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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
Tese apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Geografia
para obtenção do grau de
Doutor em Geografia.
Alfredo Cesar Tavares de Oliveira
Orientador: Nelson da Nobrega Fernandes
Niterói
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIA
O BAIRRO DE MARECHAL HERMES: DA MORADIA OPERÁRIA À
HABITAÇÃO SOCIAL (1910-1956)
ALFREDO CESAR TAVARES DE OLIVEIRA
TESE APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF, COMO PARTE DOS
REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR .
Aprovada por:
-------------------------------------------------------------------------
Dr. Nelson da Nóbrega Fernandes (orientador)
------------------------------------------------------------------------
Dr. Márcio Oliveira Pinon
------------------------------------------------------------------------
Dra Maria Lais Pereira da Silva
-------------------------------------------------------------------------
Dr. Antonio Edmilson Rodrigues
-------------------------------------------------------------------------
Dr. José Roberto Franco Reis
ii
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Oliveira, Alfredo Cesar Tavares de
O BAIRRO DE MARECHAL HERMES: DA MORADIA OPERÁRIA À HABITAÇÃO
SOCIAL (1910-1956) / Alfredo César Tavares de Oliveira – Niterói: s.n., 2009.
159 f.
Tese de Geografia – Universidade Federal Fluminense.
1. Geografia, História, espaço urbano, habitação social, Marechal Hermes e cidade do Rio
de Janeiro.
iii
Dedico esta tese à professora Gracyra de
Oliveira Puiz, que por longos anos
lecionou na escola Evangelina Duarte
Batista, em Marechal Hermes, a Eunice de
Aquino Bencardino e ao amigo Jorge
Vieira tão brutalmente retirado do nosso
convívio.
iv
AGRADECIMENTOS
A minha mulher, Lilian de Aquino Bencardino, pelo empenho, dedicação, e apoio que me
proporcionou nesta pesquisa;
aos meus filhos Luisa, Marcelo, Lígia, Julia e ao meu netinho Tainan pelas ausências;
a minha mãe, Neusa Tavares de Oliveira pelos importantes depoimentos sobre o bairro de
Marechal Hermes;
a minha avó Francisca Tavares, in memoriam, pelas inúmeras histórias que me contou
acerca do bairro e dos imigrantes portugueses que, como ela, vieram para o Brasil;
aos amigos Raul Simões, Marcos Veiga, Ignácio, dentre outros que lutam pela revitalização
do bairro;
ao professor Nelson Fernandes que com seu rigor em muito contribuiu com a difícil tarefa
que é investigar a evolução do espaço urbano;
a Dona Neuza Alves de Alencar e Dona Ruth pelos importantes depoimentos sobre a Vila
Proletária, o Portugal Pequeno e a Vila Maria Tereza;
a Maria Beatriz, Leandro Medrado, Renato Lopes, pela colaboração na formatação e leitura
do texto;
a FIOCRUZ/EPSJV que me permitiu desenvolver esta tese;
e a todos aqueles que pelo lapso de memória não estão aqui registrados.
v
RESUMO
A presente tese tem o objetivo de investigar as transformações espaciais ocorridas
no bairro de Marechal Hermes, localizado no município do Rio de Janeiro, em particular no
terreno desapropriado do Exército pela União, para nele edificar a Vila Proletária Marechal
Hermes, obra do então presidente da república Hermes da Fonseca (1910-1914). É central
nesta pesquisa articular a morfologia urbana do bairro com as mudanças econômicas e
políticas que distinguem a Primeira República (1889-1930) da Era Vargas (1930-1954), sob
o ponto de vista da produção da moradia operária. Torna-se, portanto, relevante, dentre os
demais estudos que abordam o desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro, estudar o
bairro desde a sua projeção, em 1910, até a constituição da habitação social, ou subsidiada,
promovida, a partir de 1938, pelo Instituto de Aposentadoria dos Servidores do Estado
(IPASE).
Para melhor explicar a transformação urbana do bairro, dividiu-se esta tese em dois
momentos: o primeiro trata da produção da moradia operária no bairro de Marechal Hermes
quando se aborda o liberalismo econômico versus as intervenções do Estado na produção
da moradia operária do governo Hermes, bem como o debate sobre o desenvolvimento da
cidade do Rio de Janeiro que se seguiu na década de 1920; o segundo trata do advento do
governo Vargas, a partir do golpe de 30, quando se abandona o liberalismo econômico para
em seu lugar colocar o intervencionismo do Estado preconizado por Keynes. Esta mudança
da política econômica, no Brasil, fez com que Vargas optasse pelo modelo
urbano/industrial em oposição à economia baseada na produção do café. É neste panorama
que surge a habitação social patrocinada por recursos dos Institutos de Aposentadorias e
Pensões (IAPs), do governo e dos trabalhadores, que não só visavam à reprodução da força
de trabalho, mas também o afastamento do operário dos movimentos de esquerda, em
especial o comunista.
Apesar da produção subsidiada da moradia operária ter sido limitada, a intervenção
do IPASE em Marechal Hermes se materializou em sua totalidade, dotando o bairro de
infra-estrutura urbana invejável para a região.
Palavras-chave: Geografia, História de bairro, espaço urbano, habitação social e cidade do
Rio de Janeiro.
vi
ABSTRACT
The present thesis aims at investigating the spacial transformations in Marechal
Hermes, neighbourhood in the city of Rio de Janeiro, more specifically in the area of the
Army which was incorporated by the Union and where the Proletarian Village was built by
the Republican President at the time, Marechal Hermes da Fonseca (1910 – 1914). The core
of this research is to relate Marechal Hermes’ urban morphology with the economic and
political changes which distinguish the First Republic (1889 1930) from Vargas’ Era
(1930 1954), taking into account the proletarian housing production. Therefore, among
other studies that tackle the development of Rio de Janeiro, studying Marechal Hermes
since its project in 1910 until the creation of the social housing – or sponsored housing – by
the “Instituto de Aposentadoria dos Servidores do Estado” (IPASE), in 1938, turns out to
be relevant.
In order to explain the urban change in the neighbourhood, this thesis was divided in
two moments: the first one deals with the proletarian housing production in Marechal
Hermes when the economic liberalism “versus” President Hermes’ interventions in that
production take place – as well as the discussion about the development of Rio de janeiro in
1920; the second one studies Getúlio Vargas’ government from the “Coup d’Etat” in 1930,
when the economic liberalism is substituted for the State intervention of Keynes.This
change in the economic politics in Brazil made Vargas choose the urban/industrial model
instead of the coffee production economy. In this panorama, the social housing - sponsored
by the “Institutos de Aposentadorias e Pensões” (IAPs), by the government and by workers,
whose resources not only targeted at the reproduction of workforce but also at the great
distance between workers and left movements, mainly the communist one – took place.
Even though the sponsored proletarian housing was limited, the IPASE
interventions in Marechal Hermes were really successful as they provided the
neighbourhood with an enviable urban infra-structure.
Key-words: Geography, the neighbourhood’s history, urban space, social housing,
Marechal Hermes and the city of Rio de Janeiro.
vii
SUMÁRIO
PARTE I
1- INTRODUÇÃO. ...............................................................................................................1
1.1. O PANORAMA HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO BAIRRO DE MARECHAL
HERMES. ...............................................................................................................................7
2) A QUESTÃO DA HABITAÇÃO OPERÁRIA NA REPÚBLICA VELHA
2.1. A EMERGÊNCIA DA CRISE DA HABITAÇÃO NO RIO DE JANEIRO NA
PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930). .............................................................................19
3) O GOVERNO HERMES
3.1. FRATURAS E ACIDENTES NO PACTO OLIGÁRQUICO. .....................................41
3.2. A ESPECIFICIDADE DE HERMES DA FONSECA NO CONTEXTO DA
PRIMEIRA REPÚBLICA. ..................................................................................................52
3.3. O GOVERNO HERMES E A QUESTÃO SOCIAL. ..................................................66
4) AS VILAS ORSINA DA FONSECA E MARECHAL HEMES VISTA COMO
INTERVENÇÃO SOCIAL
4.1. AS VILAS PROLETÁRIAS ORSINA DA FONSECA E MARECHAL HERMES:
MARCHA E CONTRA-MARCHA. ...................................................................................74
viii
PARTE II
5) A QUESTÃO DA HABITAÇÃO NA ERA VARGAS
5.1. OS ANOS 30, A OPÇÃO URBANO-INDUSTRIAL DO ESTADO BRASILEIRO E A
REEMERGÊNCIA DO DEBATE HABITACIONAL NA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO. ............................................................................................................................92
5.2. DA PROPRIEDADE FUNDIÁRIA AO CAPITAL INCORPORADOR DOS IAP’S E
DA FCP: A GENESE DA HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL. ...................................107
6) A HABITAÇÃO SOCIAL EM MARECHAL HERMES E NA REGIÃO VIZINHA.
6.1. A INTERVENÇÃO ESTATAL E A HABITAÇÃO SOCIAL NO ENTORNO DO
BAIRRO DE MARECHAL HERMES. .............................................................................122
6.2. A HABITAÇÃO SOCIAL NO BAIRRO DE MARECHAL HERMES ENTRE 1931 E
1945. ..................................................................................................................................131
6.3. O IPASE E HABITAÇÃO SOCIAL NO BAIRRO DE MARECHAL HERMES
ENTRE 1945 E 1956. ........................................................................................................141
CONCLUSÃO. .................................................................................................................148
BIBLIOGRAFIA. ...............................................................................................................154
ix
PARTE I
1. INTRODUÇÃO
A história da cidade e a da habitação vêm sendo discutidas desde os primórdios do
século XIX, destacadamente após a Revolução Industrial, na Europa, fruto de relações
socioeconômicas que com as suas tensões, tais como as novas necessidades de circulação
de mercadorias e de higiene, moldaram o espaço urbano. Exemplo desta modelação do
espaço são Londres e Paris que, pela lente de seus projetistas, imaginavam-se ideais.
Assim, os governos, diante de novas escalas de comércio, se apressaram em encontrar
soluções para as crises que afligiam não a reprodução da mão-de-obra, mas a própria
existência da classe burguesa e do seu método de exploração capitalista.
Uns dos principais estudiosos dessa questão foram Fustel de Coulanges, George
Simmel e Max Weber, que ainda no século XIX deixaram incorporados ao estudo das
cidades a História, a Sociologia e a Economia (Raminelli, 1997, p. 186 e 187). No século
XX, destacam-se os trabalhos de Maurice Dobb
1
que se contrapõe a Pirenne, historiador de
inspiração weberiana, quando esse vinculou o desenvolvimento das cidades ao comércio e
ao capitalismo. No campo influenciado pelo trabalho de Marx, destaca-se A Questão
Urbana, de autoria de Manoel Castells (1983, p. III), quando afirma que para entender a
cidade capitalista, em seu início, a tradição marxista torna-se fundamental. Porém, esta
linha de pensamento torna-se limitada, pois os problemas urbanos estão ligados à "esfera da
reprodução", parte em que o trabalho de Marx não foi convincente. Esta limitação da obra
de Marx é satisfatoriamente explicada pelo trabalho de Ribeiro (1991) quando aborda as
formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro.
É consensual entre historiadores e geógrafos de que a crise sanitária nas cidades
agravam-se quando o trabalhador se obrigado a partilhar a habitação com um grande
número de pessoas, o que veio a facilitar a difusão das epidemias. Diante deste quadro de
pestilência, vários planos de urbanização, principalmente na Europa, a partir de meados do
século XIX, foram projetados visando o saneamento e o controle do espaço da moradia
operária (Benchimol, 1992, p. 124).
1
Dobb, ao refutar essa teoria defendeu que, em algumas cidades, o desenvolvimento do comércio
acirrou o ressurgimento do feudalismo quando se esperava o contrário (Raminelli, 1997, p. 188).
1
No Rio de Janeiro, com o adensamento populacional devido à abolição da
escravidão e à imigração portuguesa, tanto no final do século XIX como nas primeiras
décadas do século XX, a produção da moradia operária fez com que a aplicação de capitais
na habitação fosse economicamente mais rentável que a incipiente atividade industrial e até
mesmo a exportação de café. Por causa destes investimentos, o que se via na cidade era um
grande número de cortiços, estalagens, casas de cômodo todas com grande precariedade
sanitária. Diante deste quadro de crise habitacional e sanitária, surgem incentivos do
governo, tentando pela via liberal, resolver a questão da habitação.
Com a venda do café no exterior, a elite republicana, nos primeiros anos do século
XX, acumula capital suficiente para, a exemplo das transformações urbanas na Europa,
mudar a cara da pestilenta capital “colonial” brasileira. Para esta empreitada, é eleito
Rodrigues Alves (1902-1906), que incumbe o prefeito Pereira Passos de "rasgar" o coração
da cidade para nela construir, a custo de inúmeros trabalhadores desalojados, a Avenida
Central (atual Rio Branco). Este “Bota-abaixo” coincidiu com o incremento da atividade
sindical, tanto pelo lado anarquista quanto pelos sindicatos “amarelos”
2
, fazendo com que
as reivindicações dos trabalhadores ganhassem as páginas dos jornais e a consciência de
setores médios, como advogados e jornalistas (Benchimol, 1992, p. 192).
Diante da crise habitacional e da ascensão do movimento dos trabalhadores, surgem
congressos operários procurando sinergia entre os sindicatos para melhor enfrentar a classe
dominante. Decorrente da organização operária e de suas reivindicações, as greves passam
a ser severamente reprimidas e leis contra estrangeiros são promulgadas a fim de fazer calar
o conflito entre o braço e o capital. Com o acirramento da crise, as questões como a
produção da moradia operária passam a ser não tema para trabalhadores, mas também
para técnicos, empresários, médicos, militares e até para chefes de polícia.
São estes os conflitos do início do século que, somados à perspectiva positivista de
inserção social controlada, levarão o marechal Hermes da Fonseca (1910-1914) a se
aproximar dos sindicatos “amarelos” para com eles formalizar uma aliança de mútuo
interesse. No bojo deste acordo, Hermes constrói habitações operárias, imaginando poder
resolver esta importante questão dos trabalhadores. Desta forma, edifica-se, com dinheiro
2
Sindicalismo amarelo era um termo pejorativo dado pelos anarquistas para aqueles que no
sindicato se envolviam com reformas sociais em detrimento de práticas revolucionárias (Batalha,
1986, p. 14).
2
público, a partir da experiência bem sucedida da Vila Militar (1909), duas vilas operárias:
uma na Gávea, a Vila Proletária Orsina da Fonseca (1913), e outra em Sapopemba, a Vila
Proletária Marechal Hermes (1914), próximo à estação de Deodoro.
A mais absoluta ausência de estudos sistematizados abordando o bairro de marechal
Hermes, ou as vilas proletárias de Hermes, na Primeira República, e os conjuntos
habitacionais, na Era Vargas, acrescentou dificuldades para a realização desta tese. Este
silêncio se deve à superficialidade com que foi tratado o governo Hermes por Carone
(1973), Fausto (2002), Ferreira (1989), Souza (1984) e Iglesias (1993), que não perceberam
que o hiato provocado pela crise entre as elites mineira e paulista inscreveu na história
republicana algo mais do que um mero governo tampão. No trato urbano, o silêncio é ainda
maior nos trabalhos de Abreu (1987), Pechman (1985), Elia (1984), Farah (1983) e
Bonduki (2004), onde o bairro de Marechal não é percebido como ponto de discussão da
produção do espaço urbano nem com Hermes da Fonseca, nem com Vargas. Dentre os
autores supracitados, o exemplo mais radical é o de Abreu, que ao não perceber a
complexidade das vilas construídas por Hermes da Fonseca, contribuiu para minimizar o
debate e tudo mais que elas representaram para o sindicalismo "amarelo".
Não era mais necessário (após a Reforma Passos) que se concedessem
favores ao capital para que este construísse “casas higiênicas para
pobres”. E nem mesmo as tímidas investidas do estado na construção
de vilas operárias (duas edificadas no período Passos e duas sob a
presidência do marechal Hermes) tiveram importância significativa,
seja em número de habitações construídas, seja enquanto solução de
política urbana (Abreu, 2003, p. 172).
A visibilidade do bairro de Marechal melhora quando são estudados os movimentos
sindicais por Lobo (1989), Fausto (1986), Tórtima (1988), Gomes (2005) e por Batalha
(1986), pois a temática dos sindicatos “amarelos” estava imbricada com a questão da
moradia popular.
Apesar da dificuldade bibliográfica, a primeira questão para esta tese foi identificar,
dentro da política de Hermes da Fonseca, as razões que o levaram a construir a moradia
operária em Sapopemba, embrião do bairro de Marechal, ponto de partida para esta tese. Os
motivos que a mantiveram paralisadas por 17 anos é outra interrogação que merece ser
investigada e que pode destacar o governo Hermes dos demais governos da Primeira
República. Outro ponto a ser investigado é até onde a iniciativa de Hermes da Fonseca teria
3
inspirado Getúlio Vargas em suas investidas na produção da habitação social, pois o mesmo
retoma as obras, em 1931, exatamente no bairro de Marechal. Estas perguntas se tornam
necessárias quando Souza (1984, p. 224) afirma ser frágil a idéia de que as motivações
políticas do movimento de 30 tenham origem na campanha civilista (1910) e na Reação
Republicana (1922). Se as questões políticas da Primeira República (que levou Hermes ao
poder) pouco ou nada têm a ver com o governo Vargas, a transferência da Vila Proletária
Marechal Hermes para o Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União
(I.P.F.P.U.), em 1931, para que este terminasse de concluir a “vila”, nos leva a suspeitar
que, ao menos, o problema da habitação proletária para Vargas tem inspiração na iniciativa
habitacional de Hermes. Essas questões não podem ser avaliadas longe da transformação do
capitalismo que atua diferentemente tanto na Primeira República como na Era Vargas,
quando a elite dirigente opta por um modelo urbano/industrial. É neste exato momento que
surgirá o conceito de habitação social, ou subsidiada, que no período de 1945 até 1954, será
a ponta de lança de um "Estado do Bem-estar" que, apesar dos esforços de Vargas,
fracassou (Bonduki, 2004, p. 98).
Para dar sustentação teórica a esta tese, além das obras citadas, utilizaram-se os
trabalhos de Engels (1979), Harvey (2005), Lefebvre (1972) e de Ribeiro (1991), pois esses
têm em comum a produção da habitação. Engels é o mais enfático em suas críticas, pois
entende que a sociedade capitalista não pode viver sem crise da habitação. Para ele, quando
os trabalhadores se encontram desempregados se amontoam nas grandes cidades e vivem
ao sabor dos proprietários que na procura de mais e maiores lucros acabam por fazer da
crise habitacional uma instituição inerente à lógica do capital (Clássiques du marxisme,
apud Lefebvre, 1972, p. 69). Engels entendia, também, que a questão da habitação era um
desdobramento do conflito entre o campo e a cidade, pois estes pólos representavam a
primeira grande divisão de classes em uma sociedade.
Ultrapassadas as questões que fundam a discussão da habitação operária na
perspectiva de Engels, passemos para o conceito de “ideologia do habitat” desenvolvido
por Lefebvre. Esta ideologia consiste numa estratégia da burguesia em fazer do operário um
proprietário de uma casa ou de um lote, com o intuito de integrá-lo a um sistema de
propriedades que o aproximasse do ideal de segurança burguês (Fernandes, 1995, p. 180).
Aqui, no Rio de Janeiro, esta ação ganhou corpo após a reforma Passos, que para além da
4
questão do habitat, cristaliza-se a separação da moradia entre patrão e empregado,
possibilitando outras formas de controle da força de trabalho que não baseada em vilas
operárias (Abreu, 2003, p. 172).
A intervenção do Estado na produção da moradia operária pode ser compreendida a
partir da discussão de Harvey (2005), a respeito do momento em que o mesmo assume a
face da classe dirigente, podendo em períodos excepcionais se comportar com alguma
independência frente às classes dominantes, (o que, de certa forma, explica o governo de
Hermes da Fonseca diante do momentâneo colapso das oligarquias mineira e paulista nas
eleições de 1910). Assim, o que se quer entender é como o poder do Estado assume relativa
independência diante dos setores dominantes, ao mesmo tempo em que se expressa como
poder de duas classes sociais antagônicas, universalizando seu objetivo (Harvey, 2005, p.
81). Desta forma, a tentativa de generalizar a idéia de conciliação entre as classes, no
governo de Hermes da Fonseca, tem como exemplo o cooperativismo de Sarandy Raposo,
funcionário do Ministério da Agricultura, que em última análise expressa uma prática
reformista-social oriunda da Europa e pela primeira vez experimentada no Brasil.
O trabalho de Ribeiro (1991), por sua vez, nos revela como a propriedade fundiária
impossibilitou o pleno desenvolvimento do uso capitalista do solo. Em sua avaliação,
percebe que a separação da propriedade da terra e do capital, no Brasil, se deu em meados
da década de 40, do século XX, quando o incorporador reunirá forças para se sobrepor aos
empecilhos da propriedade fundiária, modelo de repartimento do solo hegemônico em toda
Primeira República. Sendo assim, é nesta transição que enquadramos o Instituto de Pensão
e Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE), cuja missão primeira foi a de valorizar
o capital de seus contribuintes zelando pelas aposentadorias e pensões e, secundariamente,
subsidiar a moradia de seus associados. Dentro deste quadro, o trabalho de Ribeiro (1991)
se aplica ao bairro de Marechal no período da Era Vargas, quando se edificam vários
conjuntos habitacionais e casas para funcionários públicos. Esta iniciativa foi também
sentida nos bairros de Realengo, Deodoro e Guadalupe que marcam, pela presença do
Estado, a produção da habitação social na região.
Sob o ponto de vista metodológico, dividiu-se esta tese em duas partes: a primeira
tratará da crise da habitação na Primeira República, das fissuras na oligarquia, da
especificidade de Hermes junto aos governos oligárquicos e a sua questão social diante do
5
movimento de trabalhadores da época. Neste bloco, ainda trataremos dos projetos das vilas
proletárias de Hermes da Fonseca, não imbricados com o movimento operário, mas
também da sua relação com setores médios da sociedade, como: políticos, jornalistas e
militares. A segunda parte deste estudo tratará da (re)emergência da questão habitacional na
Era Vargas (1931-1954), herdeira do debate iniciado na década de 10 e 20, quando se
destaca mais uma vez a presença do Estado, viabilizando, agora, a construção da habitação
social, que no caso de Marechal será conduzida pelo Instituto de Previdência e
Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE). Nesta parte do estudo, procura-se na
discussão urbana sobre a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo desenvolvida nos anos 30, as
raízes da nova ordem econômico-industrial que iria ser capitaneada por Getúlio Vargas.
Ao discutir-se a gênese da habitação social em Marechal Hermes, aborda-se a
transição da propriedade fundiária para o capital de incorporação, razão do
desenvolvimento capitalista do solo urbano. No bojo desta discussão, surge como exemplo
de incorporador imobiliário o IPASE, agente que reunirá capitais para produzir em
Marechal Hermes, principalmente, conjuntos habitacionais cuja inspiração reside no
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM). A expressão dessa arquitetura
encontra-se também em bairros como Realengo (construído pelo Instituto de Aposentadoria
e Pensões dos Industriários [IAPI]), Deodoro e Guadalupe (edificado pela Fundação da
casa Popular [FCP]), principalmente após a chegada da avenida Brasil, em 1949, fazendo
crer que a construção de conjuntos habitacionais no bairro, por mais que tenha sido
construído para servidores públicos, está inserida em um projeto maior para uma região que
cada vez mais se cristalizava como operária e industrial.
6
1.1. O PANORAMA HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO BAIRRO DE MARECHAL
HERMES
A localização de um bairro no espaço de uma cidade é invariavelmente fruto de
processos históricos, sociais, econômicos e geográficos. Estes processos estão intimamente
ligados à lógica capitalista do uso do solo e do seu conseqüente desenvolvimento desigual
quanto à localização de investimentos públicos e à moradia da classe operária e da
burguesia. O bairro de Marechal Hermes não foge a essa regra, pois sua inauguração em
terrenos desmembrados do Exército, ainda com o nome de Vila Proletária Marechal
Hermes, em 1914, procurou atender à necessidade da reprodução da mão-de-obra e a
eliminação do conflito entre o capital e o trabalho. Esses dois aspectos nada mais são que
uma política inspirada no reformismo social europeu e pioneiramente experimentada no
Brasil por Hermes da Fonseca (1910-1914) quando ocupou a presidência da República.
Após a revolução de 30, o governo de Getúlio procura desenvolver a produção da habitação
social fazendo criar vários Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP's) e suas carteiras
habitacionais, o que possibilitou, em Marechal Hermes, a construção de casas, conjuntos
habitacionais entre outros prédios públicos que fazem do bairro um exemplo de intervenção
pública no subúrbio do Rio de Janeiro.
O bairro de Marechal Hermes localiza-se na 25ª Região Administrativa da cidade do
Rio de Janeiro e é dividido, como vários logradouros da cidade, em duas partes pela
Estrada de Ferro Central do Brasil, hoje Supervia. São seus limites: a Norte-nordeste os
antigos loteamentos Boa Esperança e Maria Teresa (constituindo-se, após a chegada da
avenida Brasil, próxima ao bairro, na área mais dinâmica sob ponto de vista comercial); a
oeste, encontra-se a delegacia de polícia e um conjunto de escolas, onde se destaca a
Visconde de Mauá; no eixo leste-sudeste, encontram-se o rio Tingui, uma pequena colina
(fronteiriça ao bairro de Bento Ribeiro, onde se situam uma unidade militar da
Aeronáutica), a escola José Acioly e o Conjunto Residencial do IPASE; e na direção sul-
sudeste, fazendo fronteira com a Base Aérea dos Afonsos, localiza-se uma área que veio se
desenvolvendo a partir de pequenos loteamentos e que ficou conhecida como Portugal
Pequeno. Tal área, diferentemente da Vila (construída parcialmente por Hermes), não
possuiu nenhuma benfeitoria como praças, clubes, ou mesmo lojas comerciais
significativas.
7
Mapa 1- Destaca-se, na imagem, o bairro de Marechal Hermes e a sua vizinhança
imediata.
Apud Castro (2005)
Foto 1 - Vista aérea de Marechal, de 1936, destacando-se a Vila Proletária e a parte baldia onde se
desenvolveu o projeto do IPASE. Repare que no círculo, encontra-se a construção de casas onde deveria ser
uma praça pelo projeto de 1911. No retângulo, localiza-se o loteamento conhecido como Portugal Pequeno e
mais ao fundo o Campo dos Afonsos (acervo do Museu Aeroespacial).
8
Observa-se, na segunda imagem na página anterior, a intervenção urbana no bairro
de Marechal Hermes ainda sob a responsabilidade do Instituto de Previdência dos
Funcionários Públicos da União (IPFPU) que mais tarde assumirá o nome de Instituto de
Previdência dos Servidores do Estado (IPASE).
As primeiras indústrias do bairro no período histórico a que se dedica esta tese
(1910 -1956), foram as oficinas: de montagem de avião de Nicola Santos
2
(localizada
próxima ao Campo dos Afonsos, no Portugal Pequeno), e a Midlitown, (localizada do lado
oposto da Vila Proletária e destacada pelo círculo) e, mais tarde, na década de 40, absorvida
pela Companhia Nacional de Vagões.
Foto 2 - Destacam-se nesta imagem, nos retângulos e quadrados, as duas escolas primárias, a estação de trem,
a escola Visconde de Mauá e a oficina Midlitown no círculo (Acervo do Museu Aeroespacial).
Vê-se, como já foi comentado, na foto da página anterior: as duas escolas primárias;
à esquerda, cortada pelos cabos de sustentação do avião, está a escola Visconde de Mauá;
2
A fábrica de montagem de aviões de Nicolas Santos vem coroar os esforços em prol da
consolidação da aviação comercial, o que acabou por fazer do Campo dos Afonsos importante
base de desenvolvimento da aeronáutica no Brasil.
9
ao lado direito da imagem, em frente à rua de Maio, a estação de trem de Marechal
Hermes ainda com a sua torre.
Fotos 3 e 4 - Oficina de Nícola Santos, localizada no Portugal Pequeno e fronteiriça ao
Campo dos Afonsos (Acervo Museu Aeroespacial).
10
A criação do Aero Club Brasileiro, em 14 de outubro de 1911, com sede no Campo
dos Afonsos, teve como incentivadores o aviador João Ricardo Kirk
3
e Hermes da Fonseca
e antecedeu à Base Aérea do Campo dos Afonsos, criada em 1941. Diante da difícil e cara
manutenção, os equipamentos são transferidos, em 2 de fevereiro de 1914, para o Exército.
É por conta desta transferência que, mais tarde, o bairro de Marechal Hermes abrigará entre
os anos de 1919 e 1927 uma seção aeronáutica do Exército em uma de suas escolas, o que
de certa forma evidencia que o projeto de casas e escolas para operários estava
parcialmente abandonado (Wenceslau, 2004, p. 91).
Secção aeronáutica do Exército no bairro de Marechal
Foto 5 - Aqui se uma das escolas primárias, localizada na praça XV de Novembro, servindo de
quartel, e um dos prédios da Vila, na avenida de Maio, usado para rancho e alojamento para oficiais
(Museu Aeroespacial).
3
Ricardo Kirk é considerado o patrono da Aviação do Exército Brasileiro, sendo brevetado pela
École dAviation dEampes em 22 de outubro de 1912. Morreu em 1915, em acidente aéreo
quando participava dos esforços militares na guerra do Contestado, Santa Catarina.
(www.fab.mil.br/portal/personalidades/kirk/index.htm).
11
Quanto às escolas, m destaque três das cinco que foram projetadas para a Vila
Proletária Marechal Hermes (1910-1914), que somadas à escola José Acioli, inaugurada no
segundo governo de Getúlio Vargas (1950-1954), fizeram do bairro um importante pólo
educacional da região.
Quanto ao lazer, destaca-se a construção do Cine Lux, de 1934; o teatro Armando
Gonzaga, de 1954; o Marã Tênis Club, de 1944; e o Sport Clube União, inaugurado em
1915. O Marã Tênis Club era tido como o ponto de reunião da "sociedade" de Marechal,
não sendo estranho ao seu convíveo a prática de racismo; o União era tido como o clube
popular onde os bailes era freqüentado por todas classes sociais.
Cine Lux
Foto 6 - Vista lateral do Cine Lux, destacando-se a abóbada futurista do cinema inaugurado
pelo IPASE em 1934.
12
Foto aérea do bairro de Marechal Hermes
Foto 7 - Fotografia de 1935, onde se destaca a estação de trem de Marechal Hermes (no retângulo), a
praça Deodoro da Fonseca, atual Montese, tendo ao lado (no círculo) o Cine Lux (Acervo Museo
Aeroespacial).
Na saúde, destaca-se o Hospital Carlos Chagas, presumivelmente inaugurado em
1936 e a maternidade Alexandre Fleming, de 1956, sendo construída para atender as
parturientes do IPASE e hoje pertence ao Sistema Único de Saúde. Conta o bairro com uma
razoável área verde, onde estão localizadas as praças Montese (antiga Deodoro da
Fonseca), XV de Novembro (localizada no centro geométrico da Vila Proletária), Estoril e
a do teatro Armando Gonzaga, todas localizadas em terrenos da antiga Vila Proletária
Marechal Hermes.
13
Hospital Carlos Chagas
Foto 8 - Imagem da construção do hospital Carlos Chagas, em 1934. Observa-se a ornamentação em
alto e baixo relevo que em reforma, anos mais tarde, será retirada (AGCRJ).
A Vila Proletária é absorvida, entre 1938 e 1940, pelo IPASE, que é o grande
responsável pela transformação urbana do bairro com a construção de vários conjuntos
habitacionais, inspirados no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, mais
conhecido como CIAM.
14
Conjunto Residencial Centro Comercial
Foto 9 - Aqui se observa um dos blocos do Conjunto Residencial Centro
Comercial, de um total de três, projetado em 1948. Ao fundo se
parcialmente a praça XV de Novembro e uma das escolas primárias (Castro,
2005)
Na imagem acima, encontra-se um dos prédios do Conjunto Residencial Centro
Comercial, projetado pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira, onde se pode observar a
marquise ondulada sobre pilotis, bem ao gosto dos modernistas. A construção deste
conjunto, iniciado em 1948, pressupunha a derrubada dos casarões construídos por Hermes,
na década de 10, do século XX, fato que nunca aconteceu apesar da polêmica ter se
estendido até os anos 70.
15
Conjunto Residencial Três de Outubro
Foto 10 - Da praça XV de Novembro, reformada pelo Rio Cidade II, avista-se o conjunto Três de Outubro.
Para construir este conjunto, em particular, derrubou-se o que seria a terceira escola primária do projeto de
Pulcherio (Castro, 2005).
Nesta foto, encontra-se parte do Conjunto Residencial Três de Outubro, edificado
pelo IPASE em meados dos anos 40, no entorno da praça XV de Novembro, que totalizou
14 blocos de apartamentos.
Conjunto Residencial do IPASE
Foto 11 - Vista parcial do Conjunto Residencial do IPASE. Observa-se que o conjunto tem duas entradas:
para os três primeiros andares a entrada é por esta rua que a foto revela; para os três últimos, é em uma outra
rua oposta a essa e que se encontra metros acima. O projeto inicial previa a construção de cinco blocos, sendo
posteriormente inserido outros cinco (foto do autor da tese).
16
Na página anterior, o Conjunto Habitacional do IPASE, o último conjunto de
apartamentos construído no bairro de Marechal Hermes e tipificado como proletário, Foi
projetado para ter dois quartos, sala cozinha e banheiro.
Maternidade Alexandre Fleming
Foto 11 - Esta foto (final da década de 50) revela o rio Tingui, a maternidade Alexandre Fleming (no
quadraro), casas para servidores de rendimento médio (no círculo) e, ao fundo, o Conjunto Residencial do
IPASE. (Cortesia de Marcos Veiga)
Na foto, encontra-se a maternidade Alexandre Fleming, inaugurada em 1956, pelo
presidente Juscelino Kubitschek e mais ao fundo, o conjunto do IPASE. A inspiração
modernista que ainda marca a maternidade pode ser vista pelo brise-solei de sua fachada.
17
Com esta edificação, encerra-se o ciclo de construções no bairro de Marechal,
particularmente naquilo que ficou baldio no projeto da Vila Proletária.
Maternidade Alexandre Fleming
Foto 12 - Maternidade Alexandre Fleming acrescida em mais um andar, descaracterizando o
prédio e sua expressiva fachada modernista (foto do autor da tese).
Assim, são estas as principais transformações vividas pelo bairro de Marechal
Hermes, desde a sua inauguração, em 1914, passando pelo abandono de metade da década
de dez e de vinte, até as mudanças mais significativas após os anos 30, sobretudo após a
intervenção do IPASE. A seguir, nos pautaremos por investigar a crise da habitação na
cidade do Rio de Janeiro e suas conseqüências que provocarão no governo Hermes e na Era
Vargas a construção da moradia operária refletindo aspectos diferenciados do
desenvolvimento do capitalismo.
18
19
2.1. A EMERGÊNCIA DA CRISE DA HABITAÇÃO NO RIO DE JANEIRO
NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930)
A questão da moradia operária como questão sociológica é uma realidade
relativamente nova, fruto da especificidade de uma sociedade capitalista, que resultou na
concentração de trabalhadores nas grandes cidades, na maioria das vezes, sem as mínimas
condições de higiene. Esta questão tem na sua problematização o destacado trabalho de
Engels (1872), marcando pioneiramente a crítica da produção da moradia operária sob a
ótica do desenvolvimento do capital.
A crítica de Engels
4
aponta para o discurso reformista que ao invés de ir à raiz do
problema procura na produção da moradia operária minimizar as mazelas do capitalismo,
quando deveriam denunciá-lo como razão da penúria do trabalhador, dentre elas, a falta da
habitação. A primeira das críticas de Engels é endereçada aos “socialistas acadêmicos”,
pois acreditavam que a solução da moradia operária, e do próprio capitalismo, se resolveria
pela transformação dos trabalhadores em proprietários. A segunda crítica é reservada ao
“socialismo pequeno-burguês”, muito arraigado no Partido Social Democrata Alemão, que
defendia que o socialismo, por ser um projeto de longo prazo, deveria adotar reformas
sociais como aquela em que se desejava fazer do operário um proprietário de sua moradia.
Longe desses dois modos de ver a crise da habitação, Engels acreditava, no final do
século XIX, na Alemanha, que a precariedade da moradia operária residia unicamente na
exploração capitalista, deixando de ver, segundo Ribeiro (1991, p. 119), que a precariedade
da moradia do trabalhador passava necessariamente pela mediação do mercado imobiliário.
Para Ribeiro (1991), a escassez de imóveis do mercado rentista, inaugurando a crise
habitacional, decorre em função da derrubada da habitação operária no centro da cidade do
Rio de Janeiro e da chegada do imigrante, fazendo com que a atividade rentista - que
remuneram o capital a partir do aluguel - passassem a majorar os preços da moradia por
mais precária que fosse. A boa rentabilidade do aluguel, portanto, deveria ser atrativa para
que outros capitalistas, em busca de igual remuneração, pudessem, com a construção de
novas moradias, eliminar a escassez de habitação; porém, não foi isso que aconteceu. Sendo
assim, a “irracionalidade” do capital nos remete a uma contradição: como explicar uma boa
4
Engels, em seu argumento, considerava que tanto a burguesia reformista, ou socialistas
acadêmicos , como o socialismo pequeno-burguês de Proudhon, acabava por dificultar a difusão
do socialismo científico, baseado nas idéias de Marx.
19
rentabilidade da moradia e, ao mesmo tempo, esta não atrair capitais para construção da
moradia operária? A razão desta incoerência, para Engels, é fruto do capitalismo industrial
e de suas relações de trabalho, que prefere manter altos os aluguéis para pressionar o
operário por mais horas de trabalho (Ribeiro, 1991, p. 123).
Para Ribeiro, diferentemente de Engels, o verdadeiro motor da crise habitacional
está vinculado à dificuldade de reprodução do capital frente à propriedade da terra e não
unicamente a uma estratégia coercitiva da burguesia para com os trabalhadores pois,
quando o proprietário opta pela renda (aluguel), em detrimento do lucro (venda), ele acaba
por subordinar o capital à propriedade. Logo, a crise da habitação não se reduz a uma
questão de crescimento da população acima da capacidade de construção de moradias ou da
perversidade da burguesia, mas à dificuldade do capital em submeter a propriedade privada
ao seu interesse (Ribeiro, 199, ps 123, 125 e 126).
Fica assim desvendado o paradoxo: o investimento imobiliário é
rentável, mas a propriedade fundiária urbana impede a produção
capitalista de moradias, na medida em que a renda predomina sobre o
lucro (Ribeiro, 1991, p. 124).
Um outro fator explicaria este paradoxo para além daquele em que a renda
predomina sobre o lucro. Este seria o baixo e incerto poder aquisitivo do trabalhador, que
acaba por inviabilizar um mecanismo de financiamento que possibilite a aquisição da
habitação ou o pagamento de um aluguel. Assim, para superar a crise habitacional, criou-se,
na Inglaterra do século XIX, as “building societies” que tenderam ao fracasso, pois capital
nenhum se arriscaria a financiar a moradia diante da incerteza das crises econômicas e
conseqüentemente do desemprego.
A predominância da valorização da propriedade em detrimento do
capital e a situação de insolvência da classe trabalhadora explicam a
reprodução da crise da moradia (Ribeiro, 1991, p. 125).
Desta forma, apresenta-se duas correntes que visavam resolver o problema da
habitação: uma de caráter pequeno-burguesa, tentando fazer do trabalhador um
proprietário; e a outra seria pela intervenção do patronato, ou do Estado, na construção de
vilas operárias.
Assim, para que se possa caracterizar a produção capitalista da moradia, torna-se
necessário separar a produção do consumo, ou seja, a transformação da moradia em
20
mercadoria. Apesar da separação do produtor do consumidor da moradia, o capitalista não
controla o acesso à terra, sendo este um domínio da propriedade fundiária. Este momento é
típico da produção rentista da moradia, onde o capitalismo, para redução da mão de obra,
demanda grande número de desempregados sendo também suscetível a sucessivas crises
econômicas (Ribeiro, 1991, p. 131).
A superação da atividade rentista, por fim, se dá pela incorporação imobiliária - tida
como uma fase mais desenvolvida do capitalismo - pois é resultado de transformações
econômicas que se vinham processando na sociedade com o objetivo de submeter a
propriedade privada aos interesses da produção capitalista da moradia
5
. Para dar
conseqüência a este estágio do capitalismo, surge o incorporador cuja prática acaba por
dificultar a hegemonia rentista da moradia.
Este sistema corresponde ao momento da produção capitalista de
moradia. Ele se realiza sob o comando de um capital (o
incorporador), que assume tal posição por assegurar a liberação e
transformação do uso do solo e o escoamento de produção, através de
formas de financiamento: compra e aluguel. A empresa de construção
trabalha sob encomenda do incorporador, o que significa que a
característica da produção capitalista da moradia é a subordinação
do capital produtivo ao capital de promoção (Ribeiro, 1991, p. 137).
Desta forma, o que se discutirá a seguir são as diversas tentativas de solucionar a
crise da habitação e da salubridade da cidade do Rio de Janeiro. Tais tentativas estão
condenadas, teoricamente, ao fracasso, pois a submissão da propriedade privada do solo
se dará de forma parcial com a criação do incorporador imobiliário, agente que se fará
presente diante de um capitalismo mais desenvolvido que garanta o crédito e considere a
presença do Estado como partícipe desta empreitada. Esta forma de empreender se fará
presente na economia brasileira nos anos 40 do século XX, tangido pela falência do modelo
liberal, de 1929, que imprime uma nova dinâmica econômica que não mais passaria, no
Brasil, pelo café, e sim por modelos urbanos industriais que se destacavam, tanto na Europa
como nos Estados Unidos.
A crise da habitação e da higiene, como foi dito, tem sua gênese nos países
centrais do capitalismo europeu, no século XIX, e foi agravada pelo aprofundamento da
Revolução Industrial, pelo adensamento populacional e pelo impedimento ao
5
A emergência de um novo padrão de produção capitalista é típico de períodos de boas condições
econômicas, cujos lucros serão aplicados na produção da moradia para valorizar o capital.
21
desenvolvimento do capitalismo proporcionado pela produção rentista da moradia operária.
O surgimento desta crise foi fruto da industrialização de países como, por exemplo, a
Inglaterra, onde em menos de um século a população praticamente quintuplicou. Diante da
pressão demográfica e da emergência de novas funções urbanas, as cidades medievais e
barrocas acabaram por ficarem obsoletas diante das novas escalas de comércio (Choay,
1992, p. 4).
Assim, o estudo das cidades se distinguirá por dois aspectos: o primeiro, pelo
descritivo, quando a estatística é incorporada à sociologia das cidades e apropriada por
homens da Igreja, médicos e higienistas
6
que denunciavam o estado de decadência física e
moral em que viviam os trabalhadores; o segundo tipo de análise é política, destacando-se,
novamente, Engels que denuncia o modo de produção capitalista como responsável pela
miserabilidade humana.
As grandes cidades, e Paris principalmente, são espetáculos tristes de
serem vistos para quem quer que pense na anarquia social que é
traduzida em relevo, com uma medonha fidelidade, por esse
aglomerado informe, essa amálgama de casas (...) (Considérant, apud
Choay, 1992, p. 6).
Assim, não surpreende que as primeiras demandas feitas às autoridades públicas
estivessem relacionadas à higiene da moradia operária, à oferta de água potável, ao destino
dos esgotos e aos constantes surtos de febres que varriam a cidade, desconhecendo classe
social. Diante deste quadro, foi necessário intervir no direito de propriedade para
salvaguardar os interesses da saúde pública e do próprio processo de reprodução da cidade
capitalista. Desta forma, diversas medidas, a partir de 1830, foram tomadas principalmente
na França e na Inglaterra com o objetivo de tornar habitável a cidade do mundo industrial.
Apesar do quadro sanitário adverso, em finais da década de 40 do século XIX, os
liberais se empenhavam em impedir qualquer movimento que limitasse o direito à
propriedade. Porém, sucessivas epidemias como o cólera, em Paris e Londres, tornaram
imprescindível a regulamentação do Estado sobre a construção da moradia do trabalhador.
Exemplos destes esforços estão inscritos na lei de Saúde Pública da Inglaterra, o
Public Health Act, de 1848, que acabou por evoluir para a Housing of Working Classes Act
(Lei sobre a Moradia das Classes Trabalhadoras), de 1890. Por essa lei, o proprietário do
6
É do trabalho destes homens que se criará a legislação, na Inglaterra, sobre a habitação, trabalho
infantil, da mulher, etc.
22
imóvel era responsabilizado pelas condições sanitárias das moradias, podendo pagar
multas, impostos, taxas além do ente público estar autorizado a entrar nas moradias para
inspecioná-la.
Na França, as leis que regulamentavam as obras públicas (1841) e habitações
proletárias (1850) davam ao Conselho Municipal autorização legal para desapropriar o solo
desde que fosse em prol da saúde pública. Pouco adiante, em 1852, foi constituído um
conjunto de leis para dar plena ação ao Poder Executivo. Esta medida possibilitou ao barão
de Haussmann (1853-69) que interviesse em Paris para não saneá-la e adequá-la a nova
escala da exploração capitalista, mas também para combater grupos de trabalhadores que,
pelas greves reagiam à acumulação de capital empreendida pela burguesia. Sendo assim,
são promulgadas, em1875, leis em prol do saneamento em países como: França (Paris,
1853-59), Bélgica (Bruxelas, 1867-71), Áustria (Viena, 1857), Espanha (Barcelona, 1867-
71), Itália (Florença, 1864 -77) e na própria Inglaterra onde, a partir de 1848 Londres
recebe um sofisticado sistema de esgoto e linhas de metrô (Holston, 1993, p. 53 e 54).
Na América Latina, a intervenção nas cidades foi fruto da penetração de capitais
internacionais, particularmente o inglês, que investe em setores onde a oligarquia não
possuía tradição, conhecimento técnico e nem capitais suficientes para tamanha empreitada.
Apesar do intercâmbio desigual entre produtos primários e manufaturados, o período
que vai de 1850 a 1880 foi benéfico para os latino-americanos em função dos bons preços
no mercado internacional e da estabilidade dos produtos industrializados vindos da Europa.
Esta estabilidade deu à oligarquia latino-americana instrumentos para a sua consolidação
como classe dominante, pois permitiram a partir do capital estrangeiro um acelerado
investimento nas atividades agro-exportadoras.
Além disso, esses investimentos e os empréstimos acabaram por
consolidar o vínculo entre países latino-americanos e o imperialismo,
sendo as oligarquias tidas como intermediárias desse processo
(Wassermann, 1996, p. 154).
No caso brasileiro, a economia, em 1872, tinha 80% de seus rendimentos no setor
agrícola, 13% no de prestação de serviço e 7% em algo que poderíamos chamar de
industrial. Com a mudança do eixo econômico do açúcar para o café, logo do nordeste para
o sudeste, consolida-se, por volta de 1870, o desenvolvimento econômico no sul e
23
principalmente no sudeste, impulsionado pelos bons preços do café no mercado mundial e
pela chegada do imigrante europeu (Fausto, 2002, p. 136).
Em 1890, o Rio de Janeiro, pólo das atenções da oligarquia e do capital
internacional, conta com 522 mil habitantes constituindo-se como o único centro urbano
digno deste nome. Aqui se concentrava a vida política e infra-estruturas como transporte,
iluminação, telégrafo entre outras benfeitorias.
Na moradia popular e na saúde, a prática da intervenção do Estado tem início no ano
de 1853, quando Pedro II edita a Lei 719 concedendo à empresa privada privilégio para
construir casas operárias e higiênicas no mesmo período em que tal preocupação também
era tema para diversos países europeus. Esta iniciativa se pela evidente constatação das
precárias condições da moradia operária promovida mais pela omissão do governo do que
pelo rápido crescimento demográfico. Assim, a política de incentivos à moradia higiênica
tem continuidade na edição do Decreto 268, de 1875, que preconizava o fim de impostos
como a décima urbana para aqueles que construíssem casas higiênicas, além de penalizar
aquelas onde não houvesse um mínimo de salubridade. Não alcançando os resultados
esperados foi sancionada uma outra lei, a de número 3151, de 1882, intervindo no direito de
propriedade e garantindo a desapropriação e concessão de domínio útil de terrenos do
Estado durante 20 anos (Pechman e Ribeiro, 1985, p. 107).
A hegemonia do capital comercial, acumulado em uma economia agrário-
exportadora, foi a base que proporcionou investimentos na produção da moradia operária
entre os anos de 1900 a 1914 (Bonduki, 2004, p. 44). Esta produção de moradia para
aluguel é conhecida também como produção rentista, pois o investimento visava a
obtenção de uma renda mensal pelo uso do dinheiro e pela sua atualização monetária
(Bonduki, 2004, ps. 44 e 46).
Na produção rentista, predominou a construção por encomenda, que
permitia a participação de investidores de diferentes portes, inclusive
pequenos. Para o proprietário do imóvel (...) a produção rentista
propiciou o surgimento de rias modalidades de moradia de aluguel.
Uma delas foi a vila operária, sob a forma de pequenas moradias
unifamiliares construídas em série (Bonduki, 2004, ps. 46 e 47).
Tal modalidade de moradia, em São Paulo e provavelmente no Rio de Janeiro, era
recomendada pelo poder público e pelos higienistas, tanto para vila operária de empresa,
24
aquelas cujo assentamento era destinado aos seus funcionários, como para vila operária
particular voltada para o mercado de locação (Bonduki, 2004, p. 47).
Apesar do comedido desenvolvimento do capitalismo no setor da habitação, muito
em função dos baixos e incertos salários dos trabalhadores, a edificação de casas operárias
na cidade do Rio de Janeiro tem início em São Cristóvão, em 1890, pela Companhia
Fluminense que para tanto utiliza as prerrogativas concedidas pela Lei 3.151 de 1882. Tal
iniciativa é seguida pela Companhia Evoneas (1892) que constrói três vilas: uma em São
Cristóvão, outra na Tijuca e mais uma em Botafogo. Coerente com as exigências do capital
mercantil, a Companhia Evoneas, empresa que marca a emergência do capital imobiliário
na cidade, registra um retorno financeiro seguro e rápido, ou seja, superiores aos
empréstimos feitos ao comércio e aos cafeicultores (Pechman e Ribeiro, 1985, p. 108).
Outro fato político-econômico que dinamizou o mercado de terras foi
proporcionado pelo Encilhamento (1891), política econômica de Rui Barbosa que, após a
sua bancarrota, acabou por conduzir os capitais para o setor imobiliário, seja na forma de
compra de terra para estoque de reserva de valores, seja na forma de construção de
moradias para aluguel, alternativas que passam a ser percebidas como mais seguras
(Ribeiro,1991, p. 199).
São exemplos de empresas imobiliárias constituídas após o Encilhamento as
Companhias: Melhoramentos dos Subúrbios; Companhia de Construção e Melhoramentos
(onde se encontram acionistas como Paulo de Frontin e Vieira Souto); e a Empresa de
Construções Civis, grande realizadora de obras públicas, onde aparece como acionista
Carlos Sampaio, futuro prefeito da cidade (Ribeiro, 1991, ps. 200 e 201).
Apesar do momento favorável para a construção de moradias, tal iniciativa não
resolve a situação pestilenta
7
da cidade nem a questão da moradia operária. Para sanear a
cidade o Estado proíbe a construção de “cortiços”, desestimulando a aplicação de capital
neste tipo de habitação. Este procedimento direcionará recursos para o mercado de terras,
estabelecendo, para Ribeiro, um período de transição entre a moradia-mercadoria, edificada
para adquirir renda pelo aluguel, e a moradia-capital, construída para a venda (Ribeiro,
1991, p. 135).
7
Diante deste quadro sanitário o II Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, de 1889, passa a exigir que
o governo recolha o lixo, canalize os esgotos, regule o abastecimento de água potável e conserve as florestas
(Benchimol, 1992, ps. 129 e 295).
25
Para dar conseqüência à produção da moradia operária, o Império resolve
promulgar, em 1882, um novo decreto para isentar os empreiteiros de impostos concedendo
benefícios para aqueles que construíssem casas higiênicas. Decretos neste sentido foram
repetidos, o que acabou por viabilizar a criação da Companhia de Saneamento do Rio de
Janeiro, de Arthur Sauer (1889), que edificou vilas operárias sem eliminar, entretanto, os
cortiços que abrigavam a maior parte do proletariado (Abreu, 1987, p. 57).
Apesar da escancarada promiscuidade entre o privado e o público, havia ainda quem
protestasse pela ingerência do Estado na economia. Exemplo deste protesto reside em
Arthur Sauer, empresário da construção civil que não poupava críticas a Deodoro da
Fonseca, primeiro presidente da República. Para o empreiteiro, o presidente não respeitara
a constituição e traíra a promessa de garantir os direitos adquiridos na monarquia, além de
manter o congelamento dos preços dos aluguéis que inviabilizava novos investimentos no
setor (Benchimol, 1992, p. 159).
Assim, uma investigação mais detalhada do histórico da crise habitacional da cidade
e de sua precária salubridade podia ser percebida entre os anos de 1882 e 1887. A
política do Estado se limitava a intervir na saúde pública
8
em caráter emergencial, muitas
das vezes como complemento das ações da iniciativa privada (Benchimol, 1992, ps. 128,
153, 155, e 158).
Eleito Rodrigues Alves (1902-1906) com a promessa de reformar a capital da
República empossa na prefeitura do Rio de Janeiro o engenheiro Pereira Passos e este, por
sua vez, nomeia o sanitarista Oswaldo Cruz para juntos reformarem radicalmente o centro
da cidade. Desta forma, publicou-se em 10 de dezembro de 1903, o decreto 391 que
instituiu a excepcionalidade jurídica na administração da prefeitura do Rio de Janeiro,
dando a Pereira Passos ampla autonomia gerencial. Uma das medidas deste decreto foi
exigir que o responsável pelas obras fosse o proprietário legal do terreno, sendo obrigatório
credenciar o construtor junto ao governo. Com estas medidas legais proibia-se a construção
de cortiços e casas-de-cômodos no centro da cidade que iriam aparecer agora como
8
A situação da Saúde Pública era tão precária que as 624 instituições hospitalares públicas e privadas,
existentes na cidade do Rio de Janeiro, as de maior presença estão ligadas à caridade, enquanto a rede pública
é praticamente inexistente (Tórtima, 1988, p. 84).
26
“avenidas”, ou seja, um corredor de casas para além dos limites do centro
9
(Ribeiro, 1991,
p. 188 e 189).
Além de potencializar a acumulação de capital, entendia Rodrigues Alves, em 3 de
maio de 1903, que a reforma urbana não poderia acontecer dissociada do saneamento.
As condições de salubridade da capital [lê-se no documento]
além de urgentes melhoramentos materiais reclamados,
dependem de um bom serviço de abastecimento de águas, de
um sistema regular de esgotos, da drenagem do solo, da
limpeza pública e do asseio domiciliar. Parece-me, porém, que
o serviço deve começar pelas obras de melhoramento do porto,
que tem de constituir a base do sistema e hão de concorrer não
só para aquele fim utilíssimo, como evidente, para melhorar as
condições de trabalho, as do comércio e, o que não deve ser
esquecido, as arrecadações de nossas rendas (Franco, 1973, p.
319).
A missão de Pereira Passos e Oswaldo Cruz era mudar o perfil pestilento da cidade,
melhorar os acessos das regiões limítrofes ao porto e, com isto, se inserir mais ainda no
mercado mundial. Para isso, sob responsabilidade da União e do Município, reforma-se o
porto do Rio de Janeiro e abre-se a avenida Central, ligando a Prainha, atual praça Mauá,
até o largo da Mãe do Bispo, atual Cinelândia (Benchimol, 1992, p. 124 e 128).
A área central da cidade além de concentrar grande número de moradias e postos de
trabalho, também era o foco da crise sanitária; lá, estava toda sorte de doenças: a malária, a
febre amarela e a tuberculose. É neste espaço onde são colocadas abaixo inúmeras
habitações e lojas comerciais que agudizarão ainda mais a precária oferta de moradia
popular.
Procurando resolver as contradições de uma cidade colonial diante de uma elite
segregadora, a destruição do centro da cidade, onde se convivia lado a lado ricos
comerciantes com o mais humilde trabalhador, para em seu lugar edificar uma cidade da
Belle Epoque, era muito bem vinda. Foi necessário, portanto, a burguesia segregar pelo
espaço para que pudesse usufruir do sentimento de classe, pois com o fim da escravidão e o
advento do princípio republicano a segregação proporcionada pela contradição entre livre e
cativo não mais fazia sentido (Abreu, 2002, p. 167).
9
Entenda-se como cidade as ruas da Prainha, Commercio, Marechal Floriano, Praça da República,
Inválidos, Riachuelo, Visconde de Maranguape, Rua da Lapa, Ruas da Glória, Catete, Marquês de
Abrantes, Senador Vergueiro e as praias de Copacabana, Russel, Flamengo e Botafogo (Ribeiro,
1991, p. 188).
27
Apesar da aparência parisiense da reforma, esta não era o objeto central de Pereira
Passos; desejava o prefeito ter sob controle dois importantes aspectos de manejo da cidade:
a circulação de bens e serviços e o desenvolvimento do espaço urbano (Abreu, 2002, p.
168).
O controle da circulação da cidade tinha o objetivo de revitalizar o porto
viabilizando a circulação de mercadorias e desonerando práticas portuárias pelo abandono
de tarefas como a de remadores, barqueiros, carroceiros, etc. Já o controle do espaço urbano
constituiu-se em práticas legais que objetivavam proibir reformas de cortiços e de
residências sem um mínimo de condições higiênicas. Para dar conseqüência às
necessidades de controle do espaço urbano, Passos elaborou nos regimentos publicados
pelo Ministério do Interior e pelos proprietários de vilas operárias de fábricas, normas de
comportamento para limitar o posicionamento político do trabalhador em um momento de
revitalização do sindicalismo.
Desta forma, com medidas sanitárias e transformações espaciais, uma nova cidade,
que em 1906 totalizava 811.444 habitantes
10
, iria surgir para atender as necessidades de
comércio e da moradia burguesa, varrendo para o passado a cidade colonial.
Outra questão muito debatida sobre a Reforma Passos na cidade do Rio de Janeiro
foi o modelo de intervenção urbana escolhido. O aspecto mais consensual entre
pesquisadores da história da cidade do Rio de Janeiro como Benchimol (1986), Pechman
(1985), Abreu (2002), entre outros, é atribuir a Haussmann o modelo de intervenção
urbanística
11
. Este método consistia em derrubar a cidade antiga para edificar nela uma
outra, atendendo às expectativas econômicas (classistas), sanitárias e estéticas.
Cabe registrar a percepção de Azevedo (2003, p. 55) que, em oposição a Abreu
(1986), vem contestar a afirmação de que Pereira Passos desejava afastar os operários do
centro da cidade. A modernidade, inscrita na Reforma Passos, segundo Azevedo, por mais
que se assemelhe à intervenção de Hausmann, não tem a pretensão de ser uma cópia da
Paris bonapartista. Na verdade, Antônio Edmilson e André Nunes de Azevedo (2003), ao
10
O panorama nos anos de 1872, 1890 e 1906, caracterizou-se pelo aumento da força de trabalho,
que saltou de 52.520 (1872) para 115.779 (1906), com forte acréscimo de servidores públicos tais
como militares, policiais e burocratas (Benchimol, 1992, p. 177).
11
Brito Broca (1975), crítico literário, afirma que Pereira Passos, inspirado por Haussmann, remodela o Rio
de Janeiro com o propósito de dar à cidade um aspecto parisiense, enquanto a reforma da capital francesa
atenderia a objetivos político-militares tal como dificultar as revoltas populares como as dos anos de 1830 e
1848 (Broca, 1975, p. 3).
28
relerem os documentos redigidos por Passos, puderam perceber que a cidade que o prefeito
teria por referência seria Berlim: Paris seria uma cidade homogênea e monótona (Rodrigues
& Azevedo, 2003, p. 184). Por outro lado, as transferências ou traduções do urbanismo de
que fala Pechman (1996, p. 350) afirmam que Passos desejava, de fato, construir uma
"mini-Paris" na cidade do Rio de Janeiro. Denuncia que o urbanismo que se instalou no
Brasil chegou ainda mais precarizado do que a sua matriz européia, pois negava ao
trabalhador a cidade; o que se viu por aqui foi um urbanismo ainda mais disciplinador,
regulador e que fez cidades, mas não cidadãos.
De qualquer forma, a cidade, após a reforma Passos, passa a ter uma nova
aparência, tanto por aqueles que nos visitavam como por nacionais. Vejamos o que
diz Gaffre, em 1910, quando visita a cidade do Rio de Janeiro:
La nouvelle ville avec ses avenues, brás langoureusement
éntendus le long du flot, et ses palais clairs et roses, telle une
belle dormeuse qui séntire au réveil et sourit au jour de toute
la blancheur ses dents (L. A. Gaffre, apud Batalha, 1986, p.
49)
12
Para além da perspectiva estica de Gaffre, o debate que se seguiu durante e
as a reforma da cidade do Rio de Janeiro contou com a presença do Clube de
Engenharia, dos sindicatos, dos jornais operários e burgueses e de alguns
parlamentares. O senso comum era de que as reformas urbanas até então realizadas,
inclusive a de Passos, tinham apenas resolvido certas queses e agravado outras sem
nunca pretender atacar o que parecia ser o mais grave problema da cidade: a moradia
operia. Nesta ctica, no icio do culo XX, destacam-se os intendentes Leite
Ribeiro, Everardo Backheuser, Antonio Jannuzzi, Cassiano Nascimento, Alberto
Torres e Jacques Ourique. O primeiro preconizava a construção de quatro vilas
operias: entre o Arpoador e o Jardim Botânico, na Barra da Tijuca, na Ilha do
Governador e na zona rural. A instalação das moradias operárias em pontos distantes
do centro da cidade e seu código de posturas tinha por objetivo afastar o trabalhador
do debate político proporcionado pelo centro da cidade. Para Backeuser, em seu livro
Habitões Populares, de 1906, a cidade carecia de um modelo de construção para
12
A nova cidade com suas avenidas, braços longamente estendido ao longo da torrente, e seus
palácios claros e roseados, tal como uma "Bela Adormecida" que ao despertar se intera e sorri na
totalidade da brancura de seus dentes (tradução livre do autor da tese).
29
moradias populares que garantisse a salubridade, acessibilidade e a proximidade ao
mercado de trabalho (Ribeiro, 2002, p. 37 e Benchimol, 1982, p. 263). Na perspectiva
de Cassiano Nascimento, o modelo de financiamento da casa operária deveria exigir
recursos das caixas ecomicas, solão que viria a ser adotada por Gelio anos mais
tarde (Lobo, 1989, p. 92).
Para Alberto Torres
13
, a reforma da cidade não passava de um ajustamento
estético de uma elite completamente divorciada das necessidades do povo e do
desenvolvimento do país.
A iia de reforma, melhoramentos, engrandecimento, não é
sempre eqüipendente da iia de “civilização. O caso, por
exemplo, de uma grande cidade como o Rio de Janeiro, onde o
garbo das avenidas e ostentosa apancia das fachadas, rara
mostram obras de arte arquitetônica: cidade de fausto encravada,
como Bincio, entre populações miseráveis, e vivendo, como
porto e empório comercial, a vida de falência que resulta do
aniquilamento da produção nas reges que alimentam seu
comércio, apenas compensada pelo movimento artificial do
oficialismo não é nem mesmo, indício do avanço, moral e social
(Torres, 1982, p. 178).
Jacques Ourique, hermista convicto, foi outro crítico das intervenções urbanas
realizadas na gestão de Pereira Passos.
Foramos levados às portas da bancarrota nacional para
enriquecer amigos e mal deles livres, pelo sacrifício e energia
de um verdadeiro republicano, fomos novamente atirados à
desvalorização da propriedade e das ditaduras revoltantes e
exaustivas, para embelezar e manear uma cidade, a fim de que
o povo paupérrimo e ignorante passeie pelas luxuosas avenidas
os destroços de suas misérias (Ourique, 1910, p. 18).
Já o jornal O Operio, de 13 de janeiro de 1909, expressa seu desapontamento
com as moradias constrdas pela prefeitura da cidade.
A administrão municipal transacta, que tantos melhoramentos
empreendeu nesta cidade, resolve, em boa hora, atender as
reclamões dos operários que clamavam contra a carestia da
vida, e fê-lo ordenando a construção de vilas operias, cujas
casas, de aluguéis baratíssimos seriam cedidas unicamente aos
13
Alberto Torres era pacifista, anticlerical, abolicionista, republicano e governador do estado do
Rio de Janeiro. Sistematiza seu pensamento a partir do positivismo evolucionista; acredita em
uma política ruralista como motor do desenvolvimento nacional.
30
servidores do Estado. Infelizmente, porém, nem mesmo a primeira
dessas vilas cuja constrão foi desde logo iniciada, pode ficar
pronta durante aquela administração (...)
Entregues as vilas à ganância de particulares, aconteceu
que os prolerios continuaram a lutar contra toda sorte de
dificuldades que lhes enchiam a vida, ao passo que indivíduos
inteiramente estranhos à classe instalavam-se comodamente nas
habitações operias, que, haviam pago por bom pro.
E assim, para que o Senhor Souza Aguiar não tivesse o
trabalho de providenciar sobre a instalão de operários nas
casas que lhes eram destinadas, entregaram-nas a particulares, o
que não foi só uma burla, seo também supremo ludíbrio de que
podiam ser alvo os operários, que assim continuam sem teto,
desamparados pelo Estado situação em que permanecerão
enquanto houver medalhões nesta Reblica (O Operário, apud
Tórtima, 1988, p. 65).
Sem solução, a moradia operária criava uma indignação na sociedade que
não só era denunciada pela imprensa operária, mas também pelos jornais da elite
como o Correio da Manhã e O Paiz, sem, contudo sensibilizar a classe dominante.
Assim, a transformação do espaço urbano arquitetado por Passos, segundo
Abreu, proporcionou três conseqüências imediatas: a agudização da carência da
moradia popular, a cristalização da zona sul como lócus da habitação burguesa e a
separação do local do trabalho da moradia. Uma das mais evidentes transformações
no modo de construir na cidade, após a intervenção de Passos, será materializado
pelo conceito de Habitat preconizado por Lefebvre. Este princípio consiste em
deslocar a forma de habitação da moradia popular (vila operária) para o espaço da
habitação, ou seja, para um modelo onde o operário adquire a casa própria (Abreu,
2002: 170).
Sendo ou não um modelo plenamente calcado em Hausmann, a intervenção
da prefeitura ao construir a Avenida Central acabou por derrubar aproximadamente
três mil casas, afastando um grande número de famílias de trabalhadores do centro
da cidade e de seus empregos (Abreu, 1987, p. 63). Em resposta às fortes críticas
por ter desalojado inúmeros trabalhadores, constrói Pereira Passos 105 moradias na
rua Salvador de Sá, em 1906, que pouco significou diante do número de habitações
que derrubou para a abertura da avenida Central. Porém, segundo Batalha (1986),
31
quatro anos após o término do governo de Rodrigues Alves, a determinação
política ...
du marechal Hermes da Fonseca (1910-1914) quun programme
plus ambitieux de construction de cités ouvrières fut enterpris
par lEtat, programe qui demeura, toutefois, très inférieur aux
besoin (Batalha, 1986: 52).
14
Outro aspecto que merece atenção é a localização dos imóveis da maioria das
instituições de educação pública. De uma forma em geral, os sítios dos prédios das escolas
variavam, segundo Nunes (2000: 381), com os interesses dos proprietários que os alugavam
ao município. Este fato foi decisivo para concentrar as escolas públicas primárias em área
de especulação imobiliária. Soma-se a esta prática, a política do Conselho Municipal que
trocava votos por favores traduzidos em aluguéis e trabalho no magistério.
As condições sanitárias destas escolas eram as piores possíveis, pois com aquelas
disseminavam-se doenças entre alunos e professores. Para resolver tal situação o major
Alfredo Vidal, na década de 10 do século XX, apresenta ao prefeito Bento Ribeiro (1910-
1914) um projeto de edificação de escolas inspirados em modelos americanos e ingleses,
onde o jardim de infância, a escola primária e técnica seriam projetados segundo a sua
clientela. Esse projeto foi apresentado ao terceiro Congresso Internacional sobre Higiene
Escolar, realizado em 1911, em Paris. Apesar de contar com os aplausos do sanitarista
Oswaldo Cruz, o projeto nunca saiu do papel. Desta forma, a escola por excelência de Vidal
era uma metáfora de um corpo saudável...
(...) que respira bem (via dispositivos de circulação do ar), que
enxerga bem (via dispositivo de iluminação), que se locomove bem
(via espaços destinados a exercícios físicos), que higienicamente
fim aos dejetos que produz (via aparelhamentos sanitários e seu
conveniente uso de limpeza), que é controlada (via dispositivos de
circulação interna dos edifícios, de seu fechamento eventual e da
separação dos alunos por sexo na faixa acima dos 10 anos) e que
interioriza noções de ordem e asseio via preceitos e indicações
inscritos nos pontos mais convenientes do revestimento das paredes
(Nunes, 2000, p. 382).
14
do marechal Hermes da Fonseca (1910-1914) que um programa mais ambicioso de construção
de cidades operárias foi empreendido pelo estado, programa que de resto, muito inferior às
necessidades (tradução livre do autor da tese).
32
As propostas pedagógicas de Vidal tinham como princípio a disciplina do corpo, da
mente, dos gestos e dos sentimentos. Tais princípios foram herdados do espaço urbano,
onde a distribuição da população atenderia ao desejo de regular a moradia, o lazer e o
trabalho dos operários (Nunes, 2000, ps. 384 e 385).
O major Vidal pretendeu, ainda, em seu relatório, esboçar o que deveria ser uma
escola ideal onde a doença, a sujeira, a aglomeração e a desordem estariam ausentes. Seu
projeto está endereçado aos filhos dos trabalhadores, pois este teria como localização o
subúrbio e a zona rural, para onde foram deslocados os pobres do centro da cidade.
Vejamos agora, para além da intervenção de Passos, a expansão urbana ocorrida no
governo de Hermes da Fonseca a começar pela abertura de logradouros entre os anos de
1870 a 1933.
Evolução do número de logradouros na cidade do Rio de Janeiro
ANO NÚMERO
1870 503
1890 1.981
1906 1.943
1917 2.407
1920 3.534
1933 5.171
Fonte: Censo de 1933. Apud Ribeiro, 1991, p. 142.
Os dados da tabela acima nos revelam que, em 63 anos de expansão demográfica, a
cidade multiplicou por dez a sua conquista por novos espaços. Como não temos um quadro
mais detalhado dos anos de 1910-1914 para que mensuremos a evolução urbana no período
de Hermes da Fonseca, utilizaremos um outro censo, focando o número de licenças
15
para
construções expedidas pelo governo do Distrito Federal.
Licenças de Obras (1906 / 1921)
ANO PRÉDIOS CONSTRUÍDOS PRÉDIOS
RECONSTRUÍDOS
15
Entende-se que a tabela de licenças da Prefeitura do Distrito Federal não só registram moradias,
mas também quartéis, escolas, lojas comerciais, galpões, etc.
33
1903 806 301
1904 295 319
1905 1.139 553
1906 1.130 551
1907 1.717 600
1908 1.796 616
1909 2.198 1.191
1910 2.318 798
1911 3.189 556
1912 4.204 582
1913 3.928 551
1914 1.849 397
1915 1.016 257
1916 755 222
1917 1.272 262
1918 1.046 320
1919 945 163
1920 1.434 281
1921 1.561 269
Fonte: ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO DISTRITO FEDERAL. Prefeitura do Distrito Federal,
Departamento de Geografia e Estatística, 1922. Apud Ribeiro, 1991: 225. Grifo meu.
Observa-se que o crescimento de licenças a partir de 1911, quando o marechal
interfere na legislação habitacional e edifica as vilas proletárias, evidencia que uma política
de incentivo à construção começa a dar resultados sem, contudo, caracterizar uma política
habitacional
16
.
Agora, vejamos as empresas imobiliárias criadas de 1890 até 1919 no Rio de
Janeiro.
Nome da Empresa Data da Criação Capital (contos de réis)
Cia. Territorial do Rio de
Janeiro
1912 1.200
Cia. Suburbana de Terrenos
e Construções
1912 1.500
Rocha Miranda Filhos e Cia.
Ltda.
1919 1.250
Empresa Industrial de
Melhoramentos do Brasil
1890 2.000
16
Em O Paiz,,de 2 de maio de 1913, Hermes dá a entender que a Vila Proletária Marechal Hermes
é parte de um programa que resolverá o problema habitacional do trabalhador brasileiro.
34
S/A A Propriedade 1912 5.000
Cia. Brasileira de Imóveis e
Construções
1911 1.000
Fonte: Ribeiro, op. cit, p. 216
O quadro acima nos revela que das seis empresas listadas, quatro foram fundadas no
período do exercício do governo de Hemes da Fonseca (1910-1914), o que vem confirmar
que as políticas de incentivo do marechal ao desenvolvimento de empresas encontraram
campo fértil no setor privado. Coerente com o que foi dito acima foi observado por Tórtima
(1988, p. 61) que, para além da boa vontade de Hermes da Fonseca em atender o clamor
dos operários por moradia, existia o interesse central de trazer benefícios para a indústria da
construção civil.
Se o crescimento do mercado de terras era também fruto de um bom
momento econômico, não se pode descartar a pressão dos sindicatos amarelos
17
que
repetidamente demandavam a construção de moradia para o trabalhador. Esta
demanda está inscrita na resolução do IV Congresso Operário,
18
de 1912, cujo
resultado mais palpável foi tornar as vilas proletárias uma agenda política para os
trabalhadores (Dulles, 1977, p. 32).
O congresso operário de 1912 é tido por Ribeiro (1985, p. 248) como
congresso de pelegos pelo fato de ser patrocinado pelo presidente da República.
Apesar de seu perfil reformista e conciliador, o congresso adota um plano de lutas
como a redução da jornada de trabalho para oito horas, descanso semanal,
indenização das vítimas de sinistros, regulamentação do trabalho da mulher e do
menor, construção de moradias operárias, obrigatoriedade do ensino primário e a
criação da Confederação Brasileira do Trabalho (CBT). Segundo Darcy Ribeiro
(1985), tais reivindicações só foram atendidas vinte anos depois por Getúlio
Vargas.
Apesar dos estímulos econômicos e políticos à construção de moradias, as custosas
passagens do transporte público impediam o desenvolvimento deste setor no subúrbio. A
passagem ficava além da capacidade do minguado salário do trabalhador que, para garantir
17
Sindicatos cuja ação se atém mais ao quadro legal do que revolucionário.
18
Tendo o congresso operário o consórcio do governo Hermes, o mesmo disponibiliza o palácio
Monroe para abrigar o evento, fornecendo transporte gratuito para delegados de diferentes estados
do Brasil (Dulles, 1977, p. 32).
35
a sobrevivência, preferia morar próximo ao centro. Exemplo que confirma esta assertiva é o
desenvolvimento da favela da Providência, localizada exatamente ao lado da Estrada de
Ferro Central do Brasil.
Porém, não era o deslocamento de trabalhadores para a zona Norte que o alto
preço da passagem impossibilitava. A produção agrícola também foi atingida, o que acabou
por inviabilizar um cinturão de produtos alimentícios na periferia da cidade (Ribeiro, 1991
p. 203).
Desta forma, com a decadência da agricultura e a pressão demográfica surgirá
grande disponibilidade de terras na periferia à espera de capitalistas interessados em loteá-
las. É com esta possibilidade econômica que são criados os bairros de Irajá e Inhaúma
marcando, para Ribeiro (1991), o começo da separação entre a propriedade fundiária e o
capital imobiliário.
Concorre para a ocupação do subúrbio da cidade o surto da indústria têxtil, entre os
anos de 1890 e 1913, possibilitando o surgimento de uma “classe média” operária que
poderia honrar o aluguel ou mesmo comprar um terreno para construção da casa própria
(Ribeiro, 1991, p. 209).
Apesar da contínua separação do capital imobiliário e da propriedade privada, o
grande capital se deslocará para produção de lotes e não para uma construção da moradia
nos moldes capitalistas, coisa que ocorrerá nos anos 40 com o surgimento do
incorporador. Este período em que o capitalista aplica dinheiro no loteamento e não na
produção da moradia é tido, por Ribeiro (1991), como de transição para uma prática
capitalista mais sofisticada.
Uma pergunta, porém, impõe-se: por que o grande capital não se
dirige para o setor imobiliário, promovendo o surgimento da
produção capitalista de moradias? Por outro lado, por que o grande
capital somente irá deslocar-se quase exclusivamente para o mercado
de terras, a partir dos 10 primeiros anos deste século (Ribeiro, 1991,
p. 211)?
A resposta para as interrogações de Ribeiro (1991), como foi comentado, está no
modesto e incerto rendimento do operário. Logo, qualquer empreendimento, mesmo
subsidiado pelo Estado poderia ter sucesso se fosse destinado a um setor de
trabalhadores financeiramente mais abastados.
36
Diante deste quadro, surge o pequeno empreendedor que, descumprindo normas
impostas pela prefeitura reduzirá, substantivamente, o capital imobilizado. Desta forma,
surgirá na cidade, em particular no subúrbio da Central do Brasil, um tipo de construção
baseado nas vilas, avenidas e casas lado, a lado mais conhecidas como “correr de casas”
(Ribeiro, 1991, p. 214).
A crise econômica de 1913 que antecede a Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
logo após o governo Hermes, provocou uma acentuada queda no ritmo da construção e um
aumento generalizado dos aluguéis na década de 20. Esta situação de penúria para o
trabalhador coincide com as reivindicações do movimento operário, que faz com que a
questão habitacional, esquecida a partir da metade dos anos 10, volte à agenda política
(Bonduki, 2004: 46).
São reflexos desta agenda as constantes denúncias de aumentos abusivos dos
aluguéis por parte dos proprietários. Sendo assim, para mitigar esta situação é promulgado,
em 1921, o decreto 4.403 em que se regulava, por exemplo, a relação entre inquilinos e
senhorios. Propagava-se que a intervenção do Estado na lei do aluguel duraria apenas no
período de grave desequilíbrio econômico. O fato é que o decreto 4.403/21 é seguido por
outros, até ser revogado em 1928 (Ribeiro, op.cit, p. 227).
A pior conseqüência da intervenção do Estado nos contratos de aluguel será a
paralisação das construções, atingindo fortemente o pequeno capital imobiliário.
Estrangulado o principal agente de construção de moradias
19
na cidade do Rio de Janeiro, a
alternativa encontrada pelo trabalhador foi a autoconstrução, viabilizada pelos diversos
loteamentos patrocinados pelo grande capital.
A década de 20, no século XX, caracterizou-se como um momento de intensa
transformação política, econômica e social da sociedade brasileira. São termômetros deste
momento: a Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista Brasileiro, a
Reação Republicana de Nilo Peçanha
20
e a revolta do Forte de Copacabana, todos ocorridos
em 1922.
19
Mesmo na Inglaterra, na década de 30, a despesa do Estado com moradia do trabalhador nunca foi superior
aos impostos pagos pelos pobres (Hobsbawn, 2000, p. 155), o que torna oportuna as palavras de Singer
(1978) quando diz que não na cidade capitalista lugar para os pobres, assim como não são inocentes e
despojados de ideologia o planejamento urbano e o uso do solo.
20
A Reação Republicana, liderada por Nilo Peçanha, foi um movimento que uniu a oligarquia
fluminense, baiana, pernambucana e da Capital e tinha por objetivo minar o poderio político de
mineiros e paulistas (Stuckenbruck, 1995, p.42).
37
Sob o ponto de vista urbano, na década de 20, fica cada vez mais claro que soluções
pontuais não resolveriam os graves problemas urbanos. Era necessária a elaboração de um
plano diretor que ordenasse a cidade como um todo. Neste contexto, apesar de todo o
debate envolvendo a moradia popular, a Vila Proletária Marechal Hermes, que estava
parcialmente povoada ficou, nos anos vinte, em grande parte abandonada e inconclusa.
As iniciativas no campo jurídico que pretenderam tirar a Vila do abandono se deram
pelo decreto n° 15.846, de 14 de fevereiro de 1922, autorizando o governo a construir casas
além de alienar, em concorrência pública, as construídas para funcionários civis e
militares da União. Apesar da iniciativa, o resultado foi nulo; mesmo a tentativa, de 1928,
de licitar a área para a construção de casas para trabalhadores não encontrou interessados.
Em fevereiro de 1926, a Vila proletária Marechal Hermes será alvo de matéria
jornalística, no Correio da Manhã, onde se aborda o problema da habitação e da lei do
inquilinato.
Enquanto pessoas sem teto “a dez minutos da estação P. II”
uma verdadeira cidade abandonada e que longos anos esperam
obras. É um espetáculo desolador; centenas de casas que esperam ser
concluídas, enquanto a população sofre.
De início a Vila pertencia ao governo federal, mas na
administração de Epitácio Pessoa ela foi colocada sob tutela da
prefeitura. O Sr. Carlos Sampaio não mexeu uma palha em favor da
Vila; o Sr. Alaor Prata também não deu atenção. A Vila está
abandonada sem que seja ocupada por um mortal (Correio da
Manhã 03/02/1926)
Em 1927, passados 14 anos da inauguração da vila de Sapopemba, o engenheiro
Antonio Jannuzzi, um destacado inimigo da iniciativa estatal, falando ao Jornal do
Comércio sobre o problema da moradia popular, contabiliza existir na Vila Hermes...
(...)139 prédios completamente acabados, mas careciam de reparos
urgentes, porque durante longos anos não receberam um prego
(Jannuzzi, apud Elia, 1984, ps. 122- 123).
Em meio à crise da moradia popular, o debate urbano ganha destaque por conta da
Exposição Internacional da Independência de 1922. Diante de um quadro de crescimento
populacional, a elite dirigente a necessidade de elaborar um plano diretor que pudesse
preservar seus interesses. Em sintonia com este tema, o prefeito Alaor Prata (1922-1926)
38
abordará questões como o transporte, a Carta Cadastral da Cidade e o código de obras. É
deste período o surgimento da Comissão do Plano da Cidade, criada com a missão de
assumir e racionalizar o espaço urbano e seus problemas (Elia, 1984, p. 60). Sendo assim, a
intervenção do Estado na formatação do espaço acabou por provocar um novo método de
intervenção que não mais seria dado pelo sanitarismo de Oswaldo Cruz, ou pela estética de
Pereira Passos, mas sim pela lógica urbano-industrial que permeava os grandes centros
mundiais e que visava adequar a cidade a novas indústrias e a outras escalas de comércio.
Acompanhando as mudanças da política urbana, o prefeito Antonio Prado Junior
convida o urbanista Alfred Agache (1927-1930) para elaborar o plano diretor da cidade do
Rio de Janeiro. Este plano, inexeqüível em curto prazo, tanto pelo gigantismo da obra como
pela falta de responsabilidade financeira dos empreendedores (privados e públicos)
propunha erradicar as favelas, deslocando seus moradores para conjuntos residenciais no
subúrbio ferroviário (Elia, 1984, p. 107, 108 e 110).
A metodologia do urbanista francês para projetar a cidade tinha como metáfora o
corpo humano com seus sistemas de artérias (transporte), excretas, etc. Se a metáfora do
corpo humano serviu para planejar a cidade do Rio de Janeiro, caberia perguntar quais as
razões que levaram, o urbanista francês, a definir neste corpo a área de moradia burguesa,
na zona sul, e operária, na zona norte? Certamente, as ações do urbanista refletem os
interesses de uma elite que via na segregação do espaço urbano símbolo de distinção social
e de interesse econômico legitimados, agora, pela chancela acadêmica.
Não sendo o Plano Agache uma unanimidade, passa a ser criticado por pessoas de
vários níveis sociais como, por exemplo, os moradores de Bento Ribeiro, bairro vizinho a
Vila Proletária Marechal Hermes, que reclamavam por intermédio do jornal O Paíz, em
julho de 1927, do esquecimento em que se encontrava o subúrbio:
Precisamos, igualmente, não só remodelar a nossa cidade, mas
também de edificar casas para proletários...
Não cuidemos, exclusivamente dos prazeres dos ricos,
cogitemos, um segundo, igualmente, do bem dos pobres... Isso é
urgente, isso é uma medida que não deve tardar a ser posta em
prática com ou sem a opinião do ilustre Sr. Agache.
A necessidade de um estudo consciencioso das condições
em que se encontra a cidade para um projeto geral de
melhoramentos, cada vez que se vai conhecendo a situação de
cada bairro, mais se acentua, mais se ressalta. (...) Não é a
simples crítica que o Sr. Agache tem feito que possa remediar a
39
situação (...). Há elementos mais urgentes do que fachadas e
acomodações, a luz e esgoto são elementos mais urgentes... Por
que será que Bento Ribeiro não merece água e luz? (O Paiz,3
/07/1927, apud Stuckenbruck. 1996, ps. 99 e100).
Com o surgimento do governo Vargas, o projeto do urbanista francês foi arquivado
sendo parcialmente resgatado em 1937, momento histórico em que a intervenção do Estado
getulista começa a tomar corpo fazendo da moradia, para além da reprodução da força de
trabalho, um instrumento de controle social.
Vejamos, agora, como a luta intestina da oligarquia mineira e paulista possibilitou a
vitória de Hermes da Fonseca, na eleição de 1910, e com ela projetos sociais como as vilas
proletárias.
40
3.1. FRATURAS E ACIDENTES NO PACTO OLIGÁRQUICO
O poder oligárquico, no Brasil, na Primeira República, se constituiu no instrumento
de legitimação política das classes dominantes, em particular, a mineira e a paulista. A
hegemonia destas duas oligarquias era exercida através da política dos governadores
21
,
criada por Campos Sales, que consistia na ampla autonomia política e financeira dos
estados que, em contrapartida, comprometiam as respectivas bancadas com o governo
central. O poder oligárquico ainda se pautava pelo voto aberto e pela obrigatoriedade do
reconhecimento dos candidatos eleitos pelo Poder Legislativo e não pelo Judiciário, como
se poderia esperar em um sistema republicano. Desta forma, a divisão do poder entre os
estados da federação na Primeira República (1889-1930) ficava assim: os de menor
expressão ficavam sob o comando de um chefe político de grande visibilidade como
Pinheiro Machado
22
; os medianos (como Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco)
procuravam alianças que pudessem lhes tirar do ostracismo; os mais ricos (como São Paulo
e Minas Gerais) se revezavam no exercício do poder (Fausto, 2002, p. 151).
Neste sistema ocorriam fraturas, ora por traições políticas, ora por fatalidades sem,
no entanto, alterar substancialmente o relacionamento das elites com os setores populares.
A mais significativa
23
destas fraturas é marcada pela sucessão de Afonso Pena, em 1910,
quando morre o candidato oficial à sucessão presidencial, o ex-governador de Minas João
Pinheiro, e posteriormente, o próprio presidente Afonso Pena. Com a ascensão do vice-
presidente Nilo Peçanha ao governo, abre-se a possibilidade de uma candidatura fora da
tradicional seara oligárquica paulista e mineira. Assim, conhecer a trama política que se
21
A Política dos Governadores foi um arranjo político patrocinado por Campos Sales que ao
alterar artificiosamente o Regimento Interno da Câmara dos Deputados fez com que o grupo
regional dominante fosse a expressão dos interesses do chefe político de cada estado. Campos
Sales trata também de subordinar a Câmara ao Poder Executivo o que constituía para ele o poder
por excelência (Fausto, 2002, p. 147).
22
Pinheiro Machado, general e senador pelo Rio Grande do Sul, se torna figura proeminente na
República Velha nos primeiros 15 anos do século XX sendo considerado como grande articulista
político do seu tempo. É eleito para o Congresso Constituinte de 1891 sendo presidente do Senado
entre os anos de 1902 e 1905 e 1912 e 1915, quando é assassinado. É tido como responsável pela
oposição a Rodrigues Alves, o que possibilitara a Afonso Pena alcançar a presidência da
República. Articulou politicamente Hermes da Fonseca à presidência derrotando a chapa civilista
de Rui Barbosa. Em 1905, é designado representante do Círculo Militar. Cria o Partido
Republicano Conservador (PRC), em 1910, que colocava sob sua liderança as maquinas estaduais
exceto São Paulo e Minas Gerais (Borges, 2004, p. 110).
23
Outras fissuras importantes se deram durante a Primeira República e atendem pelo nome de
Reação Republicana, de 1922, com Nilo Peçanha e aquela que vai levar Getúlio Vargas ao poder
em 1930.
41
inicia com as mortes de João Pinheiro e Afonso Pena e desemboca na eleição de Hermes da
Fonseca, em 1910, é essencial para entender as tensões entre as oligarquias e as forças que
se organizaram em torno de Hermes da Fonseca, e que são responsáveis pela edificação das
vilas proletárias.
A trama política que colocará Hermes da Fonseca em evidência política reside no
conflito conhecido como Revolta da Vacina, de 1904, protagonizado pelos generais Lauro
Sodré
24
, Marciano Botelho de Magalhães (irmão de Benjamin Constant
25
) e pelo major
Gomes de Castro, que objetivavam derrubar Rodrigues Alves (1902-1906) e instalar uma
ditadura "republicana". Porém, sem o apoio da população e pouco enraizado no meio
militar, o movimento de 1904 tendeu ao fracasso. Um dos primeiros a rechaçar este
movimento
26
foi o general Hermes da Fonseca, que prendeu o major Gomes de Castro na
Escola Militar de Realengo, contribuindo para sufocar o movimento que sublevava, na
outra ponta da cidade, a Escola Militar da Praia Vermelha, na Urca. Por ter ajudado a
derrotar o movimento liderado por Lauro Sodré, Hermes é promovido por Rodrigues Alves
ao posto de marechal sendo convidado, posteriormente, por Afonso Pena para assumir o
Ministério da Guerra (Franco, 1973, p. 405).
24
Lauro Sodré, paraense de nascimento foi na escola militar aluno de Benjamin Constant
tornando-se intransigente positivista. Opôs-se ao golpe de Deodoro da Fonseca, em 3/11/1891,
quando foi dissolvido o Congresso. Envolveu-se na Revolta da Vacina, de 1904, de onde sai
preso. Mais tarde se elege, em 1916, governador do Pará (www.masonic.com.br).
25
Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), formou-se em engenharia e atuou na
Guerra do Paraguai e foi um dos articuladores que derrubou a monarquia em prol do pensamento
republicano. De retorno da guerra lecionou nas escolas Militar, Politécnica, Normal e Superior de
Guerra. Foi um dos diretores do Imperial Instituto de Meninos Cegos. Positivista, defendia
segundo o princípio de Augusto Comte, e contraditoriamente a formação de sua classe, o
pacifismo. É de sua inspiração o conceito de Soldado-Cidadão que prega o princípio de que antes
de militar, os membros do Exército são cidadãos (Carvalho, 2005: 25).
26
A derrota do jacobinismo florianista, para Franco (1973), não eliminará totalmente esta corrente
do cenário político, pois o princípio positivista se fará presente na candidatura de Hermes da
Fonseca, de 1910, desta vez com a intenção de incorporar, mesmo tutelado, o trabalhador à
sociedade. Esta premissa torna-se coerente quando o tenente Palmyro Serra Pulcherio,
responsável pelas construções das vilas proletárias na Gávea e na Sapopemba (Deodoro), dá o
nome de Vicente de Souza, professor de gica do Externato Pedro II e o mentor popular do
movimento de 1904, a duas ruas das respectivas vilas proletárias construídas no governo de
Hermes da Fonseca (Carvalho, 2005, p. 140 e 402).
42
Consagrada a candidatura de Afonso Pena
27
, em detrimento de Bernardino de
Campos
28
, assume a presidência da República, para o período entre 1906 e 1909, munido de
um projeto político que consistia em intervir nos assuntos do café, estabilizar a economia e
reorganizar o Exército. Para compor o seu ministério, indica para a pasta da fazenda David
Campista e para o Ministério da Guerra o marechal Hermes da Fonseca, personagens que
disputarão espaço na corrida presidencial de 1910 (Franco, 1983: 430431).
As contradições do sistema oligárquico (baseado na alternância do poder entre
Minas Gerais e São Paulo) emergem, no governo de Afonso Pena (1906-1909), quando o
mesmo impõe o nome do governador de Minas, João Pinheiro, como seu sucessor.
Repudiado por parcela do Partido Republicano Mineiro e pelo grupo político de Pinheiro
Machado, a candidatura de João Pinheiro torna-se improvável (Ferreira, 1989, p. 174).
Com a morte do governador de Minas, em 1908, Afonso Pena acaba por se aproximar de
seu ministro das finanças, David Campista
29
, por acreditar que este ao ter dado garantias ao
empréstimo que valorizou o café
30
poderia pavimentar mais facilmente sua candidatura à
presidência. Porém, as diferenças pessoais entre o senador do Rio Grande do Sul, Pinheiro
Machado e a nova geração de políticos da Câmara (como Carlos Peixoto, Miguel Calmon e
o próprio David Campista, conhecidos como jardim de Infância
31
), acabam por turvar a
pretensão política do senador gaúcho. Apesar de dar sinais de coabitação com os seus
opositores, a liderança de Carlos Peixoto continuava a ser alvo de Pinheiro Machado, pois
27
Afonso Pena, paulista de nascimento, advogado foi deputado por Minas Gerais, além de
ministro da Guerra (1882), da Agricultura (1883-1884) e da justiça (1885). Elegeu-se governador
por Minas Gerais e foi vice-presidente de Rodrigues Alves. Presidiu a República de 1906 a 1909,
quando faleceu no exercício do mandato. Por ocasião de sua eleição para presidente da república
foi eleito com menos que 1,4% dos eleitores. Campos Sales acusava Pena de gestão duvidosa
quando na presidência do Banco da República (Franco: 1973, p. 201).
28
Bernardino José de Campos Junior (1841-1915) foi por duas vezes presidente do governo de
São Paulo (1892-1896 e 1902-1904). Advogado, fundou o Partido Republicano Paulista
conspirando contra a monarquia, pois se dizia abolicionista. Aliado de Rui Barbosa na Campanha
Civilista.
29
David Campista, advogado, exerceu em Minas Gerais cargos jurídicos e políticos. Ocupou, por
indicação do presidente eleito, o cargo de ministro da Fazenda (1906 1909) cuja missão maior
era o de estabilizar a moeda, fato que consegue no final do governo (Borges, 2004, p. 117).
30
O Convênio de Taubaté (1906) foi um acordo celebrado entre o estado de São Paulo, Minas
gerais e Rio de Janeiro que consistiu em um empréstimo de 15 milhões de Libras tendo como
fiador a União (Fausto, 2002, p. 151 e Borges, 2004, p. 113 e 139).
31
Compunham o grupo político conhecido como Jardim de Infância, intelectuais como Afrânio
Peixoto, Manuel Bonfim e Euclides da Cunha. O grupo, bastante eclético, era contrário aos
partidos políticos pois acreditavam que os conflitos no Congresso ameaçavam a República.
Criticavam o excessivo regionalismo instaurado após 1889, e diagnosticaram que o atraso
brasileiro seria superado pela educação (Borges, 2004, p. 118, 121 e 122).
43
Peixoto tinha a importante tarefa de presidir a comissão de reconhecimento dos eleitos na
sucessão presidencial (Borges, 2004: 120).
Se as relações na Câmara não eram nada amistosas entre Pinheiro Machado e
Afonso Pena, no senado o clima era de tensão devido à aproximação da eleição para
presidente da República. Pesava a favor de Afonso Pena e David Campista o apoio de São
Paulo que tanto se beneficiou do Convênio de Taubaté
32
. Porém, a candidatura Campista
não contava com o apoio de fração majoritária do Partido Republicano Mineiro (PRM),
liderada por Francisco Sales, futuro ministro da Fazenda de Hermes da Fonseca (Carone,
1973: 47).
Neste ínterim, Hermes denuncia a Afonso Pena que a candidatura de David
Campista não tinha raízes na opinião pública nacional. Vincou seus protestos diante
daqueles que hostilizavam as forças armadas, tentando incompatibilizar uma possível
candidatura militar com a Constituição. Apesar de Hermes negar ter interesse pela
presidência, em maio de 1909, assume a candidatura. A pretensão de Hermes à presidência
da República é tida pelo jornal O Paiz, de novembro de 1914, como um esforço de civis e
militares de alta patente para evitar um golpe militar. Esta informação retirada daquele
jornal
33
é desconhecida pela historiografia e sua investigação extrapola os objetivos desta
tese. Mesmo assim, transcreve-se a denúncia pela originalidade de seu conteúdo:
A candidatura do marechal Hermes não foi o resultado de uma
imposição do Exército, mas sim de uma hábil resolução dos chefes de
maior significação e responsabilidade do regime para resolver uma
situação que estava latente ameaçando a ordem constitucional da
República. Como esse golpe vibrado pelos elementos civis que
lançaram a candidatura do marechal Hermes, foi coroado do maior
êxito, liquidando de vez esse desgosto que se queixavam as classes
armadas e obtendo esse resultado de tão grande alcance para a
estabilidade das instituições, contendo as ambições que fatalmente
tinham de surgir, como surgiram, entre os oficiais do Exército, que
foram sofreadas pela ação enérgica e toda moral de uma alta patente,
no posto de presidente da República, não ficando, portanto, vestígios
de ressentimentos que perduraram durante longos anos (O Paiz de
15/11/1914).
32
O Convênio de Taubaté (1906) foi um acordo político visando a valorização do café. Tal acordo
foi ratificado por Afonso Pena quando vice-presidente de Rodrigues Alves.
33
Acrescenta o jornal O Paiz que, apesar dele ser co-responsável pela eleição de Hermes, não
apoiava a política de Salvações, pois, diferente de Mena Barreto, que desejava na presidência de
cada estado um militar, o jornal defendia que o modelo autônomo e federativo de cada estado era
a base de sustentação da República.
44
Como se não bastasse a falta de unidade no Partido Republicano Mineiro (PRM)
em torno da candidatura de Campista, este ainda sofre a oposição do jornal O Paiz, que tem
o seu pedido de perdão de dívida negado por Campista quando ministro da fazenda. Este
fato não só coloca a direção do jornal contra a candidatura de Campista como é habilmente
manipulado por Pinheiro Machado para desgastar Campista junto a grupos econômicos.
Com a crise da sucessão instalada, David Campista renuncia à candidatura, sendo seguido
por Carlos Peixoto que desiste da liderança da Câmara por não mais se sentir expressão da
união da bancada mineira (Borges, 2004, p. 141).
Com o vácuo político proporcionado pelo grupo de Afonso Pena, o caminho para
uma candidatura militar passa a ser uma possibilidade, pois a imagem do Exército entre os
segmentos da sociedade era de apreço.
O lançamento oficial da candidatura hermista aconteceu em 12 de
maio, aniversário de Hermes da Fonseca, na sua residência na Rua
da Guanabara. O orador oficial, o jovem tenente Jorge Pinheiro,
serviu de porta-voz da maior parte da guarnição do Rio de Janeiro e
das delegações do Exército nos estados. O tom da aclamação induziu
a acreditar-se, equivocadamente, que tal nome era proposto pelas
classes armadas. A confusão estava estabelecida, pois acreditavam
naquela reunião estarem falando em nome da nação. Atentemos para
o fato de que também se falou em seu nome, da nação, por ocasião do
lançamento da candidatura Campista. Diante de tal insistência,
Hermes da Fonseca reconsiderou sua posição, afinal não poderia
mais manter-se, segundo a sua constatação, “contra a vontade da
nação”. Naquele momento, a interpretação precipitada, ou talvez a
sedução em acreditar que seu nome era de consenso, não permitiu ao
ministro da Guerra vislumbrar que seu nome não tinha apoio popular
nem muito menos havia despontado dos meios políticos. Acreditamos
estar diante de um detalhe relevante para compreensão das
complicações que a administração Hermes viveria futuramente,
durante o exercício do mandato presidencial (Borges, 2004, p. 144).
A assertiva de Borges torna-se incoerente quando diz que Hermes não tinha apoio
popular, pois os sindicalistas tidos como amarelos
34
viam no marechal o instrumento
político para atendimento a suas reivindicações, principalmente relacionado à moradia
operária.
34
Segundo Batalha (1984: 16), contrariamente à historiografia, os sindicatos amarelos teriam um
peso importante no movimento sindical, além de ser hegemônico frente aos sindicatos anarquistas
e revolucionários.
45
Assim, Hermes renuncia ao cargo de ministro da Guerra para candidatar-se à
presidência da República, em 22 de maio de 1909, sendo seguido pelo oposicionista Rui
Barbosa que também deixa a cadeira de vice-presidente do Senado, (posto para o qual tinha
sido nomeado a menos de 30 dias) para pleitear o mesmo cargo (Borges, 2004, p. 147).
Antes de apoiar a candidatura de Hermes, Pinheiro Machado havia tentado destacar
o nome do barão do Rio Branco para a presidência da República; contava, para isso, com o
apoio de Rui Barbosa. Como tal indicação não seduziu o renomado barão, Machado passa a
apoiar o nome de Hermes da Fonseca para a presidência da República.
Posteriormente, quando não se tratava mais de uma fórmula que
pudesse conjugar em redor dela todos os espíritos (a candidatura Rio
Branco), com o assentimento ou colaboração do Sr. Presidente da
República, é que nós verificamos que a maioria das vontades se
congregava em redor do nome do marechal Hermes.
Não tínhamos, pois, o direito, desde que a maioria das
opiniões prestigiava o nome do digno Sr. Hermes, de recusar esta
candidatura, porque sua excelência tinha todos os requisitos para
merecer a alta investidura que lhe conferira a nação, representada
pela maioria dos elementos políticos dirigentes (Pinheiro Machado,
apud Borges, 2004, p. 151).
Com a morte de Afonso Pena, em de julho de 1909, um ano antes do término do seu
governo constitucional, assume a presidência Nilo Peçanha
35
que modifica radicalmente o
panorama das alianças políticas. Inclinado a apoiar o marechal Hermes e prestigiar os
militares, Nilo admite nacionalizar a produção do ferro, reduzir o custo do frete para as
empresas mineradoras e isentá-las de impostos com o intuito de promover a instalação de
uma siderurgia de maior porte no Brasil (Borges, 2004: 149). Na mesma linha de
pensamento de Nilo Peçanha, Serzedelo Correia e Rodolfo Rocha Miranda imaginam criar
um banco que pudesse emitir letras hipotecárias adiantando recursos aos proprietários das
minas. Até mesmo o liberal Alcindo Guanabara, em 1909, concordava com tal medida:
A intervenção direta do Estado se legitimará, encarando-se o caso
particular de defesa nacional, sob o duplo aspecto da fundação de
35
Nilo Peçanha nasceu em Campos (1867-1924). Em sua vida política foi constituinte, em 1890,
senador da República, vice-presidente de Afonso Pena, Presidente da República interino devido à
morte de Afonso Pena (1909) e Presidente do Estado do Rio de Janeiro. Concorre à presidência da
República pela legenda da Reação Republicana, ação política que tinha a pretensão de mobilizar
as massas urbanas contra as oligarquias mineira e paulista (Ferreira, 1989, p. 249).
46
uma usina para fabrico de canhões[...] e de um estaleiro naval [...]
(Alcindo Guanabara, apud Luz, 1975, p. 197).
Outra problema que em muito contribuiu para afirmar a candidatura de Hermes da
Fonseca para a presidência da República foi a questão do Prata. A tentativa dos Blancos,
partido político conservador uruguaio e aliado da Argentina, em tomar o poder no Uruguai,
deixava ao Brasil várias incertezas. A pior delas, levada a extremos, seria uma guerra com a
Argentina, o que deixaria o Exército brasileiro em condições desfavoráveis. Diante da
ameaça de guerra com o país vizinho, Rio Branco
36
endereça carta a Nilo Peçanha
denunciando o quadro deplorável em que se encontram as tropas no Rio Grande do Sul e no
Mato Grosso. Frente a esta situação, a candidatura de Hermes, cuja bandeira era aumentar a
capacidade siderúrgica e militar do país, convinha ao Itamarati e ao próprio Nilo Peçanha.
Com a candidatura de Hermes posta, Rui Barbosa rompe com o marechal, alegando
não aceitar uma candidatura que não tivesse saído do Congresso, muito mais sendo o
candidato um militar. Acreditava Rui que a concessão de créditos no estrangeiro ficaria
prejudicada (Borges, 2004, p. 151). Estabelecido o campo oficial preenchido pela
candidatura militar, resta a Rui Barbosa o apoio de São Paulo e da Bahia. Rui ainda tenta
imputar um caráter militarista à candidatura de Hermes que certamente era bem menor do
que se imaginava.
Como o estado de São Paulo era um forte aliado de Rui Barbosa, poderíamos
imaginar que a situação de Hermes em terras paulistas seria desanimadora. Porém, a
composição política para apoiar Rui Barbosa
37
tornava-se complicada devido à
marginalização de correntes dissidentes do Partido Republicano Paulista (PRP) que, em
represália, procuraram abrigo na candidatura de Hermes da Fonseca (Souza, 1984, p. 2001).
Em oposição à candidatura de Hermes está o representante dos cafeicultores
paulistas, Campo Sales, ex-presidente da República:
Chegam por aqui uns rumores de mau presságio, antevendo
tempestades que possam desabar a propósito da eleição presidencial.
De se manda dizer que a “espada” entrará no pleito. está a
36
José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco (1845-1912) foi geógrafo,
diplomata e ministro das Relações Exteriores de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e
Hermes da Fonseca (Viana Filho, 1996).
37
Rui Barbosa, senador pela Bahia, foi vice-presidente do governo provisório, vice-presidente do
Senado (1906 a 1909) e ministro da Fazenda, na qual adotou a política econômica conhecida
como encilhamento (Borges, 2004, p. 110).
47
desgraça que nos faltava. Confesso que tenho medo. No início da
República isso se explicava e até se justificava pela parte que coube
ao elemento “estranho” na proclamação do regime. Mas, hoje, sem
esse outro motivo, um soldado sem passado político, sem que houvesse
revelado ao menos algumas qualidades de governo, isso seria a maior
calamidade para o país e teria um eco desolador no estrangeiro
(Campos Sales, apud Viana Filho, 1996, p. 391).
Apesar dos senões, a candidatura de Hermes se afirma formando uma aliança em
que se reuniram militares; os estados do Rio Grande do Sul, do Norte e do Nordeste
(satélites do senador Pinheiro Machado); e uma parcela expressiva de políticos de Minas
Gerais.
Para a sustentação política do governo Hermes, Pinheiro Machado funda, em agosto
de 1910, o Partido Republicano Conservador
38
(PRC) que agregaria os aliados de Hermes
da Fonseca, os pinheiristas e as máquinas eleitorais dos estados. A agremiação deveria
contemplar a plataforma da campanha política de Hermes, atendendo a três questões:
defender o governo dos ataques da oposição, apoiar a renovação administrativa e partidária
dos estados (combate às oligarquias, que veio a ser conhecido como política de
“Salvações”) e proporcionar o entendimento de civis de todas as tendências junto ao
marechal-presidente.
Apesar do PRC ter sido fundado para prestigiar o governo de Hermes, a desavença
entre a agremiação política e os militares era notória. Neste sentido, destacam-se as
palavras do general Caetano de Faria, chefe do Estado Maior, que assumia para si a
responsabilidade de promover a união do país, desconsiderando as articulações de Pinheiro
Machado e do próprio PRC.
(...) o Exército tem o dever de manter em torno de ambos governo e
nação - uma atmosfera de completa segurança, para que V. Ex.ª possa
conduzir a República que vos foi confiada pela estrada larga do
progresso; tendo a iluminar o caminho e as forças armadas
garantindo a sua marcha.
Essa missão o Exército saberá cumprir, quaisquer que sejam
as dificuldades, porque é seu dever e a tranqüilidade da pátria que o
exige (Gazetas de Notícias de 2 de janeiro de 1912. Apud Borges,
2004, p. 170).
38
O PRC atenderia aos interesses dos cafeicultores, contraditoriamente à aliança com o Rio
Grande do Sul, interessado mais no mercado interno do charque do que na exportação do café
(Borges, 2004, p. 110).
48
Diante da ameaça militar em querer se sobrepor ao poder oligárquico, o PRC se
apressa em comunicar aos seus filiados, os princípios que norteiam a agremiação.
A comissão executiva do Partido Republicano Conservador reitera
aos seus correligionários nos estados suas anteriores recomendações
de sincero acatamento aos princípios cardeais de seu programa:
respeito absoluto à autonomia dos estados, repúdio absoluto da
intervenção da força federal, salvo quando reclamada na forma da
Constituição para defesa das autoridades legítimas; condenação
formal do emprego das forças policiais dos estados para coação da
liberdade dos cidadãos; respeito aos adversários, cuja representação
deve ser garantida nas eleições federais estaduais, de acordo com a
Constituição e as leis eleitorais ( Borges, 2004, p. 170 e 171).
Fica explícita neste comunicado do PRC aos seus diretórios, a condenação da
política de “Salvações”, tema de campanha de Hermes e que vinha sendo colocado em
prática por militares e políticos do norte e nordeste do país. Apesar da gravidade do
episódio, o PRC não pretendia romper com o presidente Hermes, pois entre a caserna e o
PRC certamente Hermes ficaria com os militares.
A eleição de 1910, conhecida como civilista, onde se opuseram Hermes da Fonseca
e Rui Barbosa, apresentará um distorcido quadro eleitoral, característico da Primeira
República. O Distrito Federal então com 25.246 eleitores, cerca de 2,7 do total, acusa o
comparecimento de apenas 8.687 cidadãos, ou seja, 34% dos votantes e 0,9% da população
total. A política fez com que a eleição se reduzisse a irrisórios 2% da população. Segundo
José Murilo de Carvalho, a República quase conseguiu anular o eleitor, subtraindo o direito
de participação política da grande maioria dos cidadãos.
O mais escandaloso é que a participação eleitoral na capital em 1910
era a metade da média geral do país. Nenhum estado da federação
apresentava participação tão baixa (Carvalho, 1987, p. 43 a 45).
São reveladoras as palavras de Lima Barreto, romancista carioca, publicada em "os
Bruzundangas", quando aborda as eleições na cidade do Rio de Janeiro. Para o escritor, a
cidade...
... às vésperas de eleição parecia pronta para uma batalha.
Conhecidos assassinos desfilavam em carros pelas ruas ao lado dos
candidatos. (...) As eleições eram decididas por bandos que atuavam
em determinados pontos da cidade e alugavam seus serviços aos
políticos (Carvalho, 1987, p. 87 e 88).
49
Com a eleição de Hermes da Fonseca consumada, os gaúchos reaparecem na
política nacional, coisa que não faziam desde 1894. O Partido Republicano Riograndense
passa a exigir uma política econômica que estabilize a moeda, posto que suas exportações
de charque eram, para o mercado interno. Esta reivindicação não é nada desprezível se
considerarmos que até então a República estava voltada para atender quase que
exclusivamente aos interesses da exportação do café.
No campo da historiografia, a percepção de José Murilo de Carvalho (2005) e Boris
Fausto (2002) é de que a candidatura militar estava calçada nas oligarquias gaúcha e
mineira, tornando o governo do marechal delimitado por elas. Se a perspectiva histórica de
Carvalho e de Fausto estão corretas, caberia perguntar o que tanto desagradou à elite para
fazer do governo Hermes o mais atacado do período republicano (Ribeiro, 1985, p. 193)?
Se a candidatura do marechal à presidência da República era um acerto entre as oligarquias
mineira e gaúcha, como explicar o temor das mesmas com o exercício do governo do
marechal? Julga-se que as Salvações
39
, o fortalecimento do Exército em detrimento do
campo civil, a intervenção do Estado na produção da moradia operária e a aproximação
pioneira de Hermes com setores dos trabalhadores constituíram-se em elementos que
acabaram por incompatibilizar Hermes com a oligarquia paulista e até com aqueles que o
apoiaram, como as oligarquias mineira e a gaúcha (Borges, 2005, p. 196 e 198).
Diante da crise instalada no governo Hermes, a sua sucessão foi resolvida em um
encontro informal, na cidade de Ouro Fino, em 1913, pelo representante de São Paulo,
Cincianato Braga, e pelo presidente mineiro Júlio Bueno Brandão. O pacto consistia em
uma aliança entre Minas Gerais e São Paulo que visava barrar politicamente o senador
Pinheiro Machado, representante do Rio Grande do Sul. Após retirar seu nome da corrida
presidencial de 1914, Pinheiro Machado articula a candidatura do paulista Campos Sales e
para vice-presidente, o nome de Wenceslau Brás. Quando tudo parecia estar de acordo com
as alianças negociadas pelo senador gaúcho, morre Campos Sales, em junho de 1913. Em
agosto do mesmo ano, a Coligação (leia-se Pinheiro Machado) e elementos do Partido
Republicano Paulista (PRP) proclamam a candidatura de Wenceslau Brás, tendo como vice
o maranhense Urbano Santos, este apoiado por São Paulo.
39
As Salvações foram ações de militares de alta patente que tentavam retirar velhas oligarquias
do poder e contavam com o apoio da caserna. As intervenções com maior apoio popular se deram
em Pernambuco e no Ceará, e as que sofreram intervenção por parentes de Hermes foram os
estados de Alagoas, Rio grande do Norte e Bahia (Carvalho, 2005, p. 47).
50
Restaria discutir se a eleição de Wenceslau Brás (1914-1918), sucessor de Hermes
da Fonseca, constituiu-se em uma ruptura com o governo anterior ou se foi a sua
continuação. Se considerarmos Pinheiro Machado como um dos aliados políticos de
Wenceslau, podemos dizer que o governo deste último foi uma continuidade tanto
econômica quanto política do governo anterior (Borges, 2005, p. 198). Se ponderarmos a
paralisação das obras na Vila Proletária Marechal Hermes então podemos dizer que há uma
descontinuidade naquilo que difere radicalmente o governo do marechal dos outros
presidentes da Primeira República: a produção estatal da moradia operária.
51
3.2. A ESPECIFICIDADE DE HERMES DA FONSECA NO
CONTEXTO DA PRIMEIRA REPÚBLICA.
Hoje estou feliz. Sou um homem livre! Cumpri o
meu dever! Graças a Deus vou ver pelas costas
esses malucos e idiotas que me atazanaram e me
insultaram nesses quatro anos (Hermes da
Fonseca apud Santos, 1983, p. 51).
A especificidade de Hermes da Fonseca, na Primeira República, é creditada a
formação cultural desenvolvida no Exército brasileiro da qual Hermes é uma de suas
variantes. Esta especificidade proporcionou o surgimento de uma intelectualidade
conferindo uma certa autonomia do Exército quanto às ações administrativas e
educacionais que permearam gerações de militares e que estão intimamente ligadas à
história do Brasil (Alves, 2002, p. 346 e 347).
A força dessa intelectualidade vai ganhar contornos mais nítidos após a Guerra do
Paraguai (1864-1870), onde diferenças políticas como as de Caxias
40
, um dos líderes do
Partido Conservador, se contrapunham às de Floriano Peixoto
41
, defensor de uma posição
política militar mais atuante (Fausto, 2002, p. 130). Mesmo não havendo, no Exército, uma
unidade de opinião quanto a sua inserção na vida civil, havia uma forte oposição às
diretrizes políticas do imperador quando, em finais do século XIX, o movimento
abolicionista, tanto no Exército quanto na sociedade civil, ameaça minar os alicerces que
sustentam o Império brasileiro.
Nos anos finais do século XIX, o Exército se constituía numa corporação
relativamente autônoma frente ao governo central e parecia possuir projetos de
desenvolvimento mais amplos do que aqueles preconizados pelas oligarquias cafeeiras
(Alves, 2002: 321 e 323). São eles: a educação, a promoção da indústria militar
42
e a
40
Luiz Alves de Lima, o Duque de Caxias (1803-1880), teve participações na guerra pela
independência do Brasil, na Cisplatina (atual Uruguai); combateu várias rebeliões populares como
Balaiada, no Maranhão, e Farrapos, no Rio Grande do Sul. Foi presidente do Conselho de
Ministros e era conhecido como escravocrata.
41
Floriano Vieira Peixoto (1839-1895) foi presidente da província do Mato Grosso, vice-
presidente e Presidente da República (1891-1894). Combateu a Revolta da Armada, a Revolução
Federalista. Como ditador, perseguiu seus inimigos políticos e exerceu, no governo, controle
sobre alimentos de 1ª necessidade e os aluguéis.
42
A mais antiga unidade fabril do Exército era a fábrica de pólvora da Estrela, de 1808, e
localizava-se junto à Lagoa Rodrigo de Freitas, sendo transferida para a Serra da Estrela próximo
a cidade de Petrópolis. Na década de 1870, o Exército construiu outra fábrica no Mato Grosso e
dois depósitos de pólvora na capital, um em Inhomirim e outro na ilha do Boqueirão. Como
52
construção de uma sólida malha ferroviária. Partilha deste pensamento o jovem Hermes
Rodrigues da Fonseca
43
(1855-1923), cuja trajetória política traz a influência dos debates
pautados pela sua geração. Esta visão de mundo que permeou Hermes da Fonseca pode ser
observada no seu envolvimento na Revolta da Vacina (1904), quando assume uma posição
legalista contra o golpe militar; no exercício do ministério da Guerra, quando procura
desenvolver e modernizar o Exército brasileiro; e quando exerce o cargo de presidente da
República, onde se destacará pela construção das vilas proletárias.
Ao final do século XIX, a rebeldia militar frente à monarquia ficou em grande parte
limitada aos militares ganhando pouco a pouco amplitude social. Assim, surge o mais
emblemático atrito entre o Imperador e um oficial do Exército. Este conflito teve como
protagonista o tenente-coronel Sena Madureira quando, em 1884, convidou jangadeiros que
lutaram pela abolição no Piauí para visitarem a Escola de Tiro do Campo Grande, da qual
era comandante. Como punição pelo seu ato, o tenente-coronel foi transferido para o Rio
Grande do Sul (Alves, 2002, p. 403). Depois deste fato político, as insubordinações surgem
com Deodoro, que na qualidade de presidente do Clube Militar solicita ao Ministro da
Guerra que dispensasse a corporação militar de prender escravos fugidos. Esta
manifestação e outras fazem de Deodoro não um líder da rebeldia militar, mas também
porta-voz desta intelectualidade que vai depor o imperador Pedro II.
É fato que os militares não se organizaram para proclamar a
República, mas também é fato que existia, no seio daquela
oficialidade, uma reflexão amadurecida sobre alguns pontos que se
chocavam com o regime monárquico e as forças que o sustentavam
(Alves, 2002, p. 404).
complemento ao fabrico de pólvora, construiu-se, em 1852, o Laboratório Pirotécnico da Saúde e
do Morro do Castelo dentre outros. No campo siderúrgico, destacava-se a Fábrica de ferro de São
João de Ipanema, em Sorocaba, São Paulo, cuja fragilidade indignava ao alto escalão do Exército
(Alves, 2002, ps. 336 e 337).
43
Hermes Rodrigues da Fonseca, em 1871, assenta praça no 1º Batalhão de Artilharia, cursando
posteriormente, a Escola Militar. Em 1879, parte para o Estado do Pará na condição de ajudante
de ordens do comando das armas daquele estado; em 1883, foi nomeado ajudante de ordens do
Conde DEu; em 1885, apresenta-se à guarnição do Rio Grande do Sul, sua terra natal; em 1888,
foi nomeado assistente do quartel general do comando da Divisão de Observação das Fronteiras
de Mato Grosso; em março de 1892, foi nomeado diretor do Arsenal de Guerra da Bahia; em
1903, exerceu por dois meses o cargo Chefe de Polícia do Distrito Federal; em dezembro de 1904,
foi nomeado comandante da Escola Preparatória e de Tática do Realengo e comandante do quarto
Distrito Militar; em novembro de 1906, é promovido a general, sendo nomeado ministro da
Guerra por Afonso Pena; e no quadriênio 1910-1914, exerceu a presidência da República (Fé de
Ofício de Hermes Rodrigues da Fonseca, Ministério do Exército).
53
No fim do império, forma-se o gabinete de Ouro Preto (1889) que nomeia para a
presidência do Rio Grande do Sul um inimigo pessoal de Deodoro. Diante desta desfeita,
conjuram para derrubar a monarquia os militares, a burguesia cafeeira de São Paulo e
políticos como Rui Barbosa, Benjamin Constant, Aristides Lobo e Quintino Bocaiúva.
Mesmo desprovido de apoio popular, o golpe militar depõe a família real que parte para o
exílio (Fausto, 2002, p. 132).
Desta forma, nasce constrangida a República, pois Deodoro desejava somente
derrubar o ministério que lhe era hostil (Costa, 1979, p. 251). O movimento republicano,
vitorioso, surge ungido pelo princípio federativo em oposição ao centralismo da monarquia.
Na Europa, a ascensão dos militares ao poder é recebida com reservas; porém, a
constituição promulgada em 1891, resguardou os acordos externos, garantindo os interesses
dos credores.
Estabelecido o Governo Provisório, as diferenças de concepção de sociedade
emergem entre civis e militares, e entre os próprios militares, o que acaba por dividi-los. Os
deodoristas (tarimbeiros), veteranos da Guerra do Paraguai e ausentes da Escola Militar,
logo distantes do pensamento positivista, reivindicam uma presença maior do Exército na
República sem, contudo, lutar pelas questões essenciais do republicanismo
44
. Assumindo a
presidência do Governo Provisório, Deodoro incompatibiliza-se com Floriano Peixoto, seu
vice, e com o congresso, o que acaba por levá-lo à renúncia. Assume em seu lugar, o
marechal Floriano Peixoto que partilhava do desejo de fundar uma República mais próxima
de seus princípios. Apesar do espectro republicano, Floriano substitui vários governadores
de Estados e promove perseguições políticas
45
(Fausto, 2002, p. 140).
Ultrapassada a fase militar da República, assume a presidência o paulista Prudente
de Morais (1894-1898), marcando o retorno dos cafeicultores ao poder. A eleição de
Morais e o posterior atentado a sua vida, praticado por militares radicais, significa não só o
44
Sob o ponto de vista do exercício da cidadania, a República brasileira revelou-se um fracasso.
Para Levine (1995), a administração da justiça reproduzia a herança do período colonial ainda
baseada no princípio do Direito Divino dos Reis, enquanto a prática jurídica inglesa já se
caracterizava por discutir a Lei em corte aberta, o que pressupunha uma maior visibilidade de
suas ações.
45
Rui Barbosa, por exemplo, teve que viver exilado na Argentina, Portugal e Inglaterra. (Iglesias,
1993, p.201).
54
afastamento militar momentâneo na gestão da República, mas também início à
radicalização entre as elites estaduais e o jacobinismo
46
.
Este radicalismo pode ser medido pela “Revolta da Vacina"
47
, de 1904, que
objetivava retirar do poder o sucessor de Prudente de Morais, Rodrigues Alves, para
colocar em seu lugar uma ditadura "republicana"
48
. Em oposição a este movimento, o
general Hermes da Fonseca acaba por prender Lauro Sodré
49
, um dos líderes do
movimento
50
.
A República retomava o clima de relativa paz vindo do Império, com
um governo que não era a expressão viva da sociedade: se esta se
extremava entre a cidade e o campo, com uma população na maioria
analfabeta, pobre e desassistida em tudo, sem saúde e sem escolas,
marginalizada do processo social, havia reduzido grupo que obtinha
suas rendas no comércio exportador e constituía os ricos (Iglesias,
1993, p. 205).
Coerente com o que foi exposto acima se torna bastante esclarecedor a atitude de
Hermes no conflito conhecido como Revolta da Chibata, de 1910. Sete dias após a posse do
marechal como presidente da República, emerge o movimento dos marinheiros que se
sublevam, sob liderança de João Cândido, reivindicando, principalmente, o fim dos castigos
corporais (Morel, 1986). A ameaça em bombardear a cidade fez com que o senador
Pinheiro Machado pedisse ao congresso uma anistia aos marinheiros com o intuito de
solucionar a questão. Tal missiva é prontamente aceita pelos parlamentares que, mais tarde,
46
O jacobinismo florianista foi um movimento que participou na Revolta da Armada (1893), no
atentado a Prudente de Morais (1897) e na Revolta da Vacina (1904), que resultou no fechamento
da Escola Militar da Praia Vermelha. Os jacobinos eram nativistas e nutriam ódio aos
estrangeiros, principalmente portugueses, pois acreditavam que estes monopolizavam grande parte
do comércio da cidade.
47
Como já foi dito, a revolta militar que irrompeu no curso das manifestações populares, em
novembro de 1904, tinha por objetivo derrubar Rodrigues Alves e J. J. Seabra. O major Gomes de
Castro, atendendo ao comando revolucionário, parte para tentar sublevar a escola Militar de
Realengo, sendo preso pelo general Hermes da Fonseca (Benchimol, 1992, p. 308).
48
A expectativa de uma maior participação política para a população com a chegada da República
tornou-se um engodo. A geração de 1870, tendo como expoentes Euclides da Cunha, Sílvio
Romero e mesmo Lima Barreto, deixou em seus trabalhos o desconforto em viver em um regime
político que podia ser tudo menos republicano.
49
Lauro Sodré (1858-1944), nasceu em Belém do Pará sendo seu governador e notabilizando-se
por ser um dos líderes da Revolta da Vacina de 1904. Anistiado, volta a se eleger governador do
Pará, em 1916.
50
O episódio de 1904, para Franco (1973:435), repercutirá na candidatura do então marechal
Hermes à presidência da República. Como resultado da fracassada tentativa de golpe, fechou-se a
Escola da Praia Vermelha, de 1904 só sendo reaberta, em 1911, quando Hermes da Fonseca está
no exercício da presidência da República.
55
traindo a boa dos marinheiros, os conduzem para as masmorras da marinha ou são
fuzilados no Satélite, barco que os conduziram para serem entregues como escravos a
seringalistas na Amazônia. Barbosa Lima, diante da dubiedade das ações de Hermes, faz o
seguinte comentário:
(...) operários representantes deste proletariado com o qual tanto
simpatiza o Sr. Presidente da República; representantes desse
proletariado a quem o Sr. Presidente da república quer dar três ou
quatro mil casas, habilmente ideadas e projetadas pelo meu distinto
camarada de classe o Sr. Tenente Pulquério; representantes desse
proletariado que tantas delegações tem mandado ao Palácio do
Catete e tem sido tão benignamente acolhidos pelo Sr. Presidente
da República, expondo queixas e pedindo providências;
representantes desse proletariado, cidadãos inócuos e despoticamente
arrastados a uma enxovia e aí mantidos em promiscuidade com ébrios
habituais; com rufiões, com que de mais baixo na borra desta
cidade; homens de trabalho, cidadãos com cujos votos nos aqui
estamos, eleitores são arrastados para o xadrez das delegacias desta
capital e, em seguida, deportados para a Colônia Correcional e
depois de alguns dias de torturas criminosas são restituídos ao lar,
quando desempregados, como é natural,pois essa, é a primeira
conseqüência da privação de sua liberdade. Por quê?
Por que tentativas de crimes são assim mal tratados esses
nossos compatriotas ou esses estrangeiros aqui domiciliados, sob a
égide das nossas leis? Porque tentaram fazer uma greve. Mas, então,
fazer greve é um crime? Tentar organizar uma parede é um crime?
Recusar trabalhar em condições que não convém é crime (Barbosa
Lima, apud Morel, op. cit, p. 29).
Para se opor à conduta de Hermes, o parlamentar Barbosa Lima denuncia que 20
trabalhadores foram enviados presos para a Colônia Correcional de Dois Rios, sem
julgamento e sem sentença condenatória. Em seu depoimento, destaca a contradição de um
presidente que, ao mesmo tempo em que deporta trabalhadores, notadamente anarquistas,
procura atender às reivindicações de outros, principalmente quanto à moradia popular.
No campo da saúde pública, Hermes adotou posicionamento contrário aquele
defendido pelo sanitarista Oswaldo Cruz, quando reduziu os poderes da Divisão Geral de
Saúde Pública (DGSP), fazendo com que Figueiredo de Vasconcellos, indicado por
Oswaldo Cruz para o cargo de diretor, renunciasse. Contraditoriamente a sua perspectiva
administrativa para a DGSP, Hermes da Fonseca apoiou Oswaldo Cruz em ações sanitárias,
fora da capital, o que possibilitou que o renomado sanitarista prestasse serviços para os
56
governos dos estados, da União e também para entidades privadas. Destaca-se, dentre as
iniciativas do governo, o aparelhamento, em 1912, do hospital de Lassance, em Minas
Gerais, e a construção, em Manguinhos, no Rio de Janeiro, de outro hospital para
aprofundar estudos clínicos e bacteriológicos de casos de doença de Chagas, estudo que
notabilizou o Instituto Oswaldo Cruz
51
(IOC) dentro e fora do país. Em 17 de agosto de
1912, Oswaldo Cruz
52
ainda celebrou um contrato com a Superintendência de Defesa da
Borracha, subordinada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, para estudar as
condições de salubridade dos vales dos grandes rios amazônicos com o objetivo de
melhorar o extrativismo da borracha.
É ainda, do governo de Hermes da Fonseca a reforma do serviço da Inspetoria de
Obras contra a seca, em 1911, que vinculado ao Ministério da Viação e Obras Públicas,
objetivava combater a falta de água no nordeste através de programa de pesquisa
envolvendo estudos geológicos, meteorológicos dentre outros (Fundação Oswaldo Cruz,
1990, ps. 47, 50, 51 e 52).
Determinado em diagnosticar as condições socioeconômicas do interior do Brasil, o
IOC, no período entre setembro de 1911 e fevereiro de 1912, encarrega Astrogildo
Machado e Antonio Martins em mais uma viagem de pesquisa. Tinham por objetivo
conhecer os vales do rio São Francisco e Tocantins para instalar uma ferrovia que ligaria
Pirapora a Belém. Uma outra expedição, liderada por Adolpho Lutz e Astrogildo Machado,
entre abril e julho de 1912, percorreu o vale do rio São Francisco de Juazeiro até Pirapora;
concomitante à expedição de Lutz está a de João Pedro de Albuquerque que atravessou, de
março a julho de 1912, os estados do Ceará e Piauí. Praticamente no mesmo período, de
março a outubro de 1912, encontram-se Belisário Pena e Arthur Neiva na Bahia,
Pernambuco, Piauí e Goiás percorrendo sete mil kilômetros, o que acabou por se constituir
na mais longa expedição empreendidas pelo Instituto de Manguinhos (op. cit. 1990, p. 54).
51
O Decreto nº 9.346, de 24 de janeiro de 1912, não foi renovado pelo congresso, em 1913, e só
apareceu em menor volume de recursos no orçamento de 1914 (Fundação Oswaldo Cruz, 1990, p.
81).
52
Outra oportunidade de trabalho para Oswaldo Cruz surgiu quando foi convidado para viajar para
Porto Velho, Rondônia, para diagnosticar o quadro sanitário que afetava os trabalhadores da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Voltando de Porto Velho, é convidado pelo governador
paraense para combater a febre amarela na cidade de Belém. Chegando no Rio de Janeiro, nos
primeiros meses de 1911, foi contratado pela Light and Power para avaliar as condições sanitárias
da represa de Ribeirão das Lages, que era acusada de provocar uma epidemia de malária em São
Marcos e Piraí (Op.cit. 1990).
57
Sabemos perfeitamente que a débâcle da borracha na Amazônia foi
irreversível, e que a velha República dos coronéis não pode nem quis
enfrentar a secular tragédia das secas nordestinas. Nesse sentido, as
comissões médico-sanitaristas foram improfícuas. Contudo tiveram
um alcance histórico inegável. (...) Os relatórios escritos pelos
cientistas, ricos em observações de caráter sociológico e
antropológico, e a extraordinária documentação fotográfica que
produziram constituem o primeiro inventário moderno sobre as
condições de saúde e vida das populações rurais do Brasil,
comparável, por seu pioneirismo, às expedições de Rondon, a partir
de 1906, quando foi encarregado por Afonso Pena de ligar
telegraficamente o Acre a Cuiabá, e de 1910, quando estruturou o
Serviço de Proteção ao Índio (Fundação Oswaldo Cruz, 1990: 54).
Assim, estas iniciativas patrocinadas pelo governo de Hermes da Fonseca em prol
do desenvolvimento científico do Brasil, nos fazem acreditar que um projeto nacional,
liderado pela União, estava pioneiramente em curso.
Quanto ao quadro econômico, o Brasil que emergiu da transição da monarquia para
a República, do trabalho escravo para o livre, vai manter a sua “razão de ser” fundada na
agroexportação. Os esforços pela industrialização do país, nos primeiros anos da República,
com a política do “encilhamento”, empreendida por Rui Barbosa, não criaram raízes que
pudessem minimizar o peso econômico da monocultura cafeeira e, por um curto período,
do extrativismo da borracha.
A queda dos preços do café, nos primeiros anos da República, acaba por
comprometer o consenso político e econômico entre as oligarquias estaduais. Para salvar da
crise o principal produto de exportação, o governo brasileiro cria uma política de
sustentação de seus preços comprando gigantescos excedentes e mantendo o câmbio baixo
para promover a sua venda nos principais pólos compradores. Dependente do café e
secundariamente da borracha, a situação econômica do Brasil torna-se vulnerável, tanto
pelos humores dos grandes centros de consumo como por um país concorrente (Fausto,
2002, p. 164 e 165).
Desta forma, o convênio de Taubaté, de 1906, pretendia com o esforço de toda a
federação, resolver o problema da oligarquia paulista. Os acordos celebrados para custear a
valorização do café exigiram 15 milhões de libras esterlinas emprestados pelos banqueiros
europeus, demanda que o governo do mineiro Afonso Pena, em 1908, prontamente
contratou. Com a compra do excedente do mercado, o preço do café se eleva até 1912,
58
chegando a valer mais que o dobro da safra de 1907-1908; em junho de 1913, Hermes
honra a dívida contraída junto aos banqueiros internacionais. Outro produto de peso na
pauta de exportação era a borracha, cujo valor, em 1910, representava 26% do total das
exportações, mas continuava a sofrer forte concorrência dos produtores asiáticos e logo
sairia da pauta de exportação (Fausto, 2002, p. 164).
Quanto à política alfandegária, o governo de Hermes da Fonseca não se afastou do
padrão utilizado pelos governos anteriores; reconhecia-se a necessidade de proteger os
produtos nacionais. Somente a crise econômica de 1913 e a proximidade da Primeira
Guerra Mundial aceleraram a revisão da pauta aduaneira,
53
que acabou por favorecer, no
governo de Wenceslau Brás (1914-1918), o incipiente setor industrial.
Antevendo a necessidade em diversificar e ampliar a modesta siderurgia brasileira e
valendo-se de uma autorização concedida pela lei de 1910, o governo Hermes firma um
contrato com Carlos G. da Costa Wigg e Trajano S. Viriato de Medeiros. A Lei autorizava
o governo a construir uma usina de aço com capacidade de 150.000 toneladas por ano, o
que era um esforço considerável
54
.
Quanto aos estados, e aos mais ricos como São Paulo, interessava contrair
empréstimos no exterior, cobrar impostos oriundos da exportação e organizar a força
militar e a justiça. À União caberia ficar com a arrecadação de impostos de importação,
com o direito de intervir nos estados para estabelecer a ordem, emitir moeda e organizar as
Forças Armadas (Iglesias, 1993, p. 141).
Com uma política francamente liberal por parte da classe dirigente, os militares no
início da República acabaram por se distanciar do liberalismo da elite cafeicultora. Além do
mais, a autonomia dos estados, reivindicação das oligarquias, poderia fragmentar o país,
colocando em risco a unidade nacional, tema caro aos militares.
Diferentemente dos primeiros anos da República onde os militares conspiraram
contra os governos de Prudente de Morais e Rodrigues Alves, este último notabilizado pela
Revolta da Vacina de 1904, Hermes da Fonseca, partícipe do primeiro tenentismo (1889-
1904), movimento que lutou pela proclamação da República, se pauta pelo
53
A dificuldade em importar produtos essenciais, sobretudo combustíveis, alertou o governo para
a necessidade de estimular indústrias ligadas à extração do carvão mineral e a siderurgia (Luz,
1975, p. 193 e 194).
54
Orville Derby, em 1914, ao fazer um balanço das atividades siderúrgicas no Brasil, constata que
a nossa capacidade produtora rondava as 15 toneladas por dia, limitada praticamente a um só alto
forno (Jornal do Comércio, apud, Luz, 1975, p. 197 e 198).
59
profissionalismo. Conquistando a simpatia de amplos setores da oligarquia, Hermes é
convidado por Afonso Pena para ocupar o Ministério da Guerra e, anos mais tarde, sai
vitorioso da Campanha Civilista
55
disputando o pleito com Rui Barbosa.
Na pauta política do marechal estão as seguintes diretrizes: o desenvolvimento do
Exército, projetos agrícolas para a Amazônia (borracha) e para o Rio Grande do Sul (trigo);
o desenvolvimento do parque siderúrgico do país; a intervenção nas oligarquias estaduais
(Salvações), a edificação de vilas proletárias; a reforma da educação secundária e superior;
o apoio ao Instituto de Manguinhos em suas pesquisas no interior do país e a construção de
uma malha ferroviária que pudesse interligar regiões que até então eram acessíveis de
barco (Carvalho, 1987; Fausto2002; Oliveira, 1956; Santos 2000 e Santos 1983).
Neste aspecto, é relevante a publicação do jornal Norte de Goyaz, de 15/12/1911,
enaltecendo a iniciativa do marechal em prol da ligação ferroviária entre o sudeste, o norte
e o nordeste. Esta ferrovia, partindo de Pirapora, passaria por Porto Nacional, no atual
estado do Tocantins, e chegaria à cidade de Belém do Pará.
Este grande empreendimento que acaba de ser resolvido pelo
benemérito Presidente da República, marechal Hermes da Fonseca, e
pelo seu ministro de Viação e Obras Públicas, J. J. Seabra, constitui o
grande elo das relações entre a Amazônia e o centro do Brasil.
Dispensável em mostrar o alto valor estratégico, administrativo e
econômico desta via férrea, que realiza, simultaneamente, o fim de
linha de ligação entre os estados da União e a linha de penetração,
permitindo, por si e pelos ramais, integrar na civilização brasileira
imensas zonas do Norte de Minas Gerais, da Bahia, do Piauí, do
Maranhão e do Pará.
Praza o céu que a centelha que iluminou o cérebro do
Marechal, inspirando-o a aceitar tão surpreendente idéia se converta
em facho luminoso de modo a fixar sua atenção para tão soberbo
empreendimento, pois que então teremos de fato integrado a
civilização brasileira e mundial a vastíssima zona do país até hoje
desprezada e descurada por todos os governos e onde o cúmulo de
todos os escárnios, a voz geral, é que trata-se de zonas habitadas por
indígenas bravios, como se aqui medrassem milhares de bons pacatos
brasileiros sempre acessíveis a todo e qualquer progresso (Norte de
Goyaz, em 15/12/1911. Apud Casa de Oswaldo Cruz, 1991).
Na política com os estados, as intervenções de Hermes, conhecidas como
Salvações”, revelaram a persistente falta de coesão hierárquica do Exército, marcada não
55
A campanha Civilista, segundo Borges (2002), inaugurou a crítica ao modelo das sucessões
presidenciais indicando, possivelmente, o esgotamento do modelo político oligárquico.
60
pela atuação autônoma de oficiais, mas também pelo persistente preconceito dos
militares contra os políticos e as oligarquias que, de maneira similar ao que ocorrera no
império, os mantinham marginalizados (Carvalho, 2005, p. 48).
Contrário ao que se suspeita, as intervenções “salvacionistas” patrocinadas no
governo de Hermes da Fonseca, em particular nos estados do Norte e do Nordeste,
acabaram por beneficiar os militares e as oposições locais, porém com um enorme custo
político para o marechal-presidente. É exemplo deste desgaste político o bombardeio a
Salvador, na Bahia, que acabou por provocar o pedido de demissão do barão do Rio
Branco, um dos mais ilustres de seus ministros, pois este confessara ser afilhado político de
uma prestigiada família baiana e tal agressão ao estado de seus padrinhos não seria
admitida. Soma-se ainda a perda do apoio de seu ministro, também baiano, J. J. Seabra,
envolvido nos conflitos de seu estado (Viana Filho, 1996, p. 421).
Politicamente, a ação intervencionista de Hermes nos estados enfraquecia o senador
Pinheiro Machado que reage reforçando sua base em São Paulo e em Minas Gerais,
imaginando poder compensar as perdas políticas nos estados do Norte e do Nordeste
(Souza, 1984:206). Souza (1984) também advoga a idéia de que Hermes não teria a
intenção de romper com as oligarquias como um todo, pois os estados mais ricos como São
Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul estavam fora de suas intervenções. Ao não
romper com o esquema oligárquico paulista e mineiro, principalmente, Hermes afasta-se da
baixa oficialidade, cujo padrão de modernidade
56
exigia medidas mais enérgicas contra a
aristocracia cafeeira (Borges, 2004: 100). Discorda desta interpretação José Murilo de
Carvalho (2005, p. 47), que afirma que as intervenções, em São Paulo e também no Rio
Grande do Sul, estavam nos planos do marechal.
No Exército, a perspectiva é de conflito, pois a postura antiliberal do positivismo
incompatibiliza a baixa oficialidade com a oligarquia. Por outro lado, a oposição dos
tenentes à elite não era bem vista pelos Jovens Turcos
57
que, como Hermes, desejavam um
exército profissional.
56
Este padrão de modernidade passava necessariamente pela industrialização do país assistência,
ensino e substituição das oligarquias que se imaginavam refratárias a estas mudanças (Alves,
2002, p. 329).
57
Os Jovens Turcos eram conhecidos como oficiais que foram estagiar no Exército alemão, entre
os anos de 1906 e 1912, como parte do aprimoramento de oficiais. Em 1913, fundam a Revista A
Defesa Nacional para divulgar suas idéias (Carvalho, 2005, p. 23).
61
Passado dois anos de governo do marechal Hermes, uma nova bancada de
parlamentares seria eleita para os anos de 1912 e 1914. O resultado vai agradar o senador
gaúcho Pinheiro Machado que, em fins de 1913, se sente forte o suficiente para derrotar
setores jacobinistas do governo nos quais figuram Palmyro Serra Pulcherio, responsável
pela construção das vilas proletárias, e Sarandy Raposo, expoente do cooperativismo,
modelo socioeconômico que pretendia substituir o capitalismo liberal.
Para se opor às pretensões de poder de Pinheiro Machado, os representantes dos
estados de Minas e de São Paulo encontram-se na cidade mineira de Ouro Fino (1913) para
vetá-lo. Tal decisão é prontamente comunicada ao presidente da República. Desta forma,
são lembrados para a sucessão de Hermes os nomes de Rodrigues Alves, Francisco Sales e
Rui Barbosa. O nome de Francisco Sales
58
, ministro das Finanças exonerado por Hermes, é
o mais repudiado; os demais, cada qual com suas restrições, não alcançam o necessário
consenso.
Diante deste impasse, surge no Congresso, em 8 de dezembro de 1913, uma aliança
entre políticos dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e dissidentes de
Minas e do Ceará que enterram de vez a candidatura de Pinheiro Machado. Paralelo a este
movimento político, firma-se a chapa Wenceslau Brás - Urbano Santos
59
, restabelecendo a
unidade entre as oligarquias mineira e paulista (Souza, 1984, p. 211 e 212).
As Vilas Proletárias, política que visava à cooperação entre o braço e o capital, eram
uma promessa de campanha que Hermes cumprira em parte. Sua ação no campo da
moradia popular era endereçada aos sindicalistas amarelos, segmento dos trabalhadores
mais sensíveis aos acenos do governo. Por esta razão, as obras das vilas proletárias não
ficariam sem o reconhecimento dos expoentes deste sindicalismo. Como exemplo, temos os
artigos publicados por Mariano Garcia
60
, na Coluna Operária do Paiz, em 20 de fevereiro de
58
Francisco Sales, ministro da Fazenda de Hermes da Fonseca é indicado por Minas Gerais para
ocupar o cargo. Em fins de 1913, é exonerado sendo acusado de esconder a difícil situação dos
cofres públicos. Para seu cargo é nomeado Rivadávia Correa.
59
Apesar de Urbano Santos não ser paulista, a dobradinha tinha o apoio de São Paulo.
60
Mariano Garcia teria trabalhado na indústria de cigarros e foi um dos mais importantes
divulgadores do socialismo dentro do movimento operário nos primeiros anos da República, sendo
sua história confundida com a do sindicalismo amarelo. Funda, em 1° de agosto de 1912, o jornal
operário A Época. Por ocasião do congresso operário de 1912, diverge da menção na qual o IV
Congresso daria a Hermes; move, também, oposição contra a lei de deportação de 1912. Em
setembro de 1913, se transfere para o jornal O Paiz, onde escreve para uma coluna operária. É
candidato ao parlamento municipal pela Confederação Brasileira do Trabalho (CBT), criada em
1912, depois de sua candidatura ter sido negada pelo Partido Republicano Conservador (PRC) de
Pinheiro Machado. Em condições de normalidade democrática, teria sido eleito, pois, como era de
62
1914, quando elogia Hermes da Fonseca, dizendo ser este o primeiro a atender aos
operários em suas demandas; da mesma forma, enaltece o construtor das vilas operárias,
Palmyro Pulcherio, chamando-o de companheiro. O sindicalista, ao ver Feliciano Sodré
61
,
prefeito de Niterói, prometendo moradias para operários, chamou-o de continuador da obra
de Hermes, o que vem provar que as iniciativas de Hermes eram observadas por outras
lideranças políticas sobretudo quando eram militares, como é o caso do prefeito de Niterói
(Ferreira, 1989: 184).
A intenção de Hermes em promover o congraçamento entre militares, operários e
burguesia fez com que Fausto (1977, p. 58) visse neste governo o surgimento do
"trabalhismo" no Brasil
62
. Fazem parte desta política de conciliação de classes, o apoio ao
cooperativismo, ao Congresso Operário de 1912 e as vilas proletárias.
Com a crise econômica de 1913, sem apoio do PRC, das oligarquias de Minas e de
São Paulo e ainda indisposto com a família pelo seu casamento com Nair de Teffé, resta ao
marechal-presidente delegar a Pinheiro Machado a responsabilidade de gerir a sua
sucessão. Ainda, como penúltimo ato político, inaugura, em de maio de 1914, mesmo
incompleta, a Vila Proletária Marechal Hermes.
Apesar da desilusão de Hermes com a política, Pinheiro Machado ainda consegue
fazer com que ele se candidate ao senado pelo Rio Grande do Sul, o que lhe muito
prazer, principalmente por poder derrotar o candidato de Rui Barbosa. Vencida a eleição
para o senado, em 2 de agosto de 1915, Hermes renuncia antes mesmo de tomar posse
devido ao assassinato de Pinheiro Machado, em 8 de setembro do mesmo ano (Santos,
1983, p. 57).
Tendo que se retirar para a Europa, em 1916, na procura de um melhor tratamento
para Nair de Teffé, que se acidentou gravemente, Hermes da Fonseca deixa para trás a
se esperar, todos os candidatos vitoriosos eram ligados a Pinheiro Machado (Batalha, 1986, p.
122, 187, 242, 251, 260).
61
O jornal O Fluminense registra, em 29/12/1912, o projeto de Feliciano Sodré para a prefeitura
de Niterói, onde o mesmo prometia construir moradias operárias. Porém uma investigação junto
ao Centro de Memória Fluminense, da Universidade Federal Fluminense, não se apurou nenhuma
construção operária construída ou projetada. Destaca-se que Feliciano Sodré, além de grande
reformador da cidade de Niterói, patrocinava a causa dos empregados no comércio em luta por
uma jornada de trabalho menor, o que promoveu a ira de comerciantes (Macedo Soares, 1992, p.
37)
62
Fausto (1977, p. 58 e 59), percebe que o não reconhecimento da luta política e do significado
do Estado fragiliza as ações dos anarquistas. Desta forma, os "trabalhistas" do Congresso
Operário, de 1912, conquistam espaço político para junto ao presidente Hermes reivindicarem
melhorias para os trabalhadores.
63
política e a caserna. Passados quatro anos, o marechal resolve retornar ao Brasil. Ao chegar
ao Rio de Janeiro, concede entrevista ao Correio da Manhã, em 7 de novembro de 1920,
onde declara que eram três os problemas que desafiaram seu governo:
O primeiro era o mais amplo desenvolvimento da instrução primária e
secundária (...). O segundo era o combate às oligarquias (...). Por
último, um bom aparelhamento militar (...) (Teffé, 1974, p. 83).
O retorno do marechal ao Rio de Janeiro é largamente comemorado por civis e
militares. Eleito para o Clube Militar, quase que imediatamente a sua chegada, sua gestão é
abalada pelas Cartas Falsas
63
que, a princípio, são atribuídas a Bernardes, nas quais se
chamava o marechal Hermes de “sargentão sem compostura”. Esta ofensa ao reformador do
Exército feriu os brios da baixa oficialidade e foi a gota d’água que faltava para estalar o
movimento que será conhecido como “Revolta do Forte de Copacabana”, marcando assim
o início da segunda fase do tenentismo.
A relativa tranqüilidade da política republicana e o esforço
profissionalizante do Exército foram interrompidos em 1921 por nova
questão militar deflagrada agora pelo episódio das cartas falsas
atribuídas a Arthur Bernardes. Havia várias semelhanças com o
conflito ocorrido ao final da monarquia. Por motivos igualmente
secundários, a corporação de novo se sentiu ferida em seus brios e
exigiu reparação do poder civil. O sentimento de agravo foi acrescido
pela presença no Ministério da Guerra do único civil que ocupou a
pasta após a queda do Império. Embora toda corporação se sentisse
atingida, os oficiais mais velhos se mostravam novamente dispostos à
conciliação e à aceitação das explicações de Arthur Bernardes. Mais
um grupo de jovens decidiu levar o fato às últimas conseqüências e
transformou Hermes em um novo Deodoro. Hermes participou do
primeiro tenentismo em 1889, mas pautara toda sua vida militar por
estrito profissionalismo. Somente o ataque pessoal das cartas falsas e
a força do conceito militar de pundonor podem explicar o fato de ter
deixado levar (Hermes) à aventura de liderar o movimento de 1922
(Carvalho, 2005, p. 48).
Os fatos que levaram a Revolta do Forte de Copacabana, em julho de 1922, estão
intimamente ligados ao retorno de Hermes da Fonseca ao Brasil. Ao chegar à cidade do Rio
63
As cartas falsas foram duas cartas publicadas no Correio da Manhã, em 1921, atribuídas a
Arthur Bernardes onde chamava o presidente do clube militar, Marechal Hermes da Fonseca, de
sargentão sem compostura. Edmundo Bitencourt, dono do referido jornal, foi um inimigo histórico
quando Hermes foi presidente e não desejava, para sucessão de Epitácio Pessoa, a eleição de
Bernardes (Carvalho, 2005, p. 22).
64
de Janeiro, em 1920, como foi dito, é aclamado como futuro presidente da República e
imediatamente eleito a presidente do Clube Militar; em julho do mesmo ano, é elogiado por
um artigo no jornal anarquista A Plebe,
64
o que faz suspeitar que o retorno de Hermes da
Fonseca estava com muita certeza articulado com setores do operariado. Este duplo apoio,
civil e militar, são indicadores de que Hermes e seu grupo estariam novamente tramando,
para outros projetos, uma aliança política. desta forma, entenderíamos o depoimento de
Nair de Teffé (1976), quando estava em tratamento de saúde na Suíça, ao comentar a
ansiedade de Hermes em retornar ao Brasil.
Sufocado o movimento dos “18 do Forte de Copacabana” e localizado Hermes
como cabeça do movimento de 1922, Calógeras
65
manda prendê-lo. Amargurado com o
Exército e a política, morre o marechal Hermes, em 1923, em Petrópolis, cuja historiografia
de sua atípica gestão é tão precariamente entendida quanto as vilas proletárias que edificou.
64
A imagem positiva de Hermes no início dos anos 20 possibilitou que um certo professor CC
(não se sabe se são as iniciais de Coelho Cintra ou se é um pseudônimo de Astrojildo Pereira)
elogiasse o governo do marechal em detrimento da gestão de Epitácio Pessoa. Em edição
seguinte, o corpo editorial de A Plebe censura tal artigo lembrando que Hermes reprimira os
marinheiros, em 1910, e incentivava o sindicalismo amarelo (Fausto, 1977, p. 54). O apoio dado
a Hermes, em um jornal anarquista, revela a falta de interesse dos sindicatos amarelos pela ação
política do marechal que caracterizou o movimento de 1915 a 1922 (Batalha, 1986, p. 267).
65
Pandiá Calógeras (1870-1934) foi opositor sem limites do governo Hermes e colaborador da
revista Defesa Nacional. Nomeado por Wenceslau Brás para a Fazenda, participa da Conferência
de Paz de Versailhes. É nomeado (1919) ministro do Exército por Epitácio Pessoa, sendo o único
civil a assumir tal ministério em todo o período republicano. Na crise militar de julho de 1922,
manda prender, a pedido de Epitácio Pessoa, o marechal Hermes da Fonseca
(www.cpdoc.fgv.Br/dhbb/verbetes_htm/950-2.asp).
65
3.3. O GOVERNO HERMES E A QUESTÃO SOCIAL
Não é um ato de favor essa proteção [sobre as
vilas proletárias]. Porque o operário é uma força
extraordinária; e aconselha [diz Hermes] aos
proletários que se arregimentem, porque podem e
devem ter seus representantes genuínos no meio
do Congresso Nacional, e mesmo decidir, pela
pressão esmagadora do número a eleição dos
presidentes da República. É pois, em nome da
República, que [Hermes] levanta a sua taça em
honra do operariado brasileiro (O Paiz,
02/05/1913).
A questão social do governo Hermes da Fonseca pode ser entendida como
expressão do reformismo social europeu diante do conflito entre capital e o trabalho. Este
conflito tem como marco fundador a discussão elaborada por Engels (1872) quando critica
a social-democracia alemã e a Proudhon
66
(1809-1863) quanto às soluções preconizadas
para a moradia operária. Esta crítica torna-se emblemática pela resposta que ao médico
Mülberger
67
por ocasião da publicação do número 86 do Volksstaat (órgão central do
Partido Social-Democrata alemão). Nesta crítica, o foco é o “proudhonismo” de Mülberger
que Engels
68
constata quando este desenvolve estudos sobre a questão da moradia operária.
Em sua análise, Engels classifica o texto de Mülberger como "pequeno-burguês"
porque, para Mülberger o problema da habitação não era exclusivamente operário, pois
também atinge os setores médios da sociedade que sofrem também com a falta de moradia.
Sem dúvida, afirma Engels, é pela pequena burguesia que luta o socialismo de Mülberger,
que imagina, como Proudhon, fazer do operário um proprietário de sua habitação (Engels,
1979, p. 53).
A solução que Engels propõe em A Questão da Habitação (1979), está vinculada a
uma radical transformação social proposta por Marx, e não por aquelas apresentadas por
reformadores sociais. A solução da casa operária, proposta pela social-democracia, para
66
Proudhon defendeu uma cidade distante da nostalgia do passado, vinculada a uma existência
moderna, voltada para a racionalidade do espaço, onde nela se integraria a indústria (Choay,
1992, p. 95).
67
Arthur Mülberguer (1847-1907), médico, publicitário, adepto das idéias Proudhon, envolveu-se
em polemicas com Engels a cerca da moradia operária.
68
Engels lamenta que Proudhon tenha sido por vinte anos o alimento intelectual dos trabalhadores
de língua latina (Engels, 1979, p. 55).
66
Engels, dissimula uma visão filantrópica e paternalista fazendo parecer o remendo social
um ato revolucionário (Choay, 1992, p. 16).
No Brasil, a ação reformista social, tem início no governo do marechal Hermes
quando foram construídas, pela iniciativa do Estado, as vilas operárias, escolas para o filho
do trabalhador e as cooperativas de consumo. Estas iniciativas contaram com o apoio dos
sindicatos “amarelos”, conhecidos pela sua luta em prol do trabalhador no terreno jurídico.
O surgimento dos sindicatos “amarelos” foi decorrente das divergências que
surgiram no I Congresso Operário, de 1906, na cidade do Rio de Janeiro, quando
disputavam a hegemonia do movimento operário os anarquistas, socialistas e mutualistas.
Com a vitória do anarco-sindicalismo, estabeleceu-se uma longa luta entre esse e os
reformistas sociais que durou até os anos 20, quando os “amarelos” desaparecem do cenário
político, surgindo, então, as teses revolucionárias baseadas em Marx, base teórica do
Partido Comunista Brasileiro (Gomes, 2005, p. 112).
Apesar da vitória sindical dos anarquistas, a visibilidade do sindicato reformista é
potencializada com a publicação de artigos no jornal O Paiz, na década de dez, pelas mãos
de Mariano Garcia, onde tratava de temas de interesse dos trabalhadores. Suas publicações
também foram editadas na Gazeta Operária, de 1906, e na Tribuna do Povo, de 1909.
Apesar dos esforços de Garcia, a edição mais reveladora, segundo Gomes (2005), foi o
jornal O Operário, que circulou em finais de 1908 e início de 1909. Neste jornal, verifica-
se que os socialistas reformistas, derrotados no congresso de 1906, defendiam a criação de
um partido político para que pudessem ter acesso ao núcleo do poder e materializar suas
reivindicações. Exemplo deste empenho foi a fundação, em 1908, do Partido Socialista
onde figuravam nomes de sindicalistas como os de Mariano Garcia, Hermes Olinda e
Merchior Pereira Cardoso. Os socialistas, para além de lutar por melhores salários para os
trabalhadores, tinham em seu programa a intenção de conquistar a prefeitura da cidade do
Rio de Janeiro para ali instalar uma comuna socialista; ao menos é o que dizia o jornal O
Operário, de 3/02/1909 e a Tribuna do Povo, de 18/03/1909 (Gomes, 2005, p. 112).
O desejo de eleger trabalhadores ou aliados para o parlamento ocorre por ocasião da
renovação, em 1909, da Câmara dos Deputados e de 1/3 do Senado. Para este pleito, são
indicados para o Senado o ex-intendente (ex-prefeito) Melchiades de Freire e para a
Câmara, os socialistas Nicanor Nascimento e Antonio Pinto Machado. O resultado político
67
desta iniciativa foi nulo, pois os eleitores não sufragaram os nomes indicados pelos
socialistas.
Se os indicados pelos socialistas não tiveram sucesso, o mesmo não se pode dizer de
José Augusto Vinhaes, mais conhecido como “tenente” Vinhaes. Maranhense e militar, teve
a oportunidade de estudar em Londres e em Paris antes de ingressar na Escola de Marinha.
No campo sindical, ajudou a fundar o Partido Operário, em fevereiro de 1890, de onde
apoiou setores da elite e militares; foi deputado constituinte de 1890-91, dispondo de
prestígio entre os ferroviários, trabalhadores do Arsenal de Guerra e dos portuários. Por
suas ações na revolta da Armada (1893-94) foi exilado, retornando para trabalhar na
reforma do Porto do Rio de Janeiro. Acreditava em um operário no gozo de direitos civis e
sociais, mas não políticos. As referências teóricas de Vinhaes residiam em Proudhon, pois
ambos desejavam transformar o operário em capitalista. Esta postura se afina com a cartilha
positivista que propunha incorporar, desde que tutelado, o operário à sociedade. Vinhaes se
dizia socialista e pelos seus adversários era chamado de petroleiro, ou seja, “terrorista”.
Acabou se envolvendo em várias greves sendo que, em uma delas, ajudou a derrubar
Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República (Elia, 1984, p. 75, Carvalho, 1987,
ps. 53, 54 e 128 e Tórtima, 1988, p. 85).
Outros que se destacavam na luta sindical foram Luiz França da Silva, que fez
incluir no programa do Partido Operário Trabalhista, fundado por ele, em 1908, a
construção de moradia para operários; e Vicente de Souza, outro que também se dizia
socialista e que funda o Centro das Classes Operárias no Rio de Janeiro, em 1904,
apresentando projeto de Bolsas Proletárias (onde propunha a construção de moradias para a
classe laboriosa). O tema era muito importante para passar despercebido por Hermes, pois a
questão da habitação estava na pauta de discussões das lideranças sindicais, notadamente
dos sindicatos amarelos (Tórtima, 1988, p. 55 e 56). Em 27 de junho de 1911, no Correio
da Manhã, diz Hermes ser um amigo sincero do socialismo, o que fez com que a Federação
Operária do Rio de Janeiro (FORJ), de tendência anarquista, sugerisse cautela aos
trabalhadores frente à candidatura militar (Neto,1977, p. 38).
As vilas proletárias de Hermes da Fonseca foram construídas para celebrar a
conciliação entre capital e trabalho e estabelecer uma relação de mútuo interesse entre os
sindicatos e o governo. Desta forma, cumprindo o compromisso firmado com os sindicatos
68
reformistas, Palmyro e Hermes projetam para as duas vilas proletárias sete escolas
69
, sendo
seis primárias (três masculinas e três femininas) e uma profissional. O projeto não teve
êxito em sua plenitude, pois com a paralisação da Vila Proletária Marechal Hermes, em
1914, ficaram faltando construir duas escolas primárias na vila de Sapopemba.
O diagnóstico social de Hermes, por sua vez, passava por uma reflexão sobre o
desemprego e sobre o custo de vida do trabalhador.
Não nos assoberbam, ainda, felizmente, os grandes abalos produzidos
pela luta entre o braço e o capital. O movimento socialista, que tanto
apavora as nações do Velho Mundo, onde o progresso industrial e
descobertas científicas vão eliminando o concurso do operário e onde
a escassez do solo lhe não fornece campo para o trabalho
remunerado, não nos bate às portas e seria planta exótica a estiolar-
se à mingua de elementos vitais. Entretanto, o aumento sempre
crescente da população, especialmente nesta Capital, a deficiente
compensação da atividade e a carestia dos gêneros de primeira
necessidade tem criado uma vida de privações e sofrimentos para os
desfavorecidos da fortuna. Daí o problema operário de difícil solução,
pela multiplicidade de faces por que deve ser encarado. Colaboradora
do bem geral, a classe dos proletários merece benévola atenção do
poder público, sem preterição dos interesses industriais e do capital
que lhes proporciona trabalho (Correio da Manhã, 27-12-1909, apud
Fausto, 1986, p. 218).
Assim, as vilas proletárias surgem no meio de uma luta por melhores condições de
vida para o trabalhador, cujo "coroamento" se deu no IV Congresso Operário (de 1912),
onde se reivindicaram várias questões sociais, dentre elas a educação, a moradia operária e
a jornada de trabalho de oito horas. O projeto para as vilas considerava a escola, e
conseqüentemente a educação, tão importante quanto o ato de morar. Essa ênfase nas
escolas, encontrada em Marechal Hermes, reside nos longos anos de autonomia
educacional do Exército frente ao governo. Esta autonomia possibilitou reformas, como a
do ensino militar, de 1889, fazendo ver que as ações do Exército se colocavam para além de
sua missão, que era a de proteger as fronteiras e a ordem constitucional. O Exército, na
Primeira república funcionava como um Estado dentro do Estado, pois o sistema escolar
que erigiu, embora pertencesse ao império, possuía ampla autonomia no que dizia respeito
à sua direção e orientação pedagógica (Alves, 2002, p. 315).
69
O projeto das escolas primárias para Marechal destaca-se por ocupar o centro da vila dando a
entender que as escolas seriam geograficamente o cerne da questão.
69
Assim, torna-se bastante coerente o depoimento de Hermes, em 1908, quando
expressa seu ponto de vista sobre a educação profissional:
Si o adiantamento de um povo afere-se em parte pela real efetiva
segurança de seus direitos à sombra da lei e da justiça, a perfeita
instrução deles depende do grau de instrução que ele revela.
Eis porque deve ser essa a mais prodigamente disseminada, a
começar pelo profuso ensino primário e desenvolvida pelo
profissional artístico, industrial e agrícola, prático enquanto possível,
imprescindível em um país novo, cujas fontes de riqueza, por
inexploradas, não lhe facilitam o encaminhamento rápido para a
independência econômica (Hermes da Fonseca apud Miranda, 1942, p.
69).
Adiante, em 1910, ao tomar posse da Presidência da República, o marechal deixa
claro que sua intenção é dar continuidade à obra educacional de Nilo Peçanha, outro
entusiasta da educação profissional em nosso país.
Particular atenção dedicarei ao ensino técnico-profissional, artístico,
industrial e agrícola que a par da parte propriamente prática e
imediatamente utilitária, proporcione também, instrução de ordem ou
cultura secundária, capaz de formar o espírito e o coração daqueles
que amanhã serão homens e cidadãos (Santos 2000, p. 215).
Contraditoriamente à intervenção do Estado na produção da moradia nas vilas
operárias, Hermes juntamente com seu Ministro da Educação, Correios e Telégrafos,
Rivadávia Correia, promulga a Lei 8699, de 5/04/1911, que facultou total liberdade e
autonomia aos estabelecimentos educacionais, suprimindo o caráter oficial do ensino
70
.
A instrução deveria sofrer influência das doutrinas liberais, que
começaram na abolição e terminaram na República, com o corolário
de todas as suas medidas.
A reforma simples e pura das instituições existentes não
bastava. Urgia dotar o ensino com uma organização que introduzisse
novos estímulos ao desenvolvimento das corporações didáticas, sem
prejuízo das normas administrativas, sem desperdício da fortuna
pública, sem preterição da disciplina e da hierarquia; uma
organização despida de ruidosos aparelhos e embebida desse
princípio de liberdade que se presente na história da pedagogia
brasileira (O Paiz, 06/05/1911).
70
Para Romanelli, a desoficialização promovida pela reforma Rivadávia, no ensino público, constituiu-se
num grande retrocesso ao que vinha sendo desenvolvido nos últimos anos no campo da educação (Romaneli,
1997, p. 42).
70
Também importantes, para a questão social do governo Hermes, foram as
Cooperativas de Consumo, que tinham por missão oferecer diversos produtos abaixo do
preço do mercado (Batalha, 1986: 99). Um dos entusiastas desta iniciativa foi Sarandy
Raposo que presidiu o Departamento de Informação sobre os Sindicatos e Cooperativas do
Ministério da Agricultura. Foi seu aliado, o não menos importante, o sindicalista Sadock de
Sá (1856-1921)
71
, representante de uma das correntes do movimento reformista.
A base teórica do cooperativismo tem fundamento na doutrina social da Igreja e nas
teorias de Charles Kingsley, da Inglaterra, Fourier
72
, Le Play e Villeneuve-Bargemont. No
Brasil, o cooperativismo foi potencializado por Sarandy Raposo que se reporta a Owen
73
(Liga Cooperativista da Inglaterra), Charles Gide (Sociètés Cooperatises de Consomption,
de 1904), M. Pantalconi (Ensaio critico dei Principi Teorie della Cooperacione, Jornal de
Econ., março de 1898) e Kauffmann (O socialismo cristão e o cooperativismo na Inglaterra,
Reforma Social, 1894). São estas as referências teóricas do cooperativismo citadas em O
Paiz, de 27/03/1913, que traz para os trópicos o reformismo social pela ótica européia.
Dessa bibliografia apresentada, a que mais parece pertinente ao princípio do
cooperativismo é o estudo realizado pelo socialista cristão Charles Kingsley. O trabalho de
Kingsley (1819-1875), em um dos seus ensaios chamados de Great Cities, prediz uma
interpenetração da cidade com o campo
74
que proporcionaria uma combinação de vantagens
71
Francisco Juvêncio Sadock de Sá (1856-1921), torneiro mecânico e armeiro, funcionário do
Arsenal de Guerra, tido como positivista, organizou o Círculo dos Operários da União (1909) e o
Círculo Operário nacional (1916). Sadock tem como liderados os operários do Estado; julga poder
construir um sindicalismo cooperativista. Teve atuação política no governo de Hermes da
Fonseca, sendo que ao fim dos anos 10, os dois círculos operários que fundou ligaram-se à
Confederação Sindicalista-Cooperativista Brasileira (CSCB) de Sarandy Raposo (1880-1944), que
igualmente ao primeiro se propunha a substituir a sociedade capitalista pelo cooperativismo.
(Batalha, 2000, p. 178).
72
Charles Fourier (1772-1837), reformista social, crítico da sociedade burguesa/industrial
pregava o associativismo e a cooperação. Acreditava que o melhor modelo de cidade do sexto
período deveria se ater a três anéis concêntricos: o primeiro, conteria a cidade central; o
segundo, os arrabaldes e as fábricas; e o terceiro, as avenidas e subúrbios. Seus falanstérios
divergiam da cidade radiosa de LeCorbuser apenas pelo hedonismo da primeira (Choay, 1992, p.
69).
73
Robert Owen (1771-1858), inglês, tido como um dos primeiros socialistas europeus, assumiu,
por intermédio de casamento rico, a fábrica de New Lanark onde pôde implantar algumas
reformas sociais. Deve-se a Owen no melhoramento das condições de vida do trabalhador (cidade-
modelo), a obrigatoriedade do ensino e as primeiras escolas maternais na Inglaterra. Marx
caçoava dele chamando-o de comunista utópico (Choay, 1992, p. 61).
74
De uma forma ou de outra, quando Pulcherio projeta para a Vila Proletária casas rurais,
possivelmente estava influenciado por essa literatura, por mais que a vila fosse, dito em outra
oportunidade, voltada para o mundo urbano industrial.
71
que faria dos subúrbios o espaço onde os males da cidade, como a superdensidade, seriam
superados (Choay, 1992: 16).
Sarandy Raposo, na gestão das cooperativas, estimulou a criação de cooperativas de
consumo como a do Sindicato Profissional dos Trabalhadores do Arsenal de Guerra,
fundada em junho de 1913. Mesmo após a sua demissão do Departamento de Informação
75
,
por obra do senador Pinheiro Machado, Sarandy Raposo continuou a divulgar o princípio
cooperativista, por mais que anarquistas, como o presidente da Federação de Operários do
Rio de Janeiro (FORJ), denunciassem os malefícios do cooperativismo para a luta dos
trabalhadores (Batalha, 1986, p. 99 e 103). Sendo assim, os anarquistas da Confederação
Operária Brasileira (COB), em sintonia com a FORJ, publicaram na imprensa seu repúdio
às cooperativas de Sarandy Raposo.
Cidadão C. A. Raposo.
Recebemos a vossa circular, e mais os estudos do Sindicato
Profissional dos Operários do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro e
da Cooperativa de Consumo dos Operários do Arsenal de Guerra do
Rio de Janeiro.
Em resposta a ela temos o declarar-vos:
Que absolutamente de modo nenhum queremos aceitar o
"sindicalismo e o cooperativismo" propagados e auxiliados pelas
autoridades do país.
E não queremos aceitar pelo seguinte: esta confederação e
todas as federações e sindicatos que a compõe são organismo de luta,
de combate, essencialmente baseados na resistência à exploração
capitalista.
Ora, sendo as autoridades governamentais simples
instrumentos de defesa da classe capitalista, evidencia-se desde logo
que com elas poderemos ter uma espécie de relação - a resultante
da luta quotidiana e tenaz, que constitui a mesma base em que
assentam as nossas organizações (Voz do Trabalhador de
14/10/1913).
Como conseqüência da luta em prol das cooperativas, o Ministro da Agricultura de
Hermes, Pedro de Toledo, propõe a criação de feiras-livres para aproximar o produtor do
consumidor, eliminando o intermediário. A esta atitude reage o Jornal do Commércio
dizendo: Abaixo as cooperativas, viva o comércio. Acrescenta que qualquer ensaio de
75
Já nos anos 20, o movimento sindicalista-cooperativista contaria com diversos associados,
principalmente de servidores do Estado. Quando Vargas chegou ao poder, em 30, Sarandy engaja-
se no Ministério da Agricultura para divulgar sua doutrina (Batalha, 1986, p. 99, 178 e 179).
72
execução do programa socialista e anarquista do sr. Ministro da Agricultura “iria
prejudicar o comércio” (Ribeiro, 1985, p. 257 e O Paiz de 3 e 4 /03/1913).
Diante da carestia generalizada, a Confederação Brasileira do Trabalho (CBT)
comunica à população, em 3 de março de 1913, por intermédio de Antonio Augusto Pinto
Machado, que está pressionando o governo para resolver o problema da falta dos gêneros
de primeira necessidade. Diante deste posicionamento, o prefeito Bento Ribeiro,
acompanhando a orientação do ministro da Agricultura, autoriza feiras-livres (mercados)
em lugares considerados como fortemente habitados por trabalhadores, como: Madureira,
Irajá, Deodoro, Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, Pavuna e Freguesia.
Outra preocupação de Hermes da Fonseca estava voltada para a criança e a
juventude. Esta constatação é revelada por este depoimento retirado da mensagem
presidencial enviada ao Congresso, em maio de 1913, há justos 95 anos.
Mas não os infelizes insanos que devem merecer a atenção e o
carinho dos poderes públicos; nesta capital existem nuvens de pobres
crianças que se perdem ao abandono, na vadiagem e no vício, por
falta de quem lhes encaminhe os passos na vida social.
Meninos e meninas, que amanhã podem ser homens e mulheres
úteis a família e a sociedade estão destinados a uma vida de infâmia e
de crimes, tornando-se elementos deletérios no meio da comunhão,
porque não encontram quem os amparasse no início da luta pela vida,
quem lhes desse a educação e os meios hábeis de ganhar
honestamente a vida (O Paiz em 4/05/1913).
Tal preocupação acabou por materializar a criação do Instituto Sete de Setembro
(1913), que anos mais tarde se transformaria no Serviço de Apoio ao Menor (SAM), de
1941, e na Funabem, de 1970 (Ribeiro, 1985, p. 264).
Apesar do empenho de Hermes com a moradia operária, escolas, cooperativas de
consumo e com a infância desamparada, seu governo não conseguiu seduzir setores da
classe dominante para estas questões, deixando o projeto social que iniciou isolado.
Somente após a ascensão de Vargas e o colapso do liberalismo, é que tais itens voltarão à
agenda social do Estado.
73
4.1. AS VILAS PROLETÁRIAS MARECHAL HERMES E ORSINA DA FONSECA:
MARCHA E CONTRA-MARCHA
E esses edifícios [na Vila Proletária Marechal
Hermes] que os rodeiam nesse momento [diz
Hermes] não são mais que o começo de um
programa que de trazer definitivamente o
conforto de que precisa o operário brasileiro (O
Paiz, 2 de maio de 1913).
A história da edificação das moradias proletárias, nas sociedades capitalistas,
caracterizaram-se pela pretensão em eliminar os conflitos sociais, ser o espaço da ordem, da
reprodução da força de trabalho, das exigências da saúde pública e, por fim, ser a contra
imagem dos cortiços e habitações precárias que inundavam a cidade do Rio de Janeiro
(Rolnik, 1983, p. 124). Em terras cariocas, a produção da moradia operária foi um
empreendimento privado até 1906, quando, após a Reforma Passos, proliferaram
loteamentos na periferia da cidade. Na contra-mão desta tendência está a iniciativa de
Hermes da Fonseca que constrói duas vilas proletárias, colocando pioneiramente o Estado
como produtor rentista da moradia operária.
O desconhecimento da historiografia acerca da intervenção do Estado nas vilas
proletárias no Rio de Janeiro, capitaneada pelo marechal Hermes da Fonseca, no exercício
da presidência da República, entre 1910 e 1914, foi fruto de uma desatenção sobre a
produção da moradia operária demandadas pelos sindicatos "amarelos". Como a
historiografia se ateve a investigação do anarco-sindicalismo, a questão da moradia operária
no governo Hermes ficou desconhecida, além da crença que a intervenção estatal na
habitação só tinha sido possível, segundo Farah (1983), no governo de Getúlio Vargas.
Um elemento constante nesse período [Primeira República] é a não
identificação do Estado como responsável pela resolução do problema
habitacional dos trabalhadores. A responsabilidade pelo atendimento
da necessidade de moradia, assim como pelo fornecimento de outros
itens necessários à reprodução do trabalhador ainda não se deslocara
para esfera estatal (Farah, 1983: 35).
A original intervenção do Estado na produção das vilas operárias de Hermes da
Fonseca também não foi vista pelo recente trabalho de Bonduki (2004). Outro equívoco,
74
agora da historiografia sindical, foi afirmar que os trabalhadores estavam unicamente
concentrados nas questões salariais, deixando a questão da moradia à margem de suas
reivindicações. Esta assertiva só é verdadeira para o anarco-sindicalismo, pois os sindicatos
“amarelos" , como já foi dito acima, estavam inteiramente preocupados com a produção da
moradia operária e com a carestia dos aluguéis e dos produtos de primeira necessidade.
Logo, a tese defendida por Farah (1983), Carone (1978) e Fausto (1977), que entende como
hegemônico o sindicalismo anarquista até os vinte primeiros anos do século XX, é
desmontada por Batalha (1986) em sua tese sobre o sindicalismo “amarelo” na cidade do
Rio de Janeiro.
Pendant longtemps l’historiographie du mouvement ouvrier brésilien
s’est structurée autuor de mythes. Mythes que cette historiographie a
contribuer á créer et à reproduire. Le mythe d’un mouvement ouvrier
caractérisé par l’anarcho-syndicalisme. Le mythe de l’ouvrier
immigrant d’origine urbaine, possédant déjà l’experience du travail
industriel, de l’organisation syndicale et de la politique. (...) Derrière
tous ces mythes, il est possible d’entrevoir l’existance d’une autre
réalité de la classe ouvrière et du mouvement ouvrier, restée cachée
par les mythes élevés au rang des certitudes scientifiques (Batalha,
1986: 9)
76
.
As habitações proletárias
77
edificadas no governo Hermes, na década de dez do
século XX, e celebradas pelo movimento “amarelo”, estavam inseridas em uma política de
governo voltado não para a questão da habitação, mas também para a educação,
modernização das Forças Armadas
78
e para a substituição das oligarquias estaduais,
sobretudo no norte e no nordeste do Brasil.
Consideradas pelos trabalhadores reformistas (amarelos) como a mais relevante
obra do governo de Hermes, as vilas proletárias destoam das demais pelo fato de terem sido
76
Durante longo tempo a historiografia do movimento operário brasileiro se estruturou em torno
de mitos que esta mesma historiografia criou e reproduziu. O mito de um movimento operário
marcado pelo anarco-sindicalismo. O mito de um imigrante de origem urbana e possuidor de uma
experiência do trabalho industrial, da organização sindical e política. (...) O último de todos este
mitos é a possibilidade de entrever a existência de outra realidade da classe trabalhadora e de seu
movimento que ocultada pelo mito é elevada ao posto das certezas científicas (tradução livre do
autor da tese).
77
O livro de Everardo Backeuser, publicado em 1906, cinco anos antes do início da construção
das Vilas Proletárias, nos leva a acreditar que um longo caminho em prol da moradia operária
vinha sendo amadurecido na sociedade, acabando por ganhar, na Primeira República, um contorno
político mais definido na gestão do marechal-presidente.
78
Quanto à reforma do Exército, vinha se destacando o marechal na construção da Vila Militar
(1909), da fábrica de explosivos de Piquete (1906), em São Paulo, do Campo dos Afonsos (1911),
do forte de Copacabana (1908-1914) e da Escola Naval de Angra dos Reis (1914).
75
de natureza estatal e projetadas para terem ampla infra-estrutura, como: escolas, creche,
jardim de infância, teatro, sociedade de tiro, Correio e Telégrafo, maternidade, hospital,
estação de trem, praças e casas de vários tamanhos e usos.
Mapa 2
Projeto da Vila Proletária Marechal Hermes, de Palmyro Serra Pulcherio, de 1911 (Castro, 2005).
A idéia de construir vilas operárias parece ter origem nas viagens em que Hermes
fez, quando ministro da Guerra, à França e à Alemanha. Esta referência encontrada em
Gerson (1965) está coerente com a reportagem do jornal O Paiz, de 2 de maio de 1913, que
por ocasião das comemorações do de Maio, em Marechal Hermes, fez o seguinte
registro.
Hermes da Fonseca em discurso fez um longo retrospecto de
suas idéias em favor do Proletariado. Diz que foi em sua viagem à
Europa que assistindo aos choques entre o capital e o trabalho,
vieram os primeiros desejos de estudar essa importante questão
social.
76
Dedicou-se pois ao estudo desse problema, e, quando assumiu
o governo do país, trazia já amadurecidas as suas idéias sobre eles (O
Paiz, 2 de maio de 1913).
Acreditava Hermes poder resolver a falta de habitação para trabalhadores mandando
construir vilas proletárias. Uma dessas primeiras seria construída em Manguinhos, que
servida pelas linhas da estrada de Ferro do Rio do Ouro e do Norte (Leopoldina) atenderia à
necessidade de deslocamento dos trabalhadores.
Pensando jugular a crise que oprime a população do Rio de
Janeiro, resolveu S. Ex. mandar fazer os primeiros estudos para
construção de Vilas em diversos pontos dos arredores da cidade,
servidos por conduções rápidas de linhas de trens ou de bondes
elétricos.(...) A primeira Vila será construída em Manguinhos, onde
servirão as duas linhas das Estradas de Ferro do Rio do Ouro e do
Norte.(...) As casas todas de jardins e quintal são divididas em
pequenos renques, ladeando ampla alameda de 30 metros de largura
(O Paiz, 1/02/1911).
Afirma o jornal que o terreno da futura vila media 600 metros de frente por 700
metros de fundos e contaria com escolas municipal e profissional, teatro, igreja, Correio e
Telégrafo, posto policial, quartel de bombeiros, sendo o custo do aluguel estimado em 25$
por mês. A dimensão da vila de Manguinhos faz suspeitar que outras “cidades operárias”
poderiam ser construídas de iguais dimensões, ao menos era o que dizia O Paiz, de de
fevereiro de 1911. Porém, tal empreendimento não passou de uma intenção.
Outro terreno investigado pela comissão para nele assentar o projeto de vila operária
localizava-se na fazenda Sapopemba
79
, marginal à estrada de ferro e próxima à estação de
Deodoro. Para esta área foi destinada a construção da Vila Proletária Marechal Hermes,
projeto elaborado por Palmyro Serra Pulcherio
80
, perfazendo 568.112m² e aproxima-se na
sua planta baixa a um tabuleiro de xadrez. A Vila foi projetada com a seguinte infra-
79
A fazenda Sapopemba, pertenceu à freguesia do Irajá e foi desapropriada, em 1907, pelo
presidente Afonso Pena para nela abrigar unidades militares. De suas terras saíram a Vila São
José (Magalhães Bastos), a Vila Militar, Marechal Hermes, Anchieta e o campo do Gericinó.
80
Palmyro Serra Pulcherio (1892-1914), natural do Estado de Mato Grosso, iniciou sua carreira
militar como 1º tenente da arma de Engenharia. Por portaria do Ministro da Guerra, em 1907, foi
nomeado auxiliar da Comissão construtora da Vila Militar. Em junho de 1911, foi posto à
disposição do prefeito do Distrito Federal (atual município do Rio de Janeiro) para executar
planos de construção das vilas operárias. Em fevereiro de 1914, o Ministro da Guerra pede ao
prefeito do Distrito Federal que dispense o tenente Pulcherio da Comissão da construção das vilas
operárias. Foi posto, no mesmo ano, à disposição do Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio. É assassinado em 15 de novembro de 1914, segundo o jornal A Noite, com uma bala na
nuca (Fé de Ofício de Palmyro Serra Pulcherio e jornal A Noite de novembro de 1915).
77
estrutura: sete tipos diferentes de habitações (dentre elas grandes edifícios com quartos para
solteiros e casa rural), escolas primárias (duas femininas e duas masculinas) e duas
profissionais, Correios e Telégrafos, repartições públicas, sociedade de tiro, teatro,
biblioteca, bombeiro, polícia, assistência, mercado, enfermaria, maternidade, estação de
trem, reservatório de água, creche e jardim da infância. Pulcherio prometia para a Vila a
construção de 738 prédios de 1 ou 2 pavimentos, divididos em 42 quadras, 7 avenidas
longitudinais, 6 transversais e poderia dar teto à aproximadamente 5.000 pessoas (Lobo,
1989, p. 95).
A casa de tipo I custaria 60$ de aluguel, a de tipo II, 50$ e a de tipo III 40$. As
habitações do tipo V e VI são quartos destinados a solteiros e custariam 10$ (Lobo, 1989,
p. 94). O preço do aluguel da moradia da Vila Proletária era considerado alto pelo
sindicalista Mariano Garcia, pois os trabalhadores cuja diária em média estava em torno de
5$ só poderiam arcar 25$ ou 30$ de aluguel (op. cit., ps. 97 e 98).
Propaganda da Vila Proletária Marechal Hermes.
78
Foto - 14 A imagem acima representa o projeto de um dos quarteirões da Vila Proletária Marechal Hermes
onde se destaca a presença da igreja católica que no projeto de Palmyro simplesmente desaparece, o que pode
ser manifestação do anticlericalismo dos primeiros anos do século XX.
Embora a Vila Marechal Hermes se encontrasse desconectada da unidade de
produção, diferentemente da vila operária construída em Bangu,
81
isso não quer dizer que
seu espaço estivesse livre da coerção da classe dominante. O controle dos trabalhadores se
expressava pelas normas de ocupação da Vila e estava coerente com o princípio do conceito
militar do soldado-cidadão
82
que pretendia abrir a sociedade civil aos militares e não ao
contrário. Em sintonia com que foi escrito acima, Pulcherio elaborou para a locação das
casas das Vilas Proletárias as seguintes normas:
I- As casas da Vila Proletária Marechal Hermes são destinadas
exclusivamente para proletários e serão entregues em perfeito
estado de conservação, conforto e higiene necessários.
II- Para ter direito de habitar os prédios da Vila é
necessário apresentar além do certificado de proletário, o de
boa conduta e ser de chefe de família.
III- O pagamento pôde ser efetuado mensal, quinzenal ou
semanalmente, conforme convier ao locatório e a juízo do
administrados nomeados pelo governo.
81
A vila proletária de Bangu foi construída pelos proprietários da fabrica de tecido, de mesmo
nome, com o objetivo de manter a força de trabalho próximo à unidade de produção.
82
O conceito do soldado-cidadão, segundo Carvalho (2005, p. 25), consiste na ideologia que
legitimava as intervenções militares na política.
79
IV- Os operários descontarão em folha os respectivos
aluguéis.
V- Os chefes e proprietários de fábricas ou usinas, serão
fiadores e responsáveis pelo pagamento dos seus operários.
VI- O locatário deverá cuidar a que nenhum abuso seja
cometido pelos seus e ter em perfeito estado de conservação e
limpeza a casa que lhe for confiada.
VII- Estão a cargo do locatário a conservação das
fechaduras , vidros, das janelas, fogões, pias, water-closet,
canalização de água, ... .
VIII- Qualquer defeito de funcionamento nas
canalizações (...) deverão ser comunicadas ao encarregado,
preposto do governo.
IX- Qualquer estrago que apareça ocorrerão por conta
do locatário os respectivos concertos.
X- Ao tomar posse dos aposentos, o locatário deverá
verificar o estado do mesmo (...).
XI- É expressamente proibido além do que é proibido
pelas posturas municipais:
Sublocar os aposentos.
Estabelecer nos aposentos negócios de qualquer espécie ou
atelliers mecânico.
Lavar roupas nos aposentos e estendê-la para secar nos
terraços e janelas.
Lançar matérias sólidas nas pias das cozinhas, lixo e papel nos
W. C.
Rachar lenha e quebrar carvão nos pavimentos.
Modificar seja de qualquer modo, as disposições dos aposentos
com tabiques, biombo, etc.
Lançar lixo nos quintais.
XII- Os prédios são todos dotados de instalação elétrica,
ficando a cargo do locatário a respectiva ligação à rede, e o
depósito da Light.
XIII- Os preços da casas são:
Typo 1 - 2 salas, 4 quartos e dependências 60 $ ;
Typo 2 - 2 salas, 3 quartos e dependências 50 $ ;
Typo 2A 2 salas, 3 quartos e dependências 50 $ ;
Typo 3 2 salas, 2 quartos e dependências 40 $.
XIV Em caso de morte do locatário poderá ficar no
prédio a família do morto, caso de o necessário responsável
pelo pagamento dos aluguéis.
XV- As escolas primárias profissionais serão entregues á
prefeitura para o seu devido aparelhamento e funcionamento.
XVI - As casas typo 7 (comerciais) serão de aluguel
mensal de 200$, com a necessária fiança ( Jornal do Comércio,
1° de maio de 1914).
80
Além das rígidas normas para ocupação das residências, fato que se repetia em
outras vilas proletárias, o fiador das habitações das vilas de Hermes era o patrão do
operário, o que fazia com que o controle do capital se estendesse até a residência do
trabalhador. Como se não bastasse ainda, era proibido a constituição de uma pequena
oficina em casa, o que deixava ao trabalhador única e exclusivamente a opção de vender a
sua força de trabalho ao capital. No entanto, a Vila Proletária Marechal Hermes vai se
destacar pela qualidade de suas casas e não pelo controle social, ao menos para Sadock de
83
. O sindicalista, frente ao marechal, destaca serem estas moradias mais confortáveis do
que aquelas edificadas por capitalistas.
Cumpre-me ainda dizer que dos três compartimentos nenhum
tem a propriedade de servir para a sala de visitas, porque
entendem eles [empreiteiros] que o operário não precisa de
convivência social; basta vegetar!
Contra a prepotência da liberdade mercantil veio v.ex.
socorrendo as classes menos favorecidas da fortuna, levantando
o monumento que tem o vosso nome e que vai em breve libertar-
nos
(...) (Jornal do Comércio, 1° de Maio de 1912). (grifo
nosso).
Para Brasil Gerson (1965, p. 568), Hermes nãodesejava construir vilas na Gávea
e na Sapopemba (Deodoro) mais também na Avenida Salvador de Sá e no Beco do Rio (rua
Antônio Mendes Campos, Catete), o que a exata medida de continuidade de construção
de moradias operárias, na diversidade de propósitos com Pereira Passos. Desta forma, o
marechal leva a cabo, sem autorização do legislativo, a tarefa de edificar e alugar as casas
das vilas operárias (Barbosa,1951, p. 37).
A vila da Gávea foi uma demanda de trabalhadores que se dirigiram a Hermes da
Fonseca, por ocasião do lançamento da pedra fundamental da Vila em Sapopemba, em
de maio de 1911, solicitando ao marechal-presidente a construção de uma outra vila
proletária, no referido bairro, tão carente deste tipo de habitação. Sensibilizado, o marechal
edifica a Vila Proletária Orsina da Fonseca, nome de sua falecida esposa, e a entrega ao
público em 15 de novembro de 1913 (Correio da manhã. 2 de maio de 1911).
83
Francisco Juvêncio Sadock de Sá (1856-1921), torneiro mecânico e armeiro, funcionário do
Arsenal de Guerra, tido como positivista, organizou o Círculo dos Operários da União (1909) e o
Círculo Operário nacional (1916). Sadock tem como liderados os operários do Estado; julga poder
construir um sindicalismo cooperativista (Batalha, 2000, p. 26).
81
A Vila teve sua pedra fundamental lançada em de maio de 1912 e contava as
edificações com material incombustível e atendia aos preceitos de higiene. As casas de tipo
“A” contariam com três quartos, duas salas, cozinha, banheiro, quintal e somaria 60$000 de
aluguel por mês, enquanto as do tipo “B”, com dois quartos, duas salas, cozinha e banheiro,
custariam 50$000. O empreendimento construiu 72 residências ao custo de 2000:000$000
considerando, ainda, a edificação de duas escolas, sendo uma feminina e outra masculina.
O regulamento para ocupação da Vila Orsina da Fonseca era o mesmo para a Vila
Proletária Marechal Hermes e fora elaborado por Palmyro Serra Pulcherio (O Paiz, 16 de
novembro de 1913).
Foto da praça Santos Dumont e em destaque a Vila Proletária Orsina da Fonseca
Foto - 15. Observa-se ao fundo desta foto de 1926, tirada do Hipódromo da Gávea, dentro do retângulo, a
direita, parte da Vila Proletária Orsina da Fonseca, na Gávea, destacando-se as duas escolas primárias. Frente
a elas está a praça Santos Dumont, antiga Três Vendas (Cortesia do jornal Folha Carioca).
Por ocasião da inauguração da Vila Proletária Orsina da Fonseca, foi distribuído o
jornal Da Utopia à Realidade, onde podiam ser lidos artigos como Quinze de Novembro,
de Pinto Machado; Da utopia à realidade, de Candido Ferreira; A Instrução Popular, de
Antonio Itagy e Uma Realidade, de Ulysses Martins. Mariano Garcia, por sua vez, assina
artigo pela Confederação Brasileira do Trabalho.
82
Em pronunciamento por ocasião da inauguração da vila da Gávea, Garcia dizia que
o trabalhador tinha razão para estar divorciado da República, mas que com o apoio de
Hermes a história seria outra. Aproveita a ocasião e denuncia o ódio dos grandes
proprietários e de alguns aliados de Hermes pelas Vilas Proletárias, pois não desejavam vê-
las construídas; agradece a Pulcherio e a Sarandy Raposo pelo empenho nas obras e a Pedro
de Toledo, ministro da Agricultura, por ter criado a Cooperativa de Consumo.
Diferentemente da Vila Marechal Hermes, a Vila Orsina da Fonseca foi plenamente
edificada e surpreende pela velocidade com que foi construída, pois entre o lançamento da
pedra fundamental até a sua inauguração, gastaram-se 18 meses. Para tanto, recebeu o
reforço de operários de Marechal Hermes que foram deslocados para a obra.
Tal como a Vila Proletária Marechal Hermes, a vila da Gávea também chamou a
atenção dos sindicalistas que vinham apoiando o governo de Hemes da Fonseca. Neste
sentido, Mariano Garcia e mais um conjunto de sindicalistas congratulam-se com o
presidente pela iniciativa. Ao visitá-la, Garcia pede desculpas pela pouca atenção para com
a Vila Proletária Orsina da Fonseca, pois a Vila Proletária Marechal Hermes se destacava
pelo seu maior alcance e complexidade (O Paíz, 3 de novembro de 1913). Na Gávea, a
comitiva de sindicalistas foi recebida pelos responsáveis pela construção das Vilas
Proletárias, Srs Palmyro Serra Pulcherio e Dr. Saião, e visitaram as três ruas do projeto:
Treze de Maio, Vicente de Souza e dos Operários
84
.
A idéia de continuidade da construção de moradias populares, iniciada
modestamente por Pereira Passos, pode ser confirmada pelo artigo publicado por Evaristo
de Morais
85
, no jornal Correio da Manhã, em de maio de 1911, onde critica Pereira
Passos e enaltece a iniciativa da construção das vilas proletárias do marechal Hermes da
Fonseca. Observador privilegiado, Evaristo de Morais, advogado e político dos primeiros
anos da República, tem como plataforma política defender um programa mínimo em favor
dos trabalhadores e não sem razão aplaude as iniciativas de Hermes na área da habitação e
84
Estes nomes também se encontravam nas ruas da Vila Proletária Marechal Hermes.
85
Evaristo de Morais assume, em 1911, uma cadeira na Câmara dos Deputados pelo Distrito
Federal, definindo-se como representante do voto urbano. Crítico do anarquismo destaca-se na
defesa dos direitos operários entre os anos de 1917 e 1920, ao lado de Maurício de Lacerda. Por
ocasião do golpe de 30, adere ao governo Vargas transformando-se em funcionário do Ministério
do Trabalho. Maurício de Lacerda, um dos fundadores, em 1922, do Partido Comunista Brasileiro
diverge, em 1930, do adesismo de Evaristo de Morais seguindo outro caminho (Fausto, 1977, p.
226).
83
da educação revelando, por outro lado, as mazelas da gestão do Estado como instituição
empreendedora e fiscal.
Imaginando poder tutelar as manifestações operárias, Hermes passa a promover o 1º
de Maio no bairro de Marechal, no qual contava com a participação de quadros do governo
e de sindicatos, sendo que por ocasião da inauguração da Vila esteve presente a
Maestranza de Los F.C.D.E. seccion Jungai, da Argentina (Correio da Manhã, 2/05/1914).
Os sindicatos não tutelados (anarquistas) celebravam a data do trabalho no centro da
cidade.
Inauguração da Vila Proletária Marechal Hermes
Foto - 16. Foto da inauguração da Vila Proletária Marechal Hermes, emde maio de 1914, contando
com a presença de várias autoridades do governo e sindicatos. Lê-se na faixa que atravessa a rua 1º de
Maio o seguinte: Do governo do povo para o povo.
A continuação do debate sobre a moradia operária é potencializada pelo decreto de
número 2.407, de 1911, assinado pelo marechal Hermes e pelo ministro da fazenda,
Francisco Salles, concedendo favores às associações que desejassem construir casas para
operários acabou não sendo regulamentado,
86
por falta de apoio parlamentar o que faz com
86
Evaristo de Moraes, jornalista, publica no Correio da manhã, de 16 de julho de 1925, um artigo
que destaca a teimosia de Hermes da Fonseca em construir as Vilas Proletárias, o que acabou por
prejudicar a regulamentação da lei de 1911, fruto de um debate que se arrastava desde 1905,
quando foi publicado o livro do engenheiro Everardo Backheuser (Tórtima, 1988, p. 60).
84
que o senador Cassiano Nascimento julgasse ser mais conveniente aproveitar os recursos
das Caixas Econômicas do que isentar os empreiteiros dos impostos, desfalcando o
combalido orçamento da República. Lembra o senador que Leopoldo Bulhões, em 1896,
defendia os investimentos dos saldos das Caixas da Indústria na produção da moradia
operária, idéia que para Lobo (1989) será utilizada pelo governo de Getúlio Vargas.
A percepção de Tórtima (1988: 60) sobre o decreto que concede favores para a
construção de moradias operárias evidencia o esforço de Hermes de dotar o setor da
construção civil de elementos para se desenvolver:
Pela leitura dos doze artigos e dos numerosos parágrafos que
compõem esse decreto, não se pode por em dúvida o empenho do
Governo [de Hermes] em construir casas acessíveis ao proletariado
pelo menos teoricamente - todavia, a garantia de que essas moradias
iriam realmente abrigar as famílias operárias fazia os anarquistas
sorrirem ironicamente (Tórtima, 1988: 60).
Diz Tórtima (1988) que o maior propósito de Hermes da Fonseca era beneficiar a
industria da construção civil. Segundo ele, o governo procurou isentar de impostos todo o
material de construção que viesse do exterior, fora a madeira, bem como estimular
"associações cessionárias da construção" a construir moradias operárias com empréstimos
da Caixa Econômico. Para potencializar a indústria da construção, Hermes isentou as
empresas de taxas de...
expedientes, impostos, foros e laudêmios, relativos aos terrenos e aos
prédios, sua aquisição e transmissão têm isenção de selo federal em
quaisquer contratos referentes às construções autorizadas, cessão
gratuita de terrenos de propriedade federal, que não forem
necessários a outros serviços da União (Tórtima, 1988: 61)
Tórtima (1988, p. 61) aceita como verdadeiro o empenho do governo em querer
prover para o trabalhador casas populares, mas considera negativo o fato do marechal
beneficiar, como foi comentado em outro capítulo, a indústria da construção civil. Esta
assertiva é coerente com o decreto de 2.407, de 18 de janeiro de 1911 que, apesar dos
estímulos
87
dados à construção de moradias operárias não foi, como dito acima,
regulamentado (Lobo, 1989, ps. 92 e 93). Este decreto estabeleceria um teto para o aluguel,
o que só foi regulamentado em 20/05/1921, quando se concebe empréstimos às associações
87
Principalmente empréstimos junto à Caixa Econômica, isenção de taxas de expedientes e cessão
gratuita de terrenos de propriedade federal, dentre outros.
85
operárias para construção da moradia, dando como garantia a dívida pública ou a hipoteca
dos imóveis (50% do valor) para serem pagas no prazo de 20 anos, a uma taxa anual de 5
%.
Quanto ao significado de uma política para os aluguéis no governo de Hermes da
Fonseca, faz-se necessário entender a trajetória da limitação do direito de propriedade nos
primeiros anos da República. Deodoro, quando presidente, congelara os aluguéis, sendo
duramente criticado por Arthur Sauer, proprietário da Companhia de Saneamento do Rio de
Janeiro (Benchimol, 1992: 159); Souza Aguiar (1906-1909) estabelecera pelo decreto
1.193, de 1908, um teto para o aluguel; em 1911, o governo Hermes volta a limitar, agora
com a chancela federal, os reajustes dos aluguéis, fato que, ao invés de minorar a carestia
agravou o quadro pela paralisação da produção da casa para alugar (Lobo, 1989, p. 92).
Soma-se à paralisação da produção rentista da moradia operária a depressão econômica de
1913 que, ao derrubar os preços do café e da borracha, colocou por terra investimentos do
capital estrangeiro em ferrovias, eletrificação e portos (Luz, 1978, p. 149 e 193). Com a
crise econômica instalada e a influência de Pinheiro Machado no ministério da Fazenda, a
Vila Proletária Marechal Hermes, diferentemente da vila da Gávea, ficou incompleta e
paralisada antes mesmo de ser inaugurada.
A localização da Vila Proletária Orsina da Fonseca na zona sul, região que se
cristalizou como moradia burguesa após a reforma de Pereira Passos (1903-1906) vem
suscitar a discussão acerca da segregação das classes sociais em regiões de alta renda.
Assim, ao localizar a vila proletária na Gávea, região tida como operária e fronteiriça a
bairros de alto status social, Hermes parece desconhecer a tendência dos tomadores de
decisões, como Pereira Passos, que potencializou a zona sul da cidade para moradores de
maior poder aquisitivo, mesmo considerando ser a renda dos moradores da Vila Proletária
Orsina da Fonseca, na Gávea, superiores à média salarial dos trabalhadores.
Coerente com o grave momento econômico, Homero Batista,
88
crítico da política
inflacionária do marechal Hermes, em seu parecer entregue ao Congresso Nacional, em
agosto de 1913, denuncia o descontrole das contas do governo:
Reinado das grandezas; a dissipação triunfante: de um lado, o
capitalismo em plena maré de empresas e negócios; do outro, o
88
Homero Batista, advogado, foi ministro da Fazenda de Epitácio Pessoa (1918-1922) e
presidente da Liga de Defesa Nacional (Luz: 1978, p. 154)
86
governo, na execução febril de empreendimento de toda a sorte:
construção de estradas de ferro, comerciais e estratégicas, vilas
militares e operárias, hotéis suntuosos, oficinas, quartéis, palácios,
portos, usinas, fábricas, e colônias, indústrias novas, centros
magnificentes de diversões e até de tavolagem, subvenções a
companhias, serviços aparatosos de pesca, de defesa da borracha, ...
(Luz,1978: 149).
Sem entrar no mérito de Homero Batista ser ou não um ferrenho opositor do
governo Hermes, o seu relatório revela as vilas proletárias e a atividade industrial como
dilapidadoras da riqueza nacional. Tal declaração evidencia ser o parlamentar um inimigo
declarado das indústrias, principalmente aquelas que ele considerava “artificiais”, ou seja,
as que não tinham origem no solo nacional (Luz. 1978: 155).
Na política, a ascensão de Pinheiro Machado,
89
em fins de 1913, acaba por derrotar
remanescentes do republicanismo radical do governo Hermes, dentre eles o construtor das
vilas proletárias Palmyro Serra Pulcherio (Batalha, 2000, p. 44 e 45). A saída dos últimos
representantes do grupo jacobinista do governo Hermes pode ser medida pela demissão de
Pedro de Toledo
90
, ministro da agricultura e íntimo colaborador dos sindicatos “amarelos”.
A ascensão do pinheirista Edwiges de Queiroz a este ministério leva à dissolução do
gabinete de propaganda dos sindicatos e das cooperativas dirigidas por Sarandy Raposo,
91
cortando a relação deste com a Confederação Brasileira do Trabalho (CBT),
92
central
sindical criada a partir do Congresso Operário de 1912.
89
Senador pelo Rio Grande do Sul, um dos articuladores da candidatura de Hermes da Fonseca e
padrinho das oligarquias do norte e do nordeste (Borges, 2004, p. 32 e 33).
90
Pedro de Toledo foi, no governo de Getúlio Vargas, em 1932, interventor no Estado de São
Paulo. Não resistiu às pressões contrárias e foi substituído, em 1933, por Armando de Sales de
Oliveira. Foi no governo de Hermes da Fonseca ministro da Agricultura (1910-1913) e ministro
de Viação e Obras Públicas, em 1912 (Fausto, 2002, p. 191 e 192).
91
Sarandy Raposo líder e teórico do sindicalismo-cooperativista tinha a pretensão de substituir o
sistema capitalista pelo seu modelo de sociedade. Pretendia usar o Ministério da Agricultura, no
governo Hermes, para difundir sua doutrina (Batalha, 1986, p. 178 e 322).
92
A Confederação Brasileira do Trabalho foi fundada no final do ano de 1912, fruto do Congresso
Operário, do mesmo ano, e permaneceu ativo até os primeiros meses de 1914. Sua criação partiu da
necessidade dos movimentos reformistas, conhecidos como “amarelo”, em se organizar para poder pressionar
o governo diante de sua agenda política e mesmo disputar cargos eletivos no parlamento (Batalha, 1986, p.
263).
87
A crise política em finais de 1913 é um somatório de acontecimentos em que
estão presentes a luta interna entre as facções oligárquicas, a grave situação
econômica do país e até o casamento
93
de Hermes da Fonseca com Nair de
Teffé, celebrado em 8 de dezembro de 1913.
Desta forma, Pulcherio, diretor do programa de construção das Vilas Proletárias, ao
se ver desprestigiado pela ação do Ministro da Fazenda Rivadavia Correia,
94
substituto de
Francisco Salles
95
, demite-se em fevereiro de 1914. A postura administrativa de Rivadavia
Correia, partidário de Pinheiro Machado, é de reter recursos destinados à Vila Proletária
Marechal Hermes, o que acabou por deixá-la incompleta. Com o agravamento da situação
financeira e a conseqüente falta de pagamento aos seus trabalhadores, as obras da Vila
Proletária são paralisadas por uma greve. Neste movimento, os trabalhadores recebem o
apoio de Pulcherio e da CBT (Batalha, 1986, p. 264). Desprestigiado e sem recursos para
continuar a obra, Pulcherio demite-se da direção da construção da Vila. Por ocasião de seu
afastamento, Mariano Garcia, em sua coluna operária de O Paiz, em 31 de janeiro de 1914,
escreve o seguinte artigo:
A oposição política desta terra conquista mais uma esplendida
vitória contra o marechal Hermes da Fonseca, presidente da
República.
De há muito que todas as gazetas oposicionistas, de
todos os matizes e cores políticas, todos arranjadores de bons
negócios, todos inimigos do povo, do proletariado vinham
sustentando uma campanha odiosa contra a construção das
vilas proletárias que o Exmo Sr presidente da República
mandara construir, entregando a sua direção a um moço até
então pouco conhecido, um oficial de nosso Exército e
engenheiro militar, o tenente e Dr. Palmyro Serra Pulcherio.
Essa guerra, essa campanha avolumava-se, de longe, à medida
que o ilustre tenente ia dando para traz, em muitas pretensões
descabidas, que tem por único objetivo, transformar simples
fornecedores em ricos senhores, isto em pouco tempo.
Tudo se procurou fazer contra o distinto chefe da
construção, chegando-se a ponto de escrever a correr mundo,
93
No casamento de Hermes com Nair de Teffè, vê-se na lista de convidados o polêmico Percival
Farquhar (1864-1953), empresário americano responsável pela construção da Madeira Mamoré,
em Rondônia.
94
Ministro do Interior de Hermes da Fonseca e autor da reforma educacional de 1911.
95
Ministro da Fazenda de Hermes da Fonseca indicado por Minas Gerais. Em fins de 1913, Salles
é exonerado sendo acusado de esconder a difícil situação dos cofres públicos. Para seu cargo é
nomeado o pinheirista Rivadávia Correa.
88
que essas construções se gastaram mais de vinte e cinco mil
contos, quando o mesmo engenheiro provou que, até aquela
data, nem sete mil contos tinham sido gastos.
Mas a campanha do ódio e do despeito prosseguiu,
primeiro, como arma para ver se o marechal Hermes desistia
daquela obra que tanto prejuízo ia dar aos proprietários de
casas e avenidas; segundo, porque, S.Ex. levando a efeito
aquelas construções ia conquistar simpatias entre o operariado,
o que poderia contribuir para o desprestígio da oposição;
terceiro, porque sendo o tenente Pulcherio um moço distinto,
inteligente, instruído, e de qualidades superiores, só resultava
que ele conquistava entre o operariado simpatia para o seu
nome e o do seu governo que em tão boa hora nomeou para
engenheiro chefe das construções (O Paiz, 31/01/1914: 6).
Mariano Garcia, além de afirmar que Pulcherio representava o operariado no
governo, critica Edwiges de Queiroz que, ao substituir Pedro de Toledo, na pasta da
agricultura,
(...) agiu de modo a ser agradável unicamente aos inimigos do
marechal Hermes e Dr. Palmyro, dos quais se tinha descuidado
desde que entrou para o governo atual.
Pode, porém, dizemos nós, S.EX. fazer tudo quanto
quiser para impopularizar o marechal Hermes e o tenente Dr.
Palmyro entre o operariado, que este já percebeu de perto
quais são seus verdadeiros amigos, e, portanto, façam o que
fizerem, haja o que houver, seus nomes não podem mais deixar
de fazer parte daqueles (...). (...) nunca nos arrependeremos de
ter apoiado e aplaudido pela grande boa vontade que
demonstraram na construção das vilas proletárias (O Paiz,
31/01/1914).
Na defesa da construção da Vila Proletária Marechal Hermes estava, mais uma vez,
Mariano Garcia que não tardou em publicar inúmeros artigos em defesa da mesma.
Escrevia, em 16/01/1914, em reposta ao Correio da Manhã, que a greve na Vila, em janeiro
de 1914, era fruto do desespero do trabalhador que há muito não recebia os seus salários.
(...) aquela obra que uma glória do atual Sr. Presidente da República,
do seu governo e do Dr. Pamyro S. Pulcherio precisa ser levada a
efeito com o concurso de todos os republicanos sinceros que
prestigiam, e não é possível que os operários que trabalham, que
estão colaborando na obra mais grandiosa do governo, trabalhem
com gosto sendo que os seus salários não são pagos em dia (...)
(Correio da Manhã, 16/01/1914).
89
Em 17 de fevereiro de 1914, segundo o mesmo jornal, Pulcherio reassume a
construção da Vila Proletária, sendo saudado pela Coluna Operária de Mariano Garcia. O
jornal A Voz do Trabalhador
96
, por sua vez, em de janeiro de 1914, denuncia que
10.000,00$ destinados à construção das Vilas operárias desapareceram e que uma dotação
de 20.000,00$ foi votada para conclusão das obras sem, contudo, chegar a sua plenitude
(Lobo, 1989, p. 98). Esta afirmação, em Lobo, se choca com a afirmação de Pulcherio de
que as obras não teriam ultrapassado os 7.000,00 contos (O Paiz, 31/01/1914, p. 6).
Quando o governo de Hermes, sob a batuta do senador Pinheiro Machado se
desinteressa pelas questões do sindicalismo “amarelo”, fica evidente que o projeto de
proteção ao trabalho, elaborado, pela Confederação Brasileira do Trabalho, não foi muito
além de uma utopia.
Comme d’autres expressions du syndicalisme amarelo, la CBT croyait
qu’une partie des groupes au povoir pouvait susciter l’auto-reforme
du système politique de manière à permettre la représentation
politique de la classe ouvrière. En d’autres termes, l’attachement à la
voie institutionnelle pour obtenir des réformes, que préconisait la
CBT, était um paradoxe, dans um regime fondé sur l’exclusion du
droit de cité aux “classes subalternes”( Batalha, 1986, p. 266)
97
Apesar dos esforços de Pulcherio, a Vila Proletária Marechal Hermes acaba por ser
ocupada por pessoas “empistoladas” sendo muitos deles funcionários públicos. Diante
destes fatos, se perguntava o construtor das vilas proletárias: “Que lucraram os operários?
Nada” (Lobo, 1989, p. 99). Proferidas meses antes de morrer, em 1914, o dizer de
Pulcherio marca o seu desencanto com o governo de Hermes da Fonseca, que revela as
práticas clientelistas não só deste governo, mas do Estado brasileiro.
96
É possível que A Voz do Trabalhador tenha uma certa razão em suas denúncias. Se somarmos o
capital inicial para o início da construção das vilas (11000:000 réis) e os suplementos de
5.000:000 (Dec. N° 10.018 de 22/01/1913), 3.000:000 (Dec. N° 10834 de 30/03/1914) e 1.000:000
(Dec. N° 10.834 de 3/06/1914) chegaremos ao valor preconizado pelo jornal. O governo de
Wenceslau Brás ainda pagou pelos salários em atraso (6/01/1915 e 14/ 04/1915) totalizando
83:219$950.
97
Como outras expressões do sindicalismo amarelo, a CBT acreditava que uma parte do grupo no
poder podia suscitar uma auto-reforma do sistema político de maneira a permitir a representação
política da classe trabalhadora. De outra forma, o apego à via institucional para obter reformas,
que recomendava a CBT, era um paradoxo, dentro de um regime fundado na exclusão das classes
subalternas do direito à cidade (Tradução livre do autor da tese).
90
PARTE II
5.1. OS ANOS 30, A OPÇÃO URBANO-INDUSTRIAL DO ESTADO BRASILEIRO
E A REEMERGÊNCIA DO DEBATE HABITACIONAL NA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO.
O acelerado progresso técnico proporcionado pela Revolução Industrial,
impulsionado pelo liberalismo econômico, fez com que o sentimento de progresso sem
limites fosse compartilhado por significativas parcelas da população mundial entre os anos
de 1915 e 1929. Apesar deste sentimento, a economia americana, a mais forte do planeta,
encontrava-se fragilizada diante dos fundamentos da economia liberal. Esta fragilidade e a
superprodução levaram ao colapso, em outubro de 1929, a Bolsa de Nova York, o que
mergulhou os EUA e o mundo numa recessão sem precedentes (Hobsbawn, 1995, p. 90).
Diante do quadro de crise financeira, os anos 30 se caracterizaram por uma forte
mudança econômica advinda da crise do capital que atingiu os EUA, a Europa e a periferia
do sistema capitalista, como a América Latina. Na Europa, o primeiro a cair foi a
endividada Alemanha; depois, vieram a Áustria, a Tchecoslováquia, a Grécia, a Polônia, a
Grã-Bretanha e no extremo oriente, o Japão. Na América do Sul, despencaram: o Brasil, a
Argentina, o Uruguai e o Chile; muitos deles por golpe militar (Hobsbawn. 1995, p. 96).
Provavelmente nada demonstra mais a globalidade da Grande
Depressão e a severidade de seu impacto do que essa rápida visão
panorâmica dos levantes políticos praticamente universais que ela
produziu num período medido em meses ou num único ano, do Japão
à Nova Zelândia, da Argentina ao Egito (Hobsbawn, 1995, p. 111).
A reação às teses vinculadas ao livre comércio, tão arraigadas nas economias
mundiais, passou pela importante contribuição do economista John Maynard Keynes
(1883-1946), quando publicou The end of laissez-faire (1926) e a Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda (1936). Estes ensaios acabaram por legitimar a intervenção
do Estado na economia de muitos governos que ascenderam com a crise de 29, dentre eles,
no Brasil, o de Getúlio Vargas (Iglesias, 1993, p. 233). Reflexos da onda “keynesiana”
podem ainda ser medidos pelas criações da Regional Planning Association of America
92
(RPAA), capitaneadas por Patrick Gueddes
98
e Mumford,
99
e pelo Congresso Internacional
de Arquitetura Moderna (CIAM), que pela iniciativa de Le Corbusier, entre os anos de
1928 e meado da década de 1960, constituiu-se no mais importante fórum de debates sobre
habitação e arquitetura moderna (Holston, 1993; p. 37).
Apesar da RPAA ter surgido nove anos antes da quebra da Bolsa de Nova York, o
seu método de intervenção urbana, baseado no planejamento regional, municiou, nos anos
30, os governos de Roosevelt (1933-1945) e os países europeus que nas décadas de 1940 e
1950 utilizaram-se desta metodologia para reformar suas cidades (Hall, 2002; p. 161).
Segundo Mumford, o Planejamento Regional de comunidades tinha por mérito
racionalizar as atividades econômicas, eliminando o desperdício acarretado pela
superpopulação das cidades. Esta racionalidade evitaria perdas no setor elétrico e no
consumo do carvão; incentivaria a formação de pomares próximos às comunidades,
tornaria desnecessários investimentos em metrôs e afastaria o cidadão da solidão dos
campos (Hall, 2002; p. 176).
A perspectiva social-democrata também era outro elemento típico daqueles que
participavam da RPAA. Mumford, por exemplo, se intitulava um socialista moderado sem
nunca acordar com os princípios comunistas, ou seja, calcado nos estudos de Marx. Dizia-
se liberal, mas sem ser adepto do livre mercado, pois era a favor de uma economia
planejada. Não éramos, portanto, socialistas doutrinários. Tínhamos mentes abertas;
fomos uma espécie de socialistas fabianos
100
(op. cit, 2002, p. 176).
A eleição de Franklin Delano Roosevelt para a presidência dos Estados Unidos da
América, em 1933, proporcionou uma parceria entre a RPAA e o New Deal,
101
pois as duas
propostas de trabalho serviam à política de intervenção do Estado na economia e na vida do
98
Patrick Gueddes (1854-1932), biólogo, evolucionista, nascido na Escócia, discípulo de T. H.
Huxley, publicou trabalhos sobre A evolução do sexo (1900) e a transformação das comunidades
humanas. Distinguiu-se pela criação, em 1920, da Regional Planning Association of America,.e
na qual deveria se considerar aspectos geográficos e históricos para a planificação da cidade e de
seu entorno. É dele, também, o conceito clássico conhecido como cornubação (Choay, 1992, p.
273).
99
Lewis Mumford (1895-1990), sociólogo, nascido em Nova York, publicou livros como The
History of Utopia (1922), Technics and Civilization (1934), Culture of Cities (1938), Men Must
Act (1939) e o aclamado The City in History (1961). Exerceu influência na constituição da RPAA,
na qual foi colaborador de Patrick Gueddes (Choay, 1992, p. 285).
100
Os Fabianos se constituíram como uma sociedade de apoio aos sindicatos onde se encontravam
basicamente jornalistas e escritores. Credita-se a esta corrente de pensamento uma oposição à
filosofia de Marx e de ter inspirado, mesmo fracamente, o Partido Trabalhista inglês. Portanto, o
que parece ser verdadeiro é que suas ações em prol de reformas sociais tenham fundado o
princípio do estado do bem-estar (Hobsbawn, 2000, p. 294 e 295).
93
cidadão americano. Uma destas intervenções
102
consistia em fazer retornar ao meio rural
grandes contingentes de trabalhadores e indústrias. Esta iniciativa podia ser muito bem
viabilizada pelas novas vias de transporte e pela energia elétrica, o que possibilitou, dentre
outras benfeitorias, a popularização do rádio e do cinema no interior do território
americano.
Outro movimento social que resultou de uma crítica ao liberalismo econômico e
político foi o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM). Este Congresso
pretendia, a partir de grandes reformas urbanas, reverter a desnaturalização
103
em que
estava metido o trabalhador frente à sociedade industrial. Para superar tais dificuldades
inerentes à exploração capitalista, o CIAM pregava a hegemonia do interesse coletivo sobre
o individual, estendendo os benefícios da Revolução Industrial para todos, tanto na
ordenação da cidade quanto no controle das forças de desenvolvimento industrial
(Holston, 1993, p. 47).
Desta forma, o diagnóstico do CIAM para a crise das cidades pautava-se na crítica
ao princípio da propriedade privada que submetia o Estado e os agentes capitalistas
104
aos
caprichos dos proprietários de terras urbanas. Acreditando poder superar este principio
capitalista, a Carta de Atenas, de 1941, propõe que a propriedade do solo deveria se tornar
disponível quando o interesse público estivesse em jogo (Holston,1993, p. 49).
Mobilização da propriedade privada, construída ou não, [é] uma
condição fundamental de qualquer desenvolvimento planejado das
cidades. [...] Destruição do sistema legal! Modificação de verdades
antiquíssimas! De modo a proporcionar liberdade para o indivíduo e
todos os benefícios da ação coletiva [...] a sociedade contemporânea
deve ter a inteira superfície do país à sua disposição. Tê-la à sua
“disposição” não significa acabar com a propriedade privada, roubo
ou depredação. Significa aperfeiçoar as posses representadas por
nossa terra em benefício da humanidade. Que os advogados
encontrem uma maneira (Le Corbusier, apud Holston,1993, p. 51)!
101
O New Deal foi um instrumento político-econômico para revitalizar a economia dos EUA, onde
se nota a forte interferência do Estado na economia (Hobsbawn, 1995, p. 105).
102
Desta forma, Roosevelt se perguntava se não estaria longe o dia em que a RPAA faria parte da
política nacional dos EUA (Hall, 2002, p. 186).
103
O termo desnaturalização está no sentido em que o homem encontra-se afastado do meio
ambiente natural quando imerso no meio urbano.
104
Análise análoga a esta é desenvolvida por Luiz César de Queiroz Ribeiro (1991), quando
discute os impedimentos da cidade capitalista frente à propriedade privada do solo.
94
Patética é a exclamação de Le Corbusier. As questões de classes inerentes à
exploração capitalista são solenemente desconhecidas pelo prestigiado urbanista,
independentemente da discussão que se desenvolvia pelas vanguardas.
105
Diante do
reformismo social de Le Corbusier, torna-se coerente a proposta de eliminar antagonismo
entre arquitetura e orientações políticas. Para ele, o objetivo do urbanismo era produzir uma
máquina de morar isenta de contradições de classe.
No Brasil, diante da intensa transformação social, torna-se flagrante o esgotamento
do projeto oligárquico-liberal, não só em relação à representação política e econômica, mas
também quanto ao uso do espaço urbano. Ficava cada vez mais claro que soluções pontuais
não resolveriam os graves problemas da cidade. Era necessário elaborar um plano diretor
que a ordenasse como um todo, garantindo a reprodutibilidade do capital e da força de
trabalho.
Desta forma, podemos dizer que a reemergência da questão habitacional na cidade
do Rio de Janeiro passa, também, pela imensa interrogação que foi manter inacabada,
durante 17 anos, a Vila Proletária Marechal Hermes. Tal fato pode ser medido pelo jornal
Correio da Manhã, em 3/12/1926, quando denuncia que, durante a gestão de Epitácio
Pessoa (1919-1922), a Vila tinha sido transferida para a prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro sem, no entanto, contar com qualquer benfeitoria.
Ainda na década de 1920, iniciativas no campo jurídico pretendiam tirar a Vila
Proletária Marechal Hermes do abandono em que se encontrava. Sendo assim, o Decreto
15.846, de 14 de fevereiro de 1922, autoriza o governo a construir casas na dita vila, além
de alienar, em concorrência pública, as já construídas para funcionários civis e militares da
União. O resultado desta iniciativa foi nulo; mesmo a tentativa, em 1928, de licitar a área
para a construção de casas para trabalhadores não teve interessados (Elia, 1984, p. 123).
Em meio à crise da moradia popular, o debate urbano ganha destaque, muito por
conta do crescimento populacional da cidade e da Exposição Internacional da
Independência de 1922, quando a classe dirigente a necessidade de elaborar um plano
diretor que pudesse, principalmente, preservar seus interesses.
105
À medida que o capitalismo produzia cada vez mais desigualdades nas cidades, politizavam-se
os grupos sociais e, dentre eles, os arquitetos. Desta forma, surgem vanguardas na arquitetura
que, na maioria das vezes, estão vinculadas à esquerda radical (Bauhaus, na Alemanha) e, em
menor grau, a social-democracia (De Stijl, na Holanda). Acrescenta-se que membros do
Movimento Italiano per LArchitettura Razionale aderiram a Mussolini e só retiraram o apoio
político quando o duce adota o classicismo como arquitetura do estado (Holston, 1993, p. 48).
95
Com a vitória do movimento político que levou Getúlio Vargas ao poder, em 3 de
agosto de 1930, o projeto de Agache,
106
urbanista convidado pelo prefeito Antônio Prado
Junior (1926-1930) para elaborar um plano diretor para a cidade do Rio de Janeiro, foi
arquivado, sendo parcialmente resgatado em 1937 (momento histórico em que a
intervenção do Estado getulista começa a tomar vulto).
Sendo assim, é dentro deste quadro político, cultural e econômico que se rompe
com as idéias do liberalismo, possibilitando, no Brasil dos anos 30, a discussão acerca da
intervenção do Estado na produção subsidiada da moradia do trabalhador.
Para dirimir as divergências entre o capital e o trabalho e corrigir o
desajustamento que punha em perigo as instituições políticas, não
se duvidava da legitimidade da intervenção do Estado (Schwartzman,
1983, p. 327).
A crise internacional exigiu mudanças conceituais profundas em um sistema
político e econômico que abandonava o liberalismo e se preparava para um novo padrão de
acumulação de capital. É com este sentido que se dá, no Brasil, o golpe de 3 de outubro de
1930 que levou Getúlio Vargas
107
ao poder. Este golpe foi fruto de um conjunto de
contradições políticas e socioeconômicas que fez com que setores da sociedade, em
particular militares, tentassem, no dizer de Iglesias (1993), “republicanizar a República”.
Esta tentativa em restabelecer determinados princípios republicanos como: o voto secreto, o
voto feminino, garantias sociais, dentre outros, possibilitou que Vargas permanecesse no
poder por quinze anos, utilizando-se para isso do apoio de parlamentares e de uma ditadura
de fato em 1937, mais conhecida como Estado Novo.
108
Desgastado com a derrota das
ditaduras na Europa, Vargas é retirado do poder em 1945; em seu lugar, é eleito o
conservador Eurico Gaspar Dutra (1946-1950).
Com uma economia baseada fortemente em um produto de sobremesa, o café, a
fragilidade das contas do governo brasileiro tornava-se flagrante. Desta forma, o Governo
106
Agache estava articulado às premissas da cidade saudável influenciado pela etiologia do caos
urbano de Le Corbusier, que passando pela cidade do Rio de Janeiro, em 1929, não gostou do
projeto de Agache elaborando croquis de intervenção urbana na capital da República (Holston,
1993, p. 50 e Ribeiro, 2002, p. 46).
107
Getúlio Vargas tem em seu currículo o fato de ter sido o ministro da Fazenda de Washington
Luis e presidente (governador) do Rio Grande do Sul (Fausto, 2002, p. 185).
108
O Estado Novo foi imposto à sociedade contando apenas com a simpatia das elites políticas e
empresariais. Como resultado, o poder político ficou mais concentrado na figura de Vargas, que
pôde empreender a tarefa de industrializar o país. Não sem razão, o ministro da Educação,
Gustavo Capanema, investe no ensino técnico-industrial (Fausto, 2002, p. 203).
96
Provisório (1930-1934) se viu abalado pela falta de mercado para o seu principal produto
de exportação, cujos reflexos podiam ser sentidos pelo desemprego nas fazendas de café e
nas grandes cidades. Diante da paralisia da economia, medidas centralizadoras são tomadas
contrariando as oligarquias que imaginavam poder reconstruir o poder político baseado no
velho molde da República que caíra com Washington Luís.
Uma das primeiras tarefas do Governo Provisório foi derrubar a Constituição de
1891, que se caracterizou como fundamento legal do poder das oligarquias. O passo
seguinte foi se aproximar da política dos Tenentes, fato que desagradou os paulistas que
reagem fazendo estalar, em julho de 1932, um movimento militar que ficou conhecido
como Revolução Constitucionalista. Apesar da derrota militar de São Paulo, Vargas se
aproxima dos paulistas e de seus interesses econômicos (Fausto, 1982, p. 192).
Nos estados da federação, todos os governadores foram substituídos por
interventores, exceto o de Minas, ficando ainda proibidos de contrair empréstimos no
exterior sem autorização do governo central. Com este ato, Getúlio quebra a razão de ser da
Primeira República (Fausto, 2002, p. 186). Organizada a economia,
109
passa a ser o maior
desafio de Vargas remontar o estado brasileiro adequando setores historicamente
antagônicos, como os trabalhadores e a burguesia, à nova ordem política e econômica.
Desta forma, o governo Vargas, nos seus primeiros anos, se pautou em dois
importantes aspectos para estruturar o Estado brasileiro: o primeiro, foi organizar o Estado
quanto à sua eficiência administrativa; o segundo, foi voltar-se para a organização da
economia, da política externa, da habitação, da saúde, dentre outros. De posse destes dois
instrumentos, implantaram-se políticas públicas que inauguraram, de fato, a intervenção do
Estado na economia e na vida social (Schwartzman, 1983, p. 4).
Esta transferência de funções aparece como ligada à ampliação das
funções do Estado Moderno, que é um Estado “nitidamente
intervencionista e disciplinador”, e como tal destina grandes somas à
“previdência, amparo, assistência, educação, etc., e ao fomento da
economia em seus diversos aspectos”. Esta ampliação, por sua vez,
estaria ligada à passagem do Brasil do estágio de um país agrícola
para o de um país industrializado (Schwartzman, 1983, p. 7).
109
São destruídas entre 1931 e 1944, 78,2 milhões de sacas de café pelo Departamento Nacional
do Café (DNC); medida similar tomaram a Argentina, com as uvas, e a Austrália, com seus
rebanhos de carneiros (Fausto, 2002, p. 187).
97
Para pensadores como Raimundo Faoro,
110
o Estado que emergiu do governo Vargas
tem origem no patrimonialismo português e deste originaria boa parte das mazelas políticas
e sociais; uma outra corrente se baseia na obra de Antonio Gramsci, particularmente ligada
aos estudos das sociedades do ocidente e do oriente. Para Carlos Nelson Coutinho (2006), o
estado brasileiro até os anos 30, incluindo a Primeira República, teve uma formação do tipo
“oriental”, na qual o Estado é todo-poderoso e a sociedade civil caracteriza-se pela apatia e
desorganização (Coutinho, 2006, p. 173 e 174).
Coutinho acreditava existirem três modelos políticos que poderiam explicar a
hegemonia das elites frente ao Estado: o primeiro deles é o conceito desenvolvido por
Lênin, líder revolucionário russo, conhecido como “via prussiana”, que consiste num tipo
de transição dentro do capitalismo com elementos da “velha ordem”, resultando no
fortalecimento do Estado; o segundo, é a ‘revolução passiva’ de Gramsci, conceito análogo
ao de Lênin, e que consiste numa política de conciliação entre frações da burguesia com o
intuito de excluir os trabalhadores de qualquer participação política; e o terceiro modelo foi
preconizado pelo norte-americano Barrington Moore Junior, sendo conhecido como
“modernização conservadora”. Neste conceito, o norte-americano defende que a passagem
para o desenvolvimento tem dois caminhos: um, levaria à criação de sociedades liberal-
democráticas e o outro, levaria à formação de Estados autoritários (Coutinho, 2006, p. 175).
Nesta análise, Moore ainda identifica vários aspectos da propriedade fundiária pré-
capitalista, o que significa dizer que a burguesia industrial tenderia a formalizar alianças
políticas com setores mais conservadores.
Os três modelos explicativos isolados, portanto, não se adequam ao modelo imposto
por Vargas por mais que cada qual possa dar uma contribuição para explicá-lo. É por isso
que Coutinho (2006, p. 177) entende que tanto a “via prussiana”, de Lênin, quanto a
“revolução passiva” de Gramsci e a “modernização conservadora” de Moore são elementos
que estão inseridos no estado formatado por Getúlio após 30 (Coutinho, 2006, p. 178).
Assim, o golpe que levou Getúlio ao poder, juntamente com as oligarquias agrárias
não cafeicultoras e aos setores médios, em particular os tenentistas, se cristalizará com o
Golpe do Estado Novo de 1937. A partir deste golpe é que se possibilitou, via Estado, a
110
Raymundo Faoro, pensador brasileiro, escreveu Os donos do poder obra de forte influência
weberiana.
98
industrialização do Brasil. Sendo o cafeicultor o maior ausente deste esforço em prol da
industrialização fica claro que...
(...) protagonista de nossa industrialização foi, desse modo, o próprio
Estado, não por meio de políticas cambiais e de crédito que
beneficiavam a indústria, mas também mediante a criação direta de
empresas estatais, sobretudo nos setores energéticos e siderúrgicos
(Coutinho, 2006, p. 177).
Não sem razão, a passagem de um modelo de acumulação fundado na agricultura
para um outro moldado pela indústria foi particularmente lenta, pois até a tese sobre
economia, dirigida ao Governo Provisório, foi orientada pelo ministro da Agricultura
Joaquim Francisco Assis Brasil (1930-1932), que ainda insistia na idéia da vocação
agrícola brasileira. Somente com Juarez Távora (1932-1934), no Ministério da Agricultura,
é que surge a orientação nacionalista e estatizante em relação aos recursos minerais, como o
petróleo e o carvão, sendo este último de suma importância para o projeto siderúrgico
(Coutinho, 1983, p. 11).
Outro aspecto que demonstra o abandono do liberalismo econômico está registrado
na política trabalhista de Vargas, que imaginava organizar toda a sociedade nos moldes
corporativistas e não mais aceitava a livre negociação entre patrões e empregados, prática
de relacionamento típico do princípio liberal da Primeira República. Para atingir este
objetivo cria-se uma secretaria de Estado para estudar e executar medidas para harmonizar
as classes envolvidas, mas principalmente disciplinar os trabalhadores. Para isso,
regulamenta a justiça do trabalho, as profissões e os sindicatos
111
(op.cit, 1983, p. 7).
Após a ascensão de Vargas
112
ao governo, em 1930, o país e as cidades estarão
envoltos em um outro padrão de acumulação que não exclusivamente agroexportador. Esta
nova percepção legitimou a intervenção do Estado na economia, que muda sensivelmente o
modelo de acumulação, agora fundado em uma sociedade urbana e industrial.
Sendo assim, uma nova visão de habitação, herdeira da discussão urbana da década
de 1920, será debatida no primeiro Congresso Brasileiro de Habitação, em maio de 1931,
111
No campo sindical, a ação governamental variou da repressão ao apaziguamento dos
trabalhadores. Nem por isso Vargas deixou de publicar várias leis de alcance social que
historicamente vinham sendo reivindicadas pelos sindicatos (Carone, 1974, p. 131).
112
Destaca-se, em Vargas, que se no início dos anos 40, do século XX, a ênfase do seu governo é
no Estado Forte e centralizador, nos anos de seu segundo governo, de 1950 a 1954, as atenções
estão voltadas para um governo paternalista e comprometido com a população mais carente.
99
em São Paulo. A importância deste encontro se deu pelo fato de que a habitação popular
não contaminava os salários, mas também a formação ideológica do trabalhador e a
estratégia de industrialização do Brasil. Desta forma, o Congresso romperá com o modelo
de intervenção nas cidades, triunfando, a partir daí, o urbanista, profissional especializado e
dotado de novas técnicas de construção civil. A nova moradia, para esse profissional, iria
considerar aspectos como:
(...) insolação, ventilação, espessuras das paredes, áreas mínimas dos
dormitórios, altura dos pés-direitos, além de cuidados com os
materiais e usos de novas técnicas”, pois “nossos especialistas
vinham freqüentando congressos, assinando revistas estrangeiras,
mantendo contatos com uma literatura especializada e tomando
conhecimento de novas maneiras de enfrentar o problema da
habitação das grandes cidades, principalmente nas noções de casa
mínima, decorrentes da arquitetura nacional (Sampaio, apud Ribeiro,
2002, p. 47).
Na América Latina, o melhor exemplo de intervenção estatal reside na Argentina,
cujo I Congresso Pan-americano da Vivenda, realizado em Buenos Aires, em 1939,
reafirma as teses debatidas no Brasil, pois além de reforçar a idéia da intervenção do Estado
na produção da moradia popular, recomenda-se aos países latino-americanos que criem
órgãos nacionais voltados para promoção da habitação (Bonduki, 2004, p. 81).
Paralelo à discussão sobre habitação, o Governo Provisório cria o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio,
113
em 26 de novembro de 1930; e o Instituto de
Organização Racional do Trabalho
114
(IDORT), em 1931, com o objetivo de intermediar e
até mesmo evitar o conflito entre a burguesia e o operariado (Bonduki, 2004, p. 31). Neste
sentido, é emblemático o discurso de Roberto Simonsen, no início da década de 1940, em
conferência inaugural da Jornada da Habitação Econômica, promovida pelo IDORT,
quando faz o seguinte pronunciamento:
113
Antes do golpe de Vargas, as questões entre o braço e o capital se resolviam, precariamente, no
Ministério da Agricultura. O fato de o Ministério da Agricultura servir de palco para resolução de
questões entre patrão e empregado nos remete para a questão de que este foi o gestor das vilas
proletárias de Hermes da Fonseca, além de albergar grupos ligados ao sindicalismo amarelo
nomeadamente o Escritório de Propaganda dos Sindicatos e Cooperativas de Sarandy Raposo
(Castro, 2005, p 17).
114
Apesar das importantes jornadas do Idort, foi o Ministério do Trabalho que empreendeu estudo
para diagnosticar as condições de vida do operário, fato que sustentou decisões políticas segundo
os novos padrões ideológicos e econômicos (Bonduki, 2004: 73).
100
Sendo a maioria de nossas populações marcadamente pobre, a
vivenda popular deve ser por excelência do tipo da habitação cuja
construção deve interessar ao governo e a todas as classes que
compreendam a imprescindível necessidade de conduzir e manter,
com um mínimo de atritos, a formação social brasileira. Objetivo que
se entrelaça com a formação de nossa raça, com a higiene e saúde
pública, com a alegria de viver de nossa gente, deve merecer,
incessantemente, nossa melhor atenção (Simonsen, apud Farah, 1983,
p. 52).
No Brasil, o debate sobre a produção da habitação social era uma das faces do novo
modelo de desenvolvimento que levou e sustentou Getúlio Vargas no poder. Este modelo
pressupunha formar um novo homem a partir da edificação de equipamentos, tais como:
escolas, creches, clubes e postos de saúde. O próprio Getúlio nutria a idéia de desenvolver
uma indústria para construção da casa popular para que pudesse suprir a enorme carência
de habitação para o trabalhador. Desta forma, torna-se revelador o depoimento de Vargas,
em novembro de 1938, quando profere o seguinte discurso:
As casas proletárias, construídas pelas Caixas e Institutos em vários
estados, ainda são em pequeno número e de preço elevado, em
relação às posses dos empregados. Dei instruções ao Ministério do
trabalho para que, sem prejuízo das construções isoladas onde se
tornarem aconselháveis, estude e projete grandes núcleos de
habitações modestas e confortáveis. Recomendei, para isso, que se
adquiram grandes áreas de terrenos, e se preciso, que se
desapropriem as mais vantajosas; que se proceda à avaliação das
mesmas; que se levem em consideração os meios de transporte para
esses núcleos; que se racionalizem os métodos de construção; que se
adquiram os materiais, diretamente, do produtor; tudo, enfim, de
modo a se obter, pelo menor preço, a melhor casa (Vargas, apud
Bonduki, 2004, p. 135).
Apesar das iniciativas de Getúlio em dar ao trabalhador garantias sociais, a
realidade é que, na década de 1930, o operário tinha duas opções de moradia: a
autoconstrução ou aluguel em um cortiço. Assim, arquitetos e engenheiros procuraram
alternativas habitacionais que superassem a insalubridade do cortiço e a utopia da
autoconstrução da casa própria operária, particularmente para quem possuía salários
incertos. Os aspectos teóricos destes arquitetos residiam nas propostas do CIAM, que no
encontro de Frankfurt, de 1929, propõe a redução dos custos da moradia do trabalhador
como tema central. Ernest May, um dos expoentes deste encontro, promove estudos para
101
racionalizar o espaço dos cômodos de uma moradia. Desta experiência surge a “Cozinha de
Frankfurt”, que tinha por meta simplificar as atividades domésticas (Koop, 1990, p. 56).
May também aconselhava os arquitetos a dispensar qualquer adereço estético, ou soluções
que pudessem encarecer a obra, observado o moderno conceito de viver.
É com essa lógica de May que, aqui no Brasil, se constrói o Conjunto Residencial
de Realengo, de autoria de Carlos Frederico Correia, e o Conjunto Residencial do IPASE,
115
em Marechal Hermes. Soma-se a esta questão a necessária manutenção de uma importante
atividade capitalista que tinha como coadjuvantes a subsidiada Carteira Predial dos IAPs, o
financiamento pelos Institutos e pela Caixa Econômica Federal e, em menor escala, a
atuação da Fundação da Casa Popular (FCP) (Farah, 1983, p. 43).
Com o modesto resultado da FCP, os governos dos vários estados começam, eles
mesmos, a enfrentar a falta da moradia. Ademar de Barros, em São Paulo, manda fechar o
escritório regional da FCP e cria, em 1949, a Caixa Estadual de Casas para o Povo (Cecap),
o que certamente lhe deu dividendos eleitorais. Fundavam-se, assim, várias repartições
públicas com vista à construção da moradia social. Estão no mapa desta iniciativa os
estados de Pernambuco (1945), Rio de Janeiro (Departamento de Habitação Popular, em
1945 e a Fundação Leão XIII, em 1947), Rio Grande do Sul (Porto Alegre, em 1950 e
Caxias do Sul, em 1952), Paraná (1950), Espírito Santo (1952), São Paulo (1953), Minas
Gerais (Belo Horizonte, 1956), Paraíba (1962) dentre outros.
Destas intervenções destaca-se, no Distrito Federal, o Departamento de Habitação
Popular, presidido por Carmem Portinho (mulher de Afonso Eduardo Reidy), que formulou
o que viria a ser um embrião de uma política habitacional inovadora, materializada em
projetos como o de Benfica (Pedregulho) e o da Gávea (Bonduki, 2004, p. 122).
Com Affonso Eduardo Reidy e Carmem Portinho, responsáveis pelo
projeto e construção do Pedregulho, aparece de forma mais acabada
a relação entre habitação social, modernização, educação popular e
transformação da sociedade. Para Reidy, o Pedregulho dispunha de
serviços que lhe permitia certa autonomia, com a escola, o centro e o
símbolo de sua proposta de ação reeducadora no habitar. A educação
das classes populares por meio da arquitetura surgia com insistência
no discurso dos técnicos encarregados de implementar conjuntos
habitacionais... (Bonduki, 2004, p. 139).
115
Os conjuntos Três de Outubro e Centro Comercial, no mesmo bairro, apresentavam sofisticação
comparativa pois, além de varandas, muitos contavam com três quartos (Bonduki, 2004, p. 89).
102
No contexto da produção da habitação social moderna, não poderia deixar de
destacar a personalidade de Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), arquiteto ligado à estética
“corbusiana” e responsável por diversos empreendimentos ligados à cultura. Dentre suas
obras, podemos citar: o teatro Armando Gonzaga, em Marechal Hermes; o Museu de Arte
Moderna (MAM), no Aterro do Flamengo; e o aclamado conjunto do Pedregulho, em
Benfica. Reidy ainda esteve ligado ao plano diretor do Rio de Janeiro, participando, junto a
Burle Marx, do projeto do Aterro do Flamengo e foi laureado, em 1953, na exposição
Internacional de Arquitetos na I Bienal de São Paulo.
Considera Bonduki (2004, p. 99) que, após 1945, o Brasil tinha todos os requisitos
para elaborar uma política habitacional, sem no entanto conseguir êxito. São eles: a
institucionalização de uma política de habitação social com recursos dos IAPs; a criação do
Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB), instituído por Vargas em 1945 (que tinha a
pretensão de universalizar uma política de habitação social); a constituição da FCP em uma
“superagência habitacional”, garantindo uma estrutura burocrática capaz de gerir os
recursos dos IAPs; o reconhecimento social e político da crise habitacional; e o
desenvolvimento tecnológico oriundo da experiência da construção de conjuntos
habitacionais. Estes elementos poderiam ser ingredientes para antecipar, em 20 anos, uma
agência de fomento da habitação popular que foi materializar-se em 1964, com o Banco
Nacional da Habitação (Bonduki, 2004, p. 100).
Coube, assim, aos institutos de previdência papel fundamental na
expansão do capitalismo e da industrialização do Brasil em três
frentes: manutenção do consumo mínimo das classes de menor renda
incapacitadas para o trabalho por velhice, doença ou morte do chefe
de família; elevação da capacidade de trabalho dos assalariados
através da assistência médica; e fonte de recursos para investimento
em diversos setores da economia (Bonduki: 2004, p. 103).
O debate desenvolvido pelo governo sobre a questão da moradia operária apontava
para a produção da casa própria. Porém, esta não foi a idéia defendida pelo I Congresso
Nacional de Arquitetos, de 1945. Profundamente influenciados pelos princípios do CIAM,
os arquitetos defendiam, como Mindlin, que as casas (apartamentos) fossem alugadas a
preços acessíveis ao salário do trabalhador, pois a manutenção dos prédios e das infra-
estruturas como clubes, lavanderias, entre outros, deveriam ficar a cargo do Estado,
preservando o minguado rendimento do trabalhador (Bonduki, 2004, p. 82).
103
As conclusões desse Congresso refletem um modo de ver a
questão habitacional semelhante ao que orientou parte significativa
da produção habitacional dos Institutos de Aposentadoria e Pensões,
produção em que havia inegável influência de arquitetos e outros
técnicos de perfil mais progressista que consideravam o provimento
de moradia um serviço público(...) (Bonduki, 2004, p. 82).
Amplamente contrário ao I Congresso Nacional de Arquitetos, de 1945, encontra-se
o Ministério do Trabalho, liderado por Waldemar Falcão, que dizia que o governo do
Estado Novo deveria prover a habitação para o operário sem outros equipamentos como
clubes, parques, etc. As manifestações em prol da moradia individual visavam, para além
da proteção da família e da sua moral, a manutenção da ordem econômica, política e social
(Bonduki, 2004, p. 83 e 86).
Assim, a reemergência do debate sobre a questão habitacional, na Era Vargas,
diverge em quase tudo da Primeira República, a começar pela mudança do eixo econômico
que sai da agroexportação do café para um modelo urbano-industrial. Esta mudança não só
colocará em evidência o espaço da reprodução da força de trabalho como também o tipo de
uso da habitação operária.
Desta forma, o modelo industrial s-30 contará com a cooperação dos IAPs e em
menor escala com a FCP, que com o subsídio do Estado produzirão no Brasil a habitação
social. Estes agentes, Institutos e a Fundação, ao se comportarem como incorporadores
imobiliários, desatarão o nó imposto pela propriedade fundiária, possibilitando o
desenvolvimento da cidade capitalista nos moldes como a conhecemos: segregadora do
espaço urbano e socialmente excludente.
104
5.2. DA PROPRIEDADE FUNDIÁRIA PARA O CAPITAL INCORPORADOR DOS
IAPS E DA FCP: A GÊNESE DA HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL
O desenvolvimento desigual da cidade capitalista, para escola liberal, tem sido visto
como fruto da imperfeição do mercado diante do uso do solo. Tal pressuposto é fundado na
crença de que o livre mercado poderia otimizar o justo desenvolvimento da cidade entre
classes sociais. Um dos equívocos desta idéia foi desconhecer que não sendo o solo um
bem produzido, não tem valor, mas adquire um preço. Assim, um bem não produzido não
pode, teoricamente, ter seu preço regulado pela oferta e procura, pois este não será fruto do
encontro de “produtores e compradores” da mercadoria solo, como classicamente tem-se
estudado a reprodução do capital na sociedade capitalista (Ribeiro, 1991, p. 4).
Desta forma, a distribuição equilibrada do espaço urbano esbarrou na
impossibilidade do capital em se sobrepor à propriedade fundiária, razão pela qual o uso do
solo no capitalismo não se desenvolveu como teoricamente se esperava. Assim, para
dinamizar a cidade capitalista
116
e superar a propriedade privada, foi necessária a
intervenção do Estado imaginando-se que este corrigiria a “irracionalidade” do mercado de
terras e promoveria uma “justa” distribuição espacial da cidade (Hobsbawn, 1985, p. 85 e
Ribeiro, 1991, p. 31).
Apesar da ação do Estado, este tem se mostrado incapaz de intervir no mecanismo
de controle de valorização da terra, o que impossibilita a constituição do valor de uso
complexo. Este valor nasce da combinação da construção de equipamentos coletivos pelo
Estado em cooperação com empresas que possibilitam a otimização da infraestrutura
urbana (Ribeiro, 1991, p. 10). Assim, diante da “irracionalidade” do uso da terra, interessa
ao empreendedor a apropriação dos efeitos úteis da aglomeração, para estabelecerem
certos monopólios não reprodutíveis, que geram sobrelucros de localização. Desta forma, é
no valor de uso complexo que reside a contradição da urbanização da cidade, pois apesar de
ser um importante fator para a produção e circulação de mercadorias, ele não é uma
mercadoria. Desta forma, nenhum capital isoladamente é capaz de produzir objetos
imobiliários que possibilitem a sua própria reprodução.
117
116
A radicalidade deste debate chegou a propor um pacto entre capitalistas contra os interesses
dos proprietários de terras (Ribeiro, 1991, p. 3).
117
O capital privado é insuficiente para constituir o valor de uso complexo, portanto convoca-se
o Estado para produzir equipamentos coletivos não rentáveis como ruas, praças, etc.
105
Na contramão do consórcio entre o capital e o Estado encontra-se o intenso
parcelamento de terra proporcionado pela propriedade privada do solo, obstaculizando a
formação do valor de uso complexo que demanda grande extensão de terra. Assim, o
impedimento ao desenvolvimento pleno da cidade capitalista está centrado no monopólio
que a propriedade privada exerce sobre o solo.
A propriedade privada da terra urbana dificulta, portanto, a formação
e renovação do valor de uso complexo não porque cria barreiras
para o acesso a grandes extensões contínuas de solo, mas também
porque o capital enfrenta barreiras extra-econômicas para obter o
controle sobre o uso de certas porções do solo urbano (Ribeiro, 1991:
15).
Para avaliar o impacto da renda da terra na produção do espaço construído,
utilizaremos, segundo a ótica de Ribeiro (1991), o livro III de O Capital, de K. Marx, muito
em particular na Teoria da Renda da Terra. Nesta análise, encontraram-se imperfeições
teóricas
118
cujas origens residem no célebre “problema da transformação”. Certamente não
é objetivo desta tese enveredar por querelas teóricas do pensamento de Marx. Portanto, se
aproveitarmos as categorias que evidenciam as relações sociais que fundam e especificam a
sociedade capitalista, daremos um importante passo para identificar algumas formas da
produção do espaço urbano.
Para entender tal questão, utilizou-se da Teoria da Renda da Terra, que se constitui
num conjunto de conceitos que tem como finalidade explicar como se resolvem as relações
especiais entre capitalistas e proprietários de terras. Na busca desta resposta, verificou-se
que a categoria social dos proprietários fundiários foi uma herança do início das relações
capitalistas. Um papel dúbio que sobreviveu ao capitalismo pelo fato de ser...
(...) o fundamento permanente do modo de produção capitalista, bem
como de todos os modos de produção anteriores que se baseiam, de
uma maneira ou de outra, na exploração das massas. Mas a forma
que o incipiente modo de produção capitalista encontra a propriedade
não lhe é adequada. ele mesmo cria a forma que lhe é adequada,
por meio da subordinação da agricultura ao capital, com isso, então a
propriedade fundiária feudal, e propriedade do clã ou a pequena
118
Shumpeter foi um pensador que discutiu os aspectos do desenvolvimento do capitalismo fora
dos pressupostos de Marx. Entende ele, ao analisar o imperialismo moderno tido por Lênin como
fase superior do capitalismo, que o imperialismo foi fruto de condições sociais, econômicas e
psicológicas do pré-capitalismo, nada tendo a ver com o desenvolvimento superior do capital
(Hernandez, 2005, p. 75).
106
propriedade camponesa combinada com terras comunais são também
transformadas na forma econômica adequada a esse modo de
produção, por mais que sejam suas formas jurídicas (Marx, apud
Ribeiro, op. cit, p. 19).
Se a propriedade fundiária, de origem feudal, passa para a fase capitalista como uma
necessidade histórica, ela se apresentará na forma de monopólio, estabelecendo uma
contradição com o capital. A superação deste impasse se dará pela transformação do
conteúdo da propriedade para uma categoria submetida ao valor. Para plenitude desta
transformação, em síntese, será necessário aniquilar o monopólio de uso da terra (Ribeiro,
1991, p. 19).
No entanto, a sobrevivência da renda fundiária na sociedade capitalista possui
dificuldades teóricas para que possamos entendê-la na sua plenitude. O próprio Marx
encontrou impedimentos...
(...) em demonstrar donde provém o suplemento de mais-valia pago
pelo capital empregado na terra ao proprietário desta, sob a forma de
renda, depois da mais-valia se igualar, para os diferentes capitais, ao
nível do lucro médio. (...,) depois de aparentemente consumada a
distribuição da mais-valia toda a repartir (Marx, apud Ribeiro,1991,
p. 20).
Era questão para Marx entender como um suplemento do lucro sobre o lucro médio
se transformava em renda da terra, ou seja, em mais-valia. Ao não responder claramente
esta questão, Marx fez com que a teoria da renda, ou seja, a transformação da renda pré-
capitalista em capitalista, ficasse difusa e nebulosa:
Nos modos de produção pré-capitalista não se pode falar em renda no
mesmo sentido que na economia capitalista, pois a produção não é
regulada por um lucro médio. No feudalismo, a renda é a forma que
toma diretamente o produto sobretrabalho, apropriado pelo senhor
feudal. Neste caso, a propriedade da terra é o eixo das relações de
produção, enquanto no capitalismo a propriedade privada coloca-se
na esfera da distribuição. Ou seja, trata-se de parte do excedente da
mais-valia apropriada em segunda mão pelo proprietário da terra
(Ribeiro, op. cit, p. 21).
Desta forma, uma renda fundiária que saia da diferença entre o preço do mercado
e o preço de produção caracteriza-se como uma renda não capitalista.
107
Nesta situação, a propriedade fundiária é uma relação de força que
envolve dois personagens: o proprietário, ocupando o pólo
dominante; e o produtor, o pólo dominado. Este último, mesmo
controlando os instrumentos de trabalho, continua a ocupar o pólo
dominado, pois a terra é o instrumento fundamental de produção. A
parte que o produtor fornece chama-se renda fundiária (Ribeiro,1991,
p. 23).
Assim, os tipos de rendas que se conhece – diferencial, absoluta e de monopólio – a
que interessa para esta tese é a renda de monopólio, pois ela evidencia aspectos que
tipificam a propriedade privada da terra e a produção rentista da moradia. A renda de
monopólio trata de objetos cujos preços são regulados pela necessidade ou desejo do
comprador, como são as obras de arte ou qualquer outra mercadoria que não seja
reprodutível na sua totalidade. Este tipo de renda é um fator importante para que se possa
entender o processo de produção e circulação da mercadoria habitação (Ribeiro, 1991, p.
36).
Em outras palavras, o preço do monopólio está fundamentado na não-
reprodutibilidade de um valor de uso. Se levarmos em consideração o
papel importante da localização do seu valor de uso, em termos de
acesso ao sistema espacial de objetos imobiliários, e se levarmos em
consideração que este acesso é desigual, segundo o ponto do espaço
em que a moradia está localizada, temos que cada habitação tende
a apresentar uma singularidade enquanto valor de uso (Ribeiro, 1991,
p. 37).
A teoria neoclássica
119
acredita que as relações do mercado, baseadas na oferta
e na procura, como foi dito, seriam capazes de otimizar a distribuição do espaço
urbano. Até mesmo a especulação, fruto do desequilíbrio entre a oferta e a demanda,
era considerada benéfica tendo em vista a procura por um espaço urbano mais
equilibrado. Porém, estas colocações não mais encontram ressonância nem entre os
liberais, pois se tem como certa a impossibilidade do mercado de regular o uso do
solo e impedir as desigualdades sociais (Ribeiro, 1991, p. 39).
Para corrigir as imperfeições do mercado, demanda-se a intervenção do Estado que,
porém, deixa uma questão sem solução: o fato de que a terra não é um bem produzido que,
portanto, não tem valor, mas adquire um preço (Ribeiro, 1911, p. 40). Esta afirmação de
119
A escola neoclássica é aquela formada pelas idéias de Adam Smith e David Ricardo que, em
última análise, condenam a presença do Estado na economia.
108
Ribeiro faz crer que o preço da terra não nasce da lei da oferta e da procura. É a demanda
de terras por capitalistas que possibilita o preço da terra.
Dito de outra maneira, os preços fundiários são formados a partir da
demanda dos agentes capitalistas que necessitam de terras para
valorizarem seus capitais (Ribeiro, 1991, p. 41).
Assim, o proprietário capitalista na terra o suporte de valorização de seu capital,
enquanto a propriedade não-capitalista, como aquela destinada para atividade rentista,
volta-se para a apropriação de uma renda que necessariamente depende da propriedade
privada da terra. Assim, estes elementos que se colocaram ao longo da história no espaço
urbano se constituíram como entrave ao capitalismo na sua missão de fazer da cidade o
espaço do capital.
(...) no espaço urbano convivem vários tipos de propriedade fundiária
cuja gestão não se orienta por um cálculo econômico. Estamos
diante de obstáculos externos ao capital, cuja superação não passa
pela “racionalidade do mercado” (Ribeiro, 1991, p. 47).
Portanto, ao analisar a “Teoria da Renda da Terra”, somos levados a concluir que o
capital não é expressão absoluta dos interesses econômicos, o que dificulta a sua plena
inserção na cidade capitalista. Para superar este entrave, surge a figura do incorporador,
cuja ação passa a ser notada mais claramente, no Brasil, após os anos 40, período de maior
atividade dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) e da Fundação da Casa Popular
(FCP).
Tal situação permitirá (...) que surja um outro agente social, que não
sendo o capital produtivo, exercerá um papel de comando da
produção, uma vez que controlará uma das condições fundamentais
da reprodução do capital. Trata-se do agente juridicamente
denominado de incorporador, cuja função econômica será a criação
da condição da “disponibilidade de terrenos construtíveis” (Ribeiro,
1991, p. 61).
Apesar de sua ação ser claramente mais conhecida desde a década de 1940,
juridicamente a figura do incorporador
120
será reconhecida pela Lei 4.591, de 16 de
dezembro de 1964, onde define em seu Artigo 29 que...
120
São ainda tidos como incorporadores: os investidores, definidos na Lei 4.592/64; cooperativas
habitacionais; instituições de previdência social; clubes de militares e servidores públicos;
CEHABs, dentre outras (Ribeiro, op. cit, p. 65).
109
(...) considera-se incorporador a pessoa jurídica ou física,
comerciante ou não, que embora não efetuando a construção,
compromissa e efetiva a venda de frações ideais de terreno
objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em
edificações a serem construídas ou em construção sob o regime
condominial, ou que meramente aceite proposta para efetivação de
tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e
responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega a curto prazo,
preço e determinadas condições das obras concluídas (Apud Ribeiro,
op. cit, p. 64).
Em síntese, a missão do incorporador será fazer com que o ciclo de reprodução
capitalista transforme o capital-mercadoria em capital-dinheiro ampliado. Nesta
transformação, o capital enfrentará duas dificuldades específicas: a primeira, ligada à
transformação do capital-dinheiro em capital-mercadoria e a segunda, ligada à demanda
“solvável”. Como resultado, o problema fundiário fará da moradia uma produção
descontínua, tanto no tempo quanto no espaço, dificultando a constituição de uma indústria
da construção civil. Para que essa circulação se complete, ou seja, para que o capital-
mercadoria se transforme (circule) em capital-dinheiro, deverão estar garantidas as
seguintes funções:
_ coleta de rendimentos passíveis de se transformarem em capital de
circulação;
_ alocação deste capital de circulação na compra de mercadoria-moradia;
_ gestão deste capital na fase de transformação em mercadoria e do retorno
em forma de dinheiro (Ribeiro, 1991: 68).
Sob o ponto de vista teórico, o incorporador será o agente que viabilizará a obra,
definindo o padrão arquitetônico e retirando da terra o sobre-lucro comercial. É este que
estabelecerá relações com outros agentes, assumindo cada qual determinada função no
processo de comercialização do empreendimento. Estes agentes serão os seguintes: as
agências bancárias, que viabilizarão o empréstimo para o financiamento; e o investidor
rentista, que compra o imóvel para o aluguel ou para a venda, dando continuidade à
circulação da moradia. Em resumo, o incorporador é o “chefe da orquestra”, cuja função é
coordenar a construção e a comercialização dos imóveis (Ribeiro, 1991, p. 75).
110
A acumulação de capital advinda da ação do incorporador imobiliário será
espacialmente diferenciada devido a fatores que serão constituídos por uma divisão social
do espaço, como: áreas de lazer, proximidade do trabalho, dentre outros.
Sabedores de que o preço da terra é dado pela impossibilidade de reproduzi-la, cada
unidade de habitação apresenta-se ao mercado como única. Sendo única, a especulação
imobiliária
121
torna-se coerente, pois proporciona ao capital incorporador o tão desejado
sobrelucro. Paradoxalmente ao desenvolvimento da prática capitalista, a raridade do solo se
constituirá em um entrave à sua reprodução.
Nestes termos, podemos admitir que é interesse do capital de
incorporação um permanente processo de diferenciação do espaço, do
ponto de vista físico, social e simbólico. É esta forma de recriar
permanentemente as condições não reprodutíveis de produção, o que
equivale dizer, recriar o submercado monopolista (Ribeiro, 1991:
103).
Assim, a criação do incorporador imobiliário não viabilizará o capital na luta
contra a propriedade privada, mas também possibilitará que um modelo de habitação social,
ou seja, subsidiada, possa se constituir em uma política habitacional. Esta modalidade de
habitação se materializará com o desenvolvimento do capitalismo e do Estado, que
consorciados iniciarão a industrialização do país e, junto a ela, a reprodução da força de
trabalho.
No Brasil, a produção da habitação social na Era Vargas, em particular no período
de 1945 a 1954, foi mais ampla do que revela a literatura (Bonduki, 2004, p. 99). Surgida
num quadro de agravamento da crise da moradia, este modelo de habitação social tinha o
reconhecimento do governo. Porém, sua limitação se deve à descontinuidade administrativa
e aos inimigos que se encontravam à direita e à esquerda desta iniciativa.
Desta forma, congelam-se os aluguéis potencializando soluções individuais como a
autoconstrução em diversos loteamentos no subúrbio e nos morros cariocas. É nesta
conjuntura que Getúlio criará os IAPs para que tratassem de produzir habitações para as sua
respectivas categorias profissionais. Para Bonduki, esta iniciativa de Vargas, ao limitar suas
121
No caso da acumulação do capital e da produção do espaço, no Rio de Janeiro, temos verificado uma
“simbiose” entre capital nacional, o Estado e o capital multinacional. Este regime de acumulação produzido
por esta “sagrada aliança”, no dizer de Melo (1990), destinaria para o capital nacional a produção imobiliária,
ganhando importância a articulação entre o capital local e as políticas públicas. Nesta mesma análise, Melo
(1986, p. 169) define que a articulação de um regime de acumulação com um modo de regulação definirá
socialmente um território e, neste, a morfologia de suas cidades.
111
ações aos Institutos, tornou-se um problema para a formulação de uma política habitacional
que pudesse contemplar um maior número de casas para trabalhadores (Bonduki, 2004, p.
101).
Diferentemente do âmbito privado, a produção da habitação social pelos IAPs e pela
FCP _ por mais que se assemelhasse à prática do incorporador imobiliário _ suas ações não
visavam o lucro. Isto foi possível graças à presença do Estado, que subsidia o
financiamento da produção e comercialização de imóveis, comprometendo o capital dos
Institutos (Ribeiro, 1991, p. 99). Assim, são os IAPs e a FCP que na função de
incorporadores
122
irão proporcionar, a partir da institucionalização do crédito subsidiado
pelo governo, a chamada habitação social. Desta forma, o incorporador “estatal” torna-se
um poderoso agente de divisão social e espacial; é com este sentido que será transformado,
na Era Vargas, o espaço suburbano.
123
Procurando resolver a crise da habitação, o governo de Getúlio Vargas parte do
princípio de que o trabalho era um bem que se deveria proteger e a moradia popular algo
que deveria ser subsidiada. Para dar consequência a esta diretriz política, constituiu-se o
seguro social, onde participam o Estado, o operário e o patrão; cada qual contribuindo com
cotas de 3% a 5%. Desta contribuição compulsória se formaria o capital dos Institutos de
Aposentadoria e Pensões (IAPs), que se constituíram como o principal braço da habitação
social.
124
O modelo de gestão para Institutos recém-criados foi baseado na Caixa de
Aposentadoria e Pensões (CAPs) com a diferença que na sua administração sentavam-se
representantes dos trabalhadores e dos empregadores, enquanto nos IAPs, a participação do
governo era uma exigência fundamental (Bonduki, 2004, p. 102)
A Lei Elói Chaves, de 1923, que de fato inaugura a assistência social no Brasil,
incorpora os ferroviários e alguns trabalhadores de empresas particulares ao seu sistema de
proteção. Em 1926, estendem-se os benefícios para todos os ferroviários, servidores
122
O submercado monopolista, segmento da prática capitalista do uso do solo, se caracteriza por
produção de moradias populares, onde o organismo público exerce forte ação. Logo, não é a
apropriação do lucro que orienta este tipo de produção, mas sim políticas sociais de habitação que
subsidiam a produção e comercialização, desvalorizando o capital empregado (Ribeiro, 1991: 99).
123
O ano de 1933 marca, pela primeira vez, em 43 anos, um crescimento populacional que não se
via desde os anos de 1870/1890, o que acabou por demandar um maior número de moradias
(Ribeiro, 1991, p. 144).
124
Dos três segmentos que deveriam contribuir para a sustentação dos IAPs (empregadores,
governo e operários) somente os trabalhadores contribuíam com regularidade. Tal fato nos
possibilita afirmar que foi com o trabalho dos operários brasileiros que se financiaram projetos
nacionais como a CSN, a Álcalis e a Fábrica Nacional de Motores (Bonduki, 2004, p. 102).
112
públicos e portuários. Porém, somente na década de 1930, com o intervencionismo de
Vargas é que surgem, para falar dos mais importantes, os Institutos de Aposentadorias e
Pensões dos Marítimos (1933), dos Bancários (1934), dos Comerciários (1934), dos
Industriários (1936) e dos Servidores Públicos
125
(IPASE, 1938), sendo a presidência deste
último indicada pelo presidente da República (Schwartzman, 1983, p. 338 e 340 e Farah,
1983, p. 45).
A aplicação dos fundos dos Institutos, na habitação, foi imposição do Conselho
Nacional do Trabalho (órgão do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) e resultou
na subordinação da Previdência ao controle do Estado. Esta subordinação possibilitou ao
governo intervir na administração dos fundos, pois qualquer iniciativa deveria ser
necessariamente aprovada pelo Ministério do Trabalho (Farah, 1983, p. 41).
Diferentemente do incorporador do setor privado, onde o sobrelucro é sua meta, a
intervenção imobiliária dos IAPs e da FCP contava com a contribuição do governo, fator
fundamental para que se pudesse tratar a moradia como habitação social, ou seja,
subsidiada. Esta política, frustrada, ao longo do tempo, foi a gênese do que poderia ter sido
o Estado do Bem-estar para amplos setores da sociedade.
A capitalização dos institutos, por sua vez, não foi só direcionada para a habitação,
mas também para grandes projetos industriais como Companhia Siderúrgica Nacional, a
Companhia Nacional de Álcalis, a construção de Brasília, entre outros. A presença dos
capitais dos IAPs em prol da industrialização também colaborou para a manutenção de um
consumo mínimo para os aposentados; pela instalação de assistência médica; e, como já foi
dito, por investimento em setores nevrálgicos de nossa economia (Bonduki, 2004, p. 102).
A lei que autorizou, primeiramente às CAPs e posteriormente aos IAPs, a investir
em programas de habitação social veio quando Getúlio Vargas publicou o Decreto
19.469, de 17 de dezembro de 1930.
Excluídas as importâncias indispensáveis às despesas de
administração e ao pagamento dos benefícios assegurados aos
125
O IPASE, em 1940, absorve o Instituto Nacional de Previdência, de 1934, substituindo o
Instituto de Previdência dos Servidores Públicos da União, de 1931, que em documentos
encontrados nos arquivos do INSS, no Rio de Janeiro, diz ter sido fundado em 31/12/1926. Sendo
montado com perspectivas mais amplas do que os institutos anteriores, o IPASE amplia seu
alcance quanto ao seguro social e passa a ficar autorizado a fazer operações financeiras, dentre as
quais está o financiamento para aquisição da casa própria (Schwartzman, 1982, p. 341).
113
associados e seus dependentes, os fundos disponíveis serão aplicados
pelo Instituto:
a) na aquisição de títulos da dívida pública federal, interna e
externa;
b) na aquisição ou construção de casas para os associados,
bem como de prédios para instalação dos serviços do Instituto e seus
departamentos (Farah, 1983, p. 42).
O efeito prático deste decreto foi pequeno até o ano de 1937, pois de 1930 a 1936 a
tendência das Caixas
126
e dos IAPs era a de comprar títulos da dívida pública e não investir
na habitação social.
Em 1937, o governo publica o decreto 1.749, possibilitando que a população
marginalizada do financiamento da casa própria possa participar do sistema junto aos IAPs.
O decreto ainda zela pelo financiamento da moradia para as classes média e alta com o
objetivo de atualizar os fundos dos Institutos. Este conflito entre a produção da habitação
social e atuarial marcará a atividade imobiliária dos IAPs durante toda a sua existência
(Bonduki, 2004, p. 104). Apesar desta ambiguidade, os Institutos constroem 123.995
unidades habitacionais com prazos para quitação dos imóveis entre 10 e 25 anos, redução
de taxas de juros de 8% para 6% e sem a correção monetária, o que comprometerá a saúde
financeira das carteiras imobiliárias no futuro. Entretanto, até 1937, os dispositivos legais
para autorizar a construção de unidades habitacionais não tinham sido implementados e
seus esforços se resumiam às iniciativas das CAPs (Farah, 1983, p. 45). Apesar das
dificuldades, a produção da habitação social não era um discurso ideológico desvinculado
de estratégias concretas. Houve um esforço para viabilizar novas propostas, mesmo porque
a crise do modelo rentista era definitiva, o que tornava urgente encontrar soluções
habitacionais compatíveis com o novo ciclo de expansão econômica
127
(Bonduki; 2004, p.
76).
Os IAPs foram paulatinamente adotando o modelo do Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Industriários (IAPI), que consistia em três modalidades de financiamento: os
planos A e B eram destinados à habitação social e o C era destinado às classes média e alta.
126
As Caixas quase nada fizeram em termos de habitação, a não ser 694 unidades habitacionais no
Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre (Bonduki, 2004, p. 105).
127
No que cabe ao setor empresarial, pouco importava se o modelo de habitação era subsidiado ou
baseado na autoconstrução. O que interessava é que se dinamizasse a indústria cimenteira e a do
aço (Bonduki, 2004, p. 77).
114
Assim, a opção pelo aluguel no Plano A mostra a força da perspectiva
que defendia, nos institutos, a preservação do patrimônio e dos
recursos previdenciários, sem levar em conta aspectos sociais ou
ideológicos (Bonduki, 2004, p. 107).
O Plano A, destinado ao aluguel, além de atender às necessidades da habitação
social, mantinham as reservas previdenciárias, estatizando uma atividade até então
reservada ao setor privado.
128
O Plano B tinha a desvantagem de financiar o imóvel em
longo prazo e sem a correção monetária, o que reduzia substantivamente o retorno
financeiro. Sendo assim, o Plano A se tornou mais atraente até o congelamento dos aluguéis
em 1942, o que fez com que as duas carteiras vinculadas à habitação social sofressem
significativo prejuízo. Os recursos para o Plano C, de característica empresarial, destinados
à produção de moradias das classes média e alta, procurava atender às expectativas atuariais
dos IAPs e proporcionar rentabilidade para as suas reservas financeiras. Este plano foi
fundamental para se cristalizar o capital de incorporação em um momento de
desestruturação da produção rentista. De uma forma geral, até 1945, os IAPs investiram
mais pesadamente no Plano C, o que lhe acarretou críticas da sociedade; após a
democratização, particularmente entre 1945 e 1950, priorizaram-se os Planos A e B em
favor da habitação social.
Sob o ponto de vista financeiro, o governo constatou que a diferença entre a receita
e a despesa das Caixas e dos Institutos totalizavam, em 1942, um capital expressivo
(609.503:142$6), o que leva o governo de Vargas a aplicar esta soma na aquisição da
dívida pública e em investimentos imobiliários (Schwartzman, 1983, p. 340). De posse
desses recursos, o governo potencializa um novo ciclo de expansão econômica, a começar
pelo congelamento do aluguel, em 1942. A Lei do Inquilinato, que penalizou a atividade
rentista, fez ver aos capitalistas que as atividades industriais eram, agora, mais interessantes
sob o ponto de vista da rentabilidade do capital.
Através desta legislação, o Estado passou a controlar os valores das
locações residenciais, os quais, entre 1942 e 1946, foram
“congelados” segundo os níveis de dezembro de 1941, sofrendo, a
partir de então, reajustes determinados pelo próprio Estado. Tal
128
Curiosamente, esta prática rentista desenvolvida pelos Institutos, no início da década de 1940, não foi
original. No governo do marechal Hermes da Fonseca (1910-1914), tal prática foi desenvolvida não para
remunerar a Previdência Social, mas o próprio Tesouro. Esta iniciativa faz aparecer, para desespero dos
liberais de plantão, o Estado empreendedor em plena Primeira República.
115
medida representou, por um lado, uma intervenção no sentido de
impedir o aumento excessivo do custo de reprodução da força de
trabalho (Farah, 1983, p. 36).
O aspecto negativo desta medida foi agudizar a situação da moradia do trabalhador.
Isso se deve ao fato de as casas recém-construídas ficarem de fora do congelamento do
aluguel, pois se autorizava a rescisão do contrato de locação para construir uma outra
habitação, ou mesmo um prédio de apartamentos, desde que com uma área superior à antiga
habitação. Como esta moradia era endereçada à camada de melhor rendimento, o operário
passou a viver uma crise habitacional sem precedentes (Farah, 1983, p. 37).
A política de retorno financeiro do Plano B foi ainda mais desastrosa do que a do
Plano A, pois, se os aluguéis estavam congelados, as prestações que amortizavam a dívida
eram fixas, o que fez com que seus moradores pagassem prestações baixíssimas ao longo
do tempo. Desta forma, Bonduki (2004, p. 108) identifica como populista a proposta
habitacional que não se sustentasse financeiramente. Este foi o caminho trilhado pelos IAPs
que tiveram seus fundos corroídos por investimentos imobiliários do tipo “A” e “B”, que se
mostraram insustentáveis, e com o passar do tempo foram deixados de lado (principalmente
no decorrer da década de 1950). Não sem razão, conseguir um aluguel ou um
financiamento nos IAPs era uma “maratona”, cujos obstáculos eram superados pelo mais
escancarado clientelismo.
[A obtenção de uma moradia] se transformou numa corrida para
pistolões, áspera para muitos e fácil para poucos, cujas
conseqüências são notórias. Inverteu-se e deformou-se a estrutura
processual e administrativa. A carteira imobiliária que se encontrava
inativa teve, a partir de 1956, maior atividade que em tempos
normais, com o acesso permitido àqueles que traziam numa simples
petição o autorizo do presidente da República na maioria das vezes e,
em outras, o do próprio presidente do IPASE (O Estado de São Paulo,
1962. Apud Bonduki, 2004, p. 108).
De uma forma em geral, aqueles que não tinham um emprego formal estavam
excluídos do direito de disputar uma habitação pelo simples fato de não estarem inseridos
no trabalho formal e, consequentemente, longe da proteção dos Institutos. Favelados,
biscateiros eram excluídos do sistema e muitas vezes tratados com desprezo e preconceito
por figuras de destaque do governo. Este é o caso do ex-ministro do Trabalho, Indústria e
Comércio Salgado Filho, que em 1937 profere o seguinte discurso no Congresso Nacional:
116
E não se confundam os operários, os trabalhadores, com esses
indivíduos que habitam as “favelas” dos nossos morros. E sobre esse
ponto quero chamar a atenção da Câmara porque é uma necessidade
ser o assunto cuidadosamente estudado, de vez que vi, no parecer da
Comissão de Justiça, referências àqueles habitantes das “favelas” do
Distrito Federal e verifico o pronunciamento daquele órgão técnico
da casa no sentido da concessão de terrenos para atender à
população pobre. Mas será obra social atender-se a esses habitantes
das “favelas” do Distrito federal, que não são, a rigor, operários?
Talvez nelas habitam, excepcionalmente, operários de nossa capital.
Todos indivíduos que ocupam essas favelas, essas casas,
denominadas casas de cachorro, não são trabalhadores que vivem de
um salário honesto. [...] Pergunto à Câmara: será obra social fazer-se
uma edificação para esses vadios? (Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, apud Bonduki, 2004, p. 110).
Em sintonia com o pensamento de Salgado Filho, está o setor de construção de
habitação que apostava, nos anos 40, que o trabalhador solucionaria o problema da
habitação por si só. Esta crença apontou para duas soluções: a potencialização da
autoconstrução em loteamentos na periferia e a edificação de favelas
129
(Farah, 1983, p. 37).
Com a democratização do Brasil, em 1945, o governo se vê mais sensível diante das
demandas sociais. Apesar desta sensibilidade diante dos apelos dos trabalhadores, a cidade
do Rio de Janeiro vai se deparar, mais uma vez, com reformas urbanas que acabaram por
colocar abaixo 2.400 residências, desalojando 18.200 pessoas, principalmente pela abertura
da avenida Presidente Vargas, no início da década de 1940.
Desta forma, Dutra não vai ampliar as estratégias dos IAPs ampliando os
recursos destinados aos Planos A e B e permitindo que recursos do Plano C sejam
utilizados para construção de prédios de luxo _ como vai implementar uma política
habitacional que se cristalizará com a criação da FCP (Ribeiro, 2002, p. 94).
A Fundação da Casa Popular (FCP) surgiu com a missão de produzir a habitação
social consorciada com prefeituras e indústrias, tanto para venda como para o aluguel,
esmerando-se na redução de seu custo final e na ausência de lucro em suas atividades. A
distribuição das moradias atendia aos seguintes critérios: 60% destinadas a trabalhadores da
iniciativa privada, 20% para servidores públicos e 20% para outros pretendentes. Dispunha
129
Em 1948, a cidade do Rio de Janeiro contava com 7% de sua população morando em favelas
(Farah, 1983, p. 38).
117
a Fundação de um determinado número de moradias, conhecidas como “reserva técnica”
que, na verdade, eram destinadas ao clientelismo político (Ribeiro, 2002, p. 100).
As bases que constituíram a FCP apontavam para uma gestão centralizada, fontes
perenes de recursos e uma preocupação urbana que procurava articular a construção da
habitação social com o crescimento da cidade. Porém, o que vingou foi a quase inexistência
de recurso não orçamentário, o que inviabilizou que as carteiras prediais dos IAPs fossem
deslocadas para a FCP. O empréstimo compulsório sobre transações imobiliárias foi
também vetado, colocando em seu lugar uma contribuição obrigatória de 1% sobre o valor
de todo imóvel adquirido. Porém, nem este imposto foi viabilizado, pois os estados
alegavam a inconstitucionalidade da medida o que inviabilizou a perenidade de recursos
para os projetos da FCP.
A FCP, por mais que não tenha atuado no bairro de Marechal Hermes, objeto
central de estudo desta tese, tem sua importância registrada não só pela sua ação em prol da
habitação social,
130
mas por ter atuado no entorno do bairro em questão, fato que contribuiu
para a constituição de um perfil habitacional que até hoje marca a região.
Assim, as forças contra a FCP encontravam a paradoxal “aliança” entre empresários
da construção civil, o Partido Comunista Brasileiro e o Instituto dos Arquitetos do Brasil
(Bonduki, 2004, p. 122). O PCB, nas palavras de João Amazonas, em 1946, reivindicava
soluções baseadas no aluguel da moradia proletária:
(...) com a lei demagógica da casa própria visa o governo
reconquistar o prestígio no meio dos trabalhadores, bastante afetado
com a decretação do regulamento sobre as greves (Bonduki, 2004, p.
120).
Diante do confronto proporcionado pela ação da militância comunista versus
governo, torna-se compreensível as palavras de Farah (1983, p. 83) quando afirma que a
produção habitacional dos IAPs, no período de 1946 a 1950, se explica mais facilmente
pelo conflito ideológico do que pela “questão habitacional”.
130
Paralela à FCP, surge, por iniciativa de Dom Jaime Câmara, bispo da Arquidiocese do Rio de
Janeiro, a Fundação Leão XIII, criada em 8 de fevereiro de 1947, com o objetivo de barrar a
presença comunista nas favelas; para isso, contava com o apoio dos governos do município e o
federal (Ribeiro, 2002, p. 92 e 100). Esta iniciativa, ao não resolver o problema da habitação para
o trabalhador, fez com que Dutra, em 1945, prometesse a construção de 100 mil casas populares
(Bonduki, 2004, p. 116).
118
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, em meio à falta de moradia popular, o clima
para a constituição de uma política habitacional era positivo. Porém, com o afastamento de
Vargas, em 1945, eliminou-se, segundo Bonduki, o elemento central para o
desenvolvimento de um programa habitacional.
Desta forma, o governo Dutra, ao criar a FCP, poderia se impor aos interesses tanto
à esquerda quanto à direita, mas não o fez, tratando a produção da habitação social como
instrumento do clientelismo político.
A intervenção do IPASE em Marechal Hermes constituiu uma exceção aos inúmeros
projetos habitacionais inconclusos ou precarizados. Agindo como incorporador, o referido
Instituto leva o empreendimento a cabo dotando o bairro, para além das escolas e
habitações construídas por Hermes da Fonseca, de um hospital, uma maternidade, uma
escola de nível médio, um cinema, um teatro e várias casas, apartamentos e lojas
comerciais. Vejamos, adiante, como a habitação social, acompanhando o que vinha sendo
feito no bairro de Marechal Hermes, se deu no seu entorno imediato do bairro e as
consequências na tipificação da região como operária.
119
6.1. A INTERVENÇÃO ESTATAL E A HABITAÇÃO SOCIAL NO
ENTORNO DO BAIRRO DE MARECHAL HERMES
A expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro e de seu subúrbio, em finais do
século XIX e nos primeiros vinte anos do século XX, foi um reflexo da acumulação
capitalista em particular promovida pelo café, pelo capital imobiliário e pela atividade
comercial da cidade. Esta acumulação, encontrando remuneração financeira atraente frente
ao acelerado crescimento demográfico da cidade, acabou por dar outro sentido às chácaras
e fazendas da periferia, loteando-as.
O uso fundiário da cidade do Rio de Janeiro e de seu subúrbio tem início no sistema
de Sesmaria
131
cujo objetivo era fazer doações de terras para aqueles que se dispusessem a
ocupá-las para produzir e protegê-la. Nesta empreitada, destacam-se os jesuítas, que
possuíam fazendas nas Sesmarias do Irajá, na cidade do Rio de Janeiro. Estes, quando
expulsos de Portugal e das colônias pelo marquês de Pombal (em 1759), tiveram suas terras
tomadas pelo Estado português e consequentemente às do Brasil, onde as fazendas
realengas das freguesias do Irajá e de Campo Grande, que lhes pertenciam, passaram em
1814, ao patrimônio da cidade (Pechman, 1985, p. 73).
Da independência até 1850, data do decreto da Lei das Terras, a posse da terra foi o
instrumento mais utilizado pela população rural. Com esta lei promulgada pelo imperador
Pedro II, a propriedade do solo passa a ser possível apenas para aqueles que pudessem
comprá-las, o que acabou por excluir quase que totalmente os posseiros. Apesar da referida
lei, o uso do solo no subúrbio do Rio de Janeiro, do início do século XIX até o ano de 1870,
praticamente não sofreu alteração, ficando a área abandonada tanto para atividade agrícola
quanto para o uso da moradia urbana.
O modelo adotado para o abastecimento da cidade de gêneros de primeira
necessidade acabou por excluir a sua área rural imediata, pois esta esteve por muitos anos
ligada à produção de cana-de-açúcar, cujo plantio ocupava largas áreas do recôncavo da
baía de Guanabara, dificultando o surgimento de uma atividade agrícola mais diversificada.
Uma das consequências desta desleixada política agrícola foi o aumento do custo da
131
Sesmaria foi no Brasil a continuidade do sistema jurídico português, criado em 1375 e
encerrada em 1822, que objetivava ocupar e explorar economicamente as terras recém-
conquistadas.
120
alimentação que, ao encarecer a força de trabalho, acabou dificultando a instalação de
manufaturas e mesmo de indústrias na cidade (Pechman, 1985, p. 89).
Com o abandono das terras suburbanas e o crescimento populacional da cidade,
emerge um mercado de terras que fez com que surgissem entre os anos de 1870 e 1933,
4.668 novas ruas, principalmente no subúrbio, onde a disponibilidade de terras era muito
superior a qualquer outra parte da cidade (Pechman, 1985, p. 20 e 143).
A primeira onda urbanizadora que ocorreu fora do centro urbano atingiu, por volta
do final do século XIX, o bairro do Engenho Novo, que se tornou um agitado centro
comercial, abrindo o subúrbio para a especulação imobiliária, onde se destacaram, também,
os bairros do Sampaio e Riachuelo. O bairro do Engenho Novo, privilegiado pelo
cruzamento da Estrada de Ferro Central do Brasil com a linha de bonde, conhecerá,
também, grande desenvolvimento, apesar do transporte pelos trens ser modesto, pois em
1896, atendia a apenas 6,8% de passageiros (Pechman, 1985, p. 116). Para Fernandes, a
primeira onda de ocupação do subúrbio se estende até o bairro de Cascadura, que com seu
movimentado comércio, potencializado por bondes que cruzavam Cascadura _ e a rede
ferroviária _ na direção de Irajá e da Freguesia/Taquara, disputava com o Engenho Novo a
liderança comercial desta região (Fernandes, 1995, p. 131). A segunda onda urbanizadora,
que começa no final do século XIX e vai até o final da década de 1930, se caracterizará por
um intenso retalhamento das terras do subúrbio
132
que ficaram ainda mais disponíveis com
o fim dos laranjais na baixada Fluminense e Campo Grande. A terceira onda (que se
confunde com a segunda onda de Fernandes), que ocupou o solo do subúrbio, se na
última década do século XIX até os dez primeiros anos do século XX, e se caracteriza mais
pela consolidação do tecido urbano do que pela sua expansão (Pechman,1985, p. 120 e
127). É neste período que aparecem agentes que usam a terra suburbana para dali retirar
uma renda imobiliária. São eles:
1 - o que compra a terra para se instalar e construir sua
casinha;
2 - o pequeno comerciante ocasional, que dispondo de algum
capital e aproveitando uma oportunidade de momento, compra um ou
alguns lotes para revender em seguida ou guardar como reserva de
valor;
132
É na região Norte da cidade que se encontrarão grandes fazendas, como a de Boa Esperança e a
de Sapopemba, que juntas formarão o bairro de Marechal Hermes (Pechman, 1985, p. 120 e 131).
121
3 - o capitalista fundiário, que compra glebas ou lotes, que
remembra a terra, tudo como forma de valorização do seu capital;
4 - o capitalista imobiliário, que articula os negócios com a
terra com a produção da moradia (Pechman, 1985, p. 130).
A quarta e última onda de ocupação do subúrbio carioca, na perspectiva de
Pechman, que ainda para Fernandes se caracteriza como a segunda, ocorre entre os
primeiros anos do século XX até os anos 30. Neste momento surgem, ou se consolidam,
vários bairros, dentre eles: a Vila Militar, Marechal Hermes, Deodoro (em parte),
Magalhães Bastos e Realengo. O traço de união entre estes bairros se pela presença do
Estado, destacando-se as instalações militares e o ramal ferroviário de Santa Cruz,
inaugurado em 1878. Esse ramal possibilitou a ligação destes logradouros com o centro da
cidade, fazendo do entroncamento de Deodoro e do seu entorno geograficamente
estratégico. Não sem razão, ali se instalaram a Escola Preparatória e Tática do Exército, a
fábrica de Cartuchos, ambas em Realengo, e os quartéis e as moradias dos militares na Vila
Militar. Não muito distante dali, o governo desapropriou a fazenda dos Afonsos para
instalar uma oficina de montagem e um campo de pouso de aviões. Assim, a presença das
ações do governo que se desenvolveu nos bairros de Realengo, Deodoro e Guadalupe _ este
último conhecido como parte integrante de Marechal até o início da década de 1950 _ atesta
a presença do ente público na região muito antes da habitação social fazer parte do projeto
político de governo.
na década de 1940, foram construídas, para além da Fábrica Nacional de Vagões
(FNV) em Marechal Hermes, duas indústrias do ramo metal/mecânico em Marechal, três
em Guadalupe, duas em Honório Gurgel, uma em Costa Barros e uma em Deodoro
(Ribeiro, 2002, p. 138). A instalação destas indústrias, favorecida pelas linhas de energia da
Light e pela abertura da Rodovia Presidente Dutra, em 1948, iria demandar moradias e
perfil profissional que o bairro de Marechal não atenderia, pois o mesmo, notadamente na
parte construída pelo IPASE, foi destinado a servidores públicos, cujo perfil não interessava
às indústrias do ramo metalúrgico. Desta forma, são edificados três conjuntos habitacionais,
sendo que dois deles _ o conjunto residencial de Guadalupe e o de Deodoro, construídos
pela FCP _ , têm a marca que alteraria profundamente o desenvolvimento no Brasil: as
rodovias.
122
A percepção de que as rodovias marcariam o desenvolvimento das cidades tem
origem no livro Anticipations, de H. Wells, de 1901, onde se profetiza que a hegemonia do
transporte rodoviário, em detrimento do ferroviário, traria para as cidades novos eixos de
desenvolvimento, agigantando o uso do espaço urbano.
Novas e largas estradas atravessarão o campo multiforme, cortando
aqui uma crista de morro, acolá correndo por sobre um vale como
colossal aqueduto, sempre fervilhado com o tráfego intenso de suas
brilhantes, velozes ( não necessariamente feias) máquinas; e por toda
a parte, em meio a campos e árvores, estarão os fios conectores
esticados de poste a poste (Wells, apud Hall, 1988, p. 328).
Nos Estados Unidos da América, Eisenhover (1953-1961), acreditando que a vitória
da América sobre a Alemanha (na Segunda Guerra Mundial) teria sido facilitada pelas
rodovias alemãs (autobahnen), investe em estudos para criar uma grande malha rodoviária.
Assim sendo, encomenda pareceres para este fim, onde se destaca o trabalho de Robert
Moses
133
que, para além dos interesses imobiliários proporcionados pelas margens das
rodovias, acreditava que as auto estradas poderiam combater habitações insalubres, que
estas poderiam ser deslocadas para as franjas dessas estradas (Hall, op. cit, p. 346). Desta
forma, por influência de Moses (1888 - 1981), é aprovada pelo Senado, em 1956, a Lei de
Ajuda Federal a autoestradas, que consistiu em um megaprojeto para construir 41.000
milhas de rodovias e, com isso, possibilitar a suburbanização de muitas cidades americanas.
De ambos os lados do Atlântico, ao que parece, a cidade à beira da
auto-estrada estava ganhando de longe da cidade tradicionalmente
estruturada pelo transporte de massa. As pessoas estavam votando
nela com suas rodas; mais precisamente, os que as tinham eram assim
que votavam, e esses cresciam em número a cada ano. Era a profecia
de Wells que, ano a ano, se fazia mais verdadeira (Hall, 1988, p. 376).
Fruto de uma política potencializada pela presença sempre crescente do automóvel,
a avenida Brasil é idealizada por Pereira Passos (1903-1906), cujo marco inicial seria a
avenida Rodrigues Alves, no porto e perto do centro da cidade (Costa, 2006). A referida
avenida margearia o porto da cidade e parte da baía da Guanabara, ligando os bairros do
133
Robert Moses, o grande reformador de Nova York, rasgou o coração da referida cidade para
ligá-la ao subúrbio. Racista, acreditava no transporte individual e em suas intervenções urbanas
só respeitou os bairros dos ricos e da classe média alta. Sua obra é desmistificada pelo trabalho de
Robert Caro(1974), na obra The Power Broker: Robert Moses and the Fall of New York. (www.
bbc.co.uk/portuguese). Moses era tido como o mais experiente construtor de autoestradas dos
EUA, experiência que adquiriu desde 1926 (Hall, 1988, p. 346).
123
Caju, Manguinhos, Ramos, Olaria, Penha e Irajá, e, na altura do rio Acari, tomaria a direção
do bairro de Santa Cruz (Ribeiro, 2002, p. 83). A dita avenida, cujo PAL nº 10.894, de 3 de
março de 1945, reservava as margens para projetos habitacionais e industriais, ficou
conhecida definitivamente como "Brasil" no Estado Novo, inaugurando o transporte
automotivo, tanto individual como coletivo.
A avenida Brasil seria a autoestrada mais próxima do modelo americano, que
socialmente invertida pois, enquanto nos EUA as rodovias serviam à classe média, no
Brasil as margens desta via seriam destinadas à atividade fabril e à moradia operária. Foram
necessários 40 anos para que a dita avenida, construída efetivamente entre 1939 e 1954,
saísse do campo das idéias para marcar indelevelmente as oportunidades de expansão da
cidade e do desenvolvimento da moradia do trabalhador.
Deste modo, o aterro dos pântanos do litoral da baía da Guanabara
possibilitou a abertura da avenida Brasil, via que tinha o objetivo de
deslocar a parte inicial das antigas rodovias Rio_ Petrópolis e Rio_
São Paulo para áreas menos congestionadas, “diminuindo, assim os
custos e circulação, além de incorporar novos terrenos ao tecido
urbano visando a sua ocupação industrial”, já alcançando, quando da
sua inauguração em 1946, Bonsucesso e Olaria (Ribeiro, 2002, p. 83).
Margeando a baía da Guanabara, a avenida Brasil ligava o centro da cidade à zona
oeste, abrindo-se uma enorme quantidade de terrenos para onde iriam se dirigir
empreendimentos industriais e habitacionais. Estes empreendimentos, em seu primeiro
momento, foram certamente influenciados pelos princípios do segundo CIAM, de 1929,
realizado em Frankfurt, Alemanha, onde se debateu prioritariamente a produção da
habitação para setores de renda baixa (Bonduki, 2004, p. 137 e Hall, 2002, p. 346).
Diante da vontade política de Vargas e de recursos financeiros, a habitação social
poderia se constituir em um braço do Estado do Bem-estar que se imaginava endereçar para
as populações de menor poder aquisitivo. Sendo assim, são construídos próximos ao bairro
de Marechal, os Conjuntos Residenciais de Realengo, Presidente Getúlio Vargas
(conhecido também como Conjunto de Deodoro) e o conjunto de Guadalupe. Destes três
conjuntos, somente o de Guadalupe seria impactado pela avenida Brasil, pois a mesma
chegaria ao bairro em 1949.
É importante registrar que, apesar da ligação proporcionada pela avenida Brasil com
outros pontos da cidade, os moradores dos Conjuntos de Deodoro e de Realengo tinham a
124
opção de se deslocar pelas estações de trem de Deodoro e de Realengo, respectivamente,
pois os conjuntos localizavam-se perto destas estações ferroviárias. a população do
Conjunto de Guadalupe dependia dos ônibus que começavam a trafegar pela avenida Brasil
ou andar aproximadamente um quilômetro até a estação de trem de Marechal Hermes.
O primeiro conjunto residencial a ser construído próximo ao bairro de Marechal foi
o emblemático Conjunto Residencial de Realengo (1939-1943), conhecido como o primeiro
conjunto habitacional moderno do Brasil. Edificado pelo Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Industriários (IAPI), sob a batuta do arquiteto Carlos Frederico Ferreira, o
projeto do Conjunto de Realengo contava com o apoio do corpo dirigente do IAPI, para
quem construir habitações era, antes de tudo, fazer urbanismo (Bonduki, 2004, p. 157). O
Conjunto totalizou 2.347 unidades habitacionais, o que vinha romper com a lógica de que
os empreendimentos da habitação social não deveriam ultrapassar a 200 unidades.
O conjunto de Realengo como o primeiro de grandes dimensões
parece mesmo ter sido um enorme campo experimental para o teste e
desenvolvimento de novos materiais e tipologias de projeto: “Como
um primeiro ensaio para soluções futuras, foi previsto na zona central
do conjunto um prédio de habitação coletiva com apartamentos. No
pavimento térreo foram localizadas as lojas” (Ferreira, apud
Bonduki, 2004, p. 157).
Contrária à perspectiva arrojada do IAPI estava a direção da Fundação da Casa
Popular (FCP), cujo diagnóstico era ainda baseado na prática higienista do início do século
XX, tais como o combate às habitações coletivas e insalubres. Expressão do atraso da FCP
está inscrito no depoimento de seu presidente, ao jornal "A Noite", quando acaba por
legitimar a presença de favelas em morros da cidade, desobrigando o ente público de infra-
estruturas como água, esgoto e escolas:
É (Copacabana) uma cidade dentro do Rio com seus 200 mil
habitantes, hotéis, casas de moda, cinemas, comércio, escolas; tem
vida independente. Logo precisa ter seu ‘background’ modesto. Ali se
precisa constantemente de pedreiros, mecânicos, motoristas,
lavadeiras, criadas, operários em geral. Onde que esta gente deve
morar? Em Cascadura?Na Penha? -Claro que tem que morar por ali
mesmo.
Por isso, entre andar duas ou três horas pela manhã e outras
tantas a noite, para ir de Bangu à Avenida Atlântica e vice-versa,
pode simplificar as coisas, arrumando seus trastes no primeiro
125
terreno que encontra sem dono visível, na aba da montanha (A Noite,
25/02/1948).
Contrários às idéias dos técnicos da FCP
134
estavam os arquitetos Affonso Eduardo
Reidy, Henrique Mindlin e a engenheira Carmem Portinho que, em 1952, tornam-se novos
conselheiros de uma Fundação renovada.
Para os modernistas como Reidy, a habitação do homem moderno, voltado para o
mundo industrial, dispensaria o uso de quintais e portões das casas para utilizar
principalmente o clube de vizinhança. Para atender a esta perspectiva, a arquitetura
moderna deveria estar voltada para a construção de grandes unidades de habitação,
providas de infraestrutura e cuja modalidade de ocupação deveria ser baseado no aluguel
subsidiado, libertando o minguado salário do trabalhador do custo de manutenção do prédio
como lavanderia, piscina, pintura, etc.
Aproveitando-se das oportunidades de transporte, tanto por via rodoviária como
pela ferroviária, a Fundação da Casa Popular (FCP)
135
resolve edificar, em setembro de
1953, o Conjunto Residencial Presidente Getúlio Vargas, ou conjunto de Deodoro,
136
com
1.314 apartamentos distribuídos em 26 blocos de apartamentos sobre pilotis, além de
escola, centro de saúde, mercado, quadras esportivas, piscina e administração do conjunto.
Para tal projeto, foi convidado o arquiteto Flávio Marinho Rego, servidor do Departamento
de Arquitetura da Prefeitura que, atendendo aos princípios preconizados pelo CIAM, inclui
no projeto equipamentos comunitários e grandes áreas verdes. Portanto, para o Conselho da
Fundação, o projeto de Marinho Rego pecava pelo seu alto custo de construção e de
manutenção pois, diferentemente dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), onde a
134
De uma forma geral, os conjuntos edificados pela Fundação se pautavam pela falta de aparelhos coletivos
e pela construção de reduzido número de habitações.
135
A Fundação da Casa Popular (FCP) foi criada em 1946 pelo presidente Dutra com a missão de
produzir casas baratas para trabalhadores de baixo rendimento. A criação de um órgão público
específico para a construção da casa popular era movida por um forte medo da pregação de
comunistas nos bairros proletários e pela carestia dos aluguéis. Apesar do alarde do governo a
produção de moradias, se comparada com as dos IAPs, foram pífias (Bonduki, 2004, p. 116).
136
O projeto do Conjunto de Deodoro, construído pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
tem influência do Conjunto Residencial de Pedregulho, de autoria de Reidy. Sua base conceitual
segue os princípios do CIAM, que era a de promover convivência social no pavimento
intermediário dos prédios, dentre outros investimentos como escolas, postos de saúde, etc. O
Conjunto de Deodoro, tal como o de Pedregulho, foi construído sobre pilotis e obedece a
topografia do terreno sem no entanto, no caso de Deodoro, contar com os espaços coletivos
preconizados na arquitetura moderna inspirada em Le Corbusier.
126
gestão e a manutenção, quando alugados, eram de responsabilidade dos Institutos, o custo
de manutenção do conjunto ficaria a cargo da Fundação.
Outro projeto próximo a Marechal foi a construção do bairro de Guadalupe (1947-
1958), realizada concomitante ao de Deodoro. Guadalupe foi fruto do projeto habitacional
da Legião Brasileira de Assistência (LBA) para os ex-combatentes que, diante do
isolamento do projeto e da péssima qualidade de sua construção, fracassou. Diante do
repúdio dos ex-combatentes, a LBA vende todo o empreendimento, em 11/05/1947, para a
FCP para que nela fosse instalado o seu projeto pioneiro.
O bairro de Guadalupe por muitos anos ficou conhecido como Conjunto da
Fundação da Casa Popular, ou simplesmente “Fundação”, e era tido, em 1948, como parte
integrante do bairro de Marechal (AGCRJ, Coleção Lux: 28). A mudança do nome da
localidade foi iniciativa dos moradores que pediram aos padres da paróquia de Nossa
Senhora das Graças, em Marechal Hermes, que instalassem na “Fundação” uma igreja para
evitar o deslocamento de seus moradores até Marechal. Assim, em 12 de dezembro de
1948, é celebrada a primeira missa, consagrada a Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira
dos latino-americanos (Ribeiro, 2002, p. 141).
Por outro lado, os moradores ainda se sentiam bastante
constrangidos com o fato de não terem como se referir ao local
apropriadamente, pois embora fosse tido ainda como parte do bairro
de Marechal Hermes, para aquelas pessoas “ali não era mais
Marechal e muito menos Deodoro!” e dizer que moravam na
“Fundação” parecia lhes designar uma condição social pejorativa
(Ribeiro, 2002, p. 141 e 142).
Sendo assim, em 29/04/1955, por intermédio do vereador Pedro Alves de Faria, é
publicado decreto, pela Câmara Municipal, reconhecendo Guadalupe como mais um bairro
da cidade. Tida como experimental, a intervenção no bairro de Guadalupe constituiu-se
como a mais importante iniciativa da Fundação da Casa Popular por atender a aspectos da
moradia moderna. Sua consolidação é marcada pela inauguração do Guadalupe Country
Clube (1963) e pelas instalações de fábricas do ramo químico-farmacêutico ao longo da
avenida Brasil.
Sendo assim, o bairro de Marechal Hermes, com seus conjuntos habitacionais
construídos pelo IPASE, não são exceções às iniciativas habitacionais para esta região, mas
sim um projeto que se inseriu entre muitos outros e que pouco a pouco foi delineando um
127
perfil industrial e habitacional que caracteriza até hoje a região. Estes conjuntos, envolvidos
ou não com os princípios modernos de construção do CIAM, faziam parte de investimentos
para uma nova escala de acumulação, onde a habitação subsidiada, ou social, era um
importante instrumento para a reprodução da força de trabalho e de cooptação eleitoral.
128
6.2. A HABITAÇÃO SOCIAL NO BAIRRO DE MARECHAL HERMES ENTRE OS
ANOS DE 1931 E 1941
Durante a Era Vargas, a questão social proporcionou dois novos diagnósticos sobre
a sociedade: o primeiro partia do princípio de que a pobreza não era inerente à natureza do
brasileiro e se constituía em um empecilho ao desenvolvimento do país; o segundo era de
que o liberalismo, tão arraigado na Primeira República, passou a ser visto como contrário
ao projeto nacional. O desdobramento desses dois pontos de vista irá guiar a atividade do
governo para uma modalidade de produção fordista,
137
tal e qual se desenvolvia nos EUA e
na Europa, pois se acreditava que este modelo de desenvolvimento daria melhores
condições de vida à classe trabalhadora e com isso evitaria a ruptura entre as classes sociais
(Ribeiro e Cardoso, 1996, p. 60).
Assim, a primeira das questões sociais a ser atacada no governo de Getúlio Vargas
era intervir na previdência e na assistência social para posteriormente cuidar da
alimentação, habitação e da educação. Desta forma, são criados o Serviço de Alimentação
da Previdência Social (SAPS), a Liga Nacional Contra o Mocambo, planos de
financiamento da moradia operária, dentre outros (Ribeiro e Cardoso, 1996, p. 61). Porém,
o cerne da atenção do governo é a produção da moradia popular. Assim, Getúlio Vargas
trata de reformar as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) e juntamente a elas o
Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União (IPFPU), que recebe pelo
Decreto 19.735, de 28 de fevereiro de 1931, a Vila Proletária Marechal Hermes. Esta
vila, antes de estar sob responsabilidade da prefeitura, em 1922, esteve sob tutela do
Ministério da Fazenda e do Ministério da Agricultura. Porém, em 1927, tal transferência
ainda não tinha sido materializada devido à divergência entre os avaliadores da prefeitura e
da União.
138
137
O fordismo não só se caracterizou como uma etapa da exploração capitalista, mas também pela
racionalização do trabalho visando uma maior produtividade.
138
As dificuldades de transferência da Vila Proletária Marechal Hermes da União para a
prefeitura fizeram com que Geremário Dantas, encarregado pelo patrimônio da prefeitura, através
do prefeito Prado Júnior, comunicasse ao presidente Washington Luís as dificuldades para tal
transferência (AGCRJ).
129
Foi em tal situação e em taes circunstancias que a Vila
Marechal Hermes foi transferida à prefeitura. Esta tem a posse,
mas estou informando de que não tem o domínio pela
difficuldade de estabelecer o preço da transação (Próprios
Municipais, Vila Marechal Hermes-1927, AGCRJ).
De qualquer forma, a prefeitura se apossa da Vila com 170 habitações prontas para
morar, sendo que 42 efetivamente ocupadas _ principalmente nas duas primeiras ruas
próximas a estação do trem _ 100 casas quase concluídas e 160 casas em início de
construção (Castro, 2005, p. 20). Diante deste quadro, Getúlio Vargas, refletindo as
discussões urbanas que vinham-se desenvolvendo desde a década de 1920, promulga o
Decreto nº 19.735, onde resolve o seguinte:
Art. Fica autorizado o ministério de estado e negócios da Fazenda
a entrar em entendimento com o do trabalho, Indústria e Comércio, a
fim de ser transferido, mediante escritura pública, ao Instituto de
Previdência dos Funcionários Públicos da União, o pleno domínio da
área de terreno disponível onde está localizada a Vila Marechal
Hermes, no Distrito Federal, com todas as casas por concluir e a
parte do terreno já lotada para receber construção (Senado Federal de
28/02/1931).
Assim, a parte da Vila que ficou baldia após a falência da iniciativa habitacional de
Hermes da Fonseca foi reocupada, a partir de 1931, pelo Instituto de Previdência, que se
constituiu em um instrumento de Getúlio Vargas para dar conta da questão habitacional que
se arrastava desde a Primeira República. Pretendendo estabelecer uma aliança entre os
trabalhadores e aliviar a crise da habitação, edifica-se, por intermédio do Instituto,
139
um
novo tipo de moradia popular destinada a servidores públicos de baixos rendimentos no
bairro de Marechal, sendo que sua ocupação de maior peso se deu em meados da década de
1940, quando o IPASE assume definitivamente o empreendimento.
Como se sabe, a Vila Marechal Hermes, ideada ao tempo do governo
de Hermes da Fonseca, não fora concluída, tendo ficado sua maior
parte incompleta. Com o correr dos anos ficou ela em ruína.
Tendo o Ministério do Trabalho adquirido para o Instituto de
Previdência aquele próprio nacional, estudou este um plano de
remodelação daquela localidade mandando atacar imediatamente a
139
A Vila Proletária Marechal Hermes, um dos segmentos do bairro de Marechal Hermes, agora
nomeada Vila Três de Outubro (data em que Getúlio assume o poder), passa a ser ocupado pelo
Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União, criado em 1927, sendo que em 1938
atenderá pelo nome de Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE).
130
construção da primeira série de 10 casas, entregando-as aos dez
primeiros funcionários que para tal fim haviam-se inscrito.
Não cessaram daí por diante as medidas continuadamente
tomadas usando a organização de um plano moderno de urbanização,
abrindo o Instituto concurso para tal, e por fim confeccionando o
plano que está sendo executado à medida que as construções vão
prosseguindo, cada vez mais intensamente.
A Rua Treze de Maio, do primitivo estado de ruínas em que se
achava, logo se transformou em uma das mais belas avenidas
residenciais desta capital, tendo o Instituto ali construído 49 casas
que compõem as II, III e IV séries quase todas vendidas a
servidores do Estado. Concomitantemente com as edificações das
novas casas destinadas a residências próprias dos funcionários,
restaurou o Instituto 42 habitações que estão alugadas a preços
módicos, de preferência aos contribuintes do Instituto, e para o
desenvolvimento do comércio local reconstruiu oito amplos armazéns.
As primeiras 49 casas construídas pelo custo de construção
decorrente de suas amplas acomodações e acabamentos se
tornaram acessíveis a funcionários de ordenados relativamente
elevados. Tal fato determinou as providências tomadas no sentido da
organização e desenvolvimento de um novo plano de construção que
permitisse atender ao lar próprio dos funcionários de modesto
vencimento. Seguindo esta nova diretriz, a direção do Instituto
determinou o início imediato de 300 casas econômicas, tendo sido
concluída a série de 22 casas, achando-se atualmente adiantadas
as obras da série que compreende 46 residências ao alcance aos
pequenos empregados do Estado.
Sempre prosseguindo aos estudos aos meios de baratear a
habitação, acaba o Instituto de construir, a título de experiência, uma
pequena residência com compartimento de estar conversível em
quarto e sala de jantar, justapondo-se às paredes os móveis que
permitem a conservação da peça para três finalidades acima
mencionadas.
As residências de tal tipo serão entregues aos seus
compradores com mobiliário completo.
Com o desenvolvimento da Vila 3 de Outubro, observou o
Instituto que se tornava necessário proporcionar aos seus moradores
diversões noturnas, e indispensável era evitar o êxodo da população
para outros centros de diversão, com grave prejuízo para a vida e o
comércio do lugar, empreendeu-se por isso, a construção de um
coreto que se acha concluído e tem em adiantado estado de
obras de um grande cinema, que será construído atendendo aos mais
modernos preceitos da técnica.
Em ambas as vilas foram instaladas fossas cépticas
denominadas "O.M.S." que foram construídas nesta capital e que
constituem a última palavra em engenharia sanitária: hoje as únicas
131
que são aprovadas e usadas na Alemanha, Holanda, Japão e no Norte
da França (O Globo. 1/5/1934).
Porém, diante das dificuldades encontradas pelos Ministérios da fazenda e do
Trabalho em fazer a transferência para o referido Instituto, um outro decreto é expedido
fazendo os seguintes comentários:
Considerando, entretanto, que é imprescindível aproveitar as
construções iniciadas na citada vila a fim de salvá-las, quando
possível, da ação destruidora do tempo, à qual se acham expostas
mais de 17 anos, desde quando foram paralisadas, cumprindo ter em
vista que o terreno, onde não há construções, também se desvaloriza;
Considerando que, muito embora os favores da legislação
vigente, a indústria das construções populares não se desenvolveu de
modo que pudesse acudir convenientemente às necessidades das
classes menos favorecidas da fortuna, proporcionando-lhes habitação
higiênica e de módico aluguel;
Considerando que o Decreto 19.646, de 30 de janeiro de
1931, pelo qual se modificou a organização do Instituto de
Previdência dos Funcionários Públicos da União, autoriza a
aplicação de uma parte de seus fundos na construção e aquisição de
casas para funcionários públicos federais, sob a garantia do pecúlio
instituído (art. 36).
Considerando que o mesmo Instituto se propõe concluir a
construção das casas que estão em ruinoso de abandono na Vila
Proletária Marechal Hermes, bem como drenar, nivelar e sanear todo
o terreno da mesma vila, mediante a quantia de 726:6009$0, paga, em
prestações durante três anos;
Considerando, finalmente, que, diante do absoluto malogro de
duas concorrências públicas realizadas com largo intervalo, e da
desvalorização do terreno, é aceitável a proposta do referido Instituto,
o qual, no caso de agir em benefício do funcionalismo público da
União e, portanto, de acordo com a própria finalidade (Senado
Federal, decreto nº 20.125, de 17 de junho de 1931).
Diante destas ponderações, o governo autoriza o Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio a transferir ao Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União
140
a
Vila Proletária Marechal Hermes para que cumpra com os compromissos acordados com o
referido ministério. Apesar destes esforços, a iniciativa em Marechal Hermes foi modesta,
140
Há um erro cometido por Farah (1983, p. 45) quando afirma que o Instituto de Previdência dos
Funcionários Públicos da União (IPFPU) Construiu o conjunto Três de Outubro em Marechal. O
responsável por esta edificação é o sucessor do IPFPU, ou seja, o IPASE, que edifica o referido
conjunto em 1945.
132
sendo dilatada por ocasião da intervenção do IPASE quando este absorve, em 1938, o
Instituto de Previdência.
Mapa 3 _ Trecho da Carta Cadastral da Cidade do Rio de Janeiro de março de 1930
Acima está a Carta Cadastral de Marechal Hermes da década de 1930, onde se pode ver a intervenção de Hermes nas
primeiras três ruas paralelas a linha férrea, na avenida 1º de Maio, que liga a estação do trem ao Portugal Pequeno (ao
fundo da Vila), e algumas intervenções pós-30 como o hospital Carlos Chagas (no quadrado) e o Cine Lux (no
retângulo) por conta do IPFPU. Ainda nesta carta pode-se localizar (no círculo) a terceira escola, no entorno da
praça XV de Novembro, demolida para a construção de um dos blocos do Conjunto Residencial 3 de Outubro (Castro,
2005, p. 26).
133
Mapa 4 _ Trecho da Carta Cadastral da Cidade do Rio de Janeiro de 1930 e 1953.
Em amarelo, edificações de 1914 até 1930; em vermelho ocupações de 1953 (Castro, 2005, p. 27). Na
Carta Cadastral de Marechal Hermes, de novembro de 1953, pode-se localizar os conjuntos
habitacionais do bairro como o Conjunto do IPASE, o Conjunto Residencial Centro Comercial e o
Conjunto Residencial 3 de Outubro. As infraestruturas de lazer, saúde e educação estão localizadas no
teatro Armando Gonzaga, no hospital Carlos Chagas, na escola José Acioli e na maternidade
Alexander Fleming.
A retomada da produção da moradia operária na Vila Proletária Marechal Hermes
foi fruto de uma política de Getúlio Vargas que pretendeu atender às exigências de moradia
do trabalhador e, com isso, poder potencializar o desenvolvimento do país. Assim,
pioneiramente, constroem-se as casas em Benfica, para operários da iniciativa privada, e a
Vila 3 de Outubro, em Marechal Hermes, para servidores do Estado. A construção da
habitação subsidiada, ou social, é uma declarada estratégia de promoção política do
governo de Getúlio Vargas, além de ser uma importante contribuição para reprodução da
força de trabalho. Sabedor da capacidade multiplicadora de votos de uma moradia, Getúlio
juntamente com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), vai construir a idéia de
que Vargas é o protetor dos operários.
134
C. IPASE
C. 3
Out.
C 3 Out
C 3 Out
Mat
E. J. Acioli
C. C. Com.
C. C. Com
Teatro
Hospital
O Sr. Getúlio Vargas, agradecendo, declarou que naquele dia de tanta
significação para o operariado era grato ao seu governo que
procedera a inauguração que ali se verificava, sendo particularmente
agradável a S. Ex., quando se anunciava que o operariado da Capital
Federal ia se levantar numa greve, estar ali entre os trabalhadores
inaugurando seu teto e demonstrando assim, que seu governo não faz
vãs promessas. Entre aplausos gerais, o Sr. Getúlio Vargas terminou
a sua oração, declarando inaugurada a primeira série de casas em
Benfica (O Globo, 2/5/1934).
O bairro de Marechal Hermes iria contar, em 11/12/1934, com a inauguração do
Cine Lux em cuja "avant premiere" estavam presentes o interventor do estado Pedro
Ernesto, o Diretor da Central do Brasil e o presidente do Instituto Nacional de Previdência.
Para este evento foi exibido o filme "Viva Vila" da Metro Goldwin Mayer (Correio da
Manhã, 11/12/1934).
Vista do Cine Lux de Marechal Hermes
Foto-17. Vista frontal do Cine Lux (cortesia Marcos Veiga, sem data).
A Vila Proletária Marechal Hermes, agora sob responsabilidade do Instituto de
Previdência dos Servidores Públicos da União, promove um concurso direcionado para
arquitetos no sentido de elaborar um novo plano de ação para o abandonado projeto
habitacional de Hermes da Fonseca. Para o novo projeto da Vila, deveriam constar: um
135
plano geral de urbanização, loteamento para 300 casas econômicas, um mercado, um
campo de esporte, parque de diversões, cooperativa de consumo, delegacia de polícia,
localização de terreno para maternidade, ratificação do arroio Tinguá (ou Tingui) e posto de
gasolina. Assim, o presidente do Instituto de Previdência, Aristides Casado, convoca para o
júri do referido concurso: Atílio Gomes, Saturnino de Brito (engenheiro), Celso Kelly
(presidente dos Artistas Brasileiros) e Affonso Eduardo Reidy (arquiteto). Apresentaram-se
dois grupos de arquitetos cujos projetos acabaram sendo, em 19 de setembro de 1933,
recusados pela comissão.
Nenhum dos concorrentes apresentou projeto digno de nota, sob ponto
de vista de urbanização. Ambos limitaram-se a prolongar e reproduzir
o traçado existente, sem justificar propriamente a razão. Tratando-se
de um bairro residencial de vastas proporções, comportando uma
zona comercial, portanto, uma cidade em miniatura, o traçado
merecia sugestões que tornassem o aspecto da ‘Villa’ menos árido e
menos rígido. À simples inspeção dos dois Ante-projetos, sente-se o
desinteresse e a reprodução automática de um elemento existente,
isto é a parte construída. Não se distinguem as zonas residenciais
da zona comercial, sendo que um dos concorrentes, contrariamente a
todos os princípios de urbanismo, destinou todos os lotes de esquina
para edifícios comerciais, o que vai de encontro às vantagens do
zoneamento.
(...) As retificações do rio Tinguá não foram cuidadas com o
carinho que merece e ambas concorrentes fugiram à técnica das obras
nesse gênero, que aconselho o aproveitamento do próprio leito,
seguindo o talweg. A av. Maracanã dá-nos um magnífico exemplo
mostrando o partido que se pode tirar do leito natural de um rio, não
falando na vantagem econômica.
A zona de recreio foi mal cuidada, um dos concorrentes
localizou o campo de esporte num terreno de forte declividade!
O trabalho apresentado sob o nome de ‘Tijolo de Cutelo’
merece atenção pelo desenvolvimento que deu aos tipos de casas
econômicas.
Lastimamos que esta concorrência não tenha despertado o
interesse de profissionais de maiores habilitações, o que não é de
estranhar dada a exigüidade do prêmio para um concurso de tanta
responsabilidade.
(...) Para finalizar, agradecemos esta honrosa incumbência, e,
felicitamos o Dr. Aristides Casado e os seus dignos auxiliares, pelas
suas realizações, em tão curta administração e fazemos votos de um
melhor sucesso no futuro, para não interromper o ritmo de progresso
das obras da Vila Marechal Hermes.
136
O que mudou do projeto de Palmyro S. Pulcherio para o projeto do IPFPU/IPASE
foi, sob o ponto de vista espacial, a ocupação das praças laterais por casas além da
derrubada da terceira escola primária, semiconstruída, para edificar, nos meados da década
de 1940, o Conjunto Habitacional 3 de Outubro na praça XV de Novembro.
Ainda sobre a construção de habitações para servidor público, registra-se, a partir do
jornal da zona sul carioca, a crítica por se fazer moradia para servidores de "alta renda" no
bairro de Marechal Hermes.
Esta primeira coleção (de casas) é em Marechal Hermes, estando nela
os edifícios da Vila existente.
Perto de cento e sessenta prédios serão prontamente
concluídos. Depois novas construções serão atacadas na extensa área
que o patrimônio público possui no mesmo sítio.
(...) Dir-se-ia que ali, naquele subúrbio longínquo, e quase
inatingível, terão os funcionários públicos direitos a uma residência
(Beira Mar, 8/02/1931).
Acrescenta o jornal que se deveriam construir casas para servidores públicos na
zona sul, pois esta região se encontrava mais perto do centro. Atento a este apelo, o
Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União se propõe a construir no
entorno da lagoa Rodrigo de Freitas casas para servidores de alta renda, desde que não
queiram morar no subúrbio (Jornal Beira Mar, 8/02/1931).
137
Vista aérea dos bairros de Bento Ribeiro e Marechal Hermes.
Foto-18. Nesta imagem aérea, podemos observar a antiga fazenda Boa Esperança loteada e gerando
principalmente os bairros de Marechal Hermes e Bento Ribeiro. A Vila proletária está no retângulo, tendo ao
fundo o Campo dos Afonsos e a serra da Pedra Branca.
Do outro lado da Vila proletária se desenvolveram os loteamentos da Vila Boa
Esperança (1930) e a Vila Maria Teresa, de meados da década de 1940. As vilas foram
fruto de sucessivos parcelamentos do solo que ajudaram a formar os bairros de Marechal
Hermes, Bento Ribeiro e Honório Gurgel.
Desta forma, o bairro de Marechal, entre os anos de 1931 e 1941, reformará os
"casarões" inconclusos no tempo do Hermes da Fonseca e construirá casas para servidores
públicos, além do Cine Lux (1934) e do hospital Carlos Chagas (1936) o que muito
contribuiu para a valorização do bairro, bem como o crescimento do seu entorno.
Após a curta intervenção do IPFPU, cujos resultados pouco modificaram a
morfologia do bairro, surge o IPASE, que com seus grandes conjuntos residenciais, a
maternidade, a escola de nível médio e o teatro alteraram definitivamente a paisagem do
bairro.
138
6.3. O IPASE E A HABITAÇÃO SOCIAL NO BAIRRO DE MARECHAL HERMES
ENTRE OS ANOS DE 1945 E 1956
O ano de 1945 marca não a queda de Getúlio Vargas, como também o desarme
de um processo cujo objetivo era estabelecer uma política de habitação social que vinha se
desenvolvendo desde 1931. No governo de Dutra (1946-1951), que se seguiu ao primeiro
governo de Getúlio, esta política de habitação foi fragilizada quando se passou a prestigiar
os IAPs em detrimento de uma agência de habitação de caráter nacional. A política
habitacional ambicionada por Getúlio Vargas imaginava poder centralizar os recursos
financeiros dos IAPs no Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB). No entanto, a
descontinuidade administrativa proporcionada pelo governo Dutra, no que concerne à
institucionalização de uma agência nacional de habitação e o corporativismo de sindicatos,
levou o projeto de uma agência nacional de habitação ao colapso. Vargas, ao retomar o
governo em 1951, procura dar novo fôlego ao antigo projeto habitacional instalando o
Banco Hipotecário de Habitação na Fundação da Casa Popular. Apesar deste empenho, os
resultados não se materializam, fazendo com que o projeto de habitação social ganhasse
corpo em 1964, quando se funda o Banco Nacional da Habitação (Bonduki, 2004, p. 99 e
100).
Portanto, embora a questão habitacional fosse conhecida como um
problema do Estado, até 1964 interesses contraditórios presentes nos
governos populistas, descontinuidade administrativa e falta de
prioridade impediram a implementação de uma política de habitação
social de maior alcance (Bonduki, 2004: 100).
A questão habitacional no governo Dutra foi concomitante aos trabalhos
desenvolvidos pela Assembléia Nacional Constituinte, que em setembro de 1946 promulga
a nova Constituição do país de caráter liberal-democrático. A novidade da nova carta ficou
por conta da supressão da representação profissional que estava prevista na Constituição de
1934, mantendo, porém, o imposto sindical, e a instituição da Fundação da Casa Popular,
que tinha por meta dotar o governo de um instrumento de construção de moradia subsidiada
para a baixa renda.
No campo ideológico, Dutra reprimiu o Partido Comunista Brasileiro (PCB),
instalando, em terras brasileiras, uma das faces da Guerra Fria. No campo econômico
inclinou-se para o liberalismo, condenando a intervenção estatal inaugurada por Getúlio
139
Vargas. Contudo, em 1947, diante de resultados pífios da economia, Dutra muda a política
liberal, desestimulando as exportações e prestigiando a produção para o mercado interno
(Fausto, 2002, p. 222).
Na sucessão de Dutra, Vargas (1951-1954) é eleito com o compromisso de
continuar a industrialização do país e de ampliar a legislação trabalhista, procurando com
isso, apoio político nos trabalhadores urbanos. Afinado com a corrente nacionalista do
Exército, aposta em um modelo econômico autônomo, o que dava um peso ao Estado que
até então não tivera, assustando ainda mais setores conservadores da sociedade. Esta
determinação fez com que o governo investisse em áreas estratégicas (como o petróleo; a
siderurgia; transportes; comunicações), sem abrir concessões ao capital estrangeiro, pois se
imaginava preservar a soberania nacional. No entanto, a atmosfera nacionalista do Exército
ia-se dissipando, até que, em 1952, a corrente política voltada para os interesses norte-
americanos conquista a presidência do Clube Militar (Fausto, 2002, p. 225).
De uma forma geral, o segundo governo Vargas aprofundou medidas destinadas ao
desenvolvimento industrial, ampliando investimentos públicos no sistema de transporte e
de energia. Para dar consequência a esta política, funda-se, em 1952, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE), capitaneado pelo ministro da Fazenda Horácio
Lafer, que tem a missão de diversificar a indústria brasileira (Fausto, 2002, p. 225).
No campo internacional, a política norte-americana muda para os países do terceiro
mundo quando Truman (1945-1952) cobra destes uma posição mais nítida contra o
comunismo. No plano econômico, abandona-se a linha de apoio estatal para enfatizar os
investimentos privados de empresas americanas no Brasil, cuja consequência mais imediata
foi a redução do crédito para obras de infraestrutura. Tal atitude pode ter prejudicado o
enraizamento de um Estado do Bem-estar que muito timidamente Getúlio tentou criar ao
patrocinar o desenvolvimento da habitação social.
Diante de um ambiente político nacional e internacional desfavorável, Vargas
procura no operariado urbano o apoio político para se sustentar no governo. Não sem
sentido, em de maio de 1951, pede ajuda aos trabalhadores para derrotar os
especuladores e aproxima-se dos comunistas liderados por Luiz Carlos Prestes sem muito
sucesso, pois a greve de 1953, em São Paulo e Rio de Janeiro, lhe causou sérios desgastes.
Para tentar reverter este quadro, nomeia, por poucos meses, para o Ministério do Trabalho,
140
João Goulart, que é substituído, ainda em 1954, com o intuito de acalmar os setores mais
conservadores da sociedade. Após desastroso atentado à vida de seu opositor Carlos
Lacerda, a imprensa e os generais do Exército se envolvem numa campanha em prol da
renúncia de Getúlio, o que leva, em 24 de agosto de 1954, ao seu suicídio (Fausto, 2002, p.
231).
No que diz respeito aos IAPs, surge, em 1938, o IPASE, que absorvendo o antigo
Instituto de Previdência dos Servidores Públicos da União, constitui, em 1941, a sua
carteira predial, o que lhe possibilitou desenvolver os projetos habitacionais em vários
pontos da cidade do Rio de janeiro, e dentre eles no bairro de Marechal Hermes (Farah,
1983, p. 46 e 47). Com condições administrativas e financeiras favoráveis, o Instituto
edifica, no bairro, diferentes grupos de casas e três grandes conjuntos habitacionais: o 3 de
Outubro (1945), o Centro Comercial (1948) e o do IPASE (1954).
Segundo a Divisão Técnica de Engenharia do IPASE, o conjunto 3 de Outubro, de
autoria do arquiteto Carlos H. Porto, supostamente inaugurado em 12/04/1949, foi
localizado no entorno da praça XV, tanto pelo lado esquerdo como pelo lado direito, tendo
uma outra seção nos fundos do teatro Armando Gonzaga, bem próximo à igreja católica,
cuja reforma, patrocinada pelo IPASE, é de meados dos anos 30. A construção do conjunto
3 de Outubro totalizou oito blocos de três pavimentos com apartamento de dois quartos
com varanda, sala, banheiro, cozinha, dependência de empregada e varanda de serviço;
soma-se a este projeto a construção de mais seis blocos de três andares dotados desta vez
com três quartos com varanda, sala, banheiro, cozinha, dependência de empregada e
varanda de serviço totalizando 14 blocos de apartamento com 252 unidades habitacionais.
O conjunto Centro Comercial, de autoria do arquiteto Carlos Frederico, pioneiro na
construção de edifícios modernos no Brasil, consistiu na edificação de três blocos de quatro
pavimentos, contando com lojas nos pavimentos térreos e apartamentos com três quartos,
banheiro, cozinha, área de serviço e banheiro de serviço somando 54 unidades
habitacionais. A construção do Centro Comercial pressupunha a derrubada dos casarões
construídos por Hermes da Fonseca, o que nunca aconteceu, apesar da polêmica ter
chegado até a década de 1970. O conjunto do IPASE, localizado entre o bairro de Marechal
Hermes e de Bento Ribeiro, foi planejado inicialmente para cinco blocos, sendo
posteriormente acrescentados outros cinco, constituindo ao todo dez blocos, contando
141
aproximadamente 360 unidades habitacionais de tipo proletário e tendo cada apartamento:
dois quartos, sala, banheiro, cozinha e área de serviço. As casas edificadas, por sua vez,
variavam de três e dois quartos, sendo que 202 das 589 construídas eram tipificadas como
proletárias.
Para além de casas e apartamentos construídos pelo IPASE, foram urbanizados
600.000 de área com calçamento, rede de águas pluviais, rede de esgoto sanitário,
estação de tratamento de esgoto, canalização de água potável, reservatório elevado de água
para 500.000 litros, construção de dois reservatórios de água subterrâneos com capacidade
total de 1.500.000 litros, serviços de terraplanagem e arborização (Divisão Técnica de
Engenharia do IPASE, sem data).
Mapa-5. Mapa de andamento da obra do IPASE do final dos anos 40.
No mapa da página anterior identifica-se a área hachurada como aquela construída por
Hermes da Fonseca e pela intervenção do IPFPU, quando se inaugura, em 1936, o hospital
142
Pç. Estoril
Matern.
Praça
projetada
em 1911
Carlos Chagas. Na área reservada para construção de um colégio, construiu-se a
maternidade Alexander Fleming (1956) para atender exclusivamente os associados do
IPASE, sendo posteriormente transferida para o Sistema Único de Saúde. Na parte oposta a
praça Estoril, encontra-se uma área onde deveria estar localizada uma outra praça projetada
em 1911. Neste espaço foram construídas casas geminadas com calçadas estreitas
mostrando que a política habitacional, após 30, tinha por objetivo a otimização do espaço e
a redução do custo da unidade habitacional.
141
Em Marechal, ainda destaca-se o Ginásio
José Acioli, projeto de 1948, de autoria dos arquitetos Alberto Lyra de Lemos e Aldary
Henrique Toledo, e o teatro Armando Gonzaga, inaugurado em 19 de abril de 1954, de
autoria do renomado arquiteto modernista Affonso Eduardo Reidy e ainda emoldurado pelo
não menos destacado paisagista Roberto Burle Marx.
Diante de inúmeras intervenções do IPASE em Marechal Hermes, funda-se, em 29
de março de 1944, o Marã Sport Club, sendo sua primeira sede localizada na avenida
marechal Cordeiro de Farias (antiga 1º de Maio), número 341. Em 1958, após longo abaixo
assinado endereçado ao IPASE, onde se pode registrar a presença de funcionários públicos,
militares, dentistas, estudantes, bancários e comerciantes, solicita-se a transferência do
Marã para a rua Carlos Chagas, em terrenos do Instituto de Previdência, para que ali fosse
construída sua nova sede. Este clube durante anos foi referência da sociedade de Marechal
Hermes, enquanto o Sport Club União era de cunho popular.
Do lado oposto aos terrenos do IPASE, desenvolveu-se o loteamento conhecido
como Vila Maria Teresa, que surgiu em meados da década de 1940 pela iniciativa da
Fábrica Nacional de Vagões (FNV), que ao se instalar em Marechal, loteia terreno em
frente à estação do trem para seus trabalhadores.
142
141
Não sem razão, Bonduki (2004, p. 89) e Pecheman (1996, p. 348), ao interpretarem a
construção das cidades, particularmente de casas e conjuntos habitacionais populares, identificam
a precariedade e a total falta de zelo com a moradia do trabalhador e consequentemente com a sua
qualidade de vida.
142
A FNV absorveu a antiga oficina Midlitowm e, anos mais tarde, é transferida para a cidade de
Cruzeiro, no vale do Paraíba.
143
Foto-19. Nesta foto, vemos a Fábrica Nacional de Vagões, o loteamento conhecido como Vila Maria Teresa e,
ao fundo, a Vila Proletária Marechal Hermes.
Causa grande impacto na região a construção da Avenida Brasil que, em 1949,
chega ao bairro de Guadalupe
143
. Esta via, com seus conjuntos habitacionais e grande
número de ofertas de emprego, proporcionado pelas indústrias que se instalaram em suas
margens, vai deslocar o maior movimento comercial de Marechal para a vertente do bairro
que dá para a dita avenida.
143
O bairro de Guadalupe, loteamento patrocinado pela Fundação da Casa Popular (FCP), já foi
considerado parte de Marechal Hermes.
144
De uma forma geral, as intervenções de Hermes da Fonseca e de Getúlio Vargas
expressam modelos que não diferem na temporalidade, mas também nas diferentes
etapas de acumulação de capital que caracterizam distintamente a Primeira República e a
Era Vargas.
Quanto à produção das unidades de habitação em Marechal Hermes edificadas pelo
IPASE, Farah (1983, p. 143) divide as ações do Instituto em três etapas: de 1937 a 1945,
quando foram construídas 283 unidades habitacionais, considerando as edificadas por
Hermes da Fonseca e pelo Instituto de Previdência de Funcionários Públicos da União; de
1946 a 1950, quando foram construídas 328 unidades, basicamente do Conjunto 3 de
Outubro; de 1951 a 1964, quando construíram-se 477 unidades fundamentalmente do
Conjunto do IPASE, que foi inaugurado juntamente com o teatro Armando Gonzaga e o
Ginásio José Acioli, em 1954, por Getúlio Vargas. O pesquisador Mário Roberto Ribeiro
(2002), ao trabalhar os dados da produção habitacional dos IAPs, deixa o seguinte
depoimento:
O C. R. Marechal Hermes, implantado entre os anos de 1931 e 1964,
incorporou no período em questão mais 328 unidades às 283
construídas no período anterior e as demais entre os anos de 1951 e
1964. Suas unidades distribuem-se em 722 apartamentos e 778 casas
dispondo ainda o Conjunto de 34 lojas (Ribeiro, 2002, p. 95).
Destaca-se que a grande maioria do Conjunto Residencial 3 de Outubro, também
conhecido como Conjunto Residencial Marechal Hermes, foram edificados nas décadas de
1940 e 1950 sendo possível que um ou dois blocos residenciais tenha sido edificado até
1964, como afirma o geógrafo supracitado.
Causa curiosidade o número de apartamentos e de casas construídas em Marechal
Hermes, tanto pelo IPASE quanto por Hermes da Fonseca. Conta-se, como dito acima, 722
apartamentos e 778 casas, que, se somados, o número de 1.500 unidades habitacionais,
exato número previsto por Palmyro Serra Pulcherio para a vila que se imaginou em 1911.
145
CONCLUSÃO
No presente estudo, procurou-se as razões da fundação e desenvolvimento do bairro
de Marechal Hermes, ao longo de 42 anos de história - tanto no período da Primeira
República (1889-1930) quanto na chamada Era Vargas (1930-1954) - particularmente
naquilo que concerne à natureza da produção da moradia operária e à sua transformação em
habitação social. Assim, estabeleceu-se como limites para esta tese os primeiros anos da
década de 1910, quando se inaugura a Vila Proletária Marechal Hermes (1914), e o ano de
1956, quando se constrói, nos terrenos da Vila, pelo IPASE, a maternidade Alexandre
Fleming.
A linha de raciocínio que explica a construção das vilas proletárias de Hermes da
Fonseca (1910-1914) reside na visão de mundo do grupo que participou vitoriosamente da
eleição de 1910 e que, com o passar do tempo, demonstrou não se sustentar politicamente
diante da liderança do senador gaúcho Pinheiro Machado. Este movimento político,
impregnado pelo positivismo, objetivava retirar as oligarquias dos estados do norte e
nordeste para em seu lugar colocar políticos de sua confiança; incorporar o operário à
sociedade construindo vilas operárias; disseminar o ensino primário e profissional para
setores populares; desenvolver a ciência, apoiando o Instituto Oswaldo Cruz em suas
incursões no interior do Brasil; e promover as cooperativas de consumo entre os sindicatos
com o objetivo de melhorar as condições de vida ao trabalhador. Para dar conta de parte
deste projeto político, Hermes da Fonseca empenhou-se em construir a Vila Proletária
Orsina da Fonseca, na Gávea, e a Vila Proletária Marechal Hermes, edificada em
Sapopemba (Deodoro).
Diferentemente da Vila proletária Orsina da Fonseca, a Vila Proletária Marechal
Hermes foi planejada para ter infra-estrutura até então nunca antes vista em um bairro na
cidade do Rio de Janeiro, fato que chamou atenção de sindicalistas do início do século XX,
como Mariano Garcia e Antônio Pinto Machado, que acreditavam ser esta o início de uma
"política habitacional" que resolveria o problema da moradia operária. Ao planejar a
construção das Vilas Proletárias Marechal Hermes e Orsina da Fonseca (uma terceira
também teria sido pensada para o bairro de Manguinhos), estabeleceu-se que suas moradias
seriam alugadas pelo poder público. Esta atitude colocou o Estado no papel do
145
empreendedor rentista, quando a tendência, na Primeira República, era a produção privada
da moradia operária para o aluguel e a autoconstrução em loteamentos na periferia.
Ao planejar as vilas operárias, Pulcherio também elaborou um estatuto que deveria
ser obedecido para que o trabalhador pudesse nela morar. Uma destas normas impedia
qualquer tipo de ofício dentro das residências, o que obrigava o trabalhador a retirar seus
recursos unicamente da venda da sua força de trabalho. Outra coerção era fazer o patrão o
fiador do imóvel, o que fazia com que o aluguel fosse descontado na fonte. Desta forma, o
controle da força de trabalho nas vilas de Hermes da Fonseca era mais audacioso do que
aquele perpetrado por Getúlio Vargas, pois começava dentro da casa do trabalhador e se
estendia até a fábrica. Esta modalidade de controle da mão-de-obra se deve ao confronto
direto entre o capital e o trabalho na Primeira República, pois não sendo o Estado
intermediário entre os pólos em questão, restava ao governo criar constrangimentos mais
efetivos, além da força policial, para garantir a paz social. O próprio Hermes em um de seus
discursos, ainda na condição de candidato, lembrava da necessidade de se amparar o
trabalhador sem prejuízo do capital que lhe proporciona o emprego. Sua perspectiva
conciliatória era influenciada pelo movimento reformista-social, que certamente viu na
Europa quando visitou a França e a Alemanha. Em suma, as vilas proletárias de Hermes,
por mais modestas que tenham sido em número, tinham o objetivo de impedir o conflito
entre as classes. Não sem razão, as vilas proletárias eram celebradas pelos sindicatos
"amarelos" e pela imprensa burguesa como elemento de conciliação entre a burguesia e o
proletariado.
Os personagens que estiveram envolvidos na construção das vilas proletárias e nas
cooperativas de consumo, outra importante ação social do governo de Hermes da Fonseca,
foram, além do presidente Hermes, os seguintes: Palmyro Serra Pulcherio, projetista e
responsável pela construção das vilas; Pedro de Toledo, ministro da Agricultura; Sarandy
Raposo, diretor do Escritório de Informações sobre Sindicatos e Cooperativas que,
teoricamente, estava ligado aos pressupostos sociais da Igreja; e Sadock de Sá, Mariano
Garcia e Antônio Pinto Machado, expoentes do sindicalismo "amarelo" e entusiastas das
vilas proletárias e das cooperativas de consumo e tidos como a "esquerda" do governo de
Hermes da Fonseca.
146
O resultado prático pela luta das cooperativas nos sindicatos foi a criação de feiras
livres, em bairros operários, pelo prefeito Bento Ribeiro, que as liberou para combater a
carestia do ano de 1912, fato que acabou por gerar uma acirrada oposição liderada pelo
“Jornal do Commércio”. Assim, torna-se compreensível que Pulcherio, após se afastar da
comissão de construção das vilas proletárias, procurasse abrigo no ministério da
Agricultura poucos dias antes de ser assassinado, em 15 de novembro de 1914.
Contrariamente a esta corrente de pensamento está o sindicalismo anarquista, que não
poupou crítica aos sindicatos “amarelos” acusando-os de divisionistas e de desfocar a luta
do trabalhador contra a exploração capitalista.
Outro aspecto importante na construção da moradia operária, e profundamente
arraigado à tradição militar, foi à ênfase dada à educação nas vilas. Esta preocupação com a
educação se materializou principalmente na Vila Proletária Marechal Hermes, onde as
escolas primárias destacavam-se tanto em número quanto pelo aspecto simbólico, pois se
encontravam no centro geográfico da Vila, fazendo crer que o "novo homem" que se queria
formar tinha na educação um peso preponderante. Outra ação que notabilizou o governo de
Hermes da Fonseca, neste mesmo tema, foi a reforma da educação de Rivadávia Corrêa, de
1911, de forte caráter liberal e que para muitos significou um retrocesso ao que se vinha
fazendo em prol do envolvimento do Estado na educação.
A paralisação das obras na Vila Proletária Marechal Hermes, inclusive as escolas,
ainda no governo do marechal foi decorrente de dois fatores: a crise econômica de 1913 e a
ascensão de Pinheiro Machado, no último ano de governo do marechal, quando um dos
seus seguidores assume a pasta da fazenda, negando, a pretexto do equilíbrio orçamentário,
recursos para a continuidade da obra em Sapopemba.
O descaso com a Vila tornou-se emblemático quando, em 1919, abrigou em uma de
suas escolas primárias um quartel da seção aeronáutica do Exército. Este, foi desalojado
nos últimos anos da década de 1920, quando as escolas foram transferidas para o Distrito
Federal, atual prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, para que finalmente pudesse ser
utilizada como espaço da educação.
Do período em que a Vila Proletária Marechal Hermes esteve abandonada, a partir
de 1914, até a retomada das obras no governo de Getúlio, em 1931, tentou-se transferir os
moradores do morro do Castelo, em vias de arrasamento, para a Vila, o que acabou não
147
acontecendo. Ainda neste período, se discutirá, além da crise da moradia operária, um
plano diretor para a cidade do Rio de Janeiro. Nesta discussão aborda-se, mais uma vez, o
abandono da Vila sem, contudo, sensibilizar os governos de Carlos Sampaio (1920-1922),
Alaor Prata (1922-1926) e Antônio Prado Júnior (1926-1930). De uma forma geral, a perda
de finalidade da Vila Proletária, quer pelo abandono, quer pela ocupação militar de seus
prédios, a medida do compromisso das elites da cidade com a educação e a moradia do
trabalhador.
Assumindo Vargas o poder, em 1930, o governo opta por um desenvolvimento
baseado no viés urbano/industrial, onde o Estado, diferentemente do que ocorreu na
Primeira República, seria partícipe da acumulação capitalista, intervindo na economia e
regulando as questões entre o capital e o trabalho.
Percebendo a grave crise habitacional que se abatia na capital da República, Getúlio
criou rapidamente um ambiente que possibilitasse a construção da moradia do trabalhador
que, daquele momento em diante, deveria ser financiada pelo operário, pelo empresário e
pelo governo. Exemplo da disposição política de Vargas é a transferência da Vila Proletária
Marechal Hermes, do Ministério do Trabalho para o Instituto de Previdência dos
Funcionários Públicos da União (IPFPU), em 1931, quando este se dispõe a concluir os
sobrados do tempo de Hermes, construir um cinema (Cine Lux), um hospital (Carlos
Chagas) e casas que buscavam conciliar economia e funcionalidade, princípios em perfeita
sintonia com o que vinha sendo discutido nos congressos sobre habitação popular, dentre
eles o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM). Neste estudo, portanto,
não ficou claro se a iniciativa de Hermes da Fonseca contagiou as iniciativas de Vargas
quanto à construção de moradia popular. Na verdade, o desejo do IPASE em edificar uma
"vila proletária" diferente daquela construída por Pulcherio, baseada em pressupostos
modernos, na opinião de Reidy, saiu frustrada, pois o concurso público para este fim não
atingiu as exigências da comissão julgadora, que acabou por anulá-lo para não retardar
ainda mais o andamento das obras nos terrenos da vila.
Ainda nos anos 30 e 40, surgem, do lado oposto à Vila Proletária, os loteamentos da
Vila Boa Esperança (1930) e da Vila Maria Teresa (1945), esta última construída para dar
abrigo aos funcionários da Companhia Nacional de Vagões. Para além dessas duas "vilas",
localiza-se entre a Vila Proletária Marechal Hermes e o Campo dos Afonsos, um
148
loteamento, sem nenhuma infra-estrutura, que vinha se desenvolvendo antes mesmo da
fundação da Vila e que ficou por muitos anos conhecido como Portugal Pequeno. Este
loteamento, certamente foi fruto das possibilidades de emprego por ocasião da instalação da
aviação civil no Campo dos Afonsos e das obras de construção da Vila Militar, inaugurada
em 1909, e que fez parte de um amplo projeto de reforma do Exército brasileiro
empreendido pelo marechal Hermes, quando Ministro da Guerra, no governo de Afonso
Pena. Outro acontecimento que vem marcar definitivamente o bairro é o aparecimento da
avenida Brasil (1949), que possibilitou a criação do bairro de Guadalupe, tido por um
período como parte integrante do bairro de Marechal, o que, também, potencializou
comercialmente o lado oposto em que a Vila Proletária foi construída.
A Vila Proletária, sob a administração do IPFPU, limitou-se a construir, comofoi
dito, o Cine Lux (1934), o hospital Carlos Chagas (presumivelmente de 1936) e algumas
casas populares. Quando o IPFPU foi absorvido pelo Instituto de Aposentadoria dos
Servidores do Estado (IPASE), em 1938 - época em que Vargas está determinado a
industrializar o país - a construção da habitação social ganha relevo, tanto pela necessidade
de reprodução da força de trabalho, quanto pela determinação das elites em controlar
politicamente a força de trabalho.
Após a criação do IPASE (1938), o Instituto herda todo o empreendimento
edificado por Hermes e pelo IPFPU, investindo de forma mais contundente na habitação
subsidiada. É com esta iniciativa que se altera profundamente a morfologia do bairro,
edificando, para além de conjuntos habitacionais e casas, escolas, teatro e maternidade para
servidores do estado. Desta forma, Marechal Hermes torna-se mais um dos esforços em
prol da construção da moradia do trabalhador, acompanhando o que vinha sendo feito
nos bairros vizinhos de Realengo, Deodoro e Guadalupe.
Constatou-se, neste trabalho, que os conjuntos habitacionais construídos em
Marechal foram uma expressão do CIAM, ficando o Conjunto Residencial Centro
Comercial, de autoria de Carlos Frederico Ferreira, tido como autor do primeiro conjunto
moderno no Brasil, e o teatro Armando Gonzaga, de Affonso Eduardo Reidy, como a
melhor expressão da construção moderna no bairro.
Outra questão que chamou atenção, no desenvolver desta tese, foi a diferença do
projeto de Marechal para os dos bairros como Realengo, Deodoro e Guadalupe. Sendo
149
plenamente concluído, diferentemente de outras iniciativas habitacionais, o bairro de
Marechal tornou-se, na década de 50 e 60, um verdadeiro “oásis” de cultura e de serviços,
proporcionado pela edificação, como foi comentado, de cinema, teatro, escola, hospital e
maternidade. Estas infra-estruturas até hoje são atípicas para muitos bairros do subúrbio do
Rio de Janeiro, o que tornou Marechal Hermes, no período de Hermes da Fonseca e de
Getúlio Vargas, na mais plena expressão do pensamento do reformismo social no Brasil.
O aspecto teórico utilizado para sustentar a transformação do bairro de Marechal ao
longo de sua história está ancorado nos pensamentos e categorias desenvolvidos por
Ribeiro (1991), visto que a fundação e desenvolvimento do bairro são expressões das
transformações econômicas vividas na transição do liberalismo econômico (dos primeiros
anos da República) para o intervencionismo keynesiano do Estado, empreendido na Era
Vargas. Portanto, para além do trabalho de Ribeiro (1991), foram considerados centrais
para os aspectos teóricos desta tese os trabalhos de Abreu (1987), Bonduki (2004) e Castell
(1983) que discutem como a transformação espacial e a natureza da construção da moradia
operária mudaram em um capitalismo globalizado, constituindo agentes imobiliários como
os IAPs, que em um período de aproximadamente 20 anos, transformaram não a Vila
Proletária Marechal Hermes, mas a paisagem de grande parte do subúrbio carioca.
Assim, a produção da habitação desenvolvida em Marechal e nos bairros vizinhos
era a resposta à crise promovida pela falta de moradia e à crescente influência dos partidos
da esquerda nas áreas populares. Desta forma, o bairro de Marechal Hermes foi o melhor
exemplo de como recursos financeiros e vontade política podem proporcionar um amplo
projeto de habitação social bem sucedido.
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