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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC
CENTRO SÓCIO ECONÔMICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
ISMAEL FRANCISCO DE SOUZA
A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E AS RESPONSABILIDADES DO
CONSELHO TUTELAR NO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS
FLORIANÓPOLIS (SC)
2008
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ISMAEL FRANCISCO DE SOUZA
A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E AS RESPONSABILIDADES DO
CONSELHO TUTELAR NO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Serviço Social – Programa
de Mestrado, da Universidade Federal de
Santa Catarina, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Mestre em Serviço
Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marli Palma Souza
FLORIANÓPOLIS (SC)
2008
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ISMAEL FRANCISCO DE SOUZA
A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E AS RESPONSABILIDADES DO
CONSELHO TUTELAR NO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS
Dissertação aprovada, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social Mestrado, da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 18 de junho de 2008.
______________________________________
Prof.ª Dr.ª Myriam Raquel Mitjavila
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UFSC
Banca Examinadora:
________________________________
Prof.ª Dr.ª Marli Palma Souza
Departamento de Serviço Social – UFSC
Orientadora
_______________________________________
Prof.ª Dr.ª Josiane Rose Petry Veronese
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
Centro de Ciências Jurídicas
Primeira Examinadora
______________________________________
Prof.ª Dr.ª Eliete Cibele Cipriano Vaz
Departamento de Serviço Social – UFSC
Segunda Examinadora
Dedico este trabalho à minha mãe Dilma dos Santos de
Souza, pelo constante carinho e cuidado, e in memoriam
de meu pai Francisco José de Souza.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Professora Dra. Marli Palma Souza, pela orientação e
contribuições que tornaram possível este trabalho e em especial pela sua tranqüilidade
e conforto nos momentos mais difíceis.
Ao André Viana Custódio, pela amizade, dedicação, companheirismo e
paciência que teve comigo ao longo desta caminhada.
À Professora Dra. Josiane Rose Petry Veronese, por sua contribuição
teórica para a proteção das crianças e adolescentes brasileira e pela inspiração,
sem a qual este trabalho não teria alcançado seus resultados.
À Professora Dra. Eliete Cibele Cipriano Vaz, pelo aceite em compor a
banca desta dissertação.
Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.
Aos Conselheiros Tutelares de Florianópolis, Thiago, nica, Karina
Evandro, Lêda, Greice, Priscilla, Mônica Eli, Fernanda, Cristina e Adriana, que
dispuseram do seu tempo e possibilitaram este trabalho.
À minha irmã Ivonete Dilma de Souza, que sempre esteve presente, e à
minha sobrinha Renata Regina de Souza.
À Janete Viana Custódio, Adriano Custódio e Márcia Delfino, pelo cuidado
que sempre tiveram comigo.
Aos meus grandes amigos que fiz na caminhada pela proteção aos
direitos da criança e do adolescente e que sempre me deram apoio: Tatiana Viana
Custódio; Rodrigo Furlan Alves, Wellington Mafiolete; Andréa Corrêa; José Yvan da
Costa Júnior, Liliani Mery Tasca da Costa, Kelvin Rodrigo da Costa, Paulo César
Amante, Sabrina Speck, Lucas Amante e Celso Pedro Costa; Caren Delfino Pivetta,
5
Daniela Marcos Ferreira, Clodoaldo; Nelca Vidres, Louvani de Fátima Sebastião da
Silva e Fernanda da Silva.
Aos professores do Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul
Catarinense, em especial aos professores Carlos Magno Spricigo Venerio, Janete
Trichês, Geralda Magella de Faria Rosseto, Anamara de Souza, Vivian Martins
Cardoso, Rosangela Del Moro, Maéve Diehl; Clélia Mara Fontanella Silveira e
Reginaldo de Souza Vieira.
Aos amigos de Santa Cruz do Sul, Professora Dra. Marli Costa, Sabrina
Cassol, Rosane Porto, Suzi Reis.
Educação: A resposta certa contra o trabalho infantil.
12 de Junho – Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil
Slogan 2008
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo descrever e analisar as responsabilidades,
limites e perspectivas de ações do Conselho Tutelar na erradicação do trabalho
infantil no município de Florianópolis. A escolha pelo tema se deve pela atuação do
pesquisador nos movimentos sociais em defesa dos direitos de crianças e
adolescentes, e pelos dados significativos de trabalho infantil com elevação
progressiva no Estado de Santa Catarina. O percurso metodológico deste trabalho
utilizou o método de abordagem indutivo, adotando o procedimento monográfico. As
técnicas de pesquisa envolveram pesquisa documental, bibliográfica e de campo. A
pesquisa de campo foi realizada junto aos três Conselhos Tutelares da Capital,
utilizando-se de questionário para a coleta dos dados. Dos 15 Conselheiros que
compõem os três Conselhos Tutelares, 11 responderam ao questionário, 02
estavam de férias e 02 de licença saúde. Os resultados obtidos apontaram em parte
para a hipótese proposta de trabalho. Portanto, o Conselho Tutelar de Florianópolis
tem atuado na erradicação do trabalho infantil, mas os limites culturais de alguns
conselheiros colocam-se como obstáculos no efetivo cumprimento de suas
atribuições. Destaca-se ainda a ausência de uma política para erradicação do
trabalho infantil; o PETI não tem conseguido afastar as crianças e adolescentes do
trabalho; uma demanda significativa de trabalho que descaracteriza a finalidade
do Conselho Tutelar. Nas considerações finais apontam-se possibilidades que
possam contribuir na atuação dos Conselhos Tutelares de Florianópolis.
Palavras-chave: Trabalho Infantil; Conselho Tutelar; Florianópolis.
ABSTRACT
This study aimed to describe and analyze the responsibilities, limits and action
prospects of Tutelar Council in the eradication of child labor in the city of
Florianopolis. The theme was chosen for the researcher’s role in social movements in
defense of the children and adolescents rights along with the significant evidence of
gradual increase of the child labor in the state of Santa Catarina. The research
methodology used was the inductive approach method, adopting the monographic
procedure. The techniques of search involved desk research, literature and field. The
field search was conducted with the three Tutelares Council of the Florianopolis,
using a questionnaire to gather data. From the 15 councilors who integrate the three
Tutelares Council, 11 answered the questionnaire; two were on vacation and 02 in
sick leave. The results pointed in part to the hypothesis proposed work. So the
Tutelar Council of Florianopolis has being effective in the eradication of child labor,
but the cultural boundaries of some advisers put up as obstacles in the effective
performance of their duties. Highlighting, the absence of a policy to eliminate child
labor, the PETI have not been able to keep children and adolescents away from
work; there is a significant demand for work that deprives the Tutelar Council from its
purpose. In closing comments possibilities that could contribute in the performance of
Tutelar Council of Florianopolis are pointed.
Key-words: Child Labor, Tutelar Council; Florianópolis.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01: Dados Trabalho Infantil no Brasil....................................................... 36
Gráfico 02: Dados Trabalho Infantil por Idade...................................................... 37
Gráfico 03: Trabalho Infantil – Jornada de Trabalho ............................................ 38
Gráfico 04: Dados Trabalho Infantil em Santa Catarina ....................................... 39
Gráfico 05: Conselho Tutelar – escolaridade (Brasil) ........................................... 81
Gráfico 06: Conselho Tutelar – Forma Processo de Escolha............................... 82
Gráfico 07: Conselho Tutelar – Infra-estrutura ..................................................... 86
Gráfico 08: Conselho Tutelar de Florianópolis – Escolaridade............................. 103
Gráfico 09: Conselho Tutelar de Florianópolis – Área de Formação.................... 104
Gráfico 10: Conselho Tutelar de Florianópolis – Tempo de exercício na função . 106
Gráfico 11: Conselho Tutelar de Florianópolis – Participação em atividades de
capacitação ....................................................................................... 112
Gráfico 12: Conselho Tutelar de Florianópolis – Número de Denúncias de
Trabalho infantil ................................................................................. 124
Gráfico 13: Atendimento no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ........ 124
Gráfico 14: Número de crianças atendidas na educação infantil em Florianópolis 128
LISTA DE SIGLAS
ACCT – Associação Catarinense dos Conselheiros Tutelares
ANCED – Associação Nacional dos Centros de Defesa
APÓIA – Programa de Apoio à Infreqüência Escolar
APOMT – Programa de Aviso por Maus-Tratos
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CNA – Cadastro Nacional de Adoção
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CT – Conselho Tutelar
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INFOADOTE – Monitoramento sobre Colocação em Família Substituta e Adoção
INFOINFRA – Monitoramento dos Adolescentes em Conflito com a Lei
FIA – Fundo da Infância e da Adolescência
FÓRUM DCA – Fórum de Direitos da Criança e do Adolescente
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA – Lei Orçamentária Anual
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PL – Projeto de Lei
PLS – Projeto de Lei do Senado
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNBEM – Política Nacional do Bem-Estar do Menor
PPA – Plano Plurianual
REDINFA – Rede Brasileira de Informação sobre Infância, Adolescência e Família
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SIPIA – Sistema de Informação para Infância e a Adolescência
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância
LISTA DE ANEXOS
ANEXO I: Instrumento de Pesquisa
ANEXO II: Lei Municipal Nº. 3.794, de 02 de julho de 1992
ANEXO III: Lei Municipal Nº. 4.283, de 30 de dezembro de 1993
ANEXO IV: Lei Municipal Nº. 6.565, de 16 de dezembro de 2004
ANEXO V: Decreto Municipal Nº. 3.960, de 21 de fevereiro de 2006
ANEXO VI: Regimento Interno do Conselho Tutelar de Florianópolis
ANEXO VII: Lista de entidades parceiras do PETI para as atividades socioeducativas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 14
1. TRABALHO INFANTIL: PERSPECTIVAS PARA SUA ERRADICAÇÃO....... 19
1.1 A produção normativa contra exploração do trabalho infantil no Brasil.......... 19
1.2 Contexto, obstáculos e desafios para erradicação do trabalho infantil........... 35
1.3 O processo de construção política para erradicação do trabalho infantil ....... 46
2. CONSELHO TUTELAR ................................................................................... 58
2.1 Natureza jurídica e características essenciais do Conselho Tutelar .............. 58
2.1.1 O Projeto de Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente no Senado
Federal ................................................................................................................. 62
2.1.2 As discussões do Projeto de Conselho Tutelar na Câmara dos Deputados 66
2.1.3 A proposta de Conselho Tutelar aprovada.................................................. 70
2.2 O contexto dos Conselhos Tutelares no Brasil............................................... 76
2.3 As atribuições e responsabilidades do Conselho Tutelar............................... 88
3. O CONSELHO TUTELAR DE FLORIANÓPOLIS ........................................... 98
3.1 Referências Históricas e Contexto do Conselho Tutelar em Florianópolis..... 98
3.1.1 As características dos Conselhos Tutelares de Florianópolis ..................... 103
3.1.2 A Estrutura Física e Operacional dos Conselhos Tutelares ........................ 106
3.2 As responsabilidades do Conselho Tutelar na erradicação do trabalho
infantil................................................................................................................... 111
3.3 Limites e perspectivas do Conselho Tutelar na erradicação do trabalho
infantil................................................................................................................... 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 135
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 140
ANEXOS .............................................................................................................. 150
INTRODUÇÃO
A exploração do trabalho infantil é uma das principais violações dos
direitos fundamentais da criança e do adolescente na realidade brasileira. São mais
de 5,1 milhões de crianças e adolescentes, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE/PNAD/2006), submetidas às mais diversas formas de
exploração no trabalho, incluindo atividades perigosas, insalubres, penosas e
prejudiciais ao desenvolvimento físico e psicológico.
Em Santa Catarina, o mesmo Instituto apresenta dados também
significativos: são 104 mil crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.
O trabalho infantil representa umas das formas mais perversas de exploração contra
criança e adolescente, trazendo um conjunto de causas e conseqüências ao
desenvolvimento físico, psicológico e educacional.
Neste contexto, o Conselho Tutelar é o órgão estratégico do sistema de
garantia dos direitos, pois tem a responsabilidade de zelar pelos direitos da criança e
do adolescente, registrando os casos de exploração e requisitando a prestação de
serviços públicos para sanar os casos constatados de violação de direitos. Por ser
formado por representantes da sociedade, torna-se um órgão de fácil acesso da
população.
Assim, as ações dos Conselhos Tutelares dos Direitos da Criança e do
Adolescente são fundamentais no processo de implementação das políticas de
prevenção e erradicação do trabalho infantil no Brasil, uma vez que podem contribuir
no fornecimento de dados e informações sobre as situações de crianças e
adolescentes explorados no trabalho, acompanhar a implementação de programas e
projetos nesse campo de atuação e mobilizar a sociedade, especialmente as
famílias, para o rompimento da cultura de valorização do trabalho infantil.
No entanto, em Florianópolis, o Conselho Tutelar registrou desde a
implantação do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (SIPIA) em
1999 apenas 16 casos de exploração de trabalho infantil. O registro no Sistema é de
extrema importância, pois esses dados servirão para subsidiar a adoção de políticas
governamentais.
15
A escolha pelo tema se deve ao engajamento do pesquisador nos
movimentos sociais que atuam na defesa dos direitos da criança e do adolescente,
em especial na erradicação do trabalho infantil. Foi sócio fundador do Instituto Ócio
Criativo, organização não-governamental pela defesa dos direitos da criança e do
adolescente. Durante a graduação teve dois projetos de iniciação científica
aprovados, um intitulado “Os meninos engraxates do Município de Criciúma”, e outro
“As ações do Conselho Tutelar no município de Criciúma”, além do trabalho
monográfico que versou sobre a Exploração do Trabalho Infantil no Brasil.
Desse modo, levando em conta o percurso do pesquisador pelo tema,
optou-se por eleger o Conselho Tutelar como objeto de estudo, problematizando a
relação Conselho Tutelar e trabalho infantil através da seguinte questão de
pesquisa: Quais as responsabilidades, limites e perspectivas de ações do Conselho
Tutelar na erradicação do trabalho infantil no município de Florianópolis?
Neste contexto, parte-se da hipótese que conselheiros tutelares do
município de Florianópolis apresentam uma realidade conflitante, pois, ao mesmo
tempo em que atuam na erradicação do trabalho infantil, deparam-se com limites
culturais e estruturais. Portanto, o cumprimento das atribuições do Conselho Tutelar
está limitado por dimensões, causas e conseqüências complexas do trabalho infantil,
da concepção de Conselho Tutelar estabelecida, e da ausência das políticas
públicas de erradicação do trabalho infantil no Brasil.
Para tanto, o objetivo geral da pesquisa é descrever e analisar as
responsabilidades, limites e perspectivas de ões do Conselho Tutelar na
erradicação do trabalho infantil no município de Florianópolis. Como objetivos
específicos, apresentam-se: descrever o histórico, as dimensões, causas,
conseqüências, limites e perspectivas da erradicação do trabalho infantil; pesquisar
o histórico, a natureza jurídica, as atribuições, responsabilidades, limites e
perspectivas de atuação do Conselho Tutelar; analisar a atuação do Conselho
Tutelar na erradicação do trabalho infantil no município de Florianópolis, e
apresentar possibilidades de ações para a erradicação do trabalho infantil.
O trabalho fundamentou-se a partir da Teoria da Proteção Integral que
vem afirmar que às crianças e aos adolescentes devem-se reconhecer os mesmos
direitos fundamentais pertencentes a todo ser humano e, também, direitos
específicos em razão da sua condição peculiar de desenvolvimento.
16
E essa proteção jurídica à criança e ao adolescente também estaria
respaldada pela legislação internacional, em decorrência da ratificação da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, editada pela Comissão de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas e aprovada pela Assembléia Geral
em 20 de novembro de 1989. No Brasil essa Convenção foi ratificada através do
Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990, que afastou qualquer vida sobre a
incorporação da Teoria da Proteção Integral no ordenamento jurídico brasileiro.
O percurso metodológico desse trabalho utilizou-se do método de
abordagem indutivo, adotando o procedimento monográfico. As técnicas de
pesquisa utilizadas foram a documental, bibliográfica e de campo.
A pesquisa documental foi realizada junto à base de dados do Senado
Federal, Câmara dos Deputados e Câmara Municipal dos Vereadores de
Florianópolis, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, trazendo informações de
legislações e dados sobre trabalho infantil. Também foi analisado o relatório da
Comissão Especial que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, dando
enfoque aos artigos que tratam do Conselho Tutelar.
Na pesquisa bibliográfica utilizou-se de livros, artigos acadêmicos, teses e
dissertações sobre o tema, que forneceram as referências teóricas para dissertação.
A pesquisa de campo compreendeu os três Conselhos Tutelares de
Florianópolis (Continente, Norte da Ilha e Insular). Inicialmente, a proposta era
entrevistar todos os conselheiros tutelares, o que não foi possível, pois, dos 15
conselheiros apenas 11 estavam no exercício pleno da função. Os demais, dois
estavam de férias e dois em licença saúde.
A alta demanda de atendimento no Conselho Tutelar tornou impossível
entrevistá-los. No entanto, esses conselheiros aceitaram responder a um
questionário, que foi composto de 18 perguntas, abertas e fechadas, trazendo
informações sobre as características dos Conselheiros Tutelares, a infra-estrutura do
Conselho, os encaminhamentos, os limites e perspectivas de atuação, a política de
atendimento, e da compreensão destes sobre o trabalho infantil.
Lakatos e Marconi conceituam questionário como “um instrumento de
coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser
17
respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador”
1
. No entanto, as autoras
apresentam vantagens e desvantagens do questionário. As vantagens estão
principalmente na economia do tempo, no atingimento de um maior número de
pessoas simultaneamente, maior liberdade nas respostas em razão do anonimato,
respostas mais seguras e um menor risco de distorção pela não-influência do
pesquisador. As desvantagens, e estas foram diagnosticadas pelo pesquisador, são:
grande número de perguntas sem respostas ou respostas incompletas, a devolução
tardia e o desconhecimento das circunstâncias em que foi preenchido o
questionário
2
.
O questionário passou por um pré-teste. O pré-teste tem por objetivo “[...]
evidenciar possíveis falhas existentes, inconsistentes ou complexidade das
questões, ambigüidade ou linguagem inacessível; perguntas supérfluas ou que
causam embaraço ao informante”
3
. O pré-teste foi aplicado para dois conselheiros
tutelares do município de Pinhais, no Estado do Paraná.
Para complementar as informações do questionário, o pesquisador fez
uma visita a cada Conselho Tutelar para esclarecer algumas questões em especial
as que compõe a estrutura física do Conselho. No programa de erradicação do
Trabalho Infantil, foi realizada a entrevista com o coordenador, para compreender a
demanda do PETI, os dados, e outras informações que estão dispostas no terceiro
capítulo.
A análise dos dados foi feita de acordo com as categorias (caracterização
dos Conselheiros Tutelares; Estrutura de atendimento; e aspectos culturais e
procedimentais sobre trabalho infantil e Conselho Tutelar), que nortearam o
questionário.
Para compor os dados sobre trabalho infantil no município de
Florianópolis a partir das informações do Conselho Tutelar, foi demilitado o período
de 2006 até o primeiro trimestre de 2008, este período refere-se à gestão atual do
Conselho Tutelar. Não foi possível obter os dados sobre denúncias de trabalho
infantil que chegam ao Conselho Tutelar anterior a este período porque as
1
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica.
3. ed. São Paulo: Atlas, 1993. p. 201.
2
Idem, p. 202.
3
Idem, p. 203.
18
informações não estão informatizadas, e os casos estão em “arquivo morto” o que
demandaria um longo período de pesquisa.
Assim, a presente pesquisa esta dividida em três capítulos. O primeiro
capítulo descreve a trajetória da legislação brasileira deste a Primeira República a
partir do Decreto 1313 de 1891, até as legislações mais recentes, apontando o
contexto do trabalho infantil no Brasil, e destacando o processo de construção da
política para erradicação do trabalho infantil, a partir dos Fóruns (nacional, estaduais
e municipais) de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
No Segundo capítulo, aborda-se, do ponto de vista normativo, teórico e
operacional, o Conselho Tutelar, órgão que foi encarregado pela sociedade de zelar
pelos direitos de criança e adolescente, apontando sua natureza jurídica e
características, dando destaque as duas propostas de Conselho Tutelar que
tramitavam no Congresso Nacional. A contextualização do Conselho Tutelar em
âmbito nacional é baseada em duas pesquisas sobre os Conselhos Tutelares, uma
realizada em 1997 e outra em 2007 sendo esta mais aprofundada neste trabalho, e
por fim descrevem-se as atribuições do Conselho Tutelar determinada no art. 136 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
No terceiro capítulo, analisa-se os dados qualitativos oriundos da
pesquisa de campo junto aos membros dos três Conselhos Tutelares de
Florianópolis. Inicialmente aponta-se os aspectos históricos e contexto do Conselho
Tutelar da capital catarinense, destacando o perfil dos Conselheiros e estrutura
física e operacional, as responsabilidades do Conselho na erradicação do trabalho
infantil, e por fim uma análise dos limites e perspectivas de erradicação do trabalho
infantil.
Nas Considerações finais, apresenta-se uma síntese explicativa além de
apontamentos que tem por escopo contribuir na atuação do Conselho Tutelar de
Florianópolis para erradicação do Trabalho Infantil, e indicativos que fortalecem o
sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente.
Por fim, é importante esclarecer que esta dissertação não teve como
objetivo esgotar a complexidade do tema trabalho infantil, mas contribuir com os
profissionais que atuam no sistema de garantias, principalmente os Conselhos
Tutelares para identificar suas atribuições conferidas pela sociedade, e ainda servir
de base para futuros trabalhos.
19
1. TRABALHO INFANTIL: PERSPECTIVAS PARA SUA ERRADICAÇÃO
1.1 A Produção Normativa contra Exploração do Trabalho Infantil no Brasil
A história brasileira é marcada pela exploração do trabalho da criança,
mas foi apenas no final do século XIX que o Brasil começou a produzir legislações
de proteção à infância. Foi desse modo que o governo da recém-instalada República
instituiu o Decreto 1.313, de 17 de janeiro de 1891, com o objetivo de regular o
trabalho de crianças e adolescentes nas fábricas no Rio de Janeiro. Esse Decreto,
que realmente nunca foi regulamentado, demarca um período importante de atenção
às condições de vida de meninos e meninas brasileiras.
Nessa época, inaugura-se a prática do estabelecimento de limites de
idade mínima para o trabalho como forma de regular o trabalho infanto-juvenil.
Nesse sentido, o Decreto trazia as seguintes enunciações em seus artigos:
Art. 2º. Não serão admitidos ao trabalho efetivo nas fábricas de um e de
outro sexo menores de 12 anos, salvo, a título de aprendizado, nas fábricas
de tecidos as que se acharem compreendidas entre aquela idade e a de oito
anos completos.
Art. 4º. [...] os menores do sexo feminino de 12 a 15 anos e do sexo
masculino de 12 a 14 anos poderão trabalhar no máximo sete horas por
dia, não consecutivas, de modo que nunca exceda quatro horas o trabalho
contínuo, e os do sexo masculino de 14 a 15 anos até nove horas, nas
mesmas condições.
4
no Estado de São Paulo, tais medidas estavam descritas no Código
Sanitário do Estado de 1894, produzido com grande influência das legislações
francesas sobre higiene, e dentre outras, proibia o trabalho de menores de 12 anos
no meio fabril.
5
Foi na ocupação do espaço público dos centros urbanos no início do
século XX por crianças empobrecidas estereotipadas como “menores”, que, no País,
surgem discursos produzidos pelas elites políticas da época, reivindicando a
4
BRASIL. Decreto 1.313, de 17 de janeiro de 1891. Estabelece providências para regular o trabalho
dos menores e empregados nas fábricas da capital federal. Coleção Leis do Brasil. Poder
Executivo. Rio de Janeiro, v. 3, p. 326, 31 dez. 1891.
5
MOURA, Esmeralda Moura Bolsonaro. Infância operária e acidente de trabalho em São Paulo. In:
PRIORE, Mary Del. História da Criança no Brasil. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1996. p. 116.
20
necessidade de instituir medidas jurídicas e sociais para investir contra a ociosidade
infantil, em conseqüência do processo de industrialização e da crescente
pauperização das camadas populares.
6
É nesse sentido que os Institutos Disciplinares são criados, visando
solucionar os problemas que o Poder Judiciário enfrentava em relação ao
encaminhamento de meninos apreendidos nas ruas. Era a solução reclamada pelas
elites da época. No Estado de São Paulo, o governo autoriza a criação de um
desses Institutos por meio da Lei 844, de 10 de outubro de 1902. No Rio de Janeiro,
acontece igual movimento para criação desse novo modelo institucional de
acolhimento. Segundo Moraes,
Em 1902, o governo de Bernardino de Campos cria o Instituto Disciplinar
com o objetivo de sanar estas dificuldades. Instalado na capital, no bairro do
Tatuapé, e já considerado pelo Secretário da Justiça como uma medida
insuficiente “frente às proporções do problema”, destinava-se a abrigar
menores do sexo masculino, entre 9 e 21 anos, os “pequenos mendigos,
vadios, viciosos, abandonados”, incluindo-se aqueles condenados, por
infração, pelo Código Penal então vigente. Subordinada à Secretaria da
Justiça, sob a imediata inspeção do chefe de polícia, a instituição foi
instalada com o objetivo específico de promover “a regeneração dos
menores criminosos e corrompidos”. Para alcançá-lo, propunha-se
segundo seu regulamento interno a incutir hábitos de trabalho, a educar
e a fornecer instrução literária e profissional, de preferência a agrícola.
7
(grifo nosso)
É a partir desse modelo de instituição que se constata a predominância
da pedagogia do trabalho como modelo de educação e possibilidade de
“regeneração de menores” da época. Tratava-se, pois, da conjugação de um modelo
educacional com “[...] duplo objetivo: a instrução e o adestramento para a boa
conduta”, como muito bem criticava Russell
8
.
No Rio de Janeiro, o Instituto Disciplinar, no ano seguinte à sua criação,
passaria a ser chamado de Colônia Correcional, conforme Decreto 4.753, de 28 de
janeiro de 1903, que instituiu a Colônia Correcional de Dois Rios.
9
O texto citado descreve seus objetivos no art. 1º do seguinte modo:
6
PADILHA, Miriam Damasceno. Criança não deve trabalhar: a análise sobre o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil e Repercussão na Sociabilidade Familiar. Recife: CEPE, 2006. p. 41.
7
MORAES, Carmen Sylvia Vidigal. A normatização da pobreza: crianças abandonadas e crianças
infratoras. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 15, p. 82, set./out./nov., 2000.
8
RUSSELL, Bertrand. Educação e Ordem Social. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 44.
9
BRASIL. Decreto 4.753, de 28 de janeiro de 1903. Institui a Colônia Correcional de Dois Rios.
Coleção de Leis do Brasil. Poder Executivo. Rio de Janeiro, v. 1, p. 32, 31 dez. 1903.
21
A colônia de Dois Rios, destinada à reabilitação, pelo trabalho e educação,
dos mendigos, do sexo masculino, vagabundos ou vadios, capoeiras, ébrios
habituais, jogadores, ladrões, dos que praticarem o lenocínio e dos menores
viciosos, que forem encontrados e como tais julgados no Distrito Federal,
compreendidos nessas classes os definidos no Código Penal e no Decreto
145, de 12 de julho de 1892 (Lei 947, de 29 de dezembro de 1902, art. ,
n. IV).
Durante as duas primeiras décadas do XX, diversos movimentos de
operários e sindicalistas de São Paulo passam a denunciar a exploração do trabalho
de crianças e mulheres nas fábricas. Especialmente no período compreendido entre
1917 e 1919, o país acompanha greves e movimentos de resistência, denunciando
indistintamente a exploração do trabalho de crianças e mulheres e a precariedade
das condições de vida.
No Rio de Janeiro, os operários de uma companhia de tecidos, além de
denunciarem a exploração do trabalho de infantil, reivindicavam escolas para essas
crianças. No entanto, apenas em 1919, foi reconhecida a limitação da jornada de
trabalho em oito horas e a proibição do trabalho aos menores de quatorze anos.
10
Após um verdadeiro processo de judicialização da assistência, surge a
proposta do primeiro Código de Menores no Brasil, mediante a edição do Decreto
5.083, de 01 de dezembro de 1926, que autorizou o governo a elaborar um projeto
de lei com a finalidade de publicação de um Código de Menores.
11
A redação do Projeto de Lei foi de autoria do Juiz de Menores do Rio de
Janeiro José Candido Albuquerque de Mello Mattos, que construiu uma proposta de
consolidação da legislação sobre o tema, resultando na edição do Decreto 17.943-A,
de 12 de outubro de 1927
12
, estabelecendo o primeiro Código de Menores da
América Latina.
13
10
CAMPOS, Herculano Ricardo; ALVERGA, Alex Reinecke de. Trabalho infantil e ideologia:
contribuição ao estudo da crença indiscriminada na dignidade do trabalho. Estudos de
Psicologia. Natal, v. 6, n. 2, p. 232, 2001.
11
BRASIL. Decreto 5.083, de 01 de dezembro de 1926. Institui o Código de Menores. Coleção de
Leis do Brasil. Poder Legislativo, Rio de Janeiro, v. 1, p. 79, 31 dez. 1926.
12
BRASIL. Decreto 17.943-A de 12 de outubro de 1927. Consolida as Leis de Assistência e
Proteção a Menores. Coleção de Leis do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, v. 2, p. 476, 31
dez. 1927.
13
Nas primeiras décadas do século XX, vários países da América Latina criavam seus códigos de
menores; no Brasil (1927); Chile (1928); Uruguai (1934); Equador (1938). Ver: PILOTTI, F.;
RIZZINI, Irene. Arte de Governar Crianças. Rio de Janeiro: USU, 1995. VERONESE, Josiane
Rose Petry. Os Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1999.
22
A campanha em prol da assistência à infância ganhou considerável espaço
na sociedade brasileira, subordinando a maioria das questões sociais,
econômicas e políticas da época. De fato, para muitos médicos, políticos e
advogados, o futuro da ordem social brasileira parecia depender da
capacidade do governo de resolver efetivamente o problema da infância. O
crescente interesse em torno da criança no Brasil também pôde ser
atribuído, pelo menos em parte, à organização no início do século XX de
congressos promovidos pelo movimento pan-americano. Esses encontros
criaram um espaço internacional para troca de informações, idéias e
debates, além de exercerem considerável pressão política, que resultou na
criação de novas leis sobre a infância.
14
A edição do primeiro Código de Menores concretizava toda a experiência
representada pelas leis existentes na época sobre “menores”. É neste sentido que
explica Veronese:
O Código de Menores veio alterar e substituir concepções obsoletas como
as de discernimento, culpabilidade, penalidade, responsabilidade, pátrio
poder, passando a assumir a assistência ao menor de idade, sob a
perspectiva educacional. Abandonou-se a postura anterior de reprimir e
punir e passou-se a priorizar, como questão básica, o regenerar e educar.
Desse modo, chegou-se à conclusão de que questões relativas à infância e
à adolescência devem ser abordadas fora da perspectiva criminal, ou seja,
fora do Código Penal.
15
O Código de Menores serviu de instrumento para classificar os “menores”,
conforme sua condição social, considerando como abandonados aqueles com idade
inferior a dezoito anos, que não tivessem quem os cuidasse, ou, mesmo na
companhia dos pais, tutor ou outra pessoa responsável, tivessem tais práticas
contrárias à moral e aos bons costumes, promovendo uma espécie de educação
orientada para a civilização da infância, e pretendendo evitar a delinqüência e os
maus-tratos contra criança.
O reconhecimento da situação da infância como um problema social é
explicitado nos discursos e nas leis, como conseqüência óbvia da situação
generalizada de pobreza da população. Neste sentido, a conotação jurídica
implícita na descrição do problema dos menores (abandonados e
delinqüentes) cede espaço para uma caracterização de cunho social da
infância e da adolescência.
16
14
WADSWORTH, James E. Moncorvo Filho e o problema da infância: modelos institucionais e
ideológicos da assistência à infância no Brasil. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 19,
n. 37, set. 1999.
15
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos da Criança e do Adolescente, cit. p. 27-28.
16
PILOTTI, Francisco J.; RIZZINI, Irene. Op. cit., p. 136.
23
Além da preocupação com a delinqüência, também houve preocupação
com a construção de uma cultura de promoção do trabalho operário. Por isso, a
vadiagem tornou-se um delito, objeto de interesse de controle via sistema penal, que
considerava como vadios os “menores”, que, apesar de terem um lugar e uma
família, vivessem perambulando pelas ruas, e também classificava a mendicância
como uma prática reprovável, definindo como mendigos aqueles que vagavam pelas
ruas esmolando, pois a essência era a preocupação com a aplicação dos princípios
higienistas que tanto sucesso faziam na Europa durante esse período.
Crianças pobres, no "ambiente desfavorável das ruas", tornaram-se alvo
natural das campanhas preventivistas. Precárias condições de saúde e
educação logo foram definidas e diagnosticadas como predisposição
biológica ao crime, a "inclinação natural" estabelecida por Lombroso.
Clínicas de eufrenia foram abertas, cidades de menores
projetadas, não
logrando, senão produzir socialmente a figura do menor abandonado.
17
No campo normativo, a partir da promulgação da Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, em 16 de julho de 1934, houve mudanças
significativas. O próprio texto inicial da Constituição estabelecia entre seus objetivos
“[...] organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a
liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico”.
18
Note-se que nesse período
uma mudança de perspectivas sobre a educação com as propostas de novas
metodologias, bem como com a universalização do acesso ao ensino primário. No
que tange ao trabalho da criança e do adolescente, esta inova em matéria
constitucional ao fixar uma idade mínima para trabalho em 14 anos de idade, nos
seguintes termos:
Art. 121, § A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos,
além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:
[...]
d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a
menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a
mulheres;
17
MARQUES, Vera Regina Beltrão. Histórias de higienização pelo trabalho: crianças paranaenses
no SÉCULO XIX. Cadernos CEDES, Campinas, v. 23, n. 59, abr. 2003.
18
BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário
Oficial [da] União, Poder Legislativo, Rio de Janeiro, p. 1, 16 jul. 1934.
24
Esse texto, que não sofrerá modificações na Constituição de 1937, delega
à legislação trabalhista a responsabilidade pelo oferecimento de melhores condições
de desenvolvimento para crianças e adultos. Embora sua concretização estivesse
distante de qualquer possibilidade de efetivação, mantinha-se uma preocupação
especial relativa ao oferecimento de uma formação para o desempenho de um
ofício.
Contudo, a concepção mais concreta do oferecimento de algum tipo de
profissionalização seria formulada a partir da criação do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI), criado pelo Decreto-lei 4.048, de janeiro de 1942,
com subordinação à Confederação Nacional da Indústria (CNI), que destaca entre
seus objetivos a organização e a administração de escolas de aprendizagem para os
filhos dos trabalhadores na indústria.
[...] a concepção do ensino expressa na “lei” orgânica do ensino industrial,
concilia duas modalidades de formação de operários. A principal
modalidade seria desenvolvida nas escolas industriais, herdeiras das
antigas escolas de aprendizes artífices, então promovidas ao nível pós-
primário (1
o
ciclo do ensino dio, ramo industrial). seriam ensinados
ofícios que exigiriam uma formação mais longa, em oficinas especializadas.
A outra modalidade seria a aprendizagem, ministrada em “serviços”, que
associaria escola e trabalho, visando ao ensino de parte de cada ofício
industrial.
19
Ou seja, as escolas de aprendizes não possuíam uma metodologia ao
ensino de um oficio, estando limitada aos padrões artesanais da prática, enquanto
as escolas profissionais mecânicas apresentavam uma pedagogia talvez mais
eficiente aos seus objetivos.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), editada através do Decreto-
lei 5.452, de 1º de maio de 1943, apresenta um capítulo específico sobre o trabalho
do “menor”, nos arts. 402 a 441. Esses dispositivos gerais do trabalho da criança e
do adolescente incluem: determinação da duração de trabalho, formas para
admissão em emprego, a Carteira de Trabalho e Previdência Social, os deveres dos
responsáveis legais de “menores” e dos empregadores no contrato de
aprendizagem, e ainda a previsão de penalidades a aqueles que violarem os
direitos, representando um grande avanço para época em relação à matéria. Por fim,
19
CUNHA, Luiz Antônio. O ensino industrial-manufatureiro no Brasil. Revista Brasileira de
Educação, Campinas, n. 14, p. 96, 2000.
25
nas disposições finais, em especial no art. 440, determina-se que nenhum prazo
prescricional correria aos menores de dezoito anos, visando preservar os direitos
trabalhistas quando violados nesse período.
Logo após, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o País adota a
Constituição dos Estados Unidos do Brasil, em 1946, prevendo o dever do Estado
em proteger e assistir à maternidade, à infância e adolescência, bem como proibir o
trabalho noturno aos menores de dezoito anos, que antes era estabelecido em
dezesseis anos.
20
Ao final da década de quarenta, iniciam-se novamente as discussões
sobre os “problemas dos menores”. Uma das iniciativas eram as Semanas de
Estudos dos Problemas dos Menores, que nasceram das dificuldades de aplicação
do Código de Menores, envolvendo juízes e demais profissionais do setor. As
Semanas iniciaram-se no Estado de São Paulo em 1948 e prolongaram-se até a
década de setenta. As atividades que contavam com a participação de religiosos,
médicos, assistentes sociais e juristas tinham como objetivo a discussão de
“medidas para os problemas de abandono e delinqüência dos menores”.
21
No âmbito Internacional, as discussões sobre proteção a crianças e
adolescentes estavam mais avançadas, como destaca Marcílio:
O ano de 1959 representa um dos momentos emblemáticos para o avanço
das conquistas da infância. Nesse ano, as Nações Unidas proclamaram sua
Declaração Universal dos Direitos da Criança, de significativo e profundo
impacto nas atitudes de cada nação diante da infância. Nela, a ONU
reafirmava a importância de se garantir a universalidade, objetividade e
igualdade na consideração de questões relativas aos direitos da criança. A
criança passa a ser considerada, pela primeira vez na história, prioridade
absoluta e sujeito de Direito, o que por si é uma profunda revolução. A
Declaração enfatiza a importância de se intensificar esforços nacionais para
a promoção do respeito dos direitos da criança à sobrevivência, proteção,
desenvolvimento e participação. A exploração e o abuso de crianças
deveriam ser ativamente combatidos, atacando-se suas causas.
22
20
BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial [da]
União, Poder Legislativo, 19 set. 1946.
21
MORELLI, Ailton José. A inimputabilidade e a impunidade em São Paulo. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 19, n. 37, set. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script
=sci_arttext&pid=S0102-01881999000100007>. Acesso em 16 nov. de 2007.
22
MARCÍLIO, Maria Luiza. A lenta construção dos direitos da criança brasileira Século XX.
Disponível em: <http://www2.ibam.org.br/municipiodh/biblioteca%2FArtigos/crianca.pdf>. Acesso
em: 15 nov. 2007.
26
Após o golpe militar em 1964 é estabelecida a Política Nacional do Bem-
Estar do Menor (PNBEM) como uma política de caráter assistencialista, nos moldes
da Doutrina da Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra, com o objetivo de
formular e executar uma política nacional mediante o estudo dos problemas e o
planejamento centralizado de medidas, que envolvia a orientação, coordenação e
fiscalização das entidades. Silva registra que
A criação de uma fundação nacional foi um projeto cultivado desde a
realização da Semana de Estudos dos Problemas de Menores, que se
sucederam depois pelos anos de 49, 50, 51, 52, 53, 56, 57, 59, 70, 71 e 73
sob o patrocínio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o que
ocorreu também no Rio de Janeiro a partir de 1955. Submetida à Câmara
dos Deputados em 1961, a proposta foi rejeitada. Em 1964, um filho do
então Ministro da Justiça Milton Campos foi barbaramente assassinado por
adolescentes moradores nos morros do Rio de Janeiro e o próprio Ministro,
juntamente com outros juristas do Rio de Janeiro, convenceram o
presidente General Humberto Castelo Branco a criar, por decreto, a
almejada fundação nacional.
23
Desse modo, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM)
foi instituída pela Lei 4.513, de de dezembro de 1964, e propunha a integração do
Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social mediante uma instituição com
personalidade jurídica de direito privado com autonomia técnica, financeira e
administrativa. Essa Fundação, estabelecida em Brasília, era responsável pela
execução da Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), direcionada ao
atendimento das necessidades básicas do “menor” considerado em processo de
marginalização social.
24
Em 1967, houve um retrocesso com referência a legislação sobre o
trabalho infantil, fruto do regime militar instaurado.
[...] a Constituição Federal de 1967, seguida pela Emenda Constitucional n.
1, de 1969, ao instituir a assistência ao universo infanto-juvenil, não seguiu
no todo as constituições precedentes, determinando duas modificações
específicas. A primeira, referente à idade mínima para iniciação ao trabalho,
que passa a ser de 12 anos, e a segunda, instituindo o ensino obrigatório e
gratuito nos estabelecimentos oficiais para crianças de 7 a 14 anos de
idade. A postura assumida pelo Estado brasileiro de permitir o trabalho de
23
SILVA, Roberto da. Direito do Menor x Direito da Criança. O Neófito. Disponível em:
<http://www.neofito.com.br/artigos/art01/civil8.htm>. Acesso em: 05 nov. 2007.
24
CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil: limites e
perspectivas para sua erradicação. Tese (Doutorado em Direito). Curso de Pós-Graduação em
Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. p. 72.
27
crianças com 12 anos, a partir de 1967, significou um retrocesso com
relação às legislações da maioria dos países.
25
No âmbito do Direito Internacional do Trabalho, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) edita a Convenção 138, durante a 58ª reunião da
Conferência Internacional do Trabalho, que aconteceu em Genebra no ano de 1973. Essa Convenção entrou em
vigor no plano internacional no ano de 1976.
A Convenção 138 que trata da idade mínima para admissão a emprego e
obriga os países a adotarem uma política nacional de combate ao trabalho infantil,
tem por objetivo adotar um instrumento geral que substituísse gradualmente os
instrumentos internacionais editados pela Organização Internacional do Trabalho, que
até aquela época eram restritos a limitados setores econômicos.
O que se pretendia com a nova Convenção era atingir a total abolição do
trabalho infantil. A Convenção determina aos Estados-membros que, ao ratificarem a
Convenção, deveriam emitir uma declaração determinando uma idade mínima para
o trabalho não inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em
qualquer hipótese, não inferior aos quinze anos, conforme art. 2º, § 3º, desta.
26
É neste sentido que Custódio e Veronese explicam
As convenções internacionais voltadas para a promoção social encontram
parâmetros de legitimidade exatamente no momento em que procuram
estabelecer mecanismos para a melhoria de desenvolvimento humano,
mediante a garantia de direitos que promovam a proteção integral de todos
seres humanos.
Assim, na interpretação das convenções, deve ser considerada,
necessariamente, a perspectiva de ampliação no espectro de abrangência a
partir do princípio da dignidade humana.
27
No Brasil, somente 29 anos após aprovação da Convenção 138, é que
esta seria ratificada através do Decreto Presidencial 4.134, de 15 de fevereiro de
2002, estabelecendo a idade mínima ao trabalho em dezesseis anos, ressalvada a
condição de aprendiz a partir dos quatorze anos de idade, ou seja, o limite de idade
considerado como regular para a conclusão da escolaridade obrigatória. que se
destacar que, para a ratificação da Convenção 138 da Organização Internacional do
25
VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo:
LTr, 1997. p. 11.
26
CUSTÓDIO, André Viana; VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho Infantil: a negação de ser
criança e adolescente no Brasil. Florianópolis: OAB/SC, 2007. p. 194.
27
Idem, ibidem, p. 197.
28
Trabalho, o Brasil precisou tomar medidas para a adequação da sua legislação, das
quais a mais destacada foi a aprovação da Emenda Constitucional 20, de 15 de
dezembro de 1998, que elevou os limites de idade mínima para o trabalho previstos
no texto original aprovado em 05 de outubro de 1988.
É preciso lembrar que no fim da década de setenta, o país aprova seu
segundo Código de Menores, Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979, que, regido de
acordo com a Doutrina da Situação Irregular, reafirmou a proposta Política da
Doutrina da Segurança Nacional, ou seja, a base da Política Nacional do Bem-Estar
do Menor (PNBEM).
Segundo Oliveira,
O Código de Menores de 1979, coadunado com a política social da ditadura
militar e sob a rubrica de situação irregular, fundamenta-se nos mesmos
preceitos que nomeiam a figura do delinqüente, o indivíduo perigoso, a
associação pobreza-marginalidade e a idéia de defesa social, retraduzindo,
sob a forma de segurança nacional, o subversivo por delinqüente, uma
suposta minoria por outra suposta maioria.
28
O ano de 1979 foi declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU)
como o “Ano Internacional da Criança” com o objetivo de chamar a atenção do
mundo para as necessidades das crianças.
Com a indicação do Ano Internacional da Criança, em 1979, a situação da
criança no Brasil passa a ser repensada. Surgiram então inúmeras
associações e entidades preocupadas com a criança e as ruas. Urge nova
postura, uma lei que abarque com todas as situações de risco e que acabe
com a exposição de crianças.
29
Contudo, seriam, na década de 1980, estabelecidas as experiências mais
importantes para a história do Direito da Criança e do Adolescente, pois, nesse
período, os movimentos sociais pressionavam as instituições para encontrar
alternativas à prática do menorismo vigente desde 1927.
28
OLIVEIRA, Salete Magda de. A moral reformadora e a prisão de mentalidades: adolescentes sob o
discurso penalizador. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 13, n. 4, p. 76, 1999.
29
VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Moraes da. Violência Doméstica:
quando a vítima é criança ou adolescente uma abordagem interdisciplinar. Florianópolis:
OAB/SC, 2006. p. 48.
29
Com a redemocratização do país na cada de 80, o governo passa a
sofrer forte pressão tanto em nível nacional quanto internacional, para que
tome providências diante da situação da infância carente que se agravava e
da enorme visibilidade que adquiria com legiões de crianças e adolescentes
vagando pelas ruas.
30
Com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, abriu-se o
caminho para a incorporação da Teoria da Proteção Integral das Nações Unidas no
Brasil. Essas atividades contaram durante todo período com a participação de
parlamentares e não-parlamentares, oriundos de diferentes lugares e inserções
sociais, também envolvendo especialistas, dirigentes e integrantes de organizações
governamentais, representantes de movimentos sociais, organizações não-
governamentais e a população em geral.
31
Como um de seus principais resultados está o reconhecimento jurídico da
garantia dos direitos fundamentais, e da proteção integral e da prioridade à criança e
ao adolescente.
Nesse período histórico de transição política foi promulgada a
Constituição da República Federativa do Brasil em 1988. Destaca-se no artigo a
constituição de um Estado Democrático de Direito, fundado na soberania, cidadania
e dignidade humana. Pela primeira vez as crianças e adolescentes o
reconhecidos como cidadãos, sem qualquer tipo de discriminação. Assim, os
objetivos fundamentais da República são indicados no artigo 3º:
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Além disso, essa proteção jurídica à criança e ao adolescente também
estaria respaldada pela legislação internacional, em decorrência da ratificação da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, editada pela Comissão de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas e aprovada pela Assembléia Geral
30
SOUZA, Marli Palma. Crianças e Adolescentes: Absoluta Prioridade? Revista Katalysis,
Florianópolis, n. 2, p. 44, 1998.
31
CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil, cit., p. 128.
30
em 20 de novembro de 1989. No Brasil, essa Convenção foi ratificada pelo Decreto
99.710, de 21 de novembro de 1990, que afastou qualquer dúvida sobre a
incorporação da Teoria da Proteção Integral no ordenamento jurídico brasileiro.
Sobre a Teoria da Proteção Integral, Veronese assim explica:
Quando a legislação pátria recepcionou a Doutrina da Proteção Integral fez
uma opção que implicaria um projeto político-social para o país, pois, ao
contemplar a criança e o adolescente como sujeitos que possuem
características próprias ante o processo de desenvolvimento em que se
encontram, obrigou as políticas blicas voltadas para esta área a uma
ação conjunta com a família, com a sociedade e o Estado.
32
Os direitos fundamentais elencados na Constituição da República
Federativa do Brasil têm como alicerce a garantia das necessidades básicas à
promoção da cidadania, como descreve o artigo 6º: “São direitos sociais a educação,
a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição”.
O artigo 203 da Constituição Federal trata da proteção à criança, ao
adolescente, à família, à gestante e à melhor idade, na prestação da assistência
social, independentemente da contribuição da seguridade social, para a promoção
da condição de dignidade de pessoa humana.
A inovação do artigo 204 da Constituição Federal foi promover um novo
olhar sobre a política pública, resguardando os recursos orçamentários, provendo
uma política de descentralização, sob execução dos Estados e municípios, ou seja,
conforme as necessidades da comunidade e com a sua participação no controle da
política pública.
No que tange à educação, a Constituição Federal determina ao Estado
que a promova como direito de todos, responsabilizando a família pela garantia da
freqüência das crianças e adolescentes à escola, buscando, com isso, a promoção
do pleno desenvolvimento e ao exercício da cidadania.
32
VERONESE, Josiane Rose Petry, Direito da criança e do adolescente. Série Resumos.
Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 9.
31
Se a educação, além de direito individual, é também um dever social, o
Estado passa a exercer papel fundamental, procurando garantir, pública e
universalmente, acesso à educação (ou, de forma mais específica, ao
ensino formal). É por tal razão que Marshall atribui à educação status de
direito social, uma vez que sua concretização será plenamente realizável
no contexto do Estado de Bem-Estar.
33
Importa registrar que os princípios e diretrizes da Convenção Internacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente, editados pela Organização das Nações
Unidas (ONU), haviam sido adotados na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, conforme preconiza o artigo 227:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Neste sentido, os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição
Federal garantem às crianças e aos adolescentes direitos especiais, diferentemente
dos atribuídos aos adultos, em razão de sua situação peculiar de desenvolvimento.
O parágrafo do artigo 227 determina a promoção, pelo Estado e pelas
organizações da sociedade civil, de programas de atendimento à saúde da criança e
do adolescente, com recursos específicos à assistência materno infantil, programas
especializados a portadores de deficiência física, bem como a proteção sob guarda
das situações de “abandono ou orfandade”.
um grande desafio neste campo em relação às políticas
governamentais, pois
A obrigação do Estado é para com a sociedade como um todo, cujo recurso,
no caso de não-cumprimento por parte do Estado de suas obrigações,
reside no Parlamento ou conselhos locais e não para com os cidadãos
individuais, cujo recurso reside num tribunal de justiça ou pelo menos num
tribunal quase judicial. A manutenção de um equilíbrio razoável entre esses
elementos coletivos individuais dos direitos sociais é uma questão de
importância vital para o Estado socialista democrático.
34
33
VERONESE, Josiane Rose Petry; VIEIRA, Cleverton Elias. Limites na Educação: sob a
perspectiva da Doutrina da Proteção Integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 49.
34
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 96-97.
32
Outra inovação, ainda pouco observada, diz respeito ao status
constitucional de prioridade absoluta na realização dos direitos da criança e do
adolescente, conferindo responsabilidade compartilhada à família, à sociedade e ao
Estado para sua realização por meio de políticas sociais blicas e de todos os
meios necessários para a sua efetivação.
O sentido e o alcance cio-jurídico do Princípio da Prioridade Absoluta
implica necessariamente o fato que crianças e adolescentes deverão estar
sempre em primeiro lugar nas escalas de preocupações da família, da
comunidade, Poder Público e da sociedade em geral. Outra não pode ser a
compreensão da idéia de responsabilidade compartilhada entre estes
diversos segmentos e entes sociais, em face dos direitos fundamentais, das
necessidades básicas e dos interesses infanto-juvenis que o Direito da
Criança e do Adolescente contempla.
35
Partindo do pressuposto de que a criança e o adolescente estão em
condição peculiar de desenvolvimento, o princípio da prioridade absoluta é um
mecanismo de proteção e prevalência do melhor interesse da criança. É nesse
sentido que a criança e o adolescente passam a ter prioridades na escala de
interesses, sendo estes deveres compartilhados entre a família, a sociedade e o
Estado.
Segundo Veronese,
Por absoluta prioridade devemos entender que a criança e o adolescente
deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos
governantes. Entendemos que, na área administrativa, enquanto não
existissem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e
emergencial às gestantes, condições dignas de moradias, trabalho, não se
deveria ter como principais ações do tipo: asfaltar ruas, construir praças,
sambódromos, monumentos etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção
e o tratamento de doenças são mais importantes que as obras de concreto
que ficam para demonstrar o poder do governante.
36
Este é o primeiro passo de reconhecimento dos direitos da criança e do
adolescente e na sua respectiva efetivação, pois recebe um instrumento importante
com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho
de 1990, representando um marco na história de afirmação dos direitos.
35
LIMA, Miguel M. Alves, O Direito da Criança e do Adolescente: fundamentos para uma
abordagem principiológica. Tese (Doutorado em Direito). Curso de Pós-Graduação em Direito,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001. p. 217.
36
VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente, cit. p. 15-16.
33
O Estatuto da Criança e do Adolescente representa uma ruptura com a
Doutrina da Situação Irregular, deixando as crianças e os adolescentes de serem
tratados como meros objetos de direitos, para serem reconhecidos na sua condição
elementar de sujeitos de direitos, ou seja, redimensionando toda uma nova visão
social.
37
Além da citada Convenção 138 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), merece destaque a ratificação pelo Brasil da Convenção 182, sobre
a proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação.
No contexto da redemocratização do Brasil, em especial após a
promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, houve mudanças
significativas nos pressupostos das políticas sociais, pois, quando o Estatuto da
Criança e do Adolescente propõe transformações a partir dos direitos garantidos na
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, constrói-se um novo olhar para a
infância.
38
Contudo, é muito importante ainda ressaltar que o Direito da Criança e do
Adolescente afirma-se como uma legislação que, além de reconhecer e declarar
direitos, oferece um conjunto de medidas políticas e jurídicas para que estes direitos
sejam efetivados na realidade.
39
Para Veronese, “uma das inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente consiste na possibilidade de cobrar do Estado o cumprimento de
determinados direitos, ou seja, é pela primeira vez que o Estado passa ao banco dos
réus”.
40
Por isso, prevê serviços destinados à promoção da proteção aos direitos
da criança e do adolescente, oferecidos de modo descentralizado, com articulação
das organizações governamentais e não-governamentais, visando o objetivo maior
da universalização das políticas públicas. Isso quer dizer alcançar um conceito de
política pública em que necessariamente não se trata apenas daquilo que é estatal,
37
VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA. Marli Marlene Moraes da. Op. cit., p. 52.
38
RIZZINI, Irene; BARKER, Gary; CASSANIGA, Neide. Políticas sociais em transformação:
crianças e adolescentes na era dos direitos. Disponível em: <http://www.educaremrevista.
ufpr.br/arquivos_15/rizzini_barker_cassaniga.pdf>. Acesso: 07 nov. 2007.
39
CUSTÓDIO, André Viana. Os novos Direitos da Criança e do Adolescente. In: Revista Espaço
Jurídico. UNOESC, Joaçaba. v. 7, n. 1, p. 17, jan./jun. 2006.
40
VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVA, Moacyr Motta da. A tutela jurisdicional dos direitos
da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1998. p. 152.
34
mas o que está destinado ao público de forma universal, ainda que executado no
espaço não-governamental.
41
Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe um novo sistema
de garantias, prevendo a ação articulada entre a família, o Estado, a comunidade e a
sociedade em geral na efetivação dos direitos fundamentais da infância, que,
articulado ao princípio da descentralização político-administrativa, estabeleceu
competências aos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente
para deliberar sobre a política de atenção à infância e juventude nos municípios.
Em vista disso, o princípio da descentralização político administrativa,
pressupõe mudanças significativas na política de atendimento, não sendo mais
compatível as aplicadas pelo “direito do menor”. Assim, esse novo sistema requer
uma modificação no seu reordenamento legal, social e institucional, implicando uma
mudança de conteúdo, método e gestão.
42
O princípio da descentralização político-administrativa es situado no
terreno das mudanças de gestão. O seu conteúdo básico diz respeito às
mudanças que tinham (e ainda têm) de ser introduzidas na forma de
administrar as Políticas de que visam ao atendimento de crianças e
adolescentes, vistos, agora, como sujeitos de Direitos Fundamentais, na
condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, e não mais como meros
“clientes” do “paternalismo estatal”, e do “populismo” de terminada classe
política, ou de “filantropia da sociedade civil”.
43
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 86, “a
política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de
um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Assim, o art. 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente determinou
como linhas de ação da política de atendimento:
I – políticas sociais básicas;
II políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para
aqueles que deles necessitam;
III serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial
às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e
opressão;
41
CASTANHA, Neide. Políticas sociais e oferta institucional frente o trabalho infantil
doméstico no Brasil. Brasília: OIT, 2002. p. 10.
42
LIMA, Miguel M. Alves. Op. cit., p. 259.
43
Idem, ibidem, p. 260.
35
IV serviço de identificação e localização de pais, responsável, de crianças
e adolescentes desaparecidos;
V proteção jurídico social por entidades de defesa dos direitos da criança
e do adolescente.
A política de promoção, proteção, defesa e atendimento da criança e do
adolescente no município deve, então, ser deliberada e controlada pelos Conselhos
Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente com a finalidade de garantir e
efetivar os direitos previstos no artigo 227 da Constituição da República Federativa
do Brasil e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Trata-se, portanto, da prescrição de um sistema de garantias de direitos,
que tem por finalidade proteção integral da criança e do adolescente contra a
exploração no trabalho, mediante as garantias da Constituição Federal, do Estatuto
da Criança e do Adolescente e da Consolidação das Leis do Trabalho, que oferecem
mecanismos articulados e de responsabilidade coletiva.
1.2 Contexto, obstáculos e desafios para erradicação do trabalho infantil
Nos últimos anos, os dados sobre trabalho infantil no Brasil foram
aprimorados e fornecem uma base representativa da dimensão e do contexto desse
fenômeno. Isso ocorreu principalmente a partir das pesquisas produzidas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a colaboração da
Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística realiza pesquisas
domiciliares desde 1967 com o foco de investigação nas características da
população na área de educação, trabalho, rendimento, habitação, saúde, entre
outros. Esses dados tornaram-se importantes para diagnosticar o trabalho infantil e
promover a política de assistência social.
A pesquisa Nacional por Amostra e Domicílios (PNAD) passou a ser
realidade a partir de 1981, mas é no início da década de 1990 que a PNAD
introduziu o tópico trabalho infantil. Cabe destacar que até 2004 a população rural da
região norte do País não entrava nas pesquisas, a justificativa era em razão das
distâncias e o pequeno número de pessoas nessa região. Os dados do Instituto
36
Brasileiro de Geografia e Estatística informam que a ocupação de crianças e
adolescentes no trabalho está reduzindo.
7.3
5
7.9
7
1
7
.2
80
.1
0
5
6.147.808
5.852.617
4
.9
03
.9
64
4.910.378
5.451.438
5
.1
00
.0
00
Grafico 01:Trabalho Infantil - Brasil
1992 1995 1997 1999 2001 2002 2005 2006
A comparação dos dados levantados no período compreendido entre
1992 e 2002, referentes às crianças e aos adolescentes trabalhadores com idades
entre 10 e 17 anos, demonstram que em 1992 a população de crianças e
adolescentes trabalhadores representava 7.357.971; já em 1995 esses números
passaram para 7.280.105; em 1997 para 6.147.808; no ano de 1999 atingiu
5.852.617; em 2001 eram 4.903.964 e, por fim, em 2002 foram registrados
4.910.378 crianças e adolescentes trabalhadores, ou seja, um pequeno acréscimo
no último ano em análise.
44
No ano de 2004, a Síntese de Indicadores Sociais apontava a presença
de 5.071.348 crianças e adolescentes explorados no trabalho. O aumento observado
nos números da referida síntese, em relação aos dados das pesquisas mais
tradicionais, pode ser explicado pela amostra escolhida. A Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) tomava como indicadores crianças e adolescentes a
partir dos 10 anos de idade, como ainda apresentam algumas tabelas nesta síntese.
os dados globais produzidos pelo IBGE foram reduzidos para 5 anos de idade.
44
SCHWARTZMAN, Simon; SCHWARTZMAN, Felipe Farah. O trabalho infantil no Brasil. Rio de
Janeiro: Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, Grupo Conjuntura, Instituto de Economia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004. p. 7.
37
Isso ampliou a percepção do número real de crianças e adolescentes trabalhadores
no Brasil, antes desconsiderados pelas pesquisas.
45
No entanto, esta não foi a justificativa para o aumento do trabalho infantil
em 2005, em que os dados da PNAD apontaram um acréscimo de 11% na
população com faixa etária entre 5 e 15 anos; assim, nesse ano, foram apresentados
5.451.438 milhões de crianças e adolescentes trabalhadores com idade entre 5 e 17
anos.
46
Os dados mais recentes sobre trabalho infantil foram apresentados em
setembro de 2007, na PNAD (2006), que apontou 5,1 milhões de crianças e
adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando. Deste total, 314 mil tinham entre 5 e 9
anos, 1,4 milhão tinham idades entre 10 e 13 anos, e 1,6 milhão com idade de 14 e
15 anos. Das crianças e adolescentes ocupadas, cerca de 44% são trabalhadores
não remunerados, fato que desconstrói o mito de que o trabalho ajuda
economicamente as famílias.
47
314.528
1.395.984
1.606.187
PNAD - 2006
Gráfico 02: Trabalho Infantil - Idade
05 a 09 anos
10 a 13 anos
14 a 15 anos
Quanto à jornada de trabalho, 34% trabalha até 14 horas por semana,
52% trabalha de 15 a 39 horas semanais, e 14% trabalha acima de 40 horas. Em
relação ao trabalho infantil e escola, os indicativos apresentados entre crianças e
adolescentes que estudam e trabalham são: 93% dos ocupados com idades entre 5
a 9 anos, 96% dos ocupados entre 10 a 13 anos, e 84% dos ocupados entre 14 e 15
anos. Nesta última faixa etária é representativo o número de adolescentes que
45
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD): Síntese dos Indicadores Sociais. Brasília: IBGE, 2004. p. 226.
46
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD): Síntese dos Indicadores Sociais. Brasília: IBGE, 2005. p. 197.
47
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD): Síntese dos Indicadores Sociais. Brasília: IBGE, 2006.
38
trabalham. Ainda cabe registrar que a proporção de repetência ou abandono é o
dobro em relação às crianças e adolescentes que não trabalham.
48
52%
14%
34%
Até 14 horas semanais
De 15 a 39 horas semanais
Acima de 40 horas semanais
Os levantamentos de dados sobre a educação, realizados pelo IBGE
através da PNAD, e também pelo Ministério da Educação e Cultura, por meio dos
Censos Escolares, compõem uma política de aprofundamento das investigações
neste campo da educação. Isso ocorre em razão do compromisso brasileiro com as
Metas para o Desenvolvimento do Milênio, propostas pela Organização das Nações
Unidas (ONU), com o objetivo de erradicar a pobreza nos próximos 20 anos. A
principal meta na educação é atingir a universalização do ensino fundamental até o
ano de 2015.
Segundo Sachs,
As Metas para o Desenvolvimento do Milênio reconhecem sabiamente que
a miséria tem muitas dimensões, o apenas renda baixa, mas também
vulnerabilidade a doenças, exclusão da educação, fome crônica e
subnutrição, falta de acesso à comodidade, como água potável e
saneamento, e degradação ambiental, como o desflorestamento e a erosão
do solo, que ameaçam vidas e meios de subsistência.
49
48
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD): Síntese dos Indicadores Sociais. Brasília: IBGE, 2006.
49
SACHS, Jeffrey. O fim da pobreza: como acabar com a miséria mundial nos próximos 20 anos.
São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 249.
39
Para a PNAD, algumas questões a serem superadas quando se trata
de pesquisa sobre trabalho infantil, mas a questão central está na sazonalidade,
uma vez que a pesquisa é realizada no mês de setembro, e pode não registrar
trabalho infantil em determinada região, principalmente nas áreas em que o plantio
ou colheita tem período definido, a exemplo da colheita da maçã em Santa Catarina,
que ocorre entre os meses de novembro e abril, local onde foram diagnosticados
casos de trabalho infantil.
Em relação aos dados de Santa Catarina, a realidade não difere dos
índices nacionais. Nos últimos três anos, assistimos os índices se elevarem
enquanto em âmbito nacional decaiam, em 2004 eram 80.300 mil crianças e
adolescentes com idade entre 5 e 15 anos, em 2005 passaram para 91.300, e agora
nos dados mais recentes referente a PNAD (2006), o 104.800 mil crianças e
adolescentes exploradas no Trabalho.
80.300
91.300
104.800
PNAD - IBGE
Grafico 04:Trabalho Infantil - Santa Catarina
2004
2005
2006
O Estado de Santa Catarina, tem regiões expressivas que são marcantes
a presença da colonização alemão e italiana, que tem a cultura do trabalho muito
presente, assim, Schwartzman e Schwartzman observaram que
É na região sul que atividade agrícola dos pais determina mais fortemente a
atividade dos filhos, apesar de que a renda familiar média dos pais do setor
agrícola é o dobro da região sul em comparação do nordeste (714,34 vs
246,83 reais). Este dado confirma a idéia de que o trabalho de crianças e
adolescentes nas áreas agrícolas do sul está associado a uma tradição
especifica de trabalho familiar, com raízes prováveis na cultura de
imigrantes de origem italiana, alemã e japonesa, entre outros, e não a
necessidades econômicas prementes ou condições de exploração
extremas.
50
50
SCHWARTZMAN, Simon; SCHWARTZMAN, Felipe Farah. Op. cit., p. 19.
40
Neste sentido, um dos pontos a serem superados, está na forte tradição
cultural pelo trabalho, tanto da sociedade quanto dos gestores, uma vez que o
próprio governador do Estado de Santa Catarina, em 2003, utilizou-se da mão-de-
obra de um menino de 10 anos, engraxate, em visita ao município de Chapecó, e,
como forma de contribuição, toda a sua comitiva fez o mesmo, no intuito de estar
“ajudando” aquele menino.
Um outro ponto a se destacar está no campo dos programas sociais,
onde uma demanda significativa. Constata-se que o PETI não atende a todas as
crianças, e este ainda é o único programa de erradicação do trabalho infantil no
Estado. Assim, há que se implementar o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho
Infantil, o qual está sendo discutido em âmbito Estadual.
As transformações observadas no arcabouço jurídico brasileiro referente
ao trabalho de crianças e jovens permitem reconhecer que gradativamente foram
estabelecidos sistemas de normas destinadas à proteção contra exploração do
trabalho infantil. No entanto, as normas jurídicas por si podem não surtir efeitos
diretos ou indiretos, conforme se deseja ao prescrevê-las.
É neste sentido que se apresentam alguns obstáculos para a
materialização da eliminação do trabalho infantil, e dentre estes ganharam maior
evidência na produção teórica sobre o tema os aspectos culturais, educacionais,
bem como os limites sociais.
Para Custódio, os aspectos culturais representam limites concretos para a
erradicação do trabalho infantil e estão dispostos em forma de mitos culturais
reproduzidos por gerações, e ainda reforçados por práticas jurídicas e políticas ao
longo da história brasileira. Expressões de uso comum são representativas dessa
realidade, tais como:
01) é melhor trabalhar do que roubar; 02) o trabalho da criança ajuda a
família; 03) é melhor trabalhar do que ficar nas ruas; 04) lugar de criança é
na escola; 05) trabalhar desde cedo acumula experiência para trabalhos
futuros; 06) é melhor trabalhar do que usar drogas; 07) trabalhar não faz
mal a ninguém.
51
51
CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil, cit. p. 100.
41
Pode-se verificar também que o discurso apresentado na criação dos
Institutos Disciplinares no início do século XX, ao dizer que o trabalho infantil pode
ser visto como benéfico à criança, sempre foi freqüente justificativa para evitar a
indesejada ociosidade, pois, desse modo, a criança e o adolescente poderiam
representar perigo ao o trabalharem. Ou seja, atribui ao ócio uma condição que
nega as necessidades de desenvolvimento, tratando o descanso e o lazer como algo
perverso, mal, que devem ser combatidos com o trabalho.
52
Neste sentido, Silva assinala que
O trabalho é tolerado por uma parcela significativa da sociedade, pelos
mitos que ele enseja: é ‘formativo’, é ‘melhor a criança trabalhar que fazer
nada’, ele prepara a criança para o futuro’. Fatores como a estrutura do
mercado de trabalho, na qual o que se busca é o lucro desenfreado, mesmo
às custas da exploração dessa mão-de-obra dócil e frágil, a pouca
densidade da educação escolar obrigatória de qualidade ofertada pelos
poderes públicos, além da inexistência de uma rede de políticas blicas
sociais fundamentais ao desenvolvimento da infância, são algumas outras
razões apontadas como incentivo à família para a incorporação de seus
filhos nas estratégias de trabalho e/ou sobrevivência.
53
Idéias que apenas ocultam mais uma forma perversa de violência contra à
criança são apresentadas nesses mitos culturais e estão estruturadas sobre a lógica
menorista e, por isso, são incompatíveis com a perspectiva dos direitos humanos na
atualidade. É deste modo que o discurso do “trabalho enobrecedor” representa uma
visão discriminatória, denotando que a marginalidade estaria inserida
culturalmente nas populações mais pobres, mitos que encontram raízes no
ultrapassado pensamento positivista da Criminologia
54
. Neste sentido o trabalho
cumpriria um papel disciplinador, sob a ordem da moral idealizada, como forma de
evitar a ociosidade e seus correspondentes “desejos do mal”.
Andrade lembra que,
52
CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil, cit. p. 104.
53
SILVA, Maria Izabel da. Trabalho Infantil: um problema de todos. Cadernos Abong: Subsídios à
IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Abong, São Paulo, n. 29, p.
112, nov. 2001.
54
Sobre o pensamento da Criminologia positivista, destaca-se Cesare Lombroso, com sua tese do
delinqüente nato. Segundo ele, a tendência para o crime estava determinada biologicamente e
poderia ser disposta pelos estudos das características físicas do homem. Ver também Ferri e
Garofalo, que foram discípulos de Lombroso.
42
No Brasil, a ideologia do trabalho está arraigada no sentido de dar
dignidade ao sujeito, vinculada ainda ao pressuposto corporativista da era
Vargas, de maneira que, dentro do imaginário nacional, o trabalho é visto
em oposição à vida errante, sendo conseqüentemente valorizado.
55
No campo educacional, cabe registrar que existem muitos limites a serem
superados. Mesmo diante dos esforços empreendidos nos últimos anos para a
universalização do acesso à educação e até no questionável aumento dos
investimentos públicos nessa área, podem-se verificar obstáculos concretos, como,
por exemplo, o Programa Universidade para Todos, do Governo Federal, que ainda
não alcançou “todos”, mas tem oportunizado a estudantes de escolas públicas o
acesso ao ensino superior, fato que tem contribuído para romper com o ciclo
intergeracional de pobreza.
Mas a educação como instrumento de emancipação e cidadania ainda é
utilizada pelo Poder Público como instrumento na defesa dos interesses das classes
dominantes. As crianças ricas recebem uma educação de qualidade para formação
da classe burguesa. Enquanto isso, às crianças pobres são oferecidas uma
educação na qual basta saber a leitura e a escrita, pois consideram que é suficiente
o aprendizado de um oficio.
56
No campo da educação infantil e ensino fundamental, dois fatores que
necessitam ser rompidos: na educação infantil é a garantia de acesso a todas as
crianças, e no ensino fundamental público, uma educação de qualidade com
condições de freqüência e permanência escolar.
Deste modo, um dos fatores que contribui fortemente para exploração da
mão-de-obra infantil é explicado por Grunspun: ”Quando as crianças repetem de ano
ou não se comportam bem na escola, a opção para trabalhar, em qualquer trabalho,
é a que emerge na família com a maior facilidade.”
57
Uma educação verdadeiramente de qualidade o pode ser algo
objetivamente determinado, pois é preciso reconhecer que cada criança tem sua
55
ANDRADE, Jackeline Amantino de. O espaço público como uma rede de atores: a formação da
política de erradicação do trabalho infantil no Brasil. Tese (Doutorado em Administração)
Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2004. p. 66.
56
ALMEIDA, Regina Stela Andreoli de. Consciência e escolarização: um estudo sobre a
construção da identidade do jovem trabalhador e suas relações com a escolaridade. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 1998. p. 102.
57
GRUNSPUN, Haim. O Trabalho das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr, 2000. p. 23.
43
cultura e vivência, e seu desenvolvimento depende do reconhecimento dessas
condições. Assim, o papel da escola deve ser inclusivo, permitindo o acesso de
todos ao conhecimento.
Como bem registram Veronese e Vieira,
[...] a educação não deveria estar voltada exclusiva ou prioritariamente às
exigências do mercado, até porque a própria Constituição afirma que a
educação tem por finalidade antes a formação do ser humano, depois, a
preparação para o exercício da cidadania e, então, a qualificação
profissional.
58
Daí a necessidade de promover uma cultura de educação para a plena
cidadania, incentivando a construção do pensamento crítico, autônomo e
emancipador capaz de superar os mitos do trabalho infantil que legitimam a
exploração de milhões de crianças e adolescentes brasileiros.
A exploração do trabalho infantil foi mantida historicamente em todo o
mundo num contexto em que a pobreza das famílias era apontada como o seu
principal fator determinante. No entanto, é preciso reconhecer que o fenômeno do
trabalho infantil é constituído por diversos fatores, apesar de as pesquisas ainda
insistirem numa visão determinista vinculada à exclusividade da condição de
pobreza, ocultando a multiplicidade das causas da exploração do trabalho infantil.
59
Não se pode negar que a pobreza é um fator de exploração da mão-de-
obra infantil, principalmente quando o uso do trabalho durante a infância, seja ele
remunerado ou não, ainda é considerado como uma alternativa de muitas famílias
para manter a própria sobrevivência. No entanto, este é seu aspecto mais evidente,
mas não exclusivo.
Hillesheim e Silva explicam que
A precarização das relações de trabalho, que se intensifica com o modelo
de acumulação flexível, constitui hoje uma das causas que acelera o
fenômeno do trabalho infantil e da exploração do adolescente no trabalho. É
sempre conveniente lembrar que se é verdade que a realidade social e
econômica leva crianças e adolescentes para o mercado de trabalho em
condições precárias, é também verdade que esta situação é mantida por
causa dos interesses do capital. Estes trabalhadores (crianças e
58
VERONESE, Josiane Rose Petry; VIEIRA. Cleverton Elias. Op. cit., p. 40-41.
59
RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma; HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. A criança e o adolescente
no mundo do trabalho. Rio de Janeiro: USU/Amais, 1996. p. 44-45.
44
adolescentes) se tornam mão-de-obra barata, portanto, reduzem os custos
da produção e, além disso, produzem, em termos quantitativos e até
qualitativos, tanto quanto um trabalhador adulto.
60
Ao tratar das questões sociais, cabe assinalar as afirmações de Sposati,
ao explicar que, no Brasil, para enfrentar o processo de pauperização e espoliação
dos trabalhadores, o Estado implementou duas estratégias básicas. Uma delas seria
o uso de um regime autoritário e excludente, e a outra, a inserção de uma política
calcada no modelo assistencial, sendo que esta forma de potica assistencial consagra
formas populistas de relação e benevolência enquanto formas de atendimento às
necessidades de reprodução da sobrevivência das classes subalternas.
61
Deste modo, Sposati
62
observa que o Estado burguês deve garantir uma
distribuição de benefícios e atendimento à demanda da força de trabalho, mesmo
que se contraponha a certos interesses do capital, e é nesta circunferência que as
políticas sociais se constituem em um ambiente que solidifica os interesses
populares.
Apesar de programas sociais voltados à redução da pobreza no Brasil
contribuírem para a retirada de crianças a adolescentes do trabalho, foi a partir do
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)
63
, que se verificaram os
números significativos de crianças e adolescentes retirados do trabalho. No entanto,
o grande debate da atualidade está na unificação do PETI ao Bolsa Família, pois,
com isto, acaba-se perdendo o foco das políticas públicas direcionadas à eliminação
do trabalho infantil, uma vez que o objetivo do Bolsa Família está reduzido a apenas
três dimensões: a redução da pobreza, a educação e a saúde.
60
HILLESHEIM, Jaime; SILVA, Juliana da. As marcas do trabalho: acidentes envolvendo
adolescentes em Blumenau. Relatório Final de Pesquisa, II Fórum Anual de Iniciação Científica,
Blumenau, Universidade Regional de Blumenau, set. 2003. p. 6.
61
SPOSATI, Aldaiza de Oliveira et al. Assistência na trajetória das políticas sociais brasileira.
7. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 29.
62
Idem, ibidem, p. 24.
63
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) foi criado em 1996, com objetivo inicial de
retirar as crianças e adolescentes que trabalham nas carvoarias do Estado do Mato Grosso do
Sul, nos canaviais de Pernambuco e nas pedreiras e sisal da Bahia, através de apoio financeiro às
famílias e atividades educacionais, culturais e pedagógicas para as crianças. O Ministério do
Desenvolvimento Social e combate à Fome, em 2005, levantou indicadores do programa de
erradicação do trabalho infantil, demonstrando que o PETI está em 2.788 municípios do Brasil,
atendendo a 930.804 crianças e adolescentes, no Estado de Santa Catarina, são 180 municípios,
que atendem a 28.684 crianças e adolescentes.
45
Assim, o PETI teve alterações significativas com a entrada em vigor da
Portaria 666, de 30 de dezembro de 2005, que disciplinou a integração entre o Bolsa
Família e o PETI, tendo como resultados: a ampliação da idade para o ingresso ao
programa que passou a ser de 0 a 15 anos; a alteração do valor da Bolsa, pois as
famílias com renda per capita de até R$ 120,00 receberão valores correspondentes
ao benefício do Bolsa Família, que pode chegar até R$ 112,00, sendo, R$ 18,00 por
criança (limitadas a três), mas aquelas que tiverem renda per capita inferior a
R$ 60,00 receberão um complemento de R$ R$ 58,00. No caso de a renda per
capita ser superior a R$ 120,00, o valor do benefício é aquele fornecido pelo PETI,
que pode ser R$ 25,00 nos municípios de até 200 mil habitantes e R$ 40,00 nos
municípios com mais de 200 mil habitantes. Assim, gradativamente as famílias
beneficiadas pelo PETI passarão a integrar o Programa Bolsa Família.
O objetivo dessa integralização, segundo Governo Federal, foi a
racionalização da gestão, de ambos os programas, com o incremento da
intersetorialidade e da potencialidade das ações do Governo, evitando-se a
fragmentação, a superposição de funções e o desperdício de recursos públicos.
Cabe destacar que, para receber tais benefícios, as famílias
comprometem-se a cumprir as condicionalidades na área da saúde e educação, que
é o eixo central do Programa Bolsa Família.
Dentre essas condicionalidades, merecem destaque:
Em relação à saúde
Para as famílias com criança até 7 anos: levar as crianças para vacinação e
manter atualizado o calendário de vacinação; levar as crianças para pesar,
medir e ser examinada conforme o calendário do Ministério da Saúde.
Para as gestantes e mães que amamentam
Participar do pré-natal; continuar o acompanhamento após o parto, de
acordo com o calendário do Ministério da Saúde e levando sempre o Cartão
da Gestante; participar das atividades educativas desenvolvidas pelas
equipes de saúde sobre aleitamento materno e alimentação saudável.
Em relação à educação
Matricular as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos na escola; garantir a
freqüência mínima de 85% das aulas a cada mês. Se o aluno precisar faltar
é necessário informar à escola e explicar o motivo; informar ao gestor do
Programa Bolsa Família sempre que alguma criança mudar de escola.
Assim, os técnicos da prefeitura poderão continuar acompanhando a
freqüência.
64
64
BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. O Programa Bolsa Família O que são
Condicionalidades. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades/o-que-
sao-condicionalidades>. Acesso em: 19 nov. 2007.
46
Demostradas as condicionalidades, cabe destacar que o Ministério da
Educação apresentou dados de municípios com percentual de “alunos não
localizados”, ou seja, aqueles que estão recebendo o benefício mas o operador no
município da Educação desconhece o local de estudo, seja pelo fato de as crianças
estudarem em municípios vizinhos, seja por estarem matriculadas mas não
freqüentarem a escola.
Assim, no Brasil 3.191 municípios têm faixas de percentuais de 0 a 10%
de “alunos não localizados”, 2.157 municípios têm faixas entre 10% e 30% de
“alunos não localizados”, e 103 municípios têm acima de 30% de “alunos não
localizados”, sendo que quatro destes chegam a mais de 50% de “alunos não
localizados”. De acordo com Ministério de Desenvolvimento Social, em algumas
cidades o agente comunitário de saúde tem ajudado a localizar esses alunos.
65
Diante dos dados, as famílias beneficiárias do Bolsa Família deverão
receber notificações nos extratos dos benefícios, identificando o descumprimento
das condicionalidades e, de acordo com o Ministério do desenvolvimento Social,
poderão receber sanções, constituídas por advertência, bloqueio por trinta dias,
suspensão de até 60 dias, ou, por fim, o cancelamento do benefício.
1.3 O processo de construção política para erradicação do trabalho infantil
A efetivação de políticas blicas para a erradicação do trabalho implica
transformações profundas em diversos campos e, inclusive, em sua própria
dimensão jurídica. O Direito da Criança e do Adolescente apresenta-se como
potencial alternativa que congrega, dentre outros aspectos, uma nova visão,
multidisciplinar e democrática, pois têm em sua essência a participação dos diversos
atores sociais. Além disso, atribuem responsabilidades para o Estado, à família e à
sociedade quanto à efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
Contudo, o processo de afirmação do Direito da Criança e do Adolescente
no Brasil não teria ocorrido sem a participação das organizações sociais que,
representadas nos Fóruns de Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA)
65
BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Op. cit.
47
juntamente com juristas, profissionais de diversificadas áreas e organizações
governamentais, foram as responsáveis pela elaboração do projeto do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
O Fórum DCA é um espaço democrático da sociedade civil dedicado à
articulação e mobilização, sem distinções religiosas, raciais, ideológicas ou
partidárias e aberto à cooperação com instituições nacionais e internacionais. Sua
missão é a garantia da efetivação dos direitos da criança e do adolescente, através
de proposição, articulação e monitoramento das políticas públicas e da mobilização
social nos níveis federal, estadual e municipal.
66
Esses fóruns tiveram papel importante numa participação representativa
durante a aprovação do capítulo destinado à proteção da família, da criança e do
adolescente e do idoso na Constituição da República federativa do Brasil de 1988 e
no Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.
É preciso lembrar que esse movimento de reflexão, constituído por
diversos grupos em eventos, congressos e seminários, contou com a adesão da
sociedade a partir da distribuição de mais de cinqüenta mil cópias do anteprojeto,
que recebeu sugestões de aperfeiçoamento, sendo, ao final, apreciado nas duas
casas do Congresso Nacional.
A proposta apresentada, sob a responsabilidade do Senador Ronan Tito,
no Senado Federal, e do Deputado Nelson Aguiar, na Câmara dos Deputados, foi
aprovada, nesta última, com a extraordinária votação de 435 votos favoráveis e
apenas 8 votos contrários. Além das inúmeras colaborações durante as discussões
realizadas nas audiências públicas.
67
Esse foi o reflexo da mobilização social e o desejo da sociedade
organizada na construção de um novo modelo participativo, democrático e justo.
Além disso, diferenciou-se pela participação expressiva das crianças e adolescentes
brasileiros em todo o processo, que se objetivou num abaixo assinado com mais de
oitocentas mil assinaturas levadas ao parlamento brasileiro.
68
Como decorrência do novo sistema jurídico de proteção à criança e ao
66
BRASIL. Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Disponível em:
<http://www.forumdca.org.br/>. Acesso em: 20 nov. 2007.
67
PEREIRA, Tânia da Silva. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90: Estudos Sócio-
Jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 11-13.
68
PEREIRA, Tânia da Silva. Estatuto da Criança e do Adolescente, cit. p. 11-13.
48
adolescente, muitas iniciativas políticas iniciaram-se desde então. Medida que
merece destaque especial na abordagem do trabalho infantil no Brasil foi a criação
de espaços públicos não-estatais de articulação de propostas e diretrizes de
políticas públicas, tais como a criação do Fórum Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil, criado em 1994, composto por membros do
Governo Federal, trabalhadores, empregadores e entidades da sociedade civil.
Dentre os objetivos do Fórum estão a sensibilização, mobilização e
articulação dos agentes institucionais governamentais e da sociedade civil para atuar
na prevenção e erradicação do trabalho infantil; a garantia do compromisso tanto do
governo quanto da sociedade para o cumprimento dos dispositivos legais e das
convenções internacionais; a contribuição para a elaboração de políticas, planos de
ação e programas de prevenção e erradicação do trabalho infantil; o
acompanhamento e a implementação dos planos e de ação e de prevenção para a
erradicação do trabalho infantil e por fim o monitoramento das metas de erradicação
do trabalho infantil.
São nesses conjuntos de objetivos que os fóruns atuam como espaços
abertos de articulações, debates e reflexões sobre as alternativas necessárias à
erradicação do trabalho infantil. No ano de 2000, como resultado da ação integrada
dos fóruns, foram elaboradas Diretrizes para uma Política Nacional de Combate ao
Trabalho Infantil, aprovada no mesmo ano pelo Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (CONANDA).
As diretrizes da política nacional destacam que, para a efetiva proteção
de criança e adolescente contra a exploração no trabalho, é necessário um conjunto
de ações articuladas que envolvam: integração e sistematização de dados sobre o
trabalho infantil; implantação dos efetivos controle e fiscalização; garantia de escola
pública de qualidade a todas as crianças e adolescentes, com condições de acesso,
freqüência e permanência em período integral; articulação interinstitucional
quadripartite entre organizações governamentais, ONGs, organizações de
trabalhadores e empregadores; melhoria da renda familiar garantida por meio de
renda mínima e geração de renda a todas as famílias e a promoção de
desenvolvimento local integrado e sustentável.
69
69
BRASIL. rum Nacional de Prevenção e Erradicação do trabalho Infantil. Diretrizes para a for-
mulão de uma potica nacional de combate ao trabalho infantil. Brasília: FNPETI, 2000. p. 12.
49
O mais imediato desafio para a compreensão da realidade de crianças e
adolescentes explorados no trabalho consiste na integração e sistematização dos
dados sobre trabalho infantil. É preciso saber onde estão as crianças e
adolescentes, quantas são, o que fazem e qual sua realidade, para que as políticas
públicas sejam traçadas de acordo com um marco de realidade. Por isso, são
necessários estudos e pesquisas que evidenciem a realidade nacional e as
peculiaridades locais a fim de que se possam implementar ações eficazes, eficientes
e pontuais para erradicar o trabalho infantil onde ele realmente está acontecendo.
Assim, a integração e sistematização de dados sobre o trabalho infantil
deve levar em consideração algumas questões, tais como gênero e etnias, conceitos
e metodologias que possam explicar causas e conseqüências do trabalho infantil, as
condições, os riscos e os abusos desse trabalho; e é neste sentido que a
classificação desses fatores que interferem em sua existência/eliminação e das
distintas atividades passam a se constituir em uma tarefa fundamental do processo
de produção e análise de dados e informações primárias.
70
As condições de desigualdades sociais são fatores predominantes na
exploração do trabalho de crianças e adolescentes, decorrentes do modo capitalista
de produção. Essa situação é evidenciada quando se verificam elevados percentuais
de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza.
O próprio Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
destaca que
Essa estrutura econômica levou o Brasil a ser reconhecido mundialmente
como um dos países com os maiores índices de desigualdade social,
expressos na concentração de renda nas classes economicamente
protegidas. Na década de 1980, 62% da renda nacional pertenciam aos
20% mais ricos da população e apenas 8% da renda eram divididas entre
os 40% mais pobres.
71
Como já foi exposto, a legislação de proteção à criança e ao adolescente
no Brasil é bastante avançada e está em consonância com as normas
internacionais. No que se refere ao trabalho infantil, o País dispõe de variados
70
BRASIL. rum Nacional de Prevenção e Erradicação do trabalho Infantil. Diretrizes para a for-
mulão de uma potica nacional de combate ao trabalho infantil. Brasília: FNPETI, 2000. p. 20.
71
BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Inspeção do Trabalho. Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil e a Proteção ao Trabalhador Adolescente: Plano Nacional.
Brasília: MTE, 2004. p. 13.
50
instrumentos jurídicos sobre o tema. Primeiramente, cabe salientar a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, que destaca em seu artigo 7º, XXXIII, a
proibição de trabalho perigoso, insalubre e penoso a menores de dezoito anos, de
qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, ressalvada a condição de
aprendizagem a partir dos quatorze anos.
Além da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é
importante destacar a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da
Criança e do Adolescente, prevendo mecanismos de proteção ao criar um sistema
de garantia, de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. No
tocante ao trabalho infantil, o Estatuto traz um capítulo específico de proteção à
criança e ao adolescente no trabalho (arts. 60-69).
No âmbito internacional, destacam-se as Convenções 138 e 182 da
Organização Internacional do Trabalho. A Convenção 138 trata da idade mínima
para admissão a emprego, tendo sido proposta com o objetivo de adotar um
instrumento geral que substituísse gradualmente os instrumentos internacionais
editados pela Organização Internacional do Trabalho, que até aquela época eram
restritos a limitados setores econômicos.
72
O que se pretende com essa Convenção é atingir a total abolição do
trabalho infantil nos países signatários. A Convenção determina aos Estados-
membros que ratifiquem a Convenção e emitam uma declaração determinando uma
idade mínima para o trabalho, não podendo ser inferior à idade de conclusão da
escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior aos quinze anos,
conforme o seu artigo 2, § 3º.
A Convenção OIT/182 trata da proibição das piores formas de trabalho
infantil e da ação imediata para a sua eliminação. Neste sentido, para que o conjunto
de normas seja efetivo, faz-se necessária uma compreensão das questões
estruturais do trabalho infantil, por parte do Poder Público, da família e da
sociedade. Um dos caminhos experimentados com sucesso está focado na
promoção da articulação institucional quadripartite.
72
VERONESE. Josiane Rose Petry; CUSTÓDIO. André Viana. Exploração do trabalho infantil: um
estudo sobre a idade mínima para as atividades laborais no âmbito do Direito Internacional.
Revista Grifos, Unoesc, Chapecó, p. 77, out. 1997.
51
O modelo de articulação entre os distintos atores que compõem os
Fóruns de Erradicação do Trabalho Infantil representa um ideário de democracia
participativa, constituído em um espaço por excelência na formulação, execução e
gestão das políticas públicas de garantia de direitos da criança e do adolescente.
Cabe listar alguns instrumentos em que se destaca o papel do Fórum:
Conscientização de crianças e adolescentes, e de suas famílias, sobre seus
direitos de cidadania;
Reivindicação efetiva concreta dos direitos das crianças e adolescentes;
Garantia da eficácia e efetividade do processo de prevenção e erradicação
do trabalho infantil;
Implementação de programas de qualidade;
Sensibilização de amplos segmentos da sociedade sobre a relevância do
problema do trabalho infantil e sobre as possibilidades concretas de superá-
lo.
73
E ainda, para que se promova uma ação institucional integrada, o Fórum
destaca alguns elementos necessários, tais como a participação entre os diversos
atores que compõem o sistema de garantias dos direitos da criança e do
adolescente, planos de trabalho conjuntos, ênfase nas ações municipais como
instrumento de eficácia e de transparência político-administrativa e o envolvimento
dos Poderes Legislativo e Judiciário.
As diretrizes da Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil
dedicam atenção inclusive para a garantia de escola blica e de qualidade para
todas as crianças e adolescentes, incluindo até seus próprios pais, pois sabe-se que
o nível de escolarização da família é um fator importante no momento de decisão
sobre o ingresso precoce no mercado de trabalho.
Diante de um arcabouço jurídico completo e, ainda desconhecido pelos
próprios operadores, faz-se necessário definir as competências e ações dos órgãos
que compõem o sistema de garantia dos direitos da criança e adolescente, pois são
atores indispensáveis na concretização das previsões jurídicas destinadas a dar
conta da erradicação do trabalho infantil no Brasil.
A preocupação com a organização desse sistema fez o Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) definir, na
Resolução 113/2005, os órgãos que compõem esse sistema, cabendo aqui destacar
73
BRASIL. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Diretrizes para a
formulação de uma política nacional de combate ao trabalho infantil, cit. p. 32.
52
alguns, como o Conselho Tutelar, os órgãos do Ministério Público e os Conselhos de
Direitos.
Ao Conselho Tutelar cabe zelar pelos direitos de crianças e adolescentes
e, nos casos de situação de trabalho infantil, aplicar medidas de proteção, que
podem ser desde o encaminhamento dos pais ou responsável a programas de
atendimento, até a aplicação de outras prerrogativas, dependendo da causa, para
que a irregularidade cesse.
Ao Ministério Público, dentre as diversas funções, cabe mover Ação Civil
Pública, emitir termo de compromisso de ajuste de condutas, e instaurar inquérito
civil público
74
.
[...] a instituição em apreço tem a relevante tarefa de defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais
indisponíveis. Ora, daí a importância atribuída a essa instituição pelo
Estatuto. Mesmo nos casos em que o esteja no pólo ativo da relação
processual, sempre atuará nas demandas judiciais que envolvam interesses
difusos de crianças e adolescentes, os quais são indisponíveis.
75
Assim, dentre as mais diversas funções do Ministério Público, destaca-se
ainda a do Ministério Público do Trabalho, pois a este órgão competente mover
ações civis públicas, ações cabíveis para nulidade de cláusula de contrato, acordo
coletivo ou convenção coletiva, dentre outras estabelecidas na Lei Complementar
75/93.
74
A ação civil pública “é um instrumento processual, de ordem constitucional, destinado à defesa de
interesses difusos e coletivos. Mesmo estando referida no capítulo da Constituição Federal relativo
ao Ministério Público (artigo 129, inciso III), a localização dessa norma não afasta o caráter
constitucional da ação civil blica também para aquelas promovidas por entidades públicas e
associações co-legitimadas. Essa ampliação se deve ao parágrafo , do artigo 129, da
Constituição Federal, pelo qual se estabelece a regra da sua não exclusividade do Ministério
Público”. SALLES, Carlos Alberto. Ação Civil Pública. In: Dicionário de Direitos Humanos.
Disponível em: <http://www.esmpu.gov.br/dicionario>. Acesso em: 15 fev. 2008.
Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta de acordo com art. 211 do Estatuto a Criança e do
Adolescente [...] Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de
ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo
extrajudicial.
O Inquérito Civil Público “é um procedimento administrativo, inquisitivo e privativo do Ministério
Público. Ele tem o escopo de produzir de um conjunto probatório da efetiva lesão a interesses
metaindividuais. Este procedimento é prévio ao ajuizamento da Ação Civil Pública, prevista na Lei
7.347, de 1985”. SARAIVA, Carmem Ferreira. Considerações Preliminares sobre o Inquérito
Civil Público. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, n. 167. Disponível em: <http://www.boletimjuri-
dico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1091>. Acesso em: 30 mar. 2008.
75
VERONESE, Josiane Rose Petry. Interesses Difusos e Coletivos da Criança e do Adolescente.
Belo Horizonte. Del Rey, 1996. p. 126.
53
Os Conselhos de Direitos têm a atribuição de deliberar sobre as políticas
públicas de atendimento, proteção, promoção e defesa de direitos, organizar e
promover seminários, capacitações, formações dos agentes e da comunidade para o
enfrentamento do trabalho infantil.
Assim, os efetivos de controle e fiscalização do trabalho infantil requerem
que todos os mecanismos exigidos para a aplicação e garantia dos direitos da
criança e do adolescente sejam acionados e funcionem mediante o planejamento,
articulação e a verdadeira construção de uma rede de atendimento à criança e ao
adolescente.
É neste ambiente que se faz necessária a implementação de medidas
imediatas e eficazes no que tange às necessidades sociais básicas das famílias.
Sobre esta temática, Pereira
76
discute as necessidades humanas, estabelecendo
parâmetros como o mínimo e básico. Enquanto o mínimo significaria menos e se
situaria no limiar da desproteção social, o básico conota algo primordial ao servir de
base estruturante para ampliações a partir deste elemento.
Dentre as diretrizes, para que se possa pensar em políticas públicas que
venham melhorar as condições de trabalho e rendas das famílias, e ao mesmo
tempo proporcionar o desenvolvimento local integrado e sustentável, são
necessárias algumas ações prioritárias, como o acesso à terra e a valorização do
trabalho no campo, formação de empreendimentos associativos e comunitários,
programas de renda mínima e, por fim, de geração de alternativas de ocupação e de
mercado
77
.
No campo da eqüidade e da diversidade, o Plano Nacional diagnosticou
que não existem programas de apoio específicos para crianças e adolescentes
explorados no trabalho que sejam indígenas, remanescentes de quilombos e
portadores de deficiência; também não existem programas de apoio específicos para
crianças e adolescentes explorados no trabalho que sejam moradores das periferias
urbanas ou que trabalham em regime familiar na agricultura; quanto às ações dos
programas de combate ao trabalho infantil, estas não levam em consideração as
76
PEREIRA, Potyara. Necessidades Humanas. Subsídios à critica dos mínimos sociais. São
Paulo: Cortez. 2000. p. 26.
77
BRASIL. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Diretrizes para a
formulação de uma política nacional de combate ao trabalho infantil, cit. p. 52-56.
54
desigualdades regionais e as diferenças entre as crianças das áreas urbanas e
rurais.
78
Daí a necessidade de adequação das políticas públicas para o
enfrentamento de formas específicas de trabalho infantil, tais como aquelas com
crianças envolvidas em atividades ilícitas, no trabalho infantil doméstico e nas
atividades informais da zona urbana, que fazem parte do conjunto de ações do
Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, com a perspectiva que devem
receber atenção e enfrentamento imediato. No entanto, há algumas dificuldades
apresentadas no Plano:
a) os programas específicos de prevenção e erradicação do trabalho infantil
doméstico são limitados e pontuais, necessitando de ampliação de seu
escopo de ações; b) não existem programas específicos de prevenção e
erradicação do trabalho infantil no narcotráfico e no narcoplantio; c) os
programas específicos de prevenção e erradicação da exploração sexual
infanto-juvenil não destacam os casos de exploração sexual comercial
infanto-juvenil a contento, concentrando-se naqueles de abuso sexual; d)
impunidade e corrupção comprometem o combate ao trabalho infantil em
atividades ilícitas; e) limitação do PETI para lidar com esses grupos.
79
A superação desses obstáculos precisaria da construção de uma rede
para erradicação do trabalho infantil, com a integração do sistema de garantia de
direitos da criança e do adolescente. A própria Constituição Federal traz no artigo
227 a construção desta rede, uma vez que compartilha as responsabilidades entre
Estado, sociedade e família.
A idéia de rede tem por base o sistema de garantia de direitos da criança
e do adolescente, compreendendo os diversos atores que interagem para garantir
esses direitos. Deste modo,
[...] quando se fala em sistema de garantia de direitos, melhor se tem a
compreensão teórica, abstrata e estática do conjunto de serviços previstos
idealmente em lei, enquanto a expressão ‘Rede de Proteção’ expressa esse
mesmo sistema concretizando-se dinamicamente, na prática, por meio de
78
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Inspeção do Trabalho. Plano Nacional
de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente.
Brasília: MTE, 2004, p. 45-46.
79
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Inspeção do Trabalho. Plano Nacional
de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente. cit.
p. 46.
55
um conjunto de organizações interconectadas no momento da prestação
desses serviços.
80
Assim, esse sistema de garantia apresenta eixos de ação (promoção de
direitos, defesa dos direitos e controle social), que criam redes internas e entres si.
Dentro do eixo defesa “estão as conexões da rede de proteção integral que
articulam as normas, ações e instituições que se prestam a assegurar o
cumprimento e a exigibilidade dos direitos instituídos”
81
, permitindo a tríplice
responsabilidade compartilhada, quando da violação ou efetivação de direitos.
Schlithler conceitua rede como “iniciativas de pessoas ou organizações
que desejam promover ações verdadeiramente transformadoras, e que valorizam a
participação democrática e a força do coletivo”
82
, e esta rede deve ter sua própria
concepção de princípios, valores e visão de mundo, assim o processo de
intercomunicação da rede é constante e integrado.
Segundo Scheren-Warren, no contexto das ciências sociais, a noção de
rede tem muitos sentidos, e vem sendo construído tanto como um conceito de
análise quanto um conceito proposto dos movimentos sociais.
A idéia de rede como conceito propositivo utilizado por atores coletivos e
movimentos sociais refere-se a uma estratégia de ação coletiva, isto é, a
uma nova forma de organização e de ação (como rede). Subjacente a essa
idéia encontra-se, pois, uma nova visão do processo de mudança social
que considera fundamental a participação cidadã e de forma de
organização dos atores sociais para conduzir esse processo.
83
De outro ponto de vista, Capra se refere às redes como componentes que
se transformam, substituem-se constantemente e, dessa maneira, sofrem
mudanças estruturais contínuas, ao mesmo tempo em que preservam seus padrões
de organização, que sempre se assemelham a teias”.
84
80
BRANCHER, Leoberto Narciso. Organização e Gestão do Sistema de Garantia de Direitos da
Infância e Juventude. In: KONZEN et al. Pela Justiça na Educação. Brasília: MEC, 2000. p. 130.
81
SILVA, Enid Rocha Andrade da (Coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os
abrigos para crianças e adolescente no Brasil. Brasília: IPEA, CONANDA, 2004. p. 330.
82
SCHLITHLER, Célia R. B. Reflexões sobre redes sociais. Disponível em: <http://www.
risolidaria.org.br/util/view_texto.jsp?txt_id=200311040005>. Acesso em: 20 nov. 2007.
83
SCHERER-WARREN, Ilse. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da globalização.
São Paulo: Hicitec, 1999. p. 24.
84
CAPRA, FRIJOF. As Conexões Ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix,
2002. p. 27.
56
Rizzini [et al.] explica que o surgimento das redes no Brasil aparecem
principalmente pós-Constituição de 1988, ampliando os debates e as práticas das
políticas sociais para combater o assistencialismo. No entanto, os avanços das
políticas sociais têm como entrave o pouco investimento na área social pelo Estado,
dificultando a formulação de uma política em rede. Mas é o modo de organização da
sociedade civil e do Estado com fomentador que favorece as primeiras articulações
em rede
85
.
Cabe lembra que inicialmente a lógica de ões em redes tem por
fundamento conter despesas de recursos humanos e financeiros. Assim, “a
preocupação pela eficácia efetividade do trabalho é enfraquecida pelo risco de o
Estado brasileiro continuar a se manter à sombra de sua responsabilidade em prol
da efetiva implementação das políticas públicas”
86
, articulada com os mais diversos
segmentos da sociedade.
É, portanto, com a Política Nacional de Assistência Social que tem por
objetivo romper com as práticas autoritárias e verticalizadas, criando condições
ideológicas e culturais para formação em rede”
87
. A idéia de rede não tem por
princípio “somente a otimização dos esforços, mas a valorização do sujeito,
priorizando o atendimento pelas instituições e pessoas inseridas no seu meio
social”
88
.
Por isso, a construção de uma rede atuante na erradicação do trabalho
infantil deve ser planejada a partir dos diversos segmentos representativos da
sociedade (entidades governamentais, não-governamentais, programas, políticas
sociais, Conselho Tutelar e de direitos), além de recursos públicos e privados.
A criação de redes requer mudanças culturais, pois todos que as
representam têm em foco um único objetivo. Schlither explica que as redes devem
traçar suas linhas de ações a partir do diagnóstico, capacitação, comunicação e, por
fim, do fortalecimento do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
85
RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma; NAIFF, Luciene; BAPTISTA, Rachel (Coords.). Acolhendo
crianças e adolescentes: experiências de promoção do direito à convivência familiar e
comunitária no Brasil. São Paulo: Cortez; Brasília: UNICEF, CIESPI; Rio Janeiro: PUC-Rio, 2006.
p. 112-113.
86
RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma; NAIFF, Luciene; BAPTISTA, Rachel (Coords.). Op. cit., p. 112-113.
87
Idem, ibidem, p. 114.
88
Idem, ibidem, loc. cit.
57
Diagnóstico, que fornece a visão real das necessidades do município e
permite planejar globalmente;
Capacitação, que promove o encontro constante de todas as entidades, a
modernização gerencial e busca gerar consensos em torno do
funcionamento em rede;
Comunicação (sistema de comunicação e informação via internet), que
possibilita a comunicação das entidades entre si e com a sociedade, além
de consolidar informações das crianças e adolescentes atendidos;
Fortalecimento do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, que diversifica as fontes de recursos e diminui a dependência
em relação ao orçamento da Prefeitura.
89
É a partir destes elementos que a rede de proteção à criança e ao
adolescente dará seus primeiros passos, apresentando um diagnóstico da realidade
do município na área de crianças e adolescentes, mostrando a necessidade desta
rede para garantir a proteção integral, apontando as formas de mobilização das
instituições, bem como as estratégias de comunicação e capitação de recursos.
No Brasil, a Rede de Monitoramento Amiga da Criança, que tem como
objetivo debater, monitorar, construir consensos sobre as políticas para crianças e
adolescentes, tem produzido relatórios sobre as ações do Governo Federal a partir
dos compromissos assumidos com a formulação e implementação do Plano de Ação
Presidente Amigo da Criança e a do Adolescente. Esta é uma das experiências de
ação em rede que vem fortalecendo a política de proteção e promoção aos direitos
da criança e do adolescente
90
.
Nesse trabalho está engajado o conjunto de diversas organizações não-
governamentais e organismos internacionais preocupados com as condições de vida
das crianças e dos adolescentes brasileiros, e, para eles, “a efetiva garantia dos
seus direitos só avançará e se consolidará a partir do fortalecimento do diálogo entre
as organizações da sociedade e o Estado brasileiro”.
91
89
SCHLITHLER, Célia R. B. Op. cit.
90
REDE DE MONITORAMENTO AMIGA DA CRIANÇA. A Sociedade Brasileira e os Objetivos do
Milênio para a Infância e a Adolescência: II Relatório. [s. l.], 2007. p. 06.
91
Idem, ibidem, p. 7.
58
2. CONSELHO TUTELAR
2.1 Natureza jurídica e características essenciais do Conselho Tutelar
Com a retomada da democracia no Brasil na década de 1980, cria-se um
ambiente favorável ao fortalecimento dos movimentos populares, que se
intensificaram pelas pressões internacionais, para que os governos assumissem
compromissos concretos e objetivos de transformação da realidade de crianças e
adolescentes brasileiros.
A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05
de outubro de 1988, foi decorrência desse ambiente, e por isso, trouxe um conjunto
de instrumentos de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, consolidando a
proposta de construção de um Estado democrático e de Direito, fundado na
soberania, cidadania e dignidade humana, reconhecendo como princípio
fundamental, em seu artigo 1º, parágrafo único, que: “Todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”, ou seja, proporcionou uma abertura política para participação direta e,
portanto, facilitou os caminhos para o reconhecimento dos conselhos populares na
gestão pública.
As formas de conselhos e participação popular remontam de longa data.
Em âmbito internacional, registram-se algumas experncias relevantes, tais como a
Comuna de Paris, ocasião em que os trabalhadores conseguiram exercer o governo
por dois meses, em 1871, cuja iniciativa tentava implementar um modelo de
democracia popular, buscando a possibilidade da gestão da coisa pública pela
própria população. A comuna “propunha demolir toda a organização do trabalho
capitalista, a fim de substituí-la por uma organização nova”.
92
Assim, “as oficinas da comuna foram modelos de um tipo de democracia
popular. Elas fixavam salários, jornada de trabalho, escolha de chefias etc., com a
92
GOHN, Maria da Glória. Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica. São Paulo: Cortez,
2001. p. 66.
59
participação de todos os trabalhadores organizados em comitês,”
93
centrado em um
projeto político emancipatório.
Os sovietes russos, implantados em 1905 em São Petesburgo, como
organismos de luta pelo poder do Estado, inicialmente não tinham como pressuposto
ser um espaço para os movimentos de massa, pois “eram organismos de classes,
compostos por operários, soldados e intelectuais revolucionários. Foram se
constituindo num contra-poder operário, desempenhando tarefas públicas que antes
eram responsabilidade do Estado”.
94
Na Alemanha, os Conselhos de Fábricas foram organizados como órgãos
de autogestão da produção e auto-administração da população a partir das
empresas, surgindo em “meio à profunda crise gerada pelo movimento de maio de
1918, ocasião em que ocorreu a queda geral das estruturas institucionais”
95
.
[...] os conselhos alemães sobreviveram até 1923, por meio dos conselhos
de fábricas. Eles não eram eleitos sobre uma base territorial, como na
Comuna de Paris ou sovietes russos, mas sobre a base da empresa. [...]
Isto era possível porque as empresas não eram apenas unidades de
produção, mas células sociais, lócus de socialização dos indivíduos.
96
as Comissões Internas de Fábricas na Itália estavam relacionadas à
defesa de direitos e interesses de trabalhadores, ensejando a Gramsci
97
apresentar
grandes contribuições para formulação desses conselhos.
93
GOHN, Maria da Glória. Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica. São Paulo: Cortez,
2001. p. 66.
94
Idem, ibidem, p. 67.
95
Idem, ibidem, loc. cit.
96
GOHN, Maria da Glória. Op. cit., p. 67.
97
Simionatto descreve que, para Gramsci, “a cultura é condição necessária ao processo
revolucionário. [...] A cultura é, pois, um instrumento de emancipação política de classe operária,
uma vez que, a partir dela, criam-se possibilidades de tomada de consciência em relação a
problemas e situações comuns vividas pelos diferentes sujeitos sociais. A preocupação de
Gramsci com a cultura está, pois, relacionada com a sua compreensão de que a luta pela
emancipação política do proletariado não se coloca apenas no terreno econômico, mas dadas as
condições de subalternidade intelectual às quais estiveram submetidas as classes trabalhadoras.
É entre 1919 e 1920 que ele vivenciará experiências com conselhos de fábricas, lançando o jornal
L’Ordine juntamente com Tasca, Togliatti e Terracini, com objetivo de debater o socialismo na
Itália, como instrumento de criação e difusão da cultura e ainda à possibilidade concreta de
educação e preparação das massas para a práxis revolucionária. [...] a partir da experiência do
Conselhos, novas reflexões marcarão a sua trajetória intelectual”. (SIMIONATTO, Ivete. Gramsci:
sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço Social. 3. ed. Florianópolis: UFSC; São
Paulo: Cortez, 2004. p. 28-30.
60
Gohn explica que nos Estados Unidos a experiência de conselhos é
bastante diferenciada e contraditória, compreendida em parte pelo modo de vivência
através de ajuda mútua: “a democracia participante tem sido o fundamento
ideológico de milhares de pessoas que se unem, formam grupos de pressão na
defesa dos seus interesses. O sistema é uma combinação de democracia direta com
princípios de representação por intermédio de delegados”.
98
A autora ainda destaca as experiências como a criação da Bed-Stuy
Corporation pela comunidade negra do Harlem, a Bronx Sul e o programa de ação
direta da Frontier durante as décadas de 1960 e 1970 em Nova Iorque, com intuito
de trazer para as bases o processo de decisão. Assim, para “os americanos, os
conselhos nada mais seriam que instrumentos de integração social, buscando
melhorar a máquina estatal e o aperfeiçoamento da democracia”.
99
Nesse contexto histórico, conferem-se dois tipos específicos de conselhos:
o de operários atrelados ao sistema de produção, e de cidadãos, vinculados à
distribuição de bens e serviços e as políticas oferecidas pelo Estado. Este último
aproxima-se das formas dos Conselhos brasileiros.
O Brasil durante o século XX apresentou três experiências relevantes de
conselhos, sendo eles criados pelo próprio Poder Executivo no final da década de
1970, com intuito de mediar suas relações com os movimentos sociais; os conselhos
populares, criados pelos próprios movimentos, em suas relações com o poder
público, no final da década de 1970 e início de 1980; e os conselhos
institucionalizados, com a possibilidade de gestão da coisa pública.
100
A institucionalização dos conselhos como um pressuposto basilar da
democracia foi fundamental no reordenamento jurídico, político e institucional, que
reacendeu a teoria da democracia. Nesse sentido, é preciso lembrar que
[...] não é possível elaborar uma teoria da democracia adequada ao nosso
tempo sem um profundo diálogo com a herança de Jean-Jacques. Se seus
conceitos de interesse comum e vontade geral foram construídos de modo
problemático, ou mesmo equivocado, resta o fato de que ele viu
corretamente que a tarefa de construí-los é dever incontornável de todo
98
GOHN, Maria da Glória. Op. cit., p. 69.
99
LIBERATI, Wilson Donizeti; CYRINO, Publio Caio Bessa. Conselhos e Fundos no Estatuto da
Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 32.
100
GOHN, Maria da Glória. Op. cit., p. 70.
61
pensamento democrático que pretenda superar dialeticamente as propostas
do liberalismo.
101
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
102
valida e
congrega o povo como co-participante ativo do poder. Deste modo, a democracia
deixa de ser apenas representativa, para tornar-se também participativa
103
, pois
[...] essa Constituição adotou como princípio geral a cidadania e previu
instrumentos concretos para exercício via democracia participativa. Leis
orgânicas específicas, pós-1988, passaram a regular o direito constitucional
à participação por meio de conselhos deliberativos de composição paritária,
entre representantes do poder executivo e de instituições da sociedade civil.
Desde então, um número crescente de estruturas colegiadas passou a ser
exigência constitucional em diversos níveis das administrações (federal,
estadual, e municipal).
104
Esse processo de participação, segundo Santos, deu-se pelo fato de que os
países do sul, denominados nações em desenvolvimento, passaram, a partir da
década de 1970, por um processo de democratização e, a exemplo do Brasil, de
redemocratização. O Brasil, particularmente, assim como a Colômbia, teve, antes
mesmo da década de 1980, períodos de democracia alternados com as ditaduras
militares. Foi a partir de 1985, no entanto, que se consolidou novamente o sistema
101
COUTINHO, Carlos Nelson. Crítica e Utopia em Rousseau. Lua Nova, o Paulo, Centro de
Estudos Contemporâneos, v. 38, p. 9, 1996.
102
A Constituição da República Federativa do Brasil destaca em seu texto um conjunto de elementos
que fortalecem esse processo democrático e participativo. Assim, segundo Bonfante, a CF/1988
apresenta “no art. 5º, a garantia à informação (XXXIII), o direito de petição (XXXIV, a) e o acesso
ao Judiciário (XXXV), como algumas das possibilidades de intervenção do cidadão comum na
esfera do Poder Público. Tais institutos, no entanto, via de regra, tratam de questões individuais,
em que não há necessariamente algum movimento de organização social. Adentrando a esfera da
coletividade, a Constituição prevê, ainda no art. 5º, o mandado de segurança coletivo (LXX) e a
ação popular (LXXIII). Pode-se citar também a ação de inconstitucionalidade, prevista no art. 103,
assim como a ação civil pública. ainda o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, previstos
no art. 14, sendo que a iniciativa popular é estendida aos Estados – leis estaduais – a partir do art.
27, § 4º, e aos Municípios leis municipais a partir do art. 29, XI, ainda mais específico em
relação ao procedimentalismo. Passando para o Poder Executivo, o art. 29, X, prevê a atuação de
organizações representativas no planejamento municipal, que hoje está sendo aplicado,
efetivamente, na criação/revisão do Plano Diretor dos Municípios de todo o país. A realização de
audiências públicas também é apontada como atribuição do Congresso Nacional (art. 58, § 2º). A
mesma Carta ainda cita a participação popular nas questões da assistência social (art. 204, II), da
saúde (art. 198, III), na educação (arts. 205 e 206, VI) e na garantia de direitos às crianças e aos
adolescentes (art. 227)”. BONFANTE, Patrícia do Santos. O Regime Jurídico dos Conselhos
Gestores e de Direito no Brasil. Monografia (Graduação em Direito) Universidade do Extremo
Sul Catarinense, Criciúma, 2006. p. 31.
103
VOGEL, Arno. Conselho Tutelar: a comunidade resolvendo os problemas da comunidade. [s.l.]:
UNICEF, 1991. p. 10.
104
GOHN, Maria da Glória. Op. cit., p. 84.
62
democrático no país, culminado com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.
105
A sociedade civil, incorporada nesse elemento de participação, não tem como
intento a conquista e controle do poder, mas a sua participação na esfera pública à
geração de influência e participação ativa na construção do processo político.
106
Portanto, “participar significa influir direitamente nas decisões, [...] Se estamos em
uma nova fase no país, é possível e é preciso que o movimento comunitário avance
e influa direitamente”
107
principalmente no âmbito local.
Ainda sob esta perspectiva, surgiram as propostas para a criação de
Conselhos Tutelares, com objetivo de garantir a efetivação dos direitos de crianças e
adolescentes, estabelecidos na Carta Magna, cujas disposições gerais seriam
estabelecidas posteriormente no Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.
2.1.1 O Projeto de Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente no Senado
Federal
Sobre este novo ordenamento, cabe resgatar alguns fatos históricos
relativos aos Projetos de Leis apresentados no Congresso Nacional, concernentes
ao direito da criança e do adolescente.
No Senado Federal foram apresentados três projetos: o Projeto de Lei do
Senado 255, de 01 de setembro de 1989, que institui o “Código de Menores e
outras providencias”, de autoria do senador Nelson Carneiro; o Projeto de Lei do
Senado 193, de 30 de junho de 1989, de autoria do senador Renan Tito, que institui
o Estatuto da Criança e do Adolescente; e o Projeto de Lei do Senado 279, de 18 de
setembro de 1989, de autoria do senador Marcio Lacerda, que previa a alteração
dos artigos 32 e 34
108
da Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979, que instituiu o Código
105
SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo. Introdução: para ampliar o cânone
democrático. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Democratizar a democracia: Os
caminhos da Democracia Participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 55-56.
106
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 45.
107
SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo. Op. cit., p. 58.
108
Art. 32. Somente poderão requerer adoção plena casais cujo matrimônio tenha mais de cinco anos
e dos quais pelo menos um dos conjugues tenha mais de trinta anos.
63
de Menores, com objetivo de dar nova redação aos referidos artigos em razão da
promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alinhando-
os aos artigos 226 e 227, da Carta Magna.
Diante dos três projetos, a comissão temporária “Código de Menores”
buscou a opinião de diversos organismos governamentais e não-governamentais,
Ministério Público, Poder Judiciário, associações profissionais, bem como
sociólogos, assistentes sociais e pedagogos também tiveram oportunidade de se
manifestar em relação os projetos.
Nos primeiros debates, a Comissão apontou que
[...] os projetos de Lei do Senado 255/89 e 193/89 concentram as
atenções gerais e sobre eles travaram-se os debates. Criou-se uma
polêmica em torno deles, evidenciando-se, de logo, duas correntes
antagônicas: uma, a que defendia a revisão do Código, consubstanciada no
PLS 255/89 a outra que defendia o Estatuto da criança e do Adolescente
no PLS 193/89. [...] ouvimos atentamente os argumentos de ambas as
correntes, e debruçamo-nos sobre as proposições, estudando-as à luz da
Constituição Federal.
109
Nesse contexto, o PLS 279 foi considerado tímido, pois apenas
referendava a situação de adoção plena; o PLS 255, que tinha como objetivo dar
nova redação ao Código de Menores, disputou espaço entre conferencistas e
debatedores no Congresso Nacional. No entanto, foi o PLS 193 que obteve maior
apoio, pois traçava uma nova linha de proteção aos direitos da criança e do
adolescente. Os dois primeiros projetos foram declarados prejudicados em 20 de
abril de 1990, em razão da aprovação do PLS 193.
110
No discurso proferido no Senado Federal, o senador Gerson Camata, ao
tratar da substituição do nome de Código de Menores para Estatuto da Criança e do
Adolescente, relata:
Art. 34. Aos cônjuges separados judicialmente, havendo começado o estágio de convivência de
três anos na constância da sociedade conjugal, é lícito requererem adoção plena, se acordarem
sob a guarda do menor após a separação judicial. (BRASIL. Código de Menores. Lei n. 6.697, de
10 de outubro de 1979)
109
ROLLEMBERG, Francisco. Comissão Temporária “Código de Menores”. Senado Federal:
Brasília, 1990. p. 5-6.
110
SILVA, José Luiz Mônaco da. Estatuto da Criança e do Adolescente: Comentários. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994. p. 11.
64
Aqui consta o título de Código do Menor, mas as pessoas, os líderes, os
prelados, os pastores, as assistentes sociais preferem a palavra ‘estatuto’
não sou advogado, mas me parece que ‘código’, aqui, no Brasil, tem o
sentido de coibir, de colocar proibições, de punir, e ‘estatuto’ representa
mais os direitos da criança. Essas entidades começam a pedir que, em
vez de código, se coloque a palavra ‘estatuto’ e se garantam amplos
direitos, se apliquem recursos, para que essas crianças sejam,
efetivamente, recuperadas, que elas possam ter educação, como as outras
crianças têm, que possam não viver só da mendicância e não comecem a
perder sua dignidade logo no início de sua infância, quando, atiradas à rua,
são submetidas a todo tipo de vexame, quase tratadas como animais,
certamente tratadas de maneira pior do que os animais domésticos da
classe média e da classe média-alta brasileira.
111
Deste modo, o referido projeto foi lido em plenário no Senado Federal, em
30 de junho de 1989, sendo encaminhado à Comissão de Assuntos Sociais, onde foi
designado como relator o Senador Francisco Rollemberg. No dia 20 de setembro de
1989 foi constituída uma Comissão Temporária para discussão do projeto, sendo a
Comissão composta pelos Senadores Nabor Junior (Presidente), Antonio Luiz Maya
(Vice-Presidente) e Francisco Rollemberg (Relator). Ainda foram designados como
Relatores Parciais o Senador Wilson Martins, ao qual foi atribuída a Relatoria do
Livro I – Parte Geral, e o Senador Loremberg Nunes Rocha, como Relator do Livro II
– Parte Especial.
Assim constituída a Comissão Temporária, foi aberto um prazo de 20 dias
para apresentação de emendas, compreendendo o período de 22 de setembro de
1989 a 11 de outubro de 1989. Mesmo assim, a Comissão, por três vezes seguidas,
encaminhou o pedido de prorrogação de prazo para apresentação de emendas,
sendo concedido mais 20 dias em cada pedido apresentado.
Foram apresentadas 35 emendas ao projeto, as quais tiveram por
finalidade acatar as que sugeriam alterar as diretrizes da política de atendimento, de
como a comprometê-las, principalmente com as atividades-fins, suprimindo os
dispositivos incoerentes, bem como aqueles com falhas nas redações
112
.
Algumas dessas emendas são destacadas a seguir, por relacionarem-se
intimamente com o objeto de estudo desta dissertação.
111
BRASIL. Senado Federal. Relatório de aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Diário Oficial da União, Brasília: 30 de maio de 1990.
112
ROLLEMBERG, Francisco. Op. cit., p. 11.
65
A Emenda 05, de autoria do Senador Francisco Rollemberg, tinha por
objetivo suprimir o item IV do artigo 63, que confere ao adolescente, na condição de
trabalhador ou aprendiz, o direito de participação sindical. Sua justificativa, que
efetivou a supressão da matéria, foi
Consideramos que a participação sindical é um ato espontâneo, que
depende da manifestação da vontade pessoal, Não convém, pois,
consagrá-la no Estatuto, inclusive porque, sob amparo da irresponsabilidade
civil e penal, os adolescentes poderiam transformar-se em massa de
manobra em manifestações de grupo, o que os colocaria em situação de
risco, circunstância essa incompatível com o objetivo do projeto de dar-lhes
proteção.
113
A Emenda 19, também de autoria do Senador Francisco Rollemberg,
objetivava a supressão dos artigos 130 a 156 e 162 a 164, ou seja, retirar do
Estatuto as propostas de Conselho Tutelar e de direitos, sob tal argumento:
Em princípio, inclinávamos a tomar essa decisão. Achávamos que as
atribuições dos conselheiros tutelares já eram exercidas pelos juízes de
menores, aos quais faltava apenas maiores recursos para oferecer a
crianças e adolescentes abandonados ou infratores um tratamento
condizente com sua condição humana. Igualmente não víamos com
simpatia a criação dos conselhos de defesa da criança e do adolescente
nos três níveis de governo, porque temíamos o inchaço das atividades-
meios.
114
No entanto, após profundo debate, concluíram que a retirada dos conselhos
de defesa e dos conselhos tutelares desfiguraria o Estatuto e essa decisão estaria
contrariando a Constituição Federal ao tratar da participação da sociedade civil.
115
Assim, foi apresentada uma subemenda, de autoria do Senador Louremberg
Nunes Rocha, que manteve os artigos 162 e 163, suprimindo o artigo 164, fazendo
algumas modificações no que se refere aos Conselhos Tutelares, sendo então esta
subemenda aprovada.
Retira do art. 130 a conotação de inconstitucionalidade, incluindo nele a
expressão “não-jurisdicional”, para qualificar os conselhos tutelares.
113
ROLLEMBERG, Francisco. Op. cit., p. 12.
114
Idem, p. 14.
115
Idem, ibidem, loc. cit.
66
No art. 131, I, acrescenta a palavra “Direito”, a fim de que os membros dos
conselhos tutelares possam ser escolhidos também entre os bacharéis em
Direito.
No art. 135, VII, suprime as palavras “ou pelo Ministério Público”,
considerando que esse Ministério não tem função judicante e que cabe tão-
somente à autoridade judiciária concluir se o menor é ou não infrator e
encaminhá-lo, se for o caso, ao conselho tutelar.
Substitui o título do capítulo VI – “Dos Vencimentos” – para “as Retribuição”,
e, igualmente, a palavra “remuneração” por “pagamento” nos arts. 138, § 2º,
e 145, caput, §§ e 3º, para conceituar a retribuição salarial dos
conselheiros tutelares, retirando-lhes a conotação mais abrangente de
remuneração.
Suprime, in totum, o art. 164, que cria a figura do agente de proteção da
infância e da juventude, acatando, neste caso, a argüição de
inconstitucionalidade.
116
Em 20 de março de 1990, a Comissão Temporária do Código de Menores
manifestou-se pela aprovação do projeto com alterações propostas através das
emendas acatadas, o qual foi aprovado por unanimidade na comissão,
transformando-se em Parecer de n. 48/90, e encaminhado para deliberação do
Plenário do Senado Federal.
A matéria foi discutida em turno único e debatida em sete sessões, sendo a
última realizada em 25 de abril de 1990, e em 25 de maio de 1990 foi aprovada a
redação final do Projeto de Lei, logo encaminhado à Câmara dos Deputados.
2.1.2 As Discussões do Projeto de Conselho Tutelar na Câmara dos Deputados
Na Câmara dos Deputados havia vários Projetos de Lei
117
tramitando que
tratavam da alteração do Código de Menores de 1979, e/ou instituíam nova
legislação de proteção à criança e ao adolescente. Todos esses Projetos de Lei
foram anexados ao PL 1.506, de 20 de fevereiro de 1989, que “Institui Normas
Gerais de Proteção à Infância e à Juventude”, de autoria do Deputado Nelson
Aguiar, que foram apensados ao Projeto de Lei 5172, de 30 de maio de 1990, que
116
ROLLEMBERG, Francisco. Op. cit., p. 14-15.
117
Tramitavam na Câmara dos Deputados, PL 1.506/89, de autoria do Deputado Nelson Aguiar;
PL 1.765/89, da Deputada rcia Kubitschek; PL 2.264/89, do Deputado Francisco Amaral;
PL 2.742/89, do Deputado Mendes Botelho; PL 628/83, do Deputado Victor Faccioni; PL 2.734/89,
do Deputado Mendes Botelho; PL 75/87, do Deputado Salim Curiati; PL 1.362/88, do Deputado
Francisco Dias; PL 2.079/89, da Deputada Sandra Cavalcanti; PL 2.526/89, do Deputado Antonio
Carlos Mendes; PL 2.584/89, do Deputado Helio Rosas e o PL 3.142/89, do Deputado Gandi Jamil.
67
instituía a proposta do Estatuto da Criança e do Adolescente, apresentado pelo
Senador Renan Tito na Câmara dos Deputados.
Para análise do Projeto de Lei, foi constituída uma Comissão Especial,
com a nomeação da Deputada Rita Camata como relatora, que reconheceu no
projeto o caráter de exemplo de legislação, pois teve o mérito de incorporar as
discussões prévias com a sociedade, envolvendo 140 entidades, além de diversos
profissionais ligados à área da infância e adolescência. A Deputada ainda destacava
que “foi um encontro inédito de vontades políticas”, pois ambas as casas do
Congresso Nacional tiveram participação profunda, apresentando emendas ao
Projeto de Lei, restando então um projeto desejado por todos.
118
Com relação ao Conselho Tutelar, esse Projeto de Lei apresenta uma
concepção de órgão diferente daquele que posteriormente seria constituído, por isso
permaneceram algumas questões incompatíveis, pois, segundo Souza, a
experiência dos conselhos ainda é um cenário em construção. Polêmicas,
divergências e conflitos em torno da atribuição de responsabilidades, da distribuição
dos poderes e representatividade têm permeado a atuação destes órgãos”.
119
O Projeto original descrevia um Conselho Tutelar como órgão
administrativo, tendo como finalidade o atendimento dos direitos de crianças e
adolescentes. Este órgão tinha uma proximidade com o Poder Judiciário na sua
organização, inclusive havia a previsão de um Conselho Tutelar em cada Comarca
judiciária, foro regional, ou distrital.
Deste modo, nas
[...] discussões do anteprojeto de lei que deu origem ao ECA, a tônica era
marcada pela avaliação da necessidade de um órgão popular distribuidor de
justiça social, célere e com mínimo de formalidade, que pudesse solucionar
no próprio município casos individuais caracterizados pelo descumprimento
aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Verdadeira instância
administrativa, preferencialmente composta por profissionais versados nas
questões relativas à infância e juventude, o Conselho Tutelar atuaria nos
casos onde a valoração jurídica seria secundária ante a premência do
pronto atendimento, capaz de rapidamente concretizar a proteção especial,
resumida em medidas de proteção destinadas a crianças e adolescentes.
120
118
BRASIL. Relatório Deputada Rita Camata. Diário do Congresso Nacional, Brasília, 29 jun. 1990,
p. 8.196.
119
SOUZA, Marli Palma. Op. cit., p. 45.
120
SILVA, José Luiz Mônaco da. Op. cit., p. 215.
68
Nessa versão do Projeto de Lei, o Conselho Tutelar seria composto por
cinco membros, com finalidade de atendimento direto; por isso, nos critérios de
escolha, eram requisitados pelo menos três membros que deveriam ser escolhidos
prioritariamente com graduação em serviço social, direito, educação, saúde e
psicologia; um membro indicado pelas entidades de defesas dos direitos da criança
e do adolescente, e um membro indicado por entidade de atendimento. Além disso,
o projeto de lei determinava que, na falta de pessoal qualificado, a escolha poderia
incidir em educadores da rede pública ou particular de ensino, que tivessem no
mínimo dois anos de experiência. Quando a nomeação recaísse em funcionário
público, o Presidente do Conselho Municipal faria a requisição do profissional, sendo
obrigatório o atendimento da solicitação.
No tocante aos requisitos, além dos estabelecidos na lei atual, que serão
analisados posteriormente, acrescentava-se a exigência de dois anos de exercício
profissional. Na versão final da lei, esta exigência ficou como responsabilidade da lei
municipal de criação dos Conselhos Tutelares, que pode formular requisitos
complementares ao estabelecido na lei federal.
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente também
teria a competência para determinar o funcionamento, dias, horários e locais dos
Conselhos Tutelares, iniciando uma tradição sobre conflitos de competência que
permanece até os dias atuais. O Projeto ainda permitia que o Conselho Tutelar
funcionasse dentro de estabelecimentos educacionais, e com plantão obrigatório
apenas nas comarcas, foro regional ou distrital que tivessem mais de 200 mil
habitantes.
O projeto de lei original não previa critérios sobre remuneração dos
Conselheiros Tutelares, e apenas determinava que o Conselho Estadual de “Defesa”
dos Direitos da Criança e do Adolescente poderia fixar pagamento ou gratificação, e,
quando recaísse em funcionário público, este deveria optar pelos vencimentos e
vantagens.
Havia situações estranhas na proposta original, tais como a
responsabilidade dos Conselhos Estaduais de repassarem aos Conselhos
Municipais as verbas relativas ao pagamento ou à gratificação dos membros do
Conselho Tutelar, e em nada estabelecia se estes Conselhos Estaduais seriam
mantidos com verbas do Estado ou repasses da União.
69
Com relação ao funcionamento interno do Conselho Tutelar que
atualmente é estabelecido pelos próprios Conselhos em seus regimentos –, o
projeto de lei apontava alguns indicativos, como o processo de escolha do
presidente do Conselho, que deveria ser anual e na primeira sessão; que as sessões
deveriam ter no mínimo três membros, e ainda que poderiam ser destituídos do cargo
aqueles que se ausentassem por três vezes seguidas ou cinco consecutivas nas
sessões.
No que se refere às atribuições, o projeto de lei apresenta poucas
alterações em relação à versão final aprovada do Estatuto da Criança e do
Adolescente. No entanto, discussões que reconhecem nesse projeto a finalidade
precípua do Conselho Tutelar de realizar atendimento direto. Isso seria óbvio, uma
vez que sua principal atribuição estava descrita como “atender”, apresentada no
projeto como: “Art. 136, I atender crianças e adolescente em situação de risco,
aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII”. No entanto, na legislação que foi
aprovada, o foco do Conselho Tutelar foi redirecionado para a perspectiva da
promoção e da defesa dos direitos da criança e de adolescente. Contudo, o
legislador manteve a expressão “atender” originariamente proposta no projeto de lei.
Caberia ainda ao Conselho Tutelar, conforme “Art. 136, IV inspecionar
delegacias de polícia, presídios, entidades de internação e acolhimento, e demais
estabelecimentos públicos ou privados em que possam encontrar-se crianças e
adolescentes.”
Nos casos de ato infracional processado no âmbito do Poder Judiciário,
que houvesse a aplicação de medida de proteção, havia a proposta para que o
Conselho Tutelar pudesse substituir a medida original por outra considerada mais
adequada, mas esta proposta não foi mantida na versão final da lei.
Segundo Andrade, todo esse processo produziu um Conselho Tutelar
dúbio, tendo características na essência mais de “esquerda” e atribuições mais de
“direita”
121
, ou seja, o anteprojeto apresentava um “conselho mais conservador,
controlador de condutas.
122
121
O autor utiliza a definição de esquerda e direita segundo Bobbio, em sua obra Razões e
significados de uma distinção política. “[...] de um lado estão aqueles que pensam que os
homens são mais iguais do que desiguais, enquanto do outro estão aqueles que pensam que são
mais desiguais do que iguais. [...] a direita não tem a igualdade como um ideal, pois a
desigualdade é natural e inalterável, a esquerda entende a busca por igualdade como um ideal e
que a maioria das desigualdades são de natureza social e elimináveis”. ANDRADE, José Eduardo
70
Assim, Kaminski explica que o Conselho Tutelar deve agir quando todas
as instâncias (famílias, Estado e sociedade) forem omissas nos seus deveres. Para
o autor, esta omissão se daria após procurados todos os recursos necessários para
efetivação do direito violado, e, por conseguinte, sua negativa.
123
Essa posição do Conselho Tutelar provoca a efetiva mudança social,
promove a instalação do novo, e trabalha a CONSCIÊNCIA DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE ENQUANTO CIDADÃOS. O Conselho Tutelar o é
eminentemente técnico, para enfrentar questões técnicas, e sim
essencialmente político, para enfrentar questões políticas. É um
mobilizador, um articulador, um verdadeiro conselheiro, que define as
coisas em Conselho e com fundamento na sua representação e no seu
saber popular e comunitário
124
.
De qualquer modo, a versão final do projeto de lei conseguiu consolidar
alguns avanços na formatação da proposta deste novo órgão de proteção aos
direitos da criança e do adolescente. Isso pode ser especialmente observado com a
aprovação final do Projeto de Lei em 29 de junho de 1990, que foi sancionado pelo
Presidente da República em 13 de julho de 1990, resultando na aprovação da Lei
8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme publicação no
Diário Oficial da União em 16 de julho de 1990.
125
2.1.3 A proposta de Conselho Tutelar aprovada
Finalmente, definiu-se a criação do Conselho Tutelar mediante a previsão
expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 131, nos seguintes
termos: “O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,
encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do
adolescente, definidos nesta lei.”
de. Conselho Tutelar: cem ou sem caminhos. Dissertação (Mestrado em Serviço Social)
Programa de s-Graduação em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 1997. p. 44.
122
Idem, ibidem, p. 50-51.
123
KAMINSKI, André Karst. Conselho Tutelar: dez anos de experiência na defesa dos direitos das
crianças e dos adolescentes. Porto Alegre: [s.d.].
124
KAMINSKI, André Karst. Conselho Tutelar, cit.
125
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 jul. 1990,
p. 13.563.
71
A intenção do legislador ao conceber a atuação do Conselho Tutelar não
expressa somente um otimismo exagerado ao prever soluções a partir de
uma nova instituição em substituição a instituições velhas e fracassadas em
seus propósitos. Trata-se de apostar definitivamente na capacidade do povo
para resolver os seus próprios problemas.
126
Portanto, o Conselho Tutelar passa a ser um órgão municipal, criado por
lei municipal, regido por regras de direito administrativo, sendo considerado órgão
público, em razão de seu interesse e caráter de relevância para a sociedade.
Para compreender o Conselho Tutelar, é fundamental analisar seus
conceitos e características, principalmente aquelas fundamentadas na Teoria da
Proteção Integral, da Organização das Nações Unidas, que traduzem a essência do
Direito da Criança e do Adolescente no Brasil.
Para Peres,
Conselho Tutelar (CT) é órgão de defesa dos direitos da criança e do
adolescente, criado a partir do ECA, para representar a população frente a
situações de violação destes direitos; ele tem o papel de representação e
encaminhamentos junto à Rede de Serviços Sociais Públicos e Privados,
quando estes não cumprem seu dever de atendimento às necessidades de
desenvolvimento das crianças e adolescentes e suas famílias; de escuta
das necessidades e demandas da comunidade, de apoio ao Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente na elaboração de
políticas públicas nesta área e de orientação educativa.
127
Vale destacar a Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente (CONANDA)
128
, de 11 de julho de 2006, que dispõe sobre os
parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente, determinando que os órgãos que atuam neste
sistema atuarão em rede, tendo como eixos estratégicos de ação três campos: a
defesa, a promoção e o controle para a efetivação dos direitos humanos de crianças
e adolescente. Conforme o artigo 7º, VII, de tal resolução, o Conselho Tutelar
compõem o eixo estratégico de defesa.
126
COSTA, Ana Paula Motta. Elementos que favoreceram e incidiram sobre a criação do Conselho
Tutelar. In: BRAGALIA, Mônica; NAHRA, Clicia Maria Leite (Orgs.). Conselho Tutelar: gênese,
dinâmica e tendências. Canoas: Edulbra, 2002. p. 77.
127
PERES, Emerson Luiz. Concepções e práticas dos conselheiros tutelares acerca da violência
doméstica contra crianças e adolescentes: um estudo sobre o caso de Curitiba. Dissertação
(Mestrado em Psicologia). Curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, 2001.
128
BRASIL. Resolução 117, de 11 de julho de 2006. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, Diário Oficial da União, Brasília, 12 jul. 2006.
72
Veronese ensina que
Os Conselhos Tutelares se constituem num dos grandes desafios do
Estatuto da Criança e do Adolescente. [...] trata-se, portanto, de um órgão
municipal: autônomo, isto é, desvinculado de outros órgãos da
administração pública; permanente, uma vez que sua existência o pode
sofrer interrupção e sequer depender de definições de interesses político-
partidários; não jurisdicional, o que significa que não tem competência para
aplicar sanção punitiva e trata-se, enfim, de um órgão colegiado, uma
entidade de deliberação coletiva.
129
Sobre este novo órgão, Pereira explica que “O Conselho Tutelar é um
instrumento de plena participação democrática que objetiva a atuação e o
comprometimento dos cidadãos, através da decisão de seus representantes nos
destinos das crianças e adolescentes em nosso país”.
130
Assim, verifica-se que as ações sociais sobre as famílias empobrecidas
passaram historicamente pela sociedade através das organizações religiosas,
depois pelo Estado através da institucionalização, e retorna à sociedade, agora não
mais pelas intervenções, mas por um sistema de garantias de direitos, através da
participação popular, pelos Conselhos de Direitos e Tutelares.
[...] identifica-se uma forte tendência de que essas organizações, no
desenvolvimento de suas práticas, consolidem um espaço de manutenção
de uma lógica que se tenta romper, uma gica tradicional e menorista com
relação à criança e ao adolescente.
Por essa razão, parece-nos decisivo para afetiva implantação do ECA que
os agentes sociais que intervêm nessa realidade possam reordenar suas
práticas. Nesse universo, necessidade de que as estruturas que surgem
com essa lei, como é o caso dos Conselhos Tutelares, demarquem sua
caminhada de ação dentro de práticas sintonizadas com os avanços legais
conquistados.
131
No entanto, quem não compreenda a Teoria da Proteção Integral e a
assistência social como um direito de todos, desvinculadas da cultura caritativa.
Assim, segundo o Juiz Paulo César Pereira da Silva, em seu pronunciamento no XV
129
VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente, cit., p. 116-117.
130
PEREIRA, Elizabeth Maria Velasco. O Conselho Tutelar como expressão de cidadania: sua
natureza jurídica e a apreciação de suas decisões pelo Poder Judiciário. In: PEREIRA, Tânia da
Silva (Coord.). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000. p. 551.
131
BRAGALIA, Mônica; NAHRA, Clicia Maria Leite (Orgs.). Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e
tendências. Canoas: Edulbra, 2002. p. 8.
73
Congresso da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da
Infância e Juventude em 1993, declarou:
O art. 136 da Lei n
o
8.069/90 (ECA) foi revogado pela Lei n
o
8.662/93. Ao
Assistente Social compete, privativamente, a aplicação das medidas de
proteção específica previstas no art. 101, I a VII do ECA no atendimento
assistencial do carente, podendo o juiz aplicá-las na forma prevista em lei.
O Congresso Nacional, a Presidência da República e o Conselho da Ordem
dos Advogados do Brasil deverão ser solicitados para, através de suas
comissões próprias, instituírem os Conselhos Regionais dos Assistentes
Sociais. O Ministério Público Federal e Estaduais, no sentido de fiscalizar a
Lei 8.662, de 07.06.1993, evitando-se gastos imensos e desnecessários
com instalações de Conselhos Tutelares nos 4.506 municípios brasileiros
extinguindo-se os que estiverem em funcionamento, já que se encontra
revogado o art. 136 do ECA, na parte em que destina função assistencial
aos carentes, privativa dos assistentes sociais, bem assim visando a
disciplinar, de forma a compatibilizar o comando das duas leis às
disposições revogadas dos arts. 136, 137 e 105 do ECA, para melhor
adequação do Estatuto à realidade social.
132
Segundo o Juiz, a Lei 8.662/93 revogaria o Conselho Tutelar, pois, em
seu artigo 4º, que trata da competência do Assistente Social, dispõe: “III – encaminhar
providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população”; e, “V
orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar
recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;”,
sendo estas as mesmas funções não jurisdicionais estabelecidas aos conselheiros.
Assim, tais competências são indicativos genéricos, pois o legislador, ao
criar o Conselho Tutelar, procurou garantir a promoção e a defesa dos direitos de
crianças e adolescentes independentemente de sua condição social, órgão que seria
autônomo, sem as amarras do Poder Público, e que estaria mais próximo às
comunidade e inclusive por ela representada.
Portanto, o entendimento do magistrado não encontra apoio dos demais
membros, sendo que a Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a
organização da assistência social, estabelece em seu art. 5º, II, que, dentre suas
diretrizes, está a importância da “participação da população, por meio de
organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações
em todos os níveis”. Assim, os Conselhos Tutelares poderão ter entre seus membros
assistentes sociais, mas não poderão ser órgãos formados obrigatoriamente por
132
CAVALLIERI, Alyrio. Falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente: 395 objeções. Rio de
Janeiro: Forense, 1995. p. 70.
74
estes. Ademais, as competências exclusivas dos assistentes sociais não poderão
ser exercidas no Conselho Tutelar, pois este não é órgão de atendimento a quem
necessite do assistente social.
O Estatuto da Criança e do Adolescente previu três características
essenciais do Conselho Tutelar: órgão permanente, autônomo e não-jurisdicional, e
estas duas primeiras tornam-se indispensáveis para que esse órgão valide-se como
agente de políticas públicas na defesa dos direitos humanos.
A previsão do princípio da permanência do Conselho Tutelar garante sua
estabilidade jurídica, política e institucional, uma vez que esse órgão não pode
simplesmente estar à mercê dos interesses de governo, em criá-lo ou destituí-lo a
qualquer tempo, ou ainda em razão de interesses momentâneos. Deste modo, a
característica de “estabilidade” do Conselho Tutelar tem sua razão e fundamento no
seu próprio caráter de funcionamento duradouro e integral. Uma vez criado, o
Conselho Tutelar não desaparece; apenas renova seus membros.
133
Como bem explica Vogel,
Ser permanente significa que o Conselho Tutelar deve desenvolver uma
ação contínua e ininterrupta. As reuniões de seus membros podem ser
esporádicas, obedecendo a um calendário estabelecido. A sua atuação,
porém, o deve cessar em momento algum, nem sob qualquer pretexto.
Os problemas que envolvem os direitos das crianças e dos adolescentes
não m dia nem hora para se manifestar e suas soluções não podem
esperar. Por isso a atuação do Conselho tem de ser viva e o seu
funcionamento constante.
134
Quanto à autonomia do Conselho Tutelar, esta deve ser entendida como
um princípio de não-subordinação aos demais órgãos do Poder Executivo, tendo
suas competências específicas descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Konsen observa que
A autonomia do Conselho Tutelar, em geral, é vista como sinônimo tão-
somente de autonomia funcional, ou seja, em matéria de sua competência,
quando delibera ou quando toma decisões, quando age ou quando aplica
medidas, não está sujeito a qualquer interferência externa, a qualquer tipo
de controle político ou hierárquico. As decisões de natureza administrativa
são irrecorríveis, somente podendo ser questionadas e revistas em ação.
135
133
LIBERATI, Wilson Donizete; CYRINO, Públio Caio Bessa. Op. cit., p. 104.
134
VOGEL, Arno. Op. cit., p. 16.
135
KONSEN, Afonso Armando. Conselho Tutelar, Escola e Família: parcerias em defesa do direito
a educação. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id194.htm>. Acesso em: 03
nov. 2007.
75
Neste sentido, cabe destacar que o Conselho tem autonomia nas suas
decisões, com plena liberdade de agir nos seus atos, mediante deliberação
colegiada, não devendo o Poder Executivo local intervir nas suas decisões.
Além disso, ao Conselho Tutelar não compete exercer função ou qualquer
atribuição inerente ao Poder Judiciário, não lhe cabendo apreciar e julgar os conflitos
de interesses, mas tão-somente exercer e executar as atribuições previstas no artigo
136 do Estatuto. No entanto,
Ao tratar da não-jurisdicionalidade, cabe destacar que, com a
implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma mudança
significativa nas atividades do Poder Judiciário com relação à infância e à
adolescência, que até então centrava em julgar os “menores em situação
irregular”, passa a verificar os descumprimentos das situações previstas no
artigo 227 da Constituição Federal, sendo assim, a criação do Conselho
Tutelar inovou nas suas atribuições. Deste modo o Poder Judiciário será
acionado quando houver conflitos ou pretensão de direito resistida, caso
que cabe ao juiz julgar.
136
Assim, é importante destacar que o Conselho Tutelar não assume as
atribuições do antigo “Comissariado de Menores”, pois tal função está dissociada da
Teoria da Proteção Integral; ao Conselho Tutelar foram apresentadas novas
atribuições, que transcendem o menorismo e a doutrina da situação irregular.
Portanto, diante da adoção da Teoria da Proteção Integral à criança e ao
adolescente, a concretização dos direitos fundamentais, com absoluta prioridade,
torna-se um dever, visto que “as crianças e os adolescentes devem ser protegidos
em razão de serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”
137
; assim,
cabe ao Conselho Tutelar, órgão que passa a compor o sistema de garantias de
direitos, assumir o papel de agente de proteção integral.
Ao definir a composição do Conselho Tutelar, o Estatuto da Criança e do
Adolescente privilegiou o princípio da descentralização, ao garantir no artigo 132 que
“Em cada município haverá, no nimo, um Conselho Tutelar composto por cinco
membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida
uma recondução”.
136
MORAES, Edson Sêda de. O Estatuto da Criança e do Adolescente e a participação da
sociedade: Conselhos de Direitos e Tutelares. In: PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). Estatuto da
Criança e do Adolescente: estudos sócio-jurídicos. São Paulo: Renovar, 1992. p. 253.
137
PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança, cit. p. 18.
76
Desde que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu o limite
de no mínimo um Conselho Tutelar em cada município, verifica-se a dificuldade em
concretizar essa diretriz indispensável. O processo de implantação dos Conselhos
foi extremamente lento no Brasil, e em alguns Estados foi necessário que o
Ministério Público estabelecesse essa obrigação por meio de Termos de Ajuste de
Conduta firmados com os municípios. Este aspecto permite não identificar uma
situação de fragilidade no processo de implantação dos Conselhos Tutelares no
Brasil, mas que sua complexidade requer um estudo mais aprofundado sobre o
próprio contexto mais amplo no qual estão inseridos esses Conselhos.
2.2 O contexto dos Conselhos Tutelares no Brasil
A pesquisa “Conselhos Tutelares no Brasil”, realizada com 430 Conselhos
Tutelares em todo o país, entre setembro de 1996 a março de 1997, faz parte do
projeto Implementando o Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e dos
Adolescentes da Associação Nacional dos Centros de Defesa (ANCED) e
Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua, com o apoio do Ministério da
Justiça e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com propósito de
definir tendência e traçar o perfil dos conselhos, traz um primeiro parâmetro sobre
esse órgão. Para Souza,
A pesquisa, [...] mapeia os contornos de um órgão que, além de configurar-
se como filho espúrio das administrações municipais, dadas as carências de
infra-estrutura para um efetivo funcionamento, tende para uma atuação
controladora de indivíduos até cumprir uma profecia esperada, numa
sociedade desacostumada a atribuir direitos a seus filhos menos ilustres.
138
Segundo os dados do Sistema de Informação para Infância e
Adolescência (SIPIA), em 2004 havia 3.735 Conselhos Tutelares criados no Brasil.
Até o ano de 2006, já havia passado para 4.880 Conselhos Tutelares em todo o
País. O estudo de âmbito nacional, coordenado por Fischer, intitulado “Os Bons
Conselhos: conhecendo a realidade”
139
, aponta que o maior crescimento no processo
138
SOUZA, Marli Palma. Op. cit., p. 47
139
A Pesquisa “Os Bons Conselhos: pesquisa conhecendo a realidade” foi realizada pelo Centro de
Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da Fundação Instituto de
77
de implantação dos Conselhos Tutelares foi no início de mandatos de prefeitos, ou
seja, 1997, 2001 e em 2004. A pesquisa identificou 684 municípios sem Conselho
Tutelar, e dos que foram criados, cerca de 4% (195) são Conselhos Tutelares
criados, mas inativos.
A realidade foi que não houve adesão imediata dos municípios para a
criação dos Conselhos Tutelares, conforme estabelecido em Lei desde 1990. Em
alguns casos isso aconteceu pelo receio dos poderes que esse órgão exerce, o que
poderia ser uma “ameaça” ao Executivo municipal; em muitos municípios estes
conselhos foram criados por intervenção do Ministério blico através de ações
civis públicas
140
.
Sobre o tema, Bobbio explica que
O campo dos Direitos ou, mais precisamente das normas que declaram,
reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem aparece, certamente,
como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua
efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente no
campo dos direitos sociais.
141
Pois
Administração. O objetivo dessa pesquisa foi realizar um levantamento nacional dos Conselhos
dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares existentes, de modo a
conceder insumos à ação do Estado e da sociedade civil em prol dessa efetividade. Tal pesquisa
foi realizada entre fevereiro e novembro de 2006, sendo publicada em 2007. Pode-se considerar
essa pesquisa como uma das fontes mais completas e recentes quanto ao diagnóstico dos
Conselhos Tutelares e de Direitos, uma vez que juntou informações tanto da Secretária Especial
de Direitos Humanos, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, dados dos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do
Adolescente, além dos questionários enviados aos Conselhos Tutelares (4.880 enviados, 3.476
respondidos) e aos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (dos 5.103
existentes, 2.474 responderam).
140
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CRIAÇÃO DE CONSELHO TUTELAR DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE NO ÂMBITO MUNICIPAL. CUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO FEITA POR LEI
796/99. OMISSÃO MUNICIPAL. DEVER IMPOSTO PELO ECA. SENTENÇA CONFIRMADA. É
dever do Município criar e implantar o CONSELHO TUTELAR, já devidamente instituído por lei
municipal, com escopo de, juntamente com a sociedade e a família, assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à dignidade, para colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violação, crueldade e opressão,
conforme determina os preceitos constitucionais. O Município de Córrego Danta não deve se
eximir do cumprimento do dever que lhe impôs o ECA e a Legislação Municipal 796/99, ainda
mais, quando não se tem notícia, em razão da revelia do Município, do motivo da não-implantação
do CONSELHO TUTELAR local, até porque, sabe-se que, em seu âmbito, ocorrem inúmeros
problemas relacionados com a infância e com a adolescência que devem ser remediados por este
órgão. Sentença confirmada no duplo grau de jurisdição" (TJMG. Processo 1.0388.02.001886-
6/001 (1), Rel. Des. José Domingues Ferreira Esteves, j. em 03.09.2004).
141
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 77.
78
[...] uma coisa é um direito; outra, a promessa e de um direito futuro. Uma
coisa é ter um direito atual; outra, um direito potencial. Uma coisa é ter um
direito que deve ser, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao
ser, precise transformar-se de objeto de discussão de uma assembléia de
especialistas em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder
de coerção.
142
Quanto ao processo de escolha, houve alteração conforme a Lei 8.242,
de 16 de outubro de 1991. A versão original do Estatuto da Criança e do
Adolescente previa a criação, em cada município, de no mínimo 1 (um) Conselho
Tutelar, composto de 5 (cinco) membros, eleitos pelos cidadãos locais para mandato
de 3 (três) anos, permitida uma reeleição.
Deste modo, percebe-se que a lei reduziu o processo democrático e a
participação popular neste processo quando alterou as terminologias “eleitos” por
“escolhidos”, pois a escolha “pode ser reduzida (as entidades votam), ampliada (com
participação de diversos segmentos), ou universal (voto direto e secreto dos
cidadãos locais)”
143
.
O Estatuto estabeleceu para candidatura ao cargo de Conselheiro Tutelar
três requisitos: reconhecida idoneidade moral, idade superior a vinte e um anos, e
residir no município. No entanto, compete à Lei Municipal apresentar outros
requisitos que se acharem necessários.
Quanto estes requisitos, cabe destacar a exigência de reconhecida
idoneidade moral. A doutrina sobre o tema praticamente silencia ao estabelecer um
conteúdo para o conceito de idoneidade moral, muitas vezes relacionado à condição
de ser processado ou julgado em processo-crime ou, às vezes, no reconhecimento
da idoneidade mediante a mera declaração formal emitida por Delegacia de Polícia.
Conceito com tal abertura só poderia levar a muita dificuldade no
estabelecimento de seu conteúdo. Por exemplo, Pestana trata o assunto destacando
que não possui idoneidade para desempenhar o mandato de conselheiro tutelar
quem se entrega à ociosidade, sendo apto para o trabalho sem renda própria
(conhecido como vadiagem)”
144
. Não como precisar exatamente o requisito como
o exemplificado; mais adequado seria se a idoneidade moral estivesse relacionada
142
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 83.
143
ANDRADE, José Eduardo de. Op. cit., p. 127.
144
PESTANA, Denis. Manual do Conselheiro Tutelar. Curitiba: Juruá, 2007. p. 48.
79
com o exercício do cargo ou à atuação idônea no exercício da função, para que não
houvesse exclusões do processo participativo de escolha do Conselho Tutelar.
Para a candidatura também é necessário o respeito ao limite de idade
mínima de 21 anos de idade. É preciso ressaltar que esta não se confunde com a
maioridade civil, estabelecida na Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o
novo Código Civil, que reduziu a maioridade de 21 para 18 anos. O caráter de
especialidade do Estatuto da Criança e do Adolescente permite a manutenção da
idade de 21 anos como requisito obrigatório para a candidatura ao Conselho Tutelar.
Sobre este assunto, os Tribunais de Justiça brasileiros têm entendimento
pacífico. Assim, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou a
inconstitucionalidade da Lei 490/03, do município de Dois Irmãos das Missões, que
permitia pessoas com idade a partir dos 18 anos se candidatarem ao cargo de
conselheiro tutelar.
Outra decisão foi o Agravo de Instrumento impetrado pelo município de
São José de Mipibu, no Estado do Rio Grande do Norte, contra liminar concedida ao
conselheiro tutelar suplente.
Ementa: Processual Civil. Agravo de Instrumento. Ação de Obrigação de
fazer com Pedido de Liminar c.c. Ação Declaratória de Nulidade. Liminar
concedida. Suspensão das atividades dos conselheiros tutelares com idade
inferior a 21 anos. Idade mínima para o cargo. Inteligência do artigo 133,
inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Manutenção do decisum.
Improvimento do Agravo.
145
Como no Rio Grande do Sul a lei municipal apresentava como idade
mínima a candidatura ao cargo de conselheiro tutelar em 18 anos, sendo nomeados
e empossados três candidatos com idade inferior a 21 anos, o conselheiro suplente
entrou com pedido de liminar e a nulidade do ato, uma vez que a lei federal
determina em 21 anos a idade mínima ao cargo.
Não como prosperar a justificativa dado pelo município que diz não
haver contrariedade ao Estatuto da Criança e do Adolescente, pois, ao fixar a idade
mínima para o cargo de Conselheiro Tutelar em 18 (dezoito) anos, o fez com
145
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Agravo de Instrumento
2004.000437-0. Agravante: Município de São José do Mipibu. Agravado: Amauri Matias de Barros.
Relatora: Judite Nunes. Órgão Julgador: Câmara Cível. Julgamento em: 06.05.2004. Disponível
em: <www.tjrn.gov.br>. Acesso em: 29 jan. 2008.
80
amparo na Resolução 001/2003 do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, daquele município, que estabelece a maioridade civil como requisito,
não se referindo à idade mínima. Tendo ainda argumentado que a Resolução
88/2003
146
, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), que revogou o artigo 11 da Resolução 75/2001
147
, passando a
estabelecer a idade mínima para o cargo questionado em 21 (vinte e um) anos, foi
publicada em data posterior à edição da Resolução 001/2003, do CMCDA.
De igual modo, o Estatuto da Criança sempre se referiu à idade mínima
como 21 anos à candidatura ao cargo de conselheiro, devendo assim o município
seguir a normativa federal.
O terceiro requisito refere-se à obrigação de residir no município ao qual
se oferecerá à candidatura ao Conselho Tutelar. A residência não se confunde com
domicílio, pois residência é “lugar de habitação da pessoa natural, ou aquele em que
ela se fixa”
148
; e domicílio “é lugar onde a pessoa estabelece sua residência com
ânimo definitivo”.
149
Se este requisito pretende atender à necessidade de se
conhecer a comunidade ao qual se está exercendo a função, melhor seria se
houvesse estabelecido a exigência de domicílio no município, ou ainda, mais
especificamente, o domicílio eleitoral, condição que a lei municipal disciplinadora
pode estabelecer
150
.
A competência do processo de escolha ao cargo de Conselheiro Tutelar é
do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a fiscalização é
146
Resolução 88, de 15 de abril de 2003, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA), que altera o dispositivo da Resolução 75, de 22 de setembro de 2001,
que dispõe sobre os parâmetros para a criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares e
outras providências.
147
Art. 11. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar devem ser exigidas de seus
postulantes a comprovação de reconhecida idoneidade moral, maioridade civil e residência fixa no
município, além de outros requisitos que podem estar estabelecidos na lei municipal e em
consonância com os direitos individuais estabelecidos na Constituição Federal.
148
SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 756.
149
Idem, ibidem, p. 321.
150
Em alguns municípios, este requisito também pode ser encontrado das seguintes formas: Na
cidade de São Paulo ter residência e domicílio eleitoral nesta cidade; em Santa Fé/PR residir
no município e ter domicílio há pelo menos 2 anos; em Ribeirão Pires/SP – comprovar domicílio no
município. Deste modo, é competência da lei municipal trazer requisitos que sejam mais
específicos, mas ainda são poucos aqueles que diferem da determinação do Estatuto da Criança e
do Adolescente (residir no município).
81
responsabilidade do Ministério Público, conforme artigo 139 do Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Tal decisão está fundada sob lógica do processo descentralização
político-administrativa, portanto “democratiza-se e se descentraliza quando remete a
responsabilidade para o poder local e quando se divide o poder, antes somente do
juiz, com um conselho formado por cidadãos escolhidos pela comunidade”.
151
A pesquisa coordenada por Fischer apresentou dados referentes ao
processo de escolha à investidura ao cargo de Conselheiro Tutelar. Assim, além dos
requisitos estabelecidos no Estatuto, acrescenta-se geralmente nas leis municipais
outros requisitos, tais como o grau de escolaridade (78%), dedicação exclusiva
(60%) e experiência na área da infância (55%).
15%
56%
15%
15%
Gráfico 05: Conselheiro Tutelar - Escolaridade - Brasil
Escolaridade Inferior ao
Ensino Médio
Ensino Médio Completo
Curso Superior Incompleto
Graduação - Pós-Graduação
Quanto à escolaridade dos conselheiros tutelares no Brasil, a referida
pesquisa identificou que 56% tem o ensino médio completo, 15% tem curso superior
incompleto e 15% possui graduação e/ou s-graduação. No entanto, ainda uma
parcela correspondente a 15% com escolaridade inferior ao ensino médio
incompleto ou nenhuma escolaridade. Dos conselheiros tutelares com ensino médio,
25% cursaram Magistério, e dos que têm graduação, 8% são formados em
Pedagogia. Deste modo, pode-se dizer que um percentual significativo (33%) de
educadores vinculados ao Conselho Tutelar, o que lhe uma característica
peculiar no sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente.
152
151
COSTA, Ana Paula Motta. Op. cit., p. 77.
152
FISCHER, Rosa Maria (Coord.). Os Bons Conselhos: Pesquisa “Conhecendo a Realidade”. São
Paulo: CEATS/FIA, 2007. p. 176-177.
82
70%
10%
3%
5%
6% 6%
Gráfico 06: Conselho Tutelar - Forma de Escolha
Eleição Direta - Todos Eleitores do Município
Eleição Direta - Membros de Entidades - Sociedade Civil e Poder Público
Escolha Indireta - Sociedade Civil e Poder Público
Escolha Indireta - Sociedade Civil ligada à área da Criança e do Adolescente
Escolha Indireta - Sociedade Civil ligada à area da Criança e do Adolescente e de
outras áreas
Outros
Na referida pesquisa, a participação popular é marcante quanto ao
processo de escolha dos conselheiros tutelares, pois, no Brasil, 70% dos municípios
escolheram seus membros através de eleições diretas e com a participação aberta
para todos os eleitores do município. No entanto, a Região Sul apresenta o menor
percentual deste tipo de escolha, com apenas 58% dos municípios. Todavia, nessa
região se observa o maior percentual (15%) de municípios que fazem o processo de
escolha do Conselho Tutelar através dos representantes das entidades
governamentais e não-governamentais que atuam na área da criança e do
adolescente.
As outras formas de escolhas que se apresentam no Brasil são: 10%
eleição direta, aberta a todos os membros das entidades do município (da sociedade
civil e do Poder Público), que atuam na área da criança e do adolescente; 3%
escolha indireta, realizada por representantes das entidades da sociedade civil e por
representantes do Poder Público (Executivo, Legislativo ou Judiciário); 6% escolha
indireta, realizada por representantes das entidades da sociedade civil ligadas à área
da criança e do adolescente e por outros segmentos da sociedade civil; 5% escolha
indireta, realizada por representantes das entidades do município (da sociedade civil
83
e do Poder Público) que atuam na área da criança e do adolescente; e 6% “outras
formas”.
153
Deste modo, atribui-se à lei municipal que cria o Conselho Tutelar dispor
de outros requisitos que entenderem ser necessários, de acordo com a realidade de
cada município, prevalecendo assim o processo de descentralização político-
administrativa.
O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que: “Art. 134. Lei
municipal disporá sobre local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar,
inclusive quanto à eventual remuneração de seus membros.” Daí a previsão
normativa amparada no artigo 30, I, da Constituição da Republica Federativa do
Brasil que diz: “compete aos municípios legislar sobre assunto de interesse local”,
desde que não ultrapasse a competência das demais pessoas jurídicas de direito
público.
Pelas suas características e funções, o Conselho Tutelar deve ter o local
de funcionamento com fácil acesso e conhecido por toda população do município,
incluindo placas informativas, números de telefones visíveis para que em qualquer
situação de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente o órgão
possa ser imediatamente identificado e acionado.
Quanto aos dias e horários, é importante uma regularidade, pois assim a
população saberá em quais horas poderá procurar o Conselho, bem como se faz
necessária a divulgação do número do telefone de plantão, para as emergências
ocorridas fora do horário de expediente. De qualquer modo, cabe dizer que o
Conselho Tutelar não é tão-somente um espaço de atendimento direto, como bem
explica Moraes.
[...] o atendimento de crianças e adolescentes que o necessitarem deve ser
feito no âmbito da política de assistência social (art. 203 CF), e não do
Conselho Tutelar. Este só será acionado pelo cidadão que, procurando
atendimento naquela área do serviço público, não foi atendido, caso em que
o conselheiro tutelar deve fazer a competente requisição de serviço,
informalmente, até por telefone, e, se necessário, formalmente por
escrito.
154
153
FISCHER, Rosa Maria (Coord.). Op. cit,. p. 184-185.
154
MORAES, Edson Sêda de. ABC do Conselho Tutelar: providências para mudança de usos,
hábitos e costumes da família, sociedade e Estado, quanto a crianças e adolescentes no Brasil.
São Paulo: AMESC, 1992. p. 31.
84
No entanto, o Conselho Tutelar necessita de estrutura sica que seja
permanente para exercício de sua função, pois cabe a ele atender à população,
registrar as denúncias recebidas, além das reuniões em razão da sua forma
colegiada.
Segundo a pesquisa coordenada por Fischer, constatou-se que 12% dos
Conselhos Tutelares no Brasil ainda não possuem espaço físico permanente. E
também tal pesquisa apontou que
É comum observar o desconhecimento da população acerca da existência
dos CTs, mesmo por parte dos profissionais que atuam em atividades
próximas, como Educação, Saúde e Assistência Social. Ou ainda, que
considerem que tais órgãos dedicam-se, exclusivamente, ao atendimento
das camadas pobres da população. Esta desinformação e percepção
truncada é fruto, também, da falta de visibilidade física dos Conselhos e de
sua atuação na comunidade.
155
Um aspecto que pode revelar as fragilidades na atuação do Conselho
Tutelar diz respeito às condições de remuneração dos Conselheiros. O Estatuto da
Criança e do Adolescente remete à Lei Municipal a responsabilidade pela previsão
da remuneração dos Conselheiros. Assim, há municípios que vinculam as atividades
de conselheiro à remuneração de professores, agentes administrativos ou outras
funções do Executivo municipal. Tal tema foi assunto da VIII Conferência Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente que aconteceu em dezembro de 2007,
ocasião em que os Conselheiros Tutelares apresentaram proposta de criação de um
teto mínimo de remuneração no Brasil.
Atualmente, a maioria dos Conselheiros Tutelares recebem entre R$
301,00 a R$ 400,00, sendo que a dia salarial nacional é de R$ 504,40. No Brasil,
a maior remuneração de Conselheiro Tutelar atinge R$ 3.106,00
156
. Contudo,
municípios em que Conselheiros Tutelares sequer são remunerados, ou ainda, a
função não é enquadrada em nenhum dos sistemas trabalhistas existentes, bem
155
FISCHER, Rosa Maria (Coord.). Op. cit., p. 195.
156
A pesquisa não aponta os municípios relativo à remuneração indicada. No entanto, pode-se
destacar a remuneração mais alta nos municípios: Foz do Iguaçu/PR R$ 2.230,79 (em 2006);
Campinas/SP R$ 3.101,00 (2006); e em Porto Alegre/RS R$ 3.300,00 (em 2007). Mas esta
não é a realidade nacional como apresentado.
85
como é freqüente a excluo de direitos sociais mínimos, tais como férias, 13º
salário, diárias de viagens, licença maternidade.
157
As condições de trabalho o tão frágeis que os dados demonstram que
apenas 54% (1.877) dos Conselhos Tutelares têm jornada de trabalho regular o
superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais; apenas metade da amostra
estudada tem licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com
duração de 120 dias; 46% têm direito à previdência social, e apenas 41% têm direito
a férias remuneradas.
158
Para os pesquisadores, uma outra situação predominante foi que
[...] estas organizações não são suficientemente fortalecidas em mais da
metade do universo pesquisado. De fato, a valorização do CT e do trabalho
de seus conselheiros ficou dependente da maior ou menor sensibilidade dos
gestores municipais em relação à necessidade de garantir os direitos de
crianças e adolescentes. Pode-se aventar a hipótese de que os Conselhos
não têm alta influência político-eleitoral e, por isto, não se impõem como
prioridade para os gestores municipais, mais preocupados com disputas
partidárias locais. Este quadro sinaliza para a necessidade de fortalecimento
da sociedade civil e de suas organizações, para exercerem efetivo controle
sobre as ações administrativas através da participação ativa nas esferas e
momentos de decisão.
159
Sem dúvida, o quadro geral dos Conselhos Tutelares no Brasil
caracteriza-se pela precariedade das condições de trabalho, produzindo como
reflexo a precarização dos direitos infanto-juvenis e impedindo a concretização
proposta pelo sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente. Daí a
necessidade de conquista e reconhecimento histórico de condições dignas de
remuneração e trabalho aos Conselheiros Tutelares como forma de atender aos
comandos do princípio da prioridade absoluta.
De outro modo, mecanismos jurídicos para a reversão desse contexto.
O Estatuto da Criança e do Adolescente determina, no artigo 134, que
obrigatoriamente a lei orçamentária municipal deverá prever os recursos necessários
ao funcionamento do Conselho Tutelar. Isso inclui necessariamente a garantia de
157
FISCHER, Rosa Maria (Coord.). Op. cit., p. 209.
158
Importa registrar a existência de 4.880 Conselhos Tutelares no Brasil, mas o universo pesquisado
incide sobre 3.476 Conselhos.
159
FISCHER, Rosa Maria (Coord.). Op. cit., p. 211.
86
condições dignas de trabalho aos próprios Conselheiros para que tenham condições
plenas para o exercício da função.
De todo modo, os próprios Conselheiros Tutelares têm a função de
exercer papel ativo na construção da peça orçamentária, indicando os bens e
serviços que lhes falta, a quantidade de recursos suficientes para sua atuação
adequada e com qualidade, bem como relacionando os serviços e políticas de
atendimento que observem como indispensáveis para o atendimento integral da
criança e do adolescente no município.
Como o Conselho Tutelar desempenha função de proteção contra a
ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente, é factível que
disponha de relevantes informações sobre as necessidades de atendimento da
população local, e que estas informações possam subsidiar um diagnóstico muito
concreto para a efetivação da rede de atendimento à criança e ao adolescente no
município.
Contudo, estas responsabilidades podem estar comprometidas pela falta
de condições estruturais, pois, na realidade brasileira, os Conselhos Tutelares
trabalham com o nimo, ou, às vezes, até sem esse mínimo, pois 15% dos
Conselhos não têm sequer o mobiliário básico (mesa e cadeira) para o atendimento
da população, e 24% não têm material de consumo, como papel, envelopes e
outros.
15%
24%
68%
63%
17%
11%
39%
70%
Gráfico 07: Conselho Tutelar - Infra-estrutura
Sem mobiliário básico
Sem material de consumo
Computadores
Linha Telefônica Fixa
Internet Banda Larga
Internet Discada
Veículo Motorizado
Material de Apoio Jurídico
87
A pesquisa
160
apontou ainda que os Conselhos Tutelares estão mais
equipados com computadores (68%) do que com linha fixa de telefone (63%). A
disponibilidade de internet representa 28% dos Conselhos, sendo que apenas 17%
dispõem de internet com serviço de banda larga e 11% ainda acessam a internet
discada.
Para deslocamento, apenas 39% dos Conselhos dispõem de veículo
motorizado.
161
O que mais uma vez chama atenção para a fragilidade das condições
de estrutura para desenvolver o trabalho, que as atribuições do Conselho Tutelar
exigem deslocamentos freqüentes e regulares, e muitas vezes emergenciais. A
ausência de veículos para deslocamento pode colocar os Conselhos em completa
condição de inatividade.
Quanto ao material de apoio jurídico (Resoluções, ECA e outros textos
legais)
162
, observou-se que 30% não têm acesso a ele; 68% dispõem de manuais de
orientação para o exercício da função, e apenas 35% têm material bibliográfico para
consulta, como livros, estudos e pesquisas referentes à área da criança e do
adolescente. Ainda que a disponibilidade de textos legais, por exemplo, seja uma
realidade para a maioria dos Conselhos, ela ainda está longe de oferecer aos
conselheiros boas condições de trabalho no que concerne aos conhecimentos
fundamentais sobre a matéria com que lidam no cotidiano.
163
Diante do contexto apresentado em relação às condições de trabalho dos
Conselhos Tutelares, evidencia-se que a legislação não deu conta, na totalidade,
quanto à criação e o funcionamento dos conselhos, por isso, torna-se evidente que o
processo de democracia neste ponto foi lento, e um motivo é claro, o Executivo
municipal não juntou esforços para a constituição dos Conselhos no Brasil, em razão
do poder que este órgão tem para transformar a realidade da população local
infanto-juvenil, ao qual o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu um
conjunto de atribuições.
160
FISCHER, Rosa Maria (Coord.). Op. cit., p. 199.
161
Idem, ibidem, loc. cit.
162
Estes materiais o de suma importância aos Conselhos Tutelares, pois servem de instrumentos
de pesquisa que seo utilizados nas requisições de serviços, nos pareceres aos órgãos do
Ministério Público e na fundamentação de suas decisões.
163
FISCHER, Rosa Maria (Coord.). Op. cit., p. 199.
88
2.3 As atribuições e responsabilidades do Conselho Tutelar
O Estatuto da Criança e do Adolescente atribuiu grande importância ao
Conselho Tutelar, reconhecendo-o como serviço público relevante, ou seja, a
qualidade de serviço público que o Estado presta em dadas circunstâncias e em
face de desempenho de determinadas tarefas é considerada de grande
conveniência e valor, oferecendo certos benefícios a quem o desempenha. Nesse
sentido, o Estatuto assim se expressa: “Art. 135. O exercício efetivo da função de
conselheiro constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de
idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o
julgamento definitivo”.
A função de Conselheiro Tutelar tem características peculiares e apresenta
uma série de desafios a quem se dispõe a exercê-la. Diariamente, os
Conselheiros têm de fazer um embate forte, consistente e qualificado,
através de cada procedimento, por mais simples que pareça ser, diante dos
agentes e das estruturas (políticas, sociais, culturais ou econômicas) que
reforçam os canais pelos quais se processa a violação de direitos da
população infanto-juvenil. Sua tarefa é a de tentar romper com as práticas
que legitimam a violação de direitos.
164
Para preservar o exercício da função, o Estatuto estabeleceu certos
impedimentos, decorrentes do princípio da moralidade administrativa, assim
impedindo de servir no mesmo Conselho marido e mulher, ascendentes e
descendentes, sogro e genro, ou nora, irmãos, cunhados (durante o cunhadio), tio e
sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado, sendo que tal situação alcança os
representantes do Ministério público e o Juiz da Infância e Juventude.
No entanto, a legislação deixou de fora, de modo inexplicável, as relações
de parentesco com Prefeitos Municipais e seus representantes de primeiro escalão,
condição que, sem dúvida, pode comprometer a autonomia do exercício da função,
uma vez que é freqüente a necessidade de o Conselho Tutelar demandar contra o
próprio Poder Público Municipal, seja requisitando serviços ou até representando
judicialmente por violação ou ameaça aos direitos da criança e do adolescente.
164
FERREIRA, Kátia Maria Martins. Perspectivas do Conselho Tutelar para o século XXI. In:
BRAGALIA, Mônica; NAHRA, Clicia Maria Leite (Orgs.). Conselho Tutelar: gênese, dinâmica e
tendências. Canoas: Edulbra, 2002. p. 127.
89
Os impedimentos pretendem preservar de maneira integral o exercício da
função do Conselho Tutelar, que tem prerrogativas e atribuições legais complexas,
mas indispensáveis à concretização do sistema de garantias de direitos da criança e
do adolescente.
O artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente destaca as
atribuições do Conselho Tutelar. Estas atribuições, como ensina Veronese, “importa
nas ações/tarefas que são da competência (poder/dever) do Conselho Tutelar”
165
,
nos seguintes termos:
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:
I atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98
e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
II atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas
previstas no art. 129, I a VII;
III – promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos, nas áreas de saúde, educação, serviço
social, previdência, trabalho e segurança;
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento
injustificado de suas deliberações;
IV encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração
administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente;
V – encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
VI – providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as
previstas no art. 101, de I a VII, para o adolescente autor de ato infracional;
VII – expedir notificações;
VIII requisitar certidões de nascimento e óbito de criança ou adolescente
quando necessário;
IX assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta
orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da
criança e do adolescente;
X representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos
direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;
XI representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou
suspensão do pátrio poder.
O pressuposto de atuação do Conselho Tutelar está embasado por um
conjunto de atribuições próprias da função, como o atendimento de crianças e
adolescentes sempre que seus direitos forem ameaçados ou violados, seja por ação
ou omissão da sociedade ou do Estado, seja quando não forem assegurados os
direitos fundamentais elencados no artigo 227 da Constituição da República
Federativa do Brasil, ou o fizerem de forma incompleta e ou irregular, e ainda
quando forem constatados falta, omissão ou abusos dos pais ou responsável, ou em
razão de sua própria conduta.
165
VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente, cit. p. 118.
90
Algumas dessas atribuições representam um grande avanço na política
de atendimento à criança e ao adolescente, como, por exemplo, nos casos de
prática de ato infracional por criança, quando o Conselho Tutelar assume a
prerrogativa exclusiva de aplicar medidas de proteção, previstas no artigo 101 do
Estatuto da Criança e do Adolescente; não mais se instaurando o desnecessário
processo judicial para esses casos.
166
Contudo, na doutrina ainda é possível encontrar resistência aos avanços
jurídicos propostos no Estatuto da Criança e do Adolescente e que insistem na
manutenção dos procedimentos judiciais, como se pode notar abaixo:
Nas hipóteses de criança, lavrado o expediente onde se formaliza a
conduta, liberar-se-á ao responsável legal e ao Conselho Tutelar, que tem
atribuições de aplicar medidas protetivas; o argumento de muitas
autoridades e interpretação de conselheiros, de que a criança que pratica
um ato infracional (furto, homicídio, etc.) deve ser entregue diretamente ao
Conselho Tutelar, resulta em desrespeito às garantias constitucionais da
dignidade da pessoa humana e do devido procedimento administrativo
constitucional [...], mesmo, porque, para qualquer medida protetiva a ser
aplicada pelo CT contra criança autora de ato infracional, deverá estar
provada a autoria e materialidade, no mínimo.
167
De todo modo, entende-se que não como compartilhar com tal
concepção, pois assim se estaria contrariando a regra estatutária, além de não
compreender o caráter das medidas de proteção, que não estão vinculadas a
nenhuma responsabilidade socioeducativa, mas essencialmente de proteção em
razão do princípio do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento da
criança, em que a submissão à identificação via judicial viola os mais elementares
princípios de proteção.
As medidas aplicadas pelo Conselho Tutelar à criança e ao adolescente,
devem pressupor que aqueles pais ou responsáveis também foram atendidos ou
aconselhados, quando necessário, pois inúmeras situações à violação ocorrem, e o
atendimento somente à criança ou adolescente não será suficiente, a exemplo dos
casos de trabalho infantil, em que deve o Conselho verificar a situação da família, e,
caso seja necessário, encaminhá-la a programas oficiais de auxílio.
166
VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente, cit. p. 118.
167
PESTANA, Denis. Op. cit., p. 92.
91
Embora o artigo 136, II, estabeleça a atribuição de atender e aconselhar
os pais com a correspondente aplicação das medidas previstas no artigo 129, I a VII,
é preciso entender que não compete ao Conselho Tutelar intervir na família
mediante a aplicação de medidas punitivas, devendo restringir-se à aplicação
exclusiva das seguintes medidas:
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à
família;
II inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV- encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e
aproveitamento escolar;
VI obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento
especializado.
E quando o município não ofertar os programas previstos no citado artigo
do Estatuto da Criança e do Adolescente,
[...] o Conselho Tutelar deverá comunicar ao responsável pelo serviço de
assistência social que a não-oferta daqueles serviços ameaça ou viola os
direitos infanto-juvenis. Caso haja resistência na implementação desses
serviços, o Conselho Tutelar deverá informar ao Ministério Público o não-
atendimento de sua requisição, ocasião em que o Promotor de Justiça da
Infância e da Juventude poderá propor a ação civil pública, com fundamento
no arts. 208 e ss. do ECA.
168
Do mesmo modo, a própria Constituição da República já disciplina o
assunto no artigo 203, I, quando determina que a assistência social seja prestada a
todos, inclusive a quem não contribua à seguridade social, tendo por objetivo a
proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice. A inovação
estatutária, portanto, está em consonância com as diretrizes constitucionais e visa
dar concretude à política de atendimento à família.
Para que o Conselho Tutelar tenha capacidade de promover
transformações concretas na realidade de crianças, adolescentes e famílias, o
Estatuto da Criança e do Adolescente conferiu ao próprio Conselho o poder de
promover a execução das suas próprias decisões, podendo para tanto requisitar
168
LIBERATI, Wilson Donizeti; CYRINO, Publio Caio Bessa. Op. cit., p. 154.
92
serviços blicos ou representar junto à autoridade judiciária quando suas
deliberações foram injustificadamente descumpridas.
É através da política de atendimento estabelecida no artigo 86 do Estatuto
da Criança e do Adolescente que se conjuga a articulação dos serviços de
atendimento direto. Quando esses serviços não forem oferecidos ou a sua oferta for
insuficiente, o próprio Conselho deve exigir seu oferecimento nas mais diversas
áreas relativas aos direitos declarados.
Nesses casos, o Conselho Tutelar, mediante deliberação colegiada, emite
uma requisição de serviço público, que se constitui “[...] em uma ordem expressa
para a prática de determinado ato, cujo descumprimento corresponde ao
descumprimento de uma determinação legal”
169
.
Uma vez não atendida a requisição sem a devida justificativa ou
compromisso em cumpri-la no prazo determinado, abre-se a oportunidade para a
proposição de representação judicial que consiste na reclamação ou queixa
fundamentada, por escrito, em que se descreve circunstancialmente fato
determinado e considerado como irregular em que se pede providência à autoridade
destinatária da representação”.
170
Cabe destacar que as decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser
revistas pela autoridade judiciária, a pedido de quem tenha legítimo interesse, ou
seja, somente aquele atingido pela decisão do Conselho Tutelar, geralmente a
criança, o adolescente ou a família interessada.
Este poder-dever que o Conselho Tutelar tem em mãos configura um
novo olhar para a infância e adolescência, pois as políticas sociais deixam de ser
aquelas estabelecidas pelo gestor municipal e passam a ser geradas por demandas
sociais do município. De igual modo, o Conselho Tutelar também pode contribuir,
para além das requisições, indicando nas reuniões do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente suas demandas e a necessidade de
programas de atendimento, oferecendo dados para o diagnóstico de demandas para
que se inclua o oferecimento de serviços e programas na peça orçamentária, haja
vista que está entre suas atribuições assessorar o Poder Público municipal na
composição do orçamento público.
169
KONSEN, Afonso Armando. Op. cit.
170
KONSEN, Afonso Armando. Op. cit.
93
Cumpre destacar que as requisições são poderosos instrumentos de
trabalho do Conselho Tutelar, pois representam ferramentas eficazes para a
concretização dos direitos de crianças e adolescentes.
Quando o Conselho Tutelar tomar ciência de fato que constitua infração
administrativa ou penal, com especial atenção àquelas infrações previstas nos
artigos 228 a 258 do Estatuto da Criança e do Adolescente, contra os direitos da
criança e do adolescente, levá-las à apreciação do Ministério Público, a quem cabe
tomar as providências cabíveis, de acordo com artigo 136, IV, do Estatuto. No
entanto, “o conselho poderá, tratando-se de crime ou contravenção, peticionar
diretamente à autoridade policial para resolução do problema”
171
, ou seja, estes
podem requerer a abertura de inquérito policial, dando procedimento mais célere ao
caso.
Como já apresentado, o Conselho Tutelar é um órgão não-jurisdicional e
a ele cabem somente as competências previstas no Estatuto; as demais atribuições
de caráter jurisdicional deverá o Conselho encaminhar ao juízo competente, assim
como os casos de guarda, tutela, adoção, suspensão do poder familiar, bem como
os casos de ato infracional por adolescente, pois todos merecem a indispensável
manifestação exclusiva do Poder Judiciário.
Por outro lado, quando a autoridade judiciária determinar as medidas de
proteção estabelecidas no artigo 101, I a VI, aplicadas ao adolescente nos casos de
procedimento para apuração de ato infracional, o Conselho Tutelar deverá
providenciar sua execução e, quando necessário, requisitar o serviço público
adequado, pois, vale lembrar, o Conselho Tutelar o é órgão de atendimento direto
e deve restringir-se ao encaminhamento e requisição dos serviços nesses casos.
Dentre o conjunto de atribuições do Conselho Tutelar está prevista a
expedição de notificação, que implica o ato de “levar a alguém ou dar a alguém
notícia de um fato ou de um ato praticado que gera modificações no campo jurídico-
social”.
172
A notificação não se confunde com a intimação e nem com a citação, que
são ações exclusivas do Poder Judiciário.
A notificação feita pelo Conselho Tutelar tem caráter meramente
administrativo, não exercendo mandado coercitivo ou de imposição de
171
SILVA, José Luiz Mônaco da. Op. cit., p. 222.
172
LIBERATI, Wilson Donizeti; CYRINO, Publio Caio Bessa. Op. cit., p. 160.
94
pena. Contudo, a sua não-observação, constatada pelo Conselho, poderá
gerar a abertura de procedimento para apuração do crime previsto no art.
236 do ECA ou da infração administrativa disposta no art. 249 do mesmo
diploma legal, conforme o caso.
173
Outra atribuição conferida ao Conselho Tutelar é a obrigação de requisitar
certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente ao Cartório de
Registro Civil, quando comprovada a necessidade. No entanto, o Conselho Tutelar
não detém legitimidade para requerer o registro de nascimento ou de óbito, pois tal
ato é de competência exclusiva dos pais ou responsável, ou ainda, nos casos em
que houver interesse, da autoridade judiciária.
Dentre o conjunto de atribuições destinadas ao Conselho Tutelar; a
responsabilidade em assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta
orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do
adolescente é uma das mais relevantes contribuições, pois, a partir da Constituição
Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, cria-se uma nova
dinâmica na elaboração, execução e controle dos serviços públicos direcionados à
população infanto-juvenil. Assim, para garantir os serviços de atendimento direto,
necessários e adequados, o Poder Executivo local deverá prever a reserva de
recursos financeiros para o financiamento da política de atendimento. Deste modo, o
Conselho Tutelar deve indicar quais as demandas e quais os serviços necessários
para que eles sejam incluídos nos programas e planos municipais de políticas
públicas. Tal tema foi debatido durante as Conferências de Direitos da Criança e do
Adolescente realizadas no ano 2003, ocasiões em que um dos temas relevantes foi
o reconhecimento de que lugar de criança é no orçamento público.
O Conselho Tutelar deve, para o exercício adequado dessa atribuição,
conhecer os procedimentos relativos à elaboração dos Planos Plurianuais (PPA),
das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO); das Leis Orçamentárias Anuais (LOA)
que concretizam os objetivos e metas previstas nos PPAs.
173
LIBERATI, Wilson Donizeti; CYRINO, Publio Caio Bessa. Op. cit., p. 161.
Art. 236. Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou
representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta Lei. Pena - Detenção de
seis meses a dois anos.
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou
decorrentes de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho
Tutelar. Pena multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência.
95
É nas leis orçamentárias (PPA, LDO, LOA) que a participação da população
mostra-se obrigatória tanto na fase de elaboração, coordenada pelo Poder
Executivo, quanto na discussão dos respectivos projetos de lei, o que
acontece no Poder Legislativo, caracterizando uma discussão especial
relativa a essas matérias.
174
Os Poderes Executivo e Legislativo têm discricionariedade para formular
e aprovar o orçamento público, respeitando o princípio previsto no artigo 227 da
Constituição Federal: a prioridade absoluta, ou seja, as destinações dos recursos
estão vinculadas à preservação da aplicabilidade prioritária nas áreas relativas à
criança e ao adolescente.
O Conselho Tutelar, como representante da sociedade civil organizada e
diante de tais atribuições, tem condições de fortalecer a política local de atendimento
à criança e ao adolescente, sendo órgão de representação para encaminhamento
das demandas locais nas políticas públicas de atenção aos direitos da criança e do
adolescente.
Também coube ao Conselho Tutelar representar em nome da pessoa e
da família contra violação dos direitos em relação à comunicação social. Deste
modo, pretende-se estabelecer meios legais de defesa contra programas e
programação de rádio e televisão que não tenham finalidades educativas, artísticas,
culturais, informativas, e ainda em relação a produtos e serviços que sejam nocivos
à saúde e ao meio ambiente.
Nesse sentido, o Ministério da Justiça editou a Portaria 264, 09 de
fevereiro de 2007, determinando a classificação indicativa aos programas televisivos,
os quais devem indicar os horários e conteúdos inadequados para crianças e
adolescentes de acordo com a faixa etária. Essa portaria se integra ao princípio da
proteção integral, e relaciona este ao sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente, como descreve em seu art. 1º, parágrafo único:
174
HERMANY, Ricardo. Novos paradigmas da gestão pública local e do direito social: a participação
popular como requisito para regularidade dos atos da administração. In: REIS, Jorge Renato;
LEAL, Rogério Gesta (orgs.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos.
Santa Cruz do Sul: Unisc, 2006. Tomo 6, p. 1.738.
96
O processo de classificação indicativa, disciplinado nos termos desta
portaria, integra o sistema de garantia dos direitos da criança e do
adolescente, composto por órgãos públicos e organizações da sociedade
civil, destinado a promover, a defender e a controlar a efetivação dos
direitos de acesso a diversões públicas adequadas às crianças e aos
adolescentes.
175
Além disso, os pais são responsáveis pelo dever de assistir, educar e
criar seus filhos em qualquer caso de ameaça ou violação dos direitos da criança e
do adolescente. De igual modo, o Conselho Tutelar tem a atribuição de orientar os
pais, e somente quando esgotadas todas as possibilidades de diálogo, deve
representar esses pais ao Ministério Público. Ao representante do Ministério blico
cabe verificar o relatório do Conselho Tutelar, pois somente quando esgotadas todas
as possibilidades é que se deve proceder ação de perda ou suspensão do poder
familiar.
Assim,
[...] o órgão tutelar não está investido de poderes legais para determinar a
perda ou suspensão do pátrio poder, de tal sorte que, se detectar algum
caso que importe em suspensão ou destituição do pátrio poder, deverá
provocar o Promotor de Justiça da Infância e da Juventude, para que
ingresses em Juízo com respectiva ação judicial. Uma observação se
impõe, no entanto: cabe ao Promotor de Justiça analisar se o caso
comporta realmente a medida de suspensão ou destituição do pátrio poder,
malgrado o fato de o Conselho Tutelar ter feito o seu juízo de valor.
176
Embora o esteja no rol de atribuições do Conselho Tutelar previsto no
artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é preciso lembrar que o artigo
95 da referida lei delegou poderes ao Judiciário, ao Ministério Público e ao Conselho
Tutelar para fiscalizar as entidades de atendimento governamentais e não-
governamentais.
A fiscalização consiste desde uma análise do plano político pedagógico e
programas das entidades para verificar se estão dentro dos fundamentos da Teoria
da proteção integral, até a verificação da estrutura física adequada ou não a receber
criança e adolescente.
175
BRASIL. Portaria 264, de 09 de fevereiro de 2007. Regulamenta as disposições da Lei 8.06990
(Estatuto da Criança e do Adolescente ECA), da Lei 10.359, de 27 de dezembro 2001, e da Lei
5.834, de 06 de julho de 2006, relativas ao processo de classificação indicativa de obras
audiovisuais destinadas à televisão e congêneres. Ministério da Justiça. Diário Oficial da União.
176
SILVA, José Luiz Mônaco da. Op. cit., p. 224.
97
Quanto aos programas de “aprendizagem”, vale lembrar que, em muitos
municípios, as entidades fazem o atendimento fora dos prinpios estabelecidos no
Estatuto da Criança e do Adolescente, a exemplo dos programas de guardas-mirim,
aprendizagem em serralheria, padaria, de atividades de pedreiro e outras tantas
atividades perigosas, insalubres ou penosas.
Custódio e Veronese recomendam, quanto à aprendizagem, que
[...] a diretriz legal fixa a atenção no respeito à condição peculiar da pessoa
em desenvolvimento, ou seja, os executores dos programas de
profissionalização devem estar atentos a adequação das metodologias e
das estruturas locais às características peculiares dos adolescentes, de
modo a não prejudicar o desenvolvimento físico, moral e psicológico
daqueles que estão em processo de formação.
177
Com relação à competência territorial do Conselho Tutelar, aplicam-se as
mesmas regras estabelecidas no artigo 147, que tratam da competência do juiz da
infância e juventude. Assim, a competência do Conselho Tutelar será determinada
pelo domicílio dos pais ou responsável, no lugar onde a criança e ou adolescente se
encontre, e na falta dos pais ou responsável. Nos casos de ato infracional, a
competência será da autoridade (Conselho Tutelar) do lugar da ação ou omissão.
Este conjunto de atribuições consiste na permanente garantia dos direitos
da criança e do adolescente. Em Florianópolis, a pesquisa junto ao Conselho Tutelar
vem trazer as ações, limites e perspectivas do Conselho na erradicação do trabalho
infantil.
177
CUSTÓDIO, André Viana; VERONESE, Josiane Rose Petry. Op. cit., p. 272.
98
3. O CONSELHO TUTELAR DE FLORIANÓPOLIS
3.1 Referências Históricas e Contexto do Conselho Tutelar em Florianópolis
Os Conselhos de Direitos e Tutelares surgem em Florianópolis nos anos
de 1993, no momento em que se instalam iniciativas de democracia participativa no
governo municipal. A capital do Estado “tem sido um tradicional reduto do
conservadorismo oficialista, que coloca parte expressiva de sua população na
dependência do aparelho estatal, controlado com fina arte clientelista por sucessivas
gerações de notáveis”
178
. Essa ruptura com o conservadorismo se nas eleições
de 1992, quando a Frente Popular
179
ganhou as eleições para a Prefeitura da capital
catarinense:
[...] a esquerda na prefeitura municipal de Florianópolis sacudiu um pouco a
poeira assentada nos desvãos do poder e abalou, em alguma medida, a
auto-confiança complacente dos poderosos da terra. Reverteu também um
estranhado estilo conservador de governar; aquele que conhece a política a
partir do ponto de vista dos governantes, não dos governados; aqueles que
propõe um governo ativo, mas um povo passivo. A esquerda era enfim a
possibilidade de substituir a lógica do poder pela da sociedade.
180
Foi, portanto, a possibilidade de romper com uma política assistencialista
que perdurou por muitas gerações. Assim, a Lei 3.794, de 02 de julho de 1992, que
“Dispõe sobre a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente no
município e outras providencias”, vem estabelecer regras de acordo com a Teoria
da Proteção Integral e os princípios constitucionais do Direito da Criança e do
Adolescente.
De acordo com o artigo 2º, § 3º, da referida lei, fica vedada a criação de
programas de caráter compensatório da ausência ou insuficiência das políticas
178
FONTANA, Remy. Uma novidade política. In: GRANDO, Sérgio (Org.). Florianópolis de todos.
Florianópolis: Insular, 2000. p. 27.
179
O governo da Frente Popular em Florianópolis era composto por oito partidos de esquerda e
centro-esquerda (PPS, PT, PDT, PSDB, PC do B, PSB, PV, PCB), e mais o agrupamento
Movimento Socialista Revolucionário. Tinha como Programa de Governo: a questão cidade-região
metropolitana; Transparência administrativa e gestão democrática; Participação popular e
cidadania, inversão de prioridades que se constituem em um eixo com nove prioridades.
FONTANA, Remy. Op. cit., p. 31.
180
Idem, ibidem, p. 15-16.
99
sociais básicas, sendo obrigatória a manifestação do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente nesses casos.
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de
Florianópolis é vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. O
CMDCA é composto por 14 membros, sendo sete entidades representantes não-
governamentais eleitas pelo Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, e sete órgãos representantes governamentais indicados pelo prefeito
municipal, ambos para um mandato de três anos.
Portanto, a criação do Conselho Municipal em Florianópolis vem
estabelecer as bases para “formular a política municipal de proteção, promoção e
defesa dos direitos da criança e do adolescente, definindo prioridades e controlando
as ações de execução em todos os níveis, ouvido o Fórum Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente”, além de um conjunto de atribuição que lhes compete,
conforme o artigo 15 da Lei 3.794/92.
Ainda foi atribuição do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, em conjunto com Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, elaborar a lei que criou o Conselho Tutelar, bem como definir o
cronograma e a sua implantação. Conforme o artigo 24 da Lei 3.794/94, deu-se um
prazo de dez meses, contado da data de publicação da lei, para a elaboração e
aprovação da lei de criação do Conselho Tutelar.
No entanto, foi somente após dezoito meses que se aprovou a Lei 4.283,
de 29 de dezembro de 1993, que cria o Conselho Tutelar em Florianópolis,
estabelecendo o prazo de até seis meses para a realização das eleições de seus
membros.
Inicialmente foram criados dois Conselhos Tutelares: um, denominado
Insular, localizado no bairro Agronômica, junto ao Complexo Cidade da Criança, e,
atualmente, instalado no centro da capital, e outro, denominado Continente, situado
no bairro Estreito.
A própria lei já previu, em caso de necessidade, a pedido do CMDCA, que
o Chefe do Poder Executivo estaria autorizado a criar por Decreto mais dois
Conselhos Tutelares. Foi, no entanto, a necessidade em razão da crescente
população nos bairros do norte da ilha que se implantou o Conselho Tutelar Norte,
100
no bairro de Canasvieiras, através do Decreto Municipal nº. 3.960, de 21 de fevereiro
de 2006.
Em Florianópolis, a escolha dos Conselheiros Tutelares ocorre através de
voto secreto e facultativo, de um representante (credenciado) de cada organização
governamental e não-governamental, cadastrada no Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente, ficando a cargo do Conselho Municipal todo o
processo de escolha, sob fiscalização da Promotoria da Vara da Infância e da
Juventude da capital.
Ora, aqui cabe um destaque quanto ao processo de escolha. O Conselho
Tutelar, enquanto órgão representativo da sociedade, deveria ter seus membros
escolhidos por todos os eleitores do município, e não por representantes do Poder
Público, como permite a lei municipal. É deste modo que o processo mais
democrático tem-se destacado com o processo de escolha através de eleições
diretas por toda a população votante do município. No cenário nacional, 70% dos
municípios elegem seus representantes ao Conselho Tutelar através de eleições
diretas (todos os eleitores), e cabe frisar que é na Região Sul onde menos se utiliza
este modelo de processo de escolha.
Os requisitos exigidos na lei são: demonstrar idoneidade moral, ter idade
mínima de 21 anos, residir no município, ser inscrito como eleitor no município e
comprovar experiência e conhecimentos de dois anos na promoção, defesa ou
atendimento de crianças e adolescentes.
Com relação aos impedimentos, a lei municipal também estabelece
restrições em relação ao grau de parentesco com o Chefe do Executivo Municipal e
seus secretários.
A remuneração dos Conselheiros Tutelares que atuam em regime de
dedicação exclusiva corresponde a 70% do vencimento do cargo comissionado de
Assessor Técnico da Secretaria Municipal de Saúde e Desenvolvimento Social, ou
seja, em 2008, corresponde a R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), a média
nacional é de R$ 504,40
181
.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 132, determina que o
Conselho Tutelar será composto por cinco membros. a Lei Municipal 4.283/93,
181
FISCHER. Op. cit., p. 210.
101
em seu artigo 3º, ainda complementa que o Conselho Tutelar será composto por
cinco membros e cinco suplentes para suprir as ausências.
O Regimento Interno do Conselho Tutelar, aprovado em setembro de
2007, dispõe no Capítulo VIII Da Convocação do Suplente, no artigo 27, que o
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, convocará, no prazo
de 48 (quarenta e oito) horas, o suplente do Conselheiro Tutelar, nos casos de:
I férias; II Vacância; III afastamento do titular, independentemente do motivo,
por prazo igual ou superior a trinta dias.
Assim, no caso dos quatro Conselheiros ausentes, deveriam assumir
seus suplentes, mas, de acordo com o depoimento dos próprios Conselheiros,
“nenhum dos suplentes quer assumir por apenas 30 dias; muitos deles estão
trabalhando em outros lugares, e assim, ao retornar o titular, eles estariam
desempregados”, e ainda completam; “todos os suplentes foram chamados, não
havendo mais ninguém na lista de suplentes”.
Quando a lei denominou o órgão como Conselho, foi justamente para que
as atribuições/ações não fossem decididas individualmente, colocando assim um
grupo de cinco pessoas para apreciar os casos. No entanto, o Estatuto da Criança e
do Adolescente nada se refere quanto às decisões colegiadas, deixando a
disposição sobre o tema a cargo dos Regimentos Internos dos próprios Conselhos
Tutelares.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), na Resolução 75, de 22 de outubro de 2001, em seu art. 8º, diz que “O
Conselho Tutelar será composto por cinco membros, vedadas deliberações com
número superior ou inferior, sob pena de nulidade dos atos praticados”.
Sobre este tema, a doutrina tem apresentado posições como as de
Carvalho
As decisões emanadas do Conselho Tutelar são sempre decisões coletivas.
As atitudes adotadas devem ser discutidas pelo conjunto dos conselheiros.
A responsabilidade, tanto das atitudes como das decisões assumidas, é do
Conselho tutelar como um todo.
182
182
CARVALHO, Maria do Carmo Brand de. O Estatuto da Criança e do Adolescente e a política de
assistência social, Cadernos populares, n. 9, São Paulo: CBIA. 1992. p. 14.
102
E ainda explica Moraes
É preciso lembrar que o Conselho Tutelar por si não pode ordenar a
quem quer que seja fazer qualquer coisa. Em primeiro lugar é preciso saber
que as determinações de um Conselho [...] são tomadas pela maioria ou por
consenso. É um Conselho para evitar que arbitrariedades sejam cometidas
individualmente. Somente após deliberação é que o Conselho requisita o
serviço, se houver omissão no atendimento. É comum alguns serviços
aceitarem a imposição individual de pessoas (conselheiros, chefes de
serviço, juizes, promotores) sem embasamento legal.
183
Portanto, as decisões do Conselho Tutelar sofrem prejuízo ao ter seu
número de membros reduzido. Os Conselhos Tutelares de Florianópolis não
apresenta o número de cinco conselheiros por Conselho exigido no Estatuto da
Criança e do Adolescente, pois quatro de seus membros estão ausentes (férias e
licença saúde), e não foram substituídos pelos suplentes. Destes, dois são do
Conselho Tutelar Norte; um, do Conselho Tutelar Insular, e um, do Conselho Tutelar
Continente. Assim,
Quando o Conselho Tutelar aplica qualquer uma destas medidas o faz
decidindo um caso. [...] tais decisões devem advir de um procedimento
previamente disciplinado no regimento Interno do Conselho Tutelar, de sorte
que todos os atos praticados para instruir a decisão sejam formalizados. Isto
é imprescindível para se aferir a legalidade das decisões do Conselho.
184
Assim, é imprescindível que o Conselho Municipal dos Direitos da Criança
e do Adolescente busque alternativa para sanar tal fato, pois esta situação não é
isolada, e nem por um curto período de tempo, já que, segundo os Conselheiros
Tutelares, é comum o afastamento por motivo de saúde. Portanto, a alternativa é
que tenha no nimo dois Conselheiros Tutelares à disposição durante o ano, uma
vez que todos os meses terá algum conselheiro em férias, ou seja, basta apenas
que seja cumprido o Regimento Interno do Conselho Tutelar
185
.
183
MORAES, Edson Seda. Conselho Tutelar. Estatuto da Criança e do Adolescente sem dúvidas.
Santos: CMDCA, 1999. p. 55.
184
PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Conselho Tutelar: atribuições e subsídios para seu
funcionamento. São Paulo: Palas Athena, 1993. p. 09-10.
185
Destaca o Regime Interno do Conselho Tutelar, em seu artigo 26: As licenças e férias dos
Conselheiros Tutelares serão concedidas conforme o disposto na Lei Municipal 4.283/93, vedado
o gozo de férias em um mesmo mês por mais de um conselheiro em um Conselho Tutelar.
Parágrafo único. Deverá ser disponibilizado um suplente para cada Conselho Tutelar, a cada
período de férias de cada Conselheiro Tutelar.
103
3.1.1 As características dos Conselhos Tutelares de Florianópolis
A partir deste capítulo, passa-se à análise dos questionários. Assim, para
a pesquisa de campo, foram contatados os três Conselhos Tutelares de
Florianópolis. Após esse contato, o pesquisador esteve no Conselho Tutelar para
explicar o objetivo do presente estudo a uma Conselheira, que levou as informações
para a reunião colegiada, tendo o aceite de todos os Conselheiros que estavam em
exercício da função.
O material entregue aos Conselheiros constituiu-se de um termo de
consentimento livre e esclarecido do participante, um resumo de duas laudas com o
objetivo da pesquisa e o questionário.
Houve ainda a necessidade de uma visita à coordenação do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil, para verificar as informações apresentadas pelos
Conselheiros Tutelares. Foi realizada uma entrevista com o coordenador do PETI a
partir de questões abertas previamente estabelecida (anexo).
Portanto, diante do rico material de pesquisa, passou-se à análise dos
dados empíricos de acordo com as categorias (caracterização dos Conselheiros
Tutelares, Estrutura de atendimento e aspectos culturais e procedimentais sobre
trabalho infantil e Conselho Tutelar), que nortearam o questionário, e ainda fazendo
um comparativo também com os dados nacionais nas informações relativas às
características, estrutura física e operacional do Conselho Tutelar.
A Lei Municipal 4.283/93 (em anexo) determina no artigo 3º, parágrafo
único, que cada Conselho Tutelar terá no mínimo dois profissionais de nível
superior, sem indicativo de qual formação especializada deve ter. Assim, em relação
à escolaridade dos Conselheiros Tutelares, a pesquisa identificou que dos 11
Conselheiros, dois têm Ensino Médio completo, quatro são graduados e cinco são
pós-graduados em nível de especialização.
2
4
5
0
2
4
6
Gráfico 08: Escolaridade dos Conselheiros
Ensino Médio
Graduado
Pós-Graduados
104
Em um comparativo com os dados nacionais, os membros do Conselho
Tutelar de Florianópolis estão acima da dia geral quanto à formação acadêmica,
pois, no Brasil, 71% dos Conselheiros têm até o ensino médio.
Dos nove Conselheiros Tutelares graduados, quatro têm formação em
Serviço Social, dois em Direito, dois em Psicologia e um em Letras-Português.
Quatro destes possuem especialização em Violência Doméstica contra Crianças e
Adolescentes do Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da Universidade de
São Paulo (USP), e um possui MBA em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas.
4
2
2
1
0
1
2
3
4
Gráfico 09: Conselho Tutelar - Área de Formação
Serviço Social
Direito
Psicologia
Letras - Português
Diferentemente do cenário nacional, onde 33% dos conselheiros têm
formação em Pedagogia ou Magistério, em Florianópolis destacam-se os assistentes
sociais.
No entanto, a Lei Municipal está adequada ao não determinar as áreas
específicas de formação, como ocorre em outros municípios, pois estes
Conselheiros tendem a exercer sua função com base na sua formação, embora não
possam fazê-lo. Assim, o que indicará uma melhor atuação do Conselheiro e a sua
capacidade de atuação junto aos demais, é, sem dúvida, o exercício de
representação da sociedade local na promoção dos direitos de crianças e
adolescentes. Desse modo, é preciso reconhecer que a “[...] ética do cuidado deve
[...] cercear a missão do Conselheiro Tutelar, como membro de um órgão que é um
instrumento para assegurar que se cumpram os preceitos da política de proteção
aos direitos da criança do adolescente no Município”.
186
186
CARVALHO, Pedro Caetano. O Conselheiro Tutelar e a Ética do Cuidado. In: PEREIRA, nia da
Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar: sua efetividade
no cotidiano dos Tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 361.
105
Nada garante, por exemplo, que um conselheiro tutelar com pós-doutorado
possa promover melhor a democracia em seu país que um conselheiro com
menos escolaridade. O que vai garantir sua atuação democrática, no
caminho da promoção da justiça social, são os compromissos éticos [...].
187
Os indicativos relativos aos interesses em exercer a função de
Conselheiro Tutelar foram apresentados com as seguintes motivações:
- Para ter mais contato direto com a sociedade e auxiliar na promoção dos
direitos das crianças e dos adolescentes.
- Para conhecimento profissional.
- Questões de currículo.
- Pelo interesse para com a primeira infância.
- Por gostar da área social e já ter trabalhado com crianças carentes.
- Para tentar contribuir na área da criança e juventude.
- Porque estava envolvida com a área social e pensei que pudesse
contribuir.
- Após ser estagiário no Conselho Tutelar, identifiquei-me o suficiente para
me candidatar a ser um conselheiro tutelar.
- Após estágio no Conselho Tutelar, durante a jornada acadêmica.
- Com intuito de trabalhar na promoção e defesa dos direitos da população
infanto-juvenil.
Para análise dos dados relativos ao interesses para o exercício da função
de Conselheiro Tutelar, utilizou-se das categorias, interesses particulares e
interesses coletivos. Os interesses particulares foram divididos em interesses
profissionais (formação e experiências próprias); educacionais (para ampliação do
conhecimento) e aproximação da realidade. Os interesses coletivos foram
analisados a partir da seguinte divisão: participação social/política; promoção de
direito; auxílio/ajuda; e preocupação com a infância.
Os dados apontaram que os interesses em ser Conselheiro Tutelar têm
mais uma visão coletiva, apontando para uma preocupação com a infância (06
Conselheiros), seguido da participação social (05 conselheiros). Quanto aos
interesses particulares identificou-se que cinco Conselheiros apontaram para
formação profissional, por já terem atuado no Conselho como estagiário, o que
gerou também um interesse educacional. ainda os interesses que permeiam
conhecer a realidade mais proximamente.
187
MENDES, Alessandra Gomes; MATOS, Maurílio Castro de. Uma Agenda para os Conselhos
Tutelares. In: SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina (Orgs.).
Política Social, Família e Juventude: uma questão de Direitos. São Paulo: Cortez, 2004. p. 254.
106
No entanto, cabe destacar que apenas dois conselheiros apontaram
interesses relacionados com a promoção dos direitos de crianças e adolescentes,
atitude de caráter mais político ao Conselho Tutelar. Destacam-se as respostas
quanto ao interesse em ajudar e auxiliar, demonstrando um caráter assistencialista,
idéia incompatível com a função atribuída ao Conselho Tutelar.
Quanto ao tempo de exercício da função nesta atividade, observou-se
que três Conselheiros Tutelares estão um ano, três estão dois anos, um está
há três anos, e quatro estão há mais de três anos, ou seja, estes foram os reeleitos.
3
3
1
4
0
1
2
3
4
Gráfico 10: Conselho Tutelar -Tempo de Exercício da Função
01 ano
02 anos
03 anos
Mais de 03 anos
A dedicação dos 11 Conselheiros é exclusiva à função, ou seja, nenhum
exerce atividade externa, conforme determina artigo 22 da Lei 4.283/93.
3.1.2 A Estrutura Física e Operacional dos Conselhos Tutelares
Os Conselhos Tutelares de Florianópolis funcionam nos bairros Estreito,
Centro e Canasvieiras, todos em casas alugadas pelo Poder Público municipal,
sendo que as condições mais precárias de estrutura física são aquelas oferecidas ao
Conselho Tutelar Insular, que está instalado em uma casa antiga, numa localidade
com ruído excessivo dos veículos.
Em todos os Conselhos Tutelares há excesso significativo de documentos
e papéis arquivados, e em arquivo para atendimento, fato que poderia ser reduzido
caso tivessem instalado o Sistema de Informação para Infância e Adolescência
(SIPIA).
107
Quanto à disponibilidade de computadores, os três Conselhos Tutelares
não estão equipados com a quantidade adequada à demanda. No Conselho Tutelar
do Continente três computadores, no Conselho Insular também há três
computadores e, no Conselho Tutelar Norte apenas dois computadores. Boa
parte desses computadores está ultrapassada nas suas configurações, inclusive
não comportam o programa SIPIA.
Os Conselhos ainda possuem dois telefones de plantão através de um
número de telefone celular. O plantão é realizado por dois Conselheiros que
atendem a região dos três Conselhos.
188
O Conselho Tutelar Insular possui cinco
linhas telefônicas, no Continente três linhas, e no Norte duas linhas telefônicas.
Todos os Conselheiros Tutelares concordaram que o número de linhas telefônicas é
suficiente para a demanda.
Cada Conselho Tutelar possui dois veículos que, segundo os
conselheiros, suprem a necessidade da demanda de trabalho.
Em relação ao Sistema de Informação para Infância e Adolescência
(SIPIA), os Conselheiros responderam que o programa está instalado somente no
Conselho Tutelar do Continente, no entanto não funciona naqueles computadores,
pois o programa é “pesado para rodar” em computadores com memória insuficiente.
Portanto, fazendo um paralelo com os índices da pesquisa nacional
apontado por Fischer, verifica-se que o Conselho Tutelar de Florianópolis apresenta
fragilidade na sua estrutura operacional quando se trata de computadores, e na
estrutura física com relação à sede, que não é própria, além de apresentar má
condição da estrutura física do Conselho Tutelar Insular.
O Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (SIPIA) foi
criado em 1997, através do Plano Nacional da Política de Direitos Humanos, visando
fornecer as informações necessárias para que os governos pudessem planejar
políticas para a infância e a adolescência.
O SIPIA é um sistema nacional de registro e tratamento de informações
no campo da promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, e serve
188
O Conselho Tutelar funciona no horário das 8 às 18 horas. Depois desse horário ficam à
disposição dois conselheiros de plantão. Os endereços de cada Conselho Tutelar de Florianópolis
são: Insular: Rua Padre Roma, 174 Centro - CEP 88090-010; Continente: Rua Marechal
Câmara, 127, Estreito - CEP 88070-240; e Norte da Ilha: Rodovia SC 401, km 18 – Canasvieiras -
CEP 88052-000.
108
para que os Municípios, Estados e União tenham um panorama da realidade
brasileira.
O sistema está divido em quatro módulos. O módulo I, o primeiro a entrar
em funcionamento, faz o monitoramento das violações dos direitos de crianças e
adolescentes, apresentando dados de violações sobre a convivência familiar e
comunitária; educação, cultura, esporte e lazer; liberdade, respeito e dignidade;
profissionalização e proteção no trabalho; vida e saúde, além de informações sobre
agentes violadores. Os dados são complementados fornecendo um cenário nos três
níveis. Os objetivos do módulo I são:
- Operacionalizar na base a política de atendimento dos direitos, ou seja,
possibilitar a mais objetiva e completa leitura possível da queixa ou situação
da criança ou adolescente, por parte do Conselho Tutelar;
- Encaminhar a aplicação da medida mais adequada com vistas ao
ressarcimento do direito violado para sanar a situação em que se encontra a
criança ou adolescente;
- Subsidiar as demais instâncias - Conselhos de Direitos e autoridades
competentes - na formulação e gestão de políticas de atendimento.
189
A operacionalização é realizada pelo Conselho Tutelar, que alimenta o
sistema, providencia as medidas necessárias ao cerceamento da violação. Por isso,
“[...] o SIPIA constitui-se em poderoso instrumento de capacitação para os
conselheiros tutelares e para os conselheiros de direitos, contribuindo para a
implantação e o adequado funcionamento de ambos”.
190
Nos Conselhos Tutelares de Florianópolis, apenas um Conselheiro
Tutelar respondeu que sabia operar o sistema; os demais ainda não sabem operar e
têm interesses na capacitação específica para conhecer a operacionalização do
sistema. Para os Conselheiros Tutelares de Florianópolis, o SIPIA é um instrumento
importante para o diagnóstico das políticas públicas, pois:
[...] mostra passo a passo todas as medidas para serem aplicadas e
apresenta dados reais para aplicação de políticas públicas.
[...] será uma fonte de dados no qual poderemos avaliar quais as políticas
públicas necessárias em cada região.
189
Cartilha do Conselho Tutelar. Sistema de Informação para Infância e Adolescência. Disponível
em: <http://www.promenino.org.br/TabId/77/ConteudoId/cd14093f-3e8e-4697-ba4e-72a786d09a38/
Default.aspx>. Acesso em: 30 abr. 2008.
190
Idem, ibidem.
109
[...] a partir destes dados que podemos realizar o mapa da violência.
[...] Os dados do SIPIA a respeito da violação dos direitos da criança e do
adolescente apresenta uma base à ação dos Conselhos de Direitos e
Tutelares, sem contar que funciona como um banco de dados (informações)
fundamentais na preparação de programas e projetos.
[...] Permite o dado consolidado, que é base para a política pública.
[...] sem dúvida, fonte imprescindível para a coleta de dados.
[...] porque atualiza os cadastros.
Portanto, os Conselheiros Tutelares entendem que o Sistema de
Informação para Infância e Adolescência constitui-se um importante instrumento de
trabalho, para o diagnóstico da política pública, para compor um banco de dados da
realidade do município e para mostrar as medidas que podem ser aplicadas aos
casos atendidos. Assim, torna-se indispensável a retomada do SIPIA, uma vez que é
um instrumento essencial de trabalho dos Conselheiros. Para isso, como destacado
anteriormente, é necessária a capacitação dos Conselheiros Tutelares, além de
computadores adequados para instalação do programa SIPIA.
O dulo II do Sistema, atualmente denominado de INFOINFRA, faz o
monitoramento dos atendimentos de adolescentes em conflito com a lei. Oferece
informações sobre os adolescentes, segundo os dados originados nas Varas da
Infância e Juventude. Esse Módulo já foi implantado nos Estados do Amazonas,
Roraima, Pará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do
Norte, Paraná e Bahia. Portanto, o INFOINFRA registrará os seguintes dados:
- Dados das condições socioeconômicas do adolescente (renda, arranjo
familiar, número de dependentes da família, número de cômodos, nível de
escolaridade dos responsáveis);
- Processos de apuração de ato infracional;
- Execução de medidas;
- Aplicação das medidas;
- Acompanhamento das medidas aplicadas (socioeducativas e protetivas);
- Avaliação das entidades e programas de atendimento;
- Cadastramento de técnicos e orientadores responsáveis pelos adolescentes;
- Acompanhamentos da execução das medidas.
191
191
BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo – SINASE. Brasília: Conanda, 2006. p. 96.
110
Esses dados compõem o conjunto de ações do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo SINASE, que “é o conjunto ordenado de princípios,
regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo,
que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de
medida socioeducativa”.
192
o Módulo III é denominado INFOADOTE e faz o monitoramento sobre
colocação em família substituta e adoções nacionais e internacionais. Também são
alimentados a partir das informações das Varas da Infância e Juventude. A “[...]
proposta do INFOADOTE é ser esse cadastro único e nacional. Os municípios
passariam suas informações para o Estado, que seria o responsável por alimentar o
sistema nacional.”
193
Esse sistema está operando nos Estados do Amazonas,
Roraima, Para, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do
Norte, Espírito Santo e Ceará. O INFOADOTE, não conseguiu atingir todos os
Estados.
No entanto, é preciso registrar, que o Conselho Nacional de Justiça editou
recentemente, a Resolução 54, de 29 de abril de 2008, que cria o Cadastro Nacional
de Adoção CNA, com os mesmos objetivos, a priori, do INFOADOTE, com a
previsão de que até julho deste ano (2008), o CNA esteja implantado em todas as
Varas da Infância e Juventude, e as informações em até seis meses. A proposta do
cadastro é “fornecer[á] informações sobre o número de crianças e adolescentes sob
a tutela do Estado, quantidade e localização de pretendentes habilitados em todas
as regiões, perfis completos e dados sobre abrigos”
194
, portanto, os juízes terão
acesso a todas as informações dos casos de adoção, agora em âmbito nacional.
195
As informações sobre o Cadastro Nacional de Adoção ainda são bastante
imprecisas, e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do adolescente não se
posicionou até o momento sobre o tema, afinal o INFOADOTE é um dos módulos do
Sistema de Informação para Infância e Adolescência – SIPIA.
192
BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo – SINASE. Brasília: Conanda, 2006. p. 23.
193
VASCONCELOS, Lia. Longe do Paraíso, Revista Desafios do Desenvolvimento, n. 20, jun.
2005. Disponível em: <http://desafios2.ipea.gov.br/desafios/edicoes/20/artigo15708-1.php>. Acesso
em: 30 abr. 2008.
194
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro nacional vai facilitar os processos de
adoção no Brasil. Brasília, 28 abr. 2008 Disponível em: <http://www.cnj.gov.br/index.php?
option=com_ content&task=view&id=3950&Itemid=167>. Acesso em: 07 maio 2008.
195
Idem, ibidem.
111
Em alguns Estados já havia um sistema informatizado para adoção, a
exemplo de Santa Catarina, e agora, de acordo com o art. 5º, parágrafo único da
Resolução 54, “Os Tribunais poderão manter os atuais sistemas de controle de
adoções em utilização, ou substituí-los por outros que entendam mais adequados,
desde que assegurada a migração dos dados [...]”. Portanto, o Conselho Nacional
de Justiça implantará o “Banco Nacional de Adoção”, que consolidará os dados, de
todas as comarcas, de crianças e adolescentes para adoção.
Cabe, portanto, o registro da necessidade de um estudo mais
aprofundado sobre o tema diante desta aparente duplicidade de cadastro.
Por fim, o módulo IV tem por objetivo fazer o acompanhamento da
implementação e implantação dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos de Direitos
da Criança e do Adolescente no Brasil.
De modo geral, o próprio site do Sistema de Informação para Proteção da
Infância e da Adolescência (SIPIA) informa que o Ministério da Justiça tem a
intenção de reformular o portal para agregar outros dados e novas funcionalidades,
reparando as falhas no sistema levantadas pelos Conselhos Tutelares e, ainda,
trazer outras informações, tais como: Disque Denúncia, Programa de Proteção às
Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, Rede Nacional de Identificação e
Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos e a Rede Brasileira de
Informação sobre Infância, Adolescente e Família (REDINFA).
3.2 AS RESPONSABILIDADES DO CONSELHO TUTELAR NA ERRADICAÇÃO
DO TRABALHO INFANTIL
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê um conjunto de atribuições
aos Conselhos Tutelares, que já foram analisadas no Capítulo II. Dentre essas
atribuições está também a garantia de proteção à criança e ao adolescente contra
exploração do trabalho. Portanto, para assegurar essa garantia de proteção, alguns
elementos de ação são essenciais aos Conselheiros Tutelares, tais como a
capacitação dos Conselheiros, a participação na elaboração do orçamento público e
na operacionalização do sistema.
112
A capacitação do profissional que atuará no Conselho Tutelar é requisito
indispensável para o adequado exercício da complexa função. No munipio de
Florianópolis, os Conselheiros recebem uma capacitação básica, de âmbito geral,
sobre os procedimentos da atividade de Conselheiro, ministrada após o processo
seletivo. Além disso, os Conselheiros Tutelares participam também de outros
eventos externos sobre o Direito da Criança e do Adolescente. A pesquisa constatou
que todos os Conselheiros participaram de atividades de capacitações desde que
ingressaram na função, sendo que dois Conselheiros participaram, no conjunto de
uma a três atividades, quatro Conselheiros de quatro a seis atividades, dois
Conselheiros de sete a nove atividades e três Conselheiros de dez ou mais.
2
4
2
3
0
1
2
3
4
Gráfico 11: Conselheiro Tutelar
Participação em Atividades de Capacitação
01 a 03 Atividades
04 a 06 Atividades
07 a 09 Atividades
10 ou mais Atividades
As atividades de capacitação geralmente não são específicas sobre o
tema da exploração do trabalho infantil, embora não desconsiderem o tema. Em
regra, são atividades promovidas pela Associação Catarinense de Conselheiros
Tutelares (ACCT), Ministério Público, Universidades e Prefeitura Municipal. Registre-
se que as capacitações continuadas são extremamente necessárias, pois, como
limitação do tempo de mandato do Conselheiro, sempre haverá um profissional novo
exercendo a função. Deste modo,
[...] a alternância de mandato dos Conselheiros tem exigido uma
capacitação contínua, além de uma preparação destas pessoas especiais a
quem a sociedade encarregou a tarefa de zelar pelo cumprimento dos
direitos da criança e do adolescente. Por isso a necessidade imperiosa de
que seja inerente à função do Conselheiro Tutelar a ética do cuidado para a
missão que aceitou desde a sua posse.
196
113
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente deve
incentivar a formação desses profissionais, seja garantindo a participação em
eventos, contratando profissionais para capacitá-los ou disponibilizando recursos do
Fundo da Infância e da Adolescência (FIA). No entanto, os Conselheiros Tutelares
não relataram nos questionários essa iniciativa a partir do CMDCA.
O FIA é constituído de recursos destinados ao fortalecimento e integração
da política de atendimento à criança e ao adolescente, nos termos do artigo 88 do
Estatuto da Criança e do Adolescente. É considerado recurso especial, de acordo
com artigo 71 da Lei 4.320, de 17 de março 1964
197
, que “Estatui Normas Gerais de
Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União,
dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.” Neste caso, esses recursos são
deslocados do tesouro único do município e passa a compor uma conta única com
destinação específica para a promoção dos direitos de crianças e adolescentes. O
órgão responsável pela gestão do FIA é o Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente.
Embora o FIA esteja vinculado a uma Secretaria Municipal, a destinação
dos recursos só poderá ocorrer com a deliberação do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente. No município de Florianópolis, conforme
determina a Lei municipal:
Art. 20. O Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente será
gerido pela Secretaria Municipal de Habitação, Trabalho e Desenvolvimento
Social, que fica obrigada a cumprir as deliberações do Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente, no que se refere à liberação e/ou
aplicação dos recursos do FMDCA.
198
A destinação dos recursos deverá ocorrer após a deliberação e edição de
Resolução com destinação específica de acordo com o Plano de Ação, constituído
com base nas necessidades do município para a promoção dos direitos de crianças
e adolescentes. O Conselho Tutelar poderá oferecer indicadores para subsidiar as
196
CARVALHO, Pedro Caetano. Op. cit., p. 370.
197
Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à
realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de
aplicação.
198
CÂMARA DOS VEREADORES DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS. Lei 3.794, de 02 de julho
de 1992, que dispõe sobre a Política de Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente no
Município e dá outras Providências. Diário Oficial do Estado/SC, Florianópolis, 13 jul. 1992.
114
ações e o planejamento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, pois dispõe de dados e informações atualizadas sobre os casos
atendidos. No entanto, os recursos do Fundo da Infância e da Adolescência não
devem servir para manutenção dos programas de atendimento direto, pois estes
devem estar previstos no orçamento específico de cada uma das Secretarias
municipais. Conforme, o artigo 18 da Lei 3.794/92, o FIA é constituído por:
I - Dotações orçamentárias e/ou subvenções que lhe sejam destinadas pela
Prefeitura Municipal de Florianópolis, ao limite configurado no Orçamento
Fiscal desta, para essa finalidade;
II - Recursos provenientes dos Conselhos Estadual e Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente;
III - Recursos oriundos de convênios atinentes à execução de políticas de
atendimento da Criança e do Adolescente firmados pelo Município;
IV - Doações, auxílios, contribuições e legados que lhe venham a ser
destinados;
V - Valores provenientes de multas decorrentes de condenações em ações
civis ou de imposição de penalidades administrativas previstas na Lei
8.069/90;
VI - Outros recursos que lhe forem destinados;
VII - Rendas eventuais, inclusive as resultantes de depósitos e aplicações
de capitais;
VIII - O produto de vendas de materiais, publicações e eventos realizados;
IX - Saldo positivo, apurado em balanço do exercício anterior.
As destinações do FIA devem atender, principalmente, àquelas ações de
âmbito geral, tais como a formação dos operadores do sistema de garantias dos
direitos da criança e do adolescente, promoção de estudos e diagnósticos da
realidade local sobre crianças e adolescentes, divulgação dos direitos, já que o
dever de manutenção dos programas de atendimento direto cabe ao Poder Público
nas suas respectivas esferas de responsabilidades.
Outro aspecto relevante a este estudo diz respeito à ação direta dos
Conselheiros Tutelares para erradicação do trabalho infantil. Quando questionados
sobre quais as ações do Conselho Tutelar do Município de Florianópolis para a
prevenção e a erradicação do trabalho infantil, e os obstáculos nas suas
ações/atribuições, os respondentes esclareceram o seguinte:
[...] Nenhuma. Estamos enfrentando problemas com o Legislativo municipal
com relação às atribuições do CT e de forma equivocada estamos atuando
115
em algumas questões que são meramente de cunho social, ou seja, que
deveriam ser atendidas pela assistência social do município e
encaminhadas ao CT somente na recusa do atendimento pelo município,
quando o direito está violado. Assim, como o número de atendimentos pelo
conselho vem aumentando consideravelmente nos últimos 02 anos, vem se
tornando impossível pensar/agir em ações preventivas, já que estamos
atuando somente no direito violado, infelizmente. (resposta única dos 04
Conselheiros Tutelares – Insular).
[...] nenhuma
[...] nenhuma, apenas os casos que chegam através de denúncias.
Prevenção zero.
[...] As ações são pouquíssimas, pois a demanda é grande e poucas
pessoas preocupadas com esse assunto. Os conselheiros tutelares tentam
até diagnosticar e encaminhar os casos. Mas devido à grande demanda nos
conselhos tutelares, muitas vezes não damos a atenção precisa para o fato.
[..] só quando existe a denúncia.
[...] Palestras e capacitações sobre o tema que é de extrema importância.
[...] Quando podemos participamos de reuniões que promovam as políticas
públicas voltadas à erradicação do trabalho infantil, e como prevenção
damos palestras em escolas.
Portanto, pode-se observar que os Conselheiros têm clareza sobre suas
atribuições em relação ao tema, mas enfrentam obstáculos pela dificuldade de
compreensão de seu papel pelos demais órgãos públicos. Os conselheiros estão
atuando especificamente nas denúncias que chegam ao Conselho Tutelar. Dois
Conselheiros apontam as palestras nas escolas como ações específicas.
Assim, é bastante sintomática a prática do Conselho Tutelar que recebe
demandas que compete à política de atendimento da assistência social do
município, restaurando, mais uma vez, a antiga concepção do Conselho Tutelar
como órgão de atendimento de caráter especializado. Essa condição ainda é
comum, pois “muitos municípios criam Conselhos Tutelares para fazer esse trabalho
de pronto-socorro. Não é essa sua função. Sua função é intervir depois que o pronto
socorro cumpre sua tarefa, ou quando o pronto-socorro ameaça ou viola direitos”
199
.
Para Moraes, a criação do Conselho Tutelar tem como propósito a
promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes:
O Conselho Tutelar é acionado quando tais programas deixam de oferecer
regularmente os serviços por eles devidos. E o Conselho Tutelar não vai
executar (nem criar) programas. Vai requisitar serviços dos programas
públicos de caráter obrigatório. E tomar providências para que quem de
199
MORAES, Edson Seda. A proteção Integral: Um relatório sobre o cumprimento do novo direito da
criança e do adolescente na América Latina. São Paulo: Adês, 1996. p. 180.
116
direito crie os inexistentes. Transformar o Conselho Tutelar em executor de
programa é erro grave e significa aceitarmos a não-oferta ou oferta irregular
da parte dos responsáveis, quando o espírito da norma é o de se acabar
com a situação irregular dos serviços públicos devidos.
200
Assim, em Florianópolis, os Conselheiros Tutelares observam que esse
ponto é bastante conflituoso. Pois, para o Poder Público Municipal, o Conselho
Tutelar deve atender todos os casos, estabelecendo verdadeira inversão de papéis,
pois vale lembrar que os profissionais que ali estão não exercem funções de caráter
técnico nas áreas específicas e, agindo desta forma, substituiriam o papel daqueles
que devem exercer e não o fazem. Do mesmo modo que o Conselho Tutelar não
deve exercem a função profissional técnica e especializada nas áreas da saúde,
também não deve fazê-lo nas áreas da assistência social ou educação, por exemplo.
Outro aspecto primordial das funções do Conselho Tutelar refere-se à
participação nas discussões do Plano Plurianual e da Proposta de Lei Orçamentária.
Esta é a oportunidade, amparada por previsão expressa do Estatuto da Criança e do
Adolescente, na qual o Conselho Tutelar deverá propor ações em programas e
projetos na área da criança e do adolescente, com ênfase especial na previsão de
recursos para atendimento integral naqueles casos recebidos pelo Conselho Tutelar
em que se constatou que não atendimento no município, ou a oferta é
insuficiente. Por isso a necessidade do diagnóstico da realidade do município.
Também é nas discussões do Plano Plurianual e no orçamento anual que Conselho
deverá apresentar suas necessidades quanto à estrutura física, apresentando
relatório daqueles equipamentos necessários ao seu bom funcionamento.
No entanto, dificuldades de acesso mais amplo nesse processo de
participação, uma vez que a pesquisa constatou que nenhum Conselheiro Tutelar
participou ainda das discussões do Plano Plurianual e da Proposta de Lei
Orçamentária desde o ingresso na função. Apenas um conselheiro se justificou,
dizendo que: “não recebemos convite oficialmente, mas sempre ficamos sabendo
sobre as reuniões, mas a maioria dos conselheiros não possui interesse de
participação”. Kaminski lembra que:
200
MORAES, Edson Seda. Construir o passado ou como mudar hábitos, usos e costumes tendo
instrumento o Estatuto da Criança e do Adolescente. Série Direitos da Criança, n. 02. São
Paulo: Malheiros, 1993. p. 79.
117
No caso de relação com chefe do Executivo municipal, inaceitação ou
insensibilidade a sua assessoria e às suas indicações de necessidade de
previsão orçamentária, no intuito do cumprimento da lei no que ela refere à
destinação privilegiada de recursos públicos à área da infância e da
juventude, o CT pode agir junto aos vereadores, para que apresentem
emendas à proposta remetida pelo prefeito. Além disso, no desenvolvimento
das mesmas ações de assessoria, o CT deve constantemente municiar o
CMDCA com dados quantitativos de seus atendimentos, permitindo-o
melhor deliberar a política pública municipal, e bem definir sobre a aplicação
dos recursos existentes no Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente.
201
Neste sentido, o Conselho Tutelar deixa de agir em um dos pontos mais
importantes de suas atribuições, que é a garantia da destinação dos recursos
públicos para área da infância e adolescência, inclusive aos casos de trabalho
infantil existentes no município, bem como apresentar a demanda para criação e
ampliação de programas, além de exigir os equipamentos necessários para o bom
funcionamento do Conselho Tutelar.
Assim, os Conselheiros Tutelares foram questionados sobre o que
poderiam fazer para erradicar o trabalho infantil em Florianópolis. As respostas
indicaram como propostas:
- Trabalho preventivo junto às comunidades e maiores planos econômicos
para as famílias carentes.
- Investimento na prevenção junto à população.
- A erradicação não pode ser alcançada de modo isolado. Deste modo, ao
desenhar as táticas futuras, é necessário ter em mente que as políticas
sociais e econômicas têm de seguir o mesmo rumo com vista a certificar um
trabalho sustentável e decente para os pais, e, para os filhos, educação
pelo menos até a idade mínima de admissão ao emprego.
- Principalmente a participação efetiva nas discussões dentro do CMDCA
realizando maior cobrança deste conselho na deliberação de políticas
relacionadas ao suporte às famílias que estão envolvidas com a exploração
do trabalho infanto-juvenil.
- Lutar por políticas eficientes, o qual não estamos conseguindo fazer.
- Brigar para que o município garanta direitos conforme prevê a lei.
- Criaria centros comunitários em cada região com projetos de lazer,
esporte, onde ocorra atratividade dessas crianças e adolescentes. Um
espaço de amparo e proteção com direito à educação, alimentação, assim
acredito que diminua o número de crianças e adolescentes nas ruas.
Também com oferecimento de ajuda para as famílias mais carentes.
- É uma discussão de grande importância e todos os setores devem estar
envolvidos nessa etapa do trabalho infantil.
201
KAMINSKI, André Karst. O Conselho Tutelar como mecanismo para efetivação da proteção
integral da criança e do adolescente. Dissertação (Mestrado em Direito), Unisinos. o
Leopoldo, 2005. p. 193.
118
- Acredito que a erradicação do trabalho infantil se através da cultura e
educação.
Na análise dos dados sobre o que os conselheiros poderiam fazer para
erradicar o trabalho infantil, utilizou-se das diretrizes da política nacional para
erradicação do trabalho infantil como categoria de análise. Essas diretrizes foram
apresentadas e explicadas no capítulo I.
De acordo com as informações apresentadas, identifica-se que, para
erradicar o trabalho infantil, os Conselheiros apontaram essencialmente três
diretrizes: cinco Conselheiros destacaram a melhoria de renda familiar; quatro
Conselheiros, a garantia de escola pública de qualidade e a todas as crianças e
adolescentes; e quatro Conselheiros, a implementação dos efetivos controle de
fiscalização. A articulação interinstitucional foi destacada por três Conselheiros.
No entanto, é de extrema importância destacar que apenas um
Conselheiro pontuou a sistematização dos dados e promoção do desenvolvimento
local e sustentável para a erradicação do trabalho infantil.
Portanto, as diretrizes, que são elementos essenciais e articuladas entre
si, nem sempre são consideradas como prioritárias, dificultando as ações, pois não é
possível planejar a erradicação do trabalho infantil sem um sistema de dados para
conhecer a realidade local.
Basicamente, o Conselho Tutelar de Florianópolis atua na erradicação do
trabalho infantil através do atendimento e encaminhamento das reduzidas demandas
que ainda chegam através das denúncias, sendo, nesses casos, providenciado o
encaminhamento para o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), único
programa de atendimento no município aos casos de trabalho infantil.
Outras formas que possibilitam diagnosticar situações de trabalho infantil
são os Programas de Apoio à Infreqüência Escolar (APÓIA) e Aviso por Maus-Tratos
(APOMT), que têm como parceiro o Conselho Tutelar.
O Programa de Apoio à Infreqüência Escolar (APÓIA) é uma ação em
parceira com as Secretarias de Educação, Centro Operacional da Infância e
Juventude da Procuradoria Geral do Ministério Público do Estado de Santa Catarina,
Conselhos Tutelares, entre outros órgãos. Tem como objetivo garantir a
119
permanência de crianças e adolescentes, com idades entre 06 e 18 anos
202
, na
escola, e ainda trazer aquelas que estão fora da escola; o foco central são os casos
de infreqüência escolar.
Cabe lembrar que o trabalho infantil é uma das causas de evasão e
infreqüência escolar, e traz efeitos negativos ao desenvolvimento educacional.
O trabalho infantil tem repercussões negativas na aprendizagem satisfatória
das crianças. Muitas provas demonstram a validade dessa ‘lição’: por
exemplo, o trabalho por temporadas repercute no índice de freqüência, as
longas horas de trabalho deixam as crianças muito cansadas para se
concentrar e as condições perigosas de saúde reduzem permanentemente
sua capacidade de aprender. As crianças até vão à escola, mas sua
participação é limitada ou sua capacidade de aprendizagem se ressente
como conseqüência inclusiva do trabalho parcial, sofrem também as
conseqüências negativas do trabalho infantil Quer dizer, o trabalho que não
interfere na freqüência escolar, mas que, todavia, repercute no direito da
criança a uma educação básica é trabalho infantil.
203
A evasão escolar é também outro fator predominante na relação de
exploração do trabalho infantil, pois as escolas nem sempre são atrativas; além do
mais, as condições de extrema pobreza contribuem para a evasão escolar, assim “o
trabalho e a escola são duas coisas que dificilmente se conciliam na realidade
brasileira. A escola acaba ficando para trás, porque o que determina é a
necessidade”.
204
A escola como espaço de integração ainda reproduz a cultura de inserção
das crianças e adolescentes no mercado de trabalho. O ensino público ainda é muito
precário, principalmente nas áreas rurais, onde os professores têm baixo nível de
qualificação e a escola deixa de acompanhar as inovações e transformações dos
tempos atuais.
O Ministério da Educação reconhece que
O próprio sistema de ensino tem gerado exclusão escolar e social. Parte
das suas causas tem raízes na própria escola, ditadas por razões que
dizem respeito à inadequação dos currículos, à deficiência na formação
202
Alteração dada pela Emenda Constitucional n. 53, de 20.12.2006.
203
BRASIL, Ministério da Educação. Relação entre Educação e trabalho infantil. Consulta
Regional Latino-Americana e Caribenha sobre Trabalho infantil. Brasília: Unicef/OIT, 1997.
204
FREITAS, Maria da Conceição. A educação como fator de mudança social. In: Seminário A
questão de gênero e trabalho infantil na pequena mineração sul-americana, Prosul, Centro
de Tecnologia Mineral do Ministério da Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro, 2005. p. 15.
120
inicial e continuada dos professores, às avaliações equivocadas que
insistem em responsabilizar o aluno pelo seu próprio fracasso e que termina
por estimular o abandono das escolas. Mas seria um equívoco
circunscrever o problema às causas de natureza educacional. Isso porque a
evasão escolar também está associada às desigualdades econômicas e
disparidades regionais.
205
O sistema educacional brasileiro é excludente, baseado no viés da
moralidade, da disciplina e do controle sobre as crianças e adolescentes. Assim,
muitas vezes, o trabalho torna-se a alternativa a este sistema. Portanto, para a
efetiva erradicação do trabalho infantil, não é suficiente apenas o preenchimento do
Relatório de Aviso por Infreqüência de Aluno do APÓIA, nos casos de reiteradas
faltas do educando, pois isso apenas evidencia que a escola não faz parte da vida
de seus alunos, ficando apenas o controle do Estado sobre a família.
Os procedimentos do APÓIA envolvem situação em que o professor
encaminha à Direção da escola o formulário de ausência do aluno. A Direção da
Escola enviará ao Conselho Tutelar até chegar à Promotoria da Infância e
Juventude, quando os órgãos anteriores não tiverem êxito do retorno do educando à
escola.
Em Florianópolis, o CT recebe todas as denúncias de evasão escolar
através do APÓIA e como em muitos casos a evasão escolar está relacionada ao
trabalho, acreditamos que o atendimento adequado contribuirá significamente”
206
, na
verificação dos casos que possam ter ligação com situações de trabalho infantil.
Assim, os demais Conselheiros responderam sobre a contribuição do
APÓIA na erradicação do trabalho infantil do seguinte modo:
- Utilizamos sim e podemos dizer que nos ajuda bastante como porta de
entrada.
- São utilizados sim pelo Conselho Tutelar, e ajudam bastante no processo
de erradicação do trabalho infanto-juvenil.
Três Conselheiros responderam apenas “sim, contribui”, não justificando
suas respostas.
205
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Programa toda criança na escola. Brasília:
MEC, 1997. p. 7.
206
Resposta coletiva dos quatro Conselheiros Tutelares da Região Insular.
121
Portanto, o APÓIA tem se tornado um instrumento de auxílio aos
Conselheiros Tutelares, no entanto, estes não apontam dados ou outras
informações que justifiquem essa contribuição.
Em relação ao Programa Aviso por Maus-Tratos (APOMT), contra
crianças e adolescentes, os Conselheiros comunicaram que não mais o estão
utilizando, a pedido da Promotoria da Vara da Infância e Juventude da capital. A
justificativa foi de que demandava muito trabalho dos Conselheiros o modelo
estabelecido pelo APOMT, através de suas fichas extensas, e que devido à
ausência de uma rede articulada e capacitada o programa foi aos poucos perdendo
seu objetivo.
O papel central do Conselho Tutelar no APOMT era
[...] o órgão que deve receber o APOMT, as denúncias, as reclamações e
aplicar as medidas de proteção à criança e ao adolescente quando seus
direitos forem ameaçados ou violados. Não é seu papel fazer atendimento e
sim encaminhamento. Por isso sua atuação tem caráter de escuta,
orientação e aconselhamento. O Conselho Tutelar também é uma espécie
de fiscal dos serviços que o Município oferece, verificando quais direitos
estão sendo negados às crianças e aos adolescentes por omissão ou
negligência.
207
O objetivo central do programa é que o Estado de Santa Catarina tenha
um “Sistema Unificado de Aviso Compulsório de Maus-Tratos contra criança ou
adolescente, por meio do uso de um formulário padronizado de notificação”
encaminhado pelos diversos órgãos: educação, saúde, segurança pública e
Conselhos Tutelares, no intuito de garantir atendimento e encaminhamento da vítima
aos programas de proteção que se fizerem necessários
208
.
Deste modo, pode-se destacar que
A violência como problema de saúde é uma idéia recente, pois sempre foi
tratado como um problema da segurança pública, da justiça ou dos
programas protetivos. Por isso a grande maioria dos profissionais de saúde
ainda tem dificuldades em abordá-la. Geralmente esses profissionais se
limitam a cuidar das lesões decorrentes da agressão sem se preocupar com
as causas e as conseqüências do ato violento.
209
207
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Programa Aviso por Maus-Tratos
contra crianças ou Adolescentes - APOMT. Florianópolis: Procuradoria-Geral de Justiça, 2006.
p. 20.
208
Idem, ibidem, p. 9.
209
Idem, ibidem, p. 16.
122
Assim, os casos de situação de trabalho infantil também devem ser
considerados como uma violência, ou também causador de violência contra crianças
e adolescentes. Portanto, aqueles casos que chegam à rede de saúde, em que a
criança ou adolescente aparecem com ferimentos, devem ser considerados como
maus-tratos.
3.3 LIMITES E PERSPECTIVAS DO CONSELHO TUTELAR NA ERRADICAÇÃO
DO TRABALHO INFANTIL
Após uma descrição sobre as responsabilidades do Conselho Tutelar na
erradicação do trabalho infantil, cabe apontar os limites e perspectivas desse órgão.
Os limites podem perpassar pela ausência de formação, ausência de programas,
políticas públicas, ou ainda por questões culturais.
Portanto, foram levantadas questões que viessem buscar respostas da
relação do Conselho Tutelar e trabalho infantil. Inicialmente foi perguntado, aos
Conselheiros Tutelares, o que se entende por trabalho infantil. As respostas vieram
da seguinte forma:
- Quando uma criança trabalha por algum tipo de remuneração;
- São crianças trabalhando em locais perigosos, alto risco, tendo seu direito
à vida violado;
- É a exploração de crianças e adolescentes, seja no ambiente doméstico
quanto no auxílio dos pais;
- [...] é qualquer modo de trabalho praticado por crianças e/ou adolescentes,
desempenhado abaixo da idade mínima legal admitida para o trabalho,
segundo a legislação vigente no Brasil;
- É a utilização de crianças/adolescentes como mão-de-obra, não
considerando sua condição peculiar de desenvolvimento. É uma das piores
formas de exploração de crianças levando em consideração o aspecto
prejudicial, proibindo que as mesmas exerçam seus direitos, o de brincar, o
de estudar, de ter lazer, de participar cotidianamente da vida familiar e
comunitária. Devemos considerar ainda os problemas de saúde, sicos e
psicológicos;
- É toda a forma de trabalho exercida por crianças e adolescentes, abaixo
da idade mínima permitida para trabalho;
- É a exploração da mão-de-obra infantil;
- Uma das principais violações de direito das crianças ou adolescentes; pois
deve ser banido, e o Poder Público deve dar mais atenção para essa
questão tão complexa;
123
- O trabalho infantil constitui uma grande temática de discussões na
sociedade brasileira, pois constitui uma grave violação do direito, violando
seu direito de brincar, conviver com a família e amigos, afastando essa fase
maravilhosa da infância e adolescência;
As respostas apontam para concepções diversas. Uma delas é que o
trabalho não remunerado da criança ou do adolescente pode o constituir uma
exploração, indicando principalmente se referir a casos de trabalho doméstico ou em
atividades de economia familiar, que muitos consideram como “ajuda às famílias”.
No entanto, há que se distinguir tarefa e trabalho.
210
A idéia de trabalho familiar decorre de cultura arraigada no imaginário
agrícola, condição predominante no Brasil, pelo menos até a cada de
1950. [...] o trabalho da criança sempre foi como uma mão-de-obra à
disposição das necessidades da família, operando como forma de
transferência das responsabilidades dos adultos para as crianças,
exonerando o Estado na efetivação de qualquer tipo de direito social e
disponibilizando uma o-de-obra barata, na maioria das vezes sem
qualquer tipo de remuneração, naturalizando o uso do trabalho infantil.
211
E ainda não se pode esquecer que, mesmo a Lei determinando o limite de
idade mínima para o trabalho, há outras situações que devem ser observadas, como
os casos que venham trazer prejuízo à freqüência escolar.
Além disso, o conceito de trabalho infantil apontado pelos conselheiros
tutelares é muito vago. Para análise das respostas categorizou-se os conceitos
apresentados nas dimensões judicas, educacionais, ecomicas, de desenvolvimento
(físico e psicológico), familiar, cultural, e de piores formas. As respostas apontam
para uma preocupação com o conceito jurídico (três conselheiros), e isto se justifica
pela própria atribuição dos conselheiros, que têm por instrumento de trabalho o
Direito da Criança e do Adolescente. Outros três Conselheiros destacaram o
trabalho infantil apenas pelas piores formas. No entanto, esta é uma forma de
justificar aqueles trabalhos considerados “leves” como não-trabalho.
Observa-se que dois conselheiros apresentam o trabalho infantil a partir
de uma dimensão econômica, e apenas um aponta aqueles trabalhos de caráter
familiar. No entanto, ninguém apontou a questão conceitual, o trabalho como
elemento cultural e de caráter educativo. Mas o elemento cultura vai permear a
210
Para um estudo complementar ver: CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do Trabalho Infantil
doméstico no Brasil Contemporâneo, cit.
124
questão seguinte relativa às dificuldades do Conselho Tutelar para erradicar o
trabalho infantil.
Em relação às denúncias que chegam ao Conselho Tutelar, o que se
observou na pesquisa foi o pequeno número de registros no Sistema de Informação
para Infância e Adolescência (SIPIA) com apenas 16 casos até o ano de 2007. O
questionário esclareceu este aspecto, uma vez que o Conselho Tutelar não mais
cadastra os casos no SIPIA, conforme descrito anteriormente.
2
19
4
2
23
7
0
3
7
0
5
10
15
20
25
2006 2007 2008
Gráfico 12: Conselho Tutelar - Denúncias de Trabalho
Infantil
Norte da Ilha
Insular
Continente
Os casos de denúncias de trabalho infantil que chegam ao Conselho
Tutelar são reduzidos. O Conselho Tutelar do Norte da Ilha registrou apenas dois
casos no ano de 2006, e dois casos em 2007; o Conselho Insular registrou 19
casos em 2006, 23 casos em 2007, e neste ano foram três casos. O Conselho
Tutelar do Continente apresentou quatro casos em 2006; sete casos em 2007; e
sete casos em 2008. Portanto, em Florianópolis, foram registrados pelo Conselho
Tutelar 25 casos de trabalho infantil em 2006; 32 casos em 2007; e até o momento
10 casos.
18
274
19
11
45
165
19
95
23
Gráfico 13: Atendimentos no Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil
Ba
Coletor de lata/papel
Engraxate
Flanelinha
Mendicância
Prevenção
Trabalho doméstico
Vendedor (a) ambulante
Outros
211
Idem, ibidem, p. 106.
125
Por outro lado, os dados de atendimento dos Conselhos Tutelares, sem
dúvida, não refletem a realidade da exploração do trabalho infantil no município de
Florianópolis, pois no programa de erradicação do trabalho infantil são 669 crianças
e adolescentes, com idades entre 7 a 16 anos, sendo atendidos. As atividades que
mais se destacam o a de coletor de lata e papel e a de vendedor ambulante,
sendo o produto mais comercializado as balas em semáforo. Os outros
correspondem às atividades que foram encontradas de 1 a 3 casos, como na
agricultura, ajudante de comércio, ajudante de pintor, biscate, borracheiro, catador,
coletor de sucata, comércio de drogas, distribuição de jornal, distribuição de
panfletos, exploração sexual, faxineira, servente, serviços gerais e sucateiro,
conforme registro de atendimento no PETI.
Assim, destaca-se que dos casos de encaminhamentos recebidos pelos
PETI, 63,4% advêm de escolas/prevenção, 18,8% do Conselho Tutelar, 11,4% de
programas diversos, e 6,4% do programa Abordagem de Rua, no universo de 315
famílias atendidas
212
.
Os casos que chegam ao Conselho Tutelar seguem o procedimento de
verificação da veracidade da denúncia, responsabilização dos pais ou responsáveis
e encaminhamento da criança ou adolescente ao PETI, além de matrículas em
escolas e outras medidas que se fizerem necessárias. Outra forma de identificação
das situações de trabalho infantil em Florianópolis é o Programa Abordagem de Rua,
que também faz a verificação dos casos e o encaminhamento ao PETI.
Portanto, não um dado objetivo sobre o contexto do trabalho infantil
em Florianópolis, pois os fatos podem vir tanto de denúncias do Conselho Tutelar,
quanto do Programa Abordagem de Rua. No entanto, é possível verificar um número
expressivo de crianças e adolescentes trabalhando em Florianópolis, em locais
públicos e visíveis à população, a exemplo de meninos engraxates no Terminal Rita
Maria, os catadores de latas nas praias, os vendedores ambulantes nas praias e
região central da capital, os guardadores de veículos nas áreas comerciais à noite,
além de outras atividades, como aquelas consideradas invisíveis, exemplificadas
pelo trabalho infantil doméstico.
Para os Conselheiros Tutelares, as principais dificuldades na erradicação
do trabalho infantil são:
126
- A cultura das famílias com relação à valorização do trabalho infantil na
maioria dos casos atendidos;
- A cultura das famílias e a falta de qualidade dos programas;
- A maior dificuldade encontrada diz respeito à não-concretização da
medida de proteção aplicada pelo C.T., ou seja, a fila de espera para início
do recebimento da Bolsa do PETI, a falta de programa de projeto
socioeducativo que atenda às crianças/adolescentes e ofereça as atividades
propostas. Também quando a família, mesmo recebendo Bolsa, novamente
envolve seus filhos no mesmo tipo de trabalho.
- A cultura das famílias é uma das principais dificuldades. Muitos pais
acham que é “melhor um filho trabalhando do que na vagabundagem”, o
que dificulta as orientações do Conselho Tutelar. A falta da qualidade dos
programas de atendimentos que muitas vezes agem apenas no intuito de
repassar o valor da Bolsa;
- Falta de políticas públicas;
- Dificuldades de encontrar os familiares das crianças ou adolescentes e
também a adesão desta família ao Programa (PETI);
- A maior dificuldade é a adesão ao Programa, pois as famílias acham muito
baixo o valor recebido. Não sabem o significado do Programa, piorando a
situação quando existe uma história familiar de exploração e
mendicância. Muitas crianças quando abordadas alegam gostar de vender
balas e objetos no centro da cidade, que estão acostumados e que
precisam ajudar a família.
- O Conselho Tutelar não trata direitamente do problema, pois não faz
trabalho preventivo.
As dificuldades enfrentadas pelos Conselheiros Tutelares apresentam-se
a partir de três elementos-chave: famílias, cultura do trabalho, políticas e programas.
Das oito respostas apresentadas, seis responsabilizaram as famílias como entrave
no processo de atuação. O outro ponto bastante sintomático apresentado foi o
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Os depoimentos identificam no PETI
algumas falhas (qualidade do programa, repasse do valor da Bolsa, fila de espera), o
que se torna um limite para a erradicação do trabalho infantil. Este ponto corrobora o
entendimento dos Conselheiros ao identificarem que o PETI não tem conseguido
afastar as crianças e adolescentes do trabalho.
A fragilidade do Conselho Tutelar foi apontada por dois conselheiros. Esta
fragilidade está relacionada principalmente à demanda significativa de trabalho
destacada na pesquisa.
Cabe destacar que não foram apresentados outros fatores importantes
que certamente são fatores que completam as dificuldades enfrentadas pelos
Conselheiros na erradicação do trabalho infantil, tais como: a estrutura física do
212
Dados fornecidos pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil de Florianópolis.
127
Conselho Tutelar que influi na obtenção dos dados; e a ausência de uma articulação
em rede do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente em
Florianópolis.
Quanto ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil de Florianópolis,
este é o único programa que tem por objetivo erradicar o trabalho infantil. A
coordenação do programa fica localizada junto ao Complexo Cidade da Criança, e
as ações socioeducativas são realizadas em diversos bairros da capital, em parceria
com organizações não-governamentais
213
.
Na capital catarinense, o PETI foi criado em 2001, inicialmente com 210
metas de atendimento, chegando atingir 710. Atualmente, com a unificação do
programa ao Bolsa Família, não limite de vagas no atendimento de crianças e
adolescentes exploradas no trabalho infantil. No entanto, o benefício é limitado a três
Bolsas por família.
O PETI em Florianópolis atende crianças de 7 (sete) a 16 (dezesseis)
anos
214
. As crianças abaixo dessa idade que estão em situação de trabalho infantil
são atendidas e cadastradas no Programa, mas não participam das ações
socioeducativas. No entanto, para garantir a continuidade do benefício, os pais
devem levar regularmente a criança ao posto de saúde, garantindo as vacinas
obrigatórias. Dessa forma, a manutenção do benefício será assegurada desde que a
criança esteja em dia com o cartão de vacinação.
Cabe destacar que a ausência de educação infantil em período integral
vem contribuir para manutenção de crianças nessa faixa etária no trabalho infantil. A
capital catarinense já teve uma demanda de cinco mil crianças em educação infantil,
e gerou uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público, quando o município
passou a fornecer tais vagas, mas nem todas em período integral, de acordo com as
necessidades dos pais.
Em 2006, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina moveu ação
civil pública contra o município de Florianópolis, requerendo a abertura de vagas no
montante suficiente para zerar a fila de espera. A prefeitura indicou que
213
Foi realizada uma entrevista com o Coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
de Florianópolis, Sr. Carlos Alberto Veloso, que apresentou as informações destacadas nestes
parágrafos que tratam do PETI. A lista das organizações parceiras do PETI consta em anexo.
214
A Portaria 666/2005 altera a idade para 0 a 16 anos.
128
aproximadamente 2.200 crianças com idades entre 0 a 06 anos não têm acesso à
educação infantil.
215
Na ação civil pública, o Ministério Público pede a inclusão de 9,38 milhões
no orçamento do município para o ano de 2007, para que sejam garantidas as obras
necessárias e a oferta de mais 3.270 vagas
216
. Assim, “as 3.270 vagas foram
apontadas como necessárias para suprir uma demanda reprimida que é histórica na
Capital”
217
4.390
3.297
2.333
423
0
2.000
4.000
6.000
Gráfico 14: Número de Crianças Atendidas na Educação
Infantil em Florianópolis - 2006
Período Integral Poder Público
Período Parcial Poder Público
Período Integral ONG's
Período Parcial ONG's
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis
218
, o
número de crianças atendidas na educação infantil em 2006 foi de 7.687, sendo que
destas, 4.390 em período integral e 3.297 em período parcial. Complementando
ainda estes dados, o atendimento através de 30 convênios com organizações
não-governamentais, que atendem 423 crianças em período parcial e 2.333 crianças
em período integral.
219
215
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Ação exige abertura de vagas para
zerar déficit de 2,2 mil crianças na educação infantil em Florianópolis. Disponível em:
<http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=5659&conteudo=fixo_det
alhe_lista_tabela>. Acesso em: 20 maio 2008.
216
Estas 3.270 vagas na educação infantil foram apresentadas de acordo com a demanda por região
do município de Florianópolis: Na Região Norte: 845; Região Central: 790; Região Leste: 440;
Região Sul: 770; Região Continental: 425.
217
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Ação exige abertura de vagas para
zerar déficit de 2,2 mil crianças na educação infantil em Florianópolis, cit.
218
O Departamento de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação preno Plano Anual
de Trabalho de 2008, “o acompanhamento da lista de espera e das vagas ociosas das Unidades
Educacionais, auxiliando na reorganização dos grupos de crianças, otimizando o atendimento.
Ampliação do atendimento com: - inclusão de 508 crianças até fev./08 (vagas ociosas); - 620
vagas até jan./08 (NEI Ingleses, Armação e Tapera); 320 vagas até ago./08; 600 vagas até
dez./08; 200 vagas até mar./09; 200 vagas até dez./09; Identificação das necessárias ampliações
e/ou construções; Identificação dos grupos de maior demanda.”. Disponível em: <http://www.pmf.
sc.gov.br/educa/ed_infantil/planejamento_DEI_2008.ppt>. Acesso em: 20 maio 2008.
219
FLORIANOPOLIS. Secretaria Municipal de Educação. Indicadores Educacionais. Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/educa/indicadores.htm>. Acesso em: 20 de maio de 2008.
129
Outro compromisso do PETI é o programa de geração de trabalho e
renda às famílias. Em Florianópolis, não ações próprias do PETI, pois, como o
programa não dispõe de recursos próprios para execução destas atividades, cabe
ao Poder Público municipal assim fazê-lo. Em 2006, a coordenação do Programa
encaminhou à Secretaria de Desenvolvimento Social propostas de programas de
geração de trabalho e renda, mas eles nunca foram executados.
Apenas alguns cursos e capacitações são executados pelos Centros de
Referência de Assistência Social (CRAS) e o Instituto de Geração e Oportunidades
de Florianópolis, para todas as famílias vinculadas a programas sociais da
Secretaria de Desenvolvimento Social.
Segundo o coordenador do PETI, as maiores dificuldades do programa
são também o fortalecimento da cultura do trabalho “como algo bom para as
crianças” perante as famílias, a ausência de programa de geração de trabalho e
renda, além de alguns casos de crianças ou adolescentes que estão foram das
atividades socioeducativas. Isto ocorre porque o são em todos os bairros que têm
ações socioeducativas; em alguns casos são supridos com deslocamento da criança
ou adolescente até a instituição que fornece atividade mais próxima de sua casa.
No questionário oferecido aos Conselheiros Tutelares, duas questões
estavam relacionadas ao PETI. Uma tentava verificar como o Programa serve de
retaguarda aos casos denunciados, e a outra, traçar a relação dos casos
denunciados. Quanto ao primeiro enunciado, foram assim destacados:
a) Sete conselheiros responderam que sim, no entanto, um complementa:
“pois é a única política de atendimento no município”.
b) Dois conselheiros responderam que o programa não tem servido de
retaguarda, “ainda muito que se fazer, visto que o programa ainda
apresenta muitas deficiências e não cumpre na sua totalidade ao que
se propõe”.
c) Dois conselheiros responderam que, às vezes, pois “existe muita
carência da equipe nesse trabalho; acredito que deveria haver
melhores capacitações nesse setor”.
Deste modo, verificar-se que, apesar da maioria dos Conselheiros
apontarem que o PETI tem servido de retaguarda, cabe pontuar o destaque feito por
130
um dos Conselheiros, ao identificar que esta retaguarda se apenas por ser o
único programa de atendimento específico, pois os mesmos se contrapõem na
questão abaixo.
A segunda questão tratava do Programa em relação à potencialidade de
afastar a criança e ou o adolescente do trabalho. Esta questão apontou certo
descrédito em relação à efetividade do Programa, sendo que apenas dois
Conselheiros Tutelares afirmaram que o PETI tem alcançado o efetivo afastamento
de crianças e adolescentes do trabalho; um conselheiro respondeu “às vezes”, e oito
Conselheiros disseram “não”, pois,
[...] em muitos casos, a criança/adolescente acaba com seu trabalho
assegurando um valor maior do que recebido pela Bolsa do PETI, isso faz
com que os mesmos permaneçam no trabalho, visto que na maioria dos
casos a pobreza é o determinante para a inserção de crianças no trabalho.
É como na prática não existe um trabalho concreto com essas famílias e
políticas auxiliares, acabamos atendendo a reincidência da denúncia.
Justamente não entendo o que está acontecendo. Admito que nós
conselheiros devamos nos interar mais deste projeto e conhecê-lo melhor.
Existem reincidências;
Porque as reincidências continuam;
As reincidências de denúncias é regular;
Três Conselheiros apenas classificaram com “não”, sem justificar sua
resposta.
Assim, analisando tais questões, fica a percepção de que não uma
política efetiva e sistemática de prevenção e erradicação do trabalho infantil, sequer
um plano municipal de erradicação do trabalho infantil articulado entre os órgãos
do sistema.
220
Isso pode explicar o crescimento nos números de exploração do
220
No intuito de contribuir, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e a Associação Curumim do Estado do
Ceará criaram um Guia Metodológico para elaboração de planos de prevenção e erradicação do
trabalho infantil, e serve de modelo aos Estados e municípios. “O guia metodológico é uma
importante ferramenta de orientação para elaboração, a implementação e o monitoramento da
prevenção e erradicação do trabalho Infantil, e como instrumento eficaz de articulação das
políticas públicas e integração de ações para eliminação do trabalho infantil.” Em Santa Catarina,
o Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho
pretendem, em 2008, promover a implementação do plano a partir deste guia. In: ALMEIDA
FILHO, Raimundo Coelho de; NOGUEIRA NETO, Wanderlino; GROF, Rogério. Guia
Metodológico para Implementação de Planos de Prevenção e Erradicação do trabalho
Infantil. Brasília: OIT, 2007.
131
trabalho infantil, obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
nas suas últimas três pesquisas.
As críticas relacionadas ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI) justificam-se pelo que o Programa se propõe, mas não cumpre, como ter uma
equipe de profissionais qualificados e promover seus objetivos. Isso pode gerar as
“reincidências” destacadas pelos Conselheiros Tutelares. Dentre esses, o objetivo
mais difícil ainda é a efetiva política de geração de trabalho e renda para as famílias.
Além disso, a unificação PETI/Bolsa Família, destacada no primeiro capítulo, trouxe
prejuízos relativos ao valor da Bolsa, proporcionando maior fragilidade econômica às
famílias.
Evidentemente, a retirada de crianças ou adolescentes do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil em razão do baixo valor da Bolsa não pode servir
como justificativa, pois se as famílias necessitam complementar a renda para sua
manutenção, não devem fazê-lo pela exploração da mão-de-obra infantil, pois,
nestes casos, compete à política municipal da assistência social fazer o devido
atendimento nos programas de apoio sociofamiliar.
Uma das rias dimensões do fenômeno da exploração do trabalho
infantil provêm de fatores culturais. Os Conselheiros Tutelares, como agentes que
atuarão na promoção e defesa dos direitos de criança e adolescente, devem
conhecer o tema para desmitificar a cultura do trabalho infantil, e a partir daí atuar na
defesa e promoção dos direitos de crianças e adolescentes. Para isso foram
questionados se a idade mínima estabelecida na legislação atual é adequada. Vale
lembrar que Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho determina a
elevação progressiva dos limites de idade mínima para o trabalho. Os Conselheiros
Tutelares afirmaram que a idade mínima para o trabalho:
- É adequada sim. A formação do caráter se faz desde cedo.
- Sim, os adolescentes devem ter o direito de trabalhar, caso queiram.
- As realidades brasileiras são muito diferentes, penso ser difícil determinar
parâmetros quando os mesmos não são igualitários.
- Sim, a idade prevista na lei é adequada para adolescentes iniciarem no
mercado de trabalho. Caso contrário, estaríamos aceitando que essa
população não fosse considerada e atendida na sua condição de
desenvolvimento.
- O trabalho para um adolescente tendo 14 ou 16 anos não significa
melhoria nas condições de vida destes. A idade limite para o trabalho não
supera as dificuldades fatídicas existentes, quer seja a carência das famílias
132
quer seja a falta de uma política destinada para o total desenvolvimento das
crianças e adolescentes do Brasil. Devemos fazer com que os nossos
governantes pensem sobre a nossa realidade para que não ouçamos
novamente frases do tipo: “Eu estou trabalhando; não tô roubando”.
- Sim, pois devemos dar prioridade para o estudo. O trabalho e escola tem
que ter maior consciência.
- Acredito que sim, não estou muito interada sobre os estudos do trabalho
infantil, mas acredito que falta muita oportunidade para adolescente
aprendiz, que não existe muito investimento nesse setor, apesar de ter
muita procura nos conselhos. Hoje no município existem alguns lugares que
trabalham com essa faixa etária de 14 a 16 anos.
- Na minha opinião sim, o fato é fazer políticas públicas mais adequada.
Três conselheiros apenas responderam sim, sem justificar a opinião.
É nesta questão que se identificam alguns posicionamentos mais
conservadores dos Conselheiros Tutelares em relação à idade mínima para o
trabalho, principalmente quando se trata do trabalho na adolescência.
Para complementar a discussão do assunto, os conselheiros foram
questionados se existiria algum caso em que o trabalho da criança ou adolescentes
poderia ser uma solução para a pobreza das famílias. Nove deles disseram que não,
e um deles completa que “enquanto órgão que têm por objetivo fundamental a
garantia de direitos, deve agir de forma que se possa buscar mobilização social em
defesa dos direitos”.
No entanto, dois Conselheiros se posicionaram positivamente para eles:
- Como ajuda sim, como é o caso de adolescente que tem 14 anos com
capacidade física e psicológica que podem contribuir tanto no
desenvolvimento de uma empresa quanto no sustento da casa.
- [...] os adolescentes poderiam exercer uma atividade de acordo com faixa
etária. Assim se sentiriam mais valorizados, tendo seu próprio dinheiro para
compra de coisas pessoais, mas nunca abrir o do estudo. Deve ser uma
exigência dos órgãos que trabalham com essa clientela.
Considerando as respostas das perguntas acima, verifica-se que o
elemento cultural reafirma a velha idéia da emancipação pelo trabalho. Assim, a
cultura compõe um conjunto de significados e formas simbólicas, de diferentes
modos e idéias. No entanto, a cultura dos valores positivos do trabalho trouxe a
indisciplina e o ócio como elementos condenáveis
221
. Não se deve aceitar tal
221
MARTINS, Silvia Helena Zanirato. Artífices do Ócio: mendigos e vadios em São Paulo (1933-
1942). Londrina: UEL, 1998. p. 192-193.
133
concepção de um órgão que tem por princípio zelar pelos direitos de crianças e
adolescentes.
O Conselho Tutelar não pode ser um órgão de controle de crianças e
adolescentes pobres, e nem trazer resquícios do menorismo, elementos
incompatível com a Teoria da Proteção Integral. Cabe a ele defender os direitos de
todas as crianças e adolescentes, pois a “baixa qualidade no argumento e no
discurso do Conselheiro Tutelar lhe inibe e limita sua ação”.
222
Martins explica que
[...] as representações do mundo cultural se fazem na luta, onde um grupo
impõe, ou tenta impor a sua concepção de mundo, os seus valores e seu
domínio, importa verificar como foi recebido pelo conjunto social o sistema
de valores que, ao eleger o trabalho como pilar de construção do homem e
da Nação, conseqüentemente gerou o seu contrário: a desocupação como a
representação da decadência moral e política.
223
Para Oliveira, a sociedade torna a valorização do trabalho fazendo-se
mais presente para os adolescentes pobres, fruto de um dever moral, e pela cultura
extremamente enraizada, no entanto “cobra-se do adolescente pobre a obrigação de
trabalhar sem oferecer as mesmas possibilidades que se dão aos demais
adolescentes.”
224
Assim, além do elemento cultural do trabalho, o “poder dos adultos sobre
as crianças e adolescentes impede que eles sejam vistos por eles mesmos como
sujeitos de direitos”
225
, e a criança ou adolescente passa a aceitar o trabalho como
elemento construtivo, isto é uso pela docilidade destes.
Segundo Custódio e Veronese, o fortalecimento do trabalho infantil está
nos mitos que este apresenta, pois “o trabalho de crianças e adolescentes está
arraigado nas tradições, nos comportamentos de diversos locais, como um vestígio
do passado, com uma forte resistência à mudança”.
226
222
KAMINSKI, André Karst. Perspectivas do Conselho Tutelar no Século XXI. Cadernos de
Assessoria aos Conselhos Tutelares. Porto Alegre, 2000. p. 92.
223
MARTINS, Silvia Helena Zanirato. Op. cit., p. 191.
224
OLIVEIRA, Oris. O Trabalho da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1994. p. 20.
225
FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. Crianças e
adolescentes no universo do lixo. Brasília: FNPETI, 2005. p. 37.
226
CUSTÓDIO, André Viana, VERONESE, Josiane Rose Petry. Op. cit., p. 93.
134
A necessidade social de ocupação das crianças e adolescentes apresenta-
se como argumento poderoso em favor do trabalho infantil. Em muitos
momentos a criança e o adolescente são observados de maneira
estigmatizada e discriminatória, o que leva a serem compreendidos como
agentes de risco ou perigo.
O Conselho Tutelar vem agindo apenas naqueles poucos casos em que
as denúncias chegam; sua demanda excessiva de trabalho fez com que esse órgão
se tornasse mais próximo da primeira proposta de Conselho Tutelar, ou seja, um
órgão com a finalidade de atendimento de crianças e adolescentes.
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), como único
programa de atendimento, vem tentando erradicar o trabalho infantil, mas encontra
dificuldade. Seja porque não conseguiu estabelecer todos os objetivos do programa,
ou pelas alterações dadas pelo Ministério de Desenvolvimento Social quando
unificou ao Programa Bolsa Família, perdendo parte de sua configuração
estabelecida anteriormente. As atividades socioeducativas, em especial em
Florianópolis, são feitas em parceria com o Poder Público municipal e com entidades
não-governamentais, e aqui cabe um questionamento para futuro trabalho. As
equipes que atuam nessas atividades estão preparadas e capacitadas para atuar
nesse campo? Tem-se um projeto político-pedagógico dessas atividades?
Pois, se pensarmos na antiga jornada ampliada, o foco central eram
crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e monitores que tinham, ou
deveriam ter, como foco a sua prevenção e a erradicação.
Portanto, o que se pode verificar em Florianópolis é que o sistema de
garantia de proteção à criança e ao adolescente está falhando, quando se trata de
trabalho infantil.
Por fim, pensar a prevenção e a erradicação do trabalho infantil em
Florianópolis se constitui em um ponto fundamental e emergencial, e talvez isso
aconteça quando se organizar a rede de proteção à criança e ao adolescente e o
plano ação para prevenção e erradicação do trabalho infantil, pois essas ações
isoladas sem comunicabilidade já demonstraram falhas (Conselho Tutelar, Programa
Abordagem de Rua, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Educação, Ministério Público,
dentre outros).
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Historicamente, crianças e adolescentes foram exploradas no trabalho.
No Brasil, foi apenas no início da Primeira República que apareceram as primeiras
leis de proteção à criança e ao adolescente, que gradativamente foram elevando a
idade mínima para o trabalho. No entanto, no início do século XX, a idéia da retirada
de crianças do trabalho não foi uma preocupação apenas de proteger a primeira
infância, mas também uma solução conveniente à redução dos postos de trabalho
dos adultos.
A idéia de não trabalhar durante a infância esteve também muito ligada às
concepções idealizadas juridicamente como “vadiagem” e “delinqüência”, sendo que
às legislações foram atribuídas responsabilidades de regulamentar tais condições,
como fez o Código de Menores de 1927.
Mesmo após o longo período de debates nas “Semanas de Estudos dos
Problemas dos Menores (de 1948 a 1973)”, a proposta estabelecida no âmbito da
proteção à criança e ao adolescente ficou restrita à Política Nacional do Bem-Estar
do Menor, que estabeleceu políticas de caráter assistencialista centralizadas no
objetivo maior da repressão e do controle social.
Somente nas duas últimas décadas do século XX apareceria uma
mudança significativa no reconhecimento de direitos humanos de crianças e
adolescentes. A redemocratização traz uma nova esperança com as mobilizações
sociais. No âmbito internacional, os acordos e convenções sobre direitos humanos
são ratificados pelo país, que assume uma nova visão sobre a infância. É neste
contexto que se estabelece a Teoria da Proteção Integral da Organização das
Nações Unidas, com promessa de romper com todo um período de assistencialismo,
centralização política e repressão sobre as famílias empobrecidas.
A Teoria da Proteção Integral trouxe o reconhecimento de crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos, conferindo às políticas sociais, em seu
sentido mais amplo, o status de prioridade absoluta, partindo do pressuposto de que
criança e adolescentes estão em condição peculiar de pessoa em desenvolvimento
e, atribuindo responsabilidades compartilhadas à família, à sociedade e ao Estado
na concretização dos direitos declarados no artigo 227 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.
136
Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe um sistema de
garantias, prevendo a ação articulada entre a família, o Estado, a comunidade e a
sociedade em geral na efetivação dos direitos fundamentais da infância, que,
articulado ao princípio da descentralização político-administrativa, estabeleceu
competências aos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente
para deliberar sobre a política de atenção à infância e juventude nos municípios.
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil contribuiu
significativamente para redução do número de crianças e adolescentes no trabalho.
Essa condição está clara na análise comparativa dos dados estatísticos,
especialmente nos momentos iniciais de implementação do Programa. No entanto,
desde o ano de 2000, observa-se que os dados sobre o tema permanecem na faixa
dos 5 milhões de crianças e adolescentes explorados no trabalho, com ligeira
elevação nos anos de 2005 e 2006.
Este aumento pode ter relação direta com a unificação do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil ao Programa Bolsa Família, que reduziu o valor da
bolsa para as famílias, bem como limitou o número de crianças e adolescentes
beneficiados, restritas a partir daí para apenas três. Contudo, aponta-se a
necessidade de estudos mais aprofundados na análise dessas relações, pois o
aumento também pode ter relação com os indicadores de crescimento econômico e
a maior exigência de mão-de-obra no mercado de trabalho.
O Estatuto da Criança e do Adolescente previu o Conselho Tutelar como
um órgão que tem por atribuição zelar pelos direitos de crianças e adolescentes.
Pela sua importância no sistema de garantias de direitos, reconheceu o Conselho
Tutelar como órgão permanente, não-jurisdicional e autônomo, ou seja, um órgão
que representa a sociedade sem as amarras do Poder Público.
Ao contrário das expectativas da época de proposição do Conselho
Tutelar, suas funções foram aprimoradas e, portanto, não foi constituído para ser um
órgão de atendimento, mas sim um órgão de promoção e defesa de direitos.
Embora a legislação brasileira obrigue à criação de no mínimo um
Conselho Tutelar em cada município, esta realidade ainda não foi alcançada.
muitos municípios brasileiros que ainda não instalaram o Conselho Tutelar, e outros
mantêm o Conselho Tutelar absolutamente subordinado ao Poder Público municipal,
ferindo o princípio legal da autonomia desse órgão.
137
No município de Florianópolis, o Conselho Tutelar foi criado no ano de
1994. Atualmente existem no município três Conselhos Tutelares. A pesquisa de
campo realizada junto aos Conselhos possibilitou compreender como este órgão
atua na erradicação do trabalho infantil. O maior desafio foi compreender os limites e
as ações do órgão e oferecer reflexões visando contribuir para a erradicação do
trabalho infantil na Capital do Estado de Santa Catarina.
Considerando, as observações descritas ao longo da pesquisa, pode-se
elencar os seguintes pontos como estratégias de atuação do Conselho Tutelar na
erradicação do trabalho infantil:
Alterar o processo de escolha dos Conselheiros Tutelares, pois
atualmente a escolha é realizada por meio de entidades
governamentais e não-governamentais. É recomendável a escolha por
meio de eleição direta com a participação facultativa de todos os
eleitores do município com vistas à ampliação dos processos
democráticos.
Garantir a participação efetiva do Conselho Tutelar nas discussões
dos processos de elaboração dos Planos Plurianuais e das Leis
Orçamentárias, para que se garantam os recursos necessários para o
pleno funcionamento do Conselho Tutelar e, especialmente, os
recursos suficientes para a garantia da universalização de acesso às
políticas públicas para crianças e adolescentes no município de
Florianópolis.
Estabelecer mecanismos para garantir que cada Conselho Tutelar
tenha seus cinco representantes atuando simultaneamente e, nos
casos de vacância ou de férias, que sejam substituídos por seus
suplentes. No caso específico do município de Florianópolis, seria
recomendável que ao menos dois Conselheiros Tutelares estivessem
disponíveis integralmente para suprir as férias, que existem 15
Conselheiros Titulares que precisam gozam férias anualmente. A
redução deste número devido à falta de suplentes, e das ausências,
sem dúvida, implicará prejuízo na promoção e defesa dos direitos de
crianças e adolescentes.
138
Quanto às questões de infra-estrutura do Conselho Tutelar, é preciso
garantir os instrumentos essências para o exercício das suas
atribuições legais, uma vez que a lei é expressa no sentido de que o
orçamento municipal deve garantir os recursos necessários para a
manutenção do Conselho Tutelar. De igual modo, o Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente deve observar o
cumprimento dessa obrigação orçamentária e exigir do Poder Público
municipal toda infra-estrutura necessária ao bom funcionamento do
Conselho Tutelar, considerando inclusive as necessidades apontadas
pelos próprios Conselheiros Tutelares.
A pesquisa diagnosticou como indispensável ao funcionamento regular do
Conselho Tutelar em Florianópolis: a manutenção de computadores adequados para
receber o Sistema de Informação para Infância e Adolescência; melhorias na
estrutura física do Conselho Tutelar Insular e a capacitação dos Conselheiros para o
gerenciamento do SIPIA.
A pesquisa de campo identificou problemas de concepção na
compreensão do papel do Conselho Tutelar pelo Poder Público, que tenciona para
que o órgão se restrinja ao atendimento direto, técnico e especializado. Observa-se
que os dirigentes municipais ainda não reconhecem integralmente as atribuições
legais do Conselho Tutelar.
Observou-se que a atuação dos Conselhos Tutelares na erradicação do
trabalho infantil no município de Florianópolis limita-se ao encaminhamento para o
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. A atuação neste campo é
pressionada também pela intensa demanda de trabalho em diversificadas áreas,
bem como pelos próprios valores culturais de alguns Conselheiros Tutelares no
sentido de não reconhecer a exploração do trabalho infantil como uma forma de
violência grave contra a criança e o adolescente.
Cabe recomendar a necessidade de capacitação e oportunidades de
acesso à reflexão sobre as conseqüências da exploração do trabalho infantil tendo
como público beneficiado os Conselheiros Tutelares, visando estimular o debate
mais aprofundado sobre o tema trabalho infantil e suas alternativas de eliminão, no
intuito de romper com mitos que permeiam o trabalho da criança e do adolescente.
139
Por fim, cabe destacar a necessidade de esforços para superar as
deficiências do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente na
efetiva erradicação do trabalho infantil, com especial atenção à atual incapacidade
de atendimento da demanda por parte do Conselho Tutelar e do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil. Para que se alcance a prevenção e erradicação
plena do trabalho infantil no município de Florianópolis, torna-se fundamental e
emergencial o fortalecimento e a integração da rede municipal de proteção à criança
e ao adolescente, incluindo um compromisso sério e efetivo com a implementação
de um plano ação para a prevenção e a erradicação do trabalho infantil, visando
superar as dificuldade de integração do sistema de garantias de direitos.
140
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