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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Claudinei Jair Lopes
A Relevância Teogica da História e a
Relevância Histórica da Teologia na
Teologia da Libertação Latino-americana
Estudo sobre o papel e a importância da mútua relevância
entre Teologia e História na elaboração do método teológico
segundo os encontros de San Lorenzo del Escorial (1972)
e da Cidade do México (1975)
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Teologia da Puc-Rio como
requisito parcial para a obtenção do título
de Doutor em Teologia.
Orientador: Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Rio de Janeiro, Agosto de 2009
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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Claudinei Jair Lopes
A Relevância Teogica da História e a
Relevância Histórica da Teologia na
Teologia da Libertação Latino-americana
Estudo sobre o papel e a importância da mútua relevância
entre Teologia e História na elaboração do método teológico
segundo os encontros de San Lorenzo del Escorial (1972)
e da Cidade do México (1975)
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Teologia da Puc-Rio como
requisito parcial para a obtenção do título
de Doutor em Teologia. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Abimar Oliveira de Moraes
Departamento de TeologiaPUC-Rio
Profa. Lina Boff
Departamento de TeologiaPUC-Rio
Prof. Érico João Hammes
PUC-RS
Prof. Sinivaldo Silva Tavares
Instituto Teológico Franciscano
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Orientador
Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa
Departamento de Teologia PUC-Rio
Rio de Janeiro, 11 Agosto de 2009
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodu-
ção total ou parcial do trabalho sem autorização da
universidade, do autor e do orientador.
Claudinei Jair Lopes
Graduou-se em Filosofia na Universidade São Fran-
cisco em 1995. Graduou-se em Teologia no Instituto
Teológico Franciscano em 1997. É mestre em Teo-
logia Sistemático-Pastoral pela Pontifícia Universi-
dade Católica do Rio Grande do Sul (2004). Tem
especialização em Comunicação Social pela Pontifí-
cia Universidade Católica de São Paulo/SEPAC-
Serviço à Pastoral da Comunicação – Paulinas/SP
(2005). Atua na docência em cursos teológicos nas
disciplinas de Introdução à Teologia, Teologia Fun-
damental, Cristologia, Ecumenismo e Diálogo Inter-
religioso.
Ficha Catalográfica
CDD: 200
Lopes, Claudinei Jair
A relevância teológica da História e a relevân-
cia histórica da Teologia na Teologia da Libertação
latino-americana : estudo sobre o papel e a impor-
tância da mútua relevância entre Teologia e Histó-
ria na elaboração do método teológico segundo os
encontros de San Lorenzo del Escorial (1972) e da
Cidade do México (1975) / Claudinei Jair Lopes ;
orientador: Paulo Fernando Carneiro de Andrade. –
2009.
3 v. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Teologia)–Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janei-
ro, 2009.
Inclui bibliografia
1. Teologia Teses. 2. Teologia da Libertação
latino-americana. 3. História. 4. Relevância. 5. Mé-
todo teológico. I. Andrade, Paulo Fernando Carnei-
ro de. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.
Em memória de Ivonei Paulo Lopes, irmão, companheiro
e amigo, que na brevidade dos dias conosco partilhados,
nos deixa a certeza de que instantes profundamente vivi-
dos o centelhas de eternidade que se transformam em
tempo para que o tempo de uma vida bem vivida se eterni-
ze em memória, presença e esperança.
AGRADECIMENTOS
Sinceros agradecimentos a todos aqueles e aquelas que tornaram possível esta
pesquisa através da compreeno, incentivo e apoio. Em especial: Paulo Fernando
Carneiro de Andrade, que acolheu esta proposta de pesquisa e orientou-a com
dedicação; Walter de Carvalho Júnior, pelas sugestões de correção dos capítulos I-
V; Raimundo J.O. Castro, amigo que sempre me incentivou; Fraternidade Fran-
ciscana São Francisco de Assis (Bragança Paulista); Fraternidade Franciscana do
Convento Santo Antônio (Rio); Proncia Franciscana da Imaculada Conceição
do Brasil; CAPES (Coordenação de Aperfeoamento de Pessoal de Nível Superi-
or), pelo apoio financeiro; João Carlos Almeida, que forneceu boa parte dos textos
de Gustavo Gutiérrez; Coordenação e Secretaria de s-gradução do Departamen-
to de Teologia da PUC-Rio; Todos os professores e funcionários da PUC-Rio pe-
los ensinamentos e pelos serviços prestados; meus familiares, especialmente,
meus pais Paulo e Rachele, primeiros mestres da fé, do amor e da esperança.
RESUMO
Lopes, Claudinei Jair; Andrade, Paulo F. Carneiro de. A Relevância Teológica
da História e a Relevância Histórica da Teologia na Teologia da Libertação
Latino-americana. Rio de Janeiro, 2009. 729p. Tese de Doutorado Departa-
mento de Teologia, Pontifícia Universidade Calica do Rio de Janeiro.
Esta pesquisa procura demonstrar o papel e a imporncia da relação de re-
levância entre Teologia e História na fase inicial da Teologia da Libertação. A
partir da análise do conteúdo dos encontros de San Lorenzo del Escorial (1972) e
da Cidade do México (1975) busca-se verificar a interpretação da História, da
Teologia e de sua relação. Constata-se que nestes encontros a Teologia e a Histó-
ria são interpretadas a partir de uma perspectiva fundamental que configurará me-
todologicamente a Teologia da Libertação. Para os primeiros teólogos da liberta-
ção a Teologia e a História desempenham uma relação de recíproca relevância.
Esta relação tem papel e importância significativos para o método da Teologia da
Libertação. Buscar uma Teologia que seja relevante para a História latino-
americana implica considerar esta História relevante para o fazer teológico. A
Teologia nasce dos desafios, anseios e questões fundamentais que emergem da
inserção, engajamento e compromisso dos cristãos na transformação libertadora
da História. Trata-se de uma Teologia comprometida com as urgências, desafios,
tensões e anseios da História concreta da América Latina em condição de opres-
o, dependência e subdesenvolvimento. Para atingir seus objetivos a pesquisa é
composta de 6 capítulos. Nos dois primeiros busca-se situar a gênese e nascimen-
to da Teologia da Libertação em seu contexto social, político, cultural, econômi-
co, religioso, eclesial e teológico. Nos capítulos 3-6 busca-se verificar a interpre-
tação proposta nos encontros sobre a Teologia, a História e a importância e o pa-
pel de sua relação de relevância recíproca para o método de uma Teologia liberta-
dora.
PALAVRAS CHAVE
Teologia da Libertação latino-americana, História, Relevância, Método teológico.
ZUSAMMENFASSUNG
Lopes, Claudinei Jair; Andrade, Paulo F. Carneiro de. Die theologische Relevanz
der Geschichte und die geschichtliche Relevanz der Theologie in der lateina-
merikanische Theologie der Befreiung. Rio de Janeiro, 2009. 729p. Tese de
Doutorado Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro.
Diese Forschung versucht darzustellen die Rolle und Wichtigkeit des
Verhältnis der Relevanz zwischen Theologie und Geschichte am Anfang der The-
ologie der Befreiung. Laut der Analyse des Inhalts des Treffens von San Lorenzo
del Escorial (1972) und der Stadt Mexiko (1975), versucht man die Interpretation
der Geschichte und der Theologie festzustellen. Für die ersten Theologen der
Befreiung, spielt die Theologie und die Geschichte eine Beziehung gegenseitiger
Relevanz. Dieses Verhältnis hat eine Wichtigkeit und spielt eine grosse Rolle r
die Methode der Theologie der Befreiung. Eine Theologie, die für die latei-
namerikanische Geschichte relevant ist, fordert die Relevanz dieser Geschichte für
das Machen der Theologie. Die Theologie entsteht von den Herausforderungen,
Streben und Fragen, die von der Einfügung, Engagement und Kompromiss der
Christen durch die Verwandlung und Befreiung der Geschichte auftaucht. Es han-
delt sich um eine Theologie, die sich mit Notwendigkeit, Herausforderung, Span-
nung und Streben der konkreten Geschichte des Lateinamerikas, unter der Bedin-
gung von Unterdrückung, Abhängigkeit und Unterentwicklung festlegt. Um das
Ziel zu erreichen, entsteht die Forschung von 6 Kapiteln. Im ersten und zweiten
Kapitel wird die Genese und Geburt der Theologie der Befreiung in ihrem sozial,
politisch, kulturell, wirtschaftlich, religiöse, ekklesial und theologisch Kontext
dargestellt. Die 3-6 Kapiteln versuchen die vorgeschlagene Interpretation bei der
oben gennanten Begegnungen über die Theologie und die Geschichte darzustel-
len. Es wird auch versucht zu analysieren die Wichtigkeit und welche Rolle, die
die gegenseitige Relevanz für die Methode einer befreiende Theologie spielt.
Schlüsselwörter
Lateinamerikanische Theologie der Befreiung, Geschichte, Relevanz, Theolo-
gische Methode.
Sumário
SIGLAS E ABREVIATURAS ....................................................................14
INTRODUÇÃO GERAL ............................................................................16
1. A AMÉRICA LATINA E O CONTEXTO DA TOMADA DE
CONSCIÊNCIA DA NECESSIDADE DE UMA TEOLOGIA
HISTORICAMENTE RELEVANTE ...........................................................29
INTRODUÇÃO......................................................................................29
1. FATORES SOCIAIS, POLÍTICOS, ECOMICOS E CULTURAIS QUE
CONTRIBUÍRAM NA TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA DEPENDÊNCIA, DOMINAÇÃO E
EXPLORAÇÃO ..........................................................................................32
1.1. A REALIDADE SOCIAL, POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DA AMÉRICA
LATINA A PARTIR DA DÉCADA DE 50...........................................................33
1.2. SINAIS DA EMERGÊNCIA DO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO: MOVIMENTOS
CULTURAIS, IDEOLÓGICOS E POLÍTICO-SOCIAIS E SEU PAPEL PROPULSOR NO
PROCESSO DE CONSCIENTIZAÇÃO DA DOMINAÇÃO E DEPENDÊNCIA .............76
2. FATORES ECLESIAIS, PASTORAIS E TEOLÓGICOS NA EMERGÊNCIA DA
TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA NECESSIDADE DE UMA TEOLOGIA
HISTORICAMENTE RELEVANTE.................................................................101
2.1. A IGREJA LATINO-AMERICANA FRENTE AOS DESAFIOS DO CONTINENTE:
COMPROMISSO COM O PROCESSO DE LIBERTAÇÃO ...................................101
2.2. FATORES TEOLÓGICOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A TOMADA DE
CONSCIÊNCIA DA NECESSIDADE DE UMA TEOLOGIA HISTORICAMENTE
RELEVANTE...........................................................................................126
CONCLUSÃO .....................................................................................139
2. UMA TEOLOGIA A PARTIR, DA E PARA A AMÉRICA LATINA?
GÊNESE E NASCIMENTO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO LATINO-
AMERICANA ..........................................................................................142
I N T R O D U Ç Ã O.............................................................................142
1. A CONSCIÊNCIA DA SITUAÇÃO TEOLÓGICO-PASTORAL LATINO-AMERICANA E
O PROCESSO RUMO A UMA TEOLOGIA LATINO-AMERICANA ........................145
1.1. A TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA DEPENDÊNCIA TEOLÓGICA E PASTORAL
............................................................................................................145
1.2. A IMPORTÂNCIA DO ENCONTRO DE PETRÓPOLIS (MARÇO DE 1964):
MARCO INICIAL RUMO A UMA TEOLOGIA LATINO-AMERICANA ......................150
1.3. PERCEPÇÃO DA NECESSIDADE DE UMA TEOLOGIA RELEVANTE PARA A
AMÉRICA LATINA ...................................................................................152
1.4. A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO COMO TEOLOGIA A PARTIR, PARA E NA
AMÉRICA LATINA ...................................................................................155
2. IMPORTÂNCIA DE GUSTAVO GUTIÉRREZ E HUGO ASSMANN PARA O
NASCIMENTO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO LATINO-AMERICANA ...............157
2.1. GUSTAVO GUTIÉRREZ.....................................................................158
2.2. HUGO ASSMANN.............................................................................168
3. OS ENCONTROS DE TEOLOGIA: INDÍCIOS DA PREOCUPAÇÃO PELA
RELEVÂNCIA TEOLÓGICA DA REALIDADE LATINO-AMERICANA E A CENTRALIDADE
METODOLÓGICA.....................................................................................181
3.1. O ENCONTRO DE SAN LORENZO DEL ESCORIAL ESPANHA (8-15 DE
JULHO DE 1972): FÉ CRISTÃ E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA
............................................................................................................181
3.2. ENCONTRO LATINO-AMERICANO DE TEOLOGIA: CIDADE DO MÉXICO
MÉXICO (11-15 DE AGOSTO DE 1975): DEBATES EM TORNO DO MÉTODO DA
TEOLOGIA NA AMÉRICA LATINA...............................................................195
3.3. OUTROS ENCONTROS SIGNIFICATIVOS PARA A TEOLOGIA DA
LIBERTAÇÃO LATINO-AMERICANA ............................................................212
4. O PAPEL DA RELEVÂNCIA TEOLÓGICA DA HISRIA E DA RELEVÂNCIA
HISTÓRICA DA TEOLOGIA NA AFIRMAÇÃO DA ORIGINALIDADE DA TEOLOGIA DA
LIBERTAÇÃO .........................................................................................218
CONCLUSÃO .....................................................................................231
3. A HISTÓRIA RELEVANTE PARA A TEOLOGIA SEGUNDO A
INTERPRETAÇÃO DO ENCONTRO DE EL ESCORIAL: A REALIDADE
LATINO-AMERICANA INTERPRETADA SOB O BIMIO
DEPENDÊNCIA-LIBERTAÇÃO..............................................................235
I N T R O D U Ç Ã O.............................................................................235
1. A SITUAÇÃO ECOMICO-SOCIAL E POLÍTICA DA ARICA LATINA..........238
1.1. ROLANDO AMES COBIÁN E A INTERPRETAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICO-
SOCIAL DA AMÉRICA LATINA E DE SUAS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS POLÍTICAS 238
1.2. GONZALO ARROYO E A QUESTÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO E
DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA .................................................250
1.3. DEPENDÊNCIA E SUBDESENVOLVIMENTO COMO CHAVE INTERPRETATIVA
DA REALIDADE SÓCIO-ECONÔMICA E POLÍTICA DA AMÉRICA LATINA ...........256
2. A SITUAÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA: OS MOVIMENTOS E IDEOLOGIAS LATINO-
AMERICANAS SEGUNDO JOSÉ COMBLIN ...................................................259
2.1. O NACIONALISMO LATINO-AMERICANO ..............................................260
2.2. O MARXISMO LATINO-AMERICANO ....................................................271
2.3. AS IDEOLOGIAS E MOVIMENTOS DE INSPIRAÇÃO CRISTÃ ....................275
2.4. O NACIONALISMO COMO CHAVE DE INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE
IDEOLÓGICO-POLÍTICA LATINO-AMERICANA...............................................277
3. EL ESCORIAL E A INTERPRETAÇÃO DA SITUAÇÃO CIO-CULTURAL E
RELIGIOSA DA AMÉRICA LATINA ..............................................................280
3.1. ENRIQUE DUSSEL: A AMÉRICA LATINA E A HERANÇA HISTÓRICA DA
DOMINAÇÃO ..........................................................................................280
3.2. EL ESCORIAL E A INTERPRETAÇÃO DA RELIGIOSIDADE POPULAR COMO
DIMENO CONSTITUTIVA DO POVO LATINO-AMERICANO............................287
3.3. RENATO POBLETE E A ESPECIFICIDADE DO PROCESSO DE
SECULARIZÃO LATINO-AMERICANO......................................................294
3.4. O PROTESTANTISMO LATINO-AMERICANO DIANTE DA TAREFA DA
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL SEGUNDO JOSÉ MIGUÉZ BONINO ......................300
3.5. CATOLICISMO POPULAR, SECULARIZAÇÃO E PROTESTANTISMO:
AS DIMENSÕES SÓCIO-CULTURAIS E RELIGIOSAS NA TENSÃO ENTRE O
SERVIÇO À LIBERTAÇÃO OU À DOMINAÇÃO................................................306
4. A SITUAÇÃO SOCIAL, CULTURAL, RELIGIOSA, IDEOLÓGICA, POLÍTICA E
ECONÔMICA E O FATO MAIOR: A HISTÓRIA LATINO-AMERICANA E A EMERGÊNCIA
DA CONSCIÊNCIA DA DOMINAÇÃO E O DESAFIO DA LIBERTAÇÃO ..................314
4.1. O PRESENTE LATINO-AMERICANO FRENTE À ALTERNATIVAS SOCIAIS,
POLÍTICAS, ECONÔMICAS, IDEOLÓGICAS, CULTURAIS E RELIGIOSAS, SEGUNDO
A INTERPRETAÇÃO DOS EXPOSITORES DE EL ESCORIAL............................315
4.2. O PAPEL DA EDUCÃO POPULAR SEGUNDO CECILIO DE LORA ..........328
4.3. DESIDEOLOGIZAÇÃO DA FÉ COMO CONDIÇÃO PARA O COMPROMISSO
POLÍTICO: JUAN LUIS SEGUNDO E O PAPEL DAS ELITES LATINO-AMERICANAS
............................................................................................................331
4.4. A NOVA CONSCIÊNCIA LATINO-AMERICANA E O COMPROMISSO LIBERTADOR
COMO PONTO DE PARTIDA DE UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DA FÉ E DE UMA
NOVA PRESENÇA NA TRANSFORMAÇÃO DA HISTÓRIA NA AMÉRICA LATINA...336
C O N C L U S Ã O...............................................................................345
4. A TEOLOGIA RELEVANTE PARA A HISTÓRIA SEGUNDO A
INTERPRETAÇÃO DE EL ESCORIAL: A TEOLOGIA COMPROMETIDA
COM O PROCESSO LATINO-AMERICANO DE LIBERTAÇÃO............352
I N T R O D U Ç Ã O.............................................................................352
1. GUSTAVO GUTIÉRREZ E A NOVA EXPERIÊNCIA POLÍTICO-ESPIRITUAL DOS
CRISTÃOS COMPROMETIDOS COMO PONTO DE PARTIDA DA NOVA REFLEXÃO
TEOLÓGICA DA AMÉRICA LATINA............................................................356
1.1. PRIMEIROS PASSOS DE UMA NOVA PERCEPÇÃO TEOLÓGICA DA REALIDADE:
OS CRISTÃOS E A NOVA EXPERIÊNCIA POLÍTICO-RELIGIOSA LATINO-AMERICANA
............................................................................................................356
1. 2. TEOLOGIA A PARTIR DA PRÁXIS LIBERTADORA COMO A
NOVA REFLEXÃO TEOLÓGICA NA ARICA LATINA....................................366
1.3. A PRÁXIS DOS CRISTÃOS COMPROMETIDOS E A EMERGÊNCIA DA
NOVA REFLEXÃO TEOLÓGICA LATINO-AMERICANA: RUMO A UMA TEOLOGIA
HISTORICAMENTE COMPROMETIDA ..........................................................375
2. JUAN CARLOS SCANNONE E AS RELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM POLÍTICA
E A LINGUAGEM TEOLÓGICA DA LIBERTAÇÃO ...........................................383
2.1. A LINGUAGEM TEOLÓGICA DA LIBERTAÇÃO E O DESAFIO DE UMA
LIBERTAÇÃO REAL..................................................................................383
2.2. TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E LIBERTAÇÃO POLÍTICA ...........................389
2.3. A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO ENTRE O POLÍTICO E O TEOLÓGICO DA
LINGUAGEM DE LIBERTAÇÃO: RUMO À TEOLOGIA HISTORICAMENTE
COMPROMETIDA E TEOLOGICAMENTE POLITIZADA .....................................399
3. JUAN LUIS SEGUNDO E O PROBLEMA DAS RELÕES ENTRE TEOLOGIA E
CIÊNCIAS SOCIAIS EM UMA TEOLOGIA LIBERTADORA ................................403
3.1. O ESVAZIAMENTO IDEOGICO DA SOCIOLOGIA E SUAS IMPLICAÇÕES
PARA UMA TEOLOGIA LIBERTADORA ........................................................405
3.2. A TEOLOGIA LIBERTADORA ANTE O DESAFIO DA DESIDEOLOGIZAÇÃO DA FÉ
............................................................................................................414
4. INTERPRETAÇÕES TEOLÓGICO-ESPIRITUAIS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE
FÉ CRISTÃ E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA ......................416
4.1. A TRANSFORMAÇÃO HUMANA DO TERCEIRO MUNDO E A EXIGÊNCIA DE
CONVERSÃO SEGUNDO CÂNDIDO PADIN ..................................................417
4.2. AS BEM-AVENTURANÇAS E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL NA
AMÉRICA LATINA SEGUNDO HÉCTOR BORRAT.........................................425
4.3. A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO COMO REFERENCIAL DE INTERPRETAÇÃO
TEOLÓGICO-LIBERTADORA DA CONVERO DA IGREJA E DAS BEM-
AVENTURANÇAS: SINAIS DA EMERGÊNCIA DA ESPIRITUALIDADE DA
LIBERTAÇÃO E DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICO-LIBERTADORA ........................434
C O N C L U S Ã O...............................................................................437
5. A TEOLOGIA LATINO-AMERICANA ANTE O DESAFIO DE SEUS
CONDICIONAMENTOS SEGUNDO O ENCONTRO DA CIDADE
DO MÉXICO (1975)................................................................................454
I N T R O D U Ç Ã O.............................................................................454
1. OS CONDICIONAMENTOS HISTÓRICO-IDEOLÓGICOS DA TEOLOGIA
LATINO-AMERICANA SEGUNDO ENRIQUE DUSSEL......................................456
1.1. IDEOLOGIA E HISTÓRIA DA TEOLOGIA: A HISTÓRIA DA TEOLOGIA COMO VIA
DE ACESSO AOS CONDICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS DA TEOLOGIA PRATICADA
NO PASSADO TEOGICO LATINO-AMERICANO .........................................457
1.2. PERIODIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA TEOLOGIA LATINO-AMERICANA..........461
1.3. OUVIR O GRITO DE DOR E DE SOFRIMENTO DO POBRE: A REFLEXÃO
TEOLÓGICA E OS DESAFIOS DOS CONDICIONAMENTOS HISTÓRICO-IDEOLÓGICOS
............................................................................................................469
2. OS CONDICIONAMENTOS CONTEMPORÂNEOS DA TEOLOGIA NA AMÉRICA
LATINA SEGUNDO A INTERPRETAÇÃO DO ENCONTRO DA CIDADE DO MÉXICO
............................................................................................................473
2.1. LUIZ ALBERTO GÓMEZ DE SOUZA E OS CONDICIONAMENTOS SÓCIO-
POLÍTICOS DA TEOLOGIA NA AMÉRICA LATINA ..........................................473
2.2. SAMUEL RUIZ E OS CONDICIONAMENTOS ECLESIAIS DA REFLEXÃO
TEOLÓGICA NA AMÉRICA LATINA .............................................................484
2.3. JUAN LUIS SEGUNDO E OS CONDICIONAMENTOS DA PRIMEIRA E
SEGUNDA ÉPOCAS DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO ....................................490
2.4. OS CONDICIONAMENTOS ANTROPOLÓGICO-CULTURAIS DA TEOLOGIA
LATINO-AMERICANA SEGUNDO LUIS GONZALEZ ........................................501
2.5. CONDICIONAMENTOS CONTEMPORÂNEOS DA REFLEXÃO TEOLÓGICA
LATINO-AMERICANA: A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NAS CONDÕES HISTÓRICAS
DA TENSÃO ENTRE A REALIDADE DE CATIVEIRO E A ESPERANÇA DA LIBERTAÇÃO
............................................................................................................503
3. A IGREJA E O SISTEMA DE SEGURANÇA NACIONAL: O CATIVEIRO COMO
CONDIÇÃO DO SER IGREJA E DO FAZER TEOLÓGICO SEGUNDO JOSÉ COMBLIN
............................................................................................................510
3.1. OS DIREITOS HUMANOS..................................................................512
3.2. CRÍTICA AO MODELO DE DESENVOLVIMENTO .....................................516
3.3. O DESAFIO DA PRÁTICA ECLESIAL LIBERTADORA E DA TEOLOGIA
LIBERTADORA NO CONTEXTO DO AUTORITARISMO: TEOLOGIA E IGREJA
ANTE O CONDICIONAMENTO POLÍTICO-SOCIAL DOS REGIMES DE SEGURANÇA
NACIONAL .............................................................................................522
C O N C L U S Ã O...............................................................................525
6. A MÚTUA RELEVÂNCIA ENTRE TEOLOGIA E HISTÓRIA NO
MÉTODO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO LATINO-AMERICANA
SEGUNDO O ENCONTRO DA CIDADE DO MÉXICO (1975)..............529
I N T R O D U Ç Ã O.............................................................................529
1. IGNACIO ELLACUA E A FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICA DO MÉTODO
TEOLÓGICO LATINO-AMERICANO..............................................................531
1.1. DOIS EXEMPLOS DE MÉTODO TEOLÓGICO..........................................532
1.2. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DO MÉTODO TEOLÓGICO LATINO-AMERICANO
............................................................................................................536
1.3. A MÚTUA RELEVÂNCIA ENTRE TEOLOGIA E HISTÓRIA COMO CONDIÇÃO DA
IDENTIDADE, PECULIARIDADE E SIGNIFICATIVIDADE DO MÉTODO TEOLÓGICO
LATINO-AMERICANO ...............................................................................545
2. RAÚL VIDALES: A PRÁXIS DE LIBERTAÇÃO COMO FONTE DA TEOLOGIA....556
2.1. O PONTO DE PARTIDA METODOLÓGICO DA REFLEO TEOLÓGICA.......556
2.2. O CARÁTER E A FUNÇÃO DAS CATEGORIAS UTILIZADAS NA REFLEXÃO
SISTEMÁTICA DA TEOLOGIA ....................................................................558
2.3. A LUTA DE CLASSES COMO O ESPAÇO DE REALIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA
CRISTÃ E DA REFLEXÃO TEOLÓGICA NA AMÉRICA LATINA...........................558
2.4. A TEOLOGIA FRENTE AO DESAFIO DA GLOBALIDADE DO
PROJETO DE LIBERTAÇÃO.......................................................................559
2.5. A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E A PRÁXIS COMO CRITÉRIO DE
VERDADE HISTÓRICA..............................................................................560
2.6. SIGNIFICADO E ALCANCE DE UMA TEOLOGIA A PARTIR DA PRÁXIS DE
LIBERTAÇÃO: A PRÁXIS DE LIBERTAÇÃO COMO FONTE DA TEOLOGIA E A
TEOLOGIA COMO INSTÂNCIA CRÍTICA DE TRANSFORMAÇÃO CRISTÃ DA HISTÓRIA
............................................................................................................561
3. LEONARDO BOFF E O MÉTODO TEOLÓGICO A PARTIR DA AMÉRICA LATINA
............................................................................................................565
3.1. PASSOS METODOLÓGICOS DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E DO CATIVEIRO
............................................................................................................567
3.2. LIBERTAÇÃO A PARTIR DO CATIVEIRO................................................575
3.3. ENSAIO DE DESCRIÇÃO DA TEOLOGIA A PARTIR DO CATIVEIRO E DA
LIBERTAÇÃO .........................................................................................576
3.4. IMPORTÂNCIA E PAPEL DA MÚTUA RELEVÂNCIA NA CONFIGURAÇÃO DOS
PASSOS METODOLÓGICOS DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: TEOLOGIA
HISTORICAMENTE COMPROMETIDA COM A LIBERTÃO RUMO A UMA HISTÓRIA
COMO LUGAR DE SALVAÇÃO E LIBERTAÇÃO ..............................................578
4. A ESPECIFICIDADE DO MÉTODO TEOLÓGICO LATINO-AMERICANO: A
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO DIANTE DE OUTRAS FORMAS DE FAZER TEOLOGIA
............................................................................................................590
4.1. JON SOBRINO E O CONHECIMENTO TEOLÓGICO NA TEOLOGIA EUROPÉIA
E LATINO-AMERICANA ............................................................................590
4.2. JUAN HERNANDEZ PICO E O MÉTODO TEOLÓGICO LATINO-AMERICANO
FRENTE AO ENFOQUE MAGISTRAL E CIENTÍFICO DA TEOLOGIA....................596
4.3. OUTRAS FORMAS DE FAZER TEOLOGIA VISTAS A PARTIR DA TEOLOGIA DA
LIBERTAÇÃO SEGUNDO LEONARDO BOFF ................................................602
4.4. O PAPEL DA MÚTUA RELEVÂNCIA ENTRE TEOLOGIA E HISTÓRIA NA
DETERMINAÇÃO DA ESPECIFICIDADE E ORIGINALIDADE DO MÉTODO TEOLÓGICO
LATINO-AMERICANO ...............................................................................606
C O N C L U S Ã O...............................................................................618
CONCLUSÃO GERAL............................................................................621
1. A INTERPRETAÇÃO DA HISTÓRIA NOS ENCONTROS DE EL ESCORIAL E
DA CIDADE DO MÉXICO .........................................................................621
1.1. A INTERPRETAÇÃO DA HISTÓRIA NO ENCONTRO DE EL ESCORIAL (1972)
............................................................................................................622
1.2. A INTERPRETAÇÃO DA HISTÓRIA NO ENCONTRO DA CIDADE DO MÉXICO
............................................................................................................624
2. A INTERPRETAÇÃO DA TEOLOGIA NOS ENCONTROS DE EL ESCORIAL E
DA CIDADE DO MÉXICO: A TEOLOGIA COMO REFLEXÃO CRÍTICA A PARTIR
DA HISTÓRIA E PARA A TRANSFORMAÇÃO DA HISTÓRIA .........................628
2.1. A INTERPRETAÇÃO DA TEOLOGIA NO ENCONTRO DE EL ESCORIAL......628
2.2. A INTERPRETAÇÃO DA TEOLOGIA NO ENCONTRO DA CIDADE DO MÉXICO
............................................................................................................630
3. O PAPEL E A IMPORTÂNCIA DA RELEVÂNCIA TEOLÓGICA DA HISTÓRIA E DA
RELEVÂNCIA HISTÓRICA DA TEOLOGIA NOS ENCONTROS DE EL ESCORIAL E DA
CIDADE DO MÉXICO...............................................................................631
3.1. A MÚTUA RELEVÂNCIA ENTRE TEOLOGIA E HISTÓRIA EM EL ESCORIAL
............................................................................................................632
3.2. A MÚTUA RELEVÂNCIA ENTRE TEOLOGIA E HISTÓRIA NO ENCONTRO DA
CIDADE DO MÉXICO .............................................................................635
4. A RELEVÂNCIA DA HISTÓRIA ATUAL COMO PONTO DE PARTIDA E COMO
DESAFIO PARA UMA TEOLOGIA RELEVANTE PARA A AMÉRICA LATINA..........640
5. A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO FRENTE AOS DESAFIOS DA HISTÓRIA .......649
6. UMA TEOLOGIA SOB O SIGNO DA ESPERANÇA: A RELEVÂNCIA TEOGICA DA
HISTÓRIA E A RELEVÂNCIA HISTÓRICA DA TEOLOGIA COMO OPORTUNIDADE E
DESAFIO PARA A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO LATINO-AMERICANA................662
BIBLIOGRAFIA GERAL .........................................................................669
FONTES .............................................................................................669
DICIONÁRIOS, CONCORDÂNCIAS E LÉXICOS ..............................669
DOCUMENTOS, DECLARAÇÕES E SIMILARES - LIVROS................670
DOCUMENTOS, DECLARAÇÕES E SIMILARES - REVISTAS.............670
LIVROS...............................................................................................678
FASCÍCULOS DE REVISTAS COMPLETOS .....................................693
ARTIGOS............................................................................................693
DOCUMENTAÇÃO ATRAVÉS DE IMAGEM EM MOVIMENTO..........729
Siglas e Abreviaturas
AC Ação Católica
AP Ação Popular
APRA Aliança Popular Revolucionária Americana
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CECLA Comissão Especial de Coordenação Latino-americana
CEDIAL Centro de Estudos para o Desenvolvimento e Integração da
América Latina
CEDAL Centro de Estudos do Desenvolvimento na América Latina
CEDETIM Centro de Estudos Antiimperialista
CEDI Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CEHILA Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina
CELA Confencia Evangélica Latino-americana
CELAM Conselho Episcopal Latino-americano
CENAMI Centro Nacional para la Ayuda de las Misiones Indígenas
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina (Nações Unidas)
CGT Comando (Confederação) Geral dos Trabalhadores
CIA Agência Central de Inteligência (USA)
CIAS Centro de Investigación y Acción Social
CICOP Catholic Inter-American Cooperation Program
CIDOC Centro Intercultural de Documentación (Cuernavaca, México)
CIDSE Cooperação Internacional para o Desenvolvimento Sócio-
econômico
CLACSO Conselho Latino-americano de Ciências Sociais
CLAI Conselho Latino-americano de Igrejas
CLAR Confencia Latino-americana de Religiosos
CLASC Confederación Latinoamericana de Sindicatos Cristianos
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNC Confederación Nacional Campesina (México)
CNOP Confederación Nacional de Organizaciones Populares (México)
COB Central Obrera Boliviana
CRB Conferência dos Religiosos do Brasil
CTM Confederación de Trabajadores (México)
CUT Central Única dos Trabalhadores
DEI Departamento Ecuménico de Investigaciones
DESAL Centro para o Desenvolvimento Econômico e Social da América
Latina
EATWORT Ecumenical Association of Third World Theologians
FAO Food and Agriculture Organization (Nações Unidas)
FERES Federação Internacional de Institutos Católicos de Investigações
Sócio-Religiosas e Sociais
IDOC Información y Documentación (Roma)
ILADES Instituto Latino-americano de Doutrina e Estudos Sociais
IPLA Instituto de Pastoral Latino-americano
ISAL Iglesia y Sociedad en América Latina
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ITEPAL Instituto Teológico-Pastoral para a América Latina (Celam)
JEC Juventude Estudantil Católica
JECI Juventude Estudantil Católica Internacional
JOC Juventude Operária Calica
JUC Juventude Universitária Católica
LASA Associação de Estudos Latino-americanos
MAPU Movimento de Ação Popular Unitária (Chile)
MEB Movimento de Educação de Base
MIEC Movimento Internacional de Estudantes Católicos
MIR Movimentos de Esquerda Revolucionária
MNR Movimento Nacionalista Revolucionário (Bolívia)
NEDIC Núcleo de Estudos dos Direitos da Cidadania (Brasília)
ONIS Oficina Nacional de Investigación Social (Peru)
SEDOC Serviço de Documentação (Petrópolis: Vozes)
SELADOC Seminario Latinoamericano de Documentación
SODEPAX Comissão Sodepax: Sociedade, desenvolvimento, paz (Comissão
do Conselho Mundial das Igrejas)
SOTER Sociedade de Teologia e Ciências da Religião
TFP Movimento Tradição, Família e Propriedade
UCEB União Cristã de Estudantes Brasileiros
UNE União Nacional dos Estudantes (Brasil)
UNEC Unión Nacional de Estudiantes Católicos (Peru)
UNELAM Comissão Provisória Pró-Unidade Evangélica Latino-americana
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
Introdução Geral
A Teologia da Libertação surge, em fins da década de 60 e início da déca-
da de 70, como uma Teologia comprometida com a História da América Latina.
Sua aspiração fundamental é contribuir para uma presença cristã mais autêntica e
evangélica diante dos desafios da transformação da realidade latino-americana de
dependência, opressão e subdesenvolvimento, em uma nova sociedade, mais hu-
mana, digna e livre
1
. A raiz desta aspiração se concretiza a partir do engajamento
e compromisso dos cristãos nos processos culturais, políticos, sociais e ideológi-
cos que emergem na América Latina a partir dos anos 50, e que afirmam a neces-
sidade e a urgência de um amplo e global processo de libertação social, econômi-
ca, política e cultural da América Latina através de sua independência frente às
históricas e seculares formas e estruturas de dominão, dependência e subjugação
do povo latino-americano. Propunha-se assim um autêntico processo revolucioná-
rio de libertação latino-americana.
O processo revolucionário de libertação ganha forma e vigor com a cres-
cente consciência, nascida primeiramente na nova Sociologia política e econômica
latino-americana emergente a partir do início dos anos 50, da situação de subde-
senvolvimento e dependência geradores da miséria e da pobreza e a conseqüente
necessidade e urgência do compromisso para transformar a realidade. Com as
novas interpretações sociológicas do subdesenvolvimento e dependência latino-
americanas cresce a consciência de que estes poderão ser superados com uma
revolução social, política, econômica e cultural capaz de romper com o sistema
capitalista dependente, que enriquece os países centrais às custas do empobreci-
mento, dependência, subjugação e miserabilização dos países periféricos.
1
Na obra Teologia da Libertação G. Gutiérrez evidencia a relão entre o contexto latino-
americano e a aspiração da nascente Teologia da Libertação em contribuir para um compromisso
autêntico com o processo de libertação. Afirma: Intenta este trabalho uma reflexão, a partir do
evangelho e das experiências de homens e mulheres comprometidos com o processo de libertação
neste subcontinente de opressão e espoliação que é a América Latina. Reflexão teológica que nas-
ce dessa experiência compartilhada no esforço em prol da abolição da atual situação de injustiça e
da construção de uma sociedade diferente, mais livre e humana. A caminhada do compromisso
libertador foi empreendida por muitos na América Latina, entre eles por um número crescente de
cristãos: a suas experiências e reflexões deve-se o que possa haver de válido nestas páginas. Nosso
maior desejo é não atraiçoar suas vivências e esforços por elucidar o significado de sua solidarie-
dade com os oprimidos”. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.9.
A crescente consciência das causas e estruturas geradoras de dependência,
dominação e subdesenvolvimento leva à emergência de movimentos sociais, polí-
ticos, culturais e ideológicos que se engajam na libertação da América Latina.
Aumenta, neste contexto, o número de cristãos que se deixam influenciar pela
consciência libertária latino-americana, mas também pelos impulsos provindos
das novas reflexões teológico-eclesiais referentes ao papel dos leigos na socieda-
de, pelos impulsos do Vaticano II com a proposição de uma nova relação entre
Igreja e mundo e uma nova presença crisno mundo, somadas à novas sensibili-
dades teológicas relacionadas à História e ao papel dos cristãos na transformação
da mesma. A realização de Medellín (1968), ao mesmo tempo que, em parte aco-
lhe e incentiva estes impulsos rumo a uma participação mais ativa e efetiva dos
cristãos na transformação da realidade latino-americana, testemunha a existência
de uma nova consciência de parte da Igreja latino-americana que busca engajar-se
nos movimentos históricos da América Latina de então
2
.
Na América Latina os cristãos engajam-se cada vez mais como agentes
políticos, ideológicos e culturais de transformação da realidade. Assumem, junto
com não cristãos, a tarefa e o desafio urgente de transformação da História. As-
sumem o compromisso com o processo revolucionário de libertação como cami-
nho possível rumo a uma nova História para todos. E, como cristãos, fazem-no na
esperança que este é o caminho autêntico para testemunhar e viver o Evangelho
no contexto da América Latina. Entende-se que engajar-se no processo de liberta-
ção latino-americano é a forma mais autêntica de contribuir para que se realize a
experiência de salvação na realidade de pobreza e miséria, resultante da domina-
ção, dependência e subdesenvolvimento que marcam a América Latina
3
.
2
Hugo Assmann, na introdução à obra conjunta Pueblo Oprimido, Señor de la Historia, propõe,
de modo crítico, que Medellín testemunha a emergência de uma linguagem nova e desafiadora: a
linguagem da libertação. Linguagem esta que emerge na América Latina em decorrência da expe-
riência histórica do ocaso das perspectivas desenvolvimentistas. Experiência que impulsionou “a
muitos cristãos, e até mesmo aosveis oficiais das Igrejas, a uma linguagem nova e desafiadora: a
linguagem da libertação”. Desta forma “em Medellín e em muitos outros pronunciamentos de
eclesiásticos, esta linguagem passou a formar parte do conteúdo de documentos oficiais. Porém
também a inicial euforia da impactante denúncia representada pelos documentos de Medellín, foi
esgotando-se rapidamente. Neste vel oficial, tratou-se evidentemente de uma linguagem de de-
núncia cuja articulação conseqüente na prática revelou-se irrealizável. Foi, contudo, muito mais
que o mais avançado do Concílio Vaticano II, não porque tratava-se de um enfoque bastante
distinto e mais latino-americano, mas sobretudo porque possibilitou a muitos radicalizar decidida-
mente o que nos citados documentos não era mais que uma vaga aproximação da nossa realidade”.
H. ASSMANN et alii, Pubelo Oprimido, Señor de la Historia, p.10-11.
3
Esta perspectiva fundamenta-se na compreensão de que há uma História e é nela que Deus se
revela, liberta e salva. Para G. Gutiérrez, não há duas Histórias, a profana e a sagrada, ‘justapostas
O engajamento político, ideológico e cultural dos cristãos no processo re-
volucionário de libertação coloca-lhes, com agudeza e urgência, queses perti-
nentes sobre a relação entre a realidade de pobreza, miséria, dominação, depen-
dência, subdesenvolvimento e os desafios que esta realidade e a prática e testemu-
nho dos cristãos representa para a cristã e para os próprios cristãos engajados.
Neste sentido, a pergunta fundamental que emerge diz respeito à relação entre
Evangelho e transformação social, entre a História, reconhecida em suas várias
dimenes como lugar da experiência de opressão, dominação, dependência e
subdesenvolvimento e a História da Salvação, entre Reino de Deus e a necessária
e urgente transformação do mundo. Percebe-se assim que o compromisso e enga-
jamento no processo de libertação torna-se a fonte de interrogões e questiona-
mentos à fé cristã e à presença cristã no contexto da América Latina.
A reflexão teológica latino-americana não está ausente deste processo e
acompanha, através da reflexão, condicionada pela urgência histórica, o caminhar
e a experiência dos cristãos comprometidos com o processo de libertação
4
. É neste
contexto que nasce a Teologia da Libertação latino-americana. Esta surge como
ou ‘estreitamente unidas’. Há “um só devir humano assumido irreversivelmente por Cristo, Senhor
da História. Sua obra redentora abrange todas as dimensões da existência e leva-a a sua plena
realização. A História da Salvação é a própria entranha da História humana”. Em seguida continu-
a: O devir histórico da humanidade deve ser definitivamente situado no horizonte salvífico.
assim se esboçará seu verdadeiro perfil e surgirá seu mais profundo sentido”. E conclui que embo-
ra a forma de entender a História de forma unitária seja suscetível de enfoques diversos, é clara na
Teologia contemporânea a afirmação fundamental: “há uma História”, a História na qual Cristo
se encarna, liberta e salva a humanidade. Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.129.
4
Segundo a afirmação de H. Assmann surgiu um “certo acompanhamento na reflexão, daquilo que
avançava como experiência dos cristãos comprometidos com o processo de libertação. Surgiu um
tipo de reflexão teológica, em distintos níveis e linguagens que, pelo fato de estar centrada na
práxis de libertação de nossos povos, foi assumindo de maneira cada vez mais calara a estreita
conexão com a linguagem política”. Trata-se, no entender de Hugo Assmann de “um tipo de refle-
o sobre a que se faz na ação, sob o signo da urgência e com o propósito de manter-se aberta à
densidade epistemológica da práxis”. H. ASSMANN et alii, Pubelo Oprimido, Señor de la Histo-
ria, p.11. para G. Gutiérrez, identifica-se um processo de tomada de consciência da Igreja lati-
no-americana que sai de uma espécie de “gueto” e de apoio aos poderes de dominação e começa a
comprometer-se de modo mais efetivo com o processo de libertação. Afirma Gustavo Gutiérrez:
“de uns tempos a esta parte, assistimos a um grande esforço para sair dessa situação de poder e
mentalidade de gueto e alijar a proteção ambígua que lhe proporcionavam os usufrutuários da
ordem injusta em que vive o continente. Os cristãos, individualmente, em pequenas comunidades,
e mesmo a Igreja toda, vão tomando aos poucos maior consciência potica e adquirem melhor
conhecimento da atual realidade latino-americana, em particular de suas causas profundas. Come-
ça, com efeito a comunidade cristã a ler politicamente os sinais dos tempos na Arica Latina.
Ainda mais, temos sido testemunhas de tomadas de posição possivelmente reputadas audazes,
mormente levando-se em conta o comportamento até hoje observado. É uma aposta em favor da
opção libertadora que provoca resistências e receios. Tudo isso exigiu esforço de reflexão que
responda às questões levantadas por essa nova atitude: daí os esforços teológicos tentados hoje na
América Latina provirem mais dos grupos cristãos comprometidos com a libertação de seus povos,
Teologia que parte da práxis histórica dos cristãos comprometidos com o processo
de libertação latino-americano e como nova Teologia política
5
. Trata-se de uma
Teologia cujo ponto de partida contextual é a situação histórica de dependência e
dominação e o compromisso transformador dos cristãos diante desta situação.
Este ponto de partida contextual e situado o é compreendido como um
estreitamento da tarefa teológica ao contexto latino-americano. É, pelo contrário, a
condição de possibilidade de situar e concretizar de modo pertinente e relevante
os temas fundamentais da fé cristã no contexto da América Latina
6
. Assim a Teo-
logia da Libertação vem definida como “reflexão crítica sobre a práxis histórica
de libertação”
7
, onde esta práxis consiste no tomar corpo da na transformação
da realidade. Esta Teologia pretende, portanto, encarar a práxis dos cristãos como
corporificação hisrica da cristã, realizada à luz do Evangelho e da revelação.
Consiste na reflexão crítica sobre a práxis histórica do ser humano, e será teológi-
ca na medida que for capaz de auscultar, nesta práxis, a presença da cristã e
contribuir para que esta práxis seja mais autêntica, evangélica e libertadora
8
.
Gustavo Gutiérrez define a Teologia da Libertação como “reflexão crítica
da práxis histórica à luz da Palavra”
9
. Essa reflexão parte da presença e ação dos
cristãos que, solidários com não cristãos, empenham-se ativamente no processo de
libertação latino-americano. Trata-se de refletir criticamente a partir e sobre a prá-
do que dos centros tradicionais de ensino da Teologia. A riqueza de tais compromissos condiciona-
rá a fecundidade da reflexão. G. GUTIÉRREZ, op. cit., p.89. O itálico é de G. Gutiérrez.
5
Uma explicitão do significado da Teologia política latino-americana e de sua diferença em
relação ao pensamento teológico “progressista” europeu pode ser verificada em: H. ASSMANN et
alii, Pubelo Oprimido, Señor de la Historia, p.11-16. Neste sentido é importante também conferir
o texto de H. Assmann La dimensión política de la fe como praxis de liberación histórica del
hombre e Teología de la liberación, una evaluación prospectiva, escritos em 1970 e 1971, respec-
tivamente, e reproduzidos na obra de 1973: Id., Teología desde la praxis de la liberación, p.15-26
e 27-102.
6
Segundo Hugo Assmann o ponto de partida contextual da Teologia da Libertação é a situação
histórica de dependência e dominação em que se encontram os povos do Terceiro Mundo. Isso tem
duas razões, uma é porque se busca uma Teologia “latino-americana” e esta é a situão contextu-
al latino-americana. Mas outra razão fundamental: a situação de dominação, dependência e
subdesenvolvimento de dois terços da humanidade incide, como desafio, sobre o próprio sentido
histórico do cristianismo e questiona radicalmente a missão da Igreja. Por isso é conveniente
insistir neste ponto de partida contextual para que se veja que não se trata de um estreitamento
local latino-americano da tarefa teológica. Evidentemente é a busca desta encarnação situada. Mas
é mais que isso. Se a situação histórica de dependência e dominação de dois terços da humanidade,
com seus 30 milhões anuais de mortos de fome e desnutrição não se converte no ponto de partida
de qualquer Teologia cristã hoje, mesmo nos países ricos e dominadores, a Teologia não poderá
situar e concretizar historicamente seus temas fundamentais. Suas perguntas o serão perguntas
reais. Passarão ao lado do homem real. Ibid., p.40, cf. também pgs.39-42.
7
Esta definição encontra-se em H. ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, p.24.
8
Sobre a relação entre Teologia e reflexão crítica sobre a práxis histórica ou sobre as condições
para que uma reflexão crítica sobre a práxis histórica seja Teologia confira: Ibid., p.47-52.
xis libertadora. Neste sentido, a Teologia assume o papel de desentranhar nas rea-
lidades presentes, no movimento da História, o que impele o ser humano para o
futuro. Por isso “refletir a partir da práxis histórica libertadora é refletir à luz do
futuro em que se crê e se espera, é refletir com vistas a uma ação transformadora
do presente”
10
. E para tal a Teologia da Libertação situa-se como um momento
através do qual o mundo é transformado, abrindo-se ao dom do Reino de Deus
através do protesto ante a dignidade humana pisoteada, da luta contra a espoliação
do povo, do amor que liberta, da construção de uma nova Sociedade, mais justa e
fraterna. Isso implica um novo modo de fazer Teologia
11
. Por isso, para G. Gutiér-
rez, a Teologia da Libertação tem a ver com a busca de resposta à questão da rela-
ção entre a salvação e o processo histórico de libertação. Trata-se de aprofundar a
clássica relação entre a fé e a existência humana, entre a e a realidade social,
entre a e a ação política ou entre Reino de Deus e construção do mundo
12
. Tra-
ta-se de uma Teologia que parte da História e aspira contribuir para a transforma-
ção libertadora da História. Para tal precisa ser Teologia que considera relevante a
História, pois aspira ser relevante para a transformação libertadora da História.
A partir desta compreensão original da Teologia, pode-se falar na inten-
cionalidade fundamental da reflexão teológica na América Latina. Esta intencio-
nalidade fundante da reflexão teológica está situada na capacidade de a reflexão
crítica a partir da práxis libertadora iluminar, incentivar e contribuir para a liberta-
9
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.26.
10
Ibid., p.27.
11
Para G. Gutiérrez refletir criticamente sobre a práxis libertadora não é ir “a reboque” da realida-
de, pois o presente da práxis libertadora está, em seu âmago mais profundo, prenhe de futuro,
sendo a esperança parte do compromisso atual na História. A Teologia não põe de início esse futu-
ro no presente, não cria do nada a atitude vital da esperança. Mais modesto é seu papel: explicita-
os ou interpreta-os como o verdadeiro sustentáculo da História. Refletir sobre uma ação que se
projeta para a frente não é fixar-se no passado, não é ser rebocado pelo presente: é desentranhar
nas realidades atuais, no movimento da História o que nos impele para o futuro. Refletir a partir da
práxis histórica libertadora é refletir à luz do futuro em que se crê e se espera, é refletir com vistas
a uma ação transformadora do presente. É fazê-lo, porém, não a partir de um gabinete mas deitan-
do raízes onde lateja neste momento o pulso da História, e iluminando-o com a Palavra do Se-
nhor da História que se comprometeu irreversivelmente com o hoje do devir da humanidade para
levá-lo à sua plena realização. Por tudo isso a Teologia da Libertação nos propõe talvez não tanto
novo tema para a reflexão quanto novo modo de fazer Teologia. A Teologia como reflexão crítica
da praxis histórica é assim uma Teologia libertadora, Teologia da transformação libertadora da
História da humanidade, portanto também da porção dela reunida em ecclesia que confessa
abertamente Cristo. Teologia que não se limita a pensar o mundo, mas procura situar-se como um
momento do processo através do qual o mundo é transformado: abrindo-se no protesto ante a
dignidade humana pisoteada, na luta contra a espoliação da imensa maioria dos homens, no amor
que liberta, na construção de nova sociedade, justa e fraterna ao dom do Reino de Deus”. Ibid.,
p.27. O itálico é de Gustavo Gutiérrez.
12
Cf. Ibid., p.49-54.
ção real da dependência e dominação que se dão nas diversas dimensões que
compõem a realidade histórica do acontecer humano latino-americano. Assim, a
verificação da autenticidade da reflexão teológica se dá na capacidade que esta
reflexão tem para contribuir e iluminar criticamente o compromisso dos cristãos
no processo de libertação, tendo em vista a transformação libertadora da Histó-
ria
13
.
Com isto observa-se que a Teologia da Libertação, nascida das questões e
interrogões que emergiram do compromisso dos cristãos com o processo revo-
lucionário de libertação latino-americano, parte deste compromisso e desta práti-
ca, histórica e contextualmente situada, e busca iluminar e expressar o sentido e
significado cristão desta práxis, tornando-se referência real para uma nova práxis,
desafiada a ser efetiva e eficaz na libertação de todas as formas de dominação,
dependência e opressão presentes na América Latina. Trata-se, portanto, de uma
Teologia que parte da História pois considera relevante o compromisso e a práxis
libertadora dos cristãos inseridos nesta História. São suas interrogações, desafios e
urgências que provocam e interpelam a reflexão teológica.
A reflexão teológica assume estas interrogações, desafios e urgências e
procura, a partir da reflexão crítica à luz da Palavra de Deus, iluminar a prática
dos cristãos comprometidos com o processo de libertação. Nisto se propõe ser
instrumento crítico-reflexivo da práxis libertadora, buscando discernir o sentido e
o significado cristão e evangélico do processo de libertação histórica e servindo,
ao mesmo tempo, de instância iluminadora e crítica da práxis de libertação dos
cristãos, para que esta contribua de modo efetivo e eficaz na libertação real do
povo latino-americano. Com isso, a Teologia que parte da História de opressão e
dominação, que parte da História marcada pelo emergir de uma nova consciência
da situação de opressão, dominação e dependência, e que parte da Hisria marca-
da pela presença de cristãos comprometidos com a sua transformação libertadora,
13
Isso fica evidente nas expressões de G. Gutiérrez: “A Teologia da Libertação que procura partir
do compromisso para abolir a atual situação de injustiça e construir uma sociedade nova deve ser
verificada pela prática desse compromisso, pela participação ativa e eficaz na luta empreendida
contra seus opressores pelas classes sociais exploradas. A libertação de toda forma de exploração,
a possibilidade de uma vida mais humana e mais digna, a criação de um homem novo, passam por
essa luta (...). Se a reflexão teológica não levar a vitalizar a ação da comunidade cristã no mundo, a
tornar mais pleno e radical o compromisso de caridade; e, mais concretamente, na América Lati-
na, se não levar a Igreja a colocar-se abertamente e sem condições mediatizantes do lado das clas-
ses oprimidas e dos povos dominados, de pouco terá servido essa reflexão. Pior ainda, só teria sido
útil para justificar termos dios e hesitações e racionalizar assim um sutil alheamento do Evange-
lho”. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.250.
anseia, ao mesmo tempo, iluminar criticamente, à luz da e da Palavra de Deus,
a práxis libertadora e transformadora da História. Práxis que se aspira seja sempre
mais efetiva e eficaz na construção de uma Nova História, de uma Nova Socieda-
de, lugar e expressão de uma Nova Humanidade, mais humana, digna e livre. No-
va Humanidade cuja encarnação do Verbo na História tornou esperança e realida-
de, promessa e realização.
As condições históricas em que nasce a Teologia da Libertação, bem como
sua intencionalidade profunda, indicam uma relação ppria e original estabeleci-
da entre a reflexão teológica, enquanto resposta que busca discernir o sentido e
significado evangélico diante das interrogações e dos desafios vividos pelos cris-
tãos engajados no processo histórico de libertação latino-americana, e a História,
enquanto lugar de dimensões sociais, políticas, econômicas, ideológicas, culturais
e religiosas em que se a experiência latino-americana de opressão, dependência
e subdesenvolvimento, mas também de uma nova consciência das causas profun-
das e estruturais desta situação e da necessidade, prática e exigência do engaja-
mento e compromisso no processo revoluciorio de libertação.
Esta pesquisa nasce da suspeita de que a Teologia da Libertação esmar-
cada em seu nascimento e desenvolvimento, de modo fundamental e determinan-
te, por uma relação específica e original entre a maneira de se compreender a re-
flexão teológica e as condições históricas do acontecer humano latino-americano,
entre Teologia e História. Daí a hipótese da mútua relevância entre Teologia e
História como chave explicativa e interpretativa da relação original e específica
estabelecida pela Teologia da Libertação. Esta Teologia considera os desafios e
questionamentos da História, portanto, considera a História relevante para a refle-
xão, e ao mesmo tempo aspira ser relevante para a transformação da História, a-
través de uma reflexão crítica, a partir da e da Palavra de Deus, capaz de ilu-
minar e incentivar a presença dos cristãos na transformação da História.
Aqui é preciso esclarecer alguns aspectos para indicar com maior precisão
esta hipótese de pesquisa. Toma-se o conceito de História não na acepção comum
de passado ou de conhecimentos concernentes ao passado de um determinado
objeto de pesquisa ou da própria humanidade
14
. Tampouco História é tomada co-
mo conjunto de conhecimentos, sob o registro cronológico, que se interessa pela
14
Cf. o termo História em: A. HOUAISS; M.S. VILLAR, Dicionário Houaiss da língua portu-
guesa, p. 1543.
apreciação, explicação ou narração de acontecimentos ou atividades do passado
15
.
História aqui é tomada como o acontecer real da vida humana. Este acontecer im-
plica na condição multidimensional em que o ser humano está inserido e no qual
faz memória, vive/presentifica e projeta seu mundo de sentidos numa relação con-
tínua consigo mesmo, com o outro, com a natureza e com o Transcendente. Pode-
se, então, definir a Hisria como o complexo e pluridimensional campo de rela-
ções que envolve o acontecer, ou - na expressão de Juan Alfaro: o devir históri-
co”
16
- da vida humana marcada pela dimensão geográfica, cultural, social, políti-
ca, econômica, psíquica, antropológica, religiosa e cronológica. É, por assim di-
zer, o ser e o estar no tempo e no espaço. É o configurar o tempo e o espaço e por
eles ser configurado
17
. Desta forma, a vida do ser humano está inserida na Histó-
ria da humanidade, se faz na História, é configurada por ela e constitui o devir da
própria História.
Enfim, pode-se compreender a História como a inter-relação de um con-
junto amplo, complexo e diversificado de fatores, dimenes e aspectos que o
produzidos pelo ser humano através da cultura, das relações sociais, das produ-
ções de sentido e significado, da arte, da política, da forma de relacionar-se com o
semelhante, de compreender a vida, de relacionar-se com o mundo e com o Trans-
cendente e, ao mesmo tempo, produzem o ser humano dando, no caminhar das
gerações, configurações concretas a este humano. Compreende-se a Teologia co-
mo palavra sobre o Transcendente, isto é, palavra sobre Deus que permanece an-
corada à revelação como seu fundamento e à como sua inteligência crítica para
que a vida de do crente possa ser motivada e significativa
18
. A partir desta
compreensão se estabelece uma relação constitutiva entre a Teologia e a História.
A Teologia, tendo como objeto o transcendente, pode fazer sua cami-
nhada para a inteligência crítica da a partir da História, estando dentro dela.
Neste sentido, a História é relevante para o fazer teológico e o fazer teológico que,
fundamentado na revelação busca - a partir da neste Deus revelado - uma inte-
15
Cf. o termo História e correlatos em: F.S. BORBA, Dicionário de usos do Português do Brasil,
p.816; A.B.H. FERREIRA, Novo Aurélio da Língua Portuguesa, p. 1050-1051.
16
Cf. J. ALFARO, De la cuestión del hombre a la cuestn de Dios, p.255-270.
17
Cf. J.-Y. LACOSTE, Tempo. Em: J.-Y. LACOSTE (dir.), Dicionário Crítico de Teologia,
p.1699-1700.
18
Cf. R. FISICHELLA. Teologia. In: L. PACOMIO (ed.), LEXICON: Dicionário teológico enci-
clopédico, p. 730-731; Cf. tb.: E. VILANOVA, Teologia, In: C.F. SAMANES; J.J. TAMAYO-
ACOSTA (orgs.), Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo, p.793-798; J.-Y.
LACOSTE, Teologia. In: J.-Y. LACOSTE (org.), Dicionário Crítico de Teologia, p.1707-1716.
ligência crítica para que a vida de do crente possa ser motivada e significativa,
torna-se, conseqüentemente, relevante e pertinente para a própria História. Pode-
se falar de uma mútua relação entre Teologia e História. Relação que vem expres-
sa como relevância recíproca. Esta pesquisa busca aprofundar justamente esta
mútua relação de relevância compreendida como relevância teológica da História
e relevância histórica da Teologia. A Teologia que quer refletir sobre Deus de
modo relevante para o ser humano inserido na História precisa levar em conta
tudo o que diz respeito a tal História. Abre-se assim a possibilidade de a História
ser lugar vivencial concreto da experiência de Deus mediada por toda Teologia
autêntica. Sendo assim, acredita-se ser justificável abordar a relação entre Teolo-
gia e História tendo como referência a relevância e pertinência recíprocas.
A verificão da hipótese da mútua relevância entre Teologia e História na
Teologia da Libertação postula uma delimitação do conteúdo material a ser anali-
sado. Esta delimitação é proposta em duas perspectivas. Primeiro, pelo conteúdo
material a ser abordado. Trata-se dos Encontros de San Lorenzo del Escorial
Espanha (8-15 de Julho de 1972), sobre cristã e transformação social na Amé-
rica Latina
19
e da Cidade do México México (11-15 de Agosto de 1975), cujo
tema foi Os métodos da reflexão teológica na América Latina e suas implicações
pastorais, históricas, sociais, políticas e eclesiais
20
. Justifica-se a delimitação
deste conteúdo material pela importância que estes encontros tiveram na configu-
ração inicial da Teologia da Libertação. Pode-se afirmar que em termos gerais
estes encontros caracterizam-se como espaços de debate, reflexão e partilha teoló-
gico-pastoral, marcados pelo desafio de uma Teologia que parta da realidade lati-
no-americana, que interprete teologicamente esta realidade e que seja capaz de
propor caminhos de transformação.
Em termos específicos, os encontros de Teologia de El Escorial e da Cida-
de do México caracterizam-se por duas questões fundamentais: primeiro, a rele-
vância que a História latino-americana, marcada pela situação de dominação, ex-
ploração, dependência e espoliação e pelo emergente processo de libertação, as-
sume para os teólogos e para a Teologia. E segundo, em conseqüência disso, a
preocupação metodológica: Que Teologia é relevante para a América Latina?
19
A.A. BOLADO (Introd.). Fé Cristã e Transformação Social na América Latina. Encontro de El
Escorial, 1972. Petrópolis: Vozes, 1977 (Trad. Jorge Soares).
Qual é o ponto de partida para uma Teologia latino-americana? De que forma a
Teologia pode contribuir para uma pastoral transformadora? Qual é o lugar e a
importância da realidade latino-americana e da participação e compromisso cris-
tãos no processo histórico de libertação para o fazer teológico? Ante essas interro-
gões e preocupações é que gesta-se e nasce a Teologia da Libertação latino-
americana. Enfim, estes dois encontros tiveram um papel fundamental no debate
inicial e na consolidação metodológica da Teologia da Libertação.
A segunda perspectiva que contribui para uma delimitação desta pesquisa
é dada pelo viés específico de análise, a saber, o método teológico. Entende-se
que a análise do todo teológico é o caminho mais pertinente para se verificar a
hipótese da mútua relevância e seu papel na elaboração da Teologia da Libertação.
A análise do método teológico constitui-se na via de acesso mais eficaz para se
verificar como Teologia e História relacionam-se segundo a perspectiva da Teolo-
gia da Libertação. Daí a justificativa de averiguação da hipótese da mútua rele-
vância entre Teologia e História pelo caminho do método teológico latino-
americano. Crê-se que é através da análise do método teológico, tal qual este é
interpretado nos encontros teológicos de San Lorenzo del Escorial e da Cidade do
México, que se poderá verificar a fundamental importância da tua relevância
entre Teologia e História para a Teologia da Libertação latino-americana.
As colocações propostas até aqui permitem indicar com mais clareza o
objetivo desta pesquisa: busca-se averiguar o conteúdo material dos Encontros de
El Escorial e da Cidade do México, com o intuito de verificar o papel e a impor-
tância da relevância histórica da Teologia e da relevância teológica da História,
bem como o conteúdo e forma de tal relevância na elaborão do método teológi-
co da Teologia da Libertação.
Aspira-se, com esta pesquisa, contribuir para a percepção da importância
da interpretação da relevância histórica da Teologia e da relevância teológica da
História como motor impulsionador do vigor que marca o nascimento e a configu-
ração metodológica da Teologia da Libertação. Esta interpretação, em referência
específica à Teologia da Libertação, indica a vitalidade e a dinamicidade da pró-
pria Teologia que aceita e assume sua condição de fazer-se e constituir-se com o
ser humano que se faz e se constitui na História. Nisto está o mais original do cris-
20
E.R. MALDONADO (Apresentão e Introd.). Liberación y Cautiverio. Debates en torno al
método de la Teología en América Latina. Comitê Organizador: Cidade do México, 1976.
tianismo: a Hisria tem valor e sentido porque Deus se fez carne na e com a His-
tória. Desta forma, a História assume uma dimensão e um valor teológicos im-
prescindíveis. Porque Deus assume a História, fazendo-se carne dela e com ela,
esta História passa a estar grávida do divino. Ela revela ou esconde a face de Deus
no mundo e a História não é mais apenas História dos seres humanos, ela é
também a História de Deus com os seres humanos. O Reino de Deus, realidade
última para os cristãos, o é só objeto de espera. Em sinais ele pode se fazer pre-
sente na História do mundo tornando-a lugar da História da Salvação.
Portanto, esta pesquisa - sob a perspectiva da mutua relevância na relação
Teologia e História - pretende contribuir para uma Teologia cada vez mais res-
ponsável com a História grávida de Deus. Uma Teologia que se faz serviço. Uma
Teologia que já não seja mais a dona e senhora das verdades sobre Deus, mas que,
na História e com a História, seja capaz de perscrutar os sinais do Deus da Vida
que chama a humanidade à Vida Plena. A História é relevante para a Teologia
porque ela é a portadora das sementes do Verbo, ela está grávida de Deus. A Teo-
logia, por sua vez, é relevante para a História pois tem a missão de perscrutar esta
verdade a partir, na, com e para esta História, contribuindo para que esta tome
consciência da preciosidade de que é portadora ou que carrega em seu ventre, e se
torne, cada vez mais, História de salvação porque faz a experiência da salvação da
História. Se este estudo contribuir para esta percepção terá sido de grande valia.
Por outro lado, também será uma contribuição significativa no sentido de uma
melhor compreensão e avaliação das condições que possibilitaram a emergência
da Teologia da Libertação Latino-americana. Esta intentou perscrutar a salvação
de Deus a partir de uma História marcada pela condenão/perdição do humanum,
portanto, a partir de uma História marcada pela injustiça, miséria, exploração,
opressão ou, dito de outra forma: pela “não História”, ou pelos “sem” História.
Por fim, aspira-se que este estudo possa contribuir para a tomada de cons-
ciência da condição histórica de toda a Teologia. Somente com tal tomada de
consciência a Teologia poderá descer do pedestal de suas verdades envernizadas e
dialogar ao seu interno e com o mundo cultural e social, político e econômico de
seu tempo. Se a Teologia toma consciência da sua condição histórica ela aceita
seu devir histórico e assume as dimensões que constituem a própria História: ela é
realidade que se fez e neste sentido é tradição e memória. Ela é realidade que
agora acontece e se realiza e, neste sentido, é presença e atualização. Mas ela é
também realidade do que ainda se espera fazer ou acontecer e, neste sentido, é
esperança e profecia. Para Bruno Forte o que vai delinear uma “teologia da histó-
ria” é um processo de “recordação” e profecia análogo ao que aconteceu na
consciência de Israel e nas primeiras testemunhas do Ressuscitado, as quais, par-
tindo da experiência do Deus vivo, reinterpretaram o passado, o presente e o futu-
ro de suas vidas e da vida do mundo
21
. Se a Teologia aceita e assume de fato sua
condição histórica ela assume, na expressão de Jürgen Moltmann, que interpreta
Tomás de Aquino, a função de ser: signum rememorativum, signum prognosticon
e signum demonstrativum
22
. Torna-se sacramento da salvação que se faz História
para que a História seja lugar de salvação.
Para averiguar a hipótese da mútua relevância entre Teologia e História e
atingir o objetivo desta pesquisa propõe-se os seguintes passos. Nos dois primei-
ros capítulos propõe-se, de modo mais descritivo e introdurio, retratar o contex-
to econômico, político, cultural, ideológico, eclesial e teológico da gênese e nas-
cimento da Teologia da Libertação, bem como, propõe-se, em um segundo mo-
mento, localizar e identificar o papel e a importância da mútua relevância entre
Teologia e História na gênese e nascimento da Teologia da Libertação como Teo-
logia a partir, na e para a América Latina oprimida, explorada, espoliada, depen-
dente e subdesenvolvida, mas crente e esperançosa na libertação.
No terceiro e quarto capítulos, de caráter mais sistemático, pretende-se
aprofundar o conteúdo material do Encontro de El Escorial, tendo como questão
fundamental o problema de como a relação entre Teologia e História é inter-
pretada. Para tal, propõe-se, no capítulo III, averiguar qual é a História que é in-
terpretada como relevante para a Teologia no contexto da América Latina, segun-
do o Encontro de El Escorial. Já no capítulo IV pretende-se verificar quê Teologi-
a, segundo a interpretação dos expositores do Encontro de El Escorial, é relevante
para a realidade latino-americana. No quinto e sexto capítulos, pretende-se averi-
guar a hipótese da mútua relevância entre Teologia e História verificando a inter-
pretação proposta pelos expositores do Encontro da Cidade do México no que diz
respeito aos condicionamentos a que a reflexão teológica latino-americana está
21
Cf. Bruno FORTE, Teologia da História, p.6.
22
Estas dimensões da História, aqui aplicadas à Ceia, são tomadas por Jürgen Moltmann de Tomas
de Aquino que na Suma Teológica III q 60 a 3 afirma: “Por isso, o sacramento é: o sinal rememo-
rativo do que passou, isto é, da paixão de Cristo; e demonstrativo do que em nós obra a Paixão de
sujeita e ao método teogico mais relevante e pertinente para o contexto histórico
latino-americano de então. Através deste procedimento mantém-se o interesse
central de demonstrar o papel e importância da relão de tua relevância entre
Teologia e História na elaboração do método teológico da Teologia da Libertação.
Enfim, através destes passos, aspira-se demonstrar a veracidade da hipóte-
se da mútua relevância entre Teologia e História, bem como seu papel e importân-
cia na elaboração do método da Teologia da Libertação latino-americana. Em uma
História marcada pela dominação, dependência, subdesenvolvimento, opressão e
miséria desabrocha a consciência desta situação e das causas e estruturas profun-
das que a mantêm e sustentam. Nesta História emerge a percepção de que a mes-
ma precisa ser estruturalmente transformada para ser o lugar da experiência da
dignidade e da liberdade. Com o intuito de efetivar esta revolução, cristãos e não
cristãos comprometem-se com as transformações da História através do engaja-
mento no processo revolucionário de libertação. É essa História de pobreza, do-
minação, conflito e dependência que interpela a consciência teológica.
O despertar desta consciência faz com que emerja uma Teologia original e
autenticamente latino-americana. Teologia que nasce dos desafios e urgências da
História, ou da “não-História” do povo latino-americano. Teologia que aspira con-
tribuir para a transformação libertadora da História. Esta é, portanto, uma Teolo-
gia historicamente relevante e o é, precisamente, por considerar a História rele-
vante. Verificar como é interpretada e como se articula metodologicamente esta
mútua relevância nos Encontros de El Escorial e da Cidade do México é a propos-
ta deste estudo. Oxalá ele possa contribuir, a partir desta proposta, para a consci-
ência da necessidade e do desafio sempre atual de uma Teologia cada vez mais
encarnada, comprometida e responsável para com o ser humano que continua a
construir a História, ainda muitas vezes marcada por dominações, dependências,
violências, divisões, conflitos e agressões à liberdade e à vida em todas as suas
formas. Oxalá ele possa contribuir para a consciência do desafio de uma Teologia
sempre mais comprometida com sinais e com experiências de libertação e salva-
ção do ser humano e da criação na História, cuja encarnação do Verbo demons-
trou ser a única História a ser resgatada, salva e liberta, rumo à comunhão plena
com a criação, com a humanidade e com Deus.
Cristo, isto é, da graça; e progstico, isto é, prenunciativo da futura glória”. Citado em: Jürgen
MOLTMANN, Experiências de reflexão teológica, p.41.
1
A Arica Latina e o contexto da tomada de consciência
da necessidade de uma Teologia historicamente relevante
INTRODUÇÃO
A Teologia da Libertação latino-americana, que tem seus primeiros escri-
tos sistemáticos concretizados a partir do início da década de 70, não é fruto do
acaso e muito menos de algum teólogo “iluminado”. Ela é expressão teológica de
um processo histórico que está social, política, econômica, cultural, pastoral, teo-
lógica, eclesial e ideologicamente situado no tempo da consciência, no tempo do
conhecimento e no tempo cronológico. Um processo de consciência possibilitou
um conhecimento mínimo necessário para que neste tempo cronológico, situado
no espaço da América Latina, emergisse o processo de libertação, do qual a Teo-
logia da Libertação é a expressão teológica. Vários fatores contribuíram, cada
qual a seu modo e grau, na tomada de consciência da necessidade de uma Teolo-
gia historicamente relevante e na conseqüente gênese da Teologia da Libertação.
Este primeiro capítulo pretende identificar e caracterizar, de um modo des-
critivo, os principais fatores que podem ter contribuído na tomada de consciência
da necessidade de uma Teologia latino-americana. Por um lado, parece ter lugar
em tal influência os fatores políticos, econômicos, sociais e culturais da realidade
latino-americana. Faz-se necessário uma descrição e caracterização desta realida-
de, considerando-se para tal, que ela não é uma ilha desligada do mundo e que,
portanto, tal caracterização precisa levar em conta também a realidade latino-
americana em sua relação com o restante do mundo. Por outro lado, percebe-se
que a gênese da Teologia da Libertação está situada numa conjuntura eclesial,
pastoral e teológica. Depreende-se disto a influência de fatores eclesiais, pastorais
e teológicos no processo de tomada de consciência da necessidade de uma Teolo-
gia latinoamericanamente situada.
Na descrição da realidade histórica da América Latina, compreendida a
partir dos anos 50, bem como na descrição do contexto teológico-eclesial do
mesmo período, permeia o interesse de identificar em que a História latino-
americana é desafio para a Teologia e como a Teologia assume tal desafio com a
pretensão de contribuir para esta História. Propõe-se, para tal, os seguintes passos.
Em primeiro lugar uma aproximação aos fatores políticos, econômicos, sociais e
culturais. Nesta aproximação procurar-se-á partir de uma descrição das interpreta-
ções da realidade social, econômica, política e cultural da América Latina vigentes
a partir dos anos 50. Em seguida procurar-se-á identificar, dentro desta realidade,
indícios, configurações e movimentos culturais, ideológicos e sociais que denotem
uma tomada de consciência da situação de dominação, exploração, marginaliza-
ção, dependência e subdesenvolvimento.
Em um segundo momento, propõe-se uma aproximação aos fatores eclesi-
ais, pastorais e teológicos. Quanto aos fatores eclesiais e pastorais, pretende-se
identificar em linhas gerais a postura da Igreja latino-americana frente aos desafi-
os, bem como o lugar e importância dos diversos movimentos cristãos presentes
na América Latina e que tiveram participação direta ou indireta no processo de
consciência da necessidade de uma Teologia historicamente comprometida. Quan-
to aos fatores teológicos, pretende-se indicar, em linhas gerais, os principais desa-
fios lançados à Teologia contemporânea pela modernidade que, direta ou indire-
tamente, refletem nas opções da Teologia latino-americana. Percebe-se que os
desafios da Teologia contemporânea geram novas sensibilidades e tendências na
Teologia. Tais sensibilidades e tendências terão um papel decisivo nos rumos as-
sumidos pelo Vaticano II e pela sua concepção do fazer teológico, bem como nas
posturas da Teologia pós-conciliar, seja em nível das Teologias progressistas dos
países do norte, seja na então emergente Teologia latino-americana.
O resultado desta aproximação aos fatores sociais, políticos, econômicos,
culturais, eclesiais, teológicos e pastorais, permite uma compreensão, não exausti-
va mas necessária, do contexto histórico e eclesial que fez e possibilitou o emergir
da pergunta por uma História assumida como teologicamente relevante pela Teo-
logia e de uma Teologia com pretensão de ser relevante para a História. Enfim, o
interesse deste capítulo gravita em torno da compreensão de que vários fatores de
ordem religiosa, econômica, política, social, cultural e ideológica contribuíram,
cada qual a seu modo e grau, em um processo de tomada de consciência da neces-
sidade de uma Teologia historicamente relevante. O resultado de tal tomada de
consciência foi a tensão e a crise e a necessidade de novos passos rumo a uma
Teologia autêntica e originalmente latino-americana e a uma sociedade sem do-
minação, exploração e marginalização. A tomada de consciência ante o colonia-
lismo teológico-pastoral e a dominação social, política, econômica e cultural,
sempre permeados e cimentados num ardiloso processo ideológico legitimador e
justificador, levou os agentes de tal processo de consciência a urgentes e profun-
das questões: por um lado, que saídas para a sociedade? A revolução? A implan-
tação de uma cópia do social-comunismo soviético ou chinês? Um socialismo
latino-americano? Por outro lado, que saídas e que opções para a Igreja? Que Teo-
logia? Que pastoral? Que cristianismo? Diante da crise e das tensões surge a pos-
sibilidade de novos passos e de novas opções, e esta parece ser a condição kairo-
lógica do nascimento da Teologia da Libertação a ser descrito no capítulo seguin-
te desta pesquisa.
1. Fatores sociais, políticos, econômicos e culturais que
contribuíram na tomada de consciência da dependência,
dominação e exploração
A América Latina do período de análise desta pesquisa é marcada pela
dependência, dominação e exploração em perspectiva social, política, cultural e
econômica. Alguns fatos, no entanto, indicam o emergir de um processo de cons-
ciência desta dominação, dependência e exploração, principalmente a partir de
meados da cada de 50. Esta emergência acontece através de movimentos cultu-
rais, ideológicos e sociais que assumem um papel decisivo no processo de consci-
entização. Neste item pretende-se descrever, em linhas gerais, a situação cultural,
social, política e econômica da América Latina e identificar os movimentos cultu-
rais, ideológicos e sociais que assumem uma postura conscientizadora. Por fim,
abordam-se os sinais de emergência do processo de libertação e as tensões e con-
flitos gerados pelo confronto entre o emergente processo de libertação e os agen-
tes e beneficiários da situação dominante de dependência, dominão e explora-
ção. Alerta-se para três coisas: primeiro, a distinção que se faz entre a descrição
da situação cultural, política, econômica e social é decorrente da especificidade e
peculiaridade da questão cultural latino-americana. Na prática estas dimensões do
humano são intimamente conexas e os limites, por exemplo, entre o “culturale o
“social” são tênues
23
. Em segundo lugar, alerta-se para o fato de estar excluída
neste item a participação dos cristãos no processo de conscientização e libertação.
Far-se-á uma abordagem específica para a questão da participação dos movimen-
tos cristãos quando da abordagem da presença da Igreja na América Latina. Por
fim, é preciso ter em conta que esta descrição da realidade latino-americana pro-
cura o que há em comum entre os países que formam a América Latina. Ou me-
lhor dito, procura levar em conta as tendências mais fortes da cultura, da econo-
mia, da sociedade e da política. É preciso, no entanto, ter presente que quando se
fala em América Latina fala-se em uma realidade muito diversa, extensa e com-
plexa e que, ao se descrever qualquer aspecto desta realidade, se está falando de
23
Para uma visão sobre as dimensões do gênero humano, e entre estas, a dimensão social, econô-
mica, política e cultural, cf. G. MARTELET, Cristologia e antropologia. Para uma genealogia
cristã do humano. Em: R. LATOURELLE e G. O´COLLINS (orgs.). Problemas e perspectivas de
Teologia Fundamental, p.166-175.
tendências majoritárias e não de blocos uniformes e onipresentes em toda Améri-
ca Latina.
1.1. A realidade social, política, econômica e cultural da América
Latina a partir da década de 50
Propõe-se neste item uma caracterização geral da composição social, polí-
tica, econômica e cultural. Identificar a situação de subdesenvolvimento, domina-
ção, exploração e espoliação em que vive o povo latino-americano é o ponto de
partida para que se possa vislumbrar a emergência do processo de libertação como
possibilidade de transformação revolucionária da realidade. Para esta caracteriza-
ção seguem-se as análises e interpretações de alguns cientistas políticos, sociólo-
gos, economistas e antropólogos que abordam a situação da América Latina do
período de interesse deste estudo.
1.1.1. A situação potica, econômica e social da América Latina: a
América Latina subdesenvolvida e dependente
Escritos de cientistas políticos, economistas e sociólogos, em voga na épo-
ca da gênese e nascimento da Teologia da Libertação latino-americana, caracteri-
zam a América Latina das décadas de 50, 60 e 70 como uma sociedade dependen-
te, subdesenvolvida e explorada. Esta situação de dependência, subdesenvolvi-
mento e exploração vem inserida em um contexto internacional que é preciso ter
presente. Seguindo estes estudiosos pretende-se descrever a situação social, políti-
ca e econômica da América Latina e a correspondente interpretação desta realida-
de, abordando os seguintes passos: a América Latina no contexto internacional; as
interpretações da dependência e subdesenvolvimento/desenvolvimento como via
de acesso à interpretação da realidade social, política e econômica da América
Latina; e por fim, os frutos sociais, políticos e econômicos da dependência e sub-
desenvolvimento latino-americanos.
A. A América Latina no contexto internacional
Para poder compreender a descrição da realidade social, política e econô-
mica da América Latina e a interpretação desta realidade proposta pelos cientistas
sociais é importante indicar o pressuposto fundamental destas interpretações, a
saber, que a América Latina é interpretada como dependente, subdesenvolvida e
explorada em relação a um contexto maior que a própria América Latina. Este
contexto maior no qual a América Latina está inserida é o do desenvolvimento do
capitalismo internacional.
Segundo Theotônio dos Santos, a realidade dos chamados países do Ter-
ceiro Mundo e particularmente da América Latina não pode ser entendida fora do
processo de expansão do capitalismo europeu. Este modificou a vida dos espaços
geográficos dos países dominados, realizando mudanças incompatíveis com o
desenvolvimento natural de sua população local. As necessidades da Europa capi-
talista determinaram estas mudanças obrigando que os países dominados vives-
sem experiências mais ou menos comuns e se ajustassem a esta situação, segundo
as suas possibilidades internas, a composição de forças que criaram no seu interior
e a sua posição no sistema internacional do qual faziam parte. O objetivo funda-
mental deste sistema internacional era a obtenção de riquezas e lucros para os
grupos dominantes dos países centrais
24
. Desta forma a história das economias e
sociedades dependentes se divide entre as pressões para ajustar-se a essas deman-
das e as tentativas de escapar desta sorte. As que melhor se ajustaram, por diferen-
tes razões históricas, viveram auges econômicos. No entanto estes auges não per-
mitiram que se iniciasse um processo autônomo de crescimento e se submeteram,
em geral, a uma “sorte ingrata” quando as suas riquezas se esgotaram ou quando
mudou a orientação da demanda dos centros dominantes
25
.
Desta forma, concretamente, para a América Latina e Caribe, dependentes
primeiro da expansão do capitalismo europeu e depois norte-americano, criam-se
estruturas de classe e políticas que Theotônio dos Santos denomina de “formações
sócio-econômicas dependentes”
26
. Cria-se assim uma nova situação histórica na
24
Para Theotônio dos Santos “no século XIX a Europa capitalista industrial pedia matérias-primas
para as suas fábricas e produtos agrícolas para seus trabalhadores e para sua população urbana. Ao
mesmo tempo, necessitava de mercado para seus produtos manufaturados. No século XX os Esta-
dos Unidos, a Europa e posteriormente o Japão necessitam de mercados para seus capitais exce-
dentes, suas maquinarias, etc., e ainda demandam matérias-primas, produtos agrícolas e alguns
produtos industriais”. Theotônio dos SANTOS, Evolução Histórica do Brasil, p.14.
25
Cf. Ibid., p.13-15.
26
T. dos Santos entende por dependência uma situação econômica na qual “certas sociedades têm
a sua estrutura condicionada pelas necessidades, as ações e os interesses de outras economias que
exercem sobre elas um domínio. O resultado é que estas sociedades se definem de acordo com esta
situação condicionante, que estabelece o marco para o seu desenvolvimento e para as respostas
diferenciadas que elas oferecem, sempre submetidas aos estímulos produzidos pela economia e
sociedade dominantes. Entretanto, em última instância, elas não estão determinadas por esta situa-
ção condicionante, e sim pelas forças internas que as compõem. É o caráter destas forças internas
que explica a sua situação dependente e também a sua capacidade de enfrentamento ou submissão
qual as demandas da nação dominante o suficientemente fortes para levar a uma
reorganização fundamental das economias dominadas, fazendo-as estruturalmente
dependentes. Por fim, para entender as estruturas das sociedades dependentes,
deve-se partir desta economia mundial. Somente através de seu entendimento po-
de-se explicar a sua história e a sua natureza
27
.
Celso Furtado, em obra publicada em 1969, reelaborada em 1975
28
, propõe
que a formação de uma “consciência latino-americana” é fenômeno relativamente
recente e decorre dos problemas colocados pelo desenvolvimento econômico e
social da região a partir da Segunda Guerra Mundial. A situação do comércio in-
ternacional que se seguiu à crise de 1929 teve conseqüências profundas para a
região. Os problemas surgidos a partir de então é que abriram caminho para a
formação de uma consciência latino-americana. É a partir da segunda metade dos
anos 50, quando a industrialização apoiada na substituição das importões come-
ça a evidenciar suas limitações, que abre-se, pela primeira vez, na América Latina,
uma discussão ampla em torno dos obstáculos criados ao desenvolvimento regio-
nal pela estreiteza dos mercados regionais. Para C. Furtado “essa discussão proje-
taria luz sobre as similitudes e contribuiria para formar uma consciência regio-
nal”
29
.
Logra fundamental importância para a formação dessa consciência regio-
nal a evolução das relações dos países latino-americanos com os Estados Unidos.
A presença de empresas norte-americanas em vários setores da economia latino-
americana criou vínculos de estreita dependência. A partir da Primeira Guerra
Mundial intensificou-se a penetração dos capitais norte-americanos na América
Latina, configurando-se uma “clara situação de dominação econômica do conjun-
to regional pelos Estados Unidos, o que vinha ampliar e aprofundar a tradicional
dominação política, institucionalizada no conjunto de órgãos pan-americanos
30
.
Essa institucionalização contribuía para consolidar o regime de tutela, mas tam-
bém para fazer surgir a tomada de consciência de que somente através de um es-
aos impulsos externos que as condicionam”. T. dos SANTOS, Evolução Histórica do Brasil, p.15-
16. Os itálicos são do próprio autor.
27
Cf. Ibid., p.16.
28
Trata-se da obra A Economia Latino-americana, que, na vero original de 1969, tinha como
título Formação econômica da América Latina. Segue-se aqui a 3ed. de 1986: C. FURTADO, A
economia latino-americana: formação histórica e problemas contemporâneos. 3ed. o Paulo:
Ed. Nacional, 1986.
29
Ibid., p.4.
30
Ibid., p.5. O grifo é de Celso Furtado.
treitamento dos vínculos latino-americanos é que se poderia modificar de forma
significativa as condições de diálogo com os Estados Unidos. É neste contexto
que Celso Furtado situa a criação da Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL), instituída em 1948 “contra forte oposiçãodos Estados Unidos
31
. Desta
forma, no contexto internacional, a América Latina deixa de ser uma expressão
geográfica para transformar-se em realidade histórica como decorrência da ruptura
do quadro tradicional de divisão internacional do trabalho, dos problemas criados
por uma industrialização tardia e da evolução de suas relações com os Estados
Unidos que, ao se transformarem em potência hegemônica no período após a Se-
gunda Guerra, conceberam para a região um estatuto próprio envolvendo um con-
trole mais direto e ostensivo, e, ao mesmo tempo, requerendo crescente coopera-
ção entre os países da América Latina
32
.
O problema que então surge diz respeito à busca de condições para um
desenvolvimento auto-sustentado e autônomo para a América Latina
33
. Oswaldo
Sunkel, com a colaboração de Pedro Paz, após uma longa descrição da situação da
América Latina no contexto internacional da crise do Liberalismo (1914-1950),
propõe a hipótese de que a partir de 1950, aproximadamente, inicia-se na América
Latina um novo período, diferente dos anteriores, devido, em parte, a transforma-
ções profundas no sistema de relações econômicas e políticas internacionais, isto
é, nas vinculações externas da América Latina, e, em parte, ao fato de as últimas
décadas anteriores a 1950 terem-se caracterizado, também, por importantes trans-
formações internas na estrutura econômica, social e política, tanto nos países in-
dustrializados como nos da periferia
34
. Neste novo período, o problema central diz
respeito à “necessidade imprescindível de uma estratégia deliberadade desen-
volvimento a longo prazo. Para Oswaldo Sunkel, a orientação do desenvolvimento
das economias latino-americanas esteve, desde o começo de seu desenvolvimento,
31
De acordo com Celso Furtado, os países latino-americanos foram amplamente utilizados pelos
Estados Unidos, nas Nações Unidas, como massa de manobra submissa nos anos da guerra fria.
No entanto, o disciplinado bloco latino-americano não tardaria a apresentar reivindicações pró-
prias, como no caso da criação da Comissão Ecomica para a América Latina (CEPAL), instituí-
da em 1948 contra forte oposição dos Estados Unidos. Instalando sua sede em Santiago do Chile,
em aberto contraste com os órgãos pan-americanos situados em Washington, a CEPAL viria a
desempenhar papel de relevo na formação da nova consciência latino-americana”. Celso
FURTADO, A economia latino-americana, p.5. Os grifos são de Celso Furtado.
32
Cf. Ibid., p.5.
33
Cf. a colocação das discussões teóricas sobre o problema em: Fernando Henrique CARDOSO e
Enzo FALETTO, Dependência e Desenvolvimento na América Latina, p. 9-15.
em razão de sua natureza dependente, influenciado ou determinado por condições
externas. Isso ocorreu no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, e
também, durante o processo de substituição das importações
35
. Este modelo che-
gou, nos países mais avaados da América Latina, a tropeçar em seus próprios
limites e não se vislumbram estímulos externos que possam determinar, novamen-
te, outra fase de crescimento induzido pelo exterior. Isso levou, no entender de
Oswaldo Sunkel, a que pela primeira vez na história da América Latina, os países
percebessem que estão no “extremo de um sendeiro do qual não se poderá sair a
não ser que se busquem novas estratégias de desenvolvimento adequadas às novas
condições e atendam, ainda, às aspirações dos principais grupos da comunidade
nacional. Por isso “a futura política de desenvolvimento latino-americano deverá
basear-se em uma formulação de estratégias que tendam, definitivamente, a ultra-
passar o modelo centro-periferia dentro do qual se desenvolve a economia expor-
tadora dependente e que parece ter chegado, em numerosos casos latino-
americanos, a uma crise de crescimento cuja superação nem sequer se vislum-
bra”
36
.
A partir das análises de Theotônio dos Santos, Celso Furtado e Oswaldo
Sunkel pode-se indicar alguns aspectos relevantes que precisam ser considerados
na interpretação da realidade social, política e econômica da América Latina. A
América Latina está inserida no quadro da expansão do capitalismo internacional.
desempenha o papel de economia subordinada aos interesses dos centros he-
gemônicos para os quais deve fornecer riquezas e lucro. Esta condição historica-
mente inibia as possibilidades de iniciar um processo autônomo de crescimento,
34
Cf. O. SUNKEL; P. PAZ, Um ensaio de interpretação do desenvolvimento latino-americano,
p.10.
35
Chama-se “processo de substituição das importações” o processo ocorrido na América Latina a
partir da crise ecomica de 1929 onde o colapso brusco da capacidade de importar, a contração
do setor exportador e a sua baixa de rentabilidade, a obstrução dos canais de financiamento inter-
nacional levaram a modificações no processo evolutivo das economias latino-americanas. A con-
tração do setor externo deu lugar a dois tipos de reação, em conformidade com o grau de diversifi-
cação alcançado pela economia em causa: a) retorno de fatores de produção ao setor pré-
capitalista, com agricultura de subsistência e artesanato, num processo de atrofiamento da econo-
mia monetária; b) expansão do setor industrial ligado ao mercado interno, num esforço de substitu-
ição total ou parcial de bens que anteriormente vinham sendo adquiridos do exterior. Esse segundo
caso é o que se denomina de “processo de substituição das importações”, o qual se define como
sendo o aumento da participação da produção industrial destinada ao mercado interno no produto
interno bruto em condições de declínio da participação das importações no produto. Para uma
descrição técnica do processo de “substituição das importõesconfira: C. FURTADO, A econo-
mia latino-americana, p.126-134; M.C. TAVARES, Da substituição de importações ao capitalis-
mo financeiro, principalmente p.29-59.
36
Oswaldo SUNKEL; Pedro PAZ, op. cit., p.151.
caracterizando a América Latina como formações sócio-econômicas estrutural-
mente dependentes e dominadas. Com a crise econômica de 1929 e, posteriormen-
te, com o rmino da Segunda Guerra Mundial, o quadro político e econômico
sofre transformações obrigando os países dominados a adequarem-se às necessi-
dades dos centros hegemônicos.
Esta adequação, ao mesmo tempo que acentuou o caráter dependente das
economias dominadas, abriu caminho para que estas, pela primeira vez, começas-
sem a buscar as condições para seu próprio desenvolvimento. Emerge, assim, a
partir da década de 50, uma consciência latino-americana ou consciência regional
cujo centro propulsor está na necessidade de pensar os caminhos para o desenvol-
vimento latino-americano. Nesse contexto surgem as interpretações da realidade
social, política, econômica e cultural latino-americanas que se abordarão a seguir.
B. A realidade social, política e econômica da América Latina: Dependência e
Subdesenvolvimento como chaves interpretativas
Fatores político-econômicos como a crise de 29 e suas conseqüências no
novo arranjo do comércio internacional, o fim da Segunda Guerra Mundial e suas
conseqüências econômicas e políticas, especialmente a polarização da guerra fria,
com a crescente hegemonia político-econômica dos Estados Unidos na economia
e política mundiais, possibilitaram que a América Latina dos fins da década de 40
em diante se colocasse, tanto em nível de parte de sua intelectualidade como de
parte de seus governos, diante do desafio do seu próprio desenvolvimento. O que
se denominou de desenvolvimentismo
37
é a primeira expressão de uma América
37
Segundo Paulo Sandroni, o desenvolvimentismo pode ser caracterizado como uma ideologia que
“identifica o fenômeno do desenvolvimento a um processo de industrialização, de aumento da
renda por habitante e da taxa de crescimento. Os capitais para impulsionar o processo são obtidos
junto às empresas locais, ao Estado e às empresas estrangeiras. As políticas ligadas ao desenvol-
vimentismo concentram sua atenção nas questões relativas à taxa de investimentos, ao financia-
mento externo e à mobilização da poupança interna. São menosprezadas pela teoria as questões
relativas à distribuição da renda, concentração regional da atividade ecomica, condições institu-
cionais, sociais, políticas e culturais que influem sobre o desenvolvimento. Ao fazê-lo, o desenvol-
vimentismo opõe-se à escola estruturalista originária da Comissão econômica para a América
Latina (Cepal), que o desenvolvimento como um processo de mudança estrutural global”. P.
SANDRONI, Novíssimo Dicionário de Economia, p.169. Para G. Mantega, o desenvolvimentismo
foi a “ideologia que mais diretamente influenciou a economia potica brasileira e também, de um
modo geral, todo o pensamento econômico latino-americano. Herdeiro direto da corrente keynesi-
ana que se opunha ao liberalismo neocssico, esse ideário empolgou boa parte da intelectualidade
latino-americana nos anos 40 e 50, e se constituiu na bandeira de luta de um conjunto heterogêneo
de forças sociais favoráveis à industrialização e à consolidação do desenvolvimento capitalista nos
países de ponta desse continente”. Segundo a proposta desenvolvimentista, para transformar os
países periféricos, em grande medida ainda agroexportadores, em nões desenvolvidas e com
maior autonomia, dizia essa doutrina, era preciso incrementar a participação do Estado na econo-
Latina que na teoria e na prática busca caminhos para seu pprio desenvolvimen-
to. No entanto, devido a uma interpretação reduzida ao aspecto econômico do
desenvolvimento
38
, a perspectiva desenvolvimentista desvanece na década de
50 por sua incapacidade de contribuir para um desenvolvimento econômico auto-
sustentado e autônomo para a América Latina
39
.
O pensamento da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) nos a-
nos 50
No esforço latino-americano pela busca de um desenvolvimento político e
econômico auto-sustentado e autônomo, a CEPAL, fundada em 1948, logra fun-
damental importância, tanto para os primeiros passos rumo ao desenvolvimento
propostos pelo desenvolvimentismo
40
, como pela percepção do fracasso desen-
volvimentista e pela emergência de novas leituras do desenvolvimen-
to/subdesenvolvimento e dependência
41
. Dada a importância da CEPAL e ao fato
de ser em seu meio que se gesta a corrente estruturalista de análise do desenvol-
vimento latino-americano, de fundamental importância para se compreender as
mia por meio do planejamento global, de modo a facilitar o advento da industrialização nacional.
O desenvolvimentismo não se limitou às fronteiras da produção teórica acadêmica, mas enveredou
para o campo da política econômica e do planejamento governamental, inspirando a formulação de
‘planos de desenvolvimento”. G. MANTEGA, A economia política brasileira, p.23.
38
Segundo P.C. Padis, acreditou-se profundamente que o aumento gradual do produto nacional,
assim como o crescimento da participação relativa do setor industrial nesse produto constituíam-se
nos indicadores mais seguros do desenvolvimento. Os sucessos evidentes alcançados nesse domí-
nio apenas reforçaram essa crença, o que teve por efeito a redução da problemática global do
desenvolvimento da sociedade ao seu simples aspecto econômico. Nesse processo manifestou-se,
então, um evidente desleixo, senão mesmo um certo desprezo, pela contribuição à análise dessas
transformações que poderiam dar as outras ciências sociais, especialmente a sociologia e a ciência
política. Tudo o que vinha desse lado era visto com certa desconfiança, como se fosse manifesta-
ção de radicalismos inadmissíveis. Consequentemente, as análises, tanto do processo de desenvol-
vimento, como das políticas econômicas adotadas pelos diferentes países, ignoravam quase sempre
aspectos importantes, dentre os quais devem ser ressaltados a estrutura de classes e o papel do
Estado”. P.C. PADIS (Org.), América Latina: Cinqüenta anos de industrialização, p.VIII. O grifo
é do autor desta pesquisa.
39
Cf. F.H. CARDOSO; E. FALETTO, Dependência e Desenvolvimento na América Latina, p.9-
15; Pedro Calil PADIS (Org.), op. cit., p.VII-X.
40
Para Guido Mantega, tanto a análise econômica como as “receitas de desenvolvimento” elabo-
radas pela CEPAL se constituíram na espinha dorsal do desenvolvimentismo. No campo teórico, a
CEPAL inaugurou uma interpretação original das relações entre os países capitalistas avançados e
os países latino-americanos. Na linha da política econômica e do planejamento, a CEPAL inspirou
a atuão de vários governos latino-americanos, fornecendo-lhes os principais ingredientes da
“ideologia desenvolvimentista” dos anos 50. Cf. Guido MANTEGA, op. cit., p.23-24.
41
P.C. Padis identifica um esforço crítico de fundamental importância realizado pela CEPAL,
onde sobressaem os nomes de R. Prebisch e C. Furtado. Segundo este autor, foi a partir da refle-
o destes autores que compreendeu-se que o subdesenvolvimento é um fenômeno histórico, ir-
mão gêmeo do próprio desenvolvimento. Isto é, o subdesenvolvimento seria resultado do processo
de industrialização desenvolvido pelo mundo capitalista a partir dos fins do século XVIII”. Pedro
Calil PADIS (Org.), op. cit., p.IX.
interpretações do subdesenvolvimento e dependências latino-americanas na gêne-
se e nascimento da Teologia da Libertação Latino-americana, faz-se necessário
abordar brevemente as linhas centrais do pensamento da CEPAL.
Na compreensão de Guido Mantega, a gênese da economia política latino-
americana passa, forçosamente”, pelo pensamento da CEPAL. Esta se constituiu
no marco teórico decisivo para a gestação das principais teses sobre o desenvol-
vimento ou subdesenvolvimento periférico que animaram a discussão teórica lati-
no-americana do pós-guerra. É importante perceber, segundo Guido Mantega, que
a CEPAL surge no final da década de 40, quando o pensamento latino-americano
ensaiava os primeiros passos para sua emancipação da “subserviência cultural
aos centros hegemônicos. Algumas nações latino-americanas buscavam, neste
período, afirmar-se como nações relativamente independentes e donas de seus
próprios destinos. Neste contexto a preocupação básica da CEPAL era a de expli-
car o atraso da América Latina em relação aos centros desenvolvidos e encontrar
as formas de superá-lo
42
.
Em fins da década de 40, a CEPAL sustentava que os países atrasados so-
friam inúmeras desvantagens no papel de meros fornecedores de produtos primá-
rios para o mercado internacional. O centro desenvolvido não estaria transferindo
seus aumentos de produtividade para a periferia atrasada e, além disto, estaria se
apropriando dos modestos incrementos de produtividade obtidos nesta última
43
.
Com este pensamento, a CEPAL, juntamente com Raul Prebisch, inauguram uma
nova interpretação do comércio internacional e do subdesenvolvimento
44
. Segun-
42
De acordo com Guido Mantega, a análise da CEPAL deste período enfocava, de um lado, as
peculiaridades da estrutura sócio-econômica dos países da “periferia”, ressaltando os entraves ao
“desenvolvimento econômico”, e, de outro lado, centrava-se nas transações comerciais entre os
parceiros ricos e pobres do sistema capitalista mundial que, ao invés de auxiliarem o desenvolvi-
mento da periferia, agiam no sentido de acentuar as disparidades. Desta maneira, segundo Guido
Mantega, a CEPAL questionava não apenas a divisão internacional do trabalho vigente no mundo
capitalista, como também criticava o destino atribuído aos países subdesenvolvidos pela Teoria
Clássica ou Neoclássica do Comércio Internacional que sustentava essa divisão. Cf. Guido
MANTEGA, A economia política brasileira, p.32-34.
43
Cf. neste sentido os dois trabalhos da CEPAL que se constituem em marco teórico decisivo do
pensamento da CEPAL: Raul PREBISCH, El desarrollo económico de América Latina y algunos
de sus principales problemas. Nova Yorque: CEPAL - Nões Unidas, 1950; CEPAL, Estudio
Económico de América Latina. Nova Iorque: CEPAL – Nações Unidas, 1951.
44
De acordo com a interpretação de Guido Mantega, para a CEPAL os países periféricos da Amé-
rica Latina estavam amarrados pela falta de dinamismo de suas estruturas produtivas, baseadas em
alguns produtos primários, com pouco desenvolvimento industrial e tecnogico, e teleguiadas
pelos mercados consumidores dos centros. Neste quadro “a falta de integração interna das econo-
mias periféricas, com intensa descontinuidade entre regiões mais avançadas e regiões bastante
atrasadas, tolhia-lhes a possibilidade de capitalizar e difundir os efeitos propulsores das modes-
tas melhorias de produtividade, enquanto os centros desenvolvidos, formados por estruturas produ-
do esta interpretação, as economias ditas periféricas, se deixadas ao sabor das li-
vres forças do mercado internacional, nunca serão capazes de sair do atoleiro do
subdesenvolvimento. Permanecerão economias essencialmente agrárias, voltadas
para o mercado externo, com baixo vel de integração e de expansão industrial,
com altas margens de desemprego, com problemas crescentes de balanço de pa-
gamentos que o grosso da demanda de bens industriais precisa ser atendida
com importações cada vez mais caras e, por fim, com a transferência para o ex-
terior do crescimento de produtividade
45
. Na compreensão da CEPAL, a saída
para esta situão residiria na implementação de uma potica de desenvolvimento
industrial dotada de medidas de intervenção estatal e de caráter nacionalista, po-
rém, com possibilidade de participão do capital estrangeiro na promoção da
industrializão ou do chamado desenvolvimento para dentro
46
.
Neste sentido, na expressão de Guido Mantega, a teoria cepaliana arquite-
tou um plano de transformações econômicas para a América Latina na base da
intervenção estatal em prol da industrialização e da valorização das atividades
voltadas para o mercado interno. Através destas medidas se modificaria a estrutu-
ra econômica da periferia, propiciando a elevação e a retenção da produtividade e,
finalmente, resultaria em alterações na estrutura social e política a partir da exten-
o dos benefícios do desenvolvimento para a maioria dos grupos sociais. No en-
tivas mais homogêneas e mais industrializadas, produzindo uma gama diversificada de produtos
principalmente para o mercado interno, desfrutavam de todo seu avanço e difusão tecnológica”. G.
MANTEGA, A economia política brasileira, p.36. Desta forma o “fosso” que separava os parcei-
ros ricos dos pobres tendia sempre mais a se acentuar. Isto porque nas transações comerciais entre
ambos o centro tirava vantagem de sua supremacia sobre a periferia, impondo preços cada vez
mais altos aos produtos industrializados que lhes exportava, enquanto importava produtos primá-
rios a preços baixos, ou a bom mercado. Isso tinha como resultado o fato que na relação de inter-
câmbio entre produtos primários e industrializados, os preços se inclinavam sempre em favor dos
últimos, provocando a deterioração dos termos de intercâmbio da periferia. Cf. Ibid., p.34-38.
45
Cf. Ibid., p.38-39.
46
Segundo Guido Mantega a CEPAL propunha que a industrialização seria o meio mais eficiente
para conseguir o aumento da renda nacional e da produtividade e com isso evitar-se-ia a deteriora-
ção dos temos de intercâmbio e, reter-se-iam os frutos do progresso técnico. Para promover essas
transformações, que deveriam resultar em economias nacionais sólidas e autônomas, com maiores
níveis de renda e de consumo para toda a população, a CEPAL sugeria uma decidida participação
do Estado na economia, enquanto principal promotor do desenvolvimento e responvel pelo pla-
nejamento das modificações que se faziam necessárias. Desta forma o Estado é tido como o centro
racionalizador da economia, com a incumbência de intervir até mesmo como agente ecomico
direto, provendo a necessária infra-estrutura para a expansão industrial e a canalização dos recur-
sos nacionais para as novas atividades prioritárias. Assim a maior intervenção estatal e o planeja-
mento significavam o fortalecimento das economias locais e um maior poder de barganha em face
aos banqueiros internacionais, que lucravam com a fraqueza e subdesenvolvimento periférico.
Desta forma a proposta da CEPAL adquire uma coloração nacionalista e de intervenção estatal,
que no entanto aceita a participação do capital estrangeiro como promotor do processo de indus-
trialização e de desenvolvimento nacional. Cf. Ibid., p.39-41.
tanto, ao longo dos anos 50, apesar da industrialização em curso, graças à imple-
mentação das relações de produção capitalista, os benefícios sociais postulados
pela CEPAL o se concretizaram. Pelo contrário, aumentava a concentração de
renda e as desigualdades sociais entre as populações latino-americanas. É nesse
contexto que se dão as “desilusões do desenvolvimentismo”
47
. Isso fez com que a
CEPAL repensasse suas teses e se preocupasse mais diretamente com os proble-
mas sociais e políticos
48
.
É importante para esta pesquisa ressaltar o núcleo destas desilusões do
desenvolvimentismo indicadas por Guido Mantega. É a partir da revisão deste
núcleo que nasce a corrente estruturalista de interpretação do subdesenvolvimento
e da dependência latino-americana a ser abordada adiante. Este núcleo reside na
restrição ao aspecto econômico do desenvolvimento latino-americano e no conse-
qüente descuido dos aspectos sociais e políticos imbricados em um desenvolvi-
mento autônomo e auto-sustentado
49
.
47
Para uma explanação daquilo que Guido Mantega define como desilusões do desenvolvimen-
tismoconfira: Guido MANTEGA, A economia política brasileira, p.41-48.
48
Guido Mantega propõe que a essa altura ficava claro que a CEPAL deixara de analisar com
maior profundidade a natureza das relações de classe do modo de produção capitalista que ela
própria receitara para a América Latina. revela-se a pouca atenção que vinha dedicando aos
aspectos sociais e políticos das transformações em marcha na América Latina, preocupando-se
quase exclusivamente com os seus aspectos econômicos. G. Mantega indica que houve uma “certa
ingenuidadeno pensamento da CEPAL neste aspecto. Para ele, ao postular o desenvolvimento
capitalista, a CEPAL pressupunha que essa forma de organização econômica traria benefícios
sociais gerais para os diversos grupos sociais. Faltou-lhe, porém, explanar o modo como se difun-
diria a riqueza e o bem-estar para a população, levando a crer que isso deveria efetivar-se de forma
automática e espontânea, como se fosse uma “decorrência inevitávelda industrialização, do au-
mento do emprego urbano e da produtividade que a acompanhariam. Cf. Ibid., p.41-42.
49
Guido Mantega chega a propor que, do ponto de vista “estritamente ecomico”, no caso do
Brasil, a estratégia da CEPAL deu certo, com o ps centrado num desenvolvimento para dentro”,
baseado no setor industrial e com razoável capacidade de autopropulsão. Porém, tudo isso o
modificara as condições sociais do grosso da população, que continuavam iguais ou até pioraram,
conforme começavam a assinalar os estudos da própria CEPAL feitos no início dos anos 60”.
Ibid., p.43. Ainda segundo Guido Mantega, o próprio Raul Prebisch reconhece textualmente a
incapacidade da industrialização dessa época de eliminar a miséria e as disparidades sociais, uma
vez que estas, nas palavras de Raul Prebisch, “iam se agravando, em lugar de diminuir”, evidenci-
ando a falta de análises políticas que apontassem tais contradições. Estas expressões de Raul Pre-
bisch encontram-se em: Octavio RODRIGUES, La Teoria del Sudesarrollo de la CEPAL, prólogo
de Raul Prebisch. México: Siglo Veintiuno, 1980, Citado em: Guido MANTEGA, op. cit., p.32 e
44, notas 12 e 28 respectivamente. Pedro Calil Padis chega a conclusão semelhante ao propor que
“a aplicação destas idéias (idéias desenvolvimentistas dos anos 50) acabou desembocando em
situações cuja dificuldade de solução é por vezes grande: um empobrecimento relativo da agricul-
tura, e consequentemente, da população rural; uma contínua e crescente concentração de renda em
favor das classes privilegiadas; um perigoso reforço dos laços de dependência técnica e financeira;
a submiso política às decisões tomadas pelos países econômica e militarmente dominantes e, o
que talvez seja mais assustador, a generalização de regimes ditatoriais militares e/ou civis na
grande maioria dos países ditos subdesenvolvidos”. Pedro Calil PADIS (Org.), América Latina:
Cinqüenta anos de industrialização, p.X.
Por fim, como propõe Guido Mantega, a despeito de todas as ressalvas e
críticas que possam ser feitas e que de fato foram feitas pelas correntes cepalianas
posteriores a este primeiro peodo de pensamento da CEPAL, é preciso reconhe-
cer-lhe o mérito de ter dado forte impulso para a análise da dinâmica interna dos
países latino-americanos, tidos não mais como “meros apêndices do imperialismo,
mas dotados de capacidade autopropulsora a partir, principalmente, de suas condi-
ções internas”
50
. Desta forma o pensamento da CEPAL deste primeiro período
teve significativo papel e importância na gestão da economia latino-americana.
Ela surge como intérprete de uma combinação de forças sociais que lutavam para
a consolidação dos países latino-americanos
51
.
Subdesenvolvimento e dependência latino-americanos segundo a corrente estru-
turalista dos anos 60
Raimar Richers, professor-fundador da Escola de Administração de Em-
presas da Fundação Getúlio Vargas, em sua obra Rumos da América Latina: de-
senvolvimento econômico e mudança social
52
propõe a existência, na América
Latina dos anos 60 em diante, da “escola estruturalista”
53
, cujo centro de unidade
50
Guido MANTEGA, A economia política brasileira, p.47.
51
Neste sentido, segundo Guido Mantega, a CEPAL ajudou a fornecer uma ideologia daafirma-
ção nacional” e a traduzi-la em estratégias ou planos de desenvolvimento que foram praticados por
diversos países da América Latina e especialmente pelo Brasil. Cf. Ibid., p.46-48.
52
Raimar RICHERS, Rumos da América Latina: desenvolvimento econômico e mudança social.
o Paulo: Editora Edgard Blücher – USP, 1975.
53
Raimar Richers situa as origens do pensamento estruturalista na insatisfação com o status quo da
condição latino-americana. Esta insatisfação, porém, não surgiu repentinamente como um protesto
organizado e nem como um fenômeno novo no pensamento de parte da elite intelectual latino-
americana. Ela é antes um fenômeno histórico que teve algumas fases. Recorrendo à obra de A.O.
HIRSCHMAN, Ideologies of Economic Development in Latin America. In: A.O. HIRSCHMAN
(Coord.), Latin American Issues, Essays and Comments. New York: The Twentieth Century Fund,
1961 (sem indicações de paginação), Raimar Richers propõe que essas fases abrangem: primeiro,
a era da “auto-incriminação” que durou da época da independência até a Primeira Guerra Mundial;
segundo, a era do “antiimperialismoque surgiu desde então e que, a partir de 1949, é caracteriza-
da pela “imperiosa posiçãoda CEPAL. As linhas mestras desta posição foram traçadas por Raul
Prebisch no primeiro manifesto” da CEPAL, publicado em 1950, intitulado O desenvolvimento
da América Latina e seus principais problemas. O original é: Raul PREBISCH, The economic
development of Latin America and its principal problems. New York: ECLA-UN, 1950. Foi a
partir deste documento que oinconformismo” latino-americano procurou solidificar a sua posição
científica através de uma análise e argumentação ecomica, que gira em torno da seguinte iia
central: a aplicação do pensamento clássico sobre o livre intercâmbio entre as nações desfavorece
a América Latina, sobretudo por duas razões: primeiro, pela tendência secular decrescente das
relações de troca entre o “centro” e a “periferia”, e, segundo, pela crescente “assimetria” na evolu-
ção dos coeficientes de importação, ou seja: com o aumento da renda nos centros, a proporção da
renda destinada à importação de bens primários diminui, enquanto que, na periferia, a demanda
por produtos básicos para a industrialização cresce com o aumento da população e a melhoria do
seu nível de vida. A conseqüência disso é inevitavelmente o desequilíbrio crônico dos balanços de
pagamento, o endividamento externo e a dependência econômica. Segundo Raimar Richers, para
conter, e possivelmente reverter esse ciclo a CEPAL se bateu pelo protecionismo, a programação
seria “a convicção de que a América Latina está fatalmente condenada a uma
crescente dependência dos países mais avançados, por motivos que se prendem
em parte ao seu destino histórico de subjugação, em parte também à impossibili-
dade de desvincular-se de seus vultosos compromissos atuais”
54
. No capítulo
quinto de sua obra, este autor propõe-se descrever um quadro sintético das princi-
pais idéias e preocupações desta escola, sob um enfoque que abrange aspectos
econômicos, sociais, políticos e culturais da visão de dependência da escola estru-
turalista
55
. Seguindo-se a obra de Raimar Richers, propor-se-ão, a seguir, os prin-
cipais núcleos da interpretação da dependência segundo a escola estruturalista.
Para a escola estruturalista, o subdesenvolvimento latino-americano é re-
sultado direto da dependência econômica, social, política e cultural. Para Raimar
Richers o nascimento das teses da dependênciaestá associado à confluência de
dois tipos de insatisfação que se apoderaram de um grupo de intelectuais latino-
americanos. Por um lado, está a preocupação com uma constante que parece a-
companhar a história da América Latina com a tendência de se agravar ao longo
dos séculos e que se traduz em uma “sucessão de nculos de toda sorte que nos
prende a nações e culturas mais poderosas”
56
. E, por outro lado, está a incapacida-
de da “teoria ortodoxa do desenvolvimento” de explicar esses vínculos como pos-
síveis causas do crescimento desproporcional entre os países chamados desenvol-
vidos e subdesenvolvidos
57
.
do desenvolvimento setorial, a industrialização, e o estímulo dos mercados setoriais. Esses aspec-
tos, bem como a filosofia” da CEPAL, deu margem a muitas controvérsias, analisadas em rias
publicações. Cf. R. RICHERS, Rumos da América Latina: desenvolvimento econômico e mudança
social, p.115. Nesta mesma página encontram-se as fontes bibliográficas que sustentam as afirma-
ções de R. Richers.
54
Ibid., p.109.
55
Cf. Ibid., p.109-129. Grande parte dos autores retratados por R. Richers também são abordados,
só que na perspectiva do caso brasileiro, por G. Mantega. Cf. G. MANTEGA, A economia política
brasileira, p.210-283.
56
Cf. Raimar RICHERS, op. cit., p.112.
57
Para Raimar Richers, este segundo aspecto que está na origem das Teorias da Dependência
evidencia-se nas expressões de Fernando H. Cardoso e Francisco C. Weffort, que afirmam em
1970 que “as dificuldades atuais das teorias do desenvolvimento não são apenas teóricas. Se é um
fato que uma Sociologia de desenvolvimento requer a viabilidade do desenvolvimento como práti-
ca social, fato também é que a crise dessa necessariamente leva consigo a crise de sua teoria”
(p.27). Diante da duplicidade de uma crise simultaneamente prática” e “teórica”, os dois autores
advogam uma abordagem do subdesenvolvimento que “ultrapassa a camada da ideologia cientifi-
cista para atingir a proposição de conceitos que permitam redefinir de modo radical as teorias
existentes, seja a proposição, ainda mais radical, de uma nova problemática...” (p.29). Contudo,
segundo Raimar Richers, os autores insistem que, com isto, não pretendem substituir as teorias do
desenvolvimento vigentes, mas sim “recolocar, à luz de uma perspectiva teórica nova, todo um
conjunto de problemas (...) para procurar explicar mais que descrever, determinar estruturalmente,
mais que prever instrumentalmente, compreender historicamente, mais que elucidar funcionalmen-
De acordo com Raimar Richers uma definição objetiva e técnica do que
consiste a dependência vem proposta por Theotônio dos Santos. Este autor enten-
de por dependência “uma situação em que a economia de certos países é condi-
cionada pelo desenvolvimento e a expansão de uma outra economia à qual a pri-
meira está subordinada. A relação de interdependência entre duas ou mais econo-
mias e entre estas e o comércio mundial atinge a forma de dependência quando
alguns países (os dominantes) podem se expandir e ser auto-suficientes, enquanto
que outros países (os dependentes) podem fazer isso como reflexo daquela ex-
pansão, o que pode provocar um efeito ou positivo ou negativo sobre o seu desen-
volvimento imediato
58
. Outra definição, com tendência para a “ideologia mar-
xista” segundo Raimar Richers, é proposta por C. Bettelheim. Para este autor
dois níveis de dependência: o político e o econômico, sendo o segundo, geralmen-
te, conseqüência do primeiro, pois “os vínculos de subordinação política servem
para tecer os vínculos de dependência econômica que lhes sobrevivem (...) (como)
no caso (...) de numerosos países da América Latina que são economicamente
dependentes dos Estados Unidos em razão da fraqueza de sua situão econômica
quando do seu acesso à independência política. É essa fraqueza, conseqüência da
situação colonial anterior, que os fez cair na dependência econômica dos Estados
Unidos”
59
. Em sua crítica a esta definição de C. Bettelheim, Raimar Richers pro-
põe que nela um “núcleo de verdade”, mas a maneira “simplória” com que es-
sas afirmações o colocadas cria uma falsa imagem sobre o processo hisrico,
que, na interpretação dos próprios representantes da escola estruturalista, envolve
uma multiplicidade de fatores
60
.
te, as formas possíveis de mudança e de negação das relações de dependência” (p.33). Estas afir-
mações de F.H. Cardoso e F.C. Weffort encontram-se citadas em: Cf. R. RICHERS, Rumos da
América Latina: desenvolvimento econômico e mudança social, p.112-113, e são extraídas da
obra: F.H. CARDOSO; F.C. WEFFORT, Ciencia y consciencia social. Em: F.H. CARDOSO; F.C.
WEFFORT (coord.), Arica Latina: Ensayos de interpretación sociológico-política. Santiago do
Chile: Editorial Universitaria, 1970. A paginação encontra-se citada junto ao pprio texto.
58
T. dos SANTOS, The structure of dependence. In: AMERICAN ECONOMIC REVIEW Vol.
LX, n.2(5) (1970) p.231. O texto reproduzido encontra-se em: Raimar RICHERS, op. cit., p.113.
59
As expressões de C. Bettelheim encontram-se na obra de Raimar Richers, p.115 e são da tradu-
ção para o português publicada pela Zahar editores, 1968, p.38 da obra: C. BETTELHEIM, Plani-
fication et croissance accelerée. Paris: François Maspero, 1965.
60
R. Richers fundamenta essa sua crítica indicando outros autores da própria escola estruturalista
que estão atentos a esta multiplicidade de fatores: P.G. CASANOVA, Sociología de la Explotaci-
ón. xico: Siglo XXI, 1969; Id., Sociedad plural, colonialismo interno y desarrollo. Em: FH.
CARDOSO; F.C. WEFFORT (coord.), América Latina: Ensayos de interpretacn sociológico-
política. Santiago do Chile: Editorial Universitaria, 1970, sem indicação da paginação; F.H.
CARDOSO, Política e desenvolvimento em sociedades dependentes. Rio de Janeiro: Zahar Edito-
res, 1971; C. FURTADO, Teoria e Política do desenvolvimento econômico. o Paulo: Compa-
A escola estruturalista, segundo Hélio Jaguaribe, representa um esforço de
uma “nova intelligentsiapara analisar a situação da América Latina. Esta nova
perspectiva caracteriza-se pela preocupação central em alcançar uma compreensão
cientificamente segura da realidade latino-americana e, ao mesmo tempo, buscar
uma nova práxis que possa conduzir, coerente e realisticamente ao desenvolvi-
mento cio-econômico da América Latina e ao desenvolvimento pessoal do ser
humano latino-americano
61
. Para R. Richers, a perspectiva de H. Jaguaribe indica
o âmbito em que se movimenta o pensamento crítico das elites intelectuais latino-
americanas do período, entre as quais os estruturalistas ocupam posição de lide-
rança. Esta liderança provém de um fator singular, segundo Raimar Richers: “os
estruturalistas foram os únicos que, até agora, souberam dar uma interpretação à
problemática do subdesenvolvimento latino-americano, ao mesmo tempo bastante
coesa e conciliável com a mentalidade e o passado histórico do hemisfério
62
.
O ponto focal da preocupação dos estruturalistas é a dependência econô-
mica, social e política que vincula os países latino-americanos a uma estrutura
capitalista internacional dominante e que impede a sua emancipação e impossibili-
ta o seu crescimento autônomo
63
. Ao se afirmar isso é preciso buscar, seguindo os
argumentos da escola estruturalista, os motivos e as formas históricas e contempo-
râneas prevalecentes do processo de dependência.
nhia Editora Nacional, 1967; Id., Formação econômica da América Latina. Rio de Janeiro: LIA
Editor, 1969. Utiliza-se nesta pesquisa a versão desta obra revisada em 1975, em sua 3ed., a saber:
C. FURTADO, A economia latino-americana: formação histórica e problemas contemporâneos.
3ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1986; A. PINTO, Política y desarrollo. Santiago de
Chile: Editorial Universitaria, 1968; O. SUNKEL; P. PAZ, El Subdesarrollo Latino Americano y
la Teoria del Desarrollo. xico/Argentina/Espanha: Siglo Veintiuno, 1970; O. SUNKEL,
Capitalismo transnacional y desintegración nacional en América Latina. Em: EL TRIMESTRE
ECONOMICO Vol. XXXVIII (2) (1970) n.150(4/6), sem indicações de paginação.
61
Cf. Hélio JAGUARIBE, Problemas do desenvolvimento latino-americano. Estudos de Política.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p.134-137.
62
R. RICHERS, Rumos da América Latina: desenvolvimento econômico e mudança social, p.115.
63
Segundo Raimar Richers, os membros da escola estruturalista podem ser divididos, a grosso
modo, em duas classes: os economistas e os sociólogos (e politólogos). “Os primeiros costumam
enfocar o problema da dependência sob seus aspectos mais técnicos, tais como as suas repercus-
sões na estrutura produtiva, no mercado doméstico e internacional, nos padrões de renda e de sua
distribuição, sobre o balanço de pagamentos e sobre as funções do Estado. Os sociólogos, por sua
vez, preferem encarar a questão sob seus ângulos históricos, sociais, políticos e culturais. Mas
sempre há um ponto em comum para os dois grupos: a fatalidade dos vínculos de dependência que
prendem todos os PMDs (Países Menos Desenvolvidos) ligados ao Mundo Ocidental, ao sistema
capitalista. Por conseguinte, qualquer interpretão coordenada dos parâmetros de um sistema de
dependência deve começar e terminar por explicar a natureza desses vínculos”. Ibid., p.120. Entre
as tentativas que visam esse objetivo Raimar Richers cita: O. SUNKEL, Capitalismo transnacio-
nal e desintegración nacional em América Latina. Em: EL TRIMESTRE ECONOMICO Vol.
XXXVIII (2) n. 150 (4/6) (1970), sem indicação de paginas; C. FURTADO, Análise do ‘modelo’
brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. Cf. R. RICHERS, op. cit., p.120-124.
Quanto aos motivos, o ponto de convergência dos intelectuais da escola
estruturalista é a noção de que os destinos dos países subdesenvolvidos estão as-
sociados aos poderes dominantes dos países desenvolvidos
64
. Neste contexto his-
tórico e estrutural podem-se distinguir dois pólos: de um lado, os países dominan-
tes ou núcleos hegemônicos, do outro lado, os países dependentes ou periféricos.
Uma das características fundamentais da relação entre ambos é o desenvolvimento
dos centros à custa das periferias. Isso graças a um mecanismo internacional que
esbaseado no controle monopolístico do mercado, capaz de conduzir a transfe-
rência dos excedentes gerados nos países dependentes aos países dominantes atra-
vés da exportação de lucros e juros de empréstimos e investimentos estrangeiros
65
.
Essa extração unilateral de recursos líquidos faz com que os países domi-
nados não só se endividem cada vez mais como faz também com que enfraque-
çam a estrutura interna no sentido de limitar o desenvolvimento de seu mercado
interno e de sua capacidade técnica e cultural, bem como a saúde moral e física de
sua população. Isso resulta na constante reprodução do atraso, da miria e da
marginalização social
66
. Desta forma as forças hegemônicas dos centros “sugam”
e controlam o limitado poder das periferias, criando um processo irreversível para
os países subdesenvolvidos, em que o “subdesenvolvimento, marginalidade e de-
pendência são três aspectos, manifestações ou conseqüências do processo geral de
evolução do sistema capitalista internacional”
67
. Este processo terá então como
resultado a concluo de que as metrópoles tendem a desenvolver-se enquanto os
salites a subdesenvolver-se. Com isso não haverá etapas de desenvolvimento,
64
Theotônio dos Santos, neste sentido, afirma que “tentativas de analisar o atraso como falha de
adaptação de modelos mais avançados de produção ou de modernização nada mais são do que
ideologia disfarçada em ciência (...). Na realidade, podemos entender o que está acontecendo
nos países subdesenvolvidos quando vemos que eles se desenvolvem dentro do contexto de um
processo de produção e reprodução dependente”. T. dos SANTOS, The structure of dependence.
In: AMERICAN ECONOMIC REVIEW Vol. LX, n.2(5) (1970) p.235. O texto reproduzido en-
contra-se em: R. RICHERS, op. cit., p.117. Na mesma linha que T. dos Santos, A. Quijano propõe
que as sociedades nacionais latino-americanas com a recente exceção de Cuba pertencem
indubitavelmente, e em seu conjunto, ao sistema de relações de interdependência formado pelos
países capitalistas e, dentro disso, ocupam uma situação de dependência (...). Não é possível, por
conseguinte, explicar adequadamente o processo conjunto de mudança na América Latina nem
nenhuma de suas dimensões significativas à margem desta situação histórica”. A. QUIJANO,
Dependencia, cambio social y urbanización. Em: F.H. CARDOSO; F.C. WEFFORT (coord.),
América Latina: Ensayos de interpretación sociológico-política. p.93.
65
Cf. Theotônio dos SANTOS, op. cit., p.231.
66
Ibid., p.231-235.
67
O. SUNKEL, Capitalismo transnacional e desintegración nacional em América Latina. Em: EL
TRIMESTRE ECONOMICO Vol. XXXVIII (2) n. 150 (4/6) (1970) p.587. O texto é citado por: R.
RICHERS, Rumos da América Latina: desenvolvimento econômico e mudança social, p.117.
como as apregoadas por Walt W. Rostow
68
, apenas haverá maior ou menor grau
de dependência. E quando houver desenvolvimento nas periferias, esse será de-
terminado por padrões internacionais e controlado por instituições do centro, cu-
jos sustentáculos se estendem a as periferias. Essas são as empresas multinacio-
nais que aceleram o processo de vinculação irreversível dos países subdesenvolvi-
dos ao sistema capitalista internacional
69
.
Quanto às formas históricas e contemporâneas prevalecentes do processo
de dependência, a escola estruturalista propõe que o fenômeno da dependência é
de longa data, embora seus traços predominantes mudem ao longo do tempo. Suas
origens estão na época colonial, onde, sob a égide dos princípios mercantilistas, as
colônias da América Latina foram sistematicamente vilipendiadas pelas metrópo-
les européias
70
. Essa política de esvaziamento econômico, social e humano dos
centros hegemônicos sobre as novas nações latino-americanas marcaram-nas de
tal forma que, as as independências, essas novas nações foram incapazes de
aproveitar-se das formas do liberalismo e da Revolução Industrial. Pelo contrário,
para a América Latina, essas forças constituíam um ônus por gerarem novos tipos
de vínculos de dependência, agora associados ao capital ou à criação de novos
pólos de comando que detinham o controle dos fluxos financeiros; que orientavam
as transfencias internacionais de capitais; que financiavam estoques estratégicos
de produtos exportáveis e que interferiam nos preços. Evidentemente este proces-
so criava graves dificuldades para as economias latino-americanas
71
.
Pode-se, assim, constatar duas constantes numa longa sucessão de eventos
que vinculam os povos latino-americanos, desde a primeira colonização, aos sis-
temas hegemônicos externos. A primeira diz respeito ao monopólio explorador
68
Walt W. Rostow é um economista norte-americano que aborda o problema do desenvolvimento.
Sua tese é que as sociedades atravessam cinco etapas de evolução econômica: 1. A etapa da eco-
nomia tradicional; 2. As pré-condições para a arrancada desenvolvimentista; 3. A participação no
processo de desenvolvimento, quando o crescimento se torna um dado normal do quadro econômi-
co; 4. A idade madura, quando uma economia está em condições de utilizar todas as potencialida-
des da tecnologia dispovel; 5. A etapa de desenvolvimento pleno, que coincide com um elevado
consumo de massa. Cf. W.W. ROSTOW, The Stages of Economic Growth. A non-comunist Mani-
festo. Cambridge: University Press, 1959. Para uma análise do pensamento deste autor confira: H.
DENIS, História do Pensamento Econômico. Lisboa: Livros Horizonte, 2000, p.741-745.
69
Cf. A.G. FRNK, Desenvolvimento do subdesenvolvimento latino-americano. Em: Luiz
PEREIRA (Org. e Introd.). Urbanização e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1969, p.25-39. O original encontra-se em: The Development of Underdevelopment. In:
MONTHLY REVIEW Vol. 18, n. 5 (9) (1966).
70
Segundo R. Richers, “criou-se uma infra-estrutura econômica fgil e totalmente voltada à ex-
portação no sentido do aproveitamento máximo dos recursos naturais disponíveis com um mínimo
de investimentos”. Raimar RICHERS, op. cit., p.119.
mineiro e agropastoril voltado para o comércio de exportação. A segunda, diz
respeito ao mecanismo controlador de grupos financeiros que investem na produ-
ção de matérias-primas e produtos primários na medida e através dos métodos e
meios que servem aos seus interesses vinculados exclusivamente aos mercados de
consumo da Europa primeiramente, e mais tarde, também dos Estados Unidos.
Segundo os estruturalistas, essas duas constantes permanecem ativas pelos séculos
da história latino-americana e estão vivas também no século XX. No entanto, no
culo XX, recebem o complemento de um terceiro fator que se impõe sobretudo
a partir do fim da Segunda Guerra. Trata-se do impacto expansionista das empre-
sas multinacionais. Nesse novo modelo da economia internacional, a vinculação
das economias periféricas ao mercado internacional se dá pelo estabelecimento de
laços entre o centro e a periferia que não se limitam apenas, como antes, ao siste-
ma de importações-exportações. “Agora as ligações se dão também através de
investimentos industriais diretos feitos pelas economias centrais nos novos mer-
cados nacionais”
72
.
As Teorias da Dependência como chave de interpretação da realidade social,
política, econômica e cultural da América Latina
Os debates sobre o desenvolvimento latino-americano que tiveram lugar
desde a fundação da CEPAL em 1948 e se intensificaram com o que se denomi-
nou crise e fracasso da perspectiva desenvolvimentista, primeira tentativa de via-
bilizar o desenvolvimento a partir e para a América Latina, possibilitaram que a
partir dos anos 60
73
, com o incremento dos aspectos políticos, sociais e culturais à
questão do desenvolvimento/subdesenvolvimento econômico, ganhassem espaço
e emergissem, junto a cientistas políticos, economistas e sociólogos, as chamadas
Teorias da Dependência.
Essas teorias são fruto do debate teórico travado dentro da escola estrutu-
ralista de análise do desenvolvimento, subdesenvolvimento e dependência latino-
71
Cf. C. FURTADO, Formação Econômica da América Latina, p.221-222.
72
F.H. CARDOSO; E. FALETTO, Dependência e desenvolvimento na América Latina, p.125.
73
A intensificação deste debate resultou na emergência de uma multiplicidade de análises tricas
e práticas do desenvolvimento, subdesenvolvimento e dependência latino-americanos que cobrem
o período histórico entre o início da década de 60 e meados da década de 70. Entre os principais
autores deste debate estão: Celso Furtado, Raul Prebisch, Anibal Quijano, Anibal Pinto, Andrew
G. Frank, Pablo González Casanova, Hélio Jaguaribe, Octavio Ianni, Theotônio dos Santos, Fer-
nando Henrique Cardoso, Enzo Faletto, Oswaldo Sunkel, Pedro Paz, Paul Singer, Luiz Carlos
Bresser Pereira, Luiz Pereira, Francisco C. Weffort, Florestan Fernandes e vários outros. Cf. a
americanos, como acima já se retratou, inclusive fazendo referência às linhas
principais deste debate. Importa agora, contudo, indicar os pontos comuns destas
teorias e evidenciar que elas se tornam a chave de interpretação da realidade soci-
al, política, econômica e cultural da América Latina a partir dos anos 60 junto a
muitos intelectuais latino-americanos, inclusive junto a boa parte dos teólogos
comprometidos com as transformações sociais, econômicas, políticas e culturais
em curso na América Latina. Pode-se afirmar que elas tornam-se, mesmo em sua
diversidade, a chave de interpretação predominante.
As teorias da dependência surgiram nos anos 60, na América Latina, como
projeto crítico de oposição às teorias desenvolvimentistas. Desdobraram-se em
uma multiplicidade de princípios que evidenciam duas tendências: por um lado
uma tendência básica “nacionalista-evolucionista” e, por outro, uma tendência
“marxista-revolucionária”
74
. A principal distinção entre as tendências está na ma-
neira como são abordadas as possibilidades do desenvolvimento latino-
americano
75
. Enquanto a segunda escola propõe que é inviável um desenvolvi-
mento dentro do sistema capitalista internacional, e por isso, propõe a revolução
bibliografia final. Sobre a presença de sociólogos, economistas e cientistas políticos brasileiros
neste debate confira: Octavio IANNI, Sociologia e Sociedade no Brasil, p.57-63.
74
A nomenclatura “nacionalista-evolucionista” e marxista-revolucionária” é de Johannes Müller
e encontra-se em: J. MÜLLER, Dependência, Teoria da Dependência. Em: G. ENDERLE et alii
(eds.), Dicionário de ética econômica, p.142-145. Os termos indicados encontram-se à pagina 142.
75
Estas duas tendências aparecem nas proposições de Guido Mantega que, ao abordar a tese de
Andrew G. Frank sobre o “desenvolvimento do subdesenvolvimento” denomina-a de “estagnacio-
nista” pois não possibilidades de os países subdesenvolvidos e dependentes saírem de seu sub-
desenvolvimento, alcançando apenas, na melhor das hipóteses, o “desenvolvimento do subdesen-
volvimento”. Resta, então, para os países subdesenvolvidos, o caminho da revolução como a única
alternativa vvel para se alcançar um desenvolvimento autônomo e sustentável. Cf. neste sentido a
obra: Andrew G. FRANK, Capitalism and underdevelopment in Latin America. American Histori-
cal Studies of Chile and Brazil. Monthly Review Press, 1967. versão portuguesa, resumida
desta obra em: Andrew G. FRANK, Desenvolvimento do subdesenvolvimento. Em: Luis
PEREIRA (Introd. e org.), Urbanização e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1969, p.25-39. Por outro lado, as teses, por exemplo, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Fa-
letto, Anibal Quijano, Oswaldo Sunkel, propõem a possibilidade de se alcançarem níveis de de-
senvolvimento satisfatórios dentro do capitalismo peririco. Segundo Guido Mantega, “à medida
que as teses de Frank e de outros autores estagnacionistas colidiam com a expansão da acumulação
e com as transformões políticas verificadas principalmente nos anos 50 e 60 em vários países da
chamada periferia, surgem, no cenário teórico latino-americano, novas interpretações que, sem
formar propriamente uma nova corrente teórica (...), acreditavam na viabilidade de um desenvol-
vimento capitalista dependente no Brasil e principais países do continente latino-americano. Trata-
se dos artífices da Teoria da Dependência, dentre os quais destacam-se Fernando H. Cardoso, Enzo
Faletto, Anibal Quijano, Oswaldo Sunkel, Anibal Pinto, Armando Cordova, Alonso Aguilar e
outros, responsáveis por um novo filão teórico a ser explorado a partir da segunda metade da déca-
da de 60, que seria decisivo para a superação das teses estagnacionistas”. Guido MANTEGA, A
economia política brasileira, p.226. O grifo é do autor desta pesquisa.
socialista como o caminho que resta, a primeira não concorda com esta tese e a-
credita no desenvolvimento dentro do sistema capitalista internacional
76
.
Apesar das diferenças e variações entre elas, as teorias da dependência
contêm algumas teses básicas comuns. Johannes Müller propõe as seguintes: Pri-
meiro, que sob o ponto de visto histórico existe um processo de desenvolvi-
mento, porém este é assimétrico. Traz prosperidade para os países industrializa-
dos, desenvolvidos e dominantes e, em contraposição, redunda em subdesenvol-
vimento e em “deformação social” para os países periféricos ou dependentes. Se-
gundo, em conseqüência disso é o Terceiro Mundo (periferia) estruturalmente
dependente dos países industrializados (centro). Isso ocorre principalmente sob o
ponto de vista econômico. Neste processo, as burguesias nacionais são mplices
do capitalismo dominante, cujo reverso é um capitalismo periférico inferior e de-
terminado de fora. Terceiro, as relações centro-periferia configuram-se como rela-
ções de exploração pois um constante escoamento do produto econômico da
periferia (especialmente através das multinacionais). Isso constitui-se em troca
desigual que favorece os países dominantes em prejzo dos dominados. Quarto,
esse processo leva a uma heterogeneidade estrutural na periferia. Isso produz uma
“superposição e justaposiçãode formas de produção e de estruturas sociais feu-
dais, pré-capitalistas e capitalistas que têm como resultado a desintegração nacio-
76
A título de exemplo pode-se elencar como representantes dos que acreditam no desenvolvimento
latino-americano dentro do capitalismo internacional: C. FURTADO, Subdesenvolvimento e es-
tagnação na Arica Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966; Id., O mito do desen-
volvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974; F.H. CARDOSO; E. FALETTO, De-
pendência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970; M.C.
TAVARES, Da substituição das importações ao capitalismo financeiro. 3ed. Rio de Janeiro,
1974; A. PINTO, Distribuição de renda na América Latina e desenvolvimento. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1973; O. SUNKEL; P. PAZ, El subdesarrollo latinoamaricano y la teoría del
desarrollo: Ensayos de interpretación histórico-estructural. México: Siglo XXI Editores, 1970.
Essa obra é composta em quatro partes distintas que foram traduzidas para o português separada-
mente. Já a tese contrária é defendida, por exemplo, por: T. dos SANTOS, Dependência y cambio
social. Santiago do Chile: Cesa, 1970; Id., Imperialismo y dependencia externa. Santiago do Chile:
Cesa, 1968; Id., Lucha de clases y dependencia en América Latina. Bogo-Medellín: La Oveja
Negra, 1970; Rui M. MARINI, Sudesarrollo y revolución. México: Siglo Veintiuno, 1969; Id.,
Dialéctica de la dependencia. México: Editora Era, 1973; Andrew G. FRANK, Capitalismo y
subdesarrollo en Arica Latina. Buenos Aires: Ediciones Signos, 1970; Id., Capitalism and
underdevelopment in Latin America. American Historical Studies of Chile and Brazil. Monthly
Review Press, 1967. versão portuguesa, resumida desta obra em: A.G. FRANK, Desenvolvi-
mento do subdesenvolvimento. Em: Luis PEREIRA (Introd. e org.), Urbanização e subdesenvol-
vimento, p.25-39. Segundo Nota que se encontra nesta última obra, à pagina 25, o original deste
texto é: The Development of Underdevelopment. In: MONTHLY REVIEW Vol. 18, n.5 (Setembro
de 1966), sem indicações de paginação. Contribuições significativas para compreender as teses
destas duas tendências das teorias da dependência podem ser verificadas em: G. MANTEGA, op.
cit., especialmente os capítulos 2 e 5: O modelo de substituição das importações, p.77-133 e O
modelo de subdesenvolvimento capitalista, p.210-283 respectivamente.
nal. Quinto, nesse quadro são discutíveis as possibilidades de um desenvolvimen-
to dependente e, respectivamente, é discutível a necessidade de rompimento com
o sistema econômico mundial, bem como a extensão do espaço internacional de
ação e decisão para um Estado nacional forte
77
.
Essas teses estarão presentes e orientação grande parte do debate sobre o
desenvolvimento/subdesenvolvimento da América Latina a partir de meados dos
anos 60. E já em meados da década de 70, teóricos destas teorias passaram por um
esforço crítico de revisão de suas posições
78
. Isso, no entanto, o lhes tira a cate-
goria de terem se tornado chaves de leitura predominantes para a interpretação da
realidade social, política, econômica e cultural da América Latina dos anos 60 e
70. Daí a importância que estas teorias tiveram nas análises da sociedade, econo-
mia, política e cultura latino-americanas junto aos teólogos que mais contribuíram
para a gênese e nascimento da Teologia da Libertação latino-americana.
C. Os frutos sociais, políticos e econômicos da dependência e subdesenvolvi-
mento latino-americanos
Os cientistas políticos, economistas e sociólogos dos anos 60 e 70 que ana-
lisam a dependência e o subdesenvolvimento latino-americanos apresentam, con-
comitantemente, interpretações da realidade social, política, econômica e cultural
latino-americana do período. Interpretações estas que são retratadas em íntima
conexão com suas visões de dependência e subdesenvolvimento. Uma série de
problemas sociais, políticos, econômicos e culturais, estes últimos mais abordados
por antropólogos, são retratados como frutos ou conseqüências do estado de de-
pendência e subdesenvolvimento que caracteriza a América Latina. Tomam-se, a
seguir, as análises de alguns destes autores para indicar as interpretações da reali-
dade histórica latino-americana vigentes no período.
77
Cf. J. MÜLLER, Dependência, Teoria da Dependência, p.142-143; P. SANDRONI, Novíssimo
dicionário de Economia, p.164.
78
Cf. neste sentido: F.H. CARDOSO, Notas sobre o estado atual dos estudos sobre dependência.
Em: J. SERRA (Coord.), América Latina: Ensaios de Interpretação Econômica. 2ed. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 1979, p. 364-393. O original desta obra Desarrollo latinoamericano: ensayos
criticos é de 1975 e todo o conjunto da obra pode ser considerado um esforço crítico sobre o de-
senvolvimento latino-americano. Outro exemplo aparece em 1976, com a apresentação de Fernan-
do Henrique Cardoso feita na reunião que a Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA)
realizou em Atlanta, Estados Unidos em Março de 1976. Cf. o texto em: F.H. CARDOSO, O con-
sumo da Teoria da Dependência nos EUA. Em: P.C. PADIS (Org.), América Latina: Cinqüenta
anos de industrialização, p.1-19. Cf. também: F.H. CARDOSO; E. FALETTO, Repensando De-
pendência e Desenvolvimento na América Latina. Em: Bernardo SORJ et alii (orgs.), Economia e
Movimentos Sociais na América Latina. o Paulo: Brasiliense, 1985. Trata-se aqui de uma tradu-
Heterogeneidade econômico-social e marginalização
Raimar Richers, em sua análise da escola estruturalista latino-americana,
destaca como “nefastas conseqüências do estado de dependência” o agravamento
do dualismoeconômico e social
79
e a conseqüente marginalização das massas
populares. Isso ocorreu principalmente nos países que alcançaram um maior su-
cesso na política de substituição das importações. Nestes países, governos e clas-
ses empresariais (estrangeiras ou locais) optaram pela produção de um tipo de
bem de consumo durável que correspondia ao seu ideal de demanda e à sua ima-
gem de emancipação econômica. Com isso criaram o que Raimar Richers chama
de “círculo interno
80
de produtores e consumidores, o qual, com o progresso in-
dustrial, tornou-se cada vez mais exclusivista e ambicioso quanto aos padrões de
vida, geralmente importados do estrangeiro, principalmente dos Estados Unidos.
Essa mudança provocou modificações na estrutura produtiva e concentração dos
recursos monetários, tecnológicos e humanos (de qualificação) a serviço de uma
crescente industrialização voltada a produzir produtos selecionados à disposição
de minorias e inacessíveis às massas marginalizadas
81
.
ção do Prefácio à edição americana de Dependência e Desenvolvimento na América Latina, publi-
cada pela University of California Press no ano de 1978.
79
Por “dualismo” social e ecomico entende-se um dos traços mais marcantes dos países subde-
senvolvidos, a saber, a coexistência de dois tipos de sociedade: uma, constituída de uma minoria
que participa e se beneficia das múltiplas vantagens dos processos de mudança social e econômica
e, outra, composta de uma maioria que vive à margem desses processos. De acordo com Raimar
Richers, essa dicotomia deu origem a uma multiplicidade de teses sociológicas e antropológicas
com implicões significativas para a compreensão do subdesenvolvimento”. R. RICHERS, Ru-
mos da América Latina, p.33. Contudo, a aceitação do “dualismo” ou “dicotomia” social e econô-
mica, como tro característico dos países subdesenvolvidos não significa, tanto para Raimar Ri-
chers quanto para o autor desta pesquisa, a aceitação das teses sociológicas e antropológicas que
pretendem explicá-lo. Para uma análise das chamadas “teorias do dualismo econômico” e sua
aplicabilidade à América Latina, bem como para uma descrição dos principais aspectos que carac-
terizam o dualismo ecomico-social latino-americano, cf. Ibid., p.33-59. Uma crítica à aplicação
aos países latino-americanos da teses das “sociedades duais” foi elaborada por R.
STAVENHAGEN, Sete teses equivocadas sobre a América Latina. Em: J.C.G. DURAND (Introd.
e Org.). Sociologia do Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p.121-136.
80
Cf. R. RICHERS, Desenvolvimento: um desafio social. Em: REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO
DE EMPRESAS Vol. 10 n.2/6 (1970), sem indicações de paginação. Citado por: Id., Rumos da
América Latina, p.125.
81
Recorrendo a A. Pinto, R. Richers propõe que dada essa “concentração de recursos, monetá-
rios, tecnológicos e inclusive humanos de maior qualificação, torna-se inviável para os países
latino-americanos conciliar três objetivos desejáveis”, a saber: a reprodução das formas de consu-
mo das nações centrais, na América Latina, restrita a minorias; a satisfação das necessidades si-
cas da grande maioria; e o estabelecimento das bases para um desenvolvimento auto-sustentado e
autônomo. Cf. R. RICHERS, Rumos da América Latina, p.125. Sobre os “três objetivos desejá-
veis”, cf. A. PINTO, El modelo de desarrollo recente de la América Latina. Em: EL TRIMESTRE
ECONOMICO Vol. XXXVIII (2), n.150(4/6) (1971) p.495. Citado em: Ibid., p.125.
As vítimas desse processo de concentração são as massas populares ou,
mais precisamente, todos que não reúnem as condições econômicas, sociais e pes-
soais de integração nos círculos internos. Estão incluídos aqui a “totalidade dos
marginalizados pobres, mas também a classe média baixa e até uma parcela da
classe média média, incapaz de acompanhar o ritmo de expansão dos bitos de
consumo”
82
. Desta forma, por mais que parte da classe média seja absorvida por
esse processo e participe, com a classe alta, do “mercado consumidor exclusivis-
ta”, o fato é que o processo resulta no aumento dos desníveis na distribuição de
renda, aumentando o fosso entre a cúpula da pirâmide sócio-econômica e as clas-
ses populares marginalizadas
83
.
Industrialização, concentração de renda e exclusão social
José Serra, escrevendo em 1973
84
, propõe uma leitura da realidade seme-
lhante a de Raimar Richers, porém, com um acento mais econômico do problema.
Para JoSerra, a América Latina teve, a partir dos anos 30, um ativo desenvol-
vimento industrial, embora de forma acentuadamente desigual, de acordo com os
diferentes países e regiões. Após a Segunda Guerra Mundial, as taxas relativa-
mente altas de crescimento industrial foram acompanhadas por considerável di-
versificação do aparelho produtivo gerando a modernização de formas de consu-
mo associadas ao desenvolvimento de cidades ou segmentos de cidades que se
assemelham às metrópoles dos países mais desenvolvidos
85
. Contudo, os avanços
82
R. RICHERS, Rumos da América Latina, p.125
83
Para R. Richers,uma parcela da classe média que passa, gradativamente, a participar do pro-
cesso. Trata-se da parcela que, de alguma forma, “se torna indispensável para a produção e presta-
ção de serviços da industrialização, e que inclui, sobretudo, os operários mais qualificados e os
pequenos intermediários que conseguem se enquadrar no novo esquema. O mesmo tende a aconte-
cer, em escala crescente, com os membros das classes médias altas, sobretudo aqueles que, como
os profissionais liberais, são solicitados a participar do processo de industrialização e de diversifi-
cação do consumo. Em suma, o que tipicamente ocorre ao longo desse processo é a absorção de
parcelas crescentes da classe dia que, em conjunto com a expansão da classe alta, fazem o cír-
culo interno crescer em meros absolutos e ampliam assim as bases de um mercado consumidor
exclusivista. Contudo, por mais expressiva que seja essa penetração da classe média, ela não chega
a contrabalançar a tendência de aumento nos desníveis na distribuição da renda...”. Ibid., p.125.
84
Cf. J. SERRA, O desenvolvimento da América Latina: notas introdutórias. Em: J. SERRA (Co-
ord.), Arica Latina: Ensaios de interpretação econômica, p.15-41. Embora a primeira edição
desta obra seja de 1975, o texto de J. Serra é redigido em 1973, ocasião em que ele era professor e
pesquisador da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais, em Santiago do Chile.
85
Segundo J. Serra, “a partir dos anos que sucederam a esse conflito (Segunda Guerra Mundial),
chegou-se a implantar nos países maiores um complexo industrial metal-mecânico e de material
elétrico, produtor de máquinas, equipamentos, materiais de transporte e bens de consumo duráveis,
bem como os serviços básicos imprescindíveis ao desenvolvimento das atividades urbanas e a uma
maior integração dos mercados nacionais. Assistiu-se, ademais, ao início da instalação da indústria
petroquímica e a uma acentuada modernização do sistema financeiro. Por último, verificou-se uma
gerados pela industrialização e conseqüente urbanização não levaram aos resulta-
dos políticos, sociais e econômicos esperados. Não surgiram “sociedades politi-
camente abertas”, de acordo com o modelo das democracias dos países capitalis-
tas desenvolvidos. A maioria da população permaneceu em situação econômica
estagnada com baixo nível de vida e à margem do consumo industrial. Outros
foram incorporados ao sistema, porém, em condições de forte exploração. Enfim,
“apenas uma pequena parte conseguiu usufruir ou participar, de maneira conside-
rável, do crescimento econômico”
86
.
Neste contexto, a agricultura, em seu conjunto, permaneceu atrasada e
“depósito” de mão de obra sub-ocupada. Nas cidades, aumentaram as desigualda-
des e a miséria, com o crescimento do subproletariado, da força de trabalho de
reserva dos pauperizados. Dentro do setor industrial e de serviços surgiram, po-
larmente, centros modernos e atrasados que acrescentaram novas dimensões à
heterogeneidade da estrutura produtiva desenvolvida. No quadro internacional, as
formas de inserção internacional que configuram a situação de dependência muda-
ram, traduzindo-se, então, fundamentalmente no domínio estrangeiro dos setores
dinâmicos que produzem para o mercado interno e no progressivo controle da
acumulação financeira interna. Como resultado, m-se os déficits” e o cresci-
mento do endividamento externo. Com exceção de Cuba e ressalvando-se as vari-
ações entre os diferentes países, esta é a situação do conjunto dos países latino-
americanos
87
.
As relações entre a distribuição de renda e as opções de desenvolvimento
aplicadas na América Latina foram objeto de estudo de Pedro Vuskovic Bravo em
1970
88
. O autor parte da constatação de que se pode caracterizar o modo de fun-
cionamento da maioria das economias latino-americanas do período como deter-
minante de um padrão de desenvolvimento necessariamente concentrador e exclu-
dente, no sentido de que leva inevitavelmente à crescente concentração dos frutos
do crescimento em determinados grupos da população e setores da economia.
intensa modernização de formas de consumo, juntamente com o desenvolvimento de cidades ou
segmentos de cidades que se assemelham às metpoles dos países mais desenvolvidos”. J.
SERRA, O desenvolvimento da América Latina: notas introdutórias, p.16.
86
Ibid., p.16.
87
Cf. Ibid., p.16-17.
88
Cf. P.V. BRAVO, A distribuição de renda e as opções de desenvolvimento. Em: J. SERRA
(Coord.). América Latina: Ensaios de interpretação econômica, p.83-105. O original deste artigo
foi publicado em: CUADERNOS DE LA REALIDAD NACIONAL n.5, Santiago do Chile, se-
tembro de 1970.
Para Pedro V. Bravo, as características e tendências da distribuição de ren-
da na América Latina é um ângulo significativo para analisar as manifestações
desse fenômeno
89
. Para o autor, as formas de funcionamento dos sistemas econô-
micos, vigentes quando da produção do artigo, não concorrem para sustentar o
conceito de que o crescimento pode levar de forma mais ou menos espontânea a
uma melhoria na distribuição de renda. Pelo contrário, as “‘forças concentradoras’
parecem ser mais poderosas do que os efeitos positivos de certas transformações
na estrutura setorial da economia, em condões de funcionamento espontâneo do
sistema”
90
. Desta forma cria-se o fenômeno da “concentração e exclusão simultâ-
neas”
91
. Tal fenômeno manifesta-se também nas características da disseminação
do progresso técnico. Na América Latina a incorporação do progresso técnico não
89
Segundo o autor no conjunto da América Latina os 5% mais ricos da população se apropriam
de 33% da renda (dado baseado no vel de renda pessoal, ou seja, sem considerar a parte que as
empresas detêm), enquanto aos 20% mais pobres cabem menos de 4% da renda total. Isso supõe
uma diferença per capita de U$ 1 para U$ 40 entre esses dois grupos extremos e, em termos abso-
lutos, uma renda anual de apenas U$ 50 per capita para esse quinto mais pobre da população da
América Latina”. P.V. BRAVO, A distribuição de renda e as opções de desenvolvimento, p.83-84.
90
Ibid., p.84.
91
Este fenômeno de “concentração e exclusão simultânea aparece também em outras áreas da
economia e gera conseqüências sociais. JoSerra e Maria da Conceição Tavares o identificam na
problemática da o-de-obra. Estes proem que “no processo de incorporação e difusão do pro-
gresso técnico numa economia, manifestam-se dois efeitos contraditórios com relão à absorção
de mão-de-obra: por um lado, o da exclusão e/ou expulsão e, por outro, o de incorporação nas
novas atividades que surgem. Considera-se que o resultado quido em termos de emprego produ-
tivo global tem sido, na América Latina e particularmente no Brasil, insatisfatório”. Desta forma,
segundo advogam estes autores, na América Latina, no que concerne à mão-de-obra, relação
entre a modernização e a exclusão, pois “quando o setor moderno se expande verticalmente, ou
seja, sem absorver ou liquidar atividades tradicionais, a exploração da força de trabalho incorpora-
da é mais intensa, enquanto a mão-de-obra ocupada nos estratos produtivos não-modernos fica, em
grande medida, ‘excluída’ desta forma de exploração. Assim, reduzem-se ainda mais os veis
relativos de produtividade nestes estratos e agrava-se a heterogeneidade pelo lado dos cortes tecno-
lógicos. Quando, pelo contrário, a modernização se estende a determinadas partes das atividades
produtivas tradicionais ou seja, torna-se mais extensiva -, amplia-se a base de geração de exce-
dente absoluto e relativo (ao elevar-se a produtividade e manterem-se constantes os salários), mas
acelera-se a taxa de expulsão de mão-de-obra antes empregada nas atividades que se modernizam.
Em outras palavras, ao mesmo tempo em que se amplia a base de geração do excedente ampliado,
alimenta-se o processo de marginalização social, que implica uma concentrão da força de traba-
lho em áreas econômicas residuais ou atividades ‘depósito’. Desse modo, a extensão do setor mo-
derno agrava, paradoxalmente, a heterogeneidade pelo lado da marginalização. Neste sentido, a
incorporação e expulsão passam a ser duas tendências simultâneas e contraditórias do processo de
expansão e modernização que assume então um caráter desigual e combinado”. M.C. TAVARES;
J. SERRA, Além da estagnação. Uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento recente do
Brasil. Em: J. SERRA (Coord.). América Latina: Ensaios de interpretação econômica, p.235,
236-237 respectivamente. Os grifos são do autor desta pesquisa. Este artigo de J. Serra e M.C.
Tavares é um trabalho apresentado no Segundo Seminário Latino-americano para o Desenvolvi-
mento, promovido pela UNESCO e pela FLACSO, em novembro de 1970. Sobre as relações entre
industrialização, estrutura ocupacional e estratificação social na América Latina cf. o capítulo V da
obra: F.H. CARDOSO, Mudanças sociais na América Latina. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1969, p.104-139. A terminologia “exclusão e concentração simultânea” é de Pedro Vusko-
vic Bravo. Cf. P.V. BRAVO, A distribuição de renda e as opções de desenvolvimento, p.84.
foi um processo generalizado que atingiu os diferentes ramos e setores da ativi-
dade econômica. A assimilação técnica tendeu a concentrar-se em determinadas
atividades como a produção de bens e serviços e, em parte, a agropecuária, en-
quanto outros importantes setores da economia iam ficando à margem do processo
de tecnificação. Em conseqüência gerou-se “uma pronunciada heterogeneidade
nas estruturas econômicas, levando a uma clara diferenciação de estratos, tanto
qualitativa quanto quantitativamente, do ponto de vista de sua produtividade”
92
.
Enfim, as duas manifestações, a saber, concentração de renda e incorpora-
ção do progresso técnico, demonstram uma interdependência. Elas sofrem influ-
ências recíprocas e são, ao mesmo tempo, efeito e causa num conjunto de relações
que caracterizam o padrão de desenvolvimento latino-americano de então. São
fruto do padrão de industrialização adotado pelas economias latino-americanas.
Industrialização que “não se tornou um fator necessariamente positivo do ponto
de vista da distribuição de renda, mostrando mesmo em alguns casos tendências
para acentuar sua regressividade”
93
. Conseqüências sociais, políticas e culturais
deste processo serão a marginalização e exclusão das massas populares.
Urbanização e marginalização
A marginalização vem associada ao processo de industrialização e à urba-
nização em estudo da CEPAL de 1963 que analisa o desenvolvimento social na
América Latina entre os anos de 1945 e 1960
94
. Neste estudo, a CEPAL, mesmo
reconhecendo que durante o período de 1945-1960 a industrialização foi na Amé-
rica Latina mais um dos fatores do processo de crescimento acelerado das grandes
cidades, propõe a hipótese de que na realidade o crescimento urbano precedeu a
indústria. Neste contexto, o que a expansão industrial fez foi contribuir para esti-
mular os avanços de um crescimento “já em plena marcha”, caracterizado pela
tendência à concentração demográfica nos grandes núcleos urbanos
95
. Segundo a
92
P.V. BRAVO, A distribuição de renda e as opções de desenvolvimento, p.84.
93
Ibid., p.89. Na mesma linha de P.V. Bravo, F.H. Cardoso e E. Faletto propõem que, no marco
social e político característico das sociedades latino-americanas, a industrialização, estruturalmente
“implica grande necessidade de acumulação, mas por sua vez produz como resultado uma forte
diferenciação social”. F.H. CARDOSO; E. FALETTO, Dependência e desenvolvimento na Améri-
ca Latina, p.118.
94
Trata-se do estudo: CEPAL, El Desarrollo Social de América Latina en la postguerra, 1963.
Segue-se aqui os excertos dos capítulos I e III deste estudo reproduzidos em: Luis PEREIRA (Org.
e Introd.), Urbanização e Subdesenvolvimento, p.83-108. Tais excertos recebem, nesta última
obra, o título Urbanização na América Latina.
95
Cf. CEPAL, Urbanização na América Latina, p.88.
CEPAL, entre 1945 e 1960, quatro tipos de mecanismos estruturais contribuíram
para delinear os traços mais acentuados da paisagem urbana das cidades latino-
americanas: a sobrevivência de grande parte das estruturas produtivas e comerci-
ais tradicionais; a expansão da população ocupada na prestação de serviços; a ma-
nutenção de muitos padrões tradicionais; e, por fim, a expansão das populões
urbanas marginais
96
. Estes mecanismos, o aspectos de um mesmo fenômeno,
pois há entre eles uma implicação recíproca.
Destes aspectos destaca-se o aparecimento e expansão da população mar-
ginal. Para a CEPAL, a formação de uma população marginal e “submarginal”,
com freqüência nos limites dos níveis de subsisncia, foi o pro mais notório
que as grandes cidades latino-americanas tiveram de pagar para conciliar as altas
taxas de incremento de sua população com os baixos níveis de produtividade de
sua estrutura econômica
97
. A presença de favelas
98
, que durante o período de
1945-1960 se difundiram no espaço urbano, é indicadora de um fenômeno mais
geral, a saber, a existência de um setor maciço da população urbana em condi-
ções marginais dos pontos de vista econômico, social e político”
99
. Reconhecendo
a dificuldade em precisar a magnitude quantitativa do fenômeno, a CEPAL pro-
põe, contudo, que há indicações de que aglomerações como as favelas deveriam
ser consideradas como um “caso extremo de marginalidade”. Entre este caso ex-
tremo e os setores sociais relativamente integrados no conjunto urbano, existiria
uma complexa gama de extratos vivendo, embora de forma não o extremada, em
condições mais ou menos marginais
100
.
A dimensão política da marginalização econômica
Os aspectos políticos das relações entre o processo de urbanização e a
crescente marginalização das massas populares é abordado por Jorge Graciare-
na
101
. A análise deste autor leva-o a algumas “proposições gerais de alcance polí-
96
Cf. CEPAL, Urbanização na América Latina, p.90-104.
97
Ibid., p.98.
98
Favelas e seus similares em espanhol: barriadas, villas miserias, poblaciones cllampas. Cf.
Ibid., p.98.
99
Ibid., p.98.
100
Para propor esta análise a CEPAL se vale de dados sobre emprego, renda, condições habitacio-
nais, saneamento básico. Cf. Ibid., p.98-104.
101
Cf. J. GRACIARENA, Urbanização, estrutura de poder e participação política dos setores
populares. Em: L. PEREIRA (Org.), Urbanização e Subdesenvolvimento, p.174-199. Trata-se da
reprodução do capítulo IV La participación de las masas marginales y el cambio politico da obra:
Poder y clases sociales en el desarrollo de América Latina. Buenos Aires: Paidós, 1967.
tico” que vale a pena retratar pela sua relação com o tema aqui em questão. Pri-
meiro, um dos maiores problemas da América Latina do período da redação de
seu estudo é constituído pela mobilização das massas rurais, sua urbanização ma-
ciça e a situação de marginalidade social e política em que essas massas permane-
cem. Segundo, o estado de estagnação da economia latino-americana impediu que
se criassem e se pusessem em ação os mecanismos econômicos e sociais necessá-
rios para tornar possível a assimilação gradual dos migrantes rurais ao meio urba-
no. Terceiro, os governos latino-americanos não parecem dispor, no período, de
meios eficientes e permanentes para conseguir a assimilação da massa marginal.
Pelo contrário, os governos “parecem estar, antes, dispostos a responder às preten-
sões de maior participação com a proscrição política e a repressão violenta”
102
.
Desta forma, governos oligárquicos que carecem de suficiente apoio da
classe média convertem-se facilmente em ditaduras abertas, baseadas principal-
mente na força militar e na repressão aberta. Esta situação de repressão institu-
cionalizada torna-se mais uma característica da situação política, econômica e
social da América Latina
103
. De acordo com Jorge Graciarena, a alternativa mais
viável para sair dessa situação seria a de um movimento que possa gerar e manter
a vinculação política entre as classes médias e os setores populares. Esta vincula-
ção tornaria débil e instável governos oligárquicos ou ditatoriais, provocando-os à
reação e agravando os conflitos decorrentes da luta pelo poder
104
.
102
J. GRACIARENA, Urbanização, estrutura de poder e participação política dos setores popu-
lares, p.198.
103
Cf. neste sentido os estudos de: M. LÖWY; E. SADER, A militarização do estado na América
Latina. Em: P.C. PADIS (Org.), A América Latina: Cinqüenta Anos de Industrialização, p.59-88.
Segundo estes autores “no decurso dos últimos quinze anos, assistiu-se à uma multiplicação sem
precedentes dos regimes militares, à uma eliminação progressiva dos governos ‘democrático-
representativose à uma erupção massiva do corpo de oficiais na cena política”. Definindo como
poder militar “uma forma de Estado onde a hierarquia militar (o corpo de oficiais superiores e
dios) predomina o cenário político, isto, é controla os postos-chaves do governo e do aparelho
do Estado (ministérios, grandes empresas estatais, administrações, etc.)”, estes autores propõem
que “pode-se constatar que a enorme maioria da população do subcontinente vive atualmente sob
um regime militar”. Todas as citações encontram-se à p.60. Cf. também: O. IANNI, Classe e
Nação, p.31-41. Para o caso brasileiro, confira principalmente: M.H.M. ALVES, Estado e oposi-
ção no Brasil: 1964-1984. Bauru: EDUSC, 2005.
104
No caso da América Latina, J. Graciarena crê que “o tipo de movimento político que reúne, ao
que parece, as condições mais apropriadas para conseguir agora a ‘participão total’ é o chamado
‘movimento nacional-popular’, que combina o apelo pessoal à massa marginal com uma ideologia
vaga que inclui formulações demasiado radicais para as classes médias. Por outra parte, cabe re-
cordar que os momentos de maior participação política, próximos da participação total, foram
alcançados na América Latina sob esse tipo de movimento, que é o que parece ajustar-se melhor às
características psicológicas e sociais dos setores da massa marginal. De maneira que suas possibi-
lidades de integração potica da massa marginal são máximas”. Para J. Graciarena, a formação
desses movimentos nacional-populares pode ocorrer dentro ou fora dos limites da legitimidade
Subdesenvolvimento: marginalismo e colonialismo
As relações entre marginalização, colonialismo interno e desenvolvimento
o abordadas por Pablo Gonlez Casanova em A sociedade Plural
105
. Embora
referido ao México, este estudo pode, com as devidas variações regionais e dife-
renciações histórico-culturais, ser válido para a América Latina. Pablo González
Casanova cunha o conceito de marginalismo que vem definido como a “forma de
estar à margem do desenvolvimento do país, o não participar no desenvolvimento
econômico, social e cultural, o pertencer ao grande setor dos que não têm na-
da
106
. Esta é, segundo ele, uma característica particular das sociedades subdesen-
volvidas. Nelas constata-se não apenas uma distribuição desigual da riqueza, da
renda, da cultura geral e técnica, mas, com freqüência, encerram dois ou mais
conglomerados socioculturais, um “superparticipante” e outro “supermarginal”,
um dominante e outro dominado. Esses fenômenos encontram-se essencialmente
ligados entre si e ligados por sua vez a um fenômeno mais profundo que é o colo-
nialismo interno, ou o domínio e exploração de uns grupos culturais por outros.
Para Pablo González Casanova o colonialismo não é um fenômeno que
ocorre apenas ao nível internacional. Ele também ocorre no interior das nações na
medida que nelas uma heterogeneidade étnica em que se ligam determinadas
etnias com os grupos e classes dominantes e outras com os dominados
107
. Enfim,
para Pablo González Casanova, o marginalismo social e cultural tem relações di-
retas com o marginalismo político. Para entender a estrutura política do México, e
pode-se dizer também dos outros países latino-americanos, é necessário compre-
ender que muitos habitantes são marginais à política, “não tem política, são obje-
tos políticos, parte da política dos que realmente a possuem
108
. Desta forma não
vigente, conforme sejam ‘neotradicionais’ ou ‘revolucionários’. Em ambos os casos, porém, sua
própria dinâmica e a da situação social e política que lhe serve de base tenderão a produzir a ultra-
passagem dos limites da legitimidade e a gerar conflitos com as fontes de poder existentes. Por
isso, parece provável que esses movimentos adquiram uma fisionomia e atuação mais radical que
no passado”. J. GRACIARENA, Urbanização, estrutura de poder e participação política dos
setores populares. As citações encontram-se nas páginas 198-199.
105
Trata-se de parte da obra La democarcia en elxico, de 1965. Segue-se aqui o texto traduzido
para o português: P.G. CASANOVA, Exploração, colonialismo e luta pela democracia na Améri-
ca Latina. Petrópolis/Buenos Aires/Rio de Janeiro: Vozes/Conselho Latino-americano de Ciências
Sociais/Laboratório de Políticas Públicas (UERJ), 2002, p.43-81.
106
Ibid., p.43. Os grifos o de Pablo González Casanova.
107
Cf. Ibid., p.43-64. Confira também os estudos sobre o colonialismo interno, no caso específico
do xico, p.82-109 e 71-81.
108
Ibid., p.64.
o sujeitos políticos nem na informação, nem na consciência, nem na organiza-
ção, nem na ação
109
.
A revolução social como saída para a dependência, exploração, marginalização e
subdesenvolvimento?
A última contribuão para se ter uma visão panorâmica da interpretação e
descrição da realidade social, política e econômica da América Latina do período
de estudo desta pesquisa provém de um estudo de Florestan Fernandes sobre os
Problemas de conceituação das classes sociais na América Latina
110
. Florestan
Fernandes assume o conceito de classe social utilizado por aqueles autores que o
aplicam com um máximo de especificidade histórica, para designar o arranjo soci-
etário inerente ao sistema de produção capitalista
111
. Nesta acepção, a sociedade
de classes possui uma estratificação típica, na qual a situação econômica regula o
“privilegiamento” positivo ou negativo dos diferentes estratos sociais. Desta for-
ma condiciona, direta ou indiretamente, tanto os processos de concentração social
da riqueza, do prestígio social e do poder, quanto os mecanismos societários de
mobilidade, estabilidade e mudanças sociais
112
.
Na América Latina, o capitalismo evoluiu sem contar com condições de
crescimento auto-sustentado e de desenvolvimento autônomo. Em conseqüência,
classes e relações de classe carecem de dimensões estruturais e de dinamismos
societários que o essenciais para a integração, a estabilidade e a transformação
equilibradas da ordem social inerente à sociedade de classes. A partir desta pers-
pectiva, Florestan Fernandes propõe sua análise em três temas convergentes: pri-
meiro, questiona se existem classes sociais na América Latina
113
; segundo, analisa
as relações entre o capitalismo dependente e classes sociais
114
; e, por fim, aborda
109
Cf. P.G. CASANOVA, Exploração, colonialismo e luta pela democracia na Arica Latina,
p.64-71.
110
Cf. F. FERNANDES, Problemas de conceituação das classes sociais na América Latina. Em:
R.B. ZENTENO (Coord.), As Classes Sociais na América Latina, p.173-246. Conforme nota à
gina 173 este artigo foi publicado em Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América
Latina. Rio: Zahar, 1973. Cf. também os comentários ao texto de F. Fernandes elaborados por: R.
Stavenhagen, J. Graciarena, J.M. Ríos, em: R.B. ZENTENO (Coord.), op. cit., p.247-286.
111
Para F. Fernandes, neste sentido,a classe social só aparece onde o capitalismo avançou sufici-
entemente para associar, estrutural e dinamicamente, o modo de produção capitalista ao mercado
como agência de classificação social e à ordem legal que ambos requerem, fundada na universali-
zação da propriedade privada, na racionalização do direito e na formação de um Estado nacional
formalmente representativo”. F. FERNANDES, op. cit., p. 173.
112
Cf. Ibid., p.173-174.
113
Cf. Ibid., p.176-181.
114
Cf. Ibid., p.181-229.
o tema: classe, poder e revolução social
115
. No contexto desta pesquisa, os dois
primeiros pontos trazem algumas contribuições dignas de nota.
Quanto à questão de existirem classes sociais na América Latina, F. Fer-
nandes propõe, a partir de anuários e relatórios, principalmente da CEPAL
116
, que
se pode falar na existência de uma categoria tão numerosa quão heterogênea de
pessoas que constituem os “condenados do sistema” e sua “maioria silenciosa”.
Sob este aspecto, a economia capitalista, a sociedade de classes e a ordem social
competitiva atuam como o “motor da história”. Nelas estão concentrados os cen-
tros de decio e poder. No fundo, segundo F. Fernandes, quer se trate das metró-
poles, das cidades ou do campo, as classes sociais propriamente ditas abrangem os
círculos sociais que são de uma forma ou de outra privilegiados e que poderiam
ser descritos, relativamente, como integrados e desenvolvidos. Estes setores coe-
xistem com a massa dos despossuídos, condenados a níveis de vida inferiores ao
de subsistência, ao desemprego sistemático, parcial ou ocasional, à pobreza e à
miséria, à marginalidade sócio-econômica, à exclusão cultural e política
117
.
Para Florestan Fernandes, há, na América Latina, um esforço de dissimu-
lação e escamoteamento da própria existência de classes. um uso ambíguo da
palavra classe. Ambigüidade que serve para designar “grupos de status”, através
dos quais se dissimulam interesses de classes, formas de dominação de classe e
conflitos de classe. Não as duras realidades e os dinamismos típicos de relações
de classe são dissimuladas, mas nega-se também a existência das classes sociais
como e enquanto tais, bem como o jogo econômico, social e político impostos
pelos interesses da classe dominante. As conseqüências são relevantes: mantidas
as condições de dependência e de reduzido esforço para criar-se um padrão alter-
nativo de desenvolvimento auto-sustentado para a América Latina, o capitalismo,
na opinião de Florestan Fernandes, “continuará a florescer como no passado re-
moto ou recente, socializando seus custos sociais e privilegiando os interesses
privados (interno e externos)”
118
. Isso leva-o à conclusão de que nas situações
predominantes na América Latina “umas classes sociais o mais classes que ou-
tras”. E essas classes, que o mais classes” que as outras, têm seus fins e inte-
115
Cf. F. FERNANDES, Problemas de conceituação das classes sociais na América Latina,
p.229-240.
116
Para a bibliografia dos textos da CEPAL utilizados por F. Fernandes, confira: Cf. Ibid., p.246.
117
Cf. Ibid., p.176-177.
118
Ibid., p.178-179. Os grifos são de Florestan Fernandes.
resses determinados pelo capitalismo dependente e aferram-se em lutar pela per-
petuação do status quo. Dessa forma, o aumentam a visibilidade da ordena-
ção em classes sociais, como também, tornam odiosos o capitalismo, a ordem e-
xistente e os meios empregados para protegê-los. As demais classes, que reuniam
as condições de classe, menos a consciência crítica e a disposição para ousar, co-
meçam a iniciar seu aprendizado na área do poder e da contestação política
119
.
Neste sentido, F. Fernandes propõe que as classes sociais latino-americanas domi-
nantes falham, por operarem unilateralmente, no sentido de preservar e intensifi-
car os privilégios de poucos e de excluir os demais. Promovem transformações e
mudanças apenas superficiais, convertendo-se em meios estruturais de perpetua-
ção do capitalismo dependente e da preservação do status quo
120
.
Na análise de Florestan Fernandes sobre o capitalismo dependente e socie-
dade de classes
121
também encontram-se algumas contribuições significativas. De
acordo com a interpretação proposta por Florestan Fernandes, a sociedade de clas-
ses, que se torna possível sob o capitalismo dependente latino-americano, molda a
sua própria ordem econômica, social e política. Essa ordem condiciona e regula
os dinamismos de funcionamento e de evolução da sociedade de classes que a
engendra, vinculando-a, de modo permanente, a padrões dependentes de desen-
volvimento capitalista e a estados crônicos de subdesenvolvimento. Assim, é o
modo de privilegiamento internodas classes altas e médias, cujos setores domi-
nantes e elites dirigentes forjam o seu “espírito capitalista” especial, alicerçado na
combinação da dependência com o subdesenvolvimento, que determina a lógica
do capitalismo dependente e o caráter “ultra-egoístico”, “autocrático” e conserva-
dor de suas estruturas de poder elitista. Por fundar-se na dominação exclusiva e
119
Cf. F. FERNANDES, Problemas de conceituação das classes sociais na América Latina,
p.179.
120
Para F. Fernandes, as classes sociais latino-americanas “não podem oferecer e canalizar social-
mente ‘transições viáveis’, porque a ‘revolução dentro da ordem’ é bloqueada pelas classes possu-
idoras e privilegiadas, porque as massas despossuídas estão tentando aprender como realizar a
‘revolução contra a ordem’, e porque o entendimento entre as classes tornou-se impossível, sem
medidas concretas de descolonização acelerada (em relação a fatores externos e internos dos ve-
lhos e novos colonialismos). Elas promovem mudanças e inovações, em geral descritas erronea-
mente (como se fossem produtos estáticos da mobilidade social, da urbanização, da industrializa-
ção e da educação), através das quais a crosta superficial da ordem social competitiva adquire a
aparência dos modelos históricos originais. Como não vão além disso, engendrando uma consciên-
cia e ações de classe negadoras da dependência, do subdesenvolvimento, dos privilégios, da opres-
são institucionalizada, do desemprego em massa e da miséria generalizada, elas se convertem em
meios estruturais de perpetuação do capitalismo selvagem e de preservação do status quo”. Ibid.,
p.181. Os grifos são de Florestan Fernandes.
121
Cf. Ibid., p.181-229.
exclusivista das classes privilegiadas, a ordem econômica, sociocultural e política
carece de potencialidades de autotransformação suficientemente fortes e contínuas
para imprimir maior flexibilidade e eficia ao funcionamento das classes sociais
e do regime de classes. “Suas potencialidades de autotransformação apenas ali-
mentam os mecanismos de estabilidade e de mudança dentro da ordem que repro-
duzem socialmente um padrão dependente de desenvolvimento capitalista e uma
sociedade de classes estruturalmente pluralista, mas dinamicamente semi-aberta e
semidemocrática”
122
. Desta forma a nacionalização e autonomização do desenvol-
vimento capitalista esbarram na rigidez da ordem econômica, sociocultural e polí-
tica vigente fazendo com que a “revolução dentro da ordem” seja sistematicamen-
te esvaziada de significação para as classes não privilegiadas, e com que a “revo-
lução contra a ordem tenha pleno sentido fora e acima do contexto burguês,
como uma revolução das classes baixas e setores radicais de outras classes contra
o capitalismo dependente e a sociedade de classes a que ele dá origem
123
.
No entender de Florestan Fernandes, esse quadro sugere que a dependên-
cia e o subdesenvolvimento suscitam problemas que não podem ser resolvidos sob
o capitalismo dependente. Em conseqüência, a aceleração do desenvolvimento
capitalista apenas aprofunda a dependência e agrava o subdesenvolvimento, pro-
vocando ao mesmo tempo maior rigidez na ordem social competitiva, cujas estru-
turas de poder precisam ser reajustadas às frustrações, tensões e conflitos desen-
cadeados pela intensificação da modernização, da apropriação repartida do exce-
dente econômico nacional e da espoliação do trabalho.
Ante tais problemas, há três vias de solução. A primeira consiste em forta-
lecer, em um ritmo rápido, a incorporação dos países da América Latina ao espaço
econômico, sociocultural e político das nações capitalistas hegemônicas
124
. Uma
segunda via consiste na multiplicação rápida dos pontos de disseminação dos
“privilégios estratégicos”, de modo a universalizá-los no seio das classes médias e
torná-los mais freqüentes nos “setores explosivos” das classes baixas
125
. Por fim,
122
F. FERNANDES, Problemas de conceituação das classes sociais na América Latina, p.228.
123
Cf. Ibid., p.228
124
Segundo F. Fernandes, “essa alternativa permitiria quebrar o privilegiamento interno como
fator de rigidez da ordem social competitiva, pela mobilização concomitante dos setores sociais
menos privilegiados ou despossuídos. Mas envolve custos econômicos, socioculturais e políticos
que a tornam impraticável. Na prática, serve para justificar os ‘surtos desenvolvimentistas’ e
manter o status quo”. Ibid., p.229.
125
Para F. Fernandes, “essa alternativa abriria o caminho para uma autêntica ‘revolução dentro da
ordem, pela qual o pprio capitalismo resolveria os problemas gerados pela acumulação dual de
constatada a inviabilidade de cada uma destas duas vias, a terceira via: trata-se
da “revolução contra a ordem” por meio da explosão popular e do socialismo. No
entender de Florestan Fernandes, essa via é possível na “escala latino-americana
como o demonstra o exemplo de Cuba, apesar dos vários motivos internos e ex-
ternos que a dificultam. A vantagem desta via está na ruptura com os fatores e
efeitos da dependência e subdesenvolvimento, sob o capitalismo e a sociedade de
classes. Enfim, seria “a única via efetivamente capaz de superar a dependência e o
subdesenvolvimento, convertendo-os em ‘desafio hisrico’ e em fonte de solida-
riedade humana na luta pela modernização autônoma e por uma ordem social i-
gualitária
126
.
A análise das perspectivas apresentadas sobre a América Latina no contex-
to internacional, sobre as interpretações da dependência e subdesenvolvimento
latino-americanos e sobre os frutos políticos, sociais, e econômicos da dependên-
cia evidenciam que a partir dos anos 50 ganha força entre os cientistas políticos,
economistas e sociólogos a interpretação segundo a qual a situação de dependên-
cia e subdesenvolvimento latino-americanos são fruto de uma estrutura política e
econômica internacional que beneficia os países centrais e dominantes em prejuí-
zo dos países periféricos e dominados. Essa estrutura político-econômica interna-
cional é determinada pela expansão do capitalismo europeu e norte-americano,
cuja hegemonia política e econômica se expande sobre a América Latina, encon-
trando nesta uma fonte de recursos e lucros para seu próprio desenvolvimento.
Neste sentido, o subdesenvolvimento latino-americano é o resultado do desenvol-
vimento dos países centrais, que, através de sua dominação espoliativa, ao mesmo
tempo que se apropriam dos recursos e lucros gerados nas economias periféricas,
freiam qualquer sinal de independência e autonomia destas.
Essa percepção só foi possível no momento em que a América Latina, com
o novo arranjo do comércio internacional, resultante da crise econômica de 1929 e
com a hegemonia política norte-americana no s-guerra, teve que começar a
capital e forjaria formas de autonomização do desenvolvimento capitalista econômica, social e
politicamente viáveis. Tal alternativa também é imprativel, porque pressupõe tendências e rit-
mos de mudança social, que são improváveis, e não se adapta às realidades da dominação capita-
lista na era da grande corporação multinacional, da internacionalização dos mercados e do impe-
rialismo total. Na prática, tem sido útil aos setores sociais que podem empolgar o reformismo
como expediente de ascensão social e às manipulações conservadoras ou reacionárias que visam
ao ‘desenvolvimento com segurança’, mediante a ‘institucionalização da revolução’”. F.
FERNANDES, Problemas de conceituação das classes sociais na América Latina, p 229.
126
Ibid., p.229.
pensar em seu próprio desenvolvimento. Uma primeira tentativa neste sentido
resultou, na prática, na política desenvolvimentista que logo esbarrou na incapaci-
dade real de criar condições para um desenvolvimento autônomo e auto-
sustentado para a América Latina. É na esteira da crise desta perspectiva, em
fins da década de 50, que emergem as interpretações mais significativas sobre a
dependência e o subdesenvolvimento latino-americanos, bem como sobre suas
conseqüências sociais, políticas e econômicas, e sobre as possíveis alternativas
para superar a dependência e o subdesenvolvimento.
A partir do início da década de 60, predomina entre sociólogos, cientistas
políticos e economistas, a análise das causas e conseqüências da dependência e do
subdesenvolvimento latino-americanos. Evidencia-se cada vez mais que as causas
da dependência e do subdesenvolvimento são estruturais, globais e o fruto do
modelo de desenvolvimento capitalista adotado pelos países centrais que domi-
nam o Terceiro Mundo. E as conseqüências são um desenvolvimento concentra-
dor e excludente, gerador de custos sociais, políticos, econômicos e culturais ne-
fastos para as maiorias populares e beneficiários de elites nacionais e internacio-
nais concentradoras e detentoras das riquezas geradas pelo desenvolvimento.
Fenômenos como marginalização, exclusão social, distribuição de ren-
da, desemprego, pobreza, miséria, heterogeneidade ou dualismo social, político,
econômico e cultural são resultantes do modelo capitalista de desenvolvimento
dependente adotado na América Latina. São o custo estrutural, portanto, social,
político, econômico e cultural, do desenvolvimento dos países dominantes. A saí-
da desta situão seria, para alguns, o investimento em reformas capazes de possi-
bilitar o desenvolvimento autônomo e auto-sustentado dentro do sistema capitalis-
ta internacional, criando uma espécie de independência” dentro da dependência
estrutural internacional. Já para outros, esta alternativa é inviável, restando apenas
a alternativa da revolução rumo ao socialismo latino-americano.
Por fim, -se que estas análises de cientistas políticos, economistas e so-
ciólogos transformar-se-ão no instrumento de aproximação e interpretação da rea-
lidade social, econômica, política e cultural dos teólogos latino-americanos que
estão nas origens da Teologia da Libertação. É na vertente de investigação eco-
nômica, sociológica e política que se evidenciou nas análises deste item que os
teólogos encontrarão uma contribuição fundamental das Ciências Humanas para a
interpretação da realidade social, política, econômica e cultural latino-americana
(como ainda se verá).
1.1.2. A situação sócio-cultural da América Latina
A dimensão cultural, parte integrante e diretamente relacionada com as
dimenes social, econômica e política, precisa de uma abordagem específica,
dado seu caráter peculiar. Pretende-se neste item abordar o caráter dependente da
dimensão cultural latino-americana. Para tal, recorre-se às fontes oferecidas pelos
estudos de antropologia cultural. Para abordar o caráter dependente da dimensão
cultural é preciso partir de uma idéia ou de um conceito mínimo de cultura tal
como ela é entendida nesta pesquisa. Este conceito é tomado do antropólogo Clif-
ford Geertz, segundo o qual, cultura significa um “conjunto de sentidos incorpo-
rados em símbolos e transmitidos historicamente; um sistema de concepções her-
dadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os seres humanos se
comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento sobre a vida e sua atitu-
de em relação a ela”
127
.
A. A identidade cultural latino-americana
A partir deste conceito básico de cultura, pode-se tomar como ponto de
partida da abordagem do problema cultural latino-americano a questão da identi-
dade cultural latino-americana. Para Leopoldo Zea, ao longo da História da Amé-
rica Latina colocaram-se dois problemas estreitamente relacionados: a questão da
identidade e da integração latino-americanas. Quem é o povo latino-americano?
Que tem este povo em comum? O colonialismo europeu e norte-americano, seja o
clássico ou o recente, impuseram uma identidade e uma integração para o povo
latino-americano. Muitos reagiram, ao longo da História, a esta identidade e inte-
127
C. GEERTZ, The interpretation of Cultures. New York: Basic Books, 1973, p.89 [Tradução
brasileira: Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978]. Esta definição de C. Geertz
centra-se no conceito de símbolo, daí a importância de especificar o termo. Para C. Geertz, símbo-
lo “é usado aqui para qualquer objeto, ato, evento, qualidade ou relação que serve como veículo de
uma concepção. Esta concepção é propriamente o sentido do mbolo”, p.91. É importante notar
que a definição de C. Geertz encontra-se, segundo R.B. Laraia, dentro dos esforços da antropolo-
gia moderna para a “reconstrução do conceito de cultura, fragmentado por numerosas reformula-
ções”. Clifford Geertz, junto com David Schneider, propõem a cultura como sistemas simbólicos.
Cf. R.B. LARAIA, Cultura, um conceito antropológico, p.59-63. D. Schneider aborda o problema
da cultura em: D. SCHNEIDER, American Kinship: A cultural account. Nova Jersey: Prentice
Hall, 1968. Na introdução desta obra Schneider define seu ponto de vista sobre cultura: “cultura é
um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações
e modos de comportamento. O status epistemológico das unidades ou ‘coisas’ culturais não de-
gração impostas. Mas o vazio de poder dos antigos colonialismos, é substituído,
após as independências latino-americanas, por novo imperialismo cultural, políti-
co e econômico. Então torna-se urgente um “não à nortemania
128
e a aceitação da
múltipla identidade que caracteriza os povos da região latino-americana
129
.
Esta múltipla identidade pode ser constatada, na interpretação de Darcy
Ribeiro, no processo de formação histórica e cultural da América Latina. Segundo
este autor, a América Latina configura-se por quatro povos, distintos conforme
seu processo de formação histórica e cultural. O primeiro grupo o os povos
transplantados. Estes são constituídos pela expansão de nações européias sobre
territórios de ultramar onde, sem se misturarem com a população local, reconstruí-
ram sua paisagem e retornaram às suas formas originais de vida. Estes povos,
nos territórios invadidos, se desenvolveram culturalmente dentro de linhas parale-
las e similares às da metrópole como povos novos de ultramar
130
. O segundo gru-
po são os Povos Testemunho. Estes são formados pelos remanescentes das altas
civilizões originais, contra as quais se chocou a expansão européia, sem, contu-
do, assimilá-los na condição de novos implantes seus. Representantes destes po-
vos na América Latina são México, Peru, Bolívia e Guatemala. Este povo experi-
mentou enormes vicissitudes e sofreu profunda europeização, insuficiente, porém,
para fundir num ente etnicamente unificado toda a sua populão. Os seus mem-
bros vivem o drama da ambigüidade de povos situados entre dois mundos cultu-
pende da sua observabilidade: mesmo fantasmas e pessoas mortas podem ser categorias culturais”.
Texto citado por: R.B. LARAIA, Cultura, um conceito antropológico, p.63.
128
A expressão utilizada por Zea em espanhol é “nordomaa”. Cf. L. ZEA, Fuentes de la cultura
latinoamericana, Vol.I, p.8.
129
Segundo L. Zea, a aceitação da peculiar identidade dos povos que formam a Arica Latina se
fortalece no século XX. Revoluções como a mexicana e outras expressões de ‘nacionalismo defen-
sivo’, patentes em rias regiões da Arica Latina, impulsionam ainda mais a preocupação por
afirmar a peculiar identidade dos povos da região e, a partir desta afirmação, uma nova integração
que não esteja baseada nos interesses dos centros de poder mundial. Cf. Ibid., p.7-9.
130
Segundo Darcy Ribeiro, exemplos dos povos transplantados são os Estados Unidos e o Canadá,
Nova Zelândia e Austrália. Na Arica Latina é o caso da Argentina e do Uruguai. Embora estes
últimos, de forma limitada, uma vez que ambos se europeizaram depois de estruturados como
povos mestiços que construíram seus países e fizeram a independência. Nesta configurão de
povos transplantados se encontram, orgulhosos de si mesmos, os representantes e herdeiros da
civilização européia ocidental, beneficiários e vítimas de sua própria expansão. “São os povos
mais modernos e, como tal, os que mais radicalmente perderam a cara ou a singularidade. Em
conseqüência são, hoje, a gente humana mais letrada, mais estandardizada e mais uniforme, mas
também a mais desinteressante”. D. RIBEIRO, O povo latino-americano, CONCILIUM 232,
p.756. Para uma descrição detalhada da categoria de Povos Transplantados, cf. Id., As Américas e
a Civilização, p. 413-506.
rais contrapostos, sem poder optar por nenhum deles
131
. A terceira categoria de
povos proposta por Darcy Ribeiro é a dos Povos Novos. Trata-se das populações
oriundas da mestiçagem e do entrecruzamento cultural de brancos com negros e
com índios de nível tribal, sob a dominão dos primeiros. Exemplos destes são,
entre outros, os brasileiros, os colombianos, os venezuelanos ou os cubanos. Sua
característica diferencial é a de povos desculturados de sua indianidade, africani-
dade ou europeidade para serem um étnico novo. Segundo Darcy Ribeiro, este
povo, provindo de um passado sem gria nem grandeza, só tem futuro. É o povo
do porvir. Seu único feito é terem construído a si mesmos como vastos povos lin-
güística, cultural e etnicamente unificados. Porém, cabe-lhe um futuro, criar uma
nova condição humana
132
. Por fim, a última categoria é a dos Povos Emergentes.
Esta refere-se aos grupos étnicos que se alçam na Europa, na África e na Ásia e
também nas Américas, ocupando o espaço que ultimamente se abriu para a re-
construção de um perfil próprio e inconfundível
133
.
A partir destas quatro categorias de povos que compõem o quadro da A-
mérica Latina, a existência de uma América Latina é justificada por Darcy Ribei-
ro. No plano geográfico, é notória, segundo ele, a unidade da América Latina co-
mo fruto de sua continuidade continental. Porém, a esta base física, não corres-
ponde uma estrutura sócio-política unificada. A vastidão continental se rompe em
nacionalidades singulares. A unidade geográfica não funciona como fator de uni-
131
Para uma descrição detalhada dos Povos Testemunho, cf. D. RIBEIRO, As Américas e a Civili-
zação, p. 107-203.
132
Para D. Ribeiro é certo que na configuração de cada Povo Novo predominou, por força da he-
gemonia colonial, o europeu que lhe deu a ngua e uma versão degradada da cultura ibérica. Mas
esta configurão de povo foi tão recheada de valores, que clandestinamente a impregnaram, ori-
undos das culturas indígenas e africanas, que ganharam um perfil pprio e inconfundível. Cf. Id.,
O povo latino-americano, p. 757. Não sem ironia, D. Ribeiro afirma que por muito tempo as elites
dos Povos Novos se tiveram, nostalgicamente, por europeus desterrados. Seus intelectuais, intoxi-
cados pelo racismo europeu, se amarguravam de suas caras mestiças. Só recentemente se generali-
zou a percepção de que eles são outra coisa, tão diferentes da Europa como da América indígena e
da África negra. Dos índios estes povos receberam duas heranças: primeiro, a fórmula ecológica
de sobrevivência nos trópicos, fundada em milênios de esforços adaptativos realizados pelos indí-
genas que lhe ensinaram como produzir as condições materiais de existência das suas sociedades
e, segundo, uma imensa contribuição genética. O chamado branco” na população dos Povos No-
vos é, essencialmente, um mestiço gerado por europeus nos ventres de mulheres indígenas. Como
o mero de homens sempre foi muito pequeno, estas populações são geneticamente muito mais
indígenas que caucasóides. dos negros os Povos Novos receberam também importante aporte
genético, variável de país para país, conforme a magnitude da escravaria negra que tiveram, o que
os fez, além de mestiços, mulatos. A contribuição cultural negra é representada por aqueles traços
que puderam persistir debaixo da opressão escravista. “Estes vão desde técnicas e valores a senti-
mentos, ritmos, musicalidades, gostos e crenças que o negro escravo pôde guardar no fundo do
peito e defender do avassalamento”. Ibid., p. 757.
133
Cf. Ibid., p. 758.
ficação, pois as distintas implantações coloniais que deram à luz às sociedades
latino-americanas, coexistiram sem, contudo, conviver. A relação se dava direta-
mente com a metrópole colonial
134
. no plano lingüístico-cultural, os latino-
americanos constituem uma categoria pouco homogênea. Os latino-americanos
o tão diferentes uns dos outros, como os norte-americanos o são dos australia-
nos. Reduzindo-se a escala lingüístico-cultural, têm-se duas categorias: o conteú-
do luso-americano concentrado por todo o Brasil, e o conteúdo hispano-americano
que congrega o restante do espaço geográfico da América Latina, com exceção da
restrita colonização francesa
135
.
Por quais caminhos definir melhor em que consiste o latino-americano? A
via das semelhanças e diferenças parece ser adequada. Observando-se o conjunto
da América Latina percebem-se certas presenças e ausências que colorem e diver-
sificam o quadro. A presença indígena é notória na Guatemala e no Altiplano An-
dino, onde é majoritária, e no México, onde os índios se contam aos milhões e
predominam em certas regiões. Distinta é a situação dos demais países, onde só se
encontram microetnias tribais, mergulhadas em vastas sociedades nacionais etni-
camente homoneas. Segundo Darcy Ribeiro, todos estes povos têm no aboríge-
ne uma de suas matrizes genéticas e culturais, mas sua contribuição foi de tal for-
ma absorvida que, qualquer que seja o destino das populações indígenas sobrevi-
ventes, não se alterará muito sua configuração étnica. Desta forma, a miscigena-
ção, absorção e europeização dos antigos grupos indígenas no seio da população
nacional estão completas ou em marcha e tendem a homogeneizar todas as matri-
zes étnicas, convertendo-as em modos diferenciados de participação na mesma
etnia nacional
136
.
Outro componente de diferenciação do quadro latino-americano, carregado
de aspectos particulares, é a presença do negro africano. Este se concentra de for-
ma maciça na costa brasileira e nas regiões de mineração. Aparece também nas
134
Segundo D. Ribeiro, “ainda hoje, nós, latino-americanos, vivemos como se fôssemos um arqui-
lago de ilhas que se comunicam por mar e pelo ar e que, com mais freqüência, voltam-se para
fora, para os grandes centros ecomicos mundiais, do que para dentro. As próprias fronteiras
latino-americanas, correndo ao longo da cordilheira desértica, ou da selva impenetrável, isolam
mais do que comunicam e raramente possibilitam uma convincia intensa”. D. RIBEIRO, O
Povo Latino-americano, p. 758.
135
Para D. Ribeiro, as diferenças entre uns e outros são tão relevantes como as que distinguem
Portugal da Espanha. “Como se vê, pouco significativa, porque fundada numa pequena variação
lingüística que não chega a ser obstáculo para a comunicação, ainda que tendamos a exagerá-la,
com base numa longa histórica comum, interatuante, mas muitas vezes conflitante”. Ibid., p. 759.
136
Cf. Ibid., p. 759-760.
Antilhas, onde floresceu a plantação açucareira. Para além dessas regiões, encon-
tram-se diversos bolsões negros na Venezuela, Colômbia, Guianas, Peru e em
algumas áreas da América Central. Além dos grupos negro e índio, também a
presença de não-europeus no quadro da América Latina, como a dos japoneses no
Brasil, dos chineses no Peru, dos indianos nas Antilhas. Estes grupos, igualmente,
também diferenciam algumas áreas da América Latina. “Estamos em presença,
segundo Darcy Ribeiro, de contingentes que trazem em si uma marca racial distin-
tiva com relação ao resto da população”
137
.
A presença destes componentes diferenciados na América Latina tem suas
conseqüências. Os antropólogos, interessados nas singularidades destas popula-
ções, voltaram-se excessivamente para suas diferenças. No entanto, para Darcy
Ribeiro, as semelhanças destes povos são mais significativas. Pois todos esses
contingentes estão plenamente “americanizados”. Lingüistica e culturalmente es-
ses povos identificam-se com as populações com as quais convivem. “Suas pecu-
liaridades, tendentes talvez a esmaecer, apenas os fazem membros diferenciáveis
da comunidade nacional em razão de sua remota origem
138
.
Enfim, na interpretação de D. Ribeiro, para afirmar a identidade latino-
americana e realizar as potencialidades presentes nas populões presentes no
continente, em meio à variedade cio-cultural latino-americana, faz-se necessá-
rio livrar-se das classes dominantes, medíocres e infecundas, que fizeram do lati-
no-americano um proletariado externo do primeiro mundo, impiedosamente ex-
plorado. Assim, “quando sairmos da pobreza e da ignorância a que estivemos se-
cularmente condenados, como produtores do que não consumimos, para gerar
prosperidades alheias, esplenderemos, afinal, como civilização nova, criativa, so-
lidária, alegre e feliz que haveremos de ser
139
. A este Povo Emergente é que se
pode chamar de Latino-Americano.
B. A América Latina e a herança da alienação cultural
Falar da identidade cultural latino-americana implica, objetivamente, colo-
car em questão e trazer à luz a histórica herança da alienação cultural. A alienação
cultural, na América Latina, tem duas raízes. Por um lado, é fruto da histórica
invasão e dominação cultural européia, e, por outro, acentua-se, a partir de um
137
D. RIBEIRO, O povo latino-americano, p. 761.
138
Ibid., p. 761.
fenômeno mais amplo e recente, que é a crescente homogeneização da cultura que
ganha força a partir do desenvolvimento da ciência e da técnica resultantes da
revolução industrial
140
. Para a América Latina, o resultado disto é a dependência e
alienação culturais ante as quais urge libertar-se.
No caso do desenvolvimento tecnológico e científico, vê-se que a ciência e
a técnica avançam rapidamente e, na América Latina, espaço o produtor de ci-
ência e tecnologia, ocorre um descompasso com estes avanços e, consequente-
mente, a América Latina torna-se dependente de sistemas tecnológicos e científi-
cos mais avançados. Cria-se assim uma dependência dos produtores de tecnologia
e estabelece-se uma dominão da parte dos países de centro para com os de peri-
feria. Desta forma, tecnologia e ciência passam a ter a função de estar a serviço da
dominação e da dependência com conseências políticas, econômicas e sociais.
Fruto deste processo será a dependência e a divisão entre centro e periferia, entre
produção e consumo de ciência e tecnologia, entre dominadores e dominados
141
.
A problemática da hisrica invasão e dominação cultural européia é mais
complexa. Tentar-se-á elucidá-la a partir da interpretação de Darcy Ribeiro. Para
este, o processo de expansão européia significou a conscrição, em um único sis-
tema econômico e altamente uniformizado em seus modos de ser e de viver, de
populações originalmente diferenciadas em línguas e culturas autônomas, cada
qual olhando o mundo com visão própria e regendo a vida por um corpo peculiar
de costumes e valores. Com isso, estas populações perdem a autenticidade de seu
modo de vida e mergulham em formas culturais espúrias
142
. Os povos latino-
americanos viram rejeitadas suas sociedades desde as bases, viram alterada sua
constituição étnica e degradadas suas culturas pela perda da autonomia no coman-
do das transformações a que eram submetidas. Uma multiplicidade de povos au-
tônomos, com suas tradições autênticas, foi transmudada em poucas sociedades
139
D. RIBEIRO, O povo latino-americano, p. 762.
140
Para Francisco Taborda, “o progresso tecnológico resultante da revolução industrial e ainda
mais o que já vem trazendo consigo a revolução informática que ora se processa, torna-se um fator
homogeneizante das culturas tanto mais avassalador, quanto mais desenvolvidas são a técnica e a
ciência que o produz e o fundamenta”. F. TABORDA, Cristianismo e Ideologia, p.179.
141
Cf. Ibid., p.179-180.
142
Segundo D. Ribeiro, o resultado deste processo é que submetidos aos mesmos processos de
deculturação, engajados em idênticos sistemas de produção, segundo formas estereotipadas de
domínio, todos os povos atingidos empobreceram culturalmente, caindo em condições incompri-
míveis de miserabilidade e desumanização que passaram a ser o denominador comum do homem
extra-europeu”. D. RIBEIRO, As Américas e a Civilização, p.78.
espúrias de culturas alienadas, só explicáveis em seu modo de ser pela ação domi-
nadora que sobre elas exercia uma forma e uma vontade externa
143
.
As conseqüências do processo podem ser descritas como dependência,
dominação e exploração e têm suas configurações econômicas, sociais e ideológi-
cas. No aspecto econômico, opera a dependência do comércio exterior que coor-
dena a maior parte das atividades, atribuindo às tarefas de produção dos artigos
exportáveis a quase totalidade da força de trabalho. No aspecto social, coroa a
estratificação uma camada dirigente que, sendo a um tempo, cúpula oligárquica da
sociedade nova e parcela da classe dominante do sistema colonial, age como força
de manutenção da dependência para com a metrópole. Na linha ideológica, lavra
um vasto aparato de instituições reguladoras e doutrinadoras, coatando a todos
segundo os valores religiosos, filosóficos e políticos de justificação do colonia-
lismo europeu e da alienação étnico-cultural
144
.
É importante ressaltar o papel ideológico da dominação cultural e suas
conseqüências. Os sistemas de coação ideológica faziam-se poderosos, pela intro-
jeção no povo e nas elites da sociedade subjugada, de uma visão do mundo e de si
mesma, que não lhe era ppria e que tinha a função de manter a dominão euro-
péia. Segundo D. Ribeiro, “esta interiorização da consciência do ‘outro’ dentro de
si mesmo é que determinava o caráter espúrio das culturas nascentes, impregnadas
em todas as suas dimensões de valores exógenos e desenraizadores”
145
.
Desta forma, mesmo as camadas mais lúcidas dos povos extra-europeus
aprendiam a ver a si mesmas e a sua gente como uma subumanidade com papel
subalterno e inferior à européia. Em conseqüência, a cultura nascente na América
Latina configura-se por uma ideologia de dependência em rios planos. No plano
do ethos nacional, esta ideologia se conforma como uma explicação do atraso e da
143
Mesmo ante esta tendência majoritária homogeneizadora e dominadora da cultura, D. Ribeiro
reconhece o esforço secular, realizado em surdina, nas esferas mais profundas e menos explícitas
da vida destas sociedades colonizadas. Tal esforço visa operar um processo de “reconstituição de
si próprias” destes povos. Nestes níveis exerce-se uma “criatividade cultural de autoreconstrução”,
primeiro, como etnias diferenciadas das matrizes originais, lutando para libertar-se das condições
impostas pela degradação colonial. Mais tarde esta “criatividade cultural de autoreconstrução” é
exercida como nacionalidades, deliberadas a conquistar o comando do seu próprio destino. “Este
esforço se fazia não apenas longe das áreas sujeitas a controle da autoridade reitora, mas também
contra sua atuação, zelosamente devotada a manter e a aprofundar o vínculo externo e a subjuga-
ção”. Nota-se assim, o que pode ser reconhecido como um “processo de libertação” cultural, onde,
apesar de todos os percalços, prossegue sempre, como uma “reação natural e necessária”, a tessitu-
ra da nova configuração cio-cultural autêntica dentro da espúria. Cf. D. RIBEIRO, As Aricas
e a Civilização, p.79-81. A citação encontra-se na p.80.
144
Cf. Ibid., p.80.
pobreza, em termos da inclemência do clima tropical, da inferioridade das raças
morenas, da degradação dos povos mestiços. No quadro social, o novo ethos se
faz um indutor de atitudes conformistas para com a estratificação social. Tais ati-
tudes explicam a nobreza dos brancos e a subalternidade dos morenos, ou a rique-
za dos ricos e a pobreza dos pobres, como naturais e necessárias. No plano racial,
o ethos colonialista se configura como uma justificativa da hierarquização racial.
Isto opera-se pela introjeção no índio, no negro e no mestiço de uma “consciência
mistificada” de sua subjugação. Através dela se explica o destino das camadas
subalternas por seus caracteres raciais e não pela explorão de que são vítimas.
“Deste modo, o colonialista o impera mas também se auto-dignifica, ao
mesmo tempo em que subjuga o negro, o índio e os seus mestiços e degrada suas
auto-imagens étnicas”
146
.
As conseqüências deste ethos alienado” são graves. Enquanto ele preva-
lece, o negro, o índio e seus mestiços não podem fugir destas posturas que os
compelem a se comportarem socialmente segundo expectativas que os descrevem
necessariamente como rudes e inferiores. Por isso desejam ‘branquear-se’, seja
pela conduta resignada ‘de quem conhece seu lugarna sociedade, seja pelo cru-
zamento preferencial com brancos para produzir uma prole ‘mais limpa de san-
gue’. Enfim, em seu conjunto, estas concepções ideológicas da dominão coloni-
al atuavam como lentes deformadoras antepostas diante das culturas nascentes,
que lhes impossibilitavam a criação de uma imagem autêntica do mundo, de uma
concepção genuína de si mesmos e, sobretudo, que as cegava diante das realidades
mais palpáveis
147
.
É ante esta alienação e dominação cultural que encontra-se a identidade
cultural latino-americana. É com esta alienação e dominação que é preciso romper
e delas libertar-se. Este rompimento se dá pelo desmascaramento das tramas secu-
lares de espoliação, pela aceitação da própria figura humana nacional mestiça que
compõe as populações latino-americanas, pela apreciação crítica do seu próprio
processo formativo, pela reconquista da autenticidade cultural, pela reassunção da
imagem ética dos povos subjugados que assumem, então, seu papel pprio na
História. Este processo será a libertação do jugo cultural, social, político e econô-
145
D. RIBEIRO, As Américas e a Civilização, p.81.
146
Ibid., p.83.
mico. A América Latina dos anos 60 vive neste contexto e cresce na tomada de
consciência do desafio da libertação do velho pela emergência revolucionária do
novo
148
.
Enfim, as indicões sobre a realidade social, política, econômica e cultu-
ral latino-americana servem como ponto de partida para a percepção do nível de
dependência, dominação, opressão, marginalização e silenciamento a que é sub-
metida a maior parte da população latino-americana. Do ponto de vista da cultura,
percebeu-se que a América Latina vive um processo de reconquista de sua identi-
dade cultural. Tal processo implica na superação da histórica herança de alienação
cultural imposta aos povos latino-americanos por uma cultura exógena de domínio
e neocolonialismo que, por meio de uma ideologia de dominação cultural, incutiu
e interiorizou nos povos latino-americanos dominados uma consciência cultural
espúria que considerava o ‘outro’, o ‘europeu’, o norte-americano’, o ‘branco
como valores superiores a serem seguidos e buscados.
Desta forma a afirmação de uma identidade latino-americana implica na
superação da alienação e dominação e, por conseguinte, na afirmação do processo
de libertação cultural, social, político e econômico. Nisto a dimensão cultural per-
passa todas as dimenes da vida do povo latino-americano. A mesma dominação
cultural expressa-se também na dominação econômica, onde o poder internacio-
nal, associado às oligarquias nacionais, domina, explora e espolia o povo latino-
147
Cf. D. RIBEIRO, As Aricas e a Civilização, p.82-87. Sobre o papel ideológico na cultura cf.
também: Id., Os Brasileiros. Teoria do Brasil, p.127-132.
148
A tipologia “velho” e “novo” é de D. Ribeiro e vem aplicada à questão cultural. Segundo ele, os
latino-americanos o o rebento de dois mil anos de latinidade, caldeada com populações mongo-
lóides e negróides, temperada com a herança de múltiplos patrimônios culturais e cristalizada sob a
compulsão do escravismo e da expansão salvacionista ibérica. São, ao mesmo tempo, uma civili-
zação velha como as mais velhas, enquanto cultura, metida em povos novos, como os mais novos,
enquanto etnias. “O patrinio velho se exprime, socialmente, no que tem de pior; a postura con-
sular e alienada das classes dominantes; os hábitos caudilhescos de mando e o gosto pelo poder
pessoal; a profunda discriminação social entre ricos e pobres que mais separa aos homens do que a
cor da pele; os costumes senhoriais como o gozo do lazer, o culto da cortesia entre patrícios, o
desprezo pelo trabalho, o conformismo e a resignação dos pobres com sua pobreza. O novo se
exprime na energia afirmadora que emerge das camadas oprimidas, afinal despertas para o caráter
profano e erradicável da miséria em que sempre viveram; na assunção cada vez mais lúcida e or-
gulhosa da própria imagem étnico-mestiça; no equacionamento das causas do atraso e da penúria e
na rebelião contra a ordem vigente”. Id., As Aricas e a Civilização, p.86-87. O choque entre
estas duas concepções da vida e da sociedade é, segundo Ribeiro, a revolução social latino-
americana em marcha. Tal revolução devolverá aos povos da América Latina o ímpeto criador
perdido há séculos por suas matrizes iricas, quando estas se atrasaram em integrar-se na civiliza-
ção industrial, entrando assim em decadência. Esta revolução significará o ingresso dos latino-
americanos no diálogo do mundo, como povos que têm uma contribuição específica a dar à nova
civilização ecunica. Contribuição mais humana, progressista, otimista, isenta e livre, pois não
fundam seus projetos nacionais de progresso na exploração de outros povos. Cf. Ibid., p.87.
americano, sugando-lhe todo o produto de seu trabalho. O resultado é uma Améri-
ca Latina subdesenvolvida que, a custo de seu incansável esforço, alimenta o de-
senvolvimento dos países centrais.
Esta dominação e espoliação econômica é sustentada também pela domi-
não política, em que uma estreita unidade de interesse entre as forças políti-
co-econômicas nacionais, e as forças do capital e da política internacionais. Esta
união visa manter os privilégios econômicos e políticos das elites nacionais e o
‘direito’ de espólio do capital internacional, bem como, o domínio político norte-
americano sobre a América Latina. O resultado social deste processo traduz-se em
pobreza, miséria, desigualdade social e cultural, analfabetismo, desemprego e vio-
lência para grande parte da população latino-americana em razão e em sustento de
pequenos grupos que formam oásis de riqueza e bem-estar. A América Latina
encontra-se, portanto, no período histórico de interesse desta pesquisa, em uma
situação de dominação e alienação cultural, dominação e dependência política, de
exploração, espoliação e dependência econômica, e socialmente marcada pela
marginalização, pobreza, desigualdade e miséria.
1.2. Sinais da emergência do processo de Libertação: movimentos
culturais, ideológicos e político-sociais e seu papel propulsor no
processo de conscientização da dominação e dependência
As injustiças, a miséria e a exploração praticadas pelas classes dominantes
levam a América Latina a tomar consciência própria de si e a uma conseqüente
exigência de libertação. Percebe-se que um processo histórico de dominação e
ante ele, propiciado pela consciência do mesmo, emerge o processo de libertação.
É no contexto amplo desta conscientização e do processo de libertação que emer-
ge a Teologia da Libertação
149
. Mas como ocorreu tal tomada de consciência? Que
fatores contribuíram para sua emergência?
Identificar as principais forças político-sociais, bem como os agentes do
emergente processo de libertação, que ganha força a partir de meados da década
de 50, é condição necessária para se falar da gênese da Teologia da Libertação.
Confluem movimentos sociais e políticos com participação de grupos de tendên-
cias marxistas, de grupos cristão-ecumênicos de esquerda, de membros da hierar-
149
Cf. G. GUTIÉRREZ, A força histórica dos pobres, p.279.
quia e do laicato católicos influenciados pelas novas tendências teológicas, e por
fatos eclesiais significativos no contexto mundial e continental. Ao mesmo tempo,
intelectuais propõem uma Sociologia latino-americana contraposta à Sociologia
funcionalista norte-americana. Soma-se a isso os fatos político-sociais relevantes
como a Revolução Cubana e os movimentos estudantis, operários e agrários. Com
isso o processo de libertação ganha forma e expressão. Identificar as principais
linhas e agentes destas formas e expressões é o que se pretende neste e no próxi-
mo itens. Na verdade pergunta-se pelos principais movimentos econômicos, soci-
ais, políticos, ideológicos, culturais e religiosos que possibilitaram a emergência
do processo de libertação. Aborda-se neste item os movimentos e acontecimentos
de cunho sócio-político e cultural-ideológicos, e, no próximo, o papel dos movi-
mentos eclesiais cristãos e os acontecimentos eclesiais mais significativos no pro-
cesso. Na prática, esses movimentos estão em estreita união e interdependência.
1.2.1. A importância de Paulo Freire e os movimentos educacionais
de conscientização
Os movimentos ligados a uma proposta de educação libertadora desempe-
nharam um papel significativo no processo de conscientização. Dentro destes mo-
vimentos destaca-se Paulo Freire. Propor-se-á, a seguir, indicar os aspectos destes
movimentos educacionais que mais contribram para a conscientização, por um
lado, da situação latino-americana, e por outro, da tarefa de libertação mediante o
engajamento no processo libertador. Portanto o que guia o interesse aqui não é
uma descrição detalhada da situação da educação na América Latina, mas sim do
papel dos movimentos educacionais de cunho conscientizador e libertador que
emergiram a partir da década de 50.
A partir dos fins da década de 50 emergem, principalmente no Brasil, mo-
vimentos de educação popular e centros populares de cultura
150
. Estes movimen-
tos se propunham agir na tarefa de conscientização das massas pelo caminho da
150
Sobre a descrição do contexto, dos atores e as principais atividades dos movimentos de educa-
ção popular que emergiram naquilo que Aída Bezerra chama de o mais denso período histórico da
educação popular” no Brasil (1959-1964), cf.: A. BEZERRA, As atividades em Educação Popu-
lar, p. 16-39. Cf. também toda a obra: A. BEZERRA; C.R. BRANDÃO (orgs.), A questão política
da Educação Popular. Esta obra coletiva reúne estudos de autores que estiveram envolvidos com
os projetos e experiências dos movimentos educacionais dos fins da década de 50 e início da déca-
da de 60. Neste período, entre tropeços e atropelos, procurava-se pensar a educação “às avessas” e
associá-la a um tipo de prática política, a que se chamou de libertação popular. Desta forma come-
çou-se a criar um espaço de prática política popular através da educação.
educação de base e da alfabetização, visando incorporar à sociedade os privados
ou excluídos da mesma. Segundo Giovanni Semeraro, grupos de estudantes, polí-
ticos e intelectuais se voltaram para as camadas populares, preocupados com a
promoção da cultura popular, a conscientização da realidade e a participação na
vida política. Estes grupos tinham objetivos políticos convergentes pois visavam à
transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas. Pretendiam o rom-
pimento dos laços de dependência e a valorização da cultura do povo. Neste con-
texto, a educação parecia, a estes grupos, um instrumento de fundamental impor-
tância para a construção de uma sociedade mais justa e humana
151
.
O aspecto político-ideológico destes movimentos vem salientado por Car-
los Rodrigues Brandão. Segundo ele, embora houvesse uma diversidade termino-
lógica para falar da educação popular
152
e dos movimentos com ela envolvidos, os
educadores populares do continente acreditavam estar praticando uma pedagogia
que tornava a educação um ato motivadamente político. Um ato que associa a
alfabetização de adultos, e algumas etapas posteriores de uma educação conscien-
tizadora, à transformação conseqüente do teor, do sentido e do destino das cultu-
ras populares. “Culturas voltadas, a partir de então, a uma prática de mobilização
dos povos de um país, de todo o continente, na direção de sua libertação política e
econômica, e da construção de outros tipos de sociedade, às quais os vários tons
da palavra ‘socialismo’ eram sempre lembrados”
153
.
Na gênese destes movimentos, está presente um novo conceito antropoló-
gico de cultura aplicado ao campo educacional. Segundo este conceito antropoló-
gico de cultura, supera-se a visão biologista, segundo a qual as diferenças entre as
culturas seriam decorrentes de fatores biológicos e raciais. O conceito antropoló-
gico reverte a concepção biológica da vida coletiva, partindo do princípio de que a
assimilação é um processo social-psicológico e não biológico. Daí que a difusão
da noção antropológica de cultura abriga a possibilidade de provocar uma mudan-
ça ideológica. Contra a idéia de que o indivíduo encontra-se indelevelmente mar-
cado pelo sangue e pela terra onde nasceu, invoca-se a percepção dos limites entre
151
Cf. G. SEMERARO, A primavera dos anos 60, p.83-84.
152
Educação popular, educação de adultos, educação permanente, educação libertadora, cultura
popular, educação conscientizadora.
153
C.R. Brandão, na apresentação da obra: M. PREISWERK, Educação Popular e Teologia da
Libertação, p.9-10; Cf. também p.9-13.
o genético e o social na formação da personalidade. Essa percepção será basilar
para que os processos educacionais adquiram a função de socialização
154
.
Na expressão de Paulo Freire, a maior novidade dos movimentos educa-
cionais estava na preocupão de levar ao povo analfabeto o conceito antropológi-
co de cultura, isto é, a distinção entre dois mundos: o da natureza e o da cultura,
em que a cultura é o acrescentamento que o homem fez ao mundo que ele não
fez
155
. Segundo Libânia Nacif Xavier, contribuíram para a gênese destes movi-
mentos, no caso do Brasil, a dinamização da participação política alimentada pelo
crescimento da organização sindical, o estímulo governamental aos movimentos
de educação de base, a adesão explícita de parte da Igreja Católica, em função dos
resultados do Vaticano II e da discussão teológica gerada pela Mater et Magistra
de João XXIII (1961) e, por fim, a mobilização do Partido Comunista Brasileiro
em torno de bandeiras como a escolarização de adultos, promovendo a organiza-
ção de centros de cultura em suas sedes
156
.
É importante ressaltar outro fator que parece ter contribuído, em geral no
processo de conscientização, mas sem dúvida, também na gênese dos movimentos
de educação libertadora. Darcy Ribeiro, em termos cio-antropológicos, afirma
154
Libânia Nacif Xavier afirma que o conceito de cultura era um poderoso instrumento de explica-
ção na Antropologia, tornando-se, também, uma poderosa arma para combater idéias nocivas que,
embasadas na fatalidade genética, serviam, sobretudo para a legitimação da desigualdade social.
Por seu turno, a educação escolar colocava-se como o instrumento por meio do qual se promoveria
o desenvolvimento econômico e a integração dos indivíduos em uma nova dinâmica da vida social.
Cf. L.N. XAVIER, Educação, Raça e Cultura em tempos de desenvolvimentismo, p.500.
155
Citado em: Ibid., p.501. É importante destacar que a questão cultural é uma constante na obra
de Paulo Freire. Para ele, na medida que o ser humano, integrando-se nas condições de seu contex-
to de vida, reflete sobre elas e leva respostas aos desafios que se lhe apresentam, cria cultura. A
partir das relações que o ser humano estabelece com o mundo, criando, recriando, decidindo, di-
namizando este mundo, ele contribui com algo do qual ele é o autor. Por este fato ele cria cultura.
Desta forma, a cultura, para Paulo Freire, tem, com efeito, um sentido próprio. A cultura, por opo-
sição à natureza que não é criação do ser humano, é a contribuição que o ser humano faz ao dado,
à natureza. Cultura é todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do ser
humano, de seu trabalho em transformar e estabelecer relações de diálogo com outros seres huma-
nos. A cultura é também aquisição sistemática da experiência humana, mas uma aquisição crítica e
criadora, e não uma justaposição de informações armazenadas na inteligência ou na memória e não
‘incorporadas’ ao ser total e na vida plena do ser humano. Desta forma, pode-se dizer que o ser
humano se cultiva e cria a cultura no ato de estabelecer relações, no ato de responder aos desafios
que lhe apresenta a natureza, como também, ao mesmo tempo, de criticar, de incorporar a seu
próprio ser e de traduzir por uma ação criadora a aquisição da experiência humana feita pelos seres
humanos que o rodeiam ou que o precederam. Para uma compreensão mais ampla da questão cul-
tural em Paulo Freire, confira especialmente: P. FREIRE, Eduacação e Mudança. 2ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979; Id., Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. 8ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987, principalmente p.42-85; Id., Conscientização. Teoria e prática da
libertação. 3ed. São Paulo: Editora Moraes, 1980; Id., Papel da Educação na Humanização. Em:
Waldo A. CESAR (Org.), Educação em Debate. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969, p.123-132.
156
Cf. Libânia Nacif XAVIER, op. cit., p.500-503.
que neste período começa a amadurecer uma intelectualidade mais apta a desven-
dar a trama ideológica justificatória da colonizão e da exploração classista em
que o Brasil esteve e está imerso e para criar uma consciência nacional mais rea-
lista e mais motivadora. Esta nova compreensão possibilita vários saltos no senti-
do da desalienação cultural a que a grande maioria do povo está submetida
157
.
Esta consciência crítica emergente na intelectualidade, junto com os outros fatores
já citados por L.N. Xavier, contribuiu para a emergência dos movimentos de edu-
cação de base visando acesso aos bens da cultura a todos. Pela identificação que o
Brasil tem com toda a América Latina e pela sua representatividade dentro dela, é
possível inferir que este processo de emergência de uma educação libertadora
também esteve presente em outros espaços geográficos latino-americanos
158
. Tal-
vez a expressão, em nível de América Latina, que melhor compreende o que foi
acima descrito, é a idéia e expressão Educação Popular
159
e a figura mais repre-
sentativa, não só em nível de América Latina, mas do mundo, é Paulo Freire
160
.
A idéia de educação popular ou educação libertadora está intimamente
ligada ao método pedagógico de Paulo Freire. o se propõe aqui uma descrição
detalhada do todo. Pretende-se sim, ressaltar o aspecto pedagógico da consci-
entização em vista de sua ligão com a perspectiva assumida pelos movimentos
populares latino-americanos e, mais especificamente, pelo processo de libertação
que está na gênese da Teologia da Libertação
161
. É mediante a conscientização
157
Cf. Darcy RIBEIRO, Os Brasileiros, p.160.
158
A veracidade desta inferência está no fato de que a Conferência de Ministros da Educação,
reunida em Caracas de 6 a 15 de dezembro de 1971, apontava como “toma corpo a idéia de uma
educação libertadora que contribua para formar a consciência crítica e estimular a participação
responsável do indivíduo nos processos culturais, sociais, políticos e econômicos”. Citado em: P.
FREIRE, Conscientização: teoria e prática da libertação, p.7.
159
A Educação Popular vem definida por Matthias Preiswerk como um movimento latino-
americano amplo e que abriga tendências pedagógicas, ideológicas e políticas muito diversas.
Dentro desta diversidade este autor entende a educação popular como “o conjunto de práticas
educativas realizadas por e com os setores populares dentro de uma perspectiva política de mudan-
ça social”. M. PREISWERK, Educação Popular e Teologia da Libertação, p.29.
160
Moacir Gadotti chama P. Freire de cidadão do mundo. Cf.: P. FREIRE, Educação na cidade. A
expressão de M. Gadotti encontra-se na primeira página de orelha da quarta edição da obra.
161
A ligação entre a Teologia da Libertação latino-americana e os movimentos de educação popu-
lar é demonstrada com propriedade por Mathhias Preiswerk na obra já citada Educação Popular e
Teologia da Libertação. Cf. também a perspectiva assumida por Paulo Freire no texto Carta a un
joven teólogo. Há muitas obras que abordam o todo pedagógico de Paulo Freire. Para o interes-
se desta pesquisa indica-se R.A. CUNHA, Conscientização e alfabetização no pensamento de
Paulo Freire, e o artigo: A.F.T. dos SANTOS, Cultura e educação a serviço da transformação
social, p.525-542. Além destas, é importante, no que tange ao interesse desta pesquisa, ver as
obras do próprio Paulo Freire: Conscientização: teoria e prática da libertação; Ação cultural para
a liberdade e outros escritos; Educação e Mudança; Pedagogia do Oprimido.
que se possibilita às massas populares dar-se conta de sua situação de marginali-
zação e dominação e, em conseqüência, engajar-se no processo de libertação.
Os aportes mais significativos na tarefa do processo de mudança são a i-
deologia e os métodos da pedagogia libertadora. Segundo tal pedagogia, a consci-
entização está diretamente relacionada à mudança social. Esta pedagogia parte da
superação da concepção pedagógica idealista, segundo a qual é possível mudar o
ser humano sem mudar seu mundo, sua cultura, sua sociedade. Daí a concepção,
forte em Paulo Freire, de que nenhum método educacional é neutro. A conscienti-
zação parte da realidade concreta que significa o momento histórico da América
Latina e que precisa ser urgentemente modificada. A mudança do ser humano e da
realidade são dois elementos que se relacionam necessariamente. Desta forma, a
verdadeira realização do ser humano não pode nem desenvolver-se unicamente na
interioridade da consciência e, tampouco, abandonando o movimento inexorável
das forças sociais. Se a realidade impede ao ser humano de ser ele mesmo, então,
não lhe resta outro caminho que transformar a realidade
162
.
O conteúdo semântico do termo conscientização é eminentemente trans-
formador e ultrapassa o simples tomar consciência. Conscientização é reflexão e
ação na História. É mais que ter consciência e tomar conhecimento da realidade
que cerca o ser humano. É o ser humano que toma uma atitude em busca de co-
nhecer, desvendar a realidade, penetrar em sua essência fenomênica e, através de
sua ação, assumi-la e orientá-la. Portanto, conscientização é compromisso históri-
co. A pedagogia assumida e proposta por Paulo Freire é uma pedagogia que não
aceita qualquer ação. Pelo contrário, é a pedagogia para o ser humano que se des-
cobre como oprimido, é o caminho rumo à conquista da liberdade e, até que o ser
humano não se insere criticamente na História para transformá-la, não se pode
dizer que esteja conscientizado.
Desta forma, o método pedagógico de Paulo Freire possui uma essencial
relação com a situação de opressão, e ante ela assume um papel libertador, tanto
para o oprimido como para o opressor aberto à transformação. Este processo leva
a uma ruptura definitiva com os métodos pedagógicos tradicionais. Passa-se de
uma pedagogia domesticadora e massificante para uma pedagogia onde educador
e educando empreendem um caminho de aprendizagem comum, ambos, mediati-
162
Cf. S. GALILEA (Org.), Información teológica y pastoral sobre América Latina, p.34-35.
zados pela realidade que os torna seres históricos. O conhecimento crítico ilumina
a ação do ser humano e a torna transformadora. A pedagogia resulta, assim, ao
mesmo tempo em um exercício da liberdade, portanto, em um processo de liberta-
ção, e em uma educação para a liberdade
163
.
Por fim, é importante ressaltar que o método pedagógico da conscientiza-
ção, proposto por Paulo Freire e disseminado na América Latina como educação
popular e libertadora, contribuiu para abrir caminho a numerosas e diversificadas
linhas de investigação: novas rmulas de leitura das realidades quotidianas; mé-
todos de análise das relações de dependência e das situações conflitivas (líder-
massa; dominador-dominado; homem-mulher; etc.); passagem de uma visão seto-
rial para a visão global da realidade; estudo das relações entre uma Teologia e
educação libertadoras; elaboração de uma metodologia da mudança
164
.
Desta forma é possível afirmar que Paulo Freire, bem como todo o movi-
mento de educação de base ou popular que ele representa e no qual ele mesmo
nasce, estão na gênese do processo histórico latino-americano de conscientização
da situação de dependência, opressão e dominação, e contribuíram para a tomada
de consciência da realidade e para a tarefa de sua transformação. A gênese da
Teologia da Libertação latino-americana está imersa neste processo maior que
emerge na América Latina. Daí que se pode concluir pela significatividade e con-
tribuição dos processos de educação popular para a Teologia da Libertação em
suas fases iniciais de elaboração
165
.
1.2.2. O processo revoluciorio latino-americano: caminhos de
concretização do processo de libertação
Ante a situação de dominação, dependência e exploração, e a tomada de
consciência de tal situação e de suas causas profundas, o processo de libertação
configura-se como um processo urgente e revolucionário. A libertação das forças
de dominação e exploração parece encontrar o caminho revolucionário como al-
163
Cf. S. GALILEA (Org.), Información teológica y pastoral sobre América Latina, p.35-37.
164
Cf. Prólogo da obra: P. FREIRE, Conscientização: teoria e prática da libertação, p.9-11.
165
Para uma precisão maior das relações entre a Teologia da Libertação latino-americana e o mé-
todo pedagógico de Paulo Freire cf. G. CASALIS, Libération et conscientisation en Arique
Latine, p.165-187; M. PREISWERK, Educação Popular e Teologia da Libertação, especialmente
a segunda parte da obra em que o autor trata das “interões” entre Educação Popular e Teologia
da Libertação, cf. p.145-231; P. FREIRE, Ação cultural para a liberdade e outros escritos, espe-
cialmente à p.105-127, onde está retratado um texto escrito em 1971 sobre o papel educativo das
Igrejas na América Latina.
ternativa. Entende-se que a revolução pode configurar-se de modos distintos, que
vão da revolução armada, como a cubana, passando pela libertação democrática,
rumo ao socialismo latino-americano, como a tentativa de Allende no Chile, até a
“revolução dentro da paz”, como a apregoada por Hélder Câmara
166
. Mas em que
consiste o processo de libertação ou o processo revolucionário? Que configura-
ções o processo de libertação assume na América Latina? Estas são as questões
que orientarão este e o próximo item. A importância da abordagem do processo de
libertação e de suas configurações concretas está no fato de que ele é a base sócio-
ideológica da gênese da Teologia da Libertação. A Teologia da Libertação pode
ser interpretada como a reflexão teológica de um processo mais amplo emergente
na América Latina dos anos 60: trata-se do processo revolucionário rumo à libera-
ção da dominação, opressão e exploração.
A consciência da realidade de pobreza e miséria, e de suas causas e agen-
tes, permite falar de processo de libertação. Libertação exprime, neste contexto,
ruptura com as causas e forças de dominação e exploração. Daí que o primeiro
anseio é por libertação econômica, social e política, pois é que a dominão e
exploração é mais evidente no contexto latino-americano. Para Gustavo Gutiér-
rez
167
, a quem segue-se de ora em diante, caracterizar a América Latina como con-
tinente dominado e oprimido leva, conseqüentemente, a falar de libertação e a
engajar-se no processo que a ela conduz. Evidencia-se, assim, uma nova atitude
do ser humano na América Latina. Emergem grupos que, ante os fracassos desen-
volvimentistas e reformistas, crêem que pode haver desenvolvimento autêntico
para a América Latina na libertação da dominação exercida pelo poder capitalista
local e externo. É neste contexto que fala-se de revolução social
168
: torna-se cada
vez mais evidente que os povos latino-americanos não sairão de sua situação a
não ser mediante uma transformação profunda que mude radical e qualitativamen-
te as condições de dominação em que vivem.
Setores oprimidos no interior de cada país vão, lentamente, tomando cons-
ciência de seus interesses de classe e do penoso caminho a percorrer até a quebra
da dominação, bem como do que significa construir uma nova sociedade. Assu-
mem papel importante os movimentos populares que exigem, a partir da urbaniza-
166
Cf. H. CAMARA, Revolução dentro da paz. 2ed. Rio de Janeiro: Editora Sabiá, 1968.
167
Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.75-88.
ção e industrialização crescente desde 1930, uma maior participão na vida eco-
nômica e política de seus países. É no interior destes movimentos que se desen-
volvem, a partir de fins da década de 50, os movimentos de radicalização política.
Logra papel simbólico fundamental, neste processo, a revolução cubana. A partir
daí surgem os focos guerrilheiros que pretendem mobilizar as massas a curto pra-
zo para a revolução social radicalizada. Diante disto, escreve Gutiérrez: “estamos,
na América Latina, em pleno processo de fermentação revolucionária”
169
.
O fato é que a insustentável situação de miséria, alienação e espoliação em
que vive a imensa maioria da população latino-americana pressiona, com urgên-
cia, a encontrar o caminho de uma libertação econômica, social e política, e este é
o primeiro passo rumo a uma nova sociedade. O veio mais fecundo e de maior
alcance a levantar a bandeira da libertação latino-americana é, majoritariamente,
de inspiração socialista
170
e com uma orientação teórica e prática diversificada
171
.
É importante ressaltar que o processo de libertação na América Latina não
es restrito à libertação da dependência econômica, social e política. Consiste,
mais profundamente, em ver o devir da humanidade como um processo de eman-
cipação do ser humano ao longo da História, orientado para uma sociedade quali-
tativamente diferente, na qual o ser humano se sinta livre de toda servidão e seja o
construtor de seu próprio destino e de sua própria História
172
. Trata-se da busca do
ser humano novo e da sociedade nova. Libertar-se é tomar as rédeas do pprio
destino, ser artífice da própria Hisria
173
. Este é o sustentáculo profundo do em-
penho do ser humano latino-americano rumo a libertação. Mas, para que esta seja
autêntica e plena, ela precisa ser assumida pelo povo oprimido e partir de seus
próprios valores. Só assim pode ocorrer autêntica revolução cultural e humana
174
.
Aportes significativos para compreender o processo de libertação latino-
americano são dados por Hugo Assmann
175
. Segundo ele, falar do compromisso
168
Para uma caracterização detalhada da Ação Revolucionária cf.: J. COMBLIN, O tempo da
ão, p.286-298; D. RIBEIRO, O dilema da América Latina, 208-234.
169
Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.85.
170
Para uma descrição das forças socialistas na Arica Latina e sua participação no processo
revolucionário cf. D. RIBEIRO, op. cit., p.179-247.
171
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, op. cit., p.83-87.
172
Cf. Ibid., p.87; 32-45.
173
Cf. G. GUTIÉRREZ, A contestação na América Latina, p.964-966.
174
É nesta linha que, segundo Gutiérrez, estão os esforços de Paulo Freire e de sua pedagogia
libertadora. Cf. Id., Teologia da Libertação, p.87-88. Uma descrição do processo de libertação
pode ser encontrada também em: L. BOFF, Teologia do cativeiro e da libertação, p.83-102.
175
Cf. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, p.121-138.
com o processo de libertação na América Latina implica partir de uma determina-
da análise da realidade dos povos dominados, e a opção por uma determinada aná-
lise da realidade social nunca é um passo neutro. Nesta concepção há uma ligação
fundamental entre o processo de libertação e a análise da dependência proporcio-
nada pelas Ciências Sociais latino-americanas. O contexto básico no qual se ins-
creve, em nível sócio-analítico, o processo de libertação está estreitamente rela-
cionado aos conceitos correlativos de dependência e libertação. A linguagem da
libertação é, desta forma, a linguagem da articulação das conseqüências revolu-
cionárias que é preciso tirar, a nível sócio-econômico-político, da linguagem ana-
lítica da dependência. Por isso o processo de libertação se entende como o novo
caminho revolucionário que os países latino-americanos precisam assumir se que-
rem uma saída real de sua situação de dependência.
O ponto de ruptura deste novo caminho revolucionário está representado
pelo recho das saídas desenvolvimentistas de matiz variado. Neste vel, optar
por um caminho de libertação ainda não inclui a determinação de detalhes estraté-
gico-ticos de luta libertadora. Trata-se de uma postura abstrata que exige ulterior
“concretização circunstanciada”. Em conseqüência, “a libertação, como caminho
revolucionário efetivo, implica necessariamente a elaboração de uma estratégia (e
esta inclui necessariamente a opção por teses políticas concretas) e de seus passos
táticos de execução segundo prioridades”
176
. Daí uma conclusão importantíssima:
a opção pela libertação precisa concretizar-se em uma prática libertadora conse-
qüente
177
. E mais, a libertação só pode realizar-se se um real projeto histórico
de ruptura com toda dependência e dominação. Portanto, se um efetivo com-
promisso revolucionário. São, desta forma, os diferentes projetos históricos que
permeiam a América Latina que estão na gênese do compromisso revolucionário
ou anti-revoluciorio
178
.
Estabelece-se assim o caráter conflitivo que marca a América Latina a par-
tir do momento em que parte das camadas oprimidas e dominadas da sociedade
tomam consciência de sua situação e propõem-se, por meio de projetos históricos
de libertação, romper com as causas da dominação rumo a uma sociedade nova
179
.
176
H. ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, p.124.
177
Cf. Ibid., p.122-124.
178
Cf. Ibid., p.157-170.
179
Juan L. Segundo afirma que “quando o homem latino-americano tiver optado por uma mudança
radical das estruturas políticas de sua sociedade, saberá que atacá-las equivale a confrontar-se com
A partir da subversão
180
dos dominados emerge o conflito resultante do choque de
interesses entre dois projetos históricos: um que almeja romper com o domínio e
outro que pretende continuar com os privilégios e com os benefícios trazidos pela
exploração e dominão. Gera-se, assim, a luta de forças que vêm denominadas
como violência e contra-violência
181
, revolução e contra-revolução.
Concluindo, pode-se afirmar que o novo espírito revolucionárioé uma
realidade junto a vários grupos na América Latina da década de 60
182
. Trata-se do
processo de libertação em marcha rumo a uma sociedade e a um ser humano no-
vos. Resta, no próximo item, identificar algumas de suas configurações principais.
1.2.3. Configurações e expressões do processo revolucionário
latino-americano
Os movimentos sociais e político-ideológicos são o espaço de configura-
ção e expressão do processo revolucionário latino-americano. grande diversi-
dade de tais movimentos na América Latina, e é impossível, nesta descrição e no
espaço que esta pesquisa reserva para tal tema, qualquer tipologia que queira con-
templar a todos. Propõe-se a seguir apenas alguns exemplos significativos.
A. As opções socialistas latino-americanas
A partir da década de 50 surgem na América Latina grande número de
movimentos revolucionários. Tais movimentos geraram um clima libertário no
continente e criaram em torno de si um clima de expectativa de libertação em
perspectiva socialista. Configura-se, assim, um projeto histórico de libertação so-
cialista para a América Latina protagonizado pelas forças revolucionárias.
Segundo a interpretação de Darcy Ribeiro
183
, no movimento de esquerda
revolucionária da América Latina pode-se distinguir três componentes principais:
a nova esquerda, os partidos comunistas e os grupos insurrecionais. Todos são
revolucionários pois estão descomprometidos com o sistema institucional vigente
o grupo mais poderoso e decidido a empregar todos os meios para permanecer em seu lugar de
privilégio”. J.L. SEGUNDO, Da Sociedade à Teologia, p.145.
180
Sobre a subversão na América Latina cf.: O.F. BORBA, Subversión y desarrollo: el caso de
América Latina, em: H. ASSMANN et alii, Pueblo oprimido, señor de la historia, p.137-151.
181
Cf. G. ARROYO, Violencia institucionalizada en América Latina, p.534-544.
182
A expressão novo espírito revolucionário é de Richard Shaull e vem expressa em um artigo em
que demonstra as causas e os participantes do processo revolucionário, bem como a problemática
da presença cris na revolução, o problema da violência e o papel do marxismo na revolução
latino-americana. Cf. R. SHAULL, O novo espírito revolucionário da América Latina, p.103-119.
183
Cf. D. RIBEIRO, O dilema da América Latina, p.179-247.
e deliberados a compor uma nova estrutura de poder, capacitada a atender às aspi-
rações das classes menos favorecidas. A variedade destes movimentos é dada jus-
tamente pelos graus de descomprometimento com as estruturas de poder, bem
como pela deliberação em enfrentá-la e proscrevê-la.
A nova esquerda é composta por grupos intelectualizados dos setores in-
termediários, desligados de organizações partidárias que atuam como núcleo de
crítica. Torna-se assim a expressão mais elevada do amadurecimento da consciên-
cia crítica na América Latina. Representa, neste sentido, um duplo esforço de de-
salienação: primeiro, libertar a consciência dos conteúdos espúrios introduzidos
no curso de séculos de dominação colonial e neocolonial, aos quais se acrescenta-
ram os valores e as imagens alienadoras difundidas pela ideologia capitalista nor-
te-americana através de todos os meios de divulgação. Segundo, viabilizar a cria-
tividade cultural e artística de seus povos, utilizando-a como instrumento de poli-
tização. Estes esforços são simultâneos à tomada de consciência das causas do
subdesenvolvimento e importam uma postura virtualmente insurgente contra a
ordem instituída. Tanto os criadores como os consumidores da nova literatura, da
nova música popular, do cinema e do teatro de vanguarda cumprem, a um só tem-
po, a função de se libertarem de toda a sorte de agregações culturais espúrias, e a
de criar uma consciência crítica e combativa que aponta para a revolução social
como a saída inevitável da situação de ignorância e de penúria em que estão mer-
gulhados milhões de latino-americanos.
Os principais membros participantes desta nova esquerda são grupos de
jovens, líderes universitários, intelectuais e artistas, sindicalistas, cientistas, técni-
cos, militares progressistas e políticos radicais que foram proscritos pelas ditadu-
ras repressivas. Estes atuam como um fermento que sentido e autenticidade à
vida intelectual latino-americana pois a vincula à luta revolucionária
184
.
Os partidos comunistas desempenham um papel capital na vida política
latino-americana, exercendo uma influência ideológica notoriamente maior do que
a correspondente à sua força política e sindical. Apesar de seu caráter proletário,
atuam principalmente através de quadros oriundos dos setores intermediários,
dedicados profissionalmente ao ativismo político. Cumprem a função de fermento
da vida intelectual e política; de núcleos de difusão de interpretações avançadas da
184
Para uma descrição mais detalhada da nova esquerda latino-americana cf.: D. RIBEIRO, O
dilema da América Latina, p.180-191.
realidade social; de politização de quadros, de formulação de consignas políticas e
de mobilização popular em torno deles para grandes campanhas em defesa do
direito de sindicalização, da reforma agrária, da luta antiimperialista e da industri-
alização autônoma. Isto possibilitou à vida política latino-americana alcançar acu-
idade maior na compreensão da realidade social e maior amplitude de visão
185
.
Os grupos insurrecionais compõem, na década de 60, o contingente mais
dinâmico das esquerdas revolucionárias latino-americanas. Estes grupos são re-
crutados tanto no âmbito da nova esquerda, quanto entre os militantes da esquerda
tradicional que se rebelam contra a conciliação e o quietismo. Participam deles
também militares proscritos que se disem a lutar de todas as formas contra a
ordem vigente. Suas expressões, na década de 60, são os grupos guerrilheiros e os
grupos clandestinos urbanos e rurais. Eram integrados, principalmente, por jovens
militantes que viam na experiência cubana o seu paradigma de revolução social e
que encontravam naquela experiência uma forma concreta para desfechar movi-
mentos revolucionários aparentemente capazes de difundir-se como insurreições
generalizadas, na medida em que ativem as tensões estruturais características do
subdesenvolvimento
186
. A partir desta descrição sumária das forças de libertação
emergentes, procurar-se-á, a seguir, adentrar em alguns exemplos concretos. Res-
salta-se o papel simbólico que logrou a Revolução Cubana e as figuras de Ernesto
Che Guevara e Camilo Torres.
Significado da Revolução Cubana no processo revolucionário latino-americano
A Revolução Cubana
187
foi um processo histórico
188
de alta significativi-
dade para o processo revolucionário de libertação latino-americano. A derrota de
Fulgêncio Batista pelas forças guerrilheiras revolucionárias, sob o comando de
Fidel Castro, em 1959 representou, no imaginário revolucionário latino-
185
Para uma visão mais abrangente da presença dos grupos comunistas ortodoxos e heréticos na
América Latina cf.: D. RIBEIRO, O dilema da Arica Latina, p.191-200.
186
Cf. Ibid., p.200-205.
187
Para uma leitura abrangente da Revolução Cubana cf.: Id., As Américas e a Civilização, p.368-
379; P.D. NOGARE, Humanismos e anti-humanismos, p.439; Sobre os aspectos econômicos da
Revolução Cubana cf.: C. FURTADO, A economia latino-americana, p.311-330.
188
Esta concepção de processo histórico evidencia-se nas palavras de Ernesto Che Guevara: “Para
Cuba, o 1
o
de janeiro (de 1959) é o resultado do 26 de julho de 1953 e do 12 de agosto de 1933 e
também do 24 de fevereiro de 1895 ou do 10 de outubro de 1868... Esta data, primeiro de janeiro,
conquistada a preço extremamente elevado para o povo cubano, resume as lutas de gerações e
gerações de cubanos, desde a formação da nacionalidade pela soberania, pela pátria, pela liberdade
e pela total independência política e ecomica de Cuba”. E. Che GUEVARA, Obra revolucioná-
americano, a possibilidade de estabelecer uma nova ordem na América Latina por
meio de movimentos assemelhados ao que obteve sucesso em Cuba
189
. Ante a
situação de estagnação econômica, marginalização, dependência, exploração, au-
mento da miséria e repressão vividas por toda a América Latina, a Revolução Cu-
bana surge como alternativa viável para se romper com o núcleo causador do sub-
desenvolvimento: a dependência. A capacidade de Cuba triunfar mediante o foco
guerrilheiro, sua capacidade de defender a revolução diante da invasão da Baía
dos Porcos, e sua decisão de socializar os meios de produção para tornar possível
uma sociedade justa, e a formação do “homem novo”, se convertem em esperança
para a América Latina
190
.
Cuba é a expressão de que o poderio capitalista, capitaneado pelos Estados
Unidos
191
, que mantém a América Latina em condições de subdesenvolvimento,
pode ser vencido. Isto vai influenciar fortemente as esquerdas latino-americanas,
bem como a política norte-americana para a América Latina
192
. Cuba abre o cami-
nho da América Latina rumo à libertação, quando esta vive sua maior percepção e
ria. 2ed. México: Ediciones Era, 1968, p.298-9, citado por: O. IANNI, Classe e Nação, p.136, nota
3. Cf. também: P.D. NOGARE, op. cit., p.413-419.
189
Desde os primeiros anos da implantação do socialismo cubano começou a emergir na América
Latina um novo entusiasmo pela causa revolucionária. A revolução cubana abre um novo período
da história continental. Cuba torna-se, na expressão de Hernán Parada, “um centro guerrilheiro e
seu melhor campo de treinamento”. Em Cuba se preparam grupos guerrilheiros de outros países
da América Latina. Cf. H. PARADA, Crónica de Medellín, p.123-124.
190
Cf. S.S. GOTAY, Origem e desenvolvimento do pensamento cristão revolucionário a partir da
radicalização da doutrina social crisnas décadas de 1960 e 1970. Em: E. DUSSEL et alii, His-
tória da Teologia na América Latina, p.150.
191
São elucidativas as palavras de Darcy Ribeiro sobre a situação cubana antes da revolução: “Cu-
ba inteira, mas principalmente sua capital, transmudara-se em área de recreio para turistas ameri-
canos, preparada para oferecer, nas condições mais ostentatórias, o ideal de férias ao norte-
americano disciplinado que, depois de um ano de conduta virtuosa, aspirava um recreio tropical. A
ilha configurava, assim, o panorama de um prostíbulo de luxo complementar ao sistema econômi-
co e social prevalecente nos países latino-americanos mais penetrados pelas corporações ianques.
Uma economia voltada para o exterior, próspera para os investimentos estrangeiros, mas terrivel-
mente espoliativa para seu próprio povo”. D. RIBEIRO, As Américas e a Civilização, p.368-369.
192
Para D. Ribeiro, o exemplo de Cuba é expressão do mais radical contraste aos interesses capita-
listas norte-americanos. Precisamente ali onde tudo parecia mais adverso, onde maior era a pene-
tração imperialista; onde mais alta era a rentabilidade dos seus inversionistas; onde estes pareciam
mais satisfeitos; e, ainda, onde mais servil era a oligarquia local; exatamente ali, rompeu-se, pri-
meiro, a cadeia de dominação. Desta forma, “nenhum episódio das duas guerras mundiais, nenhum
acontecimento internacional alcançou, por isto, tão grande impacto sobre a Arica do Norte que
a revolução cubana. Primeiro, foi a surpresa diante da rebelião dos simpáticos jovens barbados,
aparentemente românticos; depois, a perplexidade diante da determinação irredutível destes mes-
mos jovens na fixação dos critérios populares da reordenação da economia e da sociedade cubana.
Finalmente, o rancor insuflado pelos grandes empresários prejudicados pela nacionalização de
seus lucros e pelos estrategistas políticos advertidos para o risco que representava o precedente da
revolução cubana para o domínio ianque de toda a América Latina. Ibid., p.370. O itálico é do
autor desta pesquisa.
consciência da dominação, espoliação e exploração. Torna-se um marco na histó-
ria do processo revolucionário rumo à libertação da América Latina.
A figura de Ernesto Che Guevara no processo revolucionário latino-americano
A década de 60 é a década dos movimentos guerrilheiros revolucionários
na América Latina. Suas duas figuras mais eminentes são Camilo Torres, morto
em 15 de fevereiro de 1966, e Ernesto Che Guevara, morto em 8 de outubro de
1967. Estas personalidades produzem impacto no continente e assumem papel de
símbolos martiriológicos do espírito revoluciorio libertador latino-americano.
Ernesto Guevara Lynch de la Serna nasceu em 14 de maio de 1928, na
Argentina, e morreu executado pelo exército boliviano com a ajuda da CIA, na
selva boliviana em outubro de 1967. Apesar de participar diretamente da política
durante um período relativamente curto (1955-1967), pelas intervenções decisivas
que teve, pelo pensamento que desenvolveu e pelo significado que sua trajetória
assumiu, Guevara representa um dos símbolos do século XX. Companheiro de
Fidel Castro na Revolução Cubana, também esteve presente, seja em pessoa ou
pelo seu exemplo, junto aos movimentos de libertação na América Latina e em
outras partes do Terceiro Mundo.
A luta central de Ernesto Che Guevara é pela realização de uma nova soci-
edade e, com ela, pelo que ele chamou de “Homem Novo”
193
. Isto é, pelo ser hu-
mano sobre o qual não pesem formas de dominação alguma. Pelo ser humano
que, desalienado, segue lutando e atuando, mas por aquilo que pode considerar
como próprio. Isto é, pelo ser humano que não se considera mais instrumento dos
outros. É deste Homem Novo que dependerá a construção de uma sociedade nova.
Por isso é necessário educar, formar e preparar o ser humano para que torne pos-
sível esta nova sociedade. Uma sociedade que tenha sua base na justiça e esteja
fundamentada em uma relação de solidariedade e não mais de dependência.
Para Ernesto Che Guevara, a revolução é necessária na América Latina
para pôr fim às injustiças e corrupções e para elevar as condições de vida de seus
povos. Trata-se de uma revolução que se distingue dos reformismos que aspi-
ram mudanças que o afetam os interesses das oligarquias ou dos neocolonialis-
mos. Neste processo, o marxismo não é uma meta, mas é um instrumento para
193
Sobre o Homem Novo cf. o texto de Guevara em: L. ZEA (Org.), Fuentes de la cultura latino-
americana, vol.I, p.321-333.
alcançar um mundo mais justo, pois ajuda a explicar a realidade sobre a qual se
deve atuar e transformar. Che Guevara faz suas as bandeiras solidárias de Bolí-
var
194
e Martí
195
. Novas formas de solidariedade devem ser buscadas até que se
alcance uma integração que não se fundamente na exploração. Assim, a revolu-
ção, na América Latina, é mais que um projeto: é uma necessidade iniludível
196
.
Em Guevara reúnem-se várias dimensões do pensamento e da ação huma-
na. Está presente o homem, o guerrilheiro, o dirigente revolucionário. Seu pensa-
mento conseguiu estender-se da estratégia político-militar ao socialismo humanis-
ta, passando pela ética revolucionária e pela solidariedade internacional
197
. Torna-
se um símbolo de resistência e entrega pela causa revolucionário-libertadora da
América Latina.
Camilo Torres Restrepo e seu significado para o movimento revolucionário
Camilo Torres, junto com Che Guevara, é um dos principais heróis revolu-
cionários da América Latina. Foi um intelectual de origem burguesa que, baseado
em princípios cristãos de amor ao próximo, foi tomado de crescente indignação
contra a ordem vigente. Estudou Sociologia na França, onde obteve sua licencia-
tura entre 1956 e 1958, em Louvaina. Foi professor de Sociologia na Universidade
Nacional e dirigiu durante vários anos o Instituto de Administração Social da Es-
cola Superior de Administração Pública. Além de intelectual, sociólogo e político,
Camilo Torres era também sacerdote católico. O cristianismo estava profunda-
mente presente em sua vida e isso vai determinar sua história. Sua atividade polí-
tica crescente, a crescente radicalização de suas posições e, finalmente, sua deci-
o de participar da guerrilha, tem como base seu cristianismo
198
. Ser cristão era,
194
Simón Bolívar viveu na Venezuela entre 1783-1830. Seus principais textos são a Carta da
Jamaica (1815) e o Discurso de Angostura (1819). Bolívar assume para si o título de Libertador e
proe um projeto de libertação que conheça e assuma a identidade latino-americana dos povos a
serem libertados. Os textos acima citados encontram-se em: Ibid., p.17-32 (Carta da Jamaica);
p.441-460 (Discurso de Angostura).
195
José Martí é um pensador e libertador cubano que viveu entre 1853-1895. Luta, ao longo de sua
vida, pela liberdade de sua pátria e também, como Bolívar, pela integração da América Latina
chamada por ele de Nossa América. Luta contra o colonialismo hispânico e contra o nascente co-
lonialismo norte-americano. Seu principal texto Nuestra América, escrito em 1891, encontra-se
em: Ibid., p.121-127. Sobre as raízes anti-imperialistas de José Martí confira o texto: Juan
MARINELLO, Las raíces antiimperialistas de José Martí. Em: Ibid., p.347-354.
196
Cf. os textos de Guevara sobre a Revolução Necessária na América Latina em: Leopoldo ZEA
(Org.), Fuentes de la cultura latinoamericana, vol.II, p.413-425; E. SADER (introd. e trad.), O
socialismo humanista; G. CHIAROMONTE et alii. Che Guevara. S/l: Editrice L´Unità, s/d.
197
Cf. E. SADER (introd. e trad.), O socialismo humanista, p.7-18.
198
Cf. Luiz C. Bresser PEREIRA, As revoluções utópicas, p.22-23.
para ele, preocupar-se pelos seres humanos em suas condições e necessidades
particulares e concretas. O amor cristão era então o esforço consciente e inteligen-
te adequado às condições históricas, no sentido de mudar as estruturas econômicas
e sociais básicas que produziam a miséria da maioria de seu povo. A se torna,
assim, eficaz mediante este amor. E o caminho para o amor e fé eficazes é um:
a mudança das estruturas da sociedade que diariamente criam e multiplicam situa-
ções de miséria e pobreza. Este é o caminho da revolução
199
.
em 1962 Camilo Torres começa a se tornar uma figura pública de im-
portância quando, significativamente, devido a reivindicações estudantis, toma o
partido dos estudantes, e afinal é levado pela hierarquia católica a renunciar a seu
cargo de professor da Universidade. Porém, é a partir do início de 1965, quando
Camilo Torres redige e publica a “Plataforma da Frente Unida do Povo Colombi-
ano”, documento de sentido revolucionário, através do qual pretende promover a
união das esquerdas, que tem início uma série de desentendimentos com a hierar-
quia católica colombiana. Tais desentendimentos resultam em sua destituição de
todas as funções e inclusive foi “reduzido ao estado laicalacusado pelo cardeal
de difusor de doutrinas “errôneas e perniciosas”
200
. Camilo Torres, apesar disso,
continuou considerando-se sacerdote e considerando sua ação revolucionária co-
mo uma luta sacerdotal. Mediante o fracasso dos caminhos possíveis para a liber-
tação do povo, por causa da repressão e das alianças das oligarquias nacionais,
Camilo Torres vê-se compelido à luta armada como último caminho. Une-se ao
movimento castrista e embrenha-se na luta revolucionária armada. Foi morto no
dia 15 de fevereiro de 1966, vítima de uma emboscada, em um pequeno vilarejo
de El Carmen, na Colômbia. Seu nome liga-se assim à história da revolução social
latino-americana.
Segundo Luiz C. Bresser Pereira, a figura de Camilo Torres é importante,
dentro deste contexto, o apenas devido à repercussão que ganhou seu nome de-
pois de morto. É particularmente significativo que o seu engajamento político
revolucionário, que terminou no sacrifício de sua vida, foi sempre e claramente
199
Cf. J.M. BONINO, Fé e eficácia, p.47-48. Confira também excertos dos textos de Camilo Tor-
res em que ele justifica seu engajamento revolucionário em: H.P. HAUS (Hrsg.), Christliche revo-
lution, p.107-108; Camilo TORRES, Encruzilhada da Igreja na América Latina, p.137.
200
Cf. H. PARADA, Crónica de Medellín, p.124-131.
realizado em nome do cristianismo, da fé, e da concretização do amor cristão
201
.
Desta forma, Camilo Torres torna-se, dentro do grande processo revolucionário
latino-americano dos anos 60, um símbolo para os que lutam contra a opressão,
dominação e marginalizão. A força do Camilo Torres-símbolo esno fato de
que nele se encontram três elementos que naquele momento histórico pareciam
inconciliáveis: o cristão, e, no seu caso, sobretudo o sacerdote, que, em nome da
própria fé, conduz uma luta sem tréguas contra os poderes opressores; o intelectu-
al, empenhado radicalmente na luta política concreta; e o guerrilheiro, que aposta
tudo na luta em favor dos oprimidos
202
.
Salvador Allende e a Revolução Socialista Democrática Chilena
A Democracia Cristã, que assume o poder no Chile em 1964, com a viria
de Eduardo Frei, é derrotada com a eleição democrática de Salvador Allende. A
vitória de Salvador Allende nas eleições presidenciais coloca o Chile em uma no-
va via de transição para o socialismo. É a primeira vez que o marxismo chega ao
poder pela via democrática. O desafio secaminhar rumo ao socialismo chileno
pela via democrática e pacífica. Esta era a expectativa. No entanto, a realidade não
confirmou esta expectativa.
201
Cf. L.C.B. PEREIRA, As revoluções utópicas, p.24. O autor retrata nesta página interessante
texto de C. Torres: “Eu deixei os deveres e privilégios do clero, mas não deixei de ser sacerdote.
Creio que me entreguei à Revolução por amor ao próximo. Deixei de dizer a missa para realizar
esse amor ao próximo no terreno temporal, econômico e social”. E mais: “O compromisso tempo-
ral do cristianismo é um mandato de Amor. Deve encaminhar-se com eficácia e em direção ao
homem integral matéria-espírito, natural-sobrenatural. O que diferencia o cristianismo no campo
natural é sua maneira de amar, à maneira de Cristo, por Ele impulsionado: não existe amor maior”.
202
Cf. S.S. GOTAY, Teología de la Liberación latinoamericana: Camilo Torres. Em: L. ZEA
(Org.), Fuentes de la Cultura Latinoamericana, Vol. II, p.359-375. A figura ímpar de Camilo
Torres colocará em evidência uma problemática de grande envergadura para os cristãos latino-
americanos. Trata-se da participação destes no processo revolucionário libertador. As abordagens
deste problema são muitas e distintas, segundo seus protagonizadores. Cf., além da obra de Samuel
Silva Gotay citada, por exemplo: G. PÉREZ-RAMÍREZ, A Igreja e a revolução social na Amé-
rica Latina, p.117-126; R. SHAULL, O novo espírito revolucionário na América Latina, p.103-
119; C.J. SNOEK, Terceiro Mundo, revolão e cristianismo, p.29-43; L.C.B. PEREIRA, As
revoluções utópicas, p.13-80; H. ASSMANN et alii, Pueblo oprimido, señor de la historia; H.
ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación. Nos parâmetros da discussão de uma
Teologia da revolução veja: H.P. HAUS (hrsg.), Christliche Revolution?; F. HOUTART; A.
ROUSSEAU, Ist die Kirche eine antirevolutionäre Kraft? p.91-144. E, por fim, a obra com maior
documentação: E. FEIL; R. WETH (hrsg.), Diskussion zur Theologie der Revolution. Esta obra
traz artigos de Hugo Assmann, Richard Shaull, Jurgen Moltmann e vários outros. Além disso traz
uma série de documentos eclesiais católicos, evangélicos, ecumênicos e, especificamente latino-
americanos, sobre a “teologia da revolução”. Avaliações recentes da probletica, sob a perspec-
tiva histórico-sociogica, pode-se encontrar em: M. LÖWY, A guerra dos deuses. Religião e
política na América Latina; A. LAMPE, História do Cristianismo no Caribe.
Ao assumir o governo, apoiado pela Unidade Popular
203
, sua base político-
social, Salvador Allende começou a pôr em marcha um processo revolucionário,
com a legitimidade de quem representava no poder uma opção livremente tomada
pelo eleitorado, de conduzir o país a um regime de transição ao socialismo, atra-
vés da utilização do aparelho governamental e da institucionalidade constitucio-
nal, para iniciar o desmonte das bases do capitalismo. Neste sentido, reata rela-
ções com Cuba, com os países socialistas e com países vizinhos. Nacionaliza em-
presas estratégicas, promove e acelera a reforma agrária iniciada no governo
anterior, estatiza o sistema bancário e incorpora ao setor social, a maior parte das
grandes empresas nacionais privadas, especialmente da indústria têxtil, e promove
reformas sociais e salariais que beneficiam os assalariados e absorvem a massa de
desempregados. A direita, sentindo-se ameaçada pela nova política econômica, se
mobiliza e e em funcionamento os recursos de que dispõe para provocar uma
crise paralizadora. O golpe torna-se assim a única esperança de sobrevivência da
direita, que em um retrocesso do processo de socialização, via perspectivas de
recuperar o privilégios econômicos e a regência da estrutura de poder.
A certa altura, a coligação parlamentar centro-direitista e o poder judicial,
utilizando o “mito da legalidade” para debilitar a autoridade de Salvador Allende,
bem como a ação combinada de políticos e empresários para provocar o colapso
econômico, criaram condições para a sedição. Muitos outros fatores se conjuga-
ram para isso. Entre eles a indisciplina das próprias esquerdas que contribuiu para
enfraquecer o poder de comando do governo, a moral das organizações populares,
a força dos sindicatos e a ação da oficialidade ao regime constitucional
204
.
Desta forma, sob pressões adversas e sob as greves desastrosas na grande
mineração do cobre, a política econômica de Allende, que alcançou inicialmente
vitórias no desmonte das bases da ordem privatista, terminou por sucumbir desba-
ratada por uma inflação galopante. Isto é, a economia fez o possível para sustentar
a política da Unidade Popular. Mas quando esta necessitou de medidas políticas
para levar o processo adiante, estas lhe foram negadas. O resultado foi o desastre e
o retrocesso, mas poderia ter sido a vitória. A evidência desta possibilidade é que
203
A Unidade Popular é um bloco heterogêneo formado por um conjunto de partidos e grupos que
o do marxismo ortodoxo até os cristãos que assumem a análise marxista na luta política. Exem-
plo destes últimos é o MAPU: Movimento de Ação Popular Unitária, formado por cristão dissi-
dentes da Democracia Cristã.
204
Cf. D. RIBEIRO, As Américas e a Civilização, p.410.
acabou unificando todo o centro e a direita na sedição. Desta forma, um grupo de
militares, sob o comando de Augusto Pinochet e com o apoio norte-americano,
toma o poder e instala a ditadura no Chile em outubro de 1973
205
.
B. Os movimentos estudantis e o processo revolucionário latino-americano
Escrevendo em 1967, Richard Shaull propõe que, naquela época, pela pri-
meira vez, o “espírito revolucionário” se difundiu por quase toda a América Lati-
na, conquistando grande número de camponeses e operários, bem como estudan-
tes e jovens. Como causa destes movimentos cita as injustiças e desigualdades da
sociedade latino-americana
206
. Ante este “espírito revolucionário” latino-
americano, qual é o papel desempenhado pelos movimentos estudantis? Impõe-se
aqui a percepção de que é difícil falar de uma unidade entre os movimentos estu-
dantis latino-americanos, e mesmo é difícil uma classificação de tais movimentos.
Encontra-se uma abundante bibliografia, por exemplo, no caso dos movimentos
estudantis brasileiros
207
, principalmente em seu enfrentamento ao regime militar
imposto a partir de 1964. No entanto, quanto ao movimento estudantil como mo-
vimento latino-americano, as abordagens são um tanto raras. Isto não impede que
se tente traçar algumas linhas gerais de seu papel na América Latina, incorrendo-
se o risco de generalizações.
O ponto de partida é que os estudantes, com seus movimentos participam
ativamente na criação do clima libertário das décadas de 50 e 60. Luiz Carlos
Bresser Pereira, em artigo intitulado A revolução estudantil (1968), propõe que o
problema estudantil, na década de 60, universalizou-se. E, a partir disto, propõe a
tese de que “a revolução política radical de nosso tempo é a revolução estudantil,
ou melhor, é a revolução dos estudantes e dos intelectuais não comprometidos”
208
.
205
Para uma descrição mais completa da implantação do processo revolucionário chileno, bem
como de seu desenrolar até a tomada do poder pelos militares, cf.: Ibib., p.400-412. também
um Documentário do cineasta chileno Patrício Guzmán, considerado um dos melhores e mais
completos documentários políticos. Trata-se da obra A batalha do Chile. Esta obra é o resultado
de seis anos de trabalho de Patrício Guzn. Esta dividida em três partes: A insurreição da bur-
guesia; o Golpe militar e O poder popular. Desta forma, a obra cobre um dos períodos mais turbu-
lentos da história do Chile, a partir dos esforços do presidente Salvador Allende em implantar um
regime socialista, valendo-se da estrutura democrática, até as brutais conseqüências do golpe de
estado que instaurou a ditadura do General Augusto Pinochet com o apoio dos Estados Unidos. Cf.
P. GUZMAN, A batalha do Chile. Video Filmes, 4 Vols.
206
Cf. R. SHAULL, O novo espírito revolucionário da América Latina, p.103-105.
207
Cf. M.H.M. ALVES, Estado e oposição no Brasil: 1964-1984, p.141-146; Quanto ao papel dos
estudantes de orientão cristã cf.: G. SEMERARO, A primavera dos anos 60; A.M. MAGALDI
et alii (orgs.), Educação no Brasil: história, cultura e política, p.561-608.
208
Luiz Carlos Bresser PEREIRA, As revoluções utópicas, p.84.
São, portanto, os estudantes e os intelectuais não comprometidos o grupo revolu-
cionário por excelência, o meio de cultura de onde poderão germinar a revolução
política e a revolução de consciência contra a ordem tecnoburocrática emergente.
Luiz C.B. Pereira nos movimentos estudantis um protesto e uma negação de
todo o sistema vigente. e-se em questão os próprios alicerces das sociedades.
As reivindicações relacionadas com a reforma universitária servem geralmente de
estopim e de facilitador do processo de aglutinação. Mas, sob a orientação dos
líderes radicais, o protesto se amplia e assume o rosto de um protesto contra toda a
sociedade. Esta sociedade não se limita ao capitalismo e nem ao comunismo bu-
rocrático, mas sim a toda a sociedade industrial moderna, a sociedade do novo
sistema político tecnológico dominante, portanto, a sociedade tecnoburocrática
209
.
Esta visão da revolução estudantil é baseada na problemática universaliza-
da das revoltas emergentes a partir de fins da década de 50. Porém, surge a ques-
tão: a problemática é a mesma em todos os países onde ocorre a revolta estudan-
til? Especificamente na América Latina, que configurações têm as revoltas estu-
dantis? Luiz Carlos Bresser Pereira sustenta que os pontos comuns entre as revol-
tas realizadas em países desenvolvidos e subdesenvolvidos são mais significativos
que as suas diferenças. Porém, faz uma ressalva que é de grande importância: a
ideologia e os objetivos da luta estudantil são diferentes nos países subdesenvol-
vidos e desenvolvidos. um ponto comum: ambas ideologias criticam de forma
radical a ordem estabelecida. Porém o conteúdo desta crítica é diverso. Nos países
subdesenvolvidos, a crítica e o protesto estudantil são contra as ditaduras, o impe-
rialismo, a ineficiência dos governos, a baixa qualidade do ensino, são pela liber-
dade de associação e expressão dos estudantes e pela reforma universitária com
maior participação estudantil
210
.
Sobre os movimentos estudantis latino-americanos como um todo encon-
tram-se algumas indicações propostas por Darcy Ribeiro ao descrever as forças
insurgentes na América Latina. Segundo ele, o movimento estudantil latino-
americano está inserido no grande movimento de esquerda revolucionária da A-
mérica Latina e constitui-se na principal forma de ação política da nova esquer-
209
Segundo a interpretão de L.C.B. Pereira , este sistema pode ser dividido, politicamente, em
capitalismo e socialismo, na medida em que predomine a propriedade privada ou a propriedade
estatal dos meios de produção. Porém, tecnologicamente, é um único sistema: o sistema tecnológi-
co dominante. Cf. L.C.B. PEREIRA, As revoluções utópicas, p.114.
210
Cf. Ibid., p.81-132.
da’. Compõe-se por estudantes secundários e universitários que militam princi-
palmente em suas escolas, freqüentemente aliados aos movimentos populares
mais progressistas, embora possam, às vezes, engajar-se em campanhas de restau-
racionistas. Seu ativismo político se funda, essencialmente, em sua condição de
camada etária ainda não comprometida com o sistema e não investida nos deveres
de compostura e nas atitudes de compromisso dos setores político-profissionais
em que se ingressará mais tarde. O que explica, no entanto, o caráter radical do
ativismo estudantil na América Latina é o reflexo da conscientização cada vez
mais generalizada de sociedades descontentes consigo mesmas, que o podem
disfarçar nem esconder as síndromes do subdesenvolvimento, visíveis na miséria
da população, na submiso diante da espoliação estrangeira e na opressão das
estruturas de poder. Enfim, como um dos grupos mais conscientizados politica-
mente e mais capacitados a manifestar-se, os estudantes se fazem, com freqüência,
porta-vozes dos contingentes emudecidos, exprimindo reivindicações camponesas
e operárias e encarnando as causas destes na defesa dos interesses nacionais e po-
pulares. E nos países com ditaduras militares, o movimento estudantil tende a re-
presentar um papel ainda mais ativo no enfrentamento ao sistema, explorando
toda capacidade da juventude para lutar pelo progresso social e pela liberdade
211
.
C. Os movimentos agrários e o processo revolucionário latino-americano
Quanto ao papel dos movimentos agrários latino-americanos no processo
de libertação, constata-se, em primeiro lugar, que é difícil precisar o que constitui
um movimento agrário, e, em segundo lugar, que não estudos abrangentes de
seu papel na América Latina das décadas de 50, 60 e 70
212
. Isto não quer dizer que
os movimentos de origem agrária não tiveram participação no processo revolucio-
nário. Pretende-se identificar as linhas gerais desta participação, tendo-se em con-
ta, o conjunto da América Latina.
Para Octavio Ianni, as principais revoluções latino-americanas ocorridas
no século XX foram influenciadas pelos camponeses
213
. Estes sempre marcaram
presença junto a outras forças sociais. Além da revolução mexicana, boliviana,
cubana e nicaragüense, os camponeses desempenharam papel importante em ou-
211
Cf. D. RIBEIRO, O dilema da América Latina, p.185-187.
212
Não se pode dizer o mesmo no caso do Brasil. Veja por exemplo: Leonilde Sérvolo de
MEDEIROS, História dos movimentos sociais no campo.
tros casos. Na Guatemala, entre 1944-54, a questão agrária influenciou o processo
político. Os camponeses conseguiram avançar em suas reivindicações, organiza-
ções, lutas e conquistas. Fundou-se ali, em 1950, a Confederação Nacional Cam-
ponesa e, em 1952, promulgou-se a Lei de Reforma Agrária. Entre 1944 e 1954, a
revolução guatemalteca avançou rumo ao socialismo, como um movimento antio-
ligárquico e antiimperialista. No entanto, em 1954, o governo foi deposto por um
grupo mercenário financiado e organizado pelo governo dos Estados Unidos e
pela empresa norte Americana United Fruit Company
214
.
A revolução boliviana teve conotações socialistas que o se efetivaram.
Desenvolveu-se um processo revolucionário drástico conduzido pelo Movimento
Nacionalista Revolucionário (MNR). Neste movimento tiveram lugar milícias
armadas compostas por camponeses e mineiros. Nacionalizaram-se as minas de
estanho e realizou-se uma reforma agrária. Tratou-se de distribuir terras aráveis a
camponeses sem terra e libertar o trabalhador rural dos vínculos de servidão. Po-
rém, aos poucos, reabriu-se a Bolívia ao imperialismo estrangeiro. No Brasil, em
1954-65, as ligas camponesas criadas no Nordeste recolocaram a questão agrária e
puseram em causa o bloco de poder organizado sob o lema do desenvolvimentis-
mo capitalista
215
. No Peru, em 1957-65, a questão da terra foi muito importante,
tendo ocorrido inclusive um movimento guerrilheiro de base camponesa nos vales
de La Convención y Lares. No Chile, em 1970-73, as contradições sociais no
campo exerceram acentuada influência no processo político nacional.
Para Octavio Ianni, os movimentos políticos mais notáveis da história dos
países latino-americanos revelam a influência de movimentos camponeses. Nesta
linha estão o zapatismo, villinsmo, cardenismo, aprismo, indigenismo, populismo,
castrismo, guevarismo e sandinismo
216
. Todos estão influenciados pelas reivindi-
cações e lutas dos trabalhadores do campo. Enfim, com diferentes conotações, os
mais diversos movimentos camponeses colocam e recolocam a luta para permane-
cer na terra ou para reconquistá-la.
213
Octavio Ianni indica a revolução mexicana (1910); boliviana (1952); cubana (1959) e nicara-
ense (1979). Cf. O. IANNI, Classe e Nação, p.73.
214
Cf. O. IANNI, Classe e Nação, p.79.
215
Para uma história do movimento agrário no Brasil veja: L.S. MEDEIROS, História dos movi-
mentos sociais no campo; G. SEMERARO, A primavera dos anos 60, p.75-81; B.M.
FERNANDES, Brasil: 500 anos de luta pela terra, p.11-31.
216
Cf. O. IANNI, Classe e Nação, p.73.
O aspecto revolucionário dos movimentos camponeses encontra-se no fato
de que a característica da totalidade dos movimentos sociais do campesinato na
América Latina, ou as formas de participação dos camponeses em outros movi-
mentos sociais, é a tendência a r em questão, em termos cada vez mais amplos,
os aspectos básicos da ordem de dominação que lhes é imposta. Com isso, tomam
consciência e exigem sempre mais mudanças de maior profundidade e maior al-
cance. Portanto, a ordem estabelecida é cada vez mais posta em questão e a exi-
gência de mudanças profundas caracteriza, por sua vez, o anseio libertário e revo-
lucionário que permeia os movimentos campesinos latino-americanos. Nisto estes
movimentos comungam do espírito libertário emergente na América Latina.
D. Os movimentos operários e o processo revolucionário latino-americano
Assim como outros movimentos latino-americanos, os movimentos operá-
rios participam e comungam do espírito revolucionário latino-americano. Os ope-
rários, junto com os camponeses, segundo Richard Shaull, não estão conscien-
tes de que estão sendo injustiçados como também se dão conta de que podem e
devem fazer algo para remediar isto. Para estes, o passo decisivo a dar é caminhar
em direção a uma sociedade nova. Consiste, portanto, na mudança radical das
estruturas da sociedade, nas reformas de base. Como estas transformações funda-
mentais não ocorrem em grau significativo e até mesmo são barradas pelos privi-
legiados, o ânimo revolucionário cresce, as pressões em favor da mudança se tor-
nam mais fortes e surgem movimentos que buscam estas mudanças pela via revo-
lucionária
217
. É neste contexto que pode-se falar do papel dos movimentos operá-
rios no processo revolucionário latino-americano.
Segundo Octavio Ianni, as lutas operárias, bem como as de outros setores
populares, mostram que as sociedades nacionais, criadas segundo os interesses da
burguesia, pouco respondem aos interesses de amplos segmentos do povo. Na
verdade, ao desenvolver suas lutas sociais ou ao realizar a revolução popular, os
operários, camponeses e outros setores populares estão tentando resolver proble-
mas sociais, econômicos, políticos e culturais que não se resolvem na não criada
pela burguesia, o exército e o imperialismo. Desta forma, a presença do exército
na vida política dos países latino-americanos muitas vezes responde à combativi-
dade da classe operária. Com freqüência, as burguesias nacionais, associadas com
as multinacionais, empurram os exércitos contra os movimentos sociais operários
e camponeses. Dentre os motivos importantes pelos quais as classes dominantes
entregam o poder estatal à gestão militarista está a conveniência de controlar o
sindicalismo, o movimento social e o partido político de base popular
218
.
Na realidade, o operário latino-americano é explorado duplamente. É ex-
propriado pelas classes empresariais locais e expropriado pelo capital estrangeiro
presente na indústria, mineração, agricultura, comércio e sistema bancário. Esta
dupla exploração é variável, conforme o país, época, setor de produção, composi-
ção orgânica do capital. A saída para esta dupla expropriação é a revolução social.
Porém, para levá-la a cabo, o operariado precisa unir-se aos outros movimentos
sociais. no corpo de movimentos revolucionários desencadeados por múltiplas
forças e tornados compulrios como um estado de conflagração social generali-
zada’ podem os setores operários ser chamados à luta insurrecional
219
.
Pode-se dizer que no peodo de interesse desta pesquisa os movimentos
operários latino-americanos, com suas variações locais, participaram do movi-
mento de libertação pelo engajamento em suas Confederações Nacionais de Tra-
balhadores, sindicatos e centrais sindicais
220
. Porém, como todos os movimentos
sociais populares latino-americanos, comungaram do enfrentamento com o poder
das elites dominantes que, em sua aliança com o poder internacional, deflagram a
militarização da América Latina para defenderem seu domínio econômico, políti-
co e social. Para defenderem seu ‘direito’ de espólio sobre as classes dominadas.
O apanhado das forças populares diversas que compõem o quadro social
latino-americano a partir da década de 50, permite concluir que o estas forças de
esquerda que põem em movimento o processo revolucionário de libertação latino-
americano. Ante sua emergência levanta-se o enorme poderio conjuntural das
classes dominantes, interessadas na perpetuação de seus privilégios e na manuten-
ção da ordem estabelecida. Para isso, os imperativos da estratégia de potência dos
Estados Unidos, cuja hegemonia tem seu bastião fundamental e sua condição de
217
Cf. R. SHAULL, O novo espírito revolucionário da América Latina, p.105.
218
Cf. O. IANNI, Classe e Nação, p.106-118.
219
Cf. D. RIBEIRO, O dilema da América Latina, 217-221.
220
Exemplos destes grupos de defesa dos interesses dos trabalhadores são: no México: Confede-
ración de Trabajadores de México – CTM; Confederacn Nacional Campesina CNC; Confede-
ración Nacional de Organizaciones Populares - CNOP; na Bolívia: Central Obrera Boliviana
COB; Movimento Nacional Revolucionario – MNR; no Chile: Unidade Popular e a Central Única
de Trabajadores de Chile CUT; no Brasil: Comando Geral dos Trabalhadores CGT; posteri-
ormente também a Central Única dos Trabalhadores – CUT.
sobrevivência na manutenção do domínio econômico e político sobre a América
Latina, unem-se aos interesses das classes dominantes latino-americanas que
têm perspectivas de preservação de seus privilégios dentro da estrutura vigente e
que olham qualquer intento de revolução social nos seus países como uma amea-
ça. O resultado é a fusão destas forças externas e internas com as hierarquias mili-
tares instaladas no poder na forma de ditaduras, deliberadas a defender o sistema
através da repressão. Assim, o processo de libertação oscila entre os primeiros
entusiasmos com a viria da revolução cubana e o cativeiro e exílio com a pre-
dominância dos regimes militares repressivos. Comungam deste processo os prin-
cipais agentes do processo de libertação latino-americano desencadeado a partir
de fins da década de 50.
2. Fatores eclesiais, pastorais e teológicos na emergência da tomada
de consciência da necessidade de uma Teologia historicamente
relevante
2.1. A Igreja latino-americana frente aos desafios do continente:
compromisso com o processo de libertação
Como caracterizar a Igreja cristã latino-americana frente aos desafios da
dominação, exploração e subjugação infligidas ao povo latino-americano? Que
atitudes os cristãos assumem frente ao processo de libertação emergente na Amé-
rica Latina a partir de meados da década de 50? Que configurações sócio-eclesiais
emergem como espaço de participação e articulação dos cristãos e das hierarquias
eclesiásticas na transformação da situação social, cultural, econômica, política e
religiosa da América Latina? Neste item, pretende-se abordar a presença e o enga-
jamento da Igreja cristã latino-americana no processo de conscientização da situa-
ção de dominação e dependência e na transformação desta realidade pelo engaja-
mento no processo revolucionário de libertação. O pressuposto para tal aborda-
gem é a concepção de que a Igreja cristã, assim como cada cristão, é membro ati-
vo e agente na construção da sociedade latino-americana, passa pelo processo de
conscientização que parte da América Latina passou neste período, e, portanto,
pode ser vista ou como uma força revolucionária libertadora a serviço do processo
de libertação, ou como força contra-revolucionária, interessada na manutenção do
status quo e de seus privilégios a serviço das elites dominantes.
A Teologia da Libertação nasce da necessidade de interpretação teológica
do esforço daqueles cristãos que se engajam no processo revolucionário de liber-
tação. Daí a importância desta análise. O processo de libertação é o “ato primeiro
a partir do qual nasce a necessidade, para os cristãos, de uma interpretação teoló-
gica, portanto à luz da fé, de tal prática. Daí a Teologia da Libertação ser, na prá-
tica, um “ato segundo”, reflexão a partir de um ato primeiro, isto é, a prática cris-
tã, ou participação cristã no processo de libertação
221
. Na América Latina, conti-
nente de forte presença cristã, este processo de libertação, embora não composto
exclusivamente por cristãos, tem significativa presença e atuação cristã. Pretende-
se, portanto, delinear aqui, em primeiro lugar, qual é a Igreja cristã que participa e
se engaja no processo de libertação. Em segundo lugar, pretende-se analisar e ca-
racterizar a nova consciência desta Igreja como ponto de partida para a participa-
ção efetiva e ativa no processo de libertação. Por fim, busca-se apresentar as prin-
cipais configurões e expressões da nova consciência sócio-eclesial.
2.1.1. Em busca de uma tipologia: que Igreja está comprometida com
o processo de libertação?
Caracterizar a Igreja latino-americana ou os cristãos latino-americanos
ante o processo de libertação exige, previamente, clareza sobre o que se entende
por “Igreja cristã” ou por “cristãos latino-americanos”. A Igreja cristã é entendida
aqui na acepção lata do termo: comunidade dos que professam a fé em Jesus Cris-
221
Gustavo Gutiérrez define a Teologia como “reflexão crítica da práxis histórica à luz da Pala-
vra”. Para ele a Teologia assim compreendida é uma Teologia libertadora, Teologia da transforma-
ção libertadora da história da humanidade e da própria Igreja. Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da
Libertação, p.26-27. Em outro momento deixa evidente a ligação entre o processo de libertão e a
Teologia da Libertação: “Esta reflexão [Teologia da Libertação] deverá partir da presença e ação
dos cristãos em solidariedade com os outros homens, no mundo de hoje; em particular, na perspec-
tiva de sua participação no processo de libertação que se opera na Arica Latina”. Ibid., p.47.
Hugo Assmann, em texto de 1971, na mesma linha de Gutiérrez, afirma: “É importante não esque-
cer que a ‘teologia da libertação’ se entende como reflexão crítica sobre a práxis histórica atual em
toda sua intensidade e complexidade. O ‘texto’ é nossa situação. Ela é o ‘lugar teológico referenci-
al primeiro”. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.102. Já L. Boff, em 1975,
em linha com Gutiérrez e Assmann, porém indo além, na tentativa de uma descrição da Teologia a
partir do cativeiro e da libertação, proe que esta é refletir criticamente, à luz da experiência
cristã de fé, sobre a práxis dos seres humanos, principalmente dos cristãos, em vista da libertação
integral do ser humano. Cf. L. BOFF, Teologia do Cativeiro e da Libertação, p.41-44. A “práxis
histórica” de Gutiérrez, a práxis atual em toda sua intensidade e complexidade concreta” de Ass-
mann e a práxis dos seres humanos” de Leonardo Boff é o que se define como fato maior e ato
primeiro, a partir dos quais a Teologia, ato segundo, se concretiza.
to como Salvador e Redentor da humanidade. Neste sentido são cristãos os que
fazem parte desta comunidade, seja ela de tradição católico-apostólico-romana,
ortodoxa, protestante, pentecostal ou neo-pentecostal. Diante disto, surge uma
questão: para referir-se à atitude e ao compromisso dos cristãos ante o processo de
libertação latino-americano, tal concepção de Igreja cristã o seria demasiado
genérica, incorrendo no risco de ser irrelevante para caracterizar a postura e parti-
cipação cristã no processo de libertação latino-americano? Esta questão exige evi-
denciar quais crisos de fato participam no processo de libertação.
Embora o catolicismo seja predominante na América Latina no peodo
retratado nesta pesquisa, os cristãos católicos não são os únicos agentes cristãos
atuantes no processo de libertação. A Teologia da Libertação latino-americana
nasce ecumênica, pois sua experiência de base é ecumênica. Entretanto, afirmar
isso não significa dizer que todos os cristãos ou toda Igreja cristã latino-americana
participa, no mesmo grau e gênero, do processo de libertação. Pretende-se, a se-
guir, propor uma tipologia da Igreja cristã latino-americana que tenha por refen-
cia a atitude dos cristãos frente à realidade social e o seu compromisso na trans-
formação das estruturas de exploração, dominação e dependência. Tal atitude é
que, de fato, será a base do que se compreenderá como a Igreja latino-americana
frente aos desafios do continente.
O ponto de partida para o esboço de uma tipologia da atitude dos cristãos
latino-americanos frente ao processo de libertação provém da realidade do confli-
to. Unidade e divisão, reconciliação e conflitoo realidades que percorrem a His-
tória da humanidade e do cristianismo. São realidades que não podem ser negadas.
Falando especificamente do catolicismo, Jon Sobrino propõe que o conflito dentro
da Igreja é um fato que aflora de maneira nova a partir do Vaticano II. Neste con-
texto, torna-se freqüente ouvir palavras que provêm das altas esferas vaticanas
denunciando o protesto
222
. Ainda segundo Jon Sobrino, percebe-se que na Améri-
ca Latina é raro o país ou a diocese em que não surja um conflito entre a hierar-
quia e a base dos cristãos, entre os próprios fiéis, e notavelmente – entre os pró-
prios bispos
223
. Desta forma, por maior que seja o intento de dar a impressão de
222
Confira, neste sentido, o n. 68 da revista internacional Concilium dedicado ao Fenômeno da
Contestação na Igreja. CONCILIUM 68/8 (1971) 933-1060.
223
Uma situação, no que se refere à atitude cristã e seu compromisso e envolvimento no processo
de libertação, que pode ilustrar esta idéia de conflito na Igreja católica latino-americana provém de
duas declarações quase simultâneas de duas autoridades eclesiásticas brasileiras, a saber, os arce-
unidade, as divisões e os conflitos, tanto nos diversos países como em nível de
todo o continente, é uma evincia que se impõe por si mesma
224
.
A realidade do conflito põe em evidência a distinção de interesses dos cris-
tãos, diante dos desafios de transformação da realidade, bem como as diferentes
posturas deles no que tange à participação no processo de conscientização e de
libertação. Interesses conflitantes evidenciam atitudes conflitantes daqueles que,
sob o nome de Igreja cristã, compõem o panorama religioso da América Latina
das décadas de 60 e 70. Quando esta pesquisa se refere à participação e papel dos
cristãos no processo de libertação, refere-se não a todos os cristãos, mas sim àque-
les que de fato tem uma atitude pró-libertação e, de alguma forma, são conscien-
tes da realidade de injustiça, opressão, dominação e exploração, têm seu interesse
voltado para a libertação das estruturas que possibilitam tal realidade. Portanto,
fala-se dos cristãos e da Igreja engajados de fato no processo revolucionário de
libertação latino-americano.
várias possibilidades para se estabelecer uma tipologia da postura da
Igreja latino-americana frente ao processo revolucionário de libertação. Gustavo
Gutiérrez, partindo do interesse por caracterizar a relação entre a Igreja e o mun-
do, propõe uma tipologia pastoral
225
. Segundo esta tipologia, a presença da Igreja
na América Latina, em sua relação com a sociedade, encontra quatro opções pas-
torais que, de certa forma, coexistem no continente, presentes de distintas manei-
ras. uma pastoral de cristandade caracterizada pelo ingresso nas fileiras da
Igreja visível através do batismo. Este é identificado com a conversão e não im-
bispos Vicente Scherer e Fernando Gomes dos Santos. Cf. V. SCHERER, Não cabe à Igreja opi-
nar sobre política econômica, SEDOC 6 (1973) 592-595; F.G. dos SANTOS, A Igreja tem o direi-
to de opinar sobre política econômica, SEDOC 6 (1973) 595-599. Este conflito não se dá somente
no vel da reflexão. Ele acontece na prática também. Exemplo disto é a postura, por exemplo, de
presbíteros católicos frente aos regimes militares latino-americanos. Concomitantemente, há, por
um lado, exemplos de defesa da dignidade dos que sofrem as agressões dos regimes militares,
como, por exemplo, um Frei Tito, ou um Frei Betto. Mas, por outro lado, há presbíteros que agem
como forças integrantes dos próprios regimes. É o caso do presbítero argentino Christian Federico
von Wernich condenado à prisão perpétua em 09/10/2007 pelo Tribunal Oral de La Plata. Este o
considerou culpado pelo papel de co-autor de 42 seqüestros, 32 casos de tortura e sete homicídios
ocorridos durante a ditadura militar na Argentina (1976-1983). Estes fatos, mais que casos isola-
dos, demonstram posturas totalmente distintas e conflitos internos da Igreja, na concepção de sua
própria atuação.
224
Cf. J. SOBRINO, A ressurreição da verdadeira Igreja, p.199-200; J.B. LIBÂNIO, Pastoral
numa sociedade de Conflitos.
225
Tal tipologia é proposta em textos que Gutiérrez elaborou a partir de conferências realizadas em
1964 e que foram reelaboradas e apresentadas em janeiro de 1967 por ocasião da I Sesión de Estu-
dios del Movimiento Internacional de Estudiantes Católicos (MIEC) realizada em Toledo, Uru-
guai. Cf. G. GUTIÉRREZ, La Pastoral de la iglesia en América Latina.
plica uma atitude de vida. Desta forma, o batizado é cristão mesmo que sua práti-
ca não o seja e o não-batizado é sempre um o-crente. Uma segunda característi-
ca é que o critério da vida cristã não é a prática histórica na sociedade e sim a prá-
tica sacramental. Em terceiro lugar, está o condicionamento social através do qual
há uma identidade entre o religioso e o político. Crê-se que a união com o Estado
favorece a vida cristã. Por fim, esta pastoral acentua a paróquia, nos moldes his-
ricos do passado, como a forma da presença da Igreja. A paróquia é o grande ele-
mento cristianizador e por isso toda atenção pastoral está voltada para ela
226
.
A segunda tipologia pastoral é a da nova cristandade. Caracteriza-se pela
criação de instituições temporais cristãs: partidos políticos cristãos, sindicatos
cristãos, frentes cristãs, institutos cristãos de formação de operários e camponeses.
Esta pastoral parte da convicção de que o cristão deve encarnar-se em uma cultu-
ra, em instituões políticas, na luta pela justiça, manifestando através desta en-
carnação, a mensagem evangélica e mostrando que o evangelho se interessa pela
vida dos seres humanos. Apresenta-se como reação frente ao modelo anterior
227
.
A terceira tipologia pastoral é a da maturidade da fé. Consiste numa reação
à pastoral de nova cristandade, pois teme a divisão em blocos político-religiosos,
teme que a Igreja volte a comprometer-se com determinadas formas políticas,
mesmo que agora sejam mais justas, mais de esquerda, porém sempre circunstan-
ciais, e que não possam desprender-se delas. Prefere, por isso, dedicar-se à forma-
ção de elites, de minorias de cristãos, lenta e cuidadosamente, educados ao longo
de anos. Formará pois militantes cristãos maduros na fé
228
.
Por fim, a quarta tipologia é caracterizada por G. Gutiérrez como pastoral
protica. o é uma reação frente à anterior. Trata-se de um aprofundamento e
aperfeiçoamento da precedente. Este aprofundamento parte de uma maior preocu-
pação pela massa. Trata de descobrir a situação do ser humano latino-americano
para poder entrar em um diálogo salvador com ele. Procede de uma tomada de
consciência da situação de diáspora em que vive a Igreja na América Latina
229
.
Estas quatro linhas pastorais coexistem na América Latina dos anos 60, em
diversos níveis de extensão e realização. Trata-se de linhas para a leitura da reali-
dade pastoral da Igreja latino-americana. Porém, a ão pastoral é sempre decor-
226
Cf. G. GUTIÉRREZ, La Pastoral de la iglesia en América Latina, p.18-22.
227
Cf. Ibid., p.23-26.
228
Cf. Ibid., p.26-27.
rente de uma auto-consciência e auto-compreensão da Igreja. Neste sentido, Leo-
nardo Boff propõe que a Igreja latino-americana possui, concomitantemente, neste
período histórico, três níveis de consciência eclesial aos quais correspondem três
distintas práticas. Trata-se da concepção de que a Igreja está fora do mundo’ e
por isso sua missão limita-se estritamente ao espiritual-religioso. Uma segunda
concepção vê a Igreja como ‘dentro do mundo’, e por isso ela precisa agir no
mundo. Porém este mundo é o mundo da modernidade e, assim, a ação da Igreja,
agora modernizada, se articula em termos de progresso e desenvolvimento. Por
fim há a consciência de uma Igreja ‘dentro do submundo. Esta compromete-se e
tem sua prática junto às vítimas do desenvolvimento e do progresso nos moldes
capitalistas
230
. Tal auto-compreensão e auto-consciência eclesial corresponde
também aos tipos de lideranças e, ao mesmo tempo, a concepções diversas do
papel da Igreja na sociedade e nas suas transformações
231
.
Embora a perspectiva pastoral, assumida por Gustavo Gutiérrez, e a pers-
pectiva eclesiológica, assumida por Leonardo Boff, contribuam para elucidar dis-
tintas posturas dos cristãos ante a sociedade e na relação com ela, tais perspectivas
não dão conta de esclarecer, do ponto de vista sociológico, as diversas posturas
dos cristãos ante o processo revoluciorio de libertação. Não se trata aqui de a-
profundar as causas profundas destas distintas posturas. Trata-se, sim, de tomar
consciência desta diversidade, e nesta diversidade, estabelecer com clareza de que
cristãos esta pesquisa está falando ao referir-se ao seu compromisso no processo
revolucionário de libertação.
Para tal objetivo recorre-se à obra conjunta de Francois Houtart e André
Rousseau A Igreja é uma força anti-revolucionária?
232
Segundo estes, autores
pode-se dividir os cristãos latino-americanos, no que diz respeito à sua atitude
diante das mudanças sociais, em quatro grupos. O primeiro grupo considera a or-
dem social existente como fundamentalmente boa. O papel do cristianismo seria
229
Cf. G. GUTIÉRREZ, La Pastoral de la iglesia en América Latina, p.28-29.
230
Cf. L. BOFF, O caminhar da Igreja com os oprimidos, p.60-65.
231
JoM. Bonino fala, neste sentido, das tendências ‘tradicionalistas’, ‘direitistasou conserva-
doras; das tendências progressistase das tendências ‘revolucionáriaspresentes na Igreja latino-
americana. Cf. J.M. BONINO, A em busca de eficácia, p.18-19. É ilustrativa também a periodi-
zação proposta por José Comblin sobre as relações entre Igreja e Estado presentes na Arica
Latina nos 10 anos que se seguem ao Vaticano II. Cf. J. COMBLIN, La iglesia latinoamericana
desde el Vaticano II: Diez años que hacen historia, p.486-494.
232
F. HOUTART; A. ROUSSEAU, Ist die Kirche eine antirevolutionäre Kraft? München: Kaiser
Verlag, 1973. Esta obra foi publicada originalmente em francês em 1968: Eglise force antivo-
lutionaire? De 1789 à mai 1968 – De la Commune au Vietnam – Du Cuba à Angola.
eno apoiar a ordem existente no continente. Esta posição é compartilhada por
uma minoria de leigos, presbíteros e bispos. Em sua maioria, estes leigos perten-
cem às camadas superiores e dominantes na América Latina e defendem, através
de sua concepção religiosa, seus privilégios e monopólios. Do ponto de vista reli-
gioso, as convicções deste grupo são fundamento para determinados grupos inte-
gralistas e fundamentalistas. São expressão de uma atitude reacionária. Defendem
idéias ultra-reacionárias e até mesmo semi-facistas”
233
. Este grupo opõe-se
inclusive às decies conciliares
234
.
Um segundo grupo reconhece o sistema social como bom, mas ao mesmo
tempo, concorda que ele precisa ser melhorado como qualquer outra obra humana.
Porém, a Igreja não tem a tarefa de intrometer-se nas questões terrenas. Cabe à
Igreja somente a organização de obras caritativas que objetivem corrigir os erros
do sistema. Esta atitude está disseminada entre leigos, mas muito mais, entre os
membros da hierarquia. Ela resulta, na maioria das vezes, do temor ante qualquer
mudança e suas possíveis conseqüências
235
. Michael Löwy designa esta postura
como uma poderosa corrente conservadora e tradicionalista hostil à Teologia da
Libertação e organicamente associada às classes dominantes e à Cúria Romana.
Entre os exemplos de tal atitude está a direção do CELAM a partir de 1972
236
.
Um terceiro grupo, o qual está consciente dos problemas sociais, insiste
que é preciso reduzir e corrigir as fraquezas do sistema. No entanto se opõe a
qualquer idéia de revolução social. Esta atitude é característica de grande parte
dos movimentos leigos engajados politicamente - como por exemplo a Democra-
cia Cristã no Chile – nos sindicatos ou nos movimentos apostólicos. É sintomático
que estes grupos saúdem entusiasticamente as decisões conciliares e engajem-se
no movimento ecumênico. Junto ao clero e à direção eclesiástica, esta postura
aparece com distintas variantes. Alguns aceitam a necessidade de uma mudança
233
Quem propõe que são grupos que defendem iias semi-facistas” e “ultra-reacionárias” é Mi-
chael LÖWY, A guerra dos deuses, p.66. Este autor cita como exemplo destes grupos o movimen-
to da TFP: Tradição, Família e Propriedade.
234
Cf. F. HOUTART; A. ROUSSEAU, Ist die Kirche eine antirevolutionäre Kraft?, p.109-110.
235
Cf. Ibid., p.110.
236
Cf. M. LÖWY, op. cit., p.66. José Comblin, referindo-se aos conflitos que ele identifica entre
os religiosos latino-americanos e o CELAM, propõe que estes iniciam antes da década de 80. Mais
precisamente com a nomeação de Alfonso López Trujillo como secretário geral do CELAM em
1972. “Alfonso López Trujillo era inimigo pessoal da CLAR, pois a via como o grande poder
rival. Em lugar de buscar a conciliação, buscou o conflito”. J. COMBLIN, La Iglesia latinoameri-
cana desde Puebla a Santo Domingo. Em: J. COMBLIN; J.IG. FAUS; J. SOBRINO (eds.), Cam-
bio social y pensamiento cristiano en América Latina, p.48.
social sem que a Igreja, enquanto instituão, se envolva. Não percebem, no entan-
to, que esta mudança exige transformações no próprio papel do clero e de suas
relações com os leigos. Exige reorganização das estruturas eclesiais, reformulação
da liturgia e até mesmo da Teologia. Observa-se ainda um determinado “clerica-
lismo de esquerda”, o qual quer passar-se por progressista. Este utiliza novos mé-
todos de ação cultural e social (escolas radiofônicas, cooperativas, sindicatos), os
quais são bem organizados. Seu objetivo é, no entanto, conseguir influência sobre
as massas e construir, com isso, novas formas de controle social. Outros presbíte-
ros e bispos estão conscientes de que as transformações sociais exigem não a
inclusão da Igreja, mas que ela deve caminhar lado a lado com isso, uma trans-
formação e mudança da própria auto-consciência da Igreja. Isto exige mudança de
concepção das relações da Igreja com a sociedade. As tendências, dentro desta
terceira tipologia, desempenharam nos anos 60 várias iniciativas, como a reforma
agrária dos bens da própria Igreja e a criação de sindicatos e cooperativas
237
.
Finalmente, um quarto grupo de cristãos crê que a revolução radical
pode mudar eficazmente a situação. Alguns até mesmo estão convencidos que os
cristãos devem tomar parte ativa em tal revolução, mesmo que isto signifique co-
operar e aliar-se a movimentos marxistas. Este ponto de vista é partilhado por uma
minoria, principalmente de jovens, estudantes e universitários. Inspiram-se no
papel simbólico que desempenha a Revolução Cubana. Juntam-se a eles alguns
presbíteros que tomam parte em movimentos revolucionários armados principal-
mente no Peru, Venezuela, Colômbia e Guatemala. O número dos que crêem que
é legítima uma atitude revolucioria cresce e, mesmo que não se tome parte
em organizações de resistência armada, apóia-se, contudo, sua função social
238
.
Em conclusão, pode-se dizer que, a rigor, os cristãos que de fato se envol-
vem no processo revolucionário de libertação latino-americano encontram-se no
terceiro e no quarto grupo. Em suas ltiplas variantes e concepções, estes dois
237
Cf. F. HOUTART; A. ROUSSEAU, Ist die Kirche eine antirevolutionäre Kraft?, p.110-111.
238
Cf. Ibid., p.111-112. Michael Löwy, em sua leitura posterior que abrange um período de tempo
bem maior que a proposta por François Houtart e André Rousseau e também maior que o período
histórico contemplado nesta pesquisa, propõe que esta quarta tipologia é composta por uma pe-
quena mas influente minoria de radicais, simpáticos à Teologia da Libertação e capazes de uma
solidariedade ativa com os movimentos populares, de trabalhadores e de camponeses. Identifica,
como representantes mais conhecidos, bispos e cardeais, tais como, Mendez Arceo e Samuel Ruiz
(México), Pedro Casaldáliga e Paulo Arns (Brasil), Leonidas Proaño (Equador), Oscar Romero (El
Salvador), etc. Fazem parte também deste grupo os cristãos revolucionários: “Movimento Cristãos
pelo Socialismo” e outras tendências que se identificam com o Sandinismo, com Camilo Torres ou
com o marxismo cristão. Cf. M. LÖWY, A guerra dos deuses, p.66.
grupos formam o quadro daquilo que esta pesquisa, de ora em diante, considera
como a Igreja latino-americana envolvida no processo de libertação. São o grupo
pró-ativo no processo de libertação enquanto os dois primeiros grupos são os cris-
tãos pró-ativos na manutenção do status quo
239
.
2.1.2. A Igreja latino-americana ante uma nova consciência
A Igreja latino-americana vive, na década de 60, um dos períodos mais
vivos de sua história, marcado por uma nova consciência de seu ser e estar no
mundo, e por novos desafios ao testemunho evangélico. Em conseqüência, a Igre-
ja ver-se-á em uma nova situação eclesial
240
. Como parte de uma América Latina
em transformação, a Igreja também vive mudanças significativas. A nova consci-
ência determina, em grande parte, a vida e a ação da Igreja de ora em diante.
Influenciada pelo contexto social, político e econômico das décadas de 50 e 60,
por novas perspectivas nas ciências sociais e humanas, especialmente a emergente
Sociologia latino-americana e a filosofia moderna, pela multiplicidade de movi-
mentos de renovação teológica, bíblica, litúrgica e ecumênica, pelas novas sensi-
bilidades teológicas emergentes na Europa já a partir da Segunda Guerra Mundial,
pela doutrina social da Igreja e as encíclicas sociais que configuram um novo cris-
tianismo social, por acontecimentos eclesiais de grande envergadura como o Vati-
cano II, pela consciência social emergente no movimento ecumênico, a Igreja lati-
no-americana vê-se ante o emergir de uma nova consciência que passará a ser o
motor propulsor de uma nova postura ante o desafio da ação evangelizadora e do
testemunho evangélico na América Latina.
239
Embora estas tipologias não tenham abordado a presença das Igrejas evangélicas, não há distin-
ções consideráveis, do que foi descrito. Para uma verificão mais detalhada cf. M. LÖWY, A
guerra dos deuses, p.176-202 onde o autor aborda o protestantismo da libertação e o protestan-
tismo conservador”. Cf. também o texto: B.M. COUCH, Nouvelles conceptions de l´église en
Amérique Latine, Em: Sérgio TORRES et alii, Théologies du Tiers Monde, p.74-105. Neste artigo
a autora perpassa a caminhada do protestantismo latino-americano, indicando a evolução da refle-
o teológica deste no que diz respeito à auto-compreensão de Igreja e da sua missão.
240
Enrique Dussel propõe que a América Latina entrou, neste período, em uma “nova revolução” e
a Igreja, por sua vez, vive uma nova etapa de sua história. Segundo ele, “uma nova etapa da histó-
ria da Igreja se vê claramente desenhar-se desde 1955 até 1968 na América Latina: desde a reunião
do CELAM no Rio de Janeiro (1955), quando, ao mesmo tempo que se realizava a I Conferência
do Episcopado Latino-americano, foi consagrado bispo Dom Hélder Câmara, através da conversão
lenta mas irreversível que significou o Concílio Vaticano II desde 1962 a 1965; e, por último,
depois das diversas maneiras nacionais de adaptar dito Concílio, a II Conferência Geral do Episco-
pado Latino-americano em Medellín (1968). Nestes treze anos se gesta uma nova atitude”. E.
DUSSEL, História de la Iglesia en América Latina, p.150. Os anos seguintes indicarão que este
processo consiste em uma nova situação eclesial.
Pretende-se, neste item, identificar a emergência desta nova consciência da
Igreja latino-americana e destacar o seu significado e papel na inserção da Igreja
no processo de libertação latino-americano. Justifica-se tal abordagem pelo fato de
que é na emergência desta nova consciência da Igreja que gesta-se a Teologia da
Libertação como tentativa de interpretar teologicamente o processo revolucionário
de libertação em curso na América Latina. Processo no qual a Igreja cada vez
mais toma consciência da necessidade de ser parte integrante, pelo desafio de seu
dever cristão e do testemunho evangélico, agora interpretados cada vez mais em
perspectiva histórico-política e social.
Do ponto de vista sociológico, Darcy Ribeiro propõe que na década de 60
grande número de líderes religiosos e de sacerdotes latino-americanos incorporou-
se ao que ele chama de nova esquerda. A linha propulsora do processo revolucio-
nário de libertação. Esta camada mais consciente da Igreja confraterniza com os
intelectuais de vanguarda, estuda os problemas sociais com maior amplitude de
visão, milita politicamente nas organizações mais avançadas, organiza sindicatos
camponeses e até combate nas guerrilhas. Seu principal papel tem sido conferir
um conteúdo progressista aos movimentos juvenis católicos, operários e universi-
tários. Sua maior contribuição, contudo, será a de dessectarizar as esquerdas per-
mitindo-lhes atingir setores mais amplos da população. Enfim, o desatrelamento
de camadas da Igreja da antiga postura reacionária é um dos sinais da “profunda
alteração que vem acontecendo na consciência dos povos latino-americanos”
241
.
Do ponto de vista eclesial, a Igreja latino-americana, pela primeira vez em
sua história secular, toma consciência de sua situação original e sente a imperiosa
necessidade de tomar a palavra para articular o conteúdo dessa consciência e tra-
çar suas conseqüências para a prática
242
. Setores diversificados da Igreja latino-
americana expressam uma nova vio da realidade e do compromisso da Igreja
com ela. Esta nova consciência é fruto da própria inserção da Igreja no mundo
social, que, neste período, desperta da situação de dominação e opressão a que
secularmente esteve condicionado. Este despertar de parte da Igreja, inserida em
seu contexto social, é o que se define como nova consciência eclesial
243
.
241
D. RIBEIRO, O Dilema da América Latina, p.188.
242
Cf. R. MUÑOZ, A nova consciência da Igreja na América Latina, p.12.
243
Cf. Ibid., p.76. Esta obra recolhe uma série de documentos que testemunham a nova consciên-
cia eclesial latino-americana. R. Muñoz elabora-a a partir de 167 textos provenientes de grupos de
bispos, de bispos particulares, de conferências episcopais latino-americanas, do CELAM, da
Gustavo Gutiérrez identifica esta nova consciência como um sair do estado
de gueto em que a Igreja latino-americana viveu e em parte ainda vive. Os cristãos
individualmente, em pequenas comunidades, ou na Igreja toda começam a ter
uma maior consciência política e adquirem melhor conhecimento da realidade e
das causas profundas da situação. Com isso, a comunidade cristã começa a ler
politicamente os sinais dos tempos na América Latina
244
. Isto supõe uma consci-
ência política nova, que passa a iluminar a atitude de muitos cristãos que assumem
uma posição crítica face à realidade. Neste quadro é importante ter presente que a
nova consciência da Igreja latino-americana faz parte de um movimento maior
cujo núcleo político, social, ideológico e, posteriormente, assumido também teo-
logicamente, Gustavo Gutiérrez chama de nova consciência política
245
e Hugo
Assmann denomina como nova consciência histórica
246
.
CLAR, de grupos de leigos, dos documentos finais da Conferência Episcopal de Medellín, de
grupos de religiosos, de grupos de sacerdotes, e de Sínodos diocesanos. Tais textos são, geografi-
camente, provenientes da Arica Latina como um todo, da América Central e Panamá, ou de
países espeficos: Panamá, Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Para-
guai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Cf. Ibid., p.9-20.
244
Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.89.
245
G. Gutiérrez aborda a problemática da nova consciência política latino-americana em muitas
de suas obras. Cf., por exemplo: Teologia da Libertação, p.63—65; 75-78; A força histórica dos
pobres, p.43-48; 275-280; A. GALLEGO; R. AMES (orgs.), Gustavo Gutiérrez: Acordarse de los
pobres - textos esenciales, p.196-199. S. TORRES et alii, A Igreja que surge da base, p.188-189.
Para o que segue faz-se uso do texto de G. GUTIÉRREZ, O fenômeno da contestação na América
Latina, p.963-964. Segundo G. Gutiérrez, durante muito tempo os latino-americanos viveram na
ignorância de sua própria realidade social e das causas profundas de tal realidade. Porém, a partir
da década de 60 emerge energicamente no continente um enfoque que ultrapassa a simples acumu-
lação de estatísticas de analfabetismo, desnutrição, mortalidade infantil, etc. Estas apenas serviam
para procurar comover o coração dos países ricos e mendigar sua ajuda. Com isso o se aponta-
vam as injustiças seculares e não se reclamavam os direitos do povo latino-americano. Uma nova
consciência vai até as raízes da situação e vê a realidade dos países latino-americanos em sua rela-
ção com o desenvolvimento e a expansão dos grandes países capitalistas. Aparece assim a verda-
deira face da realidade latino-americana: ela é subproduto histórico do desenvolvimento de outros
países. “Com efeito, a dinâmica da economia capitalista leva ao estabelecimento de um centro e de
uma periferia, e gera, simultaneamente, progresso e riqueza crescente para poucos, e desequilíbrios
sociais, tensões políticas e miséria para muitos”. Ibid., p.964. Desta forma, a interpretação da rea-
lidade em termos de dependência externa, que se realiza com a cumplicidade dos grupos dominan-
tes dentro de cada país, permite a consciência das causas profundas de tal dependência e possibilita
denunciar a dominação e, em conseqüência, abre as portas para lutar para superá-la mediante o
compromisso libertador rumo a uma nova sociedade. Para Gustavo Gutiérrez, situar as coisas
nestes termos supõe uma consciência política nova e madura. Tal consciência é ponto de partida
para a ação de muitos setores do povo latino-americano. E o é também para os cristãos que assu-
mem uma posição crítica face a estruturas eclesiásticas que são, ao mesmo tempo, fruto e apoio da
situação de dependência. No estado de miséria e alienação, a nova consciência política deixou de
lado o fatalismo, a ilusão de poder avançar progressiva e suavemente para uma nova sociedade e
-se ante o esforço de empreender um processo libertador revolucionário que necessariamente
tem de enfrentar a conflitividade e a resistência das forças de domínio. Cf. G. GUTIÉRREZ, op.
cit., p.963-964.
246
Cf. a tratativa sobre a nova consciência histórica, segundo H. Assmann, em suas obras: Teolo-
gía desde la praxis de la liberación, p.106-113; ou: Pueblo oprimido, señor de la historia, p.161-
171. H. Assmann, partindo do que ele chama de assunção da linguagem da libertação, propõe que
Neste contexto é que o processo de libertação, já emergente no contexto
político-social, ganha força e é assumido pelos cristãos, embora em minoria, como
caminho de superação da realidade de dominação
247
. Esta nova consciência emer-
ge entre grupos leigos, grupos ecumênicos, sacerdotes, religiosos e religiosas e
alguns membros do episcopado
248
. É atestada por um crescente número de textos
e declarações provindas de movimentos leigos, de grupos de sacerdotes e religio-
sos, de bispos e de todo o episcopado. Estes são frutos de reuniões, grupos de tra-
balho, encontros, seminários, congressos etc, nos quais se manifestou esta pro-
blemática. O resultado mais importante, neste sentido, pela autoridade doutrinal e
pelo impacto causado, é a Conferência Episcopal de Medellín (1968). Ela é ex-
pressão de um processo histórico anterior e passou a ser, a partir de sua realizão,
um direcionador dos caminhos da Igreja na América Latina. Segundo Gustavo
Gutiérrez, expressa-se nestes textos uma dupla vertente. Por um lado, o interesse
pela transformação da realidade latino-americana e, por outro, a preocupação com
ela veicula, na América Latina, uma consciência histórica especificamente nova. Esta nova consci-
ência histórica é um ato de presença rebelde em um contexto histórico de escravidão e domina-
ção, que, como tal, inclui mais decisão de ruptura que propósitos de continuidade”. H.
ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, p.107. Desta forma, o núcleo da nova
consciência histórica é seu potencial autenticamente revolucionário e o ponto de partida para uma
possível Teologia da Libertação latino-americana precisa ser, necessariamente, o específico pro-
cesso de libertação dos povos dominados e explorados da América Latina. Neste sentido, Hugo
Assmann afirma que “na América Latina, nem mesmo os ideais de emancipação da primeira inde-
pendência tiveram penetração tão profunda e rápida e nem força aglutinadora tão potente. A liber-
tação, como segunda e verdadeira independência de nossos países dominados, nos situa, portanto,
em um contexto revolucionário inédito sob muitos aspectos”. Ibid., p.107. Caberá, então, à Teolo-
gia buscar plenificar o conceito de libertação com uma significação humana total capaz de con-
templar os vários veis de libertação. Recorrendo a G. Gutiérrez, H. Assmann fala em três veis
de libertação: libertação política, libertação do ser humano ao longo da Hisria e libertação do
pecado, raiz de todo mal. Cf. Ibid., p.108. As indicações sobre G. Gutiérrez encontram-se na p.108
nota 14. Esta nova consciência histórica, raiz do processo de libertação, está ligada, segundo H.
Assmann, a dois fatos fundamentais que conformam a base do surgimento da linguagem da liber-
tação na Arica Latina. Trata-se, primeiro, do fracasso do reformismo e desenvolvimentismo e
suas táticas paleativas para criar o novo tipo de sociedade que se propõe. E, em segundo lugar, a
revelação dos mecanismos de exploração e dominação interna e externa. Com isso gera-se maior
consciência das implicações e conseqüências do imperialismo e nacionalismo que caracterizam a
realidade latino-americana e isto leva à articulação de grupos subversivos, por um lado, e de práti-
cas repressivas, por outro. Neste contexto as Ciências Sociais latino-americanas, assumem um
papel preponderante a partir do começo da década de 60. Elas propõem uma tematização cada vez
mais vigorosa da dependência, elevada à categoria científica explicativa da situação de dominação
e dependência da sociedade latino-americana. Isso implicou, para as Ciências Sociais, em uma
ruptura inovadora em perspectiva temática e metodogica. Cf. Ibid., p.108-109.
247
G. Gutiérrez observa que diversos setores do povo de Deus comprometem-se gradualmente e de
forma variada com o processo de libertação. Percebem que a libertação passa necessariamente pela
ruptura com a situação de dominação, isto é, pela revolução social. Gustavo Gutiérrez reconhece
que se se considerar o conjunto da comunidade cristã latino-americana, é preciso reconhecer que
estes cristãos são minoria. Porém, minorias crescentes e muito ativas, que dia a dia adquirem mai-
or audiência dentro e fora da Igreja. Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.90.
uma nova presença da Igreja na América latina
249
. Percebe-se, enfim, uma atitude
cada vez mais cida e exigente a apontar para uma sociedade qualitativamente
distinta e para formas basicamente novas da presença da Igreja. Isto, sem dúvida,
é o resultado da tomada de consciência da Igreja latino-americana, de seu papel no
processo revolucionário de libertação, e configura a opção política da Igreja no
continente. Trata-se de um assumir o pprio destino e de um passar à maioridade
da Igreja latino-americana
250
.
É neste contexto que irrompe, junto com a nova consciência da Igreja lati-
no-americana, uma nova linguagem teológica: a linguagem da libertação. Tal ir-
rupção da linguagem da libertação, ocorrida a partir de 1965 e assumida por Me-
dellín em 1968, não designa uma simples catarsis verbal. Expressa, sim, um novo
estado de consciência originado pelo descobrimento agudo dos mecanismos de
dominação que mantém a América Latina no subdesenvolvimento. Designa o fato
maior de uma experiência histórica elevada ao nível consciente. Toma-se consci-
ência do que a América Latina tem sido historicamente: um povo não simples-
mente subdesenvolvido, no sentido de ainda não desenvolvido, mas de um povo
mantido no subdesenvolvimento, de um povo dominado. Nisto a libertação é cor-
relata à dependência.
251
.
É importante ressaltar o papel que as análises políticas, antropológicas, so-
ciológicas e econômicas do desenvolvimento, subdesenvolvimento e dependência
latino-americanas adquiriram para a nova consciência da Igreja e da própria Teo-
logia. A Sociologia latino-americana, desvinculando-se da Sociologia funcionalis-
ta norte-americana, começou a perceber - a partir do início da década de 60 e com
a adoção de uma perspectiva interdisciplinar e dialética a relação existente entre
o desenvolvimento dos países centrais e o subdesenvolvimento dos países perifé-
ricos. Percebeu-se que há uma conexão de causa e efeito entre o desenvolvimento
248
Para uma descrição e documentação veja: Ibid., p.90-97; Cf. também a obra: R. MUÑOZ, A
nova consciência da Igreja na América Latina.
249
Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.97-112.
250
G. Gutiérrez propõe que, centrada fora do continente latino-americano, a Igreja ficou alheia ao
processo de libertação que germinava nas massas latino-americanas. Mas o compromisso crescente
de muitos cristãos com o processo de libertação leva a exigir que a comunidade cristã assuma o
seu próprio destino. uma Igreja que seja expressão de um povo até agora sem voz e à procura
da consciência de si próprio poderá renovar sua fidelidade ao Senhor e enriquecer a Igreja univer-
sal. Por isso, a superação da mentalidade colonial é uma das grandes tarefas da comunidade cristã
latino-americana. “A Conferência de Medellín significou, quanto a isto, um primeiro gesto, o iní-
cio talvez de uma tomada de consciência da maioridade da Igreja latino-americana”. Id., O
fenômeno da contestação na América Latina, p.967.
dos primeiros em detrimento do subdesenvolvimento dos últimos. As Ciências
Sociais propõem uma tematização cada vez mais vigorosa da dependência, eleva-
da à categoria científica explicativa da situação de dominação e dependência da
sociedade latino-americana. Nas Ciências Sociais isto representou uma ruptura
inovadora no sentido temático e metodológico. É neste período que nascem as
análises de dependência e subdesenvolvimento latino-americanos, designadas por
Hugo Assmann como “fato maior das ciências sociais latino-americanas
252
. Para
averiguar a importância destas análises no processo de conscientização da situa-
ção latino-americana e identificar o papel capital desempenhado por elas na gêne-
se do processo de libertação e, conseqüentemente, seu lugar na nese da Teolo-
gia da Libertação, seguir-se-ão as análises propostas por Gustavo Gutiérrez e Le-
onardo Boff.
Segundo Gustavo Gutiérrez
253
, o fracasso do desenvolvimentismo levou a
uma mudança de atitude. Percebeu-se cada vez mais que a situação de subdesen-
volvimento é o resultado de um processo histórico conexo à expansão dos grandes
países capitalistas. O subdesenvolvimento dos países pobres é o subproduto do
desenvolvimento dos países ricos. A dinâmica da economia capitalista leva ao
estabelecimento de um centro e de uma periferia e gera simultaneamente progres-
so e riqueza crescente para uma minoria, tensões políticas e pobreza para a maio-
ria. A América Latina nasce dentro deste contexto global e a sua dependência ini-
cial é o ponto de partida para compreender seu subdesenvolvimento. Desta forma,
o estudo da dinâmica própria da dependência, de suas modalidades e conseqüên-
cias é, sem dúvida, o maior desafio com que se defrontam as Ciências Sociais na
América Latina. Torna-se urgente situar numa única História, acompanhando de
perto as novas formas e modalidades de dependência, a expansão dos países de-
senvolvidos e suas conseqüências nos países subdesenvolvidos
254
.
É nesta perspectiva que as análises do desenvolvimento, subdesenvolvi-
mento e dependência latino-americanas ganham, a partir de aportes provindos de
diferentes ângulos das Ciências Sociais e do pensamento político, às vezes com
influência de noções provenientes da análise marxista, seu espaço teórico de aná-
251
Cf. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.29-36.
252
Cf. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, p.108-109.
253
Dois textos de Gutiérrez são fundamentais para isso: Teologia da Libertação, p.75-88; Libera-
ción y desarrollo: un desafío a la Teología, em: A. GALLEGO; R. AMES (orgs.), Gustavo Guti-
érrez: Acordarse de los pobres - textos esenciales, p.192-202.
lise da realidade. Diferentemente do desenvolvimentismo, estas análises fazem
um estudo agudo e sustentável das causas da pobreza latino-americana e a situam
no panorama internacional. Buscam ainda analisar a trajetória que levou a Améri-
ca Latina à situação de pobreza e miséria, associando-a à História universal. En-
contrar caminhos para romper a dependência dos grandes centros de poder apre-
senta-se como a exigência fundamental. Assim, as análises da dependência e sub-
desenvolvimento convertem-se em instrumento capital e qualitativamente distinto
para conhecer a realidade sócio-econômica da América Latina, e permitem uma
análise estrutural dos males presentes, possibilitando caminhos de libertação. Nis-
to consiste seu aporte significativo na gênese da Teologia da Libertação
255
. Além
disto, a percepção do fato da dependência e suas conseqüências contribui signifi-
cativamente para a nova consciência da realidade latino-americana, bem como de
suas causas, conseqüências e possíveis caminhos de libertação
256
.
Com efeito, como propõe Leonardo Boff
257
, a consciência dos mecanismos
que mantêm a América Latina no subdesenvolvimento - entendido como depen-
dência e dominação - leva, conseqüentemente, ao desafio da libertação. A catego-
ria libertação, correlativa com a categoria de dependência, articula uma nova ati-
tude frente ao problema do desenvolvimento. Libertação implica uma recusa glo-
bal do sistema desenvolvimentista e uma denúncia de sua estrutura subjugadora.
Urge romper com a dependência, consciente dos conflitos que isso significa, por
meio de uma práxis libertadora que objetive provocar uma ruptura com o sistema
de dependência e crie condições para que os países sejam agentes e produtores de
seu próprio destino
258
.
Pode-se afirmar que a nova consciência da Igreja latino-americana eleva
ao patamar teológico interpretativo uma nova consciência e uma nova linguagem
que irrompe em seu contexto sócio-histórico. A linguagem da libertação, assumi-
da teologicamente, veicula uma consciência histórica especificamente nova: a
consciência da historicidade real de povos dominados, explorados e espoliados.
Daí que, segundo Hugo Assmann, a nova linguagem da libertação é a expressão
de um novo estado de consciência com conotações revolucionárias peculiares. Em
254
Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.78-83
255
Cf. I. ELLACURÍA, Função das teorias econômicas na discussão teológico-teórica sobre a
relação entre cristianismo e socialismo, p.646.
256
Cf. A. GALLEGO; R. AMES (orgs.), Gustavo Gutiérrez: Acordarse de los pobres, p.196-199.
257
Cf. L. BOFF, Teologia do Cativeiro e da Libertação, p.13-26.
conseqüência, o ponto de partida para uma Teologia da Libertação para a América
Latina tem que ser necessariamente o específico processo de libertação de povos
dominados do continente latino-americano
259
. Portanto, a consciência emergente
social e politicamente assume o caráter de teologicamente relevante. A Teologia
daí resultante, por um lado, interpretará a consciência social e política emergente
dando-lhe uma direção cristã, e por outro, terá a tarefa de interpretar a irrupção
desta mesma consciência no seio eclesial, dando-lhe uma direção social, histórica,
política e transformadora do real. Neste sentido será, por excelência, uma Teolo-
gia política e, no contexto social e eclesial latino-americano, será conseqüente-
mente conflitiva, pois depara-se com as forças de dominação - eclesiais, sociais,
políticas – que lutam pela manutenção da sua situação de privilégio e domínio.
2.1.3. Configurações e expressões de uma nova consciência eclesial
latino-americana
A constatação de que há a emergência de uma nova consciência na Igreja
latino-americana postula a abordagem das configurações e expressões desta nova
consciência. No intuito de indicar as configurões e expressões mais significati-
vas para o processo de libertação e, em conseqüência, para a gênese da Teologia
da Libertação, propõe-se aqui retratar sumariamente alguns movimentos cristãos
que configuram e expressam a nova consciência eclesial e, em seguida, a confe-
rência de Medellín (1968) como o evento de maior relevância e significação, fruto
e fator propulsor da nova consciência da Igreja latino-americana.
A. Os Movimentos Cristãos e o processo de libertação
Os movimentos de cunho cristão tiveram um papel fundamental como lu-
gares do desabrochar da nova consciência eclesial. Em sua diversidade, esses mo-
vimentos têm em comum o interesse por uma vivência e testemunho da fé, enga-
jados social e politicamente nas transformações da realidade de dominação e o-
pressão vigentes no continente latino-americano. Nesta perspectiva são os seguin-
tes os movimentos cristãos latino-americanos que mais parecem contribuir para a
criação e propagão de uma nova conscncia eclesial que postula um engaja-
mento real e efetivo no processo de libertação.
258
Cf. L. BOFF, Teologia do Cativeiro e da Libertação, p.17-19.
259
Cf. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.103-119.
A Ação Calica e os movimentos dela oriundos representa um papel de
importância decisiva no engajamento dos cristãos latino-americanos no processo
de libertação. Provinda da Europa, a Ação Católica desempenha, primeiramente, o
papel de força social do catolicismo levada a cabo pelos leigos
260
. Porém, no con-
texto da América Latina das décadas de 60 e 70, sofreu transformações que possi-
bilitaram a passagem de parte de seus grupos para um cristianismo revolucionário
libertador mediante a radicalização da Doutrina Social da Igreja e o engajamento
político
261
. Seu método ver-julgar-agir” está, segundo a tese de Agenor Brighen-
ti, nas raízes da epistemologia e do método da Teologia da Libertação
262
.
Segundo João Batista Libânio, a Igreja penetrou nos movimentos de liber-
tação através da Ação Católica, e, através dela, pôde elaborar uma prática pastoral
libertadora e provocar uma reflexão teológica embrionária nesta direção. A partir
da reorganizão realizada em 1950, segundo o modelo francês-belga, a Ação
Calica, dividida em grupos de penetração, teve papel relevante no nascimento da
Teologia da Libertação. Destacam-se neste sentido a JEC (Juventude Estudantil
Calica), a JOC (Juventude Operária Católica) e a JUC (Juventude Universitária
Calica). Por meio destes e outros movimentos, a Ação Católica foi encorajada a
engajar-se no meio social e, aos poucos, tomou consciência da realidade de opres-
o e dominão e da necessidade de caminhos de superação
263
.
No Brasil, por exemplo, a Ação Católica terá papel importante na gênese
das Comunidades Eclesiais de Base e estará presente nos Movimentos de Educa-
ção de Base, no Movimento de Sindicalização Rural, nos Movimentos de Educa-
ção e Cultura Popular, todos surgidos a partir de meados da década de 50, quando
ocorre um despertar da conscncia histórica na Ação Católica Brasileira
264
. É a
Ação Católica que lança as sementes que se concretizarão na “primavera dos anos
260
Cf. J.B. LIBÂNIO, O Concílio Vaticano II, p.32-34.
261
Esta é a tese de S.S. GOTAY, Origem e desenvolvimento do pensamento cristão revolucionário
a partir da radicalização da Doutrina Social cristã nas décadas de 1960 e 1970. Em: E. DUSSEL
et alii, História da Teologia na América Latina, p.139-164. Segundo este autor, uma mudança
que se deu entre os cristãos comprometidos nas décadas de 60 e 70 na América Latina. Tal mu-
dança consiste na passagem do “cristianismo social” para o “cristianismo revolucionário”. Esta
mudança esna origem do pensamento cristão revolucionário na América Latina.
262
Trata-se da tese de doutorado em Teologia deste autor junto à Universidade Católica de Lovai-
na. Esta vem intitulada: Raízes da epistemologia e do método da Teologia da Libertação: O méto-
do “ver-julgar-agir” da Ação Católica e as mediações da Teologia Latino-americana. Cf. a sínte-
se dos principais pontos desta tese em: A. BRIGHENTI, Raíces de la epistemología y del método
de la Teología latinoamericana. Em: MEDELLIN 78 (1994) 207-254.
263
Cf. J.B. LIBÂNIO, Teologia da Libertação, p.70-74.
60” no Brasil
265
. Primavera florescente principalmente nos movimentos estudantis
e universitários, com destaque para a Juventude Universitária Católica, para os
cristãos presentes na União Nacional de Estudantes e, por fim, para a criação, em
1962, da Ação Popular como movimento revolucionário
266
.
Outro conjunto de movimentos cristãos latino-americanos que tiveram
participação relevante no processo de libertação vem designado pela expressão
ampla de Movimento de Cristãos pelo Socialismo
267
. Trata-se de um conjunto de
movimentos cristãos que cada vez mais na revolução socialista a saída para a
situação de opressão e dominação vivida na América Latina. Um movimento pro-
fético, neste sentido, ganhou expressão na Mensagem dos Bispos do Terceiro
Mundo, em 15 de agosto de 1967. Nesta mensagem, os bispos assinalam que a
mais radical revolução exigida pelo Evangelho consiste na convero do pecado à
graça, do egoísmo ao amor e do orgulho ao humilde serviço. Esta revolução não é
interior e pessoal, mas também social e comunitária, pois tende ao desenvolvi-
mento integral do ser humano. Com energia os bispos denunciam a explorão
capitalista que mantém povos subdesenvolvidos. A Igreja é chamada, além de
denunciar as injustiças, a romper sua conivência com o poder do dinheiro e recha-
çar decididamente o sistema iníquo que favorece a uns poucos às custas da imensa
maioria. Somente assim esta Igreja poderá pronunciar com autoridade sua palavra
protica e libertadora dos oprimidos. Enfim, esta Igreja deve olhar com simpatia
para o socialismo, como sistema social mais em harmonia com a evolução históri-
ca e com o espírito do Evangelho. Pois o verdadeiro socialismo é o cristianismo
vivido no justo repartir dos bens e na aspiração de uma sociedade mais fraterna
268
.
264
A expressão despertar da consciência histórica na Ação Católica Brasileira é de L.A.G. de
SOUZA, Do Vaticano II a um novo Concílio? p.61-85.
265
Cf. G. SEMERARO, A primavera dos anos 60. O autor apresenta as intuições principais e as
metas e utopias de uma gerão de cristãos dos movimentos oriundos da Ação Calica.
266
Segundo G. Semeraro, foi a necessidade de uma atuação especificamente política, permanente e
estruturada que fez com que alguns dos principais quadros políticos da Juventude Universitária
Católica pensassem na criação de uma organização própria, desvinculada das autoridades eclesiás-
ticas. Foi nesta perspectiva que teve lugar o primeiro encontro de fundação da Ação Popular ocor-
rido em Belo Horizonte no início de 1962. Cf. Ibid., p.59-66; Cf. também: J.O. BEOZZO, Cristãos
na Universidade e na Política, p.104-132.
267
Boaventura Kloppenburg coloca este movimento como base do surgimento da Igreja Popular
na América Latina. Embora sendo crítico quanto à Igreja Popular, bem como ao socialismo, este
autor traz uma importante bibliografia para situar o movimento dos cristãos pelo socialismo na
América Latina. Cf. B. KLOPPENBURG, Igreja Popular, p.13-29. Nas p.13-17 o autor apresenta
34 textos documentais que vão de 1968 a 1975.
268
Este é o primeiro documento expressamente favorável ao socialismo em vel hierárquico cató-
lico e foi assinado por dezessete bispos de países subdesenvolvidos em resposta a Populorum
Progressio, publicada em 26 de março de 1967. Dos dezessete bispos que assinaram esta declara-
A partir deste gesto profético dos 17 bispos do Terceiro Mundo, uma série de de-
clarações coletivas de leigos, presbíteros e bispos
269
assumem a postura socialista
como opção coerente para a América Latina. Da parte do episcopado surgem, em
1971, duas importantes declarações. Trata-se das Conferências Episcopais do Chi-
le e do Peru que publicam indicações favoráveis ao socialismo nos respectivos
documentos Evangelho, Política e Socialismo
270
e A Justiça no Mundo
271
.
A maior expressão do movimento cristão socialista latino-americano acon-
tece por ocasião do Primeiro Congresso Latino-americano de Cristãos pelo Soci-
alismo, ocorrido em Santiago do Chile, de 23 a 30 de abril de 1972
272
. Deste en-
contro participam mais de 400 pessoas provindas dos diversos países latino-
americanos e mais alguns observadores dos Estados Unidos, Cana e Europa.
Além de leigos, presbíteros, religiosos e religiosas, participam também fiéis e pas-
tores de diversas denominações protestantes. Em comum, estes participantes têm
o compromisso com as lutas operárias, camponesas e com os marginalizados.
Com denso conteúdo doutrinal e programático, as conclues do encontro têm
importância por servirem de modelo para outras declarações posteriores análogas.
Os congressistas se identificam como cristãos comprometidos com o processo de
libertação do continente latino-americano e com a luta na construção de uma soci-
edade socialista. A partir de sua práxis concreta querem refletir, à luz de sua
comum, sobre a situação de injustiça que domina a América Latina, para reverem
sua atitude de amor aos oprimidos e buscar conclues efetivas e práticas
273
.
Na primeira parte do documento, apresenta-se a crucial realidade social la-
tino-americana como desafio aos cristãos. A segunda parte destina-se a esclarecer
alguns aspectos do compromisso revolucionário dos cristãos. Esse compromisso
ção, 7 são brasileiros. Cf. a íntegra do texto em: H. CAMARA et alii, Declaração de 17 bispos
sobre a situação do Terceiro Mundo. Em: REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA 27 (1967)
989-997. Para uma análise perspicaz da postura do episcopado latino-americano frente ao socia-
lismo cf.: I. LESBAUPIN, O Episcopado da América Latina e o Socialismo, p.630-641.
269
Confira, a título de exemplo, o texto da carta do bispo de Cuernavaca – México, Sergio Méndez
Arceo, datada de 29 de Julho de 1973, ao Presidente socialista chileno Salvador Allende em:
SELECCIONES DE TEOLOGÍA 13/50 (1974) p.99.
270
Confira o texto integral em: CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO CHILE, Evangelho, Política e
Socialismo. Em: SEDOC 4 (1972) 1443-1476.
271
O texto integral encontra-se em: CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO PERU, A Justiça no Mun-
do. Em: SEDOC 4 (1971) 425-436.
272
As conclusões deste encontro encontram-se publicadas pela primeira vez em: MENSAJE 209
(1972) 356-365. Para avaliações e comentários do encontro veja: M.A. FERRANDO, El Primer
Encuentro Latinoamericano “Cristianos por el Socialismo”. Em: TEOLOGIA Y VIDA 13 (1972)
118-123; CEAS, Primeiro Encontro Latino-americano de Cristãos para o Socialismo. Em:
CADERNOS DO CEAS 24 (1973) 36-46.
exige um projeto histórico global de transformação da sociedade através de uma
análise científica da realidade em constante inter-relação com a ão política.
Dentro da luta ideológica, muitos cristãos descobrem a convergência entre o radi-
calismo de sua e o radicalismo de seu compromisso histórico. A cristã se
converte em fermento revolucionário crítico e dinâmico, e o compromisso político
tem, por sua vez, uma função ctica e dinamizadora a respeito da mesma fé vivida
no contexto real da luta contra a opressão. O cristão comprometido com a práxis
revolucionária descobre a força libertadora do amor de Deus, da morte e ressurrei-
ção de Cristo, ao mesmo tempo que aprende a viver e a pensar em termos confli-
tuais e históricos. A Teologia, reflexão crítica sobre a fé, deixa de ser especulação
fora do compromisso com e na Hisria e é fecundada pela práxis revolucionária.
Isto conduz, em um espírito de fé autêntica, a uma nova leitura da Palavra de
Deus e da tradição cristã com alcance criador e estimulante da ação libertadora
274
.
Um terceiro grupo de movimentos latino-americanos de relevância na to-
mada de consciência da necessidade da participação cristã no movimento revolu-
cionário de libertação pode ser designado genericamente como o Movimento Sa-
cerdotal ou Movimentos de Sacerdotes. O movimento sacerdotal é amplo e, se-
gundo Gustavo Gutiérrez, um dos setores mais dinâmicos e inquietos da Igreja
latino-americana
275
. Essa dinamicidade e inquietude manifesta-se nas décadas de
60 e 70 pela multiplicação de grupos sacerdotais por quase todos os países da
América Latina
276
. Através destes grupos, o sacerdote deixa de ser “apenas um
profissional do culto, do ritual, para transformar-se em profeta social, real, históri-
co”
277
. Predomina nestes grupos sacerdotais o interesse pelo compromisso com o
processo de libertação e o desejo de mudanças radicais, tanto nas estruturas inter-
nas da Igreja, quanto nas formas de sua presença e atuação no continente latino-
americano em situação revolucionária. Estes movimentos vão deixando claro a
necessidade do compromisso com o processo revolucionário de libertação latino-
americano e, neste sentido, situam-se em perspectiva subversiva ante a ordem
social, e, às vezes, até eclesial, vigente. Resulta disto o conflito com os regimes
273
Cf. a introdução do documento na Revista Mensaje acima citada, p.357-359.
274
Cf. Documento: Primer Encuentro Latinoamericano de Cristianos por el Socialismo. Em:
MENSAJE 209 (1972) 359-365. Cf. também os comentários de J.A. LLINARES, Iglesia, socia-
lismo y praxis marxista, p. 422-425.
275
Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.93.
276
Cf. a avaliação histórica da presença de movimentos sacerdotais na América Latina em: E.
DUSSEL, Historia de la Iglesia en América Latina, p.243-263.
políticos ditatoriais vigentes na América Latina, bem como com grande parte da
hierarquia eclesiástica
278
.
Destacam-se como os principais grupos sacerdotais latino-americanos:
Sacerdotes para o Terceiro Mundo (Argentina); Os Sacerdotes de Golconda (Co-
lômbia); Sacerdotes para o Povo (México); Grupo dos “80” ou Sacerdotes para o
Socialismo (Chile); O Movimento ONIS Oficina Nacional de Investigación So-
cial (Peru); Movimento de Reflexão Sacerdotal (Equador). Estes e outros movi-
mentos sacerdotais afins se propõem a participar da política na organização das
massas mediante a conscientização do povo para a eliminação dos bloqueios ideo-
lógicos que a religião tradicional havia incutido na consciência dos cristãos do
continente. Caracterizam-se pela Teologia como reflexão sobre a prática histórica
de libertação, pelo acompanhamento do povo em seus protestos e pelo trabalho de
base através da conscientização e organização do povo
279
.
Em fevereiro de 1973, sob a presidência de Gustavo Gutiérrez, vários des-
tes movimentos reuniram-se em Lima
280
. Percebe-se, no resumo das conclusões
deste encontro, um real compromisso com o processo político de libertação assu-
mido em perspectiva socialista. Ressaltam-se aqui as tarefas prioritárias dos mo-
vimentos sacerdotais na América Latina que seriam: lutar contra o imperialismo e
contra os regimes opressores que destroem e desfiguram a ão libertadora, dimi-
nuindo o nível de consciência de classe no continente; colaborar com a luta sindi-
cal e com a urgente unificação dos oprimidos. Os movimentos sacerdotais assu-
mem, como sua tarefa própria no campo especificamente cristão, o dever de
combater as prevenções anti-marxistas muito difusas pela direita e por parte da
Igreja; a tarefa de esclarecimento ideológico que permita incorporar cristãos no
processo libertador e, finalmente, contribuir para a promoção de uma Igreja com-
277
E. DUSSEL, Hisria da Igreja Latino-americana (1930 a 1985), p.45.
278
Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.93-96; E. DUSSEL, Historia de la Iglesia en
América Latina, p.243-263.
279
Cf. S.S. GOTAY, Origem e desenvolvimento do pensamento cristão revolucionário a partir da
radicalização da doutrina social crisnas décadas de 1960 e 1970. Em: E. DUSSEL et alii, His-
tória da Teologia na América Latina, p.152.
280
Estiveram presentes os seguintes movimentos: Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mun-
do, Movimento Sacerdotal ONIS, Movimentos de Sacerdotes para o Socialismo; Movimento de
Reflexão Sacerdotal; Movimento de Sacerdotes para o Povo e o Movimento de Sacerdotes para a
América Latina.
prometida com os oprimidos, com as classes exploradas, resultando disso uma
releitura da própria fé
281
.
Por fim, embora não se constitua em um movimento cristão específico, é
preciso recordar o importante papel desempenhado por parte do protestantismo
latino-americano que toma consciência, a partir dos anos 60, de seu papel no
compromisso revolucionário libertador. Suas origens estão nas denominações pro-
testantes históricas, tais como luteranos, presbiterianos e metodistas e constituem-
se em um grupo de espírito ecumênico, que comunga com os grupos católicos
acima vistos na preocupação com o engajamento social transformador. Destacam-
se, a partir da década de 60, figuras como Emílio Castro
282
, Richard Shaull e Ru-
bem Alves. Richard Shaull, como missionário presbiteriano norte-americano vi-
vendo no Brasil (1952-64), lecionou no Seminário Teológico de Campinas (SP).
Trabalhava, nesta época, com a UCEB União Cristã de Estudantes Brasileiros.
Movimento que em fins da década de 50 passou por um processo de renovação
semelhante ao ocorrido com a Juventude Universitária Católica. Em seu livro
Cristianismo e Revolução Social (1960), Richard Shaull estimula os estudantes a
se envolverem na luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Em 1962 ajuda a
organizar, no Recife, uma conferência de protestantes progressistas sobre Cristo e
o processo revolucionário brasileiro
283
.
Uma das maiores contribuições do protestantismo ao movimento revolu-
cionário de libertação latino-americano foi a criação, em Lima, no Peru, em 1961,
do ISAL Iglesia y Sociedad en América Latina. Sob liderança de leigos como
Luis E. Odell e Hiber Conteris, o ISAL mobilizou fiéis progressistas de várias
denominações protestantes, em um diálogo permanente com esquerdistas católi-
cos e marxistas. Por meio de sua revista Cristianismo y Sociedad, a organização
incentivava o envolvimento cristão nos movimentos populares e propunha nova
interpretação bíblica. A partir de 1967 o ISAL concentra seus esforços em pro-
gramas de educão popular utilizando o todo pedagógico de Paulo Freire.
Essa prática pedagógica de conscientização popular levou a uma mobilização da
população. Um exemplo disto está na Bolívia, onde o ISAL tornou-se uma das
281
Confira o Documento de Conclusão deste Encontro dos Movimentos Sacerdotais da América
Latina em: CADERNOS DO CEAS 38 (1975) 46-50; Cf. também: G. ARROYO, Calicos de
izquierda en América Latina, p.369-372.
282
Cf. B.M. COUCH, Nouvelles conceptions de l´église en Amérique Latine, p.85-92.
forças mais importantes na luta contra a ditadura militar e em defesa da organiza-
ção popular. Já no início da década de 70, líderes e militantes do ISAL foram du-
ramente reprimidos pelo militarismo ditatorial latino-americano. O resultado fo-
ram prisões, mortes e exílios. A partir de 1975, o ISAL deixa de funcionar
284
.
Concluindo, vê-se que a diversidade de movimentos, sumariamente retra-
tados acima, é indício e expressão de uma nova consciência eclesial do cristianis-
mo latino-americano. Consciência crescente a partir do início da década de 60 e
que se caracteriza pelo engajamento dos cristãos no processo revolucionário de
libertação. Processo que coloca os cristãos como protagonistas, diante de uma
História e realidade de opressão e dominação, rumo a uma nova sociedade e a um
novo ser humano, enfim libertos do secular jugo espoliativo que beneficia poucos
às custas da pobreza e miséria da grande maioria do povo.
B. Medellín: O evento eclesial significativo rumo a uma nova consciência
A Segunda Confencia Geral do Episcopado Latino-americano, realizada
em Medellín, de 26 de agosto a 8 de setembro de 1968, sobre a Igreja na atual
transformação da América Latina à luz do Concílio
285
, tem papel fundamental na
nova consciência da Igreja. São muitas as avaliações e estudos sobre Medellín, no
entanto, interessa ressaltar aqui o caráter processual mais que o evento em si.
Medellín pode ser tomado como expressão de um processo de consciência da I-
greja latino-americana. Como tal é fruto de um caminho anterior e, ao mesmo
tempo, semente de desenvolvimentos posteriores. Enquanto evento, é a realização
de um encontro do Episcopado, mas, enquanto processo, é a experiência de toda
uma Igreja que busca tornar-se sujeito da transformão do mundo em que vive.
O evento de Medellín situa-se, na afirmação de Pablo Richard, na conver-
gência de duas correntes históricas fundamentais dos anos 1960-1968. Por um
lado, os acontecimentos da Igreja hierárquica universal e latino-americana, por
outro, o movimento cristão emergente nas comunidades cristãs de base na Améri-
ca Latina. “A universalidade e vitalidade da Conferência de Medellín se deve, em
283
Cf. CLAI, De dentro do furacão. Richard Shaull e os primórdios da Teologia da Libertação.
o Paulo: Cedi/Clai, 1985.
284
Para uma visão mais ampla da presença protestante no processo de libertação latino-americano
veja: B.M. COUCH, Nouvelles conceptions de l´église en Amérique Latine, p.74-105, principal-
mente p.85-105; M.WY, A guerra dos deuses, p.176-202.
285
CELAM, A Igreja na atual transformação da Arica Latina à luz do Concílio. Conclusões de
Medellín. 4ed. Petrópolis: Vozes, 1971.
grande parte, a esse histórico encontro destas duas correntes convergentes”
286
.
Desta forma, Medellín deve ser explicado e interpretado a partir do encontro dia-
lético destas duas correntes. E este encontro foi possível mediante a ação dos
que Pablo Richard chama de minorias proféticas. Estas minorias proféticas eram
formadas por leigos, sacerdotes e bispos que tiveram um papel de suma importân-
cia na gestação da Conferência de Medellín, pois, por um lado, souberam interpre-
tar o momento histórico latino-americano, sob o ponto de vista econômico, políti-
co, social, ideológico, cultural, religioso e eclesial, e por outro, tiveram a capaci-
dade de reinterpretar os grandes documentos da Igreja universal e latino-
americana, a partir dos desafios e da realidade histórica latino-americana
287
.
Para Jon Sobrino, em Medellín ocorre a feliz coincidência entre as expec-
tativas do continente e da Igreja latino-americana, as novas e incipientes realiza-
ções de grupos eclesiais e a concretização latino-americana do Concílio Vaticano
II. Neste sentido Medellín foi a interpretação dos sinais dos tempos: mostrou o
continente oprimido e vítima do colonialismo interno e externo, e de uma violên-
cia institucionalizada. Ante esta situação emerge a consciência de buscar a liberta-
ção. E a Igreja tem a tarefa urgente de contribuir para esta libertação. Pode fazê-lo
comprometendo-se com o processo de libertação em curso
288
.
Segundo Paulo F.C. de Andrade, a problemática da libertação estava
presente antes de Medeln em alguns documentos eclesiásticos e em alguns arti-
gos teológicos. Porém, não tinha sido recebida pelo episcopado latino-americano e
nem tinha encontrado uma expressão teológica ppria, como o tivera a teoria
tecnocrático-desenvolvimentista. Neste contexto, Medellín não representa uma
recepção consensual da temática da libertação. É, sim, “uma antecipação e um
286
P. RICHARD, A Igreja latino-americana entre o temor e a esperança, p.52. Entre os aconteci-
mentos da Igreja hierárquico-universal e latino-americana, Pablo Richard indica: O Vaticano II
(especialmente através das constituições LG e GS); As encíclicas Mater et Magistra (1961), Pacem
in Terris (1963), Populorum Progressio (1967); A mensagem dos Bispos do Terceiro Mundo
(1967); A fundação (1956) e desenvolvimento do CELAM, especialmente a partir de sua VII as-
sembléia ordinária de 1963 em Roma; A X Assembléia de Mar del Plata (1966) com o tema Refle-
o teológica sobre o Desenvolvimento; As reuniões dos Departamentos do CELAM: Sobre pasto-
ral de conjunto em Baños – Equador (1966); Sobre as Universidades Calicas em Buga – Com-
bia (1967); Sobre as Missões em Melgar Colômbia (1968); Sobre a Igreja e a transformação
social em Itapoã Brasil (1968); e a ação profética de membros do episcopado latino-americano
como: Dom H. Camara (Brasil) e Manuel Larraín (Chile). Cf. Ibid., p.52-53.
287
Cf. Ibid., p.54-57.
288
Cf. J. SOBRINO, Puebla, serena afirmación de Medellín, p.45.
salto profético feito pelos representantes do episcopado latino-americano e seus
assessores em direção a um compromisso social transformador
289
.
É na interpretação teológica deste compromisso social transformador, fruto
de uma tomada de consciência da situação de opressão e dominação, e na conse-
qüente busca de libertação, que se gesta a Teologia da Libertação. Portanto, em
Medellín, por um lado, se admite uma nova consciência eclesial, da qual, parte do
episcopado quer ser voz, e por outro, se afirma em parte a opção da Igreja latino-
americana pelo processo de libertação como sinal da autenticidade do compromis-
so evangélico. É a realidade histórica de uma emergente consciência da depen-
dência e dos desafios de libertação que, na voz de parte do episcopado comprome-
tida com a transformação do continente, se faz voz eclesial e, ao mesmo tempo, é
a voz da Igreja que toma consciência de sua missão na transformação da História.
Parece que este será o maior legado simbólico, não confirmado pela totalidade dos
documentos da II Conferência, que o evento de Medeln ofereceu ao processo de
libertação e à gênese da Teologia da Libertação
290
.
Procurou-se neste item abordar a presença e o engajamento dos cristãos no
processo de conscientização da situação de opressão, dominação e dependência e
na transformação da realidade mediante o engajamento no processo revolucioná-
rio de libertação. O ponto de partida para abordar esta questão foi a definição de
qual Igreja participa no processo de libertação. É a Igreja que toma consciência da
situação de dominação, dependência, exploração e miséria do povo e que, ao
mesmo tempo, dá-se conta das causas profundas desta situação. Emerge, nesta
Igreja, uma nova consciência eclesial que se caracteriza pela capacidade de identi-
ficação da pobreza, miséria e injustiça e, ao mesmo tempo, pelo reconhecimento
de que esta situação precisa ser transformada. Ante tal desafio, os cristãos perce-
bem a urgente necessidade de um engajamento no processo de libertação que visa
289
P.F.C. de ANDRADE, Fé e Eficácia, p.55.
290
É notório que no Documento das Conclusões de Medellín se mesclam linguagens teológicas
diversas que expressam as diferentes correntes que ali participaram, a saber: a desenvolvimentista
e a liberacionista. Portanto, quando esta pesquisa fala do legado simbólico de Medellín, refere-se
mais à “Medellín kerigmática” que à “Medellín histórica”. As expressões são de Hector Borrat. Cf.
H. BORRAT, Liberación, ¿como? Em: STROMATA 1-2 (1972) 7-51; Cf. também: P.F.C. de
ANDRADE, Fé e Eficácia, p.55, nota 79; C. MACCISE, La Teología de la Liberación, p.305.
Enrique Dussel expressa que a importância histórica de Medellín não estará simplesmente em seus
textos, mas na significação que alcançou o texto nas lutas em que os cristãos envolveram-se. Me-
dellín converteu-se em “justificação de uma práxis de libertação”. Cf. E. DUSSEL, La Iglesia
Latinoamericana de Medellín a Puebla (1968-1979). Em: A.B. MUÑOZ et alii, Encuentro de
Riobamba, p.172-176.
libertar de todas as amarras de domínio, dependência e espoliação geradoras de
miséria, injustiça e pobreza aviltantes.
Nesta perspectiva, parte da Igreja latino-americana toma lugar no processo
revolucionário de libertação emergente no contexto político-social. Ganham visi-
bilidade os vários movimentos cristãos que, cada qual em seu grau de participão
e comprometimento, assumem o compromisso político-social como expressão do
testemunho evangélico. A libertação sócio-política e econômica torna-se o primei-
ro desafio a ser enfrentado. O projeto de uma sociedade sem dominação, sem es-
poliação, sem dependência, sem misérias e injustiças, torna-se uma esperança
crescente para esses cristãos. O caminho socialista representa, para muitos, a via
mais plausível e coerente para a realização desta esperança. Neste contexto, o pro-
cesso que resultou em Medellín, e que a partir deste acontecimento ganhou força,
vem a ser a expressão mais viva e dinâmica da Igreja latino-americana que toma
consciência da situação de dominão e exploração e suas causas, e se engaja,
como testemunho evangélico de fé, no processo revolucionário de libertação.
É neste quadro social, político, econômico, cultural e eclesial, em que cada
vez mais se toma consciência da opressão, dominação, espoliação, marginaliza-
ção, pobreza e injustiça, bem como, de suas causas profundas, que gesta-se a Teo-
logia da Libertação. Essa configura-se como interpretação teogica de um pro-
cesso de dimensões sociais, políticas, culturais, ideológicas e religiosas. Trata-se
do processo revolucionário de libertação. Sua interpretação teológica é resultante,
por um lado, da tomada de consciência da realidade e de suas causas profundas e,
por outro, das questões radicais que essa tomada de consciência colocou ante a
pergunta pelo significado do ser cristão no contexto latino-americano.
2.2. Fatores Teológicos que contribuíram para a tomada de
consciência da necessidade de uma teologia historicamente
relevante
Qual é a situação da Teologia cristã no peodo da gênese e nascimento da
Teologia da Libertação latino-americana? A resposta a esta questão possibilita
perceber os fatores teológicos que estão presentes e que influenciam na gênese da
Teologia da Libertação e contribuem indiretamente para seu nascimento. Para
compreender a situação da Teologia cristã no início da segunda metade do século
XX, torna-se necessário partir da pergunta pelas condições do fazer teológico a
partir da emergência da modernidade. A modernidade significou a emergência de
mudanças no pensamento, na cultura e na sociedade, que tiveram repercussões
para a Teologia. Com a modernidade e os processos históricos por ela desencade-
ados, dentro e fora da Igreja, vêm à luz novas sensibilidades sociais, culturais,
ideológicas e políticas.
Parte das novas sensibilidades são assumidas pela Teologia e caracterizam
o nascimento de conflitos com a Teologia tradicional. O Concílio Vaticano II,
embora tardio, pode ser interpretado como a ‘assunção’ e ‘integração’, em nível
da compreensão da Revelação, da auto-compreensão da Igreja e da compreensão
da missão da Igreja no mundo, das sensibilidades emergentes na Teologia cristã
como um todo, desde o início da modernidade e, na Teologia católico-romana,
desde fins do século XIX. Assim, o Vaticano II é, ao mesmo tempo, fruto das sen-
sibilidades teológicas decorrentes da modernidade, agora assumidas pela Igreja
católica, e por outro lado, é também o catalisador e direcionador destas sensibili-
dades rumo ao futuro da Igreja e da Teologia. O Vaticano II só foi teologicamente
possível porque teólogos e correntes teológicas assumiram, bem antes dele e não
sem profundos conflitos com a Teologia hegemônica e a hierarquia, os desafios
lançados pela modernidade. Isto implica dizer que, de alguma forma, o Vaticano
II deu uma direção às sensibilidades teológicas que postularam sua realização.
Para elucidar a inflncia das novas tendências teológicas na gênese da
Teologia da Libertação, propõe-se neste item, inicialmente destacar, em linhas
sumárias, o desafio que representou a modernidade, enquanto nova forma de viver
e pensar, para a Teologia. Em seguida procurar-se-á indicar as sensibilidades ou
tendências teológicas da Teologia contemporânea que logram maior influência na
concepção teológica do Vaticano II, bem como na gênese da Teologia da Liberta-
ção. No ponto seguinte procurar-se-á delinear a concepção de Teologia e do fazer
teológico presente nos documentos conciliares do Vaticano II. Percorrendo tais
pontos, esta abordagem da Teologia pretende identificar as condições gerais do
pensar teológico vigentes no período do nascimento da Teologia da Libertação
Latino-americana. Com tal procedimento, evidencia-se a confluência de fatores de
ordem social, política, cultural, religiosa, ideológica e também teológica na gênese
e nascimento da Teologia da Libertação. Sem a participação destes fatores teoló-
gicos o existiriam as condições mínimas necessárias para que a Teologia da
Libertação nascesse e assumisse as configurações que assumiu.
2.2.1. Os desafios da Modernidade à Teologia
O conceito de modernidade é vasto e com múltiplas possibilidades de ca-
racterização. Tal multiplicidade diz respeito à compreensão da modernidade em
sua gênese, configurações e efeitos. Para esta pesquisa interessa apenas suas li-
nhas mestras e a incidência destas na Teologia. Neste sentido compreende-se a
modernidade como um modo de estar no mundo e relacionar-se com ele. Ela é a
periodização que assume o moderno como a época do novo. uma ruptura com
o pensamento tradicional. Com o Iluminismo se afirma a centralidade da liberdade
humana desvinculada de qualquer princípio, renunciando à hipótese de uma or-
dem estável. Com Kant, a modernidade assume a forma de uma crise de época
que instaura novos fenômenos histórico-culturais na ruptura com a tradição e na
ênfase no novum. “A modernidade, portanto, reestrutura a temporalidade humana
com a tese do processo como forma de consciência histórica do homem, superan-
do a concepção cristã do tempo”
291
.
A modernidade implica na ruptura irresistível e irrevogável com o passa-
do, pois pretende trazer o novo e o progresso. Desta forma, ela apresenta-se como
o desenvolvimento da racionalidade que faz nascer um modo bem característico
de civilização, opondo-se à tradão, sobre a qual lança a suspeita, e colocando em
ação uma lucidez crítica e uma criatividade sem precedentes. Considera superado
o que é velho, pois sua ciência e seus valores não são mais operativos e significa-
tivos, e toma consciência do fato de que o progresso e a superação da realidade
presente são doravante possíveis. Assim a modernidade caracteriza-se por temas
como: a emergência do sujeito, o desaparecimento do centro teológico, a afirma-
ção da ciência como nova visão do mundo e da Hisria, secularização, etc
292
.
A emergência da modernidade implica em transformações profundas que
terão impacto também na Teologia. Esta passa por mudanças significativas. Quais
as implicações, ante a emergência da modernidade, para a cristã e especifica-
mente para a Teologia? Qual é a situação do fazer teológico a partir da emergên-
cia da modernidade? Para Normand Provencher, a secularização é o impacto mais
291
Cf. C. DOTOLO, Modernidade. Em: L. PACOMIO et alii, Lexikon Dicionário Teológico
Enciclopédico, p.503.
292
Cf. N. PROVENCHER, Modernidade. Em: R. LATOURELLE; R. FISICHELLA (Orgs.),
Dicionário de Teologia Fundamental, p.667-669. Veja também: J.B. LIBÂNIO, Teologia da Re-
velação a partir da Modernidade, p. 113ss. Para uma caracterização da modernidade, sob o ponto
de vista antropológico-cultural, veja: M.C. AZEVEDO, Modernidade e Cristianismo, p.52-82.
visível da modernidade sobre a cristã, pois, com a modernidade, impôs-se um
modo de pensar e de viver sem referência a Deus e a sua Palavra. Daí o desafio à
Teologia, se esta quiser ser significativa e relevante e demonstrar sua credibilida-
de para o ser humano moderno. A Teologia tem o desafio de pensar a verdade de
Deus a partir da realidade do ser humano, seja daquele inserido nas benesses pro-
piciadas pela modernidade e pela tecnologia e ciências modernas, ou aquele que
vive no reverso da modernidade, ou na sub-modernidade
293
.
O processo da modernidade acredita que o ser humano se torna aunomo,
libertando-se de suas tutelas tradicionais e também da de Deus. Desta forma, a
não-necessidade de Deus na realização do progresso humano é uma dimensão
forte da modernidade. Ante isto a Teologia tem o desafio de fazer redescobrir a-
quele Deus da Aliança que se doa a si mesmo ao ser humano de modo gratuito e
no respeito à sua autonomia e à sua liberdade. Este Deus o é somente a simples
resposta a uma vaga necessidade religiosa e a um sentimento de impotência. É o
Deus que quer fazer aliança de amor e comunhão com o ser humano moderno
294
.
Para Andrés Torres Queiruga, o que constitui o núcleo determinante e o
dinamismo irreversível do processo moderno é, por um lado, a progressiva auto-
nomia alcançada por distintos estratos ou âmbitos da realidade
295
, e por outro, o
fato de que a realidade não só se mostra dotada de uma legalidade intrínseca, que
garante sua autonomia, como também, aparece radicalmente histórica e evoluti-
va
296
. Isto permite perceber três aspectos decisivos. Primeiro, que a relação do ser
humano com o objeto da Teologia mudou; segundo, que a consciência que o ser
293
A expressão ‘Submodernidadeé de J. Moltmann. Cf. J. MOLTMANN, Dio nel progetto del
mondo moderno, p.16-21.
294
Cf. N. PROVENCHER, Modernidade, p.668.
295
Neste sentido, A.T. Queiruga aponta que a autonomia progressiva ocorre na realidade física (as
enfermidades ocorrem por uma legalidade intrínseca e o pela ação de inteligências superiores
ou demônios), na realidade social, econômica e política (por exemplo: pobreza e riqueza não são
uma disposição divina direta, mas sim, resultado de decisões humanas concretas pobres e
ricos não por que Deus assim dispôs mas porque o ser humano distribui desigualmente as riquezas
de todos), na realidade psicológica (a vida e as alternativas da pessoa não podem depender de
moções divinas ou tentações demoníacas, mas são resultado ou reações mais ou menos livres às
moções do inconsciente e às influências sociais e culturais), e por fim, na realidade moral (onde
cresce cada vez mais a clareza da autonomia da moral ante o religioso, pois esta determina seus
conteúdos a partir da busca de linhas de conduta que mais e melhor humanizam a realidade huma-
na, tanto individual como social, e o a partir do próprio religioso). Cf. A.T. QUEIRUGA, Fim
do Cristianismo pré-moderno, p.20-21.
296
Segundo A.T. Queiruga, a descoberta do caráter evolutivo de todo real marca radicalmente a
consciência contemporânea: Começando pelo cosmos, em processos que estão deslumbrando
nossa imaginação e assombrando nossa inteligência; continuando pela vida, na inacabável varie-
dade de suas formas até chegar à espécie Homo sapiens; e culminando na radical historicidade que
é a marca específica de tudo o que é propriamente humano”. Ibid., p.21.
humano tem desta relação também mudou; e, por fim, que em conseqüência des-
tas duas mudanças é preciso construir uma nova relação e elaborar consciente-
mente a Teologia no seio de um novo paradigma. Em conseqüência destes aspec-
tos, a tarefa fundamental da Teologia é repensar a si mesma. Impõe-se uma relei-
tura global da Bíblia e da Tradição para recuperar toda a riqueza de sua experiên-
cia e toda sua capacidade de suscitação maiêutica. A saída autêntica passa pelo
reconhecimento de que é preciso retraduzir o conjunto da Teologia dentro do novo
mundo criado a partir da ruptura da modernidade e, no Terceiro Mundo, a partir
do reverso ou da face escura da modernidade
297
. Esta é a única possibilidade de
manter viva a experiência da revelação. Postula-se, assim, uma Teologia que, tão
segura de seus fundamentos quanto humilde com respeito a suas traduções histó-
ricas, assuma a coragem da tentativa e erro’, do atrever-se a experimentar e a
equivocar-se, próprio da tarefa humana. Uma Teologia que poderá realizar-se
no diálogo e na paciência histórica
298
. É nesta perspectiva que emergem na Teolo-
gia contemporânea uma série de novas tendências e sensibilidades teológicas.
2.2.2. A Teologia contemporânea frente à emergência de novas
sensibilidades
A Teologia contemporânea é marcada pela emergência de novas sensibili-
dades teológicas que a caracterizam como uma Teologia plural. Na raiz destas
novas sensibilidades está a busca de dialogar com a modernidade. A renovação
teológica, surgida na Teologia católica a partir de fins da Segunda Guerra, é ali-
mentada por uma série de movimentos que possibilitam esta renovação e que jun-
to com ela desembocam na convocação e realização do Concílio Vaticano II e no
processo de renovação eclesial por ele desencadeado. Em decorrência disto, é pos-
sível afirmar que as novas sensibilidades teológicas emergentes terão um papel
significativo na compreensão do fazer teológico presente no Vaticano II bem co-
mo na gênese da Teologia da Libertação latino-americana.
Segundo os autores José Luis Illanes e Josep Ignasi Saranyana, o fermento
da renovão teológica do século XX está em alguns movimentos, a saber: os es-
tudos bíblicos e a conseqüente renovação bíblica, os estudos patrísticos, o desen-
volvimento do pensamento filosófico de inspiração cristã, a renovação litúrgica, a
297
Cf. J.B. LIBÂNIO, Teologia da Revelação a partir da modernidade, p.150-156.
298
Cf. A.T. QUEIRUGA, Fim do Cristianismo pré-moderno, p.20-67.
nova consciência eclesiológica potenciada pelas fortes mudanças operadas na vida
da Igreja, e, por fim, o movimento ecumênico. Estas iniciativas e movimentos
contribuíram, junto com o movimento modernista provindo de fins do século ante-
rior, para a renovação teológica dentro da Teologia católica. Trata-se de fatores
muito distintos, mas que confluem num ponto: a aspiração e o impulso para uma
Teologia viva, em contato com as fontes do conhecer cristão e com a experiência
eclesial. E tudo isso em um contexto cultural caracterizado, filosoficamente, pelo
emergir de correntes como o personalismo, a fenomenologia e o existencialismo
e, politicamente, por duas guerras, pela crise econômica de 1929, e pela difusão
do movimento de atração rumo ao marxismo
299
. Soma-se a isto a influência do
pensamento teológico protestante que, por sua abundância e qualidade, estimula-
ram o pensamento católico
300
.
O processo de renovação eclesial e teológica pôs em evidência algumas
sensibilidades que terão impacto na Teologia conciliar e pós-conciliar. Segundo
John O´Donnell, pode-se destacar as seguintes influências e sensibilidades: a ‘vi-
rada antropológica’, da qual Karl Rahner, compreendendo a Teologia antropocen-
tricamente, é o principal representante. Ligado à virada antropológica está a cons-
ciência da historicidade. Esta leva ao senso da relatividade da verdade. Em tercei-
ro lugar, esa questão do sofrimento humano: como a pode oferecer uma res-
posta ao problema do sofrimento? E mais, qual é o significado da Hisria humana
marcada pela realidade do sofrimento? Em seguida, John O´Donnel propõe como
sensibilidade fundamental presente na Teologia a situação pluralista em meio à
qual o teólogo/a deve pensar. E, por último, indica a dimensão ecumênica e do
diálogo inter-religioso
301
.
Para Juan Alfaro, a quem segue-se de ora em diante, após a Segunda Guer-
ra, a Teologia se desenvolve na perspectiva da história da salvão, considerada
como antecipação (já agora no mundo) da vinda definitiva de Deus no fim dos
tempos. Surgem, nesta perspectiva, uma após outra, uma série de configurações
teológicas: Teologia da História, Teologia do mundo transformado pelo ser hu-
mano, Teologia do progresso humano, da relação entre Igreja e mundo, da espe-
299
Cf. J.L. ILLANES; J.I. SARANYANA, Historia de la Teología, p.332-334. Cf. também B.
MONDIN, Os grandes teólogos do século vinte, p.404-416.
300
Cf. R. LATOURELLE, Teologia da Revelação, p.244-246.
301
Cf. J. DONNELL, Introdução à Teologia Dogmática, p.23-31. Cf. também: J. COMBLIN, A
Teologia católica a partir do fim do pontificado de Pio XII, p.859-879.
rança cristã na dimensão comunitária e smica e da libertação. Estas Teologias
têm em comum o interesse pela dimensão histórica, comunitária e intra-mundana
da vida cristã, isto é, pela realidade histórica concreta na qual o cristão vive e tes-
temunha sua . A Teologia toma consciência o da historicidade do existir e
conhecer humanos, mas também do devir hisrico como lugar próprio da ação
salvífica e da revelação de Deus, realizadas definitivamente no evento da encarna-
ção de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, a sua reflexão volta-se ao ser humano (em
sua ligação com o mundo, com a comunidade humana e com a História), como
destinatário da palavra e da graça de Deus. Neste sentido, emerge a consciência de
uma Teologia cristocêntrica, e por isso, histórico-salvífica, escatológica e antropo-
lógica. A partir destas orientações originárias, a Teologia abre-se às incertezas das
culturas, aos problemas atuais da humanidade. Desta forma, a situação histórica
da comunidade humana entra na reflexão teológica como ponto de partida, estí-
mulo de responsabilização e realidade a transformar. Esta temática refletir-se-á em
novidades metodológicas que emergem no Vaticano II.
Uma segunda sensibilidade teológica emergente está na linha da herme-
nêutica. Historicamente a hermenêutica teológica inspira-se principalmente nas
filosofias de W. Dilthey, M. Heidegger e H.G. Gadamer. No entanto, recentemen-
te, a Teologia calica busca elaborar sua própria hermenêutica. Trata-se de uma
tarefa urgente para a compreensão da tradição eclesial como interpretação perma-
nente da palavra de Deus, contida na Escritura, para o progresso dogmático e para
a interpretação dos dogmas na viva da comunidade eclesial, e para a ppria
Teologia. É necessário admitir a historicidade da consciência humana e das pro-
posições nas quais esta se exprime.
Por fim, a terceira sensibilidade emergente é a problemática das relações
entre ortodoxia e ortopráxis e, conseqüentemente, a relação entre Teologia e prá-
xis. A filosofia desenvolvida após Karl Marx sobre o binômio “teoria-práxis” con-
tribuiu para a tomada de consciência desta questão teológica. Porém, é preciso
sublinhar que a origem desta problemática no campo teológico está, antes de tudo,
ligada à descoberta do fato de que a práxis constitui uma dimensão intrínseca da
própria fé, e, portanto, tal dimensão deve entrar na própria reflexão da sobre si
mesma, chamada Teologia. Esta emergência do problema Teologia-práxis coinci-
diu, segundo Juan Alfaro, com a redescoberta da escatologia e da esperança cristã,
principalmente com rgen Moltmann, Johann Baptist Metz e Edward Schillebe-
eckx. As conseqüências da emergência do problema das relações entre Teologia e
práxis levou à consciência de que a Teologia tem por finalidade intrínseca não
tornar inteligível o conteúdo da cristã, mas também suscitar e guiar a práxis
cristã como práxis de esperança e de amor, isto é, de salvação e de libertação inte-
gral do ser humano. As escolhas do teólogo como crente impõem-lhe um decisivo
empenho pela justiça no mundo e pela libertação dos oprimidos. E a práxis cristã
da esperança e do amor deve ser o ponto de partida da reflexão teológica, constitu-
indo-se, portanto, em lugar teológico
302
. Estas dimensões e tendências emergentes
na Teologia contemporânea influenciarão nas linhas assumidas pelo Vaticano II,
bem como em sua visão do fazer teológico, como se proporá em seguida. Além
disso, estarão presentes, com abordagens específicas e localizadas, na ppria gê-
nese da Teologia da Libertação latino-americana
303
.
2.2.3. O fazer teológico na perspectiva do Vaticano II e suas
conseqüências
O Concílio Vaticano II deu grandes passos no sentido de uma resposta
cristã aos anseios da sociedade moderna. Nesta perspectiva insere-se a necessida-
de de uma Teologia aberta aos problemas do ser humano e da sociedade moderna.
Qual é, neste contexto, a função da Teologia, segundo o espírito do Vaticano II?
Para se falar da perspectiva teológica firmada e reconhecida no Vaticano II
é necessário ter presente seus objetivos fundamentais. A Teologia o foi assunto
específico de nenhum dos 16 documentos firmados no Concílio. Ela aparece, sim,
como alavanca para se viabilizarem os objetivos propostos pelo Concílio e nisto
fica clara sua função na vida e missão da Igreja
304
. Disto resulta que a função da
Teologia e do trabalho teológico estão, no entender do Concílio, intimamente re-
lacionados com todo o grande evento chamado Concílio Vaticano II e os docu-
mentos firmados. Percebe-se pelos documentos conciliares que o Concílio quis
302
Cf. J. ALFARO, Rivelazione cristiana, fede e Teologia, p.159-173
303
Veja neste sentido as explicitações dos fatores que levaram - segundo Gustavo Gutiérrez - a
acentuar, de forma preferencial e diversamente do passado, os aspectos existenciais e ativos da
vida cristã. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.18-23.
304
Cf. J.L. ILLANES; J.I. SARANYANA, Historia de la Teología, p.380. Segundo estes autores,
o Concílio não aprovou nenhum documento dedicado especificamente à Teologia, mas dela falou
em quase todos os documentos que foram promulgados. Isto é lógico em um Concílio que busca-
va, precisamente, dar novo impulso à evangelização, que a Teologia desempenha um papel
decisivo em todo o processo de transmissão da fé, especialmente em momentos como o contempo-
râneo, caracterizado pela mobilidade cultural.
ser e estar a serviço da missão da Igreja no mundo
305
. Daí que o Vaticano II en-
tendeu-se sobretudo como um Concílio Pastoral. Seus documentos indicam a
compreensão que a Igreja tem de si mesma e de sua presença no mundo.
O horizonte pastoral, que faz eco nos documentos conciliares, de modo
especial na GS, postula uma postura própria para a missão da Igreja no mundo. É
a postura do diálogo, humildade, testemunho e inserção no mundo e na sociedade,
vivendo ali a Boa Nova do Evangelho. A isto toda a Igreja, Povo de Deus, é cha-
mada e convocada pelo próprio Evangelho. Porém, para dialogar, testemunhar e
anunciar a Boa Nova do Reino é preciso o encontro com o outro. É exatamente
nesta perspectiva de encontro e diálogo com o outro (mundo moderno, sociedade,
outras religiões, ateísmo, marxismo...) que se insere a perspectiva teológica do
Vaticano II. A Teologia quer e deve ser um serviço dialógico-eclesial para o mun-
do no qual a Igreja está imersa, mas do qual não representa o todo.
Não se pode inferir, do fato de o Vaticano II não ter elaborado nenhum
documento específico sobre a Teologia, que o mesmo não tenha e não apresente
uma visão elaborada sobre a função dos teólogos e da Teologia. Esta imagem é
decorrente da própria auto-compreensão que a Igreja tem de si e de sua missão no
mundo. Neste sentido é que a função da Teologia aparece nos documentos conci-
liares intimamente associada à perspectiva pastoral na qual se realizou o Concílio:
ela tem a função de mediar e possibilitar, mediante a reflexão crítica, a aproxima-
ção entre Igreja e mundo (cultura, História, pensamento, modernidade). Assim, a
função do teólogo e da Teologia é possibilitar a encarnação da em Jesus Cristo
no mundo contemporâneo, com suas peculiaridades (diferentes culturas, diferentes
ambientes geográficos, diferentes formas de pensamento) e com seus anseios.
Nesta sua função, a Teologia oscila entre a inteligência crítica da e a intencio-
nalidade pastoral da Igreja
306
.
305
Confira neste sentido: SC 1; LG 1; PO 12; UR 1; GS 2; 3; 10; 11; 46; 77.
306
A função pastoral da Teologia é afirmada, em princípio trico, principalmente na GS (cf. 54-
62) e em princípio prático por alguns decretos aplicativos, em particular pela OT (cf. n. 16-17). A
Constituição Pastoral GS, na segunda parte referente a Alguns problemas mais urgentes desenvol-
ve a temática da promoção da cultura humana (cf. 53-62). Particularmente nesta ótica compete à
Teologia aprofundar, de modo crítico e sistemático, a relação entre a mensagem revelada e as
autocompreensões do ser humano expressas nas ciências humanas e nas artes. Isto sem anular as
exigências próprias da ciência teológica (cf. n.62). Sob o aspecto aplicativo, OT e PO naquilo
que se refere à formação sacerdotal e AA e GE naquilo que se refere à formação laical e à
educação geral evocam insistentemente a dimeno pastoral da Teologia, referindo a mesma
instância aos diversos sujeitos eclesiais e às diferentes situações culturais. Cf. os textos em OT 16;
19; PO 19; AA 29; 40; GE 10; 12.
Pode-se então afirmar que o Vaticano II aborda a questão dos teólogos, da
Teologia e de seus métodos com uma perspectiva muito distinta, já que, de acordo
com o enfoque pastoral que lhe é próprio, se ocupa da Teologia enquanto ativida-
de ou tarefa que está em relação com a finalidade da própria Igreja enquanto dese-
josa de dialogar com o mundo moderno
307
. Desta forma, o Vaticano II assume
uma perspectiva histórica para a Teologia
308
. E isto tem grandes conseqüências
para o fazer teológico pós-conciliar. Significa repensar o método teológico, quer
dizer, o caminho sistemático-reflexivo para se buscar a verdade teológica e tornar
possível o diálogo desta com a condição humana inserida na História.
Enfim, o Vaticano II insiste em uma Teologia viva, como testemunha do
Deus vivo. A Teologia deve estar centrada no mistério de Cristo, conduzir a uma
percepção viva e experiencial da presença de Cristo na Igreja, nos sacramentos, na
liturgia, na vida concreta do ser humano. Esta Teologia, coerente com sua vocação
e missão apostólica e evangelizadora, precisa abrir-se aos problemas da cultura
contemporânea, buscando, à luz da revelação, a solução para os problemas que
afligem a sociedade e a História humana
309
. Desta forma, a Teologia não tem fina-
lidade em si mesma, mas está a serviço da missão da Igreja e mais concretamente
a serviço dos problemas do ser humano e da sociedade humana. A realidade hu-
mana, seus desafios e os conhecimentos do tempo desenvolvem, nesta perspecti-
va, uma função hermenêutica
310
. A realidade humana, como anseio e aspiração
profunda da humanidade, se constitui em sinal dos tempos. Se a Teologia não as-
sumir esta perspectiva corre o risco de ficar respondendo a interrogações que nin-
guém lhe dirigiu e ser incapaz de responder aos desafios e anseios da humanidade
contemporânea. A autêntica Teologia se faz na leitura dos sinais dos tempos. Es-
tes são lugares teológicos a partir de onde a Teologia comprometida com a Histó-
ria perscruta e discerne, nos acontecimentos, nas exigências e nas aspirações do
307
Isto pode ser confirmado pelos documentos do Conlio. Para uma ntese dos mesmos no que
se refere à Teologia cf.: J.L. ILLANES, Teología y método teologico en los documentos del Conci-
lio Vaticano II, p.761-788; F.G. BRAMBILLA, La figura del teologo nei pronunciamenti eccle-
siali dal Concilio a oggi, p.201-231.
308
O Concílio exige uma Teologia renovada e um método teológico com inspiração mais bíblica e
pastoral. “Os estudantes de Teologia sejam instruídos com particular interesse no estudo da Sagra-
da Escritura, que deve ser como que a alma da Teologia” (OT 16). Ainda o Decreto Optatam Toti-
us exorta ao estudo sistemático dos mistérios da salvação para buscar “solução aos problemas
humanos à luz da revelação e aplicar suas eternas verdades à condição de transformação das reali-
dades humanas e comunicar essas verdades em forma adequada aos homens de nosso tempo” (OT
16). Cf. também DV 24; PO 19; GS 44; 62; AG 39.
309
Cf. J.L. ILLANES; J.I. SARANYANA, Historia de la Teología, p.380-381.
tempo presente, os sinais verdadeiros da presença e dos desígnios de Deus. Por-
tanto, Deus fala através dos sinais dos tempos e a Teologia precisa saber interpre-
tar tais sinais como lugares da manifestação dos desígnios de Deus
311
.
Pode-se afirmar, portanto, que a perspectiva teológica assumida pelo Vati-
cano II quanto ao fazer teológico é expressão e concreção das sensibilidades teo-
lógicas emergentes na Teologia cristã das décadas anteriores ao Concílio. Tais
sensibilidades vão na direção de um maior dlogo com o pensamento moderno,
especialmente com as filosofias emergentes; aceitação do pensamento histórico;
diálogo com as ciências humanas e sociais; dlogo com o ateísmo e marxismo;
reconhecimento maior da liberdade no interior da Igreja; afirmação do diálogo
ecumênico e inter-religioso; aceitação do pluralismo teológico como condição da
autenticidade da Teologia realizada em distintos contextos
312
.
As conseqüências para a Teologia são evidentes: a necessidade de uma
Teologia interdisciplinar; a necessidade de se firmar a justa liberdade de pesquisa
teológica; a necessidade de aprofundar a questão do pluralismo teológico; o diálo-
go com outras Teologias criss e com as religiões não-cristãs; a necessidade de
constante renovação dentro de cada Teologia particular; o respeito à diversidade e
alteridade (no campo da cultura e do pensamento filosófico e teológico, das reli-
giões, das sociedades); a necessidade do diálogo intra-teológico. Em suma, a Teo-
logia encontra-se ante o desafio de ser vivencial, testemunhal, dialogal, ecumêni-
ca, eclesial, plural e, principalmente, humilde e comprometida com o mundo e
com a Hisria em que ela está inserida. Neles, com eles e para a transformação
deles ela é interpretação dos sinais dos tempos, isto é, dos desígnios de Deus,
310
Cf. GS 40; 44; 62; PO 19.
311
Cf. GS 4; 11; PO 9; 18; AA 13; DH 15. É importante ver o artigo de Andrés Tornos onde o
autor procura assinalar o valor dos sinais dos tempos como ponto de partida para a Teologia: A.
TORNOS, Los signos de los tiempos como lugar teológico, p.517-532. Uma boa bibliografia sobre
a questão dos sinais dos tempos como sintoma da mudança teogica pós-conciliar pode ser verifi-
cada em: X.Q. LLEÓ, Signos de los tiempos. Panorama bibliografico, p.253-283.
312
Nesta perspectiva, Luís Martínez Fernández propõe que as três grandes linhas metodológicas
depreendidas do Vaticano II são: a aceitação do pensamento moderno na Teologia; a aceitação do
pensamento histórico e a entrada da liberdade no interior da Igreja, reconhecendo sua legitimidade
e aceitando a necessidade do pluralismo teológico. Cf. L.M. FERNÁNDEZ, Los caminos de la
Teología, p.319-330. Na mesma linha a Sagrada Congregação para a Educação Católica fala de
“novas atribuições da Teologia” que seriam: a diversidade cultural; o pensamento ecumênico; a
ão pastoral e a necessidade de uma nova práxis eclesial; a gravidade dos problemas modernos
que interpelam a Teologia; a necessidade de diálogo com as ciências humanas; a diversidade de
situações às quais a Teologia se abre e o conseqüente pluralismo: novos problemas, novas filosofi-
as, novos contributos das ciências. Tudo isso implica na renovação do ensino teogico. Cf. CON-
GREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, A formação teológica dos futuros sacerdotes.
Em: SEDOC 9 (1976/77) 11-42. Especialmente p.13-14.
revelados em Jesus de Nazaré e interpretados no hoje da História humana, com
vistas à transformação desta em presença e antecipão do Reino definitivo
313
.
Neste item procurou-se situar o contexto do fazer teológico vigente no
período da gênese da Teologia da Libertação. Para tal, o ponto de partida consistiu
em identificar o significado e o desafio da modernidade para a Teologia cristã. A
modernidade significou uma mudança profunda no modo de ser, estar e relacio-
nar-se com o mundo. Caracteriza-se pela centralidade da liberdade humana, pela
ruptura com o pensamento tradicional e com o passado, pela emergência da cons-
ciência histórica processual, pelo anseio pelo novo e pelo progresso, pela raciona-
lidade, pela suspeita com a tradição, pela emergência do sujeito como centro e
critério, pela emergência das novas ciências que trazem novas visões do mundo e
da História. Isso terá impacto na Teologia e exigirá dela transformações significa-
tivas. Ela precisa repensar-se e pensar a fé a partir de uma nova condição: a partir
da realidade do ser humano moderno, caso contrário, torna-se irrelevante.
Nesta perspectiva emergem novas sensibilidades na Teologia contemporâ-
nea. Ela encontra-se ante a desafiante tarefa de dialogar com a modernidade, seja
na linha das grandes conquistas que esta representa na compreensão do ser huma-
no, do mundo e da História, seja na perspectiva das catástrofes que ela produziu
através de sua ação sobre o humano, sobre o mundo e sobre a História. Estabele-
ce-se assim a tendência de uma Teologia cada vez mais consciente de suas dimen-
sões antropológicas, históricas, transirias e, conseqüentemente, plural. Esta Teo-
logia vê-se inserida no mundo, caminhando com ele, e responsável por ele. De
tradutora de ‘verdades eternas’ para o mundo e para o ser humano ela passa a ser a
perscrutadora e intérprete da revelação de Deus a partir da História e da realidade
humana, marcadas pela dor, pelo sofrimento, pelas injustiças e misérias, pela de-
gradação ambiental, pela opressão, pela dominação, mas também, pelo progresso,
pela tecnologia e pelos grandes avanços do mundo moderno. Resulta assim uma
Teologia consciente do desafio de ser relevante para o ser humano moderno e, por
outro lado, cada vez mais consciente de que poderá sê-lo na medida que com-
313
Camille Dumont fala de três dimensões reencontradas na Teologia pós-conciliar e que fariam
parte da mais autêntica Teologia patrística e medieval: escatologia, ortopráxis e hermenêutica. A
redescoberta escatológica une o “já” da História com o “ainda não” da promessa; a práxis” cristã
se torna sinal do tempo vindouro e critério da autenticidade da fé; e este sinal só pode ser realizado
de modo eficaz mediante a hermenêutica-interpretação no hoje da História, do evento fundante da
fé cristã. Cf. C. DUMONT, De trois dimensions retrouvées en Théologie: Eschatologie Ortho-
praxie – Herneutique, p.561-591.
preender este ser humano em sua dor, sofrimento, angústia, liberdade, esperança e
conquista e a partir de sua dimensão social, política, econômica, cultural e religio-
sa. É a este ser humano que Deus se revela como caminho de salvação e libertação
no hoje da História. É no devir histórico que Deus realiza sua ação salvífica e re-
veladora. Portanto, a Hisria torna-se o lugar da salvação e libertação. Torna-se o
lugar dos sinais salvíficos e libertadores de Deus à humanidade. Torna-se o lugar
da História da Salvação.
A Teologia interessa-se e responsabiliza-se, assim, cada vez mais pela di-
mensão histórica, comuniria e intra-mundana da vida cristã. Emerge a consciên-
cia de uma Teologia cristocêntrica, e por isso, histórico-salvífica, escatológica e
antropológica. Estas intuições originárias colocam a Teologia cada vez mais imer-
sa nos problemas da humanidade. A realidade histórica se torna relevante teologi-
camente para a Teologia sedenta pela transformação desta realidade em lugar do
acontecer salvífico e antecipação do Reino definitivo. O Vaticano II assume esta
perspectiva teológica e coloca, a partir de sua fundamental intencionalidade pasto-
ral, a Teologia como serviço de dlogo entre Igreja e mundo moderno. Este, em
sua condição histórica e em sua experiência social, cultural, política, econômica e
existencial passa a ser o ponto de partida da reflexão sobre a cristã. Somente
assim esta reflexão poderá ser responsável, coerente, transformadora e contribuir
para que a realidade histórica em que o ser humano está imerso seja sinal anteci-
patório do evento salvífico-libertador oferecido amorosamente por Deus à huma-
nidade em Jesus Cristo.
CONCLUSÃO
Este primeiro capítulo buscou descrever as linhas gerais do contexto his-
rico da gênese da Teologia da Libertação. Partindo-se das descrições e interpreta-
ções da realidade social, política, econômica e cultural, observou-se que ela en-
contra-se, nas décadas de 50, 60 e 70, marcada pela dominação, exploração, de-
pendência e marginalização. A América Latina é dependente e subdesenvolvida.
Neste período emerge, através da Ciências Sociais, a consciência de que a situa-
ção de subdesenvolvimento latino-americano é fruto da conjuntura internacional
capitalista, em sua fase de expansão industrial, que sustenta o desenvolvimento
dos países centrais às custas do subdesenvolvimento e do apossar-se das riquezas
dos países periféricos. Portanto, o subdesenvolvimento latino-americano e de todo
o Terceiro Mundo é correlato ao desenvolvimento dos países capitalistas centrais.
Ante tal situação de dependência e subdesenvolvimento, a saída viável para um
desenvolvimento sustentável é a revolução capaz de libertar o povo latino-
americano das amarras da dependência e da dominação rumo à criação de sua
própria História.
O fardo cada vez mais pesado da dominação, dependência e subdesenvol-
vimento, em contraste com as expectativas frustradas do desenvolvimentismo,
possibilita que a consciência revolucionária emerja em crescentes grupos cultu-
rais, sociais, políticos e ideológicos. São as primeiras configurações e expressões
do processo revolucionário de libertação em curso. A consciência da situação de
dependência, dominação e subdesenvolvimento espalha-se e atinge um contingen-
te crescente de grupos sociais. A viria da Revolução Cubana torna-se um evento
simbólico: afinal, o sistema que mantém a América Latina dependente, subalterna,
dominada e subdesenvolvida pode ser vencido. Ante o capitalismo explorador e
espoliador das riquezas, pode-se implantar a via socialista latino-americana. De-
sencadeia-se, assim, o processo revolucionário de libertação que adquire, cada vez
mais, as características de uma revolução social de libertação popular.
Esse processo não é alheio à Igreja latino-americana. Parte dessa Igreja
também toma consciência da situação social, política, cultural e econômica de
dominação, marginalização e dependência e reconhece suas causas profundas.
Essa Igreja comunga com os movimentos sociais libertários e engaja-se no pro-
cesso revolucionário de libertação. Vê-se desafiada ante o grave questionamento:
afinal, o que significa ser cristão na realidade e no contexto de injustiça, miséria,
exploração, dominação e espoliação que caracterizam a América Latina? Cresce
entre os cristãos a consciência de que o testemunho evangélico e a autenticidade
de sua passa pelo compromisso e engajamento no efervescente processo revo-
lucionário de libertação rumo a uma nova sociedade. Multiplicam-se os grupos
cristãos comprometidos social, política e ideologicamente. A doutrina social da
Igreja, a realizão do Vaticano II e de Medellín contribuem para um maior enga-
jamento e compromisso potico-social nas transformações necessárias e urgentes
para o Continente.
A Teologia, desafiada pela modernidade, desenvolve sensibilidades que se
caracterizam por uma crescente responsabilidade e compromisso históricos. O ser
humano, em sua condição real, passa a ser o ponto de partida da reflexão teológi-
ca. A Hisria passa a ser o lugar dos sinais de Deus que a reflexão teológica pre-
cisa ler e interpretar. Desta forma, a Teologia toma consciência da historicidade
do existir e do conhecer humano e do devir histórico como lugar próprio da ação
salvífica e da revelação de Deus. O ser humano, unido ao mundo que o rodeia, à
comunidade humana a que pertence e à História, é o destinatário da palavra e da
graça de Deus. A História ganha valor a partir do fato fundante: Deus se faz His-
tória para transformar esta História, Deus se faz humano para salvar e libertar este
humano. A História da humanidade é a História da Salvação e Libertação de
Deus. A Teologia toma consciência de sua dimensão histórica, cristocêntrica, es-
catológica e antropológica. É no hoje da História que a Teologia precisa interpre-
tar seu fato fundante. É no hoje da História que a promessa salvífico-libertadora
realiza seus sinais rumo à salvação e libertação definitivas. Cabe à Teologia a ta-
refa hermenêutica de interpretar estes sinais para o ser humano moderno e inter-
pretar o salfico-libertador de Deus, a partir da realidade, experiência e situação
do ser humano inserido no tempo e na História. Cabe à Teologia, além de tornar
inteligível o conteúdo da fé cristã, suscitar e guiar a práxis histórica do cristão
como uma práxis de esperança e amor, de salvação e libertação do ser humano.
Estas sensibilidades teológicas emergentes são assumidas e fortalecidas
pelo Vaticano II. Este confere à Teologia a missão de ser a interlocutora da Igreja
no diálogo com o mundo moderno. Ela é inrprete dos sinais dos tempos presen-
tes na realidade humana em vista da salvação e libertação históricas, como anteci-
pação da salvação e libertação definitivas. A realidade latino-americana marcada
pela espoliação, a tomada de consciência desta situação e de suas causas profun-
das, o emergente processo revolucionário de libertação, o engajamento de cristãos
latino-americanos no processo de libertação, a repressão violenta das elites domi-
nantes associadas ao poderio militar e ao capital nacional e internacional ameaça-
dos em seus privilégios e em seu ‘direito’ de espólio, somados à emergência de
novas sensibilidades teológicas que acentuam o papel e a responsabilidade históri-
ca do fazer teológico, parecem colocar com radicalidade e urgência, a partir de
meados da década de 60, aos teólogos latino-americanos, as questões: que signifi-
ca ser cristão na América Latina? Que Teologia é relevante neste contexto de do-
minação, dependência, exploração e, ao mesmo tempo, de esperança? Que contri-
buições a Igreja e a Teologia podem dar para que a América Latina seja o lugar da
experiência dos sinais salvíficos e libertadores de Deus? Que salvação Deus ofe-
rece no hoje da América Latina? Enfim, que significa falar de Deus, salvador da
humanidade, a partir da realidade de subumanidade, de morte, miséria, desigual-
dade, violência, dominação, dependência, subdesenvolvimento, mas também de fé
e esperança, que marcam a América Latina? Estas questões que desafiam os cris-
tãos e teólogos abrem caminho para a gênese de uma nova Teologia que possa
responder ao desafio colocado pela realidade histórica latino-americana à fé e à
Teologia. No próximo capítulo buscar-se-á identificar os primeiros passos desta
nova Teologia.
2
Uma Teologia a partir, da e para a América Latina? Gênese
e nascimento da Teologia da Libertação Latino-americana
I N T R O D U Ç Ã O
A descrição da situação social, política, econômica, cultural e religiosa da
América Latina, proposta no capítulo anterior, possibilita que neste capítulo se
abordem as condições teológicas da gênese e nascimento da Teologia da Liberta-
ção. A condição histórica latino-americana marcada por dominação, exploração e
espoliação, mas também por uma consciência social crescente da situação e de
suas causas profundas, e pela emergência do conseqüente processo de libertação,
indica uma História a interpelar a reflexão teológica latino-americana. Por outro
lado, a Teologia assume novas sensibilidades na compreensão da História e no
próprio papel do fazer teológico. O Vaticano II, impulsionado pelas novas sensibi-
lidades históricas, assume uma agenda pastoral e abre a Igreja ao diálogo com o
mundo moderno. Medellín busca ler o Vaticano II a partir da América Latina e de
sua situação de exploração e miséria.
Este quadro permite uma situação inédita para um grupo significativo de
jovens teólogos latino-americanos ou que imigram para a América Latina. Forma-
dos em centros teológicos europeus e norte-americanos, a partir de fins da década
de quarenta, esses teólogos tem contato com as emergentes sensibilidades teológi-
cas européias que deram origem e possibilitaram, do ponto de vista teológico, o
Vaticano II. Ao regressarem ou imigrarem para a América Latina, a partir da dé-
cada de 50, deparam-se com a realidade histórica de dominação, opressão e espo-
liação e com a crescente consciência dos grupos sociais, políticos e ideológicos
das causas profundas da miséria, pobreza e injustiça vigentes no continente. Depa-
ram-se também com o emergente processo de libertação, crescente nos grupos
sociais e políticos.
A questão fundamental que emerge diz respeito à interpretação teológica
do processo histórico latino-americano. Afinal, que Teologia é relevante a partir,
para e em um continente acossado pela degradante miséria, pobreza e injustiça
decorrentes da dominação, exploração e espoliação pelas classes dominantes na-
cionais aliadas às potências internacionais de dominão econômico-política e
com a conivência ideológica de parte das elites eclesiásticas? Que Teologia é re-
levante a partir, para e em um continente no qual cresce, em grupos sociais, polí-
ticos e ideológicos, a consciência das causas profundas de injustiça e da miséria
bem como do caminho de superação das mesmas pela via da libertação das estru-
turas e forças de dominação e espoliação? A Teologia vê-se ante a emergência de
um fazer teológico comprometido com as transformações hisricas da América
Latina das décadas de 60 e 70. Nesta perspectiva a História configurará a Teologia
emergente que assume o significativo nome de Teologia da Libertação, isto é, a
interpretação teológica do processo de libertação latino-americano em curso.
O objetivo deste capítuloo consiste na descrição exaustiva da história da
gênese e nascimento da Teologia da Libertação. O interesse central está em locali-
zar e identificar a questão da mútua relevância entre Hisria e Teologia no pro-
cesso de gênese e nascimento da Teologia da Libertação. Segundo a hipótese des-
ta pesquisa, a preocupação pela relevância teológica da História, tendo em vista
uma Teologia com pretensão de ser historicamente relevante, foi a questão motriz
na configuração metodológica da Teologia da Libertação proposta pelos encontros
teológicos de San Lorenzo de El Escorial (1972) e da Cidade do México (1975).
O que se pretende neste capítulo, ainda de caráter descritivo e introdutório, é situ-
ar esta preocupação no contexto amplo da gênese e nascimento da Teologia da
Libertação. Trata-se de verificar como nasce uma Teologia a partir, na e para a
América Latina oprimida, explorada e espoliada, mas crente e esperançosa na li-
bertação. Trata-se de averiguar os principais passos que, num breve espaço de
tempo (1960-1975), possibilitaram que parte da Teologia latino-americana passas-
se do mimetismo à originalidade.
Entende-se que esta passagem teve seu processo, seus momentos, seus
agentes e sua tomada de posição. Descrever-se-á o processo tentando identificar
os passos do caminho de conscientização da necessidade de uma Teologia a par-
tir, na e para a América Latina. Descrever-se-ão os momentos fundamentais do
processo, retratando os Encontros de Teologia como espaço de gênese e expressão
de uma nova consciência teológica. Descrever-se-ão os agentes, retratando os
marcos teológicos significativos de dois representantes importantes da gênese e
nascimento da Teologia da Libertação: Gustavo Gutiérrez e Hugo Assmann. Por
fim, procurar-se-á indicar a tomada de posição de uma Teologia com pretensão de
originalidade em sua relação com a Teologia européia. Identifica-se e descreve-se,
por meio destes passos, o caminho que possibilitou a gênese e nascimento da Teo-
logia da Libertação como uma Teologia preocupada com a História.
A História em questão não é compreendida como categoria teológica, nos
parâmetros da Teologia européia, mas sim a História real marcada pela injustiça,
miséria e pobreza resultantes da dominação, exploração e espoliação. A História
dos povos e culturas que formam a América Latina grávida do Novo. História
marcada pela crescente consciência das causas profundas da miséria, da injustiça
e da dor infligidas aos povos latino-americanos. História parturiente de uma Nova
Sociedade pela emergência do processo revolucionário de libertação que aspira
quebrar as correntes seculares de dominação, de dependência e de espólio. É esta
História que provoca um acordar teológico na América Latina da década de 60. É
esta História que conclama a Teologia para uma palavra relevante. É imerso nesta
História que o teólogo latino-americano descobre que é somente a partir dela, nela
e para ela que seu discurso poderá ser relevante e pertinente.
1. A consciência da situação teológico-pastoral latino-americana e o
processo rumo a uma Teologia Latino-americana
Quais o os principais passos do processo que levou ao nascimento da
Teologia da Libertação Latino-americana? Qual é o lugar da pergunta pela rele-
vância teológica da História nestes passos? Essas questões orientarão a abordagem
nesse primeiro item em que se pretende identificar o processo de gênese e nasci-
mento da Teologia da Libertação a partir do recorte específico da interrogação
pela relevância teológica da História e pela relevância hisrica da Teologia.
1.1. A tomada de consciência da dependência teológica e pastoral
O ponto de partida teológico do processo que levou à gênese da Teologia
da Libertação está na tomada de consciência da dependência teológica e pastoral
da Igreja e da Teologia da América Latina. Toma-se consciência de que a realida-
de pede uma nova presença da Igreja e uma nova interpretação teológica. Desco-
bre-se que a realidade latino-americana não é um empecilho para a Teologia e
pastoral, mas sim, seu ponto de partida rumo a uma Teologia e pastoral mais vi-
vas
314
. É neste momento hisrico e eclesial que nasce a Teologia da Libertação. A
origem e os propósitos iniciais desta Teologia situam-se historicamente no mo-
mento que vários teólogos latino-americanos começaram a reunir-se para partilhar
suas diferentes perspectivas teológico-pastorais em busca de uma Teologia e Igre-
ja mais vivas nas condições do continente latino-americano
315
. Neste sentido é
coerente a proposição de Paulo F.C. de Andrade ao afirmar que a história da for-
mação da Teologia da Libertação não pode ser entendida sem que se faça referên-
cia ao esforço feito desde o início dos anos 60 na América Latina em busca de
uma Teologia ppria, que reflita acerca da realidade pastoral latino-americana
316
.
314
São elucidativas, neste sentido, as afirmações de Jorge Hourton propostas na introdução da obra
de Segundo Galilea, Teologia da Libertação. Segundo Jorge Hourton, pelos anos de 1945-49,
falava-se com certo pessimismo sobre a possibilidade de se fazer Teologia na América Latina.
Havia uma espécie de “tentação da ão apostólica imediata”. As coisas mudaram com a vinda de
teólogos, latino-americanos ou estrangeiros, formados para o ensino teológico na Europa. Estes
suscitavam, no plano da Teologia, a busca de uma inspiração mais viva, concreta, social, ‘exis-
tencial’”. A noção de Teologia é mudada: esta passa a ser elaborada a serviço de um mundo me-
lhor escutado pela fé. Cf. S. GALILEA, Teologia da Libertação, p.5-8.
315
Cf. Jesús Castillo CORONADO, Livres e Responsáveis, p.4.
316
Cf. Paulo Fernando Carneiro de ANDRADE, Fé e eficácia, p.33.
O mal-estar ante uma espécie de mimetismo teológico vem expresso em
1960 por Marcos McGrath, decano da Faculdade de Teologia da Universidade
Calica do Chile
317
. Em uma comunicação, por ocasião da celebração dos 25
anos da supracitada faculdade, Marcos McGrath propõe que na América Latina há
várias faculdades de Teologia, porém, não se faz Teologia
318
. Se repete a Teologia
do velho mundo europeu, mas não se é capaz de criar, de fazer uma Teologia
latino-americana, viva, ativa e fecunda. Por isso era necessário que ouvesse uma
verdadeira Teologia latino-americana: “As vastíssimas e profundas mudanças
sociais que experimenta a América Latina em nossa época reclamam a presença
de um pensamento católico vivo, alerta e atento ao nosso e ao que aqui está ocor-
rendo”
319
. Enfim, a América Latina estava madura e os tempos exigiam uma Teo-
logia latino-americana
320
.
Em 1961, JoComblin alertava, do ponto de vista pastoral, que o Brasil,
embora sendo o maior país católico do mundo, é portador de um “sentimento de
inferioridade” ante os países católicos da Europa. “Esse sentimento de inferiori-
dade é o obstáculo mais grave à tomada de consciência da vocação providencial
do Brasil católico”
321
. O Brasil, segundo José Comblin, terá um papel fundamen-
tal no cristianismo do futuro. Porém, um grave problema para que isso aconte-
ça: o sentimento de inferioridade, a consciência de abandono, a falsa humildade,
vaidade, ufanismo do clero e das elites religiosas brasileiras
322
. Para estas elites, o
problema é o cristianismo vivido pelo povo. Porém, a força do cristianismo está
na dos pobres, não no poder dos fortes, e o verdadeiro problema esno senti-
mento de inferioridade das elites ante o europeu e na pretensa superioridade em
relação ao povo. José Comblin combate o sentimento de pequenez que toma mui-
tos brasileiros, assim como o mimetismo europeu ou norte-americano. Segundo
317
Cf. M. McGRATH, La misn de la Teología en Latinoamerica. Em: ANALES 12(1960)13-18.
318
É importante lembrar que nessa época os teólogos latino-americanos eram quase que exclusi-
vamente os professores dos Seminários e Universidades, formados na Europa, principalmente na
Itália e França. Sua atividade teológica era o magistério. Transmitiam sem ter em conta a reali-
dade social e eclesial latino-americana o que tinham aprendido nos grandes centros filosófico-
teológicos do velho continente. As faculdades e centros teológicos, fundados entre os anos de 1940
e 1960 nos diversos países da Arica Latina comaram a tornar-se espaço de reflexão acadêmi-
ca e de estudo. Lembra-se aqui a criação dos seguintes centros de estudo teológico: Xaveriana de
Bogotá (1937), Católica de Lima (1942), Bolivariana de Medellín (1945), Católicas de São Paulo e
Rio de Janeiro (1947), Católica de Porto Alegre (1950), de Campinas (1956), de Quito (1956), a
de Buenos Aires e Córdoba (1960) e as de Valparaíso e a Centroamericana da Guatemala (1960).
319
Ibid., p.16.
320
Cf. Ibid., p.17-18.
321
José COMBLIN, Os sinais dos tempos e a evangelização, p.51.
ele, o Brasil possui o que a Europa já perdeu: um povo cristão. Na Europa, a Igre-
ja vive prisioneira de uma homogeneidade criada por séculos de cristandade. no
Brasil, e pode-se afirmar em toda a América Latina, está a verdadeira novidade:
um povo cristão com a vocação de ser autêntico e original
323
. Mas para que isso
se realize é preciso que o povo latino americano, ou brasileiro na expressão de
José Comblin, enfrente o próprio destino, o qual o distancia cada vez mais dos
‘irmãos europeus’. Cabe ao povo brasileiro, ou latino-americano, uma sorte histó-
rica comum: trabalhar junto para a elevação material, cultural, espiritual do povo,
a emancipação da miséria, a educação humana
324
. A importância deste momento
histórico para a gênese de uma pastoral e Teologia latino-americanas é atestada
pelo testemunho do próprio José Comblin, 42 anos mais tarde. Este momento
marca o nascimento de uma Igreja de fato latino-americana
325
.
Ainda em linha pastoral, Juan Luis Segundo publica em 1964 o texto “Pas-
toral latino-americana: hora da decisão
326
. Partindo da realidade latino-
americana, propõe que está havendo uma transformação com uma crescente perda
de força da tradição. A mudança na realidade implica uma transformação na pas-
toral. Essa última encontra-se ante uma decisão radical: é preciso repensar a reali-
dade pastoral latino-americana a partir das mudanças que se operam neste mo-
mento hisrico na América Latina para que a Igreja possa propiciar o encontro do
ser humano latino-americano com o Cristo vivo. Esta é a tarefa de uma autêntica
322
Cf. José COMBLIN, Os sinais dos tempos e a evangelização, p.55.
323
Afirma Comblin: “Os católicos brasileiros não devem assimilar passivamente os padrões em-
prestados às situões européias. A Igreja brasileira o conheceu a história trágica das Igrejas
européias desde as guerras de religião até os nossos dias. Essa foi sua sorte (...). Erradíssimo seria
solidarizar-se com os calicos europeus, emprestar-lhes as atitudes”. Ibid., p.69.
324
Cf. Ibid., p.69-70. Cf. também os comentários sobre esta perspectiva de J. Comblin em: E.
HOORNAERT, A ironia do tlogo. Em: A. FRAGOSO et alii, A esperança dos pobres vive,
p.252-253.
325
Em seu testemunho auto-biográfico, por ocasião de seus 80 anos, JoComblin afirma: Tive
sorte. Cheguei à América Latina exatamente na hora histórica da verdadeira fundação da Igreja
latino-americana como Igreja com configuração própria. Em 1958, o fermento estava agindo,
mas não se tinha manifestado claramente que havia um movimento continental que levantava
todos os países latino-americanos e que se tratava de um despertar coletivo de um continente intei-
ro. Estava nascendo a Igreja latino-americana”. Jo COMBLIN, Saudades da Arica Latina.
Em: Antônio FRAGOSO et alii. A esperança dos pobres vive, p.721-732.
326
Cf. J.L. SEGUNDO, Da sociedade à Teologia, p.29-47. O original foi publicado em:
MENSAJE 127 (1964) p.74-82. Este artigo também será apresentado por J.L. Segundo no Encon-
tro realizado em Petrópolis em 1964.
evangelização latino-americana
327
. Metodologicamente opera-se aqui uma novi-
dade na Teologia pastoral: a realidade é o ponto de partida para a Teologia
328
.
Em perspectiva teológica, Alfonso Garcia Rubio propõe que nos anos 60
teve início a percepção, por parte de minorias cristãs, da situação especial da A-
mérica Latina em relação aos países desenvolvidos e ao restante do Terceiro
Mundo. Esta nova consciência fundamentou a exigência de uma Teologia latino-
americana e levou à percepção da insuficiência das tentativas adaptativas da Teo-
logia européia. Reconheceu-se, neste período, a necessidade de uma Teologia que
fosse capaz de pensar a problemática da América Latina muitas vezes dominada
por um colonialismo eclesiástico europeu e norte-americano. Cresce cada vez
mais a denuncia de toda forma de colonialismo. A vinculação entre o colonialis-
mo eclesiástico e o colonialismo ideológico, cultural, cio-político e econômico
sedenunciada de maneira cada vez mais direta na segunda metade da década de
60”
329
. Emerge, neste contexto, uma nova refleo teogico-pastoral. Essa fun-
damenta-se no conhecimento da realidade, propiciado principalmente pelos estu-
dos sociológicos realizados na América Latina a partir da década de 50
330
.
Enfim, do ponto de vista teológico-pastoral, a partir destes indícios iniciais
da consciência de uma pastoral e Teologia reflexas e miméticas, nasce na América
Latina uma consciência crescente da necessidade de uma pastoral e Teologia lati-
no-americanas para uma Igreja latino-americana
331
.
327
Cf. Juan Luis SEGUNDO, Da sociedade à Teologia, p.29-47, principalmente p.35-39; 43-47.
328
Segundo Paulo Fernando Carneiro de Andrade, em comentário ao artigo de Juan Luis Segundo,
“deve-se ressaltar que o autor não propõe neste artigo uma reflexão teológica dedutiva, isto é, não
parte de algumas considerações teológicas abstratas para chegar ao concreto; mas, partindo de uma
preocupação concreta (a evangelização da realidade latino-americana), faz uma análise deste ponto
de partida, ou seja da realidade latino-americana”. P.F.C. de ANDRADE, Fé e Eficácia, p.35.
329
Alfonso Garcia RUBIO, Teologia da Libertação, p.56-57.
330
Neste aspecto foi importante o trabalho desenvolvido pelo Centro Internacional de Investiga-
ções Sociais do FERES. Posteriormente também desenvolveu importante trabalho o Centro para o
Desenvolvimento Ecomico e Social da América Latina (DESAL Santiago do Chile) e os di-
versos Centros de Investigação e Ação Social (CIAS). Destaca-se também o papel dos diversos
departamentos pastorais do CELAM neste despertar da consciência da realidade latino-americana
que se desenvolveu na Igreja. Cf. Alfonso Garcia RUBIO, Teologia da Libertação, p.57 nota 62;
Cf. também: Enrique DUSSEL, Historia de la Iglesia en América Latina, p.284-285.
331
Cf. neste sentido os trabalhos apresentados nos Encontros do IPLA: Instituto Pastoral Latino-
Americano: R. CARAMURU et alii, La Iglesia al servicio de la ciudad (Encontro sobre a pastoral
nas grandes cidades realizado em 1965); J. COMBLIN et alii, Cristología y pastoral en América
Latina (Encontro sobre Cristologia e Pastoral realizado também em 1965); G. GUTIERREZ et alii,
Salvación y construcción del mundo (Encontro de Teologia pastoral realizado em 1966). Impor-
tante, em nível de Brasil, os esforços por uma renovação pastoral proposto pelo Plano de Pastoral
de Conjunto, lançado pelo Episcopado. Uma explanão completa dos antecedentes e das proposi-
ções deste plano pode ser vista em: Raimundo Caramuru de BARROS, Brasil: uma Igreja em
Enrique Dussel identifica três grandes desafios enfrentados pela Igreja
neste período. Primeiro, o desafio do povo latino-americano, como sujeito históri-
co da formação social concreta, histórica. Trata-se da questão da cultura popular,
da religião do povo, do protagonismo político do povo com o qual a Igreja institu-
cional estava acostumada a conviver, mas que tinha deixado de animar a partir de
dentro. Um segundo desafio foi o de optar pela reforma ou também pela revo-
lução. A revolução cubana de 59 colocou aos cristãos a possibilidade do triunfo
imediato através de focos. O caminho das armas passou a ser encarado como polí-
tica e eticamente possível. Pela primeira vez se discutiu seriamente sobre as pos-
sibilidades de uma via socialista para a América Latina
332
. Por fim, o terceiro de-
safio refere-se ao próprio modelo eclesiástico. Trata-se do modo de entender a
função da Igreja na sociedade. O modelo de cristandade entra em crise e abre ca-
minho para o modelo de Igreja dos pobres. “Trata-se, como pensa o CELAM
(1963-1972) de irradiar o testemunho cristão diretamente ao povo, ao pobre. O
‘pobre’ se transforma no lugar de todas as opções, discussões e ações”
333
.
Em seu conjunto, observa-se que a Igreja assume cada vez mais o com-
promisso com o próprio povo explorado e esse compromisso expressa-se, sobre-
tudo, em Medellín. Opera-se um passo decisivo rumo ao movimento de liberta-
ção: a Igreja deixa de ser uma instituição à margem da Hisria latino-americana,
que ficava na defensiva diante dos acontecimentos externos, transformando-se em
protagonista histórico, partindo da vida real, política, econômica, cultural e religi-
osa do povo dos pobres
334
. Abre-se assim o caminho para o movimento teológico
da Teologia da Libertação que pretende justamente partir desta História real e do
compromisso dos cristãos nela para então refletir sobre seu significado à luz da fé.
Este é, portanto, o contexto eclesial, pastoral e teológico da interrogação
inicial por uma Teologia que assuma a realidade latino-americana em seu fazer
teológico. Estabelece-se um lento processo de conscientização da dependência
teológica e pastoral que será decisivo para a gênese da Teologia da Libertação.
renovação. Petrópolis: Vozes, 1967. Cf. também a análise deste Plano Pastoral proposta por:
H.C.L. VAZ, Igreja-reflexo vs. Igreja-fonte. Em: CADERNOS BRASILEIROS 46 (1968) 17-22.
332
Cf. Enrique DUSSEL, História da Igreja latino-americana (1930 a 1985), p.42-43.
333
Ibid., p.44. Os itálicos são de Enrique Dussel.
334
Cf. Ibid., p.67-68.
1.2. A importância do Encontro de Petrópolis (março de 1964): Marco
inicial rumo a uma Teologia latino-americana
O Encontro de Petrópolis não conta com muito material registrado, porém,
seu papel rumo à consciência da necessidade de uma Teologia que responda às
interrogões da realidade social, política, econômica, cultural e religiosa da Amé-
rica Latina é de fundamental importância. Tal importância provém do fato de este
encontro marcar e indicar novas sensibilidades teológico-pastorais em parte dos
teólogos e pastoralistas latino-americanos. O Encontro de Petrópolis marca um
começo, um caminho novo. A Teologia da Libertação começa a gestar-se quando
teólogos latino-americanos começaram a reunir-se para poder partilhar suas dife-
rentes perspectivas teológico-pastorais. Começa-se a pensar em como construir
uma reflexão original que pudesse realmente estar a serviço da humanização e
dignificação do ser humano latino-americano. O Encontro de Petrópolis, com o
objetivo de partilha e intercâmbio de idéias em vista de uma Teologia coerente
com a realidade latino-americana, marca esse prinpio
335
.
Segundo Enrique Dussel, o Encontro de Petrópolis remonta às origens da
Teologia da Libertação. Esta reunião foi convocada pelo CELAM e realizada em
Petrópolis-RJ em março de 1964. Enrique Dussel indica especialmente três teólo-
gos: Juan Luis Segundo que expôs o tema dos problemas teológicos da América
335
Como indica Jesús Castillo Coronado, quando os teólogos latino-americanos começam a parti-
lhar suas experiências teogico-pastorais “como era de se esperar, as semelhanças e divergências
de seus pontos de vista começaram a aparecer e a fortalecer-se em suas reflees pessoais. Essa
situação deu-lhes a oportunidade de esclarecer suas perspectivas e de enriquecerem-se mutuamen-
te, assim como também lhes deu a possibilidade de pensar na elaboração de uma reflexão teogica
que estivesse sintonizada com as circunstâncias da América Latina desse momento”. Jesús Castillo
CORONADO, Livres e responsáveis. O legado teológico de Juan Luis Segundo, p.4. Cf. também
João Carlos ALMEIDA, Teologia da Solidariedade, p.15. Quanto aos objetivos do Encontro de
Petrópolis, estes vêm expressos da seguinte forma: “1. Ocasión para que un grupo de teólogos
sudamericanos (se incluye a México) se conozcan mejor e intercambien sus ideas. 2. Despertar a
través de este grupo en las diversas Facultades, Profesores de Teología, etc., una actitud de interés
activo, abriendo horizontes y definiendo asuntos de investigación, de interés latinoamericano. La
idea es que este encuentro pudiera ser el punto de partida de un trabajo de investigación teológica
de la problemática de la Iglesia latinoamericana. 3. Hacer un proyecto de temario, personas a invi-
tar, etc. del probable curso de 20 a 30 días, en julio de 1964, para profesores de teología latinoame-
ricanos, a cargo de tres o cuatro de los grandes maestros europeos. 4. Elegir algunos temas – es la
sugerencia de varios obispos del CELAM de posibles cartas pastorales del episcopado latinoa-
mericano. Roberto OLIVEROS, Liberación y Teología. Génesis y crecimiento de una reflexión
1966-1977. Lima: CEP, 1977, p.52. Citado em: Camilo MACCISE, La Teología de la Liberación:
20 años de una praxis y reflexión teológico-pastoral, p.301, nota 14. Para Paulo Fernando
Carneiro de Andrade, o Encontro de Petrópolis pode ser considerado o marco inicial de criação de
uma Teologia latino-americana. E isto fica claro no próprio texto convite. Cf. Paulo Fernando
Carneiro de ANDRADE, Fé e Eficácia, p.33-34. Este autor também traz uma síntese do estudo de
Juan Luis Segundo, apresentado no Encontro de Petrópolis. Cf. p.34.
Latina. cio Gera, que reiterou o sentido ‘sapienciale o racional do fazer
teológico, e a exigência de que o teólogo se comprometa com as aspirações do
povo. Gustavo Gutiérrez, por sua vez, analisou a função da Teologia em relação
às massas majoritárias, às elites intelectuais e à oligarquia conservadora
336
. Se-
gundo Leonardo e Clodovis Boff, já nesta reunião Gustavo Gutiérrez apresenta a
Teologia como reflexão crítica sobre a práxis. Esta perspectiva vai, a partir do
Encontro de Petrópolis, ganhando contornos e forma. Para isso tem grande papel
os encontros teológico-pastorais posteriores
337
.
Com essas abordagens, o Encontro de Petrópolis tornou-se pioneiro e foi
seguido por uma série de encontros semelhantes em que vai se configurando uma
nova consciência e preocupação com a realidade pastoral latino-americana e as
necessárias respostas teológico-pastorais a este contexto
338
. Segundo Josep-Ignasi
Saranyana, os mesmos teólogos que estiveram em Petrópolis em 1964, junto com
outros especialistas, participaram de sucessivas reunes anuais a cargo do
ITEPAL: em Cuernavaca (1965), sobre cristologia e pastoral
339
; em Santiago do
Chile (1966), sobre palavra e evangelização
340
; em Montevidéu (1967), sobre
Teologia da História. “Esses três temas aglutinavam então, no imediato pós-
concílio, os interesses dos teólogos mais dinâmicos do mundo latino-
americano”
341
. Enfim, no espírito conciliar e ante os desafios da realidade latino-
americana, vários teólogos começam a aprofundar, geralmente em forma de en-
contros, as reflexões sobre a relação entre fé e pobreza, evangelho e justiça social.
336
Uma síntese das conferências encontra-se em: Roberto OLIVEROS, Liberación y Teología.
Génesis y crecimiento de una reflexn 1966-1977. Lima: CEP, 1977, p.53-57.
337
Cf. Clodovis BOFF; Leonardo BOFF, Como fazer Teologia da Libertação, p.96-97; Cf. tam-
m: Sinivaldo S. TAVARES, A cruz de Jesus e o sofrimento no mundo, p.206-207.
338
Cf. Enrique DUSSEL, Teologia da Libertação, p.57. Segundo Enrique Dussel, posteriormente
a Petrópolis, houve outros encontros: 1965 em Havana, 14 a 16 de julho, com Segundo Galilea e
Luis Maldonado; em Bogotá, de 14 de junho a 9 de julho com palestras de Juan Luis Segundo e
Casiano Floristán; em Cuernavaca, de 4 de julho a 14 de agosto, com Iván Illich e Segundo Galile-
a. Além disso, Enrique Dussel destaca que o CELAM organizou importantes encontros que prepa-
raram o terreno para Medellín. O I Encontro episcopal de Pastoral de Conjunto, em Baños (Equa-
dor), de 5 a 11 de junho de 1966. O Encontro episcopal sobre a presença da Igreja no mundo uni-
versitário em Buga (Colômbia), em fevereiro de 1967. Este encontro está na origem de importan-
tes movimentos estudantis. Destaca-se ainda a reunião dos presidentes das comissões episcopais da
Ação Social em Itapoã (Brasil), de 12 a 19 de maio de 1968.
339
Cf. F. BRAVO et alii. Cristología y pastoral en América Latina. Santiago/Barcelona, Dilap-
sa/Editorial Nova Terra, 1966.
340
Os trabalhos apresentados neste encontro foram publicados sob o título Salvación y construcci-
ón del mundo. Cf.: G. GUTIÉRREZ et alii, Salvación y construcción del mundo. Santia-
go/Barcelona, Dilapsa/Editorial Nova Terra, 1968.
341
Josep-Ignasi SARANYANA, Cem Anos de Teologia na América Latina (1899-2001), p.87.
Caracteriza-se assim um peodo de efervescência teológica que contribuirá para a
posterior origem da Teologia da Libertação
342
.
Segundo Honório Rito, na procura por uma Teologia que respondesse aos
desafios do contexto latino-americano, um conceito de Teologia que se impôs
progressivamente e sob o impacto da realidade vivida pela Igreja latino-
americana, foi o de Teologia como reflexão crítica sobre a práxis. Este conceito
vem antes mesmo que esta reflexão fosse chamada de Teologia da Libertação. A
proposição de Gustavo Gutiérrez em Petrópolis, em 1964, constitui-se assim como
que “a intuão de um teólogo latino-americano que, de algum modo, antecipava o
que mais tarde ele formularia como Teologia da Libertação
343
.
Enfim, o Encontro de Petrópolis marca o início de uma reflexão teológico-
pastoral original e autenticamente latino-americana. Pela primeira vez, um grupo
de teólogos propõe-se pensar a realidade latino-americana e vislumbrar o signifi-
cado desta realidade para o fazer teológico. São apenas os germes iniciais desta
reflexão, porém, sementes fundamentais para que, a partir daí, se pudesse cami-
nhar rumo a uma Teologia preocupada com a realidade latino-americana e sedenta
pela sua transformação. Começa-se a perceber que esta Teologia, se quiser ser
transformadora, precisa partir da realidade a se transformar, conhecendo-a, inter-
pretando-a e deixando-se interpelar por ela. O Encontro de Petrópolis constitui-se
assim no primeiro testemunho coletivo de que a História latino-americana começa
a assumir relevância para o fazer teológico. Um fazer teológico que seus pri-
meiros sinais rumo à compreensão de é preciso refletir a partir da realidade latino-
americana para poder transformá-la de modo cristão e evangélico contribuindo
para a criação de uma nova Sociedade.
1.3. Percepção da necessidade de uma Teologia relevante para a
América Latina
Em dois artigos de José Comblin, publicados em 1966 e 1967, percebe-se
indiretamente indícios da percepção da necessidade de uma Teologia originalmen-
te latino-americana
344
. No primeiro artigo a Teologia frente à evangelização, José
342
Cf. Clodovis BOFF; Leonardo BOFF, Como fazer Teologia da Libertação, p.96-98.
343
Honório RITO, Introdução à Teologia, p.261.
344
Cf. os dois artigos em: JoCOMBLIN, Os sinais dos tempos e a evangelização, p. 11-33. O
primeiro artigo A Teologia frente à Evangelização consiste na texto da Aula Inaugural do IFTE de
o Paulo, 1 de março de 1966 e foi publicado também em: O SEMINÁRIO 41/210 (1966) 352-
Comblin parte da interrogação sobre o que é a Teologia? Deixando de lado defi-
nições clássicas propõe que a Teologia é a leitura que intenta descobrir a mensa-
gem de Deus dirigida ao ser humano de hoje. É serviço à evangelização que con-
siste na denúncia da falsa interpretação do cristianismo e no anúncio do verdadei-
ro Evangelho de Jesus Cristo. A Teologia dos últimos culos preparou pouco
para esta tarefa. Foi predominantemente clerical”, e “acadêmica”. Daí uma Teo-
logia com conceitos pouco aprofundados “porque sem referência suficiente à ex-
periência da vida cristã”
345
.
Diante disto, a tarefa da Teologia consiste em: iluminar as realidades da
vida popular à luz do Evangelho, projetar sobre elas a luz de Deus; iluminar à luz
do Evangelho as realidades da vida religiosa do povo; propor os temas fundamen-
tais do cristianismo, encarnados nas situações concretas da vida; e, por fim, a Teo-
logia não consiste em dar soluções feitas sobre os problemas, mas sim em juntar,
apresentar, explicar e propor à meditação os textos bíblicos pelos quais Deus quis
dar aos fiéis a resposta aos seus problemas. O fim da Teologia é a volta à lingua-
gem simples do povo
346
. Embora não se possa concluir, a partir desta perspectiva
de José Comblin, pela necessidade de uma Teologia latino-americana, pode-se, no
entanto, afirmar a percepção dele pela necessidade de se levar em conta a realida-
de latino-americana como lugar a partir do qual se faz Teologia. Trata-se de um
indício de que a realidade latino-americana exige uma Teologia distinta da Teolo-
gia clássica.
Em seu segundo artigo, O futuro dos estudos teológicos na Arica Lati-
na, com data de 1967, José Comblin avalia que a Teologia na América Latina é
ainda um campo virgem. Não se pode afirmar, segundo ele, que não Teologia
na América Latina. Há Teologia, porém, uma Teologia que não é capaz de susten-
tar o crescimento da Igreja a partir de suas pprias forças. A Teologia praticada
na América Latina é incapaz de preparar teólogos capazes de participar ativamen-
te do movimento teológico universal. Suas publicações, quando existem, constitu-
em mais a divulgação da Teologia aprendida na Europa
347
. Ante tal situação, o
desafio é “passar do nível da divulgação (José Comblin refere-se à divulgação da
359. O segundo artigo O futuro dos estudos teológicos na América Latina foi publicado no volume
coletivo: Cristologia y pastoral. Barcelona/Santiago do Chile: Eler/Dilapsa, 1967, p.207-224.
345
José COMBLIN, A Teologia frente à Evangelização, p.16.
346
Cf. Ibid., p. 16-17.
347
Cf. Ibid., p.18-20.
Teologia européia) ao nível da criação, da produção. Esse passo supõe uma mu-
dança radical de método, abrindo horizontes, trazendo novos recursos que não se
encontram nas instituições atuais”
348
.
José Comblin constata uma carência de uma reflexão autóctone. Os teólo-
gos são amiúde levados por temas, idéias e sugestões de livros e autores europeus
tirados de seu contexto e inaplicáveis, em adaptação real, ao contexto latino-
americano. Enfim, até uma depreciação do que é latino-americano. A proposta
de José Comblin ante tal problemática indica para a criação de ‘verdadeiros Cen-
tros de Teologia’ latino-americanos que primem pela originalidade de seus cursos,
de seus trabalhos, de suas publicações
349
. Estas preocupações por uma Teologia
que seja original e autenticamente latino-americana ganham cada vez mais força
no quadro dos teólogos latino-americanos mais preocupados com a realidade soci-
al, econômica, política, cultural e religiosa da América Latina e se constituem no
fermento para a gênese da Teologia da Libertação.
O problema da necessidade de uma Teologia latino-americana é levantado
com mais clareza por Juan Luis Segundo, em 1968, em artigo intitulado A Teolo-
gia, problema latino-americano
350
. Neste artigo, Juan Luis Segundo pretende re-
fletir sobre a “condição de alienação” da Teologia no continente latino-americano.
Essa condição de alienação consiste na prática de uma Teologia ocidentalizada e
européia nas condições sociais, culturais e religiosas da América Latina. O pro-
blema crucial consiste na questão: O que é fazer Teologia na América Latina? Ou:
o que significa ser teologicamente criador no continente latino-americano?
351
O primeiro problema teológico para a América Latina é sua ppria Teolo-
gia. Esta precisa tomar consciência de sua tarefa de criação em contraposição à
postura de cópia e importação teológica. É preciso tomar consciência do estado de
dependência em que a Igreja e a Teologia latino-americanas viveram e vivem.
Somente então poder-se-á concretizar a colaboração entre teólogos e pastores ca-
paz de estar a serviço da criatividade do pensamento teológico e da pastoral lati-
no-americana. Esta criatividade precisa ser conquistada e é fruto do esforço da
Igreja no continente latino-americano. Ante a inflação do Direito Canônico e a
institucionalização passadas, é preciso valorizar a função teológica no sentido
348
José COMBLIN, O futuro dos estudos teológicos na América Latina, p.20.
349
Cf. Ibid., p.21-29.
350
Segue-se aqui a versão presente em: Juan Luis SEGUNDO, Da sociedade à Teologia, p.7-26.
teológico-pastoral-profético. A Igreja e a Teologia latino-americanas têm neces-
sidade urgente de um pensamento teológico-protico senvel aos sinais dos tem-
pos, intimamente unida à pastoral e assumida por todos que realizam uma pastoral
baseada em um pensamento criador. Enfim, é preciso pensar criativamente os
problemas da Igreja latino-americana em seu contexto concreto
352
.
É neste contexto específico da emergência da percepção da necessidade de
uma Teologia latino-americana e no contexto amplo da sociedade, da Igreja e da
Teologia descritos no primeiro capítulo, que se gesta a Teologia a partir, para e
na América Latina. Este caminho leva à gênese da Teologia da Libertação graças
a um momento histórico propício, ao qual confluem aspectos teológicos, eclesiais,
sociais, políticos, econômicos, culturais e ideológicos, tanto restritos ao continente
latino-americano como também em nível mundial.
1.4. A Teologia da Libertação como Teologia a partir, para e na
América Latina
A Teologia Latino-americana da Libertação nasce como uma Teologia que
se propõe refletir a a partir da práxis dos cristãos latino-americanos e é destina-
da a analisar criticamente esta práxis, tendo em vista a libertação de toda opressão.
Nesta perspectiva, é uma Teologia a partir da América Latina, realizada na ur-
gência histórica da emergência do processo de libertação latino-americano e pre-
tende contribuir para a libertação de todas as formas de opressão e dominação. É
uma Teologia que nasce a partir da realidade de opressão, dominação e espoliação
que marcam a América Latina. Mas, ao mesmo tempo, é uma Teologia que tem
seu nascedouro no seio de um povo crente e esperançoso de que é possível trans-
formar esta realidade de miséria e injustiça em uma nova sociedade. É para que
essa transformação histórica possibilite a passagem da opressão/dominão à li-
bertação que a Teologia precisa contribuir. Esta contribuição se realiza na urgên-
cia do momento histórico latino-americano marcado pela miséria e injusta, mas
também, pela esperança e pela fé.
Segundo José Miguéz Bonino, as origens da Teologia da Libertação latino-
americana remontam à participação dos cristãos na vida e na luta de vastas maio-
351
Cf. Juan Luis SEGUNDO, Da sociedade à Teologia, p.12.
352
Cf. Ibid., p.12-26. Cf. comentários ao texto de J.L. Segundo em: A.G. RUBIO, Teologia da
Libertação, p.56-63.
rias para superar as condições de marginalização, pobreza e opressão. Esta parti-
cipação gerou um compromisso com os pobres, uma consciência da natureza des-
trutiva de suas condições, uma admiração pela solidariedade, profundidade e ferti-
lidade que essas pessoas manifestaram, e uma necessidade de entender melhor as
estruturas sociais, econômicas e políticas que causam tais situações
353
.
Gustavo Gutiérrez, por sua vez, propõe que a Teologia da Libertação é um
novo modo de fazer Teologia, que consiste na reflexão crítica da práxis histórica.
É uma Teologia libertadora, Teologia da transformação libertadora da História da
humanidade. É uma Teologia que não se limita a pensar o mundo, mas procura
situar-se como um momento do processo através do qual o mundo é transformado.
Abre-se ao dom do Reino de Deus através do protesto ante a dignidade humana
pisoteada, a luta contra a espoliação da imensa maioria, o amor que liberta, e, en-
fim, a construção da nova sociedade, justa e fraterna
354
.
Leonardo Boff, em manuscrito de 1983
355
, propõe que a Teologia da Li-
bertação é o esforço que os cristãos fazem para entender o Evangelho e a reflexão
cristã, em termos de mudança efetiva da sociedade, rumo à justiça e à fraternida-
de. Como Teologia, é sempre um discurso sobre Deus. Porém, não é um Deus
qualquer. É o ‘Deus de nossos pais’, dos profetas, de Jesus Cristo. É o Deus que
toma partido da justiça e abomina toda iniquidade. Sendo Teologia, volta o olhar
do ser humano para o céu e possibilita ao ser humano o encontro com esse Deus.
Mas também possibilita voltar o olhar para o lado, para a História, e propicia o
encontro com o outro, com o irmão. E mais, possibilita volver o olhar para baixo e
encontrar com os oprimidos, humilhados e ofendidos da História. Por fim, sendo
da libertação, esta Teologia procura ser Teologia eficaz, isto é, ser Teologia que
ajuda a transformar a História com os meios do Evangelho, rumo a uma maior
participação e humanização de todos
356
.
Desta forma, pode-se dizer que a Teologia da Libertação latino-americana
é uma reflexão original e autêntica, que, partindo da realidade histórica de opres-
o e dominação, pretende, a partir da análise sociológica da sociedade latino-
americana e da mediação teológico-hermenêutica, ser relevante na transformação
353
Cf. J.M. BONINO, Teologia da Libertação. Em: N. LOSSKY et alii, Dicionário do Movimento
Ecumênico, p.1052-1053.
354
Cf. Gustavo GUTIERREZ, Teologia da Libertação, p.26-27.
355
Leonardo BOFF, Pelos pobres, contra a pobreza. Edição: Centro Povo Atualizado Pastoral
Urbana de Teófilo Otoni – MG, 1983, p.43-51.
da realidade latino-americana. Tal pretensão surge pelo compromisso com o pro-
cesso revolucionário de libertação latino-americano e pelo ato de criscom-
preendido em sua inserção histórico-concreta. É, portanto, uma Teologia a partir,
para, e na América Latina. Analisar como são concebidos inicialmente os passos
metodológicos deste processo nos Encontros Teológicos de El Escorial (1972) e
da Cidade do México (1975) é propriamente o que se pretende nesta pesquisa.
2. Importância de Gustavo Gutiérrez e Hugo Assmann para o
nascimento da Teologia da Libertação Latino-americana
A gênese da Teologia da Libertação latino-americana é fruto do trabalho
de uma comunidade teológica que comungou o interesse por uma Teologia rele-
vante a partir, na e para o continente latino-americano. Dentre os membros pio-
neiros desta comunidade de investigação pode-se, a título de exemplo e correndo
o risco de omissões, citar Richard Shaull, Emílio Castro, Juan L. Segundo, Se-
gundo Galilea, Enrique Dussel, Lucio Gera, José Comblin, Ruben Alves, Gustavo
Gutiérrez e Hugo Assmann. Desta comunidade de conhecimento teológico, desta-
cam-se as figuras de Gustavo Gutiérrez e Hugo Assmann pelo seu papel significa-
tivo como agentes do conhecimento teológico na configuração e expressão de
uma Teologia originalmente latino-americana. Estes são os primeiros autores que
conseguem mostrar, de forma mais orgânica e sistemática, as grandes linhas de
força do pensamento teológico emergente nos anos 60. Daí seu papel original e
significativo no nascimento da Teologia da Libertação Latino-americana
357
. Não
se pretende aqui um retrato amplo da obra destes autores. Interessa ressaltar seu
papel e as bases que estes autores colocaram para a gênese e nascimento da Teo-
logia da Libertação e, concomitantemente, ressaltar a relação, por eles proposta,
no que tange à relevância da realidade latino-americana para a Teologia. Propor-
seisto a partir das principais obras destes autores que marcam o nascimento da
Teologia da Libertação latino-americana
358
.
356
Cf. Leonardo BOFF, Pelos pobres, contra a pobreza, p.43.
357
Enrique Dussel afirma que Gustavo Gutiérrez e Hugo Assmann se constituem nos dois teólogos
mais originais do movimento teológico chamado Teologia da Libertação. Cf. Enrique DUSSEL,
Caminhos de libertação latino-americana: história, colonialismo e libertação, p.119, nota 63.
358
As obras consideradas são: G. GUTIERREZ, Teologia de la Liberación, Lima, 1971. Tradução
Brasileira utilizada nesta pesquisa: Teologia da Libertação, 5ed. Petrópolis: Vozes, 1985; H.
ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, Salamanca: gueme, 1973. Esta obra
retoma e desenvolve, integrando com outros ensaios, o volume Opresión-liberación, desafío a los
2.1. Gustavo Gutiérrez
359
Gustavo Alfredo Gutiérrez Merino Díaz nasceu em Lima em 1928. Após
sua formação acadêmica, ingressa como professor na Universidade Católica do
Peru e assume a assessoria da Unión Nacional de Estudiantes Católicos (UNEC).
Marcou muitas gerações que se viram cativadas pela sua capacidade de diálogo
com as preocupações e inquietudes da época. Seu curso de Teologia oferecia aos
estudantes de Letras e, mais tarde, da faculdade de Ciências Sociais, a oportuni-
dade de confrontar as perguntas emergentes no pensamento filosófico e político
contemporâneo com as bases de uma experiência crente. As correntes do pensa-
mento existencialista, o marxismo, o pensamento de Maritain e Mariátegui
360
,
acrescidos dos aportes de escritores como Camus, Péguy, Saint Exupéry, Vallejo
y Arguedas, formavam sua textura crítica. Desta forma, Gustavo Gutiérrez abria
os círculos de discussão universitária à reflexão sobre uma ligada à vida e aos
temas candentes de seu tempo.
A reflexão teológica de Gustavo Gutiérrez se nutre em sua experiência
pastoral no Peru e na América Latina. Neste chão recolhe as inquietudes e interro-
gões da cristã em uma sociedade marcada pela injustiça e pela crescente po-
breza e miséria. Gustavo Gutiérrez participa no contexto de abertura da Igreja ao
mundo contemporâneo (Vaticano II e Medellín -1968, no contexto latino-
americano), sendo consultor tanto da Quarta Sessão do Vaticano II (1966) como
da conferência latino-americana de Medellín. Em julho de 1968, em uma confe-
rência em Chimbote (Peru)
361
, utiliza o termo Teologia da Libertação indicando
cristianos. Montevideu, 1971, o qual, por sua vez retomava e ampliava o ensaio Teología de la
liberación. Montevidéu, 1970.
359
Para uma visão panorâmica sobre a pessoa, obra e trajetória de Gustavo Gutiérrez confira: J.B.
LIBÂNIO, Gustavo Gutiérrez, São Paulo: Loyola, 2004; B. MONDIN, Os teólogos da libertação,
o Paulo: Paulinas, 1980, p.64-81; J.C. de ALMEIDA, Teologia da Solidariedade: uma aborda-
gem da obra de Gustavo Gutiérrez, São Paulo: Loyola, 2005; BIBLIOTECA NACIONAL DEL
PERÚ, Gustavo Gutiérrez, Bioblibliografia. Lima: Biblioteca Nacional del Perú/Fondo Editorial,
2004; R.A. COBIÁN et alii (orgs.), Gustavo Gutiérrez. Textos esenciales. Acordarse de los po-
bres. Lima: Fondo Editorial del Congreso del Perú, 2003.
360
José Carlos Mariátegui (1895-1930) é um filósofo, sociólogo e crítico literário peruano. Em
suas obras se colocam os múltiplos problemas que assolam sua pátria e toda a América Latina. Sua
obra mais importante é intitulada Sete ensayos sobre la realidad peruana. Cf. Leopoldo ZEA
(Org.), Fuentes de la cultura latinoamericana, vol.II, p.38-45. Gustavo Gutiérrez, a um ensaio
sobre a figura e obra de Mariátegui, o interessante título: Pensar y hacer la historia: la aventura
de Mariátegui. Cf.: R.A. COBIÁN et alii (orgs.), op. cit., p.514-527.
361
A conferência de Chimbote intitula-se Hacia una Teología de la Liberación. Nela Gustavo
Gutiérrez fala da necessidade de passar de uma Teologia do desenvolvimento para uma Teologia
da libertação. Isto não como mudança de palavras, mas de conteúdo. Trata-se de um modo
novo de fazer Teologia no qual a Teologia não é o primeiro ato, o primeiro é o compromisso; a
um novo modo de fazer Teologia, e em 1971 publica o livro Teología de la Libe-
ración. Perspectivas. Ele e Hugo Assmann são considerados os primeiros a pro-
por a Teologia da Libertação como um novo sistema teológico.
Duas realidades se encontram na origem da Teologia da Libertação: por
um lado, a irrupção do pobre na sociedade e na Igreja e, por outro, a presença de
militantes cristãos comprometidos no processo de libertação latino-americano que
lutam por erradicar a injustiça, a dominação e a opressão, que se constituem em
realidade de injustiça contrária a Deus que se revela como Pai e que manifesta seu
grande amor aos pobres
362
. O pobre e a realidade social, política, econômica e
cultural passam a fazer parte da Teologia. A obra Teología de la Liberación forta-
lece a reflexão teológica latino-americana nascente e abre horizontes que, a partir
de então, se ampliam com outras publicações. Quais as idéias centrais da obra
Teología da Liberación e quais as contribuições de Gutiérrez à Teologia latino-
americana? Estas questões dirigirão os próximos passos desta pesquisa.
A. A obra Teologia da Libertação
363
Em Gustavo Gutiérrez, a Teologia vem misturada com a vida. o qual-
quer vida, mas a vida de dedicação pastoral, envolvimento e compromisso com a
realidade social, política, cultural, econômica e religiosa da América Latina. Seus
livros geralmente são compostos de artigos que, por sua vez, são sistematizações
de palestras, aulas, homilias e encontros. Poucos autores fizeram tanto como ele
para refletir e organizar sistematicamente a Teologia da Libertação. Sua obra Teo-
logia da Libertação: Perspectivas foi preparada por longo processo de esquemas,
palestras e reflexões. Segundo João Carlos Almeida, “depois de certo cuidado na
elaboração definitiva, ele uniu todas essas intuições (intuões da década de 60
presentes em suas palestras, esquemas e reflexões) no conhecido livro que marcou
a Teologia latino-americana”
364
.
Teologia é uma inteligência do compromisso, o compromisso é ação. O central para Gustavo Guti-
érrez é a caridade. Isto é, o comprometer-se, e a Teologia vem depois. Esta conferência foi editada
no ano seguinte: G. GUTIERREZ, Hacia una Teología de la Liberación. Montevideo: Miec, 1969.
362
Cf. H.P. GARCÍA, Presentación. Em: R.A. COBIÁN et alii (orgs.), op. cit., p.XII-XVIII.
363
Segue-se aqui a tradução brasileira da obra de Gutiérrez: Teologia da Libertação, 5ed. Petrópo-
lis: Vozes, 1985.
364
J.C. ALMEIDA, Teologia da Solidariedade, p.28. Segundo este autor, os principais momentos
que possibilitaram o nascimento da obra Teologia da Libertação ocorrem a partir de 1964 no
encontro de Petrópolis. Gutiérrez se questionava sobre “como estabelecer o diálogo salvador
com o homem na América Latina?”. Cf. G. GUTIÉRREZ, Ponencia en I Reunión de Teólogos
Latinoamericanos. Petrópolis: [s.n.], [fevereiro-março] 1964. em 1966 Gutiérrez participou de
outra reunião de teólogos e assessores pastorais no Chile. Nesta ocasião, em que o tema geral foi
Desde 1968 numerosas revistas recolheram seus trabalhos inspirados no
Evangelho e na experiência de tantas pessoas comprometidas, às vezes até a mor-
te, com o processo revolucionário de libertação da América Latina. A maioria
destes artigos foram retomados, aprofundados e completados em uma síntese clara
e estruturada que foi publicada em fins de 1971 em Lima, Peru e se constitui na
obra Teología de la Liberación
365
. Esta obra tornou-se referência obrigatória para
a Teologia latino-americana. Gustavo Gutrrez propõe na obra Teologia da Li-
bertação uma reflexão teológica a partir do Evangelho e da experiência compro-
metida com o processo de libertação latino-americano. A obra é dividida em qua-
tro partes: 1. Teologia e Libertação; 2. Colocação do Problema; 3. A opção da
Igreja latino-americana; 4. Perspectivas
366
.
A primeira parte pretende precisar os termos. Examina criticamente o con-
ceito de Teologia e explica o que entende por libertação. A Teologia é definida
como reflexão crítica da práxis histórica à luz da fé. A práxis, o compromisso com
Palavra e Evangelização, abordou o tema da liberdade religiosa e o diálogo salvador. Cf. G. GU-
TIÉRREZ, Libertad religiosa y diálogo salvador. Em: G. GUTIÉRREZ et alii, Salvación y cons-
trucción del mundo. Santiago/Barcelona: Dilapsa/Nova Terra, 1968, p.13-43. Em 1968, Gutiérrez
publica La pastoral de la Iglesia en Arica Latina. Montevideo: Miec-Jeci, 1968. Esta obra
constitui-se em um conjunto de palestras pronunciadas a dirigentes universitários católicos, reuni-
dos em Montevidéu em janeiro de 1967. Aí Gutiérrez distingue três níveis de conhecimento: cien-
tífico, que se refere à quantidade; filofico, que se refere ao ser; teológico, que se refere à fé. Esta
obra foi incorporada à obra Teologia da Libertação de 1971. Nela já se pode vislumbrar as primei-
ras intuições que desembocarão nos três veis de libertação. Por fim, J.C. Almeida propõe que
três palestras que julga importantes e completam a preparação para a publicação de Teologia da
Libertação. A primeira é publicada por ocasião do Encontro Nacional do Movimento Sacerdotal
ONIS (Oficina Nacional de Investigación Social), ocorrido em Chimbote, norte do Peru, em julho
de 1968. Gustavo Gutiérrez assinala a necessidade de mudar o modo de fazer Teologia. A
Teologia é compreendida como “ato segundo”. Esta obra foi publicada pelo serviço de documen-
tação do MIEC em Montevidéu (1969) com o título Hacia una Teología de la Liberación. Segun-
do L.A.G. de Souza, nesta conferência, Gutiérrez havia recebido o tema o significado do desen-
volvimentomas não aceitou este título, preferindo “notas para uma Teologia da Libertação”. Cf.
L.A.G. de SOUZA, A força histórica da reflexão de Gustavo Gutiérrez, p.78, Apud:
J.C.ALMEIDA, op. cit., p.30, nota 61. A segunda palestra foi proferida em Cartigny, Suíça, em
novembro de 1969. Na ocasião, enquanto tlogos do Primeiro Mundo falam em “desenvolvimen-
to”, Gustavo Gutiérrez prefere refletir em termos de “libertação”. Esta palestra contem o esboço
do livro Teologia da Libertação. Segundo J.C. Almeida, esta palestra é uma reelaboração da Con-
ferência de Chimbote e foi publicada pela SODEPAX em 1970 com o título Notes on theology of
liberation, em In Search of a Theology of Development, p.116-179. Cf. J.C. ALMEIDA, op. cit.,
p.31, nota 63. Por fim, a terceira palestra de Gutiérrez foi pronunciada em 1971, em Santiago do
Chile para sacerdotes envolvidos na pastoral popular. O tema do encontro era a ‘participação dos
cristãos na construção do socialismo no Chile’. Gutiérrez mostra-se profundo conhecedor do mar-
xismo, seguindo a linha do marxismo crítico de J.C. Mariátegui. Gutiérrez examina as diversas
versões da relação entre marxismo e cristianismo e apresenta a solução para esta relação baseada
na elaboração crítica de uma nova perspectiva teológica para a relação entre salvação e libertação.
Para isso, Gutiérrez propõe a distinção dos três veis de libertação. Cf. J.C. ALMEIDA, op. cit.,
p.27-31.
365
Cf. F. MONTES, Teología de la Liberación: un aporte de la Teología Latinoamericana, p.278.
366
Na tradução portuguesa p. 13-45; 47-72; 73-120; e 121-250 respectivamente.
o processo libertador, será o ponto de partida que permite ao autor determinar o
conteúdo crítico da Teologia e redefinir suas tarefas clássicas de sabedoria espiri-
tual e saber racional (p.15-27). A libertação, por sua vez, é definida em oposição
às deficiênciascio-analíticas e teológicas do conceito de desenvolvimento. Este,
facilmente tomado de conotações puramente econômicas, oculta o caráter confli-
tivo do processo e tende a colocar como modelo os países “desenvolvidos” e acei-
tar uma estratégia gradual e evolutiva. O termo libertação, ao contrário, indica
uma ruptura com o mundo opressor e suas causas. Além disto, melhor se presta
para acentuar que o ser humano deve ser o agente de seu próprio destino, conquis-
tador de uma liberdade cada vez mais profunda. Por fim, o termo “libertação” é
muito mais teológico que desenvolvimento”. Deste modo, Gutiérrez distingue
três níveis de libertação que se interpenetram reciprocamente. O primeiro expressa
as aspirações e a luta dos oprimidos por sair da opressão sócio-econômica. O se-
gundo expressa o processo pelo qual o ser humano vai amadurecendo e vai assu-
mindo seu destino, construindo na História uma liberdade real e criadora. O ter-
ceiro indica uma libertação das raízes mesmas da injustiça e opressão. É um dom
de Deus: é a libertação do pecado até sua raiz mais profunda (p.28-45).
A segunda parte da obra de Gustavo Gutiérrez pretende esclarecer o pro-
blema ao qual responde a Teologia da Libertação. Este problema consiste na rela-
ção entre fé e existência humana, Reino de Deus e construção do mundo. Trata-se
de uma questão tradicional e fundamental. Ela adquire, no entanto, nova vigência
pois a construção do mundo exige cada dia maior importância. O ser humano, a
cada dia, toma mais consciência de ser o sujeito de sua História e descobre os
condicionamentos que o oprimem. Descobre que seu destino é político e que sua
em Deus o pode ser vivida sem uma prática social. Nesta práxis social liber-
tadora se recoloca com nova força a pergunta pela significação do cristianismo.
Foram dadas várias respostas à problemática da relação entre Reino de Deus e
construção do mundo. No entanto, a vida cristã e a Teologia continuam buscando
respostas para esta relação. A crise que atingiu os movimentos apostólicos obriga
recolocar novamente o problema. Insiste-se, contra a mentalidade de cristandade,
na mundanidade do mundo e contra a distinção de planos, na vocação única à sal-
vão onde se superam as muitas dicotomias enganosas, como espiritual X tempo-
ral, Sacro X profano, natural X sobrenatural. Neste sentido, participar do processo
de libertação do ser humano é uma obra de salvação (p.49-72).
A terceira parte do livro de Gustavo Gutiérrez exe, usando um amplo
material sociológico, o processo de libertação na América Latina: a nova consci-
ência de dependência, a marcha do movimento de libertação e a ligação de parte
da Igreja com esse processo. Após sua exposição do processo de libertação e da
presença de parte da Igreja latino-americana neste processo, o autor recolhe uma
rie de interrogações teológico-pastorais que pretende abordar na parte final de
seu livro. Entre estas questões destacam-se: qual é o significado da para uma
vida comprometida na luta contra a injustiça e a alienação? Que articulação
entre a construção de uma sociedade justa e o valor absoluto do Reino? Como
elaborar uma espiritualidade da libertação? Como compreender a unidade da Igre-
ja e a Eucaristia em uma Igreja de fato fortemente dividida? Como definir a mis-
o da Igreja em um continente em processo revolucionário e onde ltiplas
formas de violência? Como a Igreja deve viver aí sua pobreza? (p.75-120).
Na quarta parte, Gustavo Gutiérrez retoma as interrogações colocadas a
partir da práxis eclesial latino-americana envolvida no processo de libertação e
esboça algumas reflexões a partir da perspectiva teológica. A amplitude do pro-
cesso de libertação questiona o sentido da salvação, da fé e da Igreja. A afirmação
da existência de uma só História abre o caminho para compreender a relação exis-
tente entre libertação e salvação. Por isso, transformar este mundo é situar-se em
um processo salvífico. Na única História, onde Cristo realiza sua redenção, o ser
humano tem um papel fundamental. Destruindo a opressão, libertando-se politi-
camente, vai tornando possível a reconciliação entre os seres humanos e com
Deus. Neste processo tem sentido a libertação radical de Cristo. Ele concede ao
ser humano o dom de libertar-se da alienação mais fundamental, a raiz mesma de
toda opressão. Porém, sua obra não é algo exterior ao ser humano, alheio à obra
de libertação protagonizada pelo ser humano. Por isso, o Reino de Deus é um pro-
cesso que acontece, em partes, historicamente na libertação, porém, não se es-
gota nela. E os fatos históricos, políticos, libertadores são sinais do crescimento
do Reino, são acontecimentos salvíficos, porém, o são ainda a chegada do Rei-
no e de toda a salvação.
No capítulo décimo, Gustavo Gutiérrez aprofunda estas idéias mostrando
como o encontro, o conhecimento de Deus vivo, se realiza na História, na conver-
o ao próximo, na ação em busca da justiça. De tudo isso segue-se uma espiritua-
lidade nova, um modo libertador de viver o Evangelho. Espiritualidade que exige
uma conversão ao próximo (p.157-176). No capítulo décimo primeiro, Gustavo
Gutiérrez aborda o problema da esperança e o presente, da escatologia e a política.
Insiste que o compromisso com a criação de uma sociedade justa supõe uma con-
fiança no futuro, porém isso não indica fuga do presente. A escatologia deve ser o
motor de uma História concreta, não voltada para o passado e sim orientada para o
futuro. Deve ser uma semente que se planta a cada dia. Ela deve ir enchendo de
esperança a práxis social cotidiana. Desta forma, a não é iluo ou ideologia
racionalizadora e se transforma em projeto histórico transformador (p.177-206).
No décimo segundo capítulo, Gustavo Gutiérrez trata de compreender a
relação entre a comunidade cristã e a Nova Sociedade. Aborda dois pontos: a mis-
o e sentido da Igreja e a pobreza como condição ineludível para cumprir esta
missão. A Igreja se apresenta como um sacramento de salvação. Deus atua liber-
tando a humanidade inteira e a Igreja deve revelar, manifestar essa ação salvadora
de Deus e pôr-se a serviço dela. Tudo isto significa que a Igreja deixa de ser o
centro, o lugar exclusivo da ação salvadora de Deus, deixa de ser um mundo cen-
trípeto. Esta Igreja deve celebrar a Eucaristia em memória do Senhor, celebrar
com alegria a ação salvífica de Deus na humanidade. Isto implica mais que um
simples ritual. Implica aceitar viver o Cristo, o sentido de sua vida entregue, sua
cruz e a esperaa da ressurreição. Na Eucaristia, a Igreja celebra a fraternidade
que o Senhor e a ação humana vão realizando entre os seres humanos. Na Eucaris-
tia, a Igreja denuncia o que impede essa fraternidade e ao mesmo tempo anuncia
que as lutas humanas por construir a justiça o são s. Elas m uma esperança:
o amor de Deus espresente neste devir histórico. Desta forma, a autêntica Euca-
ristia é prenhe de uma dimensão histórico-política (p.209-233).
Por fim, o último capítulo quer situar a Igreja no continente latino-
americano marcado pela pobreza. A pobreza deve ser um ato de solidariedade e de
protesto. A Igreja deve ser pobre em solidariedade com os pobres e oprimidos.
Deve, por outro lado, fazer-se pobre para protestar contra a pobreza que destrói a
vida e a dignidade humana. assim a Igreja podeviver autenticamente a po-
breza espiritual, abertura para o futuro prometido por Deus (p.234-249)
367
.
367
Para maiores detalhes da obra Teologia da Libertação de Gustavo Gutiérrez confira: J. Van
NIEUWENHOVE, La Théologie de la Libération de G. Gutiérrez. Réflexion sur son projet théo-
logique, p.200-234; E.J. LAJE, La “Teología de la Liberación” segun Gustavo Gutiérrez, p.297-
306; G. COLOMBO, La Teologia della Liberazzione. La questione del metodo, p.168-173; Para a
B. Contribuições de Gustavo Gutiérrez
A obra de Gustavo Gutiérrez foi de fundamental imporncia para os de-
senvolvimentos posteriores da Teologia da Libertação. Porém não deve ser toma-
da de forma isolada do conjunto da obra teológica do autor. Ela constitui-se em
importante ponto de partida e é como tal que busca-se, a seguir, e com a contribu-
ição de textos posteriores deste mesmo autor, indicar as contribuições mais signi-
ficativas para a queses que esta pesquisa pretende abordar, a saber: a relação
entre Teologia e História, vistas a partir da hipótese da mútua relevância no méto-
do teológico latino-americano.
Roberto Oliveros
368
, após indicar que o esforço teológico latino-americano
dos anos sessenta encontrou forma e expressão no trabalho de Gustavo Gutiérrez
(Teología de la Liberación), indica quatro pontos importantes em que esta obra
marcou a direção da Teologia latino-americana posterior: no método teológico; na
elaboração de conceitos fundamentais da Teologia da Libertação; na reorientação,
a partir da práxis de libertação, dos grandes temas da existência cristã; na espiritu-
alidade e na Teologia espiritual e, por fim, na temporalidade da Teologia da Liber-
tação. Para o interesse desta pesquisa vale destacar o primeiro e o último ponto.
Quanto ao método teológico, estudaram-se e resituaram-se as tarefas clássicas da
Teologia que, a partir de Gustavo Gutiérrez, se enriquecem com a função da Teo-
logia também como crítica do agir humano e eclesial. Para isso contribuem signi-
ficativamente as Ciências Sociais. Quanto à temporalidade da Teologia da Liber-
tação, destaca-se o mérito de Gustavo Gutiérrez ao indicar que a Teologia da Li-
bertação, como toda refleo teológica, tem uma significatividade histórica. Na
Teologia estão presentes os problemas, necessidades e características da sociedade
e da Igreja que lhe deram origem. Por isso a Teologia da Libertação é uma Teolo-
gia na História da salvação cristã
369
.
Para Paulo Fernando Carneiro de Andrade, o mérito de Gustavo Gutiérrez
é ter apresentado a primeira proposta orgânica de uma Teologia da Libertação.
“Seu insight foi o de ter transformado o conceito de libertação em um conceito
apresentação da obra de Gutiérrez proposta nesta pesquisa seguiu-se: F. MONTES, Teología de la
Liberación: un aporte de la Teología latinoamericana, p.278-280.
368
Cf. R. OLIVEROS, Historia de la Teología de la Liberación. Em: I. ELLACURÍA; J.
SOBRINO (orgs.), Mysterium Liberationis, vol.I, p.17-50.
369
Cf. Roberto OLIVEROS, Historia de la Teología de la Liberación, p.34.
fundante de um sistema teológico”
370
. Seguindo o método indutivo, a Teologia da
Libertação parte da realidade histórica evitando que seu conceito fundante (liber-
tação) torne-se abstrato e genérico. Este conceito fundante é marcado por um sig-
nificado que parte da concreta libertação da opressão experimentada na História.
Desta forma, pode-se afirmar que Gustavo Gutiérrez lança as bases de um novo
método teológico. Neste novo método, o ponto de partida é a realidade social que
se apresenta à com suas interrogações. A interpreta esta realidade e busca
transformá-la rumo a uma nova realidade histórica
371
.
João Batista Libânio
372
, considerando a obra teológica de Gustavo Gutiér-
rez numa visão bem mais ampla pelo tempo em que aborda a questão, propõe que
Gustavo Gutiérrez formula com clareza seu projeto como um novo modo de fazer
Teologia e não como mais um simples tema teológico. Com isso abre um novo
campo epistemológico na Teologia. A proposta teológica de Gustavo Gutiérrez,
segundo João Batista Linio, fundamenta-se num trípode: a intenção de valorizar
a Teologia como reflexão crítica sobre a práxis; o papel da coletividade dos po-
bres e fiéis como objeto e destinatário original na História, na Igreja e na Teologi-
a; e a articulação entre libertação histórica e salvação divina. A Teologia da Liber-
tação é, em primeiro lugar, Teologia e isso significa falar de Deus. Com originali-
dade, Gustavo Gutiérrez propõe que, para falar de Deus, fala-se sempre de algum
lugar e, no contexto latino-americano, este lugar é a partir do sofrimento do povo
pobre e do compromisso com sua libertação. A partir deste lugar, fala-se de Deus
com a ‘linguagem profética’ e com a ‘linguagem da contemplação’.
A linguagem protica indica a abertura para os oprimidos, na linha da
solidariedade e do compromisso libertador. A linguagem da contemplação indica
o expor-se ao mistério, à gratuidade, ao amor de Deus
373
. Ainda segundo a pers-
pectiva proposta por João Batista Libânio, a Teologia de Gustavo Gutiérrez mos-
tra sua originalidade ao enveredar-se pelos caminhos da práxis, assumindo as li-
nhas da centralidade da caridade na vida cristã, da espiritualidade na ação, do ca-
ráter histórico da Revelação, da vida da Igreja como lugar teológico, da valoriza-
ção filosófica e escatológica da práxis humana histórica. Este programa teológico
370
P.F.C. de ANDRADE, Fé e Eficácia, p.58.
371
Cf. Ibid., p.58-59.
372
J.B. LIBÂNIO, Gustavo Gutiérrez. São Paulo: Loyola, 2004 [Obra original: Brescia: Editrice
Morcelliana, 2000].
373
Cf. João Batista LINIO, Gustavo Gutiérrez, p.12-14.
de reflexão crítica sobre a prática abre dois caminhos: por um lado, a Teologia
assume a tarefa de ser crítica da práxis humana e histórica. É Teologia da, para,
na e pela práxis. Por outro lado, a Teologia precisa ser crítica de si mesma no sen-
tido de libertar a Teologia de obstáculos conceituais. Deve ser uma Teologia
consciente de si, não ingênua, em plena posse de seus instrumentos conceituais
para que possa ser relevante para a realidade rumo à transformação desta
374
.
Battista Mondin, ao abordar o método teológico em Gustavo Gutiérrez,
propõe que a Teologia da Libertação exige uma relação direta e certa com a práxis
histórica. E esta práxis é práxis libertadora. É, na expressão de Gustavo Gutiérrez,
identificação com os espoliados e suas lutas. É inserção no processo político revo-
lucionário
375
. “Não haverá um ponto focal teológico diferente senão quando partir
da prática social do verdadeiro povo latino-americano, do povo que tem suas raí-
zes em seu solo geográfico, histórico e cultural, do povo profundo e hoje silencio-
so”
376
. Desta forma se obterá uma nova leitura da mensagem evangélica como
significado e expressão das experiências às quais o próprio Evangelho deu lugar
na História. A História humana assume, portanto, o lugar no qual a libertação de
Cristo está em ação. Alarga-se assim a perspectiva e dá-se ao que está em jogo no
compromisso político toda a sua profundidade e seu verdadeiro significado
377
.
Desta forma, para Battista Mondin, não obstante suas limitações, a obra de Gusta-
vo Gutiérrez representa a tentativa mais lida e orgânica para elaborar uma Teo-
logia com base na práxis de libertação e constitui também o ponto de referência
para todos os que se ocupam do movimento da Teologia da Libertação
378
.
Essas considerações sobre o método teológico em G. Gutiérrez possibili-
tam indicar contribuições importantes à questão da relação entre Teologia e His-
tória. No que concerne à mútua relevância entre ambas para o fazer teológico, isto
é, para o método teológico, percebe-se que para compreender adequadamente o
enfoque do problema da História na Teologia de G. Gutiérrez é preciso começar
374
Cf. J.B. LIBÂNIO, Gustavo Gutiérrez, p.14-17. Segundo J.B. Libânio, este segundo aspecto do
programa teológico de reflexão crítica sobre a prática foi desenvolvido em menor proporção por
Gustavo Gutiérrez, mas tornou-se fundamental para Juan Luis Segundo que lhe deu forma em sua
obra programática: Liberación de la Teología. Buenos Aires: Ediciones Carlos Lohlé, 1975.
375
Cf. B. MONDIN, Os teólogos da libertação, p.69-71. Aqui B. Mondin propõe que Gustavo
Gutiérrez ofereceu algumas significativas indicações relativas ao seu método teológico no seu
ensaio Prassi di Liberazione e fede cristiana. Em: Rosino GIBELLINI (ed.), La nuova frontiera
della Teologia in America Latina, p.15-58.
376
Gustavo GUTIÉRREZ, Prassi di Liberazione e fede cristiana, p.47-48.
377
Cf. Ibid., p.46.
378
Cf. Battista MONDIN, Os teólogos da libertação, p.77-81.
pelo próprio ponto de partida de sua Teologia. O interlocutor e destinatário da
Teologia da Libertação não é a nova civilizão burguesa e secular, surgida a par-
tir do Iluminismo, mas o mundo do pobre. Trata-se, portanto, para a Teologia da
Libertação e para o próprio Gutiérrez, de falar de Deus a partir das vítimas da His-
tória e da civilização ilustrada”. A opção pelos pobres da Igreja latino-americana
é o ‘fato maior’ a partir do qual surge a Teologia como ‘ato segundo’, isto é, como
reflexão crítica sobre a práxis libertadora à luz da palavra de Deus
379
.
Este ponto de partida da Teologia está sustentado por uma experiência
espiritual fundamental: o descobrimento do rosto de Jesus Cristo nas maiorias
pobres e oprimidas do continente. Este método teológico está carregado de conse-
qüências para a Teologia. E para o tema aqui em questão torna-se importante per-
ceber que a salvão é oferecida na Hisria. Esta é portadora dos sinais de salva-
ção. A salvação concreta e real do pobre não esgota todo o conteúdo da salvação
cristã, porém, significa-a real e historicamente. Deste modo, não é qualquer fato
histórico que é igualmente suscetível de mediar a salvão: a perspectiva do pobre
é o critério fundamental para detectar o que de salvação e o que de perdição
na ppria História
380
.
Antonio Gonzalez conclui seu estudo sobre o problema da História em
Gustavo Gutiérrez propondo que a concepção de História presente em Gustavo
Gutiérrez se distancia significativamente da concepção sócio-evolutiva do Ilumi-
nismo, na medida que mantém a práxis humana como centro de sua reflexão sobre
a História. E na medida que esta práxis é entendida a partir do amor preferencial e
libertador de Deus pelas vítimas da Hisria. Desta forma, Gustavo Gutiérrez su-
pera a alternativa entre o paralelismo ou identidade na história da salvação:
uma História, a História profana, a qual Deus faz Hisria da salvação a partir das
primícias e presentes do Reino
381
.
Enfim, a Teologia da Libertação, tal como a concebe Gustavo Gutiérrez,
pode ser definida como reflexão sobre a enquanto fonte da práxis de libertação,
ou, mais exatamente, como refleo sobre a a partir da práxis de libertação.
Desta forma, o empenho pela libertação, realidade histórica substantiva, oferece a
379
Cf. G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.18-27.
380
Cf. neste sentido o importante estudo sobre a concepção de História em Gustavo Gutiérrez: A.
GONZÁLEZ, El problema de la Historia en la Teología de Gustavo Gutiérrez, p. 335-364, espe-
cialmente p.349-360.
381
Cf. Ibid., p.360.
perspectiva adequada para a compreensão da mensagem evangélica. Teologizar,
implica, segundo esta perspectiva metodológica, dar vida a uma hermenêutica
política do Evangelho. Isto é, implica uma releitura da mensagem cristã, que, ao
situá-la no contexto da ação política libertadora, evidencia suas exigências históri-
co-concretas e contribua para potenciar e impulsionar a ação libertadora
382
. Esta
perspectiva permite afirmar que só uma Teologia que leva a sério a História a par-
tir de onde é realizada pode de fato ser relevante para esta História. Ao que tudo
indica, esta é uma preocupação central nas contribuições originais ao pensamento
teológico latino-americano, propostas por Gustavo Gutiérrez.
2.2. Hugo Assmann
Hugo Assmann, junto com Gustavo Gutiérrez, também pode ser conside-
rado um dos primeiros teólogos latino-americanos a propor com clareza, origina-
lidade e consistência os principais marcos teóricos da Teologia da Libertação lati-
no-americana. Sua contribuição foi decisiva no nascimento e desenvolvimento da
Teologia da Libertação. Hugo Assmann nasceu em Venâncio Aires – RS, em
1933, e faleceu em São Paulo, em 22 de fevereiro de 2008. No início da década de
50 graduou-se em Filosofia pelo Seminário Central de São Leopoldo. Entre 1954
e 1958 graduou-se em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Ro-
ma. Entre 1959 a 1960 graduou-se em Sociologia com especialização em Comu-
nicação pela Universidade de Frankfurt (Johann Wolfgang Goethe). Entre 1959 e
1961 doutorou-se em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
Em 1961 obteve o título de doutor em Teologia com a tese A dimensão social
do Pecado sob a orientação de Joseph Fuchs
383
.
Entre as atividades de Hugo Assmann destaca-se o fato de ter sido assis-
tente de Johann Baptist Metz junto à Universidade de Münster - Alemanha (West-
falische Wilhelms) entre 1969-1970
384
. Lecionou em universidades do Uruguai,
na Universidade Católica do Chile e na Universidade Nacional da Costa Rica.
382
Cf. José Luis ILLANES; Josep Ignasi SARANYANA, História de la Teología, p.395-396.
383
Segundo Juan JoTamayo, em artigo publicado no jornal espanhol El País, nesta tese Hugo
Assmann já adiantava as grandes linhas por onde iria encetar seu discurso libertador. Cf. Se vai um
“bom combatente” que doou sua vida para que o mundo fosse melhor. Em:
http://brasil.indymedia.org/pt/blue/2008/02/412899.shtml Acessado em: 21/08/2008.
384
Cf. seu Currículo do Sistema de Currículos Lattes Cnpq, em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4794860J6 Acessado em:
21/08/2008.
Juntamente com Franz Hinkelammert, José Duque e outros teólogos latino-
americanos fundou em San Jo da Costa Rica o Departamento Ecuménico de
Investigaciones (DEI). Colaborou com a fundação da Associação Ecumênica de
Teólogos do Terceiro Mundo (EATWOT). Segundo Juan J. Tamayo, em artigo
publicado por ocasião de sua morte, uma das características da personalidade inte-
lectual de H. Assmann era sua formação interdisciplinar. Em seu pensamento atu-
avam de maneira interativa e criativa a Teologia, a Economia, as Ciências Sociais,
a Comunicão e a Pedagogia. Ainda segundo Juan J. Tamayo, H. Assmann “é
um dos primeiros teólogos da libertação que recorreu às ciências sociais como
mediação do discurso teológico para que este não caísse no idealismo”
385
.
O pensamento teológico de Assmann que interessa a esta pesquisa está re-
unido na obra Teología desde la praxis de la liberación. Nesta obra, Hugo Ass-
mann retoma e desenvolve, integrando-o com outros ensaios, o volume Opresión-
Liberación: Desafio a los cristianos. Este, por sua vez, retoma e amplia o ensaio
anterior: Teología de la Liberación
386
. Com Gustavo Gutiérrez, Hugo Assmann é
relacionado entre os fundadores da Teologia da Libertação. No Ensaio Teología
de la liberación (1970) Hugo Assmann foi o primeiro a elaborar de forma siste-
mática um projeto desta nova Teologia, dando-lhe um método preciso, fixando-
lhe tarefas específicas e sublinhando a novidade da Teologia da Libertação frente
a outras Teologias, como a Teologia da esperança, Teologia política e Teologia da
revolução. Sem pretender uma abordagem profunda da obra teológica de Hugo
Assmann, procurar-se-á, a seguir, propor indicações sobre a relação entre Teolo-
gia e História na perspectiva da mútua relevância para o método teológico.
A. Originalidade de Hugo Assmann
As contribuições de Hugo Assmann na gênese e nascimento da Teologia
da Libertação já começam com a sua advertência sobre as limitações da Teologia
385
J.J. TAMAYO, Se vai um bom combatente. .
386
Cf. Teología desde la praxis de la liberación, Salamanca: Sígueme, 1973; Opresión-
Liberación: Desafio a los cristianos. Montevideo: Tierra Nueva, 1971; Segundo Enrique Dussel a
obra Teologia de la Liberación. Una evaluación prospectiva apareceu em 1970 no Serviço de
Documentação MIEC-JECI, Doc. rie 1,23-24. Um primeiro esboço foi publicado, mas resumi-
do, em La dimensión política de la fé, em: VIDA PASTORAL (Montevidéu) 21 (1970) 16-25; e
em PERSPECTIVA DE DIÁLOGO 50 (1970) 306-312. Posteriormente o texto aparecerá em
Teología desde la praxis de la liberación (1973), p.15-102. Cf. E. DUSSEL, Teologia da Liberta-
ção, p.67, nota 117. Segundo o próprio Hugo Assmann, o texto foi redatado como resumo de uma
conferência à Assembléia do Clero de Montevidéu realizada em 1 de outubro de 1970. Cf. H.
Assmann, Teología desde la praxis de la liberación, p.15, nota 1.
do desenvolvimento, abrindo assim caminho à sua superação. Esta advertência é
proposta em 1968, no artigo Tarefas e limitações de uma Teologia do desenvolvi-
mento
387
. Porém é em 1969, na forma de um folheto e, posteriormente como um
pequeno livro, que surge um trabalho de H. Assmann que deve ser indicado como
uma demarcação com relação às outras Teologias existentes. Trata-se da obra
Teología de la Liberación: una evaluación prospectiva
388
. Trata-se de uma clara
definição epistemológica da Teologia da Libertação. H. Assmann acrescenta, com
esta obra, à nascente Teologia da Libertação sua delimitação com relação à Teo-
logia alemã. Segundo E. Dussel, quando H. Assmann demarca a nascente Teolo-
gia da Libertação em relação à Teologia política ou à Teologia da esperança ale-
mãs, não o faz como se se tratasse de Teologias que se encontram na origem da
Teologia latino-americana, mas sim, pelo contrário, como Teologias distintas.
A Teologia da Libertação surge a partir da realidade latino-americana,
marcada por uma distinta realidade social, eclesial, política, revolucionária e ci-
enfica” (das ciências sociais latino-americanas) bem distinta da realidade das
Teologias européias
389
. Desta forma, a contribuição de Hugo Assmann é insubsti-
tuível, pois o que tinham sido até ali intuições principia a constituir-se como cate-
gorias. “As coisas tinham sido ditas, mas Hugo Assmann as define; é uma contri-
buição essencial”
390
. Hugo Assmann propõe uma inovação terminológica e sobre-
tudo um conteúdo sócio-analítico e semântico novo ao termo libertação.
De acordo com Enrique Dussel, talvez as partes mais ricas dessa obra ori-
ginal de Hugo Assmann foram as ginas sobre “elementos para uma caracteriza-
ção (demarcação) mais exata” da Teologia da Libertação. A partir de algumas
reflexões sobre a “praxeologia”, da relação de práxis e verdade e da definição de
como práxis, assinala as diferenças com a Teologia da revolução, a Teologia
política de Johann Baptist Metz, a Teologia da esperança de Jürgen Moltmann, a
Teologia do questionamento de H.D. Bastian, e um valioso apêndice sobre a sepa-
ração entre dogmática e ética. Aparece aqui o início de uma polêmica interna na
Teologia da Libertação. Discordando de Lúcio Gera, G. Rodriguez Melgarejo e do
próprio Enrique Dussel, Hugo Assmann indica que ao se analisar a questão do
387
Cf. H. ASSMANN, Tarefas e limitações de uma Teologia do desenvolvimento. VOZES 62
(1968) 13-21.
388
Cf. acima, nota 386.
389
Cf. Enrique DUSSEL, Teologia da Libertação, p.67, nota 18.
390
Ibid., p.67
“povo” omitiu-se a avaliação do fator classes sociais. Por isso, o oferece opera-
cionalidade para uma Teologia da Libertação. Enfim, essa obra de Hugo Assmann
marca o início epistemológico definido da Teologia da Libertação
391
.
na obra Opresión-Liberación: desafio a los cristianos
392
, Hugo Ass-
mann retoma e volta a trabalhar uma série de artigos e conferências publicadas
anteriormente. Alguns pontos merecem destaque. Primeiro, esta obra traz uma
breve história da Teologia da Libertação, de sua metodologia, de seus lugares teo-
lógicos e argumentos (p.29-105). Segundo, e isto é de grande interesse nesta pes-
quisa, Hugo Assmann assinala a dimensão política da fé e, em particular, o prima-
do do político e o caráter histórico da existência humana. O primado do político é
tanto maior quanto maior é a urgência de encontrar uma solução para os proble-
mas que assolam o continente latino-americano. Hugo Assmann reflete assim so-
bre a dimensão política da fé, procurando definir a política como consciência do
verdadeiro caráter histórico do ser humano. A não acrescenta aplicações políti-
cas à praxis histórica, mas é a ação do ser humano, que prova de um aprofunda-
mento do sentido da História e do encontro com o mistério de Deus, que é provo-
cador, chama para a frente e obriga a uma constante desinstalação. Em terceiro
lugar, Hugo Assmann chama a atenção para o fato de que os teólogos latino-
americanos o refletiram suficientemente a realidade social do cristianismo. As
melhores intenções ocultam, às vezes, uma realidade pesada, condicionante, ideo-
logizada. Sendo a Igreja uma comunidade concreta, é fundamental a atenção ao
cristianismo sociológico. Nesta perspectiva, é significativa a atenção dada por
Hugo Assmann às Ciências Sociais para a elaboração teológica. É preciso conhe-
cer cientificamente as forças, conflitos e lutas que estão na sociedade. Sem um
conhecimento cienfico prévio, não se pode pensar uma Teologia significativa.
Hugo Assmann também deixa claras as implicões do conceito de liberta-
ção e suas conotações sócio-políticas e semânticas. Assinala que o conceito de
libertação marca uma ruptura com relação à análise desenvolvimentista. O concei-
to de libertação torna-se compreensível só em correlão com o de dependência: a
América Latina o é simplesmente subdesenvolvida no sentido de que ainda não
é suficientemente desenvolvida, mas é um povo mantido no subdesenvolvimento,
um povo dominado. Portanto, se a situação de dependência não se converte no
391
Cf. E. DUSSEL, Teologia da Libertação, p.67-69.
392
Montevideo: Tierra Nueva, 1971.
ponto de partida de qualquer Teologia cristã, a reflexão teológica não responderá
historicamente aos problemas fundamentais do ser humano de hoje. Serão pergun-
tas irreais que passarão ao lado do ser humano real. Deve-se encontrar pistas de
explicitação teológica nos conflitos que existem no mundo e com os quais a Igreja
deve defrontar-se e tomar posição, renovando toda sua bagagem teológica, sobre-
tudo sua visão cristológica. Para se alcançar isso é importante a atenção aos dados
da análise sócio-político-econômica. Estes dados ajudam a interpretar uma reali-
dade e tornam sensível a Teologia para aos desafios da História.
É clarificadora a confrontação que Hugo Assmann faz entre a Teologia da
Libertação e outras Teologias, como a política, da esperança e do questionamento
que também pretendem fazer referência à praxis. Depois de uma rápida compara-
ção com as várias Teologia que precederam à Teologia da Libertação, para desco-
brir semelhanças e diferenças, Hugo Assmann apresenta os bloqueios e os desblo-
queios presentes na Igreja latino-americana. A posição social da Igreja desmente
qualquer tentativa de fuga para uma posição a-política. É preciso uma refleo
nova a respeito de quem seja o povo de Deus e, ao mesmo tempo, que se torne
mais concreta e encarnada uma visão de Cristo para muitos ainda muito vaga e
distante. A terceira parte procura focalizar o problema da evangelização com refe-
rência ao tema da libertação. Hugo Assmann busca dar um sentido verdadeiro à
História da Salvação, muitas vezes concebida de maneira antagônica ao mundo. A
conversão para o Reino é conversão a um Deus que provoca na História. É adesão
ao processo hisrico. Por isso o cristão é um revolucionário constante. Ele não se
instala na situação presente como se fosse definitiva
393
.
O projeto histórico é cheio de conflitos e de contradições reais que se vi-
venciam também no meio da Igreja. Desta forma é impossível subtrair-se a uma
escolha política e à necessidade de estudar e de aprofundar cientificamente os
conflitos que existem na sociedade. Sem este aprofundamento é impossível fazer
uma reflexão teológica séria que seja significativa para a sociedade
394
.
A última obra de Hugo Assmann, que é preciso indicar aqui, é Teología
desde la praxis de la liberación: Ensayo teológico desde la América dependien-
393
Para estas indicações da obra de Hugo Assmann, seguiu-se: Fernando MONTES, Teología de
la Liberación: un aporte de la Teología Latinoamericana, p.280-281.
394
Cf. CEAS, Resenha de livros. CADERNOS DO CEAS 24 (1973) 72-73.
te
395
. Esta é a obra mais madura e bem elaborada de Hugo Assmann para o peo-
do desta pesquisa. Nela ele retoma quase por inteiro o ensaio acima citado Teolo-
gía de la Liberación. Porém são introduzidos outros ensaios importantes, nos
quais o desenvolvimento da temática da libertação é enriquecida e investigada
especialmente em dois pontos. O primeiro diz respeito à dimensão política da fé e,
por conseguinte, da Teologia e da vida da Igreja. O segundo refere-se à distinção
entre libertação cristã e libertação marxista
396
.
É importante retratar, pela relevância que estas proposições têm nesta pes-
quisa, algumas indicações referentes ao primeiro ponto, que diz respeito à dimen-
o política da fé, da Teologia e da Igreja. Toda a ação humana tem uma dimensão
política, por isso também a tem uma dimensão radicalmente política. A é a
própria ação histórica do ser humano na medida que, radicalizando a exigência do
seu sentido histórico, aprofunda o seu por quê, o seu significado humano, a ponto
de encontrar-se com o mistério de Deus na História e nunca fora dela. Por isso a
capacidade de ouvir os desafios da História abre ao ser humano a possibilidade de
levar a sério o que os outros ouviram do mesmo modo radicalmente histórico, isto
é: abre-o à Revelação
397
. Portanto, se a tem uma dimensão política, também a
Teologia como reflexão da adquire necessariamente um caráter político.
As várias formas de fazer Teologia sempre são portadoras de uma dimen-
o política. Esta dimensão política não é privativa do teólogo, ela acompanha a
comunidade eclesial pois esta sempre está encarnada em determinados contextos
sócio-culturais, com suas estruturas políticas. Desta forma, a atuação da Igreja
sempre tem uma relevância política, pois sua missão está encarnada no tecido vi-
vo da História. A Teologia da Libertação propõe-se dar atuação à densidade polí-
tica da cristã. Isto implica fazer escolhas, tomar posições, lutar para tornar pos-
sível o amor, para criar espaço para que a libertação se efetive. Nisto se requer da
Teologia e da comunidade eclesial que se empenhem na busca de melhores condi-
ções de vida, mas que o além, que se empenhem na luta aberta contra todos os
poderes constituídos que mantêm a situação de dominação, que se empenhem na
revolução social e política e na radical mudança das estruturas
398
.
395
Segue-se aqui a primeira Edição: Salamanca: Sígueme, 1973.
396
Para explicitação destes pontos cf.: B. MONDIN, Os Teólogos da Libertação, p.87-91.
397
Cf. Hugo ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, p.15-25.
B. Contribuições de Hugo Assmann para a questão da mútua relevância
Quais as contribuições de Hugo Assmann para o problema da relação entre
Teologia e História na questão do método teológico? Evidentemente, nas poucas
linhas aqui reservadas para retratar o papel de Hugo Assmann na gênese e nasci-
mento da Teologia da Libertação, torna-se impossível uma avalião profunda
desta questão. Considerando-se as obras do período histórico deste estudo, pode-
se indicar alguns aspectos relevantes que possibilitam entrever a compreensão
assmanniana sobre as relações entre Teologia e História. Os aspectos que parecem
mais relevantes para tal compreensão são as categorias práxis e e a compreen-
o do método teológico em Hugo Assmann.
O primado da práxis em Hugo Assmann
Uma das principais contribuições de Hugo Assmann à Teologia da Liber-
tação diz respeito ao primado da pxis para a Teologia. Mas qual a compreensão
de práxis em Hugo Assmann? Em que consiste tal primado? O termo práxis é
usado abundantemente por Hugo Assmann. Ela supõe um sujeito: o ser humano e
um lugar: o mundo (p.92)
399
. Tem uma dignidade ético-humana (p.51), interiori-
dade (p.75), densidade epistemológica e por isso se fala de práxis-verdade (p.90,
102). A práxis é histórica, política, concreta, complexa, ambígua, eficaz, liberta-
dora e revolucionária (p.22, 19, 50, 74, 115, 65, 59, 172 respectivamente). A prá-
xis comporta um planejamento estratégico-tático, por isso se fala das exigências e
urgências da práxis (p.131, 114, 101). A práxis também é ação de rompimento e
criação do novo (p. 153). Isto supõe o enfrentamento que às vezes é ativo (p.170).
Por isso se pode falar em ‘práxis agitacional’ (p. 165). Nesta diversidade de con-
textos em que Hugo Assmann utiliza o termo práxis, evidencia-se sua conotação
fundamental. Porém alguns contextos são mais expressivos e significativos que
outros. Para este estudo busca-se o termo central que parece expressar a compre-
ensão englobante do termo práxis, a saber, práxis histórica. Hugo Assmann faz
uma apropriação pessoal deste termo. Aproximar-se desta apropriação possibilita
indicar a importância da categoria práxis histórica para compreender a relação
entre Teologia e História na perspectiva de Hugo Assmann.
398
Cf. Battista MONDIN, Os Teólogos da Libertação, p.90-91.
399
As referências são todas da obra mais completa de Assmann do período de estudo nesta pesqui-
sa: Teología desde la praxis de la liberación. Sígueme: Salamanca, 1973. A partir daqui apenas
indicar-se-á a paginação no próprio texto.
O sujeito da práxis histórica é o ser humano tomado em seu sentido con-
creto e genérico (p. 19, 62, 64, 92, 117). Já o objeto da práxis histórica é exposto
como o político como ação transformadora da sociedade (p.19), a transformação
do mundo na linha humanizante (p.45) e não simplesmente reprodutiva (p.67).
Este objeto, sempre dinâmico, converte-se em critério da verdadeira práxis histó-
rica: “esta práxis é precisamente histórica na medida que se transforma na linha
humanizante” (p.67). Quando a ação do ser humano é despolitizada, deshistoriza-
da, deixa de ser práxis histórica (p.64). Esta práxis histórica é constantemente re-
lacionada com a fé (p.21, 22, 24, 34...).
Esta práxis hisrica tem o seu como. É práxis histórica libertadora. Desta
forma, a práxis hisrica implica politização, historização, eficácia libertadora. Do
contrário não é práxis histórica. Hugo Assmann propõe que se a ação do ser hu-
mano é despolitizada e deshistorizada não é pxis histórica (cf. p.64). Isto pos-
sibilita afirmar que em Hugo Assmann a práxis histórica supõe um projeto históri-
co. Isto é, supõe uma previsão consciente tendo em vista a criação de um futuro
humano através da transformação da realidade presente. Para Hugo Assmann, o
histórico supõe tudo aquilo que está implicado na noção de práxis histórica liber-
tadora: a assunção de dados analíticos a respeito dos desafios prioritários da liber-
tação; as alternativas, as opções ideológico-políticas, etc” (p.72).
Enfim, é posvel afirmar que em Hugo Assmann a práxis histórica é uma
ação humano-libertadora. É a ação consciente de sua dimensão político-social que
busca incidir na situação social para transformá-la em perspectiva humanizadora.
Portanto é prática libertadora que exige um planejamento estratégico-tático, que
consiste em assinalar prioridades e optar por um instrumental ideológico coerente.
Desta forma, a práxis histórica tem uma densidade de consciência política capaz
de questionar a ordem sócio-estrutural e de construir um projeto histórico com
capacidade estratégico-tática de transformação do real
400
.
A fé como práxis: a necessidade da corporificação histórica da fé
As indicações sobre a práxis histórica em H. Assmann postulam um com-
plemento importante para se perceber a relação entre Teologia e História na pers-
pectiva da mútua relevância. Trata-se da concepção de fé. Evidentemente não se
propõe aqui um estudo detalhado sobre o assunto. Apenas propõem-se indicações
sumárias que contribuem para a percepção da importância desta categoria para
entender as relações entre Teologia e História na perspectiva da mútua relevância.
O ponto de partida é a percepção de que o acento assmanniano no históri-
co, na práxis não elimina a dimensão transcendente e nem a complexa riqueza da
fé. A afirmação da fé como práxis é um acento constante em Hugo Assmann. Para
ele “o aspecto fundamental da é o da práxis histórica (p.22) e a deve ser
entendida como práxis histórica na linha da libertação do ser humano e a práxis
como o fazer-se verdade da verdade da fé” (p.22). Esta deve operar no nível
estratégico-tático sem, no entanto, nele esgotar-se (p.131). E isto por uma razão
simples: “a fé cristã é indissociável de um projeto histórico cio-econômico e
político(p.118). Desta forma, a o é uma simples prática religiosa, ela é sim
práxis histórico-transformadora (p.70). Porém, esta fé é também fé teologal e cris-
tocêntrica: a verdadeira não pode contentar-se com uma referência a um Cristo
abstrato, mas deve ser uma opção pessoal em relação a Deus em Jesus Cristo. É
esta que tem implicância decisiva na História, pois o cristão sabe que na ambi-
güidade dos desafios históricos há um chamado de Deus que está em jogo.
A neste Deus provocador, em sua atuação de libertador, confere à ação
do cristão uma esperança mais audaz e uma intensidade mais valente (p.156).
Desta forma, a práxis histórica é expressão e concretização de uma fecunda no
Deus Libertador. A se corporifica na práxis e é sempre histórico-socialmente
contextualizada (p.72). Trata-se, portanto, da alternativa entre uma abstrata e
sem raízes históricas e de uma fé histórica, teologal e humanista. Histórica, huma-
na e teologal foi a fé dos apóstolos que se atreveram a reconhecer em Jesus Cristo,
isto é, na História, na humanidade, a presença viva de Deus. Ser cristão implica
pois em reconhecer Deus presente na História viva e presente, embora tendo sem-
pre Cristo como a chave de referência (cf. p.149). Desta forma, o critério de ver-
dade da é cristológico, eclesial, mas também histórico: a pode ser verda-
deira, historicamente, quando se faz verdade, isto é: quando é historicamente efi-
caz para a libertação do ser humano. Com isso, a dimensão de verdade da liga-
400
Para uma compreensão mais detalhada da práxis e do primado da práxis em H. Assmann, cf.:
X. MIGUÉLEZ, La Teología de la Liberación y su método, p.40-44; G. ANGELINI, La “Teolo-
gia de la Liberación”. Verso la dissoluzione pramatistica della scienza di Dio, p.48-51.
se com a dimeno ético-política, pois a verdade da fé, sua verificação, seu fazer-
se verdade historicamente abarca a totalidade da vida e da práxis (cf. p.71, 73).
Este apanhado da visão de em Hugo Assmann permite perceber seu a-
cento na dimensão histórica da fé. Por isso, sua busca destina-se especialmente à
explicitação de critérios históricos para a que é, ou deveria ser, práxis transfor-
madora e libertadora para o ser humano inserido na História
401
.
O método teológico: Teologia a partir da práxis de libertação
As indicações sobre a categoria teológica da e sua relação com a práxis
histórica conduzem a algumas considerações sobre o método teológico em Hugo
Assmann. A compreensão de e de práxis histórica terá conseqüências diretas
sobre a maneira como Hugo Assmann compreende o fazer teológico
402
. A Teolo-
gia vem definida como reflexão crítica sobre a práxis hisrica à luz da fé. A Teo-
logia da Libertação é reflexão crítica sobre a práxis histórica, eficaz na perspectiva
da libertação (cf. p.76). Ela se entende como reflexão crítica sobre a práxis histó-
rica atual em toda sua intensidade e complexidade concreta (cf. p.102). Para Hugo
Assmann, é a globalidade da práxis em todas as suas dimenes que interessa à
Teologia (cf. p.73). Isto revela, antropologicamente, a compreensão do ser huma-
no como um ser hisrico, e teologicamente, o acento na unidade entre fé, espe-
rança e amor: trata-se de uma única realidade em três momentos inseparáveis.
O ponto de partida do fazer teológico é a práxis histórica atual em toda sua
intensidade e complexidade concreta. O texto da Teologia é a situação concreta.
Esta é o lugar teológico referencial primeiro (cf. p.102). Este ponto de partida
histórico da Teologia da Libertação é considerado como o “mérito maior da Teo-
logia da Libertação” (p.24). Mas de que práxis histórica se trata? Trata-se da prá-
xis histórica de libertação. Esta práxis histórica de libertação, especialmente a dos
cristãos, é o lugar teológico fundamental e vem qualificada como o “fato maior
401
Sobre a concepção assmanniana de como praxis histórica cf. X. MIGLEZ, La Teología de
la Liberación y su método, p.54-63.
402
Esta perspectiva parece clara nas expressões de Battista Mondin, segundo o qual, Hugo Ass-
mann define a Teologia da Libertação de vários modos: ‘raciocínio crítico sobre a práxis históri-
ca’; interpretação da ‘práxis dos cristãos como encarnação histórica de sua fé, à luz do Evangelho,
à luz da Revelação’; ‘praxiologia cristã’, ou seja uma teoria geral da ação eficaz realizada à luz da
fé. Para Battista Mondin, os elementos constantes destas definições de Teologia em Hugo Ass-
mann são dois: o elemento da fé e o elemento da práxis. “São eles também os elementos constitu-
tivos da Teologia da Libertação. Mas de que modo devem ser entendidos tais princípios? Esta é
uma questão de capital importância, de cuja solução depende toda a impostação e estruturação do
para a Teologia (cf. p.151). Porém, o que é preciso localizar na práxis histórica de
libertação, seja de cristãos ou não, é a presença da cristã, histórica, fé que se
faz verdade. Isto é que caracterizaa reflexão crítica sobre a práxis como refle-
xão teológica: “uma reflexão ctica sobre a práxis histórica dos seres humanos
será teológica à medida que se ausculte nela práxis a presença da fé cristã” (p.49).
Com isso chega-se ao problema da verdade: onde se capta a verdade teoló-
gica? A verdade postula a verificação histórica e esta verificação se na relação
entre teoria e práxis. Sempre que se concebe a verdade independente da atuação
humana e de suas verificações hisricas se cai em dualismos dogmáticos e autori-
tários (cf. p.66). Com isso Hugo Assmann indica negativamente que a verdade
não pode ser buscada em uma visão dualista da História. Ela se dá a conhecer na
práxis onde a verdade se faz, na única História, prenhe de um sentido de mistério
que abre caminho para uma palavra teológica (cf. 22; 117; 175). A própria verda-
de bíblica não é uma verdade independente de sua verificação histórica, mas uma
verdade que se faz verdade na práxis: “à simples ortodoxia ltica legalista os
profetas e Jesus contrapõem constantemente a ‘ortodoxia’ da verdade feita Histó-
ria através da ação efetiva no mundo” (p.22, veja também p.52; 64). É, portanto,
na práxis, na única História feita de verdade e mentira, que se pode conhecer a
verdade. E a Teologia não pode ser uma teoria iluminadora da ação. Ela deve
partir da própria práxis.
Com isso, Hugo Assmann pretende romper com a dicotomia entre teoria e
práxis. Pretende refletir unitariamente sobre o amor - que é sempre práxis históri-
ca, humano-libertadora como o único suporte lido para a “autoconscientiza-
ção” do ser humano (teoria) e a única maneira de sua realização histórica como
ser humano (práxis) (cf. p.91). A partir destas indicações, o método teológico de
Hugo Assmann se configurará com uma estrutura ternária que tornou-se comum à
Teologia da Libertação latino-americana: análise da realidade, reflexão teológica e
considerações pastorais (cf. p.50-51). Trata-se de três passos intercalados e unidos
de forma dialética, são três momentos intimamente relacionados entre si
403
.
teologar de nosso autor [de Hugo Assmann]”. B. MONDIN, Os Teólogos da Libertação, p.83.
Sobre as indicações bibliográficas das definições de Teologia na obra de Assmann cf. notas 49-51.
403
Para uma vio mais ampla sobre a Teologia e o método em H. Assmann cf.: G. COLOMBO,
La Teologia della Liberazione, p.174-181; X. MIGUÉLEZ, La Teología de la Liberación y su
método, p.90-109; L.F. MATEO-SECO, Sobre la Teología de la Liberación, p.377-384.
Enfim, para Hugo Assmann, o ponto de partida da Teologia é a História. E
uma Teologia que considera a História podeser relevante para o ser humano
histórico. O mérito maior da Teologia da Libertação, segundo ele é, talvez, a sua
insistência no ponto de partida histórico de sua reflexão: a situação da América
Latina dominada. Pois, se a situão histórica de dependência e dominação de
grande parte da humanidade não se converte no ponto de partida de qualquer Teo-
logia cristã, esta o poderá situar e concretizar historicamente seus temas funda-
mentais. Suas perguntas e respostas não serão reais e não atingirão o ser humano
real inserido na História
404
.
A partir destas indicações sobre as categorias fundamentais de e práxis
histórica e de elementos do método teogico em Hugo Assmann, pode-se conclu-
ir que as relações entre Teologia e História são propostas em termos de mútua
relevância. A História é o lugar da práxis histórica do ser humano que busca trans-
formar a sociedade e o mundo em perspectiva humanizante e libertadora. E mais:
a História é o lugar da corporificação da fé. A se faz verdade na medida que
deixa-se verificar como verdadeira no acontecer hisrico. Não qualquer aconte-
cer, mas e unicamente aquele comprometido na transformação da sociedade e
na libertação do ser humano. A é praxis histórico-transformadora movida pelo
Deus pro-vocativo. Esta se corporifica na práxis histórica e é concretização da
no Deus de Jesus Cristo, portanto, no Deus libertador. Sendo assim, a Teologia
é a reflexão crítica sobre a práxis hisrica à luz da fé. A práxis histórica em toda
sua intensidade e complexidade concreta é o ponto de partida para esta Teologia.
A práxis histórica de libertação dos cristãos comprometidos na América
Latina é o ponto de partida para a reflexão autenticamente latino-americana. Esta
reflexão que parte da práxis histórica tem a tarefa de ser interpretação da veraci-
dade e autenticidade da ppria práxis. Torna-se, portanto, instância crítico-
iluminadora da práxis cristã comprometida na transformão da realidade. Sendo
assim, pode-se afirmar que em Hugo Assmann a História tem uma relevância fun-
damental para a Teologia. Por um lado, é o ponto de partida de qualquer Teologia
404
H. Assmann afirma: “É conveniente insistir neste ponto de partida contextual para que se veja
que não se trata de um estreitamento local latino-americano da tarefa teológica. Evidentemente é a
busca desta encarnação situada. Mas é mais que isto. Se a situação histórica de dependência e
dominação de dois terços da humanidade, com seus 30 milhões anuais de mortos de fome e desnu-
trição, o se converte no ponto de partida de qualquer Teologia cristã hoje, mesmo nos países
ricos e dominadores, a Teologia não poderá situar e concretizar historicamente suas tarefas funda-
que queira ser historicamente relevante, e por outro, é o lugar da verificão da
própria verdade teológica. Portanto, Hugo Assmann, nas categorias desta pesqui-
sa, deixa entrever que há uma História relevante para a Teologia: a práxis trans-
formadora e libertadora dos cristãos comprometidos. Mas também uma Teolo-
gia relevante para a História: a Teologia que interpreta criticamente esta História à
luz da historicamente corporizada. Assim, a se faz História e a História é o
lugar do acontecer e corporificar-se da fé.
Concluindo este item em que se buscou ressaltar o papel de Hugo Ass-
mann e Gustavo Gutiérrez na configuração inicial da Teologia da Libertação, po-
de-se afirmar que ambos podem ser qualificados, entre outros, como pioneiros
desta Teologia, pois desempenharam um papel significativo e original no sentido
de organizar e sistematizar as grandes linhas de força do pensamento teológico
latino-americano emergente a partir da década de 60. Em ambos evidencia-se a
importância da realidade histórica latino-americana para o fazer teológico.
Comungam da preocupação por uma Teologia que tenha seu ponto de par-
tida na realidade latino-americana marcada pela dominação, dependência e espoli-
ação. Comungam da percepção de que a Teologia relevante para esta realidade de
dominação é aquela que se faz no compromisso pela transformação da realidade
em sentido libertador. Comungam, enfim, da consciência de que a Teologia rele-
vante para a América Latina dominada é aquela que se faz e se concretiza inserida
no processo revoluciorio de libertação e como parte dele. Portanto, aquela Teo-
logia que se faz para a transformação libertadora e humanizadora da História.
Enfim, nas categorias desta pesquisa, Hugo Assmann e Gustavo Gutiérrez
propõem uma Teologia que parta da História para que seja historicamente relevan-
te. Neste sentido, oferecem uma contribuição de fundamental importância para o
nascimento de uma Teologia original e autenticamente latino-americana. Além
disso, deixam entrever indícios de que a originalidade da Teologia da Libertação
fundamenta-se sobre uma maneira distinta de compreender a mútua relevância
entre Teologia e História no fazer teológico.
mentais. Suas perguntas o serão perguntas reais. Passarão ao lado do homem real”. Hugo
ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, p.40.
3. Os Encontros de Teologia: indícios da preocupação pela
relevância teológica da realidade latino-americana e a centralidade
metodológica
Os encontros latino-americanos de Teologia desempenharam um papel
capital na gênese e criação de uma nova consciência teológica. Em termos gerais,
caracterizam-se como espaços de debate, reflexão e partilha teológico-pastoral
marcados pelo desafio de uma Teologia que parta da realidade latino-americana,
que interprete teologicamente esta realidade e que seja capaz de propor caminhos
de transformação. Em termos específicos, os principais encontros de Teologia
caracterizam-se por duas questões fundamentais: primeiro, a relevância que a His-
tória latino-americana, marcada pela situação de dominação, exploração, depen-
dência e espoliação e pelo emergente processo de libertação, assume para os teó-
logos e para a Teologia. E segundo, em conseqüência disso, a preocupação meto-
dológica: Que Teologia é relevante para a América Latina? Qual é o ponto de par-
tida para uma Teologia latino-americana? De que forma a Teologia pode contribu-
ir para uma pastoral transformadora? Qual é o lugar e a importância da realidade
latino-americana e da participação e compromisso cristãos no processo histórico
de libertação para o fazer teológico? Ante essas interrogações e preocupões é
que gesta-se e nasce a Teologia da Libertação latino-americana.
Descrever-se-ão, a seguir, os Encontros Latino-americanos de Teologia a
serem analisados nesta pesquisa. Objetiva-se ressaltar o papel e a contribuição
deles para a tomada de consciência da necessidade de uma Teologia relevante
para o contexto latino-americano, bem como, o lugar de destaque dos Encontros
de San Lorenzo de El Escorial (1972) e da Cidade do México (1975) no debate
inicial e na consolidação da Teologia da Libertação. Com este procedimento ofe-
rece-se também uma introdução geral às discuses ocorridas em El Escorial e na
Cidade do México, que serão abordadas sistematicamente a partir do próximo
capítulo desta pesquisa.
3.1. O Encontro de San Lorenzo del Escorial – Espanha (8-15 de
Julho de 1972): Fé cristã e transformação social na América Latina
O Encontro de El Escorial constitui-se num momento de grande importân-
cia para a Teologia da Libertação. Trata-se, segundo Enrique Dussel, da primeira
reunião na qual podem dialogar juntos vários teólogos que participam de alguma
forma do movimento de libertação latino-americano
405
. Pela primeira vez, concen-
tram-se em El Escorial parte significativa de teólogos latino-americanos para dis-
cutir o tema cristã e mudança social na América Latina. Ali estiveram presen-
te praticamente todos os teólogos da primeira geração da Teologia da Libertação e
ainda alguns da considerada segunda geração (por exemplo, Leonardo Boff). Se-
gundo as indicações de Enrique Dussel, também estiveram presentes quase qua-
trocentos teólogos europeus (não espanhóis). Ali foram expostas algumas das
teses da Teologia já constituída inicialmente na América Latina
406
. Este Encontro
caracteriza-se, portanto, como espaço de partilha de teólogos latino-americanos
com alguns teólogos europeus sobre o sentido e método do pensamento teológico
latino-americano emergente
407
. Pretende-se, a seguir, trazer algumas indicações
gerais sobre os participantes, a realização, os frutos e o conteúdo deste encontro.
Tais indicações contribuem para uma visão geral e introdutória para o Encontro de
El Escorial cujo conteúdo será abordado sistematicamente nos capítulos 3 e 4 des-
ta pesquisa
408
.
405
Cf. E. DUSSEL, Caminhos de libertação latino-americana: história, colonialismo e libertação,
p.119-120.
406
Cf. Id., Teologia da Libertação, p.78.
407
Cf. R. OLIVEROS, Historia de la Teología de la Liberación. Em: I. ELLACURIA; J.
SOBRINO (Orgs.). Mysterium Liberationis, p. 36.
408
Segue-se a seguinte bibliografia básica: A.A. BOLADO et alii, Fé cristã e transformação soci-
al na América Latina. Encontro de El Escorial, 1972. Petrópolis: Vozes, 1977; J. COMBLIN et
alii. Fe cristiana y cambio social en Latinoamerica. Em: ATEISMO E DIÁLOGO 7 (1972) 34-
44; O. NOGGLER. Glaube und sozialer Umbruch in Lateinamerika. Em: ZEITSCHRIFT FÜR
MISSIONSWISSENSCHAFT UND RELIGIONSWISSENSCHAFT 57 (1973) 243-261; J.D.
BAIZÁN. Fe cristiana y cambio social en America Latina. Em: TEOLOGIA Y VIDA 13 (1972)
227-229; I. CAMACHO, La Teología de la Liberación y sus aportaciones. Em: PROYECCION
20 (1973) 241-248; J.A. LLINARES, Jornadas sobre fe y cambio social en América Latina. Em:
CIENCIA TOMISTA 99 (1972) 401-441; J.C. SCANNONE, Fe cristiana y cambio social en
América Latina. El Escorial 8 al 15 de julio 1972. Em: STROMATA 28 (1972) 439-445. Para
uma crítica às exposições de El Escorial confira: L.F. MATEO-SECO, Sobre la Teología de la
Liberación. Em: SCRIPTA THEOLOGICA 7 (1975) 355-400. As críticas encontram-se nas pági-
nas 390-400. Para uma vio dos desenvolvimentos e transformações da sociedade e da Teologia
latino-americanas a partir de El Escorial cf.: J. COMBLIN; J.I.G. FAUS (Eds). Cambio social y
pensamiento cristiano en América Latina. Madrid: Editorial Trotta, 1993. Esta obra constitui-se
das atas do Encontro Internacional sobre Cambio social y pensamiento cristiano en América Lati-
na celebrado em El Escorial, de 29 de junho a 4 de julho de 1992. Este encontro foi organizado
pelo Instituto Fe y Secularidad por ocasião da celebração dos 20 anos do Encontro de El Escorial
de 1972 que fora levado a cabo sob a responsabilidade do mesmo Instituto e realizado também em
El Escorial. Segundo a apresentação da obra proposta pelo diretor do Instituto Fe y Secularidad
Antonio Blanch à pagina 9 da referida obra o que se propõe no encontro de 1992 “é um balanço de
um fenômeno cultural cristão que, mesmo extenso e plural, já adquiriu uma vigorosa consistência,
graças sobretudo à sua grande originalidade e a seu poderoso dinamismo interno. Talvez melhor
A. Organização e objetivos das Jornadas de El Escorial
Realizadas de 8 a 15 de julho de 1972, em San Lorenzo de El Escorial,
Espanha, as Jornadas sobre Fé cristã e mudança social na América Latina foram
organizadas pelo Instituto Fé y Secularidad
409
. Cabe a este instituto a maior res-
ponsabilidade na organização das Jornadas. No entanto, participaram também
outras entidades organizadoras como o Centro de Estudios Misionologico de Bér-
riz e o CIDSE espanhol (Centro Internacional para el Desarrollo Económico y
Social)
410
. A idéia das jornadas nasceu em 1969. Foram concebidas como uma das
Semanas de Missiologia de Bérriz. Estas Semanas são organizadas anualmente
pelas Irmãs Mercedárias Missionárias de Bérriz. desde o início o encontro foi
concebido com o título Fe cristiana y cambio social en América Latina
411
.
São três os objetivos centrais das Jornadas de El Escorial. Primeiro, a re-
flexão sobre o papel da comunidade de no contexto dos complexos e pidos
processos históricos de um continente em transe e urgência de transformação, que
é, dentre os grandes blocos do Terceiro Mundo, o único que procede de matriz
cultural cristã. Segundo, a preparação dos religiosos/as, sacerdotes e leigos espa-
nhóis que disponibilizam-se a prestar serviço apostólico ou a colaborar em tarefas
de promoção na América Latina. E, terceiro, necessidade de analisar a problemá-
tica do desenvolvimento. Problemática em vertiginosa transformação no final da
década de 60, momento em que se toma consciência da insuficiência do desenvol-
que um balanço, os textos aqui apresentados nos oferecem um interessante resumo panomico
daquilo que foi realizado pela Teologia da Libertação durante estes anos”.
409
Este Instituto esligado à Universidade Comillas de Madri Espanha. Foi criado em 1967
com a finalidade de afrontar os desafios que se apresentam à fé cristã no marco da sociedade con-
temporânea. Desde suas origens, o Instituto Fé y Secularidad esteve ligado à Universidade Pontifí-
cia Comillas, primeiro como Instituto Adscrito e em seguida como Centro Colaborador. Atualmen-
te encontra-se integrado na Faculdade de Teologia de tal Universidade. Seus objetivos atuais são:
1. O estudo dos contextos sociais e culturais nos quais se insere a vivência da em suas diversas
manifestações na sociedade da modernidade tardia; 2. A confrontação do discurso teológico com
as áreas da ética na vida pública, a promão da justiça, a ciência, as novas tecnologias e a comu-
nicação social; e a análise das questões recíprocas que surgem de tal confrontação; 3. A promoção,
no horizonte da fé cristã, de um espaço de diálogocido e criativo com as diversas concepções da
pessoa humana vigentes na pluralidade cultural. O Instituto busca cumprir esses objetivos median-
te a doncia superior, a organização de cursos de extensão, seminários especializados e encontros,
e a investigação e publicação de trabalhos de caráter interdisciplinar. Cf. www.upcomillas.es.
410
O CIDSE, originalmente Cooperação Internacional para o Desenvolvimento cio-Econômico
e a partir de 1981 Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e a Solidariedade, é uma
rede internacional de organizações calicas na Europa e Estados Unidos. Trabalha em parceria
com organizações em todos os continentes, desenvolvendo projetos de cooperação para o desen-
volvimento, segundo os princípios da Doutrina Social da Igreja, especialmente das Encíclicas:
Populorum Progressio e Sollicitudo Rei Socialis. Foi formalmente fundado em setembro de 1967,
embora suas origens remontam a anos anteriores.
vimentismo para desmascarar os comportamentos culturais, econômicos e políti-
cos que encobriam os reais mecanismos internacionais do subdesenvolvimento.
Segundo os organizadores, o tema escolhido impôs duas condições: pri-
meira, que os expositores e diretores de seminário fossem latino-americanos. A
estes se propôs que falassem de suas esperanças, problemas, labores e conflitos. A
segunda condição, imposta pelo tema, é que tomasse parte nas exposições econo-
mistas, sociólogos, pastoralistas e teólogos. De fato, as exposições abarcam todos
estes campos, embora dificuldades impediram a presença de algumas personalida-
des latino-americanas desejadas
412
.
B. Realização das Jornadas de El Escorial
As Jornadas de El Escorial seguiram a seguinte proposta de trabalho: pela
manhã eram apresentadas duas exposições dos palestrantes convidados, seguidas
por debates entre os expositores e o plenário. Pela tarde ocorriam os distintos
seminários. O ponto forte dos encontros, em perspectiva doutrinal e qualitativa,
eram as exposições. Propõem-se, a seguir, indicações gerais sobre cada exposição
e, em seguida, as temáticas dos seminários
413
.
O primeiro dia, após a apresentação geral das Jornadas, proposta por Al-
fonso Alvaréz Bolado, o sociólogo peruano Rolando Ames descreveu os fatores
sócio-econômicos nos quais está enquadrado o processo de libertação latino-
americano. No segundo dia, os trabalhos se iniciaram com Enrique Dussel, que
mostrou a ligação histórica da problemática latino-americana. Enfocou historica-
mente a conjunção entre cristã e mudança social na América Latina. Em segui-
da, José Comblin expôs o tema dos movimentos e ideologias recentes, que pre-
dominam na América Latina a partir da revolução mexicana de 1910 até o fim da
década de 60. O terceiro dia esteve dedicado ao catolicismo popular latino-
americano. Assinalou-se como uma das características das Jornadas o enfoque
dado a este aspecto pastoral e teológico latino-americano. Aldo ntig expôs um
diagnóstico sociológico e as correspondentes reflexões pastorais acerca das di-
mensões do catolicismo popular latino-americano e sua inserção no processo de
411
Cf. A.A. BOLADO, Apresentação e Introdução à obra: cristã e transformação social na
América Latina, p.11-13.
412
Cf. Alfonso Álvarez BOLADO, Introdução, p.13-16.
413
Para esta apresentação seguem-se as crônicas: J.A. LLINARES, Jornadas sobre fe y cambio
social en Arica Latina, p.401-441; J.C. SCANNONE, Fe cristiana y cambio social en América
Latina. El Escorial – 8 al 15 de julio 1972, p.439-445.
libertação. Com isso enfocou o tema da popular da América Latina em função
do processo libertador. Em seguida, Segundo Galilea, então diretor do IPLA (Ins-
tituto de Pastoral Latino-americano), dissertou sobre a fé como princípio crítico da
promoção da religiosidade popular.
No quarto dia continuou-se a análise sócio-religiosa iniciada no dia anteri-
or. O então diretor da revista chilena Mensaje Renato Poblete, abordou, a partir do
ponto de vista sociológico, as formas específicas do processo de secularização
latino-americano. A perspectiva teológica deveria ter sido apresentada por Lucio
Gera queo pode fazê-lo por questões de saúde. Em seguida, o teólogo argentino
José Míguez Bonino desenvolveu o tema da transformação social na América La-
tina e suas tarefas a partir das Igrejas cristãs não-católicas. A quinta jornada en-
trou mais propriamente no aspecto teológico, que vinha sendo preparado com a
abordagem sócio-econômica e histórica, e insinuado nos estudos sobre o catoli-
cismo popular e a secularização. Em sua exposição Evangelho e práxis de liberta-
ção, Gustavo Gutiérrez abordou a problemática da Teologia da Libertação. A ex-
posição de Gustavo Gutiérrez foi completada, a partir da perspectiva da análise
crítica, por Juan Carlos Scannone. Este abordou diretamente a relação entre Teo-
logia e política e o desafio que esta relação coloca à linguagem teológica.
Na sexta jornada, complementando as abordagens do dia anterior, Juan
Luis Segundo abordou o tema das “elites” latino-americanas como problemática
humana e cristã ante a mudança social. Em seguida, Héctor Borrat, então diretor
da revista Víspera, tratou das relações entre as Bem-Aventuranças e a transforma-
ção social. Na sétima jornada, a exposição esteve a cargo de Cândido Padin, então
bispo de Bauru-SP. Este enfocou a transformação humana do Terceiro Mundo
como exigência de conversão. Assim se completou o que foi tratado em todos os
dias, como surgido de uma conversão e de uma práxis, fazendo desembocar em
um compromisso e conversão evangélica e de ação evangelicamente libertadora.
Por fim, no dia 15, apresentou-se um resumo das comunicações de todos
os seminários realizados nos dias anteriores. Para se ter uma imagem adequada
das Jornadas é preciso recordar também as temáticas abordadas nos distintos se-
minários que se centraram, na parte da tarde, em pequenos grupos. Dois seminá-
rios foram dedicados ao tema da religiosidade popular. Um à sua ‘tipologia e aná-
lise cultural’, sob a direção de Segundo Galilea. O outro sobre ‘as dimensões do
catolicismo popular e suas incidências em uma pastoral libertadora’, a cargo de
Aldo Büntig. Cecilio de Lora dirigiu um seminário sobre a ‘educação libertadora’.
Além destes, aconteceram os seguintes seminários: ‘fisionomia atual do catoli-
cismo latino-americano considerando sua gênesis hisrica’, sob a direção de En-
rique Dussel; ‘relação entre massas e minorias’, sob a direção de Juan Luis Se-
gundo; ‘consciência cristã e situações extremas na transformação social’, dirigido
por Hugo Assmann; necessidade e possibilidades de uma Teologia socio-
culturalmente latino-americana’, dirigido por Juan Carlos Scannone; ‘Igrejas e
colonialismo’, sob a direção de Héctor Borrat; ‘o sacerdote e a política’, dirigido
por Renato Poblete. A equipe dirigente da CLAR (Conferência Latino-americana
de Religiosos) ofereceu dois seminários sobre a vida religiosa latino-americana: o
eno presidente da CLAR, Manuel Edwards dirigiu o seminário sobre normas
novas de vida religiosa’; Noé Zavallos e Aída López dirigiram o seminário ‘novas
formas de vida religiosa e de comunidades religiosas na América Latina’. Por fim,
deu-se também um seminário sobre ‘o fator cristão nas recentes experiências -
cio-políticas no Chile e Peru’. Este foi dirigido conjuntamente por Gustavo Guti-
érrez, Arturo Gaete, Rolando Ames e Gonzalo Arroyo. Desta forma, quase todos
os temas de importância das Jornadas foram aprofundados também nos seminários
que contaram, cada qual, com 15 horas de trabalho.
É preciso destacar que também ocorreram, durante as Jornadas, duas me-
sas redondas. A primeira teve lugar no dia 11. Tratou-se de uma confrontação
geral sobre o tema do catolicismo popular. Nela intervieram R. Poblete, A. Gaete,
S. Galilea, A. ntig e C. Padin. Renato Poblete acentuou as diversas formas de
pertença a um grupo católico segundo as várias situões e idades: muito central,
menos central e periférica. Arturo Gaete apontou que a Igreja é a causa do catoli-
cismo popular. Ela aceitará a nova Teologia libertadora ou manterá a situação
tradicional? Aldo Büntig afirmou que a religiosidade popular, eminentemente
conservadora, é um fenômeno próprio de todas as religiões universais. É preciso
aceitar esse fato e tirar o máximo proveito possível dele. Segundo Galilea disse
que a pastoral deve ser renovada sobre a base de promover os valores autênticos
do catolicismo popular. Cândido Padin sugeriu uma pastoral ampla, fundada nos
meios disponíveis de comunicação de massa. É preciso conceber a mensagem
evangélica não como ‘tábua de salvão’, mas também como compromisso
missionário de sacerdotes e leigos. A isto se deve unir séria investigação científica
sobre os valores e desvalores do catolicismo popular. No diálogo, a partir das po-
sições acima indicadas, se insiste na necessidade da ação política libertadora que
promova a cultura do povo. Como fazer a transição da cultura popular, enquanto
dominada, para a cultura libertadora? Os verdadeiros revolucionários crêem que o
povo tem entre suas intuições fundamentais essa exigência de libertação. Um ele-
mento necessário para renovar a pastoral popular é a presença de novo tipo de
homem apostólico: o inspirador de comunidades de base.
A segunda mesa redonda teve lugar no dia 13 e consistiu em uma confron-
tação sobre a Teologia Política da Libertação. Tomaram presença nela Gonzalo
Arroyo, Rolando Ames e Hugo Assmann. Gonzalo Arroyo recordou uma das con-
clusões do encontro Cristãos pelo Socialismo, de Santiago do Chile: os povos
explorados pelo capitalismo imperialista devem unir-se para eliminar esta opres-
o. Mas, como fazê-lo? É preciso partir da fé em Cristo, cujo Espírito segue atu-
ando na História para libertar aos pobres. Mas só mediante o acesso destes ao po-
der político e econômico, para construir uma sociedade socialista, será possível a
libertação. E esta condição surge de uma análise sócio-econômica.
segundo Rolando Ames, diversas reações frente ao socialismo, e o
que mais importa é acentuar o sentido da dinâmica histórica. O tema central da
consciência crítica na América Latina requer que o equilíbrio passe pela estrutura
econômica, isto é, pela relação consumo-produção. Enquanto se mantém o privi-
légio dos proprietários do capital não haveequilíbrio econômico. Por isso é pre-
ciso chegar a uma necessária socialização dos meios de produção. Isto será possí-
vel quando as classes populares governarem a sociedade. A comunidade eclesial
em conjunto deve ir optando por esta solução já que, na realidade, o desequilíbrio
de forças favorece as classes dominantes.
Por fim, Hugo Assmann propõe que o redescobrimento do fazer teológico
se dá hoje em uma série de mediações. Na América Latina se busca fazer uma
Teologia limitada e pobre, porém, real e encarnada, sem ser partidarista nem en-
trar no nível estratégico-tático. Graças a ela se vai superando ali também a agres-
sividade de clérigos e leigos contra a hierarquia, por compreender que não é esta o
inimigo principal, ainda que colabore, às vezes, com ele. A ampla análise sócio-
política da vigência do cristianismo conduz a uma postura muito mais serena, tan-
to frente à Igreja como também frente às massas
414
.
414
Para uma descrição detalhada dos acontecimentos de cada um dos dias das Jornadas de El Esco-
rial, bem como de uma síntese do conteúdo das exposições cf.: J.A. LLINARES, Jornadas sobre
C. Avaliações do Encontro de El Escorial
Quando da realização das Jornadas de El Escorial ocorreram diversas rea-
ções favoráveis e contrárias
415
. Indicam-se aqui duas avaliações que expressam o
significado do Encontro para a nascente Teologia da Libertação latino-americana.
A primeira avaliação pode ser considerada uma avaliação externa à Teologia da
Libertação. Trata-se das “notas críticas em torno à Teologia política latino-
americana”, propostas por José A. Llinares
416
. José A. Llinares propõe que, em
conjunto, as Jornadas de El Escorial tiveram um caráter de encontro teológico a
partir de uma problemática muito concreta, a saber, a participação cristã no pro-
cesso libertador da América Latina. Ante o grande número de fatos, experiências e
idéias que ali se manifestaram, JoA. Llinares discerne dois fatores mais rele-
vantes. Um de ordem empírica: o marco histórico-social em que surge a Teologia
da Libertação. E outro de ordem teórica: esta ‘Teologia política’ de novo cunho
considerada em si mesma.
Quanto ao marco histórico-social, Jo A. Llinares indica que este vem
delimitado por três fatos de grande importância. Primeiro, o subdesenvolvimento
da América Latina. Este fato gritante afeta a grande massa da população que vive
fe y cambio social en América Latina, p.401-423; J.C. SCANNONE, Fe cristiana y cambio social
en América Latina, p.439-445; A.A. BOLADO, Introdução, p.13-32.
415
No que se refere às reões e avaliações negativas, Jesús Díaz Baizán chama a atenção que
quando da realização das Jornadas de El Escorial, “o setor espanhol mais integrista” reagiu com
hostilidade. Já no início das Jornadas uma Ancia de Informação (não nominada por Baizán), na
qual predomina os interesses da Opus Dei, difundiu um despacho no qual “tendenciosamente” se
pretende colocar as Jornadas de El Escorial “fora da legalidade”. Posteriormente outra Agência de
Informação (também não nominada por Baizán), financiada, ao que parece, por um “setor da ultra-
direita”, enviou à imprensa um dossiê intitulado La plana mayor de la subversión clerical iberoa-
mericana se reúne en España. Segundo Baizán, “a serviço da confusão e sem um mínimo de dis-
cernimento intelectual, se pretendeu enganar a opinião pública. Seu tom virulento de tal modo
soava a panfleto que nenhum órgão da imprensa diária que o recebeu se atreveu a publicar nada do
tal dossiê de 26 páginas. No entanto, foi recolhido por duas das revistas mais reacionárias de nosso
panorama e pela revista Palabra da Opus Dei”. J.D. BAIZÁN, Fe cristiana y cambio social en
América Latina, p. 228. Análises teológicas negativas sobre as Jornadas de El Escorial podem ser
encontradas em: L.F. MATEO-SECO, Sobre la Teología de la Liberación, p.390-400; A.
BANDERA, La Iglesia ante el proceso de liberación, p.181-284. Neste capítulo de sua obra, Ban-
dera faz uma crítica à Teologia da Libertação. Para tal crítica recorre várias vezes aos resultados de
El Escorial. Por exemplo na pagina 183 afirma sobre El Escorial: Las jornadas de El Escorial no
fueran una plataforma de lanzamiento (da Teologia da Libertação), puesto que la teología de la
liberación estaba lanzada o, más exactamente, se había lanzado ella misma con intrepidez al mun-
do de las ideas desde vários años antes. ¿Quién, para julio de 1972, no había oído hablar muchas
veces de esta Teología? Pero si El Escorial no fue plataforma, nadie negará que fue un poderoso
altavoz com el que conectaron otros muchos, para transmitir, todos juntos, un solo mensaje, con-
densado en la única palabra liberación. Dicho en otros términos, El Escorial servió eficazmente
para difundir una ideología teológica y para mentalizar de acuerdo con sus postulados”.
416
José A. Llinares apresenta estas “notas críticas” após apresentar uma crônica das Jornadas de El
Escorial. Cf.: José A. LLINARES, Jornadas sobre fe y cambio social en América Latina, p.401-
423. As “notas críticas” encontram-se nas paginas 423-441.
em condições infra-humanas de miséria. Sua causa profunda é a exploração eco-
nômica sistemática que o continente sofre por parte dos países ocidentais desen-
volvidos, em particular dos Estados Unidos, com a colaboração das minorias na-
cionais privilegiadas que detêm o poder potico. O segundo fato de importância
que enquadra a Teologia da Libertação é a cultura calica, envolvente e profun-
damente arraigada, em cujo seio se desenvolve a problemática da presença cristã
na transformação do continente latino-americano. Sua análise serena e lúcida,
segundo uma metodologia rigorosamente cienfica, constituiu, na opinião de José
A. Llinares, a “maior surpresa das Jornadas”. O terceiro e decisivo fato consiste
na presença de um grupo de cristãos latino-americanos politicamente comprome-
tidos na libertação progressiva do continente. Mesmo sendo minoria, este grupo é
“extraordinariamente responsável e ativo
417
. A partir destes três marcos históri-
co-sociais retratados nas Jornadas de El Escorial, Jo A. Llinares conclui que
“nas Jornadas de El Escorial se manifestou uma ampla gama de correntes ideoló-
gicas e de opções políticas, sem outro denominador comum que o da cristã en-
quanto fonte de umrio compromisso pela justiça
418
.
Neste marco geopolítico e histórico-cultural é que se perfila gradualmente,
segundo José A. Llinares, a Teologia da Libertação para orientar os cristãos em
sua ação revolucionária e transformadora. Trata-se, portanto, de uma Teologia
política nitidamente latino-americana, que está em construção. Esta Teologia tem
sua inspiração pxima na Teologia centro-européia de Jürgen Moltmann e Jo-
hann Baptist Metz, e no pensamento do teólogo e sociólogo norte-americano Har-
vey Cox. Por isso, se fundamenta na dimensão comunitária da esperança e no ca-
ráter público da proclamação evangélica e na necessidade de falar de Deus com a
linguagem própria da cidade secular”. No entanto, o contexto sócio-político da
América Latina, muito mais conflitivo, tenso e dinâmico contribui para dar densi-
dade original à Teologia da Libertação ante os autores citados. Também há, se-
gundo José A. Llinares, na Teologia da Libertação e seu diálogo com o marxis-
mo, a inspiração e influência de pensadores europeus de vanguarda como Giulio
Girardi, Paul Blanquart e José María González Ruiz
419
.
417
Cf. José A. LLINARES, Jornadas sobre fe y cambio social en América Latina, p.423-428.
418
Ibid., p.428.
419
JoA. Llinares indica ainda as contribuições de Paulo Freire a quem chama de “inspirador
profético e despertador socrático”, de “profundo espírito evangélico”, cuja teoria da conscientiza-
ção libertadora do povo, fundamentada na espiritualidade do Êxodo, está na raiz de todo movimen-
A partir destas constatações, José A. Llinares propõe indicar, sem preten-
o de exaurir o assunto, algumas contribuições do pensamento teológico latino-
americano emergente em El Escorial. A primeira contribuição e acerto da nova
Teologia diz respeito a seu título Teologia da Libertação. Na relação com as ante-
riores, Teologia do desenvolvimento e Teologia da revolução, a Teologia da Li-
bertação indica mais dinamicidade, positividade e plenitude. Frente ao desenvol-
vimento, alude mais ao aspecto humano integral e sugere menos o simples cres-
cimento material quantitativo. Frente à revolução, resulta menos explosiva e de-
magógica, sem deixar de ser polêmica e estimulante. Por outro lado, libertação
tem profundo enraizamento bíblico e sabor de Boa Nova. Assim, os introdutores
do termo libertação no uso teológicoreconhecem que ela implica o deslocamento
gramatical e conceitual da liberdade, como expressão de um profundo impulso
rumo à justiça que brota nas entranhas de um povo escravizado e oprimido”
420
.
A segunda contribuição e acerto da Teologia da Libertação, segundo José
A. Llinares, diz respeito à compreensão da Teologia como reflexão crítica sobre o
compromisso cristão à luz do Evangelho. Esta é a mais valiosa conquista da Teo-
logia latino-americana a partir do ponto de vista teórico. É a mais fecunda con-
quista também no que diz respeito às conseqüências práticas, pois estabelece uma
estreita relação entre a fé, a razão e a vida humana histórica
421
. A terceira contri-
buição relevante da Teologia da Libertação diz respeito ao diálogo com as Ciên-
cias Humanas e Sociais. Esta é uma das características mais peculiares da nova
Teologia política e afeta diretamente o método teológico. Para Jo A. Llinares,
mesmo que os teólogos políticos europeus reconheçam em princípio a urgência
deste diálogo, só os latino-americanos o levam a cabo com amplitude e precisão.
Com isso pretendem introduzir a Teologia no plano da racionalidade científica
422
.
A quarta contribuição da Teologia da Libertação diz respeito à dogmática
e vida hisrica. A projeção da na experiência social concreta promove, em
to da Teologia da Libertação. Chama a atenção para a valorização de Jacques Maritain, cujo
pensamento político teve muito eco nos cristãos do continente latino-americano, de Maurice Blon-
del, filósofo da ão e do compromisso humano total, e de Emmanuel Mounier, criador do socia-
lismo personalista. Indica que ainda uma conexão com a filosofia da história de Hegel e de
Marx, como horizonte necessário para compreender a práxis social em todas as suas dimensões e
também uma conexão com a analítica existencial e com a exploração do inconsciente de Freud
que contribui para ajudar a penetrar na profundidade da realidade humana. Cf. Ibid., p.428-429.
420
J. A. LLINARES, Jornadas sobre fe y cambio social en América Latina, p.430.
421
Cf. Ibid., p.431.
422
Cf. Ibid., p.431-434.
grande maneira, a maturidade e responsabilidade da própria fé. Segundo esta
compreensão, a Palavra de Deus alcança a História humana real e interpela o ser
humano para que se empenhe em uma práxis social concreta, com suas espe-
ranças, lutas, conquistas e fracassos. Esta História humana real não é distinta da
própria História da Salvão, que em seu seio germina e cresce o mistério re-
dentor. Nesta perspectiva, as verdades da adquirem um sentido histórico con-
creto que impulsiona ao compromisso total. Deus se revela através da História
como sempre próximo ao ser humano, vem aele pelo progressivo cumprimento
de suas promessas para conduzi-lo à comunhão definitiva com Ele. A escatologia
aqui tem um papel importante. Os sinais do Reino de Deus estão entre os seres
humanos e o Reino pode crescer entre eles através de sua cooperação ativa. Ele se
manifesta no progresso humano para iniciar dentro da História a comunhão da
humanidade entre si e em Cristo com o Pai. Isto, porém, não se realiza sem a li-
bertação política progressiva que exige uma opção radical pelos pobres e oprimi-
dos. Desta forma, o compromisso revolucionário é o mais claro sinal da esperança
do Reino, cuja chegada definitiva será supremo dom de Deus.
Segundo JoA. Llinares, aqui rico acervo de idéias-força de profundi-
dade evangélica, que pode iluminar a para torná-la viva e encarnada. Mediante
este instrumento conceitual, facilmente assimilável pela sua imediata referência a
interesses vitais, busca-se suscitar uma pastoral de maturidade cristã responsável,
que salve a fé e ao mesmo tempo contribua para a promoção humana na América
Latina. Mesmo reconhecendo que riscos e possíveis ambigüidades que exigem
vigilância contínua, José A. Llinares conclui que “se compreende muito bem que
no ambiente atual da América Latina, de intensa ebulição cio-cultural, seja ne-
cessária e urgente esta hermenêutica política do Evangelho”
423
.
Por fim, Jo A. Llinares indica como a última contribuição da Teologia da
Libertação, a relação por esta estabelecida entre Evangelho e práxis política. Este
é o horizonte próprio em que se situa a Teologia política latino-americana. Por
isso é aqui que surgem, em conseqüência, os maiores problemas e interrogações
que postulam um maior aprofundamento. Desta forma, conclui José A. Llinares, a
Teologia da Libertação que aspira influenciar de maneira imediata a práxis, deve
ter especial urgência por esclarecer progressivamente suas posições, sobretudo se
423
J.A. LLINARES, Jornadas sobre fe y cambio social en América Latina, p.436.
pretende ser uma autêntica reflexão crítica sobre o compromisso cristão histórico
à luz do Evangelho
424
. Pode-se concluir que esta leitura externa da Teologia da
Libertação, propiciada pelas Jornadas de El Escorial e trazida à luz de modo posi-
tivo e crítico pelo professor da Faculdade de Teologia de San Esteban – Salaman-
ca (Espanha) JoA. Llinares, reconhece que a Teologia da Libertação, tal como
aparece proposta em El Escorial, aporta valiosas conquistas, porém, não está imu-
ne ainda a ambigüidades que postulam maior aprofundamento. Esta parece ser a
condição teórica específica da Teologia da Libertação no momento da realização
das Jornadas de El Escorial. É Teologia em processo, em construção.
Uma segunda avaliação das Jornadas de El Escorial é proposta por Juan
Carlos Scannone
425
. Trata-se, portanto, de uma avaliação a partir de dentro da
própria Teologia da Libertação. Consciente da impossibilidade de abordar todos
os temas que foram tratados nas Jornadas de El Escorial, J.C. Scannone pretende
expor algumas reflexões sobre qual seria o aporte dos cristãos latino-americanos à
autocompreensão da Igreja, segundo foi-se mostrando no transcorrer das Jornadas
de El Escorial. Propõe que há um aporte em três níveis distintos: no nível espiritu-
al, de uma nova experiência de em uma situação histórica diferente; no nível
pastoral, da práxis evangelizadora e libertadora, que surge dessa experiência e a
partir da qual essa experiência surge; no nível da reflexão teológica corresponden-
te, a tal práxis de nova e a tal experiência nova.
Estes três veis são inseparáveis. Consciente disto, J.C. Scannone propõe
assinalar primeiramente o nível espiritual, pois crê que por ele é que irrompe a
novidade do aporte que a América Latina está fazendo a toda a Igreja. Nas Jorna-
das falou-se da interpelação do pobre, do oprimido, do povo latino-americano e
das classes exploradas. Seu clamor está provocando a conversão da Igreja latino-
americana. Pois esta ouve neste clamor a Palavra encarnada de Deus que a inter-
pela na História e a chama a questionar profeticamente o mundo latino-americano
com suas estruturas injustas.
A opção crispelo pobre e oprimido é a resposta a tal clamor ouvido na
fé, porém através de uma interpretação de tal pobreza e opressão determinada pe-
las Ciências Sociais. Por isso o compromisso de libertação que dsurge não
424
Cf. J.A. LLINARES, Jornadas sobre fe y cambio social en América Latina, p.434-441.
425
Juan Carlos SCANNONE, Fe cristiana y cambio social en América Latina, p.439-445. Seguir-
se-á a avaliação das Jornadas de El Escorial proposta nas páginas 442-445.
compreende o pobre em forma individual e interpessoal, mas também estrutural-
mente, como membro de um povo dependente e de uma classe explorada por um
sistema injusto. É assim que a efetividade da caridade operante leva o cristão a
uma práxis qualitativamente distinta, isto é, à praxis libertadora. Isso implica, a-
lém da denúncia do pecado pessoal e o anúncio da conversão individual, o questi-
onamento e rechaço radical do pecado estrutural, isto é, da estruturação injusta do
mundo latino-americano em suas dimensões política, social, econômica e cultural.
E, do mesmo modo, implica a transformação global e urgente deste mundo latino-
americano sua conversão rumo a um ser humano, uma sociedade e uma cultu-
ra qualitativamente novos. Tanto pela radicalidade deste rechaço quanto pelo cará-
ter estrutural e global desta transformação, a práxis de fé que os realiza e a experi-
ência e inteligência da que, a partir de tal práxis, brotam, não podem ser senão
qualitativamente novos em sua fidelidade à mesma fé de sempre
426
.
Isto implica em uma distinta práxis pastoral e missionária da Igreja. A e-
vangelização praticada em uma situação de injustiça e dependência se converte
em uma evangelização libertadora: por um lado, se purifica a mensagem cristã do
uso ideológico que lhe truncava sua dimeno histórica e crítica e a reduzia ao
âmbito meramente interior, espiritual e privado, ou a um nível de expressão abs-
trato, genérico, atemporal e não comprometido. Por outro lado, se descobrem as
implicações históricas e políticas concretas da mensagem cristã que apontam para
a libertação integral em Cristo, dentro da tensão escatológica do já porém ainda
não”. Pois a libertação integral o se esgota nas libertações históricas, porém as
inclui. O sujeito desta práxis libertadora é todo o Povo de Deus latino-americano.
Daí a importância pastoral que exige o tema do catolicismo popular e seu discer-
nimento a partir de uma fé libertadora
427
.
Para Juan Carlos Scannone, a esta práxis de “qualitativamente nova
corresponde uma nova inteligência da fé. Por isso nasce na América Latina uma
nova linguagem reflexiva da fé: a Teologia se auto-compreende como “reflexão
crítica da práxis histórica à luz da Palavra de Deus” (Gutiérrez). Como esta práxis
é práxis de libertação, a Teologia que a discerne e reflete é Teologia da Liberta-
ção. Trata-se de uma nova colocação global do fazer teológico. A Teologia da
Libertação é, portanto, o momento reflexivo da nova experiência que faz a fé cris-
426
Cf. Juan Carlos SCANNONE, Fe cristiana y cambio social en América Latina, p.442-443.
427
Cf. Ibid., p.443-444.
tã ao reassumir, a partir do Evangelho, a transformação do mundo que se encontra
em situação de dependência. Desta forma, como afirmam Vincent Cosmao e
François Malley em sua crônica das Jornadas de El Escorial, a Teologia da Li-
bertação, quaisquer que sejam suas ambigüidades e riscos, aparece já desde agora
como um dos grandes movimentos teológicos da hisria do cristianismo: um po-
vo se reconhece em uma linguagem que reinterpreta e re-expressa sua fé”
428
. Este
aporte latino-americano à Teologia mal pode, segundo Juan Carlos Scannone, ser
compreendido em sua originalidade, como ficou claro nas Jornadas de El Escorial.
Trata-se de uma nova experiência de e de uma nova práxis evangelizadora que
tenta dizer-se a si mesma em vel teológico. É uma prática teológica que se ca-
racteriza por um esforço coletivo de reinterpretação da a partir do interior de
sua prática coletiva e popular.
J.C. Scannone, em sua conclusão, propõe que as Jornadas de El Escorial
têm valor de símbolo: a América Latina pode dizer, pela primeira vez e publica-
mente, algo de sua palavra nova ao Velho Continente. Palavra que é testemunho
de sua vivida no meio do processo de libertação e de ‘parto doloroso de uma
nova civilização’ (Medellín, Introdução). Este testemunho é uma amostra de como
“fé e secularidade” se fecundam reciprocamente na América Latina
429
. Desta for-
ma, as Jornadas de El Escorial foram momento de expressão, de palavra que se
pronuncia como aporte à Teologia do Velho Mundo, mas, ao mesmo tempo, fo-
ram oportunidade de aprofundamento das intuições fundamentais desta nova Teo-
logia que nasce de uma práxis eclesial no contexto latino-americano.
Em concluo, vê-se que o Encontro de El Escorial foi um momento im-
portante para a Teologia da Libertação. Possibilitou o encontro, partilha, troca de
idéias e experiências a um grupo significativo de teólogos da nascente Teologia da
Libertação latino-americana. Possibilitou ainda a reflexão sobre o sentido e méto-
do do pensamento teológico latino-americano. Emergiu dos confrontos e debates
viabilizados por El Escorial a percepção de que a realidade latino-americana, em
sua situação de dominação, dependência e opressão, mas também de e esperan-
ça, é o ponto de partida de um novo projeto teológico global. Este tem sua fonte
428
Segundo J.C. Scannone, esta crônica apareceu em: Foi et Développement 1 (Supplément du
“Dossier Faim Développement” n.8), set.1972, p.1. As expressões de Cosmao e Malley são retira-
das do texto de J.C. Scannone em questão neste item. Cf. J.C. SCANNONE, Fe cristiana y cambio
social en América Latina, p.444-445.
429
Cf. Ibid., p.445.
na experiência revolucionária libertadora dos cristãos comprometidos. Esta é a
experiência espiritual maior da América Latina. Experiência elevada a ponto de
partida da reflexão teológica, ato segundo”, que tem um caráter profético e críti-
co ante uma a-histórica e abstrata e ante uma práxis comprometida com a ma-
nutenção e encobrimento da situação de dominação, opressão e dependência.
Qual o lugar, significado e importância da História para a Teologia e desta
para a História? Que método teológico emerge do Encontro de El Escorial? E,
antes disso, quais as maiores contribuições deste encontro para o método teológi-
co? Como se dá a relação entre Teologia e História neste método? Qual o lugar, o
significado e a importância da hipótese da tua relevância para se compreende-
rem as relações entre Teologia e História segundo El Escorial? Essas e outras se-
rão as questões a serem aprofundadas no estudo sistemático do conteúdo teológico
emanado de El Escorial. Por ora, basta salientar que El Escorial teve um papel
importante na configuração metodológica inicial da Teologia da Libertação e,
nesta configuração, a História é relevante para a Teologia desde que esta tenha a
pretensão de ser historicamente significativa. A justificação desta afirmação terá
lugar na análise sistemática a ser proposta nos capítulos 3 e 4.
3.2. Encontro Latino-americano de Teologia: Cidade do México –
México (11-15 de agosto de 1975): Debates em torno do método da
Teologia na América Latina
Realizou-se, de 11 a 15 de agosto de 1975, na Cidade do México, o Encon-
tro Latino-americano de Teologia. O encontro teve como tema central os métodos
de reflexão teológica na América Latina e suas implicações pastorais, históricas,
sociais, políticas e eclesiais
430
. Embora não se tratasse de aprofundar com exclu-
sividade o método da Teologia da Libertação, este encontro discutiu seu método
teológico, reconhecendo-o como o mais rico e o que melhor recolhia a inspiração
do Vaticano II, e como o mais apropriado para a situação e para as necessidades
da Igreja latino-americana
431
. Com isso, este encontro marcou significativamente
430
Cf. a apresentação da obra que recolhe as comunicações e os debates mais importantes do En-
contro Latino-Americano de Teologia feita por Enrique Ruiz MALDONADO (Apr. e Introd.)
Liberación y Cautiverio. Debates en torno al metodo de la Teología en América Latina, p.11.
431
Cf. Roberto OLIVEROS, Historia de la Teología de la Liberación. Em: I. ELLACURIA e J.
SOBRINO (Orgs.). Mysterium Liberationis, p.36.
uma etapa do aprofundamento do método teológico da Teologia da Libertação,
bem como de seu crescimento e amadurecimento.
O significado profundo do Encontro da Cidade do México pode ser ex-
presso em três aspectos: está na avaliação autocrítica da Teologia da Libertação,
propiciada pela participação de todos os seus teólogos mais renomados, na con-
frontação de seu método com outros modos de fazer Teologia e, por fim, na análi-
se dos condicionamentos reais e ideais da reflexão teológica latino-americana.
Trata-se, enfim, de um ponto alto na auto-compreeno da Teologia latino-
americana como Teologia historicamente relevante para a realidade contextual
latino-americana, por ser uma Teologia que considera o contexto histórico, com
seus condicionamentos, como ponto de partida relevante para o fazer teológico.
Procurar-se-á, a seguir, recolher algumas indicações introdutórias ao Encontro da
Cidade do México, considerando-o um acontecimento significativo para a Teolo-
gia da Libertação latino-americana.
3.2.1. Particularidades contextuais da Teologia Latino-americana
entre El Escorial (1972) e Cidade do México (1975)
O período histórico que vai da realização do Encontro de El Escorial
(1972) até a realização do Encontro da Cidade do México (1975) é marcado por
características significativas do ponto de vista político e teológico-eclesial. Ocor-
rem transformações político-sociais e teológico-eclesiais relevantes para se com-
preender a consolidação da Teologia da Libertação, cujo marco é o Encontro da
Cidade do México. Buscar-se-á propor algumas contribuições que possibilitem
entender este contexto latino-americano e sua importância para os rumos da Teo-
logia da Libertação. Para tal, seguem-se as indicações de Enrique Dussel, a partir
de suas obras Teologia da Libertação: um panorama de seu desenvolvimento e
Caminhos de libertação latino-americana: história, colonialismo e libertação
432
.
Segundo E. Dussel, a partir de 1972 a Teologia da Libertação começa vi-
venciar um processo de purificação que passa pelo cativeiro”, “exílio e pela
“noite escura” da política e da latino-americanas. A Teologia da Libertação
sofrerá uma dupla pressão: por um lado, sofre pressão de fora da Igreja, isto é,
pressão da sociedade política onde o Estado se militariza por praticamente toda a
432
Cf. E. DUSSEL, Teologia da Libertação: um panorama de seu desenvolvimento, p.79-85; Id.,
Caminhos de libertação latino-americana: História, colonialismo e libertação, p.120-124.
América Latina, com raras exceções, e da sociedade civil, cujos grupos dominan-
tes passam à ofensiva com violência. Mas, por outro lado, a Teologia sofre pres-
o de dentro da Igreja. Isto ocorre desde a XIV Assembléia ordinária do
CELAM, com a secretaria-geral a cargo de Alfonso Lopez Trujillo e a reviravolta
de orientação da Conferência dos Bispos em que os grupos conservadores, desori-
entados a partir do Concílio, reagrupam forças em aliança com setores desenvol-
vimentistas
433
. Isto leva a Teologia da Libertação a uma maturação na cruz.
Com a militarização de quase toda a América Latina, o que Enrique
Dussel chama de “império da Segurança Nacional” a serviço dos governos milita-
res. Estes exercem repressão contra o povo e contra a Igreja, em especial sua cor-
rente protica, culminando com o martírio de milhares. É importante observar o
agrupamento com a extrema direita latino-americana” de parte da Igreja e de
progressistas, reformistas, teólogos desenvolvimentistas pós-conciliares que se
inspiram no melhor da Teologia européia. Esses grupos criticam a Teologia da
Libertação e formulam projetos, alguns apoiados por entidades católicas alemãs,
para sua crítica. Identifica-se a Teologia da Libertação com a extrema esquerda e
433
Em outras palavras, J. Comblin afirma sobre as transformações ocorridas na Igreja a partir de
1972 e sua ligação ou “coincidência significativacom as ocorridas na sociedade: O Vaticano II
despertou a imaginação e as utopias. Aqui também se pensou que tudo era posvel. Pensou-se que
a Igreja ia mudar, que a cristandade estava morta e que a Igreja ia ser a Igreja dos pobres. Na reali-
dade, em Roma, desde 1969, a Cúria e os inimigos do Vaticano II tinham reassumido o poder, e o
movimento anti-Vaticano II tornava-se majoritário. Na América Latina, a grande virada foi o golpe
de Sucre, em 1972, que entregou o CELAM a Alfonso Lopez Trujillo. O reinado de Alfonso Lo-
pez Trujillo coincidiu com a era dos governos militares. Pode o ter sido pura coincidência, mas
foi algo significativo. Foi um tempo de repressão na Igreja: limpeza total no CELAM, luta contra a
CLAR, luta contra os bispos proféticos, luta contra as CEBs, a Teologia da Libertação, a nova
leitura da Bíblia”. J. COMBLIN, Trinta anos de Teologia Latino-americana. Em: L.C. SUSIN
(org.), O mar se abriu, p.183-184. Sobre a presença de bispos proféticos na América Latina confi-
ra o testemunho de J. COMBLIN, Saudades da América Latina. Em: A. FRAGOSO et alii (orgs.),
A esperança dos pobres vive, p.721-732. Sobre o que J. Comblin afirma ser o golpe de Sucre pres-
supõe-se que seja a “manobra suja do núncio” retratada em Saudades da América Latina. Ao falar
de dom Ramón Bogarin, afirma Comblin na página 728 da supra-citada obra: “Conheci pouco dom
Ramón Bogarin, bispo de San Juan Bautista de las Misiones no Paraguai. Era o líder do episcopa-
do do Paraguai. Uma forte personalidade cuja sorte foi ter nascido num país pequeno como o
Paraguai. Estava virtualmente eleito presidente do CELAM em 1972 em Sucre, mas por força de
manobra suja do núncio, que queria promover o famoso Alfonso Lopez Trujillo, hoje cardeal, foi
afastado. Para ver como são as coisas. Antes do último escrutínio, no qual Bogarin ia ser eleito, o
núncio disse que o Papa se opunha a essa eleão e queria que dom Pironio fosse presidente e Al-
fonso Lopez secretário-geral. O que provoca espanto é que os bispos aceitaram esse discurso (...).
Claro que Pironio era um santo, ótima pessoa e comprometido, mas uma personalidade fraca que
ia ser esmagada pelo secretário-geral, cuja carreira fulgurante começou desta maneira, escandali-
zando toda a Igreja da América Latina”. Sobre a oposição à Teologia da Libertação neste período
confira: P.F.C. de ANDRADE, e Eficácia, p.62-69. Nestas páginas encontra-se uma descrição
detalhada da oposição teológica à Teologia da Libertação na América Latina.
com grupos guerrilheiros e, por conseguinte, criticam-na como sendo o apoio es-
tratégico e marxista-cristão desses grupos violentos
434
.
Ocorrem, neste período, reunes teológicas contra a Teologia da Liberta-
ção. Destaca-se a de Bogotá, em novembro de 1973
435
e a de Toledo, em 1974
436
.
Desde a reunião de Sucre (novembro de 1972) decide-se fechar os institutos de
pastoral de Quito, de liturgia em Medellín, e de catequese em Manisales, para
reorganizar outro com nova orientação. Deste último o excluídos Gustavo Guti-
érrez, José Comblin, Enrique Dussel, Segundo Galilea e outros. Na Bélgica, mu-
da de orientação o instituto Lumen Vitae, do qual participavam numerosos latino-
americanos. São excluídos Giulio Girardi, François Houtart, Enrique Dussel e
outros. Desta forma, um pouco em toda parte fecham-se institutos, semanas ou
grupos orientados pela Teologia da Libertação”
437
.
Neste contexto é que a Teologia da Libertação amadurece na perseguição e
aumenta o número de seus participantes submetidos à provação. Alguns teólogos
padecem o exílio. São expulsos do Brasil José Comblin e Hugo Assmann, e am-
bos, posteriormente, do Chile, de onde são exilados igualmente Gonzalo Arroyo,
Franz Hinkelammert e muitos outros como Enrique Dussel da Argentina. Eles são
perseguidos pelos regimes militares e, segundo Enrique Dussel, freqüentemente
com a cumplicidade de certos membros da Igreja. Mesmo nestas circunstâncias, o
número de teólogos da libertação cresce em número e qualidade. Enrique Dussel
indica que surgem novas figuras teológicas como: Ignacio Ellacuría e Jon Sobrino
em El Salvador, Luis del Valle no México, Virgilio Elizondo nos Estados Unidos,
Raúl Vidales, mexicano trabalhando no início em Lima, Alejandro Cussianovich
no Peru, Rafael Ávila na Colômbia, Ronaldo Muñoz no Chile e outros
438
.
434
Cf. Enrique DUSSEL, Caminhos de Libertação, p.120-122.
435
Segundo E. Dussel, os resultados desta reunião foram publicados sob o título Liberación: Diá-
logos en el CELAM, Bogotá, 1974. Pode-se destacar o artigo de Boaventura Kloppenburg, Las
tentaciones de la Teología de la Liberación (p.401-515), no qual pode-se ver todos os ataques que
se fazem contra a Teologia da Libertação. Por sua vez, J. Mejía, La liberación, aspectos bíblicos,
faz objeções a partir da exegese (p.271-307); e A.L. Trujillo, Las Teologías de la Liberación en
América Latina (p.27-67) que distingue as “boasdas más(marxistas) Teologias da Libertação.
Tais indicações são trazidas por E. DUSSEL, Caminhos de Libertação, p.122, nota 75.
436
Segundo E. Dussel, esta reunião foi publicada sob o título Teología de la Liberacn: conversa-
ciones de Toledo, Burgos, 1974. Teve a participação de Jinez Urresti, Yves Congar, A. López
Trujillo entre outros. Estas indicações encontram-se em: E. DUSSEL, op. cit., p.122, nota 76.
437
Ibid., p.122.
438
Sobre as principais obras destes teólogos no período em questão cf. E. DUSSEL, Teologia da
Libertação, p.83, notas 171-177.
A Teologia da Libertação assume cada vez mais seriamente sua inserção
nos movimentos populares e não pode deixar de estar ao lado de seus companhei-
ros de lutas, os rtires da Igreja latino-americana: Antônio Pereira Neto, assassi-
nado no Brasil (1969); Héctor Gallego, desaparecido no Panamá (1972); Carlos
Múgica, morto na Argentina (1974); Ivan Betancourt, morto em Honduras (1975).
A estes somam-se muitos outros que, segundo Enrique Dussel, “tiveram consciên-
cia explícita de entregar sua vida pelo Cristo libertador; são santos de nossa Igreja,
como os mártires da Igreja do Mediterrâneo durante os três primeiros séculos”
439
.
Destaca-se também neste período o grupo Cristãos pelo Socialismo que
teve sua reunião de fundação realizada em Santiago do Chile, em 1972. Neste
encontro estiveram presentes representantes de quase todos os países latino-
americanos
440
. Em perspectiva teológica é importante citar a publicação da revista
Concilium, ocorrida em 1974. Trata-se do número 96 de Concilium que, segundo
Enrique Dussel, “foi elaborado em El Escorial e pode ser considerado um fruto do
referido encontro”
441
.
É neste quadro contextual que se realiza, de 11 a 15 de agosto de 1975, na
Cidade do México, o I Encontro Latino-americano de Teologia que é objeto de
análise, junto com os resultados de El Escorial (1972), desta pesquisa. Segundo
Enrique Dussel, o Encontro do México “significa um ponto alto no caminho da
nova etapa da Teologia da Libertação e um claro confronto com posições, neste
caso preponderantemente funcionalistas norte-americanas, que novamente igno-
ram nossa realidade latino-americana concreta”
442
. O Encontro do xico é um
439
E. DUSSEL, Caminhos de Libertação, p.123, nota 85. são citados vários outros casos do
que se pode chamar de martiriológico latino-americano. Cf. também: Id., Teologia da Libertação,
p.85, nota 178.
440
Este Encontro realizou-se de 23 a 30 de abril de 1972. Cf. P. RICHARD, Cristianos por el
socialismo: história y documentación, Salamanca: Sígueme, 1976; J.R. REGIDOR, Cristiani per il
socialismo, Roma: Mondadori Editrice, 1977. Citados por: E. DUSSEL, Teologia da Libertação,
p.84, nota 179.
441
Participam deste número: Claude Geffré (Editorial: A comoção de uma Teologia profética);
Raúl Vidales (Crônica de algumas publicações recentes na América Latina sobre Teologia da
Libertação); Segundo Galilea (A libertação como encontro da política e da contemplação); Enri-
que Dussel (Dominação – Libertação: um discurso teológico diferente); Gustavo Gutiérrez (Práxis
de libertação: Teologia e anúncio); Leonardo Boff (Salvação em Jesus Cristo e processo de liber-
tação); José Comblin (Liberdade e Libertação: Conceitos Teológicos); Juan Luis Segundo (Capi-
talismo Socialismo: Crux theologica); Ronaldo Muñoz (Duas experiências típicas das comuni-
dades latino-americanas comprometidas no movimento de libertação); e José guez Bonino (A
piedade popular na América Latina). Cf. C. GEFFRÉ et alii, Práxis de Libertação e Fé Cristã.
Testemunho de teólogos latino-americanos. CONCILIUM 96 (1974) 691-818. Pelo caráter inter-
nacional da Revista Concilium, esta publicação foi uma contribuição significativa para tornar co-
nhecida internacionalmente a Teologia da Libertação Latino-americana.
442
Enrique DUSSEL, Caminhos de Libertação, p.124.
ponto alto no caminho da Teologia da Libertação, pois foi o primeiro de tal en-
vergadura no continente e, além disso, aprofundou as intuições da Teologia da
Libertação expressas em El Escorial, contrapondo-as às posões metodológicas
mais abstratas dos “seguidores de Lonergan”
443
na América Latina. As posições
metodológicas destes últimos contrastavam com uma metodologia dialética que
partia da práxis histórica dos pobres.
Enfim, o período que vai de El Escorial (1972) ao encontro da Cidade do
México (1975) pode caracterizar-se como um tempo em que a Teologia da Liber-
tação vai descobrindo o tempo político do cativeiro, da prudência, da paciência, o
tempo da maturação na cruz
444
e o faz, precisamente, pelo caminho da persegui-
ção e da dupla pressão: interna (através de membros da ppria Igreja) e externa
(através do militarismo latino-americano unido a elites político-econômicas na-
cionais e internacionais).
3.2.2. Visão panorâmica das temáticas abordadas
Pretende-se, neste item, oferecer uma visão panorâmica dos principais
temas abordados no Encontro da Cidade do México que têm relevância para esta
pesquisa
445
. Para José A. Garcia, grande parte da reflexão teológica que se produ-
ziu no Encontro da Cidade do México gira em torno de uma situação nova na qual
se encontram as Igrejas na América Latina. Esta situão é a descoberta do “tem-
po político do cativeiro” (Enrique Dussel). Com as rias formas de repressão
443
A expressão encontra-se em: Enrique DUSSEL, Teologia da Libertação, p.84.
444
As expressões tempo político e maturação na cruz aplicadas à Teologia da Libertação do perío-
do em questão são de E. Dussel e encontram-se em: E. DUSSEL, Caminhos de Libertação, p.124
e 121, respectivamente.
445
Para tal visão panorâmica seguem-se duas resenhas da obra: E.R. MALDONADO (Apr. e In-
trod.) Liberación y Cautiverio. Debates en torno al metodo de la Teología en América Latina. Esta
recolhe os documentos do Encontro da Cidade do México em três partes. As duas primeiras abar-
cam as exposições do encontro distribuídas em uma série de aproximações metodológicas da Teo-
logia da Libertação, e outra série sobre os métodos sistemáticos, históricos e exegéticos da refle-
o teológica. Entre ambas as partes se situam, a modo de painel, um conjunto de catorze contribu-
ições, em geral reelaboradas, de assistentes do Encontro. A terceira parte está destinada a expor os
debates que se seguiram às exposições. Completa o volume uma avaliação final do acontecimento
feita por nove destacados participantes e concluído por uma sessão de encerramento. A modo de
apêndice, se incluem duas comunicações científicas sobre o todo teológico latino-americano e
sobre sua fundamentação filosófica. Esta será a obra fonte para a análise sistemática a ser proposta
nos capítulos 5 e 6 desta pesquisa. As duas resenhas desta obra fonte que serão seguidas para
elaborar a visão panorâmica do conteúdo do encontro são: J.A. LLINARES, Liberación y Cautive-
rio. Debates en torno al todo de la Teología en Arica Latina, p.332-333; J.A. GARCIA,
Libro del mês: Liberación y cautiverio. Debates en torno al método de la Teología en América
Latina, p.658-660.
presentes na América Latina, a Teologia da Libertação adquire matizes importan-
tes de Teologia do cativeiro.
Em que consiste a mudança? Fundamentalmente no fato de que as mudan-
ças políticas fazem ver hoje a ingenuidade das análises de ontem, as deficiências
de uma “Teologia apressada” da libertação e as posturas políticas utópicas, porém
pouco operativas, de muitos cristãos. é hora de tirar as primeiras conclusões:
por um lado, o se pode forçar a Teologia, instrumentalizando-a, para que sirva
com rapidez às necessidades hisricas, sem levar a sério seus pprios mecanis-
mos e sua autonomia relativa. É preciso dar-lhe seu tempo se se quiser passar por
ela e que seja um elemento criador para os sujeitos latino-americanos (J.L. Segun-
do). Por outro lado, é claro que a radicalização que viveram muitos grupos cris-
tãos levou-os a rechaçar o que é institucional e eclesial”, com o esquecimento
das necessárias mediações para a ação. Se a Igreja tem de enfrentar-se com Esta-
dos totalitários, ela deve estar coesa e forte como instituição e não desgastar-se
com questões intra-eclesiais, já que as maiores contradições não se dão dentro
dela mas na sociedade e no Estado. Impõe-se, desta forma, a união entre profetis-
mo e instituição (L. Boff). Politicamente houve muitas posturas suicidas que le-
vam à destruição: se elege o testemunho em vez da ação política eficaz. Torna-se
difícil para a pastoral saber o que fazer com a Teologia da Libertação. Na medida
em que esta se prende nestas circunstâncias e condicionamentos, se converte em
uma Teologia suicida que leva os seres humanos ao paredão (L.A. mez de
Souza). No tempo do cativeiro se impõe a necessidade da prudência, da paciência.
É a hora de semear e não de ver o crescimento
446
.
Situar-se nesta última perspectiva encerra também suas próprias tentações,
cujo denominador comum é a evasão. O desafio é manter-se ativos no cativeiro.
Para isso é preciso ter sempre presente o projeto estratégico de libertação. Em
nível teórico, não conceder nada mesmo que urja, ao mesmo tempo, ter sentido
histórico das viabilidades que podem mediatizar passos libertadores. Tratar-se-ia,
em resumo, de compaginar uma estratégia audaz de longo alcance com uma tática
realista. Relacionado com isso está o problema dos métodos teológicos, as opções
epistemológicas e os condicionamentos da reflexão teológica. Neste aspecto se
produziram as maiores confrontações do Encontro. Falou-se em “choque de Teo-
446
Cf. J.A. GARCIA, Libro del mês: Liberación y cautiverio. Debates en torno al método de la
Teología en América Latina, p.658-659.
logiase teólogos da libertação alertaram contra o fato de que o vocabulário da
dita Teologia fosse assumido por outras, porém, com significados distintos.
O debate desenvolveu-se, sobretudo, em torno ao que Jo Comblin cha-
mou de aparição no Encontro de um “neo-nominalismo teológico”, mais interes-
sado em dar à Teologia um estatuto de cientificidade semelhante ao das ciências
físicas, no qual os critérios formais primariam sobre o conteúdo da Revelação.
Hugo Assmann tornou mais concreta a questão ao identificar esta corrente com
uma parte da Teologia norte-americana que pretende desconhecer seus condicio-
namentos ideológicos (J.B. Metz e J. Moltmann seriam conscientes dos seus na
Europa) e criar um sistema teológico de validade abstrata e universal. Aludia-se,
assim, ao método da Teologia transcendental de Lonergan e outros.
Sobre os condicionamentos ideais da reflexão teológica, Juan Luis Segun-
do indicou as seguintes posturas existentes: existe um consenso geral que a Teo-
logia deve fazer-se a partir de uma práxis que toma partido do pobre. A divergên-
cia estaria na necessidade ou não do discipulado do pobre”. Parte dos expositores
pensa que o serviço ao pobre deve ser um fato a partir das mediações intelectuais
que ele (o pobre) não possui. Um segundo ponto de divergência nasceu em torno
do modo como a Teologia interm no campo da interdisciplinariedade das ciên-
cias humanas. Para uns, sua incidência fundamentar-se-ia no absoluto que esta
defende e que critica todo projeto humano forçando-o a permanecer como relativo
e aberto. Outros pensavam que este seria um segundo momento, admitindo como
necessário um primeiro movimento absoluto das mudaas. Desta forma, segun-
do José A. Garcia, a significação mais profunda do Encontro da Cidade do Méxi-
co situa-se em uma tríplice direção: avaliação autocrítica da Teologia da Liberta-
ção, confrontação de seu método com o de outros modos de fazer Teologia, e por
fim, análise dos condicionamentos, reais e ideais, da reflexão teológica
447
.
3.2.3. Cnica geral do Encontro
Pretende-se aqui oferecer uma sumária crônica geral do Encontro da Cida-
de do México. Assinala-se sua dinâmica interna, seus momentos-chave e o desen-
447
Cf. J.A. GARCIA, Libro del mês: Liberación y cautiverio, p.659-660.
rolar de suas principais discussões. Tal apresentação objetiva facilitar uma melhor
compreensão do evento e de sua evolução
448
.
O I Encontro Latino-americano de Teologia realizado na Cidade do Méxi-
co, de 11 a 15 de agosto de 1975, teve como tema central os métodos de reflexão
teológica na América Latina e suas implicações pastorais, históricas, sociais,
políticas e eclesiais. Originalmente o encontro foi promovido pela Ordem de São
Domingos presente no México por ocasião do V Centenário do nascimento de
Bartolomeu de las Casas. Porém, o Encontro foi além das expectativas. Conver-
teu-se em um projeto de maior amplitude eclesial, apoiado e dinamizado pelo seu
Comitê Organizador
449
. Este importante evento teológico e pastoral, no qual parti-
ciparam mais de 700 pessoas, contou com a presença de mais de 50 teólogos e
pastoralistas da América Latina, de 11 bispos, bem como de alguns teólogos eu-
ropeus e norte-americanos.
A temática do primeiro dia “condicionamentos históricos da reflexão teo-
lógica na América Latina: eclesiais, culturais e sócio-políticos” foi abordada a
partir de dois pontos de vista. A partir do ângulo das relações Igreja-Estado na
América Hispânica, Jorge López Moctezuma ofereceu elementos da História que
permitiram ver o papel desempenhado pela Espanha neste continente. Seu olhar
foi carregado de tons otimistas a respeito de tal papel, em especial com o sistema
do patronato régio. Enrique Dussel, a partir da perspectiva da história da Teo-
logia, esboçou uma “hipótese para uma história da Teologia na América Latina”,
isto é, um marco histórico da Teologia na América Latina. Para isto assinalou al-
448
Para a elaboração desta crônica seguir-se-ão duas crônicas. A primeira é oferecida pela Revista
mexicana CHRISTUS que tem seu mero 40/479 (1975) p.1-70 todo dedicado ao Encontro da
Cidade do México. Esta primeira crônica encontra-se nas páginas 7; 13; 26-27; 43; 53 e é produzi-
da pela Redação da referida revista. A segunda crônica que serve de base para esta pesquisa tam-
m foi publicada pela Revista CHRISTUS, no entanto, foi originalmente publicada em forma de
artigos no periódico EXCELSIOR nos dias 21,22,23 e 24 de agosto de 1975 e foi produzida pelo
jornalista Vicente Leñero. Cf.: Vicente LEÑERO, La abstracción, rebasada por la praxis: Teolo-
gía de la Liberación; Teología de la Liberación y Marxismo: parentesco quiza ineludible; La
Teología de la Liberación, Cautiva: Indígenas y minorias, olvidados; Teología de la Liberación:
la Iglesia, con los opresores. Em: CHRISTUS 40/479 (1975), p.62-70.
449
Segundo Enrique Ruiz Maldonado, o Comitê Organizador era composto pelas seguintes pesso-
as e entidades: Leonor Aída Concha e Clodomiro Siller, do Centro Nacional para la ayuda de las
Misiones Indígenas (CENAMI); Francisco Quijano León, da Universidad Iberoamericana; Luis
Medina Ascensio e Alfonso Alcalá, da Sociedad Mexicana de Historia Eclesiástica; Miguel Con-
cha Malo e Francisco Soto, da Sociedad Teológica Mexicana; Manuel Velázquez e Jesús Garcia
pertencentes ao Secretariado Social Mexicano; Jorge Domínguez, do Instituto Teológico de Estu-
dios Superiores; e o próprio Enrique Ruiz Maldonado, dominicano e secretário geral do Comitê
Organizador. Cf. E.R. MALDONADO (Apr. e Introd.), Liberación y Cautiverio, p.13.
guns elementos da história da Teologia de centro” e alguns da Teologia que está
surgindo na América Latina, em comparação com a primeira.
No Painel deste dia, Juan B. Lassegue (Equador) mencionou Bartolomeu
de las Casas, o qual em “Los Tesoros del Perú” o passo de uma “Teologia
centristapara uma “Teologia da periferia”. Sergio Méndez Arceo, ao assinalar a
posição da Igreja a respeito da independência do México, indicou que a segunda
independência (que teve sua consumação em 1821) foi contra-revolucionária e
que esta ideologia determinou fortemente o pensamento teológico. Isto fez com
que a Igreja não fosse simplesmente “do silêncio” aludindo a Enrique Dussel
mas de “incomunicação”
450
.
a consideração dos condicionamentos históricos do passado não bastam
para situar o atual movimento teológico na América Latina. Por isso, no segundo
dia abordou-se os “condicionamentos atuais da reflexão teológica na América
Latina: eclesiais, cio-políticos e ideológicos”. Luiz A.G. de Souza centrou sua
exposição nos condicionamentos sócio-políticos e ideológicos, ao passo que Sa-
muel Ruiz descreveu os condicionamentos eclesiais da reflexão teológica latino-
americana. O Painel deste dia foi mais substancioso. A ausência da problemática
indígena e étnico-cultural comou a aflorar aqui. Pois as descrões propostas
pelos expositores se agravam quando aproximadas ao universo indígena. Também
começou-se a insistir na necessidade da ideologia como mediação teológica. É
indispensável desmascarar a ideologia subjacente na Teologia oficializada e na
pretensa desideologizada. Pois a Igreja é continuamente requerida para legiti-
mar o sistema em que vive. Esta percepção pode mobilizar rumo a uma reflexão
teológica que tenha mais incidência na práxis eclesial. Esta problemática levou a
adiantar queses do dia seguinte. Aparecem os temas do modo de produção e
difuo teológica, da práxis eclesial a partir da qual se faz reflexão crítica, das
exigências do teólogo, da necessidade das mediações técnicas e científicas. A par-
tir daqui começa-se a usar uma linguagem própria de uma Teologia do cativeiro.
A Teologia do cativeiro está representando um momento interno do processo glo-
bal de libertação. Pois o é possível uma Teologia sem uma Igreja viva e esta
Igreja viva, na América Latina, vive em situação de cativeiro e exílio.
450
Cf. REDACIÓN, Cronica del Encuentro I, p.7.
Na parte da noite, na sessão aberta, expõem Juan Luis Segundo e Cândido
Padin. Cândido Padin aborda o tema da “ajuda internacional”, dos mecanismos de
controle através das ancias internacionais de ajuda. Parece que existe uma preo-
cupação por seguir de perto as Igrejas do continente. Juan Luis Segundo continu-
ou com a temática dos condicionamentos atuais”. Porém acentuou com clareza a
diferença entre os condicionamentos iniciais da Teologia da Libertação e os que à
época do Encontro da Cidade do México estavam influenciando na reflexão. Com
isso marcou os limites da primeira e segunda etapas desta Teologia
451
.
O terceiro dia foi, sem dúvida, o cume de toda problemática proposta pelo
Encontro. A temática do programa propunha: Método teológico: problemática
atual na Europa e América Latina. Epistemologia e análise”. Desta forma, o ter-
ceiro dia centrou-se sobre o método teológico. De alguma maneira significou o
cume do Encontro, preparado pelo trabalho dos dias anteriores sobre os condicio-
namentos históricos e atuais da Teologia latino-americana. Por isso, as aportações
foram mais numerosas e densas. No painel deste dia tratou-se de explicitar os mo-
tores que impulsionam a fazer Teologia. A Europa se preocupa por dar significado
às coisas. A América Latina preocupa-se por enfrentar a realidade. Com isso já se
fala da “ruptura epistemológica” que pergunta pela condição do conhecer. Passa-
se da admiração como princípio do conhecer à dor. A questão do povo” também
apareceu, pois se afirmou que esteve ausente e só apareceu como objeto da Teolo-
gia e da ação eclesial, não como sujeito vital. Temas como o instrumental científi-
co, o lugar do povo, a tarefa da exegese, o desmascaramento das ideologias subja-
centes aos métodos, a passagem da ortodoxia à ortopraxis, a conflitividade na Te-
ologia, a práxis como cririo de verdade, e outros, foram muito debatidos.
Foi neste debate que tomou forma a questão do método. Os expositores da
parte da manhã tinham sido Luis del Valle, Leonardo Boff e Francisco Quijano. A
exposição deste último propiciou um debate forte, claro, incisivo. Agressivo sem
perder a serenidade. Luiz Alberto Gomez de Souza foi o primeiro a intervir assi-
nalando a irreconciliabilidade do discurso teórico de Leonardo Boff com o de
Francisco Quijano. Em seguida, Enrique Dussel assinalou a predeterminão no
Encontro para seguir um certo discurso teológico. O método é pensado após fazer-
se muita Teologia. A etapa do discurso sistemático, seguida pelo descobrimento
451
Cf. REDACIÓN, Cronica del Encuentro II, p.13.
de seus condicionamentos ideológicos, permite descobrir quando um discurso se
torna ideológico e quando se faz universal, neutro e pluralista e não comprometi-
do. Por isso, estando comprometido como pessoa no processo de libertação é
que se pode iniciar a interpretação do sistema criticado. A práxis é o anterior, é o
apriori da reflexão para que esta seja realmente cristã na América Latina. Desta
forma, pensar em um sistema teológico abstrato antes da práxis é colocar um pro-
blema teológico “praticamente inútil. Seria ideológico pois poderia ser utilizado
por todos e funcionaria perfeitamente. Jo Comblin, por sua vez, em sua inter-
venção, centrou-se no instrumental de Lonergan utilizado por Francisco Quijano.
Estes foram alguns dos questionamentos principais que motivaram uma
atividade importante nos grupos, fundamentalmente em torno à possibilidade de
um método universal, de sua apoliticidade e seus pressupostos implícitos ou ex-
plícitos. Na parte da noite, as exposições estiveram a cargo de Leonardo Boff, que
já tinha feito uma preleção na parte da manhã e Juan Alfaro. Este último enfocou
em sua exposição o problema do método teológico visto a partir da Europa
452
.
A temática do quarto dia “análise dos métodos teogicos na América
Latina: em sua leitura da Bíblia; em suas repercuses pastorais; ante a vida polí-
tica; no dlogo com as ciências sociais” viu-se reduzida a abordar o tema da pas-
toral na Teologia da Libertação. Casiano Floristán expôs “o método teológico da
Teologia pastoral” a partir de uma análise das tendências pastorais da época, das
concepções que respaldam tais tendências e, finalmente, intentou delinear os tra-
ços de uma Teologia prática da libertação. Posteriormente, Raúl Vidales apresen-
tou algumas linhas fundamentais da pastoral libertadora, contextualizadas dentro
de uma experiência concreta no Peru.
Imediatamente em seguida, sugeriu-se uma mudança de método, de forma
que todo o público pudesse aportar sua reflexão crítica e construtiva às duas expo-
sições. Desta forma se buscava que os painelistas não expusessem mini-palestras,
sem conexão e desvinculadas do tema central. Na sessão geral da parte da tarde,
se comprovou que não se conseguiu o objetivo quanto à preocupação chave: um
avanço crítico e construtivo. Pelo contrário, se voltou à temática do dia anterior,
sobretudo a respeito da possibilidade de assimilação das categorias da Teologia da
Libertação e a respeito da inter-relação entre ciências sociais e Teologia. O aporte
452
Cf. REDACIÓN, Cronica del Encuentro III, p.26-27.
mais significativo foi o que indicou uma lacuna que então havia na Teologia da
Libertação a respeito de uma Teologia Indigenista.
Na sessão noturna, as exposições estiveram a cargo de Raúl Vidales, que
também havia participado na parte da manhã, e José Comblin. Raúl Vidales
abordou os perfis da pastoral e evangelizão libertadoras” e José Comblin expôs
sobre “a nova prática da Igreja no sistema de Segurança Nacional”
453
.
Por fim, o último dia do Encontro foi dedicado a uma avaliação geral. O
Comitê organizador solicitou que alguns dos participantes “mais destacados” fi-
zessem uma avaliação, sendo dois a cada dia do Encontro. Sem dúvida, em tais
avaliações foi impossível reduzir-se ao fruto do dia indicado. Já se tinha, então,
uma panorâmica geral do Encontro. A riqueza deste dia foi “enorme”. Delinea-
ram-se os avanços conseguidos. Explicitaram-se as divergências. Aceitaram-se os
desafios e estabeleceram-se tarefas. Encerrando as avaliações do Encontro, o De-
legado Apostólico Mario Pio Gaspari procedeu sua avaliação e encerramento do
Encontro destacando que a renovão teológica contínua é um amplo sinal da vi-
talidade crescente da Igreja
454
.
3.2.4. Avaliações do Encontro da Cidade do México
A obra fonte para o estudo do Encontro da Cidade do México Liberación
y Cautiverio traz uma série de avaliações do Encontro da Cidade do México
455
.
No entanto, na avaliação que aqui se propõe o se leva em conta o que vem pro-
posto na obra fonte da pesquisa. Isto será considerado precisamente nos capítulos
em que se abordará sistematicamente o Encontro da Cidade do México. As avali-
ações que serão propostas, a seguir, encontram-se em entrevistas com participan-
tes do encontro, reproduzidas na revista mexicana CHRISTUS
456
. Com tal proce-
dimento, pretende-se recolher indicações de como foi vivenciado e acolhido o
Encontro,o tanto em seu conteúdo, mas em sua dinâmica e desenvolvimento.
Virgilio Elizondo destaca como o mais relevante do Encontro a percepção
de que a Teologia e o teólogo devem estar unidos à comunidade de fé. Segundo
ele, deu-se ênfase no Encontro à “conversão do teólogo à comunidade”. O teólogo
precisa viver realmente na comunidade, estar inserido na base e trabalhar nesta
453
Cf. REDACIÓN, Cronica del Encuentro IV, p.43.
454
Cf. REDACIÓN, Cronica del Encuentro V, p.53.
455
Cf. E.R. MALDONADO (Apr. e Introd.), Liberación y Cautiverio, p.555-590.
base para poder fazer Teologia. “De tudo o que saiu por aqui, é esta uma das coi-
sas mais importantes, porque senão tem o perigo de a Teologia da Libertação con-
verter-se em outro jogo acadêmico como aconteceu com outras Teologias
457
.
Rosino Gibellini, por sua vez, propõe que o Encontro foi muito importante
pois os principais representantes da Teologia da Libertação estiveram presentes.
Rosino Gibellini afirma ter notado que a Teologia da Libertação não é algo
escrito, é antes um movimento de Igreja. Portanto, traz uma “carga” de fé. Segun-
do ele, o europeu que lê algum texto da Teologia da Libertação entende conceitu-
almente as insncias da Teologia da Libertação. No entanto, não se dá conta de
que é um movimento de Igreja. Isto é bem diferente, por exemplo, da Teologia da
Esperança ou da Teologia Política. Estas são só uma “certa corrente” da Teologia.
Encontram-se em livros. Não existe nenhum movimento eclesial da Teologia
da Esperança e nem da Teologia Política. com a Teologia da Libertação, as
coisas são bem diferentes: antes da Teologia há um movimento eclesial
458
.
Arturo Rivera Damas
459
expressou satisfação por perceber que a Teologia
da Libertação tem continuidade. Arturo Rivera Damas dizia-se preocupado no
sentido de quem seriam os continuadores da Teologia da Libertação, quem seriam
os seguidores dos “pais da Teologia da Libertação”. O Encontro, segundo ele,
demonstrou que há forças novas, pessoas que há pouco eram desconhecidas e que
despontaram como qualificados continuadores da Teologia da Libertação. Em
segundo lugar, destaca que houve um avanço qualitativo na reflexão teológica da
Teologia da Libertação. Esclareceram-se vários aspectos que antes estavam “um
pouco obscuros”. Percebe-se com clareza que a Teologia da Libertação o é uma
“sociologia teologizada”, mas é de fato e realmente uma Teologia que sabe valer-
se dos aportes da Sociologia
460
. Já Sérgio Méndez Arceo
461
destaca que o Encon-
tro foi um grande momento histórico para o México, pois possibilitou a incorpo-
ração mais clara do México na Teologia da Libertação
462
.
456
Cf. CHRISTUS 40/479 (1975), p.5-70.
457
V. ELIZONDO, Hacia una Teología entre chicanos, p.6.
458
Cf. Rosino GIBELLINI, Teología de la Liberación, movimiento de Iglesia, p.9.
459
Bispo auxiliar de San Salvador quando da realização do Encontro da Cidade do xico.
460
Cf. Arturo Rivera DAMAS, Si hay continuadores de la Teología de la Liberación, p.21.
461
Bispo de Cuernavaca quando da realização do Encontro da Cidade do México.
462
Cf. S.M. ARCEO, Gran momento historico, p.37. Esta espécie de “distância” entre a Teologia
da Libertação e o México transparece com clareza na equipe editorial de CHRISTUS. Na apresen-
tação do número especial da revista referente ao Encontro de Teologia afirma-se: “impossível
fechar os olhos para a emergência de um impulso que não se pode conter no pensamento cristão
latino-americano. Para o México, o recém celebrado Encontro Latino-americano de Teologia foi
Luiz Alberto Gomez de Souza, analisando o Encontro de Teologia a partir
do ponto de vista das Ciências Sociais, propõe que durante os trabalhos do Encon-
tro foi-se percebendo melhor o que é a Teologia da Libertação na América Latina.
Não se trata de uma nova escola teológica, mas de uma nova forma de fazer Teo-
logia. O ponto de partida desta nova forma de fazer Teologia é a práxis das classes
populares e é em função e para esta práxis das classes populares que se faz Teolo-
gia. Suas raízes, seu lugar teológico, são as experiências concretas libertadoras
que se experimentam na base. Portanto, não é um pensamento acadêmico, mas
uma reflexão permanente que se cria e recria a partir da prática do Povo de Deus.
Isso exige um esforço permanente de adequação entre pensamento e ação, ambos
comprometidos e históricos. Esta Teologia tem que partir do processo histórico
concreto da América Latina, com suas diferenças nacionais, sociais, políticas e
culturais. É, ao mesmo tempo, Teologia do cativeiro, submergida em situões de
dominação. É Teologia da esperança e da libertação pois aponta para além de toda
dominação. Sua fidelidade é muito clara: busca a “manifestação do Espírito nos
pobres”. Isto implica uma opção política, uma opção vital que exige uma real
conversão teórica e exige colocar de lado categorias vazias e idealistas. Por isso,
“a Teologia da Libertação está em permanente revisão, em um processo histórico
que caminha”
463
.
Para Leonardo Boff, o Encontro foi um encontro de teólogos que buscam
uma linha de amor eficaz em nome de sua Igreja, de seus povos, de sua fé, para
ajudar no processo de libertação que é maior que as mesmas igrejas. Neste senti-
do, deu-se um passo decisivo: o Encontro de Teologia possibilitou que se deline-
asse uma opção mais nítida dos teólogos para assumir com seu trabalho teológico
essa linha que quer ser libertadora. Nesta perspectiva, a abordagem do método
teológico no Encontro tornou-se um instrumento eficaz para descobrir que Teolo-
gia se elabora: se é realmente uma Teologia da Libertação ou se é uma Teologia
um momento chave. Porque assinalou a distância existente entre o pensar ao sul de nossa fronteira
e o pensar em nosso país”. Já na Introdução ao Caderno propõe que “a percepção de que a Teolo-
gia da Libertação chegou com atraso ao México era bastante generalizada antes do Encontro Lati-
no-americano de Teologia”. E vai além na tentativa de dar uma razão para esta distância: “A dis-
tância entre os movimentos sócio-políticos mexicanos e os do resto da América Latina estão expli-
cando a distância entre o movimento teogico mexicano e o latino-americano”. Cf. a Apresenta-
ção e a Introdução ao Caderno sobre o Encontro Latino-Americano de Teologia. Em: CHRISTUS
40/479 (1975), p.3 e 5-6, respectivamente. Confira também a apresentação dos resultados do En-
contro em: E.R. MALDONADO (Apr. e Introd.), Liberación y Cautiverio, p.11.
463
Luiz Alberto Gomez de SOUZA, Una nueva forma de hacer Teología, p.42.
que usa a palavra semântica libertadora, porém que não tem nenhuma opção de
fundo pelo processo de libertação. Preocupa-se, portanto, mais pela Teologia da
Libertação do que pela própria libertação, mais com a eclesiologia do que com a
Igreja; mais com análises das mudaas do que com as próprias mudanças
464
.
Vicente Leñero afirma que o Encontro de Teologia possibilitou-lhe ver a
Teologia da Libertação encarnada. Para ele houve um apoio decidido e um con-
senso em favor da Teologia da Libertação. As divergências tiveram que ficar à
margem “precisamente pela importância histórica que tem uma Teologia frente a
outra”. As diferentes posturas, estranhas ou contrárias à Teologia da Libertação,
ficaram deslocadas “pois não tinham possibilidade de defender-se ante algo que é
tão real como a situação histórica que se está vivendo na América Latina”
465
.
Essas avaliações indicam alguns aspectos que serão exaustivamente apro-
fundados em momento oportuno desta pesquisa, que por ora, apenas são destaca-
dos: O Encontro da Cidade do México contribuiu para que a Teologia da Liberta-
ção desse passos significativos rumo à sua consolidação metodológica.
3.2.5. Avanços do Encontro da Cidade do México em relação ao
Encontro de El Escorial
Quais foram os avanços ocorridos entre o Encontro de El Escorial e o En-
contro da Cidade do México para o crescimento e consolidação da Teologia da
Libertação? A resposta a esta questão será objeto central das reflexões finais desta
pesquisa, após a análise e estudo dos dois Encontros, e pretende ser uma das con-
tribuições deste estudo na compreensão da Teologia da Libertação e no lugar dado
à relação Teologia e História por esta mesma Teologia. O que se pretende agora é
retratar indicações de dois participantes do Encontro do México que possam ser-
vir, por ora, como contributo para essa introdução sobre o referido Encontro.
Casiano Floristán, indagado sobre o que achava do Encontro do México
em comparação com o de El Escorial, propõe que houve progresso. Isto mais da
parte dos conferencistas do que dos participantes. Em El Escorial, os participantes
espanhóis não tinham um conhecimento real da Teologia da Libertação, porém,
tampouco tinham um condicionamento de posicionar-se contra ela. Devido à situ-
ação política espanhola do período, havia uma sensibilidade de base para aceitar
464
Cf. Leonardo BOFF, Deltodo al contenido, p.50.
465
Vicente LEÑERO, Autocritica eclesial,, p.52.
reflexamente o que é a Teologia da Libertação. Já no Encontro do México, por ser
a Teologia da Libertação uma Teologia latino-americana, muita variedade nos
participantes. Alguns conhecem a Teologia da Libertação, outros posicionam-se
contra ela, por diversos interesses. Parece que colocar o problema dos métodos
desta Teologia supõe um grau de maturidade, por ser esse um problema mais c-
nico. Tal maturidade esteve presente nos participantes e conferencistas. Isto supõe
um grau de consciência maior, coisa que em El Escorial era ainda impenvel. Por
fim, para Casiano Floristán, aparece um ponto de grande importância no Encontro
do México: Uma Teologia da Libertação não deve ter em conta o mundo in-
dígena, mas tem de partir do mundo indígena. Isto me pareceu novo”
466
.
Enrique Dussel, interrogado sobre a diferença ou progresso entre o En-
contro de El Escorial e do México, propõe que neste último constatou-se um au-
mento quantitativo e qualitativo. Um aumento qualitativo pois no tempo que sepa-
ra El Escorial do Encontro da Cidade do México todos os teólogos que estiveram
em El Escorial continuaram trabalhando, escrevendo, sofrendo e aumentando sua
experiência. Houve um crescimento qualitativo pois em 1972 se estava no “fim da
euforiae nas mudanças do CELAM, a partir de Sucre. O futuro parecia nublado,
sem se saber como proceder. Já na reunião do México, graças à proposta e experi-
ência dos brasileiros, se falou com clareza de que se é verdade que a etapa de
1968-1972 foi de euforia, de 1972 em diante começa uma longa etapa de exílio e
cativeiro. Desta forma, a Teologia da Libertação ganha um tema importantíssimo:
o tema do cativeiro e do exílio. Em muitos países da América Latina, a Igreja vive
em estado de perseguição. Aos poucos esta Igreja vai se adaptando. Não é pura
Igreja do silêncio, ela torna-se uma Igreja ativa no cativeiro. Nestas circunstân-
cias, a Teologia da Libertação pode formular estrategicamente a libertação como
objetivo e pode aprender taticamente a viver no cativeiro. Isso faz com que não se
perca nenhum dos dois níveis: nem a esperança e nem a inteligência ou prudência
para saber taticamente viver dentro do equívoco do cativeiro em alianças, às vezes
obrigadas, com aquilo que não é perfeito, mas que faz com que as coisas sejam
possíveis. Desta forma, segundo Enrique Dussel, este é o crescimento qualitativo
fundamental: a Teologia da Libertação tem um horizonte muito mais aberto por-
que é mais real.
466
Casiano FLORISTÁN, El problema del método, mas maduro, p.16.
Mas, por outro lado, o Encontro da Cidade do México representa também
um progresso quantitativo em relação a El Escorial. Este aumento quantitativo
consiste nos novos teólogos que se fazem presentes no Encontro do México. Enri-
que Dussel cita Leonardo Boff, Ronaldo Muñoz, Raúl Vidales, Luis del Valle,
Ignácio Ellacuría e Jon Sobrino. Isto configura uma equipe muito mais importante
pelo fato de ser em bom número e serem todos jovens teólogos, que terão muito
tempo de estudo e pesquisa pela frente. Além disso, no Encontro do México co-
meça-se a organizar o trabalho teológico de uma maneira mais coerentemente e
sistemática para se começar a produzir trabalhos em equipe
467
.
Em conclusão, pode-se dizer que o Encontro do México significou um
passo importante para a consolidação metodológica da Teologia da Libertação.
Foi um momento oportuno que a Teologia da Libertação teve para auto-avaliar-se
criticamente, para confrontar seu método com modos distintos de fazer Teologia
e, por fim, para reconhecer, analisar e aprofundar os condicionamentos de várias
naturezas implicados na sua reflexão teológica. Com isso, o Encontro do México
também serviu, segundo a hipótese desta pesquisa, a ser averiguada pela análise
sistemática do conteúdo teológico resultante deste encontro, para aprofundar e
esclarecer o significado da História latino-americana para o fazer teológico e, ao
mesmo tempo, serviu para uma autocrítica sobre o papel da Teologia na situação
histórica de cativeiro que a América Latina então vivia.
3.3. Outros Encontros significativos para a Teologia da Libertação
Latino-americana
Além dos encontros retratados acima ocorreram vários outros que também
contribuíram para o nascimento e consolidação da Teologia da Libertação. Embo-
ra sejam menos significativos em termos de participação, por serem situados regi-
onal ou localmente, não o são em termos de conteúdo e profundidade de suas a-
bordagens. E se constituem em importante testemunho, por um lado, de como foi
germinada e nasceu a Teologia da Libertação: ela não é fruto de algum “teólogo
iluminado, mas é expressão de uma caminhada comunitária, de uma comunidade
de conhecimento que se constituiu a partir dos desafios da realidade social, políti-
ca, econômica, cultural e religiosa da América Latina. Nos erros e acertos, sempre
potencializados pela urgência do momento e do processo hisrico latino-
467
Cf. Enrique DUSSEL, Del Escorial a Mexico, p.57-58.
americano, deixou-se interpelar pela realidade e buscou responder a estes desafios
na esperança de transformar o real, rumo ao ser humano novo e à sociedade nova.
Por outro lado, estes vários encontros também são testemunho da dinâmica e efer-
vescência teológica que emergiu na América Latina a partir do início dos anos 60.
Esta dinâmica e efervescência é propiciada pelo contexto teológico inter-
nacional, pelas novas sensibilidades teológicas e político-sociais, pelo diálogo
estabelecido com as Ciências Sociais e Humanas, pelo pulsar crescente do diálogo
ecumênico, pelos impulsos provindos do Vaticano II e, posteriormente de Medel-
lín, pelos avanços na exegese e hermenêutica, pela nova leitura bíblica, pela e-
mergência de uma Sociologia latino-americana, e, principalmente, pela percepção
crescente e, de certa forma comum nos participantes destes encontros, de que a
América Latina, com sua profunda desigualdade, pobreza, miséria, dominação,
exploração e espoliação, mas também cristã, exige uma Teologia coerente, dinâ-
mica e original. Exige uma Teologia que seja capaz de iluminar o compromisso
cristão cada vez mais imerso numa prática libertadora e transformadora da reali-
dade. E certamente esta Teologia não pode partir de uma pura transmissão ou tra-
dução de verdades reveladas, mas precisa encarnar-se na História e, a partir do
compromisso dos cristãos no processo revolucionário de libertação latino-
americano, deixar-se afetar por ele e buscar refletir, a partir da fé, sobre este com-
promisso e sobre como iluminá-lo de forma evangélica, libertadora e autentica-
mente cristã. É desta forma que a grande variedade e quantidade de Encontros
Teológicos, distintos em seus resultados, abrangência, discussões e conteúdo,
tornou-se uma espécie de laboratório para uma Teologia que parte da realidade
latino-americana, interpreta à luz da esta realidade, e busca iluminar a ação e
compromisso cristão na transformação desta realidade.
As indicações que serão feitas a seguir pretendem unicamente relatar a
existência destes Encontros
468
compreendidos como um duplo testemunho do con-
texto da emergência da Teologia da Libertação latino-americana: de seu caráter
comunitário e da efervescência teológica propiciada pelo desafio da realidade so-
cial, política, cultural, econômica, eclesial e teológica.
Encontro do México (24-28 de novembro de 1969): Congresso de Teologia sobre
o tema Fé e desenvolvimento. Publicação: Sociedad Teológica Mexicana, Me-
468
“Encontros” aqui são tomados de forma ampla: compreende encontros, propriamente ditos, mas
também, assembléias, simpósios, cursos, debates, mesas redondas e palestras.
ria del Primer Congreso Nacional de Teología: y Desarollo I-II. México: Edi-
ciones Alianza, 1970
469
. O Encontro teve a presença de mais de oitocentos parti-
cipantes. É neste encontro que, segundo Enrique Dussel, desponta a figura do
teólogo mexicano Luis del Valle
470
.
Encontro de Bogo(6-7 de março de 1970): Reunião de nível internacional. Teve
a presença de quase 500 participantes. Este simpósio teve por título Liberación:
opción de la Iglesia en la década de 70. Publicação: Liberación: opción de la I-
glesia en la década de 70,I-II. Bogotá: Editora Presencia, 1970
471
. O primeiro vo-
lume é preparatório, o segundo contém as exposições apresentadas no encontro.
Entre os expositores deste encontro estavam Gustavo Gutiérrez e J. Hernández, F.
Hinkelammert e outros.
Encontro de Buenos Aires (3 a 6 de agosto de 1970). Promovido pelo Departa-
mento de Estudos do ISAL, este encontro reuniu aproximadamente 20 teólogos.
Publicação: as intervenções dos teólogos participantes foram publicadas em: Fi-
chas de ISAL 26 ( 1970); Cristianismo y Sociedad 23-24 (1970)
472
.
Encontro de Teólogos de Córdoba Argentina (novembro de 1970): Grupo de
teólogos e alguns bispos se reúnem para um encontro com finalidade “teológico-
científica e lançam a idéia de fundar a “Associação Argentina de Teólogos”
473
.
Encontro de Bogotá (24-26 de julho de 1970): Segundo Encontro sobre Teologia
da Libertação. Publicação: publicações parciais encontram-se editadas no Boletim
dirigido por G. Pérez: Teología de la Liberación, Bogotá, 1970
474
. As exposições
deste encontro se ocuparam sobretudo com o ponto de partida da Teologia da Li-
bertação: o subdesenvolvimento como forma de dependência
475
.
469
As indicações bibliográficas são de Enrique DUSSEL, Caminhos de Libertação Latino-
americana: história, colonialismo e libertação, p.119, nota 65.
470
Cf. Id., Teologia da Libertação, p.69. A Revista mexicana CHRISTUS publicou uma série de
documentos, artigos e avaliações referentes a este Congresso. Cf.: CHRISTUS 35/1 (1970) p.4-6;
54-86; 128-133; 316-319; 404-407. Destacam-se as Conclusiones del primer Congreso Nacional
de Teología, p.174-225.
471
Indicações bibliográficas de: E. DUSSEL, Caminhos de Libertação Latino-americana: história,
colonialismo e libertação, p.119, nota 65.
472
As indicações bibliográficas são de Enrique Dussel, cf.: Ibid., p.119, nota 65.
473
Cf. Id., Historia de la Iglesia en América Latina, p.285.
474
As indicações bibliogficas são de: E. DUSSEL, Caminhos de Libertação Latino-americana:
história, colonialismo e libertação, p.119, nota 65.
475
Cf. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.38.
Encontro de Biblistas de Buenos Aires (julho de 1970): Neste encontro um grupo
de biblistas debateu sobre o tema “Êxodo e Libertação”. Publicação: os trabalhos
foram publicados parcialmente pela Revista Bíblica n.139 do ano de 1970
476
.
Encontro de Ciudad Juárez México (16-18 de outubro de 1970). Trata-se de um
Seminário de Teologia da Libertação. Este seminário contou com a presença de
Harvey Cox e outros teólogos internacionais. Publicação: os trabalhos deste Se-
minário foram mimeografados e podem ser obtidos no Centro IDOC Roma
477
.
Segundo Hugo Assmann, entre os textos divulgados há alguns que “imediatamen-
te” começaram a circular por “toda a América Latina”
478
.
Simpósio de Teologia e Curso Pastoral de Oruro Bolívia (2-19 de dezembro de
1970). Trata-se de um curso pastoral sobre a Teologia da Libertação. Segundo
Hugo Assmann, deu-se importância central ao tema da Teologia da Libertação,
com nove exposições sobre o assunto
479
.
Encontro de Teólogos de Buenos Aires (junho de 1971). Este encontro foi organi-
zado pela Secretaría de Estudios de ISAL. Teve como tema geral La labor teoló-
gica en un contexto de liberación. Entre seus participantes estão: Hugo Assmann,
Luis N. Rivera Pagán, Pedro Negre Rigol, José Míguez Bonino, Emilio Castro,
José Severino Croatto, Julio de Santa Ana, Noel Olaya. Publicação: grande parte
dos trabalhos apresentados no encontro encontram-se em: Hugo Assmann et alii.
Pueblo Oprimido, Señor de la Historia. Montevideo: Tierra Nueva, p.155-270.
Mais detalhes sobre este encontro podem ser verificados nas apresentações pro-
postas por Hugo Assmann p.7-17 e 155-159.
Encontro de Teologia de Bogotá (26-31 de julho de 1971). Publicação: Liberación
en América Latina. Encuentro teológico, Bogotá, Julio/1971. Bogotá: Editora
476
As indicações bibliográficas são de: E. DUSSEL, Teologia da Libertação, p.70, nota 135. Nes-
ta nota Dussel também apresenta uma rie de artigos blico-teológicos, sem contudo, deixar
claro se estes artigos são fruto do Encontro de Biblistas.
477
As indicações bibliogficas são de: E. DUSSEL, Caminhos de Libertação Latino-americana:
história, colonialismo e libertação, p.119, nota 65.
478
Cf. H. ASSMANN, Teología desde la práxis de liberación, p.38. Na nota 18 Assmann retrata
alguns dos textos mimeografados que afirma terem circulado pela América Latina.
479
Cf. Ibid., p.38.
América Latina, 1971
480
. Entre os teólogos presentes neste encontro estão Juan
Luis Segundo e Hugo Assmann
481
.
III Asemblea Continental del ISAL Lima (julho de 1971). Publicação: O Isal
publicou os textos de reflexão e as conclusões desta assembléia com o título: A-
mérica Latina: movilización popular y fe cristiana
482
.
Semana Acadêmica de Buenos Aires (14-17 de agosto de 1971): trata-se da sema-
na acadêmica sobre Dialética da Libertação Latino-americana. Neste encontro
procura-se relacionar a Teologia com a filosofia da libertação partindo-se da inter-
rogação: que função compete ao pensamento filosófico e teológico no processo de
libertação latino-americano? Esta Semana Acadêmica nasceu da consciência de
que também ao pensamento filosófico compete dar seu aporte, como pensamento
crítico e comprometido, ao processo de libertação. Entre os participantes encon-
tram-se O. Ardiles, Hugo Assmann, Héctor Borrat, Enrique Dussel, Juan Carlos
Scannone e Lúcio Gera. Publicação: O conteúdo das exposições, das discussões
plenárias e do trabalho dos grupos, precedido por uma apresentação de Juan Car-
los Scannone, foi publicado pela revista argentina Stromata 28 (1972) 3-193
483
.
Segunda Semana Argentina de Teologia Córdoba (2-5 de novembro de 1972).
Com o tema e Política a semana foi organizada pela Sociedad Argentina de
Teología. Estiveram presentes mais de 50 professores de Teologia. Participaram
com exposições teólogos como J.C. Scannone, J.P. Martín e E. Dussel
484
.
Esses Encontros não são os únicos ocorridos no período em questão. Ape-
nas foram retratados a título de informação e como testemunhos da efervescência
teológica latino-americana de fins da década de 60 e início da década de 70. En-
contros que também são testemunhos da comunitariedade e eclesialidade com que
480
As indicações bibliográficas são retiradas de: H. ASSMANN et alii, Pueblo Oprimido, Señor de
la Historia, p.16, nota 3.
481
Em H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.103-119 encontram-se partes das
exposições de Assmann apresentadas nos Encontros de Teologia de Buenos Aires (Junho de 1971)
e Bogotá (Julho de 1971).
482
Quem faz referência a esta assembléia do ISAL é H. Assmann, em: Pueblo Oprimido, Señor de
la Historia, p.16-17. H. Assmann não reporta nesta indicação mais detalhes desta assembléia e da
publicação de seus textos.
483
As indicações bibliogficas são de: E. DUSSEL, Caminhos de Libertação Latino-americana:
história, colonialismo e libertão, p.119, nota 65. Confira também: Id., Teologia da Libertação,
p.78, nota 157. Sobre as origens de uma “filosofia da libertação” latino-americana confira: Id.,
Filosofia da Libertação. Crítica à ideologia da exclusão, p.13-24.
484
Confira uma breve crônica desta Semana em: J.C. SCANNONE, Segunda Semana Argentina
de Teología: Fé y Política. Em: STROMATA 28 (1972) 607-608.
foram se constituindo, urgidas pela dinâmica própria do processo histórico latino-
americano, as bases da Teologia da Libertação latino-americana.
Concluindo este item em que se procurou retratar aspectos introdutórios
aos Encontros de El Escorial (1972) e da Cidade do México, bem como apresentar
sumariamente outros encontros, pode-se dizer que eles foram um espaço privile-
giado. Por um lado, estes encontros apresentam-se como fórum de partilha e troca
de conhecimentos que possibilitaram um crescimento comum na consciência da
realidade social, política, econômica, cultural e religiosa da América Latina. Pode-
se dizer que estes encontros foram um tempo oportuno em que o desafio lançado
pelo processo histórico latino-americano ganhou relevância para seus participan-
tes. Foram um momento para conhecer, refletir e debater sobre a constituição do
acontecer histórico latino-americano.
Emerge deste espaço uma consciência cada vez mais viva de que a Améri-
ca Latina vive uma situação histórica de dominação, exploração, espoliação, injus-
tiça, pobreza, miséria, que mantêm a grande maioria do povo latino-americano
dominado pela dependência e subdesenvolvimento. Ao mesmo tempo, emerge a
consciência de que a partir de fins da década de 50 algo está mudando na América
Latina. E essas mudanças se dão com a participação dos cristãos. A irrupção do
processo revolucionário de libertação deixa-se conhecer e sentir com força cres-
cente rumo a uma sociedade e a um ser humano novos. Esta é, nas categorias des-
ta pesquisa, a dinâmica do acontecer histórico. É a História que ganha espo e
lugar para os teólogos e pastoralistas.
Mas, por outro lado, os encontros de Teologia também contribuíram como
espaço de partilha, troca e reflexão para que aflorasse com radicalidade a crucial
pergunta: que Teologia é relevante para a realidade latino-americana? Que pasto-
ral é caminho para a Igreja contribuir na transformação da realidade latino-
americana? Como a Teologia e a pastoral podem contribuir para um autêntico
testemunho evangélico e cristão no contexto da América Latina? Desta forma os
encontros de Teologia foram um espaço privilegiado para que os teólogos e pasto-
ralistas latino-americanos, urgidos pelo desafio do tempo e do acontecer histórico
latino-americano, fossem descobrindo que só teria relevância para a realidade so-
cial, política, cultural, econômica e religiosa latino-americana uma Teologia que
partisse da consideração séria e profunda desta realidade. E mais, que partisse do
que vinha acontecendo na realidade para que esta fosse transformada: o com-
promisso revolucionário libertador. Afirma-se, portanto, que os Encontros Teoló-
gicos foram espaço de grande imporncia para a consciência da relevância teoló-
gica da Hisria rumo a uma Teologia que pretende ser historicamente relevante.
4. O papel da relevância teológica da História e da relevância
histórica da Teologia na afirmação da originalidade da Teologia da
Libertação
Qual é o lugar da questão da relevância teológica da História e da relevân-
cia histórica da Teologia na afirmação da originalidade da Teologia da Libertação
latino-americana? Conforme a hipótese desta pesquisa, este lugar é de destaque e
determina a própria configuração metodológica presente nos Encontros de El Es-
corial e da Cidade do México. Tendo em vista a importância da temática para esta
pesquisa, pretende-se neste item, ainda em caráter introdutório, trazer algumas
indicações de como a preocupação dos primeiros teólogos da libertação pela reali-
dade histórica latino-americana, e por uma Teologia que fosse relevante para essa
realidade, contribuiu para a afirmação de uma Teologia original. Trata-se de veri-
ficar o lugar da problemática da mútua relevância entre Teologia e História no
nascimento da Teologia da Libertação. Para essa verificação procurar-se-á descre-
ver a tomada de posição da nascente Teologia da Libertação frente às outras for-
mas de Teologia com as quais esta dialogou
485
. A partir desta descrição, o que
485
Este diálogo não se estabeleceu com toda Teologia, mas sim com aquela parte da Teologia
cristã mais aberta às novas sensibilidades teológicas emergentes no século XX, genericamente
chamada de “Teologia progressista” e, de modo especial, com a Teologia da Esperança e Teologia
Potica. Este ramo da Teologia do século XX é o que mais encara os desafios da modernidade ao
pensamento teológico e é influenciado, na Teologia católica, pela crise modernista e, na Teologia
protestante, pela Teologia Liberal. Cf. E. VILANOVA, Teologias e Teólogos do culo XX. Em:
C. FLORISTÁN; J. TAMAYO-ACOSTA (Dir.), Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cris-
tianismo, p.828-833. Os principais movimentos ou modelos que marcam essa Teologia são: pes-
quisa histórico-crítica da Bíblia; a hermenêutica de Schleiermacher, Dilthey e Gadamer juntamente
com a estilização existencial a que procedeu Bultmann, apoiando-se no jovem Heidegger; o to-
do transcendental de Kant no uso que dele faz Karl Rahner com enfoque de metafísica do ser e do
espírito; e, por fim, a orientação de projetos teológicos influenciados pela atribuição de verdade à
praxis por Marx. Cf. W. KERN, Teologia. Em: P. EICHER (Dir.), Dicionário de Conceitos Fun-
damentais de Teologia, p.856-862. Para uma descrição mais completa sobre a Teologia do Século
XX e seus representantes veja: R. GIBELLINI, A Teologia do Século XX. o Paulo: Loyola,
1998; B. MONDIN, Os grandes teólogos do século XX. São Paulo: Paulus/Teológica, 2003. Esta
é uma caracterização muito generalizada da Teologia progressista. A indicação genérica de Teo-
logia progressista, no entanto, tem o risco de não deixar ver as particularidades. No que diz respei-
to às relações entre a Teologia Política, Teologia da Esperança e Teologia da Libertação Latino-
americana, Jürgen Moltmann chama à atenção de que a própria Teologia Política, ramo ao qual ele
proe pertencer a sua Teologia da Esperança e a Teologia Política de Johann Baptist Metz, não se
identifica com a Teologia progressista que ele denomina como sendo a Teologia protestante liberal
ou a Teologia católica modernista. Afirma: As diferenças e conflitos entre minha pessoa e o apo-
na Teologia da Libertação latino-americana, segundo alguns de seus primeiros
autores, que lhe confere especificidade e originalidade?
Hugo Assmann e Gustavo Gutiérrez, entre os primeiros autores da Teolo-
gia da Libertação, destacam-se no sentido de buscar demarcar as fronteiras entre a
nascente Teologia latino-americana e a Teologia européia. A partir de Teologia da
Libertação
486
de Gustavo Gutiérrez e Teología desde la praxis de la liberación
487
de Hugo Assmann, suas principais obras do período, pode-se indicar em que con-
siste tais fronteiras e o papel da mútua relevância na demarcação delas.
Para Gustavo Gutiérrez, a Teologia é reflexão crítica da práxis histórica à
luz da palavra. Esta reflexão tem como ponto de partida e como contexto a práxis
histórica. Mas em que consiste esta reflexão crítica? Consiste, primeiro, no com-
promisso e no dever de a Teologia ser um pensamento crítico a si mesmo e a seus
fundamentos, consciente de si, em plena posse de seus instrumentos conceituais.
Mas a Teologia como reflexão crítica consiste também numa atitude crítica e lúci-
da com relão aos condicionamentos econômicos e socioculturais da vida e re-
flexão da comunidade cristã. E mais, a reflexão crítica é tomada por Gustavo Gu-
tiérrez como “teoria de determinada prática”. Desta forma, a reflexão teológica é,
necessariamente, uma crítica da sociedade e da Igreja enquanto convocadas e in-
terpeladas pela Palavra de Deus. Ela é teoria crítica à luz da palavra aceita na ,
animada por intenção prática, portanto, indissoluvelmente unida à práxis históri-
ca
488
. E em que consiste a práxis histórica? Consiste na vida da Igreja no mundo,
nos compromissos que os cristãos, impelidos pelo Espírito e em comunhão com
outras pessoas, vão assumindo na História. Para Gustavo Gutiérrez, neste aspecto,
é preciso conceder especial atenção à participação dos cristãos no processo de
logeta protestante Wolfhart Pannenberg (que seria um representante da Teologia protestante libe-
ral, segundo Moltmann), ou entre o teólogo político Johann Baptist Metz e o pós-modernista pro-
gressista Hans ng, são blicos e notórios. Estes não só nunca participaram em nossos movi-
mentos e conflitos, mas também, repetidas vezes, nos combateram (...). A Teologia liberal foi e é a
Teologia da burguesia dominante (...). A Teologia política no Primeiro Mundo foi sempre crítica
frente às auto-justificações dos dominadores (...). A Teologia política buscou em todo momento
falar a favor das vítimas do poder e ser voz dos mudos ante a opinião pública”. J. MOLTMANN,
Teología Política y Teología de la Liberación, p. 498. Cf. todo o artigo em: CARTHAGINENSIA
8 (1992) 489-501.
486
Segue-se aqui a tradução portuguesa em sua quinta edição: Petrópolis: Vozes, 1985.
487
H. ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación. Salamanca: Sígueme, 1973.
488
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.23.
libertação, “fato mais significativo de nosso tempo, que toma peculiaríssima colo-
ração nos países chamados de Terceiro Mundo”
489
.
Este modo de proceder é o que possibilita a desejada e necessária Teologia
em perspectiva latino-americana. E a raiz geradora desta Teologia não é um frí-
volo pruridode originalidade, mas sim o elementar sentido de eficácia histórica.
Nisto a Teologia contribui para a vida e a reflexão de toda a comunidade cristã.
Portanto, pode-se afirmar que a Teologia parte, nesta perspectiva, da práxis histó-
rica para ter eficácia hisrica, parte da realidade para ser relevante no real, parte
da História para ser historicamente relevante na transformação desta História.
Nesta tarefa, a Teologia como reflexão crítica sobre e a partir da práxis
libertadora não vai a reboque da realidade, mas ilumina-a antecipando-lhe o futu-
ro. Pois o presente da práxis libertadora está, em seu âmago mais profundo, pre-
nhe de futuro, sendo a esperança parte do compromisso presente na Hisria. A
Teologia explicita e interpreta este futuro e esta esperança como o verdadeiro sus-
tentáculo da Hisria. Com isso a Teologia não cria futuro no presente e nem es-
perança, mas desentranha nas realidades presentes, no movimento da História, o
que impele o ser humano para o futuro. “Refletir a partir da práxis histórica liber-
tadora é refletir à luz do futuro em que se crê e se espera, é refletir com vistas a
uma ação transformadora do presente”
490
.
Enfim, nesta perspectiva, a Teologia da Libertação, como reflexão crítica
da práxis hisrica, não é um novo tema para a reflexão teológica. É, muito mais
um novo modo de fazer Teologia: é Teologia libertadora, é Teologia da transfor-
mação libertadora da História e da própria Igreja, parte e integrante desta História.
É uma Teologia que pensa o mundo, mas que vai além disso, procura situar-se
como um momento do processo através do qual o mundo é transformado. E o faz,
abrindo-se ao dom do Reino de Deus, através do protesto ante a dignidade huma-
na pisoteada, através da luta contra a espoliação das grandes maiorias, através do
amor que liberta, através da construção de uma nova sociedade, justa e fraterna
491
.
Para Gustavo Gutiérrez, a Teologia da Libertação precisa partir de uma
práxis específica. Trata-se da presença e ação dos cristãos, em solidariedade com
outras pessoas, no mundo presente, particularmente na perspectiva de sua partici-
489
G. GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.26.
490
Ibid., p.27.
491
Cf. Ibid., p.27.
pação no processo de libertação que se opera na América Latina. Isso implica di-
zer que falar em Teologia da Libertação é buscar explicitar a relação existente
entre salvação cristã e o processo histórico de libertação do ser humano, portanto,
entre fé e existência humana, entre e realidade social
492
. As diferentes respostas
dadas no passado a essa relação, embora ainda vigentes de vários modos, pare-
cem não satisfazer a situação teológico-pastoral na realidade latino-americana
493
.
Por um lado, na América Latina emerge uma nova consciência da realida-
de de opressão, dominação e espoliação do continente e, por outro, junto com essa
nova consciência da realidade, vem também uma nova presença dos cristãos junto
aos movimentos que expressam e vivem esta nova consciência. A nova consciên-
cia faz emergir o processo revolucionário de libertação. A emergência deste pro-
cesso ganha força e configuração com a participação crescente dos cristãos no
mesmo. Esse contexto - de dimensões sociais, políticas, econômicas, culturais e
religiosas - coloca questões decisivas à Teologia e à pastoral latino-americanas.
Em que consiste o fazer teológico neste contexto latino-americano? Qual é a mis-
o da Igreja nesta situação concreta? O compromisso com o processo histórico
de libertação torna-se, neste contexto latino-americano de opressão, dominação,
espoliação e dependência, sinal de uma autêntica pastoral evangélica. A interpre-
tação teológica que parte deste compromisso de grupos cristãos com a transfor-
mação da realidade torna-se a Teologia mais relevante e significativa para a cons-
trução de uma nova sociedade e para que a Igreja seja sinal e presença antecipado-
ra do dom do Reino de Deus prometido
494
.
Enfim, a Teologia da Libertação que procura partir do compromisso para
abolir a situação de injustiça, miria, dominação, opressão e espoliação, e cons-
truir uma nova sociedade, deve ser verificada pela prática desse compromisso,
pela participação ativa e eficaz na transformação da Hisria. É Teologia a partir,
na e para a América Latina. É Teologia a partir da História para transformar a
História. Metodologicamente, falar em tal Teologia significa afirmar a tua re-
levância entre Teologia e História. Significa afirmar um contínuo ‘círculo herme-
nêutico’ que, partindo da História e em círculos sucessivos, faz da Teologia uma
instância crítico-construtiva do real e, ao mesmo tempo, faz do real novo ponto
492
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Teologia da Libertação, p.47-54.
493
Cf. Ibid., p.55-72.
494
Cf. Ibid., p.73-120.
de partida para a reflexão teológica, rumo ao ser humano novo e à sociedade nova,
em contínua transformação até que se cumpra a plenificação em Deus.
Hugo Assmann indica a originalidade da Teologia da Libertação partindo
de uma comparação com a Teologia política européia
495
. Hugo Assmann acentua
o esforço por delimitar o essencial das noções básicas necessárias para refletir
sobre a dimensão histórico-política do compromisso cristão. Parte da afirmação de
que a clássica Teologia política européia quer ser justificação teológica da “razão
de estado”, com clara função ideológica de legitimar o status quo. É a Teologia da
“epifaniade Deus nas instituições. Já a nova Teologia política, cujos represen-
tantes principais são Jürgen Moltmann e Johann Baptist Metz, caracteriza-se teo-
logicamente por: propor-se a ser um corretivo crítico às tendências de privatização
da na Teologia; sublinhar fortemente a dimensão política da fé, introduzindo
suas categorias básicas (graça, salvação, pecado, redenção...) dentro da amplitude
dos processos históricos; refletir em termos novos a relação teoria-práxis; conce-
ber a Igreja como instituição de crítica social, como instituição de liberdade crítica
da fé; resgatar, na história do cristianismo e na mensagem cristã, a “memória pe-
rigosa”, os conteúdos “subversivos”, os gritos de esperança frustrada.
No entanto, segundo Hugo Assmann, mesmo reconhecendo que as intui-
ções básicas desta nova Teologia política tenham uma grande importância, é pre-
ciso reconhecer que perdeu-se, nas inúmeras discussões que emergiram a partir
das colocações iniciais e nos esclarecimentos e subdistinções teóricas a que esteve
sujeita, o pathos inicial. A nova Teologia política aceitou ingenuamente as regras
do jogo da discussão com posições reconhecidamente reacionárias. Além disso, o
conteúdo sócio-analítico é vago mesmo em relação à situação do mundo opulento,
porém, muito mais, em relação às urgências do Terceiro Mundo. Erro fundamen-
tal desta Teologia política é, segundo H. Assmann, o fato de que J.B. Metz, por
exemplo, tenha voltado à ideologia da distinção e separação entre ética potica e
Teologia política. Com isso distanciou-se do contexto concreto da práxis
496
.
Partindo da constatação de que toda ação humana, mesmo a mais privada,
tem uma dimensão social e política, Hugo Assmann descreve a ação política como
495
Segue-se aqui o primeiro artigo de H. Assmann reproduzido em Teología desde la praxis de
liberación, p.15-26. Este é de 1970 e foi redigido como resumo da conferência para a Assembléia
do Clero de Montevidéu (1 de outubro de 1970) e anteriormente publicado em: VIDA
PASTORAL [Montevidéu] 21 (1970) 16-25; e em: PERSPECTIVAS DE DIÁLOGO 50 (1970)
306-312. Cf. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.15, nota 1.
o atuar segundo as responsabilidades descobertas pela consciência política
497
, que
conscientiza sobre as implicações concretas da essencial dimensão política de toda
ação humana. É, portanto, a assunção efetiva do caráter histórico da existência
humana. Isto tem conseqüências para a Teologia política: uma Teologia da práxis
histórico-política só é possível à medida que se relaciona com a ética da mudança
e encara a ação política como ação transformadora da sociedade
498
.
Aqui emerge o primado do político como expressão da tomada de consci-
ência de que todas as demais dimensões da atividade humana exigem sua inserção
em um “para quê”, em um sentido mais global. Este para quê expressa-se nas
lutas do Terceiro Mundo como uma luta revolucionário-libertadora, simultanea-
mente anti-tecnocrática e anti-imperialista. Incorpora em si, desta forma, tanto a
luta pela conquista dos bens indispensáveis para a vida humana digna, quanto a
luta pela liberdade de participação do ser humano em todos os níveis de decisão
social. Isto confere ao primado do político uma característica nova que na Améri-
ca Latina se manifesta sobretudo em uma posição anti-desenvolvimentista. Hugo
Assmann chama a atenção que neste nível genérico de reflexão até aqui proposto,
a linguagem usada não foi ainda uma linguagem marcadamente política, pois a
linguagem política caracteriza-se pela coragem de dar nome claro às estruturas de
poder e aos mecanismos de dominação. Isto leva-o a concluir que seria insignifi-
cante uma Teologia política que buscasse evitar o caráter dialético e provocativo,
nomeando os componentes da infra-estrutura e super-estrutura do poder e as im-
plicões de uma opção estratégico-tática. “É sem vida neste ponto da lingua-
gem que a Teologia política européia não consegue satisfazer-nos”
499
.
Hugo Assmann prossegue explicitando em que consiste a “dimensão polí-
tica da fé”. Trata-se do ato de fé como tal em seu contexto concreto de práxis his-
tórica. A é o ato histórico do ser humano na medida que, ao radicalizar a per-
gunta pelo seu sentido histórico, aprofunda-se de tal forma em seu “para quê”
humano que se encontra ali com o mistério de Deus na História e nunca fora dela.
Por isso a fé, como ato histórico, é um ato essencialmente político e a História é o
lugar da busca de sentido e do revelar-se de Deus na medida que o ser humano é
496
Cf. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.15-19.
497
Por consciência política o autor entende a “tomada de consciência do fato básico de que toda
ão humana tem dimensão política e das implicações deste fato, concretamente analisadas em
uma situação histórica determinada, com vistas à responsabilidade ética do homem”. Ibid., p.19.
498
Cf. Ibid., p.19.
capaz de escutar os desafios de sua História concreta. “Deste modo, a auscultação
da revelação o se antepõe como um a priori à sua (do ser humano) realidade
histórica atual, mas só se tornará algo concreto quando passa através dela”
500
.
É nesta perspectiva que se percebe que a originalidade mais característica
do Antigo e Novo Testamento aparece na historização da experiência de Deus na
marcha histórica dos seres humanos. A transcendência de Deus reside no fato de
Ele estar diante do ser humano nas fronteiras do futuro histórico. É o Deus pro-
vocativo, que chama para diante, e que só se deixa encontrar na constante des-
instalação. Daí a contínua interpretação profética das chamadas de Deus através
dos fatos históricos e políticos. A constante insistência de Jesus na ortopráxis in-
dica que a verdade se faz História através da ação efetiva no mundo. Por isso, o
aspecto fundamental da é a práxis histórica. Isto implica uma visão unitária e
real do mundo, dentro da qual a Igreja o tem a missão de construir outra Histó-
ria separada, mas a de ser a emergência consciente e a vivência mais explícita do
sentido único da única História.
É neste contexto que o autor indica que na situação da América Latina
toma-se consciência de que todo o discernimento pastoral, quando desloca seu
eixo primário de referências para o interior dos desafios do processo hisrico, não
pode evitar de ter profundas repercussões políticas. A tomada de consciência deste
fato marca a postura das vanguardas cristãs na América Latina de fins da década
de 60 e início da década de 70. A concretização de uma Teologia política na Amé-
rica Latina, portanto, terá de colocar e enfrentar a complexa temática das relações
entre Igreja e Política em suas implicações realistas para os distintos níveis da
Igreja. Isso será feito de fato, na América Latina e segundo Hugo Assmann, quan-
do a Teologia colocar a questão da relação entre Igreja e Projeto Histórico
501
.
É neste contexto que surge, principalmente após Medellín, a explicitação
de uma Teologia da Libertação. Esta define-se como reflexão crítica sobre a prá-
xis histórica de libertação no sentido do tomar corpo da fé. Nesta concepção se
apresenta explicitamente como uma forma latino-americana de Teologia política.
Qual seria então a originalidade desta Teologia política latino-americana? Segun-
do Hugo Assmann, o maior mérito da Teologia da Libertação está em sua insis-
499
Hugo ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.21.
500
Ibid., p.21.
501
Cf. Ibid., p.22-23.
tência no ponto de partida histórico de sua reflexão, a saber, na situação de depen-
dência, dominação e espoliação infligidas à América Latina, ou seja, na situação
de América Latina dominada
502
. Portanto, na relevância teológica da História
real como ponto de partida para o fazer teológico.
A insistência na ligação dos elementos de análise da infra-estrutura da rea-
lidade com as pprias fontes da caracteriza uma das diferenças mais marcan-
tes do modo de fazer Teologia na América Latina em relação às modalidades teo-
lógicas européias”
503
. Nisto concebe-se, simultaneamente, uma diferença signifi-
cativa na maneira de conceber a Teologia política: não se pode fazer Teologia
política realmente detectora de aspectos críticos da como práxis histórica liber-
tadora sem assumir uma linguagem analítica. Isso impõe uma relação nova entre
Teologia e Ciências Humanas que representa um dos pontos metodológicos bási-
cos de tal Teologia política. Porque grande diferença entre uma análise mera-
mente descritiva e uma análise dialético-estrutural, que vai até as causas dos me-
canismos de dominação, a opção pelo tipo de instrumentos analíticos implica
sempre uma postura ético-política.
Ainda na obra Teología desde la praxis de la liberacn Hugo Assmann
propõe que historicamente a Teologia da Libertação, como formulação explícita,
se inscreve dentro do surgimento da linguagem libertadora e representa um esfor-
ço de reflexão crítica sobre as implicações desta nova linguagem no plano da ex-
periência cristã. A impressionante multiplicação de manifestos, tomadas de posi-
ção, ensaios de refleo a partir da práxis representa precisamente “um dos fenô-
menos mais novos e mais reveladores da vitalidade de setores de vanguarda na
Igreja latino-americana”
504
. Para Hugo Assmann, mesmo que neste nível de do-
cumentos a Teologia da Libertação apareça mais como postulado e menos como
uma explicitação, é preciso reconhecer, contudo, sua significação sintomática: os
502
H. Assmann justifica estas afirmações a partir de um texto de J.L. Segundo: “Existe hoje na
América Latina mais falada que escrita, é certo uma Teologia política simplesmente por que
existe uma Teologia real e a realidade é política em seu plano mais decisivo. Nessa Teologia, mui-
to mais que na incipiente Teologia política européia, surgem para unir-se nas mesmas fontes da fé,
as categorias da infra-estrutura latino-americana. O documento de Medellín fala de ‘libertação
porque é a tradução correta de toda mensagem salvífica do evangelho. Fala de ‘situação social de
pecado’ porque é a interpretação mais cabal até o momento do conceito neo-testamentário (e parti-
cularmente joanino e paulino) de pecado (...). E conseqüentemente entram, por direito próprio, a
formar parte da Teologia mais séria os termos que apontam para a mencionada infra-estrutura:
conscientização, imperialismo, mercado internacional, monolios, classes sociais, desenvolvi-
mentismo (...)”. Hugo Assmann não explicita a fonte do texto. Cf. H. ASSMANN, op. cit., p.24.
503
H. ASSMANN, Teología desde la praxis de la liberación, p.24. O itálico é de Hugo Assmann.
cristãos latino-americanos cada vez mais conscientes da originalidade de sua ex-
periência hisrica de povos oprimidos passam a sentir-se cada vez menos aludi-
dos pelas prioridades manifestas ou ocultas nas correntes teológicas da “vanguar-
da do mundo rico”. É crescente a consciência de que o ponto de partida contextual
da Teologia da Libertação é a situação histórica de dependência e dominação em
que se encontram os povos do Terceiro Mundo.
Não se pode reduzir a noção de libertação a este contexto específico. No
entanto, este é tomado como primeira referência não apenas porque se busca uma
Teologia original latino-americana, mas porque esta situação histórica de dois
terços da humanidade incide como desafio sobre o pprio sentido histórico do
cristianismo e questiona radicalmente a missão da Igreja. Hugo Assmann insiste
neste ponto de partida contextual para que se perceba que não se trata de um es-
treitamento local latino-americano da tarefa teológica. É, evidentemente, busca de
uma encarnação situada, porém, vai muito além. E este am é que determina e
esclarece o princípio, segundo a hipótese desta pesquisa, da tua relevância en-
tre Teologia e História. Para Hugo Assmann, se a situação hisrica de dependên-
cia e dominão de dois terços da humanidade, com seus “30 milhões anuais” de
mortos de fome e desnutrição, não se converte no ponto de partida de qualquer
Teologia cristã, mesmo nos países ricos e dominadores, “a Teologia o poderá
concretizar historicamente seus temas fundamentais. Suas perguntas não serão
perguntas reais. Passarão ao lado do homem real”
505
.
Isto implica uma tarefa para a Teologia do “mundo dominador”: assumir a
tarefa de libertar a Teologia de seus resíduos idealistas, explicitar as implicações
metodológicas que resultam para a Teologia de sua ineludível ligação social e
criar, através de tentativas concretas, as bases para uma conexão mediatizada entre
as fontes clássicas da Teologia e o lugar teológico primordial representado pela
práxis histórica no presente histórico
506
.
Metodologicamente, indica Hugo Assmann, uma das linhas fundamentais
da nova mentalidade teológica latino-americana é sua crítica à própria Teologia,
mesmo a progressista dos países ricos. Isso implica numa redefinição crítica do
próprio sentido da Teologia no contexto da Teologia da Libertação, portanto, nu-
504
H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.36
505
Ibid., p.40.
506
Cf. Ibid., p.115.
ma necessária inovação metodológica
507
. Especificamente em relação à Teologia
“progressista do mundo rico, Hugo Assmann chama a atenção para aquilo que
marca a diferença com o incipiente pensamento teológico latino-americano. Trata-
se da assunção simultânea muitas vezes ainda confusa e inicial, porém efetiva e
sintomática – de três níveis de mediação necessária da reflexão histórica sobre a fé
como práxis de libertação.
Os três níveis pelos quais a reflexão teológica tem que passar para tornar-
se histórica e concretamente operacional são: o nível da análise sócio-econômico-
política, isto é, o nível do esfoo de leitura racional da realidade histórica. Isto
implica uma opção também ético-política na própria escolha dos instrumentos de
análise, que nunca são neutros. O nível da opção por determinadas teses políticas
que, mesmo quando se impõem como conseqüência clara, no essencial da funda-
mentação sócio-analítica, incluem de fato um “plus ético” decisivo que não é de-
rivado da análise em si, mas se alimenta da capacidade humana de assumir res-
ponsavelmente a História. Por fim, o vel estratégico-tático, isto é, o nível da
implementação planificada da ótica mais genérica das teses políticas. Esta imple-
mentação implica na obediência e na disciplina da práxis política eficaz. No plano
teológico isto resulta que o caminho latino-americano de fazer Teologia represen-
ta o abandono da modalidade mais usual de fazer Teologia do “mundo rico”
508
.
Enfim, para Hugo Assmann, na América Latina se está começando a refle-
tir sobre a cristã enfocando-a cada vez mais em sua global e concreta configu-
ração histórica. A Teologia que dresulta quer ser reflexão crítica e participante
da práxis. A ligação social desta Teologia quer ser realista, rechando o idealis-
mo da “Teologia do mundo rico”. Começa-se então a tirar as conseqüências do
fato de que a cristã é indissociável de um projeto histórico e sócio-econômico-
político. Assumem-se as conseqüências do fato que a conscientização da estrutura
concreta do amor tem que passar através de projetos históricos. Tudo isso signifi-
ca que a verbalização das implicações hisricas do compromisso cristão tem que
baixar para o nível estratégico-tático de luta pela libertação. A Teologia precisa
tornar-se “ciência rebelde” e comprometida. Tem que tomar partido e colocar-se a
507
Para uma melhor explicitação deste raciocínio de Hugo Assmann confira: Teología desde la
praxis de la liberación, p.42-52. É importante conferir também a análise designada como con-
frontações e semelhaas” entre a Teologia da Libertação e outras Teologias. Cf. H. ASSMANN,
Teología desde la praxis de liberación, p.76-89.
508
Cf. Ibid., p.103-117.
serviço de grupos identificados como grupos de vanguarda no processo de liberta-
ção. Desta forma, a novidade desta Teologia consiste, no entender de H. Ass-
mann, em sua valente assunção da ideologia como arma de transformação do no-
vo mundo e na simultânea consciência da precariedade de sua palavra
509
.
Enrique Dussel, abordando o período de nascimento da Teologia da Libe-
ração, propõe que esta Teologia destaca o político de uma maneira muito distinta
de como o faz a Teologia política européia. Na Europa, o político da Teologia
consiste na consideração do social do dogma e na dialética crítico-libertadora, no
plano nacional, da relação Igreja-Mundo. No entanto, não se percebeu o sentido
do político como dialética de opressor-oprimido no nível internacional e a conse-
qüente função profético-crítico-libertadora da Teologia com respeito às grandes
massas oprimidas. Daí a crítica de Enrique Dussel: a Teologia política européia é
abstrata, válida para todos os seres humanos, isto é, para nenhum em concreto. O
político desta Teologia, por esta não estar situada, se torna, de fato, um instrumen-
to do opressor para continuar seu domínio. Esta Teologia não oferece ao opressor
uma crítica consistente que o impulsionaria a suprimir a dialética da dominação
que ele exerce. Já a Teologia da Libertação radicaliza ontologicamente o político e
torna a Teologia um pensar concreto, crítico, subversivo e real
510
.
Em outro momento mais recente, Enrique Dussel situa a origem da Teolo-
gia da Libertação latino-americana na interrogação de Gustavo Gutiérrez: uma
“Teologia do desenvolvimento ou uma “Teologia da Libertação”? Emerge a per-
cepção de que do modelo do desenvolvimento só poderia surgir uma “Teologia do
desenvolvimentismo” que tem o “centro” como modelo. A Teologia da Libertação
surge com a descoberta do fato da dependência. O modelo então será outro: não se
trata de imitação do centro, mas a proposta de uma nova humanidade, a partir da
compreensão da estrutura do sistema mundial. Isso significa que a Teologia da
Libertação é muito mais radical e mundial, muito mais englobante e o apenas
um aspecto novo, mas a transformação total da reflexão teológica
511
.
Para Leonardo Boff, em Teologia do Cativeiro e da Libertação
512
, a Teo-
logia da Libertação e do cativeiro não é uma Teologia de compartimentos e geni-
tivos. É sim uma maneira global de articular praxisticamente na Igreja a tarefa da
509
Cf. H. ASSMANN, Teología desde la praxis de liberación, p.118-119.
510
Cf. E. DUSSEL, Historia de la Iglesia en América Latina, 287.
511
Cf. Id., Caminhos de Libertação Latino-americana: Interpretação ético-teológica, p.166-168.
inteligência da fé. É um modo diferente de pensar e fazer Teologia, pois implica e
pressupõe uma maneira diferente de ser e viver.Esse modo de ser e viver, impli-
cado e pressuposto na Teologia da Libertação, é o do cativeiro como correlativo
oposto da libertação e do esforço de superação dessa condição”
513
. Esta Teologia
não nasce voluntaristicamente. Ela constitui-se como momento de um processo
muito maior e de uma tomada de consciência característica dos povos latino-
americanos. Irrompe uma consciência coletiva que produz uma virada histórica
ante a percepção da pobreza generalizada, a marginalidade e o contexto histórico
de dominação. Essa nova consciência impregnou o continente latino-americano e,
conseqüentemente, também a existência cristã e a reflexão teológica. A Teologia
da Libertação nasce como propósito de responder aos desafios da sociedade opri-
mida e como contribuição própria, sob o enfoque da fé, ao processo maior de li-
bertação que se articula no processo histórico latino-americano. Ela surge de “uma
práxis experimentada ou de uma experiência praticada em tal contexto (contexto
latino-americano) e pretende levar a uma práxis mais esclarecida e qualificada,
que seja deveras libertadora”
514
. Por isso ela é nova forma de fazer Teologia
razão pela qual se distancia criticamente de outros modelos e tendências
515
- que
implica e pressupõe um modo de ser ou de viver que lhe seja correspondente.
Enfim, a Teologia da Libertação constitui-se numa forma global e diferen-
te de fazer Teologia que parte da práxis de e visa uma práxis eficaz e transfor-
madora. Seu método consiste na elucidação, explicação e desdobramento da pró-
pria Teologia da Libertação e a opção decisiva é que o que interessa não é a Teo-
logia da Libertação mas a libertação histórica dos povos dominados. Portanto, nas
categorias desta pesquisa, é libertadora de fato a Teologia que parte da realidade
histórica concreta para poder voltar para esta realidade em vista de sua transfor-
mação mais eficaz. Isso significa afirmar que pode ser relevante historicamente
a Teologia que considera como relevante teologicamente a própria História.
Concluindo este item ve-se que o nascimento da Teologia da Libertação é
marcado pela sua tomada de posição frente às Teologias então vigentes. Ante a
Teologia existente é preciso justificar e demarcar o pensamento teológico emer-
gente. Procurou-se, neste item, principalmente a partir de Gustavo Gutiérrez, Hu-
512
Petrópolis: Vozes, 1980. Segue-se aqui o texto da Segunda Edição.
513
L. BOFF, Teologia do Cativeiro e da Libertação, p.27.
514
Ibid., p.28.
go Assmann, Enrique Dussel e Leonardo Boff, indicar a originalidade e especifi-
cidade da Teologia da Libertação latino-americana. Esta especificidade e origina-
lidade é dada pela maneira particular com que o pensamento teológico latino-
americano aborda a História e a Teologia e sua inter-relação.
A História real, concreta, limitada, contraditória, conflituosa é o ponto de
partida pro-vocativo da reflexão teológica. A Teologia, por sua vez, é a reflexão
que se deixa interpelar e afetar pela História concreta. Esta interpelação e este
afetar não levam ao conformismo com a realidade, mas ao desafio de transformar
eficazmente a História. Para isto a Teologia é reflexão que parte da História e da
práxis daqueles que estão comprometidos na transformação, deixa-se afetar por
ela, para então, à luz da contribuir na transformação libertadora da realidade.
Neste sentido, a Teologia não caminha a reboque da História, mas sim, antecipa-
lhe o futuro prometido por Deus. Esta Teologia não é a História e também não
esfora ou alheia à História. É, sim, um momento do processo através do qual a
única História presentifica a Hisria da Salvação e da Vida.
Enfim, pode-se dizer que a originalidade e a especificidade da Teologia da
Libertação consistem, por um lado, na própria compreensão do que seja a Histó-
ria. Ela é o espaço do acontecer humano marcado, no contexto concreto latino-
americano, pela dominação, opressão, espoliação, dependência e também pela
crescente consciência das causas profundas de tal situação, somada ao compro-
misso de transformação libertadora. Por outro lado, a especificidade e a originali-
dade da Teologia da Libertação estão na própria compreensão do que seja a Teo-
logia. Ela não é tradução de verdades abstratas, a-históricas e a-políticas. Ela é
sim instância crítica de reflexão e verificação da autenticidade da cristã feita
História em Jesus Cristo e presentificada na prática transformadora e libertadora
de todo autêntico cristão. Por esta prática transformadora e libertadora, o cristão
torna viveis os sinais do Reino de Deus prometido. Por último, a especificidade
e a originalidade da Teologia da Libertação não está na maneira como esta
compreende a História e a Teologia mas - e isso parece ser o mais original, ainda
a ser verificado e analisado neste estudo – na maneira como ambas se relacionam.
515
Cf. L. BOFF, Teologia do Cativeiro e da Libertação, p.44-54.
CONCLUSÃO: A Teologia da Libertação como Teologia
historicamente relevante por considerar a História
teologicamente relevante
Este capítulo teve por objetivo descrever a gênese e nascimento da Teolo-
gia da Libertação latino-americana sob a perspectiva da existência, do lugar e do
papel aí desempenhado pela mútua relevância entre Teologia e História. Tratou-se
de verificar como nasce uma Teologia a partir, na e para a América Latina opri-
mida, explorada e espoliada, mas crente e esperançosa na libertação. Partiu-se do
pressuposto de que esta Teologia é uma Teologia original que possibilitou uma
reflexão original desde seu nascimento. É no marco teórico-prático da relação
entre Teologia e História, sob a perspectiva da mútua relevância, que se pode veri-
ficar o caráter originalmente latino-americano da Teologia da Libertação.
Para levar a termo o objetivo proposto, partiu-se da consideração de que a
gênese e nascimento da Teologia da Libertação como uma Teologia original teve
seu processo, seus momentos fortes, seus agentes e sua afirmação ou tomada de
posição ante formas e métodos distintos de fazer e pensar a Teologia. A partir
deste ponto de partida, avaliou-se e descreveu-se o processo de gênese e nasci-
mento da Teologia da Libertação, seus momentos fortes, seus agentes e sua auto-
afirmação, sempre sob a perspectiva da relação entre Teologia e História, na ótica
da mútua relevância entre ambas.
Descreveu-se o processo de gênese e nascimento da Teologia da Liberta-
ção, identificando os principais passos do caminho de conscientização da necessi-
dade de uma Teologia a partir, para e na América Latina. De uma situação teoló-
gico-pastoral de mimetismo, cópia e reflexo da Teologia e pastoral exógenas pas-
sou-se, graças a este processo de conscientização, a uma Teologia que se propõe
partir da realidade latino-americana, ser elaborada em vista da transformação des-
ta realidade e ser feita no compromisso e em meio a esta realidade em transforma-
ção. Percebeu-se que esta passagem foi possível pelo lugar e especificidade com
que os teólogos e pastoralistas latino-americanos, em diálogo com economistas,
cientistas políticos e sociólogos, trataram da relão Teologia e História no con-
texto concreto da América Latina. Tal especificidade concedeu à História um lu-
gar ainda não dado na Teologia contemporânea. Considerou-a o ponto de partida
para a reflexão teológica. E à Teologia deu-se o status de instância crítica da pró-
pria História, comprometida na transformação e libertação dessa História. Com
isso, além de aceitar a mútua relevância entre Teologia e História como via do
conhecimento teológico, estabeleceu uma original e específica forma de compre-
ender esta mútua relevância.
Descreveram-se os agentes deste processo, partindo da consideração que
estes agentes podem ser definidos como uma comunidade de conhecimento teoló-
gico histórica, social, cultural, ideológica e eclesialmente engajada. Nesta perspec-
tiva, nomear indivíduos como agentes deste processo é sempre uma postura eleti-
va. Neste caso, elegeram-se como principais agentes no período de nascimento da
Teologia da Libertação Gustavo Gutiérrez e Hugo Assmann. O critério para tal
escolha consiste no papel fundamental por eles desempenhado na configuração e
expressão inicial da Teologia da Libertação. Estes destacam-se como os primeiros
autores, dentro de uma ampla comunidade de conhecimento, que mostram, de
forma orgânica e sistemática, as grandes linhas de força de uma Teologia em
construção que ganha contornos e marcos tricos originalmente latino-
americanos. Tal originalidade consiste, segundo estes autores e com pequenas
diferenças de abordagem entre ambos, na proposta de uma Teologia historicamen-
te comprometida. Tal Teologia pode partir da situação histórica latino-
americana de dominão e dependência e do compromisso real de transformação e
libertação levado a cabo pelo processo revolucionário de libertação. O objetivo
desta Teologia é iluminar, a partir da fé, a presença e atuação dos cristãos no pro-
cesso em curso na América Latina. assim a Teologia pode ser historicamente
relevante. Configura-se assim, em G. Gutiérrez e H. Assmann, uma relação entre
Teologia e História que pode ser considerada de tua relevância.
Para a descrição dos momentos considerados fundamentais da gênese e
nascimento da Teologia da Libertação, considerou-se o papel desempenhado pe-
los vários Encontros de Teologia que envolveram teólogos, pastoralistas e repre-
sentantes das Ciências Humanas. Esses encontros foram avaliados como espaços
privilegiados de encontro, debate de idéias, partilha e conhecimento mútuo, que
tiveram como centro as emergentes perspectivas teológico-pastorais então fervi-
lhantes na América Latina. Por isso podem ser considerados como espaço de gê-
nese, partilha e comunhão de uma nova consciência teológica que alcança, pro-
gressivamente, expressão e configuração metodológica. O problema fundamental
que está na base destes encontros e na contribuição destes para a emergência de
uma nova consciência teológica é a realidade histórica latino-americana e as inter-
rogações e desafios que esta lança à Teologia e à Igreja. Por isso a relação entre
Teologia e História está no centro das discussões. Trata-se de uma realidade histó-
rica concreta a provocar a Teologia. A partir desta provocação, os encontros de
Teologia deixam entrever, progressivamente, o deixar-se afetar da Teologia pela
História. Disto resulta uma Teologia historicamente comprometida com a trans-
formação e libertação. Para esta os encontros de Teologia muito contribuíram,
especialmente na percepção da necessidade de uma nova Teologia mais compro-
metida com a realidade pastoral, sócio-econômica e cultural latino-americana, e
na configuração metodológica de uma Teologia da Libertação latino-americana.
Por fim descreveu-se, a partir da perspectiva de alguns teólogos latino-
americanos, a tomada de posição, ou mais precisamente, a afirmação da originali-
dade da Teologia da Libertação frente à Teologia em geral. Percebeu-se que nesta
afirmação da originalidade da Teologia da Libertação frente a outras formas de
fazer Teologia, a questão da mútua relevância entre Teologia e História desempe-
nhou um papel determinante. A partir disto, este item constituiu-se numa afirma-
ção conclusiva das três abordagens anteriores referentes ao processo de passagem
de uma Teologia e pastoral importadas para uma Teologia original e autentica-
mente latino-americana. Concluiu-se que a especificidade e originalidade da Teo-
logia da Libertação decorre da maneira particular pela qual o pensamento teológi-
co latino-americano compreende a História, a Teologia e a relação entre ambas.
A originalidade do pensamento teológico latino-americano encontra-se,
portanto, subordinada à forma específica como este compreende a História. A
História é o lugar do acontecer humano, marcado pelos conflitos, divisões, opres-
sões, dominações e dependências, mas também é o lugar do sonho, da esperança,
dos sinais de transformação. É o lugar da tomada de consciência da realidade de
dominação e dependência pela qual passa a América Latina, bem como das causas
profundas, estruturais e ideológicas que possibilitam o domínio e a exploração de
poucos sobre muitos mantidos dependentes e subjugados. É o lugar da emergência
de um processo de transformação e libertação desta realidade que revoluciona e
subverte as estruturas de domínio e poder das elites nacionais, unidas ao poder
econômico e político trans-nacional. É, enfim, o lugar de uma práxis libertadora e
transformadora de muitos cristãos, que inspirados pelo Evangelho, empenham-se
e comprometem-se com o processo revolucionário em curso, na esperança de que,
por meio dele, se possa caminhar rumo à libertação econômica, política, cultural
e ideológica, mas também rumo à libertação definitiva de todo pecado.
A originalidade do pensamento teológico latino-americano decorre tam-
bém da maneira própria de se compreender a Teologia. Ela não é repetição de
catecismos pré-formulados e importados. A Teologia não é tradução de verdades
supra-históricas, a-históricas e a-políticas. Ela é reflexão crítica que parte da prá-
xis e volta à práxis histórica, contextualizada e encarnada. Ela é espaço de verifi-
cação da verdade da fé professada. Esta verificação advém da necessidade e do
imperativo de uma práxis coerente com a cristã. Assim, a Teologia tem dupla
função crítica: ela é instância crítica da práxis histórica e encarnada dos cristãos e,
ao mesmo tempo, é instância de verificação crítica da ‘verdade’ da verdade da fé.
A forma original e específica de a Teologia da Libertação compreender a
História e a Teologia tem como conseqüência a originalidade da relação estabele-
cida entre ambas. A História é o ponto de partida da Teologia, que, por sua vez,
na reflexão realizada “a partir da fé” e na acepção de dupla instância crítica, torna-
se instrumento eficaz para uma nova práxis histórica como uma espécie de plus
qualitativamente distinto da práxis a partir da qual ela partiu. Estabelece-se assim
uma espécie de ‘círculo’ interpretativo e prático entre a História e a Teologia, e
novamente a História. A este círculo pode-se chamar de mútua relevância. Trata-
se, portanto, da mútua relencia entre Teologia e História numa Teologia que,
partindo da realidade concreta e passando pelo círculo progressivo da mútua rele-
vância, tende para a transformação da História real rumo a uma História real de
Salvação, isto é, para a História como o lugar da presença salvífico-libertadora de
Deus, a saber: a única História da Salvação ou a única História na qual Deus é
Salvação e Vida.
3
A Hisria relevante para a Teologia segundo a
interpretação do Encontro de El Escorial: A realidade
latino-americana interpretada sob o binômio
dependência-libertação
I N T R O D U Ç Ã O
O Encontro de San Lorenzo del Escorial (1972) constitui-se em um mo-
mento importante para a Teologia da Libertação como pensamento teológico e-
mergente na América Latina dos fins da década de 60 e início da década de 70.
Como momento de partilha, troca de idéias e experiências entre teólogos, pasto-
ralistas e cientistas sociais, serviu para trazer para o espaço comum da reflexão
teológico-pastoral a situação, as conquistas e os desafios da Teologia da Liberta-
ção como pensamento teológico latino-americano envolvido e comprometido com
as transformações sociais em curso na América Latina de então. Neste sentido, o
encontro de El Escorial foi um momento oportuno para que a Teologia refletisse
sobre as condições de seu acontecer no contexto de América Latina, portanto, foi
um momento oportuno para a reflexão metodológica de uma experiência teológica
já em curso. Qual o lugar, o papel e a importância da relação entre Teologia e His-
tória para esta reflexão teológica em curso, segundo as reflexões em pauta em El
Escorial? Segundo a hipótese desta pesquisa, essa relação não só é de vital impor-
tância, como também se realiza de um modo específico e original seja pela
compreensão de Teologia que se apresenta, seja pela compreensão de História
que se tem ou seja pela relação entre ambas que desta compreensão resulta re-
sultando em uma Teologia historicamente relevante por ser uma Teologia que
considera a História como teologicamente relevante. Denomina-se esta hipótese
como a hipótese da mútua relevância entre Teologia e História.
A verificação desta hipótese postula aprofundar duas questões básicas:
qual é a História que é relevante para a Teologia, segundo as exposições, comuni-
cações e debates
516
de El Escorial? E, segundo, que Teologia é proposta em El
Escorial como relevante para esta História? Somente a partir da averiguação des-
tas duas questões no conteúdo material de El Escorial é que se poderá estabelecer
a veracidade da hipótese da mútua relevância entre Teologia e História.
Neste capítulo 3 pretende-se aprofundar a primeira questão, a saber, que
História é relevante para a Teologia segundo El Escorial. Compreendendo-se a
História como o acontecer humano em curso, vislumbram-se várias dimensões
que a compõem, tais como, a social, política, econômica, cultural, ideológica e
religiosa. Embora se tenha presente que estas múltiplas dimensões da História o
interligadas e interdependentes, e que uma separação estrita entre elas será sempre
artificial, pretende-se, neste capítulo, abordar sistematicamente estas dimensões
como chaves de leitura e interpretação da História latino-americana tal como ela
se apresenta na interpretação dos expositores de El Escorial. Crê-se que por meio
516
As fontes para esta análise o as Exposições (ao todo doze), as Comunicações (ao todo quatro)
e os Relatos dos debates nos seminários (ao todo cinco). O conjunto deste material é o que foi
publicado do Encontro de El Escorial. Cf.: A.A. BOLADO (Introd.), Fe Cristiana y cambio social
en Arica Latina. Salamanca: Sígueme, 1973. Para facilitar o acesso ao texto fonte segue-se
nesta pesquisa a tradução para o português: Petrópolis: Vozes, 1977. Casos de discorncia da
versão traduzida em relação ao texto original serão indicados, caso venham a ocorrer. A prioridade
de pesquisa destas fontes será: 1. As Exposições; 2. As Comunicações; 3. Os relatos dos debates
nos seminários. Justifica-se tal ordem pela importância que cada uma destas categorias de fontes
desempenhou no conjunto do Encontro de El Escorial. As Exposições foram as seguintes: 1. Fato-
res econômicos e forças políticas no processo de libertação, pelo politólogo e sociólogo peruano
Rolando Ames Cobián; 2. História da fé cristã e transformação social na América Latina, pelo
historiador, filósofo e teólogo argentino Enrique Dussel; 3. Movimentos e ideologias na América
Latina, pelo teólogo JoComblin; 4. Dimensões do catolicismo popular latino-americano e sua
inserção no processo de libertação. Diagnóstico e reflexões pastorais, pelo sociólogo argentino
Aldo J. Büntig; 5. A fé como princípio crítico de promoção da religiosidade popular, pelo teólogo
e pastoralista Segundo Galilea; 6. Formas específicas do processo latino-americano de seculariza-
ção, pelo sociólogo Renato Poblete; 7. Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das
Igrejas cristãs não católicas, pelo teólogo e pastor metodista argentino José Miguéz Bonino; 8. As
“elites” latino-americanas: problema humano e cristão em face da mudança social, pelo teólogo
Juan Luis Segundo; 9. As Bem-aventuranças e a transformação social, pelo leigo, sociólogo e
jurista católico Hector Borrat; 10. Evangelho e práxis de libertação, pelo teólogo Gustavo Gutiér-
rez; 11. Teologia e política. O atual desafio levantado pela linguagem teológica latino-americana
de libertação, pelo teólogo e filósofo argentino Juan Carlos Scannone; 12. A transformação hu-
mana do Terceiro Mundo, exigência de conversão, pelo filósofo e então bispo de Bauru – SP Cân-
dido Padin. As Comunicações foram as seguintes: 1. Teologia e Ciências Sociais, por Juan Luis
Segundo; 2. Algumas precies em torno da educação libertadora, pelo sociólogo da educação
espanhol Cecilio de Lora; 3 e 4. Pensamento latino-americano sobre desenvolvimento e dependên-
cia externa e Considerações sobre o subdesenvolvimento da América Latina, ambas pelo econo-
mista chileno Gonzalo Arroyo. Os Resumos de Seminários que constam da fonte desta pesquisa
são: 1. Consciência cristã e situações extremas, dirigido por Hugo Assmann e redigido por J. Lois;
2. Fisionomia atual do catolicismo latino-americano em vista de sua gênese histórica, dirigido por
Enrique Dussel e redigido por Antônio Blanch; 3. Necessidade e possibilidade de uma Teologia
sócio-culturalmente latino-americana, dirigido por Juan Carlos Scannone e redigido por Fernando
Urbina; 4. Novas formas de vida religiosa e de comunidades religiosas na América latina (I),
dirigido e redigido por Noé Zavallos; Novas formas de vida religiosa e de comunidades religiosas
na América Latina (II), dirigido e redigido por Manuel Edwards e Maria Agudelo.
de tal procedimento é possível uma aproximação consistente da resposta que se dá
em El Escorial à questão: que História é relevante para a Teologia? Ou, metodo-
logicamente falando: que História é o ponto de partida do pensamento teológico
emergente na América Latina?
Para viabilizar esta aproximação propõe-se agrupar em quatro pontos os
principais aspectos da descrição da situação social, econômica, política, cultural,
religiosa e ideológica, propostos pelo Encontro de El Escorial. Desta forma, no
primeiro item abordar-se-á a situação econômico-social e política da América
Latina e os aspectos mais relevantes que lhe dizem respeito. Em segundo lugar,
procurar-se-á retratar a situação ideológico-política e os aspectos mais significati-
vos da mesma na América Latina. Em terceiro lugar, procurar-se-á retratar a situ-
ação cio-cultural e religiosa da América Latina. Por fim, no quarto item, reto-
mar-se-ão todas estas dimensões que compõem a leitura que se apresenta em El
Escorial sobre a realidade histórica latino-americana e se apresentará a emergên-
cia da consciência da situação de dominação imperante na América Latina e o
desafio da libertação como resultantes da leitura específica da História que esteve
presente em El Escorial. Esta consciência e desafio se constituem no “fato maior”
da História latino-americana das décadas de 60 e 70 a provocar, interpelar e afe-
tar a Teologia.
1. A situação econômico-social e política da Arica Latina
Do ponto de vista econômico-social e político, a América Latina é inter-
pretada pelos expositores do Encontro de El Escorial como subdesenvolvida, de-
pendente, explorada e dominada, porém, em vias de libertação. Portanto, a descri-
ção da situação econômico-social e política da América Latina precisa considerar,
por um lado, a situação de dominação, exploração, dependência e subdesenvolvi-
mento, e por outro, a consciência social e política de libertação concretizada no
processo político-social de libertação aceito como pressuposto pelos expositores
em El Escorial. É isto que se pretende aprofundar neste item que tem por objetivo
abordar a situação econômico-social e política da América Latina e o papel da
análise do subdesenvolvimento e do desenvolvimento latino-americano. Por meio
destes dois passos crê-se que é possível retratar com certo grau de fidelidade a
situação econômico-social e política da América Latina em sua relação com o
processo de libertação em curso. Possibilita-se assim reconhecer aqueles aspectos
econômico-sociais e políticos relevantes para a Teologia que se proe a partir,
na e para a realidade latino-americana.
1.1. Rolando Ames Cobián e a interpretão da situação econômico-
social da América Latina e de suas principais tendências políticas
A situação econômico-social latino-americana, juntamente com as princi-
pais tendências políticas a ela ligadas, é apresentada em El Escorial a partir de sua
evolução histórica
517
. Recorrer a tal evolução para se compreender a América
Latina das décadas de 60 e 70 é um imperativo, pois a situação do Continente está
inserida no processo de expansão da industrializão e não pode ser desligada
deste. Tal expansão ocorre concretamente com a expansão do sistema econômico
social capitalista europeu, basicamente de cunho inglês. Por meio deste sistema é
que chegam à América Latina as técnicas de produção industrial, impondo um
novo circuito econômico internacional, criado pelo capitalismo industrial no sécu-
lo XIX. Neste novo circuito econômico internacional é que se pode compreender a
situação da América Latina. Os modos de organização econômico-social e os pa-
517
Cf. R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças poticas no processo de libertação, p.35-55.
drões culturais latino-americanos foram moldados em “decisiva proporçãopela
forma como chegou à América Latina a expansão imperialista, com seus elemen-
tos de técnica, capital e conseqüente modernização
518
.
A perspectiva a partir da qual se aborda a evolução histórica latino-
americana é uma perspectiva específica que supõe um trabalho de recompreensão
da realidade. Esta recompreensão da realidade decorre de um esforço de revisão
científica da Hisria e realidade latino-americanas, que tem lugar e espaço inten-
sificados a partir da década de 60, principalmente em conseqüência e animado
pelo processo de libertação do qual faz parte. Consiste na procura que a América
Latina faz de tomar consciência de si própria informando-se melhor sobre o pró-
prio passado e presente social, e submetendo à revisão as próprias categorias com
que é apreendida e pensada a realidade
519
. Resulta desta nova leitura da realidade
a crise na visão parcial e deformada da História, inculcada desde a escola, pelas
classes dominantes. Entra em crise também a própria leitura dos problemas eco-
nômicos e políticos sempre propostos na perspectiva das classes dominantes.
É nesta busca de recompreensão e reinterpretação da realidade latino-
americana que surge o conceito sociológico de “dependência”. O conceito de de-
pendência” recobre, apesar de suas ambigüidades, os aspectos tanto externos co-
mo internos de uma situação de conjunto, de um modo de existência”, que tem a
América Latina, com exceção de Cuba, no interior de um sistema unificado de
divisão internacional do trabalho, o sistema capitalista. É a partir deste conceito de
dependência que emerge, inicialmente, o conceito de libertação. Em El Escorial os
conceitos de dependência-libertação tornam-se o esquema interpretativo global
como ainda se verificará.
A pertença ao sistema capitalista é, desta forma, uma característica funda-
mental da realidade latino-americana e, como tal, deve ser permanentemente con-
siderada nas análises de qualquer processo social específico. Segundo Rolando A.
Cobián, a América Latina foi e é produto e parte do mesmo sistema capitalista
internacional, que em alguns países industriais se exibe com aparências de demo-
cracia, liberdade e abundância econômica. Por isso é preciso fazer uma retrospec-
518
Cf. R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.36.
519
Segundo Ames Cobián, se intensifica na década de 60 uma revisão da realidade em que “procu-
ra a América Latina tomar consciência própria de si, e em amplos setores de sua intelectualidade e
de sua juventude experimenta-se a necessidade, não apenas de melhor se informar sobre nosso
ção ao próprio passado europeu, para encontrar, através da prática pré-industrial e
da mais recente expansão imperialista, o melhor ponto de partida para a compre-
ensão da situação da América Latina dos anos 60 e, ao mesmo tempo, para perce-
ber a profundeza dos laços que unem ambos os continentes num “processo histó-
rico comum”, porém de conseqüências e resultados tão diferentes e contraditórios
em termos econômicos e sociais, em cada um dos dois contextos
520
.
A partir das indicações introdutórias dos marcos teóricos específicos com
os quais se e interpreta a realidade sócio-ecomica latino-americana ligada às
principais tendências políticas, é possível esboçar um quadro das grandes fases da
evolução econômica da América Latina. A abordagem destas fases é sempre feita
em conexão com os movimentos políticos. Isto torna compreensível por que se
coloca um problema de dominação e uma conseqüente exigência de libertação, e
qual é o conteúdo complexo e conflitivo desse processo
521
.
Os antecedentes da expansão capitalista
Antes de descrever as fases da evolução econômico-social latino-
americana, Rolando Ames Cobián indica dois antecedentes da expansão capitalis-
ta
522
. Trata-se da derrota da população aborígene e da hegemonia inglesa. Esses
o dois conjuntos de fatores derivados da colonização ibérica que caracterizam a
situação latino-americana em seus aspectos externo e interno antes de sua integra-
ção na área internacional de expansão do capitalismo europeu.
Quanto à derrota da população aborígene, Rolando A. Cobián indica que a
colonização ibérica significou uma derrota militar para a população aborígene em
sua primeira vinculação com o Ocidente. A conquista inicial e a posterior coloni-
zação significaram o desmantelamento, a jugulação brusca e violenta de um com-
plexo conjunto de práticas, instituições e crenças coletivas presentes nos princi-
pais núcleos de civilização americana. Isso teve como conseqüência a imposição
de rígida hierarquia social dominada pelas minorias ibéricas. A produção latino-
americana orientou-se a um novo eixo: a exploração de metais preciosos destina-
passado e presente social, mas ainda de submeter a revisão às próprias categorias com que é apre-
endida e pensada nossa realidade”. Ibid., p.35.
520
Cf. R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.36.
521
Cf. Ibid., p.35.
522
Para isso Cobián segue, com algumas simplificações, a periodização de Fernando Henrique
Cardoso e Enzo Faletto apresentada no trabalho Dependencia y desarrollo en Arica Latina,
xico, 1969. Cf. R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de liberta-
ção, p.37, nota 1.
dos à exportação para a metrópole. Esta organização econômica moldava os pa-
drões do povoamento e as formas de isolamento e intercâmbio no interior do con-
tinente. Na nova estrutura social, as populações aborígenes foram restritas a “so-
breviventes”. O controle político e econômico é sempre realizado a partir da me-
trópole, criando uma sociedade vertical com camadas profundamente diferencia-
das. Estas características internas da organização colonial continuam a marcar o
presente de vários países latino-americanos, configurando as características espe-
cíficas de sua formação social”
523
.
Quanto à hegemonia inglesa, Rolando Ames Cobián indica que na Europa
a situação da América Latina no quadro da sociedade internacional vai se configu-
rando na época de sua independência política e é afetada por fatores derivados da
situação que teve como colônia ibérica. Espanha e Portugal perdiam sua impor-
tância econômica e política na Europa durante o século XVII, dando lugar à he-
gemonia inglesa que, paulatinamente, é afirmada no campo comercial e militar,
gerando uma satelitização das metrópoles européias de que dependia a América
Latina. A importância disto é que este fato determina uma situação objetiva que
condiciona as formas e o tempo em que a América Latina, com diferenças regio-
nais neste aspecto, vincula-se com a expansão comercial capitalista e as novas
atitudes culturais a ela associadas
524
.
Fases da evolução econômico-social latino-americana
A partir destes antecedentes pode-se descrever as fases da evolução eco-
nômico-social da América Latina em conexão com as principais tendências políti-
cas que as acompanham. Pode-se distinguir três grandes fases da evolução eco-
nômico-social latino-americana a partir da obtenção de sua independência políti-
ca, por volta de 1820 para as colônias espanholas, e, uma vez consumada a inte-
gração econômica que se efetua de modo intensivo para todo o continente entre
1850 e 1870. Trata-se da fase de crescimento para fora (aa crise internacional
de 1929-1932); a fase de consolidação do mercado interno e a fase da internacio-
nalização do mercado, predominante a partir de fins da década de 50
525
. A impor-
tância da distinção destas três fases econômicas consiste na melhor compreensão
das bases sociais que se oferecem aos movimentos políticos, assim como a mu-
523
R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.37.
524
Cf. Ibid., p.38.
dança de alternativas em torno das quais se produzem as cisões e as lutas das clas-
ses e grupos diferenciados na América Latina.
A. A fase do crescimento para fora
Os países latino-americanos politicamente independentes têm rias difi-
culdades de organização interna em nível nacional até as vésperas de 1850
526
. A
economia hispano-americana vive, em conjunto, um estancamento marcado pelo
imobilismo do comércio internacional. Esta situação é decorrente de dois fatores.
Por um lado, da fase que atravessa o desenvolvimento capitalista e suas cnicas
produtivas na primeira metade do século XIX, em que a indústria do ferro estava
recentemente desenvolvendo-se, bem como o uso da máquina a vapor aplicada ao
transporte marítimo. Nestas condições, os capitais ingleses tardam a chegar e
permanece limitada a possibilidade de absorção das exportações latino-
americanas. Por outro lado, essa dificuldade de desenvolver a economia na base
de exportações para a nova metrópole dificulta a estabilização de uma ordenação
política interna que se carente de um grupo assaz forte para impor os termos
dessa ordenação e fixar as condições de um governo nacional.
A partir da segunda metade do século XIX, o panorama começa a mudar
pois o desenvolvimento industrial permite e exige um comportamento mais dinâ-
mico do capital inglês. Verificam-se variações na composição de exportações e
importações. Começam as inversões e empréstimos segundo a gica dos interes-
ses metropolitanos. Estrutura-se assim o período de expansão para fora da econo-
mia latino-americana, dando base à consolidação de suas formas sócio-políticas.
O resultado disto é que a organização interna dos países latino-americanos passa a
seguir os termos de sua relação com os movimentos econômicos de origem extra-
regional e estar basicamente determinada pelas necessidades e possibilidades das
metrópoles capitalistas, particularmente da Inglaterra.
525
Cf. R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.38-55.
526
Essa situação é distinta conforme a ligação que se tem com a Espanha. O fenômeno é mais forte
nas colônias mais antigas da Espanha: México e Peru, onde a economia e a organização política,
mais estreitamente ligadas à espanhola, são desmanteladas pela independência ou, no melhor dos
casos, apenas conseguem sobreviver sem processo algum. a Venezuela e a Argentina aprovei-
tam um ponto de partida mais marginal que lhes favoreceu o contato com a Inglaterra. Além disso,
contam sobretudo com produtos de exportação (açúcar, lãs, couros, café) que interessam à metró-
pole inglesa, para a qual é mais fácil chegar às costas atlânticas latino-americanas que às do Pacífi-
co. Cf. Ibid., p.38-39.
Ocorre, na maioria dos países da América Latina, a divisão do trabalho
social: por um lado, estão os setores externos da economia ou os setores voltados
à exportação, cada vez mais especializados e de alta rentabilidade. E por outro,
estão os setores internos da economia ou os setores voltados para o consumo in-
terno, caracterizados pela baixa produtividade, pela produção de subsistência e
que apenas satisfaz parte das necessidades primárias da população
527
. Caracteriza-
se uma situação específica para a América Latina. Ela vai-se especializando na
produção de matérias-primas e vão-se definindo os termos de um desenvolvimen-
to desigual, inerente ao sistema capitalista. Desta forma, é o circuito econômico
internacional que impõe uma lógica e uma configuração às características da eco-
nomia latino-americana.
Em conseqüência disto, a superação das crises nos países de centro e a
continuação do processo de acúmulo do capital em escala internacional gera como
produto simultâneo a estabilização de uma situação contraditória no interior das
sociedades periféricas e no sistema internacional, tomado em seu conjunto. Politi-
camente, vê-se que as ilusões ideológicas do positivismo científico, o deslumbra-
mento ante os êxitos do progresso material distraem a atenção até de movimentos
e posições críticas. O caráter discreto do imperialismo inglês, particularmente
pragmático, que, de acordo com as características desse momento de seu desen-
volvimento, baseia seu poder mais no comércio e nas finanças que na inversão
direta, favorece a crença numa real situação de independência latino-americana.
Além disso, essa falsa consciência sobrevive graças ao silêncio que se mantém e
ao qual são mantidas as massas latino-americanas
528
.
Politicamente, até fins do século XIX, os confrontos políticos mais carac-
terísticos são entre o conservadorismo e o liberalismo
529
. No entanto, as causas
concretas dos confrontos são em maior proporção materiais e imediatas que de
fidelidade ideológica. a partir de fins do século XIX, até a crise dos anos 30,
527
Esta divisão entre os setores internos e externos da economia latino-americana é proposta por
Rolando A. Cobián seguindo a autora M.C. TAVARES, El proceso de sustitución de importacio-
nes como modelo de desarrollo reciente en América Latina, em: América Latina: Ensayos de
interpretación económica. Santiago do Chile, 1969. Citado por: R.A. COBIÁN, Fatores econômi-
cos e forças políticas no processo de libertação, p.40, nota 5.
528
Cf. Ibid., p.40-41.
529
Rolando A. Cobián reconhece que liberalismo e conservadorismo são “rótulos” e que pretender
sintetizar nesses ou noutros termos a luta política, por definição muito mais variável e numerosa
de país para país do que as tendências básicas do processo econômico, seria em grande parte fal-
seá-los”. Ibid., p.42-43.
começam a aparecer movimentos políticos que exprimem as aspirações dos gru-
pos médios em surgimento, segundo o grau de expansão econômica e de urbani-
zação. Ocorre a partir de então o reflexo, em nível político, das modificações eco-
nômico-sociais em curso. As forças políticas oscilam entre um liberalismo refor-
mista e com sensibilidade social e um radicalismo republicano e laicista seme-
lhante ao francês. As veres mais radicais de tais correntes derivarão, sobretudo
por ocasião das crises de 1930, para posições de aliança ou apoio nas organiza-
ções populares que vão também surgindo. Movimentos de classe média são ani-
mados por aspirações democratizantes e críticas dos círculos de poder oligárqui-
cos. No entanto são ambíguos em suas colocações pois crêem no progresso (mo-
dernização), são popularizantes e, ao mesmo tempo, são temerosos de ser supera-
dos pelo nascente movimento popular. Ao mesmo tempo são nacionalistas, a
quem as conseqüências da depressão econômica internacional abrem, em alguns
países, possibilidades de utilizar o poder do estado na busca de novo modelo eco-
nômico de desenvolvimento. Enfim, segundo Rolando Ames Cobián, desde a
Primeira Guerra Mundial e por todo o período de instabilidade econômica e finan-
ceira posterior, “agita-se a América Latina ao compasso dos vaivéns impostos por
esta nova situação a seu comércio exterior, eixo de sua economia”
530
.
Concretamente, em conjunto, o processo político latino-americano deste
período mostra que só nos países economicamente mais evoluídos é que existe um
movimento operário com certo grau de organização em nível de luta econômica e
com possibilidade de presença política aunoma. Porém, mesmo nestes casos, tal
movimento operário, surgido das primeiras indústrias simples para o consumo
interno ou dos pequenos centros de mineração, abrange numericamente um setor
reduzido do conjunto das classes populares. A grande maioria do povo latino-
americano, empregado na agricultura não tem organização própria. Desta forma,
do contingente quantitativamente mais importante de homens trabalhadores em
unidades de produção pré-capitalista, surgem apenas sublevações isoladas, efême-
ras, embora às vezes violentas, em momentos nos quais os sistemas servis em que
vive a maioria deles tornam demasiado visível a injustiça de seu servilismo.
Com isso, em nível político, tomando-se a América Latina em seu conjun-
to, o povo começa a fazer-se presente somente quando a fase econômica pré-
530
R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.44.
capitalista entra em sua crise final. Antes disto, o povo apenas formava “tropas
caladas, batendo-se nos conflitos internos das classes proprietárias”
531
. Para R.A.
Cobián, esta “confusão ainda se faz presente na década de 70. Isso é resultado e
expressão de um sistema de dominação no qual a repressão violenta ocorre em
momentos esporádicos de forte crise. De resto, a coerção generalizada do sistema
e, em boa parte, a própria interiorização de hábitos seculares de sujeição, fazem o
resto do processo de dominação. Isto explica por que nos países de menor evolu-
ção econômica, grupos da velha classe de proprietários locais continuem a manter
importantes margens de seus privilégios e de poder político
532
.
B. Consolidação do mercado interno
A segunda fase que se distingue na evolução da sociedade latino-
americana define-se, assim como a primeira, pelas transformações gerais do sis-
tema capitalista internacional. Caracteriza-se pela decadência da hegemonia ingle-
sa e pela emergência da hegemonia dos Estados Unidos que a substitui. O sistema
capitalista, em todos os seus aspectos, evoluiu e transformou-se. Surgem novas
técnicas produtivas, novas formas monopolistas de organização empresarial e a
expansão imperialista abrange a África e a Ásia. Por outro lado, o movimento
socialista, surgido sobretudo com a luta da classe operária das metrópoles no sé-
culo anterior, consegue o triunfo na revolução bolchevista e constitui-se, na União
Soviética, no novo sistema econômico-social confrontado com o capitalismo. Este
é o novo contexto internacional já criado a partir de 1930.
A grande depressão financeira iniciada em 1929 põe por terra a vigência
do modelo de crescimento para fora da América Latina. Os países capitalistas ape-
lam para medidas protecionistas visando enfrentar a crise financeira. Isso reduz
drasticamente o comércio internacional. Isso faz com que o modelo de crescimen-
to para fora, baseado na exportação, não possa prosseguir do mesmo modo na
América Latina. Ele não é extinto, porém, perde seu domínio. Nota-se uma “brutal
redução” da demanda pelas exportações latino-americanas. O mecanismo que
equilibrava a disparidade existente na fase anterior entre produção e demanda in-
terna, a saber, o comércio exterior, deixa de cumprir sua função estratégica.
531
R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.45.
532
Cf. Ibid., p.44.
Como conseqüências tem-se, em alguns países como Brasil, Argentina,
México e Chile, um estímulo da produção interna substitutiva das importações
que têm, por sua vez, seus preços elevados. Esses países, seguidos do Uruguai e
Colômbia, sem que tenha havido uma decisão interna e própria que optasse por
tentar nova rmula econômica de desenvolvimento, vêem-se, em decorrência da
crise internacional, impulsionados a buscar seu crescimento econômico em outra
direção. As condições que possibilitam este processo dependem do capital nacio-
nal acumulado na fase anterior e da extensão e características do mercado. A este
processo chama-se de modelo de substituição.
O modelo de substituão aproveita-se da escassez de divisas gerada pela
baixa de exportações. Porém, não significa que todo o bem substituído seja produ-
zido localmente. Importam-se insumos e tecnologia. Concebe-se, pelo processo de
substituição, a esperança de chegar a uma industrialização autônoma. Esta, por
sua vez, começa a aparecer como a “varinha gica” que permitirá o crescimento
auto-sustentado, a democratização política e a justiça social, à imagem e seme-
lhança do que ocorreu nas metrópoles originariamente industrializadas. A perda
de vista do cunho dependente desta industrialização, com todas as suas implica-
ções, as fragilidades do conhecimento científico da realidade latino-americana,
somadas à impossibilidade das classes proprietárias antigas e novas de pensar uma
política econômica em termos das necessidades do povo, mantiveram e sustenta-
ram por algum tempo essas expectativas. Acrescenta-se ainda o reforço desta po-
sição propiciado pela propaganda internacional do sistema capitalista que, nas
condições da guerra fria e do aumento da organização e beligerância popular, a-
corre com todo seu poder para reforçar essa posição
533
.
Em perspectiva social, os países que entram mais claramente nesta fase
aceleram seu ritmo de urbanização e ampliam os setores da população incorpora-
dos ao mercado. Isto possibilitará uma presença mais ativa no processo político.
Destaca-se aqui a força reivindicativa da classe operária que se desenvolve quanti-
tativamente, e em termos de organização, em decorrência da própria importância
que adquire o processo de industrialização. Aumentam nesta fase os marginais
urbanos, povoadores subempregados, ocupados em atividades praticamente im-
produtivas do setor terciário, por não encontrar outra alternativa. Destaca-se tam-
533
Cf. R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.46-47.
bém o papel da extensão geral das comunicões que passa a melhor possibilitar e
contribuir com a constituição de sindicados e grupos de representação de campo-
neses, assalariados e, em certa medida, dos que prosseguem em formas pré-
capitalistas de trabalho
534
.
Em nível dos núcleos de poder político, afirma-se nesta etapa, o papel dos
movimentos reformistas e de seus dirigentes. Embora neste trabalho de síntese
não se possa ter presente a especificidade e distinção dos movimentos políticos,
pode-se dizer que os movimentos mais próprios dessa fase têm geralmente as ca-
racterísticas decorrentes do populismo e do nacionalismo. A presença de uma
classe operária organizada e de uma massa marginal que começa a chegar às capi-
tais obriga os líderes políticos a buscar sua legitimidade em termos que incorpo-
rem essas massas, pelo menos no ardor das manifestações. Os inimigos visualiza-
dos são as velhas oligarquias, porém, sem uma definição precisa delas. Os movi-
mentos populistas assumem, desta forma, características ambíguas, amplas e fle-
xíveis. Além da conjuntura econômica favorável, tornam-se afins à cultura políti-
ca afetiva e caudilhesca que corresponde, nesse momento, à maioria do povo lati-
no-americano. Isso faz com que os novos grupos hegemônicos da classe dirigente
aprendam a tolerá-los e até utilizá-los em benefício próprio
535
.
C. Internacionalização do mercado
Em meados da década de 50, as exportações latino-americanas voltam a
decrescer e a fase de constituição do mercado interno entra em crise. Isso indica
que a industrialização substitutiva dependia das divisas geradas pela exportação.
Com isso evidencia-se que a divisão internacional do trabalho não havia mudado
e, dentro do sistema capitalista unificado, a América Latina continuava a depender
basicamente de sua produção de matérias-primas. Nesse momento, as novas uni-
dades financeiras e pluriprodutivas capitalistas, os chamados conglomerados
transnacionais, tomam posição e continuam o processo de industrialização onde o
capital privado e os estados desenvolvimentistas não podem conduzi-lo por si
sós. O vulto e a estrutura dos mercados nacionais, somados à natureza da evolu-
ção tecnológica inadequada e à inadequação entre os recursos produtivos disponí-
veis e os fatores econômicos necessários ao desenvolvimento econômico, foram
534
Cf. R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.47.
535
Cf. Ibid., p.48-49.
os fatores que contribuíram para provocar o impasse da industrializão substitu-
tiva. O resultado desse processo é que a América Latina industrializa-se como
extensão e periferia da sociedade de consumo. Nessa mesma medida, marginaliza
as camadas majoritárias de sua população que, expulsas de seus arcaicos modos
de produção, não encontram inserção numa dinâmica industrial que os ignora.
Com isso as conexões entre o novo modelo de industrialização recolonizadora, o
sistema capitalista internacional de que é parte e a estrutura de poder político, ide-
ológico e militar que a sustenta, “atingem hoje um grau de visibilidade jamais
alcançado na América Latina”
536
. Daí que o conflito político revela toda a profun-
deza e extensão de uma alternativa radical.
Em nível político, a revolução cubana torna-se o detonante principal, que,
de certo modo, polariza as opções. A partir de 1960 vai tornando-se claro que Cu-
ba assume uma via de desenvolvimento que, ao mesmo tempo que a lança para
fora do sistema capitalista, pode permitir-lhe reorientar efetivamente a economia
nacional a partir das necessidades de seus membros. Nos primeiros anos da déca-
da de 60, a consciência do impasse do “desenvolvimento para dentro não foi
muito além de pequenos núcleos em boa parte marxistas. A Aliança para o Pro-
gresso, com a promessa kennedyana de uma “revolução na liberdade”, os estudos
estruturalistas do CEPAL, que ainda mantêm sua confiança na industrialização, a
vitória democrata-cristã de Frei no Chile, são elementos que dão a imagem de
uma alternativa não bipolar, porém, pluripolar. A defesa do desenvolvimentismo
chega quando suas chances econômicas já estão esgotadas. A industrialização
substitutiva fica paralisada, aumenta o endividamento externo, agrava-se a crise
da balança de pagamentos. As industrias nacionais tornam-se direta ou indireta-
mente filiais ou dependentes dos grandes conrcios internacionais
537
.
Neste contexto, a crise social faz-se visível e, ao mesmo tempo, o sistema
político reage defensivamente, com o apoio norte-americano, decidido a impedir
outra Cuba. As fórmulas populistas parecem perder terreno. A dominão burgue-
sa, fundada em boa parte nas características gerais, não políticas, do processo
social, impele as forças armadas a tomar o poder no Brasil e na Argentina. Atra-
vés de uma espécie de “processo de reconstrução social”, o estado capitalista atua
e interm em todos os planos. No econômico, pela exigência de uma racionaliza-
536
R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.50.
537
Cf. Ibid., p.50-51.
ção urgente da planificação nacional, dada a magnitude de capitais, da tecnologia
e as exigências infra-estruturais impostas pela fase capitalista de então. No plano
ideológico, desenvolver-se-á, coordenada em nível internacional, uma campanha
de defesa da liberdade, centrada na crítica ao totalitarismo marxista, manipulando
as notícias e aproveitando todos os recursos
538
.
Neste período, a esquerda desenvolve até 1968 sua expressão mais radical
de guerrilha rural. Depois disso, os movimentos de guerrilha urbana foram conti-
dos pelo aparato policial e repressivo. Assim a profundidade da crise no continen-
te latino-americano se expressa na escassez do jogo político aberto e na falta de
acordo sobre os mecanismos de competência. Em termos internacionais, a corre-
lação política de forças favorece os defensores do sistema. Exceto Cuba, só o Chi-
le é, neste período, governado por uma coalizão socialista, enquanto neste contex-
to adquire importância a autonomia do governo militar peruano, que proclama
uma sensata repulsa à via capitalista. Enfim, os países que passaram superficial-
mente pela fase de industrialização substitutiva foram absorvidos pelas novas
formas hegemônicas da economia internacional, embora se reconha que isso
não nega a originalidade de cada situação e a diferença de estruturas econômico-
sociais que distingue os países da região. É neste contexto que, segundo R.A. Co-
bián, se dá a alternativa contemporânea à época da realização de El Escorial
539
.
Trata-se da alternativa básica que surge da contradição fundamental que
opõe, de um lado, a dinâmica do capitalismo internacional e, de outro, as necessi-
dades humanas elementares das classes populares latino-americanas. O esboço
histórico composto das três fases acima abordadas visou justamente oferecer os
principais elementos para entender o processo e a profundidade desta contradição
e alternativa em que, à época da realização de El Escorial, encontra-se a América
Latina. Com isso, assim se crê, foi possível indicar os principais marcos sócio-
econômicos e políticos que retratam a História da América Latina, sob a perspec-
tiva de sua dimensão sócio-econômica e política, segundo a leitura que dela se faz
em El Escorial. Em complemento a esta leitura, aprofundar-se-á a seguir a temáti-
ca fundamental e básica a partir da qual se lê a realidade social, econômica, políti-
ca, cultural, religiosa e ideológica da América Latina em El Escorial, a saber, a
questão do desenvolvimento-subdesenvolvimento.
538
Cf. R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.51.
539
Cf. Ibid., p.51-52.
1.2. Gonzalo Arroyo e a questão do subdesenvolvimento e
desenvolvimento na América Latina
A descrição da situação cio-econômica é completada pela análise da
questão do subdesenvolvimento e do desenvolvimento na América Latina. Quem
propõe esta análise em El Escorial é o economista chileno Gonzalo Arroyo em
suas duas comunicações Pensamento latino-americano sobre desenvolvimento e
dependência externa e Considerações sobre o subdesenvolvimento da América
Latina
540
. Estas duas comunicações apresentam uma panorâmica da situação só-
cio-econômico e política da América Latina que contribui decisivamente para a
análise de Rolando Ames Cobián e, portanto, para a compreensão da realidade
latino-americana das décadas de 60 e início de 70, sob a perspectiva da sua di-
mensão política e econômico-social, tal como esta é interpretada em El Escorial.
1.2.1. O pensamento latino-americano sobre o desenvolvimento e
a dependência externa
Nesta comunicação, Gonzalo Arroyo
541
pretende dar uma visão geral sobre
a pesquisa latino-americana a respeito do desenvolvimento. Procura passar em
revista os mais relevantes trabalhos, principalmente de autores latino-americanos,
sobre o tema. Busca pôr em relevo os trabalhos que de fato marcam uma etapa na
compreensão dos problemas do subdesenvolvimento, vistos pelo ângulo funda-
mental do encontro de El Escorial, a saber, pelo ângulo latino-americano.
O ponto de partida de Gonzalo Arroyo é a constatação de que o pensamen-
to latino-americano sobre o desenvolvimento se orienta e parte de um diagnóstico
pessimista no campo econômico, em que destaca-se, a partir da década de 60, um
estancamento do crescimento. É pessimista também o diagnóstico no campo so-
cial, onde a estratificação social, fortemente desequilibrada, cria uma distribuição
de lucros que mantém em baixíssimas condições de vida vastos setores da perife-
ria rural e suburbana, gerando o descontentamento social, deixando insatisfeitas as
aspirações desses setores marginalizados da emergente classe média. Por fim,
também é pessimista o diagnóstico no campo político, marcado pela ausência de
540
Cf. G. ARROYO, Pensamento Latino-americano sobre desenvolvimento e dependência exter-
na, p. 270-283; Id., Considerações sobre o subdesenvolvimento da América Latina, p.284-294.
541
Seguir-se-ão as principais idéias de Gonzalo Arroyo presentes na comunicação feita em El
Escorial Pensamento latino-americano sobre desenvolvimento e dependência externa, p.270-283.
participação política de vastos setores da população, pela consolidação de gover-
nos autoritários e antidemocráticos, e pelas grandes dificuldades internas para os
regimes de democracia parlamentar. Soma-se a isso a reversão da política exterior
norte-americana que se alia às oligarquias nacionais em detrimento de planos de
reforma social. Percebe-se assim que a situação caracteriza-se pela ausência de
perspectivas de desenvolvimento. Toma-se consciência de que a brecha econômi-
ca e científico-tecnológica aumentou e não se eliminaram, antes tendem a multi-
plicar-se, os obstáculos externos que freiam o crescimento econômico dos países
latino-americanos
542
.
A partir deste diagnóstico pessimista é possível abordar os principais estu-
dos sobre o desenvolvimento latino-americano em 5 pontos. O primeiro coloca em
questão a viabilidade do desenvolvimento capitalista para a América Latina. A
tese otimista sustenta uma ideologia desenvolvimentista e propõe que a iniciativa
privada, sob a proteção de um capitalismo internacional demarcado por um siste-
ma de planejamento indicativo, é capaz de desenvolver, mediante a reforma de
algumas estruturas arcaicas e deficientes, os enormes recursos naturais que exis-
tem na América Latina
543
. a tese pessimista afirma a absoluta impossibilidade
de todo o desenvolvimento dentro das estruturas capitalistas da época, considera-
das globalmente como sistema
544
.
O segundo grupo de estudos referentes ao desenvolvimento latino-
americano é classificado por Gonzalo Arroyo como aquele grupo teórico que con-
segue analisar o subdesenvolvimento como um processo global e dialético. Ante a
inviabilidade do desenvolvimento latino-americano nos padrões do capitalismo
internacional, um consenso cada vez maior entre especialistas. Este consenso
baseia-se na perspectiva de compreensão do subdesenvolvimento como um pro-
Parte desta comunicação é bem anterior a El Escorial. Foi publicado em forma de revisão biblio-
gráfica em: MENSAJE 173 (1968) 516-520.
542
Segundo Gonzalo Arroyo, esta consciência não é de especialistas em ciências sociais e polí-
ticas, mas da própria Comissão Especial de Coordenação Latino-americana (CECLA), que se
reuniu em junho de 1969 em Viña del Mar para analisar os dez anos de colaboração internacional
entre Estados Unidos e América Latina. Cf. G. ARROYO, Pensamento Latino-americano sobre
desenvolvimento e dependência externa, p. 271. Confira também p.271-272 nota 4.
543
Segundo Arroyo, esta tese foi defendida pelo Cepal em tempos anteriores e na época próxima a
El Escorial era defendida pelo brasileiro Roberto de Oliveira Campos. Cf. Ibid., p.272, nota 5.
544
Esta tese é apoiada, segundo Arroyo, em quatro argumentos econômico-políticos que o apre-
sentados por ele recorrendo especialmente aos autores: F.H. Cardoso, F. Bourricaud, O. Sunkel, A.
Pinto, A. Reyena, E. Faletto, H. Jaguaribe e outros. Cf. os quatro argumentos e a ampla bibliogra-
fia que os justifica em: Gonzalo ARROYO, Pensamento Latino-americano sobre desenvolvimento
e dependência externa, p. 272-275, notas 6-12.
cesso social global que, englobando o aspecto econômico, não se restringe a ele.
O subdesenvolvimento latino-americano não é resultado de um atraso do desen-
volvimento”. Rejeita-se aqui as pseudo-teorias do subdesenvolvimento, bem como
os esquemas abstratos que procuram explicá-lo. Rejeita-se ainda as teorias sociais
e culturais que reduzem o subdesenvolvimento a um atraso cultural. “Tais mode-
los importados são denunciados como altamente ideologizados, pois escondem
dos países pobres as verdadeiras causas do subdesenvolvimento”
545
. Com isso o
subdesenvolvimento, principalmente a partir das mudanças de atitude da CEPAL,
anteriormente definido sobretudo em termos econômicos e estudado pelas disci-
plinas sociais não-econômicas, sob o seu prisma peculiar, passa a ser objeto de um
esforço interdisciplinar que procura detectar o jogo das variáveis demográficas,
econômicas, sociais, políticas, culturais e religiosas, implicadas e interdependen-
tes nesse processo social global que afeta a América Latina.
Além disso vai-se criando, segundo Gonzalo Arroyo, um certo consenso
sobre o fato de que o processo do subdesenvolvimento também deve ser estudado
como problema concreto e histórico, a partir de sua relação com o desenvolvimen-
to do capitalismo industrial no espaço econômico em que está situada a América
Latina. Rejeitam-se assim as teorias do dualismo estrutural, segundo as quais o
subdesenvolvimento caracterizar-se-ia pela justaposição de um setor tradicional e
outro moderno, de um setor feudal e outro capitalista, como fase preliminar da
constituição da sociedade urbana e industrial que se aproximaria do processo de
desenvolvimento. O erro desta perspectiva está em negar a relação existente entre
os dois setores: o subdesenvolvimento é uma noção “dialética” e, na América La-
tina, não pode ser compreendido fora de sua relação com o desenvolvimento capi-
talista nacional e internacional
546
. Enfim, o subdesenvolvimento - e o desenvol-
vimento – devem ser entendidos como um processo social global e hisrico, e sua
análise científica exige um enfoque estrutural dialético
547
.
O terceiro núcleo de estudos sobre o subdesenvolvimento latino-americano
volta-se para o problema do subdesenvolvimento e dependência externa. Segundo
Gonzalo Arroyo, aparece um movimento de estudo e reflexão sob um ângulo an-
545
G. ARROYO, Pensamento Latino-americano sobre desenvolvimento e dependência externa, p.
275.
546
Para uma visão detalhada deste aspecto dos estudos do subdesenvolvimento latino-americano,
bem como para a justificação bibliográfica de seus teóricos, cf.: Ibid., p.275-277 e notas 13-20,
547
Cf. Id., Considerações sobre o subdesenvolvimento da América Latina, p.285.
tes quase exclusivamente reservado às discussões de círculos políticos de esquer-
da. Trata-se da nova leitura do neo-imperialismo ou a dependência externa dos
países latino-americanos com relação aos Estados Unidos e a seus satélites capita-
listas europeus. Aqui emerge a consciência da exisncia do imperialismo estrutu-
ral. Começa a circular a idéia de que não há um enriquecimento progressivo do
centro com prejuízo da periferia, mas que estruturalmente o capitalismo açambar-
ca cada vez mais a favor do centro a tecnologia e os capitais, de maneira que, pro-
gressiva e irreversivelmente, os países periféricos se encontrarão em total incapa-
cidade de desenvolver-se
548
.
O quarto núcleo de estudos latino-americanos sobre o subdesenvolvimento
retratado por Gonzalo Arroyo, aborda-o em sua relação com a cooperação inter-
nacional. A aceitação da dependência externa como uma das mais importantes
variáveis do subdesenvolvimento propiciou outros estudos análogos sobre as in-
versões estrangeiras, sobre a assistência técnica e os programas políticos de ajuda
à América Latina. Nestes estudos, analisam-se as vantagens e os inconvenientes
das inversões estrangeiras na promoção do desenvolvimento latino-americano
549
.
Por fim, Gonzalo Arroyo chama a atenção para o quinto núcleo de estudos
do subdesenvolvimento. Trata-se do tema da dependência externa na história e na
gênese do subdesenvolvimento. Este é, na época da realização de El Escorial, um
tema que apenas começa a ser estudado. Entre os principais teóricos deste novo
nixo de reflexão estão Celso Furtado, Aníbal Pinto, Fernando Henrique Cardoso,
Enzo Faletto. Estes apontam para diferentes modelos de dependência da América
Latina. Neste contexto, a obra que mais suscita, no período, o debate é a do eco-
nomista Andrew Gunder Frank
550
. Sua tese, ao mesmo tempo oposta ao enfoque
burguês, como também ao marxista-oficialista, sustenta que o subdesenvolvimen-
to é o resultado inelutável de quatro séculos de desenvolvimento capitalista e das
contradições internas do mesmo capitalismo monopolista. Como resultado da a-
plicão desta tese, Andrew Gunder Frank sustenta que até não se cortarem todos
548
Entre os principais tricos latino-americanos que tomaram parte nesta tomada de consciên-
cia” da existência do imperialismo estrutural estão, segundo Arroyo, Hélio Jaguaribe, Celso Fur-
tado, Osvaldo Sunkel. Para uma explicitação detalhada deste processo de tomada de consciência
na reflexão trica latino-americana sobre o subdesenvolvimento como dependência externa cf.:
Id., Pensamento Latino-americano sobre desenvolvimento e dependência externa, p. 277-279.
549
Cf. Ibid., p.279-281.
550
Trata-se da obra: A.G. FRANK, Capitalism and Underdevelopment in Latin America. Histori-
cal Studies of Chile and Brazil. Nova Iorque, 1967. Citado em: Gonzalo ARROYO, Pensamento
Latino-americano sobre desenvolvimento e dependência externa, p. 281, nota 40.
os vínculos com o desenvolvimento capitalista mundial, o máximo a que países
como Brasil e Chile (são os casos de estudo de Frank) podem chegar é ao “desen-
volvimento do subdesenvolvimento”. Não existe, desta forma, probabilidade al-
guma de desenvolvimento para o capitalismo nacional. Como resultado, o cami-
nho que leva ao desenvolvimento econômico e ao progresso social deve passar
pela revolução armada que leva ao socialismo
551
.
1.2.2. Considerações sobre o subdesenvolvimento da América Latina
Esta comunicação de Gonzalo Arroyo
552
é proposta em continuidade à
comunicação anterior. Nela o autor pretende abordar a mais recente literatura,
com o objetivo de assinalar as novas contribuições teóricas à doutrina do subde-
senvolvimento em nossos países
553
. Um segundo objetivo desta comunicação é,
segundo Gonzalo Arroyo, analisar, à luz dos dados empíricos, essas novas contri-
buições teóricas, com o fito de detectar o sentido tendencial do subdesenvolvi-
mento da América Latina em uma época de relativo estancamento econômico e
retrocesso institucional, em face da crescente insatisfação do povo e da impaciên-
cia de grupos revolucionários que proliferam pelo continente. Nesta perspectiva, o
ponto de partida de Gonzalo Arroyo é a compreensão do subdesenvolvimento
como um processo social global e histórico que exige uma análise científica com
enfoque estrutural dialético
554
.
A literatura, quando da comunicação proposta por Gonzalo Arroyo em El
Escorial, pode ser dividida em três pontos. Primeiro, há novas contribuições refe-
rentes aos dados empíricos e ao esgotamento do capitalismo dependente. Conclui-
se aqui que, a partir da confrontação com os dados empíricos, não se pode afirmar
sem mais que o capitalismo dependente estaria próximo de seu esgotamento eco-
nômico. O segundo ponto a se destacar é a relação entre a teoria do subdesenvol-
vimento e sua historicidade. O problema que está em questão é a aplicação da
análise teórica do subdesenvolvimento, feita em um elevado plano de abstração, a
uma sociedade concreta. Conclui-se que é legítimo usar a teoria para estudar e
551
Cf. A.G. FRANK, op. cit., p.134. Citado em: Gonzalo ARROYO, op. cit., p.282, nota 42.
Mesmo indicando que há algumas falhas nesta perspectiva de Frank, Gonzalo Arroyo afirma que o
principal mérito desta obra consiste em abrir com êxito novas pistas de reflexão aos intelectuais
latino-americanos. Cf. nota 43.
552
Segue-se aqui a comunicação apresentada em El Escorial: Gonzalo ARROYO, Considerações
sobre o Subdesenvolvimento da América Latina, p.284-293.
553
Ibid., p.285.
554
Cf. Ibid., p.285.
compreender em sua historicidade a sociedade concreta, porém, não se pode pre-
tender predizer de modo preciso a evolução histórica de uma sociedade, em cada
momento de seu processo social. Na realidade, percebe-se que a análise empírica
conjuntural é muito mais complexa que a teórica, e que a primeira exige, com
efeito, verdadeira ascese intelectual, que leva a aceitar que certos dados empíricos
não combinam às vezes com a teoria, o que pode dar margem à reformulação da
própria teoria. Por fim, em terceiro lugar, a literatura latino-americana avançou na
leitura das relões entre base econômica e superestrutura. Trata-se aqui, de modo
prático, da relação entre a estrutura econômica e a superestrutura jurídico-política
e as representações e modo de comportamento social
555
.
Desta análise, Gonzalo Arroyo conclui pela aceitação de que a dinâmica
do modo de produção dependente gera e reproduz o subdesenvolvimento e, por-
tanto, tende a seu esgotamento dinâmico. Porém, a forma histórica do capitalismo
dependente na América Latina, através das transformações da superestrutura polí-
tica e ideológica, pode prolongar ainda, sob o impulso do dinamismo da estrutura
capitalista central, um processo de modernização em certos centros urbano-
industriais. Esta modernização vem aparelhada de concentração do poder econô-
mico, de desnacionalização da economia e de marginalização de setores mais ou
menos importantes da população, conforme o grau de urbanização, o tamanho do
espaço econômico, o nível de desenvolvimento em que se inicia o processo. Esta
espécie de flexibilidade da estrutura capitalista dependente, segundo Gonzalo
Arroyo, talvez seja a que torne possível substituir o capitalismo por um modo de
produção socialista. Por isso é que para Gonzalo Arroyo, na época da realização
de El Escorial, “redobrou-se este interesse com o triunfo nas urnas do candidato
de esquerda nas eleições chilenas, que abre possibilidades a uma via de desenvol-
vimento socialista e nacionalista”
556
.
Que conclusão é possível tirar frente a estas comunicações de Gonzalo
Arroyo propostas em El Escorial? Parece que é fundamental perceber que se trata
de características do pensamento latino-americano emergente que terão um impac-
to decisivo na leitura que se fará do papel da presença cristã na transformação
social latino-americana, tal como propõe El Escorial. Além disso, percebe-se que
a leitura do subdesenvolvimento, tal como vai se desenvolvendo nos núcleos teó-
555
Cf. G. ARROYO, Considerações sobre o subdesenvolvimento da América Latina, p.285-293.
556
Ibid., p.293.
ricos e nas considerações de Gonzalo Arroyo, coloca o mesmo no quadro geral da
sociedade latino-americana. Trata-se de um fenômeno cultural, político, econômi-
co, social, religioso e ideológico. Portanto, a leitura do subdesenvolvimento con-
siste na leitura da própria Hisria latino-americana vista como acontecer humano
pluridimensional. É nesta História multidimensional que a presença cristã é desa-
fiada a ser relevante e transformadora. Mas, para tal, é preciso conhecê-la e inter-
pretá-la. Parece que aqui uma indicação relevante a ser devidamente aprofun-
dada nesta pesquisa, para a leitura que se fará do papel das Ciências Sociais na
tarefa do fazer teológico latino-americano.
1.3. Dependência e subdesenvolvimento como chave interpretativa
da realidade sócio-econômica e política da Arica Latina
A partir da análise das exposições de Rolando Ames Cobián e Gonzalo Ar-
royo, percebe-se que uma consciência crescente da dominão política e da
dependência e exploração econômica na América Latina. Compreende-se que a
América Latina está inserida no processo de expansão do sistema econômico-
social capitalista. Do esforço de recompreensão e reinterpretação do lugar e do
papel da América Latina no processo de expansão do sistema capitalista surge o
conceito de dependência que caracteriza social, política, econômica, cultural, ide-
ológica e religiosamente a América Latina. A América Latina é produto e parte do
sistema capitalista internacional. Seu subdesenvolvimento é resultado do desen-
volvimento dos países centrais e é mantido por forças político-econômicas latino-
americanas associadas às forças representativas do capital internacional e da polí-
tica expansionista européia e, principalmente, norte-americana.
Da percepção e consciência da situação histórica de dependência econômi-
co-política é que emerge o conceito de libertação. Este caracteriza o processo de
reação às forças de domínio, dependência e exploração. Este processo de reação
emerge graças à consciência da situação e ao esforço de reinterpretação e recom-
preensão da realidade latino-americana. Toma-se consciência de que ante as for-
ças de dominação, exploração e dependência que caracterizam a América Latina,
urge desencadear as forças de libertação. Emerge assim o processo de libertação
que, assim como a dependência e a dominação, caracteriza a situação latino-
americana em todas as dimensões que compõem sua História.
Assim, a análise das exposições de Rolando A. Cobián e de Gonzalo Arro-
yo permite identificar contribuições significativas para a verificação da hipótese
da mútua relevância na configuração metodológica da Teologia da Libertação
latino-americana. Tais contribuições versam sobre as análises vigentes à época da
realização de El Escorial sobre a interpretação da realidade social, política e eco-
nômica da América Latina. Neste sentido, pode-se indicar três contribuições fun-
damentais das análises do subdesenvolvimento e da dependência.
A primeira contribuição refere-se à percepção de que o subdesenvolvimen-
to latino-americano é um fenômeno decorrente de um processo social, global e
histórico que exige uma análise científica através de um enfoque estrutural dialéti-
co. Quem melhor explicita esta contribuição é Gonzalo Arroyo, que recolhe as
análises do subdesenvolvimento latino-americano de então junto aos cientistas
políticos, economistas e sociólogos. Reunindo as principais teses das análises e-
conômicas da escola estruturalista, Gonzalo Arroyo evidencia a pertinência e rele-
vância de uma leitura e interpretação global, estrutural e dialética do subdesenvol-
vimento latino-americano. É essa interpretação global, estrutural e dialética que
predominará dentro da reflexão teológica como a mais relevante e adequada para
a interpretação e análise da realidade pluridimensional da América Latina.
As duas exposições de Gonzalo Arroyo têm o mérito de situar e caracteri-
zar a interpretação global, estrutural e dialética do subdesenvolvimento latino-
americano. Tal interpretação caracteriza-se pela negação do desenvolvimentismo
como via de desenvolvimento para a América Latina e por partir de um diagnósti-
co pessimista no campo social, econômico e político. Nesta perspectiva, a inter-
pretação global, estrutural e dialética constata a ausência de perspectivas de de-
senvolvimento para a América Latina. Em decorrência disso, preocupa-se em
analisar o problema do subdesenvolvimento e suas causas. Constata que o mesmo
constitui-se em um processo social global e histórico.
A análise científica de tal processo, atras de um enfoque estrutural dialé-
tico, permite concluir que o subdesenvolvimento latino-americano é resultado do
processo de expansão capitalista internacional cujo centro hegemônico é, primei-
ramente, a Europa e, posteriormente, também os Estados Unidos. Assim o subde-
senvolvimento latino-americano é o resultado do desenvolvimento europeu e nor-
te americano. Isso graças ao modelo de desenvolvimento dependente que países
centrais e desenvolvidos impõem a países periféricos e subdesenvolvidos.
Em íntima relação com esta primeira contribuição, uma segunda, que
diz respeito à dependência e suas causas. É ante a consciência da dependência que
emerge o desafio da libertação e o processo de libertação. A Teologia da Liberta-
ção, como reflexão crítica a partir da fé, parte deste processo de libertação e da
presença e compromisso dos cristãos com o mesmo. Desta forma, a correta análise
e compreensão da dependência tornar-se-á fundamental tanto para o processo de
libertação, como também para a própria Teologia e para a reflexão teológica sobre
os caminhos de libertação. O ponto de partida para se falar da dependência é a
constatação de que a situação latino-americana faz parte de um processo maior, a
saber, a expansão imperialista. Esta constatação ocorre quando, a partir dos anos
60, emerge uma nova leitura da realidade através das Ciências Humanas. Através
desta nova leitura, toma-se consciência crescente da situação de dependência a
que está submetida a América Latina, bem como das exigências de libertação.
Portanto, é no marco de uma nova interpretação e investigação da realidade que
emergem o conceito de dependência e a conseqüente exigência de libertação que
estará na raiz do processo de libertação.
Rolando A. Cobián contribui significativamente através de sua exposição
em El Escorial por demonstrar os passos nucleares da evolução do processo de
dependência ligado ao processo social e político latino-americano. Constata que a
dependência, que perpassa todas as fases da evolução econômica e político-social
latino-americana, é amalgamada e sedimentada por um processo político de do-
minação. Assim a idéia de dependência passa a ser a descrição deste processo de
dominação e a libertação uma exigência dela decorrente. Estes conceitos - emer-
gentes primeiramente nas Ciências Sociais latino-americanas para descrever a
situação latino-americana do ponto de vista econômico, social e político serão
assumidos e interpretados teologicamente pela nascente Teologia da Libertação.
Uma terceira contribuição que as exposições de Rolando Ames Cobián e
Gonzalo Arroyo trazem para compreender a situação econômica, política e social
da América Latina que estará presente na exigência de uma Teologia libertadora
diz respeito à correlação entre a situação de subdesenvolvimento latino-
americana, sustentada pelo processo de dominão e dependência com as forças
político-sociais. Por um lado, evidencia-se a existência de um sistema de coerção
e subjugação levado a cabo pelas forças dominantes. Tal sistema tem a função de
evitar crises mais violentas dentro do processo de dominação bem como de man-
ter a dependência e suas estruturas econômicas, políticas e sociais de sustentação.
Por outro lado, evidencia-se que com a emergência da consciência da dependên-
cia, o processo político assume novas características gerando a crise social que
ganha expressão na escassez do jogo político aberto, na militarização da América
Latina e na marginalizão econômica. Como resultado impõe-se uma alternativa
básica que surge da contradição fundamental que opõe, de um lado, a dinâmica do
capitalismo internacional, e de outro, as necessidades humanas elementares das
classes populares latino-americanas. Neste contexto é que está a revolução social
como a alternativa possível rumo a um novo modelo de desenvolvimento livre das
amarras da dominação e da dependência.
2. A situação político-ideológica: os movimentos e ideologias latino-
americanas segundo José Comblin
Para conhecer a Hisria latino-americana que é considerada relevante para
a Teologia segundo El Escorial, é preciso considerar também as dimensões políti-
co-ideológicas que compõem o complexo conjunto político da América Latina.
Esta dimensão é apresentada em El Escorial por José Comblin
557
. Este trabalho de
José Comblin contribui para situar e interpretar as forças ideológicas, os movi-
mentos e as formas de poder então vigentes na América Latina.
O ponto de partida de José Comblin é a afirmação de que os movimentos e
ideologias latino-americanos que atuam na América Latina quando da realização
do encontro de El Escorial são, na verdade, etapas de um dinamismo mais amplo,
a saber, do nacionalismo do século XX. A revolução mexicana de 1910 anuncia e
esboça este novo nacionalismo. Os povos latino-americanos acordam de sua ilu-
o de independência e procuram sua identidade, seu ser, seu lugar no mundo.
Trata-se da intensificação de um movimento que já começa no século XIX, quan-
do alguns latino-americanos se descobrem em uma experiência de não ser”, de
“não existir”, ou de existir apenas como reflexo de uma civilização dominante que
os reduziu à condição de marginalizados. Assim a História latino-americana do
culo XX foi e é, cada vez mais, a História do seu nascimento, Hisria de uma
revolução nacional que ainda não encontrou expressão definitiva. É a História
cheia de revoluções nacionais a significarem, todas, uma “confissão de fracasso
557
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.92-115.
da grande revolução nacional, a revolução da grande pátria latino-americana. O
culo XIX traiu seus libertadores e cumpre ao século XX resgatar e reavivar seus
projetos históricos. A luta pela independência latino-americana é a luta ideológica
entre projetos históricos distintos. Os movimentos e ideologias dos fins dos anos
60 e início da década de 70 são parte e expressão deste nacionalismo latino-
americano que luta por uma identidade ppria. Para compreendê-los é mister uma
visão global do nacionalismo do século XX. A partir desta visão geral é que se
pode situar os movimentos e ideologias latino-americanos, bem como é possível
melhor compreender como se vinculam com o nacionalismo os dinamismos se-
cundários dos movimentos marxistas e dos que se apresentam como cristãos
558
.
2.1. O nacionalismo latino-americano
A evolução hisrica latino-americana entre 1910 e 1972, interpretada a
partir da chave de leitura do nacionalismo, pode ser dividida em três datas sim-
licas que se constituem em acontecimentos-chave a propiciarem uma série de no-
vos acontecimentos: trata-se da revolução mexicana (1910), da grande crise eco-
nômica do sistema ocidental (1929) e da revolução cubana (1959).
2.1.1. De 1910-1929: pacto neocolonial e anúncio da luta anticolonial
O pacto colonial instalado na segunda metade do culo XIX entre Améri-
ca Latina e as potências industrializadas domina até a crise de 1929. Ele determina
todos os aspectos da vida: economia, política e cultura. Segundo este pacto, as
nões latino-americanas especializam-se na agricultura, pecuária e mineração.
Exportam-se os produtos primários para os países industrializados e se adqui-
rem os produtos manufaturados. Duas classes sociais aliadas dominam a socieda-
de: as oligarquias do campo e das minas e os exportadores-importadores. Com
apoio das potências industrializadas essas classes assumem todo o poder político.
Neste contexto, a cultura é produto de luxo para os filhos ociosos das oligarquias
e sua função é manter o sentimento de superioridade da cultura das nações ociden-
tais e, portanto, proporcionar o fundamento ideogico do pacto colonial.
Três acontecimentos, ante o pacto colonial triunfante, anunciarão e prepa-
rarão novos tempos. Trata-se da revolução mexicana (1910), do movimento de
558
Cf. J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.92-93.
reforma universitária de Córdoba (1918) e da criação do APRA (Aliança Popular
Revolucionária Americana) no México em 1924. Segundo José Comblin, nestes
três acontecimentos pode-se reconhecer a presea dos principais fatores da revo-
lução nacional latino-americana
559
.
A revolução mexicana, desde as origens, ressalta o conceito fundamental
da revolução latino-americana, a saber, o conceito de povo. O eixo motriz da re-
volução latino-americana está na busca da expressão, na afirmação e no reconhe-
cimento do povo como povo
560
. O conceito de povo refere-se sempre ao índio.
Ele é o o-povo, essa raça que perdeu sua razão de ser, seus valores, sua identi-
dade. Ele demonstra, em sua forma mais cruel, a marginalização das massas hu-
mildes. O povo exclui todas as oligarquias conquistadoras: espanhóis, ingleses,
norte-americanos e todos os seus fâmulos, e opõe-se à Igreja tradicional, a seu
poder econômico, social, religioso, posto a serviço das estruturas oligárquicas. A
luta pelo povo implica a luta antiimperialista e antifeudalista. Por isso, dois gestos
serão os símbolos fundamentais e as reivindicações essenciais da revolução do
povo: a reforma agrária e a nacionalização dos recursos naturais. “Na América
Latina, a revolução é antes de tudo libertação do povo, e esta consiste em restituir-
lhe a riqueza que os brancos lhe roubaram: a terra em seus dois aspectos, terra do
campo que cultiva, terra do subsolo que se explora em forma de mineração e e-
nergia”
561
. Decorre disto o papel simbólico da classe camponesa na revolução,
pois é ela que simboliza e vive a alienação fundamental, o roubo da terra sem a
qual um povo não pode ser povo. Libertar significa restituir ao povo sua terra.
Terra que lhe foi roubada pelos estrangeiros, pela oligarquia local ou pela Igreja.
A propriedade da terra por estes grupos é a expressão da máxima dominação
562
.
Na avaliação de José Comblin, o nacionalismo da revolução mexicana
opõe-se ao imperialismo e ao capitalismo, no que se refere à terra e aos recursos
naturais. Porém, permanece ambíguo quanto à indústria, ao imperialismo e colo-
nialismo industrial. Ao mesmo tempo que a revolução lutou pela reforma agrária,
pela distribuição de terras e pela nacionalização do petróleo permitiu a penetração
das grandes corporões capitalistas e constituiu nova burguesia nacional associa-
559
Cf. J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.93-94.
560
Segundo JoComblin, “mais que o socialismo, mais que a mudança econômico-social, mais
que a democracia e a justiça, a revolução latino-americana busca a expressão, a afirmação e o
reconhecimento do povo como povo”. Ibid., p.94.
561
Ibid., p.94.
da a grupos camponeses médios e à classe operária aristocratizada. Nisto a revolu-
ção mexicana fica na ambigüidade frente ao novo imperialismo industrial.
Ao dar início ao movimento revolucionário, o México apresentou-se como
terra de refúgio e fermentação para todos os movimentos revolucionários latino-
americanos. É no México que nasce o APRA e que acontece a primeira reunião
latino-americana de estudantes de um movimento nascido em Córdoba (1921). O
movimento de Córdoba é o segundo movimento significativo do nacionalismo do
culo XX, pois em rdoba se manifestou pela primeira vez a classe estudantil
que será, durante todo o século, o principal agente dos movimentos de mudança.
Este movimento de Córdoba lança a formação de uma consciência nova e nacio-
nalista. Proclama o direito à insurreição, simboliza e realiza, a um tempo, essa
insurreão, ao iniciar o movimento de reforma universitária. A partir de então as
revoluções latino-americanas foram antecipadas na universidade. Ao lutar contra
o autoritarismo na universidade, contra a cultura formal e o clericalismo, crêem os
universitários estar preparando e iniciando a revolução do povo. Com isso os inte-
lectuais reivindicam o papel de consciência e vanguarda do povo. A revolução
universitária torna-se o início da revolução do povo. Este fenômeno é fundamental
e torna-se parte integrante do nacionalismo latino-americano
563
.
O terceiro fato foi a criação do APRA. Trata-se de um movimento fundado
por Víctor Haya de la Torre, que inspirou-se diretamente nas idéias vinculadas em
Córdoba e na experiência da revolução mexicana. Para José Comblin, o APRA
sintetizou esses movimentos num programa que, em suas linhas fundamentais,
“foi reassumido até hoje por quase todos os movimentos políticos autóctones,
adaptado sem alterações radicais às novas condições materiais”
564
. O aprismo
apresenta-se como um movimento continental, supranacional e expressão da bus-
ca do ser próprio da “Indo-América”. Como movimento antifeudal e antiimperia-
lista o aprismo propõe um programa de independência cultural e econômica. Ba-
seia-se na aliança das forças populares, dos operários e camponeses e da classe
média baixa para constituir um estado forte, instrumento da libertação popular
565
.
562
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.94.
563
Cf. Ibid., p.94-95.
564
Ibid., p.95.
565
Haya de la Torre formula em cinco pontos seu programa: 1. Ação contra o imperialismo norte-
americano; 2. Pela unidade potica da América Latina; 3. Pela progressiva nacionalização de ter-
ras e indústrias; 4. Pela internacionalização do canal do Panamá; 5. Pela solidariedade com os
povos e classes oprimidas. Cf. Ibid., p.95.
O aprismo, aceita, entretanto, a colaboração do capital e das grandes com-
panhias estrangeiras. É preciso industrializar, constituindo um proletariado e uma
burguesia nacional, antes de passar ao socialismo. Contra o marxismo de seu tem-
po, De la Torre propõe a teoria da relatividade hisrica. Segundo esta teoria, o
marxismo é uma teoria adaptada a situações européias e todo marxismo latino-
americano seria uma forma de “europeísmo”. Neste quadro, a industrialização
imperialista seria necessária como estágio necessário e controlado por um estado
instrumento do povo para superar o feudalismo tradicional. Mesmo que Haya de
la Torre não tenha tido a possibilidade de realizar o aprismo em sua pátria, em
todo o continente latino-americano muitos movimentos o retomá-lo, tentando
apli-lo na segunda metade do século XX. Para isso esses movimentos aproveita-
rão as novas possibilidades históricas proporcionadas pela crise mundial de 1929
e pela guerra de 1939-1945 que acabou por prolongar os efeitos da crise de 29
566
.
2.1.2. De 1929 a 1959: a industrialização e o populismo
A crise econômica destruiu o equilíbrio do pacto neocolonial. A redução
de exportações obrigou a criação da indústria nacional. Os países menores não
conseguiram entrar na via da industrialização e caíram em instabilidade ou em
ditaduras oligárquicas. Os demais países entram na rota da industrialização, cons-
tituindo novas classes sociais, um proletariado industrial e uma burguesia nacional
industrial, independente do imperialismo e rival da indústria estrangeira. Esta é a
burguesia progressista. A Segunda Guerra Mundial faculta nova oportunidade de
independência econômica e seu influxo confirma o efeito da crise econômica de
1929. Neste contexto nasce o que se chamará de populismo. Trata-se de movi-
mentos em competição, porém, concordes no essencial. Suas ideologias têm vari-
ações, porém, há constantes que permitem diferenciá-las de outros movimentos de
épocas históricas anteriores ou posteriores. O populismo destaca o fato fundamen-
tal deste período histórico: pensou-se ter chegado ao momento de dar forma e e-
xistência ao povo. Os movimentos populistas são os que acreditam, ao mesmo
tempo, interpretar a voz do povo e constituir o povo como força e realidade social.
A partir disto, José Comblin aborda o populismo geral e em seguida os
movimentos populistas particulares, com suas ideologias. Quanto ao populismo
566
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.95-96.
geral propõe que a idéia fundamental do populismo consiste na aliança de forças
nacionais ou populares contra o feudalismo das oligarquias e do imperialismo.
Supõe interesses comuns entre a burguesia nacional, o proletariado e os campone-
ses. Esse interesse comum seria a luta contra a situação agrária arcaica, que priva
a indústria nacional de um mercado potencial em nível nacional e a luta contra a
pressão econômica estrangeira. Assim, três são os objetivos que podem reunir
estas classes nacionais: o nacionalismo, a industrialização e as reformas sociais.
É importante notar que a burguesia nacional exige que o movimento popu-
lar seja limitado e permaneça contido nos limites por ela controláveis. Em conse-
qüência, apóia movimentos e líderes populares que sabem limitar, disciplinar e
canalizar as forças dos proletariados. A diversidade de lideranças populares faz
com que haja diversidade de movimentos. Predominam líderes burgueses, da pe-
quena burguesia, na qual a juventude universitária desempenha papel importante
nos grupos junto aos líderes populistas. A política populista busca a nacionaliza-
ção das indústrias de base, dos serviços públicos, a criação de uma indústria pesa-
da nacional (petróleo e o como símbolos nacionais: Pemex, Petrobras, Volta
Redonda, etc.), a função de distribuição do Estado, a participação sindical e políti-
ca das massas aglutinadas em partidos e movimentos dirigidos pelo Estado popu-
lista. Visa-se a integração nacional e a libertação do povo é o objetivo final.
O populismo encontrou forte base ideológica nas novas teorias econômicas
propostas pelo CEPAL, depois da Segunda Guerra (1946). Neste período o
CEPAL propõe a industrialização planificada, critica o pacto colonial e seus re-
manescentes, critica o desequilíbrio do comércio internacional, propõe a união
latino-americana para formar um mercado que permita a expansão de indústrias
nacionais: uma espécie de “internacionalismo a serviço dos nacionalismos”. Ani-
mado por economistas dinâmicos como R. Prebisch, O. Sunkel, J. Ahumada, deu
aos movimentos populistas nova classe intelectual, modernizada e brilhante, cujo
representante mais eminente é o brasileiro Celso Furtado. Do CEPAL nasceu a
teoria desenvolvimentista clássica após a guerra e, posteriormente, a contribuição
latino-americana aos conceitos de desenvolvimento e subdesenvolvimento
567
.
No populismo, o desenvolvimento inclui o nacionalismo, reformismo, mu-
dança de estruturas e progresso social. Tudo em perspectiva democrática. Desta-
567
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.97 .
ca-se, nas ideologias elaboradas em perspectiva populista, a complexa doutrina
construída pelo ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros). Este foi criado
por Juscelino Kubitscheck e destinava-se a proporcionar aos herdeiros do popu-
lismo de Getúlio Vargas uma firme base teórica. Segundo José Comblin, o ISEB
trabalhou durante os últimos anos do populismo brasileiro (de 1957-1964) e foi
animado por eminente grupo de teóricos, ainda não superados em outros países,
como Álvaro V. Pinto, Hélio Jaguaribe, Cândido M. de Almeida, Guerreiro Ra-
mos, Roland Corbisier, lson W. Sodré. Quanto à doutrina do ISEB, pode-se
dizer que é uma nova versão, mais intelectualizada, mais elaborada e crítica, do
antigo programa do APRA. Tem maior resistência crítica ao capital estrangeiro.
Trata-se de um “APRA que passa por uma etapa de industrialização nacional”
568
.
Quanto aos populismos ou movimentos populistas particulares, com suas
ideologias peculiares, José Comblin propõe que no populismo, em geral, a bur-
guesia nacional procura o apoio popular para lutar contra as oligarquias agrárias e
os setores ligados ao imperialismo. Porém, ao mesmo tempo, limita a força popu-
lar para evitar mudanças sociais radicais. Para isso recorre a mediadores políticos,
sejam estes movimentos ou pessoas carismáticas. Estes tem a função de realizar as
tarefas do populismo e associar todas as classes progressistas num programa de
libertação nacional. Inicialmente pensou-se que o caminho seria por formas de-
mocráticas. É o que se tenta através do programa radical de Irigoyen na Argentina
e do primeiro programa de Getúlio Vargas no Brasil, em 1930. Ambos propõem
uma abertura para o setor industrial urbano e reformas sociais que se destinam a
constituir as novas forças sociais. Porém as circunstâncias mostram a fragilidade
das formas políticas tradicionais. Os populismos latino-americanos o passar por
uma fase carismática, em que militares da classe média progressista ou líderes
civis que podem contar com o apoio desta nova classe militar, vão promover as
políticas reformistas
569
. Esta fase é caracterizada pela atuação de chefes carismáti-
568
J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.98. Para Comblin, a ideologia do
ISEB parte do conceito de desenvolvimento, identificando-o com o de nacionalismo (ou de povo).
O desenvolvimento supõe a convergência de dois fatores. Um objetivo: a industrialização e o outro
subjetivo: a consciência nacional. A industrialização é a mudança que suscita a criação de novas
classes sociais em que se desenvolve uma consciência nacional. Na práxis da industrialização
nacional, formação de um mercado nacional, etc. molda-se a consciência nacional, a saber, a von-
tade de realizar um projeto de independência e existência nacional (o povo). Cf. Ibid., p.98.
569
É o que ocorre, segundo José Comblin, com Vargas (1930-1945) no Brasil, com Perón na Ar-
gentina, com Rojas Pinilla na Colômbia, com Ibáñez no Chile, com Paz Estensoro na Bolívia e
com a reanimação da revolução mexicana com Lázaro Cárdenas. Cf. Ibid., p.98.
cos que podem canalizar as aspirações populares em torno de sua pessoa e, ao
mesmo tempo, acalmar a burguesia nacional.
Com o término da Segunda Guerra Mundial, ocorre forte pressão contra os
sistemas ditatoriais carismáticos pelas vinculações com o fascismo. Assim o pro-
grama populista passa a ser retomado por movimentos que destacam a vontade de
respeito às instituições democráticas. É a hora dos movimentos democráticos ou
movimentos de “radical mudança na democracia ou de revolução na liberdade.
Verifica-se, segundo José Comblin, que o carismático passa de certo modo de
uma pessoa a um movimento político mais amplo, coroado por alguém de costu-
mes democráticos
570
. No entanto, o programa populista permanece igual: naciona-
lização ou controle do petróleo, planejamento econômico, reforma agrária, indus-
trialização, redistribuição do produto nacional, promoção popular e organizão
das classes populares. Nos movimentos populistas democráticos uma caracte-
rística especial: a democracia cristã. Esta significa a adesão da Igreja ou de parte
dela aos programas populistas. Isto significa afirmar que a Democracia Cristã é
uma das formas de populismo. Nos anos 60 o populismo entra em crise. A revolu-
ção cubana (1959) seria a data da separação simbólica entre as épocas. Pois a re-
volução cubana inaugura outra forma de luta nacionalista latino-americana. Cons-
titui-se em outra fase de busca de identidade da grande pátria e também se anuncia
uma nova política norte-americana para a América Latina. Esta nova política co-
meça em 1962, quando se inicia na América Latina a nova política militar de re-
pressão anti-subversiva dos Estados Unidos.
Sobre as causas da queda do populismo, José Comblin avalia que o mesmo
não conseguiu manter os vários elementos de seu programa. Não sustentou a ali-
ança entre a burguesia nacional e as classes populares chegando a insuperáveis
contradições. A indústria nacional alcançou certos limites de crescimento. Produ-
ziu-se até certo ponto o desenvolvimento, mas depois se estancou. A pressão das
grandes companhias norte-americanas e européias oferecia-se à burguesia como
alternativa aceivel. A suspensão do desenvolvimento levava a pressões popula-
res sempre mais fortes, a que a produção não mais podia satisfazer. Com isso,
rompeu-se a aliança e entra-se na terceira época. Época de um novo pacto coloni-
570
Exemplos disto seriam a Ação Democrática de Rómulo Betancourt, o reformismo de Arturo
Frondizi, os programas de José Figueres na Costa Rica e Juan Bosch na República Dominicana.
Cf. J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.99.
al, o pacto com o neocapitalismo das grandes corporações mundiais. Esse novo
pacto colonial suscitou, ao mesmo tempo, uma reação: a formação de novas ideo-
logias e novos movimentos nacionalistas, a saber, os movimentos revolucionários.
Neste contexto a Revolução Cubana surge como sinal de uma nova época
571
.
2.1.3. De 1960 a 1972: o neocapitalismo e a revolução
Após a Segunda Guerra Mundial, o capital estrangeiro volta progressiva-
mente à América Latina. No entanto, é limitado pelos sistemas populistas. Os a-
nos 60 marcam uma oportunidade histórica para o capital estrangeiro. As crises do
populismo vão provocar a formação de novos sistemas, constituídos pela aliança
entre as grandes companhias internacionais e o poder militar. O caso brasileiro é o
protótipo perfeito do novo sistema militar-industrial. Seu êxito torna-se propagan-
da e o apoio aberto da política norte-americana garante-lhe a penetração no mun-
do latino-americano. Como reação a radicalização dos movimentos nacionalis-
tas. O sistema neo-capitalista e neo-imperialista marginaliza, a um tempo, as
classes populares e o mundo intelectual. Separa radicalmente o que o populismo
mantinha unido. Desde então o tema da revolução passa a substituir o tema do
desenvolvimento no nacionalismo latino-americano. Tem-se, portanto, de um la-
do, o complexo militar-industrial ou o terceiro pacto colonial, e de outro, os novos
nacionalismos. Trata-se de dois sistemas ideogicos antagônicos que passam a
disputar seu espo no campo social, político, econômico, cultural e religioso lati-
no-americano. Constituem-se, portanto, no pano de fundo ideológico básico pre-
sente na América Latina quando da realização do Encontro de El Escorial.
O complexo militar-industrial ou o terceiro pacto colonial tem sua maior
expressão no Brasil. A burguesia e as forças armadas entregam às grandes com-
panhias a tarefa do desenvolvimento. A economia integra-se ao sistema norte-
americano e europeu. Estabelece-se o pacto colonial com uma dependência está-
vel: ao mesmo tempo que se trabalha com capital nacional, se reserva à metrópole
a tecnologia e o conhecimento, as iniciativas, os campos privilegiados, a cultura
dominante e a formação. Os melhores cérebros e o melhor do capital nacional vão
para a metrópole. Segundo José Comblin, em 1972, até aquele momento, este sis-
tema conseguia aumentar o produto nacional, porém, a distribuição de renda era
571
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.99-100.
cada vez mais desigual. Isso permite dar satisfação à burguesia industrial, sempre
mais desnacionalizada. Este sistema caracteriza-se pela concentração de recursos
e pela manutenção da ordem. Isso faz com que o desenvolvimentismo das grandes
corporações supranacionais torne necessário uma política de severa repressão. A
aliança com os setores mais regressivos da sociedade garante a paz no campo. Na
cidade a repressão policial mantém ordem na classe operária e nas populações
marginalizadas. Cumpre vigiar para que não possa surgir nenhum movimento
popular”
572
. Com isso o novo sistema imperialista exclui a participação popular.
O novo sistema colonial é produto do encontro entre o novo imperialismo
norte-americano e o novo militarismo propiciado pela evolução dos exércitos após
a Segunda Guerra. A nova classe militar se sente capaz de assumir novas respon-
sabilidades políticas. O apoio do Pentágono estimula-os a conquistar de fato o
poder e a constituir aliança entre oficiais e tecnocratas. Já não se trata de ambicio-
sos chefes, mas de uma classe inteira que se crê chamada a substituir os civis in-
capazes. O exército dará à tecnocracia as condições de estabilidade por ela exigida
e transforma-se em órgão de repressão dos movimentos populares e universitários.
Ao mesmo tempo, o Pentágono oferece aos exércitos latino-americanos
uma ideologia para convencê-los e orientá-los na política. Trata-se da doutrina de
segurança nacional
573
. Em nome desta teoria, o exército pode organizar implacá-
vel repressão social e cultural, pois a necessidade da guerra justifica todas as ex-
ceções à constituição e ainda a suspensão dos direitos individuais. A burguesia
aceita esta doutrina pois lhe garante tranqüilidade social. Assim alia-se, não ao
nacionalismo, mas a seu contrário: integra-se voluntariamente ao novo imperia-
lismo, pela segurança e tranqüilidade que esta aliança lhe propicia.
572
J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.101.
573
As afirmações básicas da Doutrina de Segurança Nacional são: As nações latino-americanas
são parte do mundo livre ou cristão da civilização ocidental. Encontra-se esta em estado de guerra.
no momento (1972) uma guerra total entre o mundo livre e o comunismo internacional. Os
Estados Unidos aceitaram certas tarefas nessa guerra, por exemplo, a guerra do Vietnam. Os er-
citos latino-americanos têm outra tarefa. A tarefa de reprimir e vencer o comunismo que se infiltra
em forma de subversão dentro do próprio continente latino-americano. A guerra latino-americana é
a guerra anti-subversiva. Então a primeira tarefa da política é: toda política é forma de guerra.
Tudo deve ser determinado pelo principal imperativo, que é militar. Nessa guerra, a orientação
pertence ao exército, suprema força moral da nação, sua última reserva. Em meio aos perigos da
guerra, já não pode o exército contentar-se com o poder moderador. Ante a desintegrão do poder
civil e sua incapacidade de lutar contra o comunismo, cabe ao exército assumir e exercer direta-
mente o poder. Pertence-lhe também orientar e controlar o desenvolvimento, pois este é parte da
política de segurança nacional, porém apenas parte. O desenvolvimento deve entrar em perspectiva
militar pois é o meio de subtrair à subversão seus pretextos e falsas motivações, a possibilidade de
seduzir as massas. Esta descrição da Doutrina de Segurança Nacional encontra-se em: Ibid., p.102.
O complexo militar-industrial ligado ao imperialismo norte-americano não
consegue predominar em todos os países latino-americanos e sua ideologia não
convence a todos. O México é o único exemplo em que pôde manter-se o popu-
lismo. Fora do México, o nacionalismo busca novos caminhos. É neste contexto
que se fazem presentes os novos nacionalismos. Sempre esno centro o proble-
ma militar e sempre se denuncia a ambigüidade do desenvolvimento. O conceito
de desenvolvimento deixa de exprimir as ideologias destes novos nacionalismos.
A palavra revolução substitui o termo desenvolvimento na década de 60.
Foi determinante para esta mudança a Revolução Cubana. Esta funcionou
como catalisador das forças de oposição frente ao neo-imperialismo que estava se
instalando no poder. Para José Comblin, a Revolução Cubana “é muito mais sím-
bolo de independência e nacionalismo do que exemplo que se possa imitar’
574
.
Isto porque ela explodiu em um país que nem sequer entrara na industrializão e
vivia sob o antigo pacto colonial. Este tipo de revolução, portanto, dificilmente
poderia estender-se às nações industrializadas do continente americano. Apesar
disso, Cuba surgiu como símbolo de radicalização do nacionalismo em face da
radicalização do novo e terceiro pacto colonial.
Por causa da total repressão que os novos regimes coloniais militares exer-
cem na América Latina, toda oposição é necessariamente clandestina. Nascem
assim os movimentos de oposição clandestina e armada. O centro da revolução
militar é a conquista do poder e o problema da conquista do poder é sempre mili-
tar. Esses movimentos surgiram em todas as nações latino-americanas, conquanto
em nenhuma delas hajam conquistado o poder de fato. Inicialmente estes movi-
mentos revolucionários armados inspiraram-se no modelo cubano teorizado por
Ernesto Che Guevara e por ensaios explosivos de R. Debray. O fato é que os mo-
vimentos revolucionários encontram em Cuba uma terra de refúgio e um terreno
de exercício. Cuba, por sua vez, aproveita sua função simbólica para assumir a
liderança dos movimentos continentais. Apresentou-se como vanguarda da revo-
lução latino-americana. Tal posição lhe foi concedida por elementos dos movi-
mentos progressistas e nacionalistas, em especial pelos movimentos estudantis
575
.
Nos países industrializados procurou-se adaptar a doutrina cubana a uma
sociedade urbana. É o caso do Brasil, Uruguai e Argentina onde os movimentos
574
J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.103.
575
Cf. Ibid., p.103.
de luta armada inventaram métodos de guerrilha urbana. Para todos esses movi-
mentos, o problema estratégico de conquista do poder monopolizava as atenções.
A doutrina cubana animou também muitos movimentos que não entraram na luta
armada. Trata-se dos Movimentos de Esquerda Revolucionária (MIR). Estes cons-
tituem a parte mais radical dos movimentos estudantis nos países onde existe li-
berdade de associação. ainda a presença dos grupos foquistas cuja tese central
é que o foco cria as condições da revolução. Estes afastam-se da via cubana e bus-
cam um método revolucionário pela conscientização das massas, a fim de prepará-
las para ulterior luta militar. Conquanto reconheçam a necessidade de uma fase de
luta armada, não concentram em torno dela todas as tarefas revolucionárias. Quan-
to aos movimentos de concientização, J. Comblin chama a atenção para a Ação
Popular, nascida no Brasil em 1963 e depois destinada à clandestinidade
576
.
Para Jo Comblin, a História não foi favorável aos movimentos de luta
armada. O nacionalismo e a vontade de libertação do povo encontraram outros
caminhos que a História aceitou. Entre estes, está, em primeiro lugar, o populismo
militar. O problema fundamental do populismo foi, por um lado, não poder contar
com a colaboração das forças armadas, e, por outro, não poder conter o movimen-
to popular no ritmo da expansão real da economia. Estes problemas, no entanto,
desaparecem se o pprio exército assume o papel de der carismático do popu-
lismo. É o que acontecia no Peru, quando da realização de El Escorial, onde o
exército retomou, ele próprio, o programa do APRA
577
.
Para completar o quadro político ideológico dos novos nacionalismos que
se opõem radicalmente ao complexo militar-industrial entre 1960 e 1972, José
Comblin apresenta a via chilena em curso quando da realização do Encontro de El
Escorial. As interpretações da via chilena o diversificadas. Para comunistas e
socialistas, a via chilena seria um caminho marxista especificamente chileno para
a criação do socialismo. Outros, porém, vêem nesse caminho uma nova forma de
populismo: um populismo de frente popular com direção dos partidos proletários.
Para o pprio José Comblin, indícios levam a pensar que a política chilena é, na
realidade, de tipo populista. Como no populismo, a tônica está na luta antiimperia-
lista muito mais que na reforma da sociedade. Os objetivos efetivamente realiza-
dos são a reforma agrária, a nacionalização das empresas estrangeiras, sobretudo a
576
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.104.
577
Cf. Ibid., p.104-105.
mineração e o desenvolvimento do setor público. Para José Comblin, tudo isto é
populista. O papel carismático de Salvador Allende e a função canalizadora do
partido comunista e dos sindicatos obedecem igualmente a uma linha populista. E
com palavras um tanto proféticas, José Comblin indica os problemas que esperam
pelo Chile de então: “O futuro dirá se esse populismo pode ser caminho para uma
sociedade socialista. A história passada parece sugerir que não conseguirá o atual
governo neutralizar o exército nem a burguesia, que não será suficiente o desen-
volvimento para dar satisfação às massas, sobretudo que lhe é indispenvel a
presença de uma figura carismática. Sem Allende, desintegra-se esse populismo, o
que não quer dizer que não possa haver outro populismo, sucessor do atual”
578
.
2.2. O Marxismo latino-americano
O ponto de partida da abordagem de Jo Comblin sobre o marxismo lati-
no-americano é a constatação de que um exagero na avaliação do influxo do
marxismo no desenvolvimento da América Latina. Esse exagero é resultado da
política do Pentágono que suspeitava da presença do comunismo em todos os mo-
vimentos nacionais latino-americanos. Qualquer movimento social, mesmo os
populismos, pareciam-lhe inspirados pelo comunismo. Porém, o influxo efetivo
dos movimentos comunistas foi sempre limitado na América Latina. No entanto,
segundo José Comblin, é necessário uma importante distinção entre o papel e o
influxo da teoria marxista e o influxo dos partidos marxistas. O influxo do mar-
xismo como teoria é grande. De modo geral, porém, usa-se o marxismo como
instrumento a serviço de um movimento nacionalista. Além disso, o uso do mar-
xismo como instrumento de análise da realidade não significa adesão ao movi-
mento marxista. Neste sentido, nunca se pôde, tão bem como na América Latina,
colocar a doutrina marxista a serviço de movimentos não marxistas”
579
.
Um dos papéis mais importantes do marxismo na América Latina foi o de
proporcionar os elementos de interpretação do imperialismo capitalista. Neste
sentido, a doutrina da CEPAL soube integrar alguns elementos marxistas em sua
crítica ao pacto colonial. Na mesma linha, o terceiro pacto colonial e o imperia-
lismo neo-capitalista que se afirma a partir de 1960 provocaram intenso movimen-
578
J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.105.
579
Ibid., p.106.
to de interpretação marxista que vai utilizar principalmente o marxismo heterodo-
xo do grupo norte-americano da Monthly Review (P. Baran, P. Sweezy, A. Gunder
Frank, M. Kaplan). Na avaliação de José Comblin é importante notar que todos os
marxistas latino-americanos de valor são independentes. Antes de tudo são anti-
imperialistas. Suas teorias o exposições e não teoria de uma sociedade socialista
ou de uma revolução socialista. Isso indica que a perspectiva de libertação do im-
perialismo sempre é mais importante que a perspectiva socialista
580
.
É preciso destacar também que a colaboração de cristãos com comunistas
em diversos movimentos revolucionários, principalmente depois do exemplo de
Camilo Torres, levou a procurar os pontos de uma possível conciliação entre o
marxismo e o cristianismo
581
. As teorias de Althusser foram interpretadas nesse
sentido, como abrindo possibilidades de maior consistência à religião dentro das
ideologias de mais autonomia e valor que no marxismo divulgado pelos partidos
marxistas. Este quadro permite perceber que o marxismo, como doutrina, tem
grande área de expansão na América Latina. No entanto, o influxo real dos parti-
dos comunistas, salvo em Cuba e em partes no Chile, foi fraco e limitado
582
. A
partir disto é possível avaliar melhor a presença do marxismo na América Latina.
2.2.1. Os movimentos comunistas até 1959
Os partidos comunistas latino-americanos permaneceram quase sempre
ilegais e clandestinos, exceto por muito tempo no Chile
583
. Os primeiros movi-
mentos socialistas latino-americanos buscavam a violência, a greve geral e segui-
am em grande parte as ideologias anarquistas e anarco-sindicalistas, na linha de
Sorel. Muitos membros desses primeiros movimentos integraram-se nos partidos
comunistas da III Internacional, que surgiram em cada país, após a viagem à Amé-
rica Latina de M.N. Roy e Sen Katayama, em 1920. Desde o início, os partidos
comunistas latino-americanos comportam-se como seções locais do partido co-
munista russo. Embora o marxismo penetrasse no campo universitário, os partidos
580
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.105.
581
Isso ocorre principalmente no Chile com o governo de Allende, com a formação do MAPU
(Movimento de Ação Popular Unitária) e com o Grupo dos 80.
582
Cf. Ibid., p.107.
583
Segundo José Comblin, em fins do século XIX e princípios do século XX apareceram no Chile,
Argentina e Brasil alguns sindicatos operários. O primeiro partido socialista foi o partido democrá-
tico do Chile com Luís Emílio Recabarren, que dele se afastou para fundar em 1912 o partido
socialista operário, aderindo em 1922 ao partido comunista. Na Argentina, Alfredo Palacios e Juan
Batista Justo fundam o partido socialista em 1884. Cf. Ibid., p.107.
não integravam-se a este movimento. Os partidos comunistas afastavam-se do
movimento universitário. Não deram valor à reforma universitária de rdoba e
nem aos movimentos intelectuais.
Alguns problemas estão em questão aqui: primeiro, o fato de que o comu-
nismo, em virtude de um internacionalismo literal, rejeitou o nacionalismo latino-
americano. Em segundo lugar, o espírito literalista e burocrático das hierarquias
comunistas propiciava o menosprezo dos intelectuais. Por fim, cumpre reconhecer
os preconceitos antiintelectuais dos elementos populares. Em conseqüência disso,
o comunismo ficou afastado dos nacionalismos e dos populismos latino-
americanos. Porém, as massas populares entraram no movimento populista. Isso
explica o fato de o comunismo não ter penetração nas massas populares latino-
americanas. Outra conseqüência da potica intransigente do comunismo foi a
“completa esterilidade” do pensamento. Neste aspecto constitui-se como exceção
os pensadores originais, como por exemplo o peruano Jo Carlos Mariatégui.
Assim, “cortado do movimento popular e do movimento intelectual, entrega-se
totalmente o comunismo ao oportunismo soviético. Suas mudanças vão depender
não da evolução da história latino-americana, pom da história russa”
584
.
2.2.2. As repercussões da Revolução Cubana
Cuba cria, dentro do marxismo, um fato novo e decisivo para a evolução
do mesmo no continente latino-americano. Fidel Castro e seus companheiros não
apresentavam-se como comunistas ao fazerem a revolução e lançarem os funda-
mentos de uma sociedade socialista. Por outro lado, o partido comunista não to-
mou parte na revolução. Isso provocou em Cuba uma nova tese teórica: a revolu-
ção é feita por revolucionários, os verdadeiros marxistas não são necessariamente
os membros do partido reconhecido por Moscou, mas sim os que fazem de fato a
revolução, sejam ou não membros do partido. Isso significa que a liderança do
movimento socialista o pertence necessariamente à Rússia. Cuba pratica na
América Latina uma política revolucionária muito diferente de Moscou e defende
teórica e praticamente a via cubana de revolução para o socialismo. O pprio
socialismo de Cuba não corresponde perfeitamente ao modelo russo. De um modo
geral, a distinção está no apelo ao Homem Novo, ao humanismo, o menosprezo
584
José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.107-108.
dos estímulos materiais e também o papel das forças armadas na organização po-
pular. Estes aspectos indicam a presença de um novo modelo socialista. Porém,
embora o grupo revolucionário de Sierra Maestra não tenha feito a revolução em
nome do marxismo, poucos meses depois o governo revolucionário fez-se marxis-
ta e o movimento revolucionário realizou a fusão com o antigo partido. Teria sido
possível historicamente esta o-fusão com o partido de Moscou? Parece que a
hostilidade norte-americana não deixava ao movimento cubano outra possibilida-
de que não fosse a estreita união com a Rússia
585
.
Em nível latino-americano, a repercussão da Revolução Cubana teve como
resultado um cisma no movimento comunista. Os jovens e intelectuais optaram
pela via cubana e os partidos tradicionais, estimulados por Moscou, não aceitaram
esta via. Aos poucos tornou-se claro diante da liderança de Cuba na América La-
tina, que passa a exportar sua via revolucionária, que Moscou tolerava essa políti-
ca cubana para evitar uma ruptura maior, porém não lhe dava apoio e fazia todo o
possível para estorvá-la em todos os países. Concretamente a política russa susten-
ta que o há na América Latina condições revolucionárias e que o caminho é a
preparação por etapas através da formação de frentes populares. Como resultado,
o cisma comunista estimulou tendências separatistas levando ao enfraquecimento
e à fragilidade o movimento comunista ortodoxo na América Latina. Com isso, na
expressão de José Comblin, na América Latina “o marxismo caminha e desenvol-
ve-se sempre mais, longe de todos os partidos e ortodoxias
586
.
Este quadro leva José Comblin a concluir que na época da realização de El
Escorial o populismo apresenta-se na América Latina como o caminho mais exe-
qüível e provável da evolução nacionalista do continente. O socialismo mantém-
se em Cuba, porém não pode ser exportado, pois não conseguiu solucionar o pro-
blema da industrialização, o problema da independência econômica e nem o pro-
blema da organização não-militar da sociedade. Cuba vale como símbolo e sinal,
porém, qualquer socialismo em país mais industrializado levantaria problemas
mais complexos que em Cuba, que fez sua revolução a partir de uma estrutura
colonial típica (pacto neo-colonial clássico, baseado na monocultura da cana)
587
.
585
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.108-109.
586
Ibid., p.110.
587
Cf. Ibid., p.110.
2.3. As Ideologias e Movimentos de Inspiração Cristã
Para completar o quadro sócio-político e ideológico latino-americano da
época da realização de El Escorial é preciso abordar as ideologias e movimentos
de inspiração crispresentes no continente. Até a grande crise de 1929, a Igreja e
as estruturas e instituições a ela associadas permaneceram ligadas à ordem estabe-
lecida e à tendência mais conservadora dessa ordem. A Igreja mostrou-se fria ou
diretamente contrária aos populismos. A revolução mexicana foi anticlerical e a
maioria dos movimentos nascidos sob a inspiração do nacionalismo apresentava
tendências anticlericais. Embora é digno de nota o bom relacionamento entre o
episcopado com Perón e Vargas.
A partir da década de 30, aparecem na América Latina os primeiros surtos
dos movimentos de Ação Católica. Com eles aparece a distinção entre ação direta
e indireta na sociedade. À Igreja não compete intervir diretamente na política, por
meio de um partido próprio. A Igreja atua fora dos partidos, montando seus ór-
gãos próprios de ação indireta na sociedade. A Ação Católica é o protótipo destes
movimentos, embora não seja a única realização. O objetivo dos movimentos de
ação indireta é a doutrina social da Igreja. a partir de 1930 até 1968 a Igreja
latino-americana vai afastando-se progressivamente e definitivamente dos partidos
conservadores e dedica-se a animar os movimentos de ação indireta. Coexistem,
neste período, partidos conservadores e movimentos tradicionalistas formados por
católicos, porém não podem invocar a autoridade da Igreja para a sua ação na
sociedade. Assim a ação indireta e a doutrina social da Igreja tornam-se, por toda
uma gerão, a nova presea da Igreja no mundo latino-americano.
A partir da Ação Católica nasce também a Democracia Cristã. Esta preser-
va da Ação Católica a idéia da especificidade da doutrina social da Igreja em face
de todos os populismos e contra toda infiltração do marxismo “intrinsecamente
perverso”, segundo a doutrina dos papas. Também mantém da Ação Católica a
autonomia dos partidos políticos e a responsabilidade dos leigos. Da doutrina so-
cial da Igreja mantém a inspirão global generosa, em vista de profundas refor-
mas sociais. Predomina na Democracia Cris a idéia de que uma terceira via
entre o capitalismo e o socialismo. Colocar em prática esta terceira via seria a
tarefa específica da Democracia Cristã.
Em fins da década de 50, começam os católicos a desempenhar importante
papel no movimento universirio, principalmente no Chile e no Brasil. Este foi
um momento importantíssimo
588
. Progressivamente, em contato com a História
real, os movimentos católicos descobriram que não existe uma terceira via. Des-
cobriram que a Democracia Criso tem objeto nem especificidade e que é um
movimento populista limitado em sua expansão. Descobriram ainda que o manda-
to de seu apostolado é motivo de conflitos com a hierarquia e que é precária, na
realidade, a distinção entre ação direta e indireta. No caso do Brasil, por exemplo,
em 1961 começaram os primeiros conflitos sérios entre o episcopado e a JUC
589
.
A partir de 1960, os setores de vanguarda preparam outro tipo de movi-
mento e de ideologia. Começam a adotar os conceitos e a problemática comum a
todos, deixando de lado o mundo conceitual específico da doutrina social da Igre-
ja. É assim que, segundo Comblin, a revista Mensaje adota a palavra revolução
desde 1962. Em 1963, a ão Popular emancipa-se da hierarquia e elabora uma
doutrina revolucionária a partir de Mounier e da ideologia populista do ISEB. As-
sim as novas gerações afastam-se cada vez mais do ideal da Democracia Cristã.
Ao mesmo tempo, o novo imperialismo e os movimentos revolucionários que o
contestam, ambos presentes no quadro político-ideológico latino-americano, le-
vantam novos problemas ante os quais a doutrina social da Igreja e a própria encí-
clica Populorum Progressio têm respostas insuficientes. Assim a proximidade
de Medellín vai permitir a coagulação de nova ideologia e de novos movimentos
que superam os da gerão da ão Católica clássica. Definitivamente rejeita-se o
dualismo clássico da ação direta e indireta.
Este novo movimento e nova ideologia surgida em torno de Medellín é, até
a realização de El Escorial, sobretudo realização de grupos de sacerdotes, embora
hajam surgido também no Brasil e no Chile movimentos políticos leigos. É impor-
tante ressaltar, contudo, que, em sua maioria, os leigos comprometidos com esses
novos movimentos e com essa nova ideologia não se sentem unidos à Igreja e
nem crêem que sua atuação represente a Igreja. Mesmo assim não ingressam nos
partidos comunistas ou socialistas, indicando com esta atitude concreta que se
sentem como uma realidade distinta. Este novo movimento cristão é, segundo
588
Comblin afirma: foi então (este momento) a hora da verdade, que se prolongou por dez anos
até Medellín”. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.112.
589
Cf. Ibid., p.110-112.
José Comblin, a Teologia da Libertação que representa uma nova consciência do
cristianismo latino-americano
590
.
Concluindo este quadro em que se procurou retratar o acontecer histórico
latino-americano a partir de sua dimensão ideológico-política, concretizada em
uma multiplicidade de movimentos e ideologias, pode-se dizer que a História lati-
no-americana é marcada por uma busca muito específica e fundamental. Trata-se
do nacionalismo como lugar de busca de identidade e coesão nacional frente ao
neo-imperialismo e ao neo-capitalismo estrangeiros. O pprio socialismo tem que
subordinar-se a esse movimento se quiser penetrar no corpo social latino-
americano. A aspiração mais forte é a aspiração nacionalista, fato dominante de
quase todos os movimentos e ideologias do século XX na América Latina.
2.4. O Nacionalismo como chave de interpretação da realidade
ideológico-política latino-americana
A análise da interpretação da situação ideológico-política proposta por
José Comblin permite identificar questões nucleares para a interpretação dos mo-
vimentos e ideologias que atuam na América Latina quando da realização do En-
contro de El Escorial. Permite identificar o horizonte ideológico-político que está
na base do movimento e do processo de libertação latino-americano.
A primeira contribuição relevante do estudo de José Comblin diz respeito
à perspectiva geral, a partir da qual as ideologias e movimentos libertários latino-
americanos são interpretados. Trata-se do nacionalismo como chave interpretativa
do quadro ideológico-político que compõe o cenário latino-americano do século
XX. Os movimentos ideológicos de resisncia, vigentes à época da realização de
El Escorial, são etapas deste movimento maior que José Comblin identifica como
sendo o nacionalismo latino-americano. Trata-se da revolução latino-americana de
um povo que se descobre dependente, sem identidade, sem lugar no mundo e re-
duzido à condição de marginalização e dependência. Esta revolução nacionalista,
já iniciada em fins do século XIX, ainda não encontrou sua expressão definitiva.
Os movimentos e ideologias dos fins da década de 60 e início da década de 70 são
parte deste nacionalismo latino-americano que luta por uma identidade própria e
um lugar na construção de sua própria História.
590
Cf. José COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.113.
A partir desta perspectiva original, José Comblin perpassa os caminhos e
formas que o nacionalismo latino-americano percorreu em sua marcha em busca
de libertação. Propõe uma alise da evolução histórica dos movimentos e ideolo-
gias nacionalistas a partir da revolução mexicana (1910) até 1972. Nesta evolução
identifica três acontecimentos-chave: a revolução mexicana (1910), a crise de 29
(1929) e a revolução cubana (1959). Nesta evolução histórica, o nacionalismo
sempre esteve presente como projeto histórico distinto dos projetos político-
econômicos imperialistas, dominadores e oligárquicos. Desde o nacionalismo po-
pulista até o nacionalismo revolucionário, o que está em questão é a identidade
nacional, a independência cultural e econômica e a libertação popular.
Uma segunda contribuição relevante da análise de José Comblin diz res-
peito à caracterização ideológico-política das décadas de 60 e 70. Esta caracteri-
zação é importante para compreender a base ideológico-política que está na gêne-
se do processo de libertação latino-americano cuja interpretação teológica é pre-
tendida pela Teologia da Libertação. Na tipologia de José Comblin o nacionalis-
mo populista entra em crise no início da década de 60. Tal crise se dá pelo rom-
pimento da aliança entre a burguesia nacional e as classes populares. Neste mo-
mento de crise do populismo, a revolução cubana desempenha importante papel,
pois inaugura uma nova maneira de luta pela identidade latino-americana. Já não é
mais o nacionalismo populista que se faz presente, mas é o nacionalismo revolu-
cionário que está emergindo.
A contextualização desta problemática é decisiva para se compreenderem
as forças ideológico-políticas dos movimentos e ideologias vigentes quando do
surgimento da Teologia da Libertação. O início dos anos 60 marcam uma nova
fase do capitalismo internacional presente na América Latina. Trata-se de um no-
vo pacto colonial com o neocapitalismo das grandes corporações mundiais. Este
novo pacto suscita como reação a formação de novas ideologias e novos movi-
mentos nacionalistas, agora já não mais populistas, e sim revolucionários.
A marginalização das classes populares e da classe intelectual latino-
americana suscita a reão das mesmas contra o imperialismo capitalista, agora
representado pela aliança das grandes companhias internacionais e o poder militar.
Neste contexto é que emerge o tema da revolução em contraposição ao tema do
desenvolvimento proposto pelo sistema militar-industrial. Tem-se, portanto, de
um lado, o complexo militar-industrial ou a expressão latino-americana do novo
pacto colonial, e de outro, os novos nacionalismos que lutarão pela libertação des-
te sistema e por uma identidade latino-americana. Trata-se de dois sistemas ideo-
lógicos antagônicos que disputam espo no campo social, político, econômico,
cultural e religioso. Este, enfim, é o pano de fundo ideológico sico presente na
América Latina quando da realização do Encontro de El Escorial.
Uma terceira contribuição importante proposta por José Comblin diz res-
peito ao papel do marxismo na América Latina. É relevante a proposição do autor
que distingue o papel dos movimentos comunistas e o lugar da teoria marxista na
América Latina. Os movimentos comunistas tiveram papel limitado, ao passo que
a teoria marxista teve grande influxo, pois foi assumida pelo nacionalismo latino-
americano como via de análise e interpretação da realidade latino-americana.
A alise marxista a serviço do nacionalismo latino-americano desempe-
nhou importante papel na América Latina por proporcionar elementos de interpre-
tação do imperialismo capitalista. Neste sentido, a análise marxista será decisiva
para o conhecimento dos mecanismos de dominação, exploração, dependência e
violência impostos pelo imperialismo capitalista aliado às forças militares e apoi-
ado pelas burguesias nacionais. É graças à análise marxista que emerge a idéia da
revolução como possibilidade de superação dos mecanismos de dominação, ex-
ploração e dependência. Neste sentido, o papel da revolução cubana será relevante
para os movimentos nacionalistas latino-americanos. Cuba torna-se referência e
símbolo da revolução em marcha rumo à libertação e ao socialismo latino-
americano, distinto do socialismo soviético ou chinês.
Enfim, pode-se dizer que a análise marxista foi tomada pelos movimentos
e ideologias nacionalistas da década de 60 e 70 como a mais adequada para a in-
terpretação da sociedade, economia, política e cultura latino-americanas. Desta
forma, ela desempenha um papel significativo junto aos movimentos revolucioná-
rio-libertadores. No entanto, o reconhecimento deste papel relevante assumido
pela teoria marxista não significa que os movimentos revolucionário-libertadores
tenham se tornado partidos comunistas. A teoria marxista serviu como instrumen-
to de análise do real e não como aglutinador de membros para os partidos comu-
nistas. No caso da Teologia da Libertação esta questão estará presente por longo
tempo nos debates metodológicos a respeito do uso ou não da teoria marxista e
das formas de tal uso na análise da realidade. Neste sentido, parece que as propo-
sições de José Comblin evidenciam a distinção entre o uso da teoria marxista e
a pertença aos partidos comunistas. Evidenciam também a importância que esta
análise recebeu junto aos movimentos e ideologias nacionalistas para a interpreta-
ção da realidade latino-americana.
3. El Escorial e a interpretação da situação sócio-cultural e religiosa
da América Latina
A dimensão sócio-cultural e religiosa desempenha papel importante para
se verificar a compreensão do lugar e importância da História, enquanto lugar do
acontecer humano, relevante teologicamente, no conjunto das exposições de El
Escorial. Várias exposições, mesmo com interesses distintos, abordam aspectos da
dimensão cio-cultural e religiosa da realidade que podem ser considerados co-
mo reveladores da relevância teológica da Hisria. Neste sentido aprofundar-se-
ão a seguir as exposições de E. Dussel, A. Büntig, S. Galilea, R. Poblete e José M.
Bonino
591
. Busca-se verificar nestes autores as contribuições mais significativas
para melhor situar e compreender a situação cio-cultural e religiosa da América
Latina tal como esta vem interpretada e expressa em El Escorial.
3.1. Enrique Dussel: A América Latina e a herança histórica da
dominação
A História latino-americana, principalmente em sua dimensão cultural e
religiosa, é marcada por uma herança secular de dominação. Enrique Dussel apre-
senta uma interpretação teológico-histórica desta secular dominão. Propõe uma
interpretação da história da cristã na América Latina que inicia com o projeto
de expansão do “selbst” europeu e culmina no desafio de uma interpretação auten-
ticamente latino-americana da revelão de Deus. Trata-se de um trabalho de ca-
ráter teológico. Porém, é de fundamental imporncia percorrê-lo com o intuito de
ressaltar o aspecto histórico da cristã presente na América Latina. Aspecto este
que possibilita vislumbrar como a própria cristã é utilizada no projeto expansi-
onista europeu. Isso marca profundamente a dimensão religiosa, cultural e ideoló-
591
Cf. E. DUSSEL, História da Fé Cristã e transformação social na América Latina, p.62-91;
A.J. BÜNTIG, Dimensões do catolicismo popular latino-americano e sua inserção no processo de
libertação, p.116-135; S. GALILEA, A fé como princípio crítico de promoção da religiosidade
popular, p.136-142; R. POBLETE, Formas específicas do processo latino-americano de seculari-
zação, p.143-159; J.M. BONINO, Vio da mudança social e de suas tarefas por parte das Igreja
cristãs não-católicas, p.160-179.
gica da América Latina tal qual é lida e interpretada em El Escorial. Abordar-se-á
aqui principalmente o aspecto histórico desta análise de Enrique Dussel, reservan-
do o aspecto teológico para o próximo capítulo.
O ponto de partida de Enrique Dussel é a constatação de que a situação de
dependência latino-americana é grave e exige um ethos de libertação. Em busca
deste ethos percorre a História da cristã na América Latina enfocando histori-
camente a conjunção entre a cristã e a transformação social, desde a época da
invasão até o século XX. Sua chave de leitura opõe uma fé transformadora e liber-
tadora, presente desde o início nos autênticos missionários como Bartolomeu de
Las Casas, e uma cristã a serviço da dominação européia na América Latina,
presente nos “missiorios guerreiros”.
Na primeira parte de seu trabalho, Enrique Dussel comenta exaustivamente
um texto de Las Casas (1474-1566) a quem chama de autêntico profeta e “teólo-
go explícito da libertação”
592
. Em plenoculo XVI, Las Casas soube descobrir o
pecado que já dura por cinco séculos da história universal: o pecado da dominação
imperial européia sobre seus colonos do Terceiro Mundo. Este é o pecado original
da modernidade, que ignorou no índio, no africano, no asiático, o outro como sa-
grado, coisificando-o como instrumento dentro do mundo da dominação norte-
atlântica. Em pleno século XX, a Teologia européia continua cega a este pecado,
transformando-se, mesmo naquilo que ela tem de melhor, em uma totalização ide-
ológica. É contra este pecado secular que se levanta Las Casas que, segundo a
análise de seus textos proposta por Enrique Dussel, explicita a dialética da domi-
não européia. Esta dialética de dominação fundamenta-se em um projeto histó-
rico e existencial que move os europeus desde o século XV a oprimir outros seres
humanos, reduzindo-os a coisa, mão-de-obra, instrumento a seu serviço. E o com-
bustível fundamental deste projeto histórico é o ouro, a prata, a riqueza, o novo
deus a ser adorado. O resultado é o “belo” mundo europeu construído sobre o ca-
dáver do outro, do índio, do africano, do asiático
593
.
A partir destas considerações iniciais, Enrique Dussel perpassa a hisria
da invasão do mundo do outro, da invasão do mundo do índio pelo europeu. O
mundo do índio é uma totalidade de sentido, um horizonte de compreensão que,
592
Trata-se da obra Brevisima relación de la destruccn de las Indias. Cf. a bibliografia em: E.
DUSSEL, História da fé cristã e transformação social na América Latina, p.63, nota 4.
593
Cf. Ibid., p.62-65.
para o europeu, constitui-se em uma exterioridade simplesmente por ter outro sen-
tido que o o seu próprio. Isto faz com que o europeu se escandalize com os ges-
tos, símbolos, palavras e com tudo o que habita o mundo do índio. Faz com que o
europeu se escandalize com o mundo sagrado do índio e com tudo o que a isso
diz respeito. Porém a Europa, com sua religião, com sua Teologia, com sua “fé”
não se escandaliza e não se perturba com o sacrifício e com a imolação do Tercei-
ro Mundo, do índio, do africano, do asiático. Esse sacrilégio europeu fundamenta-
se na totalidade capitalista-expansionista européia, construída sobre a morte do
outro como outro: “a totalidade, como totalidade imperial, inclui em seu funda-
mento o deicídio, o mais horrendo sacrilégio: a morte do índio, do africano, do
asiático!”
594
Essa é a primeira acumulação do moderno capitalismo europeu, cons-
truída sobre a redução do outro, do pobre, do índio a bárbaro, a não-ser. E isso
com uma justificação teológica prévia: este outro é o infiel, bárbaro, pagão, não-
ser, que deve ser humanizado e cristianizado pela conquista
595
.
É neste contexto que está a figura profética de Bartolomeu de Las Casas.
Ele questiona em que consiste o ser cristão ao falar sobre os que se chamam cris-
tãos. Coloca em evidência que ser cristão é ter fé cristã e que, portanto, os que se
dizem cristãos negam em sua prática de conquista a . Com isso, a práxis de con-
quista é a negação da própria fé. A fé vai além da totalidade européia, abre-se ao
outro mundo como mundo do outro. O conquistador europeu, porém, não pôde ter
fé, pois não respeitou o mundo do outro, do índio, do africano, do asiático
596
. Nes-
ta realidade, o profeta é aquele que sabe acolher a palavra criadora que do nada
questiona a totalidade, destotalizando-a e lançando-se a uma práxis libertadora em
favor do outro. Esta palavra profética é capaz de recriar o todo, ainda que seu ges-
to libertador lhe custe a vida. E esa diferença fundamental entre os que se
dizem cristãos e os autênticos cristãos, isto é, os que tem cristã: aquele que crê
pode comprometer-se na libertação do pobre, não porém a partir de seu pprio
modelo libertador, mas do modelo que a revelação do outro vai dia a dia indican-
594
E. DUSSEL, Hisria da fé cristã e transformação social na América Latina, p.67.
595
Cf. Ibid., p.68..
596
Para E. Dussel, a fé é a racionalidade primeira porque crê em alguém, e não só conhece algo
dito. Conhece tudo o que está na totalidade, porém crê o que está além da totalidade, do sistema da
própria cultura ou mundo, das criaturas: crê no outro, no pobre, no que está além do próprio senti-
do, até no que não tem sentido. A partir desse nada de sentido, irrompe a palavra criadora do po-
bre: ex nihilo omnia fit”. Ibid., p.73. Os itálicos são de Dussel.
do no claro-escuro da Hisria. “Do outro, alterativamente, é que se move a fé. A
conquista, ao invés, move-se totalitariamente da ppria totalidade
597
.
Na compreensão de Enrique Dussel, a conquista é um movimento de ex-
pansão do Selbst europeu, pois o conquistador não é questionado pelo conquista-
do. O conquistador vence o conquistado pelas armas, lhe impõe o que ele já é: a
civilizão, sua própria religião tal como a pratica e porque assim a pratica. Assim
a conquista é um movimento pelo qual o horizonte da totalidade se desloca abran-
gendo o outro como “coisa” e incluindo-o na totalidade. “A ‘conquista da Améri-
ca’ é um pecado original da modernidade, é uma páscoa negativa da opressão, é a
dialética da dominação tornada universal, planetária”
598
. Daí a conclusão irônica
que a palavra profética de Las Casas possibilita: os que se dizem cristãos não têm
fé cristã. Melhor dito: a dialética conquistadora não pode crer no inimigo, no infi-
el, no bárbaro, no não-ser, no índio. Deus o pode epifanizar-se pelo índio ao
conquistador, somente pode fazê-lo ao que tem cristã. Não ter no pobre é,
portanto, simplesmente não ter fé. Fé e conquista são contraditórias. Aí está o pro-
fetismo de Las Casas: os conquistadores como conquistadores eram chamados
cristãos, porém, de forma alguma podiam sê-lo
599
.
Estas considerações são o fundamento a partir do qual Enrique Dussel e
interpreta a dinâmica da relação entre fé cristã e transformação social na História
da América Latina desde a conquista. A cristã e a evangelizão significaram
transformações sociais profundas para o índio. Transformações que são lidas e
interpretadas histórico-teologicamente por Enrique Dussel como dominação e
expansão do Selbst europeu sobre o outro, o índio. O encontro do índio com o
conquistador e o evangelizador significou-lhe, salvo o profetismo dos autênticos
missionários
600
, a desconjuntura de sua estrutura social, econômica, política, cul-
597
E. DUSSEL, História da crise transformação social na América Latina, p.73. O itálico é
de Enrique Dussel.
598
Ibid., p.74. O itálico é do próprio Enrique Dussel.
599
Cf. Ibid., p.68-74.
600
Segundo E. Dussel, entre os espanhóis houve dois tipos de homens: o guerreiro conquistador e
o missionário. O guerreiro conquistador segue a dialética das armas, da violência, do triunfo do
mais forte. Esse guerreiro conquistador dizia-se cristão e se alimentava de uma ideologia cristã e
até mesmo de uma Teologia. É o defensor da cristandade e da “fé” como doutrina teórica, ensinada
no catecismo, que importa memorizar, repetir, recordar. Trata-se da memória do Selbst europeu a
servo da dominação. Em evangelização, o ethos de guerreiro conquistador age pela dominação
pedagógica. Já os grandes missionários, embora proporcionalmente fossem minoria, significaram
a autêntica Igreja missionária que pôde ter fé. Entre eles, segundo Enrique Dussel, estão desde
Antônio Montesinos e Pedro de Córdoba, passando por centenas de outros, entre os quais o pró-
prio Bartolomeu de Las Casas. São os autênticos missionários pois deram lugar ao outro como
tural e religiosa. Isso não significa dizer que não tenha havido na América Latina
uma autêntica profético-evangelizadora. Bartolomeu de Las Casas, com tantos
outros autênticos missionários, é uma prova disso. Não fizeram da evangelização
um serviço à conquista. Souberam partir do outro como outro, como revelação.
Exerceram um serviço ou práxis libertadora como resposta e responsabilidade
cristã de organizar, a partir do outro e para o outro, uma nova ordem. “A evange-
lização não parte então de uma potência dominadora da totalidade, porém origina-
se no outro, no pobre, no índio, no negro... em Deus a quem aprouve revelar-se
através dos que se encontram ao ar livre, para do sistema”
601
. Mesmo assim,
segundo E. Dussel, a dos autênticos evangelizadores, com relação à originali-
dade da América Latina, foi ingênua. “A fé profético-evangelizadora não foi ainda
a fé cristã latino-americana. Apenas começara a história da maturação da
602
.
A partir da conquista e da imposição da dominação como meio predomi-
nante de relação entre o conquistador europeu e o conquistado latino-americano,
E. Dussel descreve dois períodos da História latino-americana. Trata-se da primei-
ra (1552-1808) e da segunda (1808-1929) totalização. A primeira, também cha-
mada de cristandade das Índias é o tempo compreendido entre o fim da organiza-
ção das colônias e a invasão da Espanha por Napoleão. Trata-se da estruturação de
um todo, a saber, de um processo que termina em uma totalização diferente da
européia, como fruto da conquista. O índio é incluído neste todo, como parte do-
minada, oprimida, na concessão, no sorteio, no serviço pessoal, na organização
legal da cristandade indiana. Esta totalização volta a negar a possibilidade da no
pobre, epifania de Deus. O pobre, o índio, é naturalmente um rude, dadivosamente
feito partícipe do “dom” da hispanidade
603
.
Neste período, a Igreja institucional, enquanto instituição hierárquica, a-
cha-se inteiramente na burocracia hispânica e na oligarquia crioula. A Igreja foi
totalizada e por exceção soube abrir-se à exterioridade do sistema constituído.
A exceção da totalização da cristandade das Índias foram os missionários que se
posicionaram para além das fronteiras estabelecidas pelos conquistadores. Tais
outro, ao índio como culto (em sua própria cultura), ao pobre em sua dignidade de ser humano,
denunciaram a injustiça da concessão, da opressão, da conquista, da “pacificação pelas armas.
o autênticos cristãos pois distinguiram cristianismo de cristandade, evangelho de cultura. Enfim
os missionários o os que viram o outro, o índio, o negro, como digno. Cf. E. DUSSEL, História
da fé cristã e transformação social na América Latina, p.75-79.
601
Ibid., p.78.
602
Ibid., p.79. Os itálicos são de Enrique Dussel.
evangelizadores, segundo as categorias de Las Casas, puderam ter fé. No entanto,
a Igreja totalizada pouco ou nada descobriu da originalidade do povo latino-
americano que se estava gestando lentamente. Os pprios missionários que
tinham uma fé latino-americana eram portadores, no entanto, de uma dupla limita-
ção: sua fé era dependente do cristianismo europeu e era paternalista, e isso impe-
de a autêntica autonomia da latino-americana
604
. Mesmo com os mais proféti-
cos missionários latino-americanos do período, o catecismo é espanhol, a liturgia
celebrada é mediterrânea e latina, as leis e técnicas propostas são européias
605
.
A segunda totalização constitui-se desde o começo da chamada “guerra de
emancipação nacional” até a crise econômica de 1929, ou o fim da Segunda Guer-
ra Mundial (1945), ou, intra-eclesialmente, até o Vaticano II (1962-1965). Efetua-
se uma nova mudança social tida como verdadeira revolução econômica, política,
cultural e religiosa a exigir uma nova posição da cristã. Ocorre aqui a crise da
cristandade colonial e a passagem de uma colônia espanhola para uma neo-colônia
inglesa. O povo latino-americano, os mestiços, mulatos, índios, escravos negros
não participam do processo de emancipação nacional. São dominados pelos novos
senhores das oligarquias nacionais dependentes. A Igreja é, integralmente, con-
servadora e conserva em seu seio os conservadores. Ante os liberais, vê-se acan-
tonada e apóia-se então na camada tradicional, conservadora, oligárquica. A
protica quase desaparece e a crise de cristandade leva a Igreja a prosseguir iden-
tificando a cultura da época colonial e hispânica com a fé concreta da Igreja
606
.
O povo dos pobres, que se vê de fora do processo, reage e, contra uma
oligarquia que os quer alfabetizar, educar europeicamente, que os quer alienar,
cultiva e passa de boca em boca suas tradições, sua cultura popular. O catolicis-
mo que os evangelizadores do século XVI, com falhas mas com titânica generosi-
dade, souberam inculcar, aparece ao mesmo povo como um baluarte de sua pró-
603
Cf. E. DUSSEL, História da fé cristã e transformação social na América Latina, p.79-80.
604
Segundo Enrique Dussel, os missionários possuíam uma constitutiva e ingenuamente depen-
dente do cristianismo europeu hispânico e, por isso, não chegaram a escutar plenamente a voz do
pobre latino-americano. “O cristianismo dependente americano reproduzia, imitava, alienava o
índio, mesmo no caso em que os cristãos pretendiam ter uma autêntica no pobre. Era, além
disso, uma fé latino-americana paternalista. O “povo”, o índio, era um menino, um rude que cum-
pria educar no hispanismo, no cristianismo latino. Mesmo as reduções” californianas incidiam
nesta presença sempre paternal dos padres”, “missionários”, “doutrinadores”. Por isso, mesmo
no caso excepcional de uma profético-missionária latino-americana, é esta exercida com ingê-
nua dependência e deformante paternalismo, que impede o índio evangelizado de defender-se do
hispânico, quando os “padres” deixaram de protegê-lo”. Ibid., p.81.
605
Cf. Ibid., p.79-81.
pria autenticidade. Forma-se assim o catolicismo popular que é parte indivisível
da cultura popular. “Nessa religiosidade tão denegrida pela oligarquia europeizada
como feitiçaria, magia, idolatria, etc., existe , existe um crer no pobre que cada
um é, no outro pobre, no futuro, na libertação”
607
. Este catolicismo popular consti-
tui-se em um segundo momento da latino-americana dependente, posterior à
totalização da cristandade colonial. Por um lado, na Igreja comprometida com a
oligarquia, ele é negação da América Latina e identificação com a Europa. É uma
religiosidade que confunde a com o saber da cultura aristocrática, oligárquica,
alfabetizada à européia. Mas, por outro lado, ele é a Igreja dos pobres, muitas ve-
zes sem instituições, mas conservando suas mais antigas tradições.
Esse catolicismo popular é princípio de autonomia latino-americana, au-
toctonia e originalidade do latino-americano como distinto do europeu. Contudo,
aqui ainda o se tem nenhuma consciência crítica da alienação introjetada pela
pedagogia opressora, que é negação de autêntica libertação no populismo ingênuo.
Por isso, “a simples do pobre, não ilustrada, deve ser o ponto de apoio da
libertação escoimada porém dos desvalores incluídos nessa mesma religiosidade,
num discernimento próprio da profecia”
608
.
Enfim, percebe-se que, segundo Enrique Dussel, esse é o caminho que a
latino-americana, ainda dependente, percorre desde a primeira conquista até o
culo XX, em sua relação com o processo histórico latino-americano. Mesmo
com as exceções de uma profética latino-americana, foi sempre uma inicial-
mente hispânica e posteriormente dependente. Quando profética, foi uma fé autên-
tica que soube aceitar o outro como outro. Quando instrumentalizada pela expan-
o do Selbst europeu, foi uma arma de dominação associada a tantas outras. Po-
rém, em ambos os casos, uma dependente. no século XX emerge algo novo:
a autoconscncia da dependência, não apenas econômica, política, cultural, mas
também religiosa, litúrgica, teológica. Isto coloca a América Latina em novo pro-
cesso: o processo de destotalização autoconsciente, o processo de libertação.
606
Cf. E. DUSSEL, História da fé cristã e transformação social na América Latina, p.82-83.
607
Ibid., p.84.
608
Ibid., p.84.
3.2. El Escorial e a interpretação da Religiosidade Popular como
dimensão constitutiva do povo latino-americano
Aprofundar a interpretação da religiosidade popular proposta pelos exposi-
tores de El Escorial é de fundamental importância para compreender em que se
constitui a Hisria latino-americana, relevante para a Teologia a partir de sua
dimensão religiosa. Compreende-se, portanto, a religiosidade popular como di-
mensão constitutiva da dimensão religiosa-cultural do povo latino-americano. Não
se terá acesso à História, relevante teologicamente, segundo a interpretação de El
Escorial, se não se considerar esta sua dimensão significativa e constitutiva. Dois
autores abordam diretamente a questão da religiosidade popular em El Escorial.
Trata-se de A. Büntig e S. Galilea
609
. A partir deles, procurar-se-á, a seguir, retra-
tar os problemas, interpretações e caminhos possíveis para estabelecer o papel da
religiosidade popular na transformação social latino-americana. Desta forma crê-
se que é possível retratar, por um lado, como a religiosidade popular é uma di-
mensão real da História latino-americana, e por outro, como tal dimensão pode ser
relevante para a Teologia que pretende ser libertadora.
3.2.1. O cristianismo como o núcleo do ethos sócio-cultural latino-
americano e o papel do catolicismo popular segundo Aldo J. Büntig
Segundo Aldo J. Büntig
610
, o catolicismo desempenhou e desempenha um
significativo papel na História latino-americana. Ele acompanhou o nascimento e
crescimento da civilização latino-americana. Neste quadro, o catolicismo tem ain-
da um papel fundamental a desempenhar no presente e no futuro da América Lati-
na rumo ao ser humano novo e à sociedade nova. Esse papel não se dá somente
como exigência ética, isto é, pelos valores que lhe são inerentes, mas também, em
nível fático, isto é, no fato de que cada vez mais cristãos se integram no processo
de libertação. Mas onde está esta “importância inquestionável” do catolicismo
latino-americano? Por que não se pode prescindir dele?
Para aprofundar o problema, Aldo J. Büntig parte, segundo a perspectiva
da Sociologia da religião, da constatação de que na América Latina deu-se o pro-
609
Cf.: A.J. BÜNTIG, Dimensões do catolicismo popular latino-americano e sua inserção no
processo de libertação. Diagnóstico e reflexões pastorais, p.116-135; S. GALILEA, A como
princípio crítico de promoção da religiosidade popular, p.136-159.
cesso de “popularização” de uma religião universal, como é o catolicismo. Esta
popularização significa que seus valores, normas, ritos, símbolos e instituições
estão longe de ser superestruturas agregadas e fictícias. Constituem-se, pelo con-
trário, em elementos que integram o pprio núcleo do ethos sócio-cultural latino-
americano. Isso permite concluir que, sem o catolicismo, a América Latina é ainda
sócio-culturalmente ininteligível
611
. Este fenômeno, profundamente sócio-
religioso e sócio-cultural, tem sua explicação sociológica nos processos de acultu-
ração e institucionalização próprios de toda religião universal, cujos elementos
constitutivos se tornam parte susbstantiva de determinado mundo cio-cultural.
Em que consiste tal fenômeno? Consiste no processo segundo o qual os gestos
sacrais moldados da religião aculturada (ritos, práticas, devoções...) tendem a po-
pularizar-se: o povo, como totalidade, assume-os e modela-os como próprios, ex-
primindo espontaneamente através deles suas próprias vivências. O resultado des-
te processo é o que se denomina como catolicismo popular
612
. A partir deste con-
ceito, o catolicismo popular é constituído por todos os gestos em tipo sacral, as-
sumidos pelos povos da América Latina, como canais espontâneos de suas vivên-
cias e experiências religiosas. Isso significa que a população, com diversos mati-
zes, segundo os diversos níveis culturais e os diferentes graus de identificação
doutrinal, exprime espontaneamente seu mundo religioso, por meio de gestos e
formas institucionalizadas daquela religião universal, que se constituiu em ele-
mento permanente de seu patrimônio cultural
613
.
Esta popularização, que tem séculos de existência hisrica, traz consigo
ambigüidades e interrogações. Isto justifica o interesse e relevância que o tema
assumiu nas reflexões teológico-pastorais latino-americanas. Inúmeras investiga-
ções são realizadas sobre este fenômeno complexo e rico. Elas refletem o influxo
da necessária autocrítica a que a Igreja s-conciliar submete suas instituições,
gestos sacrais e modos de presença no mundo. Mas há algo mais significativo:
essas investigações e preocupações procuram, além disso, responder de forma
610
Seguir-se-á a este autor em sua abordagem do catolicismo popular e seu papel no processo de
libertação. Cf. A.J. BÜNTIG, Dimensões do catolicismo popular latino-americano e sua inserção
no processo de libertação, p.116-135.
611
Cf. Ibid., p.117.
612
Para Büntig, catolicismo popular é um termo mais adequado e próprio que o termo religiosida-
de popular. Porém, o autor não apresenta as razões pelas quais o termo religiosidade popular seria
inadequado ou impróprio para designar este processo. Cf. Ibid., p.118. Nesta pesquisa, sem a ne-
cessidade de uma explicitação da diferença entre ambos, tomam-se os termos como sinônimos.
613
Cf. Ibid., p.118.
adequada à premente interpelação que os processos de secularização, e muito es-
pecialmente de libertação, apresentam em todo o povo de Deus a caminhar com o
mundo e no mundo latino-americano. Cumpre situar então o catolicismo popular,
arraigado nas entranhas do povo, no processo continental de libertação junto ao
qual os cristãos são chamados a desempenhar o papel de protagonistas. Aqui sur-
gem questões fundamentais: os gestos sacrais do catolicismo popular serão ins-
trumentos de libertação ou expressões atávicas de uma religião-ópio” ou “religi-
ão-refúgio”? Serão freios ou aceleradores no processo de libertação?
As interrogações, que poderiam multiplicar-se, referem-se, segundo Aldo
J. Büntig, especial e diretamente aos gestos sacrais do catolicismo populariza-
do
614
. Assim a problemática está envolta em um complexo panorama diante do
qual pode-se apresentar três tipos de respostas e de atitudes fundamentais: atitude
elitista ou europeizante, atitude popular ingênua e atitude popular crítica. Aldo J.
Büntig assume a atitude popular crítica como a única a fazer plena justiça aos au-
tênticos valores do povo e aos do Evangelho. Em conseqüência, neste contexto de
um povo oprimido, a lutar por sua libertação e a professar uma religião essencial-
mente libertadora, enxertada porém no núcleo essencial de uma cultura infeccio-
nada por elementos alienantes, é que importa situar a análise do catolicismo popu-
lar na América Latina. É importante notar que há no catolicismo popular, tal como
o entende Aldo J. Büntig, uma dupla dimensão: de um lado estão os gestos sacrais
modelados, que constituem a dimensão tradicional do catolicismo popular. Mas
por outro, há o pprio povo que se exprime por tais gestos. As implicações e con-
sequências pastorais desta dimensão são fundamentais.
No caso da América Latina e do complexo processo de libertação em cur-
so, têm maior importância os valores do povo pobre e oprimido a expressar-se
espontaneamente por esses gestos, que os valores resgatáveis existentes nos mes-
mos gestos sacrais. Por isso, a pastoral popular não pode prescindir de duas di-
mensões complementares: valorizar o resgatável nos gestos sacrais do catolicismo
popular e identificar os valores libertadores do povo que se exprimem nesses ges-
614
Para A.J. Büntig, as interrogações podem referir-se aos seguintes gestos sacrais do catolicismo
popularizado: certas formas devocionais Virgem Maria, aos Santos...); certos usos propensos à
utilização utilitária, quase mágica (água benta, oliveiras, medalhas...); o culto aos mortos, com as
dimensões e modalidades que existem em certos lugares da América Latina; as manifestações de
massa (procissões, peregrinações...); os ritos estacionais (batismo, primeira comunhão, matrimô-
nio, exéquias) e outros gestos significativos. Cf. A.J. BÜNTIG, Dimensões do catolicismo popular
latino-americano e sua inserção no processo de libertação, p.119.
tos, acompanhando-os positiva e criticamente em seus esforços de libertação. Sem
descurar da primeira, a pastoral libertadora deve enfatizar a segunda
615
. A partir
disto, Aldo J. Büntig analisa cada uma destas duas dimensões.
Quanto a primeira dimensão, propõe um esquema motivacional que ajuda
a detectar os valores resgatáveis, revelados nas expressões sacrais, por vezes am-
bíguas, do catolicismo popular. Apresenta igualmente os antivalores que importa
neutralizar. Destaca, por fim, as motivações e condicionamentos estruturais capa-
zes de levar a um processo libertador todos aqueles que se exprimem em gestos de
um catolicismo popular, aculturado. Conclui ressaltando a importância neste pro-
cesso do trabalho nas bases e a partir das bases eclesiais. a segunda dimensão,
aquela que é muito mais importante para uma pastoral libertadora, significa des-
cobrir e identificar os valores libertadores existentes nos setores oprimidos da so-
ciedade latino-americana. Valores que costumam exprimir-se freqüentemente em
gestos sacrais ambíguos, e que é preciso descobri-los, enriquecê-los e fazê-los
crescer à luz crítica do Evangelho, historicamente reinterpretado. Trata-se de um
enfoque pastoral estrategicamente diverso, que busca elaborar sua pastoral a partir
do povo oprimido, cujos valores, dada a aculturação do catolicismo, devem ser
assumidos, purificados, enriquecidos e fomentados. Por esse caminho é que o cris-
tianismo poderá mais eficazmente colaborar na construção de uma humanidade
nova, em uma sociedade realmente renovada e libertadora
616
.
Concluindo, percebe-se que a análise sociológica proposta por Aldo J.
Büntig sobre o processo de popularização do cristianismo indica que este tem am-
biguidades e limitações, mas também riquezas, valores e perspectivas. O catoli-
cismo popular constitui-se em dimensão central do ser humano latino-americano,
sendo o núcleo do seu ethos sócio-cultural. Trata-se de uma dimensão sócio-
religiosa que marca o acontecer histórico do povo de forma relevante.
3.2.2. Segundo Galilea: tensão entre o papel dominador e libertador
da religiosidade popular
No Encontro de El Escorial, o tema da religiosidade popular ou catolicis-
mo popular também foi abordado por Segundo Galilea em sua exposição A fé co-
615
Cf. A.J. BÜNTIG, Dimensões do catolicismo popular latino-americano e sua inserção no pro-
cesso de libertação, p.119-122.
616
Cf. Ibid., p.122-133.
mo princípio crítico de promoção da religiosidade popular
617
. Seu enfoque é teo-
lógico-pastoral, portanto, distinto da abordagem de Aldo Büntig, que acabou-se de
retratar, de cunho mais sociológico e pastoral. Procurar-se-á, a seguir, recolher as
principais contribuições de Segundo Galilea que venham a auxiliar para uma me-
lhor compreensão da situação cio-cultural e religiosa que caracteriza a História
latino-americana tal como esta se faz presente em El Escorial.
O ponto de partida de Segundo Galilea é a constatação de que o catolicis-
mo que impregna a mentalidade do povo é chamado a desempenhar um papel po-
sitivo ou negativo, conforme for orientado, no processo libertador e político da
América Latina. Em decorrência disso, a pastoral popular que o orienta será res-
ponsável por conseqüências sócio-políticas de cunho libertador ou dominador.
Antes de apresentar a posição do problema, onde se encontram as maiores
contribuições de Segundo Galilea para a compreensão do catolicismo popular
como dimensão cio-religiosa e cultural da História latino-americana, o autor
apresenta o que entende por pastoral popular, libertação e política, termos funda-
mentais dentro de sua exposição. Por Pastoral Popular compreende-se a atividade
pela qual a Igreja (todos os que fazem a pastoral popular de fato) promove, purifi-
ca e evangeliza o catolicismo popular. Quanto ao termo libertação, reconhece que
tem conteúdo ambíguo na América Latina. Mas explicita que o tema, em seu sen-
tido hisrico, é visto como o processo através do qual o ser humano latino-
americano vai assumindo seu próprio destino e uma crescente liberdade. Isso im-
plica, na América Latina, desfazer-se de rias formas de opressão sócio-
econômica, cultural e política. Pela fé é, na conjuntura latino-americana, a moda-
lidade que assume na História a libertação integral do ser humano. A Política é
tomada como a atividade que tem por objeto a influência ou a participação no
poder, a fim de prover o bem comum. Na situação concreta da América Latina, tal
ação sobre os poderes de decisão concretiza-se na luta de diversos grupos de inte-
resse por repartir os bens. Isso produz injustiça e marginalização. Em conseqüên-
cia, a ação política exige na América Latina a tomada de consciência, organização
e ação dos que sofrem opressão. A isso Segundo Galilea denomina mobilização
política ou politização. Esta se exprime em partidos políticos, mas também em
617
Cf. S. GALILEA, A cristã como princípio crítico de promoção da religiosidade popular,
p.136-142.
organizações sociais e outras que constituem diversas formas de ação política com
vistas a influir ou participar no poder
618
.
Para Segundo Galilea, o catolicismo popular não evangelizado, isto é, não
influenciado por uma autêntica pastoral popular, pode ser caracterizado como um
nível do catolicismo predominantemente ligado a atitudes cultuais e éticas devo-
cionais. Tal catolicismo reforça uma visão dualista da realidade, e portanto, uma
atitude religiosa alheia às tarefas de transformação social. Projeta um Deus a-
histórico, presente nas coisas e não na caminhada da História. Em termos socioló-
gicos, reforça um Deus e uma religião concorde com a sociedade tradicional, está-
tica, em que se explica pela o dado estabelecido, porém, dificilmente a mudan-
ça e o criativo. Na perspectiva das transformações sociais, esse catolicismo po-
pular reforçaria o atual sistema social da América Latina, com todas as suas in-
justiças, contradições e opressões”
619
. Em perspectiva política, esse catolicismo
popular seria um fator reacionário, um freio ao processo de libertação do povo
latino-americano. Poder-se-ia demonstrar isso com usos da devoção popular para
sacralizar o status quo e, o que é pior, para interpretar como vontade divina mu-
danças políticas retrógradas. Desta forma, a utilização político-conservadora do
catolicismo popular reforça-se pela influência exercida por ele na mentalidade
popular, tornando-a conformista e sacralizadora da situação social.
Surge um problema quando se constata que sobre este catolicismo popular
é exercida uma ação pastoral que mantém, sem transformar, esse tipo de catoli-
cismo. Segundo Galilea classifica-a como “alienante e reacionária”. Ou, na me-
lhor das hipóteses, ingênua, pois acredita manter a católica, quando no fundo
prepara a grave crise dessa no momento de se efetuarem a politização e as
transformações sociais. É esse problema que leva à colisão entre o catolicismo
popular e a secularização.
A secularização na América Latina ainda não é global e nem majoritária.
Atinge intelectuais, as elites e os grupos dirigentes, sem contudo, ter chegado às
camadas populares. Mas, embora frágil, a secularização latino-americana é um
processo crescente que vai chegando ao povo, ainda que com características dis-
tintas da secularização européia ou norte-atlântica. À semelhança da secularização
618
Cf. S. GALILEA, A cristã como princípio crítico de promoção da religiosidade popular,
p.136-137.
619
Ibid., p.137. O itálico é de Segundo Galilea.
norte-atlântica, a secularização na América Latina caracteriza-se, em seus traços
gerais, pela consciência da autonomia do temporal e do domínio do ser humano
sobre o mundo e suas leis; pelo colapso dos mitos explicativos, inclusive os reli-
giosos; pela decadência da influência da religião em todos os aspectos; e pela e-
mergência de uma sociedade a-religiosa. No entanto, algo de muito específico
nas modalidades de secularizão latino-americana. Esse específico consiste nas
preocupações pelo desenvolvimento e pela libertação, com sua conseqüente poli-
tização. Isso significa dizer que há, na América Latina, uma crescente consciência
da capacidade do ser humano de dirigir a História e mudar a sociedade, tornando-
a melhor. O latino-americano é mais sensível a seu domínio sobre as leis sociais
que ao domínio sobre a natureza. Desta forma, para Segundo Galilea, na América
Latina, secularização e politização parecem coincidir. Em conseqüência, a política
e suas ideologias (principalmente os marxismos) aparecem no continente como o
grande processo profano e secular que substitui a tradicional influência do religio-
so. Aparentemente a politização desenvolve-se prescindindo do religioso, paralela
à vida da fé e até mesmo em oposição a ela
620
.
Esta hipótese é verificável somente no catolicismo popular o-
evangelizado. a politização e seus processos (libertação, revolução, desenvol-
vimento...) criao a crise desse catolicismo ambíguo e serão fatores de descristia-
nização. Assim o catolicismo popular, tal qual se apresenta majoritariamente, não
parece capaz de estabelecer uma nova síntese fé-ação temporal, e a pastoral popu-
lar em voga não o ajuda a sair desta crise. Como resultado, tem-se a tendência
perceptível, quando da realização de El Escorial, nos centros industriais e operá-
rios politizados da América Latina. Tendência de substituir o catolicismo popular
tradicional por ideologias políticas. As ideologias políticas assumem o papel de
nova Igreja e religião. Tornam-se a mística e os novos mitos. São, junto com to-
dos os marxismos latino-americanos, profundamente religiosas. Assim, “as ideo-
logias na América Latina aparecem como ‘heresias’ do cristianismo”
621
. Isso se
explica, por um lado, pela alma culturalmente cristã do povo latino-americano, e
por outro, pelo fato de as ideologias se inspirarem em temas cristãos avulsos
622
.
620
Cf. S. GALILEA, A cristã como princípio crítico de promoção da religiosidade popular,
p.137-138.
621
Ibid., p.139.
622
De acordo com Segundo Galilea, isso é exato no caso dos socialismos e marxismos que basei-
am sua mística em temas como fraternidade, igualdade, justiça, etc. É também exato nas democra-
Isso explica o paradoxal parentesco entre o catolicismo e as ideologias
políticas na América Latina. Fica evidente assim que a separação do religioso no
processo de politização é apenas aparente. Evidencia-se ainda um caminho possí-
vel: o do diálogo entre a fé e as ideologias políticas, e a possibilidade de recuperar
o cristão que elas ocultam mais ou menos anonimamente. Este diálogo está em
processo de construção e cristalização nas diversas teologias latino-americanas
623
.
O pensamento teológico-pastoral permitirá evangelizar a politização, dar-lhe um
lugar no plano de Deus, ligá-la à fé, reforçar seu impulso libertador e melhorar-
lhe, se necessário, a orientação. Esse é o desafio da pastoral latino-americana. Se
não assumi-lo, permanecerá fora da História e será, portanto, reacionária
624
.
Enfim, a pastoral popular precisa assumir o desafio de contribuir para que
a de fato seja um princípio crítico da sociedade. A pastoral como anúncio desta
precisa ser radicalmente libertadora e conter uma vertente política, enquanto
leva o ser humano à consciência de que está salvo em Cristo e que deve tornar
atual e histórica esta salvação, libertando-se progressivamente de toda forma de
opressão. Na expressão de Segundo Galilea “assim como a dimensão político-
libertadora es no âmago do Evangelho, assim também uma autêntica pastoral
latino-americana deve libertar e ‘politizar’”
625
. Assim, a pastoral popular tem por
missão acompanhar o povo na tomada de consciência das possibilidades de sua .
Acompanhá-lo no resgate da força libertadora e politizadora que supõe-se latente
em seu catolicismo. Esse parece ser o grande desafio da pastoral popular.
3.3. Renato Poblete e a especificidade do processo de secularização
latino-americano
O problema da secularização na América Latina está diretamente ligado à
dimensão cio-religiosa e cultural do ser latino-americano. Compreende-se, por
isso, como um aspecto referente à situação sócio-religiosa e cultural da História
cias cristãs, que se inspiram na doutrina social da Igreja. E por fim, é exato nas próprias ideologias
e místicas de tipo facista que utilizam temas cristãos, como por exemplo: a “civilização ocidental
cristãe outros. Cf. S. GALILEA, A fé cristã como princípio crítico de promoção da religiosidade
popular, p.139.
623
Na expressão de S. Galilea, “esse diálogo está-se cristalizando nas formas de ‘teologias da
secularização latino-americana’ que, precisamente pela modalidade de nosso processo, tomam a
forma de ‘teologia política latino-americana’, ‘teologia do desenvolvimento’ e, sobretudo nos
últimos anos, ‘teologia da libertação’ e ‘teologia da revolução’”. Ibid., p.139.
624
Cf. Ibid., p.139.
625
Ibid., p.140.
latino-americana em curso. O interesse aqui é abordar a interpretação que El Esco-
rial apresenta desta dimensão da História para, em seguida, avaliar como neste
mesmo encontro se apresenta a relevância desta História, ou desta dimensão para
o fazer teológico. Como pouco se viu, Segundo Galilea já chama a atenção
para a questão da secularização e coloca esta questão em referência direta com sua
abordagem, a saber, com o papel do catolicismo popular e da conseqüente pastoral
popular no processo de libertação latino-americano. No que se refere à questão da
secularização, as contribuões que a seguir serão propostas não podem ser vistas
sem uma referência à exposição de Segundo Galilea. Porém, elas constituem-se
em uma interpretação distinta do fenômeno da secularização. Tal distinção decor-
re do próprio enfoque de cada autor. Enquanto Segundo Galilea aborda o proble-
ma em perspectiva teológico-pastoral, Renato Poblete
626
, como se verá a seguir,
aborda o fenômeno da secularização sob a perspectiva da sociologia da religião.
O ponto de partida de R. Poblete é a afirmação de que, do ponto do vista
do sociólogo, para captar o processo de mutações da América Latina, um dos en-
foques úteis é o da indagação sobre o grau e modo por que se está secularizando a
sociedade e seus grupos no continente. Isto também interessa ao teólogo e ao pas-
toralista, pois, não importa que definição se ao termo secularização, esta tem
ligações com o modo como o elemento religioso se integra na estrutura total da
cultura. “Captar essa mudança é condição necessária de um trabalho de Igreja que
pretenda ser lúcido”
627
.
Para se abordar o problema da secularização, uma dificuldade inicial é a
multiplicidade de conotações que o conceito adquire. Isso exige que se defina,
inicialmente, em que sentido o conceito de secularização é utilizado. Renato Po-
blete propõe-se utilizar o conceito para indicar dois tipos de processos que podem
ser conectados de vários modos. O primeiro é o processo pelo qual setores da so-
ciedade e da cultura se subtraem à autoridade das instituições e dos símbolos reli-
giosos (Peter Berger). Em perspectiva teológica, este conceito assume dois senti-
dos: o de deixar o mundo ser mundo, e o de ser um processo pelo qual esse “mun-
danizar-se” do mundo se realiza sob o signo do antagonismo ou da beligencia
contra Deus, particularmente contra a figura histórica do cristianismo. O segundo
626
Para o estudo do processo latino-americano de secularização segue-se: R. POBLETE, Formas
específicas do processo latino-americano de secularização, p.143-159.
627
Ibid., p.143.
tipo de processo, relacionado com o primeiro, é o que afeta não apenas a socieda-
de em geral, mas em particular as sociedades religiosas, na medida que estas tam-
bém deixam que o mundo seja mundo e retiram-se de posições em que outrora
exerciam algum tipo de autoridade sobre o mundo. Estes dois tipos de processos
que constituem a secularização, desenvolvem-se pondo em jogo múltiplas variá-
veis, podendo cada uma ser apresentada como elemento integrante da definição do
processo. E como processo, os elementos ou variáveis se farão presentes ou au-
sentes segundo o momento histórico que se deseja analisar. E mais, em cada mo-
mento hisrico combinar-se-ão de diferentes formas em estruturas de seculariza-
ção que, pelo fato mesmo, podem ser qualitativamente distintas
628
.
A definição de secularização acima proposta implica também que se faça
referência ao seu correlato, isto é, à religião. Isto torna necessário ter presente o
sentido em que ela é tratada. Renato Poblete propõe-se falar da religião que está
mantida e estruturada por instituições especializadas (igrejas) e expressa em sím-
bolos (dogmáticos, morais, rituais). Na América Latina tais instituições ou símbo-
los serviram para oferecer sistemas de significado e legitimação em diversos ní-
veis (cósmico, pessoal-individual, social, político). Isso coloca a perspectiva espe-
cífica em que Renato Poblete pretende abordar o tema: “preocupar-nos-á neste
trabalho examinar até que ponto existem agora manifestações sociais e culturais
de secularizão, ou seja, do afastamento dessas instituições e símbolos do plano
da cultura em seus diversos níveis”
629
.
A partir das precisões conceituais Renato Poblete propõe quatro hipóteses
em torno do processo de secularização na América Latina. A primeira hipótese
parte da constatação de Hervey Cox, segundo o qual uma das características da
época presente” é o colapso da religião tradicional e mitológica
630
. Isto estaria
ocorrendo também na América Latina, daí a hitese de Renato Poblete: a presen-
ça histórica do secularismo não só fez com que a sociedade latino-americana não
seja, muito tempo, monoliticamente religiosa, como também influiu na for-
ma como os cristãos encararam suas responsabilidades seculares. Este processo
tem uma longa história na América Latina. Aparece no culo XIX com o libera-
628
Cf. R. POBLETE, Formas específicas do processo latino-americano de secularização, p.143-
145.
629
Ibid., p.145.
630
Segundo R. Poblete, esta afirmação de Hervey Cox encontra-se na obra A Cidade Secular,
pom, não indica referências bibliográficas mais precisas. Cf. Ibid., p.145-146.
lismo e, no século XX, com os socialismos e marxismos. Isso permitiu o pluralis-
mo, e com a reação conservadora, a polarização de opines. Mas, com o andar do
tempo, no século XX, ir-se-á matizando essa polarização, entre outras razões,
pelo aparecimento dos partidos de inspiração cristã, ativados a realizações sociais
em proveito da classe operária
631
.
Isto leva à segunda hipótese: Na América Latina, nos países onde grupos
significativos de cristãos se preocupam com as classes trabalhadoras e sua promo-
ção, produz-se paulatinamente uma secularização interna da religião cristã, na
medida em que os símbolos religiosos apontam para pontos hisricos “atuais” de
referência. Para Renato Poblete, a partir dos anos trinta, o processo vivido pela
América Latina possibilita falar em três momentos ou etapas de crescente secula-
rização no interior dos grupos cristãos. O primeiro com o surgimento dos partidos
políticos de inspiração cristã. Neste momento, a secularização de tais grupos é
antes objeto de suspeita por parte dos grupos tradicionais da Igreja, muito mais
que realidade dos próprios grupos de cristãos sociais. Já na segunda etapa os par-
tidos continuam a dizer-se de inspiração cristã, mas há um novo passo rumo à
secularização: trata-se da compreensão dos métodos e leis da política e da econo-
mia distintos do campo religioso e regidos por suas próprias leis. O conceito que
consagra esta secularização é o da autonomia do temporal, esboçado no Vaticano
II e amplamente comentado na América Latina.
Por fim, o terceiro momento ou passo para a secularização se dá no perío-
do contemporâneo à realização de El Escorial. Surgem grupos cristãos, principal-
mente grupos de sacerdotes, para quem deixou de ser viável na prática e definível
em teoria o modelo dos partidos de inspiração cristã. Segundo esses grupos, acha-
se a América Latina em processo revolucionário para o socialismo. Aqui já o se
trata simplesmente da justiça social como nos dois movimentos anteriores, mas da
luta de classes, luta que libertará o oprimido. Para estes grupos, a revolução social
e socialista é o modo de ser cristão na América Latina. Já não autonomia do
temporal, mas uma única História, a História da luta de classes. Opera-se assim
uma releitura dos símbolos cristãos em função dos oprimidos e de sua luta. Esses
grupos foram acusados de querer reeditar uma cristandade às avessas, isto é, soci-
alista. “Se fosse certa a acusação, não haveria aqui um passo para a secularização,
631
R. POBLETE, Formas específicas do processo latino-americano de secularização, p.146.
senão, ao invés, um retrocesso”
632
. Para Renato Poblete, esta acusação peca por
simplismo. Em sua opinião, trata-se antes de uma nova percepção do cristianismo
em que em vez de ser este a ditar os princípios e normas da ação política, é antes
esta tarefa que faz descobrir o verdadeiro sentido do cristianismo. Nisto realizar-
se-ia, embora de modo paradoxal, a definição de secularização
633
.
A análise proposta por Renato Poblete permite-lhe concluir que o processo
de secularização na América Latina não é pura e simples perda do religioso ou
declínio da religião, mas pode orientar no futuro a busca de novas formas de cris-
tianismo, portanto, tratar-se-ia de uma nova maneira de valorizá-lo. Esta perspec-
tiva abre espaço para a análise posterior a partir da terceira hipótese
634
.
A terceira hipótese propõe que o processo de secularização descrito é visí-
vel principalmente nas camadas sociais que, como os intelectuais de classe média
(inclusive o clero), pertencem cultural e estruturalmente à sociedade moderna.
Nas camadas de transição, dar-se-ia antes um certo dualismo: uma esfera para a
religião, outra para os assuntos sócio-políticos e cio-econômicos. Finalmente,
há vastas camadas sociais em que permanece a mentalidade tradicional e, no que
respeita à religião, se apresentam indícios de adesão não questionada, crenças,
ritos e práticas religiosas, sem relação com as reinterpretações modernas do cristi-
anismo. Para verificar esta hipótese, Renato Poblete analisa uma série de áreas e
indicadores, aduzindo ao que os estudos realizados parecem mostrar. Sem apro-
fundar aqui estas áreas, vale a pena indicá-las e recolher algumas conclusões. São:
a área da experiência religiosa onde se conclui que a secularização, na América
Latina, não é um processo que feche o ser humano a toda perspectiva religiosa. A
área ritual e devocional, em que se conclui pela advogação da hipótese em suas
três partes. A área do dogma e da moral e, por fim, a área da instituição eclesiásti-
ca. Segundo R. Poblete, do exame destas quatro áreas, o se pode tirar uma con-
clusão simples. indícios de crescente secularização na América Latina: os sis-
temas culturais e ideológicos distinguem-se entre si e com relação às sistematiza-
ções religiosas; as idéias religiosas dogmáticas e as normas morais da Igreja são
submetidas à prova da racionalidade e confrontadas com outras idéias e normas de
origem religiosa: é a prova e desafio do pluralismo. Os aspectos religiosos, mais
632
R. POBLETE, Formas específicas do processo latino-americano de secularização, p.148.
633
Cf. Ibid., p.146-149.
634
Cf. Ibid., p.149-150.
circundados com auréola de mistério, vão se dessacralizando. Essa dessacraliza-
ção talvez também se acompanhe de uma transposição de elementos religiosos a
outras esferas da vida civil, a ideologias e práticas políticas, etc. Porém , por
outro lado, aberturas a níveis propriamente religiosos na experiência e nas mani-
festações populares; há referências religiosas no comportamento político; há preo-
cupação oficial pela Igreja como instituição
635
.
Por fim, a quarta hitese propõe que nem sempre m juntas as diversas
variáveis que entram na definição de secularização. É possível que, precisamente
por serem dependentes de outras variáveis sócio-econômicas, apareçam sucessi-
vamente, desenvolvam-se em ritmo diferente e atinjam de modo variado as diver-
sas camadas da população, segundo sua situação de classe e a posição que assu-
mem em face do processo sócio-econômico e sócio-político
636
.
A complexidade do processo de secularização e da variedade de suas figu-
ras e aspectos, se considerados nas diferentes camadas sociais e nos vários mo-
mentos de um devir como o latino-americano, mostra, como indica o estudo de
Renato Poblete, que o processo liga-se a uma dessacralização dos símbolos e ins-
tituições religiosas. Nesta dessacralização, influem fatores sócio-econômicos e
sócio-políticos. E por que esses fatores afetam de modo diverso as diferentes ca-
madas ou classes sociais, em cada uma delas assume diferentes formas a seculari-
zação, com sua concomitante dessacralização. Porém, em seu conjunto, este pro-
cesso de secularizão tem uma especificidade na América Latina: a secularização
assume uma perspectiva positiva e expressa-se como um esforço por repensar e
reativar a religiosa e suas expressões simbólicas e institucionais, num sentido
que exprima o ser humano, sobretudo o oprimido, em sua luta, sem as desfigura-
ções e encobrimentos que tornaram criticável a religião tradicional e que, no
mesmo movimento, também expressão àquilo que no ser humano supera o
próprio ser humano, isto é, Deus como sentido. Esse é, enfim, o complexo pro-
cesso de secularização latino-americano, uma dimensão cio-cultural e religiosa
da História, até aqui visto sob perspectiva sociológica, mas ante o qual a Teologia
e a pastoral precisam buscar respostas e caminhos.
635
Para uma análise completa sobre a terceira hipótese cf.: Renato POBLETE, Formas específicas
do processo latino-americano de secularização, p.146-156.
636
Cf. Ibid., p.156.
3.4. O Protestantismo latino-americano diante da tarefa da
transformação social segundo José Miguéz Bonino
A análise da situação sócio-religiosa e cultural latino-americana como di-
mensão constitutiva da Hisria, para ser completa de acordo com a interpretação
e descrição que dela se faz em El Escorial, precisa considerar a presença do pro-
testantismo na América Latina. Para esta análise seguir-se-á o estudo de José Mi-
guéz Bonino Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das Igrejas
Cristãs não-católicas, apresentado em El Escorial
637
.
José Miguéz Bonino propõe-se, com este estudo, completar o panorama da
relação entre cristã e sociedade na América Latina. Ante a impossibilidade de
abordar o problema em todas as Igrejas cristãs não-católicas, como sugere o título,
propõe-se tratar do chamado protestantismo tradicional
638
. O protestantismo tradi-
cional chegou, em geral, à América Latina entre 1850 e 1870. Quase contempora-
neamente ingressaram também as Igrejas de imigração (luteranos alemães; calvi-
nistas franceses, holandeses e suíços; presbiterianos escoceses; anglicanos ingle-
ses; valdenses do Piemonte). Estes sofreram um rápido processo de aculturação
que os assemelha ao protestantismo tradicional
639
.
O protestantismo conseguiu certa força social em fins do século XIX, com
insistência na “obra educacional, ênfase na necessária modernização dos povos
latino-americanos e insisncia em que os males sociais (...) eram sobretudo devi-
do à perniciosa influência da Igreja católica”
640
. Essa é a concepção que predomi-
nou no Congresso Evangélico Pan-Americano do Panamá (1916). O Congresso
do Panamá representa a primeira tentativa das diversas Igrejas missionárias (prin-
cipalmente norte-americanas), com missão na América Latina, de estudarem jun-
tas e coordenarem sua tarefa. Dez anos mais tarde o Congresso de Montevidéu
onde se enfatiza vigorosamente os aspectos sociais da democracia, em cuja cons-
trução, as Igrejas são chamadas a colaborar. aqui uma perspectiva otimista e
637
Cf. J.M. BONINO, Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das Igrejas Cristãs
não-católicas, p.160-179.
638
Segundo J.M. Bonino, este Protestantismo é representado principalmente por denominações de
tipo livre nos países de origem que se estabeleceram na América Latina mediante obra missionária.
o, principalmente: metodistas, presbiterianos, episcopalianos dos Estados Unidos, discípulos de
Cristo. Cf. Ibid., p.160-162.
639
Cf. Ibid., p.162.
640
J. de SANTA ANA, Protestantismo, cultura y socidad, Buenos Aires 1970, 110-112. Citado
em: J.M. BONINO, Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das Igrejas Cristãs não-
católicas, p.162, nota 5.
esperançosa para a América Latina e uma certa crítica indireta ao problema do
imperialismo econômico, chamando a atenção contra o controle econômico de um
país sobre o outro, quer no comércio, quer no uso dos recursos naturais. na
Primeira Conferência Evangélica Latino-americana, em Buenos Aires (1949),
não se processou diferença substancial alguma de enfoque. As Igrejas, agora na-
cionais, assumiram a mesma perspectiva.
Doze anos mais tarde, realiza-se em Lima a Segunda Conferência Evangé-
lica Latino-americana. Aqui uma série de diferenças das anteriores. No que
se refere à relação entre fé e transformação social há dois deslocamentos: no plano
teológico decidida tomada de distância do liberalismo e clara decisão neo-
ortodoxa: a centralidade da soberania de Jesus Cristo, a primazia da iniciativa di-
vina, o caráter objetivo da unidade dada em Cristo. o esforço de superar, sem
menosprezá-lo, o subjetivismo pietista e o individualismo e ultramontanismo do
revival tanto quanto o humanismo do liberalismo. Isso porém, o implica um
“transcendentalismo”. Pelo contrário, é reconhecida e criticada a distância, a ex-
clusão, a “extraterritorialidade” mantidas tantas vezes pelos evangélicos com refe-
rência à vida e às preocupações do ser humano latino-americano, e faz-se um ape-
lo a nova atitude de solidariedade.
No plano social vê-se que a busca de raízes na realidade desloca a perspec-
tiva social, embora não altere grandemente o conteúdo das formulações. um
esforço de concreção na análise da situação, da injusta distribuição das riquezas,
do problema agrário, das populações indígenas, do imperialismo econômico.
um primeiro esforço por não limitar-se a determinar os problemas do continente
em categorias gerais de problemática social, mas de partir das pprias situações.
Assume-se a condição de subdesenvolvimento e toma-se consciência da busca de
mudanças estruturais, porém, tudo ainda em perspectiva basicamente desenvolvi-
mentista. Vê-se a necessidade de mudanças, porém, estas são em termos de conti-
nuidade e reforma e não de revolução e ruptura. Também não se modificou a vi-
o do modo de presença do protestantismo na sociedade
641
.
Para completar o itinerário, J.M. Bonino apresenta a Terceira Conferência
Evangélica Latino-americana. Esta foi realizada em Buenos Aires em 1969. Com
seu lema Devedores do mundo, assinala-se um novo aspecto. Um esforço de auto-
641
Cf. J.M. BONINO, Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das Igrejas Cristãs
não-católicas, p.164-165.
crítica marca esta conferência. Auto-crítica pela falta de enraizamento, pelo insu-
ficiente compromisso com a realidade latino-americana, pelo divisionismo e ex-
cessivo zelo polêmico. Isto fez com que as Igrejas evangélicas na América Latina
não “pagassem” a dívida segundo a medida que lhes impõe o Evangelho e o povo
tem o direito de reclamar. Qual seria esta vida? Ou em outros termos: qual é a
missão das Igrejas na América Latina? A III CELA revela diversidade de respos-
tas. Tal diversidade polariza-se em torno da problemática da sociedade.
O diagnóstico da situação é realista e aponta, segundo JoMiguéz Boni-
no, as causas estruturais do subdesenvolvimento. A análise, embora menos siste-
mática, coincide com a Conferência de Medellín (1968). Indica-se a necessidade
de transformações criadoras de justiça social, de superação de estruturas de opres-
o por outras mais humanizantes. Em concordância com Medellín, constata-se
uma novidade teológica para o protestantismo latino-americano: a encarnação
como ponto de partida, fundamentação, poder e modelo de presença cristã.
Porém, quando se busca precisar o significado concreto de tais formula-
ções, logo se percebe as diverncias: participação cristã é tarefa de pessoas con-
vertidas e transformadas pelo Evangelho; as mudanças devem ter cunho democrá-
tico; repúdio de toda definição política em nível de programa ou tendência ideoló-
gica ou partidária. Esta tarefa cabe ao indivíduo. Contudo há outras afirmações,
menos dominantes, porém, significativas: reconhecimento da conflitividade lati-
no-americana; reconhecimento de que o Evangelho, para além da pessoa, também
se refere às estruturas da sociedade; reconhecimento da possibilidade de um com-
promisso revolucionário dos cristãos. A respeito do fato da conflitividade, José M.
Bonino constata que denuncia-se concretamente as estruturas imperialistas e oli-
gárquicas e apela-se para uma militância a favor dos oprimidos, mesmo quando
não se aborda a questão da violência. É significativo que a confencia, que deba-
teu arduamente este informe em sua última sessão, não tivesse maioria para acei-
tá-lo nem para rejeitá-lo. Limitou-se a remetê-lo (com oposição da minoria) para
estudo das Igrejas
642
.
A partir da apresentação das conferências evangélicas latino-americanas,
José M. Bonino propõe-se interpretar o processo que perpassou-as. E o faz medi-
ante uma análise multidimensional que considera a perspectiva histórico-social,
642
Cf. J.M. BONINO, Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das Igrejas Cristãs
não-católicas, p.167-168.
ideológica e teológica. A partir desta análise, apresenta uma interpretação teológi-
co-histórica sobre a função do protestantismo na sociedade latino-americana desde
a sua entrada no continente até a Conferência de Lima (1961). Sua conclusão é
que pode-se descrever o protestantismo deste período como cobertura ideológica
da incorporação da América Latina na órbita do capitalismo industrial em sua
expansão mundial. Seu papel é secundário, porém, real. Por outro lado, a observa-
ção detida deste processo permite descobrir sinais que apontam para uma interpre-
tação teológica: o protestantismo cria na América Latina um processo de dessacra-
lização, de abertura de uma sociedade rígida religiosamente justificada que, se-
guindo embora em linhas liberais, transcende a crítica liberal e aponta para mais
profunda subversão, para mais fundamental desinstalação que a de fato assinalada
em seus objetivos conscientes e explícitos. Pode-se dizer que o protestantismo
latino-americano veicula a um só tempo e no mesmo processo a crítica radical do
Evangelho e a crítica liberal ideológica à sociedade tradicional. Assim proceden-
do, leva oculta a semente de sua própria crise e a possibilidade de caminhar rumo
a um novo projeto histórico. Desta forma, a crise, anunciada a partir de 1960,
manifesta-se claramente na III CELA (Buenos Aires 1969)
643
.
Esta caminhada proposta por José Miguéz Bonino permite-o chegar ao
panorama do protestantismo latino-americano contemporâneo ao Encontro de El
Escorial. Para ele, “o atual panorama do protestantismo com relação à sua visão
da sociedade e de suas tarefas caracteriza-se pela fragmentação, conflito e bus-
ca”
644
. Em nível profundo, essas tensões ligam-se à polarizão da consciência
latino-americana e aos conflitos de classe e grupos na vida nacional e continental.
Percebe-se que a partir da revolução cubana o compromisso sócio-político-
ideológico deixou de ser, na América Latina, questão acadêmica e transformou-se
em exigência a que se responde de um ou de outro modo, embora sem o desejar
ou saber. Nesta situação desbaratou-se o aparato ideológico com o qual o protes-
tantismo enfrentava a questão social, sem comprometer a transcendência da Igreja
e de sua mensagem. Agora é preciso enfrentar as opções concretas de todo ser
humano ou grupo latino-americano. A partir dessa situação de polarização é que
José M. Bonino compreende as tensões do protestantismo latino-americano, con-
643
Cf. J.M. BONINO, Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das Igrejas Cristãs
não-católicas, p.168-172.
644
Ibid., p.172.
temporâneo a El Escorial. Para exemplificar indica, então, alguns casos caracterís-
ticos desta situação de polarização. O primeiro caso é o da militância desenvolvi-
mentista-anticomunista que se expressa na revista Primícia Evangélica
645
. Perce-
be-se, através de estudos sociológicos, que esta revista tem uma Teologia dualista,
com apoio a uma forma de fundamentalismo evangélico.
O segundo caso analisa o pentecostalismo na tensão entre greve social e
sociedade participatória. José Miguéz Bonino recolhe os resultados de dois estu-
dos voltados, um para o pentecostalismo chileno, e outro para o pentecostalismo
chileno e brasileiro
646
. Esses estudos coincidem na caracterização da dinâmica
social em que se insere o fenômeno do crescimento pentecostal. Trata-se da deses-
truturação da sociedade tradicional, com as conseqüentes migrações internas que
desenraízam o camponês e criam uma situação de anomia social. Às massas que
passam por tal experiência o pentecostalismo oferece uma nova identidade, uma
comunidade com normas, funções e possibilidade de ascensão e participação, e
uma cosmovisão em que integram suas novas experiências. Ambos estudos tam-
bém concordam com a caracterização da Teologia de negação do mundo que a-
companha o movimento pentecostal. O mundo é mau e está em poder de Satanás;
converter-se é ser libertado de sua escravidão. Por isso, tudo o que pertence ao
mundo: cultura, política, diversão, constitui tentação satânica. O reino de Deus é
futuro e transcendente. As atuais comunidades o sinais desse reino, não porém
instrumentos de sua definitiva instalação, que depende de um ato apocalíptico
divino. Em termos sociais, uma espécie de greve social. Segundo JoMiguéz
Bonino, tanto E .Willems como Chr. Lailive D´Epinay concordam que a causa de
tal repúdio do mundo está na experiência imediata: o pentecostalismo, religião da
classe marginalizada e explorada, experimentou o mundo como opressão, espolia-
ção, miséria e abuso. O que se repele é o mundo concreto de sua experiência: dos
ricos, dos poderosos, dos cultos, no qual só encontrou lugar como escravo. É, por-
tanto, uma religião do protesto social.
645
Primícia Evangélica é um semanário que circulou entre protestantes destinado a apresentar ao
povo uma imagem do protestantismo. Cf. J.M. BONINO, Visão da mudança social e de suas tare-
fas por parte das Igrejas Cristãs não-católicas, p.173.
646
Trata-se dos estudos: E. WILLEMS, Followers of the new Faith: culture change and the rise of
Protestantism in Brazil and Chile. Vanderbilt, 1967; Chr. Lalive D´EPINAY, El refugio de las
masas: estudio sociológico del protestantismo chileno. Santiago do Chile, 1968. Cf. J.M.
BONINO, op. cit. p.174-175, nota 34.
O que vai afastar os dois autores retratados por Jo Miguéz Bonino é a
avaliação do significado e a prospectiva desse protesto. Chr. Lalive D´Epinay in-
terpreta o protesto como greve social, como ato pelo qual o pentecostalismo se
dessolidariza das lutas de sua classe social. Isso é possível pelo fato de a comuni-
dade pentecostal exercer a função de uma sociedade de substituição. Nesta pers-
pectiva, o pentecostalismo apóia a conservação da situação existente: o pentecos-
talismo, segundo esta interpretação, subtrairia as massas proletárias de seu papel
histórico na transformação da sociedade, neutralizando-as na greve social ou so-
mando-as (graças às virtudes protestantes e à mobilidade social) aos setores mé-
dios que na América Latina se tornam cada vez mais conservadores.
E. Willems, por sua vez, interpreta o fenômeno de protesto a partir da co-
munidade pentecostal, na qual o convertido passa a ser um agente ativo. Cada
convertido é um participante, um líder em potência. O pentecostalismo dá-lhe o
gosto da democracia participatória e converte-o potencialmente em fautor da His-
tória. Bonino interpreta a diverncia entre Chr. Lalive D´Epinay e E. Willems,
chamando a atenção para a distinta perspectiva ideológica dos pprios investiga-
dores, seus diferentes modelos de mudança social. Segundo ele, Chr. Lalive
D´Epinay cifra sua esperança na possibilidade de mudança de consciência que
transforme o apocalipticismo transcendental da greve social em revolucionário. Já
Willems aguarda mudanças em sentido liberal-democrático que favoreçam a ativa
participação do pentecostalismo no desenvolvimento da sociedade
647
.
O terceiro caso abordado por Jo M. Bonino para apresentar as situações
de polarizão que constituem-se em tenes dentro do protestantismo latino-
americano refere-se aos problemas do compromisso segundo as Igrejas clássicas e
o ISAL. O ponto de partida são algumas novas características detectadas pelo au-
tor nas “recentes” declarações das Igrejas clássicas, principalmente das Igrejas
Metodistas: Referência a situações concretas, denúncia estrutural da ordem exis-
tente; função pública e não meramente individual da Igreja; o princípio da encar-
não: responsabilidade de cooperar na radical transformação da sociedade em
busca de uma vida humana mais plena e da construção do Homem Novo. Porém,
ao mesmo tempo e em continuação com a tradição protestante, fazem-se restri-
ções: a Igreja o intervém em política partidária, não apresenta modelos concre-
647
Cf. J.M. BONINO, Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das Igrejas Cristãs
não-católicas, p.174-176.
tos de sociedade; sua contribuição situa-se em outro nível: a proclamação da men-
sagem de libertação em Cristo, a denúncia dos males estruturais, a defesa da vida
e dignidade humanas, a formação de homens novos em Cristo. A militância políti-
ca é entregue a indivíduos e grupos, não porém às Igrejas como tais.
A tensão aberta nessas declarações entre a busca de concreção no com-
promisso e o esforço por preservar a transcendência do Evangelho marca a histó-
ria do organismo evangélico mais significativo com relação à sociedade, a saber, o
ISAL. A partir desta constatação, José M. Bonino percorre a caminhada do ISAL
desde seu nascimento em Huampaní (1961), passando pelas conferências de El
Tabo (1966), Montevidéu (1967) até a conferência de Ñaña (1971). Essa cami-
nhada indica saltos qualitativos em busca de maior concreção histórica. Enfim,
por esse caminho, o protestantismo latino-americano partiu da busca de uma visão
da sociedade latino-americana, passou por um processo de inserção maior nesta
sociedade, e por fim, buscou a concreção de uma práxis transformadora inserindo-
se na práxis libertadora.
Porém, este mesmo caminho leva a uma aporia em que se debate a Igreja
protestante e que surge, segundo Jo Miguéz Bonino, claramente da comparação
das declarações e documentos metodistas e a trajetória do ISAL. Há certa coinci-
dência na descrição da situação e na busca de solução estrutural e revolucionária.
Porém, ao passo que as Igrejas acreditam poder distinguir um plano pré ou supra-
ideológico e um compromisso pré ou suprapartidário ao qual a Igreja, enquanto
tal, em termos de sua fé e missão, possa trazer uma contribuição, mantendo o plu-
ralismo de opções ideológicas e de práxis partidárias em seu seio, denuncia o
ISAL tal dualismo como uma cobertura ideológica em si mesma, como um resto
de idealismo liberal não superado, e reclama o total esvaziamento” do amor de
Deus no do próximo, da fé na ideologia, da práxis na política
648
.
3.5. Catolicismo popular, secularização e protestantismo:
as dimensões sócio-culturais e religiosas na tensão entre o serviço
à libertação ou à dominação
A análise das exposições de Enrique Dussel, Aldo J. ntig, Segundo Ga-
lilea, Renato Poblete e José Miguéz Bonino permite identificar algumas questões
648
Cf. J.M. BONINO, Visão da mudança social e de suas tarefas por parte das Igrejas Cristãs
não-católicas, p.176-179.
centrais referentes à dimensão cio-cultural e religiosa da América Latina, tal
qual esta foi interpretada em El Escorial. Estas questões dizem respeito ao catoli-
cismo popular e suas dimensões libertadoras ou opressoras, à especificidade da
secularização latino-americana, à herança de dominação cio-religiosa e às ten-
sões presentes no protestantismo latino-americano no que diz respeito à relação
entre fé cristã e transformação social.
Em primeiro lugar está a problemática do catolicismo popular que abre
espaço para uma série de questões a ele relacionadas. Destaca-se a sua relevância
para a compreensão do quadro cio-cultural e religioso latino-americano, sua
relação com o processo de secularização e as tensões entre suas dimensões liber-
tadoras ou opressoras. A relevância do catolicismo popular para a compreensão do
quadro sócio-cultural e religioso da América Latina é evidenciado por Aldo J.
Büntig. A contribuição deste autor está no fato de demonstrar que a América Lati-
na, do ponto de vista cio-cultural e religioso, é incompreensível sem o catoli-
cismo. As normas, ritos, símbolos e instituições do catolicismo constituem-se em
elementos que integram o núcleo do ethos sócio-cultural latino-americano.
É pelo processo de popularização latino-americana do catolicismo, como
religião universal, que ocorre o fenômeno sócio-religioso e cultural segundo o
qual os gestos sacrais moldados da religião aculturada (ritos, práticas, devoções)
tendem a popularizar-se e dar origem ao catolicismo popular. O catolicismo popu-
lar é o resultado do processo sócio-religioso e cultural pelo qual o povo, como
totalidade, assume e molda como próprios os gestos sacrais do catolicismo univer-
sal, exprimindo espontaneamente, através destes gestos, suas próprias vivências e
experiências. Os gestos do catolicismo popular são assumidos como canais espon-
tâneos de suas vivências e experiências religiosas. O povo exprime espontanea-
mente seu mundo religioso por meio de gestos e formas institucionalizadas da
religião universal, que se constituem em elemento permanente de seu patrimônio
cultural. Neste sentido, o catolicismo popular tem duas dimensões importantes:
por um lado, na perspectiva tradicional de compreendê-lo, constitui-se nos gestos
sacrais do catolicismo, modelados segundo o contexto latino-americano. Mas, por
outro lado, o catolicismo popular é canal de expressão do próprio povo latino-
americano. É uma forma e um canal de expressão da própria identidade do povo.
O problema que surge, abordado tanto por Enrique Dussel, como também
por Aldo J. Büntig, e principalmente por Segundo Galilea, é a relação que se esta-
beleceu entre o catolicismo popular e o processo de dominação sócio-cultural e
religiosa. Há unanimidade entre estes autores em aceitar que o catolicismo popu-
lar, tal qual eles o interpretam à época da realização de El Escorial, é potencial-
mente veículo de dominação ou de libertação, pelo fato de seu processo de gênese
e configuração histórica ser carregado de ambigüidades e interrogações. Daí a
necessidade de uma interpretação teológico-pastoral capaz de contribuir para que
o catolicismo popular, como aspecto relevante da dimeno cio-cultural e reli-
giosa da História latino-americana, desempenhe seu potencial papel desalienador
e libertador no processo de libertação latino-americano.
O problema do papel alienador e opressor é trazido à luz principalmente
por Segundo Galilea ao abordar o catolicismo popular chamado por ele de não-
evangelizado. Este catolicismo está mais ligado a atitudes cultuais e éticas devo-
cionais, tem uma visão dualista da realidade e uma atitude religiosa alheia às tare-
fas e exigências da transformação social. Projeta um Deus ahisrico. Sociologi-
camente, reforça uma imagem de Deus e uma religião concordes com a sociedade
tradicional, estática, reforçando assim a negação de mudanças. Na América Lati-
na, acaba por reforçar o sistema social injusto, opressor e contraditório vigente.
Em perspectiva política, tal catolicismo popular é um fator reacionário e
um freio ao processo de libertação, pois sacraliza o status quo e propõe que a situ-
ação social de desigualdade e opressão é fruto da vontade divina. Neste sentido, o
catolicismo popular é utilizado pelas forças dominadoras, com suas políticas de
conservação da situação vigente, como instrumento para a conformação sacraliza-
dora da situação social e econômica. Isto pela própria influência que o catolicismo
popular exerce sobre a mentalidade das classes populares. Mais grave do que a
consciência da existência deste tipo de catolicismo popular é a constatação da
existência de uma ação pastoral que o reforça, sem transformá-lo. Trata-se de uma
pastoral alienante, reacionária e ingênua que acaba por reforçar a crise da no
momento de efetuar a politizão e as transformações sociais que o continente
latino-americano está a exigir.
o papel libertador do catolicismo popular evidencia-se na percepção de
que ele é um princípio de autonomia, de autoctonia e originalidade latino-
americana, que se apresenta como distinto da religião vinda da Europa. Através do
catolicismo popular e seus gestos, ritos e símbolos sacrais, o povo se expressa,
toma a palavra e exprime espontaneamente seu mundo religioso, suas vivências e
experiências. Daí a necessidade de situar o catolicismo popular no processo de
libertação latino-americano, em que os cristãos são chamados a desempenhar um
papel de protagonistas. Desta forma, a análise do catolicismo popular deve ser
situada no contexto de um povo oprimido a lutar por libertação e a professar uma
religião essencialmente libertadora. O catolicismo popular pode, neste sentido, ser
um ponto de apoio ao processo de libertação. Porém, para isso, exige-se um pro-
fundo esforço crítico de discernimento capaz de expurgar seus desvalores introje-
tados por uma secular pedagogia opressora.
É neste contexto que surge o desafio de uma pastoral popular libertadora
que seja capaz de valorizar o que de resgatável nos gestos sacrais, símbolos e
ritos do catolicismo popular e que seja capaz de identificar os valores do povo que
se exprime nestes gestos, acompanhando-o positiva e criticamente em seus esfor-
ços de libertação. Trata-se de descobrir e identificar os valores libertadores exis-
tentes nos setores oprimidos da sociedade latino-americana e fazer crescer estes
valores, à luz crítica do Evangelho, historicamente reinterpretado. Desta forma, a
realidade do catolicismo popular urge uma pastoral com enfoque estrategicamente
diverso: busca-se uma pastoral que parta do povo oprimido, cujos valores, dada a
aculturação do catolicismo, deve assumir, purificar, enriquecer e fazer crescer,
contribuindo de modo eficaz na construção de uma humanidade e sociedade reno-
vadas e libertadoras. Esse desafio de uma pastoral efetivamente libertadora será, a
partir de então, uma preocupação constante da Teologia da Libertação.
Enfim, a análise das exposições de El Escorial, em sua interpretação do
catolicismo popular, permite indicar algumas conclusões relevantes para esta pes-
quisa. Primeiro, reconhece-se que o catolicismo popular está no âmago da cultura
latino-americana e que não se pode falar da dimensão sócio-cultural e religiosa
sem ter presente o papel do catolicismo popular nesta dimensão. Segundo, dada a
relevância do catolicismo popular para a descrição e interpretação da dimensão
sócio-cultural e religiosa da América Latina, é preciso avaliar criticamente seu
potencial libertador e dominador. Ou seja, é preciso avaliar se o catolicismo popu-
lar é um propulsor ou um freio no processo de libertação latino-americano. Tercei-
ro, a necessidade de uma pastoral popular libertadora, capaz de acompanhar criti-
camente o catolicismo popular, postula uma Teologia libertadora como referência
crítica, à luz do Evangelho, capaz de fundamentar teológica e pastoralmente o
compromisso libertador. Neste sentido, o reconhecimento do catolicismo popular
e de sua importância na descrão da situação sócio-cultural e religiosa, bem como
de seu possível potencial libertador ou opressor, é relevante como postulado his-
rico, isto é, como componente da realidade latino-americana, para uma Teologia
relevante historicamente. Tal Teologia só poderá ser relevante se for capaz de
discernir, interpretar, fomentar e iluminar, a partir do Evangelho, o catolicismo
popular em seu potencial libertador e humanizador.
Uma segunda contribuição para compreender a situação sócio-religiosa e
cultural da América Latina é proposta por Enrique Dussel e diz respeito à herança
histórica de dominação que recai sobre a América Latina. Trata-se aqui de uma
interpretação histórico-teológica que contribui para a percepção de que a cristã
foi historicamente utilizada pelo projeto expansionista e totalitário europeu. Esta
percepção abre espaço para uma consciência cada vez mais clara nos debates teo-
lógico-pastorais latino-americanos de que a situação de dependência sócio-
cultural e religiosa da América Latina em relão à Europa está a exigir um ethos
de libertação. Neste sentido, Enrique Dussel postula uma chave interpretativa da
História latino-americana capaz de discernir, no passado e no presente, a oposição
e contradição entre uma fé cristã libertadora e transformadora, por um lado, e uma
fé cristã a serviço da dominação européia, por outro.
Desta forma, Enrique Dussel tem o mérito de trazer para o debate em El
Escorial uma preocupação constante de seus estudos da Hisria da Igreja latino-
americana. Trata-se da análise da histórica dependência teológico-eclesial da Igre-
ja latino-americana frente à Igreja européia, por um lado, e dos sinais de uma ori-
ginalidade eclesial profética latino-americana em que emerge algo novo, por ou-
tro. Trata-se da auto-consciência da dependência, não apenas econômica, política
e cultural, mas também religiosa, teológica, eclesial e pastoral. Isso coloca a Amé-
rica Latina em um novo processo: o processo de des-totalização auto-consciente, o
processo de libertação latino-americana. Essa percepção da dependência, princi-
palmente teológico-eclesial, desembocará nos esforços por escrever uma História
da Igreja e da Teologia a partir da América Latina. Esforços que culminarão, com
Enrique Dussel e outros, na criação da Comissão de Estudos de História da Igreja
na América Latina e Caribe (CEHILA).
A terceira contribuão importante que emerge da análise das exposições
de Segundo Galilea e Renato Poblete diz respeito à especificidade e papel da secu-
larização na América Latina. Renato Poblete, na tentativa de analisar a forma co-
mo o elemento religioso se integra às estruturas da cultura na América Latina,
propõe-se examinar até que ponto existem manifestações sociais e culturais da
secularização na América Latina. Por secularização entende o duplo processo a-
través do qual, por um lado, setores da sociedade e da cultura se subtraem à auto-
ridade das instituições e símbolos religiosos e, por outro, as sociedades religiosas
deixam o mundo ser mundo e retiram-se de posições em que outrora exerciam
alguma autoridade sobre o mundo. A partir da análise de quatro questões sobre o
processo de secularização na América Latina, propõe a existência de um modo
específico de secularização. Trata-se de uma secularização interna à religião cris-
tã, em que o processo de secularização não leva à perda do religioso ou ao declí-
nio da religião, mas sim a uma nova maneira de valorizar o cristianismo.
Esta nova maneira de valorizar o cristianismo caracteriza-se pelo engaja-
mento cristão no processo político de libertação latino-americano. Trata-se do
engajamento cristão na luta pela libertação dos oprimidos, em que a revolução
social e o compromisso para sua realização são o novo modo de ser cristão. Ope-
ra-se aqui uma releitura dos símbolos cristãos em função dos oprimidos e de sua
luta libertária. Portanto, trata-se de uma nova percepção do cristianismo em que,
em vez de ser este a ditar os princípios e normas da ação política, é antes esta tare-
fa que possibilita descobrir o verdadeiro sentido do cristianismo. Com isso o pro-
cesso de secularização assume uma perspectiva positiva na América Latina. Ex-
pressa-se como esforço para repensar e reativar a religiosa e suas expressões
simbólicas e institucionais no sentido de que exprima o ser humano, sobretudo o
oprimido, em sua luta, sem as desfigurações e encombrimentos que tornaram cri-
ticável a religião tradicional e que, no mesmo movimento, também dê expressão
àquilo que no ser humano supera o próprio ser humano, isto é, Deus como senti-
do. Nesta perspectiva o processo de secularização latino-americano assume a fun-
ção de libertar os cristãos das amarras que os impediam de comprometer-se e en-
gajar-se no processo político-social de libertação.
Segundo Galilea mostra que a especificidade da secularização latino-
americana está na preocupação dos cristãos pelo desenvolvimento e pela liberta-
ção, com a conseqüente politização. Constata-se uma crescente consciência da
capacidade do ser humano de dirigir a sua Hisria e mudar a sociedade para me-
lhor. Neste sentido a secularizão latino-americana parece coincidir com a politi-
zação. É neste contexto que Segundo Galilea levanta o problema da relação entre
o cristianismo, ou mais especificamente, entre o catolicismo e as ideologias e mo-
vimentos políticos latino-americanos.
um parentesco entre ambos e, portanto, postula-se um constante diálo-
go entre fé cristã e as ideologias políticas. O pensamento teológico-pastoral latino-
americano é desafiado e interpelado a dialogar com a politização no sentido de
evangelizá-la, dar-lhe um lugar no plano de Deus, ligá-la à , reforçar seus im-
pulsos libertadores e orientá-la, se necessário. Esse é o grande desafio da Teologia
e da pastoral latino-americanas. Se não assumi-lo, estas permanecerão fora da
História. A Teologia, e conseqüentemente a pastoral popular libertadora, precisam
assumir este desafio para que a seja um prinpio crítico da sociedade. A di-
mensão político-libertadora está no âmago do Evangelho, por isso a autêntica
Teologia e pastoral libertadoras devem contribuir efetivamente para politizar e
libertar. Devem acompanhar o povo na tomada de consciência das possibilidades
de sua fé. Enfim, devem acompanhar o povo no resgate da força libertadora e po-
litizadora que supõe-se latente no cristianismo.
Os debates sobre o processo de secularização latino-americana evidenciam
duas contribuões importantes para esta pesquisa. A primeira diz respeito à deli-
mitação do processo de secularização latino-americana dentro dos quadros do
cristianismo. Entende-se esta secularização como um processo interno ao cristia-
nismo. Processo que não significa perda do sentido religioso ou abandono das
instituições representativas do cristianismo, mas sim um modo novo de compre-
ender, valorizar e relacionar a com a experiência social, política e cultural lati-
no-americana. Nesta perspectiva, o processo de secularização é também o proces-
so vivido por parte dos cristãos latino-americanos de uma tomada de consciência
da realidade de dependência, dominação e exploração econômica, política, social
e cultural, e de suas causas profundas. É o processo pelo qual os cristãos engajam-
se na luta política visando transformar a sociedade. Trata-se, portanto, de uma
nova compreensão da própria fé e de sua relação com a realidade histórica.
Essa perspectiva positiva do processo de secularização latino-americano
contribui para uma segunda questão cujo debate posterior, no sentido de sua cor-
reta articulação, foi significativo. Trata-se das relações entre crise movimen-
tos e ideologias políticas. Evidencia-se que se a cristã quer ser relevante para a
transformação da História, ela precisa tomar parte nesta História e dialogar criti-
camente com as dimensões que a comem. Portanto, precisa dialogar inclusive
com as ideologias e partidos políticos. Nesta perspectiva, a ppria Teologia tem
um papel decisivo como canal de diálogo entre e política. Permitirá interpretar,
interpelar e impulsionar a política em perspectiva libertadora a partir da fé, tor-
nando-se assim canal de evangelização da politização e princípio crítico da socie-
dade. Por outro lado, deixar-seinterpelar, provocar e afetar pela própria politi-
zação no sentido de ser uma Teologia libertadora e comprometida com a liberta-
ção definitiva de todo pecado, mas também hisrica e real, de toda forma de do-
minação e opressão. Far-se-á possível tal mútua relevância somente se a Teologia
estiver aberta ao diálogo interdisciplinar com as Ciências Humanas e Sociais que
permitem uma interpretação adequada do ser humano no seu espaço cultural, so-
cial, político, econômico e ideológico.
A última contribuição presente nas exposições de El Escorial para se com-
preender a forma como é interpretada a situação sócio-cultural e religiosa pro-
vém de José M. Bonino e diz respeito às relações entre cristã e transformação
social, tais como são interpretadas dentro do protestantismo tradicional latino-
americano. Percorrendo os momentos fortes e coletivos do protestantismo latino-
americano a partir de 1916 (Congresso do Panamá), J.M. Bonino evidencia o per-
curso pelo qual o protestantismo deu passos qualitativos em busca de uma maior
concreção histórica da fé. O caminho do protestantismo latino-americano partiu da
busca de uma visão da sociedade latino-americana, passou por um processo de
inserção maior nesta sociedade, e por fim, buscou, principalmente com o ISAL, a
concreção de uma práxis transformadora inserindo-se na práxis libertadora.
No entanto, este processo não é linear e totalizador. Não o é a ponto de
constatar-se, à época da realização do Encontro de El Escorial, que o protestan-
tismo latino-americano, com relão à sua visão de sociedade e de suas tarefas
nesta sociedade, caracteriza-se pela fragmentação, conflito e busca. Estas tensões,
em vel profundo, ligam-se à polarização da consciência latino-americana e aos
conflitos de classe e grupos que compõem o conjunto social, político, econômico,
cultural e religioso da América Latina.
Enfim, a contribuição da análise de JoMiguéz Bonino está no fato de,
por um lado, percorrer os principais passos da consciência social do protestantis-
mo latino-americano rumo a um maior engajamento no processo de libertação. E,
por outro lado, sua análise contribui para completar o quadro sócio-cultural e reli-
gioso que compõe a Hisria latino-americana da época de El Escorial. Am dis-
so, a análise de José Miguéz Bonino evidencia o conflito e as tensões geradas, não
no protestantismo, pela emergência da consciência de que a cristã precisa
estar encarnada na História, se quiser ser fermento de transformação. Esta nova
consciência eclesial emergente a partir da década de 60 encontrou resistência de
uma compreensão de fé ahistórica, desencarnada e apolítica. Neste sentido, multi-
plicaram-se os conflitos e tensões dentro do cristianismo latino-americano. Confli-
tos que marcam posturas distintas no que concerne às relações entre cristã e
transformação histórica da sociedade.
4. A situação social, cultural, religiosa, ideológica, potica e e-
conômica e o fato maior: a História latino-americana e a emergência
da consciência da dominação e o desafio da libertação
A descrição das condições sociais, políticas, econômicas, culturais e reli-
giosas, apresentada a partir das exposições e comunicações propostas em El Esco-
rial, permite que agora se interrogue sobre a especificidade do momento presente
de El Escorial. Isto é, qual é a condição sócio-política, religiosa, cultural e eco-
nômica nova e própria da época da realização de El Escorial que a diferencia de
períodos históricos anteriores? O que, do ponto de vista hisrico, ocorre na rela-
ção entre fé cristã e transformação social na América Latina que motiva e justifica
a realização de um encontro da envergadura de El Escorial? Ou melhor: o que há
na Hisria, compreendida como o acontecer humano latino-americano de dimen-
sões sociais, políticas, culturais, econômicas, ideológicas e religiosas, que a dife-
rencia de momentos anteriores?
Gustavo Gutiérrez, em perspectiva teológica, falará da existência de um
fato maior na consciência latino-americana. Caracteriza-se pela emergência da
consciência da dominação e pelo compromisso com o processo de libertação que
desta consciência emerge
649
. Trata-se, portanto, de um fato histórico novo situado
no tempo e em um contexto histórico próprio. Pretende-se aqui apresentar como
dentro da dimensão da História, interpretada e retratada pelos expositores de El
Escorial, emerge a consciência da opressão, dominação, exploração e como se
configura concretamente a esperança, o anseio e a luta pela libertação. Com este
procedimento abre-se caminho para a reflexão teológica que terá lugar no próximo
649
Cf. G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.205-206.
capítulo. Pois a reflexão teológica fundamenta-se na interpretação, a partir da ,
deste fato novo historicamente verifivel na cultura, sociedade, economia, poti-
ca, ciências sociais e na religião.
Dar-se-ão os seguintes passos. Primeiramente, propõe-se apresentar o
momento presente segundo a interpretação dos expositores de El Escorial e as
alternativas para um engajamento da fé cristã nas transformações sociais em curso
na América Latina quando da realização do referido encontro. Num segundo e
terceiro momentos, apresentar-se-ão dois temas específicos presentes em El Esco-
rial, ligados à tomada de consciência da situação e ao desafio de transformação da
realidade. Trata-se do papel conscientizador da educão e da necessidade de de-
sideologização da como condição para o compromisso político.
4.1. O presente latino-americano frente à alternativas sociais,
políticas, econômicas, ideológicas, culturais e religiosas, segundo a
interpretação dos expositores de El Escorial
A exposição da situação latino-americana leva à interrogação sobre a situ-
ação presente e as possíveis perspectivas para o futuro latino-americano quando
da realização de El Escorial. Caracteriza-se a situação contemporânea como per-
cepção ou a emergência de uma consciência da História passada, em suas várias
dimenes, como dominada, espoliada e oprimida. Esta consciência leva os expo-
sitores de El Escorial a proporem a leitura desta Hisria acima apresentada e, ao
mesmo tempo, apresentarem suas perspectivas de engajamento no processo revo-
lucionário de libertação. Desta forma, refletem um processo em curso que foi
chamado de fato maior, isso é, a tomada de consciência da situação degradante e
suas causas, e o conseqüente compromisso na transformação da realidade rumo a
uma nova Hisria, mais humana, digna e livre. Enfim, a uma nova humanidade e
uma nova sociedade. Pretende-se, a seguir, abordar este fato maior na perspectiva
das várias dimensões da História retratadas em El Escorial.
4.1.1. A situação econômico-social da América Latina e suas
principais tendências políticas: Desafio de uma nova sociedade
segundo Rolando Ames Cobián e Gonzalo Arroyo
Do pondo de vista econômico-social e político, segundo Rolando Ames
Cobián, surge uma alternativa básica da contradição fundamental que opõe, de um
lado, a dinâmica do capitalismo internacional e, de outro, as necessidades huma-
nas elementares das classes populares latino-americanas. A alternativa é a de con-
fiar o futuro da América Latina sobretudo ao desenvolvimento econômico dentro
do sistema capitalista, aceitando o principal da estrutura de poder que o sustenta.
Isso significa construir a América Latina a partir dos comportamentos das empre-
sas transnacionais e das elites locais intermediárias ou associadas a elas. Ou, ao
contrário, lutar por desenvolver ou impor o poder das maiorias populares, poder
até então bem mais frágil e submisso. Isso significa lutar para que a economia e a
sociedade se organizem a partir das necessidades e da dignidade do povo.
A descrição da realidade econômico-social e política é que possibilita che-
gar aos termos desta alternativa. Quando se percebe que o tipo de economia do-
minante não lugar às maiorias populares, convertendo-as, cada vez mais, em
maiorias marginais. Quando se vê que o se trata de um problema de má vontade
individual, mas do fato de ser tal economia derivada do desenvolvimento desigual
de um sistema e que esse sistema se impôs ou se inseriu numa herança de violên-
cia e de exploração, então surge a questão: “que nos cumpre fazer?”
650
A resposta a esta questão encontra três caminhos. O primeiro é o dos na-
cionalismos populistas. Estes opunham industrialização e democracia a atraso e
oligarquismo. As possibilidades e circunstâncias do modelo de substituição deram
base econômica a tais intentos políticos de autonomia nacional e de redistribuição
social do lucro, sem ruptura com o sistema capitalista. A estabilidade alcançada
por tais movimentos, sempre propensos a acolher as reivindicações mais imedia-
tas, sobretudo das massas urbanas, deu-lhes em vários países continuidade e fir-
meza. Para muitos esses seriam pontos de partida válidos para desenvolver a luta
popular rumo a novos objetivos.
O segundo caminho pode ser chamado de reformismo ideológico e é re-
presentado principalmente pela Democracia Cristã. Surge em fins da década de 50
e declara, como o movimento anterior, uma vontade de transformação social.
Mesmo tendo base social parecida à do movimento anterior, tem matizes próprios
que justificam a diferenciação. A colocação desta corrente, para o caso da Améri-
ca Latina, baseia-se no diagnóstico do subdesenvolvimento-desenvolvimento que
eno se elaborava. Consistia no reconhecimento do caráter global do problema
650
R.A. COBIÁN, Fatores econômicos e forças políticas no processo de libertação, p.52.
latino-americano e na distinção sistemática entre este e o das sociedades industri-
ais. Porém, pouquíssimo se analisava a relação hisrico-estrutural entre subde-
senvolvimento e desenvolvimento capitalista. Diante de sua análise, a Democracia
Cristã reconhecia dois modelos de sociedades desenvolvidas existentes: a capita-
lista liberal e a soviética ou comunista. Recusava ambos e declarava-se, apelando
para suas fontes doutrinais, partidária de uma terceira via para a reforma da socie-
dade. Este modelo chegou ao poder no Chile e demostrou a inconsistência de seu
projeto, e pagou o pro da fragilidade de sua análise histórica e econômica
651
.
Por fim, o terceiro caminho é o do socialismo latino-americano. Para Ro-
lando Ames Cobián, a própria experiência histórica vai perfilhando um conteúdo
socialista ao processo de libertação do povo latino-americano. Portanto, o proces-
so de libertação latino-americano se como processo rumo a um socialismo lati-
no-americano. A análise científica da realidade, associada a uma prática concreta
em prol dos interesses e humanização das classes populares, facilita o reconheci-
mento desta alternativa de base. Em que consiste tal alternativa? Do ponto de vista
sociológico, o conteúdo socialista unifica a repulsa do trabalho como mercadoria e
o projeto de socialização dos bens de produção com a verificação prática de dois
processos sociais que ratificam a necessidade dessa definição. A incompatibilida-
de do desenvolvimento econômico capitalista com a transformação social e o re-
conhecimento da estrutura de poder global e internacional que sustenta esse sis-
tema enfrenta, pois, por todos os modos, todo esforço efetivo de transformação. O
conteúdo socialista, assim entendido, não significa opção partidária específica e,
menos ainda, identificação acrítica com os regimes socialistas então vigentes (les-
te europeu e chinês). Trata-se antes de uma “linha de orientação que surge da soli-
dariedade lúcida com as classes populares da América Latina, não um modelo
feito e mecanicamente aplicado
652
.
Nesta perspectiva, a libertação quer dizer a realização de todas as dimen-
sões humanas. O sujeito desta libertação é o ser humano oprimido que a análise
651
Segundo R.A. Cobián, a opção da Democracia Cristã não assume os termos postos pelo proces-
so ecomico-social. “Seu afã de superar as contradições de classe, igualando-as, dificulta-lhe até
uma conciliação que ela própria não pode reconhecer como tal. As características econômicas da
base limitam-lhe, além disso, como os populismos nacionalistas, as possibilidades de vigilância.
Em síntese, a terceira via, queo é uma crítica certamente válida das sociedades norte-
americana e soviética, senão também tentativa teórica de fabricar em abstrato um novo sistema,
paga o preço da fragilidade de sua análise histórica e econômica”. R.A. COBIÁN, Fatores econô-
micos e foas políticas no processo de libertação, p.54.
652
Ibid., p.54.
social descobre fundamentalmente como classe explorada. A ação de e com as
classes populares exploradas é a prática central no processo de libertação. O que
se chama de conteúdo socialista é uma orientação proposta para tornar eficaz esta
prática em nível econômico e político. Mas, na situação latino-americana, é preci-
so ter presente que este caminho é pedregoso. O poder de imposição de um siste-
ma que dispõe de recursos em capital e tecnologia, a antigüidade e amplitude de
uma História de exploração e dominação marcam os termos estruturais em que se
trava o conflito, suas possibilidades imediatas, a fixação de tarefas intermediárias.
Enfim, a América Latina encontra-se ante o desafio desta alternativa bási-
ca. Ou permanece parte do capitalismo internacional e, portanto, subdesenvolvi-
da, ou assume efetivamente o seu processo de libertação rumo ao seu desenvolvi-
mento efetivo. Em termos sociológicos, o caminho de um socialismo latino-
americano aparece como a alternativa de maior relevância para a concretização
deste processo revolucionário de libertação. Neste quadro, a urgência do desen-
volvimento e a injustiça do subdesenvolvimento estimulam o pensamento e a in-
vestigação pelas causas do subdesenvolvimento. Isso significa que a própria análi-
se do subdesenvolvimento é resultado de uma tomada de consciência, de uma to-
mada de posição de parte do pensamento sociológico latino-americano.
Esta tomada de posição caracteriza-se pela consciência a que chegam parte
dos cientistas sociais latino-americanos sobre o subdesenvolvimento. Estes, par-
tindo de um diagnóstico empírico sobre a impossibilidade do desenvolvimento da
América Latina dentro do sistema capitalista, chegam à conclusão de que pode-se
definir o subdesenvolvimento como um processo social, global e dialético, que
não pode ser compreendido em suas causas profundas, se o for estudado dentro
dos limites amplos do desenvolvimento do capitalismo industrial, cuja dinâmica é
gerar, por um lado, o progresso tecnológico e o crescente bem-estar nos países
centrais, e, por outro, o estancamento econômico, o agravamento dos desequilí-
brios sociais e das tensões políticas internas, sem aparente solução dentro do sis-
tema, nos países periféricos
653
. A América Latina, como continente periférico,
encontra-se ante o desafio de continuar seu caminho de continente subdesenvolvi-
do, ou tornar efetivo seu processo revoluciorio de libertação. Neste sentido, o
653
Cf. G. ARROYO, Pensamento latino-americano sobre desenvolvimento e dependência externa,
p.270-283.
socialismo latino-americano é a alternativa possível rumo a uma América Latina
livre e senhora de sua História.
4.1.2. A situação ideogico-política: emergência dos movimentos
nacionalistas de libertação segundo José Comblin
A análise da situação ideológico-política, proposta em El Escorial por José
Comblin
654
, percorreu em suas linhas principais o que se pode chamar de alter-
nativa contemporânea a El Escorial. Como ficou evidenciado acima, onde abor-
dou-se esta temática, J. Comblin percorre os movimentos e ideologias ligadas ao
nacionalismo latino-americano, ao marxismo e ao cristianismo. Em seu entender,
os movimentos e ideologias atuantes na América Latina à época de El Escorial
precisam ser lidos dentro do dinamismo do nacionalismo do século XX. Na raiz
deste nacionalismo estão a descoberta e a consciência do estado de dependência
latino-americano. A partir disso, “todas as gerações do século XX vão sentir sem-
pre com mais intensidade essa experiência de não ser, de o existir, ou, antes, de
existir apenas como reflexo de uma civilização dominante que os reduziu à condi-
ção de marginalizados”
655
. A situação contemporânea a El Escorial é, no que diz
respeito aos movimentos e ideologias latino-americanos, expressão da História de
uma revolução continental que ainda o encontrou sua expressão definitiva. Ao
término de seu estudo, J. Comblin pergunta-se: para onde vai a História latino-
americana?
656
A partir deste questionamento, vislumbra possibilidades para a con-
tinuidade desta História revolucionário-nacionalista que busca sua expressão defi-
nitiva. Nestas possibilidades, apresenta-se com clareza o desafio em que se encon-
tram os latino-americanos quando da realização de El Escorial.
A curto prazo, o neo-imperialismo parece ser o fato dominante e, portanto,
o nacionalismo permanece como o movimento fundamental de resistência à
dominação. As ideologias dominantes ainda serão nacionalistas e a própria revo-
lução socialista estará subordinada ao nacionalismo. Pois, no mundo subdesen-
volvido, a luta de classes e a marcha para o socialismo não são o fator dominante
da História do século XX. O movimento dominante é o nacionalismo, a busca de
identidade e coesão nacional. O capitalismo e o socialismo encontram-se em face
654
Cf. J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.92-115.
655
Ibid., p.92.
656
Cf. Ibid., p.114.
de uma aspiração mais forte: a aspiração nacionalista, fato dominante de quase
todos os movimentos e ideologias do século XX na América Latina.
A longo prazo, dever-secontar com a transformação do mundo, com a
revolução cultural latente na civilização ocidental, que começa a duvidar de seus
valores fundamentais, por exemplo, do sentido do desenvolvimento. Na busca de
uma nova civilização humana, que esteja acima da civilização do desenvolvimen-
to (do capitalismo e do comunismo soviético ao mesmo tempo), o continente lati-
no-americano tem possibilidade de descobrir e afirmar sua própria personalidade,
impedida, pelo capitalismo, de se manifestar. Nesse desafio, a Igreja tem uma
oportunidade histórica de criar nova figura e configuração
657
. Quais são os sinais
desta oportunidade histórica no presente latino-americano?
Esta pergunta remete, segundo a tipologia de José Comblin, aos movimen-
tos e ideologias de inspiração cristã. Como se configura o “presente” latino-
americano no que diz respeito a estes movimentos? O fato novo, para Jo Com-
blin, é a Teologia da Libertação, nascida de certo modo em Medellín. Esta Teolo-
gia representa uma nova consciência do cristianismo latino-americano e passa a
fazer parte do novo movimento cristão. Neste a transformação da Igreja está liga-
da à transformação do mundo. Não existe separação entre ão ad intra indepen-
dente, como antes, da ação ad extra. A pastoral da Igreja passa a ser incluída no
processo de transformação do mundo.
Nos regimes militares ligados ao imperialismo norte-americano, esse mo-
vimento cria uma missão profética: o cristão denuncia e anuncia tempos novos,
mantendo a consciência de futura libertação. Alguns simpatizarão com os movi-
mentos armados, seguindo os passos de Camilo Torres. nos novos populismos,
a nova atitude tende a um compromisso mais positivo. Os novos movimentos a-
creditam que a antiga distinção entre ação direta e indireta favorece a reação, e
que o papel da Igreja requer o apoio mais positivo. A Igreja não pode assistir pas-
sivamente às transformações. Deve ela mesma transformar-se para poder com-
prometer-se livre e desprendida de todos os interesses tradicionais, que a vinculam
às classes privilegiadas. Sua perspectiva é revolucionário-libertadora. Esse com-
promisso inclui a luta contra o imperialismo e em prol do socialismo. Porém, es-
ses cristãos não se vinculam diretamente aos partidos marxistas tradicionais.
657
Cf. J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.114-115.
Este processo tem conseqüências intra-eclesiais. A fundamental é o des-
moronamento do monolitismo do catolicismo. “Até os anos 60, pôde ser mantida
a unanimidade na subordinação à hierarquia, graças à doutrina social da Igreja e à
ação indireta
658
. Porém, a partir de fins da década de 60 e início da década de 70,
já não existe mais tal unanimidade e os católicos formarão três grupos praticamen-
te isolados e opostos em muitos pontos. Primeiro, há cristãos comprometidos com
as lutas revolucionárias, numericamente pequena minoria, porém ativa. Segundo,
há cristãos ligados à burguesia ou às classes tradicionais. Formam movimentos
espirituais e seu silêncio em matéria pública significa a impossibilidade de entrar
em perspectiva revolucionária. Sua repulsa ao comunismo torna-os colaboradores
dos regimes militares imperialistas e dos conservadores. Terceiro, as grandes
massas que continuam fiéis a seu catolicismo tradicional, sem contato com os
problemas sociais, que permaneceram desconhecidos. Diante deles, conservadores
e revolucionários parecem não saber como aproximar-se
659
.
Enfim, o momento contemporâneo a El Escorial surgir um novo movi-
mento cristão que está em pleno contexto latino-americano e é ligado à sua evolu-
ção. Junto a este novo movimento está em formação uma nova Teologia que faz
uso dos conceitos fundamentais da contemporânea percepção da situação: depen-
dência, libertação, conversão ou mudança radical da sociedade. Trata-se, portanto,
da Teologia da Libertação que pretende contribuir na transformação da realidade
social latino-americana. Este movimento se une a outros movimentos e ideologias
e se engaja no nacionalismo latino-americano que busca identidade e coesão lati-
no-americana ante ao pluridimensional imperialismo capitalista exógeno.
4.1.3. A situação sócio-cultural e religiosa da América Latina e o
desafio da libertação
A interpretação da situação sócio-cultural e religiosa da América Latina
descrita abre espaço para a interrogação pelos desafios do momento contemporâ-
neo a El Escorial no que diz respeito a esta dimensão da História. Qual é a tarefa
do presente e o desafio do futuro latino-americano? E como aparece o desafio da
libertação no contexto destas tarefas e desafios? É isso que se pretende abordar a
seguir, tentando situar a emergência de uma nova percepção da realidade somada
658
J. COMBLIN, Movimentos e ideologias na América Latina, p.114.
659
Cf. Ibid., p.113-114.
ao desafio do compromisso no processo revoluciorio de libertação desta reali-
dade histórica, considerada de dominão, dependência e subdesenvolvimento.
Enrique Dussel e o desafio da destotalização autoconsciente
Segundo E. Dussel, no período próximo a El Escorial, começa a emergir
na América Latina a autoconsciência da dependência, não em nível econômico,
político, cultural, mas também religioso, litúrgico e teológico. Surge algo novo e
inesperado. Trata-se de um processo de destotalização crítica dos pressupostos
recebidos no processo pedagógico de dominação, exercido por vários meios sobre
o povo latino-americano. Abre-se, com esse processo, a possibilidade de ouvir o
pobre para além do sistema do Atlântico Norte, de ouvir o índio, o mestiço, o ne-
gro, o amarelo, os oprimidos do mundo. Este processo é expressão da luta pela
libertação latino-americana. Em perspectiva cristã e do catolicismo popular, o
povo desperta em lenta tomada de consciência para a necessidade da libertação
660
.
Há, na América Latina, uma ideologia da ordem estabelecida que conside-
ra o Comunismo como o próprio maligno, o mal, o inimigo de Cristo e do exérci-
to. A ideologia dominante, que se autodenomina cristã, significa a aliança de en-
genheiros e militares que defendem a Igreja e constroem a cultura ocidental. O
desenvolvimento “sem pensar” e a guerra ao subversivo constituem-se em mo-
mentos essenciais da fé cristã intratotalizada, integrada, aculturada. As armas, a
violência repressiva, as fábricas de bombas, tudo está a serviço da “legalidade”,
sem se indagar se é injusta a lei por deixar ao desamparo todo um povo de pobres.
É contra esta totalidade, contra a divinização da ordem que se levanta o
profeta, para criticá-la como ídolo. Neste movimento protico em curso na Amé-
rica Latina é que se situa a Teologia da Libertação. Ela é o momento reflexivo da
profecia que parte da realidade humana, social, histórica, para pensar, a partir de
um horizonte mundial, as relações de injustiça exercidas no centro contra a perife-
ria dos povos pobres. Pensa teologicamente tal injustiça, à luz da cristã, articu-
lada graças às ciências humanas, e a partir da experiência e do sofrimento do povo
latino-americano
661
. Assim, a Teologia da Libertação é interpretação teológica do
movimento de tomada de consciência da realidade de opressão e do compromisso
daí resultante rumo a uma sociedade mais humana e a uma humanidade nova.
660
Cf. E. DUSSEL, História da fé cristã e transformação social na América Latina, p.84-85.
661
Cf. Ibid., p.85-86.
A profético-libertadora lança sua crítica contra os valores idolátricos da
europeidade dominadora, conquistadora e imperial. A profético-latino-
americana, que é fé libertadora, é a primeira que integra a totalidade do ser hu-
mano latino-americano (sociológico, econômico, político...) num pensamento me-
tódico que agora” descobre a América Latina que nunca se reconheceu dife-
rente de qualquer outro povo, sendo entretanto, desde 1492, um povo novo. A
protico-latino-americana descobre-se dependente e alienada, fruto de um pecado
centenário. Começa a compreender qual é o ídolo e qual é o caminho de libertação
que precisa seguir. No empenho da fé-profético-latino-americana, pouco ou nada
poderá ajudá-la a vigente Teologia européia e, sobretudo, sesumamente nociva
e prejudicial a presença na América Latina de teólogos europeus que, desconhe-
cendo a realidade latino-americana, sua Hisria, sua mpera, têm a coragem, a
audácia, de querer ‘ensinar hoje a ‘doutrina’ cristã”
662
. Estes proferem um erro
hermenêutico fundamental, pois proferem palavras e levantam problemas cujo
significado europeu não tem valor para a realidade latino-americana. Isso é res-
quício da dominão pedagógica que cumpre libertar-se para sempre.
Enfim, para E. Dussel, o momento presente da América Latina constitui-se
na maturidade que este povo está adquirindo, pelo caminho da consciência da his-
tórica dominação e dos desafios que esta consciência lhe apresenta. Tal maturida-
de lhe permite sonhar em ser ele mesmo, ter uma identidade e ser um povo livre.
Permite-lhe ainda a maturação que culmina na interpretação latino-americana da
revelação de Deus. Revelação de Deus que epifaniza-se historicamente pela voz
do pobre, que é seu conteúdo concreto na História. Na interpelação do pobre que
busca libertação, é o próprio Deus quem pro-voca a História, quem a chama-para-
frente. Esse pobre é a face pela qual Deus se revela na América Latina e a chama
a um processo de libertação no compromisso com a práxis libertadora
663
.
Aldo J. Büntig e a importância do catolicismo popular no processo de libertação
O catolicismo, na opinião de Aldo J. Büntig
664
, desempenha um papel in-
questionável no processo de libertação. O catolicismo constitui-se no núcleo do
662
E. DUSSEL, Hisria da fé cristã e transformação social na América Latina, p.89.
663
Cf. Ibid., p.84-91.
664
Cf. A.J. BÜNTIG, Dimensões do catolicismo popular latino-americano e sua inserção no pro-
cesso de libertação. Diagnóstico e reflexões pastorais, p.116-135.
ethos cio-cultural latino-americano e, como tal, tem uma contribuão ao pro-
cesso de libertação. Que contribuição seria esta no “presente” latino-americano?
O ponto de partida de Aldo J. Büntig é que a sociedade latino-americana
começa a caminhar, lenta e inexoravelmente, para novas formas de libertação e de
realização. Nesta não se tolera mais a miopia protica e histórica. Através dos
processos de libertação do povo oprimido, que vive na América Latina um dos
momentos exuberantes de seu devir histórico, esse mesmo povo está tomando
consciência de sua identidade e luta por exprimi-la, livre de toda dominação. Nes-
te contexto, exige-se uma postura distinta da ppria Igreja: como pode ser liber-
tadora uma Igreja que colabora, com seu peso institucional e seu silêncio obsequi-
oso, para a conservação de estruturas de opressão? E mais, poderá libertar-se a si
mesma uma Igreja que não se insere dinamicamente no processo de libertação dos
oprimidos? Uma Igreja que não programa sua pastoral a partir dos oprimidos, que
vão tomando consciência da própria situação e se puseram decididamente em
marcha para a libertação integral?
Certamente a libertação transmitida pelo Evangelho o se esgota no polí-
tico, no econômico, no cultural ou social; tampouco, porém, pode isolar-se dele,
em falsa e profundamente alienante dicotomia. É desta perspectiva que surge a
estratégia pastoral libertadora preconizada por Aldo J. ntig: partir dos valores
do povo oprimido. As bases de uma pastoral autêntica estão no povo oprimido que
sociológica e politicamente se dispõe a romper as superestruturas de opressão. Isto
significa descobrir e identificar os valores libertadores existentes nos setores o-
primidos da sociedade. Melhor dizendo: significa a identificação dos valores li-
bertadores do povo expressos no catolicismo popular. Este é o caminho que pos-
sibilitará ao cristianismo colaborar mais eficazmente na construção de um ser hu-
mano novo e de uma sociedade renovada e libertadora
665
.
Para Aldo J. Büntig, a onda libertadora que varre as estruturas opressoras e
caducas em toda a América Latina, exige opções cada vez mais definidas nas hie-
rarquias e nos calicos em geral, favorecendo os compromissos dos que se
encontram envolvidos no processo revolucionário de libertação. Porém, para que
isso possa ser concretizado, é fundamental superar definitivamente a etapa moder-
nizante e progressista da pastoral. Urge encarnar uma opção pastoral básica, que
665
Cf. A.J. BÜNTIG, Dimensões do catolicismo popular latino-americano e sua inserção no pro-
cesso de libertação, p.131-133.
coincida com a opção básica de libertação, que, ao tempo de El Escorial, começa a
acontecer junto ao povo oprimido no continente latino-americano. Isso significa
dizer que exige-se dos católicos conscientes uma efetiva incorporação nos movi-
mentos que interpretam e canalizam a luta dos oprimidos para a tomada do poder.
“Este é o único caminho eficaz para iniciar o processo de uma revolução cultural
que permita mudar radicalmente as normas de comportamento de uma sociedade
capitalista e alienada”
666
. Precisamente nessa revolução cultural é insubstituível a
contribuição dos valores cristãos, em áreas culturais historicamente seladas pela
presença de um catolicismo feito parte substancial de seu ethos cultural.
Portanto, o grande desafio que se apresenta ao catolicismo popularizado na
América Latina é: ou ficar nos gestos sacrais que, embora válidos, são incapazes
de traduzir toda a força libertadora do Evangelho, ou incorporar-se à dinâmica
desse povo que se sente católico e que, em seus setores mais lúcidos, iniciou o
processo de libertação. Enfim, esse quadro de perspectivas para o catolicismo po-
pular traçado por Aldo J. ntig mostra que se vive, na América Latina, um pro-
cesso de consciência que tem relevância para a pastoral e para a Teologia. Por ser
a América Latina marcada pelo catolicismo popular em seu próprio ethos sócio-
cultural, é preciso e urgente que a pastoral da Igreja também esteja a serviço desse
processo de libertação em curso, do qual cristãos já participam ativamente. Isso
mostra duas coisas: primeiro, que há um processo de libertação decorrente da to-
mada de consciência da situação de dominação. Segundo, que a Igreja e, particu-
larmente, a Teologia e a pastoral, começam a tomar consciência de que a fé cristã
tem relações diretas com as transformações sociais, culturais, políticas, econômi-
cas, ideológicas e religiosas em curso na sociedade.
Segundo Galilea: uma pastoral popular a serviço da politização?
Segundo Galilea
667
também traz reflexões incisivas que ajudam a compre-
ender a emergência de um processo de conscientização político-social e pastoral-
teológica na América Latina. Seu interesse volta-se à pastoral popular. Esta tem a
missão de acompanhar o povo em sua tomada de consciência das possibilidades e
potencialidades de sua fé. Tais possibilidades e potencialidades constituem-se em
ser a um princípio crítico da sociedade, em ser inspiradora de um dinamismo
666
A.J. BÜNTIG, Dimensões do catolicismo popular latino-americano e sua inserção no processo
de libertação, p.134.
social e fator positivo na libertação do ser humano e da sociedade latino-
americana. Portanto, a tarefa e o desafio da pastoral popular estão em acompanhar
o povo no auto-resgate da força libertadora e politizadora do próprio catolicismo e
da fé. Mas aqui um grande problema: é preciso passar de um catolicismo está-
tico, ligado a uma sociedade globalmente subdesenvolvida e oprimida, às atitudes
dinâmicas e libertadoras. O problema estaria em como dar esse passo. O ponto de
partida de Segundo Galilea é a constatação de que o catolicismo que impregna a
mentalidade do povo é chamado a desempenhar um papel positivo ou negativo,
conforme for orientado, no processo libertador e político da América Latina. Em
conseqüência, a pastoral popular que o orienta será responsável por conseqüências
sócio-políticas de cunho libertador ou dominador. Diante desse problema, Segun-
do Galilea propõe três possíveis alternativas pastorais.
A primeira consiste em manter um sistema pastoral majoritariamente de-
gradado. Este, com importantes exceções, impera nos santuários e grandes centros
devocionais latino-americanos. Este sistema reforça uma mentalidade de depen-
dência e uma pastoral do subdesenvolvimento. Impedem-se a autêntica politização
e um processo de libertação latino-americano. Enfim, na opinião de Segundo Ga-
lilea, “em definitivo, preparam o povo para a maciça descristianização, ao negar-
lhe os meios de reinterpretar sua vida de fé, uma vez chegadas as diversas formas
de politização e secularização latino-americana”
668
.
A segunda alternativa consiste em fazer da pastoral popular atos direta-
mente políticos. Neste caso não se confia em recuperação do catolicismo popu-
lar. Em troca, aproveitam-se as oportunidades surgidas para fazer obra de mobili-
zação política e pura conscientização social. Muda-se radicalmente o conteúdo da
pregação, dando-lhe um sentido diretamente cio-político, sem a mediação da
mensagem evangélica. Criam-se via-sacras políticas”, “missas de protesto”,
“procissões-passeatas políticas”, etc. Para Segundo Galilea, “não parece acertada
esta linha ‘apostólica’”
669
. Por um lado, supõe o descrédito definitivo e radical do
catolicismo popular, pois não é propriamente uma ão pastoral. Por outro, como
ação política, não parece ter eficiência.
667
Cf. S.GALILEA, A fé como princípio crítico de promoção da religiosidade popular, p.136-142.
668
Ibid., p.140-141.
669
Ibid., p.141.
Por fim, a terceira alternativa procura acompanhar o crescimento dos valo-
res de que estão envoltos no catolicismo popular, até dar-lhes toda sua dimen-
o libertadora. Isso significa evangelizar o catolicismo popular, desentranhando-
lhe todas as dimenes, inclusive a dimensão política. Aqui supõe-se o exercício
crítico da própria fé oferecida pelo Evangelho e que se confronta com a fé popular
para purificá-la, denunciando todo o inumano nela implicado. O critério funda-
mental para avaliar se uma prática religiosa é libertadora ou alienante, de acordo
com Segundo Galilea, é apreciar que tipo de mentalidade humana ela fomenta. Já
que todo valor religioso é também valor humano, toda degradação religiosa é i-
gualmente desumanizante. O Evangelho libertador – a fé como princípio crítico da
sociedade – vai de encontro a toda desumanização social, religiosa ou eclesiástica,
despertando em seus valores latentes a dimensão humano-cristã que permitirá a
esse ser humano, a essa sociedade ou religiosidade libertar-se a si mesma. Isso
supõe um confronto que leva a várias crises e gera distintas formas de liberta-
ção
670
. Enfim, esta alternativa pastoral supõe uma opção global da Igreja pelos
pobres. Supõe “convocar efetivamente os pobres a formarem o reino”
671
.
Esta opção pastoral da Igreja latino-americana indica que se a Igreja re-
nuncia à liderança política direta, é impelida a chamar os pobres para os primeiros
lugares do reino. Isto é fundamentalmente uma mobilização religiosa que preci-
sa ser levada a cabo pela pastoral popular – mas que tem implicação de mobiliza-
ção social. “Cria nos postergados a consciência de sua dignidade e vocação histó-
rica e atira-os à transformação do sistema desumano que os oprime”
672
. Esta é
670
De acordo com S. Galilea, a evangelização proposta nos parâmetros da terceira alternativa leva
a três crises e a três formas distintas de libertação. Primeiro, leva a relativizar as expressões religi-
osas, que o “católico popular” tende a absolutizar e repetir ciclicamente, escravizando-se a elas. É
uma primeira forma de libertação. Segundo, leva a integrar nas expressões religiosas individualis-
tas a dimensão original da religião cristã, da solidariedade comunitária e da fraternidade como
parte essencial de qualquer ato religioso. O que importa nisto já não será tanto o “rito”, e sim a
atitude de amor e justiça ativos que envolvem o rito. Aqui uma segunda forma de libertação.
Enfim, em terceiro lugar, leva a revelar nas atitudes religiosas o que nelas de protesto contra a
injustiça e a opressão. Sem necessidade de interpretar a religião popular como “ópio do povo”,
consente-se em afirmar que muitas de suas expressões são formas de “substituir” o que o sistema
deveria proporcionar: segurança (que se busca numa devoção), saúde (que se busca numa bênção
para criança ou numa novena), educação, cultura (que se buscam em poderes miraculosos que
superam qualquer lei natural ou técnica), etc. Esta é uma terceira forma de libertação, que leva à
conscientização política: ao deixar para trás a falsa imagem de um “Deus substitutivo”, procura-se,
responsável e ativamente, a consecução dos bens sociais que o Deus da História entregou à justa
distribuição dos seres humanos na sociedade. Cf. S. GALILEA, A como princípio crítico de
promoção da religiosidade popular, p.141-142.
671
Ibid., p.142.
672
Ibid., p.142.
propriamente a dimensão político-libertadora da pastoral popular a que a Igreja
latino-americana é desafiada a abraçar, caso queira uma religiosidade popular re-
levante na sociedade latino-americana.
Concluindo este item, onde procurou-se identificar a situação presente ou
contemporânea de El Escorial, pode-se dizer que esta caracteriza-se por uma cres-
cente consciência da situação histórica da América Latina em suas rias dimen-
sões: trata-se de uma situação em que a América Latina é dominada e dependente
cultural, religiosa, política, social, econômica e ideologicamente. O tempo presen-
te de El Escorial caracteriza-se, portanto, como um tempo de tomada de consciên-
cia das causas profundas desta dominação e dependência e, ao mesmo tempo, co-
mo um tempo de afirmação do necessário e urgente compromisso cristão com o
processo de transformação da realidade. O tempo presente é tempo de decisão e
engajamento no processo revolucionário de libertação à nova sociedade e à nova
História como lugar do novo acontecer humano em suas rias dimensões. Enfim,
o tempo presente é o tempo da emergência do fato maior na consciência histórica
latino-americana: é o tempo da tomada de consciência da situação degradante e
desumana e de suas causas profundas. É o tempo do compromisso na transforma-
ção da realidade rumo a uma nova História, mais humana, digna e livre.
4.2. O papel da Educação Popular segundo Cecilio de Lora
Abordar a emergência da consciência da dominação e do conseqüente pro-
cesso revolucionário de libertação latino-americano implica uma referência direta
à Educação Popular como propulsora e motivadora desta consciência. El Escorial
reflete esta percepção ao trazer uma comunicação
673
sobre esta temática, indican-
do que a Educação Popular ou Libertadora, como é denominada seguindo-se
Medellín, é parte integrante do processo de libertação latino-americano.
Cecilio de Lora situa a educação libertadora como lugar concreto do entre-
cruzar-se das duas linhas de força de Medeln, a saber, o tema da libertação e o da
comunidade. a educão popular procura ser uma resposta atualizada à crise
educacional da sociedade latino-americana. Assim o tema da educação libertadora
adquire atualidade na América Latina, tanto pelos condicionamentos sociais do
673
Cf. Cecilio de LORA, Algumas precisões em torno da Educação Libertadora, p.263-269.
momento, como a partir de precisões pedagógicas, em função mais imediata, po-
rém não exclusiva, de tarefas pedagógicas
674
.
Servindo-se do texto da Conferência de Medellín sobre a educação, Ceci-
lio de Lora propõe que aparecem claramente as linhas que conduzem à supera-
ção de dualismos. A educação libertadora é aquela que faz do ser humano sujeito
e não objeto de seu desenvolvimento. Ela antecipa, sem esperar para a outra vida,
o novo tipo de sociedade. É aberta ao diálogo fecundo das gerações, superando as
concepções verticalistas da educação. Ela integra as peculiaridades nacionais no
pluralismo enriquecedor do mundo latino-americano, superando esquemas de de-
pendência alienante. Aprofunda o sentido da personalidade humana, promovendo
seu sentido comunitário e, por fim, capacita para a mudança permanente, ante a
vivência de uma “história ahistórica”
675
. A educação libertadora é um espírito ou
estilo de educação que atravessa qualquer posição educativa, sistemática ou assis-
temática, em todos os seus níveis. É um método de rigorosas exigências, com mo-
dalidades adequadas às circunstâncias que envolvem a tarefa educacional
676
.
A partir destas afirmações, Cecilio de Lora propõe opções e indagações
que, a partir de Medellín, se apresentam ao católico comprometido na tarefa de
uma educação libertadora. As exigências de uma autêntica educação libertadora
podem ser dividas em quatro níveis. O primeiro nível, segundo as ltiplas colo-
cações de Medellín, indica que a educação libertadora exige libertação de injus-
tas situações de servidão”
677
. A situação de dependência da América Latina, em
todos os setores, denunciada pelo conjunto da Conferência de Medellín, implica a
necessidade de mudanças rápidas, globais e profundas, em termos de libertação,
como correlativo da situação de dominação. Impõe-se aqui uma avaliação sincera
das atitudes das instituições educativas católicas para avaliar se estas assumem o
compromisso eficaz em ordem a uma autêntica libertação ou se comprometem-se
com as estruturas de opressão e dominação
678
.
Uma segunda dimensão da educação libertadora visa, em atenção mais
direta à metodologia e ao conteúdo, libertar a capacidade crítica do ser humano
latino-americano, educador e educando. Isso implica desencadear, com imagina-
674
Cf. C. LORA, Algumas precisões em torno da Educação Libertadora, p.263.
675
Cf. Documento sobre Educação n.8 em: CELAM, A Igreja na atual transformação da Arica
Latina à luz do Concílio. Conclusões de Medellín.
676
Cf. C. LORA, op. cit., p.263-264.
677
Cf. os documentos sobre Justiça e Paz em: CELAM, op. cit.
ção criadora, a busca de novos caminhos por onde possa correr a originalidade de
uma cultura latino-americana enraizada nos valores do povo latino-americano.
Uma cultura desalienada, capaz de dialogar com outras culturas, porém, não a elas
sujeita. Aqui o importante é dar as condições necessárias para que o ser humano
latino-americano possa pronunciar-se, e não pronunciar o que lhe foi imposto.
Isso significa capacitar o ser humano latino-americano para pronunciar-se criti-
camente sobre ele mesmo e sobre o mundo que o rodeia. É neste contexto que
emerge o conceito de conscientização. Este é um termo novo e necessário, segun-
do Cecilio de Lora, que é mister introduzir: é mais que a simples “tomada de
consciência”, pois inclui o compromisso com a ação e a transformação. A consci-
entização penetra, como processo e objetivo ao mesmo tempo, a tarefa da educa-
ção libertadora. Esta vincula-se à transformação social. Daí a exigência tua de
ação e refleo que está na base do processo de conscientização
679
.
Em terceiro lugar, pode realizar-se a educação libertadora em união
com todos os seres humanos que compõem, em seus diversos níveis, a comunida-
de educativa. Isso significa que também a comunidade educativa apresenta-se
como opção e como interrogação dentro do desenvolvimento da práxis educacio-
nal. Opção enquanto modalidade que pretende superar dicotomias e dualismos e
enquanto implica participação de todos na tarefa educacional dentro de perspecti-
va criadora, fruto de métodos dialogais. Porém, este tema vem enquadrado tam-
bém por exigências de mudança marcadas por elementos ético-profissionais e
cristãos de grande urgência. Antes de tudo trata-se da exigência de os educadores
libertarem-se a si mesmos de padrões mentais e de um comportamento pedagógi-
co não correspondente ao mundo e ao tempo em que vivem. Essa libertação
sepossível na comunhão com os que partilham, diversa porém complementar-
mente, a responsabilidade da educão libertadora. Somente a partir da libertação
pessoal e comunitária, jamais acabada, será possível trabalhar na mudança das
estruturas educativas. Enfim, as mudanças no sistema educacional existente farão
das comunidades educadoras de base grupos instrumentais para a mudança global,
dada a interdependência entre o sistema social global e o educativo
680
.
678
Cf. C. LORA, Algumas precisões em torno da Educação Libertadora, p.265-266.
679
Cf. Ibid., p.266-267.
680
Cf. Ibid., p.268-269.
Em quarto lugar, a educação libertadora é ordenada à criação do ser huma-
no novo. Busca-se aqui superar a dicotomia do desentendimento da Igreja na ca-
minhada real da História. Há uma só História, atravessada pela páscoa – passagem
de Cristo na qual os cristãos reconhecem a dimensão transcendente, que é para
eles História de Salvação. Foi Jesus Cristo que desencadeou na História, com sua
Páscoa, uma exigência contínua de libertação. Libertou o ser humano da morte, da
lei e do pecado e comprometeu-o na sua obra libertadora. Em conseqüência, a
educação libertadora é chamada a comprometer-se na luta pela verdade, pela jus-
tiça e pelo amor, “mesmo à custa de passar pelo momentâneo e aparente ‘desa-
mor’ que parece implícito no termo ‘luta’”
681
.
Enfim, a educação libertadora, enquanto cristã, é marcada por um duplo
dever. O dever de ser instrumento do provisório e momentâneo do sistema presen-
te, pois a completa e definitiva libertação está sempre “em transe de realização”.
Mas é marcada também pelo dever de comprometer-se decididamente com os que
se vêem mais atingidos pela mentira, pela dependência e pela violência. Desta
forma, a educação libertadora é uma contribuição fundamental ao processo de
libertação latino-americano e como tal é fruto de uma tomada de consciência da
histórica dominação cultural, ideológica, religiosa, política, social e econômica.
Em perspectiva cristã, a educação libertadora é uma contribuição fundamental
para a libertação da dominação, da espoliação, da injustiça, da exclusão e da misé-
ria a que foram submetidos os povos latino-americanos e, portanto, é sinal da li-
bertação definitiva do pecado e da morte feita História na Páscoa de Jesus Cristo.
4.3. Desideologização da como condição para o compromisso
político: Juan Luis Segundo e o papel das elites latino-americanas
Para completar os principais aspectos que situam a emergência da consci-
ência de dominação e o compromisso cristão no processo de libertação, como fato
maior que caracteriza o contemporâneo a El Escorial, é preciso considerar o pa-
pel das elites latino-americanas. A abordagem deste problema ganhou espaço na
exposição de Juan Luis Segundo, intitulada As elites latino-americanas: problema
humano e cristão em face da mudança social
682
.
681
Cecilio de LORA, Algumas precisões em torno da Educação Libertadora, p.269.
682
Cf. J.L. SEGUNDO, As elites latino-americanas: problema humano e cristão em face da mu-
dança social, p.180-188.
Juan Luis Segundo principia sua exposição esclarecendo alguns aspectos.
Propõe que, se aborda o problema das elites, o faz primeiro em função das massas
ou seja, dos países latino-americanos e não por que elas lhe interessem. E segun-
do, ao falar das elites, o faz em dois sentidos sucessivos impostos pelo tema da
ideologia. Primeiro, se o cristianismo, isto é, a Teologia e pastoral cristãs, foram
ideologizadas ao longo da História latino-americana foi porque as elites de poder
esconderam e justificaram ‘cristãmente’ o exercício de seu poder sobre as mas-
sas”
683
. Este é o sentido pejorativo. Segundo, se, pelo contrário, na América Lati-
na está-se ante uma tarefa impostergável com relação à libertação, ou seja, à de-
sideologização da cristã, se convicção de que as massas são mantidas como
tais, à margem e como objeto da História, em grande parte por força de um mode-
lo de cristianismo no qual sinceramente crêem, é óbvio que essa tarefa de desideo-
logizar a fé é própria de uma minoria consciente dos mecanismos com que se cri-
ou essa justificação oculta, vivida inconscientemente pela multidão. Este é o sen-
tido positivo possível do termo elite
684
. É esta elite que desempenha um papel
decisivo na desideologização da fé como condição para o compromisso político.
A partir desta definição de categorias, Juan Luis Segundo apresenta como
ponto de partida o pressuposto de que se as elites de poder ideologizaram o cristi-
anismo o é cabível que as massas o desideologizem. A desideologização, tarefa
de autocrítica e de construção cristã em profundidade, sempre pertencerá a outra
elite, consciente e concientizadora, pelo menos como germe. No contexto concre-
to da América Latina trata-se aqui do impulso para o compromisso político, que o
cristão recebeu oficialmente de Medellín. Medellín, documento-chave de auto-
compreensão da Igreja latino-americana, formulou a missão crisem termos não
individuais mas sócio-políticos, analisou com grande crueza a situação histórica e
fixou, sem atenuantes, os termos da luta real pela libertação. Porém, em Medellín,
a Igreja reformulou a sua missão como se fosse isto possível sem a reformulação,
por sua vez, de todas as noções teológicas populares logicamente unidas à velha
formulação. Em outros termos, o problema central consiste no fato de que a Igreja
imaginou um cristão lançado à libertação política, com o mesmo conceito de
Deus, com o mesmo conceito de pecado, de sacramento, pertença à Igreja, corres-
pondentes a uma Igreja centrada na busca de salvação ultraterrena.
683
J.L. SEGUNDO, As elites latino-americanas, p.180.
684
Cf. Ibid., p.180.
Para Juan L. Segundo, o problema pode ser colocado então nos seguintes
termos: analisar a superestrutura cultural de determinada sociedade e fazê-lo na
perspectiva de sua libertação e humanização, supõe submetê-la a suspeita. Ora,
esta suspeita é suspeita de ideologia. Isto quer dizer, segundo a terminologia mar-
xista, que a superestrutura, na medida que se afasta do plano do qual surgem as
mais realistas e urgentes condições da vida humana, serve para disfarçar e justifi-
car as estruturas sociais que convêm ao pensador e à sua classe. Dois aspectos
importantes justificam levantar esta suspeita sobre a Teologia cristã. O primeiro é
que a utilização ideológica do pensamento o precisa ser consciente e, em seu
nível mais profundo, geralmente não o é. O segundo é que a Teologia trabalha
com elementos conceituais e imaginativos que o lhe são próprios, mas lhe vêm
da cultura social existente e, portanto, com matizes de ideologia.
A primeira abordagem de J.L. Segundo sobre as relações entre elementos
teológicos e ideologia quer mostrar teoricamente o que ele pretende abordar de
modo prático e exemplificado: donde procedem os obstáculos fundamentais que o
cristão vai encontrar no exercício de sua função política. No exercício desta fun-
ção não faltará ao cristão o apoio geral e explícito da Igreja que se comprometeu
com a libertação. Faltar-lhe-á, sim, o apoio mais prático que seria lógico esperar
da Igreja. Apoio que é freado porque os instrumentos mentais e decisivos dessa
Igreja continuam a sucumbir em grande parte a uma função ideológica
685
.
A partir deste esclarecimento, J.L. Segundo analisa esta problemática em
três exemplos considerados relevantes no panorama cristão da América Latina de
eno. No primeiro exemplo aborda os sacramentos e a libertação histórica. A
decisão da Igreja a favor da libertação supunha necessariamente uma consciência
histórica ou, se se quiser, uma clara percepção do momento em que se vive e das
forças que o sacodem. Porém, ao olhar para a atividade real desta mesma Igreja,
principalmente na prática de seus sacramentos, ver-seque ela é caracterizada
pela imutabilidade histórica. “A Igreja fala de libertação e de estruturas sociais do
passado, porém continua a manter uma idéia de eficácia ahistórica, ultraterrena,
igual para os que têm consciência histórica e para os que o têm e nem terão”
686
.
685
Cf. J.L. SEGUNDO, As elites latino-americanas, p.181-183.
686
Ibid., p.183.
Desta forma, a Igreja comprometida com a libertação mantém um conceito teoló-
gico de sacramento, o de eficácia decisiva que prescinde da libertação histórica
687
.
No segundo exemplo, J.L. Segundo aborda o tema da unidade dos cris-
tãos”. O ponto de partida aqui é a questão suscitada a partir do primeiro exemplo:
que aconteceria a uma comunidade crisparoquial se esta começasse a traduzir
historicamente os termos alusivos à eficácia da salvação? Para J.L. Segundo, o
fato de manter reunidas no mesmo templo, para a missa dominical, pessoas tão
diferentes, depende de se usarem sistematicamente termos que não apontam para
nenhuma realidade histórica discutível. Desta forma, o esforço de tradução histó-
rica concreta dos termos intemporais (como demônio, graça, salvação, libertação)
resulta em esvaziar pelo menos a metade do templo
688
. Não se faz isso, justamente
porque desse modo a Igreja teria que entrar necessariamente na luta pela liberta-
ção e fixar adversários. Ao invés opta-se pelo apelo à unidade dos cristãos, erigida
em valor decisivo. Esta unidade é entendida de forma ahistórica e ultraterrena.
Assim, a propalada unidade dos cristãos, com suas conseqüências pastorais, cons-
titui claro elemento ideológico. “O ideal da unidade para a libertação transfor-
mou-se no ideal da unidade para encobrir os conflitos, minimizá-los ante outra
coisa declarada mais importante, e servir assim, de modo indireto, à manutenção
do status quo
689
.
Enfim, se a Igreja realmente quiser estar comprometida com a libertação,
ela deve abrir espaço à contínua e franca tradução histórica de sua mensagem,
mesmo com o risco de dividir os cristãos pelo que é certamente mais profundo: a
decisão, ou não, de acompanhar o processo de libertação, custe o que custar. Por-
tanto, a Igreja comprometida com a libertação da América Latina não pode conti-
nuar a valorizar, acima de tudo, como decisiva para a salvação, uma pertença ma-
ciça ao cristianismo, não decisiva para o compromisso hisrico
690
.
Por fim, o terceiro exemplo refere-se ao compartilhar de tarefas sócio-
políticas. Trata-se de um obstáculo que o cristianismo precisa superar para que
possa exercer seu papel político. O problema, um exemplo oposto e complementar
687
Cf. J.L. SEGUNDO, As elites latino-americanas, p.183-185.
688
J.L. Segundo interroga-se neste sentido: “que aconteceria se alguém pensasse em traduzir ‘gra-
ça’, ‘banquete de Deus’ por ‘caminho para o socialismo’? Não pretendo afirmar que sejam sinô-
nimos. Dou um simples exemplo. Poderia alguém pretender que ‘graça’ estaria melhor traduzida
historicamente, digamos, por ‘democracia representativa’”. Ibid., p.185.
689
Ibid., p.186. Os itálicos o de Juan Luis Segundo.
690
Cf. Ibid., p.185-186.
à questão da unidade dos cristãos, pode ser colocado nos seguintes termos: uma
consciência histórica e um compromisso histórico extraídos, de modo comunitá-
rio, refletido, coerente, do Evangelho, lançariam o cristão a tarefas sócio-políticas
compartilhadas por outros, formados em idéias não-cristãs. Estas possibilidades
encontram-se na América Latina entre cristãos e marxistas. Para Juan Luis Segun-
do, “não dúvida de que, em termos gerais, a colaborão entre cristãos e mar-
xistas pode traduzir-se grosso modo em colaboração entre cristãos e ateus”
691
.
A questão fundamental que se levanta é: quem são, afinal, os ateus? Base-
ado no Vaticano II (Gaudium et Spes 19) pode-se dizer que certo tipo de vida so-
cial que fala de Deus, que adora a Deus, defende a Deus, pode estar falando do
nada, adorando e defendendo o inexistente. De fato, existe o Deus da revelação e
este é apaixonadamente interessado na libertação do ser humano. Mas há também
na Teologia e no ensinamento cristão um Deus impassível, imutável, satisfeito em
sua infinita perfeição, seja qual for o destino que o ser humano queira dar à sua
liberdade. De onde vem esta imagem de Deus, superposta à da revelação? Ideolo-
gicamente, a imagem autêntica de Deus foi insensivelmente transformando-se na
imagem do êxito, dentro da sociedade existente
692
. Com isso, Juan Luis Segundo
demonstra como a Igreja promoveu, como central, a luta libertadora do cristão no
plano sócio-político, porém, ao não reconhecer os elementos ideológicos infiltra-
dos em sua própria Teologia, em seu próprio movimento, reage quase automati-
camente, inibindo o que promoveu
693
.
Em conclusão, vê-se que esta análise de Juan Luis Segundo permite perce-
ber o impasse de Medellín: o impasse de ter uma Igreja maciça e profundamente
ideologizada e querer lançá-la à libertação, sem que seja previamente desideologi-
zada. Este é um erro sócio-pastoral de proporções significativas. Trata-se do erro
de pensar que bastam umas poucas declarações libertadoras, formuladas em ter-
mos de idéias, para desfazer o impacto destruidor do que constitui deveras uma
ideologia, um sistema de extraordinária coerência e rigor, mas sobretudo de ima-
gens, valorizações e motivações, neste caso, conectadas com o religioso e, ao
691
J.L. SEGUNDO, As elites latino-americanas, p.187.
692
J.L. Segundo interroga-se: não pensastes que Deus é para o homem a imagem de sua própria
realização? E o êxito do homem numa sociedade competitiva, de exploradores e explorados, não é
porventura o êxito do homem que acumulou tantos bens que se pode isolar a ponto de ficar dema-
siado longe da dor dos condenados, livre de ver sua paz ameaçada? Que possui tanto que de nin-
guém precisa, nem está à mercê de um diálogo ou de uma negativa?” Ibid., p.188.
693
Cf. Ibid., p.186-188.
mesmo tempo, com a atitude sócio-política
694
. Urge, portanto, que a Igreja assu-
ma, em primeiro, lugar sua tarefa desideologizadora para que possa inserir-se no
processo latino-americano de libertação como uma elite cio-política e cultural-
ideológica relevante nas transformações que o continente exige. Caso contrário
situa-se à margem da História e longe da fé que professa, a saber, da fé cristã.
4.4. A nova consciência latino-americana e o compromisso libertador
como ponto de partida de uma nova interpretação da fé e de uma no-
va presença na transformação da História na América Latina
A análise das exposições propostas neste item possibilita indicar queses
relevantes para esta pesquisa. O núcleo destas questões diz respeito aos marcos
sócio-culturais, ideológicos, políticos e religioso-eclesiais do que teologicamente
se definirá como fato maior na História latino-americana contemporânea a El Es-
corial. Trata-se da emergência de uma nova consciência latino-americana e do
desafio do compromisso libertador como caminho de transformação da História.
Este núcleo temático recebe, no conjunto das exposições analisadas, con-
tribuições que serão fundamentais para a compreensão do significado do processo
histórico latino-americano para a Teologia da Libertação emergente. Evidenciam-
se as bases sociais, culturais, ideológicas, políticas e religiosas de uma nova inter-
pretação do real a postular uma nova presença na sua transformação, tendo em
vista uma Nova História, uma Nova Humanidade e uma Nova Sociedade. É a par-
tir deste fato hisrico novo, permeado pela presença cristã na América Latina,
que emerge o desafio de uma nova interpretação teológica, que partindo deste
fato, seja capaz de iluminá-lo criticamente a partir da fé.
A primeira contribuição significativa diz respeito à emergência da nova
consciência latino-americana e a sua caracterização. Trata-se de um fenômeno de
dimenes sócio-econômicas, político-ideológicas, sócio-culturais e religiosas. Do
ponto de vista sócio-econômico, a nova consciência emerge do debate sobre as
possibilidades e desafios para o desenvolvimento latino-americano originado na
nova sociologia política latino-americana. Configura-se como consciência da situ-
ação de subdesenvolvimento, dependência, dominação social, econômica, cultural
e política a que a América Latina esteve sujeita historicamente. Configura-se co-
694
Cf. J.L. SEGUNDO, As elites latino-americanas, p.188.
mo consciência de que a situação de subdesenvolvimento latino-americano decor-
re de um processo amplo e complexo. Toma-se consciência de tal processo pela
urgência do desenvolvimento e pela injustiça do subdesenvolvimento e suas con-
seqüências a estimular o pensamento sociológico latino-americano na investiga-
ção das causas profundas do subdesenvolvimento.
Pode-se dizer que a própria análise do subdesenvolvimento latino-
americano é fruto de uma tomada de consciência, de uma tomada de posição de
parte do pensamento sociogico e econômico latino-americano. Esta tomada de
posição caracteriza-se pela compreensão a que parte das Ciências Humanas latino-
americanas, principalmente a Sociologia e a Economia, chegaram sobre o subde-
senvolvimento e suas causas e conseqüências. Ante a análise do capitalismo inter-
nacional e da situação de subdesenvolvimento latino-americano no quadro de tal
capitalismo, chegou-se à conclusão de que o subdesenvolvimento latino-
americano é um processo social, global e dialético que deve ser compreendido nos
limites mais amplos do desenvolvimento e da expansão do capitalismo internacio-
nal, cuja dinâmica é gerar, por um lado, o progresso tecnológico e o crescente bem
estar nos países dominadores e centrais, e, por outro, o estancamento econômico,
desequilíbrios sociais e tensões políticas nos países periféricos e dominados.
Desta forma, toma-se consciência de que o subdesenvolvimento latino-
americano é fruto do modelo de desenvolvimento adotado na América Latina, a
saber, o capitalismo dependente que beneficia e enriquece os países centrais e
dominadores, às custas do subdesenvolvimento e de suas conseqüências, nos paí-
ses periféricos e dominados. A emergência desta consciência implica no desafio
da opção: ou continuar o caminho de continente subdesenvolvido, periférico e
dependente, ou tornar efetivo o processo revolucionário de libertação que coloca a
América Latina na via da independência cio-econômica, cultural e política. In-
dependência e libertação que fazem do povo latino-americano senhor de seu des-
tino e de sua História. Esta dimensão sócio-econômica da consciência da depen-
dência e do subdesenvolvimento latino-americano, levada a cabo pelas Ciências
Sociais, é interpretada como uma das contribuições mais relevantes na origem das
exigências do processo de libertação latino-americano.
Do ponto de vista ideológico-político, a nova consciência está inserida no
quadro do nacionalismo latino-americano, centrado na questão da busca de uma
identidade e personalidade própria do povo latino-americano frente ao imperia-
lismo cultural, político e econômico dos países norte-atlânticos. Nesta perspectiva,
a nova consciência latino-americana emerge como origem e sustentação de novos
movimentos de libertação. Origina-se na descoberta e consciência do pluridimen-
sional estado de dependência latino-americana. À época de El Escorial esta nova
consciência afirma-se cada vez mais como nacionalismo de resistência a buscar a
identidade e a coesão nacional latino-americana frente às ideologias dominantes
provindas do neo-imperialismo internacional. Desta forma, os movimentos e ideo-
logias de resisncia, resultantes da consciência de dominação, são expressão da
História da revolução continental em busca de expressão definitiva. A novidade
do momento histórico contemporâneo a El Escorial é a percepção de que a Améri-
ca Latina tem possibilidade de descobrir e afirmar, ao mesmo tempo, sua persona-
lidade e identidade que o capitalismo impediu historicamente de se manifestar.
Isso exige, em conseqüência, a realização do processo revolucionário de liberta-
ção que rompa com o sistema capitalista dominador rumo à América Latina livre.
Do ponto de vista sócio-cultural e religioso, a nova consciência emergente
à época da realização de El Escorial caracteriza-se pelo processo de auto-
consciência de que a dependência econômica, cultural e política é também depen-
dência religiosa, teológica e litúrgica. Essa consciência coloca em movimento o
processo de destotalização crítica dos pressupostos recebidos no processo peda-
gógico de dominação que abrange a América Latina por vários meios, desde o
início da colonização. O processo de destotalização auto-consciente possibilita
que o povo latino-americano, até então emudecido e calado, tome voz, tome a
palavra e se expresse a si mesmo enquanto povo, cultura, sociedade, Igreja, Teo-
logia. Por isso é um movimento profético que lança sua crítica contra os valores
idolátricos da europeidade dominadora, conquistadora e imperialista.
Trata-se de uma consciência profético-libertadora que possibilita ao povo
latino-americano reconhecer-se como povo em sua identidade social, cultural e
religiosa. Enfim, a nova consciência latino-americana, em sua dimensão cio-
cultural e religiosa, caracteriza-se, à época de El Escorial e segundo a sua interpre-
tação, pela maturidade que o povo vai adquirindo através do reconhecimento da
histórica dominação e dos desafios que esta consciência lhe representa. Tal matu-
ridade permite ao povo sonhar em ser ele mesmo, ter uma identidade e ser um
povo livre. Permite a maturação libertadora que culmina na interpretação latino-
americana da revelação de Deus, em que Deus se revela e se epifaniza historica-
mente pela voz do pobre, seu conteúdo concreto. Assim, na interpretação do pobre
que busca sua libertação, é o próprio Deus que provoca e move a História. O po-
bre é a face pela qual Deus se revela na América Latina e a chama para um pro-
cesso de libertação no compromisso com a práxis de libertação.
Uma segunda contribuição e demarcação fundamental para os desenvol-
vimentos posteriores de uma Teologia latino-americana provém do que se pode
definir como um segundo nível da nova consciência latino-americana social, polí-
tica, ideológica e teologicamente situada. A consciência da situação de subdesen-
volvimento, dominação e dependência, verificada no primeiro nível de consciên-
cia, em suas dimensões sócio-econômicas, político-ideológicas e sócio-culturais e
religiosas, engendra e põe em movimento um segundo nível de consciência, a
saber, a consciência da urgência da libertação e o conseqüente desafio da presença
ativa e efetiva no processo de transformação da História rumo a uma sociedade e
humanidade novas. Esse segundo nível da nova consciência, assim como o pri-
meiro, tem suas nuanças e acentos distintos dentro de cada dimensão da Hisria,
embora seja sempre um único movimento de transformação dessa História.
O mérito das exposições analisadas neste item está em identificar, caracte-
rizar e avaliar este segundo nível de consciência, bem como os principais desafios
e alternativas que ele e em movimento na época contemporânea a El Escorial.
Trata-se, como se afirmou, do desafio da libertação latino-americana frente ao
subdesenvolvimento, dependência e dominação que exige uma nova presença da
sociedade, da Igreja e dos cristãos, da pastoral e da Teologia, nas transformações
da realidade de opressão, dominão e subdesenvolvimento que caracterizam a
América Latina. Assim o conhecimento da realidade decorrente da nova consciên-
cia latino-americana passa a exigir um segundo nível: o engajamento e o com-
promisso com a transformação desta realidade. Essa transformação da realidade
de dominão, dependência e subdesenvolvimento se dá pelo processo revolucio-
nário de libertação. Revolucionário por não ser um processo de reformas ou de
ajustes dos antigos modelos de desenvolvimento, mas de crise, ruptura e liberta-
ção rumo a algo novo.
O momento contemporâneo a El Escorial caracteriza-se pelos desafios que
o emergente processo revolucionário de libertação coloca. Em perspectiva sócio-
econômica identifica-se o desafio de uma alternativa básica a opor, de um lado, a
dinâmica do capitalismo internacional, e de outro, as necessidades de um desen-
volvimento integral que atenda às necessidades elementares das classes populares
latino-americanas. Trata-se, portanto, da alternativa entre a continuidade do de-
senvolvimento econômico dentro do sistema capitalista internacional, com tudo o
que isso implica, ou a luta libertadora por desenvolver a sociedade a partir das
necessidades e da dignidade do povo latino-americano. É neste contexto que se
coloca a alternativa de um socialismo latino-americano como a alternativa de
maior relevância para a concretização do processo revolucionário de libertação.
Nesta perspectiva, as exposições propostas em El Escorial evidenciam a
perspectiva de inviabilidade e ruptura com o capitalismo internacional, deixando
claro que entre as análises do subdesenvolvimento levadas a cabo pelos cientistas
sociais do período, prevalece a análise da inviabilidade sistêmica e estrutural do
desenvolvimento nos moldes do capitalismo dependente. Parece que esta tendên-
cia é que se estabelecerá também como a leitura de maior relevância para Teolo-
gia da Libertação no que diz respeito à análise da situação social, econômica, polí-
tica e cultural de dependência e dominação.
O processo revolucionário de libertação latino-americano se como pro-
cesso rumo ao socialismo latino-americano. No entanto, as exposições de El Esco-
rial, de modo especial através de Rolando Ames Cobián, evidenciam que tal so-
cialismo latino-americano não se caracteriza pela importação e aplicação na Amé-
rica Latina de modelos socialistas vigentes em outras partes do mundo. Trata-se
sim de uma linha de orientação fundamental que emerge da solidariedade com as
classes populares marginalizadas, exploradas e dominadas da América Latina.
Nesta perspectiva, a libertação consiste na realização de todas as dimensões hu-
manas do povo latino-americano. E o sujeito desta libertação é o ser humano o-
primido que a análise sociológica descobre fundamentalmente como classe explo-
rada. Assim a ação de e com as classes populares exploradas é a prática central do
processo de libertação. Neste sentido, o conteúdo socialista deste processo libertá-
rio consiste na orientação proposta para tornar eficaz esta prática em nível comu-
nitário e político. Trata-se do desafio de tornar efetivo o processo de libertação
como alternativa relevante rumo a uma América Latina livre e senhora de sua His-
tória.
Essa perspectiva ideológico-política, sócio-cultural e religiosa, junto com a
urgência da libertação e o conseqüente desafio de engajamento e compromisso na
transformação da realidade, implicam na emergência dos movimentos de liberta-
ção. Esses movimentos podem ser interpretados como parte integrante de um di-
namismo maior do processo de busca de uma identidade e personalidade próprias
para a América Latina. Trata-se do nacionalismo que descobre e toma consciência
do estado de dependência latino-americana e põe em marcha uma revolução con-
tinental rumo à libertação. Libertação que caracteriza-se, dentro do nacionalismo,
como busca da identidade latino-americana e de coesão nacional. Neste sentido, o
processo de libertação que urge uma nova presença, caracterizada pelo compro-
misso e engajamento libertadores, apresenta-se como possibilidade de descoberta
e afirmação da personalidade e identidade latino-americanas que até então o capi-
talismo impediu de manifestar-se.
Nesse quadro, o momento contemporâneo a El Escorial caracteriza-se co-
mo uma nova possibilidade e oportunidade histórica para a Igreja e para a Teolo-
gia. Ambas são desafiadas a uma nova figura e configuração. Ambas são desafia-
das a transformarem-se a si mesmas e a transformar o mundo. No contexto latino-
americano, isso implica em uma missão profético-libertadora em que os cristãos
denunciam o subdesenvolvimento, a dependência, a dominação, a exploração, a
violência contra a dignidade humana e anunciam tempos novos, mantendo a cons-
ciência da futura libertação. Assume-se assim a perspectiva revolucionário-
libertadora de compromisso da Igreja e da Teologia com as transformações da
História latino-americana. Igreja e Teologia são desafiadas a contribuir na trans-
formação da realidade social, política, econômica e cultural da América Latina.
Realidade que as Ciências Sociais evidenciam ser de dependência, dominação,
subdesenvolvimento, violência e exploração.
A Igreja e a Teologia que se deixam desafiar pela realidade e se engajam
no compromisso libertador caracterizam-se como um movimento profético de
libertação. Trata-se de uma nova presença da Igreja nas transformações do mundo
e de uma nova interpretação da fé, que parte da realidade de opressão e domina-
ção, e do compromisso cristão em transformar esta realidade, e interpreta-os criti-
camente a partir do Evangelho libertador. Desta forma, este desafio de uma nova
presença da Igreja na transformação libertadora da sociedade latino-americana e
de uma nova interpretação libertadora da fé, configuram, à época de El Escorial, o
desafio que o processo revolucionário de libertação lança à Igreja e à Teologia. A
acolhida e o deixar-se afetar da Igreja e da Teologia fazem com que nasça uma
nova presença eclesial e uma nova Teologia caracterizadas pelo compromisso
libertador como critério fundamental de sua fé libertadora. Configura-se assim o
segundo nível da nova consciência latino-americana como exigência e desafio de
uma Igreja libertadora e de uma Teologia da Libertação. A primeira indica uma
nova presença eclesial no mundo em transformação e a segunda, a nova interpre-
tação da fé que busca iluminar e fortalecer criticamente essa presença na História.
A terceira contribuição relevante que a análise das exposições de El Esco-
rial proposta neste item evidencia, diz respeito a alguns problemas referentes à
nova presença da Igreja e da Teologia no processo de libertação latino-americano.
O processo revolucionário de libertação, propiciado pela conjunção dos dois ní-
veis de consciência a que se chega no processo histórico latino-americano, desafia
e interpela a Igreja, a Teologia e conseqüentemente a pastoral latino-americanas a
uma nova presença na transformação da História. Neste sentido, evidencia-se em
El Escorial a exigência, com todas as conseqüências que esta exigência acarreta,
de uma pastoral libertadora, de um catolicismo popular libertador, de uma educa-
ção libertadora. Estes aspectos trazem à luz o desafio de uma nova presença ecle-
sial e de uma nova configuração da fé na transformação da História latino-
americana. Porém, isso é possível se os crisos e a Igreja forem capazes de
assumir o desafio de desideologização da e da interpretação da fé, historica-
mente limitadas por concepções teológicas dos conceitos fundamentais da de
caráter ahisrico, ultraterreno e apolítico. Urge, portanto, que a Igreja assuma, em
primeiro lugar, sua tarefa desideologizadora para que possa inserir-se no processo
de libertação como elite sócio-política e cultural-ideológica relevante nas trans-
formações da História que o continente está a exigir. Caso contrário, a própria
Igreja e a Teologia situar-se-ão à margem da História e longe da própria que
professam, a saber, a fé cristã.
Soma-se ao desafio e urgência da desideologização da e das interpreta-
ções da fé, a urgência de uma pastoral libertadora capaz de discernir, identificar e
fomentar os valores libertadores do Evangelho presentes no catolicismo popular
latino-americano. Como se evidenciou, o catolicismo popular desempenha um
papel fundamental no processo de libertação. Ele é o núcleo do ethos sócio-
cultural latino-americano e como tal desempenha contribuição relevante ao pro-
cesso de libertação. Essa sua condição coloca à Igreja o desafio de uma estratégia
pastoral libertadora que seja capaz de partir dos valores do povo oprimido em
busca de libertação. Uma libertação que a Igreja e a Teologia compreendem não
esgotar-se no político, econômico, social ou cultural, mas que também não pode
prescindir destas dimensões reais da História. Tal estratégia pastoral libertadora
precisa partir dos valores do povo oprimido e descobrir e identificar os valores
libertadores. Esse é o caminho que possibilitará ao cristianismo colaborar de mo-
do mais eficaz na construção de um ser humano novo e de uma sociedade nova,
renovada e libertadora. Com isso, a pastoral popular libertadora assume sua mis-
o de acompanhar o povo em sua tomada de consciência das possibilidades e
potencialidades libertadoras de sua fé. Desta forma, a pastoral popular torna-se
princípio crítico da sociedade, inspiradora de um dinamismo social e fator positi-
vo na libertação do ser humano e da sociedade latino-americana. Enfim, essa pas-
toral popular tem a tarefa e o desafio de acompanhar o povo no auto-resgate da
força libertadora e politizadora do próprio catolicismo e da fé cristã.
Papel semelhante à pastoral libertadora desempenha a educação libertado-
ra. Esta é interpretada como uma contribuição fundamental ao processo de liberta-
ção latino-americano. Como tal ela é fruto da tomada de consciência da histórica
dominação cultural, ideológica, religiosa, política e econômica a que os povos
latino-americanos estiveram submetidos. A educação libertadora exige a liberta-
ção da situação de dominação e dependência através de mudanças globais e pro-
fundas. Ela refere-se a uma metodologia pedagógica e a um conteúdo libertadores
que visam, através do processo de conscientização, a capacidade crítica do ser
humano latino-americano para o compromisso na transformação da História. Ela é
também um processo comunitário de crescimento sócio-cultural conjunto. Por
fim, a educação libertadora está orientada à criação do ser humano novo e da soci-
edade nova. Portanto, destina-se à criação de uma nova História na qual o ser hu-
mano, sujeito e responsável por seu próprio destino, estará liberto de toda forma
de dominação e opressão. Assim, em perspectiva cristã, a educação libertadora é
uma contribuição fundamental ao processo de libertação latino-americano. Ela
contribui para a libertação da dominação, da espoliação, da injustiça, da exclusão
e da miséria a que foram submetidos os povos da América Latina. Portanto, como
tal, é sinal da libertação definitiva do pecado e da morte feita na História e feita
História pela Páscoa de Jesus Cristo.
Tomadas em conjunto, as questões referentes ao desafio de uma nova pre-
sença eclesial no processo de libertação latino-americano, revelam um problema
importante que será muito debatido a partir de então. Trata-se da questão das di-
mensões políticas da fé. Tanto o problema da ideologização e necessidade de de-
sideologização, como também as questões referentes ao catolicismo popular em
perspectiva libertadora, pastoral popular libertadora e educão libertadora, reve-
lam um desafio comum: como relacionar a cristã com a urgência da transfor-
mação libertadora da História. Evidencia-se em El Escorial que a fé, a Igreja, a
Teologia, a pastoral, a educação e o catolicismo popular poderão de fato ser
libertadores se assumirem criticamente o político como dimensão constitutiva da
presença cristã na História. Portanto, se assumirem a dimensão política da co-
mo propulsora das transformações da Hisria latino-americana. Caso contrário,
permanecer-se-á em uma fé, Igreja, Teologia e pastoral ahistóricas, ultraterrenas,
apolíticas e descomprometidas com o processo de libertação em curso na América
Latina, constituindo-se em obstáculo e freio a ele.
Concluindo, a partir da três contribuições indicadas nesta análise, -se
que El Escorial identifica e caracteriza a emergência da nova consciência latino-
americana. Esta revela-se em dois níveis: no tomar conhecimento da realidade de
subdesenvolvimento, dependência e dominão e suas causas profundas, e no ní-
vel de uma consciência que esta realidade poderá ser transformada através do
compromisso e engajamento libertadores. El Escorial testemunha a conjunção
destes dois níveis de consciência que o momento kairológico latino-americano dos
anos 60 e 70 possibilitou emergir. É graças a essa conjunção que emerge o pro-
cesso revolucionário de libertação latino-americano a propor a ruptura e a liberta-
ção ante a dependência e a dominão causadoras do subdesenvolvimento latino-
americano. Busca-se, através deste processo de libertação, a criação de uma nova
sociedade e de uma nova História, lugares de uma nova humanidade, livre e dig-
na. A intepretação teológica deste processo e do engajamento cristão nele é que se
definirá como a Teologia da Libertação latino-americana. Trata-se do esforço crí-
tico, a partir da fé e motivado pelos desafios e urgências que emergem da História
latino-americana, de interpretar o processo de libertação e a presença e contribui-
ção dos cristãos neste processo.
C O N C L U S Ã O
O capítulo que ora se conclui buscou verificar qual é a História que é teo-
logicamente relevante segundo a interpretação proposta em El Escorial. Partiu-se
do pressuposto de que este encontro é um marco dentro de uma reflexão teológica
já em curso e, como tal, oferece, no conjunto de suas exposições, comunicações e
seminários, uma visão de Hisria que pode ser identificada através da análise do
material produzido. Tal análise foi possibilitada por chaves de interpretação da
realidade que se constituem em dimenes distintas, porém interrelacionadas, da
própria História. Trata-se da História como acontecer humano, em suas dimensões
social, política, econômica, cultural, ideológica e religiosa. Estas dimensões são
chaves de leitura que permitem a interpretação da História latino-americana tal
como ela se apresenta nas análises particulares dos expositores de El Escorial.
São, portanto, o meio pelo qual se pode verificar qual História é relevante para a
Teologia segundo El Escorial.
A partir destes pressupostos iniciais, agruparam-se em quatro pontos os
principais aspectos da descrição da situação social, econômica, cultural, política,
religiosa e ideológica propostos pelos expositores do encontro de El Escorial. Es-
tes quatro pontos constituem-se nos passos da exposição deste capítulo. Em sínte-
se pode-se recolher os seguintes resultados de cada um destes quatro pontos.
Em primeiro lugar, abordou-se a situação econômico-social e política da
América Latina e os aspectos mais relevantes que lhe dizem respeito. Desta abor-
dagem pode-se concluir que do ponto de vista econômico-social e político a Amé-
rica Latina é apresentada por El Escorial como subdesenvolvida, dependente, ex-
plorada e dominada, porém, em vias de libertação. Portanto, a descrição da situa-
ção econômico-social e política da América Latina precisa considerar, por um
lado, a situação de dominação, exploração, dependência e subdesenvolvimento, e
por outro, a consciência social e política de libertação concretizada no processo
político-social de libertação aceito como pressuposto pelos expositores em El Es-
corial. É isto que vai possibilitar que, em termos cio-econômicos e políticos, a
América Latina encontre-se no tempo de El Escorial ante uma alternativa básica.
Trata-se da alternativa que surge da contradição fundamental que opõe, de um
lado, a dinâmica do capitalismo internacional e, de outro, as necessidades huma-
nas elementares das classes populares latino-americanas que começam a tomar
consciência de sua situão de dominadas e exploradas. Trata-se da alternativa
entre continuar sendo a parte dependente, dominada e subdesenvolvida do capita-
lismo internacional ou buscar a libertação rumo a uma sociedade autenticamente
latino-americana, senhora de sua História e de seu destino.
Em segundo lugar, procurou-se retratar a situação ideogico-política e
seus aspectos mais significativos na América Latina. Este trabalho contribuiu para
situar e interpretar as forças ideológicas, os movimentos e formas de poder vigen-
tes na América Latina dos anos 60 e 70. Verificou-se que os movimentos e ideo-
logias que atuam na América Latina quando da realização do encontro de El Esco-
rial o interpretados como etapas de um dinamismo mais amplo, a saber, do na-
cionalismo do século XX. Pelo nacionalismo os povos latino-americanos acordam
de sua ilusão de independência e procuram sua identidade, seu ser, seu lugar no
mundo. Trata-se da intensificação de um movimento que começa no século
XIX, quando alguns latino-americanos se descobrem em uma experiência de “não
ser”, de “não existir”, ou de existir apenas como reflexo de uma civilização do-
minante que os reduziu à condição de marginalizados. A luta pela independência
latino-americana é a luta ideológica entre projetos históricos distintos. Os movi-
mentos e ideologias dos fins dos anos 60 e início da década de 70 são parte e ex-
pressão do nacionalismo latino-americano que luta por sua identidade própria.
Percebe-se que a História latino-americana é marcada pela busca muito específica
e fundamental. Trata-se do nacionalismo como lugar de busca de identidade e
coesão nacional frente ao neo-imperialismo e ao neo-capitalismo estrangeiros.
Em terceiro lugar, abordou-se a situação sócio-cultural e religiosa da Amé-
rica Latina. A partir das várias exposições que tratam desta situação em El Escori-
al pode-se tirar algumas conclusões. Primeiro, a partir do pensamento de Enrique
Dussel, vê-se que a Hisria latino-americana é interpretada, principalmente em
sua dimensão cultural e religiosa, como uma História marcada por uma herança
secular de dominação. Propõe-se então uma interpretação da história da cristã
na América Latina que inicia com o projeto de expansão do Selbst europeu e cul-
mina no desafio de uma interpretação autenticamente latino-americana da revela-
ção de Deus. Percebe-se que esse é o caminho que a latino-americana, ainda
dependente, percorre, desde a primeira conquista até o século XX, em sua relação
com o processo histórico latino-americano. A na América Latina, mesmo com
as exceções de uma profética latino-americana, foi sempre uma inicialmente
hispânica e posteriormente dependente. Quando profética, foi uma autêntica
que soube aceitar o outro como outro. Quando instrumentalizada pela expansão do
Selbst europeu, foi uma arma de dominação associada a tantas outras. Porém, em
ambos os casos, uma fé dependente. No entanto, no século XX emerge algo novo:
a autoconscncia da dependência, não apenas econômica, política, cultural, mas
também religiosa, lirgica, teológica. Isto coloca a América Latina em um novo
processo: o processo de destotalização autoconsciente, o processo de libertação.
Segundo, a partir das exposições sobre a religiosidade popular, vê-se que
ela é interpretada como dimensão constitutiva do povo latino-americano. O catoli-
cismo desempenhou e desempenha significativo papel na História latino-
americana. Ele acompanhou o nascimento e crescimento da civilização latino-
americana. Neste quadro, ele tem ainda papel fundamental a desempenhar no pre-
sente e no futuro da América Latina rumo ao ser humano novo e à sociedade no-
va. Esse papel não se somente como exigência ética, isto é, pelos valores que
lhe são inerentes, mas também em nível fático, isto é, no fato de que cada vez
mais cristãos se integram no processo de libertação. Mas onde está a importância
do catolicismo latino-americano? Por que o se pode prescindir dele?
Na América Latina deu-se o processo de popularizão de uma religião
universal, como é o catolicismo. Esta popularizão significa que seus valores,
normas, ritos, símbolos e instituições estão longe de ser superestruturas agregadas
e fictícias. Constituem-se, pelo contrário, em elementos que integram o próprio
núcleo do ethos sócio-cultural latino-americano. Isso permite concluir que, sem o
catolicismo, a América Latina é ainda sócio-culturalmente ininteligível. O proces-
so de popularização do cristianismo indica que ele tem ambigüidades e limitações,
mas também riquezas, valores e perspectivas. O catolicismo popular constitui-se
numa dimensão central do ser humano latino-americano. Constitui-se no núcleo
do ethos cio-cultural latino-americano. Portanto, trata-se de uma dimensão -
cio-religiosa que marca o acontecer histórico do povo latino-americano. É, enfim,
uma dimensão da História teologicamente relevante.
Esse catolicismo que impregna a mentalidade do povo é chamado a de-
sempenhar um papel positivo ou negativo, conforme for orientado, no processo
libertador e político da América Latina. Em conseqüência, a pastoral popular que
o orienta seresponsável por conseqüências cio-políticas de cunho libertador
ou dominador. A pastoral popular precisa assumir o desafio de contribuir para que
a de fato seja um princípio crítico da sociedade. A pastoral como anúncio desta
precisa ser radicalmente libertadora e conter uma vertente política, enquanto
leva o ser humano à consciência de que está salvo em Cristo e que deve tornar
atual e histórica esta salvação, libertando-se progressivamente de toda forma de
opressão. Enfim, a pastoral popular tem por missão acompanhar o povo na tomada
de consciência das possibilidades de sua fé. Acompanhá-lo no auto-resgate da
força libertadora e politizadora que supõe-se latente em seu catolicismo.
Terceiro, a partir da abordagem do processo de secularização latino-
americano pode-se concluir que o problema da secularização na América Latina
es diretamente ligado à dimensão sócio-religiosa e cultural do ser latino-
americano. Compreende-se, por isso, como um aspecto referente à situação sócio-
religiosa e cultural da História latino-americana em curso. Para captar o processo
de mutações da América Latina, um dos enfoques úteis é o da indagação sobre o
grau e modo por que se está secularizando a sociedade e seus grupos no continen-
te. Isto também interessa ao teólogo e ao pastoralista, pois, o importa que defi-
nição se dê ao termo secularização, esta tem ligações com o modo pelo qual o
elemento religioso se integra na estrutura total da cultura.
Enfim, o processo de secularizão na América Latina não é pura e sim-
ples perda do religioso ou declínio da religião, mas pode orientar no futuro a bus-
ca de novas formas de cristianismo, portanto, tratar-se-ia de uma nova maneira de
valorizá-lo. Vê-se que na complexidade do processo de secularização e na varie-
dade de suas figuras e aspectos, se considerados nas diferentes camadas sociais e
nos vários momentos de um devir como o latino-americano, o processo liga-se a
uma dessacralização dos símbolos e instituições religiosas. Nesta dessacralizão
influem fatores sócio-econômicos e sócio-políticos. E porque esses fatores afetam
de modo diverso as diferentes camadas ou classes sociais, em cada uma delas a
secularização assume diferentes formas, com sua concomitante dessacralizão.
Porém, em seu conjunto, este processo de secularização tem uma especificidade
na América Latina: a secularização assume uma perspectiva positiva e expressa-se
como um esforço por repensar e reativar a religiosa e suas expressões simbóli-
cas e institucionais, num sentido que exprima o ser humano, sobretudo o oprimi-
do, em sua luta, sem as desfigurações e encobrimentos que tornaram criticável a
religião tradicional e que, no mesmo movimento, dê também expressão àquilo que
no ser humano supera o próprio ser humano, isto é, Deus como sentido. Esse é,
enfim, o complexo processo de secularização latino-americano, uma dimeno
sócio-cultural e religiosa da História, ante a qual a Teologia e a pastoral precisam
buscar respostas e caminhos.
Quarto, a partir do pensamento de José Miguéz Bonino, pode-se concluir
que a análise da situaçãocio-religiosa e cultural latino-americana, como dimen-
o constitutiva da História, para ser completa, precisa considerar a presença do
protestantismo na América Latina. O panorama do protestantismo contemporâneo
a Escorial, com relação à sua visão da sociedade e das tarefas na sua transforma-
ção, caracteriza-se pela fragmentação, conflito e busca. Em nível profundo, essas
tensões ligam-se à polarização da consciência latino-americana e aos conflitos de
classe e grupos na vida nacional e continental. Percebe-se que a partir da revolu-
ção cubana o compromisso sócio-político-ideológico deixou de ser, na América
Latina, questão acadêmica e transformou-se em exigência a que se responde de
um ou de outro modo, embora sem o desejar ou saber. Nesta situação, desbaratou-
se o aparato ideológico com o qual o protestantismo enfrentava a questão social,
sem comprometer a transcendência da Igreja e de sua mensagem. Agora é preciso
enfrentar as opções concretas de todo ser humano ou grupo latino-americano. A
partir dessa situação de polarização compreendem-se as tensões do protestantismo
latino-americano contemporâneo a El Escorial.
A tensão aberta entre a busca de concreção no compromisso e o esforço
por preservar a transcendência do Evangelho marca a história do organismo evan-
gélico mais significativo com relação à sociedade latino-americana, a saber, o
ISAL. A caminhada do ISAL indica saltos qualitativos em busca de maior concre-
ção histórica. Enfim, por esse caminho, o protestantismo latino-americano partiu
da busca de uma visão da sociedade latino-americana, passou por um processo de
inserção maior nesta sociedade, e por fim, buscou a concreção de uma práxis
transformadora inserindo-se na práxis libertadora.
Em quarto lugar, procurou-se retomar as dimensões que compõem a leitura
que se apresenta em El Escorial sobre a realidade histórica latino-americana, ten-
do como objetivo a verificão da situação presente ou contemporânea de El Es-
corial. A partir do binômio dependência-libertação, presente na análise de todas as
dimenes que compõem o acontecer humano latino americano, buscou-se identi-
ficar a emergência da consciência da situação de dominação, opressão e explora-
ção que marcam a Hisria contemporânea a El Escorial. Esta consciência, ocorri-
da primeiramente no campo das Ciências Sociais, expandiu-se e constituiu-se na
chave interpretativa da realidade latino-americana em todas as suas dimensões.
A nova consciência latino-americana é o ponto de partida e o fundamento
a partir do qual se colocam as exigências e desafios da libertação. Este é um fato
histórico novo e único na América Latina e constitui-se, à época de El Escorial,
em fato maior a ser teologicamente considerado. Desta forma, neste quarto ponto,
buscou-se apresentar como emerge, dentro das dimensões que compõem a Histó-
ria, a consciência da opressão, dominação e exploração e como se configuram
concretamente a esperança, o anseio e a luta pela libertação.
A emergência da consciência da situão, bem como o engajamento e
compromisso na luta pela libertação, passam a fazer parte de uma espécie de pa-
trimônio comum que sustenta o processo latino-americano de libertação. Neste
patrimônio comum a educação libertadora tem um lugar fundamental pelo papel
conscientizador que lhe cabe. Por outro lado, este patrimônio comum terá con-
tribuições da fé a partir do momento que esta der-se conta da necessidade de desi-
deologização de si mesma como condição para o seu engajamento e compromisso
no processo latino-americano de libertação.
Enfim, como conclusão deste capítulo, pode-se afirmar que a Hisria co-
mo acontecer humano esteve presente em El Escorial em três acepções fundamen-
tais e inter-relacionadas. Em primeiro lugar, a História é apresentada como acon-
tecer humano de dimensões sociais, políticas, econômicas, culturais, religiosas e
ideológicas que correspondem ao passado cronológico latino-americano. Neste
sentido El Escorial propõe uma reinterpretação e recompreensão da História pas-
sada em suas rias dimensões. Esta reinterpretação e recompreensão avalia que a
História latino-americana é de dominão, dependência, exploração e espoliação.
Isto se faz presente em todas as dimensões constitutivas da realidade latino-
americana do passado. Urge então reconhecer esta História para libertar-se dos
mecanismos, forças e estruturas de opressão, dominação e dependência.
Em segundo lugar, pode-se identificar uma acepção de História como o
tempo presente de El Escorial. Este tempo presente caracteriza-se, por um lado,
pela tomada de consciência da secular situação de domínio, dependência e explo-
ração social, política, econômica, cultural, ideológica e religiosa infligida ao povo
latino-americano. Por outro lado, este tempo presente é também tempo do com-
promisso e engajamento para superar a dominação, injustiça, opressão e margina-
lização. É tempo de tomar parte no processo revolucionário de libertação latino-
americano que visa destruir todas as forças e estruturas de domínio, dependência e
opressão presentes na religião, sociedade, economia e cultura.
Em terceiro lugar, a História como acontecer humano é também promessa,
esperança, anseio. É História grávida do futuro e do novo. Esta História aparece
em El Escorial como a História por vir, como a História, enfim, liberta de toda
forma de domínio e opressão. Esta História é o lugar da Nova Sociedade, do Novo
Ser Humano. É, enfim, a Nova História, o lugar do acontecer e devir de uma Nova
Humanidade, livre e senhora de seu destino.
Essas três acepções fundamentais da História indicam que ela é interpreta-
da como a força motriz do processo de libertação em curso na América Latina. O
processo revolucionário de libertação em curso nada mais é que a reinterpretação
e recompreensão da História passada de domínio, explorão e dependência, so-
mada à leitura presente das causas profundas e estruturais, passadas e presentes,
da situação pluridimensional de domínio, dependência e subdesenvolvimento ali-
ada aos sinais de transformação da realidade propiciados pelo compromisso e en-
gajamento na transformação social da realidade latino-americana. E isso é pos-
sível porque se confia, anseia e espera pelo futuro de liberdade e justiça. Enfim, a
História como acontecer humano é passado, presente e futuro unidos em um
processo: o processo revolucionário de libertação. É esta Hisria que aparece
como teologicamente relevante em El Escorial. É ela que interpela, provoca e
afeta a Teologia urgindo-lhe e exigindo-lhe resposta relevante.
4
A Teologia relevante para a História segundo a
interpretação de El Escorial: a Teologia comprometida
com o processo latino-americano de libertação
I N T R O D U Ç Ã O
No Capítulo anterior procurou-se descrever, seguindo os expositores do
Encontro de El Escorial, a interpretação da realidade histórica latino-americana
contemporânea à realização deste encontro. Percebeu-se que a História aparece
interpretada, em suas rias dimensões, como lugar do acontecer humano marca-
do por duas características fundamentais. Por um lado, a Hisria aparece como
lugar da experiência e da consciência da dominão, da opressão, da exploração,
da dependência, da injustiça, da pobreza e da miséria. Toma-se consciência desta
História e das causas, estruturas e formas de sustentação desta situação nas várias
dimenes do acontecer humano latino-americano. Mas, por outro lado, esta
consciência é o ponto de partida para se aspirar, lutar e sonhar com uma Nova
História. Torna-se, portanto, motor de transformação da História. Essa transfor-
mação se dá pelo compromisso e pelo engajamento de todos aqueles e aquelas que
crêem em uma Nova Sociedade, mais humana, justa e livre.
Essa transformação da História rumo a uma Nova Sociedade e a um Novo
Ser Humano não se realiza por reformismos superficiais e marginais. Toma-se
consciência de que pode ser realizada através de reformas profundas e estrutu-
rais que possibilitem eliminar todas as formas de dominação, dependência e ex-
ploração cultural, religiosa, ideológica, social, econômica e política que mantêm
grande parte do povo latino-americano na miséria, dependência e subserviência
ante as classes dominantes latino-americanas e as forças econômicas e poticas
estrangeiras. Nasce assim o processo revolucionário de libertação do qual partici-
pam cristãos e não-cristãos unidos em uma mesma causa: a transformação social,
política, cultural e econômica da América Latina rumo a uma Nova Sociedade e a
uma Nova História como lugares de um Novo Ser Humano.
Ante esta História marcada pela crescente consciência da dominação, de-
pendência e exploração em suas várias dimenes, mas também pelo compromis-
so e engajamento crescentes rumo à transformação da realidade é que se coloca a
questão central que se pretende aprofundar neste capítulo. Trata-se da pergunta
pela interpretação teológica desta História. O que tem a Teologia a dizer diante
desta realidade? Que palavra teológica é relevante e pertinente diante desta Histó-
ria? Que palavra teológica é relevante para a construção de um Nova Sociedade e
de uma Nova História na América Latina? E mais: que palavra teológica é rele-
vante para iluminar o compromisso daqueles e daquelas que se envolvem, enga-
jam e se comprometem na construção desta Nova História? O que esta Hisria -
marcada pela dominação, dependência, exploração e miséria e, ao mesmo tempo,
pela consciência de suas causas estruturais profundas e pelo crescente compromis-
so e engajamento no processo de libertação tem de teológico? O que ela diz à
Teologia e o que a Teologia tem a dizer-lhe? Trata-se, segundo a hipótese desta
pesquisa, da pergunta fundamental: afinal, diante da realidade de dominação, ex-
ploração e dependência e, ao mesmo tempo, da tomada de consciência das causas
profundas e estruturas que sustentam, justificam e mantêm tal dominação, e diante
do conseqüente compromisso de transformação e engajamento no processo de
libertação, em que a Teologia é relevante? Qual é sua tarefa primordial e urgente?
Que contribuições ela pode dar para a transformação libertadora da Hisria e para
a autêntica presença evangélica no mundo?
A América Latina o se encontra diante de uma alternativa social, po-
lítica, econômica, cultural e ideológica. Ela encontra-se, em decorrência e no con-
texto desta primeira alternativa, também diante de uma alternativa teológica. É
relevante uma Teologia importada de outro contexto social, econômico, cultural,
político, religioso e ideológico, uma Teologia com respostas “prontas”, preocupa-
da com verdades ahistóricas, europeizadas e descontextualizadas, que desconside-
ra a realidade de dominação, dependência e explorão latino-americanas e todas
suas conseqüências, bem como desconsidera o processo de libertação latino-
americano e o compromisso transformador desta realidade rumo à libertação, que
muitos cristãos latino-americanos vivenciam? Ou é mais relevante uma Teologia
processual, que nasce como interpretação teológica da presença dos cristãos no
processo revolucionário de libertação, e que tem neste processo, no engajamento
dos cristãos nele e nas questões que ele levanta à fé cristã, seu ponto de partida?
A Teologia da Libertação emergente na América Latina a partir de fins da
década de 60 é decididamente a realização da segunda opção. Trata-se de uma
Teologia que nasce a partir do compromisso cristão no processo de transformação
da realidade, e que busca iluminar este compromisso a partir da Palavra de Deus
vivida na e na esperança transformadora
695
. É a Teologia da nova consciência
do cristianismo latino-americano
696
. É a Teologia que parte do processo de liber-
tação, através do qual o ser humano latino-americano assume seu próprio destino
rumo a uma crescente liberdade
697
. Parte desse processo e pretende iluminar a
presença cristã nele. É, portanto, a Teologia que se realiza no contexto do proces-
so revolucionário latino-americano de libertação. Como tal é uma Teologia em
processo, em construção.
A questão fundamental que se pretende aprofundar neste capítulo diz res-
peito à relação entre Teologia e História. Trata-se de verificar, segundo a interpre-
tação de El Escorial, qual Teologia é relevante para a História latino-americana.
Mais especificamente, a Teologia relevante para a História em processo de liber-
tação é a Teologia da Libertação. Porém, cabe aqui, seguindo os expositores de El
Escorial, aprofundar como se articula tal reflexão teológica e como nela se rela-
cionam História e Teologia. Isso implica, segundo a hipótese desta pesquisa, a-
bordar as relações de mútua relevância entre História e Teologia.
Essa perspectiva exige que se aborde o conteúdo material de El Escorial
para verificar que Teologia é apresentada como relevante para a América Lati-
na. Esse é, especificamente, o trabalho a ser realizado neste capítulo. Para tal a-
bordagem procurar-se-á dar os seguintes passos. Em primeiro lugar, procurar-se-á
retratar os primeiros passos da nova percepção teológica da realidade latino-
americana. Trata-se de abordar o ponto de partida de uma nova reflexão teológica,
embasada em uma nova experiência política e espiritual de cristãos envolvidos e
comprometidos, junto com não-cristãos, com o processo revolucionário de liber-
695
E. Dussel assim define a Teologia da Libertação em El Escorial: A Teologia da Libertação,
momento reflexivo da profecia (profecia como momento ordinário da cristã, e não como caris-
ma extraordinário), parte da realidade humana, social, histórica, para pensar, a partir de um hori-
zonte mundial, as relações de injustiça exercidas no centro contra a periferia dos povos pobres.
Pensa teologicamente tal injustiça, à luz da cristã, articulada graças às ciências humanas, e a
partir da experiência e do sofrimento do povo latino-americano”. E. DUSSEL, História da fé cristã
e transformação social na América Latina, p.86. Na mesma linha, Gustavo Gutiérrez define a
Teologia da Libertação como uma reflexão crítica sobre a práxis histórica em confrontação com a
Palavra do Senhor vivida e aceita na fé. Se uma reflexão em e sobre a fé como práxis libertadora.
Inteligência da fé que parte do compromisso de criar uma sociedade justa e fraterna e que deve
contribuir para que seja mais radical e pleno este compromisso. Inteligência da que se faz ver-
dade, que se verifica na inserção real e fecunda no processo de libertação”. Gustavo GUTIÉRREZ,
Evangelho e práxis de libertação, p.217.
696
Cf. José COMBLIN, Movimentos e Ideologias na América Latina, p.113.
697
Cf. a definição de libertação proposta por: S. GALILEA, A fé como princípio crítico de promo-
ção da religiosidade popular, p.136.
tação na América Latina. Em segundo lugar, procurar-se-á abordar a configuração
de uma nova reflexão teológica na América Latina, resultante da nova experiência
política e espiritual dos cristãos latino-americanos envolvidos no processo de li-
bertação. Em terceiro e quarto lugares, procurar-se-á analisar as relações entre
Teologia e política na América Latina. Primeiramente se analisará o surgimento
da nova linguagem teológica da libertação. Em seguida, a partir da relação entre a
Teologia da Libertação e a libertação política, se analisará a tarefa da Teologia
latino-americana ante os desafios que a História lhe lança. No quinto ponto, abor-
dar-se-á o problema das relações entre Teologia e Ciências Sociais na perspectiva
de uma Teologia libertadora. Por fim, em sexto lugar, abordar-se-ão duas interpre-
tações teológicas expostas em El Escorial sobre as relões entre e transforma-
ção social na América Latina. A primeira diz respeito ao desafio de conversão da
Igreja como condição de sua contribuição para uma sociedade e para um ser hu-
mano novos. E a segunda diz respeito a uma interpretação teológico-libertadora
das Bem-Aventuranças bíblicas e sua relação com a transformação social.
Crê-se que através destes passos será possível identificar qual é a Teologia
que é relevante para a América Latina tal como esta é lida e interpretada no en-
contro de El Escorial. Parece que para uma Hisria em processo de transformão
uma Teologia transformadora e iluminadora da ação e do compromisso trans-
formador poderá ser relevante. Esta precisa partir da História para iluminar a His-
tória. Uma Hisria que toma consciência da dominação, dependência e explora-
ção, passadas e presentes, e se engaja e compromete em um processo de transfor-
mação libertadora de si mesma rumo a uma Nova História, mais humana, justa,
digna e livre, exige uma Teologia com um minimum de compromisso libertador e
transformador em sua interpretação da fé. Qual Teologia é esta, segundo a inter-
pretação proposta por El Escorial, é o que procurar-se-á retratar a seguir.
1. Gustavo Gutiérrez e a nova experiência político-espiritual dos
cristãos comprometidos como ponto de partida da nova reflexão
teológica da América Latina
1.1. Primeiros passos de uma nova percepção teológica da realidade:
os cristãos e a nova experiência político-religiosa latino-americana
A análise da História como acontecer humano em suas rias dimensões,
realizada no capítulo 3, já é o início da reflexão teológica. É nesta História que se
a experiência da exploração, espoliação, dependência e dominação, mas ao
mesmo tempo, de uma profunda aspiração à libertação. É nessa História que e-
merge o processo de libertação, com qual muitos cristãos se comprometem. É esse
compromisso libertador dos cristãos engajados que os coloca ante a necessidade
de dar respostas a seus questionamentos profundos, provindos da relação entre sua
e sua experiência de vida marcada pelo engajamento no processo de libertação
e pelo conflito d decorrente. Este processo é que provoca uma nova reflexão
teológica, uma nova inteligência da fé a partir da práxis libertadora. Este é o ponto
de partida da Teologia da Libertação. Pretende-se, neste item, aprofundar os prin-
cipais passos deste processo que levou à necessidade de uma nova Teologia. Com
isso aborda-se, na verdade, o ponto de partida desta mesma Teologia. Ponto de
partida que se constitui em uma nova experiência potica e espiritual dos cristãos
latino-americanos engajados e comprometidos com o processo de libertação. Para
realizar esta análise segue-se basicamente a exposição de Gustavo Gutiérrez E-
vangelho e Práxis de Libertação, em sua primeira parte
698
.
Para Gustavo Gutiérrez, a refleo sobre a realidade latino-americana, em
seus aspectos sociais, políticos, históricos e religiosos, coloca as bases e inicia a
reflexão teológica. Estes aspectos constituem-se em uma realidade humana e um
processo histórico. Aproximar-se e penetrar nesta realidade e neste processo é,
para quem tem fé, aproximar-se do Senhor que faz da história uma hisria de
salvação”
699
. Por outro lado, a Teologia, como uma leitura a partir da fé, não pode
ser levada a bom termo se não analisar as realidades humanas com a racionalidade
698
Cf. G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.205-213
699
Ibid., p.205.
científica apropriada a estas situações. Isto justifica toda a leitura da História, em
suas diversas dimensões, proposta em El Escorial, bem como, sua relevância para
a Teologia. É incompreensível e irrelevante, na realidade latino-americana, a re-
flexão teológica que não se estriba no conhecimento de seu contexto histórico. A
partir desta base, o que Gustavo Gutiérrez pretende com sua reflexão é tornar mais
explícito o aspecto teológico do que se vivia então na América Latina. Isto é, re-
fletir teologicamente a partir do contexto do processo de libertação “que se vive
com urncia e com esperança na América Latina”
700
. Neste sentido aborda-se o
ponto de partida da reflexão teológica latino-americana.
Segundo Gustavo Gutiérrez, a Teologia que emerge na América Latina
constitui-se em novo tipo de reflexão teológica. Esta nova reflexão está imersa em
um contexto de espoliação e opressão, mas também de profunda aspiração à liber-
tação. Emerge uma reflexão feita no contexto aberto pelo processo de libertação
que questiona, desde as raízes, a ordem social existente: suas bases econômicas,
suas estruturas políticas e as diferentes formas de expressão de sua consciência
social. Questiona também o modo como os cristãos vivem e pensam sua fé. Isto é
possível graças ao crescente empenho e engajamento de cristãos no processo de
libertação. Garantem-se, assim, radicalidade e fecundidade promissoras a esta
nova reflexão teológica. O compromisso com o processo de libertação constitui-se
no fato maior da vida da comunidade cris latino-americana. Trata-se de uma
novidade que só pouco a pouco vai ganhando lugar na refleo sobre a fé. “É uma
inteligência da fé a partir da práxis libertadora, construtora de uma sociedade dife-
rente, forjadora de novo modo de ser homem”
701
. Para melhor compreender o
ponto de partida da nova reflexão teológica é preciso compreender este fato maior
como fruto e etapa de um processo vigente na América Latina. Ver-se-ão, a se-
guir, os principais passos deste processo segundo a interpretação de G. Gutiérrez.
1.1.1. A opção pelo pobre como o novo eixo do ser cristão
Constata-se, inicialmente, que por muito tempo os cristãos latino-
americanos manifestaram despreocupão pelas tarefas temporais. A partir de
uma formação religiosa, que considerava o além como o lugar da verdadeira vida,
a vida presente passou a ser considerada o cenário de uma prova na qual se decidi-
700
Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.205.
ria o destino eterno. Este destino eterno e a própria vida eterna eram considerados
exclusivamente futuros, sem nenhuma relação com o compromisso histórico pre-
sente. Desta forma, transformou-se o Evangelho em algo inofensivo. “De um E-
vangelho assim transmudado em algo inofensivo como um cão de luxo, nada ti-
nham a temer os grandes deste mundo, porém muito a ganhar”
702
. Por isso, essa
visão dualista e ahistórica ganhou apoio junto aos poderes dominadores na Amé-
rica Latina. Porém, uma série de acontecimentos da Igreja latino-americana fize-
ram com que esse apoio se fizesse acompanhado de ameaça: se rejeitado, provoca-
ria, para breve, hostilidade e repressão.
Neste contexto, nas últimas décadas anteriores a El Escorial, alguns setores
cristãos abriram-se ao que então se chamou de problema social. Esse problema
social consiste na situação de miséria em que se encontra a grande maioria do
povo latino-americano. Deixou-se de vê-la como uma fatalidade histórica, e os
seus membros deixaram de ser considerados objetos de obras caritativas. Em de-
corrência desta abertura para a situação social e para a miria das maiorias latino-
americanas, a injustiça social começou a aparecer como a causa fundamental da
situação. Começa-se a propor uma interrogação fundamental: como ser cristão
sem se comprometer em transformar esta realidade? A dura realidade de miséria
passa a ser interpeladora dos cristãos. Nesta perspectiva, integrar os marginaliza-
dos, atender às injustiças mais clamorosas aparecia, aos cristãos, como sendo o
caminho para construir uma sociedade mais justa e cristã, portanto, para fazer uma
sociedade melhor. Porém, segundo Gustavo Gutiérrez, havia aqui um problema: a
análise sócio-econômica, aproximativa e deficiente, permitia gerais e vagas
defesas da dignidade da pessoa humana
703
.
Com o conhecimento mais científico da realidade, a linguagem tornou-se
mais agressiva e a ação mais eficiente. No entanto, o ponto de partida, continuou
o mesmo: afirmações doutrinárias, axiomáticas e ahistóricas. Isso fez com que a
posição dos cristãos, de alguma forma comprometidos com o problema social,
inicialmente recusada pelo sistema dominante, mantivesse certa ambigüidade e,
com ela, a capacidade de ser reabsorvida pela ordem social que tencionava trans-
701
G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.206.
702
Ibid., p.206.
703
Cf. Ibid., p.206-207.
formar. Neste quadro, a reflexão teológica foi marcada por preocupação social,
porém, continuou a mesma
704
.
Em um segundo momento, muitos cristãos, em sua maioria jovens, passam
a abandonar posições que, na realidade, não passavam de uma política desenvol-
vimentista assumida pelo reformismo. A radicalização política, crescente no con-
tinente, foi levando estes cristãos a posições revolucionárias. A tornou-se, as-
sim, a motivadora e justificadora de um compromisso revolucionário. O próprio
Evangelho, despido de todo elemento ideológico falseador de uma realidade cruel
e conflitiva, não não repudiava a revolução como também a exigia. Nasce as-
sim uma reflexão bíblica que ganha o nome de Teologia da Revolução
705
. Nesta
perspectiva uma análise política mais penetrante e um compromisso mais radi-
cal e questionador da ordem social estabelecida que na perspectiva anterior. A
Teologia da Revolução que acompanha essa posição situa-se na linha de apoio e
justificação do compromisso revolucionário dos cristãos. Na opinião de Gustavo
Gutiérrez, seu mérito está em destruir a imagem de uma ligada a uma ordem
social injusta. Porém, incorre no risco de pagar alto preço por isso e converter-se
em ideologia cristã revolucionária. Foi bem acolhida em certos grupos cristãos
que davam seus primeiros passos na sua inserção no processo revolucionário. Esta
Teologia manifestou-se insuficiente teologicamente ao apresentar-se como sim-
ples tematização revolucionária ad hoc de alguns textos bíblicos, particularmente
vetero-testamentários. O problema é que o ponto de partida não mudou. A ação
revolucionária é o campo de aplicação de certa reflexão teológica e não o questio-
namento de um tipo de inteligência da fé. Não é uma reflexão teológica no contex-
to do processo de libertação e sim aplicação de uma reflexão teológica pré-
determinada ao processo de libertação. Não é, enfim, reflexão teológica a partir da
práxis e sobre a práxis, na fé e sobre a fé como práxis libertadora
706
.
Esses passos possibilitaram aos cristãos uma nova experiência de e a
conseqüente entrada em um novo mundo. Trata-se da entrada no mundo do outro,
do pobre, do oprimido, das classes exploradas. O amor ao próximo, componente
essencial da existência cristã, traduz-se em um colocar-se no caminho do outro,
704
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.207.
705
Segundo G. Gutiérrez, esta reflexão teológica foi elaborada inicialmente por tlogos o lati-
no-americanos e encontrou uma caixa de ressonância em “certa Teologia alemã”, e foi traduzida
na América Latina. Cf.: Ibid., p.207.
706
Cf. Ibid., p.207-208.
em aproximar-se do outro e com ele e a partir dele transformar o mundo. Isso o-
corre, segundo G. Gutiérrez, com a opção pelos pobres. “Essa opção constitui o
eixo em torno do qual gira hoje novo modo de ser cristão na América Latina
707
.
O pobre não existe como resultado de uma fatalidade. Sua existência o é
neutra politicamente e nem inocente eticamente. Ele é o subproduto do sistema
econômico-social latino-americano. É fruto e responsabilidade das escolhas polí-
ticas e econômicas vigentes. Ele é o marginalizado do mundo social e cultural. É o
oprimido, explorado, despojado do fruto de seu trabalho e o espoliado de sua hu-
manidade. Isso tem como resultado uma percepção e consciência fundamental
para a gênese do processo de libertação latino-americano: a pobreza do pobre não
é um chamado para uma ação generosa que a alivie. É sim uma exigência de cons-
trução de uma nova ordem social. Em conseqüência, a questão fundamental apa-
rece nos seguintes termos. A opção pelo pobre em um compromisso libertador
levou à compreensão de que não se trata de isolar o oprimido da classe social a
que pertence. Isto seria um simples compadecer-se de sua situação. O pobre e o-
primido é membro de uma classe social explorada, sutil ou abertamente, por outra
classe social. Nesta situação, optar pelo pobre é optar por uma classe contra outra
e, em conseqüência, tomar conscncia do fato do confronto entre classes sociais é
tomar partido pelos desapossados. Optar pelo pobre é sair do próprio mundo e
entrar no mundo da classe social explorada, de seus valores, de suas categorias
culturais. É, enfim, fazer-se solidário com seus interesses e suas lutas
708
.
Esta opção exige do cristão entrar em um verdadeiro processo de conver-
o evangélica. Exige o sair de si mesmo e o abrir-se para Deus e para os demais.
Esta conversão não é uma atitude intimista e privada. É, sim, um processo condi-
cionado pelo meio sócio-econômico, político, cultural e humano em que se desen-
volve. Trata-se de uma autêntica ruptura com categorias mentais, com o pprio
meio cultural em que se vive, com a classe social a que se pertence, com a forma
de relacionar-se com os outros, com o modo de viver a fé. Trata-se de uma autên-
tica ruptura com tudo aquilo que impede uma eficaz e profunda solidariedade para
707
G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.208. Nesta mesma página G. Gutiérrez
assim relaciona o amor ao próximo com a opção pelos pobres e com as implicões daí decorren-
tes: “O amor ao próximo é um componente essencial da existência cristã. Mas enquanto o próximo
for oque está perto’, aquele que encontro em meu caminho, o meu mundo permanecerá o mesmo.
Se, pelo contrário, considero como meu próximo aquele em cujo caminho me coloco, aquele de
quem me aproximo (‘qual desses três foi o seu próximo?’), o ‘distante’, meu mundo transforma-se.
É o que se dá com a ‘opção pelos pobres’”. O itálico é de G. Gutiérrez.
com os que sofrem uma situação de injustiça e de esbulho. Trata-se, enfim, de
uma autêntica ruptura “com tudo o que impede um real encontro com Cristo no
homem marginalizado e oprimido
709
.
Enfim, esta é a nova experiência que muitos cristãos latino-americanos
levam a termo. É a experiência que possibilitou-lhes sair de seu próprio mundo e
ir ao encontro do outro, do pobre, do oprimido, do esbulhado. Esta nova experiên-
cia exige o mudar o pprio mundo e a visão das estruturas que dividem e sepa-
ram os seres humanos. Optar pelo pobre, estar de seu lado, ir ao seu encontro,
implica denunciar o que faz com que haja pobres e ricos, significa denunciar os
sistemas e estruturas que os “produzem”. Em razão disso, essa nova experiência é
uma experiência política e espiritual ao mesmo tempo, como, a seguir, ver-se-á.
1.1.2. O compromisso libertador: o político como lugar de conhecer
e assumir a História em sua conflitividade
Optar pelo pobre significa situar-se de modo diferente no mundo da políti-
ca. Exige assumir uma tarefa política em uma perspectiva mais global. Exige as-
sumir a tarefa política de modo mais científico e conflitual do que a forma como
se dava essa tarefa nos primeiros passos do compromisso político. Isso significa
para os cristãos latino-americanos engajados e comprometidos no processo revo-
lucionário de libertação, uma nova experiência política.
Para os cristãos latino-americanos, a política apareceu por muito tempo
como algo setorial. Era apenas um setor da existência humana, ao lado do famili-
ar, do profissional, do recreativo. Neste sentido, a atividade política era exerci-
da, portanto, nos momentos livres deixados pelas outras ocupações. Pensava-se
ainda que a atividade política era algo próprio de um setor da humanidade especi-
almente chamado para esta responsabilidade. No entanto, ao tempo de El Escorial,
Gustavo Gutiérrez identifica mudanças: aqueles e aquelas que optaram pelo enga-
jamento e compromisso no processo de libertação experimentam a política como
uma dimensão que abrange e condiciona exigentemente toda a tarefa humana. A
política constitui-se assim em condicionamento global e campo coletivo da reali-
zação humana. É no contexto desta percepção da globalidade da política que se
pode situar devidamente um sentido mais restrito do termo que define a política
708
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.208.
709
Ibid., p.208.
como orientação para o poder político. Enfim, percebe-se que toda realidade hu-
mana tem uma dimensão política e nela o ser humano surge como um ser livre e
responsável, como ser humano em relação com outros seres humanos, como al-
guém que toma as rédeas de seu destino na História
710
.
Para Gustavo Gutiérrez, uma formação insistentemente axiomática e ahis-
tórica fez com que os cristãos fossem, em geral, pouco sensíveis e até mesmo hos-
tis às tentativas de racionalização científica que abre caminho no campo da políti-
ca. Porém, os que se comprometem na luta por uma sociedade diferente, sentem a
urgência de conhecer com o máximo rigor possível, os mecanismos da sociedade
capitalista centrada no lucro privado e na propriedade privada a serviço do lucro.
É somente através deste conhecimento que sua ação poderá ter eficácia. É neces-
rio, portanto, conhecer as causas profundas da ordem social vigente e as condi-
ções concretas da construção de uma sociedade justa. Caso contrário, os cristãos
estariam enganando a si próprios e a outros, através de sutis subterfúgios. Neste
sentido, G. Gutiérrez fala da emergência de uma racionalidade científica, à época
de El Escorial, incipiente mas real, exigente porém necessária. Sua introdução no
campo da História e da sociedade permite que o ser humano contemporâneo co-
mece a tomar consciência de seus condicionamentos econômicos e cio-culturais
e perceba as causas profundas da situação de miséria e esbulho
711
.
A percepção e consciência das causas profundas e estruturais da pobreza,
miséria, exploração e dominação que postulam transformações sociais profundas,
exigem dos cristãos latino-americanos uma nova postura e novas opções. Isto cria
um problema: choca aos cristãos que buscam colocar-se franca e decididamente
do lado do pobre e do explorado o caráter conflitual que adquire nesse contexto
sua práxis social. Assumir o campo político implica assumir confrontações entre
os grupos humanos que o compõem, entre as classes sociais com interesses opos-
tos, confrontações em que aparece a violência em graus diversos. Aqui, ser artífice
da paz não não dispensa estar presente em tais conflitos, mas também exige
tomar parte neles, se se quiser superá-los desde a raiz. Esta exigência é dura e in-
quietante para os que preferem não ver essas situações conflituosas ou que se con-
tentam com paliativos e reformismos. É também uma exigência dura para os que,
com maior boa vontade, confundem amor universal com harmonia fictícia. O
710
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.209.
711
Cf. Ibid., p.209.
mandamento evangélico do amor aos inimigos, no contexto político da América
Latina, “implica reconhecer e aceitar ter inimigos de classe a quem urge comba-
ter”
712
. Para Gustavo Gutiérrez, não se trata de o ter inimigos, mas de não ex-
cluí-los do amor. O problema é que os cristãos estão pouco acostumados, em seus
ambientes, a pensar em termos conflituais e hisricos. Ao antagônico prefere-se
uma “irônica reconciliação”, ao provisório uma “evasiva eternidade”. Está-se,
portanto, diante do desafio de aprender a viver e pensar a paz em meio aos confli-
tos, o definitivo e o trans-histórico no tempo e na História
713
.
Enfim, a nova experiência dos cristãos latino-americanos comprometidos e
engajados no processo de libertação possibilita-lhes também nova experiência
política. Esta é marcada pelo caráter conflitual que a opção pelo pobre, esbulhado,
explorado implica. Neste caráter conflitual os cristãos tomam consciência de que
sua opção pelo pobre implica na exigência de conhecer a realidade histórica e as
estruturas e causas profundas que fazem com que haja pobres. Isso significa que
optar pelo pobre exige conhecer cientificamente as causas, estruturas e sistemas
que os produzem. Significa, portanto, assumir científica e conflitualmente o com-
promisso libertador que tem no político seu lugar de conhecer e assumir a História
em sua conflitividade em busca de sua transformação libertadora.
1.1.3. A práxis de libertação: uma nova experiência espiritual que
tem no âmbito político o lugar de pensar e viver a fé e encarnar o E-
vangelho no tempo
Para os cristãos latino-americanos, engajados e comprometidos com o pro-
cesso de libertação, a opção pelos pobres constitui-se em uma nova experiência
política global e, como tal, revela-se a eles como uma nova experiência espiritual.
A práxis libertadora torna-se mais madura e questionadora. Neste contexto, o âm-
bito político torna-se o espaço em que o cristão comprometido com o pobre e com
a libertação das classes exploradas vive e pensa sua fé. Sua vida orienta-se espon-
taneamente para uma exigência evangélica fundamental: a pobreza. Nesta exigên-
cia o cristão percebe a exigência de identificação com Cristo, que veio ao mundo
para anunciar o Evangelho aos pobres e libertar os oprimidos. Nisto o cristão faz
uma nova experiência espiritual
714
.
712
Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.210.
713
Cf. Ibid., p.209-210.
714
Cf. Ibid., p.210.
Porém, ao perceber-se diante desta exigência, surpreende-se com o que
encontra. Percebe que a pobreza, tal como era vivida e pensada pela Igreja, estava
prisioneira dentro dos limites da vida religiosa. Prisioneira de um certo modo de
vivê-la. Ela era algo privativo de determinado tipo de cristãos que davam a im-
pressão de sentir-se “ricos de sua pobreza”. A uns cabia a vivência dos votos de
pobreza e estes eram considerados em estado de perfeição espiritual. Outros, infe-
riores do ponto de vista cristão, situavam-se no mundo e com suas esmolas podi-
am contribuir com os mais perfeitos
715
. Com isso perde o Evangelho e perdem os
pobres e explorados. , nesta compreensão, algo de grave e sutil. A pobreza era
proclamada como um ideal cristão. Mantendo-se, porém, esta afirmação em uma
certa generalidade, abriam-se as portas para toda sorte de equívocos.
A pobreza material, segundo aparece na Bíblia, é uma situação infra-
humana, fruto da injustiça e do pecado. Portanto, o pode o testemunho da po-
breza ser um ideal cristão. Além disso, se assim o fosse, pôr-se-iam as exigências
evangélicas em contraposição ao anseio profundo do ser humano que consiste em
libertar-se da sujeição à natureza, eliminar a exploração e criar melhores condi-
ções de vida para todos. Igualmente justificar-se-ia, ainda que involuntariamente,
a situação de injustiça e exploração que é a causa fundamental da pobreza. Justifi-
car-se-ia a pobreza real de que padecem as grandes maiorias latino-americanas
716
.
Para Gustavo Gutiérrez, à época de El Escorial, o testemunho da pobreza e
a reflexão teológica sobre ele comou a mudar. E essa mudança começa pelas
comunidades religiosas que concentravam sua espiritualidade numa vida de po-
breza e contemplação. Aos poucos as mudanças atingiram outros setores de reli-
giosos na Igreja, fazendo com que o voto de pobreza apelasse para suas origens e
enriquecesse a própria significação. Mas essas mudanças depressa dilataram os
limites da vida religiosa. A reclamação de um testemunho de pobreza real e radi-
715
Para G. Gutiérrez, “a pobreza, além da pureza e nobreza de intenções, apresentava-se como
algo privativo propriedade privada de determinado tipo de cristãos, que davam às vezes a im-
pressão de se sentir ricos de sua pobreza. Dizia-se que o comum dos cristãos o é chamado à
pobreza; em pequeninas doses, sob a forma de certa sobriedade de vida, é ela aconselhável. Não é,
pom, um preceito, não é algo que defina taxativamente um cristão. No fundo, para alguns não
era uma divisão do trabalho. Os cristãos que assim viviam o voto de pobreza eram considera-
dos como situados em um estado de perfeição espiritual, havendo renunciado aos bens e prazeres
deste mundo. Os outros não menosprezavam tais vantagens, mas para obtê-las pagavam o preço de
se encontrar em situação algo inferior do ponto de vista cristão. No entanto, apesar de situados no
mundo, era-lhes permitido sustentar os primeiros com esmolas. Assim todos ganhavam algo. Me-
nos o Evangelho”. G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.210.
716
Cf. Ibid., p.210-211.
cal foi sendo assumida por vários grupos de cristãos. Estes viram no testemunho
da pobreza real e radical um traço que define a vida conforme o Evangelho. Com
isso colocou-se em questionamento toda a Igreja, numa atitude crítica e beligeran-
te em face de todo contra-testemunho em matéria de pobreza. Este processo pos-
sibilitou que mudasse o modo de viver e pensar a pobreza. A solidariedade com o
pobre, o compromisso com sua liberação e a entrada no mundo da política, leva-
ram a uma releitura do Evangelho, a uma volta às fontes da vida cristã.
Em conseqüência passou-se a viver a pobreza evangélica como um ato de
amor e de libertação para com os pobres deste mundo, como solidariedade com
eles e protesto contra a pobreza em que vivem, como identificação com os interes-
ses das classes oprimidas e como recusa da exploração de que são vítimas. A po-
breza - resultado da injustiça social que tem no pecado sua raiz mais profunda - é
assumida, não para ser transformada em ideal de vida, mas para testemunhar o
mal que representa. Nisto segue-se o princípio da encarnação: assim como a con-
dição pecadora com suas conseqüências foi assumida por Cristo, não para ser ide-
alizada, mas por amor e solidariedade para com o ser humano, isto é, para redimi-
lo do pecado. Esse testemunho de pobreza vivido como autêntica imitação de
Cristo, em lugar de afastar do mundo, coloca o ser humano no âmago da situação
de esbulho e opressão e anuncia a libertação e plena comunhão com Deus. En-
fim, anuncia e vive a pobreza espiritual como total disponibilidade para Deus
717
.
Todo esse processo vivenciado pelos cristãos latino-americanos possibili-
tou-lhes entrar num mundo diferente e configura uma experiência cristã inédita,
cheia de possibilidades e promessas, mas também de impasses e dificuldades. Se-
gundo Gustavo Gutiérrez, não poucos, absorvidos pelas exigências políticas do
compromisso libertador, vivem as tensões produzidas pela sua solidariedade com
os oprimidos, membros de uma Igreja em que muitos estão ligados à ordem social
dominante, vêem sua perder dinamismo e sofrem angustiadamente uma dico-
tomia entre seu ser cristão e sua ação política. Mais cruel ainda parece ser o caso
daqueles que vêem desaparecer o amor a Deus em proveito do que ele pprio
suscita e alimenta: o amor ao ser humano. Esse amor, não sabendo manter a uni-
dade exigida pelo Evangelho, acaba por ignorar toda a plenitude que encerra. Es-
tes problemas existem e decorrem da intensidade com que o compromisso liberta-
717
Cf. G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.211-212.
dor é vivido nas zonas fronteiriças da comunidade cristã. Na verdade, os cristãos
comprometidos com o processo de libertação estão sujeitos a muitas preses. E
não estão isentos de certo romantismo, de tensões emocionais e fundamentações
doutrinais ambíguas, que podem levá-los a rupturas e atitudes desesperadas.
As pistas e soluções para estes problemas e dificuldades poderão surgir
do próprio cerne do problema. Medidas protetoras acabam por velar e atrasar as
respostas aos desafios e seriam a confissão de que não se cna força do Evange-
lho e da fé. É aqui, onde o anúncio do Evangelho parece esvair-se no puramente
histórico, que deve nascer uma nova refleo teológica, uma nova espiritualidade
e uma nova pregação da mensagem cristã encarnada no “aqui e agora da Histó-
ria. Evangelizar é, nesta perspectiva, encarnar o Evangelho no tempo e na Histó-
ria. Esse tempo e essa História aparecem como confusos e tenebrosos para
quem, carente de esperança, não crê que Deus está presente neles
718
.
Na verdade, para muitos cristãos latino-americanos, o compromisso liber-
tador significa auntica experiência espiritual, verdadeiro encontro com Deus no
pobre e oprimido. O pobre, o outro, surge como revelador do totalmente Outro.
Trata-se, portanto, de uma vida na presença de Deus. Vida que se dá no interior de
uma atividade política da qual se reconhece tudo o que tem de conflituosa e exi-
gente de racionalidade científica. Essa é uma nova experiência espiritual que tem
o âmbito político como lugar de pensar e viver a fé e de encarnar o Evangelho na
História. Caminha-se, assim, para um encontro com Deus. Encontro com Deus no
pobre, no oprimido, no membro de uma classe social que luta ardentemente por
seus mais elementares direitos e pela construção de uma sociedade em que se pos-
sa viver como ser humano. Enfim, esse encontro com Deus ao compromisso
libertador sua verdadeira dimensão e profundeza e, ao mesmo tempo, exige-as. É
uma nova e autêntica experiência espiritual, sem a qual não há reflexão teológica
válida, autêntica e relevante para a realidade latino-americana.
1. 2. Teologia a partir da práxis libertadora como a
nova reflexão teológica na América Latina
A partir do compromisso e engajamento cristão no processo de libertação
nasce na América Latina uma nova inteligência da fé. Em que consiste esta nova
718
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.212.
Teologia? Qual é sua novidade? Como se configura tal reflexão? Essas são as
questões que se pretende abordar aqui. Trata-se de analisar a novidade da emer-
gente Teologia da Libertação latino-americana, bem como de caracterizar esta
mesma Teologia segundo a interpretação que dela se faz em El Escorial por Gus-
tavo Gutiérrez. Para tal procurar-se-á dar os seguintes passos. Primeiro, abordar-
seo salto qualitativo dado pelos cristãos latino-americanos que se percebem de
maneira nova como seres humanos e como cristãos. Em segundo lugar, procurar-
seabordar em que consiste a tarefa teológica no contexto latino-americano de
opressão-libertação. Com isso se caracteriza, em linhas gerais, a compreensão da
nova reflexão teológica latino-americana segundo a interpretação proposta em El
Escorial. Trata-se de perceber o compromisso libertador, que é um compromisso
político, em uma nova perspectiva. Ele leva a uma nova experiência espiritual em
que a fé aparece como práxis libertadora. Essa torna-se a fonte de uma nova refle-
xão teológica, de uma nova inteligência da Palavra, dom gratuito de Deus que
irrompe na História e a transforma.
1.2.1. O salto qualitativo e uma nova forma de perceber-se como
ser humano e como cristão na América Latina
Alguns passos no processo latino-americano conduziram a uma forma no-
va de perceber-se como ser humano e como cristão na América Latina. Trata-se
da opção pelo pobre e pelas classes exploradas, somada a percepção da política
como dimeno que abraça toda exisncia humana com exigências de racionali-
dade científica e inevitavelmente conflituosa, a redescoberta da pobreza evangéli-
ca como solidariedade com o pobre e protesto contra a pobreza. Esses aspectos
possibilitaram que os cristãos se percebessem de modo diferente na América Lati-
na. Isso significa um salto qualitativo do qual é preciso tomar consciência se se
quiser compreender o sentido da nova reflexão teológica que parte desta situação.
Primeiramente, está-se aqui diante de um questionamento radical da ordem
social vigente. A miséria e injustiça em que se vive na América Latina são muito
profundas para se cogitarem medidas atenuantes. Daí falar-se em revolução social
e não em reformas, libertação e não desenvolvimento. Estas afirmações, longe de
romantismo e utopismo, pertencem à racionalidade de um projeto histórico que
anuncia uma sociedade diferente, que tem um novo eixo: é construída em função
do pobre e do oprimido. Como tal denuncia uma sociedade privatista construída
em proveito de poucos às custas das maiorias. Este projeto em elaboração, basea-
do em análises do maior rigor científico, parte da percepção da América Latina
como um continente dependente de centros de poder que estão fora dele, nos paí-
ses opulentos. Esta dependência é, segundo Gustavo Gutiérrez, cultural, social,
econômica, política. Dependência e dominação marcam assim as estruturas sociais
da América Latina. Neste contexto, uma análise de classe permitirá ver o que
está realmente em jogo na oposição entre países oprimidos e povos dominantes. A
simples afirmação do confronto entre nações dissimula e, finalmente, suaviza a
verdadeira situação. Por isso a Teoria da Dependência erraria seu caminho e leva-
ria a engano se não situasse sua análise no âmbito da luta de classes que se desen-
rola em nível mundial. Tudo isso permite compreender as contradições internas de
uma sociedade destinada a fazer crescer a brecha entre ricos e pobres.
Por que a importância da análise das classes? Porque a superação de
uma sociedade dividida em classes, só um poder político realmente a serviço das
grandes maiorias populares, a eliminação da aproprião privada da riqueza
criada pelo trabalho humano pode dar as bases de uma sociedade mais justa. Por
isso é que a elaboração do projeto histórico de uma Nova Sociedade toma, cada
vez mais, na América Latina, o rumo do socialismo. O rumo da construção do
socialismo que não desconhece as deficiências de suas realizações históricas, que
procura sair de esquemas e frases feitas e busca criadoramente um caminho pró-
prio, o caminho do socialismo latino-americano
719
.
Este projeto de uma sociedade diferente inclui também a criação de um Ser
Humano Novo, cada vez mais livre de toda servidão que o impede de ser agente
de seu pprio destino na História. Nesta perspectiva, questionam-se as ideologias
dominantes, inclusive as religiosas, que modelam o ser humano da sociedade lati-
no-americana. Contudo, a condição para a emergência deste Novo Ser Humano e
desta Nova Sociedade é que o povo oprimido, partindo de seus próprios valores,
assuma seu destino. Quando este povo oprimido assume seus próprios valores e
seu destino opera-se um questionamento radical da ordem social vigente. Somente
assim é possível levar a bom termo uma verdadeira revolução social e cultural.
Percebe-se o alcance profundo deste questionamento radical ao se tomar
consciência da mudança que se verificou no modo como o ser humano conhece,
719
Cf. G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.213-214.
na forma como se aproxima da verdade e a relaciona com sua prática histórica. A
partir do nascimento da ciência experimental, o ser humano vai adquirindo cada
vez mais um papel ativo no conhecimento. O ser humano não mais se limita a
admirar a natureza e a classificar o que observa. Ele vai além, interpela e provoca
a natureza, descobre-lhe as leis e domina-a pela cnica. Soma-se a isso o surgi-
mento das ciências sociais e psicológicas. Isso ampliou, de certo modo, o conhe-
cimento a campos até então reservados a considerações de ordem filosófica ou
poética. Estas conservam, em determinado nível, seu sentido, mas doravante terão
que conviver com os esforços de fazer ciências humanas. Ciências que marcam
seus primeiros passos em busca de seu próprio caminho e que, ao fazê-lo, possibi-
litam a consciência de novas dimensões do ser humano
720
.
Este quadro possibilita descobrir algo que cada vez mais se perfila como
traço fundamental da consciência contemporânea. Trata-se do conhecimento liga-
do à transformação. se conhece a História transformando-a e transformando-se
a si mesmo com ela. O fazer torna-se caminho de conhecimento. A verdade para o
ser humano contemporâneo veri-fica-se, faz-se. Em conseqüência, o conhecimen-
to da realidade que não leva a uma modificação desta, é interpretação não verifi-
cada, não feita verdade. Com isso, a realidade histórica deixa de ser o campo de
aplicação de verdades abstratas e passa a ser o lugar privilegiado de onde se parte
e ao qual se retorna no processo do conhecimento. Enfim, a práxis transformadora
não é o momento da encarnação degradada de uma teoria límpida e bem pensada,
mas a fonte de um conhecimento autêntico e a prova decisiva de seu valor. “É o
lugar em que o homem recria o seu mundo e forja-se a si próprio, conhece a reali-
dade em que se acha e a si mesmo se conhece”
721
. Com isso evidencia-se que nas-
ce uma nova consciência para o ser humano latino-americano. Isso terá conse-
qüências para o modo como o cristão latino-americano se percebe diante do co-
nhecimento e da realidade. Trata-se de um salto qualitativo que o coloca em uma
nova forma de perceber-se como ser humano e como cristão. As implicações desta
nova percepção para a Teologia consistem na urgência de uma nova forma de in-
terpretar, viver e testemunhar sua fé.
720
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.214-215.
721
Ibid., p.215.
1.2.2. A realidade histórica e a práxis transformadora como fonte e
critério do autêntico conhecimento teológico
A nova situação do cristão e do ser humano latino-americano implica que a
Palavra de Deus, aceita na fé, será vivida e pensada nas categorias culturais cor-
respondentes a essa nova situação. Os que não compreendem isso é que aferram-
se em velhas formas de refletir e tem facilidade para resistir e acusar toda novida-
de como distorção da fé. Porém, estas acusações, segundo Gustavo Gutiérrez, não
têm futuro. O futuro pertence a uma fé, em comunhão eclesial, que o teme a-
vanços do pensamento. O futuro está na prática social do ser humano que se deixa
interrogar pelos avanços do pensamento e os interroga criticamente. Trata-se de
uma tarefa complexa e interdisciplinar, que apela para muitas especialidades, para
um conhecimento das diferentes facetas do pensamento contemporâneo, filosófi-
cas e científicas. Concretamente para a Teologia, trata-se de uma inteligência da
fé que pode ser efetuada na base da práxis histórica, da luta dos seres humanos
por poder viver como tais, animada pela esperança naquele que, revelando-se,
revela ao ser humano toda plenitude nele existente. Portanto, trata-se de uma inte-
ligência da animada pela esperança no Senhor da História, em quem tudo foi
feito e tudo foi salvo, precisamente, na História
722
.
Para os cristãos latino-americanos, o compromisso e o engajamento no
processo de libertação os introduz num mundo que lhes era pouco familiar. Fá-los
dar o salto qualitativo, isto é, o questionamento radical de uma ordem social e de
sua ideologia, o rompimento com velhos modos de conhecer. A isso denominou-
se ruptura epistemológica. Isso faz com que seja pouco relevante para estes cris-
tãos a reflexão teológica feita em outro contexto cultural. Estes cristãos tem cons-
ciência de que a Teologia produzida em outros contextos é uma herança que lhes
transmite a consciência de fé de precedentes gerações cristãs, que, como tal, é
expressão e referência para estes cristãos. Porém, a consciência desta herança teo-
lógica não tira os cristãos latino-americanos de sua orfandade teológica. E isso
acontece precisamente por não falarem a linguagem forte, clara e incisiva, corres-
pondente à experiência humana e cristã que estes cristãos vivem. Neste contexto é
que aparecem os germes de um novo tipo de inteligência da fé. Esses germes e-
mergem do centro das novas experiências dos cristãos latino-americanos. Elas
ensinam a unir, conhecer e transformar teoria e ptica. Impõe-se, assim, uma re-
leitura do Evangelho, na qual se descobre algo tradicional, autenticamente tradi-
cional, e talvez por isso esquecido por determinadas “tradições” mais recentes: a
verdade evangélica se faz. Segundo João, importa praticar a verdade, pois essa
verdade é Amor. Viver o amor é afirmar Deus, e crer em Deus não é limitar-se a
sustentar sua existência. É comprometer-se com Ele e com todo sere humano
723
.
É importante notar que não se trata aqui de uma mecânica correspondência
com a insistência contemporânea em estabelecer laços entre o conhecer e o trans-
formar, e em viver uma verdade que se verifica. Trata-se, antes, do fato de que o
mundo cultural em que se vive permite descobrir um ponto de partida e um hori-
zonte em que se inscreve a nova reflexão teológica que deve empreender seu
caminho apelando também para suas próprias fontes. Assim, para o cristão latino-
americano, a aparece cada vez mais como práxis libertadora. Esta fé, como a-
ceitação do amor e resposta ao amor do Pai, vai à raiz última da injustiça social: o
pecado, ruptura da amizade com Deus e da fraternidade entre os seres humanos.
Porém, para realizar isso, não pode esquivar-se das mediações históricas, evitando
as análises sócio-políticas dessas realidades. Daí a importância das Ciências Soci-
ais e Humanas para a Teologia. Percebe-se que o pecado acontece na negação do
ser humano como irmão, na espoliação de povos, raças e classes sociais. O pecado
consiste na alienação fundamental que, por isso mesmo, não pode ser alcançada
em si mesma, mas ocorre em situações históricas concretas, em alienações parti-
culares. O pecado exige a radical libertação, porém esta inclui necessariamente
uma libertação de ordem política. Em conseqüência, é participando beligerante
e eficazmente no processo histórico de libertação, que será possível apontar com o
dedo a alienação fundamental presente em toda alienação parcial. Essa libertação
radical é o dom trazido por Jesus Cristo que, por sua morte e ressurreição, redime
o ser humano do pecado e de todas as suas conseqüências.
Ter é sempre aceitar o dom gratuito da filiação divina. Porém esta filia-
ção divina implica em o ser humano ser filho de Deus, no Filho de Deus. Filho
que se fez homem e que, portanto, tornou todos os humanos irmãos. Assim, filia-
ção divina e fraternidade exigem-se mutuamente. Recebendo todos os seres hu-
manos como irmãos, aceita-se, não em palavras mas de fato, o dom da filiação.
Por isso, lutar contra toda injustiça, esbulho e exploração, comprometer-se na cri-
722
Cf. G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.215.
723
Cf. Ibid., p.215-216.
ação de uma sociedade mais fraterna e humana é viver e testemunhar o amor do
Pai. É importante destacar, segundo G. Gutiérrez, que a ação política tem suas
exigências e suas leis próprias. Aceitar o dom da filiação, fazendo-se irmão de
todos os seres humanos, não deixará de ser uma frase, útil para a auto-
satisfação com a nobreza do ideal, se não for vivida diária e conflitivamente na
História. Portanto, se não se traduzir em identificação real com os interesses dos
que sofrem opressão, com as lutas das classes exploradas. Enfim, se não usar os
instrumentos, proporcionados pelas Ciências Sociais, para reconhecer as realida-
des negadoras da justiça e fraternidade, e tornar eficaz a ação transformadora
724
.
Neste contexto, a autêntica refleo teológica, segundo Gustavo Gutiérrez,
sea Teologia que se constitui como reflexão crítica sobre a práxis hisrica em
confrontação com a Palavra do Senhor vivida e aceita na fé. Será uma reflexão em
e sobre a como práxis libertadora. Será a inteligência da que parte do com-
promisso em criar uma Nova Sociedade, justa e fraterna e que contribui para que
esse compromisso seja mais radical e pleno. Será a inteligência da que se faz
verdade, que se verifica na inserção real e fecunda no processo de libertação. Re-
fletir sobre a como práxis libertadora é refletir sobre a verdade que se faz e não
apenas se afirma. Enfim, a exegese da Palavra, para a qual quer contribuir a Teo-
logia, dá-se nos fatos. A criação de fraternidade entre os seres humanos é aceita-
ção do dom gratuito da filiação. Significa viver em e por Cristo e seu Espírito
725
.
Em conclusão, -se que para G. Gutiérrez o que vai caracterizar o autên-
tico conhecimento teológico latino-americano é sua capacidade transformadora,
iluminadora e crítica da realidade histórica. A realidade histórica e a práxis trans-
formadora dos cristãos são ponto de partida e de chegada da nova reflexão teoló-
gica. São, portanto, fonte e critério a partir dos quais se verifica a autenticidade da
interpretação da e da Palavra. Um conhecimento teológico que não parta da
realidade de opressão e dominação e não seja capaz de iluminar os cristãos em sua
presença transformadora da História em Nova História, o é relevante e signifi-
cativo. Pode ser permeado por belos e altos ideais cristãos, porém, sem efetivida-
de real e histórica. Enfim, irrelevante para a autenticidade da filiação divina e da
fraternidade a que todos são chamados em Jesus Cristo.
724
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.216-217.
725
Cf. Ibid., p.217.
1.2.3. A Teologia da Libertação e o desafio de uma reflexão teológica
relevante no contexto de opressão/libertação
O caminho proposto por G. Gutiérrez em El Escorial permite considera-
ções que vão na linha das relações entre a libertação e a salvação. Para o autor, o
contexto de libertação muda o modo de fazer Teologia. Não se trata de estar dian-
te de novos campos de aplicação de velhas noções teológicas. Trata-se, sim, de
estar ante a provocação e a necessidade de viver e pensar a fé em categorias sócio-
culturais diferentes. Estas situações já ocorreram antes na História da comunidade
cristã e, quando apareceram, sempre provocaram temores e inquietações. Porém,
na realidade latino-americana, os cristãos são impelidos nessa busca de uma nova
inteligência da fé, pela urgência de dizer, com sua palavra de todos os dias, a Pa-
lavra de Deus. Isso significa afirmar que a realidade histórica latino-americana
urge nova palavra teológica, nova interpretação da fé. Urge, portanto, uma nova
Teologia. Isso diferencia a Teologia da Libertação de outras Teologias, como a do
desenvolvimento, da revolução e da violência. Teologias às quais, muitas vezes,
se liga e até mesmo, equivocadamente, se reduz a Teologia da Libertação
726
.
Para G. Gutiérrez, a diferença entre a Teologia da Libertação e estas outras
formas teológicas está no fato de que o apenas há análises diferentes da realida-
de ou opções políticas mais globais e radicais na Teologia da Libertação. Há, so-
bretudo, diferenças no pprio esforço teológico. A Teologia da Libertação não
busca justificar cristãmente posições tomadas, não pretende ser uma ideologia
cristã revolucionária. Busca, sim, pensar a a partir de como esta é vivida no
compromisso libertador. Por isso seus temas são os grandes temas de toda verda-
deira Teologia. Porém, seu enfoque é outro e outra é sua maneira de abordá-los.
Fundamentalmente é diferente sua relação com a práxis histórica.
É importante notar que ao se afirmar que a Teologia da Libertação não é
uma ideologia cristã revolucionária, não se quer dizer que esta Teologia se afaste
do processo revolucionário. Pelo contrário, a Teologia da Libertação parte, preci-
samente, da inserção no processo revolucionário de libertação e intenta contribuir
para torná-lo mais radical e global. Isto só é possível situando o compromisso
político libertador na perspectiva do dom gratuito da libertação total de Cristo.
Esta libertação de Cristo não se reduz à libertação política, mas se realiza em fatos
históricos libertadores. Os fatos históricos libertadores são mediações necessárias
para a libertação em Cristo. Mas, por outro lado, a libertação política não se cons-
titui em um messianismo religioso. A libertação política tem sua autonomia e suas
leis, supõe análises sociais e opções políticas bem determinadas. Porém, esta li-
bertação política a História humana como uma História em que atua a liberta-
ção de Cristo, enseja a perspectiva e dá ao que está em jogo no compromisso polí-
tico toda a sua profundeza e seu verdadeiro significado. Trata-se de iluminação e
de exigências recíprocas e profundas, não de fáceis e empobrecedoras equações
ou reduções simplistas e falseadoras de um ao outro
727
.
Nesta perspectiva, a Teologia da Libertação é uma Teologia da salvação
nas condições concretas, históricas e políticas do presente histórico. Essas media-
ções históricas e políticas contemporâneas, valorizadas por si mesmas, alteram a
vivência e a reflexão sobre o mistério escondido desde todos os tempos e agora
revelado, o amor do Pai e a fraternidade humana, a salvação. Isso é o que pretende
significar o termo libertação. Uma reflexão teológica realizada no contexto de
libertação parte da percepção de que esse contexto obriga a repensar radicalmente
o ser cristão e o ser Igreja no mundo contemporâneo. Essa reflexão apela para as
diversas expressões da razão humana contemporânea, para as ciências humanas e
para a filosofia. Isso permite-lhe referir-se à práxis histórica de maneira nova.
Essa práxis histórica é uma práxis libertadora, uma identificação com os seres
humanos, com as classes sociais que sofrem miséria e espoliação, identificação
com seus interesses e suas lutas. Trata-se, enfim, de uma inserção no processo
político libertador, para daí e aí viver e anunciar o amor libertador de Jesus Cristo
pela humanidade. Amor que vai até as raízes mais profundas de toda exploração e
injustiça, a saber, a ruptura de amizade com Deus e com os seres humanos
728
.
Concluindo, -se que a Teologia da Libertação autêntica realiza-se quan-
do os próprios oprimidos puderem exprimir-se livre e criadoramente na sociedade
e no Povo de Deus, quando forem os artífices de sua ppria libertação e funda-
mentarem com seus valores próprios a esperança de libertação total de que são
portadores. Na verdade, de que serve uma Teologia na e sobre a fé como práxis
libertadora, se não contribuir, por pouco que seja, para que haja maior solidarie-
dade com as classes exploradas, para que haja uma inserção mais autêntica e efi-
726
Cf. Gustavo GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.217.
727
Cf. Ibid., p.217-218.
728
Cf. Ibid., p.218.
caz em prol da libertação? Há outro modo de encontrar a Cristo no pobre? De
receber o poder de ser filho de Deus e irmão dos homens?”
729
Enfim, de nada va-
lerá a Teologia na e sobre a como práxis libertadora se esta o tiver rele-
vância para a libertação real de todas as formas de domínio, exploração e depen-
dência que afastam o ser humano de seus semelhantes e de sua filiação divina
revelada em Jesus Cristo. Desta forma, é autêntica e relevante uma Teologia da
Libertação que de fato contribua para a libertação real. Nisso é que consiste o de-
safio de uma Teologia realizada no contexto social, político, econômico, cultural e
ideológico, marcado pela tensão entre dominação e libertação, entre opressão e
libertação. Por isso, a Teologia da Libertação é Teologia que parte da práxis histó-
rica dos cristãos comprometidos e engajados no processo de libertação e, a partir
da e da Palavra de Deus, busca iluminar este mesmo compromisso transforma-
dor dos cristãos rumo a uma Nova História, mais humana, digna, e livre.
1.3. A práxis dos cristãos comprometidos e a emergência da
nova reflexão teogica latino-americana: rumo a uma Teologia
historicamente comprometida
A exposição de G. Gutiérrez Evangelho e práxis de libertação recolhe os
aspectos fundamentais do processo vivido pelos cristãos latino-americanos que
levou à necessidade de uma nova interpretação teológica. Com isso evidencia-se,
nas categorias desta pesquisa, a relevância da História, aqui configurada pela pre-
sença dos cristãos inseridos no processo revolucionário de libertação, para a Teo-
logia. Ao mesmo tempo, G. Gutiérrez evidencia o desafio que representa a reali-
dade histórica, marcada pela presença cristã nas transformações sociais, para a
Teologia emergente. Essa será relevante, significativa, evangélica e autêntica na
medida que contribuir de modo eficaz e efetivo para o processo de libertação. A
abordagem de G. Gutiérrez ainda o é sobre o método teológico da Teologia da
Libertação. Trata-se muito mais da identificação dos passos fundamentais que
levaram à necessidade de uma nova interpretação da no contexto latino-
americano. Neste sentido, apresenta as bases a partir de onde emerge a interroga-
ção por uma nova interpretação teológica historicamente relevante.
729
G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de libertação, p.218.
A análise da exposição de G. Gutiérrez, a partir da hipótese de pesquisa
deste estudo, permite identificar quatro contribuições fundamentais que serão base
para o novo método teológico latino-americano. Em primeiro lugar, Gustavo Gu-
tiérrez identifica e caracteriza a nova conscncia política e espiritual dos cristãos
latino-americanos comprometidos com o processo de libertação. É dentro desta
nova consciência que surge a interrogação por uma nova interpretação da no
contexto de libertação. A nova consciência política e espiritual dos cristãos carac-
teriza-se pela opção pelos pobres, pela emergência de uma nova consciência soci-
al, política e espiritual da presença cristã no mundo e em sua transformação, e
pelo uso das Ciências Sociais e Humanas como facilitadoras para o melhor conhe-
cimento e interpretação da realidade que exige transformações.
A opção pelos pobres é identificada como o novo eixo do ser cristão na
América Latina. Consiste no reconhecimento de que o pobre é o oprimido, a clas-
se explorada, o desapossado das condições nimas de vida. Ele é fruto da injus-
tiça praticada por alguns sobre as maiorias latino-americanas. Portanto, a causa
fundamental da pobreza e da miséria é a injustiça social e o uma fatalidade his-
tórica. Isso é o que o conhecimento cienfico da realidade revela através das Ci-
ências Sociais. Assim o pobre é reconhecido pelos cristãos comprometidos como
subproduto do sistema econômico-social implantado na América Latina. Ele é
fruto e responsabilidade das escolhas políticas e econômicas vigentes.
A consciência desta realidade leva os cristãos a um compromisso cada vez
maior para superar a situação de miséria e de pobreza e suas causas profundas.
Neste sentido, a opção pelos pobres requer a construção de uma nova ordem soci-
al na qual o oprimido, as classes exploradas, os pobres tenham voz e vez. Isso não
se dá por reformismos superficiais, mas sim pela libertação das estruturas injustas
da sociedade. Optar pelos pobres significa optar pelas classes sociais exploradas e
contra as estruturas e classes que as mantêm em situação de pobreza e miséria.
Significa solidarizar-se com as classes marginalizadas em suas lutas pela liberta-
ção. Significa tomar partido pelos pobres e desapossados.
Isso exige dos cristãos um processo de conversão evangélica que os leva a
sair de si mesmos e abrirem-se para Deus e para os demais. Trata-se, portanto, de
um processo condicionado pelo meio sócio-ecomico, político e cultural em que
se desenvolve. Implica em ruptura com tudo aquilo que impede uma eficaz e pro-
funda solidariedade com os que sofrem injustiça e esbulho. Implica a ruptura com
tudo o que impede o real encontro com Cristo no ser humano marginalizado e
oprimido. Enfim, optar pelos pobres, aparece aos cristãos latino-americanos como
o estar a seu lado, o ir ao seu encontro e o denunciar tudo o que faz com que haja
pobres e ricos. Significa denunciar os sistemas e estruturas que os produzem e se
beneficiam de sua situação desumana. Essa é a nova experiência política e espiri-
tual vivenciada pelos cristãos comprometidos com o processo de libertação que
está na raiz da exigência de uma nova reflexão teológica.
Uma segunda contribuição de G. Gutiérrez está em identificar o núcleo da
nova experiência política e espiritual dos cristãos. Este núcleo consiste na práxis
libertadora e na conseqüente exigência de assumir a História em sua conflitivida-
de. Há aqui uma nova maneira de compreender a política. Esta constitui-se em
condicionamento global e campo coletivo da realização humana. Percebe-se que
toda a realidade humana tem uma dimensão política e nela o ser humano surge
como ser livre e responsável, como ser em relação com outros seres, como alguém
que toma as rédeas de seu destino na História. Dentro desta responsabilidade de
tomar as rédeas de seu próprio destino na História, os cristãos latino-americanos
percebem a necessidade e a urgência de conhecer as causas profundas da ordem
social vigente e as condições da construção de uma sociedade mais justa.
Por isso, há a necessidade de uma racionalidade científica que permita
tomar consciência dos condicionamentos econômicos e sócio-culturais e que con-
tribua para conhecer as causas profundas da situação de miséria e esbulho vivida
nos países latino-americanos. Isso coloca os cristãos ante o desafio de uma nova
postura e de novas opções políticas que terão como conseqüência a conflitividade
com as estruturas político-econômicas vigentes. Assim os cristãos se dão conta de
que a opção pelos pobres exige um sério compromisso político para transformar a
sociedade vigente. Isso implica assumir a conflitividade da História. Deste modo,
os cristãos que assumem uma pxis libertadora tomam consciência de que sua
opção implica na exigência de conhecer profundamente a realidade histórica e as
causas profundas que fazem com que haja pobreza e miséria. Portanto, optar pelo
pobre exige conhecer cientificamente as causas, estruturas e sistemas que os pro-
duzem. Significa assumir científica e conflitualmente o compromisso libertador
que tem no político seu lugar de assumir a História em sua conflitividade, em bus-
ca de uma transformação libertadora.
As exigências desta transformação libertadora fundamentam-se na exigên-
cia de identificação com Cristo, que veio ao mundo para anunciar o Evangelho
aos pobres e libertar os oprimidos. A opção pelos pobres, fonte e lugar de uma
nova experiência política e espiritual dos cristãos comprometidos com o processo
de libertação, fundamenta-se na própria encarnação de Jesus Cristo que assumiu a
condição pecadora por amor e solidariedade pelo ser humano, para redimi-lo do
pecado e da morte. Neste sentido, a pobreza evangélica é assumida pelos cristãos
comprometidos como ato de amor para com os pobres deste mundo, como solida-
riedade com eles e protesto contra a pobreza que vivem, como identificação com
os interesses das classes oprimidas e como recusa da exploração de que são víti-
mas. Configura-se assim uma nova experiência espiritual que tem o âmbito políti-
co como o lugar de pensar e viver a e de encarnar o Evangelho da libertação na
História. Esta experiência é libertadora, conflitiva e exige uma racionalidade cien-
tífica que permita conhecer as estruturas profundas da realidade.
Aqui fazem-se presentes três problemas que posteriormente serão muito
debatidos na Teologia latino-americana. Trata-se da dimensão política da fé cristã,
da conflitividade implicada em toda opção evangélica, e do uso das Ciências Hu-
manas e Sociais como instrumento para conhecer e interpretar a realidade. Este
último problema teespecial relevância nas discussões sobre o método da Teolo-
gia da Libertação e será assumido como momento analítico de conhecimento e
interpretação da realidade.
A terceira contribuição de G. Gutiérrez que será fundamental para a confi-
guração do todo teológico da Teologia da Libertação diz respeito ao compro-
misso libertador e à prática de libertação dos cristãos comprometidos com o pro-
cesso de libertação como fundamento histórico-concreto da exigência de uma no-
va interpretação da no contexto latino-americano. Trata-se, pela interpretação
que se danas discuses posteriores sobre o método teológico, da práxis de li-
bertação e do compromisso de libertação como ponto de partida de uma Teologia
da salvação cristã nas condições concretas, históricas e políticas do contexto lati-
no-americano. Na terminologia de G. Gutiérrez, essa contribuição ajuda a com-
preender o desafio que a nova consciência e experiência espiritual e política dos
cristãos comprometidos com o processo de libertação coloca à reflexão teológica.
A nova consciência e experiência política e espiritual desafia o teólogo a tornar
explícito o teológico do que se vive na América Latina. Nos termos desta pesqui-
sa, trata-se da relevância que a experiência cristã, vivida no contexto do processo
de libertação, adquire para a Teologia que pretende ter relevância hisrica.
O ponto de partida de G. Gutiérrez é que a nova consciência e experiência
política e espiritual dos cristãos possibilita-lhes dar um salto qualitativo na manei-
ra de relacionar a com a transformação social. Trata-se de uma nova forma de
os cristãos perceberem-se como seres humanos e como cristãos na América Lati-
na. Nesta nova percepção dos cristãos, o compromisso de libertação, que é com-
promisso político e historicamente situado, é assumido em uma nova perspectiva,
na qual a fé aparece como experiência política e espiritual concretizada na práxis
libertadora. Essa será a fonte de uma nova reflexão teológica, de uma nova inteli-
gência da palavra, dom gratuito de Deus que irrompe na História e a transforma.
Nesta perspectiva, os cristãos latino-americanos tomam consciência de um
traço fundamental da consciência contemporânea, a saber, que o conhecimento
esligado à transformação. se conhece a História transformando-a e transfor-
mando-se com ela. O fazer torna-se o caminho para o conhecimento e a verdade
verifica-se e faz-se na História. Em conseqüência, o conhecimento da verdade
exige a modificação desta e a realidade histórica não é o lugar de aplicação de
verdades abstratas e absolutas, mas é o lugar privilegiado de onde se parte e ao
qual se retorna no processo de conhecimento. A práxis transformadora é a fonte
de um conhecimento autêntico e a prova decisiva de seu valor. Essa nova consci-
ência do ser humano terá implicações para a Teologia, pois evidencia a urgência e
a exigência de uma nova forma de interpretar, viver e testemunhar a fé.
A nova interpretação da fé consiste na realidade latino-americana e na p-
xis libertadora como fonte e cririo do autêntico conhecimento teológico. Trata-
se de uma inteligência da que deve ser realizada com base na práxis histórica,
da luta dos seres humanos por poder viver como tais, animada pela esperança na-
quele que, revelando-se, revela ao ser humano toda sua plenitude. Trata-se, por-
tanto, de uma inteligência da fé animada pela esperança no Senhor da História, em
quem tudo foi feito e tudo foi salvo, precisamente, na História. Essa perspectiva
para a Teologia leva os cristãos ao questionamento e rompimento com os velhos
modos de reflexão operando-se a ruptura epistemológica. Compreende-se que o
compromisso cristão com o processo de libertação exige nova reflexão teológica,
distinta das formas de fazer Teologia de outros contextos. Uma reflexão capaz de
unir e integrar, adequadamente, conhecer e transformar, teoria e prática.
Na reflexão teológica, a é sempre o ponto de partida da Teologia, po-
rém, no contexto latino-americano e na nova consciência política e espiritual dos
cristãos comprometidos com o processo de libertação, esta não consiste em
afirmações teóricas abstratas. Consiste sim na fé que aparece cada vez mais como
práxis libertadora. Esta fé, como aceitação do amor e resposta ao amor do Pai, vai
à raiz última da injustiça social, a saber, o pecado como ruptura da amizade com
Deus e da fraternidade com os seres humanos. Para realizar isso, a precisa das
mediações históricas e das análises sócio-políticas da realidade. Daí, mais uma
vez, a importância do diálogo da Teologia com as Ciências Humanas e Sociais.
Enfim, Gustavo Gutiérrez evidencia que a exigência de uma nova interpre-
tação da fé na América Latina provém da nova consciência e experiência dos cris-
tãos comprometidos com o processo de libertação. Seu engajamento e compro-
misso libertador são a nova forma de ser cristão, de professar e testemunhar a fé
cristã na História de opressão e libertação latino-americana. São a nova forma de
encarnar o Evangelho na História rumo a sua libertação. Neste sentido, pode-se
dizer que a História é o lugar da verificação da autêntica cristã e do autêntico
conhecimento. Daí a relevância que esta História adquire para a Teologia. Ela
interroga a Teologia desafiando-a a um conhecimento que contribua para sua
transformação efetiva. É nesta perspectiva, como se verá a seguir, que se a
quarta contribuição de Gustavo Gutiérrez em sua exposição em El Escorial.
A quarta contribuição de G. Gutiérrez está diretamente relacionada com a
hipótese desta pesquisa. Trata-se da explicitação da Teologia da Libertação como
Teologia da salvação nas condições concretas, históricas e políticas do presente
histórico latino-americano, em que a tua relevância entre Teologia e História é
definida como critério da autenticidade da própria Teologia. Apresenta-se a Teo-
logia da Libertação como Teologia que parte da Hisria, mais precisamente, do
compromisso e engajamento dos cristãos na sua transformação libertadora e, a
partir da , pretende iluminar a própria História rumo à sua libertação. O que G.
Gutiérrez explicita é a questão dos critérios de autenticidade da Teologia. E na
terminologia desta pesquisa estes critérios dizem respeito, fundamentalmente, à
relevância teológica da História e à relevância histórica da Teologia.
Para G. Gutiérrez a autêntica reflexão teológica é aquela que se constitui
como reflexão crítica sobre a praxis histórica em confrontação com a Palavra de
Deus vivida e aceita na fé. É a reflexão em e sobre a fé testemunhada como praxis
libertadora. Desta forma, a auntica reflexão teológica será a inteligência da
que parte do compromisso em criar uma Nova Sociedade, justa e fraterna, e que
contribui para que este compromisso seja mais radical e pleno. Será a inteligência
da fé que se faz verdade, que se verifica na inserção real e fecunda no processo de
libertação. Enfim, o que realmente caracteriza o autêntico conhecimento teológico
latino-americano é sua capacidade transformadora, iluminadora e crítica da reali-
dade histórica. A realidade histórica e a práxis transformadora dos cristãos nela
o o ponto de partida e o ponto de chegada da nova reflexão teológica. São, por-
tanto, a fonte e o cririo a partir dos quais se verifica a autenticidade da Teologia.
Um conhecimento teológico que o parta da realidade de opressão e do-
minação e não seja capaz de iluminar os cristãos em sua presença transformadora
nesta História em Nova História, não é relevante e significativo. É um conheci-
mento sem efetividade real e histórica, é irrelevante para a autenticidade da filia-
ção divina e da fraternidade a que todos o chamados em Jesus Cristo. Isso evi-
dencia que o contexto de libertação latino-americano muda o modo de fazer Teo-
logia, pois este contexto desafia os cristãos comprometidos a viver, testemunhar e
pensar a cristã em categorias sócio-culturais diferentes das categorias de outros
contextos. Isso significa, nas categorias desta pesquisa, que a realidade hisrica
latino-americana é relevante teologicamente porque urge uma nova palavra teoló-
gica, uma nova interpretação da , uma nova Teologia.
A nova Teologia será relevante historicamente na medida que buscar pen-
sar a a partir de como esta é vivida no compromisso libertador. Assim a Teolo-
gia da Libertação parte do processo revolucionário de libertação e busca contribuir
para torná-lo mais radical e global. Isso é possível situando o compromisso políti-
co libertador na perspectiva do dom gratuito da libertação total de Cristo. Liberta-
ção essa que não se reduz à libertação política, mas que se realiza através da me-
diação de fatos históricos libertadores. Estes são mediações para a libertação de
Cristo oferecida à humanidade. Desta forma, a Teologia da Libertação é definida
como uma Teologia da salvação nas condições concretas, históricas e políticas do
presente de opressão e luta por libertação latino-americana. Essa luta pela liberta-
ção configura a reflexão teológica a partir do mistério da salvação cristã. A salva-
ção cristã aparece como libertação, pois uma reflexão teológica realizada no con-
texto de libertação parte da percepção de que esse contexto obriga a repensar o ser
cristão e o ser Igreja no mundo contemporâneo.
Por fim, evidencia-se que a autenticidade da Teologia da Libertação con-
siste em sua capacidade de ser historicamente relevante. A Teologia da Libertação
deve contribuir para que haja maior solidariedade com as classes exploradas, para
que haja uma inserção mais autêntica e eficaz em prol da libertação real. Caso
contrário, será uma Teologia inútil. A Teologia na e sobre a como práxis
libertadora, é válida e auntica na medida que tem relevância para a libertação
real de todas as formas de domínio, exploração, dependência e subserviência que
afastam o ser humano de seus semelhantes e de sua filiação divina revelada em
Jesus Cristo. Desta forma, é autêntica e relevante a Teologia que contribui para a
libertação real. Nisto é que consiste o desafio de uma Teologia realizada no con-
texto social, político, econômico, cultural e ideológico marcado pela tensão entre
dominação e libertação, entre opressão e libertação.
Por isso a Teologia da Libertação é Teologia que parte da práxis histórica
dos cristãos comprometidos e engajados no processo de libertação e, a partir da
e da Palavra de Deus, busca iluminar este compromisso transformador dos cris-
tãos rumo a uma Nova História, mais humana, digna e livre. Essa perspectiva as-
sumida por G. Gutiérrez será uma preocupação constante dos objetivos da própria
Teologia da Libertação. O que definirá a relevância desta reflexão será precisa-
mente a contribuição desta Teologia para a libertação real e efetiva dos povos
marginalizados e dominados da América Latina. Isso justifica o papel que a mútua
relevância entre Teologia e História terá para o método teológico. Só será relevan-
te historicamente uma Teologia que considera teologicamente relevante a ppria
História, com todas as suas contradições, conflitos, injustiças e misérias.
No caso da Teologia da Libertação, tal como a interpreta G. Gutiérrez,
essa relação de mútua relevância se dá no compromisso dos cristãos com o pro-
cesso de libertação como ponto de partida da reflexão teológica, e na Teologia d
resultante como Teologia capaz de iluminar a práxis libertadora dos cristãos. Por-
tanto, a Teologia da Libertação assim compreendida é Teologia que parte da His-
tória, e, a partir da reflexão crítica da , contribui para a transformação da Histó-
ria em Nova História, lugar da realização da fraternidade, da filiação divina e da
Nova Criação libertada de todo pecado, de toda dominação e de toda injustiça.
2. Juan Carlos Scannone e as relações entre a linguagem política
e a linguagem teológica da libertação
2.1. A linguagem teológica da libertação e o desafio de uma
libertação real
Como a Teologia e a política se relacionam? Que desafios esta relação
lança à linguagem latino-americana da libertação? Quais as condições reais da
significatividade e operatividade da Teologia da Libertação no contexto latino-
americano? Estas são as questões que se pretende abordar neste e no próximo i-
tens. Trata-se de aprofundar as relações entre Teologia e política e os desafios que
esta relação coloca à linguagem teológica da libertação, segundo a interpretação
de El Escorial. Justifica-se tal abordagem pela necessidade de precisar teologica-
mente as relações entre Teologia e política. Trata-se de um tema candente que
emerge na América Latina do início dos anos 70. Na abordagem deste tema estão
chances para a própria Teologia latino-americana que se encontra, neste período,
dividida entre uma Teologia reformista s-conciliar, com tendência ao absente-
ísmo político, e os cristãos premidos politicamente pelas prioridades do processo
de libertação latino-americana. Para retratar a interpretação deste problema em El
Escorial, seguir-se-á a exposição de J.C. Scannone Teologia e Política: o atual
desafio levantado pela linguagem teológica latino-americana de libertação
730
.
Neste item pretende-se dar três passos: buscar-se-á retratar o surgimento da lin-
guagem teológica da libertação; indicar-se-ão os principais passos do desenvolvi-
mento desta linguagem; por fim, abordar-se-ão as chances e desafios da lingua-
gem teológica de libertação no contexto latino-americano, segundo El Escorial.
730
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política: o atual desafio levantado pela linguagem teológica
latino-americana de libertação, p.219-234. Trata-se, junto com a exposição de G. Gutiérrez já
abordada, das únicas duas exposições diretamente voltadas para a Teologia da Libertação latino-
americana propostas em El Escorial. De fato, como A.A. Bolado indica na Introdução à publica-
ção dos textos de El Escorial, as Jornadas não foram em torno do tema da Teologia da Libertação.
Contudo, este tema tornou-se progressivamente mais intenso, brotando do pprio contexto latino-
americano analisado. Afirma A.A. Bolado: Através de uma gama de complexos matizes, estava
ele (o tema da Teologia da Libertação) em jogo desde as primeiras exposições. Tornara-se mais
patente nas exposições de E. Dussel, J.L. Segundo, H. Borrat. Era o pressuposto e também o resul-
tado das palestras sobre ‘religiosidade popular’. Havia sido analisado nos termos estruturais de sua
tensão interna, na exposição de J.M. Bonino. Foram pom as exposições de G. Gutiérrez Merino,
Evangelho e práxis de libertação, e de J.C. Scannone, Teologia e política. O atual desafio levan-
tado à linguagem teológica latino-americana da libertação, que o abordaram diretamente”. A.A.
BOLADO, Fé Cristã e transformação social na Arica Latina. Introdução, p.24-25.
2.1.1. O surgimento da linguagem teológica da libertação
Para se entender quais sejam as chances da linguagem teológica da liberta-
ção na América Latina, e para que esta seja eficaz e autenticamente libertadora em
sentido evangélico, é necessário começar com um apanhado do surgimento desta
linguagem e sua hisria. Em termos de linguagem, na década de 50 até meados
da década de 60, fala-se na América Latina sobretudo em desenvolvimento. A
própria Teologia assume esta linguagem e com ela a tarefa de pensar o desenvol-
vimento na América Latina. Assim procede, entendendo-o na linha da Populorum
Progressio (1967), isto é, como desenvolvimento integral. Com este procedimento
a Teologia possibilita que a linguagem do desenvolvimento se livre de identificar-
se com a ideologia desenvolvimentista e acena para o que, contemporaneamente a
El Escorial, se designa com o termo “libertação integral”. Porém, neste procedi-
mento não se atendia muito ao que era o pprio da real situação da América Lati-
na. Pensava-se a América Latina a partir de normas e conceitos vindos de outras
situações e contextos, a saber, dos países desenvolvidos, de concepções progres-
sistas e retilíneas da Hisria
731
.
O fracasso da Aliança para o Progresso e de tentativas desenvolvimentistas
em diferentes países latino-americanos possibilita que ocorra um tríplice fato na
América Latina. Primeiro, as ciências sociais elaboram, a partir de uma nova teo-
ria da dependência, uma nova interpretação do subdesenvolvimento latino-
americano. Nesta o subdesenvolvimento é considerado não como estágio atrasado
do capitalismo desenvolvido, porém, como capitalismo dependente. Segundo, em
diversos países, vanguardas cristãs optam politicamente contra o capitalismo,
mesmo em suas variantes desenvolvimentistas e eficientistas, e pela libertação da
dependência que prende a periferia (América Latina, África, Ásia) aos centros
hegemônicos. Terceiro, a reflexão teológica, entendida como reflexão crítica so-
bre a práxis de da Igreja, assume as categorias de linguagem implicadas nessa
interpretação sócio-analítica e na opção correspondente, categorias tais como de-
pendência, opressão, libertação, imperialismo, infra e superestrutura, etc. Nasce,
assim, a Teologia da Libertação que, embora influenciada pela Teologia Política
européia, contrapõe-se a esta com características originalmente latino-
731
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.220-221.
americanas
732
. Estes são, sumariamente, os principais passos do surgimento da
linguagem teológica de libertação. Ver-se-á, a seguir, a interpretação dos princi-
pais passos de seu desenvolvimento.
2.1.2. O desenvolvimento da linguagem teológica de libertação
Quando a Teologia assume a linguagem teológica de libertação, esta lin-
guagem passa a mover-se em três níveis distintos, porém unidos e estreitamente
inter-relacionados, de significação. Em nível político, a linguagem da libertação
refere-se à libertação dos povos latino-americanos oprimidos pelo imperialismo.
Refere-se também à libertação de setores sociais oprimidos por setores latino-
americanos que agem como gerentes do imperialismo externo. Em nível da inter-
pretação da Hisria, a linguagem da libertação refere-se ao processo de libertação
do ser humano que encontra-se na emergência de dar novos passos rumo à liber-
dade. Em nível teológico, a linguagem da libertação diz respeito ao fato de que à
luz da se compreende a História como História de salvação. Portanto, como
História da libertação do pecado, considerado integralmente e em suas conseqüên-
cias estruturais, sociais, políticas, jurídicas, culturais, econômicas, etc
733
.
Segundo Juan Carlos Scannone, a Teologia tem facilidade de assumir a
linguagem da libertação, pois trata-se de uma linguagem bíblica, que antes de sua
laicização na filosofia hegeliana e nas ciências sociais, havia nascido dela. Porém,
quando a Teologia reassume esta linguagem liberta-a de toda ótica reducionista,
referindo-se assim à libertação integral. Explica-se assim a facilidade que teve a
Igreja latino-americana em assumir esta linguagem através de documentos oficiais
e em vários de seus setores. Porém, surge um problema na prática da Igreja e na
sua elucidação teológica. Trata-se do problema da inter-relação entre os vários
níveis de linguagem: os três níveis de linguagem devem ser fixados em esferas
separadas, ou identificados pela absorção de um no outro, ou ainda, relacionados
dinamicamente em forma dialética? Torna-se, nesta perspectiva, agudo o proble-
ma das relações entre Teologia e política. Trata-se, segundo Juan Carlos Scanno-
732
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.221.
733
J.C. Scannone recorre a G. Gutiérrez para retratar estes três níveis de significação da linguagem
de libertação. Cf. G. GUTIÉRREZ, Teología de la Liberación. Perspectivas, 27. Citado em: J.C.
SCANNONE, op. cit., p.221, nota 5.
ne, de um aspecto conflitivo de um problema mais geral: como viver e pensar a
Palavra de Deus que se fez carne
734
.
O indicativo de que a nova maneira teológica de falar es atingindo os
problemas reais do continente latino-americano e de que os níveis de linguagem
estão vitalmente inter-relacionados na consciência do povo está no fato de que a
nova linguagem teológica provoca fortes reações afetivas. entusiasmo ou re-
pulsa, compromisso ou medo, mesmo daqueles que num primeiro momento a ado-
taram ingenuamente, sem dar-se conta de todas as suas implicações.
Mas, por outro lado, também o perigo do esvaziamento dessa nova lin-
guagem de libertação. Corre-se o risco de que esta linguagem torne-se pura teoria
e abstração, perdendo assim sua força e seu conteúdo político. Força e conteúdo
que nascem da resposta a situações concretas e de tipos de análises apropriadas
dessas situações na América Latina. Concretamente este esvaziamento da lingua-
gem teológica de libertação ocorre quando uma Teologia dualista separa e abstrai,
em fixação estática e ahistórica, os diversos níveis de linguagem, abandonando a
dialética existencial que os relaciona à realidade concreta e histórica
735
.
2.1.3. A oportunidade da linguagem teológica de libertação: em
busca da significatividade e operatividade da Teologia da Libertação
A abertura da linguagem de libertação a diferentes níveis de significação,
inclusive ao teológico, somada às reações emotivas que ela provoca e ao risco de
seu esvaziamento em força e conteúdos políticos, implicam em novas possibilida-
des e oportunidades reais e em um desafio para a linguagem teológica de liberta-
ção e sua práxis correspondente. Trata-se da possibilidade e oportunidade de a
linguagem teológica de libertação libertar-se de todo resquício de univocidade e
abrir-se à novidade de situações novas, sem perder a força de compromisso políti-
co e de concreção histórica. Assim esta linguagem poderá ser autenticamente li-
bertadora. Para abordar o problema propõe-se, a seguir, três questões.
Na primeira questão reflete-se sobre a necessidade de libertação de univo-
cidade da linguagem teológica de libertação. A linguagem de libertação nasceu
como resposta a determinada interpretação sócio-analítica da realidade latino-
americana. Esta interpretação é influenciada pelo marxismo. Em conseqüência,
734
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.221-222.
735
Cf. Ibid., p.222.
esta linguagem de libertação exigia uma práxis correspondente bem determinada.
O fato de a Teologia assumir essa linguagem implica numa primeira libertação,
pois assim essa linguagem fica livre da univocidade de um sentido meramente
sócio-político, abrindo-se à libertação integral. Implica também numa segunda
libertação. A Teologia, ao interpretar a linguagem de libertação com base no hori-
zonte da História de salvação, dá a essa linguagem a chance de libertar-se de um
sentido político univocamente predeterminado pelo tipo determinado de análise
científica do qual surgiu. Isto é possível porque a História da salvação é essenci-
almente aberta ao novo. E o é pela tensão escatológica do “já, mas ainda não”, a
saber, por uma definitiva e transcendente realidade que, pela obra salvadora,
opera concretamente no mundo, porém, ainda não se manifestou totalmente. Esta
tensão impede-lhe de fechar-se à gratuidade e imprevisibilidade da ação histórica
libertadora de Deus. Desta forma, a Teologia contribui para abrir essa linguagem à
transcendência, à novidade histórica de novas situões e à liberdade de eleição
própria do discernimento teológico que todo povo ou pessoa tem de cada sinal dos
tempos. É nesses sinais que se discerne a linha de ação salvífica de Deus.
Como se indicou, a análise política de que surgiu a linguagem da liber-
tação na América Latina é influenciada pelo uso do instrumental sócio-analítico
do marxismo. Porém, a desunivocização de tal linguagem – para a qual a Teologia
contribui abre a possibilidade de uma releitura não ortodoxa do marxismo. Abre
também a possibilidade de a libertação em nível político articular-se com movi-
mentos não marxistas, desde que estes sejam de cunho libertador
736
.
A segunda abordagem diz respeito à questão se é possível ou o evitar o
esvaziamento da linguagem de libertação. A contrapartida da libertação da lin-
guagem de toda univocidade é o perigo de esvaziamento dessa linguagem. A
questão é: se a linguagem de libertação perder a relão univocamente necessária
com o instrumento sócio-analítico que condicionou seu nascimento, perderá tam-
bém sua força de compromisso político e de concreção histórica, determinada pela
situação latino-americana. Para J.C. Scannone, esse perigo pode ser conjurado.
Na América Latina existe uma tradição de forte religiosidade popular e
muitos meios clericais e intelectuais católicos, pouco tempo antes de El Escorial,
736
Como exemplo desta possibilidade, J.C. Scannone cita o peronismo argentino. Para ele o pero-
nismo, por sua dinâmica interna, evoluiu de um populismo nacional a propor, à época de El
caracterizavam-se por um modo clerical de viver e pensar a relação Igreja-mundo.
Estes reagiam, por isso, contra as dicotomias próprias do liberalismo. Tendo par-
tido dessa situação e sem ter passado, tanto como na Europa, pela separação de
planos (temporal-espiritual) própria do progressismo liberal, defrontam-se os cris-
tãos, à época de El Escorial, com as interrogações políticas da libertação latino-
americana. Através da dupla tradão de clericalismo e religiosidade popular, tor-
na-se mais fácil à Igreja latino-americana compreender as implicações políticas da
fé. Isto tanto em nível do clero e intelectuais, como em nível do povo. A Igreja
latino-americana manteve-se abertamente em contado com a infra-estrutura eco-
nômica, social e política, quer tenha sido isso historicamente um bem ou um mal.
Isso explica, segundo Juan Carlos Scannone, a intensidade emotiva das reações
provocadas pela assunção teológica da linguagem de libertação e pela facilidade
com que se inter-relacionam vitalmente os diferentes níveis de linguagem. Isso
evidencia-se, por exemplo, na facilidade que a juventude tem para levar às últimas
conseqüências (mesmo políticas) a linguagem teológica da Igreja.
A terceira questão diz respeito aos desafios à Teologia latino-americana à
época de El Escorial. A Teologia latino-americana encontra-se diante de uma
chance ou possibilidade real que se apresenta objetivamente. No entanto, essa
chance ou possibilidade deve ser assumida subjetivamente como tarefa. O desafio
consiste em como fazer para que a linguagem de libertação não se despolitize ao
teologizar-se e, mesmo assim, se desunivocize, isto é, liberte-se da univocidade
que a prende à sua origem. Como fazer para que, ao abrir-se analogicamente a seu
significado humano teologicamente total e a novas situações, a linguagem de li-
bertação não perca sua força dialética e prática, aalcançar os níveis mais con-
cretos e determinados de linguagem e práxis histórica, já que delas partiu
737
.
Por um lado, embora a linguagem teológica deva desapropriar-se quenoti-
camente (Fl 2) de uma esfera própria, dualisticamente separada da realidade histó-
rica, não deve contudo esvaziar-se do theos (que a faz ser teológica), chegando a
confundir-se com a linguagem sócio-analítica ou política. E, menos ainda, che-
gando a confundir-se com uma linguagemcio-política ou política univocamente
determinada, por exemplo, a marxista. Por outro lado, porém, isso não implica
Escorial, um socialismo não marxista, de índole nacional e humanista. Cf. J.C. SCANNONE,
Teologia e Política, p.222-223.
737
Cf. Ibid., p.223-224.
que a linguagem teológica deva permanecer etérea ou abstrata transcendência,
sem encarnar-se na História. Isto quer dizer, sem descer e mediar, mesmo sócio-
analítica e politicamente, e sem se determinar como resposta concreta e eficaz-
mente prática à opressão e dor reais que o ser humano sofre na América Latina.
Na opinião de J.C. Scannone, entra aqui em consideração a de Calcedônia, se-
gundo a qual, a Palavra de Deus se fez carne: o divino (theos) une-se ao humano
“inconfusa e indivisamente”
738
. É nesta perspectiva que se darão novos passos no
próximo item. Trata-se de, à luz da fé cristológica de Calcedônia, buscar respostas
e caminhos diante do desafio que a História latino-americana lança à Teologia.
2.2. Teologia da Libertação e libertação política
Em conexão com o item anterior e ainda na abordagem das relações entre
Teologia e política, procurar-se-á neste item analisar as inter-relações entre o nível
político e o nível teológico da linguagem de libertação, segundo a interpretação de
Juan C. Scannone. Trata-se de uma reflexão sobre as tarefas e desafios lançados à
linguagem da Teologia da Libertação, no sentido de assumir a unidade histórico-
salvífica entre fé e política, entre fé cristã e transformação social na América Lati-
na. Para realizar esta abordagem propor-se-ão dois pontos. Primeiro, a análise a
respeito da necessidade de rejeitar, por um lado, uma Teologia dualista, e por ou-
tro, a identificação dialética entre e política. Segundo, a análise propositiva de
unidade histórico-salvífica entre fé e política que tem como resultado o desafio de
uma Teologia historicamente comprometida e teologicamente politizada. Trata-se
de verificar os caminhos e possibilidades da significatividade e operatividade de
uma Teologia historicamente relevante a partir da afirmação de uma História teo-
logicamente significativa. Trata-se de averiguar a tua relevância entre Teologia
e História nas condições concretas da América Latina em processo de libertação.
2.2.1. Duas rejeições necessárias na relação entre Teologia e Política
O ponto de partida para falar da relação entre Teologia e política ou da
inter-relação entre os níveis político e teológico da linguagem de libertação con-
siste na rejeição a qualquer Teologia dualista e desencarnada que distingue dois
planos. Esta Teologia caracteriza-se por dois aspectos principais. Primeiro, que da
738
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.224-225.
se deduzem princípios morais que servem para julgar e iluminar generica-
mente a situação política. Por isso a aplicação de tais princípios, de forma positi-
va, à circunstância concreta social, política, econômica e cultural cabe aos cristãos
não enquanto cristãos, mas enquanto cidadãos. Tratar-se-ia, portanto, de uma tare-
fa e de uma missão dos leigos cristãos
739
.
Segundo, fora de algumas opções políticas extremas que ferem abertamen-
te esses princípios, todas as outras opções têm igual valor para o cristão como tal.
Esta posição tende a considerar as coisas abstrata e não historicamente. O conceito
de transcendência aqui é fortemente marcado pelo dualismo platônico e por dico-
tomias próprias da modernidade, como, por exemplo: entre razão e fé, necessidade
e liberdade, “verdades de direito” e verdades de fato”, teoria e práxis, sujeito e
objeto. Segundo este aspecto da Teologia dualista, fixam-se as distinções substan-
tivando-as e estatizando-as em esfera à parte, em vez de pensá-las dialeticamente,
“inconfusa e indivisamente”. Em linguagem contemporânea, fala, com razão, da
necessária autonomia do temporal. Porém, pensa a autonomia e o temporal a partir
do dualismo grego e do autonomismo liberal da razão moderna
740
.
Na relação entre Teologia e política há, segundo o autor, a necessidade de
uma segunda rejeição. Trata-se da rejeição à identificação dialética entre fé e polí-
tica. Não basta impugnar a Teologia dualista que fixa e separa os planos de esca-
tologia e História e os níveis da linguagem da fé e da ideologia política. Nesta
rejeição, poderia ocultar-se a intenção de confundi-los ou antes de identificá-los
por uma dialética de cunho hegeliano e marxista. Esta consiste na tendência de
reduzir um aspecto ao outro, esvaziando-os, sem respeitar a transcendência da
nem a autonomia do temporal. Esta tendência parece presente à época de El Esco-
rial: “A tentação, no momento atual, é de reduzir fé à política”
741
. Ante essa tenta-
ção o remédio não é confinar a numa espécie de trans-mundo, tão apostrofado
por Nietzsche e desmascarado por Marx como ópio do povo
742
.
Ante tal situação, urge buscar um pensamento dialético, como o que trans-
parece na expressão “inconfusa e indivisamente” da fórmula cristológica de Cal-
cedônia. No caso da Teologia da Libertação, como seria esta dialética que transpa-
rece na fé cristológica de Calcedônia? A Teologia, no caso da linguagem de liber-
739
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.225.
740
Cf. Ibid., p.225.
741
Ibid., p.226.
tação, liberta-a de sua univocidade. Além disso, o fato escatológico de que a
não se reduz às ideologias políticas, porém as transcende e as julga. Neste sentido,
não se pode identificar as metas políticas contingentes com as absolutas. Feitas
essas ressalvas, Juan Carlos Scannone propõe que em sentido verdadeiro se pode
falar de união histórica entre determinada opção política e a caridade teologal que
nela se encarna, embora criticando-a, libertando-a, transcendendo-a. Esta opção
política não é entendida como opção político-partidária, mas como opção por um
projeto histórico-político de e para o povo latino-americano. Pode-se, portanto,
falar em nexo necessário entre Teologia e política. Esta necessidade é a necessi-
dade própria do amor, que necessariamente busca e discerne “com temor e tre-
mor a via mais eficaz, no aqui e agora da História, para servir à libertação dos
seres humanos. Essa necessidade própria do amor consiste na lógica do amor.
Desta forma, na base de uma dialética da liberdade e do amor, pode-se manter a
concretez da encarnação da fé e da caridade em determinada opção política. Pode-
se manter também sua força de eficácia prática, sem deixar, por isso, de respeitar
tanto a irredutível distinção entre e política, como também a transcendência da
fé e o âmbito de liberdade próprio do discernimento. Por esse caminho responder-
se-ia ao desafio de uma relação autêntica e eficaz entre os níveis teológico e polí-
tico da linguagem de libertação
743
.
Para J.C. Scannone, embora se possa falar de pluralismo ideológico no
seio da experiência cristã, esse contudo não é o pluralismo liberal, como se cada
posição tivesse o mesmo valor ante a , e os projetos histórico-políticos fossem
de fato neutros e assépticos. Trata-se da pluralidade de um diálogo interideológico
em que acentos e linhas de força, e na qual se chega a discernir por onde passa
a linha determinada de encarnação do escatológico na História, isto é, por onde
passa o processo histórico-salvífico de libertação. Tais posições, enquanto assu-
míveis e assumidas por cristãos a partir de sua fé, podem ser julgadas e libertadas
pela fé e pela caridade que nelas se encarnam. Neste sentido a Teologia determina
o terreno, as regras do jogo e a atmosfera moral em que se trava o combate interi-
deológico. Não se trata de complementarismo ou irenismo ideológico. Trata-se
sim de combate em que haverá ideologias que morrem e outras que ressuscitam.
Essa morte e ressurreição ocorre quando estas ideologias são julgadas pela que
742
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.226.
743
Cf. Ibid., p.227.
nelas se encarna e as transcende e que vai delineando, numa espécie de dialética, a
linha aberta e determinada de ação salvífica e libertadora de Deus na História
744
.
Trata-se, portanto, de dois momentos distintos, mas não separáveis, da
libertação integral: o escatológico e o hisrico-político. O momento histórico-
político, de certa forma, antecipa o momento definitivo. Mas são momentos que
não se reduzem a meros momentos de uma totalidade dialética. Enquanto se con-
tinuar pensando a relação entre escatologia e política com base na lógica da totali-
dade (herdada da filosofia grega) ou serão elas pensadas como duas totalidades,
caindo-se assim na Teologia dualista, ou então serão pensadas como uma totalida-
de (embora dialética) e ceder-se-á assim a uma espécie de monismo teológico.
Vê-se que com semelhante lógica da totalidade não se pode pensar o histó-
rico da criação, da encarnação, da gra escatológica de Jesus Cristo. O pprio
pensamento bíblico e cristão é esse histórico-salvífico. Nesse se considera a gratu-
idade transcendente da intervenção libertadora de Deus e a liberdade da resposta
humana, que o próprio Deus respeita. Desta forma, o âmbito da liberdade assim
criado é o âmbito do discernimento que o ser humano livre faz da vontade salvífi-
ca livre e libertadora de Deus
745
.
Enfim, ante a rejeição, por um lado, da Teologia dualista e, por outro, da
identificação dialética entre Teologia e política como possibilidades de pensar
suas relações no contexto da América Latina, quais os caminhos possíveis para a
Teologia da Libertação? Que opções tem esta Teologia para assumir, de modo
significativo e relevante, esta relação sem identificação entre ambas e ao mesmo
tempo sem rejeição de um nível pelo outro? Como encarar este desafio de modo
positivo no contexto latino-americano? Abordar os possíveis rumos da relação
entre Teologia e política é a preocupação que norteará os próximos passos.
2.2.2. A unidade da História e o desafio de uma Teologia
historicamente comprometida e teologicamente politizada
Após delimitar negativamente o problema da relação entre Teologia e polí-
tica, sob duas rejeições necessárias nesta relação, passa-se agora a indicar positi-
vamente um caminho de resposta à questão desta relação. Do ponto de vista nega-
tivo ficou claro que para não cair no dualismo, não é necessário a identificação
744
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.227-228.
745
Cf. Ibid., p.228.
dialética (entendendo dialética no sentido de Hegel e Marx). Já para não incidir no
reducionismo dialético horizontal e imanentista, não é necessário pensar em cate-
gorias substancialistas, verticalistas e dualistas. Superados esses dois perigos, pro-
põem-se a seguir quatro aspectos positivos como indicações de uma relação au-
têntica e eficaz entre Teologia e política. Relação articulada a partir do princípio
da unidade histórico-salvífica entre fé e política.
Primeiro aborda-se a relação entre fé e opção política. Nesta abordagem,
Juan C. Scannone parte de uma visão de fé. Segundo ele, a fé é prática. Ela não se
move em um nível abstrato de idéias. Fé é opção, resposta livre à iniciativa gratui-
ta do único Deus da História. Por isso pode-se dizer que a desce a todos os ní-
veis da História. Desce a todos os níveis de opção humana, sem contudo, confun-
dir-se com eles. Isso ocorre porque em toda opção concreta considera-se todo o
ser humano e seu fim único e último, e está, pois implicada sua fé. Além disso,
pode-se acrescentar que a não é puramente individual, interior. Ela é também
eclesial e compromete todo o ser humano; não é uma idealista interioridade.
O que está em questão aqui é a única vocação do ser humano, sua vocação
integral em Cristo. Esta vocação acontece e realiza-se no âmbito concreto da His-
tória. Realiza-se no campo das opções livres do ser humano. A unidade aqui em
questão é a unidade histórico-salvífica indivisível que, no entanto, respeita as irre-
dutíveis distinções. Respeita-as porque a unidade entre História salvífica e Histó-
ria política, e entre opção de fé e opção política, nasce da liberdade. Esta liberdade
é, por um lado, dom gratuito e imprevisível de Deus, em sua criação e salvão
em Cristo, e por outro, consiste na liberdade da resposta humana. Esse “jogo de
liberdades” tece a trama da única História
746
.
Em segundo lugar, aborda-se a relação entre fé e autonomia da cncia e da
técnica. É preciso levar em conta que a , portanto a Igreja e a Teologia, respei-
tam a autonomia da ciência (social, política, econômica) em sua análise da reali-
dade. Respeitam também a autonomia da técnica, em sua construção de modelos
de solução para os problemas suscitados pela realidade. A fé, porém, incide (“en-
carna-se”, desce) na opção concreta por tal ideologia, em vez de outra. Incide
(“encarna-se”, desce) na Hisria por tal esquema científico de análise, tal projeto
político ou modelo técnico, em vez de outro. Estes são alternativos porque são
746
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.229.
contingentes. Para essa opção o basta a aplicação dos princípios ou esquemas
de análise da ciência, porém, porque é livre, é necessário também o discernimen-
to. É nesse discernimento que incide a fé, pois a opção, na aparência apenas cien-
tífica, política, técnica, pode ser também de fato opção teologal ou anti-teologal.
A liberdade, como uma necessidade contingente, necessita também do
discernimento teológico. Discernimento que não lhe permita escolher pecamino-
samente, por interesse mesquinho ou por preconceito de classe, etc. Mas que esco-
lha porque por aí se discerne na fé a linha histórica da libertação integral, da justi-
ça e do serviço ao ser humano. Isto significa que nos sinais dos tempos se entrevê
a vontade salvífica de Deus. Para exprimir esta vontade, a linguagem teológica
(desunivocizando-as) usará as mediações que lhe dão as ciências, especialmente
as Ciências Humanas e Sociais. E para articular o compromisso que responda efi-
cazmente ao apelo hisrico de Deus, usará da medião da técnica. E assim pro-
cederá respeitando-as em sua idiossincrasia. A questão é que essas mediações não
bastam para discernir a ação libertadora de Deus, nem para atirar-se pelos outros
ao risco da própria liberdade. Nessa opção concreta é que se o pecado ou a sal-
vão. Assim, pecado e salvação se articulam concretamente também em nível de
tal interpretação científica, de tal opção ideológico-política, ou de tal determinada
estruturação técnica da ação
747
.
Vê-se desta forma que, embora em abstrato, as ideologias, projetos políti-
cos, esquemas científicos de análise, modelos técnicos, são em geral indiferentes à
salvação, desde que não cerceiem a essência humana. Contudo há projetos em si
aceitáveis que na práxis histórica concreta se tornam inaceitáveis. E mais: os
que se revelam salvificamente mais aceiveis que outros, enquanto em determi-
nada situação promovem mais eficientemente a justiça, a libertação, a verdadeira
paz, e por eles passa a salvação. Há ainda o caso de projetos abstratamente válidos
deixarem de sê-lo em concreto e tornarem-se distrativos e até prejudiciais
748
.
Enfim, cumpre considerar que essa restrição concreta das possibilidades
reais e realmente eficazes, na linha de um discernimento de mediado pela ciên-
747
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.229-230.
748
J.C. Scannone explicita melhor estas idéias ao exemplificá-las: “Por exemplo, um projeto polí-
tico monárquico não seria concretamente válido, atualmente pelo menos e em tempo previsível,
para a América Latina. De modo que tal projeto seria distrativo das necessidades reais, e quem o
propugnasse fomentaria indiretamente o status quo. Hoje em dia, para muitos cristãos o reformis-
mo neoliberal é concretamente reprovável para a América Latina, embora em abstrato ou para
cia e pela técnica, que vai afastando opções abstratamente possíveis e optando por
uma, torna a abrir em cada opção um determinado leque de novas possibilidades.
Nestas novamente se exerce o discernimento e a liberdade criadora
749
. Entretanto,
esse leque de novas possibilidades, aberto por cada nova opção é determinado
pela exclusão de algumas. Por isso, essa caminhada histórica assinala uma rota no
itinerário do povo latino-americano. Itinerário que, suposto um autêntico discer-
nimento, é o caminho da libertação, segundo o desígnio salvífico de Deus.
Em terceiro lugar, aborda-se a Teologia como discernimento e opção polí-
tica. A Teologia como reflexão crítica da eclesial deve também acompanhar a
em sua descida aos níveis mais concretos de opção e de linguagem do cristão.
Não deve deixá-lo a meio caminho, onde são mais difíceis as opções, como no
caso da política. Neste sentido, pode aceitar-se o propósito de fazer Teologia em
nível estratégico-tático. Isto justifica-se pelo fato de que o tato espiritual pprio
do discernimento sempre foi apreciado pela tradição espiritual da Igreja para guiar
suas opções. Bastaria então levar esse tato espiritual de fé à articulação própria da
reflexão teológica, mediada pela ciência, para se transformar em Teologia encar-
nada no nível prático
750
.
Esta última consideração ajuda a compreender porque a Teologia dualista,
que separa a esfera dos princípios universais da esfera de sua aplicação contingen-
te, não é apta para pensar teologicamente a Hisria, que é História de salvação. A
vontade salvífica de Deus não se conhece por dedução ou aplicação de princípios
universais, mas por discernimento. O discernimento dos sinais de Deus na Histó-
ria é uma hermenêutica da fé, não uma dedução, nem mesmo dialética. E a media-
ção que lhe podem oferecer as ciências sociais é também interpretativa, isto é,
hermenêutica. E, segundo J.C. Scannone, “o próprio de toda hermenêutica é o
âmbito de liberdade em que se move e sua assunção do risco histórico
751
.
Em quarto lugar, aborda-se a relação entre Igreja, discernimento e opção
política. O ponto de partida consiste no fato de que se a (Teologia) desce até os
níveis mais mundanos de opção, nível ideológico, político, estratégico-tático, pelo
outras circunstâncias pudesse ser aceitável. Pois estimam que concretamente não passa por ele a
salvação”. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.230.
749
Para J.C. Scannone, neste sentido, seria um erro, por exemplo, que os que excluem a via capita-
lista para a América Latina, não se compenetrassem de que tal exclusão não implica necessaria-
mente uma contração unívoca das possibilidades, por exemplo, a tal tipo predeterminado de socia-
lismo. Cf. Ibid., p.230.
750
Cf. Ibid., p.230-231.
mesmo fato a Igreja, como comunidade crente e guarda da fé, é que desce, de cer-
ta maneira, a veis mundanos, sem, contudo, confundir-se com o mundo. Surge,
eno, a questão: em que sentido é a Igreja como Igreja que se compromete em
sua linguagem e ação com opções mundanas tão concretas?
Nos seguintes sentidos é que pode-se dizer que a Igreja que se comprome-
te, na linguagem e ação, com opções mundanas é Igreja. Primeiro, o cristão,
quando opta, por exemplo, politicamente, se o faz à luz de sua fé, fá-lo como Igre-
ja. Isto é, -lo como membro do Povo de Deus. Portanto, como cristão e não co-
mo simples cidadão. Segundo, o cristão faz esta opção como membro do povo de
Deus. Isto é, sua fé, por sua própria estrutura eclesial, pede-lhe que faça comunita-
riamente
752
o discernimento de sua opção de mundanamente encarnada e com
ela se comprometa comunitária e não individualmente. Isso não impede, contudo,
que se trate de um discernimento pessoal, livremente responsável.
Terceiro, dada a estrutura institucionalizada da comunidade crente, tal dis-
cernimento e compromisso comunitários tendem a chegar a exprimir-se institu-
cionalmente. Por outro lado, essa institucionalização está a serviço desse discer-
nimento e compromisso comunitário e pessoal. O discernimento e o compromisso
“tendem a chegar” pois nem sempre é fácil o discernimento. Este nem sempre está
maduro para exprimir-se institucionalmente. Entretanto, esse grau de maturidade é
avaliado por um juízo prudencial que assume o risco, bastando-lhe um grau pro-
porcionado de certeza, sem pretender ser infalível. Tal expressão institucional far-
seem opções fundamentais cada vez mais determinadas, como é o caso de Me-
dellín, que abraçou dentro de si uma família de opções
753
.
Quarto, como é hierárquica tal institucionalização eclesial, nessa expressão
e serviço mencionados compete uma função própria à hierarquia (papa, colégio
episcopal e cada bispo, colégio presbiteral e cada sacerdote segundo suas fun-
ções). Aqui a palavra protica de discernimento incumbida à hierarquia deve es-
tar situada no lugar e no tempo. Deve ser libertadora, pois a palavra profética não
impõe jugo. Pelo contrário, suscita a liberdade do discernimento de uma comuni-
751
J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.231.
752
A Octogesima Adveniens, no n. 4 afirma: “A essas comunidades cristãs incumbe discernir, com
a ajuda do Espírito Santo, em comunhão com os bispos responsáveis, em diálogo com os demais
irmãos cristãos e com todos os homens de boa vontade, as opções e compromissos que convém
assumir para realizar as transformações sociais, políticas e econômicas que se afigurem urgente-
mente necessárias em cada caso”. Sobre o discernimento das Ideologias cf. os n. 38 e 43. O texto
da Octogesima Adveniens é citado em: Ibid., p.231, nota 17.
dade profética, como a cristã, assinalando assim o caminho e denunciando o que
impede vê-lo. Nesta perspectiva é importante distinguir a função profética da Igre-
ja de sua função legislativa. O discernimento profético não se constitui em uma lei
que se impõe às consciências
754
.
Esses são os sentidos em que a Igreja como Igreja pode se comprometer,
em sua linguagem e ação, com opções concretas, sem contudo, com elas confun-
dir-se. E a Teologia está a serviço da comunidade e de sua hierarquia nessa tarefa
de discernimento. Como tal deve contribuir para esta comunidade eclesial mover-
se também no nível político da opção. Só poderá, portanto, assumir essa sua tarefa
na medida que estabelecer uma relação autêntica com a realidade social, política,
econômica e cultural, sem exclusões, mas também sem identificações.
Qual é a conclusão do caminho percorrido por Juan C. Scannone para o fa-
zer teológico latino-americano? Que Teologia é operativa e significativa para o
contexto latino-americano? Em suma, a resposta a estas questões vai na linha de
uma Teologia que estabeleça uma relação significativa e operativa com a realida-
de social, política, econômica e cultural, auxiliando no discernimento das opções
políticas, econômicas e sociais sem, contudo, confundir-se com estas. Esta é uma
Teologia que, a partir do princípio da unidade da Hisria, configura-se como uma
Teologia historicamente comprometida e teologicamente politizada. Nos próxi-
mos passos, conclusivos deste item, propõe-se caracterizar em que consistiria tal
Teologia e qual sua tarefa no contexto da América Latina.
Esta caracterização pode partir da afirmação de que a desunivocização da
linguagem de libertação, isto é, sua abertura à novidade do histórico-salvífico, não
é conseqüência de separação dualista e fixação anti-dialética dos níveis teológico
e político de linguagem e de compromisso. Resulta, sim, de sua distinção dialeti-
camente aberta, porém unificada, no ato concreto de optar. Isto porque a História
é inconfusa e indivisamente História política e História de salvação. Por isso, a
opção concreta histórica do cristão é sempre inconfusa e indivisamente opção po-
lítica e opção de fé. Isso acontece mesmo que o cristão pretenda não optar politi-
753
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.231-232.
754
J.C. Scannone chama a atenção que aconteceu por vezes haver a Igreja aparecido como a pres-
crever indiretamente aos fiéis votar em determinado partido político. “Assim foi, por exemplo, em
algumas eleições argentinas do passado”. Ibid., p.232.
camente ou deter-se no genérico ou no meramente interior ou sobrenatural. “Des-
se modo já está optando sem o saber, e geralmente pelo statu quo
755
.
Isto significa que o âmbito de liberdade para a gratuidade da , para a no-
vidade e o discernimento, não é dado por uma separação e fixação platonizante de
diferentes níveis de compromisso e de linguagem. É dado sim pelo mistério trans-
cendente de Deus que, embora “feito carne e habitando entre nós”, o se deixa
apanhar sequer dialeticamente, porém se ao ser humano historicamente como
mistério, na tensão escatológica do mas ainda não. Por isso a Teologia, como a
Igreja cuja vida questiona criticamente, é peregrina na Hisria. “A Igreja (cada
membro, o povo de Deus, a Igreja como instituição) não é ‘dona’ da verdade”
756
.
Ela busca viver na verdade e da verdade que é Cristo, em cuja luz vai discernindo
o chamado do amor do Pai nos sinais dos tempos e comprometendo-se com ele.
Esse chamado e compromisso dão-se na História, cujo alfa e ômega é Cristo
757
.
Nesta perspectiva, a Teologia, como carisma e como ciência, tem a função
de servir ao discernimento cristão, articulando-o logicamente e justificando-o re-
flexivamente ao fazê-lo passar pelo critério vivo (juízo) da Palavra viva de Deus
e, a partir disso, comprometendo-se com ele. Entretanto, por esse discernimento
de ser histórico, ele e seu compromisso correspondente mediatizam-se nos ou-
tros níveis mais mundanos. Mediatizam-se, inclusive, no nível sócio-analítico, no
político e no estratégico-tático, transcendendo-os e, assim, libertando-os em sua
autonomia e transformando-os.
Segundo J.C. Scannone, este discernimento é difícil, dada a condição pe-
cadora do ser humano também manifestada nos condicionamentos estruturais,
sociais, psicológicos que o dificultam na liberdade de discernir. Tal discernimento
não é infalível, pois implica o risco próprio de toda opção feita no “temor e tre-
mor. Opção de quem, mesmo no risco, quer ser fiel ao amor da verdade até as
últimas conseqüências concretas e práticas, porém, não absolutizando sectaria-
mente sua palavra e opção. Opta, sim, absolutamente por Cristo. A força dessa
opção de até dar a vida pelos irmãos mediatiza-se e forma determinante aos
outros níveis, por exemplo, ao político. É nestes níveis que a opção absoluta por
Cristo se encarna inconfusa e indivisamente. Esta opção determina-se concreta-
755
J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.232.
756
Ibid., p.233.
757
Cf. Ibid., p.232-233.
mente, pois os irmãos têm nome e rosto concretos. Sua opressão pelo pecado é
historicamente estruturada e determinada, tem um nome. E é diante deste pecado
que se realiza a opção cristã. Esta opção absoluta contra o pecado, não pode ser
absolutista. Isto é, embora o imperativo do amor de Cristo se concretize em de-
terminada situação, tal opção política determinada, essa determinação permanece
aberta ao âmbito da liberdade e da novidade: não tem caráter univocamente uni-
versal e eternamente válido. Trata-se aqui do amor que necessariamente é concre-
to e determinado, porém, livre e respeitoso da liberdade de todos. Não impõe seu
discernimento, mas liberta eficazmente para o discernimento
758
.
Concluindo, vê-se que a transcendência da fé, vivida de modo encarnado,
à Teologia não apenas a possibilidade de criticar tudo o que nas opções e mo-
vimentos políticos se opõe à verdade e à caridade, impedindo que se absolutizem.
Dá-lhe, ainda, a possibilidade de contribuir para encontrar a linha por onde passa
historicamente o apelo concreto do amor aos irmãos. Possibilita-lhe também tate-
ar, em temor e tremor, o novo passo a dar cada vez, assumindo o risco do discer-
nimento e do compromisso correspondente de empenhar-se eficazmente para a
transformação da realidade, a serviço dos irmãos. Enfim, desse modo, a Teologia,
sem deixar de ser Teologia, antes exatamente por sê-lo, será autenticamente histó-
rica e prática. Será Teologia significativa e operativa historicamente e, para sê-lo,
precisa assumir-se como Teologia historicamente comprometida e teologicamente
politizada. Pois o theos do qual ela diz o logos (enquanto teo-logia) é o Deus da
História. A palavra (logos) que ela articula é a Palavra de Deus feita carne. É a
Palavra de Deus que se fez carne e entregou sua vida para libertar eficazmente a
humanidade. E o fez, precisamente, na História, assumindo-a e transformando-a.
2.3. A Teologia da Libertação entre o político e o teológico da
linguagem de libertação: rumo à Teologia historicamente
comprometida e teologicamente politizada
A análise da exposão de Juan C. Scannone em El Escorial permite identi-
ficar sua contribuição para a nascente Teologia da Libertação. Juan C. Scannone
propõe-se aprofundar as relações entre Teologia e política e os desafios que esta
relação coloca à linguagem da libertação. Tal abordagem justifica-se pela necessi-
758
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.233-234.
dade de precisar teologicamente as relões entre Teologia e política de tal forma
que se evidenciem as condições reais da significatividade e operatividade da Teo-
logia da Libertação latino-americana. A partir desta perspectiva, Juan C. Scannone
propõe três passos. Nos dois primeiros aborda o surgimento e desenvolvimento da
linguagem teológica da libertação na América Latina, e no terceiro aprofunda a
problemática da relação entre Teologia e política sob a perspectiva das chances,
desafios e tarefas que esta relação coloca à Teologia da Libertação.
Quanto à abordagem proposta na questão do nascimento e desenvolvimen-
to da linguagem teológica da libertação, Juan Carlos Scannone dialoga com outros
teólogos, principalmente com G. Gutiérrez e H. Assmann e não traz novidades
significativas. A maior contribuição parece estar na abordagem das chances, desa-
fios e tarefas que a relação entre Teologia e política traz à Teologia latino-
americana. Trata-se do problema candente da Teologia nascente na América Lati-
na: como relacionar adequadamente a libertação política e a libertação teológica?
Embora o problema ganhou distintas abordagens nas várias fases da Teo-
logia da Libertação e dos principais teólogos latino-americanos, de seus críticos e
comentadores, a abordagem do problema assumida por Juan C. Scannone parece
original e relevante. Revela que a relação entre a linguagem política e teológica da
libertação constitui-se em desafio, chance, oportunidade e tarefa para a nascente
Teologia da Libertação. Revela também que os desafios, chances, tarefas e opor-
tunidades colocadas pelo problema de uma autêntica relação entre Teologia e polí-
tica devem ser fundamentados sobre a pergunta pela significatividade e operativi-
dade de ambas e de sua inter-relação.
Com isso, Juan C. Scannone assume a perspectiva de que a chave de leitu-
ra de uma relação autêntica ou inautêntica entre Teologia e política, entre a lin-
guagem teológica da libertação e a linguagem potica da libertação está na opera-
tividade e significatividade real da Teologia para o processo histórico de liberta-
ção latino-americano. Nos termos desta pesquisa, isso equivale a afirmar que a
relevância que a Teologia assume no processo político e a relevância que o pro-
cesso histórico de libertação assume para a Teologia serão o critério de autentici-
dade da correta articulação entre Teologia e política. é relevante histórica e
politicamente uma Teologia operativa, isto é, uma Teologia que contribua para a
libertação real dos oprimidos. Esta queso parece fundamental em toda aborda-
gem de Juan C. Scannone. Trata-se de pensar as condições reais da significativi-
dade e operatividade da Teologia da Libertação para o processo de libertação em
curso na América Latina. Em termos teológicos gerais, trata-se de aprofundar o
conflitivo problema de como viver e pensar a Palavra de Deus que se faz carne no
chão da América Latina, marcado pela opressão, dominação e dependência.
Por um lado, há o perigo do esvaziamento da linguagem teológica da liber-
tação. Isto é, o perigo de que esta linguagem torne-se pura teoria e abstração,
perdendo assim sua força e seu conteúdo político. Força e conteúdo que nascem
da resposta a situões reais e concretas e de tipos de análises apropriados a essas
situações. Concretamente este perigo de esvaziamento da linguagem teológica da
libertação ocorre quando uma Teologia dualista separa e abstrai, em fixação abs-
trata e ahistórica, os diversos níveis de linguagem, abandonando a dialética exis-
tencial que os relaciona à realidade concreta e hisrica. Isso significa uma Teolo-
gia sem relevância histórica.
Isso leva ao problema de que se a linguagem de libertação perder a relação
univocamente necessária com o instrumento cio-analítico que condicionou seu
nascimento, perderá também sua força de compromisso político e de concreção
histórica, determinado pela situação latino-americana e pela específica leitura só-
cio-analítica que dela se faz. Emerge assim o problema central proposto por Juan
Carlos Scannone para a Teologia da Libertação. O desafio é como fazer para que a
linguagem da libertação não se despolitize ao teologizar-se e, mesmo assim, se
desunivocize, isto é, liberte-se da univocidade que a prende à sua origem. Trata-se
da questão de como fazer para que, ao abrir-se analogicamente a seu significado
humano teologicamente total e a novas situações, a linguagem da libertação não
perca sua força diatica e prática, até alcançar os níveis mais concretos e deter-
minados de linguagem e práxis histórica, já que delas partiu.
O problema é que, por um lado, embora a linguagem teológica deva desa-
propriar-se quenoticamente (Fl 2) de uma esfera própria, dualisticamente separada
da realidade histórica, o deve contudo, esvaziar-se do theos (que a faz teológi-
ca), chegando a confundir-se com a linguagem cio-analítica ou política. E, por
outro, a linguagem teológica o deve permanecer abstrata transcendência, sem
encarnar-se na Hisria concreta. Ela deve descer e mediar, mesmo sócio-analítica
e politicamente, e se determinar como resposta concreta e eficazmente prática à
opressão e dor reais e determinadas que o ser humano sofre na América Latina.
A saída para este problema, J.C. Scannone vê, como princípio, na fé cristo-
lógica de Calcedônia, segundo a qual a encarnação é a Palavra de Deus que se faz
carne, o divino que une-se ao humano na pessoa de Jesus Cristo “inconfusa e in-
divisamente”. Com isso propõe que as tarefas e desafios lançados à linguagem
teológica da libertação consistem no desafio de assumir a unidade histórico-
salvífica entre fé e política, entre cristã e transformação social. Aceitar este de-
safio significa assumir a tarefa de uma Teologia historicamente comprometida e
teologicamente politizada. Trata-se, portanto, de verificar os caminhos e possibili-
dades da significatividade e operatividade da Teologia no contexto das transfor-
mações por que passa a América Latina. Esses caminhos não se dão nem por uma
Teologia dualista e desencarnada que separa fé e política, e nem por uma Teologia
que identifique dialeticamente e política reduzindo uma à outra e esvaziando-as
sem respeitar a transcendência da fé, nem a autonomia da política.
É precisamente neste contexto que a encarnação assume o princípio orien-
tativo da relação entre Teologia e política. Urge elaborar um pensamento dialético
como o que aparece na expressão “inconfusa e indivisamente” da fórmula cristo-
lógica de Calcedônia. Pode-se assim falar em união histórica entre determinada
opção política e a caridade teologal que nela se encarna, embora criticando-a, li-
bertando-a e transcendendo-a. Esta opção política não é entendida como opção
político-partidária, mas como opção por um projeto histórico-político de e para o
povo latino-americano. Pode-se falar, portanto, em nexo necesrio entre Teologia
e política. Essa é a necessidade do próprio amor que busca e discerne o caminho
mais eficaz, no aqui e agora da História, para servir à libertação dos seres huma-
nos. É a lógica do amor, portanto, que na dialética da liberdade e do amor, permite
manter a concretez da encarnação da fé e da caridade em determinada opção polí-
tica. Enfim, é por esse caminho que responder-se-ia ao desafio de uma relação
autêntica e eficaz entre os níveis teológico e político da linguagem de libertação.
Concluindo, -se que a abordagem de Juan C. Scannone contribui para
indicar o desafio em que a Teologia latino-americana encontra-se à época de El
Escorial no que diz respeito à relação entre libertação política e teológica. Trata-se
do desafio de sua operatividade e significatividade no contexto do processo his-
rico de libertação. A questão central diz respeito à relevância da Teologia da Li-
bertação para a Hisria da América Latina. Evidencia-se como operativa e signi-
ficativa a Teologia que estabelece uma relação relevante com a realidade social,
política, econômica e cultural, auxiliando no discernimento das opções políticas,
econômicas e sociais, sem contudo, confundir-se com estas. Esta é uma Teologia
que, a partir do princípio da unidade da Hisria, configura-se como Teologia his-
toricamente comprometida e teologicamente politizada. Ela é peregrina na Histó-
ria. Como carisma e como ciência tem a função de servir ao discernimento cristão,
articulando-o logicamente e justificando-o reflexivamente ao fazê-lo passar pelo
critério vivo da Palavra viva de Deus e, a partir disso, comprometendo-se com ele.
Por esse discernimento de ser hisrico, ele e seu compromisso correspondente
mediatizam-se nos outros níveis mais mundanos, inclusive, no nível sócio-
analítico, no político e no estratégico-tático, transcendendo-os e, assim, libertan-
do-os em sua autonomia e transformando-os.
Enfim, a transcendência da fé, vivida de modo histórico e encarnado no
contexto de opressão e libertação da América Latina, dá à Teologia a possibilida-
de de criticar tudo o que nas opções e movimentos políticos se opõe à verdade e à
caridade, impedindo que se absolutizem. Dá-lhe também a possibilidade de con-
tribuir para encontrar a linha fundamental por onde passa historicamente o apelo
concreto do amor aos irmãos. Possibilita-lhe tatear o novo passo a dar a cada mo-
mento, assumindo o risco do discernimento e do compromisso correspondente de
empenhar-se eficazmente para a transformação da realidade, a serviço dos irmãos
e de sua libertação. Desse modo, a Teologia será autenticamente histórica e práti-
ca. Relevante historicamente, pois será uma Teologia significativa e operativa
para a transformação libertadora da História. Para sê-lo precisa assumir-se como
Teologia historicamente comprometida e teologicamente politizada. É Teologia
historicamente relevante por considerar a História teologicamente significativa. O
Theos do qual ela diz o logos é o Deus da História e a palavra que ela articula é a
Palavra de Deus feita carne e que entregou sua vida para libertar eficazmente a
humanidade. E o fez, precisamente, na História, assumindo-a e transformando-a.
3. Juan Luis Segundo e o problema das relações entre Teologia e
Ciências Sociais em uma Teologia Libertadora
Juan Luis Segundo apresentou em El Escorial a comunicação Teologia e
Ciências Sociais
759
. Trata-se de um estudo sobre as possibilidades de uso do as-
759
Cf. J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.253-262.
pecto ideológico pelo teólogo de uma Teologia libertadora, ou das relações entre
Ideologia e Teologia. Este estudo contribui, segundo a hipótese desta pesquisa,
para verificar que Teologia é relevante para a realidade latino-americana. Ver-se-
ão, a seguir, os principais passos propostos por J.L. Segundo, objetivando retratar
seu pensamento e contribuir para o panorama geral que revele como El Escorial
compreende uma Teologia libertadora.
O ponto de partida de Juan L. Segundo é a constatação de que a suspeita
lançada sobre uma práxis social coletiva que esconde suas verdadeiras motiva-
ções, que desconhece seus próprios mecanismos, que foge em conceitos ideais de
sua realidade mais concreta e acutilante, é original e profundamente cris. O
próprio Evangelho indica que a práxis coletiva humana se disfarça, foge da luz,
prefere as trevas. E o faz, precisamente, para que suas obras não despertem a cri-
se. A partir disso, Juan L. Segundo propõe que a ideologia, tomada em sentido
estrito como sistema de idéias com que se oculta e justifica determinada relação
de produção, constitui algo profundamente enraizado na mensagem cristã e não é
algo exclusivamente marxista, a não ser em sua formulação. uma ideologiza-
ção que se situa operativamente dentro do complexo edifício de uma Teologia ou
prática religiosa. Sabe-se que há ideologia, pois, como diz Tiago, fala-se de religi-
ão e o irmão passa fome, porque diz-se amar a Deus, como diz João, e não se ama,
com obras, o irmão visível. Isso faz com que em situações como essa ou mais
complexas “desejaríamos compreender melhor quais são os mecanismos concre-
tos pelos quais entrou de fato a ideologia no edifício de nossa fé”
760
.
Este desejo o se dá simplesmente por considerações teóricas, mas para
compreender operativamente qual pode ser o caminho inverso de desideologiza-
ção. A própria mensagem cristã impele a realizar esse caminho de desideologiza-
ção. No entanto, não oferece os instrumentos científicos concretos para tal tarefa.
Supõe-se, então, que estes instrumentos sejam dados somente pela sociologia,
ciência dos comportamentos coletivos. O problema, importante e doloroso, é a
verificação, pela Teologia libertadora, de que, salvo raras exceções, ela não pode
contar com a cooperação do sociólogo neste campo capital do ideológico. Para
verificar o porquê de tal malogro, Juan L. Segundo propõe-se recorrer à colabora-
ção de Eliseo Verón, na obra coletiva Lenguaje y comunicación social
761
, onde o
760
J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.253.
761
Buenos Aires, 1969. Citado por: Ibid., p.254, nota 1.
autor propõe uma introdução acerca da evolução da sociologia desde a Ideologia
Alemã de Marx até o tempo contemporâneo a El Escorial. Dois aspectos justifi-
cam, para J.L. Segundo, o interesse das observações de E. Verón. Primeiro, pro-
cedendo de um sociólogo de profissão, fazem remontar às origens da sociologia
para além de sua inauguração oficial e situam-se numa das mais fecundas e trans-
formadoras visões da sociedade. Segundo, o ponto de partida de E. Verón sobre a
necessidade de uma sociologia ideológica, isto é, de uma sociologia que tenha por
objeto a ideologia existente no seio dos comportamentos sociais, é justamente o
único que pode se constituir em elemento intrínseco do esforço teológico
762
.
3.1. O esvaziamento ideológico da Sociologia e suas implicações pa-
ra uma Teologia Libertadora
A partir das considerações introdutórias, Juan L. Segundo expõe, em pri-
meiro lugar, seguindo Eliseo Verón, a evolução da sociologia. Esta evolução con-
siste no progressivo esvaziamento ideológico da sociologia. Juan Luis Segundo
expõe esta evolução conectando seu progressivo esvaziamento ideológico a al-
guns dos mais importantes problemas teológicos latino-americanos. Esta conexão
serve para exemplificar como não se pode encontrar plena solução teológica para
esses problemas sem uma sociologia que se recupere de seu deslizamento, isto é,
de seu esvaziamento ideológico.
Sete passagens indicam o progressivo esvaziamento ideológico da sociolo-
gia em sua evolução. Primeiro, a passagem de um vasto campo de fatos à sua
fragmentação. De acordo com E. Verón, na sociologia da Ideologia Alemã o ideo-
lógico, oposto à realidade da vida, compreende a totalidade dos conteúdos cultu-
rais, compreende o todo da cultura. No entanto, a evolução da sociologia leva-a,
ao contrário, à fragmentação de campos: direito, arte, religião, política, etc. Na
fragmentação se perde não apenas, e o tanto, a inter-relação entre esses fenô-
menos culturais assim divididos. Perde-se, muito mais, seu caráter globalmente
ideológico, isto é, de superestrutura confrontada com uma infra-estrutura. Em ra-
zão disso, por exemplo, a sociologia do direito confronta um direito com outro e
não o direito com a totalidade social. Da mesma forma a sociologia da religião
acabará em tipologias religiosas. O problema é que nesta fragmentação a sociolo-
762
Cf. J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.253-254.
gia do direito, da arte, da religião, etc., especializam-se tanto que a noção de ideo-
logia, vinculada a um modelo global da cultura, não mais é utilizada
763
.
Que reflexos tem esta passagem para a Teologia latino-americana? De
acordo com Juan L. Segundo, um dos mais importantes problemas da Teologia
latino-americana, em sua vertente pastoral, é o de prover a Igreja de metas com
mediações sociologicamente coerentes com elas. É fato que surgem em muitos
lugares do continente pastorais de conjunto com metas libertadoras. O problema é
que as mediações pensadas em vista dessas metas são imaginadas a partir de uma
fragmentação religiosa da realidade total, marcadamente ideológica. Em con-
seqüência disso, tropeçam sistematicamente em obstáculos inesperados
764
. Assim,
desarmados por tal imprevisão, as tentativas de pastoral de conjunto ou fracassam
ou retrocedem a simples reformas acidentais, sem relação operativa com a meta
inicial ou mesmo em oposição a ela. Nesse quadro, uma análise do componente
ideológico do todo social aparece como indispensável para colocar à Teologia
latino-americana o problema das metas autênticas do trabalho pastoral. “O ‘idea-
lismo’ pastoral não é, com efeito, mais que o resultado da compartimentação inó-
cua e conservadora da dimensão ‘religiosa’ do homem e de seus mecanismos”
765
.
Segundo, a passagem da abstração teórica à vida cotidiana. Parece aqui
que os pesquisadores das ideologias desceram da metafísica e da abstração filosó-
fica para o terreno familiar da vida cotidiana. Passaram do estudo de idéias ou da
cultura de uma época histórica para opiniões do ser humano comum sobre os as-
pectos da sociedade que este percebe em seu contexto imediato. Max Weber, por
exemplo, ao analisar o espírito do capitalismo fez intervir em sua pesquisa, como
fator decisivo, noções tão abstratas como as de predestinação, graça, salvação, etc.
Tratou, portanto, dos mais intrincados termos da Teologia calvinista. Se ele pôde
mostrar que tais noções deixaram de exercer influência decisiva em determinado
sistema econômico-social, esse fato leva a pensar em quais categorias abstratas
semelhantes exerceriam influência em sentido contrário, isto é, na direção de um
763
Cf. J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.254.
764
J.L. Segundo exemplifica essas afirmações com o caso das comunidades de base. Segundo ele,
supõe-se, por exemplo, a funcionalidade das comunidades de base para cobrir o abismo entre pas-
toral intensiva e pastoral extensiva, entre a maturidade da fé e o cristianismo popular. Mas, ao não
atender à ideologia presente no todo social, ignora-se o mecanismo fundamental das comunidades
de base: sua rápida radicalização contra a mentira de uma pastoral extensiva que constitui uma das
bases indiretas, mas poderosas, do status quo. Isso leva ao fracasso das tentativas de pastoral de
conjunto e à marginalização das comunidades de base. Cf. Ibid., p.255.
765
Ibid., p.255.
sistema socialista. Aqui não foram as idéias abstratas, enquanto tais, que exerce-
ram, hipoteticamente, tal papel, mas o sistema simbólico nelas originado.
Também o teólogo, atento ao papel das ideologias, pode refazer o caminho
contrário e indagar, por exemplo, que impacto simbólico tiveram as idéias abstra-
tas católicas sobre a graça e a justificação no universo mental dos povos latino-
americanos. Isto supõe já um método sociológico, e mais ainda a suspeita ideoló-
gica, pois esta não se detém no universo simbólico, mas no encobrimento e justi-
ficação das relações reais de produção. Se estas são opressoras é de se supor que
da idéia abstrata à opressão exista um fio condutor. Esta segunda etapa, que vai
dos símbolos aos comportamentos, pertence ao domínio da sociologia e, na práti-
ca, nenhum teólogo ousa entrar nessa problemática. Preferem voltar-se à religião
tal como se vive “em seu contexto imediato”. “O que os detém nesse umbral é
justamente a ‘rica abstração’ que mostram as noções e simbologias teológicas em
face da concreção cotidiana, pobre em referências, porém capaz de dar margem a
observações quantitativas e exatas”
766
. Desta forma, embora os critérios teológi-
cos não venham somente do impacto social das noções manejadas pela Teologia,
um deles estará talvez ausente de sua elaboração. Trata-se do mais radical e global
por proceder do plano global libertador de Deus (que não pode induzir a nenhuma
escravidão, nem ocultá-la). Falta, assim, na América Latina um dos aspectos fun-
damentais para o autêntico desenvolvimento do dogma
767
.
Terceiro, a passagem de ideologias globais a opiniões específicas. Esta
passagem, muito relacionada com as duas anteriores, difere de uma porque a
fragmentação aqui em questão não é a que se entre campos da cultura (arte,
religião, filosofia, política), mas em qualquer campo, tendo em conta fatos sem
grande alcance referencial. Difere da segunda, pois construídas ou não com ele-
mentos abstratos, as ideologias com que se preocupavam os primeiros sociólogos
eram sistemas que encerravam uma interpretação geral da realidade social. Por
exemplo, um dos eixos dos sistemas sociais atuais é o lugar que reservam sistema-
ticamente à liberdade. Ora, “a sociologia atual, embora se ocupe de liberdade,
trabalha com ‘conteúdos de opinião’ que se referem a aspectos limitadíssimos e
ambíguos da liberdade”
768
.
766
J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.256.
767
Cf. Ibid., p.255-256.
768
Ibid., p.256.
No caso da Teologia libertadora, quando esta adquire consciência das me-
diações necessárias para que sua concepção e liberdade sejam efetivamente reali-
zadas no interior de um sistema social, e da obrigação de julgar este sistema pelas
efetivas possibilidades de liberdade e graça que contenha, adquire igualmente
consciência de que levar previamente a esse juízo prático uma noção preestabele-
cida de liberdade e de graça, por exemplo, pode transformar-se “na mais ideológi-
ca das armas para deter os cristãos ante a mudança social”
769
. Desta forma, uma
análise das possibilidades concretas da liberdade para uma certa sociedade é que
melhor poderá determinar quando noções como graça e liberdade foram, e até que
ponto, penetradas pela ideologia do sistema dominante. Aqui, mais uma vez, a
sociologia precisa perguntar-se por sistemas globais e não contentar-se com opi-
niões específicas sobre a liberdade
770
.
Quarto, a passagem de categorias cognitivas a dimensões evolutivas. A
Ideologia Alemã era o que se pode chamar de uma sociologia do conhecimento,
um estudo dos mecanismos pelos quais se formavam, em relação aos processos
sociais, as idéias e os sistemas de idéias que os exprimiam e justificavam (ocul-
tando sua face negativa). Na sociologia recente, pelo contrário, o refinamento das
técnicas foi acompanhado de mudança no foco do interesse. A maioria dos ins-
trumentos aplicados medem adesão, grau de aceitação ou repulsa e não estão inte-
ressados em categorias cognitivas
771
.
Do ponto de vista teológico, esta passagem ocorrida na sociologia pode ser
interpretada, na opinião de Juan L. Segundo, da seguinte maneira. Um dos mais
profundos problemas da Teologia latino-americana é o que pode ser denominado
de qualificação teológica de opiniões encontradas quanto à interpretação operativa
de pontos essenciais da doutrina cristã. O problema não estanto no terreno da
ortodoxia. Está sim na ortopráxis. Porém, a práxis é, mais do que as próprias fór-
mulas, critério de verdade da “doxa” que a fundamenta. Como sistema global de
pensamento, percebe-se mais afinidade entre ateus, protestantes e católicos do que
entre os pprios católicos. Diante disso, pretende-se que estas oposições internas
do catolicismo não afetem a ortodoxia. Isso, porém, o é um problema teológico
e sim um jzo e uma falha da sociologia. A única coisa que fundamenta esse j-
769
J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.256.
770
Cf. Ibid., p.256-257.
771
Cf. Ibid., p.257.
zo otimista é a possibilidade de mostrar estatisticamente a adesão que explicita-
mente se mantém às pprias fórmulas dogmáticas. A sociologia, com seus ins-
trumentos, não vai além disso. Porém, quando se passa dessa adesão formal ao
sistema cognitivo global, se dão, na opinião de Juan L. Segundo, entre os próprios
católicos, diferenças muito mais substanciais do que as que separaram, por exem-
plo, arianos de atanasianos, ou a Reforma e Contra-Reforma. Mas de onde provi-
ria este juízo, ou a prova desta afirmação? Esse juízo, tão importante e decisivo,
tanto para a Teologia como para o futuro da libertação latino-americana, só pode-
ria ser feito por uma sociologia do conhecimento, mas essa não existe. Assim, o
teólogo que não dispuser da colaboração de tal sociologia develimitar-se a sus-
peitar que a famosa unidade dos cristãos, mola mais exaltada da pastoral, tem po-
derosa função ideológica. Função aquietadora, por divisão sacralizante, da confli-
tividade que é a base da libertação
772
.
Quinto, a passagem de “sistemas de idéias” a opiniões isoladas. Para J.L.
Segundo, não é cil perceber a diferença que E. Verón pretende assinalar entre
esta passagem e a de “ideologias globais a opiniões específicas”. Esta nova passa-
gem parece aludir ao caráter dinâmico da primitiva sociologia, que possibilitava
analisar propriedades internas dos sistemas de idéias: sua coerência, os processos
de derivação de umas idéias a partir de outras. A sociologia moderna empenhou
esforços neste sentido, porém “as leis de organização” que surgem de tais tentati-
vas têm caracteres que desviam da investigação ideológica propriamente dita
773
.
Nesta perspectiva é decisivo prestar atenção às contradições mentais que
marcam a pastoral da Igreja e nascem de uma concepção igualmente contraditória
da função eclesial. Em que consistem tais contradições? A Igreja pretende assumir
a função libertadora, em nome do Evangelho. Porém, libertar significa optar pelos
oprimidos contra os opressores. “Ora, quando a Igreja tem em seu próprio seio os
opressores e os mplices, voluntários ou o, libertar supõe optar, em nome das
exigências de uma mais madura, exigente, heróica
774
. Por outro lado, vê-se
que a radicalidade libertadora do Evangelho choca-se contra as condutas maciças,
integradas passivamente no status quo. Tendo em conta esta massa, a Igreja que
se compromete na libertação acaba por não optar por ninguém e acusa de elitista
772
Cf. J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.257.
773
Cf. Ibid., p.258.
774
Ibid., p.258.
toda tendência a insistir numa ruptura evangélica com o sistema de opressão. Des-
ta maneira, a Igreja joga” com duas dimensões do Evangelho. Por um lado, a
radical em suas exigências libertadoras, e por outro, a da salvação universal que se
supõe realizável na medida que a radicalidade evangélica fica reduzida a um mí-
nimo de exigências que o máximo de pessoas possa aceitar. Quando o teólogo
busca esclarecer este problema fundamental precisa recorrer ao sociólogo para
que este lhe explique a relação dialética de massas e minorias no processo social e
a função da radicalidade evangélica dentro desta dialética. Verifica, porém, que o
sociólogo fala de massas e minorias segundo dados estatísticos, isto é, computan-
do opiniões isoladas ou níveis de vida ou de competência. Em compensação, igno-
ra e não esclarece o conceito de massas ou minorias segundo os sistemas de idéias
que as caracterizam. Desta forma, “a relão entre Evangelho e massas fica entre-
gue a um idealismo voluntarista por parte da pastoral da Igreja, idealismo volunta-
rista que constitui, outra vez, um suporte do status quo
775
.
Sexto, a passagem do inconsciente à consciência. Esta parece ser a passa-
gem mais significativa da progressiva separação da sociologia operativa do campo
ideológico. Para Eliseo ron, “o sistema ideológico determina as representações
do social que têm os atores, porém suas leis de organização o aparecem como
tais à sua consciência”
776
. As leis de organização do sistema ideológico o apare-
cem nem sequer à consciência das próprias classes dominantes que, antes de usar
tais instrumentos de dominação, são primeiro forçadas a crer neles, até que essa
mesma crença tranqüila (inconsciente de ser instrumentalizada) as constitua como
classes capazes de dominar. Mesmo assim, muitas investigações se reduzem ao
puro e simples registro das opines dos inquiridos que refletem o modo como
conscientemente percebem diferentes aspectos da sociedade
777
.
Que reflexos essa passagem tem para a Teologia latino-americana? De
acordo com Juan L. Segundo, as grandes incógnitas da Teologia afloram em todos
os problemas teológicos. A Teologia não pode descobrir com seus próprios méto-
dos essas incógnitas, pois são justamente o aspecto inconsciente que resvalou nes-
ses métodos e pôs, em grande parte, a interpretação da revelação, de modo imper-
ceptível, a serviço da dominação. Compreende-se assim por que a Teologia pro-
775
J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.258.
776
Texto citado por: Ibid., p.259.
777
Cf. Ibid., p.258.
fissional latino-americana continua tranqüilamente em seus suportes alienantes,
enquanto a sociologia não lhe mostra, de maneira convincente, o impacto que,
apesar de suas excelentes intenções, desencadeiam os conceitos por ela manejados
e o sistema de símbolos que deles brota
778
.
Sétimo, a passagem da sociologia à psicologia. A compreensão do que
significa esta passagem e do que ela provoca é melhor possibilitada na relação
com a anterior. Na sociologia primeira, mais rica, o fundamento da diferença entre
a representação consciente e suas leis inconscientes de organização pode ser
explicado por referências a características objetivas do sistema social. Já na socio-
logia recente, os mais importantes esforços para ir além dos conteúdos conscientes
têm recorrido a leis psicológicas. O problema é que se recorrem a leis psicológicas
que medem o grau de adaptação subjetiva ao sistema ou a qualquer de suas partes,
sem discuti-lo, sem sequer ter em conta a realidade objetiva do todo social. Nesta
linha, mas em perspectiva teológica, encontram-se, por exemplo, muitos estudos
sobre a prática sacramental, as vocações ou os problemas da vida sacerdotal, ba-
seados em referências psicológicas a problemas de adaptação ou inadaptação, to-
talmente desligados da hipótese de que a inadaptação dentro de um sistema domi-
nador pode ser índice eloqüente de capacidade de adaptação a outra totalidade
social diferente. Neste plano, o teólogo deve limitar-se à suspeita, pois o sociólo-
go se nega a segui-lo no questionamento do todo social. Sua sociologia é funcio-
nal ou, segundo os termos de Eliseo Verón, mais psicologia que sociologia propri-
amente dita. Com isso se perde, na opinião de Segundo, uma das “mais estimulan-
tes e graves” interrogações da pastoral latino-americana. A saber: até que ponto,
por causa de sua infiltração ideológica, não constitui a Igreja da América Latina
um perigo para a própria salvação cristã? Que perigo seria esse? Trata-se do peri-
go de substituir, por motivos de segurança psicológica, o único critério de salva-
ção que consiste no amor eficaz
779
.
Esta evolução negativa da Sociologia, apresentada acima nas sete passa-
gens, permite que se perceba que duas extremidades na Sociologia. Numa está
Marx e a sociologia primitiva e, na outra, a Sociologia funcionalista ou positivista
de tipo americano. Esta constatação permite a interrogação: acaso haveria na So-
ciologia marxista contemporânea um instrumento mais adequado para a tarefa
778
Cf. J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.259.
779
Cf. Ibid., p.259-260.
teológica no contexto latino-americano? Para Juan L. Segundo, “por muito lógica
que seja, esta esperança é desmentida pelos fatos”
780
. Para demonstrar os fatos que
desmentem tal esperança, Juan L. Segundo aborda dois pontos.
No primeiro, parte da afirmação de que a Sociologia marxista não é conse-
qüente em sua aplicão do conceito de ideologia aos fenômenos religiosos. No
pensamento de Marx é difícil decidir se a religião é uma superestrutura do mesmo
tipo que outras por ele citadas, como a arte, política, filosofia. Por outro lado, pa-
rece indubitável o caráter superestrutural da religião, porém, diversamente das
demais, esta seria uma superestrutura destinada a desaparecer, não a desideologi-
zar-se. Quanto à religião, os textos principais de Marx oscilam entre postular sua
prévia supressão para que possa haver revolução, ou sua supressão pelo estabele-
cimento da sociedade socialista, enquanto esta, ao desterrar a exploração, desterra-
igualmente a angústia dos explorados e sua queixa religiosa, ineficaz e evasiva.
o marxismo posterior, embora tenha exceções, parece continuar a atribuir à
superestrutura religiosa o papel ilogicamente diferente do papel de outras superes-
truturas ideológicas. Porém, empobreceu-se ainda mais o mecanismo de supres-
o: “o elemento encarregado de acabar com a religião é a ciência, não tanto a
implantação do socialismo”
781
. Embora estes elementos estejam interligados, a
experiência da relativa ineficácia do último deslocou a tônica para o primeiro.
Desta maneira, se seguindo Marx já era difícil que a Sociologia se interes-
sasse pelos matizes e possibilidades libertadoras de uma superestrutura destinada
cedo ou tarde a desaparecer, torna-se isto ainda mais difícil na situação concreta
da luta libertadora latino-americana. Nesta o cristão é considerado aliado tático a
quem se promete, na futura sociedade, a liberdade de culto, isto é, a possibilidade
de continuar como cristão em seu foro íntimo e privado, desde que não influa na
direção da sociedade. Neste contexto, “a tarefa marxista atual consiste em recrutar
e integrar como aliados todos os cristãos que se radicalizaram no compromisso
político, aceitando lugar juntamente com o-cristãos e ateus”
782
. Enfim, desta
forma, compreende-se que em tal situação a Sociologia marxista não se interesse
pelo fenômeno religioso e nem dê ajuda ao teólogo para desideologizá-lo
783
.
780
J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.260.
781
Ibid., p.260.
782
Ibid., p.261.
783
Cf. Ibid., p.260-261.
Um segundo ponto explicitado por Juan Luis Segundo para demonstrar
que os fatos desmentem a esperança de que a Sociologia marxista poderia auxiliar
o teólogo latino-americano na tarefa teológica da desideologização no contexto
latino-americano, diz respeito ao fato de que a Sociologia marxista não aceitou
metodologicamente a relativa autonomia dos níveis superestruturais. Na opinião
de Juan Luis Segundo, Marx enunciou como lei que a infra-estrutura determina a
superestrutura. Em outras palavras, a economia ou as relações de produção deter-
minam as formas ideológicas do pensamento. “A essa dependência chamou de
materialismo
784
. Caso se tome aoda letra e fora de todo contexto termos como
determinão e materialismo, a Sociologia o logrará passar de mera comprova-
ção estatística do estado concreto que a cada momento adota a determinação da
superestrutura pelas relações de produção. Porém, além de serem poucos e ambí-
guos os textos de Marx sobre este ponto preciso, o próprio Engels, reagindo con-
tra economistas ou mecanicistas econômicos repisou expressamente que nem
Marx nem ele jamais falaram de determinismo econômico. Falaram sim de deter-
minação “em última instância” da superestrutura pelos fatores econômicos. Con-
cretamente isso equivaleria dizer que as superestruturas se movem dentro de um
campo de possibilidades demarcado pelas relações de produção existentes. Equi-
valeria dizer que, de um modo ou de outro, tomam posição autêntica ou camu-
flada – com relação a tais relações de produção, mas gozam de relativa autonomia
nos mecanismos que lhe são próprios, a ponto de em última instância a econo-
mia tornar-se determinante.
Para Juan L. Segundo, tudo isso é aceitável sob o aspecto da crítica ideo-
lógica buscada por ele. Além disso, se a Sociologia aceita esta colocação, terá de
aceitar igualmente que todas as superestruturas, inclusive a religiosa, possam e-
xercer um papel determinante para obter ou impulsionar a mudança social. Isto na
medida em que são deixadas ou não à mercê da ideologia que as infiltra. Desta
forma, torna-se inevitável que a Sociologia que esteja disposta à tarefa de deter-
minar tais papéis, tenha que apurar e aperfeiçoar muito seus métodos. Isto, porém,
faz emergir um paradoxo. A Sociologia marxista oficial, nascida em um país onde
a economia foi determinante em última instância, divulga com profuo e pro-
move análises sociológicas nas quais o econômico e o que a ele se prende exer-
784
J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.261.
cem papel de única instância. Daí que estas análises são pobres no que diz respei-
to à maior ou menor capacidade libertadora das superestruturas. Enfim, as análises
marxistas correntes da sociedade e de suas estruturas culturais insistem, com evi-
dente “voluntarismo idealista”, nas contradições internas sempre crescentes da
economia capitalista, e na consciência, sempre crescente, que delas vão tendo as
massas exploradas. E se alguma vez analisam a superestrutura é para atribuir
este ou aquele segmento da arte, da filosofia, do direito ou da religião a determi-
nado setor da luta de classes. Para J.L. Segundo, esta insuficiência da Sociologia
marxista oficial, com vistas à fatibilidade da revolução, foi assinalada e provada
tanto a partir de posições ortodoxas (Althusser) como de heterodoxas (Sartre).
Vê-se que o quadro traçado por J.L. Segundo leva-o à conclusão de que,
do ponto de vista teológico, o teólogo latino-americano sente-se sem um necessá-
rio suporte da Sociologia para a tarefa teológica de desideologização. Em princí-
pio, encontrar-se-ia maior compreensão nesta tarefa no antrologo moderno,
muito mais atento a uma relação o simplista entre todos os elementos supra e
infra-estruturais. Porém, o antropólogo volta-se ao estudo de sociedades primiti-
vas (onde seus instrumentos adquirem notável precisão) e larga o teólogo ante o
umbral de grandes aglomerações urbanas onde vive mais da metade do continente
latino-americano. Com isso parece evidenciar-se que é uma impossibilidade o que
a Teologia pede à Sociologia no caso da desideologização. Talvez seja próprio do
não-sociólogo aventurar tal tipo de conjecturas e suspeitas. Talvez a própria Teo-
logia deva contentar-se em tratá-las como significativas em seu próprio domínio,
sem ter a possibilidade de verificá-las cientificamente. De qualquer modo, o pro-
blema está colocado, e está de modo pertinente desde que a Teologia latino-
americana assumiu o desafio de ser eficazmente libertadora
785
.
3.2. A Teologia libertadora ante o desafio da desideologização da fé
Uma das principais contribuições do pensamento de J.L. Segundo à Teolo-
gia da Libertação diz respeito a suas abordagens que relacionam cristã e ideo-
logia. Consciente de que a cristã e a própria Teologia sofreram, ao longo dos
culos, um processo de ideologização, ele propõe, em vários de seus escritos, o
esforço metodológico de superar esta ideologização através do caminho inverso, a
saber, através da desideologização da fé e da Teologia. Dentro do período de estu-
do desta pesquisa, uma das expressões mais significativas neste sentido, levada a
público por Juan L. Segundo, é sua obra Libertação da Teologia
786
. ele indica
ter chegado o momento da epistemologia, isto é, o momento de analisar não tanto
o conteúdo da Teologia da Libertação, mas sim seu próprio método e a relação
deste com a libertação real. É dentro desta linha de pensamento que se compreen-
dem as suas duas exposições em El Escorial, bem como suas principais contribui-
ções ao método teológico latino-americano.
Na exposição que é objeto de análise aqui, J.L. Segundo aborda o proble-
ma das relões entre a Teologia e as Ciências Sociais em uma Teologia libertado-
ra. O que esem questão são as possibilidades do uso do aspecto ideológico pelo
teólogo de uma Teologia libertadora. Ou, mais propriamente, as relações entre
Teologia e ideologia. O ponto de partida de J.L. Segundo é a afirmação de que a
suspeita lançada sobre uma práxis social coletiva que esconde suas verdadeiras
motivações, que desconhece seus pprios mecanismos, que foge em conceitos
ideais de sua realidade concreta e conflitiva, é original e profundamente cristã.
A ideologia, tomada em sentido estrito como sistema de idéias com que se
oculta e justifica determinada relação de produção, constitui algo profundamente
enraizado na mensagem cristã e não é algo exclusivamente marxista, a não ser em
sua formulação. Há, portanto, uma ideologização que se situa operativamente den-
tro do complexo edifício de uma Teologia ou prática religiosa. Isso faz com que
em situações como essa e em situações mais complexas se deseje compreender
melhor quais são os mecanismos concretos pelos quais entrou de fato a ideologia
no edifício da fé. Este desejo o se simplesmente por considerações teóricas,
mas para compreender operativamente qual pode ser o caminho inverso de desi-
deologização. A própria mensagem cristã impele a realizar esse caminho de desi-
deologização. No entanto, o oferece os instrumentos científicos concretos para
tal tarefa. Supõe-se, então, que estes instrumentos sejam dados somente pela So-
ciologia, ciência dos comportamentos coletivos. O problema, importante e doloro-
so, é a verificação pela Teologia libertadora que, salvo raras exceções, esta não
pode contar com cooperação do sociólogo neste campo capital do ideológico.
785
Cf. J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.262.
786
Obra Original: Liberación de la Teología. Buenos Aires: Ediciones Carlos Lohlé, 1975.
Isso decorre do fato de que a evolução da Sociologia levou a um progres-
sivo esvaziamento ideológico da própria Sociologia. Em decorrência disso não há,
no entender de Juan Luis Segundo, uma Sociologia que tenha por objeto a ideolo-
gia existente no seio dos comportamentos sociais. Somente esta Sociologia é que
poderia contribuir no esforço teológico de desideologização da e da Teologia.
Enfim, a conclusão a que chega Juan L. Segundo, após a análise da evolução da
Sociologia sob a perspectiva de seu esvaziamento ideológico, é que a Teologia
encontra-se sem o suporte da Sociologia na tarefa teológica de desideologização.
Resta, portanto, à própria Teologia que pretende ser libertadora, lançar-se, através
de suas conjecturas e suspeitas, à tarefa árdua, porém necessária, de desideologi-
zação da e da Teologia. Somente assim a Teologia assumirá de fato e de modo
eficaz o desafio de contribuir para o processo de libertação latino-americano.
Embora Juan L. Segundo não aprofunde nesta exposição a maneira como a
Teologia poderia lançar-se na tarefa da desideologização, pode-se afirmar que
suas contribuões mais relevantes estão na linha de colocar o problema da ideo-
logização da e da Teologia e, conseqüentemente, apresentar o desafio de desi-
deologização. Isso implica na necessidade de a Teologia ter sempre presente, em
seu método, o esforço crítico sobre seu objeto de análise e sobre si própria e seu
método. Caso contrário, mesmo que esta Teologia se chame Teologia da Liberta-
ção, em nada contribuirá para a libertação real, tornando-se uma Teologia irrele-
vante e ineficaz para o processo de libertação latino-americano.
4. Interpretações teológico-espirituais sobre as relações entre fé
cristã e transformação social na América Latina
O Encontro de El Escorial traz duas contribuições teológico-espirituais que
podem ser tomadas como tentativas de reflexão teogica a partir do contexto lati-
no-americano. Tais contribuições não dizem respeito diretamente à questão da
Teologia e do método teológico latino-americano. Serão consideradas pelo papel
que representam, como tentativas de pensar a eclesial latino-americana e sua
relação com as transformações sociais do continente, a partir dos princípios bási-
cos da Teologia da Libertação.
4.1. A transformação humana do Terceiro Mundo e a exigência de
conversão segundo Cândido Padin
A exposição de Cândido Padin A transformação humana do Terceiro
Mundo: exigência de conversão
787
aborda o tema da conversão a partir da própria
Igreja. Esse tema, segundo o próprio Cândido Padin, “não tem a mesma tonalida-
de das demais exposições, especialmente dedicadas à análise sociológica ou filo-
sófica de todo o contexto latino-americano e principalmente da problemática da
dependência
788
. Como se justifica então tal abordagem? Para uma resposta a esta
questãondido Padin parte da exposição de Juan Luis Segundo. Para este último
evidencia-se uma “vinculação entre formas religiosas e ideologia”. Essa vincula-
ção não pode ser negada. Pois o cristianismo não manteve, ao longo da História,
umapureza asséptica”, que o livrasse de todo contado com formas históricas que
necessariamente evoluem no tempo e no espaço. Porém, é possível haver uma
diversidade de tonalidades no modo como enfocar o problema. Só neste sentido é
que o tema da conversão tem mais evidência, mais intensa tonalidade religiosa,
que se refere à relação direta do ser humano com Deus. Isso não significa, contu-
do, que se justifique aqui uma alienação
789
.
Esta perspectiva geral, a partir de onde é possível, segundo Cândido Padin,
retratar o tema da conversão num encontro como o de El Escorial, abre o caminho
para que se explicitem os passos a serem dados para efetuar tal abordagem da
conversão. Propõem-se quatro pontos: a conversão, em sentido bíblico; a relação
entre conversão e desenvolvimento; o desafio da conversão da Igreja; a originali-
dade da conversão e, por fim, uma concluo em perspectiva operacional, mani-
festando a dimensão política da conversão.
A conversão na Sagrada Escritura
A Palavra de Deus não se apresentou inicialmente em toda sua complexi-
dade. Isto é, ela não apresentou o plano de Deus, desde o início, com toda a sua
complexidade e integridade. Deus apresenta-se como pedagogo e educador, sua
revelação manifesta-se progressivamente. “Deus fez que o homem descobrisse aos
poucos a beleza e grandeza do plano da criação, através de seu próprio desenvol-
787
Cf. C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo: Exigência de conversão, p.235-
250.
788
Ibid., p.235.
789
Cf. Ibid., p.235.
vimento histórico”
790
. É por isso que verifica-se uma diferença entre o Antigo e
Novo Testamentos. Isso é decorrente do fato de que a revelação do plano de Deus
somente se completou, isto é, se fez realmente global na pessoa do Verbo encar-
nado. Porém, na realidade, só se completará no fim dos tempos, já que até então, é
possibilitado ao ser humano descobrir e redescobrir os vários aspectos da riqueza
do mistério de Deus. A partir destas considerações, como aparece a conversão no
Antigo e no Novo Testamentos?
No Antigo Testamento, o sentido da conversão não é completo. uma
diferença fundamental para a compreensão do cristianismo. É no Novo Testa-
mento que tem-se uma idéia completa e profunda da conversão. Apesar disso, o
Antigo Testamento, principalmente atras dos profetas, apresenta os aspectos
mais gerais e essenciais da conversão. Em primeiro, lugar a conversão é apresen-
tada como uma volta a Deus, porém, como atitude interior. Não basta a atitude
exterior para a verdadeira conversão. Ela implica em algo interior e permanente.
O profeta Oséias é bem claro neste sentido (cf. Os 6; 14,2-4). A conversão signi-
fica total adesão a Deus e confiança unicamente Ele. Em segundo lugar, aparece
outro aspecto importante da conversão no Antigo Testamento. A conversão signi-
fica apartar-se daquilo que é contrário a Deus. Significa segui-lo efetivamente por
meio de ações. É necesrio agir de maneira coerente com a adesão a Deus (cf. Jr
31,33-34; Ez 18,21s.). Neste sentido conversão implica ão real e não mero de-
sejo de estar com Deus. Por fim, Isaías, no capítulo 58 fala da maneira de jejuar.
O jejum e a conversão são estreitamente vinculados, pois o jejum é penincia e
penitência é conversão (cf. Is 58,2-6). É somente pelo verdadeiro jejum que se
comprova a conversão. Portanto, é pela coerência na maneira de viver e proceder
que se mostra a conseqüente volta a Deus. Entretanto, esses textos essenciais do
Antigo Testamento não completam o sentido da conversão. Este só chegará com a
“plenitude dos tempos”, segundo Paulo. É no Novo Testamento que se encon-
tra a plenitude da conversão
791
.
No Novo Testamento, a conversão aparece como o tema inicial dos come-
ços da evangelização. São, neste sentido, conhecidos os textos de Mateus, Marcos
e Lucas e, em perspectiva um pouco distinta, João, que apresentam a pregação do
Precursor, João Batista. Para João Batista, a evangelização para a conversão deve
790
C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo, p.236.
791
Cf. Ibid., p.236-238.
levar ao cumprimento da honestidade e da fraternidade. Trata-se, segundo Cândi-
do Padin, de uma “evangelização do homem total, do homem criado por Deus e
que deve ser homem antes de mais nada; sendo homem pode realmente inte-
grar-se na intimidade com Deus pelo dom da graça”
792
. Pode-se, assim, destacar
como o primeiro aspecto fundamental da conversão no Novo Testamento a mu-
dança fundamental de orientação de vida. Trata-se da retidão de vida: uma vida
reta que se coaduna com a dignidade do ser humano.
Um segundo aspecto fundamental da conversão segundo o Novo Testa-
mento é o voltar-se para a pessoa de Jesus Cristo, reconhecendo-o como o Salva-
dor. Trata-se da conversão a uma mensagem em sentido vivencial. Converter-se é
voltar-se para outra direção, mudar de posição, mudar de direção ou ir ao encontro
e entrar em contato com alguém. Neste sentido não outra maneira de poder
entrar no plano de Deus anunciado pelos profetas, de viver com Ele, a não ser
reconhecendo a Jesus como o Cristo presente, e voltar-se para Ele. Nesta forma de
experiência de vida com Cristo, experiência reveladora, está a afirmação do pro-
cesso de libertação. O ser humano adquire o sentido da presença de Deus através
da convivência com o Deus-homem que se faz seu companheiro. E, na intimidade
de pessoa-a-pessoa, faz-se revelação. Esta não é uma comunicação intelectual,
mas sim uma experiência vivencial. Porém, esta conversão à pessoa de Cristo
desdobra-se em conversão à pessoa do ser humano. Converter-se a Cristo é con-
verter-se ao ser humano, pois “o Cristo é o Verbo de Deus que assume a carne
humana para estabelecer a comunhão com o Pai”
793
. O realismo da presença do
Verbo de Deus na História, no contexto da vida humana real é claro em João: “E o
Verbo fez-se carne”. Se a carne humana é assumida pelo Verbo então o ser huma-
no pertence a Deus. Pertence-lhe como pessoa, na totalidade de sua expressão
humana. Portanto, não é possível converter-se a pessoa de Cristo sem descobrir
Ele o ser humano e aceitar essa presença do ser humano em Cristo. Não existe
conversão a Cristo sem conversão ao ser humano (cf. Mt 25,31-35)
794
.
O último aspecto da conversão retratado pelo Novo Testamento compre-
ende-a como o inserir-se numa comunidade, em Cristo, que se faz sinal de salva-
ção e libertação. A conversão aos irmãos realiza-se o enquanto individualidade,
792
C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo, p.239.
793
Ibid., p.241.
mas enquanto corpo a viver de modo responvel o sinal da salvação. “A media-
ção da comunidade é mediação querida por Deus para a salvação
795
. Um exem-
plo típico disso é o texto dos Atos dos Apóstolos 9 que retrata a figura de Saulo. A
dimensão comunitária da conversão também aparece nos relatos da conversão de
Cornélio, que significou a abertura da Igreja nascente ao mundo pagão. Por meio
de Simão Pedro, Deus faz chegar a graça da conversão o apenas a Cornélio,
mas a toda a sua comunidade de parentes e amigos. E também o pprio Pedro,
através de Cornélio, recebe a revelação de Deus, que o liberta dos vínculos da lei
mosaica (At 10,1-48). Aqui se faz presente, evidentemente, a dimensão comunitá-
ria da conversão. Enfim, a mediação do ser humano, e do ser humano enquanto
comunidade de , é o caminho ordinário que completa a conversão cristã
796
.
A conversão e o desenvolvimento
A conversão como o sair de si e voltar-se para o outro implica desapego e
desinstalação das próprias posições. Trata-se, antes de tudo, da descoberta do va-
lor do outro enquanto pessoa. “Reconhecer alguém como pessoa significa olhá-lo
como é em si mesmo, respeitando-o em tudo o que tem de próprio
797
. Isso tem
como conseqüência a renúncia a toda atitude de dominação, mesmo daquela que
se disfarça sob a forma de assistência paternalista
798
.
A conversão ao outro contém o dinamismo do desenvolvimento humano.
Isto em nível da pessoa e do povo como um todo. Contemporaneamente a El Es-
corial, os planos de desenvolvimento do Terceiro Mundo, segundo Padin, se
preocupam em criar oportunidades para que as energias sejam economicamente
produtivas, tenham como resultado um aumento do produto nacional bruto. Po-
rém, em geral, não se cuida do crescimento e da maturidade do ser humano como
um todo. É preciso ter presente que há uma diferença essencial entre lucro e matu-
ridade. Lucro é crescimento financeiro, resultado de aplicação de forças e energi-
as. Isso não significa maturidade, nem das pessoas e nem do povo. A maturidade
794
Para uma explicitação mais detalhada sobre a relação entre a conversão a Deus e ao irmão veja:
C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo, p.239-242.
795
Ibid., p.242.
796
Cf. Ibid., p.242-243.
797
Ibid., p.243.
798
Segundo C. Padin, o paternalismo, como uma das piores corrupções do valor humano, vicia a
generosa atitude paterna, transformando-a em dominação e, sendo inconsciente, retira daquele que
é paternalista sua dignidade de pessoa, fazendo-o criador de opressão institucionalizada, sob o
disfarce social de caridade. Cf. Ibid., p.243.
humana consiste no crescimento de cada um segundo seu modo de ser original. A
maturidade permite que o indivíduo se transforme em sujeito do próprio desen-
volvimento, capaz de definir suas aspirações e opções. Exige, nesse contexto, uma
mudança pastoral na Igreja. Não basta dizer “salva tua alma”. É preciso corres-
ponder ao plano de Deus, desenvolvendo mutuamente as capacidades e possibili-
dades do ser humano, na busca permanente de comunhão com Deus. A conse-
qüência disso é que a atitude promocional é, portanto, exigência de conversão ao
Cristo total, realizando um enriquecimento mútuo. Na medida em que promo-
vermos a realização do outro, também nos promoveremos a nós mesmos, pois
cresceremos em humanidade, tornando-nos mais humanos”
799
. Enfim, a convi-
vência se enriquece na medida em que o ser humano se humaniza. a atitude
promocional é verdadeiro enriquecimento e amadurecimento humano. E esta ex-
clui todo e qualquer tipo de paternalismo
800
.
O desafio da conversão da Igreja
A conversão ao ser humano exige sua expressão social. Sem a dimensão
social não se tem a conversão proposta por Jesus, pois ele veio para formar comu-
nidade, para dar sentido comunirio à vida humana. Assim, a comunidade de
convertidos deve ser comunidade convertida. Em conseqüência, a Igreja não será
comunidade de Jesus Cristo, se ela própria não se converter. Essa convero exige
compromisso. “o há conversão sem compromisso com o homem
801
.
Compromisso é o termo moderno para o que os antigos chamavam amor
ao próximo. Assumir um compromisso significa solidarizar-se com alguém. Não
basta que a Igreja se comprometa com seus próprios membros. Ela precisa com-
prometer-se também com os que estão fora dela. Sem compromisso com a promo-
ção de todo o ser humano a Igreja não dará provas de sua própria conversão. É
freqüente apelar-se para termos como “os que estão fora da Igreja” para justificar
a falta de compromisso real dos cristãos. A Igreja, enquanto instituição presente
no mundo precisa mostrar seu compromisso. E esse compromisso precisa ser visí-
vel e eficaz. desta maneira a Igreja estaconvertida ao Cristo total. Essa pers-
pectiva exige sérias mudanças. “Mudança em toda nossa maneira de conviver com
799
C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo, p.244.
800
Cf. Ibid., p.243-244.
801
Ibid., p.244. O itálico é de C. Padin.
os homens, principalmente em tudo aquilo que assumimos em nome da palavra de
Cristo, não somente para defesa de nosso ‘redil’”
802
.
De onde procede a necessidade de a Igreja comprometer-se? Procede, fun-
damentalmente, da encarnação. A Igreja que o se compromete se aliena do con-
texto da encarnação. Concretamente na América Latina, onde o catolicismo é pre-
dominante historicamente, o povo simples e esquecido, marginalizado no tocante
às exigências da condição de pessoas, vê no impulso de renovação da Igreja uma
esperança de sua ppria defesa e promoção. Nesse contexto, se a Igreja não tem
coragem de ser a voz dos que o têm voz, falhará em sua conversão. Aí é impor-
tante que a Igreja demonstre, com gestos e atitudes, estar de fato comprometida na
formação de uma mentalidade de promoção. É preciso que se comprometa na im-
plantação de projetos concretos de humanização, mesmo que isso implique renún-
cia a certos privilégios. Por outro lado, o perigo de reduzir a missão da Igreja a
uma vida puramente espiritual, alienada das necessidades sociais, “equivale a de-
fender a concepção marxista da religião como ´ópio do povo´”
803
.
Enfim, a Igreja precisa comprometer-se radicalmente com o ser humano.
Isso significa a denunciar tudo o que degrada o ser humano, pois este é amado por
Deus e é parte da vida de Cristo. Permitir a degradação do ser humano é degradar
o pprio Cristo. Desta forma, se a Igreja não se sente capaz ou não tem a cora-
gem de denunciar as degradações do ser humano, é porque não se converteu de
fato a Jesus Cristo. Falta-lhe a dimensão real e universal da encarnação. Essa en-
carnação é urgente na América Latina: é essa uma importante missão que deve
ser principalmente exercida agora na América Latina, ante a instalação de regimes
autoritários e violentamente repressivos”
804
. Em nome da ordem, a dignidade do
ser humano é violada e violentada. Diante disso, a Igreja precisa levantar sua voz
e tomar partido, do contrário, estará negando a própria encarnação e evidenciando
sua não-conversão a Cristo, no próximo
805
.
A originalidade da conversão
A conversão é resposta ao convite de Deus. Como uma riqueza de per-
sonalidade, isso faz com que cada resposta seja original. Cada ser humano tem seu
802
C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo, p.245.
803
Ibid., p.246.
804
Ibid., p.246.
805
Cf. Ibid., p.245-246.
nome, algo que lhe é inalienável. Se alguém aliena o que é seu, enquanto pessoa,
este perde tudo. Perde também a Deus, pois se torna uma máquina, já não mais é
filho. O modo de resposta ao convite de Deus é sempre pessoal. Portanto, deixada
por Deus à criatividade do ser humano. Mas a convero é também comunitária,
vivida pela comunidade de forma original. “O projeto de cada povo esincluído
na linha da salvação, é algo que enriquece a humanidade”
806
. Por isso, sem um
intenso processo de conscientização do povo, para compreender e assumir sua
História, não pode haver concretização dos caminhos da conversão. Compete ao
povo ser sujeito de sua História, assumindo seus rumos. Nesse sentido, a atuação
dinamizadora de grupos mais conscientes que procuram impulsionar as necessá-
rias transformações sociais não podem substituir, sufocar a participação popular,
que busca exprimir sua originalidade. Também não se pode transportar modelos
de desenvolvimento de um povo para outro. Não se pode impor modelos e substi-
tuir a consciência do povo. Urge dar ao povo condições de participação. No povo
também elites de pensamento, grupos dedicados à criatividade no campo da
economia, política, tecnologia, mas também no campo sindical e universitário.
Esse povo é capaz de contribuir para a descoberta de formas de desenvolvimento
que correspondam às aspirações do povo. Esse é, pois, o humanismo inspirado
pela mensagem evangélica de fraternidade. Enfim, todo povo tem plenas possibi-
lidades de criar seu próprio projeto e assumir sua própria História
807
.
Rumo à operacionalidade política da conversão na América Latina
Cândido Padin propõe uma conclusão de modo operacional, já que entende
que a conversão deve ter sua expressão política. Para ele a conversão à pessoa de
Cristo inclui necessariamente a conversão ao ser humano, assumido pela encarna-
ção do Verbo de Deus. Depois que Cristo assumiu a humanidade, o ser humano
pertence a Deus. Por isso, violar a pessoa humana é violar o próprio Deus. Destru-
ir os valores de um ser humano é destruir a presença de Deus. Em conseqüência,
806
C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo, p.247.
807
Afirma C. Padin: “Permitam-me, queridos amigos espanhóis, que lhes diga uma palavra no
sentido do que lhes falo. Peço-lhes, pelo amor de Deus, não transformem a América Latina em
novo mito, ainda que mito revolucionário. Não olhem para a América Latina, dizendo: ‘Ah! Agora
descobrimos os que vão dizer-nos qual seja a fórmula da transformação social libertadora’. Não,
por favor. Descubram isto aqui, em seu contexto, e realizem seu próprio projeto. Todo povo tem
plenas possibilidades de criar seu próprio projeto e assumir sua própria história. Não faltam valo-
res autênticos capazes de ajudar a este grande povo da Espanha a formar neste momento sua cons-
ciência histórica”. Ibid., p.248.
nas circunsncias contemporâneas de El Escorial, em que ocorre o endurecimento
dos regimes latino-americanos, que pretendem a conservação de uma falsa or-
dem estabelecida e impedem a criação de uma Nova Sociedade mais humana e
justa, a conversão do ser humano deveria buscar novas formas institucionais que
salvem a dignidade da pessoa. O poder, em rios países latino-americanos, foi
tomado por elites de dominação, grupos econômicos, políticos ou militares, que
assumem indevidamente a tutela do povo.
As elites latino-americanas assumem uma espécie de democracia de tutela
como modelo para a América Latina. Segundo esta pseudo-democracia, as elites
consideram que nas circunstâncias contemporâneas a El Escorial os povos são
incapazes de assumir sua Hisria, incapazes de governar-se democraticamente.
Nestas circunstâncias, o melhor que se poderia fazer é assumir o poder, para aju-
dar o povo a viver e realizar-se. Esse é o conceito de tutela. O tutor torna-se ne-
cessário enquanto a criatura não sabe dirigir-se. Porém, não se pode pensar em
maturação real do povo latino-americano, sem que se lhe dêem condições de ex-
primir suas aspirações, pelo menos em certos momentos, sobre os rumos do pró-
prio desenvolvimento e destino. Assim, o esquema pseudo-democrático constitui-
se em injúria à dignidade da pessoa humana. O princípio da auto-determinação
passou a ser arma ideológica de dominação das elites sobre o povo. A divisão dos
poderes (executivo, legislativo e judiciário) foi reduzida à dominação do executi-
vo, tomado pelas elites dominantes do povo
808
. Nesse contexto, não ordem ju-
rídica objetiva e estável. O povo foi reduzido a objeto de tutela.
Ante esta realidade torna-se necessário, segundo Cândido Padin, que o
povo tenha a possibilidade de julgar moralmente, conforme a lei natural e a Pala-
vra de Deus, a conduta de seus governos. Esse juízo é parte da conversão a Cristo
e ao ser humano. E se a Igreja não denunciar o pecado da violação da dignidade
do ser humano está pactuando com o pecado
809
. Enfim, a conversão deve ser efi-
808
Cf. C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo, p.248-249. C. Padin lembra o
caso do Brasil e o Ato Institucional, que se constitui em suspensão das garantias constitucionais.
809
Para C. Padin, urge que as instituições não governamentais, inclusive a Igreja, assumam o com-
promisso de formar um Tribunal Mundial da Dignidade Humana, “com a valorosa fuão de julgar
moralmente as situações e atividades dos governos que violam os valores fundamentais da pessoa
humana, dom de Deus”. C. PADIN, A transformação humana do Terceiro Mundo, p.249. Portan-
to, é mister que algum órgão universal, criado por aqueles que amam o ser humano enquanto tal,
o por suas ideologias, assuma a função de julgar a dignidade humana universal. O critério de
imparcialidade para este julgamento poderia ser a Carta Universal dos Direitos do Homem, apro-
vada, segundo Padin, pelos mesmos governos que não a cumprem. Cf. Ibid., p.248-250
caz e operativa e o sentimental. E as Igrejas, para efetivarem sua conversão,
deveriam desinstalar-se de uma cômoda situação diante de governos destruidores
da dignidade humana e demonstrar que sua conversão é convero ao ser humano,
por quem o próprio Cristo ofereceu a vida. É só nesta dimensão de efetividade que
se prova e se verifica a verdadeira e radical conversão a Cristo.
4.2. As Bem-Aventuranças e a transformação social na
América Latina segundo Héctor Borrat
Héctor Borrat, em Bem-Aventuranças e transformação social
810
, apresenta
uma tentativa de releitura de um tema central da espiritualidade evangélica. A
partir das Bem Aventuranças e dos ais dos evangelhos e do Apocalipse propõe,
em categorias políticas, uma atividade política orientada para a transformão
progressivamente humana do mundo. Trata-se de uma exposição em perspectiva
libertadora, que contribui nesta pesquisa como releitura da Palavra de Deus a par-
tir do contexto latino-americano.
Partindo da afirmação de que o ser humano é bem-aventurado e o é por
graça de Deus, Héctor Borrat propõe seis pontos de reflexão: o paradoxo dos bem-
aventurados; as Bem-aventuranças de Lucas e Mateus; a contradição radical entre
pobres e ricos; a pobreza e ação potica; a Bem-aventurança esquecida; a chave
escatológica. Ver-se-ão, a seguir, esses passos.
O paradoxo dos bem-aventurados
Para Héctor Borrat, a bem-aventurança, como gênero literário, aparece
fora de Israel e em dois extremos: Primeiro, como gozo inacessível ao ser huma-
no, reservado exclusivamente aos deuses gregos. E, segundo, aparece como canto
de louvor de algumas pessoas pela felicidade que lhes toca em sorte, intensifican-
do o motivo desta felicidade. O Deus bíblico, diferente dos deuses gregos, não é
bem-aventurado, mas sim o Deus de glória, um Deus santo. Daí que ao incorpo-
rar-se à Escritura a bem-aventurança, gênero extrabíblico e extrajudaico, esta co-
meça por referir-se à felicidade humana, entendendo-a como fruto da bênção de
Deus. Os profetas, a seu tempo, introduzem junto com as bem-aventuranças sua
antítese, a saber, os ais
811
.
810
Cf. H. BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.189-204.
811
Cf. Os 7,13; Jr 13, 27; Is 10,1s. Cf. Ibid., p.189-190.
Percebe-se que a Antiga Aliança manifesta fortemente o caráter teocêntri-
co das bem-aventuranças
812
.com a Nova Aliança elas tornam-se decididamente
cristocêntricas. É Jesus quem inaugura-as em sua plenitude evangélica. Jesus pro-
clama e promete as bem-aventuranças, assim como toda sua boa-nova, em chave
escatológica. Portanto, com a sobrecarga de tensões de uma História que já é esca-
tologia mas ainda não alcançou a culminação parusíaca. É importante notar que a
Nova Aliança introduz uma contradão radical onde a Antiga simplesmente es-
tendia aos atribulados uma bem-aventurança inicialmente reservada aos cumula-
dos de gozos terrenos. Esta contradição consiste no “bem-aventurado” dos pobres
em contraposição ao “ai” dos ricos. Lucas é claro nesta perspectiva. Os ais de Lu-
cas são a antítese das bem-aventuranças e estas vão até aos que padecem, aos que
vivem em situação atribulada
813
.
O paradoxo dos bem-aventurados, chamados a gozar da promessa do reino
em meio à tribulação, reflete e multiplica a do servo que é senhor, a do réu que é
juiz, a de Jesus crucificado e ressuscitado, ausente e parusíaco. Desta forma a pás-
coa de Cristo é a primeira expressão histórica desta passagem da cruz ao reino
prometido aos bem-aventurados. O feito pascal anuncia o feito parusíaco. É aqui
que se coloca o problema central de H. Borrat: mas o que acontece no intervalo?
O que de ser dos bem-aventurados enquanto não irromper o reino? Essa per-
gunta tem particular relevância quando projetada sobre uma situação como a lati-
no-americana, impelida a mudanças sociais. “Que hão de fazer os pobres da Amé-
rica Latina, enquanto não lhes chega a plena libertação parusíaca? De que modo
podem saber-se interpelados pelas bem-aventuranças?”
814
Se, por um lado, pela radical inversão de situações, as bem-aventuranças
podem funcionar como paradigma das mudanças sociais, exatamente aquelas que,
de tão profundas e rápidas, são chamadas de revolução, por outro, não contribuiri-
am para uma aceitação passiva da tribulação que se vive, não implicariam desinte-
resse pelas mudanças que devem ser feitas já, sem esperar a irrupção do reino? As
bem-aventuranças o fomentariam o crasso mal-entendido escatologista tão exu-
812
Cf. Dt 33,29; Sl 2,12; 32,1s.; 65,5; 84,5.
813
Cf. H. BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.190-191.
814
Ibid., p.191.
berante em certos tipos de espiritualidade? Enfim, as bem-aventuranças impulsio-
nam ou reprimem as mudanças sociais?
815
A bem-aventuraa de Lucas e Mateus
Héctor Borrat inicia sua busca de resposta a estes questionamentos a partir
de dois versículos de Lucas e Mateus: “Bem-aventurados sois vós, os pobres, por-
que vosso é o reino de Deus” (Lc 6,20) e “bem-aventurados os pobres de espírito,
porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3). A atenção parece voltar-se para a vari-
ante que surge entre Mt e Lc. Esta variante possibilitou três leituras diferentes: a
privatista, preocupada em determinar se também o rico pode ser pobre de espírito;
a eclesiocêntrica, muito impulsionada por João XXIII e pelo Vaticano II: interro-
ga-se como a Igreja pode dar prioridade aos pobres, como ser Igreja pobre; por
fim, a classista, que tem por bem-aventurados os pobres e por condenados os ri-
cos. Para Héctor Borrat, cada uma destas leituras encerra graves omissões e não
possibilitam uma busca de resposta coerente
816
. Héctor Borrat lembra que o pró-
prio termo pobreza, como o mostrou Gustavo Gutiérrez, não é unívoco na Bíblia.
“Às vezes significa um estado escandaloso que cumpre superar; outras, uma in-
fância espiritual, o contrário da auto-suficiência, a inteira confiança no Senhor
817
.
Seguindo G. Gutiérrez, H. Borrat propõe que em Lucas não é possível evi-
tar o sentido concreto e material do termo pobre. No entanto, aqui uma ques-
tão: a exigência de pobreza material, que é como falar de pobreza no sentido natu-
ral e óbvio do termo, só se encontra em Lucas e o em Mateus? Em busca de
reposta a esta questão, parte-se da afirmação de que os versículos dos respectivos
evangelhos devem ser lidos em seu contexto e não isolados ou recortados. Vê-se
que tanto em Mateus como em Lucas trata-se do chamado discurso inaugural de
Jesus. as bem-aventuranças o figuram no discurso inaugural como tam-
bém de fato inauguram-no. Isso demostra a grande importância que ambos os e-
vangelistas dão às bem-aventuranças. Em ambos evangelistas as bem-
aventuranças não aparecem isoladas, mas fazem parte de um corpo redacional
815
Cf. H. BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.191.
816
Para H. Borrat, a primeira põe entre parênteses os ais de Lucas. A segunda, a contradição entre
estados pobres e estados ricos no seio da Igreja una, criando uma diferença entre Igrejas ricas e
Igrejas pobres. A terceira esconde a necessidade, para todos também para os que pertencem à
classe pobre – de reconhecer-se pobres diante de Deus. Cf. Ibid., p.192.
817
Ibid., p.189-204. A abordagem de G. Gutiérrez sobre a pobreza encontra-se em: G. GUTIÉR-
REZ, Teologia da Libertação, p.234—249.
muito trabalhado que se pode caracterizar como uma coleção de bem-
aventuranças. Isso demonstra a importância dos respectivos contextos. Tanto em
Mateus como em Lucas os dois versículos (“pobres” em Lc e “pobres em espírito
em Mt) das bem-aventuranças dizem a mesma coisa. Indicam que a pobreza dos
bem-aventurados é, a um só tempo, pobreza econômica e pobreza diante de Deus,
pobreza material e espiritual. É pobreza exterior, de bens, e pobreza interior, do
mais pessoal, íntimo e intransferível do crente perante Deus. Mateus não corrige a
Lucas, não o espiritualiza e nem o amplia para dar margem aos supostos ricos-
pobres-de-espírito. Lucas, por sua vez, não materializa e nem faz um filtro classis-
ta dos pobres de espírito de Mateus
818
. A diferença entre Mateus e Lucas é apenas
de ênfase. Se Mateus destaca antes o lado interno e Lucas o lado externo da po-
breza, isso não significa que cada qual enxergue unicamente o lado que salienta. O
que determina o acento de cada um é antes a situação especial do leitor de cada
evangelho. Mateus combate a auto-suficiência religiosa e Lucas a mundanização.
Cada evangelista tem sua própria “preocupação pastoral” e, em cada um, o anún-
cio da boa-nova é adequado à sua respectiva comunidade
819
.
Diante dessa interpretação, ctor Borrat interroga-se se não deveria ser
submetido ao mesmo deslocamento de acentuação o anúncio das bem-
aventuranças na América Latina. Por um lado, vive-se na América Latina o perigo
de mundanização. Este configura-se sobretudo nas grandes massas urbanas. Atin-
ge classes altas, médias e baixas. Nestas dominam as ofertas da sociedade de con-
sumo, os padrões de vida à européia, impostos pela colonização cultural, pela se-
dução do mundo, no sentido negativo que a Escritura costuma dar ao termo. Por
outro lado, há o risco da auto-suficiência religiosa que ameaça as elites que tantas
vezes parecem seitas farisaicas, “ora de direita (‘nós, defensores da tradição, da
pátria e da propriedade’), ora de esquerda (‘nós, cristãos comprometidos’)”
820
.
Contradição radical entre pobres e ricos
A interrogão básica desta análise continua sem resposta: Que será dos
bem-aventurados enquanto não irromper o reino? As bem-aventuranças impulsio-
818
Cf. Héctor BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.193-195.
819
Neste sentido, H. Borrat, seguindo K.H. Rengstorf, propõe que na Igreja de Mateus existia o
grande perigo da arrogância de uma piedade segura de si ppria: Mt 5,2s.; 6,1s.; 7,1s. Já em Lucas
o perigo e a ameaça vêm do mundo e seus valores: Lc 12,13s.; 16,19s.; 18,18s. Cf. Ibid., p.195. Cf.
também: K.H. RENGSTORF, Das Evangelium nach Lukas. Göttingen, 1969.
820
H. BORRAT, op. cit., p.195.
nam ou reprimem as mudanças sociais? Para Héctor Borrat, a contradição radical
estabelecida por Lucas entre os bem-aventurados e os ais basta para manifestar,
no próprio texto evangélico, o cerne da questão. pobres por haver ricos e há
ricos por haver pobres. Os pobres encontram-se na cruz (e por ela vão ao reino),
enquanto os ricos evitam-na (e por isso padecerão o juízo de Deus). Desta forma,
a pobreza de uns é correlativa à riqueza de outros. A carência é a contraface da
abundância. A superação de uma implica na eliminação de outra. “Só se sai da
pobreza, suprimindo-se a riqueza. Os pobres deixam de ser tais, se cessar a
exploração por parte dos ricos”
821
. A contradição entre os ais e as bem-
aventuranças assim entendida não admite uma leitura privativa, pois os pobres não
se podem entender por si sós senão correlativamente aos ricos. Não admite tam-
bém a leitura eclesiocêntrica, pois uma Igreja pobre ou a empobrecer-se não su-
prime por si as estruturas de domínio que exploram os pobres. Enfim, não se
admite também uma leitura classista, pois a pobreza material, embora constitutiva
da situação do bem-aventurado, não basta por si para configurá-la.
A contradição radical entre pobres e ricos, manifesta no Magnificat de
Lucas, raramente aparecia na pregão e na lição das Igrejas latino-americanas.
Foi o impacto da crise latino-americana, com o desmoronamento da proposta de-
senvolvimentista, em meados da década de 60 que, por fim, atraiu a atenção dos
cristãos para a contradição radical entre pobres e ricos. Esse dado econômico, no
entanto, não entrava ainda na perspectiva teológica e nem a enriquecia com suas
implicações sobre esta conjuntura. A teoria da dependência punha em evidência a
contradição, sobretudo, entre estados pobres e estados ricos. Em Medellín, um
setor da hierarquia assumiu a teoria da dependência e freqüentou os temas do neo-
colonialismo e do colonialismo interno, porém, evitou a consideração da luta de
classes. Já algumas elites de esquerda radicalizaram sua perspectiva sobre a luta
de classes ligando-a à luta antiimperialista. Chega-se assim ao I Encontro de Cris-
tãos pelo Socialismo, realizado em Santiago do Chile em 1972. Neste contexto,
tanto os setores da hierarquia que assumiram a teoria da dependência quanto as
elites de esquerda mantêm uma “interpretação tímidados cientistas sociais e dos
ideólogos de esquerda. Não reconhecem-lhe um foro teológico. Isso tem um efeito
derivado: mesmo que o juízo sobre os pobres e ricos tenha aberto os olhos da His-
821
H. BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.196.
tória, assumindo um ponto de vista latino-americano, a boa nova do Reino e como
expressão dela, as bem-aventuranças, continuam a ser entendidas como antes, isto
é, sem ligões com a História latino-americana
822
.
Indicação disto é que pouco a pouco descobre-se no interior dos corpos
eclesiais a contradão entre pobres e ricos. E evidencia-se a concepção mítica”
da pretensão da unidade da Igreja. Descobre-se que também a Igreja é, ou pode
ser, sede da luta de classes. Descobre-se a contradição entre as Igrejas ricas e as
Igrejas pobres. Há a distância entre os próprios estados ricos e pobres na América
Latina. Há a contradição entre religiosos e clero, ricos e pobres
823
. Esta exacerba-
ção das contradições entre pobres e ricos, em tantos níveis, ao verificar-se nestes
termos, políticos e econômicos, deve afastar a tentativa de leitura privativa ou
eclesiocêntrica das bem-aventuranças. Ficar-se-á então com a classista ou propor-
seoutra, mais profunda, na qual a política, longe de desalojar o dado bíblico,
sirva para a melhor compreensão, com base em nova hermenêutica? A elucidação
desta possibilidade constitui-se no próximo passo rumo a uma interpretação das
bem-aventuranças que venha a contribuir para a transformação social.
Pobreza e ação política
Héctor Borrat, a partir de estudiosos como Bonnard, Bornkamm e Schnie-
wind
824
, propõe que todo o corpo das bem-aventuranças constitui uma unidade.
Nela os pobres o os que fazem misericórdia, os que procedem como pessoas
íntegras, os que buscam a paz, os perseguidos por causa da justiça. São pobres por
sua ação para com os outros, porque lutam pela justa. Desta forma, o pobres
políticos. Não apenas o padecer, mas também o fazer aparece como constitutivo
da bem-aventurança. Não basta padecer, importa fazer as mudanças: fazer miseri-
córdia, fazer a paz, por causa da justiça. Isso significa fazer política. Esse fazer
leva ao auge o padecer. Aqui Héctor Borrat pretende ir além de Bonnard, Schnie-
wind e Bornkamm, reassumindo as implicações da afirmação de que as bem-
822
Cf. H. BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.196-197.
823
Afirma H. Borrat: “participantes, ao mesmo tempo, do âmbito das Igrejas ricas (por seus cen-
tros de direção e financiamento) e do das Igrejas pobres (por sua radicação), aparecem os religio-
sos estrangeiros ou latino-americanos como os mais ricosdo clero. Precisamente os mais
‘ricos’ são os que fizeram voto de pobreza”. Ibid., p.197. O itálico é de Héctor Borrat.
824
H. Borrat apresenta as seguintes indicações bibliográficas destes autores: P. BONNARD,
L´évangile selon saint Matthieu, Neuchâtel 1963; J. SCHNIEWIND, Das Evangelium nach
Matthäus, Göttingen 1968; G. BORNKAMM, Jesus de Nazaré, Petrópolis 1976. Citados em: H.
BORRAT, op. cit., p.203-204.
aventuranças são cristocêntricas. As bem-aventuranças são positivamente cristo-
cêntricas. Por isso, em Mateus 5 e Lucas 6, há uma única bem-aventurança. Bem-
aventurança que coloca o discípulo no seguimento de Cristo e com Cristo o faz
percorrer o caminho do aniquilamento. Aniquilamento que se da pobreza à
perseguição, da privão de bens e serviços à carência de tudo, até da libertação e
integridade física, até da própria vida. Esse esvaziamento progressivo é o itinerá-
rio inevitável do discípulo bem-aventurado. Acompanha os passos daquele que
nasceu pobre e empobreceu-se tanto mais quanto mais sofreu perseguição, até a
pobreza-perseguição total que foi sua morte na cruz (cf. Fl 2,6-12)
825
.
Na América Latina, a pobreza, entendida como relativa à riqueza de ou-
tros, implica um problema político. Entende-se assim a perseguição na América
Latina. Esta se dá sobre os que se lançam à ação política para fazer justiça no
mundo. Contra estes é que se lançam os poderes que se sentem ameaçados. A par-
tir dessa interpretação, -se que as bem-aventuranças não bloqueiam as mudan-
ças sociais. Pelo contrário, impelem para sua realização com urgência evangélica.
O bem-aventurado padece e age, não porque assim o exige a realização de um
projeto político. Padece e age porque nessa realização do projeto político encon-
tra, segundo seu leal saber e entender, “seu próprio roteiro para fazer misericórdia,
para agir como homem íntegro, para trabalhar como artífice da paz, para lançar-se
à ação por causa da justiça”
826
.
A conjuntura latino-americana leva a enfatizar, segundo Héctor Borrat, o
extremo aniquilamento da perseguição por causa da justiça. À medida que a luta
pela libertação toma corpo e convoca mais militantes, à medida que contra ela se
enrijece a perseguição dos governos ditatoriais, nutrida e estimulada pela metró-
pole norte-americana, ávida por transformar as forças armadas latino-americanas
em suas tropas de ocupação e sua polícia militar, cresce por toda a América Latina
o número de perseguidos e incrementa-se, dentro deles, o de cristãos chamados a
compartilhar com os não-crentes tal situação de perseguição. Assim, todo um se-
tor da Igreja sofre perseguição
827
. No outro setor, “cúmplices ou autores surgem
825
Cf. H. BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.198-199.
826
Ibid., p.200.
827
H. Borrat afirma: “Anos ats, a morte de um Camilo Torres ou a denuncia e um D. Helder
Camara podiam isolar-se como exceções estritamente individuais, à contramão de uma existência
pacífica entre Igrejas e governos que se dava por descontada. Agora, a expulsão do jesuíta espa-
nhol Caravias só se pode entender no contexto do confronto do governo paraguaio com uma Igreja
lançada à defesa dos direitos essenciais e no da cotidiana perseguição contra os anônimos militan-
por sua vez como perseguidores
828
. Desta forma, quando os perseguidos por cau-
sa da justiça o cristãos, a bem-aventurança o apenas serve de impulso poten-
ciando, acelerando sua ação em prol das mudanças sociais, mas também confere a
essa ação seu profundo e permanente sentido, pois a vincula à economia do Reino,
iluminada já pelo evento pascal, próxima do evento parusíaco. Nas condições lati-
no-americanas de então, sofrer perseguição é situação normal para qualquer mili-
tante, cristão ou não. Tal sofrimento aparece como contraface da eficácia política
necessária para fazer a justiça no mundo
829
. Assim a contribuição dos perseguidos
por causa da justiça para as mudanças sociais não é quantificável ou verificável
em perspectiva secular. É, porém, certeza de eficácia para os que aceitam a pro-
messa do Reino, pois fazem de sua tribulação caminho de participação na cruz e
na viria parusíaca do Senhor da História (cf. 1Pd 4,13). Enfim, é no drástico
cristocentrismo que as bem-aventuranças encontram sua base e fundamento
830
.
A bem-aventuraa esquecida
Para Héctor Borrat, o bem-aventurado realiza a exortação de Fl 2 e as
bem-aventuranças de Mateus e Lucas são uma só, porém, perfazem um aniquila-
mento: da pobreza à perseguição, da carência de bens à carência de tudo. A po-
breza, como correlativa da riqueza de outros, implica ser um problema político e a
perseguição desencadeia-se contra os que se empenham, na América Latina, na
ação política. É preciso ressaltar que esta dimensão política aparece com extraor-
dinário vigor em outras bem-aventuranças bíblicas. Trata-se das bem-
aventuranças do Apocalipse (Ap 13). Surge aqui a questão: por que essa bem-
aventurança é crassamente esquecida pelas Igrejas?
Uma primeira resposta vai na linha de que se trata de um gênero apocalíp-
tico e como tal é dificílimo e culturalmente remoto. Porém, esta resposta é insatis-
fatória. O caminho parece ser bem outro. Trata-se, segundo a interpretação de H.
tes das Ligas Agrárias Cristãs. E os meses de prisão que sofreu o pároco argentino Alberto Carbo-
ne encontram explicação na hostilidade do regime contra os terceiromundistas”. Ibid., p.200.
828
H. BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.200.
829
Para H. Borrat, essas afirmações são justificadas da seguinte forma. A luta é repleta de fracas-
sos heróicos, que tiveram estatura de arquétipos primeiro em Camilo Torres e depois em Che Gue-
vara. Ambos não realizaram seu projeto de libertação. Porém, quantos militantes que continuam
de não optaram pela ação a partir desse duplo testemunho? Sem a fama de Che e de Camilo,
quantos mortos, quantos torturados, quantos perseguidos por causa da justiça, ao encerrar-se seu
curriculum de revolucionários, pela força das circunstâncias, tornam eficaz, com o seu padecer, o
agir dos outros? Quantas derrotas de hoje não servem à vitória a longo prazo?”. Ibid., p.200-201.
830
Cf. Ibid., p.200-201.
Borrat, da indisfarçável densidade política de todo o livro do Apocalipse. Enquan-
to as bem-aventuranças dos evangelhos puderam ser entendidas a partir de uma
leitura privatista ou eclesiontrica, as do Apocalipse ocorrem num texto tão den-
sa e diretamente político que de imediato desautoriza qualquer leitura eclesiocên-
trica ou privatista. A privatista porque seus protagonistas, mais que personagens
individuais, são poderes mundanos, poderes políticos, à frente dos quais se encon-
tra o poder imperial da Babilônia, ou seja, o imperador Diocleciano, de Roma,
quando, em fins do século I já viviam os cristãos a bem-aventurança dos perse-
guidos pelo poder estatal. a leitura eclesiocêntrica é rejeitada porque as Igrejas,
longe de serem idealizadas como comunidades perfeitas, como refúgios seguros
contra os olhares do mundo, aparecem no Apocalipse como sujeitos históricos,
com luzes e sombras, também elas sob o julgamento de Deus (Ap 2,3).
Para H. Borrat, é preciso destacar que essa desautorização da leitura priva-
tista, feita pelo Apocalipse, afeta por igual a espiritualidade tradicional do catoli-
cismo pré-conciliar e do pietismo protestante quanto à interpretação existencial
que prosperou na Europa do entre-guerras, sob o influxo de Bultmann. Afeta,
pois, o “velhoe o “novo”. Afeta os hábitos do povo crente como a sofisticação
de certas elites intelectuais. O Apocalipse mostra que não existência humana
separada da História mundial. O ser humano não é apenas suporte e sujeito da
História. Por pertencer à natureza, ele é igualmente objeto e cenário de História
que está se desenvolvendo. Ele é determinado não apenas pelo tu que o encontra,
mas igualmente por todos poderes anônimos incluídos no conceito de mundo
831
.
Em chave escatológica
Para a América Latina, voltar ao Apocalipse significa reencontrar-se a si
própria em assembléia litúrgica. A primeira bem-aventurança do Apocalipse refe-
re-se às Igrejas, comunidades, ao “que lê e aos que ouvem”. O autor do Apocalip-
se exige que se escutem e guardem as palavras da profecia “porque está próximo o
tempo”. Trata-se do porqque liga o presente de cruz ao futuro parusíaco e de
certo modo já fez gozar este naquele. Idêntica chave escatológica é exigida pelas
outras bem-aventuranças do Apocalipse (cf. Ap 14,13; 16,15; 19,9; 20,6; 22,27;
22,14). A atenção solicitada faz-se “tensão sem pausas”. Essa tensão escatogica
é o inverso do escatologismo. Ela exige a maior ação em cada dia, exatamente
porque não se sabe se será o último, o do juízo, aquele em que o Senhor chega
como ladrão. “Daí a transcendência destas bem-aventuranças para urgir, em cada
cristão e na Igreja reunida, as mudanças sociais”
832
. Enfim, como em Lucas, tam-
bém o Apocalipse apresenta a contraface das bem-aventuranças, a saber, os ais.
Estes ais do Apocalipse não fazem acepção de pessoas, nem distinguem metrópo-
le e colônias. (cf. Ap 8,13). Só a Cruz de Cristo é que pode livrar a humanidade da
própria ruína. Só em Cristo o ser humano é bem-aventurado
833
.
4.3. A Teologia da Libertação como referencial de interpretação
teológico-libertadora da conversão da Igreja e das Bem-
Aventuranças: Sinais da emergência da Espiritualidade da
Libertação e da interpretação bíblico-libertadora
As exposições de Héctor Borrat e Cândido Padin são duas interpretações
teológico-espirituais sobre as relações entre a fé cristã e a transformação social na
América Latina. Têm em comum a tentativa de proporem, a partir da perspectiva
das principais teses da Teologia da Libertação, uma nova leitura espiritual-
teológica (no caso de C. Padin) e bíblico-teológica e espiritual (no caso de H. Bor-
rat). Essa parece ser a contribuição geral destes dois autores em El Escorial. Eles
testemunham e registram, por um lado, embora germinalmente, a gênese de uma
Espiritualidade da Libertação que adquirirá crescente relevância e espaço dentro
da Teologia da Libertação. E, por outro, especialmente no caso da exposição de
ctor Borrat, a gênese de uma nova interpretação bíblica latino-americana.
Percebe-se que em ambas interpretações o fundamento que as sustenta é
constituído a partir de alguns dos temas mais candentes da nascente Teologia da
Libertação, como por exemplo, a unidade da História, a relação entre cristã e
política, o compromisso dos cristãos na transformão libertadora da História, a
contradição da riqueza e da pobreza na América Latina, a dimensão política como
mediação de aspectos relevantes da cristã (como a conversão, a justiça), a en-
carnação como princípio e fundamento cristão da presença dos cristãos nas trans-
formações sociais, políticas e culturais da História latino-americana, a conflitivi-
dade resultante do engajamento cristão no compromisso libertador. Com isso,
831
Cf. H. BORRAT, As Bem-Aventuranças e a transformação social, p.201-202.
832
Ibid., p.203.
833
Cf. Ibid., p.202-203.
essas interpretações são ao mesmo tempo originais e coerentes com o projeto de
uma Teologia libertadora que então encontrava-se dando seus primeiros passos.
Tanto a interpretação de Héctor Borrat quanto a de Cândido Padin trazem
com mais clareza que as demais exposições de El Escorial um aspecto que se tor-
nará crescente no período posterior a este Encontro. Trata-se do tema do confronto
dos cristãos comprometidos com a libertação com os regimes ditatoriais latino-
americanos e da crescente perseguição laada contra todos os que se comprome-
tem com as transformações sociais e políticas rumo a uma Nova Sociedade. Por
exemplo, em Cândido Padin, certamente influenciado pelo contexto de endureci-
mento do regime ditatorial implantado no Brasil em 1964, o compromisso com a
defesa da dignidade do ser humano vilipendiada e destruída pela violência dos
regimes autoritários é alçada a critério de autêntica conversão cristã. A conversão
a Cristo exige expressão social e concreta. Exige sua encarnação na História.
Por isso a conversão a Cristo, Verbo encarnado, é conversão ao ser huma-
no, historicamente limitado e condicionado pelo tempo e pelo espaço. No contex-
to latino-americano, isso significa dizer que a conversão a Cristo coloca para a
Igreja o urgente desafio de comprometer-se com o ser humano, significa denunci-
ar tudo o que o degrada. Isso implica na tarefa de a Igreja tomar a palavra e posi-
cionar-se contra os regimes autoritários que violentam o povo latino-americano.
Isso significa contribuir para que o povo seja sujeito de sua História rumo a sua
libertação. O fundamento último desta urgência de a Igreja comprometer-se com o
ser humano é dado pela encarnação. Converter-se a Cristo é converter-se ao ser
humano assumido pela encarnação do Verbo. Conseqüentemente, destruir e violar
este ser humano é destruir e violar a presença de Deus na História. Enfim, para C.
Padin, evidencia-se que a operacionalidade e expressão política da conversão é o
autêntico testemunho e o necessário critério da conversão a Cristo.
Héctor Borrat, por sua vez, compreende a pobreza, entendida como relati-
va à riqueza de outros, como problema político. Os pobres que, por sua ação para
com os outros, lutam por causa da justiça, sofrem perseguição. Assumem o fazer
política e colocam-se no seguimento de Jesus fazendo o caminho do aniquilamen-
to. Aniquilamento que se dá da pobreza à perseguição, da privação de bens e ser-
viços à carência de tudo, até da libertação e integridade física, até da própria vida.
Este esvaziamento é o itinerário do bem-aventurado na América Latina.
Na América Latina, a perseguição se dá sobre os que se lançam à ação
política para fazer justiça. Contra esses se lançam os poderes dominadores que se
sentem ameaçados. -se que na América Latina, na medida que a luta pela liber-
tação toma corpo, na medida que contra ela se enrijece a perseguição dos gover-
nos ditatoriais, cresce por todo continente o número de perseguidos por causa da
justiça. Assim, para os cristãos perseguidos, as bem-aventuranças não apenas ser-
vem de impulso, potenciando e acelerando sua ação em prol das mudanças soci-
ais, como também conferem a essa ação seu mais profundo e permanente sentido,
a saber, a economia do Reino iluminada aqui e agora pelo evento pascal de Cristo.
Enfim, na América Latina, o sofrimento e a perseguição aparecem para o cristão
como a contraface da eficácia política necessária para fazer a justiça no mundo.
Desta forma, as bem-aventuranças, em sua unidade cristocêntrica, apresentam-se
como impulsoras e potencializadoras das transformações sociais urgentes no con-
tinente latino-americano.
Tomadas em seu conjunto, as exposições de Cândido Padin e Héctor Bor-
rat evidenciam as conseqüências históricas e políticas do engajamento cristão na
transformação do continente latino-americano. Perseguição, sofrimento e com-
promisso radical com a dignidade humana são sinais de uma auntica conversão e
da bem-aventurança a impulsionar a transformão da História na América Latina.
O critério último da conversão a Cristo e a expressão máxima da bem-aventurança
é político, histórico, encarnado nas contradições que marcam o continente. São
critérios que colocam a diante da necessidade e do desafio de encarnar-se na
História para transformá-la em lugar da Nova Humanidade e da Nova Sociedade.
Vê-se, portanto, qua a nova interpretação bíblica latino-americana, bem
como a emergente Espiritualidade da Libertação, assumem a mútua relevância
entre e práxis, entre Teologia e História, entre cristã e transformão social
da América Latina. Será autêntica a fé, a espiritualidade e a interpretação bíblica
cristãs que de fato encarnar-se na História contribuindo para a sua transforma-
ção, rumo a uma só História como lugar da experiência de Vida e Salvação.
C O N C L U S Ã O
Ao término deste capítulo torna-se necessário dar dois passos. Trata-se de,
por um lado, recolher as principais afirmações propostas e, por outro, situá-las no
contexto amplo desta pesquisa. O tema geral que orientou a refleo neste capítu-
lo foi a pergunta pela Teologia no contexto de América Latina, tal como esta foi
interpretada e apresentada em El Escorial. Em íntima conexão com o capítulo an-
terior, perguntou-se pela Teologia que é relevante para a realidade de opressão,
dominação, dependência e, ao mesmo tempo, de emergência do processo revolu-
cionário de libertação que marcam a Hisria na América Latina.
Embora El Escorial não tenha sido um encontro para abordar a Teologia da
Libertação, esta evidencia-se como a Teologia mais relevante e significativa para
a realidade histórica latino-americana. Esta percepção se faz presente como opção
fundamental em todas as exposições e comunicações de El Escorial. No entanto, a
abordagem direta da Teologia da Libertação se dará apenas nas Exposições de
Gustavo Gutiérrez e Juan C. Scannone
834
. Além destas exposições foram conside-
radas também as contribuições de Juan L. Segundo, Héctor Borrat e Cândido Pa-
din
835
. A primeira por abordar, em perspectiva libertadora, um tema importante
para a Teologia da Libertação, a saber, a relação entre Teologia e Ciências Soci-
ais. A segunda e a terceira, por proporem duas importantes reflexões teológicas a
partir das categorias da Teologia da Libertação.
Procurar-se-á descrever, a seguir, os passos dados na análise deste capítulo
e as contribuições mais significativas para responder à questão central que orien-
tou este estudo, a saber: qual Teologia é relevante e significativa para a História
na América Latina segundo a interpretação de El Escorial. História marcada pela
dominação, dependência, miséria e opressão e, ao mesmo tempo, por um lado,
pela crescente consciência das causas e estruturas que mantêm, justificam e sus-
tentam tal situação e, por outro, pelo compromisso de engajamento dos cristãos no
processo revolucionário de libertação rumo a uma Nova História como espaço e
lugar de uma Nova Sociedade e de um Ser Humano Novo.
834
Cf. J.C. SCANNONE, Teologia e Política, p.219-234; G. GUTIÉRREZ, Evangelho e práxis de
libertação, p.205-218.
A Teologia da Libertação e o desafio de uma reflexão teológica relevante no
contexto latino-americano de opressão-libertação: uma Teologia historicamente
comprometida e teologicamente politizada
Em primeiro lugar, verificou-se a presença de uma nova percepção teo-
gica da realidade na América Latina. Esta consiste na nova experiência política e
espiritual dos cristãos latino-americanos. Trata-se de uma leitura teológica daquilo
que social, política, econômica, cultural, religiosa e ideologicamente está ocorren-
do na América Latina de então e dos desafios que esta História latino-americana
lança aos cristãos comprometidos. Emerge assim, no contexto da América Latina,
um novo tipo de reflexão teológica. Esta está imersa em um contexto de espolia-
ção e opressão, mas também de profunda aspiração à libertação. É uma reflexão
feita no contexto aberto pelo processo de libertação que questiona desde as raízes
a ordem social existente: suas bases econômicas, suas estruturas poticas e as di-
ferentes formas de expressão de sua consciência social. Questiona o modo como
os cristãos vivem e pensam sua fé. Isto é possível graças ao crescente empenho e
engajamento de cristãos no processo de libertação. Garante-se, assim, radicalidade
e fecundidade promissoras a esta nova reflexão teológica. O compromisso com o
processo de libertação constitui-se no fato maior da vida da comunidade cristã
latino-americana. Trata-se de uma “radical novidade” que pouco a pouco vai
ganhando lugar na reflexão sobre a fé. Para melhor compreender o ponto de parti-
da desta nova reflexão teológica é preciso compreender este fato maior como fru-
to e etapa de um processo vigente na América Latina.
O primeiro passo deste processo consiste na opção pelo pobre como o no-
vo eixo do ser cristão na América Latina. Trata-se da percepção e consciência, da
parte dos cristãos, das implicâncias históricas de sua . Aos poucos o engajamen-
to dos cristãos diante dos problemas sociais possibilita-lhes tomar consciência das
causas fundamentais da situação de miséria, pobreza e opressão a que são subme-
tidas as maiorias latino-americanas. Isso interpela os cristãos que encontram no
conhecimento científico da realidade uma explicação da situação, bem como o
caminho de uma linguagem mais agressiva e uma ação mais eficaz.
Na opção pelo pobre, o cristão descobre que a pobreza é fruto do sistema
econômico-social latino-americano. Ela é responsabilidade das escolhas políticas
835
Cf. J.L. SEGUNDO, Teologia e Ciências Sociais, p.253-262; H. BORRAT, As Bem-
aventuranças e a transformação social, p.189-204; C. PADIN, A transformação humana do Ter-
ceiro Mundo, exincia de conversão, p.235-250.
e econômicas vigentes. Ante ela se toma consciência da exigência da construção
de uma nova ordem social. Isso exige dos cristãos um profundo processo de con-
versão. Optar pelo pobre implica sair do próprio mundo e ir ao encontro do outro.
Exige mudar o próprio mundo e a visão das estruturas que dividem e separam os
seres humanos. Optar pelo pobre, estar de seu lado, ir ao seu encontro, implica
denunciar o que faz com que haja pobres e ricos, significa denunciar os sistemas e
estruturas que produzem a miséria, pobreza e exclusão. Em razão disso, essa nova
experiência é uma experiência política e espiritual ao mesmo tempo.
A opção pelo pobre implica assumir o compromisso de libertá-lo e com ele
libertar-se. Isso faz com que o cristão que opta pelo pobre faça a experiência do
político como o lugar de conhecer e assumir a História em sua conflitividade. Op-
tar pelo pelo pobre exige assumir a tarefa política em uma perspectiva mais glo-
bal, científica e conflitual. Significa, portanto, assumir científica e conflitualmente
o compromisso libertador que tem no político o lugar de conhecer e assumir a
História em sua conflitividade, em busca de sua transformação libertadora.
O compromisso dos cristãos na práxis de libertação coloca-os também em
nova experiência espiritual que tem no âmbito político o lugar de pensar e viver a
fé e encarnar o Evangelho na História e no tempo. Para os cristãos comprometidos
com o processo de libertação a opção pelos pobres constitui-se em nova experiên-
cia política global e, como tal, revela-se a eles como nova experiência espiritual.
O âmbito político torna-se o espaço em que o cristão comprometido com o pobre
e com a libertação das classes exploradas vive e pensa sua fé. Sua vida orienta-se
espontaneamente para uma exigência evangélica fundamental: a pobreza. Nesta
exigência, o cristão percebe o desafio de identificação com Cristo, que veio ao
mundo para anunciar o Evangelho aos pobres e libertar os oprimidos.
Os cristãos latino-americanos passam a viver a pobreza evangélica como
um ato de amor e de libertação para com os pobres deste mundo, como solidarie-
dade para com eles e protesto contra a pobreza em que vivem, como identificação
com os interesses das classes oprimidas e como recusa da exploração de que são
vítimas. A pobreza - resultado da injustiça social que tem no pecado sua raiz mais
profunda - é assumida, o para ser transformada em ideal de vida, mas para tes-
temunhar o mal que representa. Nisto segue-se o princípio da própria encarnação:
a condição pecadora do ser humano, com suas conseqüências, foi assumida por
Jesus Cristo, não para ser idealizada, mas, por amor e solidariedade para com este
humano, isto é, para redimi-lo do pecado. Esse testemunho de pobreza vivido co-
mo imitação de Cristo, em lugar de afastar do mundo, coloca o ser humano no
âmago da situação de esbulho e opressão e anuncia a libertação e comunhão
com Deus. Essa é uma nova experiência espiritual que tem o âmbito político co-
mo lugar de pensar e viver a fé e de encarnar o Evangelho na História.
A partir do compromisso cristão no processo de libertação nasce na Amé-
rica Latina uma nova inteligência da fé. O compromisso libertador, que é um
compromisso político, é visto em nova perspectiva. Ele leva a nova experiência
espiritual em que a aparece como práxis libertadora. Essa torna-se a fonte de
uma nova reflexão teológica preocupada com a transformação da História. Isso foi
possível graças a alguns passos no processo latino-americano que conduziram a
uma forma diferente de perceber-se como seres humanos e como cristãos. Trata-se
da opção pelo pobre e pelas classes exploradas, somada à percepção da política
como dimeno que abraça toda exisncia humana com exigências de racionali-
dade científica e inevitavelmente conflituosa, a redescoberta da pobreza evangéli-
ca como solidariedade com o pobre e protesto contra a pobreza. Esses aspectos
possibilitaram que os cristãos se percebessem de modo diferente na América Lati-
na. Isso significa um salto qualitativo, do qual é preciso tomar consciência se se
quiser compreender o sentido da nova reflexão teológica que parte desta situação.
Esse salto qualitativo consiste no questionamento radical da ordem social
vigente, na percepção da conflitividade e da luta de classes, na nova consciência
do conhecimento ligado à transformação e na valorização da História como lugar
de verificação do autêntico conhecimento. Trata-se de um salto qualitativo que o
coloca em uma nova forma de perceber-se como ser humano e como cristão. As
implicações desta nova percepção para a Teologia consistem na urgência de uma
nova forma de interpretar, viver e testemunhar a fé. Neste contexto, a realidade
histórica e a práxis transformadora o fonte e critério do autêntico conhecimento
teológico. A Teologia é inteligência da que pode ser efetuada com base na
práxis histórica, na luta dos seres humanos por poder viver como tais, animada
pela esperança naquele que, revelando-se, revela ao ser humano a plenitude nele
existente. Trata-se da inteligência da fé animada pela esperança no Senhor da His-
tória, em quem tudo foi feito e tudo foi salvo, precisamente, na História.
Para os cristãos latino-americanos, o compromisso e o engajamento no
processo de libertação os introduz num mundo que lhes era pouco familiar. Fá-los
dar o que se denominou acima de salto qualitativo, isto é, o questionamento radi-
cal de uma ordem social e de sua ideologia, o rompimento com velhos modos de
conhecer. A isso denominou-se ruptura epistemológica. Isso faz com que seja
pouco significativa para estes cristãos uma reflexão teológica feita em outro con-
texto cultural. Emergem, assim, os germes de um novo tipo de inteligência da fé.
Esses germes emergem do centro das novas experiências dos cristãos latino-
americanos. Elas ensinam a unir, conhecer e transformar teoria e prática.
Assim a autêntica reflexão teológica será a Teologia que se constitui como
reflexão crítica sobre a práxis histórica em confrontação com a Palavra do Senhor
vivida e aceita na fé. Será uma reflexão em e sobre a como práxis libertadora.
Será a inteligência da fé que parte do compromisso em criar uma Nova Sociedade,
justa e fraterna, e que contribui para que esse compromisso seja mais radical e
pleno. Será a inteligência da fé que se faz verdade, que se verifica na inserção real
e fecunda no processo de libertação. Neste sentido, refletir sobre a fé como práxis
libertadora é refletir sobre uma verdade que se faz e não apenas se afirma.
O que caracteriza o autêntico conhecimento teológico latino-americano é
sua capacidade transformadora, iluminadora e crítica da realidade. A realidade
histórica e a práxis transformadora dos cristãos são ponto de partida e de chegada
da nova reflexão teológica. São fonte e critério a partir dos quais se verifica a au-
tenticidade da interpretação da e da Palavra. Um conhecimento teológico que
não parta da realidade de opressão e dominação e não seja capaz de iluminar os
cristãos em sua presença transformadora desta História em Nova História não é
relevante e significativo. Pode ser permeado de belos e altos ideais cristãos, po-
rém, sem efetividade real e histórica. Enfim, irrelevante para a autenticidade da
filiação divina e da fraternidade a que todos são chamados em Jesus Cristo.
Constatou-se que a Teologia da Libertação consiste em uma Teologia que
assume a tarefa da reflexão teológica relevante no contexto de opressão-libertação
que marca a História latino-americana. É, portanto, um esforço teológico que bus-
ca pensar a a partir de como esta é vivida no compromisso libertador. Há, fun-
damentalmente, uma nova maneira de relacionar-se com a práxis histórica. Seu
ponto de partida é a inserção no processo revolucionário de libertação. E sua con-
tribuição é tornar este processo mais radical e global. Isto é possível situando o
compromisso político libertador na perspectiva do dom gratuito da libertação total
de Cristo. Esta libertação de Cristo não se reduz à libertação política, mas se reali-
za em fatos históricos libertadores. Os fatos históricos libertadores são mediações
necessárias para a libertação em Cristo.
Nesta perspectiva, a Teologia da Libertação é uma Teologia da salvação
nas condições concretas do presente histórico. Isso é o que pretende significar o
termo libertação. A refleo teológica realizada no contexto de libertação parte da
percepção de que esse contexto obriga a repensar radicalmente o ser cristão e o ser
Igreja no mundo contemporâneo. Essa reflexão apela para as expressões da razão
humana contemporânea, para as ciências humanas e para a filosofia. Isso permite-
lhe referir-se à práxis hisrica de maneira nova. Essa práxis histórica é uma prá-
xis libertadora, uma identificação com os seres humanos, com as classes sociais
que sofrem miséria e espolião, identificação com seus interesses e suas lutas.
Trata-se, enfim, de uma inserção no processo político libertador, para d e vi-
ver e anunciar o amor libertador de Jesus Cristo pela humanidade.
Enfim, de nada valerá uma Teologia na e sobre a fé como práxis libertado-
ra se esta não tiver relevância para a libertação real de todas as formas de do-
nio, exploração e dependência que afastam o ser humano de seus semelhantes e de
sua filiação divina revelada em Jesus Cristo. É autêntica e relevante a Teologia da
Libertação que de fato contribua para a libertação real. Nisso consiste o desafio de
uma Teologia realizada no contexto social, político, econômico, cultural e ideoló-
gico marcado pela tensão entre dominação e libertação, entre opressão e liberta-
ção. Por isso a Teologia da Libertação é Teologia que parte da práxis histórica dos
cristãos comprometidos e engajados no processo de libertação e, a partir da e da
Palavra de Deus, busca iluminar este mesmo compromisso transformador dos
cristãos rumo a uma Nova História, mais humana, digna, e livre.
Teologia e Política: libertação teológica da Política e libertação política da
Teologia
Um segundo ponto de destaque das abordagens realizadas neste capítulo
diz respeito às relações entre Teologia e Política. Trata-se de explicitar as relões
entre a linguagem teológica e a linguagem política da libertação visando a opera-
tividade e significatividade da Teologia da Libertação no contexto latino-
americano. Na abordagem deste tema estão as chances para a ppria Teologia
latino-americana que se encontra, neste período, dividida entre uma Teologia re-
formista pós-conciliar, com tendência ao absenteísmo político e os cristãos premi-
dos politicamente pelas prioridades do processo de libertação.
Isso significa assumir a tarefa de libertar teologicamente a política para
que esta seja a expressão e o lugar do engajamento significativo e operativo dos
cristãos comprometidos com o processo de libertação. Mas, por outro lado, signi-
fica libertar politicamente a Teologia para que esta não seja uma Teologia preocu-
pada com verdades ahistóricas e descontextualizadas, mas seja de fato relevante
para deixar-se iluminar e iluminar o compromisso libertador na América Latina.
Para abordar este problema partiu-se da interpretação do surgimento e de-
senvolvimento da linguagem da libertação na América Latina. A partir disso,
constata-se o perigo de esvaziamento da linguagem teológica da libertação. Este
ocorre quando uma Teologia dualista separa e abstrai, em fixação estática e ahis-
tórica, os diversos níveis de linguagem, abandonando sua dialética existencial que
os relaciona à realidade concreta e histórica. A abertura da linguagem de liberta-
ção a diferentes níveis de significação, inclusive ao teológico, somada às conse-
qüentes reações emotivas que ela provoca e ao risco de seu esvaziamento em for-
ça e conteúdos políticos, implicam em novas possibilidades e oportunidades reais
e em um desafio para a linguagem teológica de libertação e sua práxis correspon-
dente. Trata-se da possibilidade e oportunidade de a linguagem teológica de liber-
tação libertar-se do resquício de univocidade e abrir-se à novidade de situações
novas, sem perder a força de compromisso político e de concreção histórica.
Essas chances e possibilidades devem ser assumidas como tarefa pela Teo-
logia da Libertação latino-americana. O desafio consiste em como fazer para que a
linguagem de libertação não se despolitize ao teologizar-se e, mesmo assim, se
desunivocize, isto é, liberte-se da univocidade que a prende à sua origem. Como
fazer para que, ao abrir-se analogicamente a seu significado humano teologica-
mente total e a novas situações, a linguagem de libertação não perca sua força
dialética e prática, até alcançar os níveis mais concretos e determinados de lingua-
gem e práxis histórica, já que delas partiu.
Por um lado, embora a linguagem teológica deva desapropriar-se quenoti-
camente (Fl 2) de uma esfera própria, dualisticamente separada da realidade histó-
rica, não deve contudo esvaziar-se do theos (que a faz ser teológica), chegando a
confundir-se com a linguagem sócio-analítica ou política. Por outro lado, porém,
isso não implica que a linguagem teológica deva permanecer etérea ou abstrata,
sem encarnar-se na História. Isto quer dizer, sem mediar, mesmocio-analítica e
politicamente, e sem se determinar como resposta concreta e eficazmente prática à
opressão e dor reais e determinadas que o ser humano sofre na América Latina.
Aqui é preciso levar em consideração a de Calcedônia que afirma a en-
carnação do Verbo de Deus em que o divino e o humano unem-se “inconfusa e
indivisamente”. Trata-se, à luz da cristológica de Calcedônia, de buscar respos-
tas e caminhos diante dos desafios que a História latino-americana lança à Teolo-
gia da Libertação. Observa-se aqui a necessidade de rejeitar, por um lado, uma
Teologia dualista e ahistórica, e por outro, a identificação entre fé e política. Ante
tal situação, urge buscar um pensamento dialético, como o que transparece na
expressão “inconfusa e indivisamente” da fórmula cristológica de Calcedônia.
No caso da Teologia da Libertação, esta perspectiva vai na linha da unida-
de histórico-salvífica da História. É nesta unidade que se pode pensar o desafio
de uma Teologia historicamente comprometida e teologicamente politizada. Trata-
se, portanto, da relação entre Teologia e política articulada a partir do princípio da
unidade histórico-salvífica entre e política, entre História e História da salva-
ção. Estabelecem-se assim quatro campos de relação nos quais é possível a Teo-
logia assumir uma relação com a política de forma significativa, operativa e liber-
tadora. Trata-se da relação entre fé e política, entre fé e autonomia da ciência e da
técnica, da relação entre Teologia como discernimento e opção política, e por fim,
da relação entre Igreja, discernimento e opção política. A partir destes quatro
campos de relação busca-se explicitar qual Teologia é operativa e significativa no
contexto latino-americano. Em suma, necessita-se de uma Teologia que estabeleça
uma relação significativa e operativa com a realidade social, política, econômica e
cultural, auxiliando no discernimento das opções políticas, econômicas e sociais
sem, contudo, confundir-se com estas. Esta é uma Teologia que, a partir do prin-
cípio da unidade da História, configura-se como uma Teologia historicamente
comprometida e teologicamente politizada.
Enfim, vê-se que a transcendência da fé, vivida de modo encarnado, à
Teologia não apenas a possibilidade de criticar tudo o que nas opções e movimen-
tos políticos se oe à verdade e à caridade, impedindo que se absolutizem. Dá-
lhe, ainda, a possibilidade de contribuir na procura da linha por onde passa histo-
ricamente o apelo concreto do amor aos irmãos. Possibilita-lhe também tatear,
“em temor e tremor” o novo passo a dar cada vez, assumindo o risco do discerni-
mento e do compromisso correspondente de empenhar-se eficazmente para a
transformação da realidade, a serviço dos irmãos. Desse modo, a Teologia, sem
deixar de ser Teologia, antes exatamente por sê-lo, será autenticamente histórica e
prática, historicamente comprometida e teologicamente politizada.
Teologia e Ciências Sociais em uma Teologia Libertadora
Nesta abordagem parte-se da afirmação de que a suspeita lançada sobre
uma práxis social coletiva que esconde suas verdadeiras motivações, que desco-
nhece seus próprios mecanismos, que foge em conceitos ideais de sua realidade
mais concreta e conflitante, é original e profundamente cristã. A ideologia, toma-
da em sentido estrito como sistema de idéias com que se oculta e justifica deter-
minada relação de produção, constitui algo enraizado na mensagem cristã e o é
algo exclusivamente marxista, a não ser em sua formulação. Há, portanto, uma
ideologização que se situa dentro do complexo edifício de uma Teologia ou práti-
ca religiosa. Isso faz com que se deseje compreender melhor quais são os meca-
nismos concretos pelos quais entrou de fato a ideologia no edifício da fé.
Este desejo o se dá simplesmente por considerações teóricas, mas para
compreender operativamente qual pode ser o caminho inverso de desideologiza-
ção. A própria mensagem cristã impele a realizar esse caminho de desideologiza-
ção. No entanto, não oferece os instrumentos científicos concretos para tal tarefa.
Supõe-se, então, que estes instrumentos sejam dados somente pela Sociologia,
ciência dos comportamentos coletivos. O problema, importante e doloroso, é a
verificação pela Teologia libertadora que, salvo raras exceções, ela não pode con-
tar com a cooperação do sociólogo neste campo capital do ideológico.
Por que, afinal, a Teologia libertadora não pode contar com a Sociologia
na tarefa da desideologização da fé? Várias passagens da evolução da Sociologia,
desde a Sociologia de Marx, na Ideologia Alemã, demonstram um esvaziamento
ideológico. Não se tem uma Sociologia ideológica, isto é, uma Sociologia que
tenha por objeto a ideologia existente no seio dos comportamentos sociais. Esta
seria a única que poderia contribuir no esforço teológico. Assim a evolução da
Sociologia consistiu em seu progressivo esvaziamento ideológico. Esse esvazia-
mento ideológico, apresentado em sete passagens, é conectado aos problemas teo-
lógicos latino-americanos mais significativos. Esta conexão serve para exemplifi-
car como não se pode encontrar solução teológica para esses problemas sem uma
Sociologia que se recupere de seu deslizamento, de seu esvaziamento ideológico.
Esta evolução negativa da Sociologia, presente nas passagens que ela ex-
perimentou em sua evolução, permite que se perceba que duas extremidades na
Sociologia. Numa está Marx e a Sociologia primitiva e na outra a Sociologia fun-
cionalista ou positivista de tipo americano. Esta constatação permite a interroga-
ção: acaso ter-se-ia na Sociologia marxista contemporânea um instrumento mais
adequado para a tarefa teológica no contexto latino-americano? Parece que, por
muito lógica que seja, esta esperança é falsa.
Primeiro, porque a Sociologia marxista não é conseqüente em sua aplica-
ção do conceito de ideologia aos fenômenos religiosos. Segundo, porque a Socio-
logia marxista não aceitou metodologicamente a relativa autonomia dos níveis
superestruturais. Daí que estas análises são pobres no que diz respeito à maior ou
menor capacidade libertadora das superestruturas. Do ponto de vista teológico, o
teólogo latino-americano, sente-se sem um necessário suporte da Sociologia para
a tarefa teológica de desideologização. Com isso, parece evidenciar-se que é uma
impossibilidade o que a Teologia pede à Sociologia no caso da desisdeologização.
A transformação humana do Terceiro Mundo e a exigência de conversão
As relações entre a transformação humana do Terceiro Mundo e a exigên-
cia de conversão são abordadas em quatro pontos: a conversão em perspectiva
bíblica; a relação entre conversão e desenvolvimento; o desafio da conversão da
Igreja; a originalidade da conversão, e por fim, uma conclusão em perspectiva
operacional, que manifesta a dimensão política da conversão. Desta abordagem
pode-se indicar alguns aspectos mais relevantes.
Um dos primeiros aspectos a destacar é que conversão a Deus exige con-
versão ao ser humano e esta exige uma expressão social. Sem a dimensão social
não se tem a convero proposta por Jesus Cristo, pois ele veio para formar co-
munidade, para dar sentido comunitário à vida humana. Dessa forma, a comuni-
dade de convertidos deve ser uma comunidade convertida. Em conseqüência, a
Igreja não será comunidade de Jesus Cristo, se ela própria não se converter. Essa
conversão exige compromisso e esse compromisso é com o ser humano. A Igreja,
enquanto instituição presente no mundo, precisa mostrar seu compromisso de
forma visível e eficaz. desta maneira ela estará convertida ao Cristo total. Essa
perspectiva exige sérias mudanças na própria Igreja.
A necessidade de a Igreja comprometer-se procede, fundamentalmente, da
encarnação. A Igreja que o se compromete é uma Igreja que se aliena do con-
texto da encarnação. Enfim, a Igreja precisa comprometer-se radicalmente com o
ser humano. Isso significa a denúncia de tudo o que degrada o ser humano, pois
este é amado por Deus e é parte da vida de Cristo. Permitir a degradação do ser
humano é degradar o próprio Cristo. Desta forma, se a Igreja não se sente capaz
ou não tem a coragem de denunciar as degradações do ser humano, é porque não
se converteu de fato a Jesus Cristo. Falta-lhe a dimensão real e universal da encar-
não. Essa encarnação é urgente na América Latina. Trata-se de uma importante
missão que deve ser assumida na América Latina, ante a instalação de regimes
autoritários e violentamente repressivos em que, em nome da ordem, a dignidade
do ser humano é violada e violentada. A Igreja precisa levantar sua voz e tomar
partido, do contrário estará negando a própria encarnação e evidenciando sua não
conversão a Cristo, no próximo. Isso implica contribuir para que o povo latino-
americano seja sujeito de sua própria História. Por isso, sem um intenso processo
de conscientização do povo, para compreender e assumir sua própria História, não
pode haver uma verdadeira concretização dos caminhos da conversão.
Por fim, esta conversão precisa ter uma operacionalidade e expressão polí-
tica. A conversão à pessoa de Cristo inclui, necessariamente, a conversão ao ser
humano, assumido pela encarnação do Verbo de Deus. Depois que Cristo assumiu
a humanidade, o ser humano pertence a Deus. Por isso, violar a pessoa humana é
violar o próprio Deus. Destruir os valores de um ser humano é destruir a presença
de Deus. Em conseqüência, nas circunstâncias contemporâneas de El Escorial, em
que ocorre o endurecimento dos regimes latino-americanos, que pretendem a
conservação de uma falsa ordem estabelecida e impedem a criação de uma Nova
Sociedade, mais humana e justa, a conversão do ser humano deveria buscar novas
formas institucionais que salvem a dignidade da pessoa. O poder, em vários países
latino-americanos, foi tomado por elites de dominação, grupos econômicos, polí-
ticos ou militares, que assumem indevidamente a tutela do povo. Segundo esta
pseudo-democracia, as elites consideram que os povos são incapazes de assumir
sua História, incapazes de governar-se democraticamente.
Este esquema pseudo-democrático constitui-se em uma injúria à dignidade
da pessoa humana. E se a Igreja não denunciar o pecado da violação da dignidade
do ser humano estará pactuando com o pecado. Enfim, a conversão deve ser eficaz
e operativa e não sentimental. E as Igrejas, para efetivarem sua conversão, deveri-
am desinstalar-se de uma cômoda situação diante de tais governos, destruidores da
dignidade humana, e demonstrar que sua conversão é conversão ao ser humano,
por quem o próprio Cristo ofereceu a vida. É só nesta dimensão de efetividade que
se prova e se verifica a verdadeira e radical conversão a Cristo.
As Bem-Aventuranças e a transformação social na América Latina
Apresenta-se aqui uma tentativa de releitura de um tema central da espiri-
tualidade evangélica. A partir das Bem-Aventuranças e dos ais dos evangelhos e
do Apocalipse, propõe-se, em categorias políticas, uma atividade política radical-
mente orientada para a transformação progressivamente humana do mundo. A
questão central que se aborda pode ser expressa nos seguintes termos. Se, por um
lado, pela radical inversão de situações, as bem-aventuranças podem funcionar
como paradigma das mudanças sociais, exatamente aquelas que, de tão profundas
e rápidas, são chamadas de revolução, por outro, não contribuiriam para uma acei-
tação passiva da tribulação que se vive, não implicariam desinteresse pelas mu-
danças que devem ser feitas já, sem esperar a irrupção do reino? Enfim, as bem-
aventuranças impulsionam ou reprimem as mudanças sociais?
As respostas das interpretações privatista, classista e eclesiocêntrica das
bem-aventuranças não dão conta de solucionar este problema. Impõe-se, desta
forma, uma nova interpretação das bem-aventuranças de Lucas e Mateus. As dife-
renças das variantes pobres e pobres de espírito, de Lucas e Mateus, respectiva-
mente, indicam apenas uma distinta ênfase produzida pelo contexto das comuni-
dades a que os Evangelhos se dirigem. Tanto em Mateus como Lucas os dois ver-
sículos (“pobres” em Lc e “pobres em espírito em Mt) das bem-aventuranças
dizem a mesma coisa. Indicam que a pobreza dos bem-aventurados é, a um
tempo, pobreza econômica e pobreza diante de Deus. Pobreza material e também
espiritual. Se Mateus destaca antes o lado interno e Lucas o lado externo da po-
breza, isso não significa que cada qual enxergue unicamente o lado que salienta. O
que determina o acento de cada um é antes a situação especial do leitor de cada
evangelho. Neste sentido, Mateus combate a auto-suficiência religiosa e Lucas a
mundanização. Cada evangelista tem sua própria preocupação pastoral e em cada
um, o anúncio da boa-nova é adequado a sua respectiva comunidade.
Porém, ainda permanece a interrogação fundamental: as bem-aventuranças
impulsionam ou reprimem as mudanças sociais na América Latina? Para buscar
uma resposta é preciso perceber que a contradição radical entre pobres e ricos,
manifesta no Magnificat de Lucas, raramente aparecia na pregação e na lão das
Igrejas latino-americanas. Foi o impacto da crise latino-americana, com o desmo-
ronamento da proposta desenvolvimentista, em meados da década de 60 que, por
fim, atraiu a atenção dos cristãos para a contradição radical entre pobres e ricos.
Porém, mesmo que o juízo sobre os pobres e ricos tenha aberto os olhos da Histó-
ria, assumindo um ponto de vista latino-americano, a boa nova do Reino, e, como
expressão dela, as bem-aventuranças, continuam a ser entendidas como nos velhos
tempos, isto é, sem ligações com a Hisria latino-americana.
Para se buscar uma resposta à interrogação fundamental é preciso perceber
que todo o corpo das bem-aventuranças constitui uma unidade. Nela os pobres são
os que fazem misericórdia, os que procedem como pessoas íntegras, os que bus-
cam a paz, os perseguidos por causa da justiça. São pobres por sua ação para com
os outros, porque lutam pela justiça. Desta forma, são pobres políticos. Não ape-
nas o padecer, mas também o fazer aparece como constitutivo da bem-
aventurança. Não basta padecer, importa fazer as mudanças: fazer misericórdia,
fazer a paz, por causa da justiça. Isso significa fazer política.
Percebe-se que as bem-aventuranças são fundamentalmente cristocêntri-
cas. Por isso, em Mateus 5 e Lucas 6, são uma única bem-aventurança. Bem-
aventurança que coloca o discípulo no seguimento de Cristo e com Cristo o faz
percorrer o caminho do aniquilamento. Aniquilamento que se da pobreza à
perseguição, da privão de bens e serviços à carência de tudo, até da libertação e
integridade física, até da própria vida. Esse esvaziamento progressivo é o itinerá-
rio inevitável do discípulo bem-aventurado.
Na América Latina a pobreza, entendida como relativa à riqueza de outros,
implica um problema político. Entende-se, assim, a perseguição na América Lati-
na. Esta se dá sobre os que se lançam à ação política para fazer justiça neste mun-
do. Contra estes é que se lançam os poderes que se sentem ameaçados. A partir
dessa interpretação vê-se que as bem-aventuranças não bloqueiam as mudanças
sociais. Pelo contrário, impelem para sua realização, com urgência evangélica.
Enfim, a conjuntura latino-americana leva a enfatizar o extremo aniquila-
mento da perseguição por causa da justiça. À medida que a luta pela libertação
toma corpo e convoca mais militantes, à medida que contra ela se enrije a perse-
guição dos governos ditatoriais, cresce por toda a América Latina o número de
perseguidos e incrementa-se, dentro deles, o de cristãos chamados a compartilhar
com os o-crentes tal situação de perseguição. Quando os perseguidos por causa
da justiça são cristãos, a bem-aventurança não apenas serve de impulso, potenci-
ando e acelerando sua ação em prol das mudanças sociais, mas também confere a
essa ação seu mais profundo e permanente sentido, pois a vincula à economia do
Reino, iluminada já pelo evento pascal, próxima do evento parusíaco. O sofrimen-
to aparece como contraface da eficácia política, necessária para fazer, na verdade,
a justiça neste mundo. Assim, a contribuição dos perseguidos por causa da justiça
para as mudanças sociais o é quantifivel nem verificável em perspectiva nu-
mérica. É, porém, certeza de eficácia para os que aceitam a promessa do Reino,
pois fazem de sua tribulação caminho de participação na cruz e na vitória parusía-
ca do Senhor da História (cf. 1Pd 4,13).
Teologia da Libertação: Teologia relevante para História da América Latina?
A síntese deste capítulo, acima exposta, coloca em evidência contribuições
para a verificão da hipótese da mútua relevância entre Teologia e Hisria na
Teologia da Libertação. As indicações que por ora se apresentará são conclusões
parciais que ao término da pesquisa serão retomadas, reavaliadas e abordadas em
perspectiva mais ampla, visando verificar a veracidade da hipótese de trabalho.
Uma contribuição que se pode destacar, é que a América Latina, na época
de El Escorial e segundo a interpretação de seus expositores, vive a emergência da
nova reflexão teológica baseada na nova experiência espiritual e política. Esta
reflexão o é resultante de um ou outro teólogo “iluminado”, mas de uma nova
percepção teológica comuniria da realidade. Essa nova percepção teológica é
conseqüência da nova experiência espiritual e potica dos cristãos. O eixo central
desta nova experiência espiritual e política é a opção pelo pobre, oprimido e esbu-
lhado. Essa opção se dá graças à passagem de uma espiritualidade ahistórica e
apolítica, que faz do pobre objeto de caridade e esmola como “bônus” para conse-
guir uma salvação futura, para uma inserção radical no mundo do pobre. Esta in-
serção possibilita ao cristão que a realiza passar para o outro lado, para o mundo
da pobreza, da miséria, da opressão. Essa passagem não se realiza como forma de
sacralizar e idealizar a pobreza, mas como denúncia de seu poder desumanizador e
como testemunho contra ela e contra as forças que a produzem.
No compromisso com o pobre, ao optar por ele, os cristãos começam a
recorrer às Ciências Sociais e Humanas para uma leitura crítica e mais científica
da realidade e das causas profundas que produzem e mantêm a situação de pobre-
za, miséria, dominação e dependência na América Latina. Nisto percebem a po-
breza como desumanização e como injustiça de uns sobre outros. Isso exige tomar
posição. Estar do lado do pobre e denunciar as causas profundas da pobreza é es-
tar contra os que produzem pobres. Nisto o cristão comprometido faz duas experi-
ências fundamentais. Por um lado, a experiência do conflito e, por outro, a per-
cepção da urgência de transformações profundas e radicais que serão possíveis
no exercício político-revolucionário. Percebe a força política e a conseqüência
conflitual de sua opção pelo pobre. Assim, o cristão se insere cada vez mais, junto
com os não-cristãos, no processo de libertação.
Esse quadro não pode ser apresentado sem referência a todo o contexto
social, político, econômico, cultural e eclesial, descrito nos capítulos I e II desta
pesquisa, bem como à interpretação desta realidade histórica pluridimensional,
feita em El Escorial, e que já foi descrita no capítulo III. A nova experiência espi-
ritual e política dos cristãos, resultante de sua opção pelo pobre como modo de
encarnar, viver e testemunhar o Evangelho na História, coloca-os no centro do
processo revolucionário de libertação. Junto com não-cristãos é preciso transfor-
mar a América Latina em uma Nova Sociedade, em lugar de uma Nova História e
de um Ser Humano Novo.
A participação dos cristãos no processo de libertação coloca-lhes profun-
das questões no que diz respeito às relações entre sua e a urgência de transfor-
mações sociais na América Latina. Na verdade, o processo de libertação em curso
coloca muitas interrogações à fé dos cristãos, não muito habituada ao compromis-
so com a História, com a realidade. A Teologia da Libertação nasce neste contex-
to. Nasce como tentativa de interpretação teológica, como busca de sentido teoló-
gico para um processo histórico-social em curso. Partindo do compromisso cristão
no processo de libertação e das interrogações à que esse compromisso lança à
Teologia, ela pretende interpretar e iluminar a presença cristã na transformação da
História de opressão, dominação, dependência em uma Nova História, livre, hu-
mana e digna. Portanto, inicialmente, a Teologia da Libertação é resultado da re-
lação dos cristãos com o processo de libertação e não, propriamente, a motivadora
inicial deste processo. Sem entrar no mérito do todo teológico da Teologia da
Libertação, o que se fanas conclusões gerais desta pesquisa, pode-se dizer, des-
ta forma, que ela dá, em perspectiva crítica e a partir da fé, um sentido teológico
para o processo revolucionário de libertação da América Latina. Isso pode ser
entendido como um processo contextual e historicamente situado, cujas linhas
centrais os capítulos I e II procurou descrever.
As contribuões teológicas de Gustavo Gutiérrez, Juan Carlos Scannone,
Juan Luis Segundo, Héctor Borrat e Cândido Padin, apresentadas neste capítulo,
o expressão de uma Teologia em processo de emergência, de construção. São
tentativas de expressar como a Teologia pode interpretar e iluminar o engajamento
e o compromisso dos cristãos no processo de libertação latino-americano. São
também tentativas de resposta crítica, à luz do Evangelho, às interrogações que os
cristãos envolvidos no processo revolucionário de libertação e transformação so-
cial lançam à fé cristã. Isto é, são “peças” teológicas de uma Teologia que parte da
História e do compromisso dos cristãos com esta História e quer fazer-se História,
de modo ativo, eficaz, operativo, significativo e relevante, para transformá-la em
História salvífica, isto é, em lugar de Salvação e Libertação.
Nisto testemunham, segundo a hipótese desta pesquisa, duas coisas. Por
um lado, a relevância da História para esta Teologia. A História, como lugar de
opressão, dominação, dependência, mas também de emergência da consciência
desta situação, de suas causas profundas e do conseqüente compromisso e enga-
jamento cristão no processo de libertação e transformação da mesma, é alçada a
ponto de partida da Teologia. Trata-se, portanto, de uma História relevante para a
Teologia. Ou, se se preferir, de uma História teologicamente relevante.
Por outro lado, essa Teologia pretende ter relevância para a Hisria. Tal
relevância consiste na busca de um sentido cristão para o processo de libertação.
Consiste, portanto, no assumir radicalmente esta História e a transformação da
mesma como sinal e testemunho cristão do Evangelho. Consiste em contribuir
para que a História latino-americana seja também lugar da libertação da domina-
ção, da opressão e da dependência social, política, cultural e econômica, como
sinal da Libertação e Salvação definitivas em Jesus Cristo Ressuscitado.
Trata-se de uma única História chamada à Libertação e à Salvação. Cabe
aos cristãos contribuir para que, no transitório do tempo, se manifeste e se anteci-
pe em sinais a Libertação definitiva de toda opressão, de toda dominação, de toda
morte, enfim, de todo pecado. Portanto, se a Teologia da Libertação tem essa
pretensão para com a História latino-americana ela apresenta-se como relevante.
Ou, se se preferir, como uma Teologia historicamente relevante.
Todas estas indicações serão reassumidas e reinterpretadas a partir dos
próximos passos da pesquisa. A saber, a partir das contribuições à compreensão
do lugar e papel da relação entre Teologia e História, na perspectiva da mútua
relevância, decorrentes do encontro sobre os métodos teológicos da América Lati-
na, realizado na Cidade do México (1975), a ser abordado nos seguintes capítulos.
5
A Teologia latino-americana ante o desafio de seus
condicionamentos segundo o Encontro da Cidade
do México (1975)
I N T R O D U Ç Ã O
A tentativa de analisar as relações entre História e Teologia, no Encontro
da Cidade do México, a partir da hipótese da mútua relevância, exige que se opere
um deslocamento metodológico em relação a abordagem do Encontro de El Esco-
rial. Quando da abordagem das fontes de El Escorial as questões centrais que ori-
entaram a análise do conteúdo diziam respeito à História interpretada como
relevante para a Teologia e a Teologia interpretada como relevante para a His-
tória. Agora, quando da análise do conteúdo do Encontro da Cidade do México,
essas questões precisam ser preservadas em sua intuição fundamental, a saber,
como instrumentos para averiguar a relevância teológica da História e a relevância
histórica da Teologia, porém, para tal, precisam ser metodologicamente reformu-
ladas. Esta mudança é imposta pelo tema e conteúdo do último Encontro, a saber,
os métodos da reflexão teológica na América Latina e suas implicações pastorais,
históricas, sociais, políticas e eclesiais. A matriz de análise é dada pela discussão
do método teológico, e não mais pelas discussões sobre as relações entre a fé cris-
tã e a transformação social, como no encontro de El Escorial.
Embora o Encontro da Cidade do México trate dos métodos teológicos
praticados na América Latina, a Teologia da Libertação e seu método evidencia-
ram-se como mais relevantes para o continente. Diante disso é que se impõe a
análise destes últimos capítulos. Por um lado, é preciso analisar quais são os con-
dicionamentos do fazer teológico latino-americano na perspectiva da Teologia da
Libertação. Por outro, é preciso analisar o pprio método da Teologia da Liberta-
ção, tal qual ele é proposto no Encontro da Cidade do México. Estas serão, res-
pectivamente, as abordagens deste e do próximo capítulos.
No Encontro da Cidade do México a Teologia aparece como historicamen-
te condicionada. Isto é, a História, enquanto acontecer humano de várias dimen-
sões, condiciona o fazer teológico, imprimindo-lhe feições próprias, conforme o
grau, intensidade e profundidade de tais condicionamentos. No Encontro da Cida-
de do México, para se verificar a hipótese da mútua relevância entre Teologia e
História, é preciso analisar quais os principais condicionamentos que desafiam e
configuram o fazer teológico latino-americano. Por meio desta análise percebe-se
como a História assume um papel relevante para o fazer teológico. Ela condiciona
a própria Teologia. E a Teologia será relevante à medida que tiver consciência
de tais condicionamentos. Neste capítulo 5, pretende-se, portanto, analisar quais
o os principais condicionamentos do fazer teológico latino-americano segundo o
Encontro da Cidade do México. Para abordar estes condicionamentos propor-se-
ão dois passos. Primeiro, a análise dos condicionamentos históricos, tais como
estes estiveram presentes no passado teológico da América Latina. Segundo, a
análise dos principais condicionamentos do fazer teológico latino-americano con-
temporâneos ao Encontro da Cidade do México, tais como estes são percebidos,
avaliados e interpretados pelos expositores do encontro.
Através da concretizão destes dois passos pretende-se explicitar como a
História, entendida como acontecer humano de várias dimensões, condiciona a
Teologia. O que o Encontro da Cidade do México chama de condicionamentos
nada mais o do que as dimensões pelas quais o ser humano existe e acontece no
tempo e no espaço. São, portanto, dimensões da História como acontecer humano
processual e dinâmico. Essas dimensões configuram, moldam e influenciam a
Teologia e seu método. São o chão real, no qual, a partir do qual e para o qual se
faz Teologia na América Latina. São dimensões relevantes e significativas para o
método da Teologia da Libertação latino-americana. Servem para demonstrar que
a História, através destas dimensões, condiciona a Teologia e seu método. Preten-
de-se, seguindo os expositores do Encontro da Cidade do México, retratar a forma
destes condicionamentos e a maneira como estes atingem a Teologia e seu método
para depois, no próximo capítulo, analisar qual é o método teológico mais rele-
vante para a América Latina no contexto de tais condicionamentos.
Como esta pesquisa não aborda a relação entre Teologia e História em toda
a Teologia que se pratica na América Latina, mas sim na Teologia da Liberta-
ção, a abordagem dos condicionamentos do método teológico se restringi aos
expositores que, de alguma forma, comungam na consciência e na opção de assu-
mir a Teologia da Libertação como a mais relevante para a realidade latino-
americana. Esta linha de pesquisa implica a opção que orientao material e con-
teúdo do Encontro da Cidade do México a ser considerado neste estudo.
1. Os condicionamentos histórico-ideológicos da Teologia
latino-americana segundo Enrique Dussel
Neste item pretende-se abordar os condicionamentos histórico-ideológicos
presentes na Teologia latino-americana. Com esse procedimento pretende-se ana-
lisar a própria Hisria da Teologia latino-americana como via de acesso aos con-
dicionamentos ideológicos a que esta Teologia esteve sujeita. O ponto de partida
para tal análise está na percepção de que a Teologia é uma reflexão historicamente
condicionada. Portanto, torna-se necessário percorrer a História da Teologia lati-
no-americana para verificar como estes condicionamentos estiveram presentes e
influenciaram a Teologia. Atras deste resgate do passado teológico latino-
americano abrem-se possibilidades para uma Teologia mais consciente de seus
condicionamentos no presente e dos desafios que estes condicionamentos lançam
ao futuro do fazer teológico latino-americano. Só assim torna-se possível assumir
a tarefa de construção de uma Teologia que seja relevante para a realidade históri-
ca da América Latina em processo de construção de sua própria identidade.
Para o resgate da história da Teologia latino-americana, tendo em vista
verificar seus condicionamentos ideológicos, seguir-se-á a exposição de Enrique
Dussel Sobre la Historia de la Teología en América Latina
836
. Nesta exposição
Enrique Dussel lança algumas hipóteses para uma história da Teologia na Améri-
ca Latina. A auto-compreensão do passado teológico latino-americano é de grande
importância para o amadurecimento da própria Teologia da Libertação. Trata-se
de um trabalho reconstrutivo e interpretativo necessário. Nesta perspectiva propõe
dois passos distintos. No primeiro aborda as relações entre Ideologia e História da
Teologia e, no segundo, propõe uma periodização da História da Teologia na A-
mérica Latina. Metodologicamente Enrique Dussel propõe-se situar a Teologia
dentro da totalidade na qual ela cumpre seu sentido. Esta totalidade não é a descri-
ção da História da Teologia a partir de si mesma, partindo da própria Teologia e
vendo seu desenvolvimento interno como um todo abstrato, auto-subsistente. É
sim a totalidade que inclui dialeticamente o todo teológico como parte da totalida-
836
E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en Arica Latina, p.19-66. Para o estudo das
exposições e debates do encontro da Cidade do México seguir-se-á a obra conjunta que recolhe as
exposições e debates deste encontro: E.R. MALDONADO (Org.). Liberación y Cautiverio. Deba-
tes en torno al método de la Teología en América Latina. Encuentro Latinoamericano de Teologí-
a. Cidade do México: Imprenta Venecia, 1976.
de da existência cristã, e até mesmo não-cristã. Trata-se, portanto, de abordar a
história da Teologia em seu nível concreto, onde a mesma é condicionada pelo
não-teológico. Aqui a Teologia é vista a partir do real, dentro do qual ela desem-
penha uma função prática como teoria
837
.
1.1. Ideologia e História da Teologia: a História da Teologia como via
de acesso aos condicionamentos ideológicos da Teologia praticada
no passado teológico latino-americano
O contexto da História da Teologia na América Latina é a História da Teo-
logia de “centro”. Esta Teologia de “centro é constituída, originalmente, pela
Teologia do Mediterrâneo e da Europa, e, recentemente, também pela Teologia
dos Estados Unidos. A Teologia latino-americana é filha desta Teologia de centro,
porém é distinta dela. Ela é um acesso distinto à mesma tradição pois surge em
um mundo periférico, primeiramente dentro da época moderna mercantil e, poste-
riormente, imperial monopolista. “A Teologia de um mundo colonial ou neocolo-
nial pode por momentos refratar a Teologia de ‘centro’, porém, nos momentos
criativos, produzirá nova Teologia que se levantará contra a grande Teologia
constituída tradicionalmente”
838
. Tem-se, desta forma, uma Teologia ideológico-
imitativa ou uma Teologia criativa. A questão, então, é como estes dois movimen-
tos apresentam-se na História da Teologia latino-americana. Para explicitá-los é
preciso dar dois passos: perceber a constituição ideológica da Teologia, e, indicar
os condicionamentos ideológicos da Teologia de centro.
1.1.1. A constituição ideológica da Teologia
Enrique Dussel propõe que a noção de ideologia deixa-se descobrir pelo
seu contrário: a “revelação-não-ideológica”. A expressão que melhor permite ir-
romper na exterioridade todo sistema ideológico constituído é a exclamação de
dor, conseqüência imediata do traumatismo e da dor sentida. O grito de dor revela
a presença de um alguém que sofre e exige uma resposta. Resposta que obriga à
responsabilidade de encarregar-se pelo que clama de dor. Nisto é que se estriba a
autêntica religião e o verdadeiro culto. Este grito de dor é expressão do não-
837
Cf. E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.19-20.
838
Ibid., p.20.
ideológico. É o limite da revelação humana e divina que, situando-se fora do sis-
tema, o põe em questão.
O “ai” da dor primeira e o grito de fome “tenho fome! articulado em
uma linguagem, em uma classe social, um povo, um momento da História, faz
referência à realidade ou exterioridade de todo sistema constituído. o podem
ser palavras ideológicas. São sim palavras políticas ou primeiras que instauram
uma nova totalidade de linguagem e de formulações conceptuais de sentido. O
ponto de partida da libertação da linguagem pode dar-se pela constituão de
um novo sistema, que satisfaça a insatisfação do pobre do antigo sistema. Assim
uma nova totalidade estruturada ocupa o lugar da antiga totalização.
Dentro de todo sistema ou totalidade de conceitos, as palavras se estrutu-
ram pela parte que desempenham na totalidade significativa. Porém, como o sis-
tema é dominado por alguns, por certas classes e grupos, o projeto destes grupos
se impõe a todo o sistema. Assim, a linguagem e os conceitos do grupo dominador
se confundem com a realidade das coisas e com a linguagem enquanto tal. O con-
ceito, a palavra que o expressa, funda por um lado a ação de todos os membros do
sistema, porém, por outro lado, oculta, nãoas contradições internas do sistema,
como também e principalmente a exterioridade do pobre. “É nesse momento que a
formulação (o conceito, a palavra: a idéia) se transforma em ideologia: represen-
tação que na função prática oculta a realidade”
839
. então uma dialética entre o
des-cobrimento e o en-cobrimento e entre teoria e práxis. Assim a ideologia as-
sume o papel de um sistema interpretativo-prático. Isso pode ser exemplificado
com a “conquista” da América. Seja em sua interpretação cotidiana ou em sua
formulação teológica. a ideologia que sustentava a práxis da conquista é eleva-
da ao caráter de Teologia. Esta análise permite Enrique Dussel concluir que é en-
cobridora a ideologia das classes dominantes ou das nações opressoras, ao passo
que as formulações das classes oprimidas ou o grito dos profetas de tais grupos é
crítica des-encobridora, é a articulação de sentido que parte do grito do pobre
840
.
1.1.2. Condicionamentos ideológicos da Teologia de centro”
A ideologia justifica a práxis, ocultando, ao mesmo tempo, o sentido últi-
mo da própria práxis, dando, por outro lado, a “boa consciência” ou a “consciên-
839
E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.22. O itálico é de Dussel.
cia de inocência” ao que comete a injustiça. Assim a “ideologia é a formulação
(existencial ou cienfica) das mediações do projeto do sistema sem que se mostre
como tal: como sistema de dominação
841
. Encobre-se a dominação em alguns dos
níveis do sistema. Isso permite que se possa indicar o sentido ideológico da Teo-
logia quando se descobre que tipo de dominação ela oculta. Trata-se, propriamen-
te, de indicar os condicionamentos que inclinam a reflexão teológica em certa
direção encobridora, isto é, na direção que beneficia ou justifica a práxis do grupo,
classe, não ou cultura as quais ela serve de fundamento teórico. Neste sentido,
quais seriam os principais condicionamentos que constituíram os níveis teológicos
de maneira ideológica na história da Teologia mediterrâneo-européia?
Para Enrique Dussel, no Novo Testamento, tempo originário do cristia-
nismo, pelo fato de os cristãos tratarem-se de um grupo oprimido dentro do impé-
rio e por serem classe social oprimida, a função ideológica encobridora das pri-
meiras formulações cristãs é nima
842
. Com os Padres Apologistas, ao adotar as
categorias helenísticas, começa-se a aceitar elementos ideológico-encobridores.
Porém, de modo geral, a Teologia nascente cumprirá um papel de descobrimento
das contradições do sistema que mantinha o império romano. Os cristãos eram
perseguidos e a Teologia tinha uma função crítico-profética que se manifestava
igualmente no nível político. Os cristãos questionavam os fundamentos do siste-
ma, os valores, os deuses do império, sendo ameaça ao sistema. O império, ao
defender-se com repressão política contra os cristãos, manifestava que o cristia-
nismo cumpria sua missão libertadora, teologicamente desideologizante.
Um passo de radical importância para compreender a Teologia cristã como
ideologia se dá no momento em que Constantino é coroado imperador (324). As-
sim o século mais glorioso da Teologia Patrística (325-425) é também o começo
da constituição da Teologia como ideologia. Não é que a Teologia perca seu valor.
Trata-se sim do fato de que o momento ideológico da Teologia cresce, aumenta,
tem maior lugar. O império é aceito como natural e chega-se até a considerá-lo
como civitas Dei. A Christianitas (cristandade) é identificada com o cristianismo.
Nisto a Teologia aceitou demasiadas estruturas imperiais, sociais, culturais, lin-
840
Cf. E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.20-25.
841
Ibid., p.26. O itálico é de E. Dussel.
842
É mínima mas existente. Segundo E. Dussel, em Paulo se percebe certo machismo e aceitação
o-crítica em nível sócio-político da escravidão. nos textos da tradição do primitivo judeu-
güísticas, sexuais, como momentos essenciais do cristianismo. Desta forma, a
grande Teologia, com método planico ou neoplatônico, veio justificar a domina-
ção política e social dos primeiros séculos da Cristandade bizantina e latina. A
Teologia caminhou assim por muitas veredas ideológicas. Isto, no entanto, não
invalida o esforço teológico deste período, porém, limita-o. Enfim, -se que os
momentos ideológicos de toda Teologia indicam que a ela é uma refleo inevita-
velmente histórica, situada, condicionada
843
.
A Teologia, ao longo de todo o cristianismo, é portadora de momentos
ideológicos e contradições próprias de cada época. À época do Encontro da Cida-
de do México, como se poderia classificar esses condicionamentos? Segundo En-
rique Dussel, toda Teologia européia vive o otimismo de uma Europa reconstruí-
da. o método teológico é existencial, ontológico e até dialético. A influência
hegeliana é cada vez mais crescente desde que se comemorou o segundo centená-
rio de seu nascimento (1770-1970). De todas maneiras, toda a Teologia européia
deste período tem importantes momentos ideológicos. O primeiro é a ingênua
evidência de ser o centro do mundo. Isto em perspectiva cultural, política e eco-
nômica. Ao mesmo tempo, esta Teologia não tomou ainda em consideração seus
condicionamentos de classe. O teólogo não é fruto de uma classe aristocrática
(classe universitária), mas é pertencente às nações dominadoras que, de alguma
maneira, oprimem as colônias de seu industrialismo capitalista monopólico. Além
disso, não se questiona o ponto de partida desta reflexão teológica, que se tal
ponto de partida fosse a práxis libertadora dos oprimidos (que é a origem da pala-
vra não ideológica e a crítica de toda ideologia), a Teologia deveria definir seu
orgânico compromisso com eles. Os pobres e oprimidos, juntamente com as cau-
sas que os produzem, encontram-se freqüentemente fora do horizonte de tal Teo-
logia. Isto não só socialmente por serem classes pobres, mas geopoliticamente por
serem nações dependentes, neocoloniais, isto é, a periferia. Desta forma, a propos-
ta de tal Teologia fica inevitavelmente circunscrita no horizonte do centro e por
isso se ideologiza, isto é, oculta a contradição principal do presente histórico, a
saber: a contradição de centro-periferia. Com isso torna igualmente falsa a relação
cristianismo apocalíptico pode-se ver um certo “escapismo” da realidade política, porém dentro de
uma reflexão ainda pouco ideologizada. Cf. Ibid., p.26-27.
843
Cf. E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.28.
das classes no próprio centro. Se transforma em uma Teologia que encobre e,
através disso, justifica a dominação dos povos pobres do mundo
844
.
A partir disto, Enrique Dussel conclui que a Teologia, enquanto significou
a reflexão de uma não-teológica dos oprimidos, isto é, a expressão metódica
daqueles que o dominaram um sistema, teve todo seu sentido anti-ideológico e
crítico-profético. Na medida que expressou uma não-teológica daqueles grupos
ou nações dominadoras, tendo perdido sua dimensão profética (ao menos na di-
mensão em que é um sistema de dominação), a Teologia se ideologiza. Por isso
que nos Estados Unidos e Europa, mesmo os movimentos radicais ou socialistas
democráticos, não podem ser senão reformistas enquanto não dialogam seriamen-
te com aqueles que na periferia em em questão de fato o sistema.
Para quem está no poder é fácil falar de liberdade. A liberdade o é a
possibilidade de escolher uma entre várias possibilidades. É antes de tudo a possi-
bilidade de escolher. Assim, antes da liberdade de escolha entre esta ou aquela
possibilidade é necessário a justiça que permita ter algo para escolher. A justiça
que permita que os mais oprimidos tenham o que comer, vestir, ler, decidir. “A
liberdade humana fundamental é a de poder viver, muito antes que o decidir viver
desta ou outra maneira
845
. Desta forma é a justiça ou a libertação sócio-política
que possibilita a liberdade posterior de escolha. Enfim, nos momentos da constru-
ção da ordem nova, a liberdade, como valor supremo e em si, é um momento da
ideologia reacionária, pois tira a unidade da disciplina, cria o divisionismo e, em
nome do pluralismo, impossibilita a transformação real
846
.
1.2. Periodização da História da Teologia Latino-americana
No segundo momento de sua exposição, Enrique Dussel propõe uma hipó-
tese de periodização da história da Teologia latino-americana. A importância de
tal periodização está na possibilidade de esta abrir caminho em um campo em que
até à época da realização do Encontro da Cidade do México não trabalhos. As
costumeiras Histórias da Teologia deixam a América Latina fora da História. An-
te esta realidade é preciso perguntar-se qual foi o desenvolvimento da Teologia
latino-americana, quais seus períodos mais importantes e qual é o sentido de cada
844
E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teoloa en América Latina, p.31
845
Ibid., p.33. Os itálicos são de E. Dussel.
um destes peodos. A partir destas perspectivas, E. Dussel propõe a periodização
da Teologia da América Latina dividida em seis épocas que vão do início da e-
vangelização até o momento do Encontro da Cidade do México, onde se discute o
método teológico da Teologia latino-americana.
Primeira época: Teologia profética ante a conquista e evangelização (desde 1511)
O descobrimento da América por espanhóis e portugueses significou uma
revolução geopolítica sem precedentes na História mundial. Um mundo novo se
vislumbra. A Europa, enclausurada por turcos e árabes, se abre ao novo mundo. É
um tempo de utopia, novidades e descobrimentos. As bulas pontifícias desde 1493
justificam teologicamente a conquista da América. A conquista será violenta e
contra ela se levantam alguns profetas. Entre eles, merece destaque, do ponto de
vista teológico, Antônio de Montesinos, que lançou em 1511 o primeiro grito crí-
tico-profético na América. Em 30 de novembro, o clérigo Bartolomeu de las Ca-
sas (1474-1566) ouve o sermão em favor dos índios e contra os encomendeiros.
Em 1514 ele converte-se à causa da justiça. Esta conversão profética pode ser
considerada como o nascimento da Teologia da Libertação Latino-americana.
Bartolomeu de las Casas, assim como Jode Acosta (1539-1600) e Bernardino
de Sahagún (+1590) são teólogos de primeira geração que enfrentaram a realidade
de seu tempo com olhos menos ideológicos que seus companheiros de conquista.
Para Bartolomeu de las Casas o pecado sócio-político do seu tempo é a
conquista. Essa práxis é “pecado e gravíssima injustiça”, porém, não foi vista co-
mo tal, por causa da cegueira e obscuridade no entendimento. Isto significa que o
sentido real da práxis de conquista não é conhecido. Trata-se de uma ideologia
que encobre a realidade a todos. Bartolomeu de las Casas tem um apreço incalcu-
lável pelo pobre, pelo índio, pelo oprimido. Seus textos mostram que ele parte de
uma práxis de defesa e libertação do índio. A partir disso pensa e escreve sua Teo-
logia militante, Teologia toda política, e por isso, histórica, concreta, com sentido
antropológico e com intenção transformadora. Trata-se, portanto, de uma Teologia
crítico-profética de cunho missionário que formava para a ação, clarificava nor-
mas, descobria os pecados estruturais e pessoais. “Tudo isso antecipa em quatro
culos a atual experiência da Teologia criativa na América Latina”
847
. Trata-se
846
Cf. E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.28-33.
847
Ibid., p.38.
do primeiro modelo do exercício de uma correta reflexão sobre a práxis cristã em
situação colonial, periférica. Esta foi a Teologia elaborada e sustentada na ação de
centenas de missionários da primeira hora da Igreja da América Latina
848
.
Segunda época: a Teologia da Cristandade Colonial (1553-1808)
Em 3 de junho de 1553, na cidade do México, abrem-se os cursos universi-
tários de Teologia por Francisco Cervantes de Salazar. Esta inauguração acadêmi-
ca da Teologia é o início formal de uma tradição que durará dois séculos e meio.
Segundo Enrique Dussel, ao considerar-se o conteúdo desta Teologia em sua rela-
ção com a realidade de seu tempo, pode-se descobrir seus condicionamentos ideo-
lógicos. No melhor dos casos, era uma Teologia reformista sempre ocultando a
contradição e a injustiça que o grupo “lascasiano” havia criticado e condenado.
Isso ocorreu nos rios centros de estudo teológico que foram surgindo na Améri-
ca Latina. Enfim, a Teologia então praticada foi imitadora da Escolástica e por
isso duplamente ideológica: porque o era na Europa e porque ao repetir-se na
América Latina encobria nãoas injustiças do antigo continente, mas também as
do novo. Isso, contudo, não invalida ou nega a existência de muitos aspectos críti-
cos e desideologizantes, como, por exemplo, o tratamento teórico do tipo de pro-
priedade guarani exposto por Muriel na universidade de Córdoba del Tucumán.
Este tratamento teórico distinguia-se de todos os conhecidos em seu tempo e per-
mitiu a organização das Reduções do Paraguai de tipo socialista ou de propriedade
comum dos produtos do trabalho
849
.
Terceira época: a Teologia prático-política ante a emancipação neocolonial das
oligarquias crioulas (desde 1808)
Desde aproximadamente 1760 começou na Hispanoamérica um processo
de informação e estudo das novas interpretações da Teologia tradicional e influên-
cias crescentes do Iluminismo, principalmente frans. Na luta e práxis emancipa-
tória, desde a situação da classe oligárquica, os sacerdotes, curas, professores,
religiosos e laicos universitários começam a formular a justificação teológica de
suas guerras. A Teologia não mais é apoiada pelo Estado. A Teologia se ante
todo tipo de novas influências ideológicas. A Segunda Escolástica perde força e
aparecem correntes apocalípticas, iluministas ou ecléticas. Se a Teologia da Cris-
848
Cf. E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.33-38.
849
Cf. Ibid., p.38-43.
tandade foi imitativa, a desta época recobra algo da criatividade inicial da Teolo-
gia na América Latina. Os princípios aprendidos, principalmente no tomismo, o
aplicados para justificar a práxis emancipatória da oligarquia crioula.
Esta etapa deve ser tomada muito a sério pela história da Teologia latino-
americana. “Trata-se de um novo momento não-acadêmico, prático e político da
reflexão a partir de uma fé comprometida em um processo de libertação, e por isso
desideologizante”
850
. Para Enrique Dussel, a pobreza desta Teologia, no que se
refere a obras escritas ou seriedade acadêmica, não diminui sua importância,
mesmo que em parte tenha sido abortada pela falta de tempo e condões para sua
consolidação. Rapidamente caiu em uma reflexão que justificou a nova ordem de
coisas e por isso perdeu seu sentido crítico-revolucionário. Mas, nem por isso,
deixou de cumprir sua função histórica e de fato mobilizou o povo contra a Espa-
nha que a oligarquia crioula, sem o apoio teológico da Igreja, não teria conse-
guido, de forma alguma, levar a cabo o processo emancipatório
851
.
Quarta época: A Teologia neocolonial conservadora na defensiva (1831-1930)
As datas que situam este período são: por um lado, a aceitação por parte de
Roma da emancipação neocolonial na pessoa do papa Gregório XVI, através da
encíclica Sollicitudo Ecclesiarum (1831). Por outro lado, está a crise da oligarquia
neocolonial ou do liberalismo dependente, pouco antes da crise econômica do
centro em 1929. Neste longo período, a Teologia, de mera recordação da Teologia
de Cristandade colonial e das euforias dos decênios posteriores a 1809 passa a
fechar-se em uma tradicional posição conservadora, provinciana, sempre atrás dos
acontecimentos. Porém, em fins do século XIX, certo grupo de pensadores, teólo-
gos e bispos assume uma posição mais liberal na América Latina. Politicamente
essa posição será denominada Democracia Cristã. Assim, no início do século XX,
a partir das minorias de católicos liberais, começa-se a superar a situação anterior
e a gestarem-se atitudes que posteriormente assumirão a Teologia progressista
852
.
Quinta época: a Teologia da nova Cristandade (1930-1962)
Nesta época, processa-se a passagem da Teologia tradicional, reflexo das
classes possuidoras do campo, integrista, cujo inimigo era o liberalismo burguês,
850
E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.44.
851
Cf. Ibid., p.43-45.
852
Cf. Ibid., p.45-46.
o comunismo, o protestantismo e os tempos modernos, para uma Teologia desen-
volvimentista, reformista que assume o ethos burguês, porém, na trágica posição
de ser um capitalismo dependente. A crise de 29 produziu também a crise na peri-
feria, especialmente na América Latina. Surgem a partir de então os movimentos
sociais populares que impossibilitam a burguesia neocolonial de exercer o poder.
Em reação as classes militares se fazem presentes em praticamente todos os paí-
ses. Isso significa o fim do liberalismo militante, laicista, positivista, anticlerical.
Em troca começa-se uma abertura e até se buscará o apoio da Igreja católica tradi-
cional, conservadora. Isto permite a organização de gigantescos Congressos Euca-
rísticos, mas, principalmente, a fundação da Ação Católica e instituições seme-
lhantes, que partem da formulação teórica da Teologia de “Nova Cristandade”.
Desde 1929 a Ação Católica se institucionaliza lentamente em todos os
países latino-americanos. Sua Teologia distingue claramente entre o temporal e o
espiritual. O leigo era responsável pelo temporal, mundano, material e político. O
sacerdote era o homem espiritual, o vigário do reino de Cristo. A função do povo
cristão, do militante, era cumprir o apostolado. Este envio ou missão se definia
como participação no apostolado hierárquico da Igreja. Os leigos podiam atuar na
política através de partidos e sindicatos de inspiração cristã.
A Teologia da Nova Cristandade não é acadêmica mas militante. Porém,
não é diretamente política e sim dualista em sua distinção temporal-espiritual, e
em sua compreensão da relação Estado-Igreja como sociedades perfeitas, cada
qual em seu nível e sem conflitos. a partir de 1950 se um passo rumo a uma
Teologia desenvolvimentista. Trata-se do momento em que os cristãos, ou parte
deles, assumem decididamente o projeto burguês de expansão e desenvolvimento.
Aqui não há nenhuma consciência sobre o problema das classes e da dependência
que o continente latino-americano vivia sob o poder econômico, político e militar
dos Estados Unidos. Os teólogos se formavam na Itália e França. A doutrina soci-
al da Igreja permitia a muitos realizar experiências de compromisso com grupos
operários e grupos marginalizados. Mesmo com a fundação de muitas faculdades
e centros teológicos latino-americanos, com a crescente práxis eclesial da Ação
Calica, com a fundação de importantes organismos como o CELAM (1955) e a
CLAR (1958), com as bases do movimento bíblico, em nível católico e protestan-
te, percebe-se que a produção teológica, embora com sementes de renovação, con-
tinua a ser de imitação e aplicação do europeu na América Latina, sem o conhe-
cimento histórico nem real da própria América Latina
853
.
Sexta época: a Teologia da Libertação Latino-americana (desde 1962)
Pode-se dividir esta última época em três momentos: primeiro (de 1962-
1968), desde o começo do Vaticano II até Medellín. É o tempo de preparação e de
postura mais desenvolvimentista. O segundo (de 1968-1972), é o tempo da formu-
lação da Teologia da Libertação. Tempo de certa euforia diante de certas conjun-
turas que mostravam um caminho, mesmo que não facilmente praticável a curto
prazo. Terceiro, o tempo de maturação, de perseguição, de tomada de consciência
acerca do longo processo de libertação. Tempo de consciência do exílio e do cati-
veiro. Este tempo inicia-se em Sucre em 1972, com a reestruturação do CELAM
entre os católicos, e da UNELAM no campo protestante
854
.
Do ponto de vista teológico, coexistem na América Latina, à época do
Encontro da Cidade do México, três distintas Teologias: a tradicional (ligada às
classes da oligarquia rural); a desenvolvimentista (ligada à burguesia e pequena
burguesia) e a Teologia da Libertação (que expressa a das classes emergentes:
operários, camponeses, marginalizados e setores médios radicalizados). A partir
disto Enrique Dussel propõe explicitar amplamente os três passos ou momentos
distintos da gênese e nascimento da Teologia da Libertação Latino-americana.
Indicam-se, a seguir, apenas os aspectos mais relevantes desta descrição.
1. Tempo de preparação (1962-1968). É o tempo de renovação teológica conciliar,
imitativa, progressista e secularista. Começa-se a pensar sobre a realidade latino-
americana. Esse movimento teológico culmina com a II Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano realizada em Medellín, em 1968. Medellín é o fim
do momento de preparação da Teologia da Libertação. Como fruto de um longo
processo, Medellín tem um vocabulário desenvolvimentista e de libertação
855
.
2. A formulação da Teologia da Libertação (1968-1972). -se aqui que um longo
processo vinha se gestando na América Latina. As experiências cubana, chilena, e
argentina com Fidel Castro, Che Guevara, a Unidade Popular e o retorno de Perón
(1972-1973) suscitam grandes esperanças. Parece possível organizar um movi-
mento continental de libertação histórica na América Latina. Ocorre,a partir de
853
Cf. E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.47-49.
854
Cf. Ibid., p.49-50.
1964, a ruptura epistemológica nas Ciências Humanas: a sócio-economia do de-
senvolvimento se transforma em teoria da libertação pela mediação do diagnóstico
que propõe a Teoria da Dependência. Assim a Teologia assume a experiência e o
anseio das bases e as hipóteses das ciências humanas: nasce assim a Teologia da
Libertação. Hugo Assmann e Gustavo Gutiérrez dão consistência a esta nova Teo-
logia. O Encontro de El Escorial (1072) torna-se a primeira reunião em que po-
dem dialogar juntos os principais representantes do movimento. Nasce a Teologia
da Libertação como reflexão teológica que pensa o compromisso do cristão, em
sua situação geo-política de periferia e em sua ligação social de intelectual orgâni-
co das classes oprimidas. É a época da grande esperança e da euforia da Teologia
que agora se reconhece criativa e originalmente latino-americana
856
.
3. O cativeiro e o exílio como momentos da libertação (a partir de 1972). A Teo-
logia da Libertação, que se inspirara preponderantemente nas gestas positivas de
libertação, descobre ante a dura realidade da práxis, o tema do cativeiro e do exí-
lio. A sombra da repressão, a dominação imperial, cobrem praticamente todo o
continente. Os grupos se redefinem ante a perseguição vinda de fora (do Estado) e
de dentro (da própria Igreja). Assim a Teologia da Libertação começa sua matura-
ção na cruz. A Teologia da Libertação cada vez mais insere-se nos movimentos
populares de libertação. O Informe Rockefeller mostra a mudança de política nor-
te-americana a respeito da América Latina. Intensifica-se a repressão aos movi-
mentos populares e libertadores. Muitos cristãos comprometidos são mortos pelos
poderes de repressão. Surgem novamente os mártires da fé. Ao mesmo tempo, a
Teologia da Libertação ganha expressão mundial. Assim, o I Encontro Latino-
americano de Teologia, realizado na Cidade do México em 1975, significa um
ponto alto no caminho da nova etapa da Teologia da Libertação, e o claro enfren-
tamento com posições funcionalistas norte-americanas, que novamente ignoram a
realidade latino-americana concreta. Pode-se dizer que neste período a Teologia
da Libertação descobre o tempo político do cativeiro, da prudência, da paciência,
mas também da esperança e da consciência da necessidade de manter vivo o pro-
jeto estratégico de libertação que não a deixa cair em um reformismo vazio
857
.
855
Cf. E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.51-54.
856
Cf. Ibid., p.54-58.
857
Cf. Ibid., p.58-62.
Concluindo, -se, a partir da exposição de E. Dussel, que a hisria da
Teologia latino-americana teve três momentos criadores. O inicial, ante a conquis-
ta e evangelização, com uma Teologia profética, política e extra-universitária. O
segundo, ante o processo de emancipação nacional neocolonial (começo do século
XIX), com uma Teologia prática, política e não-acadêmica. Por fim, o terceiro,
ante o processo de libertação popular e nacional contra o imperialismo capitalista.
Tem-se aqui uma Teologia da Libertação, profética, política e não-acadêmica. São
Teologias que, junto ao povo oprimido e marginalizado, pensam, a partir da mili-
tância, a articulação da com a práxis de libertação. Por isso a Teologia da Liber-
tação pode inicialmente usar categorias e autores europeus, porém substancial-
mente é outra Teologia: por seu ponto de partida, por seu modo de produção teo-
lógica na milincia, por seu ponto de chegada, por seu método.
O método tem como ponto de partida a interpelação dos povos da periferi-
a, dos operários e camponeses que sofrem a exploração do centro. É o método que
se realiza na base e não essencialmente na universidade. É refleo das experiên-
cias dos cristãos comprometidos no processo real de libertação, portanto, é refle-
xão na militância de um movimento que é eclesial e político. Isto significa que o
teólogo vive sob o desafio da ortopráxis. Desta forma, a Teologia da Libertação é
essencialmente latino-americana pela simples razão de que um latino-
americano pode compreender cabalmente seu sentido. O lugar de onde parte a
Teologia européia, mesmo a mais progressista, é a universidade ou a práxis pasto-
ral das Igrejas. o lugar de onde parte a Teologia da Libertação é a militância
dos teólogos que são expressão de movimentos cristãos comprometidos no pro-
cesso real, político, econômico, cultural de libertação da América Latina. Assim, o
discurso da Teologia da Libertação é ininteligível sem uma hermenêutica de tais
movimentos latino-americanos de libertação. Enfim, a Teologia da Libertação é
Teologia des-ideologizante pois pensa o grito do oprimido, porém, com consciên-
cia que só no Reino saber-se-á claramente o que se fez de fato
858
.
858
Cf. E. DUSSEL, Sobre la Historia de la Teología en América Latina, p.63-66.
1.3. Ouvir o grito de dor e de sofrimento do pobre: a reflexão
teológica e os desafios dos condicionamentos histórico-ideológicos
A exposição de Enrique Dussel no Encontro da Cidade do México traz
duas contribuições significativas para a verificação da hipótese desta pesquisa. A
sua proposta diz respeito a uma análise dos condicionamentos históricos e ideoló-
gicos da Teologia latino-americana. Em seu entender, percorrer a história da Teo-
logia latino-americana possibilita verificar os condicionamentos que estão presen-
tes e influenciaram tal Teologia. Esse conhecimento possibilitará à Teologia lati-
no-americana a consciência de seus condicionamentos presentes e de seus desafi-
os futuros. Só assim se abrirá caminho para a construção de uma autêntica Teolo-
gia que seja relevante para a realidade histórica da América Latina em processo de
construção de sua própria identidade.
Nesta perspectiva, Enrique Dussel propõe situar a Teologia dentro da tota-
lidade na qual ela cumpre seu sentido. Essa totalidade inclui dialeticamente o todo
teológico como parte da totalidade da existência cristã. Trata-se de abordar a his-
tória da Teologia em seu vel mais concreto, onde ela é condicionada pelo não-
teológico. Assim a Teologia é vista a partir do real dentro do qual ela desempenha
uma função prática como teoria. Enrique Dussel tem presente que a auto-
compreensão do passado teológico latino-americano é de grande importância para
o amadurecimento da Teologia da Libertação. Trata-se de um trabalho reconstru-
tivo e reinterpretativo necessário para a autenticidade e relevância da própria Teo-
logia da Libertação. Assumindo esta perspectiva propõe a relação entre Teologia e
Ideologia e uma periodização da história da Teologia latino-americana. É dentro
destes dois passos que revelam-se as suas duas contribuições significativas para
esta pesquisa a serem analisadas a seguir.
A primeira contribuição diz respeito ao aspecto ideológico da Teologia,
verificado por Enrique Dussel em sua análise da história da Teologia inserida no
contexto da História geral. O ponto de partida é a percepção de que a Teologia
latino-americana é filha da Teologia de centro (européia, mediterrânea e norte-
atlântica). A Teologia latino-americana pode repetir a Teologia de centro ou pode
viver momentos criativos, pode ser uma Teologia ideológico-imitativa ou uma
Teologia criativa. Daí a necessidade de verificar, no esforço reconstrutivo e rein-
terpretativo, como estes dois momentos se apresentam na história da Teologia
latino-americana. Esta verificão se dá através de dois passos: através da aborda-
gem da constituição ideológica da Teologia e através da análise dos condiciona-
mentos ideológicos da Teologia de centro.
A constituição ideológica da Teologia é verificada quando ela é utilizada
como mediação de projetos de dominão. Assim a noção de ideologia deixa-se
descobrir pelo seu contrário, a saber, pela revelação o ideológica. A expressão
que melhor permite irromper na exterioridade todo o sistema ideológico constituí-
do é o grito de dor e de sofrimento. Este é a exclamação de dor, conseqüência
imediata do traumatismo e da dor sentida. Por isso, revela a presença de alguém
que sofre e exige uma resposta. Este é a expressão do não-ideológico, pois é o
limite da revelação humana e divina, que, situando-se fora do sistema, o põe em
questão e exige o compromisso de transformação. A dor, articulada em lingua-
gem, em uma classe social, um povo, em um momento da História, faz referência
à realidade ou exterioridade de todo o sistema constituído. Portanto, não podem
ser palavras ideológicas. São palavras poticas que instauram uma nova totalidade
que ocupa o lugar da antiga totalização.
A constituão ideológica assume a configuração de ideologização quando
ocorre a dominão do sistema de palavra e conceitos por alguns, por certas clas-
ses e grupos. O projeto destes grupos é imposto a todo o sistema. Assim, a formu-
lação, o conceito, a palavra, a idéia de um determinado grupo se transforma em
ideologia: representação que, na função prática, oculta a realidade de dominação.
A ideologia assume assim o papel de um sistema interpretativo prático. Desta
forma, percebe-se que é encobridora a ideologia das classes dominantes ou das
nões opressoras, pois sustentam o todo de um sistema de dominação mantendo-
o encoberto. o grito de dor e de sofrimento das classes oprimidas é crítica des-
encobridora e des-ideologizadora, pois constitui-se em articulação de sentido que
parte do que de menos ideológico, a saber, da dor e do sofrimento causados
pelo sistema de dominação.
No caso da Teologia descobre-se seu sentido ideológico na medida que se
revela que tipo de dominação ela oculta, ou a serviço de quem ela está. Uma Teo-
logia que aceita e justifica o sistema dominante e não ouve o grito de dor dos po-
bres é uma Teologia dominadora, encobridora da dominação e ideologizadora.
uma Teologia que seja capaz de partir do grito de dor dos que estão fora do siste-
ma dominante, dos pobres e marginalizados do sistema de dominação, será uma
Teologia des-encobridora e des-ideologizadora. Daí a necessidade de verificar e
indicar os condicionamentos que levam a reflexão teológica a inclinar-se em uma
direção encobridora ou des-encobridora e libertadora.
A análise da história da Teologia de centro e de sua configuração contem-
porânea, permite perceber que cada época coloca condicionamentos ideológicos à
Teologia. Torna-se necessário indicar o que condiciona ideologicamente a Teolo-
gia de centro no período contemporâneo, pois isto permitiverificar que Teolo-
gia é relevante para o contexto latino-americano: uma Teologia ideológico-
imitativa que reproduza na América Latina os condicionamentos ideológicos dos
países centrais ou uma Teologia profética, anti-ideológica e criativo-libertadora
que parta do contexto e da realidade latino-americana marcada pela dor e pelo
sofrimento gerados pelo sistema dominante e beneficiário dos países centrais.
Para Enrique Dussel, os condicionamentos ideológicos da Teologia de
centro são: a ingênua evidência, em perspectiva cultural, política e econômica, de
ser o centro do mundo; A falta de consideração dos condicionamentos de classe
dos próprios teólogos, que não só são fruto de uma classe aristocrática, como
também pertencem às nações dominadoras que, de alguma maneira, oprimem as
colônias de seu industrialismo capitalista monopólico; A falta de questionamento
do ponto de partida da Teologia e a conseqüente falta de compromisso com os
oprimidos, pois, se dito ponto de partida fosse a práxis libertadora dos oprimidos,
que é a origem da palavra não ideológica e a crítica de toda ideologia, a Teologia
deveria definir seu orgânico compromisso com eles; E, por fim, o fato de que os
pobres e oprimidos, juntamente com as causas que os produzem, estarem fora do
horizonte da Teologia de centro. Isso, socialmente, por serem classes pobres, e
geopoliticamente, por serem nações dependentes, neocoloniais e periféricas. Em
conseqüência disso, a Teologia é circunscrita e condicionada ao horizonte de cen-
tro, e, por isso, se ideologiza: oculta a contradição entre centro e periferia. Torna-
se, portanto, uma Teologia que encobre e, através disso, justifica a dominação dos
povos pobres e oprimidos do mundo. Imitar esta Teologia na América Latina seria
mascarar, justificar e encobrir ideologicamente a dominação que faz do povo lati-
no-americano um povo pobre, dependente, oprimido, explorado e injustiçado.
Com esta análise, Enrique Dussel contribui para uma maior conscientiza-
ção dos aspectos ideológicos que estiveram presentes na história da Teologia lati-
no-americana, bem como dos aspectos ideológicos que caracterizaram a Teologia
de centro contemporânea ao Encontro da cidade do México. Contribui ainda para
a importante tarefa autocrítica da Teologia no que se refere à constituição ideoló-
gica de seu discurso, que corre o risco de ser justificação ideológica de sistemas
de dominação cultural, política, econômica, social e religiosa. Nisto coloca-se em
questão a própria relevância da Teologia. A que e a quem serve seu discurso, sua
interpretação da ? Ele é relevante para a transformação do mundo e da sociedade
ou para a manutenção das estruturas e sistemas de dominação? Uma Teologia que
queira ser relevante para a América Latina precisa ser Teologia des-encobridora e
des-ideologizadora de todas as formas de dominão, dependência e injustiça,
passadas e contemporâneas, que tem na História seu lugar de realização. Portanto,
esta Teologia des-encobridora não pode partir senão da própria História, lugar do
grito des-ideologizador de dor e de sofrimento do pobre e injustiçado.
Pela caracterização das etapas da História da Teologia verifica-se que a
Teologia latino-americana viveu momentos de criatividade e momentos de imita-
ção, momentos de justificação teológica da dominação e momentos de uma Teo-
logia profética. Em que consiste a distinção entre estas diferentes formas de Teo-
logia no caso da América Latina? Nos termos desta pesquisa, esta distinção con-
siste no específico lugar que se dá à relevância teológica da Hisria. É nesta linha
que vai a segunda contribuição de Enrique Dussel. Como se verificou na primeira
contribuição, a constituição ideológica da Teologia a coloca a serviço da justifica-
ção ideológica do sistema de dominação. Isso é possível pelo fato de tal Teolo-
gia desconsiderar, através de seu condicionamento ideológico, o contexto concre-
to em que ela se realiza. Pela desconsideração da Hisria concreta, lugar da con-
tradição, do conflito, da injustiça, da pobreza, da fome e da miséria, a Teologia
acaba por contribuir ideologicamente para justificar e manter as estruturas e o
sistema de dominação geradores da injustiça e da dominação na História.
O profético e des-encobridor grito de dor e sofrimento do pobre não é ou-
vido pela Teologia ideológico-imitativa da América Latina e pela Teologia de
centro. Por isso tais Teologias parecem irrelevantes para o contexto latino-
americano onde a dominação, a miséria, a injustiça são expressões claras de uma
História a urgir a libertação. Desta forma, o grito de dor e de sofrimento do pobre,
que é grito des-ideologizador e des-encobridor do sistema de dominação, torna-se
o critério de autenticidade para a própria Teologia. Partir dele ou ignorá-lo torna-
se decisivo para uma Teologia autêntica. Assim a Teologia da Libertação, que é
Teologia que nasce como articulação teológica do esforço pela libertação, será
autêntica e relevante para a História na medida que, a partir da ausculta do grito
des-encobridor e des-ideologizador que vem dos pobres e oprimidos, contribuir
para a sua libertação real e efetiva.
2. Os condicionamentos contemponeos da Teologia na América
Latina segundo a interpretação do Encontro da Cidade do México
Para o Encontro da Cidade do México, a Hisria é relevante para a Teolo-
gia. Tal relevância se dá através dos condicionamentos a que todo fazer teológico
essujeito. Daí a necessidade de tomar consciência destes condicionamentos. No
caso da América Latina de 1975, quais seriam estes condicionamentos? Quais são
os condicionamentos que a Teologia precisa levar em conta para que seja relevan-
te para a Hisria? Na situação de cativeiro e esperança de libertação que caracte-
riza a realidade latino-americana da década de 70, quais o os condicionamentos
mais significativos para a Teologia? Como estes condicionamentos configuram o
método teológico latino-americano?
No item anterior foram analisados os condicionamentos histórico-
ideológicos da Teologia. Agora pretende-se abordar seus condicionamentos con-
temporâneos. Esta abordagem está em continuidade com a anterior. Com ambas
pretende-se indicar como a História, em suas várias dimensões, precisa ser levada
em consideração pela Teologia latino-americana que busca ser relevante na trans-
formação da realidade de opressão, dominação e cativeiro em Nova Sociedade e
Nova História. a Teologia consciente dos condicionamentos que a História lhe
impõe pode transformar os mesmos em oportunidades e tarefas que possibilitem
adquirir consistência e relevância para transformar a História marcada pela cons-
ciência do cativeiro e pela esperança da libertação.
2.1. Luiz Alberto Gómez de Souza e os condicionamentos sócio-
políticos da Teologia na América Latina
A e a Teologia possuem uma historicidade. A tem raízes históricas e
concretas, pois o encontro com Deus se realiza no tempo. Sua manifestação tem
características culturais específicas e está unida à biografia dos fiéis, à situação do
ser humano em seu trabalho, sua classe, sua família e sua nação. Da mesma ma-
neira, a Teologia, como reflexão crítica sobre a fé, não é um conhecimento abstra-
to de categorias atemporais. É sim um pensar imerso na História e em um lugar
determinado. Por isso a Teologia latino-americana pode e deve ter características
próprias, se realmente parte das mais profundas e vitais vivências da na Améri-
ca Latina. A partir da exposição de Luiz Alberto mez de Souza Los Condicio-
namientos socio-políticos actuales de la Teología en América Latina
859
pretende-
se analisar, a seguir, os condicionamentos da sociedade latino-americana e de suas
classes sociais. De que forma estes condicionamentos determinam e condicionam
certa forma de fazer Teologia? Quais as condições para fazer uma Teologia real-
mente inserida na realidade latino-americana?
2.1.1. O condicionamento do sistema capitalista latino-americano
visto em sua globalidade
O sistema capitalista latino-americano pode ser considerado como um pro-
cesso desigual e combinado do capitalismo dependente. Trata-se de um processo,
pois está em constante transformação. Por isso é preciso captar o dinamismo in-
terno do que está ocorrendo na América Latina dos anos 70 e do que está mudan-
do. Mas este processo não é uniforme, e sim desigual. Há uma assimetria nas po-
sições e relações. diferenças significativas entre os países e dentro dos pró-
prios países, em suas classes sociais e suas diversas regiões. A isto denomina-se
colonialismo interno. Essas diferenças não isolam, pelo contrário, unem umas
situações às outras. Por isso é um processo combinado. As desigualdades se origi-
nam nas relações que as classes, regiões e nações têm entre si. Portanto, são os
mecanismos de dominação de umas sobre outras que mantêm e ampliam as dife-
renças. Isso permite ver a América Latina como uma unidade, com suas tensões e
contradições, onde países distintos vivem de maneira diferente algo em comum.
Essa inter-relação se dá em nível mundial, dentro do modo de produção
dominante, a saber, o capitalismo contemporâneo em sua fase internacional e mo-
nopolista. Dentro deste marco se constitui o capitalismo dependente latino-
americano. Frente ao centro hegemônico do sistema capitalista, com sua classe
dominante, suas empresas transnacionais e sua estrutura de poder, os países lati-
no-americanos ocupam uma posição subordinada em que a independência políti-
859
Cf. L.A.G. de SOUZA, Los condicionamientos socio-políticos actuales de la Teología en Amé-
rica Latina, p.69-81.
co-jurídica o oculta a dependência real no plano das decisões econômicas, polí-
ticas e culturais. Esta realidade está em movimento. Por isso, se por um lado
dominação e dependência, por outro a crescente consciência da situação e a
ação contra ela, para libertar-se dela. Trata-se de um quadro dinâmico em que se
dá um processo com avanços e retrocessos, complexo e contraditório
860
.
Ante tais constatações, pode-se propor a seguinte questão: o que a descri-
ção de tal capitalismo dependente latino-americano tem a ver com a reflexão teo-
lógica? A Teologia depende desta situação histórica concreta. À medida em que a
Teologia for inconsciente desta situação, ela a aceita e a justifica. Desta forma,
como sistema de idéias, apareceria como aliada ao status quo. Porém, quando se
faz crítica, descobre as raízes da dominação e possibilidades de vencê-la. Ao invés
de instrumento de legitimação, converte-se em fonte de enfrentamento. “Não
neutralidade possível nem escapismo diante deste condicionamento”
861
.
Em segundo lugar, a capacidade de denúncia e rebeldia é maior aí onde se
sofre a dominação. Os setores dominados, com capacidade histórica de organiza-
ção, o os agentes eficazes da transformação. Por esta razão, uma Teologia que
queira ser libertadora, terá que lançar raízes nas classes populares emergentes,
portadoras do futuro. Assim os cristãos latino-americanos, na medida que desco-
brem os mecanismos de dominação, podem recolocar a problemática da em
conflito com a Hisria. Isso o se a partir de uma América Latina indiferen-
ciada, mas a partir das classes sociais oprimidas da região. O elemento fundamen-
tal, a unidade decisiva, não será a nação mas a classe social, a classe operária e,
em alguns casos, os camponeses. Estes grupos vão descobrindo os sujeitos mais
eficazes do processo, aqueles capazes, através de sua ação, de desocultar os pro-
blemas e, portanto, traçar os caminhos da ppria reflexão teológica.
Em terceiro lugar, pela análise do capitalismo latino-americano dependen-
te, evitam-se duas tentações: a tentação provinciana de falar de Teologia latino-
americana como se se estivesse em uma ilha, e a tentação da dependência cultural,
importando problemática e autores de outras áreas. Quanto à primeira tentação,
não se pode esquecer que na América Latina setores dominantes ou a serviço
da dominão e que sua Teologia apoia o sistema. Não é simplesmente pelo fato
860
Cf. L.A.G. de SOUZA, Los condicionamientos socio-políticos actuales de la Teología en Amé-
rica Latina, p.69-70.
861
Ibid., p.70.
de ser latino-americano que se é crítico. Porém, por outro lado, na América Latina
podem dar-se, e de fato se dão, condições favoráveis para a crítica
862
.
Por fim, percebe-se na América Latina a presença de setores inseridos em
diferentes situações dentro da estrutura de dominação. Isto permite que se perceba
a coexistência de reflexões diferentes e contradirias. Na situação contemporânea
ao encontro da Cidade do México distintas correntes teológicas superpostas.
Trata-se da Teologia tradicional, desenvolvimentista e da libertação. Isso se dá
porque estas Teologias se dão em situações de classes do continente e em um con-
texto de luta. Isso leva à necessidade de abordar o condicionamento de classe co-
mo o grande condicionamento social da reflexão teológica.
2.1.2. O condicionamento de classe
Para o autor, o sistema capitalista contemporâneo ao encontro do México
se constitui no enfrentamento e em alianças de uma série de classes e frações de
classes sociais. Pode-se assinalar alguns grupos sociais mais amplos que aparecem
com características particulares nas diversas situações nacionais. Destacam-se os
grupos tradicionais, a burguesia que nasce a partir do processo de industrialização,
a classe operária urbana, e os camponeses. Entre estes grupos situam-se os setores
médios. Nos períodos de enfrentamento, a burguesia industrial buscou alianças,
com os setores médios, porém também com os setores populares, nas diversas
experiências populistas da região. Trata-se de alianças de classe sob a hegemonia
da burguesia industrial. Nestes casos os setores populares em geral reduzem sua
ação a reivindicações econômicas e apóiam uma política feita a partir do ponto de
vista de outros interesses. Aqui é importante conhecer o comportamento dos seto-
res médios. Estes são profundamente ambíguos. Normalmente estão aliados aos
setores da burguesia. Há entre estes setores grupos radicalizados que querem des-
ligar-se de sua própria classe rumo às classes populares. Nesta perspectiva
muitos intelectuais e universitários. Para entender o processo ideológico e a refle-
xão teológica na América Latina é importante conhecer essas distintas tendências.
A produção intelectual, em grande parte, é gerada nestes setores médios.
Como já se indicou entre os setores médios, há os que se aliam à burguesia
e os radicalizados. Estes últimos têm grande influência na Teologia da Libertação.
862
Cf. L.A.G. de SOUZA, Los condicionamientos socio-políticos actuales de la Teología en Amé-
Os movimentos universitários e estudantis cristãos foram os primeiros que avan-
çaram no processo de politização, antes mesmo que os movimentos operários e
agrários cristãos, que em um primeiro momento estiveram presos às estruturas
eclesiais, protegidos por seus assessores, com uma mentalidade populista e com
uma espiritualidade pouco hisrica. Assim, os movimentos estudantis foram pre-
cursores, porém o fizeram com seu condicionamento de classe: setores que busca-
vam um descolamento, sem contudo, consegui-lo completamente
863
.
Outro setor fundamental é formado pelos grupos populares. Este é com-
posto por um proletariado e um campesinato que começaram a organizar-se na
América Latina produzindo os movimentos operários, principalmente chileno e
boliviano. Na Igreja este processo de organização se realiza com atraso. Somente
nos últimos anos anteriores ao encontro da Cidade do México é que surgem os
chamados movimentos populares de libertação, dentro dos quais a Teologia da
Libertação encontra suas maiores possibilidades de desenvolvimento. Desta forma
“assim como em um primeiro momento a Igreja recebeu a influência dos setores
médios radicalizados em sua reflexão de vanguarda, tudo parece indicar que o
futuro da Teologia da Libertação se encontra nas lutas operárias e campesinas
864
.
A análise dos condicionamentos de classe é importante para poder funda-
mentar a crítica à Teologia da Libertação, que deve criar-se e recriar-se, revisando
posições e corrigindo erros e imprecisões. Sem dúvida o condicionamento de clas-
se não deve ser visto de modo mecanicista. Outros níveis, como o político e o cul-
tural, têm certa autonomia e capacidade de transformar a situação de classe. As
próprias ideologias, em sua composição contradiria, atuam sobre a situação e a
consciência de classe. No entanto, tudo isso se faz em limites estreitos e de curto
alcance. De maneira geral, a classe tende a recuperar seus privilégios
865
.
2.1.3. Os condicionamentos políticos
As estruturas de poder nos países latino-americanos correspondem à situa-
ção débil do capitalismo dependente e ao esforço de dominação por parte de uma
burguesia com vinculações internacionais. Neste contexto está o exercício do po-
rica Latina, p.70-71.
863
Cf. L.A. Gómez de SOUZA, Los condicionamientos socio-políticos actuales de la Teología en
América Latina, p.72-74.
864
Ibid., p.74.
865
Cf. Ibid., p.74-75.
der por meio do autoritarismo militar. Os diferentes estilos de ação militar mos-
tram a impossibilidade de fazer generalizões em vel de continente. Porém,
pode-se constatar que um aumento da repressão e da capacidade dos serviços
de inteligência para detectar focos de inconformidade. As situações poticas são
variadas e vão desde a consolidação da experiência cubana, o malogro da via chi-
lena rumo ao socialismo latino-americano, as transformações no Peru, até os re-
gimes mais autoritários. A participação popular é colocada geralmente em nível
de aspiração, porém, tem pouco efeito concreto. O que muitas vezes acontece são
tentativas de mobilizações populares dirigidas a partir do próprio poder político.
Nestas circunstâncias a posição da Igreja católica é significativa. Parte dela
esdiretamente a serviço dos detentores do poder, enquanto outra parte luta con-
tra estes mesmos poderes. Em certos contextos, a voz da Igreja é a única que pode
exercer uma ação em defesa da justiça e dos direitos humanos. Negar-se a tal ini-
ciativa em nome de um pseudo-apoliticismo significa dobrar-se ao apoio dos po-
deres dominadores. Aqui a Igreja encontra-se diante da coexistência de posições
divergentes e contradirias e será julgada historicamente por suas posições.
Enfim, pode-se dizer que se nos anos cinqüenta e parte dos anos sessenta o
desenvolvimentismo, com características mais ou menos democráticas, condicio-
nou uma Teologia reformista e até mesmo abriu perspectivas de curto prazo para
uma Teologia da Libertação, o autoritarismo contemporâneo ao encontro da Cida-
de do México coloca um condicionamento mais difícil. Coloca também a necessi-
dade de ligar a perspectiva da libertação em um horizonte histórico mais amplo
866
.
Vive-se no cativeiro, porém, não se pode perder de vista o projeto de libertação.
Isso exige, como se verá a seguir, examinar de que forma estes condicionamentos
determinam a reflexão teológica e como podem determiná-la no futuro próximo
ao encontro da Cidade do México.
2.1.4. Determinações dos condicionamentos na reflexão teológica
Os setores tradicionais têm sua Teologia embasada em uma estrutura soci-
al estratificada e fechada. Nesta Teologia encontram-se desde pensamentos inte-
gristas e feudais até comportamentos de religiosidade popular com origens em
uma sociedade rural patriarcal. Frente ao desenvolvimento urbano e industrial
modernizante surge um pensamento reformista que valoriza o temporal e saúda os
sinais dos tempos, inserindo-os na vida contemporânea. Aceitam-se as mudanças
como expressão natural de adaptação da sociedade a novas exigências da civiliza-
ção, sem contudo, pôr em questão o sistema global. Mesmo em posições audazes
nunca se rompe a barreira do modo de produção e a estrutura de classes. As ne-
cessidades e angústias analisadas são as do burguês de classe média e seus pro-
blemas existenciais são colocados como problemas de civilização. Boa parte da
Teologia européia e norte-americana mais avançada encontra-se nesta perspectiva.
Aqui, segundo Luiz A. G. de Souza, é preciso deter-se um pouco no que
acontece na América Latina com a Teologia da Libertação e os setores das classes
médias radicalizados que primeiro a impulsionaram. O condicionamento de classe
foi determinante. O comportamento dos cristãos radicalizados é semelhante ao de
outros setores médios não-cristãos radicalizados. Isso parece indicar um condicio-
namento comum. Ambos, em maior ou menor grau, têm um conflito com sua
classe de origem e, às vezes, buscam um desligamento de sua classe de origem.
Vindos de posições reformistas, facilmente passam a atitudes insurrecionais, bus-
cando esquecer o passado próximo, porém mantendo ao mesmo tempo o mesmo
anti-comunismo original. Trata-se então de “um processo de radicalização em
geral teórico, abstrato, pouco vinculado às situações específicas e concretas”
867
.
Isso leva a certo voluntarismo político que insiste no que se quer sem conhecer
bem o que é possível realizar.
Os cristãos deste grupo provêm de posturas do “dever ser” a partir de pro-
pósitos de estar com o povo e ter uma posição revolucionária, caindo na realidade
sem o devido realismo político e com uma atitude muitas vezes ingênua. Estes
grupos radicalizados têm dificuldade de situar-se frente à realidade com uma es-
tratégia específica em processos concretos e difíceis. Freqüentemente, frente à
ação não propõem uma tática de luta mas uma utopia futura, tomando uma orien-
tação escatológica que visualiza melhor o que “vem depois” do que o que se deve
construir “agora”. Todo este condicionamento vai determinar algumas orientações
do pensamento de libertação. É certo que aqui muitos matizes. Porém, uma
reflexão que se entende em revisão constante deve estar atenta aos desvios e fazer
866
Cf. L.A. Gómez de SOUZA, Los condicionamientos socio-políticos actuales de la Teología en
América Latina, p.75-76.
867
Ibid., p.77.
permanente crítica de suas posições. Neste sentido, a apologética seria um grande
desserviço à Teologia da Libertação, pois os condicionamentos podem ser su-
perados quando se tem consciência dos mesmos e se tem vontade de superá-los
868
.
Segundo Luiz Alberto Gómez de Souza, entre a denúncia de uma situação
e o anúncio de outra futura há a práxis histórica. Isto significa que o fundamental
não é nem a denúncia e nem o anúncio. O fundamental é a práxis concreta que
denuncia e anuncia, e sobretudo, constrói. Por isso o planejamento deve ser feito
em nível de ão e não de escatologia ou utopia. Este é o desafio. O problema é
que por causa do condicionamento de classe tem-se tido a dificuldade de propor
estratégias políticas possíveis e eficazes. Neste sentido há um ponto comum entre
a classe média reformista e a classe média radical: “ambas, no fundo, manifestam
um profundo pessimismo frente aos processos concretos de transformação, que
o difíceis e lentos para poder ser eficazes”
869
.
Enfim, tudo isto evidencia a necessidade de que a Teologia da Libertação
não viva no mundo das utopias” ou das grandes imagens ideais. Exige-se que ela
seja sim uma Teologia da ação política em nível de estratégias e de táticas concre-
tas. Isto é relativamente difícil para cristãos que têm um condicionamento de clas-
se média e um nível de reflexão abstrato. Por isso este condicionamento de classe
impõe desafios à Teologia da Libertação: ela será relevante para a História na me-
dida que for capaz de assumir esta História com os processos, meios e valores
políticos limitados de que ela dise. Será uma Teologia historicamente relevante
assumindo a História e transformando-a de modo eficaz. Isto, porém, o é possí-
vel pela mistificação da História e da política, mas pelo assumir a potica de mo-
do político e com os meios, limitações e valores da política, tendo em vista a
transformação processual, consciente e crítica da própria História
870
.
868
Cf. L.A.G. de SOUZA, Los condicionamientos socio-políticos actuales de la Teología en Amé-
rica Latina, p.76-78.
869
Ibid., p.78. L.A.G. de Souza sustenta tal afirmação propondo que os reformistas crêem ser
impossível transformar o sistema. os radicais crêem que para fazê-lo é necessário um “ato vo-
luntarista” que os destrua de uma vez. Contudo, em ambos os casos, o se adentra na comple-
xidade dos processos históricos que as transformações exigem.
870
L.A.G. de Souza, seguindo Péguy, chama a atenção, no que diz respeito ao condicionamento de
classe dos grupos médios radicais, de que estes muitas vezes são cristãos que vieram da mística
para a política e acabam por fazer política como quem faz mística e não com os meios, limitações
e valores da própria política. Cf. Ibid., p.78.
2.1.5. Situação possível para o futuro
Para Luiz A. G. de Souza, é preciso ter em conta os elementos que caracte-
rizam a situação contemporânea ao encontro do México e aqueles que se projetam
para o futuro da Teologia da Libertação. Somente assim é possível fazer Teologia
da Libertação concreta e histórica na América Latina que se tem e não naquela
que se gostaria de ter. A partir desta perspectiva é possível indicar alguns aspectos
condicionantes do fazer teológico à época do encontro da Cidade do México.
Em primeiro lugar, pode-se notar o recrudescimento da repressão política e
o crescente autoritarismo na América Latina. Isto tem como resultado uma crise
nos movimentos insurrecionais e até sua destruição total em alguns países. Este
fato indica que estes movimentos não souberam avaliar as condições objetivas do
processo histórico e a importância de uma ação a médio e longo alcance junto às
bases populares. Mas, por outro lado, frente a esta situação um risco para os
que querem ser realistas: por causa do autoritarismo, colocam os problemas de
maneira generalizada, para não cair nas redes da repressão. Com isso esvaziam de
conteúdo real estes problemas e suas possíveis soluções. “Porque a censura é for-
te, passa-se a fazer automaticamente auto-censura, aa um nível que empobrece
a reflexão e, a longo prazo, muda seus conteúdos”
871
. Um segundo fato que tem a
ver com o anterior é o da destruição da experiência chilena. Frente a este fato se
produz a falácia de concluir apressadamente que esta experiência fracassou sim-
plesmente porque tinha que fracassar. Com isso se perde a oportunidade de anali-
sar as reais causas da derrota da via socialista chilena e como ter-se-ia que agir
para que não fracassasse. Em terceiro lugar, mesmo que o modo de produção do-
minante em nível mundial siga sendo o capitalista, uma parte da humanidade
“marcha rumo ao socialismo”. Na América Latina há a experiência cubana, ao que
tudo indica irreversível, com suas transformações amplas em nível das relações de
produção e das relações sociais. Isso impõe uma revisão da posição dos cristãos
frente a esta experiência dentro e fora de Cuba.
Em quarto lugar, está a crise internacional do sistema capitalista, que pare-
ce ser mais que uma dificuldade conjuntural e que pode colocar caminhos impre-
visíveis, criando condições aparentemente fora do alcance. Por isso é preciso dei-
xar de lado dogmatismos e preconceitos ideológicos e revisar permanentemente as
próprias posições. Neste contexto global, torna-se necessário analisar os proble-
mas que a contra-cultura” coloca nos países desenvolvidos e as novas formas de
convivência e de luta. Por fim, como um elemento que se infiltra na própria Teo-
logia da Libertação, é preciso ter em conta a capacidade de recuperação, por parte
da direita latino-americana, da idéia de libertação e de seus conteúdos. Nesta
perspectiva, afirma Luiz A. G. de Souza que “a forma quá mais eficaz para en-
frentar a corrente libertadora não é rechaçá-la, mas sim assumi-la à sua maneira:
se fala de libertação de um homem abstrato e de sua alma, esvaziando os conteú-
dos concretos de sistema, classe e cultura”
872
. Algo semelhante ocorreu com a
reflexão teórica sobre a dependência quando esta foi tirada de seu elemento de
luta de classes e foi reduzida a simples enfrentamento entre nações
873
.
2.1.6. Tarefas da Teologia da Libertação ante os condicionamentos
sociais e políticos
A Teologia da Libertação não está construída, ela vai sendo criada e, recri-
ando-se, a partir da análise de seus distintos condicionamentos. Na análise propos-
ta acima estiveram em questão apenas os condicionamentos sociais e políticos.
Estes condicionamentos, assim como os ideológicos, culturais e eclesiais, também
estão em processo de transformação. Por isso, do ponto de vista dos condiciona-
mentos sociais e políticos acima analisados, impõe-se uma revisão constante da
situação de classe e um esforço por superar a “tentação suicida” da radicalização
até a morte que politicamente é estéril, assim como o neo-reformismo que surge
em uma etapa difícil de repressão. Isto coloca, segundo Luiz Alberto Gómez de
Souza, algumas tarefas importantes para a Teologia da Libertação.
Primeiro, o enfoque central precisa ser sempre o partir de uma inserção na
História concreta e real dos povos e países latino-americanos. Isto significa partir
do processo capitalista dependente latino-americano, com suas características par-
ticulares, porém com alguns problemas comuns a quase todos estes países: as
transnacionais, as crises econômicas, a concentração de renda, a estratificação
social e a repressão. Em cada situação é preciso assumir as tarefas exigidas pela
práxis transformadora e libertadora. Segundo, para ter pontos de referência é im-
871
L.A. Gómez de SOUZA, Los condicionamientos socio-políticos actuales de la Teología en
América Latina, p.79.
872
Ibid., p.79.
873
Cf. Ibid., p.78-79.
portante analisar experiências históricas que existem e o utopias. A experiência
cubana é iluminadora, com seus titubeios, desacertos e conquistas. Torna-se ne-
cessário analisar também as experiências populistas latino-americanas nas distin-
tas épocas, os avanços que foram possíveis, suas ambigüidades e limitações
874
.
Terceiro, é necessário que o condicionamento de classe sofra uma mudan-
ça radical. Os que deverão ter a palavra no futuro próximo deverão ser os que tra-
balham de fato em experiências populares. O sujeito do processo o deveria ser
tanto o universitário, mas sim o operário e o camponês. É a partir de suas experi-
ências que dever-se-ia ir construindo a reflexão teológica. Em quarto lugar, vê-se
que para cumprir com todas estas tarefas não se deve partir de um populismo nem
de um proletariado ingênuo que crê que o povo tem a verdade histórica, sem ter
em conta que sua situação é, muitas vezes, de submissão e alienação. Por isso é
preciso e urgente que se recupere a importância do intelectual em todo o processo.
Cabe-lhe interpretar o que acontece nos setores populares da sociedade latino-
americana. O intelectual que faz análise social, política ou teológica precisa cor-
responder ao que pede Gramsci: o “intelectual orgânico”. É este intelectual que dá
a uma classe social sua homogeneidade e a consciência de sua ppria função”.
Ele tem uma tarefa de interpretação e outra pedagógica. Faz com que a classe se
pense a si própria e tome consciência de sua situação no processo histórico, de seu
papel, de suas limitações e alienações. Enfim, o intelectual buscará descobrir os
problemas centrais que dão inteligibilidade ao processo
875
.
Concluindo, -se que nesta perspectiva recupera-se o valor da Teologia
que, a partir da fé, ilumina a ação do cristão na busca da construção de um mundo
mais humano. Isso exige uma reflexão sobre a práxis e sobre os meios eficazes de
libertação. Daí que a grande função de uma Teologia libertadora será a superação
de tantos falsos problemas éticos e de falsas espiritualidades. Esta Teologia preci-
sa unir o realismo à audácia evitando cair, por um lado, em um “neo-reformismo
e, por outro, em um suicídio romântico”. Pelo contrário, deve buscar a eficácia
histórica, com raízes nos grupos e classes sociais que têm o futuro em suas os.
Nesta perspectiva há uma grande responsabilidade aberta para a ética, para a espi-
874
Luiz A. G. de Souza chama a atenção que há processos de tomada de consciência e organização
populares que é importante estudar de perto, como a história da classe operária na Bolívia e Chile,
os camponeses do México e de Honduras, etc. Cf. L.A.G. de SOUZA, Los condicionamientos
socio-políticos actuales de la Teología en América Latina, p.80.
ritualidade e para a pastoral latino-americanas
876
. Enfim, tal Teologia pode parti-
cipar da tarefa histórica da libertação através da ão dos cristãos presentes na
História. poderá fazê-lo, no entanto, quando estiver viva no processo real e
histórico e quando analisar a verdade como verdade histórica e concreta. Pois é
neste sentido, e neste único sentido, que podemos dizer que a verdade de Deus
encarnado nos faz livres
877
.
2.2. Samuel Ruiz e os condicionamentos eclesiais da reflexão
teológica na América Latina
Os condicionamentos eclesiais são apresentados no Encontro da Cidade do
México por Samuel Ruiz em sua exposição Condicionamientos eclesiales de la
reflexión teológica en América Latina
878
. Pretende-se a seguir expor as linhas
principais desta exposição tendo em vista a identificação e análise dos condicio-
namentos sócio-eclesiais que condicionam o fazer teológico na América Latina.
Para verificar os condicionamentos cio-eclesiais, pode-se partir da cons-
tatação de que sinais que permitem perceber o que acontece na Igreja. Diante
destes sinais estabelece-se um processo de revisão autocrítica para o qual Samuel
Ruiz pretende contribuir. Um primeiro sinal aparece com o Sínodo de 1974 que
abordou a temática da evangelização. Qual seria tal sinal? A palavra do Terceiro
Mundo, dita pelas Igrejas africanas e da América Latina neste Sínodo, com todos
os condicionamentos com que foi dita aí, não pôde ser compreendida: “foi ouvida,
porém o foi interpretada e nem compreendida”
879
. Isto é um sintoma dos condi-
cionamentos eclesiais da refleo teológica na América Latina. Revelam-se
alguns condicionamentos que precisam ser analisados.
2.2.1. O condicionamento do choque de Teologias
O primeiro condicionamento da reflexão teológica pode ser indicado como
um “choque de Teologias”. Por trás deste choque está mais que o choque de duas
Teologias que supõem olhares diferentes de Igreja e do Ser Humano. Esse choque
875
Estas referências a Gramsci e ao intelectual orgânico são propostas por L.A.G. de Souza, sem
contudo apresentar referências bibliográficas. Cf. Ibid., p.81.
876
Cf. Ibid., p.80-81.
877
Ibid., p.81.
878
Cf. S. RUIZ, Condicionamientos eclesiales de la reflexión teológica en A. Latina, p.83-89.
879
Ibid., p.83.
indica duas angústias de consciência e interesse. Assim esse conflito de Teologias
se converte em angustiante conflito de pessoas que têm sinceridade nas posições
que assumem. Isso leva ao impedimento de uma reflexão teológica tranqüila, e
conduz as Teologias a uma luta com mútuas acusações e autodefesas, impendin-
do-as de realizarem o aprofundamento de temáticas relevantes e fundamentais.
Para Samuel Ruiz, seguindo as teorias de Freud, pode-se descobrir por
detrás destas posições um funcionamento subconsciente que sinaliza certo “com-
plexo de superioridade” européia ante certo “complexo de inferioridade” latino-
americana. Por trás das cticas à Teologia Latino-americana ouve-se uma espécie
de questionamento: “pode sair algo bom de Nazaré?”. “A partir daquele Terceiro
Mundo que nos estava escutando e que era a caixa de ressonância da Europa, pode
dizer-se algo consistente, algo ortodoxo, algo construtivo, algo que tenha valida-
de?”
880
Junto a isso há um outro fenômeno chamado por Samuel Ruiz de “proleta-
rização da Teologia”. Trata-se do fenômeno segundo o qual o teólogo tradicional,
acadêmico, universitário se sente desinstalado pelo avanço de uma Teologia mais
proletarizada, por uma Teologia onde leigos que a fazem e onde, para se teolo-
gizar, não é mais necessário títulos acadêmicos ou o apoio de universidades ou
instituições. Essa espécie de proletarização da Teologia se graças, em grande
parte, à América Latina. Seu efeito imediato é a desinstalão daqueles que ainda
continuam sua produção teológica na linha tradicional. Para esta espécie de teólo-
go tradicional opera, de modo subconsciente, a identificação entre a Teologia ou
reflexão teológica com uma explicação obrigatória de determinada maneira de
compreender a dogmática. Desta forma, dogmatiza-se determinada Teologia como
se esta própria fosse o dogma. Isso faz com que certa Teologia se sinta não
questionada e em luta contra outra Teologia diferente, mas também se sinta como
a única que tem o direito de julgar a outra Teologia dizendo se esta é ou não é
uma Teologia ortodoxa. “No fundo, tem-se pois uma luta entre uma Teologia jus-
tificadora de sua própria situação e também do sistema a partir de onde fala, e
uma Teologia questionante”
881
. Enfim, esta situação, com suas raras exceções, não
permite um intercâmbio e um mútuo enriquecimento. Produz, sim, agressão e po-
lêmica e isto limita o caminho do aprofundamento teológico
882
.
880
S. RUIZ, Condicionamientos eclesiales de la reflexión teológica en América Latina, p.84.
881
Ibid., p.84-85.
882
Cf. Ibid., p.83-85.
2.2.2. O condicionamento da preocupação pela ortodoxia
e pela unidade
A preocupação pela ortodoxia e pela unidade dentro da Igreja também po-
de ser considerada um condicionamento da reflexão teológica latino-americana.
Pois, segundo Samuel Ruiz, provoca um “controle teórico repressivo” e um “con-
trole teórico reflexivounido a um controle da práxis que alimenta a reflexão teo-
lógica. Neste sentido, o que provoca preocupação é a idéia de que a Igreja tem o
encargo de proclamar uma verdade única, que ela possui e tem o dever de vigiar
pela sua pureza através dos séculos. A partir deste ângulo, o problema de fato sur-
ge quando autoridades da Igreja reagem ao aparecimento de temáticas conflitivas,
com a repressão dos desvios ideológicos que existem na temática conflitiva que
se reflete na América Latina. Esta temática conflitiva na América Latina consiste
na denúncia profética da injustiça estrutural. Isto exige a análise das implicações
do mundo desenvolvido como um dominador injusto e a denúncia de toda injusti-
ça. Implica a preocupação que suscita a utilização da análise cienfica da socieda-
de utilizada pelo marxismo. Implica refletir nas implicações da caridade em sua
dimensão política na inserção da luta de classes que questiona uma forma tradi-
cional de ver a caridade. Implica pensar a paz como resultado dos conflitos e da
busca do amor dentro deles. Implica, enfim, a presença do ser humano dentro da
História de maneira transformadora
883
.
Esta temática conflitiva é um questionamento existencial. Não são temas
que apenas preocupam, mas que também provocam uma reflexão sobre o situar-se
da própria Igreja na História. É preciso reconhecer que a Igreja foi excluída da
sociedade civil e que não o foi pelas suas posições filosófico-teológicas. Mas sim
porque “era um poder” e ainda segue sendo um poder, um “poder religioso do-
minador”. Esta Igreja não voltará a estar presente na sociedade se o atuar de
forma distinta, isto é, através da solidariedade para com o oprimido. Isso implica
evidentemente uma desinstalação da Igreja de seu próprio lugar e situação. Isso
significa um questionamento profundamente existencial. Trata-se do temor do
conflito e da insegurança diante da busca da Igreja. Como possuidores da “verda-
de absoluta”, a marcha rumo a novos caminhos seria o caminho da insegurança e
uma perturbação do caminho marchado com tantas certezas no passado. Neste
sentido também os temores de um diálogo com o marxismo, não obstante as
indicações do Concílio Vaticano II e de alguns documentos posteriores que o es-
timulam. Teme-se o diálogo com o marxismo pelo seu ateísmo e porque se pode
perder a “concepção justa” do ser humano. Porém, teme-se tal diálogo principal-
mente porque o Primeiro Mundo, através deste diálogo, aparece desmascarado em
sua injustiça, em sua hipocrisia em referência aos países subdesenvolvidos, dos
quais ele é causa de destruição e opressão. É preciso ter em conta que a principal
divisão do mundo não é entre ateus e crentes, mas entre os que se aproveitam da
injustiça e os que a suportam. É mais importante o rechaço de um sistema econô-
mico-político que esmaga o ser humano do que ter um conceito justo do ser hu-
mano, de sua liberdade e de seu desenvolvimento, enquanto com a própria vida se
favorece um sistema que gera a injustiça. Nesta perspectiva, Samuel Ruiz lembra
Mao-Tse-Tung que teria dito: “Ao Evangelho não se necessita destruir; ele é o
sinal da única verdade que o foi vivida”
884
.
Os países desenvolvidos promovem uma espécie de assassinato dos países
subdesenvolvidos. Isto é duro de aceitar. Neste sentido, outra situação do questio-
namento existencial é perceber o aspecto justificador que a Teologia oficial tem
feito do status quo e das próprias estruturas eclesiais que reproduzem e refletem
em muitas coisas o sistema social. É preciso interrogar-se: quem afinal tem a or-
todoxia? Quem é ortodoxo? Para Samuel Ruiz, a verdadeira ortodoxia emana e
provém da orto-práxis. A verdadeira ortodoxia o é a mera aceitação de verda-
des, mas sim viver a verdade na vida de caridade traduzida em acontecimentos,
em ação. Isto é que salva e caracteriza o autêntico cristão. Enfim, a Teologia não
julga a práxis, mas a Teologia se justifica pela sua práxis
885
.
2.2.3. Os mecanismos de controle como condicionantes da Teologia
Outro condicionamento a que a Teologia Latino-americana está sujeita diz
respeito aos métodos de controle de tipo repressivo. Trata-se da instrumentaliza-
ção de centros ou organismos que, na opinião de Samuel Ruiz, têm a pretensão de
garantir a ortodoxia. Em certos casos mobiliza-se todo o aparato eclesiástico para
frear determinados enfoques da reflexão teológica. Segundo Samuel Ruiz, assim
se instrumentaliza a própria imaturidade do episcopado latino-americano. Isto
883
Cf. S. RUIZ, Condicionamientos eclesiales de la reflexión teológica en América Latina, p.85.
884
Citado em: Ibid., p.86.
885
Cf. Ibid., p.85-86.
porque este não se decide a dar vazão livre a experiências pastorais que apresenta-
riam saídas ao status quo da Igreja, possibilitando o surgimento de uma Igreja
realmente, como a contemplada no Concílio, que responda a uma realidade histó-
rica concreta, a um mundo concreto em marcha. Isto possibilitaria à Igreja passar
de uma imagem de dominadora para uma servidora do mundo. Neste sentido, para
Samuel Ruiz, a própria hierarquia é utilizada. Uma hierarquia que ainda não se
renovou, à luz do Concílio, em sua mentalidade e nem em sua atitude. Ao se colo-
car em prática os impulsos do próprio Concílio, na América Latina, sente-se o
peso dos retrocessos. Por isso é que a própria Teologia da Libertação, segundo
alguns, deveria mudar de nome e chamar-se “Teologia do Cativeiro. Aqui, do
cativeiro de parte da própria Igreja
886
.
Esta perspectiva indica um condicionamento relevante da reflexão teológi-
ca. Trata-se do controle teórico-reflexivo exercido sobre a Teologia da Libertação.
Na verdade, mobilizam-se, por parte de setores significativos da Igreja, mecanis-
mos de auto-controle para apropriar-se da Teologia da Libertação. Assim, com o
nome de “Teologia da Libertação” há uma produção teológica de índole dedutiva
e puramente idealizada ou idealista. A desorientação é o resultado concreto, na
maioria dos casos, desta apropriação indevida. Usam-se as mesmas palavras da
Teologia da Libertação, porém partindo de outros pontos de vista
887
.
Por fim, outro tipo de controle importante que é preciso mencionar.
Trata-se do controle da própria práxis que alimenta a reflexão teológica latino-
americana. Lançam-se suspeitas e se reprimem as experiências que alimentam o
avanço da reflexão teológica libertadora. Procura-se frear a renovação pastoral
latino-americana. Frea-se assim o próprio aprofundamento teológico em perspec-
tiva libertadora e transformadora. Nesta perspectiva, os mecanismos de ajuda in-
ternacional também sofrem influências e pressões. Estes sofrem mudanças de ori-
entação buscando cortar o financiamento de tudo aquilo que possa ter alguma re-
lação com a Teologia da Libertação
888
. Contudo, há um processo de conversão e
alguns organismos procuram sair desta “arapuca mortal” que evita contribuir para
886
Cf. S. RUIZ, Condicionamientos eclesiales de la reflexión teológica en A. Latina, p.86-87.
887
Cf. Ibid., p.87.
888
Nesta perspectiva afirma Samuel Ruiz: “há uma pasmosa circulação rapidíssima da informação
confidencial de uns organismos para outros, um burocratismo que detém o processo de aprovação
de projetos, um controle central por onde tudo passa, consultas a partir de uma só linha para rece-
ber uma informação determinada e uma problemática de pressões internas e externas de outros
organismos”. Ibid., p.88.
os verdadeiros processos de libertação na América Latina. Estes últimos organis-
mos estão cada vez mais conscientes de como os organismos de ajuda internacio-
nal formam parte de um sistema e que, na realidade, não fazem outra coisa, pela
sua forma tradicional de atuar, que amarrar mais ainda os povos a lugares de mai-
or dependência em todas as dimensões. Por isso, esses organismos mais conscien-
tes buscam retificar e condicionar sua ajuda, buscando apoiar os verdadeiros e
autênticos processos de libertação na América Latina
889
.
2.2.4. O condicionamento das lacunas eclesiológicas e
pneumatológicas na Teologia da Libertação
Por fim, é preciso indicar que internamente a Teologia da Libertação tem
limitações teóricas e práticas. Falta-lhe, à época do encontro da Cidade do Méxi-
co, uma eclesiologia da libertação a partir da práxis. Segundo Samuel Ruiz, ainda
não havia sido desenvolvida neste período uma eclesiologia s-conciliar nem
uma eclesiologia da Teologia da Libertação, mesmo que houvesse boas indicações
destes desenvolvimentos. Mas para que esses desenvolvimentos de fato ocorram é
necessário pastores que propiciem uma práxis pastoral que impulsione e estimule
ao menos uma eclesiologia diferente, a partir da práxis libertadora latino-
americana. Se isso de fato fosse levado a sério, desapareceria oconvulsionismo”
existente entre a Teologia da Libertação e o pulular de outras Teologias, e surgiria
uma Igreja nova, verdadeiramente histórica e comprometida na tarefa da re-
criação da sociedade latino-americana. Nesta perspectiva também aparece a lacu-
na de uma pneumatologia a partir da ação do Espírito nos pobres de Javé. Pneu-
matologia que evite chamar Espírito “a qualquer coisa” e reoriente o crescente
movimento carismático exportado para o Terceiro Mundo com seus riscos de eva-
o e de gueto. Enfim, a reflexão teológica é freada ao se possibilitar uma desvir-
tualização da práxis, tornando-a espiritualizante, individualista e evasiva do com-
promisso de transformação da sociedade
890
.
Por último, a Teologia da Libertação latino-americana precisa superar o
condicionamento de sua relão com a instituão eclesiástica. Para Samuel Ruiz,
ter-se-ia um condicionamento muito limitante da Teologia da Libertação se esta
não usasse a institucionalização eclesiástica das experiências religiosas, das lutas
889
Cf. S. RUIZ, Condicionamientos eclesiales de la reflexión teológica en A. Latina, p.87-88.
890
Cf. Ibid., p.88-89.
das bases. O desafio é propiciar comunidades eclesiais de base que deixem de
estar passivas na instituição ou de estar contra a instituição para buscar, com a
autoridade eclesiástica, um aprofundamento libertador da mensagem evangélica
dentro de uma posição legítima, legalizada, dentro da Igreja
891
.
2.3. Juan Luis Segundo e os condicionamentos da primeira e
segunda épocas da Teologia da Libertação
A análise dos condicionamentos da Teologia da Libertação, contemporâ-
neos ao encontro do México, ficaram a cargo de Juan Luis Segundo
892
. Para abor-
dar os condicionamentos eclesiais, sócio-políticos e ideológicos da Teologia da
Libertação, o autor indica a necessidade de eleger algum aspecto do problema,
pois trata-se de um tema amplo. Por isso propõe-se a analisar estes diferentes con-
dicionamentos em sua relação com o problema de sua “atualidade”
893
.
Para Juan Luis Segundo, houve dois momentos no desenvolvimento da
Teologia da Libertação. Um momento de nascimento, que pode ser situado vaga e
imprecisamente na II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, mas
que tem raízes bem anteriores, que remontam, pelo menos, ao final do Vaticano
II. Esta Teologia começou a gestar-se em base a uma extraordinária geração de
estudantes universitários brasileiros, cuja reflexão teológica pode ser situada por
volta dos anos sessenta. Depois veio o Vaticano II e a obra de um grupo de teólo-
gos como Gustavo Gutiérrez. “Tudo isso teve como resultado esse primeiro mo-
mento, essa aparição pública de uma Teologia na América Latina, expressada
nos documentos de Medellín, em 1968”
894
.
Este primeiro momento da Teologia da Libertação tem determinados con-
dicionamentos que já não são os mesmos da época do encontro da Cidade do Mé-
xico. Por isso é preciso distinguir um segundo momento. É preciso interrogar-se,
afinal, quais são os novos condicionamentos da Teologia da Libertação contempo-
râneos ao encontro da Cidade do México? Ter em conta estas duas “atualidades”
nos condicionamentos, isto é, que as condicionantes da Teologia latino-americana
tem dois momentos diferentes, é muito importante. E o é porque, se a Teologia da
891
Cf. S. RUIZ, Condicionamientos eclesiales de la reflexión teológica en A. Latina, p.89.
892
Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en Latinoamérica,
p.91-101.
893
Cf. Ibid., p.91.
894
Ibid., p.91.
Libertação o se dá conta dos novos condicionamentos e dos novos problemas a
que tem que enfrentar, ela corre o perigo de um esvaziamento interior. A partir
destas considerações pode-se destacar os condicionamentos do primeiro e segun-
do momentos da Teologia da Libertação, na interpretação de Juan Luis Segundo.
2.3.1. Os condicionamentos da primeira época da
Teologia da Libertação
Trata-se aqui dos condicionamentos do período em que nasceu a Teologia
da Libertação e também do meio em que nasceram os documentos de Medellín.
No plano eclesial, com algumas exceções, a América Latina vivia o clima de
“grande liberdade” que seguiu-se ao Vaticano II. Podia-se investigar, propor no-
vas hipóteses teológicas, podia-se criar uma nova Teologia e até se podia dialogar
com as autoridades eclesiais sobre esta nova Teologia. Portanto, vivia-se um cli-
ma de liberdade eclesial para o teólogo. Essa liberdade traduzia-se em liberdade
para o pastor, para aquele que tinha a missão de transmitir os frutos desta reflexão
teológica para a comunidade cristã.
No plano cio-político havia neste período uma espécie de fermentação
política. Apareciam no horizonte da América Latina diferentes possibilidades de
transformar a realidade. Ocorriam, neste sentido, novos fenômenos, como a as-
censão da esquerda em muitos países que até então haviam sido países de políticas
tradicionais. Surgiram muitos movimentos de libertação que obrigavam a pensar
sobre essa nova realidade, sobre os grupos de jovens, violentos ou não, que procu-
ravam dar novas formas ao panorama político do Continente. O panorama inter-
nacional estava menos estabilizado em sua relação com a América Latina. Tudo
isso possibilitava um clima de fermentação política em que as questões políticas
eram realmente queses abertamente discutidas. As possibilidades de mudança
pareciam factíveis e reais
895
.
No plano ideológico, vivia-se um clima de discussão aberta, com exceção
de alguns países. Quase todas as ideologias podiam discutir na América Latina os
modelos de sociedade e de ação que lhes pareciam mais eficazes e convenientes
para a mudança de estruturas rumo a uma sociedade mais humana e justa. Ainda
não se fazia presente o endurecimento ideológico que à época do encontro do Mé-
895
Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en Latinoamérica,
p.92.
xico reina na maioria dos países latino-americanos. Neste último peodo não
existe mais a possibilidade de uma discussão ideológica e os interlocutores, ou
alguns deles, haviam desaparecido vítimas da violência institucionalizada.
Na primeira etapa, surgem teorias novas como a teoria desenvolvimentista
que logo é sucedida pela teoria da dependência estrutural. Segundo esta última, há
uma dependência por parte dos países da periferia, do sistema capitalista dos paí-
ses centrais. Nesta perspectiva, o fenômeno do subdesenvolvimento não é mero
atraso com respeito ao desenvolvimento. É sim a outra parte do próprio desenvol-
vimento. É o preço pago para o desenvolvimento de outros países ou de outras
classes sociais. Surgem discussões sobre as possibilidades das vias revolucioná-
rias. Quase pela primeira vez começa a ter um papel importante na discussão ideo-
lógica o que a Igreja tem a dizer. Surge o interesse de muitos setores políticos e
ideológicos pelo aporte da Igreja. Isto, precisamente, porque a Igreja coma a
falar mais de coisas concretas e, portanto, a intervir na discussão ideológica pro-
pondo soluções reais. A Igreja, portanto, vivia uma inserção maior no que se vivia
ideológica e politicamente na América Latina.
Neste contexto, a Teologia da Libertação nasceu de uma experiência pas-
toral. Não nasceu de uma teoria nem foi produzida em laboratório. Nasceu, sim,
de uma necessidade concreta que era a de dar respaldo teológico e cristão aos cris-
tãos comprometidos nos processos de libertação latino-americanos. Era necessário
acompanhá-los, iluminar seu compromisso e ação, estar com eles em seus questi-
onamentos mais profundos, provindos de sua presença no processo de libertação
latino-americano. Assim é muito clara a dimensão pastoral da Teologia da Liber-
tação deste período. Podia-se quase dizer que a Teologia da Libertação teve sua
origem na pregação pastoral, pois começou-se a pregar sobre coisas reais. Não
que fosse irreal o moralismo da pregação anterior, mas o fato é que neste momen-
to passa-se a pregar sobre temas que interessam virtualmente ao destinatário da
pregação. É este último que enfrenta compromissos e exigências da cristã na
relação com o compromisso sócio-político. E o faz pela sua própria consciência
de fé e compromisso cristão e evangélico. A este e a partir deste é que se dá a pre-
gão pastoral. Nesta época, de acordo com Juan Luis Segundo, a pregação torna-
se “eminentemente” comprometida e, por isso mesmo, interessante em um duplo
sentido: interessa e desafia
896
.
Neste quadro apresentam-se os primeiros fenômenos: parte da “freguesia”
abandona o templo como resposta a seu desacordo com o pregador, seja porque
este parece reacionário ou porque parece demasiado progressista. O fato é que a
pregação pastoral toca pontos vitais e, pela primeira vez, o cristão começa a tomar
posição diante disso e a optar se permanece na comunidade, ou se a abandona.
Outro fenômeno é que também se fazem presentes os grupos leigos comprometi-
dos que exigem da pastoral um respaldo que ilumine com a o que eles estão
fazendo na prática para saber se é fundamentalmente cristão e para saber se esse
compromisso político realmente corresponde à vocação cristã
897
.
Para Juan L. Segundo, deste primeiro condicionamento da Teologia surge
uma certa ambigüidade discernível em todos os planos. Em perspectiva positiva,
trata-se de uma Teologia que descobre uma dimensão até então esquecida ou mui-
to escondida da mensagem cristã, a saber, a funcionalidade histórica de toda men-
sagem cristã, de toda vida da Igreja. Descobre-se que nem a mensagem cristã nem
a vida da Igreja tem sentido para outra finalidade que não seja a de levar a Histó-
ria a uma sociedade em que haja condições de vida cada vez mais humanas e dig-
nas. Descobre-se que Deus não revelou coisas nem fundou uma Igreja simples-
mente para levar os seres humanos a Ele, verticalmente, isto é, por exemplo, atra-
vés de um sacramento. Mas que tudo o que Deus colocou na mensagem cristã, na
Escritura e na Igreja, tem uma funcionalidade, isto é, uma finalidade histórica.
Tende, portanto, a realizar na História o plano de Deus, que é a humanização do
ser humano e a sua divinização na humanização. O ser humano é imagem e seme-
lhança de Deus, e quando este ser humano se des-humaniza ou é des-humano,
essa imagem e semelhança é deformada. Ao mesmo tempo, quando o ser humano
torna-se mais humano, essa semelhança torna-se mais fiel. Este é, enfim, o lado
positivo deste condicionamento vivido pela Teologia da Libertação do primeiro
momento. A partir de então é muito difícil na Teologia latino-americana admitir
qualquer finalidade de algo cristão que não seja a finalidade histórica, que não
896
Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en Latinoamérica,
p.92-93.
897
Cf. Ibid., p.93-94.
seja a finalidade para a História e que não tenha como critério fundamental a
construção de uma História melhor
898
.
Por outro lado, este condicionamento da reflexão teológica desta época
tem um lado negativo. O problema é que o condicionamento pastoral submeteu a
Teologia da Libertação ao que se pode chamar de “dupla pressa” ou urgência. A
primeira Teologia da Libertação foi uma espécie de Teologia urgente, feita com
certa pressa pastoral. Por um lado, se vivia uma época em que os acontecimentos
se sucediam rapidamente e era necessário fazer-lhes frente. Havia uma urgência
que talvez estivesse de fato mais nas pessoas que nos fatos, mas que certamente
estava nas pessoas. Estas tinham a sensação de que o futuro iria depender do que
elas fizessem hoje”, portanto, não havia tempo para perder em refletir a longo
prazo. Era urgente atuar no curto prazo
899
.
Por outro lado, havia a urgência pastoral de iluminar os novos aconteci-
mentos. Acontecimentos que colocavam perguntas novas à pastoral e que tinham
que ser iluminadas pela fé. A pastoral tinha que produzir esta iluminação no mes-
mo ritmo em que sucediam estes acontecimentos. Isto a colocava em um estado de
urgência pastoral. Parecia urgente optar e atuar, sem tempo para reflexões teológi-
cas ou ideológicas prévias e que fossem a longo prazo. Para Juan Luis Segundo,
neste processo, não perdeu a Teologia como também perderam as ideologias.
Nomeando apenas uma ideologia, foi uma época de um marxismo “sumamente
pobre”. O marxismo era vivido com a mesma urgência da pastoral sem investigar
suas fontes originais e se denominava de marxismo a “qualquer coisa”
900
.
Na urgência de iluminar o compromisso pastoralmente, usou-se de um
esquema a curto prazo, ao qual se recorreu constantemente. O próprio esquema
dos documentos de Medellín a prova desta afirmação. Estes documentos estão
elaborados segundo um esquema no qual a primeira parte analisa e descreve a
realidade com categorias humanas (sociológicas, comprometidas, etc.). Descobre
o fenômeno da dependência, da injustiça, da falta de educação conscientizadora.
Descobre, em síntese, qual é a realidade histórica latino-americana. Assim, os
898
De acordo com J.L. Segundo, surgem neste período alguns fenômenos que podem parecer con-
traditórios ou de crise. Por exemplo, muitos cristãos começam a faltar à missa, a não crer que Deus
tenha mandado necessariamente ir a missa todos os domingos, independentemente de que a missa
sirva ou não. Começam a julgar a missa dominical a partir do ponto de vista da História. “Que
contribui para a História esta reunião da comunidade cristã?”. Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionami-
entos actuales de la reflexión teológica en Latinoarica, p.94.
899
Cf. Ibid., p.94-95.
documentos começam com uma descrição e análise da realidade e imediatamente
depois de descobrirem esta realidade, propõem um juízo teológico. Exige-se que a
Teologia dê algo assim como a “voz de Deus” sobre esta realidade que foi anali-
sada de uma maneira complexa. Desta forma, de acordo com Juan L. Segundo,
mesmo nos Documentos de Medellín, que são muito ricos, pode-se ver que a parte
de reflexão teológica é pobre: “o teólogo não sabe o que fazer ante a complexida-
de da realidade que lhe foi apresentada pelos sociólogos”
901
.
Evidencia-se assim um jzo teológico muito apressado sobre a realidade
latino-americana. Não um juízo apressado, mas um juízo que posteriormente
seconsiderado como inútil, por quem, na História, experimenta a pressa na ur-
gência do tempo. Daí a questão: para que perder tempo em perguntar a um teólo-
go se já um sociólogo consciente descobriu as coisas que é preciso mudar e corri-
gir? O que se pode tirar do teólogo é que Deus está de acordo com tudo aquilo que
quer corrigir a situação, por isso já nem mais se lhe pergunta. O problema era que
o Evangelho a quem se recorria para iluminar a realidade, não era visto a longo
prazo. Não havia tempo para lê-lo integralmente e tirar dele um espírito evangéli-
co com o qual se pudesse iluminar a ação
902
.
De acordo com Juan L. Segundo, o próprio esquema ver-julgar-agir era
baseado na urgência pastoral: ver a realidade, julgar, entende-se teologicamente, e
passar imediatamente à ação. Aqui, na maioria das vezes, o forte estava no ver e
no agir, ao passo que o julgar era “lamentavelmente pobre”. Este juízo, na maioria
das vezes, não passava de uma repetição daquilo que já tinha sido “visto”. Resulta
deste condicionamento um conhecimento muito parcial da Bíblia, nesta primeira
“Teologia urgente” da Libertação. a Bíblia era praticamente reduzida não ao
Evangelho, mas a certas passagens do Antigo Testamento mais ligadas com as
questões da política do povo de Israel. “Assim, se via mais compromisso político
em certas partes do Antigo Testamento que no próprio Evangelho”
903
. Desta for-
900
Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en L., p.95.
901
Ibid., p.95.
902
J.L. Segundo exemplifica o problema propondo que em muitos grupos cristãos comprometidos
se usou o mesmo esquema ou um esquema parecido. Trata-se do esquema da revisão de vida em
que um problema vivido era exposto ao grupo, discutia-se a partir do ponto de vista humano e logo
se interrogava, às vezes em uma forma sumamente urgente: e o que diz o Evangelho sobre isto? Se
recorria ao Evangelho e algm que o conhecia um pouco melhor que os outros apresentava um
texto. O problema é que o acontecimento que provocou a leitura do Evangelho ocorreu mais de
dois mil anos depois. E geralmente o Evangelho era tirado de seu contexto. Cf. Ibid., p.96.
903
Ibid., p.96.
ma se fez uma leitura da blia onde o Êxodo, isto é, a saída do cativeiro como
tema de libertação, era praticamente todaa Bíblia. Por outro lado, outros mo-
mentos decisivos da História de Israel, o exílio, por exemplo, com toda a Teologia
feita para compreender a situação do exílio e julgá-la sob a perspectiva de Deus,
era deixada de lado, pois molestava quem tinha que suportar uma situação de cati-
veiro. Enfim, a Bíblia era tomada parcialmente, enquanto parecia iluminar
compromissos históricos reais e urgentes
904
.
Outro ponto que se refere mais diretamente à Teologia deste primeiro
momento, foi a elaboração de um esquema, também simplista, em relação à Teo-
logia européia que praticamente invadia o continente latino-americano. O europeu
é a Teologia da “o-libertação”. Os europeus, por ideologia, fazem Teologia sem
dar-se conta da o-libertação”. Por outro lado, quando a Teologia européia con-
siderava um teólogo como conservador, era porque os latino-americanos tinham
muito interesse em considerá-lo progressista. Daí que as revistas dedicadas à Teo-
logia da Libertação fizeram o panegírico, por exemplo, de Urs von Balthazar, teó-
logo europeu reconhecido como conservador, ou Jean Danielou, que foi reconhe-
cido como um dos principais representantes da Teologia conservadora européia,
durante certo período. Além disso, se interpretava sempre favoravelmente tudo o
que vinha do Vaticano, precisamente pelas críticas que se faziam de conservado-
rismo no Vaticano. Enfim, era um esquema simplista, através do qual se perdia
uma dimensão mais profunda das coisas
905
.
Concluindo, -se que o juízo global que esta primeira época da Teologia
da Libertação merece é positivo pela obra que realizou. Isso significa que da am-
bigüidade surge uma grande obra. Trata-se da Teologia que descobre uma dimen-
o essencial da Teologia de todos os tempos. Descobre a vontade de Deus que
quer libertar e humanizar o ser humano. Essa obra é irreversível e contribuiu para
a Teologia da Igreja latino-americana. Já o condicionamento negativo pode ser
expresso em termos da linguagem marxista: é o descobrimento da autonomia rela-
tiva da Teologia. Isto é, descobre-se que o se pode fazer Teologia sem respeitar
suas próprias regras. Descobre-se, portanto, que é preciso tomar a Teologia mais a
rio como ciência, que não se pode fazê-la servir, com pressa e urgência, às ne-
cessidades exclusivamente a curto prazo. Mas que é preciso tomar a sério os me-
904
Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en L., p.95-96.
905
Cf. Ibid., p.97.
canismos próprios da Teologia, pois estes têm sua autonomia relativa e não se
pode passar por cima destes mecanismos. Esta seria a parte negativa dos condi-
cionamentos do primeiro momento da Teologia da Libertação latino-americana
906
.
2.3.2. Os condicionamentos da Teologia da Libertação na época do
Encontro da Cidade do México
A Teologia da Libertação, à época do encontro da Cidade do México, tem
condicionamentos sócio-políticos, eclesiais e ideológicos. Nestes, de acordo com
Juan Luis Segundo, houve um “sério retrocesso” em relação aos condicionamen-
tos da primeira época ou ao momento em que se gestou a Teologia da Libertação.
Em primeiro lugar, do ponto de vista eclesial, um clima de divisão interna na
Igreja. Isto se revela sobretudo por um “cuidado e um controle da ortodoxiaque
vê “duendes” em todas as partes e que, portanto, trata de impedir a criatividade
teológica. Além disso a Igreja encontra-se, neste período, atada exteriormente,
pela repressão de muitos governos latino-americanos. Isto data principalmente do
informe Rockefeller que assinalou aos governos latino-americanos e ao governo
norte-americano o “perigo subversivo” que constitui parte da Igreja e a importân-
cia de reprimi-la mediante as forças armadas. Os dois elementos que tal informe
manipulou foram a importância das forças armadas para a repressão e o perigo da
Igreja, ou de parte dela. A partir deste momento, a Igreja mudou muito em relação
à primeira época do nascimento da Teologia da Libertação. Do ponto de vista só-
cio-político, existe à época do encontro da Cidade do México uma passividade
política em muitos países latino-americanos. Esta é ocasionada pela eliminação de
partidos políticos que tinham realmente a possibilidade de uma luta política orga-
nizada. Os governos militares autoritários dominam praticamente todo o sul do
Continente. Há também governos civis, porém, mais repressivos que antes
907
.
No plano ideológico, em boa parte dos pses latino-americanos, o diálogo
ideológico é destruído, suprimindo os órgãos de expressão das ideologias. Exem-
plo disto são muitos jornais e revistas. Estabeleceu-se, em muitos países, uma re-
906
Para J.L. Segundo, uma Teologia deste tipo produziu desenganos no compromisso dos cristãos.
Para muitos cristãos, tal Teologia se esgotou rapidamente. Depois de dar-lhes impulso rumo ao
compromisso, esta Teologia não lhes deu mais nada. Daí a alternativa de buscar outras ideologias
para seguir adiante no compromisso, abandonando o cristianismo. O autor cita como exemplo
desta perspectiva o que ocorreu com Ação Popular, “movimento estudantil muito poderoso no
Brasil”, antes do golpe de 1964. Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión
teológica en Latinoamérica, p.97.
pressiva censura que impossibilitava a discussão ideológica em nível público. Em
outros lugares, simplesmente suprimiram-se os interlocutores do diálogo. Estes
não podem mais falar, ou porque já não existem, vitimados pelos regimes autoritá-
rios, ou porque seriam presos ou exilados caso o fizessem. Isso faz com que em
muitos países latino-americanos falte o interlocutor ideológico, ou, ao menos, os
interlocutores ideológicos valiosos que obrigavam, no período anterior, a Igreja e
os cristãos a pensarem. Tampouco existem as opções a curto prazo. Isto faz com
que não se pense muito, pois não se vislumbra o que é possível fazer.
Esta é em síntese a situação eclesial, sócio-política e ideológica que condi-
ciona a reflexão teológica latino-americana à época do encontro da Cidade do
México em 1975. Ante tal situação cabe a interrogação sobre as conseqüências
destes condicionamentos para a Teologia da Libertação. Primeiramente, segundo
Juan Luis Segundo, mesmo nestas circunstâncias, a Teologia da Libertação segue
viva e isso é muito importante. A Teologia da Libertação tornou-se um movimen-
to irreversível para a Igreja latino-americana. Esta Teologia não será declarada
heterodoxa e nem cismática pois esarraigada no profundo da Tradição cristã e é
cada vez mais vivida no nível laical e no nível de base na Igreja. A Teologia da
Libertação é, pois, um movimento vivo e irreversível, porém, não pode ser im-
plementada pastoralmente. Não se sabe o que fazer pastoralmente e nem o que
fazer com os cristãos. Não se sabe como lançá-los a um compromisso porque de-
sapareceu a possibilidade de compromissos com a desaparição de opções poti-
cas, sociais e ideológicas. De acordo com Juan L. Segundo não terreno para a
luta e, neste sentido, é um problema dificílimo para a pastoral saber o que fazer
com a Teologia libertadora. À medida em que a Teologia libertadora, com sua
perspectiva transformadora, for levada a cabo, em tais circunstâncias e condicio-
namentos, ela “manda para o paredão” os cristãos. Seria então uma “Teologia
suicida”. Daí resulta que, pastoralmente, mesmo que se tenha em grande conside-
ração essa Teologia da Libertação, é difícil ver o que fazer com tal orientação
908
.
Surge aqui uma segunda ambigüidade. Por um lado, há algo negativo. Tra-
ta-se da tendência pastoral à evasão presente em muitos lugares na Igreja latino-
americana. Isto significa que há uma tendência a uma atividade da Igreja que con-
siste na evasão do compromisso histórico, que não transforma, radicalmente, a
907
Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en L., p.98.
908
Cf. Ibid., p.98-99.
História. Estas evasões o, por exemplo,que é preciso fazer algo, a zonas que
o menos perigosas cio-politicamente. Aqui entra em questão a problemática
da religiosidade popular. Para Juan L. Segundo, o grande desenvolvimento que
esta problemática teve nos últimos anos anteriores ao encontro da Cidade do Mé-
xico é, em certa medida, uma evasão produzida pela falta de perspectivas históri-
cas abertas diante da Igreja
909
.
Em segundo lugar, desvios de tipo individual. De acordo com Juan L.
Segundo, trata-se da tendência a um espiritualismo individual, de renovação. Vê-
se isso na prática dos exercícios espirituais, cursilhos e outros movimentos ten-
dentes à renovação do indivíduo como cristão, sem dar-lhe nenhuma visão nem
possibilidade de influenciar e transformar a História. Desta forma percebem-se
fenômenos pentecostais em toda a América Latina. Trata-se de fenômenos de efu-
o do Espírito, “sem que nunca ao Espírito lhe ocorra levar a estes cristãos para o
Parlamento para que protestem, em nome do Espírito, contra certas coisas”
910
.
Portanto, o Espírito se reduz a trabalhar dentro da Igreja e a produzir fenômenos
de efusão espiritual um pouco a-históricos. Para Juan Luis Segundo esta espécie
de caricaturização pretende mostrar a “tentação da evasão” que existe na América
Latina de então. Não que tudo isso seja sempre uma evasão, pois há formas ricas e
autênticas de exercícios espirituais, de cursilhos, de pentecostalismo
911
.
Na própria leitura bíblica, uma espécie de deshistoricização com um
privilégio para o a-histórico. No interior da Bíblia se privilegiam as partes menos
históricas. Juan L. Segundo justifica tal pensamento a partir de exemplos brasilei-
ros. Segundo ele, uma difusão grande neste período, no Brasil, de círculos bí-
blicos que estudam a chamada literatura sapiencial. Isto é, a literatura em que Is-
rael não tinha perspectiva histórica, mas que tratava de fundar uma religiosidade
muito mais interna, individual, através dos salmos. Certos círculos bíblicos, com
numerosa assistência, privilegiam, além dos Salmos, os Provérbios, “talvez o mais
a-histórico livro de toda a Bíblia”
912
.-se que o que está em questão é: que outra
coisa é possível fazer quando outros livros da Bíblia são perigosos na medida que
podem inspirar ações históricas que não podem ser realizadas dentro dos condi-
cionamentos sócio-políticos, eclesiais e ideológicos que marcam este período?
909
Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en L., p.99.
910
Ibid., p.99.
911
Cf. Ibid., p.99.
Neste período pode-se falar também em condicionamentos positivos da
Teologia. O condicionamento positivo consiste em um novo esquema de ilumina-
ção da práxis. Este é um novo elemento que pode, de acordo com Juan Luis Se-
gundo, dar à Teologia da Libertação uma nova dimensão de profundidade muito
maior que a anterior. Não se ilumina a práxis com nenhuma leitura fragmentária
da Palavra de Deus. A Palavra de Deus não dá receitas históricas para iluminar a
práxis. Não se pode tirar uma só Palavra do Evangelho para resolver problemas
contemporâneos. O que de fato ajuda a cristã a resolver os problemas contem-
porâneos é passar pelo processo inteiro. Neste sentido o Evangelho é educador.
Ocorre algo similar ao que ocorre com a educação. É evidente que ninguém con-
cebe a educação como um aprendizado de respostas prontas ou de receitas que a
criança aprende a utilizar quando o pai enrijece o semblante. Isso não é educação.
Educação consiste em passar por experiências diferentes, tratando de compreendê-
las e de ver o que se exige em cada circunstância. Desta forma o educando é capaz
de deparar-se com problemas novos e ser suficientemente criador para resolvê-los,
apesar de esses problemas nunca terem-lhe sido apresentados antes. Para a Teolo-
gia isso significa dar-lhe tempo e energias como educadora, respeitando os méto-
dos teológicos. Para isso é preciso tomar a Teologia não como uma aprendizagem
em primeiro grau, isto é, como uma aprendizagem de perguntas e respostas. É
preciso, sim, tomar a Teologia como uma aprendizagem feita de um “aprender a
aprender”. Isso significa que o cristão, mesmo depois da Bíblia, segue aprenden-
do, segue o processo porque a História é seu mestre e vai ensinando-o a crescer
913
.
Em concluo, pode-se perguntar por um juízo global sobre estes condi-
cionamentos que condicionam a reflexão teogica latino-americana à época da
realização do encontro da Cidade do México. -se que, por um lado, tem-se a
tentação de ser anti-Medellín. Isto significa voltar atrás e esquecer Medellín e sua
linguagem na Igreja. Neste sentido, Juan L. Segundo chama a atenção que, à épo-
ca do encontro da Cidade do México, em muitos países latino-americanos, quase
nenhum pregador se anima a ler o que disse Medellín, pois isso pode constituir
um crime. Vê-se, portanto, que a linguagem que pouco tempo antes a Igreja usou
sem problemas, tornou-se “sumamente problemática”. Tornou-se, enfim, uma
912
J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en L., p.100.
913
Cf. Ibid., p.100.
tentação do condicionamento contemporâneo ao encontro da Cidade do México
para muitos países latino-americanos.
Mas pode-se propor também um juízo global positivo do novo condicio-
namento da reflexão teológica latino-americana. Trata-se do reconhecimento da
autonomia relativa do pensar a fé e a Teologia. A Teologia precisa de seu tempo e
de energias para que seja criadora e transformadora da realidade. Caso contrário,
não vale a pena passar pela Teologia. Ou se lhe dá o tempo que é necessário para
que realmente se torne criadora para o ser humano e para a História ou, caso con-
trário, nem vale a pena passar por ela. Para Juan L. Segundo, esta é uma experiên-
cia da Teologia da Libertação que pode ser muito útil para o futuro e uma sensa-
ção muito clara de que não se pode instrumentalizar a Bíblia, porque a Bíblia sai
por outro lado, destruindo o que se instrumentalizou. Por outro lado, também não
se pode instrumentalizar a hierarquia eclesiástica nem a vida da Igreja, lançando-
as rumo à esquerda. Com isso apenas se conseguiria levar os fiéis à insegurança.
Isto tudo indica que é inútil a instrumentalização. Enfim, o que é fundamental em
tal condicionamento sócio-político, eclesial e ideológico é dar o tempo necessário
para a conscientização libertadora, mediante a mensagem de
914
.
2.4. Os condicionamentos antropológico-culturais da Teologia
latino-americana segundo Luis Gonzalez
Além dos condicionamentos indicados a Teologia latino-americana
também encontra-se, à época do encontro da Cidade do México, influenciada por
condicionamentos antropológico-culturais. Esta é a perspectiva defendida no en-
contro por Luis Gonzalez em sua exposição Antropología y Teología de la Libe-
ración
915
. Para este autor, a questão antropológica não foi abordada pelos exposi-
tores que trataram do tema dos condicionamentos da reflexão teológica na Améri-
ca Latina. Por isso, sem negar a importância dos outros condicionamentos, é pre-
ciso ter em conta o condicionamento cultural que é posto em evidência pelos es-
tudos antropológicos. Não levá-lo em conta como um elemento fundamental da
Teologia da Libertação, não vai falseá-la como também vai esterilizá-la. São
necessárias algumas considerações para sustentar esta afirmação.
914
Cf. J.L. SEGUNDO, Condicionamientos actuales de la reflexión teológica en L., p.100-101.
915
Cf. L. GONZALEZ, Antropología y Teología de la Liberación, p.309-315.
Para Luis Gonzalez, a antiga Teologia e filosofia escolástica sempre fala-
ram do homem essencial, metafísico, que está em todas as partes e não está em
nenhuma ao mesmo tempo, pois é atemporal, a-local, a-cultural. Este é um ser
humano abstrato que se realiza em suas essências, porémo em suas concreções.
Essas afirmações são lidas para a Teologia que precisa contar com elas. Porém,
não são suficientes que a Teologia não se dirige a “essências humanas” mas a
pessoas e comunidades concretas. Nesta perspectiva, as Ciências Humanas e So-
ciais, especialmente a antropologia, aporta um complemento indispenvel a toda
Teologia da Libertação, precisamente para que não se radicalize em nível ideoló-
gico e ideal. Mas que parta de situações particulares, concretas, que significam
uma problemática específica e aportam riquezas novas
916
.
Na América Latina, a Teologia da Libertação não pode desconhecer o fato
do pluralismo étnico-cultural, significado o só pelas nacionalidades de origem
européia, norte-americana ou asiática, mas também, particularmente, pelas diver-
sas etnias ou grupos indígenas presentes em quase todos os países latino-
americanos, particularmente no México, Guatemala, Equador, Peru, Bolívia e em
todo o território amazônico. Nesta perspectiva, Luis Gonzalez propõe uma crítica
afirmando que se absolutiza demasiadamente o valor de classe, que sem dúvida é
importante, e do qual não se pode prescindir, no entanto se ignora ou minimiza o
fator etnia e o fator cultura, e nem sequer se mencionam as sub-culturas latino-
americanas. “Se são necessárias, como condicionantes, as estruturas já menciona-
das – econômicas, sócio-políticas e religiosas – não menos necessárias de conside-
ração são as de índole antropológica”
917
. A língua e a cultura são, segundo Luis
Gonzalez, estruturas fundamentais do ser humano, de dinâmica menos perceptível
pois em boa parte são inconscientes. São capitais pois configuram a identidade da
pessoa e do grupo, e chegam aos níveis mais profundos da consciência, porque
vinculam e manifestam o mais íntimo do ser humano.
Em conseqüência, a Teologia da Libertação não pode ignorar a cultura e a
língua dos povos latino-americanos se de fato quer encarnar-se neste ser humano
que é cultural e social. Se esta Teologia quer partir do ser humano latino-
americano, se quer acompanhá-lo em seu pprio processo histórico de libertação,
se quer dar o passo de uma Teologia que “representao povo latino-americano
916
Cf. L. GONZALEZ, Antropología y Teología de la Liberación, p.311.
917
Ibid., p.311-312.
para uma Teologia “do povo”, do indígena não universalizado, mas particulariza-
do em cada etnia concreta, precisa considerar este povo em sua cultura e em sua
língua. Do contrário, mesmo que inconscientemente, a Teologia da Libertação,
por mais que busque ser fiel e genuína, será colonialista e manipuladora, já que se
erige em intérprete do povo e não potencia a própria voz teológica deste mesmo
povo. Por isso uma autêntica Teologia da Libertação deve ser autóctone, comuni-
tária, expressada na língua, simbologia, valorização e vivência dos próprios gru-
pos, na medida que vão adentrando-se na e o comprometendo-se com suas
exigências. E isto não se consegue levando em conta exclusivamente as estruturas
políticas, sócio-econômicas ou puramente religiosas.
Por outro lado, seria utópico, até certo ponto, considerar setorialmente tais
estruturas, isoladas de seus contextos inter-culturais e intra-culturais, que têm re-
percussões diferentes, segundo sejam os grupos humanos em que se manifestam.
Por isso, nas Ciências Humanas e Sociais é preciso assumir as globalidades para
entendê-las. Desta forma, para a Teologia, não basta a consideração exclusiva de
cada um dos condicionamentos. É preciso assumi-los todos. E a Teologia da Li-
bertação deve tornar presente os processos particulares de cada um deles. Isto sig-
nifica que a Teologia da Libertação deve abarcar uma libertação econômica, polí-
tica, social, religiosa, cultural, autodeterminada por cada grupo humano.
Enfim, as reflexões anteriores permitem concluir, segundo Luis Gonzalez,
que é impossível uma Teologia da Libertação autêntica sem um conhecimento
profundo da cultura. E isto é válido tanto para uma etapa inicial desta Teologia,
que é representada por vozes, sistematizações e interpretações não autóctones, não
indígenas, como também na etapa ideal de criação teológica de libertação pelas
próprias comunidades étnicas, que devem refletir sobre suas pprias formas de
vida, para poder aportar um pensamento e uma ação teológica relevantes
918
.
2.5. Condicionamentos contemporâneos da reflexão teológica latino-
americana: a Teologia da Libertação nas condições históricas da
tensão entre a realidade de cativeiro e a esperança da libertação
O conjunto das exposições de L.A. Gómez de Souza, Samuel Ruiz, J.L.
Segundo e Luis Gonzalez traz uma contribuição significativa para compreender e
918
Cf. L. GONZALEZ, Antropología y Teología de la Liberación, p.311-313.
identificar as condições históricas do fazer teológico latino-americano à época do
Encontro da Cidade do México. Sob a perspectiva social, ideológica, econômica,
política e eclesial, estes autores abordam os condicionamentos a que está sujeita a
reflexão teológica latino-americana do período. Neste sentido contribuem, em seu
conjunto, para verificar como a História em seu acontecer pluridimensional se faz
presente, determina e condiciona a Teologia.
A contribuição de Luiz A. G. de Souza está em analisar a historicidade da
Teologia pela via de seu condicionamento social, político e econômico. Para tal
propõe uma abordagem dos condicionamentos da sociedade latino-americana e de
suas classes sociais, seguida da interrogação pela forma como estes condiciona-
mentos determinam e condicionam a Teologia. Sua análise mostra que a Teologia
latino-americana está condicionada pelo sistema capitalista, pelo sistema de clas-
ses e por condicionantes políticas. Tomar consciência destes três condicionamen-
tos contribui para que a Teologia Latino-americana da Libertação possa estabele-
cer uma autocrítica pertinente em busca de sua relevância para o contexto latino-
americano. Trata-se da necessidade de tomar consciência dos condicionamentos
para poder superá-los rumo a uma Teologia mais autêntica e relevante.
Nesta perspectiva, L.A.G. de Souza indica alguns problemas que a Teolo-
gia da Libertação, devido aos seus condicionamentos de classe, do capitalismo
dependente e dos condicionamentos políticos, enfrenta à época do Encontro da
Cidade do México. No contexto do capitalismo dependente latino-americano, das
classes que dominam a América Latina e do autoritarismo político, a Teologia da
Libertação é desafiada a ser uma Teologia crítica em sua alise do capitalismo.
Isso evita que ela seja provinciana, por um lado, ou importada, por outro. Diante
das classes sociais que dominam as classes populares, a Teologia da Libertação é
desafiada a contribuir para a consciência da dominação e para a efetivação do pro-
cesso de libertação que nasce nos setores populares latino-americanos e que tam-
bém encontra apoio em setores dios. Diante da situação política latino-
americana, marcada pelo aumento da repressão e pelo aumento da vigilância con-
tra qualquer sinal de inconformismo social e potico a Teologia da Libertação é
desafiada a viver no cativeiro, porém, sem perder de vista o projeto de libertação.
Os condicionamentos sociais e políticos da Teologia da Libertação im-
põem a esta assumir algumas tarefas se quiser ser historicamente relevante. A Te-
ologia da Libertação, como uma Teologia em processo de construção, precisa re-
ver constantemente seus condicionamentos sociais e poticos. Para Luiz A. G. de
Souza, isso se dá mediante a revisão constante da situação de classe que condicio-
na o fazer teológico e também mediante o esforço da Teologia por superar a tenta-
ção suicida da radicalização frente à repressão, assim como pelo esfoo de supe-
rar o reformismo teológico que se apropria da linguagem da libertação para man-
ter uma Teologia burguesa e importada, justificadora da dominação pela sua ce-
gueira frente aos condicionamentos do capitalismo dependente.
Isso impõe à Teologia da Libertação a exigência de sua inserção na Histó-
ria real e concreta dos povos e países latino-americanos, marcados pelo capitalis-
mo dependente e pelos frutos socioculturais e econômicos de tal sistema. As expe-
riências históricas destes povos têm muito a contribuir para uma Teologia autenti-
camente libertadora. Neste sentido impõe-se a necessidade da mudança no condi-
cionamento de classe. É preciso dar a palavra aos que de fato estão com as classes
populares e por elas e com elas se comprometem. É a partir das classes populares
e da luta dos que com elas se comprometem na libertação que se deveria ir cons-
truindo a reflexão teológica. Porém, não se pode partir da ingenuidade para cum-
prir esta tarefa libertadora da Teologia. Daí a necessidade e a urgência de recupe-
rar a importância do intelectual orgânico no processo de libertação. Este, através
de sua tarefa interpretativa e pedagógica, por um lado, contribui para que as clas-
ses populares se pensem a si próprias, tomem consciência de sua situação no pro-
cesso histórico de opressão-libertação. E, por outro, contribui para dar inteligibili-
dade a este mesmo processo.
É através deste esforço crítico diante de seus condicionamentos sociais e
políticos que a Teologia poderá ser relevante no contexto latino-americano. En-
fim, será relevante a Teologia que assumir a tarefa de criticamente analisar como
a História a condiciona e como estes condicionamentos precisam ser encarados
para que esta Teologia possa contribuir para uma História melhor. No contexto da
América Latina, tal Teologia será auntica e relevante na medida que participar
da tarefa histórica de libertação através da presença e ação dos cristãos compro-
metidos com o processo de libertação. Para isso a Teologia precisa estar viva no
processo real e histórico e analisar a verdade como verdade história e concreta.
Portanto, precisa ser uma Teologia que parte da História e seus condicionamentos
para superar estes condicionamentos e contribuir nas transformações da História.
A exposição de Samuel Ruiz sobre os condicionamentos eclesiais da refle-
xão teológica na América Latina põe em evidência um conjunto de problemas
teológico-eclesiais com os quais a Teologia da Libertação defronta-se ao longo de
sua história como pensamento original. Neste sentido, a exposição de Samuel Ru-
iz contribui para identificar o foco central destes problemas. Trata-se do conflito
entre a jovem Teologia da Libertação e seus representantes com as estruturas ecle-
siais habituadas a formas teológicas desligadas do contexto social, político, eco-
nômico e cultural da América Latina.
Em termos da hipótese da mútua relevância entre Teologia e História co-
mo condutora e impulsionadora da configuração inicial da Teologia da Libertação,
a exposição de Samuel Ruiz indica que os condicionamentos eclesiais da reflexão
teológica são, na verdade, um enfrentamento entre uma Teologia com pretensão
de contribuir para a transformação estrutural da América Latina marcada pela do-
minação, desigualdade, injustiça e uma Teologia e concepção de Igreja ahistórica,
atemporal e apolítica. Não se trata apenas de confrontos de Teologias e métodos
teológicos. Trata-se, sim, de distintas concepções da Igreja, da Teologia, da evan-
gelização e amesmo da salvão cristã. Este conflito, revelado como condicio-
namento da reflexão teológica à época do Encontro da Cidade do México, far-se-á
presente ao longo dos anos seguintes colocando em choque e confronto a Teologia
da Libertação e seus representantes com parte da hierarquia católica e com teólo-
gos reformistas e tradicionalistas.
Os condicionamentos eclesiais do choque de Teologias, da preocupação
pela ortodoxia e unidade com o conseqüente controle teórico repressivo, teórico
reflexivo e o controle da práxis somado aos mecanismos de controle condicio-
nantes da reflexão teológica latino-americana indicados por Samuel Ruiz, são ex-
pressão da reação de parte da Igreja institucional à novidade, pertinência e rele-
vância da jovem Teologia da Libertação. Pode-se dizer que a gênese e o nasci-
mento da Teologia da Libertação revela o compromisso velado de parte da Igreja
e da Teologia reformista e tradicional com as estruturas de dominação vigentes
social, política, cultural e ideologicamente na América Latina. Tal Teologia justi-
ficadora o pode aceitar em hipótese alguma uma reflexão que parta do contexto
latino-americano e procure, a partir da reflexão crítica da fé, contribuir na trans-
formação desta mesma realidade. Neste sentido, a mútua relevância entre História
e Teologia representa um perigo para a Teologia, para a Igreja, para a evangeliza-
ção. Daí a reação da Teologia reformista e tradicional e de parte da Igreja frente à
Teologia da Libertação. Daí os mecanismos de controle, pressão e supressão le-
vantados contra uma Teologia e prática libertadoras. Desta forma, Samuel Ruiz
caracteriza através dos condicionamentos eclesiais da reflexão teológica o que se
denominou de “cativeiro” hierárquico-institucional em que vive a Teologia da
Libertação e seus representantes à época do Encontro do México.
Por fim, num esforço de revisão crítica interno à Teologia da Libertação,
Samuel Ruiz também contribui em sua exposição para a percepção das lacunas
eno existentes na reflexão teológica libertadora. Nesta perspectiva, chama a a-
tenção para as lacunas eclesiológicas e pneumatológicas da Teologia da Liberta-
ção. Essas duas questões ganharão maior importância dentro da Teologia da Li-
bertação nos anos posteriores ao Encontro da Cidade do México, com várias pu-
blicões. No entanto, parece que a lacuna eclesiológica ganhou maior relevância
nos debates teológicos da Teologia da Libertação, permanecendo a questão pneu-
matológica em segundo plano.
A exposição de Juan Luis Segundo sobre os condicionamentos da primeira
e segunda épocas da Teologia da Libertação contribui para situar no tempo e no
espaço social, político, econômico, cultural, ideológico e eclesial da América La-
tina os principais desafios presentes no desenvolvimento da Teologia da Liberta-
ção. Indicando os condicionamentos positivos e negativos das duas fases da Teo-
logia da Libertação, Juan Luis Segundo evidencia uma unidade básica que perpas-
sa a própria Teologia da Libertação, seja em sua fase inicial de euforia, seja em
sua fase de cativeiro contemporânea ao Encontro do xico. A fase inicial de
euforia ou a fase do cativeiro (eclesial ou político-ideológico) não é especificidade
da Teologia da Libertação. Trata-se de uma experiência comum que se faz presen-
te na vida de cristãos e não-cristãos que se comprometem no processo de liberta-
ção latino-americano. Neste sentido há uma unidade básica entre uma experiência
inicial de euforia, de esperança e de anseio pela libertação e uma experiência pos-
terior de exílio, cativeiro e repressão. Dentro do processo de libertação latino-
americano, a primeira experiência provocou a segunda. A esperança da libertação,
com suas primeiras experiências, suscitou a reação das forças de dominação que
pretendem manter a situação que as privilegia. Desta forma, a repressão e o cati-
veiro impostos não à Teologia da Libertação por uma parte da Igreja e das for-
ças políticas autoritárias, mas a todos os comprometidos com o processo de liber-
tação latino-americano, é a reação mais evidente de que a libertação aparece como
possibilidade e se vislumbra como real.
Este pano de fundo contextual ajuda a compreender a contribuição de Juan
Luis Segundo em sua análise dos condicionamentos positivos e negativos da Teo-
logia da Libertação à época do Encontro da Cidade do México. A Teologia da
Libertação comunga da sorte dos envolvidos no processo de libertação latino-
americano. Sua experiência de euforia e cativeiro, com os condicionamentos que a
configuram, fazem parte de uma experiência maior do povo latino-americano e de
todos os comprometidos com sua libertação. Trata-se da experiência de buscar o
caminho de sua libertação, de ser o sujeito de sua Hisria. Isso, na perspectiva da
hipótese desta pesquisa, revela que até mesmo na configuração dos seus condicio-
namentos a Teologia da Libertação vem influenciada e condicionada pela História
onde ela se realiza e para a qual ela quer contribuir para sua transformação. Daí se
compreendem os condicionamentos da Teologia da Libertação contemporâneos ao
Encontro da Cidade do xico indicados por Juan Luis Segundo. Para ser rele-
vante para a História latino-americana que vive em situação de cativeiro e repres-
o, a Teologia da Libertação precisa reconhecer sua autonomia relativa no pensar
a e a Teologia. Para ser transformadora e contribuir na criação de uma Nova
História, lugares da Nova Sociedade e da Nova Humanidade, a Teologia precisa
superar instrumentalizações apressadas e dar o tempo necessário para a conscien-
tização libertadora, inspirada na mensagem de vida e salvão revelada em Jesus
Cristo. Neste sentido, os condicionamentos da reflexão teológica latino-americana
contemporâneos ao Encontro da Cidade do México são potencializadores do es-
forço crítico-construtivo que a Teologia da Libertação precisa fazer de si própria,
de seus fins, de seu método e de seu conteúdo. Trata-se, enfim, do desafio de ser
uma Teologia libertadora, de conteúdo libertador e que contribua para a libertação
de toda dominação, mesmo fazendo a experiência do exílio, cativeiro e repressão.
A intervenção de Luis González contribui para a percepção da necessidade
de um esforço crítico da Teologia da Libertação no sentido de integrar questões
importantes da realidade social e cultural latino-americana que até então não ti-
nham sido consideradas com afinco. No caso específico da intervenção de Luis
González, evidencia-se a necessidade de a Teologia da Libertação dialogar com
Antropologia Cultural no sentido de conhecer os condicionamentos culturais que
marcam a América Latina e que são trazidos à luz pela Antropologia.
O esquecimento destes condicionamentos falseia e esteriliza a Teologia,
pois uma Teologia que se pretende relevante precisa partir da realidade concreta e
dirigir-se a pessoas concretas. Ela não pode ser uma Teologia dirigida a um ser
humano atemporal, a-local e a-cultural. Neste sentido, as Ciências Humanas e
Sociais, especialmente a Antropologia, tem importante aporte à Teologia da Li-
bertação. Contribui para que ela parta de situações concretas, históricas e situadas.
Do ponto de vista da cultura e de seus condicionamentos a realidade é marcada
pelo pluralismo étnico-cultural, principalmente dos povos indígenas. Uma Teolo-
gia que queira ser relevante neste contexto precisa considerar os fatores de etnia,
cultura e língua que caracterizam a identidade dos povos latino-americanos. Daí a
necessidade de uma Teologia com o conhecimento profundo da cultura e que con-
sidere os condicionamentos em sua globalidade. Caso contrário corre o risco de
ser irrelevante para grande parte do povo latino-americano.
A intervenção de Luis Gonlez manifesta a necessidade então latente de
aportes novos na Teologia da Libertação. Começam a surgir, a partir deste perío-
do, novas reflexões teológicas que procurarão integrar de modo específico a ques-
tão ingena, a questão do negro e a questão feminina. Trata-se, portanto, da aber-
tura da Teologia da Libertação a novos horizontes, a novas perspectivas e proble-
mas. Abertura esta que exigirá novas abordagens e interpretações.
Concluindo vê-se que o conjunto dos condicionamentos sociais, políticos,
culturais, eclesiais, ideológicos e sócio-econômicos abordados neste item a partir
das exposições de Luiz Albertomez de Souza, Samuel Ruiz, Juan Luis Segun-
do e Luis González mostra que estes condicionamentos são fruto de uma Teologia
em processo de construção. Supõem que a Teologia da Libertação já tem uma
caminhada, tem uma história e vai se configurando como Teologia específica.
Neste processo de construção da Teologia, a abordagem de seus condicionamen-
tos caracteriza um esforço crítico no sentido de contribuir para que esta Teologia
seja cada vez mais responsável e relevante na transformação da Hisria em que
ela está situada. Neste sentido, reconhecer os condicionamentos da reflexão teoló-
gica constitui-se em um passo significativo para buscar uma Teologia historica-
mente relevante. A pergunta pela condição histórica em que se realiza a reflexão
teológica tem sentido quando se pretende uma Teologia historicamente situada
e comprometida. Assim, a análise dos condicionamentos da reflexão teológica
latino-americana é um esforço crítico de revisão da ppria Teologia da Liberta-
ção e o cerne deste esforço situa-se na afirmação da relevância histórica da Teolo-
gia como condição de sua própria existência. No contexto concreto de meados da
década de 70, esta relevância histórica parece consistir na contribuição da reflexão
teológica para a manutenção e vitalidade do projeto de libertação mesmo nas ad-
versas condições de cativeiro e repressão que marcam a América Latina de então.
3. A Igreja e o Sistema de Segurança Nacional: o cativeiro como
condição do ser Igreja e do fazer teológico segundo José Comblin
A situação da Igreja institucional latino-americana frente aos Sistemas de
Segurança Nacional que dominam a América Latina à época do Encontro da Ci-
dade do México constitui-se, embora indiretamente, em um fator condicionante do
fazer teológico. O crescimento e propagação dos Sistemas de Segurança Nacional
nos países latino-americanos impôs uma nova prática na Igreja. Essa nova prática
tem a ver com a própria Teologia e condiciona-a. Não se faz mais Teologia da
Libertação, mas Teologia da experiência do cativeiro na esperança da libertação.
Embora sem entrar diretamente na questão da Teologia, JoComblin aborda, no
encontro da Cidade do México, a prática da Igreja no Sistema de Segurança Na-
cional. Seguir-se-á sua exposição La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de
la Seguridad Nacional. Exposición de sus principios teóricos
919
. Através desta
exposição pode-se compreender a situação de cativeiro que condiciona a prática
da Igreja latino-americana e conseqüentemente o próprio fazer teológico que parte
das experiências dos cristãos que buscam viver sua fé em situação de cativeiro.
Os governos militares latino-americanos não são simples episódios transi-
tórios ou acidentes históricos que interrompem o processo histórico estável. Trata-
se sim da criação de um novo modelo de sociedade com um novo sistema de valo-
res e uma nova concepção do ser humano. Frente a esta situação a Igreja não pode
reagir com medidas de adaptação pastoral. A nova situação vem impondo à Igreja
uma nova prática. Vê-se que a princípio a Igreja reagiu com intervenções circuns-
tanciais em casos especiais. Pouco a pouco este “circunstancial” torna-se normal.
Assim a nova prática da Igreja vai adquirindo princípios constantes.
De acordo com J. Comblin, a princípio, pequenas minorias perceberam
a realidade e deram-se conta de que os regimes militares o se tratavam de juntas
militares transitórias. Tratava-se sim da construção de um novo modelo de socie-
dade que mudaria radicalmente a situação da Igreja em sua relação com o mundo.
As primeiras manifestações da nova prática eclesial foram expressões proticas e
quase isoladas
920
. Porém, com o fortalecimento do novo sistema, a prática, que era
gesto profético de minorias, estendeu-se e tende a alcançar, na Igreja calica, uma
mesma estrutura. Embora é preciso reconhecer, segundo José Comblin, que neste
sentido há, à época do Encontro da Cidade do México, muitas deficiências indivi-
duais, muitas debilidades e “inumeráveis pequenas traições” que são frutos da
condição ordinária da humanidade real
921
.
Os fundamentos desta nova prática da Igreja o sobretudo dois: a doutrina
dos direitos humanos e a crítica ao modelo de desenvolvimento. Nisto se inclui a
crítica ao próprio modelo de sociedade proposto pelos Sistemas de Segurança Na-
cional. Ao atuar na defesa dos direitos humanos ou na crítica do modelo de de-
senvolvimento, a Igreja está aplicando sua missão evangelizadora a uma situão
concreta. Desta forma, a Igreja não pretende de maneira alguma usar a defesa dos
direitos humanos, nem a crítica ao modelo de sociedade como armas políticas
para derrubar governos estabelecidos, para ocupar seu lugar ou favorecer a ascen-
o de grupos amigos ao poder. Para José Comblin, a nova prática da Igreja e a
teoria desta prática incluem uma intenção e uma ação de transformação da socie-
dade então estabelecida. Neste sentido, prática e teoria anunciam e preparam uma
mudança completa na sociedade. A isso o se pode negar o caráter revolucioná-
rio. Porém, de maneira alguma, a Igreja pretende indicar, investir, legitimar ou
ajudar a pessoas, grupos ou movimentos políticos que se atribuem a si mesmos a
missão de sucessores dos sistemas estabelecidos. No concreto dos processos histó-
ricos, inevitavelmente interferências entre a ação evangelizadora da Igreja e a
ação de determinados movimentos de oposição aos regimes
922
.
919
Cf. J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional.
Exposición de sus principios teóricos, p.155-176.
920
Um exemplo desta atuação inicial profética é H. Camara, que segundo J. Comblin, entre os
anos de 1964-1968 encontrava-se, no Brasil, “quase isolado” em sua crítica. Cf. Ibid., p.155-156.
921
Cf. Ibid., p.156.
922
Para J. Comblin, a História é que dirá quais terão sido os grupos ou os movimentos que de fato
foram ajudados por um encontro fortuito com a evangelização e quais os movimentos que terão
recolhido certos frutos do serviço transformador e conscientizador da Igreja. Neste sentido, o tra-
balho da Igreja se mescla com o trabalho de outros movimentos, inclusive de “movimentos impu-
ros”. Pois essa “interferência do puro com o impuro” é fruto da própria condição histórica do ser
humano: uma ação pura não existe. Cf. Ibid., p.156-157.
A partir destas considerações, J. Comblin se propõe analisar a prática da
Igreja institucional, deixando de lado as opções dos cristãos. A análise propõe
abordar os dois passos que caracterizam a prática da Igreja, a saber, os direitos
humanos e a crítica ao modelo de desenvolvimento.
3.1. Os Direitos Humanos
3.1.1. Um pouco de história do tema na América Latina
As palavras e o tema “Direitos do Homem” procedem da Declaração da
Assembléia Nacional da França, datada de 26 de agosto de 1789. Após descrever
os desenvolvimentos históricos do tema dos direitos humanos até o século XX,
José Comblin propõe que o Brasil, já em 1964, abre uma nova época da História
político-social na América Latina. Esta nova época é aberta com a instalação no
Brasil, em 1964, do primeiro exemplar de um governo destinado a montar um
novo Estado com a finalidade de criar uma nova sociedade baseada no Sistema de
Segurança Nacional. A partir de eno, o tradicional estado de direito é suprimido
e cada país latino-americano adapta o novo modelo à condição jurídica que encon-
tra. Alguns suprimem a Constituição, outros a adaptam. Alguns suprimem o Con-
gresso, outros o reduzem a uma função teatral. Desta forma, instala-se um novo
sistema. Neste novo sistema, os direitos individuais desaparecem. O estado é a
fonte de todos os direitos e o reconhece nenhum direito que ele não tenha defi-
nido ou estabelecido explicitamente por decreto. O sistema jurídico se margi-
nalizado e destinado a tratar de assuntos sem importância. O Conselho de Segu-
rança Nacional detém a totalidade de um poder absoluto. A polícia secreta é to-
talmente independente dos demais poderes e depende do presidente da repúbli-
ca, quando não o controla também. Assim o Estado suprime todo o direito de as-
sociação ou reunião e o indivíduo é deixado e sem apoio frente a um Estado
todo poderoso. Este é, enfim, o Sistema de Segurança Nacional
923
.
Neste contexto, instalam-se sistemas arbitrários de repressão como esqua-
drão da morte, torturas, impunidade. No Brasil, os primeiros fatos apareceram
em 1964. Muitos os atribuíram a “desordens circunstanciais”, pois houve a mu-
923
Cf. J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional,
p.159-160.
dança de regime e certos elementos cometeram abusos. Porém, com o passar do
tempo e o recrudescimento da violência institucionalizada, não se podia não
reconhecer que se tratava de um novo sistema. Com o Ato Institucional n.5 de 13
de dezembro de 1968, o sistema adquiriu sua forma definitiva no Brasil. Pode-se
dizer que a luta pelos direitos humanos se manifestou, neste contexto, como nova
expressão da prática da Igreja. Destaca-se no Brasil a figura de H. Camara
924
.
A partir dos fatos ocorridos em torno a Hélder Camara, os casos se multi-
plicaram não no Brasil mas também nos demais países do sul do continente
latino-americano. Outros bispos primeiro, conferências episcopais inteiras depois,
no Brasil e no Paraguai levantaram a voz para defender os direitos humanos e,
finalmente no Chile, através do documento de 24 de abril de 1974. O episcopado
do Paraguai foi o primeiro que enfrentou coletivamente o novo Estado em uma
luta sem tréguas, desde 1969
925
. José Comblin chama a atenção que é preciso sub-
linhar que a declaração dos direitos humanos feita pelas Igrejas do Brasil, Para-
guai, Uruguai, Argentina, Bolívia e Chile, o é um estudo da doutrina moral fora
do tempo. o, sim, atos públicos de enfrentamento a um sistema político. São
atos que definem a presença da Igreja frente ao Estado em meio do povo. Tal pre-
sença inclui uma concepção da miso da própria Igreja no mundo. Trata-se de
um ministério claro e explícito, através do qual a Igreja se levanta e enfrenta dire-
tamente o Estado absoluto, com sua ideologia de Segurança Nacional
926
.
3.1.2. Significado do novo ministério da Igreja latino-americana
Pela presença da Igreja na América Latina em seu enfrentamento aos sis-
temas de segurança nacional, assiste-se a uma nova interpretação da missão desta
924
De acordo com J. Comblin a luta pelos direitos humanos manifestou-se como a nova expressão
da prática da Igreja com a atuação de H. Camara em 1967 e 1968. Até então o tema dominante era,
como em Medellín, o do desenvolvimento e da libertação. Assim, “quando levantou-se a voz de
Dom H. Camara, relativamente solitário na Igreja brasileira de então, apesar do apoio de alguns
colegas do Nordeste, mas com a oposição da presidência e da maioria da Conferência Episcopal, a
resposta do Poder foi brutal. Dom Helder foi tratado pelas autoridades e pelos meios de comunica-
ção como nenhum bispo tinha sido tratado no mundo ocidental deste culo. ele sabe todos os
detalhes de uma perseguição continua durante quase dois anos. A morte trágica do padre Henrique
Pereira Neto em 26 de maio de 1969 foi um episódio desta campanha”. J. COMBLIN, La nueva
práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional, p.161.
925
J. Comblin indica que há uma coleção de documentos da Igreja paraguaia intitulado Una chiesa
disfunzionale. Documento della chiesa paraguaya. Quaderni ASAL 5, Roma, 1973. Citado em:
Cf. J. COMBLIN, op. cit., p.161, nota 3. Encontra-se ampla bibliografia sobre a presença da Igreja
Latino-Americana, seja de membros ou grupos específicos ou de bispos e conferências episcopais,
na revista SEDOC (Serviço de Documentação), Petrópolis: Vozes, a partir de Julho de 1968.
926
Cf. J. COMBLIN, op. cit., p.161-162.
mesma Igreja que é feita pelo seu setor mais elevado. Diante disto é preciso per-
guntar-se pelo significado e repercussão desta mudança na prática eclesial para o
conjunto do cristianismo. Pois a nova atuação da Igreja ante os direitos humanos
não é simplesmente uma operação nova que é acrescentada a uma pastoral anteri-
or, deixando-a intacta. Trata-se, ao contrário, de uma nova prática que modifica
tudo. Para explicitar esta mudança é preciso considerar dois pontos.
Primeiro trata-se da compreensão dos direitos humanos como o centro do
Evangelho. A proclamação dos direitos humanos não é uma função auxiliar ao
lado da evangelizão. Não é também um novo capítulo da ética cristã. Trata-se,
ao contrário, da essência do Evangelho de Jesus Cristo, proclamado ao ser huma-
no contemporâneo. É o próprio anúncio do Reino de Deus. Assim, os direitos da
pessoa humana não estão no núcleo do evangelho, como também localizam-se,
no contexto contemporâneo da América Latina, no centro deste próprio núcleo do
evangelho. -se que a ideologia de segurança nacional e o sistema que a põe em
prática não excluem a religião. Pelo contrário, eles se apresentam como os defen-
sores da civilização cristã contra o comunismo e o ateísmo, e como os promotores
de uma nova sociedade, construída a partir dos princípios cristãos, que são consti-
tutivos da América Latina. Como prova destas intenções, os regimes oferecem às
instituições eclesiásticas favores e privilégios, prestígio e apoio
927
.
Porém, o cristianismo que o sistema de segurança nacional quer promover
é “essencialmente uma cultura”. Trata-se de uma cultura que consta de tradições,
ritos, costumes, símbolos, palavras, temas e linguagem, gestos sociais como a
esmola e a assistência. O problema é que todos estes elementos não dizem o mo-
vimento interior e subjetivo de liberdade. São a superfície da Igreja. Atrás da su-
perfície deve existir um núcleo que lhe dá a vida, o sabor, o significado e a força
transformadora do ser humano. Assim, a ideologia de segurança nacional quer
manter e promover a cultura cristã como uma “máscara morta”. Interessa-lhe essa
máscara pois representa um conjunto de símbolos capazes de mobilizar a nação e
ao mesmo tempo ser incapaz de perturbar a estratégia de segurança nacional. “In-
teressa-lhe uma religião estilizada, inerte e puramente simbólica”
928
.
Para a Igreja, no entanto, interessa-lhe o núcleo que dá vida à superfície. À
Igreja interessa que por trás de todos seus gestos e símbolos haja vida. Interessa
927
Cf. J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de Seguridad Nacional, p.162.
928
Ibid., p.163.
que tudo se integre em um movimento de liberdade para o ser humano. Não se
trata de uma doutrina da liberdade, mas de uma evangelização que fale à liberda-
de. Isto é, uma evangelização que é um chamado que desperta a liberdade, que faz
com que o ser humano tenha em si mesmo uma transformação radical que o faça
passar de ser não livre à condição de um ser livre. Desta forma, “sem esse desper-
tar da liberdade, toda a prática da Igreja é uma pura manipulação da superfície
humana e não leva a nenhuma salvação real de seres humanos reais”
929
. Evangeli-
zar é, portanto, criar liberdade no interlocutor da palavra de Jesus Cristo. Essa
liberdade é o Homem Novo, fruto da morte e ressurreição de Jesus Cristo e nova
criação do Espírito. Por isso a proclamação dos direitos humanos é uma mensa-
gem a todos os povos e a todo ser humano. É uma mensagem que os chama a uma
nova consciência de si pprios em vista de uma nova ação.
A consciência livre é uma consciência que enfrenta o Estado. Pois o ser
humano o existe em uma sociedade abstrata, mas sim em um Estado. O ser hu-
mano que não toma consciência de si próprio diante do Estado, tem uma consci-
ência recebida, imposta e manipulada. Vê-se, neste sentido, uma educação oficial
que tende a inculcar no ser humano a consciência fabricada pelo Estado. Não
libertação sem a reconquista de si próprio diante desta consciência imposta. Aqui
a Evangelização é um processo através do qual o ser humano, provocado pelo
chamado de Cristo, se liberta de toda forma de consciência alienada, e particular-
mente da consciência imposta por um Estado absoluto, para entrar em uma vida
nova na liberdade que lhe permite assumir sua missão e formar com outras liber-
dades uma sociedade humana que ime sua existência e sua forma ao Estado
930
.
O segundo aspecto que é preciso ressaltar diz respeito à missão de irradia-
ção do centro do Evangelho. -se que a partir do despertar da liberdade, todos os
aspectos do Evangelho se fazem vida e força, enquanto que fora da liberdade são
aspirados pela superfície cultural e tendem ao estado de mistificão. No cristia-
nismo fala-se de Deus, mas de que Deus se trata? Nos documentos da “nova Igre-
ja latino-americana” percebe-se que o ser humano é imagem de Deus. Este tema
adquire uma ressonância extraordinária no continente latino-americano. Com efei-
to, nos totalitarismos, a imagem de Deus é o Estado, a nação, a ordem, a lei. A
ideologia aceita somente um Deus que se manifesta em forma de autoridade, lei e
929
J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional, p.163.
930
Cf. Ibid., p.164-166.
ordem. Portanto, as imagens de Deus estarão em todos os símbolos da ordem e da
autoridade. Assim renova-se a ideologia dos antigos paganismos nos quais as i-
magens de Deus eram os reis, as leis e os símbolos do poder. Já no autêntico cris-
tianismo, a imagem de Deus é o ser humano comum, o ser humano em sua condi-
ção simplesmente humana. A imagem de Deus está na liberdade do ser humano,
na semente que espera o despertar da liberdade.
Se esta é a imagem de Deus, o mesmo Deus não pode ser pensado como
Poder, mas sim como autoridade. A autoridade é distinta do Poder. A autoridade
deriva de Deus, enquanto o poder é devido ao pecado. A autoridade é o ser autor.
A autoridade é a que dá ao ser a vida. Deus dá e sua lei não é nada mais que seu
dom. Sua lei é a razão interna de seu dom: ela não é nem dominadora, nem con-
fiscadora da liberdade. É, sim, criadora de liberdade. Por isso toda autoridade en-
tre os seres humanos é força para evocar uma liberdade superior, isto é, para levar
o ser humano de uma liberdade inferior a uma liberdade superior. Desta forma,
exercer a autoridade é dar uma existência superior ou provocar o ser humano ao
acesso a uma liberdade superior
931
.
3.2. Crítica ao modelo de desenvolvimento
3.2.1. A parte negativa da crítica ao modelo de desenvolvimento
De certa maneira, pode-se dizer que a crítica ao modelo de desenvolvimen-
to aplicado na América Latina não é algo novo. Porém, o advento dos sistemas
militares deu a esta crítica uma forma diferente e, em conseqüência, um alcance e
um significado cristão também distintos.
A crítica ao modelo de desenvolvimento, contemporânea ao encontro da
Cidade do México, tem raízes anteriores. O conceito de desenvolvimento e seus
problemas nasceu na década de 50. Nas mesmas circunsncias apareceu também
o conceito de subdesenvolvimento. Uma crítica às teorias e às políticas de desen-
volvimento, promovidas pela economia dominante e seus porta-vozes, como
W.W. Rostow, apareceu também na mesma época. Isto significa que, desde o
931
Cf. J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional.
Exposición de sus principios teóricos, p.166-169.
momento de sua aparição, o conceito de desenvolvimento e suas teorias encontrou
uma crítica teórica e uma oposição prática
932
.
Segundo Jo Comblin, as Nações Unidas colocaram a década de 60 sob o
signo do desenvolvimento, porém, ninguém contesta o fracasso de todas as inicia-
tivas tomadas, nesta época, na onda da teoria econômica dominante nas nações
desenvolvidas. a partir do ano de 1966 e seguintes, o tema do desenvolvimento
foi substituído, em boa parte, pelo tema da libertação ou da revolução. Isso deveu-
se principalmente ao papel das esquerdas. “Apareceu o dilema: revolução ou de-
senvolvimento e o programa: primeiro revolução, depois desenvolvimento
933
.
Com isso, segundo José Comblin, a crítica ao modelo de desenvolvimento se con-
fundiu com o chamado a uma revolução. o se tratava mais, portanto, de buscar
outro modelo de desenvolvimento, mas sim, de substituir esta preocupação por
outra, prioritária, a da libertação.
Até este ponto, a crítica ao modelo de desenvolvimento aparecia para os
católicos como um problema de ética, importante para a Igreja, porém lateral,
pois, esse problema não afetava sua missão geral, nem a estrutura global de seu
modo de atuar no mundo. Nesta perspectiva, a Igreja propunha aos governos e aos
indivíduos os princípios de ética social que devem presidir nas tarefas do desen-
volvimento e exortava a todos para que tomassem as decisões urgentes e necessá-
rias para um desenvolvimento pido. Esse desenvolvimento, no entanto, não é a
tarefa da ppria Igreja. Tampouco o é a crítica ao modelo, salvo naquilo que se
refere à proclamação dos princípios morais. Assim, a Igreja participa e contribui
por meio de obras de “ajuda” ao desenvolvimento, ao lado de outras organizações
internacionais de direito privado ou público
934
.
Com o aparecimento dos novos Estados militares de segurança nacional,
setores da Igreja pensaram que tinha passado o tempo das preocupações pelo
desenvolvimento. O Estado teria escolhido um modelo de desenvolvimento e não
aceitava mais discussão a respeito. Proclamava que seu modelo era a própria rea-
lização das encíclicas e pedia confiança ao Estado quanto a aplicação destas. Este
932
Segundo J. Comblin, a crítica ao modelo de desenvolvimento para a América Latina foi promo-
vida, por exemplo, pela escola chamada estruturalista” do CEPAL. Também autores cristãos de
grande prestígio como Lebret, Perroux ou Colin Clark levantaram vozes críticas fundamentais que
permaneciam, à época do encontro da Cidade do México, ainda válidas. Cf. J. COMBLIN, La
nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional, p.169.
933
Ibid., p.170.
934
Cf. Ibid., p.170.
Estado não queria interfencia eclesiástica em sua política econômica. Vários
prelados pensaram que deveriam dar ao governo a confiança que este pedia, e
entregar-lhe todo o problema do desenvolvimento, para poderem assim dedicar-se
mais às tarefas especificamente eclesiais, ou seja, à evangelização. Pensaram que
o silêncio exigido pelo Estado era sinal dos tempos, pelo qual Deus se manifesta-
va e deixaram de falar do assunto. Pensaram amesmo que Medellín se metera
em assuntos que não competiam à Igreja. Desta forma, alguns, como um certo
bispo chileno ao Sul de Santiago, proclamaram as virtudes do descanso e felicita-
ram à Junta Militar por haver suprimido a vida política no país; agora se pode-
ria trabalhar na pastoral, como dizia outro
935
. Porém, nem todos aceitaram tal
ponto de vista, ou interpretaram de outro modo os sinais dos tempos. Outros cre-
ram que, ao contrário, a nova situação levava a dar à crítica ao modelo de desen-
volvimento um alcance mais amplo que o que se tinha pensado até então
936
.
Surge assim uma espécie de crítica ao anti-povo. Mais uma vez o porta-
voz mais eminente que abre caminho neste sentido é Helder Camara
937
. Não se
trata aqui de uma discussão teórica do modelo proposto teoricamente por movi-
mentos políticos. Trata-se sim, de um enfrentamento do Poder mais absoluto e
mais poderoso que existe no continente latino-americano. Para esta nova crítica, o
problema da crítica ao desenvolvimento não tem por objeto uma má ou insuficien-
te orientação, dados os progressos alcançados por alguns países. O problema é
mais fundamental. O modelo de desenvolvimento que se aplica tende nada menos
que destruir um povo como povo. Trata-se, portanto, de um modelo anti-povo.
Ficar calado diante disso seria não pecar contra um aspecto da justiça social.
Seria sim destruir a possibilidade de construir a Igreja, pois o há Igreja sem po-
vo. Assim, sendo esta a situação, ao opor-se ao modelo de desenvolvimento, a
Igreja não proclama alguns preceitos de ética social. Ela defende sua sobrevi-
vência como Igreja. Sua sorte está vinculada à sorte do povo como povo. Massas e
indivíduos nunca faltariam à Igreja. O problema é que esses não fazem nem um
935
J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional, p.171.
936
Cf. Ibid., p.169-171.
937
Segundo J. Comblin, pode-se citar como documentos representativos desta nova confrontação,
o com um programa abstrato de desenvolvimento, mas com um Estado que promove sistemati-
camente um programa muito real, o discurso de D. Helder Camara, na Assembléia Legislativa de
Pernambuco, em 31 de Maio de 1973. Também são muito representativos os documentos publica-
dos pelos Bispos do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil. Trata-se dos seguintes documentos: H.
CAMARA et alii, Eu ouvi os clamores do meu povo. Em: SEDOC 6 (1973) 607-629; BISPOS
DO CENTRO-OESTE, Marginalização de um povo. Em: SEDOC 6 (1974) 993-1021.
povo e nem uma Igreja. A Igreja poderia subsistir como organização distribuidora
de “bens de consumo religioso”, porém não como povo, se já não existe povo
938
.
Cada vez mais evidencia-se que o povo latino-americano sofre crescente
marginalização das massas. Desta forma o povo vai sendo reduzido ao estado de
massas como conseqüência do modelo de desenvolvimento que foi adotado. A
marginalização forma um anti-povo, uma massa desintegrada. Há, com efeito, em
primeiro lugar, uma marginalização econômica. A produção deste modelo de de-
senvolvimento serve para edificar uma potência econômica e não para promover a
vida dos trabalhadores que produzem. O desenvolvimento econômico tem por
finalidade a formação de um centro de poder econômico capaz de competir com
os demais centros de poder do mundo. Todos os meios são permitidos se se trata
de constituir o mais rapidamente possível um complexo de armamentos mais po-
deroso e um poder econômico capaz de penetrar nos mercados internacionais.
Assim, toda produção será julgada por seu valor estratégico.
Nesta marginalização ecomica as massas não trabalham para si mesmas.
Elas não tem nenhuma esperança de progresso mediante o trabalho. As elites tem
metas quantitativas e não tem por que preocupar-se com as massas. Quem não
es integrado ao sistema produtivo que edifica o Poder nacional, o merece
nenhum respeito. Assim, há duas categorias de cidadãos: os que conferem poder
ao Estado e se lhes reserva todo o prestígio e os que não conferem poder ao Esta-
do e que, portanto, o existem socialmente. São como se não existissem na soci-
edade. Trata-se, então, de uma marginalização que, além de econômica, é social.
À marginalização econômica e social corresponde a marginalização políti-
ca total. O Estado de segurança nacional proclama e aplica a “despolitização radi-
cal”. Destrói todas as associações através das quais os cidadãos poderiam dar
força a suas reivindicações ou seus direitos. Desta forma, o Estado quer que haja
diante dele indivíduos isolados e desarmados, submissos e dedicados. Nem as
massas, nem as elites participam na elaboração da política, que é atributo funda-
mental do povo. Neste contexto não há opinião pública. Há o temor público. A
direção política está nas os de militares que aplicam a toda a vida da nação os
esquemas da disciplina militar. A direção econômica fica em mãos de economis-
tas “psesudo-científicos” recém saídos das universidades norte-americanas. Estes
938
Cf. J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional,
p.171-172.
não possuem experiência de convivência com seres humanos e problemas reais.
São representantes dos números e dos princípios da ciência capitalista pura. Desta
forma, “a ciência é o seu programa e os seres humanos não lhes importam, pois,
como dizia o nio do milagre brasileiro, a economia é a-ética”
939
. O resultado
disto tudo é uma sociedade sem povo. Ante tal situação impõe-se a questão: que
significado pode ter a evangelização e o fazer teológico em tal contexto?
3.2.2. A parte positiva da crítica ao modelo latino-americano
de desenvolvimento
Ante a situação acima descrita, pode-se dizer que criticar o modelo de de-
senvolvimento proposto para a América Latina não é uma forma negativa de
atuação. Pelo contrário, a crítica constitui um elemento chave de uma atuação
positiva. Constitui-se, portanto, em ponto de partida para uma reversão do proces-
so. Ao mesmo tempo, a crítica não é simplesmente uma forma de atuação do Ma-
gistério da Igreja em matéria de justiça social. “Essa crítica é um ato de evangeli-
zação e se coloca no centro da missão da Igreja”
940
. A missão da Igreja é ser ins-
trumento de Jesus Cristo para fazer dos seres humanos um povo. Isso não é feito
por nenhum governo, Estado ou poder. o seres humanos fazem um povo, pes-
soas livres e que despertaram para esta vocação. Aqui a tarefa da Igreja é desper-
tar os seres humanos de seu estado de inércia e submissão, fazer que abram a boca
e levantem sua voz. Este despertar de um povo não é algo marginal para a Igreja,
já que um povo pode ter , esperança e caridade. um povo pode seguir a
Jesus Cristo. Evangelizar inclui despertar para uma participação ativa na vida so-
cial. Enfim, uma massa “pode consumir sacramentos ou repetir fórmulas dogmáti-
cas, porém não seguir a Jesus Cristo
941
.
Esta situação exige da Igreja um papel mediador e fazer ouvir a voz dos
que não tem voz. Isso não implica a missão de a Igreja ser apenas porta-voz dos
que não tem voz diante da sociedade global, sem libertar os sem voz de sua alie-
não. Ser a voz dos que não tem voz implica sim levantar a voz em nome desses
para que, ao reconhecer essa voz, percebam que é sua esta voz e aprendam de no-
vo a falar. Ser a voz dos sem voz implica dizer o que estes deveriam dizer, mas
não o sabem mais como dizer, por medo ou porque foram levados ao esquecimen-
939
J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional, p.173.
940
Ibid., p.174.
to. Ser a voz dos sem voz é uma função educadora junto às massas para que a-
prendam a afirmar sua presença na sociedade e assim aprendam a ser povo
942
.
Mas qual é esta voz? Que voz é preciso levantar? Trata-se de uma voz que
se levanta em face ao Estado, ao Poder. Conseqüentemente, é uma voz que des-
perta o ressentimento do poder e suscita represálias. Justamente esse papel de en-
frentar o Poder e suas represálias é o que faz um povo. Neste sentido, para José
Comblin, não há povo sem este enfrentamento. “Ao enfrentar o Poder, os bispos e
demais cristãos que os acompanham mostram aos homens que é possível enfrentar
o Poder
943
. Assim, ajuda-se ao povo, em processo de construção de sua identida-
de como povo, a superar a barreira do temor que paralisa, pois uma massa que
teme e vive dominada por seu medo não pode formar um povo, senão apenas uma
multidão oportunista de indivíduos isolados
944
.
Portanto, -se que os bispos e a Igreja assumem o papel de representar o
povo no enfrentamento e esse gesto é evangelizador. É um gesto que desmistifica
o Poder e toda sua sedução e proclama o anúncio de um povo de seres humanos
livres. Neste sentido, a Igreja não tem a missão de dar a liberdade aos povos, pois
ninguém dá a liberdade. Os próprios povos se tornam povos ao fundar sua liber-
dade. Porém, a Igreja os chama a essa vocação de liberdade que é realmente sua
vocação última. Enfim, essa função de representação não é estéril, pois -se que
comunidades cristãs, que surgem sobretudo em países que vivem sob regimes
autoritários, mostram o surgimento de um povo novo. Povo novo que será capaz
de impor, através de seus movimentos políticos, uma alternativa política ao Poder
e ao Estado repressores. É preciso que a missão de representação do povo no en-
frentamento com o Estado, constitua a forma renovada de evangelização, capaz de
dar novo vigor ao Evangelho que o Espírito atualiza no presente da História
945
.
Em conclusão, pode-se dizer que na atitude de parte da Igreja frente aos
regimes de Poder instalados na América Latina, faz-se presente uma nova atitude
protica desta mesma Igreja. Trata-se da inserção da Igreja no mais concreto da
História latino-americana marcada pela experiência do cativeiro e pela profunda
ânsia de libertação. Não se pode negar que esta atitude, que é de cunho pastoral-
941
J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional, p.174.
942
Cf. Ibid., p.173-174.
943
Ibid., p.175.
944
Cf. Ibid., p.175.
evangelizador, questiona e contribui para com o fazer teológico. Questiona um
fazer teológico desligado do real, a-histórico e atemporal e contribui para a per-
cepção de que a Teologia precisa estar cada vez mais imersa no processo de cons-
trução do povo latino-americano. Portanto, a compreensão que a Igreja vai assu-
mindo de si mesma, de sua missão e tarefa evangelizadora, fundamentada, segun-
do J. Comblin, na afirmação dos direitos do ser humano e na crítica ao modelo de
desenvolvimento imposto à América Latina, condiciona o fazer teológico. Neste
sentido, a análise de J. Comblin é próxima e contribui para esclarecer os condi-
cionamentos sócio-eclesiais propostos acima a partir da análise do texto de S. Ru-
iz.
3.3. O desafio da prática eclesial libertadora e da Teologia libertadora
no contexto do autoritarismo: Teologia e Igreja ante o
condicionamento político-social dos regimes de segurança nacional
O problema da militarização da América Latina e dos conseqüentes regi-
mes político-militares autoritários, com seus Sistemas de Segurança Nacional e
suas ideologias justificadoras de repressões, violência e perseguição, criaram um
clima de cativeiro e exílio para muitos cristãos e não-cristãos comprometidos com
as transformações sociais e políticas necessárias para a superação da injusta, da
pobreza, miséria e dependência e de suas causas e fontes estruturais. O contexto
sócio-político de violência, perseguição e repressão obriga também a Igreja e a
própria Teologia a uma experiência de cativeiro e exílio. Isso fica evidente em
quase todas as abordagens da Teologia da Libertação propostas no Encontro da
Cidade do México e revela que o clima sócio-político que condiciona a Teologia e
a missão da Igreja de então é o clima do cativeiro e do exílio.
Constata-se que o que vinha anunciado em El Escorial (1972), princi-
palmente pelas exposições proferidas por Héctor Borrat (Uruguai) e ndido
Padin (Brasil), que davam sinais do clima de perseguição presente na América
Latina, torna-se agora, no Encontro do México (1975), um lugar comum para os
que se comprometem com uma Teologia e evangelização libertadoras e compro-
metidas com as transformações da História e da sociedade na América Latina.
945
Cf. J. COMBLIN, La nueva práctica de la Iglesia en el Sistema de la Seguridad Nacional.
Exposición de sus principios teóricos, p.175-176.
Fica evidente no Encontro da Cidade do México que este contexto sócio-
político é um fator condicionante da reflexão teológica na América Latina. A con-
tribuição de José Comblin está em identificar a situação e prática de parte da Igre-
ja institucional latino-americana frente aos regimes militares e as influências e
conseqüências deste contexto para a reflexão teológica e a missão evangelizadora
da Igreja. Nesta perspectiva contribui para compreender melhor a situação de ca-
tiveiro que condiciona a reflexão teológica e a Igreja na América Latina.
O ponto de partida de José Comblin é a constatação de que os governos
militares, com seus regimes de Segurança Nacional, propõem um novo modelo de
sociedade com um novo sistema de valores e uma nova concepção do ser humano.
Esta situação impõe à Igreja uma nova prática e uma nova presença na América
Latina. Neste sentido, os direitos humanos e a crítica ao modelo de desenvolvi-
mento proposto pelos governos militares tornam-se o fundamento da nova prática
da Igreja. Com sua nova prática e com a fundamentação teórica da mesma, a ação
de parte da Igreja institucional intenta uma mudança completa na sociedade. E
esta mudança aparece como revolucionária pela sua profundidade e extensão, pois
inclui uma intenção e uma ação de transformação da sociedade estabelecida.
A partir da compreeno dos direitos humanos como centro e essência do
Evangelho, Jo Comblin identifica na nova prática de parte da Igreja institucional
uma nova forma de compreender o ministério evangelizador. Este ministério está
a serviço do núcleo do Evangelho, que no contexto contemporâneo se expressa na
liberdade. Desta forma, a evangelização está a serviço da liberdade e tem um
compromisso com a liberdade real do povo latino-americano. Evangelizar signi-
fica contribuir para a construção da Nova Sociedade, da Nova História, lugares do
Ser Humano Novo, livre de todos autoritarismos, repressões e dominações. Irradi-
ar este núcleo do Evangelho da liberdade é missão da Igreja e da Teologia. Exige-
se, assim, uma Igreja e uma reflexão teológica encarnadas e comprometidas com a
História latino-americana e com as transformações necessárias para que a Améri-
ca Latina vivencie o núcleo do Evangelho da liberdade.
A crítica ao modelo de desenvolvimento emerge da consciência de que os
caminhos propostos até então levaram, na verdade, à destruição do povo latino-
americano como povo. Os resultados desta destruição são o agravamento da mar-
ginalização social, desintegração social, concentração do poder no problema da
centralização do poder militar e econômico, a marginalização econômica e explo-
ração das massas e a conseqüente marginalização política, com a despolitização
radical do povo. Diante desta situação emerge a exigência da libertação e não de
reformismos continuistas. Neste sentido, a libertação torna-se prioridade e exigên-
cia. Daí o compromisso de parte da Igreja institucional com o processo de liberta-
ção latino-americano. É neste contexto que situa-se o novo compromisso e a nova
missão da Igreja e da Teologia latino-americanas. Estas encontram-se ante o desa-
fio de contribuir para o resgate dos seres humanos latino-americanos como povo,
senhor e construtor de sua própria História. No contexto de repressão, violência,
exílio e cativeiro, a Igreja tem a missão de ser a voz dos sem voz. Isso significa
ser a voz do povo em face aos poderes autoritários e repressivos, geradores da
desintegração do povo como povo. Com isso a Igreja e a própria Teologia tem a
tarefa de contribuir para a fundação da liberdade e identidade do povo, isto é, para
o nascimento do Povo Novo.
Enfim, José Comblin ajuda a compreender o significado do ser Igreja e do
fazer Teologia no contexto latino-americano de meados da década de 70. A atitu-
de de parte da Igreja institucional e da Teologia libertadora frente aos Estados
autoritários, constitui-se em uma atitude profética. Denota a inserção da Igreja e
da Teologia na História latino-americana, marcada pela situação de cativeiro e
esperança de libertação. Concretamente para a Teologia, isso significa, por um
lado, um sério questionamento de todo fazer teológico ahisrico, abstrato e a-
temporal, e por outro, a afirmação da necessidade de uma Teologia comprometida
e encarnada na História latino-americana. Teologia consciente de seu papel pro-
pulsor na construção da identidade e liberdade do povo da América Latina.
C O N C L U S Ã O
O Encontro da Cidade do México parte do pressuposto de que a reflexão
teológica, situada no tempo e no espaço, é condicionada por diversos fatores. Es-
tes condicionamentos ocorrem pelo caráter histórico e concreto da reflexão teoló-
gica. Qualquer refleo situa-se em um determinado contexto e é condicionada
por este contexto. Daí a necessidade de identificar os condicionamentos relevantes
da reflexão teológica no contexto da América Latina para que, a partir da consci-
ência e interpretação destes condicionamentos, se possa criticamente elaborar uma
reflexão teológica relevante para a realidade. Neste capítulo procurou-se, por um
lado, averiguar quais são e como se manifestam os condicionamentos da reflexão
teológica latino-americana na época do Encontro do México e segundo a interpre-
tação de seus expositores. E, por outro, procurou-se analisar como a interpretação
dos condicionamentos da reflexão teológica vem delineada pela preocupação por
uma Teologia historicamente relevante a partir da consideração da História como
teologicamente relevante.
Quanto aos condicionamentos da reflexão teológica latino-americana,
constatou-se que estes são de caráter social, econômico, político, cultural e eclesi-
al. Manifestam-se especificamente como condicionamentos hisrico-ideológicos,
e para tomar consciência deles torna-se necessário percorrer o caminho da história
da reflexão teológica latino-americana, tendo em vista a verificação de como a
Teologia esteve condicionada pela sua constituição ideológica. Tomar consciência
de tal constituição ideológica e do condicionamento que tal constituição impõe à
Teologia, torna-se fundamental para uma Teologia mais consciente dos desafios
que precisa assumir para que seja relevante no contexto da América Latina. A via
de acesso a estes condicionamentos histórico-ideológicos é a história da Teologia
latino-americana, compreendida dentro da totalidade na qual ela cumpre seu sen-
tido. Essa totalidade é a totalidade da existência cristã.
Verificou-se que a Teologia latino-americana esteve historicamente condi-
cionada pela constituição ideológica da Teologia de centro, provinda da Europa
colonizadora e dominadora. Tem-se, assim, uma Teologia justificadora da domi-
não que é incapaz de ouvir o grito de dor e sofrimento des-ideologizador e des-
encobridor provindo do povo das periferias. Tal Teologia é ideológico-imitativa e
irrelevante para a realidade latino-americana. Daí a importância de tomar consci-
ência de tal condicionamento ideológico para buscar uma Teologia criativa, autên-
tica e relevante, que parta do grito de dor e sofrimento que é grito des-
ideologizador e des-encobridor da dominação e da ideologia que a justifica.
Os condicionamentos da reflexão teológica latino-americana também se
manifestam contemporaneamente ao Encontro da Cidade do México. Verificou-se
que a Teologia contemporânea latino-americana é condicionada pela historicida-
de, pela condição histórica, concreta e real. Esta historicidade é marcada pelo
tempo e espaço latino-americanos em que se manifestam os condicionamentos
sócio-políticos, como o condicionamento do sistema capitalista dependente, o
condicionamento de classe social, o condicionamento das estruturas políticas de
divisão do poder dentro do capitalismo dependente. Esses condicionamentos mar-
cam a reflexão teológica latino-americana e torna-se necessário tomar consciência
dos mesmos para que a Teologia da Libertação seja capaz de estabelecer uma au-
tocrítica pertinente em busca de uma Teologia relevante e auntica para o contex-
to de dependência, desigualdade social e autoritarismo político.
Verificou-se também que, na historicidade da reflexão teológica latino-
americana, manifestam-se condicionamentos eclesiais que põem em evidência um
conjunto de problemas teológico-eclesiais decorrentes do choque entre diferentes
concepções de fé, de Igreja, de Teologia e de evangelização. Verifica-se, assim,
que o foco central deste choque está no enfrentamento e conflito resultantes do
choque entre uma Teologia com pretensão de contribuir para a transformação es-
trutural da América Latina, marcada pela dominação, desigualdade, injustiça e
dependência, e uma Teologia e concepção de Igreja ahistórica, atemporal e apolí-
tica. Os condicionamentos eclesiais decorrentes deste choque e confronto colocam
a Teologia da Libertação em situação de cativeiro pela própria Igreja e isso se
através de mecanismos de controle da refleo e da prática libertadoras, postos em
funcionamento por parte da Igreja acomodada à reflexão teológica ahistórica, des-
contextualizada, atemporal e pretensamente apolítica que acaba por justificar e
contribuir para a situação de dominão e dependência vigente na América Latina.
Especificamente sobre a Teologia da Libertação, verificou-se neste capítu-
lo que manifestam-se também condicionamentos. Estes estiveram presentes na
primeira época de constituição da Teologia e em sua segunda época, entendida
como o tempo contemporâneo ao Encontro da Cidade do México. Verifica-se que
a Teologia da Libertação é condicionada, em sua primeira época, por uma espécie
de euforia com a libertação, e em sua segunda época, pela condição de cativeiro e
exílio imposta pela situação político-social ditatorial que marca a América Latina
de então. Com isso, vê-se que a Teologia da Libertação, em seus condicionamen-
tos positivos e negativos destas duas épocas, comunga da condição histórica de
todos os cristãos e não cristãos comprometidos com o processo de libertação.
Tendo em vista a relevância da Teologia para o contexto da América Lati-
na, manifestou-se no Encontro da Cidade do México a necessidade de um esforço
crítico da própria Teologia no que se refere à consideração não social, política,
econômica, ideológica e eclesial dos condicionamentos, mas também da ppria
identidade cultural latino-americana. Neste sentido, chamou-se atenção para o fato
de que, se a Teologia da Libertação quiser ser relevante para a América Latina,
precisará integrar os condicionamentos culturais do povo latino-americano. A
América Latina é marcada pelo pluralismo étnico-cultural, principalmente dos
povos indígenas. Desta forma, verificou-se que a Teologia que queira ser relevan-
te para a América Latina precisa considerar os condicionamentos de etnia, cultura
e língua que marcam a identidade dos povos latino-americanos.
Por fim, o panorama dos condicionamentos da reflexão teológica latino-
americana, segundo a interpretação dos expositores do Encontro da Cidade do
México, é completado pela abordagem da nova situação e presença da Igreja lati-
no-americana em face aos regimes autoritários. Essa situação marca e condiciona
também a ppria Teologia, pois esta, assim como a parte da Igreja comprometida
com o processo de libertação, é condicionada ao cativeiro e exílio pelos sistemas
de repressão. Verifica-se que a prática de parte da Igreja latino-americana assume,
através da defesa dos direitos e da dignidade do ser humano e da crítica ao modelo
de desenvolvimento, uma atitude profético-libertadora.
Essa Igreja comprometida insere-se no mais concreto da História latino-
americana, marcada pela experiência do cativeiro e pela profunda ânsia pela liber-
tação. Essa Igreja assume o compromisso com o processo de libertação e exige
uma reflexão teológica coerente, capaz de iluminar criticamente a nova prática
libertadora dos cristãos. Por isso, o condicionamento da nova prática da Igreja
frente aos regimes autoritários é também o condicionamento que marca a própria
Teologia comprometida com esta nova prática. A experiência de cativeiro e exílio
da Igreja comprometida é também a experiência da reflexão teológica libertadora.
Mesmo na condição de exílio e de cativeiro, Igreja e Teologia são desafiadas a
defender a dignidade do povo latino-americano, a buscar um desenvolvimento
integral e global e, assim, manter vivo e presente o projeto de libertação, através
do qual o povo torna-se sujeito e senhor de seu destino e de sua Hisria. Só assim
ter-se-á uma Teologia autêntica e relevante que contribui para uma prática liberta-
dora da Igreja na América Latina.
A análise do conjunto dos condicionamentos da reflexão teológica latino-
americana revela a consciência que a Teologia da Libertação vai adquirindo sobre
os fatores e dimensões da História que estão a influenciar, marcar, determinar e
condicionar esta reflexão. Nisto revela-se um esforço autocrítico de uma Teologia
que se reconhece em processo de construção e elaboração e que precisa reconhe-
cer as formas e forças que, no passado e no presente, no espaço e no tempo, con-
dicionam sua palavra, seu discurso sobre Deus. Tomar consciência dos condicio-
namentos da reflexão teológica significa reconhecer que todo o discurso é situado,
contextualizado e por mais que fale do permanente, do eterno, do trans-histórico,
diz o tempo e o espaço humano, político, cultural, ideológico, social em que é
produzido. E mais: tomar consciência dos condicionamentos possibilita reconhe-
cer também que a forma mais relevante de se falar sobre Deus é aquela que parte
do condicionado e do contextualizado e identifica as questões fundamentais e
essenciais deste ser humano, marcado pelo tempo e pelo espaço, e que faz sua
experiência de busca de sentido e significado de sua existência.
Para a reflexão teológica latino-americana, tal como esta é interpretada no
Encontro da Cidade do México, isso significa que a Teologia relevante, significa-
tiva e autêntica para o espaço e tempo, para o contexto de dominação, opressão,
injustiça, dependência, exílio e cativeiro que marcam a América Latina, será aque-
la que parte das questões essenciais que esta experiência de opressão-libertação
lançam à cristã. Isso significa um novo ponto de partida e um método específi-
co para a Teologia. Será a Teologia que parte da História e que, consciente dos
seus condicionamentos e a partir da refleo crítica à luz da e do Evangelho,
busca transformar esta História rumo a maior dignidade e liberdade do ser huma-
no. Identificar e analisar como se constitui o método de tal Teologia, e como se
apresenta a mútua relevância dentro deste método, será o objetivo desta pesquisa
no próximo capítulo.
6
Atua relevância entre Teologia e História no Método
da Teologia da Libertação Latino-americana segundo o
Encontro da Cidade do México (1975)
I N T R O D U Ç Ã O
O Encontro da Cidade do México teve como tema os métodos da reflexão
teológica na América Latina e suas implicações pastorais, históricas, sociais,
políticas e eclesiais
946
. Embora o método da Teologia da Libertação não tenha
sido o único a ser abordado, ele é o único a ser objeto de análise. Pretende-se a-
bordá-lo de forma a retratar a interpretação de tal método apresentada no encontro
e analisá-lo a partir da hipótese da mútua relevância. Por método teológico enten-
de-se o caminho pelo qual se elabora a reflexão teológica. Ele é o aspecto crítico e
operativo, considerado reflexamente, de um sistema de pensamento. Trata-se da
direção fundamental e global com a qual e a partir da qual se faz Teologia. Daí o
interesse em sua abordagem: é preciso identificar como, segundo a interpretação
dos expositores do Encontro do México, se faz uma reflexão teológica relevante a
partir, para e na América Latina em perspectiva libertadora. Qual é o ponto de
partida de tal reflexão? Quais seus pressupostos fundamentais e seus fundamentos
epistemológicos? Essas questões orientam a seleção de exposições que melhor
retratem o método teológico da Teologia da Libertação, bem como orientam a
análise que se proporá, a partir das exposições, na tentativa de averiguar a veraci-
dade da hipótese de trabalho da pesquisa.
O encontro do México pressupõe alguns anos de reflexão teológica da Te-
ologia da Libertação. Significa que este encontro é uma oportunidade de reflexão
sobre a maneira e o modo como vinha se realizando tal Teologia. Depois da cria-
ção de seus conteúdos, a Teologia da Libertação precisa justificar-se criticamente,
refletindo sobre seu método, seus pressupostos hermenêuticos, seus fundamentos
epistemológicos e seus passos metodológicos. Precisa lançar uma crítica sobre o
método que exercitou desde o princípio, mas que ainda não tinha sido fundamen-
tado e analisado criticamente. Nesta perspectiva, o Encontro do México é um
946
Cf. a apresentação da obra que retrata o Encontro feita por E.R. MALDONADO (Present. e
Introd.), Liberación y Cautiverio, p.11.
momento de avaliação autocrítica da Teologia da Libertação. Seu método é desa-
fiado a aprofundar seus fundamentos e confrontar-se com outros métodos teológi-
cos. É desafiado a analisar seus condicionamentos como reflexão teológica reali-
zada na condição hisrica real da América Latina de meados da década de 70.
Os condicionamentos da reflexão teológica latino-americana designam a
condição concreta em que se realiza tal reflexão e foram abordados no capítulo
anterior. Resta agora verificar a interpretação dos fundamentos epistemológicos,
dos pressupostos hermenêuticos e dos passos metodológicos da Teologia da Li-
bertação, propostos pelos teólogos presentes no Encontro do México. Esta inter-
pretação abrirá caminho para a análise e averiguação da hipótese de trabalho desta
pesquisa segundo a qual a mútua relevância entre Teologia e História desempenha
papel importante na configuração e determinação do método teológico libertador.
Para levar a cabo tal tarefa seguir-se-ão quatro passos. No primeiro, procu-
rar-se-á abordar a interpretação dos fundamentos filosóficos do método teológico
libertador e analisar tal interpretação a partir da hipótese da mútua relevância. No
segundo, procurar-seabordar a interpretação da práxis de libertação como fonte
da Teologia e os principais marcos metodológicos decorrentes desta perspectiva,
bem como analisar a hitese da mútua relevância em tal interpretação. No tercei-
ro, buscar-se-á retratar os passos metodológicos concretos nos quais se articula a
reflexão teológica latino-americana e seus pressupostos hermenêuticos. A partir
disto propor-se-á uma análise do papel da mútua relevância na configuração dos
passos metodológicos da Teologia da Libertação. No quarto, procurar-se-á verifi-
car a interpretação da originalidade da Teologia da Libertação e de seu todo,
segundo a interpretação presente no Encontro do México. A partir desta verifica-
ção propor-se-á uma análise buscando averiguar a hipótese da mútua relevância na
determinão da originalidade da Teologia da Libertação frente outras Teologias.
Entende-se que através destes passos será possível uma aproximação ctica à
compreensão presente no Encontro do México sobre a Teologia que é interpre-
tada como relevante para a História da América Latina. Ao mesmo tempo crê-se
que esta aproximão crítica possibilita averiguar a hipótese da mútua relevância e
seu papel na configuração metodológica da Teologia da Libertação.
1. Ignacio Ellacuría e a fundamentação filosófica do método
teológico latino-americano
A abordagem do método teogico da Teologia da Libertação, tal como
este foi interpretado no Encontro do México, pode partir do estudo de I. Ellacuría
sobre a fundamentação filosófica do mesmo
947
. I. Ellacuría propõe uma análise de
como entender a inteligência e suas tarefas, tendo como lugar interpretativo a situ-
ação da América Latina. Seu estudo é composto de duas partes. Na primeira pro-
põe uma análise que ressalta o contraste entre o estilo latino-americano e europeu
de fazer Teologia e Hermenêutica. Na segunda parte indica os fundamentos filo-
sóficos do método teológico latino-americano. Tendo em vista a importância das
contribuições de I. Ellacuría para a análise do lugar da relação entre Teologia e
História no método teológico da Teologia da Libertação, propõe-se a seguir, uma
síntese do mesmo artigo que serve de base para a posterior análise.
Ignácio Ellacuría parte da perspectiva de que as questões de método são
posteriores à prática intelectual
948
. O método é o aspecto crítico e operativo, refle-
xamente considerado, de um sistema de pensamento. Quanto à Teologia da Liber-
tação, isso ajuda a compreender dois perigos a se evitar: é preciso evitar que a
Teologia da Libertação caia na tentação de perder-se em questões de método, dei-
xando de lado questões reais de conteúdo e de práxis. Isto por um prurido de ser
científica e crítica. Em segundo lugar, vista a questão desde o outro extremo, é
preciso evitar o perigo de que o fazer teológico não seja realizado acriticamente,
sem dar-se conta daquilo que o justifica e fundamenta. Justifica-se assim, segundo
I. Ellacuría, a abordagem do método teogico latino-americano. É chegado o
momento de fundamentar criticamente tal método. Esse esforço realiza-se em uma
rie de escritos contemporâneos ao período da realização do Encontro da Cidade
947
A exposição de I. Ellacuría, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latino-
americano foi preparada pelo seu autor para o Encontro do México. Porém, o autor não esteve
presente. Não foi posvel averiguar as razões desta ausência. O fato é que, segundo I. Ellacuría, o
texto foi preparado para o encontro. Cf. I. ELLACURÍA, op. cit., p.612, nota 2. A obra fonte desta
pesquisa apresenta o texto de I. Ellacuría, junto com um texto de J.H. Pico, como colaborações
sobre o método teológico na América Latina, enviadas ao Encontro e apresentadas. Cf. J.H.
PICO, Método Teológico Latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la praxis
política mediada por el análisis de la realidad, p.595-607; I. ELLACURÍA, op. cit., p.609-635.
948
Segundo I. Ellacuría, “o todo fundamental é o próprio modo de pensar e este modo próprio
de pensar só se realiza e se verifica, quando de fato já produziu um pensamento”. Ibid., p.609.
do México
949
. O próprio encontro realiza-se com o objetivo de aprofundar o mé-
todo teológico em perspectiva libertadora. Isso mostra que a Teologia Latino-
americana, “após rápida, intensa e frutuosa criação de conteúdos, se dispõe a justi-
ficar-se criticamente refletindo sobre seu próprio método”
950
.
Para contribuir no aprofundamento auto-crítico do método teológico da
Teologia da Libertação é que I. Ellacuría envia sua contribuição ao Encontro. Daí
a relevância em retratar tal artigo. O objetivo do estudo de I. Ellacuría é contribuir
para a fundamentação crítica do método teológico. Trata-se de um esforço, a partir
do trabalho teológico, de refletir filosoficamente sobre os pressupostos fundamen-
tais do trabalho teológico, sobre aqueles pressupostos que, se o o reflexamen-
te conhecidos, deixam desamparados quem produz Teologia. É preciso trazer à luz
e fundamentar os delineamentos filosóficos da Teologia Latino-americana para
levar a libertação às raízes próprias do trabalho intelectual
951
.
Ignacio Ellacuría começa sua abordagem com a apresentação de dois mo-
delos teológicos, um latino-americano e outro europeu. Através deste proceder
metodológico o autor pretende indicar a peculiaridade e os fundamentos últimos
do método teológico latino-americano. Como se supõe que o modelo teológico
latino-americano tem sua própria peculiaridade, se lhe contrapõe um modelo teo-
lógico não latino-americano. E como se supõe que a diferença de ambos os mode-
los implica na diferença em seus pressupostos últimos, se analisam esses pressu-
postos de maneira também contraposta. Com isso busca-se uma melhor compre-
ensão do que é próprio do método teológico latino-americano em sua peculiarida-
de. A partir destas considerações, Ignacio Ellacuría divide seu trabalho em duas
partes principais. Na primeira apresenta dois modelos teológicos e na segunda
reflete sobre os fundamentos do modelo latino-americano de fazer Teologia.
1.1. Dois exemplos de método teológico
Os dois exemplos de modelos metodológicos de fazer Teologia são toma-
dos de uma publicação, com distintos trabalhos teológicos, produzida em home-
949
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamerica-
no, p.610-612, nota 1. Aí o autor apresenta a bibliografia de uma série de textos, todos produzidos
entre 1970-1975, que abordam o problema do método teológico latino-americano.
950
Ibid., p.611.
951
Cf. Ibid., p.611-612.
nagem a Karl Rahner
952
. Ignacio Ellacuría analisa dois artigos cristológicos, um
de Leonardo Boff e outro de Olegário Gonlez de Cardedal, publicados nesta
obra
953
. Para Ignacio Ellacuría, de ambos os trabalhos pode dizer-se que um é la-
tino-americano e que o outro não o é. Por isso o segundo serve de contraste ao
primeiro. Além disso, constata-se que alguns modos de fazer Teologia na América
Latina pretendem realizar-se com esquemas mentais e culturais parecidos, paten-
tes no artigo não latino-americano. Por isso, a comparação entre ambos pode ter a
utilidade subsidiária de manifestar pressupostos de trabalhos teológicos produzi-
dos na América Latina e que não são autenticamente latino-americanos. Isso não
significa que haja um único modo latino-americano de fazer Teologia. Significa,
menos ainda, que a unidade do modo teológico implica uma coincidência de aná-
lises e de respostas. Porém, o que se quer insinuar, segundo I. Ellacuría, é que
um modo novo de fazer Teologia na América Latina e que este modo tem caracte-
rísticas pprias válidas, que para alguns parecem oferecer uma resposta profunda
às necessidades da fé nestas regiões periféricas e oprimidas
954
.
A partir destas considerações introdutórias Ignacio Ellacuría apresenta
uma síntese dos respectivos textos cristológicos de Leonardo Boff e Olegário
González de Cardedal. Esta síntese é seguida de um trabalho comparativo entre
ambos, que, a seguir, pretende-se retratar em linhas gerais. Segundo o autor em
questão, a mera justaposição dos dois modelos cristológicos e em evidência
notáveis diferenças. Pode-se principiar com a ppria escolha do tema que revela
uma das mais significativas diferenças entre o método teológico latino-americano
e o método teológico de Olegário González de Cardedal. Não se trata só, e nem
principalmente, de que um dos temas seja mais atual que outro, mas da própria
possibilidade de sua verificação. O conceito de verificação não é alheio a nenhum
dos autores em questão. Porém, enquanto que no caso de Olegário González de
Cardedal a verificação tem um caráter primariamente contemplativo e vivencial,
em Leonardo Boff a verificação da verdade teológica tem um caráter práxico e
real, algo que se pode comprovar de alguma forma na própria realidade histórica.
952
Trata-se da obra: Teología y Mundo Contemporáneo. Madrid, 1975. Cf.: I. ELLACURÍA, Ha-
cia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamericano, p.613, nota 3.
953
Trata-se dos artigos: Libertação de Jesus Cristo pelo caminho da opressão. Uma leitura latino-
americana, de L. Boff; e Un problema teológico fundamental: la preexistencia de Cristo. Historia
y Hermenéutica, de Olegário G. de Cardedal. Em: Teología y Mundo Contemporáneo, p.241-268 e
179-211, respectivamente.
954
I. ELLACURÍA, op. cit., p.611-614.
Obviamente a preexistência de Cristo e a libertação de Cristo tem distinta signifi-
catividade e diferente verificação, pois em um dos casos trata-se de um atributo
estático e no outro de uma intervenção dinâmica. Poderia suceder que só um pree-
xistente pudesse libertar, mas então a preexistência se veria e se verificaria na
libertação e com isso alcaaria um caráter novo e mais significativo
955
.
Para I. Ellacuría, ambos os autores andam em busca de significatividade
para o ser humano contemporâneo. Porém, para Olegário G. de Cardedal a signi-
ficatividade é mais de ordem intelectiva, e para L. Boff é de ordem real e históri-
ca. O que em um caso é significatividade de afirmações, peso de verdade, no ou-
tro, é significatividade para os interesses reais. O que em um caso é significativi-
dade para elites intelectuais, que necessitavam formulações assimiláveis a seus
usos intelectuais e científicos, no outro é significatividade para o povo de Deus
que necessita “crer e sobreviver”
956
.
Por trás destas diferenças Ignacio Ellacuría identifica que, em cada um dos
casos, se articula um conceito distinto de História. A História pode ser a tentativa
crítica de ter em conta fatos ocorridos e de interpretá-los corretamente, ou pode
entender-se como a própria realidade em toda plenitude dinâmica, da qual nin-
guém pode sair. A partir deste segundo ponto de vista, o método histórico não se
reduz a um caminho histórico percorrido, do qual se busca criticamente sua signi-
ficatividade, mas deve adequar-se ao que é a Hisria como processo real e englo-
bante de toda realidade humana, pessoal e estruturalmente considerada. Assim,
“Hisria não é primariamente autenticidade crítica mas processo de realização e,
em definitiva, processo de libertação”
957
. Desta forma, quando fala-se em “volta à
História” pode-se entender a volta como recurso aos dados históricos e, então,
estar-se-ia ante um processo meramente metodológico que visa não perder-se em
fantasias ou especulações. Porém, por outro lado, pode-se entender como uma
volta ao que é a totalidade estrutural do real em seu processo unitário como lugar
primário de verificação. Daí que a máxima des-historificação surgiria, no caso das
perguntas cristológicas, da historização reduzida da realidade do Jesus histórico,
ao qual não se lhe capta a partir de sua concreta ação histórica, pessoal e social e a
955
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamerica-
no, p.614-618.
956
Cf. Ibid., p.618.
957
Ibid., p.618.
partir de uma historização, assim mesmo reduzida, da própria experiência cristã
atual, entendida à margem dos condicionamentos que lhe são próprios.
Em conseqüência, também a hermenêutica toma significado e realidade
metodológica distintas. Frente a um problema de biografias pessoais, que não fi-
cam anuladas mas subsumidas em seu concreto marco sócio-hisrico, se propõe o
problema dos interesses sociais, enquanto determinantes dos modos de pensar e de
viver. Daí surge uma hermenêutica histórica em contraposição a uma hermenêuti-
ca teórica. Frente ao conceito de História como relato histórico, com sua ppria
hermenêutica, está o conceito de História como ação histórica, como processo real
histórico, com a hermenêutica social e histórica que lhe corresponde. Assim, a
referência ao Jesus histórico implica sem dúvida uma hermenêutica, porém a her-
menêutica que se deve utilizar não é e nem primariamente uma hermenêutica
idealista de sentido, por mais que se vivencie este sentido, mas uma hermenêutica
realista, que tem em conta o que a ação e a interpretação deve às condições reais
da sociedade e aos interesses sociais que as sustentam. E isso tanto no caso do
interpretado como no caso do intérprete. Isto não exclui técnicas hermenêuticas
metodológicas, mas as subordina à colocação mais global do labor hermenêutico.
Outra diferença identificada entre as abordagens cristológicas diz respeito
à referência às Ciências Sociais como elemento integrante do trabalho teológico.
Esta referência é bem explícita em um modelo e está praticamente ausente no ou-
tro. A razão desta diferença é clara, segundo Ignacio Ellacuría: o que interessa
predominantemente a um é o sentido e a compreensão do sentido. Enquanto o que
interessa predominantemente ao outro autor é a transformação da realidade e nela
a transformação da pessoa humana. O interesse comum de conversão e de conver-
o pessoal seria em um, predominantemente, a partir de uma posição intelectua-
lista, que crê na mudança profunda a partir da mudança das idéias ou de suas for-
mulações, enquanto que no outro seria, predominantemente, a partir de uma posi-
ção realista, que crê não poder dar-se a mudança real do ser humano e de suas
idéias sem que mudem as condições reais de sua existência
958
.
Essas diferenças de modelo metodológico de fazer Teologia colocam o
problema da existência de modelos distintos de reflexão teológica, marcados por
diferenças de direção. A partir disso Ignacio Ellacuría propõe-se abordar os pres-
958
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamerica-
no, p.618-619.
supostos filosóficos fundamentais do novo modo de fazer Teologia na América
Latina. Pressupostos estes que contribuem para dar identidade, peculiaridade e
significatividade à Teologia da Libertação Latino-americana.
1.2. Fundamentos filosóficos do método teológico latino-americano
Ignacio Ellacuría entende por método a direção fundamental e totalizante
com a qual e a partir da qual se exerce a atividade teológica. Ele pode incluir uma
rie de métodos parciais ou instrumentais: não os métodos pprios do estudo
da Escritura, da tradição, do Magistério, da história do pensamento teológico, mas
também todo o instrumental que podem proporcionar determinados saberes cientí-
ficos. Não se pergunta aqui pelos modos concretos de proceder no trabalho inte-
lectual teológico. Pergunta-se sim pelo método fundamental, cujos pressupostos é
preciso descobrir e fundamentar criticamente. O que importa é a caracterização
prévia deste método fundamental, entendendo-a como a análise dos pressupostos
filosóficos fundamentais, nos quais deve apoiar-se a atividade teológica e que lhe
devem servir de inspiração e de critério.
Sem entrar no problema específico do método teológico latino-americano,
I. Ellacuría aborda o tema de seus pressupostos filosóficos, que nem sempre são
explicitados e justificados. A atividade teológica tem um momento essencial de
conhecimento e isto obriga a precisar o que é este momento cognoscitivo. Este
momento cognoscitivo não é absolutamente separável de outros momentos não
formalmente cognoscitivos, mas tem uma autonomia própria. Não é, sem mais,
um reflexo passivo, pois o é nem a mera reprodução da realidade dada, tam-
pouco a resposta não mediada de determinados interesses de estruturas fixamente
definidoras. É a este momento cognoscitivo que I. Ellacuría se refere
959
.
1.2.1. Pressupostos filosóficos do método teológico
que devem ser superados
A partir da obra de hermenêutica de Coreth e tomando as idéias deste autor
como contraste, I. Ellacua busca entender melhor certas posições teológicas não
latino-americanas para conseguir acercar-se ao que, segundo ele, deve ser uma
959
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoameri-
cano, p.620-621.
fundamentação do método teológico latino-americano
960
. Para Ignacio Ellacuría a
obra de Coreth pode representar a fundamentação teórica de uma determinada
forma de fazer Teologia não latino-americana. Segundo a interpretação das prin-
cipais idéias de Coreth, proposta por Ignacio Ellacuría, pode-se indicar como dire-
trizes dos pressupostos filosóficos de todo o conhecimento, incluído o teológico,
as seguintes diretrizes. Primeiro, a intelecção tem uma estrutura circular e exige,
portanto, um círculo hermenêutico. Entende-se sempre a partir de algo e este a
partir de algo se pressupõe e se sobreentende, por mais que sua independência não
seja total a respeito daquilo que é entendido. Segundo, a intelecção é primaria-
mente compreensão de sentido. É, antes de tudo, compreensão e, ademais, o que
se compreende é o sentido de algo, com o qual a intelecção resulta reduplicativa-
mente teórica e especulativa. Terceiro, o que tanto o mundo como o horizonte dão
é continuidade de sentido, mesmo que não seja sem mais um sentido puro aprio-
rístico, mas multiplamente mediado. Quarto, o que se busca no conhecimento,
incluindo-se no saber teológico, é sempre uma busca de sentido, isto é, algo pre-
dominantemente interpretativo.
Frente a estas diretrizes extraídas da obra de Coreth, Ignacio Ellacuría pro-
põe que é necessário outra perspectiva que faça justiça ao que é a realidade do
conhecer humano e ao que pretende ser o fazer teológico. É preciso uma compre-
ensão do ato intelectivo que corresponda melhor ao que é a realidade do inteligir
humano e responda melhor ao que de fato pretende ser o pensamento teológico
latino-americano. A partir desta preocupação Ignacio Ellacuría propõe algumas
afirmações fundamentais para uma correta definição do que é o ato de inteligência
humano em ordem à determinação do método teológico latino-americano
961
.
1.2.2. Algumas afirmações fundamentais para uma reta definição do
que é o inteligir humano em ordem à determinação do método
teológico latino-americano
Ignacio Ellacuría não se propõe fundamentar uma teoria da inteligência.
Restringe-se a apresentar uma série de afirmações que, segundo ele, parecem res-
ponder ao que é e ao que deve ser a realidade do fazer intelectivo, de modo que, se
960
Trata-se da obra E. CORETH, Cuestiones fundamentales de hermenéutica. Barcelona, 1972.
Citado por: Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico lati-
noamericano, p.621, nota 5.
não se tem em conta essas afirmações como cririo hermenêutico fundamental,
todo o trabalho intelectivo fica mistificado desde seu ponto de partida.
A inteligência humana não é sensitiva. Ela é também uma atividade
biológica. Desta forma, é só a partir dos sentidos e em referência aos sentidos, que
o antes de tudo funções biológicas e que servem primeiramente para a subsis-
tência do ser vivo, que a inteligência humana pode atuar. A própria inteligência é
uma atividade biológica, enquanto que sua função inicial, em razão da qual sur-
giu, assim como seu permanente exercício se orienta a dar viabilidade biológica
ao ser humano individual e especificamente considerado. A inteligência, embora
tenha uma estrutura própria, não está desligada das outras funções da realidade
humana. Por isso o reconhecimento de que a inteligência tem estrutura própria
não implica que se atribua uma autonomia total desta inteligência. Ela sempre está
condicionada e determinada pela unidade primária que é o ser humano como ser
vivo. A realidade física total do ser humano é o primário a partir de onde ele co-
nhece e entende o mundo. Isso leva a conclusão de que é preciso reconhecer que,
em qualquer exercício da inteligência, sempre está presente e operante o caráter
sensorial e biológico, orientado à manutenção ativa da vida humana e à sua supe-
ração, nunca à sua negação. Em conseqüência, uma essencial dimensão mate-
rial do conhecer humano e um necessário caráter práxico que decorre da raiz vital
de toda atividade humana
962
.
A estrutura formal da inteligência humana e sua função diferenciativa não
existe para a compreensão do ser ou captação de sentido, mas serve para a apreen-
o da realidade e para o enfrentar-se com esta mesma realidade. Em relação com
sua primária referência à vida, o específico e formal da inteligência é fazer com
que o ser humano se enfrente consigo mesmo e com as demais coisas, enquanto
que essas são coisas reais. Há, assim, uma prioridade da realidade sobre o sentido.
E por isso não é possível uma mudança real de sentido sem mudança real da reali-
dade. Pretender uma mudança real de sentido sem uma transformação real da rea-
lidade é, portanto, um falsear a inteligência e sua função primaria, inclusive na
pura ordem cognoscitiva. Assim, “crer que por mudar as interpretações das coisas
se mudam as próprias coisas, ou, ao menos, a consciência profunda da instalação
961
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamerica-
no, p.621-624.
962
Cf. Ibid., p.624-625.
no mundo, é um grave erro epistemológico e uma profunda fratura ética”
963
. Só
através do enfrentamento com a realidade e a partir da referência à realidade é que
tem relevância a questão do sentido. O que importa é o sentido da realidade, po-
rém importa porque realmente o ser humano necessita também questionar-se so-
bre o sentido das coisas. Porém, esta necessidade real de sentido, junto com esta
necessidade de sentido real, se inscrevem na dimensão da realidade
964
.
Para Ignacio Ellacuría a inteligência humana não é sempre histórica,
como também, essa historicidade pertence à própria estrutura essencial da inteli-
gência. Desta forma, o caráter histórico do conhecer, enquanto atividade, implica
um preciso caráter histórico dos próprios conteúdos cognoscitivos. O caráter his-
tórico da inteligência e do conhecer é cada vez mais reconhecido, ao menos ver-
balmente, porém o que se entende por História é, em muitos casos, algo substan-
cialmente distinto. A partir desta perspectiva Ignacio Ellacuría propõe três aspec-
tos da historicidade que, em seu entender, o importantes para determinar as ca-
racterísticas do método teológico latino-americano.
Primeiro, a atividade da inteligência humana está condicionada pelo mun-
do histórico no qual ela se dá. Assim, não são possíveis determinadas leituras da
fé se não é a partir de precisas determinações históricas, que tornam possível situ-
ações concretas e diversas mediações históricas. Além disso, a inteligência, inclu-
sive nos casos mais teóricos, tem um momento de opção, condicionada por uma
multiplicidade de elementos não puramente teóricos, mas que dependem de con-
dições biográficas e históricas. Conseqüentemente, a hermenêutica, mesmo como
busca de sentido, não pode reduzir-se à busca daquilo que se objetivou em formu-
lações teóricas, como se nelas próprias radicasse o sentido último e total destas
formulações. Mas deve perguntar-se, temática e permanentemente, a que mundo
social estas formulações teóricas respondem, já que nenhuma formulação pura-
mente teórica se explica em todo seu sentido, só a partir de si mesma.
Segundo, o conhecer humano, como função objetiva e social, sobretudo
em disciplinas como a Teologia, que faz referência explícita à realidades huma-
nas, desempenha, junto com sua função de contemplação e de interpretação, tam-
bém uma função práxica, que vem de e vai à configuração de uma determinada
963
I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamericano,
p.626.
964
Cf. Ibid., p.625-626.
estrutura social. Isto não supõe negar um estatuto próprio e uma certa autonomia
do conhecer. Implica sim, a afirmação de que esse estatuto e essa autonomia res-
pondem a algo que é momento estrutural de uma totalidade histórica socialmente
condicionada por determinados interesses e por determinadas forças sociais. A
configuração destas forças sociais exige e reelabora uma determinada produção
intelectual em função dos interesses predominantes. Desta forma, o conhecer hu-
mano tem uma estrita dimensão social, não por sua origem, mas também por
sua destinação. Necessita-se então, para não cair em obscuras ideologizações, le-
var a hermenêutica até a análise crítica e o desmascaramento, quando necessário,
das origens sociais e das destinações sociais de todo o conhecimento.
Terceiro, o conhecer humano tem também referência à práxis, até mesmo
como condição de sua própria cientificidade. Ele é práxis e um dos momentos
essenciais de toda a práxis. Para que a práxis não permaneça como pura reação,
isto é, para que seja práxis humana, necessita como elemento essencial seu, um
momento ativo de inteligência. Por outro lado, o conhecer humano, conforme o
tipo, necessita da práxis, não para sua comprovação científica, mas também
parar-se em contato com a fonte de muitos de seus conteúdos. que se estar
ativamente na realidade e o conhecimento obtido deve ser verificado e comprova-
do com uma presença ativa na realidade. Isto, que é válido para o problema geral
de teoria e técnica, o é também com suas características próprias, para todo co-
nhecimento. É válido inclusive para o conhecimento teológico, pois este se rela-
ciona com a fé, que pretende ser a própria vida do ser humano
965
.
1.2.3. Condicionamentos críticos do método teológico
latino-americano
Ignacio Ellacuría, a partir do que expôs nas primeiras partes de seu artigo,
propõe, por fim, abordar alguns condicionamentos do método teológico latino-
americano, sem os quais a atividade teológica latino-americana não seria crítica e
não responderia ao que se lhe é exigido. O primeiro condicionamento diz respeito
à atividade humana e cada âmbito da realidade. A atividade humana deve acomo-
dar-se às exigências do âmbito da realidade para a qual ela se dirige. Entende-se
por ‘âmbito da realidade’ não um objeto ou uma série de objetos, mas a totalidade
965
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamerica-
no, p.627-629.
concreta e histórica com a qual uma determinada atividade se relaciona. Desta
forma, um mútuo condicionamento entre a atividade humana e o âmbito da
realidade: a partir de determinados modos de atividade é que se chega a certos
âmbitos da realidade, e frente a determinados âmbitos da realidade é possível
exercitar certos modos de atividade. Neste quadro, o método teológico latino-
americano precisa ter em conta esta especificidade de sua própria atividade. Isso
no que se refere à sua própria atividade e no que se refere ao âmbito da realidade
ao qual ele se dirige.
No que se refere ao âmbito da realidade, precisa prevenir-se de que seu
próprio âmbito não é Deus sem mais, mas Deus tal como se faz presente na pró-
pria situação histórica. Assim, o problema da fé, e conseqüentemente o problema
da Teologia, é aqui um problema de perfis bem assinalados: não depende nem da
vontade da hierarquia eclesiástica e nem das pretensões dos teólogos, mas sim do
que é a realidade concreta do povo de Deus. A salvação de Deus e a missão salví-
fica da Igreja e da concretizam, no “aqui e agora”, sua universalidade em for-
mas bem precisas, que o teólogo deverá investigar, refletindo, em um primeiro
momento, sobre os sinais em que se mostra e se esconde a presença salvífica de
Deus em Jesus, que continua, ao longo da História, fazendo-se carne.
no que se refere à atividade humana, é importante sublinhar, segundo
Ignacio Ellacuría, que a Teologia não é uma ciência pura. Não se pode começar
como se já se contasse com uma definição unívoca de ciência para acomodar de-
pois a atividade teológica a essa definição e o discurso teológico ao que prévia e
geralmente instituiu-se como científico. O começo da reflexão teológica deve es-
tar na determinação do âmbito da realidade, na determinação do que busca a ativi-
dade teológica e na determinação das condições críticas requeridas para que a
atividade teológica alcance suas finalidades concretas. No caso concreto da Amé-
rica Latina, é preciso determinar o que se entende por Teologia latino-americana,
pois aí reside o pressuposto fundamental do que deve ser o método teológico lati-
no-americano de fazer Teologia. Am disso, é preciso determinar-se também,
qual é o modo histórico de viver a fé e de perceber sua própria realidade, que o ser
humano latino-americano tem em sua situação concreta. Por fim, deve determinar-
se o que se espera ou se pode esperar da Teologia no Continente latino-americano
para que este ser humano viva seu próprio modo de em relação com sua situa-
ção histórica e trabalhe por ela a partir de um modo adequado de viver a fé.
Enfim, tanto no caso do âmbito da realidade como no da atividade huma-
na, é preciso acercar-se ao que é a realidade desta fé através de uma atenção aguda
e crítica à religiosidade popular. “A religiosidade popular não é sem mais a do
povo e menos ainda é certa forma popularizada de Teologia, porém não por isso
deve deixar-se de ter em conta como lugar teológico de inspiração e de comprova-
ção”
966
. Neste sentido, é preciso evitar-se o perigo de “elitismos. Os delineamen-
tos políticos e também teológicos não se vêem livres dos mesmos, mesmo que
permanentemente falem ou façam referência ao povo. Teólogos e crentes latino-
americanos precisam perguntar-se se frente à significatividade acadêmica que
busca ser reconhecida por elites acadêmicas não se está propugnando uma signifi-
catividade política que busca ser reconhecida por elites revolucionárias. Desta
forma, a fé e a reflexão sobre a devem estar atentas para não cair, por outro
caminho, na própria “falsa mundanidade”
967
.
Quanto ao segundo condicionamento vê-se, segundo Ignacio Ellacuría, que
a atividade teológica tem um estrito caráter social, caráter que se não se o assimila
criticamente pode levar a graves desvios teológicos. Todo o conhecimento tem um
caráter social, e por conseguinte, também a atividade teológica e o conhecimento
teológico possuem este caráter social. pelo menos três razões que justificam
refletir sobre o caráter social da atividade teológica e para precaver-se do que su-
poria não ter em conta tal caráter social. Primeiro, a atividade teológica está con-
dicionada e posta a serviço, não da fé, mas também de uma instituição eclesial.
Esta instituição, enquanto instituição, está profundamente configurada pela estru-
tura cio-histórica em que ela se dá. A atividade teológica, a respeito da institui-
ção eclesial, ao configurá-la e ao mesmo tempo ser configurada por ela, adquire
um especial caráter social. Além disso, através da instituição a qual a atividade
teológica serve, converte-se em fornecedora ou contraditora de determinadas for-
ças sociais. Segundo, a atividade teológica, além de estar submetida a ltiplas
pressões de ordem social, que se não são desmascaradas mistificam seus resulta-
dos, tem que lançar mão de recursos teóricos que podem ser resultado de ideolo-
gizações recorrentes. Isso é válido na perspectiva teórica da reflexão e na perspec-
tiva práxica da utilização do pensamento teológico. Terceiro, a atividade teológica
966
I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamericano,
p.630.
é histórica, tanto através da índole própria que lhe compete como pelo âmbito da
realidade a que responde. Daí seu caráter operacional que não é fruto exclusivo de
opções individuais, mas também de algo formalmente social.
Desta forma, a pergunta do para quê e do para quem da Teologia é priori-
tária na perspectiva de determinar o que deve ser a atividade teológica em seus
temas e no modo de enfocá-los e propô-los. A questão é determinar a quem de
fato está servindo a transmissão e o conteúdo desta transmissão. Esta determina-
ção deve ser feita a partir da fé e a partir da crítica da própria Teologia. Colocado
assim o problema, o que se exige é o questionar-se pelo tipo de inteligência e pelo
modo de trabalho intelectual, próprio de uma atividade teológica verdadeiramente
cristã e verdadeiramente latino-americana
968
.
O terceiro condicionamento do fazer teológico latino-americano que é pre-
ciso ter em conta, segundo I. Ellacuría, diz respeito à circularidade a que deve
prestar atenção o método teológico. Esta circularidade é real, histórica e social. A
partir do caráter próprio da inteligência e do reduplicado caráter social da ativida-
de teológica, fala-se aqui de uma circularidade primária. A circularidade funda-
mental, que se dá inclusive no conhecer humano, não é a circularidade de um ho-
rizonte teórico e de alguns conteúdos teóricos que se entendem a partir daquele
horizonte e em parte o reconformam. Trata-se sim da circularidade de um horizon-
te histórico-prático e de realidades estruturais sócio-históricas, que fluem a partir
daquele e também o reconformam. o uma circularidade pura entre horizonte
teórico e compreensão do sentido de algo determinado. A circularidade é física: o
é no ponto de partida de toda compreensão e de toda atividade e o é no movimen-
to através do qual se constituem as determinações concretas. O importante, por-
tanto, antes de perguntar-se pelo horizonte teórico, é perguntar-se pelo horizonte
real a partir do qual se exercita qualquer tipo de função humana.
Em conseqüência, a hermenêutica deve ser uma hermenêutica real e histó-
rica, pois o que se trata de medir criticamente não é qual é um determinado senti-
do teórico e sim como pode surgir realmente determinado sentido a partir de um
desde onde físico. Isto é o que importa no que diz respeito ao método fundamen-
967
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamerica-
no, p.629-631.
968
Cf. Ibid., p.631-632.
tal, mesmo que depois sejam necessários passos mais teóricos e técnicos no des-
dobramento do horizonte total em horizontes mais parciais
969
.
O quarto condicionamento que o método teológico latino-americano preci-
sa ter presente diz respeito à análise de sua própria linguagem. Trata-se aqui de
uma investigão que seja capaz de determinar o que os termos empregados des-
cobrem ou encobrem. Neste sentido, é preciso perguntar-se se a linguagem mar-
xista o pode levar a eqvocos, a não ser que seja usada criticamente. Que a
reflexão teológica tenha que lançar mão, em cada caso, de uma determinada lin-
guagem reconhecida e operante, parece ser uma necessidade. Diante disso o im-
portante é processar essa necessidade. Isso pode ser feito em uma dupla perspecti-
va: cuidando para que a linguagem usada não desfigure a pureza e a plenitude da
fé e cuidando para que não converta a Teologia em uma versão sacralizada de um
determinado discurso secular.
São necessárias tanto mediações teóricas como mediações pticas para
interpretar e transformar o mundo de modo cristão. Nem a Teologia é uma pura
reflexão sobre a fé a partir da própria fé, nem a atividade dos cristãos pode ser
levada a cabo neste mundo sem apoios operativos. Porém, as mediações não po-
dem constituir-se em pautas absolutas nem no todo da fé ou da práxis dos cristãos.
Se o meio é absolutizado, se idolatriza e, conseqüentemente, converte-se na nega-
ção daquilo que relativamente queria mediar. Se converte na negação do caráter
absoluto, a respeito do qual quer ser mediação. Trata-se de algo que não pode rea-
lizar-se sem tensão, tanto a nível teórico como prático. Neste sentido, para Ignacio
Ellacuría, os que acusam de marxistização a Teologia latino-americana e a práxis
de determinados movimentos latino-americanos, partem do pressuposto falso de
que sua Teologia e sua práxis o estão mediatizadas. Porém, por outro lado, os
que não captam o que de mediação pode ter o marco teórico-prático do marxismo,
estão mediatizando a fé e a práxis do povo de Deus.
Para Ignacio Ellacuría não se pode fazer Teologia à margem da teoria
marxista. Isto o como princípio crítico, mas também como princípio ilumi-
nador. Deve acompanhar a leitura crítica do fato cristão, realizada a partir do mar-
xismo, a leitura crítica da interpretação e ação marxista, levada a cabo a partir da
mais autêntica cristã. A e a reflexão teológica não podem esvaziar-se no ar-
969
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamerica-
no, p.632-633.
cabouço marxista, por mais que devam poder responder ao desafio marxista, no
que este tem de interpretação e transformação do ser humano e da sociedade. No
que diz respeito ao método teológico latino-americano, o marxismo pode ajudar
na orientação para a realidade de um povo em marcha. Pode ajudar muito na ori-
entação do trabalho de historicização da salvação
970
.
Enfim, estes quatro condicionamentos: a especificidade do método teoló-
gico, o caráter social da atividade teológica, a primária circularidade da reflexão
teológica e a análise crítica de sua própria linguagem, são pontos que o método
teológico latino-americano, segundo Ignacio Ellacuría, deve ter muito em conta se
não quiser desvirtuar-se. A fundamentação filosófica, que Ignacio Ellacuría pro-
põe, constitui-se em um passo na busca da determinação do método teológico. Os
exemplos propostos na primeira parte mostram a importância que podem ter dis-
tintas bases filosóficas. As diferenças não decorrem só das distintas bases filosófi-
cas, mas também do modo distinto de viver a fé e de viver o ofício teológico. Des-
ta forma, a revisão dos pressupostos filosóficos proposta por Ignacio Ellacuria é
uma revisão dos fundamentos deste modo distinto de viver a fé e de viver o ofício
teológico e, a partir dos fundamentos por ele propostos, pode-se estruturar um
método teológico que seja fiel às demandas da Teologia e à necessidade de uma
grande parte do povo de Deus que marcha em busca de sua plena libertação e sal-
vão na América Latina. Trata-se, portanto, de importantes fundamentos para
uma Teologia relevante para o contexto sócio-político latino-americano.
1.3. A mútua relevância entre Teologia e História como condição da
identidade, peculiaridade e significatividade do método teológico
latino-americano
O Encontro da Cidade do México pressupõe alguns anos de existência da
Teologia da Libertação. Isso significa que a Teologia da Libertação tem uma
configuração e prática intelectual em curso. Prática e configuração que julga-se
necessário analisar, avaliar e fundamentar criticamente. É neste contexto que se
insere a contribuição do Encontro da Cidade do México ao método teológico da
Teologia da Libertação. Trata-se de um momento de fundamental importância
para delimitar os problemas metodológicos significativos e dar identidade e pecu-
970
Cf. I. ELLACURÍA, Hacia una fundamentación filosófica del método teológico latinoamerica-
no, p.633-635.
liaridade ao método da Teologia da Libertação através da delimitação e funda-
mentação crítica do fazer teológico em perspectiva latino-americana.
O artigo de Ignacio Ellacuría, apresentado no Encontro da Cidade do Mé-
xico, constitui-se na tentativa de uma fundamentação filosófica do método teoló-
gico latino-americano. Sua proposta consiste na análise crítico-filofica necessá-
ria para entender a inteligência e suas tarefas tendo como lugar interpretativo a
situação concreta América Latina. Trata-se da pergunta pelos fundamentos filo-
ficos que dão identidade, significatividade e peculiaridade ao método teológico
latino-americano. Entendendo a pergunta pelo método como o aspecto crítico e
operativo, reflexamente considerado, de um sistema de pensamento, Ignacio Ella-
curía contribui para a fundamentação crítica do método teológico latino-
americano sob o ponto de vista filosófico. Trata-se de um esforço, a partir do tra-
balho teológico em curso na América Latina, de refletir filosoficamente sobre os
pressupostos fundamentais de tal trabalho teológico. Tal abordagem contribui para
trazer à luz os pressupostos fundamentais do trabalho teológico em perspectiva
latino-americana revelando e fundamentando seus delineamentos filosóficos no
intuito de levar a libertação às raízes próprias do trabalho intelectual.
A contribuição original e pertinente de Ignacio Ellacua consiste na fun-
damentação filosófica do método teológico latino-americano. Como se percebe,
trata-se de uma contribuição decorrente de uma preocupação então inédita dentro
dos teólogos latino-americanos que refletem, a partir dos primeiros anos da déca-
da de 70, sobre o método teológico em perspectiva latino-americana. Portanto,
pode-se dizer que, de um modo geral, Ignacio Ellacuría propõe uma contribuição
original, pertinente e inédita ao método teológico latino-americano. Contribuão
que consiste na tentativa de fundamentação filosófica de tal método, tendo em
vista sua peculiaridade, identidade e significatividade para o contexto de opressão,
dominação e dependência que marcam a História latino-americana deste período.
Quanto ao conteúdo específico da contribuição de Ignacio Ellacuría para o
método teológico latino-americano, analisado a partir da hipótese de trabalho des-
ta pesquisa, a saber, a hitese da mútua relevância, pode-se identificar três con-
tribuições significativas que permitem afirmar que a identidade, significatividade
e peculiaridade do método teológico em perspectiva latino-americana são configu-
radas, delimitadas e fundamentadas por uma relação específica, relevante e origi-
nal, entre Teologia e História.
1.3.1. Mútua relevância entre Teologia e História: a presença cristã na
realidade de dominação, opressão e dependência como motivadora e
destinatária da Teologia da Libertação
A primeira contribuição já aparece na primeira parte do estudo de Ignacio
Ellacuría em que propõe um trabalho comparativo e interpretativo entre dois tex-
tos cristológicos produzidos em perspectiva latino-americana (Leonardo Boff) e
não latino-americana (Olegario González de Cardedal). O que vai delimitar o que
é um texto teológico latino-americano é a distinta compreensão da História, e con-
seqüentemente, da reflexão teológica realizada nesta História. Desta forma, a pe-
culiaridade, significatividade e identidade do método teológico latino-americano é
decorrente da específica compreensão da História e da original forma de compre-
ender a reflexão teológica e sua relação com tal História.
O novo modo de fazer Teologia na América Latina é marcado, desde seu
nascimento, pelo anseio profundo de responder aos desafios e necessidades de
uma História marcada pela dependência, opressão e dominação. Neste contexto, a
Teologia consiste na tentativa de uma resposta coerente, crítica e cristã, às neces-
sidades e interpelações que a situação de opressão, dominação e dependência,
geradoras do povo oprimido da América Latina, lançam à cristã e à presença
cristã na História latino-americana. Será ‘latino-americana’ ou ‘em perspectiva
latino-americana’ a Teologia que partir desta História e contribuir para a sua
transformação libertadora. Por isso, nem toda a Teologia praticada na América
Latina é Teologia latino-americana. Será de fato latino-americana aquela Teologia
que compreende a relação entre a História e a Teologia de um modo peculiar e
significativo, dando assim identidade, peculiaridade e significatividade ao método
teológico latino-americano.
Embora todo o trabalho de Ignacio Ellacuría busque delimitar e fundamen-
tar filosoficamente tal identidade, peculiaridade e significatividade do método
teológico latino-americano, revela-se na primeira parte de seu estudo que a dis-
tinta compreensão da História gera distintas direções para a Teologia, para o mé-
todo teológico e para seus resultados. Através da comparação do método teológico
presente nos textos de Leonardo Boff e Olegario González de Cardedal, Ignacio
Ellacuría propõe que evidenciam-se diferenças fundamentais que revelam dire-
ções diferentes e ao mesmo tempo permitem ver os fundamentos últimos de cada
método. Essas difereas se dão principalmente na verificação da verdade e na
busca de significatividade da reflexão teológica para o ser humano contemporâ-
neo. Enquanto que em Olegario G. de Cardedal a verificação da verdade teogica
tem caráter primariamente contemplativo e vivencial, em Leonardo Boff ela tem
caráter práxico e real, algo que se pode comprovar na própria realidade histórica.
A busca da significatividade revela-se em Olegario González de Cardedal
predominantemente de ordem intelectiva. em Leonardo Boff revela-se de or-
dem real e histórica. O que em um caso é significatividade de afirmações, peso de
verdade, no outro, é significatividade para os interesses reais e da História real. O
que em um caso é significatividade para elites intelectuais que necessitam formu-
lações assimiláveis a seus usos intelectuais e científicos, no outro é significativi-
dade para o povo de Deus que necessita ‘crer e sobreviver’ no mundo de domina-
ção, opressão, dependência e repressão que marcam a História da América Latina.
Ante tais diferenças emerge a questão dos fundamentos que as justificam.
Evidencia-se que por trás destas diferenças se articulam, em cada um dos casos,
conceitos distintos de História. A História pode ser entendida como a tentativa
crítica de ter em conta fatos ocorridos no passado e interpreta-los corretamente.
Porém, a História pode ser entendida também como a própria realidade em toda
plenitude dinâmica, na qual todo o ser humano está imerso. A partir desta segunda
compreensão de História, o método histórico não se reduz a um caminho percorri-
do do qual se busca criticamente sua significatividade, mas deve adequar-se ao
que é a História como processo real e englobante de toda a realidade humana, pes-
soal e estruturalmente considerada. Nesta compreensão a Hisria não se limita a
ser critério de autenticidade crítica, mas manifesta-se como processo de realização
e de libertação real, contextual e dinâmica.
Essas compreensões distintas da História terão conseqüências significati-
vas para o método teológico. Em primeiro lugar, vê-se que a hermenêutica toma
significado e realidade metodológica distintas. Diante de um problema de biogra-
fias pessoais, que não ficam anuladas mas subsumidas em seu concreto marco
sócio-histórico, se propõe o problema dos interesses sociais, enquanto determi-
nantes dos modos de pensar e de viver. Disto resulta uma hermenêutica histórica
em contraposição a uma hermenêutica teórica. Frente ao conceito de História co-
mo relato histórico com sua própria hermenêutica, está o conceito de História co-
mo ação histórica, como processo real hisrico, com a hermenêutica social e his-
tórica que lhe corresponde. A referência ao Jesus histórico implica em uma her-
menêutica, porém a hermenêutica que se deve utilizar não é e nem primaria-
mente uma hermenêutica idealista de sentido, por mais que se vivencie este senti-
do, mas uma hermenêutica realista, que tem em conta o que ação e a interpretação
deve às condições reais da sociedade e aos interesses sociais que as sustentam.
Isso ocorre tanto no caso do interpretado como no caso do intérprete e não implica
na exclusão de técnicas hermenêuticas metodológicas, mas na subordinão destas
a uma colocação mais geral e profunda do labor hermenêutico.
Em segundo lugar, percebe-se também que as abordagens cristológicas
revelam distintas posições a respeito das referência às Ciências Sociais como ele-
mento integrante do trabalho teológico. Esta referência é bem explícita em um
modelo e esausente no outro. A razão desta diferença consiste no fato de que o
que interessa a um é o sentido e a compreensão do sentido. Enquanto o que inte-
ressa ao outro autor é a transformação da realidade e nela a transformação da pes-
soa humana. O interesse comum de conversão e de conversão pessoal seria em um
predominantemente a partir de uma posição intelectualista que crê na mudança
profunda a partir da mudança das idéias ou de suas formulações, enquanto que no
outro seria predominantemente a partir de uma posição realista que crê não poder
dar-se a mudança real do ser humano e de suas idéias sem que se mudem as con-
dições reais de sua existência.
Enfim, percebe-se que as diferenças de modelo metodológico de fazer Te-
ologia revelam o problema da existência de modelos distintos de reflexão teológi-
ca marcados por diferentes direções. Essas direções distintas são, segundo a hipó-
tese desta pesquisa, delimitadas e fundamentadas por modos básicos distintos de
compreender a relação entre a História e a Teologia. Será a relação de mútua rele-
vância que marcará a identidade, peculiaridade e significatividade do método teo-
lógico latino-americano. É neste marco metodológico que Ignacio Ellacuría traz
mais duas contribuições significativas a esta pesquisa ao abordar os fundamentos
filosóficos que dão especificidade, identidade e peculiaridade ao método teológico
latino-americano e ao abordar as condições necessárias para que a atividade teo-
gica seja crítica e relevante no contexto da América Latina.
1.3.2. Os fundamentos filosóficos do método teológico latino-
americano: a mútua relevância entre o inteligir humano e a História
A segunda contribuição de Ignacio Ellacuría está em propor os fundamen-
tos filosóficos que dão peculiaridade, identidade e significatividade à Teologia da
Libertação. Segundo a hipótese desta pesquisa, tais fundamentos filosóficos cons-
tituem-se em fundamentos de uma relação de mútua relevância entre Teologia e
História. Ignacio Ellacuría parte da compreensão do método como a direção fun-
damental e totalizante com a qual e a partir da qual se exerce a atividade teológi-
ca. Trata-se, portanto, da direção fundamental do método, cujos pressupostos é
preciso descobrir e fundamentar criticamente. A atividade teológica em perspecti-
va latino-americana tem um momento congnoscitivo que é preciso fundamentar e
delimitar. Para isso, Ignacio Ellacuría propõe a superação de diretrizes do conhe-
cimento teológico baseadas em fundamentos que não correspondem à realidade do
conhecer humano, tal qual este apresenta-se na nova Teologia latino-americana.
Para propor uma correta definição do que é o inteligir humano em ordem à
determinão do método teológico latino-americano Ignacio Ellacuría propõe al-
gumas afirmações filosóficas de fundamentação. Em primeiro lugar, propõe que a
inteligência humana é uma atividade não sensitiva, mas também biológica. Em
conseqüência, a inteligência sempre está condicionada e determinada pela unidade
primária que é o ser humano como ser vivo e a realidade física total do ser huma-
no é o primário a partir de onde ele conhece e entende o mundo. Em segundo lu-
gar, propõe que a estrutura formal da inteligência humana e sua função diferencia-
tiva não existe para a compreensão do ser ou captação de sentido, mas serve para
a apreensão da realidade e para o enfrentar-se com esta mesma realidade. uma
prioridade da realidade sobre o sentido. Por isso não é possível uma mudança real
de sentido sem mudança real da realidade. Pretender uma mudança real de sentido
sem uma transformação real da realidade é falsear a inteligência. através do
enfrentamento com a realidade e a partir da referência à ela é que tem relevância a
questão do sentido. Em terceiro lugar, propõe que a inteligência humana não é
histórica como também essa historicidade pertence à própria estrutura essencial da
inteligência. Desta forma, o caráter histórico do conhecer enquanto atividade, im-
plica um preciso caráter histórico dos próprios conteúdos cognoscitivos.
É propriamente neste contexto que se estabelecem as relações de mútua
relevância entre o conhecer humano e a realidade, entre a Teologia e a História.
Três afirmações fundamentais revelam o caráter destas relações. Primeiro, a ativi-
dade da inteligência humana escondicionada pelo mundo histórico no qual ela
se dá. Desta forma, não são possíveis determinadas leituras da se não é a partir
de precisas determinações hisricas, que tornam possível situações concretas e
diversas mediações históricas. Além disso, a inteligência, inclusive nos casos mais
teóricos, tem um momento de opção, condicionada por uma multiplicidade de
elementos que não são puramente teóricos, mas que dependem de condições bio-
gráficas e de condições históricas. Em conseqüência, a hermenêutica, mesmo co-
mo busca de sentido, não pode reduzir-se a uma busca daquilo que se objetivou
em formulações teóricas, como se nelas próprias radicasse o sentido último e total
destas formulações. Mas deve perguntar-se temática e permanentemente a que
mundo social estas formulações teóricas respondem, que nenhuma formulação
puramente teórica se explica em todo seu sentido, só a partir de si mesma.
Segundo, o conhecer humano, como função objetiva e social, sobretudo
em disciplinas como a Teologia, que faz referência explícita à realidades huma-
nas, desempenha, junto com sua função de contemplação e de interpretação, tam-
bém uma função práxica que vem de e vai à configuração de uma determinada
estrutura social. Com isso o se nega um estatuto próprio e certa autonomia do
conhecer. Afirma-se sim que esse estatuto e essa autonomia respondem a algo que
é momento estrutural de uma totalidade histórica, socialmente condicionada por
determinados interesses e por determinadas forças sociais. A configuração destas
forças sociais exige e reelabora uma determinada produção intelectual em função
dos interesses predominantes. Sejam estes interesses da índole que sejam. Desta
forma, o conhecer humano tem uma estrita dimensão social não por sua ori-
gem, mas também por sua destinação. Necessita-se então, para não cair em obscu-
ras ideologizões, levar a hermenêutica até a análise crítica e o desmascaramen-
to, quando necessário, das origens e destinações sociais de todo o conhecimento.
Terceiro, o conhecer humano tem também uma imediata referência à prá-
xis, até mesmo como condição de sua própria cientificidade. Ele é práxis e um dos
momentos essenciais de toda a possível práxis. Para que a práxis não permaneça
como pura reação, isto é, para que seja propriamente práxis humana, necessita,
como elemento essencial seu, um momento ativo de inteligência. Por outro lado, o
conhecer humano, conforme o tipo, necessita da práxis não só para sua comprova-
ção científica, mas também para pôr-se em contato com a fonte de muitos de seus
conteúdos. Há que se estar ativamente na realidade e o conhecimento obtido deve
ser verificado e comprovado com a presença ativa na realidade. Isto, que é lido
para o problema geral de teoria e técnica, o é também com suas características
próprias, para todo conhecimento, inclusive para o conhecimento teológico, pois
este se relaciona com a fé, que pretende ser a própria vida do ser humano.
Enfim, estas relações entre o inteligir humano e seu contexto indicam os
pressupostos filosóficos fundamentais do método teológico latino-americano. Nos
termos desta pesquisa pode-se dizer que o núcleo destes fundamentos está numa
relação de tua relevância entre o real e o inteligir humano. No caso do método
teológico latino-americano, evidencia-se esta mútua relencia como sendo uma
relação em que a História lança interpelações, indagações e desafios ao fazer teo-
lógico. Este, a partir de sua leitura crítica do Evangelho e da leitura cientifica da
realidade, propõe-se contribuir para a transformação da História.
1.3.3. A relação de mútua relevância entre Teologia e História no
método teológico como condição de criticidade e relevância da
atividade teológica latino-americana
A terceira contribuição de Ignacio Ellacuría para a comprovação da hipó-
tese desta pesquisa advém de sua abordagem das condições do método teológico
latino-americano para que a atividade teológica seja crítica e relevante. A primeira
condição diz respeito à atividade humana e cada âmbito da realidade. Vê-se que a
atividade humana deve acomodar-se às exigências do âmbito da realidade para a
qual ela se dirige. O ‘âmbito da realidade’ consiste na totalidade concreta e his-
rica, com a qual uma determinada atividade se relaciona. Desta forma, há um mú-
tuo condicionamento entre a atividade humana e o âmbito da realidade: só a partir
de determinados modos de atividade é que se chega a certos âmbitos da realidade
e frente a determinados âmbitos da realidade é possível exercitar certos modos
de atividade. Neste quadro, o método teológico latino-americano precisa ter em
conta esta especificidade de sua ppria atividade. Isso no que se refere à sua pró-
pria atividade e ao âmbito da realidade ao qual ele se dirige.
Em relação ao âmbito da realidade precisa prevenir-se de que seu pprio
âmbito não é Deus sem mais, mas Deus tal como se faz presente na própria situa-
ção histórica. Assim, o problema da , e conseqüentemente o problema da Teolo-
gia, é um problema de perfis bem assinalados: não depende nem da vontade da
hierarquia eclesiástica e nem das pretensões dos teólogos, mas sim do que é a rea-
lidade concreta do povo de Deus. A salvação de Deus e a missão salvífica da Igre-
ja e da fé concretizam, no aqui e agora”, sua universalidade em formas bem pre-
cisas, que o teólogo deverá investigar, refletindo, em um primeiro momento, sobre
os sinais em que se mostra e se esconde a presença salvífica de Deus em Jesus,
que continua, ao longo da História, fazendo-se carne.
Em relação à atividade humana, é importante sublinhar que a Teologia não
é uma ciência pura. Não se pode começar como se já se contasse com uma defini-
ção unívoca de ciência para acomodar depois a atividade teológica a essa defini-
ção e o discurso teológico ao que prévia e geralmente instituiu-se como científico.
O começo da reflexão teológica deve estar na determinação do âmbito da realida-
de, na determinação do que busca a atividade teológica e na determinão das
condições críticas requeridas para que a atividade teológica alcance suas finalida-
des concretas. No caso concreto da América Latina é preciso determinar o que se
entende por Teologia latino-americana, pois reside o pressuposto fundamental
do que deve ser o método teológico latino-americano de fazer Teologia. É preciso
determinar também qual é o modo histórico de viver a fé e de perceber sua própria
realidade, que o ser humano latino-americano tem em sua situação concreta. Por
fim, deve determinar-se o que se espera ou se pode esperar da Teologia no Conti-
nente latino-americano para que este ser humano viva seu próprio modo de em
relação com sua própria situação histórica e trabalhe por esta situação histórica a
partir de um modo adequado de viver a fé.
A segunda condição diz respeito ao caráter social da atividade teológica.
-se que todo o conhecimento tem um caráter social, e por conseguinte, também
a atividade teológica e o conhecimento teológico possuem este caráter social.
pelo menos três razões que justificam refletir sobre o caráter social da atividade
teológica e para precaver-se do que suporia o ter em conta tal caráter social.
Primeiro, a atividade teológica está condicionada e posta a serviço, não da fé,
mas também de uma instituição eclesial. Esta instituição, enquanto instituição,
esconfigurada pela estrutura cio-histórica em que ela se dá. A atividade teo-
lógica, a respeito da instituição eclesial, ao configurá-la e ao mesmo tempo ser
configurada por ela, adquire um especial caráter social. Além disso, através da
instituição a qual a atividade teológica serve, converte-se em fornecedora ou con-
traditora de determinadas forças sociais. Segundo, a atividade teológica, além de
estar submetida a múltiplas pressões de ordem social, que se não são desmascara-
das mistificam seus resultados, tem que lançar mão de recursos teóricos que po-
dem ser resultado de ideologizações recorrentes. Isso é válido tanto na perspectiva
teórica da reflexão, como também na perspectiva práxica da utilização do pensa-
mento teológico. Terceiro, a atividade teológica é especialmente hisrica, tanto
através da índole própria que lhe compete como pelo âmbito da realidade a que
responde. Daí seu caráter operacional que o é fruto exclusivo de opções indivi-
duais, mas também de algo formalmente social.
Desta forma, a pergunta do para quê e do para quem da Teologia é priori-
tária na perspectiva de determinar o que deve ser a atividade teológica em seus
temas e no modo de enfocá-los e propô-los. A questão é determinar a quem de
fato está servindo a transmissão e o conteúdo desta transmissão. Esta determina-
ção deve ser feita a partir da fé e a partir da ctica da própria Teologia. Exige-se o
questionar-se pelo tipo de inteligência e pelo modo de trabalho intelectual que é o
próprio de uma atividade teológica cristã e latino-americana.
A terceira condição diz respeito à circularidade a que deve prestar atenção
o método teológico latino-americano. Esta circularidade é uma circularidade real,
histórica e social, pois constitui-se na circularidade fundamental que ocorre entre
um horizonte histórico-prático e realidades estruturais sócio-históricas que fluem
a partir do horizonte histórico-prático e o reconformam. Não há uma circularidade
pura entre horizonte teórico e compreensão do sentido de algo determinado. A
circularidade é física: é ponto de partida de toda compreensão e de toda atividade
e é movimento através do qual se constituem as determinações concretas. O im-
portante, portanto, antes de perguntar-se pelo horizonte teórico é perguntar-se pelo
horizonte real a partir do qual se exercita qualquer tipo de função humana. Em
conseqüência, a hermenêutica deve ser uma hermenêutica real e histórica, pois o
que se trata de medir criticamente não é qual é um determinado sentido teórico e
sim como pode surgir realmente determinado sentido a partir de um desde onde
físico. Isto é o que importa no que diz respeito ao método fundamental, mesmo
que depois sejam necessários passos mais teóricos e técnicos no desdobramento
do horizonte total em horizontes mais parciais.
Por fim, a quarta condição que o método teológico latino-americano preci-
sa ter presente diz respeito a análise de sua ppria linguagem. É preciso uma in-
vestigação que seja capaz de determinar o que os termos empregados descobrem
ou encobrem. Neste sentido, é preciso perguntar-se se a linguagem marxista não
pode levar a equívocos, a não ser que seja usada criticamente. É necessário que a
reflexão teológica lance mão, em cada caso, de uma determinada linguagem reco-
nhecida e operante. Mas é importante processar essa necessidade e isso pode ser
feito em uma dupla perspectiva: cuidando para que a linguagem usada não desfi-
gure a pureza e a plenitude da fé e cuidando para que não converta a Teologia em
uma versão sacralizada de um determinado discurso secular.
São necessárias tanto mediações teóricas como mediações pticas para
interpretar e transformar o mundo de modo cristão. Nem a Teologia é uma pura
reflexão sobre a fé a partir da própria fé, nem a atividade dos cristãos pode ser
levada a cabo neste mundo sem apoios operativos. Porém, as mediações não po-
dem constituir-se em pautas absolutas nem no todo da fé ou da práxis dos cristãos.
Se o meio é absolutizado, se idolatriza e, conseqüentemente, converte-se na nega-
ção daquilo que relativamente queria mediar. Se converte na negação do caráter
absoluto, a respeito do qual quer ser mediação. Trata-se de algo que não pode rea-
lizar-se sem tensão, tanto a nível teórico como prático.
Essas quatro condições para a relevância da reflexão teológica latino-
americana indicam que a mesma precisa estabelecer constante esforço crítico no
sentido de que seja mantida uma relação profunda entre a História e o inteligir
humano, no caso da Teologia e do método teológico, entre a atividade teológica e
a História, dinâmica, processual e globalmente compreendida. Sem essas condi-
ções o método teológico latino-americano incorre no perigo de tornar-se irrelevan-
te para as transformações sociais, políticas, culturais, econômicas, ideológicas e
religiosas que o Continente está a exigir para que seja lugar da experiência salvífi-
co-libertadora e espaço de historicização da salvação cristã. Incorre, portanto, no
perigo de produzir uma Teologia ahistórica, essencialista e desligada do mundo
concreto e dos desafios concretos que fazem parte da vida cotidiana do povo lati-
no-americano que caminha rumo à sua libertação.
Enfim, a correta relação de tua relevância entre Teologia e História
parece ser, de acordo com as contribuições de Ignacio Ellacuría à verificação da
hipótese desta pesquisa, uma necessidade e condição para a afirmação da identi-
dade, peculiaridade e significatividade do método teológico latino-americano. Tal
método produzirá uma Teologia libertadora se de fato contribuir para a liberta-
ção real dos povos oprimidos da América Latina. E tal contribuição é possível
se a Teologia partir da realidade concreta de opressão que marca a História latino-
americana e do esforço de cristãos e não-cristãos na transformação real, concreta e
conflituosa da realidade de dependência, dominação e repressão em uma Nova
Sociedade, mais humana digna e livre para o povo latino-americano.
Neste sentido, as contribuições de I. Ellacua constituem-se no lançar as
bases filosóficas para que tal método seja efetivamente libertador. Percebe-se que
tais bases filosóficas são pertinentes e de fato identificam e delimitam os princi-
pais pressupostos filosóficos do método teológico latino-americano, contribuindo
para a afirmação crítica de sua identidade, significatividade e peculiaridade.
2. Raúl Vidales: a práxis de libertação como fonte da Teologia
Raúl Vidales apresenta duas contribuições no Encontro da Cidade do Mé-
xico. A primeira aborda o problema da evangelização e da libertação popular na
perspectiva do compromisso revolucionário de libertação popular, realizado em
uma Igreja com um novo rosto, a Igreja Popular
971
. A segunda exposição apresen-
ta algumas notas sobre o problema do método da Teologia da Libertação latino-
americana
972
. Embora a exposição sobre o método teogico seja breve ela traz
contribuições relevantes para compreender a interpretação do método teológico
latino-americano que se faz no Encontro da Cidade do México.
2.1. O ponto de partida metodológico da reflexão teológica
Raúl Vidales parte da compreensão de que o método teológico é um
transitar pelo caminho da verdade evangélica. No caso concreto da Teologia da
Libertação, este caminho tem como ponto de partida hermenêutico o mundo con-
creto, que não é mais o mundo do o-cristão, nem mesmo do não-crente, mas
sim, do não-humano que compõe as maiorias da América Latina. A opção real e
efetiva pelos explorados é a primeira tarefa metodológica. É o primeiro gesto con-
creto para entrar no mundo do outro. Este caminho é o mesmo caminho da lógica
971
Cf. R. VIDALES, Evangelización y liberación popular, p.209-233. Veja a condensação desta
exposição em: CHRISTUS [México] 40/479 (1975) 44-45.
972
Cf. Id., Acotaciones a la problemática sobre el método en la Teología de la Liberación, p.255-
260. Raúl Vidales aborda o problema do todo teológico da Teologia da Libertação já em um
artigo de 1973. Cf. Id., Método en la Teología de la Liberación. El acontecimiento como lugar
teológico. Em: CHRISTUS [México] 38/456 (1973) 28-32.
comprometida da encarnação de Jesus Cristo que leva a dar a vida pelos irmãos.
Esta opção fundamental implica nãouma nova experiência espiritual, mas tam-
bém uma nova inteligência da , uma primeira leitura prática da mensagem e um
primeiro nível de interpretação comprometida, histórica, política. É a verdade cris-
tã que se verifica concreta e especificamente dentro do processo de libertação.
Para o cristão, e portanto para o teólogo, daqui parte o dinamismo do cír-
culo hermenêutico. A ordem a seguir neste nível é a histórica em toda sua com-
plexidade e com sua própria dinâmica. Disto resulta que este primeiro momento
não seja a matriz da reflexão teológica, como também que, em si mesmo,
represente a primeira palavra teológica. Neste momento impõe-se ao teólogo a
sensibilidade para poder detectar as virtualidades evangélicas latentes ou explíci-
tas na experiência cristã das classes populares, como também daqueles que vivem
o compromisso de sua fé junto ao povo e pelo povo
973
. Em um segundo momento,
o teólogo precisa levar esta experiência a nível da reflexão crítica e sistemática, a
partir da própria práxis e sobre ela, sempre em confrontação com a Palavra de
Deus. Este momento requer um processo de abstração no qual a prática hisrica
se expressa como categorias mediante as quais se pode interpretar e formular à
maneira de hipóteses. A ordem a seguir neste segundo nível é a lógica.
Nesta abordagem está subjacente o problema da unidade entre teoria e prá-
tica. No entender de Raúl Vidales a questão do nexo entre ambas não é problema
especulativo, mas, fundamentalmente, um problema histórico. Isto significa que
tanto a teoria como a ação são distintas dimensões da mesma ação historicamente
transformadora. Por isso a congruência prática entre os níveis histórico e lógico é
essencial, de tal forma que a própria formulação crítica a nível de explicitação
teológica não pode ser senão uma interpretação do vivido, da histórica como
práxis de libertação. Para Raúl Vidales nisto é que se enraíza a força profética da
mensagem de Jesus: quando Jesus pronuncia sua Mensagem, esta é a interpretação
de sua própria vida. Conseqüentemente sua vida não podia projetar-se senão como
mensagem. Esta é precisamente a congruência histórica entre teoria e prática que
busca o método teológico a partir da perspectiva da libertação
974
.
973
Cf. R. VIDALES, Acotaciones a la problemática sobre el método en la Teología de la Libera-
ción, p.255-256.
974
Cf. Ibid., p.256.
2.2. O caráter e a função das categorias utilizadas na reflexão
sistemática da Teologia
Em um segundo nível a reflexão sistemática da Teologia faz uso de cate-
gorias que expressam e interpretam criticamente a práxis cristã. Estas categorias
tem um caráter e cumprem uma função dentro do método teológico da libertação.
O caráter destas categorias é essencialmente histórico. Portanto, seu conteúdo não
é o ser idealizado em uma pura conceitualização, mas o ser concreto, histórico.
Isto significa que é o ser humano, historicamente situado como classe social ex-
plorada dentro do sistema capitalista semi-feudal e dependente, que é assumido,
não só individual, como também, coletivamente. Portanto, o caráter destas catego-
rias é dinâmico e processual. Na mesma medida que expressam, tanto a essência
protica da salvação, como também, as conflitividades históricas, movimentam-
se como categorias dialéticas, sempre no plano hisrico.
a função das categorias é, segundo Raúl Vidales, possibilitar à reflexão
teológica uma sistematização e criticidade próprias de uma Teologia que quer ser
um serviço adulto e maduro, sério e provado. É esta perspectiva que possibilita
que a Teologia situe-se como um serviço crítico e não como um patrocínio ideo-
lógico. Assim, estas categorias relacionam-se direta e imediatamente não com
uma experiência individual e intimista, mas com uma experiência cristã popular e
comprometida, que passa necessariamente por mediações histórico-políticas
975
.
2.3. A luta de classes como o espaço de realização da experiência
cristã e da reflexão teológica na América Latina
O caminho através do qual transita a Teologia da Libertação, portanto seu
método, situa-se no interior do processo conflitivo concreto do Continente latino-
americano. Esta conflitividade tem sido expressa, segundo Raúl Vidales, como
luta de classes. Desta forma, é dentro da luta de classes que se dão tanto a experi-
ência cristã como a reflexão teológica. Isto significa que o teólogoo pode senão
adotar uma postura fundamental, isto é, uma tomada de posição a partir dos po-
bres e para os pobres. Aqui o teólogo não pode entrar neste terreno de forma neu-
tra, pois ele é um ator histórico e não há atores históricos neutros. Enfim, a opção
975
Cf. R. VIDALES, Acotaciones a la problemática sobre el método en la Teología de la Libera-
ción, p.256-257.
fundamental dos seguidores de Jesus Cristo em meio a um contexto de exploração
não pode ser senão pelos mais pequenos. Neste nível apresenta-se uma problemá-
tica que nem a experiência nem a reflexão teológica podem deixar de lado. Por um
lado, esta opção não é privativa dos cristãos. Ela é assumida historicamente por
grupos que militam além das fronteiras confessionais. Portanto, a experiência cris-
e a reflexão teológica ligada a ela não podem senão estar abertas a estes terre-
nos comuns, precisamente como expressão e como exigência do pprio Evange-
lho. A Teologia da Libertação está consciente de que é um trabalho a serviço não
unicamente dos grupos cristãos comprometidos, mas que por sua própria essência
esaberta à experiência de todas as pessoas comprometidas com os oprimidos.
Por outro lado, tanto a experiência criscomo a refleo, se dão diante de uma
prática de dominação na qual também está envolta certa maneira de entender e
viver a Mensagem. Neste caso, em favor das classes dominantes.
Este caminhar metodológico, que no plano histórico significa assumir o
projeto revoluciorio de libertação, traz desafios, tanto a nível estratégico, como
tático, para o teólogo. O decisivo é poder manter as contradições a nível hisrico.
Do contrário, a reflexão teológica torna-se um discurso puramente ideológico.
Para Raúl Vidales, elementos históricos como a situação real dos movimentos
revolucionários nos diversos países da América Latina contemporânea ao Encon-
tro do México, somada ao processo de “facistização” com todas suas seqüelas e
implicações em alguns países do Continente, à crise do imperialismo e ao desper-
tar dos movimentos populares, significam desafios para dar, em todos os momen-
tos, conteúdo histórico aos anúncios da salvão cristã
976
.
2.4. A Teologia frente ao desafio da globalidade do
projeto de libertação
Esta perspectiva para o fazer teológico faz com que este adote necessaria-
mente uma perspectiva de globalidade. Isto significa que importa fundamental-
mente compreender que o projeto de libertação é único, global e completo. Dentro
dele situa-se o projeto cristão, sem que se chegue a reduzir a ele nem a suas medi-
ações sócio-econômicas e políticas ou culturais. Para a Teologia isto implica que a
976
Cf. R. VIDALES, Acotaciones a la problemática sobre el método en la Teología de la Libera-
ción, p.257-258.
mesma não é um produto fechado em si mesmo, mas que é fundamentalmente um
serviço à História total a partir de uma situação muito concreta.
A Teologia corre o risco de chegar a ter uma “racionalização interna”, po-
rém entranhada por uma irracionalidade” a respeito da totalidade histórica. Quer-
se dizer com isso que pode-se ter uma Teologia acabada e coerente dentro de suas
próprias fronteiras, porém, incoerente e sem sentido para o processo de libertação.
Para este processo ela o tem palavras, porque esta ausente dele. Pelo contrário,
à medida que a Teologia fica aberta a uma perspectiva de totalidade, se converte
em autêntico serviço ativo e real à História. É uma Teologia comprometida com a
História concreta. Esta perspectiva impõe à Teologia especial sensibilidade para
escutar os aportes da nova racionalidade científica interdisciplinar. Com isso volta
a colocar-se como uma Teologia definida e cujo método não pode ser neutro
977
.
2.5. A Teologia da Libertação e a práxis como critério de
verdade histórica
A Teologia da Libertação não pode senão privilegiar a práxis como critério
de verdade histórica, evangélica. A noção bíblica de verdade não enraíza-se tanto
no saber ou dizer quanto no fazer (verificar). Biblicamente verdade e fidelidade
aparecem estreitamente unidas: promessa e cumprimento manifestam-se como
componentes essenciais da verdade que o Evangelho anuncia. O Deus da blia é
veraz porque cumpre o que promete. Da mesma forma é a adesão do ser humano a
este Deus bíblico. Entre a promessa e o cumprimento tem lugar a dialética da ver-
dade bíblica. Assim, Jesus Cristo, que é ao mesmo tempo a promessa e o cumpri-
mento do Pai, é por isso mesmo a Verdade de Deus. A congruência histórica entre
o proclamar e o fazer é a ortopraxia original e revolucionária da Mensagem cristã.
Na América Latina o desafio está em fazer verdade histórica a Mensagem
da liberdade, em meio a um contexto de exploração e dominação. Por isso é que a
práxis cristã (resposta prática) de libertação está enraizada, dentro do processo
histórico latino-americano, como o sacramento da salvação de Jesus Cristo que
vai fazendo-se verdade para todos e cuja primeira condição imprescindível é a
libertação de todos os oprimidos. Desta forma, o círculo hermenêutico, tendo par-
tido da experiência cristã do povo, volta para o povo e desenvolve-se como uma
tarefa ativa no processo libertador, aberto à plenificação futura, segundo a espe-
rança cristã. Assim a Teologia da Libertação resguarda-se de cair em simples dis-
curso ideológico actico e legitimador do sistema de opressão
978
.
Enfim, pode-se dizer que o discurso teológico, a partir da perspectiva da
libertação, privilegia a práxis cristã de libertação como matriz hermenêutica, pri-
meira palavra teológica e primeiro momento de interpretação e re-leitura da Pala-
vra de Deus. a partir deste primeiro momento é que o discurso teológico pode
entrar em um segundo momento de reflexão crítica e sistemática de abstração,
onde ao mesmo tempo em que se desmascaram as utilizações do Evangelho e as
falácias encobridoras, apresenta-se e explicita-se o autêntico anúncio de liberdade
e fraternidade para todos, segundo Jesus Cristo. Desta maneira, a apropriação que
os explorados do Continente latino-americano fazem do processo de transforma-
ção revolucionária significa, em si mesma, o sacramento da apropriação que os
pequenos deste mundo fazem da Mensagem de Liberdade de Jesus Cristo. A a-
propriação vai do implícito ao explícito e é conscientemente assumido onde já
surge um projeto nítido de evangelização e comunidade cristã. Isto é o projeto da
construção de uma Igreja Popular. Enfim, o trabalho teológico, a partir da pers-
pectiva de Raúl Vidales, implica para o teólogo uma opção muito concreta e ex-
plícita pelas classes populares e pela sua libertação
979
.
2.6. Significado e alcance de uma Teologia a partir da práxis de
libertação: a práxis de libertação como fonte da Teologia e a
Teologia como instância crítica de transformação cristã da História
A partir do início da década de 70, quando se intensificam as publicações
teológicas em perspectiva libertadora, começam também surgir os primeiros deli-
neamentos do método teológico latino-americano. Vão aparecendo os lugares co-
muns por onde transitam os teólogos que produzem uma refleo em perspectiva
libertadora. A prática teológica vai revelando as articulações fundamentais e de-
terminantes da nova Teologia. O Encontro da Cidade do México, em 1975, mar-
cará um momento decisivo de fundamentação e delimitação crítica do método
teológico da Teologia da Libertação que vinha sendo praticada a alguns anos e
977
Cf. R. VIDALES, Acotaciones a la problemática sobre el método en la Teología de la Libera-
ción, p.258.
978
Cf. Ibid., p.258-259.
que aos poucos ia revelando sua identidade e particularidade frente a outras for-
mas teológicas. O Encontro da Cidade do México marca o momento da pergunta
pelo método, isto é, da pergunta pelos aspectos críticos e operativos, reflexamente
considerados, do sistema latino-americano de refleo teológica.
A contribuição de Raúl Vidales acima sintetizada tem o mérito de conden-
sar os espaços comuns por onde caminha a reflexão teológica em perspectiva li-
bertadora. Não se trata ainda de uma reflexão sistemática sobre o método teológi-
co da Teologia da Libertação, como a que propõe Leonardo Boff, também no En-
contro da Cidade do México. Trata-se muito mais de notas sumárias que identifi-
cam os passos fundamentais pelos quais transitam os teólogos da Teologia da Li-
bertação. Analisada a partir da hipótese de trabalho desta pesquisa, a contribuição
de Raúl Vidales apresenta-se como afirmação da veracidade do papel fundamental
da mútua relevância na prática teológica latino-americana e, conseqüentemente,
na constituição do método teológico da Teologia da Libertação. Isso pode ser ve-
rificado nos cinco pontos ou notas propostos por Raúl Vidales.
Em primeiro lugar, o ponto de partida da reflexão teológica é a História.
Porém, não qualquer Hisria, e sim aquela concreta, real, dolorida, desumaniza-
da, composta pelo rosto desfigurado e desumanizado do pobre, explorado, domi-
nado e quase sem vida da América Latina. Partir desta História exige uma opção
real e efetiva pelas classes exploradas e dominadas do Continente, exige assumir a
encarnação de Jesus Cristo como critério do ser cristão na América Latina, exige o
compromisso radical com o mais desumanizado para contribuir em seu resgate à
vida e em sua libertação. Trata-se de uma primeira tarefa metodológica que con-
siste em uma experiência espiritual de encarnação no mundo do outro, em uma
nova inteligência da fé, em uma primeira leitura prática da mensagem cristã e em
um primeiro nível de interpretação comprometida, histórica e concreta.
Este primeiro momento é a matriz da reflexão teológica e também a pri-
meira palavra teológica que, em seu segundo momento, é levada à nível de refle-
xão crítica e sistemática. Reflexão esta que se dá, portanto, a partir da práxis e
sobre ela, sempre em confronto crítico com a Palavra de Deus. Este segundo mo-
mento requer um processo de abstração no qual a prática histórica se expressa em
categorias de interpretação do real. Nesta abordagem teoria e prática (Teologia e
979
Cf. R. VIDALES, Acotaciones a la problemática sobre el método en la TL., p.259-260.
História) são distintas dimensões da mesma ação historicamente transformadora.
A explicação teológica, crítica e sistemática, consiste na interpretação do vivido,
da fé histórica como práxis de libertação.
Em segundo lugar, vê-se que a reflexão sistemática faz uso de categorias
que expressam e interpretam criticamente a práxis cristã de fé. A mútua relevância
manifesta-se no caráter e na função que estas categorias tem e cumprem dentro do
método teológico da Teologia da Libertação. O caráter destas categorias revela o
desafio da relevância da História para a Teologia e a função destas categorias re-
vela o desafio da relevância da Teologia para a História. Explicitando tal perspec-
tiva vê-se que o caráter destas categorias é essencialmente histórico, portanto, seu
conteúdo não é o “ser” idealizado em uma pura conceitualização, mas o ser con-
creto, histórico. Isto significa que é o ser humano, historicamente situado como
classe social explorada dentro do sistema capitalista semi-feudal e dependente,
que é assumido, não individual, como também, coletivamente. Portanto, o cará-
ter destas categorias é dinâmico e processual. Na mesma medida que expressam,
tanto a essência protica da salvação como também as conflitividades históricas,
movimentam-se como categorias dialéticas, sempre no plano hisrico. a fun-
ção das categorias consiste em possibilitar à reflexão teológica uma sistematiza-
ção e criticidade próprias de uma Teologia que quer ser um serviço adulto e ma-
duro, sério e provado à História. É esta perspectiva que possibilita que a Teologia
situe-se como um serviço crítico e não como um patrocínio ideológico. Assim,
estas categorias relacionam-se direta e imediatamente, não com uma experiência
individual e intimista, mas com uma experiência cristã, popular e comprometida,
que passa necessariamente por mediações histórico-políticas.
Em terceiro lugar, aparece a luta de classes como o espaço da realização da
experiência cristã e da reflexão teológica. Isso significa afirmar que a Teologia da
Libertação e seu método situam-se no interior do processo conflitivo concreto do
Continente latino-americano. Tal processo vem designado como luta de classes e
é dentro dele que se a experiência cristã libertadora e a reflexão teológica. Isso
exige do cristão e do teólogo uma opção fundamental, uma tomada de posição a
partir dos pobres e para os pobres. O teólogo, como sujeito histórico, não pode ser
neutro. Daí a exigência de sua opção fundamental que seja coerente com o Evan-
gelho de Jesus Cristo. Afirmar a conflitividade como espo de realização da ex-
periência cristã e da reflexão teológica latino-americanas implica afirmar a histo-
ricidade e contextualizão da vivida e da reflexão de fé. Significa afirmar que
a História é o lugar da realização da experiência e reflexão cristãs e isso implica
tomar parte nela de modo ativo e efetivo, como sujeito da mesma. A Hisria
constitui-se, pois, no lugar concreto em que se dá conteúdo real à salvação cristã.
No contexto latino-americano de dominação, dependência e repressão, tal salva-
ção concretiza-se, primeiramente, como libertação dos oprimidos e explorados.
Em quarto lugar, a tua relevância aparece também no desafio de a Teo-
logia estar inserida no processo global de libertação, pois o projeto de libertação é
único, global e completo. Dentro deste projeto de libertação situa-se o projeto
cristão, sem que se chegue a reduzir a ele nem a suas mediações sócio-econômicas
e políticas ou culturais. Para a Teologia isso implica que a mesma não é um pro-
duto fechado em si mesmo. Ela é fundamentalmente serviço à Hisria total a par-
tir de uma situação e contexto concretos. Pode-se ter uma Teologia acabada e coe-
rente, com uma racionalizão interna, fechada dentro de suas próprias fronteiras,
porém, incoerente e sem sentido para o processo de libertação, entranhada de uma
irracionalidade a respeito da totalidade histórica. Esta seria uma Teologia irrele-
vante para a História e sem palavras para o processo de libertação, pois está au-
sente dele e alheio a ele. Daí o desafio de a Teologia estar aberta a uma perspecti-
va de totalidade, pois assim ela se converte em autêntico serviço ativo, real e
relevante para a Hisria concreta. Essa perspectiva de totalidade e de relevância
para a História implica no desafio e na exigência de a Teologia estar em constante
diálogo com as Ciências Humanas e Sociais que se convertem nas fontes mais
adequadas para a racionalidade científica e interdisciplinar da realidade histórica.
Por fim, a mútua relevância aparece também no desafio de a Teologia pri-
vilegiar a pxis como critério de verdade hisrica e evangélica. A História é re-
levante para a Teologia, pois ela é o lugar da verificação da verdade teológica. E a
Teologia torna-se relevante para a História à medida que for fonte de inspiração e
critério crítico de uma práxis libertadora, portanto, evangélica. Na realidade da
América Latina a mútua relevância entre Teologia e História manifesta-se no de-
safio de fazer verdade histórica a Mensagem da liberdade trazida por Jesus Cristo,
em meio a um contexto de exploração, dominação, dependência e repressão.
A práxis cristã de libertação esenraizada, dentro do processo histórico
latino-americano, como sacramento da salvação de Jesus Cristo que vai fazendo-
se verdade para todos e cuja condição imprescindível é a libertação de todos os
oprimidos. Assim, o círculo hermenêutico, tendo partido da experiência cristã do
povo que luta por sua libertação, volta para o povo e desenvolve-se como tarefa
ativa e crítica no processo libertador, aberto à plenificação futura, segundo a espe-
rança cristã. Com isto a Teologia da Libertação resguarda-se de cair em um sim-
ples discurso ideológico acrítico e legitimador de um sistema de opressão e torna-
se fonte de inspiração e crítica da práxis real e histórica rumo à libertação.
Concluindo, -se que a contribuição de Raúl Vidales põe em evidência
pontos fundamentais do método teológico da Teologia da Libertação. Embora não
ofereça uma análise mais ampla e sistemática dos aspectos metodológicos, contri-
bui para trazer à luz as questões nucleares do método. Essas questões nucleares,
analisadas à luz da hipótese desta pesquisa, permitem sua verificação e a afirma-
ção da importância da mútua relevância na constituição do método teológico da
Teologia da Libertação. Esta Teologia configura-se como Teologia que parte da
História, considerada relevante em suas tensões, conflitos, anseios e esperanças
libertárias, e aspira ser, a partir da reflexão crítica à luz da cristã, relevante para
esta História no sentido da concretizão e realização do processo de libertação.
3. Leonardo Boff e o método teológico a partir da América Latina
A Teologia da Libertação nasceu a partir de comunidades cristãs que enca-
ram, a partir do horizonte da fé, a presença da opressão e a urgência da libertação.
O importante para estas comunidades não é optar pela Teologia da Libertação,
mas optar pela própria libertação. a partir desta opção fundamental e a serviço
dela é que se pode fazer uma autêntica Teologia da Libertação. Por isso o método
desta Teologia impõe uma essencial tomada de posição no sentido da libertação.
L. Boff, em sua exposição sobre o método teológico a partir da América Latina
980
,
980
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.129-154. Esta exposição en-
contra-se, acrescida de uma conclusão que não aparece na exposição do Encontro da Cidade do
xico, como parte da obra: Id., Teologia do Cativeiro e da Libertação. 2ed., Petrópolis: Vozes,
1980. Trata-se do capítulo II intitulado Que é fazer Teologia desde a opressão e a libertação,
p.27-56. A conclusão do capítulo, que não aparece na exposição do Encontro da Cidade do Méxi-
co, intitula-se Importante não é a Teologia da Libertação mas a libertação, p.54-56. Em termos de
conteúdo essa conclusão não acrescenta novidades à exposição do Encontro. Trata-se de uma es-
cie de síntese das principais idéias expressas na exposição.
apresenta relevante contribuição para explicitar como o método teológico da Teo-
logia da Libertação foi interpretado no Encontro da Cidade do México
981
.
Leonardo Boff introduz sua exposição sobre o método a partir da América
Latina propondo que a Teologia da Libertação e do Cativeiro, tal como essa se
articula na América Latina, não quer ser Teologia de genitivos. Pelo contrário ela
apresenta-se como maneira global de articular na Igreja, praxisticamente, a tarefa
da inteligência da . É um modo distinto de fazer e pensar a Teologia, pois o mo-
do de fazer e pensar implica e pressupõe um modo de ser e de viver distinto. Este
modo de ser e viver implicado e pressuposto na Teologia da Libertação é o do
cativeiro como correlativo oposto ao da libertação. Assim a Teologia da Liberta-
ção não nasce voluntaristicamente. Constitui-se como momento de um processo
maior e de uma tomada de consciência própria do povo latino-americano.
Na América Latina, a pobreza generalizada, a marginalização e o contexto
histórico de dominação irrompeu agudamente na consciência coletiva e produziu
uma virada histórica. Desta consciência nova que impregnou todo o Continente,
nas ciências sociais, na educação, na psicologia, na medicina, nas comunicações
sociais, participa também a existência cristã. Isso tem reflexos na reflexão teológi-
ca. Manifesta-se um profundo desejo de ruptura e transformação. Nesse contexto,
a Teologia da Libertação nasceu, segundo Leonardo Boff, como propósito de res-
postas aos desafios da sociedade oprimida e como aporte próprio, a partir da fé, ao
processo maior de libertação que se encontra em outros campos da vida do povo.
A América Latina constitui um lugar teológico privilegiado para a ação e
para a refleo, pois neste Continente se vive problemas muito profundos e desa-
fiadores à fé. O Continente latino-americano é, segundo Leonardo Boff, o único
continente de cristandade colonial, com todas as conseqüências culturais, políti-
cas, econômicas e religiosas que sobrevivem na década de 70. Neste Continente a
981
É importante recordar que o Encontro da Cidade do México (1975) teve como tema os métodos
de reflexão teológica na América Latina e suas implicações pastorais, históricas, sociais, políticas
e eclesiais. Neste contexto, como afirma E.R. Maldonado, “os trabalhos em torno ao método da
Teologia na América Latina marcaram, sem dúvida, o momento mais importante do Encontro”. E
dentro da reflexão sobre os todos da reflexão teológica na América Latina o método da Teolo-
gia da Libertação é o que apresentou-se como o mais relevante para a realidade da América Latina.
Isso evidencia-se, por exemplo, a partir da rie de debates que são retratados na obra fonte desta
pesquisa: E.R. MALDONADO (Pres. e Intr.), Liberación y Cautiverio. Debates en torno al to-
do de la Teología en América Latina. Os debates a respeito dos todos de reflexão teológica da
América Latina encontram-se na terceira parte da obra intitulada: Debates en torno al método de la
Teología en América Latina, p.511-551. Veja também as avaliações do Encontro propostas por
Teologia da Libertação surge de uma “práxis experimentada” ou de uma “experi-
ência praticada” em semelhante situação e quer levar a uma práxis mais iluminada
e qualificada, que seja realmente libertadora. Ante esta realidade sócio-histórica e
de reflexão teológica Leonardo Boff propõe-se como tarefa descobrir os passos
concretos nos quais se articula a Teologia da Libertação
982
bem como contribuir
para a conscientização dos pressupostos hermenêuticos de tal Teologia. Através
deste trabalho pretende conferir maior criticidade à Teologia da Libertação e tor-
nar mais efetiva e vigilante a práxis da fé
983
.
3.1. Passos metodológicos da Teologia da Libertação e do Cativeiro
Leonardo Boff não entende o método teológico como algo extrínseco à
Teologia. O método é a própria Teologia em ato concreto, sua forma histórica de
sensibilizar-se frente à realidade, de fazer perguntas e formular respostas, de ela-
borar os modelos da práxis e encontrar as mediações que os implementam. Desta
forma, os diferentes passos metodológicos não são compartimentos estanques,
mas momentos de um mesmo movimento dimico nos e através dos quais a rea-
lidade e a verdade vão se desvelando.
A Teologia da Libertação elabora-se através do método presente na Gau-
dium et Spes e em Medellín. Compõe-se de análise da realidade, reflexão teológi-
ca e pistas de ação pastoral. Constitui-se assim uma revolução metodológica na
qual não se parte de marcos teóricos elaborados abstratamente e sistematizados
totalizadoramente. Parte-se, sim, de uma leitura cientificamente mediatizada da
realidade, dentro da qual se processa a práxis da fé. A partir desta, as captar as
urgências, os anseios e as interpelações à consciência cristã, opera-se a reflexão
teológica. Esta, por sua vez, abre-se à práxis de fé libertadora
984
. A partir destas
considerações iniciais Leonardo Boff propõe uma análise mais ampla dos passos
do método teológico da Teologia da Libertação.
alguns participantes nas páginas 555-582. A citação do texto de Enrique Ruiz Maldonado reprodu-
zida acima encontra-se à pagina 513.
982
Leonardo Boff lembra que existem vários autores latino-americanos que já buscaram abordar
este problema. Entre estes estariam: Rl Vidales, Ignacio Ellacuría, A. Alonso, Gustavo Gutiér-
rez, Hugo Assmann, Juan Carlos Scannone, Lucio Gera, José Comblin. Para uma indicação das
obras destes autores, que segundo Leonardo Boff apresentam “bons textos latino-americanos”
sobre a questão, veja: L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.130-131, nota 2.
983
Cf. Ibid., p.129-130.
984
Cf. Ibid., p.130-131.
3.1.1. A experiência espiritual frente ao pobre
A Teologia da Libertação e do Cativeiro pretende ser uma reflexão crítica
da práxis no horizonte da cristã. Para isso ela articula-se metodologicamente
mediante os passos da análise da realidade, reflexão teológica e pistas de ação
pastoral. Mas, antes de erigir-se em Teologia e elaborar-se tematicamente, ela foi
uma práxis de e uma experiência praticada de libertação. Isso significa que na
raiz da Teologia da Libertação está uma grande intuição, uma experiência nova na
realidade. A Teologia constitui-se então no esforço de traduzir criticamente a ra-
cionalidade presente na experiência primigênia em termos de diagnóstico, de ca-
sualidades, de processos e dinamismos estruturais, funcionamentos e tendências
que se anunciam nesta realidade e experiências novas. Desta forma, a Teologia da
Libertação é resultado e não realidade primeira. Ela resulta da experiência de li-
bertação que é muito mais rica que a própria Teologia da Libertação. A Teologia é
entendida e conserva sua validade à medida que reflete a libertação-ato e leva a
enriquecer o processo de libertação. Do contrário, degeneraria em ideologia e ali-
enação
985
. Tendo presente este problema de fundo pode-se distinguir na Teologia
da Libertação duas articulações: uma sacramental e outra crítica.
3.1.2. Teologia da Libertação e do Cativeiro e a articulação
sacramental
Para Leonardo Boff, os cristãos da América Latina participam juntamente
com outros no descobrimento do outro. Trata-se da descoberta das classes popula-
res exploradas e de suas culturas de silêncio. Esta descoberta provoca a reação
frente à situação de miséria e pobreza e exige o compromisso no processo de
transformação rumo a uma sociedade mais justa e fraterna. A encarnação e a prá-
xis dentro desta situação possibilita um despertar e uma ampliação da consciência
dos cristãos. Assim, esta opção pelos oprimidos e contra a forma de sociedade
imperante dá aos cristãos uma nova maneira de ser cristãos, lhes abre novas di-
mensões da fé e uma ótica diferente para ler a Escritura e a Tradição
986
. Isso cons-
titui-se em uma experiência complexa que se estrutura em vários passos.
O primeiro passo se no horizonte da cristã. No ato de captar a reali-
dade em sua inquietude e na opção pelas maiorias humilhadas se faz presente o
985
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.131-132.
986
Cf. Ibid., p.132.
horizonte da no qual o cristão vitalmente se move. Neste horizonte situam-se
valores fundamentais como o amor, a solidariedade para com os pobres, o anseio
pela justiça, a utopia do Reino de Deus. Tudo isso se faz presente na maneira pró-
pria dos cristãos serem no mundo e entram em sua leitura da realidade. O segundo
passo diz respeito à leitura da realidade conflitiva. Aqui vê-se que o acesso à rea-
lidade conflitiva não se faz, originalmente, por um ato cienfico. Os cristãos lati-
no-americanos percebem a situação histórica mediante um conhecimento intuiti-
vo, sapiencial, globalizante, porém, confuso, marcado já pelo horizonte da fé. En-
fim, os cristãos intuem a presença da opressão e a urgência da libertação. Trata-se
de um conhecimento sacramental
987
, pois capacita para captar, simbolicamente, os
acontecimentos da História.
O terceiro passo refere-se à reflexão intuitiva de sobre a realidade per-
cebida. Vê-se que o cristão, colocado diante do problema social, reage profetica-
mente, detectando de forma intuitiva sua contradição com o desígnio de Deus. O
cristão percebe que a pobreza que ofende ao ser humano e a Deus é pecado. Por
isso é preciso lutar pela justiça e pelo direito dos oprimidos. Isso aparece ao cris-
tão como um imperativo cristão e humano. Aqui a reflexão não se articula ainda a
um nível crítico, mas intuitivo e sintético. Constitui-se em uma Teologia popular
com sua verdade e praticidade. No quarto passo busca-se pistas de ação transfor-
madora. O empenho pela justiça e para a superação da situação que marginaliza e
oprime leva à concretizações operativas que traduzem uma práxis de amor com-
prometido. Esta práxis pode ter um cunho libertador ou, quando realizada com
uma eficácia limitada, corre o perigo de cair em posturas assistencialistas e refor-
mistas. Enfim, para L. Boff estes quatro passos são momentos articuladores de
uma mesma práxis de fé que vai se desdobrando. A fé se faz presente e atuante em
todos os momentos. Ela mediatiza-se sem perder-se no conhecimento intuitivo e
sacramental e se exprime em umaão transformadora da situação.
a Teologia da Libertação recorre aos mesmos passos, mas em outro ní-
vel de articulação. Trata-se de um vel mais reflexo, crítico e analítico. É impor-
tante notar, no entanto, que esta Teologia não se entenderia sem o nível sacramen-
tal acima indicado. Trata-se sempre da mesma práxis de e do mesmo amor
987
A expressão conhecimento sacramental” é de L. Gera. Cf. L. GERA et alii, Teología Pastoral
y Dependencia. B. Aires: Guadalupe, 1974, p.19. Citado em: L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología
desde América Latina? p.133, nota4.
comprometido que busca servir ao irmão e ao Senhor no irmão oprimido e que por
isso trata de ser eficaz e libertador. Isso tanto a nível sacramental como a nível
mais crítico, reflexo e analítico
988
.
3.1.3. A Teologia da Libertação e do Cativeiro e a articulação crítica
Para analisar a Teologia da Libertação e do Cativeiro na perspectiva de sua
articulação crítica, Leonardo Boff parte da definição de Teologia da Libertação
como uma reflexão crítica em e sobre a práxis histórica, em confrontação com a
palavra do Senhor vivida e aceita na fé”. Trata-se de uma reflexão em e sobre a
como práxis de libertação
989
. Segundo L. Boff, nesta formulação de G. Gutiérrez,
apresentam-se adequadamente os principais momentos da inteligência da fé na
situação de dominação da América Latina. Nesta perspectiva, propõe-se detalhar e
explicitar estes principais momentos indicando suas implicações e pressupostos.
A. O horizonte da fé entendida como práxis
A Teologia, a partir da perspectiva de libertação, parte da fé. Esta é sua
palavra primeira. A originariamente é um modo de ser, uma atitude fundamen-
tal que não se reduz a nenhuma outra mais originária e fundamental. Através da fé
o crente vive e interpreta sua vida e sua morte, o mundo, a História, o outro, a
sociedade, sempre em referência a Deus, e no cristianismo, ao Pai, ao Filho e ao
Espírito, que na mediação de Jesus Cristo dão sentido verdadeiro e plenificante a
tudo. Assim, a é uma experiência e uma praxis. A partir disto, no processo de
explicitação daquilo que a atitude de concretamente significa, vão aparecendo
os conteúdos sobre Deus, sua graça, sua libertação, sobre o destino do mundo e do
ser humano. Nesta explicitação entram fatores de ordem ideológica, cultural, mar-
cos teóricos de uma sociedade, interesses de grupos, perspectivas da tradição de
um determinado povo, experiências pessoais do crente. -se, portanto, que a fé-
práxis nunca se dá pura, ela sempre vem mediatizada dentro de uma Teologia
que, por sua vez, constitui-se em um artefato cultural com todos os condiciona-
mentos que isso significa. Isso ocorre com a própria palavra de Deus que é sempre
cultural e historicamente mediatizada. Assim, “o que temos é uma palavra huma-
988
Cf. Leonardo BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde Arica Latina? p.132-134.
989
Esta definição de Teologia da Libertação é assumida por L. Boff a partir de: G. GUTIÉRREZ,
Evangelio y praxis de liberación. Em: Fe cristiana y cambio social en América Latina, p.244 [Fé
Cristã e Transformação Social na A. Latina, p.217]. Citado em: L. BOFF, op. cit., p.134, nota 5.
na na qual se concretiza a Palavra divina”
990
. Na composição da palavra humana,
na qual se concretiza a Palavra divina, precisamente por ser humana, entram todos
os condicionamentos que fazem parte da vida humana. Isso implica na necessida-
de de discernir, no caso da fé-práxis, o que constitui o chamado exigente de Deus
e o que são articulações teológicas, sociais e até ideológicas ligadas ao tempo his-
tórico. Isto também vale para a Tradição e para a doutrina da Igreja. Esta realidade
impõe, na fé, uma contínua vigilância crítica como o melhor caminho para manter
a fé como fé e não confundi-la com interesses ocultos.
O cririo de discernimento mais fecundo e eficaz para a vigilância crítica
é a práxis de . A fé autêntica se torna práxis de amor, de solidariedade, de busca
da justiça, de superação das desigualdades, enfim, de libertação de tudo o que
aprisiona o ser humano. A fé como práxis libertadora implica todos os grandes
valores da verdade, da solidariedade, da justiça, da fraternidade, do amor, etc.
Esses valores são “outros nomes” do próprio Deus, porém, não podem permane-
cer em universalismos vazios. Eles precisam historicizar-se em processos concre-
tos que digam respeito à libertação de opressões sensíveis e que confiram eficácia
à fé. Nesta perspectiva é que é preciso um conhecimento crítico e científico da
realidade que deve ser transformada
991
.
B. A leitura sócio-analítica-estrutural da realidade
Na compreensão de Leonardo Boff, a entra na determinação do tipo de
análise da realidade. A fé, como um horizonte mais amplo, influi nas opções con-
cretas por determinado esquema científico de interpretação, por determinado mo-
delo político, por determinada ideologia. A fé, e conseqüentemente a Teologia que
a encarna, respeita a racionalidade própria da ciência, porém realiza um discerni-
mento que busca detectar qual é o esquema analítico que melhor pode traduzir as
exigências da em determinadas circunstâncias históricas, inseridas no tempo e
no espaço. Neste sentido, a Teologia da Libertação opta, no entender de Leonardo
Boff, por aquele tipo de alise do subdesenvolvimento, denominador comum da
América Latina, que detecta a situação de dependência latino-americana como
sistema de dependência dos centros imperiais. O subdesenvolvimento da América
Latina é o reverso e a conseqüência do desenvolvimento dos países centrais. Os
990
L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.135.
991
Cf. Ibid., p.134-135.
sintomas da pobreza generalizada e da marginalização latino-americanas são re-
sultantes do desenvolvimento capitalista. Assim, uma análise mais atenta, tal co-
mo a proposta pela teoria da dependência, revela os mecanismos geradores de tal
situação. A causa mais determinante, porém não única, é a dependência de centros
fora do Continente latino-americano, porém, assumida e internalizada por repre-
sentantes do império capitalista central dentro da própria América Latina. Desta
forma, “a realidade latino-americana é uma realidade-espelho e não fonte”
992
. Es-
sa dependência se desdobra em dependência no sistema econômico e na divisão
do trabalho, na cultura, na política e até na religião.
A saída para esta situação está em um processo de ruptura dos laços de
dependência, configurado como processo de libertação. Porém esta revolução não
se faz voluntaristicamente, pois é preciso atender às condições objetivas da Histó-
ria que a tornam viável. Na América Latina as forças repressivas detêm o poder e
tornam impossível um movimento organizado de libertação, por isso propõe-se
muitas vezes, ao invés da revolução do sistema, mudanças de sistema através de
mudanças no sistema. Isso não significa a renúncia à opção por um projeto de
libertação e por uma sociedade diferente. Significa sim, uma estratégia para a rea-
lização deste projeto em termos históricos e processuais, imposta pela situação
geral de repressão e cativeiro imperante na América Latina
993
.
No entender de Leonardo Boff, para captar a gravidade do subdesenvolvi-
mento como dependência, é preciso transcender as análises de corte sociológico
ou das ciências humanas e ir a uma análise de cunho estrutural e cultural. O capi-
talismo, o consumismo, os laços de dependência e opressão são manifestações de
uma opção fundamental e de um ethos cultural que possuem sua própria história
de concretizações. O ser humano optou por um sentido de ser e de viver orientado
pelo saber e pelo poder. Por isso toda revolução que o muda o ethos cultural
que está na base da História ocidental será apenas uma variação do mesmo tema e
nunca uma verdadeira libertação
994
.
C. Leitura teológica do texto sócio-analítico-cultural
A -práxis que busca eficiência libertadora aceita, como mediação para
sua realização hisrica, a cultura da realidade. Sobre ela procede sua leitura à luz
992
L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.136.
993
Cf. Ibid., p.136-137.
da Palavra de Deus e da própria fé. detecta graça e pecado, no emaranhado
dos interesses políticos e econômicos a acolhida ou o rechaço do desígnio de Deus
que é de fraternidade, justiça, participação e liberdade. Assim, a consciência cristã
sente-se chamada a uma ação eficaz que ajude a sair da situação de opressão. O
acento cai sobre o sentido da práxis de e de toda práxis: esta é libertadora ou
justificadora do status quo opressor? A Teologia como elaboração temática será
ato segundo, reflexão sobre a práxis e para a práxis para que seja autêntica e liber-
tadora. A Teologia da Libertação será o momento teológico da experiência de vida
realizada conscientemente na transformação, a partir do Evangelho, do mundo em
situação de dependência. Nesta perspectiva, três são as tarefas da Teologia.
Primeiro, a Teologia como discernimento histórico salvífico da situação. A
primeira e fundamental tarefa da Teologia é poder interpretar, a partir de seu hori-
zonte pprio, a densidade histórico-salvífica da situação em um duplo sentido.
Por um lado, denunciar o pecado e as ilusões da situação, rechaçar o sistema im-
perial com seu ethos de poder e lucro por contradizer o projeto histórico de Deus.
Por outro lado, proferir um juízo favorável aos anseios de libertação e às media-
ções que os concretizam, pois por estas ânsias passa a salvação histórica e a ante-
cipação do Reino de Deus.
Segundo, a Teologia como leitura crítico-libertadora da tradição da fé.
Inicialmente a Teologia da Libertação deverá proceder a libertação de uma Teolo-
gia universalizante e ligada a uma práxis sem crítica de seus pressupostos sócio-
analíticos e hisricos. A partir disto a Teologia deverá resgatar as dimenes li-
bertadoras e críticas presentes na e em seus grandes temas. Estas dimensões
muitas vezes encontram-se encobertas por certo tipo de vida cristã pequeno-
burguesa e que desfruta da situação social privilegiada e também pela pregação,
catequese e presença da instituição da Igreja, muitas vezes amasiada e cúmplice
da empresa colonizadora. Por fim, a Teologia deverá resgatar as dimensões social
e política de temáticas como o Reino de Deus, a escatologia, a graça, o pecado, a
libertação conquistada por Jesus Cristo, etc.
Terceiro, a Teologia como discurso teológico de toda práxis libertadora. A
Teologia precisa poder resgatar e reforçar o teológico presente em todo verdadeiro
processo de libertação, mesmo que este seja executado por agentes ou ideologias
994
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.138.
que não fazem referência explícita à fé cristã. O teológico de sua ação não depen-
de da interpretação ideológica que lhe acrescentam, mas de sua dimensão objetiva
de libertação e da criação de maior espaço para a liberdade. Para Leonardo Boff, a
práxis em si mesma, quando é uma práxis verdadeiramente libertadora, carrega
uma densidade cristã e salvífica. Aqui a salvação não se restringe às libertações
sócio-econômicas e políticas, porém, também não se realiza sem elas. “A salvação
definitiva e escatológica se mediatiza em libertações parciais intra-históricas em
todos os níveis da realidade humana, não somente nos reflexamente teológi-
cos”
995
. Isso permite que a cristã identifique a presença evangélica e salvífica
naqueles movimentos e naquelas ações que efetivamente libertam. O cririo de
autenticidade cristã está na realidade, ou melhor, na verdade que se faz e se verifi-
ca na práxis. Desta forma a Teologia do político, na expressão de Leonardo Boff,
é aquela que articula um discurso não só da prática política da Igreja, mas de toda
a política, seja esta última referida a marcos teóricos cristãos ou o. Trata-se da
Teologia que é capaz de dizer o conteúdo cristão de uma práxis que se chama cris-
tã ou atéia, porém, que seja verdadeiramente libertadora
996
.
D. As pistas para uma ação pastoral libertadora
que a Teologia é reflexão crítica no horizonte da sobre a práxis hu-
mana, é natural que acompanhe a até suas concretizações mais determinadas
como as do ideológico, político e estratégico-tático. No campo político, cabe à
Igreja fazer uma opção fundamental pela libertação. No nível estratégico-tático,
grupos cristãos comprometidos podem elaborar uma verdadeira Teologia que seja
reflexão de sua práxis e animação crítica dela e podem ter uma significação profé-
tica para toda a comunidade. Desta forma, a tarefa teológica não se esgota em
funções oficiais e comunitárias, mas pode e deve iluminar o caminho comprome-
tido e perigoso dos grupos cristãos diretamente envolvidos no processo de liberta-
ção
997
. No campo teogico-pastoral, cabe à Igreja concretizar a atuação em estra-
tégia que permita tornar eficaz as dimensões político-sociais da fé e do Evangelho.
Aqui é o lugar das opções prioritárias que o captadas mediante uma análise crí-
995
L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.139.
996
Cf. Ibid., p.138-140.
997
L. Boff cita aqui a obra de H. Assmann Teología desde la praxis de liberación, p.113-120.
Trata-se do texto de Assmann sobre a reflexão teológica a nível estratégico-tático intitulada: ¿Re-
flexión teológica a nivel estratégico-táctico?. Citado por: L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde
América Latina? p.140, nota 14.
tica da realidade à luz da e a busca de mediações que tornem os projetos esco-
lhidos historicamente viáveis e mais libertadores. Mesmo que as condições de
cativeiro e repressão impossibilitem um salto qualitativo e objetivo de libertação,
a cristã é chamada a manter viva a esperança e libertar também onde os cami-
nhos de mudança são truncados e limitados pela repressão. Com isso a não dei-
xa com que a ação se esvazie de sua eficácia libertadora
998
.
3.2. Libertação a partir do cativeiro
O estabelecimento de regimes militares, com sua ideologia de Segurança
Nacional, em vários países da América Latina mudou as tarefas da Teologia da
Libertação. A nova situação impõe viver e pensar a partir do cativeiro. Neste sen-
tido, impõe-se uma verdadeira Teologia do Cativeiro. No entender de Leonardo
Boff, não se trata de uma alternativa à Teologia da Libertação. Trata-se sim, de
uma nova tática, imposta pelos regimes repressivos em que o cativeiro constitui-se
no horizonte maior, no interior do qual urge trabalhar e refletir libertadoramente.
As tarefas da Igreja e as funções da Teologia neste tempo de cativeiro latino-
americano são de preparar o terreno e gestar
999
a libertação. A Igreja sente-se im-
pelida ao enfrentamento com o Estado totalitário. Como instituição precisa ser
coesa e forte para fortalecer sua dimensão profética. Não lhe resta outra coisa que
assumir o caminho perigoso do próprio Jesus Cristo. Precisa ser voz dos que não
tem voz. Nesta perspectiva, sua principal forma de fazer-se presente no mundo
seatravés da luta em defesa dos direitos humanos feridos. Cabe-lhe manter viva
a esperança sem a qual um povo esmagado não pode viver. Em nível teórico, é
preciso manter clara a opção fundamental pela libertação. Porém, urge ter senso
histórico para perceber alianças e viabilidades posveis que permitam, dentro do
regime de cativeiro, mediatizar passos libertadores. Evita-se, assim, o perigo do
neo-reformismo, por um lado, e entregar-se ao profetismo suicida, por outro
1000
.
à Teologia a partir do Cativeiro cabe elaborar uma reflexão concreta
sobre as novas urncias da fé, da esperança e do compromisso da Igreja. Neste
sentido, ela precisa, no silêncio, aprimorar sua prática teórica, enriquecer seu ins-
998
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.140-141.
999
Para L. Boff “é tempo de preparar o terreno, semear, conceber, crescer no ventre materno e não
do nascimento”. Entende-se tal processo como o gestar, ou a gestação. Cf. Ibid., p.141.
1000
Cf. Ibid., p.141-142.
trumental de ação e análise e recuperar os grandes valores da Tradição. Cabe-lhe
refletir sobre a experiência dos cristãos comprometidos, suas angústias, dores e
perseguições. Será, portanto, uma Teologia sem euforias, com táticas novas para
enfrentar o poder opressor e com uma articulação muito crítica para o desmasca-
ramento da ideologia de Segurança Nacional. Desta forma, precisa manter-se
permanentemente vigilante para não comprometer seus conteúdos libertadores por
causa da linguagem camuflada que se urgida a empregar por causa da repres-
o. Neste contexto, o teólogo deverá assumir mais decididamente sua dimensão
protica e viver um compromisso de libertação, no qual o destino de todo profeta
é abraçado “como normal” e como sinal da verdadeira libertação
1001
.
3.3. Ensaio de descrição da Teologia a partir do Cativeiro e da
Libertação
Para Leonardo Boff, a Teologia da Libertação nasce de uma profunda ex-
periência espiritual: a sensibilidade e o amor aos pobres que compõem as grandes
maiorias do Continente latino-americano. Os pobres constituem o lugar de uma
teofania e cristofania e a possibilidade de um encontro de salvação para o ser hu-
mano. No afã de detectar os mecanismos geradores da pobreza, a Teologia da Li-
bertação vê-se obrigada a buscar uma racionalidade mais pertinente do que aquela
que foi oferecida pela tradição teológica através da filosofia. Desta forma as Ciên-
cias Sociais e Humanas oferecem um instrumental analítico capaz de descobrir as
causas estruturais da opressão e elaborar modelos alternativos.
Os dados da realidade, mediatizados por uma racionalidade científica, es-
tão a serviço da práxis transformadora da fé. Devem ajudar a articular concreta-
mente na busca da resposta à questão: “que significado possui a libertação alcan-
çada por Jesus Cristo nas condições de marginalidade, cativeiro e opressão do
homem latino-americano?
1002
tem significado histórico se a libertação escato-
lógica e definitiva de Jesus Cristo se mediatiza nos processos libertadores e se
antecipa na situação histórica concreta. Desta forma, a libertação econômico-
política não é só econômico-política. Em sua concretização processual ela se
constitui na forma histórica como a plena libertação se manifesta no tempo.
Possui, portanto, um conteúdo teológico que pode e deve ser almejado e promovi-
1001
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.142.
do pela fé. Procurar que isso se realize é a tarefa da Teologia. E o faz procurando
empenhar todos os seres humanos, os cristãos e a Igreja na denúncia e desmasca-
ramento das ideologias que promovem e sustentam as formas opressoras de socie-
dade. Faze-o também buscando uma práxis conseqüente e libertadora que concebe
um Novo Homem e uma forma mais humana de sociedade
1003
.
A partir destas indicações Leonardo Boff propõe que a Teologia do Cati-
veiro e da Libertação pode ser descrita como um refletir à luz da experiência cris-
de sobre a práxis dos seres humanos, principalmente dos cristãos, tendo em
vista a libertação integral do ser humano
1004
. Refletir significa que a Teologia da
Libertação não deixa de ser um logos, a partir e sobre Deus. Como reflexão é rea-
lidade segunda, função da vida que quer explicitar, articular, sistematizar. Como
todo logos, ela tem suas leis, sua lógica, sua gramática e semântica. Seus dados
o elaborados como momento dialético de uma mesma globalidade vital, para
iluminar a práxis. Desta forma, “sem reflexão a práxis é cega, sem práxis a refle-
xão é vazia”
1005
. Criticamente: para L. Boff falar em reflexão crítica é no fundo
uma redundância, pois toda reflexão ou é crítica ou não é reflexão. Crítica signifi-
ca a capacidade de discernimento, de vigilância sobre os processos, de consciência
quanto aos próprios pressupostos, de alcance das afirmações e de vigilância sobre
as implicações ideológicas do discurso. A luz de significa o horizonte a partir de
onde se faz as perguntas, a partir de onde se capta a realidade e se acede ao co-
nhecimento. A Teologia, quando elabora racionalmente a , projeta-a para dentro
do horizonte de seu tempo, da cultura, da situação histórica concreta.
Da experiência cristã de fé: a é uma atitude fundamental humana atra-
vés da qual o ser humano reconhece sua ligação com Deus. Esta atitude é uma
maneira de situar-se no mundo e de sintetizar toda a realidade a partir de Deus.
Assim, a experiência cristã de reconhece em Jesus Cristo o Sentido último da
totalidade descoberto principalmente no pobre. Sobre a práxis: esta é a realidade
humana fontal, pois na práxis há a unidade do fazer e saber. A vida já é práxis, por
isso na práxis se dá, como que em forma condensada, toda a realidade. Nela está
presente o mundo que é o lugar de sua efetivação e verificação e também está
Deus como horizonte de possibilidade de tudo o que acontece. Dos seres huma-
1002
L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.143.
1003
Cf. Ibid., p.142-143.
1004
Cf. Ibid., p.143.
nos: Para L. Boff, como a cristã é um modo de ser ontológico, que encara a
realidade toda a partir de Deus encarnado em Jesus Cristo, considera também a
práxis do ser humano, mesmo sem referência explícita ao mistério cristão, sob a
luz da salvação ou perdão, da aceitação ou recusa de Deus. A Hisria da Salva-
ção abrange todos indistintamente dentro de suas situações concretas próprias.
Assim, a libertação de Deus em Jesus Cristo se antecipa na História e se mediatiza
nas realidades humanas sociais, econômicas, políticas e pessoais. A função da
Teologia é poder discernir quais práxis humanas viabilizam a libertação ou a im-
pedem. Por isso a tarefa teológica não se limita ao exercício intra-sistêmico dos da
mesma , mas se estende a toda humanidade.
Principalmente dos cristãos: A Teologia da Libertação concretiza, não
sem perplexidade, a questão: como é possível que a opressão social ocorra na
América Latina, continente preponderantemente católico? Que práxis de fé se
viveu aqui para permitir semelhante situação histórica? É preciso confessar que a
foi “transculturalizada” e manipulada para legitimar os detentores do poder
opressor. Ante esta realidade é preciso questionar-se sobre que tipo de práxis de-
vem historicizar os cristãos para que seja o que deve ser, isto é, libertadora e con-
tinuadora da práxis de Jesus Cristo. Em vista da libertação integral do ser huma-
no: todo o sentido do refletir teológico deve desembocar em uma efetiva liberta-
ção integral do ser humano. Esta libertação integral passa por um processo em que
cada etapa alcançada está aberta para um plus, até à plenitude escatológica. Para
implementar o processo libertador, a Teologia da Libertação precisa considerar a
racionalidade própria de cada passo, fazer juízos prudenciais sobre a viabilidade
de seus projetos e ter em conta o regime de cativeiro, no qual estão mergulhados
quase todos os países do Continente, que impõe novas tarefas à práxis de fé
1006
.
3.4. Importância e papel da mútua relevância na configuração dos
passos metodológicos da Teologia da Libertação: Teologia
historicamente comprometida com a libertação rumo a uma História
como lugar de salvação e libertação
A exposição de Leonardo Boff no Encontro da Cidade do México é uma
das contribuições mais significativas para a compreensão do método teológico
1005
L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.144.
1006
Cf. Ibid., p.142-145.
latino-americano dentro do período de estudo desta pesquisa. Sua importância está
em apresentar, pela primeira vez, de modo sistetico e crítico os passos metodo-
lógicos e os pressupostos hermenêuticos da Teologia da Libertação. o é que os
passos metodológicos não tenham sido abordados por outros autores anteriormen-
te. Porém, tais passos, que eram lugar comum na prática teológica dos anos
anteriores ao Encontro da Cidade do México, ainda não tinham recebido uma fun-
damentação e explicitação abrangente, crítica e sistemática tal como a propõe Le-
onardo Boff. A partir da constatação desta contribuição fundamental torna-se ne-
cessário averiguar de que forma a exposição de Leonardo Boff articula a questão
da mútua relevância e que papel esta tem na concepção e constituição dos passos
metodológicos da Teologia da Libertação. A contribuição de Leonardo Boff, para
elucidar os passos metodológicos e os pressupostos hermenêuticos da Teologia da
Libertação, analisada a partir da hipótese da mútua relevância, permite indicar
algumas contribuições significativas para a afirmação da validade de tal hipótese.
3.4.1. A mútua relevância entre a Teologia da Libertação e o
processo histórico latino-americano: a Teologia da Libertação como
resposta aos desafios e urgências decorrentes da situação de
dominação e esperança de libertação
A primeira contribuição, no sentido de afirmar a validade da hipótese da
mútua relevância entre Teologia e História, situa-se na conexão estreita proposta
por Leonardo Boff entre o processo histórico latino-americano e a Teologia da
Libertação e seu método. O núcleo fundamental que possibilita a gênese da Teo-
logia da Libertação é a presença da opressão e dominação e a urgência da liberta-
ção. Estas consistem numa realidade histórica concreta marcada, por um lado,
pela tomada de consciência da situação de opressão, dominão e dependência, e
por outro, pelo profundo desejo de ruptura e transformação libertadora. A opção
fundamental e global é pela libertação e a Teologia da Libertação está a serviço
desta opção. Daí que só a partir desta opção fundamental e a serviço dela é que se
pode fazer autêntica Teologia da Libertação. Se a Teologia não contribuir para a
libertação real, será irrelevante. Isso determinará o próprio método da Teologia da
Libertação, pois a opção fundamental e global pela libertação impõe ao método da
Teologia uma essencial tomada de posição em favor da libertação.
A Teologia da Libertação e do Cativeiro, tal como essa se articula na Amé-
rica Latina, apresenta-se como uma maneira global de articular na Igreja praxisti-
camente a tarefa da inteligência da fé, por isso não é uma Teologia de genitivos. É
um modo distinto de fazer e pensar a Teologia, pois o modo de fazer e pensar im-
plica e pressupõe um modo de ser e de viver distinto. Este modo de ser e viver,
implicado e pressuposto na Teologia da Libertação, é o do cativeiro como correla-
tivo oposto ao da libertação. A Teologia da Libertação se constitui como um mo-
mento de um processo maior e de uma tomada de conscncia característica dos
povos latino-americanos. Na América Latina a pobreza generalizada, a marginali-
zação e o contexto histórico de dominação irrompeu agudamente na consciência
coletiva e produziu uma virada histórica”. Desta consciência nova que impreg-
nou o Continente, nas Ciências Sociais, na educação, na psicologia, na medicina,
nas comunicações sociais, participa também a existência cristã. Isso tem reflexos
na reflexão teológica. Manifesta-se profundo desejo de ruptura e transformação.
Nesse contexto, a Teologia da Libertação nasceu como propósito de respostas aos
desafios da sociedade oprimida e como aporte, a partir da fé, ao processo maior de
libertação que se encontra em outros campos da vida do povo.
Isso significa afirmar que a situação histórica concreta da América Latina
e a presença dos cristãos em seu seio são fundamentais para a Teologia da Liber-
tação. A História é o lugar teológico privilegiado. o povo latino-americano
vive a situação de opressão, dominação e dependência. toma consciência da
necessidade e urgência de transformações. vive e experimenta o anseio por
libertação e põe em movimento um processo global de libertação. A presença e
compromisso dos cristãos neste processo possibilita-lhes uma vivência e experi-
ência na práxis de libertação e coloca questões profundas à cristã. A Teologia
da Libertação nasce, portanto, como reflexão crítica, a partir da experiência histó-
rica de compromisso no processo de libertação, iluminada pela fé e desafiada a ser
uma contribuição cristã ao processo global de libertação da América Latina. Daí a
afirmação de que a Teologia da Libertação surge de uma “práxis experimentada”
ou de uma experiência praticada” no contexto de dominação, dependência e o-
pressão e, ao mesmo tempo, de tomada de consciência de tal situação e anseio
profundo por transformações rumo à libertação. Partindo de tal situação e elabo-
rando sua reflexão crítica, a Teologia da Libertaçãoo tem um fim em si mesma.
Seu sentido maior situa-se na própria libertação real, hisrica e concreta, dando-
lhe um sentido cristão. Por isso ela busca levar a uma práxis mais iluminada e
qualificada, que realmente seja libertadora e contribua para a libertação. Afirmar
isso significa afirmar a tua relevância entre Teologia e História. Esta mútua
relevância, como se verá nas contribuições seguintes, determinará a constituição
do próprio método da Teologia da Libertação.
3.4.2. Importância da relação de mútua relevância entre Teologia e
História na configuração dos passos metodológicos da Teologia da
Libertação
A explicitação dos passos metodológicos da Teologia da Libertação e do
Cativeiro proposta por Leonardo Boff traz à luz uma série de contribuições signi-
ficativas para esta pesquisa. Em primeiro lugar, está a ppria compreensão de
método teológico. Para Leonardo Boff este o é algo extrínseco á Teologia. O
método é a própria Teologia em ato concreto, sua forma histórica de sensibilizar-
se frente à realidade, de fazer perguntas e formular respostas, de elaborar os mo-
delos da práxis e encontrar as mediações que os implementam. Os diferentes pas-
sos metodológicos não são compartimentos estanques, mas momentos de um
mesmo movimento dinâmico nos e através dos quais a realidade e a verdade vão
se desvelando. O método da Teologia da Libertação compõe-se de análise da rea-
lidade, reflexão teológica e pistas de ação pastoral. Neste proceder constitui-se
uma revolução metodológica na qual não se parte de marcos teóricos elaborados
abstratamente e sistematizados totalizadoramente. Parte-se sim de uma leitura
cientificamente mediatizada da realidade, dentro da qual se processa a práxis da
fé. A partir desta, após captar as urgências, os anseios e as interpelações à consci-
ência cristã, opera-se a reflexão teológica. Esta, por sua vez, abre-se à práxis de
libertadora. Portanto, a própria constituição estrutural do método teológico indica
que para a Teologia da Libertação a História é teologicamente relevante, pois ela
aspira ser uma Teologia historicamente relevante.
Em segundo lugar, está a experiência espiritual frente ao pobre como pon-
to de partida e fonte primordial da reflexão teológica. A Teologia da Libertação
articula-se metodologicamente através da análise da realidade, reflexão teológica
e busca de pistas de ação pastoral, porém, antes de ser Teologia e ser temática e
sistematicamente elaborada, ela foi uma práxis de e uma experiência real e his-
tórica de busca de libertação. Portanto, em sua raiz, a Teologia da Libertação tem
uma experiência na realidade, na História. A Teologia constitui-se como o esforço
de refletir criticamente a racionalidade presente nesta experiência primigênia em
termos de diagnóstico, de causalidade, de processos e dinamismos estruturais,
funcionamento e tendências que se anunciam nesta realidade e experiência novas.
A Teologia da Libertação é, portanto, resultado de uma realidade e experiência
primigênias e não a realidade primeira.
A Teologia da Libertação resulta da experiência de libertação que é muito
mais rica e original do que a própria Teologia. Por isso a Teologia tem a sua vali-
dade e relevância condicionadas à reflexão crítica da libertação-ato” e ao enri-
quecimento do processo histórico de libertação. Caso contrário corre o risco de
transformar-se em ideologia e alienação. Afirmar isso significa afirmar que a Teo-
logia nasce de uma experiência hisrica de libertação e, ao mesmo tempo, através
da reflexão crítica à luz da fé, é desafiada a contribuir para que esta experiência de
libertação seja mais profunda, autêntica e transformadora.
Em terceiro lugar, está a articulação sacramental e crítica da Teologia do
Cativeiro e da Libertação. É neste aspecto que se dá a maior contribuição de Leo-
nardo Boff, em sua exposição do Encontro da Cidade do México, para a verifica-
ção da hitese da mútua relevância. Trata-se da exposição dos passos metodoló-
gicos da reflexão teológica latino-americana. Em sua articulação sacramental a
Teologia do Cativeiro e da Libertação é uma experiência de vida e de ação na
transformação da História em perspectiva cristã. Ela é um captar a realidade no
horizonte da cristã, um interpretar a realidade, um refletir intuitivo sobre a rea-
lidade e uma busca de uma ação transformadora da mesma. Já em sua articulação
crítica a Teologia do Cativeiro e da Libertação segue os mesmos passos, porém,
em vel de articulação reflexo, crítico e analítico. Assim, a Teologia, entendida
tanto em sua articulação sacramental como em sua articulação crítica, constitui-se
em uma mesma práxis de fé cristã e em um mesmo amor comprometido que busca
eficácia libertadora contra todas as formas de opressão, dominação e dependência.
Para a averiguação da hipótese da mútua relevância é importante uma a-
proximação maior à articulação crítica da Teologia, que é neste nível que pro-
priamente se produz a Teologia da Libertação e que se determina seu método.
Pode-se partir da definição de Teologia da Libertação como uma reflexão crítica
em e sobre a fé como práxis histórica de libertação. Esta reflexão parte da História
e aspira a transformação da História. O significado desta historicidade e historici-
zação da Teologia e de seus conteúdos fundamentais compõe-se, metodologica-
mente, de três momentos precedidos e fundamentados pelo pressuposto do hori-
zonte da entendida como práxis. Pretende-se, a seguir, verificar o papel da -
tua relencia neste pressuposto fundamental e sua presença e delimitação nos
passos metodológicos da reflexão teogica em perspectiva libertadora.
Quanto ao horizonte fundamental e pressuposto básico de onde parte a
reflexão teológica libertadora, a saber, a fé entendida como práxis histórica, cons-
tata-se a tua relevância na afirmação de que a Teologia em perspectiva liberta-
dora parte da fé. Porém, não se trata de uma conceitual, abstrata e ahisrica.
Trata-se sim da como uma experiência e uma práxis. Trata-se de uma que
originariamente constitui-se como modo de ser, como atitude fundamental de ser e
estar na História e agir nela. Através desta o crente vive e interpreta sua vida e
sua morte, o mundo, a História, o outro e a sociedade, sempre em referência ao
Transcendente que lhe dá o sentido verdadeiro e plenificante de tudo.
Esta atitude de como experiência e práxis se na História e é mediati-
zada pela História em suas diversas dimensões. Desta forma, a fé-práxis não se dá
pura, mas mediatizada dentro de uma Teologia, de uma cultura, de um tempo. Daí
a necessidade de discernir o que constitui o chamado exigente de Deus em cada
momento histórico. Impõe-se assim uma connua vigilância crítica como o me-
lhor caminho para manter a como e o confundi-la com interesses ocultos
ou com condicionamentos hisricos e culturais próprios de cada momento da
História. O critério de discernimento mais fecundo e eficaz para a vigilância críti-
ca é a práxis de fé. A autêntica se torna práxis de amor, de solidariedade, de
busca da justiça, de superação das desigualdades, enfim, de libertação de tudo o
que aprisiona o ser humano. A como práxis libertadora implica todos os gran-
des valores da verdade, da solidariedade, da justiça, da fraternidade, do amor. Es-
ses valores não podem permanecer em universalismos vazios, por isso necessitam
historicizar-se em processos concretos que digam respeito à libertação de opres-
sões sensíveis e que confiram eficácia à fé. Nesta perspectiva é que é preciso um
conhecimento crítico e científico da realidade que deve ser transformada.
Evidencia-se assim que o horizonte da fé como práxis, como pressuposto e
ponto de partida da reflexão teológica, não confirma uma relação necessária
entre Teologia e História, como também propõe que este é o critério mais fecundo
e eficaz para uma Teologia autêntica, comprometida e relevante para cada mo-
mento histórico. No caso da Teologia da Libertação estabelece-se a partir deste
horizonte os três passos fundamentais do método teológico.
O primeiro passo constitui-se na leitura sócio-analítica-estrutural da reali-
dade. Vê-se que a entra na determinação do tipo de análise da realidade. A fé,
como um horizonte mais amplo, influi nas opções concretas por determinado es-
quema cienfico de interpretação, por determinado modelo político, por determi-
nada ideologia. A fé, e conseqüentemente a Teologia que a encarna, respeita a
racionalidade própria da ciência, porém realiza um discernimento que busca de-
tectar qual é o esquema analítico que melhor pode traduzir as exigências da em
determinadas circunstâncias históricas inseridas no tempo e no espaço. Neste sen-
tido, a Teologia da Libertação opta pelo tipo de análise do subdesenvolvimento,
denominador comum da América Latina, que detecta a situação de dependência
latino-americana como sistema de dependência dos centros imperiais. O subde-
senvolvimento da América Latina é o reverso e a conseqüência do desenvolvi-
mento dos países centrais. Os sintomas da pobreza generalizada e da marginaliza-
ção latino-americanas são resultantes do desenvolvimento capitalista. Assim, uma
análise mais atenta, tal como a proposta pela teoria da dependência, revela os me-
canismos geradores de tal situação. A causa mais determinante, porém não única,
é a dependência de centros fora do Continente latino-americano, porém, assumida
e internalizada por representantes do império capitalista central dentro da própria
América Latina. Essa dependência se desdobra em dependência no sistema eco-
nômico e na divio do trabalho, na cultura, na política e até na religião.
A saída para esta situação está em um processo de ruptura dos laços de
dependência, configurado como processo de libertação. Para a realização desta
revolução é preciso atender às condições objetivas da História que a tornam viá-
vel. Constata-se que na América Latina de meados da década de 70 as forças re-
pressivas detêm o poder e tornam impossível um movimento organizado de liber-
tação, por isso propõe-se muitas vezes, ao invés da revolução do sistema, mudan-
ças de sistema através de mudaas no sistema. Isso significa que é necessário
uma estratégia para a realização do projeto de libertação e de construção de uma
nova sociedade em termos históricos e processuais. Esta estratégia é imposta pela
situação geral de repressão e cativeiro imperante na América Latina.
Enfim, percebe-se que para captar a gravidade do subdesenvolvimento
como dependência é preciso transcender as análises de corte sociológico ou das
ciências humanas e ir a uma análise de cunho estrutural e cultural. O capitalismo,
o consumismo, os laços de dependência e opressão, o manifestações da opção
fundamental e de um “ethos cultural” que possuem sua história de concretizões.
O ser humano optou pelo sentido de ser e viver orientado pelo saber e pelo poder.
Por isso a revolução que não muda o ethos cultural que está na base da Hisria
ocidental será apenas variação do mesmo tema e nunca verdadeira libertação.
O segundo passo metodológico consiste na leitura teológica do texto sócio-
analítico-cultural. A fé-práxis que busca eficiência libertadora aceita, como medi-
ação para sua realização histórica, a cultura da realidade. Sobre ela procede sua
leitura à luz da Palavra de Deus e da própria fé. detecta graça e pecado, no
emaranhado dos interesses políticos e econômicos a acolhida ou o rechaço do de-
sígnio de Deus que é de fraternidade, justiça, participação e liberdade. Assim, a
consciência cristã sente-se chamada a uma ação eficaz que ajude a sair da situação
de opressão. O acento cai sobre o sentido da práxis de e de toda práxis: esta é
libertadora ou justificadora do status quo opressor? A Teologia como elaboração
temática será ato segundo como reflexão sobre a práxis e para a práxis para que
seja mais autêntica e libertadora. Desta forma a Teologia da Libertação será o
momento teológico de uma experiência de vida realizada conscientemente na
transformação, a partir do Evangelho, do mundo em situação de dependência.
Nesta perspectiva três serão as tarefas da Teologia.
Primeiro, a Teologia como discernimento histórico-salvífico da situação. A
primeira e fundamental tarefa da Teologia é poder interpretar a partir de seu hori-
zonte a densidade hisrico-salvífica da situação em duplo sentido. Por um lado,
denunciar o pecado e as ilusões da situação, rechaçar o sistema imperial com seu
ethos de poder e lucro por contradizer o projeto histórico de Deus. Por outro lado,
proferir juízo favorável aos anseios de libertação e às mediações que os concreti-
zam. Pois por estas ânsias passa a salvação histórica e a antecipação do Reino.
Segundo, a Teologia como leitura crítico-libertadora da tradição da fé.
Inicialmente a Teologia da Libertação deverá proceder a libertação da Teologia
universalizante, ligada à práxis sem crítica de seus pressupostos sócio-analíticos e
históricos. A partir da Teologia deverá resgatar as dimensões libertadoras e c-
ticas presentes na e em seus grandes temas. Tais dimensões muitas vezes en-
contram-se encobertas por um tipo de vida cristã burguesa que desfruta da situa-
ção social privilegiada e também pela pregação, catequese e presença institucio-
nal, às vezes amasiada e mplice da empresa colonizadora. Por fim, a Teologia
deverá resgatar as dimensões sócio-políticas de temáticas como o Reino de Deus,
a escatologia, a graça, o pecado, a libertação conquistada por Jesus Cristo.
Terceiro, a Teologia como discurso teológico de toda práxis libertadora. A
Teologia precisa poder resgatar e reforçar o teológico presente em todo verdadeiro
processo de libertação, mesmo que este seja executado por agentes ou ideologias
que não fazem referência explícita à fé cristã. O teológico de sua ação não depen-
de da interpretação ideológica que lhe acrescentam, mas de sua dimensão objetiva
de libertação e da criação de maior espaço para a liberdade. A práxis em si mes-
ma, quando é uma práxis verdadeiramente libertadora, carrega uma densidade
cristã e salvífica. Aqui a salvação não se restringe às libertações sócio-econômicas
e políticas, porém, também o se realiza sem elas. Isso permite que a cris
identifique a presença evangélica e salvífica naqueles movimentos e naquelas a-
ções que efetivamente libertam. O critério de autenticidade cristã está na realida-
de, ou melhor, na verdade que se faz e se verifica na práxis. Desta forma a Teolo-
gia do político é aquela que articula um discurso não só da prática política da Igre-
ja, mas de toda a política, seja esta última referida a marcos teóricos cristãos ou
não. Trata-se da Teologia que é capaz de dizer o conteúdo cristão de uma práxis
que se chama cristã ou atéia, porém, que seja verdadeiramente libertadora.
O terceiro passo metodológico constitui-se na elaboração de pistas para
uma ação pastoral e uma presença cristã libertadora na História. A Teologia, como
reflexão crítica no horizonte da fé sobre a práxis humana, precisa acompanhar a
até suas concretizações mais determinadas como as do ideológico, político e estra-
tégico-tático. No campo político, cabe à Igreja fazer uma opção fundamental pela
libertação. No nível estratégico-tático, grupos cristãos comprometidos podem ela-
borar uma verdadeira Teologia que seja refleo de sua práxis e animação crítica
dela e podem ter uma significação protica para toda a comunidade. Desta forma,
a tarefa teológica não se esgota em funções oficiais e comunitárias, mas pode e
deve iluminar o caminho comprometido e perigoso dos grupos cristãos diretamen-
te envolvidos no processo de libertação. No campo teológico-pastoral, cabe a Igre-
ja concretizar sua atuação em uma estratégia que permita tornar eficaz as dimen-
sões políticas e sociais da , do anúncio evangélico, da caridade, etc. Aqui é o
lugar das opções prioritárias, que são captadas mediante uma análise crítica da
realidade, à luz da fé, e da busca de mediações que tornem os projetos escolhidos
historicamente viáveis e mais libertadores. Mesmo que as condições de cativeiro e
repressão impossibilitem um salto qualitativo e objetivo de libertação, a cristã
é chamada a manter viva a esperança e libertar também onde os caminhos de mu-
dança o truncados e limitados pela repressão. Com isso a não deixa com que
a ação se esvazie de sua eficácia libertadora.
Enfim, analisados a partir da hitese da mútua relevância, esses três pas-
sos metodológicos constituem-se, em sua articulação crítica e a nível crítico, re-
flexo e analítico, na afirmação da relação de mútua relevância entre Teologia e
História. Seu próprio proceder parte da História concreta e, através da contribui-
ção das Ciências Humanas e Sociais, analisa esta História visando conhecer me-
lhor a realidade para melhor transforma-la. A partir da leitura sócio-analítica-
estrutural da realidade lê e interpreta teologicamente, à luz da fé cristã e do Evan-
gelho, esta realidade visando, enfim, sua transformação através de uma práxis
libertadora. Portanto, metodologicamente a Teologia da Libertação estabelece
uma relação original e peculiar com a realidade histórica. A História constitui-se
no ponto de partida e no ponto de verificação da verdade teológica. A Teologia
se autêntica à medida que contribuir para a libertação de todas as opreses,
dominações e dependências do ser humano.
No caso da América Latina, a libertação mais urgente é a sócio-
econômica, política e cultural, porém, não se esgota nestas dimensões. Pois a Teo-
logia autenticamente libertadora visa contribuir para a libertação integral do ser
humano para que este alcance a Nova Humanidade revelada em Jesus Cristo. Des-
ta forma, o que define a relevância da Teologia não é a própria Teologia, mas o
resultado real, histórico, concreto que a reflexão é capaz de produzir na História
rumo à sua libertação. O critério da relevância e veracidade da Teologia o con-
siste, pois, primariamente na verdade dos enunciados teóricos e abstratos. Consis-
te, sim, na capacidade que a reflexão teológica tem de interpretar a realidade à luz
da cristã e da Palavra de Deus e na capacidade de, a partir desta interpretação,
iluminar a prática dos cristãos comprometidos no processo histórico de libertação.
Daí a definição da Teologia da Libertação proposta por L. Boff. Ela pode ser des-
crita como a reflexão à luz da experiência cristã de sobre a praxis dos seres hu-
manos, principalmente dos cristãos, tendo em vista a libertação integral dos seres
humanos
1007
. Trata-se de uma reflexão que parte da História, considerando-a teo-
1007
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.143.
logicamente relevante, e aspira a transformação da Hisria pela via da relevância
histórica de seu discurso que busca iluminar criticamente a presença e práxis dos
cristãos nas transformações que a História está a exigir para ser lugar da concreti-
zação da História de Salvação e Libertação.
3.4.3. A mútua relevância entre Teologia e História no contexto de
cativeiro: os desafios de uma Teologia da libertação em uma História
de cativeiro e repressão
A última contribuição de Leonardo Boff para a verificação da hipótese da
mútua relevância e seu papel na configuração do método teológico latino-
americano pode ser trazida à luz a partir da interpretação da situação de cativeiro e
repressão presente na América Latina em meados da década de 70 e de sua influ-
ência na configuração das tarefas da Teologia da Libertação. Para Leonardo Boff
o estabelecimento de regimes militares, com sua ideologia de Segurança Nacional
na América Latina, exige mudanças nas tarefas da Teologia da Libertação. Esta
nova situação impõe viver e pensar a a partir da situação do cativeiro, fazendo
surgir uma Teologia não da Libertação, mas do Cativeiro e da Libertação. O
horizonte do cativeiro constitui-se no horizonte maior, no interior do qual urge
trabalhar e refletir libertadoramente. A Teologia assume então a tarefa de preparar
o terreno e gestar a libertação.
No contexto de repressão, cativeiro e exílio caberá à Teologia elaborar
uma reflexão concreta sobre as novas urgências da fé, da esperança e do compro-
misso dos cristãos. Ela precisa, no silêncio, aprimorar sua prática teórica, enrique-
cer seu instrumental de ação e análise e recuperar os grandes valores da Tradição.
Cabe-lhe refletir sobre a experiência dos cristãos comprometidos, suas angústias,
dores e perseguições. Será, portanto, uma Teologia sem euforias, com táticas no-
vas para enfrentar o poder opressor e com uma articulação crítica para o desmas-
caramento das ideologias de sustentação dos regimes repressivos. Desta forma,
precisa manter-se permanentemente vigilante para não comprometer seus conteú-
dos libertadores por causa da linguagem camuflada que se urgida a empregar
por causa da repressão. Neste contexto, o teólogo é desafiado a assumir mais de-
cididamente sua dimensão profética e viver um compromisso de libertação no
qual o destino de todo profeta é torna-se sinal da verdadeira libertação.
Diante da perspectiva assumida por Leonardo Boff e a partir da hipótese
da mútua relevância, cabe a questão: o que leva a Teologia a assumir novas tarefas
e desafios a partir de uma situação histórica, contextual e conjuntural que se faz
presente na América Latina de então? Ou, dito de outra maneira, pode-se pergun-
tar qual é razão fundamental que, de certa maneira, modifica a própria Teologia e
suas tarefas? Qual é a razão de a História, agora lugar de repressão, perseguição,
cativeiro e exílio, tornar-se determinante da constituição de nova situação, de no-
vas tarefas e desafios para a reflexão teológica?
Essas questões, analisadas a partir da hipótese da mútua relevância, trazem
consigo indicações de sua própria resposta. A Teologia da Libertação constitui-se
em uma Teologia situada no tempo e no espaço, propõe um método que parte da
realidade histórica e busca a sua transformação libertadora. Se a realidade impõe
novos desafios e tarefas à Teologia é porque esta realidade é relevante para a Teo-
logia. Se a Teologia assume os desafios do contexto real em que é elaborada é
porque tem aspirações e anseios em relação a este contexto. Não se trata de uma
Teologia ahistórica e desligada do mundo real, que tem seu fim em si própria.
Trata-se de uma Teologia historicamente comprometida, que tem na História e em
suas interrogões, desafios e anseios o ponto de partida de sua reflexão, que tem
no compromisso com a transformação da História de modo libertador o seu lugar
de verificação e comprovão de sua própria autenticidade e da verdade teológica.
Tal Teologia terá suas aspirões realizadas e será relevante para a His-
tória se considerar de modo científico e racional a situação real do mundo do qual
parte e para o qual se dirige, em busca de uma transformação libertadora. Com-
prova-se assim que a tua relevância entre Teologia e História não constitui-
se em um eixo fundamental do método teológico da Teologia da Libertação como
também determina suas tarefas e desafios de acordo com as situações e transfor-
mações concretas pelas quais a História caminha em sua globalidade, transitorie-
dade e contextualidade. Desta forma, tem-se uma Teologia a serviço do mundo,
da realidade, da História e que aspira contribuir para que a cristã, a partir de
uma -práxis engajada e libertadora, contribua para uma Nova Sociedade e uma
Nova Humanidade, enfim, para a Nova História, lugar da realização da libertação
salvífica rumo à libertação definitiva revelada em Jesus Cristo.
4. A especificidade do método teológico latino-americano: a Teologia
da Libertação diante de outras formas de fazer Teologia
Dentre as abordagens propostas no Encontro da Cidade do México apare-
ce, de modo especial com Jon Sobrino
1008
, Juan Hernandez Pico
1009
e na última
parte da exposição de Leonardo Boff
1010
, a preocupação por estabelecer a especi-
ficidade e originalidade do método teológico da Teologia da Libertação. Tal preo-
cupação visa distinguir e diferenciar a Teologia da Libertação de outras formas
teológicas. No conjunto do Encontro da Cidade do México, esta preocupação ma-
nifesta o esforço por estabelecer os pressupostos e fundamentos da tarefa teológi-
ca, tal como esta é compreendida pela Teologia da Libertação, em diferenciação
às outras formas de fazer Teologia. Neste sentido, estas contribuições auxiliam
para melhor compreender o método da Teologia da Libertação e, concretamente
para esta pesquisa, contribuem para verificar a importância da relação entre Teo-
logia e História em sua relação de mútua relevância, tal como esta é compreendida
no método da Teologia da Libertação. Tendo isto presente julga-se necessário
retratar as idéias centrais das abordagens dos autores para, posteriormente, melhor
poder realizar a verificação da hitese de trabalho desta pesquisa.
4.1. Jon Sobrino e o conhecimento teológico na Teologia européia
e latino-americana
A exposição de Jon Sobrino pretende comparar a Teologia européia e lati-
no-americana. Isto não tanto no que se refere a seus conteúdos ou aos diversos
métodos de análise que empregam, mas em relação ao próprio conhecimento teo-
lógico, seu significado, seu funcionamento e as conseqüências que são deduzidas
a partir de cada concepção do conhecimento. Antes de estabelecer sua compara-
ção Jon Sobrino propõe algumas indicações prévias dos parâmetros pelos quais
pretende comparar a Teologia latino-americana e européia.
Primeiro, é evidente que falar de Teologia latino-americana e européia é
uma generalidade pouco operativa. Na verdade, a comparação e a diferenciação
1008
Cf. J. SOBRINO, El conocimiento teológico en la Teología europea y latinoamericana, p.177-
207. O mesmo texto encontra-se traduzido para o português em: Id., Ressurreição da verdadeira
Igreja. São Paulo: Loyola, 1982, p.17-47.
1009
Cf. J.H. PICO, Método teológico latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la
praxis política mediada por el análisis de la realidad, p.595-607.
1010
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.146-154.
entre estas Teologias não pode ser estabelecida somente baseada na geografia ou
no uso de diferentes linguagens. É preciso ir mais profundo no que são e signifi-
cam operativamente os dois modos do conhecimento teológico. A partir disso, J.
Sobrino define como “Teologia européiaaquela desenvolvida na Europa e que
pode ser denominada, em geral, como Teologia progressista, e por “Teologia lati-
no-americana” entende a Teologia da Libertação, com suas famílias de opções
1011
.
Segundo, para Jon Sobrino é evidente que falar do conhecimento teológico
é mencionar um tema muito amplo, com um sem número de ramificações e impli-
cações. Diante da pluralidade de opções de comparação, Jon Sobrino propõe que
para estabelecer uma comparação entre a Teologia latino-americana e a européia
lhe parece mais importante ir à raiz do conhecimento teológico, que depois se
expressa e concretiza em uma pluralidade de métodos, alises e hermenêuticas.
Portanto, a comparação proposta está voltada para este nível mais profundo do
conhecimento teológico. Jon Sobrino propõe-se esclarecer este nível mais profun-
do do conhecimento teológico a partir de dois pontos de vista: primeiro, se se
pressupõe que o conhecimento teológico é cristão, e não meramente um caso de
todo conhecimento, é preciso perguntar-se como a realidade cristã influi no mes-
mo conhecimento teológico, em ambas as Teologias; segundo, é preciso pergun-
tar-se que interesse último move o conhecer teológico
1012
.
Terceiro, para Jon Sobrino, no que diz respeito ao primeiro ponto, o pro-
blema do conhecimento teológico pode ser enfocado formalmente a partir de dois
pontos de vista distintos: enquanto o conhecimento teológico é uma atividade hu-
mana, pessoal e social, que é regida pelas leis de todo conhecimento, ou enquanto
é um conhecimento teológico. Isto é, enquanto está determinado, ou pelo menos
relacionado, o quanto ao conteúdo, mas também em sua própria realidade de
conhecimento, pelos conteúdos que elabora. Isso pressupõe que o conhecimento
teológico, enquanto teológico, reconhece e aceita algo que, em algum sentido, lhe
foi dado, isto é, o que se quer dizer com Revelação e que é preciso concretizar.
Este enfoque tem sentido enquanto se aceita o momento gratuito do conhecimento
teológico. Colocar assim o problema, segundo Jon Sobrino, introduz no círculo
hermenêutico, pois a realidade cristã está dada precisamente enquanto realidade a
realizar. Essa circularidade tem uma história que é a história da Teologia. Porém,
1011
Cf. J. SOBRINO, El conocimiento teológico en la Teología europea y latinoamericana, p.177.
1012
Cf. Ibid., p.177-178.
o que interessa a Jon Sobrino aqui é esclarecer como essa realidade cristã que está
sempre realizando-se influi diversamente no funcionamento concreto do conheci-
mento teológico na Teologia latino-americana e européia. Para esclarecer essa
comparação Jon Sobrino fixa-se em três pontos, cuja repercussão no conhecimen-
to teológico qualificam este mesmo conhecimento como cristão e que se obtêm
preferentemente de uma consideração da história de Jesus. Trata-se, primeiro, do
caráter libertador da história de Jesus, o qual remete ao problema epistemológico
do significado libertador do conhecimento teológico e ao problema que o move.
Segundo, a diatica entre presença e futuridade do reino de Deus anunciado por
Jesus, que remete ao problema epistemológico da relação entre teoria e práxis.
Terceiro, a diferença entre religião e cristã, ou dito cristologicamente, a dialéti-
ca entre cruz e ressurreição, o que remete ao problema da ruptura epistemológica
dentro do mesmo conhecimento teológico
1013
.
A quarta consideração prévia de Jon Sobrino ao trabalho comparativo en-
tre a Teologia européia e latino-americana diz respeito ao critério para comparar
as duas Teologias. Neste sentido, Jon Sobrino insiste na questão do interesse que
move o conhecimento teológico, ou o por que de se fazer Teologia. Isso implica
uma terceira pergunta: para quem e a partir de quem se conhece teologicamente.
Essas questões pressupõem que o conhecimento teológico, enquanto conhecimen-
to, mesmo possuindo uma certa autonomia, ocorre sempre em um contexto de
realidade. Desta forma, o conhecimento nunca é, nem práxica nem voluntaristi-
camente, neutro. Ele tem sempre, implícita ou explicitamente, um caráter práxico
e ético. Assim, para Jon Sobrino, a partir de sua relação com o real pode-se per-
guntar se o conhecimento teológico se dirige a uma realidade pensada ou a uma
realidade existente, se responde a uma exigência intencional do sujeito ou a uma
exigência real da situação, se sua própria existência encobre o que denuncia em
seus conteúdos por exemplo, um mundo de opressão ou se sua ppria exis-
tência é devida à experiência da opressão vivida. O fundamental para estabelecer
uma comparação entre diversos conhecimentos teológicos é investigar a opção
práxica e ética do mesmo conhecimento e descobrir o que na mesma intelecção do
conhecimento existe de opção práxica e ética. Daí que a pergunta chave para esta-
1013
Cf. J. SOBRINO, El conocimiento teológico en la Teología europea y latinoamericana, p.178-
179.
belecer comparações entre diversas Teologias é perguntar que interesse move, real
e não intencionalmente, os diversos conhecimentos teológicos
1014
.
A partir destas considerações prévias Jon Sobrino estabelece sua compara-
ção entre a Teologia latino-americana e européia em três pontos: no primeiro a-
borda o caráter libertador do conhecimento teológico latino-americano e euro-
peu
1015
; no segundo aborda a relação entre a teoria e a práxis no conhecimento
teológico latino-americano e europeu
1016
; e por fim, no terceiro ponto aborda a
integração da ruptura epistemológica no conhecimento teológico latino-americano
e europeu
1017
. A seguir recolhe-se as cinco conclusões propostas por Jon Sobrino
a partir da análise destes três pontos comparativos.
Em primeiro lugar, Jon Sobrino propõe que ao falar-se em Teologia euro-
péia e latino-americana dá-se uma definição nominal de dois modos diversos de
conceber a tarefa teológica. Evidentemente não se pode encaixar nesta divisão
tudo o que se faz na Europa e América Latina. Mesmo tendo isso presente procu-
rou-se descrever o núcleo da tarefa teológica tal qual ela se desenvolve na Europa
e na Teologia da Libertação, sempre conscientes de que dentro da Teologia euro-
péia e dentro da Teologia da Libertação existem diversas famílias teológicas
1018
.
Em segundo lugar, Jon Sobrino propõe que ao contrapor estes dois modos
de fazer Teologia, em sentido estrito, não se pretendeu dar um juízo de valor sobre
elas, mas estabelecer uma comparação, mesmo se se cque existe, em princípio,
maior adequação entre conhecimento e conteúdo teológico na Teologia latino-
americana, pelo menos em sua intenção. Por outro lado, também não se pretendeu
ser anacrônico ao avaliar a Teologia européia nem ignorar seus êxitos, que, se-
gundo entende Jon Sobrino, foram historicamente em grande parte positivos, co-
mo por exemplo, a possibilidade da Teologia do Vaticano II. A investigação exe-
gética, a libertação do dogmatismo e a ortodoxia abstrata, a preocupação pastoral
de dar sentido a uma que parecia sem sentido ou mística, foram verdadeiros
sucessos. O juízo de Jon Sobrino sobre a Teologia européia versa mais sobre a
falta de autocrítica em seus próprios sucessos e, sobretudo, sobre o anacronismo
histórico que suporia pensar que o conhecimento que foi experimentado como
1014
Cf. J. SOBRINO, El conocimiento teológico en la Teología europea y latinoamericana, p.179.
1015
Cf. Ibid., p.179-190.
1016
Cf. Ibid., p.190-194.
1017
Cf. Ibid., p.195-205.
1018
Cf. Ibid., p.205.
libertador em determinada situação histórica deva continuar sendo experimentado
como tal. Isso implicaria uma profunda a-historicidade da Teologia. Além disso,
ao anacronismo histórico seria necessário acrescentar o geográfico. Isto é, o fato
de que a Teologia européia o se conta de que faz Teologia a partir do centro
geopolítico e ignora que o mundo não é o centro nem pode ser compreendido uni-
camente a partir do centro. O mundo é sim uma totalidade em tensão entre centro
e periferia, e que cristãmente é a periferia o pobre ou pelo menos as repercus-
sões sobre a periferia, o lugar privilegiado do conhecimento teológico
1019
.
Em terceiro lugar, vê-se que ao estabelecer a comparação entre ambos mo-
dos de fazer Teologia, J. Sobrino não se detêm nos métodos concretos do conhe-
cimento, mas no que ele crê ser as raízes mais profundas que explicam a distinta
maneira de operar o conhecimento teológico. As raízes profundas da distinta ma-
neira de fazer Teologia revelam-se em três aspectos do conhecimento teológico,
com base na própria exigência do conteúdo teológico cristão: o momento liberta-
dor do conhecimento, a relação entre teoria e práxis e a ruptura epistemológica.
Como diferença fundamental entre os modos de conhecer teologicamente
encontra-se o distinto interesse que move tal conhecer. A diferença pode ser assim
resumida: a Teologia européia se encontra desde a Ilustração com o fenômeno
histórico de que a fé e seu significado foram se obscurecendo por diversas razões:
pelo despertar do sentimento democrático-liberal que ataca o dogmatismo, pelas
descobertas sobre a verdade dos fatos bíblicos, pelo desmoronamento de culturas
ocidentais cujo fundamento entre outros era a crisculturalizada. Neste con-
texto, a tarefa do conhecimento teológico foi vista como a de recuperar o sentido
da fé. Neste sentido, a Teologia européia foi libertadora e pastoral, embora redu-
zida, no que se refere à sua clientela, à elites preferentemente intelectuais. O que
moveu para fazer Teologia foi a realidade ameaçada do crente enquanto crente.
o problema fundamental da Teologia da Libertação não é a necessidade
de recobrar o sentido de uma ameaçada, mas recuperar o sentido da realidade
não ameaçada, mas na miséria. Fazer Teologia em seu sentido libertador signi-
fica ajudar a transformar a realidade de pecado. O adversário da Teologia não é
tanto o ateu como o não-homem, o desumanizado pela opressão e dominação
1020
.
1019
Cf. J. SOBRINO, El conocimiento teológico en la Teología europea y latinoamericana, p.205.
1020
Cf. Ibid., p.206.
Em quarto lugar, Jon Sobrino conclui que a Teologia européia pretendeu,
em princípio, que a partir do esclarecimento da e suas fontes, seguir-se-ia tam-
bém a libertação real. Em geral pretendeu esclarecer a realidade a partir das fontes
da fé. Na Teologia latino-americana a relação com as fontes da fé é distinta. Evi-
dentemente, segundo Jon Sobrino, existe entre os teólogos um primeiro momento
de aceitação da cristã, porém, a concretização desta vai-se dando paralela e
dialeticamente com a existência real. O esclarecimento do duplo obscurecimento
da e da miséria da realidade se em um mesmo movimento. As fontes da Re-
velação não o vistas tanto como fontes de conhecimento prévio à análise da rea-
lidade e à práxis transformadora, mas como fontes que iluminam a realidade en-
quanto elas próprias são iluminadas por uma práxis sobre a realidade. A relação
entre as fontes da Revelação e a confrontação com a realidade não se dá tanto na
“refleo reflexa” das idéias nas quais se expressa a Revelação, mas em uma sin-
tonia de situações: no aproximar-se do pobre, por exemplo, se ilumina a palavra
de Jesus sobre o juízo final. E a partir deste esclarecimento vital vai-se compreen-
dendo a palavra da Revelação como aquilo que por sua vez esclarece a realidade.
Desta forma, o esclarecimento da fé e a práxis caminham juntos, onde o importan-
te não é esclarecer a questão teórica sobre a primazia lógica, ou da Revelação da-
da ou da existência cristã, entendida como Revelação a realizar (círculo herme-
nêutico), mas a consciência de encontrar-se em um processo que inclui, dialetica-
mente, tanto as fontes da Revelação, como a real existência cristã
1021
.
Por fim, em quinto lugar, Jon Sobrino propõe que a diferea mais funda-
mental que é possível verificar entre ambos os modos de fazer Teologia consiste
na superação dos dualismos. Na Teologia européia se avançou muito nesta supe-
ração, no desmascaramento da dicotomia espírito-corpo, pessoa-sociedade, pri-
vada-fé pública, transcendência-Hisria. Porém, segundo Jon Sobrino, a supera-
ção do dualismo ocorreu muitas vezes em nível do próprio pensamento, isto é, o
conhecimento teológico superou o dualismo dentro do próprio conhecimento. O
que a Teologia latino-americana pretende é a superação do dualismo mais radical
na Teologia, a saber, o dualismo do sujeito crente e Hisria, o de teoria e práxis,
mas não dentro do próprio pensamento e sim dentro da existência real. Enfim,
no fundo pretende recuperar o sentido das profundas experiências bíblicas sobre o
1021
Cf. J. SOBRINO, El conocimiento teológico en la Teología europea y latinoamericana, p.207.
que significa conhecer teologicamente: conhecer a verdade é fazer a verdade, co-
nhecer Jesus é seguir Jesus, conhecer o pecado e a miséria é libertar o mundo do
pecado e da miséria, conhecer a Deus é ir a Deus na Justiça
1022
.
4.2. Juan Hernandez Pico e o método teológico latino-americano
frente ao enfoque magistral e científico da Teologia
Juan Hernandez Pico, em uma comunicação enviada ao encontro da Cida-
de do México, traz algumas contribuições para indicar a especificidade e origina-
lidade do método teológico latino-americano. Em seu artigo Método teológico
latino-americano e normatividade do Jesus Histórico para a práxis política medi-
ada pela análise da realidade
1023
o autor apresenta, na primeira parte, a forma
como a reflexão teológica é entendida na América Latina. Para isso apresenta o
“enfoque magistral e científico da Teologia” e a “maneira latino-americana de
entender a Teologia”
1024
. O autor parte da compreensão de que, tal como a refle-
xão teológica tem sido feita na América Latina, nos últimos anos anteriores ao
Encontro da Cidade do México, um dos problemas fundamentais que ela coloca é
a relação entre o Jesus Histórico, as Ciências Sociais, como análise da realidade, e
a práxis política, encaminhada a produzir uma transformação radical na situação
de sofrimento vivida pelo povo latino-americano. Para abordar este problema é
necessário, segundo ele, determinar a maneira concreta como a reflexão teológica
vem sendo realizada na América Latina. Para evidenciar esta maneira própria o
autor propõe uma breve análise do enfoque magistral e científico da Teologia e da
maneira latino-americana de entender a Teologia.
4.2.1. O enfoque magistral e científico da Teologia
Para Juan Hernandez Pico é significativo que esteja no centro do debate, à
época do encontro do México, mais a reflexão teológica que a própria Teologia.
Ele pergunta-se se isso não indica que no método latino-americano de fazer Teo-
logia não surge um momento de criativa oposição ao método dominante na Igreja
praticado durante os últimos séculos, isto é, ao método magistral e científico.
1022
Cf. J. SOBRINO, El conocimiento teológico en la Teología europea y latinoamericana, p.207.
1023
Cf. J.H. PICO, todo Teológico Latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la
praxis política mediada por el análisis de la realidad, p.595-607.
1024
Cf. Ibid., p.595-598 e 598-601, respectivamente.
A Teologia acadêmica, encomendada aos mestres universitários, e a inves-
tigação teológica, realizada em bibliotecas e seminários especializados, sustenta-
ram, a pretensão da Teologia de ocupar um lugar respeitável entre as ciências mo-
dernas. Este processo respondeu provavelmente à necessidade de adaptação da
instituição eclesial ao seu entorno. O valor do científico como formulador de leis
gerais, universais, foi firmemente hierarquizado como o primeiro valor da cultura
ocidental, desde fins do século XVIII, o obstante a reação romântica. Dentro da
corrente principal da instituição eclesiástica, imposta desde sua elevação à religião
oficial do Estado, a capacidade de adaptação às mutações culturais de sua matriz
européia foi, na perspectiva de longo prazo, admirável. O “dar razão da esperança
cristãfoi convertendo-se, ao longo dos últimos séculos, em um elaborar sistemas
teológicos à altura das exigências da razão científica.
Segundo Juan H. Pico, não se pode esquecer que as revoluções científicas
que conseguiram instaurar uma nova ordem cultural na Europa, foram condão
de possibilidade das revoluções políticas, produzidas desde fins do século XVIII
pelas burguesias nacionais ascendentes do mundo ocidental. As ciências, com
exceção da corrente marxista das então nascentes Ciências Sociais, mantiveram-se
como articuladoras do potencial econômico e político das minorias burguesas,
convertidas em classe social dominante. Neste quadro, a Teologia, ao mesmo
tempo em que progredia na aquisição de seu status científico, organizava sua ati-
vidade em um âmbito elitista e se estabelecia como uma das fontes de sentido
global do novo sistema, competindo com outras concepções globais do mundo
1025
.
Assim, ao aspirar ao caráter de ciência moderna, ao situar-se, conseqüen-
temente, nas Universidades, a Teologia foi-se entendendo como explicação críti-
co-histórica dos fundamentos da e como construção de um sistema de sentido,
capaz, ao mesmo tempo, de enfrentar os problemas colocados no interior da or-
dem estabelecida e de transcendê-los, sem questionar tal ordem radicalmente. Para
Juan H. Pico esta ausência de questionamento radical manifestou-se de duas ma-
neiras: primeiro, na proposição de sentido à vida interpessoal dos seres humanos
dentro de qualquer ordem social, prescindindo das estruturas desta mesma ordem
social. Segundo, na absolutização de uma função crítica com respeito aos resulta-
dos imediatos de qualquer transformação da ordem social dominante em um mo-
1025
Cf. J.H. PICO, todo Teológico Latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la
praxis política mediada por el análisis de la realidad, p.595-596.
mento histórico. Estas duas maneiras de manifestação da ausência de um questio-
namento radical configuram-se como “personalismo espiritualista” ou “cepticismo
escatológico”, ambos igualmente a-históricos e desencarnados.
Ao mesmo tempo e como fruto desta opção pelo valor do científico, a Teo-
logia ficou reduzida a situar seu discurso em ambientes esotéricos, submetendo-se
ao excesso de divisão de trabalho, próprio da ciência moderna, que desemboca na
especialização inacessível para as grandes maiorias humanas. O protótipo do teó-
logo alguns dos grandes entre eles são excão a esta regra não fomentou o
contato cristão com as situações estruturais e pessoais das grandes maiorias, nem
sequer das explicitamente cristãs. Em conseqüência, a Teologia não foi primordi-
almente “um serviço à cristã que se faz operante por seu amor à multidão
1026
.
Tendeu a ser mais elaboração aristocrática de sentido, inoperante para seguir fa-
zendo fermentar a velha massa em uma progressiva transformação rumo a Nova
Criação inaugurada por Cristo. Faltou à Teologia a compaixão em seu significado
mais rico de viver a Cruz de Jesus, tal como é recriada pelos oprimidos. Diante
desta constatação, Juan H. Pico interroga-se pelas raízes profundas desta carência
da Teologia. Colocar-se tal problema significa interrogar-se pelos interesses a que
a Teologia tem servido. Interroga-se, eno, o autor: “Será errado o apontar que a
Teologia serviu primordialmente aos interesses da instituição eclesial em sua abs-
trata universalização romana e não aos interesses do povo cristão e muito menos
aos interesses dos pobres deste mundo, confessem ou não Jesus Cristo?
1027
Na raiz da aspiração por enfrentar o problema das relações entre razão e fé,
pode-se encontrar a aspiração da instituição eclesial por tornar-se relevante, por
ser tida em conta nas crises de sentido do sistema de poder dominante, em cujo
campo quis seguir tendo um papel superior. Desta forma, a instituição eclesial
desviou-se do critério básico do seguimento de Jesus: não aceitou marginalizar-se,
não aceitou perder sua vida para salvá-la. No entender de Juan H. Pico, a institui-
ção eclesial não tem outra legitimação que a do Evangelho de Jesus Cristo. Seu
desvio nunca pode chegar ao extremo de não transmitir a Boa Notícia de Jesus.
Nesta mensagem, por mais obscurecida que se apresente, por mais desencarnada
que seja oferecida, sobrevive a força carismática de Jesus. Não mais que um
1026
J.H. PICO, Método Teológico Latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la
praxis política mediada por el análisis de la realidad, p.597.
1027
Ibid., p.597.
Evangelho e o Espírito encarrega-se de manter viva nele a memória inquietante de
Jesus. Nesta perspectiva, a realidade revolucionária de que Deus, em Jesus, não
escolheu os poderosos deste mundo; a realidade de que a sabedoria de Deus não
entra em diálogo com a sabedoria dos dominadores (cf. 1Cor 1 e 2), fez surgir na
América Latina, e não nela, um novo método de fazer Teologia. Novo método
que se fundamenta em uma nova maneira de entender a função da própria Teolo-
gia
1028
. Neste sentido é que, no passo seguinte, o autor procura indicar em que
consiste esta nova maneira de entender a Teologia.
4.2.2. A maneira latino-americana de entender a Teologia
Para abordar a nova maneira de entender a Teologia na América Latina,
Juan H. Pico parte de uma declaração do encontro de Cristãos pelo Socialismo
(Chile-1972)
1029
. Aí manifesta-se, segundo ele, uma tomada de consciência da
nova maneira de entender a Teologia. Ao aprofundar esta declaração descobre-se
que na América Latina fazer Teologia significa levar a sério a experiência da
em Jesus Cristo. Esta experiência se articula em vários momentos essenciais a ela.
Primeiro, implica a confissão de uma identidade cristã que aceita como
palavra primeira a palavra de provocação, de miso, dita por Deus a partir da
História dos seres humanos. Não se trata de qualquer História, mas da História de
um povo oprimido e em ruptura de solidariedade, a qual Deus provoca para a li-
bertação e para a solidariedade que constituirá este povo em Povo de Deus. Esta
estrutura da palavra primeira, reveladora de Deus na História, transluz-se tanto no
modelo abrahâmico, como no modelo Mosaico, ambos modelos de êxodo. E ape-
sar de toda espiritualização indevida, chega ao seu cume no modelo do Jesus His-
tórico, modelo do novo êxodo, aberto uma vez mais à construção de um povo de
Deus livre e solidário
1030
. Segundo, a experiência de em Jesus Cristo impli-
ca outro ponto de partida para a Teologia, igualmente primordial. Trata-se da con-
fissão da identidade cristã, que aceita como palavra primeira também a palavra da
1028
Cf. J.H. PICO, todo Teológico Latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la
praxis política mediada por el análisis de la realidad, p.596-598.
1029
J.H. Pico reproduz, em seu artigo, a seguinte declaração do Encontro de Cristãos pelo Socia-
lismo: Tendo presente a injustiça que penetra as estruturas sócio-econômicas de nosso continen-
te... queremos identificar-nos claramente como cristãos, que, a partir do processo de libertação que
vivem nossos povos latino-americanos e de nosso compromisso prático e real... pensamos nossa
e revisamos nossa atitude diante dos oprimidos”. Extraída de: Documento de Cristianos para el
Socialismo – Chile – 1972, n.1. Citado em: J.H. PICO, op. cit., p.598.
1030
Cf. Ibid., p.598.
resposta prática da dos seres humanos que decidem assumir a tarefa de fazer
uma História livre e solidária. Assim esta tarefa é assumida com a força dada pela
promessa de que Deus será sempre Deus conosco, sempre maior, sempre provo-
cador, na História que o ser humano vai construindo.
Segundo Juan H. Pico, estas duas ‘palavras primeiras’ ativas, criadoras,
libertadoras constituem a estrutura fundamental da Revelação-Fé. Desta forma, a
Teologia é, nesta experiência de e como terceiro momento essencial dela, uma
palavra segunda. Esta palavra segunda consiste na tomada de consciência e justi-
ficação reflexas da “palavra primeirada fé, como provocação de Deus e resposta
dos seres humanos. É aqui que se torna importante a diferenciação verbal entre
Teologia e reflexão teológica. Pergunta-se Juan H. Pico: “Quem é o teólogo, se-
gundo a maneira de entender a Teologia na América Latina?
1031
Certamente não
é o acadêmico, o professor universitário, o investigador especializado. É sim o
cristão, que dotado de um carisma de “dar razão à esperança que nos anima” (cf.
1Pd 3,15), o exercita em meio a uma comunidade cristã, escutando-a e interpre-
tando-a, inspirando-a e criticando-a e, ao mesmo tempo, deixando-se inspirar e
criticar por ela, em virtude de sua participação na prática desta comunidade.
Isto é, em virtude da participão no compromisso desta comunidade por contri-
buir ao processo de libertação de todo o povo. Utilizando o máximo possível os
instrumentos científicos, para conseguir acesso à palavra primeira de Deus e dos
seres humanos, o teólogo latino-americano aspira moderar toda pretensão profes-
soral ao estar convencido de que aqueles com quem reflete teologicamente possu-
em a fé: uma provada na práxis cristã de libertação, uma anterior, sobretudo
axiologiamente, a toda formulação sobre si mesma, enfim, uma melhor que
qualquer de suas justificações
1032
.
Nesta experiência de fé, o quarto momento essencial é a consciência clara
do conflito radical, em cujo contexto se exercita na América Latina a reflexão
teológica. A palavra segunda a dizem os cristãos latino-americanos imersos na
injustiça que penetra as estruturas da convivência humana no Continente latino-
americano. Desta forma, a experiência concreta de dos cristãos latino-
americanos e de seus teólogos é a experiência de opressão. Em um Continente,
1031
J.H. PICO, Método Teológico Latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la
praxis política mediada por el análisis de la realidad, p.599.
1032
Cf. Ibid., p.598-599.
mesmo sobrecarregado pela diferenciação não cristã entre o sagrado e o profano, a
experiência de fé, refletida por esta palavra segunda que é a Teologia latino-
americana, revela a única ruptura cristãmente válida: a ruptura que se entre a
libertação de Jesus e a opressão do ser humano pelo ser humano. Vê-se, portanto,
que na América Latina o poder de dominação é experimentado como História
concreta de pecado. A resistência brutal contra os esforços de libertação, tanto a
partir do medo de perder o poder que caracteriza os dominadores, como a partir do
medo a desafiar o poder que caracteriza os dominados, “é a manifestação mais
clara do pecado entre nós: de um pecado que é preciso tirar de nosso mundo”
1033
.
Por fim, o quinto momento essencial da experiência de na América La-
tina é um momento de revisão, de avaliação e exame. De acordo com Juan Her-
nandez Pico, a reflexão teológica não deve brotar do compromisso criso com
os oprimidos, como chamado de Deus e resposta dos seres humanos. Ela deve
também submeter à revisão, à inspiração e crítica contínuas esse mesmo compro-
misso, a atitude de amor aos oprimidos. A partir desta compreensão latino-
americana da reflexão teológica, a universalidade da Teologia como ciência apa-
rece profundamente questionada. A reflexão teológica possui universalidade na
submissão a sua instância inspiradora e crítica permanente. Essa instância inspira-
dora é a palavra primeira de Deus ao ser humano, tal qual ela se encontra recolhi-
da nas Escrituras e de modo privilegiado na história de Jesus e das primeiras co-
munidades cristãs. Sem dúvida, enquanto reflexão sobre uma experiência histórica
de em Jesus Cristo, isto é, situada no tempo e espaço latino-americanos, terá
que dar razão da esperança que anima “aqui e agora e deverá confrontar-se cria-
tivamente com a práxis de luta pela libertação, sobre a qual também deve refletir.
Desta forma, esta maneira de abordar a reflexão teológica na América La-
tina leva a considerá-la como uma atividade social. Uma atividade social, em pri-
meiro lugar, como produto da reflexão de comunidades cristãs e o de indivíduos
desligados em seu “magnífico isolamento acadêmico”. Mas também, em segundo
lugar, uma atividade social como a reflexão teológica que partilha o risco de ideo-
logização inerente à toda atividade social humana. Pode, por isso, colocar-se de
novo a serviço dos interesses de uma instituição eclesiástica que evita envolver-se
no conflito real entre os esforços de libertação cristã e a resistência oferecida pelo
1033
J.H. PICO, Método Teológico Latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la
praxis política mediada por el análisis de la realidad, p.600.
poder dominador, manifestação do pecado. Enfim, para Juan Hernandez Pico, a
única forma de prevenir-se contra este risco real, é uma opção teológica que seja,
ao mesmo tempo, desmascaramento da Teologia estabelecida e tomada de partido
pelos oprimidos na justificação da esperança que anima a luta pela libertação
1034
.
4.3. Outras formas de fazer Teologia vistas a partir da Teologia da
Libertação segundo Leonardo Boff
Leonardo Boff propõe, na última parte de sua exposição no Encontro da
Cidade do México, uma análise de outras formas de fazer Teologia, passadas e
contemporâneas, vistas a partir da Teologia da Libertação. Tal abordagem tem
como objetivo verificar se a repristinação ou vigência no contexto latino-
americano responde aos desafios que interpelam a fé e o fazer teológico.
Para L. Boff, da Teologia da Libertação apreende-se que toda reflexão
tematizada resulta de um certo tipo de práxis. A reflexão elaborada constitui-se
em palavra segunda, em esforço de articulação da racionalidade presente dentro
de certo modo de viver. Este determinado modo de viver forma a palavra ou reali-
dade primeira, geradora da reflexão, controladora de seu desenvolvimento e lugar
de verificação de sua verdade. Assim, na interação entre práxis e teoria se dá a
verdade concreta e a unidade coerente da vida humana. Diante desta perspectiva,
constata-se, segundo L. Boff, quase uma completa ausência da vigilância crítica
por parte das Teologias praticadas nos centros metropolitanos de reflexão teológi-
ca. Nessa dimensão crítica o autor pretende assinalar algumas formas de fazer
Teologia, como são interpretadas e julgadas a partir do horizonte da libertação e
do cativeiro
1035
. A partir disto, propõe três maneiras como historicamente foi
compreendida a fé e, por conseguinte, a Teologia como racionalidade da fé.
4.3.1. A partir de diferentes concepções de fé
A fé como adesão a verdades reveladas: Teologia como explicação sistemática
Segundo uma concepção bastante vulgarizada, a é entendida como ade-
o a verdades reveladas e contidas na Sagrada Escritura ou na Tradição e propos-
tas como tais pela Igreja. Em tal compreensão da o método teológico se apre-
1034
Cf. J.H. PICO, todo Teológico Latinoamericano y normatividad del Jesús Histórico para la
Praxis Política mediada por el análisis de la realidade, p.600-601.
1035
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.146.
senta em três passos: Primeiro, a exposição da doutrina oficial católica; Segundo,
a comprovação desta doutrina mediante frases da Escritura e da Tradição; Tercei-
ro, a razão teológica, combinando os dois momentos anteriores com argumentos
racionais ou tirados de certo tipo de compreensão da lei natural. A Bíblia e a Tra-
dição formam o grande depósito de verdades reveladas, sistematizadas dentro da
doutrina católica oficial. De acordo com Leonardo Boff, a maior limitação da
Teologia feita nesta concepção consiste em que a Teologia não tem uma densida-
de histórica e que não se dá conta dos pressupostos econômicos, políticos, cultu-
rais e classistas de sua elaboração. Resulta eno em uma Teologia de uma peque-
na elite ilustrada que incorre em grande perigo de cair em ideologização
1036
.
A fé como conversão a Deus Vivo: Teologia como mistagogia sapiencial
A fé, como atitude ontológica originária, antes de estruturar-se tematica-
mente em proposições intelectuais, é uma experiência de encontro com o Mistério
de Deus historicizado em Jesus Cristo. É um converter-se, abrir-se, entregar-se,
confiar-se a Ele, pôr nele todo o sentido do viver e do morrer. Esta concepção de
está na linha bíblica, vital, englobante, envolvendo todos os aspectos da vida.
Assume o testemunho dos grandes teólogos e místicos: o verdadeiro conhecimen-
to de Deus é aquele que nasce do amor a Deus. Assim, nesta atitude de fé já estão
presentes todos os elementos de racionalidade e de Teologia, porém, falta-lhes
uma explicitação e elaboração sistemática. É isto, precisamente, a tarefa da Teo-
logia como discurso lógico sobre a experiência de fé. Esta Teologia será funda-
mentalmente uma mistagogia sapiencial para a experiência cristã.
De acordo com L. Boff, apesar de todos os enriquecimentos que esta Teo-
logia trouxe, ela apresenta, à luz da Teologia da Libertação, senveis limitações.
Será uma Teologia ainda intimista e privatizante, própria de classes beneficiadas
pelo status social. A renovação, a salvação e a graça são entendidas como diálogo
entre Deus e o ser humano, pessoa individual. Trata-se de uma Teologia que vem
calcada fortemente sobre a antropologia personalista, existencial e transcendental.
Porém, é uma Teologia que o se dá conta suficientemente das implicações cos-
mológicas, sociais, ideológicas da pessoa e de todo o diálogo. Assim, a conversão
esdemasiado centrada sobre o coração e a pessoa tomada individualmente, não
se tomando consciência do peso próprio das estruturas que dependem das pessoas
1036
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.147-149.
e que podem oprimi-las. A dinâmica da conversão das estruturas e processos soci-
ais, geradores de iniquidade social, não é a mesma que para a conversão das pes-
soas. Exige, portanto, novo tipo de racionalidade e outras mediações
1037
.
como práxis libertadora: a Teologia da Libertação
Por fim, no terceiro momento, a é entendida como práxis libertadora na
História. A fé se constitui em uma práxis, isto é, em uma maneira de comportar-se
frente à realidade à luz de Deus. Para Leonardo Boff, uma verdadeira em Deus
e em Jesus Cristo leva a um processo libertador. Este processo concretiza-se na
denúncia das opressões concretas que corporificam o pecado como rechaço a
Deus e ao ser humano e no efetivo compromisso na gestação e criação de uma
sociedade mais justa e igualitária. Aqui, a conversão se articula em termos de mu-
danças sociais que implicam processos e passos estratégico-ticos que concreti-
zam um projeto libertador. Nesta perspectiva, a Teologia da Libertação busca ela-
borar todo o conteúdo do cristianismo a partir das exigências de uma libertação
social, que antecipa e mediatiza a libertação definitiva do Reino
1038
.
4.3.2. A partir das diversas posições diante da dialética sujeito-objeto
O que foi abordado acima pode, segundo o próprio Leonardo Boff, ser
compreendido também na dialética do sujeito-objeto. Diferenciam-se, assim, vá-
rias Teologias, como se verá a seguir.
Teologia como elaboração do objeto da
Por objeto da L. Boff entende as ltiplas manifestações de Deus na
História, testemunhadas pela Escritura e mantidas como memória viva na vida da
Igreja. Aqui a tarefa da Teologia residiria em elaborar sistematicamente, no nível
do logos da racionalidade, tal objeto de fé. De fato a Teologia realizou este traba-
lho com suas sumas teológicas que fizeram uso da mediação filosófica. Esse tra-
balho é imprescindível para a , porém, não se pode permanecer só nisto. E a
razão desta insuficiência, segundo Leonardo Boff, é que historicamente este tipo
de Teologia serviu de ideologia para as instâncias do poder sagrado na Igreja, seja
1037
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.149-150.
1038
Cf. Ibid., p.150-151.
como auto-justificação, seja para impor sua ortodoxia aos outros, seja para blo-
quear transformações necessárias na Igreja e na sociedade.
Teologia como reflexão crítica sobre o sujeito da fé
O sujeito da é a comunidade dos fiéis
1039
e o crente concreto. Estes são
os destinatários da revelação e da salvão. E se fazem tais à medida que se con-
vertem e se abrem mais e mais ao diálogo salvífico. Neste aspecto, a Teologia
trabalhou minuciosamente os pressupostos antropológicos da Revelação e da En-
carnação. Detalhou os multiformes passos de acesso do ser humano a Deus e os
caminhos da assimilação interior e comunitária, em termos de uma moral, de uma
celebração e de um direito canônico da Mensagem cristã. Isso tudo constitui-se
em contribuição inegável para a . Porém, este tipo de Teologia tem seus limites.
Teologia como articulação da dialética sujeito-objeto
No entender de L. Boff, sujeito-objeto não estão um frente ao outro.
Eles se implicam e se exigem, constituindo momentos dialéticos de um mesmo
processo vital. O objeto influi e atua sobre o sujeito e este assimila, se modifica e
por sua vez também atua sobre o objeto. Assim, pode-se dizer que a sociedade
condiciona e marca a pessoa e esta por sua vez influi e atua sobre aquela. A Teo-
logia da Libertação busca considerar cuidadosamente esta dialeticidade da vida
que se articula também na fé, por isso sublinha a densidade própria da opressão
social e assinala a dimensão político-libertadora do projeto hisrico de Deus
1040
.
Níveis concretizadores da libertação
Leonardo Boff conclui sua exposição no Encontro da Cidade do México
propondo que o elemento libertador aparece nas três formas de fazer Teologia por
ele abordadas, porém, em cada uma com densidades diferentes. Na Teologia como
elaboração do objeto de fé, dentro dos limites desta postura, a libertação manifes-
ta-se como libertação do erro objetivo, do erro histórico, do erro de compreensão
do texto sagrado que exige uma hermenêutica própria, libertação de erros intelec-
tuais, dos preconceitos, dos pressupostos não conscientizados. A Teologia como
inteligência da fé-adesão a verdades conseguiu tal libertação. A libertação ocorre
1039
Para expressar o sujeito da Leonardo Boff utiliza a expressão latina communitas fidelium.
Cf. L. BOFF, ¿Q es hacer Teología desde América Latina? p.152.
1040
Cf. Ibid., p.152-153.
também na Teologia-conversão ou na Teologia como refleo crítica sobre o su-
jeito da . A libertação revela-se como libertação de ilusões subjetivas, de en-
ganos do inconsciente, de falsas representações e de subjetivismos que podem pôr
em perigo a experiência cristã de Deus e de Jesus Cristo.
Por fim, a libertação vem tematizada na Teologia da Libertação. ela é
colocada no centro da tarefa teológica. Na América Latina os cristãos sensibiliza-
ram-se da gravidade da opressão econômico-política-social. A Teologia quer tor-
nar eficazes a e o amor na libertação desta situação que corporifica o pecado
social e na libertação para um mundo mais fraterno. Para alcançar tal objetivo é
preciso libertar a Teologia para que seus conceitos não sejam manipulados para
adormecer as consciências oprimidas e nem sirvam para justificar o status quo.
Impõe-se vigilância na maneira como se fala e escreve Teologia para que esta não
seja justificadora daquilo que denuncia e nem faça uso da temática da libertação
dos pobres dentro de outros sistemas teológicos que não traduzam e nem levem a
uma prática libertadora. Neste sentido, a Teologia da Libertação acusa outras Teo-
logias por não serem suficientemente críticas e politicamente vigilantes e por fala-
rem de libertação sem densidade e mordência para a situão dos pobres.
Enfim, toda a Teologia ou é libertadora ou não é Teologia. Ela deve reali-
zar a libertação em todos níveis que vão desde a intimidade da pessoa até tocar o
coração das estruturas de todo sistema social que oprime. Isto não se realiza
por meio de convicções intelectuais. É preciso chegar a atitudes concretas, pois
o estas que modificam a realidade. As transformações da realidade exigem mais
que atitudes voluntaristas. Exigem sensibilidade para a viabilidade histórica, aten-
ção para as condições objetivas e criação de mediações operativas. Em cada irrup-
ção de maior liberdade, justiça e fraternidade na sociedade, se concretiza, nas
condições do tempo histórico, a antecipação da liberdade definitiva do Reino
1041
.
4.4. O papel da mútua relevância entre Teologia e História na
determinação da especificidade e originalidade do método teológico
latino-americano
Uma das grandes contribuições do Encontro da Cidade doxico foi situ-
ar e determinar a especificidade e originalidade do método da Teologia da Liber-
1041
Cf. L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América Latina? p.153-154.
tação frente a outros métodos teológicos praticados dentro e fora da América La-
tina. De um modo geral, um primeiro passo para isso foi dado pela própria análise
e fundamentação epistemológica dos passos metodológicos da Teologia da Liber-
tação em busca da especificação de sua identidade. No entanto, alguns expositores
dedicaram-se, através de análises comparativas, à tarefa específica de delimitar a
originalidade e especificidade do método teológico latino-americano. A partir da
interpretação destes autores buscar-se-á, a seguir, verificar as principais contribui-
ções a esta pesquisa no sentido da verificação da hipótese da mútua relevância.
Trata-se de identificar o papel da mútua relevância na determinação da originali-
dade e especificidade do método da Teologia da Libertação.
4.4.1. A mútua relevância entre Teologia e História na determinação
da originalidade e especificidade do conhecimento teológico latino-
americano
Pode-se identificar uma primeira contribuição a esta pesquisa, na aborda-
gem comparativa entre o conhecimento teológico na Teologia européia e latino-
americana, proposta por Jon Sobrino. A tua relevância aparece nas conside-
rações prévias de Jon Sobrino quando trata dos critérios para comparar o conhe-
cimento teológico nas duas Teologias. O critério fundamental de comparação, que
segundo os termos desta pesquisa pode ser definido como o critério da mútua re-
levância entre Teologia e História, baseia-se no interesse que move o conhecimen-
to teológico. Trata-se da pergunta do por que, para quem e a partir de quem se
busca conhecer teologicamente. Essas questões pressupõem que o conhecimento
teológico, enquanto conhecimento, mesmo possuindo uma certa autonomia, ocor-
re sempre em um contexto de realidade. Em decorrência disto, o conhecimento
nunca é nem práxica nem voluntaristicamente neutro. Ele tem sempre, implícita
ou explicitamente, um caráter práxico e ético.
A partir de sua relação com o real, pode-se perguntar se o conhecimento
teológico se dirige a uma realidade pensada ou a uma realidade existente, se res-
ponde a uma exigência intencional do sujeito ou a uma exigência real da situação,
se sua própria existência encobre o que denuncia em seus conteúdos por exem-
plo, um mundo de opressão ou se sua ppria existência é devida à experiência
da opressão vivida. Desta maneira, evidencia-se que o mais fundamental para es-
tabelecer uma comparação entre diversos conhecimentos teológicos é investigar a
opção práxica e ética do mesmo conhecimento e descobrir o que, na mesma inte-
lecção do conhecimento, existe de opção práxica e ética. Daí que a pergunta chave
para estabelecer comparações entre diversas Teologias é perguntar que interesse
move, real e o intencionalmente, os diversos conhecimentos teológicos.
A partir deste critério fundamental Jon Sobrino estabelece sua comparação
em três pontos: o caráter libertador do conhecimento teológico, a relão entre
teoria e práxis no conhecimento teológico e a integração da ruptura epistemológi-
ca no conhecimento teológico latino-americano e europeu. Os resultados desta
comparação, que revelaram a originalidade e especificidade do conhecimento teo-
lógico latino-americano, indicam que a integração metodológica de uma relação
de mútua relevância entre Teologia e História terá papel significativo em alguns
pontos da configuração de tal especificidade e originalidade.
Em primeiro lugar, a mútua relevância aparece como decisiva na diferença
fundamental entre o interesse que move o conhecimento teológico latino-
americano e europeu. A Teologia européia, desafiada pelo Iluminismo e suas con-
seqüências, como sua tarefa fundamental recuperar o sentido da fé. Nesta pers-
pectiva, foi uma Teologia libertadora e pastoral, porém reduzida, no que se refere
à sua clientela, à elites intelectuais. O interesse que moveu para fazer Teologia foi
a realidade ameaçada do crente enquanto crente. Portanto, o interesse que move a
Teologia não é a História em sua globalidade e conflitividade, mas a realidade
ameaçada, porém exclusiva, do crente europeu intelectualizado. o problema
fundamental da Teologia da Libertação o é a necessidade de recobrar o sentido
de uma ameaçada, mas recuperar o sentido de uma realidade não ameaçada,
mas na miséria. Fazer Teologia em seu sentido libertador significa aqui ajudar a
transformar a realidade de pecado. O adversário da Teologia não é tanto o ateu,
mas o não-homem, o desumanizado pela opressão, dominação e dependência.
Vê-se, portanto, que o interesse que move a Teologia da Libertação pro-
vém de uma realidade ameaçada, dominada, dependente e misevel. Esta realida-
de precisa ser vista como uma realidade global, conflitiva, estrutural e multidi-
mensional. O pobre, o dominado, o dependente, o miserável são resultados de
estruturas globais e históricas que precisam ser conhecidas mediante uma raciona-
lidade científica coerente. Estes constituem o “não humano”, o desumanizado, a
“não História” que movem e desafiam o fazer teológico latino-americano em bus-
ca de sua contribuição para iluminar e dar sentido e direção cristã ao urgente pro-
cesso de libertação e humanização. Desta forma, tem-se um conhecimento teoló-
gico que nasce da Hisria ou do reverso da História e aspira contribuir de modo
cristão em sua transformação e libertação.
Em segundo lugar, a mútua relevância entre Teologia e História aparece
também na relação específica e original da Teologia da Libertação com as fontes
da fé. A Teologia européia pretendeu, em princípio, que a partir do esclarecimento
da e suas fontes seguir-se-ia também a libertação real. Em geral pretendeu es-
clarecer a realidade a partir das fontes da fé. Na Teologia latino-americana a rela-
ção com as fontes da fé é distinta. Existe entre os teólogos um primeiro momento
de aceitação da cristã, porém, a concretização desta vai-se dando paralela e
dialeticamente com a existência real. O esclarecimento do duplo obscurecimento
da e da miséria da realidade se em um mesmo movimento. As fontes da Re-
velação não são vistas então tanto como fontes de conhecimento prévio à análise
da realidade e à práxis transformadora, mas como fontes que iluminam a realidade
enquanto elas próprias o iluminadas por uma práxis sobre a realidade. A relação
entre as fontes da Revelação e a confrontação com a realidade não se dá tanto na
“refleo reflexa” das idéias nas quais se expressa a Revelação, mas em uma sin-
tonia de situações. E a partir deste esclarecimento vital vai-se compreendendo a
palavra da Revelação como aquilo que por sua vez esclarece a realidade. Desta
forma, o esclarecimento da e a práxis caminham juntas, onde o importante não
é esclarecer a questão teórica sobre a primazia lógica, ou da Revelação dada ou da
existência cristã entendida como Revelação a realizar (círculo hermenêutico), mas
a consciência de encontrar-se em um processo que inclui dialeticamente tanto as
fontes da Revelação como a real existência cristã.
Em terceiro lugar, a mútua relevância aparece também na relação entre
Teologia e práxis, sujeito e História. A diferea fundamental que é possível veri-
ficar entre ambos os modos de fazer Teologia consiste na superação dos dualis-
mos. Na Teologia européia se avaou muito nesta superação, no desmascaramen-
to da dicotomia espírito-corpo, pessoa-sociedade, privada-fé pública, transcen-
dência-História. Porém, a superação do dualismo ocorreu muitas vezes a nível do
próprio pensamento, isto é, o conhecimento teogico superou o dualismo dentro
do próprio conhecimento. O que a Teologia latino-americana pretende é a supera-
ção do dualismo mais radical na Teologia, a saber, o dualismo do sujeito crente e
História, o de teoria e práxis, mas já não dentro do próprio pensamento e sim den-
tro da existência real. Com isso pretende recuperar o sentido das experiências -
blicas sobre o que significa conhecer teologicamente: conhecer a verdade é fazer a
verdade, conhecer Jesus é segui-lo, conhecer o pecado e a miséria é libertar o
mundo do pecado e da miséria, conhecer a Deus é ir a Deus na Justiça.
Enfim, o conhecimento teológico, caracterizado como cristão pelo seu
conteúdo libertador, pela sua específica relação entre teoria e práxis e pela neces-
ria ruptura epistemológica, recebe na América Latina uma nova perspectiva,
fundamentada em uma original, autêntica e específica relação entre Teologia e
História. Tal relação pode ser definida como relação de mútua relevância que ob-
jetiva uma Teologia encarnada, transformadora e libertadora para a construção de
uma História mais humana, digna e livre para o povo da América Latina.
4.4.2. A mútua relevância entre Teologia e História na determinação
das diferenças entre o enfoque latino-americano e o enfoque
magistral e científico da Teologia
Uma segunda contribuição, que revela o papel significativo da mútua rele-
vância entre Teologia e História na determinão da originalidade e especificidade
da Teologia da Libertação e de seu método, procede da abordagem sobre as dis-
tinções entre o enfoque magistral e científico e o enfoque latino-americano da
Teologia, proposto por Juan H. Pico. A relevância aparece em ambos os enfoques.
Porém, nos termos desta pesquisa, o enfoque magistral e científico da Teologia
estabelece uma relação de mútua relencia entre a Igreja institucional e a Teolo-
gia, ao passo que no enfoque latino-americano a mútua relação de relevância se dá
entre a História, compreendida em sua globalidade estrutural e conflitividade, e a
Teologia. No primeiro enfoque, a Teologia está a serviço da instituão eclesiásti-
ca e de sua defesa e adaptação frente às transformações da modernidade e das
ciências modernas, com sua aspiração de cientificidade, neutralidade e criticidade.
No segundo enfoque, a Teologia está a serviço da transformação global, estrutural
e processual da História em perspectiva libertadora.
O interesse fundamental do primeiro enfoque é o status científico que lhe
assegura lugar entre as ciências modernas e garante adaptação da instituição ecle-
siástica e suas doutrinas às transformações culturais. Assim, o “dar razão da espe-
rança cristã” foi convertendo-se, nos últimos séculos, em um elaborar sistemas
teológicos à altura das exigências da razão científica. Ao aspirar ao caráter de ci-
ência moderna, ao situar-se, conseqüentemente, nas Universidades, a Teologia foi
sendo entendida, progressivamente, como explicação crítico-histórica dos funda-
mentos da e como construção de um sistema de sentido, capaz ao mesmo tempo
de enfrentar os problemas colocados no interior da ordem estabelecida e de trans-
cendê-los sem questionar esta ordem radicalmente. Isso contribui para uma Teo-
logia cada vez mais teórica, ahistórica e desencarnada.
Ao mesmo tempo e como fruto desta opção pelo valor do científico, a Teo-
logia ficou reduzida a situar seu discurso em ambientes esotéricos, submetendo-se
ao excesso de divisão de trabalho, próprio da ciência moderna, que desemboca na
especialização inacessível para as maiorias humanas. Em conseqüência, o protóti-
po do teólogo foi perdendo o contato cristão com as situações estruturais e pesso-
ais das grandes maiorias, até mesmo das cristãs. E a Teologia tendeu a ser uma
elaboração aristocrática de sentido, inoperante para continuar fazendo fermentar a
velha massa em uma progressiva transformação rumo a Nova Crião inaugurada
por Jesus Cristo. Faltou à Teologia cristã a compaixão em seu significado mais
rico de viver a Cruz de Jesus tal como é recriada pelos oprimidos.
Neste contexto é possível interrogar-se pelas raízes profundas desta carên-
cia da Teologia. Colocar-se esse problema significa interrogar-se pelos interesses
a que a Teologia tem servido. Ao que parece, a Teologia serviu primordialmente
aos interesses da instituição eclesial em sua abstrata universalizão romana e não
aos interesses do povo cristão e muito menos aos interesses dos pobres da História
e de sua situação de miséria e desumanidade, confessem estes ou não Jesus Cristo.
Enfim, na raiz da aspiração por enfrentar o problema das relações entre razão e ,
pode-se encontrar a aspiração da instituição eclesial por tornar-se relevante, por
ser tida em conta nas crises de sentido do sistema de poder dominante, em cujo
campo quis seguir tendo um papel superior.
O método latino-americano de fazer Teologia marcará um momento de
criativa oposição a este método científico e magistral de fazer Teologia predomi-
nante na Igreja dos últimos séculos. Este novo método constitui-se numa nova
maneira de fazer e de compreender a Teologia. Segundo a hipótese desta pesquisa,
tal novidade constitui-se a partir do papel e da importância, dados na Teologia da
Libertação, para a relação de mútua relevância entre Teologia e História. Desco-
bre-se que na América Latina fazer Teologia significa levar a sério a experiência
de em Jesus Cristo dentro do contexto histórico concreto da América Latina.
Concretamente, para o fazer teológico latino-americano, esta experiência de fé em
Jesus Cristo, situada no tempo e no espaço concreto da América Latina, articula-
se a partir do interesse fundamental de uma Teologia relevante para as transfor-
mações da Hisria em perspectiva libertadora.
Este interesse fundamental por uma Teologia historicamente relevante
manifesta-se dentro da experiência de dos cristãos como tentativa de refletir
criticamente tal experiência em vista de uma práxis cristã sempre mais autêntica e
comprometida com a transformação libertadora da História. Desta forma, a Teo-
logia aparece como serviço à História e à libertação do ser humano nesta História.
E o teólogo não é o acadêmico, o professor universitário, o investigador especiali-
zado, mas é o cristão, que dotado de um carisma de “dar razão à esperança que
nos anima” (cf. 1Pd 3,15), o exercita em meio a uma comunidade cristã, escutan-
do-a e interpretando-a, inspirando-a e criticando-a e, ao mesmo tempo, deixando-
se inspirar e criticar por ela em virtude de sua participação na prática desta co-
munidade. Isto é, em virtude da participação no compromisso desta comunidade
por contribuir para o processo de libertação de todo o povo. Utilizando o máximo
possível os instrumentos científicos para conseguir acesso à palavra primeira de
Deus e dos seres humanos, o teólogo latino-americano aspira moderar toda pre-
tensão professoral ao estar convencido de que aqueles com quem reflete teologi-
camente possuem a fé: uma fé provada na práxis crisde libertação, uma ante-
rior, sobretudo axiologicamente, a toda formulação sobre si mesma, enfim, uma fé
melhor que qualquer de suas justificações.
Nesta experiência de fé, o teólogo tem conscncia do conflito radical, em
cujo contexto se exercita, na América Latina, a reflexão teológica. A palavra se-
gunda a dizem os cristãos latino-americanos imersos na injustiça que penetra as
estruturas da convivência humana no Continente latino-americano. A experiência
concreta de fé dos cristãos latino-americanos e de seus teólogos é a experiência de
opressão. Na América Latina, a experiência de fé, refletida pela Teologia latino-
americana, revela a única ruptura cristãmente válida: a ruptura que se entre a
libertação de Jesus e a opressão do ser humano pelo pprio ser humano. Vê-se,
portanto, que na América Latina o poder de dominação é experimentado como
História concreta de pecado. A resistência brutal contra os esfoos de libertação,
tanto a partir do medo de perder o poder que caracteriza os dominadores, como a
partir do medo a desafiar o poder que caracteriza os dominados, apresenta-se co-
mo manifestação do pecado. Pecado que é preciso tirar da História.
É essencial, na experiência de fé na América Latina, um momento de revi-
o, de avaliação e exame. A reflexão teológica não deve brotar do compromis-
so cristão com os oprimidos, como chamado de Deus e resposta dos seres huma-
nos. Ela deve também submeter à revisão, à inspiração e crítica contínuas esse
mesmo compromisso, a atitude de amor aos oprimidos. A partir desta compreen-
o latino-americana da reflexão teológica, a universalidade da Teologia como
ciência aparece profundamente questionada. A reflexão teológica possui universa-
lidade na submissão à sua instância inspiradora e crítica permanente. Essa instân-
cia inspiradora é a palavra primeira de Deus ao ser humano, tal qual ela se encon-
tra recolhida nas Escrituras e de modo privilegiado na história de Jesus e das pri-
meiras comunidades cristãs. Sem vida, enquanto reflexão sobre uma experiên-
cia histórica de em Jesus Cristo, isto é, situada no tempo e espo latino-
americanos, terá que dar razão da esperança que anima “aqui e agora” e deverá
confrontar-se criativamente com a práxis concreta de luta pela libertação sobre a
qual também deve refletir.
Esta maneira de abordar a reflexão teológica na América Latina leva a
considerá-la como uma atividade social. Uma atividade social, em primeiro lugar,
como produto da reflexão de comunidades cristãs e não de indivíduos desligados
em seu isolamento academicista. Mas também, em segundo lugar, uma atividade
social como a reflexão teológica que partilha o risco de ideologização inerente à
toda atividade social humana. Pode, por isso, colocar-se de novo a serviço dos
interesses de uma instituição eclesiástica que evita envolver-se no conflito real
entre os esforços de libertação cristã e a resistência oferecida pelo poder domina-
dor, manifestação do pecado. A única forma de prevenir-se contra este risco real,
é uma opção teológica que seja ao mesmo tempo desmascaramento da Teologia
estabelecida e tomada de partido pelos oprimidos na justificação da esperança que
anima a luta pela libertação.
Concluindo, -se que o enfoque teológico latino-americano, tal como o
interpreta Juan H. Pico, constitui-se em mais um argumento afirmativo da mútua
relevância entre Teologia e História e de seu papel significativo na configuração
da Teologia da Libertação e de seu método. Verifica-se que o interesse fundamen-
tal que está em jogo na Teologia latino-americana não consiste na defesa, por
mais científica que pretenda ser, de princípios teóricos da doutrina cristã frente a
uma sociedade ilustrada e nem na defesa e adaptação da instituão eclesiástica às
transformações culturais da modernidade. Consiste sim, no serviço à História con-
creta da América Latina, marcada pelos desafios concretos e urgentes e por ansei-
os profundos de transformação rumo a uma sociedade mais humana, digna e livre.
Neste sentido, a mútua relevância expressa a unidade fundamental entre teoria e
práxis, entre cristã e compromisso cristão. Estes constituem-se em dimensões
distintas de um mesmo processo global de libertação e salvação que tem na His-
ria o lugar de mediação e realização da libertação cristã, transformando-a progres-
sivamente em História da Salvação.
4.4.3. A originalidade da Teologia da Libertação interpretada a partir
da relação de mútua relevância entre Teologia e História
A terceira contribuição que as abordagens sobre a especificidade e origina-
lidade do método teológico latino-americano traz para a verificação da hitese da
mútua relevância e de seu papel na configuração da Teologia da Libertação e de
seu método, pode ser aduzida a partir da última parte do estudo de Leonardo Boff,
onde o analisadas, diacronicamente, outras formas de fazer Teologia, vistas e
interpretadas a partir da Teologia da Libertação latino-americana
1042
.
A tua relevância entre Teologia e Hisria determina o horizonte espe-
cífico de interpretação das interpelações críticas a outras formas de fazer Teologi-
a. Para Leonardo Boff, apreende-se da Teologia da Libertação que toda refleo
tematizada resulta de um certo tipo de práxis. A reflexão elaborada constitui-se
em palavra segunda, em esforço de articulação da racionalidade presente dentro
de certo modo de viver. Este determinado modo de viver forma a palavra ou reali-
dade primeira, geradora da reflexão, controladora de seu desenvolvimento e lugar
de verificação de sua verdade. Assim, na interação entre práxis e teoria se a
verdade concreta e a unidade coerente da vida humana. Diante desta perspectiva,
constata-se quase uma completa ausência da vigilância crítica por parte das Teo-
logias praticadas nos centros metropolitanos de reflexão teológica.
A partir deste horizonte crítico, determinado pela relação de mútua rele-
vância entre Teologia e Hisria presente na Teologia da Libertação, pode-se per-
1042
A abordagem de L. Boff encontra-se em: L. BOFF, ¿Qué es hacer Teología desde América
Latina? p.146-154.
ceber que esta relação de mútua relencia daespecificidade e originalidade à
Teologia latino-americana em três aspectos. Primeiro, nas diferentes concepções
de fé e, por conseguinte, de Teologia. A é concebida ao longo da História como
adesão a verdades reveladas, como conversão ao Deus vivo e como práxis liberta-
dora. Conseqüentemente, decorre destas concepções de uma Teologia como
explicação sistemática dos conteúdos da verdade revelada, como mistagogia sapi-
encial e como Teologia da Libertação, respectivamente. À luz da Teologia da Li-
bertação, tanto a Teologia como explicão sistemática, como a Teologia como
mistagogia sapiencial, apesar de suas contribuições, são limitadas. A primeira é
limitada por não ter densidade histórica e por não levar em conta os pressupostos
econômicos, políticos, culturais e classistas de sua elaboração. A segunda é limi-
tada por ser ainda uma Teologia privatizante, própria de classes beneficiadas pelo
status social, calcada sobre uma antropologia personalista, existencial e transcen-
dental, e por não levar suficientemente em conta as implicações cosmológicas,
sociais, ideológicas da pessoa e do diálogo entre Deus e o ser humano.
O que diferenciará a como práxis libertadora e a conseqüente Teologia
da Libertação como interpretação desta fé é a mútua relevância. Mútua relencia
que se dá entre e práxis de libertação e entre Teologia e História. A é enten-
dida como práxis de libertação na História. A fé se constitui em uma práxis, isto é,
em uma maneira de comportar-se frente à realidade à luz de Deus. Uma fé verda-
deira e autêntica em Deus e em Jesus Cristo leva a um processo libertador. Este
processo concretiza-se na denúncia das opressões concretas que corporificam o
pecado como rechaço a Deus e ao ser humano e no efetivo compromisso na gesta-
ção e criação de uma sociedade mais justa e igualitária. Aqui a conversão se arti-
cula em termos de mudaas sociais que implicam processos e passos estratégico-
táticos que concretizam um projeto libertador. Nesta perspectiva, a Teologia da
Libertação busca elaborar todo o conteúdo do cristianismo a partir das exigências
de libertação social, que antecipa e mediatiza a libertação definitiva do Reino.
Segundo, nas diversas posições diante da dialética sujeito-objeto. A partir
desta dialética diferenciam-se várias Teologias. Teologia como elaboração do
objeto da fé, Teologia como reflexão crítica sobre o sujeito da fé e Teologia como
articulação dialética sujeito-objeto. A Teologia da Libertação, que é Teologia co-
mo articulação da dialética sujeito (comunidade de e o cristão concreto) e obje-
to (Revelação), distingue-se também nesta concepção de Teologia como determi-
nada pela articulação de mútua relevância. Entende-se que sujeito-objeto não
estão um frente ao outro, mas também se implicam e se exigem mutuamente.
Constituem momentos dialéticos de um mesmo processo vital. O objeto influi e
atua sobre o sujeito e este assimila, se modifica e por sua vez também atua sobre o
objeto. Em outros termos, pode-se dizer que a sociedade condiciona e marca a
pessoa e esta por sua vez influi e atua sobre aquela. Neste sentido, a Teologia da
Libertação busca considerar cuidadosamente esta dialeticidade da vida que se arti-
cula também na fé. A Teologia da Libertação sublinha a densidade própria da o-
pressão social e assinala a dimensão pública, política e libertadora do projeto his-
tórico de Deus. Daí sua aspiração em ser Teologia historicamente relevante pela
via da consideração da relevância que tem a ppria História para a Teologia.
Em terceiro lugar, a mútua relevância entre Teologia e História também
determina o modo específico como se distingue o vel concretizador da liberta-
ção na Teologia da Libertação frente a outras Teologias. O elemento libertador
aparece nas três formas de fazer Teologia, porém, em cada uma com densidades
distintas. Na Teologia como elaboração do objeto de fé, nos limites desta postura,
a libertação manifesta-se como libertação do erro objetivo e histórico, do erro de
compreensão do texto sagrado que exige hermenêutica própria, libertação de erros
intelectuais, dos preconceitos, dos pressupostos não conscientizados. A Teologia
como inteligência da fé-adesão a verdades conseguiu tal libertação. A libertação
ocorre também na Teologia-conversão ou na Teologia como reflexão crítica sobre
o sujeito da . A libertação revela-se como libertação de ilusões subjetivas, de
enganos do inconsciente, de falsas representações e de subjetivismos que podem
colocar em perigo a experiência cristã de Deus e de Jesus Cristo.
Por fim, a libertação vem tematizada na Teologia da Libertação de um
modo específico que denota o papel da relação de mútua relevância entre Teologia
e História. Nesta Teologia a libertação é colocada no centro da tarefa teológica.
Na América Latina os cristãos sensibilizaram-se do peso e da gravidade da opres-
o econômico-política-social. A Teologia da Libertação quer tornar operantes e
eficazes a fé e o amor na libertação desta situação que corporifica o pecado social
e na libertação para um mundo mais fraterno. Para alcançar tal objetivo é preciso
libertar a Teologia para que seus conceitos não sejam manipulados para adorme-
cer as consciências oprimidas e nem sirvam para justificar o status quo. Impõe-se
assim uma vigilância constante na maneira como se fala e escreve Teologia para
que esta não seja justificadora daquilo que denuncia e nem faça uso da temática da
libertação dos pobres dentro de outros sistemas teológicos que não traduzam e
nem levem a uma prática libertadora. Neste sentido, a Teologia da Libertação acu-
sa outras Teologias por não serem suficientemente críticas e politicamente vigi-
lantes e por falarem de libertação sem densidade e mordência concreta para a situ-
ação dos pobres, portanto, sem relevância para a História.
Enfim, toda a Teologia ou é libertadora ou não é Teologia. Ela deve reali-
zar a libertação em todos os níveis, desde a intimidade de cada pessoa até tocar o
coração das estruturas dos sistemas sociais opressores. Isto não se realiza por
meio de convicções intelectuais. É preciso chegar a atitudes concretas, pois são
estas que modificam a realidade. As transformações da realidade exigem mais que
atitudes voluntaristas. Exigem sensibilidade para a viabilidade hisrica, atenção
para as condições objetivas e criação de mediações operativas. Em cada irrupção
de maior liberdade, justiça e fraternidade na sociedade, se concretiza nas condi-
ções do tempo histórico, a antecipação da liberdade definitiva do Reino.
Pode-se concluir, a partir da análise proposta acima, que a relação de -
tua relevância determinará a originalidade e especificidade da Teologia da Liber-
tação, tanto a partir da perspectiva das diferentes concepções de fé, como a partir
da perspectiva da dialética sujeito-objeto, como também nos diferentes níveis
concretizadores da libertação. Tal originalidade e especificidade, conferida pela
compreensão de que a História deve ser relevante teologicamente se a Teologia
almejar ser relevante historicamente, impõe à Teologia da Libertação a tarefa e a
missão de ser um serviço cristão para a construção de um mundo melhor, serviço
para a transformação libertadora da História.
C O N C L U S Ã O
A Teologia da Libertação nasce a partir de fins da década de 60 e início da
década de 70 como interpretação teológica motivada pela práxis de fé dos cristãos
comprometidos com o processo de libertação latino-americano. No contexto da
América Latina, marcada por uma situação de dominação, dependência e subde-
senvolvimento, emerge a consciência das causas estruturais de tal realidade e da
necessidade e urgência de transformações profundas que rompam com as forças
de opressão, dominação e dependência. O processo de libertação, nascido desta
consciência e desta necessidade, caracteriza-se como uma revolução da situão
real de miséria, opressão e dominação rumo a uma Nova Sociedade. A presença
cristã neste processo coloca-lhes questões radicais em relação a sua fé e sua práxis
no contexto das transformações estruturais urgentes para a América Latina.
Identifica-se a gênese e nascimento da Teologia da Libertação como inter-
pretação teológica, a partir da fé feita práxis comprometida na libertação histórica,
do compromisso cristão libertador e das questões que tal compromisso levanta à
cristã. Este compromisso libertador revela-se aos cristãos basicamente como
opção fundamental pelos pobres e oprimidos e pela libertação da opressão e do-
minação geradoras da pobreza e da miséria. Assim, a Teologia da Libertação de-
senvolve-se como reflexão crítica, a partir da fé e iluminada pela Palavra de Deus,
do compromisso cristão no processo de libertação. Partindo deste processo e da
práxis de dos cristãos com ele comprometidos, a Teologia aspira elaborar uma
reflexão crítica capaz de contribuir para a práxis de fé auntica e libertadora.
Esta compreensão da Teologia da Libertação implica uma prática de
reflexão teológica e, conseqüentemente, uma metodologia teológica. Nos seus
primeiros anos a Teologia da Libertação manifesta maior preocupação na funda-
mentação, explicitação e elaboração de seus conteúdos fundamentais. Porém, já a
partir do início da década de 70 emergem aspectos da questão metodológica que
o esparsamente abordados por alguns autores. É no Encontro da Cidade do Mé-
xico (1975) que a pergunta pelo método teológico latino-americano, por seus
pressupostos hermenêuticos, por seus fundamentos epistemológicos, por sua pecu-
liaridade, especificidade, significatividade e originalidade ganha maior importân-
cia. Este é o momento de fundamentar, justificar e delimitar criticamente os pas-
sos metodológicos de uma Teologia em curso, que vinha iluminando critica-
mente a práxis de fé cristã comprometida com a libertação.
O capítulo que ora se encerra objetivou verificar como os teólogos da li-
bertação que abordaram a questão metodológica interpretaram os fundamentos
epistemológicos, os pressupostos hermenêuticos, os passos metodológicos e a
especificidade e originalidade do método da Teologia da Libertação no Encontro
da Cidade do México. A partir desta verificão buscou-se averiguar as contribui-
ções no sentido de afirmar a validade ou nulidade da hipótese da mútua relevância
como aspecto significativo na constituição do método da Teologia da Libertação.
O resultado desta verificação e análise permite concluir que é coerente,
válida e afirmativa a hipótese de que a relação de mútua relevância entre Teologia
e História desempenha um papel significativo na determinação e configuração do
método da Teologia da Libertação, tal como este foi interpretado no Encontro da
Cidade do México. Em todos os aspectos analisados a relação entre Teologia e
História apresenta-se como significativa, seja para indicar a peculiaridade e signi-
ficatividade do método teológico latino-americano, ou para delimitar seus funda-
mentos epistemológicos e seus pressupostos hermenêuticos. Além disso, a relação
entre Teologia e História apresenta-se como significativa na própria estrutura me-
todológica fundamental e na proposição dos passos metodológicos específicos do
método teológico latino-americano.
Quanto a estrutura metodológica fundamental concebe-se a Teologia como
uma refleo que parte da História concreta para, a partir da reflexão crítica e à
luz da e da Palavra de Deus, voltar para a História objetivando iluminar criti-
camente a práxis cristã no compromisso libertador rumo a uma Nova História.
Assim, a História, compreendida em sua globalidade e conflitividade multidimen-
sional, é concebida como ponto de partida relevante para a reflexão teológica, pois
é da História e na Hisria que se levanta o grito esperançoso do pobre e do opri-
mido, de cristãos e não-cristãos, para uma transformação libertadora que lhes as-
segure vida e dignidade na América Latina de opressão e dominação. É este grito
de dor e sofrimento, mas também de esperança, do pobre e do oprimido, que in-
terpela cristãos e não-cristãos para as transformações libertadoras da História.
O compromisso libertador e a práxis de fé dos cristãos, comprometidos nas
transformações libertadoras da Hisria, são a experiência primeira que interpela,
provoca e afeta a Teologia, urgindo-lhe uma palavra crítica e iluminadora que
possa dar razões à esperança crisvivida nas tenes e conflitos da situação de
dominação, dependência e miséria, mas também de esperança de libertação, que
marcam a História na América Latina. Desta forma, a Teologia que dnasce é
uma Teologia que busca articular, criticamente e a luz da cristã, a experiência
de opressão-libertação que marca a História. Ao mesmo, tempo aspira iluminar e
contribuir para que a cristã, historicamente vivida e contextualmente concreti-
zada, seja autêntica e contribua para a libertação integral do povo latino-
americano. Libertação esta que tem conteúdo concreto e determinado: é libertação
definitiva de todo pecado, mas também libertação das opressões, dominações eco-
nômicas, políticas, culturais e religiosas que caracterizam, social e estruturalmen-
te, o pecado e a morte presentes na realidade concreta da América Latina.
A relação de tua relevância entre Teologia e História aparece de modo
significativo também em cada um dos passos metodológicos específicos da Teo-
logia da Libertação. Tanto na leitura cio-analítica-estrutural da realidade, como
na leitura teológica do texto sócio-analítico-cultural e na busca de pistas de ação
pastoral libertadora, a relação de mútua relevância se faz presente como horizonte
hermenêutico fundamental dentro do qual se move a forma como se compreende e
se faz a reflexão teológica latino-americana.
Por fim, o papel da relação de mútua relevância também aparece de modo
determinante nas análises comparativas entre a Teologia da Libertação e outras
formas teológicas. A específica relação de relevância entre Teologia e História,
presente na Teologia da Libertação, aparece como o fator que concede originali-
dade, especificidade e significatividade à Teologia da Libertação. A Teologia da
Libertação torna-se original e significativa para a América Latina por ser uma
Teologia a partir, para e na América Latina. Isso significa que ela consiste em
uma Teologia que parte da realidade latino-americana, realiza-se nas condições
reais e concretas da América Latina e objetiva contribuir para o processo de liber-
tação latino-americano. Para tal, sua proposta original e pertinente consiste em
uma Teologia que considera teologicamente relevante a História e aspira ser histo-
ricamente relevante, através da iluminação crítica da práxis de fé e do compromis-
so cristão libertador. Por isso, é uma Teologia a serviço da História rumo a cons-
trução da Nova História de Libertação e Salvação.
Conclusão Geral
O caminho percorrido nesta pesquisa, desde os dois capítulos introdutórios
até os capítulos em que se procurou abordar a relação de tua relencia entre
Teologia e História nos Encontros de El Escorial (1972) e do México (1975), pos-
tula algumas conclusões que podem ser tomadas como contribuições desta pesqui-
sa ao debate teológico latino-americano. Buscar-se-á, nesta conclusão, por um
lado, retratar as contribuições fundamentais dos referidos encontros na averigua-
ção da hipótese da mútua relevância entre Teologia e História na elaboração do
método teológico da Teologia da Libertação. Por outro lado, visando a pertinência
do método da Teologia da Libertação na atualidade, buscar-se-á indicar o lugar e
o papel da relação de mútua relencia entre Teologia e História na atual reflexão
teológica de cunho libertador.
Neste sentido, intentam-se algumas conclusões que possam contribuir para
que a reflexão teológica latino-americana esteja comprometida com a libertação
de todas as formas de dominação, dependência, exploração e exclusão que ainda
marcam a realidade. Com tal proceder, procura-se, conclusivamente, por um lado,
retratar as contribuições dos referidos encontros para o fazer teológico atual e, por
outro, situar a questão da mútua relevância entre Teologia e História no presente
debate metodológico da Teologia da Libertação. Isso possibilita elucidar a contri-
buição específica desta pesquisa para a reflexão teológica latino-americana.
1. A interpretação da História nos Encontros de El Escorial e da
Cidade do México
A interpretação da História nos encontros de San Lorenzo del Escorial e da
Cidade do México é distinta e complementar, segundo o interesse motivador de
cada um dos encontros. Enquanto o encontro de El Escorial propõe uma leitura
crítica e científica da realidade de dominação, dependência e subdesenvolvimento
latino-americano e suas causas e estruturas profundas, apoiada na nova Sociologia
política e econômica latino-americana, o encontro da Cidade do México analisa as
conseqüências que a situação de dependência política, econômica, cultural, ideo-
lógica e religiosa tem sobre a reflexão teológica libertadora e seu método.
1.1. A interpretação da História no Encontro de El Escorial (1972)
A História pode ser compreendida como o acontecer humano em curso no
tempo e no espaço. Esta História é composta de dimenes que interagem, inter-
dependem e se complementam, tais como, a política, a econômica, a social, a cul-
tural, a ideológica e a religiosa. A verificação da História teologicamente relevan-
te, segundo a interpretação de El Escorial, é proposta, nesta pesquisa, a partir des-
tas dimensões que são tomadas como chaves de leitura da realidade social, políti-
ca, econômica, cultural, ideológica e religiosa da América Latina.
Constata-se que a História teologicamente relevante, segundo a interpreta-
ção de El Escorial, é a História crítica e cientificamente revelada a partir das aná-
lises sociológicas, econômicas e políticas decorrentes das Ciências Sociais e Polí-
ticas, principalmente da nova Sociologia política e econômica latino-americana.
Esta História revela-se como política, cultural, social, econômica e religiosamente
dependente, subdesenvolvida e dominada, porém, em vias de libertação. Daí o
conceito de dominação/subdesenvolvimento/dependência-libertação como o con-
ceito chave de interpretação da Hisria presente em El Escorial. Nesta perspecti-
va, a História é interpretada do ponto de vista econômico-social e político, por um
lado, como em situação de dependência, dominação, exploração e subdesenvol-
vimento, e, por outro, como a Hisria na qual emerge a consciência social e polí-
tica da situação de dependência, dominão e subdesenvolvimento e suas estrutu-
ras e causas profundas, e na qual emerge a consciência social e política da neces-
sidade e urgência da libertação mediante um processo revolucionário que possibi-
lite transformações profundas. Economicamente este processo revolucionário con-
siste no rompimento com o capitalismo dependente e com o estabelecimento de
um socialismo latino-americano que dê condições de um desenvolvimento susten-
tável aos povos latino-americanos.
Do ponto de vista ideológico esta nova consciência é interpretada como
parte do nacionalismo latino-americano que aspira independência, identidade pró-
pria e seu lugar no mundo. Este nacionalismo faz parte de um movimento históri-
co-ideológico que tem início no século XIX quando alguns latino-americanos
se descobrem em uma experiência de “não ser”, de não existir, de ser apenas
reflexo de outras culturas e civilizões, de ser reduzidos à dependência e margi-
nalização. Desta forma a Hisria latino-americana é marcada ideologicamente,
em fins da década de 60 e início da década de 70, por este nacionalismo latino-
americano que busca identidade e coesão frente ao neo-imperialismo e neo-
capitalismo estrangeiros. Trata-se da luta ideológica entre a integração a um proje-
to exógeno e na condição de dependência, exploração e subserviência e a possibi-
lidade de firmar um projeto histórico próprio, com identidade e força próprias, que
garanta à América Latina sua identidade e coesão nacional e continental.
A interpretação da História proposta em El Escorial verifica que a depen-
dência e dominação revelam-se não ideológica, política e economicamente.
Elas verificam-se também sócio-cultural e religiosamente. A História latino-
americana é interpretada, em sua dimensão cultural e religiosa, como a História
marcada por uma herança secular de dominação e dependência presentes e entra-
nhadas na cristã ocidental. que serviu, quando instrumentalizada a serviço
das forças de dominação e subjugação européias, como instrumento de dominação
e expansão do mundo europeu e norte-atlântico que mantém a cultura e a religio-
sidade latino-americanas em situação de dependência. Temas como a seculariza-
ção, o catolicismo/religiosidade popular e a presença do protestantismo na Améri-
ca Latina se fizeram presentes em El Escorial para indicar as formas como a
cristã esteve presente na América Latina e contribuiu para a dominão e depen-
dência e como esta fé pode desempenhar papel libertador a serviço de transforma-
ções necessárias na História latino-americana. Isto a partir da autoconsciência da
dependência, não apenas econômica, política e cultural, mas também religiosa,
lirgica e teológica. Autoconsciência que possibilite um processo de libertação
consciente das formas e forças religioso-culturais de dominação e dependência.
Na interpretação da História proposta em El Escorial este processo de
consciência da situação e da necessidade de um processo revolucionário de liber-
tação se faz presente em todas as dimensões que comem o acontecer humano
latino-americano. Identifica-se, em El Escorial, que a História contemporânea à
realização desse encontro, é marcada pela emergência da consciência da situação
de dominação, opressão, subdesenvolvimento e dependência e, ao mesmo tempo,
pela percepção crescente da necessidade e urgência do processo revolucionário de
libertação. Processo este que deve ser compreendido como global, estrutural e
dinâmico. Esta consciência, ocorrida primeiramente no campo das Ciências Soci-
ais, expandiu-se e constituiu-se na chave interpretativa da realidade latino-
americana em todas as suas dimensões. Assim, a emergência da consciência da
situação, bem como o engajamento e compromisso na luta pela libertação, passam
a fazer parte de uma espécie de patrimônio comum que sustenta social, política,
cultural, religiosa e ideologicamente o processo revolucionário de libertação.
A interpretação da História, em sua pluridimensionalidade, como Hisria
de dependência, dominação e subdesenvolvimento e como História na qual emer-
ge a consciência da situação de dominação e dependência e a conseqüente neces-
sidade e urgência do processo revolucionário de libertação, caracteriza a compre-
ensão de História teologicamente relevante em El Escorial. É esta História que é o
ponto de partida a desafiar e provocar uma Teologia relevante que contribua com
a urgente libertação latino-americana. Revela-se, assim, em El Escorial, uma trí-
plice compreensão de Hisria. A História é passado cronogico de dominação,
de subjugação e dependência. É presente marcado pela emergência da situação de
dominação, dependência, subdesenvolvimento e exploração. É presente marcado
pela emergência da consciência da necessidade do processo revolucionário de
libertação. E é futuro definido como promessa, utopia-esperança e anseio. É a
História grávida do futuro, do Novo, da nova Sociedade, do novo Ser Humano. É,
enfim, a nova História, o lugar do acontecer e devir de uma nova Humanidade,
livre e senhora de seu destino.
1.2. A interpretação da História no Encontro da Cidade do México
O Encontro da Cidade do México assume e pressupõe, em sua interpreta-
ção da História, o conteúdo revelado através da análise das dimenes sociais,
políticas, econômicas, religiosas e ideológicas presentes na interpretação da Histó-
ria em El Escorial. No entanto, assumindo este conteúdo básico, amplia-o e com-
plementa-o, aplicando-o aos desafios que esta condição histórica latino-americana
- marcada pela dependência, dominação e subdesenvolvimento e pela emergência
da consciência das causas e estruturas profundas que sustentam e mantêm tal situ-
ação e pela conseqüente emergência do processo revolucionário de libertação -
traz à refleo teológica comprometida com a libertação.
O interesse fundamental do encontro da Cidade do México é o debate so-
bre o método teológico, compreendido em seu contexto histórico vital e inserido
na dinâmica global e integral da América Latina de meados da década de 70. Daí
a possibilidade de se verificar qHistória é relevante teologicamente, segundo a
interpretação do encontro da Cidade do México, através da pergunta pelos condi-
cionamentos da reflexão teológica na América Latina.
Segundo a interpretação deste encontro a História, enquanto acontecer
humano de várias dimensões, condiciona o fazer teológico imprimindo-lhe feições
próprias conforme o grau, intensidade e profundidade de tais condicionamentos.
Os condicionamentos históricos condicionam, desafiam, moldam e influenciam o
fazer teológico latino-americano. São o chão real no qual, a partir do qual e para o
qual se faz Teologia na América Latina. São a História, que em sua pluridimensi-
onalidade, interpela, provoca e afeta a Teologia. Desta forma, os condicionamen-
tos da reflexão teológica latino-americana, além de serem a interface da Hisria
que condiciona a Teologia, são meios de acesso para uma revisão crítica da pró-
pria Teologia e de seu método ante os desafios da realidade latino-americana. Daí
a necessidade de tomar consciência dos mesmos para que a Teologia possa cum-
prir sua tarefa e ser historicamente relevante ante os desafios da História.
A partir desta compreensão pode-se identificar os principais condiciona-
mentos da reflexão teológica latino-americana, segundo a interpretação dos expo-
sitores do encontro da Cidade do México. Estes condicionamentos são de caráter
social, econômico, político, cultural e eclesial. Manifestam-se especificamente
como condicionamentos histórico-ideológicos. Segundo a interpretação do encon-
tro da Cidade do México, a Teologia latino-americana esteve historicamente con-
dicionada pela constituição ideológica da Teologia de centro, de cunho europeiza-
dor, dominador e colonizador. Este condicionamento ideológico torna a Teologia
justificadora da dominação e incapaz de ouvir o grito de dor e sofrimento provin-
do das periferias do mundo dominado e explorado. Esta Teologia apresenta-se
como Teologia ideológico-imitativa, irrelevante para a realidade de dominação,
opressão e dependência que marcam a América Latina.
Os condicionamentos da reflexão teológica latino-americana também se
manifestam no período contemporâneo ao encontro da Cidade do México. Segun-
do a interpretação dos expositores deste encontro, a Teologia contemporânea lati-
no-americana é condicionada pela sua historicidade, pela condição hisrica, con-
creta e real do tempo e espaço latino-americanos. Esta historicidade é marcada
pelo tempo e espaço latino-americano em que se manifestam os condicionamentos
sócio-políticos, como o do sistema capitalista dependente, o condicionamento de
classe social e o das estruturas políticas de divisão do poder dentro do capitalismo
dependente. Esses condicionamentos marcam a reflexão teológica e torna-se ne-
cessário tomar consciência dos mesmos para que a Teologia da Libertação seja
capaz de estabelecer uma autocrítica pertinente em busca de uma Teologia rele-
vante e autêntica para o contexto de dependência, desigualdade social e autorita-
rismo político que marcam a História na América Latina.
A reflexão teológica latino-americana, em sua contextualidade e historici-
dade, é marcada também por condicionamentos eclesiais. Estes em em evidên-
cia problemas teológico-eclesiais decorrentes do choque entre diferentes concep-
ções de fé, de Igreja, de Teologia e de evangelizão. O foco central deste choque
esno enfrentamento e conflito resultantes do choque entre uma Teologia com
pretensão de contribuir para a transformação estrutural da América Latina, marca-
da pela dominação, desigualdade, injustiça e dependência, e uma Teologia e con-
cepção de Igreja ahistórica, atemporal e apolítica. Constata-se que esta situação
conflitiva cria condicionamentos eclesiais que colocam a Teologia da Libertação
em situação de cativeiro pela própria Igreja. Viabiliza-se esta situação de cativeiro
através de mecanismos de controle da refleo e da prática libertadoras, postos em
funcionamento por parte da Igreja institucional acomodada a uma reflexão teoló-
gica ahistórica, descontextualizada, atemporal e pretensamente apolítica, que aca-
ba por justificar e contribuir para a situação de dominação, dependência e subde-
senvolvimento então vigentes na América Latina.
A própria Teologia da Libertação, segundo a interpretação do encontro da
Cidade do México, é marcada por condicionamentos. Estes estiveram presentes na
primeira época de constituição da Teologia e em sua segunda época, entendida
como o tempo contemporâneo ao encontro da Cidade do México. Em sua primeira
época a Teologia esteve condicionada por uma espécie de euforia com a libertação
e em sua segunda época esteve condicionada pela condição de cativeiro e exílio,
imposta pela situação político-social ditatorial que marcou a América Latina de
eno. Nisto pode-se afirmar que a Teologia da Libertação, como parte de um
processo social mais amplo, comungou, em seus condicionamentos positivos e
negativos destas duas épocas, da condição histórica de todos os cristãos e não cris-
tãos comprometidos com o processo revolucionário de libertação latino-
americano. Passou da euforia, com a esperança e a expectativa da libertação imi-
nente, ao cativeiro e ao exílio, impostos pelas forças beneficiárias da situação de
dependência, dominação e exploração, e, por isso, reagentes a qualquer indício de
independência e libertação real do povo latino-americano.
O encontro da Cidade do México testemunha que a situação de cativeiro e
exílio, vivida por cristãos e não cristãos comprometidos com o processo de liber-
tação, condiciona a reflexão teológica de cunho libertador e a presença de parte da
Igreja comprometida com as transformações urgentes e necessárias para a Améri-
ca Latina. Desta forma, mesmo na condição de exílio e de cativeiro a Igreja e a
reflexão teológica são desafiadas a defender a dignidade do povo latino-
americano, a buscar um desenvolvimento integral e global e assim manter vivo e
presente o projeto histórico de libertação, através do qual o povo torna-se sujeito e
senhor de seu destino e de sua História.
Por fim, chama-se a atenção no encontro da Cidade do México de que a
identidade cultural, como dimensão da História latino-americana, condiciona a
reflexão teológica que aspira ser libertadora. Daí o desafio à Teologia da Liberta-
ção para que integre os condicionamentos culturais do povo latino-americano,
pois a América Latina é marcada pelo pluralismo étnico-cultural, principalmente
dos povos indígenas. A Teologia que queira ser relevante para a América Latina
precisa considerar os condicionamentos decorrentes da identidade cultural latino-
americana, marcada pela diversidade de etnia, cultura e língua, que indicam a i-
dentidade plural dos povos latino-americanos.
O conjunto dos condicionamentos da reflexão teológica latino-americana
revela a consciência que a Teologia da Libertação vai adquirindo sobre os fatores
e dimensões da História que influenciam e condicionam o fazer teológico de cu-
nho libertador. Como esforço crítico de auto-avaliação a interpretação dos condi-
cionamentos hisricos da reflexão teológica revelam a forma e o conteúdo da
influência e força que a História latino-americana adquire para a Teologia da Li-
bertação e para seu método. Neste sentido, os condicionamentos da reflexão teo-
lógica latino-americana são expressão e interpretação teológica das dimensões que
compõem a História como acontecer humano latino-americano, inserido no tempo
e no espaço. Revelam a forma como a reflexão teológica se inserida na Histó-
ria e a forma como a Teologia lê e interpreta a força da Hisria sobre si.
2. A interpretação da Teologia nos Encontros de El Escorial e da
Cidade do México: a Teologia como reflexão crítica a partir da
História e para a transformação da História
Os Encontros de San Lorenzo del Escorial e da Cidade do México desem-
penham um papel fundamental no processo de consolidação da Teologia da Liber-
tação. O primeiro revela os conteúdos fundamentais de uma nova reflexão nascida
no contexto histórico de dominação, opressão, dependência e subdesenvolvimento
e da emergência da consciência desta situação e do engajamento e compromisso
com o processo libertador. O segundo, contando com uma caminhada em curso
desta nova reflexão, propõe a primeira reflexão crítica conjunta sobre os pressu-
postos hermenêuticos, os fundamentos epistemológicos e sobre os passos metodo-
lógicos da Teologia da Libertação. Ambos objetivam uma reflexão relevante para
a transformação libertadora da História de dominação, opressão, dependência e
subdesenvolvimento que marca a América Latina. O primeiro revela os conteúdos
e atores fundamentais de tal refleo, enquanto o segundo preocupa-se criticamen-
te com a fundamentação e delimitação de seu método teológico.
2.1. A interpretação da Teologia no Encontro de El Escorial
Para verificar a interpretação da Teologia no encontro de El Escorial, par-
te-se da pergunta pela Teologia que aí se apresenta como relevante para a História
latino-americana, isto é, para a História marcada pela dominação, dependência e
subdesenvolvimento, mas marcada também pela emergência da consciência desta
situação e pela consciência da necessidade e urgência de engajar-se e comprome-
ter-se com o processo de libertação. Constata-se que o compromisso com o pro-
cesso de libertação constitui-se no fato maior da vida de parte da comunidade
cristã latino-americana. Este fato maior é fruto e etapa de um processo amplo no
qual os cristãos começam a dar-se conta das implincias históricas de sua e
optam pelo pobre, assumindo o compromisso com sua libertação. Nisto os cristãos
fazem a experiência do político como o lugar de conhecer e assumir a História em
sua conflitividade. Optar pelo pobre e por sua libertação exige assumir a tarefa
política em uma perspectiva global, científica e conflitual. Optar pelo pobre e
comprometer-se com sua libertação coloca os cristãos também em uma nova ex-
periência espiritual que tem no âmbito do político o lugar de pensar e viver a e
encarnar o Evangelho na História e no tempo. Desta forma, para os cristãos latino-
americanos, comprometidos com o processo de libertação, a opção pelos pobres
constitui-se em nova experiência política global e, como tal, revela-se a eles como
uma nova experiência espiritual. O âmbito político torna-se o espaço em que o
cristão comprometido com o pobre e com sua libertação vive e pensa sua fé.
O compromisso e engajamento cristão no processo de libertação possibilita
o nascimento de uma nova inteligência da fé. O compromisso libertador leva a
uma nova experiência espiritual na qual a fé aparece como práxis libertadora. Esta
práxis torna-se a fonte da nova reflexão teológica preocupada com a transforma-
ção da História. Assim, a auntica reflexão teológica será a Teologia que se cons-
titui como reflexão crítica sobre a práxis histórica. Será uma reflexão em e sobre a
fé como práxis libertadora. Será a inteligência da fé que parte do compromisso em
criar uma Nova Sociedade, justa e fraterna e que contribui para que esse compro-
misso seja mais radical e pleno. Será a inteligência da que se faz verdade, que
se verifica na inserção real e fecunda no processo de libertação. Daí que a caracte-
rização do autêntico conhecimento teológico latino-americano está em sua capaci-
dade transformadora, iluminadora e crítica da realidade histórica. Desta forma, a
Teologia da Libertação constitui-se em uma Teologia da salvação nas condições
concretas, históricas e políticas do presente hisrico latino-americano, pois busca
estabelecer uma relação significativa e operativa com a realidade social, política,
econômica e cultural, auxiliando no discernimento das opções políticas, econômi-
cas e sociais sem, contudo, confundir-se com estas. Esta é uma Teologia que, a
partir do princípio da unidade da História, configura-se como uma Teologia histo-
ricamente comprometida e teologicamente politizada.
Portanto, o encontro de El Escorial testemunha a emergência de uma nova
reflexão teológica baseada em uma nova experiência espiritual e política. Consta-
ta-se uma nova percepção teológica da realidade e uma nova presença cristã na
sua transformação. Essa nova percepção teológica é conseqüência da nova experi-
ência espiritual e política dos cristãos que tomam consciência da situação de o-
pressão, dominação e dependência imposta ao povo latino-americano. Daí que o
eixo central da nova experiência política e espiritual dos cristãos seja a opção pe-
los pobres, oprimidos e esbulhados e por sua libertação. No compromisso com o
pobre, ao optar por ele, os cristãos começam a recorrer às Ciências Sociais para
uma leitura crítica e mais científica da realidade e das causas profundas que pro-
duzem e mantêm a situação de pobreza, miséria, dominação e dependência na
América Latina. Tomam consciência que optar pelos pobres significa denunciar as
causas profundas da pobreza e colocar-se contra os que produzem os pobres. Nis-
to o cristão faz a experiência do conflito e da percepção e consciência da urgência
de transformações profundas e radicais. O cristão percebe a força política e a con-
seqüência conflitual de sua opção pelo pobre.
Desta forma a nova experiência espiritual e política dos cristãos, resultante
de sua opção pelo pobre como modo de encarnar, viver e testemunhar o Evange-
lho na História, os coloca no centro do processo revolucionário de libertação. A
Teologia da Libertação nasce, neste contexto, como tentativa de resposta às pro-
fundas interrogações que dizem respeito às relações entre a dos cristãos com-
prometidos e a urgência de transformações sociais na América Latina. Nasce, por-
tanto, como tentativa de interpretação teológica, como busca de sentido teológico
para um processo histórico-social em curso. Partindo do compromisso cristão no
processo de libertação e das interrogações à que esse compromisso lança à re-
flexão teológica, ela pretende interpretar e iluminar a presença cristã na transfor-
mação da História de opressão, dominação, dependência em uma Nova História,
livre, humana e digna.
2.2. A interpretação da Teologia no Encontro da Cidade do México
A discussão central presente no encontro da Cidade do México, no que
tange à Teologia da Libertação, diz respeito ao método teológico e seus condicio-
namentos. Por método compreende-se o caminho pelo qual se elabora a refleo
teológica. Constitui-se no aspecto crítico e operativo, considerado reflexamente,
de um sistema de pensamento. Ele é a direção fundamental e global com a qual e a
partir da qual se exerce a atividade teológica. A questão central então será como
se faz uma reflexão teológica relevante a partir, para e na América Latina em
perspectiva libertadora. Trata-se de analisar os fundamentos epistemológicos, os
pressupostos hermenêuticos e os passos metodológicos de uma reflexão teológica
já em curso na América Latina.
Vê-se que o encontro da Cidade do México apresentou-se como uma opor-
tunidade para a Teologia da Libertação que identifica a necessidade de lançar
uma crítica sobre o método que exercitou desde seu princípio, mas que ainda não
tinha sido fundamentado e analisado crítica e sistematicamente. Assim, o encontro
da Cidade do México é um momento de avaliação autocrítica da Teologia da Li-
bertação, em que seu método é desafiado a aprofundar seus fundamentos e con-
frontar-se com outros métodos teológicos presentes na América Latina, bem como
analisar seus condicionamentos como reflexão teológica realizada na condição
histórica real da América Latina de meados da década de 70.
O resultado das abordagens do método, seus pressupostos hermenêuticos,
seus fundamentos epistemológicos e seus passos metodológicos consiste na afir-
mação de uma Teologia que parte da Hisria e, a partir da reflexão crítica a partir
da fé, aspira a transformação da História. Com isso percebe-se que a tua rele-
vância entre Teologia e História desempenha um papel significativo na determi-
não e configuração do método da Teologia da Libertação. Nisto consiste sua
especificidade e originalidade frente a outros métodos teológicos.
3. O papel e a importância da relevância teológica da História e da
relevância histórica da Teologia nos encontros de El Escorial e da
Cidade do México
Esta pesquisa parte da percepção de que a pergunta por uma Teologia his-
toricamente relevante nasce, no contexto da gênese e nascimento da Teologia da
Libertação, da afirmação da relevância teológica da Hisria latino-americana para
o fazer teológico. A relevância teológica da História é condição para que a Teolo-
gia aspire ser historicamente relevante. A partir disto, propôs-se verificar a hipóte-
se de que a mútua relevância entre Teologia e História marca de forma determi-
nante a Teologia da Libertação e seu método. Para verificar esta hipótese recor-
reu-se ao conteúdo material dos Encontros teológicos de San Lorenzo del Escorial
(1972) e da Cidade do México (1975).
Após a análise da interpretação da História e da Teologia presente nas ex-
posições destes dois encontros e da relação estabelecida entre ambas, chega-se a
conclusão de que é verdadeira e autêntica a tese da tua relevância. A Teologia
da Libertação e seu método são determinados por uma maneira original e especí-
fica de compreender a História, a Teologia e sua relação. Trata-se de uma Teolo-
gia que parte da História, de seus desafios, conflitos e urgências, e aspira, ilumi-
nada pela e pelo Evangelho, propor uma reflexão crítica capaz de contribuir e
iluminar de modo relevante a presença dos cristãos na transformação libertadora
da História. Ver-se-á, a seguir, em forma conclusiva, como esta relação de mútua
relevância apresenta-se na interpretação dos encontros de El Escorial e da Cidade
do México. Com isso demonstra-se a maneira específica e original como tais en-
contros interpretaram a relação entre Teologia e História e como a relação de mú-
tua relevância entre ambas desempenha papel determinante, seja na compreensão
da História, da Teologia ou do método teológico da Teologia da Libertação.
3.1. A mútua relevância entre Teologia e História em El Escorial
O encontro de El Escorial foi um momento oportuno para a Teologia da
Libertação refletir sobre as condões reais de seu acontecer no contexto da Amé-
rica Latina. Este encontro parte de uma interpretação crítica e científica da Histó-
ria latino-americana em sua pluridimensionalidade. Constata que a História é
marcada pela dependência, dominação, subdesenvolvimento e exploração presen-
tes na cultura, na economia, na política, na sociedade e na própria Teologia. Cons-
tata ainda que a História é marcada pela crescente consciência das causas e estru-
turas profundas que geram o subdesenvolvimento, a dependência e a dominação.
Constata também que, junto com esta consciência, cresce a consciência da neces-
sidade e urgência de engajamento no processo revolucionário de libertação que
possibilite uma América Latina livre, independente e senhora de seu destino.
Cristãos e não cristãos comprometem-se com este processo de libertação.
Ante a História marcada pela crescente consciência da dominação, dependência,
subdesenvolvimento e exploração em suas várias dimensões, mas também pelo
compromisso e engajamento crescentes rumo a transformação da realidade, é que
nasce, para os cristãos, a pergunta e o desafio por uma Teologia historicamente
relevante, capaz de dar uma interpretação e um significado teológico ao processo
global de libertação. Busca-se uma palavra teológica relevante para iluminar o
compromisso daqueles e daquelas que se envolvem, engajam e comprometem na
construção de uma Nova Sociedade. Trata-se da pergunta fundamental: afinal,
diante da realidade de dominação, dependência e subdesenvolvimento e, ao mes-
mo tempo, da tomada de consciência das causas e estruturas profundas que sus-
tentam, justificam e mantêm tal dominação, e do conseqüente compromisso de
transformação e engajamento no processo de libertação, quê Teologia é relevante?
Segundo a interpretação de El Escorial a Teologia relevante para a História
latino-americana é a Teologia que parte do compromisso e engajamento cristão,
presentificado na vivida e testemunhada como práxis histórica de libertação, e
que procura, à luz crítica da e do Evangelho, contribuir e iluminar esta práxis
histórica para que seja efetiva e eficazmente libertadora. Portanto, a Teologia re-
levante para a História em processo de libertação é a Teologia da Libertação, des-
de que esta seja efetivamente eficaz para interpretar e iluminar de modo cristão o
compromisso dos cristãos com o processo de libertação. Para a História em pro-
cesso de transformação a Teologia transformadora e iluminadora da ação e do
compromisso transformador será relevante. Esta precisa partir da História para
iluminar criticamente a presença cristã na transformação libertadora da História.
O compromisso e o engajamento cristão no processo de libertação fazem
nascer nova reflexão teológica. Esta Teologia é uma inteligência da fé que só pode
ser efetuada na base da vivida e testemunhada como práxis histórica de liberta-
ção. Assim, a realidade histórica e a práxis transformadora o fonte e critério do
autêntico conhecimento teológico. A Teologia daí resultante consiste em uma in-
teligência da animada pela esperança no Senhor da História, em quem tudo foi
feito e salvo, precisamente, na Hisria. A autêntica reflexão teológica será a Teo-
logia que se constitui como reflexão crítica sobre a práxis histórica, em confronta-
ção com a Palavra de Deus, vivida e aceita na fé. Será uma reflexão em e sobre a
fé como práxis libertadora. Será a inteligência da fé que parte do compromisso em
criar uma Nova Sociedade, justa e fraterna e que contribui para que esse compro-
misso seja mais radical e pleno. Será a inteligência da que se faz verdade, que
se verifica na inserção real e fecunda no processo histórico de libertação.
Por isso o que vai caracterizar o autêntico conhecimento teológico latino-
americano, segundo a interpretação de El Escorial, é sua capacidade transforma-
dora, iluminadora e crítica da realidade hisrica. A realidade histórica e a práxis
transformadora dos cristãos nela, são ponto de partida e o ponto de chegada desta
reflexão teológica libertadora. Um conhecimento teológico que não parte da reali-
dade de opressão e não é capaz de iluminar os cristãos em sua presença transfor-
madora desta Hisria em Nova História não é relevante e significativo.
Constatou-se, a partir da interpretação de El Escorial, que a Teologia da
Libertação é uma Teologia que busca assumir a tarefa de reflexão teológica rele-
vante para o contexto de opressão-libertação que marca a História latino-
americana. Constitui-se em esforço teológico que busca pensar a a partir de
como esta é vivida no compromisso com o processo de libertação. Há, fundamen-
talmente, uma nova maneira de relacionar-se com a práxis histórica. Seu ponto de
partida é a inserção no processo revolucionário de libertação. E sua contribuição é
tornar este processo mais radical e global. Isto é possível situando o compro-
misso político libertador na perspectiva do dom gratuito da libertação total de
Cristo, no qual os fatos históricos libertadores são mediações necessárias para a
libertação em Cristo.
A reflexão teológica realizada no contexto de libertação parte da percepção
de que esse contexto obriga a repensar radicalmente o ser cristão e o ser Igreja no
mundo contemporâneo. Essa reflexão recorre à diversas expressões da razão hu-
mana contemporânea, às Ciências Humanas e à filosofia. Isso permite-lhe referir-
se à práxis histórica de maneira nova e mais científica. Essa práxis histórica é uma
práxis libertadora, uma identificação com os seres humanos, com as classes soci-
ais que sofrem miséria e espoliação, identificação com seus interesses e suas lutas.
Trata-se, portanto, de uma inserção no processo político libertador, para de
viver e anunciar o amor libertador de Jesus Cristo à humanidade.
De acordo com a interpretação de El Escorial, de nada vale uma Teologia
na fé e sobre a fé como práxis libertadora se esta não tiver relevância para a liber-
tação real de todas as formas de domínio, exploração, dependência e subserviência
que afastam o ser humano de seus semelhantes e de sua filiação divina revelada
em Jesus Cristo. É autêntica e relevante a Teologia da Libertação que de fato con-
tribui para a libertação real dos oprimidos. Nisto é que consiste o desafio da Teo-
logia realizada no contexto social, político, econômico, cultural e ideológico, mar-
cado pela tensão entre dominão, dependência, opressão e libertação. Por isso
pode-se afirmar que a Teologia da Libertação é Teologia que parte da práxis histó-
rica dos cristãos comprometidos e engajados no processo de libertação e, a partir
da e da Palavra de Deus, busca iluminar este mesmo compromisso transforma-
dor dos cristãos, rumo à Nova Hisria, digna e livre. É Teologia que considera a
relevância dos desafios e urgências da História, pois aspira ser Teologia que rele-
vante para as transformações libertadoras que a História latino-americana urge.
A partir das interpretações da Teologia, da História e da relação entre am-
bas, presente em El Escorial, pode-se concluir pela veracidade da hipótese desta
pesquisa. Evidencia-se, em Escorial, que a Teologia aí em processo de emergência
e construção, constitui-se em tentativa de expressar como a Teologia pode inter-
pretar e iluminar o engajamento e o compromisso dos cristãos no processo de li-
bertação latino-americano. Constitui-se também em tentativa de uma resposta
crítica, à luz do Evangelho, às interrogações que os cristãos envolvidos no proces-
so revolucionário de libertação e transformação social lançam à cristã. Desta
forma, a Teologia presente em El Escorial é uma Teologia que parte da História e
do compromisso dos cristãos com esta História e quer fazer-se História de modo
ativo, eficaz, operativo, significativo e relevante, para transformá-la em Hisria
salvífica. Isto é, em lugar de Salvação e Libertação.
Evidencia-se e testemunha-se, segundo a hipótese desta pesquisa, duas
coisas. Por um lado, a relevância da História para esta Teologia. A História, como
lugar de opressão, dominação, dependência, injustiça, miséria, mas também de
emergência da consciência desta situação, de suas causas profundas e do conse-
qüente compromisso e engajamento cristão no processo de libertação e transfor-
mação da mesma, é alçada a ponto de partida da Teologia. Trata-se, portanto, da
História relevante para a Teologia ou de uma História teologicamente relevante.
Por outro lado, essa Teologia pretende ter relevância para a História. Tal
relevância consiste na busca de sentido cristão para o processo de libertação. Con-
siste no assumir radicalmente a História e a transformação da mesma como sinal
e testemunho cristão do Evangelho. Consiste, enfim, em contribuir para que a His-
tória latino-americana seja também lugar da libertação da dominação, da opressão
e da dependência sociais, políticas, culturais, econômicas como sinal da Liberta-
ção e Salvação definitivas prometidas e antecipadas em Jesus Cristo. Trata-se de
uma única História chamada à Libertação e à Salvação. Cabe aos cristãos contri-
buir para que, no transirio do tempo, se manifeste e se antecipe em sinais a Li-
bertação definitiva de toda opressão, dominação, morte, enfim, de todo pecado.
Portanto, se a Teologia da Libertação tem essa pretensão para com a História lati-
no-americana ela apresenta-se como uma Teologia historicamente relevante.
3.2. A mútua relevância entre Teologia e História no encontro da
Cidade do México
O encontro da Cidade do México foi um momento importante para a Teo-
logia da Libertação, pois serviu de espaço de avaliação crítica do método teológi-
co dessa Teologia, que alguns anos vinha sendo praticada na América Latina.
Buscou-se analisar os fundamentos epistemológicos, os pressupostos herme-
nêuticos e os passos metodológicos de uma reflexão teológica em curso. As
interpretações dos expositores deste encontro, afins com a Teologia da Libertação
e com o seu método, apresentam uma fundamentação e justificação deste método,
confrontam-se com outros métodos presentes na América Latina e, ao mesmo
tempo, propõem uma análise crítica dos condicionamentos históricos do fazer
teológico latino-americano. Na verificação da hipótese desta pesquisa, as interpre-
tações dos expositores do encontro da Cidade do México, afins com a Teologia da
Libertação e seu método, servem de argumento principal e de ponto alto na afir-
mação da veracidade e autenticidade da tese de que a relação de mútua relencia
entre Teologia e História desempenha um papel determinante na elaboração da
Teologia da Libertação tal como esta é compreendida neste encontro.
Em primeiro lugar, na análise dos condicionamentos da reflexão teológica
latino-americana, segundo a interpretação do encontro da Cidade do México, re-
vela-se a consciência que a Teologia da Libertação vai adquirindo sobre os fato-
res e dimensões da História que estão a influenciar, marcar, determinar e condi-
cionar esta reflexão. um esforço auto-crítico de uma Teologia que se reco-
nhece em processo de construção e elaboração e que precisa reconhecer as formas
e forças que, no passado e no presente, no espaço e no tempo, condicionam sua
palavra, seu discurso sobre Deus. Tomar consciência dos condicionamentos da
reflexão teológica significa reconhecer que todo o discurso é situado, contextuali-
zado e por mais que fale do permanente, do eterno, do trans-histórico, diz o tempo
e o espaço humano, político, cultural, ideológico, social em que é produzido. E
mais: tomar consciência dos condicionamentos possibilita reconhecer também que
a forma mais relevante de se falar sobre Deus é aquela que parte do condicionado
e do contextualizado e aí identifica as questões fundamentais e essenciais deste ser
humano, marcado pelo tempo e pelo espaço, e que faz sua experiência de busca
de sentido e significado de sua existência.
Para a reflexão teológica latino-americana, tal como esta é interpretada no
Encontro da Cidade do México, isso significa que a Teologia relevante, significa-
tiva e autêntica para o espaço e tempo, para o contexto de dominação, opressão,
injustiça, dependência, exílio e cativeiro que marcam a América Latina, será aque-
la que parte das questões essenciais que esta experiência de opressão-libertação
lança à fé cristã. Isso significa um novo ponto de partida e um método específico
para a Teologia. Será a Teologia que parte da Hisria e que, consciente dos seus
condicionamentos e a partir da reflexão crítica à luz da e do Evangelho, busca
transformar esta História rumo a maior dignidade e liberdade do ser humano. Esta
é a Teologia que aspira ser historicamente relevante para a libertação e que para
tal parte da História considerada, em seus desafios, urgências, conflitos e interro-
gões, teologicamente relevante.
Em segundo lugar, seja na analise dos fundamentos filosóficos que dão
especificidade e originalidade ao método da Teologia da Libertação, seja na inter-
pretação dos seus fundamentos epistemológicos e dos seus pressupostos herme-
nêuticos, seja na sistematização crítica dos passos metodológicos da Teologia da
Libertação, verifica-se que a relação específica e original entre História e Teologi-
a, presente na interpretação do Encontro de El Escorial, desempenha um papel
fundamental e é de importância significativa para esta Teologia e para a elabora-
ção, justificação e delimitação de seu método. Verificou-se que para os exposito-
res do Encontro do México, em todos os aspectos analisados, a relação de rele-
vância recíproca entre Teologia e História apresenta-se como significativa, seja
para indicar a originalidade, especificidade e significatividade do método da Teo-
logia da Libertação frente a outras formas de Teologia, seja para delimitar os fun-
damentos epistemológicos e os pressupostos hermenêuticos.
Além disso, a relação de relevância recíproca entre Teologia e História a-
presenta-se como significativa e determinante da autenticidade e validade, para o
contexto latino-americano, da própria estrutura metodológica fundamental e da
proposição dos passos metodológicos específicos do método teológico latino-
americano. Com isso pode-se afirmar, também e principalmente, a partir das in-
terpretações presentes no Encontro da Cidade do México, a validade e coerência
da tese da importância e papel fundamental da relação de relevância mútua entre
Teologia e História na elaboração da Teologia da Libertação e de seu método.
Em sua estrutura metodológica fundamental a Teologia da Libertação é
concebida como uma reflexão que parte da História concreta para, a partir da re-
flexão crítica e à luz da fé e da Palavra de Deus, voltar para a Hisria, objetivan-
do iluminar criticamente a práxis cristã no compromisso libertador rumo a uma
Nova História. A História, compreendida em sua globalidade e conflitividade
multidimensional, é concebida como ponto de partida relevante para a reflexão
teológica, pois é da História e na História que se levanta o grito esperançoso do
pobre e do oprimido, de cristãos e o cristãos, para uma transformação libertado-
ra que lhes assegure vida e dignidade na América Latina de opressão, exílio, cati-
veiro, dominação e dependência. É este grito de dor e sofrimento, mas também de
esperança, do pobre e do oprimido, que interpela cristãos e não cristãos para o
compromisso com as transformações libertadoras da História.
O compromisso libertador e a práxis de dos cristãos comprometidos nas
transformações libertadoras da História são a experiência primeira que interpela,
provoca e afeta a Teologia, urgindo-lhe uma palavra crítica e iluminadora que
possa dar razões à esperança crisvivida nas tenes e conflitos da situação de
dominação, dependência e miséria, mas também de esperança de libertação, que
marcam a História na América Latina. Desta forma, a Teologia que dnasce é
uma Teologia que busca articular, criticamente e à luz da cristã, a experiência
de opressão-libertação que marca a Hisria. Ao mesmo tempo aspira iluminar e
contribuir para que a cristã, historicamente vivida e contextualmente concreti-
zada, seja autêntica e contribua para a libertação integral do povo latino-
americano. Libertação esta que tem um conteúdo concreto e determinado: é liber-
tação definitiva de todo pecado, mas é também a libertação das opressões, domi-
nões econômicas, políticas, culturais e religiosas que caracterizam, social e es-
truturalmente, o pecado e a morte presentes na realidade da América Latina.
A partir das interpretações dos expositores do encontro da Cidade do Mé-
xico percebe-se que a relação de mútua relevância entre Teologia e História apa-
rece de modo significativo também em cada um dos passos metodológicos especí-
ficos da Teologia da Libertação. Tanto na leitura cio-analítica-estrutural da rea-
lidade, como na leitura teológica do texto sócio-analítico-cultural e na busca de
pistas de ação pastoral libertadora, a relação de mútua relevância se faz presente
como horizonte hermenêutico fundamental dentro do qual se move a forma como
se compreende e se faz a reflexão teológica latino-americana.
Por fim, o papel da relação de mútua relevância também aparece de modo
determinante nas análises comparativas entre a Teologia da Libertação e outras
formas teológicas. A específica relação de relevância entre Teologia e História,
presente na Teologia da Libertação, aparece como o fator que concede originali-
dade, especificidade e significatividade à Teologia da Libertação. A Teologia da
Libertação torna-se original e significativa para a América Latina por ser uma
Teologia a partir, para e na América Latina. Isso significa que ela consiste em
uma Teologia que parte da realidade latino-americana, realiza-se nas condições
reais e concretas da América Latina e objetiva contribuir para o processo de liber-
tação latino-americano. Para tal, sua proposta original e pertinente consiste em
uma Teologia que considera teologicamente relevante a História e aspira ser histo-
ricamente relevante através da iluminação crítica da práxis de e do compromis-
so cristão libertador. Por isso é uma Teologia a serviço da História rumo à cons-
trução da Nova História de Libertação e Salvação. Assim, a correta relação de
mútua relevância entre Teologia e História é uma necessidade e condição para a
afirmação da identidade, peculiaridade e significatividade do método teológico
latino-americano. Tal método produzirá uma Teologia libertadora se de fato
contribuir para a libertação real dos povos oprimidos da América Latina. E tal
contribuição é possível se a Teologia partir da realidade concreta de opressão
que marca a História e do esforço de cristãos e não cristãos na transformação real,
concreta e conflituosa da realidade de dependência, dominação, cativeiro e exílio
em Nova Sociedade, mais humana, digna e livre para o povo latino-americano.
Pode-se, portanto, afirmar que a Teologia da Libertação constitui-se em
uma Teologia situada no tempo e no espaço, propõe um método que parte da rea-
lidade histórica e busca a sua transformação libertadora. Se a realidade impõe no-
vos desafios e tarefas à Teologia é porque esta realidade é relevante para a Teolo-
gia. Se a Teologia assume os desafios do contexto real em que é elaborada é por-
que tem aspirações e anseios em relação a este contexto. Não se trata de uma Teo-
logia ahistórica e desligada do mundo real, que tem seu fim em si própria. Trata-
se sim de uma Teologia historicamente comprometida, que tem na Hisria e em
suas interrogões, desafios e anseios o ponto de partida de sua reflexão, que tem
no compromisso com a transformação da História de modo libertador o seu lugar
de verificação e comprovão de sua própria autenticidade e da verdade teológica.
Tal Teologia terá suas aspirões realizadas e será relevante para a His-
tória se considerar de modo científico e racional a situação real do mundo do qual
parte e para o qual se dirige em busca de uma transformação libertadora. Compro-
va-se assim que a mútua relevância entre Teologia e História não constitui-se
em um eixo fundamental do método teológico da Teologia da Libertação, como
também determina suas tarefas e desafios de acordo com as situações e transfor-
mações concretas pelas quais a História caminha em sua globalidade, transitorie-
dade e contextualidade. Desta forma, tem-se uma Teologia a serviço do mundo,
da História e que nestes lugares aspira contribuir para que a cristã, a partir de
uma -práxis engajada, comprometida e libertadora, contribua para a Nova Soci-
edade e Humanidade, enfim, para a Nova História, lugar da realização da liberta-
ção salvífica rumo à libertação definitiva revelada em Jesus Cristo.
4. A relevância da História atual como ponto de partida e como
desafio para uma Teologia relevante para a América Latina
As afirmações conclusivas acima propostas sobre a interpretação da Histó-
ria, da Teologia e sobre o papel e importância da relação de relevância entre am-
bas na elaboração do método teológico da Teologia da Libertação, segundo os
encontros de El Escorial e da Cidade do México, postula agora que se intente al-
gumas contribuições críticas para a atual reflexão teológica latino-americana. Para
tal, parte-se do pressuposto de que mesmo que significativas mudanças ocorreram,
tanto na História e em suas interpretações, como também, na Teologia e na com-
preensão de sua relação com a História, as conclusões dos encontros de El Escori-
al e da Cidade do México, sobre o lugar da mútua relevância entre Teologia e His-
tória na elaboração do método da Teologia da Libertação, servem de ponto de
partida e instância crítica para a pergunta por uma Teologia historicamente rele-
vante a partir da consideração da História teologicamente relevante hoje. Dito de
outra forma, trata-se de verificar como a relação de mútua relevância entre Teolo-
gia e História é abordada na atual reflexão teológica latino-americana, e que con-
tribuições críticas pode-se depreender das conclues dos encontros de El Escorial
e da Cidade do México para que a Teologia da Libertação latino-americana con-
tribua de modo efetivo e eficaz para a libertação das formas atuais de opressão,
dominação e dependência. Com isso coloca-se no centro da questão o desafio de
uma Teologia que aspira ser historicamente relevante para a transformação das
situações históricas de dominão e exclusão que hoje marcam a História em suas
várias dimensões. uma Teologia com tal aspiração é que pode de fato ser
libertadora, pois se compromete com o histórico como lugar do existir humano e
faz da História lugar da experiência salvadora de Deus destinada à libertação, sal-
vão e comunhão plena e definitiva do ser humano e da criação com Deus.
Para se estabelecer uma contribuição crítica à questão da mútua relevância
no atual método teológico da Teologia da Libertação é necessário partir das ques-
tões que orientaram a abordagem do problema da relação entre Teologia e His-
ria na análise dos encontros de El Escorial e da Cidade do México. Trata-se de
verificar, no atual contexto latino-americano, quê História pode ser interpretada
como teologicamente relevante e quê Teologia seria relevante para a transforma-
ção libertadora desta História.
Neste item procura-se abordar a História e seus principais problemas, a
partir das Ciências Sociais e Humanas, para poder identificar os aspectos mais
significativos da História atual que podem ser considerados relevantes para uma
Teologia que aspira ser autenticamente libertadora. Em seguida, de modo conclu-
sivo, procurar-severificar qual é a resposta que a Teologia da Libertação tem
dado aos desafios da Hisria e quais são as contribuições críticas que se pode
colocar à Teologia da Libertação e ao seu método, tendo em vista uma Teologia
evangelicamente libertadora que possa contribuir eficaz e efetivamente para a
libertação das formas de opressão, dominação, dependência e exclusão que se
fazem presentes nas diversas dimensões que compõem a Hisria atual.
A partir de interpretações provenientes das Ciências Sociais, Humanas e
Aplicadas pode-se identificar os problemas mais pertinentes da História atual em
suas dimenes política, econômica, social, cultural, ideológica e religiosa. Identi-
ficar e delimitar estes problemas fundamentais torna-se imprescindível para que se
possa falar em uma História teologicamente relevante e para que a Teologia possa,
partindo desta relevância teológica da História, contribuir de modo historicamente
relevante na transformação libertadora da História.
Em termos gerais, para uma aproximação à Hisria global em sua pluri-
dimensionalidade e seus desafios, pode-se partir dos problemas fundamentais pe-
los quais passa a sociedade atual. Esses problemas podem ser identificados com o
auxílio da interpretação de sociólogos, cientistas políticos e economistas que se
dedicam às análises das formas do capitalismo atual, do neoliberalismo como sua
ideologia de sustentação e das facetas da globalização. A aproximação a estas
análises permitirá identificar os desafios pelos quais passa a História contemporâ-
nea. Desafios que vão da crise ecológica, à crise do Estado e da democracia, aos
problemas decorrentes do capitalismo e da globalização econômica, como a ex-
ploração, exclusão social, desemprego, miséria e desintegração social.
O capitalismo viveu entre 1945 e 1973 uma fase de prosperidade
1043
. Esta
fase foi seguida, a partir de 1974, pela crise do dólar que deixou de ser a moeda-
chave dos pagamentos internacionais, pela crise inflacionária e pela crise do pe-
tróleo
1044
. Essas crises reforçaram uma reviravolta ideológica no capitalismo diri-
gido
1045
e marcam o renascimento do liberalismo
1046
sob a forma do neoliberalis-
mo. O neoliberalismo surge, nos anos setenta, com a crise profunda do keynesia-
nismo, cuja receita econômica devidamente aplicada no contexto econômico críti-
co dos anos 70, não resolveu o problema da inflação e da recessão, criando a es-
tagflação
1047
. Este problema cria uma situação nova na história da economia de
mercado e ante esta situação os remanescentes do liberalismo econômico o fazem
reviver através da nova ortodoxia do neoliberalismo
1048
.
1043
Para P. Singer, “um dos logros mais extraordinários (deste período) foi uma quase estabilidade
estrutural, tendo as recessões sido bastante débeis e curtas. Por tudo isso, este período vem sendo
chamado retrospectivamente de anos dourados”. P. SINGER, Uma Utopia Militante, p.160. O
itálico é de Paul Singer.
1044
P. Singer propõe que a crise do dólar representou o primeiro passo para a substituição da he-
gemonia dos EUA sobre o mundo capitalista pela hegemonia compartida ou chamada Trilateral,
composta então por EUA, Europa e Japão. A partir de 1974, a economia capitalista voltou a apre-
sentar oscilações conjunturais, com recessões longas e profundas. Isso significou queda crescente
do crescimento econômico e aumento das taxas de desemprego. Cf. Ibid., p.159-166.
1045
O capitalismo dirigido, ou Dirigismo consiste na tendência de o Estado manter uma interven-
ção reguladora permanente em uma economia capitalista, em contraposição ao absenteísmo do
Estado liberal. Sem necessariamente estatizar as empresas privadas, o dirigismo implica na ação
governamental sobre estas empresas que pode existir sob as formas de regulamentação, participa-
ção, controle e planejamento de produção. Cf. Verbete: Dirigismo, em: P. SANDRONI, Novíssimo
Dicionário de Economia, p.177.
1046
O liberalismo entrou em crise nos anos trinta quando ficou evidente que a aplicação de sua
doutrina prolongava a depressão. A desfuncionalidade do liberalismo para a gestão do capita-
lismo acabou então com sua credibilidade. Cf. P. SINGER, op. cit., p.166; Verbete: Liberalismo
em: P. SANDRONI, op. cit., p.347.
1047
Segundo P. Singer, para John Maynard Keynes a inflação é manifestação da demanda efetiva
excessiva em ralação à oferta agregada de bens. Portanto, para conter a inflação é preciso reduzir a
demanda mediante corte de despesa pública, aumento de arrecadação fiscal e contenção da oferta
monetária. Pom, essas são medidas recessivas, pois para combater a inflação, o governo deveria
lançar deliberadamente a economia em recessão, até que o excesso de oferta paralisasse a subida
dos preços. A aplicação desta receita no período da crise dos anos 70 levou à estagflação, isto é, a
diminuição da demanda efetiva reduzia o vel de atividade e do emprego, mas ao mesmo tempo
os preços e os salários continuavam a subir. Assim, nos principais países, os preços eram impulsi-
onados por uma espiral preços-salários, que se mostrava imune à queda da atividade e ao aumento
do desemprego. Cf. P. SINGER, op. cit., p.166-167. Sobre o conceito de estagflão, cf.: Verbete
Estagflação, em: P. SANDRONI, op. cit., p.221. Sobre o keynesianismo e sobre as teorias econô-
micas de Keynes cf.: Verbetes: Keynes, John Maynard; keynesianismo, em: Ibid., p.323-324.
1048
Desempenhou papel fundamental para o renascimento do liberalismo, agora sob a forma de
neoliberalismo, o economista norte-americano, Nobel de Economia em 1976, M. Friedman. Para
este o compromisso com o pleno emprego não passava de eqvoco, do qual poderia resultar
inflação crônica. Friedman reformulou as proposições clássicas para incorporar os conceitos ma-
croeconômicos de inspiração keynesiana e os instrumentos econométricos, que permitem rejeitar
hipóteses improváveis. Para P. Singer, Friedman e seus seguidores criaram nova ortodoxia chama-
da neoliberalismo, que para ele “não passa do velho liberalismo redivivo”. Cf. P. SINGER, op. cit.,
p.167-168. Cf. tb. o Verbete: Friedman, Milton. Em: P. SANDRONI, op. cit., p.252-253.
Para Paul Singer, o neoliberalismo iniciou-se na segunda metade dos anos
70, tornou-se hegemônico nos anos 80 e inspira vasta contra-revolução institucio-
nal nos anos 90
1049
. Atualmente o neoliberalismo caracteriza-se, do ponto de vista
econômico, pela defesa da livre atuação das forças de mercado, defesa do término
do intervencionismo do Estado, da privatização das empresas estatais e até mesmo
de alguns serviços blicos essenciais, defesa da abertura da economia e sua inte-
gração intensa no mercado mundial
1050
. No plano cultural, o neoliberalismo repre-
sentou uma contra-ofensiva do pensamento conservador e no plano político apre-
sentou aos atores um programa que prometia, ao mesmo tempo, estabilizar os pre-
ços e recuperar a taxa de lucro, comprimida por pressões salariais e triburias
1051
.
O programa neoliberal se assemelha ao keynesiano, porém com viés antio-
perário e com maior alcance que o primeiro. O aumento do desemprego, que para
o keynesiano é uma necessidade desagradável e que, por isso, só deve ser tolerado
enquanto estritamente indispensável, torna-se para o neoliberalismo um objetivo
estrutural. O neoliberalismo está convicto de que o desemprego resulta de opções
individuais e, por isso, é voluntário. Ele defende o direito do trabalhador de optar
por ficar um tempo desempregado, até encontrar o emprego que melhor lhe con-
vém. Neste sentido, o neoliberalismo não leva em conta o drama dos trabalhado-
res que perdem seus empregos e jamais encontram outros, em condições seme-
lhantes ou mesmo inferiores aos dos empregos eliminados
1052
.
Na opinião de Paul Singer, o neoliberalismo resolveu a contento a crise
inflacionária, porém, o fez revertendo completamente as condições do mercado de
trabalho. Em conseqüência, o desemprego tornou-se de massa e com duração cada
vez maior, e houve um enfraquecimento e desmobilização do movimento operá-
rio, acentuado pelos efeitos da globalização, que aumentou o livre comércio inter-
nacional, transferindo as linhas de produção para países onde a força de trabalho é
mais barata. Com isso, acentuou-se a queda salarial, a mobilização operária e ini-
ciou-se um processo de flexibilização dos principais direitos adquiridos pelos
trabalhadores. Os governos neoliberais também esforçam-se por reduzir e priva-
1049
Cf. P. SINGER, Uma Utopia Militante, p.168.
1050
Cf. Verbete Neoliberalismo, em: P. SANDRONI, Novíssimo Dicionário de Economia, p.421.
1051
Para Paul Singer,em 1979, a eleição de Tatcher marcou o começo da grande reviravolta (neo-
liberal). Seguiu-se a vitória de Regan, em 1980, nos Estados Unidos e, depois, uma enxurrada de
triunfos neoliberais. A vitória do neoliberalismo tornou-se completa quando governos socialistas,
socialdemocratas e semelhantes começaram a aplicar o seu programa como a única saída para o
impasse representado pela estagflação”. Paul SINGER, op. cit., p.169.
tizar o estado de bem estar social. Com o argumento de reduzir o tamanho do es-
tado, transferem a seguridade social (previdência, saúde e educação), de responsa-
bilidade pública, para o mercado privado
1053
.
Pode-se afirmar que o cerne do neoliberalismo está na redução da inter-
venção do Estado na economia. Para atingir tal objetivo, a estratégia é a desregu-
lamentação financeira. A movimentação internacional de capitais torna-se cada
vez mais independente dos governos. Estes governos não controlam e nem se-
quer monitoram os fluxos de valores sobre as fronteiras
1054
. Porém, apesar destes
esforços, o neoliberalismo está sendo incapaz de promover o crescimento econô-
mico, e os mercados, sem a interferência do Estado, como este neoliberalismo
postula, também tem fracassado. A recente crise financeira e econômica tem de-
monstrado isso e começa-se a propor uma intervenção maior do Estado sobre a
economia. O problema mais grave resultante da implantação do programa neolibe-
ral é a concentração da renda, com o aumento do número de pobres e aumento da
distância entre pobres e ricos
1055
. Isso tem levado a um considerável crescimento
da resistência à implementação dos programas neoliberais, compreendidos como
geradores de exclusão, pobreza e miséria. Soma-se ainda a questão da democracia
como forma de resistência ao capitalismo neoliberal, concentrador e elitista, onde
“estamos diante de um dilema histórico: ou a liberdade do capital destrói a demo-
cracia ou esta penetra nas empresas e destrói a liberdade do capital
1056
.
1052
Cf. P. SINGER, Uma Utopia Militante, p.169.
1053
Cf. Ibid., p.169-171.
1054
Para P. Singer “no Brasil, o governo Collor, nosso primeiro governo neoliberal explícito, eli-
minou todos os controles de preços dos produtos básicos de consumo, inclusive dos remédios, que
estavam em vigor meio século. Também a importação foi amplamente liberalizada. O Governo
Fernando Henrique prossegue no mesmo sentido. Todas as medidas de favorecimento dos capitais
nacionais face aos estrangeiros foram revogadas quando o governo conseguiu retirar da constitui-
ção a distinção entre eles. A privatização da produção estatal, com a única exceção da Petrobras, é
outro programa que altera o relacionamento entre os modos de produção. O modo capitalista de
produção deixa de ser orientado e tutelado pelo estado e sua integração ao grande capital global,
controlado por residentes na Trilateral, está sendo sistematicamente fomentado”. Ibid., p.171-172.
1055
Para P. Singer, o livre funcionamento dos mercados tende a concentrar a renda e o faz com
mais vigor, à medida que os instrumentos fiscais de redistribuição como os salários mínimos, os
subdios ao consumo dos pobres, os impostos progressivos – são revogados. Os dados da distribu-
ição da renda em todos os países em que se deu a contra-revolução neoliberal mostram inequivo-
camente o aumento do número de pobres e da distância entre estes e os ricos”. Ibid., p.172-173.
1056
Ibid., p.182. Sobre a situação da democracia a partir dos anos 80 o sociólogo da Universidade
de São Paulo Alvaro A. Comin afirma que a virada dos anos 80 para os 90 parecia anunciar uma
ampla e triunfal reconciliação do mundo com a democracia. No Terceiro Mundo, especialmente na
América Latina, quase todas as ditaduras tuteladas pelos Estados Unidos foram sendo substituídas
por regimes representativos. No Leste Europeu o “socialismo real” totalitário desabou quase todo
de uma vez e, em boa parte dos casos, se deixou suceder pela primeira vez naqueles países por
regimes democráticos. No entanto isso é enganoso. Pois “o movimento que leva ao triunfo da
Para Ignacio Ramonet
1057
, a adoção de políticas neoliberais acabam por
acentuar as desigualdades e agravam o desassossego das classes médias, fatores
decisivos de estabilidade política e social; lançam no setor informal uma popula-
ção cada vez mais desorientada. Aumenta a violência e a criminalidade nas cida-
des. Reaparecem e propagam-se doenças, praticamente erradicadas, como o cólera
ou a tuberculose, intensifica-se o tráfico associado ao comércio da cocaína, assim
como a especulação
1058
.
Em termos gerais, Ignacio Ramonet propõe que a política internacional
atual pode ser definida como geopolitica do caos. Esta é marcada pelas constantes
metamorfoses e mutações do poder, por novos tipos de conflitos e ameaças, pela
progressão das desigualdades e discriminações nacionais e internacionais, pela
crescente mundialização da economia, pelo domínio do mundo por novos senho-
res (empresas, conglomerados, grupos industriais e financeiros), pelo saqueamen-
to do planeta através da agressão sistemática ao meio ambiente em nome do de-
senvolvimento, pelo crescimento desordenado da população, e conseqüentemente
das cidades, alterando os equilíbrios ecológicos, sociais e econômicos, pela tensão
constante no uso das ciências e técnicas, pela revolução nas comunicações.
Esse quadro faz com que as sociedades atuais não consigam se enxergar,
claramente, no espelho do futuro. Parecem obcecadas pelo desemprego, invadidas
pela incerteza, intimidadas pelo choque das novas tecnologias, perturbadas pela
mundialização da economia, preocupadas com a degradação do meio ambiente e,
desmoralizadas pela corrupção
1059
. Isso mostra a complexidade da caótica situa-
ção contemporânea, marcada por uma tríplice revolução: tecnológica, econômica
e sociológica, em que a tecnologia substitui o ser humano, a mundialização (prin-
cipalmente financeira) sobrepõe a economia globalizada ao Estado e à política, e
forma democracia é o mesmo que lhe subtrai toda substância que a história de mais de um século
de conflitos sociais convertera em direitos. A nova sociabilidade destes tempos de pax liberal
começa exatamente onde termina o reino da política (da democracia antes de tudo): na imposição
do consenso, na ‘ausência de alternativas’, na anulação da diferea”. Caracterizam-se, eno, os
tempos atuais como uma espécie de seqüestro da política, onde há o desmonte da cidadania mo-
derna, mesmo onde ela mal se constituiu, como na América Latina. Isso em nome de uma moder-
nidade globalizada que reedita o liberalismo de dois culos atrás. Daí o desafio: é preciso recusar
a “apologia da modernidade homogênea e lutar pelo sentido público, universal, coletivo e confliti-
vo da democracia”. A.A. COMIN, Apresentação (Folha de Orelha) da obra: F. OLIVEIRA; M.C.
PAOLI (orgs.), Os Sentidos da Democracia. Políticas do dissenso e hegemonia global. Cf. tam-
m a Introdução geral desta obra: M.C. PAOLI, Apresentação e introdução, p.7-23.
1057
Ignacio Ramonet é diretor de uma das principais publicações de política internacional da atua-
lidade Le Monde Diplomatique.
1058
Cf. I. RAMONET, Geopolítica do Caos, p.107-120.
em conseqüência, revoluciona o poder (principalmente político) na sociedade.
Assim, a democracia perde grande parte de sua credibilidade, pois os cidadãos já
não podem intervir com eficácia, por meio do voto, no campo decisivo da econo-
mia, daqui em diante, colocada fora do alcance. Além disso a economia está cada
vez mais desconectada do social e recusa endossar as conseqüências (desemprego
em massa, pauperização, exclusões) provocadas pela adoção da lógica da globali-
zação dos mercados que concretiza a ideologia neoliberal
1060
.
Marilena Chauí, após descrever o contexto do nascimento e consolidação
do neoliberalismo, em termos semelhantes à descrição de Paul Singer retratada
acima, indica algumas características aproximativas do capitalismo contemporâ-
neo que dão conta das conseqüências sociais, políticas, econômicas e ideológicas
da forma neoliberal do capitalismo. Primeiro, o desemprego tornou-se estrutural,
deixando de ser acidental ou expressão de uma crise conjuntural, pois em sua
forma contemporânea o capitalismo, ao contrário de sua forma clássica, não opera
por incluo de toda a sociedade no mercado de trabalho e de consumo, mas por
exclusão
1061
. Segundo, o monetarismo e o capital financeiro tornam-se o coração e
o centro nervoso do capitalismo, ampliando a desvalorização do trabalho produti-
vo e privilegiando o dinheiro como a mais absoluta e fetichizada das mercadori-
as
1062
. Terceiro, a terceirização, isto é, o aumento do setor de serviços, tornou-se
estrutural, deixando de ser um suplemento à produção, visto que, agora, a produ-
ção opera por fragmentação e dispersão de todas as esferas e etapas da produção,
com a compra de serviços no mundo inteiro. Isso faz com que desapareçam todos
os referenciais materiais que permitiam à classe operária perceber-se como classe
1059
Cf. I. RAMONET, Geopolítica do Caos, p.7-12.
1060
Cf. Ibid., p.149-155.
1061
Para Marilena Chauí essa exclusão se faz não pela introdução da automação, mas também
pela velocidade da rotatividade da o-de-obra que se torna desqualificada e obsoleta muito rapi-
damente em decorrência da velocidade das mudanças tecnológicas. Em conseqüência tem-se a
perda de poder dos sindicatos e o aumento da pobreza absoluta. Cf. M. CHAUÍ, Ideologia Neoli-
beral e Universidade. Em: F. OLIVEIRA; M.C. PAOLI (orgs.), Os Sentidos da Democracia, p.29.
Sobre pobreza, miséria, exclusão social, desigualdade e exploração, Manuel Castells propõe que o
capitalismo do final de milênio está entremeado destes fenômenos e de forma crescente. O proces-
so de reestruturação do capitalismo, com sua lógica mais rigorosa de competitividade econômica, é
responsável pela acentuação destes fenômenos e pelas suas conseências sobre a humanidade. Cf.
M. CASTELLS, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura–Fim de Milênio, p.95-107.
1062
Segundo Marilena Chauí, o poderio do capital financeiro determina, diariamente, as políticas
dos vários Estados porque estes, sobretudo os do Terceiro Mundo, dependem da vontade dos ban-
cos e financeiras de transferir periodicamente os recursos para um determinado país, abandonando
outro. Constata-se que em apenas um dia de negociação bolsas de valores como a de Nova Iorque
ou de Londres o capazes de negociar montantes de dinheiro equivalentes ao Produto Interno
Bruto anual do Brasil ou da Argentina. Cf. M. CHAUÍ, op. cit., p.30.
e lutar como classe social, enfraquecendo-se ao se dispersar nas pequenas unida-
des terceirizadas espalhadas pelo planeta. Quarto, a ciência e a tecnologia torna-
ram-se forças produtivas, deixando de ser mero suporte do capital para se conver-
ter em agentes de sua acumulação
1063
. Quinto, o capitalismo neoliberal caracteri-
za-se pela dispensa e rejeição da presença do Estado nãono mercado, mas tam-
bém nas políticas sociais, de tal sorte que a privatização tanto de empresas quanto
de serviços públicos também tornou-se estrutural
1064
. Sexto, a transnacionalização
da economia torna desnecessária a figura do Estado nacional como enclave territo-
rial para o capital e dispensa as formas clássicas do imperialismo. Desta forma o
centro econômico, jurídico e político planetário passa a encontrar-se no Fundo
Monetário Internacional e no Banco Mundial. Estes operam a partir de um único
dogma, proposto pelos neoliberais, a saber: a estabilidade econômica e o corte do
déficit público
1065
. Sétimo, a distinção entre países do Primeiro e Terceiro Mundo
tende a ser substituída pela existência, em cada país, de uma divisão entre bolsões
de riqueza absoluta e de miséria absoluta, isto é, a polarização de classes aparece
como polarização entre a opulência absoluta e a indigência absoluta
1066
.
No entender de Marilena Chauí, a este conjunto de condições materiais do
capitalismo corresponde um imaginário social que busca justificá-las, legitimá-las
e dissimulá-las, enquanto formas contemporâneas da exploração e da dominação.
Esse imaginário social é o neoliberalismo como ideologia, cujo subproduto prin-
cipal constitui-se na ideologia pós-moderna que toma como o ser da realidade a
fragmentação econômico-social e a compressão espaço-temporal gerada pelas
novas tecnologias e pelo percurso do capital financeiro
1067
. O paradigma do con-
sumo tornou-se o mercado da moda, sempre mais veloz, efêmero e descartável. E
1063
Para M. Cha este processo teve como conseqüência a mudança do modo de inserção dos
cientistas e técnicos na sociedade uma vez que tornaram-se agentes ecomicos diretos, e a força e
o poder capitalistas encontram-se no monopólio dos conhecimentos e da informação. Cf. M.
CHAUÍ, Ideologia Neoliberal e Universidade, p.30.
1064
Em conseqüência, a idéia de direitos sociais como pressuposto e garantia dos direitos civis ou
políticos tende a desaparecer, pois o que era um direito converte-se em um serviço privado regula-
do pelo mercado e, portanto, torna-se uma mercadoria a que têm acesso apenas os que têm poder
aquisitivo para adquiri-la. Cf. Ibid., p.30-31.
1065
Cf. Ibid., p.31.
1066
Cf. Ibid., p.31.
1067
Para M. Chauí, essa forma de vida possui 4 características principais: 1.A insegurança, que
leva a aplicar recursos no mercado de futuros e de seguros; 2.A dispersão, que leva a procurar uma
autoridade política forte, de perfil despótico; 3.O medo, que leva ao reforço de antigas instituições,
sobretudo a família, e ao retorno das formas místicas e autoritárias ou fundamentalistas de religião;
4.O sentimento do efêmero e da destruição da memória objetiva dos espaços levando ao reforço de
suportes subjetivos da memória (diários, biografias, fotografias, objetos). Cf. Ibid., p.31-32.
a ideologia pós-moderna afirma a fragmentação como modo de ser do real fazen-
do da idéia de diferença o núcleo provedor de sentido da realidade; preza a super-
fície do aparecer social ou as imagens e sua velocidade espaço-temporal; recusa
que a linguagem tenha sentido e interioridade para vê-la como construção, des-
construção e jogo, tomando-a como o mercado de ações toma o capital; privilegia
a subjetividade como intimidade emocional e narcísica elegendo a esquizofrenia
como paradigma do subjetivo, isto é, a subjetividade fragmentada e dilacerada.
Portanto, pode-se dizer que a ideologia neoliberal pós-moderna realiza três gran-
des inversões ideológicas: substitui a lógica da produção pela da circulação; subs-
titui a lógica do trabalho pela lógica da comunicação; e substitui a gica da luta
de classes pela lógica da satisfação-insatisfação dos indivíduos no consumo
1068
.
Concluindo, constata-se que a História contemporânea, em termos gerais,
pode ser descrita pela predominância do capitalismo sustentado pela ideologia
neoliberal que atinge a cultura, a política e principalmente a economia. Este capi-
talismo caracteriza-se pela crescente internacionalizão econômica e financeira,
pelo enfraquecimento do poder do Estado e da democracia, pela supremacia do
econômico, em sua exigência de lucratividade e mercantilização, sobre o social,
pela crise ecológica e degradação ambiental provocada pela busca do lucro a
qualquer custo, pelo consumismo e por conseqüências sociais graves como: ex-
clusão, desigualdade, má distribuição da renda, flexibilização do emprego, de-
semprego e miséria.
Esta situação do capitalismo internacional globalizado atinge a América
Latina contemporânea e de forma mais contundente, em seus efeitos sociais, polí-
ticos e econômicos, por ser um continente que sempre deve ser analisado a partir
de seu condicionamento de dependência do sistema capitalista global que tem seu
centro de poder, de decisão e de concentração e desfrute de riquezas quase sem-
pre fora da América Latina. Enfim, percebe-se que o capitalismo globalizado e
sustentado pela ideologia neoliberal se faz presente na América Latina, seja na
adoção de políticas e programas econômicos em seus países
1069
, seja nos efeitos
sociais, culturais, econômicos e políticos decorrentes da estrutura globalizante,
excludente, consumista e ambientalmente agressiva do capitalismo internacional.
1068
Cf. M. CHAUÍ, Ideologia Neoliberal e Universidade, p.32-33.
Assim, pobreza, desemprego, exclusão, desigualdade, exploração e tantos outros
termos que designam os efeitos sociais, culturais, políticos e econômicos do capi-
talismo neoliberal globalizado se fazem presentes na atual História da América
Latina e a caracterizam social, cultural, política, econômica e ideologicamente.
Diante desta História e a partir dela é que a Teologia da Libertação atual é desafi-
ada a dizer uma palavra relevante em vista de sua transformação libertadora.
5. A Teologia da Libertação frente aos desafios da História
Os Encontros de El Escorial e da Cidade do México marcam dois momen-
tos importantes de nascimento e consolidação metodológica da Teologia da Liber-
tação latino-americana. A experiência espiritual e política de encontro com o po-
bre, somada a nova e crescente consciência da situação de dependência, domina-
ção e opressão, potencializada pelas Ciências Sociais e Humanas, principalmente
pela nova Sociologia latino-americana, que permitiram um conhecimento mais
científico da realidade de pobreza, miséria e exploração e de suas causas e estrutu-
ras profundas, possibilitaram e exigiram um crescente compromisso de cristãos e
não cristãos no processo de libertação latino-americano. Processo que aspirava a
construção de uma nova sociedade, livre da exploração, dominação e dependência
e lugar da experiência de uma nova humanidade.
A experiência espiritual e política dos cristãos comprometidos com o pro-
cesso de libertação colocou-os diante de desafios e questionamentos dirigidos à
sua . Estes cristãos, conscientes da situação de dependência e opressão e de
suas causas e estruturas profundas, viram-se imersos em um mundo de conflitivi-
dade e tensões decorrentes das opções necessárias e urgentes que a transformação
libertadora da realidade estava a exigir. Esta experiência dos cristãos, de aproxi-
marem-se da realidade de pobreza e miséria, de interpretarem esta realidade de um
modo mais científico, de comprometerem-se com o processo de libertação e trans-
formação da História, torna-se uma nova experiência política e espiritual. O en-
contro com o pobre e o engajamento na libertação deste da situação de domina-
ção, opressão e dependência torna-se o modo mais autêntico de viver e testemu-
nhar o Evangelho na realidade latino-americana. Daí que o engajamento político e
1069
Para uma visão panomica da adoção do neoliberalismo nos programas econômicos da Amé-
rica Latina, cf.: W. CANO, América Latina: do desenvolvimentismo ao neoliberalismo. Em: J.L.
espiritual dos cristãos no processo revolucionário de libertação torna-se uma exi-
gência do ser cristão no contexto da América Latina.
A Teologia da Libertação é resultante desta experiência primeira de uma
nova experiência política e espiritual dos cristãos que se engajam no processo de
libertação. Este engajamento é o ato primeiro, é a cristã feita práxis histórico-
transformadora. A Teologia da Libertação nasce motivada pelos desafios, urgên-
cia e questões que este ato primeiro coloca aos cristãos, à sua e conseqüente-
mente à reflexão teológica. Ela aspira ser uma interpretação teológica desta expe-
riência fundamental dos cristãos comprometidos com o processo de libertação.
Não se trata de uma interpretação teológica desligada ou distante da experiência
fundamental que a origina. Trata-se, sim, de uma interpretação teológica que se dá
no âmago da experiência cristã latino-americana de engajamento e compromisso
com o processo de libertação. Ela nasce da e na práxis libertadora e aspira ser ins-
tância crítica, a partir da e do Evangelho, para iluminar a práxis e contribuir
para que esta seja cada vez mais comprometida com a libertação. Trata-se de uma
interpretação teológica imersa no compromisso com o processo revolucionário de
libertação latino-americano. Por isso é uma Teologia carregada da urgência histó-
rica e da conflitividade ppria de uma sociedade em profunda transformação.
O encontro de El Escorial (1972) é de suma importância para esta Teologia
nascente, pois tem o mérito de trazer para a mesa de diálogo e para o espaço co-
munitário da busca do conhecimento - a partir da presença de teólogos, pastora-
listas, cientistas sociais, cientistas políticos e economistas, latino-americanos e
europeus o debate sobre as relações entre a fé cristã e a transformação social no
contexto da América Latina. Por um lado, este encontro revela uma acurada e pro-
funda leitura científica da realidade social, política, cultural, ideológica e religiosa
da América Latina de eno. Nesta leitura emergem os temas centrais da interpre-
tação da realidade: dependência-libertação, dominação, opressão, subdesenvolvi-
mento e pobreza. Por outro lado, o encontro de El Escorial revela o rosto e o con-
teúdo da nova interpretação teológica emergente no Continente latino-americano.
Interpretação teológica que parte da nova experiência política e espiritual dos cris-
tãos decorrente de seu encontro e compromisso libertador com o pobre, margina-
lizado e oprimido. Nesta perspectiva o Encontro de El Escorial caracteriza-se por
FIORI (org.), Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações, p. 287-326.
uma leitura científica da realidade que revela as causas e estruturas profundas da
dominação, dependência e subdesenvolvimento da América Latina e pela caracte-
rização e interpretação teogica da nova práxis de dos cristãos comprometidos
com o processo de libertação.
A abordagem da relação entre fé cristã e transformação social proposta em
El Escorial apresenta-se como interpretação da nova experiência política, cultural,
eclesial e teológica de cristãos comprometidos com o processo revolucionário de
libertação. O Encontro de El Escorial possibilita visibilidade internacional para os
conteúdos fundamentais da emergente reflexão teológica latino-americana em
curso. A experiência espiritual e política de encontro com o pobre, o engajamento
e compromisso dos cristãos no processo de libertação, o conhecimento científico
da realidade e das causas e estruturas geradoras da dependência e do subdesenvol-
vimento em nível social, econômico, político e cultural, a práxis libertadora como
expressão e testemunho da encarnação do Evangelho no contexto latino-
americano, a libertação como condição da construção de uma nova sociedade e do
Homem Novo, a espiritualidade da libertação, a conflitividade decorrente das rea-
ções às transformações necessárias são temas que indicam a leitura sócio-
econômica e teológica que se dá em El Escorial a respeito da relação entre cris-
tã e transformação social na América Latina. Atesta-se, portanto, uma nova leitura
da História, uma nova presea cristã e uma nova interpretação teológica.
Para a Teologia da Libertação o Encontro da Cidade do México (1975)
testemunha um momento de avalião autoctica, de afirmação de seus conteúdos
fundamentais, de confrontação de seu método com outros métodos teológicos e de
análise dos condicionamentos da refleo teológico-libertadora latino-americana.
O método teológico da Teologia da Libertação é reconhecido neste encontro como
o que melhor responde aos desafios que a realidade latino-americana lança à fé e à
Teologia cristã. Do ponto de vista do método da Teologia da Libertação o Encon-
tro da Cidade do México constitui-se em um marco, pois foi um momento em que
com maior profundidade se abordou os passos metodológicos da Teologia da Li-
bertação, os pressupostos hermenêuticos de tal método e seus fundamentos epis-
temológicos. Esta abordagem revelou a especificidade e originalidade da Teologia
da Libertação frente a outras formas de fazer Teologia e ao mesmo tempo levou
os teólogos da libertação a analisarem criticamente os condicionamentos históri-
cos a que sua reflexão estava sujeita.
Como ficou demonstrado nos capítulos III-VI desta pesquisa pode-se veri-
ficar uma relação específica e original estabelecida dentro dos debates, seja refe-
rentes às relações entre fé cristã e transformação social, seja nos debates do méto-
do teológico, entre Teologia e História. Trata-se de uma relação de mútua rele-
vância em que a Teologia aspira ser historicamente relevante e para tal considera
o acontecer histórico concreto, com suas contradões, tensões, conflitos e desafi-
os, teologicamente relevante. Daí resulta uma Teologia que parte da História e de
seus desafios e aspira, a partir da reflexão crítica da fé, iluminada pelo Evangelho,
contribuir para a transformação da História rumo à sua libertação. Esta relação de
mútua relevância entre Teologia e História caracteriza, portanto, de modo perti-
nente e significativo a Teologia da Libertação e seu método tais quais estes são
interpretados em El Escorial e na Cidade do México.
Nos anos que se seguiram aos Encontros de El Escorial e da Cidade do
México, tanto a História em suas dimensões sociais, econômicas, políticas, cultu-
rais, ideológicas e religiosas, como também a Teologia da Libertação e seu méto-
do, sofreram mudanças e transformações decorrentes da condição processual e
dinâmica em que Teologia e História se encontram e se relacionam no tempo e no
espaço. Como já se indicou acima, a História atual, que em sua pluridimensionali-
dade questiona e desafia a Teologia, é em partes distinta das condições históricas
dos anos 60 e 70. Por isso a História que hoje é teologicamente relevante também
é interpretada de modo distinto das interpretações vigentes nos anos 60 e 70.
A Teologia da Libertação e seu método, como uma Teologia processual e
dinâmica, inserida no tempo e no espaço e auscultando os desafios da História,
também passou por transformações, mudanças, críticas, desenvolvimentos e des-
dobramentos temáticos, sistemáticos e metodológicos que lhe permitiram ampliar
seus horizontes e trazer à luz aspectos e acentos que na urgência e desafios da
primeira hora histórica não se faziam presentes. Uma série de estudos de avaliação
crítica, perspectivas e prospectivas a respeito da Teologia da Libertação e de seu
método indicam as principais transformações pelas quais esta passou, desde sua
emergência, em fins da década de 60, até a atualidade, bem como os desafios e
tarefas mais pertinentes de seu presente e de seu futuro
1070
. Importa verificar como
1070
Pode-se, a título de exemplo, citar alguns destes estudos: P. RICHARD, A Teologia da Liber-
tação na nova conjuntura: Temas e desafios novos para a década de noventa. Em: REVISTA
ECLESIÁSTICA BRASILEIRA 51 (1991) p.651-663; W. AMADO, Qual o futuro da Teologia
a Teologia da Libertação tem percebido suas tarefas e desafios e para tal se faz
uso, a seguir, do estudo de Pablo Richard publicado em 1991 e intitulado A Teo-
logia da Libertação na nova conjuntura: Temas e desafios novos para a década
de noventa
1071
. Justifica-se a opção deste estudo, apesar de sua data, pela maneira
como se evidencia aí a relação entre as transformações da História e a necessidade
de transformações para a Teologia para que esta continue sendo relevante para o
da Libertação. Em: REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA 51 (1991) p.679-682. Trata-se de
um comentário da VII Assembléia da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião realizada em
Goiânia, de 9 a 12 de Julho de 1991 e que teve como tema 25 Anos da Teologia Latino-
americana: uma visão prospectiva. Por ocasião dos 20 anos da realização do Encontro de El Esco-
rial realizou-se, nesta mesma cidade da Espanha, de 29 de junho a 4 de julho de 1992, o encontro
Cambio Social y pensamiento cristiano en Arica Latina. Neste encontro ocorreu uma avaliação
teórica, metodológica e histórica da Teologia da Libertação e de seus desafios durante estes vinte
anos bem como de suas tarefas e desafios futuros. As atas que recolhem os resultados deste encon-
tro internacional de Teologia encontram-se em: J. COMBLIN; J.I.G. FAUS; J. SOBRINO (eds),
Cambio Social y Pensamiento Cristino en América Latina. Madrid: Editorial Trotta, 1993; G.
GUTIÉRREZ, Acordarse de los pobres. Textos Esenciales. Lima: Fondo Editorial del Congreso
del Congreso del Perú, 2003. Esta obra reproduz dois importantes textos de avaliação da Teologia
da Libertação. O primeiro, Mirar lejos, p.557-597, reproduz a nova apresentação da obra Teologia
da Libertação. Perspectivas (1971), em sua sexta edição publicada em 1996. O segundo, Situación
y tareas de la Teologia de la Liberación, p.598-616, reproduz uma preleção de G. Gutiérrez apre-
sentada no Colóquio Internacional, realizado em sua homenagem, organizado pela Universidade
Católica de Friburgo (Suiça), nos dias 14 a 16 de abril de 1999. Este texto encontra-se publicado,
em sua versão italiana, em: R. GIBELLINI (ed.), Prospettive Teologiche per il XXI Secolo. Bresci-
a: Queriniana, p.93-111; G. GUTIÉRREZ, Teología y momento histórico. Em: A. FRAGOSO; I.
GEBARA et alii, A Esperança dos Pobres Vive. Coletânea em Homenagem aos 80 anos de José
Comblin. o Paulo: Paulus, 2003, p.485-493; Nesta mesma obra encontra-se também o texto de
1997 de E. Dussel: E. DUSSEL, Transformaciones de los supuestos epistemológicos de la “Teo-
logía de la Liberación”, p.403-412. O mesmo texto é reproduzido em: Id., Teología de la Libera-
ción. Transformaciones de los supuestos epistemológicos. Em: THEOLOGICA XAVERIANA 47
(1997) p.203-214; Id., Teologia da Liberação. Um panorama de seu desenvolvimento. Petrópolis:
Vozes, 1999; J.B. LIBÂNIO; A. ANTONIAZZI, 20 Anos de Teologia na Arica Latina e no
Brasil. Petrópolis: Vozes, 1994; O texto de João Batista Libânio reproduzido encontra-se tam-
m em: J.B. LIBÂNIO, Panorama da Teologia da América Latina nos últimos 20 anos. Em:
PERSPECTIVA TEOLÓGICA 24 (1992) p.147-192. J.B. LIBÂNIO; A. MURAD, Introdução à
Teologia. Perfil, enfoques, tarefas. 3ed. o Paulo: Loyola, 1996, p.186-195; G. GUTIÉRREZ,
Uma Teologia da Libertação no contexto do Terceiro Milênio. Em: CELAM, O Futuro da Refle-
o Teológica na América Latina. o Paulo: Loyola, 1998, p.77-126; M.F. ANJOS (org.), Teolo-
gia e Novos Paradigmas. São Paulo: Loyola, 1996. Uma avaliação crítica mais ampla sobre a
Teologia da Libertação, sua história, perspectivas, prospectivas e seus desafios e tarefas mais rele-
vantes na virada do milênio encontra-se na Trilogia, fruto dos debates na SOTER entre os anos de
1998-2001, organizada por Luiz Carlos Susin. Cf.: L.C. SUSIN (org.), Terra Prometida. Movi-
mento Social, engajamento cristão e Teologia. Petrópolis: Vozes, 2001; Id., Sarça Ardente. Teolo-
gia na América Latina: prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2000; Id., O Mar se abriu. Trinta anos
de Teologia na Arica Latina. São Paulo: Loyola, 2000. Sobre as mudanças de paradigma na
Teologia da Libertação nos anos 90 confira a tese de doutorado: C.G. BOCK, Teologia em Mosai-
co: O novo cenário teológico latino-americano nos anos 90. Rumo a um paradigma ecumênico
crítico. Tese de doutorado apresentada à Escola Superior de Teologia Instituto Ecumênico de
s-graduação em Teologia. São Leopoldo, 2002. Para uma avaliação crítica dos conteúdos siste-
ticos da Teologia da Libertação confira: P.S. GONÇALVES, Liberationis Mysterium. O projeto
sistemático da Teologia da Libertação. Um estudo teológico na perspectiva da regula fidei. Tese
de Doutorado. Roma: Editrice Pontificia Università Gregoriana, 1997.
1071
Cf. P. RICHARD, A Teologia da Libertação na nova conjuntura: Temas e desafios novos para
a década de noventa, p.651-663.
contexto da América Latina. Além disto este estudo revela atualidade e pertinên-
cia no que diz respeito à tua relevância entre Teologia e História, no caso da
Teologia da Libertação e da História da América Latina. Entende-se que os de-
senvolvimentos posteriores da Teologia da Libertação, no que diz respeito à reali-
dade latino-americana, já estão aí indicados como desafios e tarefas.
Diante da nova conjuntura internacional, com a queda do socialismo histó-
rico na Europa do Leste, com a crise do marxismo e com a instauração de uma
Nova Ordem mundial, o autor se pergunta pelo futuro da Teologia da Libertação.
Constata que enquanto existir o escândalo da pobreza e da opressão e enquanto
houver cristãos que vivam e reflitam criticamente sua fé na luta pela justiça e pela
vida, have Teologia da Libertação. O essencial é o futuro da vida dos pobres, da
vida humana e da sua libertação. Daí a exigência de continuidade para a Teologia
da Libertação, que com as mudanças profundas na História, se diante do desa-
fio de re-pensar-se e re-criar-se na nova conjuntura em vista de seu futuro.
Pablo Richard constata que uma nova situação histórica marcada pela
transformação no sistema de dominação em que a contradição radical é entre Vida
e Morte e não mais entre dependência e libertação. O capitalismo se transforma
em capitalismo sacrificial’, pois nele a vida dos pobres é sacrificada para poder
‘salvar’ o sistema capitalista de livre mercado. Em nome deste livre mercado sa-
crifica-se a vida humana indefesa. Essas mudanças profundas e estruturais no sis-
tema de dominação desafiam a Teologia da Libertação. Ela é desafiada a ser Teo-
logia da Vida. Para isso torna-se necessário elaborar novos conceitos para enten-
der melhor a nova realidade histórica e sua possível transformação. Assim, a Teo-
logia da Libertação precisa retomar crítica e criativamente o diálogo com as Ciên-
cias Sociais, especialmente com a Economia, com a Ecologia e com a Antropolo-
gia. É preciso reapropriar-se da racionalidade histórica necessária para pensar crí-
tica e sistematicamente ano Deus da Vida, na nova conjuntura histórica marca-
da pela morte dos pobres
1072
.
Constata-se também que uma transformação na situação dos pobres. A
Teologia da Libertação aprofundou e ampliou o conceito de pobre, usando o ter-
mo oprimido, não só na dimensão econômica, mas também racial, cultural e sexis-
ta. Contudo, no capitalismo há uma mudaa qualitativa profunda na realidade do
1072
Cf. P. RICHARD, A Teologia da Libertação na nova conjuntura: Temas e desafios novos para
a década de noventa, p.651-654.
pobre e do oprimido. O capitalismo já não mais precisa da maioria dos pobres,
criando uma população excluída, supérflua ao sistema. Sua exclusão implica em
sua deterioração e desagregação que leva à morte lenta e silenciosa: “A morte
destes pobres supérfluos é uma morte silenciosa, inútil e quase desejada. Esta no-
va forma de pobreza atinge especialmente as crianças, os jovens e as mulheres, e
os atinge duplamente quando são indígenas ou afro-americanos”
1073
. Essa nova
situação desafia radicalmente a Teologia da Libertação em suas categorias, sua
visão do mundo, seu compromisso, sua prática pastoral e sua profundidade ética e
espiritual. Aqui a opção pelos pobres adquire radicalidade qualitativamente distin-
ta, pois além de lutar pela justiça dentro do sistema, a opção pelos pobres com-
promete com uma luta, às vezes dramática, pela vida dessas maiorias condenadas
e excluídas, em acelerado processo de deterioração e desagregação
1074
.
A nova conjuntura traz também transformações na prática de libertação. A
Teologia da Libertação é reflexão crítica e sistemática sobre a vivida dentro de
uma prática de libertação. Daí que o conceito de prática seja central na Teologia
da Libertação. Com as mudanças no sistema de dominação e na situação real dos
pobres também modifica-se a realidade e a conceitualizão da prática de liberta-
ção. Isto, em conseqüência, desafia também a Teologia da Liberação, pois esta
situa-se não no nível da interpretação da realidade, mas também de sua trans-
formação. A prática de libertação situa-se na transformação das realidades históri-
cas, cujas vítimas principais são os pobres, os oprimidos, os excluídos e desafia à
construção de uma nova realidade histórica onde não haja pobres, nem oprimidos,
nem excluídos e onde todos possam ter uma vida digna. A Teologia da Libertação
é reflexão crítica sobre a vivida e celebrada no interior dessas transformações
históricas. Por isso tanto a racionalidade como a espiritualidade da Teologia da
Libertação são afetadas e desafiadas por essas práticas históricas
1075
.
Pablo Richard identifica duas transformações fundamentais nas práticas de
libertação dentro da nova conjuntura. Trata-se de um duplo deslocamento: da so-
ciedade política para a sociedade civil e do enfrentamento político-militar para o
confronto cultural, ético e religioso. Ante estes deslocamentos constata-se que a
Teologia da Libertação é desafiada a assumi-los para viver e pensar a dentro
1073
P. RICHARD, A Teologia da Libertação na nova conjuntura, p.655.
1074
Cf. Ibid., p.655-656.
1075
Cf. Ibid., p.656.
destas novas práticas de libertação. Na sociedade civil e no terreno cultural, ético
e espiritual, a Teologia da Libertação encontra um campo de desenvolvimento
muito mais extenso e profundo do que no passado, quando a luta política e militar
era a prática dominante. Aqui a Teologia da Libertação tem um campo apropriado
e fecundo de desenvolvimento na medida que assumir consciente e criticamente,
como Teologia libertadora, com seu espírito e metodologia próprios, a nova con-
juntura histórica, local e internacional
1076
.
Pablo Richard identifica que os novos temas e desafios para a Teologia da
Libertação deste período passam pelo diálogo com os movimentos sociais popula-
res, com a cultura indígena, com o patrimônio e identidade cultural latino-
americana, com as Comunidades Eclesiais de Base e a leitura popular da Bíblia,
com a religiosidade popular. Mas também identifica que a Teologia da Liberação,
em seu nível profissional, enfrenta desafios teóricos que exigem uma revisão mui-
to profunda capaz de elaborar novos conceitos teóricos, uma nova teoria ou racio-
nalidade que permita pensar critica e sistematicamente a experiência de fé na nova
conjuntura. Diante da crise do marxismo a Teologia da Liberação é desafiada a
não se amedrontar com a guerra ideológica que tal crise manipula para matar o
pensamento crítico, alternativo, histórico, libertador e criador de esperança. “A TL
(Teologia da Libertação) sempre tede continuar criando e recriando seu espaço
teórico próprio e uma racionalidade apropriada para sua atividade teológica espe-
cífica, a serviço da vida dos pobres e da libertação dos oprimidos”
1077
. Por fim, a
Teologia da Libertação também é desafiada a novos campos de desenvolvimento
abrindo-se ao diálogo com a Economia, a Ecologia e a Antropologia e com o ho-
rizonte libertador em perspectiva ecumênica e universal
1078
.
1076
Cf. P. RICHARD, A Teologia da Libertação na nova conjuntura, p.656-658.
1077
Ibid., p.661.
1078
Segundo P. Richard, até os anos 90 a Teologia da Libertação tinha desenvolvido os tratados
clássicos da Teologia: Teologia fundamental, cristologia, eclesiologia, escatologia, mariologia,
moral, etc. Renovou outras áreas teológicas como as ciências bíblicas, a história da Igreja, a dou-
trina social da Igreja, etc. Criou, com seu espírito e sua metodologia, uma ética social, uma Teolo-
gia da Terra, uma Teologia do Trabalho, uma Teologia da Libertação da Mulher, uma Teologia
Ecumênica, uma Teologia Indígena da Libertação, uma Teologia Negra da Libertação. A Teologia
da Libertação dialogou preferentemente com a Sociologia e a Filosofia. Para Pablo Richard este
trabalho foi muito fecundo e continuará se desenvolvendo. Exemplo disto é o projeto Teologia e
Libertação, que procura sistematizar o pensamento da Teologia da Libertação e em 1991 já tinha
publicado mais de 25 volumes. Outro exemplo é a obra em dois volumes de Jon Sobrino e Ignacio
Ellacuría, Mysterium Liberationis. Conceptos fundamentales de la Teologia de la Liberación.
Editorial Trotta, 1990. Quanto ao novo horizonte ecumênico e universal, Pablo Richard identifica
que houve, através da Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo, a intensificação do
diálogo com perspectivas libertadoras novas e em novos contextos como o africano, o asiático e
A partir deste quadro de desafios propiciados pela nova conjuntura, Pablo
Richard conclui que a nova realidade exige repensar a Teologia da Libertação
trazendo-lhes novos desafios e temas. Trata-se de uma oportunidade histórica e de
um novo nascimento para a Teologia da Libertação. A nova conjuntura coloca a
Teologia da Libertação diante de caminhos inéditos que lhe servirão para crescer,
mas para isso, exige re-pensar e re-criar esta Teologia para que ela responda à
nova situação histórica e a seus novos desafios
1079
.
Esta perspectiva assumida por Pablo Richard evidencia uma relação perti-
nente de relevância entre o real, a História, agora modificada por uma nova con-
juntura internacional e por transformações políticas, econômicas, culturais e ideo-
lógicas, e a Teologia, agora desafiada a novos caminhos, temas e abordagens para
que possa contribuir efetiva e eficazmente para uma Nova História de dignidade e
liberdade para os empobrecidos, oprimidos e excluídos em sua nova situação de
exclusão, deteriorão, desagregação e morte. Evidencia-se na análise de Pablo
Richard que os desafios e tarefas da Teologia da Libertação são assumidos em
estreita fidelidade aos princípios fundamentais da relação de mútua relencia
entre Teologia e História que determinaram de modo significativo o nascimento e
a consolidação da Teologia da Libertação e de seu método, tais quais estes são
interpretados pelos Encontros de San Lorenzo del Escorial e da Cidade do Méxi-
co. Desta forma, pode-se dizer que a avaliação de Pablo Richard a respeito da
Teologia da Libertação, de seus temas e desafios novos para uma nova conjuntura
é valida para a afirmação de que a Teologia da Libertação ainda considera signifi-
cativa e pertinente a relevância teológica da História por continuar a aspirar por
uma Teologia relevante para os pobres, oprimidos e excluídos e sua libertação.
A relevância teológica da História e a relevância histórica da Teologia
também aparece no debate recente sobre o método da Teologia da Libertação,
ocasionado a partir da publicação do artigo de Clodovis Boff Teologia da Liberta-
ção e volta ao fundamento
1080
. A publicação deste artigo provocou um debate teo-
lógico a respeito da questão da opção pelos pobres e o método da Teologia da
com o viés feminista, indígena, inter-religioso e muçulmano. Cf. P. RICHARD, A Teologia da
Libertação na nova conjuntura, p.658-662.
1079
Cf. Ibid., p.662-663.
1080
Cf. C. BOFF, Teologia da Libertação e volta ao fundamento. Em: REVISTA ECLESIÁSTI-
CA BRASILEIRA 67 (2007) p.1001-1022.
Libertação
1081
. A partir deste debate pode-se indicar algumas contribuições, que
somadas à análise de Pablo Richard, denotam o estado atual da questão da mútua
relevância no método teológico da Teologia da Libertação.
Em seus dois artigos Clodovis Boff sustenta a tese de que a posição da
Teologia da Libertação, em relação ao fundamento da Teologia cristã, mostra-se,
na maioria dos casos, ambígua e confusa. Essa ambigüidade leva a uma inversão
dos pólos, fazendo do pobre o princípio central da Teologia e funcionalizando a fé
em Cristo em favor da temática da libertação, a ponto de reduzi-la à ideologia. O
efeito disto é a perda da identidade da Teologia que compromete, a mesmo, a
causa dos pobres
1082
. Com esta tese Clodovis Boff sustenta que a Teologia da Li-
bertação, devido à sua ambigüidade epistemológica, mesmo tendo partido bem,
acabou se desencaminhando e colocando os pobres em lugar de Cristo, instrumen-
talizando social, política e ideologicamente os conteúdos da fé, gerando equívocos
com graves conseqüências para a causa dos pobres e esvaziando a identidade cris-
da Teologia. Esta fica esvaziada em um discurso social, ideológico e político,
expressão clara do cedimento da Teologia ao discurso “antropocentrizante” do
espírito moderno
1083
. Daí a necessidade de repropor a Teologia da Libertação,
assentando-a, sem equívocos e ambigüidades, no único fundamento de toda Teo-
logia cristã, a saber, a fé em Jesus Cristo
1084
.
A relação entre Teologia e História, segundo a tese de Clodovis Boff, é
sempre de supremacia, originária e de fundamento, da Teologia sobre a História,
de Deus e da em Jesus Cristo sobre o pobre e a práxis para libertá-lo. O funda-
mento originário da Teologia é a em Jesus Cristo, é Deus mesmo, e qualquer
referência à realidade, à História, ao pobre, à práxis libertadora, sempre deve ser
visto como decorrente deste fundamento originário. Desta forma pode-se falar em
relevância da História para a Teologia, mas esta é sempre uma relevância secun-
1081
A partir da publicação do artigo de C. Boff foram publicados os seguintes artigos: L.C.
SUSIN; E.J. HAMMES, A Teologia da Libertação e a questão de seus fundamentos: em debate
com Clodovis Boff. Em: REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA 68 (2008) p.277-299; F.
AQUINO JÚNIOR, Clodovis Boff e o todo da TdL. Uma aproximação crítica. Em: REVISTA
ECLESIÁSTICA BRASILEIRA 68 (2008) p. 597-613; L. BOFF, Pelos pobres contra a estreiteza
do método. Em: REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA 68 (2008) p. 701-710; C. BOFF,
Volta ao fundamento: Réplica. Em: REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA 68 (2008) p.892-
927; J. COMBLIN, As estranhas acusações de Clodovis Boff. Em: REVISTA ECLESIÁSTICA
BRASILEIRA 69 (2009) p.196-202.
1082
Cf. C. BOFF, Volta ao fundamento: Réplica, p.895.
1083
Cf. Id., Teologia da Libertação e volta ao fundamento, p.1001-1011.
1084
Cf. Id., Volta ao fundamento: Réplica, p.892-927, principalmente p.919-927.
dária, decorrente da relevância da Teologia para a História. Será sempre a Teolo-
gia, que a partir de seu fundamento originário, ilumina a História, a práxis de
libertação do pobre. Se a História, o pobre, a práxis de libertação, são levados em
conta pela Teologia é no intuito de que nesta História a Teologia possa vivenciar e
testemunhar o que refletiu, sempre, a partir de seu fundamento último, a em
Jesus Cristo. Neste sentido, a epistemologia teológica é sempre descendente: da
em Cristo para a Teologia e desta para a práxis ético-social. A práxis de liberta-
ção, o pobre, a História em sua pluridimensionalidade não determinam em nada a
Teologia e muito menos os conteúdos da em Cristo. Desta forma pode-se, a
partir da tese de C. Boff, falar em relevância da Teologia para a História, porém,
não desta última para a Teologia, senão enquanto lugar de aplicação do que se
refletiu teologicamente, a partir do fundamento da
1085
. Enfim, segundo a tese
desta pesquisa, em C. Boff, em termos metodológicos, pode-se falar em Teologia
historicamente relevante, porém, não em Historia teologicamente relevante.
Se nos dois artigos de C. Boff a tua relevância não aparece como de-
terminante para o método da Teologia da Libertação, o mesmo não se pode afir-
mar dos artigos que procuraram debater o problema do método com este autor.
Luiz C. Susin e Érico Hammes, por exemplo, sustentam que o pobre é lugar teo-
lógico privilegiado para compreender Cristo e Deus do ponto de vista da Teologia
cristã, sendo inclusive seu teste de veracidade
1086
. A própria realidade latino-
americana é um lugar teológico incontornável para a Teologia que queira ser cris-
no contexto da América Latina
1087
. A partir destes autores a tua relencia
revela-se também na compreensão de que a fé é o princípio referente da Teologia,
porém, possui uma diversidade de mediações. A fé em Cristo se dá com uma plu-
ralidade de acessos fazendo da identidade cristã uma identidade aberta, fundada e
marcada por alteridades. A mútua relevância também encontra expressão na dia-
lética dos círculos hermenêuticos onde a realidade, a História em sua pluridimen-
sionalidade, é assumida como parte integrante do processo hermenêutico e epis-
1085
Essa perspectiva permeia todo o segundo artigo:C. BOFF, Volta ao fundamento: Réplica,
p.892-927.
1086
Cf. L.C. SUSIN; E.J. HAMMES, A Teologia da Libertação e a questão de seus fundamentos:
em debate com Clodovis Boff, p.292-297.
1087
Cf. Ibid., p.290-292.
temológico que possibilita melhor conhecer a Cristo, seu Reino e a salvação trazi-
da a humanidade
1088
.
O artigo de Leonardo Boff, Pelos pobres contra a estreiteza do método
1089
,
revela uma compreeno distinta de Clodovis Boff no que se refere à relação entre
Teologia e História. Leonardo Boff, em sua crítica inicial, avalia o primeiro
artigo de Clodovis Boff como um texto que pende mais para uma “teologia aristo-
télico-pagã e neo-escolástica, rigorosa no seu método, mas, no fundo, formalista,
incapaz de dar conta do desafio que os pobres representam para o pensamento e
para a prática cristã”
1090
. Leonardo Boff propõe que em tal Teologia os pobres
aparecem como um entre outros temas, como algo secundário, de segunda ordem.
Confrontado com a prática de Jesus e dos apóstolos, tal modo de estruturar o mé-
todo teológico corre o risco de condenar a Igreja e a Teologia à irrelevância histó-
rica e à esterilidade pastoral
1091
. Isso significa que para que Teologia e Igreja se-
jam relevantes historicamente a Teologia precisa assumir que os pobres e a Histó-
ria tem relevância teológica. Daí que a Teologia da Libertação busca articular o
discurso de Deus com o discurso do pobre e do oprimido. Esta Teologia confere
centralidade à dignidade evangélica dos pobres, honra o Evangelho e é fiel à he-
rança de Jesus e dos Apóstolos
1092
. Tal fidelidade se dá na História e para a Histó-
ria, afim de que esta seja Hisria de Salvação e Libertação. Enfim, o discurso de
Deus articulado com o discurso do pobre e do oprimido, é inspirado no Deus da
vida que, por sua natureza, opta pelos que menos vida têm. Este discurso é funda-
do no mistério da encarnação que uniu indissoluvelmente, mas sem confusão,
Cristo com os pobres, Cristo com os maltratados e sofredores da História
1093
. A
partir desta perspectiva pode-se afirmar que a Hisria é relevante para a Teologia
que quer ser de fato cristã no contexto da América Latina marcado pela não-
História”, ou pelo “reverso da História” dos pobres, explorados e excluídos.
Concluindo pode-se afirmar que, no que diz respeito ao método teológico,
há duas perspectivas distintas da relão entre a Teologia e a História. Em Clodo-
vis Boff a Teologia, a partir de seu fundamento originário que é a em Jesus
1088
Cf. L.C. SUSIN; E.J. HAMMES, A Teologia da Libertação e a questão de seus fundamentos:
em debate com Clodovis Boff, p.284-290.
1089
Cf. L. BOFF, Pelos pobres contra a estreiteza do método, p. 701-710.
1090
Ibid., p. 704.
1091
Cf. Ibid., p. 702-704.
1092
Cf. Ibid., p. 709-710.
1093
Cf. Ibid., p. 709.
Cristo, tem a primazia sobre a História. A Teologia é relevante historicamente,
porém, não para a História como tal, mas para preservar, testemunhar e manter a
identidade cristã na História. E a História não é relevante, metodologicamente,
para a Teologia, senão em sua relevância derivada, secundária. Desta forma o mé-
todo teológico é linear e estático, parte da fé em Cristo como fundamento último
da Teologia, faz-se reflexão teológica, e é aplicado na História
1094
.
nos artigos de L. Boff, Luiz C. Susin e Érico J. Hammes aparece uma
relação distinta entre Teologia e Hisria. Confirma-se que a História, em suas
crises, anseios, desafios e tensões é o ponto de partida da reflexão teológica que
quer contribuir para a transformação desta História. A História é teologicamente
relevante, pois Deus se fez História para que esta fosse salva e liberta. Assim, toda
Teologia que queira de fato contribuir para o testemunho e a identidade cristã na
História deve considerá-la, em suas crises, contradições, em seu “reverso”, teolo-
gicamente relevante. Aqui o método teológico é circular, dinâmico e processual.
Em Clodovis Boff o método teológico aproxima-se mais ao que Juan H.
Pico, já no Encontro da Cidade do México, denominou de “enfoque magistral e
científico da Teologia”
1095
. Ao passo que em L. Boff, Luiz C. Susin e Érico J.
Hammes, trata-se da “maneira latino-americana” de fazer Teologia
1096
. Metodolo-
gicamente, em C. Boff, só há a relevância histórica da Teologia. em seus críti-
cos há a mútua relevância entre Teologia e História. Propõe-se uma Teologia que
seja historicamente relevante, que parte da História considerada teologicamente
relevante. Isso leva a concluir que em C. Boff não se confirma a importância da
tese da tua relevância, tal qual ela se fez presente na elaboração do método da
Teologia da Libertação latino-americana, presente nos Encontros de El Escorial
(1972) e da Cidade do México (1975). Porém, em Luiz Carlos Susin, Érico João
Hammes e Leonardo Boff a tese da tua relevância continua tendo validade e
pertinência, confirmando e justificando seu papel, importância e significatividade
para o método da Teologia da Libertação latino-americana atual.
1094
Esta parece ser a “lógica” da Conferência de Aparecida, que segundo C. Boff ajudaria a Teo-
logia da Libertação a voltar a seu fundamento. Cf. C. BOFF, Teologia da Libertação e volta ao
fundamento, p.1011-1022.
1095
Isso justifica a afirmação de L. Boff que nota “um certo recuo” na atividade e reflexão teológi-
ca de C. Boff. Cf. L. BOFF, Pelos pobres contra a estreiteza do método, p.701.
1096
Cf. J.H. PICO, Método Teológico Latinoamericano y Normatividad de Jesús Histórico para la
Praxis Politica Mediada por el Alisis de la Realidad. Em: E. MALDONADO (Present. e In-
trod.), Liberación y Cautiverio, p.595-601.
6. Uma Teologia sob o signo da Esperança: a relevância teológica da
História e a relevância histórica da Teologia como oportunidade e
desafio para a Teologia da Libertão latino-americana
Esta pesquisa procurou demonstrar o papel e a importância da relação de
relevância entre Teologia e História na fase inicial da Teologia da Libertação, a
saber, nos encontros de El Escorial (1972) e da Cidade do México (1975). A partir
da análise do material produzido por estes encontros verificou-se que a Teologia e
a História são interpretadas a partir de uma perspectiva fundamental que confi-
gurametodologicamente a nascente Teologia da Libertação. A Teologia nasce
dos desafios, anseios e das questões fundamentais que emergem da inserção, en-
gajamento e compromisso dos cristãos na transformação libertadora da História.
Trata-se de uma Teologia comprometida com as urgências, desafios, tensões e
anseios da História concreta da América Latina em condição de opressão, depen-
dência e subdesenvolvimento. O compromisso e engajamento dos cristãos no pro-
cesso de libertação, como testemunho evangélico e práxis de fé, resultará no chão
concreto e real a partir de onde nascem as interrogações à cristã e, conseqüen-
temente, à reflexão teológica. Daí que tal reflexão pretenda partir desta práxis de
na História e, a partir da e do Evangelho, refletir criticamente os conteúdos
fundamentais da fé cristã para contribuir e iluminar o compromisso libertador dos
cristãos. É uma reflexão que parte da práxis de e à luz do Evangelho busca ilu-
minar criticamente a práxis cristã na História para que seja uma práxis autentica-
mente evangélica, isto é, libertadora e salvadora.
Constatou-se que esta reflexão teológica pode ser realizada sobre um
fundamento comum presente nos primeiros teólogos da Teologia da Libertação
latino-americana. Esse fundamento comum pode ser expresso na afirmação de que
para estes teólogos a Teologia e a História desempenham uma relação de recípro-
ca relevância. Buscar uma Teologia que seja relevante para a História latino-
americana, marcada pela situação de miséria, pobreza, dominação, dependência e
subdesenvolvimento, implica considerar esta História relevante para o fazer teoló-
gico. A Teologia historicamente relevante parte da consideração da relevância
teológica da História. Laar uma nova luz sobre o papel e a importância desta
relação de relevância entre Teologia e História parece ser a contribuição mais ori-
ginal desta pesquisa.
Que a História latino-americana, em sua pluridimensionalidade cultural,
política, econômica, social, ideológica e religiosa, tenha desempenhado um papel
significativo e tenha de fato sido relevante para a Teologia da Libertação parece
ser um fato. É fato também que a Teologia da Libertação latino-americana desem-
penhou um papel relevante para a História. Porém, permanece ainda sem um estu-
do pluridisciplinar consistente a abrangência e o grau da relevância da Teologia da
Libertação para o conjunto da História da América Latina. Parece ser fato que a
Teologia da Libertação, como parte integrante do movimento de libertação latino-
americano, contribuiu e contribui com os movimentos sociais, populares e poti-
cos de cunho libertador. Nos seus mais de trinta anos de existência a Teologia da
Libertação tem sido relevante historicamente. Isso demonstra a autenticidade da
intuição dos primeiros teólogos da Teologia da Libertação que propuseram uma
Teologia que parte da História para contribuir de modo evangélico na transforma-
ção libertadora da História. O método da Teologia da Libertação, tal como este se
apresenta nos encontros de El Escorial e da Cidade do México, confirma esta intu-
ição fundamental e revela o papel e a importância da relação de mútua relencia
entre Teologia e História para a Teologia da Libertação latino-americana.
No desenrolar de sua hisria a Teologia da Libertação passou por mudan-
ças e transformações que a tornaram mais abrangente, diversificada e aberta a
novos temas e problemas. Tomada em seu conjunto, a História da América Latina,
inserida na História mundial, também passou e passa por transformações. Nesse
quadro quer-se concluir esta pesquisa colocando em questão a contribuição que a
análise da mútua relevância entre Teologia e História pode trazer para uma Teolo-
gia da Libertação comprometida com as transformações, desafios, conflitos, ten-
sões e anseios que a História deste início de milênio traz à reflexão teológica. Tra-
ta-se de verificar as contribuições, interrogações e desafios que os encontros de
San Lorenzo del Escorial e da Cidade do México, analisados a partir do papel e da
importância que neles desempenhou a relação de mútua relevância entre Teologia
e História, trazem para o atual fazer teológico latino-americano.
Aceitando-se a tese de que a relação de relevância recíproca entre Teologia
e Hisria desempenhou um papel significativo na elaboração do método da Teo-
logia da Libertação, aceita-se o pressuposto de que a relação de mútua relencia
pode contribuir para uma Teologia mais autêntica e evangélica hoje. Pois o im-
porta quais sejam as transformações sofridas pela História ou pela Teologia lati-
no-americanas, a intuição fundamental é que a Teologia precisa estabelecer uma
relação de relevância recíproca com a História caso queira ser relevante para esta
História. Isso implica afirmar que a Teologia que aspira contribuir para uma vida
evangélica autêntica hoje na América Latina precisa considerar as condições soci-
ais, políticas, econômicas, culturais, ideológicas e religiosas que compõem a com-
plexa e pluridimensional História da América Latina. Desta forma, a relevância
recíproca entre Teologia e História tem um papel fundamental para a Teologia da
Libertação latino-americana que queira ser evangélica e libertadora nas condições
reais da América Latina contemporânea.
Portanto, tendo presente o papel e a importância da mútua relevância entre
Teologia e História na elaboração inicial do método da Teologia da Libertação,
bem como sua significativa contribuição para uma Teologia historicamente com-
prometida com a libertação das opressões, dominações e dependências que mar-
cam a História hoje, pode-se identificar alguns desafios pertinentes para a Teolo-
gia da Libertação latino-americana.
Em primeiro lugar, a Teologia da Libertação é desafiada a manter vivo e
crítico diálogo com as diversas Ciências Humanas e Sociais. É mediante tal diálo-
go que a Teologia da Libertação poderá avaliar os desafios mais pertinentes que a
História, em sua pluridimensionalidade e complexidade, lança-lhe. O diálogo c-
tico com as ciências como a Antropologia Cultural, a Sociologia, a Ecologia, a
Ética, o Direito, a Economia, a Filosofia, as Ciências Políticas, as Ciências da
Religião, a Psicologia Profunda, permitirá, crítica e cientificamente, à Teologia
conhecer, por um lado, quais são as formas contemporâneas de opressão, domina-
ção e dependência e, por outro, permitiinterpretar teologicamente, à luz do E-
vangelho, os desafios mais relevantes da realidade histórica para que a Hisria
concreta seja o lugar da experiência da ação salvadora e libertadora revelada em
Jesus Cristo. Desta forma, a Teologia da Libertação poderá ter um maior conhe-
cimento das condições concretas da História e dos desafios, urgências e exigên-
cias que esta lança à reflexão teológica com pretensões de ser libertadora. Trata-se
do desafio que a Teologia da Libertação tem de reconhecer, no hoje da América
Latina, a relevância teológica da Hisria. a partir deste reconhecimento é que
se poderá, à luz crítica do Evangelho, propor uma Teologia libertadora.
Em segundo lugar, a Teologia da Libertação que queira ser relevante histo-
ricamente na atualidade precisa não estabelecer um diálogo crítico com as Ci-
ências Sociais e Humanas, mas também com os movimentos cristãos e não cris-
tãos que assumem uma perspectiva crítico-libertadora frente à realidade social,
cultural, política, econômica e religiosa da América Latina. O diálogo crítico com
os movimentos sociais, políticos, educacionais e culturais, com os movimentos
populares, com o movimento feminista, com as Organizações não Governamen-
tais de cunho crítico-libertador, permiti à Teologia da Libertação latino-
americana, por um lado, estar em contato com os desafios e urgências mais perti-
nentes da História latino-americana, e por outro, à luz crítica do Evangelho e com
a contribuição da Doutrina Social da Igreja, da Ética cristã e da Teoria dos Direi-
tos Fundamentais do Ser Humano, ser uma insncia crítico-reflexiva que possa
iluminar a presença dos cristãos nestes movimentos sociais e populares para que
possam vivenciar e testemunhar os conteúdos essenciais do Evangelho e da
cristã como experiência libertadora e salvadora na e da História.
Em terceiro lugar, se a Teologia da Libertação aspira ser relevante para a
História contemporânea da América Latina, necessita, com pertinência e funda-
mentada cientificamente, estabelecer uma crítica contundente aos governos de
centro-esquerda e esquerda cuja ascensão ao poder, indiretamente, tem a contribu-
ição da própria Teologia e do movimento de libertação. A Teologia da Libertação,
a partir da reflexão crítica fundamentada no Evangelho, na Ética cristã e na Dou-
trina Social da Igreja, auxiliada por uma leitura cientifica da realidade social, polí-
tica, econômica, cultural e ecológica, pode contribuir de modo relevante para que
as aspirações libertárias populares que levaram ao poder tais governos não sejam
esquecidas pelos mesmos e se transformem em frustração e em continuismo o-
pressor e dominador dos pobres e miseveis das sociedades nacionais latino-
americanas. Aqui a Teologia da Libertação é desafiada a manter viva a esperança
e a utopia dos pobres e a criticar todas as formas de poder e todas as políticas -
blicas que continuam a gerar exclusão, miséria, opressão e dominação dos pobres.
Particular importância tem, neste aspecto, a crítica da Teologia da Libertação às
políticas governamentais para que sejam de fato espaço de inclusão, partilha e
distribuição de renda e para que sejam capazes de propiciar ao povo latino-
americano o acesso às condições mínimas de saúde, educação, trabalho e lazer.
Em quarto lugar, a Teologia da Libertação é desafiada a adentrar com
maior rigor científico na plural identidade cultural e religiosa dos povos latino-
americanos. A Teologia da Libertação é desafiada a um contínuo e crítico diálogo
com a pluralidade cultural e religiosa dos povos latino-americanos. Neste sentido
é fundamental que este diálogo crítico seja fundamentado e auxiliado pelo diálogo
da Teologia com a Antropologia, principalmente, com a Antropologia Cultural. É
preciso conhecer com maior profundidade científica a História e a realidade atual
dos vários povos indígenas da América Latina, dos povos afro-descendentes e das
diversas identidades culturais, com suas expressões religiosas, decorrentes da
miscigenação entre indígenas, negros e europeus. Neste quadro ainda se expres-
sam formas de dominação, dependência, subserviência e opressão que a Teologia
precisa, no diálogo crítico com a Antropologia Cultural e com a Psicologia pro-
funda, identificar e contribuir para a sua libertação à luz do Evangelho. O diálogo
crítico da Teologia da Libertação com as Ciências da Religião e com a Psicologia
da Religião poderão, neste sentido, ser relevantes para que a Teologia da Liberta-
ção possa iluminar critica e libertadoramente as aspirações religiosas dos povos
latino-americanos que se concretizam na emergência de movimentos sócio-
religiosos que pretendem satisfazer os anseios religiosos e a busca de sentido e
significado da existência humana.
Em quinto lugar, a relação de tua relevância entre Teologia e História
também coloca a Teologia da Libertação ante o desafio de uma crítica consistente
da forma de capitalismo neoliberal que domina o cenário político-econômico e
ideológico atual. O dlogo crítico com a Sociologia Política latino-americana e
com a Economia possibilitará à Teologia da Libertação estabelecer uma crítica
relevante ao sistema político-econômico do capitalismo atual e da ideologia neoli-
beral, sua ideologia de sustentação. Sabe-se que o capitalismo neoliberal globali-
zado contribui para gerar pobreza, miséria e morte das massas excluídas do siste-
ma, para a agressão e exploração irracional do meio ambiente, para o aviltamento
das desigualdades sociais. A Teologia da Libertação precisa estabelecer uma críti-
ca contundente do capitalismo neoliberal globalizado, de suas ideologias, formas,
conseqüências e resultados. Ao mesmo tempo, à luz do Evangelho, precisa contri-
buir para manter viva a esperança de um “outro mundo possível em que a liber-
dade e dignidade de todo ser humano seja prioridade irrenunciável.
Por fim, em sexto lugar, mas não sem a mesma importância, a Teologia da
Libertação, vista a partir da perspectiva do papel e da importância da relação de
mútua relevância entre Teologia e História, é desafiada a contribuir para que a
ação evangelizadora e pastoral das Igrejas cristãs seja autenticamente libertadora.
As Igrejas que professam a fé no Cristo ressuscitado, Salvador da humanidade são
chamadas ao testemunho evangélico de compromisso com a dignidade, liberdade
e salvação do ser humano e da criação. Portanto, toda obra evangelizadora e toda
pastoral precisam levar em conta o caráter profético-libertador de defesa da vida,
liberdade e dignidade do ser humano. Para tal as Igrejas são desafiadas a uma pas-
toral e evangelização libertadoras nas condições concretas da História contempo-
rânea dos povos latino-americanos.
Nesta perspectiva, a Teologia que aspira ser historicamente relevante não
pode eximir-se de uma reflexão crítica, à luz do Evangelho, que ilumine a pastoral
e a evangelização das Igrejas para que sejam eficaz e efetivamente libertadoras
das formas atuais de opressão, dominação, exclusão e dependência. Tal Teologia é
desafiada a o silenciar diante de formas de espiritualidade, de pastoral e de e-
vangelização que afastam o cristão do compromisso e engajamento libertador de
todas as formas de opressão e dominação que se fazem presentes no contexto lati-
no-americano. Assim, a Teologia da Libertação, ao mesmo tempo que é alimenta-
da pela presença do cristão comprometido com a transformação libertadora da
História, é também desafiada, através de uma reflexão crítica à luz do Evangelho,
a iluminar para que o compromisso e testemunho dos cristãos seja eficaz e efeti-
vamente evangélico-libertador. Desta forma, esta Teologia poderá contribuir para
uma espiritualidade cris e para um testemunho eclesial autênticos e para uma
presença das Igrejas cristãs na transformação libertadora da História da América
Latina, sendo Sal, Luz e Fermento para uma Nova História, lugar da Liberdade
e Salvação prometida em Jesus Cristo feito História para transformar a História
humana em lugar da Salvação da Hisria.
Embora esses seis desafios não esgotem as contribuições que emergem da
análise da relação entre Teologia e História na elaboração do método da Teologia
da Libertação presente na interpretação dos encontros de El Escorial e da Cidade
do México, acredita-se que eles condensam os principais desafios que a relação de
mútua relevância no fazer teológico lançam à Teologia da Libertação latino-
americana atual. Levar a sério a relação de mútua relevância entre Teologia e His-
tória foi a condição de possibilidade da gênese e nascimento da própria Teologia
da Libertação. Encarar tal relação como desafio, possibilidade e esperança para a
Teologia da Libertação atual parece ser a condição de possibilidade para que a
Teologia da Libertação continue sendo Teologia da Salvação cristã nas condições
históricas concretas da América Latina. Para tal, a Teologia da Libertação precisa
continuamente ter presente sua condição de possibilidade originante e original que
postula uma Teologia com relencia hisrica a partir de uma História considera-
da, em suas tenes, desafios e anseios, teologicamente relevante.
Para levar a cabo sua tarefa a Teologia da Libertação é, enfim, desafiada a
ser uma Teologia dialogal, interdisciplinar, aberta, ecumênica, livre da pretensão
das verdades absolutas e do discurso único, humilde e consciente do desafio e-
vangélico-libertador, profética e crítica, comprometida com a realidade latino-
americana e, ao mesmo tempo, aberta a outros contextos, plural em suas formas,
preocupações e expressões, mas única em seu compromisso radical com o Evan-
gelho libertador e com sua concretização na História. Será assim uma Teologia
historicamente relevante, pois testemunha na História e a partir da relevância teo-
lógica dos desafios, conflitos, tensões e anseios da Hisria, a libertação definitiva
oferecida em Jesus Cristo a todo aquele que crê n´Ele e em seu Evangelho de Vi-
da, Liberdade e Salvação.
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Com Extras (Biografia – Fotos de uma vida – Cartas).
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