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brusco com a tradição, por um deslocamento básico das
concepções estéticas em vias de desaparecimento. Por
força dos aspectos novos que apresenta, perde a arte,
nessa fase, sua comunicabilidade. Torna-se incom-
preensível, exasperante, subdividida pelo contingente
excessivamente pessoal que a ela aporta. Tem nesse
impulso inicial qualquer coisa que lembra a formação
de um caudal. Nela se confundem, se chocam as mais
diversas tendências, desde aquelas que refletem ape-
nas um estado psicológico mórbido, até aquelas que en-
contram sua legitimidade na procura de uma Arte que
efetivamente corresponda à nova ordem estética em
formação. O ciclo que abrange o movimento contempo-
râneo da arte se inicia no Impressionismo. Até ai a pin-
tura era como um espelho, onde se refletiam o pensa-
mento religioso e histórico. Com o Impressionismo, a
pintura desloca o apoio temático de suas realizações.
Desembaraça-se da mitologia cristã e bane de suas
telas os reis, imperadores, papas, santos e heróis. Fixa
o fugaz, o transitório. As paisagens e as naturezas mor-
tas são seus temas preferidos. A luz, o demiurgo da
nova realidade. Essa atitude, mais do que as inovações
artesanais que trouxe, constitui seu aspecto mais im-
portante, mais revolucionário. Foi, principalmente, um
movimento de libertação, no sentido de afastar a pin-
tura de quaisquer compromissos de ordem religiosa,
histórica ou política. Pouco importa se dentro das limi-
tações que se impôs, cedo degenerasse seu luminoso
realismo para um naturalismo inconseqüente. O funda-
mental é que com o Impressionismo a pintura adquiriu
uma nova dinâmica que a conduziu através dos movi-
mentos que se seguiram à grande aventura agora ini-
ciada - a construção de uma pintura capaz de ficar de
pé, apoiada unicamente em seus elementos plásticos
fundamentais. Pintura não imitativa, despojada de todos
os acessórios literários. Ela em si mesma pretende ser
uma realidade. Quando autêntica, não se afasta da na-
tureza: ao contrário, penetra-a, perscruta-a em suas
profundezas. Não foge à vida: apenas não é mais um in-
termediário de imagens: é ela própria um criador de
imagens. Não desdenha da vida: aproxima-se, adiciona-
se à vida, enriquecendo-a com o desdobramento do
nosso horizonte visual.
O dia em que pudéssemos explicar a gênese da Arte
- como ela se forma, como se organiza, como se trans-
mite - a Arte deixaria de ser arte para se tornar ciência.
E, então, poderíamos fazer quadros por meio de equa-
ANEXOS
ções matemáticas, rigorosamente dosadas as cores,
perfeitamente dimensionados seus elementos gráficos
e formais, matematicamente determinado seu campo
espacial. O pensamento crítico, filosófico e histórico es-
tabelece critérios para o julgamento da arte, indaga
sobre as leis que regem seus movimentos, situa crono-
logicamente suas fases, indicando as relações e as in-
fluências ideológicas que sobre elas atuam. .Produto do
espírito, a Arte nas diversas fases que caracterizam o
seu desenvolvimento, plasma sua expressão de confor-
midade com as relações sociais de cada época, toma-
das em seu conjunto. Essa subordinação responde ao
aforismo: a Arte está condicionada ao espírito da época.
Antes de entender é preciso sentir. Contemplar a
pintura moderna com base numa concepção literária da
arte é erguer entre ela e nossos sentidos um filtro, dei-
xando passar apenas o que o raciocínio solicita. A difi-
culdade na aceitação da pintura moderna é mais apa-
rente do que real. Entre ela e o espectador só há de
irremovível a pergunta fatal: Que quer dizer? Que signi-
fica? Indagações dessa natureza adiantam-se à nossa
sensibilidade, agem como elemento de retardamento,
confundem e desorientam o nosso julgamento. O certo
é deixar que a pintura envolva os nossos sentidos, sem
tropeços em indagações de qualquer espécie. Começa-
mos a sentir a pintura, a penetrar em sua essência,
quando nela descobrimos uma equivalência poética ou
musical. Ela nos conduz, por meio de sensações visuais
- diria melhor: por meio de uma dinâmica cromática - a
uma síntese emocional equivalente à que se chega
pelos caminhos da poesia e da música. A diferença es-
pecífica entre aquela e estas reside em que a primeira
nos transmite uma sensação de permanência, de pouso,
de silêncio; as outras duas, de flutuação, de perene des-
lizar. A arte fundamentalmente se dirige ao nosso en-
tendimento, à nossa consciência, através de uma coor-
denação de sentimentos. Não está necessàriamente
obrigada a expressar pensamentos. Há regiões mesmo
em que sempre se expressou abstratamente.
Nesse caso está a arquitetura, arte eminentemente
abstrata. Nunca teve, nem poderia ter, o caráter imita-
tivo assumido pela pintura e a escultura ao longo das
civilizações passadas. Para sua renovação a arquitetura
teve que retomar as suas bases materiais fundamen-
tais como ponto de partida para a criação de uma nova
linguagem plástica. Superada a fase inicial de mecani-