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sua arte a vida. Joshua foi visitar Heliópolis e, para incentivar os meninos tocou
com eles. A atitude de joshua representa a importância da ação para o artista.
querem ver meu violino?" A professora contou a história do instrumento, de 1713, que já foi roubado duas
vezes e vale US$ 5 milhões. E Bell tocou uma peça de Bach para os rostos atentos dos meninos e meninas de
7 a 11 anos. Do que gostaram mais, aliás? Dele ou do violino? Mayara, de 10 anos, pensa um pouco, põe o
dedinho no queixo. "Dele... mas o violino é legal também. Achei bonito, deu até vontade de chorar." Israel,
de 12 anos, há quatro estudando violino, diz que não sabia que ele ia tocar. "Achei que ele ia só ouvir. A
gente estava até com um pouco de medo."
De volta à sala de ensaios da sinfônica, o primeiro movimento do concerto de Mendelssohn vai chegando ao
fim. Bell inicia a cadência, parte dedicada ao solo do instrumento, hesita um pouco. "Acho que esqueci. E
olha que essa cadência fui eu que escrevi", diz ele, sorrindo, enquanto toca. O maestro Tibiriçá vai
conduzindo os músicos até a parte final do movimento, da qual emerge o solo do fagote, sozinho sobre a
orquestra. Bell relaxa, vira-se. Mas não é este o solo de fagote que abre o segundo movimento? Não, eles não
pretendem deixar Bell escapar assim tão fácil. Ele ri, empunha uma vez mais o violino. As cordas da
orquestra introduzem o tema. "Mais doce, mais doce", pede Bell. É atendido. E o segundo movimento do
concerto segue seu curso.
Bell diz que não gosta de dar master classes. Prefere conversar com os estudantes, trocar experiências. E que
troca pode haver entre um jovem nascido no bucólico interior de Indiana, nos Estados Unidos, onde iniciou
seus estudos aos 4 anos, e jovens carentes que enfrentam os desafios diários de uma metrópole como São
Paulo? Um estudante pergunta a ele: "Ao se deparar com uma situação complicada, uma enorme dificuldade,
você pensou em abandonar o violino?" Quem começa a responder é o pianista Frederic Chiu, também
presente no bate-papo. "Quando comecei minha carreira, fui morar em Paris. Não tinha dinheiro, ficava em
um quarto sem banheiro, sem nada, sem piano. Como eu ia estudar? Eu parava as pessoas nas ruas e
perguntava se tinham piano em casa, se me deixariam ensaiar nele. Tenho amigos chineses que foram
proibidos de tocar pelo governo, não podiam ter piano, então desenhavam em um papel as teclas para poder
estudar. Com isso, você se transforma. No meu caso, comecei a ver a música também dentro de mim, com a
cabeça, pensava nas peças já que não podia tocá-las. Isso fez de mim um músico muito melhor. A dificuldade
pode ser professora." Bell pede a palavra, vai direto ao ponto. "Eu sei que muitos de vocês já passaram ou
passam por enormes dificuldades. Mas aprendam a usar isso na música de vocês. Música é sofrimento, é
conflito, mas é também a trajetória da superação em direção à alegria, à beleza. O sofrimento pelo qual vocês
passam deve ser colocado na música de vocês. É isso que fará de vocês artistas e pessoas únicas. E, nunca,
nunca, abandonem a música. Adotem a música. Tenham ela perto de vocês. Sempre. Para mim é claro que
não existe vida sem música e tenho certeza de que com vocês é igual."
Mendelssohn, Concerto para Violino, terceiro movimento. Bell olha para os violinos da orquestra enquanto
seu solo emerge da malha sonora por eles produzida. Sorri, muito. "Pianíssimo, pianíssimo", pede e logo vira
o rosto na direção dos violoncelos. Não diz nada, mas eles reagem. "A gente não esperava poder tocar com
ele. Estávamos ensaiando essa peça porque vamos interpretá-la na semana que vem. Mas foi incrível. Ele
pega o violino e, de repente, do nada, sai fazendo música junto com a gente", diz a estudante Carolina de
Moraes, de 26 anos. "Nunca estive tão perto de um Stradivarius assim", acrescenta Jessé Siqueira, de 21
anos, desde os 13 estudando violino. "Mas eu fiquei meio nervoso, trocando as notas, queria ficar prestando
atenção no som maravilhoso do instrumento dele."
Mais tarde, durante a conversa com os músicos, Bell fala de tudo um pouco. Adora videogame, seria
psicólogo se não fosse músico, se bem que também tem fascinação por matemática e computação. Além,
claro, de adorar comer e beber. "Ontem estivemos em um... como fala? Rodízio. Uau." A conversa, no
entanto, logo volta para a música. Na pauta, Mendelssohn. "Vejam o que acabamos de fazer. Este concerto
pode ser a coisa mais entediante e chata do mundo, mas pode também ser algo fascinante. O que faz a
diferença é o prazer de fazer música, é o diálogo entre vocês, como percebi enquanto tocávamos. Não percam
essa energia, de jeito nenhum. É ela que fará de vocês grandes músicos. É preciso ter prazer quando tocamos.
Foi o que senti agora. E tenho certeza de que muitos de vocês serão grandes artistas e espero reencontrá-los
mundo afora em boas orquestras." Ele empunha o violino mais uma vez. Toca, como despedida, Yankee
Doodle. Os músicos querem mais, porém, já saíram de lá com um extra. Na semana que vem, quando
receberem o violinista Erik Schumann, com quem se apresentam, e ouvirem a pergunta: "Vocês já tocaram
essa peça antes?", poderão responder: "Já, com Joshua Bell." Precisa mesmo de mais?