido pelos alunos, insistir sobre alguns pontos da matéria, não hesitar
em recorrer a uma certa redundância de informações quando julgar necessário são
iniciativas observadas durante a aula da professora (B) e que também são
demarcadas como características dos professores eficazes (Bressoux 2003).
Contudo, esta mesma professora entremeou, nas explicações que deu durante a
correção dos exercícios, comentários que poderiam perturbar o ritmo da aula
168
,
referiu-se três vezes à paralisação das aulas na semana seguinte, contou um caso
particular para um grupo (sobre seus sapatos) e fez o comentário abaixo, quando
um aluno inquiriu por que estudar determinado conteúdo:
167
Na seção sobre o cotidiano escolar em sua dimensão espacial, reportamo-nos a Teixeira Lopes
que ao investigar o espaço escolar cruzando a perspectiva interacionista de Goffman com as
reflexões teóricas de Giddens, recomenda apurado cuidado da definição do que numa escola
urbana, constitui “fachada” ou “bastidor”. Cita Giddens que não concorda com a simplificação
presente na associação que Goffman realiza entre “fachada/ocultação” e
“bastidores/desocultação. Para flexibilizar e complexificar o que denomina de rígidas fronteiras
impostas por Goffman, o autor trabalha com regiões frontais e regiões de retaguarda.
168
“Deve-se evitar as digressões, que perturbam o ritmo da lição e incitam o aluno a focalizar a sua
atenção em pontos que não são essenciais” (Bressoux, 2003).
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132
Aqui nessa escola tudo é possível e, graças a Deus, estou indo embora
169
. (...)
Decisão dos coordenadores, por isso que eu não sou mais nada, porque minha
língua não cabe dentro da boca. E eu era faladeira.
Similar a este, foi outro comentário, feito por ela mesma, na sala dos
professores, onde lembrava que, até o início da década de 90, os alunos
levantavam para o professor entrar. Esta professora começou a lecionar no
Colégio em 1982, passou por três direções no HII e lembra com saudades de um
determinado chefe de disciplina. Acha que hoje os alunos não estudam: “Já
tivemos filhos de deputados, tivemos quatro alunos aprovados para a UNICAMP
e para o IME”. E citava os nomes dos alunos aprovados. Nesta fala,
acrescentando-se ao que disse em sala: “graças a Deus, estou indo embora”,
encontramos aspectos descritos por Huberman (1992) sobre o momento do ciclo
de vida anterior ao desinvestimento, denominado de “conservadorismo e
lamentações”. Evidencia-se sua nostalgia do passado, certa rigidez e queixas em
relação à evolução negativa dos alunos, considera-os mais indisciplinados, menos
bem preparados, etc. Eu tinha ficado com uma ótima impressão dos seus alunos,
mas ela afirmou que era a sua pior turma.
Enfim, apesar de algumas falas intimidatórias por parte da professora e a
despeito dos alunos obedecerem quando ela se exaltava, não percebi temor por
parte deles, que chegavam a rir das suas “tiradas”. Um aluno chegou a sugerir que
ela desse aula o dia todo e não foi rechaçado pela turma, cujo comportamento foi
similar ao da turma do professor (A).
Esses dois exemplos seriam os extremos das dinâmicas referentes à
disciplina implementadas pelos professores observados. Alguns detectavam mais
as distrações e faziam mais intervenções que outros. As turmas apresentaram
participação e comportamento melhor nas aulas dadas fora das suas salas, com
exceção para a aula de História, que aconteceu na sala de aula, mas teve uma
proposta diferente
170
. Denomino de comportamento melhor uma boa concentração
nas tarefas, com poucas conversas. Contudo, deve-se frisar que, mesmo nas salas
de aula, apesar de os alunos se dispersarem em alguns momentos, a maior parte
169
Depois vim a saber que a professora estaria se aposentando no final de 2007.
170
Cada grupo deveria decidir se o jogo do outro grupo era viável. Enquanto a professora
explicava a dinâmica da aula, os grupos foram se ajeitando: havia um menino sentado sozinho,
próximo à janela uma dupla sem fazer nada, um aluno ouvindo música, cinco meninos de pé, etc.
A professora chama atenção, a turma demorou um pouco a chegar e a se organizar, mas, durante a
atividade, o comportamento foi excelente.
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133
das turmas desenvolvia os trabalhos propostos, mesmo que equivalessem à forma
escolar mais tradicional. Não houve momentos sérios de indisciplina, desrespeito
ou rebeldia, que demandassem de algum professor esforço maior para resolver a
situação. O que não significa que o Colégio não enfrente estes problemas. Tomei
ciência de alguns deles, numa conversa informal com a coordenadora do 9º ano de
2008
171
.
Em 2004, 17 professores da 8ª série da Unidade Humaitá responderam ao
questionário do survey/SOCED. Comparativamente com as outras oito escolas
que participaram da pesquisa, o HII foi a segunda escola (após uma das escolas
alternativas) onde os professores consideraram os alunos mais agitados. Em
contrapartida, foi a escola com o menor percentual de professores (18%) que
considerava seus alunos arrogantes. De fato, também em 2007, não presenciei
nenhuma atitude arrogante por parte dos alunos, mas também não os achei muito
agitados.
Expectativas e objetivos dos professores assentados no prazer de ensinar
O clássico trabalho de Rosenthal e Jacob (1968) sobre o efeito
Pigmaleão
172
ensejou diversas pesquisas sobre as expectativas dos professores em
relação às competências de seus alunos. As investigações que tentaram repetir a
pesquisa, induzindo as expectativas particulares nos professores, geralmente, não
confirmaram os resultados. Já os trabalhos que se propuseram a estudar as
expectativas construídas pelos professores no cotidiano, embora tenham tido
resultados por vezes contraditórios, deram por certa a influência das expectativas
dos professores sobre as aquisições de seus alunos (Bressoux, 2003).
As expectativas dos integrantes do HII em relação aos alunos foram
expressas em diversos momentos: conversas informais, entrevistas, discursos na
171
A conversa com a coordenadora do 9º ano ocorreu durante a aula no Laboratório de Informática
e foi reveladora porque ela citou alguns casos de indisciplina que considerava muito sérios. Como,
por exemplo, atos de vandalismo na sala de Informática, onde um computador queimara porque
tiraram o fio de força (chegaram a descobrir o aluno que fez isso), ou de uma aluna do 9º ano que
jogara uma bala na professora e que fora entregue pelos colegas porque algo ia ser feito com a
turma toda. Citou também o caso de uma turma que queimara um ventilador e de um menino que
roubava.
172
Para os autores, as expectativas funcionariam como uma profecia autorrealizadora (self
fullfiling prophecy) – expressão de Merton.
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134
formatura, reuniões de pais, etc. Nesta seção, trataremos apenas das expectativas
dos professores manifestadas em situações de sala de aula.
Nos próximos exemplos vemos, respectivamente, o uso de elogio logo em
seguida a uma resposta exata e o uso do elogio relacionado com um sucesso
anterior da aluna:
O professor explica as expressões de cada estrofe, outro aluno acerta o
significado de uma e é elogiado, o professor diz que este aluno “desde o
primeiro dia de aula usa técnica de leitura”.
Na sua caminhada pela sala, elogia as respostas de uma menina e diz que ela já
tirou 10, ela vibra e bate com a mão espalmada na mão dele como se fossem
camaradas, ele faz de conta que doeu e ela adora.
O primeiro elogio não foi uma simples aquiescência, como “bom” ou
“correto”, e o segundo não foi relacionado à qualidade de outros alunos da classe
ou a outros fatores externos. O entusiasmo da aluna talvez se deva ao fato do
elogio ter ido ao encontro das suas capacidades pessoais, para Bressoux (2003),
estes são fatores da eficácia dos elogios
173
.
Para a aula da professora (C), a partir do tema África – Colonização até os
dias atuais, os alunos, organizados em grupos, confeccionaram jogos (jogo da
memória, tabuleiro, guerra fria, um dado gigante...). Cada grupo estava jogando
aquele que havia elaborado e, na sequência, brincava também com todos os
outros jogos feitos pelos outros grupos, pois os jogos já supervisionados pela
professora iam passando por cada grupo, que deveria avaliá-los.
No início da aula foi necessária uma explicação sobre a atividade, e, com
bastante paciência, a professora explanava os critérios de avaliação que os grupos
usariam: apresentação do trabalho (a professora chama jogo de trabalho),
conteúdos e dinâmica do jogo. Assim, cada grupo deveria decidir a viabilidade de
cada jogo.
A turma teve que pesquisar o tema e parecia motivada com o produto do
seu trabalho, que envolveu a transformação do assunto pesquisado em perguntas
com sentido e respostas coerentes, a escrita correta das mesmas e a elaboração de
173
Bressoux (2003) esclarece que a eficácia dos elogios (um dos tipos de feedback), enquanto
reforço, depende de três fatores: sua ocorrência (só têm efeito positivo se acontecem após a uma
resposta exata ou após a um comportamento desejável), sua frequência (não devem ser muito
frequentes) e sua qualidade (os alunos devem atribuí-los aos seus próprios esforços e capacidades
pessoais).
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O processo ensino-aprendizagem
135
um jogo onde se utilizasse as perguntas. Identificamos, nesta atividade, uma
mobilização por parte da professora para melhorar a aula e altas expectativas em
relação aos alunos, visto tratar-se de uma proposta criativa
174
e desafiadora.
O professor (D) relembrou o que tinha sido visto na aula passada e
anunciou o conteúdo do dia: México. A aula foi dada através de uma exposição
oral sobre a situação do país, enfocando as imensas favelas, a população carente,
a exploração indígena e a organização dos índios (propriedade coletiva). Falou
também sobre o fim da colonização da África negra. Não sentou em nenhum
momento, pendurou dois mapas (mapa político e mapa físico da América do
Norte) no quadro de giz e passou os dois tempos discorrendo sobre a matéria.
Seus comentários suscitavam interesse, principalmente porque ele os entremeava
com perguntas feitas para toda a turma. Tem uma maneira tradicional de lecionar,
já afirmara na sala dos professores que não é muito afeito às modernidades, mas
observei que consegue manter a turma interessada.
A maior parte dos alunos não conseguia acertar inteiramente as respostas,
o que não me espantava, porque estavam diante de um tema novo, mas não se
desmotivavam. Pareceu-me que recorriam a conhecimentos anteriores para
responder às perguntas, pois não respondiam qualquer coisa. Considero que o
professor estava usando o esquema de perguntas e respostas para incentivar o
raciocínio. Os erros constituíam-se em uma maneira de progredir porque levavam
a um reequilíbrio. Podemos avaliar que esta dinâmica expressa uma expectativa
do professor, porque ele ia dando uma espécie de feedback
175
para os alunos e os
levando à melhores aquisições. De forma geral, os estudos demonstram que
muitas perguntas feitas pelos professores, motivam os alunos a buscarem a
resposta certa.
Este professor correspondia aos dois elementos enfocados por Bressoux
(2003) para que as correções sejam eficazes. Fazia correções neutras, distinguindo
entre os alunos e suas respostas, não fazia da pessoa do aluno o objeto do
feedback, mas somente a validade da sua resposta. Além disso, dava um tempo
174
A pesquisa qualitativa empreendida pelo laboratório Latino-Americano para Avaliação da
Qualidade da Educação, realizada com escolas que apresentavam resultados expressivos em sete
países, destacou a relevância da brincadeira como meio de fazer da escola um lugar prazeroso
(Gomes 2005).
175
Bressoux (idem) argumenta que o feedback é um elemento fundamental do processo ensino e
aprendizagem e pontua dois tipos de feedback. O primeiro está relacionado aos elogios e às
críticas, cuja eficácia depende dos fatores explicitados na nota 69: ocorrência, frequência e
qualidade. O segundo tipo são as correções feitas aos alunos.
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O processo ensino-aprendizagem
136
suficientemente longo para que os alunos reformulassem as suas respostas, após a
sinalização do erro.
Tivemos na condução da aula de Música um exemplo de expectativas
elevadas por parte da professora, que orientou o canto e a execução de uma
canção em uma turma com 29 alunos, todos com instrumentos musicais,
utilizando o vocabulário específico da disciplina e reiniciando a execução por
diversas vezes, até que o grupo acertasse o compasso e o tom
176
:
“Atenção, pessoal! Percussão, início. Depois a gente canta o refrão”. As
flautas não se entendem novamente, a professora volta a dar-lhes uma
explicação com muita paciência. Finalmente, depois de vários ajustes, a turma
canta a música toda por duas vezes, todos que estão com instrumentos musicais
participam.
Nas aulas transdisciplinares, após as apresentações dos grupos,
demonstrando a clareza dos objetivos da atividade proposta, as professoras deram
o feedback para as turmas abordando diversos aspectos das apresentações: o
trabalho em equipe, a linguagem utilizada pelo grupo, a apresentação do trabalho
pesquisado (cartaz apenas com tópicos, tamanho da letra, etc.), a necessidade de
aprofundar as temáticas, a importância das músicas no contexto em que cada autor
viveu, a importância dos grupos ensaiarem, etc. Este retorno, dado logo ao final
das aulas, valorizou os resultados acadêmicos e foi uma expressão das
expectativas positivas das professoras interessadas em acompanhar o desempenho
dos alunos, que foram avaliados pela apresentação, além do texto. As trocas e a
vocalização das expectativas são um dos desdobramentos das altas expectativas
docentes e integram o trabalho de síntese sobre escolas eficazes, realizado por
Sammons, Hilman e Mortimore (1995). Os autores se basearam em estudos de
vários países e identificaram características que melhor descrevem escolas bem
sucedidas (Bonamoni, 2004).
Avaliamos que na aula de Música e nas atividades transdisciplinares se
sobressai a exigência docente pela postura dos professores, cuidando da disciplina
da turma para o bom andamento da aula, pontuando com os alunos a importância
da participação e esclarecendo as expectativas em relação à execução das tarefas.
176
Esta professora estava entre os seis docentes escolhidos pelos alunos para serem homenageados
na cerimônia de formatura do 9º ano de 2007. Quando subiu ao palco para ocupar seu lugar à
mesa, ao lado dos outros professores, os alunos presentes, de forma absolutamente espontânea,
cantaram dois versos da canção de Geraldo Vandré, “Pra não dizer que não falei de flores”.
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O processo ensino-aprendizagem
137
Diante do feedback das professoras, os alunos sabem que seu desempenho está
sendo supervisionado e se sentem motivados para resolver os desafios da
proposta.
A exigência docente é outro indicador relacionado ao clima acadêmico e
apontado pela literatura como fator associado ao aumento do aprendizado. Uma
das suas características é que requer responsabilidades dos alunos nas suas tarefas,
controlando suas atividades e “permitindo que desenvolvam certa autonomia para
atenderem às solicitações escolares” (Pedrosa, 2007, p.32)
177
.
Qualidade das interações entre professores e alunos na sala de aula
Em pesquisa que investigou as causas da evasão escolar, num estudo
voltado para os fatores internos à escola, Lee e Burkam (2003) evidenciaram uma
menor tendência à evasão em escolas onde a relação entre professores e alunos era
concebida, por estes, como positivas (Cunha, 2007).
Fato bastante flagrante na aula do professor (A) foi a reincidência de
desatenção de alguns alunos, principalmente meninos que estavam, em sua
maioria, à direita do professor, nas filas próximas às janelas. Ele dava,
frontalmente, mais atenção às meninas, dirigia-se amiúde a elas, incitava-as a dar
respostas e fazia graça dos seus comentários. Após elogiar uma aluna,
corresponde ao seu gesto, batendo com a mão espalmada na mão dela e fazendo
de conta que doeu. A reação da aluna foi de alegria dupla, pelo elogio recebido e
pela camaradagem expressa no gesto dos dois. Na verdade, houve momentos em
que não olhava para as filas que ficavam à sua direita, o que propiciava a
dispersão dos meninos.
Na correção da segunda atividade do dia:
Agora é uma dupla que estava virada para trás, conversando com o aluno
perturbador, e o professor não interfere, não dá para saber se não percebe o
papo. “Quem mais tem uma frase com o pronome relativo”? Uma aluna se
oferece para ler, sua frase também vai para o quadro. Neste momento, 50% da
turma conversa informalmente e em tom bem baixo. “Das três últimas frases,
em qual delas o pronome pode ser omitido?” Pergunta diretamente a duas
meninas.
177
A autora relaciona alguns autores que enfatizam o efeito positivo do interesse e do nível de
exigência dos professores: Sammons, Hill e Mortimore (1995), Machado Soares (2004), Albernaz,
Franco e Ortigão (2004) e Raczynski e Muñoz (2004).
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138
Durante a terceira atividade:
Um dos alunos que estava virado para trás, conversando com o perturbador e
sua dupla, continua com o papo. Chega a tampar o rosto com o caderno e fala
alguma coisa, de repente bate com o caderno na mesa. O professor olha para ele
com os olhos arregalados e não fala nada, a conversa continua disfarçadamente.
Em princípio, estaríamos presenciando, na dinâmica desta aula, um efeito
denominado por Sá Earp (2007) de metáfora “centro-periferia”, para explicar a
organização das salas de aula - a partir de formas relacionais entre alunos e
professor - nas escolas pesquisadas
178
. Segundo sua hipótese, alguns alunos são
incluídos na relação de ensino do professor na sala de aula – os alunos do “centro”
(grifo da autora), a quem o professor se dirigiria - e outros não – os da “periferia”,
“que não se interessam”, “que não prestam atenção”, “que não querem aprender”.
Os modos de assistir à aula, os modos de perguntar do professor aos alunos, os
modos de responder dos alunos, definem os dois grupos.
Quando analisei os dados sobre o desempenho acadêmico do 9º ano de
2007, deduzi que a estrutura proposta por este estudo não explicava a relação
estabelecida nesta sala de aula. Nesta turma houve apenas uma reprovação e, para
a autora, são os alunos reprovados e com condições sociais menos privilegiadas
que estão na periferia da sala de aula. Os alunos que estavam na periferia da sala
de aula do Professor (A) não eram vistos como incapazes de aprender e nem
parecia que o professor não se sentisse à vontade no relacionamento com eles, já
que nas poucas vezes em que se dirigiu aos mesmos, também usou de gracejos.
Seguem outros exemplos das interações professor-aluno, registrados
durante a observação da aula do professor (A):
Enquanto caminhava pela sala, verifica que uma aluna copiou a resposta da
outra e comenta: “Catarina, você acredita que você e Matilde fizeram a mesma
frase”? Três meninas que estão sentadas no fundo riem alto.
Olhando o exercício de um aluno diz: “Pelo menos nada está perdido, uma
pessoa entendeu imediatamente o que é para fazer”.
178
A investigação focou os professores de duas escolas da rede pública do Rio de Janeiro,
localizadas na zona sul, uma estadual e outra municipal e consideradas “boas escolas” (grifo da
autora). A estrutura “centro-periferia” pode ser entendida como uma espécie de topologia da sala
de aula; “é uma estrutura hierárquica denominada pela maneira de agir do professor”, onde uns
alunos aprendem mais do que os outros porque são mais ensinados. Esta relação estabelecida na
sala de aula deve ser entendida como uma “cultura”, por isso não representa uma acusação ao
professor, que está inserido numa estrutura mais forte que ele.
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O processo ensino-aprendizagem
139
Uma aluna que está do lado de fora, chega à janelinha da porta e faz sinal
pedindo para entrar e o professor deixa. Ela entrega um papel a uma colega,
fala algo no ouvido do professor e sai.
Ao final da aula, todos se levantam, o aluno conversador se aproxima do
professor e brinca de tirar energia com as mãos da cabeça dele, aproximam-se
também o “perturbador” e o aluno que havia sido convidado para sair da sala.
Os três conversam animadamente com o professor.
Nos dois primeiros exemplos, o professor (A) fez críticas de forma menos
severa, que certamente não desencadearão efeitos negativos, como costuma
acontecer em turmas onde os professores com muita frequência censuram,
desapropriam, criticam e, até mesmo, recorrem a sarcasmos (Bressoux, 2003).
Além disso, os alunos curtiam seu jeito de falar, seus gracejos, e correspondiam as
suas intervenções. Todos os alunos demonstraram ter certa intimidade com o
professor, a aluna de outra turma (que também devia ser aluna dele, já que ele
lecionava para todas as turmas do 9º ano) que cochicha ao seu ouvido, os que
foram repreendidos e se aproximam no final da aula para conversar e outros.
Intimidade que não se traduzia em desrespeito.
Na aula da professora (B):
“Ah, esse sapatinho tá matando meu pé” [se inclina e mexe nos pés]. Nesse
momento, a professora começa a contar para os alunos que estão sentados nas
carteiras da frente, um problema que tivera, antes da aula, com os calçados.
Leva mais ou menos dois minutos relatando o fato. O resto da turma, que não
está ouvindo o relato não conversa muito, mas, “Vão ‘bora’ gente”! Os alunos
fazem silêncio imediatamente. “Para de rezar, depois a nota é que fala. Aí não
tem oração que dê jeito”! Alguns alunos riem.
Na fileira que fica encostada na parede, há três alunos que estão conversando e
não acompanham a aula. A professora logo inquiriu um deles:
-Você está copiando?
- Estou.
-Porque você é o rei da preguiça!
- Eu sei.
Não havia desrespeito no tom do aluno. Pareceu-me que era uma tentativa de
manter a paz com a professora. Ele é o último da fila e continua sem corrigir os
problemas. De vez em quando os outros dois conversam com ele.
- Já é meio-dia, está todo mundo cheio e eu também.
- Que isso professora?
- Quem fala a verdade não merece castigo.
No item sobre organização e disciplina, comentamos que a professora (B)
pedia várias vezes durante a aula que se fizesse silêncio, que as conversas
cessassem e às vezes nem havia tanta conversa. Talvez fosse uma estratégia para
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O processo ensino-aprendizagem
140
manter a turma sob pressão, de forma que não se abrissem espaços para bagunças.
De qualquer forma, o clima na sala de aula não ficou pesado ou opressor em
nenhum momento. A “pressão” era amenizada porque ela também protagonizava
momentos engraçados, demonstrando abertamente seus sentimentos, bradando seu
inconformismo com a paralisação das aulas e com quem teve essa ideia,
questionando a inspetora do corredor, questionando o coordenador (diz que
mandaram dar determinado conteúdo), reclamando dos seus sapatos, etc.
Mostrava preocupação extrema com os conteúdos da sua disciplina, mas falava
também de outras coisas, até mesmo do prazer com o final da aula - “Já é meio-
dia, está todo mundo cheio e eu também”. Apesar de um tanto rígida, claramente
tinha iniciativas que relaxavam o ambiente e acabava por relacionar-se facilmente
com os alunos.
Como já comentei nesta seção, esta professora estava dando as suas
últimas aulas na Unidade Humaitá II porque iria se aposentar no final de 2007, o
fato de ter sido escolhida pelo 9º ano para ser homenageada comprova a boa
recepção que as turmas davam à sua maneira de conduzir as aulas. O que uma das
alunas oradoras fez questão de salientar no discurso de formatura:
Em meio a tanta alegria há também uma tristeza, a de termos que nos despedir
de uma das melhores professoras que esse Colégio já conheceu, professora
[nome da professora] (...) ora materna, ora carinhosa, ora brava
(incompreensível) o prazer de estar em suas aulas. O cuidado com que
preparava nossas apostilas repletas de exercícios, nossas aulas com suas
inúmeras histórias de peripécias tentando aliviar nosso medo das fórmulas
arrepiantes e das equações. Professora, você está no fundo de nossos corações,
curta muito a sua aposentadoria e continue sendo o que sempre foi. Enfim, só
resta dizer muito obrigado.
Outros exemplos das interações nas aulas observadas:
Até então, a professora (B) dirigira as perguntas para toda a turma, agora, pela
primeira vez, faz uma pergunta diretamente para um aluno, e justamente um
dos conversadores. Ele responde corretamente. Uma parte da turma aplaude, a
professora diz que é por isso que ele tira boa nota na prova.
Na atividade transdisciplinar os grupos tinham que apresentar, de alguma
maneira, a música ou músicas de sua responsabilidade (cantando ou pondo a
música para tocar). Três meninos de um grupo cantam, afinadíssimos, a
primeira música. A turma, em total silêncio, aplaude no final. Eles dão algumas
explicações e cantam razoavelmente a outra música, dois estão com cadernos
na mão, um pouco envergonhados. Um grupo aplaude entusiasticamente.
Um outro grupo se apresenta. Um menino lê baixinho e a professora manda
falar mais alto, ele não consegue. A turma aplaude.
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O processo ensino-aprendizagem
141
Outra menina vai ler e também fica um pouco nervosa e se perde na leitura, seu
grupo não ajuda. Ela consegue achar a continuação no texto que lê, recebe
aplausos, mas não fica satisfeita com o resultado.
Nestas anotações do caderno de campo, encontramos exemplos de
solidariedade entre os alunos, que claramente se incentivam mutuamente.
Podemos dizer que as oito aulas observadas – em cinco das seis turmas do 9º ano -
tinham um clima alegre, onde vigoravam relações de camaradagem que
comprovavam o envolvimento afetivo entre professores e alunos.
Um estudo realizado a partir dos resultados da Prova Brasil/2005, com a
parceria do Ministério da Educação, Inep e UNICEF, que investigou 33 escolas
179
com notas acima da média nacional (alunos da 4ª e 8ª séries do Ensino
Fundamental de escolas públicas urbanas), identificou os aspectos, ou conjunto
de aspectos, – que podem ter contribuído para o bom desempenho dos alunos. Em
32 escolas, o êxito na Prova Brasil foi atribuído aos professores. “Diferentes
atores referiram-se à paciência, à calma, a formas divertidas de ensinar, à
capacidade de dialogar e à disposição de manter a disciplina a partir de regras
acordadas entre todos” (p. 25). Reconhecem também os aspectos afetivos da
relação com o professor.
Os alunos e a preocupação com a aprendizagem
Tivemos conversas informais com dois grupos de alunos em dias diferentes,
fiz perguntas relacionadas aos tópicos que enfoquei nas aulas observadas. Os alunos
se mostraram bastante críticos
180
com eles mesmos, no que tange aos momentos em
que não colaboram com o andamento da aula. Quando perguntei se eles achavam
que os professores queriam que os alunos melhorassem, se tiravam as dúvidas e
explicavam para todo mundo entender, disseram que “tem horas que satura o
179
As escolas estudadas foram selecionadas pelo Inep - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira - e UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância, segundo o
desempenho de seus alunos na Prova Brasil, mas também levando em consideração o perfil
socioeconômico dos alunos e do município onde estão inseridas. Então, não são exatamente as
melhores escolas, mas aquelas com o mais alto ‘efeito escola’. Isto é, em municípios ou bairros
onde moram crianças de famílias de baixa renda, sem livros infantis em casa e com a maioria dos
pais com baixa escolaridade. São escolas onde há maior número de crianças com maior
vulnerabilidade para a exclusão social, mas onde há também aprendizado (ver nota 33, página 41).
180
No survey encaminhado pelo Soced, em 2004, 82,4% dos professores da Unidade Humaitá II
afirmaram considerar os alunos críticos.
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O processo ensino-aprendizagem
142
professor”. Acontece de o professor querer “passar um trabalho legal” e o pessoal
confundir “dinamicidade com brincadeira”.
Deram alguns exemplos de propostas boas dos professores, que não
vingaram porque os estudantes “exigem esses direitos e não cumprem os
deveres”.
Diante de uma pergunta sobre relacionamento com os professores,
afirmam que é “relativamente bom, com a maior parte dos professores é bom”,
mas ratificaram que tem “aquela hora que o professor já tá de saco cheio, já fica
com raiva da turma por geral”. Comentaram sobre uma professora que, na
opinião deles, “não tem pulso”, “não se impõe”, “o pessoal fica gritando na aula
dela, fica latindo”. Não se referiram a outra aula do 9º ano, onde acontecesse algo
parecido.
Quando indaguei sobre as expectativas dos professores, os alunos
compararam duas professoras da mesma disciplina: ...“e as duas são um
contraste”. Uma seria do tipo que anda rápido: ...“tudo que você pede pra ela dar
ela sabe fazer”. A outra já seria lenta. “Ela tem mais tempo que a outra e o tempo
da outra rende muito mais. Muito chata a aula dela”!
Houve discordância em relação à aula de determinada disciplina. Apesar
de ter sido pedido um posicionamento geral sobre a preocupação por parte dos
professores com a aprendizagem dos alunos, eles falaram bastante de uma
professora em especial, evidenciou-se que se tratava de uma questão daquele ano.
A professora seria “muito boa, ela é capacitada”, no entanto, “a aula dela quase
nunca é dinâmica” e por isso “os alunos não prestam atenção”. A professora
parecia não fazer muitas concessões para esses alunos: “Perdeu o começo, você
não entende o meio e muito menos o fim. (...) e quando a professora fizer uma
pergunta e você pegar e botar uma coisa que não tem nada a ver, ela não vai
explicar, ela realmente não explica”.
Mas teria o hábito de dar explicações fora do horário das aulas: “Ela
explica mesmo. Você pergunta depois que a aula acaba e ela te explica, nem que
seja no recreio”. Além disso, eles concordaram que “todo mundo reclama da
aula de [nome da disciplina], mas ninguém lê a apostila, ninguém faz dever”. Por
fim contaram que a professora “dá aula extra”, “vem pro Colégio nove horas da
manhã, passa um filme que tem boa parte da matéria” e que seria “interessada,
mas as pessoas não demonstram interesse nenhum na matéria dela”.
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O processo ensino-aprendizagem
143
Em contrapartida, comentaram sobre um professor, que “apesar da aula
dele não ter aquela dinamicidade, de toda hora fazendo alguma coisa (...) você
nem sente, acaba aprendendo tudo na conversa”. Frisaram que “ele dá a
matéria”, “escreve no caderno” e que “quem estudar, vai bem”.
Recordaram de um professor do ano anterior que “passava teatrinho
durante a aula”. Queria que eles aprendessem se divertindo, achando legal. “Não
era aquilo, vou dar matéria”. Chegava à sala brincando: “Você, eu não gosto de
você. Venha para frente”.
Ainda sobre as expectativas dos professores e suas opiniões sobre os
alunos, citaram uma professora que quando percebe que os alunos gostam de fazer
exercício, “vai passando desafio”, “vai passando mais exercícios”. E com os que
não tinham muita facilidade com [nome da disciplina], ela senta e ajuda, “fica do
lado da pessoa ajudando”. Uma menina fez referência a outra professora que
perguntava, a toda hora, se ela sabia o assunto, se estava entendendo e
acrescentava: “Se você precisar de ajuda nisso, eu estou à sua disposição, você
sabe disso”.
Uma outra não tinha muita paciência, mas “era muito boa professora”,
porque explicava “direitinho a matéria”, não deixava de perguntar aos alunos
porque eles já sabiam e “às vezes ela deixa de cobrar coisas na prova” porque
tinha gente que não sabia.
Quanto ao relato do parágrafo anterior, identificamos a preocupação por
parte da professora em cobrar dos alunos aquilo que eles tiveram oportunidade de
aprender, aumentando, assim, suas chances de se saírem bem na prova. Para
Bressoux (2003), este é um fator essencial para apreciar a eficácia do professor,
ou seja, verificar se o que ele ensinou “corresponde às aquisições que são
avaliadas em seus alunos e qual o tempo de aprendizagem que foi dedicado ao
ensino” (p. 27). Já a professora que “vai passando desafio” para os que gostam e
fica ao lado dos que precisam de ajuda, está atenta ao desenvolvimento da turma,
porque eleva as expectativas com os que se mostram capazes e procura solucionar
as dificuldades dos que precisam. A capacidade de leitura dos problemas dos
alunos e sua possibilidade de encontrar-lhes solução é um dos fatores que,
segundo Cousin (1998), mais influenciam a construção de políticas institucionais
de sucesso.
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O processo ensino-aprendizagem
144
Destaco ainda a importância de preocupar-se com os alunos que
apresentam facilidade na aprendizagem em comparação com os colegas, porque
esta facilidade pode tornar-se um problema se esses alunos ficarem desmotivados
com a aula.
Observamos que os discentes afirmaram agradar-se de dois professores
com características diferentes, no que se refere à dinâmica das aulas: com o
primeiro eles nem sentiam e acabavam aprendendo “tudo na conversa” e com o
outro, aprendiam se divertindo. Nas palavras dos alunos, é um destaque feito em
função da “dinamicidade” dos docentes.
Quanto à professora que dominou um pouco os comentários, parece haver
certo rigor da sua parte no espaço da classe e uma flexibilização com momentos
fora desse espaço, fazendo com que os alunos se sintam divididos diante da sua
“capacidade” x método em sala de aula.
Quando insisti “que tentassem pensar de maneira geral no Colégio”,
concordaram “que todos os professores são bem capacitados e a maioria deles
está interessada em que você pergunte”. Os alunos ainda se mostraram atentos a
questões macro estruturais:
O professor, se ele tá aqui dando aula, é por boa vontade, porque a meu ver,
os profissionais de educação e de base são mal remunerados. O cara tem que
se virar, tem que arranjar o seu próprio material pra dar aula.
Meu professor uma vez falou que dá aula em três colégios, ele tem que usar o
fim de semana dele pra fazer uma apostila! (...)
Importante registrar que as críticas e elogios feitos pelos alunos aos
professores não se centraram em torno de sua capacidade de serem amigos ou não,
ou questões outras de relacionamento, o que não quer dizer que não deem
importância a esses aspectos. Na verdade, quando inquiridos sobre o que gostariam
que não mudasse nunca no Colégio, referem-se ao ambiente familiar, ao
entrosamento e a outras questões de convivialidade, como veremos mais à frente.
Contudo, diante de perguntas específicas sobre as aulas, enfocaram suas
possibilidades acadêmicas, remetendo-se à questões como: “tempo que não rende”,
“aula quase nunca dinâmica”, “professores bem capacitados”, “dar a matéria”.
Estão preocupados com a aprendizagem, mas não descreveram um modelo de
professor, porque de fato convivem com uma diversidade de práticas pedagógicas:
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O processo ensino-aprendizagem
145
(...) porque tem certos professores que têm certo método de ensino, não
importa se é falando ou escrevendo, mas ele ensina de uma maneira que dá
para a turma toda entender e ainda dá para a gente estudar em casa.
Professores homenageados
Embora o clima de envolvimento afetivo não tenha sido frisado pelos
alunos, foi um dos aspectos em destaque na observação das aulas, juntamente com
as expectativas dos professores e os expedientes por eles utilizados para manter a
ordem nas salas. Expedientes que não provocavam comportamentos de
retraimento, desinteresse ou manifestações de indisciplina individual ou coletiva.
Como explicitei no começo desta seção, o grupo de professores apresentava, em
2007, homogeneidade quanto à formação, à idade e ao vínculo com o Colégio. A
caracterização deste grupo está relacionada às suas práticas pedagógicas e formas
de relacionamento com as turmas; os modos de ser e agir dos professores
observados são produzidos através das influências dos condicionantes oriundos da
cultura estruturada e estruturante da instituição em que desenvolvem sua carreira
docente
181
. Analisando o tempo de trabalho do grupo Na instiuição, constatamos
que mais da metade produziu seu habitus no exercício profissional no Colégio
Pedro II, produção que depende também da qualidade teórica e cultural da
formação de todos.
Cabe registrar nesta seção sobre a sala de aula, a surpresa que me reservou
a cerimônia de formatura do 9º ano de 2007. Cinco dos seis professores
homenageados pelos alunos tinham feito parte da pesquisa, eu tinha observado
suas aulas e feito entrevistas com eles. Dois foram paraninfos das turmas. Foi
realmente uma grande coincidência, pois o 9º ano de 2007 da Unidade Humaitá II
tinha 21 professores lecionando 11 disciplinas. Procurei observar o maior número
possível de disciplinas em diferentes turmas e minha escolha dos professores foi
totalmente aleatória.
A cerimônia de formatura daqueles alunos que eu tinha acompanhado em
parte do 2º semestre de 2007 se revelou como uma oportunidade profícua para se
ver o mito formador em ação, isto é, pude presenciar a atualização do carisma do
181
Silva (2005) explica que a natureza e a característica dos componentes curriculares também
definem a estética do habitus, de forma que o habitus professoral possui características específicas
em cada nível de ensino e entre os grupos de professores no âmbito desses níveis.
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O processo ensino-aprendizagem
146
Colégio. Segundo Teixeira Lopes (2008), é necessário estudar os rituais porque
eles colocam o mito em ação e atualizam os carismas e as crenças. Todavia, a
identidade fortemente carismática do Colégio também teve sua expressão nas
aulas observadas. Nestas ocasiões, exceto pelos olhares curiosos e sorrisos
furtivos, os alunos pareciam não dar-se conta da minha presença. Em apenas dois
momentos distintos, duas alunas de turmas diferentes se aproximaram e
perguntaram o que eu estava fazendo, contentaram-se com uma rápida explicação
da pesquisa. Mas, uma delas disse:
“Escreve aí, não há, no Rio de Janeiro, melhor Colégio que o Pedro II”.
3.7
Avaliação / provas / recuperação
O termo ‘exame’ deriva do latim examen e era aplicado para referir-se a
‘enxame de abelhas’ e, por extensão, ‘multidão’ e, ao mesmo tempo, remete à
ação de ‘pesar’, ‘examinar’. Parece que o Colégio Pedro II incorporou essa
dispersão de significados em torno do termo, “que comporta a complexidade de
um campo semântico difícil de unificar em torno de uma idéia central” (Castello
& Mársico, 2007, p.111). Tal afirmação deriva do conhecimento que possuo sobre
os processos de avaliação propostos para as suas séries iniciais do Ensino
Fundamental
182
e deriva também do conhecimento que adquiri ao longo da
pesquisa, sobre este mesmo processo nas séries finais desta etapa de ensino.
Para melhor compreensão da lógica oficial que regula o processo de
avaliação dos alunos da Unidade Humaitá II, analisei as duas últimas portarias
183
baixadas pela Direção Geral do Colégio, versando sobre este item. Sarmento
(2003) considera os regulamentos, planos de aula, projetos da escola, etc. como
textos projetivos de ação porque constituem a expressão “oficial” das lógicas
dominantes e são de interesse para a investigação das lógicas de ação.
O ano letivo no Colégio Pedro II é organizado em trimestres e possui três
certificações, onde os alunos recebem um grau de 0 a 10. Nas 1ª e 2ª certificações,
182
De 1984 a 2007 foram expedidos 17 documentos na forma de diretrizes e portarias,
regulamentando o processo de avaliação/ensino-aprendizagem nas séries atendidas pelas Unidades
I. Para detalhamento das implicações desse processo nos percursos escolares dos alunos que
cursam as séries iniciais do Ensino Fundamental, ver Galvão (2007).
183
Portaria 389 de 12/04/2006 e Portaria 323 de 22/02/2007.
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O processo ensino-aprendizagem
147
70% da pontuação, no mínimo, deverá obrigatoriamente ser resultado de prova(s)
formal(is) individual(is) e até 30% ficam a critério do professor. Na 3ª
certificação, os 70% da pontuação deverá ser também, obrigatoriamente, resultado
de uma prova (Prova Institucional – PI), mas, segundo a portaria, deverá ser
escrita, individual e única para todas as turmas de uma mesma série e turno de
cada Unidade Escolar. Esta PI tem que ser aplicada no mesmo período em todas
as Unidades Escolares, em datas coincidentes.
Os alunos que obtêm, nas certificações, resultado inferior a 5,0 pontos (não
ponderados), são encaminhados a uma Prova de Recuperação.
Para terem aprovação direta no final do ano e serem dispensados da Prova
Final de Verificação, os alunos têm que obter um mínimo de 7,0 pontos na Média
Anual.
Os alunos encaminhados para a Prova Final de Verificação serão
promovidos para a série seguinte, se obtiverem Média Parcial (MP) igual ou
superior a 5,0 pontos. È aplicada uma fórmula que dá peso 3 à Média Anual e
peso 2 à Prova de Verificação Final.
As normativas de avaliação e recuperação para os alunos do 2º segmento do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio do Colégio Pedro II sofreram mudanças
em 2005, 2006 e 2007
184
. Não tenho informações sobre modificações em anos
anteriores a 2005, mas suponho que tenham acontecido. O ex-Diretor Geral – que
teve uma gestão de 12 anos e meio, de 1995 a janeiro/2008 - costumava introduzir
muitas mudanças nas diretrizes de avaliação deste segmento
185
. Modificações que
eram feitas sem consultas aos agentes escolares envolvidos, de fato, nos processos
ensino-aprendizagem, impedindo, inclusive, que propostas em vigor tivessem
tempo hábil de aplicação para que fossem avaliadas.
184
O processo de ensino-aprendizagem do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino
Médio Regular e Integrado do CPII é previsto em portaria baixada pelo ex Diretor Geral do
Colégio. Esta portaria contém as diretrizes sobre avaliação (instrumentos, certificações,
recuperação, aprovação), conselho de classe e outras disposições.
185
Para as séries iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo, houve a expedição, entre 1984 a
2005, de 11 documentos normatizando o processo de avaliação nas Unidades Escolares I, o que fez
com que, num período de 21 anos, houvesse sete mudanças na forma de se calcular a média anual
(MA) e média final (MF) dos alunos, entre outras modificações (recuperação, provas únicas, etc.).
Essas oscilações no cálculo das médias facultaram desfechos opostos para trajetórias escolares de
crianças com o mesmo rendimento.
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O processo ensino-aprendizagem
148
De acordo com a análise que fiz das duas últimas portarias baixadas (2006
e 2007) para regular o processo ensino-aprendizagem dos alunos das Unidades II
e Unidades III, ambas com 41 artigos, constatei 21 mudanças de um ano para
outro. Algumas modificações se deram apenas em nomenclaturas, como a Prova
de Apoio Pedagógico que passou a chamar-se Prova de Recuperação; outras
modificações foram mais contundentes, como, por exemplo, a mudança de 50%
para 70% na porcentagem das certificações que devem resultar de provas formais.
O Departamento de Língua Portuguesa e Literatura tentou, no início deste
ano (e não foi a primeira vez), durante a visita da Secretária de Ensino e da
Diretora Geral ao Colegiado, reivindicar pelo menos que se retornasse de 70%
para 50% o peso da 3ª certificação. A reivindicação não foi atendida.
Numa das aulas observadas, a professora fez várias referências à prova que
se aproximava, colocando-a como motivo principal para os alunos frequentarem
as aulas e estudarem:
Tá no final do ano, chegando as provas.
Para de rezar, depois a nota é que fala. Aí não tem oração que dê jeito!
Surge uma dúvida sobre o enunciado de um exercício, a professora afirma: Na
prova pode ter certeza que vem tudo especificado.
A existência das provas se constituía no mote principal para que todos
prestassem atenção nesta aula. Não observei, em nenhum momento, referência à
importância ou magia da disciplina ministrada, como argumento para que os
alunos se empenhassem.
Presenciei uma conversa na sala dos professores, uma professora dizia:
“Meus testes são difíceis”. Lembrava que na 3ª certificação só é possível fazer
uma prova que vale 7,0, e que é única para toda a Unidade, além do teste do
professor que vale 3,0. Começaram comentários sobre testes, dois professores
contaram que tinham repetido avaliações e que os alunos tinham se dado mal do
mesmo jeito, e continuaram relatando outras situações. A diretora também contou
que, ao entrar numa turma, antes que pudesse falar qualquer coisa, um aluno dera
bom-dia e perguntara o que era solubilidade, comprovando que eles estavam
excitados com as avaliações. A funcionária do SESOP declarou na sua entrevista:
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O processo ensino-aprendizagem
149
Essa quantidade de prova que a gente faz no ano inteiro, a gente acaba não tendo
tempo de elaborar essas análises de série. (...) Botar as provas na praça, fazer
envelopes. (...) Eles acham que somos trabalhadores braçais, a gente tem que ser
pau pra toda obra. E a gente perde de vista a vocação da gente, o aspecto humano,
o que a gente poderia contribuir com a parte de educação mesmo.
Evidencia-se uma preocupação institucional muito grande com a aferição,
e mesmo que os professores encarem a avaliação como uma forma de
acompanhamento para fazerem um diagnóstico e planejarem as intervenções
adequadas nas suas turmas, eles acabam sendo envolvidos pelo peso dado às
provas (porcentagens, dinâmica de aplicação, etc.,) nas portarias baixadas pela
direção do Colégio.
Para a funcionária do SESOP houve um retrocesso com as portarias de
2005 pra cá, e afirma que “dentro do Colégio poucas pessoas têm essa noção”.
Avalia que as notas baixaram e que a repetência aumentou, disse que antigamente
as reprovações aconteciam mais na oitava série e no segundo ano. Agora tem
repetência em todas as séries:
Você já pensou, o aluno adolescente de catorze anos, fazer trinta e cinco
trabalhos por trimestre, fora uma prova que vale cinco pontos? Esse ano, os
alunos que passam são geniais. Porque o aluno não pode ter vida própria. (...)
Se você analisar as provas, as provas são imensas. As provas são difíceis, né?
Os alunos levam, às vezes, duas horas fazendo uma prova. (...) Se o aluno
passar de ano direto, ele é um super-herói.
Em outro momento, afirmou informalmente:
Tem que ver como tem professor que gosta de reprovar. No COC do 2º ano
tinha professor falando: - Esse aluno vai ser reprovado. Esse aluno vai ser
jubilado, pode avisar ao responsável.
Podemos nos perguntar se, num sistema que atribui 70% do peso das suas
avaliações às provas, os alunos veem os resultados da sua aprendizagem apenas
reduzidos a graus. O mais preocupante é que os que estavam no 9º ano, em 2007,
foram regidos por normas de avaliação diferentes em cada ano, desde que
ingressaram no Colégio (para os que se matricularam na antiga 5ª série)
186
.
186
Conforme informei no início desta seção, as normativas de avaliação e recuperação para os
alunos do 2º segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio do Colégio Pedro II sofreram
mudanças em 2005, 2006 e 2007. Portanto, quem ingressou em 2004, na 5ª série, esteve
submetido, a cada ano cursado, a uma portaria diferente de avaliação.
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O processo ensino-aprendizagem
150
Almeida (2000) investigou um colégio privado da zona leste de São Paulo
que se destaca preparando eficazmente jovens oriundos de “grupos possuidores de
credenciais escolares relativamente baixas” (p.83) para as carreiras mais seletivas
da USP. A escola em questão atende ao Ensino Médio e apresenta algumas
divergências
187
em relação à Unidade Humaitá II. A semelhança entre os dois
estabelecimentos de ensino está na supervalorização da prova enquanto
instrumento de avaliação; a escola investigada por Almeida, apoia-se
exclusivamente em um instrumento de avaliação – as provas únicas. E o Colégio
Pedro II, atualmente, exige que 70% da pontuação – no mínimo, deve
obrigatoriamente ser resultado de provas.
A questão é que a ênfase nas provas como instrumento prioritário de
avaliação, presente no colégio de São Paulo, combina-se com sua proposta
pedagógica; uma proposta rígida que monitora as competências acadêmicas
visando exclusivamente a aprovação no vestibular. No Colégio Pedro II,
consequentemente na Unidade Humaitá II, este objetivo não aparece como
prioritário. Numa das reuniões de pais, uma coordenadora afirmou – “O
vestibular não é nossa prioridade, passar no vestibular é uma conseqüência”.
uma outra disse - “A gente quer que o aluno do Pedro II, vá para uma prova da
UFRJ e diga que foi fácil”. Parece não existir um consenso em torno das
expectativas em relação ao vestibular.
187
Processo de seleção de novos alunos, normas disciplinares rígidas, currículo com destaque para
as disciplinas das áreas exatas, etc.
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O processo ensino-aprendizagem
151
Essas questões provavelmente se agravam em função de o Colégio utilizar
o expediente da jubilação. Não sendo a avaliação o foco da minha investigação,
não costumava abordar diretamente este item nas conversas que encetava com os
diversos atores escolares, apenas uma coordenadora/professora se manifestou
sobre o expediente de jubilação – exclusão consentida e naturalizada - presente
nas normativas do Colégio
188
. Ela considera que, ao recorrer à jubilação, além de
oferecer ensino integral do 1º ao 5º ano, a escola deveria dar oportunidade (um
ensino melhor) para os que têm dificuldade de aprendizagem
189
.
Em conversas informais com os alunos, percebi que estavam mais
mobilizados para outras questões, como, por exemplo, relações interpessoais e
regras da escola, mas fizeram alguns comentários que envolviam dificuldades
com a avaliação:
(...) eu acho que a nota para você passar poderia ser cinco, e não sete ou oito.
Tinha uma professora que ainda queria botar oito! Eu nem estou conseguindo
tirar sete, quanto mais oito!
Ano passado, pra você ter noção, só três pessoas da minha turma passaram
direto. Três.
Ano passado também, só quatro pessoas da minha turma passaram direto e
esse ano essas quatro pessoas são as únicas que fazem uma prova e saem da
prova com o primeiro sinal, achando que a prova foi fácil.
Dentre esses que conseguiram aprovação direta, reconheciam que havia os
inteligentes e os que prestavam atenção na aula, estudavam “por fora” e se
garantiam. Por outro lado, quando indaguei se as provas eram difíceis,
responderam que eram fáceis “porque não puxa muito”, além de acharem que
depende da matéria e da aptidão do aluno. A maioria - exceto um aluno -
assegurou que o “maior esforço é entrar no Colégio”, manter-se nele seria fácil.
188
Através deste processo, é vedada a renovação de matrícula ao aluno que é reprovado mais de
uma vez na mesma série, ou seja, os alunos que repetem duas vezes a mesma série são expulsos,
isto é, jubilados do colégio. A partir de 2005, passaram a ser jubilados somente os estudantes
matriculados da 3ª série do ensino fundamental (atual 4º ano) em diante.
189
Na outra escola pública (P1) investigada pelo Soced também existe o processo de jubilação de
alunos. A instituição não disponibilizou informações sobre este aspecto para a pesquisadora.
Medeiros (2007) concluiu que o assunto é delicado por tratar-se de tema controverso para o grupo
de professores, tal como acontece no Colégio Pedro II. Em ambos os estabelecimentos, os agentes
escolares que não concordam com este expediente não se mobilizam sequer para pô-lo em
discussão. Exceção para os docentes do Departamento do 1º segmento do Ensino Fundamental do
Colégio, onde apesar de não haver unanimidade na posição contrária à jubilação, contou com
mobilização suficiente para que os 1º, 2º e 3º anos desta etapa de ensino deixassem de ser afetados
por esta normativa.
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O processo ensino-aprendizagem
152
O problema estaria no comportamento dos estudantes, que relaxam à medida que
os anos vão passando, “tendo nota pior na prova”:
É exatamente isso. Quando a gente passa para o Pedro II, a gente estuda pra
caramba, pra caramba mesmo. E aí, o que acontece? A gente passando aqui, a
gente vai vendo que a matéria é fácil, aí a gente vai relaxando, relaxando, até
uma hora que a gente está chorando porque vai repetir o ano. E para uma
pessoa que passou para um lugar bom, e a gente repetir, é uma derrota.
Perguntei se eles achavam que se um aluno do Colégio estivesse a fim de
estudar, se ele iria longe. Eles disseram que sim porque quem tem dúvida “tem
direito a um horário de atendimento” semanal. Mas, “só pra quem estuda mesmo
e tem que levar exercício, sabe”?! Citaram também o convênio com o CEFET,
aulas de habilidades específicas, orientação vocacional e os “horários de
aprofundamento” para o “pessoal que estava fazendo vestibular”. Só que
“começa a ir pouca gente (...) e aí vai minguando, vai minguando.” Por fim
reconhecem que não precisariam ficar “com a corda no pescoço” porque “a gente
tem base para isso, a gente tem base, se esforçando a gente consegue”.
Duas professoras se reportaram às aulas de apoio e recuperação, durante as
entrevistas, apesar de não terem sido feitas perguntas em relação a estas
atividades. Quando indaguei a uma das coordenadoras, e também professora do
9º ano, sobre o que, além do corpo docente, que ela já havia destacado como um
diferencial dentro do HII, ajudaria a constituir e manter a sua imagem de
excelência, ela pontuou o acompanhamento que é dado ao aluno ao longo do ano.
Assegurou que o horário disponibilizado em turnos opostos é uma “oportunidade
de recuperação das dificuldades”. A Unidade Humaitá II seria muito séria nesta
questão, mas, às vezes, os professores ficavam esperando e não aparecia nenhum
aluno para o atendimento: “O próprio aluno não procura (...) e só quando vem a
nota muito baixa, alguns pais aparecem e se tocam de que há necessidade”.
Outra professora/coordenadora do 9º ano, também entrevistada, reforçou
este problema:
Os pais assinam um termo se comprometendo, sabendo que o aluno pode,
eventualmente, frequentar atividades em turno trocado, mas o aluno não vem.
A gente não tem nenhum mecanismo que obrigue esses alunos a virem. (...) Eu
ofereci algumas aulas e só vieram a todas, um aluno. De oitenta, de setenta e
cinco alunos, só um aluno.
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O processo ensino-aprendizagem
153
A professora se referia a um “apoio aberto não só para os alunos que
ficaram com média abaixo de cinco, qualquer aluno pode frequentar”. O menino
que frequentou, tinha dificuldade na disciplina mesmo, “e teve resultados pra ele,
ele passou”.
Ponderou que numa “organização pedagógica em que você não tem
nenhum mecanismo que cobre a presença desses alunos, não tem como planejar
adequadamente, garantir uma recuperação”. Relatou também o caso de outra
menina, que frequentou duas aulas antes da prova e tirou uma boa nota. “Então
teve um efeito para ela de recuperação efetiva”
190
.
Todas as áreas fazem aulas de apoio e, em sua opinião, “esse processo de
recuperação dos alunos com deficiência de aprendizagem passa por um
compromisso dos pais de se submeterem às regras que a própria escola impõe”.
Os alunos teriam várias atividades e as aulas de apoio seriam mais uma atividade
dentro da carga deles. Como não são obrigados, “não tem nota, eles se sentem
descomprometidos em relação a isso”.
Em conversa informal na sala dos professores, assuntei com uma
professora do Ensino Médio sobre a recuperação do segundo trimestre/2008, ela
disse que “a recuperação foi meio chulé”. Na mesma ocasião ouvi outro
professor, do 9º ano, comentando que já daria um ponto para quem
comparecesse ao apoio e acrescentou que eles quase não frequentam.
Para a funcionária do SESOP, a não frequência dos alunos ao apoio
precisa ser investigada porque o Colégio desconheceria as suas causas:
desinteresse, descrédito, cansaço ou outras atividades que os alunos tenham no
mesmo horário da recuperação.
190
Os alunos falaram em atendimento semanal, porque alguns professores oferecem estes
encontros durante todo o ano, caso seja possível encaixar em seu horário. Outros, com a carga
horária mais apertada, oferecem apenas no período entre o conselho e as provas de recuperação,
em torno de dez dias (duas semanas), em turno alternado ao que os alunos estudam e com provas
na sequência. Nestes encontros, é dado um atendimento aos alunos para tirarem dúvidas, não
necessariamente com o professor regente. Cada série tem, em média, dois encontros.
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O processo ensino-aprendizagem
154
3.8
Algumas considerações sobre o processo ensino-aprendizagem da
Unidade Escolar Humaitá II
Finalizando esta seção, que se reportou a alguns aspectos do processo
ensino-aprendizagem desenvolvido na instituição investigada, podemos
argumentar que se trata de um estabelecimento que planeja e desenvolve
atividades nos espaços-tempo escolares, que parecem ir ao encontro das
aspirações dos alunos, conforme os relatos desta seção, aqui ratificados: (a) O
interesse demonstrado pela turma do 9º ano na atividade de Língua Portuguesa
(apresentação em Power Point sobre o romance Esaú e Jacó) desenvolvida no
laboratório de Informática; (b) a utilização das salas de aula, auditório, pátios e
outros espaços da escola para a culminância do Projeto de Leitura “Cem anos sem
Machado de Assis”, assim como as atividades apresentadas; (c) o empenho dos
alunos nas apresentações em grupo, nas aulas transdisciplinares; (d) o trabalho de
resistência e aglutinação do Grupo Fazendo Arte que congrega alunos, ex-alunos,
pais de alunos e de ex-alunos, professores ativos e aposentados; (e) a prática de
conjunto, fazendo com que alunos do 9º ano identifiquem a Sala de Música como
o melhor espaço da escola e (f) a correspondência dos alunos às atividades
propostas nas aulas observadas.
O planejamento e o desenvolvimento das atividades descritas supõem a
existência de uma relação de colaboração entre alguns integrantes da escola, de
troca de ideias e consultas mútuas sobre questões relativas ao cotidiano escolar.
Teixeira Lopes (1997), ao pesquisar a utilização cotidiana que os alunos
fazem do espaço escolar e as representações através das quais os discentes
urbanos leem este espaço, detectou, dentre outros aspectos, uma tendência que
aponta claramente para uma desvalorização dos cenários de interação. O espaço
físico “aparece como distante, constrangedor, exterior e de certa forma impossível
de ser transformado” (p.104). Para além dos constrangimentos de índole física,
“que estão na base da própria morfologia do espaço escolar urbano” (p.98), o
autor identificou, também, um fortíssimo desinteresse por parte dos alunos frente
à produção cultural organizada neste espaço. As iniciativas não corresponderiam
aos interesses/aspirações dos estudantes e não ofereciam nada de novo. Os
discentes demonstraram falta de gosto pelo espaço escolar, clara preferência pelos
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O processo ensino-aprendizagem
155
intervalos entre as aulas (porque ficavam à vontade) e intensa alegria ao sair do
espaço escolar intramuros.
Em sentido contrário a esta investigação, que detectou um movimento
profundo de recusa da escola, a observação das atividades escolares envolvendo
os alunos do Humaitá II nos leva a identificar uma lógica institucional que
viabiliza a iniciativa de grupos que buscam ampliar as propostas pedagógicas
restritas aos currículos, promovendo a interdisciplinariedade e o diálogo entre
diferentes disciplinas e metodologias. Este movimento aglutina parte dos
segmentos escolares em torno da criação cultural estudantil, possibilitando a
apropriação e reconstrução dos espaços-tempos escolares, onde a escola deixa de
ser vista como um território de passagem e passa a ser vivenciada como um
território de investimentos culturais, simbólicos e afetivos.
Analisando as estratégias e recursos regularmente utilizados pela Unidade
Humaitá II na estruturação das atividades dos estudantes, refletimos o quanto a
realidade deste estabelecimento se distancia da realidade de diversas escolas que
são lugares de sofrimento para alunos e professores, “onde prevalece a falta de
diálogo e a convivência se torna difícil, tensa”... (Ortega e Del Rey, 2002, p. 18).
Trata-se de uma situação reveladora da potencialidade da instituição, na
qual a escola investigada se insere, que com mais de 11000 alunos não apresenta
os difíceis problemas relacionados a uma questão complexa e premente, que é a
violência nas escolas
191
e na sociedade em geral.
Em reportagem intitulada “Medo também se aprende na escola”,
veiculada pelo jornal O GLOBO, em 28 de abril de 2009, Fischberg e Soares
exemplificam como a violência praticada dentro dos colégios vem modificando a
rotina das instituições de ensino e “a vida dos que passam por ela”. Dados da
pesquisa do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)
demonstram que o intervalo das aulas e o horário do recreio se tornaram, para
muitos jovens, momentos de pânico devido à violência, intimidação e bullying. Os
professores também são atingidos e, segundo o presidente do Sindicato de
191
No prefácio da obra de Ortega e Del Rey (2002), Abramovay cita a pesquisa “Violência nas
escolas”, onde a percepção de que uma escola é violenta é manifestada nos discursos de alunos,
professores, diretores e pais. “Os alunos expõem, muito claramente, sua insatisfação em relação à
infraestrutura dos prédios, reclamam da falta de vínculo entre o conteúdo das disciplinas e suas
necessidades existenciais e profissionais e dizem que não gostam de seus professores” (p.10). Os
docentes também reclamam dos alunos, que consideram indisciplinados e desinteressados.
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O processo ensino-aprendizagem
156
Professores do Rio (Sinpro-Rio), a violência não se resume à agressão física,
sendo, muitas vezes, simbólica: brincadeiras, cinismos, xingamento...
192
.
Ao pesquisar estudantes da 7ª e 8ª séries da rede municipal do Rio de
Janeiro, Costa (2006) trabalha com a hipótese de que há um esvaziamento
significativo do espaço escolar para uma parcela da população, exposta “à forte
redução na mobilidade social em nosso passado recente, por força do
estancamento do desenvolvimento econômico” (p.133). E, apesar de também não
ter, como foco, a violência, pondera que boa parte da literatura sobre juventude e
escola se debruça sobre essa temática e expõe que o problema pode ter uma
dimensão maior: “A violência referida à escola pode ser considerada resultante de
uma certa deterioração nas relações e erosão das regras que regulam e definem o
espaço escolar” (p.134)
193
.
Ferreira (2003)
194
pontua que, por motivos diversos, seja como vítima ou
sendo indiciado, cada vez mais jovens têm protagonizado sua participação nas
estatísticas criminais, e considera que a ausência de valores que norteiam a
formação do indivíduo como ser social de um processo que exige contrapartida
entre direitos e deveres, um dos motivos primordiais para a situação em que se
encontram os jovens na sociedade contemporânea. As instituições socializadoras
estariam se ausentando do cumprimento do seu papel de fornecer condições
plenas para o desenvolvimento do indivíduo enquanto membro da sociedade.
Acreditando no papel transformador da educação, a autora propõe medidas
socioeducativas junto aos jovens e adolescentes no sentido de torná-los menos
suscetíveis às situações de risco e práticas criminais. Propõe que estas ações se
192
A reportagem reúne inúmeros casos de violência na escola, vividos por alunos e professores.
Refere-se também a um estudo publicado pela Organização dos Estados Ibero-americanos para
Educação, Ciência e Cultura (OEI), que aponta que 83% dos docentes das regiões Sudeste e Sul
aprovam medidas mais rigorosas para punir os alunos em casos de conflitos no ambiente escolar.
Para a colaboradora da pesquisa, Maria Malta Campos, pesquisadora da Fundação Getúlio
Vargas, este estudo serve de alerta porque demonstra, entre outras questões, que há a sensação por
parte dos docentes, de que a situação está fugindo do controle.
193
Abramovay (2002) alerta que ao invés de ser um lugar seguro e de integração social, de
socialização e de resguardo, a escola se tornou um cenário de ocorrências violentas. Alunos,
professores e funcionários têm passado grande parte de suas vidas em ambientes onde as diversas
formas de violência se apresentam intensamente. Para a autora, isso se deve, em parte, ao fato de
que os estabelecimentos de ensino refletem tensões e problemas que se dão do lado de fora de seus
muros e que produzem interferências negativas na vida escolar.
194
O projeto de que participa criou um banco de dados com as estatísticas criminais nos anos de
2001 e 2002, na cidade de Marília (SP). Suas análises parciais sobre a criminalidade nesta cidade
indicam que a faixa etária que mais se destaca nas ocorrências é aquela que compreende dos 15
aos 19 anos, denunciando, assim, a predisposição dos jovens em expor-se e envolver-se em
situações de risco e práticas de crime.
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157
deem na escola, onde o adolescente passa a maior parte do seu tempo, mas,
devido a quase falência da escola formal e dos mecanismos burocráticos de
construção e transmissão do conhecimento e o pouco interesse do jovem pela
escola, as ações devem ser implementadas através da prática da Arte-educação
195
.
Exemplifica como as estratégias artísticoeducativas atuam no resgate da
autoestima de crianças e jovens, no fortalecimento dos laços que os unem às suas
comunidades e na consequente prevenção de diversos aspectos da violência na
sociedade.
Diante destas ponderações, sobressai-se o processo ensino e aprendizagem
desenvolvido no HII, no que tange as atividades descritas nesta seção.
Excetuando-se o Projeto Fazendo Arte, que é uma atividade extracurricular com
carga horária oficial, as outras atividades descritas (o Seminário de Leitura de
Machado de Assis, as atividades transdisciplinares
196
e as aulas de Música) fazem
parte da grade curricular e viabilizam experiências mais flexíveis, menos
opressoras e mais atrativas para os alunos, que se inserem, assim, num clima
propício a aprendizagem. Identifica-se no fazer pedagógico da escola investigada,
a proposta de enfatizar conhecimentos, habilidades e competências, e também
abordar valores que orientam a formação dos alunos enquanto seres sociais
responsáveis e participantes. Assim o fazem, conforme as palavras da
coordenadora de Língua Portuguesa, propondo trabalhos coletivos, incentivando a
construção conjunta do conhecimento, apostando na reflexão crítica do sujeito e,
sobretudo, indo na contramão da tendência à desumanização crescente em nosso
mundo atual. Com uma dinâmica escolar que viabiliza, como já foi demarcado, a
sensação de se sentir parte da escola, a Unidade Humaitá II age preventivamente,
visto que a construção de um senso de pertencimento à comunidade é um aspecto
fundamental para reverter um quadro de violência (Abromovay, 2002).
195
Reporta-se ao êxito de pesquisas e projetos desenvolvidos com o apoio do governo do estado de
São Paulo, onde, trabalhando com propostas artísticoeducativas, em quatro escolas públicas de
Marília (SP), previnem a violência entre crianças e adolescentes, afastando os jovens de algumas
situações de risco eminentes.
196
Os princípios transdisciplinares aplicados ao processo ensino aprendizagem tornam o aprender
uma atividade prazerosa porque resgatam o sentido do conhecimento - perdido em razão da sua
fragmentação e descontextualização (Santos, 2008).
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158
Durante o trabalho de campo, não observei problemas comuns a outros
estabelecimentos, como: depredação do prédio, pichação, violência física contra
os integrantes da escola, etc. Portanto, sem abdicar da potencialidade da educação
formal e lutando contra a propalada alienação e desinteresse dos jovens de hoje
pela escola, na Unidade Humaitá II o currículo é posto em ação, investindo no
fortalecimento da autoestima dos discentes e oportunizando o exercício das suas
capacidades expressivas e intelectivas. Segundo Ortega e Del Rey, 2002: “Deve
haver um mínimo de autoestima para poder perceber que o benefício do estudo,
sempre em longo prazo, será algo que redundará numa melhoria da própria
identidade pessoal”.
Podemos indicar que há na cultura da escola uma forma de lidar com seu
ambiente interno e externo que se traduz num clima favorável ao ensino e em
estratégias de aprendizagem, com efeitos bem sucedidos sobre a socialização
escolar, conforme identificamos no depoimento abaixo:
... de modo geral, eu sinto um prazer muito grande de trabalhar aqui no Pedro II.
Na verdade, foi o aluno do Pedro II que me cativou pro magistério. Foi o tipo de
aluno que a gente tinha aqui, o amor que eles têm à escola, o respeito que o
aluno do Pedro II tem ao professor, que me cativou. E que me fez rever meus
projetos de vida. Eu sempre trabalhei com pesquisa, mas colocava o projeto do
magistério como algo temporário. E hoje eu coloco o projeto do magistério
como projeto de vida. Eu já tive a oportunidade de sair, de participar de
concurso público pra dar aula em faculdade e não quis abrir mão. (...) Foi um
processo de identificação com o Colégio, de identificação de alunos, por ter
sido cativada pelo carinho e pelo respeito que os alunos têm pelos professores.
(Coordenadora de Geografia e professora do 9º ano)
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4
O cotidiano escolar em sua dimensão social
...de modo geral, eu sinto um prazer muito grande de trabalhar aqui no Pedro II. Na
verdade, foi o aluno do Pedro II que me cativou para o magistério. Foi o tipo de aluno
que a gente tinha aqui, o amor que eles têm à escola, o respeito que o aluno do Pedro II
tem ao professor, que me cativou.
(Professora e Coordenadora de Geografia)
Na instituição escolar convivem adultos, jovens e crianças que, com suas
disposições - maneiras de ver, sentir e reagir -, compõem a socialidade deste
contexto específico. O conceito de campo de Pierre Bourdieu (1983) possibilita
que concebamos a escola como um espaço com posições sociais marcado por
relações (jogos) de concorrência entre seus agentes. O senso do jogo e os
interesses conformam o caráter das interações sociais no espaço escolar e
instituem o clima da escola, como verificamos na análise das relações constituídas
na Unidade Humaitá II.
4.1
Relações famílias e escola
Bressoux (2003) avalia que as relações entre as escolas e os responsáveis
produziram resultados muito opostos de um estudo para outro. Consequentemente
não temos noção da forma que deve tomar as relações dos pais com a escola para
melhorar o sucesso dos alunos, mesmo que, a priori, pareça desejável que a
família seja envolvida neste sucesso.
A análise das relações família-escola foi feita a partir da observação de
duas reuniões com os responsáveis, e por opiniões de funcionários e professores
entrevistados.
Assisti às reuniões citadas em novembro de 2007 e em setembro de 2008.
Foram convocados os pais cujos filhos - alunos do 9º ano - estavam com
problemas de rendimento. Os dois momentos se revelaram como espaços
privilegiados para a observação do comprometimento da escola com os alunos
que apresentavam problemas com o percurso escolar e para observação das
relações e interações decorrentes de estratégias visando uma aproximação com as
famílias desses alunos.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
160
No primeiro encontro foram convocados pais de alunos repetentes – dos 8º
e 9º anos do Ensino Fundamental e do 1º ano do Ensino Médio - que haviam
participado de um projeto elaborado pelas orientadoras educacionais. O SESOP
havia elaborado e posto em prática a proposta de ter encontros semanais com os
repetentes das séries citadas, o objetivo da reunião era passar para os pais os
reultados desta proposta - denominada Projeto Refazer - que fora desenvolvida de
maio a novembro de 2007 e que chegara ao seu termo com o último encontro com
os grupos de alunos
197
.
Vários aspectos se destacaram ao longo deste encontro: inicialmente a
dinâmica
198
e o entrosamento da equipe que o dirigia, o cuidado com a preparação
do material (data show) utilizado na apresentação, a qualidade do trabalho
realizado nos encontros com os alunos e a participação reduzida dos alunos
repetentes nesta proposta.
A seguir, uma síntese da dinâmica da reunião: (a) Apresentação da equipe;
(b) Início dos trabalhos abordando personagens da história da humanidade que
teriam “aberto caminhos” ou se referido a caminhos nas suas obras: Dante,
Drummond, Tom Jobim, Cristóvão Colombo e Marco Pólo; (c) Apresentação do
perfil das séries e dos grupos que participaram do projeto; (d) Relato dos objetivos
e das dinâmicas dos 13 encontros semanais que aconteceram com os alunos; (e)
Apresentação da avaliação do projeto feita pelos estudantes; (f) Apresentação da
avaliação do projeto feita pelas orientadoras e análise dos resultados escolares dos
alunos que participaram dos encontros e (g) Momento para os pais exporem suas
opiniões.
Foi frisado que o trabalho não chegou pronto, foi montado passo a passo
pela equipe. As dinâmicas propostas aos alunos eram interessantes e com
197
A reunião começou um pouco atrasada por conta de ajustes nos aparelhos utilizados para o data
show e foi realizada numa sala denominada de Sala Rosa. Esta sala possui mesas e cadeiras de
plástico resistente, dois ventiladores, uma TV 29', quadro de giz e janelas grandes com persianas.
Juntamente com a Sala Branca, localiza-se num dos pátios internos da Unidade, no andar térreo.
Estavam presentes duas funcionárias da Informática, três funcionárias do SESOP (a orientadora
responsável por todo o 1º ano do Ensino Médio, a responsável pelos 8º e 9º anos da manhã e a
responsável pelos 8º e 9º anos da tarde) e 14 responsáveis. Um pouco antes da metade do encontro,
chegaram a chefe do SESOP do Humaitá II e a chefe geral do SESOP do Colégio Pedro II.
198
Cada orientadora educacional havia realizado encontros semanais com seu grupo de alunos. Elas
se revezaram na exposição, todas utilizando o data show com imagens, frases e músicas. A sequência
da apresentação foi montada a partir de um livro da Ana Maria Machado - Abrindo Caminho, do qual
as orientadoras usaram imagens e personagens para abordar tópicos que selecionaram para expor aos
pais.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
161
objetivos bem claros, tais como: elaborar metas para o sucesso acadêmico,
trabalhar a autoconfiança para as novas situações, refletir em dupla ou
individualmente sobre escolhas, justificando-as argumentativamente, refletir sobre
o desempenho na 1ª certificação, avaliando este desempenho e elaborando
possibilidades de mudança, visualizar a imagem que têm da escola, refletindo
sobre o “real” e o “ideal”, vivenciar dificuldades e desafios de uma disciplina,
praticar e refletir sobre a importância da leitura atenta, refletir sobre suas
características pessoais e avaliar sua rotina, estabelecer relações entre a discussão
do grupo, sua vida acadêmica e suas escolhas, projetar sua vida para os próximos
seis anos e avaliar sua participação no projeto.
Dentre as atividades desenvolvidas pelos alunos, destaco os trabalhos
feitos na dinâmica A escola que temos e a escola que queremos. Usando técnica
de recorte e colagem, eles buscaram soluções de encontro entre o “ideal” e o
“real” dentro das possibilidades oferecidas pela escola. O 9º ano apresentou uma
solução intermediária entre a seriedade do Ensino Médio (pensando na
profissionalização) e a ludicidade do 8º ano, que queria na escola um grande
parque de diversão com piscina, TV e cinema. O 9º ano queria mais
computadores, mais possibilidades de ensino de línguas e, ao mesmo tempo,
lanche como o do Mc Donald na cantina.
Outro momento interessante da reunião foi a projeção do material
produzido pelos estudantes ao término do projeto, pois foram expostas suas
mensagens em forma de postais e explicadas as cartas que fizeram para outras
escolas, sugerindo que estas fizessem esse trabalho.
A exposição das avaliações feitas pelos alunos, com a permissão dos
mesmos, comprovou a importância da iniciativa da escola, que, ao entender a
reprovação como algo que extrapola os aspectos cognitivos, pôs em prática uma
proposta para trabalhar outras circunstâncias que envolvem esta situação,
propiciando um lugar para que os alunos falassem e refletissem sobre a sua
condição de repetentes. As orientadoras destacaram que os alunos que
participaram do projeto tiveram melhoria no rendimento escolar.
Os pais agradeceram muito pelo trabalho, pois apesar de os filhos
contarem o que acontecia, só naquele momento tiveram a visão do que era, de
fato, a proposta da equipe. Uma mãe expôs que seu filho comparecera com febre
aos encontros e outra disse que aquele momento semanal era o único dia em que o
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
162
filho conversava com alguém que o entendia. Agradeceram pela parceria
importante e fundamental com a escola
199
. Havia 14 responsáveis presentes,
apenas três pais se manifestaram, as poucas intervenções foram emocionantes.
Ao final da reunião, alguns ficaram conversando com as orientadoras.
A partir dos dados expostos na reunião, preparei a seguinte tabela:
Tabela 14 - Alunos da Unidade Humaitá II participantes do Projeto Refazer / 2007
Série/ano
Repetentes na série Participantes do Projeto Refazer
8º 34 5
9º 21 4
1º e 2º 28 6
Total
83 15 18%
Fonte: SESOP (Setor de Supervisão e Orientação Pedagógica) da Unidade Humaitá II
Constata-se que apenas 18% dos repetentes do 8º ao 2º ano tinham
participado das dinâmicas, as orientadoras gostaram de saber este percentual
porque não tinham feito esta conta. Quanto ao 9º ano, soube que no 1º semestre
havia 10 alunos participando e no 2º, apenas quatro. Segundo a orientadora,
embora tenha havido um núcleo que participou de todos os encontros, o problema
desta série foi a queda da frequência e a frequência irregular, pois como ela não
era obrigatória, sua diminuição perpassou os três grupos. Ter arrumado uma
namorada e o envolvimento com trabalhos da escola foram alguns motivos
alegados pelos alunos para não frequentarem. Quem ficou participou com muito
interesse e parece que esta motivação se refletiu nos responsáveis, já que,
comparando sua presença na reunião com o total de alunos participantes do
projeto, verifica-se que apenas um responsável não compareceu.
No item sobre avaliação, provas e apoio, também verificamos uma
frequência bem pequena de alunos nas aulas de recuperação, que são oferecidas
por alguns professores durante todo o ano, e por outros, apenas no período entre o
conselho e as provas de recuperação, em torno de dez dias (duas semanas).
Obviamente que se trata de um desafio para a Unidade, conforme opinado
por uma técnica de assuntos educacionais que trabalha no SESOP, investigar as
199
Numa das propostas da dinâmica do momento de avaliação realizada pelos alunos, eles refizeram
o percurso de cada dinâmica, montando individualmente uma árvore. As orientadoras acentuaram o
significado dos troncos das árvores para os alunos, pois representava como eles se sentiram
sustentados pela família e pela escola.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
163
causas do desinteresse por parte da maioria dos alunos nas atividades de
recuperação, como no projeto com os repetentes, desenvolvido pelas orientadoras.
A segunda observação de interação entre os pais e a escola ocorreu durante
uma reunião com os responsáveis de alunos do 9º ano que não tinham apresentado
bom resultado no 2º trimestre de 2008
200
. Este encontro foi organizado pela
coordenadora do 9º ano e pela orientadora da série, mas contou com a presença da
coordenadora de Língua Portuguesa para tirar possíveis dúvidas dos pais dos
alunos referentes ao conteúdo, aulas, avaliação e professores da disciplina
201
.
Na seção sobre o trabalho de Língua Portuguesa ficou explicitada minha
avaliação da participação positiva da coordenadora da disciplina nesta reunião, ela
propiciou a discussão de temas muito interessantes com os pais - a proposta de
Língua Portuguesa da escola, a formação do leitor crítico, a escolha dos livros de
literatura, a ousadia do processo ensino-aprendizagem, etc., sem abrir mão do que
é considerado prerrogativa da escola (escolha do método, do material, do
conteúdo...). Por parte da coordenadora e da orientadora, ambas do 9º ano, a
atitude foi a mesma, como veremos a seguir.
No início da reunião, contei 31 responsáveis, o que representava 19% dos
alunos do 9º ano. Este encontro também foi marcado pelo entrosamento da equipe
que o dirigia e pelo cuidado com a preparação do material (data show) utilizado
na apresentação. A reflexão fundamental do encontro era O que a gente pode
fazer para melhorar a situação dos meninos? - e teve a seguinte pauta: (a)
reflexão; (b) objetivos; (c) perfil das turmas (pontos positivos e dificuldades); (d)
estratégias e (e) dinâmica dos atendimentos nas disciplinas em que os alunos
apresentavam dificuldades.
Para o primeiro momento - o momento da reflexão - foram projetados
slides com imagens que davam a sensação de estarem se mexendo ou que
poderiam ser vistas de várias formas. A intenção era discutir que um mesmo fato
era passível de vários olhares, a escola e a família precisavam, portanto, fazer uma
parceria para que tudo corresse bem. O final do 2º trimestre e o início do 3º eram
200
Estes alunos obtiveram, nas certificações do 2º trimestre, resultado inferior a 5,0 pontos (não
ponderados) e foram encaminhados a uma Prova de Recuperação.
201
No capítulo sobre o processo ensino-aprendizagem, esta reunião foi relatada como exemplo de
uma das estratégias do Departamento de Língua Portuguesa para reforçar, junto aos responsáveis,
disposições valorizadas pela disciplina.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
164
cruciais, não poderiam desfocar, “vamos juntos olhar numa mesma direção”
(orientadora do 9º ano).
Em seguida, foram projetadas as dificuldades detectadas pela escola: não
realização dos deveres de casa, empenho por parte dos alunos apenas para
alcançar o mínimo exigido pela escola, alunos com falta de material, sem hábito
de leitura, com atrasos e faltas (principalmente no 1º tempo de aula aos sábados) e
o trimestre cortado pelas férias.
Entendendo a escola como um lugar de confrontação de modos de
socialização divergentes, sendo o modo de socialização escolar, considerado
hegemônico, Thin (2003) considera que as tensões e contradições entre as lógicas
da escola e as lógicas de suas famílias são a fonte das dificuldades escolares de
filhos de camadas populares.
A observação desta reunião nos faz aventar a hipótese de que esta
confrontação de práticas socializadoras, mesmo que com consequências outras,
acontece também com alunos/famílias de outras camadas da sociedade
202
, que não
sejam as populares. Percebi confrontação entre as lógicas escolares e as lógicas de
alguns pais presentes à reunião, também não necessariamente conflituosas, como
o próprio autor afirma poder acontecer.
Na apresentação das dificuldades do trimestre e discussão de formas para
superá-las, os pais estavam muito à vontade para fazer todos os tipos de
questionamento, um responsável perguntou, inclusive, como era feito o
levantamento das dificuldades apresentadas pelas coordenadoras.
Na continuidade da reunião, duas mães questionaram o conteúdo e a
elaboração das questões da prova de História, levantando a hipótese de que o
aluno poderia até ler e entender o que estava sendo pedido, mas não teria
maturidade para responder:
“... não basta o aluno ler e entender, exige certa maturidade. Como um menino
de 14 anos vai falar da era JK”?
“E na hora da avaliação, está se levando em conta o nível do aluno”?
202
A simples observação dos 31 responsáveis presentes à reunião não permitia conclusões precisas
sobre sua situação socioeconômica. Havia responsáveis mais arrumados (sem ostentação de riqueza)
e responsáveis com indumentárias mais simples (sem demonstrar pobreza), alguns se colocavam com
desenvoltura e outros se mantinham calados. Podemos deduzir que havia diversidade de origem
socioeconômica no público presente, até em função desta ser uma característica do alunado da
Unidade, como vimos no capítulo sobre os agentes escolares.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
165
Referindo-se, ainda, às questões das provas de História (decoreba x
discursivas), os pais se mostraram contrários às questões de decoreba, mas
apontaram a dificuldade de certas questões discursivas: “Meu filho sabe a
matéria, é o tipo de pergunta”.
Além destes questionamentos, por iniciativa da coordenadora de Língua
Portuguesa, debateu-se o que é a leitura, a importância do interesse pela leitura e a
dificuldade com o texto de Machado de Assis.
Num ambiente de tranquilidade, a coordenadora do 9º ano deu explicações
sobre as cinco disciplinas citadas pelos alunos na avaliação do trimestre
203
. Em
seguida foram dadas sugestões para as famílias atuarem na superação das
dificuldades
204
e explicadas as estratégias
205
da escola junto aos alunos.
Foram feitos esclarecimentos sobre as decisões em relação à série que
cursariam no ano seguinte: o 1º ano do Ensino Médio
206
.
Reitero que a equipe (coordenadora do 9º ano, orientadora do 9º ano e
coordenadora de Língua Portuguesa) não teve dificuldades em ouvir as
reclamações e/ou ponderações trazidas pelos responsáveis, discutindo, inclusive,
atuação de professores contratados e comprometendo toda a escola no
acompanhamento do trabalho dos docentes. Decerto, por estar menos sujeita “às
forças de mercado e mais à normas, decretos e leis” (Lacerda & Carvalho, 2007)
governamentais, a Unidade Humaitá II poderia prescindir do debate com as
famílias sobre o processo de escolarização dos alunos. Observou-se, no entanto,
203
(a) Música – conversaram com a professora e constataram que não havia só decoreba na prova,
como os alunos tinham apontado, havia pequenas questões discursivas; (b) Inglês – o da escola é o
instrumental, não é o inglês de cursinhos; (c) Francês – não tiveram aula de revisão antes da prova, o
professor viajou, foi fazer um curso. Os ajustes serão feitos para o 3º trimestre; (d) Português –
dificuldade de leitura do livro Esaú e Jacó.
204
Pontualidade e assiduidade, trazer para a escola o material solicitado, realizar as tarefas propostas,
elaborar um horário de estudo diário, criar hábitos de leitura, frequentar os atendimentos (aulas de
recuperação no período anterior às provas) para sanear as dúvidas e compreender a importância da
rotina acadêmica.
205
Devolução à turma das observações compartilhadas no 2º COC, continuidade na comunicação
com as famílias no que diz respeito ao não cumprimento das tarefas escolares, continuidade do
acompanhamento do trabalho dos professores pelo SESOP, coordenação de série e coordenação de
disciplina e atendimento individual com responsáveis de alunos que apresentarem baixo rendimento.
206
A escolha de uma língua que tem que ser feita para se estudar até o final do Ensino Médio, a
decisão ou não por dois cursos técnicos (Informática e Meio ambiente), que são oferecidos em São
Cristóvão e no Engenho Novo (quem optar por esses cursos tem que mudar de Unidade). O
Convênio com o CEFET (os alunos que forem aprovados estudam nos dois estabelecimentos
simultaneamente), com a PUC – Iniciação à Engenharia, etc.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
166
que a equipe partilhou com os pais vários assuntos debatidos no conselho de
classe e respondeu com segurança a todas as questões, não se esquivando dos
pontos polêmicos. A relação família-escola expressa neste encontro supõe um
nível de interação caracterizado por uma postura de profissionais atuando como
servidores públicos encarregados do cumprimento de um dever do Estado, que é
proporcionar a igualdade de condições de acesso e permanência na escola
207
.
E, apesar das coordenadoras terem feito algumas recomendações como
trazer para a escola o material solicitado, realizar as tarefas propostas, criar
hábitos de leitura, etc., não se avaliou que fosse a mesma postura observada na
equipe que dirigiu a reunião de pais que aconteceu na confessional 2, outra
instituição do grupo de escolas investigada pelo SOCED. Nesta reunião, o grupo
de pesquisa teve a impressão de que os profissionais “ensinavam” aos pais como
educar seus filhos; abordou-se, por exemplo, a necessidade dos alunos dormirem
determinadas horas, o que supunha “o controle pelos pais sobre os filhos no uso
do computador e na televisão” (Mandelert, p.111, 2005).
Para o conjunto das nove escolas que participaram do survey do Soced, o
oferecimento de boa formação cultural foi a razão mais decisiva (90%) na escolha
da escola dos filhos. Para os pais do Humaitá II, em primeiro lugar, apresenta-se o
fato de ser uma escola de prestígio (93,4)
208
. Esta diferença em relação às demais
escolas participantes do survey pode ser interpretada pela expressão que o Colégio
Pedro II possui no campo escolar, reconhecido como um estabelecimento detentor
de um poder simbólico notabilizado por sua história e tradição. As famílias
buscariam esta característica escolar que distingue os alunos do Colégio Pedro II.
Para Bourdieu (1999), mais importante que passar rela instituição escolar, é passar
por instituições escolares de prestígio (capital simbólico).
Nas duas reuniões analisadas neste texto, ratificamos que não havia uma
busca de culpados para o baixo rendimento dos alunos, antes se investiu numa
207
Os pais podem ser enfocados como consumidores (Ballion, 1982), como parceiros (Epstein,
1991), como educadores (Meighan, 1986), como clientes (Munn, 1993), como gestores (Munn,
1993) ou ainda como consumidores-cidadãos (Woods, 1992), dependendo da posição teórica
assumida (Silva 2003). Para outros níveis de interação entre famílias e escolas verificados nas outras
escolas investigadas pelo SOCED, ver Lacerda e Carvalho (2007).
208
As outras opções de resposta para a questão de razões de escolha da escola eram: estudou na
escola, métodos de ensino, fica perto de casa, é uma escola de prestígio, oferece boa formação
cultural, pelas relações sociais, boa aprovação no vestibular, garante o aprendizado de outra língua,
parceira na educação do filho, recomendação de amigos e orientação religiosa. Para cada opção o
responsável respondente deveria marcar sim ou não.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
167
parceria escola e família para que os estudantes pudessem recuperar-se. Esta
relação de parceria com os pais foi detectada no survey / SOCED; ela está
presente “em uma forma de lidar com as atividades e exigências escolares
adequada à construção da autonomia dos estudantes” (Lacerda e Carvalho, p.8,
2007). Também as opiniões de funcionários e professores entrevistados, sobre as
relações família-escola, coincidiram com outras questões surgidas nas análises do
material empírico do SOCED.
Dos 12 entrevistados, apenas quatro se manifestaram sobre a relação com
os pais
209
, e as opiniões foram um tanto divergentes, esta relação foi qualificada
desde inexistente, tensa, complicada, positiva até necessária, como veremos a
seguir.
Uma coordenadora analisa que no 6º ano há uma presença mais forte dos
pais, no entanto, quanto mais o aluno vai avançando nas séries, esta presença vai
diminuindo incrivelmente. No Ensino Médio, principalmente, procuram pouco a
escola, nas reuniões do início do ano participa um grupo pequeno, ao longo do
ano “quando procuram é para fazer uma reclamação do professor. Dificilmente
eles querem estabelecer o diálogo no sentido de acompanhar mesmo seu filho e
ver como estão as coisas”. Foi procurada poucas vezes e sempre pelo final do
ano, porque o aluno estava com a corda no pescoço.
Na opinião do inspetor de alunos, também falta um pouco de empenho das
famílias no acompanhamento dos filhos na escola. Os responsáveis são
convocados para reuniões e não podem comparecer. Ele argumenta que alguns
alunos relaxam nos estudos e chegam a ser jubilados, mais à frente se arrependem
muitíssimo. Para Viana (2005), a noção de “mobilização escolar” por parte da
família tem sido compreendida “como atitudes e intervenções práticas voltadas
para o rendimento escolar dos filhos, comportamentos e atitudes que mostram ser
mais característicos das camadas médias”
210
(p.108, 2005).
209
O roteiro das entrevistas foi elaborado a partir da matriz inicial de observação - que incluía as
relações estabelecidas na escola, as percepções dos agentes sobre o ambiente institucional e as
características do corpo docente. Quando questionava os entrevistados sobre as relações
estabelecidas na escola, exemplificava com variadas possibilidades (relações com os alunos,
docentes, técnicos, direção, equipe pedagógica e pais) e eles se manifestavam à vontade.
210
Vianna propõe a hipótese de que no interior dos processos de socialização familiar podemos
encontrar pistas para o reconhecimento de formas específicas de presença das famílias populares na
escolarização dos filhos (não necessariamente mobilização escolar stricto sensu).
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
168
Em outras duas entrevistas, as professoras – uma delas também
coordenadora - passaram a impressão de que a relação com os pais de certa forma
as ameaçava. A primeira afirmou que o professor precisa de proteção, haveria
complicações que se dão, justamente, por conta da maior entrada que os
responsáveis têm tido no Colégio. Entrada que, na sua opinião, tem sido
respaldada pelo judiciário, que desconheceria, de maneira absoluta, o que significa
uma escola e uma relação professor-aluno e tenta gerir e intervir sobre decisões
adotadas. A segunda demarcou que os pais cobram trabalho de casa, cobram os
valores de testes, opinam sobre o material didático, opinam sobre o conteúdo, etc.
Discorda destas cobranças dos responsáveis, nem sempre justas, serem
respaldadas pela equipe escolar
211
.
Em oposição ao entendimento anterior, uma outra coordenadora/professora
acrescentou que, de modo geral, o Colégio é muito aberto e aponta como positiva
a entrada das APAS (Associação de Pais)
212
, porque “o professor era o todo
poderoso”. Isso teria dado mais ponderação e possibilitado olhar o aluno como
um todo:
Ver aquela menina que, digamos, com treze, catorze anos, mas que toma conta
de dois, três irmãos menores também. (...) O aluno que, de repente,
temporariamente, o pai está desempregado ou a mãe desempregada ou os pais
estão se separando.
Da parte da direção da Unidade, apareceu uma quarta avaliação do
relacionamento da escola com os pais. As afirmações foram feitas em função de
indisciplinas cometidas pelos estudantes. Ouvi o adjunto da noite comentar que a
escola tem uma gradação dentro das suas sanções e que no caso de se dar, por
exemplo, uma suspensão para um aluno, a família lamentavelmente não encara da
mesma forma, não vê como a escola, que tenha havido uma falta grave. Não
211
Relatou o episódio de um teste que planejara e que fora questionado pelos responsáveis:
“Falaram com a Direção, que falou com o Sesop, que falou com a Direção, que falou com a
Coordenação”, que ligou para a casa dela e conversou com ela durante 2h30min. Quando chegou no
dia do teste, a coordenadora a abordou, ela reclamou, disse que era pressão. A coordenadora
confirmou, mas disse que pediram para ela fazer esta pressão. A turma, por sua vez, disse que ela não
daria o teste e ela deu. Em outra ocasião, foi questionada por um trabalho que passara. Recebera um
e-mail da coordenadora de série chamando para a reunião de pais, depois a orientadora da série a
aconselhara a não ir. Foi e era a única professora presente, foi questionada pelo resultado e ainda não
havia corrigido o trabalho.
212
Connell et al. (1995) chamam atenção para o que denominam de ignorância mútua – o que as
famílias e as escolas pensam umas a respeito das outras. Declaram que, exceto pelos responsáveis
que são ativos na escola por exercerem cargos em Associações de Pais e Mestres, os pais têm poucas
oportunidades de saber o que acontece nas salas de aula, salas dos professores e nos pátios do recreio.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
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haveria concordância em relação à gravidade das atitudes dos alunos, teria “que ter
uma consonância de entendimento do que é uma falta grave”, o pai não considera a
iniciativa da escola e a desqualifica.
Em outro momento, a diretora me relatou resposta dada por um
responsável (de aluno do 6º ano), quando atendeu a telefonema da escola e tomou
consciência de problema grave envolvendo seu filho. A mãe pedira: “Ele não está
falando comigo, fale com ele, por favor”. Na sua avaliação, os pais estavam se
eximindo das suas responsabilidades e passando-as para a escola.
As reclamações sobre a delegação da educação dos filhos às escolas foi
uma das observações mais frequentes dos agentes escolares em todas as nove
instituições investigadas pelo SOCED.
Retorno ao clima positivo de relações entre estas duas instâncias de
socialização – família e escola - presente nas reuniões do Humaitá II. Devido à
posição de hegemonia ocupada pela escola e autoridade pedagógica atribuída aos
seus profissionais, as famílias presentes poderiam sentir-se pouco à vontade no
contato com o estabelecimento escolar (Rocha & Perosa, 2008). Não foi, no
entanto, o que aconteceu na escola pesquisada. Não estando descartada a
possibilidade de constrangimentos de ambas as partes, frisamos que há atualmente
um relativo acordo entre os autores de que os valores e objetivos da família e da
escola estabelecem uma complexidade e, por vezes, uma assimetria na sua relação e
não podemos considerá-las apartadas de suas condições históricas e socioculturais.
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4.2
Relações alunos e escola
213
Nas conversas informais com os alunos, foram registradas reclamações dos
funcionários, envolvendo impaciência e intransigência por parte dos mesmos:
Tipo, outro dia, estava calor. Eu cheguei no corredor e fui abrir a janela, que
fica em frente à outra porta, que aí, circula o ar. A inspetora que estava na
mesa dela, virou e falou assim:
Caraca, essa garota quer me provocar
. Eu só
estava abrindo uma janela no corredor, tinha voltado do recreio. Ela começou
a gritar, todo dia é a mesma coisa! Começou a gritar do nada, sabe?
Tem funcionário aqui que é insuportável.
[risos]
A questão é que chegou um novo inspetor dizendo que as meninas não podem
abraçar os meninos, ele fala que é regra do Colégio. Eu juro que já li a listinha
de regras do Colégio e não tinha que as meninas não podem abraçar os
meninos... Mesmo assim ele sempre está querendo fazer a coisa certa, mas ele
não sabe, assim, que no nosso Colégio, os tempos já mudaram, não é que nem
antigamente.
E houve também demonstração de satisfação com a afabilidade de outro:
Na 5ª série tinha o [nome do inspetor], ele até já saiu daqui e foi pra outra
Unidade. Só que, tipo assim, o [nome do inspetor] era aquela pessoa que você
passava o recreio conversando. Ele tirava advertência, sabe?! Quando ele
sabia que era ‘advertência coisinha’, ele chegava e falava: - ‘Essa vai pro
arquivo’. Botava na gaveta.
O inspetor entrevistado, que já trabalha na Unidade há 17 anos, teve
experiência com alunos de várias séries e estava com o 9º e o 1º ano do Ensino
Médio há três anos, fala do relacionamento com os alunos. Reconhece que, às
vezes, extrapola, mas “é pro bem do aluno entendeu”? Diz que às vezes altera o
tom de voz e que já pediu desculpas a aluno.
Eu, quando estou aqui, sou mais odiado do que amado. Porque eu sou do tipo
que quer o bem deles, então eu trabalho jogo duro com eles. (...) Jogo duro,
mas no fundo o coração partido. Aí, quando eles saem daqui, eles me abraçam.
Fazem a maior festa quando estou na festa junina. Eu acho isso maravilhoso,
chego até a me emocionar, às vezes quase choro com eles no dia.
213
Serão abordadas aqui as relações dos alunos com professores, funcionários, direção e com os
próprios colegas. Na seção em que foram analisadas as oito aulas observadas, já iniciamos a
análise sobre a qualidade das relações entre professores e os alunos.
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Fala de um que estudou há muitos anos e que todo ano traz a caderneta
para lhe mostrar a única advertência que tomou da 5ª série até o 3º ano, e que foi
ele quem deu. “Já está homem formado”, abraça e levanta o inspetor e diz: “Mas
eu aprendi com isso, desse dia em diante eu senti a força do Colégio Pedro II”.
Quanto ao relacionamento com a diretora, as opiniões dos alunos não
foram consensuais, uns se ressentiam das exigências, para outro parecia que ela
não tinha iniciativa e para um terceiro ela colabora com o Colégio.
A diretora me odeia. Às vezes reclama que estou sem emblema, sem caderneta.
Essas coisas normais.
Um exemplo: terça e quinta não estava tendo merenda porque a merendeira
estava doente, toda vez que a gente vai reclamar ela fala a mesma coisa que a
gente já sabe de cor, há muito tempo, coisa de três, quatro meses.
Ela sempre fala a mesma coisa.
Parece que ela não faz nada. Se ela [a merendeira] está doente, sei lá, liga pra
Secretaria de Educação! [inaudível]
Ela é exigente, mas se você, por exemplo, eu tenho reunião com ela: - “Ah
professora, a gente tá querendo colocar um bicicletário no Colégio”. Ela: -
“Ah, legal. Fala com tal pessoa, ele vai te ajudar”. Se você parar e conversar
com ela sobre alguma coisa de interesse do Colégio ela é legal.
Neste último exemplo, creio que pelo fato de o aluno fazer parte do
grêmio, teve oportunidade de relacionar-se com a direção em outro patamar. Em
relação à adjunta, parece que a proximidade afetiva que mantinha com os alunos
fazia com que as exigências não incomodassem tanto:
A [nome de uma diretora adjunta], ela é legal.
Porque ela entende você, ela não vai olhar teu histórico. Ela vai te olhar pelo
que você realmente é. Ela não vai te bloquear, ela vai te atender.
Ela é aquela pessoa que ri pra você. Se você fizer alguma coisa errada, ela vai
brigar.
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172
Essa opinião se estende por outras séries. Ao final de 2007, vi alunas do 3º
ano cobrando desta adjunta o seu não comparecimento à colação de grau, diziam
que tinha havido referência ao seu nome durante a cerimônia
214
.
No tocante as relações no ambiente escolar como um todo, foi feita uma
crítica aos professores, incluindo também a diretora e outros profissionais. Os
alunos se sentem censurados:
Eu acho que a gente poderia falar o que a gente acha dos professores, assim,
sem temer tomar uma advertência...
Ou deles marcarem a sua cara...
Deles se sentirem...
Ou de ficarem ofendidos por qualquer coisa, diminuir a nota, não dar os dois
décimos para passar de ano no final. Sabe, podia chegar pra ele e falar, olha...
Poder falar com o professor ou com o diretor e a pessoa não ficar triste, e
nem...
Eles se ofendem com o nosso tom de voz, isso é incrível!
As pessoas têm que lidar com a verdade, entendeu? Porque se você não levar
como ofensa e levar como uma crítica construtiva, a gente pode mudar o
Colégio. Mas os professores não veem assim, os professores veem como
ofensa.
Então, se você dá a sua opinião e se expressa com uma coisa que você sabe
que pode melhorar e você é censurado, eu acho que isso é uma coisa que pode
prejudicar muito. Porque a gente está aqui e a gente é a escola, se não tivesse
a gente aqui, não teria escola. Então, as coisas têm que ficar, mais ou menos,
de um modo que dê pra gente... A gente podia dar a nossa opinião sem ser
censurado, entendeu?
Quando perguntei se tinham oportunidade de falar essas coisas com
alguém, de serem ouvidos, citaram a orientadora educacional do 9º ano:
A [nome da orientadora], ela é... Ela sempre vai na turma, pergunta...
É. Ela chega para saber como estamos nos sentindo, como foi a avaliação, o
que foi mais difícil. Ela pega os representantes, bota para fazer uma lista, se
oferece para conversar com todo mundo. Mas também, foi só nesse ano,
porque nos outros anos, não chegava nem perto da gente.
214
Segundo Bressoux (2003), o papel dos diretores adjuntos seria importante, mas pouco estudado.
Os alunos apresentariam um comportamento pior e menos progresso nas escolas onde eles são
ausentes, em contrapartida, se o diretor divide com ele certos poderes e solicita que tome parte nas
decisões, isto favorece o progresso dos alunos.
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173
Nos dois semestres (em 2007 e 2008) em que estive pesquisando na
escola, vi que a orientadora citada trabalhou apenas com o 9º ano, talvez por esse
motivo não tivesse estado com esses alunos anteriormente. Quando a aluna fala
que a orientadora “pega os representantes de turma, bota para fazer uma lista”,
está se referindo aos encontros que ela promove com estes alunos para preparar
sua participação no COC. Mas, antes disso, ela passa nas salas para auxiliar as
turmas na discussão sobre as questões do período que está findando
215
.
A funcionária do SESOP refere-se ao conselho de classe (COC) como o
grande momento pedagógico da escola:
(...) é o lugar mais democrático dentro do Pedro II, do ponto de vista
pedagógico, onde todo mundo se encontra (...) os representantes de turma, os
professores. É um lugar em que a gente sabe que tem um cano estourado não
sei onde, que os alunos odeiam a cantina, que o aluno quer votar, que o aluno
está indo mal não sei onde (...)
Quando pergunto como as pessoas recebem as falas dos alunos, a
entrevistada reflete que acha até audaciosa essa participação, porque “tem aluno
que vai de igual pra igual com o professor, em qualquer série”. Uma coisa que na
sua época de estudante jamais seria possível, a gente encarar o professor na
frente de todo mundo”. Esclarece que os estudantes são diretos, querem que
melhore a aula, discutem, consideram o espaço como deles, cobram: “Eles [os
professores] têm que ajudar a gente, têm que fazer um bom trabalho”.
Já foi dado destaque à relação que o SESOP mantém com os alunos.
Observei que seus funcionários eram constantemente procurados pelos alunos
para tratar de uma variedade de questões relativas a rendimento, comportamento,
problemas com professores, formatura, convênios do Colégio, etc
216
. Este setor
atende a alunos, pais e professores. Alguns dos seus funcionários são ligados à
parte técnico-burocrática do processo de ensino e avaliação (por exemplo,
organização do calendário de provas) e outros, como a funcionária citada pelos
alunos, são os orientadores educacionais.
215
No COC, os representantes de cada turma falam sobre o trimestre que está terminando, explicam
como está a turma, do que mais gostaram e do que menos gostaram.
216
Avisos que constavam num dos murais do Sesop: (a) sobre os vestibulares da PUC, UERJ,
IBMEC e FGV; (b) resultado do simulado do 3º ano; (c) calendário escolar; (d) horário de
aprofundamento e atendimento do 3º ano; (e) 2ª chamada da 2ª certificação e (f) um cartaz da
‘Univercidade’ informando que os alunos do CPII têm acesso direto aos seus cursos.
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Ratificando o que já foi manifestado no início deste trabalho, percebe-se
que o setor é uma referência para os alunos, que por lá transitam com toda a
liberdade. Nele trabalham 12 pessoas, depois do Setor de Disciplina, que possui
16 funcionários, é o segundo setor com o maior quantitativo de funcionários da
Unidade.
O depoimento de uma aluna que participou da reunião promovida pelo
SOCED
217
, na Unidade, coaduna-se com a fala dos alunos que citaram a
orientadora educacional do 9º ano:
A orientação educacional aqui é forte. A [cita o nome de uma orientadora] nos
ajuda a não repetir. Dá sempre um toque. (...) Por mais que o professor seja
atento, ele não consegue dar conta de todo mundo.
Em 2007, participei do lanche promovido pelo SESOP para alunos
repetentes - dos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e do 1º ano do Ensino Médio
- que haviam integrado o Projeto Refazer
218
. O encontro teve um clima de
cumplicidade, os estudantes (não passavam de 15) e as orientadoras estavam
muito à vontade e entrosados, como de praxe acontece em grupos de convívio
prazeroso
219
.
No Humaitá II, além da colaboração entre professores, constatamos a
colaboração entre as orientadoras educacionais que, compromissadas com os
vários aspectos que envolvem o processo de ensino e aprendizagem, mobilizam-se
para desenvolverem a sua prática a partir de uma relação de troca. O planejamento
coletivo do trabalho, numa perspectiva de experimentação e avaliação, é um fator
consensualmente considerado necessário para uma educação de qualidade
(Pedrosa, 2007), cujas repercussões aparecem nas conversas com os alunos do 9º
ano quando se referem à orientadora educacional da série.
217
Assim como foi feito em dois outros estabelecimentos investigados pelo Soced, parte da equipe
do grupo de pesquisa esteve na Unidade Humaitá, em 20/2/2008, e realizou uma reunião com os
professores para passar os resultados do survey de 2004. três alunos participaram, à convite de seus
professores.
218
Projeto analisado no início deste capítulo. De maio a novembro de 2007, tinham acontecido 13
encontros semanais com os repetentes das séries citadas, o lanche, preparado com esmero pelas
orientadoras, finalizava as atividades com o grupo: dois quiches, frutas (melancia, melão, uva e
tangerina), salgado tipo cachorro-quente, hamburguinho, bolo de brigadeiro, sorvete de chocolate e
vários refrigerantes. As frutas foram doadas pela Cobal do Humaitá, a orientadora é freguesa de lá.
219
O lanche estava exposto (não era exatamente um almoço) e cada um se servia.
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175
4.2.1
As regras e a conformação das relações
Todavia, esses mesmos alunos apontaram problemas em relação às regras
da escola, com flagrantes consequências na relação com alguns agentes escolares.
As regras são claras, mas não são para todos: “Se é pra um deve ser pra todos”!
Os alunos demonstram um mal estar com esta questão, falam ao mesmo tempo,
ficam inquietos.
Na relação com os funcionários, reclamam que acontece de um
funcionário “cismar com a pessoa” e aplicar as regras para essa pessoa em
especial. “Eles marcam a cara da gente e às vezes é até implicância, aqui no
Colégio têm muitos funcionários que têm implicância, entendeu”?
Nas exigências quanto ao uniforme estariam as maiores instabilidades de
aplicação das regras. “O tênis que eu posso entrar na aula de Educação Física, eu
sempre entrei na aula de Educação Física e depois descubro que não posso
entrar no Colégio porque tem uma coelhinha azul”. Na opinião de alguns alunos,
a escola “vai pelo bonitinho. O uniforme é mais importante do que estudar”. (...)
Querem que só entre de tênis preto”, mas alguns andariam com o tênis todo
branco todo dia e não acontecia nada. “Outro pode vir com um tênis da cor do
arco-íris”, alguns passam “com um tênis roxo”! Outro poderia “ser barrado” por
um detalhe branco:
Um dia me pararam porque o meu tênis tinha um trocinho colado, vermelho,
no meu tênis preto: Não, não pode entrar não. E eu:
Ah, isso é sujeira
.
ele: Ah tá, pode.
Eles mandam a gente para casa, a gente perde um dia letivo, a gente perde
matéria, por causa do uniformezinho que não está direitinho, sem o
embleminha, que não está com o alfinetinho, isso é ridículo!
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176
Acontecia também do aluno ser mais educado, falar bom dia e eles darem
“uma aliviada”
220
. Outro exemplo de regra mal cumprida diz respeito à grade do
corredor das salas de aula: “começou o recreio eles fecham”, mas se o aluno
quiser entrar, entra. Basta argumentar com o inspetor e “se eu chegasse na sala,
visse um celular em cima da mesa, pegasse o celular e fosse embora, acabou, não
iam fazer nada”. Referiram-se a roubos de celular e de ipod:“O Colégio não é
organizado, sabe”?!
Com os professores também havia conflitos, no tocante à aplicação das
regras:
Eu acho que eles têm que cobrar mais as regras e de uma maneira como um
todo. Chega um dia que alguém joga um giz num professor, aí leva
advertência, chega outro dia alguém faz a mesma coisa e não acontece nada.
Tem que impor as regras direito.
Reclamaram de precisarem descer até o corredor, devido à falta de água no
bebedouro, “mas tem professor que não quer deixar você beber água, reclama
com você por que não tem água naquele andar, olha que coisa”! Assim como
tem professor que quando o aluno pede para ir ao banheiro, pergunta: “Tá
apertado”?
Acontece da “turma inteira estar fazendo zona” e o professor pegar
alguém para mostrar para turma. Citaram uma professora que dava quatro
advertências por aula, era a “Furacão Al Jack, igual um furacão mesmo”. Para os
alunos era um hobby que os prejudicava. “Compreenda, três advertências é uma
suspensão”. Agravado pelo fato da pessoa que toma muita advertência, “ficar
meio tachada”. Haveria um conceito formado por rotulação a partir do que os
outros falam.
220
Pude presenciar esta instabilidade na aplicação das regras relativas ao uniforme. Estando na
Unidade num dia bem tranquilo, pois após a 3ª certificação não tem mais aulas, apenas vista de
prova e aula de apoio, encontrei a responsável pela direção (a diretora estava com o 9º ano no
passeio a Paraty), tomando conta do uniforme de alguns alunos que estavam chegando para o 2º
turno. A coordenadora comentou que havia alunas de chinelinho de dedo e com blusa diferente, e que
acabara de mandar uma aluna do Ensino Médio, que morava perto da escola, ir se trocar. Justamente
o que a coordenadora estava tentando controlar, tinha chamado minha atenção naquele dia, no 1º
turno: vira uma aluna em sala de aula, de chinelinho. Tinha escapado da vigilância, não sei se havia
outros, mas coincidiu com o comentário que os alunos fizeram sobre regras, “elas não se aplicam a
todos”.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
177
Relatarei dois episódios de indisciplina envolvendo os alunos mais velhos,
porque no seu desfecho ficou evidenciada a maturidade por parte destes (no
primeiro episódio). Observei, também nestes acontecimentos, um pouco de
inoperância por parte dos adultos da instituição frente a um problema de mais
difícil controle (no segundo episódio) e um processo de escuta dos agentes
escolares por parte da direção da Unidade para encaminhar desdobramentos que
se fizeram necessários.
Percebi que o clima do 3º ano do Ensino Médio se caracteriza por emoções
e anseios que eles extravasam ao longo do ano, paralelamente aos sentimentos
gerados pela evidência de que há uma fase da vida se fechando e o início de um
momento mais voltado para responsabilidades que incluem, entre outras coisas, o
concurso do vestibular, há a certeza de que seu tempo no Colégio está prestes a
terminar. A excitação domina o ano letivo, a maneira que encontraram para lidar
com este momento inclui alguns rituais de passagem
221
.
Na Unidade Humaitá II, eles costumam promover uma guerra de água que
se inicia nas salas de aula e se desdobra nos pátios do andar térreo. No ano de
2007, acompanhei de longe o acontecido com o 3º ano do 2º turno: os alunos
tinham alagado várias dependências da escola, um vidro e os óculos de um aluno
haviam sido quebrados, a cantina ficara sem funcionar e os alunos do 3º turno
ficaram prejudicados.
Isto aconteceu no dia 5 de setembro de 2007, no dia 20 do mesmo mês vi
uma carta dos alunos do 3º ano da tarde (anexo 5) no mural da sala dos
professores. A maturidade da carta é tocante, os alunos pedem desculpas à
direção, ao corpo docente, ao corpo escolar e aos funcionários pelo ocorrido,
mostram-se cientes da sua responsabilidade e prometem ressarcir o Colégio por
todos os danos materiais. Quanto aos “morais, muito mais difíceis de serem
ressarcidos”, ajudarão no que for possível. Afirmam que não tinham a intenção
de praticar atos de vandalismo, era uma espécie de festa entre eles mesmos, a
ideia era de uma simples brincadeira que tomou proporções imprevisíveis e assim
eles se manifestaram:
221
Na Unidade São Cristóvão III, a piscina costuma ser liberada um dia, ao final do ano, para o 3º
ano fazer um churrasco de despedida e, invariavelmente, muitos mergulham de roupa. Ao longo do
ano, permite-se que todo o grupo da série use uma camisa de malha branca no lugar da tradicional
blusa do uniforme, a camisa é a mesma para todos, mas possui dizeres e desenhos inventados por
eles.
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Queremos através desta carta pedir desculpas à Direção da Unidade e dizer
que em nenhum momento nós desejamos desrespeitá-los (...) Durante o tempo
que estudamos aqui, sempre tivemos uma relação boa e de confiança (...) Não
queremos ficar marcados negativamente pelos funcionários deste Colégio (...)
Ao deixarmos o Colégio ao final deste ano de 2007, não queremos que se
lembrem de nós por esse ocorrido, e sim pelas boas coisas que fizemos e pelos
ótimos alunos e pessoas que somos, da mesma maneira como sairemos daqui,
em nossa maioria, com ótimas recordações e histórias, além de uma excelente
formação.Mais uma vez, pedimos desculpas pela dimensão que tomou a nossa
brincadeira. O que fizemos não será esquecido rapidamente, mas a história
não termina aqui e nós pedimos que não nos marquem por isso.
Esta carta representa a maturidade dos alunos, que ao invés de apostarem
no esquecimento, já que deixariam a escola dali a dois meses e vários outros
grupos os sucederiam, preferiram enumerar seus atos, assumir publicamente os
ônus decorrentes e desculpar-se com todos.
Entendo esta reação como um produto do processo de socialização que
vivenciaram na Unidade. Suas ações têm seu ponto de referência na visão de
mundo do seu grupo de pertencimento. O processo de interiorização de ideias
passa por um elo afetivo que cria laços entre os indivíduos e a comunidade a qual
estão integrados (Ewald & Soares, 2007). Na carta desses alunos, além do desejo
de serem desculpados, emite-se claramente o desejo de não ficarem “marcados
negativamente pelos funcionários” do Colégio. Talvez por terem vivenciado na
Unidade Humaitá II o sentido da perpetuação e da reverência ao passado, já que
não estariam instituindo o presente da escola porque se tornariam ex-alunos,
queriam estar à altura deste passado que passariam a constituir, sendo lembrados
“pelas coisas boas” que fizeram.
Um mês depois, estes alunos participavam efusivamente da quadrilha de
despedida na festa junina da Unidade (em 20/10/07). Prova de que se chegou a um
bom termo
222
. Mas este episódio não impediu que o 2º ano do Ensino Médio de
2007 (3º em 2008) protagonizasse seu ritual no ano seguinte, o qual acompanhei
de perto.
Apresento de maneira resumida o que anotei no meu caderno de campo:
222
Mesmo desfecho não teve caso semelhante ocorrido, também em 2007, no CAP-UFRJ, conforme
noticiado na coluna de Anselmo Góes, do jornal O GLOBO, em 14/12/2007. Em nota intitulada
“Juventude rebelde”, o articulista relata que este estabelecimento escolar havia cancelado a colação
de grau da 3ª série do ensino médio porque, no último dia de aula, os alunos fizeram muita bagunça,
colando, inclusive, saliência nas salas de aula.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
179
A diretora não se encontrava na escola. Quando alguém avisou o que estava
acontecendo, eu estava na sala das adjuntas, a pessoa que se levantou,
imediatamente, afirmou que não sabia o que fazer, mas foi de encontro ao
problema. Acompanhei de longe o desenrolar dos fatos. Alunos,
provavelmente do 6º ou 7º ano, corriam, com medo de serem molhados. Outros
pareciam deslumbrados com as cantorias e gritos de guerra do 3º ano que
estava isolado, no meio do pátio coberto. Havia uma rodinha com uns 25 alunos
molhados. Apareceram sacos de farinha de trigo, a farinha foi jogada para o
alto. Uma pessoa recolheu um saco com um resto de farinha. Um saco repleto
de bexigas cheias de água, de garrafas pet vazias e de máscaras do “Pânico” foi
arrastado por um adulto para a sala da direção.
De repente, todo o 3º ano foi caminhando pelo pátio interno da Unidade, em
direção ao portão de saída
223
. O grupo se dirigiu para o pátio externo sem
maiores problemas. Começaram a cantar, dizendo que queriam suas mochilas,
percebi que receberam ordens para ficar entre o portão da rua e a grade que dá
acesso ao pátio interno. A guarda ficou em pé, segurando o portão de acesso
para o interior da Unidade, não demonstrava exaltação, apenas preocupação,
mas estava com a função de impedir que retornassem. Outro portão do pátio
interno foi fechado com cadeado, mesmo que os alunos retornassem, não teriam
acesso a todos os espaços da escola.
Alunos de outra série que estavam com as mochilas e não deveriam ter mais
aulas, reclamavam e diziam que deveriam fazer um protesto porque eles não
podiam sair da escola por causa do 3º ano. Não sei se receberam mesmo ordem
de não sair ou se deduziram que o 3º ano parado no pátio externo se tornara um
obstáculo. Fica evidente que quanto mais novos os alunos, mais impressionados
ficam com a bagunça do grupo de maiores.
Alguém comentou que haviam jogado um galão de água do segundo andar em
cima de uma aluna do 6º ano, mas não a atingira. E parece que dessa vez não se
quebrou nada, mas o pátio estava sujo e molhado, não sei as salas de aula.
Os homens da limpeza – que obviamente não são responsáveis pela disciplina -
ficaram olhando de longe, esperando meio que alguma ordem, depois se
dirigiram para a sala da direção, carregando sacos de lixo com as mochilas do
3º ano, que foram recolhidas das salas.
Enquanto ainda havia várias providências a serem tomadas, e uma delas era
organizar a saída do 3º ano (o que uma pessoa fez sozinha) que estava vindo em
grupos pegar as mochilas que tinham sido guardadas na sala da direção, um
grupo de adultos estava justamente neste espaço, conversando, por vezes de
maneira exaltada, bastante indignados com o acontecido. Ficou um falatório
intenso, dava para escutar uma parte do que estavam falando, falavam alto.
Havia indignação por nenhum funcionário ter visto aluno entrar com um galão
de 3 litros de água, que não cabe na mochila: “Funcionário tem que funcionar,
não funcionou vai para Realengo. (...) É assim que eu faço no condomínio lá
do prédio”.
Uma pessoa achava que, em episódios assim, tinha que chamar a polícia, sem
concordância por parte dos outros.
Uma funcionária afirmava o tempo todo “que só foi lá por causa da [nome da
adjunta]. E meu estado emocional, onde que fica? Não tenho mais idade para
isso não, só fui por causa da [nome da adjunta]. E o pior é ter que proteger os
outros, ter que proteger os pequenos”.
223
Reconheço uma aluna que atuou ativamente no processo de eleição para Diretor Geral, ela está
absolutamente molhada. Vem à frente de um grupo, parece uma liderança. Quando me vê, também
me reconhece e pergunta se quero um abraço, e, antes que eu responda, aproxima-se e me abraça.
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Soube nesse mesmo dia que uma das adjuntas tinha o costume de
promover várias atividades com o 3º ano - festinha, recreio estendido, etc. - e que
não havia necessidade deles se comportarem assim, mas o fato é que eles
reincidem. Ficou a impressão de que a Unidade não estava preparada para um
problema que, pelo visto, não é raro acontecer (a guerra de água do 3º ano), como
se ainda não houvesse reflexão acumulada sobre como agir diante deste tipo de
indisciplina.
O que me chamou atenção foi o fato de poucos adultos se envolverem na
resolução do problema, isto é, irem para o pátio agir com os alunos. Na verdade,
vi apenas três pessoas atuando diretamente na confusão. Algumas pessoas ficaram
olhando de longe, poderiam ser funcionários da secretaria e do setor de recursos
humanos, ninguém se aproximou para falar com os alunos ou oferecer ajuda.
Também não vi nenhum professor ir para o pátio para colaborar, a guerra de água
começara justamente no início do recreio.
Uma semana depois, uma das pessoas que tinham agido na hora da
confusão, parece ter tido uma avaliação próxima da minha, pois comentou: “Nós
professores temos que participar da solução, do que fazer. Há falta de limites,
acham que podem tudo [os alunos], a direção está preocupada, eles são
suspensos e aí nada acontece”.
A direção da Unidade levou a discussão para os COCs do 3º ano (manhã e
tarde), sua posição era de que não houvesse formatura, por fim decidiu-se manter
a cerimônia, mas de modo absolutamente formal, sem o direito de se fazer o de
costume: gravações, várias falas, mestres de cerimônia, diversos oradores, etc. O
que, para os alunos, imagino que tenha sido uma tristeza, visto prezarem muito
esses rituais de despedida do Colégio.
Há uma concordância entre os pesquisadores sobre a importância de a
escola funcionar como uma unidade coerente, com normas e regras claras, aceitas
pelo pessoal e também pelos alunos
224
, para se ter bons resultados formativos e
cognitivos: delinquência menos frequente e melhores resultados nos exames
(Bressoux, 2003). Parece que na Unidade investigada não há uma coesão em torno
da aplicação das regras e por isso algumas parecem inconsistentes para os alunos.
224
Na escola confessional onde o SOCED também realizou trabalho de campo, os agentes escolares
pareciam sintonizados na promoção do cumprimento das normas estabelecidas pela escola. Em
situações do cotidiano escolar, assumiam atitudes que consideravam adequadas, mesmo quando as
questões não lhe diziam respeito diretamente (Carvalho & Canedo, 2009).
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Apesar de não ter presenciado, nas aulas observadas, dissensão em relação às
regras que devem vigorar naquele espaço, os alunos reclamaram deste problema
com os funcionários.
Provavelmente, os alunos do Humaitá II – pelo menos os do 9º ano - não
teriam problemas com procedimentos institucionais que contribuíssem para um
bom clima disciplinar, pois escolheram para homenagear na sua cerimônia de
formatura, justamente uma professora que trabalhava com regras bem “rígidas”
nas suas aulas
225
. No seu discurso, na cerimônia de formatura, a professora
demonstrou que se surpreendera em ser escolhida:
Uma surpresa muito grande, tal a quantidade de regras que eu estabeleço logo
nos primeiros dias de aula. (...) Não pode vir sem material, não pode
conversar, não pode dormir, não pode fazer bagunça, não pode pegar o celular
e muito menos ele tocar e é impensável o aluno atender (...) Passado esse
primeiro impacto, que é certamente negativo, que eles têm ao meu respeito, a
gente começa a construir uma relação de companheirismo e a minha maior
preocupação é desenvolver um respeito mútuo, tanto da minha parte como da
deles. E por isso eu me submeto às mesmas regras que estabeleço para eles.
4.2.2
Escola: um lugar para se estudar / um lugar para se fazer amigos /
um lugar para não se esquecer
“A gente tem oportunidade que os outros não têm.
Nós somos privilegiados, essa é a palavra”.
(Aluno do 9º ano)
“Todo o resto sabe, eu adoro essa escola, não sairia daqui por nada”.
(Aluna do 9º ano)
Quando perguntei aos alunos como se relacionavam com os colegas, se
tinham amigos, afirmaram conhecer tanto o pessoal das suas salas, quanto o
pessoal de outras salas, “quanto o pessoal do terceiro ano e do turno da manhã”:
225
Eu havia entrevistado essa professora e quando comentara durante a entrevista que achara os
alunos disciplinados e respeitosos, ela revelou um pouco do seu manejo de classe. “Então não pode
chegar atrasado. Se chegar depois que eu cheguei e fechei a porta, ele não entra. No início eles
reclamam muito. Eles vão reclamar de mim para [nome da diretora]. Eles tentam criar um tumulto.
Só que esse é um aspecto importante. Quem define a dinâmica da sala de aula é o professor. Então,
nesse aspecto, a direção sempre me deu apoio. Então, eu sei que em outras escolas eu não poderia
tomar uma atitude desse tipo. Mas aqui eu tomo e sou respeitada”.
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Eu sou amigo de todo mundo. (...) O legal nesse Colégio é que eu não conheço
ninguém que deteste muito alguém. Todo mundo se suporta, é legal com o
outro, fala.
E quando inquiridos sobre o que gostariam que não mudasse nunca no
Colégio, respondem sem titubear: “o ambiente familiar e o entrosamento”.
Destacam os eventos que são feitos pra entrosar o pessoal do Colégio:
“campeonato, essas coisas de equipe, grêmio, coral”... Dessa forma, o colégio
não fica “aquela coisa”. Afirmam não ir para o Colégio porque seus pais os
obrigam. Vão para o Colégio porque vão estudar, “porque é para o meu bem”.
Tem hora que eu apareço aqui não pra estudar, mas pra ficar conversando.
A gente passa uma boa parte da nossa vida aqui (...) eu gosto muito, eu gosto
muito mesmo de estar no Pedro II. (...) Assim, eu fico vendo as atitudes das
outras pessoas que estudam em outro colégio e é muito diferente, fora o nível
de ensino, é claro, porque a escola, com certeza, contribui com a pessoa,
entendeu, com o caráter da pessoa e eu acho que a gente é muito, realmente,
privilegiado de estar aqui. Até dos defeitos eu aprendi a me acostumar.
Além das amizades, têm consciência da formação que o Colégio lhes
proporciona:
O aluno que estuda aqui realmente é mais mobilizado para vários tipos de
assuntos, sabe? A gente está querendo discutir sobre a política, sobre várias
coisas aqui, acho que o Pedro II é um grande caminho de quem consegue.
O Colégio contribuiu muito com o que a gente é, eu acho isso, eu sempre vejo
assim”.
O que eu não mudaria seria o método de ensino do Pedro II, que é muito bom,
eu acho que todos os professores, a Pedagogia está passando por uma fase em
que está muito difícil conseguir um professor bom. Então, eu acho que o Pedro
II é ótimo.
As palavras dos alunos falam por si, são depoimentos - tal qual dos alunos
da primeira metade do século XIX - eloquentes porque traduzem a sensação de
identificação com o que a escola representa e o orgulho de se sentir parte de algo.
O senso de pertencimento é considerado uma característica do clima favorável ao
sucesso escolar e, no caso da Unidade Humaitá II, não planejado, mas forjado –
entre outras coisas - nas amizades, nos relacionamentos sustentadores que lá
nascem e se perpetuam, por isso não querem que mude “o ambiente familiar e o
entrosamento” e não sairiam dali “por nada”.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
183
Teixeira Lopes (1997) demarca que estudos demonstraram a importância
dos cenários de interação escolares na formação de grupos de amigos. A escola é
“o contexto onde se conhecem os amigos e se desenvolvem os rituais
correspondentes” (idem, p.127). Cartazes
226
próximos ao elevador, feitos por
alunos e dirigidos aos alunos, são evidências de que, na Unidade Humaitá II,
estudo e convívio encontram associação.
O primeiro cartaz continha uma pergunta: “Você acha natural que um negro
não goste de brancos? Vote aqui”. Não sei quais seriam os desdobramentos da
enquete, mas era interessante por colocar em evidência um aspecto identitário. Um
segundo cartaz avisava que o Cineclube convidava os alunos para assistirem ao
filme “Notícias de uma guerra particular”. Seria passado em duas sessões (12h e
18h15min). Este cartaz chamou atenção pelo conteúdo e pela forma
227
(anexo 7).
O filme era um documentário realizado em 1998/99 e, como está no cartaz
feito pelos alunos, “é um amplo e contundente retrato da violência no Rio de
Janeiro (...) tornando patente o absurdo de uma guerra sem fim e sem vencedores
possíveis”. Era uma iniciativa que se ajustava à percepção que eu possuía do
Grêmio do Humaitá, os alunos se organizarem para a projeção deste filme com um
tema polêmico e atual. Em outra oportunidade, observei um cartaz avisando que
estavam abertas as inscrições para o Festival da Canção do Colégio (anexo 8). Esses
convites, concretizados nos cartazes postos na escola, são exemplos de estruturação
de uma “ética de convivialidade” (Teixeira Lopes, p. 128, 2003), comprovando que
a instituição investigada é um local para se estudar e para fazer amigos.
Neste contexto, destaca-se a atuação do grêmio estudantil da Unidade
Humaitá II, que recebe o nome de Marco Nonato da Fonseca, em homenagem a um
estudante da Unidade que morreu durante a ditadura militar, representando os ideais
de luta sempre presentes nesta agremiação (Almanaque Histórico, 2007). Grêmios de
outras Unidades Escolares do Colégio já sofreram intervenções das respectivas
direções, sendo monitorados de toda a forma possível e por vezes impedidos de
226
Cartazes, murais, jornais escolares, etc. são documentos performativos porque consagram
simultaneamente a ação e a interpretação da ação, seriam a imagem do que de si próprio se quis
(Sarmento, 2003).
227
Tratava-se de um cartaz simples, mas muito bem feito: logo abaixo do nome do filme vinham
informações sobre o gênero, origem, ano, duração e direção. Com letras um pouco maiores, uma
sinopse do mesmo, acrescentando que fora eleito um dos melhores filmes brasileiros contemporâneos
pela Revista de Cinema e vencedor da competição nacional de documentários do festival É TUDO
VERDADE.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
184
funcionarem. Experiência desconhecida para os alunos do Humaitá II
228
, o que
demonstra que a Unidade não retira as dimensões juvenis do estudante. Uma
coordenadora avalia que o aluno do Humaitá “tem um pouquinho mais de liberdade,
digamos assim, talvez um pouquinho mais de voz do que nas outras Unidades, certa
possibilidade de atuar dentro dos grêmios, de ir à sala de aula, etc.”.
Teixeira Lopes (2008) critica a sobre-escolarização que aliena o jovem,
que vê o estudante como aluno e não como jovem, fazendo uma restrição da sua
vida e dos seus mundos.
4.2.3
O protagonismo discente na trama escolar
Eu fico muito orgulhosa de fazer parte dessa plêiade de professores
que ensinam para todas as classes sociais.
(Professora e Coordenadora de Música)
“Muitos deles são muito apegados à escola. Eu adorava minha escola,
mas essa paixão que esses meninos têm é inexplicável”.
(Professora do Ensino Médio)
Os depoimentos expostos nesta seção nos levam a aventar a hipótese de
que as características do aluno do Colégio Pedro II e a sua identificação com o
que a escola representa, conformam – provavelmente também em outras Unidades
do Colégio -, as expectativas dos agentes e são determinantes para compor um
ambiente de pró-aprendizagem.
Nas entrevistas efetuadas, as declarações que denotavam mais entusiasmo se
referiam às particularidades na relação com os alunos.
A Diretora Geral demarca uma mudança grande do tempo em que foi aluna
para os dias atuais
229
, que diz respeito à proximidade na convivência do aluno
228
Excetuando-se o período entre 1964 e 1979, Hauer (2008) investigando os efeitos das diversas
ações repressivas e controladoras no Colégio Pedro II durante a ditadura militar, registrou que a
partir do Ato Institucional n.º5 (AI-5) os grêmios foram fechados, os jornais foram proibidos de
circular e mais de cem alunos foram impedidos de prosseguir seus estudos no Colégio, devido às
atividades políticas nos anos anteriores. Para a repressão, o Colégio era um dos focos de
subversivos. Em documentos do DOPS constatava-se que o Colégio Pedro II preocupava os
Serviços de Informações, pelo fato de ter no seu quadro discente “lideranças estudantis que, em
muitos momentos, capitaneavam o movimento secundarista no Rio de Janeiro” (op.cit., p. 280,
2008).
229
Cursou o antigo ginásio na Unidade Escolar Engenho Novo (de 1961 a 1964) e o antigo científico
na Unidade Centro (de 1965 a 1967).
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
185
com o professor e com a direção. Outros professores ressaltaram que a relação
com os estudantes é perpassada pelo amor e identificação que estes possuem com
o Colégio e acaba sendo beneficiada por esses sentimentos:
É uma coisa inigualável, não conheço nenhuma escola que tenha esse senso de
identidade, esse senso de pertencimento tão grande. Ela é amada e isso acaba
acontecendo também de certa forma pelo corpo docente e tal.
Na percepção dos professores, a diversidade do corpo discente e a
identificação que possuem com a escola são um dos aspectos que determinam o
caráter de excelência da instituição
230
:
A gente pode partir de uma questão que, a meu ver, é bastante positiva no
Colégio Pedro II como um todo, e no Humaitá em especial, que é a idéia da
diversidade. Eu digo assim no corpo discente! Você tem, no caso do Humaitá,
um grupo bastante representativo de pessoas de classe média e até de classe
alta que vem através do concurso, tiveram possibilidade de estudar em
melhores colégios e tudo o mais. E convivem com pessoas de outras classes
que entraram ou por concurso ou que vieram desde o Pedrinho, entraram por
sorteio. E você consegue ter dentro de sala de aula um convívio muito amplo
entre diferentes classes e de alguma forma, de diferentes experiências
culturais. Acho isso muito rico, bastante enriquecedor para todos os lados! O
professor acaba, de alguma maneira, sendo beneficiado. Eu vejo dessa forma,
na medida em que, ao trabalhar os textos, suas propostas, ele pode ter ali um
microcosmo de alguma forma da sociedade. (Coordenadora/Professora de
Língua Portuguesa)
Uma professora afirmou que as vagas, sendo preenchidas por sorteio e por
concurso, “dão um clima ao Colégio, um diferencial dos outros colégios de
qualidade”:
Uma das coisas que eu fico até arrepiada e me emociona. Eu sempre falo isso
com amigos, com colegas, e uma das coisas que me gratifica como professora,
(...) de ver filhos de porteiros, de faxineiros, pessoas muito humildes, fazendo
esse percurso lado a lado com o filho do advogado, do dentista, do artista,
entendeu? Do pequeno comerciante como do grande comerciante. Porque eles
mandam seus filhos para cá porque eles estudaram aqui. Então o que nós
vemos é um convívio muito bonito, muito legal, em que eu fico, assim,
fascinada. Eu não vejo dentro das turmas separação por causa de classe
social. Eu não vejo. (Coordenadora/Professora de Música)
230
A experiência e a excelente formação dos professores, o currículo escolar, a direção e as
condições do Humaitá II foram os outros fatores que, na opinião dos professores, determinam o
caráter de excelência da instituição.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
186
A Diretora Geral analisa que na Unidade Centro, o ingresso de alunos se
dava marcadamente por concurso
231
, e por isso os professores acharam que a
“escola foi ficando quase sem diferença das escolas particulares”. O perfil do
Colégio “foi ficando muito de garoto da escola particular e trazendo alguns dos
problemas, inclusive disciplinares”, como falta de educação e certo desrespeito
pelo professor. O Colégio estaria tomando um rumo elitizado, “não
intelectualmente, elitizando, vamos dizer, pelo poder econômico”. Em 1984, o
Colégio passou a ministrar aulas para o 1º segmento do Ensino Fundamental, e,
para este nível de ensino, os alunos passaram a ingressar por sorteio
232
.
Uma das entrevistadas reportou-se ao que presenciou no início do
Pedrinho da Unidade Engenho Novo (1986), quando viu as primeiras levas
entrarem na quinta série antiga, e expõe que se reclamava muito dos alunos que
vinham da Unidade I, formavam-se turmas separadas e eles eram mais
indisciplinados. Mas acrescenta que os professores percebiam “que os alunos que
vinham de concursos, muitas vezes, eram treinados. Eram muito treinados para
concurso. (...) Não necessariamente tinham uma desenvoltura da inteligência”.
Hoje esta questão estaria mais diluída, principalmente nas Unidades onde as
turmas são misturadas (alunos de sorteio e alunos de concurso).
Na avaliação da Diretora Geral, o perfil economicamente elitizado do
Colégio se modificou a partir dos anos 2000. Relembra que, a partir de 2004, 50%
das vagas dos concursos de admissão ao 6º ano do Ensino Fundamental e 1º ano
do Ensino Médio passaram a ser destinadas para alunos oriundos de escolas
públicas, o que trouxe mais diversidade ao alunado
233
.
231
A Diretora Geral trabalhara de 1973 a 2002, na Unidade Centro.
232
O Colégio Pedro II teve suas oscilações ao longo da história, oscilações estas ligadas às mudanças
na forma de ingresso dos alunos e às mudanças dos níveis de ensino oferecidos, conforme exemplo
dado pela Diretora Geral. Como desdobramento da Reforma de Ensino da Lei 5692 de 1971, que
exigia que as escolas tivessem o 1º grau (atual Ensino Fundamental) contínuo, a direção do CPII da
época optou por fechar este segmento porque achava que o Colégio não tinha perfil para o novo nível
de ensino, consequentemente os concursos pararam para não se descumprir a lei. Durante uns três
anos foi ministrado apenas o Ensino Médio. “Isso foi a pior coisa que poderia ter acontecido. O
Colégio esvaziou de uma forma que foi assim, pois só para fazer o 2º Grau, as pessoas não se
interessavam”. Em 1980, o 2º segmento do 1º grau voltou e os alunos eram admitidos através de um
convênio com a Secretaria Municipal de Educação (que encaminhava os alunos com conceitos B e A
para ingressarem na 5ª série). Em 1981 começou a haver problemas na indicação desses alunos que
estavam chegando com dificuldades e no ano seguinte voltou a ter o concurso, evoluindo-se depois
na idéia de criação dos ‘Pedrinhos’, onde o ingresso se dá por sorteio.
233
Medida tomada inicialmente para o Ensino Médio ministrado em Realengo e depois se
expandindo para os concursos de acesso ao 6º e 1º ano do EM de todas as Unidades Escolares.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
187
Asseverou que sua facilidade de comunicação e seu respeito pelas pessoas,
independentemente de sua origem social, advém da sua criação, mas enfatiza que
o fato de ter convivido, desde menina, no CPII, com “pessoas de todas as
camadas sociais, de todos os bairros”, foi a marca principal que o Colégio teria
lhe deixado:
Na minha turma tinha essa menina que morava em Bangu, que o pai era
açougueiro, tinha outra que o pai era sapateiro. (...) Tinha a menina que ia pro
Colégio de carro com o motorista e o grosso que ia no bonde mesmo. Tinha
filho de professor, de pesquisador, como tinha gente de classe média, pobre
234
.
A amizade que se forjou ali, a gente se encontra até hoje (....).
José Roberto, ex-aluno e atualmente professor do Colégio, ao ser
entrevistado por alunos do Colégio, justifica porque gostava do Pedro II:
Gostava por causa da heterogeneidade dos alunos. Tinha gente de todo lugar e
de todas as classes sociais. (...) Eu vinha de São João de Meriti (...) tinha gente
de todo o tipo, mas não havia discriminação. A gente aproveitava os tempos
vagos para ficar batendo papo”(...). (Almanaque Histórico, 2007)
Uma ex-aluna respondendo ao mesmo grupo que entrevistou o professor
José Roberto, comentou sobre seu tempo (1985 – 1991) no Colégio:
Um Colégio onde pessoas de diferentes classes sociais conviviam, aprendendo
a administrar diferenças e também a respeitar essas diferenças. Fazia-se graça
de tudo, mas ao mesmo tempo procurava-se agir seriamente quando era
preciso.. (Erica R. P. Macedo, Almanaque Histórico, p.157, 2007).
O ex-Diretor Geral, também ex-aluno, dizia: “O Pedro II é como um corte
da sociedade brasileira. Aqui convivem crianças e jovens de todas as classes
sociais” (Almanaque Histórico, 2007, p.60).
Tive oportunidade de testemunhar a heterogeneidade de origem social na
composição do corpo discente da Unidade Humaitá II, em diversos momentos.
Um deles se deu ao final da cerimônia de formatura do 9º ano, em dezembro de
2007. Estas cerimônias de formatura do CPII costumam ser feitas no Auditório
Mário Lago, que fica no Complexo Escolar de São Cristóvão. Ao final do evento,
a saída ocorreu lentamente porque o auditório de 800 lugares estava quase
tomado. Numerosas famílias se dirigiam para os seus carros e combinavam idas
234
Lembremos que no período em que a Diretora Geral esteve no Colégio como estudante (1961 a
1967) não havia sorteio de vagas ou cota para escola pública, como expediente de ingresso de alunos
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
188
para restaurantes como o Outback, por exemplo. Outras, no entanto, saíram a pé
pela calçada do Campo de São Cristóvão, como vi mãe e filha, sozinhas, indo para
o ponto de ônibus.
A positividade da diversidade do corpo discente é citada tanto nos
depoimentos recentes como nos mais remotos. Observamos que a dessemelhança
na origem do alunado e a integração que existe entre eles, aparecem no
testemunho de cinco professores, como um fator determinante para a formação
dos estudantes e para a qualidade de ensino. Cabe relembrar que, além do Colégio
passar a admitir, em 1984, a entrada de alunos para o atual 1º ano do Ensino
Fundamental, através de sorteio, teve também, na década de 1980, a entrada de
alunos (para o atual 6º ano) através de indicações da Secretaria Municipal de
Educação. E mais, de 1982 a 1989, segundo informação da Diretora Geral, houve
reserva de vagas para alunos carentes nos concursos de admissão para a antiga 5ª
série e 1ºano do EM. Bastava comprovar que a família tinha renda de até três
salários mínimos e não tirar menos que cinco nas provas. Registra-se, portanto,
que na Educação Básica, o Colégio Pedro II foi precursor na iniciativa de política
de cotas, inicialmente para alunos de baixa renda
235
e, em seguida, para alunos
oriundos de escolas públicas.
Estas iniciativas potencializaram a diversidade que já era uma
característica da instituição desde o século XVIII
236
, podendo, assim, ser
relacionada como uma das singularidades da Unidade Humaitá II e do próprio
Colégio, como vemos relatada na crônica Os meninos do Pedro II, de Gastão
Penalva, publicada no Jornal do Brasil em 1 de dezembro de 1937:
235
As cotas para alunos carentes vigiram até 1989, quando morreu o Diretor Geral (Professor Tito)
que as implantara no Colégio. A entrada do novo Diretor Geral (Professor Chediak) ocorreu logo
após a promulgação da Constituição de 1988 que, no seu entendimento, impedia este tipo e iniciativa.
236
Auferindo mais informações que sustentem a afirmação de que a diversidade na composição do
alunado é uma singularidade encontrada no Colégio há muito tempo, remontamo-nos ao século
XVIII. O Colégio Pedro II originou-se do Seminário de Órfãos de São Pedro, criado em 8 de junho
de 1739, transferido em 1766 para capela de São Joaquim. Depois da transferência para São Joaquim
encontramos três classes de alunos internos: os pensionistas, pagando 60$ anuais; os meio-
pensionistas, 30$ e os gratuitos. Não foi possível saber o número de alunos do Seminário São
Joaquim, apenas se conhece a determinação do Bispo D. José Joaquim Justiniano Castello Branco de
20/07/1777, marcando em 26 o número máximo de gratuitos (Galvão, 2003).
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
189
“Foram muitos. Inúmeros. Aos milheiros. Ondas humanas. Carneiradas imbeles
que embatiam todos os anos, numa sizigia pontual e farta, contra aqueles
paredões vetustos do velho templo de S. Joaquim. (...) Ágeis, lestos, infantis
nas palavras e nos gestos, céleres e rumorosos pelas escadarias carcomidas,
humildes uns, outros ao peso de genealogias sonoras” (...). (Anuário do Colégio
Pedro II, vol. X, 1944)
Os professores declaram que não encontram esta característica em outra
instituição. Nos colégios da “classe A”, seriam raríssimos os alunos que não
pertencem a esta camada social, e nas outras escolas públicas, “que foram
relegadas a décimo plano pelos governos, que é a escola do filho do
trabalhador”, não encontraríamos alunos mais abastados. Por isso, a afirmação de
que esta mistura “não existe em colégio nenhum do Rio de Janeiro” e é
determinante para a identidade do Colégio Pedro II:
É que estou querendo continuar contribuindo e fico muito feliz com essa
democratização da cultura, da música principalmente. Eu fico muito orgulhosa
de fazer parte dessa plêiade de professores que ensinam para todas as classes
sociais. Para alunos do Santa Marta, do Chapéu Mangueira. Tem aluno aqui
do Tavares Bastos, da Rocinha, como alunos de classe média altíssima do
Leblon, etc. e tal. (...) Então, com isso, para mim, eu tenho muito orgulho de
dizer que eu sou professora do Pedro II.
Acrescentam que seus alunos conseguem ingressar nas Universidades
Públicas e que têm uma base muito boa, “que não é tecnicista”. Uma professora
analisa que os alunos que têm pais com um nível socioeconômico elevado, ou de
classe média, têm melhores condições de acompanhar o processo de aprendizagem
do que outros, mas defende que o Colégio oportuniza a ascensão social:
Então eu fico emocionada com alunos que tenho no nono ano, que têm nível de
excelência, que são filhos de porteiro, de empregada doméstica. Eu acho que
isso é precioso. Que o colégio dá uma oportunidade de mudança de vida a
essas crianças, de ascensão social efetiva; aqueles que agarram a
oportunidade que receberam com unhas e dentes e conseguem.
A diversidade na origem social, ao ser considerada pelos professores como
um dos aspectos que constituem a reconhecida excelência do Colégio, coaduna-se
com os resultados de uma pesquisa com alunos, pais e professores de dois estados
brasileiros, que considerou a escola de qualidade como aquela em que os alunos
gostam de aprender e onde são bem tratados, não importando sua cor ou origem
social. O gosto de encontrar amigos e colegas, o desejo de aprender e os
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
190
professores que ensinavam bem são relacionados pelos alunos com o prazer de ir
à escola (Gomes, 2005).
A funcionária do laboratório de Informática, também entrevistada,
considera que o Colégio tem um perfil bem diferente das outras escolas públicas
porque possui uma clientela de várias camadas sociais. Acha também que o
uniforme dilui essa diferença, disse já terem verificado isso com os alunos e que
eles acham importante o uso do uniforme pra diluir essa diferença social. “E por
conta disso, claro, entre outras coisas, isso também faz com que os meninos
sintam menos essas diferenças, já que eles convivem no mesmo espaço, tendo o
mesmo tipo de formação”. Esta característica do Colégio facilitaria o trabalho que
o Laboratório faz com alunos de culturas diferentes, de outros países, porque os
alunos do CPII já vivenciam isto no dia a dia.
Uma professora identifica como grande o esforço que o aluno concursado
faz pra entrar no colégio, o que, no seu modo de ver, traz características
específicas para uma parte dos discentes matriculados: “uma elite esforçada, que
é treinada pra fazer uma prova e aí a gente consegue pegar alunos excelentes”
237
.
Esse esforço faria com que este aluno desse valor ao Colégio. Quanto ao aluno
que ingressa por sorteio no 1º ano do Ensino Fundamental, não teria feito o
mesmo esforço, mas o amor, o prazer e o orgulho de estar estudando num Colégio
como o Pedro II seria o mesmo.
Uma professora conclui que, por caminhos diferentes, o Colégio
oportuniza a construção de uma identificação com a instituição:
A maneira como os alunos são apaixonados pelo Colégio. E aí, tanto faz quem
vem do Pedrinho, quanto quem faz o concurso, eu não vejo muita diferença.
(...) Esse é um sentimento que eu nunca percebi em nenhum outro lugar que dei
aula. Nunca percebi e eu vejo como isso é fundamental pra você extrair dos
alunos aquilo que eles podem dar.
Eles se emocionam quando falam do Colégio. Tem situações da gente se
encontrar com pessoas em lugares completamente diferentes. Quando ele sabe
237
Não inquiri em que sentido a professora usou o termo elite, mas conforme esclarecido
anteriormente, a partir de 2004, 50% das vagas dos concursos de admissão dos discentes passaram a
ser dirigidas para alunos oriundos de escolas públicas. Não sei se podemos caracterizar os alunos
oriundos das escolas municipais e/ou estaduais, que conseguem sua admissão no 6º ou 1º ano do EM,
através dessa política de cotas, como parte de uma elite esforçada. Esforçados sim, mas, certamente,
não parte de uma elite econômica. Em 2005, matricularam-se os primeiros alunos concursados que se
beneficiaram da cota de 50% destinada para os oriundos de escolas públicas, eles estão ingressando,
neste ano (2009), no Ensino Médio. Segundo a Diretora Geral, seu rendimento foi acompanhado pela
Secretaria de Ensino e a repetência e evasão deste grupo são menores do que a do grupo que não
ingressou na cota da escola pública e ratifica: “O nível do Colégio não baixou”.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
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que sou professora do Pedro II, ele se emociona falando do Colégio. Isso é
uma coisa que não existe mais. Esse amor, esse carinho, essa identificação com
a escola. Não existe mais em nenhum outro colégio que eu conheça. Eu não
vejo isso.
As turmas do Humaitá II fazem uma avaliação ao final de cada trimestre e
elaboram seu perfil para apresentar nos COCs. “Grande família, muito agitada” e
“Sinto orgulho de dizer que eu conheço essas pessoas”, são duas frases dos perfis
de turmas do 9º ano de 2008. São manifestações, entre muitas outras, que
evidenciam que este corpo discente não se inclui naquele que tende a ser “cada
vez mais, encarado pelos professores como o problema principal da escola”
(Canário, p.71, 2005), porque não corresponde aos casos exemplificados pelo
autor quando procura compreender os processos de mutação da escola.
4.2.4
Ser parte de um lugar
Os lugares e os espaços aos quais pertencemos são os que nos
pertencem por nossa capacidade de apreciá-los e de nos sentirmos
afluentes das suas memórias. Quem sente essa condição pode mudar
sem se exilar. O segredo da estética do pertencimento está na
mobilidade do sentido de pertencer. O espaço de pertencimento não é
um lugar acabado. Ele é âncora, cais, zona de manobra, onde nos
formamos e formamos nossos mundos, descolados do ambiente
imediato.
Quando aprendemos a cultivá-la, abrem-se janelas, porteiras e links
cibernéticos de grande satisfação em nossas vidas
(Paiva, 2008)
No Colégio Pedro II e na Unidade Humaitá II, detectamos a presença de
um sentimento de pertencimento, claramente definido e percebido por todos, que,
na opinião dos professores, potencializa o rendimento dos alunos (Bonamino,
2004; Bressoux, 2003; Costa, 2007; Cousin, 1998; Soares, 2002, etc.).
A Diretora Geral discorre sobre algumas marcas de identidade do aluno do
Colégio Pedro II, pontua que eles se destacam nos debates que participam, nos
projetos de convênios com outras instituições, justamente por terem essa
capacidade de argumentação. Conta que a ABE – Associação Brasileira de
Educação - pedira que a direção indicasse alguns alunos para participarem de um
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
192
debate sobre o vestibular, com alunos de várias escolas. Depois recebera um
telefonema de elogios, dizendo que a argumentação dos alunos do Pedro II tinha
sido assim destaque.
Isso também aconteceu na Fundação Getúlio Vargas, onde começaram a
convidar alunos do Ensino Médio para os cursos de graduação que estavam
criando:
Ficaram encantados, aluno do Pedro II não fica nada a dever a alunos do São
Bento. Isso eu ouvi, aliás, de muitos colegas, professores que trabalhavam nos
dois, no Pedro II e no São Bento. A única diferença é que em um se paga uma
mensalidade cara e no outro não paga mensalidade.
Podemos especular que o senso de pertencimento adquirido pelos alunos
ao longo da sua trajetória no Colégio aliado à imagem positivada que os
professores possuem da característica de dissimilitude na origem social dos
estudantes, conformam expectativas valorosas por parte dos docentes e que
possivelmente exercem efeitos sobre as aquisições dos alunos.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
193
Révia Morena, 2º ano da Unidade Humaitá I - 2008
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
194
O desenho da folha anterior foi feito por uma aluna no começo do seu 2º
ano na Unidade Humaitá I, estava, portanto, em processo de alfabetização. A
criança estava desenhando livremente e sem que ninguém sugerisse, escreveu o
nome do Colégio no começo da folha “Pedro Segundo”; isto quer dizer que no seu
segundo ano no Colégio já subtendera que o Humaitá I era Pedro II. Depois
escreve a “tabuada”, está bem inteligível – Então (emtam) como é que é?
Tabuada: 3 x 9, 27, 3 x 7, 21, - 12, ficam 9, - 8 fica 1. Zum, zum, zum! Paratibum,
Pedro II! Ao final do desenho escreve agenda, desenha uma amiga e escreve
algumas coisas para a menina. Uma criança pequena que está se iniciando na
escrita, tendo oportunidade de escolha, certamente escreverá o que tem
significado para ela.
Similar ao entusiasmo pelo que o Colégio representa, demonstrado pelos
alunos (de qualquer idade) das Unidades Humaitá I e II, somente o entusiasmo
dos ex-alunos do Colégio, como, por exemplo, o prazer da Diretora Geral em
relatar os episódios do seu tempo de estudante do Pedro II. Chamou atenção o fato
de lembrar dos nomes completos de colegas e professores, com os quais conviveu
há mais de 45 anos. Devo frisar também que no dia seguinte a Diretora Geral me
ligou para complementar suas reflexões sobre as marcas do Colégio, pois havia
lembrado que os professores do CPII influenciam positivamente seus alunos para
eles serem professores também
238
. Citou vários exemplos e eu também lembrei de
ter visto alguns ex-alunos, graduandos de licenciatura, na sala dos professores,
para conversar, e estes diziam, bastante orgulhosos, que estavam conversando
com um futuro colega
239
.
Mesmo não tendo seguido a carreira do magistério, ex-alunos são
presenças constantes na Unidade: na festa junina, colaborando com o Grupo
Fazendo Arte e com outros eventos como o Projeto de Leitura Cem anos sem
Machado de Assis
240
·. Neste último, inclusive, constou da programação uma mesa
238
Era o caso da professora que se aposentou ao final de 2007 e que declara na entrevista: “Quando
eu cheguei aqui no Humaitá encontrei minha ex-professora de Geografia. (...) Foi uma emoção
muito grande. E a emoção maior porque ela me conheceu”.
239
Um deles estava no 2º período de História e tinha participado de uma apresentação do Grupo
Fazendo Arte. Estava cercado pelos professores e uma lhe dizia:[Nome do ex-aluno], você não sai
dessa escola! Volta, você pode voltar”. Esta mesma professora comenta que quando pergunta aos
seus alunos do 3º ano o que eles farão na universidade e ouve que farão História ou Filosofia,
costuma falar: “Oi, colega”.
240
As atividades do Grupo Fazendo Arte e O Projeto de Leitura Cem anos sem Machado de Assis
foram abordados no capítulo sobre o ensino-aprendizagem.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
195
redonda com ex-alunos da Unidade intitulada Memórias Póstumas - Ex-alunos
voltam ao Cp2 para falar de suas leituras de Machado. Contou com a
participação de cinco ex-alunos
241
.
O inspetor entrevistado, e que foi citado ainda neste capítulo, quando
indagado sobre a presença de ex-alunos nos eventos do Colégio, disse que
chegava a se emocionar quando encontrava esses ex-alunos nas festas juninas,
muitos alunos já homens feitos vinham abraçá-lo e, às vezes, agradecer pelas
reprimendas que ele havia lhes dado.
Vários autores
242
da área de educação se reportam ao senso de
pertencimento como um fator que confere diferenciação de qualidade aos
estabelecimentos de ensino. Fazendo uma incursão pela literatura para investigar
os efeitos deste sentimento de pertencer e da potencialidade de se sentir parte de
algo, descobrimos que sua importância se espaira por um espectro de estudos que
abrange empresas, memória, consumo, cidadania, prevenção da violência e até o
sentido estético da ideia de pertencimento.
Crônica publicada no jornal O Globo em abril deste ano, referindo-se ao
jogador de futebol Adriano, destaca: “Imperador em Milão, Adriano abdicou de
seu lugar no giardino dei Finzi-Contini do futebol italiano pela sensação de
pertencimento que só seu bairro natal poderia lhe oferecer”.
Clarice Lispector, na crônica “Pertencer”, afirma que pertencer não vem
apenas do fato de ser fraca e precisar se unir a alguém mais forte:
(...) “eu quero pertencer para que minha força não seja inútil (...) A vida me fez
de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu
perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver”.
Estudos têm demonstrado que crianças que têm a rua como ambiente
principal de socialização desenvolvem a capacidade de aproveitar as experiências
de afeto e proteção vivenciadas dentro de seus grupos. São situações onde o senso
de pertencimento a grupos específicos funciona como fator de proteção à
agressão, exclusão e marginalização imposta pela vida na rua (Alves et al., 2002).
241
Um ex-aluno participou da reunião que o SOCED promoveu na Unidade para expor os resultados
do survey.
242
Bonamino (2004), Brandão (2008), Costa (2007), Cousin (1998), Bressoux (2003), Soares (2002),
etc.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
196
Mesmo sendo comprovada a importância do senso de pertencimento,
muitos alunos das escolas públicas não têm oportunidade de vivenciá-lo no
ambiente escolar, porque não usufruem de atividades – culturais, esportivas, de
informática, de apoio - onde possam trabalhar em equipe, desenvolvendo o
pensamento crítico, o senso estético-artístico-cultural e fortalecer a autoestima.
O que os alunos vivenciam no Colégio, que os faz ficarem apaixonados,
certamente inclui o processo de escolarização. Temos, então, uma escola que
forma jovens com competência social, capacidade de empatia e senso de
pertinência ao grupo. Alunos que parecem entusiasmar, também, quem não faz
parte do Colégio:
“Uma das mágoas que eu tenho é não ter sido, na minha infância ou juventude,
aluno do Colégio Pedro II. (...) A rigor não são os professores que me
interessam no Pedro II. Nem os seus problemas de ensino. O que me deslumbra
no aluno do Pedro II não é o estudante, mas o tipo humano. Ele deve ser um
mau aluno (tomara que seja), mas que natureza cálida, que apetite vital, que
ferocidade dionisíaca! Olhem para as nossas ruas. Em cada canto, há alguém
conspirando contra a vida. Não é o aluno do Pedro II. Há quem diga, e eu
concordo, que ele é a única sanidade mental do Brasil. (...) Os outros brasileiros
deveriam aprender a rir com os alunos do Pedro II.”
(Nelson Rodrigues)
4.3
Relações interpares qualificando o ambiente de trabalho
“Eu acho que é difícil falar do Pedro II e não vestir a camisa. Eu sou muito apaixonada
pelo Pedro II e eu aprendi muito aqui. (...) Eu, como profissional, assim, de um lugar, de
uma instituição pública. (...) Então é como se eu tivesse dentro da minha casa. Eu fico
mais tempo aqui do que na minha própria casa”. (Técnica em assuntos educacionais)
“Quando eu entro aqui, eu me transformo, eu visto a camisa do Colégio Pedro II.”
(Inspetor do 9º e 1º ano do Ensino Médio)
O ser humano age continuamente conforme o seu ambiente, construindo
uma base que lhe possibilita equilibrar seus comportamentos (Brunet, 1995). Nos
estabelecimentos de ensino, o clima escolar influencia as atitudes dos envolvidos
e contribui para a compreensão das relações que se estabelecem neste contexto.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
197
O espaço e as relações configuram o clima escolar
Sem um planejamento prévio, a sala dos professores e o seu entorno foram se
configurando como os espaços prioritários de observação do convívio dos agentes
escolares. Por sala dos professores e seu entorno se deve compreender o portão de
acesso ao pátio interno da Unidade, o próprio pátio interno, o vestíbulo da secretaria e
da sala da direção, as escadas que levam ao segundo andar do prédio onde se
localizam os setores técnico-pedagógicos da escola, o corredor do segundo andar
deste prédio, a sala do SESOP, a sala dos professores e o auditório da Unidade.
Veremos nesta seção como os espaços observados compõem ambientes de
sociabilidade que permitem o envolvimento afetivo dos agentes escolares.
Podemos dizer que o clima da sala dos professores do Humaitá II é muito
acolhedor porque serve bem a sua função, que é a de propiciar momentos calmos
aos docentes nos intervalos das aulas ou na entrada e saída dos turnos. Nestas
ocasiões, além de relaxarem, os professores preparam as suas aulas e corrigem os
seus exercícios e provas. Possui ar condicionado e mesmo na hora do recreio não
é alcançada pelo barulho, fica um pouco distante do burburinho. Por ser espaçosa,
possibilita que as pessoas fiquem sozinhas ou conversando em grupos.
Além dos professores regentes, os coordenadores e a direção da Unidade
também usufruem desse espaço.
A sala dos professores também é utilizada para a socialização de
informações: algumas discussões referentes ao cotidiano escolar (avisos sobre
festas, calendário de provas, avisos da direção geral e da direção da Unidade),
informes das entidades de classe
243
do Colégio, lanches em função de alguma data
festiva (dia do professor, páscoa, etc.), comemoração de alguns aniversários (o da
diretora principalmente) e obviamente para conversas descompromissadas sobre
toda a sorte de assuntos.
Possui três mesas redondas e duas mesas ovais, bem grandes: nelas se
pode apoiar diversos materiais para executar tarefas ou ler um jornal. Há uma
mesa retangular localizada junto à janela, onde Maria (funcionária terceirizada da
turma da limpeza) coloca o lanche de cada recreio. Parece haver armários para
todos que precisam.
243
ADCPII – Associação de Docentes do Colégio Pedro II e Sindscope – Sindicato dos Servidores
do Colégio Pedro II.
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Planta 2:
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
199
A sala dos professores dá acesso a um cômodo contíguo, uma espécie de
copa, que possui uma pia, um bebedouro e dois banheiros. O banheiro feminino
possui um espelho para nos vermos de corpo inteiro, mas é um pouco ‘acanhado’
porque é estreito, imagino que o mesmo problema se dê com o banheiro
masculino. A copa se comunica com o palco do auditório da Unidade
244
.
Há ainda uma salinha ao fundo, com uma mesa de oito lugares e um sofá,
que era destacada para os fumantes. Esta sala me pareceu mais que um simples
refúgio para se fumar, ou então, o grupo que a frequenta desenvolveu, por força
do hábito, uma forte afinidade. Constituíam uma espécie de confraria irmanada
pela prática do tabagismo, pelo menos nos dias ímpares (3ªs e 5ªs) esse grupo
costumava ficar a parte durante todo o recreio
245
. Como é um cômodo
envidraçado, conseguíamos ver os que lá estavam, mas não ouvíamos suas
conversas. No mural deste espaço há, inclusive, sete caricaturas de professores da
Unidade.
Na sala dos professores aconteceu parte das entrevistas (anexo 10 –
transcrição de uma entrevista com docente) com os docentes e funcionários, e
durante as entrevistas eles eram instados a se reportarem às relações, em geral,
sem especificações
246
. Apesar de terem sido identificadas diferenças nos
significados atribuídos às interações que ocorrem no Humaitá II, a maioria se
manifestou positivamente sobre o ambiente de trabalho.
As relações sociais e afetivas são intrínsecas ao trabalho do professor, “a
teia de relações tecida no dia a dia da escola é um poderoso instrumento de
facilitação do trabalho docente” (Cardoso, p.247, 2001). A partir da análise das
entrevistas feitas com docentes e funcionários, verificou-se que o envolvimento
244
Quando o auditório é utilizado para as apresentações do Grupo Fazendo, a copa dos professores se
transforma em um agitado camarim para os participantes, ajudantes, admiradores, etc. do grupo.
245
Num dos dias em que me apresentei para os professores na hora do recreio, tive que fazê-lo por
duas vezes, para o grupo que estava na sala dos professores propriamente dita e para o grupo dos
fumantes.
246
Recomenda-se que o entrevistador não introduza um número excessivo de perguntas por que pode
provocar respostas rápidas e superficiais (Zago 2003). Conforme o entrevistado, introduzia, também,
questões advindas das observações feitas no campo. Tive o cuidado em não elaborar um roteiro
(anexo 11) com muitas questões, incorporei as categorias da matriz inicial de observação - que
incluía as relações estabelecidas na escola, as percepções dos agentes sobre o ambiente institucional e
as características do corpo docente.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
200
dos agentes escolares com o trabalho desenvolvido na Unidade Humaitá II se
assenta numa rede que valoriza aspectos relacionais e afetivos
247
.
Olha, eu acho que o ambiente de trabalho aqui é muito gostoso, é muito
agradável a relação com os professores. Sempre tem um ou outro problema,
mas aí é uma questão de diferença de personalidade das pessoas, mas não é
nada assim que comprometa. (...) São pessoas que em sua maioria gostam do
que fazem, gostam do Colégio.
Um professor argumentou que o ambiente na Unidade é até caseiro porque
mais da metade dos professores do Colégio são filhos de professores. “É quase
uma casta”!
As duas professoras que estão no Colégio apenas há três anos percebem
uma diferença de tratamento entre quem é novo, quem é contratado e quem já é
antigo, pois “se sente um pouco a distância, parece que tem que passar pela
instância de consagração”. Uma delas acha que “tem muita hierarquia, poucos
se expõem e falam das suas dificuldades”.
Visão oposta a da professora que estava se aposentando naquele final de ano
e que declarou:
É uma beleza, graças a Deus! Os colegas de terça e quinta que hoje estão de
folga estão passando ali. Você está vendo que eu estou cumprimentando todo
mundo. Existe essa comunhão entre os professores. É muito bom. Todos nos
conhecemos. Porque nós temos exatamente isso, temos esse almoço, temos a
festa junina, certos momentos. (...) Nos passeios que nós fazemos com os
alunos, também nos encontramos. Todo ano tem passeio. Então temos aquela
integração entre os professores dos dias pares e dos dias ímpares.
Para a funcionária do SESOP, “o ambiente de trabalho é muito bom, apesar
de todas as dificuldades”, e afirma haver “amizade aqui”. O relacionamento com
os professores é também muito bom porque o setor os secretaria, seria até maternal
demais, “poderia ser mais profissional, mais formal, mas não é não”. Acrescenta
que é “muito passar a mão na cabeça do professor” que entrega, por exemplo, a
prova toda troncha, e o setor o procura:
Professor, tá faltando não sei o quê
. “A
gente tem meio que fazer uma espécie de coordenação informal”, olhar a prova
247
Foi um acerto ter investido na obtenção da confiança dos entrevistados, conforme explicitado na
seção sobre os procedimentos metodológicos, pois houve um período exploratório que se estendeu
por dois meses, seguidos da observação de aulas. Isto fez com que a primeira entrevista fosse
realizada apenas dois meses após ter chegado ao campo. Pontuo que a interação que conseguimos
firmar foi importante para o material coletado.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
201
para ver se está com algum problema (se a cópia está boa, se há algum erro). E se o
professor não vem, ligam para ele e avisam que tem prova. Entram para fiscalizar se
o professor falta. Na opinião da funcionária é uma coisa que atrapalha o rendimento
no geral, devido ao tempo que perdem “correndo atrás de furos dos professores”.
Avalia que seu setor poderia estar fazendo alguma coisa mais profunda, “assim, do
ponto de vista pedagógico, pela escola mesmo. A gente não tem tempo a perder.
Mas as forças dentro do Colégio fazem com que seja assim. Poderia ser de outro
jeito”. Entende que a equipe de funcionários qualificados muda um pouco a cara
do Colégio e têm mais a contribuir.
De forma que se ressente por trabalhar, geralmente, com coisas técnicas e
administrativas. Desejaria trabalhar com análises pedagógicas e acompanhamento
de séries. Teriam tentado fazer isso várias vezes e não conseguiram, são sempre
empurrados para fazer trabalho de nível médio, trabalhar com papel, atendimento
ao público, atender telefone, atender, às vezes, alunos, atender pais.
“A gente não tem um perfil técnico definido, nunca tivemos”. São técnicos
em assuntos educacionais, mas fazem de tudo um pouco. Conta que tentara fazer
um trabalho sobre repetência, com uma professora de Francês, que estava como
readaptada no setor. Repetência é um assunto que a interessa, “acontece em todas
as séries, mas no segundo grau isso é mais dramático. Então eu sempre me
interessei por isso, estudar e tudo”. Tentaram conciliar a parte técnica da
repetência (a análise estatística) com a parte psicológica. Trabalharam mais ou
menos um ano e meio, mas não conseguiram levar esse processo a cabo, fizeram
até um trabalho escrito.
Quando inquirida sobre a coordenação de série
248
, implantada no 2º
segmento do Ensino Fundamental do Colégio, em 2004, informa que nem todo
coordenador vem trabalhar junto com eles, apesar do seu setor fazer uma
coordenação informal para todo mundo. “A gente encontra grandes dificuldades
de trabalhar com os coordenadores de série”, o coordenador de série lida
diretamente com professor, diretamente com aluno:
248
No organograma da Unidade temos a direção, três diretores adjuntos, duas assessoras, sete
coordenadores de séries e dezessete coordenadores de área (Artes, História, Ciências, Matemática,
Desenho, Música, Física, Química, Filosofia, Sociologia, Física, Sociedade e Cidadania, Francês,
Português, Geografia, Espanhol e Inglês).
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
202
Acham que, de repente, o problema da série passa muito por essa coisa de
controlar o trabalho do professor para ver qual o problema que tem com o
aluno, uma coisa muito pessoal. Acho que o olhar que tem aqui no Colégio é
muito assim, o problema de cada um individualmente. Não se pensa em todos.
Haveria uma preocupação com o detalhe, mas a preocupação com todos,
com “a parte pedagógica, o conteúdo, uma coisa maior, a gente não vê aparecer”.
Enfatiza que o trabalho da coordenação de série não é dividido com o setor, acha
que eles poderiam ter essa informação também, “não ia comprometer nada”.
Percebe que no Colégio as pessoas defendem seus territórios, ficam
melindrados de dividir o que está acontecendo. “Mas isso aparece no conselho.
Esses furos aparecem no conselho”. Considera o Colégio Pedro II muito amplo e
complexo, com muitos níveis de atuação, mas poderia ser mais afinado. “Até para
o rendimento do aluno ser melhor”.
Em relação aos alunos, demarca que não podem ter vida própria, “têm que
fazer trinta e cinco trabalhos, fora mais doze provas” e as provas são imensas e
difíceis. “Os alunos levam, às vezes, duas horas fazendo uma prova. Tem alunos
que têm dois tipos de Matemática, dois tipos de Física, uma loucura. Se o aluno
passar de ano direto, ele é um super-herói”.
Quanto aos COCs, por exemplo, durante um tempo seu setor foi responsável
por sua condução. Avalia que, atualmente, cresceram de importância, mas lembra
que antes, o setor [SESOP, onde trabalha] tinha tempo de preparar algum tipo de
análise mais técnica sobre o rendimento dos alunos e os professores se
interessavam. Faziam tudo braçalmente, calculavam em calculadora, desenhavam
mapa, coloriam mapa: “Não sei se você conhece esse trabalho, a gente expunha
no corredor. Agora com a quantidade de coisas para fazer e com equipe pequena
e tudo, a gente não tem tempo de fazer nada”. Atualmente o setor [não os
funcionários do SOE, mas sim os que exercem a função de técnicos em assuntos
educacionais] elabora as atas, ajuda no trabalho de papelada e às vezes ajuda ao
SOE e à Direção, mas considera que estão “numa posição já secundária em
relação aos COCs antigos”.
Evidencia-se que esta funcionária avalia que seu potencial não é aproveitado
no Colégio. No entanto, apesar de se mostrar um pouco desmotivada com o
trabalho que o Colégio demanda, atesta existir respeito entre os profissionais.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
203
Revela que o Pedro II lhe ensinou muita coisa e que leva muita coisa que
aprendeu ali para o Estado, onde leciona História para o Ensino Médio.
Então, assim, eu acho que é difícil falar do Pedro II e não vestir a camisa. Eu
sou muito apaixonada pelo Pedro II e eu aprendi muito aqui. (...) Eu, como
profissional, assim, de um lugar, de uma instituição pública. (...) Então é como
se eu tivesse dentro da minha casa. Eu fico mais tempo aqui do que na minha
própria casa. Eu estou aqui todo dia. (...) Quem fica aqui muito tempo acaba se
identificando com essas lutas, quer dizer, tem cunho político também; aquela
coisa de lutar por escola pública, gratuita e de qualidade.
O inspetor do 9º e 1º ano do Ensino Médio deu um depoimento quase que
totalmente marcado pela emoção, contando episódios envolvendo ex-alunos que
sempre que retornam à Unidade fazem questão de conversar com ele. Assim como
os outros entrevistados, quando inquirido sobre a Unidade Humaitá II, referiu-se
ao Colégio, sua identificação com o trabalho extrapola a única Unidade Escolar
em que trabalhou desde que foi admitido na instituição (há 17 anos).
Acha que o que os alunos mais gostam de fazer no Colégio é jogar futebol e
jogar cartas. Ao ser indagado se gostava de trabalhar no Humaitá II, disse: “Quando
eu entro aqui, eu me transformo, eu visto a camisa do Colégio Pedro II”
A fala deste inspetor revela que as ligações dos alunos com o Colégio
passam por vários atores. Ele, enquanto inspetor, sente emoção ao ver o
reconhecimento do seu trabalho por parte de alunos que já saíram do Colégio. Sua
afirmação de que ‘veste a camisa do Colégio’ quando vai trabalhar, expressão
usada também pela funcionária do Sesop, comprova o senso de pertencimento à
instituição.
A direção da Unidade na teia de relações
Alguns entrevistados incluíram a relação com a direção da Unidade na sua
avaliação das interações interpares. A importância do diretor na construção do
sistema social que é a escola, fazendo-a funcionar como um todo coerente e
constituindo um clima favorável ao sucesso dos alunos, é acordada entre os
pesquisadores que se interessam pelo seu papel (Bressoux, 2003).
Alguns professores destacaram a seriedade, justeza e honestidade da direção
da Unidade, “leva tudo assim com muito rigor”, não chama a atenção pra si
mesma, não é falante, mas é presença constante na sala dos professores,
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
204
conversando informalmente.“Você quer falar com ela, ela te recebe a qualquer
momento. Não tem esse problema, graças a Deus”. Uma professora asseverou
que alguns diretores de outras Unidades “se achavam o máximo, poderosos”, mas
a diretora do Humaitá II não teria essa atitude, gosta da posição que ocupa, mas
não tem uma atitude de “o poder aqui sou eu”.
Eu havia registrado, em algumas conversas informais com outros
integrantes da escola, comentários sobre o temperamento da diretora, os mesmos
professores citados no parágrafo anterior evidenciaram esta questão. Mas deixam
claro que esta característica pessoal não é motivo para que se sintam pressionados
e não impede que haja um diálogo e “comunhão entre os professores”:
Ela é meio seca, mas ela é justa. Eu vejo que, às vezes, ela tem diferença, não é
obrigada a gostar de todo mundo, mas ela respeita o trabalho, respeita a
seriedade da pessoa. Age-se corretamente, se faz o seu trabalho, se é um bom
profissional, ela ressalta isso. (...) Então eu acho que ela é muito justa, muito
honesta e neutra. Não mistura o pessoal com o profissional. Coisa que muita
autoridade, muita pessoa que tem cargo de posição faz.
É muito séria, a nossa diretora é muito séria. Não é a pessoa mais simpática que
eu falo na cara. (...) Ela é toda fechada, mas tem uma seriedade muito grande. E
ela sabe muito bem quem trabalha e quem não é muito de trabalho. Ela é uma
pessoa que, a gente percebe, ela é justa. Está muito presente na escola, (...) Ela
está muito atenta a todos. Ela sabe o nome dos alunos. Ela vai aos passeios.
Uma das orientadoras concorda com as opiniões anteriores e acrescenta
que gosta do trabalho dela porque “é presente. Só para na sua sala quando vai
receber alguém”.
No início deste capítulo, ao tratarmos das relações dos alunos com as
várias instâncias da escola, constatamos que, por parte deles, não havia consenso
sobre o relacionamento com a diretora: na visão do aluno que participava do
grêmio, ela era accessível para tratar de assuntos de interesse do Colégio, já outra
aluna se sentia odiada. Os comentários dos alunos coincidiam na referência a uma
certa instabilidade por parte da diretora no trato cotidiano, “depende da pessoa”.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
205
Pelos depoimentos dos adultos, percebemos que desenvolveram uma
forma de lidar com o humor da direção, considerando a aprovação que faziam do
seu trabalho
249
.
As observações do trabalho de campo confirmam as avaliações de que a
diretora é uma “pessoa presente”, sempre a encontrava nos recreios (na sala dos
professores) e na condução das atividades extraclasse (Seminário de Leitura e
Apresentações de Artes). Apesar de defender a impossibilidade de se traçar o perfil
de “bom” diretor, Bressoux (2003) destaca alguns traços distintos nos diretores
eficazes, um deles é o fato de se manterem “visíveis”, circulando pela escola,
mostrando dinamismo e fazendo alunos e professores sentirem sua presença.
Em nosso estudo, não fica margem de dúvida para a importância que os
agentes escolares dão para a presença do diretor no local de trabalho: “é uma
diretora que está todos os dias aqui na escola”. Observamos uma transmudação
da característica de humor da direção nos momentos de celebração dos laços de
solidariedade do grupo. Quando a ritualização fazia sobressair “as dimensões
culturais historicamente institucionalizadas” (Torres, 2005), a faceta de simpatia
instalava-se com vigor. Nunca tivera a oportunidade de vê-la tão feliz e
descontraída como estava na festa junina da Unidade, inteiramente à vontade, no
seu métier, carregando um walk talk e sorrindo
250
.
Mesmo comportamento presenciei no almoço do fim do ano letivo de
2007, quando a própria diretora, com algumas ajudantes, estava dando os retoques
finais na arrumação dos pratos. Depois, mantendo-se de pé, caminhava por entre
249
Como pessoa “estranha à Unidade”, registro compreensão total dos sentimentos da aluna, porque
tinha a sensação de estar incomodando. Estive na Unidade em fevereiro de 2008, antes do início das
aulas, para tratar de encaminhamentos da pesquisa. Tive o cuidado de telefonar antes. No entanto,
apareci na sua antessala, nos cumprimentamos e ela não fez nenhuma menção de que lembrasse do
meu telefonema. Depois de muito esperar, e creio que ela soubesse que estava sendo esperada, ouço
o seguinte: “Eu não vou nem poder falar com você hoje, estamos arrumando turmas”. Com um
certo jogo de cintura, consegui acordar o que queria, utilizando inclusive o computador da direção
para mandar um e-mail para os professores. Enquanto digitava o texto, a diretora começou a
conversar comigo sobre os problemas de montagem de horário, tinha que ficar fazendo vários
contatos com os professores, nem parecia a pessoa reticente que não queria me atender. Vivenciei
outras situações parecidas com essa. Na verdade, mostrava-se sempre um pouco refratária quando eu
a abordava para fazer negociações sobre o desdobramento da pesquisa. Com o passar do tempo, fui
intuindo que sua alternância entre simpatia, antipatia tinha a ver com o grau de interrupção ou
aborrecimento que na sua visão as atividades de pesquisa trariam para a rotina escolar.
250
A festa do Humaitá II ocupava toda a extensão da Unidade e estava bem concorrida; apesar da
venda prévia de ingressos eu supunha que não havia somente funcionários, alunos e seus familiares.
Todo o movimento deste dia que pode gerar certa apreensão, parecia deixar a diretora muito feliz.
Entendo este comportamento como uma qualidade da direção, realmente não daria para se conduzir
uma festa junina de um colégio com cerca de 1200 alunos, ficando mais apreensiva que satisfeita.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
206
as mesas, enquanto todos comiam e, finalmente, arrumando uma outra mesa
grande com sobremesas deliciosas. Neste momento, juntamente com as
assessoras, serviu a cada um que se aproximava, demonstrando genuíno bem estar
com a ocasião
251
.
E, finalmente, na cerimônia de formatura do 9º ano de 2007, quando
também demonstrou muito mais alegria que o usual, e discursou: “O segredo
dessas conquistas e o sentimento do dever cumprido estão em jamais esquecer
que é um trabalho de equipe”.
As reiteradas referências por parte da direção da Unidade à importância do
trabalho em equipe, aliadas ao testemunho, ao longo do trabalho de campo, da
concretização de iniciativas de alguns docentes para envolver os agentes escolares
na garantia de realização de aprendizagem para todos os alunos, evidenciam que
na Unidade investigada há um estilo de gestão que aponta para o
compartilhamento de responsabilidades.
Trata-se de uma lógica institucional e gestária que incentiva a autonomia
docente, e, como constatamos no trabalho do 9º ano, há um conteúdo definido,
porém os professores têm bastante liberdade no encaminhamento desses
conteúdos, podendo ter propostas de trabalho diferentes.
Tendo trabalhado muitos anos na Direção Geral, podendo ter uma noção
do todo do Colégio, uma professora exprime que o que se sobressaía na Unidade
Humaitá, e também na Unidade Centro, era a eficiência organizacional. Seriam
Unidades onde os diretores eram mais presentes e “os professores mais ativos,
com mais espaço”.
Acrescenta que a característica que se destaca na gestão do Humaitá II é o
fato de nada ser abortado. Exemplificou com as reivindicações dos alunos
(“queremos fazer um luau”), que são orientadas de como devem acontecer, em
qual data, com quais regras, tudo sendo acordado com o grupo. “Nada aqui é
abortado. Às vezes é controlado para que não se perca a medida do que pode na
escola e do que não pode”.
251
Para se ter uma idéia do efeito destes momentos, quando fui despedir-me a diretora fez questão
de resgatar um contato que tivéramos no dia anterior, pediu desculpas e disse que não tinha me
respondido bem quando fui indagar sobre o almoço. Como eu nem me lembrava do que ela havia
falado e não tinha registrado nada de diferente sobre aquele momento, disse que não havia nenhum
problema.
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Identifica-se, por parte da direção da Unidade, estratégias para a
construção de um clima propício a aprendizagem, são iniciativas que respaldam a
mobilização dos integrantes da escola, viabilizando o desenvolvimento de projetos
envolvendo docentes e/ou funcionários.
Apesar de se mudar muito os professores das séries e, consequentemente,
não se conseguir dar continuidade a projetos de um ano para outro, basicamente
os projetos partem da iniciativa dos professores e eles têm apoio para desenvolvê-
los. Na avaliação da coordenadora de Geografia, o aluno é enriquecido com essa
diversidade: “Ele tem que aprender a lidar com pessoas diferentes também.
Porque no mundo ele vai ter que lidar com pessoas diferentes”.
Apesar de avaliar que a gestão do Humaitá II facilita e viabiliza o
desenvolvimento de projetos, devemos registrar a dedicação e persistência de
alguns agentes escolares para pôr em prática suas propostas que intentam dar mais
significado às aprendizagens. Como, por exemplo, as diversas dificuldades
enfrentadas pela equipe que coordena o Projeto Fazendo Arte, até ele ser
reconhecido como disciplina eletiva (em 2003) e, no ano seguinte, como atividade
extracurricular
252
.
Todavia, não passa despercebido que a mobilização dos agentes em torno de
determinados projetos se constitui em mais uma singularidade institucional que
propicia a excelência do ensino: “vai criando um clima assim na escola, muito vivo.
Eu acho que o Humaitá tem um pouco isso, (...) dá uma vivacidade a despeito deste
desânimo que às vezes vem por questões políticas dentro da escola”.
Em relação aos aspectos que conferem qualidade ao Colégio Pedro II,
transparece nas falas uma valorização dos agentes escolares – alunos, docentes e
funcionários. Podemos intuir a existência de uma fidelidade institucional, isto é,
valores de distinção são incorporados, como consequência da condição de
integrarem o universo de uma instituição secular e de tradição na sociedade
brasileira. As representações incorporadas pela condição histórica do Colégio
interagem com a experiência de convivência e sociabilidade num estabelecimento
252
A coordenadora de Língua Portuguesa esclarece que projeto Fazendo Arte existiu durante alguns
anos (1992 a 1996) com muitas dificuldades, por conta de conciliar horário. O Colégio não o
reconhecia a ponto de colocar na sua grade, era uma espécie de currículo oculto, contando com a
disponibilidade “extra-oficial” das professoras, fora de seu horário de trabalho (nos fins de semana e
“tempos vagos” dos alunos). A equipe acabou desistindo devido à falta de apoio de uma forma geral.
Por isso ficou um tempo adormecido e só recomeçou em 2001, depois que a Coordenadora terminou
o seu Mestrado.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
208
que continua a perseguir uma qualidade de ensino e ligam os agentes escolares “a
um quadro contínuo de referências, constituído pela interseção de sua história
individual com a do grupo onde vive (Borges, 2003).
A relação com a Direção Geral do Colégio Pedro II: quase sempre um
embate
Investigar a identidade institucional de uma escola pública de prestígio, que
integra uma rede de 13 Unidades Escolares, compondo uma instituição com marca
distintiva tão forte como o Colégio Pedro II, impossibilita-nos ignorar as
manifestações que se relacionam a esta configuração. Como se evidenciou ao longo
da investigação, a identidade da Unidade Escolar Humaitá II está precipuamente
referida ao reconhecimento social detido pela instituição na qual se insere.
Recentemente, o Colégio ampliou a sua rede de Unidades, primeiramente
para um bairro da zona oeste do Rio de Janeiro - Realengo
253
(em 2004), depois
para outros dois municípios do estado do Rio de Janeiro (Niterói em 2006 e
Caxias em 2008), o que significa também aumento da sua complexidade. Pode ser
considerado como uma rede de ensino com algumas diferenças para administrar.
Esta configuração singular nos remete às perspectivas do sistema e do ator,
para que possamos abordar os constrangimentos sistêmicos e os comportamentos
estratégicos (Canário, 1996) dos agentes da escola investigada.
Uma professora considerou que há problemas sérios de gestão, questões
difíceis de se transpor, porque tem algo que vem de cima pra baixo. Há uma
Direção Geral que impetra portarias (com diretrizes de avaliação e regulando o
processo ensino-aprendizagem dos alunos) sem discussão nenhuma com a
comunidade e o professor fica como mero executor de regras que não foram
pensadas por ele. Essa relação com a Direção Geral seria o problema maior, é
classificada como dura, ruim e prejudicial, porque acaba refletindo em sala de
aula, na relação entre professor e aluno. “O professor é obrigado a colocar em
prática alguma coisa de que ele discorda, como determinadas diretrizes de ensino
ou sistemas de avaliação, e isso acaba trazendo problemas”.
253
A referida Unidade Escolar Realengo obteve expressivo resultado no vestibular da UERJ - 2009:
três alunos obtiveram conceito A, vinte e três, conceito B e sessenta e um, conceito C. O destaque foi o
aluno Carlos Alberto de Souza Moreira que se classificou em 1º lugar. O Colégio pôs um link na sua
página eletrônica destacando a competência da equipe e do alunado. “Respeito e admiração da família
Pedro II e de quem sabe a importância da educação para o progresso e o desenvolvimento do país”.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
209
Pesquisa recente, empreendida por professora que trabalha na instituição há
25 anos, avalia que o modelo de gestão do ex-Diretor Geral
254
- estruturado de forma
centralizadora e pouco democrática, principalmente no tocante ao trabalho em
conjunto com os órgãos deliberativos e consultivos, previstos no Regimento Interno
do Colégio
255
- não se coaduna com as demandas de uma grande escola pública.
“Assim, as principais decisões – editais, portarias, regras de aprovação dos
alunos, normas eleitorais para cargos de Diretores de Unidade, Chefes de
Departamento e Coordenadores Pedagógicos, cobranças de taxas, criação de
setores, licitações, etc. – são tomadas apenas pela direção geral da escola, sem a
devida aprovação dos órgãos colegiados e/ou da comunidade escolar”
(Azevedo, 2005, p.99).
A escolha do Diretor Geral do Colégio Pedro II é competência do Ministro
da Educação, mas, por luta das entidades, a comunidade escolar pôde escolher o
Diretor Geral por duas vezes nos últimos 13 anos. O último Diretor Geral ficou no
cargo por 13 anos seguidos. Como não há regras claras, há diretores de Unidade
que permanecem no cargo há dezesseis anos. Durante o ano de 2007, as entidades
representativas dos alunos e servidores (exceto as associações de pais)
empreenderam campanha acirrada para que a comunidade pudesse eleger o
próximo Diretor Geral. Esta mobilização chegou à Câmara dos Deputados, que
enviou um documento (assinado por 16 deputados) ao Ministro da Educação
Fernando Haddad, endossando o pedido de eleição para Diretor Geral, de parte
dos representantes da comunidade escolar do Colégio
256
.
254
O ex-Diretor Geral esteve à frente da direção do Colégio de 1995 a 2008. Em julho do ano
passado, assumiu a nova Diretora Geral.
255
A Congregação (órgão máximo deliberativo da instituição), por exemplo, não exerceu suas
funções na gestão (1995 – 2008) do último Diretor Geral. Reunia-se apenas para aprovar a concessão
de títulos honoríficos e referendar as Portarias emitidas pelo próprio Diretor. Segundo Azevedo
(2005), nos últimos 20 anos, este órgão não discutiu e muito menos aprovou a proposta orçamentária
ou o plano de trabalho do Colégio. Temos ainda o Conselho de Curadores que deveria, entre outras
atribuições, “exercer fiscalização sobre os serviços de contabilidade e tesouraria” e não é sequer
formalizado. Além disso, conforme constatou Azevedo (op.cit.), o Conselho Pedagógico (órgão de
aconselhamento e consultoria pedagógica da Direção Geral), foi muitas vezes ignorado, até mesmo
em momentos de mudanças de diretrizes para o ensino e aprendizagem dos alunos.
256
Os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), as Escolas Técnicas Federais e as
Escolas Agrotécnicas Federais já contam com o Decreto Presidencial nº. 4.877, de 13/11/2003,
normatizando o processo eleitoral para a escolha dos Diretores-Gerais dessas Instituições Federais de
Ensino (IFE). Esse Decreto estabelece que o mandato de Diretor-Geral é de quatro anos, sendo
permitido apenas dois mandatos consecutivos (site da ADCPII). Ao longo de 2007, todas as IFES
contempladas pelo referido Decreto realizaram suas eleições para Diretor-Geral. Como o CPII não
está “coberto” por este decreto, de quatro em quatro anos a comunidade precisa, minimamente, se
organizar para poder eleger seu diretor.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
210
Cabe o registro de mais uma idiossincrasia concernente ao Colégio Pedro
II, a comunidade escolar conseguiu o comprometimento do Ministério da
Educação para a realização do pleito. Após iniciado o processo eleitoral, o
deputado Chico Alencar, em conversa com alguns representantes da ADCPII,
comentou que o Ministro da Educação estando na Câmara, em Brasília, dirigiu-se
a ele, um tanto ansioso, perguntando se estava tudo bem no Colégio Pedro II, “se
estava tudo correndo direitinho”. O deputado respondera que o processo eleitoral
no CPII estava em andamento, mas que ele queria conversar sobre o Hospital
Universitário da UFRJ, que estava passando por problemas sérios nas suas
instalações. E o ministro ainda insistindo, “mas está tudo certinho lá”? O
deputado o tranquilizou. Vemos que uma escolha de diretor, que já acontece
normalmente nas outras instituições federais, torna-se caso de preocupação
ministerial
257
, e depois que se consegue eleger o Diretor Geral, inicia-se a luta
para poder escolher os diretores de Unidade, etc, etc. Tudo isso exigiria análises
consistentes que fogem ao fôlego deste trabalho, nos restringiremos ao que foi
apontado pelos sujeitos da pesquisa.
Por conta da estrutura do Colégio, as informações que afetam diretamente
à comunidade escolar, por vezes se perdem ou chegam truncadas
258
. Os
Conselheiros da Associação de Docentes têm que se desdobrar nas respectivas
Unidades para dar conta do fluxo de acontecimentos e demandas. A Unidade
Humaitá II costuma ficar minimamente atualizada porque possui professores que
se dispõem a ser conselheiros e que mantêm esse fluxo de informações entre os
professores da Unidade e a Associação de Docentes, entre os professores da
Unidade e a Direção Geral e entre os professores da Unidade e Brasília.
257
Nestes momentos, surpreendemo-nos com as muitas questões que nos remetem ao passado deste
estabelecimento, como esta situação do atual Ministro da Educação. O Governo Imperial participava
com tal minúcia da vida do Colégio, que nos despachos semanais, presididos pelo Imperador, em São
Cristóvão ou no Paço da Cidade, o Ministro do Império era obrigado a estar ciente de tudo o que
acontecia no Colégio, para responder por ele diante de D. Pedro II (Escragnolle Doria, 1944).
258
O ano de 2007 e metade de 2008 exigiram dos professores envolvidos com essas reivindicações,
acumulação do trabalho em sala de aula com as demandas do movimento docente. Para os que não se
envolvem diretamente com estas questões, a situação também se agrava, porque o Colégio possui
duas representações de funcionários: a ADCPII representando os docentes, fundada em 1984, e o
Sindscope representando docentes e técnicos, fundado em 1995. A maioria dos docentes é filiada às
duas entidades, isto faz com que o montante de informações que precisam adquirir para ficarem
atualizados seja um pouco extenso (boletins, jornais, sites, cartazes, etc.). Há ainda informações das
entidades nacionais (SINASEFE, ANDES, FASUBRA, CONLUTAS e CNESF).
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
211
Relatarei um aviso dado por esses conselheiros num dos recreios para
elucidar um dos não raros constrangimentos sistêmicos a que se submeteram os
professores do Colégio.
Foi apresentada uma carta elaborada pelos professores do Departamento de
Sociologia (anexo 10) com a proposta que fosse endossada pelos outros
Departamentos Pedagógicos. Dirigia-se a toda comunidade escolar do Colégio
Pedro II e continha críticas aos encaminhamentos dados pelo Diretor Geral às
seguintes questões: (a) ao processo de expansão do Colégio
259
; (b) a revisão do
Projeto Político Pedagógico - PPP
260
e (c) ao concurso para a admissão de docentes
/ 2007
261
.
A carta dos professores do Departamento de Sociologia começa
identificando o Colégio como instituição de referência histórica para a educação
pública de qualidade, sendo respeitado como um estabelecimento de construção
de uma educação humanística e propedêutica. Reporta-se também ao perfil de
formação acadêmica de excelência do seu corpo docente. Entendem que esta
capacidade reconhecida dos professores pode ser utilizada para construir o
Colégio Pedro II dos próximos 170 anos e reiteram que o descompromisso com a
gestão democrática aponta para um modelo de escola distante da vontade da
comunidade escolar, além de ser construído apenas a partir de algumas mentes
“iluminadas”. Os professores apostam no coletivo para encaminhamento de
questões relevantes.
Uma depoente, quando indagada diretamente sobre algumas iniciativas
assim não tão democráticas, vindas por parte da Direção Geral, pondera que isso
“pode ser lá em cima”, que no Humaitá II existe o direito de questionar,
colocando-se contra ou a favor, porque existe um diálogo. “A gente tem aqui uma
democracia mesmo. A diretora abre o espaço, é lógico que ela não deixa
extrapolar”.
259
O movimento de crescimento do Colégio (novas Unidades Escolares, Ensino Médio integrado,
Proeja, etc.) estaria sendo feito de modo desordenado e determinando mudanças no modelo de escola
vigente sem prévia discussão com a comunidade. Segundo os mentores da carta, a ausência de
informação e debate com os professores, e com outros segmentos da instituição, traria inúmeras
dificuldades pedagógicas e limitaria o alcance dos objetivos planejados
260
A DG teria dado a incumbência aos Departamentos Pedagógicos de procederem à revisão do PPP
como se fosse mera (re)adequação de conteúdos. Além de dar um prazo exíguo para a realização dos
trabalhos, a filosofia da escola e o modelo de avaliação não foram colocados em debate.
261
Os critérios para a definição de vagas não teriam sido objetivos, primando pela falta de
transparência e desconsiderando dados da realidade concreta da carência de professores.
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O cotidiano escolar em sua dimensão social
212
O fato é que apenas uma professora – já citada - e uma funcionária
262
destacaram explicitamente algumas iniciativas não democráticas por parte da
Direção Geral do Colégio, que, segundo sua opinião, acabam sendo reproduzidas
pelas direções de Unidades, em maior ou menor escala. Porém, asseguram existir
no Humaitá II alguma possibilidade de diálogo, de negociação, inclusive por parte
dos alunos com os professores e com a Direção:
Então são relações muitas vezes paradoxais: ao mesmo tempo em que você tem
coisas muito legais, que você tem abertura em algumas situações, em alguns
momentos você tem total fechamento. Então, eu acho as relações um pouco
difíceis.
Outras entrevistadas se reportaram a problemas que existiriam no Colégio,
sem precisar, no entanto, o seu teor:
Qualidade indiscutível. Apesar de todos os defeitos. Tem defeitos? Tem. É um
Colégio que você... Até muito grande. É grande, assim, são vários Pedros
Segundos, não adianta.
Apesar de todas as mazelas, ainda é um Colégio muito bom, muito bom porque
a gente percebe que os nossos alunos... (...) E apesar de tudo, você vê, nossos
alunos conseguem passar para as faculdades públicas, quer dizer, eles são
equiparados aos melhores colégios aí.
Poderia especular que estava detectando a metáfora da “sinfonia”, em sua
análise da “micropolítica da escola” (destaque do autor), Silva (2004) observou
uma tendência por parte da maioria dos entrevistados em tentar dissimular as
práticas conflituais, mesmo em momentos mais informais. O autor especula se a
maioria dos atores escolares, quando questionados sobre as práticas da sua escola,
teria sedução pela metáfora da “sinfonia” ao invés da metáfora da “arena política”.
As hipóteses para esta especulação são variadas e também fogem ao
âmbito deste estudo, apenas podemos registrar que, quando inquiridos sobre as
relações estabelecidas na escola, poucos entrevistados se reportaram a problemas
advindos da administração geral que pudessem intervir nas relações interpessoais.
O que não significa que não sejam afetados por essa administração, afinal,
concebendo o espaço-escola como construção cultural e histórica, podemos
encará-lo como palco de embates, por vezes silenciosos (Ferreira, 2007).
262
Foram as únicas, em 12 entrevistadas, que fizeram alguma referência à problemas consequentes
da condução administrativa do Colégio.
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5
Identidade institucional e excelência escolar
Logo que se ingressa na escola mais antiga do país, o aluno percebe que
encontrou o seu lugar.
(Alunos da 8ª série de 2007)
Neste capítulo serão apontados os aspectos da constituição da identidade
da Unidade Humaitá II a partir da história singular do Colégio Pedro II e das
particularidades identificadas no trabalho de campo.
Presente na imprensa, seja por resultados nos exames sistêmicos
263
, seja por
destaques dados a ex-alunos ou professores aposentados ou por uma visita do chefe
da nação (Getúlio Vargas, Luís Inácio Lula da Silva), ocupa um lugar no imaginário
social que extrapola os seus resultados escolares e a excelência do seu ensino.
Outros colégios foram criados antes do Colégio Pedro II
264
, mas, se
considerarmos as características nível secundário, setor público, a finalidade de
formar as elites do recém-criado Estado Brasileiro, a adoção de um currículo
humanístico, a formulação de um currículo nacional que garantisse a criação de
uma identidade nacional, o pioneirismo lhe pertence (Oliveira, 2006). Por isso
dele se diz que sua história não pode ser perdida, porque se corre o risco de perder
também a memória nacional (Doria, 1997).
Com toda a aproximação que o Colégio sempre teve e tem com os poderes
constituídos - até mesmo com a Igreja - ao ponto de ser uma instituição federal de
ensino definida constitucionalmente
265
, o trabalho de campo efetuado na Unidade
Humaitá II e o cotejamento dos depoimentos atuais de seus professores,
funcionários, alunos e ex-alunos com os depoimentos do século passado, nos faz
263
O site do Colégio informa que a edição de domingo, dia cinco de julho de 2009, do Estado de
São Paulo, tradicional periódico paulista, divulgou o excelente resultado obtido pela ‘instituição
padrão da educação brasileira’, no índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) medido
pelo Ministério da Educação a cada dois anos, tendo o Colégio Pedro II obtido o maior índice
entre as instituições públicas - 7,2 (4ª série).
264
Antes do Colégio Pedro II foram criados os seguintes estabelecimentos de ensino (para
atendimento do denominado ensino secundário) no país: O Ateneu, no Rio Grande do Norte
(1825); uma Escola Normal, em Niterói - a primeira de ensino público nesta categoria a ser criada
nas Américas (1835); outra Escola Normal, na Bahia, juntamente com os Liceus neste mesmo
estado e na Paraíba (1836).
265
Citado na Constituição Federal / 1988 - Título IX/Das Disposições Constitucionais Gerais, art.
242, parágrafo 2º:O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na
órbita federal”, após intenso embate com os que não concordavam com esta inserção.
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Identidade institucional e excelência escolar
214
afirmar que sua identidade está alicerçada nas características dos seus corpos
docente e discente e nas suas salas de aula onde um trabalho institucional singular
forma o habitus do aluno.
5.1
A não dissociação do jovem e do aluno
A diversidade na composição dos alunos da Unidade Humaitá II e o grau
de interação dos integrantes desta instituição (incluindo os funcionários)
fortalecem a sua cultura, imprimem e mantêm a sua identidade. Depoimentos
comprovam que a Unidade investigada não é um lugar de fraca intensidade
identitária ou de laços frouxos. Ao contrário, lá os alunos vivenciam um processo
socializador total, raro de ser encontrado porque as escolas dissociam o jovem do
aluno (Teixeira Lopes, 2008): “Eu tenho que chegar aqui dez e meia, mas aí eu
chego dez horas porque eu fico conversando com o pessoal da manhã” (aluno do
9º ano da Humaitá-2007).
Quando tomamos contato com as lembranças de ex-alunos, seja do século
XIX, XX ou XXI, verificamos que a forma de expressão diverge, mas os
sentimentos são os mesmos:
“Lá [no prédio da Unidade Centro] continuo a ir todos os dias, depois que se
me abriram em concurso as portas, para ensinar onde me ensinaram. (...) Faz
tudo isto, somado, mais de duas dezenas de anos. E não é, propriamente, a
extensão no tempo o que mais importa, e sim a intensidade emocional” (Jônatas
Serrano in Anuário do CPII, 1944).
“O Internato do meu tempo lembrava a cada passo a alvorada. Na própria cor o
casarão cor-de-rosa apresentava o tom sereno das manhãs. (...) Em nossa vida,
grande parte, a melhor parte desta vida aí está no casarão querido [casarão do
Engenho Velho na chácara do Matta, próximo ao Largo da Segunda Feira]” (...)
(Murilo de Araújo, O Jornal, 1937 in Anuário 1944).
“Minhas maiores lembranças são do Colégio, sinto o cheiro, o calor, as risadas,
as brincadeiras, os locais que frequentávamos, como se fosse hoje. Canto
“Tabuada” em todas as festas” (Marcelo Dias da Costa, 35 anos, estudou no
Colégio de 1981 a 1989, Almanaque Histórico, p.156, 2007).
“Sinto muitas saudades da vida que o CPII me deu, da época que só tinha que
estudar. Amava cantar na entrada O Canto do Pajé, O Guarani, o Hino
Nacional. Adorava o encontro de todas as Unidades, o pelotão da bandeira,
tudo. Da hora do recreio, das aulas, dos professores, das paredes das salas, do
prédio. Mas aproveitei muito, não posso reclamar (Carla R. Polycarpo, 30 anos,
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Identidade institucional e excelência escolar
215
estudou na Unidade São Cristóvão de 1986 a 1992, Almanaque Histórico, p.
156, 2007).
“Na época tínhamos a semana da pátria com a passagem do Fogo Simbólico.
Era uma semana cheia de atividades onde cantávamos vários hinos e algumas
canções folclóricas. Todas as Unidades se encontravam na Unidade São
Cristóvão. Além disso, o pelotão da bandeira representava o colégio em eventos
de fora” (Erica R. P. Macedo, 32 anos, aluna de 1985 a 1991, Almanaque
Histórico, p.157, 2007).
São depoimentos de alunos que, além de estudaram em épocas diferentes,
eram matriculados também em Unidades diferentes (Centro, Tijuca, São
Cristóvão, Humaitá). Verificamos, assim, mais uma peculiaridade deste
estabelecimento de ensino, que além de sobrepujar o tempo, sobrepuja também o
espaço. Não importa em qual Unidade Escolar o jovem tenha estudado, passado e
presente se entrelaçam, as demonstrações de identificação com o Colégio se
consolidam ao longo da sua história, como vemos no depoimento de um aluno do
Humaitá II: “A gente passa uma boa parte da nossa vida aqui (...) eu gosto muito,
eu gosto muito mesmo de estar no Pedro II” (Aluno do 9º ano/ 2007).
Os alunos do Humaitá II decerto desconhecem os detalhes das declarações
de ex-alunos dos séculos passados, o que torna mais significativos seus
depoimentos relatados no capítulo sobre as interações interpessoais.
Observamos que os comentários dos ex-alunos têm uma intensidade de
emoções: “a melhor parte desta vida”, “minhas maiores lembranças são do
Colégio”, “sinto muitas saudades”; mas também recorrem à memória sensitiva,
reportando-se aos aspectos físicos: “Na própria cor o casarão cor-de-rosa
apresentava o tom sereno das manhãs”, adorava as “paredes das salas, do
prédio”, “sinto o cheiro, o calor, as risadas”; e destacam aspectos ligados à
tradição e a valores pátrios: “Amava cantar na entrada O Canto do Pajé, O
Guarani, o Hino Nacional”, “tínhamos a semana da pátria com a passagem do
Fogo Simbólico (...) o pelotão da bandeira”.
As referências a uma identidade nacional se apresentam nas falas de alunos
que estudaram no período regencial, no Império, na nascente República e nos dias
atuais: “O Colégio Pedro II é uma das poucas e das mais belas tradições nacionais”;
“Venerável Instituto que honra um passado de pedagogia e patriotismo”; “Do Pedro
II se pode dizer que só morreria se desaparecesse a nacionalidade”. E outorgavam
aos alunos, de forma contundente, os destinos do país:
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Identidade institucional e excelência escolar
216
“Os seus bancos receberam, ainda meninos, aqueles que seriam mais tarde os
condutores da nacionalidade; suas salas ouviram o eco das vozes frágeis que se
tornariam as vozes defensoras do Brasil” (...) (Gazeta de Alagoas, 1937,
Anuário, 1944).
(...) “como filhos úteis à Pátria, obreiros do seu progresso, defensores da sua
integridade, visionários da sua unidade, exemplos candentes de civismo da
intelectualidade de uma geração nova, culta, desejosa da Paz e felicidade do
Amado Brasil” (Oliveira de Meneses, Jornal do Brasil, 1937, Anuário, 1944).
“Sim, eu considero bons momentos os desfiles cívicos. Achava que aquilo era a
representação do verdadeiro sentimento de estudar no Colégio. Era muito
gratificante estar ali representando o Colégio” (Flávio R. Fernandes, 36 anos,
aluno de 1986 a 1990, da Unidade Centro, Almanaque Histórico, p.147, 2007).
Estudantes do Ensino Médio do Pedro II participaram da pesquisa de
Emerique (2007)
266
, que enfocava o alto desempenho acadêmico de alunos
matriculados em instituições escolares com amplo reconhecimento social sobre
seu trabalho pedagógico. A pesquisadora concluiu que parte do êxito institucional
dos colégios particulares que integravam sua amostra se relacionava com “as
identidades que essas instituições criaram ao longo de décadas e que estão
presentes no cotidiano escolar, dando contorno a seus projetos pedagógicos”
(p.327). A pesquisa detectou também que o Colégio Pedro II se caracteriza como
uma das instituições públicas que constrói essa relação entre a cultura
institucional e o programa escolar – pondo cidadania ao lado do conteúdo. Os
estágios, as provas, a participação em olimpíadas, tudo concorreria para formar o
jovem cidadão.
Afirmações de alunos do 9º ano da Unidade Humaitá II, ao discutirem a
importância da escola, corroboram as indicações da pesquisa citada:
Primeiro você aprende, sabe? Tem aquela coisa de prazo, esse negócio de ter
que respeitar os prazos que você tem. Que essas coisas são feitas pra isso. Que
é importante saber como tem que tratar o próximo em sala, fazer amigos, essas
coisas. [...] Preparar assim no geral pra vida, tanto assim para a formação de
cidadão quanto pra estudar.
Eu acho que a escola é uma oportunidade pra você ter uma noção de como vai
ser sua vida depois dela. (...) Eu faço parte do grêmio do Colégio, também tem
aquela parte, você tem que organizar um evento. Como você vai organizar um
evento? Procurar o lugar que é mais barato. Você tem que ir até a Pavuna
266
A autora nvestigou as percepções sobre educação, trabalho e futuro dos estudantes de boas
escolas e com bons desempenhos acadêmicos, entrevistando alunos de oito colégios do município
do Rio de Janeiro.
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Identidade institucional e excelência escolar
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[grifo meu, o aluno aumenta a entonação] para imprimir um adesivo?! Essa
parte é legal! Essa parte de você já ter uma preparação, não chegar de cara
[‘tapa
no ar’, gesto batendo uma mão na outra] e dar um baque, não
saber como fazer.
A perspectiva de formação do cidadão com valores cívicos não
alardeados
267
, mas naturalmente incorporados em função da história da escola,
transmite padrões para a formação de uma identidade petrossecundense presente
em todo o Colégio Pedro II. Podemos dizer que uma identidade cultural,
constituída ao longo de décadas, forma e distingue as gerações de estudantes que
se sucedem nesta instituição de ensino. Para alguns alunos, os fatos marcantes
vivenciados no Colégio estão referenciados aos eventos cívicos:
A Unidade Humaitá II não se coloca deliberadamente como um
instrumento de transmissão de identidade, tal como ocorre no contexto da escola
judaica investigada pelo SOCED, que constrói maneiras específicas para se
perpetuar, em virtude da premência de se conservar uma identidade em prol de
uma cultura circundante. Como também os alunos não são estimulados a
desenvolver práticas marcadas pelo sentimento de diferença (ou superioridade)
que tendam a reforçar as diferenças (Mandelert, 2005), apesar de serem apegados
a alguns símbolos do Colégio: “E eu guardo essa primeira camisa. Minha filha
não acredita. A camisa tá toda assinada. Eu a levei no dia do reencontro de ex-
alunos e as pessoas não acreditam”. (Fátima Bernardes, jornalista da TV Globo,
estudou no Colégio de 1973 a 1977, Almanaque Histórico, p. 130, 2007).
Por estar inserida na rede de Unidades de uma instituição carismática, a
Unidade Humaitá II produz uma crença que emana desse sentido fortíssimo de
pertencimento presente no Colégio. A marca que distingue o Colégio Pedro II dos
demais estabelecimentos, e que se fixa “como uma segunda natureza, na
formação, na representação e na prática social” (Mafra, p.116, 2003) daqueles que
por ele passam, está preservada na memória da nação porque o Colégio foi
fundado para participar da criação de uma identidade nacional.
Cumpriu a tal ponto seu papel de primeiro colégio público,
laico, humanitário, propedêutico, formando no curso secundário bacharéis para o
267
Quero dizer que não tive oportunidade de ver os alunos envolvidos em atividades cívicas que
remetessem ao patriotismo. O Fogo Simbólico ainda chega na Unidade Tijuca, mas não reúne
alunos de todas as Unidades como acontecia até meados dos anos 80 do século passado, na
Unidade São Cristóvão. As Unidades I cantam os Hinos Nacionais e do Colégio todas as semanas,
com a presença do pelotão da bandeira, mas o mesmo não acontece nos “Pedrões”.
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Identidade institucional e excelência escolar
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ingresso no ensino superior, que podemos falar em memória e identidade coletivas
perpassando as inter-relações humanas, sociais, culturais e pedagógicas dos
agentes escolares de todo o complexo escolar que representa.
A trajetória institucional do Colégio Pedro II comprova que “a memória
não é um fenômeno de interiorização individual, mas sim uma construção social e
um fenômeno coletivo” (Ferreira, 2006) e produz especificidades que refletem no
ambiente cotidiano da Unidade pesquisada, onde expectativas, tradição, cultura,
linguagem e imaginário são incorporados pelos seus integrantes e transmudados
numa distinção publicamente reconhecida.
Na cotidianidade da escola, os alunos interagem com a tradição, com os
ritos, com a gestão de símbolos, num processo de “apropriação constante dos
espaços, das normas, das práticas e dos saberes que dão forma à vida escolar”
(Paiva, 2006).
Podemos indagar qual será o sujeito formado por uma instituição onde os
alunos estudam os hinos na disciplina Educação Musical, sendo que, antes disso,
até o 5º ano, os entoam semanalmente. Crescem então fazendo do momento de se
cantar o hino do Colégio, principalmente, um momento de alegria.
E ao chegarem ao 3º ano do Ensino Médio recebem o título de Bacharel
em Ciências e Letras
268
, impresso com letras rebuscadas num convite (anexo 13)
que possui também um juramento: “Prometo respeitar as leis do Brasil e
concorrer com zelo e dedicação para o progresso das ciências e das letras em
minha pátria”.
Como está ressaltado no projeto de atualização da Memória Histórica do
Colégio Pedro II (reeditada pelo MEC), o Colégio reverencia seu patrimônio
histórico entendendo que deve prosseguir como exemplo de uma “instituição
escolar que cultua a liberdade e o conhecimento alicerçado em valores a firmar
raízes em sua tradição centenária” (Memória, xii, 1997). E como reflete Cavaliere
(2008), ao escrever sobre o Colégio: “É evidente que num país de origem
colonial, que carece de memória, de autovalorização de sua própria história, a
tradição propicia a construção de uma identidade para as instituições. O legado de
uma geração à outra, é imprescindível”.
268
Como já foi explicitado no capítulo sobre os agentes escolares, até 1910, os formandos
recebiam este título que foi suprimido por decreto em 1911 e restabelecido pelo presidente Getúlio
Vargas, em 1937, durante o as comemorações do centenário do Colégio.
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Identidade institucional e excelência escolar
219
Esta proposta institucional se situa num mundo onde as instituições
(família, escolas, partidos políticos, igreja) perderam seus monopólios e se
mostram incapazes de enquadrar novas demandas (Dubet, 2002).
As concepções mais usuais de identidade pessoal e nacional estariam
sendo desafiadas pelas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais.
O fenômeno da globalização, origem de inegáveis mudanças na produção e no
consumo, catalisa o surgimento de novas identidades. As identificações nacionais
perderiam parcela de seu poder e mostrar-se-iam menos influentes no processo de
construção de identidades (Moreira e Macedo, 2002).
Para Paiva (2006), há uma crise de identidade que desafia a humanidade, a
autora refere-se a uma globalização que envolve o econômico, o ideológico e o
cultural e que ameaça partes inteiras dos edifícios culturais e sociais.
A proposta deste item não é discutir a chamada “crise da identidade”, que
abala os quadros de referência que propiciavam aos indivíduos uma ancoragem
estável no mundo social (Hall, 1997). O objetivo é situar o enquadramento
contextual da escola pesquisada, neste momento em que se afirma que as
identificações nacionais perderam parcela de seu poder e se mostram menos
influentes no processo de construção de identidades.
A sociedade moderna caracteriza-se pelas mudanças rápidas e
permanentes, mas constatamos que a Unidade Humaitá II acata e respeita o
passado, pois, inserindo suas experiências na sua continuidade, valoriza os
símbolos que perpetuam a sua história (idem, 1997) e não foi abalada pela perda
do poder das identificações nacionais. Ao contrário, sobrevive sendo prestigiada
sem apresentar desestabilização em sua imagem institucional. Seus agentes não
estão ‘fragmentados’ e não sentem constrangimento por seu enraizamento em um
conjunto homogêneo de valores e de identidades. As identificações globais não
estão “deslocando ou apagando” (idem, 1997) a identidade nacional do Colégio.
Constatamos, ainda, que as identidades dos integrantes da Unidade
Humaitá II não existem apenas no plano dos discursos políticos burocráticos
(Pacheco, 2007). As identidades se fazem presentes nas práticas dos agentes
escolares que se respaldam na autonomia dos docentes, na descentralização
administrativa e nos projetos encampados pela comunidade escolar. Podemos,
inclusive, afirmar que o senso de pertencimento que todo o tempo é demonstrado
pelos agentes do Colégio Pedro II e da Unidade Humaitá II, os laços de amizade
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Identidade institucional e excelência escolar
220
iniciados na escola e que permanecem ao longo da vida, a admiração e
identificação com o que a escola representa, nos remetem a escola de outros
tempos, “das promessas” e “das certezas”, quando a expansão quantitativa dos
sistemas escolares associava-se à euforia e ao otimismo (Canário, 2005):
“Os alunos do Colégio Pedro II (entre os quais nos incluímos) sabem que, em
todos esses anos a serviço do ensino, existe uma história de contemplação e
admiração de cada um que estuda ou já estudou em suas respectivas Unidades.
Logo que se ingressa na escola mais antiga do país, o aluno percebe que
encontrou o seu lugar” (Almanaque Histórico, p.60, 2007).
5.2
A diversidade enquanto valor institucional
A diversidade na composição do alunado da Unidade Humaitá II foi
apontada pelos próprios agentes escolares, contudo, investigação de aspectos
históricos do Colégio nos confirma que a composição do corpo docente também
não primou pela homogeneidade. Desde março de 1838, após isolarmos a
qualidade acadêmica, verificamos que as salas de aula do Colégio contam com
interessante dessemelhança entre os seus docentes: monges beneditinos
269
,
anarquistas, militares, poetas, filósofos, romancistas, etc.
Quanto aos discentes, a diversidade na composição deste grupo iniciou-se
na mesma época. Analisando-se a listagem dos primeiros 91 alunos do Colégio,
matriculados no ano de sua fundação (1837), constatamos que 70 eram nascidos
na corte. Dentre os 21 restantes, cinco eram oriundos do Rio Grande do Sul, nove
de outras localidades do Rio de Janeiro, três de Minas Gerais, dois de São Paulo,
um de Mato Grosso e um de Moçambique. Havia, ainda, 11 alunos gratuitos
270
.
O Colégio Pedro II recebeu, ao longo de sua história, alunos de origens
diversas (provavelmente esta diversidade se faz mais presente nos tempos atuais):
desde o neto do Imperador, o príncipe D. Pedro Augusto (que se bacharelou em
1881), ao professor Walter Cardim, paraninfo da turma de bacharéis do
centenário, que órfão e pobre teve “a ventura de ser admitido como aluno gratuito
do Internato” (Anuário do CPII, 1944), até “a menina pobre do subúrbio e a moça
rica de Copacabana” (...) que “sentam-se no mesmo banco de estudos e partilham
269
Um bispo português foi o primeiro reitor do Colégio, o franciscano Frei Antonio de Arrábida.
270
Pelo Decreto de 2/12/1837, o Colégio poderia admitir até 29 alunos gratuitos.
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Identidade institucional e excelência escolar
221
dos mesmos sonhos” (Anuário, op.cit.). E mais recentemente, o ex-aluno José
Roberto Julianelli, 48 anos, formado em 1975 e professor do Colégio:
“Para mim, inesquecível foi a 3ª série, quando, na formatura, fiquei sabendo
que eu era o aluno com as melhores médias em todas as matérias. Afinal, eu
vinha lá da Baixada Fluminense, me esforçava muito para tirar boas notas e
esse prêmio foi uma grande recompensa pela minha dedicação! Além disso,
tenho muita gratidão pelo Colégio por tudo que aprendi e por ter passado no
vestibular na UERJ, para o curso que eu queria, logo na primeira vez que fiz o
concurso” (Almanaque Histórico, p. 121, 2007).
Os professores do Humaitá II afirmam que a diversidade na origem do
alunado e a integração que existe entre eles são os vetores para seu desempenho e
para a qualidade de ensino da Unidade. Acrescentam que não encontram esta
característica em outro estabelecimento. O que nos faz refletir que, apesar de a
imagem do Colégio - forjada ao longo de quase dois séculos - atrair as elites
culturais, artísticas e econômicas para a instituição, o prestígio da Unidade Humaitá
II não se apóia na estrutura de capital da sua clientela. Tal afirmação se baseia no
aumento do percentual de alunos concursados cumprindo o percurso escolar
oferecido pela escola e no rendimento médio da escola auferido pelo IDEB.
Além do processo de sorteio de vagas, identificamos na adoção de cotas
sociais com reserva de vagas para alunos egressos de escolas públicas, uma
dinâmica pautada no princípio da equidade porque propiciou uma miscigenação
social e acadêmica na composição da escola sem repercussão negativa nos seus
resultados (Emerique, 2007).
Um conjunto de fatores intraescolares (estabilidade, mobilização e
qualificação dos docentes, condições de trabalho e remuneração acima da média)
aliado às características da clientela e à história e tradição do Colégio Pedro II
conformam um clima pedagógico positivo que vem diminuindo o impacto da
origem social do aluno em seu aprendizado.
Numa realidade em que a escola é acusada de não conseguir ensinar, de
não promover a aprendizagem, vivenciamos a configuração particular de um
estabelecimento de ensino, onde os alunos com menores vantagens sociais têm
acesso ao saber sistemático, apossando-se de padrões cognitivos e formativos e
partilhando de uma identidade de distinção e de um forte sentido de afiliação.
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6
Ponto de chegada: Nós somos a História da Educação”.
(...) sem estudar o Colégio Pedro II, não se compreende a instituição
pública nacional”.
(Segismundo, 1987)
Esta foi a reação de um aluno do 3º ano do Ensino Médio quando acabei
de expor que estava investigando as características existentes na Unidade Humaitá
II, que possibilitam ao Colégio Pedro II ser detentor de desfechos escolares
socialmente valorizados. Em se tratando de um jovem que ingressara na Unidade
no 1º ano do Ensino Fundamental, podemos afirmar que seu orgulho e identidade
institucional compõem um capital simbólico que lhe confere legitimidade para tal
enunciado. A segurança para sintetizar o que o Colégio representa advém de uma
escolarização em um estabelecimento que ainda detém o monopólio das
referências identitárias (Dubet, 2002) e que confere aos seus alunos marcas de
distinção que destacam seu valor no espaço social.
6.1
O tom emocional de uma escola pública de excelência
O cotidiano da escola se constitui em um conjunto de tempos e espaços
ritualizados. A dimensão simbólica é expressa pelos integrantes do ambiente
escolar, através das posturas, dos gestos e dos diálogos acompanhados de
sentimentos (Cardoso, 2001). Na Unidade Humaitá II, analisamos percepções,
disposições e sentimentos produzidos na convivência dos que participam do
ambiente escolar e, além de identificar estes aspectos nas atividades do dia a dia,
acompanhamos outras formas de rituais presentes nas comemorações em geral,
que evidenciaram uma identificação institucional que pode ser interpretada como
um “sentimento geral afinado” (Mafra, 2003) com esta Unidade Escolar.
As características do corpo docente, as relações estabelecidas na escola, a
percepção dos agentes sobre o ambiente institucional, a composição do corpo
discente e o senso de pertencimento dos agentes escolares, foram as categorias
explicativas do clima escolar e da constituição da identidade da escola
investigada.
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Ponto de chegada
223
Algumas questões detectadas no trabalho de campo - frequência baixa de
alunos as atividades promovidas pela escola para sanar as dificuldades de
aprendizagem, um sistema de avaliação em 70% exclusivamente centrado em
provas e medidas, regras disciplinares que não parecem tão explícitas e aplicadas
indistintamente – e que foram apontadas pelos agentes escolares, não nos permite
diagnosticar negativamente a experiência escolar aqui estudada.
A inserção no contexto escolar deste estabelecimento de ensino, apoiada na
interlocução com os autores sobre clima escolar possibilitou-nos traçar um quadro
dos fatores intrainstitucionais da Unidade Humaitá II que se destacam na
produção de um clima de excepcionalidade pró-aprendizagem e de habitus
escolares favoráveis ao bom desempenho: situação funcional, experiência e
formação dos agentes escolares, equipes estáveis, mobilização dos professores,
responsabilidade coletiva pela aprendizagem, respeito mútuo, boas relações
interpessoais, ambiente físico seguro e agradável, etc.
Esses e outros fatores se apresentam alicerçados num vigoroso senso de
pertencimento e identificação com o que a escola representa e por isso o relato dos
rituais que são a perfeita tradução do ethos institucional que proporciona elevadas
motivações para os integrantes desta instituição de ensino.
Na nossa pesquisa empírica, inferimos que esses momentos não se
reduzem a garantir uma vida escolar mais interessante e desenvolver os laços de
solidariedade entre o grupo, na Unidade Humaitá II representam a celebração de
laços já estabelecidos. “Pertencer é ter e ser parte da alma de um lugar, na sua
elasticidade afetiva e cultural” (Paiva, 2008). Esse era um dos sentimentos
percebidos nos momentos de atividades “extras”, isto é, nos momentos de
suspensão da rotina no cotidiano escolar. Diante deste campo tão rico, decidimos
tomar como elementos para as considerações finais as festividades, encontros que
tão bem expressaram os aspectos constitutivos do clima escolar da Unidade
investigada.
A festa junina: “Pedro II eterno”
A festa junina do Humaitá II é bem concorrida, tem venda prévia de
ingressos e ocupa toda a extensão da Unidade. As barracas de doces, salgados e
brincadeiras são de responsabilidade dos alunos, mas vi alguns funcionários
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Ponto de chegada
224
ajudando a servir os dois tipos de refeições (estrogonofe e caldo verde) em mesas
improvisadas. Reconheci um professor numa caixa vendendo tíquetes. Na barraca
de bebidas encontrei uma das senhoras da limpeza, serviço terceirizado no CPII.
Neste dia, a Unidade não recebe somente funcionários, alunos e seus
familiares
271
, fica tomada por ex-alunos, alguns formados recentemente, outros há
mais de dez anos. Eles não escondem o prazer em voltar à escola, participar da
quadrilha dos ex-alunos e reencontrar os vários amigos
272
. Conversei com alguns
ex-alunos, um tinha se formado há nove anos. Atualmente trabalha como
contratado no Programa de Pós Graduação de Antropologia Social do Museu
Nacional e todo ano comparece à festa junina. Diz que não perde essa festa, que
tem muito prazer em voltar ao HII porque reencontra vários amigos.
No refeitório havia música eletrônica. Esse espaço funcionava como uma
espécie de discoteca, mas a empolgação estava na quadra de esportes, onde as
equipes disputavam a performance na apresentação de danças com coreografias
inventadas pelos grupos. É, acima de tudo, um grande encontro da comunidade
com ex-alunos. Sua dinâmica garante o interesse dos atuais estudantes, eles
formam equipes (podem ser de séries misturadas) que são responsáveis pelas
barracas, ornamentação da escola, danças (forró e quadrilha) e arrecadação de
roupas, brinquedos e alimentos (que serão doados). Recebem pontos por essas
atividades e pelo desempenho nas gincanas relâmpago que acontecem durante a
festa (cinto mais comprido, carteira de identidade com data mais antiga, a dança,
etc.).
Por ter ficado um bom tempo nas arquibancadas da quadra de esportes,
pude sentir e ouvir dos próprios alunos presentes, e principalmente dos ex-alunos,
a alegria e o bem estar por participarem daquele evento. Num momento jogam
uma professora para o alto, em outro puxam a ‘tabuada’, que diz o seguinte:
271
A festa junina do Humaitá II foi organizada basicamente por alunos e frequentada, além destes,
por alguns responsáveis, muitos ex-alunos, encontrando-se também em menor número,
professores, ex-professores e ex-responsáveis.
272
A impressão da importância desse momento se concretizou, quando vi que os alunos da 8ª
série/2006 da Unidade Humaitá II fizeram questão de fazer um registro da festa junina no
Almanaque Histórico editado pela Folha Dirigida na comemoração dos 170 anos do Colégio.
Escreveram um pequeno texto fazendo alusão ao “micão” que pagam os funcionários e professores
que se fantasiam, cantam e brincam na gincana dos alunos.
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Ponto de chegada
225
Ao Pedro II, tudo ou nada?
Tudo!
Então como é que é?
Tabuada!
Três vezes nove vinte e sete
Três vezes sete vinte e um
Menos doze ficam nove
Menos nove fica um
Zum, zum, zum. Paratibum!
Pedro Segundôoooooooooooô!
No momento que eles chamavam de “A hora da saudade”, dá-se a
apresentação da quadrilha dos ex-alunos. Observei que eles lotavam a quadra,
tentei contar os participantes e cheguei a 120. Este grupo também puxou a tabuada
ao final da dança. A assessora da direção, que comandava o microfone, disse:
Valeu galera, foi muito bom tê-los de volta na casa”.
E, por fim, o último evento da festa: a quadrilha do 3º ano. A este grupo,
que em quantitativo era um pouco menor que o dos ex-alunos, misturavam-se os
que haviam participado das diversas equipes, rolava um ar de despedida.
Chegando ao final da apresentação, todos entoaram: “Soltou os capetas,
ninguém mandou soltar, CPII, 3º ano, Humaitá”! Em seguida, também puxaram a
‘tabuada’. A professora que comandava o microfone gritou: “Até o ano que vem
na quadrilha dos ex-alunos”! No que todos gritaram: ”Hêeeeeeeeeeeeeee”. E
foram saindo da quadra obedientemente.
Poderia se chamar ‘festa da confraternização’, pois a dimensão simbólica
encarnada nas vozes e gestos corporais não deixava dúvidas, era um ritual de
perpetuação dos laços criados na convivência no Colégio. Uma atividade como
outras que “contribuem para tornar a escola viva e que, ao lado dos
espaços/tempos do cotidiano escolar, exprimem a urdidura na qual a teia de
significados que produzem a cultura é entrelaçada, criando, desse modo, a cultura
da escola” (Cardoso, 2001). Nessa teia eles colocavam no mesmo pé de igualdade
o Colégio Pedro II e a Unidade Humaitá, conforme constatamos no canto do 3º
ano: “Soltou os capetas, ninguém mandou soltar, CPII, 3º ano, Humaitá! Na
verdade, em nenhum momento, esses nomes se separam para qualquer aluno de
qualquer Unidade do Colégio.
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Ponto de chegada
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Um depoimento de um ex-aluno do Humaitá II – Roberto Frota Pessoa,
atualmente cirurgião chefe do Hospital Municipal Miguel Couto -, em entrevista a
alunos da 8ª série de 2007, também faz referências a “Tabuada”:
“Fui aluno do Colégio Pedro II no Engenho Novo e no Humaitá. A ditadura
começou no ano que eu saí do Colégio. Participei de manifestações no final do
governo João Goulart, como o comício da Central do Brasil. (...) As imagens
mais marcantes e as maiores emoções ocorriam quando eu puxava a Tabuada,
às vezes em cima de um carro parado no centro da cidade, para mais de 1000
alunos, durante as manifestações” (...). (Almanaque Histórico, 2007)
São evidências da existência de um sentimento de pertencimento que não
arrefece nos alunos, mesmo após a sua saída do Colégio, conforme explicitado na
fala de outra ex-aluna, acentuando o que já era claramente percebível, que até hoje
sente emoção quando fala do Pedro II. Lembra que quando entrava no Colégio,
sua sensação era de que estava entrando num lugar de clima mágico
273
.
As relações entre os indivíduos e o ethos escolar, esta qualidade do
ambiente, eram prontamente perceptíveis na festa junina do HII, pelo
envolvimento, principalmente, de alunos e pela adesão de ex-alunos. Ao final da
apresentação de um grupo, os alunos levantaram um cartaz onde se lia: “Pedro II
eterno”! O cartaz indica a incorporação, por parte dos alunos, de um aspecto da
identidade deste estabelecimento de ensino. Aspecto bem descrito pelo historiador
Escragnolle Doria quando evidencia a marca indelével daquele que fora “o padrão
de ensino de humanidades e que traçara as normas a que a Educação Nacional
obedecera por mais de um século (...) sem estudar o Colégio Pedro II, não se
compreende a instituição pública nacional” (Segismundo, 1987).
A referência ao atributo de eternidade, por iniciativa dos jovens, aponta
para a existência de uma cultura institucional que “aparece nas distintas vozes
como uma espécie de refrão” (Bomeny, 2006) e comprova a influência da
experiência escolar nas vidas (na formação) dos alunos.
273
Quando começamos nossa conversa, não fiz nenhuma referência ao clima. Por iniciativa
própria ela referiu-se a um clima mágico do Colégio. Havia feito o antigo ginásio na Unidade
Humaitá II (de 1970 a 1973) e o científico (atual ensino médio) na Unidade Centro. Os 32 anos de
formada não impediram que seus olhos brilhassem ao tomar conhecimento do teor da minha
pesquisa, imediatamente se dispôs a falar do seu tempo de estudante.
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Ponto de chegada
227
O almoço de fim de ano: a celebração de uma equipe
A atividade aconteceu no refeitório, detalhadamente regida pela diretora da
Unidade com a ajuda de uma equipe
274
. As diversas mesas com lugares para
quatro ou oito pessoas estavam com toalhas novas e enfeites, sobressaía também
uma típica mesa brasileira de natal: peru, pernil, arroz à la grega, farofa, salpicão,
etc. Tudo enfeitado com pêssegos, uvas e passas. A própria diretora, com algumas
ajudantes, estava dando os retoques finais na arrumação desta mesa.
O momento foi aproveitado pelos professores que atuam na associação que
representa os docentes, para atualizar e mobilizar os presentes para a questão mais
premente do ano de 2007 (para uma parte da comunidade) que era a luta por
eleições para a Direção Geral do Colégio
275
.
Começado o almoço, cada pessoa se servia diretamente na mesa grande,
sob os olhos atentos da diretora
276
.
O almoço se desenrolou como costumam ser os eventos de
confraternização de final de ano: bebidas, fotos são tiradas de vários grupos,
elogios para a equipe que organizou o festejo (pessoal da limpeza, alguns
funcionários), aplausos calorosos para alguns funcionários que estão presentes,
sorteios, distribuição de brindes, etc.
A particularidade ficou por conta da presença de professores aposentados
que não abrem mão das oportunidades de voltarem ao Colégio, das colocações da
diretora ao microfone enquanto comandava o evento e em um dos brindes
distribuídos para as pessoas presentes.
Uma das aposentadas presentes
, que era bastante idosa e tinha sido diretora
da Unidade, foi saudada pela atual: “[nome da ex-diretora], minha eterna diretora”!
274
Eu me aproximo do balcão da cozinha para cumprimentar a chefe de disciplina do 2º turno e
descubro que ela capitaneara a feitura de todos os pratos servidos no almoço, ela também fizera as
refeições servidas na festa junina do Colégio, em 20 de outubro de 2007.
275
Havia um sistema de som e um microfone, a palavra foi dada à coordenadora de Língua
Portuguesa que era diretora da associação de docentes e a um professor de História, conselheiro
desta mesma associação. Eles dão informes sobre o movimento iniciado pelas entidades
representativas do CPII pela realização de eleição para Direção Geral do Colégio Pedro II. Em
seguida, com a ajuda de outra professora conselheira, eles distribuem um panfleto com todos os
informes sobre a eleição e uma agenda/2008 para cada associado da ADCPII.
276
Ela mesma ajudava a repor os pratos e caminhava entre as mesas para ver se todos estavam
bem, ajudou a servir as sobremesas, etc.
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Ponto de chegada
228
Quanto aos brindes distribuídos, todos os objetos (uma bolsa plástica
transparente com caneta, faca, garfo e uma caneca também de plástico
transparente) traziam o logotipo do Colégio. Na caneca do tamanho de uma
caneca de chopp, vinha escrito com letras azuis: “EX-ALUNO - 170 anos -
Colégio Pedro II /1837 – 2 de dezembro – 2007/ Talentos sempre”. Havia também
os nomes de todas as Unidades Escolares (ao lado do nome de São Cristóvão
estava escrito Internato), o símbolo do Colégio e a tabuada.
Não deixou de ser um momento de consagração da instituição, que na
verdade é reverenciada em toda e qualquer atividade que reúne seus integrantes.
Nessas ocasiões todos parecem fortalecidos pelos aspectos identitários do Colégio
– história, tradição, qualidade. Haja vista a diretora ter iniciado sua fala ao
microfone noticiando que HII ganhara seis medalhas de ouro na Olimpíada de
Matemática. Quando então houve muitos aplausos que foram a deixa para que ela
reforçasse também o que vem a ser a marca auto proclamada da sua gestão, que é
o trabalho em equipe: “Parabéns para a melhor equipe da escola, uma direção
sem uma equipe não faz nada”!
A cerimônia de formatura do 9º ano de 2007: Família Pedro II
As cerimônias de formatura do CPII costumam ser feitas no Auditório
Mário Lago, que fica no Complexo Escolar de São Cristóvão, porque além dos
800 lugares disponíveis, conta com estacionamento fácil.
A observação das interações simbólicas permite esclarecer e interpretar os
rituais que regulam o comportamento de um microssistema (Sierra, 1996), e, neste
sentido, a cerimônia de formatura do 9º ano de 2007 foi o momento mais indicado
para presenciar a celebração da centralidade do Colégio Pedro II na vida de
adultos e jovens e o fortalecimento emocional advindo desta relação.
O pátio do auditório (repleto de parentes) fervilhava de agitação e muita
alegria, todos queriam tirar fotos com familiares, amigos e professores. No lado
de dentro do auditório, um clima pomposo, como costuma ocorrer nos momentos
de celebração. No palco, uma mesa comprida forrada com pano azul com um
símbolo bem grande do Colégio na parte da frente. Lugares reservados nas três
primeiras fileiras para os alunos que estavam se formando. Assim que me viu, a
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Ponto de chegada
229
responsável pelo 9º ano da tarde me incluiu no evento, pedindo que eu ajudasse a
tomar conta dos lugares reservados, encaminhando os parentes dos alunos para os
outros assentos.
Quando o auditório de 800 lugares estava quase tomado, a cerimônia foi
iniciada. Os professores homenageados foram chamados para ocuparem seus
lugares à mesa: eram seis professores do HII e um professor do Humaitá I. Como
já relatei no capítulo sobre o processo ensino-aprendizagem, eu tinha assistido
aulas e entrevistado cinco dos seis professores homenageados do HII. Refleti que
não poderia ser uma mera coincidência, afinal, professores acessíveis à pesquisa,
que não hesitaram em disponibilizar suas salas de aulas e participarem de
entrevistas, dispõem de predicados tais, ao ponto de serem justamente os
escolhidos pelos alunos para receberem homenagens.
Nas turmas que estavam se formando, 42% dos alunos tinham vindo do
Pedrinho, daí a escolha de um professor da Unidade Humaitá I para ser
homenageado. Justamente este professor fora o que levara suas turmas do 5º ano
para assistir uma das apresentações do Grupo Fazendo Arte, na Unidade Humaitá
II e que, quando chegara com as crianças, fora saudado entusiasticamente pelos
alunos do Ensino Médio que estavam nos corredores e até pelos que estavam em
sala de aula.
Os alunos oradores se revezavam ao microfone referindo-se aos anos
passados no Colégio: “O Colégio Pedro II é a nossa segunda família, aprendi
muita coisa desde o Pedrinho...”. A referência ao Colégio como uma segunda
família (segunda casa) se repetiu em vários momentos, inclusive no discurso final:
Desde que entramos nessa escola pela primeira vez, fomos apresentados a nossa
segunda casa. Família Pedro II, ser amado e respeitado por todos (...).
A denominação de uma escola como segunda casa é a expressão do
sentimento de acolhimento que perpassou pela vida escolar dos jovens formandos.
Lembremos que uma professora, dirigindo-se aos ex-alunos, disse: ... “foi muito
bom tê-los de volta na casa”.
Falavam também um pouco de cada professor presente: “Estudei com o
professor [nome do professor], um professor de 67 anos que diz que irá morrer no
Colégio...” Por ter iniciado a vida como pesquisador e já ser aposentado numa
matrícula, este professor tem uma idade mais avançada que os outros. Assisti uma
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Ponto de chegada
230
das suas aulas, mantinha a turma atenta fazendo comentários engraçados
relacionados à disciplina Geografia.
O cenário da cerimônia de formatura ressaltava as dimensões culturais
historicamente institucionalizadas no Colégio, e imediatamente me remeti a um
depoimento que lera no Anuário Comemorativo do Centenário do Colégio (volume
X - 1937-1938). Era uma crônica de um ex-aluno (Euclides Rosco) que se reportava
a um professor chamado Fortunato Duarte, que apresentava características
semelhantes ao professor homenageado - dava ao estudo do Latim
277
tanto
interesse, que todos tinham a impressão de estar estudando uma língua viva. Rosco
lembrava que “ele era espirituoso, trepidante, mas sempre dentro da matéria da qual
não fugia, pois as suas anedotas ressaíam do assunto da lição, uma ode a Horácio ou
uma fábula de Fedro”. Sua turma foi a última que teve Fortunato Duarte como
professor, pois ia aposentar-se depois de 35 anos ininterruptos de magistério e,
segundo Rosco, o mestre afirmava: “Quero dar a minha última aula com o mesmo
entusiasmo que dei a primeira”. O ex-aluno assegura que assim ele o fez.
Foi inevitável a lembrança deste relato, ao presenciar as homenagens
dirigidas ao professor de Geografia, do qual os atuais alunos destacaram
características similares a de um antigo professor do Colégio, era a reedição de
uma lógica de cem anos atrás.
Nos discursos dos três paraninfos e da diretora havia referências ao ensino
público, à importância e qualidade do Colégio, ao empenho, capacidade e sucesso
dos alunos e à sensação do dever cumprido:
O professor de Geografia enfatizou:
Alcançar conhecimentos não é tarefa simples. Não basta a
instituição e seus professores estarem preparados. É primordial
que seus alunos saibam concentrar-se nos estudos para que se
tornem receptivos (...), que sempre recuperem as informações
compreendidas e as habilidades alcançadas para imediatamente
após obterem novos e mais aprofundados conhecimentos. Caso
não o consigam verão como muitas instituições de ensino do
Brasil atual, inclusive de níveis superiores, tornam-se simples
repetidoras de conhecimentos elementares. Sou testemunha que
nossos formandos não somente sabem estudar como percebem
por onde devem e podem avançar (...). Caso os alunos
mantenham no Ensino Médio e nos níveis seguintes o mesmo
interesse pelas letras, artes e ciências, o Colégio Pedro II
continuará comprovando que o ensino deve ser público e
277
O Latim fez parte do currículo do Colégio até a segunda metade dos anos 90 do século passado.
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231
universal, gerando novas coortes de brasileiros aptos e
responsáveis, capazes de estabelecer um longo processo de
desenvolvimento sustentável, onde a justiça é sempre o objetivo e
as espertezas individuais, que tanto prejudicam o avanço do
coletivo, sejam finalmente afastadas do nosso país.
Um outro professor homenageado se inseria numa condição oposta ao
professor que suscitara lembranças antigas, ele era contratado e estava no seu
primeiro ano no Colégio. Sua escolha pelos alunos comprova que a cultura do
Colégio é marcada pela hegemonia de uma lógica que desencadeia configurações
culturais integradoras (Torres, 2005), pois, mesmo lecionando provisoriamente na
Unidade Humaitá II, discursou numa posição de personagem totalmente integrado
na configuração institucional do Colégio:
O corpo docente está com uma sensação de dever cumprido por ter dado
educação pública de alta qualidade para as pessoas que estão aqui. E eu tenho
certeza que todos os formandos aqui presentes terão um futuro promissor.
Um dos professores fez questão de ressaltar o reconhecimento das boas
condições para o exercício do magistério na instituição:
O Colégio Pedro II que com seus 170 anos de profícua existência, oferece ao
professor condições de buscar formas cada vez mais eficientes de transmitir os
conhecimentos e assim preparar melhor os alunos pré-adolescentes e
adolescentes para no futuro superarem as incertezas do mundo atual,
transformando-as em alavancas para um desenvolvimento sustentável.
Foram feitas várias referências ao relacionamento mantido com os alunos:
(...) A gente pode se sentir a vontade para expressar esse turbilhão de
sentimentos que vocês expressaram por mim, que me cativaram tantas vezes.
Muitas vezes me deixando sem palavras, sem argumentos.
E a direção destacou a atuação em equipe:
O segredo dessas conquistas e o sentimento do dever cumprido estão em
jamais esquecer que é um trabalho de equipe... A seleção brasileira de vôlei...
não é campeã do mundo e pan-americana por acaso. Seu treinador
Bernardinho é o primeiro a admitir que o Brasil não tem jogadores melhores
que os outros países competitivos, mas tem um time melhor. A consciência de
que todos chegarão juntos ou nenhum chegará, é muito forte (...). Guardadas
as devidas proporções com o time do Bernardinho e o time da Unidade
Humaitá II, é assim que procuramos desenvolver nosso trabalho.
A cerimônia se encerra com as palavras de um dos alunos oradores:
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Desde que entramos nessa escola pela primeira vez, fomos apresentados a
nossa segunda casa. Família Pedro II, ser amado e respeitado por todos (...).
Agora, para finalizarmos, convidamos a todos para cantarmos o hino do
Colégio.
Nós levamos nas mãos
O futuro de uma grande e brilhante nação
Nosso passo constante e seguro
Rasga estradas de luz na amplidão
(...)
Vivemos para o estudo, soldados da ciência
O livro é nosso escudo e arma, a inteligência
Por isso, sem temer, foi sempre o nosso lema
Buscarmos no saber a perfeição suprema.
A vivência de um processo de escolarização que inclui nos rituais a
sugestão de que se leva nas mãos o futuro de uma nação, modela personalidades
singulares que, ao incorporarem tradições, valores e normas de uma instituição
que transmite o sentimento de ser a História da Educação Nacional, certamente
assimilam uma marca de distinção no campo social.
As atividades relatadas nesta seção expressam a forma como os membros
deste estabelecimento percebem o ambiente escolar, que inclui diversos
sentimentos relacionados a orgulho, magia, distinção e acolhimento. O relato de
alguns aspectos perceptivos e subjetivos evidencia a herança e a manutenção de
uma imagem predominante positiva da instituição na percepção dos atores
escolares.
6.2
A dimensão exterior de uma identidade institucional: o
reconhecimento de uma grandeza
“Vocês não podem imaginar como é emocionante estar aqui neste Colégio Dom Pedro II,
sobre o qual eu tanto li e que de alguma maneira se confunde com a História da
Educação no Brasil, com a história da cultura brasileira”.
(Catedrático Sergio Paulo Rouanet, em 10/10/2007)
A Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
dedicou, em dezembro de 2008, um número especial da sua revista – a Revista
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Contemporânea de Educação - ao Colégio Pedro II. No editorial justifica esta
decisão devido à importância da instituição para a História da Educação
Brasileira.
Vários aspectos são ressaltados na publicação, dentre os que dizem
respeito ao nosso estudo apontamos a referência à permanência do Colégio Pedro
II em “um país onde tudo parece recente e provisório, onde os sistemas públicos
de educação sofrem com a instabilidade das políticas” (Cavaliere, 2008).
Assinando o editorial, a coordenadora do Programa da Pós-Graduação
reporta-se às informações contidas no Projeto Político Pedagógico do Colégio e
enfoca o percentual de professores (75%) que tinham títulos de especialização,
mestrado ou doutorado no ano 2005. Afirma que, com os novos concursos, esse
índice deve ter aumentado, “Mantendo o forte espírito de corpo, típico da
identidade institucional do Colégio” (idem, 2008), que é reforçado pela frequência
com que os próprios professores tornam-se seus pesquisadores.
Lembra que o Colégio oferece vagas para estágio curricular na formação
de professores, recebendo licenciandos de várias universidades da cidade, públicas
e privadas. É um importante parceiro das licenciaturas da UFRJ, recebendo,
somente dessa instituição, cerca de 200 universitários por ano.
Um celeiro de virtuoses
O Projeto de Leitura Cem anos sem Machado de Assis, desenvolvido pelos
professores de Língua Portuguesa do Colégio, relatado no capítulo sobre o
processo ensino-aprendizagem, promoveu na Unidade Centro um dia de debates
sobre os desafios da formação do leitor machadiano. Sua programação previa
mesas redondas para as quais foram convidados professores da UNICAMP, da
UFRJ e da ABL. Algumas falas desses participantes estão registradas e analisadas
neste capítulo porque caracterizam a dimensão exterior da construção da
identidade do Colégio Pedro II e da Unidade Humaitá II.
Oportunidades muitas já tivemos de estar presentes em eventos
acadêmicos promovidos por diversas instituições educacionais da cidade e do
país, porém nenhuma se igualou a esta atividade, no tocante a incorporação por
elementos externos de significados pertinentes a uma identidade institucional.
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As opiniões sobre o Colégio, que invariavelmente iniciavam as falas dos
convidados, foram uma clara demonstração de percepção e reconhecimento de um
ethos escolar distintivo que contamina mesmo àqueles que não integravam a
escola.
A professora Marisa Lajolo (UNICAMP), iniciando sua exposição:
Receber um convite para falar sobre o Machado no Rio de Janeiro é uma honra
muito grande. E falar de Machado no Rio de Janeiro, e no Colégio Pedro II, é
inominável. É uma coisa maravilhosa para quem, como eu, trabalhou tanto e
deve tanto ao que essa casa fez em termos de produção cultural e de registro de
memória cultural do Brasil.
O catedrático Sergio Paulo Rouanet (ocupante, desde 1992, da cadeira
número 13 da Academia Brasileira de Letras):
Vocês não podem imaginar como é emocionante estar aqui neste Colégio Dom
Pedro II, sobre o qual eu tanto li e que de alguma maneira se confunde com a
História da Educação no Brasil, com a história da cultura brasileira. Os maiores
nomes da elite do 2º reinado e também do século XX, se formaram por esse
Colégio. Não tem nada mais aurático do que contemplar esta sala, onde tantas
conferências brilhantes foram feitas, certamente, honrados em muitos casos com a
presença do Imperador. Perguntei agora, se ela [a coordenadora do projeto,
professora da Unidade Humaitá] não tinha convidado o Imperador, ela me disse
que sim, que ele estava impedido por alguma razão que eu não sei qual é.
Registro parte da palestra do professor de Prática de Ensino, da UFRJ,
Armando Gens, porque suas palavras expressam algumas peculiaridades do
Colégio como o ensino humanista e a tradição:
(...) Diante das novas orientações pedagógicas que proclamam subjetividade,
temporaneidades, diferenças culturais, hipertextualidades, como se configuram
a escola e a leitura? (...) Que espécie de escola os alunos estão frequentando?
O que vem a ser a leitura nessa espécie de escola? (...) A escola como hoje a
vemos, mostra-se demasiadamente aberta e sofre as consequências de querer
ser a escola da vida. E se apresenta como espaço de socialização tão somente,
restringindo-se a promover a mediação entre a família e a sociedade. O aluno
é o cliente, usuário, receptor. O professor é o gerente, animador... As matérias
são produtos, informações. (...) Há que se entender que a escola, enquanto
espaço empenhado na educação formal, vem a ser responsável pela
humanização. O mundo está fadado à ruína pelo tempo a menos que existam
seres humanos designados a intervir, a alterar e a criar... Mas isso não se
realiza se não houver um agudo senso de conservação, não conservadorismo, e
responsabilidade. (...) Alunos e alunas possam ascender a humanidade como
forma de enfrentar a barbárie. Por isso o ato de ler surge como um emblema
de humanização... (...)
Por que o pequeno João não lê? Talvez essa pergunta encontre resposta no
fato de que os responsáveis institucionais pelo ensino, professores, pais,
pedagogos, teóricos e evidentemente homens políticos, se desinteressaram pela
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finalidade da escola... A resposta também pode estar em que nós, professores,
possamos dar mais atenção a esse excesso de abertura da escola e que se volte
a pensar a humanidade, pois nessa perspectiva não há nada que possa
substituir a leitura de Machado de Assis na escola, que o diga o Colégio Pedro
II!
Não tive como avaliar o impacto de suas palavras para os docentes
presentes ao seminário, apenas registro que não houve nenhum aparte que
contradissesse suas concepções sobre as funções da escola. “Diante das novas
orientações pedagógicas que proclamam subjetividade, temporaneidades,
diferenças culturais, hipertextualidades, como se configuram a escola e a
leitura”? A resposta pode ser retirada do texto do ex-Diretor Geral que abre o
Almanaque Histórico elaborado pelos alunos, sobre o Colégio ele afirma:
Fugiu dos modismos, quando não comodismos educacionais, e repeliu a tese de
liberalismo educacional, pois, para quem une efetivamente tradição e
qualidade, o ‘laissez-faire, laissez-passer’, é incompatível com a escola
pública, de massa e qualidade, o nosso Velho Novo Colégio Pedro II.
O professor Armando contrapôs barbárie e escola: “Há que se entender
que a escola, enquanto espaço empenhado na educação formal, vem a ser
responsável pela humanização”. O Colégio tem um currículo ainda forte em
História, Geografia, Filosofia, Sociologia e Línguas, provando que, apesar das
mudanças, a sua tradição humanista não se perdeu de todo (Cavaliere, 2008) e tem
protagonizado o papel de escola ícone de Educação Básica.
O evento contou com diversas atividades e para o qual foram liberados
todos os professores que quisessem participar, mesmo que não lecionassem
Língua Portuguesa, o que demonstra como já se registrou neste estudo, um claro
entendimento da instituição de que a escola é local de desenvolvimento pessoal e
social, não apenas para os alunos, mas também para os profissionais que a
constituem.
O título desta seção (Um celeiro de virtuoses) justifica-se pelo destaque
não planejado que os professores do Colégio tiveram em alguns momentos do
Seminário.
Foram convidados especialistas em Machado de Assis para comporem as
mesas do evento. As declarações desses especialistas também podem ser
consideradas como confirmações da hipótese de que a excelência da Unidade
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Humaitá II do Colégio Pedro II se deve, entre outras variáveis, à qualidade do seu
corpo docente.
Um dos palestrantes declarou-se bastante honrado em poder contar com a
colaboração valiosa dos professores do Pedro II na formação dos seus alunos,
futuros professores. Frisou que seus estagiários são muito bem recebidos e
orientados pelos docentes do Colégio.
Durante uma das mesas, outro convidado fez questão de ressaltar o
conhecimento, por parte de uma professora do Colégio, sobre a poesia de
Machado de Assis. Esta professora mediava o debate sobre este tema e fora
orientanda de mestrado do palestrante (professor da UFRJ), que declarou na sua
fala inicial que ela era a perfeita tradução da discípula que superou o mestre.
Avaliação que se confirmou quando ele cedeu a última pergunta feita por um
participante para esta professora, que falou com maestria sobre a influência da
ópera italiana na poesia de Machado de Assis. Acrescento que a coordenadora do
Projeto tinha feito mestrado e doutorado sobre o autor. São evidências da
qualidade dos profissionais que estão à frente da escolarização dos alunos do
Colégio, delineando projetos pedagógicos bem sucedidos.
A nossa longa permanência no campo possibilitou experimentar como as
interações dos agentes escolares em uma escola pública encontram condições de
construir um clima institucional que se traduz num cenário de aprendizagens
significativas.
Que o ponto de chegada desta pesquisa, transmude-se no ponto de partida
para as políticas públicas reverterem a realidade da oferta irregular de ensino nas
escolas públicas do nosso país.
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ANEXOS
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Anexo 1
As escolhas teórico-metodológicas
Diferente da teoria teórica (...) a teoria científica apresenta-se
como um programa de percepção e ação só revelado no trabalho
empírico em que se realiza. Construção provisória elaborada para
o trabalho empírico e por meio dele, ganha menos com a polêmica
teórica do que com a defrontação de novos objetos. (...) (Bourdieu:
1989, p. 59)
Tratar a teoria como modus operandi que orienta e organiza
praticamente a prática científica é, evidentemente, romper com a
complacência um pouco feticista que os “teóricos” costumam ter
para com ela. (Bourdieu: 1989, p. 60)
A produção do material empírico
Entendendo que toda investigação deve problematizar sua trajetória com o
objetivo de suscitar reflexões que colaborem para o desenvolvimento de futuras
pesquisas, esta seção reconstitui o percurso da pesquisa de campo, demarcando as
escolhas teórico-metodológicas e explicitando os problemas que ocorreram no
processo de produção do material empírico.
A Sociologia dos Estabelecimentos Escolares como campo de estudo surge
da necessidade de compreensão das relações entre as desigualdades sociais e os
processos de ensino-aprendizagem de estudantes de variadas origens
socioculturais. Esta nova perspectiva de investigação vem apontando que a escola
tem impacto na vida dos alunos e que a qualidade da escolaridade (organização e
funcionamento da instituição) pode fazer uma grande diferença, especialmente
para os alunos de meios desfavorecidos.
As conclusões das pesquisas neste recorte têm evidenciado que os
estabelecimentos de ensino constroem uma identidade própria que permite
compreender as diferenças entre as escolas, com relativa independência das
variáveis contextuais. Fortaleceu-se assim a hipótese de que a política dos
estabelecimentos – a natureza das relações sociais entre os atores e o projeto
pedagógico e educativo - seria responsável em parte pelo desempenho dos
estudantes (Cousin, 1993).
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Segundo Canário (1996), a articulação entre os conceitos de ator e de
sistema possibilita o acesso a um entendimento novo destes sistemas de ação
coletiva, que são as escolas. Estas surgem então, não como um “dado natural”,
mas “como um ‘construído’ social, marcado por uma intrínseca contingência”
(idem, 132), o que as torna refratárias a previsões deterministas. O autor destaca
duas grandes correntes que, em sua opinião, demarcam o campo das pesquisas que
têm a escola como objeto de estudo: (a) uma se refere aos estudos que exploram o
conceito de eficácia dos estabelecimentos de ensino; (b) outra se reporta ao
conjunto de estudos que apontam para a elucidação dos processos de construção
da identidade dos estabelecimentos de ensino. Declara, ainda, que a pesquisa
centrada na identidade dos estabelecimentos de ensino parte dos conceitos de
contingência e singularidade porque o que está em jogo não é a identificação de
um conjunto de fatores isolados, e sim a configuração singular de um conjunto de
características.
Esta segunda corrente é identificada por Mafra (2003) como os estudos mais
atuais voltados para o que se nomeia cultura organizacional, que reúnem a
perspectiva de sistema e a perspectiva de ator, que eram examinadas
separadamente e agora são estudadas de forma articulada, de modo a perceber as
escolas como um sistema de ação coletiva. Estes estudos visam os aspectos
interpessoais e subjetivos das experiências escolares vividas numa organização,
onde o “clima da escola” caracteriza-se por um “sentimento geral afinado” com o
estabelecimento, proporcionando o bom relacionamento e a identificação
institucional oportuna ao funcionamento adequado das instituições.
Ao estudar as pesquisas empíricas sobre as variações de aquisição dos
alunos em função da escola ou da classe em que eles são escolarizados e sobre a
busca dos fatores que podem explicar estas variações, Bressoux (2003) privilegiou
a noção de clima em relação a outros fatores de desempenho (vistos como mais
ou menos decorrentes deste). O “clima” da escola é destacado como um conceito
que permite agrupar as características isoladas para incorporá-las em um conjunto
que lhes confere sentido. Ele permitiria dar conta da escola concebida como uma
organização social que desenvolve um sistema particular de relações entre os
atores.
Os estudos referidos ao clima escolar abordam percepções, disposições e
sentimentos produzidos na convivência dos que participam do ambiente escolar.
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Neste processo, os estabelecimentos produzem suas singularidades distinguindo-
se de outros. A noção de clima se mostra como um fator primordial para o estudo
da identidade dos estabelecimentos de ensino que, concebidos como organizações
sociais, distinguem-se entre si, com seus modos próprios de funcionamento e seus
sistemas sociais de relações.
Por isso, voltamos o olhar para o que parece “dar certo” e focalizamos os
processos de geração e manutenção da imagem de excelência do Colégio Pedro II
através de um estudo de caso em uma de suas Unidades Escolares, buscando
destacar os aspectos que produzem um determinado ethos
278
que imprime uma
marca própria às ações e ao perfil institucional do Colégio.
Esta investigação está situada no centro das indagações sobre os objetivos
da educação institucionalizada e sobre as reflexões do cumprimento, por parte da
escola, daquilo que oficialmente ela promete – a possibilidade de acesso ao
conhecimento escolar. Perguntamos: como cumprir com esta tarefa, se “a escola
não pode, sozinha, compensar as desigualdades da sociedade” (Bressoux, 2003
p.73)? Talvez a escola possa se organizar de tal maneira, que os aspectos
reguladores e repressivos, inerentes à estrutura mais geral, sejam dirimidos pela
vivência de experiências ricas e democráticas (Cavaliere, 1996).
Na verdade, não encontraremos as respostas para todas essas questões,
embora elas permaneçam em nosso horizonte. Por elas, envidamos todos os
esforços em investigações para que se transformem em poderosas lentes de
aumento que nos façam enxergar as minúsculas particularidades, para que
tenhamos mais elementos que possam subsidiar políticas educacionais de
democratização da escola e produzir novas ordens nas relações sociais.
Ao apresentar os resultados mais marcantes das pesquisas sobre clima,
Bressoux (2003) focalizou os trabalhos que se centraram sobre o sistema social e
a cultura, por entender que “é o sistema social de relações entre indivíduos e a
cultura da escola que se tenta definir pela noção de clima...” (idem, p. 52).
Segundo Mafra (2003), a investigação da cultura da escola se confunde com os
estudos sobre a identidade da escola, pois os estudos que buscam a compreensão
da cultura da escola tentam dar visibilidade ao que se designa como ethos cultural
de um estabelecimento de ensino, sua marca ou identidade cultural.
278
No sentido de traços característicos em termos de valores, símbolos e práticas que dão
identidade particular a escola, diferenciando as instituições umas das outras.
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254
O Colégio Pedro II é considerado um marco na educação brasileira porque
sua história se origina na própria história social, política e cultural do país
279
.
Raramente o Imperador ausentava-se das colações de grau do Colégio, o que
ocorria, em geral, por motivo de viagens. Luis D’Escragnolle Doria
280
lembra que
o Imperador conhecia a maior parte dos bacharelandos porque lhes assistia os
exames sucessivos no colégio (Galvão, 2003).
A gênese da sua formação identitária remonta à primeira metade do século
XIX, quando se deu a fundação ou, se quisermos ser mais precisos, podemos
atentar para o ano de 1739, quando foi fundado o Seminário de Órfãos de São
Pedro, mais tarde Seminário de São Joaquim, estabelecimento que deu origem ao
Colégio. A história desta instituição e seu perfil institucional foram considerados
para a compreensão do conjunto de valores e sentimentos consolidados na
Unidade Humaitá II e das marcas que a distinguem das demais escolas.
Para definir os critérios de análise da variável clima, balizamo-nos na
corrente que, segundo Canário (1996), investe no esclarecimento dos processos de
construção da identidade das escolas e demarcamos como o objetivo geral desta
pesquisa investigar a identidade institucional da Unidade Humaitá II, buscando
identificar características do clima escolar favoráveis ao sucesso dos alunos
281
.
A escola nasce das interações sociais, do fazer e de saberes constituídos no
cotidiano, engendrando uma cultura capaz de integrar professores, alunos e família,
mas que se organiza para além da transmissão e da distribuição dos conhecimentos
(Mafra, 2003). Esta pesquisa foi desenvolvida na perspectiva do estudo de caso
282
279
O Colégio Pedro II teve origem no Seminário de São Joaquim, foi fundado por Decreto de 2 de
dezembro de 1837, data escolhida por assinalar a passagem do aniversário natalício do segundo
imperador do Brasil, e é considerado a grande obra educativa da Regência.
280
Professor do Colégio Pedro II nas três primeiras décadas do século XX, diretor do Arquivo
Nacional e incumbido de elaborar a história dos cem primeiros anos do Colégio.
281
O sucesso escolar nesta pesquisa está referido aos resultados alcançados pelos alunos em
exames públicos que avaliam o desempenho escolar. Este foi um dos critérios utilizados pelo
SOCED para a escolha das nove escolas de prestígio da cidade do Rio de Janeiro que se
submeteram ao survey realizado em 2004.
282
Sarmento (2003) expõe que diferentes abordagens, correntes teóricas e diferentes práticas
investigativas concretas, envolvendo paradigmas epistemológicos e perspectivas metodológicas
bem distintas, escolhem investigações do tipo “estudo de caso”. Todavia, ressalta que seu formato
apresenta plasticidade suficiente para ser utilizado de forma tão diferenciada e permanecer
presente na base das mais importantes contribuições para o estudo das escolas e outras
organizações sociais. Acrescenta ainda que as principais orientações teóricas que nos estudos
organizacionais das escolas detiveram-se nas dimensões humanas do funcionamento
organizacional, realçando os aspectos informais e os conteúdos relacionais da ação organizacional,
originaram-se em estudos de caso.
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255
com intenso trabalho de campo, objetivando produzir material empírico proveniente
da observação direta do contexto institucional (material e simbólico).
Objetivando mapear as singularidades institucionais que atuam no
processo de geração da imagem de qualidade, recorri aos seguintes
procedimentos: observação nos espaços coletivos e em salas de aula, entrevistas
semiestruturadas (formais e informais) com professores e funcionários, entrevistas
informais com alunos e pesquisa documental.
Cada um desses instrumentos traduziu-se num importante suporte para o
alcance dos objetivos desta pesquisa, na medida em que se fez uma tentativa de
mobilizar as técnicas que pareciam pertinentes para a produção do material
empírico. Nas abordagens qualitativas para o estudo dos estabelecimentos de ensino
o que está em destaque não é a identificação de um conjunto de fatores isolados,
mas a configuração singular de um conjunto de características (Canário, 1996).
Os diários de campo
O que temos diante de nós é a necessidade de tradução de comportamentos observados,
de ritos socialmente reconhecidos, de crenças compartilhadas e, por isso, é preciso encontrar
formas de descrição que possam tornar estes elementos mais compreensíveis, mais nitidamente
inseridos numa rede de significados que lhes dão sentido e materializam sua existência.
(Tura, 2003, p.190)
Ao longo das 145 horas de observação na Unidade Humaitá II, o diário de
campo revelou-se a principal ferramenta para os diversos momentos da pesquisa.
Nele procurava anotar, detalhadamente, as situações, informações, dúvidas,
surpresas, que os acontecimentos suscitavam; empenhando-me em dispensar às
atividades mais comuns do cotidiano a atenção que se presta, habitualmente, aos
acontecimentos extraordinários (Forquin, 1995). Tarefa que não demandou muito
esforço, porque nada mais excepcional do que podermos observar com um olhar
perscrutador o aparentemente conhecido contexto institucional escolar.
“Esse é um procedimento que possibilita realizar mais do que a mera descrição
dos fatos, porque parte do pressuposto de que os acontecimentos do cotidiano se
inter-relacionam com estruturas sociais mais amplas e com tradições que foram
sendo incorporadas pelo grupo em ritos e costumes, que têm sua gênese em
situações distantes do momento em que são vividos. (...) Uma descrição
superficial pode deixar escapar a intencionalidade das ações humanas ou a
sutileza de certos códigos socialmente estabelecidos, pois fragmenta tempos e
espaços, isola acontecimentos, fecha o gesto no seu próprio contexto de
enunciação”. (Tura, 2003, p.190)
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256
A descrição dos acontecimentos de cada dia era feita na própria Unidade
Escolar, na sala dos professores, que, por ser confortável e espaçosa, propiciava
um trabalho tranquilo, preciso e sem alarde.
As anotações diárias, a transformação dos cadernos de rascunhos em relatos
de campo digitados e organizados, foram momentos de efetiva aprendizagem.
Recorri a interlocuções com pesquisas que tivessem problematizado o clima e a
cultura da escola ou que estivessem envolvidas com aspectos específicos do
cotidiano escolar e que fizessem referências ao diário de campo (Cardoso, 2001;
Carvalho, 2003 e Tura, 2003). Decidi por uma forma de relato que transitava entre
a linguagem coloquial e a linguagem acadêmica, punha sempre um cabeçalho
onde constava dia, mês e ano, dia da semana, hora de chegada e de saída da escola
e o total de minutos do trabalho de campo daquele referido dia. Em seguida,
descrevia as diversas atividades/acontecimentos que presenciava. Ao final dos
relatos de cada atividade, ou ao final do dia de investigação, escrevia meus
comentários que ficavam numa caixa de texto, destacados das descrições. Usando
recursos do Microsoft Word fiz algumas plantas baixas de alguns espaços
escolares.
Os 47 dias não consecutivos de trabalho de campo traduziram-se em um
pouco mais de 400 folhas digitadas em espaços simples, das quais 180 são de
transcrições de 12 entrevistas com professores e funcionários e de conversas
informais com alunos.
As anotações meticulosas das horas passadas na escola foram efetuadas
como forma de entendimento do que se passava no campo, como esforço de
impregnação da sua cultura, de se abrir ao seu ethos e assim aprofundar o
conhecimento do universo estudado (Tura, op.cit.).
A observação
O objetivo deste procedimento foi inteirar-me do cotidiano escolar em
diferentes espaços e momentos – circulação nos pátios, corredores, recreio, sala
dos professores, eventos, salas de aulas, laboratórios, espaços pedagógicos
coletivos (reuniões de professores, reuniões de pais), etc. Tivemos um olhar atento
para a natureza das interações dos agentes com os aspectos físicos, materiais e
simbólicos do estabelecimento pesquisado. A observação foi iniciada desde o
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257
primeiro contato com toda e qualquer instância da escola, e possibilitou, entre
outras questões, a escolha dos agentes escolares (professores e funcionários) que
foram entrevistados.
Esta investigação se propôs a aproximação das lentes aos aspectos que
singularizam uma das instituições que participaram do survey/SOCED de 2004 e
para isso recorreu-se à estratégia já utilizada pelo grupo em outras três escolas: um
novo olhar de perto e de dentro
283
. Ao invés de um olhar de passagem, conduzido
pelas escolhas do próprio pesquisador.
No momento da observação estabelecemos uma relação de conhecimento
com o nosso objeto de estudo, que é um fenômeno concreto da vida social,
imbricado numa rede de significados socialmente partilhados (Tura, 2003). O
período de observação na Unidade Escolar Humaitá II foi caracterizado pela
minudência, pela atenção pormenorizada aos comportamentos para compreendê-
los no contexto das relações e condições sociais de sua produção. Acrescento que
entrar num ambiente escolar (supostamente conhecido) com um olhar não
rotinizado, mas flagrantemente indagador, podendo pôr todo o universo, até então
conhecido, em “suspeição”, foi uma experiência bastante interessante, do ponto de
vista das descobertas que dela advieram.
Por atuar como docente na instituição a qual é ligada a Unidade Escolar
onde foi realizada a pesquisa, eu possuía o conhecimento de questões mais gerais
(ingresso de servidores e alunos, organização dos agentes escolares, etc.) do
Colégio. Desconhecia, no entanto, o cotidiano da Unidade Humaitá II, além do
que só estivera dentro de classes do segundo segmento do Ensino Fundamental
como aluna.
A observação de aulas
Foram observadas oito aulas de seis disciplinas diferentes, em cinco das
oito turmas do 9º ano. Procurou-se abranger o maior número possível de
disciplinas em diferentes turmas. O roteiro de observação das aulas incluía os
seguintes itens: relações interpessoais e qualidade das interações na sala de aula,
283
Magnani (2002) propõe um olhar de perto e de dentro, a partir dos arranjos dos próprios atores
sociais.
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258
expectativas e objetivos dos professores, prazer de ensinar e organização e
disciplina.
Inicialmente fiz contato com uma parte do grupo de professores, numa 2ª
feira, só encontrando, portanto, professores dos dias pares. Todo o CPII possui
uma dinâmica que se perde no tempo, de organizar o horário dos professores em
dias pares e ímpares; então temos os que trabalham as 2ªs, 4ªs e 6ªs e os que
trabalham as 3ªs, 5ªs e sábados. Os grupos de disciplinas são lecionados em dias
fixos e grupos de professores podem ficar muito tempo sem se encontrar, apesar
de lecionarem para as mesmas séries
.
Sentia que havia uma extensa jornada de reconhecimento e conquista de
sujeitos a ser empreendida; teria que ir me apresentando sozinha e não teria a
presença da direção para respaldar-me, pelo menos junto aos coordenadores.
Estava preocupada porque intuía que, para colaborarem, as pessoas teriam que
estar minimamente informadas dos objetivos da minha presença, além de todo um
processo de confiança que precisava ser estabelecido.
Na verdade, queria ultrapassar a fase de sentir-me uma estranha no
ambiente de trabalho
284
. Passada esta fase da investigação, conseguimos refletir,
com mais acuidade, que por vezes podemos chegar aos estabelecimentos escolares
movidos de tal forma pelo desejo de iniciarmos a pesquisa, que nos descuidamos
de todas as ponderações repassadas por quem já encetou este desafio.
Na escola, o pesquisador não é nem professor nem aluno, nem funcionário,
nem responsável por aluno porque as diferentes posições sociais estão bem
mapeadas. Além disso, cada instituição tem seu clima, seus modos de
funcionamento e consequentemente suas respostas ao convívio com uma
investigação. O pesquisador é sempre “gente nova no pedaço”, é “o outro”, é o
que vem “de fora”. Mesmo que venha a ser acolhido pelo grupo, isto não exclui a
necessidade de ter bem delimitada a sua posição no espaço social. A aceitação se
dá aos poucos, induzida pela estranheza suscitada por sua presença e a
consequente curiosidade dos que pedem explicações sobre a pesquisa (Tura,
2003).
284
Eu trazia uma experiência de início de trabalho de campo, da outra escola pública que integrava
a pesquisa do Soced. Na P1, além da reunião de apresentação de resultados do survey/2004 para
uma parte dos professores e equipe de direção, pudemos falar da pesquisa num Conselho
Pedagógico e encetar um pequeno debate com os coordenadores e demais participantes. Tudo
diferente das poucas apresentações que tinham acontecido no meu terceiro dia no HII.
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259
As entrevistas
Tendo a revisão de literatura apontado para a mobilização dos professores
como um dos principais elementos explicativos da escola, assim como indicado a
coesão institucional como um dos fatores que mais influenciam a construção de
políticas institucionais de sucesso
285
, interessava a esta investigação a entrevista
com professores e funcionários.
Durante o período exploratório que se estendeu por dois meses, o
conhecimento com professores e funcionários foi sendo travado lentamente
286
;
somente após esse período, assisti à primeira aula do 9º ano. Durante esta etapa
inicial fui usando meios sutis de aproximação dos agentes escolares e observação
dos espaços. Priorizando a sala dos professores, deixava-me estar um pouco em
outros lugares: passava, cumprimentava, tomava informações e, às vezes, era
mesmo abordada por algum funcionário que naturalmente queria saber de quem se
tratava. Alguns que me conheciam, perguntavam se agora eu estava trabalhando ali.
Mapear as singularidades desta identidade indefinível requer atenção, pouca
pressa, despojamento e abertura para apreender as disposições e sentimentos
produzidos na convivência dos que participam do ambiente escolar.
Seguindo esta proposta de ir traçando paulatinamente o perfil da escola, as
entrevistas começaram a ser realizadas, somente, três meses após o início do
período de observação na Unidade escolar HII, e seu roteiro foi organizado a
partir dos objetivos da pesquisa e da leitura dos relatos do campo.
O modelo de entrevista escolhido, semiestruturada e semidiretiva, admite
que o entrevistado exponha, se lhe aprouver, para além do tema proposto. E
permite, a quem pergunta, a possibilidade de participar do relato, intervindo à
procura de aclarações, estimulando a reflexão e não perdendo as observações
realmente importantes para a investigação (Cardoso, 2001).
285
Cousin (1993 e 1998), Soares (2002), Bonamino (2004), Costa (2007) e Aguerre (2004). A
revisão de literatura inclui não somente os autores que apontam as características do clima
favoráveis ao sucesso escolar, mas também os indicadores de clima escolar associados à eficácia
da instituição de ensino. Apesar de não estarmos trabalhando com desempenho, destacamos a
relevância de atentarmos para os aspectos considerados pelas pesquisas das escolas eficazes como
elementos que atribuem qualidade às escolas, porque contribuem na constituição de parâmetros
para apreciação do clima escolar.
286
Conforme relatado na seção sobre observação na escola, o grupo dos professores do 9º ano não
recebeu aviso da pesquisa que seria desenvolvida nesta série, apenas uma informação de uns três
minutos foi passada pela assessora da direção, num recreio da tarde de um dia par (2ª feira).
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260
Foram entrevistados cinco professores regentes. Além destes professores,
entrevistei a coordenadora do 9º ano (que também regia duas turmas da série), a
coordenadora de Língua Portuguesa, uma assessora da direção da Unidade e a
Diretora Geral do Colégio.
As categorias que fundamentaram os tópicos da entrevista originaram-se da
matriz de observação definida no início da pesquisa e das questões que se
descortinaram na etapa de observação das aulas/espaços escolares. Foram
abordados, portanto, aspectos referentes à trajetória pessoal e profissional do
professor, destacada por Cousin (1998) como um dos três fatores que mais
influenciam a construção de políticas institucionais de sucesso
287
e aspectos que
se referiam às percepções em relação à escola. Normalmente estas variáveis
revelam aspectos das relações que ocorrem no ambiente institucional e aspectos
relacionados à estrutura pedagógica e administrativa da escola, ou seja, a
mobilização de grupos de professores, as relações interpessoais, o universo
identitário do Colégio.
Desta forma, a entrevista da coordenadora de Língua Portuguesa
evidenciou-se necessária em virtude da relevância que esta disciplina demonstrou
ter na constituição de uma marca que distingue a Unidade Humaitá II, seja através
do empenho do grupo de professores da disciplina, seja através do Grupo Fazendo
Arte
288
, do trabalho interdisciplinar desenvolvido no próprio 9º ano e,
especialmente, pelo Seminário de Machado de Assis que envolveu alunos de todas
as séries, não só do HII, como também de todo o Colégio, no ano de 2008.
Quanto à assessora da direção, já nesta função há 4 anos, por ter ocupado
cargos estratégicos dentro do Colégio, acumulando experiências na lida com
professores de todas as Unidades durante 19 anos, mostrara-se, desde o início,
disposta a colaborar com a pesquisa
289
.
287
Os outros dois indicadores eram: capacidade de “leitura” dos problemas dos alunos e de sua
possibilidade (ou crença nela) de encontrar-lhes solução e a estabilidade do corpo docente e da
equipe administrativa.
288
Que atua com alunos do HII desde 1992, portanto há 16 anos. Cabe esclarecer que teve suas
atividades interrompidas por cerca de seis anos, devido à falta de apoio institucional.
289
Foi a pessoa encarregada pela direção de me assistir no início do trabalho de campo, revelou-se
uma peça fundamental para que eu conseguisse alguns dados junto ao setor de recursos humanos e
junto à secretaria da escola.
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261
E, por fim, entrevistei a Diretora Geral do Colégio, por tratar-se de uma neta
e filha de ex-alunos, além de ela própria ser uma ex-aluna e ter acabado de
assumir o cargo mais elevado desta instituição escolar. Cursou o antigo ginásio e
clássico no CPII e retornou, logo após a graduação, para lecionar no Colégio.
Além dos professores, foram entrevistados também três funcionários: um
inspetor do 9º ano, uma funcionária do Laboratório de Informática e uma
funcionária do Sesop. Sendo o 9º ano o foco da análise institucional, o inspetor
desta série, que trabalhava na Unidade há 17 anos, revelou-se informante
essencial, por acompanhar cotidianamente a movimentação dos alunos.
O SESOP reúne os profissionais prioritariamente envolvidos com o
processo pedagógico, atende a alunos, pais e professores. Nasceu da junção do
antigo SOE (Setor de Orientação Educacional) com o ex-STEA (Setor Técnico de
Ensino e Avaliação); ambos foram transformados no SESOP (Setor de Supervisão
e Orientação Pedagógica). A funcionária que entrevistei trabalha na Unidade há
14 anos e poderia ser uma ponte para que eu entrevistasse outras funcionárias do
SESOP; era uma das pessoas que sempre me abordava com sugestões e parecia
preocupada com algumas questões que diziam respeito diretamente aos alunos.
Exceto por esta funcionária, cheguei ao final do trabalho de campo sem conseguir
entrevistar as pessoas deste setor. Todas alegaram falta de tempo e desmarcaram
as entrevistas. Se este for mesmo o motivo, não me surpreende: para a maioria dos
professores, e alguns funcionários, trabalhar no PII é correr contra o tempo.
Quanto ao Setor de Informática, além do Colégio ter sido pioneiro na
implantação do trabalho de informática na educação, o laboratório da Unidade é
muito procurado pelos professores, como recurso para desenvolvimentos das suas
aulas. A funcionária entrevistada compõe uma das duas equipes do setor, que tem
uma equipe para os dias pares e outra para os dias ímpares; ela planeja as
atividades e recebe turmas dos três turnos da Unidade, neste mesmo espaço.
Estas foram as 12 entrevistas realizadas no HII: nove professores e três
funcionários. Todavia, é importante registrar que as conversas informais que
foram acontecendo durante o trabalho de campo, compuseram excelente fonte
para a produção do material empírico. Surgiram várias boas oportunidades que
acabaram se transformando em entrevistas do tipo não-estruturada.
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262
Com exceção das entrevistas da Coordenadora de Língua Portuguesa e da
Diretora Geral
290
, todas as outras foram realizadas na própria Unidade, durante o
horário de trabalho dos servidores. Ficávamos na própria sala dos professores
(quando estava relativamente calma), nas salinhas que ficam ao fundo das salas do
SESOP
291
, em salas de aula e, excepcionalmente, na sala da coordenação
(entrevista da assessora da direção) e no corredor do 9º ano (entrevista do
inspetor). Nove entrevistas aconteceram nos meses de novembro e dezembro de
2007, duas em 2008 (no retorno ao campo) e uma em janeiro de 2009. Os
entrevistados não tinham pressa em terminar e ainda mostravam-se afáveis,
mantivemos uma conversação rica, o que indica que encontrei um terreno que
favoreceu a constituição do material empírico
292
.
As conversas informais
A noção de clima tem se mostrado como um fator primordial para o estudo
da identidade das instituições escolares. Recorremos a alguns indicadores do
clima escolar favorável ao bom desempenho para caracterizar o contexto
institucional da escola pesquisada. Tendo concluído todas as entrevistas de
professores e funcionários e vencido mais de 80% da fase de observação
(incluindo os espaços escolares e aulas), procuramos traçar as características que
singularizavam a escola investigada. Nesta etapa da pesquisa, já havíamos
verificado que as características do corpo docente (história pessoal e profissional,
mobilização, altas expectativas sobre o aprendizado dos alunos), as relações
290
Estas duas entrevistas tiveram que acontecer no período das férias escolares, mais precisamente
em janeiro de 2008 e em janeiro de 2009, devido aos afazeres das entrevistadas.
291
As instalações do SESOP não são nada acanhadas. Há mesas de trabalho para cinco pessoas,
vários murais e espaço de sobra. As salas que ficam ao fundo, são contíguas às salas maiores,
denominei-as de salinhas de reuniões possuem meia parede envidraçada, computador e uma mesa
redonda com cadeiras. Eram utilizadas para encontro das orientadoras e/ou professores com
pequenos grupos de alunos.
292
Esforcei-me para que as entrevistas não se caracterizassem por uma situação de dessimetria,
para mim estava claro que mesmo que ocupasse uma possível posição superior na hierarquia das
diferentes espécies de capital, sabia-me dependente da boa vontade e das informações que os
entrevistados viessem a me fornecer para alcançar os objetivos da pesquisa e essa certeza já me
facultava uma predisposição acolhedora. Além de trabalharmos na mesma instituição de ensino,
dentre os nove professores entrevistados, havia dois com formação em nível de Doutorado, três
com Mestrado, dois com Especialização e apenas dois tinham como mais alta titulação, a
graduação. Logo, tínhamos uma proximidade social e uma familiaridade, que me facilitaram a
escuta, não precisei utilizar de pretextos para reduzir a distância. “A proximidade social e a
familiaridade asseguram efetivamente duas das condições principais de uma comunicação não
violenta” (Bourdieu, 2003, p.697).
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263
estabelecidas na escola, o senso de pertencimento e o universo identitário do
Colégio eram aspectos que conferiam distinção ao Humaitá II.
Interessava ao nosso estudo, neste momento da pesquisa, explorar os
aspectos de distinção identificados, enfocando as percepções e sensações dos
alunos em relação à instituição na qual estavam inseridos. A compreensão da
percepção que eles possuíam da sua escola possibilitaria conhecer os fatores que
agiam sobre o seu rendimento.
Mantivemos conversas informais
293
com dez alunos (quatro das turmas da
manhã e seis da tarde), em turno oposto ao seu horário de aula. Prioritariamente
fizemos indagações sobre as relações mantidas na escola e a qualidade de ensino
da instituição.
Pesquisa em documentos
Ao longo da pesquisa desenvolvida no Humaitá II, além das anotações do
diário de campo, trabalhamos com:
- algumas fotos de alunos em atividades escolares;
- desenhos de alunos;
- boletins/panfletos/textos impressos (da ADCPII - Associação de
Docentes do Colégio Pedro II, do SINDSCOPE - Sindicato dos Servidores do
Colégio Pedro II e do Projeto de Leitura Cem Anos Sem Machado de Assis);
- cartazes com atividades do grêmio do HII;
- cartas (do 3º ano do HII, dos professores do Departamento de Sociologia,
do Diretor geral);
- outros textos impressos (discurso proferido por um dos professores
homenageados na formatura do 9º ano de 2007, aviso impresso do SESOP,
calendário escolar, horário das turmas de 2007 e de realização do conselho de
classe e material elaborado por alunos para atividade interdisciplinar);
293
Pretendíamos fazer dois grupos focais, mas a realização deste procedimento nos
estabelecimentos de ensino, notadamente com alunos, faz com que várias decisões de ordem
prática (local, forma de recrutamento dos participantes, horário, etc.) fiquem submetidas à rotina
escolar. Alunos foram sorteados e receberam convite para participarem do procedimento, mas
tivemos um problema com a frequência deles nos dois grupos.
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264
- documentos afixados nos murais
- portarias regulando o processo ensino-aprendizagem;
- planta do HII, cedida pelo Setor de Engenharia da Direção Geral;
- material fornecido pela Secretaria de Ensino do CPII
294
- material fornecido pela Secretaria da Unidade Humaitá II
295
;
- material fornecido pelo Departamento de Pessoal do HII (relação de
professores e servidores da Unidade com situação funcional, nascimento, titulação
mais alta e ingresso no CPII); e
- material fornecido por professor (levantamento estatístico da procedência
dos alunos do HII/2007).
Parte desse material foi fornecida pelo próprio Colégio, mediante
solicitações por escrito, e parte foi fornecida por professores e alunos. A
coordenadora de Geografia me cedeu os levantamentos estatísticos sobre o local
de moradia, elaborados pelos alunos do 9º ano de 2007.
Recorremos às reflexões de Sarmento (2003) para situarmos a dinâmica da
pesquisa documental. O autor estabelece uma divisão para esses documentos:
textos projetivos da ação, produtos da ação e documentos performativos.
Os textos projetivos da ação são planos de aulas, projetos da escola,
planificações, regulamentos, etc. Por constituírem a expressão “oficial” das lógicas
dominantes, são de interesse para a investigação das lógicas de ação, contudo,
podem confirmar, contradizer ou reinterpretar os propósitos formalizados.
294
Quantitativo de servidores por seção com lotação no Humaitá II, quantitativo/docente no CPII -
2007, quantitativo discente no CPII por níveis de atendimento/2007 e 2008, desempenho discente
no CPII/2007 e índices relativos ao concurso público de provas e títulos para a carreira de
magistério no CPII/2008.
295
Percentuais de rendimento das turmas do 9º ano de 2007 e dados estatísticos da composição das
turmas do 6º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio do ano letivo de 2007.
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265
Os produtos da ação são relatórios, atas, memorandos e outros documentos
que são escritos no decurso das atividades. Representam uma elaboração feita
após as ações consumadas e, por avaliarem a ação organizacional, neles se
consagra sempre uma interpretação. De sua leitura, no entanto, não se deduz uma
imagem transparente da realidade, é, ao contrário, a transparente imagem das
interpretações consagradas
296
.
Os documentos performativos são jornais escolares, murais, redações,
diários, etc. Nestes, se consagraria simultaneamente a ação e a interpretação da
ação, seriam a imagem do que de si próprios se quis. Podemos incluir nos
documentos performativos, os informativos e murais dos órgãos representativos
dos docentes, funcionários, pais e alunos, porque também representam uma
interpretação da ação.
Trabalhamos também com publicações sobre a história do Colégio
(Memória Histórica do Colégio Pedro Segundo/1837-1937, Anuários do Colégio,
Almanaque Histórico/Colégio Pedro II e a História da Educação no Brasil e
crônicas de ex-alunos). Estivemos atentos às novas relações entre documento e
monumento, sem perder de vista que o documento resulta do esforço das sociedades
históricas para impor ao futuro determinada imagem de si próprias (Le Goff, 1984).
Em nosso estudo, a identidade da escola investigada foi analisada cruzando
depoimentos do passado com depoimentos do presente, ou seja, confrontando-se
todo o tempo o que estava registrado historicamente com os fatos atuais.
296
Os documentos produtos da ação aos quais tivemos acesso foram: ofício/carta do Diretor Geral
enviado para a presidente da ADCPII, carta do 3º ano do Ensino Médio do Humaitá II enviada
para a direção da Unidade, carta aberta dos professores do Departamento de Sociologia
encaminhada à comunidade escolar do CPII, relatório com levantamentos estatísticos sobre os
locais de moradia dos alunos da Unidade em 2007, discurso proferido pelo professor homenageado
na formatura do 9º ano de 2007, três números do Boletim Informativo do Departamento do
Primeiro Segmento e alguns livros doados à pesquisa por agentes escolares (Projeto Redação
2002/CPII – Coletânea de Trabalhos Selecionados do CPII, Livro de Resumos da Jornada de
Iniciação Científica do Colégio Pedro II/2006, Almanaque Histórico – Colégio Pedro II e a
História da Educação no Brasil - Projeto desenvolvido no
ano de 2006 pelas turmas de 8ª série,
Livro Comemorativo dos 170 anos do CPII e Reedição da Memória Histórica do Colégio de Pedro
II/1837-1937).
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266
O tratamento utilizado para a análise documental foi a análise de conteúdo,
através da qual identificamos a constância com que certos temas, ideias e palavras
aparecem em um texto e detectamos o peso relativo de determinadas questões e
valores em documentos, discursos, livros, projetos, murais, etc.
Análise e organização das informações
Com o material empírico derivado do trabalho de campo amealhamos um
conjunto de percepções e sentimentos em relação à Unidade Escolar Humaitá II e
ao Colégio Pedro II, que retratavam disposições produzidas na convivência dos
que participam ou não, diretamente, deste ambiente escolar. Pudemos, assim,
identificar os fatores que contribuem para a constituição do clima deste
estabelecimento de ensino, assim como as dimensões que atuam na construção e
geração da sua identidade institucional.
Cotejamos alguns dados da Unidade Humaitá II com material estatístico da
Secretaria de Ensino do Colégio Pedro II, com indicadores municipais, regionais e
nacionais. Na tentativa de situar a pesquisa nos níveis micro e macro social
297
, na
análise dos processos intraescolares que favorecem percursos de sucesso, e
consequentemente a produção de qualidade de ensino, trabalhamos com:
- o acúmulo da reflexão empreendida pelo SOCED, a partir da sua investigação
sobre os processos de produção da qualidade de ensino;
- algumas publicações do Inep
298
;
297
No seu esforço para pensar como hoje se garante um movimento teórico no campo da
sociologia, integrando os autores, Alexander, J. (1987) propõe a superação das oposições clássicas
(objetivismo x subjetivismo, ação x estrutura, micro x macro), afirmando que o que está no centro
das preocupações da sociologia ocidental é uma teoria que não se obstine na controvérsia e busque
a síntese. A apresentação de esforços para a ultrapassagem destas tradições binárias, enfatizando
que podem ser desastrosas para a interpretação de fenômenos sociais complexos, também é feita
por Corcuff (2001). Acentuando esta reflexão de que o mundo da experiência desdobra-se em
ações significativas e intricadas no plano individual e macro social, Brandão (2002) igualmente
indica a necessidade de incluir os dois níveis de análise nas pesquisas em Ciências Sociais.
Acrescenta que é o teor de construção do conhecimento científico que consente a revisão contínua
das óticas sob as quais os problemas são investigados.
298
Resumo Técnico do Censo da Educação Superior/2009, Sinopse Estatística do Professor/2007,
Estudo Exploratório sobre o Professor Brasileiro com Base nos Resultados do Censo Escolar da
Educação Básica/2007, Avaliação da Educação Básica: em busca da qualidade e equidade no
Brasil/2005, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, Censo Escolar - Sinopses Estatísticas
da Educação Básica e Indicadores Demográficos e Educacionais dos Estados e Municípios.
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267
- publicações conjuntas do MEC, INEP, UNICEF e Undime
299
;
- dados relativos ao universo de alunos do Colégio Pedro II e ao corpo docente e
discente da Unidade Humaitá II.
Acumuladas e organizadas, as informações apontaram novos caminhos, de
forma que o conteúdo minucioso do caderno de campo funcionou como uma
estratégia para trazer compreensibilidade aos elementos, para articular os fatos,
para envolver-me na lógica escolar e focalizar atentamente o que me remetia ao
meu objeto de pesquisa. Após cuidadosa leitura das anotações do diário de campo,
pude proceder à seguinte categorização inicial:
- Singularidades do universo identitário do Colégio Pedro II e da Unidade
escolar Humaitá II;
- O senso de pertencimento na formação das identidades dos agentes
escolares;
- Perfil de professores, alunos e funcionários;
- Relações estabelecidas na escola;
- Processo ensino-aprendizagem x autonomia docente;
- Características da direção;
- Reações à pesquisa;
- Espaço físico;
O perfil de professores e alunos baseou-se em todos os procedimentos
efetuados e na análise de alguns materiais fornecidos por instâncias do Colégio.
As relações estabelecidas tratam das relações entre equipes x direção, escola x
famílias, escola x alunos, professores x alunos e alunos x alunos. As
singularidades institucionais põem em destaque, entre outros aspectos, o senso de
pertencimento e o universo identitário.
“A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos
de um conjunto, por diferenciação seguida de um reagrupamento baseado em
analogias, a partir de critérios definidos” (Franco, 2003, p.51). O critério de
categorização usado foi o semântico
300
, utilizei temas como unidades de registro.
299
Aprova Brasil / O direito de aprender - Boas práticas em escolas públicas avaliadas pela Prova
Brasil/2007 e Redes de aprendizagem - Boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender.
300
Segundo a autora, o critério de categorização pode ser: semântico, sintático, léxico ou
expressivo. Formular categorias é um processo longo e difícil, é o ponto crucial da análise de
conteúdo. Implicam constantes idas e vindas da teoria ao material de análise e pressupõe a
elaboração de várias versões do sistema categórico.
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268
Brandão (2000) alerta que a seleção do material produzido nas entrevistas é
uma das questões mais difíceis das pesquisas qualitativas e que a análise do
material coletado requer uma seleção continuamente conectada às hipóteses e ao
recorte da pesquisa. As entrevistas realizadas tiveram o suporte de categorias bem
definidas que foram ampliadas ao longo da investigação, de forma que no
primeiro momento foram separadas e selecionadas as informações que nos
remetiam aos aspectos que orientaram o trabalho de pesquisa. Nesta primeira
etapa trabalhei, portanto, com as categorias criadas a priori, buscando respostas
específicas e relacionando todos os enunciados que cabiam nas categorias. Em
seguida atentei para outras questões que emergiram do discurso dos entrevistados,
codificando-as e organizando-as para proceder as inferências.
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269
Anexo 2
Programação do Seminário de Machado de Assis na Unidade Escolar
Humaitá II
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270
Anexo 2 (CONTINUAÇAÕ)
Programação do Seminário de Machado de Assis na Unidade Escolar
Humaitá II
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271
Anexo 3
Cartaz do documentário do 9º ano sobre “Esaú e Jacó”
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272
Anexo 4
Programação do I Seminário de Estudos de Literatura e Leitura do
COLÉGIO PEDRO II – Unidade Centro
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273
Anexo 4 (CONTINUAÇÃO)
Programação do I Seminário de Estudos de Literatura e Leitura do
COLÉGIO PEDRO II – Unidade Centro
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274
Anexo 5
Jornal do centenário da morte de Machado de Assis
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275
ANEXO 6
JOGRAL DO GRUPO FAZENDO ARTE
2003 - Nossas Utopias: Quimeras Ou Sonhos De Transformação?
Parte do texto de um dos jograis montados, especificamente o que fala dos sonhos do
grupo, apresentado no final do ano de 2003. O fio condutor foi o poema Estatutos do Homem, de
Thiago de Mello
(...)
A mais premente necessidade de um ser humano é tornar-se um ser humano.
Num crime que chocou o Rio de Janeiro, engenheiro mata a tiros sua mulher, as duas filhas e
depois se suicida. Por quê?
Vivemos no mundo do TER,
Esquecemos o universo do SER
Eu sou a luz das estrelas
Eu sou a cor do luar
Eu sou a beira do abismo
Eu sou o medo de amar
Não sou relativo sou infinito
por isso em cada ser me reflito
em cada ser me encontro
Eu sou a marca da língua
A mãe, o pai, o avô
O filho que ainda não veio
O início, o fim e o meio.
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
PARÁGRAFO ÚNICO
Fica decretado que o dinheiro
Não poderá nunca mais
Comprar o sol das manhãs vindouras
Expulso do grande baú do medo,
O dinheiro se transformará em uma espada fraternal
Para defender o direito de cantar
E a festa do dia que chegou.
É hoje o dia da alegria
E a tristeza nem pode pensar em chegar
Diga espelho meu
Se há nessa vida
Alguém mais feliz que eu?
Diga espelho meu
Se há nessa vida
Alguém mais feliz que eu?
Cantado
Cantado Cantado
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276
Anexo 7
Carta do 3º ano / 2007
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277
Anexo 7 (CONTINUAÇÃO)
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278
Anexo 8
Cartaz do filme programado pelo grêmio do Humaitá II
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279
Anexo 9
Cartaz do Festival de Música do Colégio Pedro II
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280
ANEXO 10
Entrevista com a Coordenadora de Língua Portuguesa da Unidade
Humaitá II
Entrevista n.º 10
Nome: Silvana Bayama
Data: 22/1/2008
Local: Sede do Sindicato dos Servidores do Colégio Pedro II (São Cristóvão)
Pesquisadora: Eu vou te perguntar em primeiro lugar a sua formação acadêmica,
o que você estudou até os dias de hoje, a sua trajetória até os dias de hoje. E a sua
trajetória antes de entrar no Colégio, você trabalhou em alguma coisa diferente do
magistério ou trabalhou no magistério sendo que em outros colégios, ou você não
fez nada e esse aqui foi o primeiro lugar?
Prof.ª S: Bom a minha formação, antes de mais nada, é em letras. Eu fiz
português-literatura na UFRJ. Logo [...] ainda na faculdade bem no iniciozinho eu
comecei a dar aulas, na verdade até antes. Mas eu não dava aula de literatura que
foi aquilo que eu me formei eu dava aula de inglês em cursos de inglês e tal. E aí
depois de um tempo eu comecei já a trabalhar em cursos pré-vestibulares. Já no
primeiro ano de faculdade eu já tava dando aula em cursinho pré-vestibular, dei
aula de redação paralelamente as aulas de inglês, aí fiquei dando aula de algumas
coisas de gramática e tal e aí eu me formei. Assim que eu me formei eu já estava
trabalhando em um colégio particular, trabalhava no colégio Van Gogh, um
colégio que na verdade eu tinha feito um cursinho pré-vestibular, na verdade eu
fui aluna do Colégio Pedro II?! E um grupo de professores tinha formado esse
cursinho, cursinho pré-vestibular. E aí eu fiz paralelamente esse cursinho então os
professores já me conheciam lá e me convidaram para trabalhar lá. Primeiro com
inglês e depois com português que era o me interessaria mais tarde. Acabada a
faculdade teve uma oportunidade que acabou acontecendo, não tinha mais nada a
ver com o magistério, e que eu acabei abraçando. Eu fui trabalhar na aviação, e
durante três anos num período em que eu pretendia viajar conhecer o mundo.
Pesquisadora: E trabalhar na aviação em que?
Prof. Sª.: Eu fui comissária de bordo mesmo.
Pesquisadora: Que máximo.
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Prof.ª S: É, aeromoça (risos). Aí eu trabalhei três anos com isso porque eu tinha
como projeto viajar, eu queria conhecer a Europa conhecer coisas que eu não ia
ter dinheiro pra conhecer. Então eu falei vou trabalhar com isso e nas férias eu
vou conhecendo as coisas e também no período de trabalho, porque era uma
companhia internacional. Então eu consegui realizar esse projeto. Passado um
tempo eu já estava de saco cheio, queria voltar pro magistério, já tinha conseguido
fazer as viagens que eu queria e tal. Aí retornei exatamente num momento que
estava acontecendo um processo de seleção, na verdade um concurso pro Pedro II.
Que foi no ano de 92. Eu fiz o concurso e passei pra dar aula de português/
literatura, professor de primeiro e segundo graus na época, que foi no ano de
1992. Logo depois eu fiz uma especialização, que tinha a ver, aí eu tinha estudado
na minha formação, que era literatura, basicamente eu fiz português/literatura.
Então eu era ligada a artes, então fiz uma especialização em arte terapia por
alguma coisa que eu usava um pouquinho, que eu tinha um grupo, um grupo de
dramatização que criei no colégio e depois disso fui tomando coragem pra fazer o
mestrado. Aí fiz o mestrado em Literatura Brasileira na UFRJ e fui trabalhando já
no colégio, dando aula geralmente em turmas de terceiro ano do ensino médio,
que é o que eu mais, que eu mais acabo fazendo.
Pesquisadora: Sempre no Humaitá?
Prof.ª S: Sempre no Humaitá. E aí o mestrado eu fiz em Literatura brasileira. Eu
pesquisei o período do romance, a questão da narrativa e foquei um pouco na
crítica feminista e acabei fechando na Clarisse Lispector. Então a minha
dissertação é um misto disso tudo. Um estudo da Clarice Lispector sob o viés da
narratologia. Basicamente isso, ai depois eu continuei trabalhando no Pedro II
como eu faço ate hoje.
Pesquisadora: Uma pergunta: Então você fez ginásio e ensino médio no Pedro
II?
Prof.ª S: Só fiz ensino médio no Pedro II, ginásio em escola municipal.
Pesquisadora: Pedro segundo em qual unidade?
Prof.ª S: Unidade Centro.
Pesquisadora: Essa coisa de você sair pra aviação, você tinha já o magistério
como seu horizonte tava consciente de que queria viver uma coisa diferente ter
oportunidade e depois voltar ou você saiu e depois cismou depois de voltar ou
estava claro que era só um hiato.
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Prof.ª S: Estava claro pra mim que era só um hiato. Era realmente uma coisa
assim, um projeto de colocar em prática a possibilidade de viajar que eu achava
que deveria fazer parte da minha formação e que eu não ia ter dinheiro para viajar.
Pesquisadora: Então você é do concurso de 92 aquele concurso que tem uma
tabela a parte?
Prof.ª S: Aquele concurso que não valeu entre aspas, porque eles cometeram um
erro, a direção da escola cometeu um erro no edital e ai eu tive que fazer o
concurso de 94. Então na realidade eu sou do concurso de 94, eu falo que eu sou
do concurso de 92 por uma questão política, mas eu fiz o concurso de 94 e tive
que passar novamente.
Pesquisadora: E essa matrícula de 92?
Prof.ª S: Ela esta subjudice.
Pesquisadora: Então você tem duas matrículas?
Prof.ª S: Eu não, eu só tenho a de 94, porque no momento de assumir 94 eu teria
que abrir mão daquela. Mas ela continua na justiça, aí eu não sei o que vai
acontecer.
Pesquisadora: Agora me diz o seguinte: e no Pedro II você esta desde 92 de
qualquer maneira. Então já tem quantos anos?
Prof.ª S: Quinze?!
Pesquisadora: Quinze. E que coisas você fez no Pedro II? Agora eu sei que você
é coordenadora de língua portuguesa do Humaitá.
Prof.ª S: Isso, isso. Eu sempre fui professora nunca sai da sala de aula trabalhava
preponderantemente com terceira serie do ensino médio. Trabalhava bastante com
essa coisa do vestibular, de alguma forma, embora não fosse o norte das aulas,
mas era de preocupação dos alunos. E quando não, com primeiras e segundas
séries do ensino médio. Trabalhei uma vez ou outra no ensino fundamental, mas
basicamente no ensino médio. E entre uma serie de coisas, quando ouve
momentos de trabalhar com colegas na mesma serie, a gente conseguiu
desenvolver alguns projetos interdisciplinares bem legais até algumas viagens. E
paralelamente a isso, eu criei, como eu te falei logo que entrei, com outras duas
colegas um grupo de dramatização que é o grupo fazendo arte um grupo que era.
[interrup.]
Pesquisadora: Criou mais ou menos em que ano?
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Prof.ª S: 92 no ano em que eu entrei.
Pesquisadora: 92 já?
Prof.ª S: Aham. E ele existiu durante alguns anos com muitas dificuldades
políticas por conta de conciliar horário. O colégio não reconhecia a ponto de
colocar na sua grade isso. Era uma espécie de currículo oculto. Então a gente
acabou desistindo depois de cinco anos mais ou menos de trabalho. Todo ano a
gente criava um espetáculo e no final do ano a gente apresentava e tal. E aí depois
de um tempo a coisa começou a ficar tão difícil, tanta falta de apoio de uma forma
geral que a gente desistiu. Então ficou um tempo adormecido esse projeto, e só
começou a acontecer depois que eu terminei o meu mestrado e retomei. [interrup.]
Pesquisadora: Isso foi quando?
Prof.ª S: Foi 2001 se não me engano.
Pesquisadora: Isso envolve só o ensino médio?
Prof.ª S: 2002. Não, alunos desde o nono ano. É como se fosse uma matéria
eletiva digamos assim, entre aspas, porque os alunos vêm de todas as series e vem
porque querem. Não tem nota não tem obrigatoriedade e nesse sentido de estar ali.
Quer dizer uma vez tendo se engajado claro que existe toda essa seriedade de que
um precisa do outro e tal. Mas são alunos que vem porque tem interesse mesmo,
próprio.
Pesquisadora: Cumpri a peça, da Alice (Referindo-se a peça Alice no País das
Maravilhas que foi apresentada na escola).
Prof.ª S: É.
Pesquisadora: Tinha alunos do nono ano então nessa apresentação.
Prof.ª S: Tinha sim, tinha alunos do nono ano.
Pesquisadora: Ham, de quais turmas você sabe? Da manhã e da tarde?
Prof.ª S: Tinha eu não sei te dizer exatamente quais turmas, mas havia a M, havia
não muitos, uns três talvez, a I.
Pesquisadora: E no caso o “fazendo arte” ele essa peça seria assim a culminância
do trabalho que vocês fazem ao longo do ano.
Prof.ª S: Exato, ele é de alguma forma o que nos move, mas ele não é só o que
nos move. O trabalho fazendo arte ele é muito baseado na questão do processo.
Ali a gente debate, tira coletivamente um tema que interessa a gente a trabalhar
aquele ano, a gente monta o texto junto. Todas as etapas são feitas de forma
coletiva mesmo.
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Pesquisadora: O cenário, as músicas?
Prof.ª S: Isso é lá pro final. Ao longo do ano a gente vai escolhendo textos
escrevendo alguma coisa nossa mesmo. Vamos costurando poemas, letras de
música vamos fazendo tudo isso e aí agente monta o espetáculo, depois ai
começam os ensaios. Depois dos ensaios mais ou menos mais pra frente que a
gente começa a pensar no significado visual mesmo, de cenário. E no final disso
tudo é a apresentação que leva mais ou menos um ano. Mais que é um, dois dias
de apresentação, mas é o processo mesmo que nos interessa, né?!
Pesquisadora: E tem outros professores envolvidos?
Prof.ª S: Tem mais uma professora só atualmente que é professora de português
também como eu. E na verdade ela acabou de se aposentar.
Pesquisadora: Aquela que estava na festa?
Prof.ª S: É ela se aposentou esse ano e ela continuou trabalhando com o grupo.
Acho que ela deve continuar esse ano também.
Pesquisadora: E nas outras unidades tem alguma coisa parecida?
Prof.ª S: Com o fazendo arte não, tem outras coisa e tal, mas como fazendo arte
não. E também a gente tem se ressentindo muito da ausência de um professor de
música. Porque na origem tinha um professor de música. Éramos três, sempre nos
duas e mais uma outra professora, mudou depois, depois essa também saiu se
aposentou, depois veio outro que era contratado. Tinha uma pessoa ou outra que
trabalhava com a gente, mas já há algum tempo não tem ninguém de musica e
então a gente fica meio...
Pesquisadora: E há quanto tempo você é coordenadora?
Prof.ª S: Sou coordenadora desde 2004.
Pesquisadora: 2004. Então você foi reeleita. Por eleição?
Prof.ª S: Por eleição. Tive quatro mandatos 2004, 2005,2006 e agora no final do
ano de 2006 o pessoal conversou comigo e pororó e acabamos fazendo eleição
novamente e eu fui reeleita. Na verdade não era bem isso que eu queria mais tudo
bem. (risos)
Pesquisadora: Agora eu queria que você falasse um pouco das relações dentro do
colégio. Como você percebe a relação com os alunos, com os colegas docentes,
com os funcionários da unidade, com a direção da unidade? No caso do Pedro II
isso tem outras instâncias, que é a direção geral, enfim. Como você vê essas
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relações? Se você quiser falar por grupos ou se for possível falar em geral ou se
tiver alguma coisa que permeia todas as relações você pode falar como você
quiser, mas com foco nisso. Como é, assim no Humaitá, eu queria saber no
Humaitá, porque a unidade que esta mais no meu campo, mas eu sei que essas
relações podem não se restringir só a unidade.
Profª S: Eu acho isso uma coisa muito ampla pra se falar, mas eu acho que a
gente pode partir de uma questão que a meu ver é bastante positiva e no Colégio
Pedro II como um todo e no Humaitá em especial que é a idéia da diversidade! Eu
digo assim no corpo discente!Você tem assim no caso do Humaitá um grupo
bastante representativo de pessoas de classe media e até de classe alta que vem
através do concurso, tiveram possibilidade de estudarem em melhores colégios. E
convivem ali com pessoas de outras classes que entraram por concurso ou vieram
desde o Pedrinho, entraram por sorteio. Você consegue ter dentro de sala de aula
um convívio muito amplo entre diferentes classes e de alguma forma diferentes
experiências culturais. Eu acho isso muito rico, bastante enriquecedor pra todos os
lados! E o professor acaba de alguma maneira sendo beneficiado. Eu vejo dessa
forma, na medida em que ao trabalhar os textos, suas propostas, ele pode ter ali
um microcosmo de alguma forma da sociedade. Eu vejo como primeira questão
positiva por ai. As relações de um modo geral a gente encontra problemas muito
grandes porque é uma escola muito amada pelos alunos. É uma coisa inigualável,
não conheço nenhuma escola que tenha esse senso de identidade esse senso de
pertencimento tão grande. Ela é amada e isso acaba acontecendo também de certa
forma pelo corpo docente e tal. Mas existem problemas sérios de gestão, existem
questões difíceis de se transpor porque você tem algo que vem de cima pra baixo,
a gente ta falando de uma forma geral. A gente tem uma direção geral que impetra
portarias sem discussão nenhuma com a comunidade e o professor fica como
mero executor de regras que não foram pensadas por ele. Então essas relações
com a direção são duras, é ruim, é prejudicial. De certa forma acaba refletindo em
sala de aula na relação entre professor e aluno, Porque o professor é obrigado a
colocar em prática alguma coisa de que ele discorda, como determinadas
diretrizes de ensino, ou sistemas de avaliação e isso acaba trazendo problemas, eu
vejo dessa maneira. O problema maior é de fato a direção geral.
Pesquisadora: Tomar algumas medidas que influenciam diretamente o ensino
pedagógico e uma discussão maior com o conselho pedagógico.
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Profª. S: Exatamente, eu acho que isso é o pior no colégio.
Pesquisadora: Que afeta todas as unidades.
Profª. S.: Acaba afetando tudo. Claro que de alguma maneira as direções locais
acabam reproduzindo isso em maior ou maior escala. Eu acho que na unidade
Humaitá ninguém em maior escala, comparativamente com o que eu vejo nas
outras unidades. Então existe ali alguma possibilidade de dialogo alguma
possibilidade de negociação inclusive por parte dos alunos com os professores
com a direção. Mas não, pelo menos não pelo ponto de vista que eu consideraria
adequado. Então são relações muitas vezes paradoxais, ao mesmo tempo em que
você tem coisas muito legais que você tem abertura em algumas situações sem
alguns momentos e você tem total fechamento em outros. Então eu acho as
relações um pouco difíceis.
Pesquisadora: E com os pais você tem alguma coisa a dizer?
Profª. S.: Muito pouco, a relação com os pais, no universo que eu mais acabo me
centrado, que é o ensino médio, é quase nenhuma.
Pesquisadora: Eles não procuram?
Prof.ª S.: Eles não procuram quase, quando procuram é pra fazer uma reclamação
do professor e tal, assim, assim. Mas dificilmente eles querem estabelecer o
diálogo no sentido de acompanhar mesmo seu filho e ver como estão as coisas.
Dificilmente eu fui procurada nesse sentido, como coordenadora. Fui procuradas e
poucas vezes, não muitas, sempre assim pelo final do ano, com problemas mais de
alunos com a corda no pescoço.
Pesquisadora: Você acha que o SESOP acaba filtrando isso?
Prof.ª S.: Acho que acaba filtrando um pouco.
Pesquisadora: Que tem as responsáveis por série.
Prof.ª S.: Acho que acaba filtrando um pouco e acho que quando o aluno entra no
sexto ano você tem uma presença mais forte dos pais, quanto mais o aluno vai
avançando em termos de sétima oitava já vai diminuindo incrivelmente. Quando
chega ao ensino médio você vê pelas reuniões que se fazem no inicio do Ano com
os pais é um grupo pequeno que às vezes vem. Primeiro ano quase nada, segundo
praticamente nada e terceiro não vem ninguém, por assim dizer.
Pesquisadora: Em relação ao colégio e a unidade Humaitá o que você veria no
Pedro II, o Pedro II é considerado uma escola de qualidade na sociedade carioca e
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até fora do Rio mesmo. Dentro do ranking das escolas, não só que saem bem no
vestibular, mas até mesmo no imaginário da sociedade é considerada uma escola
de qualidade, um ensino de excelência. Eu queria saber se você concorda com
essa visão que se tem do colégio, o que você vê do colégio que o caracteriza como
escola de qualidade que perpassa todas as escolas e que seja só dele. E na unidade
Humaitá, precisamente, o que teria na unidade Humaitá que contribui pra
constituir essa imagem de excelência do Colégio se tem alguma singularidade
alguma coisa que você percebe só na unidade Humaitá dentro do Pedro II ou
não...?
Prof. S.: Eu acho que uma coisa eu já contei que essa questão mesmo da
diversidade dentro de sala de aula. Isso é determinante
Pesquisadora: Isso não tem em todos os colégios de qualidade?
Prof. S.: Eu acredito que não tenha em colégio nenhum. Não é nem em todos não,
acho que não existe isso em colégio nenhum do Rio de Janeiro. Você tem colégios
da classe A, que com raríssimas pessoas que estão ali que não pertencem aquela
classe, com bolsa ou sei lá o que. Ou então você tem as escolas públicas que
foram relegadas a décimo plano pelos governos que é a escola do filho do
trabalhador. Então são coisas bem distintas e eu acho que o Pedro II ainda
consegue misturar um pouco essas duas coisas. Isso pra mim é determinante! Em
segundo lugar, ou seja, então é o aluno um dos fatores que coloca esse colégio, eu
acho que sim. Essa troca que existe entre os alunos. E em segundo lugar eu vejo o
corpo docente que é de excelente qualidade, são pessoas que estão sempre
procurando se atualizar, estudar, fazer suas pós-graduações, um corpo docente que
tem mestrados, doutorados, e pessoas que são de uma forma geral, atuantes
politicamente ou pelo menos dentro da sua área de disciplina, isso é uma outra
questão. E acho também que apesar das imposições que eu me referi agora pouco,
com as portarias, com a falta de diálogo, etc., etc. O professor ainda tem alguma
liberdade em sala de aula, na sua sala de aula. Que acaba sendo determinante para
que ele possa criar alguns projetos, fazer algumas propostas. Quando ele consegue
ter essa criatividade pensar em alguma coisa e motivar os seus alunos, os alunos
vêm, acompanham. E isso eu acho faz uma diferença e trás esse perfil, essa é uma
questão. Uma outra questão é o próprio currículo do colégio, que inclui ainda, por
enquanto, uma carga horária razoável de língua portuguesa/literatura que eu acho
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determinante para o sujeito se colocar no mundo ele tem também filosofia, ele tem
sociologia, ele tem línguas. E eu acho que isso é um currículo diferenciado de
uma boa parte dos outros colégios que faz o aluno de alguma forma se posicionar
criticamente no mundo.
Pesquisadora: Só pra terminar... (interr.)
Prof.ª S: Só pra concluir se eu vejo alguma diferença no Humaitá? Sim eu vejo
que existem algumas condições melhores, agora nem tanto, mas há algum tempo,
algumas condições melhores pra se criarem projetos interdisciplinares, como eu já
citei pra você. A idéia dos passeios culturais e por que não dizer o projeto fazendo
arte. Que é um diferencial sim. (risos)
Pesquisadora: Eu acho que você já me respondeu a ultima pergunta. Eu ia te
perguntar o seguinte, o clima escolar é um dos fatores considerados como
relevantes pra levar o aluno ao sucesso. O clima da instituição onde ele está. Você
diria que no Humaitá 2 tem um clima escolar, ai você pode entender clima de
várias formas, não precisamos entrar assim no mérito. Mas você acha que tem um
clima que faculte isso, faculte um bom desempenho do aluno, um
acompanhamento, ou há um incentivo? Há coisas no Humaitá que levem a esse
sucesso, a uma trajetória bem sucedida.
Prof.ª S: Acho que sim, embora ache que também há coisas que dificultam. Que
são essas coisas que estão ligadas ao colégio como um todo, como a gente já
discutiu. Mas eu acho que o aluno do Humaitá, tem um pouquinho mais de
liberdade, digamos assim, talvez um pouquinho mais de voz do que nas outras
unidades, certa possibilidade de atuar dentro dos grêmios, de ir à sala de aula, etc.
Eu acho que há um clima relativamente propício, dentro dessa coisa que eu te
falei. O corpo docente do Humaitá é de excelente qualificação e isso tem trazido
projetos muito legais como eu disse projetos interdisciplinares muitas vezes, e isso
tudo cria um clima muito bom. Eu lembro que esse ano eu trabalhei na segunda
série, voltamos a colocar em prática um projeto, segunda série do ensino médio,
que nós tínhamos criado a uns cinco, seis anos a atrás. Um projeto baseado na
confluência do saber da literatura, língua portuguesa, história e filosofia,
basicamente, mas que cabem outros, geografia, etc. E nós elegemos um livro, no
caso esse ano a gente elegeu o “Santo Inquérito”, porque naquele momento a
gente estaria trabalhando literatura com o barroco e a história trabalhou aquele
momento histórico no Brasil, a contra reforma na Europa, que acabou fazendo
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com que os alunos, toda essa junção de ideais, de ideários até da filosofia,
trabalhando com o questionamento de palavras como traição, relativização de
conceitos. Tudo isso fez com que os alunos lendo um só livro produzissem o
roteiro, e preparassem uma apresentação, uma peça, uma leitura deles daquilo
dali. E isso criou um clima durante três meses na escola muito legal! Um clima
dos meninos se encontrarem pra descobrirem. A turma inteira, cada turma inteira
da segunda série tinha que trabalhar, não eram grupos, então eles tinham que se
entrosar de alguma forma, cada um ter uma função e isso vai criando um clima
assim na escola, muito vivo. Eu acho que o Humaitá tem um pouco isso. Estou
dando um exemplo de um projeto, mas tem vários aí, que volta e meia acontecem
e isso dá uma vivacidade a despeito deste desânimo que às vezes vem por
questões políticas dentro da escola.
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290
ANEXO 11
Roteiro de Entrevista – Professores e Funcionários
1- Questões relativas à trajetória pessoal e profissional
- formação acadêmica
- experiências anteriores ao ingresso no CPII
- ano de ingresso no colégio
- cargos ocupados e funções exercidas no colégio
2- Questões relativas às relações estabelecidas na escola
- relações com os alunos, docentes, técnicos, direção, equipe
pedagógica e pais
3 -Percepção do caráter de excelência do colégio
- em que o CPII se distingue das demais escolas
- como a escola produz a qualidade de ensino
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Anexo 12
Carta dos professores do Departamento e Sociologia
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Anexo 12 (CONTINUAÇÃO)
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Anexo 13
Convite de formatura do 3º ano do Ensino Médio
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Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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