263
Nesse contexto, o espírito científico, uma das mais altas aquisições da aventura humana, é
indispensável. A iniciação precoce na ciência é salutar, pois ela dá acesso, desde o início da vida
humana, à inesgotável riqueza do espírito científico, fundado no questionamento, na não-aceitação
de qualquer resposta pré-fabricada e de qualquer certeza que esteja em contradição com os fatos. No
entanto, espírito científico não quer dizer um aumento desmesurado do ensino de matérias científicas
e a construção de um mundo interior fundado na abstração e na formalização. Um tal excesso,
infelizmente corrente, só poderia conduzir ao extremo oposto do espírito científico: as respostas
prontas de antigamente seriam substituídas por outras respostas prontas (que por sua vez, ganha-
riam uma espécie de brilho “científico”) e, afinal de contas, um dogmatismo seria substituído por
outro. Não é pela assimilação de uma enorme massa de conhecimentos científicos que se tem
acesso ao espírito científico, mas pela qualidade do que é ensinado. E “qualidade” quer dizer fazer
com que a criança, o adolescente ou o adulto penetrem no próprio coração da abordagem científica,
que é o permanente questionamento relacionado com a resistência dos fatos, das imagens, das
representações e das formalizações.
Aprender a conhecer também quer dizer ser capaz de estabelecer pontes entre os diferentes saberes,
entre esses saberes e suas significações na nossa vida cotidiana, entre esses saberes e significados
e nossas capacidades interiores. A abordagem transdisciplinar será o complemento indispensável da
abordagem disciplinar, pois ela conduzirá a um ser continuamente unificado, capaz de adaptar-se às
exigências mutáveis da vida profissional e dotado de uma grande flexibilidade, embora permane-
cendo sempre orientado para a atualização de suas potencialidades interiores.
Aprender a fazer significa, certamente, a aquisição de uma profissão, bem como dos conhecimentos
e das práticas associadas a ela. A aquisição de uma profissão passa necessariamente por uma
especialização.
No entanto, em nosso mundo em ebulição, no qual o terremoto “informática” é anunciador de outros
terremotos futuros, fixar-se por toda a vida em uma única profissão pode ser perigoso, pois corre-se o
risco da condução do ser humano ao desemprego, à exclusão, ao sofrimento desintegrador do ser. A
especialização excessiva e precoce deve ser banida em um mundo que vive transformações muito
rápidas. Quando se quer verdadeiramente conciliar a exigência da competição e a preocupação com
a igualdade de oportunidades para todos os seres humanos, qualquer profissão no futuro deveria ser
uma profissão a ser tecida, uma profissão que estaria ligada, no interior do ser humano, com os fios
de outras profissãos. É evidente que não se trata de aprender diversas profissões ao mesmo tempo,
mas de edificar interiormente um núcleo flexível capaz de permitir um rápido acesso a outra profissão.
Nesse caso, a abordagem transdisciplinar também pode ser preciosa. Afinal de contas, “aprender a
fazer” é um aprendizado da criatividade. “Fazer” também significa criar algo novo, trazer à luz as pró-
prias potencialidades criativas. É esse aspecto do “fazer”, que é o contrário do tédio sentido, infeliz-
mente, por tantos seres humanos, que são obrigados, para suprir as suas necessidades, a exercer
uma profissão que não está em conformidade com suas predisposições interiores. “Igualdade de
oportunidades” também quer dizer realização de potencialidades criativas diferentes das dos outros
seres humanos. “Competição” também pode significar harmonia das atividades criadoras no seio de
uma única coletividade. O tédio, causador da violência, do conflito, da desordem, da abdicação moral
e social, pode ser substituído pela alegria da realização pessoal, qualquer que seja o lugar em que
essa realização se dê, pois para cada pessoa, a cada momento, esse lugar só pode ser único.
Edificar uma verdadeira pessoa também quer dizer assegurar-lhe condições máximas de realização
de suas potencialidades criadoras. A hierarquia social, tão freqüentemente arbitrária e artificial, pode-
ria ser assim substituída pela cooperação dos níveis estruturados, em função da criatividade pessoal.
Esses níveis serão níveis de ser e não níveis impostos por uma competição que não leva de modo
algum em conta a essência do homem. A abordagem transdisciplinar está fundamentada no equilíbrio
entre o homem exterior e o homem interior. Sem esse equilíbrio, “fazer” não significa nada mais do
que “sofrer a ação”, “submeter-se”.
Aprender a viver junto significa, em primeiro lugar, respeitar as normas que regulamentam as rela-
ções entre os seres que compõem uma coletividade. Porém, essas normas devem ser verdadeira-
mente compreendidas, admitidas interiormente por cada ser e não sofridas como imposições exte
-
riores. “Viver junto” não quer dizer simplesmente tolerar o outro com suas diferenças de opinião, de
cor de pele e de crenças; submeter-se às exigências dos poderosos; navegar entre os meandros de
incontáveis conflitos; separar definitivamente a vida interior da vida exterior; fingir escutar o outro