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A primeira questão a ser levantada é se a interpretação e o uso que Hick faz de Kant
é adequado
258
. E a resposta de vários filósofos tem sido não
259
. Em primeiro lugar porque
do númeno segundo Kant não se poderia fazer afirmações substantivas. O númeno não
pode ser experimentado, não pode ser encontrado, não pode ser percebido. Portanto, se
alguém pensa ter tido uma experiência da verdade numênica está equivocado, porque, na
verdade, teve uma experiência do fenômeno e não do númeno.
Hick aplica a idéia de númeno a Deus porque ela dá sustentação a sua hipótese de
que todas as religiões são respostas válidas ao transcendente. Ele pretende, ao usar Kant,
fundamentar filosoficamente a sua tese
260
. Ao tentar fazer essa fundamentação ele revela
um problema sério dentro de seu projeto que é a fonte de sua argumentação. Dentro da
filosofia iluminista só deve ser aceitável o que for demonstrável e aceitável pela razão. Os
iluministas, calcados na epistemologia empiricista
261
de filósofos como Locke e Hume,
afirmam que só se deve dar como verdadeiro o que é descoberto pela razão. Portanto, a
idéia de que todas as crenças de uma religião e, ainda mais sério, de todas as grandes
religiões são verdadeiras em algum sentido não pode ser acatada pelos modernos.
Por outro lado, teólogos fideístas reformados resolvem o problema recorrendo ao
conceito de revelação. Ou seja, o critério para saber se uma afirmação acerca de Deus é
verdadeira é se esta está em acordo com a revelação de Deus dada na Bíblia e na revelação
258
Hick reconhece que Kant não aplicou a distinção entre númeno e fenômeno à realidade
religiosa, mas ele entende que se Kant o tivesse feito ele teria resolvido o problema, que ele não
resolveu, de como a realidade numênica causa a fenomênica se causar é um aspecto da última.
HICK, 2002, p. 69; HICK, 1989, 240-6.
259
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