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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
AGDA ADRIANA ZANELA
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DESVENDANDO A POÉTICA MONTELLIANA EM
QUATRO ROMANCES
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ARARAQUARA S.P.
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AGDA ADRIANA ZANELA
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DESVENDANDO A POÉTICA MONTELLIANA EM
QUATRO ROMANCES
Tese de Doutorado, apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Estudos
Literários da Faculdade de Ciências e Letras
– Unesp/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Estudos
Literários.
Linha de pesquisa:
Teorias e críticas da narrativa
Orientadora:
Profa. Dra. Wilma Patricia M. D. Maas
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RARAQUARA S.P.
2009
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AGDA ADRIANA ZANELA
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DESVENDANDO A POÉTICA MONTELLIANA EM QUATRO
ROMANCES
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Estudos Literários da
Faculdade de Ciências e Letras –
UNESP/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Estudos
Literários.
Linha de pesquisa:
Teorias e críticas da narrativa
Orientadora:
Profa. Dra. Wilma Patricia M. D. Maas
Data da defesa: 10/06/2009
M
EMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Profa. Dra. Wilma Patricia M. D. Maas
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP - Araraquara
Membro Titular: Prof. Dr. Sergio Vicente Motta
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas
UNESP – São José do Rio Preto
Membro Titular: Prof. Dr. Joaquim Alves de Aguiar
Faculdade de Filosofia, letras e Ciências Humanas
USP – São Paulo
Membro Titular: Profa. Dra. Márcia Valeria Zamboni Gobbi
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP - Araraquara
Membro Titular: Profa. Dra. Karin Volobuef
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP - Araraquara
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
A Meire, minha querida mãe,
que despertou em mim o amor pelos livros
e me ensinou a buscar os meus sonhos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelo dom da vida e a todos que de algum modo me
acompanharam nessa jornada, em especial:
À Profa. Dra. Wilma Patricia M. D. Maas, minha orientadora, pela confiança
em mim depositada, por suas leituras, críticas e sugestões e, principalmente, pela
dedicação e carinho com que conduziu a orientação.
Às professoras Márcia Valéria Z. Gobbi e Maria das Graças V. da Silva que
muito auxiliaram o desenvolvimento do trabalho com seus apontamentos e
sugestões.
Aos amigos da Casa de Cultura Josué Montello, pelo carinho e atenção que
me dispensaram, em minha visita a São Luís. Em especial, à diretora, Sra. Adir A.
de Carvalho, que percorreu comigo o trajeto de Damião, apresentando-me os
cenários dos romances montellianos, principalmente, a “Casa das Minas” e seus
tambores.
À minha mãe, amiga e mentora, exemplo de coragem e dedicação, de quem
herdei o amor pela literatura, por seus conselhos, críticas e, principalmente, pelo
aconchego do colo amoroso nos momentos difíceis.
Ao meu amado pai, Eloir, por me apoiar e ensinar que todo trabalho,
independente de sua natureza, deve ser feito com atenção, capricho e dedicação.
Ao Allan, filho querido, cuja existência me estimula sempre a fazer uma
releitura do mundo.
Ao Fernando, pelo apoio, companheirismo, bom humor, paciência e,
principalmente, pelo amor com que tem me acompanhado durante toda essa
jornada.
Aos meus irmãos Alexandre e Daniela, por me apoiarem sempre.
À querida amiga, Fleuma Port Lourenço, pelo ombro amigo, incentivo e
auxílio no Inglês.
Ao amigo, Carlos F. Bispo, pelo apoio e incentivo.
À Academia da Força Aérea, pelas dispensas concedidas para a realização do
trabalho.
Aos professores, colegas e funcionários da Unesp de Araraquara.
São Luís, 17 de abril [1973]
Porque, para mim, as velhas ruas de São Luís, tão belas, tão
harmoniosas, são todas de alvorada, sempre que as vejo ou as
recordo. Aprendi a amá-las, desde menino, inundadas de luz
matinal, com o sol a se refletir nas suas fachadas de azulejos, e
é assim que sempre as recomponho, nas minhas evocações
nostálgicas, quando me deixo ir por elas, olhando o mapa de
São Luís sob o vidro de minha mesa.
De noite, se por elas me extraviava, tinha a companhia
romântica de um piano, que parecia ir comigo ladeira abaixo ou
ladeira acima, tocando as valsas do Inácio Cunha ou as polcas
do Pedro Cromwell. [...] Certo, muita coisa ali está mudando,
a ponto de eu me perder nas velhas ruas de minha infância e
juventude. Mas a memória atenta repõe a cidade de outrora na
cidade modificada, e vou novamente a pé, de minha casa, na
Rua dos Remédios, ao Liceu Maranhense, entre a Praia Grande
e o Desterro, todos os dias, quer na ida, quer na volta, e
sempre encontro, no velho itinerário, algo que ficou comigo
para a hora de recordar. (MONTELLO, 1998, p. 1246).
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo delinear a poética de Josué Montello a partir
da análise de quatro romances: A décima noite (1976), Cais da Sagração
(1981), Os tambores de São Luís (1975) e Noite sobre Alcântara (1984), nos
quais o autor empreende a busca pela identidade maranhense ao mesmo
tempo em que constrói a própria identidade como escritor. Partindo-se do
pressuposto de que os romances do autor, ambientados no Maranhão,
compõem a epopéia maranhense, ao buscar a representação de uma
totalidade social, por meio de um conjunto de narrativas que recuperam,
pela memória, os mais diversos aspectos de uma sociedade, confrontar-se-
ão os conceitos de epopéia e romance. Em seguida, buscar-se-á destacar a
importância da memória na recuperação do passado individual, histórico e
social, para, por fim, proceder à análise dos romances, destacando-se alguns
aspectos que os diferenciam entre si e outros que individualizam e
identificam a narrativa montelliana, conferindo um estilo próprio de narrar ao
autor, tais como a descontinuidade temporal, o forte apelo visual, a
linguagem poética, a recorrência ao tema da morte e, principalmente, o
apelo à memória.
Palavras-chave: Josué Montello, romance, A décima noite, Cais da Sagração,
Os tambores de São Luís, Noite sobre Alcântara.
ABSTRACT
The aim of this study is to discuss Josué Montello poetic language, foccusing
on the analysis of four of his Novels: “A décima noite” (1959), “Cais da
sagração” (1971), “Os tambores de São Luís” (1975) and “Noite sobre
Alcântara” (1978). In these works the author searches for the
“Maranhense”(adj. to State of Maranhão, Brazil) identity and simultaneously
builds up his own identity as a writer. The concepts of Epic and Romance will
be confronted, given that Montello’s Novels on Maranhão environments form
a “Maranhense Epic” by presenting a social totality in a combination of
narratives that recover though memory the most diverse aspects of a
society. Following focus will be direct to the importance of the memory in
recovering the individual, historical and social past. Finally the analysis will
proceed with emphasis on differential aspects among the four Novels,
discussing their individuality. Especial attention will be given to the
singularities of “Montellian” narrative style, such as temporal discontinuity,
strong visual appeal, poetic language, recurrence to death theme and mainly
the appeal to memory, which shows the proper narrative style of the author.
Key words: Josué Montello, novel, A décima noite, Cais da Sagração, Os
tambores de São Luís, Noite sobre Alcântara.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................. 11
1 JOSUÉ MONTELLO E A EPOPÉIA MARANHENSE ....................... 17
1.1 Contexto histórico e literário: o mito da Atenas Brasileira..........19
1.2 O autor .................................................................................. 22
1.3 A busca da identidade............................................................ 25
2 SAGA, EPOPÉIA E ROMANCE ..................................................... 32
2.1 A saga.................................................................................... 32
2.2 O épico e o romanesco........................................................... 37
2.3 Mito e literatura..................................................................... 54
2.4 A épica maranhense ............................................................. 58
3 A MEMÓRIA: evocando mnemosine .......................................... 62
3.1 A memória............................................................................. 62
3.2 Memória e esquecimento na Antigüidade .............................. 65
3.3 Memória e tempo................................................................... 68
3.4 O retorno às origens.............................................................. 70
3.5 Memória coletiva e identidade social ..................................... 73
3.6 A memória na epopéia maranhense....................................... 76
4 A DÉCIMA NOITE: o retorno às origens.................................... 80
4.1 O romance............................................................................. 83
4.2 Narrador, tempo e memória .................................................. 85
4.3 Desejo, memória e imaginação.............................................. 90
4.4 Sinharinha e Alaíde................................................................ 95
4.5 Tempo e espaço..................................................................... 98
5 CAIS DA SAGRAÇÃO: desafiando Poseidon ............................. 108
5.1 Os prefácios: memória ou imaginação? ................................... 109
5.2 Um romance épico-talássico................................................ 110
5.3 Narrador, tempo e personagens .......................................... 116
5.4 A iniciação de Pedro ............................................................ 124
5.5 O sobrenatural..................................................................... 128
6 OS TAMBORES DE SÃO LUÍS: a epopéia negra ........................ 135
6.1 O épico e o romanesco......................................................... 136
6.2 Narrador, tempo e memória ................................................ 141
6.3 A trajetória de Damião ........................................................ 148
6.4 As provas iniciáticas............................................................ 149
6.4.1 Os tambores ..................................................................... 153
6.4.2 A morte: rito de passagem .................................................. 154
7 NOITE SOBRE ALCÂNTARA: uma visita ao Hades .................... 159
7.1 Espaço e personagens ......................................................... 162
7.2 O narrador........................................................................... 165
7.3 Lembranças do passado....................................................... 168
7.4 A morte ............................................................................... 171
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................... 177
REFERÊNCIAS............................................................................ 181
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................... 188
ANEXOS..................................................................................... 195
ANEXO A – Bibliografia de Josué Montello................................. 195
ANEXO B - Biografia resumida de Josué Montello...................... 210
INTRODUÇÃO
A verdadeira escrita literária é uma sobrevida. Só ela pode ir além de
nós mesmos, sem que tome nosso lugar.
(MONTELLO, 1998, p. 1304).
A escolha do corpus e do tema desta tese é decorrência natural dos
estudos realizados durante a dissertação de mestrado, desenvolvida entre
2003 e 2004. Ali, o romance de Josué Montello, Os tambores de São Luís
(1975), foi analisado sob a perspectiva de sua localização sob o gênero do
romance de formação (Bildungsroman). Buscou-se identificar as relações
entre o romance de Montello e Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister,
de Goethe (1994), considerado paradigma do gênero. O pressuposto
fundamental para tal abordagem foi o de que, ainda que historicamente
datada, a tradição do Bildungsroman pode ser assimilada por uma literatura
distante dela no tempo e no espaço, como a brasileira. Consideraram-se,
para os estudos em questão, a definição bakhtiniana de romance de
formação realista, a qual ressalta a importância do tempo histórico na
formação do homem, assim como os estudos de Lukács sobre o romance
histórico.
Decorre daí que, durante o desenvolvimento da pesquisa que deu
suporte à dissertação, foi-se constituindo também uma segunda hipótese de
trabalho. Trata-se da percepção de uma possível “transcendência para o
épico”, em Os tambores de São Luís (1975), atribuindo-lhe uma dimensão
intermediária entre o romance histórico-realista e o romance como epopéia
burguesa, nos termos de Lukács, visto que Os tambores de São Luís se
apresenta como uma narrativa complexa, na qual se entrelaçam
características em princípio inconciliáveis esteticamente em uma mesma
obra (se considerarmos “épico” como um gênero fechado e acabado, que se
opõe, estética e cronologicamente, ao romance moderno). Assim, a linha
mestra da pesquisa, inicialmente, seria a identificação dessa “vocação para o
12
épico” no romance de Montello, sempre por meio do embate com a dimensão
romanesca.
1
Entretanto, após a leitura atenta de outros romances do autor,
de seus diários, contos e novelas, observaram-se certas características que
identificam e singularizam sua obra no contexto literário brasileiro. Além
disso, observou-se que a epicidade, embora presente com mais intensidade
em Os tambores de São Luís, é um traço que abarca toda a obra
maranhense montelliana.
Mesmo que muitos dos romances ambientados no Maranhão,
isoladamente, não apresentem traços épicos, a epicidade surge quando se
observa o conjunto. Aí é que tais romances se transformam nos vários
“épea” a representar a sociedade maranhense como um todo. É o conjunto
da obra que recupera, por meio da memória, a história, os costumes, as
origens, as tradições, enfim a identidade maranhense, com a união do
mítico, do histórico e do ficcional.
Segundo Motta (2006), guardadas as diferenças histórico-culturais, tais
marcas de epicidade reatam o vínculo com a matriz do gênero narrativo,
num movimento de expansão e retração, na “dialética do localismo e do
universalismo” que caracterizam as formas narrativas.
No cruzamento desses dois impulsos [expansão e retração] obtém-se
um tipo de fidelidade relacional: a de não ver apenas as obras de uma
literatura como parte de um processo local, mas também, como
componente de uma rede interativa, dentro da expansão das malhas
de um gênero artístico universal. (Motta, 2006, p.21).
Assim, surgiu a decisão de procurar trazer uma contribuição maior aos
estudos sobre o autor, demonstrando a projeção da tradição unida aos traços
singulares que lhe conferem expressividade e identidade.
Com objetivo de delinear a poética montelliana, neste trabalho, serão
analisados mais três romances, além de Os tambores de São Luís (1975)
1
O termo “romanesco” está sendo utilizado, neste trabalho, apenas com o sentido de
“relativo a romance”.
13
A décima noite (1959), Cais da Sagração (1971) e Noite sobre Alcântara
(1978)
2
— que, juntamente com os demais romances do autor ambientados
no Maranhão, irão compor a epopéia maranhense. Nesse sentido, procurar-
se-á evidenciar a importância da memória como fio condutor da narrativa de
Josué Montello, a qual permite o acesso ao passado na busca da identidade
maranhense.
A obra de Montello é exemplar no que se refere à exploração da
maleabilidade do gênero romance ao assimilar outros gêneros e dicções. Um
dos traços marcantes da sua poética é a união da tradição com a inovação,
buscando sempre conciliar princípios estéticos diversos com procedimentos
inovadores. Para representar a pluralidade da sociedade maranhense, o
autor, nos diversos romances, fará uso diferentes temáticas, técnicas
narrativas e recursos estéticos, ao mesmo tempo em que consolidará seu
próprio estilo, o qual transcenderá a epopéia maranhense e se estenderá por
toda sua obra romanesca, com a linguagem poética, a descontinuidade
temporal e o apelo à memória. Na análise dos quatro romances, serão
apresentadas as peculiaridades e inovações que distinguem cada um e,
paralelamente, o tratamento dado ao tempo e à memória em cada um deles,
o que acaba, juntamente outros elementos característicos da narrativa
montelliana, por aproximá-los.
Outro aspecto que distingue a obra montelliana é a recorrência do
tema da morte e os diversos papéis que ela representa, nos diferentes
romances, como mote da narrativa, como representação do passado ou
como ameaça presente. Com relação aos personagens, estes atingem alto
grau de complexidade, muitas vezes percorrendo uma trajetória de
formação, e é por meio de seu psiquismo que a dimensão social/histórica se
dá a conhecer. Recurso ao qual recorrem narrador e personagens para a
2
De acordo com a orientação da banca examinadora, no corpo do texto foram
colocadas as datas de publicação dos romances e, nas citações de excertos, as datas dos
exemplares utilizados.
14
recuperação do passado, a memória será apresentada, aqui, como principal
traço da poética montelliana. Entretanto para que essa memória seja
acessada será indispensável o papel do narrador na condução do enredo,
penetrando no interior dos personagens e desarticulando o tempo, pois é a
descontinuidade temporal que, muitas vezes, contrapõe presente e passado.
Inicialmente procurar-se-á contextualizar a obra montelliana no cenário
da literatura brasileira, apresentar a trajetória do escritor bem como as
críticas mais representativas a seu respeito. Dada a carência de estudos mais
aprofundados sobre o autor
3
, a confirmação de hipóteses sobre as principais
influências recebidas, o destaque de alguns traços de sua poética, o processo
de produção literária e a compreensão de seu conceito de literatura se deram
muitas vezes de forma empírica, a partir da leitura e releitura de sua obra
romanesca e só se efetivaram realmente com a colaboração indireta do
próprio autor, em suas publicações acadêmicas, nas cerca de três mil
páginas de seus diários e no longo prefácio de suas Obras Completas,
intitulado Confissões de um romancista (1986).
Em seguida, justificar-se-á a presença simultânea das vertentes épica
e romanesca na epopéia maranhense a partir da tentativa do autor de
representação de uma totalidade na busca da identidade maranhense, que
pode ser observada quando se lança um olhar ao conjunto da obra e não
sobre cada romance separadamente. Para tanto, serão utilizados os estudos
sobre romance e epopéia de Lukács, Walter Benjamin, Bakhtin, Paul Ricoeur,
entre outros.
Para demonstrar a importância da memória quando se trata da busca
das origens tanto individual quanto coletiva, será apresentado, na seção
três, panorama do tratamento dado à memória desde as sociedades arcaicas
3
Com exceção de algumas poucas teses, dissertações e ensaios, direcionados
diretamente a uma ou outra obra, a fortuna crítica de Josué Montello está dispersa em
numerosos superficiais artigos não acadêmicos publicados em jornais e revistas.
15
até a sociedade moderna. Bergson, Freud, Izquierdo, Halbwachs, Eliade, Le
Goff e Vernant serão os principais referenciais dessa empreitada.
Nas seções seguintes, proceder-se-á à análise dos quatro romances,
pela ordem de publicação, os quais, apesar de apresentarem temáticas
diversas, evidenciam os traços mais marcantes da poética montelliana, no
tratamento dado ao tempo, ao espaço, aos personagens, à memória, bem
como à arte de narrar.
Os quatro romances a serem analisados — A décima noite (1976),
psicológico que beira o psicanalítico; Cais da Sagração (1981), épico-
talássico, repleto de subjetividade; Os tambores de São Luís (1985),
romance histórico com características épicas e Noite sobre Alcântara (1984),
em tom elegíaco — exemplificam bem a pluralidade existente na obra de
Montello, sempre inovando na temática ou na técnica, mas mantendo-se fiel
ao seu estilo.
Cantar a cidade de São Luís em seus vários aspectos, a partir de sua
gente, a ponto de transformá-la em personagem, parece ter sido a grande
ambição do autor, e o tempo e a memória suas grandes obsessões. Tais
características fazem com que suas obras remetam ao mesmo tempo a
mestres como Balzac, Poe, Virgínia Woolf, Proust, e, no Brasil, a Machado de
Assis, Érico Veríssimo, Jorge Amado, entre outros.
O que está em jogo, na epopéia montelliana, cujos romances
constituem um verdadeiro laboratório no qual são testadas as mais diversas
possibilidades de expressão do tempo e da memória na composição
romanesca, é a própria arte de narrar, que transcende a mera reprodução do
espaço geográfico, dos costumes, tradições, história e tipos humanos
maranhenses.
Assim, para desvendar a poética de Josué Montello, procurar-se-á, nas
análises dos romances, entrar no jogo do texto, acrescentando-lhe novos
fios, descosendo os que já foram traçados pelo autor, descobrindo um
pouco do pano misterioso que encobre e dissimula a narrativa. Segundo
16
Derrida (1991), nesse caso, acrescentar é o mesmo que dar a ler, seguindo
os rastros, os fios narrativos dados pelo autor e buscando sempre uma nova
significação para o texto. O caminho que se escolheu para tal empreitada foi
o de olhar para a obra de Montello como um todo, buscando as
peculiaridades do autor, as marcas e traços que o identificam no mundo das
letras.
1 JOSUÉ MONTELLO E A EPOPÉIA MARANHENSE
Entre Joyce e Dickens, preferi Dickens, conhecendo Joyce; entre
Góngora e Cervantes, preferi Cervantes, conhecendo Góngora.
Dize-me o que lês na plenitude de tuas horas,
e eu te direi quem és. (MONTELLO, 1998, p. 941).
Franklin de Oliveira (1978)
1
considera a obra de Josué Montello
exemplar na expressão da relação dialética entre o herdado e o novo,
retomando e desdobrando a saga maranhense fundada por Aluísio
Azevedo. Para o autor, saga é a palavra que melhor define o universo
romanesco de ambos os romancistas, considerando-a em seu sentido
primordial, de relatos em prosa nos quais se fundem a história e a
preocupação com o destino do homem próprias da literatura nórdica dos
séculos XIII e XIV, principalmente da islandesa.
Entretanto este trabalho procurará demonstrar que tal designação
para a obra de Montello é um tanto restritiva, visto o conceito de saga
estar intimamente ligado à família, aos laços de sangue, à hereditariedade
e distante da noção de grupo social. Embora a disposição mental da saga
esteja presente nos romances, ao se analisar o conjunto da obra,
observa-se algo mais abrangente, pois ela envolve os vários aspectos de
uma mesma sociedade, sua história e cultura. Essa busca da totalidade
dará à obra de Montello contornos épicos, por isso ela será chamada aqui
de epopéia maranhense.
Montello retoma a linha realista de Aluísio Azevedo conferindo-lhe,
porém, uma nova dimensão ao privilegiar a subjetividade humana, com a
prevalência do psicológico sobre o social, na investigação das motivações
ocultas do comportamento humano. Desse modo, o autor não se limita a
recompor a sociedade maranhense, seus costumes, tradições, paisagens,
arquitetura, mas a filtra por meio do psiquismo de seus personagens. Tal
1
Apesar se considerar aqui que a denominação de saga maranhense dada por Oliveira
(1978) à obra de Montello seja um tanto restritiva, sua crítica é, ainda, a melhor referência que se
tem hoje sobre o autor.
18
postulação estética irá nortear toda sua obra e é parte essencial da
poética romanesca montelliana.
Montello se fixa no humano, no ser em si, compreendido como
interiorização das relações políticas, e é por meio dele que se interpreta o
mundo social. Segundo Franklin de Oliveira (1978), isso faz com que o
autor supere os limites do realismo sociológico. Tal estratégia romanesca
está presente em toda a epopéia maranhense, principalmente em A
Décima Noite (1959).
Neste escritor maranhense, que empenha sua ficção na defesa da
humanitas, o tempo histórico vivenciado tem tanta maior
densidade [sic] quando o tempo social que emoldura a narrativa é
dotado do escuro poder de gerar situações psicológicas conflitivas.
(OLIVEIRA, 1978, p. 49).
Quanto à estrutura, à linha clássica da narrativa romanesca Montello
incorpora procedimentos como a desarticulação da continuidade temporal,
as anacronias, a recorrência à memória a que Franklin de Oliveira (1978)
chama de fluxo da relembrança, que confere ao passado o caráter de
realidade presente. Assim, a recordação não é apenas mera evocação ou
atualização do passado, pois o que passou permanece presente por meio
da memória.
Com relação ao narrador, Montello o coloca como observador,
acompanhando os personagens e conferindo autonomia à narrativa. Assim
as idéias, o sentido da narrativa, as contestações vêm das próprias
situações criadas e não da voz do narrador.
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO E LITERÁRIO: o mito da Atenas
Brasileira
Segundo Barros (2006), narrativas sobre o Maranhão e seu tipo
regional, o maranhense, continuamente reescritas e revistas, se, por um
lado, os definem, por outro, ficcionam-lhes um estatuto travestido de
naturalidade, embora suas variadas aparências e substâncias, em
19
verdade, sejam histórica, social, cultural e economicamente
determinadas. Se as construções identitárias são constantemente
ressignificadas e redimensionadas, é preciso buscar percebê-las e decifrá-
las como construções sociais historicamente localizadas, para, assim,
analisar seus modos de configuração e entender seus significados e
implicações. Nesse sentido procurar-se-á contextualizar a obra de
Montello, no panorama literário maranhense.
São Luís do Maranhão — assim como algumas outras cidades
brasileiras de intensa vida intelectual, durante o século XIX — recebeu o
epíteto de Atenas Brasileira em função da movimentada vida cultural e do
número expressivo de intelectuais e literatos ali nascidos ou residentes–
depois, em parte, migrados para o Rio de Janeiro – com um papel muito
importante na configuração da vida política e literária do país que tinha
acabado de emancipar-se de Portugal, os quais foram denominados
“atenienses”.
Segundo Martins (2008), a partir da construção alegórica ou
simbólica do passado de São Luís como cidade letrada com o resgate do
passado glorioso, buscando construir uma alusão diferenciada a uma parte
da nação brasileira, criou-se o mito da Atenas Brasileira.
Para o autor, a genealogia da construção simbólica de São Luís
como Atenas Brasileira é um mito legitimador do Maranhão oitocentista e
de um projeto de literatura nacional de característica classicizante na
prática das letras, o que se nota, sobretudo, pelo apego às obras e
autores clássicos greco-latinos. (MARTINS, 2008, p. 293).
A primeira geração de poetas, prosadores e humanistas
maranhenses ficou conhecida nacionalmente como Grupo Maranhense, ao
qual pertenceram João Francisco Lisboa, Gonçalves Dias, Odorico Mendes,
Gomes de Souza e Sousândrade. Esse período de prodigalidade intelectual
que se desenvolveu durante o ciclo do algodão de 1832 a 1868
tornou-se o paradigma de uma produção intelectual canônica até os
nossos dias. Os intelectuais e literatos que trabalharam pela definição de
20
uma identidade cultural e literária nacional tinham clara consciência da
missão histórica atribuída à literatura.
Assim como o algodão, a cana-de-açúcar, como produto de
exportação, favoreceu os contatos diretos do Maranhão com a Europa,
transformando São Luís em cidade burguesa com forte influência
européia. Ao ciclo da cana-de-açúcar, de 1868 a 1894, corresponde a
geração de Teófilo Dias, Fontoura Xavier, Raimundo Correia e Aluísio
Azevedo, esses últimos destacando-se, respectivamente, na poesia e na
prosa. A partir de 1894, inicia-se a decadência da sociedade maranhense,
pois o processo de industrialização que se seguiu à Abolição e à
Proclamação da República não dá conta de substituir as bases
escravagistas. Esse processo de decadência atravessa o século XIX e
chega, ainda que disfarçadamente, até meados do século XX.
Para Barros (2006), a chamada “ideologia da decadência” do
Maranhão se configura como um modelo representacional constituído
durante o século XIX, por ocasião da decadência da lavoura do Estado,
cujos moldes e percepções perpassam as representações vindouras sobre
o Maranhão, inclusive aquelas presentes em meados do século XX.
Segundo Costa
2
(2001, p. 80 apud Barros 2006, p.158), “A decadência e
sua contraparte [o mito da Atenas Brasileira] se conjugam para fornecer o
referencial imagético e discursivo a partir do qual se fala e se escreve
sobre o Maranhão”.
Em meados do século XX, em textos de jornais e revistas
maranhenses, mitos e ideologias, falas e representações acerca do
Maranhão e do maranhense são perpassados pela reatualização do mito
da Atenas Brasileira e pela “ideologia da decadência”, consubstanciando
um encadeamento de idéias-imagem que institui a região e seu tipo como
singulares. No Maranhão desse período, o termo cultura está ligado
principalmente à arte e à literatura, apontando para o clássico europeu,
combinado ao progresso e à civilização.
2
COSTA, Wagner Cabral da. O salto do canguru: ditadura militar e reestruturação
oligárquica no Maranhão pós-1964. Ciências Humanas em Revista, São Luís, UFMA/CCH, v. 2, n. 1,
p. 183-192, 2004.
21
Ao final da década de trinta, a esperança de renovação literária ficou
depositada na mocidade intelectual maranhense, em grande parte
migrada para o Rio de Janeiro, na perspectiva de reconhecimento nacional
como escritores e estudiosos. Josué Montello faz parte desse grupo,
juntamente com Neiva Moreira, Ignácio Rangel, Oswaldino Marques,
Franklin de Oliveira, Odylo Costa Filho, Antonio de Oliveira e Manoel
Caetano Bandeira de Mello. Outros, como Erasmo Dias, Mário Meireles e
Nascimento Moraes, permaneceram no Maranhão.
Entre as décadas de 40 e 50 do século XX, discursos sobre mitos e
ideologias procuram significar, identificar, definir, multiplicar e propagar a
região e seu tipo regional. Nesse cenário, terão papel fundamental
membros da chamada “Geração de 45” e vozes se levantarão para pintar
o Maranhão como decadente, mas pronto para reerguer-se revivendo
supostos tempos áureos e prósperos.
Assim, quando Josué Montello inicia sua obra, a sociedade
maranhense vivia sob a ideologia da decadência, da perda da identidade.
Embora vivendo no Rio de Janeiro, o autor não se desliga da terra natal.
Os romances maranhenses montellianos buscam recuperar, ressignificar e
redimensionar a identidade maranhense, não a partir da sacralização do
mito da Atenas Brasileira ou na recuperação de um passado de glórias
intelectuais, mas na busca do Maranhão e do maranhense de suas
lembranças, na pesquisa histórica, na visita às diversas camadas sociais,
nas tradições, enfim, na recuperação da memória coletiva e do sentido
que os acontecimentos históricos tiveram para essa sociedade que não se
compõe só de letrados e intelectuais, que tem sua beleza, mas também
suas mazelas. Entretanto o contexto literário da época acaba exercendo
influência sobre a formação e a escrita de Montello, que deixa
transparecer, em suas obras, a formação literária clássica.
22
1.2 O AUTOR
Josué de Souza Montello nasceu em São Luís do Maranhão, em 21
de agosto de 1917, e faleceu, no Rio de Janeiro, em 15 de março de
2006. Criado para ser pastor protestante como seu pai e continuar
administrando a loja da família, Montello logo cedo sentiu que seu
caminho era outro: o das letras. Já aos quinze anos ensaiava seus
primeiros textos, estudava exaustivamente os grandes mestres da
literatura e publicava seu primeiro artigo, em 1932, no jornal O Imparcial,
em São Luís, seguido de dois outros contos. Aos dezessete anos, era
redator-chefe de A Mocidade, jornal por ele criado como órgão de
comunicação dos alunos do Liceu Maranhense e do Centro Caixeiral. Já
antes dos dezoito, começa a lecionar no Liceu Maranhense. Daí em diante,
toda uma vida dedicada à literatura.
Uma das coisas que mais impressiona em Montello é seu fôlego para
a leitura e para a escrita. Difícil citar um autor que ele não tenha lido, daí
sua vasta erudição que transparece em sua linguagem e em seus textos.
Na juventude leu os romances regionalistas de José Lins do Rego, José
Américo de Almeida, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raquel de Queirós e
Amado Fontes, mas o molde de romance que o fascinava nesse período
era o de Aluísio Azevedo e de Eça de Queiroz.
Nesse tempo lia também toda a obra de Machado de Assis, Balzac,
Anatole France e Proust. Ainda na juventude, além de clássicos
brasileiros, portugueses, ingleses e franceses, tomou contato, também,
com os russos, alemães, italianos. Procurando sempre se manter
atualizado, o escritor cultivou o hábito de ler e reler tanto autores
tradicionais como contemporâneos. As obras completas de Machado de
Assis, Eça de Queiroz, Proust e Balzac foram relidas em vários momentos
da vida de Montello e influenciaram sua produção literária.
Quando dou por mim, já estou longe, enquanto a luz fosca se
fecha ainda mais à minha volta, com o dia que lentamente se
recolhe. E não é só Proust que recompõe sua infância, na casa da
tia Leonie, ao ter na boca o seu pedaço de Madeleine, sou eu
23
próprio que me vejo restituído ao meu quarto de estudante, na rua
Correia Dutra, no Catete, ao tempo em que li A la recherche du
temps perdu pela primeira vez, ouvindo tocar, no rádio do quarto
ao lado do meu, uma nova marchinha de Carnaval. (MONTELLO,
1998, p.1161).
O autor não só lia, mas também estudava os romances, pois
considerava a literatura como uma aprendizagem permanente na qual o
escritor mistura a experiência alheia à sua própria.
De sua vasta experiência como leitor, surge uma produção literária
que, apesar de extensa não prescinde do capricho e da qualidade. No
decorrer de sua vida, além dos romances, Montello escreve, também,
peças de teatro, poesia, contos, crônicas, novelas, literatura infantil,
textos da área de história, educação e biblioteconomia e lança vários
artigos, ensaios e livros de crítica literária no Brasil e no exterior
3
.
Josué Montello foi repetidamente agraciado com os mais altos
prêmios brasileiros, tendo algumas de suas obras filmadas no Brasil e
outras traduzidas no exterior. O autor foi também membro dos principais
institutos e academias nacionais e internacionais, inclusive da Academia
Brasileira de Letras, e detentor de vários títulos honoríficos.
4
Apesar das mais de cem publicações, em diversas áreas, é pelos
seus romances que Montello se destaca. Constam de sua produção
romanesca, com as respectivas datas de publicação: Janelas fechadas
(1941), A luz da estrela morta (1948), Labirinto de espelhos (1952), A
décima noite (1959), Os degraus do Paraíso (1965), Cais da Sagração
(1971), Os tambores de São Luís (1975), Noite sobre Alcântara (1978), A
coroa de areia (1979), O silêncio da confissão (1980), Largo do desterro
(1981), Aleluia (1982), Pedra viva (1983), Uma varanda sobre o silêncio
(1984), Perto da meia-noite (1985), Antes que os pássaros acordem
(1987), A última convidada (1989), Um beiral para os bem-te-vis (1989),
O camarote vazio (1990), O baile da despedida (1992), A viagem sem
regresso (1993), Uma sombra na parede (1995), A mulher proibida
3
Cf. Anexo A
4
Cf. Anexo B
24
(1996), Enquanto o tempo não passa (1996), Sempre serás lembrada
(2000), A mais bela noiva de Vila Rica (2001) e A herdeira do trono.
5
Em seu primeiro romance, publicado, Janelas Fechadas (1941),
apesar de certa imaturidade literária, o autor já manifestava a inspiração
maranhense, a preocupação formal e o apelo visual que seriam constantes
em sua obra. De acordo com seu projeto inicial, que não vingou, esse
seria o primeiro de três romances que comporiam o que se chamaria de
ciclo maranhense.
Atualizado com as novas correntes literárias estrangeiras, nas quais
figuravam, além de Proust, Joyce, Faullkner, Virgínia Woolf e Pio Baroja,
Montello publica, em 1948, A Luz da Estrela Morta, com o qual supera a
linha naturalista do primeiro romance, partindo para a expressão
psicológica e filosófica, buscando o mistério do tempo no mistério da
mente que se desagrega. Montello procura, entretanto, realizar uma obra
individual, com a marca de seus recursos e de suas limitações, sem a
intenção imitativa dos grandes autores europeus.
Em 1952, em Labirinto de Espelhos, o autor retorna ao espaço de
sua terra natal e retrata a vida e os costumes da sociedade maranhense,
numa narrativa geradora de vários temas que compõem uma espécie de
mosaico romanesco. Num tom grotesco, o romance, em que uma família
pobre aguarda ansiosa a morte da tia abastada na esperança de herdar
sua fortuna, desenvolve-se praticamente todo dentro de um sobrado, no
qual desfilam uma série de tipos provincianos. Labirinto de espelhos
(1952) é bem recebido pela crítica e considerado um marco na carreira do
escritor; com ele Montello encontra o caminho para os demais romances.
Nesse romance já se pode observar, ainda que timidamente, o
tratamento dado à memória, ao tempo e ao espaço e a narrativa
psicológica, aspectos da poética montelliana que irão se firmar em A
décima noite (1959), Degraus do paraíso (1965), Cais da Sagração
(1971), Os tambores de São Luís (1975) e Noite sobre Alcântara (1978).
5
A ser publicado postumamente pela Nova Fronteira.
25
Assim, em vez de três romances sobre o Maranhão, Montello acaba
compondo a epopéia maranhense.
Até a publicação de Cais da Sagração, em 1971, os romances
maranhenses de Montello estavam restritos à vida no interior dos
casarões e sobrados. É nesse romance que o espaço da narrativa
montelliana se abre e, com essa abertura, novos aspectos da sociedade
maranhense são explorados, juntamente com a inovação com relação à
técnica, na utilização da descontinuidade temporal, no apelo à memória e
na incorporação de outros gêneros narrativos.
1.3 A BUSCA DA IDENTIDADE
Na década de quarenta, período em que Montello começa a publicar
seus romances, praticavam-se, no Brasil, modalidades variadas do neo-
realismo. Nessa época surge a literatura engajada de inspiração
revolucionária. No contexto literário da época figuram Graciliano Ramos,
José Lins do Rego, Jorge Amado, José Américo de Almeida, Rachel de
Queirós, Amado Fontes, entre outros. Além desses, publicavam também
na época Ciro dos Anjos, Marques Rebelo, Otávio Faria, Lúcio Cardoso e
Érico Veríssimo. Desses romancistas, o mais admirado por Montello era —
nas palavras do próprio autor, em Confissões de um romancista —
Graciliano Ramos, por “ter alcançado a harmonia de tema e forma, na
urdidura de linhas clássicas”. (MONTELLO, 1986, p. 32).
O velho Graça optara pela tradição narrativa, naturalmente
recriada com os valores pessoais de sua individualidade poderosa.
Daí resultaram um estilo e um processo que o individualizaram no
romance brasileiro. Não fora essa a lição de Machado de Assis?
(MONTELLO, 1986, p. 32).
Tentando fugir da feição documentária de certos romances
nordestinos, nos quais considera que, na maioria das vezes, a realidade
política e social é privilegiada em detrimento da elaboração estética,
26
Montello busca seu próprio estilo na linha de autores em que a criação
romanesca, diferentemente da reportagem social, “dá a ilusão da vida
verdadeira”, como José Lins do Rego, em Fogo Morto (1980), e Jorge
Amado, em Jubiabá (1978).
Não quero escrever como se viesse na retaguarda da geração de
José Lins, de Jorge Amado, de Graciliano, de Rachel de Queiroz.
José Lins tem tal fascinação sobre mim, sobretudo em Fogo morto,
que lutei para desvencilhar-me de qualquer influência de seu modo
de narrar, sobretudo nos trechos em que a memória toma o lugar
da imaginação. (MONTELLO, 1998, p. 339).
Montello considerava fundamental para um escritor o conhecimento
literário, estudar com os grandes mestres, não para imitá-los, mas para
aprender com eles. Na visão do autor, tão importante quanto a
originalidade e a inovação seria a incorporação da tradição na realização
de uma obra própria. E é esse o caminho que ele procura seguir,
aproveitando as lições de seus predecessores e de seus contemporâneos,
ao mesmo tempo em que procura criar um estilo próprio.
É bom saber que o mundo não é apenas como nós o vemos, mas
também como vêem aqueles que tiveram o privilégio de viver na
mesma faixa de tempo. Daí meu interesse pelos contemporâneos.
(MONTELLO, 1986, p. 36).
Reconhecendo que a tradição narrativa era a que me convinha, por
ser aquela que se ajustava a meu ideal de arte, optei por ela,
conscientemente, deliberadamente — mas tratando de incorporar-
lhe os recursos técnicos que neste século a enriqueceram, graças à
obra de um Faulkner, de um Proust, de um Joyce; este último no
que se relaciona ao chamado fluxo de consciência, no monólogo
interior. (MONTELLO, 1998, p. 941).
O mesmo cuidado que o romancista tem na escolha do tema e do
enredo, também o tem com relação ao estilo, ao método composicional,
pois é a partir dele que a fábula assume existência. Assim, o “como”
narrar em Montello é tão importante quanto “o que” narrar. Prova disso é
a constante preocupação do romancista com o acabamento de seus
romances, que chega ao extremo da reescrita mesmo após a publicação.
27
Considerando que Janelas Fechadas (1941) não correspondia a seu
ideal de obra literária, Montello reescreve-o em 1982, depois de já ter
publicado outros romances, preocupado em dar unidade a sua obra,
própria da maturidade como romancista. O resultado foi um romance
completamente novo, conservando apenas o ritmo narrativo do anterior.
Sobre essa busca pela perfeição estética, em seus diários, Montello
confessa que, até a segunda edição, seus livros ainda recebem reparos, só
então os deixa seguir seu caminho, contendo-se para não voltar a alterar
o texto. Nesse afã de procurar sempre a palavra exata é que Montello, na
terceira edição de Largo do Desterro, publicado em 1981, muda-lhe o
título para A vida eterna do Major Taborda (1985).
O primeiro traço que marca a obra montelliana é a ligação com a
terra natal, São Luís, espaço preferencial de seus romances, ao qual
procura transpor o meramente regional para retratar o universal na
complexidade das relações humanas.
Montello, como ele mesmo afirma em seus diários, tem um projeto:
ser autor de uma obra, assim como Proust, Balzac, Eça, e não de um
livro, por isso sua preocupação em afinar seus romances, para que
mantenham um estilo próprio, harmonizando-se entre si.
No painel das vocações literárias, há os que nasceram para
escrever um livro, e com isto se exaurem; mas há os que
pretenderam realizar uma obra, buscando alcançar a perfeição
inatingível. Incluo-me naturalmente entre estes, reconhecendo que
somente a obra, no seu conjunto, poderia corresponder ao meu
projeto literário. (MONTELLO, 1998, p. 940).
A intenção de criar um conjunto de romances com São Luís como
cenário acompanha o autor desde o início de sua produção, como se pode
observar nesse trecho de seus Diários, e acaba se concretizando e
ultrapassando em amplitude até mesmo suas expectativas.
29 DE DEZEMBRO (1955)
Tenho voltado a pensar, nestes últimos dias, na minha obra de
romancista. Andei a traçar o plano de um conjunto de romances que
se passariam em São Luís, mas sem o caráter restrito dos romances
regionais. Pelo contrário; dando a esses romances a amplidão da
28
obra universal. Não pretendo encadeá-los, [...]. Cada livro há de ser
autônomo, espelhando uma realidade particular. E ocupando os
vários aspectos urbanos de uma região, para que daí resulte um
vasto mural, refletindo os problemas e as angústias de meu tempo.
Repito aqui o que já disse em outra oportunidade: ao escritor, só
cabe, escrevendo, uma destas missões: ou testemunhar, ou
denunciar. Hei de denunciar, mas hei, sobretudo, de testemunhar,
para que minha obra possa ser lida pelo tempo adiante como
imagem das épocas em que vivi. (MONTELLO, 1998, p. 312).
Na epopéia maranhense, Montello retrata fielmente a cidade de São
Luís como um todo: seu ambiente, sua topografia e sua arquitetura. Em
seus romances, ocupa a velha cidade, transfere-se para a nova e abrange,
ainda, Alcântara e as aldeias de pescadores ao redor da capital
maranhense.
O gosto do escritor por longas caminhadas por sua terra natal ou,
quando distante dela, pelo passeio com os dedos pelo mapa da cidade,
sobre sua mesa de trabalho, relembrando lugares e acontecimentos de
outrora, reflete-se em seus romances, nas caminhadas evocativas de seus
personagens, a desvendar a São Luís do passado.
Se, por um lado, Montello recolhe com fidelidade a cidade natal em
seus romances, por outro, evita transpor figuras e dramas reais para o
texto literário, preferindo transfigurá-los por meio da imaginação criadora.
Ao abordar a singularidade dos romances maranhenses de Montello
em comparação com os de Aluísio Azevedo, Franklin de Oliveira (1978, p.
60) afirma que “A sua matéria é o tempo passado, que ele reconquista
através do uso do flash-back. E nesta reconquista o que se busca é a
consciência perdida da identidade maranhense.”
Montello, em sua obra, procura abranger mais de um século da
história maranhense, abarcando todos os aspectos dessa sociedade, seus
momentos de glória e de luto. O autor preocupa-se em retratar não só os
aspectos geográficos — ruas, casas, praças, monumentos da cidade de
São Luís — mas também os costumes, tradições, lendas, a política, a
história. Tais aspectos são sempre mediados pelo psiquismo de seus
personagens, e é por isso que o autor escolhe para protagonistas de seus
romances elementos das mais diversas camadas sociais — o burguês, o
29
pescador, o trabalhador, o aristocrata, o militar ou o negro escravizado. É
a partir do individual que o social se revela.
Apesar das diversas temáticas e de mediações a partir de pontos de
vista de personagens de diferentes camadas da população, Montello
consegue, na diferença, alcançar a totalidade. A cada romance, mais um
elemento se une aos demais, e a identidade maranhense vai se
construindo, como um todo. E, de modo contraditório, como o é a
sociedade moderna, o autor consegue na diversidade de vozes alcançar
uma unidade.
Ao mesmo tempo, ao unir à tradição romanesca realista elementos
do romance moderno, sendo os principais a descontinuidade temporal e o
apelo à memória, fundamental para resgatar o passado e reencontrar a
identidade maranhense perdida, Montello vai construindo sua própria
identidade como romancista e consolidando um estilo próprio de narrar
que tanto buscara desde os primeiros romances.
Além disso, observa-se, em seus romances, o diálogo com os mais
diversos gêneros literários e com outras áreas do conhecimento,
característica própria da literatura contemporânea.
Embora com temáticas diferentes, utilização de técnicas diversas de
construção e elementos das mais diversas tradições literárias, os
romances que compõem a epopéia maranhense têm em comum, além do
retrato da cidade de São Luís e arredores, o contraste entre o novo e o
velho, o poder transformador, degenerador e regenerador do tempo; a
memória como resgate do passado coletivo e a rememoração como
resgate do passado individual e o emprego das anacronias. O tempo é a
grande obsessão de Montello, a possibilidade de retorno ao passado ou de
fixação de um instante, imortalizando-o e a possibilidade de observação
de um ser ou objeto e as transformações nele ocorridas com o passar do
tempo, por meio da narrativa, são exploradas exaustivamente pelo autor,
o que confere uma marca, uma identidade a seus romances.
30
A cada momento sinto na ponta da pena a tentação de cortar, de
emendar, de substituir o que escrevi há tantos anos. O que
realmente perdura em mim, identificando-me com o velho texto de
ontem, é esta angústia do tempo, que sempre me acompanhou.
Até Deus, na origem do mundo, se submeteu ao tempo. É ele que
nos forma e nos destrói. Invisível e tenaz. (MONTELLO, 1998,
p.984-5).
A descontinuidade temporal e a utilização da memória para o acesso
a um tempo passado é característica marcante na obra de Montello como
um todo. Entretanto, o que é interessante no autor é a maneira
diferenciada como se utiliza desses recursos em cada romance.
O autor lança utiliza os mais diversos recursos para a recuperação
da memória individual ou coletiva: cartas, diários, sons, cheiros, imagens,
narrativas orais e, principalmente, o espaço maranhense, com as ruas,
casarões, praças, monumentos, ruínas e a paisagem natural.
Nos romances de Montello, merece destaque a figura do idoso como
depositário da memória. A ele o autor oferece um lugar de honra e uma
voz privilegiada. Esse idoso opõe-se ao estereótipo a ele impingido pela
sociedade moderna, competidora, que o coloca à margem por não ter
mais serventia. Em Montello, o idoso é responsável por recuperar o
sentimento de continuidade, unir o passado ao presente, por meio de
lembranças individuais, que também são lembranças de um grupo social.
Por isso normalmente são figuras fortes e cheias de vida, como Mestre
Severino, em Cais da Sagração (1971) e Damião, em Os tambores de São
Luís (1975). Entretanto, o autor não deixa de assinalar alguns aspectos
negativos do processo de envelhecimento. Contrapondo-se aos
personagens com vigor físico e memória privilegiada, apesar da idade
como não poderia deixar de ser, visto que a memória é essencial para a
reconstrução do passado maranhense existem personagens secundários
para os quais a passagem do tempo significou um processo de
degeneração do corpo e da memória.
O primeiro romance a ser analisado, A Décima noite (1959), é um
romance psicológico, individualista, que apresenta forte diálogo com a
psicanálise e, ao mesmo tempo, é a alegoria da empreitada do autor na
31
busca da identidade maranhense; Cais da Sagração (1971) é um romance
sobre o mar, dialoga com a tradição épica e com a tradição do fantástico;
Os tambores de São Luís (1975) dialoga, ao mesmo tempo, com a
história, com o romance de formação e com o épico; Noite sobre Alcântara
(1978) é um romance histórico, em tom elegíaco. Por conta das
lembranças e dos dramas íntimos dos personagens, todos esses romances
apresentam traços psicológicos, ao mesmo tempo em que se mantém a
tradição da narrativa realista.
O retorno ao passado, característico de Montello, juntamente com a
caracterização do herói e a busca pela representação de uma totalidade
social, dá o tom épico ao conjunto de romances maranhenses e evidencia
a habilidade do autor na articulação da narrativa e na exploração da
maleabilidade do gênero romance.
É com a epopéia maranhense que Montello firma seu estilo e
constrói sua identidade como romancista, atingindo a maturidade na arte
de narrar. A assimilação de outros gêneros literários, o apelo à memória,
a descontinuidade temporal, aliados a um forte apelo visual e à linguagem
poética são elementos que transcendem os romances maranhenses e se
tornam característicos da poética montelliana.
2 SAGA, EPOPÉIA E ROMANCE
São Luís pulsa e se derrama na essência de meus romances. De onde
concluo que não fui eu apenas,com a minha língua materna, que
escrevi [...] foi também minha terra que os escreveu comigo, com
seus tipos, com seus sobrados, com suas ruas estreitas, com suas
ladeiras, com a luz inconfundível que se desfaz ao fim da tarde sobre
seus mirantes, seus telhados, seus campanários, na Praia Grande, no
Desterro, no Largo do Carmo, no Cais da Sagração.
(MONTELLO, 1998, p.1041)
2.1 A SAGA
Franklin de Oliveira (1978), ao nomear a obra de Montello de saga
maranhense, o faz usando o termo no que ele chama de sentido primordial:
de relatos em prosa nos quais se fundem história e preocupação com o
destino do homem. Entretanto, o autor por ser contemporâneo de Josué
Montello que também chegou a se referir ao seu conjunto de romances
como saga maranhense não tinha o distanciamento suficiente, no tempo,
para lançar um olhar mais abrangente à obra de seu conterrâneo.
Saga torna-se um termo um tanto reducionista se se considerar a
abrangência da obra maranhense montelliana, embora, em alguns aspectos,
possa caracterizar certos romances isoladamente.
Para Brasil (1979), a palavra saga vem dos povos escandinavos e,
originalmente, designava narrativas anônimas com o aproveitamento de
lendas e do folclore, passando, depois, a designar uma obra literária longa
ligada à história de uma família, ou um grupo de romances. Brasil (1979)
cita como exemplo a saga de Willian Faulkner, na qual os destinos de
famílias do Sul dos Estados Unidos se cruzam.
Jolles (1976), considera que, para ser denominada saga, a narrativa
tem de estar fundada na noção de família, o que não está distante do
conceito apresentado por Brasil (1979), pois, mesmo na saga de Faulkner, os
laços familiares são importantes.
33
Segundo Jolles (1976), a saga é uma forma simples que se atualizou,
primeiro oralmente e depois por escrito, sendo a saga de islandês uma
realização particular de caráter tão marcado que imprimiu suas
características a elementos que, na origem lhe eram estranhos. É a partir da
saga de islandês, cuja construção interna se assenta na noção de família,
que o autor capta a disposição mental e as idéias que produziram a forma
saga utilizando as seguintes chaves: clã, família e vínculos de sangue.
As relações entre os diversos personagens dessa saga [de islandês]
são, em primeiro lugar, relações entre pai e filho, entre avô e neto,
entre irmãos, entre irmão e irmã, entre marido e mulher. Tais
indivíduos estão vinculados entre si por laços de sangue e suas
relações mútuas são produzidas pelo clã, a raça, a origem. (JOLLES,
1976, p. 68).
Os personagens da saga de islandês não formam um império, uma
nação ou um Estado, mas habitam tal colina ou enseada e têm numerosos
traços comuns, mas que não são próprios de todos sem exceção. Mesmo
quando indivíduos se reúnem para tomar decisões, é como chefes de família
que o fazem.
Os conceitos de conquista, derrota, opressão, libertação não dizem
respeito a um povo, mas sempre a um clã, uma tribo, uma família.
O sentimento nacional chama-se aqui espírito de família; os direitos e
deveres não se regem pelos imperativos da sociedade, da res pública,
mas pelos interesses do clã, pelas exigências do parentesco, e a
comunidade burguesa de interesses tem aqui o nome de vínculos de
sangue. A base, o fundamento desse universo são os vínculos de
sangue, a comunidade do sangue, a vingança do sangue, o
casamento, a paternidade, a parentela, a herança, o patrimônio, a
hereditariedade. (JOLLES, 1976, p. 69).
Segundo Jolles (1976, p. 69), a saga está ligada a uma disposição
mental de que “o universo se constrói como família e se interpreta, em seu
todo, em termos de árvore genealógica, de vínculo sangüíneo”, e é apenas
esse universo que se pode designar pelo nome de saga. Assim, na saga
34
heróica, por exemplo, o personagem principal é o representante heróico de
um determinado clã, ”detentor hereditário das altas virtudes de uma raça”
(JOLLES, 1976, p. 70).
Entretanto a saga não se constitui toda vez que exista, no
acontecimento histórico, uma família, ou situação familiar, mas sim, quando
os membros dessa família consideram-se parentes consangüíneos, membros
de um mesmo clã, com a mesma ascendência. A herança consubstancia o
renome e a dignidade da família, o poder de um clã.
Como a verdadeira saga só conhece os vínculos e os parentescos de
sangue, a noção de Estado, o sentimento de nação e até mesmo o
cristianismo — que torna todos irmãos entre si — repelem o universo
construído sobre essa disposição mental familiar, diluindo e esvaziando o
sentido original da palavra saga.
No interior da epopéia, por exemplo, existem conflitos familiares,
gestos verbais característicos da saga, entretanto com a disposição mental
ligeiramente alterada, pois já se encontram nela elementos característicos da
noção de povo:
essa confederação, que no começo não era mais que uma aliança de
famílias, começa a ganhar coloração nacional e já surpreendemos na
Ilíada o esboço de um confronto entre Tróia e Grécia, entre Leste e
Oeste, e o pressentimento da Grécia em oposição à Ásia. Não
obstante, a saga ainda é poderosa, preponderante e rege até, em
numerosas passagens, de modo decisivo, o curso das idéias.
Apreendêmo-la num ponto específico e é aí que vemos o poder ser
transmitido na casa dos Átridas, na raça de Pélops, no seio do clã,
poder tão vinculado ao cetro que veio dos deuses e que os homens
deixam em legado de era em era. Cada indivíduo é herdeiro; cada
coisa, pela sua importância de objeto, pode ser herança. (JOLLES,
1976, p. 74).
Segundo Jolles (1976), a saga conservou suas feições múltiplas,
mudou constantemente de forma, foi contada de diferentes maneiras de
acordo com o tempo e lugar e não pôde ser fixada por escrito de um modo
determinado, conservando sua construção e forma internas constantes na
35
gesta, por ter sido transmitida oralmente por todo o universo grego antes de
se atualizar numa narrativa estruturada na Islândia do século XI.
Nascida da disposição mental vinculada à família, ao clã, aos laços de
sangue, ela construiu todo um universo a partir de uma árvore
genealógica; e tal universo mantém-se idêntico a si mesmo no
tumulto de suas variações — universo da glória ancestral e da
maldição paterna, do patrimônio e das rixas entre famílias, das
mulheres raptadas e do adultério, do sangue derramado na vingança
e misturado ao incesto, da fidelidade e do ódio familiares, universo do
pai e do filho, do irmão e da irmã, universo da hereditariedade. Nesse
universo, o Bem, o Mal, a coragem e a covardia, não são qualidades
pessoais, a propriedade já não é posse do indivíduo: a fonte de todo o
significado e de todo o valor é a família e o destino do homem recai
sempre no clã. (JOLLES, 1976, p. 76).
Por terem caminhado de boca em boca antes de receber seu caráter
final quando incorporadas a uma forma erudita, as sagas apresentam
numerosas variantes. Quando uma forma erudita, como a epopéia dotada
de recursos e leis próprios, com um padrão claro incorporam as sagas,
estas assumem, então, contornos definidos, adquirindo uma forma mais
estável, de forma que se torna difícil imaginar que já tenham sido uma forma
fluida.
Admitindo que a saga, bem como suas atualizações em gestas, exerceu
efeitos concretos na epopéia, Jolles (1976) busca a relação entre ambas,
sendo que a epopéia, forma artística dotada de leis próprias, imprime um
caráter novo à saga, forma simples resultante da disposição mental da
família, do clã, dos vínculos de sangue.
Nesse sentido a linguagem teve papel preponderante na interpretação
e criação a partir da experiência vivida e na atualização dos elementos da
saga que só adquirirão fisionomia elaborada com a lenta colonização da
Islândia.
Na epopéia, com o reaparecimento de acontecimentos anteriores, a
diversidade persiste como herança das gestas, entretanto a disposição
mental da saga pode fazer-se presente de modo preponderante.
36
Jolles (1976) cita como exemplo de epopéia que se constitui a partir de
uma saga e não da forma atualizada de uma gesta a Canção dos Nibelungos,
por sua disposição mental ligada aos elementos da família — “a propriedade,
a luta tribal, a vingança no sangue, o assassinato familiar, a fidelidade
fraternal, o ciúme, as rixas entre mulheres, o concubinato” (JOLLES, 1976,
p.79) — distinguindo-a de seu êmulo românico, a Chanson de Roland, que
não apresenta traços da saga e cuja disposição mental predominante é a da
gesta heróica e da lenda.
Analisando o Antigo Testamento, Jolles (1976) observa a saga
cristalizando-se de modo particular em um povo concebido como família,
pois os israelitas se representavam a si mesmos como a Família de Abraão
em que os indivíduos são todos herdeiros e a propriedade é a herança.
As conseqüências dessa disposição mental, assim como se
manifestaram na epopéia, irão manifestar-se em certas formas artísticas
atuais, como o romance, que assimila os conceitos de hereditariedade e de
origem, apossando-se da saga.
Juntamente com a disposição mental, ligada à família e aos laços de
sangue, própria da saga, o romance, ao buscar as raízes, ao tratar da origem
e da formação de uma sociedade, exaltando os grandes feitos de seus
heróis, aproxima-se da epopéia.
Nos romances de Montello, além da preocupação de se fundir a
história ao destino do homem, como afirma Franklin de Oliveira (1978)
observam-se, também, os elementos destacados por Jolles (1976) como
característicos da saga: a importância dada aos vínculos de sangue, aos
laços de família. Entretanto tais elementos não estão tão destacados na obra
montelliana a ponto de se denominá-la saga. Eles aparecem incorporados a
um conjunto que busca retratar a sociedade maranhense como um todo, sua
história, tradições, valores, o que ultrapassa o conceito de saga e os
aproxima da epopéia.
37
Comparando-se os romances maranhenses de Josué Montello à saga
riograndense de Érico Veríssimo
1
, isso fica mais evidente, pois em O tempo e
o Vento o que se observa no conjunto é a história de uma família, de
geração a geração, nele os laços de sangue e a herança familiar são
marcantes. Já em Montello, apesar de os romances tratarem dos vínculos
familiares, da herança e hereditariedade, não se pode considerar o conjunto
como uma saga. Aqui, como na epopéia, embora a disposição mental da
saga esteja presente, o que o autor quer resgatar é a noção de identidade de
um povo que habita o mesmo local e compartilha da mesma herança cultural
e histórica, mas que não pertence necessariamente à mesma família.
A noção de grupo social presente em Montello distancia-se do conceito
de saga, por isso, o termo mais apropriado à sua obra é mesmo epopéia. Ao
unir a cultura, a história, a tradição, as relações sociais e familiares, os mito
e crenças de uma sociedade à ficção, Montello retoma a síntese épica e
constrói, não a saga, mas a epopéia maranhense.
2.2 O ÉPICO E O ROMANESCO
Segundo D'Onófrio, o poeta épico
elabora artisticamente um material histórico, não inventado por ele,
mas a ele preexistente, pois vivo na consciência cultural da
coletividade, que cria mitos e lendas que a tradição oral perpetua no
espírito de um povo. (D'ONÓFRIO, 1991, p.12).
O assunto do poema épico, segundo o autor, é a exaltação das ações
heróicas que estão na origem da formação de uma sociedade.
1
A influência da saga de Érico Veríssimo na obra de Montello pode ser observada no projeto
original do autor para Os tambores de São Luís (1975), cuja idéia inicial era apresentar três gerações
de negros, todos chamados Damião.
38
Epikós, em grego, é um adjetivo que significa "relativo ao epos". Epos
comporta acepções primitivas de "palavra e discurso", remontando à mesma
raiz indo-européia de onde o latim recebeu o termo vox (voz, palavra,
discurso). O plural épea que, por ser neutro, tem um sentido coletivo,
significa propriamente poesia épica, o que faz do poema um coletivo do
epos, da palavra, da voz.
Na Ilíada, assim como o tecelão que enreda os fios para fazer o tecido,
"o poeta enreda e emaranha épea, vozes, discursos, narrativas para compor
um produto final" (BRANDÃO, 1992, p.45), a epopéia. Desse modo são
costurados no canto de Homero um epos de Aquiles, um de Diomedes, um
de Heitor, entre outros épea menores.
Na epopéia, segundo Brandão (1991, p.57),
O poeta apropria-se dos fatos e os transporta para a poesia por meio
da assistência da Musa que garante a fidelidade à Memória e remete
para uma técnica apurada de construção baseada não em
dependência passiva, mas no manuseio ativo das informações, de
acordo com as necessidades do canto, por meio de um poder
regulador do canto sobre a memória de lembrança e esquecimento.
As formas do épico desenvolvidas a partir da Ilíada reproduziriam sua
constituição, o que faz dela geradora de gêneros, fundadora da história.
Assim, segundo o autor, Homero seria o iniciador de um grande diálogo que
vem atravessando gerações e impulsionando o surgimento de novos
discursos de acordo com as necessidades da época e o contexto histórico.
Segundo Vassalo (1992), os grandes feitos épicos estão sempre
associados a contendas, disputas, batalhas e guerras. Com o passar do
tempo, eles perdem seu ambiente real e são simplificados: o contingente
histórico-social é eliminado, o que os torna típicos, exemplares, idealizados,
irreais. Assim, os personagens transformam-se em heróis gloriosos, "de
ações superlativas, a serviço de uma causa - naturalmente justa -, de um
chefe, uma raça, um sistema de valores, no embate maniqueísta entre o
bem e o mal" (VASSALO, 1992, p.84).
39
Com relação a isso, Saraiva afirma que
a epopéia é inicialmente um relato, tanto quanto possível, fiel de
acontecimento de que o poeta teve notícia através de testemunhas ou
de pessoas que conhecem as testemunhas. Nasce em torno da
impressão produzida pelos acontecimentos. Mas sobre esta primeira
forma elaboram-se depois outras que têm por base não já os
acontecimentos, mas a forma literária que eles primeiro revestiram.
Perde-se o nexo com os fatos e com os heróis cantados, e a fantasia
dos poetas tende a despertar o interesse e a sensação pelo exagero
ou até pela inverossimilhança dos acontecimentos e dos personagens.
(SARAIVA, 1962, p. 143).
Para Vassalo (1992), essa idealização do passado histórico será maior
ou menor conforme o intervalo entre o fato histórico, utilizado como matéria
épica, e a transcrição literária.
Assim, quando a narrativa está relativamente próxima do fato
histórico, há um distanciamento menor desse fato, e "percebe-se o ser
humano em sua individualidade — características pessoais, família, geografia
definida, eventos reais reconhecíveis e verificáveis com respeito ao referente
da sociedade", como é o caso do Cantar de Mio Cid, cujos primeiros
manuscritos têm menos de um século de distância do fato real. Já quando a
distância é um pouco maior entre o evento narrado e a transcrição literária,
a idealização dos personagens é maior e estes se tornam abstrações, como
na Canção de Rolando, cuja distância entre a transcrição literária e o evento
é de quatro séculos, considerando-se o manuscrito mais antigo. Assim,
épico não se refere apenas a um passado remoto. Segundo Vassalo,
identificam-se características semelhantes nas epopéias antigas, nas
canções de gesta, nos filmes de faroeste, na luta entre bandido e
mocinho ou americano e comunista do cinema ou da história em
quadrinhos, no cordel sobre as astúcias de Lampião. [...] Cada época
atualiza o épico conforme seus padrões e critérios. (VASSALO, 1992,
p.85-6).
De um modo geral, ocorre, nesse tipo de literatura, a exaltação das
qualidades e anseios de um povo na figura de um herói que concentre em si
as características desse povo, geralmente num período de formação de uma
40
sociedade que pode estar temporalmente próximo ou distante do momento
da escritura.
Motta (2006), utilizando como principais referenciais teóricos Robert
Scholes e Robert Kellogg
2
e Northrop Frye
3
, descreve a trajetória evolutiva
da narrativa, da poesia épica ao nascimento do romance, caracterizando os
elementos fundamentais e os princípios gerais desse sistema de
representação literário e de sua linguagem.
Para melhor esboçar a genealogia da narrativa. Motta (2006) recorre à
metáfora da árvore de cujas raízes surgiram os três fios principais da
narrativa: o mítico, o mimético e o ficcional. O amálgama desses três
elementos formalizou a síntese épica que deu origem à narrativa histórica e
à ficcional com função predominantemente estética. O gênero épico,
juntamente, com o dramático e o lírico, constituiu-se num dos pilares da
literatura ocidental.
No seu conjunto, a síntese épica possibilitou a união da esfera da
existência à esfera da arte, juntando, na textura da teia de
convenções em que era urdida, os fios da realidade com que era
consumida, constituindo-se numa forma inteiriça que não distinguia
vida, arte, religião, história e ficção. (MOTTA, 2006, p. 29).
Poesia épica e romance são apresentados por Motta (2006) como os
dois marcos formais da história antiga e moderna do gênero narrativo; a
primeira “pela importância de seu momento histórico de definição,
dominação e expansão” (MOTTA, 2006, p.25) e o segundo como veículo mais
adequado para a expressão de um novo tempo, espécie de continuidade e
transformação, visto que a epopéia não correspondia mais às exigências
desse novo tempo. Para Motta (2006), o romance, como veículo de
expressão da burguesia, reincorporando as formas narrativas que o
2
SCHOLES, R.; KELLOG, R. A natureza da narrativa. Trad. Gert Meyer. São Paulo: McGraw-
Hill do Brasil, 1977.
FRYE, N. Anatomia da crítica. Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Clutrix,
1973a.
______. O caminho crítico. Trad. Antônio Amoni Prado. São Paulo: Perspectiva, 1973b.
41
precederam, é a reencarnação do “amálgama épico” — “uma forma
modelada pela tradição, vinculada à oralidade, representativa do politeísmo
místico-religioso da cosmologia grega e da expressão heróica dos anseios da
aristocracia”. (MOTTA, 2006, p. 297).
De acordo com Lukács (1999), por serem a antiguidade clássica e a
época moderna dois períodos históricos distintos, a volta ao mundo grego é
impossível, pois, uma vez destruída a unidade entre a vida e seu significado,
torna-se impossível recuperar a totalidade do ser na dimensão filosófica,
visto que a história substituiu a metafísica e o sentido transcendental da
vida, os arquétipos perderam seu sentido e a totalidade desapareceu.
Na sociedade moderna, a crítica racional opõe-se às criações da
religião. Os paraísos não estão fora do tempo, em outra vida, mas sim nele
próprio, no suceder histórico, nas utopias sociais como uma promessa a
realizar-se num tempo determinado. Além disso, a distância entre os
princípios e valores individuais e a realidade é muito grande, e isso se
converte numa verdadeira contradição, insuperável para o homem.
Obviamente, toda essa problemática irá refletir-se na produção
artística da sociedade moderna.
De acordo com a perspectiva histórica de Georg Lukács (1999), o
romance é um gênero literário que, apesar de aparecer já no mundo antigo e
medieval, somente na sociedade burguesa é que adquire suas características
específicas.
O romance aspira aos mesmos fins a que aspira a epopéia antiga,
mas nunca pode alcançá-los, porque nas condições da sociedade
burguesa, que representa a base do desenvolvimento do romance, os
modos de realização das finalidades épicas são tão diferentes dos
antigos que os resultados são diametralmente opostos às intenções. A
contradição da forma romance reside precisamente no fato de que o
romance como epopéia da sociedade burguesa é a epopéia de uma
sociedade que destrói as possibilidades da criação épica. (LUKÁCS,
1999, p.93).
42
Antunes (1998) retoma as teorias lukacsianas a respeito do romance e
da epopéia, comparando-as com a estética hegeliana. Segundo a autora,
aplicando os resultados da filosofia de Hegel
4
a problemas estéticos, Lukács
confirma a concepção hegeliana de que o romance é um produto literário
típico da sociedade burguesa, ou seja, é a expressão típica da cisão entre o
eu e o mundo, aspecto fundamental dessa sociedade. Além disso, o autor
retoma a comparação de Hegel entre o romance e a epopéia clássica grega
para demonstrar que, embora ambos sejam formas da poesia épica, são
essencialmente diferentes entre si, pois enquanto o mundo representado na
epopéia homérica é um cosmos perfeito, sem cisão, no qual o herói se
encontra numa relação orgânica com a sociedade à qual pertence e aprende
intuitivamente o sentido de sua existência, o romance da sociedade burguesa
caracteriza-se por uma cisão profunda entre o eu e o mundo, que é
característica da vida na sociedade moderna.
Lukács, em sua Teoria do romance (1971), ainda retomando o
pensamento hegeliano, afirma que o romance manifestação artística típica
da sociedade burguesa, prosa da vida moderna veio substituir a poesia
épica, constituindo-se numa epopéia na qual o sentido da vida não é mais
intuitivamente conhecido. Entretanto permanece a aspiração à totalidade, a
qual se manifesta no romance como uma busca e construção do sentido
universal da vida.
As diferentes formas de busca dessa totalidade são expressas nas
diferentes formas de romance nos quais se representa a vida privada de um
herói que é necessariamente problemático. Enquanto a epopéia apresenta a
história de uma comunidade, o romance apresenta a história de um
indivíduo, cuja busca nunca alcançará seu fim, pois não há, nas condições
sociais burguesas, possibilidade de reconciliação entre o eu e a sociedade,
4
As teorias de Hegel serão citadas neste trabalho a partir de ANTUNES, Letízia Zini. Teoria da
narrativa: O romance como epopéia burguesa. In ___ (Org.) Estudos de literatura e lingüística. São
Paulo/Assis: Arte e Ciência/ Curso de pós-graduação em letras da FCL/Unesp, 1998.
43
devido ao descompasso entre as aspirações da alma e a organização social
objetiva.
Segundo Antunes (1998), apesar da influência do idealismo hegeliano
em Lukács, há uma importante distinção entre a concepção de romance de
ambos, uma vez que para Hegel o romance deve indicar um caminho para a
reconciliação entre indivíduo e sociedade, enquanto para o autor de A teoria
do romance tal reconciliação é impossível.
Segundo a visão lukacsiana, enquanto a epopéia clássica é o gênero
literário em que se expressa a democracia primitiva da sociedade grega, o
romance é o gênero artístico dominante da sociedade moderna e expressa
todas as contradições da sociedade burguesa e todos os aspectos específicos
de sua arte.
Essas contradições inerentes ao desenvolvimento do modo de
produção capitalista, base material da civilização burguesa manifestam-se
de maneira bastante variada no romance, pelas próprias características
formais do gênero.
Antunes (1998, p. 185) cita algumas dessas contradições:
o caráter antagônico das classes sociais; o caráter fetichizado das
relações humanas (relações entre pessoas que se apresentam como
relações entre coisas), que torna difícil conhecer sua verdadeira
natureza; o contraste inconciliável entre a vida individual e a vida
social; a ambivalência inerente ao desenvolvimento do modo de
produção capitalista, o qual, mesmo na fase progressista de sua
formação, de um lado desenvolve as forças produtivas sociais
libertando-as das relações feudais, de outro, produz fatores de
degradação do homem.
Lukács, em A teoria do romance (1971), elabora o conceito de “herói
problemático” para caracterizar o protagonista do romance burguês. Para
ele, a elaboração artística do herói romanesco é determinada pela
ambivalência do desenvolvimento capitalista, pois os romancistas inclinam-se
para a construção de um herói positivo, símbolo de uma classe em ascensão.
Entretanto, essa positividade é afetada pelo fato de essa ascensão trazer
44
consigo a degradação dos valores humanos e a mercantilização de todas as
relações.
Lukács (1999) dirige suas teorias para a compreensão histórica dos
fenômenos artísticos e procura estabelecer as peculiaridades da “epopéia
burguesa”, baseando-se no auge de seu florescimento, em diferenciá-la da
narrativa medieval e da epopéia clássica, estabelecendo relações com esta
última, e em buscar as causas da descaracterização e da dissolução dessas
peculiaridades, a partir da segunda metade do século XIX.
Assim, o romance teria em comum com a epopéia clássica o fato de
representar narrativamente uma totalidade social pela ação de indivíduos a
ela pertencentes. Tal característica é a mesma que distingue a poesia épica
da lírica e da dramática.
Para Lukács, a representação artística de uma ação é o único meio
para expressar, em imagens sensíveis, a substância intrínseca do ser
social numa dada fase de seu desenvolvimento histórico. Entretanto
ele assinala que, enquanto a epopéia clássica antiga é a
representação de uma ação humana livre e espontânea, como podia
existir na comunidade primitiva, o romance é a forma da ação
problemática inerente à ruptura entre a dimensão individual e a
dimensão social, própria do mundo burguês, no qual o indivíduo está
ligado aos outros em última instância por relações que são puramente
econômicas. (ANTUNES, 1998, p.188).
O pensamento estético hegeliano é superado por Lukács em seus
limites idealistas e desenvolvido em toda riqueza de formulações e
interpretações.
Para Hegel, o romance é uma epopéia que surge numa realidade
prosaica como o é a sociedade burguesa, o que o contrapõe à epopéia
clássica que surge numa realidade poética e é a expressão plena da poesia,
pois está apoiada em condições materiais de vida poética.
A partir do exame da condição geral do mundo correspondente a cada
uma das formas de poesia, a clássica e a burguesa, Hegel desenvolve sua
distinção entre ambas: no romance o conflito ocorre no interior da própria
45
sociedade, enquanto na epopéia o conflito é entre sociedades, mas,
“interiormente”, elas se apresentam homogêneas.
Segundo Antunes (1998), Hegel compara os heróis do romance e sua
trajetória de lutas contra as instituições sociais aos heróis épicos antigos e
aos cavaleiros da épica medieval, mas traça com certo cinismo o heroísmo
burguês, pois as lutas nada mais serão que um aprendizado para a realidade
existente, o que ameniza a contradição entre a aspiração poética e a vida
prosaica, pois mostra ao indivíduo o caminho de sua adaptação na
sociedade.
Enquanto para Hegel o romance é a epopéia burguesa por expressar
uma possibilidade de conciliação necessária e possível dentro de certas
condições e não mais espontânea e natural como na epopéia clássica, para
Lukács (1999), ele representa a máxima expressão artística de uma época,
ao mostrar as contradições da sociedade sem tentar soluções conciliatórias
arbitrárias e ao penetrar na essência das relações burguesas e revelar seu
caráter histórico, enfim, ao ser realista. Na visão lukacsiana, o romance é
realista quando capta as leis sociais fundamentais de uma dada época
histórica, por meio de uma representação imaginária, independente de seu
estilo ser realista ou não.
Entretanto, embora se oponham com relação à concepção de romance,
ambos os teóricos concordam quanto à impossibilidade da reprodução da
unidade entre o individual e o social na sociedade moderna, diferentemente
da sociedade tribal do período homérico, na qual havia uma unidade orgânica
entre a vida pública e a privada. Assim, a epopéia clássica não é mais
possível nas condições criadas pela sociedade capitalista. O que essa
sociedade produz é uma nova forma de narrativa épica: o romance, o qual
apresenta afinidades com a epopéia homérica na amplidão do material
apresentado; na representação plástica de fatos e homens de acordo com a
realidade objetiva; na representação, por meio da ação dos personagens, de
46
suas relações com a natureza e a sociedade e não somente da consciência
que delas tem.
Entretanto, desde a sua criação, o romance — por ser a epopéia de
uma sociedade organizada racionalmente por não apresentar condições para
a realização da épica plena, pois se baseia no antagonismo econômico de
classes — torna-se um gênero essencialmente contraditório. Assim, cada
indivíduo que age no romance não representa uma totalidade social, mas sim
a classe social a que pertence ou mesmo apenas seus interesses pessoais,
nesse caso, estabelecendo com os demais elementos de sua classe uma
relação de concorrência.
Para Lukács (1999), somente quando o personagem romanesco
encarna as contradições existentes na sociedade, seja entre as classes
sociais ou no interior delas, é que a poesia épica pode readquirir certa
grandeza e ser representação da totalidade na sociedade burguesa.
Essas contradições são representadas no romance por meio da luta
individual contra a sociedade como um todo — portanto, enquanto, na
epopéia clássica, os indivíduos representam interesses coletivos, o material
poético do romance está na vida privada.
Para representar a ação, restringindo-se à vida privada, sem perder o
caráter épico, apesar da dificuldade de se alcançar um conhecimento
profundo da sociedade burguesa pela arte, o romancista tem que transpor a
aparência e mostrar que as relações reificadas não são a essência da
sociedade moderna, mas “apenas a forma fenomênica necessária de que se
revestem as relações humanas”. (ANTUNES, 1998, p.198).
Na visão marxista de Lukács, a despeito de uma relativa autonomia do
desenvolvimento artístico, as características formais do romance, bem como
as demais formas artísticas, originam-se e explicam-se pelas relações sociais
e econômicas da sociedade em que surgem. Lukács considera, então,
necessário demonstrar juntamente com a sobrevivência dos valores artísticos
47
no processo histórico, a ligação entre a obra e seu ambiente histórico
originário.
Assim, para o autor, a história da literatura e da arte em geral não se
desenvolve de maneira autônoma: ela está intimamente ligada à história
material, econômico-social, da humanidade; por isso, um estudo das formas
de consciência que não a leve em conta não se reveste de valor científico.
Lukács, em A teoria do romance (1971), considera o romance burguês,
individualista e interiorizante, sempre em oposição ao universo coletivo e
harmonioso da epopéia clássica, como um “romantismo da desilusão”,
momento em que a narrativa do percurso do herói solitário e problemático
refletiria o fracasso de projetos exclusivamente individuais.
O herói problemático nunca alcançará seu objetivo, pois, nas condições
sociais burguesas, a conciliação entre o eu e a sociedade não é possível,
devido às diferenças entre a objetividade da organização social e as
aspirações individuais, diferentemente do mundo da epopéia homérica, em
que o herói se encontra numa relação orgânica com a sociedade a que
pertence.
Dessa forma, para Lukács (1971), após Goethe, o romance tradicional
de formação e/ou desenvolvimento não teria mais lugar, pois Os anos de
aprendizado de Wilhelm Meister (1994) seria o único romance a representar
o momento de resolução do conflito entre o indivíduo solitário do romance
burguês e o todo representado pelo mundo social da epopéia,
a última possibilidade literária de representação da reconciliação entre
o indivíduo e a realidade social, a síntese entre a subjetividade da
história individual e o sentido épico da história coletiva. (MAAS, 2000,
p.212).
Walter Benjamin, nos ensaios A crise do romance (1985) e O narrador
(1985), continua as discussões sobre a oposição entre o romance burguês, o
qual tem um caráter predominantemente escritural e subjetivo, e a
48
narrativa épica, que é de origem oral e anônima, decorrente da experiência
coletiva.
Em A crise do romance (1985), Benjamin analisa o então recém-
publicado romance Berlin Alexanderplatz, de Alfred Döblin, como um
romance de formação que estilisticamente "abre novas possibilidades de
caráter épico" (BENJAMIN, 1985, p.56), a partir da lentidão da narrativa e da
utilização de versículos da Bíblia, estatísticas, textos publicitários, o que
corresponderia aos versos estereotipados da antiga epopéia. Entretanto, o
protagonista desse romance, que resgata os valores e recursos épicos, em
dado momento, deixa de ser exemplar e acaba por encontrar um paradeiro,
um destino individual, confirmando, assim, seu status de herói do romance
burguês.
Benjamin (1985) segue a princípio uma linha de raciocínio semelhante
à de Lukács (1999), o qual vê na narrativa de caráter épico o contraponto
para o excessivo individualismo burguês próprio do romance. Entretanto,
percebe uma possibilidade de subsistência do tradicional romance de
formação burguês em uma forma mais avançada, representada, no ensaio,
pelo romance de Döblin.
Enquanto para Lukács (1999) a melhor expressão e, ao mesmo tempo,
o último exemplo de síntese entre o romance burguês e a narrativa épica
seria Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, para Benjamin (1985)
esse modelo poderia ser a forma de sobrevivência do romance burguês.
Assim, Walter Benjamin (1985) indica uma possibilidade de continuidade do
romance burguês por meio de sua transcendência para o épico,
ultrapassando os pressupostos do romance realista burguês e
reconfigurando-os conforme a realidade histórica.
Sabe-se, atualmente, que o romance continua a sobreviver, pela
própria capacidade de se transformar, adaptar, misturar a outros gêneros,
metamorfoseando-se e desenvolvendo-se, juntamente com a sociedade em
49
que surgiu. A transcendência para o épico seria, então, mais uma das formas
de manifestação do romance e não a única.
Bakhtin (1999) procura diferenciar o romance histórico da epopéia,
criticando a tendência de se caracterizar determinadas expressões desse tipo
de romance como épicas, baseando-se apenas em certas escolhas como, por
exemplo, a caracterização do herói.
A discussão de Bakhtin (1999) transcende os aspectos históricos e
formais do gênero, mostrando que epopéia e romance comportam
concepções de tempo diferentes e são, por sua vez, expressões de mundos
com estruturas sociais, conceitos e funções da arte diversos. Para esse
teórico, o romance é um gênero singular e versátil, criado e produzido na era
moderna, único capaz de representá-la e acompanhar sua evolução, pois é
também o único que se encontra em processo de construção, um gênero
inacabado, o que o diferencia não somente da epopéia, mas de todos os
outros gêneros. (BAKHTIN, 1999).
Bakhtin (1999) divide o gênero narrativo em duas vertentes distintas
ideologicamente: a epopéia e o romance, a primeira monológica, solidária
com a ideologia do sistema, consolidando-a, exaltando seu valor por meio do
herói; a segunda, dialógica e polifônica, estabelece com a ideologia
dominante um diálogo, uma discussão e, em alguns momentos, até uma
inversão de sua ordem.
Ao comparar a epopéia ao romance histórico, Bakhtin (1999) considera
que, assim como na epopéia, a matéria do romance histórico é o passado.
Entretanto, essa mesma matéria que aproxima os dois gêneros acaba por
distanciá-los e determinar uma oposição entre ambos, devido à inconsciência
da epopéia quanto à relatividade do tempo.
O epos é um gênero fechado, encerrado e inquestionável, como o
próprio mundo por ele representado, e já não tem lugar no presente, pois
representa um "passado absoluto", mítico e imutável, a ser reverenciado
sem crítica, com heróis sem distinção entre o interior e o exterior, integrados
50
ao mundo que os cerca, os quais resumem em si o passado heróico nacional.
Já para o romance histórico a relatividade do tempo é fundamental, pois
representa um passado histórico, vivo, sujeito a revisões, completamente
diferente do passado cristalizado da epopéia, vivenciado por seres humanos
também capazes de atos heróicos ou de ações condenáveis. Entretanto, a
assimilação de traços da matriz épica torna-se viável pela própria
maleabilidade do romance. Gênero inacabado e capaz de incorporar qualquer
outro discurso, ele pode eventualmente utilizar-se de procedimentos épicos
sem deixar de se caracterizar como romance.
Paz (1972) considera que o épico sobrevive no romance por meio da
poesia. Segundo o autor, a função mais imediata da poesia seria a histórica,
que consiste na consagração ou transmutação de um instante pessoal ou
coletivo em arquétipo. É nesse sentido que a palavra poética funda os povos.
“Sem épica não há sociedade possível, porque não existe sociedade sem
heróis em que se reconhecer”. (PAZ, p. 68, 1972).
Segundo Paz (1972), visto ser o romance um gênero ambíguo por
natureza, ao primeiro olhar, pode parecer contraditório considerá-lo, como
Lukács, a epopéia da sociedade burguesa. Entretanto, ao analisar essa
questão, Paz (1972) estabelece alguns paralelos entre romance e epopéia, a
começar pela linguagem do romance, da qual, segundo o autor, provém sua
singularidade. Seria ele prosa ou poesia? O romancista, ao recriar um
mundo, o faz relatando um acontecimento, narra fatos, mas sem a
objetividade fria e racional do discurso histórico ou filosófico. Ele muitas
vezes recorre aos poderes rítmicos da linguagem ou às imagens. Se por um
lado descreve lugares, pessoas e narra fatos, por outro, imagina, poetiza.
Dialoga com a geografia, com a história, com as imagens, com o mito e com
a poesia. Essencialmente ambíguo, ele é, ao mesmo tempo, “crítica e
imagem”, “exame de consciência e poesia”. Híbrido e ambíguo, o romance
seria o gênero épico de uma sociedade fundada na razão e na prosa.
51
O herói épico, por ser um arquétipo, um modelo, é invulnerável; por
ser humano, está sujeito à mesma sorte de qualquer mortal. Há nele sempre
um ponto fraco onde penetra a derrota ou a morte. Entretanto, ao morrer,
recobra sua natureza divina. Com a ação heróica, ele reconquista a
divindade. Esse herói transita entre dois mundos, o humano e o
sobrenatural, os quais lutam entre si, sem que isso implique alguma
ambigüidade. São dois princípios distintos disputando uma alma, e um deles
sairá vencedor. O herói épico está em comunhão com seu mundo e jamais
duvida dele ou o questiona.
No romance isso não ocorre, pois há vários princípios agindo
concomitantemente sobre o personagem, e não se sabe onde um acaba e
outro começa e, por isso, seus personagens não podem ser considerados
arquétipos no mesmo sentido em que o são os heróis épicos tradicionais.
Não há comunhão com o mundo. O que há são dúvidas, incertezas.
Indefinições. Santos ou demônios, céticos ou duvidosos, rebeldes ou
resignados, os heróis do romance estão constantemente em aberta ou
secreta luta contra o mundo. É a “épica de uma sociedade em luta consigo
mesma”. (PAZ, 1972, p.69).
O herói da epopéia clássica nunca é um rebelde: ele está em harmonia
com seu universo e o ato heróico ocorre geralmente para restabelecer a
ordem violada por uma falta mítica. Enquanto a ordem natural, na epopéia, é
sinônimo de justiça, no romance, essa ordem é posta em dúvida pelo herói
que, do mesmo modo que questiona a própria existência, o faz também a
respeito da realidade que o sustenta.
Paz exemplifica tal questionamento com Cervantes. Em sua obra
observam-se moinhos que também podem ser gigantes, o que coloca em
xeque a realidade. Assim, “O realismo do romance é uma crítica da realidade
e até uma suspeita de que seja tão irreal como os sonhos e as fantasias de
Dom Quixote”. (PAZ, 1972, p.70). Muitas vezes o mundo ao redor do herói
romanesco é tão ambíguo quanto o próprio herói.
52
Nesse sentido, Octávio Paz (1972, p.70) considera Cervantes o Homero
da sociedade moderna, pois é com ele que nasce o humor, “que torna
ambíguo o que toca: é um juízo implícito sobre a realidade e seus valores,
uma espécie de suspensão provisória que nos faz oscilar entre o ser e o não
ser”.
O conflito entre o personagem e seu mundo em Dom Quixote não se
resolve pelo triunfo de uma das forças, como na épica tradicional, mas pela
fusão destas por meio do humor e da ironia, que são as grandes invenções
do espírito moderno.
Segundo Paz (1972, p.70), “a verdadeira épica é realista”. Quando
Aquiles fala com os Deuses ou Ulisses baixa aos infernos não há dúvidas
sobre a realidade, pois ela mesma é uma mescla entre o mítico e o humano,
de modo que é natural o trânsito entre um e outro. Já o romance é um
questionamento sobre “a realidade da realidade” que não tem resposta
possível. Por ser o romance um juízo implícito de uma sociedade que se
funda na crítica, ele é a épica dessa sociedade.
Por isso, para Octávio Paz (1972, p.71),
o romance é uma épica que se volta contra si mesma e que se nega
de uma maneira tríplice: como linguagem poética, consumida pela
prosa; como criação de heróis e de mundos, aos quais o humor e a
análise tornam ambíguos; e como canto, pois aquilo que sua palavra
tende a consagrar e exaltar converte-se em objeto de análise e no fim
de contas em condenação sem apelo.
Para o autor, Cervantes é o limite entre o poema épico e o romance;
sua prosa é poética, mas quanto mais se conquista o espírito de análise,
mais o romance se distancia da poesia e se aproxima da prosa. Entretanto,
desde o princípio do século XX, a crise na sociedade moderna, que é a crise
dos próprios princípios de nosso mundo, se manifesta no romance como um
retorno ao poema pelo emprego deliberado de uma linguagem poética, pela
limpidez da linguagem, pelo trabalho com as imagens. Basta observar o
caráter poético das obras de Proust, Joyce ou Kafka.
53
Assim a poesia permanece. Ela é a revelação da condição humana e a
consagração de uma experiência histórica concreta. Sua vitória sobre a
prosa, para Octavio Paz (1972), seria uma evidência do declínio da idade
moderna. O romance, assim como o teatro moderno, cantam o funeral de
seu mundo e, mesmo quando negam sua época, é nela que se apóiam.
Assim permanece o épico na poesia, na historicidade e na consagração
de uma sociedade, mesmo que seja pela negação.
Considerando-se que este trabalho pretende analisar um conjunto de
obras de Josué Montello como a epopéia da sociedade maranhense, e que
um dos mais importantes romances épicos do autor, Os tambores de São
Luís (1985), trata da questão da escravidão, é fundamental destacar as
observações de Paul Ricoeur (1997) a respeito de um outro aspecto da
epicidade no romance.
Ricoeur (1997) afirma que há uma espécie de ficcionalização da
história que vai além da representação, preenche as lacunas por ela
(história) deixadas, referindo-se aos acontecimentos considerados marcantes
em certa comunidade histórica, por representarem a origem ou o
redirecionamento dessa história. Tais acontecimentos, chamados epoch-
making em inglês, têm o poder de fundar ou de reforçar a consciência de
identidade da comunidade e geram sentimentos de considerável intensidade
ética, seja no registro da comemoração fervorosa, seja no da indignação, da
execração, do lamento, compaixão ou apelo ao perdão. Assim, cabe à ficção,
ao isolar um fato e individualizá-lo, expressar o poder que o horror e a
admiração exercem na consciência histórica.
Montello, no processo de recuperação da identidade maranhense,
registra acontecimentos marcantes que originam ou redirecionam a história
de sua terra natal, sejam eles dignos ou não de comemoração, como a
escravidão, a Abolição, a Proclamação da República, as epidemias, o período
de opulência, a crise econômica, achegada da luz elétrica, do progresso com
54
protagonistas cuja trajetória remete ao arquétipo da passagem do herói por
provas propiciatórias, acentuando o tom épico da narrativa.
2.3 MITO E LITERATURA
Mielietinski (1998, p.19) denomina arquétipos
5
temáticos os
“elementos temáticos permanentes que acabaram se constituindo em
unidades como que de uma ‘linguagem temática’ da literatura universal”.
Num primeiro momento, ou seja, no mito, tais esquemas narrativos
apresentam excepcional uniformidade. Posteriormente, com o avanço da
narrativa, eles tornam-se muito variados; no entanto, analisando-se
atentamente, percebe-se que muitos desses esquemas são simplesmente
transformações originais de alguns elementos iniciais.
Esses arquétipos originários da mitologia entre eles o da passagem
do herói por provas propiciatórias aparecem no conto maravilhoso e no
epos heróico, os quais têm origem folclórica e continuam a figurar nas
formas mais avançadas de narrativa.
Em A poética do mito (1987), Mielietinski analisa as conexões entre o
mito e a literatura e demonstra que a narrativa literária está geneticamente
relacionada com a mitologia, por meio do folclore.
A literatura antiga, o conto maravilhoso, o epos heróico, assim como
as modalidades de teatro mais antigas, ao alimentarem-se do mito e da
cosmologia mitológica, de certa forma conservam e, ao mesmo tempo,
superam a mitologia.
Na Idade Média, embora parcialmente abafados pela demonologia
cristã, os mitos antigos continuam a ser lembrados, assimilados muitas
vezes de forma alegórica. Apesar de certa desmitologização do paganismo
5
O termo “arquétipos” é utilizado por Mielietinski (1998) a partir da acepção jungiana clássica,
a qual ele discute e a que acrescenta algumas modificações.
55
antigo e da superação de seus mitos, estes passam a constituir-se em fonte
para a ficção literária.
Na própria literatura antiga e até medieval encontra-se toda uma gama
de interpretações esteticizadas, reflexivas, críticas e irônicas dos mitos
tradicionais; entretanto, o simbolismo total só começa a ser abandonado
seriamente na época do Renascimento.
O mito não se desprende inteiramente da literatura, por maior que
sejam as divergências entre as orientações ideológicas dos autores ou seus
temas históricos ou do cotidiano e o sentido mitológico primordial, pois a
forma não pode ser “pura” e o enredo acaba por conservar a semântica
tradicional de modo latente em certos níveis. Paralelamente, justamente nos
séculos XVI-XVII são criados os tipos literários não tradicionais de grande
poder generalizador, os quais modelam, além dos caracteres sociais de seu
tempo, também alguns tipos cardinais de comportamento humano universal,
como, por exemplo, Hamlet, Dom Quixote, Dom Juan, o Misantropo, etc,
considerados modelos eternos que se tornaram protótipos singulares, do
mesmo modo que os mitos, para a literatura do século XVIII em diante.
Ao renunciar ao tema tradicional, a literatura ocidental européia,
basicamente no século XVIII, deu importante passo para a desmitologização
da literatura. Do século XVIII ao XX, principalmente no século XIX, dois
novos tipos de relação da literatura com a mitologia — que, de certo modo,
podem correlacionar-se com o realismo e o romantismo — se mantêm: o
primeiro é a renúncia consciente ao tema tradicional, devido à transição
definitiva do “simbolismo” medieval para a “imitação da natureza”, para a
representação da realidade em “formas vitais adequadas”; o segundo
constitui-se das tentativas de emprego consciente do mito de maneira a-
formal e não tradicional, o que assume o caráter, algumas vezes, de
“mitocriação poética independente” (MIELIETINSKI, 1987, p. 333). Um
exemplo dessa inovação temática e marco do processo de desmitologização
é Robinson Crusoé, de Daniel Defoe (2001), o qual orienta-se para um
56
realismo a partir do vivido, numa descrição minuciosa das atividades do
herói, que representa a conquista da natureza pelo homem; nesse sentido
sua ação chega a ser cosmogônica, pois ele repete o episódio da criação da
civilização e reproduz as principais etapas dessa criação. Nesse processo de
desmitologização, paradoxalmente, cria-se o “mito burguês”.
Entretanto, o herói não é um titã, mas um inglês típico. Essa
concepção antropocêntrica e antimitológica em Robinson Crusoé (2001) é
que irá abrir caminho para o romance realista dos séculos XVIII e XIX.
As etapas percorridas por Robinson Crusoé desde a mocidade até o
amadurecimento, durante o período de permanência na ilha, lembram, de
um lado, o processo de iniciação nas sociedades primitivas e, de outro, o
romance de educação.
Para Mielietinski (1998), desde os tempos mais antigos os motivos da
iniciação têm figurado no folclore; no entanto “sua inclusão na biografia do
herói reflete a introdução de motivos biográficos relacionados com a
complementaridade entre o tema mitológico da criação do mundo, e aquele
da formação da personalidade do herói” (MIELIETINSKI, 1998, p. 56).
No processo de iniciação ocorre um isolamento temporário, contatos
com outros mundos, com seus habitantes demoníacos, sofrimentos,
provações, morte temporária e ressurreição.
Mielietinski (1987) considera que o romance de educação
6
elabora, até
certo ponto, um enredo equivalente à iniciação.
Se atentarmos para um dos modelos iniciais do romance de educação,
para o romance de cavalaria sobre Perceval-Parcifal, veremos
claramente como a estrutura tradicional do romance cortesão a
qual remonta ao conto de fadas e, em suma, aos mitos explicativos e
à iniciação como uma das fontes primordiais, e refletiu alguns traços
específicos da ritualidade da iniciação em cavaleiros e nas ordens da
cavalaria está subordinada à tarefa menos formal e mais elevada
6
Embora alguns autores como François Jost (1969) diferenciem romance de educação de
romance de formação, outros, como Mikhail Bakhtin (2000) não dão destaque a tal distinção.
Mieletinski (1987), pelo que se pode observar pelos exemplos citados, ao referir-se ao romance de
educação, engloba também o de formação.
57
de representação das buscas do caminho verdadeiramente
cavalheiresco e simultaneamente cristão para o jovem simples.
(MIELIETINSKI, 1987, p.335).
Segundo o autor, em romances de educação mais modernos de
Agaton de Wieland e Wilhelm Meister de Goethe à Montanha mágica de
Thomas Mann percebe-se certa identidade da problemática comum ao
gênero. Assim como os demais romances da Idade Moderna, esse tipo de
romance apresenta preferencialmente um herói jovem, cuja história de
educação dar-se-á pelo próprio meio social em que vive. Nos romances do
século XIX, como O adolescente de Dostoievski, ao contrário do que ocorre
no mito, a educação compreende um processo de frustração e acomodação
ao mal. Portanto não se pode reduzir a problemática do romance moderno à
simples representação dos ritos tribais de iniciação, colocando-o em patamar
de igualdade com o mito. O que ocorre não é uma redução do romance à
reprodução dos ritos iniciáticos, mas sim uma universalidade da
problemática, que em parte se baseia na estrutura sintagmática tradicional
do gênero.
A narrativa — no caso, o romance — apresenta, assim, vestígios da
estrutura mitológica-fabular correlata da iniciação. No processo de evolução
da narrativa, o que ocorre é a substituição de alguns motivos por outros,
sendo que, nesse processo, os motivos substituintes acabam conservando
com freqüência a função dos que foram substituídos, o que faz com que
alguns esquemas e situações se repitam sem qualquer motivação aparente.
Mielietinski (1987, p.336) considera complexa essa questão do
mitologismo “implícito” na literatura realista porque,
em primeiro lugar, a orientação consciente centrada na representação
da realidade e o efeito cognitivo não excluem o emprego conjunto da
forma do gênero e de elementos do pensamento dificilmente
separáveis dessa forma e, em segundo, os elementos que coincidem
no romance do século XIX e nas tradições arcaicas não são
forçosamente “resquícios”, nem mesmo na concepção jungiana, mas
possivelmente certas formas gerais de pensamento, emoção e
58
imaginação, em relação às quais as imagens míticas são uma variante
particular como o são as imagens realistas.
O que ocorre não é uma redução ou uma arcaização da literatura
realista e, simultaneamente, uma modernização do mito, mas sim muitas
vezes o emprego inconsciente de certas representações que, desde os
tempos do mito, tornaram-se “lugar-comum” na consciência poética. Desse
modo, o mitologismo presente de maneira implícita na literatura realista é
uma questão de percepção poética.
Embora não se pretenda, neste trabalho, fazer uma mitologização da
obra de Montello, não se pode desconsiderar a presença desse mitologismo
implícito, principalmente nos romances Cais da Sagração e Os tambores de
São Luís, em que a passagem do herói por provas, as quais teriam, em certa
medida, a função de ritos de passagem, remete ao arquétipo da passagem
do herói por provas iniciáticas.
2.4 A ÉPICA MARANHENSE
Montello vale-se de diversos romances para compor a epopéia
maranhense, cada um no papel de episódios que unidos vão reconstruindo a
história e a cultura de uma comunidade e buscando a sua identidade social.
Podem-se observar os traços da matriz épica na busca da totalidade, na
história de uma sociedade a partir dos indivíduos que a compõem.
Considerando-se o ponto de vista lukacsiano de que o herói romanesco
representa apenas uma classe social ou seus próprios interesses, para
alcançar a representação da totalidade Montello utilizou personagens de
diferentes classes vivenciando, numa mesma sociedade, momentos e
situações diversas nos vários romances maranhenses. Desse modo, pouco a
pouco, transitando entre a epopéia e o romance, o conjunto de narrativas
59
montellianas busca, a partir da diversidade, representar uma totalidade
social e revelar a identidade maranhense.
Cada romance, como épos da epopéia maranhense, focaliza um
determinado aspecto da sociedade maranhense por intermédio do
protagonista, diferenciando-se quanto à temática e à utilização de alguns
recursos estéticos.
Partindo do espaço maranhense, Montello cria seu universo romanesco,
no qual se entrelaçam história e ficção, retratando cada detalhe da vida em
São Luís e arredores: seu povo, costumes, tradições, lendas, topografia,
arquitetura, história, arte, diluindo-os em diversos núcleos diferentes, e ao
mesmo tempo, procurando abranger toda a diversidade da sociedade
maranhense. Dos mais diversos microcosmos constrói-se o macrocosmo
maranhense, que vai se revelando por meio dos personagens montellianos.
Pelo fato de os romances tratarem de períodos diferentes da história e
apresentarem protagonistas de diversas camadas sociais, tais personagens,
normalmente, não têm ligação entre si. Entretanto, em alguns romances, é
feita alusão a personagens de outros, deixando evidente que fazem parte do
mesmo universo ficcional. Um romance que, embora não componha o corpus
deste trabalho, exemplifica bem isso é A vida eterna do Major Taborda
(1985), no qual o personagem principal, por viver mais de cento e cinqüenta
anos, vivencia um período bem extenso da história maranhense e, por isso,
acaba tendo contato com alguns personagens de outros romances. Major
Taborda faz alusão a personagens de Labirinto de Espelhos (1952), Os
degraus do paraíso (1965) e Os tambores de São Luís (1975).
No trecho abaixo, Major Taborda recorda-se de Damião, protagonista
de Os tambores de São Luís, narrando algo que acontece após o desfecho do
romance, pois este termina quando Damião constata que o negro que
encontrara morto no bar poderia ser seu filho, sem, entretanto, esclarecer
tal mistério.
60
Adiante, o preto de óculos de aro de prata, todo de branco, que vinha
saindo da capela, ao fundo da alameda, recordou ao Major o professor
Damião, de quem fora amigo. O velho líder negro, que morrera no
mesmo dia em que lhe morrera a companheira, devia estar enterrado
ali perto. Lembrava-se do rebuliço da cidade quando o filho do
professor, recém-chegado da Inglaterra, aparecera assassinado no
bar da esquina da Rua Grande com a Rua do Passeio (MONTELLO,
1981, p.239).
A identificação de Montello com autores que retratavam cidades
influencia bastante o destaque que dá a São Luís e o modo como aborda o
espaço em sua obra.
Poucos romancistas estarão associados, de modo tão nítido, à sua
velha cidade, quanto Eça de Queirós a Lisboa. Dickens, em Londres.
Balzac, em Paris. Galdós, em Madri.
Que outros recompusessem a história urbana, com suas datas e
transformações. Eles guardaram a cidade intacta e viva, à revelia do
passar do tempo. Por isso, a despeito do fluir sucessivo de tantos
anos, e das alterações que o mau gosto por vezes impôs às casas de
outrora, a cidade permanece intocada, para quem quer que a tenha
associado às suas emoções pessoais, na leitura dos romances de Eça
de Queirós. (MONTELLO, 1984, p.584).
Josué Montello, nos onze romances ambientados em São Luís e
arredores, apresenta um painel da sociedade ludovicence abrangendo um
período de mais de um século de história, tradições e costumes de várias
esferas sociais, sem esquecer-se dos dramas humanos individuais. Nesses
romances, o autor, por meio da memória, do narrador ou dos protagonistas,
retorna ao passado com idas e vindas, digressões, superposições de
planos temporais — contrastando-o com o presente e evidenciando o poder
transformador do tempo. Essa reconquista do passado por meio da memória
unida à imaginação criadora dá um tom épico à narrativa montelliana.
Segundo Aguiar (1998, p.25),
As formas épicas são necessariamente posteriores aos acontecimentos
que representam. Sendo assim, para o épico é necessária a distância
no tempo, entre o presente e o passado, mas é este que deve
ressurgir como matéria épica. A busca do passado, porém, nunca o
61
reencontra de modo inteiriço, porque todo o ato de recordar
transfigura as coisas vividas. Na épica, como na memória, o passado
se reconstrói de maneira alinear com idas e voltas repentinas, com
superposição de planos temporais, com digressões e análises.
Naturalmente, o que retorna não é o passado propriamente dito, mas
suas imagens gravadas na memória e ativadas por ele num
determinado presente.
Com exceção de Cais da Sagração (1971), cuja história situa-se entre
as décadas de sessenta e setenta, os principais romances dessa edda
retratam períodos contemporâneos em A décima noite (1959), o ano é
1916; em Os degraus do paraíso (1965), 1918; em Os tambores de São Luís
(1975), a história se passa em 1915, com um retorno ao passado de quase
um século; em Noite sobre Alcântara (1978), em 1899, mas, também, abre-
se num longo flash back de quase cinqüenta anos.
Na epopéia maranhense, a reconquista do passado não se dá pela
mera reprodução de costumes, hábitos e tradições da sociedade
maranhense. Essa representação é mediada pela memória e pelo psiquismo
dos personagens, seres individualizados, compreendidos como pessoas a
partir das quais se interpreta o mundo social.
3 MEMÓRIA: EVOCANDO MNEMOSINE
Deus nos deu a memória como antídoto do passado. O que se foi,
com a vida vivida, acaba voltando, sempre que o recordamos. A
saudade nada mais é do que a recordação sob uma luz generosa.
Tudo fica mais belo quando a memória traz de novo o que dá gosto
lembrar. O fato é o mesmo, mas banhado por uma luz propícia que
lhe aviva o colorido. (MONTELLO, 1998, p. 1266).
Na construção da epopéia montelliana é fundamental o retorno ao
passado, o conhecimento das origens, o reencontro da identidade
maranhense, o que só será possível por meio da memória.
Neste capítulo, serão fundamentados os conceitos de memória,
utilizados na análise dos romances de Josué Montello, com o objetivo de
ressaltar sua importância no processo de recuperação do passado e
construção da identidade individual e coletiva. Para tanto, procurar-se-á
apresentar, sumariamente, o tratamento dado a essa faculdade, no decorrer
do tempo, para, então, apresentar em que aspectos ela é importante na obra
de Montello.
3.1 A MEMÓRIA
Le Goff (1996) considera que
a memória, como propriedade de conservar certas informações,
remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas,
graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações
passadas, ou que ele representa como passadas. (LE GOFF, 1996,
p.423).
Assim, o estudo da memória acaba por ligar-se a várias esferas do
campo científico, entre elas a psicologia, a história, a antropologia, a
biologia, a psicanálise e até mesmo, hoje em dia, em que se tem a
possibilidade de uma memória eletrônica, as ciências exatas e a informática.
63
Por isso, fica difícil delimitar seu campo de ação, pois ela está intimamente
ligada à própria história do homem e de suas criações. Le Goff (1996)
considera que alguns aspectos do estudo da memória, no interior de
qualquer ciência, acabam evocando de forma concreta ou metafórica a
memória histórica e a social.
Em várias sociedades, nas mais diferentes épocas, observa-se a
importância dada à faculdade de lembrar o passado nos sistemas de
educação da memória: as mnemotécnicas. Com o tempo, a idéia de simples
atualização mecânica dos vestígios mnemônicos foi substituída pela
descoberta de que o homem pode não só intervir, mas também atualizar tais
vestígios e que a inteligência tem papel fundamental na aquisição da
memória.
A aproximação entre linguagem e memória é evidente pela
possibilidade de não só se transmitir um fato oralmente, mas também de
armazená-lo pela escrita.
Inicialmente a ligação da memória com a narrativa oral, quando não
era possível reter eventos ou detalhes em textos escritos, contribuiu para a
formação e manutenção da auto-imagem dos povos, que empregavam
estratégias tais como: repetições e ritmos que indicavam a presença de um
narrador e assinalavam que era esse mesmo narrador que lhes contava a
história.
Embora tais estratégias evidenciem também a dificuldade de se
separar a ficção do registro histórico, elas favoreciam aos membros dessas
culturas a lembrança de pontos importantes de seu presente e de sua
história e ressaltavam o enlace da memória com traços identitários do
indivíduo e das nações.
Esse tipo de narrativa era um ato mnemônico com importante função
social e contribui consideravelmente para a manutenção da memória e
identidade, pois abarcava conhecimentos da nação como território, como
cultura comum, abrangendo direitos legais e obrigações dos cidadãos, além,
64
de incorporar mitos e memórias históricas, o que confirma o vínculo entre
memória, identidade e narrativa.
Le Goff (1996) traça a trajetória da memória coletiva desde as
sociedades selvagens, sem escrita, até a contemporânea com a memória
eletrônica. Segundo o autor, a memória coletiva, nos povos sem escrita, está
ligada aos mitos de origem, que oferecem um fundamento à existência do
grupo; às genealogias, que exprimem o prestígio das famílias dominantes, e
aos conhecimentos práticos, os segredos de ofício, que se transmitem por
meio da magia e da religião. Nessas sociedades existem guardiões da
memória, depositários da história e de todo conhecimento, na figura dos
genealogistas, historiadores da corte, dos anciãos, dos sacerdotes, que
desempenham importante papel na manutenção da coesão social. Esses
homens-memória, verdadeiros narradores, não têm a preocupação com a
memorização exata, palavra por palavra e, por isso são raros os
procedimentos mnemotécnicos. O importante é a dimensão narrativa a
partir da qual as histórias vão se reconstruindo por meio de uma memória
criadora. Desse modo, enquanto nas sociedades ligadas à escrita há
preocupação com a reprodução mnemônica, nas sociedades sem escrita, com
raras exceções a memória apresenta-se mais livre e com mais possibilidades
criativas que repetitivas.
Com o aparecimento da escrita, a memória coletiva sofre profunda
transformação, pois permite o desenvolvimento de duas formas de memória:
a primeira é o monumento comemorativo em forma de inscrições para a
celebração de um acontecimento memorável, às quais a pedra ou o mármore
serviam de suporte; a segunda é o documento escrito utilizado para
armazenar ou registrar informações ou mesmo analisá-las e reordená-las;
para isso utiliza-se de um suporte especialmente destinado à escrita, que vai
desde tentativas sobre ossos até o desenvolvimento do papel.
Para Le Goff (1996, p. 436),
65
entre os gregos, da mesma forma que a memória escrita se vem
acrescentar à memória oral, transformando-a, a história vem
substituir a memória coletiva, transformando-a, mas sem destruir.
Divinização e, depois, laicização da memória, nascimento da
mnemotécnica: tal é o rico quadro que oferece a memória coletiva
grega entre Hesíodo e Aristóteles, entre os séculos III e IV.
Na sociedade atual, em que abundam informações, já não se pode
mais contar somente com a oralidade. Entretanto foi por meio dela que se
mantiveram as tradições e a cultura popular que vários narradores modernos
tentam recuperar pela escrita.
3.2 MEMÓRIA E ESQUECIMENTO NA ANTIGÜIDADE
Eliade (1972) ressalta que a recordação implica um esquecimento, o
qual, de acordo com a simbologia indiana, equivale à ignorância, à
escravidão e à morte, e traça as modificações da mitologia da memória e do
esquecimento.
No mito grego, a memória é personificada pela deusa Mnemosine,
onisciente, irmã de Cronos e de Oceanos — mãe das musas. Quando
possuído pelas musas, o poeta absorve o conhecimento diretamente de
Mnemosine, sobretudo o das origens, das genealogias e dos primórdios. O
passado revelado é a fonte do presente.
Ascendendo até ele, a rememoração não procura situar os
acontecimentos em um quadro temporal, mas atingir o fundo do ser,
descobrir o original, a realidade primordial da qual saiu o cosmo e que
permite compreender o devir em seu conjunto (VERNANT, 1990,
p.141).
Inspirado pelas musas, o poeta tem acesso às realidades originais,
graças à memória primordial que ele é capaz de acessar. Tais realidades,
manifestadas no tempo mítico do princípio, constituem o fundamento deste
66
mundo, mas não são mais perceptíveis na experiência atual. Vernant (1990),
ao buscar a função da memória, compara a inspiração do poeta à descida ao
mundo dos mortos.
Qual é então a função da memória? Não reconstrói o tempo: não o
anula tampouco. Ao fazer cair a barreira que separa o presente do
passado, lança uma ponte entre o mundo dos vivos e o do além ao
qual retorna tudo o que deixou a luz do sol. Realiza para o passado
uma “evocação” comparável ao que efetua para os mortos o ritual
homérico da έκκλησις: o apelo entre os vivos e a vinda à luz do dia,
por um breve momento, de um defunto que volta do mundo infernal;
comparável também à viagem que se mira em certas consultações
oraculares: a descida de um ser vivo ao país dos mortos para aí
aprender para aí ver o que quer saber. O privilégio que Mnemosýne
confere ao aedo é aquele de um contato com o outro mundo, a
possibilidade de aí entrar e de voltar dele livremente. O passado
aparece como uma dimensão do além. (VERNANT, 1990, p.143).
Na Grécia, há dois tipos de valorização da memória: o primeiro refere-
se aos eventos primordiais, e o segundo, às existências anteriores, isto é,
aos eventos históricos e pessoais. A essas duas espécies de memória, o
esquecimento opõe-se igualmente.
Por vezes o esquecimento está ligado à idéia de morte, enquanto a
memória à de imortalidade. No Hades, aquele que guarda a memória
transcende a condição mortal, não encontra barreira nem oposição entre a
vida e a morte e circula livremente entre os dois mundos. Plao
transforma e reinterpreta essas duas tradições da memória, articulando-as
em seu sistema filosófico. Para Platão, o conhecimento está latente no
homem encarnado, visto que entre uma existência e outra a alma tem
acesso ao conhecimento puro e perfeito; assim, aprender é rememorar. O
conhecimento pode ser atualizado graças ao esforço filosófico. Por meio de
um “voltar atrás”, a alma pode recuperar o conhecimento original ao
recolher-se para dentro de si mesma.
Vernant (1990) baseia seus estudos sobre os aspectos míticos da
memória em documentos que tratam da sua divinização e da elaboração da
67
mitologia da reminiscência na Grécia arcaica. Para o autor, a história da
memória está diretamente ligada às representações religiosas. As técnicas de
rememoração praticadas em diversas épocas e culturas apresentam certa
solidariedade entre si no que se refere à “organização interna da função, a
sua situação no sistema do eu e a imagem que os homens conservam da
memória”. (VERNANT, 1990, p. 136).
Muitos fenômenos que para o homem moderno são de ordem
psicológica, para os gregos são objetos de culto, como é o caso de
Mnemosine.
A memória é uma função muito elaborada que atinge grandes
categorias psicológicas, como o tempo e o eu. Ela põe em jogo um
conjunto de operações mentais complexas, e o seu domínio sobre elas
pressupõe esforço, treinamento e exercício. O poder de rememoração
é, nós o lembramos, uma conquista; a sacralização de Mnemosyne
marca o preço que lhe é dado em uma civilização de tradição
puramente oral como o foi a civilização grega, entre os séculos XII e
XIII, antes da difusão da escrita. (VERNANT, 1990, p. 136).
Mnemosine preside a função poética a qual, para os gregos, exige uma
intervenção sobrenatural. O poeta, possuído pelas musas, é o interprete de
Mnemosine. Ele tem o dom da vidência sobre o que ocorreu no passado e
sobre o que ainda não é, tempo inacessível aos mortais. Assim, memória
está tradicionalmente ligada à arte poética.
A atividade do poeta orienta-se quase exclusivamente para o passado.
Não o seu passado individual, e também nem o passado em geral
como se se tratasse de um quadro vazio, independente dos
acontecimentos que nele se desenrolam, mas o ‘tempo antigo’, com o
seu conteúdo e as qualidades próprias: a idade heróica ou, para além
disso, a idade primordial, o tempo original. (VERNANT, 1990, p.138).
O poeta tem o poder de estar no passado, lembrar-se ou saber dele e
vê-lo. O conhecimento do aedo opõe-se ao do homem comum. Enquanto o
do segundo baseia-se no testemunho de outrem, o do primeiro, entregue à
inspiração, assemelha-se ao dos deuses, pois provém de uma visão pessoal
68
direta. “A memória transporta o poeta ao coração dos acontecimentos
antigos, em seu tempo”. (VERNANT, 1990, p.138). Por isso a narrativa
organiza-se de modo a apenas reproduzir, na mesma ordem em que se
sucedem, os acontecimentos aos quais o poeta assiste.
Num longo exercício de memória, pode-se observar nos cantos
homéricos enumerações intermináveis de nomes de homens, regiões, povos,
inventários militares chamados de catálogos. Apesar de parecerem
fastidiosos, tais catálogos são de grande importância na poesia de Homero e
Hesíodo, pois é por meio deles que o repertório do conhecimento é fixado e
transmitido, decifrando o passado do grupo social. São os arquivos de uma
sociedade sem escrita e têm a função de ordenar e estabelecer uma
nomenclatura a mais completa e rigorosa possível dos heróis e dos deuses.
Assim, a matéria das narrativas míticas é organizada. Tal ordenamento
evidencia o esforço do poeta em determinar a origem.
3. 3 MEMÓRIA E TEMPO
Segundo Vernant (1990), nos mitos da memória ou em seus resquícios
no início da filosofia grega não há elo entre o desenvolvimento da memória e
a consciência do passado, pois “A memória é anterior à consciência do
passado e ao interesse pelo passado como tal”. (VERNANT, 1990, p. 164).
No início da civilização grega, apesar de haver uma exaltação da força da
memória, tal memória é orientada de modo diferente e corresponde a fins
diversos dos conhecidos pelo homem moderno.
Já, para Aristóteles, memória e reminiscência diferenciam-se,
respectivamente, por simples poder de conservação do passado e por sua
evocação efetiva e voluntária, mas ambas, necessariamente ligadas ao
passado e condicionadas por um lapso de tempo, implicam uma distância
temporal, apresentam um anterior e um posterior, a ponto de o filósofo
69
considerar que o órgão pelo qual se percebe o tempo é o mesmo pelo qual se
lembra.
A memória passa, assim, a ter as determinações do tempo como
objeto, e não mais o ser, o que faz com que decaia da posição de destaque
que ocupava na hierarquia das faculdades. Ela torna-se apenas um aspecto
da alma, mergulhada no fluxo do tempo a partir da união com o corpo.
Em Aristóteles, a memória aparece incluída no tempo que, no entanto,
ainda permanece “rebelde à inteligibilidade” (VERNANT, 1990, p.166). Como
função do tempo, ela perde os traços míticos de Mnemosine, distancia-se dos
exercícios de rememoração destinados à libertação do tempo e não busca
mais a revelação do ser e do verdadeiro. Pelo contrário, ela é a marca da
imperfeição humana e reflete as limitações da condição mortal e a
incapacidade do homem de ser inteligência pura — por isso não pode
assegurar um verdadeiro conhecimento do passado.
A busca do conhecimento do passado é uma constante desde as
sociedades arcaicas. Eliade (1972) afirma que o homem arcaico caracteriza-
se por uma atitude de espírito que valoriza de modo excepcional o
conhecimento das origens. Ao conhecer a origem de cada coisa, ele adquire
como que um domínio mágico sobre ela, sabe onde encontrá-la e como fazê-
la reaparecer. A mesma fórmula poderia ser aplicada aos mitos
escatológicos, pois o conhecimento do ocorrido na origem facilita a
compreensão do que se passará no futuro. Essa “mobilidade” da origem do
mundo representa a esperança do homem de que seu mundo, mesmo que
seja periodicamente destruído, permanecerá, pois, como tem uma duração,
ele degenera-se, consome-se e se refaz. Isso explica a recriação simbólica
do mundo todos os anos.
O valor dado ao conhecimento das origens, entretanto, não é exclusivo
das sociedades arcaicas. Nos séculos XVIII e XIX surgiram, além de
incontáveis pesquisas sobre a origem do Universo, da vida, do homem,
estudos sobre a origem da linguagem, da religião, da sociedade — enfim, de
70
todas as ações humanas, num esforço por se conhecer a história e a origem
de tudo que rodeia o homem.
3.4 O RETORNO ÀS ORIGENS
No século XX, com a psicanálise, o estudo das origens voltou-se para o
interior do homem. Segundo Eliade (1972), o inconsciente apresenta a
estrutura de uma mitologia privada: pode-se dizer que houve um paraíso
(estado pré-natal até a ablatação) e uma catástrofe ou ruptura (traumatismo
infantil), em termos do pensamento arcaico, e tais eventos primordiais são
constitutivos do adulto, independentemente de sua atitude em relação a
eles.
Enquanto as demais ciências apresentam a origem do ser humano
como precária e imperfeita, corrigida pelo desenvolvimento, a psicanálise
apresenta a idéia de que o começo do ser humano é beatífico, uma espécie
de paraíso. Por isso, pode-se estabelecer uma analogia entre a concepção
arcaica da beatude e da perfeição original e a psicanálise, pelo fato de Freud
descobrir o papel do “tempo primordial e paradisíaco” da primeira infância e
a beatude anterior à ruptura, momento anterior à conversão do tempo em
“tempo vivido” para cada indivíduo.
Outra idéia freudiana que justifica uma analogia com os
comportamentos arcaicos é o “voltar atrás” que permite a reatualização de
determinados eventos decisivos e traumatizantes da primeira infância. Nos
mitos das sociedades arcaicas, há diversos relatos que ressaltam a crença na
possibilidade de se reatualizar ou reviver os eventos primordiais. Entretanto,
com raras exceções, tais exemplos ilustram um retorno coletivo, pois era a
comunidade inteira ou parte importante dela que revivia os acontecimentos
míticos por meio de rituais. É a técnica psicanalítica que vai possibilitar um
retorno individual ao tempo da origem.
71
Longe de querer comparar a psicanálise com as crenças primitivas,
Eliade (1972) considera que o “voltar atrás”, importante para a compreensão
do homem e para sua cura, percebido por Freud, já era conhecido e
praticado em algumas culturas primitivas. Na psicanálise, o retorno
individual à origem é concebido como possibilidade de renovação e
regeneração de quem o empreende.
Confrontando a psicanálise com os métodos arcaicos e orientais, Eliade
(1972) procura demonstrar que o retorno existencial à origem, embora
específico da mentalidade arcaica, não se restringe a ela apenas.
Esse “retorno à origem” pode ser utilizado para várias finalidades e
com os mais diversos significados, entre eles o simbolismo dos rituais
iniciáticos, que implica um regresso ao útero materno. A iniciação dos
adolescentes, desde as culturas mais primitivas, abarca uma série de rituais
simbólicos o neófito pode ficar recluso numa choça, ser engolido por um
monstro ou penetrar num terreno sagrado os quais, representando um
regressus ad uterum, transformam o neófito em embrião para que possa
renascer, pois a iniciação equivale a um nascimento, é por meio dela que o
noviço nasce para um novo modo de ser ou regenera-se, tornando-se um
adulto socialmente responsável e culturalmente desperto.
Seja em culturas mais primitivas ou em sociedades mais complexas, os
rituais de retorno ao útero materno são uma constante. Esse “voltar atrás”
era o único meio de se anular a obra do tempo, segundo o pensamento
arcaico. Abolindo-se o tempo decorrido, recomeça-se a existência com suas
virtualidades intactas. Entretanto, nem todos os ritos ou mitos de retorno às
origens têm a mesma função. Apesar do mesmo simbolismo, deve-se
considerar sempre o contexto, pois ele é que revelará sua verdadeira
significação. Em cada situação os simbolismos se enriquecem de novos
valores e se revestem de novos significados.
Segundo Eliade (1972), em diversas épocas e culturas, há uma certa
continuidade de comportamento humano no que se refere ao tempo, que ele
72
assim define: “para curar-se da obra do Tempo, é preciso ‘voltar atrás’ e
chegar ao ‘princípio do Mundo’”. (ELIADE, 1972, p. 81).
A fim de permitir a recuperação do conteúdo de certas experiências
originais, segundo Eliade (1972), Freud elabora técnica análoga. Entre as
diversas possibilidades de retorno, as mais importantes são a reintegração
direta e rápida à situação de origem e o retorno progressivo, remontando o
tempo a partir do presente até o início absoluto. No primeiro caso, observa-
se uma regressão precipitada ao caos e reintegração da cosmogonia, com a
abolição instantânea do Cosmo ou mesmo do ser humano como resultado de
uma temporalidade. No segundo, observa-se a rememoração meticulosa dos
eventos históricos e pessoais. Para Eliade (1972), também, nesses casos, o
objetivo é queimar tais recordações e, ao revivê-las, aboli-las e destacar-se
delas. Em vez de apagá-las instantaneamente para incorporar-se
rapidamente à origem, o importante é a rememoração de cada detalhe da
existência, atual ou anterior, pois tais recordações é que permitem que se
“queime” o passado, domine-o e impeça-o de intervir no presente.
Nesse caso, a memória desempenha papel fundamental, pois é por
meio da rememoração que se torna possível a libertação da obra do tempo.
É fundamental que todos os acontecimentos testemunhados no curso da
duração temporal sejam recordados. Tal técnica relaciona-se à concepção
arcaica que valoriza o conhecimento da origem e da história das coisas para
que se possa dominá-la.
Certamente, percorrer o tempo em direção contrária implica uma
experiência que depende da memória pessoal, ao passo que o
conhecimento da origem se reduz à apreensão de uma história
primordial exemplar, de um mito. Mas as estruturas são
homologáveis: trata-se sempre de recordar, detalhada e
precisamente, o que se passou no princípio e a partir de então.
(ELIADE, 1972, p.83).
73
Assim, o conhecimento de sua história confere ao indivíduo o domínio
do próprio destino e o conhecimento da história coletiva identifica esse
indivíduo com o grupo a que pertence.
Além de Freud, na psicanálise com o psiquismo dominado pelas
recordações inconscientes, pela história oculta dos indivíduos num passado
distante, a infância —, dedicaram atenção ao passado, no campo da filosofia
e da literatura, principalmente, Bergson e Proust. E foram esses intelectuais,
segundo Le Goff (1996), que contribuíram, com o alastramento dos estudos
sobre a memória, para as convulsões do século XX.
Enquanto para Freud (1987b) a memória está ligada ao inconsciente e
a serviço do princípio do prazer, para Bergson (1999) ela é a memória-
lembrança, memória de acontecimentos, memória “souvenir” que está a
serviço da adaptação à vida.
Bergson (1999) considera o tempo como duração, como um
prolongamento do passado “roendo” o futuro e não como uma sucessão de
instantes. O passado conserva-se integralmente avançando para o presente,
o que faz com que a memória seja constituída de lembranças cuja substância
é pura duração.
Para Bergson (1990), a noção de imagem é fundamental na relação
entre memória e percepção. Sob a memória superficial, ligada ao hábito, o
filósofo observa a existência de uma memória profunda, pura, realçando os
laços entre memória e espírito. Tal teoria tem grande influência na literatura,
principalmente em Proust, em seu Em busca do tempo perdido (1988). Com
ele surge uma nova abordagem da memória no romance.
3.5 MEMÓRIA COLETIVA E IDENTIDADE SOCIAL
Enquanto a filosofia e a psicanálise, com Bergson e Freud, contribuem
para aprofundar os estudos sobre a memória individual, as ciências sociais
74
começam a se preocupar com a memória coletiva. A antropologia passa a
considerar que o termo memória se adapta melhor que história a algumas
realidades sociais, enquanto a psicologia social alia a memória ao estudo dos
comportamentos e mentalidades. Segundo Le Goff (1996), o estímulo para
a exploração desse novo conceito de memória, bem como de tempo, veio da
sociologia, com a publicação, em 1950, de A memória coletiva, de Maurice
Halbwachs.
Pesquisa, salvamento, exaltação da memória coletiva não mais nos
acontecimentos, mas ao longo do tempo, busca essa memória menos
nos textos do que nas palavras, nas imagens, nos gestos, nos ritos e
nas festas; é uma conversão do olhar histórico. Conversão partilhada
pelo grande público, obcecado pelo medo de uma perda de memória,
de uma amnésia coletiva, que se exprime desajeitadamente na moda
retro, explorada sem vergonha pelos mercadores de memória desde
que a memória se tornou um dos objetos da sociedade de consumo
que se vendem bem. (LE GOFF, 1996 p. 472).
Segundo Halbwachs (2006), a memória não deve ser entendida apenas
como um fenômeno individual, íntimo, mas, sobretudo, como um fenômeno
coletivo e social, isto é, construído coletivamente e sujeito a flutuações,
transformações e mudanças constantes.
Para Pollak (1992), tanto a memória individual quanto a coletiva são
constituídas por acontecimentos vividos pessoalmente; por acontecimentos
vividos pelo grupo ao qual o indivíduo pertence e dos quais ele nem sempre
participou, mas que assimilou por se identificar com eles e por
acontecimentos que se situam fora do espaço-tempo dele ou do grupo, mas
que, por meio da socialização histórica e política, transformaram-se numa
memória herdada com a qual o indivíduo ou o grupo se identifica.
Acontecimentos que traumatizam ou marcam um grupo social tornam-se
parte da identidade desse grupo e sua memória atravessa gerações.
Assim como ocorre com os acontecimentos, a memória é constituída
por personagens com os quais o indivíduo realmente se encontrou durante a
75
vida, personagens que conheceu indiretamente e que se transformaram em
quase conhecidos e personagens fora do espaço-tempo da pessoa.
Além dos acontecimentos e dos personagens, fazem parte da memória
os lugares, os quais podem estar ligados a uma lembrança pessoal ou do
grupo. Assim, um local onde se vivenciou algo marcante, os locais de
comemoração, que são lugares de apoio da memória, um local longínquo
fora do tempo e do espaço do indivíduo, mas importante na memória do
grupo, são lugares da memória.
Segundo Pollak (1992), a memória é um fenômeno construído,
individual ou socialmente, consciente ou inconscientemente, pois se
organiza, recalcando, excluindo, gravando e relembrando, em função não só
da vida física da pessoa, mas também das preocupações pessoais e políticas
do momento em que se vive. Quando se trata da memória herdada, o autor
considera haver uma ligação muito estreita entre memória e sentimento de
identidade, considerando-se o sentimento de identidade no sentido da
imagem que o indivíduo ou grupo tem de si, para si e para os outros, ou
seja,
a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela
própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si
própria, para acreditar na sua própria representação, mas também
para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros.
(POLLAK, 1992, p. 5).
Na abordagem da construção da identidade, Pollak (1992, p. 5) cita
três elementos fundamentais: a unidade física, a continuidade dentro do
tempo e o sentimento de coerência.
Há a unidade física, ou seja, o sentimento de ter fronteiras físicas, no
caso do corpo da pessoa, ou fronteiras de pertencimento ao grupo, no
caso de um coletivo; há a continuidade dentro do tempo, no sentido
físico da palavra, mas também no sentido moral e psicológico;
finalmente, há o sentimento de coerência, ou seja, de que os
diferentes elementos que formam um indivíduo são efetivamente
unificados. De tal modo isso é importante que, se houver forte
76
ruptura desse sentimento de unidade ou de continuidade, podemos
observar fenômenos patológicos (POLLAK, 1992, p.5).
Nas últimas décadas, muito se tem falado a respeito da memória. Por
ser fundamental no sentimento de continuidade e de coerência de um
indivíduo ou de um grupo, ela é um elemento importante do sentimento de
identidade.
Segundo Nietzsche (2006), “Só o que não pára de doer permanece na
memória”. Depois de tantas guerras e transformações num curto espaço de
tempo, as relações estabelecidas com o passado, a partir da segunda metade
do século XX, assumem um novo caráter. Não há mais grandes utopias
numa sociedade reificada, de seres sem rosto e sem identidade, em que,
diferentemente das glórias do passado, muitas vezes são as catástrofes que
permanecem na memória. Não se crê mais na reprodução exata do passado
pela historiografia, visto que a identidade cultural e social se constrói mais
pela memória coletiva que pela história.
Ligada à escritura e, portanto, ao registro, a literatura, ao resgatar
elementos importantes do passado de uma sociedade, assume um papel
importante na expressão da memória coletiva e da identidade social.
3.6 A MEMÓRIA NA EPOPÉIA MARANHENSE
Firme em seu propósito de buscar a identidade maranhense, Montello
destaca elementos comuns aos membros dessa sociedade, que os tornam
parte de um mesmo grupo. Tais elementos, que conferem identidade ao
grupo social, estão presentes num passado comum, na história, na cultura e
no espaço compartilhados. No resgate de tais elementos, a memória, oral
ou escrita, tem um papel fundamental e, por isso, ela será um dos principais
77
responsáveis pela articulação do enredo dos romances da epopéia
maranhense.
Numa era marcada pela desorientação e por incertezas, o passado
representado nos romances de Montello é ponto de partida para a
representação de uma totalidade social, a partir da recuperação de
elementos identitários da sociedade maranhense.
A abordagem histórica montelliana está ligada à memória coletiva, com
a utilização da descontinuidade temporal abarcando tempos múltiplos vividos
em que o individual enraíza-se no social e no coletivo.
Montello reencontra sua terra natal por meio de suas recordações, de
documentos escritos do passado e de testemunhos orais do presente que
demonstram como ela viveu e vive seu passado. A partir da memória
coletiva, enraizada nas lembranças individuais dos personagens, acessa
lembranças de uma comunidade, fundamentais tanto para o indivíduo,
considerando sua localização num contexto geográfico e social, quanto para
o grupo do qual faz parte — no caso a sociedade maranhense —,
assegurando o resgate da identidade social.
Nos romances da epopéia maranhense, observa-se o emprego da
memória retentiva, de arquivo; da evocativa, das lembranças e,
principalmente, da coletiva. São elas as responsáveis por tecer os fios da
narrativa, num exercício incansável de resgate de lugares, pessoas e
acontecimentos que, misturados à imaginação criadora, vão construindo a
realidade romanesca.
Na narrativa montelliana, além da influência freudiana, em alguns
romances em que o psicológico beira o psicanalítico, a influência de Bergson
e Proust
1
é marcante, na exploração da memória voluntária ligada à
1
Como não se objetiva fazer uma leitura bergsoniana ou psicanalítica, mas sim demonstrar a
importância da memória na recuperação do passado e na articulação do enredo na obra de Josué
Montello, as teorias de Freud e Bergson, embora tenham influenciado a produção montelliana,
funcionam, aqui, apenas como referências para as análises.
78
cronologia dos acontecimentos, ao documento e à história e da involuntária
ligada às lembranças acessadas por imagens, sons, sabores e cheiros, que
podem justapor-se umas às outras na recuperação/recriação do passado.
Os trechos abaixo apresentam algumas das muitas referências a Proust
nos diários de Montello e evidenciam a influência do autor de Em busca do
tempo perdido na obra escritor maranhense.
O ofício da vida é um enriquecimento contínuo, desde que saibamos
guardar-lhe as imagens e emoções no nosso mundo de
reminiscências, com a intenção de fruí-las nos momentos apropriados.
Para tornar ao passado, no devaneio desses momentos, não é preciso
dar as costas ao presente: o dia de ontem é que reflui ao dia de hoje,
trazido por uma fulguração de lembranças, e daí, nessas ocasiões, o
sabor da dupla vida — a de agora e a de outrora, harmonizadas na
captação do tempo perdido. (MONTELLO, 1998, p. 1254).
De tudo quanto li até hoje, com a intenção de preparar-me para meu
futuro noviciado, a observação mais correta encontrei-a em Proust,
quase no fecho de A la recherche du temps perdu, no trecho em que o
mestre enuncia a lei geral da vida, segundo a qual o tempo, que
muda os seres e os deteriora, não altera as imagens que deles
guardamos. (MONTELLO, 1998, p. 1286).
Ao acessar a memória coletiva, na busca da identidade maranhense,
Montello vai além da simples reprodução de fatos históricos, por isso quase
não utiliza datas como marcos temporais, mas sim acontecimentos que
marcaram a vida da comunidade e que estão presentes na memória do povo,
mesmo de quemo os vivenciou, tais como as epidemias, a chegada da luz
elétrica, da água encanada, do progresso, as disputas e contendas políticas,
os escândalos.
A partir da reconstrução do passado, individual e coletivo, a narrativa
vai se desenvolvendo: cada fragmento lembrado vai alimentando, dando vida
à narrativa. A memória, como uma maneira de se resgatar o passado, fazê-
lo reviver ou imortalizá-lo, está diretamente ligada ao tempo e à morte.
Nesse sentido, Montello lança mão da memória para fazer reviver, em sua
terra natal, o que já não mais existe devido à ação do tempo. Como um
79
mosaico, em que se vão juntando os cacos das mais diferentes cores e
formas para se formar um todo, assim o autor vai, a cada romance,
apresentando a história, os costumes das diferentes camadas sociais, a
cultura, a geografia, a arquitetura, num processo de busca ou de
reconstrução da identidade maranhense.
Essa busca por uma totalidade, esse aspecto coletivo da narrativa
montelliana lhe confere um caráter épico. É a épica da sociedade
maranhense. O romance que se destaca pela epicidade é Os tambores de
São Luís (1975). Já, em A décima noite (1959), o mais psicológico e
individualista de todos em sua estrutura superficial, numa análise mais
aprofundada, observar-se-á que a jornada individual do protagonista em
busca de si mesmo representa, simbolicamente, a sociedade maranhense em
busca da identidade. O conjunto da obra montelliana apresenta em si a gesta
de uma sociedade com todos os seus matizes, representando a unidade a
partir da diferença.
Assim, os romances da epopéia maranhense são um misto da memória
do autor unida à do narrador e dos personagens por ele criados, nos quais
essa memória se projeta, e da memória coletiva histórico-social, cujo ponto
de partida são as lembranças de Montello da terra natal, unidas a um tema
de cunho universal.
4 A DÉCIMA NOITE: O RETORNO ÀS ORIGENS
Entretanto, aqui, ali, um objeto de outrora se reanima na minha
memória. Como aquele pente. Vejo-o nos cabelos de minha mãe, e
com isso o tempo vem de longe ao meu encontro. (MONTELLO,
1998, p. 1264).
Segundo Le Goff (1996), assim como a memória individual — por
meio de processos conscientes ou inconscientes — pode ser manipulada
pelo interesse, desejo, afetividade, inibição e censura, também a memória
coletiva pode ser manipulada na luta das forças sociais pelo poder. Uma
das grandes preocupações dos indivíduos ou grupos dominantes das
sociedades é o poder sobre a memória e o esquecimento. Essa
manipulação da memória coletiva revela-se pelos silêncios e
esquecimentos da história.
A décima noite (1959) é um romance aparentemente centrado
apenas nos dramas individuais do protagonista, mas que pode ser
considerado como o símbolo da empreitada do autor na busca da
identidade maranhense, visto que Abelardo, o protagonista que busca seu
passado perdido, é a alegoria de uma sociedade reificada que se perdeu
de si mesma.
Nesse romance, Montello começa a firmar seu estilo, utilizando
recursos estéticos que se tornarão fundamentais em sua poética: o
contraste entre presente e passado, o apelo à memória, a linguagem
poética de forte apelo visual e, ainda timidamente, a caminhada evocativa
pelo espaço aberto da cidade e a descontinuidade temporal, que serão
mais explorados nos romances seguintes. Além disso, a morte, assim
como nos demais romances, será importante elemento a impulsionar o
desenvolvimento do enredo.
Para imprimir autoridade e evidenciar a presença de sua memória
na narrativa, Montello utiliza, não só em A décima noite, mas também nos
81
demais romances a serem analisados, o prefácio
1
em primeira pessoa.
Segundo Motta (2006, p. 117),
O prólogo ou prefácio, funcionando como uma espécie de moldura,
surge, fundamentalmente, como um recurso do autor para gerar a
autoridade de seu narrador que tem como desafio conquistar a
credibilidade do leitor.
Assim o prólogo funciona como elo entre o autor e o leitor, como
uma “espécie de apelo da enunciação em busca da verossimilhança que
dá credibilidade ao narrador”. (MOTTA, 2006, p. 118).
Em A décima noite (1959), escrito em Lisboa e Madri, o tom
nostálgico do posfácio, marca a saudade da terra natal.
Lisboa e Eça de Queirós, associados no mesmo lugar e no mesmo
momento propício, tiveram o dom de devolver-me a terra natal.
Devo aqui lembrar que São Luís, construída por mestres de obras
portugueses, é uma Lisboa em miniatura [...]. Quanto ao Eça, sua
releitura me repunha na casa de meu pai, menino e moço, sentado
junto à janela sobre a rua, no enlevo de Os Maias, que li na velha
edição da Casa Lelo [...] a mesma que tornei a ter nas mãos, no
meu canto lisboeta [...] As emoções do romance, restituindo-me a
adolescência distante, contribuíram para que mais se acentuasse
em mim, no cenário de Lisboa, a nostalgia da terra natal. Proust,
sempre que tirava da estante François Le Campi, de George Sand,
sentia-se de novo menino, a erguer o braço curioso para segurar o
mesmo livro. [...] E foi num quarto do Hotel Crillon, de janelas
abertas para a Praça de Espanha, que acabei de redigir meu novo
romance, todo ele concebido e estruturado com as recordações de
São Luís do Maranhão [...] há dentro de mim a ternura irredutível
do menino por sua cidade natal, e eu nunca deixei de dar ouvidos
a esse menino (MONTELLO, 1976, p.9-10).
As lembranças evocadas pelas imagens da capital portuguesa e a
referência a Proust deixam evidente a influência desse autor na obra
montelliana. Fisgado o leitor, o enunciador da narrativa assume o papel
de um narrador em terceira pessoa.
Em A décima noite, a volta ao passado por meio da memória terá
um papel decisivo no desenvolvimento do enredo que apresenta como
1
Posfácio, no caso de Os tambores de São Luís (1985).
82
protagonista, Abelardo, órfão de pai e mãe, que perdeu suas raízes e não
consegue seguir seu caminho, viver o presente ou planejar o futuro, pois
está preso ao passado, a um tempo idealizado, representado pela figura
materna, a qual tenta resgatar.
Embora a influência bergsoniana e proustiana sejam marcantes e
evidentes na obra de Montello — nas lembranças nítidas do passado,
evocadas por imagens do presente, principalmente no que se refere ao
espaço —, quando se trata da busca da identidade individual do
protagonista, em A décima noite, o autor se aproxima da memória
freudiana, inteiramente ligada ao inconsciente, composta de traços de
uma impressão considerada como momento primário da elaboração
mnêmica, distinta do estímulo, da sensação e da representação caros a
Bergson e Proust.
Segundo Freud (1976, p.51), “o tratamento poético de um tema
psiquiátrico pode revelar-se correto, sem qualquer sacrifício de sua
beleza”. É o que faz Montello, embrenhando-se pela memória e pelos
traumas de seu personagem, sem, entretanto, descuidar-se da questão
estética.
Abelardo, no esforço para recuperar seu passado e sua identidade e
reencontrar a si mesmo, é a alegoria do retorno às origens na busca da
identidade coletiva. Nesse romance, em especial, Montello transita pelos
caminhos da psicanálise, apresentando traumas, complexos e conflitos
entre memória e imaginação, na busca do protagonista por seu passado.
Em A décima noite, a busca individual de Abelardo sobrepõe-se e
conjuga-se à busca de valores coletivos por meio dos laços familiares, da
herança e dos vínculos de sangue, tão caros à saga. A busca individual,
em sua estrutura profunda, sustenta-se sobre a noção de povo, de
coletividade, de totalidade, próprios da epopéia, pois Abelardo é a
representação do coletivo, da própria sociedade maranhense.
83
4.1 O ROMANCE
A décima noite, publicado em 1959, é inspirado num artigo do
antigo Código Civil que dava ao cônjuge o prazo de dez dias para a
anulação do casamento caso ocorresse o chamado erro essencial de
pessoa.
O romance narra a história de Abelardo que, após a morte dos pais,
aos dez anos, é enviado a um seminário, em Ouro Preto, só retornando a
São Luís já adulto. O rapaz revela uma fixação sexual pela imagem da
mãe, que desencadeia complexos, angústias, sentimento de culpa,
frustrações e inibições.
No regresso à cidade natal, Abelardo tenta conciliar as imagens
gravadas em sua memória com a paisagem que encontra. Busca
desesperadamente encontrar algo familiar que lhe remeta às imagens de
sua infância e à imagem da mãe, a qual tenta reconstituir a partir do
único retrato que lhe restara. Atrelado à memória, em vez de parar o
tempo, o retrato o torna dinâmico, animando a imagem e trazendo o
passado à tona.
Nessa busca de recuperar o passado, o rapaz retorna ao sobrado de
sua infância, que fora vendido, antes de sua partida, ao Dr. Paiva, um
advogado de temperamento forte, cuja filha, Alaíde, lembrava a figura de
Sinharinha, mãe de Abelardo. Tal semelhança desencadeará seu interesse
pela moça. Atrelada à imaginação do rapaz, a imagem de Alaíde ganha
contornos novos, materializando os desejos inconscientes do personagem.
Dr. Paiva nega-se a vender o sobrado a Abelardo, mas propõe-lhe
que se case com Alaíde, visto que está muito doente e precisa de alguém
de confiança para cuidar da filha.
Entretanto, após o casamento, a moça recusa-se a entregar-se ao
marido. Desesperado, Abelardo busca a todo custo aproximar-se da
mulher, mas nada consegue. Ela está sempre próxima do pai, exagerando
em atenção, carinho e desvelo.
Desconfiado de que fora vítima de um golpe, o rapaz resolve
vasculhar a biblioteca do sogro e nela descobre o Código Civil com uma
84
folha marcada, na qual diante da alínea que previa o prazo de dez dias
para a anulação do casamento no caso de defloramento da mulher
ignorado pelo marido havia uma anotação onde se lia que, em tal caso,
a mulher só deveria entregar-se ao marido na décima noite.
Certo de que havia caído em uma cilada, Abelardo resolve que, na
décima noite, quando Alaíde viesse entregar-se a ele, iria assassiná-la.
Entretanto, na tal noite, a mulher novamente se esquiva, e o rapaz fica
radiante por ver infundadas suas suspeitas.
Mas Alaíde continua recusando-se ao marido e cada vez mais
próxima do pai, enquanto Abelardo, cada vez mais deprimido e obcecado
pela moça que já substituíra a imagem materna em sua mente ,
resolve partir. Sua partida não ocorre, no entanto, devido à morte do
sogro e à responsabilidade que teve de assumir de cuidar da casa e da
mulher que ficara órfã.
Nesse momento, ao assumir o papel do pai de Alaíde até nos
pequenos detalhes, Abelardo conquista a amada e consegue afugentar os
fantasmas do passado.
Num enredo solidamente estruturado, com personagens bem
delineadas, Montello evoca uma cidade que quase não existe mais,
ressuscitando o passado com certa nostalgia e saudosismo. Como é
comum aos romances do autor, a arquitetura, os costumes e a cultura
maranhense perpassam toda a trama. Além disso, o perfil psicológico dos
personagens permite que vivenciem dramas que avançam as fronteiras do
psicanalítico ocultados pelas aparências banais da vida provinciana.
Em A décima noite, o narrador penetra no íntimo do protagonista
desvendando mistérios de seu inconsciente, suas lembranças e fantasias
mais íntimas, chegando ao extremo da subjetividade num trabalho que se
assemelha ao do arqueólogo que remexe no passado para entender o
presente.
85
4.2 NARRADOR, TEMPO E MEMÓRIA
O apoio logístico do narrador é indispensável em qualquer estratégia
romanesca. Ao assumir sua função, na narrativa, sua presença no
discurso pode ser observada pelo estilo, pelo modo de narrar,
independentemente da perspectiva ou foco narrativo que assuma. Aliás, a
própria escolha por um ou outro modo de narrar já denuncia sua
presença. O narrador montelliano coloca em destaque os personagens e a
ação. Segundo Oliveira (1978), a forma não ostentatória de narrar de
Montello pode dar a falsa impressão de que sua estratégia esteja voltada
apenas para a matéria romanesca. Entretanto, tão importante quanto a
matéria narrada, é o modo de narrar.
Se no romance a arquitetura interna é sua ossatura, o discurso do
narrador é a sua carne: seu corpo sensível. Será sempre
impossível dissociar a história do discurso, simplesmente porque a
diegese não tem existência autônoma ela não preexiste à
instância do discurso. É nele que a estória, a fábula, a diegese
assumem existência elas se realizam através da narração, que é
indissociável dos predicamentos do discurso. (OLIVEIRA, 1978, p.
70).
O narrador montelliano costuma acompanhar seus personagens e
não apresenta uma onisciência absoluta. Ele está mais próximo do
narrador eqüisciente
2
que, apesar de situar-se fora da história como o
onisciente, adotando o relato na terceira pessoa, tem sua informação e
seu conhecimento obtidos a partir daquilo que sabem, sentem ou
lembram os personagens, ou somente o protagonista, com relação à
trama. Esse procedimento é recorrente em toda a obra de Montello.
Tacca (1983) considera que, adotando a ótica do personagem, sem,
no entanto coincidir com ele e renunciando saber mais do que ele sabe, o
narrador preserva o mistério da narrativa. Na verdade, a realidade que o
2
Cf. TACCA, O. As vozes do romance. Tradução Margarida Coutinho Gouveia. 2. ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1978.
86
mundo nos apresenta é sempre mediada pela subjetividade, a partir de
um ponto de vista pessoal, o que não ocorre na narrativa onisciente. Disso
conclui-se que a narrativa que apresenta o mundo a partir do modo como
ele é apreendido pelos personagens adota uma posição mais realista que
a narrativa onisciente.
[...] a narração ganha em vibração humana se o narrador, em
lugar de se conceder a si próprio um ponto de vista privilegiado
para a sua informação, se cingir àquela que podem ter os
personagens; se, renunciando à visão omnisciente, optar por ver o
mundo com os olhos deles. (TACCA, 1983, p. 73)
Segundo Tacca (1983), esse tipo de narrativa foi muito adotado no
começo do século XX, principalmente por romancistas anglo-saxônicos,
numa atitude de renúncia à onisciência.
Nessa renúncia à onisciência, o narrador montelliano articula o
discurso, normalmente, a partir do ponto de vista do personagem, ou
personagens, deixando-os falar, agir e emitir juízos, dando um aspecto
polifônico ao texto.
Em A décima noite, o narrador, em certos momentos, aproxima-se
tanto do personagem que chega a substituir a narração pelo simples
registro do fluir de sua consciência. Quando da utilização do discurso
direto, as posições do narrador e do personagem ficam mais definidas.
E entrando no coro das orações:
“Ave-Maria, cheia de graça (“Não conheço este senhor que está
chegando, nem também esta senhora”), o Senhor é convosco,
bendita sois vós entre as mulheres (“Há muito tempo que eu não
assistia a uma missa. Preciso assistir. Pelo menos todos os
domingos”), bendito é o fruto do vosso ventre. Jesus.”(MONTELLO,
1976,p.314).
O sorriso buscava-lhe a comissura dos lábios, rondando-lhe a
boca. E Abelardo, reprimindo-o, sempre a olhar Alaíde, que
procurava a última claridade da tarde para ver o bordado de um
lençol, prosseguia no seu monólogo: “Ficaremos aqui, na
solidão desta casa, durante toda a noite, ela e eu... E quando a
noite baixar, nos deitaremos ali naquela cama, os dois... [...] E a
minha vida terá um sentido, que não teve até agora... Um
relâmpago! Outro! Alaíde voltou a se preocupar com a chuva! Mas
87
não adianta ficar assim! Agora és minha mulher, diante da lei e
diante da igreja! Tu mesma disseste isso ao juiz e ao padre, ontem
à tarde! Eu sou teu, tu és minha, até que a morte nos separe!”
(MONTELLO, 1976, p.214).
Já com a utilização do discurso indireto livre, muito comum na
narrativa montelliana, narrador e personagem se confundem.
Intimamente ligado à consciência do personagem o narrador suprime
qualquer referência como “pensou”, “disse”, chegando quase ao monólogo
interior, sem, entretanto, ceder a função narrativa ao personagem. Nesse
caso, é comum a utilização do pretérito imperfeito.
Por mais de uma ocasião, no correr de tantos dias de calado
martírio, havia pensado em partir, deixando repentinamente tudo
cidade, emprego, casa, sítio, roupa, livros numa evasão que
a um só tempo o libertaria de São Luís, de Alaíde, do sogro, do
Largo do Carmo. Mas advertira depois que era esforço vão: nada
podia deixar, já que tudo iria fatalmente consigo, no fundo de sua
memória. Como se livraria de suas próprias lembranças? De que
forma sacudiria de si a presença interior de sua vergonha? Por que
processo arrojaria do espírito as horas cruéis que estava vivendo?
(MONTELLO, 1976, p. 276).
Esse é o estilo predominante na narrativa de Montello: os
questionamentos mais íntimos de seus personagens são evidenciados por
meio do discurso indireto livre.
Outro aspecto da narrativa de A décima noite, característico das
narrativas montellianas, é o forte apelo visual, o que pode ser observado
na escolha do vocabulário por parte do narrador e na presença da imagem
no processo de rememoração.
Como a imagem está estreitamente ligada à memória, em Montello,
muitas vezes o “ver” significa “lembrar”.
Na cadeira preguiçosa, ao fundo da sala, viu nitidamente
Sinharinha, a mão esquerda escorrida no regaço, a direita
apoiando pensativamente o queixo, como na pose de um retrato.
Viu-a depois debruçada na janela, olhando ao longe, calada e
grave. (MONTELLO, 1976, p.81).
88
O narrador confronta imagens do presente e do passado,
destacando o poder transformador do tempo por meio da tentativa de
Abelardo de reversibilidade do tempo passado, sobrepondo-o ao presente
por meio da memória.
A cidade do seu passado, que procurara por toda parte sem
conseguir encontrar, saltava agora diante de seus olhos, refluindo
daquele vão de corredor. Ali desfrutava a paz que outros lugares
não lhe tinham dado. E logo recompunha as casas, as torres de
igrejas, as ruas, o recorte da baía, que se descortinavam das
janelas do mirante. (MONTELLO, 1971, p. 58).
Em A décima noite, o tempo presente é entremeado de
lembranças de imagens e de alguns poucos acontecimentos do passado do
protagonista. São lembranças, muitas vezes, alteradas pela fantasia
infantil de Abelardo, de um tempo de felicidade, da São Luís de sua
infância e da própria mãe, morta quando ele ainda tinha 10 anos.
Por meio de evocações de objetos do presente, o protagonista
recompõe as imagens idealizadas do passado numa sobreposição de
planos, numa conjunção entre tempo presente e passado. Nessa fusão,
imagens do passado transformam-se em imagens do presente e vice-
versa. É a busca desesperada do protagonista por resgatar um tempo
perdido em algum ponto de sua memória e trazê-lo para o presente. Para
isso, ele tenta reencontrar pessoas, objetos ou regressar a locais que
fizeram parte de seu passado — como o sobrado de sua infância —, e, por
meio desses elementos, trazê-lo à tona.
Mas era um regresso estranho, que lhe proporcionava a
reversibilidade dos dias antigos, de tal forma que o retorno
presente, ao cenário de sua infância, coincidia com a restituição de
seu passado, fundindo, assim, o tempo que fora com o tempo que
ia fluindo, sem qualquer discordância entre o ontem e o hoje,
agora conciliados na sua consciência, que docemente vogava entre
a vigília e o sono. (MONTELLO, 1976, p.106).
Entretanto as pessoas, assim como a cidade, modificaram-se com
o passar do tempo e guardam apenas leves traços do que foram no
89
passado; já o casarão onde Abelardo vivera continua o mesmo, assim
como os objetos em seu interior e o sítio na estrada do Anil — são esses
últimos que auxiliarão Abelardo no retorno ao passado.
O narrador utiliza, para o processo de evocação, uma técnica
muito utilizada no cinema, a de apagamento gradual da imagem do
presente enquanto a do passado vai sendo contornada em seu lugar. É o
passado como que a roer o presente e tomar seu lugar.
Logo distinguiu o perfume do jasmineiro que enramava por entre a
hera do muro, ativado pela brisa que despelatava as rosas muito
abertas. E de repente começou a recompor Sinharinha: o vulto
tênue flutuava-lhe na consciência, impreciso, como se estivesse no
ar, trazido e levado pela viração, numa diafaneidade fugitiva.
(MONTELLO, 1971, p. 54).
No casarão, cada cômodo visitado, cada objeto olhado desencadeia
lembranças que fazem retornar o tempo, trazendo o passado de volta.
Assim, a sala do presente se transforma na sala do passado, com toda sua
vida, seu movimento, bem como a imagem de Alaíde, no decorrer da
narrativa, muitas vezes, transforma-se na de Sinharinha.
Alguns acontecimentos da infância e adolescência também vêm à
tona, por meio da memória involuntária do protagonista, sempre acessada
por uma evocação.
Observa-se, também, a utilização proposital da evocação na busca
do protagonista por seu passado, na sua obsessão por encontrar imagens
no presente que, como uma chave, abram as portas mais bem trancadas
de sua memória.
O tempo aparece no romance como agente de transformação a
São Luís que Abelardo encontra não é a mesma de suas
lembranças/fantasias infantis , ele transforma e destrói — as pessoas
adoecem, envelhecem, a memória começa a falhar, a morte chega.
Ao primeiro golpe de vista na caricatura humana que tinha diante
de si, Abelardo havia identificado, com uma sensação simultânea
de júbilo e espanto, a mestra de piano de sua infância. [...] E
Abelardo, encarando-a com o olhar compadecido após a primeira
90
reação de surpresa, via por trás da máscara desfigurada a pessoa
primitiva, como que abstrai de um retrato conhecido os traços
grotescos que cruelmente o deformam. (MONTELLO, 1971, p.
172).
Entretanto apesar de tudo a sua volta demonstrar que o tempo
passou, Abelardo recusa-se a aceitar o presente, prende-se ao passado e
nele deseja, se possível, permanecer numa atitude contemplativa das
cenas que sua memória resgata.
O tempo, em Montello, não só deforma, mas também transforma e
constrói. Embora Abelardo condicione sua felicidade ao reencontro com o
passado, ao se apaixonar por Alaíde, paulatinamente, vai começando
desvencilhar-se dele, para, ao final, conseguir vivenciar o presente e
sonhar com o futuro.
4.3 DESEJO, MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO
Segundo Freud (1987b), nada do que se vivencia pode ser
inteiramente perdido, pois existe uma memória latente, ligada ao
inconsciente, em cuja constituição as vivências da primeira infância têm
papel fundamental. No romance em questão, as vivências traumáticas da
infância de Abelardo serão as responsáveis por seus problemas quando
adulto.
Abelardo, diferentemente dos rapazes de sua idade, não demonstra
profundo interesse pelas coisas vivas, até mesmo pelas mulheres. Fixado
em seu passado, busca, em outras mulheres, Sinharinha. A lembrança de
uma cena de Sinharinha tomando banho o persegue desde a adolescência
e é esse corpo que busca no corpo de outras mulheres.
Durante seus anos de formação, Abelardo vivera no seminário, sem
contato com meninas. Segundo Freud (1976, p.53), quando analisa
Gradiva, de Wilhelm Jensen (1976), o próprio fato de o personagem
manter-se afastado das mulheres o torna suscetível à produção de um
delírio, o qual começa a desenvolver-se quando uma impressão casual faz
91
despertar lembranças infantis esquecidas, de conotação erótica. Isso irá
ocorrer, inicialmente, no seminário, quando o desejo sexual começa a
aflorar e Abelardo se fixa no único corpo feminino que já vira, o da mãe. A
partir daí começam as fantasias, que se repetem toda vez que o jovem
sente desejo. É a imagem da mãe que ele irá buscar, a partir de então,
nas outras mulheres.
Essa fixação pela mãe evidencia-se quando Abelardo, febril, tem um
delírio erótico com Lucíola, sobrinha da dona da pensão onde se
hospedara ao chegar a São Luís. No delírio, em que ela aparecia nua, seu
corpo foi substituído pelo de Sinharinha, indício do recalque de infância e
da fixação na figura materna. Observa-se, nesse delírio, do mesmo modo
como, segundo Freud (1987a), ocorre nos sonhos, o deslocamento do
desejo pelo corpo materno para o de Lucíola e a condensação das
lembranças de infância com a mãe nua no banho.
E o mais estranho é que Lucíola, embora nua, tinha uma
expressão de serenidade no rosto risonho. No seu espanto, firmou
mais o olhar: reparava que a água do banho descia-lhe pelos
seios, pingava-lhe dos braços, escorria-lhe pelas coxas. Ele agora
podia tocar-lhe a nudez úmida, que, num frêmito de sensualidade,
arrepiava. (MONTELLO, 1976, p.95).
Quando Abelardo vê, pela primeira vez, a foto de Alaíde, no mesmo
instante, recompõe a figura da mãe. Os efeitos produzidos pela visão da
jovem o colocaram em conexão com suas lembranças de infância e, a
partir de então, ele começa a se lembrar com mais clareza de cenas de
seu passado, pois, ao ser despertada, essa impressão infantil tornou-se
ativa e começou a produzir seus efeitos. A partir de então a imagem da
mãe irá se sobrepor à da jovem e Abelardo irá se apaixonar por ela devido
à semelhança com Sinharinha. Ele consegue, numa espécie de delírio, ver
Sinharinha em Alaíde.
No primeiro lance do olhar, Abelardo tinha visto Sinharinha
baixando do mirante, na exata reprodução de seu corpo perfeito.
Firmou mais a vista, deslumbrado ante a beleza do semblante que
92
lhe sorria, até desfazer a certeza de uma ressurreição da figura
materna. (MONTELLO, 1976, p.110).
Abelardo busca desesperadamente recompor a imagem da mãe,
recordar-se de como ela realmente era, pois a única foto que tem não a
apresenta em toda a sua beleza, não condiz com a imagem vaga que traz
na memória contaminada pela imaginação. Por isso ele procura nos
lugares em que vivera quando criança, tanto o sítio quanto o sobrado,
reconstituir a imagem perdida. Apesar de sentir saudades da mãe e
venerá-la, suas lembranças estão apagadas. Somente com o auxílio de
objetos, mobílias, roupas antigas ou mesmo da própria Alaíde é que
começa a recompor a imagem materna.
E toda a sala volveu a existir, com os vultos e os rumores de
outrora, não apenas no íntimo de seu espírito, mas no mundo das
coisas tangíveis, em face da sua pessoa, à frente de seus olhos. As
cadeiras de balanço, que o vento levemente sacudia, iam e
vinham, com as figuras que suas pupilas restituíam e ele via a
mãe e o pai, que se balançavam na fresca da tarde. Sinharinha
estava ali, recolhida suavidade de seu ar meditativo, os grandes
olhos rasgados, o cabelo repartido ao meio, o lindo corpo
abandonado no vestido caseiro (MONTELLO, 1976, p.61).
Abelardo vive para reencontrar o passado, e é, no sítio, sozinho,
que, recompondo-o, lembra-se da cena de infância em que, com medo de
uma cobra, correra para o banheiro, onde sua mãe se banhava, e
deparara com ela nua.
Tal lembrança estaria em estado de repressão, o desejo reprimido
pelo corpo materno transformara-se num recalque que se repetia a cada
ato sexual: a substituição do corpo feminino pelo corpo da mãe. Abelardo
não sentia desejo por outras mulheres a não ser que evocasse a imagem
de Sinharinha e, por isso, evitava o sexo. Entretanto, a semelhança de
Alaíde com a mãe despertou o erotismo adormecido em Abelardo.
Duas vezes seguidas, ao passar pelo sono em relances de
enervada exaustão, tinha-lhe ocorrido, como ao tempo do
Internato, o que mais temia: a solicitude maternal de Sinharinha,
aflorando da memória de sua infância e dando-lhe em sonho a
93
nudez que Alaíde lhe recusava. Num assomo de revolta, pulara do
leito. E esperara o dia raiar sentado na poltrona, no receio de que
o vulto materno volvesse a insinuar-se oniricamente, em seu
espírito indefeso, para sacudir do corpo do filho a brasa que o
queimava. (MONTELLO, 1971, p. 285).
No romance em questão, memória e imaginação se confundem, pois
as lembranças que Abelardo tem da imagem da mãe são idealizadas, em
parte, criadas em sua mente. As fantasias de Abelardo com Sinharinha
são um misto de memória, imaginação e desejo. Tais fantasias iniciaram-
se no Internato, durante a adolescência. A imagem da mãe nua refluía-lhe
na memória durante a noite, e era restaurada nas imagens das santas da
capela. Enquanto dormia, livre das sanções e das culpas, a imagem
ressurgia em sua plenitude.
Por vezes, quando a visão o assaltava na calada da noite e o
sonho o desprendia da fraqueza da carne, rezava baixinho, no
receio de adormecer de novo, e agarrava-se ao travesseiro,
pedindo a Deus, numa suprema renúncia desesperada, que lhe
tirasse do espírito a memória materna. E a lembrança volvia com a
insistência da vaga que se desfaz e recompõe. (MONTELLO, 1976,
p.198).
A estreita relação entre rememorar e inventar remonta à
antiguidade clássica. Essa relação aparece não apenas no mito, mas
também na filosofia de Aristóteles, que antecipa algumas das afirmações
da psicanálise ao dizer que memória e imaginação brotam da mesma
parte da alma, que os objetos da memória dependem, também, da
imaginação e, ainda, que o desejo move a imaginação. Freud (1987b),
mais de dois mil anos depois, equiparará, em determinadas situações a
realidade material à realidade psíquica e demonstrará a pouca
confiabilidade da memória, visto que uma lembrança pode ser imaginação
e que ambas, memória e imaginação, são contaminadas pelo desejo.
Ao final do romance, Abelardo percebe que muitas de suas
lembranças estavam contaminadas pelo desejo.
E perguntou a si mesmo, caminhando devagar na vereda molhada,
se a Sinharinha de suas lembranças não havia sido igualmente
concebida pela memória, nas exaltações da saudade. Sim, devia
94
ter sido. E daí também o desencontro entre a figura que suas
retinas recordavam e a Sinharinha encaixilhada na moldura de
prata. E fora a outra que ele vira no seus sonhos e ainda a que
ardentemente desejara com a impureza de seu pecado
consolou-se. (MONTELLO, 1976, p. 318-9).
Embora muitas vezes alterada pelo desejo ou pela imaginação, a
memória é presença marcante no romance. Observa-se, num primeiro
momento, a ocorrência da memória involuntária. Quando as lembranças
surgem, num repente, o protagonista tenta expulsá-las, mas elas
retornam repentina e insistentemente. Num segundo momento, o que se
nota é um processo, voluntário, consciente, de rememoração.
No retorno de Abelardo a São Luís, observa-se a interferência da
imaginação no processo de rememoração do passado e o choque da
memória com a realidade presente.
Abelardo, agora voltado para a janela que ia abrir, com a mão a
puxar o comprido ferrolho que trancava as rótulas, lembrou que
talvez a luz forte da manhã, derramando-se na cidade de ruas em
ladeira, lograsse restaurar a outra São Luís que ele havia levado
na memória e que, volvidos dezoito anos, lhe reaparecera com ar
decrépito, murcho, na bruma da tarde nimbada. [...] Na
correnteza desse devaneio, São Luís refluía-lhe ao lume da
consciência como uma sucessão de postais coloridos: as ruas da
velha cidade galgando o aclive das rampas ou torcendo-se nas
voltas do casario de azulejos; o rendilhado das sacadas de fachada
dos sobradões coloniais; o braço de ferro dos antigos lampiões; a
água clara a escorrer das três bocas de pedra de uma fonte; a
torre das igrejas; as janelinhas dos mirantes abertas para o mar.
Em tudo uma paz de claustro. No silêncio, o toque de um piano.
Ou o rebôo de bronze de um sino, para os lados da Igreja dos
Remédios.
E todos esses cromos, que a imaginação viera retocando e polindo
ao compasso da saudade, tinham-lhe desfilado pelas galerias da
memória, quando o navio se preparava para entrar em águas do
Maranhão. (MONTELLO, 1971, pp. 25-6).
O rapaz se dá conta de que suas lembranças foram transfiguradas
pela imaginação quando tenta encontrar imagens que lhe restituíssem os
tempos de infância.
Nesse embate consigo mesmo, à proporção que se lhe
abrandavam e desfaziam as resistências do espírito, Abelardo ia-se
compenetrando de que, já homem feito, tinha sido enganado por
95
uma criança a criança feliz que ele fora outrora, naquele cenário
de sobradões e azulejos. Dia e noite, por anos sucessivos, desde
que dali se apartara, essa criança reclamara o seu regresso à
cidade natal, com o aceno insistente dos quadros que lhe avivava
na memória, e mais a ressurreição dos entes queridos, e a
lembrança dos belos dias passados, até que se cristalizara na alma
do adulto a plena certeza de que somente ali entre ruas e casas de
sua infância, voltaria a ser feliz. (MONTELLO, 1976, p.27).
Nesse romance, são apresentadas as diferentes faces da memória,
seja a cultural
coletiva, com os costumes, as tradições e a história do
Maranhão, seja a individual, das lembranças do passado de Abelardo, seja
a memória mesma como função cerebral responsável por arquivar dados,
todas elas passíveis de se degradar com o tempo.
Nesse processo tanto a memória freudiana como a bergsoniana
estão presentes. A primeira, nos complexos e desejos reprimidos dos
personagens e a segunda na presentificação do passado por meio da
evocação, como se pode observar nos trechos a seguir.
A quem realmente buscava? A Alaíde ou a Sinharinha? Dissipou a
dúvida, refletindo que uma continha a outra, na concordância de
formas e movimentos (MONTELLO, 1976, p.128).
E via uma na outra, mais confundidas, mais identificadas, como se
não houvesse passado nem presente, e só o tempo indefinido, que
reflui e permanece. Ah, o gosto inefável de ter diante dos olhos um
momento recuperado! E saber, de si para si, que se pode tocar o
que foi intangível! Não era uma aparição pura e simples que ali
estava, cabelos soltos, grandes olhos claros, cintura fina em corpo
bem feito, e sim um ser vivo, animado, que ele em breve apertaria
nos braços, conciliando assim, na glória tátil da posse, a ansiedade
antiga dos desejos reprimidos. (MONTELLO, 1971, p.168).
4.4 SINHARINHA E ALAÍDE
O desejo erótico de Abelardo, canalizado para a figura materna, na
adolescência, é deslocado para Alaíde na idade adulta.
Sinharinha é a figura dominante na memória do rapaz, mas não é
uma lembrança muito clara. É com muita dificuldade que tenta recompor
96
na mente os traços maternos. E por isso busca em outras mulheres traços
que o ajudem a reconstituir a imagem da mãe.
Quando Abelardo olha para Alaíde, é o corpo de Sinharinha que vê,
num jogo de sobreposição de imagens. Com ela, Abelardo vê a chance de
libertar-se das fantasias eróticas com Sinharinha, sem necessitar da
memória da mãe para saciar o desejo sexual.
Desta vez, entretanto seria diferente. E ele ia além, levado da
mesma correnteza generosa: a posse de Alaíde, em cujo corpo
adivinhava a revelação da nudez de Sinharinha, insinuava-lhe a
certeza de que se libertaria do fantasma materno, pela
identificação da imagem recordada na figura possuída. E essa
conciliação haveria de excluir de seu êxtase a recorrência da
memória, à medida que fosse apagando a presença de Sinharinha
na nudez viva da companheira que o destino lhe dera.
(MONTELLO, 1976, p. 173).
Em A décima noite, há um deslocamento do desejo pelo corpo
materno para a figura de Alaíde. A cura de Abelardo se dá a partir de um
processo de inversão. Alaíde, que de início resgatava Sinharinha na
memória de Abelardo, passa agora a ser o instrumento para fazer com
que ele comece a desvencilhar-se da imagem materna.
Sob esse aspecto é interessante observar o jogo de sobreposições
de imagem. Em princípio é a imagem de Sinharinha que se sobrepõe à de
Alaíde, entretanto, à medida que Abelardo vai se apaixonando por Alaíde e
vendo seu desejo por ela crescer, esse processo começa a se inverter e é
a imagem de Alaíde que se sobrepõe à de Sinharinha, algumas vezes,
ambas confundindo-se.
O olhar de Abelardo para o retrato de Sinharinha, substituindo sua
imagem pela da moça, representa bem a transferência do desejo para
Alaíde.
[...] firmou o olhar no retrato de Sinharinha, sempre a espiar
compadecidamente o filho na janela de prata de sua moldura. E foi
vendo que o vulto de Alaíde se superpunha ao vulto materno, um
escondendo o outro sem arredá-lo de seu lugar. Teimosia das
pupilas? Capricho da memória, que lhe repunha aos olhos a
concordância das duas figuras? Certo é que se impacientou, como
a irritar-se com Sinharinha, e logo abriu a gaveta central da
97
secretária, para esconder, ao menos por alguns dias, o rosto
materno. (MONTELLO, 1976, p. 253).
Não é só fisicamente que Alaíde pode ser comparada a Sinharinha.
Ambas são intangíveis: a mãe pela própria morte e Alaíde, pela frieza e
suposta indiferença com que se mantém distante de Abelardo.
Por acaso, ali junto ao relógio, com o seu livro e a sua caixa de
costura, Sinharinha não fora também assim, esquiva e
cismarenta? E via uma na outra, mais confundidas, mais
identificadas, como se não houvesse passado nem presente, e só o
mesmo tempo indefinido que reflui e permanece. (MONTELLO,
1976, p.168).
À medida que vai se apaixonando pela moça e se familiarizando com
os objetos do sobrado e do sítio de sua propriedade, Abelardo já não
consegue mais fazer o jogo com a imaginação, em que via Sinharinha
sentada bordando ou conversando, e a imagem da mãe vai aos poucos se
desfazendo sem que o rapaz consiga retê-la. É Alaíde que vai tomando
conta aos poucos dos pensamentos de Abelardo.
Até o antigo refúgio da memória materna, que sempre lhe havia
atenuado nas horas mais amargas a consciência da desventura,
era-lhe vedado agora com a intercorrência obsessiva da figura de
Alaíde na figura de Sinharinha.
[...]
Em verdade, dir-se-ia que era a própria Sinharinha que o impelia
para a outra, não somente omitindo-se da moldura de prata e
deixando que ali aflorasse o rosto de Alaíde, mas ainda
desaparecendo dos antigos lugares da casa onde ele a havia
lembrado no instantâneo das visões retrospectivas (MONTELLO,
1976, p.258).
As duas figuras femininas do romance representam um embate
entre as pulsões de morte e de vida. São duas forças antagônicas que ao
mesmo tempo se chocam e se misturam. Uma, a pulsão de morte,
impulsionando para o passado, para a inércia, para o que já morreu; a
outra, a pulsão de vida, impulsionando para o futuro, para a vida, o
movimento e a ação.
Sinharinha, representando o passado de Abelardo e tudo o que já
não existe mais, contrapõe-se a Alaíde que representa o presente, o
98
futuro e a continuidade da vida. São Eros e Tânatos em choque, mas
interdependentes. Eros está também em Sinharinha, nas fantasias de
Abelardo, embora ligado à pulsão de morte, enquanto Tânatos está
também em Alaíde, que se recusa a viver a própria vida, ficando à sombra
da figura paterna.
Com a morte do pai de Alaíde, essas forças encontrarão um
equilíbrio. Na impossibilidade da presença paterna, Alaíde transferirá para
Abelardo o amor que sentia pelo pai, numa espécie de deslocamento do
objeto de desejo, do mesmo modo como Abelardo transferira para ela seu
desejo pela mãe. Somente esse deslocamento das figuras paterna e
materna para outrem é que possibilitará que ambos passem a existir
como seres autônomos.
Assim, Sinharinha e Alaíde simbolizam o jogo entre passado e
presente, vida e morte, memória e esquecimento, que, como uma espiral,
vai entrelaçando todo o enredo do romance.
4.5 TEMPO E ESPAÇO
A narrativa, em terceira pessoa, inicia-se com a ida de Dr. Paiva ao
sobrado que está à venda e com menção à morte dos donos da casa e à
partida de Abelardo para o seminário. Em seguida há um salto temporal.
No segundo capítulo, Abelardo já está moço e de volta a São Luís, e a
imagem que traz na memória contradiz com a que seus sentidos captam.
A partir daí o texto vai se construindo como um jogo, com a superposição
de planos e imagens na tentativa de recompilação de um passado perdido.
Nessas idas e vindas no tempo, a memória, ao mesmo tempo em que
estabelece contrastes entre presente e passado, busca traços que os
aproximem.
O texto segue uma ordem cronológica, com alguns recuos no tempo
por meio da memória do protagonista. São lembranças curtas de cenas ou
episódios da infância de Abelardo.
99
Essas lembranças, evocadas por imagens, captadas pelo olhar do
protagonista, é que estabelecem o contraste entre presente e passado
tanto com relação ao espaço quanto com relação às pessoas que também
envelheceram, tornando-se quase irreconhecíveis. O que fica são apenas
traços do passado que auxiliam no reconhecimento.
Halbwachs explica que reconhecer por imagem é
ligar a imagem (vista ou evocada) de um objeto a outras imagens
que formam com ela um conjunto e uma espécie de quadro, é
reencontrar as ligações desse objeto com outros que podem ser
também pensamentos ou sensações. (HALBWACHS, 2006, p.55).
O autor retrata o poder transformador do tempo, não só no que se
refere à imagem, pois não são só as aparências que mudam,
transformam-se, envelhecem. Juntamente com o corpo, a mente
deteriora-se, a memória começa a falhar, como no caso da velha Me.
Fleury, velha professora de piano de Abelardo, cuja memória, prejudicada
pela idade, faz com que confunda fatos passados, misturando-os uns aos
outros ou mesmo transformando-os pela imaginação, a ponto de não se
saber se o que diz é real ou imaginário.
Ao confundir fatos a respeito do passado de Alaíde, Me. Fleury
desencadeia a desconfiança de Abelardo a respeito da dignidade da moça.
E a velha mirando-se no espelho:
Oui. Um scandale terrible!
— E com quem foi esse escândalo?
— Toda a gente sabe, chéri:com le capitaine! [...] E lê ère de
Alaíde, muito zangado, se bateu em duelo com le capitaine! [...].
E Abelardo, de pé, cenho fechado:
— Como é que a senhora me fala agora em duelo à espada, se
outro dia falou foi em tiros?
Madame Fleury, rindo:
Moi? Georgette? Eu falei em tiros? Non chéri! Como é que eu ia
falar em tiros, se foi à l’épeé, au Bois de Bologne?
E como se voltasse a si, intimidada e retraída, cosendo-se ao
piano, ante a firmeza do olhar irado que a trespassava:
— Onde está ma tête, mon Dieu? A l’épée foi com mon mari! Com
le capitaine foi a tiros. E não houve duelos. (MONTELLO, 1971, p.
248).
100
O próprio título do romance já revela a importância do tempo. Ele é
o agente transformador no enredo. Abelardo tem de esperar até a décima
noite para certificar-se de que sua mulher não havia se entregado a outro
homem antes do casamento. Durante o período de espera, Abelardo
acaba mudando o foco de seus pensamentos, transferindo-os do passado
para o futuro. Esse trecho do romance é marcado por prolepses, visto que
o rapaz começa a visualizar o momento em que irá vingar-se matando a
esposa.
O tempo, como agente de transformação e degeneração,
modificando a cidade e as pessoas, é, também, agente de regeneração,
responsável por dissolver o trauma de Abelardo, libertando-o do passado.
Abelardo atribui ao tempo, no final do romance, o poder de mudar seu
destino.
E no sonho da família rodeando a mesa, e do Tavares
apadrinhando o primeiro filho, e de Alaíde sempre feliz,
reconheceu de si para si que o tempo só apaga o tempo criando o
próprio tempo, relance e substância da eternidade (MONTELLO,
1976, p.319).
A narrativa apresenta um jogo entre o tempo cronológico e o tempo
psicológico, realçando o entrelaçamento com o rememorado, embora a
fábula siga sempre a linha temporal do presente, com apenas dois
episódios do passado: a chegada ao seminário e o banho da mãe. O que
predomina são flashes com imagens do passado sobrepondo-se às do
presente.
Um dos elementos utilizados para simbolizar a passagem do tempo
é o próprio relógio, que de simples instrumento de medição passa
constantemente a pontuar a volta ao passado.
A presença do relógio, perfilado numa fatia de parede junto à
escada, deu-lhe a memória nítida do resto da sala. E dentro de si
mesmo viu a pequena cadeira de balanço que Sinharinha preferia
na hora de seu bordado.
Dir-se-ia que o pêndulo preguiçoso, que seus olhos alcançavam
por entre as grades da porta, em vez de avançar o tempo, no
101
sentido das horas advindas, retrocedia às velhas horas passadas,
de tal forma que Abelardo podia ver, à roda da mesa, a mãe, o
pai, ele próprio, todas as peças da varanda que a tonalidade viva
dos vitrais alegrava. (MONTELLO, 1976, p. 58).
As anacronias presentes no texto, evidenciam a dificuldade de
Abelardo em viver o presente, ou ele volta-se para o passado sem
expectativas ou, já apaixonado por Alaíde, projeta-se para o futuro, com
expectativas e suposições. Seus devaneios passam a ser com Alaíde,
embora a imagem da mãe não tenha desaparecido completamente.
Abelardo é um ser que não encontra seu lugar, sente-se intruso na
casa onde nasceu e um estrangeiro em sua cidade, perde o sentimento de
pertencimento a um grupo ou a um local, que está ligado à própria
identidade do indivíduo. O estranhamento do protagonista com relação à
realidade circundante evidencia o poder transformador do tempo.
Depois, quando defrontara o Tavares muito magro e calvo, os
olhos à flor das órbitas pregueadas, encolhido na gabardina, a
ponta amarela dos dois caninos mordendo o lábio inferior
levemente espichado quase tomara por um desconhecido ao
velho amigo de tantos anos [...]
Abelardo quase não pudera falar: todo o seu ser se concentrava na
mobilidade impaciente dos olhos desapontados, que ora se
condoíam das ruínas do Tavares, ora se voltavam para a cidade,
mais triste e feia à medida que a lancha nervosa se acercava do
cais. (MONTELLO, 1976, p. 26).
Embora a narrativa siga cronologicamente o tempo presente, o
passado é resgatado constantemente por meio da evocação.
Interpenetrando-se continuamente, passado e presente tecem a narrativa
dos dramas pessoais dos personagens, ao mesmo tempo em que
resgatam a memória de um Maranhão que já não existe mais.
Freyre (1987, p.124), ao referir-se ao romance A décima noite,
afirma que
Talvez sejam as suas páginas de evocação, nesse livro
surpreendente, a melhor ressurreição já conseguida por um
escritor maranhense do passado mais recente de sua velha
província. Uma província que hoje não é, com os últimos sobrados
e as últimas fontes de azulejos, com as igrejas velhas que ainda
enobrecem as ruas, de São Luís, senão um resto frio e tristonho da
grandeza a que atingiu na época colonial; e foi de alguma maneira
conservada até os começos deste século.
102
Em A décima noite, essa evocação constante de um tempo passado
e a dificuldade em recuperá-lo está ligada à denúncia, à crítica à
coisificação, à alienação humana, à perda da personalidade.
Segundo Oliveira (1978, p.49),
Em A décima noite há a revelação dos aspectos psicopatológicos
de uma sociedade inflada pelos focos da dissolução. O problema da
reificação que, em escala planetária vem bloqueando a vida
humana, está subjacente nessa narrativa em que os protagonistas
centrais, sob o peso dos desvios do psiquismo, tangenciam os
trágicos limites da incomunicabilidade humana. É nesse romance
que a categoria estética do realismo existencial torna-se mais
transparente.
A alienação de Abelardo pode ser observada por sua educação no
seminário, afastado de todos, por sua recusa a assumir a vida política, ao
retornar, e por sua renúncia à própria vida presente, refugiando-se no
passado de suas lembranças.
Também Alaíde é uma figura alienada, vivendo reclusa no sobrado,
educada sob o olhar vigilante do Dr. Paiva, de temperamento enérgico.
Assim, enquanto as figuras materna e paterna dominam,
respectivamente, Abelardo e Alaíde, ambos não conseguem superar sua
alienação e viver como personalidades autônomas.
Aqui a reificação, ultrapassando os limites sociais, atinge a esfera da
afetividade humana. Os personagens não conseguem assumir sua
identidade individual, pessoal, pois não conseguem viver nem a mais
elementar das paixões humanas, o amor.
Até que os personagens transcendam sua alienação, o que irá
imperar é o apego ao passado, ao que é morto ou ao que vai morrer, o
que, no romance, impede o amor à vida. Os personagens são carentes de
existencialidade, presos a outra existência que não é a deles.
O amor por Alaíde é que permite a Abelardo começar a viver o
presente, ainda que ela esteja presa ao pai que está para morrer. Alaíde
tem também uma fixação pelo pai que foge aos parâmetros da
normalidade. Como Abelardo, ela recusa-se a viver sua vida, vive pelo pai
e para o pai. Ambos não têm existência própria. Alaíde só se entrega ao
103
marido, após a morte do pai, e a partir do momento em que Abelardo
assume uma atitude paternal para com ela, chamando-a de “minha filha”,
o que sugere uma ligação de conotação sexual também entre Alaíde e o
pai, mas que não será esclarecida.
Por um instante, cavando mais a ruga reflexiva entre as
sobrancelhas, recordou a ternura do pai pela filha e da filha pelo
pai, sempre juntos e amigos no recolhimento da casa sossegada.
Mas logo sacudiu os ombros, atirando fora o tormento esmagado.
Por que aprofundar um enigma perempto, se o tempo e as
circunstâncias tinham encontrado a solução harmoniosa, que
repusera as coisas em seus lugares? (MONTELLO, 1971, p. 311).
Fica bem evidente, na narrativa, o complexo de Édipo e de Electra,
mas o romance ultrapassa tais fronteiras, não fica na simples
demonstração de patologias mentais: é a denúncia da desistência do
existir, da perda da identidade.
A fixação de Abelardo em recobrar a figura da mãe e recuperar sua
história e sua identidade e a postura de um ser morto em vida simbolizam
o retorno às origens na recuperação da identidade coletiva na epopéia
maranhense.
Para Le Goff (1996), a perda da memória, ou amnésia,
metaforicamente pode representar uma perturbação não só individual,
mas a falta ou a perda da memória coletiva que pode significar a perda da
identidade.
A memória individual do protagonista de A décima noite, manipulada
por processos inconscientes que o fizeram esquecer a imagem da figura
materna, que representa sua origem, corresponde à memória coletiva
que, manipulada pelas forças sociais, privilegia alguns acontecimentos em
detrimento de outros. As lacunas nas lembranças de Abelardo nada mais
são que os “silêncios e esquecimentos da história”.
A morte, tema recorrente na obra montelliana, está presente em A
décima noite tanto na caracterização do protagonista, voltado para o que
está morto, quanto como mote para o desenvolvimento do enredo. É a
morte dos pais que desencadeia a partida de Abelardo de São Luís, assim
104
como é a morte do pai de Alaíde que irá libertá-los para que vivam seu
amor.
É a busca da mãe morta que irá acompanhar o protagonista
durante grande parte da narrativa. Abelardo é um morto em vida. É o que
está morto que ele busca sempre inutilmente. Ele fará uma trajetória
inversa da morte para a vida, pois só começa a viver realmente quando
aceita a morte da mãe.
Assim, a morte que o acompanhou sempre, acabará também por
libertá-lo. Essa passagem é figurativizada pelo funeral de Paiva.
Libertos respectivamente da fixação pela mãe e pelo pai, Abelardo
e Alaíde começam a viver o presente e a pensar no futuro.
O enterro de Dr. Paiva é também o enterro do passado de Abelardo
e o início de sua vida presente. Com o ritual da morte do sogro, ele,
enterra seu passado, recupera sua identidade e assume a própria vida,
voltando-se para o presente.
Até que se dissolveu para sempre, na intimidade mais secreta de
seu ser, o desejo de voltar ao tempo perdido, para ver Sinharinha
molhada e nua. Bem sabia que ela estava morta. Morta e desfeita
em pó.
Ao mesmo tempo verificava que Alaíde existia em sua vida, não
mais na condição supletiva de uma ressurreição da figura materna,
e sim como presença autônoma, que valia por si própria, com sua
inteligência, sua vida e sua beleza. (MONTELLO, 1976, p. 318).
Enquanto as figuras do passado alimentam sua existência, fazem,
também, com que Abelardo viva num mundo paralelo, o mundo subjetivo
das lembranças de um tempo e um espaço perdidos.
Aliás, o espaço é fundamental na evocação de lembranças do
passado e, por isso, a narrativa está repleta de topônimos. Enquanto o
espaço aberto resgata aspectos da cidade de São Luís e da cultura e
história maranhense, o espaço fechado do casarão está ligado ao interior
do personagem e resgata suas lembranças mais íntimas.
Abelardo, que deixara a cidade durante seus anos de formação,
volta com a esperança de lá reencontrar seu passado. Entretanto a cidade
105
de suas lembranças não existe mais. O que ele encontra é uma São Luís
que contrasta com a beleza e o colorido de sua imaginação.
[...] triste, encolhida, suja, com a sua minguada orla de palmeiras,
as suas casas apertadas, o fundo de seus sobrados velhos, as
envergonhadas ruas tortas que se escondem por detrás da
pobreza das casas, sob uma luz esmaecida que a chuva parecia
prestes a apagar. (MONTELLO, 1976, p.26).
O espaço geográfico de A décima noite é a cidade de São Luís e
arredores. Entre os ambientes por onde transita o protagonista estão a
casa de pensão onde Abelardo se hospeda, um microcosmo da classe
trabalhadora; o bordel, onde dá vazão a suas fantasias edipianas; as ruas,
ambiente neutro, onde o rapaz se refugia de seus problemas; o sítio na
estrada de Anil, ambiente tranqüilizador, ligado ao passado, onde tudo era
tão simples como quando deixara São Luís. O cenário mais importante,
entretanto, é o sobrado, onde Abelardo vivera na infância e que ora
pertencia ao Dr. Paiva e à filha.
O sobrado está intimamente ligado à família de Abelardo e à de
Alaíde. Lá o rapaz consegue evocar lembranças da infância e recompõe a
presença materna. A esse ar nostálgico que emana do sobrado, soma-se o
elitismo, a tradição e a severidade cultivada pelo Dr. Paiva, além de uma
aura de mistério que impede que Abelardo consiga compreender os
acontecimentos ao seu redor.
A visão inicial que Abelardo tem do sobrado é repleta de
contrapontos cromáticos, num contraste entre luz e sombra, claro e
escuro, que serve para realçar a disparidade entre o que o protagonista
espera encontrar em seu regresso e o que realmente encontra.
De longe, viu a casa de azulejos, silhuetada contra a claridade que
se espalhava dentro da noite. O telhado, o alto das árvores, parte
do jardim, tocados pela luz macia, com que acumulavam as
próprias sombras na fachada lisa, ainda não banhada pela
claridade da lua em ascensão. Dois retângulos de luz avermelhada
cortavam, no entanto, esse acúmulo de sombras, nas altas janelas
de uma das salas. (MONTELLO, 1976, pp.128-9).
106
Assim como o enterro do Dr. Paiva assinala o fim da fixação de
Abelardo por seu passado e a aceitação da morte, a posse do sobrado, ao
final do romance simboliza a conquista da identidade do protagonista que
encontra seu lugar no mundo e apossa-se da própria existência.
[...] já não buscava esse mundo submerso. Estava contente com o
mundo que tinha agora, plácido, firme e objetivo: Alaíde e a casa
de seu passado. Que mais podia querer? As horas antigas que sua
memória recolhera com a avidez da terra crestada sorvendo a
água da chuva, iam-se-lhe corrompendo na consciência, à medida
que vivia outras horas, no mesmo ambiente de outrora, feliz,
muito feliz, tal como fora nos dias melhores do seu passado.
(MONTELLO, 1976, p.318).
Em A décima noite, o protagonista passa por um processo de
transformação que, em certa medida, se aproxima da trajetória do
protagonista do Bildungsroman. Ele deixa a casa paterna devido à morte
dos pais, passa por uma instituição educacional e retorna a São Luís, onde
completa sua formação, com experiências profissionais, sexuais e
amorosas, e recupera sua identidade. Ao enterrar o passado e assumir a
vida presente, Abelardo torna-se um homem, conciliando-se consigo
mesmo e com o mundo. Essa trajetória de formação é característica dos
personagens masculinos de Montello que se transformam com o tempo
devido aos dramas pessoais e a fatores sociais. Essa transformação no
decorrer do tempo e exploração da condição humana do personagem, com
seus defeitos, qualidades, traumas e complexos, tornam Abelardo, assim
como os demais protagonistas dos romances da epopéia maranhense, um
personagem complexo.
Entretanto, apesar de, em sua estrutura superficial, apresentar a
trajetória individual de um protagonista em formação, A décima noite
simboliza a empreitada do autor na recuperação da identidade
maranhense. Assim, Abelardo é a própria sociedade maranhense,
reificada, perdida, em busca de sua identidade; Alaíde é o seu presente
com novos encantos e desafios e Sinharinha, como mãe, simboliza a terra
natal, o espaço, todo o passado e a história de uma sociedade a ser
107
recuperada pela memória. História essa, muitas vezes idealizada,
contaminada pela imaginação de quem lembra ou pelos interesses de
quem conta, mas que determina a identidade de um povo.
5 CAIS DA SAGRAÇÃO: DESAFIANDO POSEIDON
Ágil. Destemido. Heróico. Num instante, o barqueiro desperta no
menino. Visível na faiscação dos relâmpagos, segura firme a vela
grande, não deixa o barco adernar. Entregue a si mesmo. Ao seu
instinto. Como se toda a estirpe dos velhos barqueiros, seus
ancestrais, sangue do seu sangue, houvesse afluído ao seu cérebro,
às suas mãos, aos seus pés [...]. (MONTELLO, 1998, p.1121).
Até a publicação de Cais da Sagração, os romances de Montello
estavam restritos à vida dentro dos casarões maranhenses. Entretanto,
nesse romance, o autor amplia o espaço da ação para além da cidade de São
Luís, com a aldeia de pescadores e o mar. As lendas e crenças do litoral
maranhense são retomadas a partir da utilização de recursos da narrativa
fantástica. O autor destaca a coragem e a força dos homens do mar,
apresentando a saga de uma família de barqueiros e conjugando recursos
épicos à tradição realista.
Embora versátil ao utilizar técnicas de diferentes tradições literárias,
Montello confirma a fidelidade a um estilo próprio de narrar com o
contraste entre presente e passado, a memória evocativa, a descontinuidade
temporal, a linguagem poética com forte apelo visual e a recorrência ao
tema da morte sempre firme em seu propósito de recuperar o passado e a
identidade maranhense.
A morte, figura presente em toda a obra do autor, impregna de tal
modo todo o romance que chega a ascender à categoria de personagem. A
presença de elementos sobrenaturais como a aparição de fantasmas ou de
seres lendários confirma a situação fronteiriça do protagonista entre a vida e
a morte.
109
5.1 OS PREFÁCIOS: memória ou imaginação?
Cais da Sagração apresenta dois prefácios. No primeiro, intitulado Antes
do romance, o autor revela a busca pela imagem do personagem centra, que
deveria parecer ter saído de suas lembranças, mas que fora tirada de uma
antiga revista brasileira. “Este não servia, aquele também não. E era
fundamental que o herói existisse na minha consciência, como um ser vivo
tão presente quanto uma reminiscência pessoal.” (MONTELLO, 1981, p. 12).
Se o primeiro prefácio intitula-se Antes do romance, o segundo já está
inserido na narrativa. Nele ocorre um processo de ficcionalização da memória
do autor, em que o personagem, Mestre Severino, é apresentado como um
ser saído das lembranças de Montello, como se pode observar na
comparação entre os dois. Mesmo sendo assinado pelo autor com as iniciais
J. M., o segundo prefácio é assumidamente fictício, o que cria uma relação
de encenação colocando o leitor no jogo do texto. Assim o título do primeiro
prefácio é um indicativo de que o que vem depois é ficção.
Nesse texto, Montello narra um encontro com o personagem e dá a
entender que o Mestre Severino do romance é um ser real, quando, na
verdade, é um misto de imaginação e condensação de imagens e histórias de
pescadores de São Luís, presentes na memória do narrador.
E o curioso é que os três encontros continuam nítidos na minha
memória, como se o tempo não os houvesse levado consigo. Mais
curioso ainda é que, sem ver Mestre Severino, tive-o sempre
presente, nas muitas coisas que dele me contaram, ali na orla do cais,
à hora em que a luz se atenua e aflora em nós o pendor das
confidências [...]. Rodou o tempo, e o tipo inconfundível, digno de ser
talhado num bloco de pedra que lhe guardasse a beleza tosca,
continuou a morar na minha imaginação e na minha memória,
enquanto eu aguardava ocasião propícia para recolher-lhe a gesta na
unidade de uma narrativa. (MONTELLO, 1981, p.24).
Ainda no segundo prefácio, há uma alusão à madaleine proustiana, que
revela novamente o destaque dado à memória e a influência de Proust na
110
produção romanesca de Montello. Esse trecho também faz lembrar que se
está diante de uma obra literária, na qual memória e imaginação se
misturam.
A nostalgia da infância distante, que os bocados do manuê me
traziam à consciência, deu-me olhos ainda mais enternecidos para
contemplar na luz quebrada do entardecer aquele trecho da terra
natal com a Pedra da Memória no fortim de São Damião, a avenida
que vai subindo para a colina do Largo dos Remédios, as varandas
dos velhos sobrados escancaradas para o mar no viso das ladeiras.
(MONTELLO, 1981, p. 22).
O destaque dado ao espaço, no que se refere à memória, também
pode ser observado no tom saudoso desse prefácio, que indica que as
caminhadas dos personagens pela cidade são passeios pela memória do
autor. Tal procedimento reforça a autoridade do narrador e conquista a
credibilidade do leitor.
Embora eu tenha vivido nas mais belas cidades do mundo, incluindo
esta em que moro, nunca deixei de ser um homem de minha
província. Por baixo do vidro em minha mesa em Paris, eu tinha a
planta da cidade de São Luís [...]. De vez em quando, tocado por um
suspiro de saudade, passeio por essas ruas, e é apenas o dedo
indicador que vai por mim, acompanhando os riscos do mapa. Foi
numa dessas viagens que achei o título do romance: Cais da
Sagração. Também assim me apareceu por um capricho da memória,
a cena que vai mais adiante, abrindo o livro com o velho barqueiro
a saltar para dentro de seu barco. (MONTELLO, 1981, p. 12).
5.2 UM ROMANCE ÉPICO-TALÁSSICO
Cais da Sagração narra a história do velho barqueiro, Mestre Severino,
que, após ter ficado preso durante vinte anos por ter assassinado a mulher,
Vanju, sentindo a proximidade da morte, devido a uma doença cardíaca,
quer preparar o neto para ocupar seu lugar.
111
O romance inicia-se com Mestre Severino já velho e doente, para,
então, por meio das anacronias, presentificar o passado, num processo de
idas e vindas, a partir do qual o enredo vai se revelando.
As visitas do narrador ao passado dos personagens em grandes
digressões colocam o leitor no papel de participante na solução de problemas
no que se refere ao passado ou futuro dos personagens.
No presente, Mestre Severino, barqueiro rude e forte, já velho, após
ter passado anos na prisão por ter assassinado a mulher, parte com o neto,
Pedro, para sua última viagem a São Luís. No passado, narra-se o romance
entre Mestre Severino e Vanju e a prisão do barqueiro pelo assassinato.
Os capítulos são numerosos e, muitas vezes, entre um e outro, não se
evidencia de imediato a passagem entre presente e passado, causando certa
confusão inicial no leitor até que este descubra o caminho. Outras vezes, o
narrador penetra na memória do personagem e, por meio dela, resgata o
passado.
A partir da história de Mestre Severino, o romance apresenta a
temática do homem, que, ao olhar para o mundo, não se reconhece mais
nele. Todo o percurso do barqueiro estará direcionado para deter a
intromissão do novo que ameaça seu mundo conhecido. Essa tensão
manifestar-se-á no decorrer de todo o romance como uma busca de
reconciliação com uma realidade contraditória, que é a própria busca da
identidade. Mestre Severino precisa recuar no tempo, por meio da memória,
para sentir-se parte de um mundo com o qual não se identifica mais.
Além disso, o romance apresenta características épico-talássicas, com
um herói forte, valente e de ação que não questiona os valores que
aprendeu, apenas perpetua-os, lutando bravamente contra o mar, que,
personificado em alguns momentos, assume a feição de monstro furioso,
prestes a engolir o barco. O trecho abaixo apresenta a luta de Mestre
Severino contra o mar, enquanto Pedro apresenta-se como um jovem
112
inexperiente, que ainda não domina a arte de navegar. No final do romance
a situação se inverte e Pedro é que dominará o barco.
A quilha da proa havia descido fundo, como se fosse mergulhar no
cavalo das águas revoltas, mas logo empinou, subiu, saltou, ao
mesmo tempo em que a onda cresceu ainda mais, escancarando as
mandíbulas gigantescas. [...] E [Pedro] sempre agarrado à embira do
cabo, com um vazio à altura do estômago, viu o barco investir,
arremetendo contra a onda descomunal, e de pronto fendê-la ao
meio, num só impulso. A toalha de espuma, rasgada para um lado e
para outro, tufou, ferveu, subiu, alcançou parte do convés, molhou a
bujarrona, e outra onda cresceu a seguir, tomada da mesma cólera.
[...] O mar alto dir-se-ia não querer aceitar no seu dorso o peso da
embarcação que o vento empurrava, e de repente reagia com uma
onda alta atrás da outra, sempre retrambindo. [...] O próprio vento
tinha ali uma voz diferente, a esfuziar no velame, a correr por cima
das ondas. Criado ouvindo-lhe os gemidos, Pedro agora o
desconhecia. Não era o vento que sibilava nas palmas dos coqueiros
do quintal e fustigava os ramos das samambaias do alpendre, nem a
brisa crepuscular que levantava o pó do chão e fazia bater as janelas
e as portas enquanto espalhava na casa o cheiro ativo das latadas do
jasmineiro; porém uma força brutal e cega que enchia as velas,
adernava o barco, alteava as ondas bravias, e era assobio e ameaça,
vaia e lamento. Como seria seu uivo de cão faminto quando
sobreviesse a madrugada? (MONTELLO, 1981, p. 177-8).
Os elementos característicos da saga — herança, laços de sangue,
vínculos familiares assimilados pela epopéia, também estão presentes no
romance. Mestre Severino é filho de Mestre Rufino e neto de Mestre Pedro,
descende de uma dinastia de varões que conduzem o Bonança, barco que
passa de geração a geração como herança.
Para ele, em verdade, a família era uma dinastia de varões, e todos
sobre as águas, indômitos, queimados de sol, rompendo as ondas
com a quilha de seus barcos. Se pudesse retroceder no tempo, sabia
que ia encontrar outros barqueiros como o pai, o avô, o bisavô, fiéis
ao mar até a morte, numa interminável genealogia de nautas
invencíveis. (MONTELLO, 1981, p. 58).
Mestre Severino é um herói coletivo, representante do homem rude do
mar, com suas crenças e valores bem arraigados. Ele não apresenta
mudanças, está pronto, acabado, como os heróis épicos. Após muitas
113
batalhas contra o mar bravio do litoral maranhense, Mestre Severino
defronta-se com outro inimigo: a morte.
Agora mesmo, ele, Mestre Severino, sabendo que ia medir-se com a
morte, lá longe, no mar bravio, sentia crescer em seu espírito o
sentimento da luta. E essa sensação profunda, aliada à consciência de
que era aquele seu último combate, atenuava-lhe a ira, revitalizava-o
mesmo, porque iam ser no mar os lances da peleja. (MONTELLO,
1981, p.299).
No decorrer da narrativa, observa-se a não aceitação do protagonista
de tudo o que é contrário a seus princípios. A simples desconfiança de que a
mulher amada pudesse traí-lo faz com que a mate e pense em fazer o
mesmo com o neto, ao desconfiar que é homossexual.
Apesar da proibição médica, Mestre Severino parte para São Luís,
levando consigo o neto, Pedro, na esperança de iniciá-lo na arte da
navegação para que ocupe seu lugar, dê continuidade ao seu legado,
assumindo o barco.
À semelhança da epopéia clássica para cujos heróis a “bela morte” era
aquela que ocorria nos campos de batalha, para essa dinastia de barqueiros
a “bela morte” era a que se dava no mar, por isso o pai de Mestre Severino,
ao chegar a sua hora, desespera-se, por morrer em terra. Note-se que a
presença do canto também remete à narrativa épica.
E Mestre Rufino, marinheiro de sete mares, sempre de cachimbo no
canto da boca, deixou fama de ter chorado na hora da morte por não
ter tido a sorte de morrer no mar. Dele ainda se falava na toada de
uma canção:
Veio o vento, veio a chuva.
Muito barco naufragou.
Quem foi com Mestre Rufino,
Saiu em paz e chegou.(MONTELLO, 1981, p.57).
114
Além de Pedro e Mestre Severino, Lourença também é personagem
importante do romance, antiga concubina do barqueiro, ela continua a viver
na casa como uma espécie de criada, após o casamento deste com Vanju, e
continua a cuidar de Mestre Severino mesmo após a morte da rival.
Como modelo de perfeição humana [...] Lourença é pintada com tal
precisão de traços que, a partir de sua aparição, passa-se a amá-la e
respeitá-la na sua humanidade, como se ela partilhasse de nosso
convívio diário. Em sua magnanimidade, Lourença faz refletir sobre o
que se é e o que se deveria ser. (HILL, 2007, p. 954).
Lourença não tem beleza, nem vaidade, é dedicada, fiel, abnegada e
amorosa; Vanju, antiga prostituta, é extremamente vaidosa, bela e sensual,
mas também egoísta, sedutora e dissimulada, a ponto de não ficar evidente,
no romance, se realmente cometeu adultério. Nesse aspecto Vanju faz
lembrar Capitu, de Machado de Assis (1998).
Preservando-se a originalidade com que é elaborada, a personagem
Vanju nos remete a Capitu. Os olhos de cigana oblíqua” se
substituem por uma dubiedade que lhe é inerente e que se reflete em
toda a sua maneira de ser. Personagem sensual, inconstante, capaz
de enfeitiçar e enlouquecer um coração calejado, como o de Mestre
Severino. A dúvida da traição conjugal instilada por Machado repete-
se no romance de Montello. (HILL, 2007, p. 954).
A presença simultânea da esposa e da concubina também remete às
narrativas épicas em que estas, muitas vezes, dividiam o mesmo espaço. As
duas personagens femininas do romance são completamente opostas. Em
Cais da Sagração, como na Odisséia de Homero, está presente a
ambigüidade do estatuto feminino
Vidal-Naquet (2002), ao abordar a questão da mulher nos poemas de
Homero, constata que a presença feminina na Odisséia é marcante desde as
sereias, cantoras destrutivas, passando pelas deusas e mulheres que
acolhem, ajudam ou tentam seduzir Ulisses, pelas criadas fiéis e infiéis, até
Penélope, modelo de fidelidade que contrasta com Clitemnestra, esposa
115
adultera de Agamenon. “Tudo se passa, na Odisséia, como se o mundo
feminino fosse duplo: acolhedor e perigoso”. (VIDAl-NAQUET, 2002, p.83).
Essa duplicidade estará presente o tempo todo no romance: Lourença é
o porto seguro presença constante no passado e presente de Mestre
Severino, e Vanju é a sedução, o perigo, a paixão a continuar assombrando o
barqueiro, que continua a amá-la mesmo depois de morta.
Durante a narrativa da partida de Mestre Severino, entremeada de
lembranças do passado, cria-se um mistério em torno da morte de Vanju,
que só será esclarecido nas últimas páginas do romance por meio da
lembrança de Mestre Severino do momento em que a mata afogada, por
ciúmes.
Com a cabeça de Vanju submersa, firmou bem os pés e braços, até
sentir que ela ia se aquietando. Tardou uns momentos com o corpo
imóvel, por fim, o trouxe à superfície, e pôde ver, na fisionomia parada,
que seus belos olhos não se retraíam mais com a luz do sol.
(MONTELLO, 1981, p.309).
Outro personagem que remete às narrativas épicas é a cartomante. Tal
qual os oráculos, ela detém o conhecimento do futuro e prevê a união de
Mestre Severino com Vanju e, posteriormente, a morte desta, bem como o
retorno da viagem a São Luís com o neto são e salvo.
A Dama de Espadas está mostrando que nada pode tirar do
caminho de mestre Severino a mulher que virou a cabeça dele. Ele vai
trazer ela, e ela vai ser a desgraça dele. Vejo aqui um corte. Um corte
grande. Pode ser um desastre, pode ser um crime, não sei bem. O
que sei é que vai haver uma desgraça medonha no caminho dele.
(MONTELLO, 1981, p. 188).
A iminência da morte, como fim de um ciclo, a impossibilidade de um
futuro, a não ser por meio do neto, a esperança de reencontrar Vanju no
céu, as mudanças ocorridas durante o tempo em que ficou na prisão, levam
116
o velho barqueiro a olhar para o passado com ar nostálgico, sentindo a perda
do mundo que conhecera, de tudo o que amou e em que acreditou.
Quando o indivíduo se volta para a sua própria vida emocional e,
entregue ao momento presente, com o que ele comporta de prazer e
de dor, situa, no tempo que passa, os valores aos quais está desde
então ligado, ele próprio se sente levado em um fluxo móvel,
cambiante, irreversível. Dominado pela fatalidade da morte que
orienta todo o seu curso, o tempo no qual se desenrola a sua
existência aparece-lhe como uma força de destruição, arruinando
irremediavelmente tudo o que a seus olhos significa o preço da vida.
(VERNANT, 1990, p.158).
5.3 NARRADOR, TEMPO E PERSONAGENS
A obsessão montelliana pelo tempo destaca-se em Cais da Sagração
na descontinuidade temporal e na presença de duas linhas narrativas —
uma, no presente, e outra, no passado, que seguem cronologicamente —
que permitem o desenvolvimento do enredo, num processo de encaixe, com
episódios do passado, inseridos entre episódios do presente, contados por
um narrador de terceira pessoa.
Os fatos passados são recuperados não só pela memória dos
personagens, mas também pelo narrador, que transita entre passado e
presente, abusando das anacronias, sem transição entre um e outro tempo,
rompendo a ordem cronológica da narrativa. Assim, o enredo vai se
construindo como um quebra-cabeças.
São duas histórias: a de Mestre Severino, no passado, com Lourença e
Vanju e, no presente, com Pedro e Lourença. Montello costuma utilizar
elementos do presente com a função de evocar fatos do passado, por meio
da memória involuntária. Com as evocações, o personagem traz o passado à
tona, presentificando-o. É comum a utilização de verbos, como “ver”,
117
“ouvir”, que remetem aos sentidos, significando “lembrar”, como marca da
mudança no tempo.
No entanto, em vez de impregnar-se do sentimento da morte, Mestre
Severino entrou a reanimar o cais com as imagens que ia retirando de
si mesmo, repondo-as nos seus lugares à feição do olhar retroativo.
Ele via uma casa, um sobrado, uma ladeira, um trecho de parapeito,
uma rampa, e ali revia os dias de outrora, [...] e as figuras e as vozes
refluíam ao lume de sua consciência como poeiras repentinamente
suspensas no raio de luz.
Sem transição sensível, o dia se fecha, brilham dentro da noite os
sonolentos lampiões de gás. Mestre Severino está sentado na
muralha, à espera da primeira luz da manhã. E ele a Vanju, de
vestido escarlate, uma flor nos cabelos, um pé descalço, o sapato na
mão, e rindo, rindo muito, enquanto lhe pergunta, sempre rindo, se
ali não passa bonde.(MONTELLO, 1981, p.261-2) (Grifo nosso).
Diferentemente de em A décima Noite (1959), em que o narrador
acompanha apenas o protagonista, em Cais da Sagração ele divide-se entre
Lourença, Mestre Severino e Pedro, mudando constantemente de um para
outro. Nesse caso, a informação passada é equivalente à que estes têm, o
que exige maior participação do leitor.
Assim, o narrador não se coloca como um ser superior e distante da
narrativa, pois as pessoas, os fatos e as coisas são apresentados na forma e
no sentido que têm para os personagens. O mundo é mostrado do modo
como eles o vêem. Com a utilização do discurso indireto livre o narrador
penetra nos pensamentos mais íntimos dos personagens.
Ao lembrar-se de que, dentro de algumas horas, começaria o seu
julgamento, sentiu um arrepio momentâneo, as mãos frias, e logo
tratou de reagir contraindo as sobrancelhas, apertando os maxilares.
Demoraria toda a tarde? Entraria pela noite? E, durante todo esse
tempo, teria de olhar o Promotor? Não lhe tinham dito a que horas a
escolta iria levá-lo. Pensou em fazer a barba, mas mudou de idéia:
iria mesmo assim. Em vez de paletó e gravata, que a Lourença lhe
trouxera na véspera, iria com a sua calça de mescla e a sua camisa de
barqueiro. Nada de botinas, iria mesmo de alpercatas. (MONTELLO,
1981, p.159).
118
A memória de Lourença, assim como a de Mestre Severino, permite o
acesso ao passado da família. Assim a linha narrativa referente ao passado é
apresentada de ângulos distintos, ora por intermédio de Mestre Severino, ora
por intermédio de Lourença, sempre por um narrador de terceira pessoa. Já,
no presente, também o ponto de vista de Pedro é considerado.
A cidade de São Luís é observada pela perspectiva nostálgica de Mestre
Severino, que caminha pela parte antiga da cidade, e pela deslumbrada de
Pedro, que caminha pela parte moderna. São imagens da nova e da velha
cidade que são apresentadas pelo narrador, por meio do olhar dos
personagens, confrontando presente e passado.
Mestre Severino se detém na volta da rua, estende o olhar evocativo
para as pedras do calçamento, entre as duas alas de sobrados
vetustos, lembrando que por ali passavam caminhões atochados de
carga, retiniam os paralelepípedos do chão as rodas das carroças
barulhentas, puxadas por um burro lerdo que o carroceiro fustigava.
(MONTELLO, 1981, p.243).
Mestre Severino retoma seu caminho evocativo, e é em vão que, ao
descer um dos becos que levam ao mar, ergue a vista nostálgica para
uma esquina de pedra, tentando encontrar o braço de ferro de um
lampião de gás de seu tempo. (MONTELLO, 1981, p. 246).
Pedro tornara ao entusiasmo da véspera, e seus olhos vivos iam
interrogando os recantos distantes da paisagem à sua frente. Subiam
as ladeiras, relanceavam pelas fachadas reluzentes, detinham-se no
campanário das igrejas, surpreendendo as gradações da cor no brilho
da luz matutina. Como seriam as ruas lá de cima? De que tamanho
era o Largo do Carmo, de que tanto ouvira falar? (MONTELLO, 1981,
p. 238).
Ao barulho da cidade moderna encontrada por Pedro, contrapõe-se o
silêncio da cidade antiga reencontrada por Mestre Severino, após vinte anos.
Note-se, mais uma vez, a impressão da presença física do narrador na
utilização do advérbio “aqui” e do pronome “nos”.
Nos largos aposentos, outrora inundados de luz tropical, descem hoje
as sombras do dia, com o renque triste das janelas fechadas. Se uma
119
delas se abre de repente, cedendo ao sopro de uma rajada mais forte,
fica a bater doidamente, sem ter quem volte a cerrá-la. Os mirantes
esquecidos, de onde antigamente se descortinavam os barcos que
ainda velejavam no mar alto, têm agora o ar dos aposentos fechados
de onde saiu um enterro. Lá dentro, silêncio. Aqui fora, também
silêncio. (MONTELLO, 1981, p.244) (Grifo nosso).
Também a porta principal, à entrada do corredor espaçoso, está
aberta de par em par, com a sua esquadria de pedra portuguesa, e
nos convida a subir aos outros pavimentos pelos dois lanços de sua
escada rija, toda ela de madeira de lei. [...] Dói ouvir esse silêncio.
(MONTELLO, 1981, p. 243) (grifo nosso).
Essa interferência do narrador é um aspecto interessante da narrativa
em Cais da Sagração. Seja por meio do discurso indireto ou do direto, ou
mesmo pela utilização de advérbios, pronomes ou vocativos, que denunciam
sua presença, em certos momentos, o narrador dirige-se aos personagens
como uma voz interior ou emite juízos, como se dialogasse com os
personagens ou estivesse fisicamente próximo.
Mas esperar também cansa, Lourença, sobretudo na tua idade, assim
alquebrada, surda de um lado, cansando-te à toa. Pareces mais velha
que Mestre Severino, e és tu que olhas por ele, inquieta por sua
saúde. Quando ele tiver voltado, tu mesma hás de querer que o velho
barqueiro retorne ao mar. (MONTELLO, 1981, p.219) (grifo nosso).
Ao dar o primeiro passo, ainda com a mão segurando a rede, a velha
diz alto:
Pedro volta. Eu sei que ele volta.
Sim, há de voltar, com o favor de Deus, de Santa Luzia e de Nossa
Senhora dos Navegantes. A Comadre Noca viu nas cartas, de noite,
na mesa da varanda, o barco regressando. Se ela viu, por que haveria
de duvidar? Deus é grande, Lourença, e não vai te faltar. As cartas da
Comadre Noca estão velhas, ensebadas, puídas nas bordas, porém
não deixam de contar a verdade, sob a invocação de São Cipriano. E
só assim pudeste dormir toda a santa noite, depois de pitar, no
vaivém da rede, o teu cachimbo de taquari comprido. Agora, andando
no quarto, repetes que o Pedro volta, e tua voz é trêmula, uma voz
assustada. Como deixar de ter medo, se o teu menino está num barco
frágil, no meio do mar alto, levado pelo avô doente?
Deus olha por ele. (MONTELLO, 1981, p.213-14) (grifo nosso).
Estes velhos sobrados da Praia Grande, quase todos de pedra e cal,
muitos deles revestidos de azulejos portugueses, com paredes de
uma braça, janelas retangulares, beiral saliente, portais de cantaria
lavrada, mirante aberto para a baía de São Marcos, estes velhos
120
sobrados, Mestre Severino, estes velhos sobrados começaram a
morrer. (MONTELLO, 1981, p.242) (grifo nosso).
Neste trecho, em que o narrador penetra nas lembranças de Lourença,
contrapondo sua imagem atual à de sua juventude, pode-se observar a
memória estabelecendo o contraste entre presente e passado, evidenciando
o poder transformador do tempo.
Resvala a mão trêmula pelas rugas, contemplando em silêncio as
bochechas caídas, a pele retalhada, o risco fundo que desce da asa do
nariz, enquanto busca na sua lembrança a Lourença de outrora,
cabelos soltos, recendendo a bogari, cheia de corpo, pele macia e lisa,
a Lourença que se entregou assim a Mestre Severino e largou pai,
mãe, irmãs e amigas, para viver com ele, noutra terra, entre outra
gente. Parece que foi ontem. E é tão profunda a sua emoção nessa
busca retroativa de si mesma, que esquece a imagem de Santa Luzia,
a manhã de sol à sua volta, a viagem do Pedro. Até do vestido
estampado que trazia no corpo quando fugiu de casa ela ainda se
recorda. E também da flor vermelha de papel crepom que lhe
enfeitava os cabelos. Que fim levou a pulseirinha de prata que trazia
no braço nessa noite longínqua? E o anel de ouro que Mestre Severino
lhe trouxe de São Luís? A brisa matutina anda a alvoroçar o perfume
das latadas de jasmineiros sobre os paus da cerca. Já não se ouve
mais o chiar cansado do carro de boi na areia da rua. Mas o corrupião
canta ainda, por cima do sussurro dos ventos nas palmas dos
coqueiros. E Lourença vem mais para perto do espelho, os cotovelos
apoiados no tampo da cômoda, repuxa para baixo a pele das
bochechas, e fica um momento imóvel, como indecisa entre o seu
presente e o seu passado, muda, perplexa, espantada.
O mundo de ontem, que só existe agora dentro de Lourença, e que só
ela tem o dom de reviver nos seus relances de saudade, novamente
empalidece e se dissipa, e quem perdura no lume do espelho é a
velha enrugada, de olhos pisados, seca, maltratada pelo tempo e pela
vida. (MONTELLO, 1981, p. 215-16) (grifo nosso).
Note-se que a utilização de “vem” em vez de “vai”, dá impressão de
proximidade física do narrador. Essa impressão de que ele está presente na
cena, apesar de a narrativa ser em terceira pessoa, pode ser observada,
também, no trecho a seguir. Entretanto, ao dirigir-se ao Beco dos
Barqueiros, o narrador assume certa onisciência, evocando um
acontecimento histórico que talvez nem seja do conhecimento do rude
121
barqueiro. É a memória do narrador, porta-voz da memória coletiva
maranhense, e não a do personagem que é evocada.
Ah, Beco dos Barqueiros, quem te viu e quem te vê! Que é feito das
velhas pedras pontudas de teu calçamento colonial? Subias do Cais da
Sagração à Rua do Egito, por entre casas antigas, dando a impressão
de que te torcias para alcançar o viso da ladeira. Parecias guardar nas
tuas pedras, na calçada estreitíssima, nos muros de teu caminho,
algumas relíquias da cidade primitiva, a cidade que viu passar por ti
os jesuítas que Pombal mandou expulsar de seu convento. Como que
ressoam no ar os sinos das igrejas. Pelas frestas das rótulas espiam
semblantes espantados. E lá se vão eles, os velhos padres, encolhidos
nas suas batinas, calçando as alpercatas de couro, tangidos de são
Luís como malfeitores, por esse mesmo Beco dos Barqueiros que
Mestre Severino desce agora, de cabeça baixa, quase a chorar.
(MONTELLO, 1981, p.282).
Além de apresentar os fatos, em tempos diferentes e sob pontos de
vista diferentes, a narrativa apresenta também fatos que ocorrem
concomitantemente em espaços diversos. Aqui os recursos utilizados pelo
autor assemelham-se aos cinematográficos, como se uma câmera estivesse
acompanhando ora um, ora outro personagem, ou observando-os de longe
e, como num filme, com imagens do presente sobrepondo-se às do passado,
mudando de um lugar ao outro abruptamente.
Tudo isso permite observar como o tempo é sentido por cada
personagem: Lourença espera sempre o tempo passar, seu presente nunca é
bom, mas não se queixa está sempre a esperar pelo seu homem, pela sua
vez. Primeiro Lourença espera que Mestre Severino a peça em casamento;
depois, que se canse de Vanju; em seguida que saia da prisão, para
finalmente esperar pelo retorno de sua viagem com o neto.
A vida para ela é um eterno esperar. É a Penélope que o tempo
envelheceu, enquanto aguardava seu Ulisses voltar. Enquanto espera,
Lourença relembra o passado. Entretanto ela é também o sustentáculo da
família, ponto de partida e de chegada. Cria a filha e o neto de Mestre
Severino, presa apenas por um amor abnegado não correspondido.
122
Mestre Severino cristalizou-se no tempo, não aceita as mudanças, não
aceita o progresso, a modernidade, nem valores diferentes daqueles que
cultivou durante sua vida. Vive o presente, mas com os olhos sempre
voltados para o passado. É um homem de ação, resistente a mudanças, que
prefere perder seus entes queridos a ver seus valores degradados. Ele é a
personificação do passado, da tradição que insiste em permanecer, opondo-
se ao novo. Pedro, jovem, vive o presente e sonha com o futuro, está
descobrindo a si mesmo e ao mundo além da aldeia de pescadores em que
sempre vivera.
Observa-se em Mestre Severino um apego ao que já morreu, à mulher,
à cidade, e, ao mesmo tempo, a recusa a entregar-se à morte. Sua
caminhada pela cidade tem o tom de despedida, como se pode observar
nesse trecho altamente poético, em que os sobrados, destruídos pelo tempo,
perfilados assemelham-se a uma tropa despedindo-se do comandante.
Ao tornar à rua Mestre Severino encontrou o sol mais forte, já no
meio do calçamento. Mudou de calçada. Encheu o peito, caminhando
devagar. Ainda voltaria no seu barco a São Luís? Ou seria mesmo
aquela a sua última viagem? Para alcançar a Capitania, tinha de subir
a Rua do Trapiche, para entrar adiante na Rua do Giz, como a
despedir-se dos velhos sobrados que talvez não tornasse a ver. E
eles, os velhos sobrados imponentes, testemunhas do apogeu da
Praia Grande, dir-se-iam perfilados sob a soalheira, à passagem do
velho barqueiro para quem estendiam, na velha rua deserta, sobre
as lages de cantaria, uma nesga de sombra acolhedora. (MONTELLO,
1981, p.249).
Decisivo na estruturação do enredo de Cais da Sagração, Mestre
Severino, segundo Hill (2007), não se constrói sob uma perspectiva
maniqueísta, ele é um personagem paradoxal que mata por excesso de
amor, mas continua fiel à mulher amada. Apesar de sua rudeza, a
profundidade de seus sentimentos toca a essência do humano, conduzindo o
leitor a um mundo de coragem, bem-querença, magia e severidade.
123
Mestre Severino e Pedro representam o velho e o novo, o passado e o
presente respectivamente. Entretanto o passado tem que morrer para dar
lugar ao presente, ao novo, que é mudança, é transformação. Assim,
enquanto o avô, vendo a morte próxima, preocupa-se com a continuidade de
seu legado por meio do neto, Pedro pensa em trilhar seu próprio caminho,
diferente do de seus antepassados. Representante da tradição e da
permanência, Mestre Severino não aceita as transformações trazidas pelo
tempo. Assim, ele olha para a cidade e não se conforma com as mudanças
ocorridas, com a modernidade, do mesmo modo que olha para o neto e não
aceita outro futuro que não seja o de homem do mar como ele, seu pai e seu
avô o foram. Vindo de uma linhagem de barqueiros, seu barco é a herança
que deixará para o neto, sangue de seu sangue.
Tinha vivido mais que muitos de seus antepassados, suportando
infortúnios como nenhum deles, para ver afinal o filho de sua filha,
macho mesmo, continuar a tradição da família, senhor do mar, no
comando do Bonança. Valia a pena ter chegado até ali. Através do seu
neto, ele, Mestre Severino, já morto, debaixo da terra, continuaria a
viver sobre as águas, teria outras mulheres, não deixaria de ouvir as
histórias de amor, assombração, milagres e temporais que os nautas
sempre contam aos companheiros, ao cair da tarde no cais.
(MONTELLO, 1981, p. 289).
O fato de mestre Severino ter matado a esposa na tentativa de impedir
o adultério e a intenção de permanência por meio do neto destacam a
importância da descendência, dos vínculos de sangue e dos valores
familiares em Cais da Sagração, elementos esses pertencentes ao universo
da saga.
[...] universo da glória ancestral e da maldição paterna, do patrimônio
e das rixas entre famílias, das mulheres raptadas e do adultério, do
sangue derramado na vingança e misturado ao incesto, da fidelidade
e do ódio familiares, universo do pai e do filho, do irmão e da irmã,
universo da hereditariedade. (JOLLES, 1976, p. 76).
124
Para Mestre Severino, a verdadeira morte é a mudança. A escolha de
outro caminho por Pedro significa a morte de seu legado, por isso ele decide
matar o neto, que de mero coadjuvante, no início do romance, vai aos
poucos ganhando contornos de protagonista.
5.4 A INICIAÇÃO DE PEDRO
A partir da metade do romance, com a partida do barco, começa o
processo de formação de Pedro, com a recusa de seguir o destino comum,
ou seja, de ser barqueiro como o avô, dando à narrativa contornos de um
Bildungsroman
1
.
Alongando a vista para os barcos que se distanciavam, Pedro contraiu
a sobrancelhas, e anteviu-se igual ao avô, com a cana do leme nas
mãos, sentado no banco da popa, e a vida toda assim, indo e vindo,
ano após ano, entre o trapiche de sua cidade e o Cais da Sagração,
para afinal um dia, quem sabe, morrer no mar como seu pai. Não,
não nascera para barqueiro! E a hora para libertar-se de sua
inevitável sujeição era aquela! (MONTELLO, 1981, p. 242).
Durante a viagem, Pedro passa por diversas provas propiciatórias. As
mais relevantes são o contato com Davi, um homossexual, que põe em
dúvida sua masculinidade; a visita à cidade grande; a primeira experiência
sexual com uma prostituta e, finalmente, a luta contra o mar durante uma
tempestade, que o faz ascender à categoria de herói. Ele parte menino e
retorna um homem; nesse caso, Mestre Severino atua como mentor de
Pedro.
De maneira sutil, ao abordar o tema do homossexualismo, Montello
insere um personagem cuja descrição faz lembrar a figura do Diabo,
1
As características do Bildungsroman bem como a trajetória do protagonista desse tipo de
romance já foi explorada em nossa dissertação de mestrado na qual se trabalhou Os tambores de São
Luís (1985) como romance de formação.
125
remetendo ao mito bíblico. Ao invés de apresentar Davi belo, apresenta-o
como figura grotesca. Segundo Todorov (1975, p.167), “os desmandos
sexuais serão melhor [sic.] aceitos por qualquer espécie de censura se forem
inscritos por conta do diabo”.
Seus olhos rasgados, muito negros e oblíquos, pareciam pintados, os
cílios reluzentes. O nariz curvo, de narinas espaçosas, dava a
impressão de procurar o queixo, também pontudo. As duas entradas
laterais da cabeleira, em forma de forquilha, acentuavam ainda mais
o seu todo de caricatura viva, só faltando o rabo e os chavelhos para
lhe completar a caracterização teatral de um diabo de opereta.
(MONTELLO, 1981, p.167).
Davi tenta seduzir Pedro, apresentando-lhe a cidade grande, dando-lhe
um presente e envolvendo-o com palavras carinhosas. Ele é a representação
da tentação, e o ingênuo Pedro deixa-se levar pelo rapaz à semelhança do
marujo hipnotizado pelo canto das sereias, e só não cede completamente aos
seus encantos porque é regatado por Mestre Severino.
Uma sensação estranha, que ele nunca havia experimentado, impelia-
o para o outro, numa vaga de sensualidade dificilmente reprimida, e
ele teve forças para se coibir cerrando os punhos, enquanto o Davi
retrocedia, admirando a medalhinha sobre seu peito. [...] De lábios
grossos, os olhos crescidos, o Davi retrocedera um passo, a mão
querendo proteger o rosto, no pavor repentino da pancada inevitável,
e esta veio a seguir, rápida, instantânea, violenta, na bofetada que o
apanhou em cheio, arremessando-o para o vão do urinol e do
lavatório. (MONTELLO, 1981, p.271).
A experiência sexual é mais uma das etapas percorridas pelo neófito
em processo de formação. Sem saber lidar com sua sexualidade, Pedro não
entende bem o que sentiu por Davi. Entretanto as dúvidas de mestre
Severino a respeito da masculinidade do neto se dissipam após a primeira
noite do adolescente com uma prostituta, amiga do avô.
Apesar de Pedro provar sua masculinidade, Mestre Severino não aceita
a recusa do garoto em seguir seus passos e, na viagem de volta, leva o
126
barco de encontro a uma tempestade com a intenção de matar a ambos.
Porém o velho passa mal, em meio ao temporal, e Pedro, agora não mais o
rapazinho ingênuo e inexperiente do início, assume o controle do Bonança.
Numa das cenas mais belas do romance, carregada de epicidade, Pedro
enfrenta a mais difícil prova de seu processo de formação e demonstra que
nele corre o sangue de seus ancestrais, passando de tímido coadjuvante a
herói, cheio de coragem e destreza na luta contra o mar bravio.
De relance, na agilidade com que o neto havia empolgado a vela,
trazendo-a consigo para junto do mastro, por entre as lâmpadas de
luz dos relâmpagos sucessivos, mestre Severino tinha revisto o Lucas
Faísca, ali mesmo, com igual destemor, a mesma astúcia inventiva
diante do perigo, num temporal como aquele. Por instinto,
obedecendo à inspiração que vinha de seu sangue, da essência mais
profunda de sua natureza, Pedro não permitira, uma só vez sequer,
que a ventania lhe arrebatasse o pano, nem sentira fugir-lhe dos pés
as tábuas do chão no balanço do barco, bailarino que afinal descobre
ao meio do bailado a alma da dança, acrobata que se empolga pelo
próprio salto e tem certeza de que a argola do trapézio está no ar à
sua espera. (MONTELLO, 1981, p. 301-2).
Debatendo-se como as ondas de um mar bravio, estão presente e
passado, juventude e velhice, tradição e modernidade. Entretanto, Montello
consegue a conciliação entre essas forças no momento em que Pedro
assume o comando do barco, indicando a possibilidade de dar continuidade
ao legado do avô, mantendo a tradição, harmonizando, assim, passado e
presente, um continuidade do outro.
Conciliado consigo mesmo e com o mundo, Mestre Severino sente que
sua missão chegou ao fim, afinal o neto está pronto para caminhar sozinho e
substituí-lo no comando do Bonança.
Tranqüilo ele já estava, com a graça de Deus e de Nossa Senhora do
Livramento. Podia morrer sem mágoas, de coração limpo, certo de
que chegara ao termo de sua missão neste mundo. (MONTELLO,
1981, p. 304).
127
Além do perfil heróico de Mestre Severino, das provas propiciatórias de
Pedro e da batalha contra o mar, também a presença do sobrenatural em
contato com o mundo real confere epicidade à narrativa de Cais da
Sagração.
Observa-se, no romance, a presença do mito cristão, nas evocações
constantes a santos, no medo do pecado, na crença na vida após a morte,
no céu e no inferno, convivendo com a presença da cartomante que prevê o
futuro, das lendas e as visões de fantasmas. São seres e crenças que
compõem o imaginário maranhense misturados à narrativa ficcional calcada
no real.
Para representar o sobrenatural numa narrativa realista, o autor
recorre a recursos estéticos próprios da narrativa fantástica, destacando as
crenças e lendas do litoral maranhense, figurativizando a morte que se
anuncia no romance e indicando a situação fronteiriça entre a vida e a morte
em que se encontra Mestre Severino. Além disso, é constante, tanto na
narrativa quanto nas falas dos personagens, a utilização de termos que
remetem à morte como “silêncio”, “mausoléu”, “fantasmas”, “ruínas”,
“cemitério”.
A doença do velho barqueiro, a lembrança de seu crime, as visões que
tem da mulher amada, assassinada por ele, estão o tempo todo trazendo à
tona o tema da morte e colocando em contraste o presente e o passado.
A narrativa do romance está calcada no real. Entretanto, no mundo
moderno, diferentemente do mundo da epopéia clássica, o contato com o
mundo das lendas, dos mortos e dos deuses, não é algo natural e causa
certo estranhamento, restando sempre a ambigüidade quanto à veracidade
ou não de tais aparições. Para que esse contato com o mundo sobrenatural
se estabeleça no romance sem romper totalmente com a realidade em que
este se insere, a estrutura de Cais da Sagração, em alguns momentos,
aproxima-se da narrativa fantástica, sem que, no entanto, o romance se
configure como tal. Isso permite observar a versatilidade do autor, que não
128
se prende a um cânone rígido, mas transita, com habilidade, por diferentes
gêneros e dicções.
5.5 O SOBRENATURAL
Montello, inspirado nas histórias contadas pelos barqueiros
maranhenses, utiliza a lenda portuguesa de D. Sebastião, assimilada pelo
folclore do norte e nordeste do Brasil, para criar um trecho estruturado com
elementos da narrativa fantástica: a irrupção do sobrenatural no mundo real,
a ambigüidade, o local de transição, as horas noturnas, a solidão do
personagem no momento da aparição. O mesmo irá ocorrer com as
manifestações de Vanju após a morte. Tais elementos irão permitir que seres
sobrenaturais povoem a narrativa sem que esta se desvie do possível, do
verossímel. A presença constante de seres sobrenaturais em contato direto
com o mundo natural, confirmará mais uma vez o tom épico do romance.
O episódio da aparição do navio de D. Sebastião ocorrerá, à noite,
durante a viagem de barco a São Luís. Entretanto, apenas Mestre Severino
avista o navio e o fantasma, visto que todos dormiam, e fica na incerteza se
foi sonho ou realidade.
Todorov (1970) aponta como condição para que o fantástico se
estabeleça a hesitação entre uma explicação natural e uma sobrenatural
para os acontecimentos. Por ser a hesitação, tanto do personagem quanto do
leitor, uma questão discutível em Todorov, a esse termo preferir-se-á a
ambigüidade entre o lógico, racional, e o sobrenatural.
Montello cria essa ambigüidade a partir do momento em que o próprio
Mestre Severino questiona a aparição.
Teria mesmo visto o navio do Rei? Ou havia sido um simples sonho?
Não, não pode ser sonho replica o velho contraindo as sobrancelhas.
Mas, por outro lado, como pode ter sido uma visão, se o navio
129
encantado aparece pelo mês de junho, nas noites de quinta-feira e
estamos em agosto?
Eu vi, tenho certeza que vi insiste Mestre Severino depois de
correr as mãos úmidas pelo rosto. (MONTELLO, 1981, p.196).
Para Todorov (1970), “a ambigüidade depende também de processos
verbais que penetram o texto todo”; tais processos seriam o emprego do
imperfeito e as modalizações.
No romance em questão, o tempo verbal utilizado é o presente do
indicativo; entretanto, quando Mestre Severino questiona sua visão, o tempo
é o imperfeito. Não há também, nesse episódio, expressões modalizadoras.
Na ausência de tais expressões, a ambigüidade se estabelece a partir do
questionamento do próprio personagem a respeito da veracidade da visão,
momento em que se utiliza o verbo no imperfeito.
No plano do enunciado, constata-se novamente a presença do narrador
eqüisciente, que compactua dos pensamentos de Mestre Severino. Em vez
de utilizar expressões que indicam dúvida, observam-se expressões que
indicam certeza como se pode observar no trecho abaixo, que narra o
momento da visão, em que Mestre Severino, após uma crise do coração,
conduz o barco, enquanto todos dormem, e relembra suas viagens pelo mar,
quando avista o navio fantasma.
E ei-lo que começa a ver à sua direita o navio encantado de D.
Sebastião, com sua inconfundível luz de muitas cores. Por trás do
navio, a praia se espreguiça, toda branca de luar a faixa de areia
rente às águas, a rocha escarpada que as vagas lavam com seu
banho de espuma, as dunas acantiladas fechando o horizonte.
Mestre Severino esquece o vento, as velas e o leme. Sabe que está
entre a vida e a morte, na fronteira do sobrenatural, e não tem medo.
O navio se aproxima da praia, singrando em silêncio. Em volta, uma
calma estranha. Mesmo as ondas que se levantam à frente da quilha
da proa, querendo saltar sobre o Bonança, sobem sem rumor e sem
rumor se desfazem, e o barco prossegue na sua rota, bem perto
agora do navio encantado, tão perto que Mestre Severino vê no
convés um cavalo e um cavaleiro.
É o rei! exclama de cabelos eriçados, imóvel, os olhos
exorbitados.
E ele vê realmente D. Sebastião no seu cavalo branco. Antes que o
espanto do velho se atenue, o ginete salta do convés para a praia,
130
num único impulso, e agora lá vai, lepte, lepte, no mesmo galope
garboso, pela faixa de areia limpa que parece não ter fim. A luz do
luar bate em seus arreios de ouro e prata, cintilando à maneira de um
halo. Cavalo e cavaleiro se completam na configuração de um
centauro. E já vão longe, muito longe, quase apagados na distância.
Antes que desapareçam, o cavaleiro torce a rédea, e o cavalo começa
a voltar, sempre a faiscar ouro e prata, e no mesmo galope.
(MONTELLO, 1981, p.195).
O narrador não se distancia o suficiente para que se possa resolver a
ambigüidade sonho/realidade apenas transmite o que Mestre Severino vê e
sente e não põe em dúvida tal visão, que é questionada apenas pelo próprio
protagonista.
A utilização da expressão “ele vê realmente” conduz a uma explicação
sobrenatural do fato, ao passo que o questionamento de Mestre Severino
conduz a uma explicação racional: “Teria visto mesmo o navio do Rei. Ou
havia sido um simples sonho?” (MONTELLO, 1981, p.196). Desse modo, fica
estabelecida a incerteza quanto às percepções de Mestre Severino.
Como a narrativa de Cais da Sagração apóia-se na realidade, no
cotidiano maranhense, a aparição do navio de D. Sebastião rompe
abruptamente com o real.
Observa-se que Mestre Severino, no momento da aparição encontra-se
no mar, no meio da noite, só, pois todos no barco dormem. A solidão no
mar calmo, à noite propicia o ambiente ideal para a aparição. O mar e a
noite são, respectivamente, no romance, o local e o momento de transição
que separam o mundo real do sobrenatural. “No barco, agora, dormiam
todos. Só ele, Mestre Severino, permanecia desperto na vigilância do leme e
das velas”. (MONTELLO, 1981, p.191).
Apesar da utilização de recursos da narrativa fantástica, o texto remete
ao épico. No folclore maranhense, o navio encantado do Rei D. Sebastião
aparece nas noites de quinta-feira, nos meses de junho e julho, próximo à
praia dos Lençóis. Para os barqueiros, as aparições do navio de D. Sebastião
são consideradas verdadeiras, e avistá-lo, apesar de ser algo considerado
131
natural, não é bom sinal; muitas vezes, a aparição é um anúncio de morte. O
navio encantado faz parte da realidade dos barqueiros do litoral maranhense,
assim como a aparição de deuses, por exemplo, faz parte da realidade épica.
No romance, a aparição ocorre na hora e no local costumeiros;
entretanto, o mês é agosto, o que faz com que o protagonista mais uma vez
a questione.
Não, não pode ter sido sonho replica o velho contraindo as
sobrancelhas Mas, por outro lado, como pode ter sido uma visão,
se o navio encantado aparece pelo mês de junho, nas noites de
quinta-feira, e estamos em agosto? (MONTELLO, 1981, p.196).
É importante observar o fato de o personagem questionar apenas a
aparição fantasmagórica no mês de agosto, mas não o fenômeno em si, o
que confirma o parentesco épico, visto que, em tal gênero, isso faz parte do
acordo, é verossímel.
Entretanto não se tem a garantia de veracidade do narrador, mesmo
porque tal garantia tiraria a ambigüidade, elemento importante da narração,
pois não se pode esquecer que, embora remeta à epopéia, trata-se de uma
narrativa moderna e que os recursos da narrativa fantástica funcionam aqui
como ferramentas para trazer o sobrenatural para o romance.
Segundo Vax (1965), o fantasma por si só nada significa, é o contexto
que lhe dá a forma. Por não haver, no fantástico, distância entre o mundo
interior e o exterior, visto que pela sua própria organização tal distância se
apaga, o “fantasma externo” corresponde ao próprio medo que ele inspira.
A partir de tais observações, pode-se considerar que o fantasma de D.
Sebastião está intimamente ligado à preocupação de Mestre Severino com
relação à sua morte, ou seja, ao seu fantasma interior. Pode-se dizer que o
fantasma da morte o acompanha durante toda a narrativa.
A visão do navio de D. Sebastião sugere a proximidade da morte de
mestre Severino. Durante os quarenta e dois anos como barqueiro, apesar
de muito ouvir a respeito da aparição do navio, ele nunca o avistara,
132
entretanto agora que sabe que seu fim está próximo, ocorre a visão: “Mestre
Severino esquece o vento, as velas e o leme. Sabe que está entre a vida e a
morte, na fronteira do sobrenatural, e não tem medo.” (MONTELLO 1981, p.
195).
A presença próxima da morte de Mestre Severino é também sugerida
quando este se lembra de que não é de bom agouro avistar o tal navio.
Como todos os barqueiros, nos muitos caminhos nas águas do
Maranhão, Mestre Severino sabe que não é de bom agoiro avistar o
navio do Rei. E logo se lembra de que, ainda menino, via nas ruas da
cidade o pobre do Chico Nolasco, preto, a cabeça branca, tocando o
seu berimbau chorado no Largo da Matriz, e que havia ficado leso da
noite para o dia, de volta de uma viagem a São Luís, exatamente por
ter visto, sob o luar de junho, ao passar pela praia dos Lençóis, o
navio de D. Sebastião. (MONTELLO, 1981, p. 196).
As aparições de Vanju também colocam no romance o sobrenatural em
contato com o mundo real. Algumas vezes Mestre Severino a vê, outras
sente-lhe o cheiro ou a presença.
Lembrava-se bem de que, uma noite, na sua cela tinha tido outra
visão estranha, ao dar com a Vanju parada à sua frente, no mesmo
vestido em que fora enterrada. Mal refeito da surpresa, firmou o
olhar, sentado na rede, mas não chegou a levantar-se, pois a visão de
pronto se desfez, como que apagada pela claridade do dia que vinha
apontando no vão da janela. Sonho? Visão real? A verdade é que, não
obstante o tempo transcorrido, tudo ainda estava nítido na sua
memória a figura, a cor do vestido, a meia luz circundante.
Como raramente sonhava, a visão o intrigara ainda mais. (Montello,
1981, p. 197).
Independentemente de ver ou não a mulher amada, o barqueiro
continua a conversar com ela, falando-lhe sobre seus pensamentos,
contando-lhe notícias da família, quando vai ao cemitério, como se esta
pudesse ouvir-lhe mesmo depois de morta.
133
Nas sociedades primitivas, a morte constituía um rito de passagem e
não o fim, era a transição entre o mundo real e o sobrenatural. A ligação
com o mundo dos mortos era algo familiar.
Para o homem moderno, de modo geral, essa ligação não é tão
familiar, a visão de um fantasma pode romper com aquilo que se considera
natural. Assim os temas da morte e dos fantasmas estão estreitamente
ligados à concepção que se tem do mundo e do homem. As aparições são
consideradas fantásticas somente a partir do momento em que não são
consideradas como algo natural, em que rompem com o que se considera o
real, o lógico. Apesar de toda a ambientação de cunho realista do romance, e
da irrupção do sobrenatural, não se pode considerá-lo fantástico, pois as
aparições não rompem totalmente com o que se considera lógico no mundo
dos personagens, visto que lendas e aparições de fantasmas fazem parte da
crença da população do litoral maranhense. O que ocorre em Cais da
Sagração é a apropriação de elementos da narrativa fantástica para dar
passagem ao sobrenatural.
Percebe-se, então, que Montello, ao apropriar-se dessas lendas e
crenças e inseri-las em seu romance utilizando-se de algumas ferramentas
da narrativa fantástica, reforça os laços entre a narrativa oral e a escrita e
demonstra toda a maleabilidade do romance. O aparecimento de fantasmas
como o de D. Sebastião ou de Vanju, por ser “natural”, no mundo do
protagonista, pode ser comparado ao dos seres mitológicos ou dos mortos
que povoam a epopéia clássica.
Além do contato entre o mundo natural e o sobrenatural, também
corrobora para o tom épico do romance a caracterização dos personagens,
ambos descendentes de uma dinastia de varões. Enquanto a força, coragem
e determinação de Mestre Severino caracterizam seu perfil heróico,
altamente idealizado, representativo de uma coletividade os barqueiros do
litoral maranhense , as provas propiciatórias de Pedro farão com que
ascenda à categoria de herói ao final do romance.
134
Ao apropriar-se das lendas, crenças e costumes da população litorânea
do Maranhão e idealizar um pescador pobre e rude como herói desse
romance épico-talássico, Montello resgata elementos importantes da
identidade cultural de uma sociedade e faz com que Cais da Sagração figure
como mais um epos da epopéia maranhense.
6 OS TAMBORES DE SÃO LUÍS: A EPOPÉIA NEGRA
Não quero ser levado apenas por minha fluência, no transe
da escrita vertiginosa; trato de seguir devagar, dominando-
me, e com isto a narrativa se ajusta ao tom épico que eu lhe
quis insuflar, desde o seus primeiros capítulos. (MONTELLO,
1998, p. 1289).
Retomando as idéias de Paul Ricoeur (1997), acontecimentos
negativos marcantes em uma comunidade, chamados pelo autor de
Tremendum horrendum, cuja causa merece ser defendida, reforçam a
consciência de identidade. Nessa memória do horrível, a ficção tem o
papel de expressar o poder que o horror, bem como a admiração,
exercem na consciência histórica de uma comunidade.
O horror isola o acontecimento, ao torná-lo incomparável e
único. Ricoeur (1997) associa-o à admiração na medida em que o
considera uma admiração invertida e, nesse sentido, poder-se-ia falar
no Holocausto como uma revelação negativa, como de um anti-Sinai.
O mesmo pode se dizer do período de escravidão no Brasil retratado
em Os tambores de São Luís. Pode-se rememorá-lo por meio da
história que o vincula a outros fatos de modo objetivo, ou por meio
da ficção que isola o horror e o individualiza.
Para Ricoeur (1997), a ficção tem o poder de representar o
horrível ou o admirável, criando-se uma ilusão de presença, mas
controlada pelo distanciamento crítico.
Ao fundir-se com a história, a ficção a reduz à sua origem
comum na epopéia, pois a lenda das vítimas faz, na dimensão do
horrível, o que a epopéia fizera na do admirável. Essa epopéia
negativa preserva a memória do sofrimento dos povos do mesmo
modo que a epopéia clássica e a história, em seus primórdios,
imortalizaram a glória efêmera de seus heróis. Tanto na individuação
do admirável quanto do horrível a ficção se põe a serviço do
inesquecível.
136
Os tambores de São Luís retrata um período de horror da
história do Brasil, que não pode ser esquecido. É a memória do
protagonista, Damião, que trará de volta tais acontecimentos,
fazendo ressurgir mais de setenta anos de história de escravidão no
país.
Em Os tambores de São Luís, a questão da inclusão da história
no romance é fundamental para a própria constituição do herói, ou
seja, a história é incorporada à própria dimensão e constituição da
narrativa, ultrapassando e problematizando, assim, a dicotomia
história/ficção.
Do ponto de vista meramente conteudístico, o protagonista do
romance de Montello, Damião, concentra em si características de um
povo escravizado, no início da formação da cultura brasileira, numa
narrativa lenta repleta de digressões, o que dá o tom épico ao
romance. Ao mesmo tempo, a narrativa conserva características
romanescas, ao propor o confronto entre indivíduo e sociedade, o que
seria impossível ao herói da epopéia. Por isso será necessário que se
estabeleça um elo entre as perspectivas épica e romanesca,
investigando-se as aproximações e distanciamentos entre uma e
outra e a possibilidade da presença de ambas na constituição da
obra, a partir da relação entre a trajetória individual do protagonista
e a trajetória do tempo histórico.
Com base nesses pressupostos é possível considerar o romance
de Montello como herdeiro da epopéia, como um texto que se
constrói a partir do épico, sem, no entanto, perder suas
características de romance.
6.1 O ÉPICO E O ROMANESCO
Os tambores de São Luís exalta o negro como importante
elemento de formação do povo brasileiro. Nesse romance o
protagonista negro, com certo grau de idealização, concentrará em si
137
os sofrimentos e anseios de um povo escravizado, ganhará voz para
protestar contra as injustiças cometidas com seu povo e terá acesso
ao saber, coisas que foram negadas por muito tempo a essa parcela
da população.
Montello, assim como os poetas épicos, apropria-se da matéria
histórica e dos mitos e tradições populares do Maranhão, recriando-os
no romance.
O romance Os tambores de São Luís retrata um período
importante da história do povo brasileiro, apresentando o negro como
elemento que trabalhou e contribuiu para a formação e o
desenvolvimento da sociedade. O heroísmo desse povo não está na
luta armada, mas sim no fato de ter sobrevivido a tanta opressão e
ter deixado sua marca na cultura brasileira. O herói do romance não
é um Ulisses ou um Aquiles, mas um negro que luta por meio da
inteligência e do esforço, por sua liberdade e pela de seu povo.
Assim como na Eneida o herói é o próprio povo romano, com
sua história e seu destino de elemento civilizador do Mundo Antigo,
em Os tambores de São Luís, o herói é o negro, representado pela
figura de Damião.
Ao comparar o herói do romance ao herói épico, Lukács (1999)
observa que esse último nunca é rigorosamente um indivíduo. O fato
de seu objeto nunca ser representado por um destino individual, mas
pelo destino de uma coletividade, sempre foi considerado um caráter
essencial da epopéia. Isto decorre do caráter orgânico do sistema de
valores que determina o universo épico, o qual impede que uma
parte possa isolar-se, a fim de se descobrir como interioridade. A
onipotência da ética, que coloca cada alma como uma única
realidade, é estranha a este mundo; aqui a estrutura e a fisionomia
individual decorrem do equilíbrio de recíproca dependência entre as
partes e o todo, não da reflexão polêmica sobre si mesma da
personalidade isolada e perdida. Por isso, o sentido que um
acontecimento adquire nesse mundo fechado está sempre
138
relacionado à importância que esse fato tem para o bem e o mal de
um povo, de uma raça.
Observando a construção do personagem Damião, nota-se que
este em muito se assemelha ao herói épico. Ele representa todo seu
povo na luta pela liberdade. Mesmo livre, não pode ser feliz enquanto
seu povo não o for. Entretanto Damião apresenta-se como um
indivíduo também, e é por meio de seu psiquismo que o contexto
social será apresentado, o que deixa clara sua constituição
romanesca.
Observa-se no texto a grande admiração que Damião tem pelo
pai, Julião, herói do filho e dos companheiros, como Ganga Zumba o
fora para Zumbi dos Palmares.
A ligação de Damião com o pai continua mesmo após a morte
deste, pois é o sangue paterno que corre em suas veias e o faz sentir
a necessidade de seguir o legado de Julião como líder dos negros.
Essa é a herança de Damião e, em diversas situações, quando
fraquejar, ele será lembrado de sua ascendência e de sua missão
como filho de Julião. Esse forte vínculo com o pai e também com os
demais membros de sua família evidenciam a importância dos
vínculos de sangue, dos laços familiares na trajetória do protagonista,
elementos esses próprios da saga. Já a preocupação de Damião com
seu povo, independentemente dos vínculos familiares, e sua
representatividade como herói coletivo lhe conferem traços épicos.
Entretanto, o conflito entre a vida privada, familiar, de Damião
e sua missão de lutar pelos negros e, entre ele, como indivíduo, e a
sociedade em que vive são típicos do personagem de romance. Por
isso, o protagonista de Os tambores de São Luís, é um personagem
complexo que alia traços dos membros dos clãs familiares das sagas,
dos heróis coletivos épicos, ao mesmo tempo em que se constitui
num personagem de romance, em conflito consigo mesmo e com a
sociedade.
139
A identificação com o pai e com sua luta pela libertação dos
escravos contribuíram para a formação da personalidade de Damião,
que desde menino, começa a demonstrar o caráter heróico. A
inteligência e físico privilegiados, a memória prodigiosa e a origem
nobre, com fortes traços de idealização, fazem dele um ser dotado de
qualidades excepcionais. Aos oito anos, surpreende a todos com sua
inteligência; com o passar do tempo, já um rapaz, adquire, por
intermédio do pai, a consciência de seu valor na luta contra a
discriminação de seu povo.
E como o espelho o apanhava mais de lado que de frente,
destacava-lhe a orelha pequena, o pescoço rijo [...] e a pele
muito negra, de um negro tirado a fosco, confirmativa da
estirpe superior de sua raça africana - raça de guerreiros
insubmissos, muito ciosos de sua agilidade e de sua força, só
por traição jogados um dia no porão de um navio guerreiro,
a caminho do exílio e da escravidão. (MONTELLO, 1985,
p.156).
Já homem feito, morando em São Luís, por vezes Damião
desanima em sua luta pelos seus, sente-se impotente diante do
sistema, entretanto recupera suas forças e lembra-se de que tem
uma missão a cumprir, ao evocar a imagem do pai e os
antepassados, por meio do baticum dos tambores da Casa das Minas.
Como se os deuses de sua raça o inspirassem, sentia que o
ânimo da rebeldia lhe voltava e que uma força estranha o
dominava e sacudia, impelindo-o para frente, num assomo
de fúria irreprimível. Chegou a levantar-se, e tornou a
sentar, redobrando de energia. E já sentado, com os punhos
crispados sobre os joelhos, fixou-se na figura de seu pai, que
voltava a mergulhar nas águas do rio, por entre os estrondos
dos tiros das espingardas, enquanto o barro da correnteza se
avermelhava, toldado de sangue __ por baixo da cajazeira
sagrada, no terreiro pontilhado pela chama das velas.
(MONTELLO, 1985, p. 264).
O processo de formação de Damião remete ao arquétipo da
passagem do herói por provas propiciatórias.
140
Entretanto, durante esse processo, nota-se também sua luta
interior, seus desejos, paixões, sucessos e fracassos. No final, pode-
se observar Damião mais centrado em si mesmo. Ocorre aqui o
mesmo observado por Benjamin, em Berlin Alexanderplatz, quando
afirma que Franz Biberkopf, no final do romance, perde os contornos
épicos e "ascende, em vida, ao céu dos personagens romanescos"
(BENJAMIN, 1985, p.60).
Percebe-se, assim, que o protagonista apresenta tanto
características realistas quanto idealizadas que, ao mesmo tempo, lhe
conferem traços épicos e romanescos. De acordo com D'Onófrio
(1981), os protagonistas dos poemas épicos são seres excepcionais,
acima da média humana quanto aos dotes intelectuais, nobreza de
nascimento, valor guerreiro, virtudes, beleza física, virtudes morais
ou sentimento religioso, são personificações arquetípicas da
imaginação humana. Tal característica tem se manifestado "na
literatura de ficção de outras épocas quando uma parcela da
humanidade vive sob o íncubo de uma ameaça". (D’ONÓFRIO, 1981,
p. 15).
No caso da obra de Montello, não há iminência de uma ameaça
a uma parcela da humanidade, mas sim um total desrespeito,
exploração e violência contra um povo retirado de sua terra e
escravizado. A esse povo é dado um herói que domina a leitura e
escrita, o que, segundo Montello, teria faltado ao negro no Brasil para
lutar pela liberdade. Entretanto esse herói é também romanesco e
apresenta qualificativos que perfazem o tipo lucaksiano, e, portanto,
não chegará a grandes feitos como os da epopéia clássica, mas terá
possibilidade de se opor à sociedade em que vive, atitude impossível
ao herói da epopéia.
Para Lukács (1965), o herói do romance histórico é um herói
mediano, ou um tipo, “typus”, que alia traços individuais com a
dinâmica social; suas decisões são tomadas em virtude da dinâmica
histórica. É nascido do povo, em meio às contradições da sociedade
141
em que vive e não tem atuação de destaque nessa sociedade. O tipo
não se submete passivamente à situação dominante, possui clareza
de princípios acima da média e encarna, em sua fisionomia e
conduta, forças sociais coletivas.
A trajetória desse herói épico/romanesco em Os tambores de
São Luís, é orientada por um narrador de terceira pessoa, assim
como o é o da epopéia, "depositário do conhecimento dos fatos
gloriosos que estão nas origens de uma nacionalidade e dos mitos
que o povo criou sobre esses acontecimentos" (D'ONOFRIO, 1981,
p.13). A narrativa resgata o valor do negro na formação da cultura
brasileira e sua contribuição para o desenvolvimento do país, na
medida em que reconhece seu trabalho e seu sofrimento.
Apesar de expressar-se por um ponto de vista objetivo, do
mesmo modo que o narrador da epopéia, não transmitindo suas
opiniões, mas dando voz aos personagens para que o façam, o
narrador do romance em questão acaba por se distanciar do épico, ao
apresentar uma crítica aos valores da sociedade da época, o que
jamais seria possível à epopéia.
6.2 NARRADOR, TEMPO E MEMÓRIA
Em Os tambores de São Luís, assim como nos demais romances
da epopéia maranhense, o narrador eqüisciente acompanha o
protagonista como se estivesse lendo sua mente, e, nesses
momentos, narra os fatos conforme Damião os vivenciou ou como se
lembra deles.
De repente numa reação impulsiva de seu brio, Damião
voltou a fixar o pensamento na miséria de sua condição. Por
que era escravo? E por que também eram escravos os
negros que enchiam a capela? Agora ali estava o Bispo, como
um emissário de Deus. Deus estaria de acordo com aquela
distinção? Uns livres, outros escravos, uns sentados, outros
de pé? No entanto, ali na fazenda, os brancos constituíam a
142
minoria privilegiada, que oprimia a multidão de negros, sem
lhes dar direito a nada, nem mesmo ao banco vazio da
capela. E os negros eram a maioria e a força, o vigor e o
trabalho. Não seria o caso de perguntar ao Bispo o que fazia
Deus que não tirava os pretos do cativeiro? Ou o Deus era
dos brancos e não dos negros? (MONTELLO, 1985, p.90).
Entretanto, em alguns momentos, se afasta dos pensamentos
do protagonista, para, então, narrar episódios históricos, adquirindo
certa onisciência e acessando a memória coletiva. Assim, na narrativa
ficcional, ele acompanha o protagonista e, ao se distanciar da ficção,
ele cria certa autonomia, assumindo a posição de cronista ou
historiador, demonstrando um conhecimento que vai além do dos
personagens, em longas e numerosas digressões, contando fatos que
não têm influência direta no desenrolar da trama, mas que fazem
parte da história e da cultura maranhense.
Embora nos demais romances também ocorram digressões, é
em Os tambores de São Luís que esse recurso será utilizado mais
sistematicamente. O narrador comandando as digressões garantirá a
verossimilhança, o que é importante na representação da memória
no relato. Isso inclui as descrições sobre a sociedade, seus
mecanismos e sobre como vivem as pessoas de diferentes classes.
O narrador, acompanhado das vozes dos demais personagens,
comporá o cenário e apresentará, sob pontos de vista diversos,
algumas questões históricas e políticas implicadas na narrativa,
levando o leitor a participar, tomar partido e conhecimento de tais
questões. Assim, a digressão, além de dar um tom épico à narrativa,
reforça a orientação histórica da narrativa e o papel desta no
estabelecimento da identidade maranhense.
Segue abaixo um trecho em que o narrador se afasta da trama
para contar a história dos bispos de São Luís.
De todos os prelados turbulentos com que contou o
Maranhão, nenhum se compara a Dom Antônio de São José,
tanto pelo motivo de seu litígio quanto pelos poderes de seu
contendor. Dom Antônio brigou com o sobrinho dileto do
Marquês de Pombal, Joaquim de Melo e Póvoa, o todo-
143
poderoso Governador da Capitania, e apenas por isto: uma
multa de duas libras de cera, imposta a certo soldado que
deixara de confessar-se. O soldado estava doente no dia da
confissão, alegou Melo e Póvoa; mas o Bispo era teimoso, e
não abriu mão da cera. (MONTELLO, 1985, P.61).
Na narrativa épica, os núcleos principais ou episódios são
separados por longas digressões que, segundo D'Onofrio (1981),
funcionam como catálises. Segundo o autor, o poeta épico não tem a
preocupação de atingir um fim,
mas se delonga na descrição de episódios, de caracteres, de
pormenores, volta e meia interrompendo o fio da trama dos
acontecimentos para narrar a origem de objetos, estabelecer
parentescos entre personagens, retratar cenas familiares,
falar da confecção de armas de guerra etc. (D'ONOFRIO,
1981, p.14).
Esse procedimento narrativo é também observado em Os
tambores de São Luís. O narrador, acompanhando os passos, o olhar
e as lembranças do protagonista, descreve a arquitetura de São Luís,
a história da cidade, delonga-se na narrativa de acontecimentos
históricos ou lendários que fogem ao fio da narrativa, diminuindo a
velocidade da narração, sem pressa de chegar ao fim.
Como a poesia épica primitiva foi elaborada para ser recitada
perante um auditório, os episódios que a compunham tinham que ter
certa autonomia, pois era impossível ao rapsodo declamar o poema
todo de uma única vez. Assim, o nexo que une esses episódios é
bastante frouxo, tem-se a impressão de que cada núcleo narrativo é
independente do contexto, pois pode ser compreendido isoladamente.
No romance de Montello, no primeiro plano narrativo, conforme
Damião caminha pela cidade, o narrador vai descrevendo, durante o
percurso, as praças, ruas, casas, com riqueza de detalhes. No
segundo plano narrativo, que progride numa seqüência temporal, são
apresentadas as etapas percorridas pelo protagonista em sua
trajetória de formação, da juventude à idade madura. Entretanto, nas
144
longas digressões que permeiam o texto, o narrador acessa a
memória coletiva maranhense apresentando episódios isolados,
independentes da seqüência narrativa, em sua maioria pertencentes
ao imaginário popular ou à história do Maranhão, que, muitas vezes,
não têm influência no desenrolar da trama, mas têm sua importância
na construção da identidade maranhense. Assim, as lendas em torno
de Donana Jansen, o caso da Baronesa de Grajaú, as histórias
envolvendo os bispos de São Luís, o Governador Geral e outras
personalidades da época, os acontecimentos ligados à Abolição, e à
Proclamação da República são episódios que vão sendo, lentamente,
costurados ao romance, dando um caráter épico à composição do
enredo. Segundo D'Onófrio (1981, p.15),
Para o poeta épico, que surge na infância da cultura de uma
nação, tudo é importante. Como uma criança, ou um turista,
ele observa e admira cada aspecto da vida que está ao seu
redor. Demora-se na contemplação da realidade
circunstante, na descrição do feitio dos objetos, na narração
de histórias que ouviu contar, na evocação das crenças nos
mitos religiosos de seu povo, na exaltação dos heróis
lendários, 'na análise de sentimentos e paixões.
Auerbach (1998) ilustra esse procedimento na Odisséia com o
episódio da cicatriz de Ulisses. O episódio interrompe-se, no
momento em que Euricléia, ao banhar os pés de Ulisses, reconhece a
cicatriz; passa-se, então, a descrever sua origem, numa narração
uniforme, sem mudança temporal. A seguir o narrador retoma a cena
do banho, e, só depois de esclarecido o surgimento da cicatriz é que
a serva deixa cair o pé de Ulisses.
Segundo Auerbach (1998), essas digressões, elementos
retardadores da poesia homérica, não têm a função de aumentar a
tensão, pois nela esse elemento é muito sutil, a verdadeira causa da
impressão de retardamento da narrativa reside na necessidade do
estilo homérico de deixar tudo o que é mencionado muito bem
explicado ou acabado. São vários os trechos em que, introduzida
145
nova personagem, coisa ou apetrecho na narrativa, estes são
descritos minuciosamente quanto à origem ou espécie. Mesmo o
aparecimento de um deus é acompanhado do relato sobre onde
esteve anteriormente, o que fez e por que caminho chegou. Também
os processos psicológicos são totalmente expressos pelas
personagens em seus discursos com os outros ou consigo mesmas.
Entretanto, tudo ocorre num primeiro plano, sempre no presente,
independentemente do avançar e retroceder da narrativa.
[...] um tal processo subjetivo-perspectivista, que cria um
primeiro e um segundo planos, de modo que o presente se
abra na direção das profundezas do passado, é totalmente
estranho ao estilo homérico; ele só conhece o primeiro plano,
só um presente uniformemente iluminado, uniformemente
objetivo. (AUERBACH, 1998, p. 5).
No romance há a presença de dois planos narrativos, o
presente e o passado, este último trazido à tona pelo narrador por
meio das lembranças do protagonista ou da memória coletiva. O
trecho abaixo evidencia um procedimento utilizado por Damião para a
evocação da memória, ao mesmo tempo em que, ao fazer referência
ao poema de Virgílio, alude ao tom épico do romance.
O tempo, por si mesmo, apaga muita coisa que ficou para
trás. Sobre certos estirões do caminho percorrido, as
sombras se adensam, e é debalde que Damião tenta iluminá-
los, de sobrancelhas travadas, os olhos no ar.
Freqüentemente, para que certas lembranças ganhem nitidez
na sua consciência, ele recorre a um fato acessório, que tem
o dom de avivar-lhe as reminiscências esmaecidas. Noutras
ocasiões, nem assim o caminho se clareia. E é então que ele
se põe a recitar, verso a verso, sem uma falha, os cantos da
Eneida, como se estivesse com o poema diante dos olhos,
para ter certeza de que a idade não lhe enfraquecera a
memória. (MONTELLO, 1985, p. 359).
Assim, é significativa, no romance, a memória excepcional de
Damião, por este ter vivenciado um período importante da história, o
que torna possível que, apesar da distância temporal, o passado
histórico seja narrado com tanta precisão.
146
A importância dada à memória na epopéia maranhense de
Montello pode ser observada até mesmo nos elementos paratextuais.
Nos prefácios, ou pósfácio, no caso de Os tambores de São Luís, o
autor escreve sobre o processo de criação dos romances, no qual a
memória ou a nostalgia da terra natal está sempre presente.
Crítico literário, professor de literatura e escritor, Josué
Montello, mantém o hábito de escrever sobre o ofício de romancista e
o processo de criação de suas obras, inicialmente, nos prefácios ou
posfácios de seus romances e, em seguida, em seus diários
Em Os tambores de São Luís, em vez do prefácio, como nas
obras anteriormente analisadas, Montello faz num posfácio, intitulado
História deste livro, no qual comenta sobre as pesquisas realizadas
para a confecção do romance e sobre a influência das lembranças de
imagens e sons do passado guardados na memória no processo de
criação.
Quando pensei em voltar ao romance, retornando aos
horizontes visuais de minha terra natal [...], o que primeiro
me aflorou à consciência, inspirando-lhe a germinação
misteriosa, foi o ruído dos tambores da Casa das Minas, que
ouvi em São Luís, na minha infância e juventude.
(MONTELLO, 1985, p. 613).
A preocupação com as referências no posfácio contribuem
para a questão da autoridade da narrativa, reforçando o
cunho histórico do romance, visto serem citadas as fontes de
pesquisa, as datas de início e término do romance e as
circunstâncias em que foi escrito.
Embora o romance se coloque, não no plano do documento,
mas no da criação, poder-se-á estabelecer a concordância
das duas vertentes, desde que ambas se confundam na
harmonia da realidade romanesca. Daí eu ter andado a
buscar outros testemunhos no vasto espaço histórico
abrangido pela narrativa. Pude contar, para isso, com a
colaboração de vários amigos maranhenses, que me deram,
na hora adequada, o subsídio necessário; [...]. (MONTELLO,
1985, p. 615).
O romance de Montello inicia-se quando Damião, já velho
atravessa a cidade com suas lembranças em uma noite de 1915. O
147
início in media res, herança da epopéia, deixa claro ao leitor que
Damião sobreviverá a todas as provas por que passará.
O segundo plano narrativo de Os tambores de São Luís segue
as lembranças de Damião, assim, ao acompanhá-lo, o narrador
apresenta os fatos como o protagonista os vivenciou ou como se
lembra deles.
A chegada de Damião ao destino coincide com o final das
lembranças. Nesse momento, os dois planos narrativos se encontram
e, a partir de então, a narrativa prossegue no presente até o
desfecho. Esse estado de perfeita coincidência entre o discurso e a
história, seria, segundo Nunes (2002), uma espécie de grau zero da
narrativa.
Dessa maneira, a estratégia temporal de Os tambores de São
Luís conjuga exemplarmente recursos tanto da epopéia quanto do
romance. Tanto a coexistência de memória e rememoração, para
usarmos os termos de Walter Benjamin, quanto a existência de dois
planos temporais narrativos concorrem para confirmar a hipótese da
existência de epicidade no romance. Se se considerar, assim como
Fehér (1972), que na epopéia o curso do tempo é apenas um meio de
os personagens cumprirem os passos determinados pelo destino, ao
contrário do romance em que o tempo é fundamental como
transformador do homem, observar-se-á a presença simultânea de
ambas as dimensões, a épica e a romanesca, uma vez que a
trajetória individual (e de transformação) do protagonista Damião
caminha paralela à do destino histórico já estabelecido a partir da
perspectiva que o narrador tem do passado.
Além disso, o mitologismo implícito na passagem do herói por
diversas provas desde a infância até a velhice, as quais teriam, em
certa medida, a função de ritos de passagem acentua o tom épico da
narrativa.
148
6.3 A TRAJETÓRIA DE DAMIÃO
A narrativa do romance de Montello realiza-se a partir da
perspectiva do personagem central, o negro Damião, num tempo
psicológico, enquanto este, aos oitenta anos, percorre as ruas de São
Luís, acompanhado de suas lembranças e do baticum dos tambores
da Casa das Minas, dirigindo-se à casa de sua bisneta, que está para
dar a luz ao seu primeiro trineto.
Paralelamente à trajetória física de Damião, ao atravessar a
cidade, ocorre outra que emerge de sua memória desencadeada
pela visão de dois homens mortos num bar, um negro, outro branco
apresentando a saga do negro no Brasil. Nesse tempo das
lembranças será apresentada a história do protagonista dos oito aos
oitenta anos.
O romance apresenta um enredo em espiral, com avanços e
recuos, de modo a abranger as várias etapas do percurso evolutivo
do personagem. Essas etapas constituem momentos bem delineados
da narrativa, com locação espacial definida e situações que
evidenciam o processo de amadurecimento do personagem, e podem
ser consideradas ciclos de aprendizagem, que se iniciarão na infância
e terminarão na velhice
1
.
Nas páginas finais do romance, o protagonista faz um balanço
da própria vida e sente que, apesar de tanto sofrimento, finalmente
está bem. Esse balanço dá a idéia de que de, algum modo, ele
conseguiu integrar-se ao mundo, mas agora é um outro homem,
pois, nesse processo, ele deixou para trás muito do negro Damião,
filho de Julião.
Apesar de o enredo ter se encaminhado para uma situação final
de equilíbrio, um fato inesperado surge e acaba por restabelecer a
1
Cf. ZANELA, A. A. Da memória de Damião à memória maranhense: Os tambores de
São Luís como romance de formação histórico. Araraquara, 2005. Dissertação (Mestrado em
Estudos Literários) UNESP.
149
tensão e despertar a comoção do leitor: Damião é informado por
Benigna que, durante um assalto, na noite anterior, um negro de
meia idade que viera de Liverpool para visitar o pai em São Luís fora
brutalmente assassinado.
A possibilidade de o negro morto no bar ser o filho de Damião
dá um tom trágico ao final do romance, pois, depois de tanta luta,
tanto sofrimento, Damião, com toda sua nobreza de caráter, não
parece ser merecedor de um sofrimento tão intenso.
Esse final ironicamente trágico mostra que, apesar das
conquistas pessoais de Damião e de alguns avanços nas relações
entre negros e brancos, seu sonho de liberdade e justiça não se
concretizou, pois os problemas sociais não foram resolvidos nem com
a miscigenação nem com a Abolição, pois extrapolam o conflito
branco x negro.
As etapas percorridas por Damião no decorrer de sua formação
assemelham-se aos ritos de passagem do processo de iniciação das
sociedades primitivas, que, assimilados pela narrativa literária,
transformaram-se no arquétipo da passagem do herói por provas
propiciatórias
2
.
Em Os tambores de São Luís, a passagem de Damião por um
processo de iniciação lhe dará acesso, apesar de negro, a um círculo
seleto de intelectuais numa sociedade dominada pelos brancos.
6.4 AS PROVAS INICIÁTICAS
No decorrer de sua formação, Damião passará por provas que
lhe propiciarão conhecimento de si mesmo e do mundo e
amadurecimento emocional e intelectual. Durante essas provas, que
podem ser comparadas a ritos de passagem, terá também as
2
Aqui foi necessária a reprodução de alguns textos de nossa dissertação de
mestrado referentes ao processo iniciático do protagonista de Os tambores de São
Luís.
150
revelações do sagrado, da sexualidade e da morte, não exatamente
na ordem em que ocorrem nos processos iniciáticos primitivos. A
revelação da sexualidade será a primeira e se dará na floresta,
durante sua adolescência. A segunda revelação de Damião está
relacionada ao terror, mas não o terror provocado pelo sagrado —
aqui, a realidade é o tremendum. Para Damião, o real será mais
aterrorizante que o sobrenatural. Em vez de ser levado para a
floresta, onde normalmente começa o processo iniciático nas
sociedades arcaicas, ele é trazido de lá, do quilombo, onde vivia com
a família, para a fazenda, onde conhecerá o pavor, o medo, a tortura
e o sofrimento. Num primeiro momento, não se separará totalmente
da família, mas do pai, que prefere morrer a ser escravizado. Esse
será o seu primeiro contato doloroso com a morte. Para vingar-se da
traição que provocou a morte do pai, Damião mata Samuel, traidor
do quilombo, o que simbolicamente se pode relacionar com o ato
ritual de matar um homem.
De certo modo, Damião também morrerá. Morrerá como
homem livre, perderá a inocência e passará a ver o mundo de outra
maneira. Inicia-se aí a revelação da morte, que marcará todas as
etapas de sua vida. O trecho abaixo exemplifica os momentos de
tortura e sofrimento vividos por Damião.
A pancada caiu-lhe em cheio na palma da outra mão, e ele
estremeceu, reprimindo o grito que lhe quis forçar a boca.
Com dezoito anos feitos, era a primeira vez que apanhava
[...] De modo que, agora, recebendo o castigo imerecido,
juntava à dor o sentimento do ódio, era com esforço que se
mantinha no chão, recebendo as bordoadas. (MONTELLO,
1985, p. 52).
Dr. Lustosa, dono da fazenda, é a própria personificação dos
demônios, mestres da iniciação, os quais, nas sociedades arcaicas,
torturavam o neófito, submetiam-no a numerosas provas e
finalmente os matavam, no sentido simbólico, para que renascessem
de alma regenerada.
151
O terror e o sofrimento enfrentados por Damião na passagem
pela cafua retomam o simbolismo da cabana iniciática ou o
simbolismo das trevas — também ligado ao simbolismo da morte —
em que o iniciado é engolido por um monstro. Isolado, sem água
nem comida, num jejum prolongado, e na escuridão completa, fica
dias tomado pelo pavor, pela impotência, pela sede e pela fome.
Depois disso, é de lá retirado e açoitado pelo senhor e para lá retorna
todo ensangüentado, quase morto de tanto apanhar. A mutilação,
representada pela castração, só não ocorre devido à morte de Dr.
Lustosa.
Da cafua, Damião parte para o seminário, onde haverá a
revelação do sagrado, por meio da religião dos brancos. Terá que
participar dos rituais cristãos, por meio das trezentas e sessenta
missas que ajudará a rezar pela alma de Dr. Lustosa. Entretanto a
grande importância desse período está na revelação de uma nova
linguagem, a erudita, por meio do latim, que lhe permitirá o acesso
ao mundo seleto dos iniciados nas letras, visto que a religião cristã
pouco marcou a vida de Damião. A verdadeira revelação do sagrado
se dará, posteriormente, na Casa das Minas.
Se na fazenda as torturas eram físicas, no seminário serão
psicológicas, representadas pelo racismo, humilhação e preconceito.
Além disso, a abstinência sexual no seminário é para Damião um tipo
de prova na qual fracassa.
Tais sofrimentos provocados têm também um significado
iniciático na sociedade tradicional. O significado ritual do sofrimento
está em se crer que a tortura é realizada por seres sobre-humanos e
tem como finalidade a transmutação espiritual da vítima. Para Eliade
(1989a), a tortura também é uma expressão da morte iniciática. Nas
sociedades arcaicas, anteriores ao cristianismo, os demônios eram
considerados os mestres da iniciação. Torturavam, submetiam o
neófito a muitas provas e o matavam simbolicamente para que
pudesse renascer de alma regenerada: “Os sofrimentos tanto físicos
152
quanto psíquicos são comparados às torturas indispensáveis a
qualquer iniciação”. (ELIADE 1989a, p.176).
Nos mais variados contextos e em diferentes níveis, até mesmo
nas vocações místicas individuais, encontra-se o esquema iniciático
que compreende provas, torturas, morte ritual e ressurreição
simbólica. Esse mesmo esquema é encontrado nas iniciações às
sociedades secretas. Observa-se que, no contexto geral da iniciação
de Damião, não só para torná-lo homem livre, mas também membro
respeitado da sociedade, o seminário representa um grupo restrito do
qual Damião chega fazer parte por um tempo. Poder-se-ia comparar
a passagem pelo seminário ao período das iniciações às sociedades
secretas.
O ritual de morte e ressurreição também é vivenciado no
seminário com a passagem da ignorância para o saber acadêmico.
Morre o Damião ignorante, nasce um Damião culto.
Posteriormente, a mudança na aparência figurativizará a
entrada para o mundo dos brancos. Damião passa a vestir-se como
um intelectual, chapéu, bengala, óculos, livro debaixo do braço —
outra vez o simbolismo da morte e ressurreição. Ele não se comporta
mais como negro, pertence ao mundo dos brancos. Entretanto, em
dado momento, terá que se reencontrar com sua origem e resolver o
conflito de ser um negro vivendo como branco, no mundo dos
brancos.
O grupo ou sociedade ao qual Damião irá pertencer e no qual
terá a revelação do sagrado será a Casa das Minas. Na Casa das
Minas, reuniam-se membros da nação africana Minas Jêjê.
Damião, por meio dos sons dos tambores, reencontrará suas origens.
153
6.4.1 OS TAMBORES
Para Chevalier & Gheerbrant (1982), o tambor é a própria voz
das forças protetoras. Usado nas iniciações, ele marca os ritos de
passagem que conduzem o homem à segurança, tornando-o mais
feliz, forte e próximo das forças celestes.
Nas cerimônias religiosas da Casa das Minas, os tambores
também aparecem como elementos mágicos, cujo som leva ao
êxtase. O som dos tambores representa dois mundos: um superior e
alegre, onde ocorre a reintegração à ancestralidade, e outro inferior,
o da escravidão, das lutas e sofrimentos dos negros. Os trechos
abaixo apresentam os sons dos tambores em dois momentos
diferentes da narrativa: o primeiro retratando as sensações de
Damião de retorno às origens na Casa das Minas e o segundo, o
sofrimento pela morte brutal de Genoveva Pia.
O certo é que, ouvindo bater os tambores rituais, como que
se reintegrava no mundo mágico de sua progênie africana,
enquanto se lhe alastrava pela consciência uma sensação
nova de paz, que mergulhava na mais profunda essência de
seu ser. Dali saía misteriosamente apaziguado, e era mais
leve seu corpo e mais suave o seu dia, qual se voltasse a lhe
ser propício o vodum que acompanha na Terra os passos de
cada negro. (MONTELLO, 1985, p.12).
Ao primeiro bater do tambor de choro, já com a claridade do
dia atenuando na varanda da Casa-Grande das Minas as
últimas sombras da noite, Damião sentiu que não podia mais
se conter. Cedeu à crise de pranto, curvado para a frente, no
comprido banco de pau, em frente ao corpo da velha, que as
outras noviches rodeavam vestidas de branco. O bater
soturno dos tambores, acompanhados pelos cantos fúnebres,
deu-lhe uma emoção tão intensa que ele se sentiu um
momento atônito, como desligado do ambiente que o
cercava. (MONTELLO, 1985, p.346).
Durante toda a travessia da cidade, no presente da narrativa,
assim como durante toda a trajetória de Damião da infância à
maturidade, ecoará o som dos tambores, seja no quilombo, na
154
fazenda ou na Casa das Minas em São Luís, sempre acompanhando
os passos de Damião. Esse som é significativo no romance, visto que,
na África, o tambor está estreitamente ligado a todos os
acontecimentos da vida humana. É o eco sonoro da
existência. [...] Instrumento tipicamente africano, o tambor
representa o logos da cultura negra. O som do tambor “traz
em si a voz do homem com o ritmo vital de sua alma, com
todas as voltas de seu destino". (CHEVALIER; GHEERBRANT,
1982, p.862).
O som dos tambores ecoando constantemente pelo romance
simboliza também uma forma de luta contra a escravidão, busca da
identidade, uma forma de o negro se impor no mundo dos brancos:
ele está ali escravizado, mas não é escravo. Os tambores fazem
lembrar que as crenças e valores africanos ainda sobrevivem, que o
negro é persistente e não desistirá da luta, nas palavras de Chevalier
e Gheerbrant (1982, p.861), eles são o “símbolo da arma psicológica
que desfaz internamente toda a resistência do inimigo”.
Além do som dos tambores, também a morte é presença
constante no romance e tem um papel importante na trajetória de
formação de Damião.
6.4.2 A MORTE: rito de passagem
Desde as sociedades primitivas, a morte significa
ultrapassagem de uma condição humana de ignorância. Eliade
(1989a) explica que, nas sociedades arcaicas, o homem, no seu
esforço por vencer a morte, atribuía-lhe tal importância que, com o
tempo, ela deixou de ser uma paragem e passou a ser um rito de
passagem, ou seja, morre-se para algo que não é essencial,
principalmente para a vida profana. Assim, a morte pode ser
considerada como a suprema iniciação. A tríade geração, morte,
155
regeneração representa três momentos de um mesmo mistério, entre
os quais não devem existir hiatos.
A morte, no processo iniciático, é sempre um começo e não um
fim. Em cada mito ou rito, não se encontra a morte iniciática
simplesmente como finalidade, mas como condição de uma passagem
de um modo de existência para outro, uma prova indispensável para
se começar vida nova.
Ao se observar o processo de formação/iniciação de Damião,
não se pode deixar de considerar o papel importante da morte, pois
ela estará presente no sentido literal ou no simbólico nos ritos de
passagem. A morte de outras personagens do romance figurativiza
ou até mesmo provoca as mortes espirituais do protagonista. Por ser
constante no romance, ela será importante recurso da estruturação
da narrativa, ao marcar a finalização de um ciclo e início de outro.
A tríade vida, morte e regeneração marcará toda a narrativa e
estará sempre presente na trajetória do protagonista de Os tambores
de São Luís. A morte dará início às recordações de Damião e também
fechará o romance, após os dois planos narrativos se encontrarem,
quando o enigma do negro morto no bar é desvendado. Assim,
embora o primeiro plano narrativo se abra numa caminhada para a
vida — representada pelo nascimento do trineto —, são as
lembranças de morte que acompanharão a caminhada de Damião e
será a possibilidade de o negro que encontrara morto ser filho que irá
fechar o romance. Por estar sempre associada ao renascimento, a
morte, ao mesmo tempo em que dá uma conotação trágica ao final
do romance, torna-o aberto, pois o processo de formação não
termina, é contínuo, o aprendizado é constante, diferentemente do
que pensava Damião ao imaginar que já cumprira todas as provas de
sua existência:
Ali, antes de começar a leitura, deixou os olhos no ar,
pensativo, com a sensação de que ia fechando
156
harmoniosamente a parábola de seu destino, em paz com
Deus e com os homens. (MONTELLO, 1985, p.610).
A presença recorrente e significativa da morte no romance,
provocando mudanças no curso da narrativa e contribuindo para o
amadurecimento e autonomia de Damião, não passa despercebida.
Ele sabe agora, com a longa experiência de seus oitenta
anos, que a vida é uma coleção de mortos Os nossos mortos.
Os mortos que só nós podemos ressuscitar nas iluminações
de nossa consciência, e que carregamos conosco, sem que
nos pesem, constranjam ou perturbem, até que sobrevenha
para eles a morte definitiva, que é a nossa própria morte.
(MONTELLO, 1985, p.605).
Todos os personagens que exercem alguma influência na
formação de Damião, morrem no decorrer da narrativa: o pai, o
Barão, padre Policarpo, Genoveva Pia e Santinha.
Com a perda dos mentores, ocorrerá com Damião o que corre
com o neófito que, pouco a pouco, descobre, no mistério da iniciação,
as verdadeiras dimensões da existência e vê-se obrigado a assumir a
responsabilidade de homem.
Nota-se, no romance de Montello, o mesmo observado por
Duarte (1994, p.102) sobre o papel da morte, em Jubiabá, de Jorge
Amado, em queentes mais ou menos queridos são sacrificados pelo
texto em favor do crescimento/renascimento de Balduíno. Dentro
desse simbolismo de vida e morte, começo e fim, vai surgir a nova
identidade do personagem [...]”. Do mesmo modo, serão
sacrificados os mentores de Damião, para impulsioná-lo rumo à
formação de sua personalidade, de sua consciência como ser coletivo
e levá-lo a agir. A cada morte, Damião, simbolicamente, renasce,
pois é obrigado a vivenciar novas experiências de sucesso ou
fracasso, que serão fundamentais para sua formação.
Gomes (1999, p.56) também relaciona a morte, em Os
tambores de São Luís, a um processo de mudança: “a narrativa vai
157
assinalando o contato gradual do protagonista com a morte. Esta,
aqui, é metáfora da vida — a metamorfose, da qual é preciso
desprender-se para adquirir a forma nova; por analogia, como o
processo de mudança da larva para a crisálida.”
Poder-se ia até mesmo organizar a trajetória de Damião pelas
mortes que a perpassam.
Damião endireitou o corpo no banco do carro, as mãos
crispadas, compondo de cabeça a cena, e pôs-se a recordar
de Genoveva Pia, com o corpo retorcido pelas lapadas dos
chicotes, na noite clara de São João, até cair de borco, cega,
a boca sangrando, na vala da rua onde fora encontrada na
manhã seguinte.
Desta vez o caso mudava de figura. Damião sabia que a
morte traz consigo a coragem com que devemos enfrentá-la.
Estava ali para isso. E uma energia mais forte, a que se
associava a consciência plena do perigo a que se expunha,
retesava-lhe os músculos. (MONTELLO, 1985, p.256).
Assim, a morte no romance de Montello tem um papel decisivo,
pois funciona como um rito de passagem, assinalando o início de uma
nova fase de sua formação. Até mesmo o intenso sofrimento
provocado por ela é de grande importância nesse processo, pois,
como se viu, o sofrimento tem também seu papel no processo
iniciático.
Auerbach (1998, p.15), ao referir-se ao processo evolutivo das
figuras do Velho Testamento, afirma que
justamente as situações extremas, nas quais somos
abandonados ou lançados ao desespero extremo [...], nas
quais além de toda medida, nos sentimos felizes ou
exaltados, conferem-nos quando as superamos, um cunho
pessoal que se reconhece como resultado de um intenso
desenvolvimento, de uma rica existência.
Em Os tambores de São Luís, o que se observa é uma espécie
de sacralização da figura do negro. O sofrimento por que passa
Damião é representativo de todo um povo escravizado. Também o
processo de “branqueamento” por que passa durante sua formação
representa o processo de assimilação da cultura do dominador pelo
158
dominado. Os papéis representados pelo negro desde que chegou ao
Brasil até a atualidade são vivenciados por um personagem que tem
qualidades dignas de um herói, como nobreza de caráter, beleza
física, força, linhagem nobre. É por meio dele que o romance destaca
também o negro como elemento importante na formação da cultura e
do povo brasileiro. Assim, unindo tradição e modernidade, Montello
incorpora elementos épicos às inovações do romance moderno para
criar a epopéia do negro no Brasil.
7 NOITE SOBRE ALCÂNTARA: UMA VISITA AO HADES
Reescrevi, durante toda a manhã e quase toda a tarde, o texto
introdutório de Noite sobre Alcântara, ajustando-o ao tom de
elegia que deve ter todo o romance.
(MONTELLO, 1994, P.30).
Publicado em 1978, Noite sobre Alcântara dá continuidade à epopéia
maranhense abordando, agora, num tom elegíaco, como um canto de
exaltação e despedida, a crise de uma cidade que agoniza. Para isso, o
narrador terá que voltar aos velhos tempos de riqueza e fartura.
O panorama histórico é a decadência da velha aristocracia
maranhense, de forte participação na vida política da província. A partir de
1852, barões e viscondes se estabeleceram em Alcântara, erguendo seus
sobrados, mansões, igrejas, conventos, com a renda vinda das fazendas
de gado, engenhos de cana-de-açúcar e culturas de algodão e cereais.
A decadência inicia-se, entre 1865 e 1870, com a migração da
cultura canavieira para terras não areentas, e agrava-se com a crise
econômica que se alastra pelo país, atingindo a lavoura. A aristocracia
alcantarense, diante da crise, começa a vender seus bens e a deixar a
cidade até que lá fique, praticamente, apenas a população mais pobre. A
cidade começa a ficar em ruínas, com as ruas desertas, os sobrados
vazios e o mato tomando conta de tudo.
O romance narra a história de Alcântara, a partir de 1870, com o
início da Guerra do Paraguai. Além da guerra, a dinâmica capitalista, a
indústria e as novas idéias filosóficas e políticas começam a pressionar a
abolição da escravidão e a abalar os fundamentos da monarquia. É nesse
contexto que se inicia a trajetória de Natalino, jovem aristocrata, que
resolve deixar a casa paterna e partir para a guerra. No entanto, ao
voltar, depois de lutar pelo império, ao lado de muitos negros, Natalino é
outro homem, com idéias humanistas, abolicionistas e republicanas que
entrarão em choque com os valores da aristocracia alcantarense.
160
O romance, aos moldes de Os tambores de São Luís (1975),
apresenta duas linhas temporais: uma no presente, durante a noite em
que o protagonista deveria partir para São Luís, e outra no passado
abarcando quase quarenta anos da história da cidade, do apogeu à
decadência.
A narrativa inicia-se quando Natalino, na noite da antevéspera da
virada do século XX, prepara-se para deixar Alcântara. Como não tinha a
intenção de retornar, fechara o sobrado onde vivera e jogara a chave fora.
Entretanto, acaba perdendo o barco que o levaria a São Luís e, enquanto
o empregado procura as chaves para que possa passar a noite no
sobrado, ele resolve dar uma última caminhada pela cidade.
É nesse momento que se abre a segunda linha narrativa, no
passado, a partir das lembranças de Natalino. A partir de então, a história
do protagonista entrelaça-se à de Alcântara do passado, com seus
sobrados, suas festas e a riqueza de sua aristocracia. Contrariando os
desejos do pai, o Visconde de São Marcos, que o queria na política
monarquista, Natalino alistara-se e partira para a Guerra do Paraguai.
Durante anos, a família ficara sem notícias de seu paradeiro, e já o havia
dado como morto quando este retorna a Alcântara, como major,
atormentado pelas lembranças da guerra.
De volta à cidade, Natalino começa a chocar a família e a pequena
sociedade com suas idéias abolicionistas e republicanas, com suas
aventuras amorosas e com sua recusa a se casar, visto que se acreditava
estéril e não via razão para se unir a uma mulher para sempre se não
podia ter filhos.
Natalino nutria um sentimento especial por Maria Olívia, filha do
Barão de São Matias, amigo de seu pai. Entretanto, na mesma época em
que Natalino vai para a guerra, Maria Olívia vai estudar em Paris, o que
aborrece o rapaz. Quando Natalino retorna, também Maria Olívia havia
voltado da Europa, mas ambos não permitem que a amizade se
transforme em romance. De personalidade muito forte, eles não se
consideram em condições de se casar: Natalino, por causa da esterilidade
161
e Maria Olívia devido a um defeito na perna causado pela queda de um
cavalo.
A seqüência narrativa que acompanha a trajetória de Natalino é
entremeada por trechos do diário de Maria Olívia, no qual ela narra seus
desejos, sua solidão e seu sofrimento, além da culpa que a persegue por
causa de uma experiência homossexual ocorrida no internato em Paris.
Natalino e Maria Olívia praticamente evitam um ao outro durante toda a
narrativa. Com idéias muito avançadas para a sociedade da época,
Natalino está em constante conflito com o pai, que representa o
pensamento da aristocracia de Alcântara.
Enquanto Natalino vive suas aventuras, escreve artigos
republicanos e abolicionistas e ajuda negros a fugir, Maria Olívia
envelhece solitária, prisioneira em seu sobrado, tendo por companhia seus
livros, sem que ambos possam realizar o desejo de ter filhos. O único
pretendente que lhe aparece acaba se revelando um vigarista, e a moça
se fecha ainda mais em seu mundo.
Na quinta e última parte, a narrativa retorna ao presente. Natalino,
em sua caminhada, observa a ruína da cidade e a penúria de seus
moradores. Maria Olívia transfere seu desejo de maternidade às alunas
que a procuram no sobrado e se dá conta de que envelhecerá e morrerá
sem ter pertencido a nenhum homem. Nesse momento, ela recorda-se do
internato, e o mistério da experiência homossexual com Louise é
desvendado.
Tendo que pernoitar na cidade, Natalino resolve romper o século em
Alcântara na noite seguinte. Por conta dessa decisão, pode providenciar o
enterro do primo que falece durante a noite e, na festa da passagem do
ano, encontrar o filho que tivera com Maria da Glória e o qual não
assumira por considerar-se estéril. Entretanto, envergonhado por sua
atitude, não se sente no direito de contar ao rapaz, idêntico a ele quando
moço, que é seu pai.
A descoberta da paternidade faz com que Natalino procure Maria
Olívia para confessar-se arrependido de não ter se casado com ela, visto
162
que não era estéril como pensara. Maria Olívia se emociona, mas recusa o
convite de Natalino para acompanhá-lo a São Luís.
O autor estabelece um paralelo entre a decadência da cidade e o
sofrimento de seus habitantes. Juntamente com a degradação do espaço,
vão surgindo os problemas pessoais dos personagens: amores não
correspondidos, conflitos de gerações, problemas de saúde, solidão. Os
dramas humanos estão em simetria com o drama econômico de
Alcântara, também personagem do romance. Os personagens refletem o
drama da cidade na impossibilidade de se alcançar a felicidade ou a
realização pessoal. A cidade agoniza e, juntamente com ela, agonizam os
seus habitantes.
História e estória de uma cidade espectral, Noite sobre Alcântara
não exibe apenas os quadros da decadência social. Construída na
vertente psicológica, ela estabelece perfeita simetria entre a
decadência da polis e a agonia inexorável de seus habitantes. O
fato histórico condiciona o destino humano; a circunstância social
plasma a destruição das vidas, permitindo ao romancista
estabelecer rigorosa homologia entre a sorte da cidade e a fortuna
dramática de seus personagens. Por isso eles assumem dimensão
simbólica: nas cidades mortas todos nós agonizamos.
1
7.1 ESPAÇO E PERSONAGENS
Ainda na fase de opulência de Alcântara, a narrativa apresenta
personagens cheios de sonhos e expectativa que se vão perdendo no
decorrer do tempo, conforme a crise econômica vai se agravando. A
história e as circunstâncias sociais condicionam o destino humano.
Entretanto, os dramas dos personagens ultrapassam a questão puramente
social e local gerada pela crise: são conflitos humanos universais.
Alcântara pode ser, nesse sentido, qualquer lugar, em qualquer época.
1
OLIVEIRA, F. In: ________. Noite sobre Alcântara. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984. (texto de orelha)
163
O que confere beleza estética à narrativa é a simbiose entre a agonia
da cidade e a de seus personagens e, por isso, não há desfecho feliz
possível, nem para Alcântara, que acaba tomada pelo mato, nem para os
seus habitantes, condenados à infelicidade ou ao conformismo. A crise
não é narrada, ela é sentida pelos personagens, é por meio do olhar e do
sofrimento deles que é percebida.
O primo Fabiano é a personificação da opulência, declínio e morte da
cidade. No início do romance, quando Natalino se lembra da visita que lhe
fez ao voltar da guerra, pode-se observar o retrato da riqueza de
Alcântara.
No patamar, com os pés afofados na passadeira larga, Natalino
parou, maravilhado. A imensa varanda, com vinte e duas janelas
altas, encimadas por leques de vidro colorido, tinha a imponência
das peças majestosas, com a sua comprida mesa rodeada de
cadeirões de couro tauxiado. [...] De um lado, em frente ao
renque das janelas, três aparadores atulhados de porcelanas e
pratarias. Ao fundo, entre duas cadeiras de balanço, um relógio de
pé balançava o pêndulo tranqüilo, como a presidir com sua
imponência preguiçosa o fausto do sobrado. (MONTELLO, 1984,
p.71).
Quando a narrativa retorna ao presente, novamente em visita ao
primo, a miséria que Natalino encontra contrasta com a opulência do início
do romance. Tendo vendido tudo o que tinha, só restaram a Fabiano as
maçanetas das portas. Aqui, o personagem reflete a agonia da cidade.
Depois, na comprida varanda do sobrado, ao dar com o Fabiano na
cadeira de braços, muito magro, caídos os cantos da boca, os
olhos encovados, Natalino quase não reconhecera o primo, que
não via havia mais de um ano. E para disfarçar o seu espanto,
pôs-se a olhar as fechaduras e maçanetas que se espalhavam
sobre a mesa, à luz de um candeeiro. (MONTELLO, 1984, p. 340).
O contraste entre a riqueza e a miséria fica mais evidente no velório
de Fabiano, na casa em ruínas, desprovida de móveis, com aparatos
fúnebres luxuosos emprestados de amigos, como se, na morte, o primo
recuperasse a dignidade.
O Fabiano, no ataúde vistoso, em cima da essa, à luz dos tocheiros
e dos castiçais, velado pelo crucifixo de prata, parecia ter
164
alcançado da morte a serenidade plena de seus dias de
prosperidade, como que espiando o aparato circundante pela réstia
dos olhos mal fechados. (MONTELLO, 1984, p.350).
O enterro de Fabiano é, simbolicamente, o de Alcântara e de toda
uma época de opulência, num grande cortejo fúnebre com toda a
aristocracia falida presente em trajes esfarrapados ou em chinelos de
dedo.
Na rua, enquanto esperava que o cortejo se compusesse, Natalino
segurou a primeira alça do coche, surpreendido com a multidão
que ali estava, restos da Alcântara de outrora na maneira de
andar, no tom imperativo da voz, nas cabeças levantadas, nas
roupas fora de moda. De si para si cotejava o enterro de seu pai
com o enterro do primo: no deste, pareciam mais numerosas as
casacas furadas de traça e cheirando a naftalina. O ar de pobreza
se acentuara, à revelia das condecorações ao peito. Dir-se-ia uma
marcha de protesto, sobretudo quando o Barão de Pirapemas, alto,
magro, de cartola, reluzindo ao sol o fraque puído nos punhos e na
gola, acomodou-se por trás do Padre Teobaldo e rompeu a marcha
silenciosa, ao chepe-chepe das chinelas cambadas. (MONTELLO,
1984, p. 359).
No vaivém da rede, o campo-santo lhe entrou pelo sono, com o
estranho sonho das covas abertas nos dois lados da alameda
central, e a que se iam precipitando, um por um, todos os nobres
de Alcântara, nas roupas solenes de outrora, com a cartola na
cabeça, as mãos enluvadas e as condecorações ao peito, enquanto
o Davi Cohen acudia, armado de imensa pá, a cobrir os corpos
vivos com terra, seixos e bosta de cavalo. (MONTELLO, 1984, p.
360-1).
Andando o tempo, Alcântara se sepultaria sob as suas próprias
ruínas. O mato viçoso, que ameaçava alastrar as suas toiceiras e
as suas moitas pelo perímetro urbano, já subira ao beiral de
muitas casas fechadas, crescendo nos telhados com um ar
triunfante. (MONTELLO, 1984, p. 362).
O contraste entre presente e passado, evidenciando o poder
transformador do tempo, característica marcante da obra romanesca
montelliana, será constante neste romance.
Observa-se, a profunda ligação entre o espaço e os personagens
que tentam sobreviver à degradação apegados ao passado de opulência,
como se pode observar na passagem em que Josias identifica a si e a
Natalino com a cidade.
165
Que é isso, Natalino? Ruína? Tu? Bem sabes que não. Nasceste
rijo, como os nossos sobradões de pedra e cal. Foste amassado
com óleo de baleia, como estas paredes eternas. Ainda estás na
flor da idade. Eu, modéstia à parte, não te fico ats. (MONTELLO,
1984, p. 327).
[...] Agora, me dize: com tanta recordação bonita, por que não
hei de ficar a um canto, com minhas saudades? Nesse ponto, sou
também como minha cidade: eu e Alcântara estamos voltados
para o passado, e com muito gosto. (MONTELLO, 1984, p. 328).
Ao mesmo tempo em que vai narrando a trajetória de Natalino, o
romance apresenta episódios da história de Alcântara, como a construção
que ficou inacabada dos dois palácios, pelos partidos Liberal e
Conservador, à espera da visita do imperador que nunca ocorreu, além de
tradições locais, como as festas populares e os costumes.
7.2 O NARRADOR
Em Noite sobre Alcântara, o narrador transita entre Natalino e Maria
Olívia e apresenta uma visão masculina e uma feminina dos fatos, e, em
ambas, os horrores e fragilidades são expostos com mesma intensidade.
Na maior parte do romance, ele acompanha Natalino, visto que é, em
grande parte, por suas lembranças que a narrativa se constrói, mas,
algumas poucas vezes, desloca-se para acompanhar Maria Olívia ou
outros personagens menores. O narrador penetra na memória dos
personagens para recriar o passado individual e coletivo. É o mesmo
narrador eqüisciente, que diferente do onisciente, somente obtém
informações a partir dos personagens, com exceção de quando se refere
aos acontecimentos históricos e sociais, dos quais, como nos demais
romances, é o depositário da memória coletiva e tem um conhecimento
que ultrapassa o dos personagens. Assim, o falso diagnóstico de
esterilidade de Natalino só é revelado quando ele próprio o descobre, bem
como o grande segredo de Maria Olívia que só se revela após escrito nas
páginas do diário.
166
O olhar do narrador, em Noite sobre Alcântara, é muito próximo da
visão cinematográfica, tanto no posicionamento em relação à cena quanto
na preocupação com a imagem. Ele posiciona-se como em um filme em
que a câmera, em vez de captar a cena a certa distância, coloca-se ao
lado de um dos personagens enquanto focaliza outro ou outros. Assim,
tem-se a impressão da sua presença física durante a narrativa.
Essa proximidade do narrador pode ser observada logo no prefácio,
intitulado A travessia, escrito em primeira pessoa. Este, caminhando por
entre ruínas e antigas ruas, apresenta Alcântara como uma cidade morta
que, segundo as lendas, renasce em todo seu esplendor durante a noite.
De repente, em pleno dia, a cidade começa a se recompor a seus olhos,
numa espécie de visão. É a memória e a imaginação criadora do poeta,
fazendo a travessia, ressuscitando o passado, antes de iniciar a narrativa.
Do viso de uma ladeira, na comprida Rua das Mercês, fiquei a
pensar nessas ressurreições noturnas. Lendas? Realidade? [...]
Precisamente nesse instante, um senhor magro, barba passa-
piolho, olhos negros, fechou a porta de seu sobrado, no Largo de
Santa Quitéria que não mais existe. A chave rangeu na
fechadura perra, e eu pude perceber que Alcântara se completava,
rediviva, intacta, só para mim, exatamente como foi outrora, no
viso e nos flancos de suas colinas, resistindo ao tempo e à
indiferença dos homens, à branda luz do entardecer. (MONTELLO,
1984, p. 14).
No decorrer do romance, a narrativa em terceira pessoa entrelaça
ficção, memória popular e história para fazer reviver a cidade morta.
O posicionamento do narrador, como se estivesse no mesmo
espaço em que se desenrolam as cenas, acompanhando os personagens,
torna-se evidente pela escolha dos advérbios de lugar aqui, , opondo-se
a .
Ao chegar ao patamar da escada, vinham subindo o Visconde e a
Viscondessa, em traje de cerimônia [...], ambos recendendo tanto
à naftalina que o cheiro ativo do desinfetante os precedia, já aqui
no alto, trazido pela brisa que subia da rua. (MONTELLO, 1984, p.
259) (Grifo nosso).
Mas, no corredor, ao baixar o degrau do patamar, ela própria
[Maria Olívia] se amparou no corrimão da escada, quase a
167
dispensar o braço de Natalino. embaixo, chegou a desprender-
se dele, só lhe aceitando de novo o braço quando subiu a
escadinha da carruagem. (MONTELLO, 1984, p. 295) (Grifo nosso).
Aqui fora, encontrou uma luz desmaiada. (MONTELLO, 1984, p.
195) (Grifo nosso).
A visão é um dos sentidos mais explorados pelo narrador de Noite
sobre Alcântara. O forte apelo visual tão característico da narrativa
montelliana pode ser observado nas descrições com jogos de luz, sombra
e nuances de cores, aliados à linguagem poética. O resultado lembra uma
pintura.
Consultou o relógio na calçada da rua, e espantou-se: ainda
faltava muito para as seis horas. Era o inverno que se despedia.
Dentro de mais alguns dias, começaria o período das grandes
estiagens, de sol firme, noites límpidas, e a cidade a refulgir na
claridade das manhãs altas ou a recortar na luz do luar os seus
sobrados, os seus mirantes, as suas sacadas, os seus portais de
pedra. (MONTELLO, 1984, p. 195).
A lua, quase cheia, por entre farrapos de nuvens encardidas,
parecia suspensa no meio do largo, a derramar a sua luz
embaciada por cima das ruínas do Palácio do Imperador. [...]
Em redor, o mesmo silêncio. Por baixo das árvores, no chão sujo,
recortes de sombras que a brisa da noite fazia mover de leve, ao
roçar as ramagens escuras. (MONTELLO, 1984, p. 334).
No porto do Jacaré, nas horas recolhidas da tarde, quando
barqueiros, catraieiros e pescadores se estendiam nas lajes do
chão, à sombra mansa das amendoeiras, para ver o sol sangrar
por cima das águas, os cegos cantadores zombavam dos palácios
inacabados, repenicando a corda de suas violas na toada mordaz
dos desafios. (MONTELLO, 1984, p.144).
Além disso, em Noite sobre Alcântara, a visão também mistura-se
com a memória, e “ver” e “lembrar” tornam-se sinônimos quando a
memória evocativa traz à tona imagens do passado que se sobrepõem ao
presente.
Por trás da igreja do Carmo, já na Rua do Segredo, Natalino
decidiu entrar pela Rua Grande, para rever o largo em frente ao
adro. Ali, tornou a parar uns momentos, emocionado. Olhando a
fachada compacta, reviu de relance a Maria da Glória na saleta do
coro, parada junto ao órgão. (MONTELLO, 1984, p. 334).
168
O narrador penetra na intimidade de Maria Olívia mais por meio de
seu diário que de sua memória. Ela utiliza um processo que vai além da
rememoração para recuperar o passado, pois se utiliza da escrita para re-
elaborar a história pessoal, buscando, no diário, o significado de estar viva
e morta, seu existir é vago e impreciso. Maria Olívia escreve, tudo nela é
introspecção: fecha-se em si mesma, no sobrado e na cidade morta. Já
Natalino se dá a conhecer por meio de sua memória e de seus
pensamentos. Natalino vive, estabelece contatos, tem vida social.
Montello, em seus Diários (1986), diferencia o memorialista do
escritor de diários. Para ele, o primeiro tem uma atitude mais aberta, quer
que sua história seja conhecida, enquanto o segundo é mais fechado, não
quer dar a conhecer seu passado. Essa oposição aparece em Noite sobre
Alcântara. Grande parte da narrativa vem das memórias de Natalino,
extrovertido, voltado para fora de si mesmo, cujas lembranças são
evocadas num espaço aberto, durante a caminhada pela cidade; a outra
parte da narrativa vem do diário de Maria Olívia, de temperamento
recluso, cujas histórias estão ligadas à sua intimidade e aos seus
sentimentos em relação aos acontecimentos.
A guerra com o Paraguai, pelo que tudo indica, está chegando ao
fim. Papai, com prudência e tino, soube aplicar seus recursos, de
modo que as ruínas de numerosas famílias de Alcântara não nos
atingiram. Aqui mesmo no navio, vão dois rapazes alcantarenses
que foram obrigados a interromper seus estudos na Alemanha
porque os pais perderam o que tinham em escravos e lavouras de
algodão. Um deles viaja na segunda classe, Muita gente tem me
dito que a vida em Alcântara já não é o que era – embora continue
com muitas carruagens nas ruas, muitas festas, muitos escravos,
muito luxo, e novos sobrados na Rua da Bela Vista. (MONTELLO,
1984, p.56).
7.3 LEMBRANÇAS DO PASSADO
O retorno ao passado glorioso e a exaltação da cidade morta dão um
tom elegíaco ao romance. Já no início, com a narrativa no presente,
Natalino joga fora a chave do sobrado com a intenção de nunca mais
169
voltar, sentindo, nesse gesto, que se liberta do passado para viver uma
nova vida. Observa a cidade em ruínas, e, a partir de então, inicia uma
reflexão sobre o final da vida.
Ele começava a reconhecer que, mais difícil do que viver, é saber
encerrar harmoniosamente a vida, sem azedumes nem
resmungos, em paz com o mundo que ficaria para trás. Alcântara,
com a seqüência de suas casas vazias, como que o oprimia e o
esmagava. Por toda parte, nas ruas retilíneas, o mesmo silêncio,
sem um piano a tocar, sem correrias de meninos, sem uma voz de
mulher cantando ao embalo da rede. Em vez do pleque-pleque das
sandálias das negras nas calçadas, o uivo do vento, longo,
esfuziante, misturando-se ao ruído das ramagens que a rajada
fresca sacudia
. (MONTELLO, 1984, p.23).
A narrativa vai apresentando a cidade que agoniza com a iminência
da morte. O grito do velho Hermenegildo é o anúncio de morte que abre
uma longa elegia.
E de repente, à noite, com o luar a escorrer no azulejo das
fachadas, a voz dorida do velho Hermenegildo anunciando
desvairadamente:
Alcântara morreu! Alcântara morreu! (MONTELLO, 1984, p.23).
A partir de então, os fatos do passado começarão a vir à tona por
meio das lembranças de Natalino, por isso o romance está repleto de
evocações.
Embora soubesse que as dores antigas se diluem com o passar do
tempo, reconhecia agora que há angústias que o tempo não
desmancha. Por isso, vez por outra, à noite, ainda via o soldado
morto a espadeiradas, e despertava com a sensação de ter ouvido
novamente o cavo bater da lâmina de aço no dorso nu empapado
de sangue. No silvo do vento, que torcia as árvores do quintal,
ouvia por vezes o sibilo das balas. Noutras ocasiões, dava consigo
a recolher os corpos dos companheiros no campo de batalha. Uma
imagem, entretanto, lhe refluía freqüentemente à consciência,
atordoando-o: a de Honorina, de olhos abertos, muito branca, com
os punhos cortados, sobre a cama de casal. (MONTELLO, 1984, p.
330).
Para a narrativa do passado remoto o narrador recorre à lembrança
dentro da lembrança. Ou seja, já no passado, no tempo da recordação,
170
ocorre algo que remete a um passado mais remoto. Nesse processo, a
memória evocativa é muito utilizada.
Isso pode ser observado no trecho da segunda linha narrativa, a do
passado, da memória de Natalino, em que este, em visita às fazendas
devastadas, lembra-se do soldado paraguaio que dizia preferir morrer a
ver sua pátria vencida e associa tal imagem à de Alcântara. Nesse trecho
observa-se também a natureza refletindo o estado de espírito do
personagem, característica herdada do romantismo.
Alcântara estaria também vencida, sem suas fazendas, os seus
engenhos de açúcar, as suas lavouras de algodão? Parecia a
Natalino que sim. E uma tristeza opressiva que não advinha
apenas da tarde suja, sem cantos de pássaros e cortada pelos
gemidos da ventania fê-lo pender os ombros, como se a
consciência do desmoronamento da cidade lhe pesasse sobre as
espáduas. (MONTELLO, 1984, p.130).
Por meio do diário o narrador, além de recuperar o passado de
Alcântara, penetra na intimidade de Maria Olívia sob o ponto de vista
desta. A presença do diário, supostamente encontrado no Instituto
Histórico e Geográfico do Maranhão, confere autoridade à narrativa. Numa
nota de rodapé, o narrador, assinando com as iniciais J. M., garante a
existência de Maria Olívia e do tal diário e dá um tom de veracidade
histórica à narrativa. Tanto que o autor, em seus Diários (1986), comenta,
muito satisfeito por ter criado tal efeito de realidade, que chegou a
receber cartas pedindo informações sobre os diários de Maria Olívia que
nunca existiram.
* Dos 16 pequenos cadernos de capa azul, com carimbo de uma
papelaria em Paris, nos quais Maria Olívia escreveu o seu Diário
íntimo, e que foram recolhidos ao Instituto Histórico e Geográfico
do Maranhão, perderam-se quase todos, numa noite de temporal,
há mais de trinta anos. Salvaram-se apenas os textos que
aproveitei neste romance (J. M.).
A narrativa retrata a progressiva decadência de Alcântara,
enquanto seus habitantes nada fazem para reverter a situação, já que são
avessos às mudanças, tradicionais, conservadores e agem como se a
171
riqueza não fosse acabar; vão vendendo seus bens até que nada mais
reste. Esse ato de ignorar a crise é observado por Natalino ao passar
defronte de um sobrado em festa. “Ali no palacete, com certeza, ninguém
sabia que Alcântara tinha seus dias contados. Ou então, se sabia, tratava
de procurar esquecer”. (MONTELLO, 1985, p. 131).
O movimento de Natalino contrasta com a inércia dos demais
habitantes da cidade. Sua maneira de sentir o tempo é diferente. Por ter
ficado anos fora da cidade, ele se lembra do passado com os olhos
voltados para o futuro, acompanha as mudanças ocorridas com o passar
do tempo, enquanto os habitantes da cidade pararam no tempo, vivem do
passado glorioso sem se dar conta de que esse passado não existe mais.
7.4 A MORTE
Além da apresentação do passado glorioso de Alcântara, o tom
elegíaco do romance é obtido também pelo emprego exaustivo de
expressões ligadas à morte, como se a linha narrativa do presente
transcorresse toda em um grande cemitério.
E foi seguindo pela calçada, a acender o cigarro na rua escura.
Adiante firmou o olhar na luz mortiça do lampião da esquina.
Chegou ao topo da ladeira no mesmo passo vadio, a apreciar pela
última vez o silêncio grave que o cercava, sob a paz do céu
estrelado.
De repente, já longe, teve a sensação nítida de que ia andando
pela alameda de um cemitério. As casas fechadas eram sepulcros,
e ali jaziam condes, barões, viscondes, senadores do Império,
deputados, comendadores, sinhás-donas, sinhás-moças, soldados,
mucamas, juízes, vereadores, sacerdotes. Somente ele, assim,
desperto dentro da noite, estaria vivo na cidade de mortos. E uma
impressão instantânea de frio gelou-lhe as mãos e os pés, com a
idéia de que, também ele, ia permanecer em Alcântara para
sempre, encerrado no mausoléu de seu sobrado. [...]
Entretanto, com insistência, voltara-se a contar, nos últimos
tempos, que alguns daqueles palacetes, desabitados, se
iluminavam de repente, tarde da noite, escancarando as janelas
sobre a rua, enquanto nos seus salões bailavam os fidalgos de
outrora, nos trajes fora de moda, ao som de pianos e violinos. O
simples retinir de ferraduras, a horas mortas, era o bastante para
que, dentro das casas, se repetisse o sinal da cruz, com a certeza
de que, lá fora, a trote ou a galope, ia passando uma aparição a
172
cavalo. Nessas ocasiões, ninguém queria chegar à sacada para
olhar. E muita gente se ajoelhava, de coração acelerado, ao pé dos
oratórios, rezando pelas almas, até que o tinido se apagava nos
ruídos da noite. (MONTELLO, 1984, p. 332-3) (Grifo nosso).
Além disso, as lendas e aparições também criam uma atmosfera de
morte. Surgindo a qualquer hora do dia e para mais de uma pessoa, em
vários lugares, as aparições, juntamente com as ruínas e o silêncio
sepulcral dão a impressão de que a morte, como uma entidade de força
avassaladora, está apoderando-se do espaço e consumindo-o aos poucos,
tornando Alcântara uma cidade fantasma.
Como por em dúvida o testemunho do Padre Salviano, que
afirmava ter surpreendido o finado Barão de Pindaré ajoelhado
defronte do altar-mor da igreja do Carmo, no momento em que ia
dar a comunhão da primeira missa? O padre chegou a atribuir a
visão à sua noite mal dormida, com repetidos pesadelos; mas bem
se recordava de que ainda estendera o braço com a hóstia do
Barão, quando este subitamente se desfez no ar. (MONTELLO,
1984, p. 38).
Como eram freqüentes os casos de almas penadas, sobretudo nas
ruas próximas ao cemitério, no terreno onde se enterravam os
escravos, já quase não se comentavam as correntes arrastadas
nos corredores das casas velhas durante a noite, os passos
misteriosos na escada dos sobrados, as portas que abriam e
fechavam por si mesmas, o rangido dos armadores nos aposentos
vazios, ou o leve esvoaçar de um vulto branco na escuridão.
A noite trazia consigo essas aparições, que a claridade do dia tinha
o dom de afugentar. Acendia-se uma vela no oratório doméstico,
rezava-se uma salve-rainha, queimava-se um pouco de palha
benta no fogareiro de barro com alfazema, e as visagens se
desfaziam. (MONTELLO, 1984, p. 40).
Enquanto Florindo procura a chave do sobrado, Natalino caminha
pela cidade em meio a recordações, despedindo-se de seu passado. Essa
caminhada evocativa é outra característica que se repete nos romances da
epopéia maranhense. O tom de despedida assemelha-se ao de Cais da
Sagração (1981) no momento da caminhada de Mestre Severino pela
velha São Luís. Entretanto, lá o barqueiro, vendo a morte próxima, volta-
se para o passado com ar nostálgico, enquanto a cidade se moderniza;
aqui quem agoniza é a cidade, enquanto Natalino parte para uma nova
vida com os olhos voltados para o futuro.
173
No mesmo passo calmo, Natalino contornou a Matriz, entrou no
Beco do Silva, alcançou a ladeira da Rua da Bela Vista. Lá no topo,
sob as estrelas quase apagadas da noite alta, e sempre
acompanhado pela rua embaciada, divisou o Largo de Santa
Quitéria, sem ver ainda o sobrado. (MONTELLO, 1984, p.336).
A volta havia sido longa, no derradeiro giro pela cidade: mais de
duas horas, parando aqui, parando ali, com a certeza nostálgica de
que aquelas casas, aquelas ruas, aquelas árvores, aqueles
lampiões pertenciam definitivamente ao seu passado. Intimamente
sabia que se lembraria de tudo aquilo, nas ocasiões em que se
voltasse sobre si mesmo, à procura das emoções de seu caminho.
Mas a hora presente também trazia consigo o seu mistério. Ao
contrário do Josias Peregrino, que se abismava exclusivamente no
seu mundo de lembranças, ruminando a vida vivida, ele, Natalino,
esperaria o século XX com o rosto voltado para a frente, com
interesse no futuro. (MONTELLO, 1984, p. 330).
Franklin de Oliveira (1978) observa a profunda homologia existente
entre a agonia da cidade e o drama pessoal de Natalino: este com a
certeza de não poder dar continuidade à sua vida por meio dos filhos e
aquela condenada à não continuidade da vida histórica, a não ser como
presença morta.
Com relação ao personagem Natalino, Franklin de Oliveira (1978)
observa que sua construção é exemplar. É apresentado jovem indo para a
guerra como voluntário, depois traumatizado pelos horrores do campo de
batalha, mas só ascende à categoria de grande personagem quando
assume a síndrome da esterilidade. A força que lhe altera a configuração
psíquica, mudando seu comportamento, não é o fato social da guerra,
mas o diagnóstico falso, um erro médico que modifica seu projeto de
existência. Ao tomar consciência desse erro, já irreversível, Natalino
ganha traços trágicos.
Entretanto, não se pode menosprezar o peso do fato social na
configuração do personagem, pois a questão da esterilidade alterará o
comportamento de Natalino com relação à sua vida pessoal apenas,
enquanto a guerra será responsável por mudanças comportamentais
ligadas à vida social do personagem. Natalino parte como típico jovem
aristocrata e volta como homem de idéias humanistas e republicanas. À
semelhança dos demais protagonistas montellianos, Natalino também
percorre uma trajetória de formação: deixa a casa paterna, passa por
174
experiências diversas e retorna mais amadurecido. Entretanto tal
trajetória não é enfatizada no romance, o qual se concentra mais nas
atividades do protagonista após o retorno da guerra.
Ainda com relação à configuração do personagem central, Franklin
de Oliveira afirma que
toda a metodologia romanesca de Montello está concentrada nesse
personagem, para o qual não há reabilitação do tempo perdido. O
peso do passado, em que está embutida a carga do erro de uma
terceira pessoa, não só o impede de reconquistar o seu presente
como também de fazer o seu futuro. Mas sua tragédia não se
deteve no seu destino. Alcança Maria Olívia, em cuja vida o
romancista nos faz ver hipostasiada a agonia da Alcântara.
(OLIVEIRA, 1978, p. 67).
O drama pessoal de Natalino e Maria Olívia ambos
impossibilitados de realizar o desejo da paternidade e da maternidade
reflete a agonia da cidade.
Maria Olívia é uma personagem elegíaca: “a decadência pune sua
humanidade, transformando a sua vida numa morte incoativa.”
(OLIVEIRA, 1978, p.65). Ela encarna a própria cidade, há uma certa
homologia entre seu sofrimento e a agonia de Alcântara. Moça bonita,
cheia de cultura e de ideais, Maria Olívia tem os sonhos interrompidos por
um acidente que a torna prisioneira de seu sobrado e a vida marcada por
perdas e sofrimentos, do mesmo modo que Alcântara tem a beleza e a
opulência maculadas pela crise econômica que interrompe bruscamente
seu progresso. Ambas envelhecem guardando traços de sua beleza e
atormentadas por fantasmas do passado. E, enquanto Natalino parte,
rumo ao futuro, Maria Olívia fica como a cidade, a envelhecer na solidão.
Essa simbiose entre Alcântara e Maria Olívia evidencia-se no
pseudônimo, Violeta Alcântara, utilizado por esta em seus contos para o
Almanaque Português. Além disso, seu diário é também o depoimento de
uma trajetória que vai da felicidade à agonia e solidão. Assim, Maria Olívia
apresenta-se como a personificação da cidade, e seu diário é o Diário de
Alcântara.
175
Há muito tempo sou prisioneira deste sobrado; mas foi agora, com
a morte de meu pai, que senti a solidão absoluta. Mais de uma
vez, atordoada, subi ao mirante, para atirar-me à calçada da rua,
com medo da vida, com medo do meu futuro. Que ia ser de mim,
isolada para sempre entre estas paredes, sem ter com quem
conversar? (MONTELLO, 1984, p. 219).
Os destinos de Natalino e de Maria Olívia seguem linhas paralelas.
Ambos saíram de casa muito jovens, cheios de sonhos e voltaram mais
amadurecidos, percorrem uma trajetória de formação anterior à narrativa,
apenas resgatada pela memória; ambos atormentados por seus
fantasmas, ele pelos horrores da guerra, ela pela experiência
homossexual no internato. Ao mesmo tempo em que desejavam a
maternidade e a paternidade, nutriam a certeza de que não
concretizariam tal sonho, Maria Olívia presa no sobrado por causa de um
defeito na perna e Natalino com o diagnóstico da esterilidade. Essa
impossibilidade de dar continuidade à família, de deixar descendentes
representa o fim da herança de sangue, a morte de seu legado.
Entretanto os temperamentos são completamente opostos: Natalino é
vida, movimento, libido; Maria Olívia é introspecção, ausência de
movimento, desejos reprimidos. Num jogo entre pulsão de vida e de
morte, Eros e Tânatos, ambos se opõem e se completam, o que falta em
um, abunda no outro, por isso, ao final, os caminhos são opostos Maria
Olívia fica numa morte em vida na cidade que se tornou um cemitério e
Natalino parte para a vida, olhando para a frente.
A última cena do romance é bem representativa da simbiose entre
Maria Olívia e Alcântara, quando ela, em seu vestido antigo, que, aos
poucos, foi ficando velho, à semelhança dos casarões, deteriorados pelo
tempo, despede-se de Natalino.
Mas, passado o instante de assombro, soube ser fidalgo: levantou-
se do banco, caminhou para Maria Olívia com uma expressão
alvissareira. E à medida que subia ao seu encontro, mais jubilosa
ela lhe parecia no seu velho traje de Paris.
Ao beijar-lhe a mão, perguntou-lhe:
- Vamos juntos a São Luís?
- Não, Natalino. Já lhe disse que fico. Alguns têm que ficar. Vim
para lhe dizer adeus. (MONTELLO, 1984, p. 412).
176
Contrapondo presente e passado, resgatando a cultura maranhense
e unindo-a à ficção, Montello apresenta parte importante da história do
Maranhão: a crise econômica, a queda da aristocracia e todo o processo
que levou Alcântara a tornar-se uma cidade em ruínas, de aspecto
espectral. Embora esteja presente em toda a obra do autor, nesse
romance, em especial, a morte ganha destaque e, juntamente com a
cidade ascende à categoria de personagem, fazendo de Noite sobre
Alcântara o reino dos mortos da epopéia maranhense.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Releitura de A luz da estrela morta, com vistas à nova
edição. Essa volta ao velho texto me dá a convicção de que
mudei muito. A cada momento sinto na ponta da pena a
tentação de cortar, de emendar, de substituir o que escrevi
há tantos anos. O que realmente perdura em mim,
identificando-me com o velho texto de ontem, é esta
angústia do tempo, que sempre me acompanhou. Até Deus,
na origem do mundo, se submeteu ao tempo. É ele que nos
forma e nos destrói. Invisível. E tenaz.
(MONTELLO, 1998, p.984-5).
Desvendar a poética montelliana a partir da análise de quatro
romances da epopéia maranhense foi o objetivo que norteou este
trabalho. Os romances analisados — A décima noite, Cais da
Sagração, Os tambores de São Luís e Noite sobre Alcântara
compõem um conjunto de narrativas que, na recuperação da
identidade maranhense, buscam representar uma totalidade social.
Os romances maranhenses de Josué Montello, embora
apresentem enredos diferentes e possam ser lidos isoladamente, sem
prejuízo algum para o leitor, quando observados em conjunto,
assumem outra dimensão compondo um todo. Cada qual, ao focalizar
um determinado aspecto da sociedade ludovicence, vai compondo os
episódios da epopéia maranhense.
Considerando-se o romance como herdeiro da epopéia,
procurou-se estabelecer um paralelo entre o épico e o romanesco,
para, então, destacar os aspectos que caracterizam a obra
montelliana aproximando-a da narrativa épica. Paralelamente à busca
por uma identidade social, os romances da epopéia maranhense
evidenciam também a busca do autor por um estilo próprio de narrar
que irão lhe conferir a própria identidade como romancista.
Os romances de Montello, ambientados em São Luís e
arredores, embora obras ficcionais, são escritos a partir das
lembranças do autor de sua terra natal, onde viveu até os dezoito
anos. Ele retoma imagens que fizeram parte de sua infância e
178
adolescência, unindo-as a acontecimentos históricos, tradições,
lendas, costumes e personalidades maranhenses, transformando-os
em ficção.
Montello procura abranger todos os aspectos da sociedade
maranhense, num período que vai do início do século XIX até meados
do século XX. Para isso o autor escolhe protagonistas das mais
diferentes camadas sociais, e é a partir deles que a cidade de São
Luís e seus arredores são apresentados.
Embora utilize recursos estéticos diferenciados, Montello
mantém seu estilo, na ligação entre o individual e o social, na
subversão da ordem temporal, na linguagem poética e concisa, no
forte apelo visual e no resgate da memória maranhense por meio da
memória do protagonista ou do narrador, a qual será responsável
pela articulação do tempo, pelo contraste entre o novo e o velho e
pela tessitura dos fios narrativos. Além disso, chama a atenção, na
obra do autor, a presença constante da morte, que assume papéis
diversos em cada romance.
Na narrativa montelliana, os acontecimentos são apresentados
como foram vistos, sentidos ou lembrados pelos personagens. O
coletivo, o social, se dá a conhecer por meio do indivíduo. Além do
papel da memória na recuperação do passado maranhense e da
subjetivização dos conflitos sociais, são apresentados conflitos
psicológicos e existenciais dos personagens, seus traumas, recalques
que muitas vezes beiram o patológico.
Entretanto, o autor ultrapassa as fronteiras do regionalismo e
do romance psicológico por meio de uma reflexão histórica e de
indagações sobre o destino do homem, em alguns momentos, com
certa nostalgia de um tempo e espaço perdidos, sem, entretanto,
perder a esperança no futuro.
A caracterização do romance como gênero inacabado de grande
plasticidade, capaz de assimilar outros gêneros e de permitir as mais
179
diversas possibilidades de construção fica evidente ao se observar os
romances de Montello.
Embora pertença à geração de escritores das décadas de trina e
quarenta, Montello sabe combinar com maestria o clássico e o
moderno, seguindo a tendência da literatura contemporânea de
misturar de modo inovador elementos de diversas tradições literárias,
explorando ao máximo a capacidade do romance de assimilar outros
gêneros, sem se descuidar da tradição.
Em A décima noite — romance emblemático da busca do autor
pela identidade maranhense — observam-se, os elementos já citados
da poética montelliana, associados a uma temática que atinge as
fronteiras do psicanalítico, na abordagem de complexos, desejos
reprimidos e recalques, avançando em direção à a perda da
identidade.
Cais da Sagração evidencia a habilidade do autor em lidar com
técnicas de diferentes tradições literárias sem perder seu estilo
próprio e nem se descuidar de seu propósito. A presença do
sobrenatural, a caracterização heróica de mestre Severino, a iniciação
de Pedro, a luta contra o mar e a morte conferem, também, um tom
épico à narrativa.
Os tambores de São Luís, obra-prima do autor, ocupa uma
dimensão intermediária entre o romance histórico-realista e o
romance como epopéia burguesa, nos termos de Lukács.
A presença do arquétipo da passagem do herói por provas
iniciáticas, em Os tambores de São Luís, não reduz o romance de
Montello à simples reprodução de ritos iniciáticos, antes demonstra
que representações do tempo dos mitos acabaram tornando-se parte
da consciência poética e por isso mantêm-se, mesmo que
implicitamente, na literatura contemporânea.
Noite sobre Alcântara é exemplar na simbiose entre o individual
e o social, o espaço e os personagens. Escrito em estilo elegíaco, o
romance faz reviver uma cidade morta, na qual os habitantes
180
também agonizam. Nessa obra, ficção e história se unem na busca da
identidade maranhense.
Em todos esses romances, a memória, representada pelas
lembranças dos protagonistas ou do narrador, será responsável pela
articulação do enredo, pelo entrelaçamento entre morte e vida,
passado e presente, resgatando, ao mesmo tempo, o passado do
protagonista e a memória coletiva maranhense. Esse retorno no
tempo, característico da poética montelliana, confere epicidade ao
conjunto de romances, visto que o passado é matéria épica por
natureza.
Verdadeiro guardião da memória maranhense, Josué Montello,
além de recorrer ao documento e à pesquisa, utiliza a própria
memória para a recuperação do passado. Ainda que alojado na
escrita, o narrador montelliano assemelha-se aos homens-memória
das sociedades ágrafas, ao contador de histórias, ao verdadeiro
narrador benjaminiano que alia a experiência individual, trazida de
tempos ou lugares distantes, ao conhecimento coletivo, àquilo que
ouviu contar e, por meio de sua imaginação criadora, transmite, sem
pressa, aos seus ouvintes no caso do romance, aos leitores as
experiências de vida, as características do espaço geográfico, os
costumes de uma sociedade, materializando-os na escrita.
O negro, a aristocracia decadente, os homens do mar, a
burguesia, os casarões e sobrados, as histórias de Donana Jansen, a
lenda de D. Sebastião, as festas populares, as cantigas, os sons dos
tambores, os bem-te-vis, o sol, o mar, a chuva, as cidades, fazendas
e aldeias de pescadores, as epidemias, o progresso, a Independência,
a Abolição, a Proclamação da República são parte da história, da
cultura, do imaginário e do dia-a-dia de uma sociedade e, diluídos
nos vários romances da epopéia montelliana e recuperados pela
memória e imaginação do poeta, serão responsáveis pelo reencontro
da identidade maranhense.
181
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______. Labirinto de espelhos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952.
7. ed. rev. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
______. A décima noite. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
______. A décima noite. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1971.
______. Os degraus do paraíso. São Paulo: Martins, 1965. 3. ed. São
Paulo: Martins/ Brasília:INL, 1974.
______. Cais da sagração. São Paulo: Martins, 1971.
______. Cais da sagração. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1981.
______. Os tambores de São Luís. José Olympio / INL, 1975.
______. Os tambores de São Luís. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
______. Noite sobre Alcântara. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.
______. Noite sobre Alcântara. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984.
______. A coroa de areia. Rio de janeiro: José Olympio, 1979.
______. O silêncio da confissão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1980.
______. Largo do Desterro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
______. A vida eterna do Major Taborda. São Paulo: Círculo do
Livro, 1985.
______. Aleluia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
185
______. Pedra viva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
______. Uma varanda sobre o silêncio. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1983.
______. Perto da meia-noite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
______. Antes que os pássaros acordem. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1987.
______. A última convidada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
______. Um beiral para os bem-te-vis. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1989.
______. O camarote vazio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
______. O baile da despedida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
______. A viagem sem regresso.2. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1993.
______. Uma sombra na parede. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1995.
______. A mulher proibida. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira ,
1996.
______. Enquanto o tempo não passa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1996.
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195
ANEXO A
BIBLIOGRAFIA DE JOSUÉ MONTELLO
1
Romances
Janelas fechadas. Rio de Janeiro: Pongetti, 1941.
A luz da estrela morta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1948.
Labirinto de espelhos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952. Fronteira,
1995.
A décima noite. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
Os degraus do paraíso. São Paulo: Martins, 1965.
Cais da Sagração. São Paulo: Martins, 1971.
Os tambores de São Luís. Rio de Janeiro: José Olympio / INL, 1975.
Noite sobre Alcântara. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.
A coroa de areia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.
O silêncio da confissão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
Largo do Desterro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
Aleluia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
Pedra viva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
Uma varanda sobre o silêncio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
Perto da meia-noite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
Antes que os pássaros acordem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
A última convidada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
Um beiral para os bem-te-vis. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
O camarote vazio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
O baile da despedida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
1
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Academia Brasileira de Letras (ABL) Disponível em <
http://www.academia.org.br>. Acesso em:
16 abr. 2009.
Casa de Cultura Josué Montello. Disponível em : <
http://www2.cultura.ma.gov.br/portal/ccjm.
Acesso em 16 abr. 2009.
196
A viagem sem regresso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
Uma sombra na parede. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
A mulher proibida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
Enquanto o tempo não passa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
Sempre serás lembrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000 .
A herdeira do trono. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
A mais bela noiva de Vila Rica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira (a sair).
Romances traduzidos
Coronation Quay. Tradução inglesa de Cais da Sagração por Myriam
Henderson, Londres: Rex Collings, 1975.
Muelle de la Consagración. Tradução castelhana de Cais da Sagração por
Maria José Crespo. Buenos Aires: Macondo Editiones, 1979.
Les Tribulations de Maître Séverin. Tradução francesa de Cais da
Sagração por Florence Benoist, com a colaboração de Isa de Ricquesen.
Paris: Éditions Maritimes et d`Outres-Mer, 1981.
Les Tambours noirs. Tradução francesa de Os tambores de São Luís por
Jacques Thiérot, Marie-Pierre Mezeas, Monique le Moing. Paris:
Flammarion, 1987.
Natt över Alcântara. Tradução sueca de Noite sobre Alcântara por
Margareta Ahlberg. Estocolmo: Ed. Nordan, 1988.
Notte su Alcantara. Tradução italiana de Noite sobre Alcântara por
Adelina Aletti. Milano: Bompiani, 1997.
Novelas
O fio da meada. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1955.
Duas vezes perdida. São Paulo: Martins, 1966.
Numa véspera de Natal. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1967.
Uma tarde, outra tarde. São Paulo: Martins, 1968. 2. ed. São Paulo:
Martins, 1971.
Um rosto de menina. In: ______Uma tarde, outra tarde. São Paulo:
197
Martins, 1968, pp. 11-40. 4. ed. São Paulo: Difel, 1983.
A indesejada aposentadoria. Brasília: Ebrasa. Ed. de Brasília, 1972.
Glorinha. São Paulo: Clube do Livro, 1977.
O melhor do conto brasileiro. Em colaboração com Aníbal Machado,
Lygia Fagundes Telles e Orígenes Lessa (1979).
Obra completa
Obra completa: romances e novelas de Josué Montello. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1986. 3 v.
Novelas traduzidas
La campana de soledade. O Cruzeiro Internacional, Rio de Janeiro, 16 de
outubro de 1964. Tradução castelhana de O sino da soledade. In______
O fio da meada
La sencilla y complicada historia del viejo diplomata. O Cruzeiro
Internacional, Rio de Janeiro, 1 de julho de 1965. Tradução castelhana
de O velho diplomata. In______ Duas vezes perdida.
Faded lives. In______ Courrier de Messagéries Maritimes. Paris,
jan./fev. 1970, nº 114. Tradução inglesa de Vidas apagadas. In______
Duas vezes perdida.
Viés éteintes. In______ Courrier Messagéries Maritimes. Paris,jan.-
fev./1970, nº 114. Tradução francesa de Vidas apagadas. In______
Duas vezes perdida.
Novela e romances
editados em Portugal
Um rosto de menina. Lisboa: Difel, 1984.
A coroa de areia. Lisboa: Livros do Brasil, 1987.
Os tambores de São Luís. Lisboa: Livros do Brasil, 1990.
Largo do Desterro. Lisboa: Livros do Brasil, 1993.
Teatro
Precisa-se de um anjo.Comédia em 3 atos. Representada no Rio de
Janeiro pela Companhia Delorges, no Teatro Rival. Estréia em 26 de
novembro de 1943.
198
Escola da saudade. Comédia em 3 atos. São Luís: Imprensa Oficial do
Maranhão, 1946. Representada no Rio de Janeiro pela Companhia
Jayme Costa, no Teatro Glória. Estréia em 19 de agosto de 1947.
O verdugo. Drama em 1 ato. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica, 1954.
Representada em Lima pelo Teatro Universitário da Universidade
Nacional Maior de São Marcos. Estréia em 13 de janeiro de 1956.
Representada no Rio de Janeiro pelo Teatro de Amadores, no Teatro
Mesbla. Estréia em 5 de janeiro de 1957.
A miragem. Comédia em 3 atos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
Através do olho mágico. Rio de Janeiro: Serv. Nac. do Teatro, 1959.
Comédia em 3 atos. Representada no Rio de Janeiro pelo teatro de
estudantes, por iniciativa da Sociedade Propagadora das Belas-Artes, no
auditório de O Globo. Estréia em 6 de dezembro de 1963.
O anel que tu me deste. Comédia em 3 atos. Representada em Paraíba
do Sul pelo Teatro de Amadores, na inauguração do Teatro Paroquial de
Paraíba do Sul. Estréia em 26 de novembro de 1960.
A baronesa. Comédia em 3 atos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960.
Representada no Rio de Janeiro pelo "Studio A", sob a direção de
Pernambuco de Oliveira, no Teatro Dulcina. Estréia em 17 de março de
1961.
Alegoria das três capitais. Espetáculo oficial da inauguração de Brasília,
1960. Apresentação na Praça dos Três Poderes, em 21 de abril de 1960.
Texto de Josué Montello em colaboração com Chianca de Garcia, música
de Villa-Lobos e Hekel Tavares.
Um apartamento no céu. Rio de Janeiro: Edições Consultor, 1995.
O baile da despedida. Romance transcrito para teatro com o título O
último baile do Império, representada em Coimbra, Portugal, no
"Festival da Tondela", 1996. Em Lisboa, no Teatro Barraca, em 1997.
Crônica
Os bonecos indultados. Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1973.
Educação
O sentido educativo da arte dramática. Tese de concurso, 1937.
Reforma do Ensino Normal no Maranhão. São Luís: Serviço de Imprensa
199
Oficial, 1946.
Os feriados nacionais. Rio de Janeiro: MEC, 1953.
Literatura para professores do 1º grau. In: ______ Biblioteca Educação
e Cultura. Rio de Janeiro: Bloch, 1980, v. 2.
Literatura infantil
O tesouro de Dom José. Rio de Janeiro: Gráfica Ed. "O Malho", 1944.
(Biblioteca Infantil d’O Tico-Tico).
As aventuras do Calunga.Rio de Janeiro: Gráfica Ed. "O Malho", 1945.
(Biblioteca Infantil d’O Tico-Tico).
O bicho do circo. Rio de Janeiro: Gráfica Ed. "O Malho", 1945.
(Biblioteca Infantil d’O Tico-Tico).
A viagem fantástica. Rio de Janeiro: Gráfica Ed. "O Malho", 1946.
(Biblioteca Infantil d’O Tico-Tico).
Conversa do Tio Juca. Publicado semanalmente em O Tico-Tico. Rio de
Janeiro: Gráfica ed. "O Malho", 1947 a 1948.
A cabeça de ouro. Rio de Janeiro: Gráfica Ed. "O Malho", 1949.
(Biblioteca Infantil d’O Tico-Tico).
As três carruagens e outras histórias. São Paulo: LISA; Brasília: INL,
1979. (Coleção Estrela da Manhã).
Fofão, Antena e o Vira-Lata inteligente. Rio de Janeiro: José Olympio,
1980.
O carrasco que era santo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
A formiguinha que aprendeu a dançar. Rio de Janeiro: Consultor, 1997.
Diários
Diário da manhã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
Diário da tarde. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
Diário do entardecer. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1991.
Diário da noite iluminada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
200
Diário das minhas vigílias. 1998.
Diário da madrugada. 1998
Diário Completo. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998. 2 v.
Confissões de um romancista (a ser publicado).
Prefácios
2
Ficção completa, de José Lins do Rego. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1976.
O fruto do vosso ventre, romance de Herberto Sales, na sua tradução
japonesa publicada em Tóquio: Shinsekaisha Ltda., 1977.
Cartas do próprio punho, de Gilberto Freyre. Rio de Janeiro: Conselho
Federal de Cultura, 1978.
Mestre Cícero Dias. Livro de arte, com inclusão de uma tela sobre Os
tambores de São Luís, 2001.
Antologias organizadas pelo autor
Aluísio Azevedo (Trechos escolhidos). Apresentação em duas partes: a)
situação histórica; b) estudo crítico. Rio de Janeiro: Agir, 1963.
Machado de Assis. Estudo introdutório e antologia. Lisboa: Editorial
Verbo, 1972. (Gigantes da Literatura Universal).
Para conhecer melhor Gonçalves Dias. Estudo introdutório e Antologia.
Rio de Janeiro: Bloch, 1973.
Para conhecer melhor José de Alencar. Estudo introdutório e Antologia.
Rio de Janeiro: Bloch, 1973.
Antologias com contos do autor
MONTEIRO, Jerônimo. O conto fantástico (antologia). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1959, pp. 209-23: O sino da soledade, novela de
Josué Montello, In:______ O fio da meada.
2
Mais de cem obras foram prefaciadas por Josué Montello, apresentam-se, aqui,
apenas alguns dos mais representativos.
201
MAGALHÃES JÚNIOR, R. O conto do Norte (antologia). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1959, v.2; pp.145-61: O orador , novela de Josué
Montello, In:______ O fio da meada.
José de Barros Martins - 30 anos (antologia comemorativa do trigésimo
aniversário de fundação da Livraria Martins Editora). São Paulo: Martins,
1967; pp. 219-28: Vidas apagadas, novela de Josué Montello,
In:______ Duas vezes perdida.
NEVES, João Alves das. Mestres do conto brasileiro (antologia). Lisboa:
Editorial Verbo, 1972, pp.127-44: Numa véspera de Natal , novela de
Josué Montello, In:______ Uma tarde, outra tarde.
MORAIS FILHO, Nascimento. Esperando a missa do Galo (antologia de
contos de Natal). São Luís: Edições SIOGE, 1973; pp. 233 a 251: Numa
véspera de Natal, novela de Josué Montello, In:______ Uma tarde,
outra tarde.
PROENÇA, Ivan Cavalcanti. O melhor do conto brasileiro (antologia). Rio
de Janeiro: José Olympio, 1979; pp. 51-61: Numa véspera de Natal,
novela de Josué Montello, In:_______ Uma tarde, outra tarde.
Pelo telefone (antologia de contos a respeito do telefone). Edição
especial. São Paulo: Telecomunicações de São Paulo S.A , 1981; pp.
115-37: A extensão, novela de Josué Montello, In:______ Um rosto de
menina.
Ensaios
Gonçalves Dias. In:______ Ensaios biobibliográficos. Rio de Janeiro:
publicações da Academia Brasileira de Letras, 1942.
Histórias da vida literária. Rio de Janeiro: Nosso Livro Ed., 1944.
O Hamlet de Antônio Nobre. Rio de Janeiro: Ser. Doc. MEC, 1949.
Cervantes e o moinho de vento. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.
Viagem ao mundo do Dom Quixote. Fortaleza: Universidade Federal do
Ceará, 1983.
3
3
Título mudado para Viagem ao mundo do Dom Quixote. In:______ MONTELLO, Josué.
Caminho da fonte, Rio de janeiro: INL, 1959, p. 203-78.
202
Fontes tradicionais de Antônio Nobre. Rio de Janeiro: Serv. Doc., MEC,
1953.
Ricardo Palma, clássico da América. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica,
1954.
Artur Azevedo e a arte do conto. Rio de Janeiro: Liv.São José, 1956.
Estampas literárias. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1956.
A oratória atual do Brasil. Rio de Janeiro: Serv. Doc. DASP, 1959.
Caminho da fonte. Rio de Janeiro:INL, 1959.
Ford, o mágico dos automóveis. In:______ Grandes vocações. São
Paulo: Donato Ed., 1960, v.2.
O Presidente Machado de Assis. São Paulo: Martins, 1961.
Santos de casa. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1966.
Uma afinidade de Manuel Bandeira: Vicente de Carvalho. Fortaleza:
Imprensa Universitária do Ceará, 1967.
O conto brasileiro: de Machado de Assis a Monteiro Lobato. In:______
MONTELLO, Josué. Caminho da fonte. Rio de Janeiro: INL, 1959, pp.
279-365. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1967.
Bispos de outrora In:______ O assunto é padre. Em colaboração com
Adonias Filho, Armando Fontes, Cassiano Ricardo e outros. Rio de
Janeiro: Agir, 1968, pp. 99-120.
Marcas literárias da comunidade luso-brasileira. Lisboa: Comissão
Executiva do V Centenário de Nascimento de Pedro Álvares Cabral,
1968. In:______ Separata do Boletim da Academia Internacional de
Cultura Portuguesa. Lisboa, nº 4, 1968.
Uma palavra depois de outra. Rio de Janeiro: INL, 1969.
203
Un maître oublié de Stendhal. Paris: Éditions Seghers, 1970.
4
Estante
giratória. Rio de Janeiro: Liv. São José, 1971.
A transição da cultura brasileira. In:______ Separata da Revista do
Arquivo Municipal de São Paulo, 1973, nº 185 a 200.
A cultura brasileira. Conferência proferida na Escola Superior de Guerra.
Rio de Janeiro: Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra,
1977.
O estilo de Rui Barbosa In:______ Rui, o parlamentar. Em colaboração
com Américo Lacombe, Luís Viana Filho, Pedro Calmon e Pinto de
Aguiar. Salvador: ABC Gráfica, 1978, p. 5-20.
Entre o jogo-de-armar e o best-seller. In:______ Para entender os
anos 70. Em colaboração com Roberto Campos, Murilo Melo Filho, Carlos
Heitor Cony e outros. Rio de Janeiro: Bloch, 1980, p.111-19.
Brazilian culture. Estocolmo: Embaixada do Brasil, 1983. (Editado em
inglês).
5
Os caminhos. São Luís: Departamento de Estradas de Rodagem do
Maranhão, 1984.
Lanterna vermelha. São Luís: Academia Maranhense, 1985.
Alcântara. Em colaboração com Barnabás Bossahart e Hugo Loetscher,
1989.
Janela de mirante. São Luís: SIGE, 1993.
O Modernismo na Academia: Testemunhos e documentos. Rio de
Janeiro: ABL, Coleção Afrânio Peixoto, 1994.
O tempo devolvido: Cenas e figuras da História do Brasil. Rio de Janeiro:
ABL, Coleção Afrânio Peixoto, 1996.
Fachada de azulejo. São Luís: AML, 1996.
4
Esse estudo, publicado em Paris, a respeito do Abbé de Saint-Real, que viveu na
França no século XVII, determinou a reedição de duas obras desse autor na Suíça, com
a expressa declaração da contribuição de Josué Montello.
5
Compreende palestra de Josué Montello na Universidade de Estocolmo e entrevista à
radio e à imprensa sueca em 1982.
204
Condição literária. São Luís: CEUMA, 1996.
Memórias Póstumas de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1997. 2ª impressão. Lúcio de Mendonça. Rio de Janeiro: ABL,
1997. Coordenação e prefácio.
Baú da juventude. São Luís: Academia Maranhense de Letras, 1997.
Diário da viagem ao Rio Negro. Rio de Janeiro: ABL, 1997. (Coleção
Afrânio Peixoto, 30).
6
Os inimigos de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
2ª impressão.
O Juscelino Kubitschek de minhas recordações. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999. 2ª impressão.
História
História dos homens de nossa história. Em colaboração com Nélio Reis.
Belém: Oficinas Gráficas do Inst. Lauro Sodré, 1936.
Os holandeses no Maranhão. Rio de Janeiro: DIP, 1945. 2. ed. Rio de
Janeiro: Serv. Doc. MEC, 1946.
Theremin. Álbum de gravuras com introdução de Josué Montello. Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional, 1949.
História da Independência do Brasil. Introdução, planejamento e direção
geral da obra. Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1972, 4 v.
Pedro I e a Independência do Brasil à luz da correspondência epistolar.
Rio de Janeiro: Associação Comercial, 1972.
História literária
Pequeno anedotário da Academia Brasileira: anedotário dos fundadores.
São Paulo: Martins, 1974. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.
Aluísio Azevedo e a polêmica d’O Mulato. Rio de Janeiro: José Olympio.
Brasília: INL, 1975.
6
Introdução extensa ao estudo de Gonçalves Dias, com o levantamento de todo o
trabalho de pesquisa do poeta.
205
A polêmica de Tobias Barreto com os padres do Maranhão. Rio de
Janeiro: José Olympio. Brasília: INL, 1978.
Primeiras notícias da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: ABL,
1997.
A Academia Brasileira entre o Silogeu e o Petit Trianon. Rio de Janeiro:
ABL, 1997. (Coleção Afrânio Peixoto, 33).
Biblioteconomia
Curso de organização e administração de bibliotecas. Rio de Janeiro:
Dasp, 1943.
PRODUÇÕES PARA CINEMA E TELEVISÃO E OUTRAS
PARTICIPAÇÕES NA MÍDIA
Cinema
Uma tarde, outra tarde: O amor aos 40. In:______ Uma tarde, outra
tarde. São Paulo: Martins, 1968, pp. 1810213. Novela filmada e dirigida
pelo cineasta William Cobbett, sob o patrocínio da Embrafilme, em 1974.
Adaptação para o cinema com texto do próprio autor. Exibição do filme
em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, em 1976.
O monstro. Com o título O monstro de Santa Teresa . In:______ Duas
vezes perdida. São Paulo: Martins, 1966, pp. 11-46. Novela filmada e
dirigida pelo cineasta William Cobbett, sob o patrocínio da Embrafilme,
em 1975. Adaptação para o cinema com texto do próprio autor e do
cineasta. Exibição do filme no Rio de Janeiro em 1978.
Filme-documentário a respeito do romance Os tambores de São Luís.
Produzido por Renato Bittencourt, para a Agência Nacional - Jornal n.
96, de 1975.
Filme-documentário, rodado em São Luís, a respeito de sua vida e obra
literária. Produzido por Pedro Braga dos Santos, em 1978.
Televisão
Documentário sobre a vida e a obra literária de Josué Montello. Dirigido
e apresentado por Araken Távora na TV Educativa para a série "Os
Mágicos".
206
Entrevistado por Márcio Braga a respeito do Prêmio Nacional de
Romance do INL, conferido a Josué Montello pela publicação de Noite
sobre Alcântara e A coroa de areia, 1980.
Filme-documentário sobre a vida e a obra de Josué Montello,
apresentado pela televisão maranhense, filmado em São Luís e dirigido
por Pedro Braga dos Santos, 1980.
Entrevistado pela TV Educativa, na Academia Brasileira de Letra, para o
programa Os imortais, 1981.
Entrevistado por Roberto d`Ávila para a TV Educativa, no programa Um
nome na História, 1981.
O velho diplomata. Novela apresentada pela TV Cultura de São Paulo e
TV Educativa do Rio de Janeiro, seriada em cinco capítulos, com texto
adaptado por Jorge Andrade e Abujamra, inaugurando o gênero
"Teleconto" nessas emissoras de televisão, em 1981.
Entrevistado em São Paulo por Benedito Buzar para a TV Bandeirantes,
no Programa Maré Alta, em 1983.
Entrevista para a TV Manchete, a respeito de sua obra literária e o seu
romance Pedra viva, em 1983.
Depoimento a respeito de Alceu Amoroso Lima para o Arquivo da
Fundação Cândido Mendes, gravado em vídeo, para o circuito interno de
televisão, em 1983.
Entrevista a respeito da publicação do Diário da manhã para a TV
Manchete, apresentado no jornal Manchete Panorama, em 1984.
Depoimento para Araken Távora, para circuito fechado de televisão a
respeito de sua vida, obra e vocação literária, para divulgação no Brasil
e no exterior, em universidades e instituições culturais, com a
participação da IBM e da TV Educativa, onde se encontra arquivada uma
cópia da gravação, em 1984.
Entrevistado em São Luís por Benedito Buzar para a TV Bandeirantes,
no Programa Maré Alta, em 1984.
Depoimento a respeito de Uma varanda sobre o silêncio, apresentado
pela TV Manchete, no jornal Manchete Panorama, em 1984.
207
Especial de literatura com Josué Montello: Mar-Amar-Maranhão. Longo
documentário apresentado pela TV Educativa, filmado em São Luís, e
pequena parte no Rio de Janeiro, focalizando os cenários dos romances
de Josué Montello, juntamente com seus depoimentos, em 1984.
Depoimento a propósito do romance Uma varanda sobre o silêncio,
apresentado por Danuza Leão, juntamente com a cantora Gal Costa, na
TV Record, no programa Encontro Marcado, em 1984.
Depoimento para o programa Sem Censura, da TV Educativa do Rio de
Janeiro a respeito de Memórias Póstumas de Machado de Assis, 1997.
Depoimento para a TV Manchete, no programa Campus Universitário
sobre Machado de Assis, vida e obra, e a publicação de Memórias
Póstumas de Machado de Assis, 1997.
Depoimento para o programa Sem Censura da TV Educativa, a respeito
de Os inimigos de Machado de Assis, 1998.
Depoimento para o programa Sem Censura da TV Educativa a respeito
de O Juscelino Kubitschek das minhas recordações, 1999.
Depoimento para o programa Sem Censura a respeito do romance
Sempre serás lembrada, 2000.
Entrevistado pela TV Educativa para o programa Observatório da
Imprensa sobre o jornalista Carlos Castello Branco, 2000.
Entrevistado sobre Darcy Ribeiro em programa transmitido pela TV
Senado, 2001.
Participação no programa Primeiro time, da TV Educativa, em que alude
à doação dos originais de O Mulato à ABL, 2001.
Rádio
Radiofonização em Lisboa, pela Rádio Renascença, no programa Páginas
do Brasil, nº. 31, de duas cenas do romance A décima noite, precedidas
de um breve estudo. Produção do Departamento de Rádio do Escritório
de Propaganda e Expansão do Brasil em Lisboa, 1960.
Radiofonização da peça A baronesa, por Dias Gomes, pela Rádio
Nacional do Rio de Janeiro, 1961.
208
Radiofonização da novela A aposentadoria, pelo produtor Allan Lima,
através da Rádio Ministério da Educação e Cultura, programa Vida e
fantasia, 1964.
Radiofonização de passagens do Pequeno anedotário da Academia
Brasileira de Letras, pela Rádio Ministério da Educação e Cultura, 1965.
Transmitida pela Rádio Emissora BBC de Londres, conversa de Josué
Montello sobre "O sistema nacional de cultura no Brasil", 1968.
Entrevista em Paris, para a Rádio Francesa, a propósito do livro de
ensaios Un maître oublié de Stendhal, publicado pela Editora Seghers,
1970.
Josué Montello Especial. Entrevista gravada a respeito de sua obra,
focalizando seu romance A coroa de areia, transmitida pela Rádio Jornal
do Brasil, 1980.
Entrevista à Rádio Jornal do Brasil a respeito do romance Aleluia,
transmitida no Noticiário da Manhã, 1982.
Entrevistado em Estocolmo pela Rádio Suécia Internacional, no
programa Debate, transmitido em português para a Europa, África e
América Latina, 1982.
Entrevistado pela rádio francesa a respeito de sua obra literária, no Rio
de Janeiro, pela jornalista Carmen Bernard, para ser transmitida em
Paris pela Radio France Culture no programa cultural Panorama, 1983.
Entrevistado pela Rádio Roquette-Pinto, do Ministério da Educação e
Cultura, a respeito de sua obra literária, 1983.
Radiofonização pela Rádio Ministério da Educação e Cultura da novela de
Josué Montello Numa véspera de Natal, na programação especial da
Rádio O Natal na visão do contista, 1984.
Entrevistado pela Rádio MEC sobre a publicação de Memórias póstumas
de Machado de Assis, 1997.
209
Edições para cegos
7
Cais da Sagração (romance), 1976.
O presidente Machado de Assis (ensaio), 1978.
Aleluia (romance), 1982.
7
Gravações em cassetes do Livro falado, pela Fundação para o Livro do Cego no Brasil,
com sede em São Paulo.
210
ANEXO B
BIOGRAFIA RESUMIDA DE JOSUÉ MONTELLO
1
Filho de Antônio Bernardo Montello e Mância de Souza Montello,
Josué de Souza Montello nasceu em São Luís do Maranhão em 21 de
agosto de 1917 e faleceu no Rio de Janeiro em 15 de março de 2006.
Estudou em São Luís do Maranhão, concluindo o seu curso secundário
em Belém do Pará, de onde se deslocou, em dezembro de 1936, para o
Rio de Janeiro, e aí se especializou em Educação, pela Universidade
Federal do Maranhão. Quarto ocupante da Cadeira nº 29, Montello foi
eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 4 de novembro de 1954,
na sucessão de Cláudio de Sousa e recebido em 4 de junho de 1955
pelo Acadêmico Viriato Corrêa.
Cargos exercidos
Inspetor Federal do Ensino Comercial, no Rio de Janeiro (1937);
Técnico de Educação (por concurso de provas e títulos), do Ministério da
Educação (1938 a 1971);
Diretor Substituto do Ensino Comercial, do Ministério da Educação.
Técnico de Educação do DASP (Divisão de Aperfeiçoamento) (1942-
1944);
Professor de Organização e Administração de Bibliotecas, dos Cursos de
Administração do DASP (1943-1944);
Professor de Organização de Bibliotecas, do Curso Fundamental de
Biblioteconomia da Biblioteca Nacional (1945-1947);
1
Fonte: Academia Brasileira de Letras (ABL) Disponível em <http://www.academia.org.br/>.
Acesso em: 16 abr. 2009.
211
Professor de História da Literatura, do Curso de Biblioteconomia, da
Biblioteca Nacional;
Coordenador dos Cursos da Biblioteca Nacional (1944);
Diretor dos Cursos da Biblioteca Nacional;
Diretor Geral da Biblioteca Nacional (nomeado em 1947);
Diretor do Serviço Nacional do Teatro, do Ministério da Educação;
Secretário Geral do Estado do Maranhão (1946 - na intervenção de
Saturnino Belo);
Subchefe da Casa Civil da Presidência da República (fevereiro de 1956
a fevereiro de 1957);
Professor da Cadeira de Estudos Brasileiros, da Universidade Maior de
São Marcos, em Lima, Peru (1953-1955);
Diretor Geral do Museu Histórico Nacional;
Diretor e fundador do Museu da República (Palácio do Catete);
Professor da Cadeira de Literatura Brasileira, da Universidade de Lisboa
(1957);
Professor da Cadeira de História e Literatura Brasileira, da Universidade
de Madri (1958);
Presidente do Conselho Federal de Cultura (1967-1968);
Conselheiro Cultural da Embaixada do Brasil em Paris (1969-1970);
Reitor da Universidade Federal do Maranhão;
Professor de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras Pedro II
(FAHUPE);
Embaixador do Brasil junto à UNESCO (1985 a 1989);
Presidente da Academia Brasileira de Letras (1994 a 1995).
Colegiados
Membro do Conselho de Serviço Social Rural;
Membro do Conselho da Sudene (como representante do Ministério da
Educação);
Membro do Conselho do Patrimônio Histórico;
212
Membro da Comissão Diretora da Biblioteca do Exército (1961-1968);
Membro do Conselho Federal de Educação (1962-1967);
Membro do Conselho Federal de Cultura (1967-1989);
Membro da Comissão Diretora da Casa José de Alencar (Universidade do
Ceará);
Membro a Comissão Machado de Assis (para fixação dos textos básicos
da literatura brasileira).
Instituições fundadas
Museu da República (Palácio do Catete);
Museu de História Literária (no Museu Histórico Nacional, com o acervo
básico do arquivo contendo quase todos os originais manuscritos de
José de Alencar e obtido por doação);
Museu Filatélico (no Museu Histórico Nacional, com uma doação feita
pelo Banco de Boston);
Conselho Federal de Cultura (foi autor do Projeto e Decreto-Lei
respectivo assinado pelo Presidente Castelo Branco e bem assim dos
atos complementares que permitiram a implantação do colegiado);
Museu Histórico e Geográfico do Maranhão;
Museu Sacro do Maranhão;
Sede da Reitoria da Universidade do Maranhão, “Palácio Cristo Rei”, na
praça Gonçalves Dias, São Luís, Maranhão;
Casa de Cultura Josué Montello, São Luís, Maranhão.
Instituições a que pertenceu
Membro efetivo da Academia Brasileira de Letras;
Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro;
Membro da Academia Maranhense de Letras;
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão;
Sócio Fundador da Sociedade Brasileira de Amigos das Nações Unidas;
213
Membro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa;
Membro da Sociedade de Geografia de Lisboa;
Membro da Academia das Ciências de Lisboa;
Membro da Academia Portuguesa de História;
Catedrático Honorário da Universidade Nacional Maior de São Marcos
(Lima, Peru);
Membro da Association Internationale des Critiques Littéraires (Paris);
Irmão da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro;
Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Brasília;
Sócio benemérito da União Brasileira de Escritores;
Membro honorário da Academia Pernambucana de Letras;
Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina;
Membro da Academia Venezuelana de Letras;
Membro da Academia Espanhola de História;
Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Uruguai.
Prêmios recebidos
Prêmio “Sílvio Romero” de Crítica e História, da Academia Brasileira de
Letras, 1945. Com a publicação de Histórias da vida literária;
Prêmio “Artur Azevedo” de Teatro, da Academia Brasileira de Letras,
1947. Com a publicação de Escola da saudade;
Prêmio “Coelho Neto” de Romance, da Academia Brasileira de Letras,
1953. Com a publicação de Labirinto de espelhos;
Prêmio “Paula Brito” de Romance, da Prefeitura do Distrito Federal,
1959. Com a publicação de A décima noite;
Prêmio “Fernando Chinaglia” de Romance, da União Brasileira de
Escritores, 1965. Com a publicação de Os degraus do paraíso;
Prêmio “Luísa Cláudio Souza” de Romance, do PEN Clube do Brasil,
1967. Com a publicação de Os degraus do paraíso;
214
Prêmio “Intelectual do Ano”, da União Brasileira de Escritores e da
Folha de S. Paulo, 1971. Com a publicação de Cais da Sagração;
Prêmio de Romance da Fundação Cultural de Brasília, 1972. Com a
publicação de Cais da Sagração;
Prêmio de Romance da Associação Paulista de Críticos de Arte, 1978.
Com a publicação de Noite sobre Alcântara;
Prêmio Nacional de Romance do Instituto Nacional do Livro, 1979. Com
a publicação de Noite sobre Alcântara;
Prêmio “Personagem Literária do Ano 1982”- da Câmara Brasileira do
Livro, de São Paulo, pelo seu conjunto de obra;
Prêmio Brasília de Literatura para conjunto de obra “1982”, da Fundação
Cultural do Distrito Federal, 1983, para conjunto de obras;
Grande Prêmio da Academia Francesa, 1987;
Prêmio São Sebastião de Cultura, da Associação Cultural da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, 1994;
Prêmio Ateneu Rotário do Rotary Clube de São Paulo, ao ser eleito
“Personalidade do Ano” na área de Letras, 1997;
Prêmio Guimarães Rosa, de prosa, do Ministério da Cultura, 1998;
Prêmio Oliveira Martins, da União Brasileira de Escritores, pela
publicação de Os inimigos de Machado de Assis, 2000;
Prêmio Ivan Lins (Ensaio) da Academia Carioca de Letras, pela obra O
Juscelino Kubitschek das minhas recordações, 2000.
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